A Propriedade Intelectual e o papel das instituições de ensino superior.

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bras da 'ditora .. - A PROPRIEDADE INTELECTUAL E O PAPEL DAS INSTITUiÇÕES DE ENSINO SUPERIOR1 o da Ângela Kretschmann' Na atualidade, para quem se dedica ao en ino da Propriedade Inte- lectual, a realidade é cada dia mai assombrosa: em um país onde uma parcela imensa da população é miserável, é extremamente difícil exercer a tarefa de defesa da proteção à Propriedade Intelectual: uma vez que estudar em um país como o nosso já é difícil, ter acesso a livros então, é algo quase impo sível, para a grande maioria. Imagine negar aos alunos que tirem cópias xerox dos livros. Seria como dizer: - Não, vocês até podem estar matriculados, mas não têm acesso ao livros, a não ser que façam fila para retirar das bibliotecas - se elas I ossuírem o exemplar desejado. A partir daí, ser profes or ou professora de Direito da Propriedade Intelectual pode significar muitas coisas: desde uma piada para alguns, ofensa para outros, a mesmo um ato heróico. Onde reside o problema? No desconhecimento profundo do tema relativo à Propriedade In- telectual. E por isso, um evento como o atual representa muito. É uma oportu- nidade valio a para tratarmo sobre o significado I rofundo dos Direitos Inte- lectuais, o que eles representam na vida de todos nós, como exercem tanto, e cada dia mais, influência, e por que cada dia mais precisamos enfrentar os pro- blemas relativos à Propriedade Intelectual. E por isso o ensino da Propriedade Intelectual assume hoje uma importância antes jamais reconhecida. Entretanto, o ensino da Propriedade Intelectual constitui, ainda hoje, uma aventura audaciosa e um desafio, como já dizia o Pe. Bruno Jorge Hammes J . Ora, quando retomou de seus estudo especializado na área, quando finalizou seu doutoramento, lá pela década de 70, relatou que I Palestra proferida em 15.10.2005. no IV Congresso em Direito: Pirataria, Direito e Socie- dade - uma visão interdisciplinar. realização da Universidade Luterana do Brasil, em Porto Alegre, Hotel Deville .. endo mediador o Prof. Gonzaga Adolfo, e César Alexandre Leão Barcellos. debatedor. l Doutoranda em Direito pela UNTSTNOS t Mestra em Direito pela PUCRS, Professora de Direito da Pr priedade Intelectual e Ciência Política, UNISINOS. Advogada. 3 Cf. prefácio à primeira edição da obra de HAMMES, Bruno Jorge. O direito da proprie- dade intelectual- subsídios para o ensino. 2. ed. São Leopoldo: Unisinos, 1998. p. 5.

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bras da'ditora

.. -A PROPRIEDADE INTELECTUAL E O PAPEL DAS

INSTITUiÇÕES DE ENSINO SUPERIOR1 o da

Ângela Kretschmann'

Na atualidade, para quem se dedica ao en ino da Propriedade Inte-lectual, a realidade é cada dia mai assombrosa: em um país onde uma parcelaimensa da população é miserável, é extremamente difícil exercer a tarefa dedefesa da proteção à Propriedade Intelectual: uma vez que estudar em um paíscomo o nosso já é difícil, ter acesso a livros então, é algo quase impo sível,para a grande maioria. Imagine negar aos alunos que tirem cópias xerox doslivros. Seria como dizer: - Não, vocês até podem estar matriculados, mas nãotêm acesso ao livros, a não ser que façam fila para retirar das bibliotecas - seelas I ossuírem o exemplar desejado. A partir daí, ser profes or ou professorade Direito da Propriedade Intelectual pode significar muitas coisas: desde umapiada para alguns, ofensa para outros, a mesmo um ato heróico. Onde reside oproblema? No desconhecimento profundo do tema relativo à Propriedade In-telectual. E por isso, um evento como o atual representa muito. É uma oportu-nidade valio a para tratarmo sobre o significado I rofundo dos Direitos Inte-lectuais, o que eles representam na vida de todos nós, como exercem tanto, ecada dia mais, influência, e por que cada dia mais precisamos enfrentar os pro-blemas relativos à Propriedade Intelectual. E por isso o ensino da PropriedadeIntelectual assume hoje uma importância antes jamais reconhecida.

Entretanto, o ensino da Propriedade Intelectual constitui, aindahoje, uma aventura audaciosa e um desafio, como já dizia o Pe. Bruno JorgeHammesJ

. Ora, quando retomou de seus estudo especializado na área,quando finalizou seu doutoramento, lá pela década de 70, relatou que

I Palestra proferida em 15.10.2005. no IV Congresso em Direito: Pirataria, Direito e Socie-dade - uma visão interdisciplinar. realização da Universidade Luterana do Brasil, em PortoAlegre, Hotel Deville .. endo mediador o Prof. Gonzaga Adolfo, e César Alexandre LeãoBarcellos. debatedor.

l Doutoranda em Direito pela UNTSTNOSt Mestra em Direito pela PUCRS, Professora deDireito da Pr priedade Intelectual e Ciência Política, UNISINOS. Advogada.

3 Cf. prefácio à primeira edição da obra de HAMMES, Bruno Jorge. O direito da proprie-dade intelectual- subsídios para o ensino. 2. ed. São Leopoldo: Unisinos, 1998. p. 5.

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... invadiu-me a convicção de que o meu trabalho de proteção aos autoredever-se-ia desenvolver 110 universidade. A violações via-as em cada e -quina. Não /IIe caberia o papel de denunciante. Os juristas e os próprioautores precisariam conhecer este Direito. Se há um lugar por excelênciaonde as idéias são geradas é na universidade. (...).A falta de consciência ali/ora/levou a massa humana a crer que, o que atécnica po sibilita, não poderia o Direito limitar ou proibir. como se in -trumentos sofisticado de furto, apropriação etc., desenvolvidos pelo pro-gresso técnico. tomassem lícitos estes atos delituosos',

A condu ão então foi de que a Propriedade Intelectual de eriaocupar o seu lugar nos currículos acadêmicos, e desde a década de 70 - doséculo XX ... podemos dizer que a luta pelo ensino da Propriedade lntelectualcomeçou. Em São Paulo, om Antônio Chaves, no curso de Mestrado em Di-reito da Universidade de São Paulo - ela gerou alunos como Walter Mame,Fábio Maria de Mania e Carlos lberto Bittar. O Pe. Bruno começou sua lutaapaixonante pela difusão e en ino da Propriedade Intelectual desde o início dadécada de 70, e o bons efeitos já surgiram em 1975, com o oferecimento dadisciplina em caráter optativo, que e tomou obrigatória em 1992. São, por-tanto, 13 anos de ensino obrigatório no ClU'SO de Direito. Ora, é pos ível fazeruma análise ba tante premi sora acerca do conhecimento da Propriedade In-telectual antes e depois de todo esse empenho. Em pouco mais de uma décadafoi possível formar profi sionais que não apenas conheceram a matéria mativeram, efetivamente, interesse em de envolver pesquisas e, dentro das unscondições, lutar pela difusão da consciência sobre a Propriedade Intelectual.

Poderíamo referir que agora a Propriedade Intelectual e encontrafrente a uma nova dinâmica que é bu cada pelas Univer idades: a interdi i-plinaridade. Antes disso, porém entendemos que, diante das novas direrrizeexigidas pelo Mini tério da Educação e Cultura, a Propriedade Intelectualpode consLituir propriamente a alavanca e o alicerce de uma cultura univer-sitária amparada pela interdisciplinaridade, fundamental no desenvolvimentoda teoria e prática do conhecimento e sua adequada vinculação.

Já tivemo oportunidade de referir que é tempo de repensarmos aPropriedade Intelectual, vinculada a todos os ramo da niversidade, poiela, a Universidade, é o /OCU de desenvolvimento intelectual por excelência.No ensino o aluno é convidado a criar e não simplesmente reproduzir, digni-ficando-o como pessoa e possibilitando que reconheça em si e nos demai o

4 HAMME, Bruno Jorge. O direito de autor e o papel da universidade. Estudos Jurídi-cos. São Leopoldo: Unísinos, v. 27. n. 7 I, set./dez. 1994. p. 81-82.

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fundamento da dignidade humana. Com isso, compreendemo de formamuito mais clara a importância que o Direito da Propriedade Intelectual as-sume nesse novo cenário. Ora, sendo ali onde o trabalho intelectual mai flo-resce, onde a pesquisa é incentivada, também ali os pesqui: adores e seusresponsáveis devem ter amplo conhecimento dos direitos que possuem sobreo resultado de suas atividades criadoras. Também ali é necessário que se es-clareça que existem Leis que protegem o desenvolvimento intelectual, e quetêm por escopo justamente incentivar a criação intelectual - o desenvolvi-mento humano, a atualização da potencialidade humanas, a partir do quehá de mai especial no er humano, o potencial criador e comunicativo.

O Direito de Propriedade Intelectual, e em e pecial o Direito deAutor, tem por objeto de proteção um bem espiritual que emana de uma dascaracterí ricas mais fundamentais do ser humano, a criatividade, a criação,por meio da qual o homem procura incessantemente assemelhar-se ao Cria-dor'. Essa é uma das características que encontramos em todos os seres hu-manos, motivo pelo qual na atualidade é chamada a caracterizar a dignidadehumana, que por sua vez visa fundamentar a possibilidade de universalizaçãodos direitos humanos.

O termo "propriedade" intelectual acabou se internacionalizando, ereconhecido como a grande área do conhecimento que envolve tanto as pa-tentes, o de enho industriais, direitos de autor, marca, knowliow e infor-mação confidencial. Existe muita semelhança no direito relativo às diferentesespécies de "propriedade intelectual", em razão da própria natureza da "pro-priedade", como o modo de aquisição, a natureza do direito conferido, a ex-ploração comercial, violações e sanções, ma a "propriedade intelectual"possui a natureza de uma propriedade intangível, incorpórea". O problema éque não é simples conhecer o direito relativo a um objeto "intangível". Temaque já foi bem desenvolvido por vários doutrinadores, e que merece, nas au-la de Direito da Propriedade Intelectual, no início de cada semestre, atençãoredobrada. É necessário compreender que e tamos tratando de um bem, umdireito, muito específico.

E inúmeras áreas do conhecimento, da Universidade, po uem r -lação muito estreita com a Propriedade Intelectual como é possível verificar

A matéria-prima do direito de autor é. CO/lI efeito. mais preciosa do que os materiais emetais mais raros: a criatividade, extraordinário e misterioso atributo de que a naturezaprivilegiou o homem CHAVES, Antônio. Criador da obra intelectual São Paulo: LTR.1995. p. 29.

ARA YANAN, p. Intellectual Property Law. 2. ed. Calcutta: Eastern Law House, 1999.p.3-4.

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de pronto com a Comunicação, a Faculdade de Jornalismo, Publicidade ePropaganda, Informática, ngenharia, Física, Química e todos os setores tec-nológicos, bem como, biotecnológicos. Todos po suem interesse em cuidardo efeitos causados pelos bens intelectuais que desenvolvem.

Todos o campos desejam maior contato com o Direito da Proprie-dade Intelectual, buscando compreender o que é obra protegida e quandoocorre uma violação. Assim, por exemplo, a Informática já manifestou esseinteres e, onde emergem os direitos do criador de software, onde trabalha-mos com a internet e as facilitações que a grande rede trouxe na reproduçãode obras muitas veze. causando violações de todas as ordens, ao lado defacilitar a vida de todos. Outros centros de produção intelectual por excelên-cia também po suem Íntimo contato com os Direitos Intelectuais: nas Ciên-cias da Saúde, uma vez que o Direito de Propriedade Intelectual trabalhacom a proteção a desenvolvimentos vinculados a microorganismos transgê-nicos, proteção ao desenvolvimento de remédios (Lei 9.279/96), e aindaabraça o debate quanto à nã -concessão de privilégios de exclusividade noque diz respeito a alteraçõe genéticas vinculada ao gene humano, mas, aomesmo tempo, prevê proteção à variedades vegetai , igualmente por Leiespecífica. Além disso, podemos citar ainda a questão da Concorrência Des-leal e o Abuso de Poder Econômico. e a Propaganda Engano a, tratada pelaLei da Propriedade Industrial, que são lemas vinculado também à Economiae Administração.

O que é alarmante é que, enquanto a ATRI P (Associação Interna-cional para a promoção do ensino e a pe quisa em Propriedade Intelectual)reunida em Munique, em setembro de J 983 já dispunha que o en ino do Di-reito de Propriedade Intelectual não deveria ser limitado às Universidades,em particular às faculdades de Direito, pois deveria er ofertado a outras fa-culdades em especial à faculdades de ciências sociais e econômicas e pelosinstitutos de ensino técnico que formam engenheiros e pessoal técnico e cientí-fico e a outras que se ocupam da formação profi sional de pessoas engajadasna criação de obj to da propriedade intelectual (academias de arte, cinemaetc.), nem mesmo na atualidade percebe-se que as Universidades estão de -pertando para esta questão, poi , quando muito, a muito custo e sacrifício,po uem a disciplina na Faculdade de Direito, e percebem uma vaga neces-idade da disciplina pela pressão da própria realidade: os jornalistas saem da

Faculdade e no primeiro ano são processados por utilização indevida deobras protegidas; os publicitários, pior ainda, os analistas de sistema enge-nheiros e todos da área d desenvolvimento de software precisam conhecer odireito de autor, mas não porque têm consciência da dimensão, da importân-cia e do fundamento do direito de autor para o seu aperfeiçoamento, e para

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seu trabalho, mas implesmente porque pen am que há uma necessidade deenquadrar o produto de seu trabalho em aJguma forma documental, mapara que erve qual seu sentido; não apenas em geral desconhecem, comoequer intuem que tenha algo para ser conhecido e que seja importante. É

lim desastre.

Não foi nada fácil introduzir a di ciplina do Direito de Autor, porexemplo, nas faculdades de Direito. Um reitor uma vez chegou a mencionarem uma reunião da ATRIP (Associação lnternacional para o ensino e a pes-qui a em Direito da Propriedade Intelectual) que, quando surge um temanovo, sempre aparece quem deseja criar lima di ciplina nova para ser intro-duzida no currículo de um cur o univer itário ... 7 deixando bem claro umdiscernimento que hoje surpreende a todos nó , uma vez que na atualidade aPropriedade Intelectual deixou de ser um 'artigo de luxo", excluo ivo de es-pecialistas que por razões muito particulares e próprias podem ter se dedica-do ao estudo da matéria, para con. tituir um assunto de ordem pública da má-xima relevância. Como destacou o Pe. Bruno, nessa lembrança que certa-mente o chocou, o direito de autor, nos países em desenvolvimento, costu-mava ser um "ilustre desconhecido". E ugere a solução para deixar de ê-lo:

Deixará de sê-lo na medida em que as universidades lhe derem espaço, ominimo de atenção que a importância da matéria exige. A criação do es-pírito humano é a qlle mais dignifica o homem. Promover esta criativida-de é promover o homem. Quem cria acha saídas novas. Não é criativoquem quer receber tudo pronto. O espírito de lima sociedade consumistedllapida, mas não cria. Criar é fazer algo O/Ide nada existe. O homemcriador começa sem esperar pelos outros. Cria ti1'0 é o homem que sabetransformar a si me mo. Falar em criatividade do homem é acreditar emsuas potencialidades. A promoção da cultura, a formação e o ensino nãoé nada mais do que dar oportunidade de valorizar e estimular sua capa-cidade. Criando, o homem se realiza como feito à imagem e semelhançade Deus, o Criador".

7 Cf. HAMMES. Bruno Jorge. O ensino do direito do autor. 111: Anais do SeminárioInternacional sobre Direitos Autorais. ão Leopoldo: Unisinos. 18 a 21 mai. 1993,p.313.

8 Cf. HAMMES. Bruno Jorge. O ensino do direito do autor. //1: Anais do Seminário Inter-uacíonal obre Direitos Autorais. São Leopoldo: Unisinos, 18 a 21 mai. 1993, p. 314.Aliás, bem ponderado por Plínio Cabral: É espantoso que o habitante da cal/ema - certa-mel/te mais preocupado COIII a sobrevivência - fosse capa- de retratar. em pinturas, osfatos que compunham sua vida. Eis IIIIl exemplo de abstração da realidade e sua reprodu-ção sobre uma base, a parede da caverna. Esse artista primitivo tinhu lima visão do //lU/I-

do. Era 11m poera. Um criador. Po suia o poder de fixar {/ realidade da sua vida, seu

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Há, portanto, um requisito para a a promoção da cultura: o direitode autor, o direitos intelectuais. A inrerdisciplinaridade, analisando mai deperto, surge do próprio desenvolvimento teórico do direito de autor em pa-ralelo om a evolução da ciência, da e truturas econômicas e tecnologia demodo que surge uma relação e tranha mas saudável e de necessária comple-mentaridade entre os titulares do direitos e autor e os que são os destinatá-rios da produção intelectual. íque vemos a cada dia aumentar a urgência deuma legislação que seja adequada ou flexível à própria natureza do objetoque visa proteger, uma vez que o resultado criativo do ser humano é por na-tureza um vir a ser que já é sempre atrevido, muitas vezes con trangendo edeixando a legislação com a sensação de estar sempre velha, ultrapassada.Assim como surgem da criação novos instrumentos de trabalho para melho-ria do ensino, a maioria deles utiliza obra protegidas pelo direito de autor,surgindo a necessidade de diálogo entre o desejo dos que o querem usar, e odesejo dos que querem reconhecimento, respeito e retomo pelo benefício quetrouxeram ao mundo.

Quem poderá prever a evolução da tecnologia, das transmissões viasatélite e tudo o mais? Toda previsão sempre foi ela própria surpreendidapela capacidade humana de superar a própria previsibilidade, pois o medo dodevir, no er humano, sempre fez com que ele buscasse na ciência a possibi-lidade de prever cada vez mai . Novas previ õe trazem o aperfeiçoamentode novas possibilidades que geram novas criaçõe que geram novas previ-sões que ... seguem ucessivamente. Uma busca insaciável do conhecimentoda própria previsibilidade de toda e qualquer transformação decorrente dacultura (que em oposição à natureza sempre foi tida como aquilo que é trans-formado pelo homem ou pela mulher) - que é capaz de gerar mais imprevi-ibilidade do que segurança, uma vez que a espécie humana, ao menos na

atualidade, no lugar de lutar por um pedaço de carne, ou por uma fêmea,como fazem alguns animais, luta pelo poder que na atualidade e tá concen-trado na produção tecnológica. Este dá base para o poder reduzido à forçafí ica, de um exército, por exemplo. E é também o poder relativo à capacida-de criativa que dá base para o poder visto como força econômica. Quem de-tém, portanto, o conhecimento, hoje, detém não apenas o poder, ma a auto-ridade para mandar no mundo. Porque da posse desse conhecimento, decorreo próprio potencial material e bélico de um país.

combates, suas caçadas, as feras que o ameaçavam. Ver o fato, pen á-lo, abstrair e, no-vatnente. materializá-lo numa pintura - eis 0180 extraordinário. E continua extraordiná-rio. O instrumento rudimentar do arti tu primitivo transformou-se. E transformou- e ohomem, enhor de tecnologia invejável e altamente sofisticada (CABRAL, Plínio. A novalei de Direitos Autorais. 3. ed. Porto Alegre: Sagra Luzzauo, J999. p. J 1-12).

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Não é por nada que os países que ofereceram medalha de honra aomérito aos eus potenciais inventores (de regimes comunistas) perderam a cor-rida da tecnologia" - e bem as irn, o próprio poder político, para aquele quenão ofereceram apena medalhas (de economia liberal), mas ofereceram umdireito, LImapropriedade sobre o resultado ele sua atividade criadora. um direitoque concede exclusividade de uso para 'eu detentor, incentivando a concorrên-cia, incentivando o progresso. E daí? Daí chegamos diretamente à que tão doproblema dos países emergentes, que se vêem entre a necessidade de proteçãodos autores e suas obras, e a necessidade de consumo das próprias obras comcondições econômicas extremamente limitadas. Como equilibrar duas necessi-dades, em princípio, antagônica? Somente uma legislação não poderia alcançaro objetivos, sendo nece sário o ensino e a educação do público para a necessi-dade de respeito aos autores como questão primordial para o próprio reconhe-cimento da cultura na qual se insere, e, bem assim, como primordial para o seupróprio reconhecimento como ser humano dotado de personaJidade e dignida-de. Não é possível, na promoção do direito de propriedade intelectual, uma viade mão única. É necessário equilibrar a necessidade de proteção com a necessi-dade de utilização, nos países em vias de desenvolvimento'",

Poderíamos concJuir assim, sobre o que já foi feito e o que estásendo feito quanto ao ensino da Propriedade Intelectual. Muitas aculdadesde Direito estão acordando para o problema e inserindo entre suas disciplinasa matéria da Propriedade Tntelectual, com es a denominação ou emelhante.Mas e o que ainda é possível realizar? Como vimos. o ensino da PropriedadeIntelectual não deve limitar-se às Faculdades de Direito, mas e tender-se aoutros centros de cultura e também à rede do ensino técnico alcançando ojovem de outras áreas o mais cedo possível. Além disso, a Propriedade Inte-lectual deve ser reconhecida como o elo de ligação ou o que toma pos ível aunidade entre temia e prática, e mais ainda, a interdisciplinaridade. Comisso deixará de ser "desconhecida" para jornalistas, analistas de sistemaspublicitários, biólogos, físicos, engenheiros ...

9 pesar de a China. na atualidade, constituir uma exceção à regra, mas apena. na aparência.10 Enquanto nossa Constituição Federal assegura aos autores de inventos industrial privilé-

gio temporário para sua utilização, a propriedade propriamente dita dependerá, lembracom razão Patrícia Aurélia Del Nero, do encatninhamento das negociações entre capital eTrabalho, que possuem historicamente interesses conflitantes. e à revelia do que determinaa Constituição - pois muitas vezes ela fica dependente da formalização do contrato de tra-balho (como permite a Lei 9.179/96). Entretanto, lembra ainda que para os servidores daAdministração Pública direta e fundacional é assegurado. (f titula de incentivo, unta pre-miação que não pode exceder a um terço do valor das vantagens auferida pelo órgão 011

entidade com a exploração da patente, segundo as disposições constantes 110S arts. JO e 4·do Decreto 2.553. de 16.04.1998 (Cf, NERO. Patrícia Aurélia Del. Propriedade Intelec-tual- a tutela jurídica da biotecnologia. 2. ed. São Paulo: RT. 2004. p. 329).

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Nesse sentido que a Resolução 9 do Conselho Nacional de Educa-ção!' com destaque para as funções do Projeto Pedagógico dos Cursos deGraduação em Direito, estabeleceu a diretrizes curriculares nacionais, exi-gindo o esclarecimento quanto à forma de realização da interdisciplinaridadee exigindo a apresentação dos modos de integração entre teoria e prática.Ora, desde o princípio temos dito que os Direito Intelectuais constituindorequisito para a promoção da Cultura constituem o elo que deve ser estimu-lado, alcançado promovido para a eficácia real de uma interdisciplinaridadeque saia do papel e invada a vida universitária.

E mais: a Declaração Universal da Unesco sobre a diversidadecultural propõe a acomodação de um projeto educativo à realidade plural dasociedade, através de um diálogo intercultural". A orientação é por uma s-cola do sujeito, orientada para a liberdade do sujeito pessoal:

...a aprendizagem não pode acontecer sem algum trabalho e esforço doaprendi; que lhe dão lima capacidade de iniciativa que poderá aplicardepois a outros dominios. Vamos, portanto, encerrar esse falso debate, econvidar os dois campos (I unirem esforços contra o clericalismo escolar,C011fraa confusão do conhecimento COIIIas formas tradicionais de orga-nização da escola 011 com as finalidades econômicas que certas pessoaslhe atribuem. Conservemos (I idéia da 'Bildung a convicção segundo aqual a educação não deve ser lima ocialização, mas em primeiro lugar a[onnação de lima capacidade para agir e pensar em IlOlIIede lima liber-dade criadora pessoal que não pode desenvolver-se sem contat diretocom as construções intelectuais, técnicas e morais do presente e do pas-

i'sado J.

Onde o ser humano expressa que nasceu para a lib rdade. No alocriador. Ali, onde mostramos o que não sabemos que somos, numa penna-nente busca de rec nhecimento, num acontecer imprevi ível, num desafiointen o e sempre atual do que somos ou do que imaginamos e pretendemosser. Não podemos mais deixar de encarar a Propriedade Intelectual, ou osDireitos Intelectuai como parece constituir denominação mais adequada,como fundamental para o humano - eja singular Como coletivo.

II Publicação no DOU 189. de 01.10.2004. Seção I,p.17-18.,~ UNESCO. Déclaration universelle de I'Unesco sur la diversité culturelle - commeutaires et

propositions. Série Diversité culturelle, Paris. 2003. 11. 2, p. 15.13 TO RAlNE, Aluiu. Poderemos viver junto? - iguais e diferentes. São Paulo: Loyola,

2001. p. 337-338.

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No passado profissionais do direito terminavam a faculdade semnunca terem ouvido falar sobre Propriedade Intelectual. Autores, criadoresde obras nem imaginavam que poderiam possuir algum direito já legislado.Quando encontravam um profissional mais ou menos habilitado a proporuma ação judicial, era o Juiz que nunca tinha ouvido falar da matéria. Sem-pre, entretanto, houve uma intuição para o problema. E uma fuga do proble-ma também. Os Direitos Intelectuais, consagrados e reconhecidos pelas es-colas e Faculdades, permitirão alcançar a consciência para o problema maiscedo do que de costume. Através do reconhecimento dos direitos intelectuais,vem intrínseca a resposta aos reclames pelo reconhecimento da dignidadehumana.

Vejo já aparecendo no horizonte o dia em que nossas crianças a-berão os motivos que estão por trás da negativa dos pais na aquisição de umCD de jogos pirata. Saberão que há um crime organizado por trás, que existeuma poderosa organização por trás da pirataria, que nessa matéria não esta-mos tratando de um caso isolado, mas, de grandes organizações, nacionais etransnacionais que estão há tempo universalizando o crime. Quando com-pramos um CO pirata, estamos alimentando toda a cadeia do crime organi-zado. Precisamos criar a consciência para o problema o mais rápido possí-vel. Há muito mais por trás de um "direito intelectual" do que se possa ima-ginar - mesmo - e principalmente - num país como o nosso.

REFERÊNCIAS

CABRAL, Plínio. A nova lei de Direitos Autorais. 3. ed. Porto Alegre: Sagra Luzzano,1999.CHAVES, Antônio. Criador da obra intelectual. LTR: São Paulo 1995.p. 29.HAMMES, Bruno Jorge. O direito da propriedade intelectual - subsídios para o ensino.São Leopoldo: UNISI OS, 1998.__ o O direito de autor e o papel da universidade. Estudos Jurídicos. São Leopoldo: UNI-SINOS, V. 27, 11.71, et./dez. 1994.__ o O ensino do direito do autor. /11: Anais do Seminário Internacional sobre DireitosAutorais. São Leopoldo: UNISTNOS,18 a 21 mai. 1993.NARAYANAN. P. lntellectual Property Law. 2. ed. Calcutta: Eastern Law House, 1999.NERO, Patrícia Aurélia Del. Propriedade Intelectual - a tutela jurídica da biotecnologia.2. ed. São Paulo: RT,2004.TOURAINE. AJain. Poderemos viver juntos? - iguais e diferentes. São Paulo: Loyola,2001.UNESCO. Déclaration universeUe de lUnesco sur la diversité cultureUe - commentaireset proposítíons, Paris: Série Diversité culturelle, 2003. n. 2.