A DISCIPLINA DE GEOGRAFIA NA ESCOLA INCLUSIVA

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A DISCIPLINA DE GEOGRAFIA NA ESCOLA INCLUSIVA Ruth E. Nogueira “Educar é empenhar-se por fazer o outro crescer, desenvolver-se, evoluir.” (Mantoan, 2006, p. 7) A inclusão escolar é um assunto geralmente não abordado na formação de licenciados em Geografia e, se acontece, fica mais na teoria do que nas práticas de ensino, porém estará presente no dia a dia dos professores quando chegarem à escola. Por isso, a escolha desse tema que trago é uma tentativa de aproximá-lo do professor de Geografia, buscando ser prática, mesmo que limitada no conhecimento. Sempre gostei de ensinar na universidade, e a Cartografia com seus conteúdos técnicos, artísticos e científicos é uma paixão na minha vida. Em dado momento saí da zona de conforto do meu domínio nessa ciência e iniciei uma nova luta, com entusiasmo renovado, ao criar uma disciplina específica para o ensino da Cartografia Escolar. Dali foi um pequeno grande salto rumo à cartografia para deficientes visuais, e dela para o ensino de Geografia na perspectiva da Educação Inclusiva. Acredito que podemos fazer cada dia melhor o nosso ofício, se temos vontade de entender e encontrar uma maneira de penetrar o desconhecido em nós, na busca de respostas, mesmo que parciais. Como diz Mantoan (2006), elas nos dão força para buscar novas e melhores condições de ensinar. Assim como essa autora, penso que sempre existe a possibilidade de nos melhorarmos, nos transformarmos e mudarmos nossas práticas de vida, de forma a ultrapassar obstáculos que, inicialmente, julgávamos intransponíveis para realizar o que desejamos e, ao mesmo tempo, tememos. A nossa transformação precisa ser realizada para mudar o mundo, aos poucos, mesmo que parcialmente; para tanto precisamos abandonar zonas de conforto e nos atirarmos corajosamente em novas descobertas. Dessa forma, é um desejo que estas anotações, resultantes da transformação que estou fazendo acontecer em mim, possam contribuir para o debate da inclusão educacional e escolar, pois ela começa a se fazer sentir (falta) no curso de licenciatura em Geografia e nas escolas brasileiras, e, lógico, na disciplina de Geografia. Para tanto, está se abordando neste texto alguns aspectos relevantes para os professores de Geografia (ou outros), os quais, na sua maioria, tiveram pouco (ou não tiveram) acesso a esse tema e práticas na sua formação. Procuro sintetizar pontos básicos sobre o que é inclusão escolar e, em seguida, sugiro e comento algumas práticas para o ensino de Geografia em uma classe inclusiva. Isso tudo é feito com base em renomados autores, que debatem na literatura a inclusão escolar, a educação de pessoas deficientes e o ensino da Geografia. Porém, antes de entrar propriamente no assunto, preciso dizer que a minha experiência na inclusão e no ensino de Geografia se dá a partir de estudos e pesquisas e das trocas com aqueles envolvidos no processo de ensino-aprendizagem da Geografia. Nesse cabedal estão os alunos da graduação e pós-graduação em Geografia, os deficientes visuais recém-incluídos na escola regular e na disciplina de Geografia, os colegas da universidade e das escolas. Não sendo eu uma profissional da educação básica, ou que tenha tido larga experiência em sala de aula, posso não demonstrar um raciocínio pedagógico aprofundado sobre o tema em foco, mas esforço-me por falar do que aprendi ao longo da profissão que escolhi e gosto, e porque acredito que posso, mesmo sem os jargões próprios da Pedagogia ou da Geografia, trazer informações que possam ser úteis, principalmente aos recém-professores.

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A DISCIPLINA DE GEOGRAFIA NA ESCOLA INCLUSIVA Ruth E. Nogueira

“Educar é empenhar-se por fazer o outro crescer, desenvolver-se, evoluir.”

(Mantoan, 2006, p. 7)

A inclusão escolar é um assunto geralmente não abordado na formação de licenciados

em Geografia e, se acontece, fica mais na teoria do que nas práticas de ensino, porém estará

presente no dia a dia dos professores quando chegarem à escola. Por isso, a escolha desse

tema que trago é uma tentativa de aproximá-lo do professor de Geografia, buscando ser

prática, mesmo que limitada no conhecimento.

Sempre gostei de ensinar na universidade, e a Cartografia com seus conteúdos

técnicos, artísticos e científicos é uma paixão na minha vida. Em dado momento saí da zona

de conforto do meu domínio nessa ciência e iniciei uma nova luta, com entusiasmo renovado,

ao criar uma disciplina específica para o ensino da Cartografia Escolar. Dali foi um pequeno

grande salto rumo à cartografia para deficientes visuais, e dela para o ensino de Geografia na

perspectiva da Educação Inclusiva.

Acredito que podemos fazer cada dia melhor o nosso ofício, se temos vontade de

entender e encontrar uma maneira de penetrar o desconhecido em nós, na busca de respostas,

mesmo que parciais. Como diz Mantoan (2006), elas nos dão força para buscar novas e

melhores condições de ensinar. Assim como essa autora, penso que sempre existe a

possibilidade de nos melhorarmos, nos transformarmos e mudarmos nossas práticas de vida,

de forma a ultrapassar obstáculos que, inicialmente, julgávamos intransponíveis para realizar

o que desejamos e, ao mesmo tempo, tememos. A nossa transformação precisa ser realizada

para mudar o mundo, aos poucos, mesmo que parcialmente; para tanto precisamos abandonar

zonas de conforto e nos atirarmos corajosamente em novas descobertas.

Dessa forma, é um desejo que estas anotações, resultantes da transformação que estou

fazendo acontecer em mim, possam contribuir para o debate da inclusão educacional e

escolar, pois ela começa a se fazer sentir (falta) no curso de licenciatura em Geografia e nas

escolas brasileiras, e, lógico, na disciplina de Geografia. Para tanto, está se abordando neste

texto alguns aspectos relevantes para os professores de Geografia (ou outros), os quais, na sua

maioria, tiveram pouco (ou não tiveram) acesso a esse tema e práticas na sua formação.

Procuro sintetizar pontos básicos sobre o que é inclusão escolar e, em seguida, sugiro e

comento algumas práticas para o ensino de Geografia em uma classe inclusiva. Isso tudo é

feito com base em renomados autores, que debatem na literatura a inclusão escolar, a

educação de pessoas deficientes e o ensino da Geografia.

Porém, antes de entrar propriamente no assunto, preciso dizer que a minha experiência

na inclusão e no ensino de Geografia se dá a partir de estudos e pesquisas e das trocas com

aqueles envolvidos no processo de ensino-aprendizagem da Geografia. Nesse cabedal estão os

alunos da graduação e pós-graduação em Geografia, os deficientes visuais recém-incluídos na

escola regular e na disciplina de Geografia, os colegas da universidade e das escolas. Não

sendo eu uma profissional da educação básica, ou que tenha tido larga experiência em sala de

aula, posso não demonstrar um raciocínio pedagógico aprofundado sobre o tema em foco, mas

esforço-me por falar do que aprendi ao longo da profissão que escolhi e gosto, e porque

acredito que posso, mesmo sem os jargões próprios da Pedagogia ou da Geografia, trazer

informações que possam ser úteis, principalmente aos recém-professores.

Educação e Inclusão Escolar

Se voltarmos ao passado, veremos que a educação formal sempre foi segregada.

Poucos tinham acesso a ela, e isso foi e continua sendo determinado pela condição social e

econômica das pessoas. Na Antiguidade apenas a elite, com posses, podia usufruir da

educação. No feudalismo somente os nobres tinham direito à educação, que era realizada

individualmente ou nos mosteiros; o povo era analfabeto. Com a ascensão da burguesia na

Renascença, essa nova classe podia aprender a ler e a contar. Mesmo que na Europa houvesse

a obrigatoriedade escolar, as crianças do povo tinham uma educação mínima, enquanto a

burguesia recebia educação para o comércio e a elite social obtinha educação superior.

Resumindo a história, nunca houve uma educação para todos; as escolas só acolheram

crianças selecionadas de alguma maneira e, por isso mesmo, podem ser consideradas escolas

especiais (BEYER, 2010). Ainda hoje as melhores escolas são aquelas que acolhem alunos

específicos; as escolas privadas são reservadas para quem tem condição financeira

privilegiada.

Concordamos com Beyer (2010) quando diz que a “escola para todos” nunca existiu,

se consideramos tal escola com a capacidade de inclusão de todas as crianças, sem qualquer

exceção. Nesse caso não pode haver distinção de qualquer espécie, especialmente no que

tange à diversidade de características de aprendizagem dos seus alunos.

E note-se que ainda nem mencionei o que acontecia com aquelas crianças que nasciam

com alguma deficiência. Com raras exceções, essas crianças tiveram um lugar: seu destino era

ser “nada”. Aristóteles, Platão e mesmo Martin Luther King, o reformador protestante,

aconselhavam “matar essas crianças”. Mesmo com a obrigatoriedade do ensino há cerca de

100 anos na Europa, as crianças deficientes não tinham o direito de frequentar a escola

pública. Elas eram consideradas “não educáveis” (BEYER, 2010).

Em um caminho diverso, há uma história longa de pequenos avanços sociais no

sentido de dar acesso à educação de crianças com deficiência, e a escola especial se constituiu

em um lugar onde essas crianças podiam estudar. Esse talvez seja o maior mérito dessas

escolas, as quais, na opinião de Beyer (2010), não eram “segregadoras”, mas sim integraram

pela primeira vez as crianças com deficiência no sistema escolar. Elas surgiram com a função

de acolher as crianças deficientes que o sistema regular não estava disposto a ensinar,

constituindo-se em soluções complementares, oferecendo um auxílio pedagógico não

existente nas escolas regulares.

O movimento da educação na evolução da humanidade caminhou na direção de novos

paradigmas educacionais, e chegamos hoje na atual crise, reconhecendo as dificuldades de as

escolas abarcarem a todos, sem exceção. A legislação, por sua vez, integrou a educação

especial à escola regular, tirando-a do ostracismo em que permanecia desde a sua criação.

Como argumenta Mantoan (2006), estamos em um momento de crise paradigmática

do nosso modelo educacional, que há algum tempo dá sinais de esgotamento do formalismo

da racionalidade e das diferentes modalidades de ensino, de tipos de serviços, das grades

curriculares e da burocracia. No vazio de ideias que acompanham essa crise surge o momento

oportuno das transformações necessárias, e a proposta de inclusão se apresenta como saída

para que a escola rompa com a atual estrutura organizacional e possa fluir na sua ação

formadora para todos que dela participam. A inclusão é uma oportunidade para reverter a

situação da maioria das nossas escolas, deixando de imputar aos alunos as deficiências que

são do próprio ensino.

Já Beyer (2010) tem outro ponto de vista sobre a crise paradigmática da educação.

Segundo ele, a crise de paradigma é da educação especial, que acabou por gerar a educação

inclusiva, ou seja, a de alunos ditos com necessidades educacionais especiais (alunos com

algum tipo de deficiência) no sistema regular de ensino, na utopia em que nos encontramos. O

autor diz que, apesar de alguns interpretarem este momento histórico como o surgimento de

um novo paradigma educacional ou como um movimento para a reforma educacional, ele

entende que seja esse um movimento internacional de revisão dos pressupostos fundamentais

da educação especial. De qualquer forma, destaca o autor, as posições nesse sentido se

alinham por duas tendências: a) uma aproximação da educação especial com a educação

regular, em que as funções da primeira serviriam como elementos de suporte às propostas de

educação inclusiva; e b) a educação especial pela sua abordagem clínico-terapêutica, que

tenderia mais a prejudicar do que a auxiliar a educação inclusiva.

Neste texto não iremos expor o que seria cada uma dessas abordagens, pois qualquer

das duas demandaria um espaço que não cabe neste momento. Para tanto, recomendamos ler

Beyer (2010).

Independentemente das discussões acerca da crise na educação, conforme Glat e

Pletsch (2004), na educação inclusiva se torna fundamental a experiência em processos

diferenciais de aprendizagem da educação especial. O que deve ser almejado não é a escolha

de uma em detrimento da outra, mas a junção de ambas para a consolidação de uma educação

regular inclusiva pautada nos recursos e conhecimentos advindos da educação especial.

Segundo Mrech (2011), a educação inclusiva teve início nos Estados Unidos através

da Lei Pública nº 94.142, de 1975, e nesse tempo evoluiu consideravelmente em projetos e

estudos para a inclusão escolar e social. Os sujeitos que passaram pelo processo de educação

inclusiva são observados através da análise da sua rede de relações sociais, atividades de

laser, formas de participação na comunidade, satisfação pessoal, etc.

No caso do Brasil, Kassar (2000) assinala que o início da educação especial pode ser

rememorado à época do Império, com a criação de dois institutos, o de meninos cegos, em

1854 (atual Instituto Benjamin Constant), e o dos surdos-mudos, em 1856 (atual Instituto

Nacional de Educação de Surdos). Como salientam Glat e Fernandes (2005), a deficiência

nesses tempos era entendida como uma doença e por isso era necessário intervir para

minimizá-la ou superá-la, não havendo expectativas de essas pessoas se desenvolverem

academicamente e ingressarem na cultura formal.

Na década de 1970 a educação especial foi institucionalizada no país, todavia a Lei de

Diretrizes e Bases da Educação (LDBEN/61) já mencionava que a educação de pessoas com

deficiência deveria ser realizada na rede regular de ensino sempre que possível. A inserção de

alunos deficientes na rede regular de ensino tornou-se mais significativa na década de 1990,

em grande parte como resultado de pressão internacional, apesar de a constituição brasileira

de 1988 garantir a todos o direito à educação e o acesso à escola. Só por isso, toda escola

deveria atender aos princípios constitucionais sem excluir ninguém por causa da sua origem,

cor, idade, religião, sexo ou deficiência.

Em âmbito internacional alguns eventos significativos, dos quais participaram

representantes do Brasil, influenciaram fortemente as políticas educacionais brasileiras, como

a Declaração Mundial sobre a Educação para Todos, realizada em Jomtien, em 1990, a

Declaração de Salamanca, o Encontro de Dakar e a Convenção sobre os Direito das Pessoas

com Deficiência. O primeiro evento suscitou o documento com mesmo nome (UNESCO,

2011a), que fala das necessidades básicas de aprendizagem, faz ponderações sobre a educação

no mundo, reconhecendo os fracassos dos governos em promover o acesso à educação de

crianças, jovens e adultos, principalmente dos pobres e das mulheres, e aponta diretrizes para

uma educação pensada para todos.

A Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais ocorrida em

Salamanca, Espanha, em 1994, foi um movimento com o objetivo de analisar as mudanças

fundamentais nas políticas necessárias para fortalecer o enfoque da Educação para Todos,

sobretudo das crianças que têm necessidades educativas especiais. Participaram dessa

conferência mundial representantes de 25 países, culminando com a aprovação da Declaração

de Salamanca (UNESCO, 2011b), um documento norteador de “princípios, política e prática

das necessidades educativas especiais”, o qual passou a ser adotado no Brasil para referendar

as mais diversas ações da educação especial. Outro marco nas discussões acerca dos rumos da

educação em âmbito mundial foi o Encontro de Dakar, ocorrido em 2000, onde foram

revisados os documentos de Jomtien e reafirmados compromissos futuros para com a

educação.

Em 2006 foi realizada a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência,

determinando que os Estados-partes cumprissem as determinações sobre os direitos das

pessoas com deficiência. O documento dessa convenção é considerado hoje referência no

assunto. No Brasil, o decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, promulga essa Convenção e

seu Protocolo Facultativo, que traz no seu artigo 1º a acepção que atualmente é considerada a

que melhor define a condição de deficiência:

Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de

natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas

barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em

igualdades de condições com as demais pessoas. (BRASIL, 2009).

Fazendo referência aos tratados mundiais, o texto da Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional disciplina a educação e institui as diretrizes para a educação especial na

educação básica. Na interpretação de Mantoan (2006), ela traz de forma detalhada orientações

para o atendimento dos alunos com necessidades especiais nas classes comuns do ensino

regular. Mazzotta (2002) considera que a referida lei apresenta disposições legais e

normativas que refletem uma acepção democrática da educação escolar que não admite

qualquer tipo de exclusão de crianças, de jovens e de adultos, sob nenhum pretexto ou

condição, e detalha o papel da educação especial dentro da proposta de ensino inclusivo para

todos.

Como podemos perceber na breve descrição efetuada, no Brasil a inclusão escolar não

teve assento na iniciativa de familiares e das escolas, não houve um movimento gradativo de

decisões conjuntas e adaptação de escolas e professores na direção de um projeto inclusivo,

como seria um caminho mais natural para o sucesso. Ela foi articulada e definida por

estudiosos da área e técnicos de secretarias, e quando chegou à escola muito pouco havia de

história concreta no sentido de ações efetivas de inclusão escolar. Esta é, segundo Mantoan

(2006), a causa da situação incipiente das escolas, em sua maioria, diante desse projeto

deslocado do topo para a base. Há um grande despreparo da sociedade para lidar com o

deficiente, e a escola também não está preparada. Porém, não há como retroceder no processo

de avanço social e, olhando para a escola atual, com a sua crise, devemos nos preparar para

enfrentar as diferenças que são inerentes e utilizar as potencialidades individuais como fator

de crescimento para todos os educandos.

A transformação das escolas não irá acontecer em decorrência do estabelecimento de

diretrizes político-pedagógicas somente, e sim fazendo o caminho no processo de

conscientização, primeiro de nós mesmos e depois da sociedade. Não é fácil vencer barreiras

preconceituosas e equívocos sobre a deficiência, mas é possível mudar esse estado de

pensamento e evoluir para novas concepções, reconhecendo que as pessoas com deficiência

têm direito de ocupar um lugar em uma sociedade que deve procurar superar a exclusão.

A grande barreira quando pensamos no deficiente situa-se no isolamento frequente que

ele vivencia na família, na vida escolar e na vida em sociedade. Nesse sentido, a escola, além

do seu objetivo de promover a educação e a inclusão social para todos, cumpre um papel

fundamental para reverter situações de exclusão ao promover ações de conscientização sobre

os direitos de acesso aos serviços de saúde e de reabilitação para crianças com deficiência.

Uma reflexão sobre a inclusão escolar na prática pode ser buscada nos apontamentos

de Mrech (2011). A autora diz o que é e o que não é inclusão.

Inclusão é:

a) atender aos estudantes portadores de necessidades especiais nas vizinhanças da sua

residência;

b) propiciar a ampliação do acesso destes alunos às classes comuns;

c) propiciar aos professores da classe comum um suporte técnico;

d) perceber que as crianças podem aprender juntas, embora tendo objetivos e

processos diferentes;

e) levar os professores a estabelecer formas criativas de atuação com as crianças

portadoras de deficiência; e

f) propiciar um atendimento integrado ao professor de classe comum.

O conceito de inclusão não é:

a) levar crianças às classes comuns sem o acompanhamento do professor

especializado;

b) ignorar as necessidades específicas da criança;

c) fazer as crianças seguirem um processo único de desenvolvimento, ao mesmo

tempo e para todas as idades;

d) extinguir o atendimento de educação especial antes do tempo; e

e) esperar que os professores de classe regular ensinem as crianças portadoras de

necessidades especiais sem um suporte técnico.

Ensinar Geografia na Escola Inclusiva

Como professores podemos fazer a nossa parte na escola inclusiva e, principalmente,

na nossa prática, considerando que temos o dever de planejar aulas com metodologias que

permitam o acesso ao conhecimento de todos, estando cientes das diferentes capacidades e

ritmos de aprendizagem dos alunos. Podemos buscar o apoio de educadores da Educação

Especial se não sabemos agir perante o aluno com deficiência e, dessa forma, permitir que

esses alunos frequentem as classes regulares. Eles têm experiências específicas e podem dar

suporte ao nosso trabalho, à escola e aos familiares. Não podemos esperar que os sistemas

educacionais, as organizações internacionais ou financiadores de projetos nos deem respostas.

Eles certamente ditam caminhos, tolhem a nossa liberdade, mas, afinal, somos nós que

estamos na sala de aula, somos nós os agentes transformadores de seres humanos e, por isso, é

fundamental que tenhamos bem clara a nossa meta como educadores.

Também não podemos nos regular pelos dados estatísticos, notas e outras formas de

medir o avanço da educação. Eles não mostram a realidade contraditória do sistema

educacional. O nosso olhar percebe as marcas da fragilidade do sistema educacional público,

assinalada nas classes superlotadas, nas instalações físicas precárias e insuficientes, na

remuneração inadequada dos professores, no quadro docente sem formação adequada ou na

falta de estímulo para a tarefa sublime que é educar. Isso se restringindo somente àquilo que a

vista alcança, sem se deter na questão dos currículos, da evasão de uma parte significativa de

alunos, os quais, de acordo com Mantoan (2006), são marginalizados pelo insucesso, por

privações constantes e pela baixa estima resultante das exclusões escolar e social. O fracasso

desses alunos é imputado a eles, e não à escola, relutante em admiti-lo como seu, pois esta

não busca outros meios, novas saídas ou descobrir a fundo as causas geradoras do fracasso

escolar.

Quando como professores pensamos um processo de ensino-aprendizagem que seja

significativo, isto é, que contemple e valorize as experiências dos alunos, fica impossível não

reconhecer a diversidade que compõe o contexto escolar. Conhecer e saber lidar com essa

diversidade é um grande desafio do professor, especialmente do professor de Geografia, que

possui como base de repertório o estudo da pluralidade que constitui e confere forma à

sociedade.

Para a Geografia ser pensada como uma disciplina que consegue alcançar as

expectativas dos alunos, o professor precisa reconhecer a diversidade do mundo e a realidade

na qual estamos inseridos. Por lidar com conhecimentos ligados ao mundo vivido, os

conceitos trabalhados na disciplina de Geografia, segundo Cavalcanti (2006), são importantes

na formação de atitudes e valores para a vida prática. Mais do que conteúdos, esses valores

devem ser o foco do ensino de uma ciência que tem como preocupação a formação intelectual

e pessoal do seu alunado.

Na opinião de Callai (2003), a Geografia é uma disciplina que deve ser um

instrumento útil para ler e entender o mundo, exercitar a cidadania e formar cidadãos. Para

tanto, essa disciplina precisa ser dinâmica, na qual a relação entre professor e aluno é baseada

na ideia de movimento, para que os alunos compreendam que as pessoas, ao construírem a

sociedade, produzem um espaço carregado de histórias, com as suas marcas.

Como professores de Geografia devemos considerar essa dinâmica na sala de aula,

sendo sensíveis para com as dificuldades dos nossos alunos, vendo nelas possibilidades de

superar barreiras. Para tanto, será necessário aplicar métodos e recursos didáticos adequados,

que possam atender às necessidades dos estudantes. Dessa maneira, como argumentam

Ferreira e Guimarães (2003), o ensino poderá alcançar o atendimento das necessidades e

potencialidades de todos os alunos. O essencial não está no tipo de limitação apresentada, mas

no modo e nos instrumentos que possibilitem a inserção do sujeito no contexto social.

Lembramos que cada um tem o seu potencial e o seu tempo para atingir determinado

conhecimento.

Fazer da Geografia uma disciplina interessante é um desafio no ensino dessa ciência,

diz Callai (2003), um desafio que tem a ver com a vida, e não apenas com dados e

informações distantes da realidade; uma Geografia que fale do espaço construído pela

sociedade como resultado da relação do homem com o meio natural, um espaço com relações

que são indissociáveis.

Nessas perspectivas vamos comentar aqui parte das nossas experiências (nossas e dos

nossos alunos de graduação e pós-graduação) em algumas situações de ensino-aprendizagem

de Geografia. São situações reais que podem acontecer analogamente em qualquer sala de

aula de Geografia. Como poderão constatar, essas experiências ocorreram principalmente em

salas com alunos cegos, ou no ensino de Geografia a estudantes cegos.

Caso A – Rio, Lagoa, Lago e Laguna: Você Sabe o Que É?

Formamos conceitos pela experiência no cotidiano, observando nossos pais, familiares

e a comunidade onde vivemos e nos relacionamos. Portanto, chegamos à escola já com alguns

conceitos ditos do senso comum, formulados. Por ter visto um rio, sabemos o que ele é.

Podemos dizer o que é um prédio, uma cidade, uma paisagem, etc., pois, ao vivermos tal

experiência, observamos alguém dizer o que é e então aprendemos. Uma boa parte dos

conceitos do senso comum são pautados pelo que vemos, outra, pelo que associamos ao ver,

ouvir e sentir. Estocamos esses conceitos na memória e sempre recorremos a eles em

situações que os evocam.

Aqui vamos falar de uma experiência conduzida em uma aula para alunos cegos, sobre

a elaboração de conceitos científicos de rio, lago, lagoa, laguna e praia, aspectos naturais de

Florianópolis. Eram quatro alunos com idades entre 17 e 23 anos (três moças e um moço), de

diferentes escolas, que frequentavam o ensino médio ou a educação de jovens e adultos. A

aula em questão aconteceu no contraturno e foi mediada por uma professora de Geografia.

Para a aula foi preparada uma maquete com diferentes formas de relevo e um mapa, ambos

adaptados para a forma tátil, onde configuravam as formas do relevo. A aula foi conduzida

considerando-se os conceitos trazidos pelos alunos. A título de exemplo, vamos aqui nos ater

mais na questão do rio.

Em determinado ponto, depois de introduzir o assunto sobre os aspectos naturais da

paisagem, a professora perguntou: Para vocês o que é um rio? Quem pode definir? As

primeiras respostas foram: Aquelas águas. Água suja, poluída. É uma área que só tem água.

Se ele for um conjunto de cachoeiras, pode percorrer um caminho. Pelas respostas dadas,

percebe-se que os conceitos trazidos pelos alunos estão associados às lembranças das suas

experiências, por ouvir falar de rio poluído e, quem sabe, sentir o cheiro e escutar o barulho

das águas de algum rio. Outro experimentou, provavelmente, um banho no rio e sentiu que

seria uma área com água, e outro pode ter tomado banho de cachoeira e ter ouvido dizer que

havia uma sequência delas, e agora, quando perguntado, considerou que, se havia uma

sequência de cachoeiras, então provavelmente as águas percorriam alguma extensão.

Percebemos aqui que experimentar de alguma maneira aquilo que não podem ver é

fator imprescindível para que os alunos cegos compreendam as informações que recebem,

formulem conceitos comuns e elaborem conceitos científicos. Os estudos de Ventorini (2007)

consideram a experiência como fator determinante para os alunos cegos entenderem o que

está sendo explicado e formularem conceitos. Podemos estender tal constatação afirmando

que a experiência de qualquer aluno é necessária para a formulação de conceitos científicos.

Assim como as crianças que enxergam, as crianças cegas não encontram dificuldades em

assimilar o que está sendo explicado se lidam com informações ou representações de

ambientes conhecidos. As dificuldades se tornam evidentes à medida que não há vivências

sobre o que está sendo tratado.

Mais adiante, a professora solicitou que desenhassem um rio, um lago e uma lagoa,

seguido de explicações. O aluno Inácio desenha lago e lagoa na forma circular, e o rio com

traços, dizendo que há duas cachoeiras e que o rio desemboca em um lugar grande, o lago.

Informa que o rio é maior que o lago. Elena desenha uma linha com diversas voltas e diz que

para ela tudo é muito parecido: o lago, a lagoa e o rio. A outra aluna, Amanda, diz que

desenhou uma lagoa grande, com um círculo, e que pintou o rio de azul, afirmando que o rio é

azul (mas ela nunca enxergou cores!) e que pintou do seu jeito. A quarta aluna, Tereza,

desenha uma área na forma de um círculo e diz ser uma lagoa. Outro desenho de forma igual é

um lago, e o rio está representado por uma linha. Com esses desenhos a professora percebe o

conceito e as experiências que cada um traz.

A aula segue sempre pautada pelas perguntas e interações entre todos. A professora

lembra os nomes de alguns rios do município, das lagoas, busca experiências deles para

conduzir a elaboração de conceitos científicos. No senso comum os conceitos de lago e lagoa

são utilizados sem distinção, mas agora, utilizando o tamanho como referência, a professora

consegue conduzir a turma a distinguir cada um desses elementos da paisagem. Utiliza os

materiais didáticos preparados para essa finalidade, auxiliando-os a utilizar a maquete e os

mapas, e continua sempre perguntando, conduzindo, avançando, até que cada um, ao seu

tempo, consiga elaborar os conceitos em foco. Como observado por Vygotsky (1996), o

ensino direto de conceitos é impossível e infrutífero. Um professor deve preparar o meio

ambiente para desafiar, exigir e estimular o intelecto do adolescente, para que este possa

atingir estágios mais elevados de raciocínio.

Observamos que, ao desenhar o rio, Amanda disse que ele deveria ser pintado de azul,

que o rio é azul. A referência à cor mostra que a aluna aprendeu a ler mapas na linguagem

visual. Mais adiante, ela associa textura a cor para representar o rio e diferenciá-lo de estrada,

representando esta última com textura áspera, e o rio com textura lisa. Também observamos

referências a essa situação nos estudos de Vygotsky (1997), quando afirma que a linha diretriz

da psicologia do cego está orientada para a superação da deficiência por meio da

compensação social, pela incorporação da experiência do vidente, mediante o uso da

linguagem.

Ainda encontramos em Vygotsky (1997) referência sobre a potencialidade e a

integridade cognitiva do cego, que precisa de condições favoráveis para que seja desenvolvida

de forma plena e sem prejuízo. A superação da cegueira é conseguida mediante a interação

social, construída na linguagem, na relação social. Como observado no decorrer das aulas, a

linguagem e as interações entre os alunos e o professor, assim como o uso de materiais

didáticos, foram fundamentais no processo de elaboração de conceitos científicos e também

para que os temas passassem a fazer parte do repertório conceitual dos alunos.

Os fatos vivenciados na experiência aqui relatada em parte podem nos dar pistas de

como superar o nosso próprio desconhecimento sobre como conduzir a aprendizagem de

alunos cegos nas nossas aulas de Geografia. Deve haver cuidado com o uso da linguagem que

se utiliza na sala de aula em presença de alunos cegos. Estamos habituados à linguagem e ao

comportamento visual, que pode não fazer sentido algum para o aluno cego. Ele pode

“decorar” e pode “fingir” que compreendeu, para não ser marcado como diferente.

Há de se considerar o que nos aponta Masini (1997) sobre as formas de a pessoa com

deficiência visual perceber e compreender o espaço. Esta, utilizando os sentidos de que

dispõe, falará do mundo que os videntes não percebem, pela falta do uso dos outros sentidos

disponíveis, ao entrar em contato com as coisas ao seu redor. Dessa forma, cria-se um campo

de reciprocidade na relação com o deficiente visual, e a percepção dos videntes poderá se

ampliar.

A deficiência visual não impõe uma educação diferente, mas exige adaptações que, no

caso do ensino da Geografia, por ser essa uma ciência que solicita o sentido da visão,

precisam de atenção especial do professor. Essa atenção significa o uso de materiais didáticos

adaptados (mapas, maquetes, gráficos, esquemas), o uso da linguagem para descrever ações

que estão desenvolvendo na sala e para descrever imagens de filmes, jornais, revistas e livro

didático.

Caso B – Algumas Perguntas (In)Oportunas

Para conhecer melhor como a sua aluna cega Roseana (14 anos), do primeiro ano do

ensino médio, compreende os mapas táteis, a professora solicita que ela leia um mapa simples

e diz a ela que fique à vontade e que, depois, vai perguntar algo sobre o mapa. Quando

Roseana considera que já leu o mapa, chama a professora. Esta pergunta então: Qual é a

forma da área que foi mapeada? A aluna fica espantada com essa pergunta, pois não a

esperava. Porém, pensa um pouco, pede para “rever” o mapa e, depois de tocá-lo novamente,

diz: É alongado no sentido norte-sul (era o mapa da Ilha de Santa Catarina, conhecida por

alguns como Florianópolis). Então, a professora solicita que Roseana desenhe a forma

aproximada do mapa. Para isso, fornece à aluna uma folha de papel comum, lápis de cera e

uma pasta de plástico com textura, onde a folha está apoiada. Ela desenha o mapa, e a

professora constata ter uma forma parecida com aquela do mapa original. A aluna vai

desenhando e comentando. Coloca alguns detalhes narrando: Isso é a “ponte”, que fica mais

ou menos na metade do mapa. Realmente, as pontes que ligam a ilha ao continente estão

localizadas a oeste e aproximadamente na metade da Ilha.

A interação da aluna cega com o material didático e com a professora durou apenas

alguns minutos, os quais se tornaram preciosos para o professor compreender como a aluna lia

o mapa. No início conduziu as mãos da aluna sobre o mapa mostrando o título, a legenda (que

estava na outra folha) e os contornos principais. Depois deixou que ela explorasse o mapa e

ficou observando de longe, sem que a menina percebesse.

Depois de desenhado o mapa, a professora solicitou que Roseana comparasse-o com o

original e dissesse se eram semelhantes. Solicitou que posicionasse o “seu mapa” na condição

geográfica da ilha, ao que ela atendeu. Então a professora perguntou: Você sabe qual é a

inclinação da ilha em relação ao norte? Como a aluna considerasse que era alinhada com o

norte, a professora argumentou mostrando que não era bem assim. A ilha forma 11 graus de

inclinação para leste, disse a professora, que acrescentou: Você sabe o que significa 11 graus

na prática? Então, para demonstrar isso, pegou duas canetas próximas e solicitou à aluna que

demonstrasse 90 graus, depois 45 graus, e depois, aproximadamente, 22 graus, para chegar a

11 graus. Em tudo isso a professora auxiliou e solicitou também que Roseana reproduzisse.

Por fim, colocou a mão direita da aluna sobre a caneta que formava a inclinação de 11 graus,

a mão esquerda sobre a caneta que marcava zero grau (o norte) e comentou: Assim está a Ilha

em relação ao norte. A aluna mostrou ter compreendido e manifestou contentamento com

aquela improvisação que se havia tornado em algo significativo, o que, segundo ela, só

aprendeu na teoria da Matemática, mas nunca havia ligado o assunto com a Geografia. Disse

que nunca alguém havia lhe explicado ângulos dessa maneira, de forma simples e útil.

Com essa situação, podemos verificar que a professora não conhecia a sua aluna

“especial”, mas nem por isso teve receio de se aproximar dela para buscar conhecer como ela

conseguia ler mapas. Utilizou estratégias simples, auxiliou, improvisou. Tudo que se espera

de um professor que se importa com os seus alunos são atitudes semelhantes a essa. Do

trabalho conjunto advêm os resultados almejados, e na troca de experiências é que ambos

saem ganhando. O professor que ensina aprende, e o aluno que aprende também ensina.

Da troca estabelecida entre aprendiz e mestre é que a Geografia adquire o significado

de uma ciência dialógica, que deve pensar o objeto de estudo a partir das e nas relações.

Conforme Callai (2003), se a preocupação do professor de Geografia é formar cidadãos,

torna-se ponto básico a oferta de oportunidades, condições e instrumentos para que o aluno

conheça e aprenda sobre a realidade em que vive. Costella (2007) reforça essa acepção ao

dizer que o professor deve evitar o uso de esquemas prontos e dar prioridade a atividades que

provoquem reflexões. É importante que o educador incentive o pensamento autônomo do

estudante e desperte o saber que vem da construção, como aconteceu no caso relatado.

Podemos acrescentar ainda que evocar imagens da memória para lembrar lugares pode

ser uma estratégia a ser aplicada para toda a turma, para criar mapas mentais de lugares e

fatos em estudo. Esses mapas mentais podem ser expressos em desenhos ou em palavras.

Cabe ao professor decidir qual a maneira mais adequada. Mesmo que o sentido da visão seja

requerido para tanto, podemos verificar que, se o professor conhecer o seu aluno cego, poderá

também propiciar maneiras de ele participar da aula. Para isso, precisará utilizar a sua

sensibilidade, promovendo as adaptações necessárias, que podem ser simples ou sofisticadas,

porém o mais importante é que ele perceba se os conceitos foram elaborados e se os

conhecimentos foram adquiridos pela sua turma.

Não podemos esquecer que desenhar é permanecer criança! Depois de adultos

perdemos o hábito de desenhar, e especialmente os cegos são pouco estimulados ao desenho

porque as pessoas pensam que eles não precisam e não sabem desenhar. Sobre esse assunto

inspirador do desenho de cegos recomendamos a leitura de Duarte (2011).

Caso C – Saber Como e Quando Adaptar Materiais Didáticos

A aluna Cássia, com 16 anos (segundo ano do ensino médio), precisava entender como

se deu a colonização no final do século XIX e início do século XX, e para tanto precisava do

auxílio de mapas. Todos os alunos da sua sala conheciam o mapa da colonização porque

podiam vê-lo no livro didático, porém Cássia, como cega, estava alheia a essa informação,

apesar de ter o texto do livro transcrito em braille. Qual seria a atitude do professor perante

essa dificuldade apresentada pela aluna?

A sala de recursos que a aluna frequentava no contraturno poderia ser o lugar onde

conseguir o mapa adaptado para o modo tátil, mas ele precisaria ser solicitado com

antecedência, para ser confeccionado e disponibilizado no momento em que o assunto fosse

discutido em sala de aula. Porém, por se tratar de um material didático específico, era

imperativo o auxílio do professor de Geografia, do qual se espera que entenda melhor que o

professor de educação especial tanto da elaboração como do uso de mapas.

O mapa impresso no livro precisava ser adaptado para a leitura tátil. No caso, era um

mapa-múndi colorido onde configuram todos os países colonizados e os seus colonizadores.

As cores foram utilizadas para diferenciar os colonizadores. Havia um grande número de

informações, o mapa possuía pequena dimensão (metade da folha do livro) e, por causa disso,

muitos países ficaram com tamanho reduzido. Como transformar essas informações visuais

em táteis? Ao observar esse mapa, verificamos que ele não poderia ser adaptado diretamente

ao modo tátil. A solução seria construir um mapa para cada continente, de forma que os

limites dos países pudessem ser contornados por uma linha fina. Assim, cada país poderia ser

identificado na leitura tátil por meio de um número identificador, escrito em braille. De modo

semelhante, uma letra em braille poderia determinar quem foi o colonizador, desde que essa

letra estivesse dentro da área do país. A legenda, construída em outra folha, seria o elemento

decodificador da temática e dos nomes dos países. Algumas particularidades foram

consideradas, como aquela da América do Norte, que não foi representada porque não havia

país colonizado lá. A América Central foi representada em um mapa, e a América do Sul, em

outro (a figura mostra imagens desses mapas táteis e o mapa impresso utilizado como

referência para a adaptação). O mapa-múndi na forma tátil, configurando apenas os

continentes, permaneceu como um mapa de auxílio, para ser utilizado antes dos outros mapas

e possibilitar que o aluno “localizasse” o lugar de cada país nos continentes.

Soluções semelhantes podem ser necessárias em outros casos que possam vir a

acontecer em sala de aula e precisarão ser conduzidas pelo professor de Geografia, em

interação com o professor da sala de recursos, ou com o professor da Educação Especial. A

solução didática de adaptação é do professor responsável pela disciplina e cabe à escola

providenciar a confecção desse material, que nem sempre é fornecido pela secretaria de

ensino. Mas, se o professor não estiver sensibilizado pela causa dos seus alunos, com certeza

esse caminho ficará mais difícil, e a sua sala de aula inclusiva existirá só no discurso. Se o

professor de Geografia não souber nada sobre mapas táteis, poderá pesquisar na internet. Um

site onde conseguirá ajuda é o do Laboratório de Cartografia Tátil e Escolar (LabTATE),

www.labtate.ufsc.br, onde estão disponibilizados modelos de algumas dezenas de mapas

táteis para a educação, além da “receita” de como fazer esse tipo de mapa.

Indo para os finalmentes

É certo que não há como elaborar conclusões ou apresentar considerações finais neste

texto. Como afirmamos no início, estamos construindo um caminho novo. Saímos da zona de

conforto do conhecimento dominado e, enquanto caminhamos por “novos mundos”, estamos

nos transformando pelo contato com o desconhecido. Ultrapassamos alguns obstáculos e

continuamos a encarar outros enquanto derrubamos (pré)conceitos para, aos poucos,

mudarmos um pouco o mundo ao nosso redor.

A pesquisa, a extensão e o ensino que vimos fazendo na universidade abriram a

possibilidade de olhar e ver. Ao vermos, observamos que podemos, como diz Callai (2008),

mostrar aos nossos alunos que eles podem, como os professores, fazer da Geografia uma

disciplina interessante na escola. Mais que isso, pode-se utilizar essa disciplina como uma

oportunidade de trabalhar nos alunos atitudes e valores para a vida prática, além da formação

intelectual. E a sala de aula inclusiva se configura como ambiente adequado para esse

exercício.

Esperamos que os apontamentos aqui deixados possam, de alguma forma, contribuir

para o seu desafio de ser um PROFESSOR DE GEOGRAFIA na escola inclusiva.

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Agradecimentos

Agradecemos ao CNPq, pelo apoio às pesquisas; aos nossos alunos do labTATE, que

participaram delas; e, principalmente, aos estudantes cegos, que colaboram voluntariamente.

Este texto foi publicado em: Rosa Elisabete Milititz Wypyczynski Martins; Ivaine Maria Tonini;

Lígia Beatriz Goulart. (Org.). Ensino de Geografia no Contemporâneo: experiências e desafios.1 ed. Santa Cruz do Sul : EDUNISC, 2014.