Assistência Técnica e Financeira para o Desenvolvimento Indígena

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VERDUM, Ricardo (org.). Assistência Técnica e Financeira para o Desenvolvimento Indígena: Possibilidades e Desafios para Políticas Públicas . Rio de Janeiro: ContraCapa, 2005. Assistência Técnica e Financeira para o Desenvolvimento Indígena: Possibilidades e Desafios para Políticas Públicas Angela Sacchi Gersem Baniwa Lucimar Moreira Marcos Alves de Souza Maria Luiza Ochoa Vânia Fialho Vera Olinda Ricardo Verdum, organizador

Transcript of Assistência Técnica e Financeira para o Desenvolvimento Indígena

VERDUM, Ricardo (org.). Assistência Técnica e Financeira para o Desenvolvimento Indígena: Possibilidades eDesafios para Políticas Públicas. Rio de Janeiro: ContraCapa, 2005.

Assistência Técnica e Financeira para o DesenvolvimentoIndígena: Possibilidades e Desafios para Políticas Públicas

Angela SacchiGersem BaniwaLucimar Moreira

Marcos Alves de SouzaMaria Luiza Ochoa

Vânia FialhoVera Olinda

Ricardo Verdum, organizador

AVANÇOS E DESAFIOS DOS MECANISMOS PÚBLICOS PARA

SEGURANÇA ALIMENTAR E AUTO-SUSTENTAÇÃO INDÍGENA

Vânia Fialho

O contexto indígena brasileiro vem mudando bastante nos últimos anos,principalmente, devido à própria mobilização indígena. Movimentos e ações têm sido

instituídos no sentido de estabelecer um campo de diálogo que contemple não apenas os

índios de um lado e o Estado de outro, mas a diversidade de atores que estão presentesna discussão de novas diretrizes para a política indigenista brasileira. O ponto de

partida, que constitui um grande desafio e se apresenta de maneira bastante explícita, é aelaboração de políticas que se desdobrem em programas e ações capazes de contemplar

a diversidade de etnias e, portanto, de lógicas, saberes e práticas diversos entre si, e que

realmente venham a contribuir para a promoção da autonomia dos povos indígenas.Trata-se de um campo cheio de contradições e tensões, como todo campo

político. No entanto, mesmo diante da necessidade de definições formais das políticas

voltadas para os indígenas, alguns avanços estão sendo obtidos, principalmente no quetange à temática da sustentabilidade e da segurança alimentar.

Os avanços estão sendo estabelecidos, principalmente, pelas iniciativas quearticulam políticas até então apresentadas de maneira fragmentada; com freqüência,

ações com fins semelhantes vinham sendo executadas por setores diversos do poder

público de maneira independente. Outro aspecto construtivo é que as iniciativas quevêm se configurando têm dado evidência à necessidade urgente de definição de uma

política indigenista que passe a superar preceitos anteriores, como o da tutela e de ações

voltadas para as atividades produtivas que se apresentavam inscritas na noção de“desenvolvimento comunitário” que caracterizou as ações da FUNAI nas últimas

décadas.A reflexão sobre mecanismos públicos que hoje trabalham sob a ótica da

segurança alimentar e da auto-sustentação indígena, neste artigo, tem como ponto de

partida a oficina de trabalho intitulada POVOS INDÍGENAS EDESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, ocorrida em maio de 2004 sob a

coordenação do Programa de Promoção da Igualdade em Gênero, Raça e Etnia do

Ministério do Desenvolvimento Agrário.A Oficina teve por objetivo promover a síntese das iniciativas governamentais

voltadas para a promoção das atividades produtivas em terras indígenas. Ressalta-se, na

proposição da iniciativa, a preocupação em compreender tais atividades relacionadas

com aspectos mais amplos, como a segurança alimentar e territorial, a promoção da

autonomia indígena, o controle dos recursos e processos decisórios e o fortalecimentodas formas organizativas e saberes locais.

Tendo como base os pleitos apresentados no Fórum Nacional para Elaboraçãoda Política Nacional de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Sustentável dos Povos

Indígenas do Brasil, o seminário veio dar prosseguimento à articulação de ações que

possibilitam o acesso, por parte dos indígenas, às linhas de crédito e fomento para odesenvolvimento de atividades produtivas e à assistência técnica e extensão rural.

Considerando o evento como a alavanca da nossa discussão, fizemos a opção por nos

centrarmos nos programas referidos na Oficina.As preocupações iniciais se deram objetivando estabelecer um espaço em que

representações indígenas pudessem ser consultadas, ao mesmo tempo em que osprogramas já estabelecidos, ou na iminência de se constituírem, fossem apresentados.

Dentro no MDA, havia certa expectativa em discutir a aplicação das linhas de

crédito do PRONAF à população indígena, devido à demanda que vinha seapresentando, principalmente, na região Nordeste. Além dessa constatação, as

informações que vinham sendo compiladas indicavam uma substancial confusão entre

o tema do fomento e do crédito, ou seja, entre a aplicabilidade de recursos não-reembolsáveis ou reembolsáveis nas atividades voltadas para os povos indígenas. Outro

dado que impelia a discussão era a inclusão do Banco do Brasil, como um dosoperadores do PRONAF B, ou seja, esta linha de crédito passaria a estar disponibilizada

aos indígenas de todas às regiões do Brasil1.

E esta foi a âncora do evento, mas que também propiciou a apresentação: (a) dapolítica Nacional de ATER - Assistência Técnica e Extensão Rural - e suas

especificações para a população indígena; (b) do PRONAF e os desafios que vêm sendo

encontrados quando direcionado aos indígenas; (c) do Termo de Cooperação Técnicaentre cinco ministérios, a fim de articular as iniciativas, na área de atividades

produtivas, voltadas para os povos indígenas; (d) da Carteira de Projetos: Fome Zero eDesenvolvimento Sustentável e (e) do Programa Nacional de Merenda Escolar

Tradicional.

Ações e Políticas para as Populações Indígenas

1 O PRONAF “B” é a linha de crédito que explicitamente apresenta índios e quilombolas como possíveisbeneficiários. Inicialmente, essa linha de crédito só era efetivada pelo Banco do Nordeste, apenasatendendo as comunidades dessa região. Em 2003, o Banco da Amazônia passa a operacionalizá-la,estendendo o PRONAF B à região Norte e, em maio de 2004, o Banco do Brasil é também integrado oque viabiliza o acesso em qualquer região do país.

De acordo com o conjunto formalizado de estatutos para orientar as ações do Estado

brasileiro, é preciso destacar que as políticas voltadas para os indígenas se encontramsob a responsabilidade de vários Ministérios e não apenas atreladas ao Ministério da

Justiça e à FUNAI — Fundação Nacional do Índio — órgão indigenista oficialresponsável pela implementação de uma política para os povos indígenas e que exerceu,

até 1988, o papel de tutora atribuído ao Estado nacional brasileiro. A partir dos Artigos

231 e 232 da Constituição Federal de 19882 , os indígenas são considerados como atoresjuridicamente capazes para entrar em juízo, através de suas organizações, rompendo

com o status a eles atribuído pelo Artigo 6o do Código Civil de 1916, que os colocava

como portadores de capacidade civil relativa.A transferência das responsabilidades da FUNAI para outros órgãos pode ser

descrita como tendo seu início em 1991, quando as atribuições relativas à educação e àsaúde foram delegadas aos respectivos Ministérios.

Em relação às políticas destinadas à sustentabilidade e às atividades produtivas, suas

ações encontram-se na programação de outros Ministérios e Secretarias e há um esforçono sentido de integrar as iniciativas e constituir uma pauta comum. À Funai cabe ainda

ações de fomento às atividades produtivas e a coordenação de iniciativas conjuntas entre

ministérios, quando direcionadas às populações indígenas.O momento atual é caracterizado por um processo de ajustes e adaptações —

passando de ações e políticas concentradas num único órgão para a sua descentralização— e, portanto, apresenta contradições e fragilidades que precisam ser sobrepujadas.

Se, por um lado, há a preocupação com o destino do órgão indigenista, por outro, a

tônica da inclusão social vem se apresentando como uma diretriz que perpassa os várioscampos da política pública e o que pode ser considerado mais significativo é a mudança

na percepção do meio rural, compreendido em políticas anteriores como homogêneo e

que passa a ser reconhecido como comportando várias realidades que se estabelecemtambém pelo viés étnico, como é o caso dos indígenas e quilombolas.

A Demanda Indígena

2 Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, eos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las,proteger e fazer respeitar todos os seus bens. Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações sãopartes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o MinistérioPúblico em todos os atos do processo.

A década de 80 passada foi marcada pela mobilização indígena no sentido de

garantir seus direitos territoriais. A década seguinte, já sob os auspícios da nova

Constituição Federal, as reivindicações indígenas começaram a ser caracterizadas porum pleito mais amplo, exigindo de políticas públicas, entre outras itens, que

viabilizassem a gestão e o controle dos seus territórios e a sustentabilidade de suaspopulações, ou seja, reivindicavam políticas para a promoção de manejo do território e

estruturação das suas atividades econômicas no intuito de afirmar suas especificidades

num contexto social mais amplo.Diante da necessidade de garantir a sustentabilidade e a segurança alimentar3 , as

populações indígenas têm apresentado uma considerável demanda no que se refere às

atividades de assistência técnica e extensão rural e recursos, ora no formato de fomento,ora, no formato de crédito.

Na intenção de aproximar alguns dos programas já configurados dos pleitosapresentados pelos indígenas e propiciar subsídios para a elaboração de outros – em

que se enfatiza a atenção à diversidade sócio-cultural –, documentos elaborados desde o

ano de 2003 apontam preocupações na operacionalização dos programas,principalmente no que tange ao tema das atividades produtivas.

A primeira delas diz respeito à existência, entre as diversas etnias indígenas, de

concepções diferentes acerca da unidade familiar e da unidade produtiva, pois a lógicada sociedade não-indígena, geralmente presente nas políticas e programas

governamentais, não corresponde às realidades locais e, portanto, precisa serrelativizada. A segunda inquietação destaca que a economia indígena nem sempre está

atrelada à lógica de mercado, de produção de excedentes e prevê diferentes formas de

organização do trabalho.É sobre as formas organizativas das populações indígenas que reside outra

preocupação identificada. Na atualidade, tem sido constante a estruturação de

associações indígenas como forma de obter e gerir recursos voltados para odesenvolvimento; há necessidade de se atentar que o incentivo a formas organizativas,

como associações e cooperativas, podem levar à desarticulação de relações e redes decooperação culturalmente instituídas e deve haver sim a preocupação de se avaliar caso-

a-caso.

Existem contrapontos que colocam em xeque qualquer tentativa deuniversalização dos programas: o reconhecimento da diversidade étnica existente exige

3 De acordo com Caporal e Costabeber, "A expressão segurança alimentar, como conceito orientador depolíticas públicas, apareceu em 1974, durante a Conferência Mundial da Alimentação promovida pelaOrganização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) ". Em 1986, esse mesmoconceito foi melhor desenvolvido , pela própria FAO, como sendo que de assegurar o acesso aosalimentos para todos e a todo momento, em quantidade e qualidade suficientes para garantir uma vidasaudável e ativa" (CAPORAL & COSTABEBER, 2003: 154)

o conhecimento das especificidades de cada etnia, a fim de também poder se identificar

o corpo de conhecimento local, geralmente não sistematizado, que deve nortear as ações

voltadas para as atividades produtivas.Os princípios do etnodesenvolvimento são colocados como as diretrizes básicas

para as intervenções no campo das atividades produtivas4. Outro aspecto que passa a seruma orientação básica é a consideração de que os povos indígenas, geralmente,

apresentam seus territórios ainda em processo de regularização e envolvem sérios

conflitos pela posse da terra. Nesse sentido, ao mesmo tempo em que esse aspecto é tidocomo um obstáculo para efetivação dos projetos, é também um critério para considerar a

área como prioritária, pois exige um plano de manejo do território de maneira urgente

para que a ocupação indígena se efetive.

As Iniciativas Apresentadas

Conforme foi colocado inicialmente, a alavanca deste trabalho foi o seminário

POVOS INDÍGENAS E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL e, portanto, iremosnos concentrar nas iniciativas apresentadas naquela oportunidade. Foram elas:

A) o Termo de Cooperação Técnica, que prevê a participação dos Ministériosda Justiça - por intermédio da Funai que exercerá a coordenação, do Ministério do Meio

Ambiente, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, do Ministério doDesenvolvimento Social e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, como

forma de se criar o ambiente político-institucional de atuação governamental.Tal acordo

tem como objetivo promover e realizar ações de segurança alimentar e desenvolvimentosustentável com o foco em atividades produtivas.

A iniciativa resulta do acolhimento pelo Governo Federal das demandas

resultantes das 17 (dezessete) Oficinas Regionais - ocorridas entre o final de 2002 aténovembro de 2003 - e do Fórum Nacional para Elaboração da Política Nacional de

Segurança Alimentar e Desenvolvimento Sustentável dos Povos Indígenas, ocorrido emdezembro de 2003, eventos que serviram de consulta às lideranças indígenas de

aproximadamente 175 etnias.

Mesmo considerando a amplitude das discussões ocorridas nas Oficinas e noFórum Nacional, detectou-se a necessidade de dar maior atenção às questões relativas à

4 Sem querer desconsiderar as discussões em torno do conceito de etnodesenvolvimento (Stavenhagen,1984; Azanha, 2002), este está sendo aqui compreendido como a mudança no ritmo de aquisição detecnologia e transformações nos modos de produção, que contempla, fundamentalmente, o conhecimentolocal, a segurança alimentar e territorial, o manejo ambiental de forma sustentável e a promoção daautonomia da etnia envolvida.

Segurança Alimentar e ao Desenvolvimento Sustentável dos Povos Indígenas, razão

pela qual foram identificados os ministérios acima citados; percebendo a dimensão da

transversalidade que essa temática guarda com as questões de saúde e de educação, porexemplo, outros órgãos e setores responsáveis poderão ser chamados a contribuir, assim

como também aqueles que tratam dos aspectos culturais e fundiários de forma aalcançar o conceito de proteção integral dos povos indígenas e de suas terras.

Com a efetivação desse Termo de Cooperação, objetiva-se a compatibilização de

esforços de órgãos setoriais, a partir das suas atribuições institucionais e definição deprocedimentos integrados e complementares no sentido de otimizar recursos humanos,

materiais e orçamentário-financeiros.

B)o PRONAF — Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

— que objetiva apoiar as atividades agropecuárias e não agropecuárias exploradasmediante emprego direto da força de trabalho do produtor rural e de sua família.

Historicamente, o PRONAF apresenta o objetivo geral de elevar a capacidade

produtiva e a qualidade de vida dos agricultores familiares, por duas linhas estratégicas:uma que atua sobre a unidade produtiva e suas relações com o mercado e outra que visa

a infra-estrutura necessária à melhoria do desempenho produtivo dos agricultores

familiares (Costa, s/d).

No contexto da realidade rural brasileira, as populações indígenas têm tentando

acessar os recursos oriundos desse programa, seja através das unidades familiares, sejaatravés de organizações mais amplas, como, por exemplo, através de associações.

Porém, nem sempre a identidade indígena é revelada nessas transações, o que dificulta,

inclusive, uma avaliação mais detalhada sobre o Programa e sua relação com osindígenas.

Formalmente, a inclusão de populações tradicionais, como os povos indígenas e

quilombolas, no âmbito de atuação do PRONAF, começou antes mesmo da criação doMinistério do Desenvolvimento Agrário. Pescadores artesanais, aqüicultores e

extrativistas foram incluídos como beneficiários do programa ainda em 1997, masíndios e quilombolas, apesar de já se beneficiarem do programa há algum tempo, só

tornaram-se oficialmente público alvo do PRONAF em 2001, através do Decreto 3.991

de 30 de outubro de 2001, que institui o Grupo B5.No entanto, o que tem se percebido é que o avanço obtido, ao se contemplar tais

segmentos no PRONAF, não conseguiu acompanhar os anseios indígenas, que têm

encontrado dificuldades para atender as exigências formalmente estabelecidas, e tem

5 Souza (2002).

sido comum a opção pelas linhas de crédito superiores à linha “B”, sem, contudo,

considerar especificidades étnicas.

O PRONAF possui diferentes linhas de crédito, organizadas em quatrocategorias (A, B, C, D e E)6 , mas o acesso a elas apresenta uma série de dificuldades,

desde o atendimento aos pré-requisitos básicos para se candidatar até osdesdobramentos técnicos da execução dos projetos.

Dentre as linhas de crédito desse Programa, o PRONAF B indica claramente os

indígenas como um dos seus públicos prioritários7, mas que apresenta limitações emrelação aos valores financiados e aos procedimentos administrativos necessários para

sua utilização.

Esta realidade é facilmente observada em relação aos índios do Nordestebrasileiro. Problemas relacionados à falta de informação sobre as fontes financiadoras,

sobre a documentação exigida e as garantias a serem oferecidas, são os principaisempecilhos na solicitação dos recursos, mas que não estão limitados à população

indígena. Vigna e Sauer, ao efetuar uma análise do PRONAF, afirmam que esse tem

sérias limitações para chegar aos agricultores familiares mais descapitalizados eapresentam como exemplo mais explícito a dificuldade de implantar o PRONAF “B”,

projeto de microcrédito destinado ao auxílio dos agricultores mais pobres. Os próprios

gestores do PRONAF têm dificuldades até para cumprir as metas estabelecidas,considerando os limites impostos pelo sistema financeiro para a concessão de crédito

aos mais pobres (Vigna e Sauer,2001, p. 163).Os esforços atuais, de acordo com os dados apresentados na Oficina, têm se

dado para redesenhar o programa, conferindo-lhe o caráter de inclusão social a partir,

até mesmo da discussão sobre a pertinência do conceito de “agricultura familiar”.Os dados oficiais do Governo Federal, na atualidade, apontam para a inserção de

300 mil famílias no PRONAF e a sua atuação é descrita como de uma política de

microcrédito.Considerando essa nova direção do PRONAF, algumas mudanças já foram

realizadas na sua estrutura, como: aumento dos limites das linhas de crédito, ampliaçãodos agentes financiadores, mudanças de procedimentos para a implementação do

PRONAF infra-estrutura e simplificação do cadastro. No entanto, tais alterações ainda

não são suficientes para solucionar os problemas de acesso dos indígenas, e aformalização de uma linha de crédito que contemple as especificidades que vêm sendo

apresentadas continua a fazer parte das preocupações do MDA, conforme apresenta o

6 As linhas de crédito do PRONAF são definidas a partir da renda bruta familiar anual , correspondendo acada categoria, valores diferentes a serem disponibilizados, assim como se diferenciam: taxas de juros,período de carência para pagamento da dívida e bônus de adimplência.7 Apesar da Linha B do PRONAF fazer referência explícita aos indígenas, as linhas C e D não estãofechadas para os mesmos

documento que constituiu a base da discussão da oficina, intitulado Populações

Indígenas e o PRONAF8.

C) o Programa de ATER, que está sob a responsabilidade da Secretaria de

Agricultura Familiar do MDA, foi apresentado a partir das diretrizes da PolíticaNacional de Assistência Técnica e Extensão Rural.

No âmago da sua discussão está também o problema da amplidão da categoria

de “agricultura familiar”, além das repercussões das ações de ATER no plano local e anecessidade de garantia de um processo de formação continuada dos técnicos

envolvidos.

A Política Nacional de ATER prevê que os agricultores familiares têm a suadisposição uma política nacional de assistência técnica e extensão rural, a partir do

apoio da União, das políticas estaduais e das iniciativas de organismos nãogovernamentais. Entre as inovações apresentadas no ano de 2004, está a construção de

um sistema descentralizado com participação dos governos estaduais, organizações de

Ater estatais, não estatais e movimentos sociais.Dentro os beneficiários dessa política, estão explicitamente citados os

agricultores familiares, compreendendo “jovens e adultos de ambos os sexos, os quais

exerçam na propriedade não apenas as atividades agrícolas, como também atividadesnão agrícolas, além de pescadores artesanais, aqüicultores, extrativistas, indígenas e

membros de comunidades remanescentes de quilombos – enquadrados nos critériosestabelecidos pelo Pronaf/SAF/MDA”9

O destaque, ao direcionar o tema para as populações indígenas, é que, além de

explicitá-la como público beneficiário, propõe incorporar as dimensões de etnia, alémde gênero e de geração, nos temas transversais e na concepção de materiais didáticos,

contemplando ainda as características culturais, sociais, econômicas e ambientais da

região em que se encontra o favorecido.Com a preocupação da ampliação de uma rede de ATER e da capacitação, o

tema do etnodesenvolvimento foi indicado como um dos conteúdos a seremtrabalhados, sendo este entendido como a “política de desenvolvimento que valoriza

experiências históricas e culturais, recursos naturais, respeitando valores e aspirações

para potencializar a capacidade autônoma das populações etnicamente diferenciadas”.

8 Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Programa de Promoção da Igualdade em Gênero, Raçae Etnia. Documento Base para Discussão: Populações Indígenas e o PRONAF. Material divulgado naOficina de Trabalho Povos Indígenas e Desenvolvimento Sustentável, mai,2004. Esse documento apontaas principais dificuldades identificadas para o acesso dos indígenas ao PRONAF e fornece algumassugestões para a superação das mesmas.9 Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), Secretaria de Agricultura Familiar (SAF) Grupo deTrabalho Ater. Política Nacional de ATER e Extensão rural; versão final; 25/05/2004.

Nessa perspectiva, no que se refere aos conteúdos específicos de capacitação

“deverão ser tratados os conhecimentos demandados por uma mesma microrregião ou

território étnico, identificados a partir de necessidades específicas do públicobeneficiário ou das realidades culturais, políticas, econômicas, ambientais e sociais em

que estão inseridos”10.Objetivando estimular o desenvolvimento etnosustentável das populações

indígenas e quilombolas, por meio de atividades educativas que visem o apoio à

produção diversificada, seu beneficiamento e comercialização, gestão do território,fortalecimento das formas de organização e conhecimentos tradicionais, são propostos

conteúdos específicos, como:

Princípios antropológicos

Gestão e segurança territorial

Manejo ambiental e recursos naturais

Produção orgânica e práticas locais

Comercialização, valorização da produção e agregação de valor

Criação e manejo de animais de pequeno, médio e grande porte

Aproveitamento racional dos recursos hídricos

Beneficiamento de plantas nativas e cultivadas

Resgate, conservação e criação de bancos de germoplasma

Sementes e mudas tradicionais

Gestão, implementação e avaliação de projetos-Legislações específicas e

ambiental

Os quilombos

Etnodesenvolvimento

Atividade de subsistências: Agricultura; Extrativismo e manejo florestal -

madeiras, palmito, castanha, borracha, plantas medicinais, plantas ornamentais

Pesca e aqüicultura

Atividades de geração de renda para a comercialização baseada em práticas

tradicionais (agricultura; extrativismo e manejo florestal - madeiras, palmito,castanha, borracha, plantas medicinais, plantas ornamentais

Artesanato de produtos agrícolas, florestais e de utensílios

O papel da mulher e dos/as jovens na produção e na organização social e política

das comunidades (relações de gênero e raça).11

10Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Secretaria de Agricultura Familiar (SAF). Seleção deProjetos de Capacitação de Agricultores Familiares e Técnicos/2004 .

11 Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Secretaria de Agricultura Familiar (SAF). Seleção deProjetos de Capacitação de Agricultores Familiares e Técnicos/2004 .

D) a Carteira de Projetos: Fome Zero e Desenvolvimento Sustentável em

Comunidades Indígenas. Esta consiste numa ação conjunta do Ministério doDesenvolvimento Social e Combate à Fome- MDS, por meio da Secretaria Nacional de

Segurança Alimentar e Nutricional e do Ministério do Meio Ambiente – MMA, atravésda Secretaria de Políticas para o Desenvolvimento Sustentável, e integra as políticas

públicas do governo federal que, no seu conjunto, de acordo com o documento que

apresenta essa carteira de Projetos, “têm como meta resgatar a dívida histórica doEstado e da sociedade brasileira com os povos indígenas do território nacional, com

ênfase na demarcação de suas terras e na melhoria da sua qualidade de vida, em bases

sustentáveis e respeitadas a sua autonomia e identidades culturais”.

O mesmo documento também indica que esta iniciativa prevê um investimento

inicial de 7 milhões de reais, para apoio e fomento a projetos de segurança alimentar edesenvolvimento sustentável em comunidades indígenas, e reforça as ações do Fome

Zero junto a essas comunidades, executadas pelo MDS, e as ações de apoio ao

desenvolvimento sustentável e gestão ambiental de suas terras, implementadas peloMMA.

Situando-se nessa proposta mais ampla, do ponto de vista operacional, a Carteira

de projetos objetiva realizar, em âmbito nacional, ações de fomento e apoio a projetosde segurança alimentar e desenvolvimento sustentável em comunidades indígenas, com

foco na produção sustentável de alimentos, do agroextrativismo e do artesanato, deacordo com as demandas das sociedades indígenas, respeitando suas identidades

culturais e sua autonomia, e preservando ou recuperando o ambiente12.

Os projetos a serem contemplados pela Carteira devem estar relacionados àsseguintes atividades:

a) Práticas sustentáveis de produção de alimentosb) Práticas sustentáveis de produção, beneficiamento e comercialização da

produção agroextrativista e do artesanatoc) Revitalização de práticas e saberes tradicionais

d) Apoio ao fortalecimento da capacidade técnica e operacional das organizações e

comunidades indígenas

12 Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS)/Secretaria Nacional e SegurançaAlimentar e Nutricional – Ministério do Meio Ambiente ( MMA)/Secretaria de Políticas para oDesenvolvimento Sustentável Carteira de Projetos Fome Zero e Desenvolvimento Sustentável emComunidades Indígenas. Diretrizes Gerias de Funcionamento e Acesso aos Recursos para Projetos.,Jun,2004

No foco desta iniciativa estão as etnias indígenas que apresentam dificuldades,

problemas e riscos para garantir, de forma sustentável, alimentação suficiente e de

qualidade para sua população. Para atender a esses critérios, foram instituídas diretrizesa fim de determinar as áreas prioritárias. Serão então contemplados os projetos de

comunidades em situação grave e emergencial de carência alimentar; os projetos decomunidades cujas terras apresentem situação emergencial de degradação ambiental que

dificulta ou impede a produção de alimentos ou outras atividades voltadas para a

subsistência de sua população; projetos de comunidades nas quais a produção dealimentos é dificultada ou impedida em razão do tamanho da terra em relação à

quantidade de pessoas que nela vivem; projetos de comunidades indígenas acampadas

ou residentes em áreas urbanas, desde que promovam e incentivem, obrigatoriamente oretorno das comunidades às suas terras, conforme a especificidade da situação; projetos

de comunidades localizadas em áreas próximas a centros urbanos; projetos de infra-estrutura, faixa de fronteira e frentes de expansão agropecuária ou mineral, cujas terras

estejam sob pressão externa, em situação de risco ou conflito; projetos de comunidades

com experiências de desenvolvimento sustentável já iniciadas, que demonstrem queestão encontrando um caminho para a recuperação e preservação do meio ambiente,

associadas à segurança alimentar de sua população.

A relevância desta Carteira de Projetos também se dá por priorizar os projetosapresentados por organizações indígenas, mas também permite a participação de

organizações não governamentais indigenistas e socioambientalistas, universidades ecentros de pesquisa, com os quais a comunidade mantém uma relação de confiança.

E) o Programa Nacional de Merenda Escolar Tradicional, específico para asescolas indígenas e que foi efetivado desde outubro de 2003. Segundo dados do MEC, a

merenda da escola indígena tem um custo três vezes superior ao da escola não-indígena

e os recursos são passados para quem gerencia as escolas (municípios, estado). Osvalores são calculados de acordo com o censo escolar, considerando o custo de R$ 0,34

por aluno multiplicado por 25 dias mensais.Na tentativa de se aproximar das necessidades dos indígenas, o MEC apresentou

a proposta de aquisição da merenda no interior das terras indígenas, chamando atenção

que, para respeitar plenamente os hábitos alimentares e as culturas indígenas, o ideal éque a merenda seja adquirida dos próprios produtores indígenas. Entre outras, esse

procedimento traria as seguintes vantagens: contribuiria para melhora sensível na

qualidade e quantidade de merenda adquirida; eliminaria custos com transporte earmazenamento; traria novas oportunidades de distribuição de recursos e renda para a

população que vive nas terras indígenas; contribuiria para a recuperação de gêneros

alimentícios tradicionais que estão caindo em desuso, substituídos por alimentos

adquiridos nas cidades; contribuiria para a autonomia das comunidades indígenas; traria

novas alternativas de trabalho e renda para milhares de jovens indígenas, principalmentedos povos do Nordeste, Sudeste e Sul que vivem em terras indígenas de extensão

territorial muito reduzida e/ou em áreas degradadas ambientalmente.Destacou-se que, para a implementação do Programa Nacional de Merenda Escolar

Tradicional , existem alguns desafios a serem enfrentados: 1) É preciso organizar um

amplo programa de apoio aos produtores indígenas. Esse apoio deve proverfinanciamento, assistência técnica para incrementar a produção de todo tipo de gêneros

alimentícios, organizar a distribuição de gêneros e capacitar agentes indígenas para

gestão administrativa/contábil de todo o processo. 2) É preciso flexibilizar as regraspara prestação de contas dos recursos aplicados de modo a viabilizar a compra dos

produtores indígenas. Na atualidade, todas as compras devem ser feitas contra aapresentação de notas fiscais e, de acordo com instruções do TCU, é necessário o

processo de licitação para aquisição dos gêneros para a merenda escolar.

Para Além das Proposições

Diante de um contexto bastante favorável para o reconhecimento da diversidadesócio cultural e para a ampliação das políticas, dos programas e das ações

governamentais com vistas a dar conta dessa diversidade, é importante que possamostambém visualizar os impasses com os quais essas iniciativas têm se defrontado.

Do ponto de vista histórico, há a necessidade de se atentar para as relações que

foram estabelecidas no decorrer dos anos entre o Estado e as populações indígenas,principalmente, através dos órgãos indigenistas oficiais — SPI e FUNAI. Relações

clientelistas e assistencialistas promoveram a cristalização de um campo desigual de

poderes e comprometeram a concepção de autonomia e autodeterminação dos povosindígenas. Há, portanto, um grande receio, por parte de indígenas e indigenistas, com o

formato que os programas possam vir a assumir, pois poderão reforçar o vício edesequilibrar as forças no plano local em que estão presentes tais comunidades.

A maior contribuição que podemos abstrair das iniciativas apresentadas é a

mudança que se dá na própria concepção de relação que o Estado passa a manter com associedades indígenas. Obviamente, há de se ter o cuidado para não isentar esse mesmo

poder público das responsabilidades no que tange à morosidade de decisões cruciais,

como a homologação de terras indígenas ou a tramitação do novo Estatuto dasSociedades Indígenas. Eis uma das principais contradições que encontramos nas esferas

de decisão. No entanto, como destaca Schneider, (2004), no período recente mo Brasil,

houve uma descentralização e o reforço no protagonismo de novos “personagens” na

cena política, possibilitando a expressão dos interesses e demandas daqueles setores

sociais tradicionalmente excluídos e, no que se refere às políticas relacionadas àsegurança alimentar e sustentabilidade, está sendo observada uma maior participação de

representantes indígenas.Outros aspectos ainda merecem ser discutidos:

a) Universalidade dos Programas X EspecificidadesApesar de consideramos as diferentes situações em que se encontram os vários

grupos indígenas — desde aqueles que vivenciam, desde os primórdios da colonização,

a experiência da supremacia de uma lógica exógena, até aqueles contatados maisrecentemente — de uma maneira geral, verificamos que há uma certa resistência de se

discutir o crédito para essa população. Ora a resistência é justificada pela julgadaincapacidade dos indígenas de se administrar os recursos, ora por se considerar a

impropriedade de o Estado fomentar a monetarização da economia indígena.

O maior problema parece residir na ausência de dados sobre os sistemas deprodução das sociedades indígenas. A carência dessas informações constitui um dos

maiores obstáculos para as políticas públicas, que passam a se pautar em estimativas

superficiais e genéricas.Em relação ao acesso dos indígenas às linhas de crédito do PRONAF, as

informações são escassas e desarticuladas. Num dos pouco trabalhos existentes sobre atemática, Souza(2002) constata que, no ano de 2000, houve a celebração de 150

contratos, sendo 42 grupais e 108 individuais e todos na região Nordeste

(principalmente nos estados de Alagoas, Sergipe e Pernambuco). Este autor sugere queesses contratos sejam relativos ao PRONAF “B” e cita mais três acessos de grupos

indígenas no sul dos Brasil, porém, relativos ao PRONAF “C”.

Na tentativa que fizemos de efetuar tal cômputo no estado de Pernambuco, noano de 2002, tivemos uma enorme dificuldade devido ao fato de o cadastro utilizado

pelos agentes financeiros, não prever um espaço para o registro da etnia.Outra tentativa, no ano de 2004, foi feita pelo Programa de Promoção da

Igualdade em Gênero, Raça e Etnia, através da consulta às Administrações Executivas

Regionais da FUNAI. As respostas que foram enviadas não apontavam conhecimentosobre o acesso dos indígenas às linhas de crédito do PRONAF. No entanto, consultas

realizadas de maneira informal durante os nossos contatos com as próprias comunidades

e com unidades administrativas de órgãos públicos presentes nas suas proximidades,indicam que o crédito tem chegado a alguns grupos indígenas. Vale ressaltar que essa

prática tem se efetivado por conta da atuação de alguns índios, individualmente, que

gozam de prestígio junto ao órgão indigenista oficial — como ocorreu com os Kaingang

de Santa Catarina — e conseguiram obter a garantia de um fundo de aval com a

FUNAI, ou, no caso do Nordeste, conseguiram a carta de aptidão também emitida pelaFUNAI. Em outros casos, o acesso é feito sem que os mesmos sejam identificados

enquanto indígenas.A outra questão a considerar é a que se refere à monetarização da economia

indígena. De fato, a experiência entre os Ashaninka do ACRE com os recursos advindos

de projetos para atividades produtivas, demonstra um processo em que as atividadesanteriormente priorizadas e que se articulavam com o mercado das redondezas, como

aconteceu com a criação extensiva de gado, não contribuiu para a segurança alimentar

daquele povo, fragilizando também a segurança territorial e os recursos ambientais, coma destruição da flora nativa para dar espaço aos pastos. Diante dos problemas que

começaram a enfrentar, os Ashaninka redirecionaram suas iniciativas, envolvendo osrecursos advindos a projetos situados num plano de manejo de seu território que o

considera como um todo, cujas estratégias, pautados nos princípios agroflorestais,

prevêem a recuperação ambiental e a diversificação das atividades produtivas, a fim degarantir a sustentabilidade. A posição dos Ashaninka, de maneira geral, é contrária ao

acesso a linhas de crédito.

Porém, diferentemente, do visualizado nessa experiência, existem povos que seencontram totalmente inseridos em contextos em que o acesso a tais recursos

financeiros já faz parte da sua realidade. O pleito dos mesmos passa a ser a capacitaçãopara lidar com o gerenciamento dos recursos e exigências administrativas. O excesso de

burocracia e a falta de flexilibidade, principalmente dos operadores do crédito, têm

dificultado o êxito das iniciativas. As exigências, como nota fiscal, licitação, etc,inviabilizam os projetos; há necessidade de elaborar formas alternativas, pois, se não se

resolve o problema da burocracia, as iniciativas já nascem fadadas ao fracasso. Essas

dificuldades podem ser superadas se forem disponibilizados formatos diferentes para oacompanhamento e avaliação dos projetos, como fotografia, filme e relatos de

experiência.Importante também passa a ser a apropriação, por parte dos indígenas, das

discussões a respeitos da obtenção do crédito. Uma reflexão deve ser motivada com

agentes que estão mediando a obtenção dos recursos para se avaliar as conseqüências docrédito na vida da comunidade. A realização de fóruns regionais para a discussão sobre

o crédito, acompanhada da constituição de um “comitê gestor” para realizar o controle

dos recursos e das atividades a eles associadas, pode ser um caminho para se lidar comesse mecanismo de forma positiva.

Quanto ao formato do PRONAF na atualidade, podemos constatar que ainda não

se encontra afeito às especificidades existentes quando os beneficiados são os indígenas.

As primeiras tentativas de aproximação de crédito para esses povos passam a ter um

caráter pedagógico para todos os envolvidos. As experiências que começam a seconcretizar, na verdade, têm a importância de indicar os princípios que deverão nortear

a estruturação do que possa vir a ser um PRONAF Indígena, que, de acordo com assugestões apresentadas na Oficina, deverá desvincular o acesso dos indígenas ao

PRONAF da dimensão territorial ocupada e da renda familiar e terá um cadastro

especial a fim de contemplar as peculiaridades existentes, possibilitando o controle e aavaliação do programa.

Ao reconhecer as potencialidades dos povos indígenas, é importante que os

mesmos venham a ter assento nos espaços decisórios das políticas públicas eorganizações indígenas poderão ser incluídas na listagem das entidades credenciadas

para emissão da DAP — Declaração de Aptidão — documento que atesta a capacidadedo solicitante para obtenção do empréstimo.

Representantes indígenas têm sugerido também a criação de um fundo para

avalizar o crédito concedido, com o controle exercido pelos índios, que funcionariacomo um seguro e teria caráter educativo.

Por fim, para superar as dificuldades de operacionalização do crédito para

indígenas, há necessidade de também se investir na capacitação dos seus operadores.Estes têm expressado, com freqüência, a falta de informação sobre as populações

indígenas que se traduz nos preconceitos que têm dificultado a liberação dos recursosdestinado à agricultura familiar para requerentes índios/as. Este investimento,

provavelmente envolverá uma campanha de sensibilização dos operadores (em níveis

distintos) para viabilizar a capilaridade do crédito e a ampliação das instituições que ooperam.

b) Unidades Referenciais Consideradas na Escolha das Áreas PrioritáriasNa tentativa de garantir que os recursos sejam disponibilizados de forma

equânime, alguns critérios vêm sendo discutidos e estabelecidos. No caso do Edital deCapacitação de Agricultores Familiares e Técnicos 2004, é apresentada uma listagem

com os Territórios Rurais Prioritários para a SDT — Secretaria de Desenvolvimento

Territorial — do MDA. Trata-se de uma aproximação das demandas apresentadas pormunicípios ou por um grupo de municípios articulados através de uma rede de

cooperação. No entanto, ao considerar os conflitos e as tensões entre populações

indígenas e administrações municipais, pois esta relação geralmente envolve disputaspor terras e concepções diferentes de desenvolvimento, corre-se o risco dos pleitos

indígenas serem desconsiderados. Além disso, a delimitação dos territórios indígenas,

muitas vezes, envolve vários municípios, podendo, alguns deles, não estarem

identificados como prioritários13.

Assim como já foi referenciado no item anterior, a ausência de dados e adesatualização dos existentes reforçam a precariedade das bases para a elaboração das

políticas. Algo que é apontado como problemático pelos representantes indígenas queparticiparam da Oficina Povos Indígenas e Desenvolvimento Sustentável, consiste nas

informações do Mapa da Fome (INESC/ANAI, 1995). Pelo fato de tal estudo ter sido

realizado há dez anos atrás, não corresponde mais à realidade atual e, no entanto, aindaé utilizado como forma de definir as etnias que terão prioridade para as ações a serem

efetivadas pelo Termo de Cooperação Técnica.

Um cuidado a ser então considerado por essas iniciativas é a possibilidade deflexibilização dos critérios, pela necessidade de atentarmos para as especificidades que

envolvem as diversas etnias e as situações que se colocam no presente. Ao encontrodessa possibilidade, vai o estabelecimento de parcerias entre os ministérios e as

secretarias envolvidas com a temática indígena, e instituições — universidades, centros

de pesquisa e organizações não-govermentais —, a fim de se ampliar as bases deinformações sobre os grupos indígenas.

c) Concepções , Elaborações e Acompanhamento dos ProjetosAlguns cuidados estão sendo destacados nas iniciativas apresentadas neste

trabalho, como a exigência de maior participação indígena em todas as fases dosprojetos, reconhecendo a capacidade dessas comunidades elaborarem seus próprios

projetos, negando os modelos históricos com viés assistencialista.

Deve-se, no entanto, destacar que, para tal, há necessidade de realização decursos de formação de gestores de projetos para os próprios índios, garantindo a

qualidade técnica pra o gerenciamento dos recursos. Tais iniciativas devem ainda

contemplar o conhecimento da legislação brasileira, e propiciar a divulgação detrabalhos indígenas, como uma política de reconhecimento pelo Estado, no plano

municipal, estadual e federal.

d) Suporte Técnico para os Projetos

A inexistência de recursos humanos para dar suporte técnico aos projetos temsido a marca da maioria das situações. Assim, os investimentos devem priorizar a

formação de técnicos indígenas, a fim de constituir sistemas diferenciados de

13 Apesar de formalmente presentes no referido edital, esses critérios estão sendo relativizados econjugados com outras informações oriundas, por exemplo, dos dados compilados recentemente peloMDA sobre as áreas indígenas em conflitos, a fim de se ajustar às situações que vêm sendo postas noplano local.

desenvolvimento, pois os projetos são elaborados sem considerar a lógica dos povos

indígenas. Alguns casos que acompanhamos mais de perto, como a obtenção de

recursos do PRONAF C pelos índios Pipipã de Pernambuco, demonstram que ainadimplência deles está diretamente relacionada à falta de assistência técnica para dar

suporte ao rebanho de caprino adquirido. Esse aparato, que só se deu nas fases iniciaisdo projeto, mostrou-se destoante: os animais foram escolhidos pelos técnicos que

optaram por animais de raça, pouco afeitos à rusticidade da caatinga. Acrescenta-se a

esse problema, que a aquisição dos animais só poderia ser feita aos criadores indicadospelos técnicos do banco que operou o crédito.

Os projetos são, geralmente, concebidos para atender um número pequeno de

famílias e não prevê a sua articulação com um plano de manejo do território como umtodo e há uma tendência em priorizar um tipo de cultura/criação, o que compromete a

sustentabilidade e a diversificação das atividades.Existe, portanto necessidade de um planejamento geral, englobando:

reflorestamento, plano de manejo da fauna, plano de manejo dos rios, incrementação do

artesanato e valorização da cultura local e que considere o território indígena como umtodo.

Como recomendações, no que refere à assistência técnica e extensão rural, as

discussões resultantes da Oficina Povos Indígenas e Desenvolvimento Sustentável,apontaram a necessidade de:

participação efetiva da comunidade;

Metodologias que prevejam um entendimento entre os

técnicos e as comunidades;

Capacitação de agentes agroambientais diferenciada , por região ou bioma ;

Estímulo à produção orgânica;

Fortalecimento e revitalização das culturas, das formas tradicionais de plantio,

das sementes e das espécies de uso tradicional;

Desenvolvimento de pesquisas pelas próprias comunidades sobre os alimentos

tradicionais;

Fortalecimento dos sistemas e dos alimentos tradicionais; promoção de

intercâmbio entre os vários povos, aldeias, garantindo a troca de experiências;

Previsão de assistência técnica e extensão rural contemplando uma metodologiaelaborada no plano local, sendo estabelecida uma fase de levantamentos dos

dados junto à comunidade indígena envolvida, destacando suas possibilidades, o

conhecimento local e os recursos disponíveis.

e)Articulação Institucional e Difusão de Informações

Para a superação dos problemas identificados e para a efetivação das

recomendações presentes nesse artigo, há necessidade, sobretudo, do estabelecimento deiniciativas que se dão num plano ainda mais abrangente das políticas aqui referidas.

Trata-se de se firmar uma política fundiária para regularização dos territórios indígenase estabelecer uma instância maior de articulação da política indigenista, como sugere a

formalização de um Conselho Superior de Política Indigenista.

Um fórum que viabilize uma integração institucional propiciará o controle dasdiretrizes apontadas pelas políticas públicas e os recursos a elas destinados,

possibilitando, inclusive, um maior controle das informações por parte dos indígenas. O

que tem sido vivenciado, nos últimos anos, é uma desordenada descentralização e umadas demandas indígenas se dá para que possa ser elaborado um material de divulgação

que compile e lhes apresente os mecanismos e programas de fomento e de créditooferecidos pelo Governo Federal. Nesse mesmo sentido, um dos indicativos finais da

Oficina é a constituição de um Grupo de Trabalho para elaborar um novo programa de

crédito e de financiamento, de maneira mais ampla, direcionado para as atividadesrelacionadas ao etnodesenvolvimento.

Desafios e Provocações

Os desafios estão postos. A provocação se dá no intuito de dar concretude àsproposições e superar os impasses encontrados. As estratégias parecem tomar corpo:

seminários, fóruns, aproximação do plano local. O desenho das novas políticas públicas

está indicando os novos caminhos, mas há de se atentar que os avanços necessitamfirmar, no plano estrutural, a garantia do espaço para um diálogo democrático, que

contemple não apenas a diversidade de atores, mas a diversidade de lógicas e de

saberes.Há bem pouco tempo, os princípios que sustentam a pluralidade étnica e cultural

ficavam à parte das políticas voltadas para a segurança alimentar e auto-sustentação.Vislumbramos, nesse sentido, que limitações ideológicas e programáticas estão sendo

superadas, assim como está sendo suplantada a percepção anacrônica dos povos

indígenas em nossa sociedade, criando o ambiente propício para a compreensão do meiorural de forma diversificada — cujo argumento de sustentação vai muito além do que

explica a sociedade de classes.

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