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Química Verde 01 | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014 p. 79-92 Compreensões de Pesquisadores Químicos sobre Sustentabilidade Ambiental: possíveis influências na formação de professores de Química Comprehensions of Chemists Researchers on Environmental Sustainability: possible influences on Chemistry teacher formation Carlos Alberto Marques 1 , Franciani Becker Roloff 2 , Leonardo Victor Marcelino 2 , Leila Cristina Aoyama Barbosa 2 e Aniara Ribeiro Machado 2 3 RESUMO Este artigo analisa possíveis influências na formação de professores de química e suas compreensões acerca da relação entre química e sustentabilidade ambien- tal, considerando suas respostas a um questionário investigativo e suas produções científicas. A aplicação da técnica de Cluster indicou a formação de subgrupos de acordo com a semelhança das respostas nas quais os fatores de separação auto- -organizada entre os grupos convergiram, tanto na consideração da limitação entró- pica ao desenvolvimento sustentável, quanto na conservação das massas e uso de fontes renováveis. Apesar de todos justificarem motivações ambientais em suas produções acadêmicas, suas respostas apontam: que tais relações de significado são pouco claras para uma crença na ciência e na tecnologia como resolução aos problemas ambientais; e, ainda, a “ausência” de olhar crítico sobre os limites ter- modinâmicos ao alcance da Sustentabilidade Ambiental. Palavras-chave: Termodinâmica; Sustentabilidade ambiental; Formação de pro- fessores de química. 1. Departamento de Metodologia de Ensino, Universidade Federal de Santa Catarina. 2. Programa de Pós-graduação em Educação Científica e Tecnológica, Universidade Federal de Santa Catarina. 3. Agradecemos ao CNPq – Projeto Universal 47346/2010-2; à CAPES por meio do Acordo Internacional CAPES-FCT (Projeto 289/11) e aos pesquisadores que participaram da pesquisa.

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Química Verde 01 | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014 p. 79-92

Compreensões de Pesquisadores Químicos sobre Sustentabilidade Ambiental:

possíveis influências na formação de professores de Química

Comprehensions of Chemists Researchers on Environmental Sustainability:

possible influences on Chemistry teacher formation

Carlos Alberto Marques1, Franciani Becker Roloff2, Leonardo Victor Marcelino2, Leila Cristina Aoyama Barbosa2 e Aniara Ribeiro Machado2 3

RESumo

Este artigo analisa possíveis influências na formação de professores de química e suas compreensões acerca da relação entre química e sustentabilidade ambien-tal, considerando suas respostas a um questionário investigativo e suas produções científicas. A aplicação da técnica de Cluster indicou a formação de subgrupos de acordo com a semelhança das respostas nas quais os fatores de separação auto--organizada entre os grupos convergiram, tanto na consideração da limitação entró-pica ao desenvolvimento sustentável, quanto na conservação das massas e uso de fontes renováveis. Apesar de todos justificarem motivações ambientais em suas produções acadêmicas, suas respostas apontam: que tais relações de significado são pouco claras para uma crença na ciência e na tecnologia como resolução aos problemas ambientais; e, ainda, a “ausência” de olhar crítico sobre os limites ter-modinâmicos ao alcance da Sustentabilidade Ambiental.Palavras-chave: Termodinâmica; Sustentabilidade ambiental; Formação de pro-fessores de química.

1. Departamento de Metodologia de Ensino, Universidade Federal de Santa Catarina.2. Programa de Pós-graduação em Educação Científica e Tecnológica, Universidade Federal de Santa

Catarina.3. Agradecemos ao CNPq – Projeto Universal 47346/2010-2; à CAPES por meio do Acordo

Internacional CAPES-FCT (Projeto 289/11) e aos pesquisadores que participaram da pesquisa.

Introdução

A busca pela sustentabilidade na dimensão ambiental compreende, entre outras medidas, o uso racional dos recursos naturais e a melhoria na eficiência técnica quanto às transformações mate-riais e ao uso da energia. Todavia, por mais jus-tas que sejam as medidas para a manutenção das condições de vida e para a diminuição da degrada-ção do meio ambiente, isso não fornece garantias quanto ao futuro do planeta e da vida. Portanto, é preciso alterar o atual ritmo e forma de desen-volvimento devido aos limites impostos pelas leis da termodinâmica, especialmente, da Segunda Lei (Georgescu-Roegen, 2012; Nascimento, 2012).

Aliada à problemática da sustentabilidade, a complexidade de fatores envolvidos nas trans-formações e degradação do ambiente, o enfren-tamento da crise ambiental e a minimização dos impactos sobre o meio biofísico requerem o com-promisso das diversas áreas do saber (Roloff; Marques, 2014). Neste contexto, a Química repre-senta um papel importante, pois algumas de suas atividades geram produtos e resíduos que podem

1 causar danos ao ambiente. Visando responder parte dos problemas ambientais gerados pela própria química, emerge, nos anos 90, a chamada Química Verde (QV), que pode ser definida como a utiliza-ção de técnicas químicas e de metodologias que reduzem a geração de produtos nocivos à saúde humana ou ao ambiente (Anastas; Warner, 1998).

Marques et al. (2013) comentam que a QV vem

contribuindo para o desenvolvimento científico e na ino-

vação tecnológica associada à sustentabilidade (p. 914), ainda que um dos autores tivesse, em artigo poste-rior (Marques; Machado, 2014), salientado sobre os limites que os postulados termodinâmicos têm imposto à própria ideia-força da sustentabilidade ambiental (SA) e do desenvolvimento sustentá-vel (DS). Além disso, ressaltam que, embora em menor grau, existe a necessidade das práticas da QV orientarem o ensino da química e a formação dos químicos (incluindo seus professores) nas questões relacionadas ao ambiente (Marques et al., 2013). Do mesmo modo, Karpudewan, Ismail e Roth (2012) consideram que os futuros profes-sores da área tenham uma base sólida de conhe-cimentos químicos capazes de articular e discu-

AbstrAct

This paper analyzes possible influences of Chemistry researcher’s comprehensions about the relation between their scientific area and environmental sustainability upon Chemistry teachers’ formation, based on a survey and on their scientific production. The Cluster technique was applied and indicated the formation of groups and subgroups by resemblance of answers and differences concerning both to the entropic limita-tions to sustainable development, to the mass conservation and to the use of renewable resources. Despite all the selected Chemistry researchers approach environmental concerns in their papers, their answers point out: that these relations are not made clear to a belief in the ability of science and technology to solve envi-ronmental problems; and yet to the “absence” of a critical view on the thermodynamic limits to the reach of environmental sustainability.Key-words: Thermodynamic; Environmental sustainability; Chemistry teacher formation.

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tir questões ambientais em sala de aula. Geiger e Donohoe (2012), por sua vez, acreditam que a busca por processos químicos mais limpos, e sem efeitos nocivos ao ambiente – cuja redução se dará mediante o uso de solventes orgânicos ou rea-gentes tóxicos, conforme propõe a QV –, seja um excelente modo de abordar questões ambientais no curso de Química.

Devido à importância das relações entre essas dimensões para a formação de professores, julga-mos necessária a investigação de possíveis inter-ligações entre a sustentabilidade e aspectos eco-nômicos, sociais e ambientais, buscando mostrar em que medida as ciências da natureza, incluindo a Química (Verde), podem atuar nesse importante e urgente tema. Para tal propósito, no presente tra-balho, apresentamos resultados complementares de uma pesquisa anterior (Marques et al., 2013), por meio de análise qualitativa das respostas de pesquisadores químicos a um questionário, com o objetivo de caracterizar suas compreensões sobre o significado e o alcance dos termos SA e DS no âmbito da Química, apontando para possíveis des-dobramentos na formação de professores da área.

Limites termodinâmicos à sustentabilidade ambiental

Parece consenso que o futuro da humanidade esteja ameaçado (IPCC, 2000) e que as causas disso residiriam, principalmente, no aquecimento global. Tal constatação resulta no enunciado de quatro ver-sões dessas ameaças: I) comprometimento da manu-tenção do planeta Terra; II) obstáculo à existência da vida em geral; III) extinção do gênero humano; e IV) degradação das condições de vida humana – vertente que incorpora as variáveis socioeconô-micas e ambientais em sua análise (Nascimento, 2012). Como consequência disso, três proposições são sugeridas para o seu enfrentamento, as quais se distinguem, ou pelo modo como avaliam as conse-

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quências dos problemas ambientais, ou pelas con-cepções sobre a influência que recebem do atual modelo de desenvolvimento: I) a produção de mais mercadorias, utilizando-se de menos recursos naturais e energia (Solow, 2000) e argumentando--se em favor da maior eficiência tecnológica; II) a definição-conceito de DS, formulada no Relatório Brundtland (WCED, 1987), em que o uso racional e parcimonioso dos recursos naturais garantiria o desenvolvimento sem comprometer as necessidades das gerações futuras (na busca por uma economia socioambiental mais eficiente que poupe energia e recursos naturais) (Nascimento, 2012); e III) a que considera que o atual modelo de desenvolvimento nos levará à autodestruição, sendo necessário um decrescimento econômico (Latouche, 2012). Essa corrente se fundamenta, dentre outras linhas, na tese de Georgescu-Roegen (2012), cujo autor afirma que o processo econômico, do ponto de vista puramente

físico, não faz mais do que transformar recursos natu-

rais de valor (baixa entropia) em resíduos (alta entropia)

(p. 62). Portanto, a produção econômica é, no fundo, uma transformação entrópica.4

Ao se considerar as hipóteses sobre os efeitos do desenvolvimento (econômico) ancoradas por tais vertentes, é preciso levar em consideração que a física e a química, em particular, podem contribuir para um melhor entendimento acerca dessas “ameaças”. Isso seria possível a partir de alguns de seus princípios e de conhecimentos científicos já estabelecidos, espe-cialmente os postulados da termodinâmica, como também no desenvolvimento de alternativas tecno-lógicas. Nesse sentido, é necessário que a Química reveja como tem encarado esse desafio societário da busca pela SA, o que implicaria no reconhecimento, dentre outras coisas, da ineficácia de seus paradigmas clássicos da diluição e do risco (Thornton, 2000).

4. Maiores caracterizações sobre os fundamentos defendi-dos por Georgescu-Roegen que relacionam os postulados termodinâmicos e a SA são encontrados no trabalho de Barbosa e Marques (2013).

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Sustentabilidade ambiental no contexto de formação de professores de Química

Uma das principais características dos cursos para a formação de professores é a inserção de dis-ciplinas pedagógicas no currículo dos bacharela-dos (Gauche et al., 2008), cujo modelo, segundo Gatti (Gatti, 2010, p. 1357), foi consagrado no iní-

cio do século XX para as licenciaturas. Esse modelo, por sua vez, desfavoreceu orientações mais inte-gradoras, como a formação disciplinar/formação para a docência, favorecendo abordagens mais disciplinares e conteudistas. No entanto, através desses aspectos, é possível entrever que, tanto a formação inicial quanto a continuada, incluindo a de professores, é relevante e demanda pesquisas (Gonçalves, 2009). Do mesmo modo, é igual-mente importante o desenvolvimento de estudos que envolvam a inserção de temas ambientais e de aspectos interdisciplinares ao ensino de química, como os que tratam da questão da SA e do DS.

Sendo assim, as Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Química expres-sam uma preocupação com uma formação mais geral dos estudantes, reforçando que o ensino de Química deve compreender e avaliar criticamente os

aspectos sociais, tecnológicos, ambientais, políticos e

éticos relacionados às aplicações da Química na socie-

dade (Brasil, 2001, p. 7, grifo nosso).Nesse sentido, Maximiano et al. (2009) des-

tacam que a existência dos problemas ambientais e suas consequentes implicações econômicas exi-gem novos desafios aos profissionais de química, ao ressaltarem a necessidade da abordagem de tais aspectos no ensino dessa ciência, haja vista que a necessária consciência para a sustentabilidade, deverá

orientar a atuação do profissional de química seja no

sistema produtivo, seja como educador em quaisquer

níveis de ensino (p. 399). Algo também salientado por Zuin e Marques (2014a, 2014b) ao analisarem ideias e práticas expressas em produções envol-

3 vendo a QV no Brasil, que mostrou que ainda há pouca disponibilidade de propostas de atividades e materiais para serem incluídos em conteúdos pro-gramáticos de ensino, apesar do crescente aumento de exemplos de utilidade da QV no enfrentamento dos problemas de prevenção ambiental.

Considerando-se a importância do tema da SA, busca-se problematizá-lo e analisá-lo do ponto de vista do reconhecimento da ideia-conceito nele contida, de suas formas históricas de apropria-ção, uso e discussão. É nesse âmbito que se julga importante analisar se os pesquisadores químicos veem esse tema enquanto um “desafio” e como isso os orienta na atuação profissional, pois, em suma, são formadores de professores de Química. As ideias por eles expressas, ao interpretarem e responderem às perguntas do questionário de pes-quisa – assim como a análise de vários de seus arti-gos publicados – podem possibilitar uma melhor compreensão acerca de como percebem a relação da Química com a SA e o DS, além de indicar pos-síveis compartilhamentos de suas ideias e práticas com a comunidade científica da área.

Procedimentos metodológicos

A análise apresenta uma abordagem qualita-tiva ao englobar a obtenção de dados descritivos, referindo-se e dialogando com os resultados da pesquisa de Marques et al. (2013), cujo universo amostral incluiu 456 pesquisadores nível 1 (A, B, C, D) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – Área da Química. Por meio de uma carta-convite e de um link de acesso, obteve-se a resposta de 82 pes-quisadores ao questionário de pesquisa.5 Este era formado por Nove questões de múltipla escolha

5. O questionário utilizado se encontra no material suplemen-tar do artigo de Marques et al. Sustentabilidade ambiental: um estudo com pesquisadores Químicos no Brasil. Química Nova, v. 36, n. 6, p. 914-920, 2013.

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(em grau de concordância) que, por sua vez, se dividiam em quatro blocos: 1) definição concei-tual de desenvolvimento sustentável (conforme o Relatório Brundtland) (WCED, 1987); 2) defi-nição conceitual de SA quanto à sua amplitude; 3) relação entre os fenômenos químicos e a SA; e 4) compreensões sobre os paradigmas clássicos da Química (risco e diluição) e a sinalização de um “paradigma ecológico” (Thornton, 2000). O foco desta análise corresponde às primeiras cinco questões do questionário (blocos 1, 2 e 3), por se referirem mais diretamente às compreensões de SA e DS. As demais questões não foram analisa-das devido ao escopo alargado, o que expandiria consideravelmente este trabalho.

Na pesquisa atual, buscamos traçar o perfil acadêmico de cada um dos 82 pesquisadores que responderam ao questionário por meio do cur-rículo na Plataforma Lattes do CNPq, seguido de um levantamento e análise de artigos por eles publicados, a fim de verificar quais abordavam questões ambientais. Para o acesso às publicações, utilizamos as plataformas de pesquisa Scifinder e Google Acadêmico, com as seguintes palavras--chaves: green chemistry, environment, environ-mental sustentability e sustainable development. Dessa busca, resultaram 565 artigos, os quais foram analisados através de uma leitura crítica do resumo, palavras-chaves, introdução, justificati-vas e das referências bibliográficas. Observou-se, principalmente, se estas serviam de referência e sustentação às ideias gerais de seus autores às res-postas que haviam dado ao questionário, sobretudo aquelas relacionadas à QV, à SA e ao DS. Após esse momento, encontramos 15 pesquisadores que utilizaram, em seus trabalhos, um conjunto de referências internacionais e/ou nacionais de auto-res considerados precursores da QV e que, ao dis-cuti-la, estabeleciam alguma relação com a SA e o DS. Esse grupo, chamado de F1, foi o objeto desta investigação, pois compreendemos que, devido às

suas produções acadêmicas, constituem-se como um conjunto de especialistas que dissemina ideias buscando relacionar química e meio ambiente.

A fim de avaliar esses indícios, comparou-se o conjunto de escolhas (respostas) de cada pesqui-sador com as de outros pesquisadores dentro de F1, por meio da técnica de Análise Multivariada de Agrupamento Hierárquico – Técnica de Cluster (Scatena, 2005; Cohen et al., 2003). O uso dessa técnica permitiu levantar e discutir aproximações e/ou distanciamentos entre as respostas acerca dos entendimentos compartilhados relacionados aos conceitos e às situações apresentadas nas pergun-tas do referido questionário, cujo tema focava os limites à SA.

Análise de cluster: algumas explicações metodológicas

A Análise Multivariada de Agrupamento Hierárquico (conglomerados ou cluster) permite classificar sujeitos entre si, o mais próximo pos-sível, dentro de um grupo, e este, o mais distante possível, de outros grupos, sendo útil para detectar a percepção do coletivo sobre temáticas educativas (Cohen et al., 2003) e da área ambiental (Scatena, 2005). Usamos o programa Statistical Pack for Social Science (SPSS, 21ª versão), da IBM, para a análise de agrupamentos hierárquicos, a progra-mação de aglomeração e o método de Ward, em conjunto com a distância euclidiana quadrada. Buscando validar os resultados iniciais obtidos, repetimos a análise dos dados com outro programa (Action, versão 2.4.163.322), obtendo os mesmos resultados.

Por outro lado, para uma adequação das res-postas do questionário à escala Likert (Carifio; Rocco, 2007), fizeram-se as seguintes relações: 1 = muito em desacordo; 2 = em desacordo; 3 = indiferente; 4 = de acordo; e 5 = muito de acordo. Entretanto, para as questões 5A e 5B, assim se

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relacionou: 5 = muito; 4 = pouco; 3 = indiferente; 2 = nenhuma; e 1 = não se relaciona (sobre isso, conferir os Resultados).

Esse tipo de análise gera um gráfico chamado dendrograma, ao plotar os casos (pesquisados) versus a distância euclidiana relativa entre suas respostas. Quanto mais próximo do zero, menor a distância entre os casos e, portanto, maior a simi-laridade entre suas compreensões. Quanto maior a distância, maior o afastamento entre os grupos. Convenciona-se dizer que a mudança abrupta de distâncias é um fator decisivo para a separação de agrupamento, com o auxílio de teorias que possam auxiliar na divisão. Embora a técnica de Cluster recomende um número mínimo de 25 casos para se considerar uma análise mais segura, operou-se com 15 deles, o que não diminui a confiabilidade dos agrupamentos, uma vez que foi comparada com as análises das respostas dos questionários e com a produção científica dos pesquisados. Ou seja, apoiou-se numa teoria que embasasse os agrupamentos formados, conforme recomenda essa metodologia analítica (Cohen et al., 2003).

Resultados

No dendrograma (Figura 1) que representa as respostas fornecidas pelos pesquisadores constituin-tes do grupo F1, observa-se que o primeiro aumento abrupto de distância está entre os pontos 5 e 10 do eixo vertical da figura, ponto em que se fez o “corte 1” para a delimitação dos subgrupos. Temos, assim, quatro subgrupos, compostos e denominados: GA: P75, P78, P33, P56, P74, P76, P37, P03; subgrupo GB: P24; subgrupo GC: P15, P17, P22, P59, P48, P54; e por fim, subgrupo GD: P44.6

6. Aqui, a letra “G” representa os grupos formados, enquanto a letra “P” foi utilizada para codificar cada um dos pesqui-sadores-respondentes do questionário.

6

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Figura 1. Agrupamento de pesquisadores do grupo F1 a partir de suas respostas às questões sobre o conceito de desenvolvimento sustentável, sua extensão e limitações.

Paralelamente à análise de Cluster, com o intuito de atestar a consistência dos subgrupos formados, aplicamos, ainda, o método da matriz de correlação (Cohen et al., 2003), o qual demonstrou aproxima-ção e precisão com os grupos gerados na análise de Cluster. Realizamos também uma pesquisa de agru-pamentos com os demais pesquisadores químicos investigados, além de F1, com 67 sujeitos.

Um esquema geral dos posicionamentos de F1 é visto no Quadro 1.

Análise das respostas dos subgrupos

É interessante notar que GA, ao reconhecer suas diversas dimensões, assume concordar com a definição-conceito de Brundtland, mas também com a limitação do uso sustentável de materiais renováveis e com a necessidade de uso condicio-nal. O grupo igualmente acredita que existe a pos-sibilidade de transformar os problemas em rique-zas. Dessa aparente contradição, contudo, pode resultar a indiferença quanto ao papel da inovação

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Compreensões de Pesquisadores Químicos sobre Sustentabilidade Ambiental

tecnológica para superar problemas ambientais. Eles são os únicos que veem alguma relação entre DS e entropia, ainda que pouca.

Do levantamento relativo à trajetória acadê-mica e produções científicas, foi possível identi-ficar certo grau de compartilhamento dentro do grupo GA acerca de referenciais teóricos que dis-cutem a QV, ao justificar preocupações ambientais envolvendo a química, no âmbito ou não da SA e do DS. O destaque foi quanto ao uso frequente dos trabalhos de Dupont (1998) e Paul Anastas et al. (1998, 1996). Os pesquisadores que se funda-mentaram em Dupont apresentaram um olhar mais técnico e aplicado da QV, enquanto os que cita-ram Anastas, um discurso mais argumentativo, em favor de uma química sustentável, ao explicitarem a preocupação com a SA das atividades químicas. Além disso, alguns participaram ou têm trabalhos como membros de outros círculos de pesquisado-res pertencentes à Química como, por exemplo, um coletivo que discute Economia Verde (P74). Três desses pesquisadores comentaram em seus artigos sobre mudanças de atitudes em relação ao ambiente e sobre a necessidade de rever os para-digmas da Química, inclusive o ambiental (P78); já outros dois, citando o Relatório Brundtland, comentaram a respeito do desenvolvimento de uma “química sustentável” (P75 e P03):

“O grande desafio atual da Química Verde é reduzir os danos causados ao meio ambiente. Isto requer uma nova conduta química para o aprimoramento dos processos, com o objetivo de gerar cada vez menos resíduos, efluentes tóxicos e gases indesejáveis ao ambiente. Este novo caminho é chamado de química sustentável” (P03).

Algo comum entre os sete pesquisadores que formam o subgrupo GA, atuantes na área da Química Orgânica, é que seus estudos indicam uma preocupação ambiental via o desenvolvi-

mento de processos mais limpos nas atividades químicas. No entanto, na análise de suas produ-ções científicas, não foi possível apreender even-tuais ideias e afirmações, explícitas ou implícitas, sobre a relação que estabelecem entre os limites termodinâmicos e o alcance da SA, talvez porque esse aspecto não tenha sido o foco de seus artigos, como observado em nosso levantamento.

O grupo GB apresenta compreensões mais coerentes. É adepto da definição-conceito de Brundtland, pois discorda da necessidade de uso condicional e acredita que a inovação tecnológica e a conservação das massas possibilitam superar problemas e transformá-los em riquezas. Para o grupo, DS e entropia não se relacionam. Suas produções estão mais relacionadas aos princípios 5 e 9 da QV, embora isso não seja explicitamente enfatizado nas publicações. Nos artigos analisa-dos, este membro compartilha autoria com colegas pesquisadores de instituições do sudeste brasileiro e da Ásia, mas não aparece como primeiro autor em nenhum deles, o que pode indicar um menor grau de envolvimento com as ideias veiculadas. Do mesmo modo, nesses estudos, o pesquisador não trata diretamente sobre SA ou DS, e tam-pouco aborda questões termodinâmicas. E, ainda que trate superficialmente sobre a QV, usa-a para justificar processos mais amigáveis ao ambiente, citando autores de referência da área, como Sheldon (2007).

A eventual desconexão entre a sua área de for-mação e as respostas dadas ao questionário, des-considerando os limitantes termodinâmicos ao DS e à SA, pode decorrer da aproximação de outros círculos de pensamento (pesquisadores de outras três instituições universitárias), que abordam o tema sob outro viés ou por falta de consciência acerca dessa relação limitante.

Próximo de GA, o grupo GC está de acordo com Brundtland, mas reconhece a importância do uso condicional e da limitação dinâmica para a reno-

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vabilidade. É indiferente à resolução de problemas por novas tecnologias e discorda da possibilidade de transformar causas de problemas ambientais em riquezas. Argumenta que DS e entropia são con-ceitos que independem um do outro.

Do levantamento relativo à trajetória acadê-mica e às produções científicas de GC, os seis pesquisadores são formados em Química, com publicações recentes: de 2004 em diante. P17 se diferencia dos demais pesquisadores de GC por-que publicou um trabalho teórico sobre a forma-ção do químico em revista internacional da área do ensino/educação, sendo o único que trata (por meio da educação) da QV aliada à sustentabili-dade, ainda que não referencie o termo na litera-tura. Entretanto, percebe-se que ele se aproxima da definição de DS dada por Brundtland em seu tra-balho, embora esta pareça ter sido usada sem uma reflexão mais crítica ou expresso um pensamento consolidado. Os trabalhos dos demais pesquisado-res se resumem a realizações experimentais com fundamentos na QV, com dimensões mais práti-cas, dos quais citamos Sheldon (2007), Anastas e Warner (1998), enquanto P17, em um traba-lho mais geral, de revisão da área, cita Anastas e Kirchhoff (2002). Salienta-se, então, que P59 e P15 compartilham o mesmo grupo de pesquisa e a mesma referência que P17.

GD apresenta comportamento solitário. Ele discorda da definição-conceito de Brundtland, embora concorde que um equilíbrio dinâmico é necessário ao DS. Contudo, discorda da necessi-dade do uso condicional de recursos para manter esse equilíbrio, mas concorda com a limitação da renovabilidade. Discorda também tanto da ino-vação tecnológica como solução aos problemas ambientais quanto da conservação de massas como meio de transformar causas de problemas ambientais em riquezas. Para ele, DS e entropia não se relacionam. Esse pesquisador possui douto-rado em Química Orgânica e seus trabalhos enfa-

tizam a Química dos Produtos Naturais. Apesar de ser o mais cético quanto à ideia de DS e SA, em seus artigos, ele se aproxima da definição--conceito expressa no Relatório Brundtland, ao se concentrar na análise sobre problemas ener-géticos (exaurimento das fontes não renováveis), propondo os derivados de biomassa e da energia solar como respostas e desafios à produção, esto-cagem e transporte de combustíveis, pelo qual se pode inferir atenção aos princípios da economia atômica (princípio 2) e da eficiência energética (princípio 6), conforme apregoado na QV. Sua linha de pesquisa em fontes renováveis pode tê-lo levado a promover o tema, pensando que seu uso só colabora para manter o estado de equilíbrio, não podendo, por isso, ser limitado.

GD, portanto, ao acreditar na criação do “com-portamento verde”, preocupa-se com a formação do químico e defende a interdisciplinaridade e sus-tentabilidade para promover a QV. Para ele:

“A Química Verde deve deixar de ser apenas um conceito, para ser uma atitude responsá-vel, em que a atividade química não agrida o meio ambiente, eliminando-se ou minimi-zando-se, ao máximo, a produção de rejeitos e de solventes agressivos ao ambiente. Para tanto, precisamos ‘inocular’ nos estudantes e profissionais o ‘comportamento verde’.Nesse novo cenário, a inovação emerge como o principal combustível para a longe-vidade das corporações [...].Os termos invenção e inovação são termos--chave na era industrial moderna e, ao mesmo tempo, inerentes à própria natureza da Química. Inventar e inovar são, pois, dois verbos que devem ser incorporados à cultura dos cursos técnicos e superiores de Química” (P44).

Por esse trecho, parece que o autor defende a inovação (tecnológica, científica) como elemento

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fundamental nesse processo de mudança da menta-lidade química, o que parece contrariar sua opinião no questionário. Em seus trabalhos, cita o livro Sustainability in the Chemical Industry: Grand Challenges and Research Needs – A Workshop Report (workshop que contou com a participa-ção de Paul T. Anastas, Amy S. Cannon, Mary M. Kirchhoff, entre outros), baseado no conceito de Sustentabilidade, conforme o relatório “Nosso Futuro Comum” (WCED, 1987). Com isso, justi-fica a abordagem desse conceito em suas publica-ções, como a “aceitação” do alcance da sustenta-bilidade pelo uso dos recursos renováveis, sem se referir às limitações termodinâmicas.

Percebe-se que, entre os pesquisadores analisa-dos, não há uma compreensão definida da relação entre termodinâmica e SA. Jeremy Rifkin (1980), por sua vez, aponta que a educação atual é base-ada na visão de mundo moderna, newtoniana, que se preocupa em promover a apropriação de “fatos” desconexos e gerar rankings por meio de avaliações. A era moderna, e sua visão, é a era da máquina: época da precisão, da velocidade e da exatidão. Nessa lógica, o mundo é analisado como uma série de relações causais, desconsiderando-se suas interações contextuais.

Nesse sentido, parece ser justificável que a maio-ria dos pesquisados não tenha considerado a relação entre DS e entropia, por se tratarem de temas que pertencem a especialidades diferentes e que, ape-nas recentemente, começaram a se entrelaçar nas pesquisas. Mesmo que uma parcela significativa dos pesquisadores tenha reconhecido as múltiplas dimensões da sustentabilidade, nenhum deles acres-centou à lista a dimensão física (termodinâmica), na questão aberta que lhes havia sido oportunizada.

Outro reflexo da educação, contudo, de acordo com a visão newtoniana, na compreensão dos pes-quisados, é sua indiferença quanto à possibilidade da tecnologia vir a superar os problemas e à via-

bilidade de transformá-los em riqueza devido à conservação das massas (9 respostas conformes). Em seus trabalhos, esses pesquisadores tendem a investigar soluções tecnocientíficas para os proble-mas atuais (troca de solvente, catalisadores etc.). Isso tem sua carga de importância, mas trabalhos recentes, usando métricas verdes – de avaliação da benignidade ambiental dos processos – (Machado, 2014), indicam que nem sempre essas mudanças são ambientalmente amigáveis. A ideia fundamen-tal parece ser resolver os problemas tecnológicos com mais tecnologia.

Em via contrária, ao estudar historicamente as visões de mundo com relação à ação humana sobre a natureza e seus impactos, Rifkin (1980) propõe o conceito de entropia como a grande chave para uma possível mudança que possibilitará abordar os grandes problemas atuais: a degradação ambien-tal, a falta de recursos materiais, o esgotamento energético e as condições necessárias para a vida humana. Promover a entropia, portanto, como elemento de visão de mundo, significa aceitar a finitude das reservas materiais e a degradação de energia como linha de horizonte, guiando nossa ação de transformação da matéria, de consumo e de desenvolvimento econômico. Uma educação que propicie essa visão entrópica deve superar a noção newtoniana de exploração de blocos isola-dos de fatos e começar a examinar o fluxo interco-nexo dos fenômenos. Nessa abordagem entrópica da educação, o mundo externo será examinado não

como uma série de relações causais isoladas, mas como

uma rede de fenômenos inter-relacionados expres-

sando múltiplos cenários possíveis para movimento e

mudança (Rifkin, 1980, p. 231). O objetivo da edu-cação e da pesquisa vai além do entender como as coisas acontecem, para se perguntar por que elas ocorrem; não apenas a transformação do mundo como pressuposto universal, mas a busca por pro-longar a vida na Terra.

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Conclusões

Nossas análises sugerem que as compreensões de um pequeno número de professores formadores superam a crença ou certo senso comum quanto ao conceito de DS à observância dos limites ter-modinâmicos ao alcance da SA. Com exceção do subgrupo GD, todos os demais pesquisados (14) são favoráveis, em alguma extensão, à definição--conceito de DS em Brundtland, aspecto relatado por Marques et al. (2013) sobre os 82 pesquisado-res, existindo, no geral, uma concordância quanto à eficiência e suficiência dessa definição-conceito.

Entretanto, no que se refere aos condicionantes impostos pela Segunda Lei da Termodinâmica, os quatro subgrupos formados se aglutinam em dois agrupamentos mais abrangentes. O primeiro, for-mado pelos subgrupos GB, GC e GD, apresentou pouca clareza sobre a SA, além de contradições nas respostas dadas ao questionário. Caracteriza-se, assim, por discordar que haja relação direta entre degradação da energia útil (exergia) nas transfor-mações materiais e o alcance e manutenção da SA. Já o segundo agrupamento (subgrupo GA) demonstrou sensibilidade e interesse pelos aspec-tos ambientais ao considerar a existência de limi-tações físicas impostas pela termodinâmica, na medida em que vê pouca relação entre a SA e a degradação de energia – ainda assim a vê.

Por outro lado, quando a análise das respostas foi confrontada com as produções acadêmicas dos pes-quisadores, as relações entre os aspectos termodinâ-micos e a SA ainda permaneceram pouco evidentes, até mesmo no subgrupo GA. Logo, tais constatações sobre a “ausência” de um olhar mais crítico sobre os limites (físicos ou termodinâmicos) ao alcance da SA é algo que não surpreende, como evidenciam Marques e Machado (2014), ao analisar as produ-ções científicas dos chamados precursores da QV.

8 As respostas dadas ao questionário da pesquisa expressaram uma visão individual e provavel-mente instantânea. Já as publicações analisadas e utilizadas por nós, no confronto com as respostas dos pesquisadores, geralmente possuem caráter coletivo, sendo mais elaboradas, em que os pon-tos de vista apresentados partem de uma negocia-ção entre seus autores, que são assimetricamente representados. Tais contradições entre as respostas ao questionário e as ideias veiculadas em artigos se tornam mais compreensíveis.

Como discutido, estas se fundamentam em uma visão de mundo mais geral e ampla, basea-das na dominação e exploração da natureza (por-tanto, também do homem) por meio de processos fragmentados e disjuntos. Caso essas relações não sejam desveladas, problematizadas e superadas – e, para isso, a educação química tem um grande papel –, podem servir à manutenção e ao reforço da visão de mundo newtoniana, acelerando, cada vez mais, o esgotamento dos recursos naturais (enquanto meios de subsistência humana), refor-çando as desigualdades sociais e precipitando o fim da vida.

Para superar essa visão, cremos que discussões que envolvam SA, DS e QV poderiam ser mais exploradas de forma multidimensional e inter-disciplinar em disciplinas do currículo de cursos de Química.. Tal abordagem não deve ser apenas conceitual, mas reflexiva, de modo a incitar ques-tionamentos sobre os problemas que envolvem a crise ambiental no planeta por conta das atividades antrópicas (Zuin; Marques, 2014a; Zuin; Marques, 2014b). Nesse sentido, os alunos de graduação – futuros químicos e futuros professores – podem tornar-se mais críticos em relação ao tema e, por conseguinte, educar novos cidadãos com atitu-des/reflexões mais elaboradas sobre os assuntos discutidos.

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