Educação e liberdade: apontamentos para uma prática pedagógica não coercitiva.

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n°2 / setembro 2012

Educação e liberdade

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 1

ÍNDICE

Editorial Página 2

TEXTO INTRODUTÓRIO

Educação e liberdade: apontamentos para uma prática pedagógica não coercitiva.

Página 3

Filipe Rangel Celeti

ARTIGOS

A abordagem da escola austríaca sobre as formas de competição nos processos de

mercado. Página 10

Felipe Rosa da Silva

As mídias sociais na primavera árabe: Os desdobramentos do uso das redes sociais na

Tunísia. Página 32

Gabriela Bristot Boff

Disparidades regionais e concentração produtiva: possíveis políticas de

desconcentração de renda para solucionar a herança do desenvolvimentismo

intervencionista brasileiro. Página 48

João Victor Guedes

Capitalismo, liberdade e, por fim, democracia? Página 59

Anderson de Souza Oliveira

A Questão Ambiental pela Ótica dos Direitos de Propriedade. Página 71

Adriel Santos Santana e Tarcísio Magalhães Azevedo

Projeto Gráfico: Sophia Costa

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EDITORIAL

É com grande satisfação que os Estudantes Pela Liberdade apresentam a segunda edição

da revista Estudos Pela Liberdade. O grande objetivo desta revista é ser um meio de divulgação

e compartilhamento de conhecimento entre estudantes liberais, e acreditamos que a segunda

edição é um passo adiante na consolidação deste projeto.

A revista Estudos Pela Liberdade tem como princípio divulgar artigos com temas

relacionados à liberdade em uma pluralidade de disciplinas, e tal feito foi especialmente

alcançado nesta revista. Agradecemos aos autores que enviaram os seus artigos à edição e

permitiram que tal feito fosse alcançado; são eles Felipe Rosa da Silva, Gabriela Bristot Boff,

João Victor Guedes Neto, Anderson de Souza Oliveira, Adriel Santos Santana e Tarcísio Magalhães

Azevedo.

Nesta segunda edição, inauguramos uma nova seção, o Texto Introdutório, escrito por um

professor convidado sobre um tema livre. O texto introdutório inaugural foi escrito por Filipe

Rangel Celeti, a quem a edição agradece especialmente por ter aceitado o convite e nos enviado

um excelente texto.

Por fim, esta edição é dedicada a todas as pessoas envolvidas na publicação da primeira

edição da revista Estudos Pela Liberdade. Elas foram essenciais ao darem os primeiros passos em

um novo caminho, armados com nada além da própria visão. Apenas seguimos esta trilha iniciada

por eles. Muito obrigado.

Matheus Assaf

Editor da Revista Estudos Pela Liberdade

Membro do Conselho Executivo do Estudantes Pela Liberdade

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TEXTO INTRODUTÓRIO

EDUCAÇÃO E LIBERDADE: APONTAMENTOS PARA UMA PRÁTICA

PEDAGÓGICA NÃO COERCITIVA

Filipe Rangel Celeti1

Resumo: No debate sobre temas referentes à liberdade, a perspectiva abordada pela tradição

liberal vê a liberdade como liberdade negativa, isto é, como ausência de coação. O modo formal

de olhar para a liberdade pode ser negligente para com a liberdade que é vivenciada no corpo.

Numa perspectiva educacional, olhar apenas para a coação exercida por exigências legais retira

do debate a prática pedagógica. É preciso discutir as contribuições das diferentes tendências

pedagógicas para a construção de uma prática pedagógica livre. Neste sentido, os defensores do

ensino domiciliar (homeschooling) precisam pensar não apenas num ambiente sem coação

estatal, mas também numa prática pedagógica não coercitiva.

Palavras-chave: Educação, liberdade, coerção, homeschooling.

1 Filipe Rangel Celeti é mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie,

com graduação em Filosofia pela mesma instituição. Leciona disciplinas para graduações em Pedagogia na Faculdade

Diadema e na Faculdade Sumaré.

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INTRODUÇÃO

No debate sobre temas referentes à liberdade, a perspectiva abordada pela tradição

liberal é ver a liberdade como liberdade negativa. Neste ponto de vista a liberdade é um

conceito formal, sendo resumido à máxima “liberdade é ausência de coação”. Para uma

discussão política puramente teórica é importante que o termo esteja bem definido, porém há

outros pontos que podem enriquecer o debate acerca da liberdade.

O que a tradição – não apenas liberal, mas filosófica – negou durante muito tempo foi a

presença do corpo. A liberdade pode ser conceituada, mas a condição de estar livre é sentida no

corpo. Uma algema retirada do pulso não é simplesmente a ausência da coação para com a

mobilidade, há uma experimentação física. O metal gelado é retirado da pele, o sangue passa a

circular melhor e há o regozijo da troca da condição de preso para a condição de livre. Todo

regozijo é sentido no corpo, há alteração da frequência cardíaca, no ritmo da respiração e

diversas outras mudanças físicas e hormonais que vão do suor à tremedeira.

Com isto, não intento dizer que a liberdade resume-se às alterações físicas que

proporciona. Contudo, coação para com o indivíduo não pode ser resumida a uma coação apenas

formal, pois ela é também uma coação para com o corpo. É intuito abordar a liberdade num

contexto escolar-educacional levando em conta os processos de amarras físicas que a

escolarização produz e multiplica.

Uma abordagem apenas política e econômica é capaz de discutir temas referentes à

qualidade, à eficiência e ao direito, por exemplo. A perspectiva deste trabalho é discutir a

possibilidade de um ensino não coercitivo. Trata-se não apenas de abordar a coerção exercida

constitucionalmente ao obrigar os pais, pela força da lei, a enviarem seus filhos a uma

instituição de ensino, mas de observar que a realização política prussiana da obrigatoriedade

legal do envio dos infantes, reproduzida posteriormente pelas outras nações que se

consolidavam na modernidade, não é uma obrigatoriedade apenas conceitual. As consequências

físicas para este tipo de decisão constitucional são a retirada do tempo de vida, o confinamento

espacial, o condicionamento físico e motor, bem como todo tipo de conformismo social através

do domínio psicológico. Estas formas de controle e domínio poderiam ser facilmente abolidas

com a abolição do sistema educacional e das condições jurídico-criminais que obrigam os pais a

enviarem seus filhos para a escola.

Entretanto, seria ingenuidade imaginar que apenas a não obrigatoriedade educacional-

escolar construiria um ambiente de plena ausência de coação. Há diversos fatores que impedem

a plena realização da liberdade dentro deste tema. Um primeiro problema é a constatação de

que nem todos os pais possuem condições intelectuais e temporais para realizarem o ensino

domiciliar (homeschooling). É preciso frisar que uma defesa da liberdade é a defesa de que os

pais que desejarem aplicar esta modalidade de ensino devem estar livres para fazê-lo. Sem a

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obrigatoriedade de enviar filhos para uma escola, alguns pais escolheriam ensiná-los em casa,

mas muitos outros pais, desejosos em educar seus filhos e sem tempo ou condições,

continuariam a enviá-los para uma escola. Por este motivo é preciso pensar não apenas num

ambiente sem coação estatal, mas também numa prática pedagógica não coercitiva. É

incompatível uma luta contra o poder coercitivo do Estado e a manutenção de uma prática

coercitiva.

Prática Pedagógica Livre

A primeira necessidade é discutir o modelo pedagógico desejado para a prática da

liberdade, tendo em vista que as escolas não deixarão de existir mesmo com o fim da

obrigatoriedade da escolarização.

Começando com a produção bibliográfica libertária1 há o livro Education: Free and

Compulsory de Murray Rothbard. Neste paper, o fundador do moderno libertarianismo aponta

que o melhor ensino é aquele realizado numa relação um para um (ROTHBARD, 1999). Significa

que vê no antigo modelo de tutoria, no qual o preceptor se dedicava exclusivamente ao

aprendiz, a melhor realização do processo de ensino-aprendizagem. Não é um mero detalhe o

fato de este modelo ter um alto custo. É preciso um preceptor que possua fluência em diversos

saberes. Seu tempo de dedicação é um bem e precisa ser justamente ressarcido, isto é, o valor

pago deve ser um acordo entre ele e a família de seu aprendiz. O custo elevado torna esta

modalidade inviável para todos os bolsos, além de sua inviabilidade devido à falta de

profissionais capacitados.

Na esfera do factível Rothbard (1999) retoma um antigo conceito. Defende um ensino de

conteúdos primários, isto é, ler, escrever e contar. A criança precisa tomar posse da leitura e

escrita para que possa usar tais ferramentas para conhecer a produção intelectual da

humanidade. A matemática é a ferramenta necessária para desenvolver o raciocínio lógico e é o

suporte para se relacionar com os números. Saber contar é saber viver no mundo, saber trocar,

medir, pesar.

É certo que um conteúdo basilar permite uma abertura de horizontes e possibilidades. A

discussão acerca do que ensinar é extensa. Contudo, faz-se mister comentar um pouco sobre um

ponto doravante esquecido ou deixado à margem nas discussões libertárias que priorizam os

aspectos políticos e econômicos, a saber, o como ensinar.

Conteúdos devem ser pensados conjuntamente com o método de ensino. Independente

de ser escolar, domiciliar ou tutorial, o ensino precisa ser dado de modo que não exista coação.

É preciso aliar um ensino eficaz com a liberdade e aqui é preciso pensar em alguns pontos.

1 A terminologia libertária é tratada aqui referente ao libertarianismo (libertarianism), corrente do pensamento que defende liberdades econômicas e individuais. Neste sentido pertence à tradição liberal por defender a livre associação e trocas econômicas sem mediação estatal, também pertencendo a uma tradição anárquica pela defesa da ausência do Estado na definição de bem e de moral.

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Referente ao ensino escolar, contexto no qual há uma estrutura hierárquica, um

colegiado e discentes das mais variadas culturas, a escola tradicional impõe uma excelência e

disciplina que necessita ser seguida. Neste sentido, trata os alunos da mesma forma que a

tradição liberal trata os cidadãos. Todos são formalmente iguais. Esta igualdade formal não leva

em conta a individualidade, a pessoalidade e o fato de indivíduos possuírem estruturas mentais e

psíquicas diferentes dos demais pares. Formalmente, o tratamento igual pode ser uma

característica interessante, mas pedagogicamente é preciso levar em conta o indivíduo, sem

lidar com uma sala de aula como se houvesse homogeneidade.

Se o melhor ensino é o individual, não o coletivo, como educar coletivamente sem que o

ritmo e os conteúdos sejam violentos para as crianças? No pensamento pedagógico há algumas

possibilidades.

Um modelo pedagógico que se preocupou, em parte, com esta problemática foi o

movimento da Escola Nova. Um dos pontos levados em conta por pensadores como John Dewey,

Maria Montessori e, salvo as devidas diferenças, Jean Piaget, é pensar em quem está sendo

ensinado. É preciso compreender o indivíduo que está aprendendo, seus interesses, anseios e

estrutura psicológica. Neste sentido, a escola precisa levar em conta o tempo de aprendizado da

criança, seu interesse em aprender e suas capacidades motoras, psicológicas e intelectuais.

Apesar de não serem totalmente não dirigistas, os escolanovistas pensaram elementos que

permitem uma liberdade de aprendizado e, em certo grau, levam em conta o momento e

interesse da própria criança. Tais princípios colaboram na elaboração de uma pedagogia não

coercitiva em comparação com a pedagogia tradicional.

Muito mais centrada na ideia de não direcionar a criança está a proposta não diretiva de

educação, da qual Carl Rogers é seu principal defensor. Para ele, o professor deve ser um

facilitador do desenvolvimento, mas este ocorre internamente na criança. A educação é

centrada na criança, que deve se autorrealizar como indivíduo. O centro deste modelo

educacional é o self (eu). A criança precisa valorizar e buscar constituir a si mesma. Currículos e

avaliações não possuem espaço, pois “toda intervenção é ameaçadora, inibidora da

aprendizagem” (LUCKESI, 2011, p. 79).

De encontro aos modos de pensar acima, há o pensamento progressista, que foca na

construção de um indivíduo crítico perante a realidade. Este projeto libertador, na concepção

freireana, é marcado por um engajamento político de transformação social. A transformação,

porém, é marcada por uma visão de mundo inerentemente marxista. Neste sentido, visa

influenciar não diretamente o contexto escolar, mas extraescolar, com o intuito de transformar

a sociedade conjuntamente com a escola.

Uma perspectiva mais “libertária”, no sentido mais anarquista e menos libertarista, ataca

a própria estrutura escolar. O ensino deve ter como base a autogestão e a autonomia. Nos

termos do pensamento do educador brasileiro Tragtenberg, esta autogestão e autonomia estão

relacionadas com o coletivo, no caso os alunos. Esta linha do pensamento, que também faz uma

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ponte com a ideia de Rogers, tem muito a acrescentar quando se pensa numa educação não

coercitiva. Obviamente que numa perspectiva individualista a ideia da construção coletiva tende

a encaminhar a prática para determinada heteronomia. Entretanto, o convívio com outros não é

determinante para a construção do indivíduo, visto que este não é apenas fruto de interações

sociais. A vivência, a experiência e as trocas favorecem o desenvolvimento da individualidade e

da pessoalidade dos sujeitos. Por outro lado, numa perspectiva de gestão escolar, escolas

autogeridas e cooperativas de pais para proporcionar ensino aos seus filhos são soluções

inteligentes no sentido de dissolver custos e propiciar métodos pedagógicos alternativos que

estejam de acordo com o ideal de ensino defendido pela associação de pais.

A abertura de possibilidades para pensar uma prática pedagógica livre está feita.

Controles escolares como conteúdos, horários, uniformes, uso do espaço arquitetônico,

hierarquia e métodos são e devem ser criticados. Todos eles afetam diretamente a ideia de que

a criança é dona de si mesma, tratando-a como pertencente aos responsáveis por sua educação,

como os pais, professores, sociedade e Estado. O não cerceamento da prática escolar possibilita

invenções e reinvenções. Este é o papel dos pensadores, professores, educadores e pais que

desejam educar.

Certamente que num ambiente sem intervenções, como a do Ministério da Educação,

haveria uma “concorrência” de modelos escolares. Pais observariam resultados e colocariam

seus filhos em colégios que se adequassem àquilo que buscam para seus filhos. Nesta busca por

uma utilidade do ensino, pais que visam educar, no sentido amplo do termo, devem se ater aos

aspectos não apenas conteudistas, mas também a uma forma de ensino que leve em conta a

criança como um indivíduo único.

Homeschooling e Relação entre Pais e Filhos

Discutimos modelos e práticas pedagógicas escolares. Precisamos discutir um pouco outro

aspecto da educação, aquele que se dá no primeiro ambiente socializador, a família.

Não há ambiente mais contraditório do que a família. A relação pais-filhos é permeada

por problemáticas que envolvem responsabilidades e direitos individuais. O papel e a função dos

pais e seus limites de atuação constituem enorme debate. A criança ainda não está totalmente

constituída e por este motivo há o debate sobre até que ponto os pais devem direcionar seus

filhos.

Um bom resumo sobre a questão foi apresentado por Stephan Kinsella, baseando-se nos

escritos de Hoppe e Rothbard1, ao escrever “quem é o dono do corpo de uma criança?

Inicialmente, os pais o são, como um tipo de tutor temporário.” (2008).

1 C.F.: Hoppe. Uma teoria sobre socialismo e capitalismo. São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2010, e

Rothbard, A ética da liberdade. São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2010.

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Ao que se segue:

os pais têm mais direitos sobre a criança do que quaisquer estranhos, por causa de seu

elo natural com a criança. Entretanto, quando a criança se "apropriar" de seu corpo,

estabelecendo o necessário elo objetivo suficiente para estabelecer a auto-propriedade, a

criança se torna um adulto, por assim dizer, e agora passa a ter uma melhor reivindicação sobre

seu corpo em relação a seus pais. (Idem)

Esta abordagem nos leva a pensar que, enquanto tutores temporários, os pais não devem

interferir na propriedade (autopropriedade) de seus filhos, muito menos suprimir suas liberdades

tornando suas casas aprisionamentos. A criança deve ser livre para poder sair de casa e é este o

argumento de Rothbard para a realização da maioridade, a condição de poder se autossustentar.

Deixando de lado a discussão legal sobre direitos positivos, amplamente discutida por

Rothbard e Hoppe, os pais possuem geralmente um desejo moral em educar seus filhos. É neste

ponto que é preciso pensar a prática educacional em casa como possibilitador da compreensão

da liberdade.

O primeiro ponto é a agressão física. Por mais que ideologicamente pais defendam a

palmada, este recurso não é efetivamente bom. Uma punição física, pela não adequação a uma

regra ou ordem, ensina à criança que a agressão é um recurso válido socialmente para conduzir

terceiros no caminho esperado. Definições de regras claras, construídas com as crianças, são

formas mais eficazes. É preciso levar a criança a refletir sobre suas ações para que perceba a

violação da liberdade e propriedade de terceiros. Uma educação livre não é obviamente um

total deixar fazer. É deixar fazer tudo aquilo que não agrida a liberdade e propriedade de

terceiros.

É preciso ter cuidado para que o convívio doméstico não se torne um aprisionamento.

Este aprisionamento é uma das críticas feitas aos adeptos do homeschooling. Tendo em vista as

práticas pedagógicas centradas na liberdade, os pais precisam estudar e se apropriar das ideias

de não dirigismo. Uma das maiores diferenças entre um ensino em casa e um ensino escolar é a

possibilidade de a criança aprender o que deseja no tempo que deseja. A intencionalidade da

criança é o que a motivará a direcionar seus estudos para aquilo que considera de mais valia e

esteja de acordo com suas aptidões naturais.

A restrição de atividades, horários e conteúdos torna-se uma reprodução do ambiente

escolar tradicional. O aprisionamento corporal pode dar-se em casa, tendo resultados contrários

aos desejados pelos pais.

CONCLUSÃO

Desejando-se pensar sobre educação e liberdade também se precisa desejar uma

educação não coercitiva. Os controles e restrições escolares afetam diretamente o

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desenvolvimento intelectual, psíquico e físico. É preciso não apenas pensar uma escola sem

determinantes políticos e econômicos e seus dirigismos estatais, mas pensar um ensino não

coercitivo.

Retirar o Estado das questões educacionais possibilita novas invenções pedagógicas, da

mesma forma que a retirada da coerção pedagógica leva a novas invenções individuais. A

realização da plenitude do indivíduo autônomo não ocorrerá sem um ambiente propício. Assim, é

preciso que os defensores de liberdades individuais e econômicas pensem sobre suas ações. Pais

e professores desejosos em ensinar a liberdade possuem esta tarefa moral para com suas

crianças.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

KINSELLA, Stephan. Como nos tornamos donos de nós mesmos. São Paulo: Instituto Ludwig Von

Mises Brasil, 18 de Ago de 2008. Disponível em: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=136 .

Acesso em: 30 de Jul de 2012.

LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da educação. 3ª. Ed. São Paulo: Cortez, 2011.

ROTHBARD, Murray Newton. Education: free and compulsory. Auburn: Ludwig von Mises

Institute, 1999. Original em 1972.

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ARTIGOS

A ABORDAGEM DA ESCOLA AUSTRÍACA SOBRE AS FORMAS DE

COMPETIÇÃO NOS PROCESSOS DE MERCADO CAPITALISTA

Felipe Rosa da Silva*

Resumo: O processo de mercado capitalista é composto por inúmeras peculiaridades

intrinsecamente únicas. Uma das características mais intrigantes e debatidas no nosso atual

modo de produção encontra-se nas formas e tipos de competição inerentes a este sistema. A

Escola Neoclássica possui vasta literatura que dispõe sobre o tema, sendo esta corrente de

pensamento a mais usualmente utilizada nos centros de formação superior. Por outro lado, a

Escola Austríaca possui também uma gama enorme que trata do assunto em questão, trazendo

uma abordagem totalmente distinta da convencionalmente utilizada. Os neoclássicos consideram

que o monopólio e suas derivações estão intimamente ligados às falhas de mercado, sendo

assim, torna-se necessária a intervenção estatal como requisito corretivo para a não formação

de monopólios e a manutenção da concorrência perfeita. Para a Escola Austríaca a formação

monopólica está justamente atrelada à intervenção nos mercados, logo – em contraposição ao

que julga a síntese neoclássica – não são as falhas de mercado que propiciam as condições para a

formação dos mesmos, tampouco os mercados possuem condições de alcançarem a concorrência

perfeita. Portanto, as discrepâncias analíticas observadas entre os processos de competição no

modo de produção capitalista, demonstram que os mesmos nem sempre apresentam as

características expostas pela teoria neoclássica, tampouco, garantem que o debate sobre as

características e causas para a formação dos mesmos esteja encerrado. O insight da Escola

Austríaca apresenta-se como uma solução teórica interessante sobre como o monopólio se forma

e como se pode combatê-lo.

Palavras-chave: Microeconomia. Intervencionismo. Livre Mercado. Monopólio. Escola Austríaca.

* Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

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INTRODUÇÃO

Não existe perfeição quando se trata do conhecimento humano. A onisciência é negada aos

humanos. A ciência não garante uma certeza final e absoluta. Ela fornece bases sólidas dentro

dos limites de nossas habilidades mentais, mas a busca pelo conhecimento é um progresso

contínuo e infinito.1

Em nossa sociedade as preocupações econômicas são recorrentes. Desde um pequeno

comerciante que está preocupado com a queda nas vendas a uma dona de casa que percebe o

aumento dos preços no mercado, ou mesmo um grande empresário angustiado com a alta dos

juros que afetam seus níveis de investimento, todos, a qualquer instante e a todo o momento,

por inúmeras vezes, relacionam-se com a economia sem saber ou sequer desejar essa interação.

Atrelado a todo esse movimento econômico, está um componente onipresente em

inúmeras discussões nos mais irrestritos lugares. A atuação governamental, social e/ou

econômica, enraizou-se em nossa sociedade. Ao governo atribuem-se a causa e a solução de

todos os problemas. Estudar o papel deste na vida das pessoas não é um tema novo ou pouco

recorrente em economia; ao contrário, a discussão sobre o tamanho do Estado é latente e

extremamente instigante e, portanto, não está esgotada.

Após essa análise e admitindo a presença do Estado na economia, o motivador do estudo

passa a ser a dimensão do mesmo. É nesse contexto que está o objeto principal dessa pesquisa: o

estudo acerca das formas de competição no modo de produção capitalista. Desta forma, a

análise focal está em estudar as formas e possíveis causas para a formação de monopólios,

abordando as diferenças nos argumentos teóricos inseridos pela teoria neoclássica e pela teoria

austríaca.

O grande diferencial pretendido é primeiramente esclarecer a confusão cometida

incessantemente quando se julga o processo de formação de monopólios como algo atrelado ao

que se denomina como “falhas de mercado”. Busca-se, concomitantemente, demonstrar que tais

falhas (quando existem) são temporárias e que a intervenção do Estado não as atenuam, pelo

contrário, as amplificam.

Logo, se o processo de formação monopólica, não está vinculado a problemas nos

mercados, pode-se encontrar – nesse contexto – uma argumentação em defesa do livre mercado

genuíno2 e da eficiência do processo de produção capitalista. Dessa forma, aborda-se o princípio

de livre mercado e da concorrência baseado na teoria Austríaca de Economia, no intuito de

demonstrar a eficiência superior da livre concorrência genuinamente desestatizada e evidenciar

que, ao contrário do aceito pela maioria dos analíticos do tema proposto, a geração de

1 CONSTANTINO, 2009, p. 25. 2 Para fins explicativos, o termo “genuíno” e suas derivações serão usados aqui no sentido puro da palavra, ou seja, segundo o latim

legitimus = verdadeiro/natural. Ver PRIBERAM, 2011.

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ineficiência e porventura de monopólios, não está atrelada aos movimentos da iniciativa privada

e, sim, ao fato de o governo intervir nesses processos.

Dessa forma, objetiva-se generalizadamente determinar que o processo de mercado

capitalista só é eficiente e eficaz, quando apresenta características genuínas de desestatização

no seu modo de produção, conjuntamente, procura-se comprovar que o livre mercado, quando

realmente desregulamentado, não incorre em monopólios.

Para a consecução do objetivo apresentado, formulou-se uma série de elementos

específicos que auxiliam na elucidação do exposto até o momento, são eles: revisar a teoria

microeconômica convencional1 sob a ótica da Escola Austríaca de Economia, especificamente as

diferenças conceituais sobre os processos de mercado e as formas de competição e analisar, à

luz da mesma corrente de pensamento supracitada, o papel do governo quanto interventor da

economia e das liberdades individuais, como referencial teórico imprescindível para a

compreensão da eficiência do livre mercado.

A justificativa encontrada para a resolução desse paradoxo encontra-se na necessidade

de diferenciarmos o equivoco recorrente e comumente aceito de que os processos de mercado

necessariamente rumam em direção à concentração de mercado. É extremamente importante

essa abordagem, pois ao trazer argumentos que refutam tal ideia, os mesmos necessariamente

implicam em uma alternativa ao intervencionismo econômico.

No meio acadêmico, essa pesquisa é relevante por trazer uma abordagem distinta sobre o

conceito de processo de mercado e formação de monopólios, tornando o estudo fundamental

para uma análise acadêmica mais embasada e criteriosa.

No que tange a sociedade, o estudo é importante por oferecer uma alternativa

argumentativa ao intervencionismo econômico, ajudando a esclarecer o papel inerentemente

privado da maioria dos segmentos da economia (mesmo os considerados como monopólios

naturais), onde a intervenção estatal contribui apenas na formação de monopólios ou cartéis.

Para fins metodológicos e no intuito de demonstrar o objetivo geral proposto, a

metodologia utilizada no transcorrer desse trabalho utiliza como método científico analítico a

abordagem dedutiva. Portanto, todas as análises estão embasadas em referencial axiomático

como base comparativa que auxilie no encontro de uma verdade específica num ponto interior.

Logo, é fundamental ressaltar que a finalidade desse estudo é de cunho teórico. Não por

acaso, usar-se-á como pesquisa toda a abordagem subjetiva da Escola Austríaca de Economia,

utilizando para isso, a pesquisa bibliográfica para pautar teoricamente a análise no que tange ao

alcance dos objetivos propostos, usando-se de métodos qualitativos nas interpretações dos

resultados expostos.

1 Por convencional, entende-se aqui, a teoria microeconômica usualmente utilizada nos manuais de microeconomia de viés

essencialmente neoclássico.

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A composição argumentativa que virá a frente está disposta em três seções, a começar

por esta. A segunda seção compõe a delimitação teórica do trabalho, iniciando com a literatura

usualmente utilizada nos manuais de microeconomia sobre as formas de competição e,

posteriormente, evoluindo para a abordagem microeconômica da Escola Austríaca sobre o

mesmo arcabouço teórico. A última seção apresenta as considerações finais.

MARCO TEÓRICO

A seção a seguir está disposta, primeiramente, por uma revisão sobre os conceitos

microeconômicos convencionais de vertente neoclássica acerca das formas de mercado, tipos de

competição e suas características. Posteriormente, apresentam-se (para fins de comparação e

contra argumentação) a abordagem da Escola Austríaca sobre os mesmos aspectos, com o intuito

de diferenciá-los dentro da teoria econômica.

2.1 Os ambientes de mercado em concorrência perfeita.

Em uma definição introdutória, porém imprescindível para a continuidade do estudo

proposto até aqui, é importante abordarmos quais são os ambientes de mercado que um

empresário depara-se frente às decisões de investir.

Toda firma em concorrência perfeita, defronta-se com duas decisões importantes: a

escolha de quanto ela deverá produzir e a escolha do preço que ela deverá fixar. Se não

existirem restrições para uma firma que maximiza lucros, ela provavelmente fixará um preço

arbitrariamente alto e produzirá uma quantidade arbitrariamente grande de produto. Logo, esse

tipo de ambiente concorrencial não pode ser considerado vantajoso ao consumidor, seja do

ponto de vista social e/ou econômico. Todavia, não se pode afirmar o mesmo do ponto de vista

do empresário já que é facilmente lógico imaginar que todo empregador gostaria que sua firma

atingisse um nível de poder de mercado que lhe permitisse trabalhar com a maior margem de

lucro possível e com a maior quantidade de produtos ofertados que o consumidor deseja

demandar.

2.1.1 As restrições às ações empresariais.

Visto a dificuldade de se imaginar um ambiente concorrencial tão irrestrito, cabe aqui

ressaltar quais são os entraves que as firmas encontram ao definirem as suas ações

concorrenciais.

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Primeiro, elas enfrentam as restrições tecnológicas resumidas pela função de produção. Existem

apenas algumas combinações factíveis de insumos e produtos, e mesmo a firma mais faminta por

lucros tem que respeitar as realidades do mundo material.1

Em um segundo momento, as firmas enfrentam o que se denomina como restrição de

mercado, ou seja, uma firma pode produzir certa quantidade “q” a um preço “p” desde que a

mesma oferte a quantidade que as pessoas desejam comprar. Portanto, pode-se chamar essa

relação, segundo Varian (1994, p. 403), “de Curva de Demanda com a qual a firma se defronta”.

É sempre importante ressaltar que, até o momento, todas as nossas análises estão

baseadas na incapacidade das firmas de influenciar nos preços ofertados por suas concorrentes,

ou seja, elas encontram-se em um ambiente puramente competitivo,2onde os produtos são

homogêneos. Logo, as mesmas preocupam-se somente com as quantidades produzidas

individualmente dado o preço vigente no mercado.

Em suma, nesse ambiente concorrencial, as dificuldades das firmas encontram-se na

escassez dos recursos (premissa econômica elementar), e, principalmente, na concorrência

mútua entre as empresas, elemento fundamental na obtenção de ganhos de eficiência e eficácia

na produção e consumo.

2.2 Concorrência perfeita x monopólio

A teoria microeconômica oferece uma variedade imensa de situações e comportamentos

distintos. Essa gama de flutuações torna o estudo da mesma fascinante e extremamente

complexo, afinal, a análise das relações microeconômicas (por não estar atrelado a agregados)

salienta ainda mais o alto grau de complexidade da ação humana. Ainda de forma bastante

tênue, pode-se dizer que essas relações estão estreitamente associadas ao estudo da praxeologia

e do conhecimento epistemológico da Escola Austríaca de Economia (elementos que serão

estudados à frente com maior rigor).

Contudo, é interessante abordar primeiramente o conceito clássico da literatura

microeconômica acerca do funcionamento dos mercados. Após descrever cada um, poder-se-á

aprofundar o estudo com o intuito de almejar o objetivo geral proposto.

1 VARIAN, 1994, p. 403. 2 Como o objetivo desse trabalho não é ater-se especificamente aos tipos de competição de mercado e sim ao estudo

dos ambientes concorrenciais inerentemente atrelados a essa pesquisa, recomenda-se ao leitor interessado em

aprofundar-se no assunto, a leitura de VARIAN, 1994, p. 404.

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2.2.1 O modelo de concorrência perfeita, suas condições e implicações.

Dentre as formas de concorrência estudadas, provavelmente o modelo de competição

perfeita seja o menos tangível em termos reais de mercados. Isso ocorre devido a inúmeros

fatores inerentemente complexos que estão presentes hoje nos mercados, características essas

que impedem que as premissas do modelo sejam atendidas, tornando-o quase impraticável nos

dias atuais.

Feito esse adendo empírico1, o que se pode dizer então sobre a concorrência perfeita?

Qual a relevância do seu estudo para a ciência econômica? O primeiro argumento que se deve

ressaltar é a diferença de abordagem do economista sobre mercados perfeitos, ou seja,

[...] os estudantes às vezes acham difícil compreender a princípio, porque a visão do economista

é bem diferente do conceito de concorrência usado por seus parentes e amigos no mundo

empresarial. Quando executivos empresariais falam de um mercado altamente competitivo, eles

em geral estão se referindo a um mercado em que cada firma está bastante ciente de sua

rivalidade em relação a alguns outros e em que publicidade, embalagem, modelo e outras armas

competitivas são usadas para atrair negócios. A característica básica da definição de

concorrência perfeita do economista é, em nítido contraste, sua impessoalidade. Nenhuma firma

vê outra como um concorrente na visão do economista, porque há um número muito grande de

fornecedores na indústria.2

Feita essa distinção conceitual, os mercados perfeitamente competitivos são definidos

em quatro premissas específicas. A primeira delas trata especificamente da homogeneidade dos

produtos, ou seja, em concorrência perfeita o produto de um ofertante é, necessariamente,

igual ao dos outros vendedores desse setor; sendo assim, o comprador não os diferencia entre o

vendedor “A” ou “B” desde que o preço seja o mesmo.

A segunda condição segundo Mansfield e Yohe (2006, p. 254) exige “que cada

participante do mercado seja um comprador ou um vendedor, e seja tão pequeno em relação ao

mercado inteiro que não possa afetar o preço do produto”. Essa premissa oferece uma relação

forte, dado que um produtor ou comprador não têm poder de mercado para influenciar nos

preços. A única forma de alteração dos mesmos, nessas condições, é se os produtores se

unissem. Contudo, isso só é possível em um mercado altamente concentrado, sendo que, essa

1 É importante ressaltar que um modelo não se torna inútil por não ser realista, a maioria dos manuais de microeconomia ratifica a

importância do estudo do modelo de concorrência perfeita mesmo que alguns de seus pressupostos não sejam aplicados ao mundo

real. Ver MANSFIELD; YOHE, 2006, p. 254.

2 MANSFIELD; YOHE, 2006, p. 253-254.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 16

cartelização do mercado rompe com o modelo de concorrência perfeita e os determinantes que

estimulam tal situação serão abordados a frente.1

Ainda em relação à segunda premissa, é interessante diferenciar o que é um mercado

muito ou pouco competitivo. É recorrente o pensamento de que um setor só é competitivo

quando nele encontra-se um número grande de empresas, assim como um setor seria pouco

competitivo por conter poucas empresas, esclarecendo:

Os termos muito e pouco referem-se não tanto ao número de firmas que existem num mercado,

mas à interação competitiva entre elas. Existem “muitos” vendedores de um produto quando

nenhuma firma possui um volume tão grande de vendas ou desfruta de uma posição de liderança

do mercado capaz de ameaçar as demais firmas por suas ações e decisões. Cada firma é pequena

o suficiente em comparação com o mercado como um todo, tornando-se quase uma entidade

anônima inserida num ajuntamento de outras firmas similares. Em contrapartida, dizemos que

existem “poucos” vendedores de um produto toda vez que as ações de uma firma influenciarem

as ações e decisões das firmas rivais. O termo “pouco” significa apenas que o número de firmas

existentes é pequeno o suficiente para que cada firma considere de suma importância prestar

atenção nas ações e decisões tomadas pelas firmas rivais.2

A terceira premissa que incide sobre o modelo de competição perfeita, pode ser

considerada como sendo a principal determinante para o que a literatura clássica julga como

“falhas de mercado”. A livre entrada e saída de empresas, bem como a completa e irrestrita

mobilidade dos fatores de produção (mão de obra, matérias primas, capital...) faz essa condição

ser considerada inerentemente utópica.

O que se pressupõe aqui é que as empresas migram de um setor para o outro sem grandes

custos e consequências, bem como os trabalhadores mudam-se entre regiões empregatícias com

facilidade e sem burocracia, e, por último, o acesso a matérias primas não está monopolizado.3

Tais características são dificilmente viáveis, pois essa premissa

[...] não é satisfeita com frequência em um mundo onde é preciso um considerável

retreinamento para permitir que um trabalhador se mova de um emprego para o outro e onde

patentes, grandes exigências de investimentos e economias de escala tornam difícil a entrada de

novas empresas.4

1 Aqui não abordaremos a visão austríaca sobre o surgimento de cartéis no livre mercado puro (genuíno). Porém, esse estudo

pretende identificar que os estímulos para formação de cartéis estão atrelados a ação governamental e, portanto, não se deve

atribuir o surgimento dos mesmos às falhas de mercado. Ver IORIO; 1997, p. 74-87 passim.

2 THOMPSON JR.; FORMBY, 2003, p. 175, grifo do autor.

3Kirzner contrapõe essa teoria, demonstrando que o acesso a matérias primas e recursos – por sua escassez – pode ser

monopolizado no livre mercado puro e que essa composição competitiva é justa e auto coordenativa. Ver KIRZNER, 1986, p. 77.

4 MANSFIELD; YOHE, 2006, p. 254.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 17

Por último, é necessário que os proprietários de recursos, consumidores e firmas, tenham

conhecimento perfeito dos dados econômicos e tecnológicos relevantes. Portanto, os preços são

completamente conhecidos pelos consumidores, os detentores de capital e de mão-de-obra

sabem qual é a melhor forma de uso e de alocação dos seus recursos, assim como qual é a

melhor rentabilidade para os mesmos, e as empresas devem conhecer todos os valores dos

insumos ofertados e identificar todas as tecnologias presentes e relevantes ao seu mercado1.

Ou seja, segundo Mansfield e Yohe (2006, p. 254) “em seu sentido mais puro, a

concorrência perfeita requer que todas essas unidades tomadoras de decisão econômica tenham

um conhecimento preciso do passado, do presente e do futuro”.

2.2.2 O conceito de monopólio e monopólio natural

Pode-se afirmar, sem equívocos, que o principal motivador dessa pesquisa está

inerentemente atrelado ao estudo desse tipo de mercado. Afinal, porque se formam monopólios?

Como eles funcionam? Quem os incentiva? É a busca dessas respostas e de tantas outras que essa

pesquisa se propõe.

Estudar esse tipo de “competição” é essencial para encontrar as respostas à problemática

apresentada até aqui e alcançar os objetivos pretendidos com essa investigação. Logo, é

necessário abordar todas as características desses mercados – afim de – pautar melhor os

argumentos que virão à frente.

As características de um mercado “monopolizado” são claras e facilmente

compreendidas. Em uma definição bem simples, pode-se dizer que o monopólio é, segundo

Varian (1994), o extremo oposto à concorrência perfeita, ou seja, é uma estrutura industrial

onde há apenas uma firma – um monopólio. Mansfield e Yohe (2006, p. 310) nos oferecem uma

definição alternativa interessante e paralela: “um monopólio existe sempre que há uma única

fonte de oferta”.

Contudo, até aqui apenas foi definido o monopólio. É imprescindível também ao presente

estudo entender as condições de formação dos mesmos. Pode-se dizer que quatro fatores

influenciam diretamente no fomento a essa estrutura competitiva. São eles:

O domínio ou pioneirismo tecnológico por parte de uma firma, de um insumo ou de uma

matéria prima, essencial na fabricação de um determinado produto;

Quando uma empresa consegue trabalhar com uma estrutura de custos médios que

alcança um valor mínimo para um determinado nível de produto, sendo esse suficiente para

1 À frente veremos que Hayek desmistifica esse paradigma, demonstrando justamente o contrário, ou seja, que o conhecimento

está disperso na sociedade e que cada individuo que a compõe possui uma pequena parcela do mesmo, tornando essa premissa de

completo e perfeito conhecimento falaciosa. Ver HAYEK; 1990, p. 69-79 passim.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 18

atender a demanda de mercado a um preço lucrativo para a firma, a mesma pode tornar-se

monopolista;

Um terceiro fator é a obtenção, por parte de uma firma, de patentes sobre determinados

insumos, ocasionando uma eminente posição monopolista da firma perante o mercado que a

mesma produz;

E, finalmente, uma empresa pode adquirir uma posição privilegiada (monopolista) frente

a um setor, através de uma concessão governamental do mesmo, desde que esta conceda a

autonomia na formação de preços e/ou retornos do capital investido, ao crivo governamental.1

Cada fator mencionado acima tem um alto grau de importância e auxilia na explicação

dos diferentes casos de monopólio. Contudo, o trabalho se deterá na análise primordial do

segundo caso2.

Por estar localizado neste caso específico de monopólio o principal argumento a favor da

intervenção do Estado nos mercados, a análise de um setor considerado como natural é o

principal objeto da teoria microeconômica que se pretende refutar nessa pesquisa. Considera-se

como um ambiente propício ao monopólio natural quando,

[...] os custos unitários de produção associados à produção em pequena ou média escala são tão

altos a ponto de impedir a entrada de novas firmas no mercado, os consumidores estarão mais

bem servidos se um único produtor for o responsável por toda a produção. Portanto, embora seja

tecnologicamente factível a existência de duas, três ou mais firmas no mercado em

consideração, é ineficiente do ponto de vista econômico ter mais de uma única firma nesse

mercado. As indústrias em que tais situações ocorrem são definidas como monopólios naturais.

Quando as condições de mercado favorecem a existência de um monopólio natural, geralmente o

governo concede a única firma os direitos exclusivos para a exploração de um mercado em

particular ou de uma determinada área geográfica; em contrapartida, o monopolista concorda

em se submeter à regulação do governo para proteger os consumidores contra o uso abusivo do

poder de monopólio. As firmas de serviços públicos são um exemplo típico de empresas de

monopólio natural.3

Fica evidente, dado esse cenário econômico, que a hipótese mais contestável e,

portanto, digna de um estudo maior é a afirmação de que, em tese, quando um setor

caracteriza-se como monopólio natural é mais eficiente para o consumidor que a concorrência

1 Os riscos inerentes desse arranjo monopolístico estão atrelados a “captura” da agência reguladora por parte da empresa que

possui a concessão. Ao leitor interessado nos aspectos perniciosos dessa situação recomenda-se a leitura de ROQUE, 2010.

2 O que não implica que a lei de patentes e o sistema de concessão de setores a iniciativa privada (terceiro e quarto fatores

respectivamente) estejam à mercê da intervenção governamental na formação de monopólios. Ver MANSFIELD; YOHE, 2006, p.

311-312.

3 THOMPSON JR. FORMBY, 1993, p. 191, grifo do autor.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 19

neste seja suprimida. Essa condição eficiente de Pareto1 é obtida através da concessão do

monopólio por parte do governo a uma empresa privada ou quando o próprio governo assume

esses setores econômicos de maiores externalidades2. Mansfield e Yohe (2006, p. 311) endossam

essa ideia afirmando que “o público com frequência insiste que o comportamento de monopólios

naturais seja regulamentado pelo governo”.

Existem ainda diversas abordagens acerca do monopólio (seja ele natural ou não). Em

uma definição complementar final a essa seção, é interessante destacar que a literatura usual

também admite essa forma de competição de mercados como ineficiente, visto que,

[...] uma indústria competitiva opera num ponto onde o preço se iguala ao custo marginal. Uma

indústria monopolizada opera num ponto onde o preço é maior que o custo marginal. Portanto,

em geral, o preço será mais alto e o produto menor se uma firma se comportar como um

monopólio do que se comportar competitivamente. Por essa razão, os consumidores estarão em

pior situação numa indústria organizada como monopólio do que numa indústria organizada

competitivamente.3

2.3 Falhas de mercado ou falhas de governo: a abordagem da Escola Austríaca de Economia.

Na ciência econômica alguns paradigmas enraízam-se como as grandes árvores fazem

junto ao solo. Estabelecidos, são difíceis de serem arrancados em sua origem. As recorrentes

falhas de mercado, tão usualmente usadas como subterfúgios para explicar os mais diversos

movimentos concorrenciais no sistema de produção capitalista, normalmente gozam de enorme

aceitação no chamado mainstream econômico.

Uma das poucas escolas de pensamento econômico que não converge para essa ideia é a

Escola Austríaca de Economia. Advinda do país que a denomina, a teoria austríaca de economia

surge no século XIX com Carl Menger e a teoria da utilidade marginal do valor. Com seus estudos,

Menger preconizou uma das escolas de caráter mais subjetivo da teoria econômica,

influenciando diretamente na continuidade e aprofundamento dos aspectos iniciados com a

chamada revolução marginalista.

Os austríacos consideram os mercados como processos dinâmicos em que as trocas

voluntárias entre um demandante (consumidor) e um ofertante (vendedor) são inerentemente

imprevisíveis, dada à impossibilidade de conhecer os rumos da ação humana. Considerando-se

que os mercados são compostos por indivíduos que trocam suas preferências a todo o instante e

1 Para uma definição detalhada do ótimo de Pareto, recomenda-se a explicação dada por VARIAN, 1994, p. 455.

2 Ao leitor que deseja conhecer o conceito de externalidades com maior rigor, recomenda-se a leitura de RIANI, 2002,

p. 34-38.

3 VARIAN, 1994, p. 451.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 20

de forma desordenada. Como imaginar que ao tirarmos uma foto de um determinado instante,

encontraremos na imagem desse momento estático todas as informações necessárias para saber

o que a precedeu e o que acontecerá em uma suposta continuação da imagem fotografada?

A Escola Austríaca afirma que é (metaforicamente falando) exatamente assim que a

maioria das escolas de pensamento econômico procedem em suas análises. Calculam e tentam

prever, por exemplo, a competitividade de algum setor produtivo, considerando-o como um

processo estático ou na melhor das hipóteses uniformemente variável. Em suma, o que a teoria

austríaca afirma é que tais processos são intrinsecamente imprevisíveis, logo, se os são,

evidentemente não estão em equilíbrio e, portanto, estão sujeitos a distorções e falhas.

É admitindo essas imperfeições que a Escola Austríaca diferencia-se das demais em sua

abordagem acerca das formas de competição (perfeita e monopolista).1 Ao aceitar que os

mercados, na melhor das situações, tendem ao equilíbrio sem nunca alcançá-lo, a teoria

austríaca considera como normal às imperfeições ocorridas nesse dinamismo econômico em que

os consumidores e empresários estão inseridos. Logo, se os critérios para a tomada de decisões

são integralmente compostos pela ausência de certeza, a economia está sujeita a inúmeros e

incalculáveis equívocos por parte dos agentes que a compõem. Esse movimento de tentativa e

erro/acerto é o principal estímulo à atividade empresarial e ao fomento da competição em uma

economia de mercado.

Portanto, aceitar e estudar as imperfeições ou distorções do mercado, rejeitando o

modelo de concorrência perfeita é um grande pressuposto da teoria austríaca, no intuito de

esclarecer o

[...] grave equivoco na afirmativa de que a Escola Austríaca “baseia” seus estudos de mercado

no modelo de concorrência perfeita. Foram os austríacos os primeiros a afirmar que esse modelo

não corresponde ao mundo real, em decorrência do irrealismo de suas hipóteses. De fato, nem a

absoluta homogeneidade dos produtos, nem a informação perfeita por parte dos consumidores

são hipóteses plausíveis, se desejamos explicar o mundo real. Tampouco o é a suposição de que,

existindo um grande número de vendedores, cada um deles não tem capacidade de influir nos

preços, pois isto equivale a afirmar que o preço é formado sem a sua participação, o que é

falso.2

Logo, o alicerce argumentativo que pauta as teses austríacas acerca dos mercados

concorrenciais estão deduzidas da teoria da utilidade marginal do valor do produto.

1 Outras formas de competição como o oligopólio e o duopólio não serão aprofundadas, visto que, a análise teórica e empírica

proposta nesse trabalho não ficará distorcida e incompleta, afinal, para a Escola Austríaca essas duas formas de competição “não

são tipos especiais de monopólio, mas, meramente, variantes para estabelecimento de preços monopolísticos.” (MISES, 1990, p.

426.)

2 IORIO, 1997, p. 82.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 21

Originalmente criada por Carl Menger1(1840-1921) em consonância com William Stanley

Jevons (1835-1882) e Léon Walras (1834-1910), em períodos quase idênticos porém em países

diferentes, essa teoria apresenta a exata relação de interação entre os agentes que

parcimoniosamente tendem ao equilíbrio entre a oferta e a demanda, tornando desnecessária,

segundo os austríacos, a utilização de modelos de concorrência convencionais (monopólio,

oligopólio, concorrência monopolística e concorrência perfeita) utilizados nos manuais de

microeconomia.

Portanto, para a Escola Austríaca o intervencionismo do Estado na produção e/ou

consumo, como suposto agente provedor das necessárias correções às imperfeições, distorções e

falhas apresentadas pela economia de livre mercado é contraproducente ao modo de produção

capitalista. O corolário austríaco entende as “falhas de mercado” primeiramente, como

processos resultantes de distorções extra mercados, ou seja, de natureza institucional e,

posteriormente, verificada realmente alguma falha de mercado, as mesmas tendem a ser

amplificadas (e não eliminadas) com a intervenção governamental.

2.4 Hayek e a inevitabilidade da planificação: o progresso técnico e a formação de

monopólios

Dentre o corpo acadêmico que compõe a Escola Austríaca de Economia, Friedrich August

Von Hayek (1889 – 1992) não está em posição de destaque apenas como referência a esta

corrente de pensamento, e sim, ao que concerne toda a ciência econômica. Laureado com o

Prêmio Nobel de Economia (1974) sua contribuição permeia os mais diferentes campos de

conhecimento: da filosofia, a sociologia, do direito, a economia. Suas obras atravessaram o

século XX alertando para as contradições e inverdades que campeavam as ideias acerca da

necessidade do planejamento central.

No que tange a essa pesquisa, Hayek (1990) procurou desmistificar (analisando

profundamente a questão do conhecimento na composição dos processos de mercado) as ideias

que circulavam no debate econômico atrelando a formação de monopólios ao progresso técnico.

Segundo Hayek (1990), a ausência de completo conhecimento é característica inerente

dos seres humanos. Sendo assim, a sociedade é composta por indivíduos que possuem uma

pequena parcela (que não pode ser mensurada) de conhecimento. Logo, além de ser

desproporcionalmente distribuído entre as pessoas, o mesmo está disperso em nosso meio, e por

ser infinito, designa aos agentes a incumbência de buscá-lo incessantemente.

1 No intuito de não tangenciarmos o tema proposto nessa pesquisa, não abordaremos a fundo a teoria da utilidade marginal do

valor, ao leitor interessado em aprofundar-se no assunto, recomenda-se a leitura de MENGER, 1983, p. 283-316.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 22

Pois bem, se estas características estão presentes em nosso ambiente, pode-se afirmar

que a formação dos mercados é apenas um produto desse meio social – tal qual um espelho –

reflete apenas as movimentações individuais na busca por conhecimento.

Hayek (1990) denominou essas ações como “processos de descoberta” dos meios de

produção capitalista. Portanto, é exatamente a busca por conhecimento e a discrepância no

montante que cada indivíduo possui de informação, que ocasionam as descobertas tecnológicas

do mercado. Cada componente, seja demandante ou ofertante, deve estar alerta ao surgimento

de novas oportunidades a fim de obter ganhos na alocação mais exata de suas ações, seja no

momento de empreender ou de consumir.

Portanto, já se pode observar (dado a diferenças de conhecimento de cada indivíduo) que

é exatamente esse componente que suscita a falta de equilíbrio nos processos de mercado (algo

indesejável pelos neoclássicos, marxistas e keynesianos) e que geram, segundo a visão austríaca,

os avanços tecnológicos presentes na sociedade. Partindo desse pressuposto, encontra-se

exatamente nessa evolução o principal argumento em defesa do intervencionismo, como suposto

fator de proteção a não formação de monopólios tecnológicos.

Hayek expõe o cerne desse pensamento.

Dos vários argumentos empregados para demonstrar a inevitabilidade da planificação, o mais

usado é aquele segundo o qual as transformações tecnológicas foram tornando impossível a

concorrência em campos cada vez mais numerosos, só nos restando escolher entre o controle da

produção por monopólios privados ou o controle pelo governo. Esta ideia provém, sobretudo,

da doutrina marxista da "concentração da indústria", [...]: a causa de natureza tecnológica a que

se atribui o surgimento do monopólio seria a superioridade das grandes firmas em relação às

pequenas, devido à maior eficiência dos modernos métodos de produção em massa. Afirma-se

que os métodos modernos criaram, na maior parte dos setores da economia, condições que

permitem à grande empresa aumentar sua produção a custos unitários decrescentes, fazendo

com que, em todos os países, ela possa oferecer preços mais baixos e expulsar a pequena

empresa do mercado. Esse processo continuaria até que em cada setor só restasse uma ou, no

máximo, um número restrito de empresas gigantes. Tal argumento ressalta apenas um dos

efeitos que às vezes acompanha o progresso tecnológico, menosprezando outros que atuam no

sentido contrário, e não é confirmado por um exame cuidadoso dos fatos.1

As contestações a esse argumento advêm exatamente do mesmo princípio

(exposto acima) a favor do planejamento. Hayek (1990) resgata e aplica o problema

epistemológico de ausência do conhecimento por parte dos agentes (explicados no inicio dessa

seção) e questiona: como garantir que os “planejadores” da defesa econômica contra o

monopólio tecnológico, possuam o conhecimento necessário para dirigir essa tão numerosa e

complexa sociedade? Logo, um controle central eficiente nessas condições de mercado torna-se

1 HAYEK, 1990. p. 64-65 passim, grifo nosso.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 23

inviável, visto a incapacidade do planejador de possuir conhecimento suficiente para gerir um

ambiente onde a divisão do trabalho, cada vez mais intensa, faz da sociedade um arranjo ainda

mais complexo.

Portanto, a suposta solução de conceder a uma empresa o monopólio de um setor ou

mesmo estatizá-lo por completo, suprime a concorrência e consequentemente, exclui o único

mecanismo de informação que os agentes dispõem para melhor alocar os fatores de produção e

consumo, o “sistema de preços”. Hayek explica a sua importância no processo de mercado.

[...] a descentralização tornou-se necessária porque ninguém pode equilibrar de maneira

intencional todos os elementos que influenciam as decisões de tantos indivíduos, a coordenação

não pode, é claro, ser efetuada por "controle consciente", mas apenas por meio de uma

estrutura que proporcione a cada agente as informações de que precisa para um ajuste efetivo

de suas decisões às dos demais. E como nunca se podem conhecer todos os pormenores das

modificações que influem constantemente nas condições da oferta e da procura das diferentes

mercadorias, e nenhum órgão tem a possibilidade de reuni-los e divulgá-los com suficiente

rapidez, torna-se necessário algum sistema de registro que assinale de forma automática todos

os efeitos relevantes das ações individuais – sistema cujas indicações serão ao mesmo tempo o

resultado das decisões individuais e a orientação para estas. É justamente essa a função que o

sistema de preços desempenha no regime de concorrência, e que nenhum outro sistema sequer

promete realizar.1

Logo, segundo o conceito hayekiano, em um livre mercado é a própria concorrência que

assegura aos consumidores que esse hipotético monopólio tecnológico não seja invulnerável.

Mesmo sendo admissível que economias de escala são formadas em vista de inovações

tecnológicas e que essa situação possa induzir a concentração industrial de um determinado

setor, não se pode concluir que isso seja um fator de barreiras à entrada de novos concorrentes.

Em um livre mercado todos os empresários estão expostos a competição e qualquer ação

deliberada, ou não, pode demovê-los de uma suposta condição privilegiada no mercado.2

Sendo assim, a ideia de que é função do governo estimular a concorrência ou

regulamentá-la, em nome de uma melhor oferta de recursos de um setor em prol do “bem estar

social”, é equivocada. Hayek é enfático ao afirmar, o governo não é empresário.1

1 Ibid., p. 68, grifo nosso.

2Hayek reitera as benesses características desse conceito de competição, baseado no estudo feito pela Comissão

Provisória de Economia Nacional norte-americana – ao qual o autor classifica como imparcial frente ao liberalismo. A

pesquisa minuciosa realizada por essa Comissão relata a não ocorrência de desaparecimento da concorrência em

função da maior eficiência dos métodos de produção em larga escala. A mesma instituição, ainda observa que os

principais componentes na formação de monopólios são resultados de conluios promovidos pelas políticas

governamentais e recomenda a abolição das mesmas, como requisito fundamental para o restabelecimento da

concorrência. O relatório completo encontra-se em: Final Report and Recommendations of the Temporary National

Economic Committee. 77» Legislatura, 1' Sessão, Documento n' 35 do Senado, 1941, p. 89. (apud HAYEK, 1990, p. 65-

66)

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2.5 A competição cataláctica de Mises

Ludwig von Mises (1881-1973) foi um dos maiores economistas do século XX. Seu legado

para a ciência, assim como para a Escola Austríaca é imensurável e felizmente perpétuo. Em sua

obra magna, “Ação Humana: um tratado de economia”, ele disseca os sistemas capitalista,

socialista e intervencionista, através do estudo da ação humana ao qual ele denominou como

praxeologia, com uma clareza e limpidez literária superior.

Estritamente no que tange essa pesquisa, Mises, no começo do século, já alertava para as

inúmeras distorções etimológicas e teóricas que se alastravam nos meios acadêmicos e na

sociedade acerca dos monopólios. Essas ideais atravessaram o século e hoje continuam

campeando livremente nos debates econômicos, nas salas de aula e nos manuais tradicionais de

economia.

Mises inicia o debate econômico acerca do monopólio e da suposta necessidade da

intervenção estatal no combate ao mesmo, introduzindo o conceito de competição cataláctica a

qual, segundo ele, advêm da eterna luta (no sentido metafórico) entre os agentes que compõem

a economia de mercado. Ou seja, a competição cataláctica é um estado de ação entre pessoas

que querem superar umas às outras. Sendo assim, a mesma não aniquila aqueles que perdem

espaço para os que vencem, mas os realoca ou direciona a um local mais modesto e condizente

com as suas realizações e capacidades dentro do sistema social.

Com bem explicou Mises,

[...] na economia de mercado, a competição se manifesta no fato de que os vendedores devem

superar uns aos outros pela oferta de bens e serviços melhores e mais baratos, enquanto que os

compradores devem superar uns aos outros pela oferta de preços mais altos.2

Portanto, no campo cataláctico a competição nunca será uniforme. Sempre existirá

escassez de bens, de fatores de produção e de serviços econômicos. Isso inexoravelmente

restringe a disputa tornando-a um exercício de busca por conhecimento infinito por parte dos

empresários no processo dinâmico de mercado.

1 Kirzner complementa essa análise hayekiana, admitindo que um produtor pode alcançar uma posição monopolista de

um determinado insumo, tecnológico ou não, no curto prazo. Porém, isso não lhe garante imunidade competitiva, pois

mesmo que este possua exclusividade na oferta do produto, outros bens substitutos podem surgir competindo

indiretamente com o produto ofertado pelo monopolista. Evidentemente, que esse arranjo não é pernicioso aos

consumidores, visto que, o mercado dessa forma se expande e a gama de produtos e serviços torna-se maior.

Tornando desnecessária qualquer intervenção governamental no livre mercado. Ao leitor interessado em aprofundar-

se nesse aspecto especifico do monopólio, recomenda-se a leitura de KIRZNER, 1986, p. 36-96, passim.

2 MISES, 1990. p. 382.

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Logo, seria falacioso pensar que desse conceito cataláctico de competição emergem as

barreiras à entrada e saída, assim como qualquer outro entrave competitivo. Mises evidenciava

isso, enfatizando que,

[...] a competição cataláctica, um dos traços característicos da economia de mercado, é um

fenômeno social. Não é um direito, garantido pelo Estado e pelas leis, que torne possível a cada

indivíduo escolher, à sua vontade, o lugar na estrutura da divisão do trabalho que mais lhe

agrade. Atribuir a cada um o seu lugar próprio na sociedade é tarefa dos consumidores que ao

comprar ou abster-se de comprar estão determinando a posição social de cada indivíduo. A

soberania do consumidor não diminui quando são concedidos privilégios a indivíduos na

qualidade de produtores. A entrada num determinado setor industrial é virtualmente livre aos

recém-chegados, somente na medida em que os consumidores aprovem a expansão desse setor,

ou na medida em que os recém-chegados superem, por um atendimento melhor aos desejos do

consumidor, os já estabelecidos. Investimento adicional só se justifica na medida em que

satisfaça às mais urgentes necessidades dos consumidores, entre aquelas que ainda não foram

atendidas. Se as instalações existentes são suficientes, seria desperdício investir mais capital na

mesma indústria. A estrutura de preços do mercado induz os novos investidores a outros

setores.1

Mises ainda complementa, explicando que o suposto poder econômico das empresas

estabelecidas a mais tempo em um setor não é um fator que impede a entrada de novas firmas,

assim como não diminui a competição inerentemente latente que o livre mercado proporciona

pela ameaça de concorrentes potenciais. Uma empresa solitária sempre terá a ameaça

concorrencial, seja em seu setor, seja na oferta de produtos substitutos de outras empresas.

Do contrário, as companhias de estradas de ferro dado o seu tamanho e o seu alto

“poder” econômico, inibiriam a entrada e a oferta de novos produtos como, por exemplo, o

avião e o automóvel. No entanto, não foi isso que se verificou. Tais meios de transporte não só

surgiram como suas indústrias prosperaram indefinidamente.

Porém, esses conceitos de limitação competitiva continuam presentes em nossa

sociedade. Mises na época já os observava.

Hoje as pessoas afirmam o mesmo em relação a vários setores dominados por grandes empresas:

ninguém pode concorrer com elas; são muito grandes e muito poderosas. Competição,

entretanto, não significa que qualquer um possa prosperar simplesmente pela imitação do que

outras pessoas fazem. Significa a possibilidade de servir os consumidores através da oferta de

algo melhor e mais barato, sem que haja restrição acarretada pelos privilégios concedidos

àqueles cujos interesses estabelecidos são afetados pela inovação. Um recém-chegado que

quiser desafiar os interesses estabelecidos das firmas existentes precisa sobretudo de massa

cinzenta e de ideias. Se o seu projeto é capaz de satisfazer os mais urgentes entre os desejos

ainda não atendidos dos consumidores, ou de fornecer bens por um preço mais barato do que os

1 Ibid., p. 383.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 26

fornecedores existentes oferecem, será bem sucedido, apesar do tão falado tamanho e poder

das firmas mais antigas.1

Essa característica competitiva da economia de mercado geralmente é pouco

compreendida e consequentemente pouco aceita pelos socialistas, neoclássicos e keynesianos. E

contra isso nada se tem a fazer. Um diagnóstico mal feito necessariamente implica em uma

receita equivocada e, nesses casos, a economia é caprichosamente cruel com aqueles que

tentam burlar suas leis.

2.6 Monopólios e preços monopolísticos: o legado de Mises.

A teoria econômica que discorre sobre o monopólio é vasta e possui inúmeras

interpretações nas mais diversas escolas de pensamento econômico acerca de sua formação,

incentivo e definição.

Um dos insights mais interessantes sobre monopólios é o da Escola Austríaca,

especificamente o introduzido por Mises diversas vezes em suas obras. Os conceitos diferem

evidentemente do setor e de como o analisamos. Como distinção fundamental, é necessário

abordar os diferentes tipos de organização econômica que pode ser considerado como um

monopólio. A primeira definição é a mais perversa social e economicamente falando. Mises a

define como,

[...] um estado de coisas no qual o monopolista, seja ele um indivíduo ou um conjunto de

indivíduos, tem o controle exclusivo de algo que é vital para as condições de sobrevivência do

homem. Este monopolista tem o poder de matar de fome todos àqueles que não obedeçam às

suas ordens. Determina, e os outros não têm alternativa: ou se submetem ou morrem. Em tal

situação de monopólio, não há nem mercado nem competição cataláctica. O monopolista é o

senhor e os outros são escravos inteiramente dependentes das suas boas graças. Não há

necessidade de se estender sobre este tipo de monopólio. Ele não tem nenhuma relação com

uma economia de mercado. Basta dar um exemplo: um estado socialista universal exerceria esse

monopólio absoluto e total; teria o poder de arrasar seus oponentes, fazendo-os morrer de

fome.2

Como bem salientou Mises, por não se tratar de algo factível, o presente trabalho não

discorrerá em demasia sobre essa situação monopólica.

A segunda hipótese de organização monopolística é a que observa um monopólio em

função da diversidade de produtos. Ou seja, na economia de mercado, em quase todas as

situações, encontramos uma não homogeneidade dos produtos. Microeconomicamente falando,

1 MISES, 1990, p. 384. 2 MISES, 1990, p. 386.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 27

em sua grande maioria, não se encontram no mercado substitutos perfeitos entre os produtos

ofertados, logo, a rigor, todo o produtor detém sobre o seu produto uma relação de monopólio,

visto que os produtos de cada indústria são mais ou menos diferentes1.

Porém, mesmo que essa hipótese seja plausível, nesse contexto teríamos monopolistas

por toda a parte e em grande número. Essa condição monopólica não os garante privilégios ou

vantagens no funcionamento do mercado e na formação de preços, visto que a diferenciação dos

produtos viria por neutralizar essa suposta condição monopólica.

O conceito mais relevante sobre monopólios, por ser extremamente viável do ponto de

vista teórico e uma alternativa interessante à teoria microeconômica convencional é o aplicado

por Mises. Segundo ele,

[...] o monopólio, nessa segunda acepção da palavra, torna-se um fator para a determinação dos

preços, somente se a curva da demanda do produto monopolizado tiver uma forma específica. Se

as condições são de tal ordem que o monopolista possa assegurar para si mesmo maiores receitas

líquidas, ao vender uma quantidade menor de seu produto por um preço mais elevado em vez de

vender uma quantidade maior por um preço mais baixo, estamos diante de um preço

monopolístico maior do que o preço que o produto alcançaria no mercado, se não houvesse o

monopólio. Os preços monopolísticos são um importante fenômeno do mercado, enquanto que o

monopólio em si só tem importância se puder resultar na formação de preços monopolísticos.2

Logo, para os adeptos desse conceito misesiano, o princípio gerador de ineficiência social

e econômica não está no fato de uma empresa ofertar sozinho um determinado produto. O

monopólio só onera a economia se a empresa conceber uma curva de demanda que lhe permita

ofertar quantidades menores a preços maiores do que os considerados competitivos, sem atrair

concorrentes ao setor.3

Pois bem, mas o que faz desse monopolista um proibidor da entrada de novas empresas?

A conclusão da Escola Austríaca é veemente. O governo é o principal gerador dos monopólios e

de todos os privilégios concorrenciais que os mesmos concedem as empresas, portanto, não cabe

a ele (governo) combatê-los. Em síntese,

1 Outros economistas austríacos complementam essa definição de monopólio, ao leitor interessado em aprofundá-la, recomenda-se a leitura de ROTHBARD, 1970, p. 590. 2 MISES, op. cit., p. 387, grifo do autor.

3 Os críticos dessa teoria defendida por Mises argumentam sobre qual é a definição correta de “preços competitivos” e “preços

monopolísticos”. Mises admite problemas de cunho teórico subjetivo sobre essas terminologias citadas. Porem, explica que dada à

aceitação dos mesmos é extremamente difícil que se substituam essas terminologias. O que não dá o direito de que sejam feitas

interpretações errôneas, entrelaçando à formação de preços competitivos a ausência de competição. Mises ressalta que todas as

mercadorias competem com as outras mercadorias e, portanto, o monopolista não esta imune a competição cataláctica, ou seja,

quanto mais alto esse fixa o preço, maior será a quantidade de consumidores potencias que comprará outros bens. Ver MISES,

1990, p. 387-389 passim.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 28

[...] só se pode dizer que existem monopólios em decorrência da concessão de privilégios,

diretos ou indiretos: o criador dos monopólios é o Estado e, sendo assim, é absurdo que ele

pratique “políticas antimonopolistas”; na realidade, o que ele deve fazer é, simplesmente,

abolir as leis – ou melhor, as legislações (Thesis) – que estabeleceram os monopólios. O ponto

crucial, então, é que não existem monopólios invulneráveis, a menos que eles sejam protegidos

pelo Estado. As causas comumente apontadas como geradoras de monopólios têm a

característica comum de serem temporárias; o que gera os monopólios não é o capitalismo, nem

a competição, mas o Estado.1

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A humanidade precisa, antes de tudo, se libertar da submissão a slogans absurdos e voltar a confiar na

sensatez da razão.2

A pretensão e o intuito ao denominar esse último capítulo de “considerações

finais” é torná-lo coerente com o cerne dessa pesquisa. O presente trabalho procurou

trazer à tona, primeiramente, a retomada do debate em relação ao papel do Estado

como interventor das relações econômicas promovidas através das ações humanas na

sociedade. Em um segundo momento, a tentativa de diferenciar os conceitos acerca da

formação de monopólios e da avaliação e interpretação sobre as formas de competição

entre a teoria microeconômica convencional e a Escola Austríaca, fez-se necessária para

que os equívocos econômicos envoltos a essas teorias específicas deixassem de ser

observados.

De forma geral a investigação alcançou o objetivo proposto. Ainda que essa

pesquisa não obtenha uma conclusão enfática e irrefutável sobre o tamanho e as funções

do Estado. Ao trazer elementos teóricos que suscitem as discussões e debates

econômicos acerca do tema sugerido, pretende-se que este volte a ser refletido e

repensado nos centros de formação superior.

Se tal reavaliação em algum momento no tempo for alcançada, esse trabalho já

terá colhido os frutos desejados quando foi formulado.

As análises acerca das formas de competição, desde suas definições e

interpretações sobre como se formam os monopólios, passando pelos efeitos econômicos

do mesmo, estão estáticas no debate econômico como se todos os argumentos teóricos

rumassem para um consenso em nossa ciência quando falamos de monopólios,

1 IORIO, 1997, p. 83-84, grifo do autor.

2 MISES (1990 apud CONSTANTINO, 2009, p. 42)

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 29

oligopólios e concorrência perfeita. Esse avanço do ideário positivista dominou corações

e mentes no século passado e segue campeando de forma predominante nos debates

acadêmicos e políticos das últimas décadas. Ainda que se entenda a conveniência

política da teoria do Estado provedor de tudo é lastimável que estas ideias sejam aceitas

quase integralmente nas academias de formação superior.

A falta de questionamento e discriminação sobre temas por vezes controversos é

constante no debate econômico atual. A contextualização teórica que acompanha essa

investigação demonstra que existem alternativas teoricamente plausíveis sobre como se

formam os monopólios e como, de fato, estes podem ser repelidos. Além disso, os

malefícios da excessiva intervenção estatal na economia e nos mercados foram

evidenciados pela argumentação austríaca de que o Estado não está imune de cometer

erros ao intervir na economia, afinal, este é composto de seres humanos falíveis e

propícios ao erro.

Logo, se a onisciência (também) é negada ao Estado, a sua intervenção provoca

maiores descoordenações que a de outros agentes econômicos, pois qualquer ação

governamental possui inexoravelmente maiores externalidades, sendo, portanto,

segundo os preceitos austríacos – indesejável.

Isso evidencia, sem exageros, que o aprofundamento na leitura do que está

exposto na delimitação teórica desse trabalho, deveria ser recomendação básica a

qualquer postulante a formular regras e determinações no âmbito governamental. A

solidez e a clareza da Escola Austríaca na análise racional das formas de competição que

o livre mercado desregulado pode causar leva-nos a romper com paradigmas e axiomas

até então inquestionáveis.

Assim, pode-se afirmar que o objetivo principal desse trabalho foi inserir tais

ideias no debate acadêmico e profissional da ciência econômica, para que essas mesmas

ideias avancem a sociedade. Logo, a intenção aqui foi propositiva e não conclusiva. Não

se procurou uma verdade absoluta e inquebrantável, esse é um axioma básico dos

austríacos, a humildade e o reconhecimento de que somos (seres humanos) falíveis e de

que a onisciência nos é negada. Logo, como bem cita Mises na abertura desse derradeiro

capítulo, somente a razão pode nos trazer explicações e soluções aos intrínsecos e

incessantes problemas envoltos em nossa sociedade. E isso se dá através do debate de

ideias. Afinal é com ideias e, unicamente, com elas que se pode iluminar a escuridão.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 30

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Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 32

AS MÍDIAS SOCIAIS NA PRIMAVERA ÁRABE:

Os desdobramentos do uso das redes sociais na Tunísia

Gabriela Bristot Boff1

Escola Superior de Propaganda e Marketing – ESPM-Sul

Graduação em Relações Internacionais com ênfase em marketing e negócios

Resumo: O presente artigo visa analisar quais foram os principais desdobramentos do uso das redes sociais na Tunísia para a Primavera Árabe. Nos últimos anos a importância

de redes sociais – como Facebook e Twitter – vem crescendo constantemente e é natural

que tenha se transformado num recurso para a população em todas as partes do mundo. Levando isso em conta, o trabalho busca apontar quais os principais benefícios

proporcionados por essas ferramentas, assim como o que seu uso representa para a

população envolvida na Primavera Árabe.

Palavras-chave: Redes Sociais. Primavera Árabe. Facebook. Twitter. Tunísia. Egito.

1 Graduanda do curso de Relações Internacionais. E-mail: [email protected]

Agradecimentos especiais à Marcio Dolzan e Matheus Tietbohl.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 33

INTRODUÇÃO

A tecnologia vem se transformando, ao longo dos últimos anos, numa das maiores armas

da sociedade civil. O movimento popular na Tunísia que causou nada menos do que a queda do

ditador Ben Ali, em 14 de janeiro de 2011, desenvolveu-se e ganhou forças por meio,

principalmente, da presença dos jovens nas redes sociais. Em pouco tempo os movimentos

revolucionários chegaram a outros países árabes e o movimento, como um todo, ficou conhecido

como Primavera Árabe.

Atualmente 25% dos tunisianos estão cadastrados no Facebook (STIVANIN, 2011) e foi a

atitude polêmica tomada pelo jovem tunisiano Mohamed Bouazizi – que ateou fogo ao próprio

corpo – a responsável por desencadear por meio das redes sociais a reação do povo. Uma imagem

que atravessou o mundo causando revolta em diversos países. Esse fato há alguns anos, muito

provavelmente, teria passado em branco e devido à manipulação governamental talvez nunca

chegasse à mídia ou ao conhecimento do resto da população. Atualmente o cenário é outro, e

mesmo nos regimes mais fechados ao seu uso, a internet sempre está presente, em todos os

cantos há pessoas que tentam burlar os limites governamentais para acessar a grande rede

global.

Sendo assim, este artigo pretende abordar os principais desdobramentos da utilização das

redes sociais, como Twitter, Facebook e Youtube, no Despertar Árabe, e de que forma esses se

sucederam. Manuel Castells (1999) define as redes sociais como a lógica de organização social

contemporânea, uma série de nós sociais interconectados e hábeis à expansão. Nesse estudo

serão trabalhadas as redes sociais na internet, onde os seus usuários compartilham informações

e interesses semelhantes (G1, 2008). Esse tema é relevante por causa da crescente utilização

dessas redes no dia a dia das pessoas e da maneira com a qual elas influenciam os

acontecimentos recentes, espalhando informações instantaneamente para o mundo todo.

Para a realização do estudo primeiramente serão analisados os principais trabalhos de

Manuel Castells sobre a sociedade em rede e que mudanças a internet trouxe para a população

mundial. Em seguida o artigo trará uma análise da utilização do Facebook – taxa de crescimento,

idioma, etc. – no mundo árabe, assim como gráficos que quantificam a utilização das redes

sociais e seu impacto nos movimentos da Primavera Árabe. Por fim, um balanço da Primavera

Árabe e as considerações finais.

Estratégia Metodológica

Estudo exploratório com base em revisão bibliográfica, análise de conteúdo virtual – como dados

estatísticos e informações disponíveis na internet e nas redes sociais – considerando,

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 34

principalmente, os estudos de Manuel Castells, sociólogo espanhol que tem como foco de

pesquisa a importância das novas tecnologias de informação nas transformações das estruturas

econômicas e sociais.

O Mundo Árabe e o Facebook

É crescente a relação dos países de origem árabe com as redes sociais, em especial o

Facebook. Desde o seu lançamento em 2009, dos cerca de 30 milhões de árabes que utilizam o

Facebook um terço optou por utilizar o idioma árabe na rede social. A expectativa é de que o

árabe supere o inglês nessa região até o final de 2012 (LINGUAMÓN, 2011).

O Facebook é atualmente a rede social que possui mais usuários, contando com 800

milhões de pessoas – 11% da população mundial – aproximadamente o mesmo número de pessoas

que utilizavam internet em 2004 (PINGDOM, 2011) Todavia, levando em conta a grandeza de tal

ferramenta, muito provavelmente os criadores não só do Facebook, mas também como os de

outras redes sociais relevantes como o Youtube e o Twitter, jamais imaginaram que suas

criações poderiam proporcionar tamanho impacto interferindo na queda de regimes anacrônicos

(PEREIRA, 2011).

O uso da língua árabe no Facebook cresceu 175% em 2010, o dobro da taxa global de

proliferação de usuários da rede social no mundo, chegando a 400% na Argélia. A crescente

popularização dessa rede é um dos fatores que explicam seu papel na organização dos protestos

e revoluções do ano que passou e do ano que segue, dando voz a oposição dos regimes

autocráticos. Dez por cento dos usuários do Facebook – aproximadamente 80 milhões de pessoas

– vivem no Oriente Médio e na África, sendo que dezenove milhões aderiram à rede em 2010.

No Egito, um dos centros de conflito e o país árabe com o maior número de usuários do

Facebook, a metade desses – 3,8 milhões – faz opção pela versão de língua árabe. Na Arábia

Saudita 61% dos usuários optam por essa versão, número bastante relevante se comparada a

países como Marrocos e Emirados Árabes Unidos, onde apenas 17% e 10% dos usuários,

respectivamente, fazem essa opção (LINGUAMÓN, 2011).

Essa crescente adesão a rede revela não só o desejo que as pessoas têm de interagir umas

com as outras, mas também a procura de uma alternativa a outras mídias que por terem sido

historicamente dominadas por elites políticas e se tornado tão parciais, já não são do agrado de

uma população cansada da repressão.

A Revolução Tecnológica, a reestruturação econômica e os movimentos sociais

Manuel Castells, um dos principais pesquisadores da web da atualidade, tem muito a nos

dizer sobre a interferência das redes sociais em nossas vidas. Renomado sociólogo espanhol tem

estudado a maneira com que as novas tecnologias geram impacto nas estruturas sociais. Com

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 35

base em suas teorias é possível analisar mais a fundo como a crescente utilização das redes

sociais impactaram no Despertar Árabe.

Sendo um dos maiores pesquisadores da web, Castells está dando atenção especial ao que

se passa nas redes sociais atualmente, já que o número de usuário, 1,6 bilhão, é extremamente

relevante (DUARTE, 2010). Para Castells (2010) as redes sociais surgiram de forma mais

impactante a partir de 2002 com o Friendster, “a pré-história tem menos de dez anos. Essa é a

velocidade com a qual estamos trabalhando” (CASTELLS, 2010).

Mas as transformações sociais originadas pelas novas tecnologias tomaram forma ainda no

final do último milênio, segundo afirma o autor em seu livro Fim do Milênio (1999). Por volta das

décadas de 1960 e 1970 três processos históricos independentes se encontraram por

coincidência: revolução da tecnologia e da informação, crise do capitalismo e do estatismo (e a

reestruturação de ambos), e por fim, o crescimento dos movimentos sociais e culturais, como

liberalismo, direitos humanos, feminismo e ambientalismo (CASTELLS, 1999). Esses processos

deram origem a uma nova forma de estruturação social, a da sociedade em rede, à uma nova

economia e a nova cultura da virtualidade real.

Outro sociólogo bastante conhecido, o britânico Anthony Giddens, conclui que as

transformações ocorridas na Modernidade são mais profundas do que a maior parte das

mudanças que antecederam esse período. Para ele, apesar da continuidade existente entre os

períodos, as descontinuidades foram decisivas (GIDDENS, 1991). O autor menciona ainda um

cisma radical que separou as vidas atuais das gerações precedentes, e destaca o capitalismo e o

industrialismo como importantes dimensões-chave na emergência do mundo moderno. Nesse

caso a modernidade seria o resultado do processo iniciado no século XVII, caracterizada pela

diminuição das fronteiras, não só geográficas, mas também culturais e mentais. Seguindo essa

linha e de volta à Castells, o surgimento da internet ampliou o espaço e reduziu o tempo, o que

o autor chama de “espaço de fluxos”; o tempo é dissolvido, os acontecimentos são cada vez

mais simultâneos, os lugares não deixam de existir, mas seus significados e lógica estão

presentes na Rede (CASTELLS, 2002).

Segundo Castells (1999), a revolução tecnológica teria dado origem ao informacionalismo,

a nova base material da sociedade. A partir disso, tanto a geração de riqueza, como o exercício

do poder dependeriam da capacidade tecnológica das sociedades e indivíduos. A tecnologia da

informação foi essencial para a formação dinâmica da organização da atividade humana, as

novas redes transformaram a vida social e econômica.

A crise do capitalismo levou a reestruturação do mesmo, seguida por diversas medidas

políticas estabelecidas pelos governos. As principais atividades econômicas foram globalizadas, e

mais uma vez, a tecnologia da informação desempenhou importante papel no surgimento do

atual capitalismo flexível. Com ele chegaram também a comunicação a distância, o

armazenamento/processamento de informações e a descentralização do poder decisório.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 36

Nessa nova economia de base multicultural e interdependência, ao mesmo tempo em que

funções, pessoas e locais valiosos ao longo do globo foram unidos, houve também a desconexão

de territórios desinteressantes para o capitalismo global. Daí surgem a exclusão social, a não-

pertinência econômica, os marginalizados, aos quais Castells (1999) se refere como “o Quarto

Mundo”.

Para o autor, todavia, as mudanças sociais não são apenas resultado das transformações

tecnológicas e econômicas pelas quais o mundo vem passando. Junto com essas transformações

explodiram os movimentos sociais, pessoas querendo mudar suas realidades. Por mais

fracassados que alguns tenham sido por não visarem à vitória política, contribuíram com as

ideias fontes para movimentos como ambientalismo, feminismo, da liberdade sexual, da

igualdade étnica, da defesa dos direitos humanos e principalmente da democracia popular.

Revolução da tecnologia, reestruturação econômica e movimentos sociais. São esses três

fatores que deram origem ao novo mundo em que estamos vivendo. A partir de agora, o estudo

será focado no papel da tecnologia, enquanto transformadora da realidade das estruturas sociais

humanas, em especial, seu papel na Primavera Árabe.

As redes sociais não são uma virtualidade em nossa vida: é nossa realidade que se fez virtual

(CASTELLS, 2011)

Em grande parte de suas obras, como em A Galáxia da Internet (2001), Castells aborda a

relação Sociedade versus Tecnologia, trazendo uma análise sobre a internet em cenários

políticos, econômicos e sociais.

Para ele, a tecnologia é a sociedade em si, sendo que sem a tecnologia e suas

ferramentas não há como compreender a sociedade em que vivemos (CASTELLS, 1999).

Castells (1999) afirma que se trata de uma via de mão dupla: ao mesmo tempo em que as tecnologias alteram o modo de vida dos homens, o modo como os homens as vivenciam, também as moldam. [...] a inovação tecnológica condiciona – e não determina - os modos de viver e pensar da sociedade; da mesma maneira que a sociedade condiciona o desenvolvimento da tecnologia, dependendo das aplicações e usos que faz dela. (PORTO, 2007, p. 3).

No caso da Primavera Árabe, a chegada das redes sociais criou novas relações sociais,

novas formas de organizar a sociedade. Em lugares onde a liberdade é limitada, como nos países

árabes envolvidos no despertar, essa nova forma de organizar a sociedade, essa nova realidade,

trouxe algo diferente. Podemos ver a internet, desse modo, como um condicionador das

revoluções que ocorreram no mundo árabe. Embora tenha tornado possível que as pessoas se

juntassem, a internet não foi um fator determinante. Indo mais a fundo no que Castells diz, é

possível entender que a Internet não é importante meramente pela sua existência e

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 37

disponibilidade, mas sim pelo uso que se faz dela. Ao usar as redes sociais para se organizar, o

povo árabe moldou essa tecnologia e a tornou útil para o fim que queria que ela tivesse, e ao

mesmo tempo a tecnologia acabou por alterar o modo de vida da sociedade em questão.

Castells afirma ainda que nesse mundo de redes sociais as pessoas misturam vida física

com virtual, imergem na rede, tornando sua realidade cada vez mais virtual.

Estamos em um mundo de redes sociais. Hoje as pessoas relacionam sua vida física com sua realidade na rede. Estão integradas. Não é uma virtualidade em nossa vida, é nossa realidade que se fez virtual. Essa é uma mudança fundamental. O que a internet permitiu é a autoconstrução das redes de relação, da organização social e das redes de pensamento. É a primeira vez na história que se produz uma autoconstrução da sociedade nessa escala. (CASTELLS, 2010).

Para Castells (2010) praticamente qualquer jovem que entenda o mínimo sobre utilização

de computadores e tenha uma pequena parcela de capital tem ao seu alcance as redes sociais. A

partir disso pode-se deduzir que um fator aglutinador do uso das redes sociais na Primavera

Árabe foi a facilidade para participar delas, já que não é exigido muito conhecimento e a pessoa

não necessita ter grande capital, facilitando assim a sua utilização durante os movimentos.

A tecnologia mudando as estruturas de poder

A tecnologia da comunicação e informação, principalmente se tratando das redes sociais,

trouxe mudanças para as estruturas sociais, como citado anteriormente. Dolors Reig (apud

ROSSI, 2011), contudo, analisa as mudanças ocorridas no exercício do poder em função da

tecnologia.

Seguindo a linha de pensamento da psicóloga social Dolors Reig (apud ROSSI, 2011) é

possível destacar seis mudanças principais proporcionadas pela tecnologia: (1) Reais

possibilidades de participação, as redes sociais tem em abundância possibilidades de

participação e dão poder ao cidadão; (2) nem todos foram educados na cultura de participação e

por isso muitos ainda consideram ser responsabilidade do Estado tornar a inclusão digital

possível, ou inserir seus cidadãos na sociedade-rede; (3) as redes permitem a organização e a

demonstração de descontentamento; (4) a criação de um novo imaginário coletivo, apolítico,

que é derivado do excedente criativo e cognitivo das pessoas que vem sendo menosprezadas

durante anos; (5) a possibilidade de democracia direta e o desaparecimento dos intermediários –

as redes sociais não servem mais somente para a promoção dos políticos em época de campanha,

mas sim para que esses possam descobrir a vontade do povo e atender suas demandas. Por fim

(6) as redes globalizam a mensagem, promovem a autocomunicação entre as massas, por

usufruírem de um alcance quantitativo considerável e um alcance geográfico que jamais poderia

ter sido imaginado há alguns anos.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 38

A partir da análise dessas mudanças é possível concluir, como disse Castells em meio a

revolução do Egito, que “não somos mais os mesmos desde que estamos nas redes sociais”

(CASTELLS apud ROSSI, 2011). A inteligência coletiva, quando organizada de forma devida, pode

substituir os políticos em seu papel decisório (SEY apud ROSSI, 2011) e isso de fato se manifestou

ao longo da Primavera Árabe. Essas mudanças causadas pela tecnologia da informação e da

comunicação nas estruturas de poder contribuíram para que as manifestações, quando bem

organizadas, obtivessem grandes resultados.

O impacto quantificado do uso das redes sociais na Primavera Árabe

Nessa seção será feita a análise de dados da primeira pesquisa quantificada sobre o

impacto do uso das redes sociais no Despertar Árabe. Opening Closed Regimes: What was the

role of social media during the Arab Spring (HOWARD et al. 2011) é um trabalho de alunos da

Washington University e American University.

Segundo os autores (2011) sua pesquisa possibilitou três descobertas: (1) as mídias sociais

tiveram um papel central moldando os debates políticos na Primavera Árabe. Foram usadas por

pessoas jovens, urbanas, bem educadas e em grande parte mulheres, para conduzir as conversas

políticas. Essas pessoas usaram as redes sociais para pressionar os governos. Na Tunísia, por

exemplo, um vídeo da esposa de Ben Ali usando um jato do governo para fazer compras na

Europa foi altamente divulgado. A partir do uso da tecnologia criou-se uma bandeira de

liberdade, espalhando ideais revolucionários para um grande número de pessoas.

A segunda descoberta foi que (2) as pequenas conversas revolucionárias online

geralmente foram seguidas de eventos maiores em terra. Vinte por cento dos blogs estavam

avaliando o regime de Ben Ali no dia de sua queda (HOWARD et al. 2011) e os governos do Egito

e da Tunísia tentaram constantemente bloquear o acesso as redes sociais para impedir a

organização dos movimentos (HECKE, 2011).

A última descoberta foi que (3) as redes sociais ajudaram a espalhar ideais democráticos

e revolucionários para além das fronteiras internacionais (HOWARD et al. 2011). Os defensores

da democracia no Egito e na Tunísia usaram as redes sociais para se conectar com pessoas de

fora de seus países. Isso ajudou a levar esses ideais para outros países onde vieram a acontecer

protestos mais tarde, como países do norte da África e do Oriente Médio.

Os autores constataram que um dos motivos para a eficiência do uso das redes sociais no

Despertar Árabe é que são os jovens, principalmente, que usam essa tecnologia. A idade média

na Tunísia e no Egito é respectivamente 30 e 24 anos, e, além disso, o uso de aparelhos celulares

é bem difundido nos dois países, 93 celulares para cada 100 habitantes na Tunísia e 67 para cada

100 no Egito. O fato de o governo ter censurado as redes sociais só deu mais incentivo para que

os habitantes procurassem na internet conteúdos de confiança. Sessenta e seis por cento das

pessoas que já acessaram a internet na Tunísia tinham menos de 34 anos, enquanto que no Egito

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 39

esse índice é de 70%, o que explicaria o fato de a maior parte dos manifestantes serem jovens

(HOWARD, et al. 2011).

Outro dado importante da pesquisa aponta que 41% dos usuários de Facebook na Tunísia e

36% dos usuários do Egito são mulheres. Essas também participaram fortemente dos debates

políticos no Twitter e marcaram presença nas ruas. Duas delas ficaram famosas documentando

suas experiências nas redes sociais, Esraa Abdel Fattah, da Academia Democrática do Egito, e

Leil-Zahra Mortada que documentou a participação feminina em um álbum do Facebook.

O uso das ferramentas online, contudo, começou anos antes da Primavera Árabe. Essas

serviam para denunciar os abusos do governo, e o faziam mais do que a mídia em geral. Desde a

divulgação do vídeo da mulher de Ben Ali fazendo compras na Europa, em 2007, o governo sofreu

várias outras denúncias não só no Youtube, mas também no Facebook.

A cidade do Cairo não é só um centro cultural, é um centro de mídia também, com uma

vasta infra-estrutura de comunicação. Isso contribuiu para que se criasse uma esfera de

comunicação online entre os jovens, ao longo dos anos. Partidos políticos e movimentos sociais

vem usando a internet para obter vantagem, a Irmandade Muçulmana1, por exemplo, usou a

internet para distribuir informação, organizar os simpatizantes e conduzir outras atividades em

desafio às autoridades seculares.

O uso para fins de oposição, porém, não foi bem aceito pelos governos até então,

havendo ocorrido muitas prisões, como o caso do blogueiro Abdolkarim Nabil Seliman, que ficou

preso por quatro anos por criticar o presidente Mubarak e as instituições religiosas do Egito em

2005. Todavia, os ativistas continuaram utilizando a internet e procurando saídas para

manifestar suas críticas. A Irmandade Muçulmana do Egito, banida, tem ligações com blogueiros

que mantém servidores fora do Egito e assim não puderam ser tirados do ar pelo governo.

A imolação do jovem tunisiano, Bouazizi, em 17 de dezembro de 2010 repercutiu por

meio do Youtube, fazendo com que muitos tunisianos acompanhassem sua história de perto, até

a sua morte em janeiro de 2011. Nesse momento os protestos já haviam se espalhado pelo país,

fotos do jovem no hospital circulavam pelo mundo. O governo tentou banir algumas redes

sociais, porém, organizações hackers importantes como Anonymous2 e Telecomix3 ajudaram a

derrubar as ações do governo e a criar softwares usados pelos ativistas para se juntarem; a

operação ficou conhecida como Operação Tunísia.

1 Irmandade Muçulmana – ou Irmãos Muçulmanos – é conhecida como fundamentalismo político islâmico. Foi criada em 1928 e

sua principal base doutrinária é a rejeição ao colonialismo e aos valores ocidentais e retorno aos princípios do Islã (LOBO, 2012).

2 Anonymous é uma organização descentralizada de indivíduos que visa promover o acesso a informação, liberdade de expressão e

transparência (ANONANALYTICS, 2012).

3 Telecomix é uma organização sociocibernética de pessoas que visa proteger e desenvolver a internet e defende o fluxo livre de

informação e dados (TELECOMIX, 2012).

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 40

A falta de uma liderança nas revoluções dificultou a prisão de um articulador por parte

do governo tunisiano. Não houve um líder, uma figura revolucionária, uma oposição em

destaque, ou alguma pessoa carismática demais para ser presa. Contudo, a organização dos

cidadãos permitiu que o movimento se espalhasse rapidamente para outros países. Quando Ben

Ali fugiu, vídeos dos tunisianos pedindo ajuda já tinham chegado à Argélia e a outros países do

norte da África, onde se iniciaram novos protestos. Esses, apesar de pequenos, eram inspirados

na experiência tunisiana, e logo os líderes da oposição aprenderam como pegar as elites

desprevenidas.

Em questão de poucos meses o que aconteceu na Tunísia inspirou os maiores protestos de

Cairo nos últimos trinta anos. Como que em um efeito cascata mensagens sobre liberdade e

democracia levantaram as expectativas de sucesso das revoltas políticas. Sobre isso os autores

destacam duas evidências principais: o ritmo de crescimento de tweets sobre mudanças políticas

e a evolução dos tópicos principais dos blogs, que passaram a ser sobre revolução. A análise dos

tweets se mostrou bem importante para os autores, já que é uma verdadeira janela para

conversas alheias, diferente das mensagens de celular que são mais difíceis de serem rastreadas.

Os autores consideram o Twitter como uma ferramenta chave, já que além de ter sido utilizada

para coordenar estratégias, também ajudou a fortalecer as expectativas de que o movimento

teria sucesso e a transmitir notícias de mudanças políticas de país a país na região.

Gráfico 1 – Tweets com a hashtag #sidibouzid Fonte: Howard et al. Opening Closed Regimes (2011)

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 41

O Gráfico 1 mostra a localização de 13.262 tweets com a hashtag1 #sidibouzid, a mais

associada com a revolução tunisiana, do dia 14 de Janeiro ao dia 16 de Março de 2011. Apesar de

uma grande parte dos tweets não poderem ser localizadas (No Location), outra grande parte se

deu em países da região (In Region) onde ocorreu a Primavera Árabe e principalmente na Tunísia

(In Country), sendo o restante proveniente de países fora da região (Outside). É importante

destacar a elevação de tweets ocorrida no momento em que Ben Ali renunciou, e a queda

abrupta logo em seguida, que, segundo relataram os ativistas aos autores de OCR, deveu-se a

forças de segurança que começaram a intervir nas redes de comunicação. Logo que os serviços

de comunicação voltaram ao ar ocorreu outro pico de tweets que foi aos poucos se

normalizando, conforme iam restando apenas vestígios da antiga ditadura.

Para ilustrar como as redes sociais auxiliaram a revolução tunisiana a transcender a

fronteira será feito uso de mais um gráfico elaborado durante o trabalho OCR. O Gráfico 2

mostra a onda de tweets ocasionada pela renuncia de Ben Ali, e posteriormente de Mubarak, em

outros países, que esperavam também obter ganhos democráticos.

Gráfico 2 – Número de tweets na região usando hashtags de outros países Fonte: Howard et al. Opening Closed Regimes (2011)

Vários egípcios, ao tomarem conhecimento da queda de Ben Ali, publicaram mensagens

apoiando as revoluções e estimulando movimentos parecidos no Egito. Durante um dos protestos

nesse país um blogueiro e ativista chamado Mahmoud Salem (apud HOWARD et al. 2011) lembrou

1 Hashtag, segundo o serviço de suporte do Twitter, é um símbolo utilizado para “marcar palavras-chave ou tópicos relacionados a

uma discussão ou conversa em um tweet (2012).

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 42

aos seus seguidores no Twitter que “levou um mês de protestos para a revolução tunisiana ter

sucesso. Persistência é tudo”.

O Egito se mostrou um país importante para a Primavera Árabe. Assim como a Tunísia, o

país tem uma vasta esfera pública ativa virtualmente, onde se reúnem não só os partidos

banidos ou ilegais do Egito, mas também jornalistas e cidadãos (HOWARD et al. 2011). Uma

campanha para homenagear o blogueiro Khaled Said – que foi assassinado pela polícia por expor

a corrupção – mobilizou o país. O executivo regional do Google, Wael Ghonim, criou um grupo no

Facebook chamado “Todos somos Khaled Said” e assim como as imagens da imolação de

Bouazizi, a imagem do blogueiro passou por vários celulares. O grupo se tornou,

temporariamente, uma ferramenta logística para organizar os defensores da democracia. O

perfil de Wael no Twitter ficou muito famoso por fazer a ponte entre os egípcios que escreviam

em árabe e os ocidentais, ou falantes da língua inglesa, que acompanhavam os acontecimentos

online.

Os egípcios compartilhavam praticamente as mesmas esperanças dos tunisianos. Os

primeiros ocupantes da Praça Tahrir, na cidade do Cairo, eram pessoas parecidas,

subempregadas, educadas, em busca de uma chance, mas sem compromisso com alguma religião

específica ou uma ideologia política. Encontraram-se primeiramente nas redes sociais e então

recrutaram amigos para saírem às ruas. As tentativas incansáveis de Mubarak para derrubar as

redes sociais só contribuíram para aqueles que ainda não tinham se juntado ao movimento se

juntassem pelo simples desejo de entender o que estava acontecendo.

Para Castells (2011) a revolução é difícil de ser derrubada porque é baseada na liberdade

de comunicação. Para o autor a comunicação por meio da internet teve um papel muito

importante na formação do fenômeno que ficou conhecido como Despertar Árabe, onde várias

pessoas se reuniram em prol de um mesmo objetivo, o fim da ditadura. Os protestos mostram o

poder dos movimentos sociais espontâneos originados por meio da comunicação digital.

Conforme o protesto se difunde se ativam as redes móveis, os sms, os tweets e as páginas no Facebook e outras redes, até que se construa um sistema de comunicação e organização sem centro e sem líderes, que funciona de forma eficaz, transbordando a censura e a repressão (CASTELLS, 2011).

Ao mesmo tempo em que o Facebook serviu para organizar as massas, o Twitter serviu

para imergir a sociedade global dentro do que ocorria nos países. Trazendo dessa forma o debate

para realidade mundial e ultrapassando fronteiras, os eventos no Egito trouxeram o mundo de

volta à discussão sobre a liberdade.

Um balanço da Primavera Árabe: desafios a serem enfrentados

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 43

Após a queda dos regimes há um longo processo de transição para a nova ordem, que

ainda é incerta, levantando diversas expectativas sobre qual será o modelo que vigorará no

mundo árabe.

Os eventos no Egito e Tunísia em 2011 baixaram as cortinas e tiraram de cena uma velha ordem cambaleante, trazendo boa parte do mundo árabe a uma nova era, há muito aguardada. Como será essa nova era continua sendo uma questão em aberto, levando em conta os muitos desafios ainda enfrentados pelos países da região (KHANFAR, 2012).

Tomando como base o que Castells escreveu em seu livro A Galáxia da Internet (2001)

pode-se deduzir que após o papel que assumiu no Despertar Árabe a internet deve agora ser

deixada em segundo plano, para que ocorra um processo de reestruturação política.

[...] ainda precisamos de instituições, ainda precisamos de representação política, democracia participativa, processos de formação consenso e política pública eficientes. Isso começa com governos responsáveis, verdadeiramente democráticos. [...] Esse é o elo fraco na sociedade de rede. Até que reconstruamos, de baixo para cima e de cima para baixo nossas instituições de governo e democracia, não seremos capazes de enfrentar os desafios fundamentais com que nos confrontamos. E se instituições políticas democráticas não puderem fazer isso, ninguém mais o fará ou poderá fazê-lo (CASTELLS, 2001, p. 230).

É importante frisar então que independente da influência que a internet e as redes

sociais tenham exercido na Primavera Árabe, é fundamental basear a mudança estrutural na

política, construir lideranças, reestruturar o poder, para que assim a sociedade possa ser

inserida de fato na grande rede global.

O Despertar Árabe careceu de liderança, o povo não tinha intenção de tomar o poder,

mas de simplesmente derrubar os que o detinham (CELSO, 2011). Os tunisianos estavam

cansados da ordem vigente e de sua falta de perspectiva, do desemprego e da miséria. Ao

derrubarem Ben Ali provaram que o governo de totalitário nada tinha, podia ser autoritário, e

cedeu logo as reivindicações do povo. Após a ditadura sair de cena se percebe uma quase total

falta de referência, o movimento não tinha base política, não tinha liderança.

Levando tudo isso em conta, constata-se que o maior desafio para esses países será

adaptar sua realidade política atual à moderna. Apesar de o movimento ter assumido uma

característica secular, muitos acreditam que os países árabes em fase de transição adotariam

características da religião islâmica no novo modelo (CELSO, 2011). Os temores dos ocidentais de

que um partido islâmico de orientação fundamentalista assumisse o poder ainda não se

concretizaram por completo. Nas eleições históricas realizadas em outubro de 2011 na Tunísia o

partido Islâmico formado por membros da Irmandade Muçulmana obteve 41% dos votos,

assegurando 90 das 217 cadeiras do Parlamento. No Egito Mohamed Mursi, da mesma irmandade,

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 44

foi o candidato que obteve mais votos (25%) no primeiro turno das eleições que ocorreram em

Maio de 2012 (JN, 2012).

No início de 2011, o professor espanhol José Luis Orihuela em seu discurso de

encerramento do I Congresso iRedes declarou:

Na Espanha, os partidos políticos ganharão ou perderão as eleições com as mídias sociais (não graças a elas, nem por culpa delas, e sim com elas). Além disso, os que ganharem terão de governar com as redes sociais. Os partidos que usarem bem essas mídias terão de abrir espaço em seus programas eleitorais e acolher os projetos e demandas da população (ORIHUELA apud ROSSI, 2011).

O que aconteceu em seguida foi que as pessoas que já estavam fazendo protestos nas

redes foram às ruas, durante as campanhas para as eleições espanholas, espontaneamente

(ROSSI, 2011). De caráter reformista as manifestações ficaram conhecidas como 15-M. Foram as

primeiras manifestações que seguindo os padrões da Primavera Árabe – indignação, protestos e

ocupação de praças – exploraram a capacidade de organização proporcionada pelas redes sociais

e aconteceram em um país democrático, fazendo com que houvesse contestações do modelo

democrático ocidental corrente.

Por fim, independente do modelo político de administração estatal que emergir nesses

Estados que participaram da Primavera Árabe, o fato de o povo se fazer audível por meio das

redes sociais, sugere que é necessária uma transformação na arte de governar (REIG apud ROSSI,

2011). O poder de administração dos Estados se tornará cada vez menor se esses não

aprenderem a se alimentar das ideias dos administrados, o povo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os eventos e dados analisados ao longo desse trabalho permitem tirar algumas conclusões

concretas sobre o uso das redes sociais na Primavera Árabe. No início a real utilidade dessas

tecnologias era contestada e menosprezada por falta de dados, porém, cerca de um ano depois

do início das revoluções o material disponível e as pesquisas quantificadas já permitem uma

mensuração mais exata.

Primeiramente é importante ressaltar que os movimentos ligados a ideais de liberdade e

democracia já existiam antes do início das revoluções, e principalmente antes da introdução das

redes sociais (HOWARD et al. 2011). Porém, as novas tecnologias, entre elas as redes sociais,

permitiram que pessoas com interesse em comum se encontrassem, e organizassem ações

políticas, por meio da criação de extensas redes sociais online. Essas redes que se

materializaram nas ruas foram fundamentais para tirar do poder as ditaduras de longa data.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 45

Os blogs na Tunísia deram espaço a livres e profundos debates políticos, tanto sobre

corrupção quanto sobre o potencial de uma mudança política. O Twitter possibilitou que aqueles

que viviam a história a contassem instantaneamente ao mundo e inspirassem pessoas em toda a

região. No Egito o Facebook foi fundamental para expor o descontentamento político. O Youtube

permitiu que todos virassem jornalistas e transmitissem suas histórias quando a mídia local não

pode, ou não quis, relatar os acontecimentos.

As mídias sociais sozinhas não derrubaram os ditadores, mas a tecnologia da informação,

incluindo celulares e internet, alteraram profundamente a capacidade de os cidadãos

interferirem na política de seus países. Essas novas ferramentas se constituíram em verdadeiras

novas oportunidades para a organização dessas sociedades reprimidas e dos movimentos sociais.

A habilidade desses povos de absorver conteúdo político provou que a opinião pública pode

desenvolver cada vez mais rápido o potencial necessário para promover mudanças (HOWARD et

al. 2011).

As conexões criadas por meio das redes sociais permitiram que vídeos, histórias e

mensagens curtas circulassem pela região e transcendessem as barreiras internacionais. O

sucesso dos movimentos tunisianos foi uma inspiração para movimentos contagiantes que se

espalharam pelo mundo árabe, ensinando os povos dos países vizinhos a se organizarem de forma

mais eficiente por meio das redes sociais.

Constantemente, em noticiários e na internet, compara-se a Primavera Árabe à queda do

Muro de Berlim. Nos dois eventos pessoas se uniram em torno de um objetivo comum que

poderia ser proporcionado pela abertura política (PEREIRA, 2011). Também compartilham o

efeito dominó provocado por eles. Apesar de algumas diferenças básicas, como a natureza das

elites opressoras, pode-se dizer que a principal delas é o uso das redes sociais na Primavera

Árabe e os impactos que as mesmas tiveram sobre o movimento, os quais foram discutidos ao

longo do trabalho.

Por fim, gostaria de trazer as redes sociais para a realidade brasileira. A utilização da

internet para discussões políticas ainda é pequena no Brasil (CAMPOS, 2010). Por seguir uma

dinâmica assistencialista onde o povo espera mais favores do que políticas, criou-se certa

estabilidade no país. Renovar o sistema político requer – como ocorreu na Primavera Árabe – que

a população queira mudanças, o que ocorre num momento de crise. Sobre o Brasil atualmente,

Castells (2010) propõe que “quando há estabilidade não se pode esperar que a internet produza

uma mudança que as pessoas não querem”

Tão sólidas quanto o muro invisível que foi derrubado parcialmente ao longo do Despertar

Árabe as redes sociais foram importantes, sim, para que os movimentos revolucionários

transbordassem para além das fronteiras tunisianas. O uso das redes sociais não mudou o

objetivo dos movimentos sociais. Na Primavera Árabe, a população demonstrou seu desejo de

liberdade e as redes sociais se tornaram uma ferramenta importante para alcançar essa

liberdade.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 46

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 48

DISPARIDADES REGIONAIS E CONCENTRAÇÃO PRODUTIVA:

possíveis políticas de desconcentração de renda para

solucionar a herança do desenvolvimentismo

intervencionista brasileiro.

João Victor Guedes Neto1

Resumo: Durante a história econômica brasileira, o intervencionismo estatal gerou um grande

número de disparidades sociais no país uma vez que a maior parte dos governos possuía como

entendimento o modelo de desenvolvimento baseado em setores específicos de produção. Neste

sentido, este trabalho descreve a evolução da economia brasileira desde sua colonização até os

programas atuais e aponta, então, para possibilidades de políticas de desenvolvimento pautadas

por uma visão diferente daquelas já comuns orientadas pelo planejamento dentro de um modelo

intervencionista.

1 10º período de Ciências Econômicas, Universidade Federal de São João del-Rei. E-mail: [email protected]

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 49

INTRODUÇÃO

A elaboração deste trabalho, que parte dos conceitos das ciências econômicas voltados

para a questão do desenvolvimento regional e urbano, segue no sentido de, sob a luz da

evolução histórica do cenário econômico brasileiro, propor alternativas para a desconcentração

produtiva levantando não só as ações vigentes mas ideias teóricas ou já praticadas com relativo

sucesso.

Parte-se inicialmente do conceito de Cavalcante (2008) que trata das abordagens mais

recentes desta ciência onde a análise sobre o desenvolvimento do meio empresarial visa não

apenas “relações puramente mercantis mas também aquelas sociais e tecnológicas que se

estabelecem entre empresas situadas em um mesmo espaço geográfico e entre as empresas e a

comunidade local”.

Assim sendo, este trabalho analisará a formação econômica brasileira a partir do inicio do

século passado, revisitando a bibliografia referente ao desenvolvimento da economia

agroexportadora que fundamentou, junto aos investimentos governamentais, todo o processo de

industrialização e que, ao passar do século, acabou por criar um cenário de concentração de

renda ainda maior do que já era no período colonial brasileiro.

Bem como relata Cano (2000) ao citar as pesquisas de Celso Furtado, a economia

brasileira foi formada a partir de uma série de diferentes culturas que resultaram “das

articulações e da crise da mineração (século XVIII), da cafeicultura (séculos XIX e XX), das

economias de pequena propriedade do Espírito Santo e do Sul e da agricultura capitalista

diversificada de São Paulo”.

Entendendo que a grande quantidade de terras no território nacional permitiram não só a

ampla exploração das monoculturas latifundiárias exportadoras da plantation escravista mas

também de culturas de subsistência e assistência a mão de obra nativa – incluindo aí não só os

agroexportadores mas também a comunidade mineira – percebe-se que tais atividades iniciais

acabaram por gerar, por si só, um mercado consumidor local e, para demandas emergenciais

como a da alimentação, também um mercado produtivo secundário.

Esta ótica produtiva, bem como continua a descrever Cano (2000), gerou a acumulação

de capital por parte das elites fundiárias e já a partir daí um cenário de dependência que

envolvia não só os então escravos – e, logo após, trabalhadores rurais – mas também todo aquele

setor produtivo agregado à suas fazendas, descritas como produções complementares para a

satisfação do mercado consumidor local.

A partir da evolução deste cenário, este trabalho se propõe a tratar de todo o seu

desdobramento desde o início do período republicano e, por fim, a abordar projetos

governamentais, ações não programadas da sociedade civil e teorias de desenvolvimento

voltadas para a correção dos problemas gerados pela má distribuição dos recursos produtivos e

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 50

de renda no país para que se apresente, desde todo o cenário descrito, soluções para o problema

da má distribuição de renda brasileira.

O Marco De 1930 E Seus Desdobramentos Desenvolvimentistas

Levando-se em conta todo o cenário inicial descrito a partir da introdução deste trabalho,

atingimos o ano de 1930, seguinte à eclosão da crise mundial dos mercados financeiros e que

marcou ainda o inicio do Governo Vargas, “um ponto de inflexão decisivo no que tange ao

processo de modernização da sociedade brasileira” (MARTINE et al, 1990).

Tal afirmação se baseia na quebra da hegemonia da economia agrícola como força motriz

do desenvolvimento nacional, fato que gerou, a partir do primeiro ciclo de investimentos

pesados na indústria, um imenso êxodo rural, desencadeando, assim, a urgência da urbanização

das metrópoles emergentes.

Estas mudanças de ordem econômica que culminaram na década de 1930 foram geradas,

como citado, pela necessidade de uma renovação de mercados uma vez que eclodia no mundo

uma crise que acabou por renovar não só os modelos produtivos mas toda a ordem econômica

mundial – que se consolidaria a partir do término da segunda Guerra Mundial.

Tal cenário degenerativo fora descrito por Pinheiro (1995) como motivador para o

“encarecimento das importações e da diminuição do valor e quantidade das exportações,

impossibilitando a viabilidade” do modelo agroexportador vigente.

Ao perceber o novo cenário e suas tendências, os latifundiários agroexportadores

localizados principalmente no território paulista, beneficiados pela acumulação de capital

gerada por sua supremacia financeira, iniciaram a promoção de investimentos na agregação de

valores à sua produção, gerando, a partir daí, um tímido processo de industrialização que

contribuiu ainda mais para a composição do cenário já existente da concentração exacerbada de

renda por conta desta minoria.

Ainda com vantagens políticas pela dominação que exerciam sobre as articulações das

primeiras décadas da política nacional, acabaram por ser beneficiados também pelos

investimentos governamentais que, com Vargas, dava os seus primeiros passos para um processo

de substituições de importações. Seu período presidencial “de 15 anos que se desdobra entre

1930 e 1945” acabou por ser, a partir daí, “um momento histórico decisivo na trajetória do país,

que, através das reformas introduzidas, ingressa numa nova etapa” (DINIZ, 1978).

Serra (1982), por sua vez, faz um exame detalhado sobre os “ciclos e mudanças

estruturais na economia brasileira no após-guerra” onde levanta dados, por exemplo, dos

avanços da indústria manufatureira da ordem de 20,2% para 27,3% na Renda Interna em preços

correntes entre 1949 e 1970 em paralelo ao desenvolvimento do setor industrial (citado como

“indústria de transformação, construção civil, mineração e serviços industriais de utilidade

pública”) que obteve um salto de 26,0% para 33,4%.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 51

Tais dados, mesmo sem sua discriminação específica de onde representaram maiores ou

menores ganhos em termos regionais, são importantes para discriminar, em um primeiro

momento, o papel que a mudança das atividades econômicas exerceu no país e justificar, bem

como dito anteriormente, a importância que a acumulação de capital das elites fundiárias teve

neste cenário – já que sem esta não se teriam os recursos iniciais necessários para se

implementar mudanças também de ordem de indústria nacional em paralelo aos recursos

externos ingressantes no Brasil.

Especificidades Do Desenvolvimento Regional

Passando das explanações gerais para as especificidades regionais, é importante explicar

localmente o que fora levantado como o desenvolvimento inicial paulista não acompanhado

pelas demais regionais brasileiras.

Cano (1988) faz isso de forma brilhante ao relatar o caso da quebra do mercado da (1)

borracha na região norte, que teve seu período áureo entre 1870 e 1912; (2) do açúcar no

nordeste que durou entre o século XVI e XVII, seguido então também pela cultura do algodão,

ambos sofrendo forte concorrência com os produtores das Américas Central e do Norte; e (3) do

cenário sulista onde a agricultura, com propriedades de pequeno e médio porte, impedia o

acúmulo de capital necessário para o investimento na agregação de valores industriais a

produção.

O diferencial, ainda segundo o autor, se deu na região sudeste – como já explanado de

maneira superficial anteriormente – onde (1) o Rio de Janeiro que, mesmo não tendo obtido

grande destaque na produção cafeeira, acabou por se tornar o principal centro comercial e

financeiro nacional a partir de sua zona portuária, permitindo a implantação de um vasto parque

industrial em seu território; (2) Minas Gerais e Espírito Santo, também estados cafeeiros,

acabaram perdendo seu potencial exportador ao promover a passagem do escravismo para o

livre trabalho com base no regime de parceria e pequenas propriedades – colocando-os assim,

com ênfase para o primeiro estado, em um cenário de produção agropecuária alimentar voltado

para os mercados nacionais; e (3) São Paulo, onde a cafeicultura teria sido implantada com as

bases capitalistas mais avançadas que permitiram sua grande acumulação de capital seguida de

investimentos na agregação de valores e conter a partir daí, em 1929, 37% do parque industrial

do país.

O cenário avançou no sentido do desenvolvimento paulista de tal maneira que na década

de 1950 esta porcentagem de concentração já estava no nível de 55%, aumentando ainda mais a

dependência já existe criando internamente no Brasil uma relação semelhante a da ótica

internacional do comércio centro-periferia, onde São Paulo e Rio de Janeiro se desenvolveram

como estados manufatureiros compradores da produção alimentar das demais regiões do país

enquanto fornecedores de bens manufaturados.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 52

A Urbanização Nacional

De acordo com CANO (1988),

“Embora em 1960 a população rural ainda representasse 55% do total, no período de

1950-60, o crescimento da população urbana respondeu por 2/3 da expansão demográfica

nacional. Pelo ângulo exclusivamente demográfico, foram seus principais fatores o êxodo rural e

as migrações inter-regionais (estas, notadamente para o Rio, SP e PR)”.

A partir desta afirmação, Cano (1988) desenvolve em sua obra a orientação de que,

embora o processo de industrialização tivesse sido iniciado formalmente no inicio da década de

1930, foi apenas na década de 1960 que a industrialização brasileira começou a se dar como

aparente também frente aos dados populacionais existentes, mantendo, como é perceptível

pelos dados apresentados, a ótica do eixo central como Rio-SP.

Ainda no tocante a estes avanços no período de 1960, São Paulo acabou por ser também o

primeiro estado a desenvolver a periferização dos assentamentos industriais de sua metrópole,

desafogando sua capital e direcionando para suas cidades vizinhas novos parques industriais e

parte considerável de sua população trabalhadora – em sua maioria de baixa renda.

É importante citar, ainda sobre a década de 1960, que foi nesta em que foi

implementado o Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG), entre os anos de 1964-67,

tratando-se de reformas que alteraram toda a base do sistema econômico brasileiro e guiaram o

país, segundo Simonsen e Campos (1974), para consolidar sua estrutura de desenvolvimento que

garantiu um dos pilares para o milagre econômico, Era iniciada na subsequente década de 1970,

e do grande aporte de capitais estrangeiros das décadas posteriores.

Com estas bases, a realidade da descentralização periférica viria a acontecer também nas

demais metrópoles nas próximas décadas e servir de exemplo para a redução das disparidades de

concentração de renda da relação periferia-centro dos estados brasileiros, promovendo um certo

êxodo industrial, mesmo que em pequena escala, para as regiões menos urbanamente

desenvolvidas do país.

Isto foi possível, segundo o mesmo trabalho de Cano (1988) devido à políticas de

incentivo ao desenvolvimento regional na década de 1970 que, no já citado milagre econômico,

levou recursos à periferia nacional motivados tanto por sua força política junto ao Governo

Federal como por sua base de recursos naturais – como é o exemplo do pólo petroquímico de

Camaçari na Bahia – e a saturação espacial da região paulista e carioca.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 53

É importante salientar, ainda sob esta temática, que “a industrialização resultante na

periferia nacional (...) é de caráter complementar à do centro dominante, e sua grande

dependência dos mercados compra esta assertiva” (CANO, 1988).

A Estagnação Do Setor Agrícola

Desenvolvendo tal cenário do inicio da desconcentração industrial brasileira, é

importante citar também que após o começo dos programas desenvolvimentistas embrionados

ainda na Era Vargas, o setor agrícola acabou sendo deixado de lado pelos governos sob a ótica da

generalização da deteriorização dos termos de trocas de Prebisch que colocava o setor como

secundário aos interesses comerciais dos países periféricos.

Isto aconteceu principalmente no período pós-PAEG durando quase três décadas, como

desenvolve Melles (2008) em seu projeto orçamentário que prevê apenas para a atualidade, final

da década de 2000, o contorno deste cenário não só no Brasil mas em todas as demais nações em

desenvolvimento com fortes discursos do Ministério da Agricultura (STEPHANES, 2007) e da Food

and Agriculture Organization (DIOUF, 2008).

Tais dados são importantes mesmo entendendo a redução drástica da participação do

setor na renda dos estados – para a qual Cano (1988) levanta os dados de 16% no Norte,

Nordeste, Minas Gerais, Espírito Santo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul e apenas 4% em São

Paulo.

O embasamento disto é dado por CANO (1988) na seguinte citação:

“Entretanto – e principalmente nas periferias mais atrasadas – o avanço não foi capaz de

superar as forças econômicas e políticas regionais que sobrevivem à custa da manutenção do

atraso. A despeito de uma certa modernização agrícola (...) o capital mercantil regional

somente sofreu abalos marginais em sua dominação”.

Assim, coloca que tal falta de atenção não só o fez estagnar mas provocou a continuação

do cenário econômico inicial de dominância a partir dos recursos acumulados unicamente por

estes, incentivando, de certa maneira, a ótica da agregação de valores – como fez a elite

cafeeira paulista – e a contínua dependência exercida pelos grandes produtores sobre os

trabalhadores rurais.

A atenção governamental neste período poderia, além de ter facilitado a agregação de

valores industriais ao setor, permitir o desenvolvimento de pequenas e médias estruturas

fundiárias para gerar não unicamente uma desconcentração de renda intra-regional, mas

também entre os próprios produtores rurais locais permitindo cenários de desenvolvimento da

qualidade de vida também fora dos eixos urbanos.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 54

Disputas Regionais Pelo Autodesenvolvimento

Entendendo as generalidades do desenvolvimento espacial brasileiro, é possível iniciar

uma explanação sobre o cenário atual – que se desenvolve timidamente desde meados da década

de 1960 – sobre a Guerra Fiscal entre os estados da federação.

Esta, explicada detalhadamente por Prado (1999), se dá pelas ofertas de isenção fiscal –

principalmente em torno do ICMS – por conta dos Governos Estaduais – e em muitos casos

também municipais – para atrair investimentos de empresas principalmente de capital externo

que optariam por localidades com facilidades fiscais para promover a instalação de suas plantas

industriais.

Tal atração de investimentos industriais, segundo Varsano (apud PRADO, 1999) justifica,

sob a ótica da teoria das finanças públicas, “a concessão de incentivos e demonstra que, do

ponto de vista da economia e sociedade locais, a maioria dos incentivos atende a estas

condições”, dando validade aos gestores públicos que as promovem.

O autor argumenta ainda que este tipo de política é o pior método existente para o setor

público promover o seu desenvolvimento regional dada à alta inelasticidade das empresas a este

tipo de mecanismo e à falsa condição privilegiada frente à concorrência que acaba por gerar –

prejudicando o entendimento sobre o mercado em um cenário futuro não subsidiado. Ainda

assim, o autor julga ser válida dados aos benefícios em comparação às perdas, como citado, e a

ser uma das únicas alternativas à cidades historicamente prejudicadas pelo desenvolvimento de

suas regiões.

Ainda em tempo, os mecanismos de guerra fiscal acabam sendo complementares às

situações de exaustão espacial das metrópoles que, saturadas fisicamente, acabam por

apresentar uma valorização imobiliária tal que incentiva a descentralização de seus complexos

industriais, mantendo abrigados, em muitos dos casos, unicamente a central de suas operações

enquanto os setores produtivos se espalham pelas diversas regiões periféricas do país.

Assim sendo, um exemplo clássico de como a ausência de impostos ajudou no

desenvolvimento de uma região – mesmo que este caso particular tenha sido motivado por uma

política também federal – é o caso da Zona Franca de Manaus levantado por Ferreira (2008).

Ele aborda isso sob a ótica da baixa atratividade da região para as indústrias que engloba

praticamente todos os fatores negativos para o desenvolvimento incluindo (1) alto custo para

transportes, (2) demanda local irrelevante e (3) força de trabalho composta majoritariamente

por imigrantes. Assim sendo, fosse pela racionalidade econômica, não haveria motivos para a

alocação de plantas industriais por lá não fosse a isenção total dos impostos bem como é

praticada.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 55

Programas Nacionais De Desenvolvimento Regional

O caso citado, abordado por Ferreira (2008), por mais que tenha sido uma política

conjunta ao Governo Federal, acabou por se concentrar em um único pólo de desenvolvimento.

No entanto, é possível perceber ainda no mesmo trabalho, políticas regionais que, na

intenção de reduzir a concentração produtiva do país se deram no sentido de se criar

superintendências regionais de ação para o desenvolvimento. Foram os casos da

Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e da Amazônia (SUDAM) criadas

para distribuir recursos – em parte oriundos do BNDES – a fim de desenvolver a agregação de

valores à produção local.

Sobre estas, segundo o resultado de seu estudo, Ferreira (2008) coloca que não obtiveram

os resultados esperados mas que sem a sua existência as regiões trabalhadas estariam em

situação bem pior do que a atual.

Dando continuidade aos projetos de nível nacional vale citar o recente Programa de

Aceleração do Crescimento (PAC) promulgado em 2006 pelo Governo Federal no sentido de

realizar obras de infraestrutura para permitir o desenvolvimento não só das empresas já

instaladas, mas também aumentar o volume dos investimentos externos em todas as regiões

brasileiras.

Bem como afirma Kasznar (2008), o programa se divide em cinco blocos sendo eles (1) os

já citados investimentos em infraestrutura com foco na produção de energia direcionada ao

petróleo, para onde iriam a maior parte dos recursos; (2) o estímulo ao crédito e ao

financiamento; (3) a melhoria do marco regulatório e das leis ambientais; (4) a redução e

aperfeiçoamento tributário; e (5) as medidas fiscais de longo prazo para dar consistência

macroeconômica ao programa.

Assim sendo, além do fato levantado pelo autor ao narrar a omissão do programa em

relação ao cuidado que se deve ter com o tamanho inflado que já possui o Estado brasileiro,

deve-se ter em mente, sob a luz deste trabalho, a importância de se saber direcioná-lo para

desenvolver não só as metrópoles já saturadas – como fora feito, de maneira involuntária, nos

processos de substituição de importações elaborados no Brasil.

É urgente que tais ações sejam voltadas também para sanar as problemáticas dos grandes

centros mas, prioritariamente, devem ser direcionados no sentido de dar à todas as regiões do

país condições iguais de se desenvolver – reduzindo as deficiências atuais advindas da herança

maldita do desenvolvimentismo.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 56

CONCLUSÃO

A partir deste trabalho foi possível perceber que o problema da concentração exacerbada

da renda e da produção brasileira foi gerado por um conjunto de fatores que envolveram tanto o

desenvolvimento do setor privado como políticas públicas mal planejadas pelo Governo Federal.

No primeiro caso, beneficiou-se a elite cafeeira paulista, único grupo capitalista

brasileiro capaz de acumular recursos suficientes para promover a agregação de valores à sua

produção e transformá-la, mesmo que de forma tímida, em um modelo industrial. Entende-se tal

desenvolvimento inicial, em um primeiro momento, como mérito empresarial e, de certa forma,

a inserção da produção em um cenário econômico internacional totalmente favorável.

Para o segundo caso é possível citar o conjunto de ações que compuseram todos os

processos internos de substituição de importações que acabaram por gerar um endividamento

governamental exacerbado e o seu direcionamento para o desenvolvimento imediatista de uma

indústria subsidiada – e assim despreparada para a concorrência internacional – principalmente

dentro dos cinturões já economicamente favorecidos, agravando ainda mais as disparidades

regionais do país.

Por fim, ainda dentro do segundo caso, houve o total esquecimento do setor rural, antes

considerado a força motriz da economia, o que fez com que sua ótica fundiária permanecesse

desfavorável para o pequeno produtor e trabalhador campesino, incapazes de se desenvolver

sem políticas de extensão rural e reforma agrária, agravando ainda mais a concentração de

renda no campo.

Ambos os cenários estimularam não só a concentração regional da produção mas também

o crescente desequilíbrio na distribuição da renda tanto no setor rural como nas metrópoles,

gerando, de forma totalmente desorganizada, cenários de péssima qualidade de vida em ambos

os espaços nacionais.

A resposta, no entanto, tem sido dada pela integração do público com o privado, com

medidas que demandam uma gestão governamental eficiente em todos os níveis – federal,

estadual e municipal – para que, além de proporcionar a infraestrutura básica para o

desenvolvimento empresarial apresentem confiabilidade em programas governamentais também

para que, no longo prazo, o crescimento esperado possa acontecer e se tornar estável.

É importante, assim, que os governos tenham em mente que (1) a opção acelerada nem

sempre é a mais sustentável; que (2) a proteção exacerbada em um primeiro momento pode

gerar despreparo futuro; e que (3) não existem setores mais ou menos importantes dentro de um

país com a dimensão continental e a diversificação produtiva existentes no Brasil.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 57

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Rio de Janeiro: APEC, 1974.

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Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 59

CAPITALISMO, LIBERDADE E, POR FIM, DEMOCRACIA?

Anderson de Souza Oliveira1

RESUMO: Em que medida a liberdade e o capitalismo possibilitam a conquista e o progresso da

democracia? O capitalismo, caracterizado como o sistema de trocas e transações econômicas,

tem relevância no processo de conquista de mais liberdade? Há relação, enfim, entre liberdade,

capitalismo e democracia? É isto que este trabalho busca refletir à luz de revisão teórica e

analisando, ainda, o panorama a respeito da liberdade e da democracia no mundo

contemporâneo.

Palavras chave: capitalismo, liberdade, democracia

1 Bacharel em Jornalismo pela Universidade de Sorocaba. Pós-graduando em Globalização e Cultura pela Fundação Escola de

Sociologia e Política de São Paulo – FESPSP. E-mail: [email protected].

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 60

INTRODUÇÃO

Este trabalho investiga as relações entre capitalismo, liberdade e democracia, discutindo

teoricamente se há correlação entre os três. O estudo não tem como objetivo comprovar e está

longe de esgotar a relação causal entre os fatores observados, porém denota que a democracia –

considerada o estágio mais elevado e desejado de governo pelo Ocidente – traz em si e fortalece

ainda mais o capitalismo e a liberdade. Nesse sentido, a discussão teórica desenvolvida neste

artigo busca refletir se a democracia pode ser fruto de sistemas liberais capitalistas. Os autores

abordados levam a crer que sim.

O capitalismo moldou o homem moderno, incutindo-lhe o raciocínio lógico e banindo de

sua mente o misticismo inerente às sociedades primitivas. A busca pelo lucro despertou no

homem seu anseio por liberdade, levando-o a questionar antigos mitos, como a subordinação aos

reis, à Igreja, etc. O capitalismo, assim, tornou possível a moderna ciência, trazendo consigo a

crença no progresso do homem.

Desse modo, a liberdade moderna é oriunda da busca do homem por alimentar seus

anseios, sejam econômicos ou políticos. A liberdade econômica – caracterizada pela troca e

transação com vistas ao lucro – leva, conforme resgate histórico, à liberdade política.

Das sociedades capitalistas, portanto, emergiram os Estados liberais, ao passo que a

moderna democracia também surgiu desse ambiente.

O presente trabalho, nesse sentido, denota que há uma possível relação causal entre

liberdade econômica – tratada como capitalismo – e democracia. Como se verifica na parte final

deste artigo, as nações classificadas como as mais democráticas também são caracterizadas

como de notória liberdade econômica.

O Capitalismo E O Novo Homem

O capitalismo sempre foi um indutor do progresso da humanidade. E foi sua emergência

que deu outro sentido à vida do homem. Como afirma Schumpeter (1984, p. 165), o capitalismo

foi “a força propulsora da racionalização do comportamento humano”. O misticismo e o

autoritarismo que caracterizavam as sociedades pré-capitalistas, onde ciclos recorrentes

denotavam o surgimento e o desaparecimento de impérios e civilizações, como revela Lobão

(1998, p. 1), foram solapados pela crença na possibilidade do progresso humano. Isto porque,

revela este autor, “em algum momento da existência do Homem sobre a terra, esse paradigma

[a ideia da decadência histórica, do fim natural de homens, reis, civilizações, etc] começou a

ser questionado”.

Do fim deste paradigma, que advém da racionalização, acrescenta Lobão, consolidou-se a

crença no progresso. Isto porque, segundo Schumpeter (1984, p. 161), o “processo capitalista

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 61

racionaliza o comportamento e as ideias e, ao fazê-lo, expulsa da nossa mente, juntamente com

as crenças metafísicas, as ideias românticas e místicas”.

Tudo isso pode ser descrito, afirma Weber (2002), como um “desencantamento do

mundo”. A intelectualização e a racionalização, denota o autor, demonstra que todas as coisas

podem ser dominadas através do cálculo. E desse racionalismo, revela ainda Weber (1967),

notadamente Ocidental, emergiu o moderno capitalismo.

Dando sequência, nota-se que a possibilidade do progresso se origina da própria

racionalização do comportamento do homem e do fim das antigas especulações metafísicas.

Trata-se, como descreve Schumpeter,

de uma lenta, embora incessante, ampliação do setor da vida social em cujo interior indivíduos ou grupos vão tratando de uma dada situação, tentando, em primeiro lugar, obter os melhores resultados possíveis [...] – de acordo com suas luzes; em segundo lugar, fazendo-o de acordo com aquelas regras de coerência que chamamos lógica. (SCHUMPETER, 1984, p. 161)

Desse modo, ao passo que “o hábito da análise e do comportamento racionais nas tarefas

diárias atinge determinado ponto”, o homem racionaliza sua crítica, indagando-se: “por que

haver reis e papas ou subordinação, ou dízimos, ou propriedade?”1. Assim, tem-se o fim do

misticismo e do autoritarismo como inerentes às sociedades.

Para Schumpeter, esta atitude racional, com base lógica, “presumivelmente” se forjou na

mente humana em virtude das necessidades econômicas: “é à tarefa econômica cotidiana que

devemos nosso treinamento elementar em pensamento e comportamento racionais”, afirma o

economista2. Não obstante, o capitalismo, e não apenas a atividade econômica, legou ao homem

duas coisas – imprescindíveis para o desenvolvimento do próprio capitalismo e do mundo

moderno.

A primeira, demonstra Schumpeter3, é a exaltação da unidade monetária como unidade

de controle. Isto porque “a prática capitalista transforma a unidade moeda em ferramenta de

cálculos racionais custos/lucro”. Após essa evolução, que possibilitou a definição numérica, a

mesma lógica inicia – findado o setor econômico – “sua carreira de conquistador, subjugando –

racionalizando – os instrumentos e as filosofias do homem, sua prática médica, sua descrição do

cosmo, sua visão da vida, inclusive seus conceitos de beleza e justiça e suas ambições

espirituais”4.

Para Schumpeter, o capitalismo cuidou não apenas de produzir a atitude mental da

ciência moderna, consistida no ato de fazer perguntas e buscar respondê-las, “mas também os

homens e os meios”. “Ao subverter o mundo feudal e perturbar a paz intelectual da casa

1 Idem, Ibidem. 2 Idem, p. 162. 3 Idem, p. 163. 4 Idem, ibidem.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 62

senhorial”, explica o autor, além de criar um espaço social para uma nova classe, fundamentada

no êxito econômico, o capitalismo atraiu para si os melhores intelectos1.

Capitalismo e Liberdade

A primeira necessidade que se erige ao se investigar a liberdade é a de defini-la. Para

isso, utiliza-se aqui a definição de Bobbio (2002). Seguindo a definição do autor, há dois tipos

básicos de liberdade: negativa e positiva.

A primeira caracteriza-se pela possibilidade que um indivíduo tem de agir sem qualquer

impedimento ou sem ter sido obrigado a isso. A liberdade negativa pode também ser chamada,

segundo Bobbio, de “liberdade como ausência de impedimento ou constrangimento: se, por

impedir, entende-se não permitir que os outros façam algo, e se, por constranger, entende-se

que outros sejam obrigados a fazer algo” (BOBBIO, 2002, p. 48). Desta forma, considera-se que o

indivíduo tenha liberdade se puder expressar suas opiniões sem que seja censurado, e que,

denota o autor, também não seja obrigado a exercer o serviço militar2.

A segunda liberdade citada por Bobbio3, a positiva, aposta na autonomia dos indivíduos.

Entende-se esta liberdade como a “situação na qual um sujeito tem a possibilidade de orientar

seu próprio querer no sentido de uma finalidade, de tomar decisões, sem ser determinado pelo

querer dos outros”. Assim, se a liberdade negativa constitui-se da “ausência de algo”, a segunda

indica o contrário: a “presença de algo” – aqui, um atributo do querer de cada indivíduo, que é a

capacidade de se mover para uma finalidade4.

Essa definição comentada por Bobbio, não obstante, pode ser melhor distinguida. Nesse

sentido, o autor prefere utilizar liberdade de agir (negativa) e liberdade de querer (positiva).

Espalhadas em meio a estas duas liberdades, Merquior (1982) detalha outras:

1. A liberdade-segurança, vivenciada como ausência de opressão ou de interferência arbitrária, se resume no gozo de direitos estabelecidos e no senso de dignidade, 2. A liberdade-expressão, ou liberdade de consciência ou de opinião; 3. A liberdade política, ou seja, o direito de participar das decisões que afetam a vida coletiva (nas sociedades modernas costuma concretizar-se na democracia); 4. A liberdade em perseguir aspirações ditadas tão-somente pelo propósito individual ou grupal de viver como a cada um lhe apraz; é a liberdade de perseguir oportunidades. (MERQUIOR, 1982, p. 121)

Aqui é preciso relacionar o capitalismo à liberdade. Há um costume de atribuir àquele a

ausência desta, isto é, costuma-se enfatizar que o capitalismo exclui a liberdade. Mas a resposta

para isso é relativa e demanda uma investigação ampla. Ao se inverter a questão, não obstante,

1 Idem, ibidem. 2 Idem, p. 49. 3 Idem, p. 51. 4 Idem, ibidem.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 63

a resposta é mais acessível. Há liberdade sem capitalismo? Ao citar Adam Smith, Amartya Sen

(2000) responde: “a liberdade de troca e transação é ela própria uma parte essencial das

liberdades básicas que as pessoas têm razão de valorizar” (SEN, 2000, p. 21). E acrescenta Sen:

Ser genericamente contra os mercados seria quase tão estapafúrdio quanto ser genericamente contra a conversa entre as pessoas (ainda que certas conversas sejam claramente infames e causem problemas a terceiros – ou até mesmo aos próprios interlocutores). A liberdade de trocar palavras, bens ou presentes não necessita de justificação defensiva com relação a seus efeitos favoráveis mas distantes; essas trocas fazem parte do modo como os seres humanos vivem e interagem na sociedade (a menos que sejam impedidos por regulamentação ou decreto). A contribuição do mecanismo de mercado para o crescimento econômico é obviamente importante, mas vem depois do reconhecimento da importância direta da liberdade de troca – de palavras, bens, presentes.1

Em outras palavras – interpretando-se, obviamente, mercado e troca como capitalismo –

o capitalismo é em si fruto das liberdades. A liberdade econômica insere-se em todas as

definições de liberdade.

Nesse sentido, Sen2 vai além e aborda a importância de os indivíduos não carecerem da

liberdade econômica. De acordo com o autor, a privação desta liberdade pode gerar outras,

como a ausência de liberdade social, que por sua vez gera a política, que, do mesmo modo,

volta a enfatizar a privação da liberdade econômica.

A ênfase na necessidade de um “mercado livre” para a liberdade é recorrente para Milton

Friedman (1985). Segundo ele, a história comprova de modo unânime a correlação entre ambos.

Além disso, corrobora, “é evidente que a liberdade econômica, nela própria e por si própria, é

parte extremamente importante da liberdade total” (FRIEDMAN, 1985, p. 18).

Para Friedman, além de ser um meio para a obtenção da liberdade política, “a

organização econômica é importante devido a seu efeito na concentração ou dispersão do

poder”. Isto ocorre porque, no capitalismo competitivo – ou liberdade econômica -, este poder

está desvinculado do poder político. Esta separação, afirma o autor, “permite que um controle o

outro”3.

Segundo Friedman, “a história somente sugere que o capitalismo é uma condição

necessária para a liberdade política”, liberdade que, neste artigo, defendemos como

fundamental para a emergência da democracia – sobre o que falaremos adiante. Nesse sentido,

para o autor, o capitalismo pode não ser uma condição suficiente4. Denota Friedman que a Itália

e a Espanha fascistas, a Alemanha em algumas ocasiões, o Japão durante as duas Guerras

Mundiais, além da Rússia czarista são exemplos de sociedades que não eram politicamente

livres. Contudo, existiam nelas empresas privadas, o que comprova que pode haver organização

econômica capitalista e uma organização política que não seja livre. Ainda assim, afirma

1 Idem, ibidem. 2 Idem, p. 23. 3 Idem, ibidem. 4 Idem, p. 19.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 64

Friedman, os indivíduos nessas sociedades dispunham de mais liberdades que os cidadãos de

Estados onde haviam totalitarismos econômico e político.

A liberdade política, para Friedman, resulta da ausência de coerção sobre um homem por

parte de seus semelhantes. Nesse sentido, a maior ameaça à liberdade consiste no poder de

coagir. A única forma de se eliminar este problema consiste na busca por dispersar todo tipo de

concentração do poder. É assim que, ressalta Friedman, a organização da atividade econômica

deve estar desvinculada do poder político, de modo que um possa controlar o outro1.

Essa desvinculação relaciona-se ao estudo de Guy Sorman (2007) em relação às diferenças

entre Índia e China. Se neste país o poder econômico está concentrado nas mãos do poder

político, naquele ambos estão desunidos. A democracia, para Sorman2, é o que faz a diferença.

Desse modo, evidencia o autor, a liberdade política – no caso, a possibilidade de votar – propicia

maior liberdade econômica. “Se o camponês indiano tem chances de ter no seu vilarejo

eletricidade, estradas, escola, postos de saúde que o camponês chinês nunca terá, é porque o

primeiro vota, o outro não”, enfatiza.

Este fator tem a ver com a afirmação de Amartya Sen (2000). As liberdades se

complementam umas às outras. Quais liberdades? O autor responde: liberdade política,

econômica, oportunidades sociais, garantias de transparência e segurança protetora3. Todas

estas liberdades fortalecem-se a si mesmas. A liberdade econômica suscita a liberdade política.

E a liberdade política é imprescindível para a democracia.

Seguindo essa linha de raciocínio, pode-se entender o capitalismo como um meio

necessário para se chegar à liberdade e – embora não seja suficiente – à democracia. Sobre isso,

diz Sorman (2008, p. 164), que “a longo prazo, constata-se que o capitalismo tende para a

democracia, sem que a passagem de um para o outro seja necessária ou mecânica”. Esta relação

não simétrica, contudo, deve-se ao nível de liberdade que determinados países atingiram ou

não. O que se nota é que nos lugares onde há maior liberdade econômica, verifica-se mais

liberdade política e, como consequência, mais democracia. Todavia, isto será abordado mais

detidamente adiante. Por agora, este trabalho se detém na relação entre liberalismo – ideologia

da liberdade – e democracia.

Liberdade e Democracia

Antes de se abordar a liberdade como fator essencial ao surgimento da democracia, é

possível, porém, retomar rapidamente a discussão sobre o capitalismo. Schumpeter (1984)

revela que “as democracias evoluíram historicamente no rastro do capitalismo antigo e

1 Idem, p. 24. 2idem, p. 145. 3 Idem, p. 25.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 65

moderno”. Surgiram de revoluções, pode-se argumentar. Não obstante, não fora assim. A essas

alegações, o próprio Schumpeter responde que

se decidirmos adotar uma dissertação histórica, verificaremos que, até mesmo muitos dos fatos que parecem os mais convenientes aos críticos radicais para seus objetivos, muitas vezes se apresentam de maneira diferente se examinados à luz de uma comparação com os fatos correspondentes da experiência pré-capitalista. E não podemos alegar que aqueles tempos eram diferentes, pois foi precisamente o processo capitalista que produziu essa diferença.1

Isso se vincula ao que Schumpeter demonstra em relação ao novo homem advindo com a

emergência do capitalismo. As conquistas sociais, afirma, não foram elementos impostos à

sociedade capitalista, mas derivam exatamente de seu surgimento. Desse modo, Schumpeter

denota que “o pensamento livre, no sentido do materialismo monista, o laicismo e a aceitação

pragmática do mundo, do lado de cá da sepultura, derivam-se do capitalismo, não realmente por

necessidade lógica, mas como coisa natural”2.Schumpeter3 parece ter certeza de que a

democracia deriva do capitalismo. Para ele, “a História confirma sem discrepância esse fato:

historicamente, a democracia moderna cresceu passo a passo com o capitalismo e foi dele

consequência”. Nesse sentido, como defende este artigo, a democracia é fruto das sociedades

capitalistas e liberais.

Não obstante, o liberalismo – isto é, o sistema político-econômico defensor da liberdade

dos indivíduos - e a democracia não nasceram unidos e permaneceram um longo período

separados. Como demonstra Bobbio (2002, p. 65), pensadores liberais e democratas faziam

defesas diferentes. Se os liberais viam a democracia como a emergência de uma nova corrente

do despotismo, os democratas viam no liberalismo uma falsa defesa da liberdade, uma liberdade

para poucos. Nesse sentido, questiona Bobbio (2005, p. 42), como a democracia pode ser

considerada o estágio posterior de desenvolvimento do Estado liberal4, de modo que se passe a

utilizar o termo “liberal-democracia” para determinados regimes contemporâneos?

A resposta é dada pelo próprio Bobbio. Segundo ele, é porque “não só o liberalismo é

compatível com a democracia, mas a democracia pode ser considerada o natural

desenvolvimento do Estado liberal”5. Assim, apesar da não correlação entre liberalismo e

democracia no princípio, no mundo contemporâneo tornou-se inconcebível a existência de

Estados liberais não-democráticos e Estados democráticos não-liberais. E isto se deve, de acordo

com Bobbio6, por duas razões complementares: “a) que hoje o método democrático seja

1 Idem, p. 161. 2 Idem, p. 166. 3 Idem, p. 353. 4 Estado com poderes limitados, cuja ação deve ser mínima e incapaz de infrigir a liberdade dos cidadãos 5 Idem, ibidem. 6 Idem, p. 43.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 66

necessário para a salvaguarda dos direitos fundamentais da pessoa, que estão na base do Estado

liberal” e “b) que a salvaguarda desses direitos seja necessária para o correto funcionamento do

método democrático”.

Esta articulação se fundamenta em dois aspectos, que também se complementam. O

primeiro é que os Estados liberais – ou seja, Estados com constituição, logo, com poderes

limitados - resguardam a tendência dos governantes ao abuso de poder. A garantia contra isso

jaz na liberdade política, na possibilidade de os cidadãos participarem direta ou indiretamente

na formação das leis. O segundo aspecto refere-se à participação por meio do voto, onde o

indivíduo concretiza seu poder político – que, por si, delimita o poder do governante. Para

Bobbio1, “apenas se o indivíduo se dirige às urnas para expressar o próprio voto goza das

liberdades de opinião, de imprensa, de reunião, de associação, de todas as liberdades”.

Deste modo, denotamos em Bobbio a defesa do raciocínio que nos dispõe a crer que a

democracia moderna advém dos estados liberais. Conforme ele aponta, no mundo

contemporâneo “apenas os estados nascidos de revoluções liberais são democráticos”. Em

contrapartida, pode-se acrescentar aqui de maneira enfática, também “apenas os Estados

democráticos protegem os direitos do homem”2.

Não obstante, é preciso definir democracia. Como ilustra Schumpeter, o método

democrático não é um fim em si mesmo. A democracia, por si própria, seria exatamente o que

os liberais atribuíam a ela: uma nova tirania. A tirania da maioria terminaria por solapar todas as

minorias pelo mundo. De forma democrática, através do voto, a própria liberdade política, além

da liberdade religiosa, da justiça, entre outras coisas, esvair-se-iam. Exatamente por isso, cabe

a definição do próprio Schumpeter para democracia:

A democracia é um método político, isto é, um certo tipo de arranjo institucional para chegar a uma decisão política (legislativa ou administrativa) e, por isso mesmo, incapaz de ser um fim em si mesmo, sem relação com as decisões que produzirá em determinadas condições históricas. (SCHUMPETER, 1984, p. 291)

Mas não apenas isso, “o método democrático é o arranjo institucional para se chegar a

certas decisões políticas que realizam o bem comum, cabendo ao próprio povo decidir, através

da eleição de indivíduos que se reúnem para cumprir-lhe a vontade.” (SCHUMPETER, 1984, p.

300)

Talvez derive dessa indeterminação da democracia, da necessidade de um objetivo – para

que se restrinja a possibilidade de que a maioria faça valer alguns direitos que atentam contra

liberdades de minorias – que Merquior (1983, p. 88) aponta que em uma ordem liberal moderna é

imprescindível a conjunção de constitucionalismo – limitação e regulação do poder pela lei – e

1 Idem, p. 44. 2 Idem, ibidem.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 67

democratização da cidadania. Isto porque, aponta o autor, no mundo atual “não há legitimidade

fora do ideal democrático, o que supõe a universalidade de cidadania, dos direitos políticos, e

não apenas [...] a dos direitos civis”1. A democracia, nesta forma, e como se viu em Bobbio

(2005) há pouco, caracteriza-se como um meio para a obtenção e manutenção das liberdades do

homem.

Saindo do âmbito teórico, o objetivo este artigo requer uma breve análise do panorama

mundial em relação aos três fatores aqui destacados: capitalismo, liberdade e democracia.

Capitalismo, Liberdade e Democracia Pelo Mundo

Nesta parte do trabalho, faz-se necessário abordar as relações entre capitalismo,

liberdade e democracia. Para tanto, buscam-se dados a respeito destes três fatores pelo mundo.

Estes dados derivam de dois índices: de liberdade econômica e de democracia. Não obstante,

antes de se debruçar nesta avaliação, é preciso justificar este método e definir o que se busca

em cada uma dessas pesquisas.

Este trabalho não pretende esgotar a correlação encontrada entre capitalismo, liberdade

e democracia, visto que se trata de um objetivo complexo e que necessita de maior rigidez

científica.

Serão abordados neste trabalho, ao todo, os 15 países onde mais se verificam liberdade

democrática. O objetivo é verificar se o elevado índice de democracia destes países encontra

resposta na liberdade econômica. Parte-se do índice de democracia em virtude deste ser o

estágio mais avançado da correlação entre o capitalismo e as liberdades. Como se viu, podem

haver países capitalistas ou Estados liberais não-democráticos.

É preciso, neste momento, justificar as definições utilizadas. Isto se deve em virtude das

diferenças de conceito. Desse modo, nesta parte da pesquisa utilizamos o termo liberdade

econômica para designar o que chamamos de capitalismo. Mesmo que liberdade econômica não

seja um sistema propriamente dito, ela é o fundamento sobre o qual se ancora o capitalismo.

Isto é, não há capitalismo sem liberdade econômica. Nesse sentido, dados acerca desta

liberdade determinarão a potencialidade do sistema capitalista. Quanto a liberdade

democrática, outro índice será utilizado para a comparação. E é ele o primeiro.

Democracia

Para se analisar o nível de democracia dos países pelo mundo este trabalho traz o

Economist Intelligence Unit Democracy Index 2010 (Índice de Democracia 2010), um estudo feito

1 Idem, p. 87.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 68

pela revista britânica The Economist. Essa pesquisa avalia a democracia em 165 países e mais

dois territórios.

Os critérios levados em consideração no índice são: processo eleitoral e pluralismo;

liberdades civis; o funcionamento do governo; a participação política; e, por fim, a cultura

política. Após avaliação, os países são divididos em quatro categorias: democracias plenas,

democracias imperfeitas, regimes híbridos e regimes autoritários. As notas variam de 0 a 10

(quanto mais alta, maior o nível democrático).

O Índice de Democracia de 2010 aponta que dos 167 países analisados, apenas 26 contam

com uma “democracia plena”, contra 53 “democracias imperfeitas” e 33 “regimes híbridos” –

que são também considerados democráticos. O estudo denota, no entanto, que são 55 o número

de países considerados ditatoriais.

Aqui, trazemos os 15 países cujo sistema democrático pode ser considerado o mais

elevado. A seguir, verificamos a classificação destes países no índice de liberdade econômica.

Classificação País Índice

1 Noruega 9,80

2 Islândia 9,65

3 Dinamarca 9,52

4 Suécia 9,50

5 Nova Zelândia 9,26

6 Austrália 9,22

7 Finlândia 9,19

8 Suíça 9,09

9 Canadá 9,08

10 Holanda 8,99

11 Luxemburgo 8,88

12 Irlanda 8,79

13 Áustria 8,49

14 Alemanha 8,38

15 Malta 8,28

Tabela 1 – Classificação do Índice de Democracia

Liberdade Econômica

A avaliação acerca da liberdade econômica pelo mundo se vale do índice publicado pela

Heritage Foundation, o Index of Economic Freedom. A pesquisa se fundamenta nos seguintes

critérios: liberdade nos negócios, no comércio e liberdade fiscal, tamanho do governo, liberdade

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 69

monetária, de investimentos e financeira, além dos direitos de propriedade, corrupção e

liberdade de trabalho.

O índice divide os países entre as seguintes categorias: livre (índice de 100-80), bastante

livre (79.9-70), moderadamente livre (69.9-60), não muito livre (59.9-50) e repressor (49.9-0).

Ao todo, 179 países foram abarcados pelo índice.

Ao se verificar os 15 países considerados acima como os de democracia mais avançada,

obtém-se o seguinte panorama, de acordo com a ordem de classificação deste índice de

liberdade econômica:

Classificação1 País Índice

3 Austrália 82.5

4 Nova Zelândia 82.3 5 Suiça 81.9

6 Canadá 80.8

7 Irlanda 78.7

8 Dinamarca 78.6

13 Luxemburgo 76.2

15 Holanda 74.7

17 Finlândia 74.0

21 Áustria 71.9 22 Suécia 71.9

23 Alemanha 71.8

30 Noruega 70.3

44 Islândia 68.2

57 Malta 65.7

Tabela 2 – Classificação do Índice de Liberdade Econômica

Na tabela acima, verifica-se o seguinte aspecto em relação à liberdade econômica pelo

mundo. Nos quatro primeiros países, constata-se uma plena liberdade econômica – que, como

vimos, é a liberdade essencial ao capitalismo. As demais nações, com exceção a Malta e Islândia,

encontram-se em elevado grau desta liberdade. Porém, mesmo nos dois últimos países –

considerados democráticos – não se verificou grande restrição econômica, de modo que ambos

acham-se em moderada liberdade econômica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo acerca da possível correlação entre capitalismo, liberdade e democracia é

ambicioso e requer maior aprofundamento e rigidez científica. Contudo, este trabalho não

ambicionou comprovar que a democracia somente é possível através do sistema capitalista,

apesar de que na história não se concretizou uma democracia em sociedades não-capitalistas.

Também, e mais importante, não se busca dizer que o capitalismo só é possível com a

1 Classificação no Índice de Liberdade Econômica 2011

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 70

democracia. Quanto a isso, nota-se que há países onde a liberdade econômica – essencial ao

sistema de capital – é abrangente sem que, todavia, suas formas de governo sejam

democráticas. Mas isso não derruba a defesa de que, afinal, foi do capitalismo que emergiu até

hoje a democracia, não que o capitalismo inexista sem democracia.

A prova em contrário fornece elementos pertinentes a essa tese. Em todos os países onde

se verificam os mais elevados níveis de democracia há liberdade econômica. Não se verifica

ausência desta liberdade nas democracias ao redor do mundo, o que denota que as democracias

foram atingidas sem que se restringisse o capitalismo.

Este trabalho, portanto, denota que capitalismo, liberdade e democracia coexistem nas

sociedades mais avançadas.

Resta observar, no entanto, se das nações onde na atualidade se verificam elevado grau

de liberdade econômica emergirão novas democracias-liberais. Mas isso somente a história

poderá dizer.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOBBIO, Norberto. Igualdade e liberdade. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. . Liberdade e democracia. São Paulo: Brasiliense, 2005. Economist Intelligence Unit Democracy Index 2010. Disponível em:<http://graphics.eiu.com/PDF/Democracy_Index_2010_web.pdf> . Acesso em 28 de jun. 2011. FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e liberdade. São Paulo: Abril Cultural, 1985. Index ofEconomicFreedom. <http://www.heritage.org/index/ranking>. Acesso em 28 de jun. 2011. LOBÃO, Antonio Carlos Azevedo. Progresso e Capitalismo. Dissertação de mestrado em Política Científica e Tecnológica. IG – Unicamp. 1998. MERQUIOR, José Guilherme. A Natureza do Processo. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1982. . O argumento liberal. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1983. SCHUMPETER, Joseph Alois. Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro: Zahar, 1984. SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000 SORMAN, Guy. O Ano do Galo – Verdades sobre a China. São Paulo: É realizações, 2007. . A economia não mente. São Paulo: É realizações, 2008. WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Pioneira. 1967. . Ciência e Política: duas vocações. São Paulo: Editora Cultrix, 2002.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 71

A QUESTÃO AMBIENTAL PELA ÓTICA DOS DIREITOS DE

PROPRIEDADE

Adriel Santos Santana1

Tarcísio Magalhães Azevedo2

Resumo: O presente trabalho apresenta os principais desafios relacionados ao meio ambiente,

como a devastação dos biomas e o crescimento sem precedentes da população humana,

analisando, por conseguinte, os fundamentos teóricos e a eficiência das atuais políticas públicas

ambientais. Compara também, para efeitos da questão ambiental, os benefícios e malefícios da

implementação da propriedade pública e propriedade privada, visando apontar o modelo mais

competente na busca por um sistema ecologicamente equilibrado. Por fim, é mostrado como a

“privatização da natureza” torna a preservação das florestas, animais, da água, do solo e do ar

mais eficaz do que a contemporânea alternativa estatal.

Palavras chave: Meio Ambiente. Preservação. Propriedade Privada. Danos. Responsabilização.

1 UESC. Departamento de Ciências Jurídicas. Estudante do 8º Semestre, turma 2008, do Curso de Direito. E-mail:

[email protected]

2 UESC. Departamento de Ciências Jurídicas. Estudante do 8º Semestre, turma 2008, do Curso de Direito. E-mail:

[email protected]

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 72

INTRODUÇÃO

A evolução das leis de defesa do meio ambiente vem aparecendo cada vez com mais

intensidade entre os debates sobre desenvolvimento econômico sustentável das nações. Como

forma de amenizar os efeitos devastadores que a exploração da natureza gera ao próprio ser

humano e toda a vida na Terra, tem se imposto sanções estatais das mais variadas naturezas aos

infratores das leis de proteção ecológica.

A política ambiental está em constante reforma com a adoção de penalidades cada vez

mais severas contra aqueles que poluem e põem em risco a saúde das pessoas e da própria

natureza, tratada como um bem jurídico em si. Um bom exemplo disso é o novo Código Florestal

Brasileiro, que surge no cenário da legislação nacional numa fase em que o país busca conciliar

suas principais atividades produtivas com a busca constante pela preservação ambiental.

É possível notar que o Brasil optou pela aplicação de um modelo de planejamento

central, organizado pelo Estado, visando à conservação do meio ambiente nacional, que é um

dos mais diversificados e ricos do mundo. Essa política tem sofrido críticas por parte tanto dos

movimentos ambientalistas, que defendem leis mais duras contra aqueles que destroem a

natureza, como também por parte dos setores mais produtivos do país (agricultura, pecuária e

indústria), que reclamam dos altos custos para operar seus negócios legalmente, oriundos de

uma infinidade de leis, normas e resoluções ambientalistas.

Portanto, faz-se de suma importância apontar as falhas inerentes ao típico sistema de

planejamento central, o qual está calcado em uma mentalidade coletivista e no apoio ao

fortalecimento da propriedade pública em detrimento da privada. Para tanto será utilizado o

vasto arcabouço teórico fornecido pela Escola Austríaca de Economia sobre o funcionamento dos

mercados, da sociedade e do Estado. Pretende-se dessa forma demonstrar aqui uma alternativa

viável ao atual modelo de preservação ambiental, firmada sobre o respeito à propriedade

privada e a responsabilização individual sobre os danos cometidos pelos poluidores e

destruidores dos recursos naturais.

2. A Problemática Ambiental

2.1. Crescimento Populacional

A história do homem moderno na Terra pode ser datada entre o período de 200 mil a 100

mil anos atrás, momento este em que após uma longa linhagem evolutiva, esta qual remonta há

cerca de 2,5 milhões de anos nas savanas da África Oriental, a espécie humana atingiu a sua

atual forma, o Homo sapiens sapiens.1

1 Reader’s Digest. Grandes Acontecimentos que Transformaram o Mundo (Rio de Janeiro: Reader’s Digest Brasil, 2002), Pág. 10.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 73

Inicialmente, até aquela ocasião, as comunidades humanas estavam organizadas de forma

tal que subsistiam exclusivamente da caça de animais e da coleta de frutos e legumes. Esse

estilo de vida ficou conhecido como caçador-coletor. O sistema baseado no simples consumo dos

recursos naturais, este qual é a principal característica dos grupos caçadores/coletores,

funcionou razoavelmente bem durante milhares de anos graças especialmente ao tamanho

relativamente pequeno dessas aglomerações, que permitiam que tais recursos não se exaurissem

rapidamente, o que colocaria em dificuldade a sobrevivência de todos. De fato, estima-se que

até por volta de 50 mil anos atrás, o número total de Homo sapiens sapiens não passava de 5

mil.1

O principal problema relativo a esse modo de vida até então predominante reside no

exaurimento dos recursos naturais a disposição do grupo, posto que nada era acrescentado a

natureza, o que consequentemente diminuía gradualmente a quantidade de alimentos. Assim

sendo, se fazia de suma importância ter sobre controle a taxa de natalidade dos indivíduos que

compunham os agrupamentos, para não agravar a oferta de bens disponíveis e não comprometer

o estilo de vida predominante.

Contudo, mesmo após as mais variadas tentativas de manter baixa a densidade

populacional, a quantidade de humanos continuava a aumentar. Restaram, por fim, apenas três

opções aos seres humanos: a migração, guerrear em torno dos bens escassos ainda existentes, e

a alteração significativa do modo de vida vigente. A primeira dessas alternativas levou a

conquista pelo homem moderno de todos os continentes do globo terrestre; a segunda gerou os

primeiros Estados, estes quais ficaram responsáveis pela manutenção da paz social e da proteção

contra inimigos externos; e a terceira, que foi a mais revolucionária de todas, levou o homem a

adotar uma organização social baseada no sedentarismo, esta qual teria sua base na agricultura

e pecuária2. Foi essa última alternativa que propiciou que a espécie humana pudesse a partir de

então não apenas viver adequadamente bem, como expandir sem grandes receios a sua prole,

pelo menos até então. Foi inclusive esse processo de sedentarismo que permitiu à sociedade se

tornar mais complexa, adotando novas técnicas e materiais não apenas na produção de

alimentos, como no comércio, artesanato e nos cultos religiosos, o que envolvia também a

questão fúnebre3.

Em outubro de 2011, a população mundial atingiu o marco inédito de 7 bilhões de

pessoas. Um número tão elevado de indivíduos reacendeu na mídia e na academia o antigo

debate sobre a capacidade do planeta de suportar a demanda por alimentos necessária a

1 Instituto Ludwig von Mises Brasil. A Origem da Propriedade Privada e da Família. Disponível em: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1037 Acesso em: 13 de dezembro 2011. 2 Instituto Ludwig von Mises Brasil. A Origem da Propriedade Privada e da Família. Disponível em:

http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1037 Acesso em: 13 de dezembro 2011.

3 Reader’s Digest. Grandes Acontecimentos que Transformaram o Mundo (Rio de Janeiro: Reader’s Digest Brasil, 2002), Pág. 11-13.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 74

manutenção de uma vida razoavelmente satisfatória para todos. Esse medo é comumente

denominado de a questão da superpopulação.

Thomas Malthus, um matemático inglês, é considerado o pioneiro no alerta do problema

demográfico. Ele propôs, em meados de 1798, que a produção de alimentos aumentava

aritmeticamente, enquanto que a população humana crescia em um ritmo geométrico1. O

problema malthusiano relaciona-se com a lei econômica dos rendimentos, a qual afirma que

para qualquer combinação dos fatores de produção, existe uma combinação ótima. Se esta

combinação ótima não for seguida, isto é, se apenas um fator de produção for aumentado

enquanto o outro for mantido constante, então a quantidade de bens físicos produzida não

aumentará em nada2. Em cima de tal premissa, Malthus declarou que o planeta teria suas fontes

de alimentos esgotadas até o fim do século XIX, previsão que acabou não se confirmando.

Em 1968, na Universidade de Stanford, o biólogo Paul Ehrlich, um neomalthusiano,

reviveu as previsões catastróficas de Malthus por meio do seu livro The Population Bomb (A

Bomba Populacional), no qual afirmava que a reprodução descontrolada dos seres humanos

resultaria em uma enorme escassez de alimentos. Segundo ele, até o fim daquela década, pelo

menos um quinto da humanidade morreria em razão da fome. As afirmações de Ehrlich levaram

a recém-criada agência da ONU, UNFPA (Fundo de População das Nações Unidas) a alertar

constantemente por meio dos seus relatórios, nas décadas seguintes, os seus países membros

sobre os perigos da superpopulação.3

Contrariamente às previsões apocalípticas citadas acima, o problema da superpopulação

é visto na contemporaneidade com maior cautela e sem grandes alardes públicos. Isso se deve

em muito a dois fatores: primeiramente a de que se sabe atualmente que, segundo a ONU, o

crescimento populacional alcançará um nível de estabilidade por volta do ano de 2050, tendo

início logo em seguida um fenômeno de decréscimo da população como um todo. Isso se deve a

baixa taxa de nascimentos e ao aumento da longevidade a nível global4. É importante destacar

também a revolução empreendida no ramo da agropecuária nas últimas décadas, esta qual

permitiu que alimentos fossem produzidos sobre uma quantidade cada vez menor de terras sem

1 Portal Libertarianismo. Superpopulação: A Criação de um Mito. Disponível em:

http://libertarianismo.org/index.php/videos/72-population-institute/230-superpopulacao-a-criacao-de-um-mito

Acesso em: 14 de dezembro 2011.

2 Mises, Ludwig von. Ação Humana (Rio de Janeiro: Instituto Liberal. 1990), Pág. 177-182.

3 Portal Libertarianismo. Superpopulação: A Criação de um Mito. Disponível em:

http://libertarianismo.org/index.php/videos/72-population-institute/230-superpopulacao-a-criacao-de-um-mito

Acesso em: 14 de dezembro 2011.

4 UNFPA - BRASIL. UNFPA lança Relatório sobre a Situação da População Mundial. Disponível em:

http://www.unfpa.org.br/Arquivos/caderno_populacao6.pdf Acesso em: 14 de dezembro 2011.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 75

contudo alterar a quantidade ofertada. Não se pode ignorar também a possibilidade que existe

de, via emprego de tecnologia específica, tornar cultiváveis terrenos antes pobres ou inóspitos1.

As razões para o problema da fome em vários países não se deve a grande quantidade de

pessoas existentes no mundo, como alegam os proponentes da tese da superpopulação, mas há

fatores bastante específicos e localizados. Os conflitos armados, a pobreza em larga escala, a

não utilização de tecnologias que preservem a qualidade do solo e que garantam a quantidade

da produção nos países subdesenvolvidos, além da falta de infra-estrutura adequada em certos

lugares, esta qual impede o transporte e o comércio de alimentos, são as reais causas da fome

que afeta milhões de pessoas pelo mundo.

2.2. Impactos Ecológicos

De acordo com a Resolução CONAMA 01/86, “qualquer alteração das propriedades físicas,

químicas e biológicas do meio ambiente, afetando o bioma, as condições estéticas e a qualidade

dos recursos ambientais devem ser consideradas impacto ambiental”. A preocupação legislativa

com esse tipo de dano deve-se em parte a adoção dos ordenamentos nacionais e nas

organizações internacionais de novos princípios visando à proteção ambiental e a preservação da

qualidade vida das populações2. Ressalta-se, contudo, que essa visão protetivas dos recursos

naturais remonta a eras bem anteriores a nossa, havendo variações somente no grau de proteção

aplicada.

O homem, desde os seus primórdios na Terra, buscou alterar o meio ambiente no qual se

instala visando torná-lo mais agradável e favorável a sua permanência e sustentação em longo

prazo numa determinada região. Essas transformações se deram no decorrer dos séculos com

intensidades e graus variados. No período do descobrimento do continente americano no século

XIV pelos europeus, por exemplo, uma vasta área das florestas nativas foi explorada com uma

finalidade essencialmente comercial. Mesmo assim, antes mesmo dos europeus chegarem nestas

novas terras, os nativos já eram responsáveis por uma destruição bastante relevante da flora e

fauna3. Contudo, foi somente a partir do período conhecido como Revolução Industrial, que vai

desde o século XVIII até o XIX, que as mudanças no meio ambiente tornaram-se cada vez mais

visíveis, o que não implicou necessariamente em uma preocupação quanto às consequências a

médio e longo prazo daqueles impactos.

1 Portal Libertarianismo. Alimento: Temos em Grande Quantidade. Disponível em:

http://libertarianismo.org/index.php/videos/72-population-institute/229-alimento-temos-em-grande-quantidade

Acesso em: 14 de dezembro 2011.

2 Machado, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro (São Paulo: Malheiros Editores, 2004), Pág. 47-48.

3 Narloch, Leandro. Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil (São Paulo: LeYa, 2009), Pág. 29-33

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 76

Importante salientar que a Revolução Industrial, como aponta o historiador americano

Stephen Davies, permitiu que a população do Reino Unido se tornasse mais rica de maneira geral

no século XIX do que era um século antes. De fato, durante vários séculos o nível de crescimento

da qualidade de vida das pessoas permaneceu bastante baixo, ocorrendo poucas melhoras

significativas a cada geração. Somente com mudanças básicas na forma como a sociedade, em

especial a britânica e a holandesa, lidava com as questões comerciais, aliado a uma intersecção

entre empreendedorismo e avanços científicos, que tornaram possível esse aumento substancial

do nível de vida dos indivíduos de maneira geral.1

A fusão entre progresso tecnológico e a capacidade empreendedora foi denominada de

“cultura da engenharia”, termo cunhado pelo historiador americano George Dyson. Essa mescla

entre meios intelectuais e científicos com os meios econômicos levou a sociedade a níveis de

inovação técnica jamais vistas anteriormente. Dessa maneira, toda nova tecnologia é

constantemente aperfeiçoada, e esse fenômeno, ao contrário do que muitos imaginam, remonta

justamente ao período da Revolução Industrial.

Assim sendo, se no período Pré-Revolução Industrial existia uma dependência de madeira

para alimentar tanto as residências como as fábricas, após a sua eclosão o carvão tornou-se uma

fonte mais barata e menos impactante ao meio ambiente, pelo menos neste estágio, do que a

alternativa a época, que acarretava na destruição das florestas nativas. Esse mesmo processo

pode ser presenciado atualmente no que tange a busca por fontes alternativas ao petróleo como

principal matriz energética.

Contudo, há situações em que os danos causados ou com potencialidade para tanto são

demasiadamente grandes ou podem acarretar em grave ameaça a própria sobrevivência dos

seres humanos em determinado ambiente; e essa preocupação exige uma análise mais

explanativa do problema em questão.

2.3. A Tragédia dos Comuns

Não obstante a todo o reconhecido progresso na qualidade de vida dos indivíduos

propiciado pelo capitalismo moderno, há duas questões que chamam a atenção no processo

característico dos mercados econômicos citados no tópico anterior. A primeira delas envolve o

problema dos recursos considerados não-renováveis, ou seja, aqueles cuja reposição natural

necessita de um tempo demasiadamente enorme. A segunda questão aborda a situação do solo,

da água, do ar, das florestas e dos animais em face das atividades econômicas cuja atuação põe

em risco a manutenção e preservação desses recursos e do ecossistema local. Essas duas

questões, quando foram postas em conjunto pelo professor de ecologia Garrett Hardin, serviram

1 Portal Libertarianismo. Uma Introdução a Revolução Industrial. Disponível em: Acesso em: 14 de dezembro 2011.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 77

de fundamento para a sua teoria de comportamento humano, a qual foi alcunhada de A Tragédia

dos Comuns.

The Tragedy of the Commons é o nome do artigo científico do professor Garrett

publicado na revista Science em 1968. Neste trabalho, ele afirmou que sempre que um usuário

de um determinado recurso recebe um benefício direto desta utilização, mas arca somente com

uma parcela pequena do custo de explorá-lo, haverá um incentivo significante para extrair o

máximo possível dele e fazer o mínimo possível em prol da sua preservação1. Esse problema

também pode ser denominado de o problema dos recursos de acesso aberto.

Em seu artigo, Garrett utilizou um exemplo de um terreno apto para a pastagem de gado,

o qual possuía uma livre entrada de usuários. Dessa maneira, todos que assim desejarem

poderiam colocar seu gado para pastar nesse terreno. A consequência dessa situação que é

destacada pelo professor é que como cada usuário buscará usufruir ao máximo do pasto trazendo

cada vez mais gado para o local, pois assim eles obterão mais benefícios, o terreno terminará

sendo superexplorado e, no fim, ficará completamente degradado. O problema identificado

nesse exemplo é justamente a ausência da possibilidade de restringir ou excluir o acesso de

outros. Ao extrair essa conclusão, Garrett propôs duas soluções possíveis ao problema da

Tragédia dos Comuns: ou se privatizava o terreno, convertendo-o assim em uma propriedade

privada ou se convertia a área em propriedade pública, a qual ficaria sobre controle do Estado.2

A atual política nacional para o meio ambiente defende que os recursos que o integram,

como solo, água e ar, devem satisfazer as necessidades básicas de todos os cidadãos, sendo que

cabe ao Estado garantir esse direito. Vê-se que foi adotada assim justamente a segunda solução

fornecida por Garrett em seu artigo. Dessa forma, fica evidente que para os legisladores

nacionais deve-se pensar no meio ambiente como se este fosse um bem de uso comum do povo,

recursos aos quais todos devem ter acesso3. Entretanto, ainda de acordo com a alternativa

proposta pelo professor, o Poder Público estabelece normas bastante rígidas que devem ser

observadas, estas quais determinam uma série de requisitos necessários para uma utilização que

não comprometa a existência do recurso, nem ocasione danos as demais pessoas e a natureza,

além de punições específicas aos infratores.

Conforme o jurista Paulo Affonso Machado:

O Direito Ambiental tem a tarefa de estabelecer normas que indiquem como verificar as

necessidades de uso dos recursos ambientais. Não basta a vontade de usar esses bens ou a

possibilidade tecnológica de explorá-los. É preciso estabelecer a razoabilidade dessa utilização,

devendo-se, quando a utilização não seja razoável ou necessária, negar o uso, mesmo que os

bens não sejam atualmente escassos.

1 Die Off. The Tragedy of the Commons. Disponível em: http://dieoff.org/page95.htm Acesso em: 14 de dezembro 2011. 2 Portal Libertarianismo. A Tragédia dos Comuns. Disponível em: http://libertarianismo.org/index.php/videos/68-learn-liberty/137-a-tragedia-dos-comuns Acesso em: 14 de dezembro 2011. 3 Machado, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro (São Paulo: Malheiros Editores, 2004), Pág. 49.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 78

(...) O homem não é a única preocupação do desenvolvimento sustentável. A

preocupação com a natureza deve também integrar o desenvolvimento sustentável. Nem sempre

o homem há de ocupar o centro da política ambiental, ainda que comumente ele busque um

lugar prioritário. Haverá casos em que para se conservar a vida humana ou para colocar em

prática a "harmonia com a natureza" será preciso conservar a vida dos animais e das plantas em

áreas declaradas inacessíveis ao próprio homem. Parece paradoxal chegar-se a essa solução do

impedimento do acesso humano, que, a final de contas, deve ser decidida pelo próprio homem.1

Seguindo o mesmo entendimento principiológico, a Declaração de Estocolmo, em 1972,

apregoava que "os recursos não renováveis do Globo devem ser explorados de tal modo que não

haja risco de serem exauridos e que as vantagens extraídas de sua utilização sejam partilhadas a

toda a humanidade".2

A base desse raciocínio legal está em consonância com o pensamento comunitário sobre a

disposição dos recursos naturais, o qual por sua vez recai sobre a forma como a sociedade se

organiza socialmente quanto ao seu modelo de propriedade considerado legítimo. Portanto, se

faz necessário averiguar, antes de prosseguirmos com este trabalho, quais das duas alternativas

propostas por Garrett realmente produz uma resposta satisfatória ao problema da Tragédia dos

Comuns.

3. Direitos de Propriedade

3.1. Propriedade Pública

A Terra é um planeta abundante em recursos naturais, estes quais possibilitaram o

surgimento e a sobrevivência das mais variadas formas de vida ao longo de milhões de anos.

Esses bens, quando em estado natural, ou seja, quando ainda não foram apossados

legitimamente e exclusivamente por um indivíduo ou um grupo, pertencem a todos, no sentido

de que seu uso é até aquele instante de trato comunitário.

Importante notar que o conceito de propriedade só faz sentido quando há uma escassez

de determinados bens, posto que o objetivo do instituto da propriedade é de justamente definir

quais as regras relativas ao uso destes bens em questão, a fim de dirimir possíveis conflitos entre

os usuários.

Conforme o filósofo Hans-Hermann Hoppe:

Se não houvesse nenhuma escassez e todos os bens passassem a serem chamados de “bens

livres”, cujo uso por qualquer pessoa e para qualquer finalidade de modo nenhum excluísse (ou

interferisse ou restringisse) seu uso por qualquer outra pessoa para qualquer outra finalidade,

então não haveria necessidade da propriedade.3

1 Machado, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro (São Paulo: Malheiros Editores, 2004), Pág. 49-50. 2 Machado, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro (São Paulo: Malheiros Editores, 2004), Pág. 50 3 Hoppe, Hans-Hermann. Uma Teoria sobre Socialismo e Capitalismo (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2009), Pág. 9.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 79

Esses conflitos existentes em torno dos bens naturais devem-se ao fato de que os

indivíduos possuem objetivos diferentes, valorizando de maneira distinta esta ou aquela

finalidade e, por conseguinte, adotam medidas particularizadas sobre o propósito a qual deve

ser destinados estes bens e como se deve buscar esse fim pretendido.

O modelo de propriedade pública é uma das formas existentes para se solucionar os

conflitos humanos por bens. Nessa instituição, a propriedade é controlada por organismos

políticos, como autarquias, agências e departamentos, os quais serão responsáveis por aplicar as

finalidades estipuladas pelo Poder Público aquele bem. A maneira pela qual a propriedade

pública busca dirimir as divergências sobre um determinado bem é reduzindo as diversas

finalidades possíveis a um grupo relativamente claro de fins comuns, ou seja, aqueles que

atenderiam, em tese, aos interesses da maioria ou, se possível, da coletividade.1

O argumento utilizado em favor da preponderância da propriedade pública sobre privada

reside basicamente no problema econômico das externalidades. Estas decorrem dos atos dos

indivíduos que, em suas propriedades, geram efeitos que não estavam em seus cálculos iniciais

de custo/benefício, afetando assim, positivamente ou negativamente, os proprietários

circunvizinhos da propriedade deste. Estas consequências são também denominadas de “efeitos

de vizinhança”.2

Não interessa para está análise as externalidades positivas, mas exclusivamente as

negativas, pois são estas que impõe custos a terceiros. Em matéria ambiental, a poluição do ar,

a contaminação do solo e da água, além de outros danos ecológicos, são os principais efeitos

negativos advindos das ações de alguns proprietários.

Além das questões da externalidades, outro argumento a favor da instituição da

propriedade pública ou da intervenção estatal na propriedade é no caso dos intitulados bens

públicos. Em termos econômicos, um bem público seria um bem com duas características

básicas: não rivalidade e não exclusividade. Não rivalidade significa que, uma vez produzido, o

consumo do bem por um agente, não interfere, não impede o consumo do mesmo bem por outro

agente. Não exclusividade significa que, uma vez produzido, não há como excluir alguém do seu

consumo.

Um dos objetivos do Poder Público é dirimir as consequências advindas das

externalidades negativas determinando a cobrança de tributos sobre determinadas atividades e

de indenizações aos atingidos, além de estipular regulações para a exploração de um bem

especificamente. A instituição da propriedade pública é, dessa maneira, a forma definitiva pela

1 Friedman, David D. As Engrenagens da Liberdade. (Rio Grande do Sul: Estudantes pela Liberdade, 2006), Pág. 13.

2 Hayek, Friedrich A.. Direito, Legislação e Liberdade - Vol. III (São Paulo: Visão, 1985), Pág. 47.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 80

qual o Estado busca coibir as externalidades negativas e evitar a situação da tragédia dos

comuns.

3.2. Propriedade Privada

O conceito de propriedade privada adotado neste trabalho encontra guarita na definição

fornecida pelo filósofo John Locke em sua obra Segundo Tratado Sobre o Governo Civil e Outros

Escritos. Nela, afirma Locke:

Podemos dizer que o trabalho de seu corpo e a obra produzida por suas mãos são propriedade

sua. Sempre que ele tira um objeto do estado em que a natureza o colocou e deixou, mistura

nisso o seu trabalho e a isso acrescenta algo que lhe pertence, por isso o tornando sua

propriedade. Ao remover este objeto do estado comum em que a natureza o colocou, através do

seu trabalho adiciona-lhe algo que excluiu o direito comum dos outros homens.1

É dessa afirmação de Locke que se extrai o principio do homesteading. Este termo é

utilizado para ilustrar o procedimento pelo qual se dá uma apropriação, ou seja, a forma como

um indivíduo apropriar de alguma coisa, misturando o próprio trabalho àquele bem. É também

conhecido como princípio da apropriação original. Assim, para Locke, operando segundo esse

princípio, não só não se subtrai nada dos outros, já que se evitaria que as pessoas roubem ou se

proclamem donas de bens sem de fato utilizar-se deste, mas se cria riqueza com o trabalho

empregado novos bens antes não existentes.

A característica principal da propriedade privada é que nela seu proprietário (ou quem

ele autorizar) usa seus recursos naturais para seus próprios fins. São justamente a busca por

finalidade distintas que incentivará a adoção da cooperação, dado que como nem todos possuem

tudo, se faz necessário utilizar-se da troca de bens. Desta maneira, cada indivíduo irá auxiliar

outros de maneira não intencional a atingirem seus objetivos em troca do mesmo auxílio para

atingir os seus.2

O objetivo do direito de propriedade não consiste apenas em conferir ao proprietário o

direito de desfrutar de todos os benefícios que o bem possuído pode fornecer, mas também

onerá-lo com todos os inconvenientes resultantes da utilização indevida ou destrutiva deste

bem. Portanto, com o instituto da propriedade privada, os efeitos do uso daquele bem seriam de

exclusiva responsabilidade do proprietário, que assim precisaria levar em consideração todos os

resultados esperados dos seus atos, sejam estes positivos ou negativos. Contudo, se alguns dos

benefícios de sua ação não podem ser recebidos e alguns dos inconvenientes não lhe são

1 Locke, John. Segundo Tratado Sobre o Governo Civil e Outros Escritos (Rio Janeiro: Vozes, 1994), Pág. 98. 2 Friedman, David D. As Engrenagens da Liberdade. (Rio Grande do Sul: Estudantes pela Liberdade, 2006), Pág. 13.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 81

debitados, o proprietário, ao elaborar seu planejamento, não se incomodará com todos os

efeitos resultantes dos seus atos. Esta situação é denominada de custos externos.1

De acordo com o economista Ludwig von Mises (1990):

O exemplo extremo nos é proporcionado pelo caso, já referido anteriormente, das terras sem

dono. Se a terra não tem dono, embora o formalismo jurídico possa qualificá-la de propriedade

pública, as pessoas utilizam-na sem se importar com os inconvenientes de uma exploração

predatória. Quem tiver condições de usufruir de suas vantagens - a madeira e a caça dos

bosques, os peixes das extensões aquáticas e os depósitos minerais do subsolo – não se

preocupará com os efeitos posteriores decorrentes do modo de exploração. Para essas pessoas, a

erosão do solo, o esgotamento dos recursos exauríveis e qualquer outra redução da possibilidade

de utilização futura são custos externos, não considerados nos cálculos pessoais de receita e

despesa. Cortarão as árvores sem qualquer consideração para com as que ainda estão verdes ou

para com o reflorestamento. Ao caçar e pescar não hesitarão em empregar métodos contrários à

preservação das reservas de caça e pesca.2

Pode-se extrair dessa posição que a única maneira da instituição da propriedade privada

funcionar em sua plenitude é quando todos os custos dos atos de seus proprietários forem

arcados por este, e não serem aliviados pelo poder público, que pode ter criado inclusive o

incentivo inicial para aquela atividade por meio de subsídios, isenções fiscais ou concessões

monopolísticas. Ou seja, é preciso assim reformar o sistema legal para evitar justamente esse

tipo de situação onde o indivíduo não é responsabilizado inteiramente pelos danos cometidos.3

Quanto ao argumento estatizante em torno dos bens públicos, cabe notar dois pontos:

Primeiramente tais bens são muito difíceis de existirem na prática, já que a regra em torno de

bens é sempre a da escassez; Em segundo lugar, não motivo para que este mesmo bem, se

existir, não venha a ser gerido ou administrado pela iniciativa privada, a qual terá um forte

incentivo para manter e preservar aquele bem evitando assim, de maneira muito mais direta e

eficaz, a situação típica da tragédia dos comuns.

4. Livre Mercado e o Meio Ambiente

4.1. Progresso Econômico e Eficiência “Verde”

Um dos principais mitos econômicos contemporâneos é o de que a humanidade está

esgotando os recursos naturais. Esse temor está presente desde o início da industrialização, onde

as pessoas acreditavam que, com o uso dos recursos naturais pela indústria, eles eventualmente

1 Mises, Ludwig von. Ação Humana (Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1990), Pág. 914-916. 2 Mises, Ludwig von. Ação Humana (Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1990), Pág. 914-916.

3 Mises, Ludwig von. Ação Humana (Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1990), Pág. 914-916.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 82

se extinguiriam. No entanto, isto é em grande parte um mito, dado que o que homem está

fazendo com o tempo é aprendendo a usar os recursos naturais de maneira mais eficiente, e

procurando substitutos viáveis para os mesmos a medida em que a oferta daqueles diminuam.

Como ressalta o economista George Reisman:

Existe um fato fundamental sobre o mundo e que possui implicações profundas sobre, de

um lado, a oferta de recursos naturais e a relação entre produção e atividade econômica e, de

outro, o ambiente que cerca o homem. Essa enorme quantidade de elementos químicos

representa a oferta de recursos naturais fornecida pela natureza. É óbvio que, intrinsecamente,

essa oferta de recursos naturais é amplamente inútil. O que é importante — da perspectiva da

atividade econômica e da produção — é o subsistema de recursos naturais que o homem

identificou como possuidor de propriedades capazes de servir às necessidades e desejos

humanos, e sobre os quais os seres humanos adquiriram um real poder, de modo que

aprenderam a dirigi-los à satisfação de seus desejos e necessidades, e a fazê-lo sem despender

quantias exageradas de trabalho. Esta é a oferta de recursos naturais economicamente

utilizáveis. A oferta de recursos naturais economicamente utilizáveis se expande à medida que o

homem aumenta seu conhecimento em relação à natureza e seu poder físico sobre ela. A oferta

se expande à medida que o homem obtém avanços na ciência e na tecnologia e aprimora e

amplia sua oferta de equipamentos (bens de capital).1

Considere, por exemplo, a história do cobre nos EUA. No início da década de 60, o uso do

telefone se expandiu enormemente. Naquele tempo a única maneira de interligar os telefones

era utilizando cabos de cobre, e assim, com o sistema telefônico se expandindo para novas

partes dos Estados Unidos, a demanda por cobre começou a aumentar, como também o seu

preço aumentou. O resultado disto é que as pessoas começaram a se preocupar que não haveria

cobre o suficiente para interligar o sistema telefônico de todo o país, contudo este problema

terminou sendo contornado. Duas coisas aconteceram para que isto ocorresse: Primeiro, com o

preço do cobre aumentando, os produtores de cobre encontraram novas fontes, que

anteriormente tinham custos de exploração proibitivos. Mais importante ainda, é que houve o

incentivo ao desenvolvimento de substitutos, como o cabo de fibra óptica, que é feito de areia,

é mais barato e eficaz.2

Outro exemplo clássico é o do petróleo. Desde que o petróleo bruto foi refinado pela

primeira vez no século XIX, existe a preocupação de que eventualmente ele se esgotará. Está

tornou-se uma preocupação maior ainda no século XX com o desenvolvimento do automóvel e o

1 Instituto Ludwig von Mises Brasil. Uma Cartilha Sobre Recursos Naturais e o Meio Ambiente. Disponível em:

http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=833 Acessado em: 25 de dezembro 2011.

2 Portal Libertarianismo. Estão Acabando os Recursos Naturais? Disponível em:

http://libertarianismo.org/index.php/videos/68-learn-liberty/144-estao-acabando-os-recursos-naturais Acessado em:

25 de dezembro 2011.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 83

crescimento da demanda do petróleo por causa disto, mas, apesar das preocupações de que o

petróleo estaria esgotando, a realidade é que reservas concretas aparecem ano após ano,

mesmo sob as preocupações de que ele estaria acabando.1

Segundo os dados fornecidos pelas próprias entidades exploradoras de petróleo ao longo

do século XX, é possível notar uma disparidade entre as estimativas e a real capacidade de

fornecimento deste material. Em 1882, as estimativas eram de que apenas 95 milhões de barris

de petróleo bruto restavam em todo o mundo. Tendo em conta que se consumia 25 milhões de

barris de petróleo por ano, as reservas não iriam durar muito tempo. Mas em 1919, o petróleo

ainda estava presente e a Scientific American relatava existir reservas para apenas 20 anos. Indo

para 1950, mais de 30 anos após, ainda havia petróleo, e então o Instituto de Petróleo

Americano estimou que 100 bilhões de barris de petróleo ainda estavam disponíveis2. Contudo,

em 1980, já tinha se achado reservas num total de 648 bilhões de barris. Em 1993, esse número

cresceu para 999 bilhões de barris. Já no ano 2000, as reservas eram estimadas de mais de um 1

trilhão, sendo que oito anos depois elas já eram de 1,3 trilhões de barris de petróleo

disponíveis.3

Quando se reúne estas informações, o que se descobre é que a humanidade não está

ficando sem petróleo. Na realidade, com o aumento do preço do petróleo, o que os produtores

fazem é começar a procurar por novas fontes. Isso ocorre dado que é com o aumento do preço

que se torna lucrativo procurar pelo petróleo em lugares que anteriormente não o eram, e como

resultado acabasse achando petróleo que não se sabia existir antes dos preços começarem a

aumentar.

A conclusão que se retira desta análise é a de que se realmente há uma preocupação com

o esgotamento destes recursos, a solução não é a de restringir o uso deles, mas dar ao sistema

de preços a máxima competição possível na economia de mercado, para criar preços que

forneçam aos produtores o conhecimento e incentivo para achar substitutos aos recursos atuais.

1 Portal Libertarianismo. Estão Acabando os Recursos Naturais? Disponível em:

http://libertarianismo.org/index.php/videos/68-learn-liberty/144-estao-acabando-os-recursos-naturais Acessado em:

25 de dezembro 2011.

2 Note que esse número é dez vezes a quantidade até então disponível em 1882.

3 Portal Libertarianismo. Estão Acabando os Recursos Naturais? Disponível em:

http://libertarianismo.org/index.php/videos/68-learn-liberty/144-estao-acabando-os-recursos-naturais Acessado em:

25 de dezembro 2011.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 84

4.2. Preservação Privada da Natureza

4.2.1. Animais

Desde a metade do século XX, quando o movimento ambientalista floresceu (ao menos

nos moldes atuais) e iniciou sua expansão pelo mundo, a sociedade vem se reorganizando sobre

determinados hábitos e costumes e repensando a forma como se dá a relação dos indivíduos com

o meio ambiente, o que inclui a fauna, a flora e os demais recursos naturais. Um desses temas

sobre revisão gira em torno do polêmico debate da existência ou não dos “direitos” dos animais.

O economista Murray Rothbard (2010) trabalhou especificamente sobre essa questão em

seu livro A Ética da Liberdade. Nele, o autor defende que o homem é o único ser realmente

dotado de direitos, isso porque as demais espécies não compartilham das características básicas

do ser humano, quais são a racionalidade e a sociabilidade, não possuindo assim direitos. “A

capacidade individual do homem de escolha consciente, a necessidade que ele tem de usar sua

mente e sua energia para adotar objetivos e valores, para decifrar o mundo, para buscar seus

fins para sobreviver e prosperar, sua capacidade e necessidade de se comunicar e interagir com

outros seres humanos e de participar da divisão do trabalho”1 o tornam a única espécie

merecedora de portá-los de fato, conclui Rothbard.

Que o conceito de uma ética de espécie é parte da natureza do mundo pode ser

verificado, além disso, ao se contemplar as atividades das outras espécies na natureza. Chama a

atenção o fato de que animais, no fim das contas, não respeitam os "direitos" dos outros animais,

dado ser está a condição do mundo, e de todas as espécies naturais, que eles vivem de se

alimentar de outras espécies. Qualquer conceito de direitos, de criminalidade, de

agressão, só pode se aplicar a ações de um homem ou grupo de homens contra outros seres

humanos, pois só estes são dotados de uma moralidade.

O fato de que animais obviamente não podem requerer seus "direitos" é parte de suas

naturezas, e parte da razão pela qual eles claramente não são equivalentes aos, e não possuem

os direitos dos, seres humanos. E se for objetado que bebês também não podem requerer, a

resposta logicamente é que bebês são futuros adultos humanos, enquanto que animais

obviamente não são.2

Sobre a questão da extinção dos animais, se considerarmos todas as espécies que

existiram desde o surgimento da vida na Terra, a maioria delas está hoje completamente

extinta. Esse é um processo absolutamente normal. Assim, se para propósitos científicos ou de

entretenimento (como são os casos das universidades e dos zoológicos ou santuários), alguns

indivíduos quiserem preservar essa ou aquela espécie em sua própria terra e às suas próprias

1 Rothbard, Murray. A Ética da Liberdade (São Paulo: Instituto Mises Brasil, 2010), Pág. 225-227. 2 Rothbard, Murray. A Ética da Liberdade (São Paulo: Instituto Mises Brasil, 2010), Pág. 225-227.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 85

custas, isso será bom. Contudo não faz sentido repassar a toda a população os custos dessa

preservação, por meio de tributos e regulações, para que todas as espécies sejam salvas1. O

problema nesse caso reside justamente na ausência de direitos de propriedade, pois assim o

valor de espécies em extinção é efetivamente zero. Como o Estado reivindicou o direito de ser o

proprietário de certos animais terminou-se banindo o comércio dos mesmos. O mesmo ocorre

com os animais em extinção. Se, por outro lado, houvesse um mercado para espécies em

extinção imediatamente haveria incentivos para protegê-los. Isso sem levar em conta a

introdução de novas espécies em determinados habitats2.

Um exemplo nítido e lógico da eficiência do mercado em proteger as espécies, é o caso

dos frangos. Mesmo que milhões de frangos sejam mortos diariamente para alimentar a

população mundial, eles não correm riscos de extinção. Isso ocorre porque eles têm valor e é de

grande interesse dos produtores manterem a população de frangos ao nível da demanda.3

4.2.2. Água

A água é um bem essencial a vida humana. As primeiras civilizações surgiram inclusive ao

lado de grandes reservatórios hídricos, pois somente com uma grande oferta d’água o homem

poderia se estabelecer em um determinado local por bastante tempo. Portanto, não surpreende

que este tenha sido um bem causador de enormes conflitos pelo seu controle ao longo da

história humana.

Imaginar a privatização das águas pode causar estranheza a primeira vista, mas sendo

este um bem escasso e para o qual há uma grande demanda, as regras de mercado também são

válidas para este recurso. Assim como no caso da terra, a água provavelmente iria servir para

uma variedade de propósitos. Destarte, não parece haver nenhuma boa razão para supor que o

mesmo princípio não seria aplicado à água privada. Em qualquer caso, em um ambiente de

liberdade de mercado, toda a terra e toda a água tenderiam a ser utilizadas de maneira a

maximizar os lucros; isto é, de modo a produzir o maior valor para todos os membros da

sociedade. Se assim não o fosse, isto é, se a terra ou a água não fossem utilizadas de modo a se

obter delas o maior valor, essa omissão iria criar oportunidades de lucro para outros

empreendedores.4

1 Instituto Ludwig von Mises Brasil. O Manifesto Ambiental Libertário. Disponível em:

http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=677 Acessado em: 25 de dezembro 2011.

2 Ordem Livre. Invasão das espécies invasoras! Disponível em: Acessado em: 26 de dezembro 2011.

3 Instituto Ludwig von Mises Brasil. Se você gosta da natureza, privatize-a? http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=89

Acessado em: 25 de dezembro 2011.

4 Instituto Ludwig von Mises Brasil. A Privatização dos Rios. Disponível em: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=424

Acessado em: 25 de dezembro 2011.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 86

As forças de mercado trabalham, dada sua própria essência, contínua e persistentemente

na direção da eficiência, fazendo com que os limitados recursos disponíveis sejam utilizados de

modo cada vez menos dispendioso. Assim, não faz sentindo supor que a disponibilidade de água

para a população seria diminuída em um ambiente de livre mercado, posto que se um indivíduo

é proprietário de um bem, ele tende a cuidar dele melhor do que se esse fosse alugado ou não

tivesse dono. Para ficar em um exemplo, nos oceanos sem donos, há o problema da pesca

excessiva; já os viveiros de peixes, onde são praticados os pesque-pagues, jamais enfrentaram

esse problema.

Quanto àqueles que poluírem seus reservatórios de água, causando prejuízos a outros

proprietários, cabe nessa situação o devido processo legal e, comprovada a culpa, a indenização

correspondente. O fato de ser uma grande companhia a poluidora também não torna essa regra

menos válida, dado que quanto maior for uma empresa, mais espetacular e lucrativa será a sua

falência. Assim, uma empresa não vai deixar de ser processada só porque ela é grande, mas se

tornará um alvo preferencial de qualquer dano que porventura venha a provocar, o que

incentivará uma maior responsabilidade ambiental da sua parte. Se essa norma se aplicará com

eficiência aos potencialmente grandes poluidores, mais ainda será com os pequenos.1

Compete ressaltar que já existem métodos e tecnologias com a finalidade de tornar

consumíveis reservatórios de águas até então impróprios para consumo humano, como é o caso

da água dos mares e das contaminadas com dejetos e produtos químicos. Em um ambiente de

mercado, haveria mais incentivos ainda para o financiamento e exploração desses recursos até

então inviáveis, o que aumentaria a oferta de água para além da existente atualmente,

suprimindo assim os terríveis racionamentos impostos pelo poder público.

4.2.3. Ar

Qualquer pessoa que seja responsável por qualquer tipo de dano a outros tem de ser

objetivamente responsável por estes, ainda que sua ação seja "razoável" ou acidental. Esses

danos podem sem nenhuma dúvida tomar a forma de poluição do ar de outrem, inclusive do

efetivo espaço aéreo possuído por ele, de danos contra sua pessoa ou de uma turbação

interferindo na posse ou no uso de sua terra.

A prevalência de múltiplas fontes de emissões de poluição é um problema factível.

Afinal, é complicado culpar o emissor A se há outros emissores ou se há fontes naturais de

emissão. Outra situação problemática consiste em querer punir o fabricante pelo o que é feito

pelo atual proprietário com o produto gerado pelo primeiro.

1 Instituto Ludwig von Mises Brasil. A Privatização dos Rios. Disponível em: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=424

Acessado em: 25 de dezembro 2011.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 87

O importante em qualquer uma dessas situações consiste em seguir regras claras para

determinar a punição. Quais são a de que o poluidor não tenha estabelecido antes uma servidão

apropriada originalmente; embora poluentes visíveis e odores nocivos sejam uma agressão per

se, no caso de poluentes invisíveis e insensíveis, o demandante tem de provar o dano real; o

ônus da prova de tal agressão recai sobre o demandante; o demandante tem de provar a

causalidade objetiva entre as ações do réu e seu prejuízo; o demandante tem de provar tal

causalidade e agressão para além de qualquer dúvida razoável; e não há responsabilidade por

atos de terceiros, mas apenas responsabilidade daqueles que efetivamente realizam o ato.1

4.2.4. Solo

A poluição ou degradação do solo é outra grande preocupação ambiental em nossos dias,

afinal é nele que é produzida a maior parte dos alimentos que garante a sustentação e

sobrevivência da espécie humana e de todas aquelas sobre o seu cuidado.

Para além da questão da agricultura, a qual os problemas decorrentes do clima e da

qualidade do solo sempre terminaram historicamente contornados pelo desenvolvimento e

emprego de novas tecnologias, como é o caso dos transgênicos, faz importante ressaltar outro

tipo de exploração do solo: a de minerais. Esse tipo de atividade comercial costuma causar

prejuízos não apenas ao terreno em si, como costuma afetar profundamente os circunvizinhos e,

se houver porventura, lençóis freáticos.2

A questão referente à responsabilidade pelos danos causados por indivíduos, conforme a

tese aqui defendida seria resolvida pela adoção do modelo de propriedade privada em sua

plenitude. Se for considerada a poluição em si, é possível notar que mesmo existindo está como

resultado da extração de petróleo e do processo de mineração essa relação não se faz

necessária.

Segundo o economista Walter Block (2010):

O que atualmente é feito durante a mineração do carvão a céu aberto, é empilhar em

altos montes a terra que é retirada, para se chegar ao carvão. Esses montes costumam ser

colocados perto de correntes de água. Quantidades substanciais são carregadas pelas correntes,

contaminando os lagos e cursos d'água que alimentam. Além disso, o terreno desnudado

transforma-se numa fonte de escoamentos de lama; assim, como um dos resultados da atividade

do minerador, o ambiente todo fica prejudicado.

Mas esses não são elementos necessários do processo de mineração de superfície. Embora

uma pessoa possa fazer o que desejar com o terreno que possuir, se o que faz causa danos a

áreas pertencentes a outras pessoas, tem-se de fazê-lo arcar com os custos dos danos. Se, por

exemplo, a atividade do minerador de superfície resulta em correntes de lama e destruição de

1 Instituto Ludwig von Mises Brasil. Justiça, Poluição do Ar e Direitos de Propriedade. Disponível em:

http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1177 Acessado em: 25 de dezembro 2011.

2 Block, Walter. Defendendo o Indefensável (São Paulo: Instituto Mises Brasil, 2010), Pág. 139-141.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 88

terras e bens de terceiros, ele é o responsável. Parte de sua responsabilidade pode ser replantar

ou, de alguma outra forma, reabilitar o terreno, para eliminar a possibilidade de futuros

escoamentos de lama. Se os mineradores fossem obrigados a arcar com todos os custos de sua

atividade, e se aos donos de propriedades no curso inferior da mina fossem concedidas medidas

legais de prevenção, caso não estivessem dispostos a serem indenizados por danos, a poluição

cessaria.1

O fundamental a observar aqui é que a atual ligação entre a poluição e a exploração de

recursos no subsolo não é, de modo algum, uma condição inerente, mas, antes, deve-se

inteiramente ao fato de não serem aplicadas a estes empreendedores leis de violação de

propriedade. E é somente por não terem sido rigorosamente aplicadas tai leis, que existe uma

ligação entre essa atividade econômica e a poluição. É só essas leis serem plenamente

observadas, e esse problema desaparecerá gradualmente.

CONCLUSÃO

Desde as teorias de Thomas Malthus que revelava uma explosão da população mundial e

uma regressão dos alimentos e qualidade de vida, vivíamos com o medo de um futuro

desconhecido, pois sabíamos que a exploração dos meios naturais era devastadora e irracional. O

homem agressor da natureza se torna cada vez uma vítima do que produziu; a reação do planeta

aparece cada fez com mais frequência; seja pelos constantes terremotos acontecendo em

lugares inesperados, fenômenos climáticos alterados, aquecimento global, enchentes, secas,

tsunamis, chuvas ácidas, etc. Porém, contrariamente as previsões abordadas, aparece uma nova

teoria, mais moderna e completa, que revela uma nova realidade, a superpopulação não é mais

vista como o problema gravíssimo antes imaginado.

A evolução da vida do homem no planeta é uma questão cada vez mais voltada para a

adaptação. E um dos fatores que poderíamos relacionar a essa adaptação e o convívio em

sociedades democráticas. A democracia veio implantar no seio da sociedade moderna uma

política de defesa da propriedade, afim de através dos direitos de posse e propriedade

defendidos pelo Estado, pudesse desenvolver cada vez mais o bom convívio e paz social. A

liberdade do homem passa a ser limitada, o respeito aos bens alheios passa ser uma obrigação,

nascem as leis para garantir ao homem direito aos seus recursos particulares, a segurança da

posse em sua propriedade. Podemos assim dizer com veracidade que a conquista dos direitos de

propriedade está condizente com o desenvolvimento da qualidade de vida de uma nação.

Ressalta-se também que uma consciência de sustentabilidade, juntamente com idéias de

preservação da natureza vem ajudando a reverter os problemas ambientais ou pelo menos

interrompê-los. Fatores como o reflorestamento, fontes de energia renováveis, reciclagem e

1 Block, Walter. Defendendo o Indefensável (São Paulo: Instituto Mises Brasil, 2010), Pág. 139-141.

Estudos Pela Liberdade, Setembro 2012, nº2 Página | 89

reconstrução de áreas poluídas ao estado natural, vem assim nos educando para uma realidade

voltada para o bem estar e longevidade da espécie humana.

Adotando um modelo de proteção da natureza coerente com a própria história da

humanidade e eficaz tanto do ponto de vista econômico como da preservação dos recursos, é

possível preservamos a Natureza não apenas para está geração, como também para as próximas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BLOCK, Walter. Defendendo o Indefensável. São Paulo: Instituto Mises Brasil, 2010.

DIGEST, Reader’s. Grandes Acontecimentos que Transformaram o Mundo. Rio de Janeiro:

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LOCKE, John. Segundo Tratado Sobre o Governo Civil e Outros Escritos. Rio Janeiro: Vozes,

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MISES. Ludwig von, Ação Humana. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1990.

NARLOCH, Leandro. Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil. São Paulo: LeYa, 2009.

ROTHBARD. Murray N., A Ética da Liberdade. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010.