DUAS CRÔNICAS N0JS

32

Click here to load reader

Transcript of DUAS CRÔNICAS N0JS

...™,„-.

ILCW7/12/941

SUFI-EMENTO LITERÁRIO DE "A MANHÃ"publicado semanalmente, sob a direção de Múcio Num 17

Leão (Da Academia Brasileira de Letras)

DUAS CRÔNICAS N0JS

PÓSTUMAS AtadesMaya DE CAMPOSHumberto de Campos nasceu em

Miritiba, Maranhão, a 25 de outu-bio de 1886, filho de família mo-desta. Foram seus pais JoaquimGomes de Faria Veras, pequeno co>Revive Inteiriça e fúlpida a mansão do autor de "Sertão1 . . -

figura literária de do -Rei Negro", de "Banzo" e merciante, e d. Ana de Camijos

Perdendo pai aos seis anos,Humberto de Campos deixou a sua:idadezinha natal e.íoi levado pa-

admiraveHumberto de Campos nas duas de "Treva". Éramos em vordaliíuias crônicas póstumas (eii- dade, além dos que referiuç.Vs dos -Diários Associados''), muitos outros, sempre constan-Maria do Céu" e "Coelho Ne- tes. Foi lá, ao meu lado, na ra São Luiz. Dali.

'aos 17 anos,tu''*iparecidas, com resplendor fila dos intelectuais, velhos ou passou a residir no Pará. Inicia-d,,'espirito em colunas do "Dia- mocos, nacionais e estrangeiros, ra sua vida como empregado no co-(jt l,l|íiniui «-'" vu*"« *™ . , . wiáwiin nvarr>anrln no miei*"!-!"; mai'ii- de Notícias". Foi aquela ja consagrados ou estreianíes,primeira das, já às portas da que conheci pessoalmente amm*te. escritas e serenamente Humberto de Campos, dias de-vaiadas na tira amiga de oa- pois de sua vinda, para as lu-p,.[ pela pena intrépida e fiel, tas jornalísticas e literárias do co depois, csensível, mas impassível, de Rio, do Extremo Norte. Já sa- cia do Pará'Humberto. Em "Maria do Céu", biamos quem elegera, como poe

mercio, exercendo os misteres maishumildes. No Pará começa umaatividade intelectual, conseguindoum lugar de colaborador e re-dator da "Folha do Norte". Pou-

vemos na "Provin-aproximado de An-

tonio Lemos. Em 1910 aparece seuprimeiro livro — a coletânea de

HUMBERTO DE CAMPOS

náo há sentimentalismo, há, ta, polemista, homem de ação. jei.sos intjtuiada •• poeira-', primei-sim sentimentalidade, -pena, A impressão que, a todos, nos ra séúe Em 1912 transferiu-seImpressão de dor humana, ano- deixou foi de uma viva, cativar.- para o RioUd i por um jornalista — poe- te simpatia. Timbrava em ser. Entra sei1i -i margem de telegrama re- ao tempo, elegante, o logo em parcial", que então iniciava umalalii-u a certa criancinha ah,n- seguida festejado autor de das

^^X^Tteve3 Alidon-ada pelos pais, e aquém ele. "Poeira", cujas duas séries, em ^f™1££,IT Jritorés ilus

Entra sem demora para -O Im*

SUMARIO

tres formando o corpo da redaçãoe entre eles se distinguiam CastroMenezes, Miguel Melo e Goulartde Andrade. O corpo de colabora-dores era dos mais escolhidos, no-tando-se nele nomes como os deRui Barbosa, José Veríssimo. Ju-lia Lopes de Almeida, Vicente deCarvalho. Salvador de Mendonça.João Ribeiro era o crítico literário.

Foi no -O Imparcial" que Hum-berto de Campos fez a sua cairei-ra. firmou o seu prestígio de ho-mem de letras. Mais tarde a re-

devoção, oferece, além fie sua íórma serena, singela, sólim lindo nome, uma soberana bria, novo-parnasiana sem dú-"Madrinha". Tocante, como tes- vida, mas pessoal e vivida, ex-tem unho dalma, de um homem primiam com intensidade novaq-ii- vai morrer, segundo sabe, de inconfundível lirismo, arrehoras depois... Minutas antes, batado, mas contido em metrosporem, de interromper o seu rígidos, a alma de paixão me-traço final de pauta, no derra-- lancólica do norte brasileiro.ueii-o original de redação, co- Era como se um mármore vi-mo. t-omovidamente, poude c brasse. mordido pelos sóis dosoube referir-se ao mestre e sertão; era como se um mármo-biiiíko, ao amparador de car- re vibrasse tocado de luar. .leira, ao animador de sonhos e Dai por diante, nas letras e na afirmou nil sua ciente atuaçãode planos, ao grande e leal imprensa, foi uma ascensão como critlc0 meriTi0 do "CorreioCoelho Netto, companheiro já permanente a carreira de Hum da Manhã'.falecido i Periodos felizes que berto de Campos. Quem lhe não Em 1919. já autor de vários ll-entrelaçam as duas personali- conhecerá no Brasil, mercê de vros. foi eleito para a Academiadades na mesma áurea e leve. sua formidável produção meu- BtMddra, na vaga de Em.ho de

profunda e imponente, /.istinta tal, a vida publica "rato. %%*«£&£% SonV.>• severa, leal e fiel compreen- de político, de jornalista'.' Hunlbc,.,n f-i *vrf^ —¦ sessãosão reciproca ! Que nos conta Nela, predominou o jornalismo, s,,],.,,,, em 5 de março de 1920. Sau-haver sentido à noticia da mor- Adaptou-se de tal modo Hum- dou-o Luiz Murai,te do Elorioso escritor a pena berto de Campos r\ vida de im- pouco depois estava na câmarasincera e fiel de Humberto ne prensa, ao múltiplo registo diá- Federal, «'«'^«gj1*» PJj1» "£Campos? Disse-nos, em smge- rio de idéias, de taprans, de jjnto.. A»j*g» . * «*,los períodos, de flagrante ver- criticas, de irônicos c finos en- Mu ,,lnntlato. Arrostou, então, uindade, que poderíamos talvez sinamentos indiretos, quc pe^do de grande dificuldade fi-matizar de comentários pes- obra do folhetinista. do dlans- nancf.ira e extremas amarguras íí-soais como se acercou ao che- ta da pena absorveu afinal to- sicas e morais, pois se achava gra-gar do Norte, da casa,'do gata- dos os outros de um engenho vemente enfermo o «• OetulioSete e da mesa do escritor tão polédrico. As_ próprias -Memo- Vargas oue era.grjnto admuadoramado, mas também tão traído, rias", cujo êxito nacionalizou ^ t^to* Humberto ie cam_

até depois de se impessoalizar definitivamente o nome do au- lnentos d0 aut(,r de ¦Poeira", dan-numa vida objetiva de glória, tor, lícito será ao penodi mo ti0.ihe os lugares de inspetor deaobranceira aos cabotinos .* a brasileiro reivindicá-las -01110 ens:no e de diretor da Casa Ruitodos os seus cabotinismos. . um trabalho influenciado pelos Barbosa. Em 1931 viajou ao Pra-

Humberto de Campos esteve seus processos dc composição, ta era.missão «ilturaL B. 1»à altura de si mesmo, de alma diário íntimo que ben,.podemos g^^JSJ^J* ¦£presa a caneta, e sempre cin',i • considerar como uma epopéia bliogratia _ as encantadoras "Me-lante, ao evocar as tertúlias li- jornalística, perdoem-nos os mõria.s'*, crônica dos começos detorárias no lar de Coelho Netto, confrades o ousado lugar-co- sua vida amargurada e tristeque, tugtirio de várias gerações, mum... Em 1932. já gravemen- Faleceu em 5 de dezembro deele Humhertn não traiu

' E te enfermo, confiou-me Hum- 1934. deixando a sua morte a im-

fòr rrír e^w }z^á^v"z^i esl^-t^^kter sido invariavelmente dedi- lestras intimas que cootumava admiravam a alma de eKTltmi d03cado. — leal e fielmente —, ao mos ter na Academia, quanuo majs legltlnlos c d05 malí altog qUeabrigo espiritual procurado eu ia sentar-me entre ele e coe- ajnda possuimos no Brasil,tido ao chegar ao Rio. — lho Netto, seu vizinho de cadei-exemplo de todos nós da mesma ra. ao centro do recinto, que __^.é|x>ca e de outras procedências; nesse dia escrevera emeo aru-

PAGINA 345:A vida de Humberto de CamposDuas «.Túnicas póstuma!-, de Alei-cies MayaSumário

PAGINA 346:Algumas páginas das Memóriasde Humberto de Campos

PÁGINA S47:O corm-leiro de Copacabana, deHumberto de Campos

PAGINAS 348 e 349:Alguns sonetos de Humberto duCampos

LeSode Hl n berto de

Albuquer-Três dedicatóriasCampos a Medique wOpinião de Aloisio de Castro sobre Humberto de Campos.

PAGINA 361:Final de um estudo sobre XavierMarques, de Jnckson de Figuei-redoIbsen. de Xavier Marques

PAGINA .'iti2:—¦ A língua portuguesa do Brasil é

am dialeto?, de Xavier MarquesPAGINA .'!63:

Fragmentos de um romance deXavier MarquesO coubecimento dos clássicos, d«

Xavier MarquesPescadores, de Xavier Marque»

PAGINA 364:Xavier Marques na Intimidada,

de Astério de CamposA arte de Inglês de Souza, deXavier MarquesOpiniões sobre Xavier Marquei.

Opinião de Nestor VictorPAGINA 365:

Tradições religiosas da Bala. dePAGINA 351:~ Canta res (de Melcliior de Palau), Xavier Marques

de Humberto de Campus — Correspondência de escritores.Canto de Circoncelião, de Hum- Uma carta de Alfredo de Carva-berto de Campos lho a Xavier MarquesFauno, de Humberto de Campos PAGINA 3*56:

— Por uma Baía nova, de XavierPAGINA 352: Marques

O primeiro mestre, de Humberto _ „ Rmu«Uimio, de Xavier Mar-de Campo» „„,.A l.rao de um pralo de caldo, de _ a,,, ^neu,, de Xavier MarquesHumberto de CamposUma vida heróica, de Jaime de PAGINA .167:Barros

PAGINA 353:O guri Humberto de Campos, deAntônio de Alcântara MachadoMemórias, de Júlio Dantas

PAGINA 354:Humberto de Campos e o homem

dos miolosLimaSob o cavalo de Pedro, de Hum-berto dc Campos

Verdades..., de Humberto deCampos

por ter. de tal modo.'cultivado gos. - Dia feliz. Alcides A rm- ler dcixaaoa lealdade e a fidelidade, alu- nha média diária c de tres... 'eral ulau-

ter deixado de ser deputado.

dimos nesta ligeira folha como Ai fica a indicação, iamos es-preoonicio individual, ao pre- crever. a confissão, a auti-de-cioso documento que nos legoulesado por lábios quase expirantes...

Quando Pinheiro Chagas mor-reu, ajuizou do. simpático e,us.tre escritor português: "'Era.nüncia... E-somos deveras in

discreto e amigo das ret-cên- .cias- confiou-me tamb?m que um homem que, todos os dias

resolvera retirar do cofre da dava a frigideira domestica os

Academia alguns capítulos das seus miolos Como eram oi--Memórias", destinadas à pu- tes e i-enascentes de si mesmos,

bheacão póstuma, por necessi- iguais aos ^ phemx lendária

acordou Humberto de Cam- Sades do" contrato livresco "grgg de <****«» • de

pos. em tais linhas, a -esquer- E acrescentou, sorrindo de Humberto de Campos...da" da mesa familiar na anis- manso: - Por causada Revo- .

8-12-8J4)'Ba. pequenina, agasalhaCora lução de vocês (1930)... por tumeio ao rwwi , o- «»

Limitarão de cultura, de XavierMarquesA obra do romancista baiano naapreciação de Carlos ChiacchloDesejo de imortalidade, de Xm-vier MarquesImaginação, dom dus romancista^de Xavier Marques

ouro, de Herman p^oiNA 368:Notas de leitura de "As Voltas daEntrada'*, de Wanderley Pinho'"Terras mortas" (Trecho de «•»

tudo), de Mucio LeãoPAGINA :m:

Vocação literária de Xavier Mar-quês. dc Clementina Fraga (daAcademia Brasileira)A Amazônia na obra de Inglês dtSouza, de Xavier Marques

PAGINA 370:

PAGINA 355:Dois inéditos de Humberto deCampos: A música de Strauss e AParasita e a PalmeiraO poeta e o prosador, de Pereirada SilvaCaminho de Damasco, de Hum-

berto de CamposIn solitudine cordls. de Humber-to de Campos

PAGINA 356:A morte dc um seringueiro (qua-dro amazônico), de Humberto duCampos.Kio-;to do carolo, dc Humberto dede Campos

PAGINA 357:Correspondência dc escritores.

Carta de Humberto de Campos aJoão RibeiroUma carta de Silva Ramos aHumberto de Campos

PÁGINA 398:Dois diálogos, de Humberto deCamposCorrespondência de e s e r i t o v cs

(Continuação da pagina 357tUma perda imensa, do GilbertoAmado

PAGINA 359:A obra de Xavier Marques (tre-cho do discurso de saudação na

1 Academia Brasileira) de Goulartde AndradeA vida do homem (conto serta-nejo). de Xavier MarquesNotícia sobre Xavier MarquesOpiniões sobre Xavier Marques.

Opinião de Anibal AmorimPAGINA 38):

A poesia de Xavier Marques (ai-gumas páginas das Insulares.)

Gui-pio poético, de Fábio

Povina CavalcantiMomento, de Alfonsus

maracns FilhoSerá poesia?, de Cláudio T. Ta-vares (com ilustração de TrinscFox>

PÁGINA 371:Meus oito anos, de Cassiano Ri-cardo 'da Academia Brasileira,com ilustração de J. P. Chabloz)

PAGINA 372: ,Amor de Gonçalves Dias. dea JoSoAlfonsusA propósito de um inquérito, deLúcio Cardoso

PAGINA 373:A vida é de cabeça baixa, de A^varo MorcyraWolf.inq Amadeu Moi:art, de Mu-

rllo Mendes (com ilustração deM. H. Vieira da Silva»

PAGINA 311:Os oaises inexistentes, de Tassoda SilveiraAnton van íluinkerkrn. de RibeiroCouto (da Academia Brasileira)

PAGINA 375: . % .Regência viva (conclusões), d»

Antenor NascentesO Evançelho nas Selvas, de Josu*Montelo

PAGINA 376:r>otthe e o Brasil.Feder „ ,Galeria de nomes ilustres

i n -i ¦ ¦ >i'ii.r.r -,i

. , ».»rr,

PAIIINA J« — SUPLEMENTO LITERÁRIO l>'A MANHA DOMINGO, T/IC/IH,

ALGUMAS PAGINAS DASM1RITIBA frente. Quintal imenso, dividido tas douradas do sacerdote, e era anos. E sei, ainda, que, ao tomar nhecer, através dos artii»Faltam-me elementos histórl- em trêS| e 1ue la at* a outra metido nelas que se locomovia conta de mini, me encontro com compunha, os grandes T í|ue

eos c geográficos paia escrever rua' Mas essa casa' confortável no seu reino verde, cercado de minha mãe á rua da Inveja, jví tos de todos os temn.7•oore a. pequena vila em que e.8*ande, apresentava uma ori- uma nobreza africana, defendi- casa do tio Brasil, casado aom nhando meu pão ilumiiv», Ua"

naai. Sei, apenas, que foi uma B'nalidade: era coberta de pa- do por um exército de carapi- a tia Inès, irmã de minha avó meu cérebro "Netuno dií > °antiga aldeia de índios, mas ha' e na0 dc te,ha' corao a ou* nhn» deitado em um andor cãr- materna, os quais nos haviam sublime espírito — crlM i e

tra. E hoje e que comnieendo regado Dor mulheres da sua maniirirtn nterecer n n» hum. »in ,»„.,, .,„>„.~L.. .?: ír "o¦'"índios, mas *.„,.. ¦ — ...r...w, — m,.., ,ignoro a data e, mesmo, o tra- E h°>e e Ia? compreendo regado por mulheres da sua mandado oferecer a sua hospl- slo num epigrama dc rní»séaulo em que a Civilização co- essa ex<lulS't"Je no gosto de meu raça... Nela se entregaram a talidade de pobre. —¦ ...-.--. '-•"•jjii-mecou a penetrá-la Situada a pai' Miritiba era quente, e Lima e Silva, em janeiro dealgumas léguas da foz do Piria- Da"la * unia cobertura fresca. 1841, 700 rebeldes de Raimun-repousa por trás de uma sé- Essa nossa casa era caiada e ti- do Gomes, e foi enforcado Ma-

.. „- .. Ias> — tu és d«e e propk.e aEsse tio Brasil era um antigo outros navegadores que amfuncionário público, posto em vessam o mar Egeu; quaríiu ',

...... lnativiriade pela cegueira com- mim, perseguido por um »,„,„riu de dunas, com a primeira ti- nha uma estravagante barra dc troa, índio de 120 anos c que pieta. Creio que estivera na da Trácia, eu te agradeci»la tle casas espiando de cima c,or llegra' <>ue «enrta. mais tar- nessa idade era ainda um dos guerra contra o Paraguai, pois íúgjo qm me njereceJe !"

Esta-se vendo que era agouro I —

dizia um.E outro:— Eu há dias vinha com o

Nos suas cercanias foram cor- vclhecla ao lado da tia Inés,tadas árvores para íorca.,trançadas cordas para carrascos. E lá está. hoje, obscura, de -

baixa, ciara, simpática e -alourada, e da cunhada, tia Joseía

me levavam.Por essa época, havia aps

pressentimento de que tinha cadente, moribunda, olvidada no modesta, mas confortável, ealta,'morena e implícante. Casa' %áo. m Maranh>»> »™a ioiha... r diária, c r.nir. nfiHnm.- »»,>¦¦».,..

acontecido alguma coisa. Vocês ponto mais esquecido e impraviam como o cachorro dele chorava de noite ?

Era, efetivamente, verdadeNós possuíamos um cão, um ex-celente eachorro de caca. que pultada pelos .seus areiaischorava e gania a noite inteiraapós a partida dc meu pai. Er»,com certeza, de saudades do do-no. Quando meu pai viajava,minha mãe ficava conosco, e ocão nào sentia falta do seu se

ticavtl do litoral maranhenseonde vai desaparecendopoucos, em morte lenta, —comida pelo seu rio, meio se- cialmenle, um írutinho veime-

lho, e liso, e polido como umaA PAMINHO nO FXII IO ¦>ola' Na0 ,osse tao criança e ve-

Foi a noite que minha mae,minhas duas irmãs, e eu. dei-xámos a vila natal. Um grau

diária, c con; oficinas prop;de publicação matutina, hra o"Jornal da Manha", dirigidopelos drs. Agrlpino Azevedu c

desses montes dc areia clara d*> >)ara comentários, quando mais terríveis guerrilheiros ba- que havia na sala de jantar um caminho otc que che»»asssolla e leve. Enquanto do lado chegou de Sao Luiz a noticiada laios. grande retrato seu, lardado £ porto de meu destino'"ds,,?da vida se debruçam os barran- sua ni°™' ,. Pequena, mas ilustrada por solene. Era baixo, gordo, e usa- tos que me faziam mudar ae ™cos ou se erguem os eômoras ~~ Eu bem )he d,ssc 1ue na0 tclt05 humanos, a minln vila va grandes barbas, ainda grisa- ino colaboravam no êxiu, T-arenosos coroados de cajueiros P,!ltass<* a casa desta maneira, natal. As suas areias beberam lhas, como as do Imperador minha viagem Os céus n iaque se miram no espelho dágua com essl*„barra Pre,a Esta- muito sangue c muita lágrima. Pedro II. Não tinha filhos e en- do que eu, sabiam a qué Y, ído lado oposto alaeadico e bai- va Re vent*° *íuc era atrouro ! — Nns suas nercinias foram ror- uoiiiivín ««, inrf« dn a* inôc — M -..>¦"-.¦)

xo, o mangue multiplica as ral-«es, agairando-se à lama fervilhante de caranguejos azula-dos. de guarás purpüreos e iloníveas garças pensativas. De-petídondo do oceano, a maré le-va-lhe, todas os dias, a águado mar e os seus peixes. Paca-mões gosmentos e chatos, repe-lentes mas taborosos. e que po-deviam ser, por is»so mesmo, umsímbolo do Pecado, moram naslocas das ribanceiras, que a v.i-vante põe a descoberto. Botos.às dezenas, sobem com a prea-mar, mergulhando e aparecen-do. como grandes rodas em mo-vimento nas profundidades, eque viessem mostrar-se, de vezem quando, ã superfície. E nflor dágua, na maré baixa, são

grande. Ao fundo, um quintal,onde uu me não quis convencer

aos üe que a pimenta do reino, tao -. .¦,-*_.„•meio p,etii, encolhida e feia, era, ini- Jpafl1"™ fra"™ de Sa os quais• — *a "_...¦ viriam a ser, aquele, de liai »1930, meu companheiro de hj-

piFsenlaçào na Câmara Fe(i»r,.|,e este, em 1831, meu coiegu na

to, a história üa vida humano, '^"'"««"o d« erusiao secundii-Mocidade... Velhice... A viaa "?• ~^».de?™™?;_» iut'«do hOHiem, não -será n repeti

nhor; dessa vez, porem, tinham por uma tábua, tomou-nosse ausentado os dos, e dai a bordo. Vejo, ainda, na praia,

.*S.b'f.rr.' í?™„° ?"í„.fJ2b'!í Çãc, na terra, do evolução dá pi,™. ..«,„ »5 ,,.> .^r.,, »..r n ment,a do'reinotristeza sonora e aziaga do po-bre animal abandonado.

wmbras movendo-se na sombra,a multidão que nos foi levar o Que tomos morar, era uma granabraço de boa-viagem. Os cai- de ladeira de calçamento gros-

, ,. . ., . Miritiba devia »er umas du- ^ . - movimento seiro. Passeios irregularesos tvalhotos os "quatro-olhos" sentas cais», das quais, apenas JX "i?™

velai, treitos. E em lrentó á casaque Vieira tao vivamente ceie- umas trinta ou quarenta de te- rS!.h™™L "i* ^ Lotl o seu muro e uma chaminé a«&brou no sermão de Santo-An- lha. Os seus arredores eram, no Mlima maé- ae •*' apt* ° SIU ! "' * u.ml*. tna.n"ne» a*tônio, descobrindo nessa "nova entanto, poéticos. Nas duas ex-ftraultptura" a previdência tremidades da rua da freht»!,divina, para que eles, com deis formavam-se nova, filas de edi- ""'7^™ S^^•llios, -diretamente olhassem ficaçoes que davam os fund»jw £™ jh™J« »Tl. mtpura cima, paia se vigiarem P»™ o rio, lendo, ai, banheiros blas' **>'=>?*<"» a ™inh« ma.»

dc secretario era ocupado jxirLuis Carvallio, poeta piauienseque tambem foi deputado <ioMaranhão e fazia, por esse lem-A rua da Inveja, no ponto em po, as suas humanidades naSão Luis. A redação e as ofici-nas ficavam à rua 26 dc Juluo

es- e constituíam, na cidade dos ve-ui" llios jornais e dois velhos ae-¦•sina- lon, uma novidade, com as sua*

instalações limpas, arejatias, eo seu material quase novo.

Uma noite, ao sair do am.a-sem de J. A. &mtot> & Ciã mtinha passado por eift* loxvi) rj

lenço, que bate como uma asa laudo os fundos de uma íábrvde pássaro branco estonteado <*»¦ Na esquina mais próxima, ana noite. Outros lenços se agi- direita, dc longe em longe pos-

savü. um bonde, puxado a bur-ros. À e^squerda, íá embaixo, >

di* nvP» „ ;nm ns „„tr™ rim- deliciosos Essas casas mmulàm Que chora, eu e minha Irmã pe- mercado públieo. E dentro de barulho dos tipos "atraia-n-

Retamente n»™ h»ín n»r» «S ff?uteir^ atandan" quena. Eu olho. espantado, sem easa, ou fora, um cheiro pro- Entrei. Pedi para talar ao ,tat víwm d« on.m, wi«,- te caracterUtic^ das rcíftas empreender muito, o espe- nunciado de gás, que me dava da5 oficinas Apareceu -me a

«lume. LalsuperWdo água o --go /«

Padre", com «ma g^afaXt'po^oT^uco ""iítafcS^ - Pttt,C°' «».«~W.- 5»

se frisa e encrespa como sopra- casa baixa, de telha, cercada de „'__ ";„„ .^L.. *",....* Sz SO,Sentado em um degrau inte- os dedos sujos de tinta, de qu

£ eYbito'mrocTr5umPes; «ta laranjeS '

de* TulM E, em breve, numa curvo do rio, rlor do porta de entrada, eu acabava de interromper a

íal de perigo. Canoas de pesca, claro correndo sob o arvoredo, «««¦* « ™!?™Tm^.mos feito, levando, sem que sou-béssemos, uma provisão de sau-

fábrica. N^ podia mais correr,saltar, agitar-me. E sentla-mctriste e sucumbido.

A Civilização, com a sua te-soura de ferro, começava a cor-

presas á margem, esticam oa e no fundo do qual se viam asbsmbeiam a corda ao sabor da mangas rosadas, que. .sob o len- -maré. E na praia, ou nas duna» Çgr da **» corrente, era como "«í »'" "sl?J*J.t

rtielsras e limpas redes enormes clrínhas de crianças que espias Ao amanhecer, estávamos dicor de ferrugem, secam ao sol «m por trás de uma vid^raça antf de ™ Povoado em cujo tar as asas ao pasjsaro

A vila possue, correndo para- tremente. Em direção oposta, *»»» «^ÍL Zt a^voT" OUTRA VEZ COM BEN'

feiamente à rua da frente, mais era o sitio do sr. Irineu Santos, '?reJ» stm torres- Bra a Jx»<»- duas ou três, em que os pés dos empenachado de coqueiros, que ção de Primeira Crua, na foztranseuntes se afundam na balançavam as copas para alem d°Pl"a„ P'!o "PT,"* ^'Z, *Z1areia solta; mas só as duas pri- da mataria baixa. Perto desíameira-s teem alguma importãn- propriedade, afogadas no mato,eia. Cortam-nas algumas tra- dormiam as ruinas de uma ca

sido esse

JAMIM FRANKUNA insistência com que eu vol*

O sennov não preci*s fieum tipógrafo ? — perguntei.Sabe compor 7

Alguma coisa.Quer começar hoje íNão, senhor; virei ama-

nhã.Foi isso que me levou, no dia

seguinte, ao gesto heróico :telaiar ao sr, Carvahnho, E íí i>oj-te, por volta das sete hora?. *:¦»*-ponto inicial da tava a pensar nas tipografias trava eu com a cora»emmarcha do cristianismo civil 1- , 0 úes& quc mttnjfestíva dt ÒlS e o svSto no cora" .

... ™.™..-....o „.„.„ »«. ^"YsYTe.25» /„ iJEST "P*. .«í« « ofíeios. •!">• oSas do^iorS da Man'vesvas; c é tudo coroado na ex- sa: restos de paredões de pedra, catequese ou capiura ao maio. que mais dc perto se relaciona- 0 chefe saiu ao meu enco:treniídade direita de quem de- e alguns pedaços de telha pelo n0 secul° Avu- ai, se me nao va com a carreira das letras, Mostrou-me o lugar em que•embarca, por um largo areno- chão. Meu tio Epifânlo, irmão "iga1"», passamos o «ia. a es- da-me a compreender que este via deixar o ualeto e o cbju.,, o,», /.i.c »,mo i«„»>i»»hi mn- de minha avó materna levou. Pera a» maré ou ao vento. n. eram, na verdade, em mim, Fnirecnn me ™ <,ai»a <írnoite partimos novamente re- ,,ma predestinação. Estava tra- ST SabXr e um -

colhidos a tolda de madeira, cado nas folhas do Grande Li- ^ ' wanainar, e un,que se fechou sobre nos. vro em que os deuses lavram aE quando amanheceu de novo, missão final de cada criaturae abrimos a tolda, estávamos em que eu devia ser, um dia escrt-pleno mar. Sentado no tomba- tor. Nào podendo, pelas minhas

so. em que uma igrejinha mo- de minha avó materna, levou«esta e sem torres dá o fundo >ne, uma tarde, até lá, após apara o rio. Cercando o casario morte de meu pai.é a mataria frondosa, em que — Aqui, — disse-me — vive-lervilham os olhos dágua límpi- ram os teus avós... Isto aquida e agreste que dessedentam a era nosso...população. Pela manhã e à tar- Tratava-se, talvez,

quet" para distribuir.— Agora, componha-me es>;-.

duas noticias. — dis.-;r-ií».quando terminei, entregaitdt.

-, —/ez, ih cu E*T^ S „ klZ, "•^ T™í '™".,IDIII°1» ms dMs Uru fc papel, a» (h-

te, cruzam a vila as raparigas dos Bruzacas, do sítio do meu Sé lme esoráii m mea, S ™,.Í»Ç . ¦"""r6*"' "^ di" ««">«» esUeito e míuda.eom o seu pote de barro ao om- bisavó materno, isto é, da cas;, „,. ^ênsE riL rwS.? A* 1?*"'™*, esse .f,m» deslrna- Ao receber essa ordemt ti,,e ,bro ou à cabeça, como nos tem- «»...»i».mi»h..»u.i. pela imensiaaoe das águas. As •» -'— »pos bíblicos. Se Jesus por

ensdade das águas As ram-me eles outros caminhos, imUresri»o de oue havia tgrandes velas abertas, afoito e oue foram ter todavia m m». impressão ae que navio tTina • em que a fora buscar o |iegre, 0 vfMr0 pota

'^ ondas ^ \°™ tenr;.^.a*.,a- 2?^*.* !'do todo o gelo dc um qu.osq

em que nascera minha avó Mal-

passasse, encontraria, talvez, pacato professor Campos. Aque- como^ni cobrito sotto e^conton8 ,™° t„erf?/°.'iqUe ?* homcns' de madeira que havia nolunto aos docos da mata. uma i* «m í„. „==™™~ „. «íw ?om. unl caorlwJ s?'"> e conten- com o seu destino, sao como os ,>„ nn,„,„ „„ »»„.»„v,s„ ».ÍS?*ÍSJSS^*

mata' Uma ¥r í-" «-"^"os VTÍhos r^gerZ^orStVSõ S*^"-' ^^°-^ du <*»-. - Maranhão. Eu»,.v.i samintoni ^»..e casal e em que este mor- de ml riesenha-se a curva do do Ama»

•jegunela rua, fazendo canth com Miriuta. Quando maITEStoE Ü^^M^S^^l0. C?L" ?'derosa». e e»^ héllces po

largu

rf. „. - ""».horizonf* lavaí° •»»•«• «»e «aram a navegação biá comDor sem dúvidi Mas,de sol, desenha-se a curva do do Amazonas Os de máouin^it •• cu™P°r' .sc"1 «uvina ».,»,litoral. E eu acomoanho com ShÍSSt. *.Í7.. ,L^IT'?" atc <'I'ta«. *> havia conheci'..

nova Samaritana. deste casal, e em que este mor -A casa de meu pai ficava na reu",,,.,

Miritiba. Quando ma mostra- oTofhlT^ êsterr7'dTb^^a travessa principal. Tinha, de ram, era apenas um matagal, ™„a ada X wm» i« SÊfí.^ í^t cor,rentea«i <"> no ^rrarím Parnaíba. í. ¦*trente, tres portos e duas jane- tendo em uma das extremidades „„(* «Puma ler r o largo e aberto, atiram-se por estava certo de que havia iwr-nIas, correspondendo estas à um poste roído pelo tempo. Era Em nue Densar-a eu ne»sn Vrlr-J!ílTÜ?*? ' desaí»nÍ- » compusesse mais depressti iueasa de moradia, e duas portas „ derradeiro mourão, o último hora' Q™ wnh^" deabrS ííStoiSE.0^™ ¦* a v,Jíc'*adc <H>e eu, não imaginara, jamel»,à loja. Um corredor, que corres- vestígio da casa em que nasce- JJ™ no meu^snlrito o^aX en

vPrt,ginosa "»*. a6uas- *» '«>-pondia à terceira porta, separa- ra minha mãe e funcionara ^ eícaShava ne's?e instanTO a casa de residência da parte escola pública do meu av6. encaminhava, nesse instan-

riam no meu espirito, quando eu chás % os naTios menores íáo ,UC houV0'ssS V^llmusml muisme encaminhava, nesse instan- pela mareem ™t?ando JlM £,Xp0"mentadO d? qUe ?,°r'"",ate, Ingênuo, confiante e desar- w." l™,*.í'if E .<? 1ue. e« «a ali, a minha ,

em que funcionava o estabeleci- Insigílficante embora sob Sidi para ai íroiorosas Sta- toPa^C.,„"Ub;nd0 Um estrel* rel'a e à minha esquerda, eramSK^B<Sí!r^._*ÍL*5i R?nt9-de vista econômico, Min- {^^^TSSStíSA. doZ^T^^^Z^, 0*«™™à° ™*J**>>**. ««

n» >~»i»» 1KUH1II1CH.C. »iií» «i ie, vivo e neroico, na mswia olhos' da minha imaEniacaS A^ííi^/íf í.°ías de.^"íh*'* M aos '<'"»* o meu n«na travessa, que ficava o peque- do Maranhão. Na guerra dos nascente eenjas torres se ^- to£™ ™ 2"7M ^"^nticos tipografia pamaibanai ardim, ou antes, o quintal halains em «un foi ela laniri. I._ L. '.:^_"Jar "J™ -*e ,aMm em quatro dias, os ncque- „™„„0 „ „^T „.. „.„

^^^^.i.iTl!5^..00™ «bajeve o seu papel importãn- ouro iSe levantava^ íong^ais ^óTS^JS ho™ de™S ?e P"™la.''a«™brâ», e. du»-três portas igualmente. Era ai te, vivo e heróico, na histõ»iana travessa, que ficava o peque- do Maranhão. Na guerra dos „„.„„,, -. .„,„. „„,„íf^i?.'-.?. 2SÍ?*.Í-!S?ÍI ?aiaJ°A!?7!í?L/0iíf»*omad_a rt<™ de'esboróar, uma a uma,

te dos quais o meu mestre, „„„., tipografia pornaibana seiaal quatro dias, os peque- aneiias n mie eu ern diaul

de roseiras, que dava o aceso ao e retomada pelos rebelde,; "em

co*mo 7YT7cVi'<'ó "'à

»2 S™»"^""88" ff™ ™ dra ou díle" um aprendiz E ela d.-,totorlor da casa de moradia, luta com as forças legais sob apre"imação ? Que conto de , «ta?? S°rem*„™ tornava-se afnda mais íerturPrédio baixo, e sólido, de telhas o comando de Lima e Silva, o E serS , vida paia que en naus legando a Ma- badora qualldo eu vla £comescurecidas pelo tempo; com- futuro Duque de Caxias. Lima corresse a vivê-lo em terra de Pi»'tiT>ho ri. „ , v. ^ posltores, uma vez cheio o cou."SSS^JSPA 2212; * L?»V\aia»«:?.eí!:!a«»í>a5 -~ho.. sem uma^da* no t^i^J^S^SLSL^ p°-d?r- "»"ar ».1Pa'»»!t««Uio de tábuas de convento, pelos Imperiais Marinheiros, espírito. sem um susto na alma meu rffeio^f.?. "L^l"* d0 I»»i-!o para o galeão, compnk™ fronte 9 «=«„ » fa^nrtn M„ia teve inicio a monarquia «em um cuidado no coração ?nes™ Cosme, velho escravn Não sei a oue horas checam™ m»«í«~»sr""Jf""1" UJ pensa- dicflzera a sua segunda casa, para que fugira para as matas Cr- « Sto Lufz'nem em Suf Aa Z^JSZJXftSZWZ.** »*<-. "" ««« a aS"a ^

B4n frente a essa, e fazendo Nela teve inicio a monarquia «em um cuidado no roracãn iimi.i„rf ., v - '•' uuuuo-utambem esquina, é que meu pai do negro Cosme, velho escYavu Nãõ™eiI» que C£, cSmos 2 «£?S^Sí'nE, dí ^"f?" dica"« <* » ">édio dé ambasflzera a sua segunda casa, para que fugira para as matas clr- « são Luiz nem m què Aa SS^' ^ ^ i estudar. Nao«ide nos havíamos mudado cunvlzinhas, formando ai uma preeiíamente. Sei que era em zeram 72»»"? *? S'~ n '*ar os "P08- Bu fa?,a :"!"i"pouco antes da sua morte. Era corto de 2.000 negros foragidos, outubro de 1»93, quase um ano ramíro^L^ £ ,1J. n'™,nh11- w; mas tazia com o -paquef¦m prédio de tijolo, assoalhado. Tendo saqueado orna Igreja, após a morto de meupai e oue ISn?Si?2JJSSF?*™- ?"~ molhad<> Fa«a «o»*» via Fio-§ * wU ou oito janelas de Cosmeapos*,u-eedaspwamen- eüta. nesse mês, completa^«ete SS^LSu Z2» mCom riBno ,azer' « como* na *'"—. ^, —i,.^^, ecK vtunvra «tnt», deram-me a co opinião, devia ter leito • pro-

iMÜÜÍ% 4Y*-**--

... — ..... ...,

DOMINGO, T/U/1M1 SUPLEMENTO LITERÁRIO P'A MANHA — PAGINA 341"MEMÓRIAS"-rio Benjamin Franklln, meu mento e a experiência haviam das a partir das oito horas da

delo imaginário. dado vivacidade orecoce. não noite, mas funcionava interior-

Humberto deCampos'

A medida que o meu compo-riedor se enchia, agravava-se aminha preocupação. Como d:viaeu proceder, na ocasião de r^ti-rar dali a composição ? Molha-ria, ou não, os tipos ?

_1 Não! — resolvi. — Naomolho. Rir-se-ão de mim.

dado vivacidade precoce, não noite, mas funcionava interior-escapava o relego daquele acon- mente até nove ou dez, à dis-tecimento, que seria único na posição de pequenos grupos deminha vida. E o que eu lia, e beberrões, que permaneciamO que me rodeava, contribuia discutindo política, ou casospara acentuar aos meus olhos particulares em torno das me-a culminância do fato de que sas redondas. E, naquela noiteeu ia ser testemunha. de fim de século, não foi aberta

O mês de dezembro de 1990 exceção: ficamos a serví-los atérheioocõmpõnêdor, pedi ao decorreu, na verdade, na esfera as dez horas, quando os mais

_.he fe das oficinas que me in- em que eu passava a exercer a retardados se retiraram.HVaSse o galeão em que pusesse minha atividade, festivo e . nl- Através das sólidas portas cr,

m-itéria composta. mado. Os telegramas do Rio de lonlais inteiriças, e reforçadas1 Ponha-a aqui, — disse-ms Janeiro, que os jornais mara- de chapas de ferro, como a djs

1 dando-me a tábua. nhenses publicavam, anuncia- conventos antigos, eu adivinha-qpKiirei a composição, com o» vam grandes demonstrações de va o movimento que ia lá fora,

.Pis dedos Erguia-a do compo- regosijo por toda parte. O "sé- nas ruas da cidade. Foguetesrinr Não estava ela porem, culo das luzes" ia apagar-se, estouravam longe. Transeuntes

inda' à altura de um palmo legando ao que lhe vinha suce- satisfeitos falavam alto, esta-«liando me falta o equilíbrio da der uma infinidade de conquis- lando os pés no passeio. De

?n e a composição sé des- tas que o anterior jamais ima- meia em meia hora passava umEli entre os meus dedos trêmu- ginara. Que espantos, que pro- bonde, com o seu áspero ruido1,7. transformada num tumul- digios, traria no seu mistério o de ferragens, ao trote ligeiro1,1 Un Dunhado de tipos !... século que ia surgir ? Que nome dos burros. O chicote estalavapiinalideci Era o "pastel". Era M lhe devia dar. n0 nascedou- no ar, amarrando os gritos dofc ! L_.- '«__ - in,,,no_,M =-»-, ro? Tudo era aleeria e esüeran- ror.heiro. E n barulho do veie

0 Corneteiro de CopacabanaHUMBERTO DE CAMPOS

Ontem, para compensar o dia, passado, inteiro, á mesa dctrabalho, tomei um automóvel e fui saltar na Igrejinha, nas pro-ximidades do Forte. Sentei-me no último banco da praia, no pon-to em gue o mar se espreguiça mais lentamente, tecendo, com aespuma fresca e fervente, a saia de renda leve da areia namoradae morena. A lua, no senite, embrulha-se, nervosa e inquieta,nos pedaços de nuvem que passavam, como se esLclhessc, â últimahora, e com o noivo à espera, o melhor vestido de baile. Ao longe,nas fronteiras do oceano largo, o farol da ilha Rasa risawatde ins-tante a instante o seu fósforo, na aflição eterna da sua insônia no-turna.

De repente, à pequena distância, rompe a treva um gemido sua-ve e dolorido. Vma pausa ligeira, e outro gemido mm alto rasgao peito da noite, espalhando-se pela terra e pelo mar. E' a cometado Porte que dá o seu último toque do dia. E' o clarim militar, quena boca de um soldado, manda aos soldados da fortaleza a últimaontem sonora : ordem de - silencio! E como é comovente, va igvaéoe cortante, aquele apelo metálico, vibrado na somrr i de uma praiade guerra, diante do oceano, que chora, e da cidade, que esplende IQuanta alma, quanta saudade, põe aquele soldado no grilo estri-dente ou na surdina melancólica daquele instrumento singelo e va-sio .'.. . .1 lembrança ila sua casa, lalves. Talvez a lembrança dasua terra, que lá ficou, no sul onde as coxilhas se estendem comoas ondas do mar, ou no norle, onde a caiam é um ninho à beira

n desastre 'Era

o insucesso. En "> ? Tudo era alegria e esperan- cocheira. E o barulho do veículo„

"mo™ nerdido Vi-me to- ça, em suma, no coração da ..- perdia-se à distância, desa-nm do o meu paletó e o meu manidade alvoroçada. As mi- guando no largo do Carmo.rlíioéu despedido no mesmo nhas funções de obscuro empre- As dez e meia, enfim, com as ._,,-,instante Levantei os olhos Bado cle uma casa destinada a portas rigorosamente fechadas, dágua, sob a proteção jarjalhante dos coqueirais. Aquele sinal so-nara o chefe das oficinas; afim satisfazer as fantasias da gula e com os bicos de gás abrindo lançado aos ventos sálitrosos não anuncia, apenas, o soldadoÂ

IS-Jjár? SiTES SKV?"SS" nrmlü Z SSS "da5 *S

gue se recolhe ao seu catre mas o homem que se recolhe em si mes-ça miminatoria._«._ ™.™ Bsnirito o modn nor oue os ho- ras» riP pnmérr.io. n sr_ Dias de mo. Durante o dia foi a.faina militar o exercício, a revista, a ou-sniniesa O raparão sorria, de espirito o modo por que os ho- casa de comércio, o sr. Dias dchnm humor Os outros opera- mens f e 1 i z e s interpretavam Matos torceu os seus fartos bl-"também

sorriam mas com aquele salto imaginário no. rio godes lusitanos e grisalhos e or-simpatia. imenso dos Tempos. Desde no- denou:

_ Ele está nervoso... - dis- vembro o depósito da merceariachefe. - MajTé assim =* abarrotava de barris e de mercadoriascaixas, recebidos diretamente lag ^bida;

Vamos dar balanço nasComecemos pe-

da Europa ou do Sul. Eram E toman'do um caderno demesmo..._ Comigo foi a mesma coi .-..,_ ¦. - .«...»-.— "... - —

sa . - obtemperou outro. ameixas fiambre, azeitonas, pape, „ lapi5 atrás da oreihaMas é assim mesmo que se vai mortadela, tamaras, figos, quei- sent_ou_se a uma das mesas re-nma diante... Jos holandezes, c o n s e r v a dondas.

«;« ^ surrin <f phnn>i nes- francesas e do porto, e vinhos ,Nao n* recoido se cnorei nes- _.._. n-needènria As mi- Sem um protesto ou um mo-sa hora. Se o fiz, nao foi de pa- da mesma procedência As nu * yontade aüravoi não íoi com a emoção do nnas mãos, caiejaaas na lava rinciNcalxeiros aimeu desastre Foi de gratidão. S™ %S^&££Z£ "abaL^DeTad^Ts1^-Foi de reconhecimento aqueles fsa',™'^!" seJ"Xítacto

do leiras, o gargalo para. fora co-homens de trabalho, que ampa- « ]™}h™£-

B*r°dea™ £ tudo mo canhões de fortalezas deravam daquela maneira can- Colares » *> »™£J£

J:™™ vidr0, as garrafas de cervejanhosa um menino.que vinha co- ^ ia sair nos uu imo a«s de .. c„ M derajosamente trabalhar c o ano para a alegria dos homens ,.yemoui^ eram contadas, eeles, e conquistar, ao lado deles, aD"!f°?,_era d Natal 0 movi. anunciadas, em voz alta:ura pouco de técnica e um pou- Ns* véspera do Natal o movi _ ^.^ e ^ afa5 deco de pão. E o que mais me co- "^o^SSimente enche- "cognac" Macieira !movia, era o modo por. que me ™vel. O^estaDelecimento enene^ _ ^ e ^ de Maeielra^™dd}}eiLãl°l™ht«™ carregadosí dè embrTlho? - confirmava o patrão, e?nre-

que deixavam as suas notas de vendo.sortimento. Formiga diligente epobre, eu me sentia feliz, e con-tente, servindo as cigarras,Carregadores partiam com cai-xões e cestos, em que iam pa-cotes e garrafas. Do andar su-perior, onde a Emilia multipli-cava a atividade e os cuidados,desciam fiambres louros e tos^tados, com sua

Vinte e duas de Colaresn. 1 !

— Vinte e duas de Colaresn. 1... — repetia o sr. DiasMatos.

—Quatorze meias ditas, idem:—Quatorze meias ditas, idem...De repente reboa, longe, o

apito de uma fábrica de teci

te. a precariedade da minha capacidade. profissional.

Chamava-se Vasconcelos, essehomem bom e generoso. De fa-milla notável na vida eccnõmi-ca do Estado, era um réprobi,como eu. Por isso, não me de-sencorajou. Desculpou as ¦ mi-nhas falhas; relevou os meuserrou fechou os olhos ou ensi-nuu-nie, quando eu claudicavapor ignoràne ~~muitos dias para comunicar-i..e ""'"""" "Z~* ~~Ji~ ddmoda.tè cada, eu conto, nesse moineique ia ter um salário. ^plf no?te ouando se Su a to, em uma prateleira alta, que_ Você vai ganhar como "e£™

;.£Z«ai a lama no fica sobre uma porta, algumascompositor de segunda classe XSSncoeS* filas de lutas de azeite ie oli-— disse-me. veira;

— Trinta mil réis por mês. m¥"la' . rt„,mbro foi mais — Um, dois, três... quator-Não fiquei descontente^ Ele.

^« ^^de ze vinte... trinta... trintatambém, um eoito...

O buzinar das fabricas, o os-trondar dos foguetes, a gritaria

serviço, ganhava, por mês, cen- ™^auü^n^ntãní"" "lTcava",to c cineoenta mil reis... i^a-a u*™» mrto« eprra-

FIM DE SÉCULO as vezes'com as ""

la, a limpeza dos canhões pesados, a desmontagem e d montagemdas carabinas ligeiras. O espirito andou por fora e o coração tam-bem. Cem aquclejjrito na quietarão da noite, coração e espírito serecolhem. O homem vai, dentro em pouco, sob a cúpula dc aço da-quele monstro deitado à beira do mar, encontrar-se, frente à fren-te, consigo mesmo, e conversar copi a sita saudade.

Por isso, í tão dolorido, tão fundo, tão cheio de alma, o loquede - silencio! - numa praça de guerra. Por isso, é cie ainda vnaistriste, mais longo, mais doce e mais amargo, nas suas modulações,no Porte de Copacabana, numa noile de luar, em frente ao oceanoque sc espreguiça. 0 soldado que atira para- o ceu e para as ondassob o anonimato daquelas muralhas, aquelas vozes de saudade edespedida, é poeta e namorado. Ele não sopra um clarim, mas seupróprio coração. E aqueles gemidos e aquelas queixas que se espa-lham peta praia e se vão perder no mar inquieto e nas montanhasparadas, é esse mesmo coração que se desfaz em sonoridades paratornar-se mais leve, e caber, inteiro, no peito de quem o tem...

Corneteiro de Copacabana, quem quer .,ue sejas tu, eu te ad-miro e le invejo. Quem me dera a ventura de, nos colóquios com aminha alma, interpretar para os homens, e para as cousas, com aminha pena, a angústia, a saudade, a alegria, a coragem, a tristezae à esperança, que lhes transmites, cada noite, às des horas, com onrito ie dor e de oucrra do teu clarim !...

argalheira de dos. Um foguete estronda. Ou-lanuu eu uiuiiuu,.*..-. --•---¦ ,0„„rt„ri_ -_ fa-faihante trás fábricas acompanham aicia: E não esperou ^^^oV^T^- Poeira. Trepado em un™ es-

31Vasconcelos, chefe da oficina, o °u T„nrinprimeiro a chegar, e o último a «atai. J™""' servida cer-sair, e responsável por. todo o

^ •»!??

de sfc^aul^a

Costuma-se dizer que, o quoacontece- no primeiro dia doano, acontecera durante ele to-do. Adotado o mesmo critérioem relação ao século, ter-se-áexplicado, talvez, a minha pai-xúo do trabalho, e a atividadeinliitigavei que me tem cara-ctmzado a vida. E* que eu pas-sei a última hora do século X. .-e a primeira hora do século XX.trabalahndo, como se elas nãofossem, na existência de umhomem, diferentes das outras.

A minha passagem pelos jor-nais, como tipógrafo, quer emParnaiba, quer no Maranhão,tinha-me dado a noção, já, damajestade da hora que ia soarno surdo bronze do Tempo. Euestava ao corrente iia impor-tància excepcional de que serevestia, para o mundo inteiro,aquela transição cronológica, edo interesse, da ansiedade, donervosismo, com que os homensa aguardavam, como se o novoperíodo da história humaaiatrouxesse, a todos os povos, afelicidade e a redenção. Ao meu BetrCo le HUMBERTO DE CAM-espirito infantil, a que o sofri- - ros, aos 15 anos io Uad» .

^BPx" '-d-'/ ^B'^

que vem das ruas, o Hino Nacional atacado ao piano em umacasa próxima,, interrompem aminha conta, detendo-me o de-do sobre o gargalo de uma daslatas. Aquele momento ê ex-cepcional na Histjria da Hiirmanidade. A Civilização virauma página lida, sem saber queemoções lhe reserva a outra, quevai ler... De pé na escada, tu-do isso me passa pelo pensa-mento. Ao fim, porem, de umminuto, continuo a conta:

Trinta e nove, quarenta,quarenta e um, quarenta cdois...

E é ainda com a buzina dealgumas fábricas retalhando océu com o estilete sonoro, queanuncio, do alto da escada, parao patrão:Quarenta e dois litros deazeite português Brandão Go-mes !

E ele, com a mesma fleugmasem levantar a cabeça do papelem que escreve:

Quarenta e dois litros deazeite português Brandão Go-mes... -

Foi assim que, humilde cai-xeiro do século XIX. penetreio século XX.

\w iH H \^ê^ê\'£ ¦ )¦ hm IP». *|l ^¦m fHB^lfSIsMtfLaJ

B Wwm 1mlAN

HUMBERTO DE CitJTPOS, no dia de sua votse_na A^af^tSSSs\Mm, ao lodo de l«h JVamt, tpu • saniom no pórtico « nrnrtauaaae

..-¦¦¦inlV, ¦, , r : -¦

'•¦' '"! :'¦:>-• ¦¦'.' -'-.na.-:-. ¦",-.!..¦ '..'."VA".»'.» '•'¦'¦¦¦¦>,»¦:¦-.' <"".'¦"';."T:':."."'«-;|.,"" >rS.í

SUPLEMENTO LITERÁRIO D'A MANHA

.............. .k -,v; .Ts™',..;--,... ...rm

DOMINGO, T/It/IMI j

ALGUNS SONETOS DEBEATRIZ

Bandeirante a sonhar eom pedrariasCom tesouros e minas fabulosas,Vo Amor entrei, por invias e sombriasEstradas, as florestas tenebrosas.

Tive sonhos de louco, à Pernão Dias,,.l't tesouros sem conta; entre as umbrososSelvas,.o ouro encontrei, e o onix, e as friasTurquesas, esmeraldas luminosas...

E por eles passei. Vivi sele anosNa floresta sem fim. Senti ressábiosDe amarguras, dc dor, de desenganos,

Mas voltei, afitutl, vencendo escolhos,Com o rubi palpitante dos seus lábiosE os dois i/r andes topázies dos seus olhos/

L E N D O - T E"As roseiras aqui já estão florindo...'*Mandas dizer... "As hispidas e pretasRochas da estrada já sc estão cobrindoDe musgo verde... Há muitas borboletas,.."

E eu mc fico a pensar que agora é o lindoMês das rosas esplêndidas e inquietasAsas: més em que a serra anda sorrindo,E em que todos os pássaros são poetas.Vejo tudo: a água canta entre os cafeeiros.Vejo o crespo crisântemo e a açucenaEstrelando a verdura dos canteiros.Penso, então, que em tudo isto os olhos pousas.E c*»mec,o a chorar... Olha: tem pena,Não me escrevas falando nessas cousas!,..

NO SERTÃO

Faz um ano... 0 sertão, verde e ondulado,Todo em flores e músicas, se abria.Erravam nuvens pelo céu, e o gado,Pelas campinas e capões, mugia...

Era num alio a lua easa: haviaVm rumoroso córrego dc um lado;Do outro, o curral; c, ao longe, a serrania,De alva bruma o alto píncaro tomado.

Sinto-me, etn sonho, outra vez; A larde desce;Enfia a treva os seus burèis dc monjes\os serrotes cinzentos; anoitece...

Vão-se abrindo as estrelas e as juremas.»,Muge o gado saudoso; vem de longeO assustado gritar das sirianas...

JUNTO A TI

Eu ia ver-te... Em céleres instantes "Voava léguas; em rápida corrida.Saltava moitas, riachos niúrmurahtes,Sobre ardente cavalo, a toda brida.

Chegava: e os nossos corações amantesApressados batiam. Comovida,Meiga e triste, a sorrir, mais linda que antes.Me apertavasãs mãos, agradecida...

Nada mais murmurávamos: um susto,Um divino pavor as mãos me esfria,Te baixa os olhos e te agita o busto.

Desce a noite, estrelando a intensidade-... '

E eu, de novo. mais tímido, partiaCarregado de sonho e dé saudade!...

NO TREM

0 ano passado, neste mês.,. E' um diaDe grande sol, A máquina troveja,Berra, fuma, atravessa em correriaA amarela paisagem sertaneja.

Vais a um canto do trem. A serraniafoge aos poucos. A aragem te festeja.Voa, a brincar com o teu cabelo, e, fria,Cerro-te os olhos, tréfega te beija.

Olho-te, mudo. Esquece-me a paisagem.Mas anoitece, e a liquida turquesaDo mar nos diz gue é terminada a viagem.

Formam nuvens pelo ar plúmbeos repolhosCai de teve o crepúsculo... E a tristesa

Espalha outra crepúsculo em teus olhos...

OLMEIRO DE AREZZO"Meu coração (disseste) há muito é morto...Morreu porque custaste, e não podiaViver mais para o amor, para a alegriaSem teu braço, teu beijo, teu conforto.. .**

Eis repetida, pois, a lenda do hortoLendário e triste, em que uni arbusto, um dia,Vetusto e seco, refloriu, quando iaO cadáver de um santo ao último porto.E' a mesma história a reptir-se: o olmeiroQue, ao bater no ataude, reverdece,E abre em folhas e flores todo inteiro.

E' este lírico espirito que animas,E que, ao sentir teu coração, floresce,Aberto em sonhos e desfeito em rimas t

NESSUN MAGGIOR DOLORE..

Era na serra. 0 cafeeal floriaComo velas dc naus, de gase feitas,Fugia a bruma; c o mês de outubro rioPelo bico das aves satisfeitas.

E eu, Peatriz, te encontrei... E almas eleitasPelas leis de uma incógnita harmonia.Repetir ilusões, hoje desfeitas,Era a nossa oração de cada dia.

Depois... gue poema de amargura! A£' de espinhos... Os céus, para nos veremSofrer, nos lançam maldições na terra...E hoje, tudo acabado! Apenas pranto...Que è impossível de todo se esqueceremDois infelizes que sc amaram tanto!...

TIBERIADES

Pudesse a gente, pelo Amor, na Vida,Passar como Jesus no lago, outrora,Entre o espanto de Pedro e a comovida,Branda queixa sem fim da água sonora!...Mas. ninguém passará. Que alma feridaDe Amor, se sobre o Amor se deixa uma hora,Por subitânios temporais batida,Caí no abismo da Angústia, que a devora...Anda, ]x»is, avisado o que, na lidaDas paixões rudes e tempestuosas,Como o incrédulo apóstolo duvida.

Que homem haja que vá, ou tenha visto,Caminhar sobre as ondas tormentosas.Sem riscos de naufrágio, como Cristo!

SÍMBOLO

Meu amor! meu amor! voltaste aindaA povoar os meus sonhos! Que forte eloE' este afeto, este céu de altura in finda,Que eu de rimas e lágrimas estrelo?!Sonho. E' aí onde estás; A tarde finda.,.Perto — a angústia; distante — tudo é belo:Muito ao longe ¦— a alta serra muito linda;Junto a nós — o sertão muilo amarelo..."Oltuj, (disseste), c um símbolo terrivel:A nossos pés, com o seu tormento, os ermos;E olha a serra; é a Ventura inacessível, **

E acordei, a sentir estas saudades...Que fizemos aos céus, para sofrértnosTão longa série de infelieidades?..,

IN EXCEt^IS...

Sonhei contigo, novamente... OuvindoO rumor da amplidão, nos céus profundos,Do alto Azul nós olhávamos sorrindoO gravitar harmônico dós mundos...

Sóis de fogo, planetas sle áureo e infindoBrilho, sé agitam junto a nós... E, em fundosCéus longiii(|uos. sem órbitas, fugindo.Passa o bando dos astros errabundos...

As estrelas fugiam-te, medrosas...Colhcste algumas... Outras, pelo espaço,Se escondiam no véu das nebulosas.Tu voltavas, sorrindo, para vê-las...E eu passava, levando-te ao meu braçoResplendcnte de beijos e de estrelas)

TUAS CARTAS

Tuas cartas rasguei uma por uma:Cento e quatorze págtnas e tirasDe confissão t juramento:em sumo,De perfidias, de enganos, de mentiras

E chorei, oo rasgá-las! Tiniu algumCousa implorando contra as minhas nasEm todas; e, hoje, irritação nenhumaNeste peito verás, por mais que o firas.Eram mentiras, eu bem sei... No entantoCada rompida página era um cará»Que enterrava do peito em cada canto.E eis porque, pelo chão, após instantes,Os pedaços juntei... e agora os guardoCom mais amor do que os guardava duntes!

O L A G O

Rolando as ondas plácidas, que o vento,Leve, embalava, a superfície friaRefletindo o estrelado firma mentoSereno, o lago, circular, dormia.Passara o vento ríspido, que o haviaFeito crespo e feroz. E agora, lento.Rola, e repete a música harmoniaAntiga, e esquece o temporal violento...Olha: este lago límpido, e sem íráguaa,Dc ondas mansas, de leve entumecidoPela aura branda que lhe beija as águas.Faz-me rever minhas felicidades:Assim vivo de ti hoje esquecido,— Sem anseios, sem ciúmes, sem saudades...

NIRVANA

Viver assim: sem ciúmes, sem sauilaaes,Sem amor, sem anseios, sem carinhos,Livre de angústias e felicidades,Deixando pelo chão rosas e espinhos;Poder viver em todas as idades;Poder andar por todos os caminhos;Indiferente ao bem e às falsidades,Confundindo chacais e passarinhos;Passeiar pela terra, e achar trislonhaTudo que em tomo ve, nela espalhado;A vida olhar como através dc um sonho;Chegar onde eu cheguei, subir à alturaOnde agora mc encontro — é ter chegadoAos extremos da Pae e da Ventura!

TUA BELEZA

Alguém, que hoje me estima e se consomeEm saber quem tu és, e te procure.Indagou porque trato do teu nome ¦ ¦ *E não falo na tua formosura.-E eu, procurando sopitar a fomeDa alma inquieta que a tanto sc aventumDigo só (para que ela me não tomePor egoísta) que és linda como és pura.Devo. acaso, viver, sem calma e siso,A falar, sem respeito e sem cautela,Em teu corpo, cm teus lábios, em teu riso?Por que aos homens, assim, gabar-te à toa?Reconheço; de sobra, quanto és bela,Mas, me basta dizer-lhes quanto és boa!...

ESTRANHO MARElsa, perdoa! mas, teus olhos cheiosDe atenção, teus Irêfegos, maciosOlhos verdes, recordam-me, entre anseios.Os velhos mares e os antigos rios.Neles, como ao luar em garganleios,Enlre os uivos do mar c os ventos frioí.Alvas Nereidas dc empinados seios,Trilões ferozes e Goljins varlios, Eu vejo tudo que o teu ser resumesNereidas d'Ânsias, o Nereu erranteDo Amor, o bando dos Trilões do Ciumt,E, entre ondas douro, sem que o mar deforme,Vm leito dalgas e de musgo imileanieOnii m Sereia da Volúpia dorme I

m^tW" —-—-"^wmjfí

DOMINGO, T/K/1M1 SUPLEMENTO LITERÁRIO D'A MANHA — PAOINA M»

HUMBERTO DE CAMPOSINTIMO

Minha mãe! minha mãe! Tu, que adivinhasEsta inágua aniaríssima que eu canto,Tu, t|uc trazes as pálpebras de prantoCheias, tan cheias como eu trago as minhas;

Tu, que vives em lágrimas, e tinha»A vida, outrora, tão feliz, enquantoDc-ie teu fillio, que tu queres tanto,T.,alais as ináguds serenando vinhas;

Tu. uue (Io astro Jo Bem segues o brilho.p.rle ao Deus que, apesar das tuas dores,Aiu.la persiste a castigar ten filho,

Oue eu não morra a sofrer, como hoje viiro,Esta angústia de uma árvore sem floresE .íia mágua de pássaro cativo!

PUNHADO DE CINZA•w-mie Anui balem: quot libras in duco ¦»¦¦<>»•¦ »m-..»<"""" JUVENAL ~ Sil. I lll

Que trr.is sido sobre a lerra? estrumeiArvore moria? carne de homem? grama?Fruto? bandeira sacudida ao lume£ apiis, mudada em pavilhão de chamaf

Fosle planta, e livesle o leu perfume?Réptil, acaso, e babujasle a lama?L.-Ho ou berço, e guardasle algum queixumtD,, quem nasce, ou segredo de quem amai

lim li. sem que a asa da ilusão.cative.Pressinto o vago remexer secretoDe um negro e vago turbilhão que vive.

Que cu, por mais que as origens te escafandrt,Quedarei duvidando, como Hamleto,Si és a cinca de um sapo ou de Alexandrik

O P A V A OE' na Assíria, nas épocas solenesEm '(ue o reino de Baal ferve e delira,(Jue |wla última vez surge da piraà salamandra mistica da Fenix.

Quandu Sanlanapalo, em t"úriat atiraA,, fogo as gemas do seu paijo, indene»Nem aves restam: nos balcões iníreneíA própria Fenix, chamejando, expira.

feito em cinzas, porem, o igneo tesouro.Delas se ergue o pavão, de asas serena*.Lantfjoulado de safira e de ouro.

E que a Fenix extinta, cauda em halo,ResMiscitava, a arrebatar nas penasToda a riqueza de Sardanajialo!

O SINO(SALVADOR RVEDA)

Quisera ser um sin» ressonanteP.tra dizer, quando rompesse o Dia:An ant vive enlre lágrimas: — "Confia!"

£ ao sorridente e valoroso: — "Adiante?i

rara lançar meu cântico vibranteQue desperta venturas e energia,L afugentar a lúgubre agoniaQue enlenebreceo coração do amante?

Pura li Mulher ir segredar: — "Redime";Ao Pecador: — " Vai reparar leu crime";Aa Velho: — "Pensa na passada história";

Pura, afinal, reconfortar o Atleta,E, êbrio de sons, quando morresse um Poeta,Rachar meu bronze repicxndo ò Glória!

AS FILHAS DA AGUA-GRANDE(Lenda da região lacustre do Rio Grande do Sul)

No principio do inunda, «rt que era tudoMontanha ou Mar entre a Agua-Grande e a Terra.Como irada explosão de um ódio mudo,Foi, torto dia, declarada a guerra.E a luta insana começou. A SerraMarchou sohre a Água. Com o seu largo escudoA i\gua a repele, e num mugido nido,O* moles dentes do seu dorso enterra.

Mas a Terra venceu! E, na ira cega,Como despojos da vitória, algumasFilhas da Água, — as lagoas — lhe carrega.

E eis porque o Oceano, pelas praias êsma;— I'.' a Agua-Grande,..com o braço das espumai.A chamar os pedaços de si mesma I

O IRAPURÚDisem que o frapurú, quando desata ¦A voz — Orfeu do seringal tranqüila — rO passaredo, rápido, a segui-toEm derredor agrupa-se na mata.

Quando o canto, velos, muda em cascata,Tudo se queda, comando, a ouvi-lo:O canoro sabiá susta a sonata,O canário sutil cessa o pípilo.Eu próprio sei quanto esse canto é suave;O que, porem, me faz cismar bem fundaNao é, por si, o alto poder dessa ave:O que mais no fenômeno me espanta,E' ainda existir um pássaro no inundoQue se fique a escutar quando outro canta!,.,

MEDIEVALAli! belos tempos em que a gente, a um bernj^E a chamar-se Dom Sancho ou Dom Duarte,Se acastelava num broquel de ferro.Mais arrogante do que o próprio Marte!

Dom Sancho, um dia, por vaiado e cerro,Sai, à procura dc emoção que o farte:E eu, escudeiro de Dom Sancho, enterroMinha lança vilã por toda parte.Chega-se à ponte de um castelo. EstacaO cavaleiro, suplicando, à bordaDo fosso, os braços duma Dona Urraca.

Surge a piynagem... Meu murzelo engancho..Parte-se um tropo de meu elmo... E acordaQ ex-valente escudeiro de Dom Sancho!*».

MIRITIBAE' o que me lembra: uma soturna vilaOlhando um rio sem vapor nem ponte:Na água salobra, a canoada em fila...Grandes redes ao sol, mangais defronte...

De um lado e de oulro, fecha-se o horizonte.,,Duas ruas somente... A água Iranquita...lioíos na prea-mar... A igreja... A fonteE as dunas claras, onde o sol cintila.

Eu, com seis anos, nào reflito, ou penso.Põem-me no barco mais veleiro, e, a bordo, fMinha mãe, pela noite, agita um lenço...

Ao vir do sol, a água do mar se alteia.Range o mastro... Depois... só me recordoDeste doido lutar por terra alheia!

A MORTE DE SÓCRATES(Platão-Pliedàn)

N«J catrç escuro da prisão severa,Predicando aos discípulos, sereno.De alma impassível, Sócrates esperaOs eternos efeitos do veneno.

A Apolodoro, à quem a mágua altera,Tranqüiliza; e a Critón, no último aceno:"Paga um galo a Esculápio.. .ú E, álgida, impera.A Morte, e cumpre o seu dever terreno.

Tinha passado os últimos escolhos:A alma voara, feliz, pelo seu lábio,Pondo o polen das asas nos seus olhos. 1

Oue ele sentira, nesse instante augusto,A ventura tranqüila de ser sábioE a volúpia divina dc ser justo!

NO BANQUETE DA VIDA(A um suicida)

Lucrêcia — De Natura Rtrum,Canto IU

Quando chegaste, i mesa eslava posta.Incontáveis convivas, sem ter nome.Em roda: e eada, como um lobo, em foma,Busca o prato venal de que mais gosta.

Junlo ao manjar, sem que oulra mão lh'o tom,,O convidado, olhos em gula, encosta: *Esle. serve-se calmo; aquele, apostoNo sen próprio apetite; e come... come.

Sentasie. A mesa è de feição antiga:Vara o conviva ainda contem no bojoÓdio. Calúnia, lntcmperança, Intriga...

Cada qual no seu prato se abroquela.Erquesle a vos a proclamar leu nofo.

feda a mesa sorriu... Saisle dela!... ;

ALTO MAR. . .|Meu navio, veloz, partiu primeiroli navegou... E a velejar, sem rumo.Cortava o matyquando lhe viste o fuiit**Do flórido convés do teu veleiro.

Quando te divisei, mastros a prumo.Minha proa, traindo o seu roteiro,Era, erguida nas ondas, o resumoDo convívio da espuma e do pampetm. *

Vendo um barco acenar-te, na iminênciaDo perigo final, nestes remotosMares, abres as velas da inocência...

Chegas... A vaga da Velhice o invade...E ele se afunda, a te saudar com os rotoaGalhardetes da minha mocidade!...

CORAÇÃODisem que se ama uma só vez na inda..,,'O amor, no entanto, para mim, pareceTaça espumante que, uma vez bebida,Se outra vez- se beber, mais apetece.

O coração é unia árvore florida,Que dentro em nós,'sem o querermos, tresee,U que, sempre a dar flores, à mediouQue os botões se lhe arrancam, mais floresci <

A mão do Tempo essa árvore maltrata.Mas, qual planta podada, dia a dia,Mais em ramos e flores se desata:

Que era nos turvos séculos remoto»Que o coração, para dar flor, possui»A, indolência romântica do lotus...

COLUMBA CffiLI...\Como essas pombas cândidas que, outrora.Aos santos iam, no recolhimentoDo,1** desertos, levar, terras em fora.Sob o nome de Deus, todo alimento:

—Meiga rola amorosa, ave que o ventoDa candura protege! — entre sonoraLegião de ânsias, ouvindo o meu lamenta.Nesta fome de amor, me vens agora!

Para mim, és a irmã da ave lienditaQue em Siôpa d escia à terra intendaA alimentar um mísero eremita:

Que eu, se te vejo, sôfrego, diviso sO alimento vital, que o céu me mandaNos teus olhares e no teu sorriso!...

TU...Quando alguém me pergunta, por ventura,Quem me faz de oulros tempos diferente,Pensas tu que leu nome se murmura,Que o exponho à ânsia voraz de toda gentff.\ão; digo apenas o seguinte: ê pura,Casta, simples e meiga: é uma dolente,Ciula rola de limida candura,Flor que menos se vê do que se sente.

Mimo de graças e de singeleza:Clara estrela arrancada a um céu profunda:.Doce apoteose da Delicadeza...

Nesse ponto, de súbito, me calo;E. sem dizer teu nome, todo mvndaPica togo sabendo de quem jalo!

SEMENTE ANTIGAOuvi dizer — e esta memória é clara — (Que um arqueólogo ilustre teve a idéia ;De semear algum trigo que encontraraNos escombros lavares de Pompéia.

E do horto, humilde Cincinato, a aléiaPara o cultivo'das sementes, ara;E planta; e o trigo secular estréiaDe novo à luz; e rumoreja a seara...

A vida é, pois, como um triga.... SementeHá, muita vez, que se conserva e acalma,Quando outras brotam sob o sol ardente,

Essa guarda, no entanto, o suco antigo...Que cu bem percebo, ao triturar minhaln»,

Que é de seara paga que vem meu trigo I

' ...,.-,¦;„ ,-.;-; ;, ....,,,..:. .-.¦¦-. ¦¦.,-¦ ;-¦ - ........ -. ¦-, .,,:r-y.;- ¦..>:¦ ;V.Í.V!^«

¦.,'/': r,.^.,,,,,^-.,.,,,-, r,,.

PAGINA 350 — SUPLEMENTO LITERÁRIO D-A MANHA DOMINGO, T/II/IM1

CREPUSCU.L O E GL ORIFICA ÇÃO- ™cio ™*> Três dedicatórias deO pôr de sol da vida de Hum- _„ ...,., .,.„„., - „„„„ „,„ u ,<,.„ <,,„„.„„ -, - „.-,...-. „....„..cerlo oe Campos apresenta in- um cobertor, sob o qual pode polindo, «té atingir a clarida meníos das outros,

iizivel tristeza, o honiem tinha abrigar a nudez, na melancolia des etéreas e ideais Aquele ha Realmente, creio que, emvindo, a sofrer e a se amdrgu- das noites geladas. Ele è sensl- mem triste trazia no peito o en r,u"lbert° dc Campos, houve,rar com as coisas, e chegara um vel à espontaneidade do gesto ração harmonioso de Avolo feia primeira vez, no Brasil, umpouco além daquele meio do ca- do chefe do governo. E, ao apa- deu-se, com ele o mesmo lenò escritor Vue serviu de conselhet-mlnho de nossa vida, oue são os recerem as suas ¦'Memórias" meno observado por Gautier em r0 e 0uia' de eonsolação c luz,trinta e cinco anos... Trazia o envia ao sr. Getulio'Vargas uni Gerarei de Nerval Caminhava para uma varte da numanlda-espirito cheio das noções aiqui- exemplar em que escreve as pa- na loucura. Nerval tinha ám-n de' Ele recebta- todos os ãías,ridas no trato áiuturno dos bons lavras que cu peço licença para porção que o mal vroareriiã cartas de todos os pontos dotutores, na meditação amorosa repetir aqui, pelo multo que elas «""« clareza cada vez maior nò Brasil;, pedindo-lhe opiniões

o co- conteem da alma e dn mmrnn estilo e nn.* ifiMn* " """'ias obras-primas. Trazia

Humberto de Camposi Medeiros e Albu-

querqueNas "Poesias Completas",-*•.<* uu/us-fi/íinus, irazia o co- wrciwm aa atina e do coração e«»o e nas idéias " co?iseVios. Meninas inocentes,

ração cheio de experiências, mas do vosso confrade: "Ao emlnen- Nas visitas aue os amian, ;<,„ Que pc,a Primeira vez amavam.em,,,, nrtir, A,- <.„i„,™., v. ,„..,.•_ le or rir n*,.,,,.. .. („„¦„... „...'..,' . O'"»™™ queriam ouvi-lo sobre o seuamor. Mulheres qtie não com-preendiam mais os maridos, me , reconhecimento' f,maridos que nao amavam mais '

VVW LV ^ll-fl-l ItUlrlUÕ, II WSainda apto às emoções. E sentiaque estava no momento de dei-xar que o seu mundo interior serealizasse, nas criações maisbe-Ias c soberbas.

Esse meio do caminho da vi-dn foi-lhe, porém, aspérrimo etenebroso. O destino, que sem

te sr. dr. Getúlio Vargashomenagem de profunda e co-movida gratidão, pela generosl-dade carinhosa com que acom-panhou, na adversidade e nadoença, um pobre escritor quefoi seu adversário politico rque, ao oferecer-lhe esta humil

esla faziam, Humberto'ãe"camposconsentia em sorrir dos própriospadecimenlos. O bom humornão o abandonou jamais Era ma'idos 1ue nd° amavam maiscom uma Ironia envolta em ,,,, os mulheres, desejavam que fos-

"A Medeiros e Albuque,mestre, — rom ailmiraçíu, <•

~, — w^^uv.m, yi.c ot/íí- ' **" "/-'«"-"¦¦w.c Cíítí tltillltl-pre pesara sobre ele com impie- de lembrança das suas letrasdaile, nçulava, agora, contra „sua triste sombra, onças e lobas,mais ferozes que aquelas que ou-irora haviam surpreendido oDante. E Humberto começou apercorrer os círculos do sen In-ferno...

podo repetir, consolado, os doisfamosos versos de Luiz de Gon-gora:"Por tu espada y tu tratoMe hns cautivado dos veces".

Restam-lhe, porem,

,„ jíiumtc,. crucom uma Ironia envolta em ml-sencordia que ele se referia aoseu -rabicho", nome eom quebatisara a sonda que os médicoso obrigavam a trazer.Bom humor, sim... Mas ape-nas para que os amigos não pos-sam ver as lágrimas que lhevao caindo dos olhos quase semluz. Quando está só, ele se con-centra com a sua dor. s o did

Humberto de Cum/,1933, jev.

I-m 'Crilica-4

"A Medeiros

se ele o intermediário, o ârbltro das dissensões domésticaa.Das prisões os criminosos en-viavam-lke pedidos, queriamum pouco da sua solidariedade

e da sua ternura... Há, até,quem Jhe solicile empregos...Da Baía, uma menina dc dozeanos conta-lhe, numa carta, amigo ào meu coração,

.. .„.« uUr ,.- o aíá como< cttda noite- a sua familia das minhas letras, — 'cord

logo que com ela trava é ar,n,7. se re"ne. Pira ouvir a leitura ;„/,.;,.,•/„„;,„,„,., ..,„ , ,Velhos males, que. ainda «TS"*.^» ,"«<*>* ™* ^MinhTZ dos artigos do escritor queridis-

»'.'<«"'«''""<". "ta ,,->,„quando ele saía da adoleseên- oo Há dias em aue o neívt '!"' piedade ^ mim!... parece "T" Do P"""'. "m snp° de"--"—- lhe áZemmuZVsZZT. ííff «"mberto.Eu teThote ^fum^m

'imvlêanaTtque possuo' Del . álbum impregnado de¦ ue' mcigulcc feminina, todo dedi

(1* série).¦ .-UbuqUC,.:,.

:l < 1

dado tudosensíveis como se fawpm mrttn* " " ''¦"' hvssuo; uei- „„,¦_,, * ¦ ¦ ,"¦•""". "~- ---- Há dias em aue *° me" °""> esquerdo, quejd me!^"!ce emmlna, todo dedi-

furta o Ztaeto "J" sen.'" para ""<*«' Deite a ^A*^™}??™ .<<"? ?."ír°-meu olho direito.

piedade de

„ u„ „„„,„„. cu. Ha atas em os nem. o tinham levado ao leito dos lhe doem muito distenáidosHospitais, recrudesceram. Seu sensíveis ccérebro, fonte generosa de onde de violinotrotavam rios áe consolação, a cegueira lhe"fürt"à"Ô cóntacToque iam banhar tantos cora- divino com as coisas . Misê-toes em desespero, seu cérebro ria... Angústia Dor Eseonfrange-se em padecimentos pectativa ansiosa da morteIntraduzweis- nasce-lhe. em E, ainda assim, Humberto'deponto central, um tumor! Esse Campos sonha.. Sonha coisastumor determina que as exlre- infantis, comovidas ou qracio-mídades de Humbero de Cam- sas, coisas que vai relatandopos cresçam. aqui e ali, nas crônicas diárias.E' já em melo dessas amar- So"ha com os amigos mortos,

auras e desses calvários, que os companheiros dos velhostestino lhe traz uma nora pro- tempos, os mestres que primei-vação. A pobre tara desse ro o guiaram... Mas os sonhosJob precisa estar sempre trans- mais belos que faz aquele far-bordando... E' que, certa manhã, ao deixar o leito, depoisde uma noite"de vigília, Hum-berío é informado de que o mo-vimento revolucionário, que ca-minhava do Rio Grande do Sul,está vitorioso. Deputado gover-vista, ele sofre as humilhaçõesimpostas aos vencidos. Perde '«míi*", " v/urviusir, peraiaa iumandato, e em circunstâncias c^u- Para aquele que está cer- nh ™"~>.^""* """"'"^ (/"e *ebem dolorosas^.-possue em casa çad<> de nuvens tormentosas' ''"areceoido injeção de Jormolapenas alguns mil réis e esta Desesperado, Humberto procu- sem t!us°es de glória- ¦- ... <- oont a angustiosa, a terrifican

Humberto de CampoRio — 30 junho — ]'Jii

„„tll„ nue -, ra, na imprevidente Infância,abrange o campo que abrannin Humberto tinha plantado emoutrora. Dei-te tudo o oue em Pc""alba-- De S. Paulo, umamim era alegria esperança senhora escreve-lhe, para qucl-' ,iJ„*» ÇX'. I<""-« de um filho travessoconsolação! Temmtm, minha Dor!

E ele sonda o mundo em tor.no a st... Vem caindo a noi-te... E- quase hora dc dormirf quase hora de rezar... a ai-ma nessa hora. se cobre toda devéus de tristeza... e. por cimaae tudo, chegam novas mclanmal rapotrisiidehímenTsãò^aindl C°'!"tr Vem " melancolia de ','™hH de SC ma. os »,,„*„. W» „„„,,<„„„ «.,"„... considerar mie a única eo„* e,es t""da ° n»me do escritor

que dc todos os males que vaicometendo se desculpa com estafrase: — "Pior do que isto Ja-zia Humberto dc Campos quan-do tinha a minha Idade"... Deuma outra cidade paulista, umamenina m-inda-lhe lembrançacuriosa: arranca cento e oitenta p»e um fios de seus cabelos e com M

Em "Critica" (2.' série):

"A Medeiros e Alliutiiicrqvamigo c mestre, o

Humberto tle Campai'dc Janeiro, ut<lu!<rRio

VM3.

eólias„w ,„„„tw,„ sao ainaa mu*»¦««,*.,.os sonhos de acordado. Ele quer ,?' !"'e " un>™ coisaa vida, ele ama a vida, ele sus- „„ I """' " ,eu V^Prto des-pira pela vida! Oh!... meus se- '",'eJ,scIllor- 'alhou « estánhores, como é doce um fiozi- ,, J, r ""íãa escrevo que traganho de crença para aquele aue ,„ £ , d"rttb'''dadc. murmu- _„,,«- „ -.não pode mais creri como é - Ke?h."m artUJ°- "quer. que Z \ , <?', T9°S 'V* VOmesuave, e profunda, a faqulha T° este]a atinado a apodre- fi»!níe,de todaJ os «a.ssf. *«rápida, a entreluzir. perdida no ^™ dia seguinte. Nem uma í°fps "J:*m«?"* Ha t:n"-céu. para aquele que está cer- í™se- ou."ma imagem, que te- ™.s f ne°ros- hi ™os e P0»™

Ao enviar-lhe a lembrança, ad-verte-o de qne ali "está umpouco do seu pensamento"... Eassim todos o procuram. Nessamultidão de amigos sem nome

há homens e mulheres, há ce-gos, há surdos, há leprosos...

E ele. o homeir solitário, ouveçado de nuvens fi-,......ltJJ,J,;.-

apenas alguns mil réis e esta Desesperado, Humberto procu- ~~" ".'"" "f.*"™ ae 9'oria ""- ,\~ "\~~""" 'W™"*¦¦ ¦

eom uma divida de algumas de- r" o reino onde. eternas, vice- fmadngustwsa, a terrifican- *f„r?fo,™f?l°"„tari0> 0UVlrenas de contos! E' forcado i™ as esperanças. Vai ao mais 1'°°??% de %"' nã° fixarei «*"» ZoVlortl ,L< Th? P/entregar aos credores o prédio fa">oso dos ledores de destinos "™° obra- '¦ ial"ez. nem. ao dJ„°Sj,c0"'JÍ - S ^d>idoque tinha edificado, sonhando <>ue existem na cidade, procura ™"° ' " le,mbrança d° meu "°„V * ""JS!*00 "Ke se íor;,°tfefaar um recanto seguro à es- '"» quiriMooo de ciência prova- "°™e

~ "?is «?Me ° "<»"« i ™?J„t6J 'í '??s ?"/2 T ,a~posa e aos filhos. Va miséria, teu pais terás ascensões no- Tlbra- 'obre " terra- de «ma ™,d" d„c„íeif'd„ar'edade, h,m"-- í- ««í obra ou de um feito, e nâo pode aperfeiçoa Somente nane.-na se aperfeiçoa. Somente aque-

le que viveu na solidão, e se:S™a"°:'7,,C-"m"''C-"ma,S>";„mberíotIacWa incréãul *<>*? 'ombra, consegu.nfe: ie que viveu na solidão, e s,

- „„..„. ¦ mcréd<llo; mente, no solo, a árvore n„e banhou nas suas águas doloro-Que fazer, em mem a essas fas sorri, esperançado... a não nasceu". q sas, soube conhecer o encantoinquietações? O casal Humberto [[eva que o cerca é realmente Assim diz ele E em outra misterioso e triste das almas ete Campos aluga um prédio na f*""»" « >«""*¦ Ele abre, por passagem anota- "Manhãs de das cmsas- Isolado, Humbertopraia da Flamengo. Arrenda U"'"'^Z' " ,,a?e,a' pam "eurastenia... Noites de Lm de Cttm'"'s Bei" desenvolvendo,estranhos alguns quartos... Ele ^nte mplar as estrelas. Quem mento... sincope, dosnervo, d<« « dia- ° <">m de compremdirã, a esse propósito, com oseu triste sorriso entremeio telágrimas: "Vivo, hoje, um pou-eo. da sobra da sopa, aliás de-liciosa, que a minha casa pre-para para os outros..."

Mas os dias vão passando, t*s coisas consentem em mudarUm pouco. Lentamente os ho-rizontes se vão desanuviando...A generosidade do governo pro-vísório ouve os tristes lamen-tos do poeta, e vem ao seu en-tontro, para dar-lhe uma con

icrvos ., —' " -¦-••• ¦*- -""-f« n...-Sinco- os. companheiros de pere-sabe?... e nas noites mais den- Sincopes do cérebro s,neo --¦ -o—.,-...,..

hrílhn"' "% CS, e,"S Tm ma's pes da oonlade. . besejisde Brtnação da vida. A cada umbrilno... E ele se põe a cha- dormir... Ânsia de chorar - deles deu ,,m pouco de ampa-

LTfe n", *• °S leÜ,°T- taia En»m, ousca, na historia ia '" n" de "Mo Há uma atitu-gente. Ouçam-no todos! ou- literatura, casos de homens Te de Paternal nesse homem

fn ^.,i,,.« ._j_. ãoenas nassnu rfn« mimramnnb?ZÇ,"n'^0 t- °!í" literdtura, casos de homens de de Paternal nesse homem qued,-assumir com. etZZT 'ftts "ue m<"t0 tenZmsofrt- 'venas passou dos quarentaíl«n.?v Brandes io. E o exemplo de Scarron <"""• ""» «"> Q""' « vida. peloeompromissos Vamos a ver se vem-lhe á memória Ele se se"- «>1rlmento repetido, já dei umaagora o destino toma vergo- te um como irmn-0^Vpobre "ncianidade augusta e venera-

ÍHIiIni»áíiiiii.--i;/i.»w.. ...-:

desuno forno vergo- teurn como irm6o dg... aleijado. E è -'.estinando-o <iaoeis que o destino ainda servir de inscrição ao seu pró-desta vez "não tomou vergo- Prio túmulo, que verte para onna". A incursão que Hum- nosso idioma o famoso epitátioberro fes no reino obscuro da do poeta francês:„„....„, „„,„. uu,-,„c „,„„ L„„. ueno jez no reino ooscuro da "o poefa francês-êoiaçao e um apoio. Humberto quirologta, e na qual lhe foit diretor da Casa Ruy Barbosa, prometido chegar até à idade de Ohomem cansado da lidaia Para chegar a crer. apela septuagenário, ocorreu em ja- "«*" inveje deste a sorte:

para a história e para a lenda, neiro de 1933. Menos de dois ^ eonheceu a mortepara a verdade e para a menti- anos passaram, e, sem dinheiro MiI vezes dentro da vidaro. Demonsíro o si mesmo que sem prêmios, sem glória, elé E quem por aqui se afoitea ouirologia e uma ciência In- deixou que o véu de Isis caisse Não faca barulho enormefatwel. Alinha casos e casos sobre o seu rosto. Pois estSa é a prÍmelra™oiteem que ela se tenha comprova- O que foram esses últimos Que Humberto de Camuos dordo. Por que razão agora, com dias ãe Humberto de Campos, * ""1,ele, a palavra do Mago haveria vós o sabeis, senhores. Vós ode talhar!... Não! E'certo que acompanhastes no martírio, Eis ai, senhores a nobr<. "*•'«<"«ss palavra não há ãe falhar! nesse martírio que dia a dia ele Imagem melancólica do vosso Bras,"-,raB, dentro da noite da sua amar- desfiava, como um rosário tris- confrade, todo alanceado de n ¦ igura, agora tocada de um vago te nas mãos de um agonizante, decepções e martírios I inilHÃn (IO Alnicin fialuar de consolação. Humberto Na casa de saúde ou no apar- Eu não ime.rr, -nor,.™ „„c(,r_ VM""au UC HIUIMU UB

nobre oicianidade augusta e venera„.„ - vel.

Este Humberto ie Campos —amado de todos, ouvido por to-dos. procurado, .dorioso. alto emsua imensa simpatia humana— é que eu quero que fique im-presso em vosso espírito. E' ele,sem dúvida, um dos grandes^ar-gulhos dc Brasil contemporâ-neo. E diante da sua imagemaureolaâa, eu desejava, apenas,lembrar a deslumbrada excla-inação atte outrora Gorki tevediante de Tolstoi.

— Vejam que homem mara-vilhosn existiu na terra!

(Dn discurso de possfr na Academia

HUMBERTO DE CAMPOS. 00anos de idade

„mr ac consolação. Humoerto na casa de saúde ou no apar- Eu não quero porem encerde Campos ouve as promessas tamento onde residia, a vida rar minha oração deixando em r i I 11 ido tudo, que a boca de um ho- la-lhe decorrendo, ia-lhe fluin- vosso espírito essa figura dolo- I f\Ktffí CflhrP HlimnPr.mem lhe anuncia-. — Terás dl- do para a morte Não creio que rosa. Esta horp ia hora da V*UJ,,U J«U|C IIUIIIUCI-itheiro... não muito, talvez, algum espetáculo humano me glorificacão, e não a do pesarmas o suficiente para vlveres tenha confrangido mais o cora- A Imagem de Humberto detem o resto de teus dias... Vi; ção do que as visitas que naque- Campos que eu desejo fique im.va- les dias tremendos fiz a Hum- pressa em vosso espirito 'é a ão "Humberto de Campos — .velmcnte até aos setenta anos... berto de Campos. A doença tt. homem suave e afetuoso, do ho- perfeição do sofrimento a for-A mais formosa e ambicionada nha chegado à maior intensida- mem acolhedor e fraternal moçura ,h ;ni,.li.„-.„,;,

' s .de fodas as ofdrtaí fe sorrfrd: de. Olhando-o, diríamos já dis- cujo seio tam abrigar-se tanto, ZT,

m,e,,."™c a¦ As«« .rerãs grandes prêmios na tua cernir a seu lado aquela "som- corações eheln. a* *,¦„,,*„. i» *""""• no camtnno da «.lona .

ecm o resto de teus dias... Vi} ção do que as visitas que naque- Campos que eu desejo fique im. LdllipOSverás uma longa vida, prova- les dias tremendos fiz a Hum- pressa em vosso espirito é a iovelmcnte até aos setenta anos... berto de Campos. A doença tu homem suave e afetuoso, do ho-A mais formosa e ambicionada nha chegado à maior intensida- mem acolhedor e fraternal ade todas as glórias te sorrirá: de. Olhando-o, diríamos jà dis- cujo seio Iam abrigar-se tantos ãZÍZ'." "" "^'w"\'«- '

terás grandes prêmios na tua cernir a seu lado aquela "som- corações chefoj de dúvidas 1, '¦ """""o <«a «.1earretra de homem de letras... bra pálida e gesticulante", ie a imagem daquele que com- Aloiso dc Castro.t. mais tarde, mudado o regi- que falava o historiador ia Re- preendeu todas as dores huma- 7-12-34ne jwHffco «ae hoje vigora no voluçúo francesa. nas e que soube, por truíonfej, ("O Cruzeiro", 15-12-934;. Vm retraio dc autor

de "Memórias*'

'"'•'*- ¦ - ?"• " ' ~ ¦-;-."- ¦» ~

domingo, inttnu SUPLEMENTO LITKBAmO »'» MANHA — PriCi.NA JJ.

(De MclchiorCantares - dc Paia»)

Na fonte, que prende e encanta,O Amor, evitando escolhos,Bebi água... E bebi tantaque hoje me sál pelos olhos.

II

E' meu destino tão negro,Tem tanta nuvem sombria,Que, se alguma vez me alegro,Também choro de alegria.

IU

Ouando nascemos, chorarrios;Sorri, quem vai nos olharAi morrer, sorrindo vamos;

tles ficam-se a chorar...

IV

N<\ste mundo, onde ando tonto,N.io conheço árvore ou florQuo tanto cresça e tão prontotomo nos peitos o amor.

DUAS POESIAS DE HUMBERTO DE CAMPOS

Outrora, em tardes serenas.Chorei sob uns ramos largos:E esses ramos, hoje, apenasSabem dar frutos amargos.

VI

Paia voar é que a ave existe.Paia perfumar — a flor,p.u„ chorar -* o homem triste,E o coração — para o amor.

vnDa vida — a árvore que nasceConosco, que nào seriaSi a Esperança nào pintasseSuas folhas todo dia ?

vraA alta montanha da vido,Cum as outras nâo se parece;Pois. tendo fácil descida.E' ruim para quem desce.

IX-Suspira", dizem, ãe peno:-O su-plro o mal expande..."

- Mris.-o-susptfo é pequenoPai \ quem tem mal tão grande'

X

Oue não chore esfalma viuvaQuo te importa ande a chorar'Que importa mais uma emivaNas grandes águas do mar ?

XI

6fm asas. acaso existeAve a voar de frança ?

(frança ?Como não me queres tristeSi me tiras a esperança ?

XII

I>* nifu peito toste o lume,Tou.- nele o nome gravado:Va.o que teve perfumeFica sempre perfumado

XIII

O beijo que, lábio em bra&_Me deste naquele dia,Poi palma à porta da casaOnde esta paixão dormia.

XIV

Os lábios, vermelhos sendeSlio bem naturais em ti:Eí.tLs meu sangue bebendoDosde o dia em que te vL

XVDo teu coração, a minhaAlma foi bater à porta;Íris'- da ave que se aninhaEm ramo da árvore morta !

XVI"Serei fiel, — o amor cansa..**Di.-sp.ste. ao ver meu desprezo.E inda és fiel—mas, de balnnç.l,Que se inclina ao maior peso.

XVIIUm regato claro e doceIa ein rápida viagem:Foste olhá-la, e ele gelou-sePara reter tua imagem.

XVIII xx*

Que o Amor explique, tu queres. Quisera l.™ ——, ...---E' um misto de dor e encanto, Ir. e pór teu nome ali;Ilha de gozo e prazeres Para que. de olhos erguido*.Cercada de um mar de pranto. Pensassem todos em u.

CANTO DOCIRCONCELIÃO

Viver só! morrer só!... Na selva desta vida.Doida árvore do Mal, sem que o orvalho me inunde.Darei flor, mas, debalde outra árvore floridaPedirá, junto a mim, polen com que fecunde.

Levarei, pela terra, esta vida de opróbrio.No intenso batalhar da batalha em que lute\Passarei, forte e só, de prazer sempre sóbrio.Levando a maldição da figueira sem fruto!

Este sangue, que é meu, e carrego nas veias,E foi, no mundo hostil, causa de máguos tanta^Jamais há de correr nas artérias alheias,Que hei de, todo, deixá-lo òs artérias das plantas.

Na terra hei de pasar sonhando e batalhando.A ambição de procriar não me fere e consome.Sentirei meu prazer se os homens virem dandoOs vermes no meu corpo e o olvido no meu nome,

Não fecundar! Morrer, sem deixar neste mundo.Por vingança de mau, numa existência breve,Uma prova, sequer, do meu gesto fecundo,E um rebento qualquer onde a Angústia se ceve!

Qual o deus imortal que, a obrigar-me que adoreSua obra, seu poder, seus éditos, influoPara que eu, forte e deus, me ajoelhe e colabofeNa obediência da lei que a espécie perpetua?

»Se Jesus, meu irmão, rola plácida e boa.Estrela sem igual na doçura do briho,Jamais tentou procriar, por que é que amaldiçoa0 ventre da Mulher que não teve um só filho?

Que morram, pois, comigo, a minhalma e o meu sangue;

Que a humana forma em mim se conclua e se extinga.

Sou humano, bem sei: e eis-me vencido e exangue;

Mas devia ser deus... E' assim que um deus se vinga!.

FAUNO

HUMBERTO DE CAMPOS, em s«u gabinete de trabalho

XIX

Endivido-me desfarte...Enfim, a divida escrevo,Até que pos«a pagar-teOs beijos que jã te devo.

XX

Como a neve branca e finaBusca Ss-r. tu, que és tio para:Não caixa a neve i canininaRp nAo nuer perder a alvura.

mais subido;

xxn

Quando do céu vieste, pelasDouradas estradas do ar,Agruparam-se as estrelasPara te verem passar.

xxin

E* a arcádia selva secular, sem gente.Sem braço humano que o caminho me abra;,E eu, correndo por ela doidamente, . -Com chave lhos no crânio e pés de cabra.

Doido fauno senit, quebrando as finas -..'"'Lianas que se erguem no cipoal em que er, Wf ,0 ar farejo com as sôfregas narinas.Percebo os indícios duma -ninfa, e berro. ..

Berro. . . E corro.. E a parar de quando em quando^A despertar os meus sentidos broncos.Berro, e corro de novo, tropeçando.Curvando galhos e saltando troncos.

Tudo é parado... Como um velho mongeQue, eterno, entoasse, no seu templo, um«i ária.Passa o vento quebrando, muito ao longe,0 silêncio da mata solitária.

E eu berro, e corro. . . E nessa caço ingrata.Só rodeado de mudas testemunhas.Continuo correndo pela mata,Ferindo o pelo e rebentando as unhas.

Cobras se enrascam nos meus pés. . . Em bando.Saltam-me à frente escorpiões vermelhos.;E eu passo, doido, a tropeçar, levandoMil virentes cipós nos meus chavelhos.

Sinto cansaço; a lingua pende; forte,A espuma, branca, me enche a boca; e berro.. *jE eu bem desejo, pressentindo a morte,Ter meus chavelhos, e meus pés de ferro!

Súbito paro, e cheiro a brisa; e logo .{Sentindo o aroma de que a brisa cheira, .'.'De novo acendo meu olhar de fogo,E me atiro de novo na carreira. . *

Sinto umidade em derredor... Sombrio,Com o suor correndo dos meus pelos brancos.Sem um dos chifres, — imagino um rioTendo náiades louras nos barrancos.

E é um rio. . . E' um rio suspiroso e fraco,E' um doce rio de sedentas linfas,Um rio pobre, mas, que, olhando, estaco, iPorque tem menos água do que ninfas.

E, ah! que doido delírio em meus sentidos! IComo alegre me torna aquele susto,Ao sentirem no olhar Q nos ouvidosA audácia do meu berro e do meu busto!

Caio sobre elas, doidamente. . . CaioNuma loucura, num furor estranho, 1A araranrá-las, qual se fosse um raioQue caísse no meio de um rebarího!

O sangue berra como eu berro. . . E o leitoDo rio entrando, a água revolvo, e sujo,E seis ninfas aperto contra o peito,E a todas seis, sem me conter, babujo. ,.

Babujo, e beijo, e, num grunhido crebro,Na ânsia que um fauno tem, sem que a decifre,Vou de encontro a um rochedo, e caio, e quebra^De encontro à pedra, meu segundo chifre...

As ninfas fogem dos meus braços. . . AchoO olhar turvado e a minha lingua presa. . „ jE morro. . . e vou-me pelo rio abaixo,Arrebatado pela correnteza . ..

XXV

A zanga de minha amadaFaz crescer o meu carinho:Toda uva. quando pisada.Pagando a ofensa, dá vinho.

XXVI

O susoiro diz — "Espero...""Que o mar me arrebate 4 praia. DjZ 0

"al, __ .Eu s0[r0 tanto!",

Dir.:frii.e. se a alguém amei! Murmura o beijo — "Eu teOnclas do mar, perdoai-a, [quero",Que eu também a perdoei! "Paciência !" — diz o pranto

XXIV XXVII

yuem disser que um namoraao Nâo queres casar à toa ?S-™ máguas o mundo tem, Busca amor quieto e calado.Ou este vive enganado Nunca deu casa alta e bo»Ou, então, nunca quis bem. Pedra que mui há rolado.

xxvinEm corayão sern carinhoDe moça alegre, não batas:A ave prudente faz ninhoNos escondidos das matas...

XXIX

Quero um coração serenoQue a outro nunca tenha

[amado:Não dá bom fruto o terrenoMais de uma vez semeado.

XXXComo o pombo, ê bom notaresfcE' todo o amor forte e leaJ:Vai o pombo pelos ares,,Mas volta sempre ao pombaL

Humberto de Campos

Fr.WT^^^T^.f^ ,-^"t?''™r^ H.^ 'rTPlíTwr.ipinr.vi' ¦r^p-^Tr77^TTT.>?í::.**r. ¦ ^;-- -ç--.".-^ r-~ ¦ ¦ ¦¦ ¦ ¦ ¦* :"¦:*¦. ¦:'¦¦ ^¦¦¦^s* ¦--.¦ - - -^r^-n^s^r-^^

PAGINA 352 — SUIMJiMS^MTO LITERÁRIO D'A MANHA

0 "PRIMEM MESTRE"DOMINGO, T/U/IMt

Humberto de Campos

1

Algumas escolas da cidadefestejaram, ante-ontem, o Dia-do Primeiro Mestre. Eu não to-mei parte nesta homenagem.Eu, aluno relapso, não compa-reci a escola. Eu, mais uma vez,embora contrariando o meií co-ração e o meu espirito, vi, aoIndo do meu nome, na lista decompareciir.ento, o F, sinistro.a consoante fatídica, denun-ciando a minha vadiação dessedia: "Faltou" !

Mas, o culpado não fui eu,mestre Agostinho Simões, deMuritiba! A responsabilidadellão me cabe. mestra Sinhá Ka-posso, de Pamaiba! Ptrdoe-me por esta vez, ó minha mãe !Eu nao compareci porque nãosaoia que era dia de escola. Eufaltei porque pensava que nàohavia aula. Supunha que fosseferiado ou dia santo. Mas, aquiestou, com o meu ramalhetezi-nho de flores. Ramalhete demenino pobre, cujo pobre jar-<Üm fica no fundo do quintal,Junto do poço, para ser nv.lha-do pela água que escorie do ba-nheiro. Duas dálias, apenas, emangericão. Vermelho e verde.O combate vivo e a esperançamorta.

A quem cabe, porem, estalembrança votiva, que trago namão ? A quem devo entregareste modesto apanhado demangericão e dálias ? Quemfoi, na realidade, meu "Primei-ro Mestre" ? O sr Agostinho,que morreu cego dos olhos d;-pois de haver aberto os olhos atanto espirito ? Mas. cssí; nadame ensinou, por que eu fugi dasua escola no primeiro dia 3caula, Mestra Marocus ? Esiaveio muito depois, ;juanío eusabia, ja decorada, a históriado Polichinelo. do segundo li-Vro de leitura de Hilário Ribeí-ro. Minha mãe ? Esta foi a riaiseficiente, mas era de casa. E',pois. seu. o ramalhetc, ó raes-tra Sinhá ! Onde anda, porém,a senhora, neste mundo tãogrande, na sua vida de pobre,como simples fragmento de pa-lha" que o "Vento ê""ãr correnteza

A lição c/e um prdto c/e caldo - Humberto deCampos

Acabava o sultão Abu-Man-sur de sentar-se à larga mesa to-inada em Tripoli aos cristãos, ede fazer a prece com que aben-Coava e agradecia a Alali asrefeições cjue a sua misericór-dia lhe dava, quando o cs-cravo grego Teodoro, ao ira-zer-lhe o caldo, tropeçou eniuni dos tapetes do aposento, in-do segurar-se na cadeira real, demodo que algumas gotas íoramborrifar, num desrespeito insóli-lito o rosto augusto do Comen-dador dos Crentes. Com a co-lera faiscando nos olhos, o su-berano voltou-se para o servo,grilando-Ihe :

— Cão ! filho dc cão ! Maldi-to sejas tu, pela pelapidez dastuas mãos! Dentro de dois ins-tantes serás levado à forca, eque os teus pés sejam queimadose os teus olhos arrancados ain-da eni vida e lançados aos cor-vos !

Ao escutar essa palavras, sen-tindo o irremediável do seu des-tino, o escravo, que se detinhade pé, cerrou os dentes, e rugiu,por sua ver :

Pois se eu tenho de morrerpor uma falta que pratiquei ina-dvertidamente, que eu vá para aforca por um mal que fiz pelaminha vontade.

E atirou o prato de caldo aface do sultão, molhaudo-lhe asbarbas veneraveis e manchando-lhe a gola e parte do manto.

Pondo-se de pé de repente,enquanto sacudia as gotas que oqueimavam, ponde o soberanorefletir sobre a súbita brutalida-de do seu ato. A falta do escra-vo havia sido involuntária. Eletropeçara sem querer, sendocondenado, assim, à morte, porum crime de que não era cul-pado. Cabia-lhe, pois, a ele, sul-tão, a maior responsabilidade detudo por haver condenado uminocente. E como essas rcfle-xoes lhe acudissem enquanto sa-cudia a túnica, mal terminou es-se trabalho, voltou-se para o es-cravo, dizendo-lhe com bons mo-dos :

Vai buscar outro caldo, evem com cuidado, para que nãotropeces no tapete e molhes denovo o meu manto.

Terminado o jantar, recolheu-se o grande c poderoso Alui-Mansur à sala do seu trono, e,mandando chamar à sua presen-ça o sábio e venerando Djmal-Eddin, cuja prudência e sabedo-ria eram conhecidas em todo oOriente, expôs-lhe, com doçura,o que acabava de lhe ncontecer.

Quero agora que me digas,tu, que conheces os segredos docoração humano: porque moti-vo, ao ser atingido por algumasgotas do caldo, eu condenei ãmorte um escravo, e porque, de-pois que ele me atirou o pratoao rosto, eu o perdoei ?

O "sheik" sorriu, com bonda-de, e contou, então, ao sultão,esta história ;

Senhor, em tempos quevão longe, quando os bons e osmaus espíritos iniciaram a lutapara posse do mundo, sucedeuque, dado o rompimento, estes eaqueles partissem para a con-quista de elementos dc vitória.A Cólera, o ódio, a Vingança, oMedo, a Vaidade, a Mentira, aIgnorância, a Intriga, o Errn,

muniram-se de grandes asasque lhes pennitisein chegar pn!meiro em qualquer ponto ,|aTerra, onde se fosse Iravar aluta entre os bons e os maussentimentos. A Bondade, a M.i-destia, a Caridade, a Coragem, aModeração, fiadas em si mês-mas, nada procuraram obter io,1110 armas dc conquista, porquesabiam que, cedo ou tarde, ha-viam de triunfar. A Verdadeprincipalmente, resolveu confiarnos seus próprios recursos, aponto de, segundo dizem os an-tigos ssibios, ir morar no fundodc uni poço. Dai o que vosaconteceu, e acontece, dc ordina-rio, a todos os homens. Feridona vossa dignidade, agitado tjvosso coração, acudiu logo, noprimeiro instante, a Cólera, vo-ando com as suas asas de fogo.Só depois é que apareceu a Ver-dade, que saiu vagarosamente dasua cisterna, mas chegou aindaa tempo de evitar que praticas-seis uma injustiça. A Verdade,custa, meu senhor, mas ch>sempre.

(Continua na página 374,)

•ga

levam na cabeça da onda ?Eu ia para a sua <ac /.a pú-blica, de calcinha curí-a, as per-nas cobertas de perebas, os pésmetidos nos meus tamancos no-

vos, cie quatrocentos réis o par,comprados na feira. E vai par;quatro anos, após trinta e cin-co de separação, nos encontrr-mos, de novo, no Rio de Janei-ro, à esquina da Avenida com arua da Assembléia.

Humberto, que é que vocêfaz aqui no -lio ?

nada, minha mestra; euaou deputado.,. E a senhora?

Eu ? Estou empregada nes-ta rua mesmo. Ali, na Casa Ro-Cha... Limpo vidros de óculos..

A senhora me achou velho.Eu achei a senhora moça, eainda miúda e gentil. O m. íi^jdos tamancos, passados trintae cinco anos, estava mais ida-so que a moça da palmatória.Na minha cabeça havia maiscabelos brancos do que na sua.No meu rosto, mais rugas do quno seu. E, no meu coração,mais desenganos, talvez, do queno seu coração. E eu votava,leis. E a senhora limpavaóculos... Paramos um instante,conversando. Recordei a escn-Ia, aquela parte da carta de A.B. C. em que se diz que o "amorde Deus é princípio da sabedo-ria". E repeti, baixinho, comohá trinta e nove anos, em Par-naíba:

Um e um, dois... Um edois, três... Um e três, quatro...

E agora:Um. menos um, nada !

Aqui tem, entretanto, a se-nhora, mestra Sinhá, este preitode gratidão comovida. Partic-pando, embora, com atrazo, dasfestas ao "Primeiro Mestre", épara a senhora, tão humildecomo o seu discípulo, que vai omeu pensamento. Receba, pois.na sua mão qua.se infantil, queo anel dc casamento não pro-fanou, este pequeno ramalhetcsimbólico. Ramalhete de pobre:duas dálias, e mangericão

Mas, mestra Sinhã, olhe bem:tato í dãlia, ou saudade ?

UMA VIDA HERÓICA- JredeBarros

Conta-se que Carlos de Laet, irritado eom a concorrência quelhe fazia o Conselheiro XX, no manejo, ágil e elegante, dos íi-níssimos estiletes da ironia e da sátira, com que ambos se diver-tiam, riscando de bizarras tatuagens a epiderme alheia, procurouferi-lo, certa vez. com um dos seus epigramas terríveis, vestin-do a sobrecasaca de moralista e lembrando-se de seu cargoaustero de presidente do Circulo Católico.

O sr. Humberto de Campos, comentou o adversário de Ca-müo Castelo Branco, escreveu bons livros de versos — "Poel-ra". Mas, depois, choveu.Se Carlos dc Laet ainda vivesse e folheasse, hoje, o primeirotomo das 'Memórias" do sr. Humberto de Campos, teria dereconhecer que, se realmente chovera, depois daquele livro deversos, a chuva passou, e a prosa do maravilhoso escritor trans-formou-se dc nove, como sua poesia, na poeira de ouro do solo das estrelas.

Não há, na literatura brasileira, livro autobiográfico tãosincero, profundo e corajoso, como estas "Memórias", cujas pri-meira edição, de alguns milheiros, um público faminto devorouvorazmente em poucos dias, determinando, já o lançamento deuma segunda tiragem.

Joaquim Nabuco e Graça Aranha passaram a vida diantedo espelho, apurando a "toilette" para a apoteose final da.mortalidade. O destino favoreceu-lhes tudo, nesse trabalho.Ambos eram fisicamente belos e a existência de um e de outro,transcorrida entre festas e pompas, se não foi uma obra dearte, como aconselhara Wilde, revestiu-se de encantos raros.

A vida de Joaquim Nabuco teve qualquer coisa de Benja-min Disraeli e Graça Aranha procurou, com as diretivas poli*ticas de sua ação literária, aproximar-se da do próprio Nabucoc da de Bares.

Nenhum deles, porem, conheceu a vida na essência de suasamarguras. Tiveram berços de flores, e não se apressaram nun-ca na corrida fatal para o túmulo.

Mesmo Machado de Assis, apesar de sua sinceridade e de suamodéstia, tão grande esta que só no dia de sua morte o Brasilsoube que possuirá um grande escritor com esse nome, no seu¦Memorial de Ayres", não se animou a desvendar à bisbilhoticemórbida do público todos os íntimos segredos de sua vida.

Humberto de Campos, não. Declarando, no prefácio de suas"Memórias", que veiu de muito baixo, tendo percorrido maiordistância, porque veiu da mais longe, com aqueles dez anos deatrazo sobre os seus contemporâneos, de que fala Sainte Beuve.avaliados em trinta de Pascal, foi desassombrado e heróico em suaconfissão. Justamente porque "veiu de mais longe", chegando aosquarenta e seis anos ao fim da vida, "vencido, e fatigado, quandooutros se encontram no apogeu da saude e da força", foi maislongo e variado o caminho, e imprevisto o surpreendente espe-táculo de sua vida.

Nas "Memórias", tão ricas de episódios admiráveis, narradoscom aquela simplicidade poderosa dos escritores de raça, e queé por vezes maior em Humberto de Campos do que em Machadode Assis, vemo-nos diante de um romance. O exame introspecti-vo que o autor faz de sua própria adolescência, na exposiçãocorrente dos fatos, das pessoas e das coisas que a povoaram,vai fazendo crescer aos nossos olhos a estranha figura de unimenino que se viu contaminado de vicios implacáveis, pos-suido da nevrose do furto, seduzido pelo álcool, mas que, po-bre e desamparado, foi-se libertando aos poucos para om-brear, um dia, aiinal, com os homens mais ilustres do seupaís, com assento na Câmara Federal e nas poltronas de ve-ludo azul, com frisos de ouro, da Academia de Letras.

E a mão que se insinuava, trêmula e ladina, na gaveta dobalcão dc E. Veras & Filhos, repousa, hoje, no espadim dcpunho de ouro, maneja a pena de um dos maiores escritoresque o BrasÜ já possuiu.

AHás, só os homens que chegam a tais culminãncias po-dem fazer confissões como essa, de Humberto de Campos, emsuas "Memórias". Há criaturas que adquirem, com a moedade ouro do seu gênio de artista, grande oomo o sol, o direitode praticar todos os crimes.

Wilde, Byron, os divinos artistas envenenadores do Renas-cimento, conseguiram tocar de beleza todas as coisas mesmoos seus vícios, até os seus crimes.Eu estou convencido de que Humberto de Campos não fa-ria as confissões que fez no seu livro, se não fosse o escritor

que é, nao possuísse, no íntimo, a conciência de sua grandezaAfinal, em que o homem de letras de hoje, é responsávelpelos atos inconcientes do menino Humberto? A vida mudaos homens dia a dia, talvez de minuto em minuto, a tal pontoque nem sabemos mais nuem fomos mág.

ja o poeta advertiu que "há numa vida cem mil vidas, ca-bem num coração cem mil pecados".Foi ainda Bi:ac quem nos deu, nos seus lamentos, o con-solo destes versos:"Não és bom, nem és mau: és triste e humano".

"Capaz de horrores e de ações sublimes".E, mais adiante, lembra que existe, em cada um de nós

"Um demônio que ruge, e um Deus que chora".Mas, nas "Memórias" os capítulos das confissões extremas.os mais corajosos, não são os mais belos. São simples elos dacadeia enleante da narrativa.Aparecem no livro curiosos cenários do Norte, de sua vida.dos seus costumes, de sua atividade econômica, com todo ocortejo de vícios e virtudes da terra e do homem. As figuraidesse romance realista são vivas, nítidas e impereciveis. EmMintiba, Parnaiba, S. Luiz do Maranhão, elas aparecem in-delevelmente marcadas pela influência dominadora do meio.O retrato que Humberto de Campos faz de seu pai, naquelacena emocionante em que salva a flihinha sob as patas do .seucavalo, "que exigia esporas de fidalgo, e pulso de cavaleiro".

para morrer pouco depois, bastaria para imortalizar um es-critorAssim, o do seu tio Feliciano Veras, excelente candidato,ainda hoje, para presidente da República, que, para fugir dos

parentes foi morar numa ilha.Outra personagem inolvidavel das "Memórias" é o mestre-escola José Serra de Miranda, que inventou um ••Externato"

em Paranaiba, onde não havia nenhum "Internato". Esse ZéMiranda, entre outras coisas impagáveis, costumava mobilisara escola para que os discipulos surrassem os seus rivais, en-quanto ficava a espiar, à janela, por um buraco da grade, o re-sultado da expedição militar sem comando. Poi ele quem escre-veu, em Parnaiba. sob o título "Unde redis, Domine?" a conti-nuaçao do "Quo Vadis?".Há, nas •Memórias", páginas trágicas, da mais funda amar-gura destacando-se aquelas em que aparece a figura heróicada mae do menino Humberto. Este. no desamparo de sua po-bresa, ora é caixeiro, aprendiz de alfaiate, fabricante de meias.ora tipograío e varredor de armazéns.Comove a cena com o seu cajueiro e a que se passa nasoficinas do "Jornal da Manhã", cm que o aprendiz estreanteempastela um "paquet" c. quando se julga despedido, vc-sc ro-deado pelo chefe das oficinas e pelos operários, na mais dedi-cada das manifestações dc simpatia humana.Ao voltar a última página do primeiro tom0 das "Memórias",

em que Humberto dc Campos passa do século XIX ao séculoXX, dando o balanço em mercadorias, diante dos vastos bigo-des lusitanos do seu patrão, sr. Dias de Matos, fica-se a pensar,como teria surgido mais tarde o escritor, que é agora, orgulhodas nossas letras.Até ai, nos primeiros capítulos dessa vida heróica, não háo menor Indício da mais vaga manifestação literária, o qu»parece dar razão aos que desconfiam dos meninos prodígios.

'"'"J "' " 1 SJPSS." ,'.--r--"-.. . -...¦'¦¦ n ¦¦., ¦'.-.- ^a»;".''"- '. -;„i;,. .,,,¦¦ ..,..,1,,,. ... .J»gp,-.Ta>,

. DOMINGO, T/U/1M1 SUPLEMENTO I.ITKBABIO D'A MANHA — PAGINA Ml

O guri Humberto de Campos - Antônio deAlcântara Machado

já se tem lamentado (eumesmo lis isso há anos) afalia entre nós de livros dememórias ou diários escritosp0r literatos, artistas, poli-ikos, jornalistas, gente assim.Memórias e diários que sâo in-dispensáveis para o conheci-vicnio de uma época, seus ho-mens, suas coisas, o lado menosvisível deles e delas. Preguiça,desleixo, indiferença, atraso, oque seja, a verdade é que bem¦poucos se teem dado nesta ter-ra a trabalho tão útil. Paraquan a cie se entrega inclusive.Ou principalmente. Porque oregisto ou a recordação do queviu. c sentiu poda valer mais ãoque os versos que perpetrou, osquadros que pintou, as leis queelaborou e assim por diante.Não vale a pena apontar nomes.Mas sem sair da literatura hamuito cavalheiro por ai que,mediante um livro de memó-rias. poderia resgatar muitos âeimaginação.

Basta, pois, o fato de um ho-mem ãe nossas letras se pro-por a. contar a sua vida e a dosoutros com quem conviveu pa-ra merecer a simpatia da gen-te. Humberto de Campos estánesse caso. Suas "Memórias",de qne acaba de publicar o pri-meiro tomo (Livraria EditoraMarisa, Riol,ji teem direito pe-la simples intenção que as ditoua uma acolhida cordial. E de-poia de lidas, há mais algum*coisa.

* *Conheço pouco a obra desse

acadêmico. Humberto de Cam-pos pertence a rima geração queem regra continuou a anterior,

íá atrasada. De forma que aãe hoje, quando olha para traz,pula a que a precedeu por inu-Ul. Quero dizen por ter falta-ão à sua função natural quesería de ponte de ligação entreante-ontem e hoje. Geração detransição, como toda, afinal, Enão, como é, mais velha em ar-te do que em idade. De fonnaque a atual é o tipo ãa geraçãoexpontânea. E quando procuraqualquer ligação (de admira-cão, não de afinidade ou ten-ãência) com o passado, em ge-ral pula o próximo e vai acha-Ja no remoto.

Por seu lado, a geração deHumberto de Campos (ou amaioria dela conservou sttasposições, numa fidelidade co-movente aos pendores ãe suajuventude. Publicando livrosetnte-datados. Nem atuais, semdata, o que seria o ideal. Mas

francamente antedatado. Deforma que, ainda quando bons,de uma bondade respeitável.Velha demais para ser. gostada.

A geração de hoje e a queimediatamente a precedeu ig-noram-se, portanto. Ou quase.Com a vantagem para a demais idade de que o grosso pú-onco, esse, a conhece bem eadmira Humberto de Camposé dos mais lidos. Sobretudoquando dá expansão ao seu hu^morismo fescenino, sabidamen-te apreciado pelos menores devinte e maiores de cincoentaanos.

Tendo lido faz bastante tem-po as duas séries de "Poeira",datadas de 191J e 1917, e agoraa primeira parte das "Memô-rias", desconfio muito que uessencial, da obra de Humbertode Campos me ê conhecido. Ese os outros volumes de sua

autobiografia valerem o que es-te vale, o acadêmico ficarásendo para mim o escritor das"Memórias".

** *O primeiro tomo, jâ em se-

gunda edição merecidamente,pega o autor no berço e o dei-xa com 14 anos de idade, às 24

horas de 31 ãe dezempro de1900, feito caxeiro ãa CasaTransmoniana, em São. Luís doMaranhão, mudando ãe séculono alto de uma escada, a infor-mar o patrão sobre a quantida-de de azeite português "Bran-dão Gomes" em estoque. Ou-tros que se preocupassem emfazer o balança do século. Aosr. Dias de Matos sô interessa-va o das mercadorias ãe seu ar-mazem ãe secos e molhados.

Trinca e dois anos depois, oantigo lavador de garrafas naCata Transmoniana, da emt-nência acadêmica em que seencontra, dá um balanço na vi-da. O passivo não é pequeno.Mas com hábil jogo ãe esentao contador arranja um saldo.Literatura c mesmo fraude.

A meninice de Humberto ãcCampos foi francamente nove-lesca. Por isso mesmo, este tomodas "Memórias" vale por um ro-mance. Por um princípio ãe ro-mance de ação. Movimentado,acidentado, intenso. E não hádeixar de reconhecer que oromancista aproveitou bem o senpróprio romance.

Menino feio e pobre, rebelde eantipático, órfão de pai aos 6anos, mal educado como quasetodas as crianças brasileiras,testemunha cotidiana de pe-quenas e grandes misérias detoda a espécie, vítím.ado por

uma série de desastres doméstt- alfabetizar aos bocados, oro nu-cos, obrigado a freqüentar meios ma ora noutra escola, o peque-e gentes bem pouco edificantes, no deixa Parnaíba e segue paracorrigido a golpes de corda São Luiz.trançada, humilhado pela vida. Ai começa outra vida. Bem

mais dura. Busca desesperadade um emprego, fome, falta deteto, trabalho mal remunera-ão. Longe das saias maternas,o menino aprende a se mjoersozinho. E' já um homem ebem vivido o lavaâar ãc gar-rafas da Casa Transmonianaque, à noite, concluído o ser-viço, entra na Biblioteca Pú-blica para "viajar com JulesVerne".

Bastava, assim, o grande in-

pessimamente ensinado peloshomens, Humberto de Camposprincipiou desgraçado.

De Miritiba, no Maranhão,onde ele nasceu, e Parnaíba, noPiauí, onâe viveu grande partede sua meninice já responsa-vel, há no livro descrições bemcuriosas. A gente percebe per-feitamente a influência dessesambientes estreitos e relaxadosna formação moral da criança.E' Humberto ãe Campos que es-creve: "Nós, que procedemos ^das pequenas localidades nortis- teresse dessa meninice para as-tas, falamos sempre com ènfa- segurar o sucesso do livro. E êse da velha moralidade sertane- mmr,do Humberto de Campos seja. E essa austeridade de costu- Umita „ naTrar com o talentomes, pelo menos como a com- que teitlj a narrar simvlesmen-preende a hipocrisia social, es- te sem enfeitar os capitulas comtá inteira em nossa imagina- imanms oíblicas, paralelos mi-ção". O livro corajosamente tológieos, sentenras e o restoprova que está de fato. do estjl0i quc as ¦¦Memórias" me

Cresceu, assim, o menino ma- agradam mais. Porque há ca-iriculado sem querer numa es- pítulos tratados como sonetos*.cola de. corruvção e desânimo, depois da descrição de um fatoSeus parentes matemos sobre- qualquer, a compararão "Assimtudo eram âesalentadores. Gen- também...", etc. O que nãote ãc uma caip&rice inata e in- quer dizer que o valor literáriosolúvel, arrastando pela vida do livro desapareça diante douma meãiocriãade verdadeira- documental que é grande. Não.mente heróica, irredutível e o livro é bom. e às vezes ercep-inelutavel. cíonalmente bom, enriquece aO guri Humberto de Campos literatura da terra.teve desse geito e desde logo anoção bem nítida ãe sua "ln}e-rioríãaãe clamorosa". E foi ela,no entender ão adulto, que olevou a praticar o seu "primei-ro ato reprovável". A que se se-

O retrato da. mãe do autor,por exemplo. Mãe brasileira, nospossíveis defeitos e nas virtu-des evidentes, cotidianamentese sacrificando por ele, cas-

MEMÓRIAS- JÜLIO DANTASA leitura das -Memórias" ãe Humberto de Campos — uma

das obras mais comunicativas que ultimamente tenho lido —produziu no meu espírito uma impressão profunda, não só por-que constitue a afirmação de um escritor sóbrio, escultural cforte, mas porque respira, toda ela, franqueza, áesassombro, or-gulho legitimo, vcráaãe implacável, desprendimento heróico deiodos os preconceitos que tornam a vida mesquinha e o homeminferior.

Como Brandes — que o autor cita no seu primoroso prefá-cio — eu não tenho uma granáe simpatia pelos livros de memó-rias. Não porque se trate de um gênero por ventura menos bri-lhante, literatura de renúncia e ãe aposentação, que já fez dizera Bernard Grassei — "quand un homme d'action écrit ses mé-rnoires, il a cesse de comprendre son temps"; — mas porque sãolivros nos quais o autor, em geral, só fala ãe si mesmo, o quetorna o interesse literário da obra áependevte do interesse hu-mano que nos mereça a viáa de quem a escreveu. Alem disso osauto-retratos sâo sempre os retratos piores. Todo o escritor quefala de si à posteridade tem a preocupação, aliás natural, de seapresentar como um modelo de virtudes e de perfeições morais,e essa falsificação amável ãa realidade, filha da egolatria pe-culiar a todos aqueles que vivem da notoriedade pública, tira aosiivros de memórias o seu maior valor — que é o da revelaçãopsicológica e o do documento humano.

O livro de Humberto de Campos apresenta-se-nos, poremsob um aspecto inteiramente diferente. O eminente homem deletras, dos mais notáveis da literatura brasileira contemporânea,teve, ao escrever as "Memórias", um propósito superior: o deconverter a sua vida numa lição moral. Quis demonstrar, peloseu próprio exemplo, quanto vale a energia do homem em lutacontra a naturezf madrasta e contra o mundo hostil: ^quantopoãem a inteligência e a vontade, mesmo desamparadas de todoc auxílio material e moral, no advento daqueles a quem um altoesvlrito chamou "a estirpe de Júpiter". Para que essa lição admi-Tonei pudesse produzir os seus efeitos, Humberto de Campos,com uma coragem estoica, não hesitou em manifestar-se talqual é — ou, pelo menos, tal qual se vê a si próprio — no com-pleio das suas qualidades e das suas imperfeições, dos seuserros e das suas virtudes, sem omitir aquilo mesmo que as con-veniôncias e os preconceitos vulgares 'lhe mandariam ocultar —os vexames da sua pobreza de desherdado, as vicissitudes dafua infância em perigo moral, os pormenores freudianos da suaadolescência, os estigmas resultantes de prolongados contadosoue repugnavam d sua delicadeza de criança bem nascida.Disse tudo. Confessou tudo. Nâo pousou, em estátua, para aimortalidade. Despiu-se, humildemente, diante do mundo, eproclamou, na sua nudez, ao mesmo tempo orgulhosa e contri-ta: "V este o meu devoimento. Eu sou assim: eu fui assim.Mas trabalhei, lutei, sofri, venci; e (aviso aos que sofrem e lu-tam como eu!) apenas pelo poder do meu esforço, desajudadode todos e de tudo, até da própria natureza, — sufi! as escadasopulentas da Academia e sentei-me, legislando, numa cadeiraáo Parlamento federal". Deste modo, sim; compreendo e admi-ro as memórias. Pela beleza moral que as reveste; pela liçãoproveitosa que nelas se contem. E, sobretudo, porque, assimcompreendido, este gênero presta-se talvez como nenhum outroà ostentação da mais forte e ia mait impressionante ias vir-tules literárias: a sinceridade.

Todos os escritores, dignos deste nome, se esforçam por seroriginais, a luta pela originalidade ê de há muito, na lüeratu-ra, uma corrida vertiginosa aos assuntos nevos, aos conceitosnovos, às imagens novas. Nessa corrida, porem, quando os es-critores e os artistas julgam ter colhido o pomo ãe ouro, o quetles atingiram não foi, quase nunca, a originalidade — ah, não!- mas a extravagância. Ainda hoje poucos profissionais das

letras se convenceram de que há uma maneira extremamentejacil âe ser original: é ser sincero. A sinceridade das emoções,a sinceridade dás narrativas, a sinceridade do estilo constituemo segredo da originalidade inquietante âas "Memórias" ãeHumberto dc Campos. Não encontro neste livro naâa de arti-ficial, nada de preparado, nada ãe composto: a verdade domi-na os processos do escritor; em todas as páginas ãa obra é averdade que palpita, viva, descarnada, humana, às vezes cruel.Quando a literatura mais nos empolga e nos comove, ç quandonos dá a impressão de que não è literatura, mas vida; de que'tão é invenção, mas realidade. Todos os quadros que o autornos descreve são flagrantes de exatidão e de humanidade. Fe-chamos o livro com a impressão de que conhecemos, de que en-tontramos na existência real algumas figuras desse friso vivoe dramático — o padre Pedro, de Miritiòa; a velha preta Miquelina; o tio Lydio, octogenário, cavalgando como um cen-touro, com uma cabocla moça ã garupa; a mestra Marocas; omisantropo tio Feliciano; o Cazuza Porto; o alfaiate Leoncto,semita e adunco; o Carvalhinho; o Zé Miranda; a Emilia, doceMadona de bronze, sorrindo; os portugueses lha muitos por-tugueses de coração^ neste livro!) José Dias de Mattos, José An-dré dos Santos, "homens bons e de bem", exemplos "da tradi-cional Itbcralidade da raça", que na hora ão infortúnio soube-ram estender ao adolescente âesvalido — mais tarde escritorglorioso -— as suas mãos grosseiras, mas honradas. A verdadedas descrições é tal que nós nâo "lemos" Humberto de Campos,nós "assistimos" ao que Humberto de Campos jws conta. Quebelas páginas de antologia, pela cor. pelo movimento, pelo sen-timento, pela franqueza dos processos literários, — o banhodas raparigas no rio de Miritiba 184. 85), o adeus ao cajueiro,repassado de emoção (199-201), o combate à navalha na feira1284-286), água-forte que lembra, pelo vigor mordente dos tra-ços, um cartão de Goija!

Este livro simples, sincero, rude, aparentemente ãespro-ocupado, às vezes impiedosamente sangrento, é, entretanto, umlivro equilibrado, ordenado, obedecendo a uma técnica sólidae sóbria, revelador duma perfeita disciplina mental, de um no-iavel sentido das proporções, dc um espirito europeu que secompraz nas grandes linhas da beleza clássica. O espirito deordem que se admira em toda a obra ãe Humberto de Campos.o próprio autor o reconhece, ao analizar as condições que de-terminaram a formação da sua mentalidade, em três ou quatroperíodos lapidares que transcrevo e que encerram o primeirocapitulo das "Memórias": "Sou, física, moral e intelectualmen-te, o produto de quatro ou cinco famílias portuguesas que otempo e o meio vem debilitando, e que se aclimatou, sem se in-tegrar, no ambiente americano. Isso explica, talvez, as ten-dencias disciplinadas e áisciplinadoras do meu espirito, a mi-nha paixão pela oriem clássica, e a feição puramente européiado meu gosto. Vibram automaticamente, no meu sangue e nosmeus nervos, oito séculos ie civilização".

guiram outros, numerosos, cada ttgando-lhe as faltas concien-vez mais reprováveis. Alarman- tes, e perdoando as inconeten-tes até. De forma que, desmo- tes, inflexível diante de todasralisado aos treze anos, depois as adversidades, praticando to-de ensaiar vários ofícios e se dos os dias pequenos heroísmos

domésticos, sublime, sublime na~ dedicação aos filhos, na con-quista ão pão para eles, na âe-fesa do seu lar contra os inimUgos de dentro e de fora, sublt-me ãe gratuidade e coragem,não tem dúvida, sublime. E osretratos do~pai, dos tios~Campos,do tio Feliciano Veras, dos pro-fessores Miranda e Saraiva, dosVieira de Castro, ão sr. Carva-Ihinho, todos eles excelentes,por fora e por dentro, guarda-veis para sempre.

Na mesma altura desses re-tratos está, alem da jã ciladade Miritiba e Parnaíba, a des-crição do inferno doméstico da"Mãe Lena", ão martírio infll-gido à irmã. do roubo do brin-quedo, ãa vida escolar em Par-naiba, da temporada no arraialMorros ãa Mariana, dos papa-gaios de papel, da alfaiatariaLeôncio âe Oliveira, ão arma-zem de E. Veras & Filhos, dabriga a pau e faca nos Campos,para não citar mais. E' todo umambiente e toda uma faunacujo conhecimento fica senãoindispensável, não só para acompreensão do que foi e é ohomem Humberto de Campos,como áo que era e talvez aindaseja a vida no Norte brasileiro.

Humberto de Campos deposttou no cofre da Academia Bra-sileira de Letras vários capitu-los "para Freud", a serem acres-centados em edição póstuma* Omundo é feito dê tal modo quetolera confissão de roubos, masnão de caráter sexual. De for-ma que o escrúpulo do autor es-tá certo. Mas è divertido pensarque quem escreveu volumes evolumes de literatura fraseariatenha o cuidado de evitar emvida a divulgação de sua expe-riência pessoal tio assunto.

Oferecendo os capítulos emquestão a Freud. sabe. aliás, oautor perfeitamente que assegu-ra para a edição póstuma das"Memórias" um público ledornumerosíssimo.

E' mais uma arte io Conse-lheiro X. X., á qual eu prefiro •mil vezes a io acadêmico Hum-berto ie Campos.

-,:--. ¦¦;.>¦- . ¦¦¦¦¦ :V\-'v- ¦-

MOINA 354 — SVPI.VMENTO LITERÁRIO D'A MANHA DOMIXCO, 7/I2/1M1

HUMBERTO DE CAMPOS E O HOMEMDOS MIOLOS DE OURO -- herman uma

J

"II était «ne fois un hommequi avait une cervelh d'or; oui,madame, une cervelíe tou te enor. Lorsqu'!! vint au monde, lesmédecins pensaient que cet en-íant ne vivrait pas, tant sa têteétait. lourrie et son crane déme-auré. 11 vécut cependant etgrandit au solei! comme untoeau plant d'olivier, seulementsa grosse iéte 1'entrainait tou-jours. et c'êtait pitié de le vo:rme eogner à touts les meublesen marchant... U tombait sou-Ttnt. Un jour. i! roula du hautd'ün perron et vint donner dufront contre un degré de mar-bre. ou son crane son na comme«n lingot. On le crut mortemais. en 1? relevant, on ne luitrouva qu'une Jégêre bleussure,avec deux ou trois gouttelettesd'or caülées dans ses cheveuxblonds. Cest ainsi que les pa-rems apprrent que 1'enfantavait une cerveíle en or..."

Lendo as "Memórias", deHumberto de Campos, veiu-me& lembrança, de golpe, essaObra-prima de Alphonse Dau-det que è "La legende de l*hom-me à ]a cervelíe d'or".

Conheço Humberto de Cam-pos desde os tempos em que«urdiram as crônicas surpreen-dentes ds "Micromegas". no ex-tinto "Imparcial", do Rio. Ha-via um tal sabor de novidade,um tão d-verso tom de erudiçãoamável, polvilhado com o bri-lho faiscante de imagens raras,naqueles comentários aos jaits-divcrs da metrópoh e do mim-do semp?e em confronto comJatos mitológicos ou da histõ-ria antiga, que o nome verda-deiro do autor nunca mais mesaiu das preferências literárias.Tive d?pn:s a oportunidade deobter um dos poucos exempla-res r?síantes da primeira sériede "Po?irn", já esgotada, fican-do-me para sempre na recorda-ção muito? dos versos claros ecomov'dos em que &, minha ter-ra dj sol era cantada amorosa-mente. Veiu em seguida o se-frundo volume dos seus versos.E a longa seqüência das suascrônicas sempre cintilantes,constituindo "A seara de Booz","Carvlhn*-; e roseiras" e "Omea'h?iro de Agripa". E a no-tavel secfão semanal de criticaliterária no "Correio da Ma-nhã". onde figuram algumasdas melhores páginas do gene-po já ementas no Brasil. Mas.aoareceu nm dia o ConselheiroXX. diabólico e imprevisto, epor muitos anos a malícia e ocinismo das fábulas licenciosasdi "Serpente de bronze", dos"Gansos c'o Capitólio", da "Fim-da de D?v,d", e de toda a céle-bre enfiada desses livros brejei-ros prosaram o prosador já no-tavel de? tantas páginas de arte.

Parecia qus o narrador dasanedotas mas aumentadas oueaté hoje se publicaram na im-pr?nsa indígena jamais conse-gui ri a arran:ar a máscara dotitular fes-ceni.no, tão integradoíe achava Humberto de Camposcom a sua criatura-criadora.Carlitos de nova espécie matavatambém uouco a pouco o outroCharli? Chaplin. A par dessametempsicose malfazeja, o es-eritor ia galgando raoidamentea escalada gloriosa dos postos•so? ais. Eleito para a Academiade Letras, era depois escolhidodenutado pela sua terra. A vidaícirindo-'he faeil não oonvida-Ta mais ãs torturas da arte.sempre desdenhadas pelos feli-ses, E o nome ilustre por largo«snaço deixou Je firmar as le-trás luminosas. Mas, veiu aconvulsão revolucionária de 30,e. no tufão político desencadea-do de norte a sul, desabou delance o edifício da sua prospe-ritínde breve. E "un iour, íl rouladu haut d'un perron et irntdonn<r du front contre un de-gTé d? marbre, ou son craneaonna comme un lingot. On Irerut mort; mais, en le relevant,•on ne lui trouva qu*une légèreWessure avec deux ou trols

gouttelettes d'or caillées dansses cheveux blonds. Cest ainsique les parents apprirent que1'enfant avait une cervelíe enor..."

O milagre não foi, porem, sóesse. Ao lado do cérebro rie ouro,descobriu-se que o homem ti-nha também o coração deouro... A dor foi ainda a su-prema revelação. Despojado detodos os bens efêmeros e enga-nadores, doente e pobre. Hum-ber to de Campos, longe de ras-te.iar na lama do opróbrio, su-biu radiante o seu Tabor.

Há qualquer cousa de grandee de heróico nessa ascensão deglória desesperada. Forçado at:rar da pena o pão material,começou a arrancar dia a dia,do cérebro privilegiado, "unmorceau d'or massif. un mor-eeau gros comme une noix",para atirá-lo ã cupidez lnsacia-ve] do publico, pelas colunas dastornais. Há dois anos que o mi-ia pre se vem reproduzindo. Elonge seouer es-*assear, o seutesouro jamais pareceu menosinesgotável. As suas crônicasdWa fase nova da sua ativ da-de literária dão. só elas. para avalorização de oualouer perió-d:eo. E infatigavelmente eletrabalha. E o que faltava ou-trora ao artista quase perfeito,rem oue se descobrisse a sua ca-''ência disfarçada pela riqueza0'a-? imagens e dos conceitos —inora esplende magnificamen-te, nas suas letras.

Humberto de Campos encheos seus escritos de um tão altoespirito de human dade. queafnge, às vezes, á pureza daserandes vozes cristãs. Quantoma's sofre, mais a sua palavra¦e (i=pura. E mais resplandece.Lendo-o. nas suas erônkas maiscomovidas, aquelas em que elRlaia de si. dos seus males fisi-cos, das suas amarguras e dassuas dores de pobre anima] su-r>iic;ado. como das misérias dohomem triste sobre a terra trie-te. tem-se o símbolo exato doferro na foria. Rubra ao vivo,até à incandesrènca, a barrado minério bruto se transfor-ma em pedaço de sol maleavel,bocado de luz cristalizado, quese desfaz em *.entelhas deslum-brpntes ao malhar do malha-dor. plasmando os florões ca-prichosos do aco duetil, as fili-pranas miraculosas do desenhoetèreo.

E' dessa época o aparecimen-to dos primeiros capítulos das"Memórias", agora vindas alume.

Ressaltando pela orlginalida-de do gênero, ainda desconhe-cido entre nós ("O meu próprioromance", de Graça Aranha, foianenas uma tentativa frustra-da pela morte), essa publicaçãoem breve despertava todas asatenções do público, atençõesque a edéção em livro confir-mou sobejamente, esgotando-sevários milheiros em quinze dias,num recorde que honra o Bra-sil ledor.

Teem sido cicadas a propó-sito dessa obra todas as "me-mórias" mais ou menos céle-brss. desde as de Santo Agostl-nho às de Rousseau, do PetitPierre. de Anatole à "Mnhaformação", de Nabuco. Nãoadianta. O que é terto é pos-suir. hoje. a literatura brasilei-ra um dos seus maiores livrosdf> todos os tempos, obra nota-vel, que há de perdurar forco-emente através das épocas.Para isso. nada falta a esras pá-Sinas, feitas à imagem do seucriador, com a sua carne, o seusangue, a sua alma. o seu cora-cão. O estilo é um prodígio deplasticidade e harmonia, ela-ro. ágil, espontâneo e sonoro. Asubstância, amalgamada com osmelhores elementos estéticos epsicológicos: piedade, ironia,sarcasmo, admiração, ternura,dor. revolta e desespero.

Contando o que foi a sua vidana província, Humberto deCampos traçou uma série de

quadros e criou uma galeria detipos que fariam honra a qual-quer historiador apurado on ro-mancista de eleição. Não nos in-teressa que ele tenha sido exa-lamente o que nos conta, se aimpressão da verdade é a mes-ma. de qualquer modo João Ri-beiro já notou que o acadêmicode hoje se humilha talves maisdo que fosse justo, na evocaçãodas suas origens. E' certo. Hámesmo qualquer cousa nessasconfissões, um como que agra-do no estadear aspectos quasemiseráveis da sua vida passada,difícil de ser superado. Nissonão podemos ainda deixar dever uma profunda transforma-cão moral sofrida pelo autor.Expiarão inconciente de faltaspassadas? Ele é profundomen-te, pelo menos confessadamen-te, incréu. Não o fosse, e veria-mos aí a influência de augumaconversão, a exibição de culpasa que a religião católica obri-ga os fiéis, diante dos seus sa-cerdotes. O espírito do autordas "Memórias" vai. porem,ainda mais longe. E é grande-mente estranho num escritordos trópicos, de cultura enci-clopéd:ca e tendências espiri-tuais tão livres, o aparecimen-to daquele senso de humildadeoue só se encontra nos russos.("La verité n'est pas un besoinr*or eux — diz a propósito Ste-fan Zweig no estupendo "Dos-toievskv" — mais une volupté:Ia conféssion est leur jouissan-ce suprême. leu:- spasme; dansIa conféssion, Phomme inte-rieur, tout entier inspré der»u, j'i>iliit de 1'homme ordi-na're. et Ia verité. c'est-à direDieu. de son existente mate-rielle"!.

E', na verdade marcadiss1-mo esse ponto de contacto doescritor brasileiro com os gran-des romancistas slnvos. Algunscapítulos do seu livro, com anarração dos seus vícios na In-funda _ roubos e bebedeiras —?ão páginas nenetradas de tãoprofundo esnirito de penitência,como destacadas de oualouerdos maiores natrícios de Tour-Eiienev e de Tolstoi. Ele próprioo nota. ouando se refere

"aos"Vaerabundos". de Gorki, ondeencontrou reprodu7ir!as quaseIntegralmente as suas imores-soes da noite pa^da diante deum for-io de padaria, a que ore-olhera a caridade de umamigo.

Oue grande, e belo, e como-vido esse livro! E principalmen-te ainda que estupendo livro depoeta! Pornue acima de tudo,paisagista de costumes e retra-tlsta de almas. Humbero deCampos é aqui maior poetara nos seus livros de versos. Umaltíssimo poeta, desencantado eeético às vezes, outras possui-do inteiramente pelo esplendorda beleza pura. As imagens ir-rompem dos seus períodos,numa opulência que se senteInelutavel, como aquela flora-cão tropical ascendendo ao solaberto, "en un verdadero verti-go vegetativo". de que nos falaHoracio Quiroga. em "Ana-conda".

E' irnpossivel resistir ao gostode algumas transcrições.Assim, vejamos como de si

próprio ele fala, dizendo quenasceu para ser um triste, umrústico, um insubmisso, um re-voltado. _ "A V!da é que, comas suas esporas de aço, rasgan-dn-me as carnes, subjugando-me os ímpetos, domesticou,pouco a pouco, este potro sei-vagem".

Lembrando os presentes rece>-bidos no seu batisado •— umqueijo do reino e uma caixa defigos, ambos . completamentedeteriorados: — "Era já, comose vê, uma predestinação, opouco que me dão na vida, oué d?do de má vontade ou é po-dre". ,

Uma definição da vida: "Anfundo, nm quintal, onde eu menão quis convencer que a pi-

menta do reino, tão preta, en-colhida e feia, era, inicialmen-te. um frutinho vermelho, e liso.e polido como uma jóia. Nãofosse tão criança e teria vistojá, na vida desse fruto, a histú-ria da vda humana. Mocidade... Velhice... A vida do ho*mem não será a repetição, naterra, da evplução da pimentado reino?"

Um conceito do determinis-mo: "O homem de destino ineerto e tormentoso é, nas mãosdos fados, o que é o camondon-go na boca do gato que o apa-nhou e com ele se diverte. Devez em quando o gato solta ocamondongo. dando-lhe a ilu-são da liberdade e da salvação.Mas, retoma-o outra vez. A tré-gua que lhe concedeu foi, ape-nas. para descansar o dente..."

Um perfil do animal huma-no: "O homem é mais um con-junto de vícios do que de virtu-des. E' como esses insetos nas-cidos no monturo, esses besou-ros de carapaça de ouro ç bron-ze que se geram no estrume, quetrazem uma réstea de sol nasasas, mas cuio corpo tem o crei-ro e a forma da imundice deque procedem".

Falando da sua casinha na-tal: "Nessa casa humilde e cia-ra teve o navio da minha almao seu estaleiro... Desse portoabrigado partiu três veses omeu barco atrevido e frágil,para afrontar as iras do ocea-no trovejante. Da primeira,volte', desiludido, apavoradocom a tormenta que rugia lâfora. Da segunda, regressei, asvelas rotas, o leme partido, parareparar os estragos da tempes-tade. mas com o pensamento defazer-me ao largo, outra vez. Dater?eira. enfim, apanhado pelosventos oceânicos e pelo capri-cho das correntes marítimas.fui arrastado para tão longe,oue. decerto, nunca mais volta-rei.. ••

Poderia alongar infindável-mente e^te rosário de imagensclaras e belas. Não 6 permitidono entanto, encher todo o jor-nal...

Livro impar na nossa litera-tura, "Memórias" há de ficar.E alguns dos seus capítulos per-tencem desde hoje a qualquerantologia da língua, que se pre-tenda colligir doravante. Tais —"O brinquedo roubado", "ZéMiranda", "E' barato!...", "Fo-me e fartura" e "Um amigo deinfância", essa obra prima deemoção e de beleza literária nomais alto sentido, página mes-tra de qualquer literatura, ondea força verbal do escritor atingeá perfeição, na evocação lanei-nante ao cajueiro plantado pelacriança buliçosa que ele foraComo, de motivos tão simples,soube ele arrancar estas frasesque não podemos ler, sem queos olhos se umideçam. e umacomoção nova nos aperte o co-ração: "Quero abracá-lo e jánão posso. Em torno do seutronco fizeram um cerrado es-treíto. No cercado imundo, mer-gulhado na lama, ressona umporco... Ao perfume suave daflor, ao cheiro agreste do fruto.sucederam, em baixo, a vasa ea podridão! Adeus, meu cajuel-ro! E lá me vou outrn vez e parasempre, pelo mundo largo, ondehoje vivo. como ele, com os pésna lama, dando, às vezes, som-bra aos porcos, mas, também,às vezes, dourado do sol lá emcima. oferecendo frutos aospássaros e nolen ao vento, sán-grando refina cheirosa, com oesnirito enteando de flores queo ve.nto leva, e o coração anuídentro, cheio d- mel, e todo res-soant.e de abelhas,.."

Voltando a úl^ma pánlna do'ivro. não h« -o's. como fugir áluminosa paráfrase:"II était une foi*? un homme

nui avait une cervell» d'or: oui.modome, une c.rvelle toute enor..."Rio, 7-2-1S33.

SOB 0 CAVALODE PEDRO-S:

A campanha que vem sus!e„tando na imprensa pela eman"cipação do nosso escreveimeu ilustre mestre dr. João ribeiro, é um does serviços n-P.subidos e patrióticos prestacOà obra da nossa nacionalizei j\0por esse eminente professor Kunâo atino com os altos motuvos que levam o sr. dr. Siv,Ramos, a bater-se pela adoção¦aqui, da ortografia oflclaluiMi-te usada em Portugal, quiuvopossuímos elementos para f,,.zer adotar, ali, amanhã, i ri._forma que, porventura apiov.is-semos no Brasil. Tal idéia, ,-juesó se explicaria, talvez, pela ,,-,.mor]idade, pela aquiscência ,ejtentadoras solicitações da pre.guiça, viria, apenas, e mais um»vez, interpretar aquele esverdc.i-do monumento que omamertia praça Tiradentes, e em ouePedro I, português de origem,nacionalizado pela ambição ie'reinar, passa trotando, comoum vencedor, sobre as cabeçasde bronze de uma dezena iebrasileiros humildemente aga-chados.

A 20 de junho de 1763 loiinaugurado em Paris, para io-memorar a terminação da çucr-ra dos Sete Anos, uma estatuade Luiz XV, em que o monanaaparecia a cavalo, sobre uni 15-trado sustentado por quatrocariátides, que representavam aForça, a Paz, a Prudência c aJustiça. Dias antes da iiv.u; u-ração, estava já o pelestal '.lomonumento emplastrado oeepigramas ferozes, entre osquais aparecia este:

"Grotesque monument! Infameípiédestal

Les vertus sont à pied, le vice[est ã cheval."

O nosso monumento a Pe-dro I, com os seus índios servil-mente acocorados sob a pala ?bronze do arrogante cavalo 00imperador, merece uma aomu-ção dessa perfídia gauleza:

Monumento infeliz, que nostdeixa vassalo:

Brasileiros a pé, português a[cavalo !"

Conseguirá o meu erudito inftre dr. João Ribeiro desníon».'!o primeiro Pedro, sustentiuit*na sela das nossas letras, do la-do da garupa, pelo impatriuii oluzitanismo do honrado sr. Ir.Silva Ramos?

VERDADES...luibnlt de tampos

Tive uma árvore. Plantei-aNo jardim; até que, um dia,Por um capricho, arrai;qiiii-a.Tirei-a Iodas *< na areia,Na areia molhada e friaOnde essa árvore crescia,As folhas verdes, e. as floresDos mais risonhos matizes,Cobriram dc várias coreslodo o Iutjar dtu mines.

Depois, vu tive um afeto.Tive um afeto, e dei.vci-oNo recanto mais secretoDa mnfi'alma e do meu seioCrescer e florir

~..

E, um dia,Por ciúmes, arronquÊ-o.Arranquei-o; e desde então,

— À semelhança das floresSobre as extintas raices, —Na minha doce ilusão,Procuro novos amoresQue cubram as cicalriitsQue lenho no cotação, ••

, - "• — —i—_•—r™^-7r__T-7m« ,, ,., . „.„.„ ^_ 1W ¦«_>' TH mmdomingo, i/a/mi SDPUMBMTO UTj«*MO "'A MANHà — PAGINA W

Dois inéditos de Humberto de Campos 0 que me prometeA MÚSICA mulher é quase menina. Ueni-i- i .• , HUMBERTO

DE STRAUSS Í.TTi Af°C'w '""'"¦-':' ° «eStlIlO..."DE CAMPOShw, eu c W<i, abraçados, sentin-

n SO itudine cordis,..DO VINGO, 29, JULHO do a respiração um do outro. Conta-se que, por ocasião da

V ii- chuvosa " triste e Iria. valsando aquela mesma valsa, SBO vinda ao flio de Janeiro/,;, um dia'tomado inteiro, espirita enjcitado de sonhos, cm \m, escreveu Ramalho Or-

XdZ^JZÍõodeUam alma editada de esperanças. Jg»; %?££?£c%Zt

andar, siquer, pela casa, chego como duas arvores que se co- çáo destinado a uma edição fes-me arrastando-tne, amparado •*"** de jlores na primavera... tiva. No dia aprazado, o matu-

ala que me serve de mule A valsa era a mesma. Eram o* '_>? de Ferreira de Araújo opa-bcnyalala de jantar, e sinto-me »'"inos os seus acordes. Nós. recia com ò escrito do seu emi-

nente colaborador português*tm uma poltrona. Os pés em porem ah estávamos, tmis, quão intitu,am.se, aguetei „0 pás.onini cadeira, e, entre a polira- diferentes do que tínhamos stae- saro e as penas". Quem, toda-na e a cadeira, um aparelha de "" ntoeidtule !... Hia, desiludi- via, o lesse, não encontrava

no qual mergulha a bor- d" ' cansada, desencantada da nem as penas, nem o pâsssaro.'"'/"' '!L''Z\7'dabaivwe'n- vida ' de '«''o. E eu. Iranslor- No *« seguinte, porém, vinharadia que me sin ao oauo ven- . ¦ • 'a corrigenda. "Por um enganotre. Cada movimento é um ge- 'nado «a mais desoladora ruim ie reJão _ ^J„»»

™°*™

mulo. Cada respiração frojun- «' ""m próprio I... Desci os deturpado o título do artigo.di ,'¦ uma navalha, que me corta 0,hos M« minha miséria. Onae que publicamos ontem, da au-

. ' • ,„,, p„',.„ ,,„- „.. /,,,_ estavam as minhas pernas lépi- toria do ilustre escritor, sr. Ra-

T:ZTJeTa,%7rcc,se ^S, meu corpo doU, minha vi- -?»• Ortigão. Onde se U "O

aue meus jilhos mas pusessem, vaaâade daquele tempo? Con-Na saleta junto, minha jilha temPle> os r"t0> ie m"n «•"-

li,-,,, o rádio. Harmonias ateares m0- Dn eom os °"'os '"> •'/"•-

oi, brejeiras espalham-se pela relho que me torturava E seu-;>.„« A,,? mtHhrtr nv t* que nunca mais voltaria i. ,no ritmo dos sambas ou i que o tipógrafo encarregado demover-me. a andar, a deixar ae „„_,,,-, „„«;.,¦„ „,. .„___Z

Pássaro e as penas"t leia-se:"O Pássaro e o Presunto". Noreferido artigo não se tratava,entretanto, ainda, de tal coisa.O titulo verdadeiro, era, ape-nas, "O Passado e o Presente",

CO Al,

dns "choros" nacionais. Umcunfcrencisla fala sobre o pro-blema das raças na AlemanhaIm artista excêntrico prclttdiauutii passagem de ópera em umaquita de boca. Im casal dc cu- _,,...

r . *,„,.,..¦.., .,— ~tr. i; qanta. E outras lagrimas vie-mediantes representa um alo ti- •'

gciro. E são ile: e meia horas,

quando o "speacher" anuncia,

ptíiw encerrar, aquela-Parte da

não chorasse mais !Pedia-me isso. E, no entanto.

piji/runia, a valsaA ai!", pela orquestra du estação,

()s primeiros g~orgeios dosvi "Unos espalham-se pela saie-ta. •• extravasam para a peça cm cia própria, ao vir em meu so-ave me encontro. Pouco a pou- corro, eslava chorando. . .co. a melodia enche a sala. ondii- Oh, Strauss ! Por que, sendohi no "ar,

e penetra minha alma. eterna a magia da tua música,entra feio meu coração. Sinto não fizeste eterno o sonha no co-

que ludo valsa, lentamente, em ração dos namorados'...turno de mim, Os moveis e ascortinas, os tapeies e os quadros,tudo sr inove, no ritmo embria-uador da valsa imortal. A ima-

gina cão tne toma nos braços,me leva para o passado. Vejo-tnc no Pará, no salão do Espor-te Clube, aos vinte t quatroatms, poeta e namorado, Minha

,,,¦¦ ¦ compor os títulos não compre-sofrer. Meditei sobre a ceguei- endera bem, na caligrafia com-ra que avança, e sobre a imobt- plicada de Ramalho Ortigão...lidade, qne se aproxima... F. £', assim, do "Pássaro e asuma lágrima subiu-me aos olhos. Penas" ou do "Pássaro e o Pre-

7 su?ito , que se vai tratar nestaI: um soluço me subiu a gar- crônica pois que ê sob esse ti-tulo que foram comentadas, um

ram, e outros soluços, e de tal dia, na imprensa, coisas quemodo que, ao fim de alqiins ins- aconteceram e coisas que hãolantes, minha mulher acorria. £e vir-,E esse "Pássaro" e essas

penas' e esse "presunto"

E eu, sem rei! eu, sem Deus! eu, sem ter damo!.^Nestas cruzadas, qual o cavaleiroQue não crê, que não serve, que não ama\j

Qual o templário que, a lidar, como eu,Maneja a lança pelo mundo inteiroSendo rebelde, misantropo, e ateu?

Onde é que passa, escudo à mão, na História, ]Cristão guerreiro, idolatras domando,Sem ter quem teça os seus troféus de glória?

Quem já viu, em que tempo, e em que lugar, ]Um heróoi cavaleiro batalhandoPelo simples prazer de batalhar?

Ninguém; que a terra nunca teve espadaDe quem, sem rei, sem Deus e sem amante,^Se expuzesse, feroz, nesta cruzada!

Ninguém; que nunca teve lança à mãoGuerreiro audaz, ou cavaleiro andante.Sem ter amor e sem religião!

Ninguém; que, em febre, nesta doida lida,De alma queimada numa ignota chama,Sou, miserável! o único na Vida

Que não crê, que não serve, que não ama!. .^

HUMBERTO DE CAMPOS" Danúbio compadecida, abraçando-me referem à minha humilde e aesvendaiores de mistérios to- alegre, o que eles me haviam

0 poeta e o prosadorHumberto de Campos abriu

todas as portas de ouro da Be-ic:a, como poeta e eomo prosa-d¦»-, a todas as almas. Não creioque, no Brasil, haja uma só qu-não tenha um estremecimentode coração à noticia de sua mor-te.

Pereira da Silva.

("O Cruzeiro", 15-12-93-.).

movidamenle e pedindo-me que obscura existência, sobre a qual mVram, na Academia, a minha prognosticado. Disseram -me,os professores persas Sana- pobre mi0 de antig0 operário, esses dois quirólogos, nessa oca-Khan e Jorge chacanan, fize- e leram nela algumas coisas sião, que eu não morreria na-ram ontem, tio ¦¦Malho', im- aesvanecedoras. Acostumado a quele ano de 1931. E eu estouportantes revelações. falar ãa vida alheia e ãa minha quasi certo de que_eles acerta-

Vai para dois anos, esses dois contei, em um pequeno artigo ram nessa previsão. Mas, eisque, há poucos dias, sucedeu

~*—*^—***^*—m*L-mmt^^^^^^^^^^^mmm^mmmt*^^^^^^^^^^^^* que ãe novo nos encontrasse*mos, e que o professor Sana-Khan e o seu irmão me tomas-sem a mão novamente, e des-cobrissem nela, como naqueletempo, anúncios ainda maisimprevistos e amáveis. —

Ainda este ano, — disse-me Sana-Khan, na presença depessoas que foram, na ocasião,fotografadas conosco, — aindaeste ano o senhor será chama-do a exercer um cargo públicode relevo; até 1936 obterá doisprêmios ou honrarias; de 1936a 1937 ocupará postos salien-tes na nova organização socialque então domi?iará o pais; ea 1937 ocupará postos salien-soes em literatura e politica,sob nova fase social.

B dinheiro ' — perguntei,timidamente, como quem co-nhece os seus compromissos dofim do mês. Terei, afinal, di-nheiro, coisa que nunca tive T

E Sana-Khan:Terá... Mas não muito...

Testemunhadas por «im reda-tor de "O Malho", que repro-

duziu esse episódio e esse diá-logo no seu semanário, identi-ficando-o com a fotografia, vouaguardar, tranqüilamente, asboas coisas prometidas: o em*-prego deste ano, as honrarias

de 1936, e as altas funções po-líticas de 1942. Receio, apenas,que me aconteça como aquelesujeito do apólogo árabe, aoqual uma quiromante anunciouque morreria em uma situaçãoelevada, e que morreu, de fato,muito alto, porque acabounuma forca...

Ajudando a divulgar esta*profecias, não se suponha, ta-davia, que eu pretenda fazerpropaganda da minha pessoa:quero, apenas, tomar por teste-munha de tão generosos pro-gnàsticos o maior número poi-sivel de pessoas. Se essas pro-fedas falharem, a quirologia êmais precária, como ciência- doque a Medicina. E se se cumpri-rem, curvemo-nos, todos, dian-te dela, porque, então, a coisa iséria mesmo.

O Destino acaba dt tomar,tm suma, graniu compromis-tot comigo. Vamot ver te, ato-ra, ate toma vergonha...

A PARASITA_E A PALMEIRA

§ — Diante do velho prédiosenhoria!, hoje transformado emcasa de cômodos, que se levan-ta no morro do Mundo Novo,em frente à janela do meu quar-fo, erguem-se ditas palmeiras es-guias, que agitam, lá no alto oseu penacho verde. A uma des-tas apegou-se unia parasita.- defolhas longas e finas, que, mari-nhando-lke pelo tronco, lhe alin-

giu a copa. A palmeira deve terum século. A parasita nào lem,talvez, vinte anos. A primei-subiu Só. A segunda, à cuslaalheia. E teem. hoje, a mesmaaltura.

Na vida dos homens, há, tam-bem, destinos assim...

Cdminho de Dâmdsco— Para Danrciwo'.'.~vf' E eu fui, no"noturno mistério,

Cavalgando um torcei, sem repouso nem tino...Ia vencer cristãos, batalhar pelo Império,Vil soldado do Amor, çenlurião do Destino.

Corri... A galopar pela treva infinita,Não olhava, em redor, o caminho trislonhouLevava a defender-me entre a gente malditaA couraça da Fé e o escudo do meu Sonho.

Alta noite, porem, baixa da altura um raio,Lspanta o meu corcel, que tropeça ferido.Eu me agito., a tremer, salto da sela-, e caio,Osculo o pá do chão... e me ergo redimido .

Fiquei cego... Bem sei que a ti devo esta morteVos meus olhos e és tu meu divino carrasco;Mas, vou, por tua mão, amando a minha sorte,Bendizendo, a cantar, a estrada de Damasco...

Humberto de Campos

iiiBi'4 IJH Hnl will u^^BdHl El111. 1H ¦;'r:l ^raii Kl! i^ifl Rffil ^ §£ifll ^HI^H

I ¦ R I Pi KÉ m''hm

KOITÍ DA POSSE DE HUMBERTO DI CAMPOS NA ACA DEMIA. O MOVO IMORTAL CERCADO DOS SEUS COHFRÃDES

Ls^ãsá^m^^ix^sj^^í^^^^-^^í^^^iim

.,,...._,,_.,, ,,,,„_,...,.,,, .,.,..„.!..«.,, lSl.. ,l.:MIU.í,l1,.l.ll.,.l,:J..,!.il,.)í!.!..«,v,_., .,,.!.......,. .^.,,,..,,,,.,,. ÇS-™^7nr.^~^r,-~- -„„_ .„¦ . ,,„-, ,-,.., ^^r^.-. ,

PAGINA 35fi — SUFLEMENTO LITERÁRIO D'A MANHA DOMINGO, 7/U/1M1

A MORTE DE UMSERINGUEIRO

(QUADRO AMAZÔNICO)

fi nas ilhas, no centro, alta noite. DeitadoEm palhas de bossú, num mísero casebre,Sem conforto, sem luz, sem uma alma a seu lado,Soluçando de sede e tremendo de febre,De um longe seringal da selva americana,Çue nem mesmo, sequer, um córrego percorre,E onde o voz que se erguer não tem resposta humana,— Um jovem seringueiro, empaludado, morre, ..

Tudo c triste em redor da barroca pequena.Apenas o trilar dos insetos na mata;A brisa; e um sapo-boi, que, na noite serenaBerra o angústia que o aflige, a paixão que o arrebata,Ao fitar uma estrela — uma quieta falenaDe ouro, que, do alto céu, no paul se retrata.

O jovem seringueiro, a arder de febre, escutaO barulho que, em roda, a Natureza espalha:Forfolham buritis; como em tímida luta,Doce, aflita, a bolir, a meter-se entre a palhaDo teto da barraca, e entre os ramos, a brisaEm segredo mumuro, e estremece, e farfalho,E .soluça, e se escapa; e entre as folhas desliza...

E ele, ardendo de febre, e em delírio, ouve tudo...Sente sede. Em redor, debalde a mão trementeBusca, inquieta, o apalpar, o pote antigo e rudo,Onde pensa encontrar a água que o dessedente.

E, apalpando, deitado, o canto da barraca,Com a mão grossa a tatear pelo soalho vazio,A um canto, junto à palha, a mão tremente estaca,E apalpa um pétreo objeto impassível e frio

Aos seus olhos, em luz, a alegria se eleva.E trozendo, a tremer, o pétreo corpo à vista-— Que ardente se derrama se apoga na treva —•Põe-no junto do olhar. . . Na ilusão da conquista,Busca levá-lo ao lábio; e sorrindo de gozo,Na ânsia louca de febre do lábio descerradoLeva-o, morde-o chorando, e, convulso, sequioso,Com mais "febre a tremer, deixa-o cair ao lado.

E' um búsio. .. E o frio búsio, oo tombar, fico unidoA cabeça febril do caboclo, ficandoToda a concha sonora em frente ao seu ouvido.E o jovem seringueiro, em delírio, escutandoO secreto rumor do búsio, se debruçaMais sobre ele; e estremece, e abre os olhos, notandoQue, olí dentro, alguma alma, em silêncio, soluça.

E une-o, mais, junto oo ouvido. A secreta harmoniaQue ouve, fá-lo surpreso. Um clarão vogo e leveAclara-lhe a memória. E ele vê, na sombricNoite do seu delírio, o delírio que teve.

E recorda-se: — é o búsio. . . E ainda tremendo, tontoPela febre, da palha ao medroso farfalho,Recorda que com ele, às três horas em ponto.Chamava o companheiro ao insano trabalho.

Recorda, reconhece... A mente se lhe aclara:E' a concha que lhe lembra os dias em que, incerto.Viera do alto sertão — o búsio que encontraraQuando a primeira vez vira as ondas de perto.

Põe-no, então, junto ao lábio; e, soprando, sonora,A alma, no último esforço, a voar de fronde em fronde,Mondo, no som do búsio, a vibror mata em fora.. .tE, apenas, muito longe, o éco, triste, responde...

Leva-o de novo ao ouvido, e, de novo, delira...Delira e sonha. E ao som, aos rumores que sente.Aos rumores do búsio,e ao som daquela liraQue anda a rir e a chorar pela noite dormente,Voa, na asa do sonho, através da distância,A uma terra longínqua onde o céu é inclementeE onde olegre viveu sua primeira infância.

E ei-la à vista: E' o sertão omplo e ondulado, cheioDe serrotes azues e ompla várzea cinzenta:E' um fantástico mor petrificado em meioDe uma hora de cruel e indizivel tormenta.E, ao longe, um pouco alem de uma doce e pequenoPovoação sertaneja, onde o campo se acaba,Estendida, azulada, entre a névoa serena,A fechor o horizonte, ergue-se a Ibiapaba.

F nos fins do verão: tudo é plácido e feio.

Inundado de luz, tudo é quieto • tristonho.. .j

ElogiO do garofO — fiumberto de CamposA cidade' possue, desde on-

tem, um monumento consagra'do ao seu pequenino pardal hu-mano. E eu, que tenho, tantasvezes, escrito sobre essa curiosae simpática figurinha urbana,sinto cócegas 7ios dedos paraprestar-lhe, tambem, a minhahomenagem. Chego um poucotarde, é certo. Mas acontece-mesempre assim. Eu sou o pe-guês qne por último compra ojornal. E' razoável, portanto,que seja o último, tambem, a fa-zer o elogio de quem o vende.

Eu falei em pardal, e a com-paração é tão feliz que é bemprovável não seja minha. O par-dal é a mosca de penas da cida-áe. Nos morros e nas montanhas,a Natureza oferece-lhe ummundo de frondes e uni viveiroãe insetos. A vida, aí, scr-lhe-iafácil e áoce. Mas o pardal pro-cura a cidade, onde vive o ho-mem. Ao inseto da montanhae à semente da mata, colhidossem riscos, ele prefere o grão-zinho miúdo, o mosauito magroe nervoso apanhado entre aspedras da rua. Pula aqui, voaali. beliscando entre os parale-lepipedos, a sua vida é cortadaâc perigos, áe sustos, de amea-ças-, vm burro que passa com asua carroça, um transeunte quevai apressado, um menino aueregressa da escola, um auto-movei que vem buzinando, —tudo isso persegue o pardal. Aoanoitecer, é a luta pelo pouso, abatalha pela conquista do lugaronde dormir. As montanhas es-tão vestidas áe árvores enor-mes e os subúrbios se achamenfeitados de chácaras. Mas opardal prefere o oitizeiro da viapública. A noite ainda vem íon-ne, e ei-los. às centenas, aos mi-lhares, gritando, viando, voli-tavdo. numa disputa infantil eagitada, de crianças que brigampor causa ãe doces. A's rajadas

do vento da tarde, a fronde ba-louça. E a impressão que se temé que a árvore se acha todaamarrada de guizos, e que é ummanacá enorme e verde que ovento sacode, brincando comela. De vez em quando, a ven-tania arrebata uma folha. Masa folha vai mergulhar em ou-tra fronde. E' um pardal que semudou.

E o garoto, o pequenino ven-âcdor de Jornais do Rio de Ja-neiro, é cojho o pardal. Tem amesma vida, corre os mesmosriscos, espalha a mesma alegria.Durante o dia todo, voa ele ãebonde em bonde, tomando oveiculo em marcha, gritando assuas folhas, o pacote de jornaisãebaixo ão braço. Despeje océu. sobre a terra, a carga dd-gua dos temporais; lancem oshomens, pelas ruas, o flagelodas revoluções sanguinárias. Elá está o garoto atravessando acidade, sem temer as tempesta-des dos homens ou as tempesta-des de Deus. E quanta probt-dade entre eles ! E quanta bon-dade naqueles pequeninos cora-ções de pardal!

Vou contar um fato. Há emmxnha casa um sufeitinho denove anos, que tem o meu san-çue e o meu nome. Em maio doano passado, ainda com oitoanos. achando-se internado noColégio Batista, na Tijuco, à ruaJosé Higino, formigaram-lhe nacabecinha tonta as mesmasidéias que puseram fora ãe casa,e soltaram no mundo largo,ainda na infância, seu avô e seupai. E o sr. Humberto de Cam-pos Filho, sozinho, sem um boi-so na calça e sem um níquel namõo, ao cair âa noite, fugiu ãocolégio. Desceu o morro ondefica o tnternato, percorreu arua José Higino, penetrou naConde de Bonfim, e, mais porpalpite do que pelo conhecimen-

Não se vê cintilar um só açude cheio:Tudo o sol reduziu a este quadro de sonho...

E eis o inverno, afinal!. .. Pelos campos macios,Tudo mostra o esplendor das eternas farturas:A cantar no correr dos riachos vodios,A sorrir no verdor das espigas maduras.

Pelo campo sem fim a visto erra e se perde,E' quando o Ceará pelo céu se não troco:O sertão ondulado é um largo oceano verdeDo pé da Serra Grande ao pé da Meruóca.

E vê tudo. .. A tremer, entre o verde infinito,E entre a névoa que ao sol se dissipa e esvoaça,Revê tudo o que viu; a Sant'Ana, o Mosquito,A Lapa, o Pocujá e a igrejinho do Graça. ..

E, entre o mato, a correr, bulhentos e sombrios,Sobre o dorso a levar largos flóculos brancos.Descem, turvos, roncando, os riochos e os rios,Com linguas de água escura a lamber os barrancas.

Olha: conhece-os bem: é o Joibora que ronca,E, no inverno, a espumar, desce da Ibiapaba.E' o outro Aracau', que com ele se entroncaBra me aqui o Jatobá; canta adiante o Ipuçabo...

O verde carnaubal bate os leques à brisa...Tudo vibra em redor pelo campo empostado:Ao sereno rumor dum riacho que deslizaHá balidos de ovelha e mugidos de gado...

E, ao barulho da concha, o farfalho dos matasOuve em festos; o olhar toda a distância vence:E no ouvido, e no olhar, sente em coricias gratasTodo o imenso esplendor da terra cearense...

De repente, porem, tudo fugir parece.Fria, a noite, em redor, entre as palhas, suspira.E o jovem seringueiro, em delírio, estremece...Deixa o búsio cair... treme de novo... e expiro...

Depois... volta a quietude à barroca pequena.Apenas o trilar dos insetos na mata;E a brisa; e o sapo-boi, que, na noite sereno,Berra a angústia que o aflige, a paixão que o arrebata,A fitar uma estrela — uma quieta falenaDe ouro, que do alto céu, no paul se rettato...

Humberto de Campos

to do caminho, bateu, em mar-cha forçada, para a praça SaemPena. A familia morava no lminoposto da cidade, nos limites iioFlamengo com Botafogo, c elequeria faser, a pé, esse percur-so, cuja distância a ma imagi-nação não avaliava. Seria ma-gem, talvez, para três dias ,eDeus lhe ajudasse o calcanharMas, o sr. Humberto de CamposFilho não pensou, absolutamcn-te, nisso. Pôs a cara no vento cmeteu o Pé no mundo.

Chegado à praça Saens Penaprocurou orientar-se. Em fren-te a um cinema, alguns pegue-nos vendedores de jornais dis.cutiam, carregados com as jo-lhas da tarde. Dirigiu-se a nmdeles -.

Você pode me ensinar varaque lado fica a cidade ?Para aquele lado, — infor-mou um. — Você toma aquelebonde que vem acolá.

Mas, eu nâo quero ir nabonde; eu quero ir a pé, — cs-clareceu meu filho.

O urupo cercou-o.A pé?

O sr. Humberto ie CamposFilho improvisou, com os seusoito anos, uma daquelas menti-ras que o pai só aprendeu a con-tar depois dos trinta. Disse-lhesque havia ido a uma visita naTijuca. e, acabado o dinheiro,tinha ie voltar a pé até o cen-tro, c de Ir, dai, para o Fia-mengo.

Vá a bonde. — «coiisel/ion

Eu nío tenho rfin7ie.ro.A ciente arranja ! — der In-

rou ou tro.Três ou quatro assobios cor-

taram a praça. Quatro ou cincovultos miúdos atravessaram -nn,correndo. Trocaram idéias. FUteram uma coleta, em que reu-níram sciscentos réis. ET cincominutos depois, o míuríissimo sr.Humberto de Campos Filho erametido no bonde, com 6 níqueisna mão, pelos seus pequenosamigos da praça Saem Peíia, osquais, sem o terem visto jamais,lhe pagaram a passagem até acasa, no Flamengo f

Será preciso dizer mais paramostrar o que há, em alma eco-ração, nesses pequeninos heróisaue encontramos a cada insta»-te no estribo dos bondes, ou cor-rendo pelas ruas atrás dc umfreguês, que passou num óm-bus. para vender um jornal de,tostão, e na venda ão qual vãoganhar, às vezes, menos ãe vmvintém ?

No dia da inauguração dnmonumento, remeti à "Noite*cinqüenta mil réis, destinados,por seu intermédio, aos peque-nos vendeiores de jornais tiapraça Saem Pena. Eram o pn-gamento, com atrazo de umano, da divida de meu filho.

Para pagamento dos juros.mandei-lhes, ninda, o meu co-reçfio.

9m"y «Aiuiiipi i

IIÉk ÉHfct«. <«3^B

HUMBERTO DE CAMPOS, em íí»tardio i» acadêmico

¦ÉNtíAÉSaá.-*._ __ _ -»- i_i__.._:'_-r,i.;;v-:-, ^¦.;'\7:^tv;;;,J r,, .... __.f.,._.<¦__..£...5.1..... ¦.-;;¦/-_

ailPI.KMIKTO LITKRaUUO D-A MANHA — PACfMA MIDOMINGO. T/U/1M1

Correspondência de escritores

CARTA DE HUMBERTO DE CAMPOS A JOÃO RIBEIRO'•..«•»! *m..ai n.. 9>i> TfUw^,,

S«« t«>j!u; ««*..

U,

*~ ~w-a. «v^,»^. A ^m^uuu— ^^^ ^ v_.;

•ASSaa/Av»-

W/* ,*** 4AALV- •A^/fcwJÍ «MA. «Aleija -. *Ua*v*. Cour^c^,. tJ£<A-*

«U~«^, 1mV *^a^.i y**--ii, «**/*m~v». ^ t^^^^uv, v^fo"*»* -q<V»xt* Tvw^sA* - fr**A-°- VJAvanAAK , MAA^lAavaAA. , W -ajaA_,Av<-ta. -^^j.

*•** , T-""» l->* nAA^Kt»<it r, tvw^lLt W-ÜfeJb-o™,*^»*- ,

av*., «víü*. V^»>J« , ^ntn^K, «llaaa»*. fUaa^aaau,, ^4 tat*v*u-» «tw^»/a~»l!*A~l»A/l.-. JI \*i

flKrv****, % atf« -^f* e AWVW -«JÍA^AlAAXüti «. )«4/Lt/V««/« *A/*/l4a1 -^Ma^lAAI. tA/v^ft/*^ „

j^^kMa*-^»». Iki. r*^ t -w^vw/**-» Ai^a^aaa*a«« «la» *«•«• • MA*L^o-i*y\*i "-^vw»,

4*4. -tai^uo> -**». ^hUy • ^*aa*a* .^aaAv^* J-%^ aiaaa. c«*AjA-»v-o»^*xk*a . 9a "^

lAsAjtsMtltM .dUatAr* *«• **»* |>lAAA*A* * -\£A*^A«*fcA-»AíV« — /UaaAÍv ^«\Mv -J* IrVitAj

ft*^4tvwA^A^A«MJ|« MtLatA*. Ãl^vAn^U -•. 4V\^^M-wVÍ« ^'JU* Aa**a-w*w* ««t^ovI^Vu.»**^ a*^*

**« Va • *•• Wm^ 4^A>7tMAWuxt> aam»*^ « CivvwfuivtMvMri ^v* ¦*w<*»4'»» •*

(4

^HA|I «Wk. UVA .t 4w*» * AMsUVS. (t*MM^»W • • AAtfAfc <A^V\A^, U **-

-l* «aaaaa^aaal», 'V* *~*". /*¦ ^~"^X-"

>|-SaA«a^UwK •»¦ Cuua»^**»,

"iJ^tt.

Meu ilustre Mestre Dr. João Ribeiro.Esta carta eu devia tel-a èscripto ha tres ou quatro dia»,

preoccupações de familia demoraram, porem, o cumprimentod'esse dever ãa minha gratidão, que é levado a effeito com al-gum atraso, mas, não, de todo, fóra de tempo.

Era deliberação minha, de ha muito tomada, não alludtr,Jamais, ao seu nome illustre, de modo que não fosse em absolutorespeitoso, evitando a interpretação errônea de qualquer pilhériainoffensiva. O seu telegramma ao Macedo, sobre a minha candi-âatura á Academia de Letras, transformou esse dever do meu 'espirito em dever do meu coração, escravisando ao homem pelabondade, quem já era escravo do escriptor, pela sua gloria. Quar-ia-feira ultima, entretanto, fui abalado por «mo surpresa dzsa-gradavel: uma pilhéria do "D. Quixote". em aue se fava refe-renda à sua pessoa.

Eu sou, no "D. Quixote", como se sabe, simples collabo-adcr. Te-nho, alli, hoje, apenas uma pagina, que escrevo semanalmente. Aidéa, porém, de que o meu distineto e generoso mestre pudesseemprestar-me qualquer co-participação na pilhéria ou o eonhe-cimento antecipado do que ella contêm, muito me contrariou,aconselhando-me esta carta, com estas explicações.

Eu só vejo o "D. Quixote'* depois que ele vem á rua. Como,porem, nãn dezejo auxiliar um jornal que me pode comprometer,porticipo-lhe que o referido semanário não o magoará mais, sobJiena de perder o mais antiao dos seus coUaboradores. Já tf-tlsciencia disso ao seu gerente e proprietário — sendo prova dovieu entendimento nesse sentido a susnensão da minha collnho-ração na folha da semana vindoura. Se aparecer alguma cottn-loração na página que eu mantive, por mais de um anno, será deoutra penna, ou com matéria atrazada. Sô agora, depois desse en-tendimento, voltarei a escrever — até o dia em que o "D. Qui-xote" mantiver o compromisso que acaba de tomar commtgo, emrelação ao seu nome.

Peço-lhe que receba esta explicação como a exvresaâo doavreço em eme o têm o meu coração e o meu espirito, e comodemonstração da magua. que tenho, de haveUo melindrado al-giim dia, em alguma l"„>r.~*r,** on arrebatamenta

Do seu muito sincero

HUMBERTO DE CAMPOS.

Um<3 cdrtâ de Silvd Rdmosâ Humberto de Campos

S. Clemente 508.Bio, 3 — 2 — 1919.Prezado confrade Humberto

de Campos, — Deliciei-me sa-boreando as louras espigas "DaSeara de Booz", Há as pican-tes, dulçorosas, amargas; cho-chás e insossas é que não hánenhuma; estas refuga-as aarte, por não poder utilizá-las,como hipnótico, à competênciacom as dormídeiras e papoulas.— Alegrou-me a defesa que seme depara naquela pagina "AAcademia", de Um modo de verque tenho procurado insinuarno ânimo dos moços literatos,principalmente entre os de mé-rito real. De fato, que necesst~tam rapazes de valor intele-ctual de se condecorar com otítulo de acadêmicos para se-rem lidos, estimados e admira-dos das turbas ? Por outra par-te, o ser excluído de um grêmiode numero limitado ãe mem-bros pode nunca ser prova denue os que ficam de fora vi-lham menos do que os que alise amesenãaram? Mormentequando se lhes exige, no ádíto,como espórtula lançada no gá-zofüãcio da Glória, qualquercoisa como dois contos de réis.custo da farda, quantia mae-cessivel a poetas que se pre-zam ? Demais, aves canoras nâoserá sempre tncomparttvelmen-te superior o número das quedivagam livres, pela floresta, aodas oue se deixam prender emgaiolas » Que Os escritores mo-ços trocem as Academiasacho-o muito natural: nem osvelhos Acadêmicos podem ter apretensão de exigir que os ra-vazes hajam de ter àqueles ins-titutos um respeito que eles pró-nrlos não tiveram eis Arcddiasde que sempre mofaram. Petasua parte, as Academias bensandarão se acolherem de pre-lerência os candidatos que to-rem convizivhando da velhice,porque sendo aquelas nobresinstituições uma espécie de se-nado das letras, ninguém dirámie, para a senatória não sejatítulo valioso a senectude. —Na crônica "Sob o cavalo dePedro", leiq: "Eu não atino comos altos motivos que levam doisou tres Acadêmicos ile culturaa se baterem pela adoção aqui

da ortografia oficial adotadaem Portugal, quando possuímoselementos para faser adotar ali,amanhã, a reforma que, poi-ventura, adotássemos no Bra-sil." — como, cultura a parte,sou um dos Acadêmicos que sebateram pela adoção da arto-grafia oficial portuguesa, ten-do tido a honra ãe formular orespectivo parecer, pensei emlhe contentar a curiosidade,expondo-lhe as ra?ô?s queatuaram no espirito dos que vo-taram, em sessão de ll de no-vembro de 1915, a eliminaçãodas divergneias ainda existen-tes àquela data entre a orto-grafia da Academia Brasileirae a oficial portuguesa; nâo ofaço, todavia, por considerarnue infligir-lhe a leitura de tãolongo arrazoado seria castigodesproporcionado ao pecadilhode umas leves ironias. Além deque, sendo o seu bem inten-cionado artiqo elaborado no anode 1916, dele sô haveria oueaproveitar o pitoresco findio,estátua do imperador, etc) sem.pre atraente no escrito da sualavra, nada se lhe podendo uti-lizar da doutrina, por tardio.— Não houve subserviência donosso Instituto ao governo por-tuguês; o que honv. loi nm atode reverèn&a aos grandes mel-tos dà filologia que constuiràma comissão por este nemeeda, eque os Acadêmicos de cultvraIvara me servir da sua expr«s-são) não pod'am ignorar. — Bn-tretanto; para lhe serenar oânimo, no tocante ao que se lhefigura humfhação do brasil-*'-ro à arrogância do português,simbolizada nos índios da está-tua de Pedro./. vou referfr-lheum tato que, por deficiência dedivulgação na nossa imprensa,talvez nâo houvsse chegado aoseu conhecimento: a Academiade Ciências de ti"hoa sobre.ttt-vera na adoção ii ortoarafiaoficial portuguesa e nomearauma comissão de competentesencarregada de a rever: afimde que aquela alta comporaeâore pudesse pronunciar a respei-to-, logo, porem, que teve eo.nhecimento de que a AcademiaBrasileira, aceitara, sem restrt-Soei, aquela grafia, declarem

(Continua na página seçutnts)

;,.'i-y^

^BPWWW» Ulil Ul. I|,l« .p.|[--y-^^^.|,ll| IL. NI ..." .JU "a .1 I. IU.. SS ,S,s ., ..«,,_ i.,..»,,,,,.,.,a., .,, v, ...a,,,,,,.,.,^,^,^^

PAGINA 358 — SUPLEMENTO LITERÁRIO D'.\ MANHA DOMINGO, T/U/1M1

Dois diálogos de Humberto de CamposA ILUSÃO DE FILC.0BITO

Apôs a sessão semanal dasquintas-feiras, os dois acaae-viicos vêem -mia Avenida dasNações, um ao lado do ou-tro, caminhando vagarosamente,Teem mais ou menos a mesmaidade, quarenta avós; vias omais moço, parece mais velho doque o companheiro. FILòCRl-TO, envelhecido precocemente,é púllújo e esguio, veste-se semupuro, e o vulto ss lhe curva lãem cima como as palmeirasfrágeis batidas do vento. DE-MOFILO è de estatura mediana,sólido e elegante. Traja comdistinção e atenta mais para apoeira do seu fato do que paraos solecismos da sua prosa, saovelhos amigos, e conversamcom franqueza. A c-ãaáe, e omar, e as montanhas, são tu-do uma festa âe luz que o sol,escondido no ocidente, espalhasobre as coisas, colorindo-ascomo um pintor que molhasseos pincéis em diamantes, rubis,turquesas, topásios, sátiras eesmeraldas diluídos.

FILOCRITO — Recebi o teu li-Tro, c li-o em duas horas. Ao ter-miná-lo, pirem, fiz a mim mesmoa pergunta que agora te faço: porHue tscreves volumes tão magros?

H3MÓPJLO — Na substância?FUjOORITO — Menos na subs-

tância do que no corpo. Os teus li-vros não teem, senão raramente,mais de uma e mela centenas depáginas, das quais um terço embranco e as restantes em tipo gros-«o, entrelinhado. Certo, não te fal-tam idéias, porque publicas três ouquatro por ano. Mas isso denunciaem U mais a volúpia da publicidadedo que propriamente o gosto deproduzir.

DEMÓFILO — Contestar a tuaBupOEição seria mentir a ti e a mimmesmo, Filócrito. E tu sabes queeu. diante de tl tenho a paixão deEpaminondas: não minto. Na rea-lidade, nós ambos interpretamosdiferentemente o exercício das le-tran. Tu vês na literatura um fim;eu a considero um melo. Tu modis a tua moeidade em holocausto.sac rife ando-te a ela; eu ponho-a ameu serviço, ao serviço da minhaambição mundana, considerando-aum simples e elegante ornamentoda vida.

FILOCRITO — Eu trabalho com• «snsamento na glória.DEMÓFILO — Eu rom o pensa-m-nto na popularidade e nas ale-asgriaj; imediatas que ela oferece.

FILOCRITO — Plantas couve,paia o prato de hoje.

DEMÓFILO — Tu plantas carva-lhos para a sombra de amanhã. Masde que te servem os carvalhos queplantas, se a tua carne cansadanão sentirá a doçura da sua som-bra, e se esta só se estendera su-bre um punhado de poe.ra insen-íivel, em que *se terão desfeito osteus ossos?

ÍTLÕCRITO — A obra que euVou deixar aos homens far-me-áeterno na memória deles.

DEMÓFILO — E eu não troco aeternidade da glória de um mortopor um dia de triunfo de um vivo.Eu sei que, enquanto eu vou ás fes-tas, às recepções, e tomo o meuchá das cinco horas, ou passo numeu alfaiate, ou mergulho no meubanho de mar, ao contacto da na-tureza e da vida, tu te quedas, cur-vado e triste, no teu gabinete deestudo. Sei que sacrificas a ale-gria das exibições mundanas, e evi-tas mesmo comparecer à Academia,recusando o melhor prêmio asse-

Uma perda imensaUma perda imensa para o

Brasil.Estas palomas banais adqui-

¦ tem hoje uma expressão pro-funda. Humberto dc Campos cmorto. Calou-se no estridor dcverão a voz poderosa 4o coraçãoda cidade. Murchou na luzabundante o raio colorido- dotrópico. Secou a fonte de ond<corria diariamente a lágrima davida. O pássaro ferido caiu doárvore sonora onde cantava atua dor sem remédio.

Não mais a manhã sr nosanuncia nos jornais com a espé-Ctativa de uma nova ária soluçada em todos os tons, pelo mágicorealizador do sonho cotidiano.O dia se fez noite. O Brasil êmenos grande. Humberto deCampos é morto.

GILBERTO AMADO

("O Cruzeiro*', 15-12-934).

gurado pela nossa precária imorta-lidade, e que é esse de vestir ofardão diante de mulheres bonitas— unicamente para íícares emcompanhia dos mortos, na tua me-sa de trabalho e meditação. E's ummorto antes que a morte te leve.Os sábios conhecem o teu nome,mas as mulheres e os jornais co-nhecem o meu. À tua passagem,tens os olhares de admiração oude inveja dos velhos estudiosos, en-venenados como tu por esse "ópiodo ocidente" a que se referia Ana-tole. Mas eu não troco essa admi-ração e essa inveja pelo sorriso dasmulheres ignorantes, mas formosas,que me conhecem. Eu faço da vi-da o uso a que Deus a destinou:gozo-a, desfruto-a, aplico-a jovial-mente. E as letras não são, nela,senão a capaínha que se põe aporta dos cinemas: chamam aatenção sobre mim.

FILOCRITO — Em compensa-ção, vinte anos depois da tua mor-te, ninguém mais se lembrará deti. Os homens de pensamento nàoirão em romaria ao teu túmulonem as crianças das escolas terãoo teu nome na memória.

DEMÓFILO — E que perco eucom isso? Que prazer sentiu Inèsde Castro ao ter sobre a caveira acoroa da rainha? Pois a glória nãoé coisa diferente. E eu prefiro per-manecer, vivo. de pé, meia hora naAvenida Central, a ficar sentadoum século cm estátua, como Joséde Alencar, em frente ao Hotel dosEstrangeiros.

FILOCRITO — A vida é passa-geira. A glória é eterna, na relati-vidade das coisas. A agora, emAtenas, rumorejava de elegantes,homens füteis e opulentos vest.doude púrpura, vindos do Oriente e doOcidente, e admirados pelas mu-lheres. A posteridade esqueceu-os;mas Platão vive ainda na memóriados séculos.

DEMÓFILO — Não ignoras quePlatão era rico, e um pouco siba-rita. Mas, mesmo assim, quem tediz que. v.ndo ao mundo, de novo,com a lembrança da .sua existên-cia passada, Platão náo preferiria osorriso transitório das mulheres dsAtenas à admiração dos homensde todos os tempos?

FILÓCRITO — A glória inutilizao esforço da morte, porque perpe-túa a vida, tornando duradouros onome e a lembrança do homem

DEMÓFILO — A glória desfigu-ra o destino da vida, porque matao homem dentro desta, inutilizan-do-o para o prazer, para a alegriade viver, como te matou a ti, coma idéia vã da perpetuação do teunome na morte.

FILÓCRITO — E a volúpia decriar? Não te lembras ria frase deYthier: "O que os medíocres maisinvejam nos criadores não é o su-cesso: é a velúpia de criar?" A vo-lúpia de criar paga o sacrifício üavida.

DEMÓFILO — E' ilusão tua edele. Que é a criação literária? E'a imitação da vida. E si sc tem d.3dar a vida pela imitação dela me-lhor e viver a vida que se tem.Nâo te recordas daquela passagemde "Bel-Ami", de Maupassant,quando Duroy e Norbert de Varen-nes regressam alta noite da reeep-ção de Madame Waltcr? "A gló-ria? De que serve a glória, — ex-clama o velho poeta glorioso — deque serve a glória quando se a nãopode mais colher sob a forma deamor?" A glória não é um luxopara spr cw. '¦> - da vida: deve ser a moeda paratornar a viaa n*-!.; a^v_ .. _..

FILÓCRITO — E's um egoísta.Sacrificas ao teu prazer transito-rio o bem que poderias fazer, como teu exemplo e o esplendor donome^ às gerações futuras. A vidanos foi concedida como um capitalque se empresta a alguém para queo faça multiplicar. E essa multipll-cação é a dilatação da vida namorte.é a dilatação da vida na morte.

DEMÓFILO — A* custa da dila-tação da morte, na vida? Náo!Deus não criou o homem para seucolaborador. Se ele ¦ o quizesseeterno, te-lo-ia feito imortal. Aglória é um processo artificial dsludibriar a criação. Mas a nature-za e Deus punem severamente essavaidade: o homem torna-se empoeira, e o seu nome em olvido.

FILÓCRITO — As tuas teoriasmatam no homem as ambições no-bres e generosas. Se todos pensas-sem como tu, os povos não teriampatrimônios de nomes e de idéias.Na floresta humana é como no rei-no vegetal: há árvores de frutose madeiras de construção. Tu ésárvore de fruto; es precioso en-quanto vivo, e produzes. Morto,serás tornado em cinza. Eu, não.Não dou fruto em vida, mas de-pois de morto, serei a qullha dcum barco ou o esteio de um edifi-cio. E' de material duradouro que5? íõa a Civilização.

DEMÓFILO — E que prazer sen-te o madeiro abatido em ser aquilha de um barco ou o esteio deum edifício?

FILOCRITO — Nenhum. Maeterá feito algum bem a outrem,na teíra. Auxiliou o progresso hu-mano e protegeu o homem contraas intempéries.

DEMÓFILO — A Glória, nessecaso. é apenas renúni.a o abne-gação. E estás em contradição con-tigo mesmo, nessa conclusão, poisque, ainda há pouco, me fala-vasno renome depois da irt&rte, consi-derando-o o prêmio do esforço emvida. De qualquer maneira, eupenso que é preciso utilizar o ins-tante que passa como quem gastauma cédula que vai ser recolhida,e que ficará perdida se a não gas-tamos no momento em que os deu-ses no-la entregam. E eu gasto aminha cédula em coisas futeis, co-mo dizes, mas que me dão prazer.Tu, não; tu és um usurário quecompras com a tua um objeto stmutilidade imediata, e que só iráservir aos teus herdeiros, isto é, aposteridade, que não saberá, talvez.o que ele te custou em rnúncia esacrifício.

(Nesse momento chegam os doisdiante da Biblioteca Nacional. Es-taram na base da escadaria).

DEMÓFILO — Ficas?FILOCRITO — Fico. Vou Ia-

zer uma consulta e conferir urr.epígrama de Arquias. que foi malinterpretado por Cícero. E tu?

DEMÓFILO — Vou a uma per-fumaria adquirir, com cs cem milréis do "jeton", um vidro de per-fume para uma linda criatura queestá esperando por ele e por mim.

FILÓCRITO — Adeus, então,príncipe da Futilidade!

DEMÓFILO — Adeus! Até quin-ta-feira. ("Num gesto alegre, paran outre. que sob: a eFCí.daria").Adeus, verme; va-i come* os leusmortos!

A SABEDORIA DE ANAXA-GORAS

LACTANCIO — Louvados sejamos deuses, Mestre!

ANAXAGORAS — E louvores ati, canteiro de ilusões! Que noll-cias trazes do mundo à furna des-te eremita?

LACTANCIO — A de que os deu-ses se lembraram dos homens, t-que estes se mostram felizes, e osabençoam.

ANAXAOOIIAS — Achas tu.ssacaso, que os deuses, na vtrdad:-,exisiem, e, se existem, que eles sepreocupam com os homens?

LACTANCIO — E por que nãoEles é que promovem a felicidadehumana, dando o ritmo às socie-dades e aos séculos.

ANAXAGORAS — Soubeste, por-ventura, de algum período da His-tória em que a Humanidade sesentisse perfeitamente satisfeitacom o seu destino?

LACTANCIO -- Os eregos vi-viam felizes com as suas leis e comos homens que os governavam.

ANAXAGORAS — Onde lesteIsso? Os modernos invocam sempreo Pur-.f-.ado para humilhar o Presen-te, esquecidos que esse Passadoquando era Presente, fazia o mes-mo, invocando outro Passado. He-rodoto e Aristóteles dir-te-ão, po-rem, como os gregos se lamentamdos governos que teem e do séculoem que vivem. Se eles fossem fêli-zes, Platão não idearia a sua Re-pública; limitar-se-ii a fazer His-tória, reproduzindo o que via, e nãoo que imaginava.

LACTANCIO — Achas, então,que o destino do homem é sçr in-feliz...

ANAXAGORAS — O destino dohomem não é ser, é considerar-seInfeliz, e isso provem da ignorân-cia do seu lugar no Univer,so. Eledesconhece a lei da relatividade,aplicada a si mesmo, e supõe-seuma causa, quando é apenas umefeito. Ele se imagina o centro doUniverso e acredita que se gover-na a si próprio, quando é, nos seusmenores atos, simples Instrumentode forças de que sente o prestigio,e cujas origens ignora. Acredita110 livre arbítrio, 1 assenta todotum sistema ssobre essa hipótese.

LACTANCIO — Vollaste a Teo-logia?

ANAXAGORAS — Não; conser-vo-me dentro da ciência, isto é,daquilo que eu suponho a intuiçãoda verdade.

LACTANCIO — Tens, então, jauma nova concepção do mundo eda vida humana?

ANAXAGORAS — Tenho-a, eformulci-a com o auxilio do maisamável dos filósofos. Conheces,certamente, o "Jardim de Epí-curo", em que nosso mestre Ana-tolo espalha os pedaços do seu es-

¦¦¦' -ii,H ^HB iJ% ^VsmS i^EüSE

HsHSnK i íw Hl Blvi-isOH^Vâ

HUMBERTO DE CAMPOS quando, em uma sua excursão política «oMaranhão, em companhia do sr. Maparhãn<> *" Almeida, que era então

governador daquele Estado.

Correspondência de escritores(Continuação da página anterior)

prescindir, em honra ao nossoInstituto, de qualquer outra in-formação, e usar de igual pro-cedimento. — Humberto, quepossúe a visão nítida das per-sonagens e da movimentação,apreende bem a cena: ambien-te austero sob a cúpula, a con-trastar com as fisionomias aco-lhedoras, vênia dc cá para lá,vênia de lá para cá, e passamosiodos, âe ora cm diante, a es-crever oom as mesmas letrasrNada mais sirnples. — Humilha-'ção, como vê, não a houve paraquem quer que fosse nes ain-da para os sinais gregos e le-trás geminaãas, si se atender a$ue eles não foram banidoscom ignomínia, uma vez quecontinuam a figurar nos do-cumentos antigos, mas simples-mente aposentados, entre ou-trás razões, por se haveremtornado incompatíveis, por pe-saâos, com • leveza das crõni-cas hodiernas, como as sabemguizar o Mtcrómegas e tantosoutros rapazes de talento quepor aí jornalizam. — E aindaos ingratos nos vêm fazer car-ga pelo gesto... oh ! — Tempor habito Medeiros e Albu-querque meter à hulha o rela-tor do parecer definitivo, à con-ta de se haver criado cm Por-tugal, onde a dureza do falarlusitano lhe embotou o ouvido,tornando-o rebelde à pronún-cia brasileira. Ele assim será;

mas o que o crítico dicas ain-da não apontou até agora, nemqualquer dos adversários da rc-forma, apesar do repto que lheslancei em carta a Alfredo Go-mes, publicada em "A Noite"de 2 de fevereiro de 1916, foi umúnico vocábulo que, gra/ado,como determina o "Vocabiilá-rio Ortográfico e Remissivo daLingua Portuguesa", contrarieou siquer melindre a ortoèpiado Brasil. E é quanto basta. _Rematarei, pedindo-lhe que nüodeixe nunca de nos alegrar comas suas crônicas, a todos os queprezamos a boa linguagem eque preferimos, por tempera-mento, os escritores que vosdesnudam o lado faceto iasvida, velanâo-nos piedosamen-te a feição lacrimante das roí-sas de que fala o poeta. — Mui-tos rne falavam da sua (/raranativa, que acabo de ver co?? fir-mada na leitura da sua obra,por cuia mercê lhe eston reco-nhecião, mas, não se iluda, mrnamigo, A proporção qvc miaqual se fôr sentindo envolv:(tona sua sátira, passará, seguin-do as boas normas da cr';'i-aindígena, a lhe não achai gra-" ça nenhuma e a contestar-lheaté à mínima parcela dc talcn-to. Por mim, ao abrigo da mi-.nha obscuridade, creio poderafiançar-lhe que serei sempre— Seu admirador c amigo

SILVA RAMOS.

pelho de mil reflexos.Pois, bem; liaali esta página, em que ele se re-fere ao lugar do Homem no con-junto da Criação: "E' possível queestes milhões de sóis, juntos a bi-lhôcs de outros que não vemos,não formem, todos, con.iuntamen-te, senão um glóbulo de sangue oude linía no corpo de um animal,de uín inseto imperceptível, en-cerrado em um mundo de que nãopodemos conceber a grandeza eque, entretanto, não seria, elemesmo, na proporção de outromundo, mais do que um simplesgrão de poeira''.LACTANCIO — Somos, então,simples micróbios inchados de or-gulho, que se imaginam o centroe a razão mesma do Universo?ANAXAGORAS — Precisamente.Cada grupo de seres que examina-mos biologicamente nos dão a im-pressão de que eles se consideramos reis da Criação. Cada ser vivoimagina um mundo a seu gosto tum Deus à sua imagem. Montes-quieu dizia, já. se os triângulospossuem um Deus, este, fatalmerj-te, terá três faces. E um filósofochinês, de Voltaire, afirma tersurpreendido uma palestra entredois grilos, um dos quais dizia aooutro que o palácio em que viviamhavia sido construído por um gri-Io enorme, pai de todos os grilou.Examinemos aquilo a que chama-mos a vida microbiana, a ativida-de dos infinitamente pequenos, everemos que ela se desenrrla tâoperfeita, ou tão imperfeita, comoa nossa. A existência humana eos seus fenômenos, os atos huma-nos com todas as suas aparênciasde inteligência, não são mais doque a reprodução do que se dáentre 05 seres que reputamos in-feriores e de que outros que, peloi-seu volume, escapam á nossa ob-servação. Nós somos, todos, nosnossrs menores atos, simples au-tômatos, vítimas de uma vontadeque desconhecemos, como a for-miga desconhece a altura do ho-mem que pisa o formigueiro ousopra o açucareiro no momentoem que ela o ataca. O pé que tíe-vasta o formigueiro representa odesabamento de um mundo e osopro humano uma tempestadedesencadeada.

LACTANCIO — A história nu-mana é, então, o produto de umareação química...

ANAXAGORAS — E por aluenão? Nós somos, todos, intru-mentos de forças que descei lu l-'-mos. Em nosso próprio org.UHs-mo temos, entretanto, a expre üãoda nossa vida e a punição cia nos-sa vaidade. Já acompanhas teclinicamente a invasão tie um or-ganismo por um- exército de i"T-mes malignos? Tomemos piraexemplo o caso da peste iU;-i;i,Se a pulga, portadora ordináriado micróbio, morde o indivíduo njbraço, os germes defensores vãoorganizar a resistência nas glãn-dulas axilares, travando combatecom o inimigo, impedindo-lhe apassagem para a infecção geral.Se a infecção se dá pela cabsça oupelo pé, a defesa faz-se na linhaestratégica do pescoço ou nas Ter-mópilas da região Inguinal. Ora,quem nos diz que os germes .tle-fensores do organismo, que reall-zam essa reação, não são consi.ie-radas, no mundo celular e baci**-riológico, grandes estratégicas,como Joffre, como Fcoh, comoHindemburgo, e não se cppsicíc-ram, também, a causa dá criaçãodo mundo? Toda a gente - conheceos calos que caracterizam. c-'- L;isenfermidades infecciosas, do que ctipo mais honesto a tuberculose.Que são esses calos? A ciência ex-plica-os: dada a invasão micro-biana, os germes invasores fixam-se em determinados pontos, for-mando colônias, equivalentes àque-Ias que os grego--, os fenícios e nsromanos fundavam nas orlas 0°Mediterrâneo. Os fagócitos con-gregam-se, e dão-lhe cerco, ítx-m-do elementos orgânica-;, levanta»-do trincheiras dc tecidos res^un-tes, afim de que o inimigo tt ní*°espraie pelas vizinhanças. Essamanobra entre eles não equiva-e-rá ao cerco de Tróia pelos conle-derades gregos ou ao de Sebinto-pol por franceses e infjlcs*:.'.'3 N ^haverá entre eles escaramuçahistóricas, e possivelmente um 11°-mero para celebrá-los em versj eum Jullo César para glorificâ-losem prosa? E,' sendo assim, não sc-reines nós, por nossa presunção.

(Continua ..,* páy*iiv, **•*,

**,wmm*T*r ' . ' * <sy*ssfspWp>w»T!ç.B

jjCí- ItONINOO, 7/lt/IMl -SUPLEMENTO UTMtAMO D'A MANHA — PAGINA Ml

A obtd de Xavier M(Trecho do discurso de saudação na Acddemia Brasileiro)

-.•-^m. .^.m. Goulart deârCjUeS Andrade

Oiin Manuel Antônio de Al-nusi.la e Inglez cie Souza, som-l.r.i- sagradas que iluminam olut;:»", que ora ocupais, consLt-tuis, sem dúvida, um dos po-dcri'bi>s fatores da unidade da

pátria, pois cada qual no seurtvatiio a exaltar as belezas daterra, dizendo tfahna bravia eei-iu-riisa da gente, soube pro-jiiHi na eternidade o corpo ts*

pUndido do Brasil bem amado.Ss Xavier Marques: -- é

pnrisivel que de vossos livrosii.iHfm-ui saia a pensar... Maso ipie asseguro é que deles niti-

guetn deixará de sair comovido.Prefiro assim; |>orque como

Vaiivcnargues. também prezomais um autor que exprime uniM» sentimento, do que oulro,sc mio dá uma coletânea túmidaíí»- -leusamentos imiteis.

A idéia primacial da vossaobra distinta [Xídcria ate se con-ter num só conceito de poeta:"I - mies les vraies et grandesaiiuiurs conduisent à Dieu".

1'orque sois, de fato, umcivnk-, pelo amor mesmo quevot.iis à terra natal.

K tanto estes sentimentos seconfundem, que nus vossos).r;i;i'iportes patrióticos e arrou,*.>s Hiísticos, nem atiriais quald*.".' i M.T colocada como domi-n»i is na: — se a Cruz ou se a[í.-üiíicira,

Mistrarei já a todos aqui, etaivi*/ a vós mesmo, surpreen-ciifio, esta postura de transver-bi.-rado, de ijueni se sente extá-tu*" acima do solo, diante des-5**A (jnis sigilos sublimes.

Vóle! O " Pindorama", tra-pi-dia da conquista, finda nestac* :n de exaltação-religiosa:

"¦'¦mio o sino de Ceuta, os

bronzes do Colégio vibravamno espaço, narrando a glóriade Jesus e do seu exército.

D. Fernào sentiu-se arreba-tar, c entrou. Uma visão doEterno lhe consolava os olhos:o lenho sagrado, soltando-se dasmãos do padre Loio, crescia e,subia, cercado de auréola rcful-gente, na luz do ocaso que ti-nlia então o rubor de uma au-rora.

— Prodígio divino!...A cruz subia sempre, domi-

nando torres e solares, acimadas cúpulas da floresta e daspalmeiras ondulosas que já nãorugiani a pocema hostil, maspareciam rezar um penitel sole-nc por sobre os verdores daterra conquistada".

li agora ouvi como remata t»drama da independência, à ho-

Opiniões sobreXavier Marques

De Aníbal Amorim.*

Com a morte de Machado deAssis, com a mudei prolongadade Aluizio de Azevedo, resta-nosXavier Marques. E' o únicogrande batalhador que aindavejo, na arena do romancebrasileiro, apesar da ausênciade estimulo, do descaso de um

público que ainda não está

preparado para as coisas doespírito, e que prefere uma ca-ricatura do "Malho" a uma pá-gina de bom romance.

ra em que a todo o pano a es-quadra adversa se sumia, mardentro:. "Desterramos das Mercês,batemo-lhes fogo até à barra.Dali aproamos ao forte de s.Marcelo, atracamos, saltamos ládentro com o capitão Botas.Os brasileiros, presos no forte,tinham feito uma bandeira, co-mo aquela... O capitão mau-dou içar a bandeira. Foi a pri-meira!... K fui eu, Pedro, íuieu, com estas mãos, que a leveiao tope do mastro. Oh! não teconto... Não tinha mais cor-da nem mastro, e eu contínua-va a içar, a içar... Não sabiamesmo onde queria pô-la. fc.

Nas nuvens?Não; mais alto ainda, don-

dc o mundo inteiro, à roda detios, pudesse vê-la..."

Não sei de páginas que re-velem melhor um espírito c umcoração.

Sr. Xavier Marques: já que|»ela magia da vossa evocaçãonos arrojastes a um ambientaheróico de façanhas e de mili-tança, permiti, a bem da unida-de do discurso, que, dirigindo-me a vós, use du uma ordem decomando.

Não é certamente a de "Des-

cansar", p.u<|ue. a rpiem sofreo mal divino da inteligência, Uicoisa não será concedida aqui,na Terra... Esles apenas des-cansam rf.»s/.» inunda, c parasempre.. .

Msis, dir-vns-ci, sio concluir,afim dc que cliegucis confiantee jubiluso para as comunica-

ções fraternas do nosso convi-vio, aquela nutra, de tão fran-ca c ls"i»i agradável significação:

À vontade!

-*/\*^trL\b l^JgK s»vss>f -*^^ ^Í^sS^ssBs^^^^ ^^m^LWJ^^m^S^^ 93"

Sa5a*\ liSaWaOl fSr *^^5

Safaa*\ if «fl m^r JEC^Í

A VIDA DO HOMEM(CONTO SERTANEJO) - Xavier Marques

D2»_is criou o homem edisse-lhe:

Voi, serás o senhor datorra e o animal superior.Grandes trabalhos e surprezast«? »?;peram mas de tudo triun-taras se fizeres da tua parte.A tua felicidade muito de-ponde do teu querer. Viverástrinta anos.

O homem ouviu e calou-se.Deus criou o burro e disse-

lhe:— Vais viver como escravo

do homem, conduzi-lo a ele eo rodos os fardos que puzer áscostas. Serás bastante dis-creto e paciente para supor-tar, alem da pesada carga, asprivações que te forem impôs-tas durante as viagens. Vive-rãs cinqüenta anos.

O burro meditou e respon-deu:

—¦ Escravidão, cargas, privações, e vívec cinqüentaanos... E' mujr0( Senhor;bostam-me trinta.

Deus criou o cão e disse-lhe:

—¦ Vais ser o companheirodo homem de quem guarda-rói, sempre alerta, a porto,servíndo-o com inteira obe-diència, ainda que não rece-

bas mais do que ossos paramatar a fome. Sofrerás açoi-tes, mas humilde e fiel, tensque lamber a mão que te cas-tiga. Viverás aos trinta anos.

O cão pensou e refugou:Vigiar dia e noite, sef

açoitado, padecer fome e vi-ver trinta anos. .. Não, Se-nhor; quero apenas dez.

Deus criou o macaco edisse-lhe:

Vai; o teu oficio é ale-

grar o homem. Saltando de

galho em galho ou atado aum cope, procurarás, imitan-do-lhe os gestos, arremedan-do-o, fazendo esgares, dissí-par-lhe a tristeza e entreter-lhe o bom humor. Viveráscinqüenta anos.

O macaco pestanejou e pe-diu:

Senhor, é demasiadopara tão indigno mister. Bas-ta-me viver trinta anos.

Tomando então a palavra,disse o homem:

—T Vinte anos que o burronão quiz, vinte que o cão en-

geitou, vinte qus o macaco re-cusa, dai-mos Senhor, quetrinta anos sâó muito poucospara o rei dos animais.

Toma-os, oceedeu o

Criador. Viverás os noventaanos, mas com uma condição:cumprirás em tua vida não sóo teu destino, mas também odo burro, o do cão e o do ma-caco.

E assim vive o homem.* Até os trinta, forte, cora-

jo», resistente, arrosta peri-gos e estorvos, luta com reso-lução, vence e domina: éhomem

Dos trinta aos cinqüentatem familia e trabalha semrepouso para sustentá-la. Criaos filhos, afadiga-se por educá-los, e garantir-lhes o futuro. Sobre ele se acumulamos encargos: é burro.

Dos cinqüenta aos setentaestá de sentinela à família.Dedicado e dócil, seu dever édefendê-la, mas nâo pode emtudo fazer valer a sua vonta-de. Contrariado, humilha-sec obedece.é cão.

Dos setenta aos noventa,sem força, curvo, trôpego, en-rugado, vegeta a um cantoinútil e ridículo. Foz rir coma sua gula, sua caduquice esua própria rabugem. Sabeque o nõo tomam a sério, masresigna-se e tem gosto em sero palhaço das crianças: émacaco.

XAVIER MARQUES

XAVIER MfíRQESFrancisco Xavier Mar-

quês, como é o seu nome to-cio, nasceu em Itaparica,em 3 de dezembro de 1861.Em sua cidade natal iniciouos estudos, fazendo o cursoprimário. Cedo se transferiupara a cidade do Salvador,matriculando-se no colégiodo cônego Francisco Bernar-Sino de Souza. Começou en-tão a fazer versos, que publi-cava no "Jornal de Notí-cias". Foi assim que se ini-ciou o seu período de jorna-lista, período que <se prolon-gou até 1920, quando* ele foieleito deputado federal.

Havia nele, porem, maisdo que um jornalista: umesseritor de vocação irresisti-vel. E Xavier Marques, aomesmo tempo que escreviaseus artigos, ia criando seuslivros. Sua estréia no roman-ce ocorreu com Boto ç Com-panhia, que depois apareceuem edição da Livraria LeiteRibeiro, com o titulo de OFeiticeiro. £5eguiu-se o idiüopraieiro de Jana e Joel, e,com a mesma inspiração,Maria Rosa, O Arpoador, ANoiva do Golfinho, Mariqui-ta, o Sargento Pedro. Maistarde, e já em diferentes ru-mos, vieram o Holocausto, aBoa Madrasta, Pindorama,As Voltas da Estrada. Vie-ram também a Cidade En-cantada e Terras Mortas, co-letãneas de contos. Livros deensaios críticos tem eleigualmente publicado, comoo seu estudo sobre Castro Al-ves, considerado por muitoscomo o melhor livro que pos-suimos sobre o poeta dos Es-cravos; a sua Arte de Escre-ver, delicioso compêndio depreceitos e conceitos sobre

o estilo e a composiçi-i lite-rária; as suas Letras; Acadè-micas, coleção de preciososestudos acerca de escritorese temas de cultura geral eespecialmente de cultura li-terária-

Xavier Marques tem ai-cançado vários prêmios erasua longa vida de escritor.Seu Sargento Pedro, apare-cido em 1910, obteve umprêmio da Academia Brasi-leira. Seu Pindorama, apa-recido em 1900, obteve uraprêmio do governo baiano.Ainda a Academia conferiu-lhe o mais alto dos seus prô-mios, quando o elegeu, em1919, para a vaga de Inglezde Souza, num pleito emque ele entrou sem concor-rentes, depois de ter sido, ai-guns anos antes, competi-dor de Euclides da Cunha.

Hoje, a situação de XavierMarques, na Baía, é a de umpatriarca literário, e ele alivive ceresado da considera-ção, do respeito, do amor detodos. As demonstraçõesmais claras lhe são dadas to-dos os dias nesse sentido. Amocidade baiana quis, hápouco tempo, prestar home-nagem a um dos vultos re»presentativos dtis letras, efoi o nome de Xavier Mar-quês que mereceu a eleição.Em sua honra realizou-se,então, uma formosa sessãono Liceu de Artes e Ofcios dacidade do Salvador. Quandoele publicou o Sargento Pe-dro, seus conterrâneos o ho-menagearam, oferecendo-lheuma coroa de louros.

Parte da obra de XavierMarques está traduzida paraoutros idiomas, como o ea-panhol, o francês e o inglês.

. -... .,,-.*.- ^.-^í. . ^.A^m-^CMT^àúid^im^^

^¦-^"¦•¦r-.yr. vi.:v.*f v.;-.<: S-"-^- -Yl - ¦>; ¦ - ,,."¦¦,,.;,¦¦-,.- „- -:if.;;.;¦,;¦¦¦«¦*:*;.¦¦,?¦¦¦ -- ,..¦¦'

¦ ¦ 7-v.v..--v • v.v- ,

PAGINA 3M> — Slll-I.EMENro LITERÁRIO D'A MANHA DOMINGO, VB/1MI ..

A POESIA DE XAVIER MARQUES(ALGUMAS PAGINAS DAS "INSULARES")

SEDUTORA

Pálida, cstjuui rm formas, delicada,Dc iii» lãihe fino, porte esbello e uiroso;Lançando o olhar olímpico, orgulhosoQual soberba rainha entronizada.

Cabelo em ondas, como flatna agrada.Colo virgineo — lago bonançosoA entre mostrar a pérola do gozo,Para suplício dai mas, engolfa.

Sc o puro esmalte de seus dentes brancosAlveja às vezes em sorrisos francos,Palpita a flor sangüínea do desejo,.m

Como sena bom beijar-lhe o risoNa própria boca, fosse até precisoO coração pagar por esse beijo!...

FALANDO AO CORAÇÃO

Vagnslc, ó coração, louco, perdidoDas fantasias pelo mar em fora,Sem jamais encontrar o apetecidoAnuir que o voraz tempo não devora

De aventuras inglórias recolhido.Ao desínlhar das ilusões de outroraEis-le, enfim, coração enternecido,Por triplo afeto dominado agora.

Dispõe-te a amar, a amar eternamente!Vassalo ou prisioneiro, mas contente,No sacrifício herói, ikis lutas hravo...

One essa a quem te empenhei, por vida e morte,Dos filhos na inocência — inda mais forteQ leu grilhão forjou de amante e escravo.

AMOR E ESPERANÇA

Ao Ur. Anlonio J. Alves Guimarães

Não morre o amor à falta de esperançaSe é mesmo amor o que em nossa alma existi.Antes ao mais cruel desdém resiste,Ve esperar e sofrer jamais se cansa.

Somente o orgulho olvida, por vingança,. Quem lhe não cede fácil quando insiste.

Mas o outro sentimento, esse persiste¦ £m irer qur, enfim, quem muilo esfera ulcançà.

Essa é a grande afeição, o afeto heróico.Vive da própria dor; mártir cstoieo,De esquivo olhar se aquece à esquiva chama.

Que a vaidade, o amor próprio desespere...Mias coração que amar, jamais; prefere.Morrer de nuígua a despresar quem ama.

ADORMECIDA

A Cincinalo Mekniaáet

De umA fias mãos a concha cor dc rosaSo»ic-lltc a face, «piai à pomha o ninho;Seu brio colo suave como o arminhoCai sobre a colcha em curva graciosa,

Arfa-lhe o seio. Doriuc... £' de amoromO sorriso <|ue os lábios, num carinho,Lhe afrouxa. As formas se lhe ajusta o linhaPa veste dian, traidora c luminosa.

Pendem cmn ã fronte os seus cabelos solto*Cachos dc anéis ondeantes e revoltos,Quem pode olhá-la sem sentir desejos?

Sem <|iie, profanos, 110 dormir da sesta,Lhe queiram voar ao colo, ao lábio, à lesta,_ Abelhas seusuais — milhões <k beijo»?

DESILUSÕES

A Filinto Bastos

Tudo são rosas na eslatão riilente 'Hm que desponta o sentimento, rosasEnchem de aroma os dias e as saudosasNoites que lembram nosso bem ausente.

O amor floreja a vida, t a transluzenttTeia da idéia imagens enganosasDeixa-nos ver... imagens va porosas,Qur se esyazcum breve e facümcnle

E vão surgindo: ora os desejos, oraO tédio, o desconsolo, a esperança, o medo.**,E se este e o tédio vão-se acaso embora,

E o desejo rccrcscc, ávido e ledoVai cego o coração perder agoraA vida da üusâo, morrer bem cedo...

AMOR PRÓPRIO

A M. Rosrntit»

Arfa-thc o seio, o coração lhe bate,Ferve-lhe o peito num desejo ardente..,.Ela. contudo, finge estar contente,Velando a custo o íntimo combate.

Que se estorcegue em ânsias, que se tliateDc aterradas paixões interiormente. . .Forçoso é rir, com a lágrima latente,T-uiar enm a tentação que nalma embate.

Querem falar os lábios; mas não falam;Querem grilar as dores, mas se calam,De austera voz ao mando soberano.

Padeça o amor sublime dc termiras;QuVsse amor-próprio, origem de torturas,Bárkiro sendo, infelizmente é humano.

A POESIAA João Pedreira

Quando » soma das /itnas se me aumentaÀ propítrçãa dos males que suporto,E é tanto o sofrimento que comporto,Que da minhalma quase « fé se ausenta*

Ela, piedosa, o espirito me alenta,Ahre-lhe à prece o seu divino horto*E a confiar-lhe os tratos me conforto,Sinto amainar a interior tormento

Meu pranto muda em plácida ternura*A^c extinto amor da glória, redivivo,Meus sonhos mortos restaurar procura;

Beija-me a fronte exeandecida e louca,E no verso, em que mágua e dor derivo,Mtnora as penas e o pesar me aponta.

INDIFERENÇA

Sinto is veies o arranco de nns impulsosQue a tens pés não me curvam por bem pinico,E vou quase a estreitar-te eomo am loucoEntre os mens braços trêmulos, convulsos.

Es«preho-te o perfil, movo os mens pulsos!Nâo tenho algemas não, pejo tão pouco.Qual a poeira zurzida do siroco.Vejo os receios de minhalma expulsos.

Então me agito e arrojo com firmeza.Mas olho e vejo... Oh! que mortal friezaNo mudo olhar que ea súplice devoro!

E ao ver-te os olhos quietos, tão serenos.Brilhando sem paixão, cada vez menos.Recuo, paru, dcsfaleço c choro.

LUZ E SOMBRA

Tu le sorrias, eu contente eslava.Tu nos meus braços, ambos nós presumi»Juras ie amor, e os gozos prelibandoCom que e porvir, Je alem, nos acenava,

"liemos áe ser felizes" — eu faUrua,Olhos fitos nos teus, arquitetandoMil castelos... E o lábio teu cantandoA mesma frase — "havemos" — conjirmava.

Súbito trijuesle a voz: "Mas se en morresse?.Sombra de horror no mesmo instante jtt-seAo despontar da mais risonha sorte.

E emudecemos, cheios de tristura...Que sempre há dc esflorar Ioda venturaA ponta dasa desle almlrc — a morte.

A LUTA PELA MORTE

Ver- miséria esl vivere super urram.

(Da Imitação)

Vão-se uma a uma as ilusiws da vida,Vhis após outros vêem os desenganos.Nesse ir c vir passam-se os tristes ano»Desta existência rápida, afligida.

Felicidade! onde com tanta li«laBuscar-te que não medrem vários danos?Sc nem podemos, miseros humanos,Ver ã nossa última ilusão jxerdida!...

Ah! tudo é sonho, e nada mais! E' sonhrEste viver que poucos mal desfrutam,Que muitos sofrem num penar medonho...

Não, não é pela vida que disputamOs pobres seres neste vai tvistouhoE' pela morte, horror! que todos lulaui.

SE EU FORA DEUS

(Sully Prudhomme)

Se eu fora Deus i morte arrancaria ms garras,faria os homens bons, aboliria # adeus^iXínyuen chorara mais a não ur it aíegrut,

Se ou fora Deus

St eu fora Deus, somente os frutos saboroso»Deixara sazonar; para as amantes sttsiO trabalho serio um exercício ulcyre,

St eu fora Deus.

Se eu fora Deus, por li, ó mulher a irmtm osmf,Eternamente asues desdobraria os céus;Mas a mesma, qual és, meu anjo, eu U deixara,

St eu fora Deus.

HORA DE DESALENTO

A Alexandre Fernandtl

Nas provanças da vida a murcha paim;Colhi do desengano: e agora sintoTodas as crenças longe de minhalma,Todo a fervor de asiriraçües extinld.

Mu«lo sorvi no meu procústeo leitoC calix da descrença, gota a gota...As ilusões fugiram-me do peitoBem como o sangue de nma artéria rota.

Nenhum calor a mim na terra ingrataO esmorecido ânimo afervora,A dúvida letal infiltra e mata,Meu confiante espirito de outrora.

Lutar sem fé, nas lides da jornadaVcmlo o horizonte negro desta sorte.,.Oh! que esta vida assim desventuradaSó sc rcígata por uni preço: a uiurtel

¦'

, ~ . -—r-^«^i>w,WWu^MMalu<i»..iJ--^-jv«^ti)««aw,,..wtf.,i,,.iti./^^»..j.iA«»ii.!iiiwi«^y,«.!íT.A-<w^WM ¦ - f ¦ 'Vü-w-lt o "I

^^fei DOMINOO, 1 vi; IMI

mtmmiWMíWAW!iin}n}i»wm^'

BXjVhKtâfíjJQ 1AJKRAKIO D'A MANHA — PAGINA Ml

Final de um estudo sobre Xavier Marques -Dez escritores como Xavier

Marques, com o seu amor pro-fundo pelas coisas da sua terra,gue ele embeleza tanto, fartamuma brecha enorme no nossoindiferentismo patriótico. Omais cético, aquele mesmo que,como Joaquim Nabuco, consi-iere as terras americanas co-mo um desterro, sem tradições,sem ambiente histórico, des-contará um pouco desse des-gosto quando em frente dosquadros de heroísmo e poesianacional, que o escritor baianovem pintando de "Pindorama"até o "Sargento Pedro". Falan-$io deste último livro, disse D.Julia Lopes de Almeida, a maiorartista de nossa terra: "A Baíatem razão de se orgulhar de talescritor". Não há duvidar. Xa-vier Marques, merecerá o amorde todo o povo brasileiro, naproporção em que for crescen-do a nossa conciência nacional;tê-lo-á todo, quando levarmos,nâo só à pompa dos progra-mas, mas às escolas, o culto donosso passado.

Porque nós precisamos ter umpassado no coração do povo: éesta a nossa maior necessidade.Quando os nossos homens pú-

blicos se derem a esta obra commenos frases e mais seriedade,os livros de Xavier Marques, co-mo os de um Alencar, irão pa-ror ás mãos da infância e edu-cá-la porá a formação da almabrasileira. Pensando assim ái-eio jíMreltno Leal, positiva-mente-,"O governo devia favorecer uacesso do "O Sargento Pedro"à mocidade das nossas escolas,etc." Na verdade "Pindorama"e "O Sargento Pedro" são duaspáginas palpitantes do nossahistória. O primeiro i a con-quisto da terra cabocla, o se-gnnào é a realização daquelegesto desabrido e revoltoso riosfilhos de Fernão Cerveira, é aindependência da pátria quereclama o heroísmo dos humil-des. Xavier volta à sua ilhacom o mesmo amor que a trans-figura e enobrece, O seu povoestá apreensivo com a revoltaque lavra no litoral, e amaldi-çoa a guerra. Ela, entretanto,faz-se necessária, é inevitável.

Então de cada barqueiro ru-de, de cada ehomcm do mar,surge um soldado, um poucoindiscjplinavel, mas valente egeneroso. Após o primeiro pâ-

nteo, todas as dificuldades sãovencidas, todos os males sãoencorajamentos, até que umdia, à aventura de todos se ba-iança oarhosa e soberana, "abandeira da Liberdade, a ban-deira de oiro e esmeralda"...

Naqueles trinta e seis capitu-los faz-se a história e a psico-logia de um dos momentos maisagitados da nossa fida so-ciai. Ali está toda a fervura develhos ódios que se vinhamacumulando havia centenas deanos, entre o português erni-grado, para o senhorio da terraque descobrira e conquistara, eo brasileiro, semente do seusangue sobre esta terra, que s^tornara sangue inimigo e revol-tado.

E Xavier Marques que apra-veita a critica de Hennequin co-mo um dos maiores elogios quese possa fazer à arte, e a exal-tação nesse papel de pacifica'dora, de formadora de uma pá-tria maior, em prejuízo das ou-Iras que estrangulam a huma-niâade ãe hoje, cantando o he-roismo do» seus patrícios nãotem duresas nem* brutalidade!com o lusitano que derramou oseu sangue e fez as misérias da

guerra. Mostra-os em meio darevolução, cumprindo os seusdeteres de portugueses; não osjulga, não os condena. Estasua simpatia pela civilizaçãosem garras de tigre, pela civill-tação como Sergi a compreen-deu, consistindo "na perda dossentimentos de violência e naaquisição dos de brandura e dapaz, comuns com os de simpa-tia social a mais extensa pos-sivel", não se choca com o seuamor sem limites pelo Brasil.Como Joaquim Nabuco, ele temtambém a alma entre a almaque é o sentimento, e o mundoque ê o pensamento. Xaviercom o sopro de beleza com quetem vivificado a nossa história,o nosso passado, alimenta a in-tenção patriótica de ajudar ascorrentes de progresso que aca-so venham agir na formação danossa raça histórica, —- a maiorrealização bio-social, ideal lon-ginquo dos povos novos, produ-tos de forças heterogêneas.

Isto é o lado sociólogo de suaobra, mas não o impede deamar um futuro em que o Bra-sil, depois das suas fazes evolu-tivas, entre,, ao lado de outrasnações, na realização daquela

I B S E N - XAVIER MARQUESEstrela de um céu muito distante, onde reina o frio polar e

os crepúsculos se prolongam por meses, envolvendo uma poisa-gem fantástica recortada de "jjords", alguns dos seus reflexosvieram até nós e iluminaram com luz estranha as nossas noitesde vigília sobre os limos ou diante do palco.

O seu teatro, muito mais lido que visto em cena, impressic-nem pela audaciosa umidade das idéias e tia técnica. E sr nãodeterminou sensivcl corrente de imitação, corno se verificou naEuropa, é que a literatura dramtUica no Brasil bem pouca se-gurança nos dá da existência dr um teatro nacional.

Não se suponha, todavia, que as letras neste nosso *paisabertos a todos os ventos atlânticos, quer soprem do meio-diaquer das costas nórdieas, hajam escaptulo às sugestões dotbsenismo. Essa influencia, em conjunção com a de outrasfiguras, contemporâneas do gênio escandinavo, tais como Tai-ne, Carlyle e Nietasche, se acusou, ainda que transitória-mente, nas rodas literárias modelando ali esearabochos detndivúlualismo exaltado, de heroismo e super-homens ufa nos deconstituírem minoria, e mesmo unidade, na mdistmçào dtí mas-Ai democrática. O gênio solitário de Ibsen, as smis doutrinas,os seus paradoxos, os seus tipos de apóstolos, reformadores dasociedade, indiferentes às idéias morais do vulgo, fizeram certoproselitismo, em comorrèncitt com as doutrinai do filósofo ger-mànico. Nietzsche, porem, empolgou muito mais a alma dosque preferem trillutr os caminhos recentemente abertos, com in-tetra liberdade. A obra do dramaturgo norueguês, obra de psi-tòlogo e sociólogo, num <no rastro da vida, mais concreta, nàose prestava tanto como a do autor da Tala do Zaratustra" aoexercício da alta fantasia. Ao Itidn deste, com seu ódio ao füis-tino, a vontade de potência, os novos valores morais, o espíritose acha tão livre quanto Zaratustra no alto da sua montanha,sem peias para viver, desenvoh>er-se e afirmar-se, sem empeço domeio, que cada um constrói à sua feição. Vimos assim, enlre osintelectuais nietsscheanos convencidos, que tendo perdulo o sentidodo ambiente próprio, construíam dentro do pais real um paisimaginário para habitação da sua personalidade deformada. Deerro semelhante joi vitima o pitoresco Oscar Uilde, cujas avrtt-turas ueabaram na cárcere. O poeta inglês, conforme nota compiedosa ironia Ilenri de Rêgnier, imaginara viver na Itália dotempo da Renascença ou na Grécia do tempo dr Sócrates. Desseerro cronológico resultou punirem-no cruelmente.

Embora em menor número que o de super-homens, os re-voltados e emancipados por influxo do autor de "Resmersholm",não faltaram entre nós, ensaiando na rida social ou no livro osgestos t atitudes de alguns personagens de Ib.ieu. Nn "Inimigo»U> Povo" o dr. Slotíman vise impedido de publicar a sua me-snório »obre um grande invento, porque Aralten, o editor da "Ca-aeta do Povo", se arriscaria a perder os assinantes. "£' a opt-<"â» pública consenwdma e us classes dos proprietários que sãoos senhores des jornais. Os assinantes nos dirigem, senhor".O doutor está desolado.

— "Será inútil ter ratão etn uma sociedade HvrerO partido de Slockman fe: adeptos, e »ã» faltou quem fre-

ferisse passar «mi ele por inimigo do povo „ As sum opiniões eas comritos foram acolhidos, tornando-se para muitas eoneiên-tias verdadeiros princípios reguladores da eontlula. — "O ho-mm mais forte do mundo é o mais solitário". — "A maioriasem a forca, mas não lem a rasão". — "A verdade nunca estátom a maioria*'',

A forca persuasnva de Ibsru não se fe: sentir menos «oBrasil por atmrlas das suas produções dramáticas que pareciamemuacar as fundamentai da /anii/ia * a própria organização so-

ciai. "A casa de Boneca", representada c lida, levou o muitoslares a suspeita dc uma iniqüidade que devia ter fim pela eman-cipaçõo tia mulher. Reconheceram enlão muitos desses seresfrágeis quanto era inferior, injustamente subalterna a sua post-ção, c tjiianto fraudava o próprio destino a companheira do liomem que sr resignava a ser o brinco, o objeto dc luxo, a tutela-da do esposo. O tipo de Nora lornou-sc a obsessão e o ideal J,muilas esposas. E o feminismo ganhou terreno no lirasil.

Se a obra de Ibsen repercutia na inteligência e nn sensibilidade brasileira, a vida e o caráter do homem taciturno, gêniofor muitos anos desconhecido de sua pátria, nào impressiona-ram pouco os homens de letras. Ele ensinou a confiança no ta-lento que tenta com paciência as vias dc sucesso e lentamentese realisa, a despeito das rivalidades literárias, da malícia ou doserros da crítica e até mesmo da inércia de um público mnl insl: u tioPor todas essas provas passou, sem esmorecer, a conciência dogrande rcnomdor do teatro na Escandinávia. Em Bjorrnsonteve ele um émulo da sua glória. Romancista e dramaturgoBjettrnsljerne Bjoernsou, pouco mais moço do que Ibsen, jaera consagrado gênio, e "o maior homem da Noruega", enquan-to o autor de^" Brand" conseguia apenas ser considerado pelacrítica tio seu país e da Dinamarca um talento dr segunda ordem.

Da lula que Ibsen sustentou longamente com o seu meio,antes de ser reconhecido pelos compatriotas, ficou-lhe no fundodo caráter o amargar e a rudesa que o afastavam da sociedade.Georges Brandes, « ilustre ensaísta e critico dinatmiqués qulogrou entrar na sua intimidade, refere os artifícios de que pre-cisou usar para o atrair a uma sala dc hotel cm Cristiânia e aí lh.oferecer um modesto ágape. Ibsen recusava sentar-se à mesacom o iiruitatio número de nove pessoas. — Nunca lhe suce-dera tal. Entretanto, tendo-se espalhado que ia ser ho unido comum bai-metc o patrício já glorificado em várias cidades eslrangeiros, choveram os pedidos de convite por parle de famíliasnorueguesas. Quando, depois dc forte relutância, Ibsen secaminhava para a sala de jantar, ao confessar o amigo que haviaali vinte e dois convidatlos, delevc-se e exclamou: — Aí*«.t iuma traição!...

Nesse'banquete houve um incidente digno de ser remetno-rado, porque simultaneamente vale por um ttaço da \runquezado homem e define a sua concepção de arte, independente dosmodelos, arte que procura ser a tradução imediata da vida, énum gênero como o teatro, fundado em comwneões necessárias,consegue tornar a realidade flagrante.

Entre os convivas sentava-se uma formosa artista drama-tica. em nome da qual falou um jornalista. — Sua vizinha pe-dia-lhe que transmitisse a Ibsen os agradecimentos das atrizesdo Teatro de Cristiânia e lhe assegurasse não haver papéis queelas mais gostassem de representar e em que mais aprendessemdo que os do gramU dramaturgo. Jbsen respondeu: — 'A estepropósito observarei *f*c, de um modo geral, eu nào escrevopapéis, descrevo homens, e nunca em minha ?'ido me aconteceuter em vista um autor ou uma atris ae elaborar uma peça. Viioisto, muito me ir/for conhecer uma pessoa tão encantadora comovossa visinha".

Falava assim a sinceridade do escritor, feramente cioso daliberdade do seu espírito e da originalidade dos seus processos.

O Teatro de Ibsen, construído eóm materiais arrancados àsprofundezas da vida e da alma humana, revelou ao mundo o gc~nio literário dos poises escandinavos. A cultura brasileira tam-bem encetou, graças à obra admirável do dramaturgo, as obs-euridades daquela alma nórdiea, vigorosa mas sombria, comoesses recostos de serras que nossa gente designa pelo sugestivonome dc "noruegas".

fackson deFigueiredo

pátria unificada da humaniâa-de culta. Isto que ele sonha, co-mo artista, é o lado religioso dasua sociologia. E' assim comoum socialista cristão: os povosfiquem com os seus caracteresque fazem o lado pitoresco daTerra, mas todos eles venham aser regidos pela bondade, fra-ternizados na comunhão cristãde todas as culturas. E' o mes-mo sonho de Fernão Cerveira.Disse-se que "O Sargento Pe-dro" não era um romance com-pleto, e sim uma novela, por-que seja a parte amorosa do li-vro pequena e muito simples.Não é esta, porem, a diferençaentre esses dois gêneros literá-rios.

O romance deve ser maiorpela extenção e largueza da suapsicologia, pelo número de qua-aros, e se é de costumes, peloestudo que faz dos que rodeiamos personagens, que, na novela,quecimento total das influin-dentes, o que não significa es-quecimento total das Anfluên-cias mesológicas. Dá-se é que oromancista visa muito ao con-junto geral, e o novelista seconcentra mais nas figurascentrais de um quadro.

Para mim "O Sargento Pe-dro" é um verdadeiro romance,porque analisa, pinta-nos umaépoca. Dentro dele está a no-vela amorosa de Pedro e Mer-cês.

E insofismável é que este li-vro foi mais um verdadeiro trl-unfo para Xavier Marques co- .mo estilista. José Veríssimo,julgando-o dentro do movimen-to literário de 1910, dizia numdos números da "Revista Ame-ricana": "E' um belo livro, umlivro notável pela espontanei-dade, pela singeleza, pela so-briedade da composição." Eadiante repetia para afirmarmelhor: "Sobriedade verdadei-ramente extraordinária nas

nossas letras, por via de regrainterperantes, etc."

Há no "O Sargento Pedro"sobretudo, o traço de união dohomem e a Natureza, da Natu-reza amiga do praieiro, do marque o ajuda na epopéia. Nature-sa tão impregnada da alma doArtista eomo se fora uma mu-lher amada e amante, ora ale-are, ora triste, melancólica oumisteriosa, mas sempre ideal-mente amorosa. Acompanhe-mos, por exemplo, o velho An-dré, Pedro e Sambeiro, numpasseio sobre as ondas; sejamosmadrugadores como essa hu-milde gente das praias da nossaterra...

A madrugada muito fria, tventosa, parecia ainda noite ai-ta, noite sem estrelas, sem umacintilação, uma faísca siquerdesses fogos pálidos das alvo-radas.

"A Baía de Todos os Santosmarulhava negra, atroadora,debaixo de uma cerração cor deferro, com borbolhões de vagasgrossas como golfadas de óleo.Ao redor, as faixas de terra dasilhas e costas, fechadas em cor-tinas de vapor, tornavam maisdenegrida a orla do horizonte.O vento, continuo e possante,soprava dentre leste e sul e ar-rançava tais ecos ao mart fazia-omugir com uma voz tão longae cavernosa, que punha a ima-ginação em delírio e causariahorror a quem quer que não ti-veste o hábito de ouvi-lo.

A embarcação «ue por essecrepúsculo de inverno velejavapara a costa ia, apesar de frágil,sem perigo, vento à popa, comtrês homens resolutos e. fortes,surpreendidos peso rebojo emplena baia. Por maior que fossea ilusão ào ermo e solidadt nomeio do golfo escuro, eles sa-biam que outras embarcações eoutros marinheiros andavampor ali e alem, a lutar com onevoeiro, cortando esse mesmomar estuante e cerrado. E' quenaqueles fins de junho, às mes-mas horas álgidas do alvorecer,as lanchas balieiras saiam dosportos da ilha. enquanto à elavoltavam os pescadores do alto,aqueles que, mais temerários,não se arreceavam do aguacttrc

(Continua na página seguinte)

»:-«í-i'._,.i'..:..,«".,áj:_.:.'.„ ¦-¦,.,-

_, ,-, , ...,„ ~ , ...... ,..,.,....-,...., , .. -.. .... : . , ,.*, ,. ™PfP

PAGINA MR — SUIM.BlHi.NTO MTK-t á.KIO I»*A MANHA DOMINGO. VK/IMI

IAL DE UM ESJUDO A i. , -t ,^ J^O, •!sobre xavier marques A língua portuguesa do Brasil

é um dialeto ? - xavier marques^Continuação da página anterior]ou ventania, e corriam noitadaspor cima das águas bulhentaseom o mesmo sangue-frio comque lançavam as linhas, emmanhã de bonança."

E' a primeira página do livro,e vai assim até o fim, nem umafrase de mais, nem uma notaem falso, mesmo quando o Ian-ee è emocionante como naquelecapitulo "O encontro", tão fttt-mano, tão admirável na sua do-lorosidaáe esmorecida pelos sor-risos dos que se viam de novo,derreados, cansados, enlutados.mas vitoriosos.

A Academia Brasileira iipremiou "O Sargento Pedro"e ele deverá ser um prêmio pa-ra a mocidade que aprender alíngua e a história, se é que sequer fazer uma mocidade capaztle. na maduresã dos anos, pro-curar agir como agiram os seusavós, ainda que ela venha a seruma enganada pela poesia comque pintaram o nosso passado.A utilidade, mesmo ideal, destamentira será muito grande'.

Afora diversos trabalhos decritica dispersos em revistas ejornais, como. por exemplo, estapágina admirável de penetra*ção Brasileira" publicou ultima'Ção e psicologia que a 'Ilustra-mente sobre Garcia Rosa. omaior artista que Sergipe temConsigo é um dos mais perieiiossonetistas do Brasil. XavierMarques ê ainda autor de doismais importantes. O primeiro éum ensaio biográfico de Me.ltMorais Filha, que este distintoescritor pôs como prefácio oo.iseus IkIos "Cantos dot Equa-dor", p. o segundo é o volumesobre a vida de Castro Alves.Julgando-o como jornalistaqua?.» já fiz a aprecicção que éo elogio do crítico; mas é tala importância deste último tra-calho, que a imprensa de .Vor/.:a Sul aplaudiu, que ainda direialgumas palavras sobre estaobra de critério, erudição e ca-rin/io, Na '-Vida de Castro At-ves", Xavier Marques se servmdas mais modernas conquistasda critica literária. Primeiro, co estudo da família do poetapara a determinação dos fato-res hereditários na formação doseu caráter, depois, o dos meiosonde viveu a sua esperança oua sua infelicidade, a 't>arte doamor e a sua tristeza de solmoribundo, o oiro, a púrpura, acinza daquele crepúsculo, e asua morte, por fim, deixando ctaudade que só -merecia quemeomo ele foi o maior gênio poe-tico da América do Sul.SilvioRomero, como eu, patrício deTobias Barreto, apaixonou-senaquela questão da superiorida-de eníre esses iois vultos donosso passado intelectual. Dá aTobias a palma da vitória. E'cegueira de um patriotismoexaltado. Tobias foi a sínteseÚos nossos mais altos conheci-mentos, joi no Brasil o que naAlemanha se diz que foi Goete

coeficiente máximo do seutempo. Pode-se até dizer mais,tem descrédito nosso e para «grandeza dele, dizer que eleestava cem metros acima de tu-do que o rodeava... excetona poesia.

Tobias foi um lírico exceten-te e o nosso segundo poeta con~éoreiro.

Castro Alves foi muito mau— foi a mais alta vibração ner-wosa da nossa pobre raça, foi aKra mais quente, mal» desvat-rada e, por isso mesmo, a maisassombrosa, a mais divina, quese tem deixado ouvir nas plagasamericanas. Nó» tivemos poetaimais corretos, artistas maisperfeitos — Gonçalves Dias •!

maior — mas ninguém teveeomo o poeta dos "Escravos" acoragem dos vôos altaneiros,ninguém teve aquelas asas po-derosas de Arcanjo.

Xavier Marques pensa assim,ê não como baiano: pensa comobrasileiro que quer fazer ftis-«fa.

A -Vida de Castro Alves" tteveler posta ao lado dos bons tra-talhos de Arartpe Júnior, que

foi, mais do que Xavier, . umapaixonado arrebatador, maisvigoroso. Xavier Marques é umtemperamento mais sóbrio queo do grande crííico de "Ibscn"e de "Gregório de Matos"; ê co-mo um grego diante de um bar-baro culturado. O meu tempe-ramento leva-me para o lado docritico apaixonado, do bárbaro,mas nâo nego muitas palmasao outro."A Vida de Castro Alves" eum exemplo que deve frutift-car.

As vidas de quase todos osnossos grandes poetas estãoinéditas e desconhecidas. Quem-tiver ao alcance os meios queXavier teve para uma do-cumentação exata e desfazedo-ra de enganos, deve agir e fazerressuscitar essas nobres figurasgloriosas. • *

Como compreendi a pdgtnaadmirável de Bergson, a natu-reza de há muito vem entediaâado$ homens. E assim, para asua alegria, de longe em longe,deixa vir à realidade humanaalmas mais desprendidas da vt-áa comum, almas distanciadasdas nossas classificações e uti-Mades. almas que, Iwres des-sas petas e vendas — conse-pitem ter uma visão mais diretacias coisas: são mais reais.

Vejo também deste modo oArtista, longe dos demais ho-mens, sacudido nos braços daNatureza, não para adormeceicomo o maior reliaioso, mas pa-ra conhecê-la melhor e com asua ajuda tornar uns olhosmais claros pira os semelhan-tes. seus inferiores.

Eu quero fazer minhas as pa-lr,.vra*. de Guilherme Dubufe,crendo como ele aue a arte c agrande testemunha do mundo,a mais sincera, a mais bela eaté aqui a mais verídica. Eutambém como ele corôo a fronteaugusta do.t Artistas aue "ins-tinthvimcnte, necessariamente,providendalmente tel vez" —d*ficaram, san tificaram emcbras mais duráveis nue arou-mentações e mais nuras do oucprovas, a divina ilusão do ho-mem.

Ainda procurarei Bergson pa-m, acompanhá-lo naquela com-preensão manistica da Arte.De certo a verdadeira obra deorf" sairá semvre dor, limite?, darclí*mo e idealismo • ela érmbíts as coisas ,ivm h-ico ho^-monioso e sonoro, d? modo' 'i'j s" noderã d'*er. ?.p-m joaode palavas, qua o realismo es-*á na nhra. nuando o idcalis*-•'o p-sf-s rn almar e nue ê só àferra de ideal aue .*» ravsenue0 r^vtfrffy com i renV*nde.

Foi *>ssa o w)f-*.<w*n rff "Sana» jn«v rio "Pivdorama" e do"F"raevto Pedra".

ynri/v Marmtes dentro &p*tamoldura não ê ne"'* nem me-ris: oeiinn-a M-. "•, no Bra-s*t um (fralde m-Hsta,

Sergipe. 3" 1913

Ha povos favoritos da histó-ria. Sob certo aspecto o brasi-leiro, e em geral os da Amé-rica, podem considerar-se os fe-lizes morgadois de um destinodadivoso.

Num pequeno país da Europagerações sem conta, duranteséculos dc labor, escreveram,erraram, emendaram, reescre-

.veram, afim de que o Brasil re-cebesse no berço o dom valiosopor excelência que pudera ca-ber a uma raça destinada à vi-da do espirito.

Essa dádiva, esse tesouro foia língua portuguesa.

Recebemo-la acabada e per-feita, no esplendor da sua gran-de época, lembrando pela ma-jeslade. nobreza e harmonia deacentos, aquelas vozes império-sas que disciplinaram a barba-ria do mundo antigo e acaba-ram por encantá-lo nas oraçõesde Cícero, nas odes dc Huvacioe nas éclogas de yirgíliO.

Admirável criação original dogênio luso, ela teria sido a re-dençâo espiritual do homemamericano, .se esse nosso "vovóíndio", esquivo» até à ferocidade,não se obstinasse tanto na es-pessura de sua selva interior.

Nessa língua não encontra-mos só o meio de exteriorizar opensamento, porque tambémnos ensinou a pensar, foi amestra de nossa rasão, a lóg-capreestabeJecida aos nossos f'.i-turos rae:ocínkv; a fórmula pre-cisa antecipada às idéias quehaveríamos de conceber. Kraum órgão ã espera de uma fun-ção.

Foí eia, pois, a luz que a nósmeemos nos revelou, revelando-nos a vida na multiplicidademodigiosa do? seus fenômenosE foi o fí»t crador da cone èn-ca brasileira, sem o qual raaore mais compacta que a florestaurimitíva seria talvez, aindahoje. a camada de inconeiènclanum povo álalo, reduzido àindigencia verbal do avaro tu-pi.

Enfm, para possui-la, ne-nhu-m esforço de invenção dtnossa parta, nenhum trabalhoalem da aprendizagem cem osnossos mestres portugueses, as-sim como fazem os nossos fl-lhos, recebendo-a desde a pri-meira carícia nos bmços ma-ternos.

Portugal traba-lhou por nos epara nós.

Tudo isso nos criou ir encai-go de cultivar, propagar, zelare defender, como nosso, o idio-ma de Portugal. E de fato assim tem sido. Demos-lhe um

O conhecimento dosClássicos - XAVIER MARQITES

De um ponto rTe vista gerai,interessando o púMico, atadavaleria a pena repisar a tese:se é útil o c Miheciitiento dosclássicos,

Com resfK*ito a isto há umaescaia de apreço que vai do fa-natistuo ã decidida avCrsão.Nflm ílessfs extremos se adiamos puristas, cimi a obsessão cuvernactiüdade, armados de critério meramente gramatical.No extremo oposto, os moder-nístas, cheios de desdém pelasformas atati nadas e gosto dasalusões mitológicas, a atrasadaciência c o ranço da linguagem«juinhentista não descobrem naleitura dos clássicos outra uti-lidade senão fazer dormir.

A despeito da detração, rwclássicos teem leitores numero-sos e continuam estimados cmseu justo valor, não só por suaautoridade suprema nn que--toes idi(Mnáticits, nuas tam.jemcomo a melhor escola das vnca-çoes e |MiIícia das imaginaçõestu ri iu lentas.

E c precisamente nas Tasrttumultuosas, quando a desnr-dem rompe e ameaça propagar-se na república das letras, queeles funis úteis sr tornam pniseus exemplos dc sobriedade,medida clareza e harmonia, hr-Ias características du gênio Li-tino.

vasto império de quarenta ml-lhões de súditas c uma literatu-ra florescente que ainda pirôe-rá, quem sabe? acrescentar-lhea glória com algumas obras pri-mas de Interesse humano e ex-pressão universal.

Todavia, nada impedirá quea vida se transforme, onde quere quando quer que mudem aacondições vitais. O português,língua viva, transportada aoclima da América, a um país deassombrosa extensão, falado aipor gentes de vária estirpe, deraças puras e sub-raças, auto-clones e emigradas, acusariafatalmente, no curso da suaevolução, a influência alteran-te de todos esses fatores. O por-tuguès no Brasil, è até super-fluo dizê-lo, modificou se, dife-renciou-se, O que ainda suscl-ta dúvidas, escrúpulos, restri-ções, conforme o ponto de vistaou o sentimento com que seaprecie o fato, é se o portuguêsdo Brasil, assim modificado, po-de ser chamado com propr ie-dade um dialeto,

A òúvida parece, à primeiravista, bem estranha.

Em vários lugares, no livro"Cultura da Língua Nacional",deixei tra aspa rece r essa atitudehesitante, e como quer que se-ja equívoca, di? nosso espirito,eu diria — do espirito de todosquantos entre nós já se acerca-ram do fenômeno, até hoje, va-lha a verdade, bem pouco estu-dar.o.

Considerando a nossa lingualiterária ou escrita e a linguafalada pelas classes cultas, con-siderando-a .sobretudo pelu as-pecto lexicológico e o sintático,nos vocábulos e nas formas deque nos servimos para a ex-pressão e comunicação do pen-samento, achamos-lhe tal s.mi-laridade, se não identidade coma linguagem falada e escrita dooutro lacio do oceano, que malsuspeitaríamos estarem-se dc-frontando uma língua tipo esua variante.

"O Português, escreveu Adoi-fo Coelho, considerado em si éuma lingua; considerado comrelação ao latim é um dialeto'',listará, porventura, a nossa Un-guagem para a língua normalportuguesa na mesma relaçãoque esta para o latim?

Diríamos, acaso, com melhorfundamento que a nossa Unguaem face do vernáculo europeuguarda a mesma relação dcprovençal com o francês?

E' lie to pelo menos luütut.quando vemos que os francesesprecisaram de traduzir Mirem,ao passo que as obras brasilet-aras são lidas em Portugal our-ren temente.

Mas é essa, afinal, uma sim-pies questão de grau na dife-renclação. O zelo du idioma «que vimos confiando, lia sécu-los, o melhor da nossa atlv.da-de peasante, coloca-nos em dl-ficuldodes jwra conciliar a va-riedade com a unidade, ou an-tes para conceber a unidade nadiversidade.

Outro é o critério do especia-lista.

A dialetologia é uma ciênciaparticular. Tem os aseus meto-dos, processos especiais e prin-cipios de aplicação geral de quesão exemplo os estudos de geo-grafia lingüística de Gilliêrone o seu Atlas lingüístico daFrança. No campo ele suas pe.s-quisas não aparecem todos usfatos lingüísticos, mas só aque*les que anunciam, preparam oucaracterizam as transformaçõesdas línguas.

Esses fatos emergem noraial-mente na linguagem do povo,na lingua falada, fonte e inbo-lulor io dos d<aletismos, cujaatlvlcadc a^ti na razão diretada ignorância nacional.

O dlaletólogo. atisorvido peloestudo e a análse das modili-cações fonéticas, das relaçõesdos sons, de sua qualidade, c,«suas formas, pouca atençãodispensa às condições de fitodez relativa à língua, alcança-das pela cultura literária e ndisciplina gramatical.

Importa-lhe menos saber saas alterações verificadas na es-dez relativa à língua, em ti---terminada região de um pais. atornaram imprópria para o en-tendimento entre todos os seusnaturais, do que investigar iscausas dessa segmentação Un-guística, as causas fisiologiciseu psíquicas, os fatores sociau

e os acidentes peogrãficos quefavoreceram a cia3ão. Não ilieinteressa tanto a lingua fixadae estável em suas formas sinta-ticas, quanto á língua em m.>-vioiento nas suas evoluções fo-néticas,

Fui a fonética, disse AlbertDauzat, que criou a dialetiílo-gia. As variações de pronunciai,as modificações dos sons, ,iobíiteração de formas gramaU-cais, assumem, por isso. mar.-ma importância aos olhas loespecialista.

E basta-lhe certo número fiefatos desta natureza, bem cs-quadrinhados e apurados, pu.'aque ele denuncie a rutura cia,uirdade da lingua.

Assim é que Leite de Vascon-celos, reconhecendo não seremgrandes as diferenciações iMportuguês nas terras dc alem-mar, com exceção dos dialetoscrcoulos, declarou todavia cm-ctida á língua e classificou xnossa linguagem entre os diale-tos ultramarinos.

Brasileiros e portugueses po-deião protestar e atestar, quercom os documentas literárias,quer com a palavra falada, quec o mesmo, o mesmíssimo, jinstrumento comum de suaspermutas intelectuais. A ci«-peito de tudo, o desvio vertfi-!-f*u-se, a variação ex'ste: ciou-tipicamente é um íiialeto.

Atentando no fato com,essamesma imparcialidade cientií:-ca, diríamos que desta forma sbmanifesta, espontânea, contraa nossa própria vontade, a ur;-finalidade brasileira. E se uai»lia nisso motivo para orgulho,tampouco haverá para desar.

Mas incon testa velmen te 3que atende aos interesses su-premas tos povos é a uni foi-midade e não a variedade idio-mática. Embora esta se expU-que por injunções naturais, co-mo sejuín as comodidades orgd-nicas, terão que prevalecer _isfacilidades e outras superioresexigências do organsmo social.

Uni pais fracionado em áreaslingüísticas carece ue perfeitacoesão nacional. Duas naçõeaque falam a mesma lingua «•preveniam notável progresno ôtfratonvdade humana.

Providencialmenle, «a toda aparte, onde a sociedade tem i«raliada a cultura, a reação um*tária c infalível.

Ocorre então este fato, pre*visto por Jules GilPéron: iniaO-xicados pouco a pouca pela,)influencias da língua nacional,os falares locais acabam ternostle paralLVa em suas evoluçõei

B' a primeira fase da deca-dência. O processo de nível*-mento i«u a eliminação prosse-gue com rapidra maw ou nv-nor, em razão do progresso ge-raJ. O nartii-,i!arl--:iio definiu,segregado nos últimos redutosda ignorância.

Não vale a pena entreter nemcultivar essa flora rústica, ina-daptave! às condições clima*,»*lógicas prfpici.i.i' à plena vidado pensamento.

A civil zação é a morte do*dialetos.

-;•"" alai ii aaal :ííi .'_. „.-*._........... is..„._ .!,.>__-_....

¦ '-^^JWWBWWPfSfP**^ - - *" •* '"i"':' ¦¦¦¦..¦«'¦,' '-'-,h-mwmJ! '' - .M-PW...

DOMINGO, 7/12/1M1SUPLEMENTO LITERÁRIO DA MANHA

FRAGMENTO DE UM ROMANCE - £zt™a de imP'<™Uma vez, era um dia santifi-

cailo. Fortunato sairá sozinhopara ir à missa c em seguidaá chácara da P.arra. D. Graçahavia-se trancado no seu apo-sento com o filho. Mina cerroua porta do quarto contíguo epôs-se a contar aos sobrinhosuma história.

"Uni homem viuvo tinhaduas [ilhas pequenas e tornoua casar-se. A mulher que pare-cia boa, foi-se fazendo crespae muito má para elas. As me-ninas viviam oprimidas que nemduas escravas. Por mais quefizessem para agradar à ma-drasta não recebiam dela umcarinho. O pai queria-lhesmuito bem, alizava-lhes o cabe-lo, afagava-as, beijava-as. Amadrasta, por isso mesmo to-mou lhes mais ódio. A vista domarido continha-se, mas, pordetrás dele, punha-lhes nomesfeios, dava-lhes castigos e pau-cada por qualquer descuido. ,.No quintal da casa havia umafigueira, c como ela gostava dosfigos, para que os passarinhosnão os estragassem, punha asduas meninas de vigia, chovesseou fi/.csge sol, a enxotar os pás-saros. E lá ficavam as pobrescrianças, todo o santo dia, agritar:

"Oiô, chô, passarinho!"Não lhe toques o biquinho,"Vai-te embora p'ra teu ni-

[nho.. .*'

Neste ponto da história jâD. Graça estava à porta entrea-bcrla da sua câmara, com osolhos no berço do filho e o ouvi-atento para o quarto da cunhada.

"Mas às vezes, prosseguiua voz dc Mina, cansadas daqutrIa lida, com fome, com sede, oucaindo dc sono as pobrezinhasdescuidavam-se e não viammais nada. Então os passari-nhos vinham e pousavam nafigueira. Os figos apareciampicados. A madrasta, vendo is-io, batia nelas sem dó nemcompaixão, e no outro dia man-dava novamente para o pé dafigueira. E elas a gritar, a mau*.não poder;

"Chô! chô! passarinho?"Não lhe toques o biquinho,"Vai-te embora p'ra teu ni[nho..."

"Quantos figos apareciampicados, tantas surras das aja-nliavam, Até que o pai voltavaà casa e sem saber de nada,desfaziã-se em agrados às fi-lhas. Elas não tinham coragèfl.de queixar-se, porque sofreriamaijitla piores tormentos na suaausência. A madrasta linha-lhes um ódio cada ve/. maior.MSc elas morressem, dizia tnh-sigo, éu eslariá livre dessaslambisgóias..."

Um dia o homem partiu pa-ra uma viagem. Ficaram na«asa as meninas, a madrasta c ojardineiro. A mulher, pro-curando uni pretexto para lí-vrar-se das enteadas, mandou-as enxotar os passarinhos, c cn-trio os figos aparecessem corni.dos. ideou uma maneira deacabar de vez com as infelizes.Havia.no fundo do quintal umburaco onde nem um pé dc ci-va nascia. Apanliamlo-se só.sem ("stpnmnhns.- a madrr^talevuu as duas mon.iias pi..á -o

'-.^QM?^ I/O

^Vi,

X(X|^ \J "

'¦'¦¦ m (j f'oi^cjcutCt/,'

quintal e, antes que elas des-confiassem, empurrou-as paiadentro do buraco, cobriu-as atoda pressa com bastante terrae recolheu-se satisfeita.

Daí a dias chegou o maridoe perguntando pelas filhas eladisse-lhe:

— "Marido, estou cansadade procurá-las. Desapareceram,há uma semana; não sei quefim levaram. Quem sabe scnão as roubaram ou se nãomorreram por ai, coitadas!"

O pai sentiu muito, fez todaa diligência para descobri-las.Dosenganado, chorou, chorou, epoi fim consolou-se. Mas nolugar onde as meninas foramenterradas vivas .fiaçccu umcaphiZãl muito verde; e .toda avez que o vento o agitava saiamde lá umas vozes qúe o jàrdi-netro escutou um dia, parandode capinar: •

"Jardineiro de meu pai,"Não me corte meus cabelos;"Minha mãe me penteava,"A madrasta me enterrou,"Pelo figo da figueira"Que o passarinho picou..."

Assombrado, foi o jardineiioc contou ao amo. O amo, nãoacreditando, disse-lhe: "Vamosaté lá, que eu quero ouvir..."

Saiu sem dizer palavra àmulher, Mal a enxada começoua arrancar o capiiual, ouviram- i

se as vozes saindo dc baixo da "Que o passarinho picou...leira, tão sentidas e tão doce» — "Chò! passarinho! Chô!..."

que pareciam de anjos do céu;"Jardineiro dc meu pai,"Não me corte meus cabelos,^Minha mãe me penteava, D. Graça não podia mais ou-"A madrasta me enterrou, vir. Bateu com a porta. O co-"Pelo figo da figueira (Continua na pasma 367)

PESCADORESE* meia noite. A clara enseada §

Já repousou das fúrias do nordeste;Prateia o luar a cúpula celeste,Vai começar a. lida e a serenidade..*

Canta no pelago brilhanteA voz misteriosa das sereias,Brilham cristais na alvura das areias,Nas praias chora a vaga murmurante.

Ao largo as velas branquejandoDas canoas oue vêem à pescaria— Fantástica e silente j-omana —. . . .Sobre o espelho das ondas deslizando...

Chega a flotilha e em breve, instanteCaem redes ao mar, linhas e cordas.E da canoa recfínaáo às bordas,O pescador começa o seu descante...

Começa o lirico torneioAo plenilúnio, nas sonoras águas:Cantüenas de amor, saudades, maquasEnchem da noite o esptendoroso seio.

Toda. a serena madrugada -Passam os ecos trêmulos e languesAcordando os ateiones dos mangues, \Do canoeiro à maviosa toada.

Enfim desmaia a lua. £' dia...Gemem adriças, molham-se espadelas,E aos bafejos do norte abrindo as velas,Alegremente volta a romaria,

XAVIER MARQUESUNSIlLARES)

Xavier Marques0 jornalismo nâo é só uma

grande sedução para as voca-ções literárias; é ao mesmotempo uma escola de sacrifí-cio. Nele iniciei-me, ainda nacidade natal, com um perió-dico de um palmo, por sinalque se intitulava Cosmos. Éra-mos dois os redatores. 0 meucompanheiro, hábil tipógrafo,acumulava as funções de re-dator, compositor e impressor.Foi ele quem me lembrou omau estado do cemitério lo-cal, objeto do meu primeiroartigo de fundo.

0 cemitério pertencia auma irmandade religiosa e opresidente da irmandade erameu padrinho de batismo.Que fazer? A causa públicaexigia. . . E a justiça deviacomeçar por casa.

Cosmos circulou. Os reda-tores estavam radiantes.

Mas, passados dois dias,dirigindo-me pela praia parao barracão da tipografia, vi nofundo de sua casa, à porteirado quintal, o presidente dairmandade. E como de cos-tume, fui-me aproximandopara pedir-lhe a benção. Meupadrinho não me deu o tempode pensar em qualquer expli-cação. Mal me avistou, deu-me ostensivamente as costase fechou a porteira. ..

*Já na imprensa da capital.À minha secção "Mosqui-

tos", alimentada com os pe-quenos ridiculos de cada dia,deparara-se o caso do redatorde um sisudo órgão político, oqual, noticiando um espeta-culo de circo, descrevera comcerto frêmito de nervos o en-contra do diretor do circo,dentro da jaula, com umahiena!... Procurei aquietaro noticiarista, dizendo-lhe quea hiena, considerada por eled "símbolo da ferocidade", se-ria antes o simbolo da voraci-dode, tanto assim que ao pe-rigo de atacar os viventes pre-feria, como os nossos urubus,repastar-se em carniça.

0 colega irritou-se, e res-pondeu-me citando o compên-dio didático das Breves Lei-turos. Voltei à carga, destavez com toda a erudiçãozoológica de que dispunha. 0adversário exacerbou-se e eutripliquei.

Quando menos esperava-mos entrou pela redação doJornal o portador de um pe-dido de satisfação... Umduelo em perspectiva.

0 encontro verificou-se dalfri dias, na página de uma re-vista de caricaturas, onde umdos contendores soprava àcara do outro um enxame demosquitos e este desferia con-tra ele um formidável cacete.

0 caso foi gozado. A ini-mizade, porem, ficou, tenaz-mente entretida pelo colega.E durou longos anos.

Paguei por esse preço ummomento, de bom humor.*

Em trinta anos de imprensamuitas lides sustentei e venci,de que outros tiraram honrae proveito. Mas isto é velhoe revelhq: na história dos ho-mens de letras, tem pelo me-nos dois mil anos, contados daero de Virgílio:

— "Sic vos non vobis mel-lificotrs, apis."

"'¦'-¦""¦ ¦ "' "-' ¦"'¦ÍL ".' J"-W!J'»-»!":llJ'1 ' I-"' ." - • ll ^-^ ~,~-~,T--Va.r!„r~:a,w--!rlpr

PAGINA 364 — SUPLEMENTO LITERÁRIO D'A MANHA DOMINGO, T/lt/lMI •**.^

Xavier Marques na intimidade- Astecampos

Tenho visitado repetidas ve~ges, em sua residência da ruaCarlos Gomes n. 110, o insigneromancista baiano sr. XavierMarques, e à proporção que oVisito mais me convenço de queo caráter desse esmeradissimoescritor ê refletido, com raraexação, em sua obra.

São seus livros o espelho deaua individualidade moral, pormais i7iipessoais que se afigu-rem; de seu temperamento ini-tnigo dos excessos; de sua bon-dade extremamente simples;daquela serenidade congenialde seu espírito; de seu senti-mento da proporção, da clare-za; de suas atitudes, no emitirlento de seus conceitos, abso-lutamente ponderados. Em ne-nhuma de suas criações se nosdepara o tipo do monstruoso.As produções do artista praieí-ro são a sua exata psicologia:conversando, pensando, ou es-erevendo, é o sr. Xavier Mar-tjties o mesmo caráter.

A singeleza que se nota emteus escritos, em nada difereda simplicidade com que ele senos apresenta, na intimidadede seu lar.

Como disse, repugnam-lhe osexcessos. Não se de!xa empol-gar pelo entusiasmo, pelas co-moções do momento. O entu-$iasmo é o delírio. E' d irrefle-xão. E' o desequilíbrio da alma,No aceso dos entusiasmos, sãotnevitav?is as tolices, O sr. Xa-Vier Marques fala, quando es-piam os entusiasmos. Ou me-Ihor, não fala raciocina* Seupensamento tanto tem de sutil,como de claro e sazonaão. Su-çestiona. Aconselha.

O autor de "Pinãoraina" con-versa baixinho, com ligeiras in-flexõcs na tala, ?neio sumida,meio gutural. Ama a tranquili-âade, a paz, como a gleba emque nasceu. Não tem inimigos.E' sóbrio, tolerante: pouco ex-pansiva. Mas apesar de poucoexpansivo, algum tanto afetuo-to. Sua maior paixão ê a, natu-reza, como bem se depreendedas descrições, çut fazem dealgumas de suas pâoinas pintu-ras formosíssimas. E', tambem,vm pouco cético, desprendidode tod-ns as ambições, pelasquais vê, com estranheza, quasecompara™ do, tantos homenslutar até com fúria de loucos.

* * *O sr. Xavier Marques impôs-

te uma disciplina severa, ra-rtssima no mundo intelectualem rola, procurando dar à suae moral, procurando dar à suaobra, em todas as manifesta-ções. e ser o mesmo homem nãosó na jornalística, nas relaçõesintelectuais e particulares, se-não ainda na vida pública eno seio da familia.

Deita-se, normalmente, an-tes das vinte e três horas, parase levantar is seis.

Não trabalha a literaturaapressada. Justifica-o o redu-zido número de seus volumes,Para o conspicuo escritor itapa-rlcano, a qualidade excele dquantidade. Pode-se determt-nar seu modo de produzir den-tro do provérbio latino — Fes-tina lente-, ie vagar se vai aolonge; e ele vai de vagar. Ru-mina bastante seus pensamen-tos. Lê, para se esclarecer so-ore pormenores. Escreve comintervalos, mais ou menos lon-gos, conforme lhe permitem oslabores do jornalismo, com quesempre lidou ativamente. Hojedd ainda menos tempo a tra-üalhos literários, porque lheecunam mais horas os deverespolíticos, com seu novo cargodc deputado estadual.

Apesar d<sso. tem. <t concluir.O romance "A Mad~n_sta"', e,uma escolha de escritos vários,critica, história, literatura. Pen-$a, tambem, em fazer de um ro-mance de multidão sua obradefinitiva. A respeito, peraun-tei-lke o outro ila:

— Já gizou o plano de seu ro-mance definitivo ?

Respondeu-me -.

—Depois de uma viagem aosertão formei o plano de um ro-mance. Depende de tempo, edisposição para esse trabalho.

Como produz o sr. XavierMarques ? Logo que lhe vem aidéia, toma notas, à maneira deAlphonse Daudet, e aguarda aocasião para escrever. Nâo seprecipita, vara não precipitarsuas criações. Seus autógrafossão escoimados, ao contrário ãoportuguesissimo Almeida Gar-rett, que muitas vezes refundiapáginas inteiras, mesmo depoisda composição tipográfica. Nasprovas, não faz mais retoqueso autor da -Arte de Escrever";apenas a substituição de umaou outra palavra, o que maisuma vez comvravi a unidade deseu caráter pessoal e literário.Tem lido algumas obras primasda literatura clássica e moder-na. Mas semare gostou de fre-quentar as obras cientificas, es-pecialmente de psicologia. FazDoucos dias aue publicou, no"Demnrro+a". desta cidad". unibelo estudo psicolôligo -. "Dois1,tó'n1n. brasileiros". Tem Ido,tambem, os mestres da linaua,entre os a.n tittos -. Vieira e Ber-vrdes, e en*re os modernosfia, de Qwirós, Rui Barbosa eMachado dn Assis. Dessa leitu-ra dós mestres, resultou, talvez,canela sua linguagem colori**.,f ç*t.*cme dn impurezas. Dos ve-rbn<-, livros. *ntn Xnvia-r Marauesespio'*' estima aos "Pcns*m?n.to." de M*rco Aurélio e aos"?,n'.a.'os", do ilustre Montai-n-ne, Ihiras esses aue talvez ha-jam bastantemente in'l"*do narcn^i(coc""~< d" ""tí e-nírito.

Dos amigos de infância, ne-nhum mais lhe resta. Deixoud: faser versos, embora fossemversos seus primeiros trabalhos.Produziu-os o entusiasmo poruma data histórica de sua 'lha

natal, o 7 de janeiro. Não con-táva ainda dezoito anos guandoproduziu o sr. Xavier Marquesessas poesias do sentimento pa-triótico. que é a essência de seusromances. Vem de molde reme-morar aqui um fato desse tem-po. Costumava o poeta, sempreque chegava o 7 de janeiro, es-crever uma poesia, para ser re-citada, no palanque, no dia dafesta. De uma vez. subiu ao pa-Ianque o sr. Coriolano Santos,ao depois funcionário públwo, erecitou uns versos gongóricos,em que se notava a evidente in-fluência de Castro Alves, ão hu-ijoismo predominante. No diaimediato, um jornal, notician-do a festa, declarou que o sr.Coriolano Santos ftania recita-do uma linda poesia do sr. Gui-lherme Rebello. Era já redatorda "A Baía", nesse tempo, o sr.Xavier Marqfies; e, numa no-ttefa eiuciiiaíiiia, clamou aqueleórgão que os versos eram dn la-vra de sen redator Xavier Mar-quês, e ndo do sr. OuilhermeRebello I Coriolano Santos, porsua vez, desmanchou o equívo-cn, pois era amigo Mimo do sr.Xavier Marques, de quem haviadecorado os versos. Mais tarde,serviu o mesmo Coriolano deportador dos originais dessesversos das "Insulares", enviadosentão velo sr. Xavier Marquesao escritor Valentim Magalhães,nara os prefaciar, escrevendoValentim uma carta prefácioetogiost,. Foi. portanto, o po-triotismo quem lhe pôs na mãoa pena de escritor.

O sr. Xavier Marques adoraa ilha de seu nascimento, a quedeve seu renome de praieíro. E'um ilhéu. Durante o ano, passalá dois meses cm Itaparica, on-de escreveu quase toda a "Jannae Jõcl". "Pi^dorama" e parte ão"Sargento Pedro". Sua modés-tia é característica. Distánda-o.como uma natureza literária àparte. Nâo pensa em se candi-datar a nenhuma honraria. Nãoquer isso dizer que as honraria»

nõo sejam dignas dele. São-no, Xavier Marques, chegando a ine chegarão um dia. cluir, deste nosso escritor, ex

certos em sua famosa "Lingua

* * vernácula".

Teem certos pormenores da vi-âa do escritor, para o públicoque o lê e admira, a raridadedas pérolas. O sr. Xavier Mar-quês é um escritor lido, e assásadmirado. Penso, por conse-quêneia, que qv.aisquer minu-dências de seu inicio literáriointeressarão geralmente. As quese aqui vão ler são uma novi-dade, principalmente para osque desejam conhecer parti-cularidades da formação literá-ria do romancista itaparicano.

Estreou-se na imprensa o sr.Xavier Marques, como redatorde um periódico, de um palmoapenas, intitulado "Cosmos",

que se publicava em Itaparica.Tomando a sério a função dejornalista de aldeia, atacou,numa critica, o -!stadi de ruinado cemitério, local, mantido poruma irmandade religiosa. Eraresponsável pela conservação docemitério um seu padrinho debatismo. Este, por causa do in-flamado artiguete, deixou delhe falir. ae lhe deitar a ben-ção! Foi este o primeiro ossodc ofício que experimentou odelicado artista de "Janna eJoel".

Nos primeiros anos, na im-pre"-*. fsta ca«"-*l. tr"»» "'e

polêmicas diversas, motivadaspor críticas literárias. Ousouaté mesmo criticar, naauele seucomeço, numa série de artigosjá pensados, o notável poetaJoão de Britto, que era um con-sagrado, e nunca ninguém seatrevera a discutir-lhe os mért-tos. Essa critica, por isso mes-mo. aansoil a mnirr tiwressóo.O critico recebeu até ameaças,mas nrosseouiu. Azedara-se acritica, a ponto de João de Brit-to, aue era excelente poeta maspèsstmn prosador, convidar, pa-ra o defender na imprensa, ojornalista ^instância Alves,atualmente digno diretor da Bi-blioteca Nacional, no Rio de Ja-nelro. Anos depois, reconcilia-ram-se os dois: e o sr. XavierMarques não fe- cabedal daane-lns escritos. Acabaram comobons amigos. O sr. Xavier Mar-oues considera-o um dos poetasd; mais apuro e correta lin-guagem.

* * *O nneta engenh^ro Alcx^n-

dre. r?t5es ofereceu-lhe um ex-emn'ar de sen livro "Floresd'A.lma". nn qual incluiu umsnnetn oue lhe d*ft.*nou um «íí-dre. creio oue residente em Joa-retro. Dando com esse sov*o von*lnme, verificou o sr. XawerMaraues nue era um soneto seu,"f-nsU V>rbí". ffn^-nnft WihitHvi-do o titulo d' "Lei da pintaria"!O sr. Xovior Mamues mantinhauma sef"0, nes?* temno. no"Jornal de Noti*M°". e. numartiao: "Pega..." i»»n««"*"K ',r,ifititn vergonhoso. O plagiariaemudeceu.

At^dn nuando iniciou o sr.Xavier Marques a sua vida deImprensa, o jnrnttVsta *? pote-mista mais temi''"'da Paia erari pr^tPtsnr e tflnl^nn Rn.im.nn-dn Bi-arHa. in fnl»"1**, entãoredator dn "ninrio de N^tíc^s",de evi" redação tombem tacovarte. Por caus» de nm art*»osobre o renome de ivfern"*^ dnsclénios, travou n sr XavierMarques cnm ^"'muvf.n B!-ar-ria forf.e d{sc^'"ff,o- *nt a mti-ivWentn de fnrfTç. Vno se co-rthpfíiam os contewrfnres, Annsm"*v tov^e. fw.oo*,tff*rrt*n. - stambos redatores de "A Paia"i*irtt9»da neto rrónrio CastroP.ebeln, Daí por **íf,nté se mns-tron Raimundo B^orría um dosmelhores, doa mnis cordíaisamigos e admiradores do sr.

* * *Vm seu compatrício Manuel

Rosentino, tambem poeta, ha-vendo publicado os "Sonetos eSonatas", pediu com insistênciaao sr. Xavier Marques que lhefizesse a critica com todq o ri-gor. Fez o sr. Xavier Marquesuma critica rigorosa aos "Sone-

tos e Sonatas". Mas, apenas saiupublicado o primeiro artigo,surdiu Manuel Rosentino naimprensa a se defender, resul-tando dai uma outra polêmicapara o autor da "Cidade Encan-fada". Depois dessa polêmica,mantida com um colega a quemmuito presava. e que foi seu ca-murada na "Revista Popular",editada aqui mensalmente em1897, e na qual saiu publicadoo primeiro excerto de "Boto &Cia.", protestou o sr. XavierMarques não mais fazer critica,somente escrevendo sobre os H-vros que em tudo lhe agradas-sem. Escreveu, mesmo, uma es-riécie de aforismo, com o titulode "Contra a Polêmca", con-vencido da inutilidade dessasdiscussões de que o amor pro-prío è a alma.

* * *O psnsrcíor da "Arte de Es-

crever" já escapou de ser assas-r-Tindo !

No governo de Rodrigues Li-ma. era o sr. Xavier Marquesrcrlator político do "Diário duBaia", em ovosicâo. quando sedeu o hediondo assalto ao mes-mo "Diário", por policiais a pai-sana. Nessa noite, nara fuair amorte teve o sr. Xavier Mar-av.es aue saltar, como seus com-vanheiros. a janela do -noirmen-Foi-lhe este. certam-vt* o maisto térreo dnqu^e "Diário*...duro osso do oficio...

* * *Bstítie ontem, a conversar com

o sr. Xavier Marques na inti-m*dade.

Metido em sua roupa de brimlistado, d vontade, de uma gran-de magreza camiliana, o cabelomeio embranquecido, o bigo-de sem alinho, achei-o, em seuncolhimento, deveras parecido

com o retrato aue lhe fez Nes-tor Vitor. nos "Três romancistasão Norte": "Xavier Marques,embora de figura um pouco maisque mediana, é magriço, enco-Ihido, como se fosse recolher-se, desmontado, a um estofo,lembrando o tipo insosso de umtabelião de provincia."

Na adolescência, pintou fiores.

Gostava de pintar umasrosas, grandes, encarnadas, -disse-me o romancista.

Música ? Começou a apren-der, e chegou a tocar violino, eviolão. O violão, inda vive comele, como um amigo leal, comoum instrumento de consolação.

Qual o romance que lli*deu maior lucro material ?

Até agora "O Sargento Perdro", que já se acha em segun-da edição, contratada pelo edi-tor Romualdo Santos, da Livra-ria Catilina. e teve o prêmio daAcademia Brasileira...

O sr. Xavier Marques ê, finai-mente, a simplicidade em pes-soa. Na sala das visitas, em queele conversa, suas palavra*,lentas e ponderadas, como quiesparzem à roda um doce am-ma de bondade imensa. Juntoao grande romancista, tão cn-municativo. e simplissimo ê ele.E nesse deslumbramento, olhona parede, alguns quadros-, um,o barquinho de vetas enfuna-das deixando a praia, pinturaque lhe ofereceu Robespierre deFarias, sergipano; outro, repfn-dução ia enseada bafaria "Pe-

A arte de Inglezde Souza

XAVIER MARQUES

Mas Inglez de Souza não foium mero pintor de esplendoro-sas paisagens. A vida com asua harmonia superior, na»energias cegas ou concientes de»instinto e da razão, igualmenteibe põe cm jogo as robustas ia-cuidados representativas. Kvo-cando-a com intensidade, eratoda a extensãd"c multiplicidadedos fenômenos respectivos, éque ele se privilegiou com osforos da grande arte e se (ezum revelador de almas ou, co-mo se diz na República, dc l'la-tão, um criador de fantasmas.Apesar da simplicidade dosseus processos literários, justoé sc lhe reconheça; com Arari-

pe Júnior, o vigor da imagina-C,ão. Tratando-se de literatura,c comum associar-se a essa pa-lavra a idéia de translaç,f„, me-tafórica c quase reduzir a ima-irinação àquela que se manilis-ta nu estilo por uma profusaeflorcscência dc imagens ver-bais, A linguagem de Inglez deSouza, correntia e singela, cia-ra e luminosa, não se priva emabsoluto desses recursos trans-láticios, de que nos dá especi-mes fortemente pitorescos.

Opiniões sobreXavier Marques

Opinião de Nestor VictorXavier Marques ficará na li-

teratura bras;ieira como um

desses mestres dis:retos, porqueos sabedores de gosto teem cul-

to preferencial, e esse culto crês-

cera no seu caso à proporçãoque o tempo lhe vá aumentandoo valor, com fazê-lo restrospe-ctivo.

Se ele encarasse as coisas poi-um prisma mais seu, de cor

mais definida, como aconteciacom Alencar, ou ainda, se tives-se uma filosofia superior comotem, mas menos neutra, marca-da com mais cunho próprio,como se dava com Machado deAssis, ainda maior fora o seumérito e mais possibilidade eletivera de impor-se ainda emvida a um circulo de admirado-res menos restrito do que os

que tem hoje, embora contra si

persistisse a grave circunstán-cia de não poder fazer políticaliterária, achando-se longe doRio.

dra furada", de Pinto Bandei-ra. fluminense, tambem o fere-cido pelo autor; e um outroainda, do pintor baiano Presci'liano Silva, com uma cena deBretanha.

O sol, numa ralada de luz. in-vade a sala, ferindo a vista doescritor, que acaba de ler, a meulado, umas paginas, com o h-vro multo próximo dos olhas.Soergue-se o romancista, vaicerrar a porta envidraçada...Despeço-me, penetrado daquelasua redução moral e intelectual,daquela sua bondade extrema-mente simples; e é através des-se seu temperamento que euvejo, lá fora, vor esvão da por-ta envidraçada, o céu infinitodc um azul esmaecido de aqua-rela..,

«"'Vários escritos" — Baía r-1916).

.-.- ..- .- -_* ,.-« ,DOMINGO, 7/12/19»

SUPLEMENTO LITERÁRIO D',\ MANHA — PAGINA 31,5

Tfdcli líqiOSdS c/d fiiçoes religiososO culto do Senhor do Bonfim, uma das mais vivazes tradi-

ções do Brasil, basta por si só para documentar a maneira comoo povo baiano entretem as suas relações com o Divino e cultivaas suas crenças católicas.

Já estamos, é verdade, um pouco longe dos pomposos olta-vários cm que o alto do Bonfim, e toda a península por ele domi-nada, se povoavam de caravanas vindas do Recôncavo, dos ser-lues da provincia e de alem do rio São Fran.isco, para tomaremparte na representação do estupendo mistério que tinha por tea-iro a airosa colina de Itapagipe. Ainda em 1881 podia escrever,sem exagero, um cronista local, que ã importante festa do Se-nhor do Bonfim, a primeira da Baia e talvez de todo o Brasil,acudiam mais de trinta mil pessoas de todas as classes e de todaa parte. Hoje o sertanejo contenta a fé indo mais perto dos seus-gerais", á gruta do Bom Jesus da Lapa. o habitante da mata edo Recôncavo, vai ao santuário de Nossa Senhora das Candeias,a Lourdes baiana. As peregrinações a Itapagipe diminuíram devolume;-as casas dos romeiros já se alugam a famílias da capi-tal, para as estações de verão e mudança de ares.

O programa da festividade externa também sofreu modl-íicações que a grande massa dos crentes, diga-se a verdade, nãoaprovou, mas a que afinal se resignou, coagida pelas reiteradasproibições eclesiásticas, a que, todavia, foi preciso o reforço dapolicia armada.

Na quinta-feira da oitava do Bonfim, era costume antigo aaplebe fazer a lavagem do templo. Essa lavagem, á parte sua in-ttnção inicial, lembra tudo quanto, no correr de 1534, interdizia emPortugal o bispo de Évora: "Defendemos a todas as pessoas eclesi-asticas e populares, de qualquer estado ou condição que sejam, quenão comam nas Igrejas, nem bebam, com mesas nem sem me-sas; nem cantem nem bailem em elas, nem em seus adros, nem osleigos façam seus ajuntamentos dentro delas sobre coisas profa-nas; nem se façam nas ditas igrejas ou adros delas jogos alguns,posto que sejam em vigília de santos ou de alguma festa, nemíepresentações, ainda que sejam da paixão de Nosso SenhorJesus Cristo, ou.de sua Ressurreição, ou nascença, de dia nem denoite, sem nossa especial licença, porque de tais atos se seguemmuitos inconvenientes, e muitas vezes trazem o escândalo no. co-ração daqueles que não estão mui firmes na nossa santa fé ca-tólica, vendo as desordens e excessos que nisto se fazem".

A "lavagem do Bonfim", tantas vezes suspeitada de africa-nlsmo e selvagismo, tem, como se vê. os seus antecedentes, oupelo menos, os seus precedentes históricos na velha e civilizadametrópole portuguesa. Era, na verdade, um pandemonium àsportas do céu, uma assombraso bombochata, cujas liberdadescom o sagrado chegaram ao delírio da irreverência. E perdeu-sc. por isso, aquele pitoresco e eloqüentíssimo quadro vivo decostumes.

Quem se não recorda, na Baia, dos longos séquitos de agua-tíeiros e carroceiros a guiar cavalos e muares enramados comJulhagem de pitanga, e barulhentas carroças atacadas de lenha,peja Calçada do Bonfim até o adro da igreja, onde jà tripudia-vam crioulas e mulatas, gente de todas as castas e matizes, combateria de tinas, bacias, eslregòes e vassouras? Quem a viu,que a esquecesse, aquela extraordinária testa de água e álcool,aquele enorme disparate de benditos e chulas, de rezas, e gar-guinadas, de gestos con tri tos e banbeleios impudicos? A Venushotentote lá exibia as suas opulências carnais e os seus reboladosue dansarina. Os ranchos de aguadeiros, despejando os barris,sambavam com garganteios estentõreos. Soavam bacias como si-nos rachados. O estrépito das palmas formava um matraqueárensurdecedor. Num mesmo instante joelhos que se dobravamante os altares estiravam-se agilmente nos passos e voltas deatrevido fandango. Enquanto as vassouras chapinhavam nas la-res da nave, olhares caprinos, incendiados em chamas alcoôli-cas, devoravam colos negros e impantes, onde as contas do ro-sano vibravam como guizos de mascarado. Não faltavam ao es-petáculo nem as gaiatices do espirituoso capadócio, nem músl-cas apropriadas ao fim da colossal pagodeira. Os excessos pro-vocaram a hostilidade sistemática do clero e da imprensa. MastJveram que suar o topete antes que a lavagem se curasse dosseus desatinos e loucuras de enttudo. Anos houve em que asportas da igreja, trancadas por ordem superior, se escancararamcomo por encanto à invasão das hordas devotas. E o dilúviorepetia-se.

E' assim que se expande o catolicismo do mestiço baiano: a«ua religião, slnicera e profunda na conciência, nâo dispensa, pornenhuma consideração, o aparato e o estrondo carnavalesco.Ele crê e ora, ouve missa e comunga, mas nâo faz voto de renun-ciar o prazer de dar vivas ao santo como dava outrora á passa-tem do carro do caboclo, em 2 de julho.

Murmurou-se muito, aqui há tempos, contra certas medidasrestritivas tomadas pela autoridade diocesana acenta das pro-cissões, e contra a ordem, emanada do mesmo poder, que vedouàs filarmônicas e bandas marciais tocarem no recinto das igre-jas. Porque tudo isso é necessário, é indispensável ao tempera-mento religioso deste alegre povo, como são as bombas, traça-rias e girândolas durante a missa festiva. Com ele perdem o seutempo os zelosos pastores evangélicos, que tanto se afadigampor atraí-los às cerimônias frias, simpllsslmas e severas das suasS"itas protestantes. O baiano quer entrar no céu, mas cesr. alar-do e fanfarra.

A festa do Bonfim continua a congregar no formoso bairroa maior massa de gente que para essas devoções costuma mover-»* de fora e dentro da cidade.

Ou porque o Senhor daquele outeiro lhe prodigalize maispraças, ou porque o outeiro onde se eleva a casa do Senhor ofe-'eça campo mais propicio aos folguedos do povo, o certo é queité hoje, e jà vai em caminho de dois séculos, nenhuma festa deIgreja, nesta terra de tantas igrejas, tem logrado a popularidadeoesta. Não hà invocações novas ou antigas que consigam abalaro trono de ouro do divino Bom Jesus; não há milagres que escu-jeçam a fama dos seus milagres, nem para os convalescentes,ligados por promessa, há ladeira mais suave de subir do que essaQue em dois lanços conduz ao adro Bonfim. A cera e os óbolosr,e que se sustenta o culto, sejam quais forem as crises das finan-ças profanas, multiplicam-se com0 os pães da Escritura.

Com o seu produto ter-seria feito ali um templo de ouro.O ofício anual é sempre rico e deslumbrante. Mas a grande,a mcomparavel festa é cá nos foras, ao ar livre. Reprimida a li-cença da lavagem, èste povo, tão interessante na manifestação da

tua religiosidade quanto engenhoso no prazer, instituiu a "se-Eunda-feira do Bonfim", que é um suplemento à semana festiva.

Paraliza-se o comércio, fecham-se oficinas, amortece a ati-vdade nas fábricas, os jornais suprimem as tiragens, a criada-Pem deserta à caia dos amos, a cidade Inteira cal num silênciod* tapera. Pa segunda-feira. Todo o movimento, toda a vida«Mu ae desloca para o arrabalde com a «ua alegria atroadora.

âlÕ " Xavier MarquesA empresa dos Carris Elétricos foi uma obra da Providência. Aintrodução do automóvel veio completa-lo. A.s legiões da loliamarcham e contramarcham, revolvendo a poeira de Itapagipe.Há corsos e coros ambulantes; há banquetes nas ruas, cora mu-sicatas, violões, modinhas, sambas, concertos. Uma infemeira di-vertida.

Cada ano a musa da jogralidadê rebenta em novas e desopi-Jantes produções. Há alguns anos cantou-se no Bonfim, e de-pois na Baia inteira, uma espécie de ária burlesca, muito ex-pressiva do delírio jogralesco do povo; Depois de uma quatírinhaqualquer, mais ou menos disparatada, vinham uns dísticos nestegosto:

"Macaco, tua mãe tem rabo." — E' n diabo, é n diabo, ("Macaco, tua mãe ê morta."— E que me importa, e que me importa."Macaco, tua mãe morreu."— Antes ela ão que eu.

Ao findar a série, respondia o coro:'Ai! ai! ai!"Eu não era assim."Foi coisa que me fizeram..."Segunda-feira do Bonfim.

Assim é o povo na afirmação dos seus instintos e sentjmen-tos religiosos. Orando e folgando, ele nos dá a um tempo um es-petáculo delicioso e piedoso, talvez paradoxal aos olhos daque-les que só encaram na religião a austeridade das cerimônias e oalto objeto do culto mas certamente um espetáculo humano, ouuelo menos brasileiro, especialmente baiano, em que hà lugarpara todos os júbilos e exteriores testemunhos de conciliação coma vida, por intermédio do supremo mediador, só não havendolugar para a hipocrisia.

Viajantes ilustres, alheios dessas formas cultuais e mais ain-da do nosso temperamento, dos costumes, das tradições popu-!ares desta parte do pais, notaram com estranheza, desde osprimeiros tempos da metrópole brasileira, semelhantes modali-des religiosas, que não deixavam de explicar como caracteres ouindícios de barbaria, Foi um desses turistas e críticos o fran-cês Mr. La Barbinais le Gentil, que empreendendo uma viagemde circunavegação, saltou na Baía, em 1717, presenciou noarrabalde e contou depois uma das nossas festas.

Era objeto da festividade um santo que ele confessou desço-nhecer: era São Gonçalo, que também se venera na igreja doBonfim. O estrangeiro foi à festa com o vice-rei e os fidalgos dacorte. E qual não foi o seu espanto ao ver no meio da turba debrancos e negros, entre plebeus e escravos, meter-se também ovice-rei com os seus gentis-homens a dansar e a dar vivas aosanto! Então, confessa o próprio viajante, vendo-se instado pelosgrandes da cidade a deixar o simples papel de espectador pelo deator, teve que entrar na roda com os devotos dansarinos.

Este fato, narrado pelo viajante, é, sem dúvida, uma passa-gem gloriosa na crônica dos alegres festeiros do Bonfim. Provaque qualquer Mr. le Gentil, vivendo na aldeia, acabará por tor-nar-se caboclo.

O culto do Senhor do Bonfim, que dá ensejo a erupções deprazer semlhantes, é também a ocasião dos extremos desafogosda crença .baiana. Nos dias calamitosos, nem os indivíduos nema cidade, coletivamente, conhecem outro remédio para recon-forto da alma devastada pelas dores físicas ou agonias morais.Assim tem sido sempre. Assim sucedeu em 1855, quando o cólera-morbus lançava um sudario sobre a Baia. A imagem do Senhoríoi trasladada processionalmente do Bonfim para a velha Sé eaí cercada das preces do povo. Legitimo intérprete da fé popular,recolhendo e concentrando todas as vibrações do sentimento cris-tão da sua terra, o poeta repentista Moniz Barreto, ao ver desfl-Jar a procissão, prorrompeu nestes carmes ungidos de pura ins-piração sagrada:

ENTRE A MORTE E A PE-

Voa por toda a parte a morte fera,E a fome unida a ela, investe horrenda!A arte, a caridade, na contendaDo mal, se é grande, sem proveito operaErmas duas cidades (quem dissera!)A cena afetam, que se vê tremenda!No horror que a novo horror maior $e emendaSó vale a crença que num Deus espera.Sim, sois vós, meu Jesus! sois vós somenteEm tão negra e medonha tempestade,O certo amparo desta aflita gente!Dos homens esquecei a iniqüidade;Dos filhos se condoa o Pai clemente;Meu Deus e meu Senhor! Perdão1 Piedadel

Rezam as crônicas da cidede que, no governo do vice-rei con-de de Atouguia, o capitão de mar e guerra Teodosio Roor.guesde Faria, sendo grande devoto do Senhor Crucificado, que era ve-nerado em uma eapelinha nas proximidades de Setúbal, em Por-tugal, trouxe de Lisboa para a Baia uma imagem do mesmo Se-nhor feita pelo modelo e à semelhança daquela.

Corria o ano de 1745. e era arcebispo da Baia D. José Bote-llio de Mattos, quando pela Páscoa da Ressurreição foi a ima-i;em colocada na igreja de Nossa Senhora da Penha de Itapagipe.O ato se revestiu de solenidade e pompa, e as multidões come-caram a peregrinar para a Penha, afervorando a devoção. Ha-via o marinheiro português prometido edificar um templo con-sagrado ao Senhor, e não descansou. O sitio escolhido foi essafíraciosa colina que tantas gerações de romeiros teem periustra-do há cento e setenta e cinco anos. Cerca de um decênio depoisde iniciada a devoção na Penha, erigia-se naquele cimo a capelado Senhor do Bonfim, sendo a imagem para lá transportada em24 de junho de 1754. Decorridos três anos, falecia Teodosio Ro-drigues de Faria, cujos despojes tiveram sepultura rasa junto aopresbitérío da capela. — Mtf

Correspondência de escritores

Uma carta c/e Al-fredo de Carvalho

a Xavier MarquesRecile, 19 de setembro de

1911.

Meu ilustre confrade sr. Xa-vier Marques.

Pego aa pena pnra lhe d zerejuc ucako de ler, cem iin.nsodeleite, o seu último livro, "OSargento Pedio", leitura pia-zentissima pela qual eu há mc-srs ansiava e que só agora mepermitiu o desleixo dos nosso*livreiros, só preocupados dcimportar publicações csl rangei-ras e descurando, por completoa vulgarização das boas obrasnacionais. O assunto da scuromance sempre me pareceu so-bremodo atraente e felicito-opelo proveito que soube tirardo pitoresco daqueles cenários,onde se desenrolam as peripe-cias e sc agitam as personagens,todas tão características e pe-atlinres, do episódio, talvez,mais heróico das nossas lulaspela Independência.

Folguei tainbcin muilo emobservar que o dominou o desi -jo de atender sempre fielmenteà verdade histórica, abeberan-âo-sc nos cronistas contanpo-roucos, entre os quais cila ociriirgião-tnor Bernardino Fer-reira Xóbrcga, aulor da "Mc-vwria Histórica jobrç as vitó-rias dos Itaparicanos '.

(Uaiu,Tip. Imperial, Nacional \S27,ui. 4.° VlU-K2fp. 1 jl.,com1 mapa).

Ora, sucede que este livro eum dos poucos que, há muitosanos, procuro inutilmente in-Corporar à minha bibliotecabrasileira c como o sr., plausi-vclmcnte, no decurso dc suaspesquisas, há dc ter deparadocom um exemplar da obra ei-tada, peço-lhe a especial finezadc me informar sc conhece ai-guem que, possuindo um exem-plar completo da mesma, quei-ra sc desfazer dele por um pre-ço razoável. Digo preço razoa-vel, por que s,i ser o livro as-sãs raro; mas, não ignoro ovalor exagerado que entre nósatribuem os profanos aos pre-tensos cimélios. Incumbindo,há tempos, o nosso comum ami-go sr. Cons. Joào Torres dcmc obter um bom exemplar dacitada "Memória Histórica",autorizei-o a pagar pelo mesmoaté a quantia dc 50$000, preçoque continuo a manter.. .Dcscutpc-mc importuna -l ocom este pedido, mas — "e/i-ciai do mesmo ofício" — o sr.bem sabe que neste particulardc procura dc livros velhos,nós, estudiosos brasileiros, nãopodemos contar com o auxiliodos livreiros dc profissão c te-mos que nos ajudar uns aosoutros. Aprovcito-mc do cnse- -jo para agradcccf-lhc a remessade um exemplar da sua exce-lente "Vida dc Castro Alves'';brevemente espero poder en-viar-lhc o meu "Aventuras eAventureiros no Brasa", queestá a sair do prelo.

Sempre eo seu dispor, aquipermanece o admor. e confde.obgmo.

(A.) Alfredo de Carva»».

27, rm Aurora.

ra. _•*_¦¦:-

VACINA MS — SUPLKMRNTO LITKRARIO D'A- MANHADOMINGO, I 1! 1HI

POR UMA BAÍA NOVA-x-ek^A Baía é, sobretudo, a ter-

ra do passado.O passado, como um relica-

fio, encerra o melhor dc suas

glórias e, entre todas, a que elanunca jamais excederá nos mi-lènios tjue viva: a campanha daindependência nacional.

Quando a olhamos, aprolun-dando a vista pelo pórtico dasvelhas crônicas, apercebemos Iaan fundo a vida formiganle daCülmeia colonial. E' como umagaleria subterrânea (pie se nosdeparasse de súbito, com a vi-«ão deslumbrante de tesourosnão suspeitados. São os tosou-ros históricos acumulados emtrezentos anos de gestação ar-•lua.

A Baía é a mãe da civiliza-•ção brasileira,

Nu século II du descobrimeii-to, o cenário inaiano enquadra acoleção mais variada e drama-tica ile sucessos, episódios c ti-

pos históricos. Quase todas airaças du globo ai >e encontramem presença, desde u índio e onegro da África até u corsáriourdiu i, o íidalsfo espanhol, omarinheiro batavo, u soldadoflamengo, o cigano hargante, o

judeu mercador, o colono por-tugués e o mestiço brasileiro.Atravessam ri cena fruerreando,conqui-tando, tratem ízandn, la-botando, príncipes e aventurei-ros, bispos, vice-reis, capitães-ni"iTs, íi-ailes, mcsU-irais. Lutamraça.-*, bandeiras, armadas, reli-giões, cclros, instituições e lin-

guas. A cidade dn Salvador euma fornalha, forja e labnraío-rio de onde não se sabe queamálgama resultará. Tais fiyu-ra-- transitam, e cum tal garbo,entre as portas de São Bento eas portas do Carmo, que nos

parece hoje viviam ali despre-

gados da tela os arcabuzeirosMolsl e os capitães da "Run-

da", de Rembrandt, no seu lu-301 exótico de giliões dc seda,botas de Ini falo e sombreiroseniplumados.

Os tempos eram de fortaleza« bravura. Pululavam heróis-nios interpolando o terror dos

perigos que vinham das selvast dos mares. Q bispo trocava obaculo pela lança e o raquete

pelo saio de malha. As roquei-ras e os falcões de bronze uãoesfriavam. Uma popu!ação( va-riegada e pitoresca de arteza-«os, clérigos, desembargadores,almotacéis, marujos, cristãosnovos, ouvidores, contratado-tes, mosqueteiros, bomba rdei-ros, sargcntos-niores. inueba-chás e escravos enxameava naRibeira das Naus, no Terreirade Jesus, Ajuda, ruas do Cole-

gio e dos Mercadores. Contraos vicios c corrupções vibr-i-Tam as sátiras de Gregório deMaios e as apóstrofes do padreVieira.

A pena e a imaginação evo-cativa de Alencar apenas ence-taram nas "Minas de Prata'"esse filão inesgotável.

Nesse viver lariríntico trêslongos séculos se consumiram.Tantos furam precisos paraque, soi> o regime do colonato,surgissem nas capitanias doBrasil, centro e litoral, algumnúcleos urbanos onde se con-centrava a nossa atividade.

Na Independência, já o baia-ao nativo encheu a moldura4os acontecimento*. E não hou-

ve, depois desse lance magnifi-co, ensejo perdida pelo pátrio-ti sino dessa gente ciosa de con-servar intacta a obra cimentadacom o seu sangue.

A Itaía chegara ao apogeu;c por aquele tempo poude ser aLxpressào mais alta da civiliza-tão da América portuguesa.Mas ao passo que ascendia como Império até a supremacia polítiea, ia permanecendo estra-nha ã concorrência econômicae como que à margem da cor-rente, fora da lei do progressoque atuava irresistível em ou-trás províncias, Encerrava nmaépoca. Parecia não ambicionaroutro destino que perpetuaraquela cultura dc que era para-digma. Du espírito renovadorda época subsequente resguar-dava-se com obstinação que setornou tradicional,

Como explicar semelhanteanomalia?

Tentei fazê-lo, sem desdouro,antes com honra para ela, mastambém sem ilusões, diante damentalidade moderna quanlo ãplausibilidade dos seus princi-pios diretores.

Tendo predominado longosanos na política do país, a Unianão se aproveitou da sua hege-mon ia para engrandecer-se acusta das outras províncias. Oespirito particularista, sob a fei-cão egoísta e ciumenta de bair-risuin, nunca foi o inovei dosseus homens públicos. Politi-ros, estadistas, os maiores entre(des, os que atuavam em qu:il-qiuT grau na opinião dos seusconcidadãos, invariavelmenteencarnaram princípios e agiramem nome de interesses nacio-n;n's. 'A liberdade de comérciocom o mundo, a organização dajustiça, a instrução pública, ai-relações internacionais, a extm-cão do elemento servil, a vei-dade eleitoral, os meios de.transporte, a federação das pro-víneias, a abolição da cscniwuu-ra, a defesa das instituições ;u-radas, cada uma dessas grandesteses, questões e conveniênciasgerais, evoca de pronto um no-me ilustre enlre os representa-tí vos da antiga capital brasüei-ra. Inspiração nu governo

ou nos altos conscllios governa-incutais, eles não a pediam aocampanário. Este, contraria-mente, ficou sempre esquecido,sacrificado, pela visão amplados Cairús, Zacarias, Ferraz,Nabuco, Rio Branco, Saraiva,Cotegipe. A Baía teve em to-dos os tempos viva conciênciada sua responsabilidade peraníe a história, como iniciadura ediretora da cultura nacional.Podia ser a terra mais adianta-iada do Brasil. A partilha, po-rem, que ela disputava coinincxeedivel ardor era nos sacri-ficios que à nação se impunham.Este idealismo patriótico lheacarretou conseqüências deplo-raveis, principalmente do pontodc vista do progresso material.Mas a sua mesma rotina ates-ta que, longe de autorizar afantasiosa legenda —- "a Baia cdos baianos", ela, como nenbu-ma outra porção da Pátria, temsido dos brasileiros.

A Baía, portanto, estacionounesse tipo superior de civismo.Na classe dirigente o sentimen-to nacional extremado em pai-xão, preterindo o provineialis-nio que se afigura unia traiçãoã grande prática. Xo povo apersistência do espírito colonial,que era a abstenção de todainiciativa, homenagem cômodaà providência tutelar da metrô-pole, de onde vinham o bom eu mau tempo. A abstinência dcação favoreceu na ciasse médiaa cultura das faculdades imagi-nativas c estéticas. Tivemosum florescimento raro e preço-ce de espírito literário, belasartes, poesia e eloqüência. Acra-dem ia, salões, teatros, outeirospoéticos, certames oratórios nasassembléias políticas, no púlpi-to, no foro c na praça pública.1 lôspedes lisonjeiros chama-vatu-nos a raça ática do Bra-sil. Realmente, (pie povo deoradores era céo povo baiano!A Baía, entretanto, precisou.muitas vezes no decurso dahistória que a tivessem adver-tido com a palavra de Séncca:Non est loquendum, sal guhcr-nantum. Tradução livre. "Não

se trata de falar, mas de con-duz ir o navío". Dionísio, dizMoulaiguc, zombava dus gra-

mátícos que cuidavam de inqui-rir dos males de Ulisses e igno-ravani os próprios males; dosmúsicos que afinavam suas flau-tas e não consertavam seus cos-tumes; dos oradores que apren-diam a dizer justiça e não apraticá-la.

Se a Baia tivesse sabido corn-por a sua equação de idealismoc utilitarismo, ofereceria aindahoje o mais elevado índice dccivilização brasileira. Faltou-lhe a visão realista dos proíis-sionais e técnicos, economistas,administradores e estadistas quemuito posteriormente fizeramde São Paulo o esplêndido fio-ião das energias construtivasdo Brasil. Digo do Brasil e nãoda raça, porque não sei se nãohaveria despropósito em con-siderar no caso este fator, semembargo de já começar-se a ta-lar em uma "raça

paulista". Araça paulista é a mesma raçabrasileira com menor influxo dosangue africano de que se embe-beram as províncias do norte.Os bandeirantes pertenciam aomesmo tronco de onde saíramos cabos tias nossas "entradas",

Será mister esticá-los demaispara chegarem até ás conquis-tas industriais do presente.

São Paulo em 18655 era ain-da a cidade bisonha c sombriade que troçava Castro Alves emcarta aos seus amigos do nor-te. A Paulieéia era a terra onde não havia senão frio siberia-no: "casas, mas casas de Tc-has; ruas, mas ruas de Cartago. Casas epie parecem feitasantes do mundo, tanto são pre.-tas; ruas que parecem feita;depois do mundo tanto são de-sertas..."

Ora, o deserto se povoou atrausliordar. Imigrantes nacio-nais e estrangeiros foram atrai-dos sábia e previdentemente àfria Sibéria... E sc os baianostiveram o grande poeta para íi-sonjear-lhes a superioridade re-lativa de há meio século, ospaulistas tiveram o espírito prã-tico do seu escol social para as-sombrar os nossos canaviais emflexa com a "onda verde" doscafezais.

A Baía histórica não desme-

O romantismoXAVIER MARQUES

O romantismo teve aqui uniaação considerável e duradou-ra, influindo em todos usramos da nossa atividade cs-piritual. Como em toda a par-te, escapando a estreiteza dasfórmulas e definições, incom-prcensivel e difuso, ele formaum ambiente em que o espiritosc impregnou dc aspirações cidéias novas. Considerem ti,,unia reação individualista coii-tra o gosto clássico ou o rac;*nalismo, um reflorir das tradi-ções e crenças místicas d* uli-de média, a predominância Ioidealismo, da imaginação, iaintuição, do sentimento, o ro-mautismo foi, cm síntese, a ,\-pressão da mentalidade rem-venescida, que em princípio i',,\século passado começou a des-peitar na alma com uma u-são nova do inundo e da viriae diversa concepção das rela-ções do homem com o univr-so. Por ísso mesmo que partiude um conceito tão geral vm»a abranger nas regiões dn pcu-samento humano as nianifcy i-ções mais variadas: a moral. \política, a religião, a arte. a a-éncia, a literatura. Tsto se •¦•-rificou largamente no país i,\elhe assinam por berço. I .i« li-tcnberger especifica-lhe os eyi-tos: no domínio da ciêiu. i,opondo a especulação ideali- \ao empirisnío e ao método ^a-lítico; na esfera religiosa, 'i-

gando a alma ao infinito p, icontemplação direta das niaiü-víllias do cosmos; na on! -ii

política, suscitando o esto \..-triótico e o amor das insiit n-ções lentamente desenvolvidasno curso da história.

rece, não sc desluz. Seu pas^do in tangi vel é uma rique.que muitos povos invejan mMas há outros bens por que htar alem das glórias da inte:gência e do civismo. E, peipassos que tem dado nestes ulimos quinze anos. temosconsoladora certeza de que eacabará envolvendo-se, c ovontade de triunfar, na batal!de progresso que ora arrebatodos os Estados da Fcdcraç.nacional.

Dois sonetos de Xdvier MarquesO CATIVO

Metraflia horrível de ferinos dardos —

Cai ao longo da estrada serpejanteA luz solar, vivíssima, faiseante.Cozendo a sílica, eurijando os tardos.

Os verdes campos se fizeram pardos,Lavra no bosque o incêndio... o gado errante

Qual o mito da túnica abra/ante.Leva o pelo de fogo a passos tardos.

Descem do sol os raios mais a prumo,O mato estala, o chão despede fumo

E acúleo ardente mostra em cada espinho.

Desolação! Nesse lugar de assombro,

Pisa um negro, ele só, de encliada ao ombro,

Pausadameute a areia do caminho.

BAIXO RELEVOKua, dos pés sutis à branca espalda»Sobre o lendário chão da terra gregaSunji- a liacanlc c a ela já se chegaA multidão que em vinho o sangue escalda-'

flauta e címhalos sonm... Da grinaldaTingida a fronte, ao corpo se lhe apegaDo fauno ardente o olhar, a que se entrega.A loira coma o vento lhe desfralda.

Ei Ia que dansa e lúbríca palpita,E ao mesmo tempo os crótalos agita

Nas mãos de neve, uu sedutor aceno.

Dansa... E por fim, purpureada rosaTonta aplaudida, arfante, voluptuosa.Aos braço» cai de uni béuedo sile.no.

DOMINGO, 7/II/1M1

'* ¦*'-" ¦¦'-¦'¦¦ ..'-.., .,a,aa„..-„r.aaIJ-,,a,1, ..,¦>¦ ""!'.¦.!'. "¦-- ¦ "a-.*"'¦.m^i^l™^"£2!^™z!!T*!ZZ!T3t^R

SUPLEMENTO UTKSAKIO D'A MANHA — PAGINA Ml

Limitação da cultura -- XAVWRMARQUES

A tendência dos reformado-res sotvais, nos dias que correm,sc nao pôde dizer-se intensa aeducação e à instrução, ; aber-lamente contrária ao desenvol-vimcnto da cultura.

Todos os que se propõem afundar revolucionar.amente oEstado Novo e a dar novo senti-do a vida social, uma vez satis-leito o ímpeto demolidor, ape-Iam para a educação como onieio eficaz de assegurar a esta-bilidade da sua obra, erigiu-(to-a sobre alicerces profundos.Apenas essa tarefa educadoraeies a encaram dc um ponto aevista sectário antes que sócio-jogico, de um ponto de vista so-cioiagico antes que humano.TiaTa-se de formar sistemati-cimente o partidário no cida-dão, com a mentalidade espe-cifica do partido, em vez de for-mar com o cidadão o homemlivre para o livre exercicicio dopensamento, em outros termos,tíe dar aos espíritos "a formanacional e humana". Esse oprograma da escola revolucio-naria.

A educação trabalha o espi-rito inacabado dos moços e amatéria ainda mais plásticaque é a alma infantil. A moei-dade é reeptiva permeável a to-dos os fluidos que iradiam doshorizontes espirituais do mundo.As experiências mais perigosasteem para ela um sabor deaventuras. Isso diverte-a e lhefacilita a aprendizagem.

Não a desanima a decepçãode um dia, porque tem largotempo diante de si para repararos desastres. A infância é ataboa rasa ante a qual o refor-mador se acha inteiramente àvontade, nela inscrevendo osfinais que melhor correspondemá ideologia. Das suas mãos,como da roda de um oleiro, po-de sair a argilo sob as mais va-riadas formas. Tanto sai o va-râo como o eunuco, o santo co-mo o celerado.

Sáo inegavelmente homens detino e muita sagacidade os tê-circos da sociologia política re-volucionária. Podem fazer pro-sólitos empregando a força e aviolência, mas nâo se iludemquanto à eficácia de tal método.O proselitismo não se com-para com a pedagogia; dirige-sen homens feitos, fixados emhábitos e princípios, cuja rlgi-dez torna a sua adesão d'ficil efcçmnre suspeita de insincerida-dp. A propaganda pela tribunaou nela imprensa, acompanha-da ou não de constrangimento,por mais convincente que pos-sa ser, não produz resultadoscapazes de inspirar grande^confiança no futuro. A anoui-lose dos velhos não constitue.pnr isso mesmo, séria preocupa-Cão para o reformador: quandoa resistência se prolonga, remo-vc-se a dificuldade com o os-tr»«! smo dos irredutíveis.

Por meio da educação, daeducarão formattva, é aue osmodernos refundidores da so-Oflade esneram obter o tipo deh^mem interior conforme aoseu irt»M. Fies nada invntflrnm

a este respeito. Mais não fa-ssem realmente que imitar anti-gos modelos dc sabedoria e re-petir manobras comuns na art*de pastorear os povos. Platão,em quem todos reconhecem umdos mais nobres e inspiradoresprofetas do comunismo, teon-zou na Republica e nos livrosdas Leis o como se processará aformação de súditos fieis parao Estado que se organiza racio-nalmente, íora dos moldes tra-cionais do cansado empirismopolítico. As d ferenças não se-rão as de método, mas dedoutrina. O processo é o mesmo.Consistia, no plano do filósofogrego, em isolar de influênciasestranhas, prejudiciais aos finsda comunidade, os pequenoseducados que haveriam de cons-tituir a ordem dos guerreiros,guardas do Estado. E esses me-nin os, criados desde o nas:;!-mento, no "redil comum", ensl-nar-se-ia de começo a ginástica

e a música, abrangendo estarú-brica as artes presididas pelasmusas, Dessa música eram ex-cluidos os discursos e versosnão afinados pelos sentimentose as idéias que convinha incutirna mocidade. Os jovens guer-reiros seriam educados na tem-perança, tendo-se em vista queum dos principais efeitos des-ta virtude era torná-los revê-rentes e submissos para comaqueles que governam e aomesmo tempo impedir que fos-sem ávidos de dinheiro e se dei-xassem corromper por dádivas.Interdita ficava, por exemplo,a leitura de Homero, onde seapresenta Aquiles, o filho deuma deusa, rolando no pó."Tomando com ambas as máos

[a poeira ardenteE com ela cobrindo a cabeça"...

e ainda proibida a recitarão deversos conceituosos deste gê-nero:"Os presentes ganham os deu-tses, ganham os reis veneráveis.

Admitidas, porem, e reco-mendadas seriam as passagenscomo esta da Iliada:"Os gregos marcham cheios de

lardor e de coragemEm silêncio, mostrando seu res-

[peito pelos chefes".

As idéias deprimentes de ánt-mo, tais como as que despertamo temor da morte, seriam bani-das. Mas a que acima de todasdevia insuflar-se no espiritodos homens seria a idéia da Di-vlndade.

Só por si este preceito estabe-lece o maior contraste doutrinaicom a pedagogia dos modernosditadores, os ouais nâo achan-do meio de matar a águia deduas cabeças, cortam uma des-sas cabeças, — a Igreja, conser-vando a outra. — o Estado, soba forma transitória, pensavaMalatesta, de renública soeialls-ta.

A educarão popular, no Esta-do novo, c*ioga finalmente àssuas previstas conseqüências.

Encaminhada para o ideal deigualdade, assim como empre-endeu no campo econômicodestruir a propriedade, tenta naordem intelectual aniquilar acultura. Já o profesor Menger,alias moderado como se mostraem seu "Estado Socialista, ad-vertia que na democracia dotrabalho os milionários da cul-tura são quase tão perigososquanto os milinãrios do ouroTolerava a ciência, mas a ciên-cia aplicada, considerando quea humanidade, habituada aoconforto, não pode mais passarsem os especialistas, médicos.Juristas, engenheiros e outrosprofissionais. E baseado no er-rõneo paralelo entre a nobreambição de saber e a odiosaacumulação de lucros a custa damiséria do povo, propunha co*mo remédio ao desnível socialum padrão oficial de restritacultura, suprimindo o estudodas línguas e literaturas clássl-cas, e de tudo o que possa ms-truir os homens acerca da civl-iizacâo antiga. Ler, escrever econtar, falar a própria lingua euma estrangeira, conhecer osfatos capitais da história, dasciências naturais, do direito eda vida do Estado, com esseprograma limitado dizia Men-ger ser possivel nivelar as atuaisdiferenças de cultura e prepa-rar um estado que permita acada cidadão viver sobre umabase de igualdade intelectual.

A Rússia soviética veio dar-lhe razão, mas alterando muitoainda o seu programa. Desde oensino elementar .etreitamentesubordinado aos interesses poli-ticos, até as Universidades co-munistas e as Faculdades ope-rárias, de onde são eliminadas,entre outras disciplinas, a filo-sofia, a religião, d direito e ahistòra. os bolcheviqucs seteem garantido contra o "peri-go" de uma cultura extensa eIntensa.

Esse perigo, segundo o depoi-mento de René Fulop, está emque os súditos do Estado prole-tário, em conseqüência de umaIndevida ampliação de conheci-mentos, "sejam induzidos à re-flexao e se convertam em ele-mentos subversivos".

E agora, por onde quer que oespesialismo e a técnicologia nãoestancaram as fontes de ideali-dade que aumentam a culturageral e humanista, por toda aparte rompe o alarme, denun-ciando a conspiração das dita-duras obscurantistas. Protesta-se contra os regimens e gover-nos que regateiam o pão espiri-tual aos povos. Protesta-se con-^ra os bárbaros que, decretarldo\ abstinência mental obrigatò-ria. esperam re)nar cômoda-mente sobre gerações de micro-cêfalos.

Soa. pois. a hora da grandebatalha pelos direitos da inteli-gencia.

Se houver pusilânimes, con-formados com tamanho avilta-mento, não serão tontos nueconsigam esbulhar os herdei-ros de um patrimônio oue é amaior glória do espirito hu-mano.

A obro c/o romdncistõ od/ano ndâprecidção de Carlos ChidcchioO sr. Xavier Marques, hoje

entre os imortais, é um autorbrasileiro, que já se niio enqua-dra nos noticiários rápidos dcimprensa. A sua pre eminentefigura dc intelectual puro, dntde ser estudada melhor mentenos repousos de gabinete, c alongo fôlego de critica, assimcomo a dicer: XAVIER MAR-QUÊS, VIDA E OURA. Por-que o escritor venceu o acanhado dos limites provincianoscom um julgor dc nome, per-jeitameute liberto dos carrilhosletrados, onde sc implumam,com mais ou menos rataplanatdos elogios mútuos, as inteli-gências ncófilas dos que chegamfará as letras. Nào é portantopara os dois traços desta colunaestrala o aquilatar do ouro delei d a sua obra dc mestre emi-nente. Nem- ao encarregadodesse mister: por amor ao pro-gresso da cultura baiana, so-bram suficiências, nem lazerespara tamanha empresa. Apenasaqui sc vai consignar a novaedição do " Sargento Pedro",pela "Catilina", que nos ojere-ceu, gentilmente, o primeiro ni-tido exemplar das suas oficinas.

NjivcLi histórica, dc cunhogenuinamente brasileiro', poisdesenvolve o tema tradicional ecívico da nossa independência,for volta de 1S22 a 1,12.1, o lia-balho do sr. Xavier Marques,premiado pela Academia Bra>i-leira de Letras, é lambem, poruma coincidência interessante, oprimeiro livro que lhe registasob a assinatura de autor o bracão dc acadêmico c justamenteconquistado, não só por essa.mas ainda por outras criações,òiblíograjieamcntc mtmeraveisfeios seguintes tomos:

frOESIA" Insulares, (es-gotado).

ROMANCES E NOVELAS — Joana c Joel, cm S.medição da Livraria Catilina —Baia.

HOLOCAUSTO, editor 11.Carnicr — Rio.

P1NDORAMA, nova ediçãoda Livraria Clássica de Lisboa.

MARIA ROSA e O AR-VOADOR, (esgotado).

A BOA MADRASTA, edi-tora Livraria Castilho — Rw

O FEITICEIRO (no prelo)A CIDADE ENCANTADA

editora Livraria Catilina.CRÍTICA — Vida de Casho

Alves (esgotado).A ARTE DE ESCREVER,

editora Livraria Alves iS C. —Rio.

Está claro que a produção dc

Xavier lifarqucs nào fica nesseslitulos. Piá que contar a searacpulcntissima do jornal sta, doescritor público, cm tanta ma-ncira eficiente, do ponto de ius-ta social c político, oue não so-mente literário, apesar dc serestá a sua joríe dominantemental.

Ai iremos encontrar monografias, conferências c estudos,a lembrar a página modelar so-bre "A arte e a poesia" feita a"Nova Cruçada" que. sc esti-vesse de pè. estana cm jesíasfeto êxito dc uma iniciativa, quefoi sua, conforme a mensagemdc Pedro Filkerey (formidáveltalento que se apagou na moi-te, sem dar as mostras integraisdo seu inc.Yccdivcl esplendor),de levar Xavier Marques a can-didatar-se às láurcas, hojeadquiridas, do Syllogeo.

Ainda: a revelação dc feitiofilosófico cm tomo de "DoisFilósofos Brasileiros" (Jacksonde Figueiredo e Farias Briitojtraduzido para c espanhol, tra-balhos esses, que são aspectosda individualidade rica dc gene-ros e formas literárias até o sitn-pies discurso, que lhe sai, tmtons esplêndidos de estilo comoesse último, dc recepção daAcademia.

(Do Jornal de Noticias.¦23-9-920)

Fragmentos de umromance

(Continuação da página 363)ração, crivado «le golpes, vinha-lhe à garganta, suíocando-a.Trêmula, branca como a cal daparede, sentou-se ao pé tio ber-ço do filho adormecido. Minaacabava de contar; os meninospediam-lhe o resto da história.

— "O pai, concluiu ela, ai-

teandi, a voz, mandou então ca-var a terra onde tinham cresci-do aqueles cabelos verdes e en-crmtrou as duas filhas aindavivas. Vivas, por milagre deNossa Senhora, que era madri-nlia delas. Ficou pasmado.Abraçou-as c beijou-as, choran-do dt alegria. Nisto a madras-ta as viu de longe e tremeu. Ohomem conduziu as filhas nosbraços, as suas lindas filhas quejá dava por mortas. Quandoentrou em casa e procurou amulher, acliou-a estendida nochão. Ela é que citava morta".

Acabou a história, e D. Gra-ça chorava, quase desfulocida,contemplando o sono da cri-anca...

Desejo de imortalidadeXAVIER MARQUES

O desejo de imortalidade é um dos mnis sutis c obstinados-instinto; morais do homem. Ao se abafançar iis empresas quet.i-iijem esforço, lula, sacrifício, abnegação, sente ele a necessidade de como quer que seja colocar-se com a sua obra fora dotempo. Será uma ilusão, mas ilusão fecunda. Seja pelo rocio-cniio, srja pela intuição, disse Spinoca, a alma humana deveconhecer as coisas como eternos para tambem ser eterna. Omundo eslá cheio de grandes feitos que sc cometeram for lior-rvr à marte, — mola secreta de rasgadas ambições, como o amorda celebridade c o amor da glória. Ir à posteridade pelas suasações, suas doutrinas, seus escritos, e ainda o derradeiro couso-Io ilo filósofo que viveu a desdenhar a .evidencia c a faina. Nadafunis humano que o sentimento com tanto orgulho desfraldnda naexclamação do poeta latino: —"Non omttis moriar..." Tam-bem só os povos desherdados, inaptos para a vida do pensamen-Io e para a civilização, não dcsejar.am poder soltar esse grilo dttrutnjo.

Imaginação, dom dosromancistasXAVIER MARQUES

Quanta imaginação, de fato,não requerem as mil combina-ções de traços, de circunstân-rias, de particularidades, as si-inações, os incidentes, as fisio-nomias, os gestos, as peripe-cias, os dcsenlaces de que scconstitue a história fictícia, adescrição ou a narrativa cmcuja textura aparece às vezestão intensa e imediata a reali-dade. que mal se pode crer se-ja um prestígio dc imagens an-tes que sensações experimenta-das ao contacto direito,das coi-sas. Assim era com o pintor a

TRADIÇÕES RELIGIOSAS DA BAÍA(Continuação da página 365)

A orientação do edifício obedeceu à regra clássica: "abreWide se põe o sol e corre contra o nascente, segundo a posturadas igrejas antigas". Do seu adro goza-se o mais belo panoramada cidade e da baia.

Os mais importantes melhoramentos que tem recebido desdea sua iundação foram: as pinturas do teto e dos painéis dos ai-tares, onde o artista Franco Velasco representou os passos da Pai-são; os quadros da sacristla, trabalho de outro pintor baiano,Teófilo de Jesus; os dois vastos paneis de B*nto Caoinam,à entrada da igreja, representando a "Morte do Justo" e a "Mor-te do Pecador"; a construção dos corredores azulejados, que fo-ram antigamente alpendres; e o chafariz de mármore Carrara. apouca distância do adro, encimado pela estátua da Providência.

quem alude Paullian, o qual japrescindia do modelo, porquedeste lhe estavam presentes to-das as feições, as linhas, asformas, a cor e a postura emque o retratava. Fala-se emobservação... Mas o momento

da observação não coincide como momento da criação. Aqui ca vez da imaginativa. O artis-Ta tem duas vistas: aquela comque vê os objetos e aquela comque os reproduz. E esta só seexercita bem a olhos fechados.

:fi-:~ ;«¦-*.'¦ j. .m i- «.mm"» P^WPJW.1- '' ¦¦ ¦

PAGINA WS — SUPLEMENTO LITERÁRIO D*A MANHA DOMINGO, T/U/lMt

Notas de leitura de "As Voltas da Estrada"- *-*%.Por ocasião daquele grande su-

cesso cie livraria e cinematográficode "...e o vento levou", alguém,ao assinalar as semelhanças demeo e episódios do sul dos Esta-dos Unidos com os do Recôncavoda Ciua, lamentava — "porque nãotemos um romance assim e nãoviremos a Lirnr dele um fita comoesta?'

Ora, antes, muito antes da no-veia amer.cana, Xavier Marquesesi.Ttvc-:*a "As Voltas da Entrada"— um livro a que faltou fama eesc..; :.*_aram louvores iguais a seuB>- rito.

Nesta homenagem ao -grande es-ciitor pareceu dever a mim, cabera tarefa dc dizer duas palavras Uiorápidas, quão sem autoridade sobreesse livro cujo cenário, evidente-mente, é minha terra...

\cjo aquele trecho delicioso UaBaia nas descrições com que o au-tor pontilha c enfeita a narrativa,tíescie a cidade eom sua matriz e acasa da câmara "tão antiga quan-to a igreja, eom paredes de doisBeculos, a cadeia pública ao rezdo so:o e acima da cornija um exi-giui campanário para os antigos edesusados toques de rebate", atéàs feiras na praça, as suas célc-bres cavalhadas e mascaradas, emais uma coleção de miniaturasque colorem a paisagem das ter-ras de maisapê de Santo Amaro.

...Para alem da "estrada larga,der*,!* uriú e pautada pelo rodarcontínuo dos carros de "bois" ve-niOJ uui üiiipo de árvores que pa-recém gritar, — as "buracicas altasque c ,-jieçavam a abrir a^ flores deouro", essas árvores que ninguémesquece acaso aa tenha visto umdia floridas por aquelas devesas, ecuja lembrança insistente dita umritcrnelo a Xavier Marques nodesenrolar da sua narrativa —"tei-mo claro, o campo azulado deorvalho e as buracicas altas, isola-das, quase nuas de folhagem, ves-tida.1; com o ouro de sua floraçãoeruptiva"; "alguma buracica co-berta de espigas de flores cor deouro".

Ele relanceia a natureza e a fo-tografa cm quatro linhas bastan-tes para evocar os encantos da-queles sit.os. Aqui é um amanhecercomo os daqueles engenhos — "isO-ladas e gote jantes as árvores porlonge flutuavam numa espécie delaço brumoso. E a claridade dodia, esbatída no algodoado espessoda neblina, ficava como que frus-trada, paralisada, naquele crepus-culo desolador"; alem é um meiodia luminoso — "outras capoeirasenfileirando os troncos linheiros elá dentro résteas de sol como lan-ternintias furta-fogo, Vôos rastei-ros de aves... gritos fanhosos deanun.--, tr.los de sabelès" e o "asso-bio vibrante das graunas"; agoraSáo br.i^icus do crepúsculo — -astitãs verdes des canaviais ondula-vam aos bofejos que de espaço emespaço vinham varrendo as nu-vens", "em alguns trechos o bam-b-,al inclinava-se e o seu sussur-ro onomatopaico pedia silêncio".

Nem aquelas cenas da vida dosengenhos, algumas perdidas parafi-. ipre e guardadas apenas nalembrança dos que as recordamcom saudade, são outras nem me-nos exatas que as do Recôncavosantamarense — o fidalgo quepassa firme na seia, orgulhoso"regulando os estos de ardorosomurzelo, em cujo pelame íulge aprata rendilhada dos arreios";carros de bois que já de longe seanunciam pelos "graves e agudosde sua solfa de ermo" um dosquais é o que conduz uma famíliaao oasso lento de uma equiparãoIgual, gôndola, debaixo de cujo te-to se entrevê "a orgulhosa senho-n-moça', reclinada entre as mu-camas pretas".

Numa aquarela pinta XavierMarques "os balcões que saiam ducorpo do engenho empurrados so-bre corredeiras, com o açúcar einp&. para enxugar ao tempo", jun-to ã "bagaceira alva e faiscantec do rio espraiado, com um tre-cho das margens florescentes detaboas e golfães. por onde passa-Tam socos e lindas garças níveas,r.o ruja água a certas horas do díaie precipitava clara como o sumoda cana espremide no parol, e ou-trás horas fluia expressa com re-flexos de mel grosso nas grandestaxas do engenho." Bosque ja comtintas realistas mas com o colori-do poético que em tudo põe, umaboda em "sobrado" fidalgo — -ea r:oiiíntar os encantos da horaJubilosa os rabequistas infatigaveis,contrastando a barbara do quadroexterior do engenho, onde era ha-bitual o ritmo dos batuques, iamdesenvolvendo a espiral sonora das•aluas de strauss"... "as imedia-ções do solar ofereciam aspectosde feira, arraial ou rancharia. Car-reiros de vara ao ombro espetavamaa bois dos Juntas — ôa Careta,Piauí. Brinca Sério! Estribeiranagens abaixo e acto» zelosos ••landa, com os cavalos pel» té-

dca, negros fardados e agalcados apostos, junto às cadeirinhas. Abai-1:0, no último plano, moleques mi-rõea; pretos e pretas em massa,pasmados diante do fausto e doluxo."

Ao recordar cenas rústicas na-quclas largas abertas dos camposdo Recôncavo, nâo perde nuncaXavier Marques afastamentos tieperspectivas, sem os qtuis o con-junto dos panoramas ou as minú-cas de um desenho careceriam alide beleza. Não abandona a poe-sia da distância, nem esquece aestética do longe — nos sons ou-vidos, nas coisas vistas, nos ares,ventos e brisas que passam, nasnuvens que fogem, nos ruidos, bra-dos e eas, que lhe chegam envol-tos sempre em ecos — "mais lon^oos urros da negrada, acompanha-dos do forte rumor dos pandeirosde couro..."

E como em todos os seus livrosserve-se com mestria, daquele seusegredo de transposição de cena-rios a cenas, ria mais íntima asso-ciaçâo descritiva de meios e prota-gcm;-La.s, do completar a ação dospersonagens ou "acabamento danarrativa com as sugestões danatureza ambiente. E' ver, porexemp'o, o enterro do visconde deItaipe no seu trágico desfile pe-los campos, em que negro? reb?.a-do.s e aquilombados ocultamenteateam fogo que devora os cawu-virais de em torno, e quando o in-cêndio lavrou nos bambuals aos pi-pòcos: "a cada volta, a cada en-eruzílhada é um rebate de tocaiase ataque. De repente ao longe ufogo que restejava tomou um surtorápido e logo um bando de passa-ros de asas de chama subiu aosares pelos penachos dos bambusComeçou então a mais espante sasalva de morteiros com que se po-dia apupar o luto de um cortejo. Aironia fúnebre dos negros..."

Falar de um livro como este, darImpressões dele em dez minutosseria impossível. Nem tempo aomenos para aflorar as virtudes doestilo, a exatidão descritiva, o as-sento histórico do entrecho, a psl-icologia dos personagens, a pertei-cão dos dialogas, a poesia que tudocolore, o recato que tudo enobrece ¦Eu desejaria agora cotejar os pre-reitos que ele traçou na "Arte dcEscrever" com o estilo que usou naspáginas desse romance.

Hostil a quantos "infligem tatua-pens e contorsões à„s formas de suadicção natural*'; fiel aos cânonesda tradição, sem, contudo, se lhe,-,escravizar; igual ao obedecer aesses postulados c a deixar expan-d.rem-se as feições próprias de suapena — cumpre aquele conselhoque a si mesmo deu: — "sobre ateagem, lisa, urdida segundo pro-ceesos quase invariáveis, à imita-cão da literatura feita... os relê-vos de uma espiritualidade.

Capitulando as leis de bem red'.-glr, segundo vários autores ele de-fine as normas cm que rigorosa-mente pauta a sua mesma expres-são: — "ordem, lucidez, precisão,seqüência", "colocar o pensamentocomo se faria cotn um quadro, sobuma luz que melhor o aclare"um " estilo moderado" sem nada de"extravagâncias" e "singularidades". nem precioso ou moldado emrigores plásticos, nem em demasiapessoal, todo medida, aticismo, es>pontaneidade, encanto "misto deoriginalidade e trivialidade, tãobem dosado que nem espanta poiexcêntrico, nem enfastia por se-dico".

Não perde esse equilíbrio, mesmoquando registra o falar simples detantos personagens rústicos. E*mais que discreto e poupado no usode plebeismes, sem, todavia, des-colorir os diálogos, nem castigara forma da expressão vulgar. Enunca transpõe para o livro os er-ros gramáticos da gente simples.

Cultor da lingua, sensível a seusencantos, jamais compreenderia sebuscasse para a emancipação deum estilo nacional o da destruiçãodas belezas tradicionais do idiomae da desmoralização das boas re-gras de escrever. Náo é quebran-do os cunhos da gramática que selibertarão de supostas algemas aInteligência brasileira agrilhoada aformulas estranhas. Pode variar oestilo sem variar a sintaxe — quea de Camões ou Frei Luiz de Sou-za não é diversa da de Antero dcFigueiredo ou Machado de Assis."Cultivemos a boa língua e deixe-mos correr no molde livre e espon-tànea substância da alma, aquiloque somos ou venhamos a ser. Poressa única forca inconciente docaráter faremos literariamente, seainda o não fizemos, uma afirma-ção gloriosa da nacionalidade e in-dependência".

Resuma destas páginas de "Aavoltas da Estrada" uma transplração perfumada de classicismo,mas tao sutil que lhe não senti-mos o mofo da vetustez.

A menus assiduidade na sbebe-

rarem-se nas fontes puras do idio-ma é a dele como íol a de Ma-chado de Assis, Dai uma tal ouqual semelhança entre as maneirasde ambos. De quando cm quandoparece lobrigarmos a influência deMachado; ou e'.cs seriam irmãos esemelhantes cm muita coisa. Massó a espaços e mui raramente Xa-vier Marques reflete o humour deQuincas Borba. E' que sua índoleliterária é mais narrativa que in-terpretadera, e pouco dado ao sor-riso. desconhece a ironia.

Mas são dele mesmo ou de Ma-chado, passagens como estas?: —"gozei, agora sinto o amargo. E1a dispepsia da alma"; — "suavontade é uniu febre intermitentecom delírios dc ação"; — "niu-guem acredita na dor dos quenem"'; "em certa idade todos nóstemos a alma incolor eomo umatinta simpática: o contacto dasmas companhias enegrece-a"; —"Guilhermina apareceu com o co-po... Liodoro vendo-a fez-se todomel... Tanto bebia sua boca eo-mo bebiam os olhos portos nela";— '¦quando ela ria parecia dilatar-se toda, corpo e alma. Seu r.so eracomo a expanfão do estigma ilo-ral, um riso genésico"; — "o mu-Jato começou a ficar roxo. Os chi-cotes iam-lhe esculpindo um bus-to de pau brasil''.

À pureza da forma comunica-seà da alma, aquele recato e pejoque lhe nâo consentem, ao nossogrande escritor, narrar cenas poríi.-.-im d '-'er escabrosas, senão vc-ladas cm frases e reticências ver-baki, que, sem mutilarem a verda-de, su^erem-na toda inteira, na suaextensão e na sua intensidade.

Em "Volta da Estrada" as ce-nas sensuais — ou seja a decepçãoiiupcial de Raul Cezar, ou a volú-pia violenta de Liodoro. ou os idi-los realistas de Paulino e Pastoraao pé da escada ou na noite dobaile — todas são compostas comtão requintada arte, com tão femi-nino jeito de não chocar pudores,que é um quase cândido imaginar odaqueles pecados que ele tão gra-

ciosamente nos obriga a adivi-nliar.

E' lição a que não foge em ne-nhum dc seus livros e já, em cartaque lhe escrevia cm 1917, acerca de"Jana e Joel", AlUcrto de oliveiranotava, louvando: — "outra virtu-de de suas novelas; nem uma sóvez resvala a coisas impúdicas. Tu-do nelas é casto, embora a quasenudez primitiva dc algumas figu-ras" .

O que há dc lúbrico em seus ro-mances tem a timidez do autor.

O ar severo e recolhido; aquelesolhos perenemente cançados — tãomurados de umas lentes tão for-tes que dão a impressão de quenão vêem; a fisionomia de absortoe ausente; a cabeça baixa, o gestolento e fatigado escondiam, escoa-dem, os calores humanos, as 111-quietações carnais, a pitada de lu-xúria do homem que amou e ama.Essa púdica austeridade de apa-rência pessoal Xavier Marquestranspõe para seus livros, trans-mudada em graciosas negaças darealidade, num dar e recuar de de-senho esfumado que são niaravi-lhas como... os "interiores" dePresciliano.

Isso é uma arte c uma especla-lidado sua. E é bem de seu estiloporque é dc sua pessoa.

Podcr-se-ia üc seus livros com-per uma pequena antologia dc ce-nas cálidas ou picantes qne apare-cem como inocentes, e de tal modoque um Inocente jamais ali apren-deria o que o inquietasse ou o fi-zcs.se corar.

Não são porem as deste livro asmais belas, O modelo desses dis-farces está em "Jana e Joel", numapágina definitiva que nâo morrerájamais, bastante para consagrarpara todo o sempre um escritor;magistral transmig ração de ritmose sensações para disfarçar na ambi-guidade que confunde e diluir noambiente o auge da intimidade deum casal de namorados.

A minha homenagem a XavierMarques nesta hora é recordar es-te pequeno poema:

"Com um gesto súbito, um gestovago de êxtase Jana fé-to calar"Escuta..."Que é.

Inclinou-se para o mar, apu-rando o ouvido. Debruçou-se mnisatenta ao fio de som que lhe pa-recia zinir à flor dágua.

"Sâo elas..."Quem?

"As corvinas."Qual Jana! Isto é o vento."Espera...

Estirou-se dentro da canoa tcl-mando sempre. Colou a cabeça, doperfil, à táboa do fundo c üisseacenando com a mão em voz té-.nue:

"Agora, Joel, escuta...Joel resvalou junto dela ao com-

prido e poz também o ouvido aespreita; mas ao contacto £1 ami-ga perturbou-se todo. . .

Vinha espertando um vento bri-s*t que fazia a canoa oscilar, comoum berço, ao ritmo das pequenasondas que lhe borrifavam os bor-dos. Pouco a pouco esse embalofoi-se alargando, nas pedras darestinga. Começaram a estalar tisbeijos da quebrança; um murmu-rar confuso, mixto de sonoridndeslíquidas e aéreas cercava o bateiesguio e como que abandonado nofundeadouro, ao jogo das águas re-vezas.

Talvez soavam muito em baixono cristal do leito marinho aquelasharpas tinintes, vozes do peixe mu-sico, vibração das estrelas ou ilusãodos sentidos... soavam por certono mar, no firmãmente, na alma;fosse onde fosse, elas retiniam mui-tiplicando círculos sonoros pelo cs-paço e pela noite, até que um ru-mor soberano, cheio de palpita-,-õrs,as foi abafando e amortecendonuma surdina cada vez mais im-perceptível. O mar em âncías iatrocando seus acentos caridoso*-* efinos per uma espécie de ru:.daanimal, uma trepidação tempestuo-sa em que nada se distinguia e tu-do ao redor se confundia".

// Terras Mortas //

(Trecho de estudo) - MUCIO LEÃOAí está um ligeiro apanhado da

obra considerável — obra já hojedas mais altas que um escritor temproduzido no Brasil — que deve-mos ao sr. Xavier Marques. E esseobra tem sicld construída semprenuma silenciosa e cloce solidão.Porque o sr. Xavier Marques pos-sue. em essência, uma alma suavee desencarnada de monge. Eu ovejo em velhos dias, num repousornonacal, recolhido à sua cela, comum livro na mão, e realizando, inangcl!» eum libelo, a única vida quepara ele seria bela e agradável,

Mas essa modéstia não tem im-pedido que a justiça dos homense — o que é bem mais difícil — ajustiça dos críticos, chegue até ele.Era ainda bem moço. e já recebia,no seu recolhimento da Baia, àsinsistências de Valentim Magalhãespara que se apresentasse cândida-to à Academia Brasileira. "Escre-va-me (dizia-lhe Valentim) dandonoticias suas, e decida-se a apre-sentar-se à primeira vega da Aca-demia Brasileira". Isso era escri-to em março de 1903. Dois mesesdepois, em maio, morria o próprioValentim. O sr. Xavier Marquesapresentou-se então, para atenderao pedido do amigo morto. Con-corriam na mesma vaga Euclidesda Cunha, Silvino Gurgel do Ama-ral e Domingos Olímpio, Euclidesfoi eleto por 22 votos. Gurgel doAmaral teve dois. Domingos Olim-pio, quatro. O sr. Xavier Marquesobteve apenos o voto do sr. Rodri-go Otávio. Só quinze anos maistarde, ao se verificar a vaga deInglez de Souza, é que o sr. XavierMarques volveu ás portas da Aca-demía, pleiteando uma cadeira que,de tanta razão, lhe pertencia. Foientão eleito por unanimidade, sen-do candidato único. O fato de nâoter havido nenhum competidor como sr. Xavier Marques, na cadeira,é bem a prova de que o país intei-ro lhe reconhecia o pleno direitoà pequenina consagração que elesolicitava. Pode dizer-se que ele foieleito pelo Brasil, antes de ter si-do eleito pela Academia.

O testemunho dessa admiraçãoque, pela sua obra, lhe tributa, to-do o Brasil o escritor o tem tidoabundantemente. O depoimentodos críticos é bem claro. Sua obra(em sido posta so lado ds de Ita-

chado de Assis, havendo quem nelaencontre as vantagens de uma emo-ção, de uma poesia mais intensa doque as que possuía o analista de"Esaú e Jacob". Um critico chegoua proclamá-lo o único romancistabrasileiro, depois da morte dp Ma-chado de Assis c dc Alui/.io Azevedo.E. nor ocasião do aparecimento de"As Voltas da Estrada", uni escri-tor português, o sr. Agostinho deCampos, teceu ao sr. Xavier Mar-quês o mais veemente dos elogios,numa página da qual vou destavaro seguinte trecho:

"Há muito tempo não lemos no-vela de costumes e de história, emlíngua nenhuma, que tanto nos en-tretivesse e impressionasse. " AsVoltas da Estrada" põem diantedos nossos olhos, com admirávelnitidez e mestria, as "voltas" queo mundo deu" no Brasil quando,pela abo'ição da escravatura e asubsequente implantação da Repú-blica, uma sociedade inteira foisubstituída por outra, e uma novaburguesia democrática subiu à to-na do poder, afundando e empur-rando bem para baixo a antigaaristocracia dos senhores de enge-nho. Lendo esse esplêndido roman-ce, escrito em boa língua por tu-guesa, enriquecida pela exuberân-cia do vocabulário brasileiro, re-aprendemos deliciadamente um tre-cho fascinante de história quasecontemporânea do Brasil, feita ain-da de história nossa. E reapren-demos mais. bem ao vivo, como éhumana e eterna a tragédia da ex-propriação de umas classes por ou-tias classes, neste vale de lágrí-mas, de injustiças, de ódios e deinvejas, que é o triste mundo quehabitamos. Centenares. talvez mi-lhares de leitores, pode ter e deveter em Portugal o novo e atraentelivro do sr. Xavier Marques. Ver-gonha será que essa obra falte nabiblioteca de qualquer portuguêsculto".

Essa é, em conjunto, a impres-são que eu posso transmitir ao lei-tor acerca do belo, sólido monu-mento literário, que o sr. XavierMarques tem erguido com o seutrabalho tenaz, cheio de fé e ima-ginaçáo. ** *

quanto so livro atual, devo dl-

zer que não me parece dos i...poderosos, na galeria do escrito:"Terras Mortas" ò, ein suma.narração de um drama de famildesses dramas que, ao que vemnos romancistas e vemos nas h;tórias fo'clóricas, são tão frequetes em certas regiões do Brasil,a história de um rapaz e uma :nnina, filhos dc familias ínimi--;.que vêem a apaixonar-se um \i<outro. No obstante a férrea opsição do pai da menina, os d<corações se aproximam. O n*prapta a moça e casa com elavelho, então, prepara e execiuma vingança tremenda contragenro: aproveitando-se da miscpolítica, que domina os ambien1brasileiros, mata a localidade 1que o rapaz mora — a localid-ique ele, com o seu trabalho csua coragem, tem feito prospntanto. E' melancólica e Bloqueia Ultima página dessa noveIa.

"O viajante que pela estrada deferro de leste demandasse o ser-tão e o rio S. Francisco, ao pene-trar na região dos taboleiros, tinhaque fazer breve parada num sidoermo, além do apeadouro de Irari,precisamente à hora em que o soltransmonta na serra.

"Daí alongando a vista pela pia-nicie, à direita, sua impressão dodeserto acentuava-se com a me-lancolia da paisagem."Lá, bem ao fundo, entre ruma»afogadas no mato, só um templo»alto, branquejante, um fantasmacrepusculaí, parecia resistir n.oabandono, esperando a volta dosfieis."Se quisesse interrogar de pertoaquela solidão, veria o forasteiro,aqui e ali, os destroços de uniacolméia laboriosa: restos de murosderruidos. onde cabeceavam nc-"gros e coscorentos lagartos, petirnscobertas de liquen, vestígios de mi-cerces de alguma antiga vivência,fragmentos de telhas, montões daadobes, queimados e quase petrifl-cados. a lembrar lances de paredesabatidas..."Lavradas de cupim, as por'™das igrejas desprendiam-se dos en-gorços. deixando «alr pela so'"™npódt destruição. Pelos v&os daaJanelas arremessavam-se morcego».

(Continua M fágma J7JI

,rl,,,.-,míl'«!v'l«B»>'-',«í^^ .*^W!^rS'™!n?!™~n*'rm*™™rm?^?m':

domingo, 1/n/imSUPLEMENTO LITEBARIO D-A MANHA — PAGINA 9tt

A vocdção literário de Xdvier Mdroues — mm m*"" ' ^-J *¦" v-'"' (Da Academia Brasileira)

Na ilha de Itaparica, onde nas-ceu Francisco Xavier Ferreira Mar-oues revê a primeira impressão debeleza, em plena alvorada de seusestudos de humanidades, traduzin-do trechos de prosa e verso de umaantologia de autores franceses. Aieito da vocação, dera de logo como ensino do professor de latim Ge-nuino da Silva Rosa EmbirussúCamacan. da progênie aliimiadarlc lntinistas, que a Baia daquelaépoca, de tão fecunda, dava parairradiar da Capital para as cida-des do interior. Desse tempo seusprimeiros versos, cantos patrióticosromrmorativos da epopéia ilhf5a de-í de janeiro, na chamada "Guer-

ra do Madeira", e que eram recl-tndos por condiscipulos e câmara-das durante as luminárias, nopalanque armado na praça local.

Pouco depois, j& no Colégio doconego Francisco Bernardino deSouza, da Cidade do Salvador,continuou a fazer versos, que eramenviados ao "Jornal de Notícias"e regularmente publicados. Umadas composições mereceu do "Jor-nal" pomposo elogio, o que o obri-pou a fazer-se conhecer, indo pes-soalmente à redação em visita deagradecimento. Desde então, cola-borador efetivo daquele órgão, foipouco depois redator, tao depressaseus serviços se tornaram necessá-rios. Começou então sua carreirana imprensa, estirada em 40 anosntí 1920, quando foi eleito depu-tado federal.

jornalista e depois político mi-litante, ornamento de sua banca-da na Câmara Federal, XavierMarques cuidou sempre, de pre-ferência, dos assuntos oue interes-Ravam à cultura, questões de edu-cação nacional, de arte e de lite-ratura.

A atividade na imprensa não lheesmoreceu o gosto pelas letras deficção, cultivadas a primor, emtarefa diária, de lenta e absor-vnnte preocupação. Vieram as pri-meiras tentativas, em três livros depoesia, contos e novelas, de ediçãotinira. Surge em pouco o primeiroromance de maior divulgação "Bo-to e Companhia" reeditado algunsunos anos no Rio, sob o título "OFeiticeiro".

"Boto e Companhia" foi bem aobra de estréia, que retrata o ro-mancista nas suas qualidades mes-trás e o projetaram entre os maio-res de sua geração, analista da so-ciedade provinciana, dos seus cos-tunies, aspectos pitorescos, ridí-eulos e intrigas sociais. Jackson deFigueiredo, em ensáip critico daobra de Xavier Marques. dep'ora amudança do título e permanecefiel à primeira impressão do livro,a seu ver nm romance completo.Não há dúvida, creio eu, porquenele o romancista revela qualida-rles de observação e capacidadecriadora, sem falar do ascendenteda linguagem cuidada, elegante esóbria,

Inspirando-se na vida d«is popu-líições prnieiras das ilhas que bor-dam a baía de Todos os Santos, oescritor patrício estuda os hábitosda gente humilde e as paisagenslocais, descrevendo a vida à mar-Rem da vida. no consolo da pró-pria humildade, contente de simesma, com seus idíüos e pobrealegrias, temperada a resistênciana luta cie cada dia com os im-previstos do tempo e as deslealda-des do mar. São dessa inspiraçãounívoca os romances e novelas "Ja-na e Joel". "Maria Rosa", "O Ar-pondor". "A Noiva do Golfinho",Msiriouita" e "Sareonto Pedro",«oste fulguram as tradições da In-dependência, em que o homem dapraia revela amor patriótico e des-temor na defesa cie sua terra e suafrente. O romance " Sargento Pedro"íoi premiado pela Aeademia Bra-Fileira, em júri acadêmico do quallizeram parte José Veríssimo eArarlpe Júnior. No romance "Ja-na e Joel", traduzido em francêsPnr Phillas Labesgue e M. Galls-*A o plano orgânico da composi-ran se desenro-a em torno de umaevidencia humana, num tecido desituações e contratempos que náoPrejudicaram, antes fortalecerama unidade idílica, que encheu a vi-"a da adolescente praleira, assina-lanoo nessa quadra transitória eincerta, um só estímulo válido ePermanente, rebentado nos votosinstintivos do amor.

Parece-me, de toda a obra deJavier Marques, a parte mais pai-pitantê. mais viva c mais natural™ pintura de fatos e aspectos domeio em que madrugou sua vida,no enlevo das curiosidades amnien-pes, aos hábitos e gostos da exis-teneia simples, que o mar em tor-"n confina no limiar da ambição e"a essnerança.

°wo preferir a serie praleira,

em que o romancista me parecemais à vontade na estesia, que Pe-dro Kilkerry bem definiu — "tema alma de seu berço; é o homemda sua ilha". Foi a impressão quetambém me ficou, quando conhecidepois o homem discreto e man-so, cheio de tolerância humana ede bondade cristã, analista tran-qui "o e sem malícia, tipo de in-trospectlvo, sutil, que se comovesem lamentar e açode uom a do-cura do perdão onde se acusa umafalta. Na cidade da provincia mino turbilhão da metrópole estásempre solitário, como sse na quietu-de de sua i'ha, sem ressaibos deprazer ou tristezas da solidão. Nãitem amarguras, ou n-ão «is revelae parece que a existência só lheconsentiu as delicadezas do gozoespiritual, sobretudo afinado notrato das belas letras. Nào raro ostemperamentos guardam fidelida-de às impressões do meio c a elasse subordinam certos requisitos, queoutras terras e ilusões novas nãoconseguem delir. E' o ascendenteda origem ou a constante da in-dole meiga ou bravia na meteria-lização da vida. O homem do ser-tão, acomodado na atmosfera urba-na, ainda que refinado na aparèn-cia da indumentária, forçando ma-neiras e hábitos de elegância mun-dana, alivia a alma cauocla no•gosto dos desportos selvagens, napreferência pelos animais, chama*dos de estimação, na ternura pe-los descantes da viola das serena-tas ao luar. Assim o praieiro, raforma insular do temperamento,de seu jeito se manifesta, tranqui-lo e recolhido em meio o rumorambiente, ainda nos contactos so-ciais, como se curtisse uma sau-dade, longe o pensamento na re-cordaçáo de águas e céus, de crt>púscu'.os e adeuses, de lendas ehistórias de navegação, coisas e vo-zes do mar. Talvez por isto. aobservação menos distraída a ou-tros enleios, concentra-se na reall-dade e ajuda a fantasia na com-posição dos traços, cores e sombrasque desenham situações e tiposhumanos.

Quem aprecia uma obra ou pro-cura entender sua expressão hu-mana e social, pode valer-se deimpressões pessoais, buscadas emfatos conexos presentes ou passa-dos. Bem ou mal vivida, toda avida há de contar as suas remi-niscèncias. E estas, nem sempregratas, no lanço desmaiado da vi-são ou na fatalidade do gesto tri-vial. naturalmente padecem dasdeficiências de sensibilidade e gen-t-ileza pessoal.

Sobreluzia o prestigio literário deXavier Marques, já ã beira da ma-turidade, quando minha geraçãono viço dos vinte anos, ardia naânsia da curiosidade intelectualpelos homens e coisas do tempo.De logo o conhecemos, nós os mo-ços daquele instante, numa épocaem que os nomes da província eramqueridos e festejados entre as fi-guras alienígenas de projeção con-temporânea. Uma reminiscência meaproximara do romancista, antesde conhecê-lo pessoalmente, enca-minhando a admiração, que ante-cedeu à amizade e não poude crês-cer mais, tão grande já era, assimpropelida na sugestão do mereci-mento, Certa vez na Ilha de Ita-parica — cenário de sua agudaobservação de tipos da vida praiel-ra, gozava eu as delícias de umaescapada de férias, num dos nú-cleos gregários da curva insular,quando em noite de festa local,numa casinha de praia, dansavame cantavam homens e mutheres.sem ritmo nem cadência, no gozode ruidosa alegria. Na sala aca-nhada destacava-se o perfil de es-belta morena, em quem os dotesfísicos e o olhar complacente tor-navam perigosos os movimentossensual1;, que provocavam ciúmesa um dos rapazes da roda, latagãoozougado, de têz pigmentada pelosol e coração incendiado pela pai-xão amorosa. Ana, ou Anita, comoa chamavam, sorria e dardejavaolhares em torno, sem dissimulara preferência, que elegia os doisestudantes, por sua condição, or-namentos da parceria alegre. Seusencantos noderiam ter inspirado onatural desejo do poeta nos belosversos dos "Insulares":

"Como seria bom beijar-lhe o risoNa própria boca, fosse até precisoO coração pagar por esse beijo!..."

Era uma moçoila de IS a 20anos, forte e ondulada, de bustoarrogante, lábios grossos e grandesolhos úmidos, cabelos negros, de-senhados em ondas rebeldes. Aalegria Irradiante, o movimentofadl • fracloso 11K denunciava a

carnaçáo robusta, sensualmenteirrigada pelo sangue mestiço Dmatentação, diziam. E era. Ao somdo pandeiro, o sapateado distin-guia os movimentos e requebrosfemininos, e cada qual de sua vez,desacompanhado, meneiava o cor-po no centro da sala, chamado àcena pela eleição primaria e doí*e-mente rude da umbigada. no con-vite alternado dos sexos. Anita,solicitada por todos, era a rainhado baile. A ela devolvíamos a vez.que parecia receber co:n expressi-vo agi ado. Não durou muito a nos-sa participação na follr. Mordidode ciúmes, raivoso e agressivo, onamorado local, com direitos e ra-zões de preferência, ameaçou des-forço brutal, acolitado por outrescompanheiros, que só não consu-mou contra nós pela intervençãodo dono da casa, que noe. deu es-capada salvadora, enquanto suamulher procurava acalmar os hn-petos truculentos do desvairado ví-paz. No dia seguinte, ao a.vorecer,partíamos de regresso, forçado pc-Ias circunstâncias, trazendo a rc-cordaçáo quase trágica de umancite de festa praleira

Ten*po* depois Ua "Marir. rxsa"novela de Xavier Marques, F, cltusurpresa e encanto, vi retratado o.-uso r.ai. graças ,1e outra vu.a, nomesmo sítio e análoga dramatiza-ção, salvo o epílogo sangrento, fe-lizmente frustrado em nosso casopela oportuna retirada, em pni-dente manifestação do amor.,, àprópria pele.

O entrecho da novela é simp.esMaria Rosa, a figura feminina doaviüial, cortejada po:: dois pescado-res, Lauriano, o grauçá, e Zeferino,o fulo. Um terceiro mais afoito, le-nhador de Matarandiba, conseguiuseduzi-la, retendo-a seis meses emsua companhia. Maltratada peloamante, volta à casa paterna, re-faz-se fisicamente e readquire aalegria e frescura, que tanto va-liam na fascinação exercida sobreos rapazes da aldeia. Na últimanoite de novena, ardia a festa eMaria Rosa era a mulher maisbonita que sapateava afogueaila eapetecida na sala do baile. Rala-rios de ciúme os dois pretendentesentraram a disputar, e aceito ortesaiio de um deles, deixaram afesta e alem, perto da praia, cadaqual com seu remo, enfrentaram-se &.té que Zeferino cani baníiadoent sangue, expirando ooueo de-pois. "A seu lado — assanha pie-c*adc do caso, dois remos ceidosformavam cruz com as hastes",cenclue o novelista.

O mesmo lance de tragédia, pormotivo passional, mesm j ;;-echo dacosta baiana aproxima os dois ra-sos, só desiguais no desfecha,nciutelado pela desigualdade dac.nnição social. A semelhança desituações mostra a capacidade d«obseivação do romancista, quo fi-xou numa cena de romance, umretalho de vida praieira, com o re-calque da visão selvagem, dtfor-madu e tempestuosa.

Penitencio-me da reminiscênciaindiscreta, em que fui ator cem-pulsório, por sinal que de triáte ü-gura, com a renúncia a contragos-to, cedendo aos conseíhos dos maisavisados, que bem conheciam osdesconcertos do temperamentopaieiro, capaz de doçuras e expio-toes, e que Xavier Marques apa-rhou com felicidade nos votos idí-licos e nas convulsões da paixãoamorosa. Por que a instabilidadedessa condição? Não será a in-fluencia misteriosa da mobilidadedas ondas, das perfídia*; dü mar,ora manso e suave nas calmíirJas,ora irado e tremendo na raiva datormenta? Habituado a coser-secom o perigo, o homem do mar élobo ou cordeiro, a talho da oca-sião: suas reações não teem pro-porção, qual muitas vezes a fúriados elementos com que lida, Abravura do Sargento Pedro simbo-liza o heroísmo dos humildes, quetem intermitências, mas em cujopeito sobra ânimo no perigo daarremetida. O marujo, embora vi-va longe dos meios urbanos, nãotem a tranqüilidade do habitantede um claustro, plantado no vale,à ilharga da serra e por ela con-tido no limite da visão campestre.Nas populações costeiras, o marentra no arranjo da paisagem lo-cal, no choque permanente com aterra, o penhasco, o sítio desnudo,a palhoça, o barco e a vela branca,e, na composição natural do am-biente, só o silêncio falta à mono-tona simplicidade.

No caso de Xavier Marques nãofaltaram ao romancista as visõesda vida anterior, que o gênio deBaudelaire nos legou em harmo-nlas sublimes, assim fielmente re-produzidas em venot portugueses,

pelo nosso inesquecido Felix Pa-checo:"As Imagens do céu, no marulho

[embaladas,Juntam no misticismo, em simples

[vibrações,A harmonia sem par de altas or-

[quês traçõesE outras cores do poente em meus

[olhos fixadas".

Fora da inspiração regional, Xa-vier Marques produziu a seguirdois romances de boa urdidura:"Holocausto", em que descreve avida de um médico tuberculoso,convencido da doutrina hereditáriada doença e que sacrifica sua vidasentimental para não comprome-ter a prole, contribuindo para des-librar a raça; "A boa madrasta",em que estuda a situação domes-tica do viuvo que tem filhos, con-trai segundas núpeias e tem ou-tros filhos.

De referência à doutrina clentl-fica defendida pelo autor de "Ho-locausto" caberão, naturalmente,algumas reservas no descrime en-tre tuberculose congênita e here-ditaria, ainda não demonstradaesta na origem paterna, a não serque se admita a influência distrô-fica, isto é, a simples predispôs!-ção por modificação do terreno.Seja como for, a tese obedece àinspiração de fatos comuns, de In-terpretação controvertida, que oescritor erudito explora à luz dadoutrina que lhe parece mais sim-pática, senão mais romântica. Arealidade, porem, subsiste no vigordos exemplos objetivos, porque, defato, o pai tuberculoso pode fazerdoente o filho, que lhe não herdoua doença, mas a pique de ser con-taminado, tanto que permaneça nomesmo ambiente. Os casos não sãoraros e cita-se o de um velho mé-dico tuberculoso, que contaminoua todos os netos, sendo noção pa-cifica que a tuberculose é maisfácil de contrair na infância e naadolescência.

A composição do romance nãosofre, entretanto, porque, obede-ceu ao plano estrutural de projetaro possível holocausto de uma vida,quo se supõe potencialmente noci-va a outras vidas. E nada menosfácil de conceber no tributo do ai-truismo humano.

A obra de inspiração patrióticateve da pena refulgente de XavierMarques um livro dedicado ao des-cobrimento do Brasil — "Píndora-ma", premiado e editado pela Co-missão do Centenário, que logroutambém edição portuguesa pela

"Livraria Ctòsssica Editora", deLisboa. Publicou ainda em estudohistórico — "Ensaio sobre a In-dependência". Dois outros volu-mes de novelas e contos aparece-ram de sua lavra sob o título: "ACidade Encantada" e "Terras Mor-tas". ,,

Seu último romance publicado —"As voltas da estrada" confrontaduas épocas do Brasil, no enredoda vida social e política — a damonarquia e da república. A pro-pósito do livro, escreveu o eminen-te escritor português Agostinho deCampos:"Há muito tempo não lemos no-vela de costumes e de história, emlíngua nenhuma, que tanto nos en-tretivesse e impressionasse. "Asvoltas da estrada" põem diantedos nossos olhos, com admirávelnitidez e maestria, as "voltas queO mundo deu" no Brasil quando,pela abolição da ecravatura e asubsequente imp'antação da repú-blica, uma sociedade inteira foisubstituída por outra, e uma novaburguesia democrática subiu à to-na do poder, afundando e empur-rando bem para baixo, a antigaaristocracia dos senhores de enge-nho. Lendo esse esplendido roman-ce, escrito em boa língua portu-guesa, enriquecida pela ex.iber&n-cia do vocabulário brasileiro, re-aprendemos delieiadamente um tre-cho fascinante de história quasecontemporânea do Brasil, feitaainda de história nossa. E reapren-demos mais, bem ao vivo, como Ahumana e eterna a tragédia daexpropriação de umas classes poroutras classes, neste Vf»!e de lágri-mas, de injustiças, de ódios e doinvejas, que é o triste inundo quehabitamos. Centenares, talvez mi-lhares de leitores, podt ter e deveter em Portugal o novo e atraentelivro do sr. Xavier Marques. Ver-gonha será que essa obra falte nabiblioteca de qualquer portuguêsculto. Os que se levam só por lite-ratura de imaginação lô-la-ão Lomencanto reforçado de proveito. To-do aquele que entre nós meditana situação e destino da línguaportuguesa no Brasil há de tirar" daleitura de "As voltas da estradVa consoladora certeza de aue essalíngua continua viva na alma dosque aM' sabem respeitá-la e escre-vê-la bem".

Estas linhas não obedecem a pro-pósitos de análise: fixam apenasum dos aspectos da obra românti-ca de Xavier Marques, singular-mente aquele que nos pareceu maissugestivo na pintura de costumes epaisagens da vida brasileira.

A AMAZÔNIA NA OBRA DEINGLEZ DE SOUZA -

Tendo vivido toda a infânciano regaço da floresta equatorial,saturando a alma na surpresados estupendos fenômenos quesíngularizam aquelas paragens,o escritor paraense prometiaexatamente a obra literária quenos deu, e tal qual a formou,sob influxo poderoso, numa es-pécie de identificação pauteistaem que o gênio regional aparecefecundando a sua sensibilidadeenamorada. Vivida, sincera, pes-soai, essa obra é a filha legitimadas nupeias do.s seus sentidoscom a natureza amazônica. Cir-cuia em toda ela a seiva redun-dante que arroja as frondes dasumatima, e a linfa díluvial quesulca e abebera em todos ossentidos a planície continua. E'ampla e densa, cumo a ampli-tude exaustiva da terra c comoa espessura das águas invasnrasque a penetram. Por toda a par-te são rios que se alongam, cru-zando as suas torrentes, ora cia-ras, ora túrbídas, a céu abertoou sob esparaveis de verduras;são os lagos onde se refratam osraios fulgurantes dos astros doEquador; são as dilatadas som-bras da floresta obíqua e obses-sora, em cujas entranhas seobstina a insociabilidade agres-siva do selvagem. Não lhe fa-

Xavier Marqueslecem, entretanto, na monotoniade tais espetáculos, as mesmaslouçanias que iluminam dequando em quando a pradarialuxuriante ou o balsciro deáguas estofas, por cima do qualse entretem com altas ervas,cínicos e largas folhsis rosadasfie malva, alcatifa que se gass-gam varadas pelsi igarite sio ta-ptiio. Síntese desse belo selva-tico seja o esplendor da "vito-ria-régia", o lírio colossal dosigarapés, "tipo do transborda-mento da natureza vegetal dostrópicos". Quem leu que a nãorcUnha na memória visual aque-Ia página vivamente colorida emque Agassiz nos conta a sua ex-cursão ao lago Máximo, circun-dando de magníficas florestasque a plumagem cintilante dasararas esmalta de amarelo, vet-dc, azul e escarlate, em buscados recessos onde se banha, dc-fendido, por agudos espinhos,enlre folhas de cinco pés dediâmetro, o nenuiar gigantesco,símbolo da pu jante formosurado eqtiinócio, o rosíclcr da vi-tória-régia, em cuja pintura seesgotam todas ns gradaçôes doróseo, e o branco aveludado,saltando pela púrpura sombria,se repete nos tons látens do cen-tro. cum vislumbres de ouro...

.,.,,.,,,,,,,,..,,,, w„

PÁGINA 37» — SUPLEMENTO MTKRAKIO 0*«V MANHA DOMINGO, 1/U/lHI

NOTAS BIBLIOGRÁFICASTKftS TR.»niIÇÔKS

Pia coleçlu "Aa obras primaiém. Literatui-,* Universal", Fon-gclii ,iâ-m>s a "Mi^tóiia de ui««.-tCftfH'it"'nfía" d'ler;uubauU), «leRdiii «!d Kolhind, e "As Deseticfiii-tatli.*.'*, de 1'ieri-e r.(«(.i. ifcio du.-t.-i*l •'-¦.-, *t ri iria.*» tin literatura 1'ran-eesi. reu I mente, «?, ao co ntráciod ' (ine t-inta vez acontece, o meCif«> «Je t.iiü livros tlestn vex e«l.itu. jcordu com o tittitn d<t cole.•Si.. (*iu nii^* sio iruluiduít. . .

A (il»r* de Uom.iiti Kollui.i ja•sli em sua segunda çdietlo. E'tr.ilM.-T» de KJt.i.i Leite Lobo.

]...>ni;uu linlliiul obteve eni l',tl<jCr-a/iniu Nohel, e em todo «

ni ii mio todos lw nue estão fatm-lini/ulns com a mm obra e cmii

seu tfêiiio acharufii justa essa¦uciciu;i cons <«( j«;:»¦( que llie eraconcedida, e iüsu petas altaa e au-d.->!>i«._-.;m t| uai ida des do seu taten-to. Clerafiifiauli, couto Jean ti-is-«iiiiilf. rumo l*ierr(_* et lanie, »;«ni* das obra» maU célebre» efumiusus d..t griMile escritor.

tjuanto às l».*-^-m*HiH-.t<l«^, deCon, representa utn doa belos mo-menlít;* da in:-.pira<:ào desse gr.ui*de (i»et:i da prosa francesa. A tra-du«;."i.» ("• de .lorde tíotiçalves,

Temos .sobra a mesa, iitual-¦tente. <«s /\«ntrt'>. de Caaauova,«iit tradução de Antônio Lages.C.isiiin>v'.t é tuna curioíiídade et^r-na d'-a leitores de Loda a pane dt>mundo, pela inverosuiniilhaiiga ta multipliriijjde «los aeus -nii.M-es.Sua>t iiifinóci.i*» sai» vastas e s«¦ailupli«.-i[.i nu numerosos volu-mes. Neslas du-^entas e tan'.<.¦*pAsílnau, que vêem acom pan li fidasde um prefácio e notas do tradu-tor, encontra num uma como sin*tes-ie dis ;iví-fitur.is galantes e su-jfeaUvaa do iHcoriiíiivtd dou Juan,

* * *ã\**& JoImi» — lli^órfn <|A!4 lu-

diísiria-* n«i> líiwsil — Livraria«Jo*-é Olímpio — lüo — I1MI.

O nr. José Jobim publicou, ea»to ano de 1941. o seu livro HfMú-cí» da» tiulúsirias tio llrasil. O

eaeritor tem-se dedicado, rum dl-tintos anos. a uma atividade prA-Uea, • oa trabalhos que vem edi-tando refletem essa tendência doseu espirito. Sol e Kaii.ma, qu*íhá, ttê.1* anos publicava, em eoii-boração cun o sr. liaul Buppera uma contribuirão preciocaacerca da altuaçüo «conômicaaluai do Brasit. Depois vieram a«Uoo^ríifia Mineral (ainda em cu-labora ção com o sr. Raul Uopp);l'tM*st»u a voa dos minerais; »r.ra-al n aK«m<«iiia Mimtlial. ou-tio, ulli

Kssa História das Indúslna*. nuRi-iiníI reprefieiita, assim, um .-a-pítulo muito importante da obrad«> ar. .losé Jobim. Km suas pâ-Sinas, o estudioso de tais proble-mas ficar.* Familiarizado com oestado em que em nossos dtas ?*encontra o Brasil, no que di?: re»-peito aos produtos et traídos ausolo.

O sr. Jo.se Jobim procura tan-to quanto possivel dar-noa o pa-norama «eral da nossa evoluçãoeconomk «. no fixar a evolução decada um dos grieros de que traia.Seu livro assume um caráter d»perspectiva geral, quase hislóri-ca, o que ll«.e acrescenta valor.

O sr. Roberto Sitiionsen p'i*blica va, há alguns Unos, a suamonumental HiNlória ¦•'atinúiiileado llrasil. K* um livro de extre-tua rique*/,a de informações, qu»muito servir! a todos os estudi«>-nau de nossa liistória.

O atual livro do .sr. José .lo-htm, gu:n-d;idas as devidas propor-oVs (aquele em unia visada s«>-bre toda a nossa evolução eco-nòmica. este «* uma síntese dahistória daa nossas indústrias) re.veste-se de unia utilidade seme-lhante.

A este livro terem oa prova vet-mente que voltar, mais tarde, pa-ra an:ilt*»ir demoradamente i»l-suns dos' seu-* sugestivo.* capi tu-K.a.

* * *F. R4Miiiele Pinlo

Itra-iilianoa — Urasiliaiia, <r. IWiHmpaiihin tfttltura VaWoiialmu.

O .-u-. líoquete l*iuto é um dosmestres maia amados da geraçãoatual dos brusi leitos. 12tnopral'«>,antropoloyista, conhecedor profun-do daa ciências naturais, ele ei.n-tribuiu eficazmente para a de*-tcuiçaio de vái-ioa mitos venerado»(, errôneos Je nossa terra. li emprimeiro lugar foi um doa cam-pões ar.len.Les da tese do valort-Ziição do brasileiro, tese que ho-;e parece vitoriosa em todas a»correntes da missa cultura.

ENSAIOS BRASILIANOS t- umque o eminente escritor apor»publica. acentuam nitidamentemuiio dos principais pontos devista, com qutí o sr. Roquete Pin-to contempla w evolução do Br*-»i«.

Alguns d«>s capítulos deste 11-vr« são estudos acerca de sábios,brasileiros ou estranaeiros quetratarnm dia ciências naturais emnosso país: Frita Muüer, t«'r*iLeandro do Siicramento, AlbertoTorres. Henrique Marize, KarI v«tnSteinen, Siiellilage, Manuel Bon-fim. Ilartt, Asassiz, Miguel C"U-lo, etc.

Na segunda parte d-i volume,trata ele de muros temas, quefsão gratos A sua sensibilidade •a sua inteligência: trata dei obrade Kuclides da Cunha, da obi-ade Miguel Osório de Almeida, da«ie Afonso Taunay, enlre outrosassuntos.

Púnhamos em destaque o capi-lo Intitulado ESTir.IZACAO, qoe,'• a explanação de uni tema damaior importância no terreno daantropologia e da sociologia, poi»fala acerca das manifestações ar-tística.s do primitivo.

ENSAIOS BRASILEIROS é utnlivro rico de auges toes, denso deidéias, digno companheiro «JaRONDÔNIA « (los KNS.WOS 1>KANTROPOLOC1IA B!1ASir,IANA.obras com que Itoquete Pinlo d.»h.i tanto »e litipor \ admiraçãod«>s seus leitores.

MOMENTOMinha amada tão longe ! Com franqueia;Eu penso sempre em me mudar «daqui.Pôr na sacola o pão que está na mesa.Sair vagabundando por aí.

A luz do quarto ficará acesa.IFoi neste quarto que me conheci. . .1Deixarei um bilhete sobre a mesaDizendo a minha mãe porque parti.

Ah! ir cantando pelo mundo aforaComo um boêmio amigo das cantigas.Alma febril que a música alivia !

Se perguntarem, digam: "Ainda agoraSaiu, buscando terras mais amigas,Mas é possivel que ele volte um dia."

(Belo Horizonte, 1940-1941)

Aidonsus de Guimdrõens Filho

P, Fábio de'rinci'pio poético- £;zuli

Sou o anel de Saturno e a cauda dos cometas,brinco nas folhas secas que caem das árvorese fervo na espuma que borda a ponta das tragaiou formam as nuvens de meus poetas maiores.Quem nào me viu na poeira que se levanta na estrada,nas espirais violentas dos ventos irritadotque riscam minha solidão com a velocidade de estrelas cadentes,a mesma solidão que guarda penhascos invicta»adivinhados através uma cortina de névcasfQuem se libertou do amor que inspiro*Sou chama: guardo vii-os e mortos;sou música: alegro o primeiro vagidoe soluço no último suspiro— Vida e morte, limito a matéria e dispenso contornos ao infinita,Quando riie for possivel resolvero que os homens não querem compreender,quando eu me libertar da naturezae converter a dúvida em certeza,quando o cascatear de risos clarosnào tiver o sabor dos frutos raros,verão que continuo a ser o vinho'.' o pão que a Dor nos legou com carinho.Sou o colecionador de pérolas e corais dc ramos retorcidos.Conheço todos os caminhos, sem dia e sem noite, das terras

[submenuse já deixei, como medusas, entre os densos bosques de ahjv* «

isargacus,altos e ponteayudos templos de minha religião conquistado"!Extraio, das tragédias e comédias humanas, sorrisos e gemi"-n,possuído da mesma fúria com que o vento reúne folhas disper,;',,nas alturas e nas profundidades, vicejam nas marcas de nica

[pa •¦¦.«extranhas árvores sangrando resina e dando sombra com -r-

[tttíl.y i.Sou o famoso ilusionista que perturba a medida das distâ-i-. tíalongadas entre as cristas das ondas e por sobre as flore *j

\instai *'i.Sou o alquimista quase sobrenatural que, com a lava dos vute ¦<•,¦,fabrica as emoções dos poetas que contemplam paisagens ds

[b(«5ii".i.sou o discutido construtor de cadências raras e de dissonâncias,sou o patrono, a sombra, a direção, o lar. dos andarilhos incun-

ísiieai.'sou incontestavelmente aquele sinal de próximas devastaçõr'que nenhum dos iluminados profetas esqueceu de avisar bem alio,Quem não suspeita de minha presençana ameola de qlórias do Pai Eterno?Fui a inspiração para sua obra máxima:em mim encontrou o Senhor a essência do perdão,c promessa do Filho teve origem em mim.Domino as realizações humanasporque sou amor;e lágrima ou sorrisoserem sempre o que sou na voz dos Poetas.

Que frieza é esia entrando no meu quartoAtravés «da janela que dá porá o cemitério?

Que aroma insípido e rumor silencioso são esses entrando no meu quartoAtravés da janela que dá para o cemitério?Serão das catacumbas geladas e dos ciprestes imóveis?, ;Serão dos cabelos da última náufraga

Remexidos pelas oscilações do mar próximo?Ou essa placidez que vem a dominar o ambiente do meu quarta >Será do sono inabalável dos encouraçados submergidos?

Senhor, vós tambem criastes essa placidez, esse aroma, esse rumor e

[ frieza essa

Oue penetram no meu quarto através da janela que dá para o cemitério.

Tudo isso. Senhor, não será poesia?Domina, embevece, espiritualiza e dá ao meu modesto quartoUrna afitude monumental: a atitude das aves mortas"* L

Dois diálogos c/e Humberto de Cdmpos{Continuação da página 358)

simples micróbios a realizar umainsignificante nwsão do universoem uma gota de linfa ou de san-gue? Oü leucócitos e as hpmauasnão terão, como a terra, os ,>eusbilhões de habitantes e esses lia-bitantes, como nós, a sua miL.L.a,a sua ciência, as suas indús-trias. a sua historia a sua lifera-tura? Não haverá sobre nós, nea-te momento d0 mundo a qu? ena-manias século, seres gigante.*c*-g,que s?rão micróbios para outrosseres, estudando os nossos movi-mentos individuais, ws nossas vi-braçòes coletivas, como nós estu-damos os das espirilos, os do« oa-cilas, os dos micrococos?

LACTANCIO — E' humilhante.mas perfeitamente possivel.ANAXAOORAS — Nesse ca.su,que importância terão as no.ss.isguerras, as nossas revoluções, asno.-».sas convulsões sociais? Dispa-nio-nos do nosso orgulho, e imagi-nemos um organismo, no qual onosso Universo não passe, na reali-dade. de uma ?ota de sangue. E nóasomos os habitantes, os autócto-nes de uma particufa des.se Uni-verso. Por lei natural, o corpo emcujas artérias o nosM mundo cor-re como gota insignificante, co-meça a ressentir-se, a perecer. O

médico aplica-lhe uma injeção in-travonosa. E toda a gente salie 9efeito de uma medicação que í1*-termina reações: enorme agitii(.;•*')„febre, o alvoroço no mundo mini-uíano. morte de alguns, translor-mação «te outros, que evcluein d*acordo com as novas condiç«> íquímicas do ambiente. E eis en-r*nós a luta armada, a devasta^;'*o incêndio, a peste, as bataümentre gregos e persas, a guerra ü««Cem-Anos, as conquistas napeleõ-nicas, a conflagração de 1914. £o organi.smo todo se .ressente des-fie alvoroço das bactérias, até qua.eliminadas as toxinas pela mortedos germes mais fracos cu menusvenenosos, a paz volta ao or,'i-niasmo. e recomeça a vida normalda gota de sangue e do ser vmque é ela partícula quase invuiv..

LACTANCIO — Eu devo. cri"*.Me.síre. perdoar ao meu inimi.: *¦

ANAXAGORAS — O perdão "«o ódio não dependem de ti. O :•-rãs ou amarás conforme as * '-acõe.s químicas ou térmicas do '¦¦"-ganismo ou da gota de sangue «'ii»que vivemos. Fechemos os olho- -jcontinuemes, assim, a sofrer '•'modificações misteriosas do am-biente, ou, como costum '"o.s [!'"zer, a fatalidade irremediável u°nosso destino. „,

, „,.„„, ™ - e. *>. í* :*; *¦:*¦¦¦ —H$fH '-—pw

DOMINGO, 7/B/1S41SUPLEMENTO LITERÁRIO D'A MANHA — PAGINA 3T1

DURA, REDONDA, AMARELA, ' • ^WkJOGADA COM MEU CERTEIRO , \iCt**ÍMmBODOOUE DE GUATAMBu — í ,lv {'ti^WfiMATAVA CANÁRIO, MATAVA ROLINHA, «L ,1 \ \\V jW

'«3w ;

-MATAVA INAMBÚ... 1XJ»? \í ll \ H/f Flf/ÀQUANDO EU ERA PEQUENINO ^*^X 1*^81 J.faV \ i JÊIf/AVIVIA ARMANDO ARAPUCA /fàf ^*a\. 'Ml flvi -*«i J\V\ 'ti MlPRA CAÇAR "VIRA" E URUTAU. ||\ \\ illl1 ll I^Bí' ^üaWfflHMAS DE NOITE VINHA A CUCA lÍ»sA \\ 7 ll H lll I vkí ^^íiralflCOM OSEUGATOCORRUMIAU. .. /Rm\. W 'tll T ¦' ^ CTuflCOMO ESTE MENINO E'MAU! ^T >KgNw VS. J|j^^J M ^{% «IH

^É^X V« ^if a$1' '(miBOLINHA CAIU NO LAÇO... ^B&Ov NJH^MB^ \/TO\ ÍHnIA CONTAR, NÃO CONTO NÃO. £sv ^^ Jh**w (i?{]M Mt- |MJHCOMO BATIA O CORAÇÃO . ^ÍWffltfyjpvfr. ^ksMFu^tfâ*^MP ff"™»»»DAQUELE VERDE SANHAÇO A 5^ÉK^VT '^ "* flrllfífVf^*Mi^MW '/MndMlcWilNA PALMA DA MINHA MÃO! W ili-, t,

' "^^TOffiH i\l"

'/imWMW§ JrfliRr!LWnaiAH! SI EU PUDESSE, ALGUM DIA [%' T *<\\\* AMí)*^ S' lL»OTiílfnJrfPfll' ff JU ilWBWlHiCAÇAR A VIDA NUM POEMA Jl, II \UW/ Jr? ^ «M/W^iSIKWfiMWj? TwfillEM SEU MINUTO DE DOR #*\\ H ^ f4* A^l fl^7y^ JH^n t*v^»*^MfiPss^/iW » H

OU DE ALEGRIA SUPREMA ~ *, I \ # if • • àmíW'ÁWÊLWÈLW>^\%W \mÊ

QUE BOM QUE PRA MIM SERIA . Ar' JWf \M f j ,' . ij .-<IBIw!WugBPWBMr * mAÍ' M^WlTER A VIDA EM MINHA MÃO -1° iJ\,» 11 lf%3 j)J i^^^tMMv»i^n 1 í|fTWk*N.m\\ jKm, PERERECANDO DE SUSTO ,-p WfojMÍR li'HS Tft llüí^T ^MHLfgW >i 1. Jí JiH-r^MW^Vffl

.jí COMO UM PÁSSARO SELVAGEM I UtóW ®\i\f» tf^ÇUáfi I' JM Wk' 1 ''iRü

IM ' IIMí M-l-AVilM| NA GRADE DE UM ALÇAPÃO! ™^ lliMÍara

Xj iHHl

¦¦¦- ¦ ."" . " ¦ ¦' -¦¦¦¦•¦¦¦¦¦¦• '*»w

PAGINA 172 — SUPLEMENTO I.ITKK4RIO D*A MANHA DOMINGO, T/t!/lMI

AMOR DE GONÇALVES DIAS ~ AsO verso de nove sílabas, tal E sei que morreste, filha!

eomo era praticado antlgamen- E sei que a dor de te perde-te. eom acento de crês em três Enquanto eu for vivo, nuncr\gílabas — tá-tá-tá, tá-tá-tá, Nunca se há-de esvaecer!tá-tá-tá —, recorda justamen-te um instrumento primitivo Mas qual teu jazigo, e ondede percussão, batendo indefi- Jazem teus restos mortais?nidamente o mesmo compasso. Esse lugar que te esconde,Gonçalves Dias o utilizou mui- Nào vi, não verei jamais!to nos seus cantos indianistas, Não sei se ai nasce a relva..."eomo no "Canto do Piaga":

A poesia é datada de Manaus,*ü' Guerrei ros da ta/ba sa- l de maio de 1861. A crer naIgrada, sinceridade real do poeta ie

O'Giterrei/ros da Tri bo Tupi..." não simples sinceridade poétl-cal, não teria visto ainda o se-

Quando saia dessa medida, pulcro de sua filha Joana Olím-preferia nessas canções de per- pia, menina morta enquantocussão os versos de cinco, de ele andava pela Europa, em 25•ele sílabas, impares: preferia, de agosto de 1856. Trazendo noembora usasse de outros me- seu mestiçamanto sangue deíh-tros.. dio,, até aquela inveja do nômade

No poema, *Procela'*, colo- a carregar consigo as urnas fu-eando èm função toda a sua nerárias devia ser sincera, numwlrtuosidad-ç, começa com os tempo em que, sem peias à suaTersos de duas sílabas, de três personalidade cultivada roman-na estrofe seguinte, depois de ticamente, os poetas não só fa-quatro, até onze, quando a zlam poesia: viviam poesia.tempestade anda arrancando Entretanto, Gonçalves Diasárvores: depois regride a me- nem sempre emprestou aos pro-trificação, até voltar de novo blemas de sua vida soluções ro-ao verso dissilabo, a natureza mântlcas. Teve um grandenovamente Oranqui'a, com a Amor. mesmo com maiúscula,lembrança insignificante de que não foi aquele que lhe deu¦ma simples gota que ficou nu- a filha para morrer aos trêsBt folha: anos de idade: "Don'Ana, filha

de um rico negociante portu-"A folha guês estabelecido havia muitoLuzente n0 Maranhão, Domingos Fer-Do orvalho reira do Vale, era irmã do Vis-Nitente conde do Desterro, e veio a serA Sota tia de Teixeira Mendes" (Ones-Retrai; taldo de Pennafort. em notaVacila lnserta na "Antologia dos Poe-Palpita; tas Brasileiros da Fase Român-Mais grossa. tica"_ de Manuel Bandeira).Hesita, Viu-a em 1846, quase menina, eE treme fascinou-se, dedicando-lhe ver-E cai" sos. Reviu-a em 1851, menina e

moca: paixão reciproca. QuisH* uma certa delicadeza, no casár com eia, mas a familla,fornecer ao leitor até uma lm- enlbora estimasse o poeta, re-pressão visual do desenvolvi- cusou 0 seu consentimento, pe-mento da procela, na medida ]0 preconceito de côr e casta.dos versos, a lembrar aquelas QUe faz ele? parte para Por-notas suaves e tímidas que ml- tugal. A moca queria até fugirelam e terminam a tempestade para se casar e "o exprobou emna "Pastoral" de Beethoven, ^ja dura t amargamente, porde permeio se avolumando ru- na0 ter tido a coragem de pas-gldoramente. Provoca tajnbem sar por cima de tudo e de rom-outras lembranças: a -Canção

per com todos para desposá-Ia".dos Barqueiros do Volga", quan- ^erla sido essa a solução romin-do as vozes começam longe, tica. porem o mestiço tinha,erescem ao chegar até nós. e acima do romantismo assim»ão se extinguindo ao se afãs- compreendido, o culto extremotarem os homens que arrastam da dignidade humana, até aoa barcaça cantando... Bonito! sacrifício!E perdoem-me uma imagem Tempos depois, defrontam-seprosaica, mas pessoal: nesta os ,j0is num jardim público de•erena cidade de Belo Horizon- Lisboa, ela ji casada com ou-«e, o» varredores noturnos da trem. E' então que Dias faz ou-¦linha rua vêem se aproxima n- tros versos pungentemente ad-do numa conversa distante. miraVeis, -Ainda uma vezliem e conversam alto ao pas- adeus", também om sete sila-¦ar pela minha casa, se distan- bas:ciam conversando tênue, dtssi-labicamente... "Enfim te vejo! — enfim posaoDesconfio, entretanto, que curvado a teus pés, dizer-te •daquelas habilidades métri- pue não cessei de querer-te.eas é que teria vindo a mania pesar de quanto sofri.•u moda que contagiou os ver•ejadores, simplesmente verse- Dum mundo a outro Impelido.Jadores. durante muito tempo, Derramei os meus lamentosde fazer poemas em forma de Nas surdas asas dos ventos,eru-z, de ânfora, de pirâmide, de r*, n,ar na crespa cervlzlfolha, de pétala, de jarra, e de Báldão, ludibrio da sorte,•utras coisas mais, num visua- Em terra estranha, entre gentelismo desmandado! Que alheios males não sente

Quanto a Gonçalves DtaJ, Nem se condól do Infeliz!¦âo se pode dizer que nos ver-aos em sete sílabas tenha tido Nem uma voz me diriges!...qualquer intenção de virtuosis- Julgas-te acaso ofendida?¦to. quando utiliza essa medida Dcste-me amor, e a vidaeminentemente popular nas Que ma darias — Bem sei;poesias mais dolorosas que lhe Mas lembrem-te aqueles fero*•aem da pena, como para a fl- Corações que se meteram

Não te esqueci, eu to Juro:Sacrifiquei meu futuro,Vida e glória por te amar!"

E' impressionante que o pro-

da esposa do poeta autoriza que "Forasteiro, vago, errante,assim também se a encare, Sem próprio abrigo, sem iardiscuta, quando menos para Sem ter uma voz amiga *comentar o retrato dela, que Que em minha aflição me digailustra o artigo: os olhos irre- Dessas palavras que fazem

A dor no peito abrandar!

Esse lugar que te esconde.Não vi, não verei Jamais! ¦„

Mas, adiante:"Irei beijar teu aepulcro,Chorar meu último adeus...*

Tal abandono, sem lar e sem

Dos males seus

lha morta:"O nosso Índio errante vaga,Mas por onde quer que va.Os ossos dos seus carrega:Por isso, onde quer que chega,tia vida n'amplo deserto,

Entre nós; e se venceram.Mal sabes quanto lutei!

Oh! se lutei!... mas deveraExpor-te em pública praça.Como um alvo à populaça,Um alvo aos dlctérios seus?

Como que a pátria tem perto, Devera, podia acasoNunca dos seus longe está! Tal sacrifício aceitar-te

Para no cabo pagar-te,Meus dias unindo aos teus?

Devera, sim; mas pensavaQue, sem mim, alegres diasT'esperavam

Tem para si que a poeiraDaquele que choram morto,Quando a alma já descansaDa eternidade no porto.Kenhures está melhorDo que na urna grosseira,Que de instante a Instante Que me enganei, ora o vejo;

Cregam Nadam-te os olhos em pranto,Com seu prantear d'amor! " Arfa-te o peito, e no entanto

Nem me podes encarar;' ... Erro foi, mas não foi crime;

priõ poeta aceitasse de certo mediavelmente tristes, todamodo o odioso preconceito que fisionomia, principalmenteos separou, quando diz que es- curva da boca, revelando ver- Mas qual teu jazigo, e ondeposá-la seria expor a moç<t co- dadeiro desalento. Altas, traz a Jazem teus restos mortais?.mo alvo -á populaça, aos dictè- cabeça o véu de viuva* ao querios do vulgo maranhense! A me parece.poesia é um novo, desesperanr ^ jm,a do casal talve» pu-çado, desesperado adeus, e na- desse ter sido fator de amizadeda mais do que isso... Estamos entre os cônjuges, que com elanuma altura Imune de qualquer partiram para a Europa, o poe-artificio métrico, na esponta- t» numa comissão de estudos.neidade do metro correntio. jjas a frágil criaturlnha não voz amigo, não creio que fosseApenai há o exagero de se dl- pôde suportar o inverno euro- apenas para efeitos poéticos.zer curvado a seus pes, coisa pju e "nobremente d. Olímpia em sua poesia que, sempre a£que, alem de que desgostaria ao sacrificou o amor conjugai ao tamente expressa, sem exage-marido, o poeta talve? nao fl- amar maternal", voltando ao ros, nos convence sempre dezesse em público... Brasil com a pequena. sincera, humanamente since-Mi'.s deixemos de uma vez a -Contou d. Maria Joaquina" ra...questão da técnica dos versos, (muiher de Benjamin Cons- A propósito das aventura»pare passar ao amor de Gon. tant), "aos seus descendentes confessadas nos sonetos, o so-çalves Dias. Era adeus, e nada que n0 cais, à hora das despe- brinho neto continua: "mas hámais, porqua se mais houvesse didas, Joana Olímpia — que necessidade de que aqui consig-destruiria toda a altura d>; aprendera o francês por ser o nemos a grandesa moral dadignidade em que o colocam a ,jnlc(, idioma falado pela fa- companheira que ele desprezourenúncia. milia enquanto permaneceu na e que jamais o deixou de estl-Depois, numa outra poesia, Europa — deu um beijo em seu mar, nunca permitindo que s«perguntou Se se morre de amor, pai e lhe disse: — Au revoir, falasse mal dele na sua presen-e respondeu que nao; mas papa, lã haut, e com o dedinho ça. — As pessoas que aludiam

. apontava o céu. Gonçalves Dias, a0 seu modo de vida irregular"Esse, que a dor tamanha nao profundamente impressionado, ela respondia desculpando-o-[sucumbe, chorou muito, pressagiando que "Ele ir assim por temperamen-Inveja a quem na sepultura não mais veria a filha. E assim to, mas não é um máu caracter-[encontra aconteceu", morrendo ela em a sua doença (Gonçalves Diajdesejado 1856. herdara do pai a tuberculose)[termo! Ora, como já vimos, em Ma- é que o faz querer viver inten-"Esse amor, que buscou sem náus, em 1861, o poeta chora a samente, pensando que morreránunca encontrar, ligava-o mais filha morta, {Continua na pág 3751ao sacrifício que ao prazer, cs-creveu Lúcia Miguel Pereira(Revista do Brasil, 3.* fase, n."3, pág. 256). A bem amada erasempre alguém a que se imo-lava".

E acentua mais adiante:"Mas é amor, mesmo na renún-cia, que o prende à vida, que odefende da atração da morte.Ainda que o seu grande amor,a Dor.'Ana — Ana Amélia Fer-reira do Vale, cunhada do seuamigo Teófilo Leal — lhe ti-vesse sido dada, talvez Gonçal-ves Dias continuasse a sofrer,pois, o amr.r era para ele o ir-mão da morte e das lágrimas,que só vive inteiramente naadversidade".

E' o que fa* estranhar o ar-tigo do sr. Benjamin ConstantNeto, na revista "Carioca", porocasião do centenário do nascimento de Benjamin ConstantBotelho de Magalhães, em ou-tubro de 1936 (artigo que re-cortei e guarde! por me parecercurioso): — "Não há necessldade de narrar as aventurasamorosas de Gonçalves Dias,pois elas são confessadas emmuitos dos seus sonetos*'. Aalusão a sonetos, atribuidos apoeta que poucos produziu navida, mostra no articulistaaquele desconhecimento supe-rior das formas de versejar,,que o faz reduzir todas a so-netos: poesia-sone to. GonçalvesDias apenas se revela um amo-roso profundo, para quem amaré sofrer: não um terrivel amo-roso, como a observação fariacrer

Neto de uma Irmã de donaOlímpia da Costa que se casoucom o poeta e lhe deu a filhaJoana Olímpia, o autor do ar-tigo é, assim, sobrinho netoafim de Gonçalves Dias, a quemchama de "o príncipe eternodos poetas brasileiros". O seutrabalho visa mostrar como seuavô, Benjamin Constant, pro-curou amparar sempre a suacunhada, viuva do vate, comdelicadeza e discrição, a pon-to de combinar "com o Ba-rão de São Cristóvão dar-lhede seu bolso uma modesta men-saudade, através deste titularseu amigo, o qual informou ad. Olímpia que assim procediaem virtude de um legado depessoa rica e que ao falecer de-terminara a distribuição desuas rendas pelas viuvas neces-sitadas". E mostrara que donaOlímpia, longe de ser "um es-pírito vulgar, de aspecto ^sem-pre tristonho", era "espírito ir-radiante e sempre moço". En-carando a sua personalidade,numa revista, o sobrinho neto

A PROPÓSITO DE UMINQUÉRITO - L««o. C*r„oso

Trazido por essa grande onda de interrogatórios gênero In*tituto Gallup que atualmente infesta as nossas revistas literá-rias. como a última flor da inteligência esportiva e jornalística,veio procurar-me um dia desses um repórter de boa vontade,desejando encontrar resposta exata para o modo como se ta»um romance. Se na ocasião em que respondi tivesse mais inti-midade com o jornalista, eu o aconselharia francamente a nãolevar adiante o seu inquérito. Realmente, os meios de se fazerum romance não estão sujeitos á uma receita mas unicamenteà natureza dc cada romancista. E' claro que se houvesse uma re-ceita, se pudéssemos afirmar tranqüilamente "é de tal modo",todo mundo estaria apto a escrever romances. Mas talvez o en-gano seja meu, talvez o repórter desejasse apenas saber em quicondições materiais, em que posição, com que objetos ou em queestado de saúde cada um escreve seus livros. Neste caso, acrecii-to que a pergunta náo merecesse resposta. Mas as respostas queli, parecem sugerir o contrário. Muitos indicaram meios que se-riam os empregados por Balsac ou Sthendal. Neste caso, tenhapara mim que essa imitação de processos (outro não pode ser »nome...) é que dã nascimento ao que se costuma chamar de "es-colas". Não teríamos tantos pastiches de Machado de Assis, mnáo houvesse tantos imitadores do seu "processo". Mas o mauinteressante é que, desde o momento em que alguém comece »palmilhar estes caminhos ji trilhados por um romancista ilus-tre. adquire não o mecanismo necessário para fabricar um ro-mance, mas os defeitos oriundos desse processo. Não são as reen-trâncias, as profundezas que o marcam, mas as saliências. Nã«são os achados de um Rrande escritor, mas os seus cacoetes.Feitas essas considerações, tentemos um meio de colocar con-venientemente a pergunta ao redator. Seria mais fácil, talvez, res-ponder "de que se faz um romance". Hoje. ninguém mais acre-dita que seja de lápis e caderninho de reportagem na mão. Otnossos grandes romancistas já não "colhem material". Passemoia vista nas jornais em que t "nova geração" faz tão grande alga-zarra—e veremos que a sua principal acusação contra o que se fezde 30 para cá. é o "estilo descurado". Todos os novos hoje em di»escrevem bem, linguagem limpa, abebeirada nos clássicos. Ora,apesar de tudo. o "bom estilo" continua a produzir mediocrida-des tão absolutas quanto o romance do sr. Josué Montelo. Par»se fazer romance, portanto, em primeiro lugar é preciso que Jautor tenha talento para isto — e depois que tenha sentimentos,experiência, tudo enfim o que puder completar a sua visão daJcoisas e dos homens, afim de não transformar o seu romancenuma coisa inútil e gelada.Poderíamos então fazer uma derradeira tentativa para reie-var o absurdo da pergunta. E faríamos esta: que é o romance •Neste caso, o único risco seria o de esbarrar com respostas céle-bres, o espelho de Sthendal, etc. Mas teríamos por outro ladouma extraordinária oportunidade para avaliar a conciència qu«teem os nossos romancistas do Instrumento que usam. Tendo eusido também abordado pelo jornalista, procuraria num momen-to de folga coordenar as minhas Idéias em caos, tentando arrau-car delas o motivo mais forte que me obriga a escrever. E depoisde muito pensar, talvez dissesse que o romance é um grito do ho-mem contra tudo o que o aniquila. E' um gemido da criatura quenão ignora a extensão exata do pecado, que mede toda a pro-fundeza da sua queda. Por isso é que todo romance resume umatragédia. Os raros que desenham a alegria, o triunfo das forcaspuras, e que mostram tal sentimento em pleno apogeu, ou o fa-zem apoiados na história do mal vencido, a luz ressaltando nuiiviolenta desse contraste de sombra, ou são então as obras impa-res, as qu» nasceram por milagre e assim permanecem. E' qu? arlegria é um dom perfeito, é um sentimento sem ânsias e semlágrimas — e esses sentimantos, como * graça de Deus, não teemexplicação e nem história.

i-sAfià; *;¦£».:¦! ¦!.siií,-í-/-;if .2 ..:

LDOMINflO, VU/1M1SUPLEMENTO LITERÁRIO D'A MANHA — PAGINA 31]

"TerrasMortas"

ICmtinuaçào ia página 3tl)

Do beirai do telhado ctncavo pen-diarn erva» daninha».•'Em redor o mesmo angustianteespetáculo. Broroeos mandacarus,«ceando em pé, ainda traçavamrumos de cercas e malhadas. UmaArvore de pomar, apodrecida, malrecordava os braços ativos que lhecolheram os frutos.""Por toda parte atalhos som-brios, soturnos caminhos, outrorareclamantes de rodagem, veredasquo foram trânsito de boiadas ede alegres tropeiros, tudo atufado»ob a flora mesquinha, ríspida e se-mi-mort» dos carraacais.

E o viajante contemplativo pen-«ária: "E' uma tapera como tan-ta» que se encontram nestas ma-tas, de onde foge assombrado omatuto supersticioso!"

Fra a vila morta de Sáo João Ba-tista íe Água Fria".

Esse episódio de amor e ódio,nairado pelo sr. Xavier Marques,deve r-orresponder a fatos muitosrepetidos na vida brasileira e so-brettido talvez na região rio Nor-deste. De Bernardo'Vieira de Melo,herói pernambucano, conta-se que,t*-ndo suspeitado da honra da no-ra, sujeitou-a a conselho de famí-Ma e condenou-a à morte.

Haveria um curioso ensaio decrítica e interpretação a fazer naliteratura brasileira, em torno dosassuntos que se prendem a esseciclo dos dramas e das vingançasfamiliares. Até es "Sertões" de Es-elide1; da Cunha, poderiam entrarnr, tal estudo pois, em origem ocaso do Conselheiro náo é mais dooue o fruto de uma dessas guerrasde tribus.

A v/da é de, cdbeçd bdixd - alvaro moreyraIIM ANCESTRAL

Há um autor inteiramente esquecido no Brasil: Korposanta Era assim que se assinava. José Maria ou Joaquim Ma-na. Nao me lembro. Lembro-me de que compôs dramas e ver-soe, reuniu as obras completas em cinco ou seis volumes gran-des e foi morrer no hospício. Durante a revolução contra opassadismo, ninguém pensou em dar àquele homem de 1880e de Porto Alegre, o título de precursor da poesia moderna. Dapoesia e do teatro. Aa peças de Korpo Santo traziam, nos finados atos, este aviso:

"Aqui o contra-regra leva o apito à boca e faz:e o pano cai".

-«... i

Tirando isso. não eram diferentes das nossas peças de hoje:"verdadeiras fábricas de gargalhadas*'. Também os versos sãoirmãos mais velhos dos versos depois espalhados em todos oarumos, até no Oeste. Por exemplo:

AS ARANHAS

VISITA A IGREJA?irias pemonLá encontrei.A todas boteiA minha benção,

Algumas meninasDe cores mni finas,De livros — rezavam,A Dem oravam!Poucas velhas.Bem enfeitada»,Eram tornadas— Mel de abelhas!

Homens — pouco*.Meninos — alguns.Oh! que de loucos.Ali estariam!

Qse belas aranhas!Tão belas! Tão ternas!Pois cães do tetoE não quebram as pernas!

IDÉIA

Tenho um compadreQue é padre.Tenho oma comadreQue é madre.E esta!Veio-me à testa

. Cm pensamento esquisito!Não importa:Fica escrito!

DOMINGO¦for ser domingo,Fui à missaE de preguiça,Comi lingüiça,Comi Teresa.(Entre parênteses: Teresa ê i i cabra).

VELHOS AMIGOS

Alguns homens conheci, um pouco estranhos, na minhainfância. De vista e de ouvido. De ouvido, dois, que, todas aatardes, paravam diante do meu avô Moreira, um atras do oo-tro, duros, firmes, como bonecos. Primeiro, gritavam ao mes-tao tempo:

Escatafúl de natal dè chilunqui!Em seguida, o da frente perguntava ao companheiro:E quem foi que descobriu o Brasil?O companheiro respondia:

Pedro Alvares Cabral. Em que ano? 1500. Muito bem! Senhor Moreira, pode dar qualquer cetim

• esse rapaz?Entre os de vista, ainda vejo seu Casimiro, seu Mariano,

seu Próis. Seu Casimiro não falava: bufava. E cada vez qu*bufava, meu avô dizia:-— Você bufa, hein, seu Casimiro!Contavam que era lobishomem.Seu Mariano tinha umas barbas imensas. Três dias depoli

de casado, a mulher lhe dera uma bofetada. Ele se vingou:(Continua na pág. 376)

¦

I Wolfgdng Amadeu MozdrtSentado à sombra do teu monumento aéreoVenho conversar contigo, ó Wolfgang Amadeu !

A noite enrola as montanhas de Sakburg.As espadas dos ditadores confabulam nas trevas.Recolhem as flautas, os rímbalos, os violinosE barram o horizonte com os tanks, os canhões os

[ paraquedas.

Destròem a caixinha de músicaQue alimentou nossa infânciaPõem abaixo os teatros de marionetesE erguem gigantes de chumbo... '..-...

fi Woljgang Amadeu, conspiram contra o ritmoCojmlróem as falsas pátrias e mutilam a unidade.

,0 coração do universoEstala, nõo pódc mais, ¦ 'O peso do MinotáuroEsmaga a asa da música.

Sufocam a dansa da manhã primeira da criação.Sufocam a liberdade de datisar e de errar

Facinado pelo teu cristalQue, permanece altivo e simples acima do massacre,Venho te confessar minha fidelidadeEnquanto os raios dos ditadores desabam sobre a

[ Europa.

tf de ti que o mundo precisaO' dominador dos elementos e dos instintos.Acima das baionétas c dos tanks (tos tiranosCanta, ptira chama, dansa, Wolfgang Amadeu,i'ara que o homem retorne ao paraíso.Teu canto ê liberdadeTeu nome é vitória.

Rio de Janeiro, 5 de dezembro de 1941.No 150.* aniversário da morte de Mozart

MURILO MENDES(Especial poro AUTORES E LIVROS)

HlllWBIllolB*» 9j_""" . "^^^SS^ÊpsBK&^KE^_^-rj ~* gajE£Sqjj^§BBMp| í -life --x^MmmmM^x^^^^M

P^TffiT ^;-t: -!e^ 0^^í^^^^^^^r______r^Ê

¦Uni Mm WXíllMimMmírÊ IwW^vmX^^^fwÁM mWwBmMwÈÊÊmmmVMMÍKJÊÊ mMm 'vi

BmmKBBí>.^M §j2yf>jÉ5iflfi oBo^fcoy^i^^^^o^aaWK_waà_\a^Ê__\^______^mmtEm_ZmmÊ^mÊl^^Mr7^e^ ¦. ?ansb<c9R*>-™« »^»wà» .«wnUV-HDesenho it li. H. VIEIRA DA SILVA

o.:._.o,j.„i,6aoiiotíi*ísi

--"ri-?; ¦¦¦1'sri-ri *r ?.IV*71

PAGINA XIS — SUPLEMENTO LITERÁRIO D'A MANHA DOMINGO, T/IS/1M1 jjWtjli

2'asírjo «iaSilveira

J

Os paises inexistentesTem-se dito que a poesia é uma presença. Expressão de sen-

íitío indefinido, que pode ser explorado mterminavelmente. Oque, sobretudo, se pretende sugerir com essas palavras é que napoe^a se corporifica uma realidade, por assim dizer, ontologica.presença, talvez, da alma do poeta, com seu destino único nomundo e sua infinita "diferença". Presença concomitante do es-pvito do tempo em que o poeta viveu, ressoando através dessa di-ferença infinita, presença ainda mais impressiva do mistério quesomos em nossa alegria ou nossa dor. Prese?iças diversas fundi-aas numa só, que se manifesta substancial e viva, embora in-tangível, etérea, intacta, como a própria irrealidade.

O que, por pura indução baconiana, podemos resolutamenteafirmar ê que, na sua poesia, o poeta nos ê mais pres?.iie do quena sua própria pessoa. Porque na suo poesia, quando genuína,ele lios dá precisamente a sua alma profunda.

Foi esta reflexão que violentamente me suscitou q livro novoAe poemas de Mucio Leão — "Os paises inexistentes".

Vem nesse livro um 'Cântico de Aleluia" que foi, para mim,uma deslumbrada surpresa. Transcrevo-lhe os amplos e irre-guiar es versículos:

"Os tempos volveram na infinita magia.O poeta e a sua Musa se viram, de súbito, transportados ao

êortilègio de um velho dia, de um dia religioso-, do dia em que,criança ainda, o poeia penetrara no templo, para o iivino mistè-Tio do seu batismo.

A Musa que, silenciosa, caminhava a seu lado, ia o poeta fa-lando, fazendo-a compreender o enigma que se encerrava nascoisas ressuscitadas.

E, ao caminhar para o templo, ia ele se lembrando de que aliae havia batisado, de que ali se haviam batisado todos os seusirmãos, de que ali se haviam casado seus avós e seus pais.

Suave e tranqüila, a Musa seguia ao lado do poeta.As portas do templo, entre os numerosos mendigos, quertsavam e pediam esmolas, o poeta e a Musa se ajoelharam, eoraram, juntos, a rnesrna oração.

Inesperadamente, o poeta volveu os oiftos para a ilínssa. Masos doces olhos lindos da Musa estavam molhados de ansiosas lá-grimas

Então, os dois penetraram no templo.Oh! Mistério dos mistérios! Mistério das coisas que jamais

terão vistas!- Lá dentro realizava-se uma cerimônia estranha e mara-vtlhosa.

Sereno e triste, na dor de sua paixão, o Senhor agonisava.êób o peso da cruz. Sacerdotes •inúmeros O cercavam, andandoem torno d'Ele, e entoando as palavras de um salmo compostopelos anjos.

O poeta e a Musa ajoelharam-se, tímidos, ao lado de um re-tabulo fulgurante, em que se via o Evangelista Marcos, tendomo lado o seu leão simbólico.

De repente, os tempos humanos se precipitaram, as coisastodas cessaram de existir, e o poeta religioso e a sua religiosaMusa se viram arrebatados até o sólio da eterna Luz, da Luz ines-tinguivel.

Na ímensidade cheia de prodígios soava o cântico infinito-.— Aleluia! Aleluia! Aleluia!"

Ora, neste momento em que tão ruidosamente se faz praçaie uma poesia católica, de expressão modernista, no Brasil, comvários representativos áe renome, ainda ninguém tinha alcançadopôr num poema esse profundo frêmito aleluiático do "Cântico",de Mucio Leão, que, no entanto, salvo equivoco de minha parte,$e conta entre os nossos céticos mais convictos.

Mucio Leão conseguiu, nessa peça, captar o acento de incon-fundivel inspiração católica que faz a oloria e o esplendor dospoemas ie Gertrui von Le Fort. Conseguiu-o, sem dúvida,.semo haver procurado. Foi uma grande onda interior que de súbitolhe rebentou em ritmos e imagens, quando ele supunha, talvez,estar apenas registando um breve momento de beleza.

Por isto mesmo, no entanto, o "Cântico ie aleluia" fica sendouma lâmpada central a iluminar de luz diferente todos os outrospoemas do volume.

A essa luz é que reparamos na significação que tem, porexemplo, no poema "A Musa e a Criação", o fato do poeta nãoinvocar "os deuses", mas. pelo contrário, apresentar a Musa como"criada por Deus" e como sendo "irmã co-eterna de Deus".

E ainda a essa luz é que melhor entendemos o sentido to-tal da admirável peçazinha jjue o poeta intitulou "O corpo e aalma":

JVa cama em que estás deitado com os braços abertotvejo o tem corpo,

e reparo que ele toma a forma de uma cruz.

O que não posso ver é a tua alma:tua alma onde estão palpitando os cravos ardentes,onde existe a esponja de vinagre e fei,onde trazes, sangrenta, a coroa de espinhos,

E' muito possível que este poeta, de tão rico subconetente ca-tótlco, a si mesmo se defina como ie sensibiliiaie paga. Já te-nho lido em escritos seus referências a uma incoercivel saudadeúa Héladé. E' muito possível que incida, a seu próprio respeito,neste equivoco enorme. A poesia, porem, é uma presença subs-tancial e viva, embora intangível, etérea, intacta, como a pró-pria irrealidade. E o que a poesia de Mucio Leão acusa ê uma di-Tensão do seu espírito, — exatamente a dimensão em profun-didade, — que a sua inteligência, inadvertida, tinha dado atéogora como inexistente. Essa dimensão em profundidade é o seusentimento, não apenas cristão, mas católico^ das coisas e dosteres.

Mesmo à ausência do argumento direto que o "Cântico dealeluia" nos proporciona, tal sentimento seria verificável em poe-mas como "Neblina*' ou "O escabelo da Musa", em que a harmo-nia, a beatituie, o esplendor que o poeta invoca são de um mim-io muito distante do velho mundo pagâo."Neblina" é um canto erótico, todo construído, porem, deacentos e timbres de castidade perfeita. B', aliás, um dós cantosie mais lúcida beleza io Brasil destes dias.

Em "O escabelo da Musa", a inspiração ê de acento gene-tíaco. Desse acento genesiaco que o paganismo desconheceu, e16 ni poesia bíblica, e na poesia ocidental impregnada do alentooíolico, afingiu seu valor de plenitude.

O ESCABELO DA MUSA

Das águas primitivas reviva um sopro do Espirito Divino.

We começo da vida repercuta o cântico àat coisas que nascem.

Anton van Duinkerken -Anton van Duinkerken per-

tence ao grupo dos modernospoetas católicos holandeses.Dizer poesia católica, na Ho-landa, é dizer lirismo em mo-vimento, luta, atitude social,dinamismo humanitário. A

poesia de van Duinkerken nâoestá em odoração diante doaltar: está de mão estendidapara os homens (os homens,matéria de predileção da luzdo altar).

Nasceu este poeto em1899, numa pequena cidadedo Brabante,. uma das trêsprovíncias do sul, abaixo des-sa linha fluvial do Moerdijk— que é também uma linhaseparando duas sensibilidades,dois povos numa só nação.Sua poética é moderna (nosentido, por exemplo, de umManoel Bandeira, de umMurilo Araújo, de um Jorgede Lima, de um Murilo Men-des). Nela se encontra, porvezes, um elemento terra-a-terra, uma alegria cristã docotidiano, (pois cristianismo éalegria), que o aparenta aoutras vozes da poesia brasi-leira.

Anton von Duinkerken es-tudou para padre. Abandonouos estudos a meio caminho:seus ofícios rituais deveriamser o das ruas civis, o das mas-sas humanas. Conservou, po-rem, uma fé ardente e qual-quer coisa de eclesiástico noandar, na voz, no gesto. Re-corda certos cônegos rubin-

cudos e turbulentos, que aIgreja não promove a bispos,mas, sem cujo apoio (agressi-vo fervor de Deus, a palavrae a porrete) ela não poderiaser imortal.

A poesia de Anton vanDuinkerken é talvez a mais

ica de tendências na Holan-da de hoje. Com uma facili-dade assombrosa, ele rimabaladas políticas, para com-bater o fascismo, como entoano vento uma canção de ber-ço. Louva os marinheiros quevêem das grandes viagens (ea bordo cantaram canções emtodas as línguas para divertira clientela milionária), os ce-gos que vão pela neve a pro-'curar o caminho com o bor-dão, o amigo com quem sen-tou à mesa, os pastores deNosso Senhor Menino. Huma-no, cotidiano e às vezes umbocadinho insano, Anton van

Duinkerken apresenta umaenorme variedade de aspe-ctos em sua atividade líricaRedator do jornal católico deAmsterdam "O Tempo" (DeTijd), conferencista, ensaísta,tradutor de autores latinos(como S. Bernardo), tradutorde poetas ingleses, francesese escandinavos, esse prodígio-so homem é alegre como umacriança e, para divertir osseus amigos, improvisa "à Iamoniére de..." — discursos,sermões e poesias. Canta ovinho e sabe bebê-lo. Cora-

ção do Brabante.

** *

Mas, o que hâ de prodl-gioso neste poeto de vozesamplas e também de peque-nas vozes, ora repetindoenormes ecos sem fim e orasussurrrando curtos canções,é a sua virtuosidade de "artí-

fice do verso", de diletanteda medida antiga. Põe o quequer em baladas, quadras e

quintilhas; com os sílabas

que quer; com as rimas quequer.

Nobres cavaleiros do Brabante,Quando lordes para a guerra,Não vos esqueçais, saudai o mea

[amigo,O meu amigo e um bom soldado.

Em holandês, é uma deli-ciosa quadra de octossílabos.

Nessa língua de sons ás-

peros, que é o neerlandés,que dificil também é darelasticidade ao alexandrino!Para Anton van Duinkerken,porem, não há dificuldadealguma, Todos os ritmos etodas as medidas lhe são fa-miliares. Ele trabalha a ma-teria verbal sem esforço apa-rente, como um oleiro fazen-do potes de argila mnW.

*

Nas suas artes poéticas, opolêmica tem um grande pa-pel. Nem lhe assustam asexigências formais: ora é comenormes cantos-reais (corriestribilho e ofertai, ora écom baladilhas e rondós queele se ri dos puritanos, deLutero, da Igreja Reformada.

Ao engenheiro A. Mussert,o chefe do partido nazista

Chegue da alma de todos os homens uma vibração de piedade.

Chegue do coração de todas as mulheres uma palpitação de[desejo e ie ternura.

Caiam fulgurações dos astros.subam tesouros dos recônditos corações da terra,brotem prodígios ias florestas e dos rios.

Para que eu possa construir, Musa, o escabeloJm nmA Ji/í c_/f jst tii-iu c/*f ts*. /Ia nó 9

Ribeiro Couto(Da Academia Brasileira)

holandês, que aludira a unicerto "soi disant católico vanDuinkerken", respondeu, coma "Balada do Católico"" cin-co estrofes de onze versos <•uma oferta ao "Príncipe"

(amaneira antiga, em reverén-cia) de quatro versos finais.0 estribilho dessa formidávelsátira (na qual, de passagemdefende os judeus) é:

Daarom, minjheer, noem ikmij katholiek.

Eis por que, meu caro se-nhor, eu me intitulo cata-lico.)

Essa combatividade e essavirtuosidade técnica, ao ser-viço da sua doutrinação reli-giosa e humanitária, dõo aAnton van Duinkerken relevosque merecem chamar a oten-ção do Mundo, sobretudoneste momento. A poesiapara ele não é jogo ou umaaplicação escolar em redor deum tema "bem

pensante",Para ele, o poesia é identifi-cação com a vida cotidiana ecom os destinos do homem,da sociedade, do universo.Daí, certas restrições qué lhefazem os professores de lite-ratura. Para os professores,Anton van Duinkerken es-creve demais, foz versos de-mais, "trota de assuntos" de-mais. Desejariam, sem dúvi-da, vê-lo menos disperso noprosaico: pois van Duinker-ken já chegou a cantar atéa própria sua cadeira da salade redação do "Tijd" (poemaque os "rapazes de jornal*letiam com gozo sem nome).

** *

Estas notas sobre Antonvan Duinkerken foram escri-tas há uns três anos. Ficaramentre os meus papéis, com asprimeiras traduções que em-preendí diretamente do ho-landes' (dele, de Slanerhof ede Jan Engelman).

Naturalmente, jâ o meuquerido Anton não estará àsua mesa de trabalho a es-crever sátiras contra o enge-nheiro Mussert, chefe do

partido nazista. Os tempossão outros.

Porem, eu sei que o seucoração é o mesmo — Hartvan Brabant — e quero, porisso, falando desse coraçãode grande poeta do mundo edo catolicismo, prestar umahomenagem à Holanda imor-redoura, pátria de homens li-vres, onde as mulheres teema cabeça coroada: pela rea-leza ou pelo orgulho indomavel.

rara que eu possa co7isitu.it,em que hâs-de pousar os pés

Sem dúvida, Mucio Leão, mesmo na sua poesia, i uma inte-ligència ávida de medida e equilíbrio, no sentido, digamos, he-lènico de tais vocábulos, e á saudade da Grécia entra indiscuti-velmente na tessitura da sua psicologia. Estes dados, contudo,sâo os mais exteriores do seu espírito, — e por isto mesmo seteem apresentado * com mais facilidade â percepção da critica.Para alem deles, está aquela dimensão em profundidade que, noseu mister descobridor, a inspiração poética veio agora pôr a;iú. Dando-nos, em edição modestíssima de 250 exemplares forado mercado, este punhado de poemas. Mucio Leão como que efe-tua um movimento de retirada, tomado, talvez, de desencanto emface da obra realizada. Este será, possivelmente, outro enormeengano de sua parte. Os poemas de "Os paises inexistentes"anunciam magníficas floradas de beleza, e eles mesmos fá sâolima delas. Outras se produzirão na medida em que, vencendoresistências tremendas ia inteligência rebelde, aquela dimensãoem profundidade possa abrir-se à plena luz de uma compreen-sào e aceitação conclentes.

A lição de um pratode caldo

(Continuação da página S52)E com o mais bondoso <1oí

sorrisos, que é o que nasce <Iasabedoria :

Daí a obrigação, que terno*nós, e «Jevem ter principalnienlftos príncipes, de não lavrar se"*.*tenças rigorosas lofjo após •prática das faltas.

E 'ie pé, amparando-se ao seucajarto :

A Verdade mora nun. P<*-co, meti senhor; é preciso dattempo a que ela chege...

k DOMINGO, t/lí/lM.

,. ™p

SUPLEMENTO ...TKRARIO D'* MANHA — PAGINA VS

REGÊNCIA VIVA -

.--¦•*.-.¦;¦ ¦_ ...,-..,..-3;,' m.

'ri1

(Conclusões)A regência, como tudo na

língua, a pronúncia, a acentua-çáo, a significação, etc, não éimutável.

Cada época tem sua regèn-cia, de acordo eom o sentimentodo povo, o qual varia, de açor-do com as condições novas davkia.

Não podemos seguir boje exa-tamente a mesma regência que£t>t!uiam'os clássicos; em mui-tos casos leremos mudado.

Por este motivo falharamcompletamente todos aquelesque, sem senso lingüístico, es-tudaram o problema somenteà iuz dos hábitos clássicos de.ciência.

A época atual sente a vida demodo diferente do tempo deCamões, de Frei Luís de Souza,de Vieira.

Como é qoe a regência lia de«er forçosamente a mesma?

Devemos auscultar a línguaviva, espontânea, natural, enão procurar o que é passado,c que è forçado, o que é artl-lielal.

Vou mais longe ainda.A regência tem uni quê oe

Individual.Como diz G. Bertonio, Pro-

gramma di filologia romanascome setenza idealistica, págl-na 12, fonte sono ie «ritme, tn-tona, quanti sono i parlantt.

Cada pessoa, na hora de es-crever, escolhe, segundo o seusentimento, a preposição quelhe parece conveniente.

Assim, quer-se empregar sverbo apertar. Que regênciaempregar, a ou conira? Esco-lhe-se a preposição que no mo-incuto pareeeu mais adequada.

Querer fixar a lingua ein ea-delas de ferro i um trabalho«o Sisifo.

Que importa que1 os clássicoshajam dilo apertar ao peito»

fies não disseram no ser uloXVI, mas eu, no século XX.digo.

Que imporia que a rtgêrjelafiuncesa de serier seia contre?

No momento nem em talpensei.

Empreguei contra porque mep:tmceu que esta preposiçãodava mais força á minha idéia.

vjuero dizer o que sinto, damaneira mais exata possível;por isso prefiro a segunda re-gência, embora nao venha nosclássicos e seja aeoimada defrancesa.

A 3?<rova é que um autor, emduas passagens do mesmo livro,emprega duas regências dife-rentes para o mesmo verbo.

Guilherme de Almeida, einO Jardineira, emprega na pàgi-La 159 aconchegar com a re-gência a e na página Ul comii regência contra.

'.'orno deve ser documentadaa regência viva?

Segundo o conselho de Sil-va Hamos tRevista de Cultura,xi. i. Em ar de conversa), osescritores do último século, osmais próximos de nós, são ostoieihores.

E dentre eles devemos prefe-rir os que escrevem artística-xnente mas sem preocupaçõesdc purismo nem de classicls-0*0,3.

São estetas, atentos apenas aexpressão do pensamento, ã suaarte. não querem com falsos

Oiiropóis enganar aos beócios.E' tão factí fingir de clássico!Basta folhear um dicionário,

eolher uns tanto^ arcaísmosque todos desconheçam, arre-vezar a construção natural eassim deslumbrar o grande pú-Mico, ingênuo e ignorante.

Chama-se a isto cuidar doestilo.

Pobre estilo!Quem quiser documentar a

regência viva da atualidadebasta colher exemplo nos auto-res despretensiosos de que falei.

Entre eies posso citar: Gas-tão Cruls, Gilberto Frcyre, JoséUns do Rego, Guilherme deAlmeida. Ribeiro Couto, Ronald«i< Carvalho, etc., etc. ,'Para dai uma idéia da libe-ralldade eom que "o problema«ieve ser encarado, vamos apre-«ratar alguns caso».

A regência por junta a subs-tantivos verbais è encaradaeom horror pelos puristas.Pois bem, o que estes puristas repelem, na cegueira dasua ignorância das idéias do-minantes na lingüística mo-datna, Jespersen na Pltüosophyo; Qrammur com clareza men-diana mostrou que não passade uma tendência surgida noseeulo XIX para melhor <!!_:-ttngulr o genitivo objetivo"For sp (sujeito passivo, is-to é, o nosso agente da passi-va) there is also a growlngtendency to use other preposi-tions than the ambiguous of,thus: your love for my riaugh-ter — the love of Browning forItaly _ his dislikc ío tfor) thatofficicr — there would havebeen no hatred ot Protestantío Catholic — contempt, fcarfor, attack on. With certainssubstantives similar preposi-tions are common in other lan-guages as well, Dan. for, (il, Lat.odiitm in Antonium, It. Ia suaammirasslone per le diecl damepiú belle (SerãoI".

Regência análoga apareceem francês.

Mas para os puristas, desdeque não vem nos clássicos eexiste em francês, é galicisnwque deve ser evitado com hor-ror. Pouco lhes importa a lln-gua viva.

Namorar é transitivo direta.Como porem, ê verbo corre-

lato a noivar e eas«r, que ad-mitem a regência com, e seusubstantivo cognato aceita amesma regência (namoro com;,passou a ser usado com ela.

A influência dos correlatesexplica perfeitamente o esta-belecimeiiU) da regência.

Deparar deve aparecer só emterceira pessoa e rejeita a pre-posição com.

Sem precisar apelar para ogrande número de escritores

que empregam este verbo hasdemais pessoas e com a prepo-sicão, basta considerar a sig-nificação. o emprego e a re-gência de encontrar-se parareconhecer a legitimidade doque se passa com deparar.

Assistir e responder, comointransitivos, não podem terforma passiva.

Assistir, presenciar indicampresença e a passividade doprincipal deles, presenciar, es-lendeu-se a assistir por umanecessidade de língua viva.

Responder está igualmentependendo paia a passividade.As forças vivas da língua as-sim o sentem. As cartas a quese deu resposta licam sendocartas respondidas.

O cjuc cumpre fazer no casode um desvio de regência, é an-tes de condená-lo, examinarcom caima os motivos de ordempsicológica, analogias, necessi-dades de expressão, etc., quederam causa a este desvio.

1! assim, a língua, em vez dcimobllizar-sc, irá evoluindo noíentido de melhor transmitir opensamento de quem a usa.

Com raaão Manoel Bonfim,

Antenor Nascentesno prefácio de seu livro Pen-sar e Dizer, lastima a desgraçada lingua, esta admirável ma-nifestaeão exterior do que sepassa na psiche humana, porter caído na mão dos gramátircos e flliilogos em vez de ficarno domínio dos psicólogos, so-clólogos e filósofos.

Aqueles martirizam as po-bres palavras, dissecando-as emsilabas, fonemas, raizes, (Ac.,sem dar atenção, as mais dasvezes, aquilo que Rcstrepo cha-mou — a alma da palavra.

Salva-se um van Glnneken,um Delacroix, um Spitzer, umVossler.

E' tempo de reagir contra arotina.

Ai fica o resultado do meuesforço no tocante ao proble-ma da regência.

Só depois de esforço extensi-vo e intensivo desta ordem mesenti com coragem para fazerum esboço, um simples esboço,de um vocabulário de regência.

Antes, não me achei prepa-rado para tarefa de tal marãil-tude.

Mais alguns retoques e o pú-blieo travará conhecimento comnma obra que procurará espa-lhar a regência da língua Vivada nossa época.

EFEMÉRIDES DAACADEMIA

DE DEZEMBRO

1848 — Falecimento em Lis-boa de Luiz Carlos MartinsPena, patrono da cadeira n. 29,criada por Arfur Azevedo.

193« — Falecimento de FelixPacheco, Qüe substituirá Ara-rim Júnior e foi substituídoVelo sr. Pedro Calmon.

DF. DEZEMBRO1929 — Falecimento de Car-

los de Laet, fundador (ia cadef-ra n. 32. qtie tem como patronoManuel ãe Araújo Porto Alegre.

DB DEZEMBRO1900 — E' assinado pelo Pre-

sidente Campou Sales e peloMinistro do Interior Epitacio"Pessoa o decreto que autoriza ogoverno a dar permanente ins-tulaeâo etn prédio público AAcademia Brasileira,

1925 — Falecimento de Máriode Alencar, oue substituirá Josédo Patrocínio e foi substituídopelo sr. Olegario Mariano.

3 DE DEZEMBRO1918 -- Eleição do Barão Ho-

mem de Melo, substituto deJosé Veríssimo. Miguel Couto,substituto de Afonso Arinos eAtantfo ãe Paiva, substituto deArtur Orlando,

12 DE DEZEMBRO1877 — Falecimento de Josi

de Alencar, patrono da cadeiran. 23, criada por Machado deAssis.

O EVANGELHO NAS |SELVAS, — Josué Montelo

O grande poema de Fagundes Varela foi obra póstuma — tveio a lume em 1875, pouco tempo depois da morte do poetafluminense. Varella ainda chegou a ver algumas páginas im-pressas desse seu "Anchieta ou o Evangelho nas Selvas", mas''a vida não lhe deu tempo para fazer as emendas e alteraçõessugeridas por seu editor, E. G. Póssolo. seu companheiro na Fa-culdade de São Paulo e dono de uma Livraria Imperial que hou-ve atíui no Rio e era ali na velha rua do Ouvidor das evocaçõesde Macedo.

O poema pesaria na obra de Fagundes Varela como a suaobra capital — e dessa opinião participou Jfaehnrfe de Assis.E' certo qué ontre critério ãe julgamento concederá preexce-lência ao seu maravilhoso "Cântico do Calvário" — poemeto emtorno do qual existe uma comovedora história e que foi escritodiante ãe um esquife muito querido.

"Anchietu ou o Evangelho nas Selvas** define-se melhorpela segunda parte do titulo. A figura do grande missionáriojesuita nâo se destaca ou se impõe na estrutura do poema: oaue impressiona i a restauração poética das origens do mundoe da história áo Cristo, a qual é contada por Anchieta para osindios convertidos na selva brasileira, Dos dez cantos do poe-ma, nove são dedicados a essa restauração —- e o último, onãeAnchieta tem realmente alguma vida, é uma visão do catequis-ta moribundo...

No canto primeiro. Varela faz a invocação das almas deAnchieta e de Gonçalves Dias, pedindo ao missionário que lheensinasse à musa timorata a linguagem celeste, e ao cantormaranhense que lhe enviasse o segredo da harmonia que levaraconsigo.

Parece que o poeta pretendeu trazer para o livro a criará*de vultos simbólicos na figura dos índios enamorados — Naiãae Jaãir. Mas esses tipos apenas surgem aqui t alem, quase semgrande força, a não ser na morte de Ifaída, longe do guerreiroamado ou no retorno de Jaãir e no encontro da cruz que marcao derradeiro leito daquela que o poeta qualifica de "virgem dossertões". A ação do poema, dessa forma, fica articulada aosepisódios da lenda de Jesus. E í ai que Fagundes Varela surgeeomo o nosso grande poeta cristão cantando as fontes sagradas da própria crença.

Os pontos culminantes do poema, aqueles em que maisalto soou a Ura vareliana com o encontro feliz da inspiração eda expressão poética — me parece serem os episódios da tenta'ção do Cristo, no canto segundo, e o da dansa áe Salomé, nocanto quarto,

Esse episódio da Salami no poema ie Fagundes Varela 4pintado com certa novidade, por isso que o maior vigor para ocolorido da cena não está na Salomé dansando, mas no vultode João Batista na prisão.

O tema tem seduzido grandes poetas e grandes prosado-res. Flaubert, Wüde, Maüarmé, Apolltnaire, Eugênio de Castradeixaram paginas bnpereciveis, onde a bailadeira fatal dosEvangelhos desponta muita linda e enchendo os homens úe se-dução. Saiomé é o grande vulto desses fragmentos imortais —João Batista i a personagem secundária que colabora no vi-gor da cena com um rápido instante de tragédia.

Fagundes Varela, ferindo o mesmo assunto, toma uma atUtude mais cristã — e se detém sobretudo diante de. João Ba-lista, conferindo-lhe o destaque literário no episódio. Mesmoassim, o vulto de Salomé dansando não deixa de sc umtt nota-vel pintura profana, onde o poeta inãubttavelmente se colocoudo mesmo nivel dos maiores cantores universais da bailarinaíudla.

Fagundes Varela i ainda o nosso maior poeta descritivo."Anchieta ou o Evangelho nas Selvas", todo trabalhado emverso branco, fixa os largos panejamentos do Brasil primitivo— o domínio lento dos bárbaros donos da terra, o espetáculodas florestas, dos rios e das montanhas, e a aurora das cidadescom a primeira cruz das capelinhas rústicas.

Temperamento de boêmio errante, Varela trazia, por assim,dizer, todo o Brasil nas pupilas. E encheu com as paisagensbárbaras que ainda encontrou nas suas fornadas aos sertões,as grandes páginas ãe seu poema. Há também ai, no episódioda morte de Anchieta, através ão delírio do grande missionâ-rio, uma imagem do futuro da terra, antevisia no panorama desuas transformações e de suas opulências.

Se "Anchieta ou o Evangelho nas Selvas'", pelos objetivosque pretendeu ferir e pelos painéis que guardou, é um hvro bembrasileiro, — não deixa de ser, entretanto, um autêntico poemauniversal, pela inspiração cristã que consubstanciou e que ietal forma se impôs que deu aa trabalho do cantor fluminense orelevo muito amplo de uma verdadeira epopéia católica.

AMOR DE GONÇALVES DIAS{Continuação da pàg. 372)

cedo" - Foi sempre d. Olim-pia uma digna, posto que des-prezada, esposa".

Não se pode duvidar dessagrandeza, nem dessa dignidade.Mas das entrelinhas ressaltaque o que no artigo se chamade "tragédia conjugai", foi umlamentável, ao que parece per-sistente, mal entendido, dessesque se criam e são alimentadosno seio da familia de um doscônjuges. A obra poética do seuesposo, Indicada como documen-to bastante, jamais nos fará crernuma existência dc escândalo»amorosos, de inveteradas aven-turas galantes.

Se d. Olímpia desculpava omarido, com o que cortava logox palavra a quem na suapresença falava a respeito dcseus amores, — é que, deduz-se,vinham an procuravam trazei-

lhe comentários acerca de eoi-sas que deviam ser esquecidas.Ela disfarçava as suas magnas,assim alimentadas num espfrt-to que a tradição fixou comode íeitio ciumento: mas eres-ceria, no ensimesmamento, oressalbo intimo... A esses co-mentários não estaria alheio opróprio sogro do poeta, dr.Cláudio Luiz da Costa, conse-lheiro de Estado e médico dafamilia imperial, que "costu-mava dizer: — Minhas filhassâo mais felizes com os mate-mãticos", — aludindo à feliei-dade das filhas que casaramcom Benjamin Constant e An-tonio Carlos Guimarães". Comotudo isso é lamentável, todaessa incompreensão, para eomaquele de que se disse: "Eu nãowi, no Brasil, de figura maissimpática, mais digna, maispura t «ue mais tenha nobiU-

tado a espécie e as letras como tesouro dos sentimentos ge-nerosos, do que Antonio Gon-çalves Dias" (Artigo de Hum-berto de Campos, transcrito non.° 11, de 26/10/41, de Autores& Livros).

Igualmente não duvido deque assim se atingisse a umatragédia intima, escondida doorgulho amargo, mas estereett-pado no retrato tristonho..."A tragédia conjugai, no en-tretanto, não alterou o seu es-pirito irradiante e sempre mo-ço: as suas palestras encanta-ram por muitos anos as pessoasdas relações da família Benja-min Constant, entre os quaiscitaremos o dr. Teixeira Soa-res, general Cândido Rondon,dr. Macedo Soares, general Tas-so Fragoso, dr. Ãgltberto Xa-vier, almirante Nelson de Vas-conceloR, general Alexandre

Leal, general Xlmeno Ville-roy"... alguns ainda vivos, quepoderão atestar (diz o arti-culista) a juventude e brilhodo seu espírito.

A razão disso, ele mesmo afornece: "E foi assim que nolar amigo de Benjamin Cons-tant è cercada do carinho dosseus parentes viveu os seus me-lhores^dias". Não é nenhumarevelação a existência densascriaturas que, jà no sossego doocaso, se Impregnam de umaalegria moça que nâo teriamtido antes, como alvoroçadaspela intranqüilidade final doseu destino, ou surpreendidas,açodadas a compensar, com en-tusiasmo quase infantil, longosanos de sofrimentos. Porque ossofrimentos existiram —." o re-trato o diz —. mas não por cul-pa. on por culpa exclusiva, deGuncalvei Diaa.

?

w - '

GOETHE E O BRASIL-ERNESTOFEDER

1

"Nessa noite encontrei cm casa de Ooethe o sr. Eschwegetambém". E' Eckermann quem. em suas "Conversas com Goe-the" põe esta nota em data de 5 de novembro de 1822. Ooethegostava de ter entre os visitantes que ouviam, alguém que elepudesse ouvir. Gostava de aprender. Se díscreteava sobre poesiaou política, mineralogia ou botânica, tinha, sempre, em mirapreencher as lacunas de suas experiências e tilosofia, de am-pLiar o seu ponto de vista sobre este mundo em todas ?.s suas

-manifestações, de aumentar, em suma, sua própria personali-dade. Estando de volta do Brasil, Eschwege era, bem, uma pes-soa com quem Goethe podia e queria aprender.

Esse moço engenheiro, originário de Hessen. fora diretordas minas de Portugal das quais extrairá riquezas até então'ignoradas De engenheiro passara a soldado alistando-se noexército nnslo-português. Coagido, em 1809, a deixar o país. re-fugiara-se no Brasil pondo os seus conhecimentos mineralo-Bicos a serviço da colônia. Os doze anos que aqui passou, gas-tou-os não só em colher pormenorizados informes acerca detudo o que o Brasil possue em ouro. diamantes e ferro, comoem pesquisar e recomendar os melhores métodos de exploração.

Em 1810 interessava-se, juntamente com o tenente-coronelVarnhagen, por um grande projeto siderúrgico em Minas onde.todavia, graças a intrigas de toda sorte, foram vencidos porum sueco, o qua!, devendo ao Cônsul português, queria pagar-lhe com os honorários que recebia do Estado. Mais tardeEschwege, coronel-engenheiro, era nomeado diretor das minasde ouro, tendo tido ensejo de explorar, durante longas expedi-ções. grandes zonas do pais. Só em 1821 é que tornou à Europa,viagem que lhe facilitou a intervenção britânica, segundo de-ciarei no prefácio de seu extenso livro, dedicado à Rainha daInglaterra.

Em 1822 dava a lume. em Weimar. o "Retrato geognósticodo Brasil". E' licito supor que. Goethe lhe sugeriu a idéia e otitulo dessa primeira publicação. Eschwege viera a Weimar pa-ra negociar com o Grão-Duque CarLos Augusto a coleção dediamantes que trouxera do Brasil, Goethe, amigo e ministro dosoberano, serviu de Intermediário. Feita a avaliação das pedraspreciosas, o soberano entrou na posse desse tesouro brasileiro.

E' fora de dúvida que as idéias desse livro foram debatidasnaquela noite em que Eschwege esteVe em casa de Goethe. Comoque ouvimos os ecos dessa conversa nas notas que, sobre o pró-pt-io livro, se lêem nas obras do poetes. Observa Goethe: "O queEschwege traz de diamantes e produtos curiosos muito importapara suas relações com a geognósia". Nada interessava tanto aGoethe como essa ciência das diversas rochas que são a es-trutura do nosso planeta; ninguém pudera ampliar-lhe os co-nhecimentos tão bem como aquele esperto que acabava de ex-piorar as rochas de uma das mais importantes partes desteglobo.

Eschwege etiquetara várias rochas desconhecidas. Entreessas descobertas avulta a itacoLumit. cujo nome é tirado deItacolomi (filho da pedrai a mais importante montanha deMinas, perto de Ouro Preto. Muito envaidecia o explorador oíato de lhe ter dado razão um sábio como Alexandre de Hum-boldt. Goethe supunha haver encontrado na Silesia uma rochasemelhante, enquanto que a rocha brasileira Breccia lhe lem-brou uma outra que encontrara na Boêmia.

Dos diamantes que são. também, mencionados nas notasde Goethe, conta-nos Eschwege coisas interessantes em suaobra principal, "Pluto Brasiliensis", pubLicada em Berlim em1833. um ano depois da morte dc Goethe. mas de que este muitose aproveitou no decorrer de palestras com Eschwege. Ali aludeàs dificuldades da produção, àqueles negros ansiosos por ocul-tarem na boca os diamantes encontrados em trabalho. PorTezes os novatos eram industriados pelos antigos nessa artefraudulenta. A imitação do fiscal branco, serviam estes de pre-ceptores daqueles. "Não eslá bom. Branco viu", diz o professorse o aluno se mostra desajeitado. E depois: "Está bom agora;c nosso".

O mais curioso é que esse conhecedor da montanha e do

subsolo Brasileiros se engana, singularmente, acerca das riquezas do pais. Diz ele que, salvante o ouro, o ferro e os diamantes, o Brasil se inclue entre os paises mais pobres em mine-rais. Hoje em dia sabemos que o Brasil, cuja riqueza supera ade todas as demais partes do globo, possue todos os minerais domundo, menos dois: o enxofre natural e o borax.

Se Goethe obteve de Eschwege conhecimentos sobre a terrado Brasil e suas ocultas riquezas, não lhe faltou uma fonte deinformações de primeira ordem acerca do mundo maravilhosoda flora brasileira. Esta foi Carlos Frederico de Martius, o gran-de naturalista de Munich que, de 1817 a 1820, realizou sua via-gem famosa através do Brasil e cuja primeira obra, "Viagemao Brasil", é tida como trabalho fundamental. Seis anos depoisde Eschwege foi que ele visitou Goethe ao voltar de Berlim ondeparticipou de uma reunião de naturalistas.

Dá-nos Eckermann uma imagem clara dessa visita, umadas mais atraentes e instrutivas que o velho Goethe receberados naturalistas c no decorrer da qual a conversa, ora séria,ora jocosa, abordou todos os assuntos, desde as questões do diaaté os mais altos problemas da humanidade. Goethe. tendo ásua direita von Martius, estava bem humorado e comunicativocomo nunca. Falou-se de ópera "Moise", de Rossini, recente-mente cantada. Goethe. depois de censurar o libreto, esboçoucom todos os detalhes, a ópera toda, como ele a teria feito.Passou-se, depois, a falar do dilúvio. Martius contou que teriamachado no Ararat um pedaço, petrificado, da arca de Noé. Dis-correu-se acerca das diferentes raças humanas, dos brancos, dosnegros, dos amarelos e se, realmente, todos teriam provindo deum só casal: Adão e Eva. Martius aderia à versão da Bíblia,sabendo, como naturalista, que a Natureza é muito parca emsuas produções. Goethe o contradisse pretendendo que a Natu-reza.'sempre rica e esbanjada, teria, em vez de um só e pobrerasai, produzido dezenas ou centenas deles. Martius. bom clis-tão, citava as Santas Escrituras. Goethe obtemperou, emboranão quisesse negar ao povo eleito o haver descendido de Adãoi"Mas nós outros e os negros e os lapões tínhamos, por certo, di-ferentes avós". A gaLhofa seguiu-se o sério. A teoria de Martiusdescrevendo a "tendência espiral das plantas" interessava a Goe-'.he e era de muita importância para o seu grande trabalho denaturalista, "A metamorfose das plantas", aplaudida por Hum-boldt e festejada na Academia de Ciências de Paris como obraimortal. .

E'-nos grato relembrar essa palestra dos dois grande bota-nicos que discutiam problemas importantes graças a conheci-mentos para os quais muito contribuirá o Brasil. Em seu amigoMartius não era só o naturalista que atraia Goethe. Era, tam-bem, a personalidade que. a certos respeitos, muito se asseme-lhava à dele.

De uma feita disse ele a Eckermann: "Martius tem alto po-der de imaginação. Sem esse dom não pode, a rigor, haver na-turalista. Não me refiro a uma imaginação vaga a inventar col-sas inexistentes. Aludo à que, sem deixar o chão terreno se volvedentro da verdade, para tudo o que é dado supor. Deverá, então,examinar se é possivel a suposição e se não está em litígio comas leis sabidas. Tal imaginação requer um cérebro grande e tran-quilo, tendo ao seu dispor uma larga visão do Universo e suasleis".

Assim é aue Goethe. sem nunca ter vindo ao Brasil, a (orçade imaginação e graças aos conhecimentos obtidos dos melhores sabedores, poude fazer idéia clara e precisa de sua naturezae riquezas. Foi o Brasil magnífico apoio para Goethe alcançar esse¦ grande panorama do Universo vivo", aspiração de toda a suavida- Ao Brasil muito deve o Goethe naturalista. Resta-nos falardo que o Goethe poeta hauriu desse psis inesgotável.

Quando do centenário da morte de Goethe, uma goethcia.como Martius batisara certo gênero de malvácea brasileira, foiplantada na Academia Brasileira de Letras, como homenagem aogrande poeta, e símbolo, ao mesmo tempo, das relações íntimasentre o grande naturalista e a natureza maravilhosa do Brasil.

Galeria de nomes ilustres

W/àCOELHO NETO, o escritor 0rf7.ii-ravel de "Rei Negro", "Conquista"e^iRajà de Pardjab", faleceu m

Ma 28 de novembro de 1934

A VIDA E DE CABEÇA BAIXA(Continuação da pág. 373}

Para não te esqueceres do que fizeste, vou deixar crês-•er as minhas barbas!

Deixou. Havia quarenta e oito anos que as barbas de seuMariano estavam crescendo.

Seu Fróis achava-se parecidíssimo com Carlos Gomes e vi-Tia em função dessa parecença.

Todos morreram em casa.

MONARQUISTA

Sim, nasci monarquista. e eis o que explica muitas coisas...Foi, conforme me cont*am depois, no dia 23 de novembro de1888. Então, eu ainda não tinha lido nem Antero do Quentalnem Shakespeare. Ignorava absolutamente que "de tudo o piormal é ter nascido" e que "é uma felicidade, morrer". Mas, hoje.desconfio que

"também "quando eu nasci, uma estrela dansa-ya"... Nenhum romance em tanto tempo! Anedotas... A mi-nha biografia está assim de anedotas... Desde a primeira lem-branca, que foi a revolução de 1803 no Hio Grande do Sul. Mi-nha irmã mais velha Ique continuou sempre menina, porquemorreu) me levou para a sacada de nossa casa, no Caminho No-vo, em Porto Alegre, — para ver. Vimos um soldado querendoespetar na lança, de cima do cavalo, um homem, em frente doarmazém de seu Bernardo Fortes. Outros soudados corriamatrás de outros homens. Para que eles não podessem' nos fazermal, fomos encostar na ^jorta, lá em baixo, duas cadeiras, umbanco, um vaso com flores...

ENTRAM E NAO SAEM MAIS

Coisas que eu não esqueço: números de telefone e artistasde ópereta... Estou mais cheio deles do que um catálogo. Eelas cantam dentro de mim como no tempo do.^ meus vinteanos. Paulina Sartori, com a sua voz de gripe, Inés Imbimbo.parecida com Paulo Barreto, Giselda Morosint, tão bonita! Eaquelas alemãs que trouxeram a Viuva Alegre e o Sonho deValsa. Elsa e Merviola... Palmira Bastos, não é o repertóriode Brazão que ressurge: é no Amor de Príncipe, princesa dis-fartada em criada:

"E ser eu quemhá de adornaro seu ninho,belo ninho de amor..."

E Cremllda d'Oüveira... Auzenda... Nunca oude pensar emYvonne Printemps, sem música... De tantas, a mais amada é aúltima. Pina Joanna, Pina Joanna do Addio, gioviuexza!

"La gíoventunon torna piü..."

APRENDI COM BGN SIRA...

... a nâo dizer: isto é pior do que aquilo — porque tudo tema sua hora...

JOÃO I.AGE

Era português. Pol o último aristocrata da imprensa brasi-leira. A mesma sedução que. no convívio diário, o tornava que-rido e respeitado de alguns íntimos, fez do diretor d"'0 País" ocronista claro, o polemista elegante, o fino sueltista. Exilado nademocracia, olhava com um pouco de escárneo os delírios coleti-vos. Nunca recebeu influência da multidão. Gostaria de escreverpara o rei. Não havendo rei. João Lage se consolou com os pre-sidentes da República. Embora viesse para cá homem feito oespírito nele era menos português do que nosso. A malícia dedizer, o gesto risonho de desviar as ofensas mais cruéis, pondo-as em rumo de volta aos ofensores, a gentileza com que recolo-<ava os malquerentes nas respectivos lugares, a despreocupaçãode agradar, a sinceridade, o desdém, a descrença na missão dosjornais, quando não é para demolir, — tudo eram defeitos e qua-lidades da raça misturada e nova, descendente da sua velha raçapura. Pomos nós que perdemos João Lage.

INSÓNIA

A luz da Ina se esmigatha nos vidros da Janela. Palavras deAlain se acendem na minha memória: "E' a nossa vida que éum sonho, porque as nossas lembranças são sombras Balidas"..

ADEI.MAR TAVARES, o paclti e.cantador de "Noite cheia de ,*Ireltis", batisou, liá poucos du.um (!('(«'> que tomou o nome t

"Casimiro de Abreu"

MANUEL DE ARAÚJO PORTOALEGRE, o autor ie "Colombo 'Passou, no dia 29 de novembro, «

sua data de nascimento.

ry?*itffè^-'

D, PEDRO H, o velho . venerem-do Imperador do Brasil. NasftiLem 2 de dezembro de ÍS25 c fak"

ceu em 5 de dezembro de ts9í