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37º Encontro Anual da ANPOCS ST28 Violência, Criminalidade e Punição no Brasil A influência das concepções de política criminal nos posicionamentos adotados pelos membros do Ministério Público Federal sobre as funções e a eficácia do sistema penal Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo 1 Fernanda Bestetti de Vasconcellos 2 1 Professor e Pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUCRS, pesquisador do INCT-Ineac, bolsista pq CNPq. 2 Doutoranda em Ciências Sociais no PPGCS/PUCRS (bolsista CAPES/PROSUP), pesquisadora do INCT-Ineac.

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37º Encontro Anual da ANPOCS

ST28 Violência, Criminalidade e Punição no Brasil

A influência das concepções de política criminal nos posicionamentos

adotados pelos membros do Ministério Público Federal sobre as funções e a

eficácia do sistema penal

Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo1

Fernanda Bestetti de Vasconcellos2

1 Professor e Pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUCRS, pesquisador do

INCT-Ineac, bolsista pq CNPq.

2 Doutoranda em Ciências Sociais no PPGCS/PUCRS (bolsista CAPES/PROSUP), pesquisadora do

INCT-Ineac.

Resumo

A presente pesquisa, realizada com o apoio da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU), tem como material empírico dois surveys realizados com integrantes do Ministério Público Federal, nos anos de 2008 e 2012, a respeito de suas concepções de política criminal. Buscou-se identificar as correlações existentes entre as diferentes correntes de política criminal auto-imputadas pelos respondentes (garantismo penal, lei e ordem, funcionalismo penal, defesa social, nenhuma das anteriores) e as respostas obtidas para temas como a redução da maioridade penal, as funções e eficácia do sistema penal, a utilização da prisão preventiva e a utilidade da pena. A questão que se coloca é qual a influência e/ou a coerência das autodeclaradas adesões a esta ou aquela concepção teórica (corrente de política criminal) frente às respostas colocadas no decorrer do questionário. Busca-se ainda verificar as mudanças ocorridas no período de 2008 a 2012 nos posicionamentos adotados pelos representantes do MPF. Ambas as pesquisas foram realizadas por meio da aplicação de questionário, via internet, a todos os representantes do Ministério Público Federal nas cinco regiões judiciárias.

Palavras-chave: política criminal; Ministério Público; sistema penal.

Introdução

A presente pesquisa teve como objetivo a coleta e análise de dados

quantitativos e qualitativos a respeito do perfil socioprofissional e das

concepções de política criminal que caracterizam o Ministério Público Federal,

nas cinco regiões judiciárias nas quais está estruturado, ampliando e

atualizando os dados produzidos em pesquisa realizada no ano de 20083.

Como pressuposto teórico da investigação sobre perfil e concepções de

política-criminal, está a ideia de que uma sociologia jurídico-penal de caráter

empírico deve levar em conta os aportes da sociologia das profissões e da

sociologia das organizações, penetrando nas instâncias de aplicação das

normas, desvelando os mecanismos que se movem no interior do aparato

policial, ministerial, judicial e penitenciário, democratizando o conhecimento a

respeito do seu funcionamento para toda a sociedade.

3 Relatório de pesquisa disponível em http://www3.esmpu.gov.br/linha-editorial/outras-

publicacoes/Perfil_ebook.pdf

A preocupação com a administração da justiça enquanto instituição

política e profissional colocou no centro das investigações empíricas as

decisões e motivações dos agentes jurídicos, consideradas variáveis

dependentes de outras, como origem de classe, gênero, formação acadêmica,

habitus profissional, forma de seleção, etc., levando a uma revisão radical do

mito da neutralidade da função judicial. A contribuição deste campo de estudos

é no sentido de chamar a atenção para a importância dos sistemas de

formação e de recrutamento dos magistrados e outros agentes jurídicos, e para

a necessidade de dotá-los de conhecimento culturais, sociológicos e

econômicos para exercerem suas funções em uma sociedade cada vez mais

complexa e dinâmica.

Os estudos sobre as instituições do sistema de justiça têm apontado

transformações pelas quais agências e operadores passaram no contexto da

redemocratização brasileira e do advento da nova ordem constitucional a partir

de 88. Entre as principais preocupações citadas, estão o problema do acesso à

justiça, a identificação de formas não-estatais de regulação da vida social e de

resolução de conflitos e os fenômenos da violência e da criminalidade, as quais

destacaram-se como os principais pontos da pauta do debate científico iniciado

na década de 1970 (Junqueira, 1996; Sadek, 2003), e associam-se às

demandas por requisitos democráticos de transparência e controle público.

Com a promulgação da Constituição Federal em 1988 e com as reformas

legislativas e judiciais que se seguiram, o interesse das ciências sociais

desloca-se para os papéis assumidos por instituições e seus agentes na

efetivação dos novos direitos civis, econômicos e sociais consagrados pela

Constituição – a chamada judicialização das relações sociais (Vianna e outros,

1999) –, mas também para a interface entre sistema de justiça e sistema

político – a judicialização da política (Arantes, 1997; Vianna e outros, 1999;

Sadek, 2003).

Não há dúvida que, desde os anos 80, o Ministério Público brasileiro

vem sofrendo um processo de transformação, com ampliação de atribuições e

prerrogativas institucionais. Avaliando o impacto das mudanças legais e

institucionais ocorridas a partir dos anos 80, alguns estudos foram

empreendidos por pesquisadores ligados ao IDESP (Instituto de Estudos

Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo), ressaltando a importância da

nova arquitetura institucional e das novas atribuições adquiridas, especialmente

a titularidade da defesa dos direitos difusos e coletivos, e analisando a atuação

do Ministério Público no contexto da judicialização crescente da atividade

política e de juridificação da sociedade brasileira.

Jacqueline Sinhoretto, em levantamento de literatura nas ciências

sociais brasileiras sobre o Ministério Público (2011), conclui que tem sido

enfatizadas, majoritariamente, as mudanças no perfil profissional e no ideário

institucional provocadas pela incorporação de novas atribuições na defesa dos

direitos transindividuais, em que pese a visão conservadora sobre o papel da

sociedade civil, e em contraste com as pesquisas que apontam para uma

valorização das práticas exclusivamente retributivas na área penal e a falta de

investimento institucional no controle e persecução à violência policial.

A ausência de investigações especificamente voltadas para a

identificação do perfil de operadores e instituições, no que se refere a temas

afetos à criminalidade e à intervenção penal, revela o pouco conhecimento que

existente acerca do impacto do processo de democratização para a formação

dos perfis institucionais de magistrados, integrantes do Ministério Público e

defensores públicos no sistema de justiça criminal. Novos esforços de

pesquisa devem se voltar, portanto, para a compreensão do ideário e das

estratégias mobilizadas na gestão pública da violência e da criminalidade e, em

conseqüência, ampliar a reflexão sobre como é pensado e exercido o

monopólio estatal da violência legítima e, ainda, como ele é monitorado.

As pesquisas empíricas da sociologia do direito, a partir dos anos 60,

orientam-se pelo estudo da complexidade que está por traz da relação entre

normatividade estatal e orientação dos comportamentos individuais, através

dos diversos níveis de realização do sistema de controle penal. O resultado é a

imposição de uma noção relativista e pluralista a respeito das normas jurídicas,

pelo reconhecimento de que sua autoridade nem sempre estaria baseada na

legitimidade do consenso. A precisão e a generalidade das regras de direito,

preocupação da dogmática jurídica, revelam-se mais formais do que reais,

sendo permanentemente submetidas a uma reinterpretação dinâmica e variável

pelos responsáveis pela sua aplicação, e objeto de uma permanente

negociação.

Na última década, o desenvolvimento dos estudos criminológicos tem

procurado incorporar elementos do debate da teoria social contemporânea ao

legado da criminologia crítica em seus diversos matizes. Entre os

representantes desta perspectiva, David Garland tem se destacado na

abordagem do crime e do controle do crime como artefatos culturais.

Garland incorpora conceitos produzidos por Pierre Bourdieu para a

análise das práticas sociais. Bourdieu (1989) propõe um “estruturalismo

genético”, ou “construtivismo estruturalista”, reunindo diferentes tradições

teóricas para explicar a realidade social a partir da relação dialética entre um

momento objetivista e um momento subjetivista. Para tanto, em um primeiro

momento o sociólogo tem de reconstruir o espaço objetivo de posições sociais

e de relações entre essas posições que os diferentes agentes ocupam e

mantém em função da estrutura de distribuição das diferentes espécies de

capital ou de poder, pelas quais se compete, se luta ou se joga nos diferentes

campos sociais. Em um segundo momento, trata-se de incorporar as

representações que influem e determinam (também reciprocamente) as

condições objetivas, através do habitus, este instinto estruturado socialmente

que incorpora as estruturas objetivas à ação e estrutura o mundo social desde

a ação (GARCÍA-INDA, 2003).

Em sua obra “The Culture of Control” (1999), David Garland analisa as

formas através das quais o delito se configura/representa atualmente no

pensamento e na ação das pessoas comuns e dos atores estatais, e investiga

como e porque isto acontece. O objetivo de Garland é o de identificar as

estruturas, as mentalidades dominantes e as estratégias recorrentes que

caracterizam o campo do controle do crime em sua atual configuração.

Garland parte da hipótese de que a “Modernidade Tardia” – padrão

distintivo de relações sociais, econômicas e culturais que emergiu nos E.U.A.,

Inglaterra e outros lugares do mundo desenvolvido no último terço do Século

XX – trouxe consigo uma série de riscos, inseguranças e problemas de controle

que jogaram um papel crucial para dar forma às novas respostas frente ao

delito.

O autor propõe uma genealogia que busca rastrear as forças que

fizeram nascer nossas atuais práticas punitivas e identificar as condições

históricas e sociais de que ainda dependem. Para tanto, desenvolve seu

argumento em três dimensões: histórica – ascensão e queda do “Welfarismo

Penal”; penal – crise do paradigma penal moderno; e sociológica – impacto das

mudanças sociais nos mecanismos de controle do crime. E alerta sobre a

necessidade de adotar algumas regras metodológicas básicas para a avaliação

dessas mudanças, entre as quais não confundir movimentos de curto prazo

com mudanças estruturais, não confundir o que se diz com o que se faz, não

pressupor que o que se diz não tem importância – “falar é atuar”, não confundir

os meios com os fins, e não perder de vista o longo prazo.

Garland identifica as principais tendências que configuram o campo do

controle do crime contemporaneamente, entre as quais se destacam a quebra

do suposto monopólio do Estado, a erosão das concepções modernas sobre o

problema do delito, o giro da “aplicação da lei” para o “gerenciamento do risco”,

a opção pela segregação punitiva e a combinação entre uma justiça

“expressiva” com estratégias preventivas. Os indicadores da mudança, que

resulta na cultura do controle, seriam o declínio do ideal de reabilitação, o

ressurgimento das sanções retributivas e incapacitantes, a acentuação do tom

emocional da política criminal, o retorno da vítima, a defesa social como

prioridade, o novo populismo penal, a expansão da infra-estrutura de

prevenção e segurança comunitária, a privatização do controle do crime e

novos estilos de gestão e práticas de trabalho no interior do campo do controle

do crime.

De outro lado, o autor considera as estruturas e as mudanças estruturais

como propriedades emergentes que resultam das ações recorrentes e

reiterativas dos agentes que ocupam um determinado espaço social. A

consciência destes agentes (estilos de pensamento, valores e sensibilidades) é

um elemento chave na produção da mudança e na reprodução da rotina. Os

agentes e agências, que ocupam o campo da justiça penal com suas

experiências, formação, ideologias e interesses particulares, são os sujeitos

humanos através dos quais se desenvolvem os processos históricos. Uma

nova configuração não emerge definitivamente até que se conforme nas

mentes e nas práticas de quem faz funcionar o campo.

Um campo em transição é um campo mais aberto do que habitualmente

a forças externas e pressões políticas, e a emergência de novas racionalidades

e estratégias é o resultado da atividade de resolução de problemas por parte

dos agentes e agências situados em determinadas posições no campo. As

práticas penais estabelecem uma armação cultural estruturante, e seus

discursos e práticas servem como uma grade interpretativa a partir da qual as

pessoas avaliam as condutas e fazem julgamentos morais sobre suas próprias

experiências. É preciso, portanto, tomar as ideias e discursos do direito penal,

da criminologia e da política criminal como categorias efetivas, produtoras de

verdade, que garantem as condições discursivas para práticas sociais reais.

2. Metodologia de pesquisa e representatividade da amostra

Para a coleta de dados, foi aplicado um questionário estruturado, nos anos

de 2008 e 2012, contemplando cinco grandes grupos de questões:

1. Perfil Socioprofissional;

2. Funções e Eficácia do Sistema Penal;

3. Questões Procedimentais;

4. Execução Penal;

5. Questões Institucionais.

No presente trabalho, serão apresentados apenas os resultados

relativos ao grupo das funções e eficácia do sistema penal. A metodologia de

pesquisa quantitativa utilizada é conhecida como não probabilística por

conveniência, ou seja, busca-se obter o maior número possível de

representantes (amostra) de uma determinada população (universo), admitindo

que eles possam, de alguma forma, representar o universo. A composição da

amostra, neste caso, está relacionada exclusivamente com a disponibilidade

dos indivíduos que compõem o universo de pesquisa para responderem ao

questionário. Para contornar o problema da impossibilidade de afirmar

categoricamente a representatividade da amostra sobre o universo total, é

possível buscar elementos que permitam comparar ambas, para identificar,

com base em determinados extratos (gênero, região judiciária, etapa da

carreira, etc.), se a amostra é similar ao todo ou há alguma sub ou sobre

representação significativa.

Finalizado o processo de preenchimento eletrônico do instrumento de

coleta de dados, obteve-se, no total, 117 questionários preenchidos,

representando um percentual de 12,21% sobre o total de integrantes do MPF.

Analisando-se o número de respondentes por Região Judiciária, é possível

verificar a representatividade dos resultados por região, conforme gráfico a

seguir:

Gráfico 1

Percebe-se uma adesão significativamente maior entre os integrantes da

4ª Região Judiciária (16,20%), e uma baixa adesão entre os Sub-Procuradores

Gerais da República, de apenas 6,78%. Nas demais regiões a média de

respostas fica entre 9,4% (5ª Região) e 12,94% (3ª Região).

Para verificar o desvio provocado pelas diferentes taxas de resposta por

Região Judiciária, comparamos o percentual de Procuradores em cada Região

com o percentual de Procuradores respondentes. Percebe-se, conforme gráfico

a seguir, que a amostra coletada tem bastante similitude com a composição

total da instituição, com a sobrerepresentação relativa da 4ª Região, e a sub-

representação relativa dos Sub-Procuradores Gerais da República e da 5ª

Região. Nas demais Regiões (1ª, 2ª e 3ª) a diferença entre o percentual de

12,63% 12,94%

10,61%

16,20%

9,40%

6,78%

12,21%

Percentual de Respondentes

membros sobre o total de o percentual de respondentes fica abaixo de 2,5%.

Conclui-se que a amostra coletada garante uma representação regional bem

distribuída e próxima do universo total de pesquisa.

Gráfico 2

Considerando-se a representatividade por sexo da amostra coletada,

constata-se que, enquanto entre o total de integrantes do MPF há 70,66% de

homens e 29,54% de mulheres, entre os respondentes o percentual é de

74,40% de integrantes do sexo masculino e 25,60% do sexo feminino, o que

também permite afirmar que há pouca diferença entre a amostra e o universo

de pesquisa com relação à variável sexo.

Gráfico 3

29,85%

14,50% 18,68% 18,68% 12,21%

6,15%

30,80%

15,40% 16,20% 24,80%

9,40% 3,40%

Primeira Região Segunda Região Terceira Região Quarta Região Quinta Região ProcuradoriaGeral da

República

Total de Membros do MPF X Respondentes

Procuradores por Região Procuradores Respondentes

29,54% 25,60%

70,66% 74,40%

Integrantes do MPF Respondentes

Representatividade por Sexo

Feminino Masculino

Em um segundo momento, foram realizadas quinze entrevistas em

profundidade, com Procuradores Regionais da República (sendo entrevistados

três integrantes do Ministério Público Federal em cada Região Judiciária), a fim

de obter material discursivo consistente a respeito das opções mais

significativas encontradas a partir da tabulação e análise dos questionários. As

entrevistas realizadas também tiveram como objetivo aprofundar alguns dos

temas que envolvem o debate político-criminal contemporâneo, bem como os

dilemas institucionais que perpassam o campo do controle do crime no Brasil.

O material obtido nas entrevistas, correspondente a cerca de 17 horas de

gravação em áudio, foi tratado e codificado por meio do software Nvivo 94.

3. Cruzamento de dados entre as concepções de política criminal e temas

relacionados com as funções e eficácia do sistema penal

Tendo como foco as concepções de política criminal dos

representantes do MPF, a questão que se coloca é qual a influência das

autodeclaradas adesões a esta ou aquela concepção sobre as questões

colocadas no decorrer do questionário. Em outras palavras, pretende-se indicar

como se posicionam os respondentes, sobre os tópicos onde houve maior

diferenciação de opiniões, de acordo com as vinculações às correntes de

política criminal apresentadas.

O elemento nuclear de qualquer doutrina penal é a pena, suas

finalidades e sua aplicação. Por outro lado, da crítica radical da pena elaborada

pelas diversas vertentes do abolicionismo penal, ao elogio das funções

preventiva e retributiva da pena mantidos pelo movimento de Lei e Ordem, a

incorporação dessas correntes doutrinárias na prática da justiça criminal deve

4 O Nvivo 9 é a oitava versão do software NUD*IST, fabricado pela empresa australiana

QSR International. Trata-se de um software que auxilia na organização da análise qualitativa de textos, áudios e vídeos, fornecendo uma plataforma multimídia em que se pode trabalhar com uma grande riqueza de ferramentas e detalhes. As funções deste software se baseiam principalmente na atividade de classificar trechos do material analisado (textos, áudios ou vídeos) em códigos e variáveis. As técnicas de pesquisa qualitativa não mudam em função desses programas, o que muda é a maneira como os dados são tratados e processados. A agilidade proporcionada pelo programa permite utilizar um maior volume de dados e libera tempo ao pesquisador para concentrar-se na pesquisa, e não mais em marcas ou tiras de papel em meio a uma pilha de entrevistas. Assim, abre-se todo um leque de possibilidades e inovações que tornam a pesquisa, a exploração, o teste de hipóteses e a análise na investigação qualitativa muito mais flexíveis e ágeis.

considerar, ainda, as dimensões do processo penal e das instituições

responsáveis pela aplicação da pena. Daí porque outras doutrinas penais,

como o Garantismo, o Realismo de Esquerda, o Funcionalismo e a Defesa

Social, podem ser vistas como programas de ação, que dão maior ênfase aos

aspectos que consideram mais importantes para a atuação dos mecanismos de

controle punitivo (IBCCRIM, 2007).

As posições associadas ao Abolicionismo Penal, assim como ao

Garantismo Penal, dão ênfase ao necessário caráter residual do Direito Penal,

e na expansão da ação social e administrativa do Estado, na limitação das

capacidades institucionais das agências de controle penal, e nas garantias

individuais como limitação ao poder punitivo do Estado. O Realismo de

Esquerda, tal como determinadas correntes do Funcionalismo Penal, revelam

adesão aos pressupostos do direito penal mínimo e do garantismo penal,

apostando, contudo, no reforço das capacidades das agências de controle

penal e na engenharia institucional para o aumento da eficácia do sistema

penal. Uma terceira vertente, aqui denominada Defesa Social, além de

enfatizar o reforço das capacidades institucionais, inclui em seu programa a

expansão da tutela penal a novos bens jurídicos e/ou o aumento das penas dos

crimes já existentes, mantendo, contudo, o sistema de garantias individuais do

processo penal. A quarta possibilidade inclui posições dos movimentos de Lei e

Ordem, com foco no Estado e na sociedade em detrimento da proteção do

indivíduo, apostando na expansão da tutela penal e no aumento das penas, no

reforço das capacidades institucionais de controle penal, e na limitação do

sistema de garantias individuais.

Na presente pesquisa, o Abolicionismo Penal não obteve nenhuma

adesão, e o Realismo de Esquerda obteve apenas 2,8%. Pela pouca

representatividade, ambas foram descartadas para a análise que se segue

sobre o posicionamento de cada uma das correntes sobre alguns dos temas

pesquisados. Restam, portanto, o Garantismo Penal, o Funcionalismo Penal, a

Defesa Social e a Lei e Ordem, e ainda aqueles que optaram pela alternativa

“nenhuma das anteriores”, em percentual de 14,8%.

Gráfico 4

Comparando com a pesquisa realizada em 2008, foi acrescentada desta

vez a opção pelo Realismo de Esquerda, e a opção à época chamada

Tolerância Zero foi apresentada desta vez como Lei e Ordem, uma vez que

esta é a denominação que mais se coaduna com a perspectiva de política

criminal sustentada por seus adeptos, enquanto que a denominação anterior

está mais vinculada às políticas propriamente ditas.

A opção pela Defesa Social manteve a primeira colocação, agora com

24,6%, frente aos 34,7% da pesquisa anterior. Na pesquisa anterior, em

segundo lugar vinha a opção por nenhuma das anteriores, com 22,8%, que

desta vez caiu para a quinta posição, com 14,8%. O Funcionalismo Penal, que

em 2008 obteve a terceira posição, com 15%, desta vez manteve a terceira

posição, com 18,3% de adesões. O Garantismo Penal, que teve 13,2% de

adesões em 2008, aumentou seu percentual para 17,6%, mantendo a quarta

posição. E o que havia sido chamado de Tolerância Zero em 2008, com 12,6%

de adeptos e a quinta posição, desta vez, com a denominação de Lei e Ordem,

obteve 20,4% de adesões, subindo para a segunda posição. O Abolicionismo

Penal, que em 2008 teve uma única indicação (0,6%), desta vez não teve

nenhuma adesão, e o Realismo de Esquerda, não referido na pesquisa

anterior, figurou desta vez com 2,8%. Apenas dois respondentes indicaram

outras opções, tendo o mesmo ocorrido na pesquisa anterior.

Verifica-se, assim, uma queda significativa (30%) de adesão à corrente

da Defesa Social, em que pese a manutenção da primeira colocação, e a

ascensão da Lei e Ordem (+ 38%). Também houve aumento, em menor

escala, das adesões ao Funcionalismo e ao Garantismo, em detrimento de

uma queda significativa dos que não optaram por nenhuma das correntes

apresentadas.

Analisando, conforme o gráfico a seguir, o cruzamento entre as

correntes de política criminal e as regiões de atuação, o que se verifica é um

percentual mais alto do que a média de adeptos da Defesa Social na 5ª

Região, em detrimento da chamada Lei e Ordem, um percentual mais alto do

que a média de adeptos do Garantismo Penal na 1ª Região, e um percentual

reduzido de adeptos do Garantismo na 2ª Região. Também está acima da

média a quantidade de adeptos do Funcionalismo Penal na 3ª Região, que é

mais reduzida na 4ª Região. A opção por nenhuma das anteriores é maior na

4ª e na 2ª Regiões, e menor na 5ª Região.

Gráfico 5

Realizando o cruzamento das correntes de política criminal pelo ano de

ingresso, percebe-se que entre os que ingressaram no período de 1986 a 1991

correntes_pensamento * regiao_atuacao

Defesa Social Lei e OrdemGarantismo

Penal

Funcion

alismo Penal

Nenhuma das

anterioresTotal

1 Região

4 Região

3 Região

2 Região

5 Região

10 8 11 7 5

6 9 6 4 7

6 6 4 7 3

5 4 2 4 4

7 1 2 3 1

41

32

26

19

14

50% 7,1% 14,3% 21,4% 7,1%

26,3% 21,1% 10,5% 21,1% 21,1%

23,1% 23,1% 15,4% 26,9% 11,5%

18,8% 28,1% 18,8% 12,5% 21,9%

24,4% 19,5% 26,8% 17,1% 12,2%1 Região

4 Região

3 Região

2 Região

5 Região

há um maior percentual de opções por nenhuma das anteriores, ficando as

quatro correntes aqui analisadas com exatamente o mesmo percentual de

adeptos. Entre os que ingressaram no período de 1992 a 1997, cresce a

adesão à Defesa Social, que passa a ser a mais representativa, caindo a

adesão do Garantismo Penal e da opção por nenhuma das anteriores. Entre os

que ingressaram no período de 1998 a 2003, os adeptos da Lei e Ordem

aumentam, em detrimento da Defesa Social, que diminui na mesma proporção,

e o Funcionalismo tem nesta faixa o seu maior número de adeptos. Entre os

que ingressaram no período de 2004 em diante, há uma divisão bastante

significativa, ficando empatados como primeira opção a Lei e Ordem e o

Garantismo Penal, ambos atingindo nesta faixa o seu maior percentual.

Gráfico 6

Passa-se, então, à análise de como se posicionam os adeptos de cada

uma das correntes com percentual representativo entre os respondentes, sobre

alguns dos temas apresentados no questionário, para verificar se há coerência

entre a corrente de política criminal auto imputada e a opção escolhida na

escala de respostas para os temas apresentados. Para tanto, reuniram-se as

respostas escalares dos adeptos de cada corrente, e foi calculada a nota média

das respostas conferidas. Foram selecionadas para análise as questões de

política criminal do grupo sobre as funções e eficácia do sistema penal, para as

quais a diferença entre a nota média mais alta, conferida pelos adeptos de uma

correntes_pensamento * ingresso_mpf

Defesa

Social

Lei e

Ordem

Garantismo

Penal

Funcion

alismo

Penal

Nenhuma

das

anteriores

Total

De 1 986 a 1 991

De 1 992 a 1 997

De 1 998 a 2 003

2 004 e mais

1 1 1 1 2

13 6 5 7 8

7 7 5 7 6

11 14 14 10 5

6

39

32

54

20,4% 25,9% 25,9% 18,5% 9,3%

21,9% 21,9% 15,6% 21,9% 18,8%

33,3% 15,4% 12,8% 17,9% 20,5%

16,7% 16,7% 16,7% 16,7% 33,3%De 1 986 a 1 991 100,0%

De 1 992 a 1 997 100,0%

De 1 998 a 2 003 100,0%

2 004 e mais 100,0%

determinada corrente, foi maior do que 1,5 para a nota média mais baixa

conferida pelos adeptos de outra corrente.

A primeira questão é aquela em que se afirmava a necessidade de

redução da idade de imputabilidade penal, sendo 10 a opção por concordância

total com a afirmativa, e 1 nenhuma concordância. Verifica-se no gráfico a

seguir, a adesão maior dos defensores da Lei e Ordem a esta ideia (média

7,28), seguidos dos adeptos da Defesa Social (5,79), que assim como os

adeptos do Funcionalismo Penal (média 5,20), se situam em uma posição

intermediária, com leve predominância dos que concordam com a afirmativa.

Já entre os adeptos do Garantismo Penal (média 3,74), assim como de

nenhuma das alternativas (média 3,57), há uma rejeição majoritária a esta

afirmativa.

Gráfico 7

Sobre a afirmativa de que as leis são muito brandas, os defensores da

Lei e Ordem são os mais críticos à legislação, com média 8,86. Em seguida

vem o Funcionalismo Penal, com média 8,42, e a Defesa Social, com média

8,00. Os que não optaram por nenhuma das correntes vem em seguida, com

média 7,67. E os adeptos do Garantismo Penal conferiram a nota média mais

baixa, 6,88, embora com posição média ainda favorável à afirmativa.

correntes_pensamento * idade_imputabilidade

idade_imputabilidade

Lei e Ordem

Defesa Social

Funcionalismo Penal

Garantismo Penal

Nenhuma das anteriores

7,28

5,79

5,20

3,74

3,57

7,28

5,79

5,20

3,74

3,57

Gráfico 8

A crítica ao abrandamento da criminalização de usuários de drogas foi

outro dos temas onde houve divisão importante dos respondentes. Enquanto

os adeptos da Lei e Ordem tem a posição mais de acordo com esta afirmativa,

com média 5,86, adeptos da Defesa Social, de nenhuma das opções e do

Garantismo ficam em posição intermediária. Os maiores defensores da atual

legislação são os adeptos do Funcionalismo Penal, com média 4,00.

Gráfico 9

Com relação à necessidade da criminalização dos chamados delitos de

bagatela, os defensores da Lei e Ordem, coerentes com o ideário dessa

corrente, são os que se posicionam mais favoravelmente a essa ideia, com

média 5,96. Em posição intermediária, os que optaram por nenhuma delas, os

defensores da Defesa Social e do Funcionalismo. Os maiores críticos a

criminalização dessas condutas são os adeptos do Garantismo, com média

4,14.

correntes_pensamento * leis_penais_brandas

leis_penais_brandas

Lei e Ordem

Funcionalismo Penal

Defesa Social

Nenhuma das anteriores

Garantismo Penal

8,86

8,42

8,00

7,67

6,88

8,86

8,42

8,00

7,67

6,88

correntes_pensamento * lei_drogas

lei_drogas

Lei e Ordem

Defesa Social

Nenhuma das anteriores

Garantismo Penal

Funcionalismo Penal

5,86

5,20

5,14

5,00

4,00

5,86

5,20

5,14

5,00

4,00

Gráfico 10

Cruzou-se também o dado sobre as opções de política criminal com a

primeira opção quanto às funções da pena. Prevenir o delito foi a opção com

maior adesão entre todas as correntes, mas com percentual mais alto, de

76,9%, entre os adeptos do Funcionalismo. Também se percebe uma maior

adesão dos adeptos da Lei e Ordem à função retributiva da pena (37%). Foram

também adeptos da Lei e Ordem que sugeriram uma outra alternativa, que

seria a pura e simples contenção do indivíduo delinquente.

Gráfico 11

Também foram cruzadas as opções de política criminal com a primeira

opção sobre as prioridades para a redução da criminalidade no Brasil. O que se

correntes_pensamento * Delitos_de_bagatela

Delitos de bagatela

Lei e Ordem

Nenhuma das anteriores

Defesa Social

Funcionalismo Penal

Garantismo Penal

5,96

5,17

5,00

4,83

4,14

5,96

5,17

5,00

4,83

4,14

funcoes_pena * correntes_pensamento

Retribuir o delitoRessocializar o

delinquente

Reparar o dano

causado pelo

delito

Prevenir o delito

(prevenção geral)

Nenhuma das anteriores

Lei e Ordem

Garantismo Penal

Funcionalismo Penal

Defesa Social

4 4 1 10

10 4 1 12

3 2 1 7

1 1 1 10

6 5 1 16

21,4% 17,9% 57,1%

7,7% 7,7% 7,7% 76,9%

23,1% 15,4% 7,7% 53,8%

37,0% 14,8% 44,4%

21,1% 21,1% 5,3% 52,6%Nenhuma das anteriores

Lei e Ordem

Garantismo Penal

Funcionalismo Penal

Defesa Social

destaca é a maior adesão dos adeptos da Lei e Ordem à ideia de combate à

impunidade, enquanto que a redução das desigualdades sociais predomina

entre aqueles que optaram por nenhuma das correntes. A reestruturação e

qualificação das polícias somente obteve percentual significativo entre os

defensores do Funcionalismo, e a implementação de políticas de prevenção

nas áreas de maiores taxas de homicídio entre os Garantistas. A prioridade

para a reforma da legislação penal somente obteve percentual significativo

entre os defensores da Lei e Ordem.

Gráfico 12

Considerações finais

Percebe-se pelos resultados apresentados a existência de três campos

bem definidos: o dos defensores do movimento de Lei e Ordem, que sustentam

posições mais duras tanto em relação às funções e papel do Direito Penal,

quanto em relação aos procedimentos investigatórios e judiciais para realizar

aquilo que consideram a finalidade do sistema, o combate ao crime; em

reducao_criminalidade * correntes_pensamento

Redução das

desigualdades

sociais

Combate à

impunidade,

desde os

pequenos

delitos até os

de maior

potencial

ofensivo

Reestru

turação e

qualificação

das polícias

Impleme

ntação de

políticas de

prevenção

nas áreas de

maior taxa de

homicídio

Reforma dos

Códigos Penal

e de Processo

Penal

Lei e Ordem

Defesa Social

Nenhuma das anteriores

Garantismo Penal

Funcionalismo Penal

8 14 3 0 3

11 11 2 2 1

13 5 1 1 0

6 4 1 3 0

5 6 2 0 0

38,5% 46,2% 15,4%

42,9% 28,6% 7,1% 21,4%

65% 25% 5% 5%

40,7% 40,7% 7,4% 7,4%

28,6% 50% 10,7% 10,7%Lei e Ordem

Defesa Social

Nenhuma das anteriores

Garantismo Penal

Funcionalismo Penal

posição quase sempre oposta, o dos defensores do Garantismo Penal, mais

preocupados com a limitação da expansão punitiva e com a manutenção dos

princípios de um Direito Penal e de um Processo Penal democráticos, tendo

como pilar fundamental a garantia dos direitos fundamentais do acusado frente

ao poder punitivo do Estado; um terceiro campo, cujas opções se situam,

quase sempre, em posição intermediária frente aos outros dois, em que se

colocam os defensores da Defesa Social, do Funcionalismo Penal, e aqueles

que não se vinculam a nenhuma das correntes de política criminal

apresentadas.

Mesmo não sendo possível afirmar que há uma absoluta

homogeneidade entre os adeptos de cada uma das correntes de política

criminal que obtiveram adesão significativa entre os respondentes, a pesquisa

corrobora a hipótese de que há vinculação entre a escolha teórica e as

opiniões dos respondentes em cada um dos temas pesquisados, mas

especialmente naqueles onde se verificou uma maior distância entre as médias

das opiniões de cada grupo.

A pesquisa demonstra também que, para além destes tópicos onde há

uma divergência maior de opiniões, e que representam concepções de fundo

sobre as relações entre Estado, Direito Penal e Sociedade, há também um

conjunto significativo de questões onde se verifica um grande acordo entre a

maioria dos respondentes. Para citar uma área específica, podemos referir o

tema da investigação criminal, onde a crítica do modelo atual, com autonomia

da polícia judiciária, e a busca de alternativas com um maior protagonismo da

instituição ministerial, é amplamente majoritária.

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