APONTAMENTOS SOBRE A LEI DE RECUPERAÇÃO ECONÔMICA DE EMPRESAS

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VISÃO PANORÂMICA DO CONTEÚDO DA LEI DE RECUPERAÇÕES & DE FALÊNCIAS (LRF) Professor Luiz Guerra 1 1. CONSIDERAÇÕES GERAIS Antes de iniciarmos os comentários sobre os preceitos legais da Lei de Recuperações e de Falências (LRF), cremos ser importante apresentar a visão panorâmica e sistematizada do cenário legal e a nova dinâmica introduzida no Direito Concursal Brasileiro. Após quase 60 anos, entrou em vigor, no dia 09 de junho de 2005, a Lei de Recuperações e de Falências, Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. A lei, embora atrasada, por conta dos 11 (onze) anos de tramitação desde a sua gestação no Ministério da Justiça até o início de sua vigência, chegou para trazer nova perspectiva no sistema concursal nacional e seu art. 200 revogou o desatualizado DecretoLei nº 7.661, de 21 de junho de 1945 (antiga lei de falências e concordatas). A Lei nº 11.101/2005, após longa negociação do Poder Executivo com o Congresso Nacional, trouxe como ponto principal e de novidade no Direito Concursal Brasileiro, os institutos da recuperação judicial e da recuperação extrajudicial. 2 A lei eliminou a criticada concordata preventiva e a então combalida concordata suspensiva, cujas moratórias vigoraram, no Brasil, por muitos anos, sem obtenção dos resultados esperados ao tempo de sua inserção no ordenamento jurídico nacional. 1 CEO do GUERRA ADVOGADOS - ADVOCACIA EMPRESARIAL e GUERRA BUSINESS LAW. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais - Direito Comercial (UMSA). Mestre em Direito da Integração (UDELAR). Pós- Graduado em Direito Empresarial (CEUB). Pós-Graduado em Direito Processual Civil & Comercial (ICAT- UDF). Pós-Graduado em Metodologia do Ensino Jurídico (CESAPE). Advogado. Parecerista. Jurista. Consultor e Conselheiro Jurídico. Árbitro na Arbitragem do Direito Comercial & Empresarial. Conferencista em Congressos Internacionais. Palestrante em Seminários Nacionais. Articulista (Autor de mais de 300 artigos jurídicos, políticos e sociais publicados no Brasil e no exterior). Doutrinador (Autor de 61 Livros Jurídicos, sendo 6 (seis) publicados no exterior. Professor Titular de Direito Comercial & Empresarial na Faculdade de Direito do UNICEUB. Professor Convidado e Visitante de Institutos Científicos e Culturais e de Universidades Sul-Americanas e Europeias nas disciplinas de Direito Comercial & Empresarial, Direito Econômico & Concorrencial, Direito Contratual Civil & Comercial, Direito do Petróleo & Gás e Direito Processual Civil & Comercial. Diretor Jurídico do Centro Brasileiro de Mediação & Arbitragem. Membro de Bancas de Concursos Públicos para os Cargos de Juiz de Direito e de Notários do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Embaixador Cultural da Rede Internacional de Advocacia. Presidente da Comissão de Direito Comercial do Instituto dos Advogados do Distrito Federal. Vice-Presidente da Comissão de Franquias Público-Privada do Instituto dos Advogados Brasileiros. Diretor da Revista Jurídica do Instituto dos Advogados do Distrito Federal. Diretor da Revista Guerra Jurídica do Guerra Advogados. Coordenador da Revista de Arbitragem da Ratio Juris (Peru). Membro da Academia Interamericana de Derecho Internacional y Comparado. Membro do Instituto Santa Fé Internacional. Membro do Instituto de Direito Comparado Luso-Brasileiro. Membro do Instituto Iberoamericano de Derecho Concursal. Membro do Instituto de Direito do Consumidor Português. Membro da Academia de Derecho Societário de Córdoba/Argentina. Membro Benemérito do Instituto dos Advogados do Distrito Federal (ex-Presidente). Membro do Colégio de Presidentes dos Institutos dos Advogados do Brasil. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros. Membro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Membro do Instituto Vitor Nunes Leal. Membro da Câmara Brasileira de Cultura. Titular de Prêmios Científicos e Comendas Culturais Nacionais e Internacionais. 2 GUERRA, Luiz. Revista Jurídica Consulex, edição de 15 de março de 2005. Brasília. Ano 9, nº 196, p. 7. Entrevista concedida pelo Professor Luiz Guerra ao referido periódico. Pergunta: O senhor está escrevendo um livro sobre a recuperação e a falência. Fale um pouco sobre ele. Resposta: Como eu disse na palestra que proferi no Instituto dos Advogados do Distrito Federal, o livro sob o título Falências & Recuperações de Empresas cuidará, ao longo de todo o seu desenvolvimento, de realizar comparações entre o instituto da falência à luz da lei anterior (Decreto-Lei nº 7.661, de 21.6.1945) e da atual (Lei nº 11.101, de 09.02.2005), e confrontará, quando a hipótese comportar, os institutos da extinta concordata preventiva e da recuperação judicial, abordando as novidades, elogiando os avanços e criticando os equívocos praticados pelo legislador.

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VISÃO  PANORÂMICA  DO  CONTEÚDO  DA    LEI  DE  RECUPERAÇÕES  &  DE  FALÊNCIAS  (LRF)  

   

Professor  Luiz  Guerra  1      

1.  CONSIDERAÇÕES  GERAIS    Antes  de  iniciarmos  os  comentários  sobre  os  preceitos  legais  da  Lei  de  Recuperações  e  

de  Falências  (LRF),  cremos  ser  importante  apresentar  a  visão  panorâmica  e  sistematizada  do  cenário  legal  e  a  nova  dinâmica  introduzida  no  Direito  Concursal  Brasileiro.  Após  quase  60  anos,  entrou  em  vigor,   no  dia   09   de   junho  de   2005,   a   Lei   de  Recuperações   e   de   Falências,   Lei   nº   11.101,   de  09  de  fevereiro  de  2005.  A   lei,  embora  atrasada,  por  conta  dos  11  (onze)  anos  de  tramitação  desde  a  sua  gestação  no  Ministério  da  Justiça  até  o  início  de  sua  vigência,  chegou  para  trazer  nova  perspectiva  no  sistema   concursal   nacional   e   seu   art.   200   revogou  o   desatualizado  Decreto-­‐Lei   nº   7.661,   de   21  de  junho  de  1945  (antiga  lei  de  falências  e  concordatas).  

 A   Lei   nº   11.101/2005,   após   longa   negociação   do   Poder   Executivo   com   o   Congresso  

Nacional,  trouxe  como  ponto  principal  e  de  novidade  no  Direito  Concursal  Brasileiro,  os  institutos  da  recuperação  judicial  e  da  recuperação  extrajudicial.  2  A  lei  eliminou  a  criticada  concordata  preventiva  e  a  então  combalida  concordata  suspensiva,  cujas  moratórias  vigoraram,  no  Brasil,  por  muitos  anos,  sem  obtenção  dos  resultados  esperados  ao  tempo  de  sua  inserção  no  ordenamento  jurídico  nacional.  

 

                                                                                                                         

1 CEO do GUERRA ADVOGADOS - ADVOCACIA EMPRESARIAL e GUERRA BUSINESS LAW. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais - Direito Comercial (UMSA). Mestre em Direito da Integração (UDELAR). Pós-Graduado em Direito Empresarial (CEUB). Pós-Graduado em Direito Processual Civil & Comercial (ICAT-UDF). Pós-Graduado em Metodologia do Ensino Jurídico (CESAPE). Advogado. Parecerista. Jurista. Consultor e Conselheiro Jurídico. Árbitro na Arbitragem do Direito Comercial & Empresarial. Conferencista em Congressos Internacionais. Palestrante em Seminários Nacionais. Articulista (Autor de mais de 300 artigos jurídicos, políticos e sociais publicados no Brasil e no exterior). Doutrinador (Autor de 61 Livros Jurídicos, sendo 6 (seis) publicados no exterior. Professor Titular de Direito Comercial & Empresarial na Faculdade de Direito do UNICEUB. Professor Convidado e Visitante de Institutos Científicos e Culturais e de Universidades Sul-Americanas e Europeias nas disciplinas de Direito Comercial & Empresarial, Direito Econômico & Concorrencial, Direito Contratual Civil & Comercial, Direito do Petróleo & Gás e Direito Processual Civil & Comercial. Diretor Jurídico do Centro Brasileiro de Mediação & Arbitragem. Membro de Bancas de Concursos Públicos para os Cargos de Juiz de Direito e de Notários do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Embaixador Cultural da Rede Internacional de Advocacia. Presidente da Comissão de Direito Comercial do Instituto dos Advogados do Distrito Federal. Vice-Presidente da Comissão de Franquias Público-Privada do Instituto dos Advogados Brasileiros. Diretor da Revista Jurídica do Instituto dos Advogados do Distrito Federal. Diretor da Revista Guerra Jurídica do Guerra Advogados. Coordenador da Revista de Arbitragem da Ratio Juris (Peru). Membro da Academia Interamericana de Derecho Internacional y Comparado. Membro do Instituto Santa Fé Internacional. Membro do Instituto de Direito Comparado Luso-Brasileiro. Membro do Instituto Iberoamericano de Derecho Concursal. Membro do Instituto de Direito do Consumidor Português. Membro da Academia de Derecho Societário de Córdoba/Argentina. Membro Benemérito do Instituto dos Advogados do Distrito Federal (ex-Presidente). Membro do Colégio de Presidentes dos Institutos dos Advogados do Brasil. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros. Membro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Membro do Instituto Vitor Nunes Leal. Membro da Câmara Brasileira de Cultura. Titular de Prêmios Científicos e Comendas Culturais Nacionais e Internacionais. 2 GUERRA, Luiz. Revista Jurídica Consulex, edição de 15 de março de 2005. Brasília. Ano 9, nº 196, p. 7. Entrevista concedida pelo Professor Luiz Guerra ao referido periódico. Pergunta: O senhor está escrevendo um livro sobre a recuperação e a falência. Fale um pouco sobre ele. Resposta: Como eu disse na palestra que proferi no Instituto dos Advogados do Distrito Federal, o livro sob o título Falências & Recuperações de Empresas cuidará, ao longo de todo o seu desenvolvimento, de realizar comparações entre o instituto da falência à luz da lei anterior (Decreto-Lei nº 7.661, de 21.6.1945) e da atual (Lei nº 11.101, de 09.02.2005), e confrontará, quando a hipótese comportar, os institutos da extinta concordata preventiva e da recuperação judicial, abordando as novidades, elogiando os avanços e criticando os equívocos praticados pelo legislador.

                                       

A  introdução  do  instituto  da  recuperação  econômica  no  sistema  jurídico  nacional  põe  o  Brasil  em  destaque  e  em   linha  com  a   legislação  concursal  vigente  nos  principais  países  europeus  e  sul-­‐americanos.  É  verdade  que  a  Lei  de  Recuperações  e  de  Falências  não  é  perfeita.  É  certo  que  não  é  a  melhor,  mas  trouxe  significativos  avanços  para  o  Direito  Concursal  Brasileiro.    

 Lamenta-­‐se   que   a   lei   tenha   deixado   escapar,   neste  momento   de   recrudescimento   do  

comércio   internacional,   em   tempos   de   formação   de   blocos   regionais   e   de   intensa   integração  econômica   entre   nações,   os   conceitos   mitigados   de   território,   soberania,   globalização   e  mundialização  de  mercados  transfronteiriços  que  permeiam  o  novel  Direito  Global,  matriz  do  futuro  instituto  da  falência   internacional,   3  estando  o  tema  na  pauta  da  UNCITRAL  –  Comissão  das  Nações  Unidas   para   o   estudo   do   Direito   Comercial   Internacional,   ao   lado   da   arbitragem   internacional.4   A  União  Europeia  vem  ensaiando  tentativa  de  legislação  nesse  sentido  e,  pioneiramente,  no  Cone  Sul,  a  Argentina,  através  de  sua  Ley  de  Concursos  y  Quiebras,  já  sinaliza  a  viabilidade  do  instituto  mediante  o  reconhecimento  e  a  aplicação  do  princípio  da  reciprocidade.5  

 A  tônica  da  Lei  de  Recuperações  e  de  Falências  é  a  mantença  da  atividade  empresarial,  

quando  em  crise  econômico-­‐financeira,  preservando-­‐se  a  empresa,  fonte  inesgotável  de  geração  de  riquezas,  de  geração  de  empregos,  de  geração  de  rendas  e  de  geração  de  tributos,  além  de  proteção  dos   interesses  dos   credores,   fornecedores  de   serviços   e   produtos  necessários   ao  desenvolvimento  dos  objetivos  sociais.  

 O  legislador  brasileiro  finalmente  reconheceu  a  função  social  da  empresa,  embora  tenha  

omitido   no   art.   47,   intencionalmente,   por   vergonha,   que   a   atividade   econômica   também   é   fonte  inesgotável   de   tributos,   receita   indispensável   ao   funcionamento  do   Estado  e  mantença  dos   gastos  públicos.  Como  se  sabe,  o  problema  do  Brasil  não  é  a  arrecadação.  A  arrecadação  cresce  anualmente  e  tende  cada  vez  mais  crescer  a  partir  da  evolução  dos  meios  de  combate  à  sonegação.  O  problema  do  Brasil  é  a  praga  da  corrupção  e  a  má  gestão  do  dinheiro  público!  Certamente,  por  isso  o  legislador  se  calou,  nesse  particular!    

 A  LRF  reconheceu  a  função  social  da  empresa  no  art.  47,  em  consonância  com  os  arts.  

170,  caput,  incisos  II,  III,  IV,  VII,  VIII  e  IX  e  173,  §  1º,  inciso  I,  da  Constituição  Federal  6  e,  ainda,  o  art.  966  do  Código  Civil,  7  e  arts.  116,  §  único,  154,  caput  e  §  4º,  da  Lei  das  Sociedades  por  Ações.8  

                                                                                                                         

3 GUERRA, Luiz. Falência Internacional: juízo universal extranacional: matéria que merece tratamento legal. In __ Temas de Direito Empresarial. Brasília: LGE, 2007. p. 37-82. 4 OLIVEIRA, Pedro Alberto Costa Braga de. Arbitragem Internacional. Jornal Correio Brazilense, Caderno Direito & Justiça, edição de 27 de abril de 2009, p. 1. O expressivo aumento do investimento direto estrangeiro no Brasil desde meados da década de 90, a participação cada vez maior das empresas brasileiras no comércio internacional e, mais recentemente, o avanço dos investimentos brasileiros no exterior, concorreram para que a arbitragem internacional ganhasse cada vez mais importância em nosso país. Atualmente é grande o número de arbitragens perante as principais instituições arbitrais internacionais em que pelo menos uma das partes é brasileira. E quanto mais contratos transnacionais forem subscritos por partes brasileiras, maior será o número de arbitragens envolvendo partes domiciliadas no nosso país, já que virtualmente todos os contratos transnacionais contêm uma cláusula compromissória. Por melhor que seja a redação de um contrato, é inevitável que alguma controvérsia surja durante a sua vigência, podendo tal controvérsia, dependendo da magnitude, ensejar a instalação de uma arbitragem. (...). 5 ARGENTINA – Ley nº 24.522, de 20 de julio de 1995 – Régimen Legal de Concursos y Quiebras. 6 Constituição Federal: Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – (...); II – propriedade privada; III – função social da propriedade;

                                       

 O  desenvolvimento  da   atividade   empresarial   é  meio  de   equilíbrio   e   pacificação   social.  

Sem  emprego  e  sem  renda,  o  trabalhador  morre  de  fome;  sem  produção,  a  economia  do  país  para  e  o   Estado   não   recolhe   tributos;   sem   economia   forte,   a   nação   não   se   desenvolve;   sem  desenvolvimento,  não  há  crescimento.  Sem  crescimento,  não  há  geração  de  novas  oportunidades,  o  que  afugenta  os  empreendedores  nacionais  e  os  investidores  internacionais.  

 O   empreendedor   (empresário   ou   sociedade   empresária)   no   exercício   regular   da  

empresa   exerce   fundamental   papel   na   economia.   É   responsável   direto   pelo   crescimento  socioeconômico,   na   qualidade   de   investidor,   segundo   as   condições   ofertadas   e   as   oportunidades  criadas   pelo   Estado   através   de   políticas   de   fomento   à   atividade   empresarial   e   desoneração   da  produção.  

 É  por  isso  que,  corajosamente,  após  décadas,  reconheceu-­‐se,  na  Ciência  Jurídica,  sob  o  

amparo   da   engenharia   econômica,   a   função   social   da   empresa.   O   Brasil,   seguindo   os   passos   das  principais   economias   do   Planeta   adotou,   em   2002,   a   Teoria   da   Empresa,   do   Direito   Italiano.   A  mencionada  teoria  inspirou  todo  o  arcabouço  do  Direito  de  Empresa  lançado  no  Código  Civil,  no  Livro  

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           

IV – livre concorrência; V – (...); VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. (...). Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. § 1º. A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: I – sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade; II - a sujeição aos regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; (...). 7 Código Civil: Art. 966. Considera-se empresário quem exercer profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício de profissão constituir elemento de empresa. 8 BRASIL – Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 – Lei das sociedades por ações: (...). Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: (...). Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender. (...). Art. 154. O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa. (...). § 4º. O Conselho de Administração ou a diretoria podem autorizar a prática de atos gratuitos razoáveis em benefício dos empregados ou da comunidade de que participe a empresa, tendo em vista suas responsabilidades sociais.

                                       

II,  Parte  Especial,  embora  a  inserção  de  parte  de  matéria  mercantil  no  Código  Civil,  como  se  deu  com  a   Teoria   Geral   dos   Títulos   de   Crédito   e   o   Direito   de   Empresa,   mereça   forte   crítica,   por   conta   do  prejuízo  causado  ao  Direito  Comercial  9  e  a  sua  internacionalização.10  

 Com  o  rompimento  da  inspiração  francesa,  da  Teoria  dos  Atos  de  Comércio,  no  Código  

Napoleônico   –   que   influenciou   todo   o   Direito   Europeu,   particularmente   o   Direito   Português   e,  consequentemente  o  Brasil,  em  seu  Código  Comercial  Imperial,  de  1850,  agora,  em  2002,  por  opção  legislativa,   com   a   adoção   da   Teoria   da   Empresa,   o   legislador   recuperatório   não   teve   alternativa  senão,  mais   tarde,   isto  é,   após  3   (três)   anos  da   incorporação  no  Código  Civil,   reconhecer   a   função  social  da  empresa,   sinalizando,  assim,  claramente,  para  a  necessidade  da  preservação  da  atividade  econômica  desenvolvida  pelo  empresário  ou  pela  sociedade  empresária.    

 Ainda   que   tardiamente,   o   ordenamento   jurídico   nacional   reconheceu   o   óbvio   –  

reconheceu  que  a  empresa  é  geradora  de  riquezas,  de  empregos,  de  rendas  e  de  tributos.  A  função  social  da  empresa  é  tão  absoluta  que  a  partir  do  momento  em  que  o  empreendedor  inicia  a  atividade  empresarial,  embora  a  sua  origem  seja  privatista,  ganha  ela  feição  publicista,  passando  o  empresário  individual   ou   o   sócio  majoritário   ou   acionista   controlador   a   co-­‐responsável   pelo   equilíbrio   social   e  pelo   desenvolvimento   do   país,   porquanto   na   qualidade   de   agentes   econômicos   contribuem  diretamente  para  o  crescimento  do  Produto  Interno  Bruto  (PIB)  –  representado  pela  soma  de  todas  as  riquezas  produzidas.  

 As   interpretações   sistematizadas   do   Direito   Empresarial   e   do   Direito   Econômico  

sinalizam   para   o   correto   direcionamento   do   Estado   brasileiro,   com   políticas   fomentadoras   à  atividade  empresarial,  daí  por  que  a  Lei  de  Recuperações  e  de  Falências,  como  política  de  governo,  trouxe   os   institutos   da   recuperação   judicial   e   extrajudicial   visando   o   fortalecimento   da   economia  nacional.  

 Nessa   trilha,   as   duas   outras   principais   economias   da   América   do   Sul,   a   chilena   e   a  

argentina,   saíram  na   frente  e   reformaram  o   seu   sistema   jurídico  de   insolvência.  Posteriormente,  o  Peru  também  reformou  o  seu  sistema  concursal.  

 O   Chile,   em   1982,   modificou   o   Código   de   Comercio.   Os   institutos   equivalentes   à  

recuperação   judicial   e   extrajudicial   brasileiros   são   os  Convenio   Judicial   Preventivo   (Artículos   171   a  217)  e  os  Acuerdos  Extrajudiciales   (Artículos  169  e  170),  da  Ley  nº  18.175,  de  28.10.1982,  alterada  pela  Ley  nº  20.073,  de  29.11.2005.    

 Esclareça-­‐se   que   o   regime   legal   da   insolvência,   no   Chile,   está   posto   na  Nueva   Ley   de  

Quiebras   –   toda   a   matéria   concursal   está   inserida   no   Libro   IV   –   De   las   Quiebras,   nel   Código   de  Comercio.   Referido   diploma   mercantil   restou   recentemente   alterado,   porém   nele   foram  incorporadas  todas  as  modificações  surgidas  pelo  conjunto   legislativo  reformador  constituído  pelas  leis,  a  saber:  

 

                                                                                                                         

9 GUERRA, Luiz. Teoria geral dos títulos de crédito e institutos conexos: comentários à teoria geral dos títulos de crédito e institutos conexos no Código Civil: atributos dos títulos de crédito: títulos ao portador: títulos à ordem: títulos nominativos: penhor de direitos e títulos de crédito: outros institutos conexos: prescrição cambiária: interrupção da prescrição: cessão de créditos: assunção de dívidas. Brasília: LGE, 2007. p. 17-30. 10 GUERRA, Luiz. Inserção de matéria mercantil no Código Civil de 2002: grave equívoco legislativo: tentativa de engessamento do Direito Comercial: prejuízo à internacionalização do Direito Empresarial. In __ Temas de Direito Empresarial. Brasília: LGE, 2007. p. 245-264.

                                       

►   a)   Ley   nº   20.004,   de   08.3.2005   –   que  modificou   la   Ley   nº   18.175,   en   Materia   de  Fortalecimiento   de   la   Transparencia   en   la   Administración   Privada   de   Las   Quiebras,  Fortalecimiento  de  la  Labor  de  los  Sindicos  y  de  la  Superintendencia  de  Quiebras;    ►   b)   Ley   nº   20.073,   de   29.11.2005   –   que  modificou   la   Ley   nº   18.175,   en  Materia   de  Convenios  Concursales;    c)   Ley   nº   20.080,   de   24.11.2005   –   que   aclarou   el   Sentido   de   la   Ley   nº   18.175,   de  Quiebras.  

 Já  na  Argentina,  os   institutos   correspondentes   são  Concurso  Preventivo   (Artículos  5º  a  

68)  e  Acuerdo  Preventivo  Extrajudicial  (Artículos  69  a  76),  de  la  Ley  de  Régimen  Legal  de  Concursos  y  Quiebras  –  Ley  nº  24.522,  de  20.7.1995,  alterada  pela  Ley  nº  26.086,  de  10.4.2006.  

 No   Peru,   os   institutos   similares   são   Procedimiento   Concursal   Ordinário   y   Plan   de  

Reestructuración  Patrimonial  (Artículos  23  a  31)  y  Procedimiento  Concursal  Preventino  (Artículos  103  a  113),  como  previstos  na  Ley  nº  27.809,  de  12.4.2006,  que  alterou  a  Ley  nº  27.146,  de  26.7.2002.  

 Voltando  à  realidade  brasileira,  outro  exemplo  mais  recente  de  política  pública  em  favor  

do  empresariado  e  da  economia  nacional  fora  a  aprovação  da  Lei  Geral  da  Microempresa  e  da  Empresa  de   Pequeno   Porte   (Lei   Complementar   nº   123,   de   14.12.2006).   11   O   Estatuto   Nacional   do  Microempresário  e  da  Empresa  de  Pequeno  Porte  chegou  ao  mundo  jurídico  mercantil  em  atenção  ao  art.   170,   inciso   IX,   da   Constituição   Federal,   que   indica   efetivo   tratamento   diferenciado   aos   agentes  econômicos  de  pequeno  porte,  garantindo-­‐se,  assim,  sustentação  ao  art.  970,  do  Código  Civil.  12  

 O  mencionado  estatuto  emprestou  tratamento  diferenciado  aos  microempresários  e  aos  

pequenos  empresários  em  relação  às  obrigações  trabalhistas  e  previdenciárias,  dando-­‐lhes  acesso  ao  mercado,   ao   crédito,   às   novas   tecnologias,   ao   associativismo   e   ao   consórcio   empresarial   nas  concorrências   públicas   para   o   fornecimento   de   produtos   e   serviços   à   Administração   Pública,   na  tentativa   de   imprimir   competitividade   empresarial   entre   os   agentes   econômicos,   inclusive   com   a  desoneração   da   produção   mediante   a   redução   da   carga   tributária   e   o   recolhimento   de   tributos  através  do  sistema  denominado  SUPERSIMPLES  (modalidade  de  regime  jurídico  tributário  através  do  recolhimento,  em  documento  único,  de  tributos  e  contribuições  federais,  estaduais  e  municipais).  

 Óbvio   que   a   Lei   de   Recuperações   e   de   Falências,   isoladamente,   não   viabilizará   o  

crescimento  econômico  do  Brasil.  Porém,  a  adoção  de  políticas,  ao  lado  da  lei  concursal,  contribuirá  para  o  crescimento  da  economia,  desde  que  compreendido  o  seu  correto  espírito  –  de  preservação  da  atividade  empresarial  –  o  que  elevará  o  PIB  nacional,  além  de  constituir  decisivo  fator  de  chamada  e  de  segurança  para  novos  investimentos  estrangeiros  para  o  Brasil.  

 Sabe-­‐se   que   a   partir   da   Constituição   Federal   de   1988,   nova   ordem   econômica   foi  

estabelecida   para   o   Estado   brasileiro.   A   atuação   estatal,   antes   marcadamente   intervencionista,  passou   a   propulsora   da   atividade   empresarial,   daí   a   importância   da   Lei   de   Recuperações   e   de  Falências  ao  inserir  novos  institutos  visando  à  recuperação  da  empresa.  

 

                                                                                                                         

11 GUERRA, Luiz. Lei geral da microempresa e da empresa de pequeno porte: desoneração da produção: sistema SUPERSIMPLES (Sistema Único de Recolhimento de Tributos): acessos diferenciados ao mercado e ao crédito. In __ Temas de Direito Empresarial. Brasília: LGE, 2007. p. 19-36. 12 Código Civil: Art. 970. A lei assegurará tratamento favorecido, diferenciado e simplificado ao empresário rural e ao pequeno empresário, quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes.

                                       

Em  decorrência  da  nova  ordem  constitucional,  políticas  de  abertura  da  economia  e  de  mercado,   ao   lado   da   integração   regional,   foram   e   vêm   sendo   adotadas   pelo   Brasil,   no   ensejo   da  globalização  econômica  e  mundialização  de  mercados  e  do  comércio.  

 Os   velhos   conceitos   de   concorrência,   de   mercado   e   de   clientela,   antes   restritos   aos  

territórios  do  bairro,  da  cidade,  do  Município  e  do  Estado,  no  final  do  século  passado  e  limiar  deste  ganharam  elasticidade,  passando  tais  definições  à  dimensão  do  comércio  além-­‐fronteiras.  

 A  atividade  empresarial  ganhou  novo  perfil,  com  acirrada  competitividade  dos  agentes  

econômicos   no   mercado   nacional   e   internacional.   A   abertura   econômica,   com   o   acesso   de  investidores  estrangeiros  foi  e  continuará  sendo  primordial  para  o  crescimento  do  parque  industrial  nacional   e   o   desenvolvimento   tecnológico   brasileiro.   A   pauta   do   comércio   internacional   é   a  exportação  de  produtos  e  a  conquista  de  novos  mercados  e  o  intercâmbio  de  tecnologias.  

 Nessa  trilha,  a  partir  da  década  de  90  o  Brasil  começou  a  experimentar  as  privatizações,  

os   atos   de   reengenharia   ou   reestruturação   societária   de   coligação   de   capitais,   a   exemplo   da  celebração  de  fusões,  cisões  e  incorporações  de  companhias,  da  celebração  de  parcerias  em  sistemas  de   joint   ventures   e   outros  mecanismos   de   investimento   conjunto,   inclusive   através   de   consórcios  empresariais.  

 O  Código  Civil,  em  janeiro  de  2003,  também  colaborou  para  a  consolidação  do  fomento  

da   atividade   econômica.   O   Direito   de   Empresa   redesenhou   os  modelos   societários,   afirmando-­‐se,  assim,  a  importância  dos  conceitos  de  empresário,  empresa  e  estabelecimento  –  formadores  do  tripé  da  teoria  da  empresa,  além  dos  institutos  mercantis  conexos.  

 Espera-­‐se   que   a   Lei   de   Recuperações   e   de   Falências,   ao   lado   do   Estatuto   da  

Microempresa  e  da  Empresa  de  Pequeno  Porte,  possa   fortalecer  o  desenvolvimento  da  empresa  e  contribuir  para  o  crescimento  econômico  do  Brasil.  A  preservação  da  empresa  e  a  sua  recuperação  econômica  deverão  ser  prestigiados,  evitando-­‐se,  tanto  quanto  possível,  a  declaração  da  quebra.  

 A  economia  brasileira  foi  presenteada  com  a  Lei  de  Recuperações  e  de  Falências,  com  a  

chegada  dos   institutos   da   recuperação   judicial   e   extrajudicial,   de  modo  a   evitar,   como  dito   acima,  tanto  possível,  a  falência,  potencializando-­‐se,  dessa  forma,  o  aumento  do  Produto  Interno  Bruto.    

 Nessa   perspectiva,   Josef   Barat   bem   demonstra   a   importância   da   nova   Lei   de  

Recuperações   e   de   Falências   na   reestruturação   da   sociedade   empresária   em   crise   econômico-­‐financeira.13  

 "Do  ponto  de  vista  econômico,  a  nova  Lei  se  constituirá  em  fator  importante  de  apoio  a  processos   de   renegociação   com   os   credores,   visando   recompor   as   dívidas   de   uma  empresa   em   dificuldades.   Ajudará,   também,   a   reposicionar   esta   empresa   frente   às  novas   possibilidades   de   aporte   de   capital,   tornando   credores   e   investidores   mais  suscetíveis  em  participar  da  sua  reestruturação.  A  visão  jurídica  inovadora  é  a  de  que  os  credores   possam   formar   maioria   em   torno   de   um   plano   de   recuperação,   cabendo   a  decretação   da   falência   no   caso   de   não   ser   aprovado   ou   não   atingir   as   metas   de  recuperação.  Assim,  em  lugar  da  atual  concordata,  são  criadas  as  opções  da  recuperação  extrajudicial  e  da  recuperação  judicial.  No  caso  da  recuperação  extrajudicial,  apenas  os  credores  mais  relevantes  são  chamados  a  renegociar  seus  créditos,  de  forma  a  permitir  

                                                                                                                         

13 BARAT, Josef. A reestruturação de empresas e a nova lei de falências. Revista Jurídica Consulex. Brasília: ano 9, nº 195, de 28.02.2005.

                                       

a   reestruturação   da   empresa,   sem   comprometimento   das   características,   prazos   e  valores   dos   créditos   pertencentes   aos   demais   credores.   Já   a   recuperação   judicial  permitirá   um   processo   mais   formal,   realizado   sob   o   controle   da   Justiça.   Os   credores  devem   formar   maioria   em   torno   de   um   plano   de   recuperação.   Uma   vez   aceita   a  recuperação  judicial  pela  Justiça  ficam  suspensas  por  180  dias  as  ações  e  execuções  dos  credores.  Em  função  da  nova  Lei  de  Falência,  que  entre   inúmeras   inovações   introduziu  essa   almejada   possibilidade   de   reestruturação   das   empresas,   ocorreu-­‐me   contribuir  para  o  debate  com  a  apresentação  de  uma  experiência  pioneira.  Por  determinação  do  Exmo.   Senhor   Doutor   Juiz   de   Direito   da   39ª   Vara   Cível   da   Comarca   da   Capital   (São  Paulo),  fui  designado,  em  29.1.2001,  perito  para  exame  do  Plano  de  Reestruturação  e  do  pleito  de  venda  de  imóveis  das  concordatárias  SHARP  S/A  e  SHARP  DO  BRASIL  S/A,  nos  processos   registrados  no  Cartório  do  39º  Ofício  Cível,   sob  os  números  00.532617-­‐6/18  (Plano   de   Reestruturação),   00.532617-­‐6/19   (Venda   de   Imóveis   I)   e   00.532617-­‐6/20  (Venda  de  Imóveis  II).  Dada  a  complexidade  e  extensão  do  trabalho  realizado  visando  a  elaboração  de  laudo  técnico  criterioso,  houve  necessidade  de  receber  uma  vasta  gama  de   informações   solicitadas   às   Concordatárias,   para   que   se   pudesse   fazer   uma   análise  aprofundada  do  complexo  empresarial,  do  Plano  de  Reestruturação  e  da  viabilidade  da  pretendida   venda   de   imóveis,   como   forma   de   quitar   os   débitos   com   consumidores   e  empregados,   sem   prejuízo   da   reestruturação   pretendida.   Fornecidos   os   dados   e  informações,   o   processamento   e   análise   dos   mesmos   exigiram   trabalho   muito  abrangente   de   elaboração   e   teste   de   modelos   econômicos   para   análise   de   dados   e  exame   da   consistência   das   informações.   Além   disso,   um   laudo   técnico   desta  envergadura   exigiu   ampla   pesquisa   bibliográfica   e   detalhadas   consultas   de   fontes   por  meio  eletrônico.  ANTECEDENTES  –  A  SHARP  DO  BRASIL  S/A  era  uma  empresa  tradicional  no  setor  nacional  de  produtos  eletroeletrônicos.  Ela  foi  criada  em  1972,  como  a  unidade  operacional  da  cooperação  entre  a  SHARP  S/A  –  empresa  que  detinha  a  exclusividade  de  distribuição   dos   produtos   da   empresa   japonesa   SHARP   CORPORATION   –   e   a   própria  SHARP  CORPORATION,  cuja  finalidade  era  realizar  a  produção  de  eletroeletrônicos  com  tecnologia   japonesa   em   território   nacional.   Inicialmente,   a   SHARP   S/A  detinha  83,71%  das   ações   da   SHARP   DO   BRASIL,   enquanto   a   SHARP   CORPORATION   era   detentora   de  12,59%.   Embora,   na   sua   origem,   só   produzisse   calculadoras,   a   linha   de   produtos   da  empresa   expandiu-­‐se   rapidamente   e   com   muito   sucesso.   Seus   principais   produtos  passaram   a   ser   televisores,   sistemas   de   áudio,   sistemas   de   vídeo   e   fornos   de  microondas.   No   início   dos   anos   90,   a   empresa   encontrava-­‐se   entre   as   líderes   de  mercado   no   setor   de   eletroeletrônicos.   No   ano   de   1992,   suas   vendas   representaram,  aproximadamente,  os  seguintes  percentuais  em  relação  aos  totais  do  mercado  nacional:  20%  dos  televisores,  37%  dos  sistemas  de  áudio,  36%  dos  sistemas  de  vídeo  e  22%  dos  fornos  de  microondas.  Em  apenas  quatro  anos,  entre  1992  e  1996,  a  demanda   interna  por   aparelhos   eletroeletrônicos   cresceu   substancialmente.   Neste   período,   a   evolução  das  vendas  teve  o  seguinte  comportamento:  televisores,  de  aproximadamente  2  milhões  de  unidades  para  mais  de  8  milhões;  sistemas  de  áudio,  de  menos  de  100  mil  unidades  para  mais  de  2,5  milhões;   aparelhos  de   vídeo,  de   aproximadamente  500  mil   unidades  para  mais  de  2,5  milhões;  fornos  de  microondas,  de  cerca  de  300  mil  unidades  para  1,3  milhão.   Esse   impressionante   crescimento   do   mercado   nacional   de   produtos  eletroeletrônicos   induziu  o  setor,  em  geral,  e  a  SHARP  DO  BRASIL  S/A,  em  particular,  a  realizar   projeções   extremamente   otimistas   quanto   ao   crescimento   futuro   desse  mercado   e   a   ampliar   a   capacidade   produtiva   de   modo   significativo.   O   período   foi  marcado,   também,   pela   necessidade   de   novos   investimentos,   visando   aprimorar  tecnologicamente   os   produtos   nacionais.   Isto,   para   que   pudessem   fazer   frente   à  qualidade   dos   concorrentes   importados,   cada   vez   mais   acessíveis,   em   virtude   da  abertura  do  mercado  e  do  fortalecimento  da  moeda  nacional.  Diante  desse  cenário  –  e  com  a   forte  motivação  do  ambiente  de  estabilidade  criado  pelo  Plano  Real   –  a  SHARP  

                                       

DO  BRASIL  S  /A  emitiu,  em  1997,  através  de  um  grupo  de  bancos  de  investimento,  120  milhões   de   dólares   americanos   em   títulos   vendidos   no   mercado   internacional.   Tal  lançamento   visou   financiar   um   programa   de   renovação   de   sua   linha   de   produção   e   a  ampliação   da   capacidade   produtiva,   que   teve   início   nesta   ocasião.   Todavia,   o  comportamento  do  setor  de  eletroeletrônicos  não  correspondeu  às  projeções  feitas  pela  indústria  e,  como  resultado,  nos  últimos  anos  da  década  de  90,  a  capacidade  produtiva  do   setor  encontrava-­‐se  dimensionada.  A   conseqüência   foi  uma  queda   significativa  nos  preços   de   venda   desses   produtos   no   Brasil   e,   ainda,   a   rápida   deterioração   da  lucratividade  do  setor.  Todas  as  empresas  que  nele  operavam  enfrentaram  dificuldades,  ainda  mais  acentuadas  com  a  desvalorização  do  REAL  em  início  de  1999.  Esta  mudança  da  política  cambial  implicou  aumento  nos  custos  de  produção  e  solapou,  ainda  mais,  os  lucros  da  indústria  de  eletroeletrônicos.  A  SHARP  DO  BRASIL  S  /A  que  já  havia  sofrido  um  duro   golpe   com   a   decretação   da   concordata   do   Grupo   Fenícia,   com   o   qual   estava  exposta   aproximadamente   US$   100   milhões,   foi   especialmente   prejudicada   com   a  desvalorização   do   REAL,   em   virtude   de   seu   elevado   passivo   em  moeda   estrangeira.   A  situação  da  empresa  passou  a  deteriorar-­‐se  continuamente  até  que,  em  março  de  2000,  ela   entrou   com  pedido  de  Concordata,   que   foi   aceito   em  agosto  de  2000.  Da  data  do  pedido  de  Concordata  a  situação  da  empresa  continuou  a  se  deteriorar,  especialmente  em  virtude  da  dificuldade  de  obtenção  de  crédito  no  mercado,  dificuldade  associada  à  sua   situação   de   concordatária.   A   SHARP   DO   BRASIL   S   /A   não   vinha   pagando   seus  funcionários  pontualmente  e  deixou  de  honrar  integralmente  suas  obrigações  para  com  os   funcionários   demitidos.   A   produção   reduziu-­‐se   a   níveis   muito   baixos   e   a   empresa  encontrava-­‐se   atrasada   nos   fornecimentos   aos   consumidores   do   Sistema   de   Venda  Direta.  Para  retornar  sua  produção,  a  empresa  necessitava  urgentemente  de  capital  de  giro.  Porém,  em  virtude  da  situação  de  elevado  risco  em  que  se  encontrava,  teve  grande  dificuldade  em  atrair  capital  sob  a  forma,  tanto  de  investimentos  associados,  quanto  de  empréstimos   diretos.   Com   o   alegado   intuito   de   contornar   esse   problema,   a   empresa  elaborou   um   Plano   de   Reestruturação   que   tinha   como   objetivo   isolar   suas   atividades  produtivas   dos   riscos   inerentes   à   situação   pré-­‐falimentar   em   que   se   encontrava,  viabilizando,   com   isto,  a  atração  de  capitais  de   terceiros.  As  Concordatárias,   visando  a  implementação   do   Plano   de   Reestruturação   da   SHARP   (PRS)   solicitam   expedição   de  Alvará  autorizando-­‐as,  com  relação  às  chamadas  SHARPINHAS  (empresas  especializadas  nos  diversos  produtos):  (i)  aumentar  o  capital  social,  ou  alienar  ações/cotas  de  emissão  de  cada  uma  dessas  sociedades,  mediante  a  subscrição,  ou  o  pagamento  do  preço,  por  terceiros   investidores,   desde   que   remanesçam   na   titularidade   da   Sharp   da   Amazônia  Ltda,  em  qualquer  hipótese  as  ações/cotas  que   lhe  assegurem  a  condição  de  acionista  controladora   das   respectivas   companhias;   (ii)   constituir,   em   favor   de   eventuais  mutuantes,   ou   debenturistas,   garantia   real   sobre   as   ações/cotas   de   emissão   de   cada  uma  delas.  A  PROPOSTA  DE  REESTRUTURAÇÃO  –  O  processo  de  reestruturação  começou  a  ser   implantado  com  a  constituição  da  SHARP  DA  AMAZÔNIA  LTDA  –  empresa  aberta  com  capital  simbólico  e  sem  patrimônio  –  cujas  cotas  estão  distribuídas  entre  a  SHARP  S/A,  com  99,9%  das  mesmas,  e  a  SHARP  DO  BRASIL,  com  0,01%  das  cotas.  A  SHARP  DA  AMAZÔNIA   LTDA,   por   sua   vez,   fez   constituir   seis   subsidiárias,   conhecidas   como  SHARPINHAS,   também  elas   com  capital   e  patrimônio   simbólicos,   sendo  que  é  previsto  que   cada   uma   se   dedique   a   um   ramo   específico   da   indústria   eletroeletrônica.   A   nova  estrutura  pretendia,  por  um  lado,  isolar  as  atividades  produtivas  do  risco  de  falência  da  SHARP   DO   BRASIL   S/A   e   da   SHARP   S/A   e,   por   outro,   dividir   estrategicamente   essas  atividades  de  modo  a  facilitar  o  surgimento  de  novas  parcerias,  internas  e  externas,  com  conseqüente  atração  de  capital.  No  que  se  refere  à  proteção  das  atividades  produtivas  contra   o   risco,   haveria   o   remanejamento   destas   para   as   SHARPINHAS,   subsidiárias   da  SHARP   DA   AMAZÔNIA   LTDA.   Uma   condição   imprescindível   para   que   o   Plano   de  Reestruturação  da  SHARP  fosse  bem-­‐sucedido  é  que  as  SHARPINHAS  tivessem  acesso  à  

                                       

tecnologia   da   SHARP   CORPORATION.   Após   reuniões   com   as   diretorias   da   SHARP   DO  BRASIL   S/A   e   da   SHARP   S/A,   a   SHARP  CORPORATION   concordou   em   firmar,   com   cada  uma   das   SHARPINHAS,   contrato   de   cooperação   tecnológica,   desde   que   o   plano   de  reestruturação   acima   descrito   fosse   submetido   ao   crivo   do   Poder   Judiciário   nacional.  Garantida   a   cooperação   tecnológica   entre   as   SHARPINHAS   e   a   SHARP   CORPORATION  restaria,   ainda,   uma   dificuldade.   Todas   as   empresas   de   um   Grupo   respondiam  solidariamente  a   algumas  dívidas  privilegiadas.   Entre  essas,   encontravam-­‐se  as  dívidas  fiscais,   trabalhistas   e   previdenciárias   e   para   com   os   consumidores   que   pagaram  antecipadamente   pelos   produtos   adquiridos.   Neste   sentido,   adicionalmente,   as  Concordatárias   solicitaram   autorização   para   alienação   de   imóveis,   pelos   valores  mínimos  apontados  por  avaliações  e  limitados  as  utilizações  dos  recursos  auferidos,  para  os   seguintes   fins:   solver   obrigações   contraídas   com   os   consumidores   que   aderiram   à  Venda  Planejada  Sharp,  e  solver  obrigações  trabalhistas  e  previdenciárias  e  obrigadas  as  Concordatárias   a   prestarem   contas   do   uso   desses   recursos.   O   custo   estimado   dos  imóveis   era   de   R$   32.999.544,09,   mas   os   avaliadores   dos   mesmos   consideram   que,  levando-­‐se  em  conta  as   condições  do  mercado  de   imóveis  na   zona   franca  de  Manaus,  seria   possível   vendê-­‐los   a   R$   31.209.030,38.   Já   o   valor   necessário   para   solver   (i)   as  obrigações  contraídas  com  os  consumidores  que  aderiram  à  Venda  Planejada  SHARP  e  as  obrigações  trabalhistas  e  (ii)  previdenciárias,  atingia  o  montante  de  R$  34.361.899,08.  A   mudança   na   estrutura   do   Grupo   SHARP   fundamentava   o   Plano   de   Reestruturação  (industrial,  organizacional,  econômico  e   financeiro),  que  previa  a   retomada  e  aumento  da   produção   e   capitalização   por   meio   de   aporte   de   recursos   gerados.   Isto   tanto   por  alianças   estratégicas   quanto   pela   alienação   de   imóveis   para   liquidação   das   dívidas  trabalhistas  e  previdenciárias,  bem  como  da  Venda  Direta.  A  estratégia  de  criação  das  denominadas   SHARPINHAS   implicava   criar   as   seis   empresas   subsidiárias   no   âmbito   de  um  sistema  abrangente  de  especializações  e  focos  produtivos  específicos.  Com  isto,  tais  empresas  poderiam  contar  com  os  benefícios:  do  prestígio  e  reconhecimento  público  da  marca  SHARP,  da  transferência  de  tecnologia  de  ponta  para  seus  produtos  por  parte  da  SHARP  CORPORATION  do  Japão,  de  concentração  de  esforços  em  um  único  produto,  da  maior   flexibilidade   em   explorar   suas   vantagens   competitivas   específicas,   e   do  estabelecimento   de   alianças   estratégicas   com   parceiros   nacionais   e   do   exterior.   As  possibilidades  de  formar  parcerias  para  a  produção  de  bens  específicos  e  de  terceirizar  atividades   tornar-­‐se-­‐iam   mais   concretas,   pois   aumentariam:   o   número   de   parceiros  potenciais,   e   a   possibilidade   de   atração   de   capital   (interno   e   externo)   para   o  financiamento   dessas   atividades   produtivas.   O   sistema   de   especializações   das  SHARPINHAS,   por   seu   turno,   permitiria,   também,   reestruturar   o   processo   produtivo,  incorporando   as  mudanças   relacionadas   com   a   robotização,   a   simplificação   e   redução  das   linhas   de  montagens,   o   gerenciamento   de   estoques   just-­‐in-­‐time,   e   a   utilização   de  sistemas   logísticos  mais   avançados   para   abastecimento   e   escoamento.   CONCLUSÃO   –  Todas  as  mudanças  propostas  associadas  ao  Plano  de  Reestruturação  contribuiriam  para  reduzir,   de   maneira   bastante   significativa,   as   necessidades   de   espaços   e   instalações  fabris   que   hoje   compõem   o   parque   industrial   das   Concordatárias.   Pode-­‐se   afirmar   a  título   de   conclusões,   portanto:   1)   O   Plano   de   Reestruturação   da   SHARP   teve   uma  concepção   abrangente,   integrada   e   pioneira   sob   muitos   aspectos,   sendo,   ainda,  consistente   nas   suas   propostas   e,   portanto,   com   elevada   probabilidade   de   que  viabilizasse  a  recuperação  econômico-­‐financeira  das  concordatárias  SHARP  S/A  e  SHARP  DO  BRASIL  S/A.  2)  A  viabilidade  desse  Plano,  todavia,  estava  condicionada  à  quitação  das  dívidas   trabalhistas  e  previdenciárias,  assim  como  as  dívidas  com  o  sistema  de  Vendas  Diretas.   3)   Caso   essa   quitação   não   se   realizasse,   dificilmente   conseguiria   parceiros   ou  investidores   para   as   SHARPINHAS,   pois   os   riscos   dos   investimentos   nessas   empresas  seriam  ampliados  de  forma  a  desestimular  potenciais  parceiros  ou  investidores  do  País  e  do   exterior.   4)   A   venda   dos   imóveis   pleiteada   pelas   Concordatárias   seria   capaz   de  

                                       

levantar   a   quase   totalidade   dos   recursos   necessários   ao   pagamento   dessas   dívidas,   o  que   não   só   protegeria   as   SHARPINHAS   dos   riscos   na   retomada   da   produção,   como,  também,  preservaria  os  patrimônios  intangíveis  da  marca  e  imagem  SHARP  e  do  acordo  de  transferência  de  tecnologia  da  SHARP  CORPORATION.  5)  Era  preciso  garantir,  nesse  sentido,   que   os   recursos   fossem   empregados   para   o   pagamento   das   dívidas  mencionadas,   assim   como   fossem   providos   pelas   Concordatárias   os   valores  complementares   para   quitar   essas   dívidas.   6)   Pode-­‐se   afirmar,   por   fim,   que  os   pleitos  das   Concordatárias,   à   época,   possuíam   consistência   entre   si,   podendo   ter   sido  entendidos  como  partes  harmônicas  de  uma  estratégia  abrangente  de  recuperação  do  Grupo   SHARP,   por   meio   de   um   Plano   de   Reestruturação.   Se   a   Lei   de   Falências   já  estivesse  em  vigor  na  época,  provavelmente  o  Plano  de  Reestruturação  da  SHARP  teria  grande   chance   de   vingar.   Prevaleceu,   porém,   a   visão   estreita   do   processo   de  Concordata,   não   tendo   sido   possível   manter   o   nível   de   emprego   e   preservar   o  patrimônio,  inclusive  o  da  marca  SHARP."    

 A  concordata  –  que  foi  concebida  como  mecanismo  de  pagamento  de  credores  –  jamais  

serviu   à   recuperação   econômica   da   empresa.   Por   isso   é   que   restou   prejudicada,   esvaziada   como  meio  de  soerguimento  da  atividade  empresarial,  via  moratória.  Já  a  falência  –  que  era  o  fim  da  linha  para   o   empreendedor   em   crise   econômico-­‐financeira   –   não   viabilizava   o   pedido   de   concordata  suspensiva   visando   recuperação   da   empresa.   Ambos   os   institutos:   concordata   preventiva   e  concordata  suspensiva,  de  fato,  mostraram-­‐se  incapazes  de  preservar  a  atividade  empresarial.  Dessa  forma,  em  boa  hora,  desapareceram  do  cenário  jurídico  brasileiro,  aliás,  sem  deixar  saudade!  

 Agora,   com   Lei   de   Recuperações   novas   perspectivas   surgem   com   os   institutos   da  

recuperação   judicial   e   extrajudicial,   garantindo-­‐se,   assim,   a   recuperação   da   atividade   econômica,  desde  que  corretamente  interpretada  e  aplicada  pelos  cientistas  do  Direito  –  orientados  que  deverão  ser   pela   bússola,   isto   é,   pelo   art.   47   –   que   aponta   os   princípios   norteadores   da   função   social   da  empresa.   O   devedor,   em   crise,   poderá   manejar   pedido   de   recuperação   judicial   mediante   a  apresentação  de  plano,  contendo  variados  meios  para  o  seu  restabelecimento,  ou,  celebrar  com  os  credores   pacto   de   adesão,   pedindo   ao   juiz   a   homologação   do   plano   de   recuperação   extrajudicial,  tudo   visando   evitar   a   falência.   Outra   opção   é   o   plano   obrigatório,   no   regime   da   recuperação  extrajudicial,  como  previsto  no  art.  163  da  mencionada  lei.  

 A   solução   para   o   devedor   em   crise   econômico-­‐financeira   é   a   recuperação   judicial   ou  

extrajudicial.  14,  15,  16                                                                                                                            

14 GUERRA, Luiz. Lei de Recuperações e de Falências: a recuperação é a solução para a empresa em crise: inovações, avanços e retrocessos na nova lei: abordagem crítica. In __ Temas de Direito Empresarial. Brasília: LGE, 2007, p. 161-178. 15 HÁFEZ, Andréa. A legislação visa recuperar a empresa e não apenas o crédito. O juiz Carlos Henrique Abrão é um dos magistrados do Estado de São Paulo que efetivamente acredita no mercado e no seu uso como forma de viabilizar a recuperação de empresas na dificuldade. Sempre envolvido em debates a respeito da legislação sobre falências e recuperação empresarial, ele avalia que ainda há alguns equívocos na maneira de aplicar os dispositivos dessa norma. Talvez, a maior dificuldade seja a compreensão de que a mudança na legislação aconteceu para permitir a recuperação de empresas, e a preservação de suas riquezas, e não apenas a recuperação dos créditos devidos por elas. Para amadurecer esse debate, o juiz da 42ª Vara Cível do Fórum Central de São Paulo se juntou a outros juízes e operadores do Direito para criar o Instituto Nacional de Recuperação Empresarial (INRE). O objetivo da instituição recém-criada é disponibilizar, por meio de seu portal, a troca de informações não só entre magistrados, promotores e advogados que atuam nessa área, mas envolver também nesse ambiente, economistas, empresários, professores e outras instituições que queiram colaborar. Disponível em: <http://www.bovespa.com.br/investidor/jurídico>. Acesso em 10 de junho de 2008. 16 ABRÃO, Carlos Henrique. Espaço Jurídico Bovespa, edição de junho de 2008. São Paulo. Entrevista concedida pelo Juiz de Direito da 42ª Vara Cível de São Paulo, Dr. Carlos Henrique Abrão. Pergunta: A Lei de Falência e Recuperação de Empresas (Lei nº 11.101/2005) já resultou em um impacto positivo

                                       

 Os  meios  para  alcançar  a   recuperação  são  diversos,  a  exemplo  de  operações  de  cisão,  

fusão,  incorporação,  venda  ou  transferência  de  ativos,  cessão  de  quotas  ou  ações,  emissão  e  oferta  pública   de   valores  mobiliários,   negociação   de   certificados   de   créditos   de   carbono,   constituição   de  fundos   de   investimento   e   participações,   celebração   de   convenção   ou   acordo   coletivo   de   trabalho  com  redução  de  jornada  e  salário.    

 Temos  outros  meios  de  recuperação,  a  saber:  

 ►  a)  constituição  de  sociedade  de  propósito  específico;  

 ►  b)  constituição  de  sociedade  formada  por  credores  ou  por  empregados  do  devedor;    ►  c)  celebração  de  contratos  de  arrendamento  ou  de  trespasse  e  tantos  outros  ajustes  visando   à   recuperação   da   empresa,   o   que   possibilitará   a   mantença   de   empregos,   o  recolhimento  de  tributos  e  a  geração  e  distribuição  de  riquezas.  

 Alguns   segmentos   da   sociedade   criticaram,   ao   tempo   da   tramitação   da   Lei   de  

Recuperações  e  de  Falências,  que  se  tratava  de  Lei  dos  Bancos   (Lei  dos  Banqueiros),  por  conta  dos  supostos  privilégios  assegurados  aos  emprestadores  de  capital.  Essa  adjetivação  é  imprópria!  17  A  Lei  de   Recuperações   e   de   Falências   rompeu,   de   fato,   com   os   privilégios   dados   aos   trabalhadores   e   à  Fazenda  Pública,  no  antigo  regime  jurídico  da  falência.  Ninguém  gosta  de  perder  privilégios!  

 Espraiou-­‐se   no   mercado,   embora   em   tentativa   frustrada,   sem   eco,   que   a   Lei   de  

Recuperações  e  de  Falências  fora  elaborada  por  banqueiros  e  para  os  banqueiros!  No  entanto,  restou  evidente   que   tal   movimento   não   passou   de   mera   manifestação   contra   a   perda   dos   nefastos  privilégios  coloniais  garantidos,   injustificadamente,  à  Fazenda  Pública  e  aos  trabalhadores.  A  massa  trabalhadora   não   sofreu   prejuízo.   Poucos   são   os   trabalhadores   que   têm   créditos   a   receber   na  falência  com  valores  superiores  a  150  (cento  e  cinquenta)  salários  mínimos.    

 

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           

para o processo de desenvolvimento econômico do país? Resposta: Na minha análise, há uma dupla variante. A maioria de credores com créditos ínfimos, sempre que não conseguiam cobrá-los, requeria a falência de seus devedores. As somas eram pequenas, mas o simples requerimento da falência dava a entender que a empresa estava insolvente, e podia causar danos. Essa mentalidade mudou. Hoje temos índices que demonstram a queda do número de pedidos: houve uma redução de 45% no primeiro ano da entrada em vigor da legislação (em 2005), depois chega a 50% em 2006; 60% em 2007. Antes, no Fórum Central de São Paulo, havia o ingresso de 10 a 15 pedidos por dia; hoje esse número gira em torno de 3 a 4 entradas. Pergunta: O que essa redução significa? Resposta: Isso significa que a economia pode ter menos amarras, o empresário pode ter mais tranqüilidade para resolver os seus assuntos, com flexibilidade para negociar suas dívidas, inclusive depois do pedido de falência, pois pode pedir a recuperação. Disponível em: <http://www.bovespa.com.br/investidor/juridico>. Acesso em 10 de junho de 2008. 17 GUERRA, Luiz. Revista Jurídica Consulex, edição de 15 de março de 2005. Brasília. Ano 9, nº 196, p. 7-8. Entrevista concedida pelo Professor Luiz Guerra ao referido periódico. Pergunta: Professor, alguns consideram a nova lei de recuperação de empresas e falências como a Lei dos Bancos. O que há de verdade sobre isto? Resposta: Eu não afirmo isso. Não se pode dizer propriamente que a nova lei seja a Lei dos Bancos, porquanto ela alcança o empresário e a sociedade empresária na recuperação de qualquer atividade econômica. As instituições financeiras estão fora do alcance da lei nova e possuem legislação específica. Porém, é fato que os bancos realizaram ótimo trabalho no Congresso Nacional, na defesa dos seus interesses. As instituições financeiras estão em posição de prestígio na nova lei, cujos créditos, na classificação, estão em destaque, como sendo extraconcursais, como previstos nos arts. 67 e 84 da Lei nº 11.101/2005. Em outras palavras, significa dizer que os emprestadores de capital – que são os bancos –, na hipótese de convolação da recuperação judicial em falência, terão os créditos decorrentes dos contratos de mútuo em dinheiro precedência sobre os demais indicados no art. 83 da lei, isto é, precedência sobre os créditos trabalhistas, acidentários e tributários, o que lhes garante posição privilegiada.

                                       

A   Lei   de   Recuperações   e   de   Falências   jamais   poderá   ser   taxada   como   Lei   dos  Banqueiros!   A   LRF   apresenta-­‐se   como   típica   lei   de   mercado,   própria   do   sistema   capitalista!   Se,  efetivamente,   são   os   bancos   quem   emprestam   capital   ao   empresário   em   dificuldade   econômico-­‐financeira,  em  crise,  então,  mais  que  razoável  que  o  dador  do  empréstimo  tenha  a  seu  favor  crédito  privilegiado,  na  hipótese  da  convolação  da  recuperação  judicial  em  falência,  daí  a  classificação  desse  crédito  como  extraconcursal,  ou  seja,  fora  do  concurso  geral  de  credores.  Quem  gosta  de  emprestar  dinheiro  e  não  recebê-­‐lo?  É  fácil  socializar  o  capital  alheio!    

 Atuaram  legitimamente  os  bancos  na  defesa  de  seus  interesses!  Seus  créditos  estão  em  

destaque  na  classificação  do  art.  84,  com  preferência  sobre  os  contidos  no  art.  83,  porque  são  eles  que  emprestam  ou  emprestarão  capital  ao  devedor,  em  crise,  e,  nessas  condições,  correrão  risco,  se  convolada   a   recuperação   em   falência.   Absolutamente   razoável   o   privilégio   conferido   aos   bancos,  com  a  classificação  de  seus  créditos  como  extraconcursais.    

 Interessante  o  destaque  dado  à  Lei  de  Recuperações  e  de  Falências  como  mecanismo  de  

redução  e  controle  das  taxas  de  juros  praticadas  no  Brasil.  A  lei  não  foi  concebida  para  baixar  taxas  de   juros.   No   entanto,   o   Governo   Federal,   ao   tempo   em   que   trabalhava   nos   bastidores   para   a  reeleição   presidencial,   anunciou,   em   rede   nacional,   em   todas   as   mídias,   que   a   aprovação   da   lei  baixaria  de  imediato  a  taxa  de  juros.  Isso  é  crime!  Os  fundamentos  de  teoria  econômica  indicam  que  a  remuneração  do  capital  está  diretamente  vinculada  ao  comprometimento  do  déficit  público!  

 A  política   econômica  brasileira   é   fixada  por  metas  de   inflação.  Controlamos  a   inflação  

através  do  aumento  ou  redução  de  taxas  de  juros,  conforme  o  consumo  no  mercado  de  varejo,  para  evitar  a  inflação  por  demanda.  A  Lei  de  Recuperações  não  tem  e  jamais  terá  esse  objetivo!  

 Sobre   a   temática   das   taxas   de   juros   e   sua   interdisciplinaridade   com   o   Direito  

Recuperatório  temos  posição  bem  definida,  em  tempos  de  mercado  global.  Se  o  legislador  consagrou  a  função  social  da  empresa,  reconhecendo  sua  capacidade  de  geração  de  riquezas,  de  empregos  e  de  tributos,  necessário  se  faz,  com  urgência,   implantar  condições  de  sobrevivência  da/para  a  atividade  econômica.  

 Temos   de   implantar,   com   seriedade   –   aqui   reside   o   grande   problema   brasileiro:  

seriedade  –  política  de  fomento  à  atividade  empresarial  específica  para  o  empresário  em  crise,  em  recuperação,   com   linha   de   crédito   própria,   com   taxas   de   juros   diferenciadas,   com   baixo   custo  financeiro,  para  que  se  possa  verdadeiramente  cumprir  os  princípios  ou  objetivos  da  função  social  da  empresa,  como  preconizados  no  art.  47,  da  LRF.  

 Já   afirmamos   que   a   Lei   de   Recuperações   necessita   de   aperfeiçoamento!   Há   que   se  

pensar,   urgentemente,   numa   lei   de   sobrevivência   para   a   empresa   em   crise,   garantindo-­‐se   a  manutenção   dos   empregos,   a   geração   de   riquezas   e   o   recolhimento   de   tributos.   Defendemos   a  criação   de   lei   econômica   para   o   devedor   em   recuperação.   Não   adianta,   em   sede   de   Direito  Recuperatório,   cuidarmos   do   pagamento   dos   credores,   com   tantas   regras   processuais,   se,   em  verdade,  não  damos  condições  à  recuperação  do  devedor.  Indicar  a  função  social  da  empresa,  sem  oferecer  ao  seu  titular  condições  de  sobrevivência  é  retórica  legalista,  sem  qualquer  efeito  prático!    

 O   empresário   recolhe   todos   os   encargos   da   atividade   econômica,   gera   riquezas,  

empregos   e   rendas,   e,   ainda,   tributos   durante   longos   anos.   Todavia,   por   circunstâncias,   entra   em  crise  econômica.  Na  hora  que  ele  necessita  de  crédito  não  tem!  Qual  a  contrapartida?  Não  há!  Por  que  não  se  criou  ou  se  cria  fundo  de  gestão,  com  base  na  própria  arrecadação,  para  viabilizar  política  de  crédito  em  prol  do  empresário  em  crise,  de  modo  que  ele  possa  utilizar  os  recursos  do  fundo,  em  reserva,   mediante   o   pagamento   de   juros   subsidiados,   em   condições   mais   favorecidas,   visando  realizar  a  função  social  da  empresa?  

                                       

 Nessa   perspectiva,   as   taxas   de   juros   poderão   ser   diferenciadas   a   partir   da   análise   da  

situação   específica   de   cada   devedor,   da   viabilidade   econômica   do   plano   de   recuperação,   das  garantias  oferecidas,  das  potencialidades  de  negócios  no  mercado  etc,  sem  riscos  para  o  gestor  do  fundo,   porque,   na   hipótese   de   convolação   da   recuperação   em   falência,   o   crédito   seria   ou   será  reconhecido  como  extraconcursal,  com  precedência  sobre  os  demais  previstos  no  art.  83,  da  Lei  de  Quebras.  

 A  Lei  de  Recuperações  trouxe  benefícios  a  todos  os  agentes  econômicos:  trabalhadores,  

fornecedores,  credores,  banqueiros  e  ao  próprio  Estado.  Todos  ganharam  e  ganharão  com  a  nova  lei.  O  maior  beneficiado  é  o  Brasil,  que  após  conviver  com  legislação  que  não  mais  atendia  à  realidade  econômica,  incorporou  o  instituto  da  recuperação  no  seu  ordenamento  jurídico.  

 Com  a  recuperação  resta  evidente  a  necessidade  de  investimento  de  capital  na  atividade  

econômica,   daí   por   que   os   bancos   e   os   fornecedores   mereceram   prestígio;   os   trabalhadores  sofreram   mitigação   nos   seus   direitos   e   o   Estado   cedeu,   ao   permitir   o   rompimento   da  responsabilidade   tributária,   na   sucessão,   quando   da   venda   de   ativos,   e   ainda,   na   classificação   dos  créditos  tributários  e  previdenciários  em  favor  dos  credores  extraconcursais.  

 Muitas   são  as   inovações   contempladas  na   Lei  de  Recuperações  e  de  Falências.  Dentre  

outras,  destacamos:    

►  a)  a   introdução  das  recuperações  judicial  e  extrajudicial  da  atividade  econômica  e  o  reconhecimento  da  função  social  da  empresa;    ►     b)   a   indicação  dos  meios   visando  à   recuperação,   a   exemplo  da  prática  de   atos  de  reengenharia   societária   de   fusão,   cisão,   incorporação,   transformação,   constituição   de  sociedade  com  a  participação  de  empregados  e  credores,  constituição  de  sociedade  de  propósito  específico  e  venda  de  ativos;    ►  c)  a  criação  facultativa  do  Comitê  de  Credores,  cuja  instalação  somente  se  justificará  nas   recuperações   e   falências   de   sociedades   ou   companhias   de   grande   porte   dada   a  fiscalização   no   cumprimento   das   obrigações   previstas   no   plano   de   recuperação   e   dos  interesses  dos  credores,  além  dos  custos  para  as  reuniões,  providências  e  remunerações  dos  seus  membros,  quando  for  o  caso;    ►   d)   a   convocação   da   Assembleia   Geral   de   Credores,   cujas   principais   finalidades,   na  recuperação   judicial,   serão   apreciar   o   plano   de   recuperação   elaborado   pelo   devedor,  quando,   então,   os   credores   poderão   modificá-­‐lo,   aprová-­‐lo   ou   rejeitá-­‐lo   e,   ainda,  autorizar,   quando   for   o   caso,   o   pedido   de   desistência   da   recuperação;   na   falência,   a  principal   finalidade   será   apreciar   e,   autorizar,   se   for   o   caso,   a   realização   do   ativo   de  modo  diverso  das  hipóteses  contempladas  na  lei;    ►  e)  a  alteração  na  classificação  de  créditos  trabalhistas  e  acidentários;      ►   f)   o   rompimento  das   responsabilidades   tributária,   trabalhista   e   previdenciária,   sem  reconhecimento   de   ocorrência   de   sucessão   empresarial,   na   hipótese   de   alienação   de  ativos  na  recuperação  ou  na  falência;      ►  g)  otimização  dos  recursos  e  ativos  na  falência;  e    ►  h)  a  verificação  de  créditos  realizada  pelo  administrador  judicial.  

                                       

 A   Lei   de   Recuperações   e   de   Falências   alterou,   ainda,   o   processamento   do   pedido   de  

falência,  a  exemplo  de  requisitos,  condições,  prazos  para  defesa  e  outras  providências  etc.    Todavia,   a   legislação   apresenta-­‐se   imperfeita   e   tem   pontos   negativos.   A   Lei   de  

Recuperações  e  de  Falências  tem  a  mesma  feição  do  revogado  Decreto-­‐Lei  nº  7.661/1945,  ou  seja,  emprestou-­‐se   natureza   material   e   processual,   nesse   particular   excessivamente   ritualística   e  procedimental,   quando   deveria   se   apresentar   com   conteúdo   mais   econômico,   com   soluções  direcionadas   para   a   recuperação   e   administração  da   falência.   Defendemos   a   sua   complementação  com  outras  e  novas  leis  paralelas,  com  a  indicação  de  mecanismos  econômicos  de  soerguimento  da  empresa,  a  exemplo:  

 ►  a)  da  constituição  de  fundo  de  empréstimo  de  recursos  aos  agentes  econômicos  em  dificuldade,   com   linha   de   crédito   especial   e   juros   subsidiados,   de   modo   a   atender   o  princípio  da  função  social  da  empresa;    ►   b)   a   constituição   de   fundo   para   administração   e   venda   dos   ativos   arrecadados,  atendendo-­‐se  o  princípio  da  otimização  dos  recursos  na  administração  da  falência.  

 O   processo   falimentar   apresenta-­‐se   como   verdadeira   equação   matemática,   típica   de  

primeiro  grau,  representada  por  A  (ativo)  –  P  (passivo)  =  R  (resultado).  Portanto,  arrecadam-­‐se  bens  e  realiza-­‐se  o  ativo  para  a  solução  do  passivo,  apurando-­‐se  o  resultado,  que  poderá  ser  positivo  ou  negativo,  a  depender  da  força  econômica  da  massa  falida  e  do  volume  de  créditos  habilitados.  

 A   Lei   de   Recuperações   e   de   Falências   deveria   ter   melhor   conteúdo,   com   soluções   e  

alternativas   econômicas,   com  menor   carga   processual.   A  matéria   processual   comercial   deveria   ser  levada  para  o  Código  de  Processo  Comercial  –  que  há  muito  deveria  ter  sido  criado.    

 Não   há   justificativa   para   inserção   de   forte   carga   processual   na   Lei   de   Recuperações,  

dando-­‐lhe   rosto   de   lei   processual   especial,   com   a   introdução   de   condições,   ritos   e   prazos  diferenciados   do   Código   de   Processo   Civil,   confundindo-­‐se   a   natureza   de   institutos   processuais,   a  exemplo  de  prazos  dilatórios,  afirmados  como  peremptórios,  sem  qualquer  critério  científico,  como  ocorre   em   relação   aos   prazos   de   suspensão   das   ações   e   execuções   em   face   do   devedor   e   de  apresentação   do   plano   de   recuperação   judicial.   Esses   prazos   são   dilatórios,   porém   o   legislador  afirma-­‐os  peremptórios!  

 A   indicação   de   recursos   equivocados   diante   da   natureza   jurídica   das   decisões  

processuais  proferidas  também  é  exemplo  de  grave  erro.  Historicamente,  a  Lei  Falimentar  sempre  se  apresentou   dessa   forma,   com   procedimento   próprio,   quase   autônomo;   aliás,   essa   é   a   tendência  Ocidental  no  trato  da  questão.  Contudo,  a  crítica  aqui  feita  e  realizada  ao  longo  do  corpo  desta  obra  reside  na  ausência  de  critério  científico  do  legislador  e  da  contrariedade  direta  às  regras  contidas  no  Código  de  Processo  Civil,   gerando  desnecessária   insegurança  ao   intérprete.  O  argumento  de  que  a  Lei   de  Recuperações   e   de   Falências   é   especial   e,   portanto,   deve   conter   ritos   próprios   não  mais   se  justifica,  nesse  particular,  no  início  deste  século.  Temos  de  buscar  celeridade  e  harmonização  entre  os  diplomas  legais,  evitando-­‐se,  tanto  possível,  o  excesso  de  casuísmos.    

 A  burocracia  documental  exigida  para  instruir  os  pedidos  de  recuperação  ou  para  cuidar  

da  administração  da  falência  é  ponto  negativo  na  lei,  sem  contar  os  elevados  custos  para  cumprir  as  exageradas   providências,   se   o   devedor   está   em   crise   econômico-­‐financeira.   Ademais,   não   existe  celeridade   processual,   embora   a   lei,   em   tese,   indique   que   os   procedimentos   se   orientarão   pelos  princípios   da   celeridade   e   da   economia   processual.   Tais   princípios   somente   terão   aplicabilidade  

                                       

quando  tivermos  coragem  política  para  realizar  cirurgia,  de  corte  profundo,  nos  Códigos  de  Processo  Civil  e  Processo  Penal.    

 Indicamos  outros  pontos  negativos:  

 ►  a)  a  exclusão  das  sociedades  de  economia  mista  e  empresas  públicas  do  alcance  da  lei,  com  manifesta  inconstitucionalidade  do  inciso  I,  do  art.  2º  (violação  do  inciso  II,  do  §  1º,  do  art.  173  da  Constituição  Federal/1988);    ►   b)   o   não   processamento   dos   pedidos   de   recuperação   e   de   falência   em   juízos   e  tribunais  especializados;    ►   c)   o   não   processamento   dos   pedidos   de   recuperação   e   de   falência   do  microempreendedor   individual,   da   microempresa   e   da   empresa   de   pequeno   porte  perante  juízos  especializados  para  esses  agentes  econômicos  de  menor  porte;    ►   d)   a   homologação   judicial   do   plano,   na   recuperação   extrajudicial,   situação   que,  mutatis   mutandis,   quase   transforma   a   recuperação   extrajudicial   em   judicial,  desnecessariamente;   a   homologação   do   plano,   na   forma   como   posta   na   lei   empresta  feição  judicial  à  recuperação  extrajudicial;  a  recuperação  extrajudicial  deveria  ser  mero  acordo   de   vontade   entre   as   partes   aderentes   ao   plano,   cujos   efeitos   são   gerados  imediatamente   a   partir   da   declaração  de   vontades,   sem  necessidade  de  homologação  judicial  do  plano;    ►  e)  a  potencialidade  de  imprimir  rito  ordinário  na  recuperação  extrajudicial,  com  base  em  plano  obrigatório  previsto  no  art.  163,  descaracterizando  por  completo  o  instituto;  a  concessão  de  recuperação  extrajudicial  com  base  no  plano  obrigatório  é  mais  complexa  que  a  própria  recuperação  judicial;        ►  f)  a  declaração  de  falência  do  sócio  de  responsabilidade  ilimitada;  antinomia  legal  –  o  sistema   falimentar   brasileiro   está   dirigido   ao   empresário   individual   e   a   sociedade  empresária;  a  responsabilidade  ilimitada  decorre  da  natureza  jurídica  do  regime  jurídico  societário  ou  da  prática  de  atos  irregulares  em  relação  aos  sócios  com  responsabilidade  limitada,   o   que   ensejará,   nesta   última   hipótese,   a   aplicação   da   teoria   da  desconsideração  da  personalidade  jurídica;    ►  g)  o  conceito  aberto  de  principal  estabelecimento  na  fixação  do  juízo  competente  para  conhecer  do  pedido  e  conceder  a  recuperação  judicial,  homologar  o  plano  de  recuperação  extrajudicial  ou  decretar  a  falência;  a  realidade  aponta  várias  possibilidades  de  definição  do  principal   estabelecimento   a   partir   do   local   da   sede;   do   lugar   de   instalação  da  maior  unidade  produtiva  ou  de  capacidade  produtiva;  do  lugar  do  maior  mercado  de  atuação  e  influência  do  empresário  ou  da  sociedade  empresária,  com  o  maior  número  de  clientes  e  fornecedores;   do   lugar   do  maior   volume   de   negócios   ou   faturamento;   do   lugar   onde   a  diretoria  se  reúne  e  ordinariamente  delibera;    ►  h)  a  não  indicação  da  fixação  da  competência  para  os  estabelecimentos  virtuais,  por  conta   do   recrudescimento   do   comércio   eletrônico   (e-­‐commerce)   que,   atualmente,  demanda  grande  volume  de  negócios,  via  rede  mundial  de  computadores  -­‐internet;    ►   i)   a   não   indicação  da   fixação  da   competência  para  os   estabelecimentos   em   regime  mobile   office,   inclusive   com   legislação   já   autorizadora   de   instalação   e   funcionamento  desses  novos  tipos  de  estabelecimentos  e  escritórios;  

                                       

 ►   j)   a   excessiva   ritualística   ou   instrumentalidade   no   processamento   dos   pedidos   de  recuperação;    ►  k)  não  se  apresentar  propriamente  como  lei  econômica,  de  reorganização  societária;    ►   l)   a   inaplicabilidade   da   lei   às   sociedades   simples   e   às   pessoas   naturais,   com   a  eliminação  do  precário  instituto  da  insolvência  civil;    ►  m)  a  não  contemplação  da  falência  internacional;    ►  n)  o  não  reconhecimento  do  prazo  de  180  (oitenta)  dias  de  suspensão  da  prescrição,  das  ações  e  execuções,  na  recuperação  judicial,  como  dilatório;    ►  o)  o  não  reconhecimento  do  prazo  de  60  (sessenta)  dias  para  a  entrega  do  plano,  na  recuperação  judicial,  como  dilatório;    ►  p)  a  não  ampliação  dos  legitimados  ao  pedido  de  recuperação  judicial,  permitindo-­‐se  ao  credor  a  provocação  do  pedido  de  recuperação  do  devedor;    ►   q)   a   exigência   de   exercício   da   atividade   econômica   por  mais   de   2   (dois)   anos   para  pleitear   a   recuperação,   como   se  a   crise  econômico-­‐financeira   tivesse  prazo   certo  para  acontecer   e   somente   ocorrer   após   2   (dois)   anos   de   desenvolvimento   da   atividade  empresarial,  dentre  outros  equívocos;    ►  r)  a  não  concentração  de  todo  o  sistema  concursal  brasileiro  numa  única  legislação,  contemplando-­‐se   o   regime   comum   e   o   regime   especial,   eliminando-­‐se   as   legislações  esparsas  que  cuidam  da   intervenção,   liquidação  e   falência  das  sociedades  empresárias  contidas  no  inciso  II,  do  art.  2º,  da  LRF,  bem  assim  o  rito  da  quantia  certa  contra  devedor  insolvente  previsto  no  Código  de  Processo  Civil;    ►  s)  a  não  utilização  dos  meios  alternativos  de  solução  de  controvérsia  ou  de  conflitos,  autorizando-­‐se  o  processamento  de  pedidos  de  recuperação  extrajudicial  ou  judicial  ou  de  falência  de  microempreendedor,  de  microempresa  e  de  empresa  de  pequeno  porte  perante  as  Câmaras  de  Arbitragem;  18,  19,  20  

                                                                                                                         

18 SZKLAROWSKY, Leon Frejda. Objeto do litígio da arbitragem. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, nº 700, 5 jun. 2005. Disponível em: <http://www.jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6840>. Acesso em 20 de janeiro de 2010. 19 NASCIMENTO, Sônia Mascaro. Meios alternativos de resolução de conflitos. Jornal Correio Braziliense, Caderno Direito & Justiça, edição de 13 de abril de 2009, p. 1. O Banco Mundial (Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento – BIRD) aponta como um dos obstáculos ao crescimento do Brasil o funcionamento da Justiça: o Brasil tem a 30ª Justiça mais lenta do mundo. No ranking de duração do processo para a cobrança de uma dívida, o tempo exigido por nossos tribunais é de 380 dias; na Holanda o prazo é de 39 dias; na Nova Zelândia e Cingapura, 50; no Japão, 60; na Coréia do Sul, 75, e no Haiti, 76 dias. As razões dessa demora processual devem-se ao excessivo número de demandas, à insuficiência de magistrados, serventuários e estrutura física da Justiça, ao excesso de formalismo da legislação processual e aos vários recursos às instâncias de julgamentos superiores. Dessa forma, são necessárias soluções para minimizar o acúmulo de processos nos tribunais; reduzir os custos da demora do trâmite do processo; incrementar a participação da comunidade na resolução de conflitos; facilitar o acesso à Justiça; e fornecer à sociedade uma forma mais efetiva de resolução de disputas. Em certos casos, o processo judicial não é a melhor via para se pleitear a concretização de direitos. Nessa seara, surgem os meios alternativos de composição de conflitos ou de resolução de disputas, conhecidos como ADRs (Alternatives Dispute Resolutions), que são rápidos, pois podem eliminar um problema em poucas semanas ou, talvez, em apenas uma audiência de poucas horas; confidenciais, devido a seu caráter privado; informais, porque não seguem procedimentos formais rígidos; flexíveis, pois as soluções são

                                       

 ►  t)  não  criação  de  instituto  em  substituição  à  concordata  suspensiva,  na  falência.  

 É  bom  dizer  que  a  demora  na  tramitação  da  lei  foi  prejudicial  ao  sistema  concursal.  Após  

11  (onze)  anos  de  tramitação  no  Congresso  Nacional  a   lei   jamais  pode  ou  poderá  corresponder  aos  fiéis   anseios   sociais   ao   tempo   de   sua   concepção.   A   Lei   de   Recuperações   e   de   Falências,   embora  recentemente  incorporada  ao  ordenamento  jurídico,   já  dá  sinais  de  potenciais  e  futuras  alterações,  em  curto  prazo,  como  se  vê  dos  Projetos  de  Lei  em  curso  no  Parlamento,  os  quais  serão  indicados  ao  longo  dos  comentários.    

 Recentemente  experimentamos  a  mesma  situação  com  a   chegada  do  Código  Civil,   em  

2002.  Grande   parte   da   sociedade   civil   se   viu   frustrada   quando   se   deparou   com  o   texto   aprovado,  após  26  anos  de  tramitação  no  Congresso  Nacional.  Há  em  tramitação  no  Poder  Legislativo  projetos  buscando  a  alteração  de  vários  preceitos  do  novo  Código,  aliás,  velho!  O  Código  Civil,  de  2002,  já  foi  alterado  algumas  vezes.  A  técnica  legislativa  brasileira  é  tão  ruim,  que  além  da  demora,  quando  a  lei  é  aprovada,   já  está  defasada.  Pior,  ainda,  na  maioria  dos  casos,  a   redação   final  da   lei  apresenta-­‐se  sem  a  devida  revisão  sistemática!  Triste  realidade!  

 No   caso   da   Lei   de   Recuperações   e   de   Falências   não   é   diferente.   No   nascedouro   da  

reforma  tinha-­‐se  a  ideia  de  criar   lei  de  reorganização  da  empresa,  de  natureza  econômica.  A  Lei  de  Recuperações   e   de   Falências,   embora   cuide   da   recuperação,   não   é   legislação   propriamente   de  reorganização  econômica.  Certamente,  com  o  tempo,  o  mercado  ao  atestar  à  sua  deficiência  exigirá  alterações,  como  ocorrera  recentemente  na  Argentina  e  no  Chile.  

 Porém,  nesse  momento,  é  fundamental  dizer  que  a  Lei  de  Recuperações  e  de  Falências,  

embora   contendo  vários  equívocos,   é  de  vanguarda,   se   comparada   com  o  obsoleto  Decreto-­‐Lei  nº  7.661/1945.  

 A  Lei  de  Recuperações  e  de  Falências   contém   imperfeições.  Todavia,  em   linhas  gerais,  

encontra-­‐se  em  sintonia  com  os   sistemas   jurídicos  de  quebra  dos  principais  países  europeus  e   sul-­‐

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           

específicas para cada caso concreto; e, em regra, são menos onerosos que o sistema judicial. (...). A última forma de ADR é a arbitragem, que consiste em um meio paraestatal de solução de conflitos em que uma ou mais pessoas recebem poderes decisórios de uma convenção privada, firmada pelas partes. Os árbitros podem ter ou não formação jurídica e o procedimento adotado na arbitragem deve ser escolhido pelas próprias partes. No Brasil, existe a necessidade de criação de órgãos especializados em cada uma dessas modalidades alternativas de solução de conflitos, que podem se instituídos com ou sem a atuação do Estado. E a atuação dos advogados em todas essas formas alternativas de solução de conflitos também é essencial. Não se trata de criação de reserva de mercado, já que os meios alternativos de resolução de conflitos são uma maneira eficiente e rápida, evitando-se, assim, mais demandas no Judiciário e a demora para a resolução dos conflitos. 20 OLIVEIRA, Pedro Alberto Costa Braga de. Solução extrajudicial de controvérsias. Jornal Correio Braziliense, Caderno Direito & Justiça, edição de 25 de agosto de 2008, p.3. Os Estados Unidos nos influenciam mais do que qualquer outro país. (...). Nos Estados Unidos, poucas disputas são resolvidas por meio do contencioso judicial. Segundo o professor Lawrence Friedman, no país mais litigioso do mundo o número de ações judiciais resolvidas por meios extrajudiciais ultrapassa 95% da totalidade das ações judiciais formalmente iniciadas (Lawrence Friedman, American Law in the Twentieth Century, New Haven, 2002, p. 277). Por meios extrajudiciais deve-se compreender a solução obtida por meio (i) da negociação direta entre as partes litigantes, (ii) da arbitragem – onde há uma decisão imposta às partes – ou, ainda (iii) da utilização de algum dos diversos mecanismos de ADR, tais como a mediação e conciliação. (...). É claro que esta cultura de solução extrajudicial de controvérsias não se aplica a qualquer caso nem serve para todos. Tampouco podemos implantá-la de uma hora para outra em nosso país. No entanto, muitos dos casos que abarrotam as Varas de Justiça e Tribunais de todo o país poderiam ser facilmente resolvidos por profissionais qualificados através da mediação ou conciliação, ou outro mecanismo qualquer de ADR. É necessário treinar nossos advogados, assim como nossos futuros bacharéis ainda nos anos escolares, ensinando-os a buscar a solução extrajudicial para satisfação de seus clientes.

                                       

americanos,   o   que   autoriza   afirmar   que   se   apresenta   relativamente   atual,  mormente   em   razão  da  incorporação  do  instituto  da  recuperação  judicial  –  a  grande  novidade.  

 A  recuperação  judicial  tem  tratamento  específico.  O  art.  47  é  o  norte  da  recuperação.  A  

recuperação,   judicial   ou   extrajudicial,   como   já   dito,   visa   superar   a   crise   econômico-­‐financeira.   Em  tese,  os  meios  de  recuperação  indicados  no  art.  50  permitirão  a  preservação  da  empresa.  

 O  Brasil,   deitado   eternamente   em  berço   esplêndido,   parece   querer   acordar   do   sonho  

profundo!  A  Lei  de  Recuperações  e  de  Falências  ao  reconhecer  a  função  social  da  empresa  permitiu  que   o   empresário   ou   a   sociedade   empresária   em   crise   econômico-­‐financeira   que   exerça  regularmente  atividade  econômica  há  mais  de  2  (dois)  anos  possa  pleitear  a  recuperação,  desde  que  preenchidos  os  requisitos  previstos  no  art.  48,  incisos  I  a  IV,  e  atendida  à  documentação  indicada  no  art.  51.  

 O   pedido   de   recuperação   apresenta   particularidades,   ou   seja,   o   processamento   da  

recuperação  judicial  é  diferente  da  extrajudicial,  esta  com  planos  de  adesão  ou  obrigatório,  que,  por  sua   vez,   é   diverso   do   pedido   formulado   por   microempreendedor   individual,   microempresa   e  empresa  de  pequeno  porte,  com  plano  especial.    

 As   microempresas   e   as   empresas   de   pequeno   porte   poderão   formular   pedido   de  

recuperação  mediante  a  apresentação  de  plano  especial.  A  recuperação  com  base  no  plano  especial  somente   abrangerá  os   créditos   quirografários,   excetuados  os   decorrentes   de   repasses   de   recursos  oficiais  e  os  previstos  nos  §§  3º  e  4º,  do  art.  49,  da  LRF.  

 O  plano  especial  contemplará  o  pagamento  dos  créditos  em  até  36  (trinta  e  seis)  meses,  

com  valores  monetariamente  atualizados  e  acrescidos  de  juros  de  12%  (doze  por  cento)  ao  ano  e  o  pagamento  da  1ª  (primeira)  parcela  no  prazo  máximo  de  180  (cento  e  oitenta)  dias,  contados  da  data  da   distribuição   do   pedido.   Estabelecerá   também   a   necessidade   de   autorização   do   Juízo   da  Recuperação,   ouvido   o   administrador   judicial   e   o   Comitê   de   Credores,   quando   for   o   caso,   para   o  devedor  aumentar  despesas  ou  contratar  empregados.  

 O  pedido  com  base  no  plano  especial  não  acarreta  a  suspensão  do  curso  da  prescrição,  

tampouco  das  ações  e  execuções  por  créditos  não  abrangidos  pelo  plano.  Significa  dizer,  em  outras  palavras,   que   credores   não   alcançados   pelo   plano   poderão   promover   execuções   e   ações   em  desfavor   do   devedor,   inclusive   formular   pedido   de   falência,   o   que   se   apresenta   como   verdadeira  antinomia.  

 É  impensável  tal  instituto,  da  forma  como  posto  na  Lei  de  Recuperações  e  de  Falências,  

do  ponto  de  vista  econômico  ou  sob  o  enfoque  processual,  eis  que  não  gera  segurança  jurídica  ao  devedor  e  aos  credores  alcançados  pelo  plano  diante  do  potencial   risco  de  declaração  de  quebra.  Ademais,   o   inciso   III,   do   art.   48,   é   inconstitucional,   eis   que   apresenta   condições   desfavoráveis   ao  microempreendedor   individual,   à  microempresa   e   à   empresa   de   pequeno   porte,   na   obtenção   da  recuperação  judicial,  se  comparadas  com  o  inciso  II,  do  mesmo  artigo,  que  indica  as  condições  para  os  demais  agentes  econômicos.    

 O   legislador   criou   2   (dois)   dois   modelos   de   recuperação:   judicial   e   extrajudicial.   No  

judicial,   todo  o   processamento  do  pedido  opera-­‐se   exclusivamente   perante   o   Poder   Judiciário.  No  extrajudicial,   o   ato   jurídico   –   que   é   a   negociação   direta   do   devedor   com   os   seus   credores   e   a  celebração   de   acordo  ou   plano   de   recuperação   –   deveria   limitar-­‐se   ao   ambiente   extrajudicial,   nos  limites   físicos  do  estabelecimento,  porque  o  acordo  ou  o  plano  de  adesão   firmado,  por   si   só,   gera  efeitos,   não   havendo   necessidade   de   homologação   judicial.   Trata-­‐se,   em   verdade,   de   composição  firmada  entre  as  partes.  

                                       

 Esclareça-­‐se   que   a   recuperação   extrajudicial   alcança   basicamente   os   credores  

quirografários  e  os  seus  efeitos  são  diversos  da  recuperação  judicial,  como  já  dito.    

Os  arts.  163  e  164,  da  Lei  de  Recuperações  e  de  Falências,  autorizam  o  devedor  a  pedir  a  homologação   do   plano   de   recuperação   em   relação   a   todos   os   credores   por   ele   abrangidos.   Tal  situação   opera   verdadeiro   rito   ordinário   no   processamento   do   pedido,   o   que   descaracteriza   a  n a t u r e z a   e x t r a j u d i c i a l   d a   r e c u p e r a ç ã o ,   t r a n s f o r m a n d o -­‐ a   e m   j u d i c i a l .  

 A  celeridade  do  processo,  na  prática,  certamente  ficará  longe  de  materializar-­‐se.  Somos  

otimistas,   porém   realistas.   Não   enxergamos   grandes   mudanças   ou   avanços   na   celeridade   das  demandas  porque  o  modelo  processual  brasileiro,  no  Direito  Processual  Comercial,  especialmente  no  Direito   Concursal,   ainda   é   imperial,   essencialmente   cartorial.   O   modelo   é   arcaico,   formal   e  burocrático,   distante   de   atender   os   anseios   dos   jurisdicionados.   O   mesmo   ocorre   no   Direito  Processual  Civil.  

 As   verdadeiras   mudanças   somente   se   operarão   quando   a   sociedade,   devidamente  

organizada,   representada   por   seus   variados   segmentos,   exigir   postura   de   coragem   dos   nossos  parlamentares,   com   reformas   estruturais   visando   à   celeridade   do   processo,   com   a   redução   do  número   de   recursos   e   dos   prazos,   além   de   alterações   substanciais   dos   ritos,   atos   e   outros  procedimentos  que  estrangulam  o  processamento  de  qualquer  pedido  judicial.  

 Mais  cedo  ou  mais  tarde  chegará  o  dia  em  que  o  processo  será  reconhecido,  na  prática  

judiciária,  como  meio,  jamais  como  fim;  que  a  essência  é  o  Direito  Material  e  esse  deverá  prevalecer  sempre   sobre   as   fórmulas   do   Direito   Processual.   Nós,   processualistas,   devemos   trabalhar  urgentemente   pela   reformulação   dos   ritos   e   fórmulas   processuais,   sob   pena   de   desgaste   e  desprestígio  de  nossa  ciência.  A  sociedade  não  mais  tolera  a  demora  na  prestação  jurisdicional!  

 Importante   dizer   que  muitas   são   as   diferenças   entre   a   recuperação   e   a   concordata.  

Não  é  possível  aqui  apontar  cada  uma  delas.  Contudo,  a  principal  reside  na  essência  dos  institutos.  A  concordata  preventiva  não  era  instituto  próprio  para  a  recuperação  da  atividade  econômica.  Era  favor   legal   típico   de   moratória   que   visava   exclusivamente   o   pagamento   dos   credores,   sem  qualquer  preocupação  com  o  devedor.  As  estatísticas  indicaram  que  o  concordatário  quase  sempre  teve  a  concordata  rescindida,  com  a  declaração  da  falência.  

 Na  concordata,  a  preocupação  principal  sempre  foi  o  credor  e  o  crédito;  o  procedimento  

era   de   moratória   visando   pagar,   essencialmente,   o   crédito,   e   jamais   recuperar   a   atividade  econômica.  Esse  foi  o  modelo  histórico  e  nunca  houve  preocupação  com  a  preservação  da  empresa.  O  concordatário,  quase  sempre,  foi  incapaz  de  recuperar-­‐se  e  diante  da  impossibilidade  material  era  naturalmente   empurrado   para   a   falência;   essa,   como   se   sabe,   é   o   fim   da   linha;   é   a   treva;   é  literalmente   a  morte   da   atividade   empresarial,   com   direito   a   choro,   caixão,   vela   preta   e  missa   de  sétimo  dia;  é  o  túnel  sem  luz.  Portanto,  raras  foram  às  concordatas  exitosas.  

 A   concordata   preventiva   da   Encol,   no   passado   recente,   bem   revela   essa   situação.   A  

Encol  teve  a  falência  decretada,  por  conta  da  rescisão  da  concordata  preventiva.   Indaga-­‐se:  de  que  serviu   a   falência?   A   quebra   não   resolveu   o   problema   econômico   de   ninguém;   ao   contrário,   os  credores:   trabalhadores,   fornecedores,   mutuários,   banqueiros   e   o   Estado   nada   ou   quase   nada  receberam  ou  receberão.  Todos  perderam!  

 Certamente,   à   época,   estivesse   a   Encol   em   recuperação   judicial,   com   plano   de  

recuperação  contemplando  o  pagamento  de  obrigações  a  curto,  médio  ou  longo  prazo,  sob  o  firme  controle  do  Comitê  e  da  Assembleia  Geral  de  Credores  e  sob  a  fiscalização  do  administrador  judicial,  

                                       

tudo  seria  diferente.  Nesse  particular,  invocamos,  também,  o  caso  do  Grupo  Sharp,  cujo  depoimento  do   então   perito   contador,   na   concordata   preventiva,   transcrito   nesta   obra,   bem   indica   quão  importante  é  a  recuperação  econômica.  

 Com  a   introdução  da  recuperação  no  Direito  Concursal  Brasileiro  o  enfoque  é  outro;  a  

preocupação  é  a  preservação  e  a  mantença  da  empresa,  dos  empregos  e  da  geração  de  riquezas  e  tributos.  É  por  isso  que  podemos  afirmar  que  existem  diferenças  substanciais  entre  os  institutos  da  concordata  e  da  recuperação,  o  que  impossibilita,  tecnicamente,  realizar  comparações.  

 Temos  de  buscar  o  aperfeiçoamento  da  Lei  de  Recuperações  e  de  Falências.  A  lei  merece  

reparos,   em   curto   espaço  de   tempo,   para   atender   a   realidade   socioeconômica  de  nossa   complexa  sociedade.  Como  já  dito,  há  Projetos  de  Lei  em  tramitação  no  Congresso  Nacional  visando  modificá-­‐la.  Apontamos,  desde  logo,  dentre  outras,  algumas  medidas  importantes  que  poderão  ser  adotadas,  em  futuro  breve,  a  saber:    

 ►   a)   eliminar   ou   diminuir   a   carga   processual   contida   na   lei,   aplicando-­‐se  preferencialmente,   de   forma   exclusiva,   os   Códigos   de   Processo   Civil   e   Penal,  imprimindo-­‐se  uniformidade  nos  procedimentos;    ►   b)   unificar   os   institutos   concursais,   contemplando   o   regime   comum   e   o   regime  especial  em  legislação  única,  compreendendo:  a  insolvência,  a  intervenção,  a  liquidação  extrajudicial,   a   administração   temporária,   a   recuperação   extrajudicial,   a   recuperação  judicial  e  a  falência;    ►  c)  eliminar  a  insolvência  civil  como  rito  da  execução  de  quantia  certa  contra  devedor  insolvente,   no   Livro   II,   no   Processo   de   Execução,   com   a   unificação   de   todo   o   sistema  concursal,   aplicando   a   Lei   de   Recuperações   e   de   Falências   às   sociedades   simples   e   às  pessoas  naturais;    ►  d)  criar  Juízos  Especializados  para  o  processamento  dos  pedidos  de  recuperação  e  de  falência  de  microempreendedor   individual,  de  microempresas  e  empresas  de  pequeno  porte,  além  de  pessoas  naturais  e  sociedades  simples;    ►   e)   preparar   adequadamente   os   Juízes   de   Direito   das   Varas   de   Recuperações   e   de  Falências,   exigindo-­‐lhes   melhor   preparo   profissional   para   enfrentar   as   demandas  próprias  do  Juízo  Universal  da  Falência  e  da  Recuperação;  21    ►   f)   facilitar   o   preenchimento   dos   requisitos   e   condições   para   o   processamento   da  recuperação  judicial;    ►  g)  diminuir  a  burocracia  e  a  ritualística  dos  pedidos  de  recuperação  e  de  falência;    ►   h)   estimular   e   facilitar   o   processamento   da   recuperação   extrajudicial   mediante   a  criação  de  mecanismos  de  solução  de  controvérsia,  fomentando-­‐se  e  fortalecendo-­‐se  a  arbitragem   no   âmbito   das   Juntas   Comerciais,   Federações   e   Associações   de   Comércio,  

                                                                                                                         

21 GUERRA, Luiz. Competência Exclusiva do Juiz de Direito Titular nos Processos de Insolvência: Críticas ao Descumprimento do Art. 92, I, do CPC, por parte das Corregedorias de Justiça e a Atuação Passiva dos Magistrados das Varas de Recuperações e de Falências. Brasília: Revista Guerra Jurídica – Revista Guerra de Direito Empresarial & Direito Processual Comercial, da Guerra Editora. Disponível em: <http://www.guerraeditora.com.br/revistaguerrajuridica>. Acesso em 20 de janeiro de 2010.

                                       

Indústria   e   Serviço,   deixando   exclusivamente   para   o   Poder   Judiciário   a   solução   dos  conflitos  não  dirimidos  extrajudicialmente;  e    ►   i)   complementar   as  disposições   contidas  na   lei  mediante  a   indicação  de   soluções  e  alternativas   econômicas   visando   recuperação   da   atividade   empresarial,   a   exemplo   de  implantação  de  política  de  crédito,  com  linha  específica,  e  criação  de  fundo  gestor  para  concessão  de  recursos  ao  devedor  empresário  em  crise,  com  baixo  custo  financeiro.  

 A  questão  da  especialização  de  juízos  e  tribunais,  como  forma  de  garantir  qualidade  na  

prestação  jurisdicional,  nas  demandas  mercantis,  22  é  antiga  e  remonta  ainda  ao  Código  de  França,  de  1807,  quando  se  discutia  o  privilégio  da  classe  dos  comerciantes.  

 A  discussão  da  especialização  perdurou  por  toda  a  Europa,  ainda  ao  tempo  da  unificação  

das  obrigações  civis  e  mercantis.  23  Todavia,  não  temos  receio  de  oferecer  posição  sobre  o  assunto.  Em   Ciência   Jurídica,   como   em   todas   as   demais,   o   objeto   tende   a   ser   cada   vez   mais   específico   e  complexo,  sendo,  pois,   impossível  conhecer  e  dominar   todo  o  conhecimento  científico.  Portanto,  a  especialização  no  Direito  Empresarial,  especialmente  no  Direito  Concursal  se  impõe  como  forma  de  celeridade  na  prestação  jurisdicional  e  na  qualidade  das  decisões  judiciais.  

 Dentro  dessa  perspectiva  há  de  se  louvar  a  iniciativa  do  Tribunal  de  Justiça  do  Estado  de  

São  Paulo,   com  a   criação  de  Turma  Especializada  em  Direito   Falimentar  e  Direito  Recuperatório,  o  que   garante   prestação   jurisdicional   de   qualidade,   com   celeridade,   diminuindo,   inclusive,  consideravelmente  o  número  de  recursos  contra  as  decisões  proferidas.  

 Nessa   linha  de  pensamento  forçoso  é  reconhecer  a  necessidade  de  criação  de  Juízos  e  

Tribunais  Especializados.  O  Juiz  da  Vara  Comum,  da  Vara  Cível  –  cuida  basicamente  das  questões  da  vida   cotidiana,   a   exemplo   de   contratos   de   locação,   execução   de   títulos,   questionamentos   sobre  posse  e  propriedade  e   ações  de   responsabilidade   civil.   Esse  magistrado  não   tem  a  experiência   e   a  vivência  das  questões  mercantis  de  maior  complexidade,  no  mundo  empresarial.  

 Não   há   como   exigir   decisão   célere   e   de   qualidade   nas   questões   mercantis   versando  

sobre:    

►   a)  mercado  de  capitais   (valores  mobiliários  e  bolsa  de  valores),  mercado   financeiro  (títulos,   fundos,   aplicações,   recuperações   de   crédito,   operações   de   asseguramento   ou  securitização  de  créditos  etc);    

                                                                                                                         

22 Espaço Jurídico Bovespa: VARAS EMPRESARIAIS REDUZEM AS CHANCES DE DECISÕES SEREM REFORMADAS. De acordo com a pesquisa realizada com base em acórdãos da Justiça Estadual do Rio de Janeiro, 21% das decisões provenientes de varas empresariais foram modificadas em segundo grau, contra um percentual de 37,5% de mudança em decisões sobre matérias referentes ao Direito Societário dadas por juízes sem especialização. O Estado transformou suas Varas de Falências e Concordatas em Empresariais, com a ampliação de competência, há cinco anos. Disponível em: <http://www.bovespa/espacojuridico>. Acesso em 10 de fevereiro de 2007. 23 GUERRA, Luiz. Teoria geral dos títulos de crédito e institutos conexos: comentários à teoria geral dos títulos de crédito e institutos conexos no Código Civil: atributos dos títulos de crédito: títulos ao portador: títulos à ordem: títulos nominativos: penhor de direitos e títulos de crédito: outros institutos conexos: prescrição cambiária: interrupção da prescrição: cessão de créditos: assunção de dívidas. Brasília: LGE, 2007. p. 17-30.

                                       

►   b)   societário   (incorporação,   transformação,   fusão   e   cisão,   contratos   de   trespasse,  arrendamento,   disputas   entre   sócios   sobre   controle   acionário,   acordo   de   acionistas,  dissolução  de  sociedades  etc);    ►  c)  de  contratos  mercantis  diferenciados  (franquia  empresarial,  leasing  de  aeronaves,  factoring,  afretamento  de  navios,  transferência  de  tecnologia,  marcas  e  patentes  etc);  e    ►   d)   administração   de   crise   econômico-­‐financeira   (recuperação   judicial,   recuperação  extrajudicial,   falência,   intervenção  e   liquidação  de   sociedades),   se  o   juiz  não   foi   e  não  está  preparado  para  conhecer  e  decidir  questões  diferenciadas  e  especializadas.  

 O  assunto  merece  reflexão  das  autoridades  judiciárias,  com  a  criação,  urgente,  de  Varas  

Empresariais   e   Tribunais   dotados   de   magistrados   preparados   e   especializados   para   enfrentar   as  complexas  questões  de  Direito  Comercial  e  Direito  Empresarial  e  seus  sub-­‐ramos.  A  feliz  iniciativa  do  Tribunal   de   Justiça   do   Estado   do   Rio   de   Janeiro   foi   acompanhada   pelos   Tribunais   dos   Estados   de  Minas  Gerais  e  Goiás,  com  a  criação  de  Varas  Empresariais,  copiando  o  bem  sucedido  modelo  norte-­‐americano   da   Corte   de   Justiça   de   Delaware,   que   se   especializou,   por   definição   de   seus   próprios  juízes,  nas  causas  mercantis  e  empresariais.24  

 

                                                                                                                         

24 Espaço Jurídico Bovespa: JURISDIÇÃO ESPECIALIZADA PODE INTERFERIR NA ESCOLHA DO LOCAL DA SEDE DA EMPRESA. O impacto da existência de varas empresariais apenas em alguns dos Estados pode ainda não ser tão relevante, mas já há sinalização de que as empresas estão mais atentas a este fator: quando possível, muitas elegem como foro, para as potenciais discussões futuras, a Justiça do Rio de Janeiro, pois têm mais segurança nos magistrados que atuam nesse tipo de juízo, existente desde 2001. Em São Paulo, a expectativa é de que haja alguma definição sobre o assunto no segundo semestre desse ano. É necessário cuidado no momento de avaliar se as ações propostas pelas empresas podem ter prosseguimento nas Varas Especializadas. A observação é feita pela juíza Márcia Cunha, titular da 2ª Vara Empresarial do Estado do Rio de Janeiro. Segundo ela, são várias as situações em que companhias e estabelecimentos buscam soluções para seus conflitos nesses juízos, mesmo quando as suas sedes estão em outros estados. (...). Já foram criadas Varas Empresariais em Minas Gerais e em Goiás, no entanto, a maior preocupação é com o Estado de São Paulo, que concentra mais empresas e volume de negócios. A Justiça Estadual paulista está atenta. No final de 2006, foi instaurado um procedimento na Comissão de Organização Judiciária para verificar as condições a respeito de instalação de Varas Empresariais no Estado de São Paulo e checar o que será possível fazer. Foram expedidos ofícios para as maiores cidades, a fim de levantar o volume de processos relacionados as matérias empresariais, afirma o desembargador Armando Sérgio Prado de Toledo, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). (...). Há uma percepção de que no Rio de Janeiro existe mais segurança jurídica nas Varas Empresariais. Segundo dados de um estudo realizado pelo pesquisador em Direito e Economia, Ivan Ribeiro, com base em acórdãos do período entre 2004 e 2006, há uma redução de 15% na probabilidade da ocorrência de reforma em segundo grau das decisões proferidas por outras varas cíveis da capital, quando a discussão se refere a temas do Direito Empresarial. Para o desembargador do TJSP, a especialização é uma tendência, não só em São Paulo, mas em todos os Estados. A criação de Varas Empresariais permite um ambiente jurídico mais seguro, com magistrados mais focados, resultados mais afinados e a possibilidade de julgamentos em prazos menores, afirma Toledo. É preciso, porém, cuidado para que sejam certificados quais os melhores locais para a instalação dessas Varas Especializadas. As Varas Empresariais, de acordo com o desembargador, possivelmente irão incluir a análise de conflitos envolvendo as seguintes matérias: falências e recuperação judicial de empresas (hoje já há varas específicas para essa matéria na Justiça Paulista), declaração de insolvência e execuções contra devedores insolventes, ações coletivas previstas no Código de Defesa do Consumidor, processos relacionados ao Direito Societário, à Propriedade Industrial e Nome Comercial, causas nas quais a Bovespa seja parte ou interessada, e questões sobre matéria de Direito Marítimo. Esses temas são objeto de pesquisa que está em realização pela Comissão de Organização Judiciária. (...). First move faz diferença e atrai novos negócios. Nos Estados Unidos, há o reconhecimento da Corte de Delaware como um foro especializado em Direito Empresarial. No entanto, esse posto não foi alcançado a partir de uma determinação oficial, que tenha estabelecido a chancelaria como corte especializada. Esse status foi construído a partir de decisões dadas pelos juízes do local, que foram se especializando. A conseqüência: muitas empresas passaram a constituir sedes em Delaware e a realizar seus negócios nesse Estado. Para impedir novas fugas, outros Estados constituíram Cortes Especializadas em Direito Empresarial. (...). Disponível em <http://www.bovespa.com.br/investidor/juridico>. Acesso em 07 de julho de 2008.

                                       

Somos   favoráveis   a   criação   de   Juízos   e   Tribunais   Especializados   visando   imprimir  celeridade  no  processamento  dos  pedidos  de   recuperação  e  de   falência  e   respectivos   recursos.  Ao  menos  a  criação  de  Turmas  ou  Câmaras,  a  exemplo  do  que  já  ocorre,  hoje,  no  Tribunal  de  Justiça  do  Estado  de  São  Paulo,  com  a  Câmara  Especial  de  Falências  e  Recuperações  Judiciais.  

 A  Lei  de  Recuperações  e  de  Falências  contém  duas  manifestas  inconstitucionalidades,  a  

saber:    

►  a)  no  inciso  I,  do  art.  2º,  ao  excluir  do  seu  alcance  as  sociedades  de  economia  mista  e  as  empresas  públicas  (inciso  II,  do  §  1º,  do  art.  173,  da  CF/88);    ►  b)  no  inciso  III,  do  art.  48,  ao  exigir  das  microempresas  (ME)  e  empresas  de  pequeno  porte  (EPP)  prazo  maior  do  que  o  previsto  para  os  agentes  econômicos  comuns.    

 No  primeiro  caso,  o  legislador  não  tem  justificativa  para  excluir  tais  entes  do  alcance  da  

lei  porque  as  sociedades  de  economia  mista  e  as  empresas  públicas  têm  sujeição  ao  regime  jurídico  de  Direito  Privado  quanto  aos  direitos  e  obrigações  civis,  comerciais,  trabalhistas  e  tributários,  como  aponta  o  art.  173,  §  1º,  inciso  II,  da  CF/88.    

 Com  efeito,  tais  empresas  não  podem  ser  excluídas,  por  força  do  princípio  da  eficiência  

da   Administração   Pública,   estatuído   no   art.   37,   caput,   da   Constituição   Federal,   que   aponta:   A  administração  pública  direta  e   indireta  de  qualquer  dos  Poderes  da  União,  dos  Estados,  do  Distrito  Federal   e   dos   Municípios   obedecerá   aos   princípios   da   legalidade,   impessoalidade,   moralidade,  publicidade  e  eficiência  (...).  Logo,  é  flagrante  a   inconstitucionalidade  contida  no  inciso  I,  do  art.  2º,  da  Lei  de  Recuperações  e  de  Falências,  esperando-­‐se,  assim,  que  as  entidades  legitimadas  promovam  a  competente  Ação  Direta  de  Inconstitucionalidade  em  prol  do  prestígio  do  princípio  constitucional  da  eficiência  da  Administração  Pública,  zelando-­‐se  pelo  dinheiro  e  interesse  públicos  no  desempenho  da  atividade  econômica.  

 Também  verificamos  que  a  exclusão  de  outros  entes  públicos  e  privados,  a  exemplo  de  

bancos,   seguradoras   e   sociedades  de  previdência   complementar,   do   alcance  da   lei,   não   reside   em  critérios   científicos.   O   simples   fato   de   existir   lei   específica   para   tais   segmentos   econômicos   não  impede   que   a   Lei   de   Recuperações   e   de   Falências   contemple   a   recuperação   e   a   quebra   de   tais  agentes  econômicos.  Como  já  exposto,  é  hora  de  banir  os  casuísmos  e  concentrar  todos  os  institutos  numa  única  lei,  uniformizando-­‐se  o  Direito  Concursal  Brasileiro.    

 Na  segunda  hipótese,  o  legislador  ao  exigir  prazo  maior  das  microempresas  e  empresas  

de  pequeno  porte,   como   requisito  objetivo  para  o  pedido  de   recuperação,  na   comparação  com  os  demais   agentes   econômicos,   violou   diretamente   o   tratamento   diferenciado,   porém  mais   favorável  garantido   às  microempresas   (ME)   e   empresas   de   pequeno   porte   (EPP),   como   autorizado   pelo   art.  170,   inciso   IX,   e   art.   179,   da  Constituição   Federal:  A  ordem  econômica,   fundada  na   valorização  do  trabalho  humano  e  na   livre   iniciativa,   tem  por   fim  assegurar  a   todos  existência  digna,  conforme  os  ditames   da   justiça   social,   observados   os   seguintes   princípios:   IX   –   tratamento   favorecido   para   as  empresas   de   pequeno   porte   constituídas   sob   as   leis   brasileiras   e   que   tenham   sua   sede   e  administração  no  País.  E  mais:  A  União,  os  Estados,  o  Distrito  Federal  e  os  Municípios  dispensarão  às  microempresas   e   às   empresas   de   pequeno   porte,   assim   definidas   em   lei,   tratamento   jurídico  diferenciado,   visando   a   incentivá-­‐las   pela   simplificação   de   suas   obrigações   administrativas,  tributárias,  previdenciárias  e  creditícias,  ou  pela  eliminação  ou  redução  destas  por  meio  de  lei.    

 De   constitucionalidade   duvidosa   apresenta-­‐se   o   art.   40,   da   Lei   de   Recuperações   e   de  

Falências,  ao  tratar  da  Assembleia  Geral  de  Credores,  quando  afirma:  Não  será  deferido  provimento  liminar,  de  caráter  cautelar  ou  antecipatório  dos  efeitos  da  tutela,  para  a  suspensão  ou  adiamento  da  

                                       

assembleia-­‐geral   de   credores   em   razão   de   pendência   de   discussão   acerca   da   existência,   da  quantificação  ou  da  classificação  de  créditos.  Injustificável  tal  proibição!  

 Essa  determinação,  sem  justificativa  jurídica,  ofende  princípios  elementares  previstos  na  

Carta  Federal,  no  art.  5º,  inciso  XXXIV,  que  aponta:  são  a  todos  assegurados,  independentemente  do  pagamento  de   taxas:   a)   o   direito   de  petição  aos  Poderes   Públicos   em  defesa  de  direitos   ou   contra  ilegalidade  ou  abuso  de  poder;  e   inciso  XXXV  –  a   lei  não  excluirá  da  apreciação  do  Poder   Judiciário  lesão  ou  ameaça  a  direito.  Esclareça-­‐se,  de  logo,  que  a  proibição  contida  no  art.  40,  da  LRF,  não  visou  resguardar  a  ordem  pública,  tampouco  quaisquer  dos  valores  próprios  do  instituto  da  suspensão  de  segurança,  sendo  certo  que  as  partes  envolvidas  em  eventuais   litígios  são  ou  serão  empresários  ou  sociedades  empresárias,  entes  típicos  do  Direito  Privado.  

 O  art.  40,  da  LRF,  inibe  a  aplicação  do  art.  273,  do  Código  de  Processo  Civil  –  que  cuida  da  

antecipação  da  tutela.25  A  redação  do  art.  40  também  impede  a  incidência  dos  arts.  796,  798  e  888,  do  CPC  -­‐  que  trata  das  medidas  cautelares  e  do  poder  geral  de  cautela.  26    

 Vamos   cuidar,   neste   livro,   dos   institutos   da   recuperação   e   da   falência,   comentando  

todos   os   artigos,   individualmente   considerados.   Paralelamente,   quando   a   hipótese   comportar   e   a  matéria   exigir,   procederemos   aos   comentários   necessários   comparando   os   atuais   preceitos   legais  com  àqueles  previstos  na  legislação  revogada,  no  (Decreto-­‐Lei  nº  7.661/1945,  de  modo  a  emprestar  relativo  estudo  comparativo.  

 Esta  obra  não  tem  por  objetivo  estudar  os   institutos  apontados  mediante  comparação  

de  posições  doutrinárias,  de  ilustres  e  doutos  falencistas.  Não  é  nosso  propósito  repetir  o  que  já  está  consolidado  em  doutrina  anterior.  A  finalidade  deste  ensaio  é  ousar  na  interpretação  dos  preceitos,  na  visão  solitária  do  autor,  na  livre  perspectiva  do  professor  em  sala  de  aula,  livre-­‐pensador,  embora  c o m p r o m i s s a d o   c o m   a   C i ê n c i a   J u r í d i c a .    

 Sabemos   que   estamos   à   mercê   das   severas   críticas.   Porém,   acreditamos   que   elas  

ajudarão   a   construir,   no   futuro,   obra   de  melhor   porte,   com   substância   e   perfeição.   Não   teremos  receio   de   reconstruir   pensamentos   equivocados,   quando   do   amadurecimento   das   ideias   e   das  renovadas   interpretações   que   ainda   virão   através   da   jurisprudência.   Vamos   tomar   de   exemplo   o  grande  comercialista  italiano,  Cesare  Vivante,  que,  após  defender  a  unificação  das  obrigações  civis  e  mercantis  durante  quase  meio  século,  reconheceu,  publicamente,  o  seu  equívoco,  em  1919.  27  

 

                                                                                                                         

25 Código de Processo Civil: Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. 26 Código de Processo Civil: Art. 796. O procedimento cautelar pode ser instaurado antes ou no curso do processo principal e deste é sempre dependente. Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação. 27 GUERRA, Luiz. Teoria geral dos títulos de crédito e institutos conexos: comentários à teoria geral dos títulos de crédito e institutos conexos no Código Civil: atributos dos títulos de crédito: títulos ao portador: títulos à ordem: títulos nominativos: penhor de direitos e títulos de crédito: outros institutos conexos: prescrição cambiária: interrupção da prescrição: cessão de créditos: assunção de dívidas. Brasília: LGE, 2007. p. 25.

                                       

A  Lei  de  Recuperações  e  de  Falências  é  muito  jovem.  Não  houve  tempo  suficiente  para  o  amadurecimento  das  ideias  acerca  dos  novos  institutos  e  dos  temas  abordados.  Registre-­‐se  que  até  o  momento   do   fechamento   desta   obra,   tomamos   conhecimento   de   poucos   pedidos   de   recuperação  judicial,  de  repercussão  nacional,  salvo  os  casos  aqui   indicados:  Varig,  no  Fórum  do  Rio  de  Janeiro;  Vasp,   Parmalat   e   Bra,   no   Fórum   de   São   Paulo;   e   Avestruz   Master,   no   Fórum   de   Goiânia.   As  recuperações  da  Avestruz  Master  e  da  Vasp  foram  convoladas  em  falência.  

 A   recuperação   judicial   da   Varig,   de   fato,   dada   a   sua   repercussão   nacional   e  

internacional,   transformou-­‐se   em   caso   emblemático,   apresentando-­‐se   como   o   primeiro   grande  teste   à   aplicação   dos   princípios   contidos   na   nova   lei.   O   deferimento   do   processamento   e   a  concessão   da   recuperação   ocorreram  no   Juízo   da   8ª   Vara   Empresarial   do   Rio   de   Janeiro,   sob   os  cuidados  do  digno  Juiz  de  Direito,  Dr.  Luiz  Roberto  Ayoub,  que,  de  forma  espetacular,  registre-­‐se,  emprestou  e  tem  emprestado  belíssima  interpretação  e  correta  aplicação  da  Lei  de  Recuperações,  dando  firme  contribuição  para  a  efetivação  do  instituto  da  recuperação  judicial.    

 Também  merecem  destaques  as  recuperações  judiciais  da  Parlamat  e  a  falência  da  Vasp,  

ambas  em  curso  na  Justiça  de  São  Paulo,  sob  a  condução  do  ilustre  magistrado,  Dr.  Alexandre  Alves  Lazzarini,   Juiz  de  Direito  do  Poder  Judiciário  do  Estado  de  São  Paulo,  que  vem  realizando  excelente  trabalho   na   interpretação   e   aplicação   da   nova   lei.   Esses   casos   têm   merecido   especial  acompanhamento.  28,  29  

                                                                                                                         

28 Jornal Estado de São Paulo: COM A IMINÊNCIA DA DECRETAÇÃO DA FALÊNCIA DA VASP PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO, O EMPRESÁRIO WAGNER CANHEDO, DONO DA COMPANHIA AÉREA, ENTROU COM PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL PARA OUTRAS EMPRESAS DE SUA PROPRIEDADE: a Fazenda Agropecuária Vale do Araguaia, a Transportadora WADEL e a VIPLAN, empresa de ônibus urbano de Brasília. Os pedidos de recuperação judicial chegaram ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal nos dias 13 e 14 deste mês (agosto/2008). Na segunda-feira, o tribunal concedeu prazo de 10 dias para que as empresas apresentem toda a documentação exigida pela Lei de Recuperação Judicial, como demonstrações contábeis e relação de credores. Nos processos abertos com o pedido de recuperação, os ativos da Fazenda Vale do Araguaia estão estimados em R$ 40,6 milhões; os da VIPLAN foram estimados em R$ 28,3 milhões e os da WADEL, em R$ 11,8 milhões. O interventor judicial da VASP, Roberto de Castro, que representa Canhedo, explica que a intenção do empresário é proteger os três negócios de contaminação com o processo da Vasp. Pelo que ele (Canhedo) me explicou, o pedido de recuperação deve-se ao fato de que as companhias estão perdendo receita por conseqüência do processo da Vasp. As empresas estão enfrentando problemas financeiros, de falta de crédito. Além disso, diz Castro, os bens e receitas das três empresas são alvos de constantes pedidos de penhora por parte de advogados trabalhistas de credores da VASP. Ainda não houve nenhuma execução, mas os pedidos são constantes. Para os trabalhadores, os pedidos de recuperação judicial das três empresas de Canhedo representam mais uma manobra do proprietário da Vasp para impedir uma possibilidade, que não está afastada, de decretação da falência de todo o grupo econômico, afirma a presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA), Graziella Baggio. A possibilidade de falência da VASP surgiu com a decisão dos próprios credores da companhia. Em assembléia no dia 17 de julho, os credores votaram a favor da convolação da recuperação judicial em falência. Quando e como essa convolação será feita dependerá do entendimento do juiz da 1ª Vara de Falências e Recuperações de Empresas, Alexandre Lazzarini. Neste momento, o juiz está ouvindo a manifestação das partes envolvidas. Mas o juiz já expediu ordem à Polícia Federal impedindo Canhedo de deixar o País. O juiz também requereu a relação atualizada dos bens da empresa. Quando entrou em recuperação judicial, a VASP possuía 450 imóveis, avaliados em R$ 200 milhões. O Tribunal determinou ainda a devolução, para a Infraero, de todas as áreas da Vasp nos aeroportos. Na segunda-feira, porém, Lazzarini acolheu pedido da empresa e determinou que a Infraero encontre uma área para acomodar o patrimônio que estava nos hangares, como aviões, máquinas, motores e peças. O dano que o patrimônio estava sofrendo era muito grande, diz Castro, que atribui o fracasso da recuperação judicial à ordem de devolução das áreas da Infraero. Ficou mais difícil atrair investidores. Disponível em: <http//www.ultimosegundo.ig.com.br/economia>. Acesso em 10 de setembro 2008. 29 Jornal Estado de São Paulo: O JUIZ ALEXANDRE LAZZARINI, DA 1ª VARA DE FALÊNCIAS E RECUPERAÇÕES JUDICIAIS DE SÃO PAULO, DECRETOU A FALÊNCIA DA VASP. Em sua decisão, datada da última quinta-feira (04.09.2008) e divulgada ontem (08.09.2008), Lazzarini afirma que a VASP não teve condição de implementar seu plano de recuperação judicial. O juiz Lazzarini determinou a venda de todos os bens da companhia para pagar credores e não descartou a possibilidade de decretar a prisão preventiva dos controladores, para

                                       

 A  propósito,   tomando-­‐se   o   caso   Varig,   de   repercussão   nacional   e   internacional,   como  

teste  de  aplicação  da  lei,  Paulo  Penalva  comenta  a  sua  experiência  à  frente  da  recuperação  judicial  daquela  companhia  aérea.  30  

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           

salvaguardar os interesses das partes envolvidas, verificando indício de crime previsto na Lei de Recuperação Judicial. Segundo fontes ligadas ao processo, os indícios criminais tratam de gestão temerária. Desde julho, os controladores já estão impedidos de deixar o País. O juiz também convocou uma audiência com o controlador da VASP, Wagner Canhedo, sua mulher Izaura e o filho César para o dia 15 de outubro. Os outros dois filhos do casal, Rodolpho e Wagner Filho, foram convocados para o dia 14 de outubro. Nos dois casos, estarão presentes o administrador judicial da VASP, Alexandre Tarja, e o Ministério Público. Em um breve relato que acompanha a decisão, o juiz demonstra ter esgotado sua paciência com a atitude dos controladores e também de credores públicos ao longo dos últimos três anos. A recuperação judicial se arrasta sem qualquer solução, sempre com expectativa de decisões judiciais milionárias ou investidores também milionários, escreveu o juiz em julho, ao negar um pedido do controlador para adiar a assembléia de credores de 17 de julho, quando foi votada, e aprovada, a falência. Lazzarini fez duras críticas à atuação da INFRAERO, do Banco do Brasil, do INSS e do fundo de pensão AEROS. Para investigar a atuação dos dois últimos, o juiz convocou o Ministério Público Federal. O juiz quer saber por que o INSS, que obteve o direito de penhorar quase 30 aviões para pagar dívidas previdenciárias, não o fez. Três anos depois, os aviões, que, apesar de velhos, tinham algum valor, praticamente viraram sucatas. Já o fundo de pensão AEROS é criticado por ter se sujeitado à recuperação judicial e depois ter entrado na Justiça para ser excluído. Segundo o juiz, a administração do AEROS, sob intervenção há mais de 10 anos, mostra desgovernança. Com uma dívida de R$ 4,5 bilhões, segundo credores - ou R$ 2,5 bilhões, segundo os controladores –, a Vasp parou de voar em janeiro de 2005, deixando 4 mil trabalhadores na rua, com salários atrasados. Se e quando os trabalhadores receberão seus créditos ainda é uma incógnita. (...). Dentre os ativos com liquidez, a Vasp possui 450 imóveis, avaliados, há três anos, em R$ 200 milhões. A empresa possui ainda 27 aviões velhos, além de máquinas e ferramentas de manutenção. Mas as críticas de Lazzarini aos credores públicos e ao fundo AEROS deram alguma esperança aos trabalhadores, que vêem aí uma margem para que esses credores, por terem de alguma forma negligenciado o processo, percam suas prioridades. O INSS deixou os aviões virarem pó. Não é justo que eles agora queiram pegar o dinheiro dos imóveis, diz a presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA), Graziella Baggio. A esperança dos trabalhadores é que a União espere a conclusão da ação de indenização bilionária que vem sendo movida pela VASP, mas que não tem previsão de ser concluída. Com a falência, os 350 funcionários da empresa, a maior parte da área de manutenção, foram dispensados. Na assembléia em que se decidiu pela falência, a favor estavam a Infraero, o fundo de pensão AEROS e alguns advogados trabalhistas independentes. Ainda não conseguimos estimar o tempo que levará para os trabalhadores receberem seus créditos em caso de falência, avalia Graziella. Para ela, uma eventual decretação de falência de todo o Grupo Canhedo pode não interessar aos credores da VASP. Uma falência ampla deixaria os trabalhadores da VIPLAN e das outras empresas desamparados. Além disso, você aumenta o patrimônio da massa falida, mas também aumenta o número de credores. Para ela, a falta de credibilidade de Canhedo atrapalhou a recuperação judicial. A VASP tinha muito mais bens do que a Varig. Chegou a ter 30% dos slots em Congonhas. Mas nenhum credor acumulou confiança ao longo do processo. Disponível em: <http//www.ultimosegundo.ig.com.br/economia>. Acesso em 10 de dezembro de 2006. 30 SANTOS, Paulo Penalva. Caso Varig: Paulo Penalva conta a experiência. Jornal do Commercio, 29 de março de 2006, p. B-6. Nova lei muda o perfil das empresas e dos advogados. O novo sistema de reorganização de empresas, utilizado pela primeira vez no Brasil pela Varig, com a entrada em vigor da Nova Lei de Falências e de Recuperações de Empresas, difere dos modelos até então existentes no Direito brasileiro, não apenas por sua finalidade de evitar o desaparecimento de empresas viáveis, mas também por representar uma modificação substancial no papel dos advogados e, principalmente, dos magistrados. Essa é a opinião do advogado responsável pela recuperação da empresa aérea, Paulo Penalva Santos. Segundo Paulo Penalva, a Lei 11.101/05, aprovada no ano passado pelo Senado, após 11 anos de tramitação, criou um relacionamento mais amigável entre credores e devedores, o que era expressamente proibido na lei anterior de 1945. Esse novo sistema permite que o devedor proponha a seus credores nova forma de pagamento, ou seja, qualquer forma lícita de negociação da ação de bens e pagamento, abatimento, alongamento da dívida, desconto, tudo isso é possível, embora tenha que ser aprovado pelas três classes de credores: empregados, credores com garantia real e os demais credores, explicou. O advogado afirma que o caso Varig foi um teste extraordinário para a lei, já que não havia precedentes sobre critérios que deveriam ser utilizados para salvar a empresa. Ele destaca ainda a complexidade do caso, já que havia a necessidade de a empresa negociar com organismos internacionais, como o IATA – para que não perdesse concessões de rotas – e com a Corte de Nova Iorque, para que as aeronaves não fossem arrestadas. Eram cerca de 2 mil, 3 mil credores no mundo todo. O advogado destaca ainda que o processo de recuperação da VARIG funcionou como um verdadeiro laboratório, dando um papel menos burocrático aos juízes, uma atuação mais ágil para o Tribunal de Justiça e o Ministério Público, além de criar uma nova linha de atuação para os advogados trabalhistas, porque nesse caso será necessário um acordo coletivo de trabalho, o que antes só envolvia os advogados de concordata. As leis brasileiras, até hoje, foram marcadas pelo que o professor Fábio Konder Comparato denominou de dualismo pendular. As normas falimentares tinham sempre a

                                       

 Por  conta  de  sua  dimensão,  repercussão  e  importância  para  o  assentamento  das  novas  

ideias   é   que   coligimos   e   inserimos   nessa   obra   matérias   jornalísticas   sobre   a   crise   econômico-­‐financeira  da   referida   companhia  aérea,  na   tentativa  de  enriquecer  o   livro  e  quebrar   a  monotonia  dos   comentários.   Inserimos,   ainda,   o   plano   de   recuperação   e   algumas   decisões   visando,   assim,  emprestar  riqueza  ao  trabalho,  com  os  comentários  realizados  ao  longo  da  obra.  

 Vale  registrar  a  atuação  do  Dr.  Luiz  Roberto  Ayoub,   Juiz  Titular  da  8ª  Vara  Empresarial  

do  Rio  de  Janeiro,  responsável  pelo  deferimento  do  processamento  da  recuperação  judicial  da  Varig.  O  Dr.  Ayoub  entrou  para  a  história  do  novel  Direito  Concursal  Brasileiro,  como  sendo  o  primeiro  juiz  a  deferir   o   processamento   de   recuperação   judicial   a   companhia   de   grande   porte.   O   referido  magistrado   sofreu   toda   a   sorte   de   críticas   ao   tempo   do   deferimento   do   processamento   da  recuperação   judicial   da   Varig.   31,   32   O   Dr.   Ayoub,   com   ousadia,   determinação   e   disciplina,   no  isolamento   da   difícil   missão   de   julgar,   teve   serenidade   para   interpretar   o   complexo   instituto   da  recuperação  judicial,  com  irreparável  aplicação  dos  princípios  previstos  no  art.  47,  da  LRF.  Contando  com  a  colaboração  de  sua  equipe  e  o  apoio  da  Presidência  do  Tribunal  de  Justiça  do  Estado  do  Rio  de  

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           

característica marcante de ora destacar a proteção dos interesses dos credores, ora os interesses do devedor, de acordo com a situação econômica e a política adotada pelo Governo. Essa nova forma de reorganização, que, segundo Paulo Penalva, foi aprimorada ao longo da negociação da Varig beneficia a negociação das empresas em dificuldades porque permite que se compre uma parcela de ativos sem levar junto as responsabilidades trabalhistas e tributárias. A VARIGLOG adquiriu o direito de vôo das rotas nacionais, as autorizações de vôos internacionais, as áreas arrendadas da INFRAERO em aeroportos, sem que as responsabilidades trabalhistas e tributárias fossem transferidas para a nova empresa. Apesar da dificuldade do caso e de considerar que, por várias vezes, a empresa quase teve que pedir falência, Paulo Penalva acredita na recuperação da Varig e que ela vai superar os problemas que vem enfrentando após o leilão, realizado no último dia 20. Houve muita resistência dos sindicados e dos credores, mas no último leilão a aceitação foi de 100%, porque foi posto com profunda transparência que, se não fosse aprovado, a empresa teria que decretar falência, disse. De acordo com o advogado, a falência no caso da Varig seria um total desastre já que seriam perdidas todas as autorizações de vôo, rotas, as áreas de concessão da INFRAERO e principalmente a marca. Poder Judiciário do Rio mostrou como aplicar a Lei. O Poder Judiciário do Rio de Janeiro foi um exemplo de como essa lei deve ser aplicada, além disso é muito importante destacar o trabalho magnífico do juiz Luiz Roberto Ayoub na aplicação desse novo sistema, que tem servido de exemplo para outros casos nos demais estados do Brasil, afirmou. Paulo Penalva destacou ainda o trabalho do administrador judicial, que foi a Deloitte, que inclusive criou um software próprio para registrar o quorum nas assembléias. As dificuldades do caso Varig e suas peculiaridades acabaram virando uma aula especial que está fazendo parte do curso de pós-graduação de Direito Falimentar da Fundação Getúlio Vargas, onde o advogado leciona. É um laboratório que poucas pessoas tiveram oportunidade de fazer, destaca. 31 Jornal Correio Braziliense: Caderno de Economia, edição de 12 de julho de 2006, p. 10. ÚNICA PROPOSTA FEITA PARA COMPRA DA VARIG PREVÊ USO DE CRÉDITO TRABALHISTA DOS FUNCIONÁRIOS COMO PARTE DO PAGAMENTO. Sindicato Nacional dos Aeronautas diz que empregados não foram consultados. 32 Jornal Correio Braziliense: Caderno de Economia, edição de 13 de junho de 2006, p. 10. JUIZ IMPÕE CONDIÇÕES PARA APROVAR VENDA DA VARIG à TGV E TRANSFERE A DECISÃO PARA AMANHÃ. Compradores terão que comprovar capacidade financeira e a efetiva liberação de créditos trabalhistas pelos funcionários. Juiz entre admiradores e críticos. A polêmica tem sido uma constante no caso Varig. Mas nada se compara à controvertida atuação do juiz responsável pela recuperação da companhia. Com 13 anos de magistratura, Luiz Roberto Ayoub teve no caso Varig sua chance de alçar-se ao estrelato jurídico. Com decisões tão questionáveis quanto às próprias finanças da companhia em questão, o juiz conquistou admiradores e ferozes críticos dentro e fora do processo. Não é à toa que ganhou a alcunha de anjo da guarda da aérea. Às vezes, ele próprio assume que se tornou um protetor da empresa, da qual notoriamente é usuário. Há poucos dias, declarou que possuía 130 mil milhas no programa Smiles. Apesar disso, Ayoub se diz absolutamente imparcial na análise do caso. Não é o que muitos pensam. Com decisões conturbadas como a emissão de uma liminar proibindo a BR Distribuidora de cobrar antecipadamente o fornecimento de combustível à devedora Varig – o juiz tem se tornado conhecido por não levar em conta o outro lado da crise: os credores. Empresas públicas, privadas e parte dos trabalhadores reclamam desse desmensurado apoio à manutenção da Varig como está, tendo levado muito tempo para tomar medidas que, de fato, poderiam ter recuperado a companhia.

                                       

Janeiro,   o   nobre   magistrado   muito   bem   se   desincumbiu   da   missão   33   e   enfrentou,   no   primeiro  momento,  o  desafio  de  interpretar  e  aplicar  a  nova  lei,  com  toda  a  complexidade  que  ela  apresenta,  inclusive  sem  o  auxílio  da  doutrina  e  da  jurisprudência,  conseguindo  superar  as  adversidades.  

                                                                                                                         

33 Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: Pedido de Recuperação Judicial da Varig S/A: Autos nº 2005.001.072887-7. O pedido foi distribuído em 17 de junho de 2005 ao Juízo da 1ª Vara Empresarial. Posteriormente os autos foram remetidos ao Juízo da 8ª Vara Empresarial: VARIGLOG fica com a VARIG. Disponível em <http://www.tj.rj.gov.br>. Acesso em 20 de julho de 2006. Após 13 meses de intensas negociações e procedimentos jurídicos, a Justiça do Rio concluiu hoje (dia 20 de julho) mais uma etapa do processo de recuperação judicial da Viação Aérea Rio Grandense (VARIG), com a realização do segundo leilão da companhia aérea, que foi vendida por US$ 24 milhões à VARIGLOG, que tem agora uma série de obrigações contratuais a cumprir. O preço mínimo pago pela arrematante foi de US$ 20 milhões. A empresa, única a participar do leilão, já tinha se comprometido a investir este valor até o dia da alienação judicial para que a Varig continuasse a operar. A Cooperativa de Trabalho dos Profissionais de Processamento de Dados foi desqualificada porque não fez o depósito no valor de US$ 24 milhões com 24 horas de antecedência. A VARIGLOG fez aporte no valor de US$ 20 milhões para a VARIG e, caso a ex-subsidiária não vencesse o leilão, seria ressarcida em US$ 24 milhões, referente ao valor já depositado acrescido de 20% de multa. No leilão anterior, em que os Trabalhadores do Grupo Varig (TGV) arremataram a empresa, o preço mínimo para venda era de US$ 700 milhões para as rotas domésticas e US$ 860 milhões para as nacionais e internacionais. O próximo passo, segundo o juiz Luiz Roberto Ayoub, da 8ª Vara Empresarial, será o depósito de US$ 75 milhões, em 48 horas, a fim de concretizar a arrematação e a compra da Nova VARIG, ainda que, no mesmo prazo, a operação não seja autorizada pela Agência Nacional de Aviação (ANAC). Também como parte do pagamento aos credores, a VARIGLOG emitirá duas debêntures com valor de face de R$ 50 milhões, cada uma, e validade de dez anos. Caso as debêntures sejam pagas à vista, o valor de cada uma delas cai para R$ 41.481.000,00. Ayoub comentou também que o vencedor deverá entregar ao juízo todos os documentos do leilão, bem como a garantia bancária para que sejam juntados aos autos de recuperação judicial. Com a realização do leilão, está encerrada a fase mais crucial do trabalho da Justiça. A inspiração do legislador foi manter a unidade produtiva. A decisão judicial que reconheceu a ilegitimidade dos votos da GE foi a responsável pela continuidade do processo, entregando ao mercado a decisão sobre o futuro das empresas em recuperação. A lei alcançou sua finalidade, na medida em que respeitou a vontade da maioria dos credores após ampla discussão com as empresas devedoras. Mas a ação judicial não pára aí. Será mantida a fiscalização das empresas que continuam na recuperação. O conjunto de bens e direitos foi, portanto, valorizado, porquanto o ativo em recuperação difere daquele em eventual falência, considerando o resultado da depreciação que da liquidação causaria, assinalou. Além dele, mais dois juízes trabalharam com excepcional empenho no caso VARIG: Paulo Roberto Fragoso e Márcia Cunha. Para eles, a parceria com o Ministério Público, coordenada pelo Promotor Gustavo Lunz, foi também fundamental para o sucesso do processo, que já tem cerca de 19 mil páginas. O primeiro leilão ocorreu em 8 de junho, mas foi considerado deserto pelo juiz Ayoub porque a NV Participações – que representava a Associação dos Trabalhadores do Grupo VARIG (TGV) – não apresentou as garantias necessárias exigidas no edital. O consórcio não depositou os US$ 75 milhões referentes à primeira parcela do pagamento do acordo, de um total de R$ 1,010 bilhão. Ultrapassado o prazo conferido ao vencedor do leilão, uma nova proposta foi então apresentada pela VARIGLOG, com promessa de investimentos que chegam ao patamar de US$ 485 milhões, considerando não só o preço mínimo, mas também assumindo obrigações, tais quais, as milhas e passagens emitidas, dentre outras. A assembléia dos credores foi marcada para o dia 17, e o leilão, para o dia 19 de julho. Durante a assembléia, a GE Capital votou contra as alterações no plano de recuperação da companhia aérea, sem legitimidade para fazê-lo, pois já havia cedido seus créditos a terceiros. Os votos contrários à aprovação da alteração do plano representavam 5,9% dos créditos de todas as classes e 1% do total dos credores. Ayoub, porém, determinou a nulidade dos votos e remarcou o leilão para o dia seguinte, 20 de julho.Caso emblemático: A Ação de Recuperação Judicial do Grupo VARIG teve início em 17 de junho de 2005, portanto, quatro meses depois da promulgação da Lei 11.101/05 – mais conhecida como Lei de Recuperação Judicial. O processo Varig é complexo e difere dos demais porque, além de ser um caso emblemático, chegou junto com um novo instrumento legal, promulgado em fevereiro do ano passado. Por ser novo, é lógico que nós juízes e o MP tivemos momentos de dúvidas e de dificuldades, com discussão de numerosas horas apenas em cima de um único inciso, para que pudesse ser aplicado de forma correta, disse o juiz Ayoub. Além das novidades em relação ao rito processual, o juiz lembrou que também houve a necessidade de dar explicações ao público em geral e não apenas falar no processo, em razão do elevado interesse nacional que envolve a questão. Fizemos em respeito à sociedade, comentou. Ele, os dois juízes e o promotor público que trabalham no caso Varig acham, porém, que os prazos processuais atuais devem ser flexibilizados, pois existem inúmeras exigências que precisam ser cumpridas de forma mais rápida e sem muita burocracia. Como exemplo, eles citaram os prazos de publicação de editais no Diário Oficial do Poder Judiciário do Estado e as convocações de assembléias. A lei é boa, mas isto apenas não basta. Tem que ser interpretada e aplicada também no sentido social, para aí sim, ser considerada justa enfatizou o promotor Gustavo Lunz. Outro assunto por eles discutido foi a blindagem trabalhista e tributária, que, segundo o promotor público Gustavo Lunz, não foi pensada para livrar o devedor, mas para diminuir o chamado custo Brasil. A VARIG é credora de 4,6 milhões de dólares, em valores não corrigidos. A solução mercadológica é a que perseguimos para que continue operando. E, depois, o mercado

                                       

 Assim  também  será  a  nossa  árdua  tarefa.  Sem  a  pretensão  de  esgotar  o  estudo,  a  obra,  

fruto  da  interpretação  isolada  do  autor  e  sob  o  risco  da  exegese  precipitada,  mesmo  porque  somos  obrigados   a   reconhecer   que   a   lei   merecerá,   ao   longo   de   sua   maturação,   variada   interpretação  doutrinária  ou  jurisprudencial,  poderemos  certamente  cometer  equívocos.  

 Iremos,  com  humildade,  interpretar  a  LRF  e  com  coragem  enfrentaremos  as  críticas,  com  

a   preocupação   de   rever,   sempre   que   necessário,   em   posteriores   edições,   posicionamentos  anteriormente  adotados.  O  leitor  muito  ajudará  com  os  seus  comentários  e  observações.  

 Finalmente,  embora  haja  discordância,  de  nossa  parte,  quanto  à  estruturação  temática  

adotada  pela  Lei  de  Recuperações  e  de  Falências,  infelizmente,  iremos  acompanhá-­‐la  para  facilitar  a  compreensão  e  o  desenvolvimento  do  estudo.  

 Para   melhor   disposição   didática,   primeiro,   transcreveremos   o   preceito   legal,   em  

destaque.   Após,   realizaremos   os   comentários   necessários,   dispondo   o   pensamento   em   parágrafos  numerados,   de  modo   a   tentar   facilitar   a   localização   do   leitor   durante   o   estudo.   Essa   estrutura   se  repetirá  ao  longo  da  obra.  

 Espera-­‐se  que  a  nova  lei  mereça  atenção  necessária  por  parte  dos  cientistas,  desejando  

que   as   inovações,  mais   que   incorporadas   ao  ordenamento   jurídico,   sejam,   de   fato,   aplicadas,   com  serenidade   e   maturidade,   de   modo   que   possamos   ter   efetivada   a   recuperação   da   atividade  econômica,  realizando-­‐se,  de  verdade,  a  principal  finalidade  da  lei:  a  função  social  da  empresa.  

 Devemos   prestigiar   a   recuperação   econômica.   A   traumática   experiência   das  

concordatas,   como  previstas  no   revogado  Decreto-­‐Lei  nº  7.661/1945,  há  de  ser   lembrada,   sempre,  de  modo  a  evitar,  tanto  possível,  a  declaração  da  falência.  

 

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           

negociará débitos e créditos até para ser evitado um precatório monstruoso. Isto terá que ser um dia encarado, ressaltou o promotor. Apoio nos momentos difíceis: O juiz Luiz Ayoub lembrou, juntamente com seus colegas, que existiram alguns momentos muito difíceis durante todo o processo. O primeiro deles aconteceu na hora da escolha do Administrador Judicial, pois deveria ser alguém que reunisse várias qualidades, já que o caso era de uma empresa que lidava com mais de cem mil empregos e com um passivo alto. Teria que ser polivalente, com credibilidade e conhecimento técnico, embora a lei fosse nova. Foi difícil, mas escolhemos a Deloitte que mostrou conhecer bem os caminhos de uma empresa do tamanho da VARIG, lembra a juíza Márcia Cunha, Titular da 2ª Vara Empresarial do Rio. Outro momento que teve o total apoio do presidente do TJ do Rio, desembargador Sérgio Cavalieri Filho, foi a ida da magistrada à Corte de Nova Iorque, para falar com o juiz Robert Drain sobre o pedido de retomada das aeronaves da empresa naquele país, fato inédito. O trabalho da Justiça fluminense hoje é reconhecido internacionalmente graças a essa iniciativa pioneira. Outro ponto crucial da ação foi o afastamento do acionista controlador, a Fundação Rubem Berta, que tentou agir, segundo o juiz Ayoub, de maneira indevida. A Fundação pretendia a desistência da recuperação judicial para passar a recuperação extrajudicial, mesmo após usar do privilégio legal dos seis meses de moratória. Achamos que ela estava querendo tomar atitudes contrárias aos interesses da Varig, e resolvemos, então, afastá-la do processo, suspendendo os seus poderes políticos e administrativos, acolhendo a intervenção do MP, disse o juiz. Os juízes que tratam da recuperação judicial da Varig comentaram ainda que, em março deste ano, ficaram bastante preocupados e desanimados quando a empresa passou a ter sérios problemas de caixa. Foi aí, acentuaram, que o Tribunal de Justiça do Rio designou uma audiência de conciliação com a Petrobras, onde acordaram o fornecimento dos combustíveis com garantias de vendas de passagens feitas com créditos de cartões que a companhia tinha a receber. Relembraram o apoio dado pelo presidente Cavalieri, que abriu espaço em sua agenda e os acompanhou aos gabinetes ministeriais em Brasília, para encontros com o vice-presidente da República, ministros da Defesa e da Fazenda e outras autoridades, em busca de soluções para as empresas, considerando diversas questões sociais do caso. Estamos convencidos de que o caso Varig por sua complexidade, trouxe uma experiência ímpar a todos nós, juízes e promotores, e à Lei de Recuperação Judicial. Com certeza, vai criar jurisprudência. Quanto aos desacertos ocorridos no curso do processo, só o futuro poderá demonstrar a correção ou não dos atos praticados. O STJ irá definir se seguimos o rumo certo, finalizou o juiz Luiz Roberto Ayoub.

                                       

Por   fim,   queremos   registrar   que   essa   pequena   obra   não   tem   a   pretensão   de   ensinar  nada,  a  ninguém!  Ela  reflete  apenas  o  pensamento  isolado  do  autor,  criado  a  partir  dos  laboratórios:  a)  solitário  –  em  seu  gabinete,  no  escritório  de  consultoria  e  advocacia;  b)  participativo  –  em  sala  de  aula,  no  magistério  universitário,  nos  cursos  de  graduação  e  pós-­‐graduação.  A  obra  não  está  dirigida  aos  doutos,  mas  aos  aprendizes,  como  nós,  aqueles  que  devem  permanentemente  desbastar  a  pedra  bruta  na  busca  do  conhecimento  do  Direito  Comercial,  especialmente  do  Direito  Concursal  Brasileiro.