BULLYING E CYBERBULLYING: UMA NOVA PERSPECTIVA À LUZ DA

21
BULLYING E CYBERBULLYING: UMA NOVA PERSPECTIVA À LUZ DA TEORIA DE PIERRE LÉVY Melina Bezerra de Sá Nobre FORMIGA * Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas – FACISA [email protected] Mirna Batista Barreto de LIMA * Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas – FACISA [email protected] Salomé Margot Melo FERREIRA * Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas – FACISA [email protected] INTRODUÇÃO Nos últimos anos, a sociedade brasileira observa, com freqüência, a ocorrência de inúmeros casos de uma nova forma de violência presente no comportamento de crianças e adolescentes. O fenômeno, mundialmente conhecido por bullying, compreende atitudes agressivas e intencionais, praticadas repetidas vezes, e conquista espaço em diversas esferas do contexto social, tais como a escola, os locais de trabalho e a própria família. Com o advento tecnológico, as atitudes e comentários depreciativos transpuseram as barreiras de seus locais comuns e atingiram o meio virtual, propagando-se através de redes * Graduandas do 3º período do curso de Direito da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas - FACISA * *

Transcript of BULLYING E CYBERBULLYING: UMA NOVA PERSPECTIVA À LUZ DA

BULLYING E CYBERBULLYING: UMA NOVA PERSPECTIVA À LUZ DA TEORIA

DE PIERRE LÉVY

Melina Bezerra de Sá Nobre FORMIGA*

Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas – FACISA

[email protected]

Mirna Batista Barreto de LIMA*

Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas – FACISA

[email protected]

Salomé Margot Melo FERREIRA*

Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas – FACISA

[email protected]

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, a sociedade brasileira observa, com

freqüência, a ocorrência de inúmeros casos de uma nova forma de

violência presente no comportamento de crianças e adolescentes.

O fenômeno, mundialmente conhecido por bullying, compreende

atitudes agressivas e intencionais, praticadas repetidas vezes,

e conquista espaço em diversas esferas do contexto social, tais

como a escola, os locais de trabalho e a própria família.

Com o advento tecnológico, as atitudes e comentários

depreciativos transpuseram as barreiras de seus locais comuns e

atingiram o meio virtual, propagando-se através de redes

*Graduandas do 3º período do curso de Direito da Faculdade de Ciências SociaisAplicadas - FACISA*

*

sociais, emails, blogs, vídeos e sites famosos que ajudam na

disseminação dessas mensagens com diferenças gritantes de

velocidade e alcance

Essa nova modalidade de bullying, conhecida como cyberbullying,

atingiu amplas proporções e suas conseqüências deram início a

uma discussão entre psicólogos, professores, pais e, inclusive,

juristas sobre a importância e os riscos de suas implicações na

sociedade.

Por desencadear conseqüências trágicas, a polêmica em torno

do assunto se estendeu na iminência de colocar em dúvida a

existência de efeitos jurídicos que recaiam sobre a ocorrência

deste fenômeno. Destarte, há a necessidade de discutir,

considerando paradigmas jurídico-psicológicos, a incidência de

implicações criminológicas perante os agentes envolvidos nos

casos de bullying e cyberbullying (agressores, vítimas, pais e

professores), tendo como base as teorias de Pierre Lévy, com o

objetivo de facilitar o controle e resolução dessas situações,

quebrando o modelo da cultura de exploração do mais fraco pelo

mais forte. E, sob uma visão jurídica, cumpre-nos investigar a

questão central que norteou este trabalho: Em quais termos a teoria da

virtualização de Pierre Lévy pode ser aplicada no processo de evolução da prática do

bullying?

Para cumprir com o propósito de investigação supracitado,

estabelecemos como objetivos deste trabalho: analisar a

aplicação da Teoria da Virtualização de Pierre Lévy no âmbito do

processo evolutivo das práticas do bullying; Verificar o

posicionamento do texto legal no que concerne à implicação de

medidas punitivas aos agentes envolvidos nessa modalidade de

violência e apontar alternativas que possam contribuir como

forma de prevenção e controle de casos que compreendam a prática

do cyberbullying.

Como metodologia aplicada a este trabalho, desenvolvemos uma

pesquisa exploratória e descritiva a partir do uso de

procedimentos técnicos da pesquisa bibliográfica. O método

utilizado foi o dialético e a técnica utilizada foi a revisão

bibliográfica.

1 BULLYING: DO INÍCIO AOS DIAS ATUAIS

A sociedade hodierna, movida por condutas discriminatórias e

pelo crescente índice de violência, observou, desde o início dos

anos 70, uma modificação nas relações interpessoais de crianças

e adolescentes, abarcando diversos setores sociais. Certos

comportamentos, como apelidar, provocar e fazer gozações, até

então entendidos como ordinários, ganharam proporções extremas,

constituindo condutas nocivas ao convívio social.

Atitudes deste porte tornaram-se conhecidas pelo termo

bullying, palavra de origem inglesa, originada do radical bully, que

significa “valentão”, “tirano”. A expressão, ainda sem tradução

específica para o português, corresponde a um conjunto de ações

agressivas de caráter proposital e ordenado, comumente

praticadas no âmbito escolar.

A ocorrência deste fenômeno reflete, segundo Cabral (2010),

uma cultura individualista em que impera o desrespeito às

autoridades e a exclusão social e sua prática suscita graves

conseqüências jurídico-psicológicas aos agentes, sejam eles

vítimas, agressores ou meros espectadores.

Embora seja fenômeno antigo, o bullying ganhou destaque no

meio científico somente no final da década de 1970, através do

empenho do pesquisador norueguês Dan Olweus em investigações

sobre o assunto. Segundo Silva (2010), os estudos de Olweus

tinham a finalidade última de avaliar os índices de ocorrência e

as formas pelas quais o bullying se apresentava no cotidiano de

crianças e adolescentes de seu país. Seu estudo constatou que

uma em cada sete crianças em idade escolar encontrava-se

envolvida em casos de bullying, tanto no papel de vítima como no de

agressora. Os resultados e instrumentos de sua investigação

influenciaram a promoção de pesquisas sobre o assunto em vários

países.

Diversos pesquisadores em todo o mundo têmdirecionado seus estudos para esse fenômeno que tomaaspectos preocupantes, tanto pelo seu crescimento,quanto por atingir faixas etárias, cada vez maisbaixas, relativas aos primeiros anos de escolaridade.Dados recentes apontam no sentido da sua disseminaçãopor todas as classes sociais e uma tendência para umaumento rápido desse comportamento com o avanço daidade, da infância à adolescência (ABRAPIA, 2003, p.56).

No Brasil, pesquisas recentes realizadas pelo IBGE

(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em parceria

com o Ministério da Saúde, apontam que pelo menos 24,6% dos

jovens em idade escolar já foram ou ainda são vítimas desse tipo

de violência.

Isso implica dizer que o fenômeno tem ocorrido em escala

cada vez maior, transpondo as barreiras escolares e contaminando

os diversos âmbitos de desenvolvimento de relações

interpessoais, tais como a família, o trabalho e a comunidade

virtual, sendo, por isso classificado de diversas formas.

Em decorrência de seu processo evolutivo e de sua amplitude,

o bullying se estabeleceu na existência de diferentes ações, sejam

elas físicas, verbais, relacionais ou eletrônicas, cada uma

dessas constituindo uma modalidade distinta da aplicação do

fenômeno.

A modalidade física de bullying consiste na categoria de

agressões direcionadas à matéria, ao corpo das vítimas, que

tendem a diminuir sua freqüência com o avanço etário. A

modalidade verbal envolve o uso de práticas orais ofensivas com

o intuito de humilhar e envergonhar o outro, práticas estas que

predominam em relação às agressões físicas no contexto social. A

relacional é aquele que afeta o indivíduo por sua não aceitação

pelo grupo ao qual participa, sendo ignorada sua aproximação. A

modalidade tecnológica, sobre a qual nos deteremos mais

avidamente em tópico específico, abrange as agressões proferidas

por intermédio de meios eletrônicos, que se tornaram conhecidas

pelos termos bullying virtual ou cyberbullying.

Independente da modalidade empregada em sua prática, as

constantes agressões perpetradas pelos denominados bullies

alardeiam para a observação da principal circunstância que

determina essas ações, qual seja, a livre desigualdade de poder

existente entre o indivíduo-alvo e seu agressor. Nesse sentido,

expõe Olweus (1993 apud Bandeira, 2009) que o bullying tornou-se um

processo influente que possibilitou o controle social, o qual

seria exercido por um indivíduo que busca poder e liderança

entre seus pares.

Freqüentemente, as vítimas são sujeitos pouco sociáveis,

apresentando, na maioria dos casos, um quadro prévio de

fragilidade psicológica, bem como ausência de habilidade ou

recursos para enfrentar seu agressor. Silva (2010) alude para o

fato de que “a prática de bullying agrava o problema

preexistente, assim como pode abrir quadros graves de

transtornos psíquicos e/ou comportamentais que, muitas vezes,

trazem prejuízos irreversíveis”.

Desse modo, torna-se questão de relevante interesse social a

criação de um imperativo categórico, como menciona Silva (2010),

que conduza as novas gerações à transformação do modelo

societário atual, possibilitando o rompimento dos padrões

modernos de exploração do mais fraco pelo mais forte.

2 A VIRTUALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA E A CONTRIBUIÇÃO DE PIERRE

LÉVY

A ampliação dos recursos tecnológicos e a criação de um

sistema de informação global impulsionaram, nos últimos anos, o

desenvolvimento de uma geração interativa, constituída,

principalmente, de crianças e adolescentes que tem o acesso à

uma gama de informações e transferência de dados.

As modificações advindas do acesso a essas novas tecnologias

podem ser observadas diretamente no seio da sociedade. O que

antes seria produto da realidade fora substituído por funções

cibernéticas e os obstáculos existentes na comunicação foram

superados por uma nova modalidade de interação social.

Face a essa nova era, é possível observar uma modificação na

concepção do que venha a ser real. O desenvolvimento de um

conglomerado de programas e sistemas permitiu a simulação das

principais ações humanas, impelindo o surgimento de um novo modo

de realidade: a realidade virtual.

Em esforço para compreender o significado do virtual, Pierre

Lévy (1996), filósofo francês, conduziu uma série de estudos

sobre o progresso da humanidade e seu comportamento diante do

advento da tecnologia informacional e da internet.

Contrapondo a ideia de muitos filósofos, Lévy (1996) aponta

o virtual não como o oposto do real, mas do atual. Esse juízo se

manifesta no sentido de que o virtual é o espelho do real, é seu

semelhante, visto que, embora não constitua algo concreto,

palpável, os fenômenos incorporados pelo virtual baseiam-se em

modais preexistentes no contexto real. Contudo, o real,

contrariamente ao virtual, possui limites físico-temporais

estabelecidos em virtude de ser, também, atual. Ora, o atual não

permite que a realidade ultrapasse as barreiras do aqui e agora.

Já o virtual, por ser oposto do atual, não possui limites e, por

ser fenômeno potencial, consegue transpor o tempo e espaço em

que e para os quais foi criado.

Com base nessas ideias, é possível apontar o desprendimento

temporal e territorial como a característica-base do movimento

de virtualização. Assim, as ações humanas, antes identificáveis

pelo período e local em que foram efetivadas, dada sua

virtualização, não podem mais pertencer a lugar e tempo comuns.

Uma comunidade virtual pode, por exemplo,organizar-se sobre uma base de afinidade porintermédio de sistemas de comunicação telemáticos.Seus membros estão reunidos pelo mesmo núcleo deinteresses, pelos mesmos problemas: a geografia,contingente, não é mais nem um ponto de partida, nemuma coerção (LÉVY, 1996, p. 20).

Destarte, a virtualização conseguiu transpor a barreira

físico-temporal que circundava as relações sociais. O fenômeno

de interação pressupõe, atualmente, uma afinidade intelectual,

não mais um território comum, constituindo, desse modo, uma

comunidade “não-presente”.

Contudo, ressalta o autor que “apesar de “não-presente”,

essa comunidade está repleta de paixões e de projetos, de

conflitos e de amizades. Ela vive sem lugar de referência

estável: em toda parte onde se encontrarem seus membros

móveis... ou em parte alguma”.

Porém, o mesmo movimento que modificou o local comum das

relações interpessoais também se opôs ao juízo de manter as

informações limitadas a um marco cronológico fixo.

A virtualização não se contenta em acelerarprocessos já conhecidos, nem em colocar entreparêntese, e até mesmo aniquilar, o tempo ou o espaço[...]. Ela inventa, no gasto e no risco, velocidadesqualitativamente novas, espaços-tempos mutantes(LÉVY, 1996, p. 24).

Isso implica dizer que o processo de virtualização motivou a

ampliação da celeridade no transporte de dados e na comunicação

interpessoal, fazendo com que estes se multipliquem e se

reforcem ilimitadamente através do emprego habitual de novos

recursos tecnológicos, tais como a Internet e a telefonia móvel.

Em consonância, Lévy (1996) aponta ainda, como

característica associada à virtualização, a “passagem do

interior ao exterior e do exterior ao interior”. Esse fenômeno,

denominado “Efeito Moebius”, determina uma quebra dos limites

existentes entre o privado e o público, autor e leitor.

Utilizando de uma explicação pouco formal, o Efeito Moebius

implicaria no dizer de que, através da virtualização, todo

conhecimento interno e privado torna-se público e externo, se

compartilhado.

A partir do momento em que falamos, as entidadeseminentemente subjetivas que são as emoçõescomplexas, os conhecimentos e os conceitos sãoexternalizadas, objetivadas, intercambiadas, podemviajar de um lugar a outro, de um tempo a outro, deum espírito a outro (LÉVY, 1996, p. 73).

Porém, o movimento de virtualização e todas as suas

conseqüências não atingiram apenas a transmissão de informações

corriqueiras, tampouco alterou somente a forma de os indivíduos

conceberem seus relacionamentos, mas também se mostrou peça-

chave para a disseminação outros tipos de atividades, como as de

natureza violenta.

Essas ações violentas, posteriormente separadas de sua fonte

de emissão, têm feito uso do avanço de empreendimentos

tecnológicos e do processo de virtualização informacional como

forma de atingir um número maior de destinos em um menor espaço

de tempo. Isso implica em um aumento significativo do número de

indivíduos passíveis de se tornarem vítimas de um bombardeio de

informações agressivas que se propagam por meio da tecnologia

moderna.

Significa dizer que, a título de exemplo, se a virtualização

for utilizada com o propósito de corromper a figura de um

indivíduo, tendo por motivação a confusão de emoções que agente

agressor tem sobre ele, a simples publicação do dado alude à uma

publicidade quase instantânea.

Nos dizeres de Matias Neto (2011, p. 27), essa virtualização

da violência demonstra que os criminosos “têm mantido a atenção

no que é popular e no que terá o máximo de impacto com o mínimo

de esforço”. Assim, a virtualização de informações não

proporcionou somente benefícios para o mundo moderno, mas dotou

de nova roupagem problemas do mundo real, fazendo surgir uma

nova modalidade de crimes: os crimes virtuais.

Segundo Lima (2010), os crimes virtuais são apenas uma

versão do fenômeno real. Porém, utilizando das ferramentas

tecnológicas, como a Internet, os delitos conseguem atingir um

grande número de vítimas com velocidade maior do que teriam fora

do mundo virtual.

No entanto, o fato de serem dotadas de virtualidade não

condiz com a ideia de que essas ações agressivas são

imaginárias: elas são reais e produzem efeitos no mundo real.

Consequentemente, esses efeitos devem ser passíveis de análise

tanto pessoal quanto jurídica, observando-se, desse modo, a

subsunção destes fatos às leis já estabelecidas no ordenamento

jurídico brasileiro.

3 CYBERBULLYING: A VIRTUALIZAÇÃO DO BULLYING

Desde a década de 1970, o desenvolvimento de uma rede

mundial de computadores com objetivos inicialmente militares

subverteu, a nível global, os meios convencionais de

telecomunicação, dando origem a um sistema íntegro de

informação.

A Internet, termo utilizado para designar este segmento,

mostrou-se um dos principais fundamentos do advento tecnológico

moderno que, no final do século XX, abandonou o ambiente das

antigas bases militares para constituir um recurso sólido de

comunicação extramuros.

Apropriando-se dos recursos recentes de transmissão de

informações, tais como computadores e celulares, a Internet

conseguiu expandir seus locais comuns através da virtualização

dos meios contemporâneos de informática, dando origem “a um

espaço de comunicação navegável e transparente centrado nos

fluxo de informação” (LÉVY, 1996, p. 46).

Destarte, a internet se tornou uma das ferramentas basilares

para a geração do movimento de virtualização proposto por Pierre

Lévy, criando, além de um ambiente propiciado à manifestação de

informações ordinárias, um ponto de apoio para a disseminação de

uma série de problemas, inclusive de ordem criminológica.

Nesse contexto, o fenômeno bullying também se aproveitou da

inovação de recursos cibernéticos para ampliar seu campo de

ação. Utilizando dos subsídios favorecidos pelos meios virtuais,

os bullies dispõem, nos dizeres de Silva (2010, p. 126), “dos mais

atuais e modernos instrumentos da internet e de outros avanços

tecnológicos na área da informação e da comunicação” para a

prática de suas ações agressivas.

Considerando a ilimitabilidade do espaço virtual, o poder

agressivo dos bullies ganha novas proporções, ampliando-se e

atingindo um número consideravelmente maior de vítimas em

potencial. Consequentemente, esta nova modalidade de agressão,

conhecida como cyberbullying ou bullying virtual, tornou-se o ponto-

chave de inúmeras discussões entre juristas, psicólogos, pais e

professores no mundo inteiro.

Assim como a sua precursora, a expressão cyberbullying

necessita de tradução formal para o português. Esta consiste em

uma palavra originada dos radicais cyber, atinente ao uso das

novas tecnologias de comunicação, e bully que, como

supramencionado, relaciona-se diretamente ao fenômeno dos maus-

tratos por parte de um “tirano”.

Deste modo, o cyberbullying, termo utilizado inicialmente pelo

professor Bill Belsey, assume-se como uma variante do

tradicional bullying, sendo reconhecido pelo uso de tecnologias da

informação e comunicação para constranger, humilhar e denegrir a

imagem de suas vítimas.

Como menciona Lima (2010), a intimidação pela internet

consiste apenas em uma versão do mesmo fenômeno observado no

cotidiano, crescendo com impulso análogo ao da expansão da rede

de computadores pelo mundo.

Na Internet, os praticantes de cyberbullying utilizam do

envio de mensagens com conteúdo difamatório por intermédio de

comunidades virtuais, newsgroups, e-mails, blogs, fotoblogs, vídeos e

mensagens instantâneas que ajudam na disseminação dessas

ofensas.

Pessoas comuns abrem seus perfis nos canais derelacionamentos, criam identidades virtuais e expõemopiniões e experiências de forma aberta e muitasvezes intempestiva. Os comentários na rede estão cadavez mais inflamados e os usuários não se intimidam ao

se referir a empresas, personalidades e até pessoasde seu relacionamento, utilizando os mais diversostermos pejorativos (GRIGOLETTI, 2001 apud BUENO,2011).

Assim, consoante à opinião de Silva (2010), ao se depararem

com toda essa gama de agressões planejadas e executadas, as

vítimas já possuem seus nomes e imagens divulgados em rede

mundial. Desse fato decorrem graves conseqüências, desde

transtornos psíquicos e comportamentais que acarretam danos

irreversíveis até a execução de atitudes extremas, tais como o

suicídio.

No Brasil, pesquisas realizadas no ano de 2010 pela

SaferNet, ONG de proteção aos direitos humanos na internet,

envolvendo 2.160 internautas com idades entre 10 e 17 anos,

apontam para índices relativamente altos de incidência do

fenômeno, indicando que pelo menos 16% dos jovens brasileiros

conectados à rede já foram vítimas de cyberbullying. Isso implica em

um eminente crescimento dos casos relacionados ao bullying virtual

no país, desenvolvendo uma maior preocupação nacional frente a

este problema.

Deve ser ressaltado que constitui fórmula de grande ensejo

para este fenômeno a proteção conferida aos agressores através

da garantia de anonimato que eles adquirem mediante o uso dos

meios eletrônicos, sendo quase impossível o seu reconhecimento.

Tal fator acarreta um aumento na sensação de impotência da

vítima diante destes casos, tendo em vista a não publicidade da

identidade do agressor.

Desse modo, observa-se a urgente necessidade na elaboração e

no uso de métodos que possam direcionar a vítima desses

comportamentos agressivos à certeza da existência e DA aplicação

de efeitos jurídicos que recaiam sobre a ocorrência deste

fenômeno, garantindo, assim, a afirmação das idéias de justiça e

segurança jurídica, tal qual determina nosso ordenamento.

4 IMPLICAÇÕES CRIMINOLÓGICAS

O crescente movimento de virtualização dos problemas da

sociedade moderna, inclusive da violência, trouxe à tona a

necessidade última de elaborar mecanismos de prevenção, controle

e reprovação dos crimes praticados por intermédio das novas

tecnologias.

Assim, diante desta adaptação dos crimes do mundo real ao

mundo virtual, surgiu, para o âmbito jurídico o desafio de

também se adequar aos ditames do ambiente eletrônico, através do

implemento de legislação especial que constitua alternativa

possível para a solução desses problemas.

Em um primeiro momento, as dificuldades consistem emcompreender as questões técnicas inerentes, visandotutelar os direitos existentes em um espaço denatureza eminentemente imaterial, em constantetransformação, e criar mecanismos que assegurem aefetividade do direito, assim como ocorre no mundofísico (VAINZOF, 2011, p. 31).

Isso implica que, ao operador e intérprete do direito,

surgem dificuldades no desenvolvimento de técnicas de análise

jurídica que compreendam tanto os crimes virtuais em si, quanto

os efeitos e conseqüências gerados por eles fora do mundo

virtual.

Dentre os crimes que merecem destaque no domínio eletrônico

encontra-se, como previamente analisado, o cyberbullying que, embora

constitua um problema na esfera mundial e seu combate represente

um dos grandes desafios da sociedade moderna, este fenômeno é

fato pouco conhecido dentro do ambiente jurídico brasileiro.

Atualmente, existem no Brasil, segundo Bueno (2011), 11

delegacias especializadas em crimes virtuais que registram dados

crescentes da ocorrência de casos de cyberbullying. Porém, no que

tange à sua criminalização, verifica-se que no Brasil ainda não

há a previsão de crime específico para este fenômeno.

Sendo assim, sua prática é adequada à legislação em vigor,

sendo tipificada, na maioria das vezes, como crime de ameaça,

racismo, injúria, calúnia ou difamação, dependendo de como se

mostre o caso concreto.

No entanto, como preleciona Cabral (2010), é importante

ressaltar que não existe um consenso sobre a necessidade, ou

não, da tipificação do crime de cyberbullying. A doutrina

majoritária entende que, apesar da escassez de normas

específicas que condenem o tipo, os operadores do direito têm

conseguido adequar de forma eficiente a legislação em vigor às

ocorrências de cyberbullying em casos concretos, visto que, “na

prática, o que se altera é o meio utilizado para a consecução do

ilícito e não o tipo de infração” (Vainzof, 2011, p. 31).

Porém, decorrentes da minoria doutrinária que acredita na

necessidade da formulação de um tipo penal específico, existem

algumas iniciativas que tentam legalizar a criação do crime de

cyberbullying, a exemplo do Projeto de Lei nº 7.457/2010, de autoria

da Deputada Sueli Vidigal, que tramita no Congresso Nacional,

sob à égide da implementação de uma política antibullying e

anticyberbullying.

Contudo, até que se firme a existência legal de uma previsão

específica do tipo que atue de forma preventiva, inibindo o

exercício do fenômeno, têm-se por meio de maior viabilidade no

combate da prática do cyberbullying o implemento de ações educativas

que ajam contra a discriminação e a violência praticada nos

meios eletrônicos.

Assim, faz-se necessária a conscientização dos usuários de

recursos eletrônicos, principalmente daqueles que constituem a

maior parte de seu público alvo, ou seja, as crianças e

adolescentes em idade escolar.

Desse modo, configura-se papel essencial dos pais,

professores, psicólogos e, principalmente, juristas apresentar,

junto à sociedade, meios de controle e prevenção das práticas

criminológicas que utilizam dos recursos eletrônicos, de modo a

delimitar claramente as fronteiras do “fazer” e do “não fazer”

para cada indivíduo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O fenômeno moderno caracterizado pela prática intencional de

ações violentas de cunho físico e psicológico, denominada bullying,

tornou-se alvo de vários estudos em âmbito mundial, objetivando

entender o comportamento de crianças e adolescentes em idade

escolar.

Em decorrência de sua evolução, é observável a transposição

dos limites de seus locais comuns, conseguindo atingir os mais

diversos âmbitos da vida em sociedade, tais como o ambiente de

trabalho, a instituição familiar e os meios eletrônicos.

Este último, denominado cyberbullying, configura a transmissão

das ações praticadas no mundo real para um contexto virtual, ou

seja, as agressões praticadas pelos bullies em um local determinado

são, através dos recursos tecnológicos, transferidas para um

espaço “não-presente”. Atinge, desse modo, um maior número de

vitimas em um menor espaço de tempo, quebrando, assim, as

barreiras territoriais e temporais existentes no mundo real.

Destarte, por meio da consideração dessas características,

observa-se a semelhança entre o processo histórico-evolutivo das

agressões praticadas pelos bullies e a Teoria sobre a

virtualidade, fundamentada por Pierre Lévy.

Tal semelhança fomentou-nos a ideia de analisar até que

ponto a aplicação dessa teoria seria de fundamental auxílio para

o entendimento do processo evolutivo da prática do bullying.

Assim, na observância das características apresentadas,

concluímos que o bullying torna-se fenômeno passível de observância

sob a égide da Teoria da Virtualização de Pierre Lévy, desde o

seu surgimento até o ápice de seu processo evolutivo, qual seja,

sua transformação em cyberbullying.

Em decorrência disso, pudemos dar seguimento ao trabalho,

colocando em análise, posteriormente, à impunidade do agente

agressor na modalidade de bullying virtual, considerando a proteção

concedida à ele por meio da garantia de anonimato conferida

através uso dos recursos tecnológicos.

Desse modo, observamos que embora não convenha a existência

de um tipo penal especificamente determinado para o crime de

cyberbullying, o agente agressor não permanece impune,

decorrendo de sua ação implicações criminológicas de crimes

semelhantes ao praticado anteriormente previstas no Código Penal

que, embora constituam o uso de meio diferente para a prática do

crime, se configura no mesmo tipo de infração.

Conseguintemente, após alcançados primeiros, apreciamos o

nosso último objetivo, tornando claras as predileções

necessárias à contribuição para a prevenção e controle dos casos

de cyberbullying. Assim, concluímos que, para que ocorra uma

diminuição relativa aos casos desse fenômeno, o modal de maior

fundamento se configura na realização de ações de cunho

educacional que se revertam, diretamente, aos principais agentes

desta modalidade de violência, quais sejam, as crianças e

adolescentes em idade escolar, favorecendo, desse modo o

rompimento do modelo societário atual de sacrifício do mais

fraco em virtude do mais forte.

REFERÊNCIAS

ABRAPIA. Programa de Redução do Comportamento Agressivo entre Estudantes.Disponível em:<http://www.observatoriodainfancia.com.br/IMG/pdf/doc-154.pdf>.Acesso em: 25 abr. 2011.

BANDEIRA, Cláudia de Moraes. Bullying: auto-estima e diferenças degênero. Disponível em:<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cp129251.pdf>.Acesso em: 24 mai. 2011.

BUENO, Monique. Cyberbullying aumenta humilhação à vítima. Disponível em:<http://lerparacrescer.folhadaregiao.com.br/2011/04/cyberbullying-aumenta-humilhacao-vitima.html>. Acesso em: 29 mai. 2011.

CABRAL, Bruno Fontenele. Reflexões sobre o combate ao bullyingno direito brasileiro e norte-americano. Jus Navigandi, Teresina,ano 15, n. 2645, 28 set. 2010. Disponível em:<http://jus.uol.com.br/revista/texto/17501>. Acesso em: 20 abr.2011.

CALHAU, Lélio Braga. Bullying: Implicações Criminológicas. 26 abr.2009. Disponível em:<http://www.jefersonbotelho.com.br/2009/04/26/bullying-implicacoes-criminologicas/>. Acesso em: 22 abr. 2011.

CARPANEZ, Juliana. Cyberbullying preocupa 16% dos internautas jovens no Brasil,diz pesquisa. Disponível em:<http://tecnologia.uol.com.br/seguranca/ultimas-noticias/2010/02/10/c yberbullying-preocupa-16-dos-jovens-brasileiros-diz-pesquisa.jhtm>. Acesso em: 29 mai. 2011.

LÉVY, Pierre. O que é o virtual. São Paulo: Ed. 34, 1996.

LIMA, Roberta de Abreu; FIGUEIREDO, João. A tecnologia a serviçodos brutos. Veja, n. 2163, 5 mai. 2010. Disponível em:<http://veja.abril.com.br/050510/tecnologia-a-servico-brutos-p-098.shtml>. Acesso em: 25 abr. 2011.

MATIAS NETO, José. Navegar sim, mas com segurança. Consulex.Brasília, ano 15, n. 343, p. 27, mai. 2011.

PINHEIRO, Emeline Piva. Crimes Virtuais: uma Análise daCriminalidade Informática e da Resposta Estatal. Disponível em:

<http://www.buscalegis.ufsc.br/arquivos/Vi-%203.03.pdf>. Acessoem: 25 abr. 2011.

SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Bullying: mentes perigosas nasescolas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010.

VAINZOF, Rony; JIMENE, Camilla do Vale. Segurança no ambienteeletrônico e suas implicações jurídicas. Consulex. Brasília, ano15, n. 343, 31 – 32 p., mai. 2011.

BULLYING E CYBERBULLYING: UMA NOVA PERSPECTIVA À LUZ DA TEORIA

DE PIERRE LÉVY

Melina Bezerra de Sá Nobre FORMIGAFaculdade de Ciências Sociais Aplicadas – FACISA

[email protected] Batista Barreto de LIMA

Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas – [email protected]

Salomé Margot Melo FERREIRAFaculdade de Ciências Sociais Aplicadas - FACISA

[email protected]

RESUMO

Atualmente, um conjunto de atitudes agressivas eintencionais, mundialmente conhecido por bullying, tomou amplasproporções, conquistando espaço em diversas esferas do contextosocial. Com o advento tecnológico, este fenômeno conseguiuatingir o meio virtual dando origem a uma nova modalidade deviolência: o cyberbullying. Por desencadear conseqüências trágicas econseguir mascarar a identidade do agressor através doanonimato, o novo fenômeno gerou polêmica no sentido de pôr emdúvida a existência de implicações criminológicas que recaiam

sobre a figura deste. Com a finalidade de facilitar o controle esolução dessas situações e em decorrência da similitudeexistente entre o processo evolutivo histórico do bullying enquantofenômeno e as teorias de virtualização propostas por PierreLévy, sugerimos, como problema, analisar: Em quais termos a teoria davirtualização de Pierre Lévy pode ser aplicada no processo de evolução da prática dobullying?A partir deste, definimos como objetivos deste trabalho:analisar a aplicação da Teoria da Virtualização de Pierre Lévyno âmbito do processo evolutivo das práticas do bullying; Verificaro posicionamento do texto legal no que concerne à implicação demedidas punitivas aos agentes envolvidos nessa modalidade deviolência e apontar alternativas que possam contribuir comoforma de prevenção e controle de casos que compreendam a práticado cyberbullying. Como metodologia aplicada a este trabalho,desenvolvemos uma pesquisa exploratória e descritiva a partir douso de procedimentos técnicos da pesquisa bibliográfica. Ométodo utilizado foi o dialético e a técnica utilizada foi arevisão bibliográfica. As análises estabelecidas no trabalhodemonstraram a possibilidade de aplicação da Teoria de PierreLévy desde o surgimento do bullying até o ápice de seu processoevolutivo, qual seja, o cyberbullying. Ademais, verificamos ainexistência de lei específica que reja os casos concretos decyberbullying, sendo estes solucionados mediante leis anteriormenteexistentes no ordenamento jurídico. Dessa forma, tornou-senecessária a determinação de alternativas para a prevenção dessamodalidade de agressões, prevenção esta que só será possívelmediante o fomento de ações de cunho educativo, aplicadas,principalmente à crianças e jovens em idade escolar.

Palavras-chave: Bullying. Cyberbullying. Virtualização