Artigo salvo versao2

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A EVOLUÇÃO POLÍTICA DO BRASIL: COLÔNIA, IMPÉRIO E REPÚBLICA Danilo D´Silva Duarte 1 RESUMO O presente artigo analisa as origens e transformações das estruturas políticas do Brasil, atentando também para a discussão em torno dos diferentes projetos e grupos políticos que se confrontaram na organização da sociedade brasileira ao longo das décadas, expondo ao final, a repercussão das atuais manifestações de junho de 2013. Palavras-chave: política; partidos; mobilizações. INTRODUÇÃO A compreensão a respeito das transformações históricas da política brasileira se encontra interligada ao processo de consolidação do Estado português, em meados do século do século XI, quando se instituiu uma monarquia empreendedora e fortemente centralizadora no contexto do capitalismo comercial, a partir do século seguinte. Neste sentido, a monarquia portuguesa instituiu bases sociais, políticas e econômicas, voltadas para a sustentação do 1 Discente do curso de especialização em História do Brasil das Faculdades Integradas Espírita. E-mail para contato: [email protected].

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A EVOLUÇÃO POLÍTICA DO BRASIL: COLÔNIA, IMPÉRIO E REPÚBLICA

Danilo D´Silva Duarte1

RESUMO

O presente artigo analisa as origens e transformações das estruturas políticasdo Brasil, atentando também para a discussão em torno dos diferentes projetose grupos políticos que se confrontaram na organização da sociedade brasileiraao longo das décadas, expondo ao final, a repercussão das atuais manifestaçõesde junho de 2013. Palavras-chave: política; partidos; mobilizações.

INTRODUÇÃO

A compreensão a respeito das transformações históricas da

política brasileira se encontra interligada ao processo de

consolidação do Estado português, em meados do século do século

XI, quando se instituiu uma monarquia empreendedora e fortemente

centralizadora no contexto do capitalismo comercial, a partir do

século seguinte.

Neste sentido, a monarquia portuguesa instituiu bases

sociais, políticas e econômicas, voltadas para a sustentação do

1

Discente do curso de especialização em História do Brasil dasFaculdades Integradas Espírita. E-mail para contato:[email protected].

aparato governamental que privilegiou a cidade ao campo e que

transformou o Estado em uma [...] empresa do príncipe, que

intervém em tudo, empresário audacioso, exposto a muitos riscos

por amor à riqueza e a glória.”2

Este patrimonialismo foi transplantado para o Brasil, com a

organização de um Estado colonial que segundo alguns autores,

antecedeu a formação da sociedade, motivando inclusive o

comentário de Alceu Amoroso Lima, segundo o qual “[...] O Brasil

teve estado, antes de ter povo”.3 Outros estudiosos refutam tal

afirmação, inferindo que o poder político exercido pelos

latifundiários foi mais forte do que o poder estatal, levando

inclusive a sua fragmentação. Ainda neste sentido, a concepção

marxista procurou demonstrar que o poder público serviu de

“instrumento” para a “classe dominante”, formada por

proprietários rurais e mineradores. No sentido oposto e

inspirados em Weber, houve ainda aqueles que enfatizaram a sólida

influência do estamento burocrático no controle do Estado,

atuando acima de interesses particulares.4

2 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato políticobrasileiro. 3º ed. São Paulo: Globo, 2001. p.40.3

LIMA, ap. WEHLING, Maria José C.M. Formação do Brasil colonial. 4º ed.Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005. p.309.4 WEHLING, Arno; WEHLING, Maria José C.M. Formação do Brasil colonial. 4ºed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005.p.309-310.

2

Para os historiadores Maria e Arno Wehling, todos estes

posicionamentos possuem sua importância interpretativa, porém

tendem a se dissipar em elocuções generalizantes, quando

enfatizam apenas o aspecto global, deixando de lado os fenômenos

particulares no estudo do tema. Para os autores, não houve uma

homogeneização da presença estatal na colônia, tanto no tempo,

quanto no espaço. Por outro lado, a incidência de forças locais,

também não minou a prerrogativa governamental no funcionamento da

estrutura mercantilista na América Ibérica. Além disto, faz-se

necessário perceber que a organização da dinâmica colonial

reproduziu também as contradições sociais presentes em Portugal,

uma vez que:

“[...] o Estado português no Brasil reproduzia suacaracterística metropolitana: uma permanente tensão entre asforças centralizadoras do absolutismo e forças sociaiscentrífugas, cuja atuação no Brasil acabou sendo facilitadaem diversos casos pela distância de Portugal. Ademais, oEstado não era algo separado da sociedade: ele próprio tinhaaspectos e valores estamentais, como a venalidade de algunsofícios, o enobrecimento dado pelos seus cargos e asexigências de “limpeza de sangue” [...] para ascender aeles.”5

O Estado português inserido no Brasil apresentou-se então

como um modelo patrimonialista, engendrado pela dinâmica de

enriquecimento da coroa mediante a organização de um estamento

burocrático, responsável por manter em funcionamento a estrutura

mercantilista e personalista da monarquia ibérica.

5 Id. ibid., p.310-311.

3

Foi neste contexto que se forjou a estrutura política

nacional, e no qual o Estado patrimonialista se moldou as

transformações históricas sem, no entanto, abandonar a nefasta

prática de abarcamento da coisa pública por agentes ligados a

máquina estatal em uma sociedade na qual a cidadania política,

ainda apresenta dificuldades para se fazer representar entre a

classe política.

DA COLÔNIA AO IMPÉRIO

A colonização da América ibérica entrelaçou-se ao processo

de expansão comercial português no início da Idade Moderna. No

entanto, as primeiras décadas não lograram grande entusiasmo aos

ímpetos mercantilistas, revelando um território que nas palavras

de FAORO, apresentava-se “[....] sem ouro, nem prata [e]

desprovido das riquezas da índia, não oferecia nada ao nobre, ao

comerciante, ao burocrata”.6 Era, porém, uma terra que se

convertia na esperança de estamentos menos favorecidos pelas

benesses do Estado patrimonial e que embebidos na visão edênica

da colônia, fantasiaram uma vida acessível à liberdade e a

riqueza e talvez, com o desfecho glorioso de retorno à terra

natal. Desta forma, o processo colonizador objetivou

inicialmente, consolidar a ocupação do novo território e ao mesmo

tempo, “desafogar” o excedente populacional do reino, tendo,

6 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato políticobrasileiro. 3º ed. São Paulo: Globo, 2001. p.121.

4

contudo, a preocupação de instituir uma dinâmica de exploração e

canalização de recursos para a metrópole.

Neste primeiro momento, instituiu-se um sistema já utilizado

na África e Índia: as feitorias, as quais foram organizadas

mediante o estabelecimento de concessões firmadas pela “carta de

privilégio”. O rei comprometia-se a garantir a proteção naval e

territorial, enquanto o contratador por sua vez, deveria garantir

a exploração do pau-brasil e o seu envio para os mercados

distribuidores europeus. O sistema de feitorias, no entanto,

mostrou-se frágil perante o assédio de outras nações, como a

França e a Espanha e a dificuldade para consolidar relações com

os povos nativos.

Preocupado em garantir a consolidação da estrutura

mercantilista, Portugal recorreu a outro artifício já presente em

outras colônias: a produção açucareira. Com isso, o território

foi organizado em capitanias, as quais serviriam não apenas à

exploração econômica, mas também para a consolidação da presença

portuguesa na colônia. A partir da “carta de doação”, elas [as

capitanias] se tornavam inalienáveis e permeáveis a transmissão

hereditária, cabendo aos Capitães-Donatários, uma série de

funções, tais como exercer a função de representantes reais,

distribuir sesmarias, cumprir o monopólio de exploração

econômica, criar vilas e dispor de direitos fiscais, entre

outros. Segundo FAORO, a relação que se estabeleceu entre

Capitães-Donatários e monarcas, evidenciou principalmente, o

5

risco constante de desvios e irregularidades na obediência aos

ditames monárquicos.7

Tão logo a economia açucareira adaptou-se as condições

existentes na América Ibérica, revelou o grande ônus inerente ao

seu cultivo. Os investimentos necessários centraram-se

principalmente na aquisição de mão-de-obra africana, exigindo dos

proprietários, o alargamento constante da área de cultivo, o que

no plano político, representou o surgimento dos potentados rurais

e suas forças militares privadas. Durante o período de vigência

das donatarias, percebeu-se um crescimento da autonomia política

de donatários e colonos, graças à delegação de autoridade aos

latifundiários, face à grande dispersão territorial. Os

tentáculos do Estado patrimonialista estavam sendo amputados,

porém ante a sua fraqueza, mostrava-se uma nova possibilidade

para o seu fortalecimento.

A mudança do regime de donatarias para o Governo-Geral, em

1548, constituiu uma guinada à centralização, graças à

instauração do Regimento de 17/12/1548, que constituiu a

efetivação da colonização do Brasil, preconizou a unidade

territorial e jurídica da colônia e acima de tudo, combateu os

ímpetos particularistas que se mostravam cada vez mais

ascendentes. Segundo FAORO, a importância do Regimento, reside

em dois aspectos: em primeiro lugar, consolidou a prerrogativa

real na administração da colônia e em segundo, reforçou o aspecto

7 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato políticobrasileiro. 3º ed. São Paulo: Globo, 2001. p.141.

6

patrimonialista desta administração, mediante a apropriação e o

direito real sobre as capitanias.8

Com o Governo-Geral, Portugal ensejou estabelecer na colônia

um prolongamento passivo das suas instituições, forjando uma

estrutura política do alto, que procurou minar a ascendência de

lideranças particulares, com a inserção de funcionários da

burocracia real nos moldes da estrutura patrimonialista, a partir

da concessão de honrarias e títulos e a nomeação de ouvidores e

provedores – mor, capazes de garantir a unidade administrativa,

jurídica, política e financeira da colônia.

Durante este período, ganhou destaque a atuação das

bandeiras, iniciadas no final do século XVI e destinadas à

dilatação do espaço territorial e posteriormente, ao apresamento

de nativos e a busca de metais e pedras preciosos. Era uma força

particular, mas sob a égide estatal. Havia nesta prerrogativa,

uma certa tolerância aos ímpetos autonomistas dos desbravadores

que “rasgavam” a golpes de machado, as entranhas da colônia,

porém, quando chegou aos ouvidos do rei, a notícia da existência

de minas de ouro na região sudeste, retomou-se o ímpeto

centralizador ferrenho da administração metropolitana, segundo a

qual:

“A política seria, daqui por diante, outra: o governometropolitano calaria a insubmissão – o rei tomaria conta,diretamente, do seu negócio, negócio seu e não dospaulistas. O ciclo do ouro, no fim do século XVII, se

8 id. ibid., p.168.

7

conjuga com as medidas e absolutistas do Portugalrestaurado. 9

O contexto político português na metade do século XVIII iria

intensificar o controle metropolitano sobre a colônia, com a

vigência do período de governo de Sebastião José de Carvalho e

Mello, o Marquês de Pombal. Entre as medidas adotadas pelo seu

governo, destaque para a expulsão dos jesuítas da colônia e a

elevação do Brasil ao posto de reino de Portugal, em 1762. Além

disso, a mineração na região sudeste contribuiu para o

deslocamento do centro político e econômico da colônia para a

região sudeste, graças à nomeação do Rio de Janeiro ao posto de

capital da colônia, em 1763.

No alvorecer do século XIX, mudanças no cenário político

europeu causaram impacto também no Brasil. A Revolução Francesa

(1789) e os seus desdobramentos, em especial a aprovação da

Constituição Liberal Burguesa (1791) representaram um libelo à

elite dominante colonial, sucumbida desde meados do século XVIII

a reação centralizadora da coroa e que se viu limitada

politicamente, na atuação dentro das câmaras municipais.

A crise nas exportações de ouro e cana-de-açúcar, finalmente

mostrou aos latifundiários, o peso do pacto colonial, revelando

não apenas os males da dependência em relação à metrópole, mas

também da canalização de grande parte da renda colonial para o

exterior. Ainda no final do século XVIII, os movimentos

antiportugueses – Conjurações Mineira, Baiana e Carioca -

9 id. ibid., p. 189.

8

influenciados por ideais iluministas e contrários a dependência

colonial, iriam revelar a decadência do sistema mercantilista.

A transmigração da corte portuguesa em 1808 representou o

golpe fatal a este sistema, pois concedeu a colônia, no âmbito

político e posteriormente, jurídico, o reconhecimento da sua

autonomia perante o combalido reino lusitano. Com Dom João e a

família real, mudaram para o Brasil um extenso séqüito de nobres

e funcionários reais, aglutinando no Rio de Janeiro, o centro das

decisões políticas e administrativas da corte, garantindo

principalmente, a manutenção da Casa Real de Bragança.10

Em sua primeira medida no Brasil, Dom João abriu os portos

do território as nações amigas, sobretudo a Inglaterra,

promovendo uma mudança contraditória, pois ao mesmo tempo em que

aumento a arrecadação fazendária, também colocou a nova sede da

coroa, sob o julgo econômico da Inglaterra.

No Rio de Janeiro, instituiu-se uma nova corte formada entre

os prósperos comerciantes e latifundiários, além da nobreza

transmigrada.11 Claramente, no entanto, prevaleceu o favorecimento

a nobreza lusitana, agraciada com honrarias, títulos, posses e

cargos públicos, incomodando os brasileiros, que se ressentiram

com a concessão destes privilégios aos reinóis. Desta forma, a

estrutura administrativa e política, voltou-se principalmente

para a sustentação da corte portuguesa, drenando recursos do Real

10 GOMES, Laurentino. 1822: como um homem sábio, uma princesa triste e umescocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil, um país quetinha tudo para dar errado. Rio de Janeiro, 1º ed. Rio de Janeiro: NovaFronteira, 2010 p.70.11 id. ibid., p.70.

9

Erário e fazendo valer a prática do “favorecimento” em troca da

manutenção do poder real.

Logo, porém, a presença da monarquia portuguesa seria

contestada pela elite do Recife, em 1817, quando latifundiários

embebidos na ideologia liberal e aglutinados na Maçonaria,

bradaram contra os impostos onerosos, considerados incapazes de

suprir as necessidades da população contribuinte. Mais do que

isso criticavam a própria “[...] manutenção da obsoleta política

metropolitana num país autônomo”.12

Neste momento, em meio a alguns grupos mais radicais,

pairavam apologias e repúdios ao sistema republicano, considerado

em seus extremos, símbolo de consolidação da soberania nacional e

também, elemento maior da anarquia reinante nas extintas colônias

espanholas.

Paralelamente a isto, Portugal sofria com o empobrecimento

crônico, causado pelo fim dos privilégios monopolistas com o

Brasil e ainda procurava reestruturar-se após o fim da dominação

francesa em seu território. Neste contexto, irrompeu no dia 24 de

agosto de 1820, a Revolução do Porto, movimento de caráter

liberal-burguês e que previa não apenas o retorno da família real

a Portugal, como também, tolhia suas prerrogativas absolutistas,

frente à instauração de uma Monarquia Constitucional. Ainda em

sua pauta de reivindicações, os revolucionários lusitanos

desejavam o retorno imediato do Brasil a condição de colônia

portuguesa.

12 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato políticobrasileiro. 3º ed. São Paulo: Globo, 2001. p. 303.

1

Dom João VI, encurralado, decidiu retornar a Portugal em

1821, jurando lealdade às cortes e deixando no Brasil o príncipe

regente Dom Pedro, que procurou aproximar-se da elite brasileira

e do governo inglês para fortalecer a posição autônoma do Brasil

frente “As Cortes”. No início de 1822, Dom Pedro estabeleceu um

governo provisório organizado por José Bonifácio de Andrada e

Silva, apoiado em três pontos básicos: a restauração da

administração provincial; a soberania das decisões do príncipe

regente e a convocação de uma Assembléia Constituinte, em março

de 1823.

IMPÉRIO E REPÚBLICA

Após a independência e a aclamação de Dom Pedro I, seguiu-se

um período de intensas discussões em torno da Constituinte,

sobretudo no tocante ao papel do imperador como articulador e

executor da carta. Em um período no qual inexistiam grupos

políticos organizados, o que aglutinava determinados setores

sociais eram a sua condição socioeconômica e o seu posicionamento

ideológico. Neste sentido, a Constituinte apresentou dois grupos

divergentes em seus interesses, mas homogêneos em sua formação.

De um lado, os democratas, defensores da soberania da

Constituição. De outro, os liberais moderados, favoráveis à

superioridade da tradição histórica da monarquia em relação ao

contrato social. Além disso, discutiu-se exaustivamente a

validade do poder de veto do imperador e também, a necessidade de

1

um juramento prévio à Constituição, situação que se tornou objeto

de intensas rusgas entre Dom Pedro e os constituintes.

Poucos meses após a sua instauração, a Constituinte acabou

dissolvida por Dom Pedro I, que demitiu também José Bonifácio,

transformando-o em um mordaz crítico do seu reinado. No dia 25 de

março de 1824, o imperador outorgou aquela que seria a primeira

Constituição Brasileira, marcada principalmente pela adoção do

voto censitário e do poder moderador, Isto posto, muito

reveladora mostra-se à afirmação de Laurentino Gomes, para o qual

“[...] a Constituição brasileira é obra da vontade de um homem

só, o rei. E, por mais avançada que fosse, nela o povo nunca se

reconheceu”.13

Segundo Raymundo Faoro, o prestígio político de Dom Pedro se

esvaiu ao longo do Primeiro Reinado, inebriado pelo impacto

popular da independência, pela constante mudança da sua base de

apoio, ora favorecendo brasileiros, ora portugueses e pelo

impacto da outorga da Constituição de 1824.14

Havia ainda outro problema que se mostrava persistente: a

questão da unidade territorial, cuja principal ameaça não residia

em perigos externos, e sim da Província de Pernambuco.

Tradicionalmente rebelde à corte de Bragança no país, a elite da

Província criticava o escoamento de recursos fazendários para o

Rio de Janeiro, além de se mostrar favorável ao juramento prévio13 GOMES, Laurentino. 1822: como um homem sábio, uma princesa triste e umescocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil, um país quetinha tudo para dar errado. Rio de Janeiro, 1º ed. Rio de Janeiro: NovaFronteira, 2010. p.220.14 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato políticobrasileiro. 3º ed. São Paulo: Globo, 2001.p. 324-327-328.

1

à Constituição. Esta situação tomou contornos dramáticos, com a

proclamação da Confederação do Equador, em 24 de julho de 1824,

em repúdio ao que era considerado um caráter absolutista e

centralizador do governo de Dom Pedro I.

O combate ao movimento foi implacável, porém menos de um

ano depois, o governo se veria envolvido em outro conflito, desta

vez, na região da Cisplatina em um confronto que durou

aproximadamente dois anos (1825-1827) drenando recursos do

tesouro e gerando o ódio entre a população, graças aos

alistamentos forçados.15

Neste momento, o governo de Dom Pedro I se polarizou na

manifestação de quatro grupos políticos: o Partido Português,

defensor do retorno do Brasil à condição de colônia; os Liberais

Moderados, partidários da monarquia constitucional; os Liberais

Exaltados, favoráveis à descentralização política das províncias;

os Absolutistas, favoráveis a centralização política.16

O monarca viu-se cada vez mais pressionado e isolado,

vislumbrando duas soluções dramáticas: o absolutismo ou a

abdicação do trono brasileiro.

Em verdade, a análise de FAORO a respeito da trajetória

política do monarca revela de modo contundente, as contradições

que cercaram a atuação de Dom Pedro I na sua aventura de

construção do país, pois segundo o autor:15 GOMES, Laurentino. 1822: como um homem sábio, uma princesa triste e umescocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil, um país quetinha tudo para dar errado. Rio de Janeiro, 1º ed. Rio de Janeiro: NovaFronteira, 2010. p. 296.16 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato políticobrasileiro. 3º ed. São Paulo: Globo, 2001. p. 336.

1

“Na época da independência, movido pelo entusiasmo, haviaexpressado sentimentos que deviam lisonjear o espíritonascente de nacionalidade, e que foram tidos por sinceros;mas depois, o emprego que fez de forças estrangeiras; ascondições com que celebrou o tratado de 1825; a contínuaingerência nos negócios de Portugal; a instituição de umgabinete secreto; a nomeação de portugueses naturalizadosaos mais altos empregos do Estado, com a suposta exclusãodos brasileiros natos, havia suscitado, entre um povocioso, a desconfiança de que o própria monarca era aindaportuguês de coração.”17

No cerne de todo o turbilhão político, seria talvez uma

questão mais passional, o âmago de todo o processo de desgaste

enfrentando pelo monarca. E este, sem uma perspectiva favorável

em terras brasileiras, decidiu abdicar do trono em 7 de abril de

1831, legando ao seu filho, Pedro de Alcântara, a manutenção da

Casa dos Bragança, sob a tutela de seu antigo amigo, José

Bonifácio de Andrada e Silva.

Com a saída de Dom Pedro, instituiu-se a Regência Trina

Provisória (1831-1832) organizada principalmente por membros do

grupo dos Liberais Moderados, mas que apresentava um interesse

comum aos Exaltados: refrear o Poder Moderador. Neste período,

duas mudanças denotaram o fortalecimento dos ímpetos

descentralizadores no governo. Em primeiro lugar, a criação da

Guarda Nacional, em 1831, cujo nascimento enfraqueceu o poder do

exército, fortalecendo por outro lado, a ascendência dos

latifundiários. Em segundo, a instauração do Código de Processo

17 id. ibid., p.342.

1

Penal, em 1832, que concedeu autonomia para que os municípios

exercessem atribuições jurídicas e policiais.

Em 1832, foi instaurada a Regência Trina Permanente (1832 –

1835) em um contexto sócio-político conturbado. Neste período,

três grupos políticos orbitavam em torno das decisões

governamentais. De um lado, os Liberais Moderados, considerados a

base do governo e na oposição, os Liberais Exaltados, uma

composição heterogênea que defendia entre alguns de seus membros,

a implantação de uma República e a expulsão de comerciantes

estrangeiros do país. Apareciam ainda, mas totalmente

enfraquecidos, os Restauradores, partidários do retorno de Dom

Pedro I ao trono.18

A atuação da oposição foi intensa, obrigando os moderados a

sufocar rebeliões provinciais, entre os anos 1832 e 1835. Mais do

que isso se fez necessário, realizar uma reforma constitucional

com a sanção do Ato Adicional de 1834. Entre suas principais

medidas, destaque para a criação de Assembléias Legislativas

Provinciais, a criação da Regência Una, com mandato de quatro

anos e a criação do município neutro do Rio de Janeiro. Mais uma

vez, a balança pendeu ora aos ìmpetos centralizadores, ora aos

descentralizadores.

No dia 07 de abril de 1835, Diogo Feijó foi eleito Regente

Uno, porém o seu governo não conseguiu combater as dificuldades

econômicas e as revoltas sociais do período. Ao mesmo tempo, a

18 SOARES, Carlos Dalmiro da Silva. A evolução histórico-sociológica dospartidos políticos no Brasil Imperial. Jus Navigandi, 1998, n.26, [s.i].Disponível em: http://jus.com.br/artigos. Acesso em: 13 jul. 2013. [s.i].

1

oposição e a situação se rearticularam em dois grupos, os

Regressistas, contrários ao que consideravam um liberalismo

excessivo do regente e os Progressistas, base de apoio do

governo. Em setembro de 1837, Feijó renunciou, instituindo-se em

seu lugar, o “Ministério das capacidades”, acarretando em um novo

e duradouro reordenamento no cenário político brasileiro.

Enquanto os Regressistas se articularam ao Partido Conservador,

os Progressistas arregimentaram o Partido Liberal. Segundo FREIRE

e ORDONEZ:

"Na prática, esses partidos funcionavam independentementede sua ideologia e não eram orientados pelos seusprincípios. Lutavam apenas pela posse do poder. Haviaelementos do Partido Liberal, bastante conservadores emsuas idéias e conservadores que apresentavam projetos dereforma progressistas. Tudo dependia das conveniências".19

Em sua essência, Conservadores e Liberais defendiam

interesses semelhantes, uma vez que representavam a aristocracia

brasileira. Enquanto os Conservadores provinham da elite rural e

defendiam a consolidação de um governo centralizador, os

Liberais, em sua maioria formados pela burguesia urbana

(comerciantes e bacharéis), ensejavam maior autonomia provincial

e o relaxamento do Poder Moderador. Suas distinções ideológicas

marejavam, de acordo com as conveniências. Estes dois grupos

políticos atingiram o seu apogeu durante o Segundo Reinado,

19 FREIRE & ORDONEZ, ap. SOARES, Carlos Dalmiro da Silva. A evoluçãohistórico-sociológica dos partidos políticos no Brasil Imperial. JusNavigandi, 1998, n.26, [s.i]. Disponível em: http://jus.com.br/artigos. Acessoem: 13 jul. 2013. [s.i].

1

apresentando, porém, um relativo predomínio dos Conservadores nos

cargos ministeriais, Câmara e Senado.

A partir de 1840, com a instauração do Segundo Reinado,

ganhou força a implantação de outro mecanismo político constante

na Carta de 1824: o parlamentarismo. A sua adoção, porém, não foi

imediata e contou com a progressiva aceitação de Dom Pedro II, o

qual amparou-se na Constituição e encarregou um representante

para a composição do ministério, aprovando em 20 de julho de

1847, o decreto nº523, que criou a Presidência do Conselho de

Ministros, instaurando o parlamentarismo como instrumento de

organização da estrutura política nacional. O presidente do

Conselho de Ministros se tornou encarregado de instituir o

gabinete ministerial, o qual deveria contar com o apoio dos

Deputados e do próprio Imperador. Cabia, no entanto ao próprio

monarca, arbitrar a respeito da permanência ou substituição de um

determinado Gabinete, investido na prerrogativa do Poder

Moderador.

O trânsito político entre liberais e conservadores, sofreu

um revés em 1864, quando membros do Partido Liberal, descontentes

com a ingerência do Partido Conservador, decidiram criar um novo

grupo político, denominado Liga Progressista ou Partido Liberal

Progressista. Em seu programa, a Liga combatia principalmente a

corrupção governamental e a preponderância dos Conservadores

junto ao alto círculo político nacional.

O contexto socioeconômico da segunda metade do século XIX,

transformado pela intensificação do abolicionismo, pela

1

instalação das primeiras fábricas e pela consolidação da economia

cafeeira, refletiu no cenário político nacional, sobretudo com o

crescimento das reivindicações de latifundiários paulistas,

defensores de maior descentralização e também da instauração da

República.

Em 1870, liberais históricos, radicais e republicanos,

fundaram na capital do império, o Clube Republicano e o jornal “A

República” o qual estampou em seu número inicial, o “Manifesto

Republicano”. Três anos depois, foi fundado o Partido Republicano

Paulista, sucedido posteriormente pelo Partido Republicano

Mineiro e pelo Partido Republicano Gaúcho. Neste contexto,

surgiram duas correntes políticas em torno dos Partidos. De um

lado, os revolucionários, defensores da implantação da República

por meio de um golpe de Estado e de outro, os evolucionistas,

mais moderados e favoráveis a uma transição somente, após a morte

do monarca.

Ao final do período imperial, uma sucessão de crises

corroeram as suas bases de sustentação. A pressão militar por

maior participação política, as rusgas com a Igreja Católica e os

latifundiários, além do próprio desgaste da estrutura monárquica,

isolaram Dom Pedro II cedendo lugar à ascensão política do

militares em 15 de novembro de 1889, amparados pela crescente

influência dos latifundiários da região sudeste no cenário

político nacional.

DA PRIMEIRA REPÚBLICA AO GOLPE CIVIL-MILITAR

1

A passagem do período imperial para o republicano,

representou acima de tudo, a ascensão de novos protagonistas

políticos no cenário nacional. De um lado, as forças armadas que

encontraram na Guerra do Paraguai, o elemento capaz de fortalecer

o seu espírito institucional, influenciado principalmente, pela

difusão do positivismo nas escolas militares. Os cafeicultores

por sua vez, queriam se desvencilhar do centralismo imperial,

controlando as decisões políticas e econômicas do seu próprio

interesse.

A força política no alvorecer republicano estava apenas

aparentemente concentrada nas mãos do grupo militar, pois a

Constituinte de 1890, já despontava para a federalização e a

descentralização, tal qual ansiavam as oligarquias cafeeiras. Os

federalistas, como ficaram conhecidos os defensores desta

condição, eram contrapostos pela existência dos chamados

unionistas, que defendiam justamente o oposto, ou seja, a

consolidação da centralização política como freio aos ímpetos

clientelistas e garantia da plena governabilidade da União.20

A Constituição de 1891 serviu justamente aos interesses das

oligarquias rurais, sobretudo, dos estados de São Paulo e Minas

Gerais, assim como de seus respectivos Partidos republicanos. A

introdução do sistema de governo presidencialista e a

transformação das províncias em estados favoreceram no âmbito

municipal os grandes proprietários rurais e no estadual, as

20 ARRUDA, Pedro Fassoni: Liberalismo, direito e dominação da burguesiaagrária na Primeira República Brasileira (1889 – 1930). Ponto e Vírgula, SãoPaulo, 2007, v.1, n.1, p.161-188. Disponível em: www.pucsp.br/ponto-e-virgula.Acesso em: 16 jul. 2013. p.166-167.

1

oligarquias regionais. Além disso, impôs a ideologia da vocação

agrícola do país, mantendo praticamente inalteráveis os

mecanismos de ordenamento social.

De acordo com ARRUDA, durante a Primeira República, o

governo federal procurou manter relações “cordiais” com as

oligarquias dominantes, não se ausentando a prática de envio de

tropas federais para destituir governadores opositores eleitos.21

Esta prática foi apenas à extensão de uma série de outras que

caracterizaram o cenário político brasileiro do período. Segundo

Victor Nunes Leal, as eleições eram marcadas tanto pela

manipulação de cédulas e a fraudes na homologação de eleitores,

quanto pela atuação das famigeradas Comissões Verificadoras na

“degola” de candidatos de oposição ao governo.22 Ao executivo

federal, interessava, sobretudo, a harmonização nas relações

políticas com os executivos estaduais. Neste sentido, a

idealização da “Política dos Governadores” em 1898, pelo

presidente Campos Sales, buscou manter o apoio das oligarquias

dominantes, tendo como base de sustentação a atuação dos

coronéis, amparados em suas milícias privadas. A relação

estabelecida entre os proprietários locais e as forças públicas

estaduais conduzia inclusive, a um entrelaçamento de interesses

privados e públicos, constituindo práticas clientelistas e

mandonistas, no tratamento da “coisa pública”.

A política oligárquica presente na Primeira República, não

deve, contudo, ser considerada um bloco de interesses homogêneos,

21 id. ibid., p.173.22 LEAL, ap. ARRUDA, id. ibid., p.175.

2

pois a própria elite nacional, apresentou divergências que

acarretaram em movimentos de contestação à condução da ordem

política republicana. Em 1910, Rui Barbosa lançou-se candidato à

presidência da República, sob o lançamento da “Campanha

Civilista”, defensora de maior fortalecimento da União perante os

estados. No início da década de 1920, as rebeliões tenentistas

com seu programa de moralização da vida política, acionavam para

o descontentamento de setores médios das forças armadas em

relação aos rumos da vida política nacional. A Reação Republicana

de 1922, articulada entre as oligarquias secundárias da Bahia,

Rio de Janeiro, Pernambuco e Rio Grande do Sul, evidenciou a

insatisfação destas, em relação à ingerência de São Paulo e

Minas Gerais.23

Igualmente revelador, mas desvinculado aos interesses

elitistas da política nacional, foi à fundação do Partido

Comunista Brasileiro em 1922 no Rio de Janeiro, cuja ascensão foi

possível, após combate as forças paralelas ao fortalecimento do

operariado, como o movimento anarquista.

A primeira metade da década de 1920 caracterizou-se pela

crescente mobilização contrária a ordem política dominante,

obrigando o governo federal a realizar a primeira reforma

constitucional em 1926. O principal alvo das mudanças foi os

movimentos populares, com a anulação da aplicação do Hábeas Corpus

23 FERREIRA, Marieta de Moraes; PINTO, Surama Conde Sá. A Crise dos anos20 e a Revolução de Trinta. Rio de Janeiro: CPDOC, 2006. 26f. Disponível em:http://cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1593.pdf. Acesso em: 16jul.2013.p.11.

2

e a intensificação do aparelho repressor do Estado. Além disso, a

reforma manteve o pacto federativo.

Ainda neste mesmo ano, surgiu na cidade de São Paulo, o

Partido Democrático, formado por membros da camada média urbana e

defensor de maior transparência eleitoral. Trata-se de uma

organização política nascida entre a elite e que se identificava

com os interesses dela, portanto, encontrava-se distante do

clamor popular. Neste sentido, faz-se pertinente à afirmação de

FAORO, a respeito dos limites da participação política durante o

período, pois segundo o autor “[...]” a República Velha continua

sem quebra, o movimento restritivo da participação popular. A

política será a ocupação dos poucos, poucos e esclarecidos, para

o comando das maiorias analfabetas, sem voz nas urnas”.

O início da década de 1930 revelou novos rumos neste

contexto excludente, com a mobilização de oligarquias dissidentes

e descontentes com os rumos da sucessão presidencial daquele ano.

A Aliança Liberal - formada por membros do Partido Democrático,

grupos civis e militares e oligarquias agrárias de Minas Gerais,

Paraíba e Rio Grande do Sul - lançou a candidatura presidencial

do gaúcho Getúlio Dorneles Vargas, sob o lema “Representação e

Justiça” defendendo reformas políticas e eleitorais. Para

FERREIRA e PINTO, esta contestação revelava acima de tudo, o

interesse de outros grupos políticos desejosos de ascender junto

ao cenário nacional, além de sinalizar o rompimento da relativa

2

hegemonia entre paulistas e mineiros no comando do executivo

federal.24

O desfecho do processo eleitoral de 1930 e o assassinato do

vice da chapa de Getúlio Vargas, João Pessoa, apenas

radicalizaram as controvérsias existentes dentro da própria

estrutura política oligárquica. Os acontecimentos imediatamente

anteriores e posteriores ao dia 24 de outubro de 1930, revelam a

extensão destas controvérsias, sendo alvo de diferentes

interpretações históricas ao longo das décadas.

De acordo com SODRÉ, os acontecimentos revolucionários foram

motivados pelas divergências entre o setor agrário-exportador e a

burguesia nacional, fortalecida pela união com setores médios

urbanos, em especial, os tenentes. Em uma análise mais

conservadora, TRONCA observou a Revolução de 1930 como uma

resposta da burguesia contra o fortalecimento da classe operária.

Já FAUSTO, realizou uma assertiva mais globalizante, indicando

que a ascensão de Vargas foi o resultado de conflitos intra-

oligárquicos, que geraram um vazio de poder que naquele momento

não foi cooptado por um grupo em específico, mas por um

heterogêneo conjunto de interesses que se aglutinaram na

instauração de um “Estado de Compromisso”, caracterizado pela

centralização de poder, a subordinação das oligarquias a este

poder e o intervencionismo.25

24 FERREIRA, Marieta de Moraes; PINTO, Surama Conde Sá. A Crise dos anos20 e a Revolução de Trinta. Rio de Janeiro: CPDOC, 2006. 26f. Disponível em:http://cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1593.pdf. Acesso em: 16jul.2013.p.15.25 TRONCA, ap. FERREIRA, Marieta de Moraes; PINTO, Surama Conde Sá. A Crisedos anos 20 e a Revolução de Trinta. Rio de Janeiro: CPDOC, 2006. 26f.

2

Em todas as suas linhas interpretativas, os acontecimentos

de 1930, demonstram acima de tudo, a saturação e a reorganização

da estrutura política nacional. Neste sentido, a aproximação

entre Vargas e os Tenentes, reforçou o ímpeto centralizador do

governo provisório, defendido pelos militares. Por outro lado, a

presença de membros da oligarquia agrária, evidenciava também a

pressão em torno da elaboração de uma reforma constitucional que

reordenasse as relações entre o executivo federal e os estados.

Entre 1930 e 1931, Vargas governou sob uma base de apoio

frágil e heterogênea, instaurando o decreto 19.938, que dissolveu

as esferas de atuação do poder legislativo e criou as

Interventorias, indicando para o executivo estadual, membros do

movimento tenentista. O crescimento da centralização de poder nas

mãos de Vargas descontentou, sobretudo, as oligarquias paulistas,

as quais se mobilizaram e em 1932 contra o governo federal, mas

que logo foram controladas pelas forças federais.

Este acontecimento acelerou a instalação de uma Assembléia

Constituinte em 1933, gerando uma cisão no interior da base

tenentista, pois enquanto alguns preferiram aderir plenamente ao

governo federal, outros se aliaram aos grupos oligárquicos. Em 16

de julho de 1934, a nova Constituição foi promulgada, trazendo

consigo, importantes mudanças no campo social, como a

regulamentação da jornada de trabalho, a implantação do salário

mínimo e das férias remuneradas, além da criação da Justiça do

Trabalho. No entanto, ela também mantinha o princípio federalista

Disponível em: http://cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1593.pdf. Acessoem: 16 jul.2013. p.19.

2

e a autonomia sindical, medidas que desagradavam Getúlio Vargas.

Neste sentido:

“A constituição de 1934 teve vida curta. Ao mesmo tempo emque tentou estabelecer uma ordem liberal e moderna, buscoutambém fortalecer o Estado e seu papel diretor na esferaeconômica-social. O resultado não agradou a Vargas, que sesentiu tolhido em seu raio de ação pela nova carta”.26

Este era obviamente, um contexto histórico propício a

ascensão de discursos autoritários, mesmo com a permanente

manifestação ideológica do pan-americanismo, engendrado pelos

Estados Unidos, a partir da “Política da Boa Vizinhança”. Em um

período de crise econômica, o governo brasileiro manteve acordos

bilaterais, tanto com estadunidenses, quanto alemães,

desenvolvendo aquilo que o historiador Gerson Moura chamou de

“eqüidistância pragmática”. Em verdade, Vargas buscou tirar o

melhor proveito das relações internacionais, com vistas à

estabilização econômica, consolidando uma postura diplomática

definida ao americanismo, apenas em fins de 1941, com a

declaração de guerra dos Estados Unidos as forças do eixo.

No cenário nacional, os conflitos político-ideológicos se

concentraram principalmente na atuação de dois grupos políticos

antagônicos. De um lado, a “Ação Integralista Brasileira”,

liderada por Plínio Salgado e formada por intelectuais,

profissionais liberais, funcionários públicos e militares. Eram

26 ANOS de incerteza (1930 – 1937). A era Vargas – 1º tempo – dos anos 20 a1945, Rio de Janeiro, 1997. Disponível em:http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies. Acesso em: 18 jul.2013.

2

defensores do antiliberalismo, do nacionalismo e do anti-

semitismo.

A sua oposição era formada pela “Aliança Nacional

Libertadora”, grupo político que agregava comunistas,

socialistas, tenentes, liberais e católicos. Contando com a

liderança de honra de Luis Carlos Prestes, os aliancistas eram

defensores do desenvolvimento com base nacionais e combatiam

ferrenhamente o imperialismo, o latifúndio e o nazifascismo.

Ao longo do ano de 1935, integralistas e aliancistas

promoveram confrontos que reforçavam a fragilidade da

estabilidade política do governo federal. Este, temeroso

principalmente com o crescimento da influência da “Aliança

Nacional Libertadora”, conseguiu aprovar no Congresso, em abril

de 1935, a “Lei de Segurança Nacional”, colocando os aliancistas

na ilegalidade. Com a intensificação da repressão política e

amparados nas diretrizes do Partido Comunista Soviético, os

aliancistas promoveram em novembro de 1935, vários levantes

militares em quartéis do Rio Grande do Norte, Pernambuco e Rio de

Janeiro. O objetivo era promover um golpe contra o governo de

Vargas. No entanto, as tropas federais logo controlaram os

levantes, pressionando o Congresso a decretar ao final daquele

ano, o estado de sítio por 30 dias, posteriormente prorrogado por

mais 90 dias. Neste período, a repressão da polícia política foi

intensa, com a prisão de centenas de civis e militares e a

criação da “Comissão de Repressão ao Comunismo” em 1936,

2

responsável por investigar atividades e crimes subversivos contra

instituições políticas e sociais.

Em meados de 1936, a apreensão de documentos ligados a

atividades do Partido Comunista Brasileiro, levaram o Congresso a

autorizar a instauração do “Estado de Guerra”, em vigor até

meados de 1937. Tais medidas, tomadas em seu conjunto, revelam

que Vargas possuía uma preocupação em acalmar as elites civis e

militares, que apoiaram a sua ascensão ao poder nacional.

A consolidação do autoritarismo no governo varguista,

coincidiu com o inicio da campanha presidencial prevista na

Constituição de 1934, cujo pleito, seria realizado em 1938. A

articulação da campanha dos candidatos, Armando Sales de Oliveira

(oposição), José Américo de Almeida (situação) e Plínio Salgado,

ocorreu em meio a um quadro repressor e de censura, resultante da

instauração do Estado de Guerra. Além disso, focos regionais de

insurgência, em especial no Rio Grande do Sul, sob a liderança de

Flores da Cunha distanciaram Vargas, até mesmo do apoio ao

candidato considerado de situação.

A realidade política apontava para uma desarticulação da

base de apoio presidencial, mas o combate ao comunismo ainda era

um “trunfo” a ser utilizado por Vargas. Em razão disto, no ano de

1937, circulou pelos principais veículos de imprensa nacional uma

suposta carta denominada, “Plano Cohen”, que revelava planos de

uma nova insurreição comunista no país. Com a repercussão deste

artifício político, Vargas determinou o fechamento do Congresso

Nacional em 10 de novembro de 1937, anunciando pelo rádio, as

2

razões que o levaram a tomar tal atitude. Segundo o presidente, a

crescente desagregação política e o perigo comunista, se tornaram

fatores preponderantes ao recrudescimento da sua autoridade

política.

Com a instauração do Estado Novo, vigorou até 1945, uma

forma de organização política respaldada pela outorga de uma nova

Constituição em 1937. Além disso, assistiu-se a um rearranjo das

forças nacionais com o nítido fortalecimento do poder central, a

partir da supressão de direitos políticos, incluindo a

perseguição ao Integralismo, o fechamento do poder legislativo em

suas diversas estâncias e a presença das interventorias.

O governo autoritário de Vargas em uma franca adaptação de

determinadas características do fascismo italiano, foi e ainda é,

facilmente levado a uma assimilação plena àquele regime de

governo. Em verdade, o Estado Novo ficou marcado por um

autoritarismo de bases heterogêneas, e por isso, apresentou

certas nuances que o aproximam da matriz italiana, sem contudo

constituir-se em um mero apêndice dela.

A estrutura de governo estadonovista era baseada na atuação

dos seguintes órgãos: a polícia repressiva da Delegacia de Ordem

Política e Social (DOPS); a censura e a manipulação ideológica da

imagem personalista de Vargas, a partir do Departamento de

Imprensa e Propaganda (DIP); a racionalização da estrutura

burocrática engendrada pelo Departamento Administrativo do

Serviço Público (DASP). Na área econômica e de relações

trabalhistas, a intensificação da vigilância do Ministério do

2

Trabalho, colocou sob a sua restrição as atividades sindicais,

proibidas de manifestar qualquer ato de oposição ao governo, além

de corporificar as mudanças sociais na Consolidação das Leis

Trabalhistas (CLT).

O contexto político internacional, porém, logo evidenciou as

contradições do governo autoritário de Vargas. Com a mudança de

rumo no conflito mundial, a partir de 1942, Vargas iniciou o

processo de transição, postergando a consulta popular em relação

a Constituição de 1937.

Entre os anos de 1942 e 1944, a oposição ao governo

autoritário tomou corpo, forçando Vargas a decretar o Código

Eleitoral, que previa eleições presidenciais para 02 de dezembro

de 1944. Além disso, retomou-se o direito ao pluripartidarismo,

processo que levou ao surgimento de três grandes correntes

políticas. O Partido Social-Democrata (PSD) formado por membros

da elite burocrática, fazendeiros e industriais ligados ao

governo; o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), oriundo do

sindicalismo e do Ministério do Trabalho; e a União Democrática

Nacional (UDN) nascida sob o auspicio do liberalismo e que

congregava liberais, social-democratas e militares contrários ao

regime varguista.

A campanha presidencial de 1945 trouxe como principais

candidatos, o brigadeiro Eduardo Gomes (UDN), o general Eurico

Gaspar Dutra (PSD/PTB) e o engenheiro Yedo Fiúza (PCB). No

entanto quem “roubou a cena” foi o movimento popular que defendia

a transição democrática com Getúlio Vargas e a aprovação de uma

2

nova Constituinte. Conhecido como “queremismo”, este movimento

revelou uma força até então, ignorada pela elite política

nacional e passou longe de se constituir uma massa de manobra

gestada pela política de manipulação ideológica varguista, pois

como bem inferiu FERREIRA,

“O queremismo, antes de ser apressadamente interpretadocomo a vitória final de um suposto condicionamentohomogeneizador da Mídia do Estado Novo, expressou umacultura política popular e a manifestação de umaidentidade coletiva dos trabalhadores, resultados deexperiências vividas e partilhadas entre eles, ao mesmotempo políticas, econômicas e culturais, antes e durante o“primeiro governo” de Vargas”27

Vargas foi deposto em 29 de outubro de 1945, com o prestígio

e um legado político que o tornaram um contraditório símbolo de

defesa dos valores nacionais e ao mesmo tempo, de populismo e

manipulação de massas.

A transição democrática em 1945 é considerada por muitos

estudiosos um projeto em certa medida, planejado pelo próprio

governo, pois houve a preocupação em garantir a manutenção das

bases simbólicas e materiais na nova ordem política e

institucional.

Entre 1945 e 1964, o Brasil viveu um período de grande

efervescência da experiência democrática, sobretudo com a

itensificação dos debates políticos, cristalizados na atuação dos

27 DELGADO, Lucilia de Almeida Neves; FERREIRA, Jorge (Org). O tempo daexperiência democrática: da democratização de 1945 ao golpe civil-militar de1964. 2º ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. 432 p. (O Brasilrepublicano; v.3). p. 15.

3

principais partidos existentes. Neste contexto, o PSD,

estruturado no seio da elite burocrática estadonovista, tornou-se

o partido de maior expressão nacional. O PTB por sua vez,

demonstrou um progressivo crescimento, cerceado apenas com a

instauração do golpe-civil militar de 1964. A UDN, em sua

essência, atuou como um partido combativo em relação a herança

getulista/trabalhista, buscando neste período, sucessivas

tentativas de impugnação de candidaturas presidenciais vencedoras

(1950 e 1955).

O contexto político internacional, marcado pelo

confrontamento ideológico entre Estados Unidos e União soviética,

contribuiu para a intensa polarização política do país, com a

criação de representações parlamentares antagônicas.

Apresentando-se como defensora do desenvolvimento com bases

nacionalistas e formada por membros do PTB, Frente de Mobilização

Popular (FMP) e Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB),

estava a Frente Parlamentar Nacionalista. Ela polarizava a sua

atuação, perante a formação da Ação Democrática Parlamentar

(ADP), favorável a manutenção da propriedade privada e a atração

de investimentos estrangeiros.

A própria sucessão presidencial do chamado “período

democrático” revelou a influência dos embates ideológicos entre

Ocidente e Oriente. No governo Dutra, ainda sob o alvorecer da

Guerra Fria, intensificou-se o liberalismo econômico com a

abertura do mercado brasileiro aos produtos internacionais,

3

situação fortalecida pela criação da Organização dos Estados

Americanos (OEA).

O retorno de Getúlio Vargas ao poder, em 1951, reforçou o

embate ideológico entre os projetos de desenvolvimento do país –

nacionalista e liberal – reforçado pela ascensão de novos atores

sociais, como a burguesia industrial, a classe média urbana e a

classe operária. Em seu governo, Vargas procurou aproveitar-se do

apoio ideológico aos Estados Unidos, em troca do auxílio

financeiro para o fortalecimento da indústria de base. Ainda

neste período, a campanha “O petróleo é Nosso” foi vista com maus

olhos pelo governo estadunidense, que o considerava uma medida

excessivamente nacionalista. As denúncias de corrupção e o

atentado ao jornalista Carlos Lacerda na rua dos Toneleiros em

Copacabana, no dia 05 de agosto de 1954, minaram a permanência de

Vargas no poder, que acuado, acabou se suicidando no dia 24

daquele mês e ano.

O governo de Juscelino Kubitchek ocorreu em um contexto de

alinhamento ideológico irrestrito aos Estados Unidos, congregando

a abertura econômica ao capitalismo internacional e o projeto de

modernização do país, com o incentivo a instalação de indústrias

de bens de consumo duráveis. A guinada viria com a vitória da

campanha moralista de Jânio Quadros, em 1961. Adotando um tom

crítico em relação a postura externa dos EUA e estreitando laços

diplomáticos com a URSS, Jânio viu a sua base de sustentação

política (formada sobretudo por membros da UDN) esvair-se,

3

culminando com a desastrosa tentativa de golpe de Estado e a

renúncia em 25 de agosto de 1961.

O período mais intenso, no entanto, foi representado pela

tumultuada tentativa de golpe militar contra a posse do vice-

presidente de Jânio, João Goulart, do PTB, em em 1961. Encabeçada

pelo governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, a “campanha

da legalidade” mobilizou a opinião pública a favor da posse de

Goulart. Atuando de modo conciliador, o Congresso Nacional

sugeriu a adoção do modelo parlamentarista como requisito à posse

presidencial, sendo então realizado um plebiscito nacional em

1963, responsável por votar a manutenção do parlamentarismo ou o

retorno ao presidencialismo. Amparado em uma grande mobilização

governista, o retorno ao presidencialismo foi aprovado e João

Goulart finalmente pode assumir plenamente o cargo no executivo

federal. No entanto, o seu governo foi marcado pela crescente

polarização política, intensificada com a ascensão dos movimentos

sociais e o receio estadunidense de que as contradições internas

favorecessem a implantação de um processo revolucionário no país,

nos moldes cubanos. A aprovação da Lei de Remessas e Lucros e o

anúncio das Reformas de Base foram o estopim para a deposição de

João Goulart em 30 de abril de 1964. O golpe foi organizado pela

alta cúpula das forças armadas, com o apoio de setores civis,

latifundiários, industriais, UDN e o próprio governo

estadunidense. Receando a deflagração de uma guerra civil, o ex-

presidente seguiu para o Uruguai, no dia 1º de abril de 1964.

3

O que este acontecimento revela é que para além da

efervescência do debate democrático do período, consolidou-se

também o fortalecimento das forças armadas no cenário político

nacional. Sobretudo no Exército, segundo CARVALHO, instituiu-se

um processo de homogeneização política que aproximou a

instituição das classes média e alta, ainda no período getulista

e sob a liderança dos generais Góes Monteiro e Eurico Gaspar

Dutra.28 Com o advento da guerra fria, a ala conservadora das

Forças Armadas passou a defender a intervenção institucional no

cenário político nacional como uma medida de resguardo ao perigo

comunista. Esta concepção, gestada nos círculos de debate da

Escola Superior de Guerra (ESG) procurou arregimentar o apoio das

elites civis, com a discussão do conceito de “Segurança

Nacional”, vista como uma prerrogativa essencial na defesa da

Nação contra as forças subversivas, sobretudo após a Revolução

Cubana em 1959.

Mesmo com a crescente coesão institucional, as divergências

ideológicas ainda eram evidentes entre membros do alto escalão

das Forças Armadas. De um lado, a corrente nacionalista,

contrária ao alinhamento do Brasil com os Estados Unidos, de

outro, os antinacionalistas, favoráveis a aproximação entre os

dois países. Estas divergências seriam reveladas com o golpe

preventivo de 11 de novembro de 1961, engendrado pelo general

Henrique Teixeira Lott, que garantiu a posse de Juscelino

28 DELGADO, Lucilia de Almeida Neves; FERREIRA, Jorge (Org). O tempo daexperiência democrática: da democratização de 1945 ao golpe civil-militar de1964. 2º ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. 432 p. (O Brasilrepublicano; v.3) p.104.

3

Kubitchek, visto com desconfiança pela ala conservadora das

Forças Armadas.

DITADURA MILITAR: DO GOLPE CIVIL-MILITAR À CONSOLIDAÇÃO DA

TRANSIÇÃO “LENTA, SEGURA E GRADUAL”.

O contexto econômico do Brasil no início da década de 1960

foi marcado pelo aumento inflacionário, a desaceleração econômica

e a queda de investimentos públicos.29 Mais do que isso foi também

o período de recrudescimento dos movimentos sociais em um

contexto de grande crescimento da população urbana30 e do próprio

operariado. Ademais, o impacto do anúncio das Reformas de Base em

1964 trouxe pelo menos dois grandes temores. Em primeiro lugar,

colocava em risco a “inviolabilidade” das grandes propriedades

rurais, a partir da reforma agrária. Em segundo, a perspectiva de

um desenvolvimento econômico nacionalista que integraria os

trabalhadores e a expansão do mercado interno, não agradava em

nada os interesses de agentes sociais e econômicos, ligados ao

capitalismo internacional monopolista.31

Neste sentido, houve um grande aparato propagandístico que

uniu elites e camadas populares em defesa da manutenção da

29 BARROS, Cesar Mangolin de. A Ditadura Militar no Brasil: processo,sentido e desdobramentos. Disponível em: http://cesarmangolin.wordpress.com/ .Acesso em: 21 jul.2013. p.11.30 Segundo o jornalista Jorge Caldeira, entre 1940 e 1960, a populaçãourbana passou de 31% para 45% do total populacional. Fonte: CALDEIRA, J. etal. Viagem pela História do Brasil. 1º ed. São Paulo: Schwarcz, 1997.p. 306.31 BARROS, op.cit., p.13.

3

soberania nacional e contra o perigo da intervenção comunista no

país, materializado no golpe-civil militar em abril de 1964.

Ainda em abril daquele ano, o governo militar decretou o Ato

Institucional - nº01, que estabeleceu entre outras medidas, a

cassação do mandato de parlamentares e a supressão da

estabilidade dos servidores públicos. Foram aprovadas também, as

emendas que favoreceram a eleição do militar Humberto de Alencar

Castelo Branco ao cargo de presidente da República.

Para os militares, apenas a intervenção do Estado, seria

capaz de transformar a sociedade, a partir da atuação das forças

armadas. Neste sentido, a recuperação econômica seria viável

mediante o aumento da carga tributária e o arrocho salarial,

medidas que logo seriam sentidas pela classe trabalhadora e que

seriam cooptadas pelo discurso da oposição política no pleito de

1965, que saiu vitoriosa nas eleições para os governos estaduais.

Com este sinal de perigo, a cúpula militar decidiu intensificar a

repressão, decretando o Ato Institucional nº02, que estabeleceu o

bipartidarismo e a eleição indireta à presidência, minando o

crescimento da oposição política. Com isso, os principais

partidos do período, PSD, PTB e UDN se rearticularam em torno do

Movimento Democrático Brasileiro (MDB), considerado de oposição;

e a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) estruturada como a base

de apoio ao governo. Durante quase vinte anos, estes dois

partidos seriam as únicas representações do contexto político

nacional. O PCB e os dissidentes do PC do B, foram intensamente

perseguidos pelo governo militar.

3

A doutrina de “Segurança Nacional” serviu como diretriz

primordial na atuação do governo militar, atuando em paralelo a

política econômica excludente, que favoreceu principalmente os

setores ligados ao capital estrangeiro e a elite social.

Especificamente tratando da política econômica, Caldeira afirmou

que:

Passou a ser divulgado como “milagre brasileiro”, o melhorfruto da revolução. A fórmula foi apresentada como grandesabedoria econômica: a montagem de um tripé comandado pelogoverno, que incluía também empresas privadas emultinacionais. Ficavam de fora os cidadãos comuns”.32

E estes cidadãos comuns sentiram o peso do crescimento

excludente. Por isso, os protestos contra o regime militar se

intensificaram entre 1967 e 1968, quando o assassinato de um

estudante de dezesseis anos, Edson Luis de Lima Souto, durante

uma passeata, gerou uma onda de protestos que tomou grande parte

das principais capitais brasileiras. O governo, por sua vez,

lançou mão do mais repressor, de todos os atos institucionais, o

AI-5. Com o fechamento do Congresso em 13 de dezembro de 1967,

protestar passou a ser crime contra o Estado.

O PC do B, sobretudo, decidiu radicalizar a sua estratégia

de oposição, adotando a Luta Armada, porém, a campanha de adesão

popular à causa revolucionária, acabou não se concretizando. O

governo combateu as guerrilhas utilizando os serviços de

inteligência e os grupos paramilitares, patrocinados por

32 CALDEIRA, J. et al. Viagem pela História do Brasil. 1º ed. São Paulo:Schwarcz, 1997. p.329.

3

empresários. Nos porões do DOPS, torturas e assassinatos se

tornaram a dinâmica no combate ao comunismo.

Em 1973, a política econômica do governo deu seus primeiros

sinais de desgaste, levando o MDB a promover a candidatura de

Ulisses Guimarães a presidência, tendo como principal programa

eleitoral, a crítica ao modelo econômico vigente.

Mesmo com a mobilização do MDB, o general Ernesto Geisel

venceu o pleito em 1974, decretando um plano econômico ambicioso,

o Plano Nacional de Desenvolvimento, que almejava tornar o país

uma potência econômica a partir de uma séria de investimentos em

setores estratégicos.

Entre 1974 e 1980, á parte a repressão, cresciam no país, os

movimentos de oposição aos militares, revelando que a força do

governo ditatorial enfraquecia a cada dia. As passeatas

promovidas pela UNE em São Paulo e no Rio de Janeiro, entre 1976

e 1977, as mobilizações operárias do “ABC” em São Paulo, em 1978,

1979 e 1980, levaram o governo militar a decretar a aplicação da

Lei nº6.683, de 28 de agosto de 1979, pela qual se instituía que

a partir daquela data:

“É concedida anistia a todos quantos, no períodocompreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimeseleitorais, aos que tiveram seus direitospolíticos suspensos e aos servidores da Administração Diretae Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aosServidores dos Poderes Legislativo e Judiciário,aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais,

3

punidos com fundamento em Atos Institucionais eComplementares”.33

Mais do que uma conquista dos movimentos civis contra o

autoritarismo, a chamada “Lei da Anistia” representou uma

transição política controlada, garantindo ao mesmo tempo, a

reorientação do sistema econômico e o recuo das forças armadas,

sem o risco de punições ou revanchismos.

A transição política, porém, não agradava a todos os

militares, que se identificavam com a chamada “linha dura” e

queriam manter o poder concentrado nas forças armadas, como

garantia de manutenção da segurança nacional.34

Com o pleito de 1979, as divergências entre os membros

favoráveis a transição política, os chamados “Castelistas” e os

reacionários “linhas-dura”, se evidenciaram na eleição do último

presidente militar, o general João Batista Figueiredo. Além do

contexto econômico, marcado principalmente pelo aumento da dívida

externa (de 49 bilhões de dólares em 1979, para 70 bilhões em

1982) e o crescimento da concentração de renda, destacou-se

também o retorno do direito ao pluripartidarismo e a

intensificação de movimentos contrários ao regime militar.

Entre 1983 e 1984, mobilizações populares irromperam em

várias cidades brasileiras, favoráveis ao retorno das eleições

presidências diretas. O grande ápice destas mobilizações,33 LEI nº6.683.Disponível na íntegra em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6683.htm. Acesso em: 27 jul.2013.34 REIS, Jose Roberto Franco. O coração bate nas ruas: a luta pelaredemocratização no país.In: PONTE, Carlos Fidelis (ORG). Na corda bamba desombrinha: a saúde no fio da história. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2010. 221-239.p. 221.

3

conhecidas como “Diretas Já”, ocorreu em São Paulo, no dia 16 de

abril de 1964, com a reunião de 1,5 milhão de pessoas em um

comício que durou 6 horas. O governo militar em um último e

derradeiro golpe, instituiu no dia 18 de abril de 1984, o decreto

89.566, que proibia concentrações públicas e instituía a censura

prévia aos meios de comunicação. Ainda assim, encorajada pelo

clamor popular, a oposição enviou para votação no Congresso

Nacional, a chamada “Emenda Dante de Oliveira”, que previa um

projeto de emenda constitucional que autorizava a realização de

eleições presidenciais livres e diretas.

No dia 25 de abril de 1984, a emenda foi votada, porém

acabou perdendo por apenas 22 votos. Apesar da frustração

popular, o resultado pode ser considerado positivo, pois

favoreceu a articulação de uma aliança política de oposição, a

“Aliança Democrática”, que elegeu o mineiro Tancredo Neves a

presidência da República pelo colégio eleitoral, em 15 de janeiro

de 1985. Porém, o seu adoecimento e óbito, poucos meses depois,

levou o seu vice, José Sarney, a assumir o cargo de presidente da

República, até 1990. Apesar de todas as mobilizações populares, o

projeto de uma transição “lenta, gradual e segura”, seria

consolidada pelas mãos de um político civil, antigo colaborador

do regime militar. Ainda seria necessário esperar mais cinco anos

para que fosse possível definir novamente os destinos do país, de

forma democrática.

DE COLLOR A DILMA

4

Em 1986, foi iniciado o processo de elaboração de uma nova

Constituição para o país. Os deputados e senadores que integraram

a Assembléia Constituinte foram eleitos democraticamente naquele

ano e empossados em fevereiro de 1987. Após um ano e oito meses

de trabalho, os constituintes, liderados por Ulysses Guimarães,

entregaram a nação, a carta promulgada em 05 de outubro de 1988,

que trouxe avanços importantes, como a implementação do Sistema

Único de Saúde, o direito da criança e do adolescente e o novo

Código Civil. Além disso, tornou irrevogáveis algumas de suas

clausulas, fortalecendo o sistema federativo do Estado; o voto

secreto, direto e universal; a separação dos Poderes e os

direitos e garantias individuais.35

Havia, porém, um vazio a ser preenchido e durante o ano de

1989, as atenções se voltaram para a realização da primeira

eleição democrática para a presidência da República, em 29 anos.

Realizada em 15 de novembro daquele ano, o pleito foi marcado por

trocas de acusações e pelo papel preponderante da mídia no

processo de escolha do novo presidente. Entre os principais

candidatos que concorreram ao cargo, estavam Mario Covas (PSDB),

Ulysses Guimarães (PMDB), Paulo Maluf (PDS), Leonel Brizola (PDT)

e Roberto Freire (PCB). No entanto, as atenções estavam voltadas

para o embate entre o ex-sindicalista, Luis Inácio Lula da Silva

(PT) e o então desconhecido, Fernando Collor de Mello (PRN) que

35 A CONSTITUIÇÃO Federal. Documento disponível na íntegra em:http://www2.planalto.gov.br/presidencia/a-constituicao-federal. Acesso em: 27jul.2013.

4

foi eleito por 42 % dos votos válidos, graças a uma campanha que

construiu uma imagem jovial e renovadora do candidato, com forte

apelo no combate à corrupção e ao desperdício do dinheiro

público. Mais do que isso, a vitória de Collor representou para

as classes média e alta, a segurança contra uma eventual ascensão

de um candidato com um discurso radical.

Na presidência, Fernando Collor de Mello anunciou em 15 de

março de 1990, o lançamento de um pacote econômico chamado “Plano

Collor I”, que previa entre outras coisas, o congelamento de

preços e salários e o bloqueio de contas correntes e poupanças,

por um período de 18 meses, objetivando conter a inflação e os

gastos do governo. As consequências não tardaram a aparecer, como

a recessão, o aumento do desemprego e a insatisfação popular.

Ainda assim, em setembro do mesmo ano, o presidente anunciou o

“Plano Collor II” que previa mais cortes no orçamento público,

intensificando a insatisfação ao seu governo.

Em 1992, a sua imagem, já desgastada pelos insucessos dos

planos econômicos, sofreu um abalo que condenou a sua permanência

no cargo. Em maio daquele ano, desentendimentos familiares,

levaram Pedro Collor de Mello a revelar um esquema de corrupção

que apontava o ex-tesoureiro da campanha de Fernando Collor,

Paulo César Farias, como o operador de um esquema de captação de

dinheiro de empresários, em troca de informações e decisões

econômicas. A “gota d´água” do escândalo, veio com as revelações

de um ex-motorista da secretária particular do presidente, o qual

afirmou que era responsável por coletar dinheiros e cheques nas

4

empresas de Paulo César Farias para pagar despesas particulares

de Fernando Collor.

Em junho de 1992, foi instalada uma Comissão Parlamentar de

Inquérito, responsável por apurar as denúncias de corrupção. Ao

longo deste ano, mobilizações populares e partidos políticos se

uniram no “Movimento pela Ética na Política”, promovendo grandes

comícios em várias cidades. O presidente, cada vez mais acuado e

sem base de sustentação, acabou apelando em agosto para o apoio

popular, quando:

“[...] em encontro com taxistas de Brasília [...] pede queaqueles que o apóiam saiam às ruas vestidos de verde eamarelo no domingo seguinte. O que ocorre no domingo, dia16, é uma enorme manifestação popular contra o presidente:as pessoas vão às ruas vestidas de preto”36

Uma grande parte do movimento contrário a corrupção foi

encabeçada por estudantes que saíram as ruas com as caras

pintadas com a cor da bandeira nacional, exigindo o “Impeachment”

do presidente, colocado sob votação na Câmara de Deputados, em 02

de outubro de 1992. No dia 29 de dezembro do mesmo ano, o

“caçador de marajás”, ironicamente renunciaria, acusado de

compactuar ativamente com atitudes ilícitas e contrários ao eco

renovador e moralizador da sua campanha eleitoral.

Com a sua renúncia, quem assumiu o cargo foi o vice-

presidente, Itamar Franco, do PMDB. A sua posse em dezembro de

1992 ocorreu em um momento de crise econômica e de grande

36 O impeachment do presidente Collor. Disponível em:http://www.abcdeluta.org.br. Acesso em 28 jul.2013.[s.i].

4

desgaste da classe política. A sua primeira tarefa foi a

realização de um plebiscito, previsto pela Constituição de 1988 e

que previa a consulta popular à forma de governo a ser adotada no

país. Com a vitória da manutenção do presidencialismo, Itamar

Franco precisou estabelecer um governo marcado principalmente

pela harmonização com os partidos políticos, em especial o

Partido dos Trabalhadores.

No final de 1993, em face das dificuldades econômicas do

país, foi empossada uma nova equipe econômica, sob a liderança do

sociólogo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). No dia 28 de

fevereiro de 1994, foi anunciada a implantação do “Plano Real”,

considerado uma nova tentativa de recuperação econômica e combate

aos índices inflacionários. O plano estabeleceu a criação de uma

nova moeda, o Real, amparado em uma política de elevação de

juros. Apesar de arriscada, a mudança logo surtiu efeitos que se

refletiram no auge da popularidade do presidente Itamar Franco.

Além disso, o Plano Real serviu de “cabo eleitoral” para a

vitória expressiva de Fernando Henrique Cardoso à presidência da

Republica, no pleito de 1994.

Com o novo presidente, houve uma quebra da intervenção

estatal na economia e a maior inserção do país no mercado

internacional. Considerado por muitos estudiosos como um período

de intensificação da doutrina neoliberal, o período de governo de

FHC (1994 – 2002) foi marcado pela grande oposição do Partido dos

Trabalhadores, defensor da maior inserção das classes baixas no

4

mercado consumidor e da presença parcial do Estado em setores

estratégicos.

Durante a primeira gestão, o presidente foi acusado de

participação em um esquema de compra de apoio dos parlamentares,

no processo de aprovação da Emenda Constitucional que permitiu a

reeleição ao executivo nas esferas federal, estadual e municipal.

As denúncias, porém, acabaram arquivadas por falta de provas.

As principais mobilizações do primeiro mandato de FHC

ficaram concentradas sobretudo, na atuação do Movimento dos Sem

terra. Em 1996, ganhou destaque na mídia nacional e

internacional, a morte de dezenove agricultores sem-terra em um

confronto com a polícia do estado do Pará, na cidade de Eldorado

dos Carajás. O “massacre de Eldorado dos Carajás” colocou em

pauta a histórica necessidade de implantação de políticas

efetivas de reforma agrária no país.

Mesmo com a intensificação dos conflitos no campo e o

contexto econômico internacional desfavorável, Fernando Henrique

Cardoso, acabou reeleito no ano de 1998, por uma coligação

formada entre o PSDB/PFL e parte do PMDB. Em resposta a oposição,

que o acusava de adotar uma política social e econômica

excludente, FHC lançou políticas sociais de transferência de

renda, como o bolsa-escola, o bolsa-família, o vale-gás e o

bolsa-alimentação. Além disso, em sua gestão foi aprovada a lei

de criação dos medicamentos genéricos.

Fernando Henrique planejou manter a sua linha de governo com

a candidatura de José Serra (PSDB) no pleito de 2002. Luis Inácio

4

Lula da Silva, foi o seu principal adversário, derrotando-o

graças a uma guinada radical que abandonou o discurso radicalista

e que incluiu a organização de uma chapa completada com a

indicação do rico industrial José Alencar, do Partido Liberal.

Lula finalmente chegou a presidência, em uma disputa eleitoral no

segundo turno, com 61,39% dos votos válidos, contra 38,7% para

José Serra.

A ascensão de Lula, como bem observou Perry Anderson, foi

fruto de uma série de condições e características que lhe

favoreceram ao longo dos anos, com destaque para as lutas

operárias do fim dos anos 1970 e a criação do Partido dos

Trabalhadores, no início da década de 1980. Soma-se a isto, a sua

origem humilde, o carisma e a astúcia política.37

A chegada do Partido dos Trabalhadores ao poder, só foi

possível graças a uma reorientação ideológica que objetivou

“acalmar” tanto a elite econômica brasileira, quanto as classes

mais humildes, convertendo o radicalismo em um discurso

pacificador e conciliatório. Os primeiros anos do seu mandato, no

entanto, foram marcados pela herança do governo anterior, com a

alta na dívida pública, a desvalorização monetária e o irrisório

crescimento do Produto Interno Bruto. Além disso, a base

governista era frágil e o próprio PT contava com apenas um quinto

das cadeiras do Congresso.38

37 ANDERSON, Perry. O Brasil de Lula. Novos Estudos – CEBRASP. 2001.Disponível em: http://www.scielo.br. Acesso em: 25 jul.2013.p.24.38 ANDERSON, Perry. O Brasil de Lula. Novos Estudos – CEBRASP. 2001.Disponível em: http://www.scielo.br. Acesso em: 25 jul.2013. p.25.

4

O maior compromisso firmado por Lula, no entanto, centrou-se

no campo social com a promessa de diminuição da pobreza no país.

E foi no segundo ano do seu mandato, com a ampliação dos

programas sociais já existentes e principalmente, com o

lançamento do Bolsa-Família, que ele iria estabelecer o marco

simbólico do seu período de governo. Para ANDERSON, mais do que o

impacto político, foi o apelo simbólico do Bolsa-Família que

estabeleceu uma mensagem, facilmente assimilável pelas classes

mais humildes: o Estado se preocupa com todos os cidadãos.39

Ao mesmo tempo em que os programas sociais eram implantados,

começaram a repercutir casos de corrupção envolvendo a base

governista. Em 2005, veio a tona o escândalo de compra de votos

na Câmara dos Deputados, conhecido como “Mensalão” e que envolvia

os dois homens fortes do PT: José Genuíno, presidente do partido

e José Dirceu, chefe de gabinete do presidente. No mesmo ano, o

“marqueteiro” Duda Mendonça, revelou a existência de um esquema

de “caixa dois” no financiamento da campanha presidencial de

2002. Antonio Palloci, ex-ministro da Fazenda, foi outro membro

do partido envolvido em esquemas de captação de “caixa dois” e

para piorar, havia também, o mistério em torno do assassinato do

prefeito de Santo André, Celso Daniel, no início de 2002.

A exposição de casos de corrupção envolvendo o Partido dos

Trabalhadores manchou a imagem de partido combativo e contrário

aos vícios da estrutura política nacional. A oposição encabeçada

pelo PSDB e a grande mídia, procuraram enfatizar as denúncias de

corrupção no governo, algo que segundo ANDERSON, revela acima de39 id. ibid., p.29.

4

tudo, a postura “vingativa” dos grandes veículos de comunicação

em relação a ascensão de Lula, que conseguiu aproximar-se do

eleitoral sem a intervenção destes.

O contexto econômico internacional favorável acabou se

tornando a “salvação” do governo Lula com o aumento das

exportações de minério de ferro e soja para o mercado chinês, o

que favoreceu o crescimento do PIB entre 2004 e 2006 a uma média

de 4% ao ano.

Em 2006, a reeleição de Lula trouxe uma importante mudança

em sua composição de eleitores, pois se os escândalos de

corrupção afastaram os votos da classe média, os sucessos dos

programas sociais aumentaram o eleitorado entre a classe pobre e

os idosos.40 Entre 2002 e 2008, o número de pobres no país caiu de

50 para 30 milhões e cerca de 25 milhões de brasileiros

ascenderam à classe média.

O impacto positivo dos programas sociais foi capaz de

“blindar” Lula em seu segundo mandato contra os casos de

corrupção no governo. Mais do que isso, o impacto da crise de

2008, minimizado na economia brasileira e eternizado pela

expressão quase folclórica, “marolinha”, fez do presidente, uma

das figuras mais respeitadas na mídia internacional.

Em 2010, o presidente preparou a sua sucessão, apresentando

ao cenário político nacional a ex-ministra de Minas e Energia e

ex-Chefe da Casa Civil, Dilma Houssef. Eleita no segundo turno,

40 ANDERSON, Perry. O Brasil de Lula. Novos Estudos – CEBRASP. 2001.Disponível em: http://www.scielo.br. Acesso em: 25 jul.2013.p.30.

4

com 56,05% dos votos, Dilma firmou a sua chapa presidencial com a

escolha de Michel Temer do PMD como o seu vice-presidente.

Apesar do seu histórico de luta contra a Ditadura Militar,

ela procurou adotar um tom de apaziguamento em relação ao tema,

focando a sua estratégia de governo na manutenção da estabilidade

econômica, conseguida durante a gestão anterior. No campo social,

a presidente vem mantendo a mesma linha de atuação com a

manutenção dos programas de transferência de renda, em especial,

o Bolsa-Família.

A postura enérgica em relação aos casos de corrupção no seu

governo, fez-se presente com a demissão de ministros e

funcionários públicos acusados de desvios de verbas públicas. No

entanto, a morosidade na punição dos envolvidos no escândalo do

“Mensalão”, a desconfiança em relação aos exorbitantes gastos com

a estruturação do país para a Copa do Mundo de 2014 e a

repercussão das mobilizações ocorridas em junho de 2013,

acarretaram em uma diminuição do índice de aprovação do governo

Dilma.41

As manifestações de junho de 2013 representaram um sinal de

alerta para a classe política nacional. Graças a facilidade de

arregimentação de pessoas pelas redes sociais, o número de

manifestantes apresentou um crescimento exponencial ao longo

daquele mês, chegando a reunir mais de um milhão de pessoas nas

cidades de São Paul e Rio de Janeiro, respectivamente. Segundo

41 Em 2011, 47% dos entrevistados consideravam o seu governo óticmo oubom. Em julho de 2013, este índice caiu para 30%. MENDONÇA, Ricardo.Popularidade de Dilma cai 27 pontos após protestos. Folha de S. Paulo. Disponívelem: http://www1.folha.uol.com.br. Acesso em 28 jul.2013.

4

Carlos Eduardo Martins, a origem das manifestações simultâneas,

reside na crise do projeto neoliberal estruturado no país, ao

longo dos últimos vinte anos e que “sucateou” vários serviços

públicos, tornando-os ineficientes, como o transporte público,

precário na imensa maioria das cidades brasileiras.

Para MARTINS, a ascensão do Partido dos Trabalhadores à

presidência trouxe consigo uma modalidade social do

Neoliberalismo com a união do capital estrangeiro e nacional, o

favorecimento dos grandes grupos financeiro e a negociação de

cargos e verbas públicas em troca de apoio político. Ainda

segundo o autor, as políticas sociais implantadas nos últimos

anos, não foram capazes de erradicar institucionalmente a

pobreza, gerando um quadro marcado por baixos salários, níveis e

qualidades de instrução precários, predomínio da economia

informal e principalmente, má qualidade dos serviços públicos.42

O resultado desta situação foi a pressão social de segmentos

alheios, tanto ao projeto assistencialista do Partido dos

Trabalhadores, quanto ao proselitismo ideológico da direita

conservadora, agregando principalmente, trabalhadores que ganham

até três salários mínimos e estudantes. A pauta de

reivindicações, ainda que difusa, concentrou-se principalmente,

na problemática da mobilidade urbana, com a precarização do

transporte público, o alto custo das tarifas e as deficiências

estruturais na malha de locomoção urbana.43

42 MARTINS, Carlos Eduardo. A primavera brasileira: que floresfloresceram. 2013. Disponível em: http://blogdaboitempo.com.br. Acesso em: 27jul.2013. [s.i].43 id. ibid., [s.i].

5

Para os líderes do “Movimento Passe Livre”, as manifestações

se caracterizaram pela ausência de representação político-

partidária, sendo acima de tudo, o reflexo da insatisfação

popular com a estrutura governamental em sua totalidade, ainda

que muitos dos seus participantes, se identificassem com figuras

políticas independentes, como Joaquim Barbosa e Marina Silva.

A presidência por sua vez, reuniu prefeitos e governadores

no dia 24 de junho de 2013, propondo a aprovação de “cinco pactos

em favor do Brasil”, o que inclui mudanças nas áreas de

responsabilidade fiscal, transportes, educação e principalmente,

reforma política, com a proposição de criação de um plebiscito a

respeito do tema.44 De modo geral, ética e transparência foram

gritos de ordem que ecoaram pelo país durante o mês de junho,

revelando para a classe política que pelo visto, “O gigante

acordou”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A exclusão de expressivos setores da sociedade sempre foi

uma marca da formação política nacional. Esta situação, iniciada

ainda no período colonial, com a participação política restrita

aos chamados “homens bons” das câmaras municipais e aos membros

da burocracia colonial, perpassou o Império, mantendo a exclusão

de grande parte da população, graças ao mecanismo do voto

censitário.

44 PREVIDELLI, Amanda. Dilma defende plebiscito sobre Reforma política.Exame.com. Disponível em: http://exame.abril.com.br. Acesso em: 28 jul.2013.

5

A Constituição de 1891 favoreceu a ampliação do acesso ao

voto, porém o que se percebeu realmente, foi a intensificação dos

mecanismos de coerção e manipulação dos direitos e decisões

políticas. A campanha moralizante da Aliança Liberal em 1930 e as

mudanças sociais e eleitorais resultantes do processo de

recrudescimento do poder central ao longo das décadas de 1930 e

1940 estabeleceram um cenário de supressão do debate político, em

troca da reordenação de alguns setores da vida social, como o

campo trabalhista.

A reabertura política do período de 1945 a 1964 fomentou

mudanças no cenário dos debates, em torno dos projetos de

reorganização do país, sem integrar plenamente os grupos sociais

do período (como as lideranças de movimentos rurais) mantendo o

foco das discussões, principalmente nas instituições políticas,

intelectuais e militares.

A instabilidade política e social do início da década de

1960, favoreceu a intervenção militar no país, com o amplo apoio

de setores sociais conservadores, elidindo a população do direito

ao debate político, mediante um programa de governo que agregou o

crescimento econômico excludente e uma máquina de repressão aos

grupos e movimentos de contestação a ordem estabelecida.

Com a reabertura democrática e principalmente, a promulgação

da Constituição de 1988, buscou-se finalmente, a inserção da

população no processo de organização da política nacional, porém,

a histórica exclusão de parcelas significativas do corpo social

brasileiro, ocorreu em paralelo ao desenvolvimento de uma

5

concepção distorcida do papel das funções públicas na

administração dos recursos e interesses coletivos. O

patrimonialismo discutido por FAORO, mesclou-se as práticas

clientelistas e de prevaricação na atuação de funções públicas.

Os sucessivos casos de corrupção no cenário político são a prova

da permanência destas práticas corrosivas e parasitárias para o

pleno crescimento do país

Obviamente, como bem observaram alguns analistas, em toda a

história do país, a grande barreira para a realização de mudanças

substanciais, sempre foi o voto, considerado mais um instrumento

de barganha, do que uma ferramenta de construção da verdadeira

soberania. É um continuum que favorece a corrupção e a exclusão

política, mas que também poderá consolidar um movimento nascido

sob a bandeira de defesa da ética e da moralização política.

Alheio a angústias e descrenças, a prova de fogo para as

manifestações de junho de 2013, será o pleito de 2014, em um

momento de forte concorrência com a grande festa do esporte

mundial, quando as mazelas que acometem a política nacional,

geralmente acabam “em pizza ou futebol”.

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