Bullying: o perfil da vítima
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Universidade do Minho
Instituto de Ciências Sociais
Licenciatura em Sociologia
Ano Lectivo de 2006/2007
Bullying:
O perfil da vítima
Estagiária:
Luzia de Oliveira Pinheiro
Sociologia 3ºano – A43894
Orientador de estágio:
Dr.ª Ana Brandão
Orientadora na Instituição:
Dr.ª Glória Teixeira
Instituição de estágio:
Instituto Português da Juventude
Braga, 30 de Junho de 2007
1
Agradecimentos
A todas as pessoas que contribuíram de alguma forma para este trabalho, muito
obrigada! Sem vocês não seria possível.
Em especial gostaria de agradecer ao Sr. Delegado, Dr. Pompeu Martins por me
ter acolhido na delegação regional de Braga do Instituto Português da Juventude, assim
como às minhas orientadores, a Dr.ª Ana Brandão e a Dr.ª Glória Teixeira, pela
disponibilidade, incentivo e apoio prestados no decorrer do estágio.
Para finalizar agradeço aos meus amigos Pedro Soares, Andreia Vieira e Odete
Carvalho por sempre me terem estimulado a continuar em frente.
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Índice
Introdução 6
I. Caracterização do local de estágio 9
II. Bullying: o perfil da vítima 12
Quadro 1 – Formas de bullying mais comuns 12
2.1. Bullying 16
Figura 1 – Lisboa (3ºciclo) 18
Figura 2 – Norte do país 19
2.2. Bullying nas escolas 20
Quadro 2 – Por que se pratica bullying? 21
2.3. A vítima de bullying 23
Quadro 3 – Perfil padrão da vítima inicial 25
Quadro 4 – Perfil padrão da vítima durante a vitimação 25
Quadro 5 – Perfil padrão da vítima depois de ter sido vítima 26
2.4. Consequências do bullying 27
2.5. Porque continua a existir bullying? 29
2.6. Como superar o problema 31
III. Metodologia 34
IV. Análise dos dados 37
Figura 3 – Modelo panóptico de Foucault 37
Figura 4 – Modelo da escola do centro da cidade de Braga 38
Figura 5 – Modelo da escola da periferia da cidade de Braga 38
4.1. Observação 39
4.2. Entrevistas aos directores de turma e equipa de Mediação Escolar 41
4.3. Entrevistas aos alunos 42
Quadro 6 – A vítima descrita pelas testemunhas de bullying 46
4.4. Diferenças por escola 46
Conclusão 49
Bibliografia 53
4
Anexos
Anexo 1 – Estrutura do Instituto Português da Juventude
Anexo 2 – “Roubava para não lhe baterem” (Costa, 2007)
Anexo 3 – Quadro de observação (trinta observações)
Anexo 4 – Guião de entrevista aos Directores de Turma e Equipa de
Mediação Escolar
Anexo 5 – Transcrição das entrevistas aos Directores e Equipa de Mediação
Escolar
Anexo 6 – Guião de entrevista aos alunos
Anexo 7 – Transcrição das entrevistas aos alunos
Anexo 8 – Panfleto de sensibilização sobre o tema para os alunos
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Introdução
O bullying é um dos temas que, ultimamente, mais têm sido debatidos pelos meios
de comunicação social. Muitos são os casos explícitos de bullying, que, na sua maioria,
são ignorados e apelidados de “coisas de criança”. Neste sentido, o tema por mim
escolhido para o meu projecto de estágio é o bullying. Mas como este é um tema vasto e
tem diversas vertentes, irei centrar-me em uma delas, até agora pouco explorada,
concretamente, o perfil da vítima. Assim sendo, a minha questão de partida é a seguinte:
“será que as vítimas de bullying têm traços em comum?”
O bullying distingue-se por ser um tipo de violência intencional, de carácter físico,
verbal e/ou psicológico sobre um ou mais indivíduos, exercido continuamente durante um
período de tempo ilimitado. Este problema torna-se possível a partir do momento em que
alguns estudantes têm maior poder do que outros e várias vezes as consequências da
sujeição a este fenómeno são extremas, como é o caso do suicídio. A primeira pessoa a
debruçar-se sobre esta problemática foi o Professor Dan Olweus, da Universidade de
Bergen – Noruega (1978 a 1993), que estudou o problema dos agressores e das suas
vítimas. No entanto, o facto que despertou o interesse para este problema foi o suicídio de
três rapazes, na Noruega, com idades compreendidas entre os 10 e os 14 anos, na década
de 80 do século XX. A partir daqui surgiu a primeira campanha de combate ao bullying,
levada a cabo, precisamente, na Noruega, em 1993: a Campanha Nacional Anti-Bullying.
No seguimento desta campanha norueguesa, outras foram concretizadas em outros países:
The DES Shefield Bullying Project – UK (Reino Unido), a Campanha Anti-Bullying nas
Escolas Portugueses (Portugal) e o Programa para a Tolerância e Prevenção da
Violência (Espanha), entre outros.
O meu estudo incidiu sobre duas escolas do concelho de Braga, uma no centro da
cidade e outra na periferia. A população estudada foram os alunos do 7ºano de cada uma
das escolas, no recreio, no decorrer dos intervalos. Para tal, a metodologia utilizada foi,
inicialmente, a observação e, posteriormente, a entrevista a alguns alunos seleccionados
com a ajuda do gabinete de mediação escolar das respectivas escolas. Estes alunos
representam casos pontuais de bullying ou testemunhas destes casos. Quanto aos
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objectivos deste trabalho, apontamos a elaboração de um perfil padrão da possível vítima
de bullying, que, por características físicas ou de personalidade, está, inicialmente, mais
vulnerável a ser objecto de discriminação e violência por parte de outros indivíduos. O
segundo objectivo do meu projecto de estágio é o de, a partir do primeiro objectivo,
identificar as vítimas de bullying indirecto, que, muitas vezes passam despercebidas pelo
motivo do seu agressor “não deixar” marcas de violência (porque a violência é
psicológica), de modo a poder intervir eficazmente e evitar um dos muitos desfechos
trágicos que assolam estes casos pontuais de bullying.
O presente trabalho divide-se em quatro capítulos: no primeiro, procederemos à
caracterização do local de estágio, descrevendo os seus objectivos, a forma como actua,
os serviços e valências que disponibiliza e os programas e iniciativas que promove. Falo
também das actividades desempenhadas, assim como da escolha do tema, do motivo que
me levou a escolher esta instituição e de como decorreu o meu estágio.
No segundo capítulo, começo por fazer uma ligeira introdução à problemática,
definindo o conceito central e explorando-o, relacionando-o com outros conceitos que o
influenciam. Descrevo, também, o despertar da comunidade científica para o fenómeno e
as campanhas elaboradas pelos diversos países a fim de combaterem o bullying. Situo,
aqui, o bullying no tempo e no espaço e apresento alguns dados concretos sobre a sua
incidência a nível mundial e nacional, bem como os factores que influenciam a prática do
fenómeno. Falo também sobre a incidência do bullying nas escolas: qual o local onde
mais se faz sentir, as motivações para a prática de bullying e os vários papéis que os
jovens podem desempenhar. Quanto ao perfil da vítima, aqui definimos concretamente
quem é a vítima, por que o é, quais as características que a tornam num alvo e o seu perfil
padrão antes do bullying, durante a vitimação e após ter sido vitimada. São, ainda,
retratadas as consequências do fenómeno, tanto para a vítima, como para o agressor,
como para o meio escolar. Apontamos, finalmente, formas de superar o problema,
visando o seu combate e erradicação das nossas escolas, descrevendo estratégias para o
meio escolar e para os pais.
No terceiro capítulo, apresentamos as técnicas metodológicas utilizadas, suas
vantagens e desvantagens, assim como o motivo pelo qual foram seleccionadas e o que
permitiram descobrir no decorrer da investigação. Descrevemos, também, como se
7
processou a escolha de casos a estudar, o número de casos estudados, de observações e de
entrevistas realizados, assim como foram analisados e o que motivou a sua realização.
No quarto capítulo, procede-se à análise de dados, em que são descritas as escolas
estudadas em termos de estrutura, vigilância, condições e serviços existentes dedicados
aos alunos. Apresentam-se os resultados das entrevistas aplicadas aos directores de turma
e Gabinete de Mediação Escolar e respectivas conclusões. São também relatadas as
conclusões retiradas das observações realizadas no recreio durante os intervalos das aulas.
Daqui foi possível traçar padrões de comportamento e frequência das actividades,
brincadeiras e conflitos no intervalo. Por fim, são tratadas as entrevistas realizadas aos
alunos, iniciando-se uma apresentação das variáveis elaboradas para o estudo do
fenómeno do bullying e, seguidamente, descrevendo os resultados variável a variável,
relacionando-as e inferindo ligações que permitiram responder às hipóteses de trabalho e
traçar o perfil da vítima.
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I. Caracterização do local de estágio
Escolhi o Instituto Português da Juventude (I.P.J.) para realizar o meu estágio por
ser uma instituição ligada aos jovens, faixa etária pela qual mais me interesso neste
momento e sobre a qual pretendia investigar.
O IPJ é um organismo da Administração Pública com autonomia administrativa,
sendo tutelado pelo Secretário de Estado da Juventude e do Desporto (S.E.J.D.) e os seus
objectivos passam por promover a participação dos jovens em actividades de carácter
social, cultural, educativo, artístico, científico e desportivo, bem como incentivar
actividades promovidas ou desenvolvidas por associações ou agrupamentos juvenis, no
âmbito das medidas adoptadas pelo Governo em relação à Política de Juventude. O IPJ
actua criando condições e providenciando meios para a afirmação sociocultural da
juventude portuguesa, dentro e fora do país.
Os órgãos constituintes do IPJ são os centrais e os regionais. Os órgãos centrais
são constituídos pelo Conselho de Administração, pela Comissão Executiva e pela
Comissão de Fiscalização. Por sua vez, os órgãos regionais são constituídos pelos
delegados regionais. Quanto à Comissão Executiva, esta é constituída pelo Presidente e
por duas Vogais.
A delegação regional do IPJ de Braga situa-se na Rua de Santa Margarida, nº6, e
funciona das 09h00 às 20h00, disponibilizando vários serviços e valências,
nomeadamente: balcão de atendimento, disponibilizando dossiers temáticos e serviços
vários de informação; balcão de vendas, disponibilizando o acesso ao cartão-jovem,
reservas nas Pousadas de Juventude, inscrições em cursos de formação da Fundação para
a divulgação das Tecnologias da Informação, entre outros; centro de recursos;
biblioteca/centro de documentação; auditório; formação; atelier; posto de acesso público
à Internet; sala (s) para reuniões e outras facilidades para jovens e associações; gabinete
de estágios; aconselhamento jurídico; aconselhamento à sexualidade e apoio técnico às
associações, concretamente à Associação juvenil e ao Registo Nacional de Associações
juvenis e apoio à elaboração de projectos.
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A legislação em vigor pela qual se rege o IPJ é o Decreto-Lei nº70/96, de 4 de
Junho, que é a Lei Orgânica do Instituto Português da Juventude, e pelo Decreto
Regulamentar nº3/96, de 4 de Junho, que regulamenta a Lei Orgânica do IPJ.
Alguns dos programas e iniciativas a decorrer no IPJ de Braga são os seguintes:
campo de férias e de trabalho; parlamento dos jovens; programa jovens criadores; SNS
Jovem – Programa especial de voluntariado jovem na saúde; voluntariado Jovem para as
Florestas; OTL – Ocupação dos Tempos Livres; Programa de Apoio às Associações
Juvenis e o programa JUVENTUDE.
Uma vez no IPJ, o Sr. Delegado, Dr. Pompeu Martins, propôs-me a realização de
um projecto de investigação sobre um tema à minha escolha. O tema por mim eleito foi o
bullying, uma vez que já tinha lido um artigo sobre o mesmo numa revista, o que
despertou o meu interesse sobre o assunto. Assim sendo, ao ver a possibilidade de
aprofundar um tema do meu interesse, essa foi a minha escolha principal. No entanto,
disponibilizei-me para investigar em outra área, caso a escolhida não fosse viável. Tal não
sucedeu, uma vez que a minha opção inicial foi de imediato aprovada pelo Sr. Delegado,
que demonstrou interesse no tema.
Seleccionada a temática a investigar, definiu-se o meu horário laboral, que, por
questões de espaço e da necessidade de me deslocar às escolas para fazer observação,
ficou acordado que seria de segunda a quinta-feira, durante três horas por dia, no período
das 17h00 às 20h00, podendo ser alterado por razões de conveniência de ambas as partes.
No meu local de estágio, tenho à minha disposição alguns locais, nomeadamente o
gabinete da minha orientadora, a Dr.ª Glória Teixeira e uma secretária na área de
atendimento ao público, onde disponho de alguma comodidade e de todos os meios
necessários. Posso também circular livremente por todo o edifico do IPJ, sem restrições.
No primeiro dia de estágio, que ocorreu no dia 1 de Março, a minha orientadora
mostrou-me todo o edifício e fez as devidas apresentações a todo o pessoal que lá se
encontrava. De seguida, deu-me a escolher o local onde mais me agradasse trabalhar e a
partir daí iniciei este trabalho. Na maior parte do tempo de estágio na instituição, trabalhei
principalmente no meu relatório de estágio, colaborando com a instituição sempre que
necessário e solicitado.
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Para finalizar, foi criado um panfleto1 destinado aos alunos das turmas
entrevistadas, em que se definia o bullying e era dito o que fazer em caso de ser vítima ou
testemunha deste fenómeno. O objectivo da elaboração deste desdobrável foi a
sensibilização dos alunos para o problema, na esperança de surtir algum efeito na luta
contra o bullying.
1 Conferir anexo 8.
11
II. Bullying: o perfil da vítima
Problemát ica
O bullying é uma expressão que designa todos os actos de violência (física,
verbal e/ou psicológica) e formas de atitude agressivas, intencionais e repetidas
(Abrapia, 2006; McCarthy, Sheehan, Wilkie e Wilkie, 1996:50). Este termo, de origem
inglesa, foi adoptado pela nossa língua materna por não existir em português uma
expressão que conseguisse abranger todo o significado que o termo original possui
(Wikipédia, 2007). Para melhor ilustrar este complexo conceito elaborei o seguinte
quadro, em que agrupei as formas de bullying mais comuns em relação à sua
especificidade.
Quadro 1 – Formas de bullying mais comuns
Fonte: Abrapia (2006)
O conceito de bullying relaciona-se com outros, que o enriquecem e condicionam,
nomeadamente o género2, a sexualidade3, a cultura4, o conflito, a classe social5 e o poder6.
No entanto, estes conceitos não agem individualmente, interrelacionando-se uns com os 2 Por género entendem-se as expectativas sociais em termos de comportamento tido como apropriado aos membros de cada sexo. Ou seja, o género consiste nos traços de masculinidade e feminilidade formados socialmente (Giddens, 2004: 693).3 Por sexualidade entende-se o comportamento sexual dos seres humanos em relação às suas características sexuais (Giddens, 2004: 702).
Formas de violência (bullying)
FísicoAgredir Ferir Bater Esmurrar Pontapear Torcer braçosQuebrar
pertences
Vandalizar
pertencesTirar dinheiro
Praxes
violentasEmpurrar Roubar
VerbalChamar
“nomes”Ofender
Gozar e contar
piadasZoar
Ameaçar e
provocar
Contar histórias
sobre a vítimaPsicológico
Imitar HumilharChantagear e/ou
amedrontar
Exclusão
social
Não falar e/ou
ignorar
Intimidar e
aterrorizar
Fazer sofrer Perseguir Discriminar Assediar Isolar Dominar e tiranizar
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outros, concretamente: género e sexualidade e conflito com classe social e poder. A
cultura interrelaciona-se com todos, influenciando-os. Uma vez que cada cultura possui
crenças, padrões e concepções diferentes, faz com que condicione o bullying e os outros
conceitos directamente relacionados a ele, já que a cada cultura corresponde uma noção
de poder, classe social, género, e assim sucessivamente. Resumidamente o que em umas
sociedades é tido como normal, em outras pode ser totalmente o inverso. Ou seja, o
bullying deve ser visto de acordo com a cultura do cada local onde ocorre e não sob o
ponto de vista da nossa sociedade de pertença.
Em relação ao poder, o bullying surge no momento em que o bullie (agressor)
tenta afirmar a sua superioridade sobre a vítima, e daqui se antevê a relação existente
entre a classe social e a posição que cada indivíduo ocupa face ao bullying. À partida, o
agressor tem mais poder do que a vítima, pelo facto de a oprimir e rebaixar.
Factualmente, a vítima pode ter mais poder do que o agressor por ser oriunda de uma
classe social superior à sua.
Por sua vez, o conceito de género, manifesta a sua influência quando os resultados
dos primeiros estudos sobre o bullying vieram demonstrar a existência de uma relação
entre a prática de diferentes tipos de bullying em função do sexo do indivíduo e os
comportamentos tipicamente associados a cada um, conforme a cultura da sociedade de
pertença. O que em algumas sociedades pode ser tido como um comportamento feminino,
em outra sociedade pode ser associado a um comportamento tipicamente masculino. O
género liga-se com o conceito de sexualidade, na medida em que, as práticas de bullying
se centram muitas vezes nos caracteres secundários, como o corpo e as suas
transformações, passando pelo início da exploração da sexualidade (que pode ser
explicado pelo assédio sexual, por exemplo). Os boatos, ou “bocas”, segundo os alunos,
referentes à sexualidade de cada um são uma constante, pelo que muitos jovens optam por
mostrar publicamente a sua orientação sexual, de modo a tentar combater e evitar este
4 Entendem-se por cultura os valores, cerimónias, e modos de vida característicos de um determinado grupo e que permite distinguir as sociedades humanas umas das outras (Giddens, 2004: 688). 5 A classe social consiste numa interacção entre a categoria económica, o status social e as afinidades de partido político dos indivíduos. Porém, actualmente os cientistas têm definido classe social de acordo com a ocupação de cada indivíduo (Giddens, 2004: 687). 6 Por poder entende-se a capacidade dos indivíduos alcançarem os seus objectivos ou favorecer os seus interesses em interacção com os outros. Muitos conflitos existentes na sociedade são lutas de poder, uma vez que quanto maior poder um grupo ou indivíduo tiver, maior é a capacidade de conseguir o que quer à custa dos outros (Giddens, 2004: 699).
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tipo de difamação. Esta relação entre a sexualidade e o bullying foi estudada por Duncan
(1999) no seu livro “Sexual bullying: gender and pupil culture in secondary schools”.
O bullying surge a partir do momento em que alguns estudantes têm maior poder
do que outros e caracteriza-se pela adopção, para com os seus colegas, de atitudes
agressivas sem motivo aparente, magoando-os quer física, quer psicologicamente
(Abrapia, 2006; McCarthy, Sheehan, Wilkie e Wilkie, 1996:51). Muitos casos de bullying
não são notados, pelo que, muitas vezes, podem evoluir para uma depressão por parte das
vítimas. Em casos extremos e muito mais frequentes do que, à partida, pensamos, a vítima
chega a suicidar-se (Porto Editora, 2007).
O bullying cada vez mais assume proporções alarmantes7, atingindo todas as
faixas etárias (Abrapia, 2006), desde o nascimento à morte do indivíduo, e sendo cada vez
maior o número de praticantes, sem referir que cada vez existem armas mais mortíferas ao
alcance de qualquer um. Para melhor ilustrar esta afirmação deixo uma anedota que
circula pela internet de correio em correio electrónico: “Não chateies os teus
filhos...porque as crianças agora têm armas!”
Este crescendo de violência, alimentado, segundo a opinião popular, pelos
programas televisivos a que as crianças e adolescentes assistem, como a série
PowerRangers, que vem sendo apontada como um dos mais violentos, despertou o
interesse de muitos pesquisadores em todo mundo. Nas suas pesquisas, estes concluíram
que o bullying está a alastrar a todas as classes sociais e há uma tendência para o aumento
desse comportamento com o avanço da idade (Abrapia, 2006). De notar que os
adolescentes que praticam bullying têm mais probabilidade de praticar violência
doméstica durante a idade adulta (Pereira, 1997).
A primeira pessoa a debruçar-se sobre esta problemática foi o Professor Dan
Olweus, da Universidade de Bergen – Noruega (1978 a 1993), que investigou o problema
dos agressores e das suas vítimas (Abrapia, 2006) e definiu a vítima de bullying como
sendo um estudante que é exposto repetida e continuamente, às acções negativas por parte
de um ou mais colegas (cit. in Pereira, 1997). Porém, as suas investigações não
suscitaram interesse imediato por parte das instituições. No entanto, houve um facto, na
década de 80 do século XX, que despertou o interesse sobre este problema: o suicídio de
três rapazes, na Noruega, com idades compreendidas entre os 10 e os 14 anos (Abrapia,
7 Segundo um estudo feito pela ABRAPIA (2006), um em cada cinco alunos já foi vítima de violência por parte dos seus colegas.
14
2006). A partir daí, tem início uma longa luta pela descoberta, identificação e combate ao
bullying. A primeira campanha anti-bullying foi levada a cabo, precisamente, na Noruega,
em 1993: a Campanha Nacional Anti-Bullying.
Olweus descobriu que o principal aspecto do combate ao bullying era avaliar a
natureza e ocorrência desta prática para, posteriormente, poder evitá-la (Pereira, 1997).
Os inquéritos de Olweus, usados nos estudos sobre bullying, eram compostos por vinte e
cinco questões de resposta múltipla, que abrangiam a frequência, os tipos de agressões, os
locais de maior risco, os tipos de agressores e as percepções individuais quanto ao número
de agressores. Este inquérito foi adoptado, posteriormente, por países como o Brasil, uma
vez que podem ser utilizados para comparações inter-culturais (Abrapia, 2006).
Segundo a investigação de Olweus e Roland (1989), um em cada sete estudantes
estavam envolvidos em casos de bullying. Olweus publicou em 1993 um livro (“Bullying
at school”) que incentivou o governo norueguês a promover uma campanha nacional, que
reduziu em 50% os casos de bullying nas escolas. Este acontecimento levou a que países
como o Reino Unido, Canadá e Portugal desenvolvessem as suas próprias acções de
estudo e combate a este problema. Podemos destacar aqui alguns programas de sucesso
que foram concretizados no seguimento da campanha nacional na Noruega: The DES
Shefield Bullying Project – UK (Reino Unido), a Campanha Anti-Bullying nas Escolas
Portuguesas (Portugal), e o Programa de Educação para a Tolerância e Prevenção da
Violência (Espanha), entre outros (Abrapia, 2006).
O estudo deste fenómeno pela comunidade científica de cada país não abrange as
mesmas áreas. Os estudos mais importantes sobre o bullying nos diversos países
centraram as suas pesquisas em duas grandes vertentes: estudos para o diagnóstico do
bullying e estudos para a identificação do bullying. Os países que se debruçaram no
diagnóstico do bullying foram a Noruega e o Reino Unido. Por outro lado, os países cujos
estudos incidiram na identificação do bullying foram: Alemanha, Austrália, China,
Espanha, Finlândia, França, Holanda, Irlanda, Itália, Japão, Portugal e Estados Unidos da
América (Pereira, 1997).
Durante a pesquisa bibliográfica e a análise de alguns casos de bullying já
estudados, pude verificar que este problema é muito abrangente e que abarca muitos
aspectos e variáveis interligáveis entre si. Atendendo aos diversos aspectos que poderia
analisar no meu trabalho, optei por centrar o meu estudo no perfil da vítima.
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2.1. Bullying
Muitos foram os estudiosos que se dedicaram ao estudo do bullying. Entre eles,
assumiram formas particulares de designar o problema, de acordo com a vertente em que
mais se enquadravam. Olweus (1991) utilizou o termo original, bullying8, assim como
“vitimação”. Por sua vez, Pereira, Almeida e Valente (1994), nos seus estudos, optaram
pela utilização do termo “agressividade/violência”.
Todos aqueles que se debruçaram sobre o tema encontraram uma forma pessoal de
definir bullying. Contudo há certos aspectos que se repetiram definição atrás de definição
e que o caracterizam como sendo um comportamento repetido, intencional e continuado
por um período de tempo indefinido, onde se antevê um abuso de poder por parte do
agressor (ou bullie) sobre a vítima, que se sente intimidada e sofre em silêncio (Leite,
1999; Carvalhosa, Lima e Matos, 2001).
O bullying é algo que existe desde que há crianças no mundo. Porém a sua
existência só foi entendida a partir do momento em que a violência no meio escolar foi
vista por Olweus (1991) como algo não natural e típico do crescimento da
criança/adolescente, mas sim como algo capaz de provocar o suicídio de jovens. Segundo
Almeida9 (cit. in Cortellazzi, 2006:1), o problema não se resume a conflitos acidentais
mas a “situações reiteradas que geram mal-estar psicológico e afectam a segurança, o
rendimento e a frequência escolar”, uma vez que o objectivo do agressor é o de ganhar
controlo sobre a vítima (Carvalhosa, Lima e Matos, 2001).
Segundo Beane10 (cit. in Marques, 2006:1), o bullying é uma disciplina da
violência e, dentro desta, vale tudo, sendo cada vez mais comum os alunos mais velhos e
com maior popularidade intimidarem os mais novos, uma vez que estes são, à partida,
vítimas fáceis (Carvalhosa, Lima e Matos, 2001).
8 Este será o termo que utilizarei ao longo deste trabalho para designar o problema, uma vez que, além de ser o termo original, é também aquele que abarca todas as dimensões do fenómeno.9 Docente na Universidade do Minho e membro da Comissão Europeia do Combate ao Bullying.10 Especialista norte-americano em Educação e grande promotor do combate ao bullying, a que se dedicou após a morte do seu filho, tendo escrito o livro A Sala de Aula sem Bullying e desenvolvido o programa Bully Free.
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O bullying assume duas formas: o bullying físico/directo e o bullying
social/indirecto (Marques, 2006). O bullying físico/directo chama-se assim porque se
caracteriza pela violência de carácter físico, como bater e empurrar, sendo também a
prática mais comum dos rapazes. Por sua vez o bullying social/indirecto, assume esta
definição por se voltar para a vertente psicológica, sendo mais praticado por raparigas e
cujo objectivo principal é o de levar a vítima ao isolamento social, regra geral através de
práticas como espalhar histórias maldosas, rejeitar, ofender e gozar com os aspectos
socialmente significativos da vítima (Wikipédia, 2007; McCarthy, Sheehan, Wilkie e
Wilkie, 1996:50).
Sendo um problema que atinge todo o mundo, o bullying pode ser encontrado em
qualquer escola: primária, básica, secundária, pública, privada, rural ou urbana (Abrapia,
2006). Constituindo-se como um facto mundial, o bullying, é de conhecimento geral em
todas as escolas. Porém, a maioria abafa a existência deste problema, negando-se a
enfrentá-lo e minimizando-o, muitas vezes com o objectivo de preservar o nome da
instituição de ensino (Abrapia, 2006).
O bullying ocorre em qualquer lugar, data e hora onde as pessoas interajam umas
com as outras, sendo a escola o local onde mais casos se dão (Wikipédia, 2007). Sendo a
supervisão dos adultos fundamental para o bom funcionamento de qualquer escola, é
necessário que haja um número suficiente de auxiliares educativos para a prevenção do
bullying, uma vez que, nas instituições de ensino em que a presença de adultos seja
mínima, a ocorrência de bullying é uma constante (Wikipédia, 2007).
Para além da violência entre alunos, o bullying nas escolas pode assumir também
outros contornos, como é o caso da segregação de estudantes competentes por professores
incompetentes ou não-actuantes, para proteger a reputação de uma instituição de ensino
(Wikipédia, 2007). Porém, o bullying não ocorre unicamente nas escolas. Muito pelo
contrário, actua em todos os locais onde, tal como já foi anteriormente referido, as
pessoas interajam, como é o caso do local de trabalho e da Internet [o chamado cyber-
bullying11], entre outros.
O bullying, tal como vem sendo referido, é um problema mundial, atingindo todos
os países. Para melhor compreender a real envolvência deste fenómeno, apresentaremos
11 Este termo vem sendo utilizado para designar todo o bullying praticado através do recurso às tecnologias, como é o caso do telemóvel, e-mails, conversas em chats, sites/páginas pessoais e blogs. Em 2003 nos Estados Unidos, Ryan Patrick Halligan, de 13 anos de idade, foi vítima desta prática, levando-o ao suicídio quando o acusaram de homossexual (Macedo, 2007).
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alguns dados estatísticos recolhidos, referindo alguns países mais salientes e, depois,
aprofundando para o caso português.
A Grã-Bretanha realizou uma pesquisa entre os alunos do primeiro grau, tendo
concluído que eram vítimas de bullying pelo menos uma vez por semana (Abrapia, 2006).
No Brasil, mais concretamente no Rio de Janeiro, a sondagem realizada pela ABRAPIA12
em 2002, revelou que 16,9% dos 5875 estudantes inquiridos eram vítimas de bullying,
que 10,9% destes eram vítimas/agressores e que 12,7% eram agressores (Abrapia, 2006).
Ou seja, 40,5% dos estudantes faziam parte da lista negra do bullying13, sendo a restante
população estudantil, testemunhas deste fenómeno (Abrapia, 2006). Portugal não fica
atrás destes países, apresentando também altas taxas de vitimação. Um estudo feito por
Seixas (2005) aos alunos do 3ºciclo de Lisboa demonstrou que mais de 50% dos alunos
são vítimas de bullying, o que se pode ver na Figura 1, que ilustra o resultado desta
investigação.
Figura 1: Lisboa (3º ciclo) Agressores – 12%Testemunhas – 34%Vítimas – 54% Vítimas passivas – 30%
Vítimas/agressores – 24%
Fonte: Seixas (2005)Porém este fenómeno faz-se sentir desde cedo, o que é mostrado pelo estudo feito
no norte do país, em que 21% dos alunos dos 7 aos 12 anos admitem ser vítimas de
bullying, sendo que, destas, 5% sofre maus tratos muitas vezes, como se pode observar na
Figura 2 (Carvalhosa, Lima e Matos, 2001).
Figura 2: Norte do país
“Às vezes” – 73%Vítimas 21% “Muitas vezes” – 5%(dos 7 aos 12 anos)
Fonte: Carvalhosa, Lima e Matos (2001)
12 Associação Brasileira de protecção à Infância e Adolescência.13 Lista negra do bullying: expressão utilizada para designar todos os estudantes que se vêem directamente envolvidos no bullying, ou seja, vítimas, vítimas/agressores e agressores.
18
O bullying é um facto e existe desde sempre, não sendo um problema único da
nossa era. Porém há coisas na actualidade que o influenciam e dissimuladamente levam,
por exemplo, os rapazes a praticar mais bullying directo do que social.
Na nossa sociedade, o bullying passou a ser alvo de destaque por parte dos meios
de comunicação social. Também graças aos mesmos, a ideia de perfeição do corpo
humano chegou a todas as famílias. Façamos o seguinte raciocínio: no século XVIII, as
pessoas já se preocupavam com o corpo, ou não fossem os famosos espartilhos
conferirem uma cintura espantosa a quem os usasse, mas não havia aquela preocupação
de fazer dietas para exibir um corpo perfeito. Estas ideias só começaram a surgir quando
os meios de comunicação social começaram a divulgar imagens de modelos idealizados
do corpo humano (cf. Palácios e Rego, 2006:2). Assim sendo, todos os dias os nossos
lares são invadidos por imagens de homens com corpo perfeito, criando nos nossos jovens
uma necessidade de manter um corpo como os dos modelos que vêem todos os dias. E
isto torna-se uma preocupação constante, sendo que quem não estiver dentro do padrão
apelidado de normal, ou seja, quem é muito magro ou tem excesso de peso, é rotulado e
posto de parte, alvo de bullying de todo o tipo.
Foi também a partir do momento em que os meios de comunicação social
revelaram ao mundo a existência do bullying, que as pessoas se começaram a preocupar
com ele, por julgarem ser um problema novo, originário da actualidade, no entanto
existente desde que há pessoas em interacção, ou seja, desde sempre. Ora bem, o que
queremos dizer com isto é o seguinte: existe uma relação entre a ideia do corpo perfeito e
a prática de bullying. Uma coisa condiciona a outra. Não afirmaremos que o bullying
surgiu da excessiva preocupação com a imagem corporal, uma vez que há muitos outros
factores que convergem nesse sentido. Estamos a afirmar que a preocupação com o corpo
é, actualmente, um dos grandes condicionantes da prática de bullying. Vejamos: as
pessoas vivem em busca do corpo perfeito, estereotipado na televisão e revistas (UFJF,
2005). E o que sucede nas escolas com as crianças e adolescentes cuja aparência física
não corresponde aos estereótipos dominantes? São apelidadas de “baleia”, “vaca”,
“narigudo”, “olívia-palito” ou “quatro-olhos” (UFJF, 2005). Estes são os casos mais
frequentes nas meninas. Mas e os rapazes? Estes são mais influenciados pela exibição de
um corpo musculado e forte. Mas como provar aos outros que são fortes? A violência
física é, muitas vezes, a resposta a esta questão, uma vez que os meninos, para provarem
19
que são mais fortes que os outros, batem nos mais fracos, ou seja, naqueles cuja
concepção muscular é aparentemente inferior (UFJF, 2005).
Foi através desta constatação que elaborei a primeira hipótese de trabalho: “os
estigmas físicos tornam o aluno propenso a ser vítima de bullying”. Como se pode
constatar, o bullying nas escolas tem como factor condicionante os estereótipos criados
pela sociedade em torno da ideia de corpo perfeito. Embora haja outros condicionantes,
como a religião e a etnia, o corpo de cada um parece ser, sem dúvida, o factor principal
(UFJF, 2005).
2.2. Bullying nas escolas
Sendo mais expressivo nas escolas públicas, o bullying atinge também as
privadas, sendo o recreio o local onde mais se pratica. O bullying surge a partir do
momento em que a violência exercida sobre um indivíduo ou um conjunto de indivíduos
deixa de ser esporádica e é tida como intencional e contínua. Muitas vezes, o agressor
torna-se agressor porque, no passado, foi vítima de bullying (Carvalhosa, Lima e Matos,
2001). Ora, o bullying surge, assim, da tentativa do agressor: conquistar força e poder;
tornar-se popular; dissimular o próprio medo ao amedrontar os colegas e mostrar-lhes que
é superior, aterrorizando-os (McCarthy, Sheehan, Wilkie e Wilkie, 1996:54). No seguinte
quadro podemos observar o resultado de um estudo feito numa escola secundária
australiana, onde foram inquiridos 2158 rapazes e 1884 raparigas acerca do que os
motivava a praticar bullying aos colegas.
Quadro 2: Por que se pratica bullying?
Motivo Rapazes (%) Raparigas (%)14
Sentir-se bem consigo mesmo 15,4% 9,6%Ser admirado/a pelas outras crianças da escola 23,4% 14,5%Evitar ser vítima de bullying 35,6% 26,8%Demonstrar aos outros que é resistente/forte 39,3% 31,2%Sentir-se melhor que os outros 47,1% 40,3%Fonte: McCarthy, Sheehan, Wilkie e Wilkie (1996)
14 Os valores deste quadro não dão 100% uma vez que as respostas são de escolha múltipla.
20
Para além daquilo que o agressor pretende conseguir agindo de forma violenta
para com os seus colegas, o que mais o motiva a ser assim? Os aspectos mais relevantes a
assinalar são: porque foram acostumados a que todos façam as suas vontades; porque não
se sentem bem com as outras crianças; porque se sentem inadequados ao contexto escolar
e procuram, por este meio, integrar-se (ao serem temidos); porque, em ambiente familiar,
são maltratados e vêem na escola o escape da frustração e revolta reprimidas; porque
foram abusados de alguma forma anteriormente; porque os adultos os humilham
constantemente e/ou porque os encarregados de educação os pressionam para que tenham
elevado sucesso escolar (Abrapia, 2006; McCarthy, Sheehan, Wilkie e Wilkie, 1996:49).
Os alunos podem envolver-se de diferentes formas com o bullying, de acordo com
a sua actuação e o papel que desempenhem em relação ao caso. As formas de envolvência
dos alunos são quatro (Wikipédia, 2007): vítimas; vítimas/agressores; agressores e
testemunhas.
As vítimas são alunos ou grupos de alunos que, aos olhos do agressor, são vistos
como alvos fáceis (Carvalhosa, Lima e Matos, 2001). Assim sendo, são perseguidas por
estes, sofrendo, muitas vezes, em silêncio por não disporem de recursos ou coragem para
denunciar o agressor. Frequentemente, acontece a vítima ser de uma classe social inferior
à do agressor, o que a leva a não denunciá-lo por medo quer de represálias por parte do
colega, quer por receio de que as suas queixas não sejam ouvidas. Porém nem sempre é
assim, uma vez que, várias vezes, o agressor resulta ser de uma classe social inferior ou
igual à da vítima. Regra geral, as vítimas não procuram ajuda pela vergonha que sentem
por estarem a passar por essa situação e também porque se sentem inseguras e são pouco
sociáveis, características agravadas pela baixa auto-estima que possuem. Esta baixa auto-
estima em muito se deve ao facto dos adultos não darem a devida importância quando a
vítima finalmente admite que foi agredida, uma vez que acham que estas situações são
casos normais da infância e adolescência. As vítimas de bullying acabam, assiduamente,
por sofrer de depressão, que, em casos mais graves, culmina em suicídio (Abrapia, 2006;
McCarthy, Sheehan, Wilkie e Wilkie, 1996:54).
As vítimas/agressores, também conhecidas por vítimas provocativas, são aquelas
pessoas, que, cansadas dos constantes maus-tratos, tentam defender-se da agressão
retaliando (Carvalhosa, Lima e Matos, 2001). Estas vítimas/agressores caracterizam-se
por possuírem níveis socio-económicos baixos (Patterson, Kupersmidt e Vaden, 1990, cit.
21
in Schwartz, Dodge, Pettit e Bates, 1997), assim como pelo aumento do nível de
agressividade com o avanço do ano lectivo.
Por sua vez, os agressores, são aqueles que perseguem a vítima e primam por
tornar a sua vida escolar uma tortura constante. Este tipo de comportamento agressivo
para com os pares é algo característico dos indivíduos que apresentam um quociente de
emotividade baixo, sendo que este condiciona a empatia (que, no caso do agressor, é
mínima). Uma prova do nível baixo de empatia evidenciado pelo agressor é o facto destes
indivíduos, na vida adulta, adoptarem comummente comportamentos anti-sociais e/ou
violentos, podendo até apresentar um modo de vida delinquente (Abrapia, 2006).
Por fim, temos as testemunhas, que, sujeitas a grande pressão, assistem à agressão
constante dos seus colegas e se perguntam quando se converterão nos próximos alvos. Os
indivíduos nesta situação geralmente sentem-se inseguros e, por isso mesmo, decidem não
denunciar os casos que presenciam, uma vez que, se o fizerem, temem ficar sujeitos a
represálias por parte do agressor. Muitas vezes, acontece as testemunhas estabelecerem
relações de empatia e aproximação com os agressores de modo a sentirem-se protegidas
por eles, na tentativa de, assim, evitarem ser as próximas vítimas (Abrapia, 2006).
Como já vem sendo focado, a vítima de bullying tende a ser alguém
aparentemente mais frágil do que o agressor e cujas características, tanto físicas como
psicológicas, a distinguem, de algum modo, da massa de alunos e a tornam facilmente
identificável, logo, propícia à prática de bullying, uma vez que não se pode refugiar entre
a multidão estudantil (McCarthy, Sheehan, Wilkie e Wilkie, 1996:51).
Regra geral, a vítima de bullying não tem noção de que é vítima, porque não sabe
o que é o bullying. Assim sendo, a vítima pensa, simplesmente, que implicam e se metem
com ela na escola. Em consequência disto, entra em depressão, perde o apetite (ou ganha
um apetite voraz) e anda triste, não sabe bem porquê. Os pais também não compreendem
a tristeza do filho. Muitas vezes, os familiares só se apercebem que têm uma vítima de
bullying em casa quando encontram marcas de agressão (ou quando notam que estas são
2.3. A vítima de bullying
22
constantes), pertences vandalizados e/ou roupa rasgada. Confrontada, a vítima tenta
disfarçar e negar as evidências (por vezes consegue). Quando o caso é mais grave e o
agressor tenta extorquir dinheiro à vítima, torna-se mais fácil perceber que a
criança/adolescente está a ser vítima de bullying, porque ela começa a pedir mais dinheiro
aos pais ou é apanhada a roubar. Quando o jovem chega a casa a chorar e a dizer que lhe
bateram na escola ou lhe chamaram “nomes”, a sua idade costuma ser igual ou inferior a
doze anos, uma vez que, após essa idade, a vítima deixa de contar aos adultos e isola-se,
tentando contornar a situação sozinha, porque começa a sentir vergonha de estar a ser
agredida e gozada. Também porque, nesta altura, ela já ouviu dizer, frequentemente, por
parte dos adultos, que não ligasse, que eram coisas de criança, que não era nada e que já
havia passado. Ou seja, a vítima neste período já se apercebeu que os adultos não prestam
a devida importância às suas queixas e, por esse motivo, passou a agir sozinha, fechando-
se sobre si mesma ou convertendo-se numa vítima/agressor.
Assim, elaborei a segunda hipótese de trabalho: “a personalidade do aluno pode
convertê-lo numa vítima potencial”, pois há certas características que influenciam a
criança/adolescente a ser vítima de bullying, tais como: características de personalidade
(sinceridade, timidez, introversão, calma, etc); ser novo na turma ou na escola; ter poucos
amigos; ser superprotegido pelos pais; pertencer a grupos diferentes da maioria
(religiosos, étnicos, etc); possuir características físicas que o diferenciem da maioria
(obesidade, magreza, coxear, gaguejar, usar óculos e/ou aparelho dos dentes, possuir
piercings, cor da pele, etc); possuir necessidades educativas especiais; ter interesses
diferentes da maioria (poesia, leitura, línguas estrangeiras, etc); usar roupas desadequadas
à sua idade ou à “betinho”; demonstrar interesses diferentes da maioria (política, religião,
etc); ter problemas de saúde (asma, bronquite, alergias, diabetes, problemas de pele, etc);
ser portador de síndrome de down; ser sobredotado; tirar boas notas ou muito más
(Duncan, 1999; Palma e Castanheira, 2006).
No entanto, o acompanhamento familiar também pode incrementar a
probabilidade da criança/adolescente vir a ser vítima, daí que a terceira hipótese de
trabalho seja: “o acompanhamento familiar excessivo do percurso escolar do educando
incrementa a probabilidade de este ser vítima de bullying”, uma vez que, existem
evidências de que as crianças provenientes de famílias problemáticas, onde não haja um
devido acompanhamento do educando e onde hajam mais experiências desagradáveis do
23
que agradáveis, tenham tendência a tornar-se agressores. Daí que as suas vítimas
potenciais sejam aquelas crianças em situação inversa, ou seja, aquelas cujas famílias vem
muitas vezes à escola, o que demonstra uma preocupação com os educandos que os
agressores não têm da parte das suas famílias (cf. McCarthy, Sheehan, Wilkie e Wilkie,
1996:49,50).
Uma vez encontradas as características da vítima de bullying, foi possível traçar o
seu perfil padrão em três momentos: inicial (antes de começar a ser vítima), durante a
vitimação (quando já está a ser vítima de bullying há algum tempo) e depois de ter sido
vítima (quando já não é mas já foi). Os três quadros seguintes mostram o perfil padrão da
vítima, sendo que cada quadro corresponde a um momento. No quadro 3, podemos
observar o perfil padrão da vítima inicial e a importância das características, medido em +
(muito importante), +/ – (importante) e – (semi-importante).
Quadro 3: Perfil padrão da vítima inicial
Característica Importância
Morar numa zona muito distante da maioria dos colegas e/ou isolada e em meio rural +Morar numa zona pobre, com má fama e/ou degradada +Ter características físicas que o distinguem da maioria +Ser novo na escola ou na turma +Andar sempre com a mochila às costas +Estar sempre a estudar (ser “marrão”) +Ter uns pais sempre presentes e superprotectores +Ser intelectual/ sobredotado +/-Fazer parte de uma religião, etnia e/ou raça diferente da maioria +/-Introversão e/ou timidez +/-Possuir necessidades educativas especiais -Ter poucos amigos -
No quadro 4, é retratado o perfil padrão da vítima durante a vitimação, e a
ocorrência das características apontadas, na seguinte escala: + (ocorre frequentemente), +/
– (ocorre) e – (ocorre pouco).
.
24
Quadro 4: Perfil padrão da vítima durante a vitimação
Característica Ocorrência
Baixa auto-estima +Ansiedade, stress, angústia, fobias +Depressão +Gosto pelo estudo individual +Sintomas psicológicos não explicados (tristeza, perturbações no sono, etc) +Sintomas físicos não explicados (dores de estômago e de cabeça, indisposição, mal
estar, vómitos, sensação de nó na garganta, dificuldades respiratórias, etc)+
Regressar a casa sem dinheiro, com a roupa rasgada e/ou suja, sem pertences, com
nódoas negras, feridas, etc)+
Isolamento social +/-Descida do rendimento escolar, falta de vontade de ir à escola, pedir para o
acompanharem à escola, desejar mudar de escola, abandono escolar+/-
Poucos amigos +/-Pedir mais dinheiro ou roubar +/-Dar desculpas esfarrapadas quando lhe perguntam o que se passa +/-Evitar as aulas de educação física -Mudar o trajecto casa – escola – casa -Evitar trabalhos de grupo -Suicídio -
No quadro 5, é apresentado o perfil padrão da vítima depois de ter sido vítima, e a
ocorrência das características apontadas, na seguinte escala: + (ocorre frequentemente), +/
– (ocorre) e – (ocorre pouco).
Quadro 5: Perfil padrão da vítima depois de ter sido vítima
Característica OcorrênciaDepressão +Solidão +Suicídio +/-Individualismo +/-Dificuldades de relacionamento afectivo e emocional +/-Adopção de comportamentos de risco +/-Problemas de socialização -Dificuldades de comunicação -
Da observação destes quadros podemos concluir que as vítimas de bullying tanto
antes de serem vítimas, como durante a vitimação, como após terem sido vítimas,
apresentam algumas características que as acompanham ao longo da vida. Concretamente,
tendem a ser pessoas solitárias e individualistas, pois têm dificuldades de relacionamento
25
com os pares, entrando frequentemente em depressão, e, em alguns casos, cometendo
suicídio.
2.4. Consequências do bullying
Devido à enorme pressão a que o bullying sujeita o indivíduo, este torna-se frágil.
Uma vez fragilizada, a vítima apresenta dificuldades de comunicação com os outros, o
que influencia negativamente a sua capacidade de desenvolvimento em termos sociais,
profissionais e emocionais/afectivos (Ventura, 2006). A incompreensão é algo que as
vítimas sentem habitualmente por parte dos outros, pois as pessoas muitas vezes não
compreendem o drama vivido por elas (Ventura, 2006).
As consequências do bullying para a vítima são muitas e manifestam-se a vários
níveis, desde o fisiológico ao psicológico, passando pelo comportamental. De entre o
conjunto de consequências que advêm unicamente deste problema, destacamos as
seguintes: baixa auto-estima, medo, angústia, pesadelos, falta de vontade de ir à escola e
rejeição da mesma, ansiedade, dificuldades de relacionamento interpessoal, dificuldade de
concentração, diminuição do rendimento escolar, dores de cabeça, dores de estômago e
dores não-especificadas, mudanças de humor súbitas, vómitos, urinar na cama, falta de
apetite ou apetite voraz, choro, insónias, medo do escuro, ataques de pânico sem motivo,
sensação de aperto no coração, aumento do pedido de dinheiro aos pais e familiares, furto
de objectos em casa, surgimento de material escolar e pessoal danificado,
desaparecimento de material escolar, abuso de álcool e/ou estupefacientes, auto-
mutilação, stress e suicídio. Ponto em comum em todos os casos: ocorre tudo sem motivo
aparente (Ventura, 2006; Wikipédia, 2007).
Com o passar do tempo, as vítimas de bullying tanto podem recuperar destes
traumas sofridos durante o período escolar, como podem desenvolvê-los mais e mais, até
entrarem num ponto irreversível, como é o caso do desespero levado ao extremo culminar
em suicídio (Abrapia, 2006). A superação, ou não, destes traumas passa pelo tipo de
família da vítima, assim como pelo meio onde vive, pelas suas relações sociais e pela sua
própria personalidade (Abrapia, 2006).
26
Na vida adulta, as vítimas de bullying também manifestam consequências deste
período, como sentimentos negativos, seriedade, problemas de relacionamento e até
mesmo agressividade. A prática de bullying no trabalho é também umas das
consequências que a vítima de violência escolar pode vir a apresentar (Abrapia, 2006).
Os agressores, longe de não se verem afectados pelas consequências dos seus
actos, desenvolvem, ao longo dos anos, várias tendências, que podemos caracterizar como
comportamentos de risco. De entre os comportamentos de risco identificados, destacamos
os seguintes: consumo de álcool e de estupefacientes; fraco envolvimento escolar e
familiar; absentismo e/ou abandono escolar; comportamentos que coloquem a sua
integridade física em risco e a dos outros, como são o caso da condução com excesso de
velocidade ou manobras consideradas perigosas e actividades desportivas de risco;
suicídio (Gaspar, 2006; McCarthy, Sheehan, Wilkie e Wilkie, 1996:54). Para além destas
consequências, os agressores tendem, igualmente, a desenvolver comportamentos anti-
sociais e a praticar violência doméstica, ou mesmo bullying no trabalho (Abrapia, 2006).
Os riscos destes jovens se virem a converter em criminosos é alto (Abrapia, 2006;
McCarthy, Sheehan, Wilkie e Wilkie, 1996:54).
As consequências do bullying no meio escolar podem ser devastadoras quando as
entidades educativas não tomam medidas para combater este fenómeno. As principais
consequências do bullying no meio escolar são: ansiedade e medo; níveis elevados de
evasão escolar; alta rotatividade do quadro de pessoal; desrespeito pelos professores (e
agressões); grande número de faltas por motivos menores; porte de arma por parte dos
alunos visando protecção pessoal; acções judiciais contra a escola ou outro responsável
(professor, auxiliar de acção educativa, entre outros), assim como contra a família do
agressor (Abrapia, 2006). Como se pode constatar, as consequências deste fenómeno no
meio escolar não afectam somente os alunos, mas todas as entidades presentes nestes
locais, desde os professores até aos encarregados de educação, passando pelos auxiliares
de acção educativa e afins (Abrapia, 2006).
Porém, estas não são as únicas consequências do bullying no meio escolar. Há
alguns casos mais graves que permitem a utilização da expressão “devastador” para
descrever as consequências deste fenómeno neste meio, como é o caso de um tiroteio
numa escola brasileira em 2003 (Abrapia, 2006). Este é um exemplo real de um dos
muitos casos semelhantes que acontecem em todo o mundo. Este caso deu-se na cidade de
27
Taiúva, situada no interior de São Paulo, em que alguns alunos entraram na escola
armados e dispararam contra quem encontraram. Passado este episódio, os autores do
tiroteio foram interrogados e chegou-se às seguintes conclusões: estes alunos eram
vítimas de bullying que, não vendo os responsáveis da escola tomar medidas para
combater esta situação, se sentiram injustiçados e decidiram usar a arma como meio de
“superar” o poder que os subjugava (o poder dos agressores). No entanto, ao contrário do
que inicialmente se especulava, os alvos principais deste tiroteio não eram os agressores,
mas as testemunhas, que teriam visto e ignorado o sofrimento das vítimas de bullying,
não agindo em sua defesa, embora testemunhando as agressões presenciadas.
De modo a evitar este tipo de situações é fundamental que as escolas adoptem
medidas de combate e controlo do bullying, de forma a contribuir para a implementação
de uma política de não-violência na sociedade (Abrapia, 2006).
2.5. Por que continua a haver bullying?
Segundo Beanne (2007), o facto das pessoas conhecerem mas optarem por ignorar
a existência do bullying, é um dos motivos porque este fenómeno continua a permanecer
uma constante na nossa sociedade, constituindo uma espécie de violência secreta (Seixas,
2007), dada a desvalorização que sofre ao ser considerado algo normal e característico do
crescimento do jovem, sendo por muitos pais e educadores considerado saudável (Porto
Editora, 2007). Outras vezes, este fenómeno perpetua-se pelo facto das pessoas lidarem
com ele em silêncio: há crianças que tentam ignorar e esconder o problema por vergonha
ou pelos motivos mais diversos, e ninguém sabe o quanto é doloroso e penoso fazê-lo
(Porto Editora, 2007).
Em relação aos professores, há essencialmente, duas atitudes negativas a destacar:
ou preferem não se envolver para não terem mais trabalho, ou, então, não têm tacto para
lidar com o fenómeno (Porto Editora, 2007), problema que caracteriza o nosso país,
atingindo principalmente os professores do ensino básico que, não tendo acções de
formação específicas que lhes ensinem a lidar com casos de bullying, muitas vezes
acabam por os incrementar sem terem consciência disso.
28
Acontece também que alguns professores são rudes e irónicos no trato com os
alunos vítimas de bullying (cf. Palácios e Rego, 2006:2). Recordo um episódio que
ocorreu numa aula de história de uma turma de 7ºano: um aluno contou à professora que
tinha sido agredido (note-se que ele costumava ser agredido, daí não ser um caso
esporádico) por outro rapaz da turma. A professora chamou à atenção o agressor e
prosseguiu com a aula. Pouco mais tarde ela pede à turma que dê a sua opinião sobre um
facto histórico e a vítima intervém (só que a opinião deste aluno choca com a que a
professora defende). Então, a professora dirige-se ao aluno e diz o seguinte: “Estás a ver?
É por isso que os teus colegas te batem, e com razão! Dizes coisas que eles podem não
gostar.” (cf. Palácios e Rego, 2006:2)
Analisando agora esta história, verídica, vemos que a professora chega a uma
conclusão correcta: muitas vezes, as vítimas são agredidas por pensarem de forma
diferente que os seus agressores. Só falhou em dois aspectos: dizer isto em frente de toda
a turma e dar razão (sem querer) ao agressor, ao dizer “e com razão!”. No fim, a
professora, em vez de resolver o problema, acabou por piorá-lo.
Porém, a continuação deste fenómeno deve-se ao facto de nos habituarmos a
resolver os problemas que vão surgindo como se pode e, na maioria das vezes, não os
participando por escrito, já que é comum ignorarem-se denúncias de casos violentos por
se considerarem residuais (Portugal Diário, 2007). No entanto, o facto das escolas não
disporem de recursos humanos suficientes para agilizar processos também contribuiu para
que o bullying continue e existir (Portugal Diário, 2007).
O que falta para que o bullying comece a diminuir é o encorajamento das vítimas
a denunciar os agressores e deixarem, assim, de sofrer em silêncio, por medo de
represálias (Cortellazzi, 2006).
Apesar de muitos desvalorizarem o bullying, ele existe e por vezes as suas
consequências são desastrosas. Para que tenhamos uma real noção da importância do
combate ao bullying, devemos mostrar não só os casos menos problemáticos mas também
aqueles que a sociedade gostaria que nunca tivessem existido. Um destes casos ocorreu
no recreio de uma escola secundária em Iowa, Estados Unidos com um aluno da oitava
série: Curtis Taylor. Durante três anos consecutivos, Curtis, foi vítima de bullying, desde
as alcunhas trocistas a ser espancado num vestiário, ter a camisa manchada de leite
chocolatado e os objectos pessoais vandalizados. Tudo isto acabou por levar este jovem
29
ao suicídio em 21 de Março de 1993. Especialistas em bullying denominam esta reacção
de bullycídio (Wikipédia, 2007).
Outro exemplo de bullycídio foi o célebre massacre de Columbine, Estados
Unidos, onde algumas vítimas de bullying entraram na escola disparando sobre quem
encontrassem, suicidando-se de seguida. No entanto, nem todos os casos de bullying têm
desfechos tão dramáticos como os acima indicados. Porém, isso não significa que não
lhes prestemos a devida atenção. Outra das atitudes que se podem tomar quando se é
vítima de bullying é mudar de escola, o que foi que aconteceu com Miguel15 (nome
fictício) de nove anos. Este menino frequentava o quarto ano da escola básica Sophia
Mello Breyner, em Carnaxide, quando a sua irmã se apercebeu de que ele era agredido
pelos colegas ao apanhá-lo com várias marcas corporais e a roubar dinheiro em casa.
Confrontada, a criança conta à irmã que o dinheiro era para dar aos meninos que lhe
batiam para que não o fizessem. A solução encontrada foi mudá-lo de escola, para uma
onde havia mais vigilância (Costa, 2007).
Mas este não é o único caso destes, há outros mais graves, como é o caso de Luís,
que também era vítima de bullying. Neste caso, os pais decidiram mudar o filho de escola
quando o Concelho Executivo lhes disse que o Luís tinha de aprender a defender-se
sozinho. A mãe desta vítima garante que, mal ouviu isto, decidiu mudar o filho de escola,
pois a instituição de ensino estava a menosprezar a situação: se o Luís continuasse
naquela escola iria continuar a ser maltratado ou juntar-se aos seus agressores e tornar-se
um marginal (Metrópole, 2004).
Este foi mais um caso em que as escolas optam por negar a importância e a
gravidade do fenómeno que é denunciado, contribuindo para a continuidade da prática de
bullying nestes locais, uma vez que os agressores não sendo punidos, vão continuar a
praticá-lo (Metrópole, 2004).
2.6. Como superar o problema
15 Conferir anexo 2.
30
Todos alertam para a necessidade de combater o bullying, erradicá-lo das nossas
escolas, evitando que as histórias mais chocantes voltem a ser notícia nos jornais, mas
como fazê-lo? A resposta passa pela intervenção eficaz dos pais e da própria instituição
de ensino, que deve adoptar, em primeiro lugar, uma política de intolerância face à
agressão.
Em relação às instituições de ensino, estas devem incentivar e apoiar os alunos a
denunciar os casos de agressão e disponibilizar material para tal, como fichas de agressão
(Cortellazzi, 2006). O que a escola nunca deve fazer é ignorar a existência de bullying,
assim como negá-lo, devendo ser, antes de mais, coibidas todas as atitudes agressivas,
desde usar apelidos maldosos à agressão física. Uma medida eficaz que as escolas
deveriam incutir nos seus conteúdos programáticos seriam acções de formação para
professores, funcionários, pais e alunos, onde se procedesse a uma sensibilização para ao
fenómeno e se disponibilizassem estratégias para lidar com ele eficazmente (Cortellazzi,
2006). A instituição de ensino deveria, também, incentivar o respeito pela
heterogeneidade, não demonstrando atitudes racistas e preconceituosas, uma vez que os
alunos tendem a copiar o comportamento dos adultos. Ensinar os alunos a serem
responsáveis pelas suas atitudes e promover o diálogo entre todos os indivíduos do meio
escolar seriam medidas racionais e eficazes no combate ao bullying (Cortellazzi, 2006).
Aos pais cabe sempre o papel mais difícil na prevenção do bullying, uma vez que
existe uma relação afectivo-emocional com o jovem educando. Antes dos filhos entrarem
na escola devem ser traçadas estratégias educativas e parentais, de modo a mais tarde se
ter um melhor controlo do futuro da criança (Gaspar, 2006). O acompanhamento do
percurso escolar dos jovens é fundamental e nunca deve ser posto de parte, uma vez que
deve ser tido como mais uma obrigação e não como opção. O diálogo entre pais e filhos
deve ser incentivado e não só deve falar com eles, como deve ouvi-los ouvindo mesmo,
não fingindo que ouvem (Gaspar, 2006). Outra das regras é não desconsiderar as queixas
do seu filho, nem diminuir a sua importância, apesar de só lhes poder parecer uma
simples briga de miúdos. Assim, devem ajudar a criança a encontrar soluções para os seus
problemas e conflitos.
O acesso a modelos agressivos deve ser também controlado pelos pais. É o caso
de programas televisivos violentos, jogos de luta e/ou sangrentos, assim como não
discutir assuntos que não digam directamente respeito aos seus filhos em frente deles e,
31
muito menos, praticar violência doméstica com as crianças a assistir (Gaspar, 2006). E,
por último, e talvez muitos pais se revejam agora, nunca, mas nunca mesmo, dizerem aos
seus filhos, depois de estes lhe contarem que lhes bateram, “e não tens mãos para te
defender?!”, pois este é o pior erro que podem cometer, uma vez que, depois desta frase,
não lhes voltarão a contar que foram agredidos, mesmo que continuem a sê-lo durante
anos a fio (Gaspar, 2006).
32
III. Metodologia
Com vista a poder fazer uma comparação, foram seleccionadas duas escolas para
analisar o fenómeno do bullying, dado que não havia tempo para um estudo mais
alargado. Assim sendo, foram seleccionadas duas escolas de ensino básico, uma no centro
da cidade de Braga e outra sua na periferia. Devido ao carácter de anonimato prometido
às respectivas instituições de ensino, não as irei identificar no decorrer deste trabalho. A
razão de serem escolas de ensino básico deve-se à circunstância de o ano escolhido para o
estudo de casos ser o sétimo, uma vez que as idades rondam os 12-13 anos, sendo esta
última a idade tida como a mais problemática, talvez por ser neste período que mais
mudanças ocorrem (Seixas, 2007).
O facto do presente trabalho se caracterizar por ser um estudo de casos deve-se à
possibilidade deste modo de investigação facilitar a aquisição de informações numerosas
e pormenorizadas, sendo possível abranger a totalidade da situação. Outra das vantagens
que o estudo de casos possibilita é o de adoptar como objecto um fenómeno
contemporâneo situado no contexto da vida real. No entanto, este modo de investigação
possui desvantagens, como é o caso dos resultados obtidos só poderem ser aplicados aos
casos estudados. Por isso mesmo, os resultados e conclusões deste trabalho somente se
aplicam aos casos trabalhados, sendo daqui derivadas as hipóteses, não sendo plausíveis
de ser aplicados a outras situações, dado ser um estudo exploratório. Em relação ao
motivo da escolha deste modo de investigação, que não permite retirar conclusões gerais,
deve-se ao facto de possibilitar um estudo mais profundo do objecto, uma maior riqueza
de informações e uma superior credibilidade das respostas dadas. Assim porque, antes de
se formularem teorias gerais, ser necessário proceder a um estudo de casos particulares de
indivíduos ou grupo de indivíduos, comparando posteriormente os resultados obtidos, de
modo a descobrir convergências que justifiquem a aplicação de um estudo mais alargado
e de carácter quantitativo (Lessard-Hébert, Goyette, Boutin, 1990).
33
Uma vez identificado o objecto e o modo de investigação adoptados, é hora de
definir os casos a estudar. A escolha dos casos foi feita seleccionando quatro alunos ao
acaso. No que diz respeito à escola situada na periferia, os dois alunos seleccionados eram
rapazes. Um deles usava óculos. No caso da escola situada no centro de Braga, foram
seleccionadas duas alunas. As entrevistas realizaram-se durante a hora de Educação
Cívica, leccionada pela Directora de Turma. Dado esta disciplina ter uma duração
semanal de apenas 45 minutos, estava previsto apenas entrevistar um aluno de cada escola
por semana, no entanto como a entrevista durou apenas quinze minutos fiz ambas em
seguida.
Para além dos alunos, foram também entrevistados os directores de turma e à
equipa do Gabinete de Mediação Escolar de ambas as escolas, com o objectivo de
complementar a informação e a obter dados relativos ao conhecimento e forma de lidar
com o fenómeno do bullying por parte destas entidades.
As técnicas utilizadas para a elaboração deste trabalho foram três e durante três
fases. A primeira fase compreendeu o uso da pesquisa bibliográfica, durante a qual me
dediquei à leitura e à recolha de documentos e dados estatísticos para a definição do sub-
tema do trabalho, construção do índice e iniciação do relatório de estágio (Saint-Georges,
1997). Numa segunda fase, recorri à técnica da observação directa não participante para
poder analisar o meu objecto de estudo no seu contexto real e seleccionar os casos.
Durante este período, fiz, igualmente, uso da técnica da entrevista semi-directiva, que foi
aplicada aos directores de turma do 7ºano e ao gabinete de mediação escolar das escolas
seleccionadas. Por último, nesta segunda fase, recorri, uma vez mais, à pesquisa
documental, a fim de recolher dados estatísticos que sustentassem quer as minhas
hipóteses, quer algumas partes do relatório. O facto de só neste períodos ter recolhido
dados estatísticos sobre o tema deveu-se ao caso de só nessa altura ter a noção concreta
daquilo do que necessitava, em boa parte graças à observação, que me permitiu fazer
bastantes progressos e conhecer melhor a realidade do fenómeno, compreendendo e
usufruindo de uma visão mais concreta sobre certos aspectos pouco explícitos e confusos
de textos teóricos sobre o tema. Para a conclusão do meu trabalho defini uma terceira
fase, na qual me servi, mais uma vez, da técnica da entrevista semi-directiva, somente
desta vez aplicada a quatro alunos do 7ºano das escolas seleccionadas.
34
O recuso à técnica de observação directa não participante, aplicada aos alunos no
recreio, durante o intervalo, deveu-se ao seu carácter científico e ao facto de existir um
conjunto de pressupostos teóricos resultantes da elaboração de um quadro teórico relativo
à problemática, tais como o facto de as vítimas serem mais novas e mais fracas que os
agressores (Seixas, 2005). Outro facto que me motivou na escolha recaiu no facto desta
técnica respeitar tanto o critério da viabilidade como o da fiabilidade, assim como por ser
adequada/indicada para analisar fenómenos pouco conhecidos e posições face a algo
(Anguera, 1985). O objectivo do uso desta técnica foi o de padronizar os comportamentos
dos estudantes recorrentes nos intervalos.
As vantagens desta técnica também me seduziram, nomeadamente porque
permite: abarcar conhecimento em tempo real, cobrir o contexto do evento, recolher
informação em primeira-mão, captar comportamentos considerados sem importância para
os sujeitos, analisar sujeitos que não podem prestar informação verbal e haver menos
necessidade da cooperação directa dos indivíduos (Anguera, 1985).
No entanto, nem tudo são vantagens e esta técnica, tal como qualquer outra,
também apresenta aspectos menos positivos, tais como: a necessidade de se seleccionar
uma área a observar, o tempo despendido no acto de observar, a imprevisibilidade dos
eventos, a duração e características do evento em si, a percepção do investigador, a
categorizarão espontânea e estruturação cognitiva do campo de observação, os
mecanismos de projecção e atribuição de significados, modificações produzidas pelo
próprio acto de observar e o grau de estruturação do ambiente observado (Anguera,
1985).
A entrevista, aplicada primeiramente aos directores de turma e equipa de
Mediação Escolar de cada uma das escolas e posteriormente aos alunos seleccionados, foi
utilizada pela possibilidade de recurso a um guião pré-estabelecido com uma ordem que
pode ser alterada conforme mais convier, no decorrer da entrevista. É um bom método
para explorar, verificar e aprofundar melhor o tema, com objectivos estabelecidos e
controlada pelo investigador (Bell, 1997), com o objectivo de recolher dados sobre o
conhecimento e forma de lidar com o problema na escola e segundo, de modo a poder
traçar o perfil da vítima. As vantagens apresentadas pela entrevista semi-directiva são: ser
orientada directamente para o objecto de estudo, dar a possibilidade de percepcionar
influências/interferências causais, permitir uma maior riqueza de informação e um menor
35
desperdício de tempo (Bell, 1997). No entanto, esta técnica não é perfeita e como tal
possui algumas desvantagens, tais como: a qualidade do guião, o enviesamento das
respostas e a reflexividade (Bell, 1997). Apesar destas desvantagens esta técnica
demonstrou ser a mais adequada a este estudo.
IV. Análise dos dados
Começaremos por descrever cada uma das escolas e relacionar as suas
características de modo a obtermos uma maior visão do meio envolvente, para depois
proceder à análise das observações efectuadas nas mesmas. De seguida serão
apresentados os resultados relativos às entrevistas realizadas aos directores de turma e à
equipa do Gabinete de Mediação Escolar, seguidas da análise das entrevistas aplicadas
aos alunos seleccionados. Uma vez analisados e relacionados os dados obtidos com a
aplicação destas técnicas, estudar-se-ão as diferenças relativas à ocorrência,
conhecimento, forma de lidar com o problema, vigilância e acompanhamento aos alunos
de cada uma das escolas, de modo a estabelecer as diferenças existentes entre o centro e a
periferia da cidade de Braga.
A escola situada no centro da cidade apresenta uma estrutura que obedece ao
modelo panóptico de Foucault que consiste num edifício construído em círculo, com salas
individuais, dividas por paredes e com a parte frontal exposta à observação de alguém de
forma que se possa ver sem se ser visto, o que proporciona um acompanhamento
minucioso do aluno, mantendo os observados num ambiente de incerteza sobre a presença
concreta de alguém a vigiar. Este modelo é ainda um dos principais modos de controlo
das massas, uma vez que permite a vigilância e a hipótese de ser visto sem saber.
Figura 3: Modelo panóptico de Foucault:
36
Figura 4: Modelo da escola do centro da Cidade de Braga:
Legenda: Árvores e arbustos
Grades
Esta escola, no interior, dá uma sensação de acolhimento e quem entra parece
sentir-se logo integrado. Uma vez que a escola apresenta bastantes adereços de decoração,
tais como bancos, estátuas, arbustos, árvores e outras plantas, e ser fechada sobre si
mesma (no sentido em que, do interior, não se vê o que se passa no exterior e vice-versa)
as pessoas não se sentem expostas. Esta escola possui um bom número de funcionários,
apesar de não ter um vigilante para o recreio. A estrutura do edifício, a meu ver, não
incrementa a prática de bullying, uma vez que, apesar dos alunos estarem “escondidos do
exterior” e sem vigilância aparente, o facto é que não sabem se alguém os está a vigiar ou
não, o que diminui a probabilidade da ocorrência deste fenómeno. Em relação às infra-
estruturas, esta escola disponibiliza boas condições e mais coisas que fazer aos alunos do
que a escola situada na periferia, o que, mais uma vez, reduz o risco da prática de
bullying, pois as crianças e adolescentes tem mais com que se distrair.
37
Salas de
aula
Salas de aula e
dos professores
Campo de educação físicaRecreio
Analisemos, agora, a escola situada na periferia da cidade de Braga. Esta
apresenta uma estrutura muito diferente da escola do centro.
Figura 5: Modelo da escola da periferia da Cidade de Braga:
Tal como mostra a figura anterior, esta escola é muito aberta ao exterior, tendo os
recreios todos cobertos por alcatrão e o edifício, no centro, é fechado ao exterior, não se
vendo para fora ou para dentro do mesmo. Os espaços verdes não existem, quer dizer, há
um espaço com um mínimo de relva, porque não se conseguiu alcatroar. O recreio é
muito aberto ao exterior e quem lá se encontra está totalmente exposto. No entanto, quem
se encontra dentro do edifício não vê o que se passa no exterior. A presença de
funcionários é mínima. Em toda a escola há poucos funcionários. Apenas tem uma mais-
valia, que é um funcionário destinado unicamente ao recreio, mas é só um para um espaço
que necessitaria de, pelo menos, quatro.
Esta escola apresenta pouco conforto para os alunos, uma vez que não possui
bancos nem mesas onde os estudantes se possam sentar no intervalo, só tem meia-dúzia
de bancos de cimento no recreio, sujeitos ao tempo que fizer. Há poucos espaços com
sombra. Faltam infra-estruturas destinadas aos alunos, falta um local de convívio onde se
possa estar fora das aulas, sem ser no recreio. Tem um bar na escola, mas não tem sítio
onde os estudantes possam comer sem ser de pé. As casas de banho necessitam de obras
urgentemente e não dispõe das condições mínimas de higiene e as identificações de a
quem se destinam já não existem. A conclusão que retiro da observação deste local é que
é propício à prática de bullying, uma vez que, ao mesmo tempo que os alunos estão
expostos, não são vigiados.
4.1. Observação
38
Salas de aula
Conselho executivo
Recreio
Uma vez feito o reconhecimento do terreno foi a vez de observar os alunos. As
observações foram feitas durante o intervalo, no espaço do recreio e tiveram uma duração
de quinze minutos cada. No total, foram feitas quinze observações em cada escola,
perfazendo um total de trinta. Os intervalos observados foram alternados entre os da
manhã numa escola e os da tarde em outra. Os intervalos observados na escola da
periferia foram os das 09h50m às 10h05m (oito observações) e das 15h00m às 15h15m
(sete observações), por sua vez, a escola situada no centro da cidade foram das 09h50m às
10h05m (uma observação), das 11h35m às 11h50m (sete observações) e das 15h00m às
15h15m (sete observações).
Durante os intervalos pude constatar o seguinte: a maioria das raparigas estavam
juntas, em grupinhos, a conversar e lanchar. Outras, davam voltas à escola. Por sua vez,
os rapazes passam o intervalo a jogar à bola. Há um grupo de garotos que, não possuindo
uma bola com que jogar, improvisam uma com uma embalagem de iogurte líquido vazia
ou uma lata de sumo vazia. O que mais se faz no intervalo é dar voltas à escola ou juntar-
se em círculo para jogar, “dar toques na bola” e “fazer passes”. No meio do entusiasmo
com a bola, os rapazes insultam-se e trocam apelidos, como “Cenoura”,“Chinchan”,
“Ruca”e “Floribela”. Os casos de bullying também ocorrem, deparei-me com um caso em
cada observação. Vou transcrever um dos casos: “a vítima é um miúdo de óculos que é
apelidado de “betinho”. Ele está a ser agredido por três rapazes, os três cercam-no e
encostam-no à grade, evitando que ele escape, torcendo-lhe o braço e empurrando-o
sucessivamente contra a grade. Isto acaba tão depressa como começou: repentinamente.
Os rapazes continuaram a conversar como se nada se tivesse passado”.
Mas nem tudo é “porrada”, como os alunos dizem, a um canto um rapaz e uma
rapariga juntam-se a namorar. Ao lado, um grupo de rapazes do 7ºano junta-se a uma
esquina e conversa. A certa altura, observo-os a enrolar um papel em forma de cigarro. Os
alunos encostam-se à parede e acendem o cigarro de papel e fumam-no. As conversas
deste grupo de rapazes de 12-13 anos têm como tema preferido o sexo. No fundo, os
comportamentos repetem-se, havendo as seguintes conclusões a retirar: os alunos passam
o intervalo a jogar futebol (com bola ou algo que a simbolize) e a andar à volta da escola.
Após uma ou duas voltas à escola eles juntam-se num canto a conversar. Durante este
tempo, há sempre uma sessão de agressão física, gozo pelo meio e namoro à mistura.
Uma coisa que se notou em todos os intervalos foi o facto de não me ter cruzado com
39
nenhum funcionário, apesar de em uma das escolas existir um destinado a vigiar os
recreios.
4.2. Entrevistas aos directores de turma e equipa de Mediação
Escolar
Após as observações, pude iniciar outra fase: a das entrevistas. As entrevistas aos
directores de turma e à equipa do Gabinete de Mediação Escolar foram realizadas na sala
de professores e no Gabinete de Mediação Escolar das respectivas instituições de ensino.
No total, foram realizadas três entrevistas, cuja duração variou entre uma hora e quinze
minutos e trinta e cinco minutos.
Segundo os dados16 recolhidos através das três entrevistas aos directores de turma
e à equipa do Gabinete de Mediação Escolar, chegámos aos seguintes resultados: todos
garantiam já ter conhecimento do que era o bullying, após eu o ter definido. No entanto,
quando os questionei sobre a presença de bullying na escola, uma das inquiridas tenta
dissimular a sua existência ao referir que “não há bullying, o que existe são apenas casos
de mau entendimento com os pares”. No entanto, o bullying, além de existir em ambas as
escolas, é também frequente, sendo que 50% dos entrevistados caracterizaram os casos
como esporádicos, 25% repetentes e 25% sistemáticos.
No que refere ao conhecimento de casos problemáticos de bullying no 7ºano de
escolaridade, 75% dos entrevistados diz que tem conhecimento deles e 25% não sabe se
existem ou não. Este aspecto pode ser explicado pelo facto de apenas 25%17 das vítimas
terem procurado ajuda junto destas entidades. Presume-se que outros tantos alunos
procurem ajuda junto de funcionários. Dos 25 % que se queixam junto dos professores e
16 Os dados qualitativos obtidos com as três entrevistas, pelas suas características, possibilitaram a sua quantificação, pelo que foram transformados em dados estatísticos, para melhor compreensão. Assim sendo, as estatísticas a seguir apresentadas dizem respeito unicamente a estes casos, não podendo ser aplicadas à população. 17 Este dado foi obtido mediante o facto de 75% dos entrevistados afirmarem que os alunos não denunciam as agressões sofridas.
40
equipa de mediação escolar, 75% são considerados casos muito graves e obtêm registo
por escrito. Os agressores são, então, segundo os entrevistados, descritos como:
provenientes de famílias problemáticas (34%); não tendo acompanhamento familiar
(11%); não apresentando métodos de estudo (11%) e mostrarem um fraco aproveitamento
escolar (22%). O absentismo escolar (11%) e a não admissão da culpa (11%) são
características dos agressores.
Em relação às características das vítimas, apenas uma pessoa conseguiu apontar
uma: a sinceridade. No entanto, este caso era o de um miúdo que tinha sido obrigado a
mudar de escola para escapar ao bullying, pelo que havia um registo por escrito que o
descrevia: muito bem comportado, bom aproveitamento escolar, pais sempre presentes e
fazendo parte da associação de pais, o que permite validar a hipótese 3:“o
acompanhamento familiar excessivo do percurso escolar do educando incrementa a
probabilidade de este ser vítima de bullying”. Os restantes entrevistados demonstram
desconhecer quem são e o que caracteriza as vítimas. Isto revela a falta de importância
dada à vítima. Face às medidas adoptadas pela escola em relação aos agressores, os
entrevistados apontam o diálogo como o método mais recorrente (32%). As restantes
medidas aplicadas pela escola são as seguintes: apelar à intervenção do encarregado de
educação (17%), dar apoio no Gabinete de Mediação Escolar (17%), exercícios criativos
de inversão de papéis, em que o agressor é colocado no lugar da vítima (17%) e, por
último, enviar os alunos para a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Braga
(17%), após todas as alternativas anteriores terem falhado e/ou quando o problema é a
família do agressor.
4.3. Entrevistas aos alunos
Uma vez entrevistados os directores de turma e elementos do Gabinete de
Mediação Escolar, foi a ocasião de entrevistar os alunos do 7ºano. As entrevistas aos
alunos foram realizadas no Gabinete de Mediação Escolar das respectivas instituições de
ensino, durante a hora de Educação Cívica, disciplina ministrada pelo Director de Turma.
O ambiente era muito calmo, silencioso e a temperatura bastante agradável. Estava a sós
41
com o aluno, o que propiciou a aplicação da entrevista com o anonimato pretendido. No
total, foram feitas quatro entrevistas18, com a duração de quinze minutos cada. As mesmas
serão identificadas da seguinte forma: entrevista nº1 – “Alice”, entrevista nº2 – “Cláudia”,
entrevista nº3 – “José”, entrevista nº4 – “Paulo”. Recorda-se que o nome dos alunos é
fictício, de modo a salvaguardar o seu anonimato.
De modo a traçar o perfil da vítima de bullying, foram seleccionadas dezasseis
variáveis a estudar. As variáveis são as seguintes: sexo (de modo a verificar a existência
de uma diferenciação na vitimação ou não), gosto pela escola (uma vez que se não
gostarem, isso pode indicar que sejam vítimas), progresso escolar (porque distingue os
alunos em “bons” e “maus”), acompanhamento familiar (porque um acompanhamento
familiar intenso é sinónimo de potencial vítima), nível socio-económico dos pais (para ter
ideia das condições de vida do aluno), interesse em prosseguir estudos (demonstra
vontade de estudar ou de ir trabalhar), prática de bullying (se o aluno é agressor e o
admite), testemunho de casos de bullying (ver se o aluno já presenciou algum caso que
possa descrever), desempenho e comportamento na escola (se é bom aluno e se age como
um “betinho” ou como um “rufia”), aptidão desportiva (porque pode levar o aluno a ser
vítima, caso não possua, já que o distingue dos outros), local onde habita (é um factor de
diferenciação dos colegas), género de bullying mais sofrido (para ver qual é mais
comum), denuncia de agressões sofridas (se a vítima se queixa ou não), comportamento
dos responsáveis face à denuncia da agressão (se agem em conformidade ou ignoram o
caso), vontade de ir à escola e desejo de mudar de escola (pois podem indicar uma
potencial vítima de bullying, caso se comprovem).
Os resultados das entrevistas foram tratados de modo a responder a estas
variáveis. Assim sendo, prosseguirei para a análise de resultados: em relação ao sexo da
vítima de bullying, tal é indiferente. No entanto, o sexo feminino é mais propício ao
bullying social e o sexo masculino ao bullying de carácter físico. Em relação ao gosto
pela escola, depende do caso: se a vítima gostar de estudar e tiver amigos, gosta da escola.
No entanto, caso a vítima não goste de estudar e/ou se as agressões sofridas forem graves,
a vítima não gosta da escola. Tal como refere José, a escola “não dá para mim”.
Face à variável seguinte, progresso escolar, o efeito do bullying depende da
pressão que exercer sobre a vítima, pois esta tem tendência a repetir anos e a baixar as
18 Em anexo encontram-se as respectivas transcrições.
42
suas notas, enquanto a vítima/agressor não, passa sempre de ano e mantém o mesmo
aproveitamento escolar. A excepção ocorre quando existem objectivos traçados, como
vontade de ingressar no ensino superior, em que tanto a vítima como a vítima/agressor
fazem tudo para transitar de ano com um bom aproveitamento. O acompanhamento
familiar no caso da vítima/agressor costuma ser pouco frequente, enquanto no caso da
vítima varia entre frequente e muito frequente, como argumenta Cláudia: “perguntam
diariamente”.
Em relação ao nível socio-económico dos pais, no caso da vítima/agressor
costuma ser baixo: a mãe, habitualmente, encontra-se desempregada e o pai exerce uma
profissão manual. No caso da vítima, o nível já varia entre médio e médio alto, em que a
profissão de ambos está equilibrada. Relativamente ao interesse em prosseguir estudos,
geralmente no caso da vítima/agressor depende do seu gosto pelo estudo e dos seus
objectivos: se gosta de estudar e tem aspirações futuras, pretende continuar a estudar, caso
contrário, pretende parar de estudar no 9ºano, como é o caso de José, que diz: “não gosto
e não quero estudar”, “quero é ir trabalhar, arranjar um emprego”.
No que diz respeito à vítima, ela pretende geralmente prosseguir estudos, como
Cláudia, que refere que “vou continuar a estudar e queria ir para a universidade”. Face à
possibilidade da vítima de bullying ser ela mesma um agressor, ou seja, ser uma
vítima/agressor, há casos, tal como José, que diz: “fazem-me alguma e eu retribuo”. No
entanto, a vítima passiva não. Depende da personalidade e educação do aluno. Em relação
ao testemunho de casos de bullying, todos os vêem, porém, por vezes, acontece os alunos
não terem consciência de que se trata de bullying.
Por sua vez, a variável desempenho e comportamento na escola, demonstra que,
relativamente à vítima/agressor varia entre bom e mau, dependendo uma vez mais da
personalidade do aluno. No caso da vítima, é bom. Esta variável está directamente
relacionada com o progresso escolar e o interesse em prosseguir estudos. Face à seguinte
variável, as vítimas não apresentam aptidão desportiva e costumam ser dos últimos a
serem escolhidos para os jogos, o que Paulo defende: “é das últimas a ser escolhidas
porque também não tem jeito”. No entanto, pode haver uma excepção no caso da
vítima/agressor, que pode ser boa a desporto, embora não muito comum.
Relativamente ao local onde habita a vítima, na maioria dos casos, trata-se de uma
habitação pobre e degradada. José e Alice descrevem o local onde as vítimas habitam: “é
43
só gandulos lá, as casas são degradadas e os prédios antigos”, “mora num bairro pobre,
arredores do bairro social”. No entanto, caso o nível socio-económico dos pais seja
médio, estas características já não se aplicam. Esta variável encontra-se directamente
relacionada com o nível socio-económico dos pais.
Quanto ao género de bullying mais sofrido, os alunos apontam o social. Cláudia é
disso exemplo: “insultaram-me pelo messenger (MSN), só para gozar comigo”. No
entanto, também a perseguem, dizendo: “és boa, quero comer-te”. O bullying físico
também está presente: “três vezes por semana há bastante porrada e muita gente mete
veneno para haver ainda mais porrada”, diz José.
No que diz respeito à denúncia de agressões sofridas, poucos o fazem e quem o
faz é unicamente a vítima. A vítima/agressor resolve a situação sozinha: “eu resolvo as
coisas sozinho, não sou um cobarde” diz o José. Tal justifica-se, em parte, devido ao
comportamento dos responsáveis face à denúncia de agressão, uma vez que, segundo os
alunos, ninguém liga: “dizem eles que são coisas de miúdos e que amanhã já estão amigos
outra vez”, argumenta José, “já fiz queixa de um rapaz mas não deu resultado”, diz
Cláudia.
Face à variável vontade de ir à escola, há duas coisas a esclarecer: quando a vítima
é só vítima de bullying social, ela gosta de vir à escola e quer vir. Porém, quando é vítima
de bullying físico, a vítima não quer vir à escola, mesmo que isso entre em contradição
com as suas pretensões futuras. Por fim, relativamente ao desejo de mudar de escola,
normalmente, tanto vítima, como vítima/agressor não o desejam, porque, se quisessem
mudar de escola tinham de justificar porquê e aí expunham-se perante os demais (note-se
que as vítimas têm vergonha de admitir que são vítimas).
Perante o conjunto de dados obtidos através da descrição da vítima fornecida pelas
testemunhas entrevistadas, foi possível elaborar um quadro com o perfil desta. O seguinte
quadro mostra as características da vítima típica destas duas escolas. No entanto convém
salientar que este quadro é básico e refere-se apenas a estes casos em particular.
44
Quadro 6: A vítima descrita pelas testemunhas de bullying
Problemas de saúdeMagro/aBaixa estaturaProblemas de acneChora facilmente“Tem trauma”19
Tem enfeites corporais que a distinguem dos demaisMuda pouco de roupaTímido/aIntrovertido/aSolitário/aBem comportado/a“Bombo da festa”Anda sempre com a mochila às costasHabita numa casa pobre e/ou degradadaFamília problemática
Neste quadro podemos concluir que, tanto a personalidade como o aspecto físico
do aluno o condicionam a ser vítima ou não, o que confirma tanto a hipótese 1 – “os
estigmas físicos condicionam o aluno a ser vítima de bullying” – como a 2 – “a
personalidade do aluno pode convertê-lo numa vítima potencial?” –, uma vez que as
pessoas apontadas pelos alunos entrevistados como vítimas eram descritas como sendo
magras, de baixa estatura, com problemas de acne, assim como sendo tímidas,
introvertidas e solitárias, entre outros aspectos.
4.4. Diferenças por escola
A escola situada no centro da cidade de Braga caracteriza-se por ser mais
acolhedora e dispor de uma estrutura que propicia uma maior vigilância dos alunos. Esta
19 Os alunos usam este termo para designar alguém que, segundo eles, é um pouco tonto, não percebendo à primeira as “bocas” indirectas, ou, simplesmente, alguém que pensa de modo diferente da maioria, que prefere ver documentários e ler livros de história a assistir a filmes de acção e ler banda desenhada. Outras expressões utilizadas para substituir “tem trauma” são: “não bate bem”, “deficiente mental” e “trengo”.
45
instituição dispõe de boas condições, serviços e distracções para os alunos, abundando os
espaços verdes.
No recreio, os alunos juntam-se em grupos e formam equipas, existindo, assim,
uma interacção entre os vários grupos formados. Tanto grupos, como equipas são mistos,
sendo o convívio entre os alunos bastante acentuado. A distância entre os grupos e entre
as equipas que jogam é curto. Basicamente estão colados uns aos outros. Os grupos de
alunos são, na sua maioria, de grande dimensão, rondando os quinze elementos. Os
grupos mais pequenos situam-se entre os quatro e os seis elementos.
Os directores de turma e equipa de Mediação Escolar, questionados sobre o
fenómeno do bullying, demonstram conhecê-lo e admitem a sua existência na escola,
falando do problema abertamente. As medidas aplicadas e o tratamento de casos são
adequados a cada situação, sendo que os alunos são acompanhados individualmente.
Existe registo de queixas de agressão por escrito.
Segundo os alunos, o bullying existe, mas que não é considerado um problema na
escola, pois os casos existentes não são muitos, apesar de conhecerem alguns. Os alunos
referem, também, que têm uma boa visão da escola e que sempre que procuraram ajuda
por serem vítimas a obtiveram. Por fim, saliente-se que o aproveitamento escolar, em
média, se caracteriza por ser bom.
A escola situada na periferia da cidade de Braga está muito exposta ao exterior,
propiciando a sensação de exposição dos presentes. Face às condições, vigilância e
distracções para os alunos, observa-se uma carência das mesmas, não dispondo a
instituição de zonas verdes.
No recreio, há uma separação entre raparigas e rapazes, não existindo grupos
mistos, sendo a interacção entre os alunos limitada. Existe uma demarcação de território,
segundo a qual prevalece uma distância entre o espaço dominado por um grupo e o
espaço dominado por outro grupo. A separação entre os grupos é relativamente grande.
Observa-se um isolamento entre os grupos no espaço e o facto destes não interagirem em
jogos, pois joga-se dentro do mesmo grupo, não com os outros grupos. Os grupos mais
numerosos rondam os oito elementos e os mais pequenos os três elementos.
Os directores de turma e equipa de Mediação Escolar, questionados sobre o
fenómeno do bullying, demonstram conhecê-lo, mas não admitem a sua existência na
escola, dissimulando-a e afirmando que existem apenas casos de mau relacionamento
46
com os pares. Para combater o fenómeno, seleccionam as turmas mais problemáticas e
sensibilizam-nas para o tema.
Não existe registo de casos de bullying por escrito, nem conhecimento de casos
individuais. É tudo tratado por turmas, sendo estas distinguidas entre turmas
problemáticas e turmas não problemáticas.
Os alunos confrontados com a existência de bullying, admitem que este é uma
constante e dizem que a escola é muito má por ter tanta violência. Face à mesma, os
alunos sentem a indiferença com que os professores lidam com o problema, vendo-se
obrigados e defender-se sozinhos. Por último, há que considerar o facto do
aproveitamento escolar ser, em média, razoável.
47
Conclusão
O bullying consiste em todos os actos de violência (física, verbal e/ou psicológica)
e formas de atitude agressivas, intencionais e repetidas Este termo de origem inglesa, foi
adoptado pela nossa língua por não existir em português uma expressão que conseguisse
abarcar toda a amplitude do conceito original. Este conceito relaciona-se com outros, que
o enriquecem e condicionam, como é o caso do género, sexualidade, classe social,
cultura, conflito e poder. No entanto, estes conceitos não agem individualmente,
interrelacionando-se uns com os outros, daí que o bullying deva ser visto de acordo com a
cultura do cada local onde ocorre e não sobre o ponto de vista da sociedade de pertença
Este fenómeno assume cada vez maiores proporções, atingindo todas as faixas
etárias e todas as classes sociais. Este crescendo de violência vem sendo alimentado,
segundo a opinião popular, pelos programas televisivos a que as crianças e adolescentes
assistem. A primeira pessoa a debruçar-se sobre esta problemática foi o Professor Dan
Olweus, da Universidade de Bergen – Noruega (1978 a 1993). Seguindo-se um despertar
para o problema na década de 80 do século XX, na Noruega, tendo alastrado por outros
países, convertendo-se numa preocupação mundial. Foi descoberto que o fenómeno
assume duas formas: o bullying directo (violência física) e o bullying social/indirecto
(violência psicológica e cyber-bullying). Constituindo-se como um facto mundial, o
bullying é de conhecimento geral em todas as escolas. Porém, a maioria abafa a existência
deste problema, negando-se a enfrentá-lo e minimizando-o, muitas vezes com o objectivo
de preservar o nome da instituição de ensino. Há coisas na actualidade que o influenciam
e dissimulam, levando, por exemplo, os rapazes a praticar mais bullying directo do que
social: os estereótipos criados pela sociedade em torno da ideia de corpo perfeito
transmitidos diariamente pelos meios de comunicação social.
Muitas vezes, o agressor torna-se agressor porque, no passado, foi vítima de
bullying. Neste caso, o bullying, surge da vontade do agressor: conquistar força e poder;
tornar-se popular; dissimular o próprio medo ao amedrontar os colegas e, assim, mostrar
que é superior aos seus colegas. Mas há mais aspectos que o motivam a ser assim. No
entanto, nem todos são agressores e podemos também encontrar, na lista negra do
bullying: vítimas, vítimas/agressores e testemunhas.
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A vítima de bullying tende a ser alguém aparentemente mais frágil do que o
agressor e cujas características, tanto físicas como psicológicas, a distinguem, de algum
modo, da massa de alunos e a tornam facilmente identificável, logo propícia à prática de
bullying, uma vez que não se pode refugiar entre a multidão estudantil. Em consequência
disto, entra em depressão, perde o apetite (ou ganha um apetite voraz) e anda triste não
sabe bem porquê. Os pais também não compreendem a tristeza do filho.
Há certas características que potenciam a criança/adolescente a ser vítima de
bullying, tais como: características de personalidade (sinceridade, timidez, introversão,
calma, etc); ser novo na turma ou na escola; ter poucos amigos; ser superprotegido pelos
pais; pertencer a grupos diferentes da maioria (religiosos, étnicos, etc); possuir
características físicas que o diferenciem da maioria (obesidade, magreza, coxear,
gaguejar, usar óculos e/ou aparelho dos dentes, possuir piercings, cor da pele, etc);
possuir necessidades educativas especiais; ter interesses diferentes da maioria (poesia,
leitura, línguas estrangeiras, etc); usar roupas desadequadas à sua idade ou à “betinho”;
demonstrar interesses diferentes da maioria (política, religião, etc); ter problemas de
saúde (asma, bronquite, alergias, diabetes, problemas de pele, etc); ser portador de
síndrome de down; ser sobredotado ou tirar boas notas ou muito más.
Com o passar do tempo, as vítimas de bullying tanto podem recuperar destes
traumas sofridos durante o período escolar, como podem desenvolvê-los mais e mais, até
entrarem num ponto irreversível, como é o caso do desespero levado ao extremo culminar
em suicídio. A superação, ou não, destes traumas passa por muitos aspectos, sendo que,
na vida adulta, as vítimas também manifestam consequências deste período, como
sentimentos negativos, seriedade, problemas de relacionamento e até mesmo
agressividade.
Os agressores também são afectados e desenvolvem, ao longo dos anos, várias
tendências, que podemos caracterizar como comportamentos de risco. Mas também o
meio escolar em si é afectado por esta prática, sendo que, afectam não só os alunos, mas
todas as entidades presentes nestes locais, desde os professores até aos encarregados de
educação, passando pelos auxiliares de acção educativa e afins. Os casos de tiroteios em
escolas são disso exemplo.
De modo a evitar este tipo de situações, é fundamental que as escolas adoptem
medidas de combate e controlo do bullying, porque a principal razão de continuar a existir
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bullying é o facto das pessoas o ignorarem, o considerarem normal e característico do
crescimento do jovem, sendo por muitos pais e educadores considerado saudável e
constituindo, assim, uma espécie de violência secreta.
O que falta para que o bullying comece a diminuir é o encorajamento das vítimas
a denunciar os agressores e deixar assim de sofrer em silêncio, por medo de represálias,
porque apesar de muitos desvalorizarem o bullying, ele existe e por vezes as suas
consequências são desastrosas.
Aos pais cabe sempre o papel mais difícil na prevenção do bullying, uma vez que
existe uma relação afectivo-emocional com o jovem educando. O acompanhamento do
percurso escolar dos jovens é fundamental e nunca deve ser posto de parte, uma vez que
deve ser tido como mais uma obrigação e não como opção. O diálogo entre pais e filhos
deve ser incentivado e não só deve falar com eles, como deve ouvi-los, pois só assim
pode saber o que se passa com eles. Porque o facto de se sofrer de bullying não é culpa da
vítima, pois ninguém pode ser responsabilizado por ser diferente, pois a diferença é
somente a ilusão de que o agressor se serve para satisfazer a sua necessidade de agredir.
Após este trabalho posso concluir que o bullying é uma constante nas nossas
escolas e que, apesar do fenómeno ser conhecido e quase todos saberem o que é e que ele
existe, é raramente admitida a sua existência naquele espaço em concreto, apesar de todos
saberem que existe. O bullying tende a ser considerado um fenómeno a esconder, pois
admitir a sua existência é um acto de coragem. As vítimas continuam a permanecer na
escuridão, escondidas do mundo, enquanto os agressores são acompanhados e auxiliados
a superar este problema.
De acordo com as observações feitas aos alunos, pude constatar que onde há uma
maior interacção entre estudantes e onde os grupos são mistos existe uma menor prática
de bullying, sendo que, nas escolas onde os grupos de alunos não se relacionam entre si e
existe uma separação de sexos, a ocorrência deste fenómeno já se verifica com maior
frequência. Relativamente às entrevistas aos directores de turma e equipa do Gabinete de
Mediação Escolar, confesso que me surpreendeu saber que há escolas em que este
problema é tratado abertamente e a sua existência assumida. No entanto a situação inversa
também ocorre, pois na escola da periferia este fenómeno é negado e dissimulado, apesar
de existirem evidências que o caracterizam como sendo uma constante. Tal foi
comprovado com as entrevistas aos alunos, sendo que na escola do centro, onde o tema
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não era ocultado, os jovens diziam que este não era significativo e que, sempre que
solicitada ajuda, esta era prestada. Por sua vez, na escola da periferia, onde o assunto era
disfarçado, os alunos queixavam-se da violência existente na escola e do facto de não
obterem ajuda por parte de responsáveis, quando solicitada.
Após comparar os resultados obtidos em ambas as escolas, pude concluir que no
centro da cidade se nota uma mentalidade mais aberta aos problemas, tornando-se uma
intervenção neste meio mais fácil, rápida e eficaz do que na escola situada na periferia da
cidade, uma vez que adopta uma atitude de fechamento face aos problemas emergentes,
por vezes negando a sua existência. Assim sendo, como combater eficazmente algo que a
escola diz não existir? Por isso mesmo, de entre os casos que observei e estudei constatei
que a vítima continua a sofrer em silêncio e, muitas vezes, é culpada pelo facto de ser
vítima, o que é um acto de crueldade por parte dos outros, pois ninguém tem culpa de ser
diferente, nem por ser vítima de alguém que gosta de magoar os colegas. A necessidade
de admitir a existência deste problema por todas as escolas e proceder ao
acompanhamento das vítimas é fundamental.
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