Artigo salvo versao2
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A EVOLUÇÃO POLÍTICA DO BRASIL: COLÔNIA, IMPÉRIO E REPÚBLICA
Danilo D´Silva Duarte1
RESUMO
O presente artigo analisa as origens e transformações das estruturas políticasdo Brasil, atentando também para a discussão em torno dos diferentes projetose grupos políticos que se confrontaram na organização da sociedade brasileiraao longo das décadas, expondo ao final, a repercussão das atuais manifestaçõesde junho de 2013. Palavras-chave: política; partidos; mobilizações.
INTRODUÇÃO
A compreensão a respeito das transformações históricas da
política brasileira se encontra interligada ao processo de
consolidação do Estado português, em meados do século do século
XI, quando se instituiu uma monarquia empreendedora e fortemente
centralizadora no contexto do capitalismo comercial, a partir do
século seguinte.
Neste sentido, a monarquia portuguesa instituiu bases
sociais, políticas e econômicas, voltadas para a sustentação do
1
Discente do curso de especialização em História do Brasil dasFaculdades Integradas Espírita. E-mail para contato:[email protected].
aparato governamental que privilegiou a cidade ao campo e que
transformou o Estado em uma [...] empresa do príncipe, que
intervém em tudo, empresário audacioso, exposto a muitos riscos
por amor à riqueza e a glória.”2
Este patrimonialismo foi transplantado para o Brasil, com a
organização de um Estado colonial que segundo alguns autores,
antecedeu a formação da sociedade, motivando inclusive o
comentário de Alceu Amoroso Lima, segundo o qual “[...] O Brasil
teve estado, antes de ter povo”.3 Outros estudiosos refutam tal
afirmação, inferindo que o poder político exercido pelos
latifundiários foi mais forte do que o poder estatal, levando
inclusive a sua fragmentação. Ainda neste sentido, a concepção
marxista procurou demonstrar que o poder público serviu de
“instrumento” para a “classe dominante”, formada por
proprietários rurais e mineradores. No sentido oposto e
inspirados em Weber, houve ainda aqueles que enfatizaram a sólida
influência do estamento burocrático no controle do Estado,
atuando acima de interesses particulares.4
2 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato políticobrasileiro. 3º ed. São Paulo: Globo, 2001. p.40.3
LIMA, ap. WEHLING, Maria José C.M. Formação do Brasil colonial. 4º ed.Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005. p.309.4 WEHLING, Arno; WEHLING, Maria José C.M. Formação do Brasil colonial. 4ºed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005.p.309-310.
2
Para os historiadores Maria e Arno Wehling, todos estes
posicionamentos possuem sua importância interpretativa, porém
tendem a se dissipar em elocuções generalizantes, quando
enfatizam apenas o aspecto global, deixando de lado os fenômenos
particulares no estudo do tema. Para os autores, não houve uma
homogeneização da presença estatal na colônia, tanto no tempo,
quanto no espaço. Por outro lado, a incidência de forças locais,
também não minou a prerrogativa governamental no funcionamento da
estrutura mercantilista na América Ibérica. Além disto, faz-se
necessário perceber que a organização da dinâmica colonial
reproduziu também as contradições sociais presentes em Portugal,
uma vez que:
“[...] o Estado português no Brasil reproduzia suacaracterística metropolitana: uma permanente tensão entre asforças centralizadoras do absolutismo e forças sociaiscentrífugas, cuja atuação no Brasil acabou sendo facilitadaem diversos casos pela distância de Portugal. Ademais, oEstado não era algo separado da sociedade: ele próprio tinhaaspectos e valores estamentais, como a venalidade de algunsofícios, o enobrecimento dado pelos seus cargos e asexigências de “limpeza de sangue” [...] para ascender aeles.”5
O Estado português inserido no Brasil apresentou-se então
como um modelo patrimonialista, engendrado pela dinâmica de
enriquecimento da coroa mediante a organização de um estamento
burocrático, responsável por manter em funcionamento a estrutura
mercantilista e personalista da monarquia ibérica.
5 Id. ibid., p.310-311.
3
Foi neste contexto que se forjou a estrutura política
nacional, e no qual o Estado patrimonialista se moldou as
transformações históricas sem, no entanto, abandonar a nefasta
prática de abarcamento da coisa pública por agentes ligados a
máquina estatal em uma sociedade na qual a cidadania política,
ainda apresenta dificuldades para se fazer representar entre a
classe política.
DA COLÔNIA AO IMPÉRIO
A colonização da América ibérica entrelaçou-se ao processo
de expansão comercial português no início da Idade Moderna. No
entanto, as primeiras décadas não lograram grande entusiasmo aos
ímpetos mercantilistas, revelando um território que nas palavras
de FAORO, apresentava-se “[....] sem ouro, nem prata [e]
desprovido das riquezas da índia, não oferecia nada ao nobre, ao
comerciante, ao burocrata”.6 Era, porém, uma terra que se
convertia na esperança de estamentos menos favorecidos pelas
benesses do Estado patrimonial e que embebidos na visão edênica
da colônia, fantasiaram uma vida acessível à liberdade e a
riqueza e talvez, com o desfecho glorioso de retorno à terra
natal. Desta forma, o processo colonizador objetivou
inicialmente, consolidar a ocupação do novo território e ao mesmo
tempo, “desafogar” o excedente populacional do reino, tendo,
6 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato políticobrasileiro. 3º ed. São Paulo: Globo, 2001. p.121.
4
contudo, a preocupação de instituir uma dinâmica de exploração e
canalização de recursos para a metrópole.
Neste primeiro momento, instituiu-se um sistema já utilizado
na África e Índia: as feitorias, as quais foram organizadas
mediante o estabelecimento de concessões firmadas pela “carta de
privilégio”. O rei comprometia-se a garantir a proteção naval e
territorial, enquanto o contratador por sua vez, deveria garantir
a exploração do pau-brasil e o seu envio para os mercados
distribuidores europeus. O sistema de feitorias, no entanto,
mostrou-se frágil perante o assédio de outras nações, como a
França e a Espanha e a dificuldade para consolidar relações com
os povos nativos.
Preocupado em garantir a consolidação da estrutura
mercantilista, Portugal recorreu a outro artifício já presente em
outras colônias: a produção açucareira. Com isso, o território
foi organizado em capitanias, as quais serviriam não apenas à
exploração econômica, mas também para a consolidação da presença
portuguesa na colônia. A partir da “carta de doação”, elas [as
capitanias] se tornavam inalienáveis e permeáveis a transmissão
hereditária, cabendo aos Capitães-Donatários, uma série de
funções, tais como exercer a função de representantes reais,
distribuir sesmarias, cumprir o monopólio de exploração
econômica, criar vilas e dispor de direitos fiscais, entre
outros. Segundo FAORO, a relação que se estabeleceu entre
Capitães-Donatários e monarcas, evidenciou principalmente, o
5
risco constante de desvios e irregularidades na obediência aos
ditames monárquicos.7
Tão logo a economia açucareira adaptou-se as condições
existentes na América Ibérica, revelou o grande ônus inerente ao
seu cultivo. Os investimentos necessários centraram-se
principalmente na aquisição de mão-de-obra africana, exigindo dos
proprietários, o alargamento constante da área de cultivo, o que
no plano político, representou o surgimento dos potentados rurais
e suas forças militares privadas. Durante o período de vigência
das donatarias, percebeu-se um crescimento da autonomia política
de donatários e colonos, graças à delegação de autoridade aos
latifundiários, face à grande dispersão territorial. Os
tentáculos do Estado patrimonialista estavam sendo amputados,
porém ante a sua fraqueza, mostrava-se uma nova possibilidade
para o seu fortalecimento.
A mudança do regime de donatarias para o Governo-Geral, em
1548, constituiu uma guinada à centralização, graças à
instauração do Regimento de 17/12/1548, que constituiu a
efetivação da colonização do Brasil, preconizou a unidade
territorial e jurídica da colônia e acima de tudo, combateu os
ímpetos particularistas que se mostravam cada vez mais
ascendentes. Segundo FAORO, a importância do Regimento, reside
em dois aspectos: em primeiro lugar, consolidou a prerrogativa
real na administração da colônia e em segundo, reforçou o aspecto
7 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato políticobrasileiro. 3º ed. São Paulo: Globo, 2001. p.141.
6
patrimonialista desta administração, mediante a apropriação e o
direito real sobre as capitanias.8
Com o Governo-Geral, Portugal ensejou estabelecer na colônia
um prolongamento passivo das suas instituições, forjando uma
estrutura política do alto, que procurou minar a ascendência de
lideranças particulares, com a inserção de funcionários da
burocracia real nos moldes da estrutura patrimonialista, a partir
da concessão de honrarias e títulos e a nomeação de ouvidores e
provedores – mor, capazes de garantir a unidade administrativa,
jurídica, política e financeira da colônia.
Durante este período, ganhou destaque a atuação das
bandeiras, iniciadas no final do século XVI e destinadas à
dilatação do espaço territorial e posteriormente, ao apresamento
de nativos e a busca de metais e pedras preciosos. Era uma força
particular, mas sob a égide estatal. Havia nesta prerrogativa,
uma certa tolerância aos ímpetos autonomistas dos desbravadores
que “rasgavam” a golpes de machado, as entranhas da colônia,
porém, quando chegou aos ouvidos do rei, a notícia da existência
de minas de ouro na região sudeste, retomou-se o ímpeto
centralizador ferrenho da administração metropolitana, segundo a
qual:
“A política seria, daqui por diante, outra: o governometropolitano calaria a insubmissão – o rei tomaria conta,diretamente, do seu negócio, negócio seu e não dospaulistas. O ciclo do ouro, no fim do século XVII, se
8 id. ibid., p.168.
7
conjuga com as medidas e absolutistas do Portugalrestaurado. 9
O contexto político português na metade do século XVIII iria
intensificar o controle metropolitano sobre a colônia, com a
vigência do período de governo de Sebastião José de Carvalho e
Mello, o Marquês de Pombal. Entre as medidas adotadas pelo seu
governo, destaque para a expulsão dos jesuítas da colônia e a
elevação do Brasil ao posto de reino de Portugal, em 1762. Além
disso, a mineração na região sudeste contribuiu para o
deslocamento do centro político e econômico da colônia para a
região sudeste, graças à nomeação do Rio de Janeiro ao posto de
capital da colônia, em 1763.
No alvorecer do século XIX, mudanças no cenário político
europeu causaram impacto também no Brasil. A Revolução Francesa
(1789) e os seus desdobramentos, em especial a aprovação da
Constituição Liberal Burguesa (1791) representaram um libelo à
elite dominante colonial, sucumbida desde meados do século XVIII
a reação centralizadora da coroa e que se viu limitada
politicamente, na atuação dentro das câmaras municipais.
A crise nas exportações de ouro e cana-de-açúcar, finalmente
mostrou aos latifundiários, o peso do pacto colonial, revelando
não apenas os males da dependência em relação à metrópole, mas
também da canalização de grande parte da renda colonial para o
exterior. Ainda no final do século XVIII, os movimentos
antiportugueses – Conjurações Mineira, Baiana e Carioca -
9 id. ibid., p. 189.
8
influenciados por ideais iluministas e contrários a dependência
colonial, iriam revelar a decadência do sistema mercantilista.
A transmigração da corte portuguesa em 1808 representou o
golpe fatal a este sistema, pois concedeu a colônia, no âmbito
político e posteriormente, jurídico, o reconhecimento da sua
autonomia perante o combalido reino lusitano. Com Dom João e a
família real, mudaram para o Brasil um extenso séqüito de nobres
e funcionários reais, aglutinando no Rio de Janeiro, o centro das
decisões políticas e administrativas da corte, garantindo
principalmente, a manutenção da Casa Real de Bragança.10
Em sua primeira medida no Brasil, Dom João abriu os portos
do território as nações amigas, sobretudo a Inglaterra,
promovendo uma mudança contraditória, pois ao mesmo tempo em que
aumento a arrecadação fazendária, também colocou a nova sede da
coroa, sob o julgo econômico da Inglaterra.
No Rio de Janeiro, instituiu-se uma nova corte formada entre
os prósperos comerciantes e latifundiários, além da nobreza
transmigrada.11 Claramente, no entanto, prevaleceu o favorecimento
a nobreza lusitana, agraciada com honrarias, títulos, posses e
cargos públicos, incomodando os brasileiros, que se ressentiram
com a concessão destes privilégios aos reinóis. Desta forma, a
estrutura administrativa e política, voltou-se principalmente
para a sustentação da corte portuguesa, drenando recursos do Real
10 GOMES, Laurentino. 1822: como um homem sábio, uma princesa triste e umescocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil, um país quetinha tudo para dar errado. Rio de Janeiro, 1º ed. Rio de Janeiro: NovaFronteira, 2010 p.70.11 id. ibid., p.70.
9
Erário e fazendo valer a prática do “favorecimento” em troca da
manutenção do poder real.
Logo, porém, a presença da monarquia portuguesa seria
contestada pela elite do Recife, em 1817, quando latifundiários
embebidos na ideologia liberal e aglutinados na Maçonaria,
bradaram contra os impostos onerosos, considerados incapazes de
suprir as necessidades da população contribuinte. Mais do que
isso criticavam a própria “[...] manutenção da obsoleta política
metropolitana num país autônomo”.12
Neste momento, em meio a alguns grupos mais radicais,
pairavam apologias e repúdios ao sistema republicano, considerado
em seus extremos, símbolo de consolidação da soberania nacional e
também, elemento maior da anarquia reinante nas extintas colônias
espanholas.
Paralelamente a isto, Portugal sofria com o empobrecimento
crônico, causado pelo fim dos privilégios monopolistas com o
Brasil e ainda procurava reestruturar-se após o fim da dominação
francesa em seu território. Neste contexto, irrompeu no dia 24 de
agosto de 1820, a Revolução do Porto, movimento de caráter
liberal-burguês e que previa não apenas o retorno da família real
a Portugal, como também, tolhia suas prerrogativas absolutistas,
frente à instauração de uma Monarquia Constitucional. Ainda em
sua pauta de reivindicações, os revolucionários lusitanos
desejavam o retorno imediato do Brasil a condição de colônia
portuguesa.
12 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato políticobrasileiro. 3º ed. São Paulo: Globo, 2001. p. 303.
1
Dom João VI, encurralado, decidiu retornar a Portugal em
1821, jurando lealdade às cortes e deixando no Brasil o príncipe
regente Dom Pedro, que procurou aproximar-se da elite brasileira
e do governo inglês para fortalecer a posição autônoma do Brasil
frente “As Cortes”. No início de 1822, Dom Pedro estabeleceu um
governo provisório organizado por José Bonifácio de Andrada e
Silva, apoiado em três pontos básicos: a restauração da
administração provincial; a soberania das decisões do príncipe
regente e a convocação de uma Assembléia Constituinte, em março
de 1823.
IMPÉRIO E REPÚBLICA
Após a independência e a aclamação de Dom Pedro I, seguiu-se
um período de intensas discussões em torno da Constituinte,
sobretudo no tocante ao papel do imperador como articulador e
executor da carta. Em um período no qual inexistiam grupos
políticos organizados, o que aglutinava determinados setores
sociais eram a sua condição socioeconômica e o seu posicionamento
ideológico. Neste sentido, a Constituinte apresentou dois grupos
divergentes em seus interesses, mas homogêneos em sua formação.
De um lado, os democratas, defensores da soberania da
Constituição. De outro, os liberais moderados, favoráveis à
superioridade da tradição histórica da monarquia em relação ao
contrato social. Além disso, discutiu-se exaustivamente a
validade do poder de veto do imperador e também, a necessidade de
1
um juramento prévio à Constituição, situação que se tornou objeto
de intensas rusgas entre Dom Pedro e os constituintes.
Poucos meses após a sua instauração, a Constituinte acabou
dissolvida por Dom Pedro I, que demitiu também José Bonifácio,
transformando-o em um mordaz crítico do seu reinado. No dia 25 de
março de 1824, o imperador outorgou aquela que seria a primeira
Constituição Brasileira, marcada principalmente pela adoção do
voto censitário e do poder moderador, Isto posto, muito
reveladora mostra-se à afirmação de Laurentino Gomes, para o qual
“[...] a Constituição brasileira é obra da vontade de um homem
só, o rei. E, por mais avançada que fosse, nela o povo nunca se
reconheceu”.13
Segundo Raymundo Faoro, o prestígio político de Dom Pedro se
esvaiu ao longo do Primeiro Reinado, inebriado pelo impacto
popular da independência, pela constante mudança da sua base de
apoio, ora favorecendo brasileiros, ora portugueses e pelo
impacto da outorga da Constituição de 1824.14
Havia ainda outro problema que se mostrava persistente: a
questão da unidade territorial, cuja principal ameaça não residia
em perigos externos, e sim da Província de Pernambuco.
Tradicionalmente rebelde à corte de Bragança no país, a elite da
Província criticava o escoamento de recursos fazendários para o
Rio de Janeiro, além de se mostrar favorável ao juramento prévio13 GOMES, Laurentino. 1822: como um homem sábio, uma princesa triste e umescocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil, um país quetinha tudo para dar errado. Rio de Janeiro, 1º ed. Rio de Janeiro: NovaFronteira, 2010. p.220.14 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato políticobrasileiro. 3º ed. São Paulo: Globo, 2001.p. 324-327-328.
1
à Constituição. Esta situação tomou contornos dramáticos, com a
proclamação da Confederação do Equador, em 24 de julho de 1824,
em repúdio ao que era considerado um caráter absolutista e
centralizador do governo de Dom Pedro I.
O combate ao movimento foi implacável, porém menos de um
ano depois, o governo se veria envolvido em outro conflito, desta
vez, na região da Cisplatina em um confronto que durou
aproximadamente dois anos (1825-1827) drenando recursos do
tesouro e gerando o ódio entre a população, graças aos
alistamentos forçados.15
Neste momento, o governo de Dom Pedro I se polarizou na
manifestação de quatro grupos políticos: o Partido Português,
defensor do retorno do Brasil à condição de colônia; os Liberais
Moderados, partidários da monarquia constitucional; os Liberais
Exaltados, favoráveis à descentralização política das províncias;
os Absolutistas, favoráveis a centralização política.16
O monarca viu-se cada vez mais pressionado e isolado,
vislumbrando duas soluções dramáticas: o absolutismo ou a
abdicação do trono brasileiro.
Em verdade, a análise de FAORO a respeito da trajetória
política do monarca revela de modo contundente, as contradições
que cercaram a atuação de Dom Pedro I na sua aventura de
construção do país, pois segundo o autor:15 GOMES, Laurentino. 1822: como um homem sábio, uma princesa triste e umescocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil, um país quetinha tudo para dar errado. Rio de Janeiro, 1º ed. Rio de Janeiro: NovaFronteira, 2010. p. 296.16 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato políticobrasileiro. 3º ed. São Paulo: Globo, 2001. p. 336.
1
“Na época da independência, movido pelo entusiasmo, haviaexpressado sentimentos que deviam lisonjear o espíritonascente de nacionalidade, e que foram tidos por sinceros;mas depois, o emprego que fez de forças estrangeiras; ascondições com que celebrou o tratado de 1825; a contínuaingerência nos negócios de Portugal; a instituição de umgabinete secreto; a nomeação de portugueses naturalizadosaos mais altos empregos do Estado, com a suposta exclusãodos brasileiros natos, havia suscitado, entre um povocioso, a desconfiança de que o própria monarca era aindaportuguês de coração.”17
No cerne de todo o turbilhão político, seria talvez uma
questão mais passional, o âmago de todo o processo de desgaste
enfrentando pelo monarca. E este, sem uma perspectiva favorável
em terras brasileiras, decidiu abdicar do trono em 7 de abril de
1831, legando ao seu filho, Pedro de Alcântara, a manutenção da
Casa dos Bragança, sob a tutela de seu antigo amigo, José
Bonifácio de Andrada e Silva.
Com a saída de Dom Pedro, instituiu-se a Regência Trina
Provisória (1831-1832) organizada principalmente por membros do
grupo dos Liberais Moderados, mas que apresentava um interesse
comum aos Exaltados: refrear o Poder Moderador. Neste período,
duas mudanças denotaram o fortalecimento dos ímpetos
descentralizadores no governo. Em primeiro lugar, a criação da
Guarda Nacional, em 1831, cujo nascimento enfraqueceu o poder do
exército, fortalecendo por outro lado, a ascendência dos
latifundiários. Em segundo, a instauração do Código de Processo
17 id. ibid., p.342.
1
Penal, em 1832, que concedeu autonomia para que os municípios
exercessem atribuições jurídicas e policiais.
Em 1832, foi instaurada a Regência Trina Permanente (1832 –
1835) em um contexto sócio-político conturbado. Neste período,
três grupos políticos orbitavam em torno das decisões
governamentais. De um lado, os Liberais Moderados, considerados a
base do governo e na oposição, os Liberais Exaltados, uma
composição heterogênea que defendia entre alguns de seus membros,
a implantação de uma República e a expulsão de comerciantes
estrangeiros do país. Apareciam ainda, mas totalmente
enfraquecidos, os Restauradores, partidários do retorno de Dom
Pedro I ao trono.18
A atuação da oposição foi intensa, obrigando os moderados a
sufocar rebeliões provinciais, entre os anos 1832 e 1835. Mais do
que isso se fez necessário, realizar uma reforma constitucional
com a sanção do Ato Adicional de 1834. Entre suas principais
medidas, destaque para a criação de Assembléias Legislativas
Provinciais, a criação da Regência Una, com mandato de quatro
anos e a criação do município neutro do Rio de Janeiro. Mais uma
vez, a balança pendeu ora aos ìmpetos centralizadores, ora aos
descentralizadores.
No dia 07 de abril de 1835, Diogo Feijó foi eleito Regente
Uno, porém o seu governo não conseguiu combater as dificuldades
econômicas e as revoltas sociais do período. Ao mesmo tempo, a
18 SOARES, Carlos Dalmiro da Silva. A evolução histórico-sociológica dospartidos políticos no Brasil Imperial. Jus Navigandi, 1998, n.26, [s.i].Disponível em: http://jus.com.br/artigos. Acesso em: 13 jul. 2013. [s.i].
1
oposição e a situação se rearticularam em dois grupos, os
Regressistas, contrários ao que consideravam um liberalismo
excessivo do regente e os Progressistas, base de apoio do
governo. Em setembro de 1837, Feijó renunciou, instituindo-se em
seu lugar, o “Ministério das capacidades”, acarretando em um novo
e duradouro reordenamento no cenário político brasileiro.
Enquanto os Regressistas se articularam ao Partido Conservador,
os Progressistas arregimentaram o Partido Liberal. Segundo FREIRE
e ORDONEZ:
"Na prática, esses partidos funcionavam independentementede sua ideologia e não eram orientados pelos seusprincípios. Lutavam apenas pela posse do poder. Haviaelementos do Partido Liberal, bastante conservadores emsuas idéias e conservadores que apresentavam projetos dereforma progressistas. Tudo dependia das conveniências".19
Em sua essência, Conservadores e Liberais defendiam
interesses semelhantes, uma vez que representavam a aristocracia
brasileira. Enquanto os Conservadores provinham da elite rural e
defendiam a consolidação de um governo centralizador, os
Liberais, em sua maioria formados pela burguesia urbana
(comerciantes e bacharéis), ensejavam maior autonomia provincial
e o relaxamento do Poder Moderador. Suas distinções ideológicas
marejavam, de acordo com as conveniências. Estes dois grupos
políticos atingiram o seu apogeu durante o Segundo Reinado,
19 FREIRE & ORDONEZ, ap. SOARES, Carlos Dalmiro da Silva. A evoluçãohistórico-sociológica dos partidos políticos no Brasil Imperial. JusNavigandi, 1998, n.26, [s.i]. Disponível em: http://jus.com.br/artigos. Acessoem: 13 jul. 2013. [s.i].
1
apresentando, porém, um relativo predomínio dos Conservadores nos
cargos ministeriais, Câmara e Senado.
A partir de 1840, com a instauração do Segundo Reinado,
ganhou força a implantação de outro mecanismo político constante
na Carta de 1824: o parlamentarismo. A sua adoção, porém, não foi
imediata e contou com a progressiva aceitação de Dom Pedro II, o
qual amparou-se na Constituição e encarregou um representante
para a composição do ministério, aprovando em 20 de julho de
1847, o decreto nº523, que criou a Presidência do Conselho de
Ministros, instaurando o parlamentarismo como instrumento de
organização da estrutura política nacional. O presidente do
Conselho de Ministros se tornou encarregado de instituir o
gabinete ministerial, o qual deveria contar com o apoio dos
Deputados e do próprio Imperador. Cabia, no entanto ao próprio
monarca, arbitrar a respeito da permanência ou substituição de um
determinado Gabinete, investido na prerrogativa do Poder
Moderador.
O trânsito político entre liberais e conservadores, sofreu
um revés em 1864, quando membros do Partido Liberal, descontentes
com a ingerência do Partido Conservador, decidiram criar um novo
grupo político, denominado Liga Progressista ou Partido Liberal
Progressista. Em seu programa, a Liga combatia principalmente a
corrupção governamental e a preponderância dos Conservadores
junto ao alto círculo político nacional.
O contexto socioeconômico da segunda metade do século XIX,
transformado pela intensificação do abolicionismo, pela
1
instalação das primeiras fábricas e pela consolidação da economia
cafeeira, refletiu no cenário político nacional, sobretudo com o
crescimento das reivindicações de latifundiários paulistas,
defensores de maior descentralização e também da instauração da
República.
Em 1870, liberais históricos, radicais e republicanos,
fundaram na capital do império, o Clube Republicano e o jornal “A
República” o qual estampou em seu número inicial, o “Manifesto
Republicano”. Três anos depois, foi fundado o Partido Republicano
Paulista, sucedido posteriormente pelo Partido Republicano
Mineiro e pelo Partido Republicano Gaúcho. Neste contexto,
surgiram duas correntes políticas em torno dos Partidos. De um
lado, os revolucionários, defensores da implantação da República
por meio de um golpe de Estado e de outro, os evolucionistas,
mais moderados e favoráveis a uma transição somente, após a morte
do monarca.
Ao final do período imperial, uma sucessão de crises
corroeram as suas bases de sustentação. A pressão militar por
maior participação política, as rusgas com a Igreja Católica e os
latifundiários, além do próprio desgaste da estrutura monárquica,
isolaram Dom Pedro II cedendo lugar à ascensão política do
militares em 15 de novembro de 1889, amparados pela crescente
influência dos latifundiários da região sudeste no cenário
político nacional.
DA PRIMEIRA REPÚBLICA AO GOLPE CIVIL-MILITAR
1
A passagem do período imperial para o republicano,
representou acima de tudo, a ascensão de novos protagonistas
políticos no cenário nacional. De um lado, as forças armadas que
encontraram na Guerra do Paraguai, o elemento capaz de fortalecer
o seu espírito institucional, influenciado principalmente, pela
difusão do positivismo nas escolas militares. Os cafeicultores
por sua vez, queriam se desvencilhar do centralismo imperial,
controlando as decisões políticas e econômicas do seu próprio
interesse.
A força política no alvorecer republicano estava apenas
aparentemente concentrada nas mãos do grupo militar, pois a
Constituinte de 1890, já despontava para a federalização e a
descentralização, tal qual ansiavam as oligarquias cafeeiras. Os
federalistas, como ficaram conhecidos os defensores desta
condição, eram contrapostos pela existência dos chamados
unionistas, que defendiam justamente o oposto, ou seja, a
consolidação da centralização política como freio aos ímpetos
clientelistas e garantia da plena governabilidade da União.20
A Constituição de 1891 serviu justamente aos interesses das
oligarquias rurais, sobretudo, dos estados de São Paulo e Minas
Gerais, assim como de seus respectivos Partidos republicanos. A
introdução do sistema de governo presidencialista e a
transformação das províncias em estados favoreceram no âmbito
municipal os grandes proprietários rurais e no estadual, as
20 ARRUDA, Pedro Fassoni: Liberalismo, direito e dominação da burguesiaagrária na Primeira República Brasileira (1889 – 1930). Ponto e Vírgula, SãoPaulo, 2007, v.1, n.1, p.161-188. Disponível em: www.pucsp.br/ponto-e-virgula.Acesso em: 16 jul. 2013. p.166-167.
1
oligarquias regionais. Além disso, impôs a ideologia da vocação
agrícola do país, mantendo praticamente inalteráveis os
mecanismos de ordenamento social.
De acordo com ARRUDA, durante a Primeira República, o
governo federal procurou manter relações “cordiais” com as
oligarquias dominantes, não se ausentando a prática de envio de
tropas federais para destituir governadores opositores eleitos.21
Esta prática foi apenas à extensão de uma série de outras que
caracterizaram o cenário político brasileiro do período. Segundo
Victor Nunes Leal, as eleições eram marcadas tanto pela
manipulação de cédulas e a fraudes na homologação de eleitores,
quanto pela atuação das famigeradas Comissões Verificadoras na
“degola” de candidatos de oposição ao governo.22 Ao executivo
federal, interessava, sobretudo, a harmonização nas relações
políticas com os executivos estaduais. Neste sentido, a
idealização da “Política dos Governadores” em 1898, pelo
presidente Campos Sales, buscou manter o apoio das oligarquias
dominantes, tendo como base de sustentação a atuação dos
coronéis, amparados em suas milícias privadas. A relação
estabelecida entre os proprietários locais e as forças públicas
estaduais conduzia inclusive, a um entrelaçamento de interesses
privados e públicos, constituindo práticas clientelistas e
mandonistas, no tratamento da “coisa pública”.
A política oligárquica presente na Primeira República, não
deve, contudo, ser considerada um bloco de interesses homogêneos,
21 id. ibid., p.173.22 LEAL, ap. ARRUDA, id. ibid., p.175.
2
pois a própria elite nacional, apresentou divergências que
acarretaram em movimentos de contestação à condução da ordem
política republicana. Em 1910, Rui Barbosa lançou-se candidato à
presidência da República, sob o lançamento da “Campanha
Civilista”, defensora de maior fortalecimento da União perante os
estados. No início da década de 1920, as rebeliões tenentistas
com seu programa de moralização da vida política, acionavam para
o descontentamento de setores médios das forças armadas em
relação aos rumos da vida política nacional. A Reação Republicana
de 1922, articulada entre as oligarquias secundárias da Bahia,
Rio de Janeiro, Pernambuco e Rio Grande do Sul, evidenciou a
insatisfação destas, em relação à ingerência de São Paulo e
Minas Gerais.23
Igualmente revelador, mas desvinculado aos interesses
elitistas da política nacional, foi à fundação do Partido
Comunista Brasileiro em 1922 no Rio de Janeiro, cuja ascensão foi
possível, após combate as forças paralelas ao fortalecimento do
operariado, como o movimento anarquista.
A primeira metade da década de 1920 caracterizou-se pela
crescente mobilização contrária a ordem política dominante,
obrigando o governo federal a realizar a primeira reforma
constitucional em 1926. O principal alvo das mudanças foi os
movimentos populares, com a anulação da aplicação do Hábeas Corpus
23 FERREIRA, Marieta de Moraes; PINTO, Surama Conde Sá. A Crise dos anos20 e a Revolução de Trinta. Rio de Janeiro: CPDOC, 2006. 26f. Disponível em:http://cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1593.pdf. Acesso em: 16jul.2013.p.11.
2
e a intensificação do aparelho repressor do Estado. Além disso, a
reforma manteve o pacto federativo.
Ainda neste mesmo ano, surgiu na cidade de São Paulo, o
Partido Democrático, formado por membros da camada média urbana e
defensor de maior transparência eleitoral. Trata-se de uma
organização política nascida entre a elite e que se identificava
com os interesses dela, portanto, encontrava-se distante do
clamor popular. Neste sentido, faz-se pertinente à afirmação de
FAORO, a respeito dos limites da participação política durante o
período, pois segundo o autor “[...]” a República Velha continua
sem quebra, o movimento restritivo da participação popular. A
política será a ocupação dos poucos, poucos e esclarecidos, para
o comando das maiorias analfabetas, sem voz nas urnas”.
O início da década de 1930 revelou novos rumos neste
contexto excludente, com a mobilização de oligarquias dissidentes
e descontentes com os rumos da sucessão presidencial daquele ano.
A Aliança Liberal - formada por membros do Partido Democrático,
grupos civis e militares e oligarquias agrárias de Minas Gerais,
Paraíba e Rio Grande do Sul - lançou a candidatura presidencial
do gaúcho Getúlio Dorneles Vargas, sob o lema “Representação e
Justiça” defendendo reformas políticas e eleitorais. Para
FERREIRA e PINTO, esta contestação revelava acima de tudo, o
interesse de outros grupos políticos desejosos de ascender junto
ao cenário nacional, além de sinalizar o rompimento da relativa
2
hegemonia entre paulistas e mineiros no comando do executivo
federal.24
O desfecho do processo eleitoral de 1930 e o assassinato do
vice da chapa de Getúlio Vargas, João Pessoa, apenas
radicalizaram as controvérsias existentes dentro da própria
estrutura política oligárquica. Os acontecimentos imediatamente
anteriores e posteriores ao dia 24 de outubro de 1930, revelam a
extensão destas controvérsias, sendo alvo de diferentes
interpretações históricas ao longo das décadas.
De acordo com SODRÉ, os acontecimentos revolucionários foram
motivados pelas divergências entre o setor agrário-exportador e a
burguesia nacional, fortalecida pela união com setores médios
urbanos, em especial, os tenentes. Em uma análise mais
conservadora, TRONCA observou a Revolução de 1930 como uma
resposta da burguesia contra o fortalecimento da classe operária.
Já FAUSTO, realizou uma assertiva mais globalizante, indicando
que a ascensão de Vargas foi o resultado de conflitos intra-
oligárquicos, que geraram um vazio de poder que naquele momento
não foi cooptado por um grupo em específico, mas por um
heterogêneo conjunto de interesses que se aglutinaram na
instauração de um “Estado de Compromisso”, caracterizado pela
centralização de poder, a subordinação das oligarquias a este
poder e o intervencionismo.25
24 FERREIRA, Marieta de Moraes; PINTO, Surama Conde Sá. A Crise dos anos20 e a Revolução de Trinta. Rio de Janeiro: CPDOC, 2006. 26f. Disponível em:http://cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1593.pdf. Acesso em: 16jul.2013.p.15.25 TRONCA, ap. FERREIRA, Marieta de Moraes; PINTO, Surama Conde Sá. A Crisedos anos 20 e a Revolução de Trinta. Rio de Janeiro: CPDOC, 2006. 26f.
2
Em todas as suas linhas interpretativas, os acontecimentos
de 1930, demonstram acima de tudo, a saturação e a reorganização
da estrutura política nacional. Neste sentido, a aproximação
entre Vargas e os Tenentes, reforçou o ímpeto centralizador do
governo provisório, defendido pelos militares. Por outro lado, a
presença de membros da oligarquia agrária, evidenciava também a
pressão em torno da elaboração de uma reforma constitucional que
reordenasse as relações entre o executivo federal e os estados.
Entre 1930 e 1931, Vargas governou sob uma base de apoio
frágil e heterogênea, instaurando o decreto 19.938, que dissolveu
as esferas de atuação do poder legislativo e criou as
Interventorias, indicando para o executivo estadual, membros do
movimento tenentista. O crescimento da centralização de poder nas
mãos de Vargas descontentou, sobretudo, as oligarquias paulistas,
as quais se mobilizaram e em 1932 contra o governo federal, mas
que logo foram controladas pelas forças federais.
Este acontecimento acelerou a instalação de uma Assembléia
Constituinte em 1933, gerando uma cisão no interior da base
tenentista, pois enquanto alguns preferiram aderir plenamente ao
governo federal, outros se aliaram aos grupos oligárquicos. Em 16
de julho de 1934, a nova Constituição foi promulgada, trazendo
consigo, importantes mudanças no campo social, como a
regulamentação da jornada de trabalho, a implantação do salário
mínimo e das férias remuneradas, além da criação da Justiça do
Trabalho. No entanto, ela também mantinha o princípio federalista
Disponível em: http://cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1593.pdf. Acessoem: 16 jul.2013. p.19.
2
e a autonomia sindical, medidas que desagradavam Getúlio Vargas.
Neste sentido:
“A constituição de 1934 teve vida curta. Ao mesmo tempo emque tentou estabelecer uma ordem liberal e moderna, buscoutambém fortalecer o Estado e seu papel diretor na esferaeconômica-social. O resultado não agradou a Vargas, que sesentiu tolhido em seu raio de ação pela nova carta”.26
Este era obviamente, um contexto histórico propício a
ascensão de discursos autoritários, mesmo com a permanente
manifestação ideológica do pan-americanismo, engendrado pelos
Estados Unidos, a partir da “Política da Boa Vizinhança”. Em um
período de crise econômica, o governo brasileiro manteve acordos
bilaterais, tanto com estadunidenses, quanto alemães,
desenvolvendo aquilo que o historiador Gerson Moura chamou de
“eqüidistância pragmática”. Em verdade, Vargas buscou tirar o
melhor proveito das relações internacionais, com vistas à
estabilização econômica, consolidando uma postura diplomática
definida ao americanismo, apenas em fins de 1941, com a
declaração de guerra dos Estados Unidos as forças do eixo.
No cenário nacional, os conflitos político-ideológicos se
concentraram principalmente na atuação de dois grupos políticos
antagônicos. De um lado, a “Ação Integralista Brasileira”,
liderada por Plínio Salgado e formada por intelectuais,
profissionais liberais, funcionários públicos e militares. Eram
26 ANOS de incerteza (1930 – 1937). A era Vargas – 1º tempo – dos anos 20 a1945, Rio de Janeiro, 1997. Disponível em:http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies. Acesso em: 18 jul.2013.
2
defensores do antiliberalismo, do nacionalismo e do anti-
semitismo.
A sua oposição era formada pela “Aliança Nacional
Libertadora”, grupo político que agregava comunistas,
socialistas, tenentes, liberais e católicos. Contando com a
liderança de honra de Luis Carlos Prestes, os aliancistas eram
defensores do desenvolvimento com base nacionais e combatiam
ferrenhamente o imperialismo, o latifúndio e o nazifascismo.
Ao longo do ano de 1935, integralistas e aliancistas
promoveram confrontos que reforçavam a fragilidade da
estabilidade política do governo federal. Este, temeroso
principalmente com o crescimento da influência da “Aliança
Nacional Libertadora”, conseguiu aprovar no Congresso, em abril
de 1935, a “Lei de Segurança Nacional”, colocando os aliancistas
na ilegalidade. Com a intensificação da repressão política e
amparados nas diretrizes do Partido Comunista Soviético, os
aliancistas promoveram em novembro de 1935, vários levantes
militares em quartéis do Rio Grande do Norte, Pernambuco e Rio de
Janeiro. O objetivo era promover um golpe contra o governo de
Vargas. No entanto, as tropas federais logo controlaram os
levantes, pressionando o Congresso a decretar ao final daquele
ano, o estado de sítio por 30 dias, posteriormente prorrogado por
mais 90 dias. Neste período, a repressão da polícia política foi
intensa, com a prisão de centenas de civis e militares e a
criação da “Comissão de Repressão ao Comunismo” em 1936,
2
responsável por investigar atividades e crimes subversivos contra
instituições políticas e sociais.
Em meados de 1936, a apreensão de documentos ligados a
atividades do Partido Comunista Brasileiro, levaram o Congresso a
autorizar a instauração do “Estado de Guerra”, em vigor até
meados de 1937. Tais medidas, tomadas em seu conjunto, revelam
que Vargas possuía uma preocupação em acalmar as elites civis e
militares, que apoiaram a sua ascensão ao poder nacional.
A consolidação do autoritarismo no governo varguista,
coincidiu com o inicio da campanha presidencial prevista na
Constituição de 1934, cujo pleito, seria realizado em 1938. A
articulação da campanha dos candidatos, Armando Sales de Oliveira
(oposição), José Américo de Almeida (situação) e Plínio Salgado,
ocorreu em meio a um quadro repressor e de censura, resultante da
instauração do Estado de Guerra. Além disso, focos regionais de
insurgência, em especial no Rio Grande do Sul, sob a liderança de
Flores da Cunha distanciaram Vargas, até mesmo do apoio ao
candidato considerado de situação.
A realidade política apontava para uma desarticulação da
base de apoio presidencial, mas o combate ao comunismo ainda era
um “trunfo” a ser utilizado por Vargas. Em razão disto, no ano de
1937, circulou pelos principais veículos de imprensa nacional uma
suposta carta denominada, “Plano Cohen”, que revelava planos de
uma nova insurreição comunista no país. Com a repercussão deste
artifício político, Vargas determinou o fechamento do Congresso
Nacional em 10 de novembro de 1937, anunciando pelo rádio, as
2
razões que o levaram a tomar tal atitude. Segundo o presidente, a
crescente desagregação política e o perigo comunista, se tornaram
fatores preponderantes ao recrudescimento da sua autoridade
política.
Com a instauração do Estado Novo, vigorou até 1945, uma
forma de organização política respaldada pela outorga de uma nova
Constituição em 1937. Além disso, assistiu-se a um rearranjo das
forças nacionais com o nítido fortalecimento do poder central, a
partir da supressão de direitos políticos, incluindo a
perseguição ao Integralismo, o fechamento do poder legislativo em
suas diversas estâncias e a presença das interventorias.
O governo autoritário de Vargas em uma franca adaptação de
determinadas características do fascismo italiano, foi e ainda é,
facilmente levado a uma assimilação plena àquele regime de
governo. Em verdade, o Estado Novo ficou marcado por um
autoritarismo de bases heterogêneas, e por isso, apresentou
certas nuances que o aproximam da matriz italiana, sem contudo
constituir-se em um mero apêndice dela.
A estrutura de governo estadonovista era baseada na atuação
dos seguintes órgãos: a polícia repressiva da Delegacia de Ordem
Política e Social (DOPS); a censura e a manipulação ideológica da
imagem personalista de Vargas, a partir do Departamento de
Imprensa e Propaganda (DIP); a racionalização da estrutura
burocrática engendrada pelo Departamento Administrativo do
Serviço Público (DASP). Na área econômica e de relações
trabalhistas, a intensificação da vigilância do Ministério do
2
Trabalho, colocou sob a sua restrição as atividades sindicais,
proibidas de manifestar qualquer ato de oposição ao governo, além
de corporificar as mudanças sociais na Consolidação das Leis
Trabalhistas (CLT).
O contexto político internacional, porém, logo evidenciou as
contradições do governo autoritário de Vargas. Com a mudança de
rumo no conflito mundial, a partir de 1942, Vargas iniciou o
processo de transição, postergando a consulta popular em relação
a Constituição de 1937.
Entre os anos de 1942 e 1944, a oposição ao governo
autoritário tomou corpo, forçando Vargas a decretar o Código
Eleitoral, que previa eleições presidenciais para 02 de dezembro
de 1944. Além disso, retomou-se o direito ao pluripartidarismo,
processo que levou ao surgimento de três grandes correntes
políticas. O Partido Social-Democrata (PSD) formado por membros
da elite burocrática, fazendeiros e industriais ligados ao
governo; o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), oriundo do
sindicalismo e do Ministério do Trabalho; e a União Democrática
Nacional (UDN) nascida sob o auspicio do liberalismo e que
congregava liberais, social-democratas e militares contrários ao
regime varguista.
A campanha presidencial de 1945 trouxe como principais
candidatos, o brigadeiro Eduardo Gomes (UDN), o general Eurico
Gaspar Dutra (PSD/PTB) e o engenheiro Yedo Fiúza (PCB). No
entanto quem “roubou a cena” foi o movimento popular que defendia
a transição democrática com Getúlio Vargas e a aprovação de uma
2
nova Constituinte. Conhecido como “queremismo”, este movimento
revelou uma força até então, ignorada pela elite política
nacional e passou longe de se constituir uma massa de manobra
gestada pela política de manipulação ideológica varguista, pois
como bem inferiu FERREIRA,
“O queremismo, antes de ser apressadamente interpretadocomo a vitória final de um suposto condicionamentohomogeneizador da Mídia do Estado Novo, expressou umacultura política popular e a manifestação de umaidentidade coletiva dos trabalhadores, resultados deexperiências vividas e partilhadas entre eles, ao mesmotempo políticas, econômicas e culturais, antes e durante o“primeiro governo” de Vargas”27
Vargas foi deposto em 29 de outubro de 1945, com o prestígio
e um legado político que o tornaram um contraditório símbolo de
defesa dos valores nacionais e ao mesmo tempo, de populismo e
manipulação de massas.
A transição democrática em 1945 é considerada por muitos
estudiosos um projeto em certa medida, planejado pelo próprio
governo, pois houve a preocupação em garantir a manutenção das
bases simbólicas e materiais na nova ordem política e
institucional.
Entre 1945 e 1964, o Brasil viveu um período de grande
efervescência da experiência democrática, sobretudo com a
itensificação dos debates políticos, cristalizados na atuação dos
27 DELGADO, Lucilia de Almeida Neves; FERREIRA, Jorge (Org). O tempo daexperiência democrática: da democratização de 1945 ao golpe civil-militar de1964. 2º ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. 432 p. (O Brasilrepublicano; v.3). p. 15.
3
principais partidos existentes. Neste contexto, o PSD,
estruturado no seio da elite burocrática estadonovista, tornou-se
o partido de maior expressão nacional. O PTB por sua vez,
demonstrou um progressivo crescimento, cerceado apenas com a
instauração do golpe-civil militar de 1964. A UDN, em sua
essência, atuou como um partido combativo em relação a herança
getulista/trabalhista, buscando neste período, sucessivas
tentativas de impugnação de candidaturas presidenciais vencedoras
(1950 e 1955).
O contexto político internacional, marcado pelo
confrontamento ideológico entre Estados Unidos e União soviética,
contribuiu para a intensa polarização política do país, com a
criação de representações parlamentares antagônicas.
Apresentando-se como defensora do desenvolvimento com bases
nacionalistas e formada por membros do PTB, Frente de Mobilização
Popular (FMP) e Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB),
estava a Frente Parlamentar Nacionalista. Ela polarizava a sua
atuação, perante a formação da Ação Democrática Parlamentar
(ADP), favorável a manutenção da propriedade privada e a atração
de investimentos estrangeiros.
A própria sucessão presidencial do chamado “período
democrático” revelou a influência dos embates ideológicos entre
Ocidente e Oriente. No governo Dutra, ainda sob o alvorecer da
Guerra Fria, intensificou-se o liberalismo econômico com a
abertura do mercado brasileiro aos produtos internacionais,
3
situação fortalecida pela criação da Organização dos Estados
Americanos (OEA).
O retorno de Getúlio Vargas ao poder, em 1951, reforçou o
embate ideológico entre os projetos de desenvolvimento do país –
nacionalista e liberal – reforçado pela ascensão de novos atores
sociais, como a burguesia industrial, a classe média urbana e a
classe operária. Em seu governo, Vargas procurou aproveitar-se do
apoio ideológico aos Estados Unidos, em troca do auxílio
financeiro para o fortalecimento da indústria de base. Ainda
neste período, a campanha “O petróleo é Nosso” foi vista com maus
olhos pelo governo estadunidense, que o considerava uma medida
excessivamente nacionalista. As denúncias de corrupção e o
atentado ao jornalista Carlos Lacerda na rua dos Toneleiros em
Copacabana, no dia 05 de agosto de 1954, minaram a permanência de
Vargas no poder, que acuado, acabou se suicidando no dia 24
daquele mês e ano.
O governo de Juscelino Kubitchek ocorreu em um contexto de
alinhamento ideológico irrestrito aos Estados Unidos, congregando
a abertura econômica ao capitalismo internacional e o projeto de
modernização do país, com o incentivo a instalação de indústrias
de bens de consumo duráveis. A guinada viria com a vitória da
campanha moralista de Jânio Quadros, em 1961. Adotando um tom
crítico em relação a postura externa dos EUA e estreitando laços
diplomáticos com a URSS, Jânio viu a sua base de sustentação
política (formada sobretudo por membros da UDN) esvair-se,
3
culminando com a desastrosa tentativa de golpe de Estado e a
renúncia em 25 de agosto de 1961.
O período mais intenso, no entanto, foi representado pela
tumultuada tentativa de golpe militar contra a posse do vice-
presidente de Jânio, João Goulart, do PTB, em em 1961. Encabeçada
pelo governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, a “campanha
da legalidade” mobilizou a opinião pública a favor da posse de
Goulart. Atuando de modo conciliador, o Congresso Nacional
sugeriu a adoção do modelo parlamentarista como requisito à posse
presidencial, sendo então realizado um plebiscito nacional em
1963, responsável por votar a manutenção do parlamentarismo ou o
retorno ao presidencialismo. Amparado em uma grande mobilização
governista, o retorno ao presidencialismo foi aprovado e João
Goulart finalmente pode assumir plenamente o cargo no executivo
federal. No entanto, o seu governo foi marcado pela crescente
polarização política, intensificada com a ascensão dos movimentos
sociais e o receio estadunidense de que as contradições internas
favorecessem a implantação de um processo revolucionário no país,
nos moldes cubanos. A aprovação da Lei de Remessas e Lucros e o
anúncio das Reformas de Base foram o estopim para a deposição de
João Goulart em 30 de abril de 1964. O golpe foi organizado pela
alta cúpula das forças armadas, com o apoio de setores civis,
latifundiários, industriais, UDN e o próprio governo
estadunidense. Receando a deflagração de uma guerra civil, o ex-
presidente seguiu para o Uruguai, no dia 1º de abril de 1964.
3
O que este acontecimento revela é que para além da
efervescência do debate democrático do período, consolidou-se
também o fortalecimento das forças armadas no cenário político
nacional. Sobretudo no Exército, segundo CARVALHO, instituiu-se
um processo de homogeneização política que aproximou a
instituição das classes média e alta, ainda no período getulista
e sob a liderança dos generais Góes Monteiro e Eurico Gaspar
Dutra.28 Com o advento da guerra fria, a ala conservadora das
Forças Armadas passou a defender a intervenção institucional no
cenário político nacional como uma medida de resguardo ao perigo
comunista. Esta concepção, gestada nos círculos de debate da
Escola Superior de Guerra (ESG) procurou arregimentar o apoio das
elites civis, com a discussão do conceito de “Segurança
Nacional”, vista como uma prerrogativa essencial na defesa da
Nação contra as forças subversivas, sobretudo após a Revolução
Cubana em 1959.
Mesmo com a crescente coesão institucional, as divergências
ideológicas ainda eram evidentes entre membros do alto escalão
das Forças Armadas. De um lado, a corrente nacionalista,
contrária ao alinhamento do Brasil com os Estados Unidos, de
outro, os antinacionalistas, favoráveis a aproximação entre os
dois países. Estas divergências seriam reveladas com o golpe
preventivo de 11 de novembro de 1961, engendrado pelo general
Henrique Teixeira Lott, que garantiu a posse de Juscelino
28 DELGADO, Lucilia de Almeida Neves; FERREIRA, Jorge (Org). O tempo daexperiência democrática: da democratização de 1945 ao golpe civil-militar de1964. 2º ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. 432 p. (O Brasilrepublicano; v.3) p.104.
3
Kubitchek, visto com desconfiança pela ala conservadora das
Forças Armadas.
DITADURA MILITAR: DO GOLPE CIVIL-MILITAR À CONSOLIDAÇÃO DA
TRANSIÇÃO “LENTA, SEGURA E GRADUAL”.
O contexto econômico do Brasil no início da década de 1960
foi marcado pelo aumento inflacionário, a desaceleração econômica
e a queda de investimentos públicos.29 Mais do que isso foi também
o período de recrudescimento dos movimentos sociais em um
contexto de grande crescimento da população urbana30 e do próprio
operariado. Ademais, o impacto do anúncio das Reformas de Base em
1964 trouxe pelo menos dois grandes temores. Em primeiro lugar,
colocava em risco a “inviolabilidade” das grandes propriedades
rurais, a partir da reforma agrária. Em segundo, a perspectiva de
um desenvolvimento econômico nacionalista que integraria os
trabalhadores e a expansão do mercado interno, não agradava em
nada os interesses de agentes sociais e econômicos, ligados ao
capitalismo internacional monopolista.31
Neste sentido, houve um grande aparato propagandístico que
uniu elites e camadas populares em defesa da manutenção da
29 BARROS, Cesar Mangolin de. A Ditadura Militar no Brasil: processo,sentido e desdobramentos. Disponível em: http://cesarmangolin.wordpress.com/ .Acesso em: 21 jul.2013. p.11.30 Segundo o jornalista Jorge Caldeira, entre 1940 e 1960, a populaçãourbana passou de 31% para 45% do total populacional. Fonte: CALDEIRA, J. etal. Viagem pela História do Brasil. 1º ed. São Paulo: Schwarcz, 1997.p. 306.31 BARROS, op.cit., p.13.
3
soberania nacional e contra o perigo da intervenção comunista no
país, materializado no golpe-civil militar em abril de 1964.
Ainda em abril daquele ano, o governo militar decretou o Ato
Institucional - nº01, que estabeleceu entre outras medidas, a
cassação do mandato de parlamentares e a supressão da
estabilidade dos servidores públicos. Foram aprovadas também, as
emendas que favoreceram a eleição do militar Humberto de Alencar
Castelo Branco ao cargo de presidente da República.
Para os militares, apenas a intervenção do Estado, seria
capaz de transformar a sociedade, a partir da atuação das forças
armadas. Neste sentido, a recuperação econômica seria viável
mediante o aumento da carga tributária e o arrocho salarial,
medidas que logo seriam sentidas pela classe trabalhadora e que
seriam cooptadas pelo discurso da oposição política no pleito de
1965, que saiu vitoriosa nas eleições para os governos estaduais.
Com este sinal de perigo, a cúpula militar decidiu intensificar a
repressão, decretando o Ato Institucional nº02, que estabeleceu o
bipartidarismo e a eleição indireta à presidência, minando o
crescimento da oposição política. Com isso, os principais
partidos do período, PSD, PTB e UDN se rearticularam em torno do
Movimento Democrático Brasileiro (MDB), considerado de oposição;
e a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) estruturada como a base
de apoio ao governo. Durante quase vinte anos, estes dois
partidos seriam as únicas representações do contexto político
nacional. O PCB e os dissidentes do PC do B, foram intensamente
perseguidos pelo governo militar.
3
A doutrina de “Segurança Nacional” serviu como diretriz
primordial na atuação do governo militar, atuando em paralelo a
política econômica excludente, que favoreceu principalmente os
setores ligados ao capital estrangeiro e a elite social.
Especificamente tratando da política econômica, Caldeira afirmou
que:
Passou a ser divulgado como “milagre brasileiro”, o melhorfruto da revolução. A fórmula foi apresentada como grandesabedoria econômica: a montagem de um tripé comandado pelogoverno, que incluía também empresas privadas emultinacionais. Ficavam de fora os cidadãos comuns”.32
E estes cidadãos comuns sentiram o peso do crescimento
excludente. Por isso, os protestos contra o regime militar se
intensificaram entre 1967 e 1968, quando o assassinato de um
estudante de dezesseis anos, Edson Luis de Lima Souto, durante
uma passeata, gerou uma onda de protestos que tomou grande parte
das principais capitais brasileiras. O governo, por sua vez,
lançou mão do mais repressor, de todos os atos institucionais, o
AI-5. Com o fechamento do Congresso em 13 de dezembro de 1967,
protestar passou a ser crime contra o Estado.
O PC do B, sobretudo, decidiu radicalizar a sua estratégia
de oposição, adotando a Luta Armada, porém, a campanha de adesão
popular à causa revolucionária, acabou não se concretizando. O
governo combateu as guerrilhas utilizando os serviços de
inteligência e os grupos paramilitares, patrocinados por
32 CALDEIRA, J. et al. Viagem pela História do Brasil. 1º ed. São Paulo:Schwarcz, 1997. p.329.
3
empresários. Nos porões do DOPS, torturas e assassinatos se
tornaram a dinâmica no combate ao comunismo.
Em 1973, a política econômica do governo deu seus primeiros
sinais de desgaste, levando o MDB a promover a candidatura de
Ulisses Guimarães a presidência, tendo como principal programa
eleitoral, a crítica ao modelo econômico vigente.
Mesmo com a mobilização do MDB, o general Ernesto Geisel
venceu o pleito em 1974, decretando um plano econômico ambicioso,
o Plano Nacional de Desenvolvimento, que almejava tornar o país
uma potência econômica a partir de uma séria de investimentos em
setores estratégicos.
Entre 1974 e 1980, á parte a repressão, cresciam no país, os
movimentos de oposição aos militares, revelando que a força do
governo ditatorial enfraquecia a cada dia. As passeatas
promovidas pela UNE em São Paulo e no Rio de Janeiro, entre 1976
e 1977, as mobilizações operárias do “ABC” em São Paulo, em 1978,
1979 e 1980, levaram o governo militar a decretar a aplicação da
Lei nº6.683, de 28 de agosto de 1979, pela qual se instituía que
a partir daquela data:
“É concedida anistia a todos quantos, no períodocompreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimeseleitorais, aos que tiveram seus direitospolíticos suspensos e aos servidores da Administração Diretae Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aosServidores dos Poderes Legislativo e Judiciário,aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais,
3
punidos com fundamento em Atos Institucionais eComplementares”.33
Mais do que uma conquista dos movimentos civis contra o
autoritarismo, a chamada “Lei da Anistia” representou uma
transição política controlada, garantindo ao mesmo tempo, a
reorientação do sistema econômico e o recuo das forças armadas,
sem o risco de punições ou revanchismos.
A transição política, porém, não agradava a todos os
militares, que se identificavam com a chamada “linha dura” e
queriam manter o poder concentrado nas forças armadas, como
garantia de manutenção da segurança nacional.34
Com o pleito de 1979, as divergências entre os membros
favoráveis a transição política, os chamados “Castelistas” e os
reacionários “linhas-dura”, se evidenciaram na eleição do último
presidente militar, o general João Batista Figueiredo. Além do
contexto econômico, marcado principalmente pelo aumento da dívida
externa (de 49 bilhões de dólares em 1979, para 70 bilhões em
1982) e o crescimento da concentração de renda, destacou-se
também o retorno do direito ao pluripartidarismo e a
intensificação de movimentos contrários ao regime militar.
Entre 1983 e 1984, mobilizações populares irromperam em
várias cidades brasileiras, favoráveis ao retorno das eleições
presidências diretas. O grande ápice destas mobilizações,33 LEI nº6.683.Disponível na íntegra em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6683.htm. Acesso em: 27 jul.2013.34 REIS, Jose Roberto Franco. O coração bate nas ruas: a luta pelaredemocratização no país.In: PONTE, Carlos Fidelis (ORG). Na corda bamba desombrinha: a saúde no fio da história. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2010. 221-239.p. 221.
3
conhecidas como “Diretas Já”, ocorreu em São Paulo, no dia 16 de
abril de 1964, com a reunião de 1,5 milhão de pessoas em um
comício que durou 6 horas. O governo militar em um último e
derradeiro golpe, instituiu no dia 18 de abril de 1984, o decreto
89.566, que proibia concentrações públicas e instituía a censura
prévia aos meios de comunicação. Ainda assim, encorajada pelo
clamor popular, a oposição enviou para votação no Congresso
Nacional, a chamada “Emenda Dante de Oliveira”, que previa um
projeto de emenda constitucional que autorizava a realização de
eleições presidenciais livres e diretas.
No dia 25 de abril de 1984, a emenda foi votada, porém
acabou perdendo por apenas 22 votos. Apesar da frustração
popular, o resultado pode ser considerado positivo, pois
favoreceu a articulação de uma aliança política de oposição, a
“Aliança Democrática”, que elegeu o mineiro Tancredo Neves a
presidência da República pelo colégio eleitoral, em 15 de janeiro
de 1985. Porém, o seu adoecimento e óbito, poucos meses depois,
levou o seu vice, José Sarney, a assumir o cargo de presidente da
República, até 1990. Apesar de todas as mobilizações populares, o
projeto de uma transição “lenta, gradual e segura”, seria
consolidada pelas mãos de um político civil, antigo colaborador
do regime militar. Ainda seria necessário esperar mais cinco anos
para que fosse possível definir novamente os destinos do país, de
forma democrática.
DE COLLOR A DILMA
4
Em 1986, foi iniciado o processo de elaboração de uma nova
Constituição para o país. Os deputados e senadores que integraram
a Assembléia Constituinte foram eleitos democraticamente naquele
ano e empossados em fevereiro de 1987. Após um ano e oito meses
de trabalho, os constituintes, liderados por Ulysses Guimarães,
entregaram a nação, a carta promulgada em 05 de outubro de 1988,
que trouxe avanços importantes, como a implementação do Sistema
Único de Saúde, o direito da criança e do adolescente e o novo
Código Civil. Além disso, tornou irrevogáveis algumas de suas
clausulas, fortalecendo o sistema federativo do Estado; o voto
secreto, direto e universal; a separação dos Poderes e os
direitos e garantias individuais.35
Havia, porém, um vazio a ser preenchido e durante o ano de
1989, as atenções se voltaram para a realização da primeira
eleição democrática para a presidência da República, em 29 anos.
Realizada em 15 de novembro daquele ano, o pleito foi marcado por
trocas de acusações e pelo papel preponderante da mídia no
processo de escolha do novo presidente. Entre os principais
candidatos que concorreram ao cargo, estavam Mario Covas (PSDB),
Ulysses Guimarães (PMDB), Paulo Maluf (PDS), Leonel Brizola (PDT)
e Roberto Freire (PCB). No entanto, as atenções estavam voltadas
para o embate entre o ex-sindicalista, Luis Inácio Lula da Silva
(PT) e o então desconhecido, Fernando Collor de Mello (PRN) que
35 A CONSTITUIÇÃO Federal. Documento disponível na íntegra em:http://www2.planalto.gov.br/presidencia/a-constituicao-federal. Acesso em: 27jul.2013.
4
foi eleito por 42 % dos votos válidos, graças a uma campanha que
construiu uma imagem jovial e renovadora do candidato, com forte
apelo no combate à corrupção e ao desperdício do dinheiro
público. Mais do que isso, a vitória de Collor representou para
as classes média e alta, a segurança contra uma eventual ascensão
de um candidato com um discurso radical.
Na presidência, Fernando Collor de Mello anunciou em 15 de
março de 1990, o lançamento de um pacote econômico chamado “Plano
Collor I”, que previa entre outras coisas, o congelamento de
preços e salários e o bloqueio de contas correntes e poupanças,
por um período de 18 meses, objetivando conter a inflação e os
gastos do governo. As consequências não tardaram a aparecer, como
a recessão, o aumento do desemprego e a insatisfação popular.
Ainda assim, em setembro do mesmo ano, o presidente anunciou o
“Plano Collor II” que previa mais cortes no orçamento público,
intensificando a insatisfação ao seu governo.
Em 1992, a sua imagem, já desgastada pelos insucessos dos
planos econômicos, sofreu um abalo que condenou a sua permanência
no cargo. Em maio daquele ano, desentendimentos familiares,
levaram Pedro Collor de Mello a revelar um esquema de corrupção
que apontava o ex-tesoureiro da campanha de Fernando Collor,
Paulo César Farias, como o operador de um esquema de captação de
dinheiro de empresários, em troca de informações e decisões
econômicas. A “gota d´água” do escândalo, veio com as revelações
de um ex-motorista da secretária particular do presidente, o qual
afirmou que era responsável por coletar dinheiros e cheques nas
4
empresas de Paulo César Farias para pagar despesas particulares
de Fernando Collor.
Em junho de 1992, foi instalada uma Comissão Parlamentar de
Inquérito, responsável por apurar as denúncias de corrupção. Ao
longo deste ano, mobilizações populares e partidos políticos se
uniram no “Movimento pela Ética na Política”, promovendo grandes
comícios em várias cidades. O presidente, cada vez mais acuado e
sem base de sustentação, acabou apelando em agosto para o apoio
popular, quando:
“[...] em encontro com taxistas de Brasília [...] pede queaqueles que o apóiam saiam às ruas vestidos de verde eamarelo no domingo seguinte. O que ocorre no domingo, dia16, é uma enorme manifestação popular contra o presidente:as pessoas vão às ruas vestidas de preto”36
Uma grande parte do movimento contrário a corrupção foi
encabeçada por estudantes que saíram as ruas com as caras
pintadas com a cor da bandeira nacional, exigindo o “Impeachment”
do presidente, colocado sob votação na Câmara de Deputados, em 02
de outubro de 1992. No dia 29 de dezembro do mesmo ano, o
“caçador de marajás”, ironicamente renunciaria, acusado de
compactuar ativamente com atitudes ilícitas e contrários ao eco
renovador e moralizador da sua campanha eleitoral.
Com a sua renúncia, quem assumiu o cargo foi o vice-
presidente, Itamar Franco, do PMDB. A sua posse em dezembro de
1992 ocorreu em um momento de crise econômica e de grande
36 O impeachment do presidente Collor. Disponível em:http://www.abcdeluta.org.br. Acesso em 28 jul.2013.[s.i].
4
desgaste da classe política. A sua primeira tarefa foi a
realização de um plebiscito, previsto pela Constituição de 1988 e
que previa a consulta popular à forma de governo a ser adotada no
país. Com a vitória da manutenção do presidencialismo, Itamar
Franco precisou estabelecer um governo marcado principalmente
pela harmonização com os partidos políticos, em especial o
Partido dos Trabalhadores.
No final de 1993, em face das dificuldades econômicas do
país, foi empossada uma nova equipe econômica, sob a liderança do
sociólogo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). No dia 28 de
fevereiro de 1994, foi anunciada a implantação do “Plano Real”,
considerado uma nova tentativa de recuperação econômica e combate
aos índices inflacionários. O plano estabeleceu a criação de uma
nova moeda, o Real, amparado em uma política de elevação de
juros. Apesar de arriscada, a mudança logo surtiu efeitos que se
refletiram no auge da popularidade do presidente Itamar Franco.
Além disso, o Plano Real serviu de “cabo eleitoral” para a
vitória expressiva de Fernando Henrique Cardoso à presidência da
Republica, no pleito de 1994.
Com o novo presidente, houve uma quebra da intervenção
estatal na economia e a maior inserção do país no mercado
internacional. Considerado por muitos estudiosos como um período
de intensificação da doutrina neoliberal, o período de governo de
FHC (1994 – 2002) foi marcado pela grande oposição do Partido dos
Trabalhadores, defensor da maior inserção das classes baixas no
4
mercado consumidor e da presença parcial do Estado em setores
estratégicos.
Durante a primeira gestão, o presidente foi acusado de
participação em um esquema de compra de apoio dos parlamentares,
no processo de aprovação da Emenda Constitucional que permitiu a
reeleição ao executivo nas esferas federal, estadual e municipal.
As denúncias, porém, acabaram arquivadas por falta de provas.
As principais mobilizações do primeiro mandato de FHC
ficaram concentradas sobretudo, na atuação do Movimento dos Sem
terra. Em 1996, ganhou destaque na mídia nacional e
internacional, a morte de dezenove agricultores sem-terra em um
confronto com a polícia do estado do Pará, na cidade de Eldorado
dos Carajás. O “massacre de Eldorado dos Carajás” colocou em
pauta a histórica necessidade de implantação de políticas
efetivas de reforma agrária no país.
Mesmo com a intensificação dos conflitos no campo e o
contexto econômico internacional desfavorável, Fernando Henrique
Cardoso, acabou reeleito no ano de 1998, por uma coligação
formada entre o PSDB/PFL e parte do PMDB. Em resposta a oposição,
que o acusava de adotar uma política social e econômica
excludente, FHC lançou políticas sociais de transferência de
renda, como o bolsa-escola, o bolsa-família, o vale-gás e o
bolsa-alimentação. Além disso, em sua gestão foi aprovada a lei
de criação dos medicamentos genéricos.
Fernando Henrique planejou manter a sua linha de governo com
a candidatura de José Serra (PSDB) no pleito de 2002. Luis Inácio
4
Lula da Silva, foi o seu principal adversário, derrotando-o
graças a uma guinada radical que abandonou o discurso radicalista
e que incluiu a organização de uma chapa completada com a
indicação do rico industrial José Alencar, do Partido Liberal.
Lula finalmente chegou a presidência, em uma disputa eleitoral no
segundo turno, com 61,39% dos votos válidos, contra 38,7% para
José Serra.
A ascensão de Lula, como bem observou Perry Anderson, foi
fruto de uma série de condições e características que lhe
favoreceram ao longo dos anos, com destaque para as lutas
operárias do fim dos anos 1970 e a criação do Partido dos
Trabalhadores, no início da década de 1980. Soma-se a isto, a sua
origem humilde, o carisma e a astúcia política.37
A chegada do Partido dos Trabalhadores ao poder, só foi
possível graças a uma reorientação ideológica que objetivou
“acalmar” tanto a elite econômica brasileira, quanto as classes
mais humildes, convertendo o radicalismo em um discurso
pacificador e conciliatório. Os primeiros anos do seu mandato, no
entanto, foram marcados pela herança do governo anterior, com a
alta na dívida pública, a desvalorização monetária e o irrisório
crescimento do Produto Interno Bruto. Além disso, a base
governista era frágil e o próprio PT contava com apenas um quinto
das cadeiras do Congresso.38
37 ANDERSON, Perry. O Brasil de Lula. Novos Estudos – CEBRASP. 2001.Disponível em: http://www.scielo.br. Acesso em: 25 jul.2013.p.24.38 ANDERSON, Perry. O Brasil de Lula. Novos Estudos – CEBRASP. 2001.Disponível em: http://www.scielo.br. Acesso em: 25 jul.2013. p.25.
4
O maior compromisso firmado por Lula, no entanto, centrou-se
no campo social com a promessa de diminuição da pobreza no país.
E foi no segundo ano do seu mandato, com a ampliação dos
programas sociais já existentes e principalmente, com o
lançamento do Bolsa-Família, que ele iria estabelecer o marco
simbólico do seu período de governo. Para ANDERSON, mais do que o
impacto político, foi o apelo simbólico do Bolsa-Família que
estabeleceu uma mensagem, facilmente assimilável pelas classes
mais humildes: o Estado se preocupa com todos os cidadãos.39
Ao mesmo tempo em que os programas sociais eram implantados,
começaram a repercutir casos de corrupção envolvendo a base
governista. Em 2005, veio a tona o escândalo de compra de votos
na Câmara dos Deputados, conhecido como “Mensalão” e que envolvia
os dois homens fortes do PT: José Genuíno, presidente do partido
e José Dirceu, chefe de gabinete do presidente. No mesmo ano, o
“marqueteiro” Duda Mendonça, revelou a existência de um esquema
de “caixa dois” no financiamento da campanha presidencial de
2002. Antonio Palloci, ex-ministro da Fazenda, foi outro membro
do partido envolvido em esquemas de captação de “caixa dois” e
para piorar, havia também, o mistério em torno do assassinato do
prefeito de Santo André, Celso Daniel, no início de 2002.
A exposição de casos de corrupção envolvendo o Partido dos
Trabalhadores manchou a imagem de partido combativo e contrário
aos vícios da estrutura política nacional. A oposição encabeçada
pelo PSDB e a grande mídia, procuraram enfatizar as denúncias de
corrupção no governo, algo que segundo ANDERSON, revela acima de39 id. ibid., p.29.
4
tudo, a postura “vingativa” dos grandes veículos de comunicação
em relação a ascensão de Lula, que conseguiu aproximar-se do
eleitoral sem a intervenção destes.
O contexto econômico internacional favorável acabou se
tornando a “salvação” do governo Lula com o aumento das
exportações de minério de ferro e soja para o mercado chinês, o
que favoreceu o crescimento do PIB entre 2004 e 2006 a uma média
de 4% ao ano.
Em 2006, a reeleição de Lula trouxe uma importante mudança
em sua composição de eleitores, pois se os escândalos de
corrupção afastaram os votos da classe média, os sucessos dos
programas sociais aumentaram o eleitorado entre a classe pobre e
os idosos.40 Entre 2002 e 2008, o número de pobres no país caiu de
50 para 30 milhões e cerca de 25 milhões de brasileiros
ascenderam à classe média.
O impacto positivo dos programas sociais foi capaz de
“blindar” Lula em seu segundo mandato contra os casos de
corrupção no governo. Mais do que isso, o impacto da crise de
2008, minimizado na economia brasileira e eternizado pela
expressão quase folclórica, “marolinha”, fez do presidente, uma
das figuras mais respeitadas na mídia internacional.
Em 2010, o presidente preparou a sua sucessão, apresentando
ao cenário político nacional a ex-ministra de Minas e Energia e
ex-Chefe da Casa Civil, Dilma Houssef. Eleita no segundo turno,
40 ANDERSON, Perry. O Brasil de Lula. Novos Estudos – CEBRASP. 2001.Disponível em: http://www.scielo.br. Acesso em: 25 jul.2013.p.30.
4
com 56,05% dos votos, Dilma firmou a sua chapa presidencial com a
escolha de Michel Temer do PMD como o seu vice-presidente.
Apesar do seu histórico de luta contra a Ditadura Militar,
ela procurou adotar um tom de apaziguamento em relação ao tema,
focando a sua estratégia de governo na manutenção da estabilidade
econômica, conseguida durante a gestão anterior. No campo social,
a presidente vem mantendo a mesma linha de atuação com a
manutenção dos programas de transferência de renda, em especial,
o Bolsa-Família.
A postura enérgica em relação aos casos de corrupção no seu
governo, fez-se presente com a demissão de ministros e
funcionários públicos acusados de desvios de verbas públicas. No
entanto, a morosidade na punição dos envolvidos no escândalo do
“Mensalão”, a desconfiança em relação aos exorbitantes gastos com
a estruturação do país para a Copa do Mundo de 2014 e a
repercussão das mobilizações ocorridas em junho de 2013,
acarretaram em uma diminuição do índice de aprovação do governo
Dilma.41
As manifestações de junho de 2013 representaram um sinal de
alerta para a classe política nacional. Graças a facilidade de
arregimentação de pessoas pelas redes sociais, o número de
manifestantes apresentou um crescimento exponencial ao longo
daquele mês, chegando a reunir mais de um milhão de pessoas nas
cidades de São Paul e Rio de Janeiro, respectivamente. Segundo
41 Em 2011, 47% dos entrevistados consideravam o seu governo óticmo oubom. Em julho de 2013, este índice caiu para 30%. MENDONÇA, Ricardo.Popularidade de Dilma cai 27 pontos após protestos. Folha de S. Paulo. Disponívelem: http://www1.folha.uol.com.br. Acesso em 28 jul.2013.
4
Carlos Eduardo Martins, a origem das manifestações simultâneas,
reside na crise do projeto neoliberal estruturado no país, ao
longo dos últimos vinte anos e que “sucateou” vários serviços
públicos, tornando-os ineficientes, como o transporte público,
precário na imensa maioria das cidades brasileiras.
Para MARTINS, a ascensão do Partido dos Trabalhadores à
presidência trouxe consigo uma modalidade social do
Neoliberalismo com a união do capital estrangeiro e nacional, o
favorecimento dos grandes grupos financeiro e a negociação de
cargos e verbas públicas em troca de apoio político. Ainda
segundo o autor, as políticas sociais implantadas nos últimos
anos, não foram capazes de erradicar institucionalmente a
pobreza, gerando um quadro marcado por baixos salários, níveis e
qualidades de instrução precários, predomínio da economia
informal e principalmente, má qualidade dos serviços públicos.42
O resultado desta situação foi a pressão social de segmentos
alheios, tanto ao projeto assistencialista do Partido dos
Trabalhadores, quanto ao proselitismo ideológico da direita
conservadora, agregando principalmente, trabalhadores que ganham
até três salários mínimos e estudantes. A pauta de
reivindicações, ainda que difusa, concentrou-se principalmente,
na problemática da mobilidade urbana, com a precarização do
transporte público, o alto custo das tarifas e as deficiências
estruturais na malha de locomoção urbana.43
42 MARTINS, Carlos Eduardo. A primavera brasileira: que floresfloresceram. 2013. Disponível em: http://blogdaboitempo.com.br. Acesso em: 27jul.2013. [s.i].43 id. ibid., [s.i].
5
Para os líderes do “Movimento Passe Livre”, as manifestações
se caracterizaram pela ausência de representação político-
partidária, sendo acima de tudo, o reflexo da insatisfação
popular com a estrutura governamental em sua totalidade, ainda
que muitos dos seus participantes, se identificassem com figuras
políticas independentes, como Joaquim Barbosa e Marina Silva.
A presidência por sua vez, reuniu prefeitos e governadores
no dia 24 de junho de 2013, propondo a aprovação de “cinco pactos
em favor do Brasil”, o que inclui mudanças nas áreas de
responsabilidade fiscal, transportes, educação e principalmente,
reforma política, com a proposição de criação de um plebiscito a
respeito do tema.44 De modo geral, ética e transparência foram
gritos de ordem que ecoaram pelo país durante o mês de junho,
revelando para a classe política que pelo visto, “O gigante
acordou”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A exclusão de expressivos setores da sociedade sempre foi
uma marca da formação política nacional. Esta situação, iniciada
ainda no período colonial, com a participação política restrita
aos chamados “homens bons” das câmaras municipais e aos membros
da burocracia colonial, perpassou o Império, mantendo a exclusão
de grande parte da população, graças ao mecanismo do voto
censitário.
44 PREVIDELLI, Amanda. Dilma defende plebiscito sobre Reforma política.Exame.com. Disponível em: http://exame.abril.com.br. Acesso em: 28 jul.2013.
5
A Constituição de 1891 favoreceu a ampliação do acesso ao
voto, porém o que se percebeu realmente, foi a intensificação dos
mecanismos de coerção e manipulação dos direitos e decisões
políticas. A campanha moralizante da Aliança Liberal em 1930 e as
mudanças sociais e eleitorais resultantes do processo de
recrudescimento do poder central ao longo das décadas de 1930 e
1940 estabeleceram um cenário de supressão do debate político, em
troca da reordenação de alguns setores da vida social, como o
campo trabalhista.
A reabertura política do período de 1945 a 1964 fomentou
mudanças no cenário dos debates, em torno dos projetos de
reorganização do país, sem integrar plenamente os grupos sociais
do período (como as lideranças de movimentos rurais) mantendo o
foco das discussões, principalmente nas instituições políticas,
intelectuais e militares.
A instabilidade política e social do início da década de
1960, favoreceu a intervenção militar no país, com o amplo apoio
de setores sociais conservadores, elidindo a população do direito
ao debate político, mediante um programa de governo que agregou o
crescimento econômico excludente e uma máquina de repressão aos
grupos e movimentos de contestação a ordem estabelecida.
Com a reabertura democrática e principalmente, a promulgação
da Constituição de 1988, buscou-se finalmente, a inserção da
população no processo de organização da política nacional, porém,
a histórica exclusão de parcelas significativas do corpo social
brasileiro, ocorreu em paralelo ao desenvolvimento de uma
5
concepção distorcida do papel das funções públicas na
administração dos recursos e interesses coletivos. O
patrimonialismo discutido por FAORO, mesclou-se as práticas
clientelistas e de prevaricação na atuação de funções públicas.
Os sucessivos casos de corrupção no cenário político são a prova
da permanência destas práticas corrosivas e parasitárias para o
pleno crescimento do país
Obviamente, como bem observaram alguns analistas, em toda a
história do país, a grande barreira para a realização de mudanças
substanciais, sempre foi o voto, considerado mais um instrumento
de barganha, do que uma ferramenta de construção da verdadeira
soberania. É um continuum que favorece a corrupção e a exclusão
política, mas que também poderá consolidar um movimento nascido
sob a bandeira de defesa da ética e da moralização política.
Alheio a angústias e descrenças, a prova de fogo para as
manifestações de junho de 2013, será o pleito de 2014, em um
momento de forte concorrência com a grande festa do esporte
mundial, quando as mazelas que acometem a política nacional,
geralmente acabam “em pizza ou futebol”.
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