A cidade no despertar da era higiênica: A Cidade da Parahyba e o Movimento Higienista (1854-1912)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA NATUREZA PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA - MESTRADO A cidade no despertar da era higiênica: A Cidade da Parahyba e o Movimento Higienista (1854 - 1912) Orientação: Doralice Sátyro Maia João Pessoa. Agosto de 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA NATUREZA

PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA - MESTRADO

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((11885544 -- 11991122))

Orientação: Doralice Sátyro Maia

João Pessoa. Agosto de 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA NATUREZA

PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA - MESTRADO

Nirvana Lígia Albino Rafael de Sá

Dissertação de Mestrado:

A cidade no despertar da era higiênica:

A Cidade da Parahyba e o Movimento Higienista

(1854 - 1912).

Dissertação apresentada junto ao Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade Federal da Paraíba, para obtenção do título de mestre em Geografia.

Orientadora: Doralice Sátyro Maia

João Pessoa. Agosto de 2009

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S111c Sá, Nirvana Lígia Albino Rafael de. A cidade no despertar da era higiênica: A Cidade da Parahyba e o Movimento Higienista (1854-1912)/ Nirvana Lígia Albino Rafael de Sá. - - João Pessoa: UFPB, 2009. 154 f.: il. Orientadora: Doralice Sátyro Maia. Dissertação (Mestrado) – UFPB/CCEN. 1. Geografia histórica. 2. Movimento Higienista. 3. Cidade da Parahyba. UFPB/BC CDU: 913(043)

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À meu pai.

Amante do conhecimento e da leitura.

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AGRADECIMENTOS

É chegado o momento de agradecer, ou acima disso, de reconhecer aqueles que, ao longo

desses últimos trinta meses contribuíram para a realização do trabalho aqui apresentado. Sempre

achei que seria um texto fácil de ser escrito, mas agora percebo que não. Não é fácil porque vai

além da racionalidade, porque sempre surge o receio de não lembrar, ou ainda, porque envolve

emoções e sentimentos, os quais desfavorecem a linearidade que a escrita exige para um maior

entendimento do leitor. Mas, mesmo não sendo fácil, façamos! Afinal, é necessário e, sobretudo,

é agradável.

Inicio agradecendo a orientadora, professora e amiga Doralice Sátyro Maia (Dora), com a

qual venho aprendendo os caminhos da geografia (seja ela histórica ou não) desde 2004, quando

no momento da iniciação científica (no mais amplo sentido do termo) e ainda, aprendendo sobre

a vida através das conversas e do ensinamento diário.

Aos meus professores, primeiramente a Raquel Goldfarb que foi a primeira com quem

tive maiores contatos (ainda no Cefet) e que pode ter sido uma das causas de chegar até aqui;

Nosso querido Carlos Augusto com deu humor peculiar, e seus comentários inteligentes. Uma

mente admirável! A todos os professores do mestrado, especialmente Maria Franco, Pedro

Vianna e Dadá, de quem sempre recebemos incentivo e apoio.

A todos os colegas de mestrado, em especial Marco Llarena, amigo atencioso; Andréa

(Déa) que conseguia tornar as descobertas mais instigantes com seus comentários; Alexandre

(Alê), grande amigo; e a Raquel (Quel). Essa merece um destaque, pois nos conhecemos desde o

primeiro semestre de graduação e mesmo fazendo tanto tempo quero mesmo continuar tendo-a

por perto, afinal, sua companhia é sempre muito agradável. Estes ajudaram e ajudam muito, em

tantos momentos que nem dá para descrever aqui. Por isso merecem agradecimento mais do que

especial.

Aos componentes do grupo de estudos e pesquisa sobre a geografia urbana, coordenado

pela professora Doralice. Em relação a estes não posso deixar de iniciar pelo meu amigo Yure,

com quem tive (e tenho) o prazer de conviver nos últimos anos, e com quem aprendi muito,

principalmente sobre a geografia urbana. Nossas conversas serão sempre lembradas; Leonardo,

Sonale, Rebeca, Mateus e Rafaela obrigada pelas nossas reuniões: momento valioso no processo

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de aprendizagem da ‘cidade e do urbano’, e ainda pelos momentos de descontração, pelas nossas

conversas e pelos cafés com bolacha. A Simone, que tanto me ajudou através das dicas sobre o

urbanismo e a história das cidades, e pela amizade. A Rita, Carol e mais uma vez Andréa, já que

muitos dos documentos aqui utilizados foram por elas coletados em anos anteriores a meu

ingresso no grupo de pesquisa.

Aos colegas geógrafos. Amigos de bate-papo, companheiros da AGB, enfim aos

encontros nos corredores da UFPB que muitas vezes nos auxiliaram para que aqui chegássemos:

Victor (Vitão); Lairton (Lunguinho); Thiago (Thí); Áurea; Chauane; Conrad; Gustavo (Gusta);

Igor; Silvânia; Liese (Li); Luanna; Mara; Mariana; Romero.

Enfim, a todos vocês, muito obrigada por terem sempre estado presente. Uns mais, outros

menso, no entanto, todos muito importantes.

Agora agradeço aos meus amigos de longa data, além das fronteiras da geografia, Tâmisa,

minha amiga, aqui está a culpa da minha ausência, principalmente nos últimos meses; Waldemar,

amigo historiador que me ajudou com o tratamento de algumas fontes; A Reillen, que sempre

incentivou meu crescimento e meus projetos de vida; E aos amigos mais recentes, Raoni e

Jéssica, obrigada por terem aparecido e me feito perceber que a vida pode ser mais divertida e

agradável; e meu querido André (Dé) que esteve/está comigo nos últimos meses e que me ajuda

em tudo, desde o contato com o computador, até o fato de me tranqüilizar quando é necessário

por demonstrar confiança na minha capacidade de “dar conta do recado”, obrigada pelo jeito

incentivador, carinhoso e enfático de me “empurrar pra frente”.

Agradecimento especial a minha família, meus pais, Mércia e Normando, por tudo, por

tanto, que não cabe aqui. Meus tios Madson e Maurílio, amantes da leitura e do conhecimento;

minha avó Ritinha, uma mulher forte e verdadeira por quem tenho grande admiração. Observar

seu prazer pela leitura, desde criança, me incentivou ao estudo; meus pequenos sobrinhos por

muitas vezes não poder estar presente em virtude disto; Normando Júnior e Normanda, meus

irmãos, de quem eu espero ter herdado um pouco da retórica e do poder da escrita. A Tia Márcia,

geógrafa assim como eu. Obrigada pelo incentivo e pelas palavras de carinho constantes. Meu

cunhado/irmão. Wilson Júnior e minha cunhada Aluska.

Enfim, para finalizar este texto, que ficou maior do que eu esperava, nada melhor que um:

À todos: Muito obrigada!

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RESUMO

O trabalho aqui apresentado refere-se à pesquisa realizada a partir de documentos históricos, a fim de tratar o espaço urbano da Cidade da Parahyba entre os anos de 1854 e 1912. Este recorte é utilizado por tratar-se do período situado entre a construção do primeiro cemitério público da cidade supracitada e a instalação do seu serviço de abastecimento de água. Elementos estes importantes no que concerne a análise do espaço urbano sob a luz do Movimento Higienista. Este trabalho foi realizado a partir dos estudos da Geografia Histórica, ou seja, principalmente a partir da análise documental de fontes primárias, em arquivos locais e nacionais. Pretendemos aqui investigar de que forma a Cidade da Parahyba é adequada a este ideário, ou seja, até que ponto o mesmo é utilizado enquanto justificativa para as transformações que ocorrem neste espaço urbano, no período situado entre os anos de 1854 e 1912. Para tanto, o presente trabalho tem os objetivos de analisar a repercussão e os efeitos do Movimento Higienista na Cidade da Parahyba, especialmente no que diz respeito às transformações urbanas aí ocorridas. Desta forma, pretendemos registrar as conseqüências das implementações modernas, higiênicas e sanitárias na morfologia urbana da cidade entre meados do século XIX e início do século XX, bem como nos hábitos e costumes de sua população. Com o intuito de discutirmos a produção e reprodução do espaço urbano, bem como a influência do Higienismo no tratamento com as questões que diziam respeito a estes espaços, faz-se necessário que busquemos entender o que vem a ser este tema, como foi posto e formulado, quais foram as circunstâncias em que se deu o seu surgimento e, principalmente, de que forma este suscitou modificações na cidade analisada. O Movimento Higienista corresponde a uma série de teorias, normativas, e formulações que dizem respeito à adequação dos espaços aos princípios de salubridade, higienização e embelezamento. Estes princípios, junto às teorias sobre o contágio e a proliferação de doenças, dão início a uma nova forma de pensar e de gerir os espaços, sobretudo o das cidades, posto ser aí o lugar em que se davam as principais ocorrências de epidemias que assolavam e dizimavam um grande número de seus habitantes. Para tanto, nos cabe investigar, sobretudo de que forma o Movimento Higienista aparece enquanto justificativa para as transformações que se dão nas cidades em geral, e mais particularmente na Cidade da Parahyba. Palavras chave: Cidade; Geografia Histórica; Movimento Higienista

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ABSTRACT

The work presented here refers to research conducted from historical documents to sort out the City’s urban Parahyba, between the years 1854 and 1912. This article is used to be about the period between the construction of the first public cemetery in the city mentioned and installation of the service water supply. These important elements in what concerns the analysis of urban space under the light of the Movement Hygienist. This work was conducted from studies of Historical Geography, mostly from the documentary analysis of primary sources in local and national archives. We want to investigate here how the City of Parahyba it is appropriate for this idea, to what extent to which it is used as justification for the changes that occur in urban space, in the period between the years 1854 and 1912. This work has the objective of analyze the impact and effects of the hygienic movement in City Parahyba, especially with regard to urban transformations that have occurred. This Way intent to record the consequences of modern implementations, hygienic and sanitary conditions in urban morphology of sort out, city between the mid-nineteenth century and beginning of the twentieth century and in the habits and customs of its population. In order to discuss the production and reproduction of urban space, as well as the influence of Hygiene in handling the issues that relate to these areas, it is necessary to seek to understand what has to be the subject, as post and made, what were the circumstances that made its appearance and, especially, how it caused changes in the city considered. The Hygienist Movement is a series of theories, standards, and formulations concerning to get used to spaces to the principles of health, hygiene and beautification. These principles, with the theories about the infection and spread of diseases, start a new way of thinking and manage the space, especially the cities, since there is the place which gave the main occurrences of epidemics attacking and decimated a large number of its inhabitants. For this, we must investigate, especially how the Hygienist Movement appears as a justification for the changes that occur in cities in general and more particularly in the City of Parahyba. Key Works: City; Hygienist Movement; Historical Geography.

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LISTAS DE SIGLAS UTILIZADAS

AHEPB – Arquivo Histórico do Estado da Paraíba

GPCES – Grupo de Pesquisa Ciência, Educação e Sociedade

IHGP – Instituto Histórico e Geográfico Paraibano

NDHIR – Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional

RPP – Relatórios dos Presidentes da Província

RSCM – Relatórios da Santa Casa de Misericórdia

LISTAS DE FIGURAS

Figura 01: Mapa da Cidade da Parahyba, 1855__________________________ 31

Figura 02: Planta da Cidade da Parahyba para 1889 _____________________ 32

Figura 03. Tipologia das habitações __________________________________ 34

Figura 04: População paraibana. ____________________________________ 35

Figura 05: Jornal ‘O Tempo’. 1865. __________________________________ 39

Figura 06: Modelo do Ensanche de Barcelona __________________________ 72

Figura 07: Quantidade de doentes nos Hospitais ________________________ 108

Figura 08: Lado direito do Jardim Público em 1910 _____________________ 126

Figura 09: Trecho da Planta da Cidade da Parahyba em 1923 ______________ 128

Figura 10: Rua João Machado em 1920_______________________________ 129

Figura 11. Abastecimento de água na Cidade da Parahyba. 1912____________ 130

Figura 12. Início da Rua das Trincheiras,1870 __________________________ 139

Figura 13. Rua das Trincheiras ______________________________________ 140

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FONTES UTILIZADAS

Actas da Assembléa Provincial. Fonte: Arquivo da Assembléia Legislativa do Estado da

Paraíba.

Almanach Administrativo e Commercial do Estado da Parahyba, para 1911. Estudos e

Opiniões: Saneamento. Fonte: Arquivo Nacional

Arquivo Histórico do Estado da Paraíba

CD Multimídia do Grupo de Pesquisa Ciência Educação e Sociedade

Correspondências com o Ministério do Império. Fonte: Arquivo Nacional

Jornal A Regeneração. Fonte: Documentos Micro-filmados do Núcleo de Documentação e

Informação Histórica e Regional. Rolo 02.

Jornal Gazeta da Parahyba. Fonte: Instituto Histórico e Geográfico Paraibano. João Pessoa-

PB.

Jornal O Tempo. Fonte: Documentos Micro-filmados do Núcleo de Documentação e

Informação Histórica e Regional. Rolo 03.

Revistas do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano. Fonte: Instituto Histórico e Geográfico

Paraibano. João Pessoa- PB

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SUMÁRIO

Considerações Iniciais 13

Caminhos Metodológicos: A Geografia Histórica Urbana: Espaço e Tempo na/da Cidade

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Capítulo I: A Cidade da Parahyba e o Ideário Higienista 29

1.1 Normas higiênicas na Cidade da Parahyba 36

1.2 As epidemias e as determinações higiênicas na Cidade da Parahyba 44

1.3 As condições sociais como causadoras de doenças 53

Capítulo II: As cidades no século XIX: Aumento populacional, reformas urbanas e controle higiênico

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2.1 Controle Higiênico nas cidades 73

2.2 Medidas sanitárias utilizadas na Cidade da Parahyba 74

2.3 Uma ordem higiênica: A construção do Cemitério Senhor da Boa Sentença na Cidade da Parahyba

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2.4 A Santa Casa de Misericórdia: Administração pública e religião 92

2.5 Alterações nos equipamentos urbanos seguindo os preceitos higienistas 100

2.6 A água encanada enquanto equipamento necessário a busca por higiene e modernidade na Cidade

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Capítulo III: Modernidade e Cidade: Aformoseamento e higienização 120

Considerações Finais 146

Referências Bibliográficas 150

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Estamos convencidos de la importancia de abocarse a los temas en esta línea historiográfica que se ha dado llamar historia urbana, y a los de la que en paralelo los geógrafos llamamos geografía urbana histórica. Especialmente las del siglo XIX nos brindan la posibilidad de aprehender, de manera más cabal, la compleja realidad de las ciudades del presente. Nos ayudan a hacer conciencia del valor que tiene la herancia del pasado plasmada en una ciudad actual, para saber respetarla y darle el peso adecuado a los intentos por rescatar y conservar un patrimonio que nos pertenece a todos. Eulalia Ribero Carbó, 2002.

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

No final do século XIX e início do século XX, surge uma nova forma de pensar e gerir

as cidades fundada no princípio da higienização. Este novo olhar que se lança, sobretudo sobre os

espaços urbanos, é parte do Ideário ou Movimento Higienista, que, aliado ao conhecimento

médico da época, buscava adequar os espaços urbanos, a fim de evitar a ocorrência de epidemias,

tais como a febre amarela, a cólera e a varíola. A ocorrência destas epidemias tivera um

acréscimo considerável graças ao adensamento populacional, conseqüência da Revolução

Industrial ocorrida em alguns países e da ausência de conhecimento sobre o surgimento, contágio

e transmissão das inúmeras doenças que assolavam a população, bem como dos métodos de

combatê-las.

No entanto, vale destacar que a influência do Movimento Higienista não está restrita às

cidades industriais, mas atinge também muitas outras, que mesmo sem ter expressividade

industrial, foram adequadas a este padrão normativo de Higiene e de Modernidade. Estes são,

portanto, os temas centrais deste trabalho. Na Cidade da Parahyba não seria diferente, isto por

que, embora a cidade não apresente indústria, a modernização e a higienização ocorrem graças

aos circuitos econômicos que aí ocorrem, ou ainda a acumulação de capital gerada a partir das

atividades desenvolvidas pela sociedade agrária que aqui existia.

Esta pesquisa foi realizada na concepção da Geografia Histórica, principalmente a partir

da análise documental (fontes primárias) encontradas em arquivos locais e nacionais.

Investigamos de que forma a Cidade da Parahyba foi adequada ao ideário higienista, ou seja,

analisamos até que ponto este ideário foi utilizado enquanto justificativa para as transformações

que ocorrem neste espaço urbano, no período de 1854 a 1912. O principal objetivo, portanto, foi

o de analisar a repercussão e os efeitos do Movimento Higienista na Cidade da Parahyba,

especialmente no que diz respeito às transformações urbanas aí ocorridas.

As informações sobre as transformações urbanas no período analisado foram levantadas

a partir da análise e identificação e posterior análise das mudanças apresentadas no tecido urbano

da Cidade da Parahyba no que diz respeito à salubridade pública no período supracitado.

Mudanças estas que se apresentam justificadas tanto nos documentos oficiais como nas

impressões dos que faziam os jornais da época. Justificativa essa que se dava utilizando-se de um

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discurso baseado nos princípios de salubridade e higienização da cidade. Por sua vez, o discurso e

a busca por higiene na cidade levou à implantação de vários equipamentos urbanos na Cidade da

Parahyba, equipamentos estes que foram solicitados e/ou instaurados sob o enfoque deste

discurso. Desta forma, registramos as conseqüências das implementações modernas, higiênicas e

sanitárias na morfologia urbana da cidade supracitada entre meados do século XIX e início do

século XX, bem como nos hábitos e costumes de sua população.

Com o intuito de discutirmos a produção e reprodução do espaço urbano, bem como a

influência do Higienismo no tratamento das questões que diziam respeito a estes espaços, fez-se

necessário inicialmente entendermos o significado da terminologia, como foi posto e formulado,

quais foram as circunstâncias em que se deu o seu surgimento e, principalmente, de que forma

este suscitou modificações na cidade analisada. O Movimento Higienista corresponde a uma série

de teorias, normativas, e formulações que dizem respeito à adequação dos espaços aos princípios

de salubridade, higienização e embelezamento. Estes princípios, junto às teorias sobre o contágio

e a proliferação de doenças, dão início a uma nova forma de pensar e de gerir os espaços,

sobretudo o das cidades, posto ser aí o lugar em que se davam as principais ocorrências de

epidemias que assolavam e dizimavam um grande número de seus habitantes. Para tanto, nos

coube investigar, sobretudo de que forma o Movimento Higienista aparece enquanto justificativa

para as transformações que se dão nas cidades em geral, e mais particularmente na Cidade da

Parahyba.

A relevância desse tema encontra-se no grande número de modificações por que

passaram as cidades no período de maior vigência do ideal higiênico-sanitário, ou seja, entre o

final do século XIX e as primeiras décadas do século XX (BOARINI, 2003). Desta forma, a

análise e a interpretação dos documentos de fonte primária encontrados em arquivos locais e

nacionais, nos deram subsídio para entender a influência do chamado Movimento Higienista

sobre o espaço urbano; bem como nos possibilitou referenciar as transformações urbanas que

passam a ser realizadas na cidade e que vão, por sua vez, modificar também o cotidiano dos

habitantes, a medida que estes se moldam, aceitam ou refutam as novas teorias médicas que

alteram intensamente não só o espaço físico, como também o seu convívio social.

Estruturamos o texto em três capítulos, além de uma parte inicial, na qual apontamos

não só a metodologia utilizada, como também expomos de que forma alguns teóricos explanaram

o uso de documentos históricos para análise espacial. Ou seja, destacamos nesta parte a qual

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intitulamos ‘Caminhos Metodológicos: A Geografia Histórica Urbana: Espaço e Tempo na/da

Cidade’, destacamos de que forma utilizamos o método e a metodologia das fontes históricas para

o tratamento da cidade em um tempo pretérito, configurando uma Geografia Histórica da Cidade

da Parahyba.

No primeiro capítulo, ‘A Cidade da Parahyba e o Ideário Higienista’, apresentamos este

ideário como fundamento para as intervenções urbanas que ocorrem em várias cidades do mundo,

sobretudo durante o século XIX e as primeiras décadas do século XX. Para tanto, partimos de

uma explanação sobre como as idéias acerca da higienização e da salubridade fundamentaram as

intervenções em cidades européias ou naquelas localizadas no ‘além mar’. Considerando como a

produção do conhecimento e o cientificismo, interferem para que as modificações urbanas

ocorram. Modificações estas que têm os intuitos principais de evitar a ocorrência de epidemias e

disciplinar a população.

Ao abordarmos as cidades européias, damos ênfase ao plano urbanístico proposto para a

cidade de Paris elaborado pelo Barão Haussmann, além de analisarmos como se deu a importação

desse plano para outras cidades, as quais também passariam a produzir novas formas de regular e

disciplinar o espaço, os hábitos e os costumes. Seguindo o estudo sobre planos urbanísticos

fazemos uma breve explanação a propósito do plano de expansão da cidade de Barcelona

proposto por Idelfonso Cerdá. O referido plano não apenas elabora uma ordenação urbana para as

cidades espanholas, como também prevê a utilização de espaços destinados à população futura.

No entanto, nosso objetivo principal ao tratarmos os “ensanches” propostos por Cerdá é o de

constatarmos o tratamento de espaços livres julgados necessários à vida higiênica. Na última

parte deste capítulo explanamos de que forma as condições sociais foram entendidas pela elite e

pelos administradores das cidades como causa da ocorrência de doenças. Entendimento este que

favoreceu o preconceito e a segregação no âmbito da cidade.

No capítulo posterior intitulado ‘As cidades no século XIX: Aumento populacional,

reformas urbanas e controle higiênico’ demonstramos com base na análise documental de que

forma a Cidade da Parahyba tem seu espaço modificado inspirado no discurso do Higienismo e

da salubridade, ou seja, procuramos compreender como se deu a influência do Ideário Higienista

sobre a Cidade da Parahyba. A partir da análise dos documentos oficiais, averiguamos de que

forma os responsáveis por regular a cidade promoveram mudanças na morfologia urbana no

período analisado, qual seja, entre 1854 e 1912.

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No último capítulo, ‘Modernidade e Cidade: Aformoseamento e Higienização’ tratamos

a Modernidade atrelada ao higienismo na cidade, até que ponto a população da cidade aqui

analisada aceitou ou refutou o discurso higiênico que era veiculado nos jornais da época e,

determinado pela legislação como único meio capaz de evitar a ocorrência de epidemias e a

disseminação de doenças. Ademais, buscamos retratar de que forma o crescimento econômico

verificado na Cidade da Parahyba, sobretudo, graças aos recursos provenientes da produção do

açúcar e do algodão promoveram essa modernização, ou ainda, a expansão do tecido urbano da

cidade.

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CAMINHOS METODOLÓGICOS

A Geografia Histórica Urbana: Espaço e Tempo na Cidade

Essa pesquisa foi realizada a partir dos estudos e procedimentos metodológicos da

Geografia Histórica, “termo usado para identificar uma sub-disciplina aparentemente distinta das

geografias acadêmicas que busca a espacialização dos fenômenos do passado, com a finalidade

de entender e identificar as transformações que levaram a realidade atual”. (GREGORY, 1996, p.

156) Para tanto, fez-se necessário uma pesquisa antes de tudo documental, a qual se configura

como “um conjunto de operações visando representar o conteúdo de um documento de forma

diferente. [...] seu objetivo consiste na representação condensada da informação de tais

documentos”. (LAKATOS, 2006, p. 29).

Para Philo, (1996) a Geografia Histórica não pode reivindicar para si um objeto de

estudo definido, pois nem o espaço é seu objeto, visto a abrangência do termo, nem tampouco a

história. Os pesquisadores que trabalham com esse tema, tendem a utilizar-se, portanto de

ferramentas filosóficas e de metodologias que abrangem as duas áreas de conhecimento, e é

exatamente aí que reside a maior dificuldade em se definir esse ramo da geografia assim

denominado ‘geografia histórica’.

a complexa geografia do mundo está estreitamente ligada com o que acontece em sua história [...] meu argumento principal aqui é que a importância da geografia histórica é fazer com que uma sensibilidade geográfica seja introduzida no estudo de todos esses fenômenos do passado – econômicos, sociais, políticos ou qualquer outro – que são a própria substância da história e que atraíram a atenção dos historiadores (como também a de outros estudiosos das ciências sociais e das humanidades). (PHILO, 1996, p. 270)

A análise documental fez-se muito importante para construção deste trabalho que, busca

entender o espaço urbano entre meados do século XIX e início do século XX. Portanto,

necessitamos da produção bibliográfica e documental referente a este recorte, a fim de

fundamentar nossa pesquisa acerca da influência do chamado Movimento ou Ideário Higienista e

seu novo olhar que se lança sobre o espaço urbano. Esta pesquisa pretende analisar as

transformações da Cidade da Parahyba ocorridas com base nas postulações do Movimento ou

Ideário Higienista, para entendermos de que forma os habitantes da referida cidade se moldam às

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teorias médicas que modificam não só o espaço físico, como também o seu convívio social, entre

os anos de 1854 e 1912.

Durante meados do século XIX e início do século XX ocorreram ransformações na

cidade ora analisada, sob a luz do Movimento Higienista. Transformações estas, que incidem

sobre a cidade, a partir da década de 1830, quando são elaboradas as primeiras posturas, os

decretos e as normas que incidem em alterações urbanas, determinadas pela Câmara Municipal, e

têm maior incidência entre as últimas décadas do século XIX e o início do século XX. As

décadas de 1910 a 1930 indicam um período de grande representação dessas transformações, pois

é neste momento quando ocorre a implantação de vários dos equipamentos urbanos na cidade, a

exemplo do abastecimento de água inaugurado em 1912; o alargamento e calçamento de ruas; a

construção de matadouros; de praças e jardins; modificação nas formas de construir as habitações

particulares, bem como na forma de administrá-las.

Justificamos o recorte temporal estabelecido neste trabalho, qual seja, entre os anos de

1854 e 1912, por ser, o primeiro um marco na busca por higienização do espaço urbano da

cidade, já que este coincide com a data de construção do primeiro cemitério público da capital

paraibana e, o ano de 1912 utilizado como término para a análise aqui efetuada por ter sido este o

momento em que ocorre a implantação do primeiro serviço de abastecimento de água na cidade,

o qual apesar de apresentar limitações, atingindo apenas seis ruas da área central, representa um

equipamento importante no tratamento da cidade e na busca por tornar este espaço higiênico e

salubre. Conforme a análise documental, tal serviço é solicitado pela população desde meados do

século XIX e apontado por muitas autoridades como condição para que a Cidade da Parahyba

seja considerada higiênica, salubre e bela. Contudo, salientamos aqui que não ousamos limitar as

modificações do espaço urbano da Cidade da Parahyba que se deram a partir do discurso

higiênico para o período citado, pois sabemos que as idéias higiênicas continuam ainda nos dias

de hoje, embora não sob o mesmo enfoque teórico, sendo utilizados para justificar modificações

no espaço situado nas cidades, inclusive na cidade aqui analisada.1 No entanto, a partir de nossa

pesquisa verificamos que o ideário higiênico tem maior destaque entre o final do século do XVIII

e o início do século XX, devido à teoria médica acerca do contágio e proliferação de doenças

aceita e divulgada neste período.

As teorias médicas de ‘contágio’ e ‘miasmas’ são refutadas à medida que novos estudos

1 Sobre o ideário higiênico e sua influência no planejamento urbano atual, ver Campos, 2004.

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sobre o surgimento de doenças são elaborados, estudos estes que fundamentaram o surgimento da

Medicina moderna, tal como veremos adiante. Isso reflete que, com o avanço da Medicina, o

planejamento urbano pautado nos preceitos da higiene tem um decréscimo, visto que as teorias

médicas que divulgavam a idéia do contágio de doenças a partir da emanação de ares pútridos são

rebatidas.

Os documentos históricos utilizados constituem fontes primárias passíveis de serem

utilizadas pelos pesquisadores de um modo geral. Configuram-se enquanto evidências de tempos

idos, produzidas quando o fato histórico que se está pesquisando ocorria, e utilizadas hoje para

reconstruí-lo. Esses documentos foram utilizados a fim de entendermos como se dava a (re)

produção do espaço urbano na Cidade da Parahyba, as repercussões das idéias higienistas sobre o

mesmo, e a implantação de equipamentos urbanos.

Quanto à utilização dos documentos históricos, existe atualmente uma consonância entre

os historiadores e demais cientistas sociais que realizam pesquisas históricas, de que as fontes

primárias podem ou não ser escritas, sendo explicitadas das mais diversas formas e tipos: cartas,

documentos registrados em cartórios, diários, objetos, edificações, testemunhos orais etc. Para

este trabalho priorizamos a utilização de documentos históricos escritos, oficiais e não oficiais,

além de algumas fotografias que retratam a cidade no período analisado.

Tanto os documentos escritos, como os fotográficos foram utilizados para realização da

nossa pesquisa. As fontes coletadas concentram-se em alguns arquivos públicos, entre os quais

destacamos:

Arquivo Público do Estado da Paraíba, onde foi realizada a coleta de documentos

oficiais, tais como relatórios e mensagens de presidentes de província, atos, ofícios, leis e

decretos referentes ao período estudado;

Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba (IHGP), onde tivemos a oportunidade de

realizar pesquisa nas revistas publicadas por este órgão, além da consulta a algumas outras

revistas que veicularam durante o período. Estas revistas nos chamaram atenção por

demonstrarem através dos seus artigos, as idéias da população, não se limitando ao discurso da

“elite” como muitas vezes acontece com as fontes oficiais (leis, atos e decretos). Destacamos a

Revista Terra Natal; Revista Philipéia; Revista Era Nova; A Notícia e Revista Benjamin

Constant. Além das revistas, alguns Almanaques, escritos pelos Presidentes da Província e pelos

administradores da cidade também foram consultados;

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Núcleo de Desenvolvimento e Informação Histórica e Regional (NDHIR). Neste

arquivo consultamos jornais micro-filmados, como o Jornal O Tempo, Regeneração, e Gazeta da

Parahyba;

Arquivo Nacional e a Biblioteca Nacional, ambos situados na cidade do Rio de

Janeiro - RJ. Na primeira das instituições citadas coletamos documentos referentes ao tema da

higienização das cidades, especialmente as leis que foram determinadas pela capital do império e

tiveram influência direta sobre o tratamento das autoridades locais sob o espaço analisado, além

de anúncios, descrições e relatórios sobre a Cidade da Parahyba que foram enviados à dita capital

e que abordavam o tema. Na Biblioteca Nacional procuramos encontrar material em publicações

situadas na seção de obras raras que tratassem do tema trabalhado e para o espaço analisado.

A prática de utilizar documentos históricos como recurso metodológico à investigação é

associado principalmente à disciplina História, mas não se limita a esta. O nosso intuito é o de

demonstrar de que forma os documentos podem ser utilizados para o estudo do espaço, ou

melhor, dizendo, para a análise do espaço urbano da Cidade da Parahyba em tempos pretéritos.

Para tanto, partimos de uma discussão acerca do que vem a ser a Geografia Histórica Urbana.

Sauer afirma que “una peculiaridad de la tradición geográfica norte americana ha sido su

falta de interés por los procesos y secuencias históricos, incluso para negarlos” (1991, p. 36).

Desta maneira, o autor enfatiza a falta de tradição geográfica, particularmente, da geografia

norte-americana, em estudos dos processos históricos. Segundo o autor, estes processos podem

ser analisados na Geografia não apenas quando há a delimitação de determinados períodos

históricos pretéritos, mas também a fim de observar determinados fatos, os quais mesmo que

tenham ocorrido no passado possam contribuir para o entendimento do mesmo na atualidade. O

autor enfatiza ainda que a Geografia em qualquer uma de suas áreas deve investigar os processos

que deram origem aquele espaço.

A reconstrução de espaços em tempos passados assemelha-se a um trabalho de

‘detetive’, já que vivenciamos uma busca constante por dados que evidencie essas áreas e que nos

dê a possibilidade de investigar sua trama física, ou seja, conforme coloca Maurício de Abreu,

um quebra-cabeças espacial2. Para essa tarefa ser cumprida deve-se recorrer a elementos

econômicos, habitacionais e sociais expostos através dos documentos históricos que possam

2 Termo utilizado com base no artigo: Um quebra cabeças (quase) resolvido: Os engenhos da capitania do Rio de Janeiro. Publicado na Revista Scripta Nova. Volume 10. Nº 118. Ano 2006. Disponível em <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-218-32.htm> [ISSN: 1138-9788]. Acesso em Maio de 2009.

21

contribuir com o estudo histórico do espaço. Muitos autores salientam as dificuldades

encontradas para se realizar pesquisas históricas no tratamento de questões que dizem respeito

aos homens simples, às classes menos abastadas. A história que se escreve normalmente é a dos

‘grandes homens’, tais como políticos, médicos, engenheiros, proprietários de terra, ou seja, da

elite. Esse fato configura-se enquanto uma dificuldade para uma análise mais ampla do espaço,

posto termos, através dos documentos oficiais, o discurso da elite, e não da população em geral.

Entendemos que para que essa barreira seja vencida, um bom recurso é o de se utilizar

não apenas dos documentos oficiais, mas, sobretudo, dos documentos não-oficiais, tais como

jornais e revistas que foram publicados à época e que muitas vezes trazem notícias curtas, mas

significativas, como solicitações e reclamações de serviços por parte da população. Nesse

sentido, aqui faz-se necessário que citemos a tipologia das fontes empregadas, bem como o

porquê da utilização de documentos oficiais e não oficiais, já que os primeiros representam o

ideal da elite em tornar a cidade moderna dentro dos padrões e normas estabelecidos, ou seja, a

partir da ordem sonhada e idealizada principalmente por meio de normas higiênicas, uma vez que

a representação política se fazia entre a elite. É a partir deste entendimento que acreditamos na

importância em se fazer uma análise mais acurada sobre alguns documentos que expressem de

que forma a população recebeu essas idéias. Conforme nos fala Campos “é possível compreender

as pessoas comuns do passado à luz de sua própria experiência e de suas reações a estas

experiências, mesmo utilizando documentos preservados em arquivos emanados do centro e

produzidos para legitimar o poder.” (2004, p.21).

Os textos encontrados nos jornais e nas revistas expressam tanto o cotidiano da

população como a tentativa de manutenção do que se entendia por ‘ordem’ pela elite, já que era

por esta forma de divulgação que as ações dominantes eram expressas, com o intuito, muitas

vezes de impulsionar hábitos e até mesmo direcionar a opinião pública.

A Geografia e a História de determinado lugar podem, para uns, ser analisadas

separadamente. Entretanto, no nosso entendimento, separar as análises do espaço e do tempo não

se faz possível, mesmo para aqueles que pesquisam processos espaciais atuais. Os documentos

históricos são uma importante fonte de análise para quem estuda e analisa os tempos passados, na

medida em que podem auxiliar na resolução de suas questões formuladas e em alcançar os

objetivos propostos pela pesquisa. Esta análise configura-se como uma aproximação entre o

pesquisador e a realidade de um tempo passado. Para aquele que realiza sua pesquisa sob a luz da

22

geografia histórica, a análise documental amplia a noção acerca do espaço durante o período

temporal que se pretende pesquisar.

Para Jacques Le Goff, “o que sobrevive não é aquilo que existiu no passado, mas uma

escolha efetuada quer pelas forças que operam no desenvolvimento temporal do mundo e da

humanidade, quer pelos que se dedicam à ciência do passado e do tempo.” (1996, p. 535). O

autor enfatiza que dentre os documentos encontrados, o pesquisador deve ‘escolher’ aquele que

mais se adequar ao seu objeto de pesquisa, a fim de analisá-lo e interpretá-lo, ou seja, cabe ao

pesquisador “tirar dos documentos tudo o que eles contêm e em não lhes acrescentar nada do que

eles não contêm [...] se mantém o mais próximo possível dos textos.” (idem, ibidem, p. 536).

Ao tentarmos entender como os documentos oficiais foram utilizados em pesquisas

históricas, percebemos que durante as últimas décadas do século XIX e o início do século XX, a

análise destes elementos passou a referenciar os fatos analisados por apresentar-se como prova

concreta da existência do mesmo. Na escola positivista, a utilização de documentos escritos

torna-se indispensável para uma pesquisa temporal. Além disso, o conteúdo dos documentos

também foi modificado no final do século XIX, passando a ser mais abrangente e,

conseqüentemente mais ricos de detalhes. É neste momento que as pesquisas acerca do tempo

recorrem também a outras fontes, como a memória oral, sons, imagens, fósseis, instrumentos de

luta utilizados pela comunidade, fazendo com que a história pudesse ser reescrita com tudo que a

habilidade do pesquisador e os arquivos que estão ao seu alcance permitissem.

Quanto à utilização dos arquivos para a pesquisa em geografia histórica, Carl Sauer

esclarece dizendo que o primeiro passo recomendado é a busca por mapas, pois é a partir da

análise destas fontes cartográficas que o geógrafo histórico pode identificar a morfologia do

espaço durante o período analisado. Já Pedro Vasconcelos complementa:

[...] para a geografia urbana histórica, a cartografia de cada época tem uma importância fundamental – apesar das imprecisões, das impossibilidades de uma mensuração correta, das diferenças de escala etc. -, porque os próprios mapas são marcos definitivos de etapas das transformações espaciais da cidade, nos dando uma informação precisa (em diferentes graus) do que já existia, do que estava consolidado, e do que tinha importância em ser registro e mapeado (desde a superfície documentada, até o que é representado ou colocado em destaque: igrejas, fortificações, logradouros etc.) (VASCONCELOS, 1999, p. 192)

Neste sentido, a partir da Planta da Cidade da Parahyba, levantada em 1855, por

23

Alfredo de Barros e Vasconcelos, (o 1° Tenente do Corpo de Engenheiros da cidade)

pretendemos pontuar os equipamentos urbanos que foram implementados na Cidade da Parahyba,

e que tenham seu requerimento justificado a partir do ideário de higienização. Isso se justifica já

que, segundo Vasconcelos (1999), o pesquisador pode e deve recorrer a plantas cadastrais,

arquivos de concessão de terra, dados sobre nascimento e morte, principais causas de morte,

bens, títulos de propriedade, enfim uma gama de informações que podem ser encontradas em

fontes diversas e ajudam no tratamento da questão.

No que concerne à pesquisa aqui apresentada, utilizamos como fontes de análise não

apenas documentos oficiais escritos, como por exemplo, as atas da Assembléia Provincial, como

também jornais, revistas e fotografias, fotografias estas encontradas principalmente no acervo de

Walfredo Rodrigues. Este acervo possui algumas fotografias que retratam a Cidade da Parahyba,

dos últimos anos do século XIX, mas, sobretudo concentra-se nas primeiras décadas do século

XX. Através deste material podemos confrontar os documentos, com as imagens das ruas

apresentadas.

Vasconcelos (1999) distingue os períodos de análise de documentos em duas grandes

fases: “períodos densos” 3 e “hiatos temporais”. Os primeiros representam a época quando há

abundância de documentos. Como exemplo, o autor cita o escravismo no Brasil, pois como neste

período, havia vários fatores políticos que tratavam o tema, muitos documentos oficiais foram

produzidos, e podem ainda hoje ser encontrados com abundância nos arquivos. Baseados na

formulação de Vasconcelos acerca do “período denso”. Além da escravidão, podemos nos

remeter, para a Cidade da Parahyba à época da construção de uma ponte, a ponte sobre o Rio

Sanhauá, que interligava a Cidade da Parahyba com a cidade vizinha, de Bayeux - PB. A

construção desta obra deu-se permeada de muitos embates políticos, pois vários foram os

problemas encontrados durante sua execução, tais como, a falta de materiais, atraso na entrega da

obra, escassez de verbas públicas, má qualidade na construção, enfim, uma série de reclamações

é feita, tanto por parte da população, como pelo poder público, produzindo vários documentos

oficiais e não oficiais. Portanto, podemos caracterizar este período da história da Cidade da

Parahyba como um “período denso” de documentos. Em outras palavras, a densidade de

documentos sobre o tema ocorre em decorrência de uma série de problemas que houve na

3 Podemos fazer uma analogia entre este termo e o que o geógrafo Marcel Roncayolo chama de ‘tempos fortes’, ambos representam a abundância de documentos no período analisado.

24

licitação e na construção da referida ponte, levando à expedição de muitas ordens de contrato e de

reclamações por parte da população, bem como as contra argumentações e também requisições

feitas pelo poder público.

Já os “hiatos temporais” representam o contrário, ou seja, os períodos em que o

pesquisador tem mais dificuldade de encontrar fontes documentais sobre o tema que pretende

abordar. Metodologicamente, Vasconcelos propõe que para ser feita uma pesquisa de geografia

histórica urbana, devemos seguir alguns passos, quais sejam: exame das continuidades e rupturas

na existência de documentos; análise dos aspectos nacionais e internacionais que influenciaram

as transformações do espaço estudado; quais agentes contribuíram para a remodelação deste

espaço; e, por último, mas de grande importância, posto tratar-se de uma investigação geográfica,

é identificar o “desenvolvimento espacial de cada período, tomando como referência principal a

cartografia original (e a iconografia existente), mas complementada pelas informações escritas

(inclusive estatísticas), e de preferência de fontes primárias.” (VASCONCELOS, 1999, p. 199).

Gregory (1991), também propõe que uma apreciação de geografia histórica deve ser

iniciada não pela teoria, mas dentro do mundo político, para que se possa avaliar de que forma o

espaço estava sendo produzido, e quais eram os principais atores políticos responsáveis por essa

produção. Quanto aos documentos oficiais, salientamos o fato de que nem sempre eles expressam

o que realmente foi realizado, todavia, é a partir destes que podemos entender as intenções e o

desejo da elite ao buscar as modificações do meio urbano.

Podemos, portanto, fazer uma analogia entre o que se propõe através da análise de

documentos oficiais sobre a produção e transformação do espaço urbano da Cidade da Parahyba

no período analisado, e o que expressa os seus moradores sobre tais modificações, contrapondo

assim, ideal e realidade. Embora saibamos da dificuldade para a realização desta contraposição,

visto muitas vezes nos encontrarmos diante da escassez de material documental, acreditamos ser

importante a análise sob o que se pensava enquanto ideal para o espaço urbano. Ideal este que se

configurava através do desejo de transformar a Cidade da Parahyba em uma cidade moderna, por

meio de determinações e ações, e que tinham o “sentido de imprimirem nova feição esthetica a

esta cidade, melhorando-a materiavelmente, e, portanto, preparando o terreno para a melhoria de

sua hygiene, já agora, segundo colhemos de fonte oficial, em perspectiva de entrar em uma phase

de remodelamento e utilidade pública”. (MARÓJA. 1911. p. 433)

Muitas dessas determinações expressas através de documentos oficiais, apesar de

25

decretadas pelo poder público, levaram anos ou mesmo nem chegaram a ser implementadas, mas

expressam exatamente esta intenção em provocar alterações na cidade, pois a análise dos

documentos oficiais nos revela como o discurso ideológico da salubridade inferiu no cotidiano

dos moradores, obrigando-os a adotarem novos hábitos, condizentes com os princípios

higienistas. Importante ressaltar que esse discurso ideológico restringia-se aos médicos,

engenheiros e políticos, constituindo-se, portanto, em um conhecimento restrito médico-

científico, permanecendo a população em geral desinformada e, portanto, alheia às razões das

determinações impostas e de tamanhas transformações. Na prática, essa gente, na maioria das

vezes aceitava esse discurso por se tratar de prática comum entre a elite, ou era forçada a

obedecer as novas determinações em função das medidas punitivas.

A partir de levantamento bibliográfico observamos uma tendência geral nas cidades

brasileiras, apesar das diversas escalas e graus variados de intensidade, de adequá-las aos padrões

da modernidade, da salubridade e da higiene. Nesse sentido, na então Cidade da Parahyba não

seria diferente, especialmente em meados do século XIX e início do século XX4, há uma

pretensão, principalmente por parte dos seus governantes, em concretizar profundas mudanças na

estrutura da cidade para transformá-la também em uma cidade moderna, higiênica e salubre.

Para o entendimento acerca da elite aqui retratada, partimos das proposições de Murilo

de Carvalho. Consideramos, conforme coloca o autor, que retratar a elite brasileira durante o

período imperial, não é tarefa fácil, visto que, de acordo com suas próprias palavras “o império

durou 67 anos, período suficientemente longo para permitir mudanças importantes” na sua

composição. (Idem, 2003, p. 58)

Ao tratar sobre a elite no Brasil, o autor supracitado inicia a discussão diferenciando as

elites portuguesas e espanholas, a partir de características políticas, sociais, econômicas, mas,

sobretudo, analisando o tipo de educação que cada um destes países ofereceu a suas elites,

principalmente no que se refere à educação superior. A principal diferença apresentada pelo autor

é que a Espanha, ao manter uma política por criar universidades nas colônias, permitira a

formação de elites locais, e evitou a unificação das mesmas, ao contrário de Portugal. A maior

parte da elite política brasileira havia estudado na Universidade de Coimbra e, por isso, estava

4 Embora a influência higienista sobre a regulação dos espaços urbanos não se limite a esse período, já que podemos observar em registros documentais algumas solicitações de equipamentos urbanos ainda no início do século XIX, ou mesmo nas últimas décadas do século XVIII, enfatizamos este recorte por ter sido o período em que as determinações e posturas fundamentadas neste discurso são mais abundantes.

26

submetidas a uma homogeneização gerada graças à socialização e ao treinamento comum que aí

recebera. Esta homogeneização favorecia, por sua vez, o fortalecimento do Estado, já que isto

seria imprescindível para que a elite permanecesse no poder, uma vez que ambos encontravam-se

interligados.

A educação seria, pois, um elemento importante na unificação ideológica da elite

brasileira, pois esta parcela da população, considerada “uma ilha de letrados num mar de

analfabetos” (CARVALHO, 2003, p. 65), ao receber formação superior em Coimbra5 mantinha

contato entre si, ou seja, estudantes de diversas províncias de alguma forma se conheciam. Esta

política é tratada pelo autor como uma

política sistemática do governo português nunca permitir a instalação de estabelecimentos de ensino superior nas colônias. Quando em 1768 a capitania de Minas Gerais pediu permissão para criar por conta própria uma escola de Medicina, o Conselho Ultramarino respondeu que a questão era política, que a decisão favorável poderia enfraquecer a dependência da colônia. (Idem, p. 69)

Outra diferença apresentada pelo autor encontra-se inserida no campo político. Para ele,

Portugal objetivou a partir de suas atitudes, a unidade, ou seja, a supremacia do governo civil,

buscada principalmente e estrategicamente pela presença da corte na colônia. Por outro lado, a

Espanha se caracteriza pela fragmentação conseqüente de um longo período anárquico por ela

vivenciado. Esta política de unificação adotada por Portugal refletirá no Brasil e

conseqüentemente na formação da sua elite à medida que criará laços econômicos entre as várias

capitanias existentes, garantindo desta forma a integridade do território colonizado por Portugal.

Ao falar sobre a elite, Murilo de Carvalho expõe que “não nos referimos a grandes

homens [...] falamos de grupos especiais de elite que se distinguem tanto das massas como de

outros grupos de elite” (CARVALHO, 2004, p. 20), a qual se caracteriza pela homogeneidade

social, já que boa parte dela partia dos setores sociais dominantes, ou seja, havia uma vinculação

entre a elite e a dinâmica social, a qual mantém seu domínio na medida em que controla alguma

‘força social’, tal como dinheiro, terra, conhecimento ou religião. No entanto, no momento em

que a distribuição dessas forças é modificada, a classe política desaparece para ceder lugar a

outra que controle a nova força social dominante.

Ainda de acordo com Carvalho (2003), o Estado seria o maior influenciador na

5 Esta prática foi mantida até o início da Independência, quando foram criadas as primeiras escolas de ensino superior no Brasil

27

formação da elite durante o período imperial brasileiro, à medida que este mantinha concentrado

o poder nas mãos dos monarcas em detrimento da Igreja e da nobreza. Referindo-se a esfera

política, afirma que as várias combinações e esferas de poder deram origem a elites também

distintas, mais que em sua maioria, o topo da elite brasileira confundia-se com a elite política, até

que “com a progressiva queda da renda da terra, muitos aristocratas passaram a investir em outros

setores, formando-se aos poucos uma aristocracia capitalista” (Idem, p. 29), ou seja, uma elite

comercial, econômica, distinta daquela parcela envolvida com a política e administração pública.

Conseqüência disso foi que com a implementação do que o autor denomina ‘princípios

de mercado’ no que se refere à aquisição de terras, o simples fato de deter a propriedade da terra

seria necessário para obter alguns privilégios legais destinados à elite, a qual vivia, portanto, da

renda da terra, mas dependiam diretamente do Estado para manter seus privilégios, já que

possuíam “caráter parasitário”. Em muitos casos o que ocorria no Brasil era o fato de a terra, por

ser a principal fonte de riqueza, gerar prestígio aos seus proprietários, embora estes fossem,

muitas vezes, “nobres portugueses empobrecidos”. A elite brasileira durante o século XIX pode

ser entendida, segundo o autor, como “simples representante do poder dos proprietários rurais e o

Estado simples executor dos interesses dessa classe” (Idem, p. 41)

Um dos elementos mais destacados ainda pelo referido autor, no que concerne à

formação da elite brasileira, conforme já salientamos, é o tipo de educação que esta recebia.

Neste sentido, é abordado pelo autor que “o Brasil dispunha ao tornar-se independente de uma

elite ideologicamente homogênea devido a sua formação jurídica em Portugal, ao seu treinamento

no funcionalismo público e ao isolamento ideológico em relação a doutrinas revolucionárias”

(CARVALHO, 2004, p. 39)

Além da elite política e econômica que acabamos de apontar aqui, não podemos deixar

de falar na elite eclesiástica. Neste intento, afirma Murilo de Carvalho que, embora não haja

“dúvida de que a Igreja era uma instituição influente. Era parte da burocracia estatal. É

igualmente inegável que houve intensa participação política de padres em certos períodos. Mas

seria exagero dizer que a Igreja como instituição teve grande influência na formulação de

políticas públicas” (Idem, p. 56). O que metodologicamente o faz incluir no estudo acerca da elite

brasileira imperial apenas aqueles eclesiásticos que ocupassem posições representativas ou de

administração no quadro político brasileiro.

Salientamos ainda que, a elite não se limitava àqueles que tivessem recebido uma

28

educação superior, seja em Coimbra, ou nas escolas que foram posteriormente criadas no Brasil,

havia também aqueles que possuíam influência econômica, como por exemplo, os fazendeiros.

Compunha ainda a elite brasileira no período imperial, os profissionais liberais, que,

cada vez mais, atingiram postos antes ocupados pela elite política e econômica que abordamos

anteriormente. Estes eram, de acordo com o autor, “advogados, juízes, procuradores, funcionários

públicos, além de parte reduzida de capitalistas e proprietários [...] boa parte dos elementos com

possibilidade de acesso a posições na elite política estavam de alguma maneira vinculada à

máquina estatal, pois o Estado constituía o maior empregador dos letrados que ele mesmo

formava.” (Idem, p. 98)

Por fim expomos aqui a grande estabilidade que esta elite possuía, sobretudo no campo

político, já que, por circular em vários postos ou regiões, ou seja, permutar não apenas cargos,

como também geograficamente (sobretudo os magistrados e militares) esta elite acumulava uma

ampla experiência de governo, o que lhe garantia ainda mais a permanência no poder e, portanto,

nas camadas da própria elite.

As fontes analisadas expressam muito claramente o ideal dessa parcela da população,

tendo sido escritas por e para a elite detentora do saber. Elite esta que na Cidade da Parahyba,

correspondia tanto aos comerciantes e fazendeiros, como aos proprietários de terra, visto que,

segundo Maia (2000) estes não representava um grupo antagônico, fazendo parte de uma mesma

elite, com interesses interdependentes. Além dos homens letrados, que também, muitas vezes,

pertenciam as duas camadas antes citadas.

É exatamente essa elite, sobretudo os médicos e engenheiros, ou seja, os homens

letrados que aqui nos interessa, por ser a partir do seu discurso de salubridade e modernidade que

um novo olhar será lançado sobre a cidade no que concerne à promoção da higiene enquanto

saúde pública a fim de evitar a ocorrência e a disseminação de doenças, tal como nos referimos

anteriormente. Novo olhar esse que promove ou sugere alterações no espaço urbano desta cidade

e que será analisado no período situado entre os anos de 1854 e 1912, ou seja, desde o primeiro

cemitério público até a instalação do primeiro serviço de abastecimento de água da cidade, então

Cidade da Parahyba.

29

CAPÍTULO I

A CIDADE DA PARAHYBA E O IDEÁRIO HIGIENISTA

Relacionado a momentos e contextos históricos diferentes, a cidade ora estudada recebe

várias denominações, as quais se referem ao período econômico, político e ideológico vivenciado

na ocasião. No recorte temporal analisado, entre finais do século XIX e início do século XX, a

Cidade da Parahyba, antes denominada Cidade de Nossa Senhora das Neves, ou ainda Frederica;

e Filipéia de Nossa Senhora das Neves era marcada pela singeleza e por uma vida urbana de

pouca intensidade, bem como por uma parca expressividade urbana.

De acordo com Jardim (1910) a Cidade da Parahyba, assim como muitas outras de

colonização portuguesa, apresentava, em conseqüência do relevo acidentado na qual encontrava-

se assentada, duas porções diferenciadas, então denominadas de ‘Cidade Alta’ e ‘Cidade Baixa’.

Segundo o referido autor, no ano de 1865, a Cidade Alta possuía: “28 ruas, 07 travessas, 20

becos, 10 praças, 02 fontes públicas, 03 conventos, 11 igrejas, 10 edifícios públicos, 02 edifícios

particulares, 01 cemitério, 01 jardim público, 984 prédios entre os quaes 44 são sobrados6, 382

casas de palha; tendo mais destas 28 por detraz da Rua das Trincheiras.” 7

Como se pode perceber a partir da descrição acima, a denominada Cidade Alta abrigava

neste período, os prédios administrativos e religiosos, graças ao seu relevo, o qual lhe dá maior

destaque e visibilidade. Este era, portanto, o local escolhido para o assentamento das instituições

religiosas e administrativas, as quais aí deveriam se colocar a fim de demonstrar seu poder. Já a

Cidade Baixa, ou Varadouro encontra-se situada exatamente na área da cidade às margens do Rio

Sanhaúa, ou melhor, na planície que se situa entre o rio e o tabuleiro, local onde foi construído o

porto e a casa de alfândega. A Cidade Baixa era, portanto, representada pelo cais do Sanhauá e

lugares adjacentes, os quais compunham um misto de área residencial e comercial, que abrigava

os principais estabelecimentos comerciais e as residências de alguns comerciantes, além do porto,

6 O termo sobrado inicialmente era utilizado para denominar “o espaço sobrado ou ganho devido a um soalho suspenso” (LEMOS, 1996, p. 33), no entanto, aqui é utilizado para indicar os casarões com mais de um pavimento, em geral pertencentes à parcela da população de maior poder aquisitivo. 7 Revista do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba Volume n.º 02. Ano II. 1910.

30

citado anteriormente. Segundo a monografia antes referida, esta parte da cidade contava com:

31 ruas, 09 travessas, 13 becos, 10 praças, 02 fontes públicas, 02 igrejas, 13 edifícios públicos, 02 edifícios particulares, 01 cemitério, 1112 prédios entre os quaes 50 sobrados, 361 casas de palha, e destas mais 16 na ladeira atrás de S. Bento. Existem mais 03 ruas sem denominação, no lugar que se dá o nome de Jardim, contendo 04 prédios e 86 casas de palha.

Dados que podem ser melhor observados ao analisarmos a figura 01que foi levantada em

1855 por Alfredo de Barros e Vasconcelos. Essa planta, levantada em meados do século XIX nos

oferece meios de observar melhor a cidade, visto a ausência de maiores fontes cartográficas.

Segundo Maia (2000) “datam de meados do século XIX os primeiros registros de ordenamento

das ruas, como também a primeira medida no sentido de se elaborar uma planta da cidade da

Paraíba” (Idem, p. 110)

A CIDADE DA PARAHYBA EM 1855

Figura 01: Mapa da Cidade da Parahyba, 1855. Fonte: Mapa feito sobre base levantada por Alfredo de Barros e Vasconcelos, 1855. Organização: Maria Simone Moraes Soares.

Com o intuito de percebermos a evolução e a expansão urbana da cidade ainda no século

31

XIX, nos valemos da planta organizada por Wylnna Vidal. A autora, com a finalidade de estudar

as transformações urbanas e o desenho da cidade entre as décadas de 1910 e 1940 produziu “uma

planta inédita da cidade retratando sua configuração em 1889” (VIDAL, 2004, p. 06) a partir da

Monografia da Cidade da Parahyba. Monografia esta que ela descreve como sendo “um

minucioso descritivo, sem referências gráficas levantando todos os elementos da estrutura urbana

de então – ruas, praças, edifícios, bicas – e descrevendo precisamente a localização, a dimensão

de ruas, a quantidade e o tipo de edificações existentes em cada rua” (Idem).

Figura 02: Planta da Cidade da Parahyba para 1889. Fonte: Vidal, 2004, p. 16. Em negrito estão representados os edifícios públicos e em cinza as ruas abertas ou prolongadas entre 1855 e 1889.

32

A análise dos dois mapas nos leva a perceber que, durante o século XIX o tecido urbano

da Cidade da Parahyba sofreu poucas alterações. Ainda segundo Vidal (2004) os primeiros

esforços de modificação na configuração urbana da cidade ocorrem a partir da segunda metade

do século XIX. “Enquanto no Rio de Janeiro e na vizinha capital de Pernambuco os

investimentos em infra-estrutura urbana começaram a esboçar-se desde as primeiras décadas do

século XIX”, (Idem, p. 09) os habitantes da cidade ora analisada só usufruíram de incrementos

como a água encanada e a energia elétrica na primeira década do século XX.

Ao comparar os dois mapas, a autora propõe que “entre as duas datas a cidade se

expandira de forma espontânea, a partir, sobretudo, do prolongamento de ruas existentes, sem que

o poder público exercesse controle adequado sobre esse processo” (VIDAL, 2004, p. 74).

Acrescenta ainda que, mesmo apresentando expansão do tecido urbano, a Cidade da Parahyba

continuava limitada às porções de Cidade Alta e Cidade Baixa, características desde a sua

origem.

Como explica Sales e Maia (2003) “o contraste entre essas duas áreas da cidade não se

dava apenas pela sua topografia, prédios e outros tipos de edificações, mas também pela

população que circulava pelas ruas: a classe trabalhadora sempre no Varadouro e a elite sempre

presente na Cidade Alta (Idem, p. 46)”, ou seja, a diferença não era apenas na morfologia

apresentada, ou no relevo, mas também nos hábitos e costumes vivenciados pela população que

residia e/ou transitava por cada uma destas áreas da cidade. Além disso

[...] os elementos que dão forma à cidade – ruas, casas, praças – revelam toda uma estrutura social nela presente. E é na forma, na materialidade que as relações sociais se tornam visíveis. No entanto, toda a projeção que se realiza na formas da sociedade na cidade constitui apenas uma parte dela. A cidade irá trazer a imagem do dado momento, ela será construída e reconstruída segundo a vontade, o desejo, o esforço e a reflexão do homem, criando assim símbolos que marcarão época. No entanto, essa construção/ reconstrução ocorrem diariamente, ela se faz fruto do cotidiano tornando assim, a cidade uma obra inacabada e eternamente dinâmica. (SALES e MAIA, 2003, p. 41)

A partir da Monografia da Cidade da Parahyba, citada anteriormente, que, embora tenha

sido publicada em 1910, retrata a cidade em 1865, podemos perceber que a referida cidade, ainda

de pouca expressividade urbana, tinha, na época, sua feição limitada a algumas ruas, sendo estas

concentradas em um perímetro de tamanho relativamente pequeno.

Observa-se ainda uma grande quantidade de prédios religiosos distribuídos ao longo da

33

cidade, representando o poder exercido pela Igreja em detrimento à diminuta atuação do Estado.

Este fato pode ser ainda melhor observado quando analisamos as diversas posturas, leis e

decretos que tratam do espaço urbano, pois, é nítido como, com o passar do tempo, e mais

particularmente a partir dos últimos anos do século XIX, estas determinações vão tratar dos

prédios administrativos prevendo construções, reformas e ampliações nos mesmos.

A fim de entendermos melhor não apenas o crescimento e a expansão no tecido urbano

da cidade, como também seu crescimento populacional, passamos a explanar aqui algumas

características da população, seja em relação ao crescimento vegetativo, ou à tipologia de suas

habitações, de acordo com os dados que encontramos durante a pesquisa. A partir destes dados,

observamos que, no início do século XIX, a população da Cidade da Parahyba estava reduzida à

cerca de três mil habitantes, já em 1828 passa a contabilizar um total de 5.816 habitantes, de

acordo com o ‘Mapa apresentado pelos Vigários das differentes Freguesias’ em 1828 (Arquivo

Nacional). Em relação à tipologia das habitações, sabemos que, neste período a cidade possuía:

Tipologia das habitações na Cidade da Parahyba

Sobrados Casas de alvenaria Casas de taipa Casas de palha.

55 246 608 1.210

Figura 03. Tipologia das habitações. Fonte: Mappa Estatístico da População da Província da Parahyba do Norte. 1828. Arquivo Nacional. Organização: Nirvana de Sá

A partir desses números, os quais representam a cidade antes do período temporal

delimitado para a constituição dessa pesquisa, podemos observar melhor a morfologia e as

características de população ao longo do tempo. Esses dados nos dão subsídios para inferir que,

na maior parte das habitações encontradas na cidade, em meados do século XIX residia uma

população de menor poder aquisitivo, e, por isso, um expressivo número de casas de palha.

Sabe-se que a partir do século XIX, “nas principais cidades brasileiras, grandes

mudanças acontecem [...] tais como o aumento demográfico, a institucionalização da propriedade

privada, as melhorias de transporte e infra-estrutura urbana como a instalação da iluminação, do

abastecimento d’água ou ainda o início da promoção imobiliária” (MAIA, 2008, p. 02). Estes

serão, portanto, os principais fatores responsáveis pelas modificações observadas na Cidade da

34

Parahyba tanto em relação à sua morfologia ou à distribuição dos seus habitantes, como aos seus

hábitos e costumes.

Sobre a população nas cidades brasileiras de um modo geral, podemos observar que no

Brasil, um acréscimo da população que reside nas cidades foi notado quando da abertura dos

portos brasileiros ao comércio internacional, com o tratado de 1808. Com o maior fornecimento

de matérias primas, excluindo-se a figura do atravessador, aumentam-se as instalações do

comércio no litoral brasileiro, influenciando, por conseguinte, o litoral paraibano.

Em relação à distribuição dos habitantes da Cidade da Parahyba, verificamos que, nas

primeiras décadas do século XIX eles se ncontravam divididos da seguinte forma:

População Paraibana (1828)

Brancos

Negros Pardos

Naturalizados Africanos Homens 1140 880 410 724

Mulheres 1246 670 180 566 Figura 04: População paraibana. Fonte: Mappa Estatístico da População da Província da Parahyba do Norte. 1828. Fonte: Arquivo Nacional. Organização: Nirvana de Sá

O aumento populacional, observado em algumas cidades brasileiras, ainda não pôde ser

constatado na Cidade da Parahyba no início do século XIX. Um crescimento mais considerável

pôde ser verificado, sobretudo, a partir da segunda metade deste século. Segundo dados

publicados em artigo da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, no ano de 1850

foram batizadas, na Cidade da Parahyba, 388 crianças e faleceram 469 pessoas. O autor do

referido artigo atribui este déficit de natalidade ao fato de que “morria mais gente do que nascia

porque a Santa Casa era a maior fornecedora dos cemitérios e muitos dos seus clientes vinham do

interior só para morrer aqui” (RAMALHO, 1958, p. 136).

A partir da análise documental, mesmo sabendo que “não tem sido possível obter uma

estatística completa da população da província. Os dados que existem [...] são muito imperfeitos,

e apenas podem dar uma idéia aproximada da verdade.” (RPP, 1854, p. 18). Estes dados apontam

que, em 1852, a população da Parahyba [província] “não excede a 211.952 almas, sendo 183.479

de pessoas livres e 28.473 de escravos.” (Idem). Já em 1869, a população da cidade atinge a cifra

de 28.000 habitantes, de acordo com uma comissão de médicos que “sob a presidencia do

35

Inspector de Saude Poggi, deviam estudar o assunto e propor medidas” (MEDEIROS, 1910, p.

121). A partir da análise do relatório elaborado por esta comissão, percebemos que “a população

daquela época, de 13.000 habitantes, eleva-se actualmente a 28.000” (Idem). Estes dados

referem-se, respectivamente aos anos de 1869, momento da elaboração do referido relatório e;

1911, quando da publicação do artigo ora citado, de autoria de Coriolano de Medeiros. Ou seja,

apresenta um acréscimo aproximado de 115% em apenas 42 anos.

Embora a população tenha apresentado um acréscimo nos últimos anos do século XIX,

problemas em relação à urbanização e, sobretudo à sua salubridade continuam a atingir este

espaço. Ramalho (1958) explana que as causas de insalubridade, apontadas pelas comissões de

higiene e pelos administradores locais, os quais solicitavam sua pronta resolução, continuavam a

existir durante anos, mesmo que houvessem sido apontadas como focos de disseminação de

doenças e sugeridas sua extinção. Entre estas causas, o autor, cita:

[...] a localização e construção do cemitério publico, o qual ainda hoje está prestando serviços; o despreso em que deixaram os princípios de hygiene na construcção do matadouro publico; a falta de asseio das ruas e praças; inconstâncias das estações; a estagnação das águas do Jaguaribe, da lagoa e aguas salgadas no soppé occidental da cidade. (Idem, p. 141)

Os relatórios dos Presidentes das Províncias e ainda os relatórios referentes às

repartições de saúde apontam ainda como causas de insalubridade a ausência de determinados

equipamentos urbanos e da atuação do poder público:

[...] pouca limpeza e asseio que se observa nas ruas d’esta Cidade, um grande lamaçal que existe á leste da estrada, que communica a ponte sobre o Rio Sanhauá com a Cidade baixa e o rio Jaguaribe, que costeia a capital pelo lado do leste, cujas águas não dispondo de livre curso, em conseqüência da obstrucção do seu leito, acha-se, por conseguinte, transformado em um extenso pântano, coberto de vegetação aquática; o que concorre poderosamente para a alteração, que se nota n’este importante ramo do serviço público (RPP. 1882. p. 21)

O então considerado “importante ramo do serviço público”, (tal como colocado nas

palavras do presidente da província no ano de 1879) era a saúde pública, a qual dá título às suas

palavras. Complementa ainda ao dizer que se fazia necessário para a manutenção da ordem

pública da cidade e da saúde de seus habitantes que esses focos de insalubridade fossem extintos

“pelas leis da hygiene”, o que, no entanto, não ocorria nesta província “devido sem dúvida, á

defficiencia dos seus recursos” (RPP, 1882, p. 21). Em relação à saúde e à salubridade pública na

36

Cidade da Parahyba, vários são os registros que afirmam a deficiência da mesma. Pois,

em qualquer canto, em todas as ruas e beccos encontra-se montes de lixo, animaes mortos em putrefação, materiaes fecaes, e aguas podres estagnadas: de sorte que, se todos esses focos pestilenciaes não fossem modificados em sua acção destruidora pela vegetação, que cobre em grande parte o solo, e pelo clima reconhecidamente salubre, estaríamos sempre sob a pressão de frequentes e graves cataclysmas epidêmicos. (RPP, 1882. p. 02)

Essas eram as principais causas apontadas para a ocorrência das epidemias que

assolavam a Cidade da Parahyba ao longo dos anos analisados, quais sejam, entre os anos de

1854 e 1912. É importante, pois, estudar e analisar as medidas que foram tomadas e/ou

recomendadas para o seu combate. Estas, por sua vez, promoveram ou reivindicaram alterações

no espaço urbano da Cidade da Parahyba.

1.1 - Normas higiênicas na Cidade da Parahyba

A fim de entendermos de que forma a Cidade da Parahyba teve o seu espaço urbano

alterado sob a influência do Movimento Higienista, passamos a investigar as alterações e

intervenções urbanas que ocorreram em muitas cidades no mundo ao longo do século XIX e

início do século XX e que foram direta ou indiretamente fundamentadas a partir do Ideário ou

Movimento Higienista. Desta forma, teremos uma compreensão acerca da abrangência das idéias

e teorias que fundamentaram as ditas intervenções e de que maneira estas basearam, interviram,

modificaram ou justificaram as modificações promovidas nessas cidades em geral, e mais

especificamente na Cidade da Parahyba.

Para tanto, partimos do entendimento de que, desde o século XVIII, e mais

especificamente a partir do século XIX algumas mudanças foram verificadas em relação à

distribuição e concentração dos habitantes sobre os territórios das cidades. Na Inglaterra, por

exemplo, estas modificações foram ocasionadas principalmente pela denominada primeira fase da

Revolução Industrial. Esta foi impulsionada pela utilização da máquina a vapor e, por

conseguinte, pelo processo de industrialização. O crescente desenvolvimento da indústria

influenciou um acréscimo na concentração e na densidade dos habitantes nas cidades, e fez com

que os locais onde se dava a instalação de indústrias se tornassem verdadeiros centros de

aglomerados humanos em rápido crescimento.

37

Junto a esse acréscimo populacional verifica-se a ocorrência de muitas epidemias, que

assolavam e dizimavam a população, pois, com o adensamento, a transmissão e o contágio das

doenças se dava com maior rapidez. Benévolo (1994) relata que, junto a esses novos problemas

na/da cidade industrial, entre 1830 e 1850, nasce à ‘urbanística moderna’, a qual, aliada às novas

técnicas de construção e novos elementos construtivos, modifica o pensamento e a atuação sobre

o espaço urbano. Além disso, as recentes técnicas de construção e o desejo por tornar as cidades

menos passíveis à ocorrência de doenças possibilitam o surgimento de novas formas de

intervenção deste espaço e sobre este espaço por parte daqueles responsáveis pela gestão das

cidades, as quais se encontravam relacionadas principalmente a uma gestão higiênica dos espaços

urbanos das cidades.

Apesar do surgimento e divulgação das novas técnicas e, da necessidade de diminuir as

epidemias a partir de uma gestão higiênica dos espaços, os instrumentos de intervenção revelam-

se, muitas vezes, insuficientes, pois diante do crescente número de população e da chegada diária

de novos habitantes às cidades atraídos pela indústria, os proprietários e construtores de

habitações as faziam de qualquer forma, sem nenhum controle da autoridade pública, e

tampouco, sem nenhuma preocupação sanitária, desta forma “em muitas cidades as áreas

construíveis caem sob o controle exclusivo da especulação privada, e as exigências especulativas

impõem sua lei a cidade: forte densidade de construções, crescimento em anéis concêntricos em

torno dos velhos centros ou dos lugares de trabalho, falta de espaços livres.” (BENÉVOLO,

1994, p. 71).

Todo esse adensamento populacional gera algumas exigências decorrentes tanto do

déficit e da má qualidade das habitações; como da intensificação e proliferação de doenças entre

os habitantes. Ou ainda graças à grande concentração de pessoas em espaços não suficientes para

a circulação do ar, o que, segundo a teoria vigente sobre a transmissão de doenças seria a grande

causa da ocorrência de epidemias. Esta teoria, denominada ‘Teoria dos Miasmas’, defendia que

as doenças eram transmitidas pelos ares de uma atmosfera contaminada por estarem concentradas

nos ambientes, principalmente naqueles habitados pela população de menor poder aquisitivo. Por

conseguinte, havia um fortalecimento do preconceito social que justificava as intervenções

autoritárias e o afastamento desta população “perigosa” dos lugares habitados pela “boa gente”.

Ou seja, por não possuírem ainda, os meios técnicos suficientes à descoberta dos micróbios, das

bactérias e dos vírus, como os microscópios, por exemplo, as autoridades médicas não apenas

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acreditavam como também difundiam a idéia de que as doenças eram transmitidas através de um

ambiente onde o ar estaria contaminado pelos odores da sujeira das ruas e dos corpos, tanto dos

vivos como dos mortos.

Na tentativa de entender a origem das doenças foram criadas e aceitas pela comunidade

médica em geral, bem como pela elite e pelos administradores locais, três concepções distintas,

porém complementares. Segundo Diniz:

Ao nível das leis eruditas, tem-se a concepção médica, que procurava ligar as causas das doenças a fenômenos naturais e humanos, seja na versão infeccionista (corrupção do ar), seja na contagionista (importação e contato). Entre as camadas populares, dominavam explicações relacionadas à idéia de manipulação da doença. Quanto a terceira explicação, vinculada às religiões oficiais, identificava-se a doença a castigo e punição. (Idem, 2001, p. 129)

Eram a partir destas concepções que se dava a formulação das ordenações urbanas nas

cidades, principalmente durante o século XIX e início do século XX, as quais serão aqui

analisadas.

Diniz (2001) expõe que até o século XIX duas formas de representação fundamentaram

o entendimento sobre o surgimento das doenças, são elas, a concepção ontológica e a concepção

dinâmica. A primeira delas, ou seja, a concepção ontológica seria algo exterior ao homem que o

penetrava, e “neste caso, o homem doente seria aquele ao qual havia se agregado um ser (a

doença)”. (DINIZ, 2001, p.133). Este mal exterior deveria ser, portanto, expulso do homem por

meio de tratamentos baseados em religiosidade ou “mágica”, daí a justificativa para o uso de

sanguessugas, muitas vezes utilizados, não só por curandeiros, como pelos próprios médicos,

conforme podemos observar nos anúncios de jornais e revistas publicados durante meados do

século XIX, ou mesmo no início do século XX.

ATTENÇÃO 

Figura 05: Jornal ‘O Tempo’. 1865. NDHIR.

Este uso atrelado aos rituais religiosos fazia parte dos métodos de cura que permeavam o

N. 106.- Junto ao passo – N. 106.

Ginot Manoel Gomes de Carvalho, tendo comprado grande porção de sanguessugas hamburguezas, tem resolvido vender cada uma pelo diminuto

preço de 640 rs.; e aluga pelo de 320 rs.; e faz grande abate nas compras de mais de 50.

39

período analisado8. A religiosidade é justificada por ser a epidemia considerada como um castigo

divino, como punição dos deuses à uma vida na qual as leis divinas não eram observadas. Daí a

justificativa para que a população ociosa e pobre fosse considerada como perigosa, no que se

refere à transmissão de doenças.

Já a concepção dinâmica seria o entendimento a partir do qual “a doença era resultante

da perturbação desse equilíbrio [da natureza], dessa harmonia. Como tal, não se localizava em

parte alguma do corpo humano [...] era, sobretudo, o esforço da natureza no homem para obter

um novo equilíbrio.” (DINIZ, 1999, p. 185). Estas concepções, que vão influenciar as teorias

médicas sobre o contágio e transmissão das doenças, até meados do século XIX, levaram a

necessidade da existência de uma gestão higiênica da habitação e dos espaços para que fosse

evitada a difusão das mesmas e a ocorrência das epidemias. A partir desse entendimento, os

recursos para cura e prevenção, em sua maioria resumiam-se ao saneamento. A higiene passa

então a ser considerada como algo imprescindível, ou seja, uma das formas principais de evitar

infecções, fazendo com que as cidades se tornassem ‘alvo’ do ideário higienista, no sentido de

receber equipamentos urbanos que favorecessem a higienização, como a instalação de serviços de

abastecimento de água; de saneamento; o controle sobre a construção de habitações, construção

de cemitérios públicos, e matadouros, entre outros. A higiene, portanto, é considerada como “a

parte da medicina administractiva, que tem por fim conservar a saúde e a vida, aperfeiçoar nossas

faculdades, fasendo-nos gosar e usar de huma maneira conveniente de tudo que nos cerca, e

evitar o perigo ligados ao abuzo.” (Correspondências com o Ministério do Império. 15 de outubro

de 1863).

Neste intento, Boarini (2003) demonstra que, sobretudo a partir de meados do século

XIX, “a preocupação com a objetividade, com o esquadrinhamento e com a previsão era uma

constante. O cientificismo era a figura de uma sociedade que, aceleradamente, se despojava dos

últimos vestígios do feudalismo (p.31)”. A ciência, sobretudo o saber médico, passa a interferir

sobre o espaço habitado. Os médicos veiculavam através dos jornais e revistas da época que os

males epidêmicos se proliferavam devido aos maus hábitos de higiene da população, e que era

preciso difundir entre os habitantes da cidade novos hábitos condizentes com os preceitos

científicos, ou seja, fazia-se necessário, controlar o espaço urbano através de uma gestão

8 Para maior leitura sobre o tema. Ver a obra: Chalhoub. Sidney (Org.) Artes e Ofícios de curar no Brasil: Capítulos de história social. Unicamp, 2003.

40

higiênica das habitações e dos costumes, sobretudo das classes populares, pois de acordo com os

detentores do saber científico, eram nas casas dessa população pobre, mais exatamente nos

pequenos cômodos, nos cortiços e nas casas de construção precária, que se originavam os surtos

epidêmicos.

Esta era, portanto, a única forma de evitar as epidemias que assolavam as cidades e

dizimavam grande número de sua população, ou seja, “nada melhor que a ciência com seus

procedimentos demonstráveis, trazendo ‘verdades’ que, tal como a religião o fizera, deveriam ser

irrefutáveis, pois impunham a necessidade de modernidade e desenvolvimento (BOARINI, 2003,

p.98)”. Seria através de hábitos higiênicos que as cidades tomariam ares de urbe moderna,

conforme podemos observar no documento que se segue.

O Movimento que incita todas as cidades a submetter-se as exigências de hygiene moderna, sob pressão enérgica da opinião publica, é irresistível. Torna-se felizmente, de mais a mais temerário de evital-o [...] A morada pode ser comparada a um organismo vivo, si as leis que regem a natureza que nos envolve e que vive de ar, de luz e d’água são respeitadas. As casas insalubres, as casas de taipas, as cobertas de folhagens, receptáculo de insetos e outros, sacrificam esses elementos.9

Tal concepção entendia que, quanto mais a cidade e sua densidade crescem, maiores os

problemas em relação à estética, à insalubridade, aos resíduos sólidos e líquidos, por isso as

contaminações que daí surgem são transmitidas dos bairros populares (vistos como principais

responsáveis não só pela origem, como também pela contaminação e contágio de doenças) para

os burgueses e aristocráticos, ou seja, para os bairros centrais em que habitava a elite dominante,

levando a criação e ao surgimento de inúmeros regulamentos, determinações, posturas e decretos

que alterassem a maneira como se daria o tratamento sobre o espaço urbano.

Quanto aos regulamentos e determinações vale destacar que

[...] as cidades de colonização portuguesa embora não estivessem subordinadas à lei de edificações não se podia dizer que estas cidades se estruturaram sem ordem nenhuma. É nesse contexto que se constrói a cidade de Nossa Senhora das Neves, que surge já enquanto cidade. Contudo, os costumes citadinos eram tipicamente rurais e isto poderia ser mais bem observado através das poucas edificações que em cujos quintais havia o cultivo de certas frutas e hortaliças bem como a criação de galinhas e outros animais. Estas atitudes, ditas como

9 Saneamento da Capital: Estudos e Opiniões. Almanach Administrativo, Histórico e Commercial do Estado da Parahyba para 1911. Coleção Paraibana: Biblioteca Central UFPB.

41

rurais, apresentavam-se também nas relações mantidas pelos habitantes e refletiam-se na forma da cidade: ruas esburacadas e fétidas, devido o despejamento de lixo doméstico que se misturava aos dejetos dos animais que viviam nas ruas. (SALES e MAIA, 2003, p. 44).

Maia (2008) analisa a legislação brasileira e o tratamento das cidades e da vida urbana

no período de 1822 a 1850. Esta análise nos faz aqui importante por representar bem as

determinações que versam sobre as cidades de um modo geral, o que nos possibilita o

entendimento sobre as determinações acerca da Cidade da Parahyba em particular, já que lidamos

com as posturas, leis e decretos que a regulamentam. A autora identifica as leis, ao decretos e

ainda as resoluções como sendo o conjunto de documentos que compõem as legislações do Brasil

no século XIX, e propõe que, durante o recorte temporal por ela analisado, mesmo que houvesse

resoluções municipais, a maioria delas era apontada ou direcionada pela legislação nacional.

Percebemos a partir desta explanação que, mesmo com a existência de documentos locais,

ligados à Câmara Municipal, estes não são os mais expressivos e que, em geral, até mesmo os

jornais locais publicavam as determinações nacionais transmitidas da Corte Imperial (Rio de

Janeiro) às capitais das províncias. Em relação às Câmaras Municipais a autora observa ainda que

as decisões locais são controladas pelo governo central e, além disso, as unidades municipais possuem parcos recursos financeiros para viabilizarem todas as atribuições determinadas pelo texto constitucional e pelas leis complementares. No Brasil, os municípios teriam que atender as demandas de melhoramento urbano, instrução, saúde e policial, e os recursos eram por demais escassos, não atendendo as mínimas funções indispensáveis à manutenção dos seus serviços. (MAIA, 2008, p. 08)

A partir da análise documental, constatamos várias modificações na Cidade da Parahyba,

que são determinadas tanto pelas normatizações advindas da Capital do Império, ou

posteriormente da República, como aquelas propostas pela Câmara Municipal da Cidade da

Parahyba, tais como: construção de calçamento e passeios em frente às casas da Rua Conde d’Eu;

os passeios da Rua São Francisco em 1874; o calçamento da Rua São Frei Pedro Gonçalves e da

Estrada da Gamelleira em 1889. Essas intervenções, somadas a inúmeras outras, exemplificam

bem a tentativa e as atuações voltadas para o embelezamento e a higienização da cidade.

Para Andrade (2005), foi principalmente durante o século XIX que surgiu a necessidade

de alinhar as ruas, “contrapondo-se as ruas sinuosas, feitas sem obediência às normas e seguindo

o relevo”. Neste momento, foram formuladas, na Cidade da Parahyba, as chamadas Posturas

Municipais. Estes são, portanto, documentos que contêm normas especificamente urbanas e são

42

elaborados pelas Câmaras Municipais. A autora acrescenta que “as câmaras municipais

adquiriram, no século XIX, grande importância no destino das cidades. Uma lei de 01 de outubro

de 1828 regula e padroniza o funcionamento das Câmaras Municipais. O artigo 66 determina que

tudo o que diz respeito ao chão público é de responsabilidade das câmaras.” (ANDRADE, 2005,

p. 31)

Ao analisar as Posturas Municipais que foram criadas na Cidade da Parahyba, temos a

certeza de que esta cidade pretendia acompanhar as tendências de modernidade e a preocupação

com a boa aparência da cidade que eram trazidas da Europa para a Capital do Império e desta

para as demais capitais das províncias.

Note-se que as determinações expressas nos documentos analisados confirmam o ideário

e os objetivos do poder municipal de adequar a Cidade da Parahyba aos padrões de higiene e

salubridade, precisando para isto modificar o espaço físico da cidade e os hábitos da população

por força punitiva. Como podemos aqui demonstrar, o cumprimento das determinações higiênicas

fazia com que se afastasse da área central da cidade não só os hospitais – como o da Casa da

Misericórdia que sai da Rua Direita e passa a situar-se em área distante, denominada Cruz do

Peixe – mas também as habitações da população pobre. Se por um lado os hospitais são

deslocados, afastados da cidade, por outro, os mortos também passam a ocupar outro espaço na

cidade: os cemitérios.

Quanto ao tratamento das leis e determinações para o trabalho de reconstrução ou

análise do espaço urbano, vale destacar os riscos de que nem sempre o que é determinado a partir

da lei é realmente concretizado e, ainda de que as leis em geral representam a classe dominante,

ou seja, a elite local. No entanto, o tratamento e a análise do espaço a partir da legislação fazem-

se importantes à medida que, mesmo que não tenham sido postas em prática, é a partir de sua

investigação que temos a possibilidade de compreender o ideal ou a mentalidade que permeava as

práticas de intervenção no espaço à época, ou seja, conforme coloca Maia (2008) “se por uma

lado é certo que a lei intermedeia as relações de classe em benefício da classe dominante, por

outro, ela também intervém nessas relações através dos registros legais que serviram muitas

vezes para inibir as ações dos mesmos dominantes.” (p. 05)

Acreditamos ainda que estes riscos possam ser amenizados à medida que confrontamos

a análise das leis e decretos com o que era publicado nos diversos jornais e revistas no âmbito da

cidade, os quais, muitas vezes, expressam a situação da maior parte da população que habita a

43

cidade e que não necessariamente fazem parte da elite letrada ou dos responsáveis pela criação e

aplicação das mesmas leis. Portanto podemos afirmar que é baseado no estudo sobre o cotidiano

da população que compunha a cidade; bem como a análise de como esta população aceita ou

refuta o que é determinado pelas legislações que há possibilidade de diminuirmos os riscos

apontados pela autora. Riscos estes que dizem respeito ao tratamento da cidade e da vida urbana a

partir das fontes oficiais.

O discurso da higiene insere-se, portanto, nesta nova forma de controle social e de

exercício do poder por parte da elite sob a população em geral, população esta que, como falamos

antes, em sua maioria não tinha condições de acompanhar tal discurso. Desta maneira, não apenas

o lugar, mas os valores

atribuídos ao modelo de urbanização, representado pelo modelo de cidade moderna, higiênica, saudável, contribuíram para o esquadrinhamento de homens e mulheres [...] as pessoas que desejassem habitar a cidade deveriam se enquadrar nos padrões exigidos pela lógica capitalista que lhe deu origem ou então seriam excluídas a fim de impedir a reprodução de um modelo contrário à ordem planejada, que rompesse o traçado do espaço que se quis presumível. (CAMPOS, 2004, p.14)

Apesar do autor acima analisar meados do século XX, suas contribuições nos parece

importantes por demonstrar que as idéias do controle social não estão limitadas ao período aqui

estudado, porém surgem neste e tem respaldo ainda sob o planejamento urbano atual. Pensando

na exclusão citada por Campos, consideramos, a partir de fonte documental, a exclusão e

segregação posta na cidade ora analisada, ao observarmos não apenas a disposição de

equipamentos urbanos instalados, como também as próprias habitações (tipos de construção e

lugares construídos). Ademais, faz-se importante uma investigação acerca da oferta de alguns

serviços tais como cemitérios e matadouros públicos os quais, embora se fizessem importantes

para a manutenção da salubridade eram também considerados nocivos à sociedade à medida que,

por meio deles poderiam ser emanados gases nocivos, ou seja, constituíam lugares contaminados

ou capazes de oferecer risco à população de um modo geral, segundo a teoria dos miasmas.

Salientamos, portanto, que a escolha dos lugares em que seriam ofertados e/ou

implementados alguns equipamentos urbanos, bem como a não oferta dos mesmos, relacionava-

se também ao conhecimento científico da época sobre o contágio e a transmissão de doenças, já

que cabia aos engenheiros sanitários e aos médicos responsáveis pela administração pública a

44

escolha do lugar e a execução da planta dos equipamentos urbanos a ser instalados na cidade, ou

ainda a abertura de novas ruas e até mesmo a disposição das habitações.

O conhecimento científico e a forma como se planejava a cidade são modificados ao

passo que outras teorias médicas são descobertas. Por muitos anos acreditou-se, a partir da teoria

dos contágios, que as doenças eram propagadas através do ar e que era a partir dos lugares e da

má gestão dos espaços urbanos que se daria a ocorrência de epidemias. Jonhson (2008) retrata

bem essa teoria ao comentar o enterramento dos mortos em Londres em meados do século XIX.

O mesmo relata que

por mais repulsiva que fosse a visão das sepulturas, muito provavelmente os cadáveres não estavam disseminando ‘doenças perniciosas’. O fedor era suficientemente opressivo, mas não ‘infectava’ ninguém. Uma cova rasa coberta de corpos em decomposição era uma afronta aos sentidos e à dignidade humana, mas o odor exalado não representava um risco à saúde pública. [...] No entanto, os postos cegos no mapa, os sombrios continentes de erros e preconceitos, carregam também seu próprio mistério. Como tantas pessoas inteligentes puderam se equivocar tão completamente por um período tão extenso? Como puderam ignorar tantas evidências esmagadoras que contradiziam suas teorias mais básicas? (JOHNSON, 2008, p. 25)

A teoria dos miasmas irá, portanto, fundamentar a criação das primeiras leis higiênicas e

sanitárias no mundo, bem como o surgimento da ‘Comissão dos Pobres’ que atuava no ano de

1832, na cidade de Londres; a Lei dos Pobres, de 1834, na mesma localidade; ou ainda o estudo,

realizado em 1845 que culmina com a construção de um relatório da comissão real de Londres

sobre o estado das grandes cidades e dos distritos populosos, no qual se fazem recomendações

para impor às habitações condições higiênicas mínimas a fim de melhorar e alargar ruas; abrir

parques públicos e instalar alguns equipamentos urbanos considerados necessários aos bons

hábitos higiênicos da população.

1.2 - As epidemias e as determinações higiênicas na Cidade da Parahyba

Ao estudar as epidemias – especialmente a epidemia da cólera que assolou a Região

Nordeste durante o século XIX – Diniz (2001) explana as teorias médicas que foram sendo

formuladas ao longo dos tempos com o objetivo de investigar a ocorrência e transmissão das

doenças. Desta forma, o imaginário da doença no século XIX, quando se acreditava nas teorias de

45

contágio e dos miasmas é “alimentado pelo desconhecimento das causas do mal, impotência da

medicina, súplicas, preces, desânimo e, sobretudo, medo do contágio” (Idem, p.121). É

exatamente este medo do contágio e o desconhecimento das causas das doenças que vai gerar o

temor em relação à aproximação de outros, ou seja, daqueles considerados doentes ou propensos

a adoecer, principalmente os pobres e desempregados, favorecendo desta forma, a exclusão e a

segregação na cidade. A respeito da inexistência de conhecimento quanto às causas das doenças,

transcrevemos aqui o trecho de uma carta escrita pelo então Presidente da Província no ano de

1863, na qual, trata da cólera afirmando ser

[...] inútil discutir seriamente, com os cênicos dados, que temos ate hoje colhido, qual a causa primordial do cholera, attendendo-se que essa moléstia epidêmica tem-se desenvolvido e propagado no espaço de 15 annos através de 3 milhões de legoas quadradas em paizes e regiões diversas, e no meio de condicções hygienicas e clymatericas inteiramente oppostas. O que porem é senão incontestável, ao menos racional, é suppor-se a existência de uma causa especifica provavelmente espalhada na athmosfera, mas que até hoje se não tem dado a Ella uma demonstração plausível e satisfatória (Correspondências com o Ministério do Império. 12 de janeiro de 1863. Arquivo Nacional)

Desta forma, observamos que, eram as características atmosféricas as principais causas

identificadas para a ocorrência de determinadas doenças, e mais especificamente, da cólera,

tratada pelo autor anteriormente citado. Portanto, as condições naturais do lugar, ou seja, o

relevo, o clima, a ocorrência de ventos e a incidência de raios solares, seriam consideradas os

principais fatores causadores das doenças. Entre os fatores que compunham as condições naturais

da Cidade da Parahyba são destacados nos documentos analisados os pântanos e as áreas

alagadiças, o que em conseqüência, gerou inúmeras solicitações de obras para que os mesmos

fossem removidos da área habitada da cidade, sobretudo, dos lugares habitados pela elite, a fim

de evitar a ocorrência de epidemias.

Em relação às epidemias que assolaram a Cidade da Parahyba durante o período

analisado, averiguamos que em 1853, segundo o relatório do Presidente da Província, “nenhum

mal epidêmico tem accometido esta Capital. A febre amarella, louvado Deos, não tem feito novas

victimas, e somente as febres intermitentes que sempre costumam apparecer pela mudança da

estação tem-se feito sentir no meio da população” (RPP, 1853, p. 22). No entanto, não demorou

muito para que esta cidade fosse atingida pelo mal epidêmico, tal como ocorria nas províncias

vizinhas, como a de Pernambuco, com a qual mantínhamos importantes relações políticas e

46

comerciais. O Presidente da Província em seu relatório para o ano de 1855 divulga que “a peste

das bexigas que em alguns mezes passados tanto perseguia os habitantes desta Capital e de alguns

pontos do interior, tem consideravelmente arrefecido” (RPP, 1855, p. 03). E afirma ainda neste

mesmo ano que:

[...] com pezar vos annuncio que o estado da saúde publica na Provincia não é lisongeiro: a peste das bexigas tem lavrado com intensidade em alguns pontos d’ella, com especialidade n’esta capital onde tem feito não pequeno numero de victimas, mas quase todas na classe baixa do povo principalmente entre os presos da cadeia, muitos dos quaes não são vaccinados, e vindos do interior aqui permanecem amontoados em espaço relativamente acanhado, onde por consecuencia não se encontrão as condicções de boa hygiene. (RPP, 1855, p. 08)

Essa epidemia levou o Presidente da Província a contratar dois médicos, três estudantes

de medicina e um farmacêutico a fim de “facilitar não só medicamentos, como facultativos aos

habitantes daquelles lugares, onde taes recursos absolutamente fallecem [...] apesar de exagerado

preço, que elles conhecendo a necessidade urgente e únicos no lugar, impoem a seus serviços”

(Correspondências com o Ministério do Império. 11 de setembro de 1857). A contratação de

médicos é sempre apontada como uma necessidade urgente não apenas para a Cidade da

Parahyba, como também para toda a província, o que faz com que os estudantes sejam

contratados e tenham suas faltas na faculdade abonadas, quando estiverem, durante a ocorrência

de epidemias, em serviço, conforme relata o Presidente da Província em comunicação ao

Ministério do Império no ano de 1856.

Ainda no ano de 1855, o Secretário do Governo da Parahyba em comunicação com a

Corte Imperial reclama que “sendo mui sensível n’esta Provincia a falta de um médico, a

ausência do sobredito Dr. Deixa n’ella um vácuo impossível aqui de preencher”

(Correspondências com o Ministério do Império. 11 de julho de 1855) e conclui rogando que o

Ministério tenha a honra de providenciar a verba necessária para que tal falta seja preenchida, a

fim de que seus habitantes sejam “socorridos em suas necessidades pelos benefícios da Medicina,

agora principalmente que, segundo me parece, somos ameaçados da terrível epidemia de cholera-

morbus” (Idem).

Quanto às epidemias de cólera, podemos dizer que estas foram as que mais

incomodaram as autoridades de saúde da Cidade da Parahyba, por quanto o número de pessoas

vitimadas a cada surto desta doença, daí a importância por combatê-la, evitando sua ocorrência e

disseminação. Esta afirmação poder ser exemplificada ao observarmos que

47

O cholera-morbus [...] preocupa a Administração Publica, roubou ao Paiz um crescido numero de filhos, e tirou dos cofres da Nação sommas, que deverião ser despendidas com as industrias e a lavoura, que infelismente vão cada dia em definhamento! [...] Todas as questões de hygiene social apresentam duas faces, uma puramente médica, e outra civil: a hygiene publica por tanto tem na administração baseadas nos conhecimentos médicos e outra nos recursos da Nação: observar ou mesmo destrui-las é do domínio da administração medica, empregar os recursos da Nação em bem da salubridade é do domínio da administração civil. (Correspondência com o Ministério do Império. 11 de maio de 1862)

Em 1856, além da cólera, a peste de bexigas continuava a fazer vítimas, embora

houvesse uma diminuição considerável no número de mortos se compararmos com anos

anteriores. Diminuição esta atribuída, pelas autoridades, a algumas melhorias nos hábitos

higiênicos dos habitantes, mas, principalmente ao serviço de vacinação, o que muitas vezes

mostra-se contraditório, a maioria dos documentos apresenta as dificuldades e reclama a

repugnância do povo em relação ao serviço de inoculação da vacina, alguns outros demonstram

algum crescimento no número de pessoas vacinadas. Acreditamos que estes últimos ocorrem

como estratégia de convencer a população sobre a importância deste serviço.

Em relação à vacinação, vale apontar que desde 1830 a vacinação infantil passa a ser

obrigatória. Apesar dessa obrigatoriedade, poucos pais cumpriam com tal determinação, isto por

várias razões: o método de inoculação além de lento era bastante doloroso; os vacinados ainda

deveriam retornar para verificação da pústula no oitavo dia, gerando desconforto e, sobretudo,

descrença, já que a população em geral não acreditava na eficácia da vacina, pois achavam que a

mesma ao invés de trazer a prevenção era uma maneira de introduzir a doença em seus corpos.

Em 1844, foi decretada uma nova postura pela Câmara Municipal da cidade do Rio de

Janeiro em relação à vacinação infantil. Esta deveria ocorrer entre os 04 meses e 01 ano de idade,

sob pena de multa aos pais ou responsáveis, e para garantir maior controle, os adultos não

vacinados não poderiam ter emprego público, nem mesmo ingressar em escolas, sejam estas

públicas ou privadas. A partir de 1868 todos os anos foram marcados por epidemias no Rio de

Janeiro: “a febre amarela reapareceu no Rio no verão de 1868, e a partir de então não mais deixou

a cidade até a bem sucedida campanha de erradicação liderada por Oswaldo Cruz no início do

século XX” (CHALHOUB, 1996, p. 86). O que conduz à maiores intervenções pelos

administradores. A Secretaria de Negócios do Interior criou o Código Sanitário em 1894 e passa

a tratar daqueles que se recusavam a receber a vacina. Assim, os agentes de saúde passam a ser

48

acompanhados da força policial para realizar a vacinação. Aliado a este fato, decide-se tanto no

Rio de Janeiro, como na maioria das outras cidades brasileiras, por se afastar da área central, as

denominadas classes pobres ou classes perigosas, alocando-as nos arredores da cidade com o

objetivo claro de evitar que estes “portadores de doenças” transmitissem seus males à elite. O

conjunto dessas medidas, somado à falta de uma educação sanitária, que ao invés de obrigar,

informasse e convencesse a população da importância da vacinação, gera o que conhecemos

como a Revolta da Vacina. Esta revolta ocorre em 1904 quando o serviço de vacinação estava

imunizando o maior número de pessoas nunca antes visto. O que parece ser contraditório.

Contudo, é importante lembrar que estas pessoas eram vacinadas por força policial e não por

vontade própria, o que fazia crescer cada vez mais a revolta contra os vacinadores, médicos e

sanitaristas.

Vários são os registros e documentos escritos pelas autoridades locais que nos revelam

de que forma ocorria o serviço de vacinação na Cidade da Parahyba, ou mesmo, no interior da

Província, sendo a maior parte deles reclamando sobre a qualidade do ‘pus vacínico’, sua

quantidade ou mesmo a falta de interesse do povo por submeter-se a tal procedimento. Em

relatório, o Presidente da Província reclama sobre o serviço de vacinação, ao dizer que:

“infelizmente a vaccina não tem tido da parte da população [...] a acceitação que éra de desejar, e

este facto não deixa sem duvida de contribuir para a propagação do mal e de seus terríveis

effeitos” (RPP, 1856, p. 19). Neste mesmo ano, o comissário vacinador desta província solicita

uma “remessa de puz vaccinico, de que há por aqui falta absoluta [...] por ocazião do

apparecimento da peste das bexigas na Cadêa publica d’esta cidade” (Correspondências com o

Ministério do Império. 11 de setembro de 1857).

Embora muitas dificuldades sejam expressas, em 1875, o Inspetor de Saúde Pública da

Cidade da Parahyba afirma que, apesar de todas as dificuldades para o bom funcionamento do

serviço de vacinação da Cidade da Parahyba, como por exemplo, “a repugnância de uns, e os

preconceitos de outros” foram vacinados 1354 pessoas durante este ano, concorrendo, ainda

segundo o mesmo, com o bom estado sanitário da província e principalmente com uma redução

no número de mortos. Afirma neste sentido que “raríssimo é o caso de varíola em algum

individuo n’esta capital, devido a estar a maior parte da população vaccinada, ao passo que são

constantemente affectadas todas quantas vem ao interior da Provincia, que se descuidão de

procurar a vaccina” (Correspondência com o Ministério do Império. 11 de dezembro de 1874).

49

Apesar disso, a peste das bexigas continua a fazer vítimas no ano de 1857, não apenas na

cadeia pública, como também entre os habitantes da cidade, especialmente “nos subúrbios [...] no

quartel do meio Batalhão e demais logares d’esta mesma Cidade (Idem. 11 de outubro de 1857).

Este ano foi marcado ainda pela ocorrência do que se denominou nos jornais da época de

“primeiro cholera”, (assim denominado a fim de distingui-lo do segundo surto que aflige a cidade

seis anos mais tarde, o qual abordaremos adiante); e da febre amarela que “ceifa na Capital os

marujos dos navios estrangeiros, mas não tem passado a população” (Correspondências com o

Ministério do Império. 1856.)

Irineo Pinto descreve a situação da cidade em relação a essa epidemia da cólera na

Revista do Instituto Histórico e Geográfico. Relata que “os governos cônscios de sua missão e

responsabilidades, punham em pratica as medidas mais necessarias e apontadas pela sciencia,

para não só abortar o mal, se fosse possível, como também o receber no caso da invasão”

(PINTO, 1910, p. 117). No entanto, estas medidas “apontadas pela ciência” não foram tomadas

por parte da população, ou do governo, nem tampouco diminuíram a força do surto epidêmico

que assolou a cidade neste ano. Ainda de acordo com Pinto (1910) “nada, porem, domou a vinda

de tão inopportuno mensageiro da morte, cuja entrada em nosso paiz trouxe o seu cortejo de

lágrimas e dores, aniquilando tantas vidas” (Idem, p. 118). Tal situação exigiu que o Presidente

da Província comunicasse ao Ministério do Império não ser

possível que os facultativos possão soccorrer a todos os affectados, diariamente, principalmente achando-se gravemente enfermo da epidemia o Estudante de Medicina [...] os medicamentos continuão a escacear pelas grandes remessas que tenho sido obrigado a faser para o interior, e pelo grande consumo que tem tido n’esta Capital, cuja mortalidade, apesar de todos os soccorros chegou hontem a 49 individuos, em uma população tão pequena. (Correspondências com o Ministério do Império. 17 de março de 1856).

Esses e outros dados divulgados na dita correspondência, nos indicam que em cerca de

três semanas, houve, em março de 1856, mais de 400 vítimas na Cidade da Parahyba, número

acrescido para 1.110 mortos no mês de abril, momento em que se iniciou um processo de declínio

no número de mortes, ou seja, quando a epidemia passou a ser controlada.

A fim de justificar a pouca eficácia das ações do governo e da ciência no que concerne a

prevenção da ocorrência de doenças, em seu relato, Irineo Pinto afirma ainda que: “a intensidade

delle tornava nulla qualquer medida adoptada pelas autoridades sanitárias [...] pela falta de

conhecimento e preparo dos meios para repellil-o, apellando as populações quasi que

50

exclusivamente para o ceo, onde estava a ultima esperança de salvação” (PINTO, 1910, p. 118).

As causas apontadas para a ocorrência desta epidemia são várias, conforme demonstramos

anteriormente. No entanto, podemos perceber que vários eram os autores que afirmavam ser esta

de caráter natural, transmitida pelo ar, como afirmava a teoria dos miasmas. Pinto (1910), por

exemplo, explana que: “o transbordar dos rios, inundando grandemente as suas margens, trouxe a

decomposição de detrictos orgânicos alli acumulados, sendo isto, segundo pensam, de fevereiro a

primeiro de abril, somente um més e cinco dias, foi preciso para uma verdadeira hecatombe

social.” (Idem, p. 126). Além destas, figuravam entre as causas apontadas para a ocorrência e

determinação de doenças e das epidemias, uma

má alimentação plástica, assim como respiratória [...] o desprezo sobre tudo que directamente concorre para viciação do ar que respiramos [...] as más porcas e lamacentas e sujas, os monturos a cada canto, os esterquilínios em quasi todos os bêcos e ladeiras, as aguas estagnadas e pobres, a decomposição e suas exhalações mephiticas miasmáticas a influir alta e poderosamente sobre a salubridade publica. (Correspondência com o Ministério do Império. 15 de outubro de 1863).

Fazia-se necessário, portanto extinguir estes focos de infecção, determinando medidas

higiênicas a serem tomadas tanto em relação ao espaço urbano como à população. Para o

tratamento da epidemia da cólera, muitas eram as medidas determinadas pelo governo, pelos

médicos e engenheiros, principalmente as que diziam respeito à extinção dos problemas citados

anteriormente. Contudo, o que podemos observar, a partir da análise documental, é que havia

uma série de dificuldades para que a Cidade da Parahyba fosse dotada dos meios necessários à

prevenção. Reclama-se, entre outras coisas, do “numero redusido de facultativos, insufficiente

mesmo em tempos ordinários, a falta de hospitaes onde possam ser tratados as pessoas pobres e

desvalidas entre as quaes são maiores os estragos: todas estas considerações afflictivas tem

convertido aquelle receio em quase terror” (PINTO, 1910, p.121). Em relação aos pobres, que

muitas vezes eram classificados como responsáveis pelo surgimento e pela transmissão de

doenças, muitas eram as medidas tomadas para seu disciplinamento e tratamento, exemplo disso,

é o documento no qual o Presidente da Província da Parahyba na época expõe que

A gente mais desvalida, como succede quase sempre em todas as epidemias, foi também aquella que mais soffrêo, sendo a rasão disso fácil de achar-se na apreciação das condicções proprias da pobresa e de suas necessidades, no abuso constante que tal gente comete em todos os sentidos, principalmente quanto ao

51

uso de alimentação (Correspondência com o Ministério do Império. 17 de janeiro de 1868).

Esses foram, portanto, os fenômenos apontados como causa dos dois principais surtos de

cólera que assolaram a Cidade da Parahyba. O primeiro grande surto epidêmico de cólera ocorreu

entre os anos de 1855 e 1856 “apesar das enfermarias e boticas que foram estabelecidas para a

pobresa, onde apesar da promptidão e da caridade, com que eram soccorridos e affectados,

elevou-se a cifra obituária a 1.518 mortos” (PINTO, 1910, p. 128).

De acordo com Oliveira (1958), essa epidemia penetrou a Parahyba, vinda da província

vizinha, Pernambuco, através da cidade paraibana de Pedras de Fogo, e causou nesta cidade,

cerca de 3.840 mortos. Já o segundo surto, ocorrido a partir do ano de 1862 apesar de ter gerado

vítimas nas províncias de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, não foi tão violento, em

número de mortos quanto o primeiro, isso porque, segundo o referido autor “agora concorriam,

ao par de taxa embora precária de imunizados pela epidemia anterior, possivelmente experiência

e recursos maiores para uma defesa mais proveitosa.” (Idem, p. 20 e 21).

O segundo surto de cólera, ocorrido na década de 1860 na Cidade da Parahyba

promoveu algumas alterações na cidade, como por exemplo, o improviso de enfermarias. Neste

momento, uma enfermaria foi construída no Convento de São Bento para tratamento dos

acometidos desta doença durante o período de surto. Outras medidas, como a tentativa de realizar

uma educação higiênica entre a população foram tomadas. Esta, tinha o intuito de favorecer a

prevenção a esta doença, de acordo com os conhecimentos da época. É o que relata Oliveira ao

explanar que “também a imprensa quis entrar com a sua cota-parte nessa generosa obra de

solidariedade humana, tomando a si, entre outras incumbências, a de ministrar avisos, instruções,

conselhos sobre os cuidados que a oeste reinante e até como se proceder a medicação dos

coléricos” (1958, p. 21). Os avisos noticiados pela imprensa tinham o intuito, portanto, de

divulgar entre a população, os preceitos medicamentosos e a prevenção para determinada doença.

Os surtos epidêmicos de cólera que assolaram a cidade levaram a que os médicos e

medicamentos que eram destinados a esta capital não fossem capazes de tratar o grande número

de infectados pela cólera, já que, em um único dia, segundo dados fornecidos na Revista do

Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba, morreram 49 pessoas “em uma população tão

pequena”. O autor afirma ainda que “de certo, a província, quiçá a capital, ficaria despovoada.”

(PINTO, 1910, p. 129).

52

Todavia, não seria apenas a cólera que faria vítimas na Cidade da Parahyba, outras

doenças foram identificadas como causas de mortes. Neste sentido, o Inspetor de Saúde Pública

na Província, no ano de 1875 mostra em seu relatório a existência de febre amarela e de varíola,

além de outras “entidades mórbidas que ordinariamente aparecem em conseqüência de causas

naturaes e accidentaes que estão todos sujeitos” (Correspondência com o Ministério do Império.

30 de janeiro de 1875). Não obstante esses dados, o mesmo Inspetor afirma ser difícil escrever

acerca da saúde na/da província

[...] para que Ella fosse minuciosa, e completa e tivesse a importância e utilidade, reclamadas pelo bem publico, seria preciso que fosse baseada em dados scientificos, e informações regularmente ministradas por profissionaes encarregados de tão útil tarefa. Mas infelismente assim não succede, em virtude da irregular e defeictuoza organização deste importante ramo de administração, que cada dia reclama promptas providencias dos altos poderes do Estado. (Idem. Ibd).

Contudo, devido à necessidade de relatar o estado sanitário em que se achava a

província, semestralmente o Inspetor de Saúde tinha a incumbência de enviar relatórios acerca do

tema para o Ministério do Império. Dados estes que se encontram catalogados no Arquivo

Nacional, e dos quais, juntamente com outras fontes documentais, nos utilizamos para a

construção do referido trabalho.

A partir do exposto, podemos inferir ainda que em 1878, a epidemia de febre amarela

grassava na cidade e sobretudo nas tripulações advindas de outras localidades e embarcadas no

porto. Conforme podemos perceber nos documentos oficiais e nas correspondências emitidas

pelos então presidentes da província “a febre amarella, que por vezes tem manifestado e

propagado nas tripolações dos navios estrangeiros, que demandam este porto no tempo da safra e

na estação calmosa, este anno apareceo” (RPP, 1878, p.41). As causas dessa enfermidade eram o

“envenenamento miasmático produzido pelas emanações, que se desprendem dos pântanos, dos

esterquilineos, do cemitério, do matadouro e de outros focos de infecção, sob cuja inffluencia

vive a população” (MEDEIROS, 1913, p. 122). Este trecho de documento, extraído de artigo

publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba é complementado por outro

intitulado: ‘A Nossa Hygiene: Considerações Geraes’, de autoria de Flávio Maroja, publicado na

mesma revista, o que indica a importância deste tema para a população da cidade à época, já que

muitos são as divulgações em jornais, revistas, e ainda em documentos oficiais, tais como

posturas e decretos que versavam sobre o tema. Este autor escreve, ao complementar o que

53

anteriormente escrevera Coriolano de Medeiros que “por onde quer que se comece o estudo das

diversas causas, productores umas, e aggravantes outras, de má hygiene da nossa capital, ver-se-a

no seu termino, que são innumeras essas causas, cada qual mais carente de prompto e efficaz

remedio, todas merecedoras de um remodelamento accorde ás exigências da hygiene moderna.”

(MAROJA, 1913, p. 431)

Em 1882, o Presidente da Província afirma que, em relação aos riscos epidêmicos, as

febres eram as que mais acometiam a população desta cidade, estas eram “em geral benignas e

cedendo a um tratamento regular, muitas vezes revestiam-se de symptomas typhicos, e com

perturbações taes, que zombavam de todos os esforços da medicina. Não foram muitas as suas

victimas, no entanto succumbiram algumas sob sua acção.” (RPP, 1882, p. 04). E acrescenta

ainda que essas febres que ocorreram na cidade neste ano são decorrentes “de uma entoxicação

produzida por emanações deletérias, que se desprendem dos pântanos, esterquilinios existentes no

centro da Cidade, do Cemitério, do matadouro e de outros locos de infecção” (Id. Ibd.), os quais

deveriam, como vimos, ser regulados e controlados a partir de medidas sanitárias.

1.3 - As condições sociais como causadoras de doenças

Na última metade do século XVIII e principalmente com a publicação em 1790 da obra

La miseria del pueblo: Madre de enfermidades, do médico J.P Frank cresce na Europa os

primeiros estudos acerca das problemáticas enfrentadas pelo proletariado industrial, formando

junto com a medicina legal, a medicina pública, ou social. É nesse sentido, que são produzidas as

maiores transformações no campo científico, principalmente na medicina, para lutar pela

erradicação de enfermidades, como a febre amarela e a cólera.

[...] afecciones que se desarrollaban con más frecuencia en el medio urbano y que afectaban a la mayor parte de la población, especialmente aquella conformada por las clases más bajas, trabajadores, obreros y sus familias, cuyas insalubres condiciones de vida y de trabajo se convertían en focos de enfermedad permanentes. (GONZALÉS, 1999, p. 02)

De acordo com o autor acima, os primeiros escritos que tratavam das enfermidades dos

trabalhadores sob os preceitos do Movimento Higienista na Espanha datam de meados do século

XVIII e estão relacionados principalmente à problemática do proletariado industrial, “cuando

tendrá lugar, en nuestro país, el desarrollo conceptual definitivo del higienismo como doctrina de

54

base científica” (Idem, p. 03). Essas idéias serviriam como guia para as ações do governo,

provocando reformas em toda a legislação que se referia à saúde, ao ensino e exercício da

medicina e da cirurgia; às águas minerais; à higiene municipal; à polícia urbana e rural; aos

cemitérios; entre outros. Desta forma, as atividades cotidianas foram acompanhadas pela teoria e

legislação higienista como “forma de gobierno y como actuación destinada a prevenir y a

remediar los males que afectaban al conjunto de la sociedad española.” (GONZÁLES, 1999, p.

45).

A miséria e as condições sociais do povo, relacionadas à ocorrência de doenças foi alvo

de estudo de muitos outros autores. Peter Hall (1988), por exemplo, descreve a situação de

algumas áreas habitadas por trabalhadores em Londres, a miserabilidade dos cortiços em que se

apinhavam várias famílias, crianças, jovens, mulheres e idosos vivendo sem nenhuma condição

de higiene em um espaço muito menor do que o Estado vitoriano destinava para os encarcerados

em prisões ou em reformatórios. Além disso, era praticada uma extorsão em relação a esses

aluguéis, para uma população que chegava a pagar quase 50% do seu salário em aluguéis devido

à escassez de moradia e ao rápido crescimento da população ocupada em trabalhos industriais

“uma classe digna de lástima, constituída por gente batalhadora, sofredora, desesperançada, as

vítimas da competição, e sobre as quais recai com especial dureza o peso das depressões

recorrentes do mercado” (HALL, 1988, p. 75)

Percebemos o quanto a industrialização alterou o espaço urbano, pois ao atrair levas de

habitantes à cidade, sem que esta possuísse condições de infra-estrutura de recebê-los, os

habitantes, principalmente a população de menor poder aquisitivo passa a habitar lugares

insalubres sujeitos às doenças. Isto se torna um fator agravante no período analisado por não

possuirem ainda técnicas de combates eficazes às epidemias que assolavam a cidade durante o

século XIX. Nesse sentido, boa parte das habitações, principalmente as mais modestas continuam

a sofrer com a falta de infra-estrutura, desprovidas de qualquer equipamento necessário para

habitação e se contrapunham às normas de higiene que agora vigoravam na cidade.

Abreu (2005) ao falar sobre a emergência do pensamento higienista, delimita suas

origens na obra de Hipócrates, intitulada ‘Sobre os ares, as águas e os lugares’. Esta obra

difundida pelo médico Syndeham ao estudar a cidade de Londres no século XVII define o que

vem a ser a teoria mais aceita acerca da proliferação de doenças. A mesma propunha, tal quais

outros autores por nós analisados, uma íntima relação entre o meio natural e geográfico, bem

55

como as condições sociais com a ocorrência de certas doenças. Esta teoria foi, portanto, utilizada

para explicar as grandes epidemias que assolavam as cidades, principalmente durante o período

da Revolução Industrial a partir das mudanças trazidas pela mesma.

Com base nos estudos sobre as causas sociais da insalubridade, deu-se a criação de

inúmeros trabalhos chamados geografias e/ou topografias médicas. Esses são definidos como

Una serie de estudios de tipo geográfico-estadístico, en los que se insertan diversas consideraciones acerca del origen y desarrollo de la mortalidad en general. Estas monografías médicas suelen ceñirse a ciudad, localidades y comarcas o regiones concretas, y tienen como base determinadas concepciones médicas, que consideran la génesis y evolución de las enfermedades como fuertemente determinadas por el clima y el medio local. (URTEAGA, 1980, p. 07)

Nos inúmeros documentos que tratam a Cidade da Parahyba no período analisado, não

identificamos nenhuma obra com a denominação de topografias ou geografias médicas, no

entanto, há algumas descrições que indicam os lugares, na Cidade da Parahyba onde haveria

maior possibilidade de ocorrência de doenças, conforme descrito por Urteaga.

Em relação às topografias médicas podemos expor que elas tratavam, a partir do

discurso higiênico, de considerar não apenas o meio natural em que estava inserido o espaço

analisado, como também o meio social, e de que forma estes poderiam contribuir para o

desenvolvimento de enfermidades. Este fato levou a que os higienistas em geral promovessem

críticas enfáticas à falta de salubridade das cidades industriais e, principalmente, das habitações

pobres que, por não terem recursos, não podiam atentar para as determinações higiênicas

propostas pelas elites. Cabiam às topografias então, não apenas descrever minuciosamente as

condições deste ambiente, como também propor medidas de caráter higiênico e social, a fim de

contribuir com uma melhoria na qualidade de vida, na saúde e na higiene daquela população

considerada perigosa.

Urteaga (1980) revela “la relación estrecha, que a lo largo del siglo XIX se da entre

medicina e geografía (p. 08)”, visto que seria através de características do meio ambiente, tais

como a circulação do ar; a localização dos terrenos úmidos e pantanosos que ocorreria a

disseminação de doenças. A ocorrência de febres, por exemplo, estava relacionada a partir dos

escritos médicos com o clima, neste período, mais particularmente

56

desde mediados de siglo [XVIII], los miasmas aparecen doquier, muchas veces como complemento de las alteraciones atmosféricas. En general, y hasta la segunda mitad del siglo XIX, gozarán de amplia aceptación todas aquellas prédicas que atribuyen a los miasmas el origen de las epidemias – tercianas, fiebre amarilla, cólera – tan extraños elementos, se definen usualmente como substancias imperceptibles disueltas en la atmosfera, originadas por la descomposición de cadáveres, elementos orgánicos o incluso por emanaciones de enfermos. (Idem, p. 11)

Neste sentido, na Cidade da Parahyba não seria diferente. Em comunicação com o

Ministério do Império, o então Presidente da Província afirma, no ano de 1860, que “a epocha das

enchentes dos rios na estação das chuvas assignala o apparecimento de febres e outras

enfermidades em consecuencia da insalubridade do ar, resultante de exhalações mephiticas então

mais abundantes” (Correspondências com o Ministério do Império. 28 de fevereiro de 1860).

Além desta, o remetente da referida correspondência relata que, muitas outras causas

contribuem para a insalubridade na Cidade da Parahyba, as quais tem uma relação direta com a

geografia do lugar, conforme pretendemos afirmar. Dentre estas são citadas “a proximidade de

terrenos alagadiços cobertos de mangues á margem do Rio Parahyba na extensão de cinco legoas;

outra a existência de uma alagoa e das várzeas paludosas do ‘Riacho Jaguaribe’ a barlavento

desta cidade” (Idem). Fazia-se necessário, portanto, um controle sobre o lugar e a adequação

destes espaços a fim de que os mesmos deixassem de, de acordo com o saber médico da época,

produzir gases nocivos à saúde dos habitantes, favorecendo à disseminação de doenças.

O Presidente da Província prossegue esta correspondência apontando outras causas para

a insalubridade na Cidade da Parahyba, ao relatar que, além das causas naturais, as quais

transcrevemos acima, há ainda “a ignorância e incúria da população da classe inferior, o pouco ou

nenhum asseio das ruas e quintaes, onde muitas vezes se achão grandes focos de infecção”

(Idem). A miséria era, portanto, entendida como causa, como a culpada dos males que assolavam

a cidade, visto a ignorância desta parcela da população, de acordo com o discurso dos

administradores locais.

Na Cidade da Parahyba, no ano de 1858, o Presidente da Província em correspondência

ao Ministério do Império afirma a necessidade da construção de um estabelecimento que

funcionasse enquanto ‘escola industrial de aplicação à agricultura’. Segundo o mesmo, com o

hábito de trabalhar desde cedo, as crianças paraibanas teriam em si a produção dos melhores

“effeitos em relação não só a industria do paiz como á moralidade de seus habitantes, cujas

classes pobres, em falta de educação conveniente, vegetão na mizeria e contrahem vícios que a

57

ociosidade alimenta.” (Correspondência ao Ministério do Império. 11 de outubro de 1858).

Neste sentido, é criada a Lei Provincial nº 24, de 04 de julho de 1857 que autoriza a

instalação de escolas agrícolas teóricas e práticas na província, com a intenção de que estas

escolas fossem “uma imitação dos asylos agrícolas quaes se observão na Suissa. Nella reunirei

um certo número de meninos desvalidos, sobretudo orphãos, collocando-os d’est’arte em posição

de se tornarem cidadãos aproveitáveis, o que certamente não aconteceria se continuassem a viver

no estado de degradação em que nacerão” (Idem, 11 de outubro de 1858). A instalação destas

escolas para as crianças e desvalidos justificava-se para que esta parcela da população pudesse

“empregar no trabalho lucrativo o que hoje dispendem no jogo e em outros vícios a que recorrem

como único meio de distração” (Id. Ibd.). Desta forma, seriam considerados homens bons e

deixariam de representar perigo, posto estarem ocupados com seu trabalho, já que seriam

considerados perigosos, conforme afirmado em outra ocasião aqueles a quem a elite julgasse

avesso à higienização e ao trabalho, isto é, os pobres; os doentes mentais; os doentes em geral; os

ociosos, enfim, toda parcela da população que por algum motivo representasse oposição à ordem

imposta e sonhada pela elite para o espaço das urbes, portanto, aqueles que fossem julgados

contrários: ao progresso, ao moderno, ao higiênico e ao belo.

A questão do trabalho na cidade que se pretende moderna e higiênica sempre foi um

ponto importante, o que nos leva a – embora não a discutamos com maior zelo por não tratar-se

do nosso objetivo central – anotar algumas medidas que foram utilizadas pelos administradores

da Cidade da Parahyba, a fim de combater a ociosidade da população durante o período

analisado. Fazia-se importante dar trabalho à população pobre, não só para diminuir a quantidade

de pessoas que transitavam pelas ruas ‘sem rumo’ e ‘sem ocupação’, como também, e

principalmente, a fim de exercer o controle sobre esta parcela da população, considerada perigosa

por não ser, segundo o discurso da elite, adeptas aos princípios reguladores do trabalho.

O trabalho era entendido como meio para sustentar a ordem social, a qual só seria

atingida através de “uma nação produtiva, que reprimisse sistematicamente o não-trabalho, o

ócio, a vagabundagem” (CAMPOS, 2004, p. 17), ou seja, já que o trabalho era visto como uma

das principais maneiras de moralizar o ser humano cria-se na Cidade da Parahyba, a verba

‘Socorros Públicos’. Essa verba tinha o intuito de que os retirantes e mendigos fossem

aproveitados nos diversos serviços e equipamentos urbanos que vinham sendo implementados na

cidade durante o final do século XIX e início do século XX. E neste sentido as epidemias eram

58

consideradas avessas ao trabalho já que as mesmas ocorriam “aniquilando tantas vidas e

arrancando tantos braços, tão necessarios, naquelles tempos, ao trabalho profícuo de agricultura e

povoamento do solo, em uma nacionalidade de pequena população, que não podia soffrer esta

guerra de extermínio.” (PINTO, 1910, p. 118)

Com o propósito principal de controlar esta parcela da população considerada perigosa,

bem como enquadrá-los no sistema moralizador do trabalho, a verba ‘Socorros Públicos’,

consistia em fazer com que os indigentes e retirantes da seca fossem utilizados nas obras públicas

que estavam sendo realizados na capital. Em troca receberiam auxílio ou, conforme denominado

à época, ‘ração’, o que garantiria a sua sobrevivência.

Vários são os documentos que versam sobre este tema, como o relatório do Presidente

da Província, do ano de 1878, o qual explana que

[...] no empenho, pois, de dar occupação util e proveitosa ao excessivo numero de emigrantes validos, que, dispersos, na mais completa ociosidade, percorrião em lastimável estado de fome e nudez, as ruas d’esta Capital, recommendei á mesma Commissão que os fizesse empregar em diversas obras públicas de maior urgencia. (RPP, 1878. p. 14)

A parcela da população que vagava pelas ruas sem trabalho, e que, por ser consideradas

um dos motivos para o contágio e transmissão de doenças, precisava ser ocupada (empregada) e,

mais ainda, controlada. Esta população, em geral era proveniente do interior da província, e vinha

à capital paraibana, principalmente nos períodos em que suas cidades estavam sendo acometidas

pela seca, em busca de melhores condições de vida, e somava-se aos indigentes da própria cidade

aumentando ainda mais o espetáculo de miséria observada nas suas ruas. Conforme nos conta o

presidente da província em seu relatório sobre o ano de 1879, “esta corrente de pessoas

desvalidas que descem de vários pontos do interior para esta cidade, pouco tem diminuído, e

ninguém ignora quaes as necessidades que passam essas famílias desvalidas atravez desses

caminhos, ingerindo fructos e raízes bravias, águas insalubres e carregando, á pé, creanças sob o

calor ardente da secca” (RPP, 1879, p. 12). Neste mesmo relato, o presidente da província

acrescenta em relação à saúde desta parcela da população que,

Vê-se, pois, que essa aglomeração do povo que aqui existe já com a saúde mais ou menos deteriorada, fora de seus hábitos, sem agasalho, sem commodos, sem alimentação regular, sem roupas, será ainda a causa do desenvolvimento de molestias, até que seja retirada completamente do seio desta cidade essa população adverticia e ociosa, proporcionando-se-lhe meios de trabalho na

59

factura de estradas e do plantio á que deverão entregar em nucleos coloniaes. Não há duvida que é dessa aglomeração de indivíduos indigentes, dessa promiscuidade de sexos e falta absoluta de asseio, que resulta o mephetismo, que determina no organismo uma verdadeira germinação deletéria. (Idem, p. 12)

Portanto, seriam perigosos, à medida que eram considerados os responsáveis pela

transmissão dos seus males à população em geral, e, sobretudo, à elite. Esta última residia nas

principais ruas da cidade, em habitações luxuosas e em ruas urbanizadas, geralmente mais

dotadas de infra-estrutura do que as ruas mais distantes da área central. Esta área era também o

lugar onde se concentravam também as igrejas e os prédios da administração pública, ou seja,

onde acontecia a vida urbana da cidade. No entanto, tinham a sua vista diariamente o espetáculo

da pobreza e da indigência que lhes incomodava, pois este era o lugar escolhido pelos pobres para

transitarem e deixar à mostra seus males e sua miséria, em busca de se enquadrar em algumas das

obras de caridade organizadas pelas mulheres vinculadas às instituições de caridade, tal como

ocorria com a Santa Casa de Misericórdia.

Neste sentido, na Cidade da Parahyba “outro fator que agredia o olfato e as vistas da

emergente elite comercial urbana dizia respeito ao fato das secas tangerem para a capital os

sertanejos e, com eles, todo um cortejo de miséria, imundície e peste” (SÁ, 1999, p. 65). Em

períodos de seca, a cidade recebia uma grande leva de retirantes, a qual sem infra-estrutura para

recebê-los, tinha o seu cotidiano ainda mais afetado, posto que, com o acréscimo populacional as

epidemias assolavam e dizimavam um número maior de habitantes, bem como o contágio se dava

com mais força. Estes retirantes da seca faziam parte da população considerada perigosa, pois

através deles o perigo de contaminação e a falta de trabalho poderia influenciar a ‘boa gente’.

Além do hábito de utilizar a população retirante na realização de obras públicas, em

1867, o Chefe de Policia Dr. Antonio Joaquim Buarque de Nazareth “ordenava que os presos

codemnados á galés fizessem a limpeza das ruas da cidade e pequenos trabalhos de nivelamento e

terraplanagem.” (MEDEIROS, 1913, p. 121). Esta prática tornou-se comum até o ano de 1889,

momento em que, graças ‘ao espírito de modernidade’, e “sob o pretexto de que o espetáculo de

presos encalcetados asseiando a rua era deprimente, findou-se o uso estabelecido pelo Chefe de

Policia de 1867.” (Idem).

A idéia de segregação daqueles considerados perigosos permanece e leva à criação de

estabelecimentos nos quais a observação desta parcela da população por parte dos “homens bons”

e da elite deveria ser evitada. Neste sentido, são criados os asilos de mendicidade e asilos de

60

loucos na Cidade da Parahyba. Para tratarmos desta questão, partiremos principalmente dos

relatórios da Santa Casa da Misericórdia. Com base nestes documentos, observamos que no final

do século XIX, há uma solicitação para a construção do ‘Asilo de Mendicidade’, o qual ainda não

havia sido construído em detrimento do desejo dos administradores locais, e mais particularmente

do Provedor da Santa Casa de Misericórdia, que assina o referido relatório.

Graças à inexistência deste, a medida tomada era a de distribuir o dinheiro de esmolas a

todos os pobres que vagavam pelas ruas da cidade, mas principalmente àqueles que por ventura

estivessem prestando algum serviço, seja diretamente à Santa Casa de Misericórdia, ou mais

especificamente à municipalidade. Esta afirmação pode ser exemplificada ao observamos o

relato, publicado no ano de 1889, no qual o provedor da Santa Casa afirma que no momento em

que tomou posse

um homem, que, posto não estivesse curado de sua vizivel enfermidade, que parece difficil de completa cura. Pedio, e obteve alta. Passados alguns mezes voltou em pior estado, e foi segunda vez admittido no hospital, d'onde sahindo em Maio, ou principio de Junho ultimo, tornou a entrar. Elle que não achava fora meios de subsistência, e que não podia expor-se á serviços pezados, quiz servir voluntariamente no hospital, dando-se-lhe a ração de doente. (RSCM, 1889, p. 15)

Essa história é relatada a fim de ressaltar a importância do trabalho e de fazer com que a

população de um modo geral, mas principalmente a “classe perigosa” estivesse voltada ao

trabalho e não se encontrasse ociosa, como medida de segurança e de controle, conforme

podemos afirmar em outra ocasião. Neste mesmo ano, a quantidade de indigentes na Cidade da

Parahyba sofre um acentuado acréscimo, visto que o interior da província estava passando por um

período de seca. Este fato faz com que seja “tal a concurrencia de retirados do interior da

província, famintos, maltrapilhos e doentes á procura de asylo e recursos, que em pouco tempo

chegou a 170 o numero d'esses infelizes, de ambos os sexos e de todas as edades, recolhidos,

alimentados e tratados no Hospital.” (Id. Ibd. p. 16). Salientamos que o autor refere-se ao

Hospital da Santa Casa de Misericórdia, já que era, inexistente na cidade um asilo de

mendicidade.

No ano de 1911, o estabelecimento do Asilo de Mendicidade, continuava a “ser uma

aspiração”, já que, segundo relato do provedor da Santa Casa de Misericórdia “o estado de

desenvolvimento da nossa capital não supporta mais o espectaculo deprimente da mendicidade

nas ruas e nas praças” (RSCM, 1911, p. 17). Por conta da inexistência do dito asilo e com receio

61

de que houvesse, entre estes indigentes a propagação e o contágio de alguma doença epidêmica e,

ainda pior, que estes transmitissem seus males à população da cidade, foi criado, em 1912, pelo

presidente da província, um outro hospital, para onde muitos destes retirantes foram transferidos,

denominado de “Cruz do Peixe”, por situar-se no sítio de mesmo nome.

A idéia exposta acima e que vai permear o isolamento daqueles considerados indigentes

e, portanto, perigosos no que concerne à manutenção da higiene da cidade, vem a promover

também o isolamento dos considerados loucos, e por isso, considerados não menos perigosos. No

entanto, mesmo no início do século XX, qual seja, no ano de 1906, eram inúmeras as

reclamações quanto a este estabelecimento. O relatório do Provedor da Santa Casa de

Misericórdia, para este ano afirma que

[...] este estabelecimento onde são recolhidos os infelizes que perdem a rasão, não corresponde, de modo algum, aos intuitos da caridade e nem ás prescripções da sciencia medica. E’ antes uma prisão, e esta bem martyrisante, do que um manicomio, com o necessário conforto e os meios hygyenicos indispensáveis á vida humana, infelismente os recursos financeiros da Misericordia ainda não são sufficientes para comportarem as despesas com os diversos ramos de serviço, a cargo da nossa administração, deixando saldo que possa ser applicado na construcção de um edifício moderno embora de pequenas proporções, mas que seja um azylo completo e onde os alienados recebam um tratamento compatível com os preceitos da medicina e encontrem bálsamo ás suas dores. (RSCM, 1906, p. 14/15)

Sobre a miséria entendida enquanto reduto de enfermidades, Urteaga (1980) propõe que,

junto às doutrinas miasmáticas havia também a identificação, principalmente por parte dos

médicos de que, a ‘culpa’ da existência de epidemias na cidade seria daquela população de menor

poder aquisitivo, o que leva a ocorrência da eugenia, ou do preconceito social. Neste período, os

médicos atribuíram à pobreza, às más condições de alimentação e de habitação, ao excesso de

horas de trabalho, ao adensamento dos bairros industriais, bem como, à falta de infra-estrutura e

de equipamentos urbanos como os responsáveis pela transmissão e contágio de doenças.

En resumen, en la segunda mitad del siglo XVIII, son evidentes para numerosos médicos las conexiones que existen entre la morbilidad, y por tanto la mortalidad, y el medio ambiente. Las sutiles relaciones que se establecen entre las aguas, los vientos, el aire, los climas, el suelo, la alimentación y la aparición de epidemias, su difusión a través de miasmas y la distribución espacial de las enfermedades, deben, por tanto, ser objeto de estudio. (URTEAGA, 1980, p. 15)

Com base nestas evidencias, é que, principalmente partir do século XIX, os médicos e

62

engenheiros, e aqueles responsáveis pela administração das cidades vão ser incumbidos de

levantar os lugares considerados problemas para a construção de habitações e edificação em

geral, ou ainda serão eles os responsáveis pela escolha dos lugares para construção dos

cemitérios, matadouros, hospitais, lazaretos, enfim, todas as construções consideradas perigosas

em relação à transmissão de doenças, por favorecer, segundo o discurso médico da época, a

disseminação de doenças. Cabia ainda a estes profissionais ‘esconder’ dos olhos da elite a

mendicância, a ociosidade, e a doença. Momento em que os hospitais, mais que lugares para

tratamento de saúde, representam asilos em que esta população que não têm ‘capacidade’ de

cuidar de si e da sua saúde é enviada para que viva à custa da caridade e da igreja.

No início do século XX, questiona-se “si o saneamento da nossa capital pode soffrer

mais adiamentos, já com uma população” de cerca de 25 mil habitantes. (MARÓJA, 1913, p.

435). Muitas serão as transformações e construções que se darão nas primeiras décadas deste

século, como por exemplo, a iluminação pública que é instalada no ano de 1910 e o serviço de

abastecimento de água, sobre o qual falaremos adiante, inaugurado no ano de 1912. É neste

mesmo ano ainda, mais precisamente em 14 de agosto do referido ano, que é inaugurado um

Asilo de Mendicidade na cidade, aos cuidados do senhor Joaquim Manoel Carneiro da Cunha, o

Barão de Abiahy. A instalação do dito asilo teve como intuito deixar a “cidade expurgada de

verdadeiros e pseudo-mendigos” (CUNHA, 1968, p.27), conseqüentemente, torná-la mais bela a

medida que esta parcela da população era segregada e isolada neste estabelecimento.

A criação do Asilo de Mendicidade foi proposta pelo Barão de Abiahy na Paraíba, aos

moldes do que o mesmo havia implementado no estado do Ceará. Por não conseguir subvenção

necessária, por parte do governo, para a criação deste estabelecimento, o mesmo consegue com o

Coronel Álvaro Monteiro, comandante de polícia do estado, uma banda de música “para os

bandos precatórios e uma bandeira nacional. Foi um verdadeiro sucesso. Em poucas passeatas

pelas ruas da cidade, recolheu a quantia necessária para organizar tudo, o que fez em pouco

tempo.” (CUNHA, 1968, p. 28). A quantia recolhida com estas apresentações musicais foi

utilizada para a compra do prédio no qual o Asilo passou a funcionar, já o terreno, localizado “no

arrebalde Mandacarú” (Id, Ibd.), foi doado pelo doutor Manoel Deodato Henrique de Almeida.

Além do prédio em que passou a funcionar o Asilo, e que se situava em área distante da zona

central da cidade, na Avenida João Machado.

Instalado, portanto, de acordo com os preceitos higiênicos, o subventor “mandou

63

construir uma capelinha, onde aos domingos, um sacerdote celebrava o santo sacrifício da

missa”.

Este asilo, portanto, cumpre a sua dupla função, a primeira delas era a de auxiliar os

desvalidos que transitavam pelas ruas da cidade e que necessitavam de auxílio financeiro a fim de

garantir o seu sustento e sobrevivência, mas, sobretudo, cumpre a função de retirar das ruas da

cidade moderna e civilizada a parcela da população que não deveria ser vista, nem percebida pela

elite, já que o simples fato de aí estarem, nas ruas centrais da cidade, representaria atraso e

regresso. Portanto, o Estado, que deveria agir como regulador e propor uma educação sanitária e

uma melhoria na qualidade de vida, através, por exemplo, da instalação de equipamentos urbanos

responsáveis por diminuir a ocorrência de epidemias, atua, na prática, através da segregação e do

isolamento desta parcela da população que se vê obrigada a sair da mira disciplinadora a fim de

poder realizar suas atividades longe do policiamento e da regulação.

A perseguição aos pobres e às suas práticas causadoras de doenças permanece

fortalecida pela crença na teoria dos miasmas, a qual continua sendo a mais aceita entre a

comunidade médica. Entretanto, com o passar dos anos e o aumento das técnicas possíveis para a

investigação em laboratório, as teorias médicas passam a ser reformuladas. Diniz (1999) ao

analisar o conceito de epidemia, propõe que

o discurso médico a respeito da propagação das epidemias vai deixando de lado os imprecisos sentidos do olfato e tato para afirmar-se no sentido da visão. O nascimento da clínica no final do século XVIII que se estrutura através de uma linguagem que fala do olhar, inaugura um novo discurso, marcado pela objetividade, formalidade, empiricidade, concretude, análise e profundidade. (p. 190)

A objetividade aí contida seria, portanto, a responsável por criar as condições para uma

experiência clínica, passando da análise dos sentidos sobre o olfato e o tato, tal como ocorriam

para as teorias do contágio e dos miasmas, para o sentido da visão, a partir dos estudos

biológicos, dando lugar a uma nova teoria: a da transmissão. Teoria esta que contribui com o

surgimento da medicina moderna. Faz-se necessário para o entendimento desta nova teoria as

contribuições de Pasteur, Koch, e ainda do médico John Snow. Estes foram os responsáveis pelo

surgimento, divulgação e propagação da teoria da transmissão de doenças a partir de vírus e

bactérias.

John Snow tem sua importância aqui relatada graças ao seu trabalho de investigação

64

sobre a epidemia da cólera que afligiu a cidade de Londres em meados do século XIX. O referido

médico, realizando uma averiguação na rede de abastecimento de água da cidade citada,

relacionou a transmissão da doença com uma bomba de água situada na Avenida Broad Street, a

qual era utilizada para o consumo humano. Ao analisar as estatísticas de saúde que eram escritas

e divulgadas pelos administradores municipais, Snow percebe que foi exatamente nas imediações

desta bomba de água onde ocorreram mais casos da doença. Vale considerar que estas estatísticas

reforçavam a idéia de que a doença acometia a população pobre, ou seja, a classe perigosa, como

um castigo divino por sua “amoralidade”, ou ainda, por sua falta de asseio. O médico e

pesquisador, no entanto, vai além e tenta provar à comunidade médica, que a água fornecida à

população era a responsável pela transmissão de doenças e não as condições sociais, como

queriam fazer crer os miasmistas. Desta maneira, esse médico e investigador social, contribui

para a inauguração de uma nova era da saúde pública.

Já a contribuição de Pasteur encontra-se principalmente na exposição de sua teoria sobre

enfermidades infecciosas. O mesmo propunha que as enfermidades infecciosas seriam causadas

pelos micróbios, os quais seriam capazes de se propagar entre as pessoas. Suas pesquisas

microscópicas foram importantes por contribuir para o entendimento de que se faz necessário,

para o combate das enfermidades, identificar o micróbio responsável por sua disseminação. Outra

contribuição importante para a história da epidemiologia foi a de Koch. Além de ser um dos

criadores da microbiologia, Koch foi um dos responsáveis pela atual concepção da epidemiologia

das enfermidades transmissíveis. Suas contribuições foram fundamentais para a ciência médica

no que concerne à teoria da transmissão de doenças, por ter sido a partir de seus estudos

microscópicos – baseados nos métodos de fixação e coloração de bactérias – que se tornou

possível identificar o bacilo da tuberculose, denominado ‘Bacilo de Koch’ assim conhecido em

sua homenagem. Esta doença era responsável pela morte de muitos habitantes nas cidades.

No entanto, o embate entre os que acreditavam na teoria dos miasmas e aqueles que

divulgavam as novas teorias ligadas à transmissão de doenças não seria resolvido rapidamente, a

divulgação destas novas descobertas apesar de ter, prontamente suscitado debates científicos

entre a comunidade médica, muitos anos foram necessários até que as mesmas fossem aceitas e

passassem a ser utilizadas no tratamento urbano e médico. Neste sentido, mesmo nas primeiras

décadas do século XX, muitas cidades continuam tendo seus regulamentos e ordenações baseadas

e justificadas pelo discurso higiênico pautado ainda na teoria dos miasmas.

65

No Brasil, vários são os registros e obras bibliográficas que retratam como as cidades

são modificadas a partir do ideário que permeava o Movimento Higienista e que, por sua vez,

propõe uma forma específica de pensar e gerir o espaço urbano. Portanto, analisaremos a seguir o

Movimento Higienista e sua influência sobre algumas dessas cidades no Brasil.

66

CAPÍTULO II

As cidades no século XIX:

Aumento populacional, reformas urbanas e controle higiênico

De acordo com Benévolo (1994) em Londres, a partir de meados do século XIX, o

fornecimento de água de boa qualidade torna-se cada vez mais difícil, em virtude da grandeza e

da densidade dos novos bairros que vão sendo gerados pela industrialização e conseqüentemente

pelo aumento da população. Essa densidade provoca a manifestação de infecções, graças ao fácil

contato entre os moradores, e, por conseguinte, as contaminações e epidemias difundem-se dos

bairros populares para os burgueses, fazendo com que a população clame pela efetivação do

abastecimento de água nesta cidade. Também na França, a industrialização afeta a forma como

se deveria organizar a cidade, pois, a partir da constatação das dificuldades higiênicas nos novos

aglomerados ocorrem várias intervenções no espaço urbano, como por exemplo, a criação de

órgãos responsáveis por manter saudáveis os espaços urbanos e difundir as idéias higienistas, tal

qual a Sociedade São Vicente de Paula; ou ainda a promulgação da primeira Lei Urbanística

Francesa, em 1850.

Essa lei merece destaque, pois a partir dela há autorização para a constituição e

nomeação de uma comissão que deve indicar medidas imprescindíveis para a organização das

instalações e habitações insalubres, mesmo que estas sejam alugadas e/ou ocupadas por outrem

que não seja o seu proprietário. O proprietário pode ser obrigado a pagar as obras, se for julgado

responsável pela falta de salubridade; ou até pode ocorrer de o proprietário ser expropriado pela

comissão de higiene quando esta julgar necessário. (BENÉVOLO, 1994)

É sob este princípio que se dará a ação do Barão de Hausmann em Paris, sob um

panorama político autoritário. A Revolução de 1848, na França, fez com que a esquerda socialista

voltasse à oposição. Com bases teóricas renovadas, esta esquerda negava legitimidade às

propostas urbanísticas de uma direita conservadora, como Napoleão III na França e Bismarck na

Alemanha. Essa nova direita, autoritária e popular, considerava

ser necessário um controle direto do estado sobre muitos setores da vida econômica e social; por conseguinte, efetua uma série de reformas, a urbanística, portanto transforma-se em um instrumento de poder. Napoleão tem interesse em favorecer a execução dessas grandes obras públicas em Paris, descuradas pelos

67

governos precedentes, a fim de reforçar sua popularidade por meio de testemunhos tangíveis e a fim de tornar mais difíceis as futuras revoluções, demolindo as antigas ruas medievais e substituindo-as por artérias espaçosas e retilíneas propícias aos movimentos das tropas. (BENÉVOLO, 1994, p. 96)

O plano urbanístico de Hausmann nos interessa aqui por ter sido um importante

exemplar, representativo de uma ação ampla para acompanhar e regular as transformações

ocorridas em uma grande cidade a fim de que esta pudesse ser considerada moderna. Quando

criticado, principalmente por intelectuais e artistas, pelas inúmeras demolições executadas para a

abertura de longas avenidas, Hausmann justifica as suas ações expondo a contraposição entre as

“perdas de alguns espetáculos pitorescos aos melhoramentos técnicos e higiênicos” (Benévolo,

1994, p. 106). Para muitos urbanistas, a ação hausmanniana constitui-se como ponto de partida

para o surgimento do conceito de moderno, dos ambientes urbanos abertos e contínuos, em

oposição ao antigo e fechado, que se encontrava na cidade antes de sua intervenção.

A “circulação, migração e apropriação de modelos urbanísticos elaborados na Europa

durante o século XIX” (MENEZES, 2001, p. 09), bem como o ideário de salubridade que

fundamenta muitas vezes tais modelos foram analisados por Menezes no intuito de entender e

questionar quais foram as propriedades mais abrangentes, principalmente do plano urbanístico

haussmanniano, que levaram a sua rápida assimilação em muitas cidades, não apenas da Europa,

mas também em cidades do ‘além Atlântico’.

Dentre as causas apontadas para tal, o autor cita a “flexibilidade estética do modelo”,

tornando-se assim de fácil absorção, tal como um modelo determinante, o qual ecoou “em outros

casos relevantes de renovação urbana e modernização de cidades do começo do século XX”

(Idem. p. 12). Para a realização desses planos, os engenheiros assumiram um papel importante

nas cidades, pois foram com o passar do tempo, cada vez mais solicitados a fim de atender a

demanda de obras públicas que vinham sendo implantadas ou que eram solicitadas por parte das

autoridades. Obras estas que “independentemente de qualquer ideologia e da especulação

inerente a esse processo, trariam novas condições cotidianas de vida” (SALGUEIRO, 2001. p.

24). Os modelos urbanísticos elaborados na Europa, sobretudo aquele executado por Haussmann

em Paris durante o século XIX, circulam e são importados para inúmeras outras cidades do

mundo todo, provocando reformas baseadas nos princípios de embelezamento e saneamento.

Ainda em relação à obra de Haussmann, Picon (2001) propõe que para compreender as

bases que deram origem a este modelo se faz necessário considerar a crescente atuação dos

68

engenheiros no âmbito das decisões e realizações urbanísticas entre os séculos XVIII e XIX. Para

este autor, a redefinição do trabalho e atuação dos engenheiros diz respeito a sua ligação com os

movimentos utópicos, como o ‘sansimonismo’, apesar de deixar claro que o destaque dado ao

ideário sansimonista “não deve levar a considerá-lo uma fonte de inspiração para os grandes

engenheiros haussmannianos” (Idem, p.86), mas que há sim, uma interligação entre as

concepções que os fundamenta. Concepções essas ligadas à cidade de movimentos e fluxos que

vão orientar as ações dos engenheiros haussmannianos e de outros, que atuaram em diferentes

cidades do mundo.

O entendimento do modelo haussmanniano encontra-se associado a um amplo conjunto

de valores que permeava a época, bem como às suas representações. O modelo haussmanniano

para a cidade de Paris que, também influenciou muitas outras cidades que o utilizaram como

exemplo, está relacionado à importância em relação à análise dos fluxos de circulação: de

mercadoria; de pessoas; de idéias, e das comunicações, já que

aos olhos da elite do século XVIII, a cidade deixara de se apresentar como uma entidade imóvel correspondente às descrições que acentuavam sua antiguidade, sua história e seus principais monumentos, para tornar-se a sede de funções políticas e econômicas claramente identificadas. O exercício dessas funções devia passar, doravante, pela intensificação e o controle de um conjunto de movimentos e fluxos tanto naturais, quanto humanos. Era necessário, antes de tudo, assegurar a livre circulação do ar, da água e da luz a fim de combater os miasmas da cidade grande. (PICON, 2001, p. 68)

À medida que as cidades deixam de ser entendidas como entidades imóveis, ou como

nós estratégicos, e passam a ser vistas como passíveis à interligação umas com as outras, a

percepção que se tem sobre as mesmas é modificada, exigindo um novo pensamento, sobre o qual

a circulação e o fluxo dentro da cidade e entre cidades diferentes seja promovido. Era sob essa

concepção que se basearia a ação dos engenheiros do século XVIII, os quais atuariam no intuito

de fazer com que a cidade perdesse as características de fechada e com difícil deslocamento. O

objetivo era o de torná-la dinâmica, e deste modo, favorecer a circulação, da qual dependiam a

higiene, visto que, segundo a teoria médica vigente, uma das principais maneiras de evitar a

proliferação das doenças seria favorecendo a circulação do ar e a penetração do sol nas

residências. A prosperidade pública também era uma meta, pois seria com a presença de ruas

alargadas, calçadas, e estradas de ferro que a circulação comercial de homens e de mercadorias

poderia ser estimulada. Com este propósito, as reformas propostas e/ou realizadas serão

69

concebidas segundo uma rigorosa geometria. A partir da utilização de traçados mecânicos,

círculos e quadrados são combinados para “canalizar circulações recenseadas previamente por

meio de uma análise das funções urbanas” (Idem, p. 71), e utilizadas não apenas na abertura de

novas ruas como também seja para justificar a demolição de ruas antigas da cidade histórica, seja

nas obras mais técnicas ligadas distribuição de água, e a instalação e reforma dos sistemas de

saneamento.

Neste sentido, faz-se relevante citarmos aqui a importância da École Polytechnique, a

partir da qual os engenheiros recebem uma formação voltada à análise matemática, e as

aplicações de cálculo integral e diferencial, e que leva ao surgimento de uma “ciência de

engenharia analítica que permite explicar as dinâmicas naturais e humanas com um grau de

precisão antes pouco provável pelos limites de entidades geométricas simples.” (PICON, 2001, p.

73) e que irá permear muitas das grandes obras ocorridas nas cidades.

Donatella Calabi (2001) ao analisar o papel de Paris na urbanística italiana do século

XIX, verifica a importação do modelo haussmanniano para as reformas aí realizadas,

principalmente a partir de 1865, data da primeira lei urbano-adiministrativa que possibilitava às

prefeituras a desapropriação, conforme Haussmann já o fizera. Para a autora, os estudos de

caráter social encomendados por sanitaristas e médicos, acerca de deficiências higiênicas e das

condições ambientais na/da cidade foram muito importantes para as transformações que viriam a

ocorrer mais tarde na cidade, à medida que impulsionou o surgimento de uma nova disciplina,

qual seja a engenharia sanitária. A importância dessa disciplina para a área citadina está no fato

de que desde sua origem

refere-se amplamente às noções higiênicas, médicas e físico-químicas elaboradas nos institutos parisienses, a fim de elaborar um conceito de salubridade urbana que se buscaria com as técnicas do engenheiro. O que interessava era determinar uma série de instrumentos operativos de natureza edificatória e urbanística que impedissem o surgimento e a propagação de doença. Era necessário, no entanto, saber determinar uma série de mecanismos para o conhecimento da situação habitacional, que teriam seu pleno desenvolvimento com as pesquisas e os pedágios sanitários (CALABI, 2001, p. 105)

As técnicas trazidas a partir desta disciplina passam a interferir sobre a cidade, já que é a

partir da mesma que se dão algumas obras administrativas. Para as cidades italianas, a autora cita

que a partir da influência do que estava sendo realizado em Paris, sob o comando do barão de

70

Haussmann, é introduzido o alinhamento nas fachadas de grandes cidades como Nápoles e

Florença, bem como em cidades italianas menores.

Os conhecimentos técnicos da engenharia e da medicina estavam, portanto muito

relacionados ao planejamento urbano no século XIX, já que a higiene nas/das cidades passa a ser

entendida como uma filosofia social que propõe combinar as necessidades fisiológicas e culturais

com o meio ambiente a fim de controlar as enfermidades coletivas através do ar puro, da água

potável, de uma habitação apropriada, do verde e do sol. Para Armus (1994) é durante este século

que:

una suerte de ideología urbana ganó terreno […] progreso, multitud, orden, higiene y bienestar son algunos de los elementos constitutivos de esa ideología urbana donde también cuentan los discursos de la degeneración e regeneración, de la reforma profunda y la utopía […] desde nuevas disciplinas como la higiene, la ingeniería sanitaria o la sociología los problemas de la cuidad moderna ocuparan El centro de la agenda. Es en la ciudad donde las evidencias de la degeneración toman forma: el crecimiento acelerado y caótico, la vivienda popular insalubre (Idem, p. 116)

Pretende-se, por parte dos então administradores da cidade, exercer um controle social,

principalmente sob a classe de menor poder aquisitivo, os operários, mendigos, prostitutas,

doentes e loucos. Como afirmamos anteriormente, toda esta parcela da população era entendida

enquanto ‘classe perigosa’, ou seja, perigosos seriam aqueles que provocavam espanto à elite da

cidade por apresentarem sua pobreza nas ruas aos olhos daqueles que desejassem ou não vê-los.

Bresciani (2004) avalia, com base em reflexões literárias; a partir da análise de investigadores

sociais; e ainda das obras de médicos e de administradores da cidade, que durante os séculos XIX

e XX havia “espanto e a geral preocupação ante a pobreza que a multidão nas ruas revela” (Idem.

p. 09). Multidão esta que demonstrava à sociedade que transitava pelas ruas sua própria desgraça.

As ruas se constituem, portanto, como um teatro espontâneo, nas quais as pessoas tornam-se

espetáculo, espectadores e ás vezes atores umas para as outras, em que sem as quais não há vida

urbana, já que é ai onde se efetuam movimentos e misturas, conforme nos escreve Lefebvre

(2002). Por conseguinte, os lugares privilegiados da Cidade da Parahyba, ou seja, as ruas

principais tornam-se também espaços nos quais a pobreza circulava, tornando-se espetáculo e

aparecendo aos olhos da elite, mesmo contra a sua vontade.

A fim de retratar melhor as reformas urbanas que surgiram a partir do discurso que

permeava o Movimento Higienista, abordaremos sobre algumas cidades no mundo, onde este fato

71

pode ser observado, com o intento de analisar como o Higienismo pode ser considerado enquanto

fundamento para as intervenções que ocorrem no espaço urbano. Em Milão, um novo programa

de reforma urbana é apresentado em 1860, que incluía edifícios, ruas, canais, jardins, serviços de

iluminação, de abastecimento de água e de esgoto. Porém com uma diferença, Bignami, o

engenheiro responsável pelas obras, ao projetar o sistema de esgotos, identifica a cidade histórica

romana e, no entanto, se opõe às propostas demolidoras, indo de encontro ao que ocorria em Paris

com grande intensidade. No entanto, o novo plano projetado para a cidade de Milão se utiliza,

sob os moldes parisienses, da lei da desapropriação. Além disso,

abrem-se novas ruas no centro; atende-se à demanda habitacional de uma nova burguesia; propõem-se novas estruturas e equipamentos coletivos; definem-se as condições técnicas para um desenvolvimento extraordinário da cidade [...] O plano aprovado em definitivo é uma versão haussmanniana, embora reduzida, da reestruturação do centro da cidade. (CALABI, 2001, p. 109)

O modelo de Haussmann é então, importado para muitas cidades, não só na Europa,

como também no “além mar”. Mas outras cidades também têm seus planos criados, e embora

baseados nos mesmos princípios de circulação e de diminuição da insalubridade, possuem

modelos próprios, como é o caso de Barcelona e Madrid, que têm seus planos elaborados por

Idelfonso Cerdá.

Em 1859, Idelfonso Cerdá propõe um plano de expansão para a cidade de Barcelona,

denominado ensanches, o qual é considerado por alguns autores, como o primeiro plano proposto

para esta cidade e vem a ser um projeto de reordenamento urbano da mesma.

Em linhas gerais, este plano consiste na construção de blocos em quadras com esquinas

‘recortadas’, além de um espaço interior geralmente destinado a pátios ou jardins. Não

abordaremos aqui as características dos ensanches, nem tampouco faremos uma descrição da

morfologia dos mesmos, já que este não é nosso objetivo. Nossa intenção é a de analisar a relação

que a construção dos ensanches, proposta por Idelfonso Cerdá possui com a necessidade por

tornar a cidade salubre, higiênica, e bela. Ou seja, partimos do entendimento de que este plano

possui uma justificativa, ou melhor, tem causalidade também fundada nos ideais higiênicos e do

desejo de modernizar e expandir a cidade. Antes da execução do plano de expansão proposto por Cerdá, a cidade de Barcelona

encontrava-se rodeada das antigas muralhas que haviam servido como estratégia de defesa, mas

que neste momento, representavam um entrave à sua expansão. O espaço urbano desta urbe

72

estava cada vez menor, frente ao crescimento populacional, as ruas eram estreitas, as praças

estavam desaparecendo e as condições de salubridade nestas ruas apertadas e tortuosas não eram

favoráveis. Fazia-se necessário, portanto, ampliar o espaço da cidade. Neste contexto, Cerdá

elabora seu plano de expansão.

Figura 06: Modelo do Ensanche de Barcelona (1858) proposto por Ildefonso Cerdá. Com esquinas chanfradas e bem pensadas para o cruzamento dos automóveis.10

Ao analisar a prática dos agentes urbanizadores na Espanha em diferentes processos

históricos, Alvaréz (2004) indica que os poderes públicos intervêm a partir de reordenamentos

urbanos em diferentes épocas e formas e, com finalidades variadas. Para o autor, esta prática já

foi utilizada desde o império romano, quando ocorria a fundação de novas plantas nas colônias a

partir de leis que eram votadas em assembléias, as quais “regulaba la división de las tierras, el

trazado de las calles y el fórum o plaza central, delimitándose el perímetro de la ciudad y

asignando a los colonos las respectivas parcelas” (Idem, p. 37). O autor cita o direito romano para

iniciar sua análise sobre a iniciativa privada na execução de planos urbanísticos por acreditar que

era a partir desta regulação global que se iniciava a atuação dos particulares, e que vai conceber

10 Disponível em http://www.geocities.com/HotSprings/7912/ensanche.html. Acessado em Junho de 2009.

73

os planos urbanísticos de diversas outras cidades em outros períodos históricos a partir de então,

já que é esta concepção de tratamento técnico e jurídico acerca dos planos urbanísticos como

obras públicas que marcará a evolução do urbanismo em grande parte das cidades européias,

inclusive atualmente, ou seja,

Estas reglas nos van a permitir hablar del surgimiento de un conjunto de normas urbanísticas que tienen por objetivo específico la ordenación de las ciudades, al tiempo que sientan las bases para una expansión que ya se adivina cercana y necesaria. Va a permitir la búsqueda de un modelo uniforme para su desarrollo, centrado en el modelo de las alineaciones. Se trata de que la ciudad prolongue sus calles más allá incluso de las viejas murallas y que los nuevos edificios se acomoden a las concepciones viarias y de entorno que pretenden los encargados del desarrollo urbano. A favor de estas nuevas consideraciones contribuirá el replanteamiento de las concepciones clásicas sobre la propiedad. (ALVARÉZ, 2004, p. 41)

Na Espanha, até o século XIX, muitas cidades mantiveram seu sítio urbano no interior

das muralhas medievais, até que se fez necessário, por parte do poder público propor

planejamentos que auxiliassem a expansão através da modificação das normativas urbanas, as

quais se baseariam a partir daí nas regras dominantes de salubridade, segurança, comodidade e

embelezamento.

Essas concepções utilizadas no momento de surgimento dos novos planos urbanos

surgidos em meados do século XIX na Espanha tomam força exatamente a partir de Idelfonso

Cerdá, principalmente em sua obra Teoria Geral da Urbanização. Obra esta, muito importante

não só pelas proposições teóricas e propostas urbanísticas que contém, mas também pelo

neologismo urbanismo atribuído pelo autor para indicar as ações e intervenções sobre o urbano e

que será aceito e utilizado a partir de então, em todos os países de língua latina.

A importância de Cerdá encontra-se relatada por muitos autores, principalmente quando

se referem aos planos de expansão das cidades de Madrid e Barcelona, os ensanches. O modelo

de ensanche germina a partir da diminuição de limites sobre a propriedade privada, baseados em

ordenações jurídicas que beneficiavam em primeiro lugar, a classe burguesa, fazendo com que

“muchas de estas propiedades estarían llamadas en breve plazo de tiempo a las nuevas utilidades

de industrialización y urbanización que iban a ser puestas en marcha especialmente en los

núcleos que ya apuntaban como ciudades importantes” (ALVARÉZ, 2004, p. 45).

A importância do referido plano está em ter previsto a ordenação urbanística de espaços

destinados à população futura, através da fixação de volumes e espaços livres que eram julgados

74

necessários à vida higiênica. Essa concepção de expansão e transformação da cidade foi

regulamentada pela Lei de 10 de janeiro de 1879, que dita a expropriação pela utilidade pública e

regulava a atuação em territórios de 20 a 50 metros, destinados, sobretudo, a redefinição de ruas,

quadras e praças, a fim de que estas apresentassem um traçado adequado com os requisitos de

maior fluidez e circulação, além de maiores garantias de salubridade que seriam necessárias para

diminuir a ocorrência de epidemias.

2.1 - Controle higiênico nas cidades

A divulgação da higiene enquanto único meio eficaz para a diminuição da ocorrência de

epidemias no espaço urbano, por parte da elite e dos detentores do saber, funciona como um

‘micro-poder’, tal qual denomina Foucault (2008). Para ele o corpo de cada um dos indivíduos

que compõe a cidade precisava ser controlado. O corpo enquanto “sede de necessidades e de

apetites; como lugar de processos fisiológicos e de metabolismos, como alvos de ataques

microbianos e de vírus” (Idem, p. 25) necessita não apenas ser observado pelo olhar dos médicos,

engenheiros e sanitaristas, como também estar submetido a um campo de controle político, no

qual as relações de poder têm alcance direto sobre eles. Esse alcance se fazia, a partir da

vigilância, da punição, e até mesmo do policiamento, a fim de que uma prática higiênica fosse

posta na cidade, não só nos espaços físicos como nos hábitos da população. Para o referido autor,

a partir do século XIX o corpo de cada indivíduo deixa de ser o principal alvo policial como

ocorria na era dos suplícios públicos, ou seja, com o passar do tempo o suplício e o teatro diante

da morte pública diminui e ocorre então uma busca por maneiras de punição que não sejam

diretamente físicas. No entanto, o poder sobre o corpo não deixou de existir até meados dos

oitocentos, mesmo que, cada vez mais de maneira indireta.

O controle social e o poder serão aqui analisados a partir das determinações higiênicas

para a construção de equipamentos urbanos que favorecessem a higiene e a salubridade entre os

habitantes da cidade. A higiene era, portanto utilizada enquanto justificativa para estas

determinações, por ser apontada como único meio capaz de combater a disseminação de doenças,

ou seja, os hábitos higiênicos eram divulgados enquanto norma para uma população que não

possuía acesso ao conhecimento médico e científico e que, portanto, enquadrava-se nas

prescrições da elite, dos médicos e engenheiros, responsáveis em sua grande maioria pela

75

administração da cidade, através de punição e do policiamento.

Na ausência de um plano de reforma urbana que caracterizasse uma verdadeira cirurgia

urbana destaca-se na Cidade da Parahyba implementações urbanas a partir de construções de

alguns equipamentos, bem como algumas alterações na sua morfologia. Dentre as normatizações

que se dão na Cidade da Parahyba, faremos uma exposição a partir dos equipamentos urbanos,

iniciando com a construção do primeiro cemitério público na cidade no ano de 1854; a

construção, instalação e reforma dos hospitais existentes na mesma, durante o recorte temporal

estabelecido; a cadeia e os matadouros e por fim, a instalação do primeiro serviço de

abastecimento de água no ano de 1912, o qual representa não só a busca por higienização do

espaço urbano desta cidade, como também o ideal de modernidade que promove alterações na

mesma, sobretudo a partir do início do século XX, sob os preceitos de higienizar, sanear e

embelezar.

2.2 - Medidas sanitárias utilizadas na Cidade da Parahyba

Para evitar que a população de menor poder aquisitivo transmitisse seus males à elite, já

que a pobreza encontrava-se geralmente relacionada à falta de higiene, as autoridades, sobretudo

os médicos, engenheiros e sanitaristas, buscavam maior intervenção nos espaços públicos a fim

de controlar essa ‘desordem’. Desta forma, a saúde de um habitante da cidade não é mais

responsabilidade unicamente sua e de sua família, visto que a enfermidade que possivelmente lhe

acomete pode contagiar os vizinhos com maiores probabilidades do que ocorreria com um

habitante de uma casa isolada no campo, favorecendo desta forma a disseminação de doenças e a

ocorrência de epidemias.

O crescimento populacional observado nas cidades se dará junto com as modificações na

estrutura das mesmas, principalmente a partir da instalação dos equipamentos urbanos, tais como

o abastecimento de água, a iluminação, a abertura de novas ruas, ampliação e urbanização das já

existentes, e, primeiramente, para a análise aqui realizada, a construção do primeiro cemitério

público na Cidade da Parahyba em meados do século XIX e a constante busca por torná-la

moderna e higiênica.

Os diversos documentos oficiais expressam muito claramente o ideário dos governantes,

da elite e dos políticos do século XIX em transformar a Cidade da Parahyba em uma cidade

76

salubre e higiênica. Como coloca Maia (2008) “o século XIX representa um momento bastante

singular para o entendimento do processo de urbanização e principalmente do ordenamento

urbano no Brasil, se o ideário da Modernidade já se fazia presente no imaginário da elite e

principalmente dos seus governantes (p. 01)”, há ainda o ideário higiênico da busca por

salubridade que se alia a modernidade a fim de gerar transformações no espaço urbano.

A análise sobre os equipamentos, as reformas e as intervenções urbanas, que foram

instalados e/ou solicitados a partir do discurso da higienização e salubridade da cidade, nos

permite, portanto, identificar até que ponto este discurso, ao influenciar alterações no espaço

físico da cidade favoreceu a expansão do seu tecido urbano, pois com o surgimento de alguns

equipamentos urbanos em áreas distantes do núcleo habitado da cidade fez-se necessário a

interligação dos mesmos com a área já habitada. Interligação esta relacionada à simples caminhos

ou às ruas. Ruas estas a princípio construídas apenas para facilitar o acesso dos trabalhadores

envolvidos na obra durante sua construção e que, posteriormente passaram a ser utilizadas.

As mudanças na morfologia urbana na Cidade da Parahyba, conforme afirmado

anteriormente acontecem principalmente na “cidade da elite”, mas também imprimem suas

marcas na cidade habitada pelos pobres. Muitos dos equipamentos urbanos reclamados pela

população e pelos administradores da cidade, quando instalados, limitaram-se à área central da

cidade, onde residia os habitantes de maior poder aquisitivo, portanto, a população de um modo

geral não possuía acesso a esse incremento. Exemplo disso é o que se denomina de saneamento

da cidade no ano de 1889, e que se referia, na verdade, à limpeza da cidade.

Neste momento, o Dr. José Lopes da Silva Júnior relata que, após ter sido encarregado

de fiscalizar este serviço de saneamento iniciou o trabalho na “cidade alta, achando-se hoje

completamente limpos e transitáveis os seguintes pontos: Rua da Medalha; Ladeira do Goés; Rua

da Matriz e das Pedras e Bêco do Carmo.” (Gazeta da Parahyba. Anno II. 06 de abril de 1889).

A justificativa para que essas ruas tenham sido escolhidas como ponto inicial da limpeza

da cidade está no fato de que “sendo estes pontos de viação pública considerados como

principaes focos de infecção no entender da commissão médica [...] a ilustre redação do orgam de

todas as classes ignore que se acham limpos e aformozeados, permitindo livre passagem aos

transeuntes sem sentirem o odor de outr’ora.” (Id. Ibd.)

Percebemos ainda inúmeras outras reclamações expostas principalmente nos jornais

publicados à época que denunciavam lugares considerados ainda mais insalubres e arriscados no

77

que diz respeito à transmissão de doenças. No entanto, como estes se encontravam ocupados por

uma população de menor poder aquisitivo, seu asseio ficava a cargo dos seus moradores, ou

simplesmente era dissimulado pelas autoridades médicas e pelos administradores locais.

Apesar da escassez verificada na oferta dos equipamentos urbanos e de serviços, tais

como o de limpeza das ruas à cidade de um modo geral, a população tem seu cotidiano também

modificado, principalmente pela punição e pela ausência dos novos equipamentos urbanos, ou

seja, daquilo que correspondia à imagem da cidade moderna.

Além da área edificada da cidade, outros espaços a ela associados, como os portos,

foram objeto de controle por parte dessa elite do saber. Em janeiro de 1843 é decretada uma série

de posturas que regulamenta as inspeções de saúde nos portos brasileiros. Uma destas era a

fiscalização à quarentena:

[...] hum dos secretários da saúde estará prompto desde o nascer do sol até o seu occaso para visitar qualquer navio immediatamente que entre, e o outro fará o expediente da Casa de Saúde em terra. Proceder-se-ha à uma visita em toda, e qualquer embarcação, mercante ou de Guerra que entre, e o outro fará o expediente da Casa de Saúde em terra. (Decreto n.º 268. Regulamento das Inspeções de Saúde dos Portos. Série Interiores. Arquivo Nacional).

Este regulamento nacional tem o seu embate na Cidade da Parahyba, quando da

observação de uma epidemia que a assolava, a qual acreditavam está sendo transmitida pela vinda

das embarcações provenientes da Província de Pernambuco. É o que expressa o documento:

Constando a este Governo por communicação do Provedor de Saúde d’esta Provincia, que se manifestara a febre amarella em dois marujos de um navio ___ surto no Porto d’esta cidade [...] pelo que fora ele mandado retirar pelo Provedor para o Boqueirão, assim como em Pernambuco reapareceu a bordo das embarcações vindas daquela província, antes do que, e da declaração de ficarem livre a pratica, e não permitirá mergulho e nem saida de pessoa alguma de seu bordo. (Palácio do Governo da Parahyba, 31 de janeiro de 1852).

Esta comunicação, ocorrida, conforme podemos observar, em janeiro de 1852 é

reproduzida ainda em maio do mesmo ano, quando observamos “[...] recomendações para que

não tenham contacto com a terra naquelle porto, e nesta cidade pessoas vindas nas embarcações

do Porto de Pernambuco, sem prévio desembaraço da Inspecção de Saúde” 11. Recomendação

esta que nos leva a perceber o quanto a epidemia, ou o risco epidêmico trazia alterações na vida e

11 Alfândega da Parahyba, 14 de maio de 1852. Arquivo Histórico do Estado da Paraíba. Caixa 30.

78

no cotidiano de uma cidade, não apenas por conta do medo do contágio ou da morte, mas também

pela vigilância em relação à saúde dos habitantes. O controle social exercido a partir desta busca

por salubridade provoca, portanto, alterações também nas atividades econômicas, visto que

Pernambuco e Parahyba possuíam importantes laços econômicos que podem ter sido abalados

graças à fiscalização dos portos e a quarentena12.

As medidas sanitárias aqui utilizadas compunham-se, principalmente do controle sobre

os hábitos da população e sobre a instalação de equipamentos urbanos e urbanização, ou ainda a

tentativa de educar a população a partir de campanhas educativas no que concerne à obtenção de

hábitos higiênicos, a partir, principalmente da criação de cadeiras de higiene nas escolas ou ainda

das campanhas divulgadas através da imprensa e de folhetos educativos. Contudo, poucas são as

notícias, nos documentos analisados que tratam sobre a educação higiênica na Cidade da

Parahyba, sobretudo, ao analisarmos o século XIX. Apenas no início do século XX, percebemos

a criação de cadeiras de higiene nas escolas da cidade. Contudo, o relatório do Presidente da

Província para o ano de 1855 expressa que

[...] forão impressos e distribuídos por toda a Provincia varias exposições contendo conselhos higyenicos, e outras prescrições medicas relativas ao modo de previnir a peste e de tractar os affetados d’ella: mais de mil exemplares se tem espalhado pelo interior onde a ausência de facultativos e a falta de recursos d’arte juntas a celebridade com que o mal costuma atacar e destruir tornão summamente útil a vulgarisação e o conhecimento antecipado desses meios higyenicos e therapeuticos. (RPP, 1855, p.10)

Essas medidas voltavam-se não apenas para a divulgação dos hábitos higiênicos como

meio eficaz para a prevenção de doenças, como tinham também o intuito de promover as

benesses da vacina a fim de convencer a população de que este seria uma medida importante na

prevenção, ao contrário do que pensava a maior parte da população avessa a esta prática.

A prática de divulgar, através de folhetos impressos, os meios de prevenção de doenças

e hábitos higiênicos é novamente utilizada no ano de 1863, momento em que, por estarem alguns

lugares do interior da província acometidos de cólera, o governo mandou distribuir

com ambulancia de medicamentos próprios, folhetos impressos com instrucções sanitárias acompanhadas de prescripções médicas [...] esta medida foi tanto mais proveitosa por quanto havendo poucos médicos na Provincia, aquellas ditas

12 Entende-se por quarentena o período de quarenta dias a que estavam submetidos aqueles que fossem considerados risco no que diz respeito ao contágio e proliferação de doenças.

79

instrucções escriptas com toda a clareza e precisão, não só instruíam o povo a respeito das cautellas, que devião ter para prevenir o mal, como também punhão nos a par do melhor e mais seguido tratamento do cholera-morbus (Correspondências com o Ministério do Império. 12 de janeiro de 1863).

Esses folhetos tinham também a intenção de divulgar a vacina e convencer a população

sobre a sua importância. Quanto à vacinação podemos dizer que este serviço, embora escasso e

limitado, ocorria freqüentemente, principalmente na Cidade da Parahyba, o que atestam os

documentos oficiais, principalmente os relatórios dos Presidentes da Província. Estes confirmam

que entre os anos de 1850 e 1851 foram vacinados 1560 pessoas.

No entanto, o número reduzido de “puz vacinico” e a qualidade do mesmo é

constantemente reclamado pelos administradores da cidade. Para exemplificar esta situação,

conforme nos conta o Presidente da Província no ano de 1853, o Doutor Antônio Coêlho de Sá

Albuquerque, enfatiza que “em muitos indivíduos deixou de desenvolver a vaccina, apezar de

haver o Commissário Vaccinador Provincial distribuído pelos differentes Commissários laminas,

tubos com ferido vaccinico, remmetidos pelo Instituto da Côrte; o que em verdade retarda um

pouco os benefícios que podiam resultar desse preservativo” (RPP, 1853. s/p). As reclamações

permanecem, tal como podemos verificar no ano de 1855, quando o Presidente da Província

afirma em relatório que

[...] o grande preservativo do mal, a vaccina, tem sido applicada tanto em alguns lugares do centro para onde é promptamente remettida apenas é requisitada, como n’esta cidade; mas ou pela má qualidade e degeneração do puz ou pelo estado, em geral péssimo da saúde dos que a recebem, a inoculação não tem produsido os bons effeitos que costuma, e as enfermarias estão regorgitando de doentes a maior parte dos quaes bexiguentos. (RPP, 1855, p. 08).

Em relação às causas para a ineficiência do serviço de vacina, o Presidente da Província

expressa, no ano de 1857, que as principais causas para tal problema seriam a

[...] a repugnância, que no seu emprego se encontra em grande parte da população, cuja intelligencia não aprecia devidamente os beneficos effeitos da vaccina, e outras da falta de zello, e dedicação dos agentes encarregados deste serviço, que em geral não são habilitados. Estas causas hão por muito tempo embaraçar os benefícios, que se devião esperar do Instituto Vaccinico. As primeiras são naturaes, e resultão do estado, em que se acha o nosso Paiz. Só o tempo, e augmento da população, e os progressos da civilização, ajudados da acção da autoridade, poderão destruir preconceitos antigos e inveterados (RPP. 1857. p.15).

80

Porém, vale considerar que essa “repugnância” era devida ao próprio método de

inoculação da vacina, o qual era de difícil aplicação e dolorido, conforme nos conta Chalhoub

(1996). Por conta disso, em 1863 o Inspetor de Saúde Pública, João José Inocêncio Poggi,

escreve um amplo relatório acerca da vacinação, no qual descreve que a população de menor

poder aquisitivo foi a que mais sofreu com o efeito “por que a gente mais ignorante é também a

que mais repugnância tem em receber o milagroso e efficaz preservativo da vaccina”

(Correspondências com o Ministério do Império. 15 de outubro de 1863), não atentando para as

dificuldades que essa população vivia, em relação à alimentação e à habitação, o que por si,

favorece uma maior disseminação de doenças. O relator aponta um ligeiro acréscimo no número

de pessoas que o procuravam nos dias determinados para a vacinação nos meses que se seguem e

justifica este crescimento a partir da ocorrência da segunda epidemia de cólera, quando por medo

do contágio algumas pessoas procuram o referido serviço.

Os problemas e causas para a ocorrência de epidemias, revelados nos documentos

analisados, embora haja solicitação por parte da comissão de higiene que sejam resolvidos,

permanecem na cidade por muitos anos e vão sendo eliminados ou são resolvidos de forma

paleativa, principalmente nas ruas principais da cidade, nas quais residia a elite.

2.3 - Uma ordem higiênica:

A construção do Cemitério Senhor da Boa Sentença na Cidade da Parahyba

Entre finais do século XIX e início do século XX as transformações no campo, a

substituição do trabalho escravo pelo assalariado, bem como a ocorrência de grandes secas na

Província da Parahyba acarretaram um crescimento demográfico na Cidade da Parahyba. Tal

aumento demográfico deu-se em decorrência, principalmente do aumento da migração em

direção à cidade. Concomitantemente a estas alterações no contingente populacional, verifica-se

o aumento do desemprego, da má qualidade de vida e, principalmente da intensificação dos

problemas sanitários observados na cidade, já que a mesma não possuía infra-estrutura necessária

para receber os moradores recém-chegados.

Esses fatores provocam a proliferação de epidemias que assolam a cidade e mais

especificamente a sua população, ou seja, “é no cenário de miséria determinado pelas condições

de vida e trabalho que o nordeste vai sendo invadido pelas epidemias, sobretudo pela migração

81

campo-cidade que provocava amontoamento de pessoas que fugiam da seca, da fome e da própria

propagação de doenças” (ARAÚJO, 1997, p. 119), gerando um aumento no número de óbitos. O

aumento da mortalidade faz com que se torne ainda mais perceptível a necessidade de construção

de um cemitério público na cidade a fim de que a morte seja assistida adequadamente, mesmo

que seguindo os rituais religiosos costumeiros e ainda vigentes segundo as determinações da

Igreja. É bom lembrar que neste período a Igreja e o Estado muitas vezes se confundiam, cabendo

inclusive ainda à Igreja a certificação dos nascimentos e dos óbitos. De fato é a partir da

instalação do Império que o Estado brasileiro passa a se consolidar. Por conseguinte, no decorrer

dos oitocentos, as determinações que regiam a organização da cidade e também a vida dos seus

habitantes passam a ser cada vez mais definidas pelo governo imperial, muitas vezes contrariando

os preceitos religiosos.

Dessa forma, a determinação para a construção do cemitério público não está limitada

aos preceitos religiosos, mas é acima de tudo, uma ordem do Estado que diz respeito à saúde

pública e que, portanto, precisava ser tratada e gerida como tal. Por conseguinte, o seu

cumprimento não se dá sem reações e tensões, uma vez que também simbolizava a separação

Igreja-Estado. Pois no momento em que o Estado passa a tratar da morte, ele está interferindo nas

doutrinas da Igreja. Assim,

[...] a questão da morte trouxe mais tensões do que se imaginava, por que além de envolver diretamente o governo, a Igreja (representada pelas suas irmandades e confrarias), alguns membros ilustres da sociedade [...] poderiam trazer a tona algumas transformações fundamentais para a cidade, como a separação igreja-estado, e as diversas reformas espaciais decorrentes das novas concepções higiênicas. (PAGOTO, 2004, p. 23)

Além das tensões já estabelecidas que aparecem nas definições do funcionamento e da

gerência do cemitério, há também dificuldades quanto à escolha do espaço onde este deveria ser

construído. Dessa forma, fora do âmbito sagrado, este equipamento ocasiona também

modificações nas formas de lidar com a morte, ou como diz Reis (1998) até o momento de

construção e efetivação do cemitério enquanto espaço público, não era possível observar uma

“separação radical, como hoje temos, entre a vida e a morte, entre o sagrado e o profano, entre a

cidade dos vivos e a dos mortos” (Idem, p. 74). O autor acrescenta ainda que, havia sim o temor à

morte, no entanto, este temor era observado quando os ritos fúnebres não eram atentados. Desta

maneira, Reis mostra de que forma se dava o tratamento com a morte e com os mortos, os quais

82

só seriam temidos quando não fossem cumpridos o ritual religioso e a preparação para que as

almas fossem recebidas no céu. Daí a importância em observar a ostentação dos aparatos

religiosos utilizados nos ritos fúnebres a partir dos quais os mortos chegariam aos céus e os vivos

estariam protegidos de possíveis riscos espirituais, já que teriam cumprido com sua obrigação de

fazer com que aquele corpo e, sobretudo aquela alma ‘descansasse em paz’.

É preciso lembrar que a construção do cemitério e, por conseguinte a determinação em

se enterrar os mortos neste novo equipamento urbano quebra com um antigo costume de se

enterrar os mortos nas igrejas, aqueles que eram de famílias abastadas. De fato, a classe social e

a estratificação também eram observadas quando da ‘escolha’ do lugar onde seriam construídos

os jazigos da família. Conforme relata Pagoto (2004) “esta forma de entender a morte deu

margem para a criação dentro do âmbito da igreja, de divisas espaciais de acordo com a situação

financeira de cada indivíduo. Além disso, também se acreditava que quanto mais próxima a

sepultura estivesse da imagem de algum santo ou dos altares, mais chance a pessoa sepultada

teria de obter a salvação” (p. 37). Fato este que gera a diferenciação de preços em relação à

escolha dos enterramentos dentro das igrejas, ou mesmo no ambiente dos cemitérios em virtude

da suntuosidade dos túmulos; o tipo de mortalha utilizado no rito fúnebre, o qual variava segundo

a condição social do morto e até mesmo do lugar em que os mesmos eram construídos.

Os túmulos dentro da igreja eram oferecidos ou destinados aquelas pessoas que em vida

tivessem contribuído para as inúmeras obras realizadas pela própria igreja, seja a partir da doação

de donativos para construção da mesma, ou em relação às obras de caridade por ela

administradas. Poucos eram aqueles que, em virtude, da quantidade de recursos doados em vida,

obtiveram o privilégio de ter um túmulo perpétuo neste espaço. Boa parte dos corpos aí

enterrados era, com o tempo, removida a fim de que outros corpos fossem postos no seu lugar.

Após o enterramento, os corpos eram de responsabilidade da igreja e, mesmo que houvesse, em

caso de acusações judiciais, a necessidade de uma exumação daquele corpo, o mesmo só

ocorreria se fosse permitida pela paróquia a qual o indivíduo ali enterrado fizera parte em vida.

Contudo, com a crescente ocorrência de epidemias, uma nova atitude diante da morte

passa a ser veiculada pelos detentores do saber médico-científico, fundamentada na doutrina dos

miasmas, o que fez com que ocorresse não apenas uma nova forma de entender a morte, como

também se fazia necessário que a mesma fosse tratada como fonte de transmissão de doenças, por

conseguinte, era preciso que o Estado interviesse no tratamento da morte e dos mortos a fim de

83

que estes não representassem um problema à saúde pública.

O suor, a urina, as fezes, animais mortos eram algumas das fontes de ‘infecção do ar’, segundo os higienistas. Os cadáveres humanos contavam entre as principais causas de formação de miasmas mefíticos, e afetavam com particular virulência a saúde dos vivos, por que eram depositados em igrejas e cemitérios paroquiais dos centros urbanos. Com a descoberta dos miasmas veio a descoberta do mau cheiro da decomposição cadavérica. (REIS, 1998, p. 76)

É exatamente essa concepção e a descoberta dos corpos dos mortos como problema para

a saúde pública, ou seja, como um risco de disseminação de doenças que vai fazer com que seja

criado o Cemitério Senhor da Bôa Sentença na Cidade da Parahyba. A construção deste cemitério

modifica não só o lugar, a partir da sua construção física, mas também o imaginário social acerca

do poder exercido pela igreja, a qual tinha até então, o controle sobre os mortos e seu

enterramento. Os cemitérios surgem, portanto, como uma representação da separação entre Igreja

e Estado, pois, antes de sua construção não só o enterramento dos mortos era realizado

concomitante à cerimônia regida e executada pela igreja, como também os corpos permaneciam

sob sua tutela.

Isso perdurou até a construção desse equipamento quando o enterramento passou a

ocorrer em espaço público de administração do Estado. Não obstante os funerais estivessem, em

sua maioria, relacionados aos rituais sagrados, os corpos e os enterramentos se davam sob

determinações do Estado.

A passagem do enterramento dentro de espaços religiosos, para a construção de

cemitérios situados fora da igreja representa a incorporação do discurso da higiene, pois de

acordo com o saber médico vigente à época, as emanações provenientes dos corpos contagiavam

aqueles que tivessem acesso aos mesmos, daí a necessidade de construir espaços destinados para

tal. Além disso, com um número muito alto de mortos em conseqüência das epidemias que

assolavam a cidade fazia-se necessário a construção de um cemitério público que fosse capaz de

receber todos esses corpos. Neste sentido, no ano de 1854 na Cidade da Parahyba, foi construído

o Cemitério Senhor da Boa Sentença, sob determinação da Câmara Municipal.

A construção de cemitérios nas cidades do Brasil ocorre principalmente entre o século

XIX e o século XX. No entanto, a viabilização desta construção não ocorre sem embates. Como

exemplo, na cidade de Salvador, a população toma uma posição contrária à prática de enterrar

seus mortos em lugares abertos e passíveis à violação, seja por animais ou mesmo por pessoas

84

“desumanas”, o que culminará com a revolta contra a construção de cemitérios, conhecida por

cemiterada13, a “única revolta popular brasileira realizada contra a criação de um cemitério

municipal” (PAGOTO, 2004, p.25)

Outra razão para o embate está no fato de que, com o enterramento nas igrejas, os

paroquianos acreditavam estarem mais próximos de Deus, dos seus anjos e santos, os quais

provavelmente lhes garantiriam uma boa morte e a morada eterna de suas almas no céu. Além de

o cemitério representar, para alguns, a impossibilidade de manter seus corpos e sua alma sob os

cuidados de Deus, tem-se ainda “a comercialização de diferentes objetos e móveis utilizados em

procissões e enterros, tais como testamentos, sepulturas, mortalhas, missas, sinos de igreja,

pompas fúnebres [entre outras]” (PAGOTO, 2004, p. 14). Comercialização esta que vem reforçar

os conflitos sobre a determinação da construção e gerenciamento dos cemitérios, gerando, por sua

vez, um embate, entre o poder público, representado neste momento pelos médicos e engenheiros

e a igreja. O primeiro deles, ou seja, o Estado estava preocupado com a saúde dos habitantes e a

manutenção da ordem a partir da observância das regras de higiene no momento dos

enterramentos. Este agente entendia que os corpos mortos eram os causadores das epidemias que

assolavam as cidades neste período, e por isso mesmo, era, necessário, senão primordial, afastá-

los do convívio dos vivos. Enquanto isso, a igreja, as irmandades e as confrarias preocupavam-se

com o comércio e as rendas obtidas em cada ritual fúnebre realizado dentro do âmbito do

sagrado, bem como com a permanência daqueles que se acreditava serem necessários para uma

boa vida e uma boa morte.

Quanto ao enterro nas igrejas e os ritos fúnebres nela realizados, vale destacar que,

conforme salienta Pagoto, em contraposição à prática atual de banir a morte das conversas diárias

e limitar o acesso à mesma no cotidiano, até o início do século XX isto era diferente, pois, neste

momento, “a morte fazia parte do cotidiano, e devia ser lembrada por meio das badaladas [...] os

funerais eram concebidos por uma grande parcela da população como eventos sociais e como

uma das raras oportunidades para desfilar a riqueza e o poder” (Idem, 2004, p. 19)

A mudança em relação aos ritos fúnebres no Brasil ocorre em meados do século XIX,

quando, a partir das idéias higienistas, os médicos e engenheiros responsáveis pela administração

da cidade passam a intervir nos espaços urbanos reordenando os que consideravam prejudiciais à

saúde pública, tais como os matadouros, os hospitais, as habitações, as ruas e os cemitérios.

13 Para melhor entendimento acerca da Cemiterada, ver Reis, 1998 (op cit)

85

Muitas vezes a população aceitava a construção de cemitérios apenas quando da

ocorrência de epidemias, em virtude de acreditarem ser impossível que tantas pessoas fossem

enterradas em tão pouco tempo nas igrejas. De acordo com a teoria da transmissão e contágio de

doenças, o desenterramento apressado de cadáveres e o revolvimento das terras nas quais os

mesmos estavam colocados eram considerados atos arriscados para a saúde, pois a partir daí,

seria liberado à atmosfera emanações e gases que disseminariam as doenças. Era neste momento,

portanto, que a população aceitava o cercamento de lugares destinados ao enterramento das

vítimas de epidemia. Estes lugares, por sua vez, seriam apontados por uma comissão formada por

médicos e engenheiros, os quais deveriam atentar para um lugar onde as regras de higiene fossem

observadas e cumpridas.

Os cemitérios em geral deveriam ser ordenados segundo regras de engenharia,

arborizados e ajardinados com o objetivo tanto de amenizar a perda do ente querido, como de

garantir a boa circulação do ar dentro desses ambientes. Tais medidas eram consideradas como a

forma de evitar a transmissão de doenças. Nas palavras de Reis (1998): “os projetistas

imaginaram cemitérios gramados e arborizados, cemitérios jardins para serem visitados como

lugar solene de serena meditação, e onde fossem erigidos túmulos vistosos que marcariam um

novo tipo de culto aos mortos” (Idem. p. 78).

A construção dos cemitérios dava-se com recursos tanto da administração pública, como

de doações das pessoas abastadas da comunidade que acreditavam estarem assim favorecendo a

salubridade da cidade.

Podemos, a partir da documentação consultada, afirmar que a escolha do lugar em que

seriam construídos os cemitérios e os hospitais na Cidade da Parahyba era realizada por

profissionais tecnicamente habilitados para tal, sobretudo os engenheiros. Estes eram os

responsáveis não só por esta escolha, como também pela planta do mesmo. Desta maneira, “o

illustrado Engenheiro, Dr. Francisco Dias Cardoso Filho, Director da Fabrica de Tecidos

Parahybana, a convite meo percorreu commigo o sitio Cruz do Peixe, fez exames necessários e

gentilmente encarregou-se de levantar a planta do novo Hospital e de fazer o respectivo

orçamento.14”.

O cemitério precisava ser construído em lugar distante e seguro quanto à preservação da

14 Relatório apresentado a Mesa Conjunta da Santa Casa de Misericórdia em Sessão Solemne de 02 de julho de 1908 pelo provedor Trajano A. de Caldas Brandão. Imprensa Official, 1908.

86

salubridade na cidade. Em relação ao primeiro cemitério público da cidade ora analisada,

observamos que, em ata da sessão da Assembléia Provincial, a ‘Commissão de Poderes’ pede o

privilégio perpetuo à mesa administrativa da Santa Casa de Misericórdia, para construção de um

cemitério nesta cidade:

Considerando a commissão que não tendo a Câmara Municipal curado da construcção d’um estabelecimento tão útil, e nem lhe é possível curar, attento o desleixo, e prostituição em que jas essa corporação, considerando os males de que já ressente esta Cidade pela falta d’um cemitério. Entende a Commissão que, com quanto seja urgente a necessidade de sua construção [...]. (Acta da Assembléa Provincial de 25 de maio de 1854. Caixa 06).

Conforme afirmado anteriormente a construção do primeiro cemitério público da Cidade

da Parahyba, apesar de solicitado em 1852, teve início em 30 de janeiro de 1854, quando da

contratação do pedreiro Antonio Polari, e deveria ser terminada dentro de quatro meses. A sua

urgência dava-se pelo fato da ausência e da necessidade de um lugar para enterrar os mortos em

área distante da cidade. Apontadas nos vários documentos escritos em anos anteriores.

Em 1855, o engenheiro da província, Affonso de Almeida e Albuquerque afirma no

Relatório do Presidente da Província que: “não podia ser por mais tempo differida a existência de

um cemiterio publico n’esta Capital.” (RPP, 1855, p.21), o qual mesmo tendo sido solicitado em

anos anteriores, conforme afirmado anteriormente, encontrava-se em construção e “dentro de

pouco tempo ficará elle em estado de receber cadáveres cujos enterramentos ainda se fazem nas

nossas Igrejas com desacato à Religião e em detrimento da saúde publica” (Idem, p.22).

Ainda no final desse mesmo ano, encontrava-se o cemitério público concluído. A

brevidade da obra justificava-se por ser “sem duvida uma das mais importantes e mais úteis a

salubridade d’esta Capital” (RPP. 1855. p. 10). Sobre este mesmo ano, podemos observar ainda o

relato de Irineo Pinto, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba, sob o título ‘O

Cholera Morbus na Parahyba’, no qual o autor expõe que

[...] de há muito ambicionava a capital possuir este útil melhoramento, afim de acabar o anacronico uso de enterramento nas igrejas, e apesar de diversas tentativas, só no anno anterior, havia sido levada com insistência e realidade a iniciação da empresa, mandando o governo nesse anno, uma junta de facultativos estudar o local apropriado para tal fim. (PINTO, 1910, p. 123)

Para compor a história desse importante equipamento urbano na cidade, bem como de

que forma o mesmo foi se consolidando no âmbito da cidade, partimos, principalmente, dos

87

relatórios dos Presidentes da Província e da Santa Casa de Misericórdia. Desta forma, foi possível

entender e reconstruir o ‘quebra-cabeças’ que compõe a história do cemitério público no espaço

urbano da Cidade da Parahyba.

Essa história prossegue, portanto, de acordo com os documentos, com embates entre

aqueles que desejavam continuar a enterrar seus mortos nas igrejas, como ocorria até então,

justificados pela maior proximidade com Deus e conseqüente proteção, e aqueles que aceitavam

o discurso da salubridade e da higiene que justificava a sua construção. Além desses problemas,

podemos perceber que os parcos recursos da cidade representavam uma dificuldade à medida que

um novo cemitério ou a ampliação do já existente não era possível ser realizada. Como bem

expressa, “é de lamentar que os habitantes não procurem, uns com seu dinheiro e outros com seus

serviços gratuitos de alguns dias, edificar essas habitações das gerações que acabão. Não só o

sentimento de religião, para com os mortos, como também o interesse da salubridade pública, os

deverião aconselhar neste empenho”. (RPP, 1856, p. 34)

No ano posterior à instalação do primeiro cemitério público da Cidade da Parahyba, qual

seja, no ano de 1855, ocorre o primeiro grande surto de ‘cholera-morbus’ na cidade, fato este que

leva a criação da Junta Central de Higiene e de uma série de normativas quanto à adequação do

espaço urbano a este novo mal que o atinge. Sua população encontrava-se, portanto, assustada

com a “novidade da moléstia, cuja origem não está ainda bem averiguada, sua força destructiva

difficil de superar-se, os horríveis padecimentos dos que della são accommettidos” (PINTO,

1910, p. 121).

Em relação à criação da Junta Central de Higiene, podemos dizer que, no ano em que a

Cidade da Parahyba é assolada pelo “primeiro cholera”, o governo toma a iniciativa de, em

assembléia provincial reunir “uma junta de facultativos e ouvindo a opinião de todos, proferida

com acerto e judiciosa observação, inicia logo a serie de medidas no sentido de suas indicações”

(PINTO, 1910, p. 122). Esta ‘Junta de Higiene’, junto à câmara municipal determina que fossem

“caidos, pintados e asseiados os edifícios públicos, mandando a camara que igual medida fosse

adoptada pelos particulares com relação aos seus prédios” (PINTO, 1910, p. 122).

No entanto, as medidas, prescritas pelos administradores locais, nem sempre são

concretizadas, conforme mostramos em outra ocasião. Isto porque fazia parte de uma série de

ordenamentos destinados, principalmente à população de menor poder aquisitivo, a qual não

possuía os meios necessários para atender a imposição destas ordens. A inobservância dos

88

ordenamentos por parte desta parcela da população era colocada como sendo responsabilidade

deles mesmos. No ano de 1861, Medeiros (1913) considera como causas para a ocorrência de

doenças, diversos fatores “enumerando certas doenças apontava-lhes as fontes e insistia sobre

meios de combater a phthisica, as febres e a syphilis, umas oriundas da má alimentação, dos

defeitos de edificação, da corrupção do ar e outra transbordando dessas casas de prostituição onde

não ha ao menos inspecção nem policial nem medica.” (Idem, p. 120).

Pinto (1910) ainda atribuindo à população a ocorrência das epidemias descreve que

“nenhuma medida de hygiene particular era tomada pelo povo, apellando o mesmo para Deus,

aterrorisado esperava o mal tal qual poderia apparecer, tendo ainda contra si os mais abastados

que confiados nas suas posses disiam que se o cholera ca viesse seria tão benigno como fôra a

febre amarella e outras epidemias” (p.121). Benigno seria, portanto, não pelas condições

higiênicas apresentadas na cidade, nem tampouco pelas medidas sanitárias, as quais estavam em

execução e pouco abrangendo as ruas da mesma, mas pelo clima e as condições atmosféricas aqui

existentes. Para ilustrar esta afirmação transcrevemos trecho de documento escrito pelo Inspetor

de Saúde do Porto da Província da Parahyba, em 1888, o qual afirma que “nenhuma moléstia

epidêmica e contagiosa desenvolveu-se neste porto nem mesmo na cidade; o que foi devido,

como estou convencido, as condições climáticas e não as hygienicas, que são deploráveis nesta

cidade e seus subúrbios”.(Correspondências com o Ministério do Império. 09 de janeiro de 1888).

As medidas higiênicas apontadas pelas comissões e juntas de higiene continuavam a ser

reclamadas e solicitadas tanto pela população como também pelas autoridades locais, ainda no

final do século XIX.

A variação e irregularidade da temperatura que activa e facilita maior desprendimento de miasmas de toda natureza, elaborados nos innumeros foccos deleteriaes que se encontra a cada canto desta capital [...] Em qualquer canto, em todas as ruas e becos achão-se grandes depósitos de lixo, animaes mortos em decomposição, materiaes esterchoraes e aguas podres e estagnadas; de sorte que, se todas essas emanações deletérias não fossem absorvidas pela vegetação, que em grande extenção cobre o seo sólo, e modificados pela natureza, reconhecidamente salubre de nosso clima, estaría-mos sempre sob a pressão de graves cataclysmos epidêmicos. (Correspondência com o Ministério do Império. 29 de fevereiro de 1884)

Quanto ao clima desta cidade, várias são as informações sobre a benignidade do mesmo,

tal como: “A Parahyba sempre foi reputada como terra salubre e de clima agradável, mau grado

89

sua posição entre os trópicos” (MEDEIROS, 1911, p.117). Desta forma percebemos que o clima

e as condições atmosféricas eram considerados benignos no que concerne à manutenção da saúde

e à prevenção de doenças na Cidade da Parahyba. Já o povo e, sobretudo, a população de menor

poder aquisitivo, seriam os principais responsáveis pela ocorrência e disseminação de doença.

Conforme assinala Pinto “era pra temer a imprevidência do povo, luctando com maior factor de

seu anniquilamento – a pobresa – ao qual raro é o que pensa na alimentação do dia de amanhã e

raríssimo o que possue uma rede ou um catre em que se deite sendo que a cobertura ninguém a

tem, confiados todos na benegnidade do clima.” (PINTO, 1910, p. 121).

O autor expõe ainda que, neste ano o Cemitério Senhor da Boa Sentença “achava-se,

pois, em estado adiantado quando surgiu a noticia da próxima invasão [refere-se à cólera],

fasendo o Governo activar a obra no intuito de servir logo ao fim para que fôra destinada”.

(PINTO, 1910, p. 123). Mais uma vez podemos observar que a ocorrência de doenças favorece,

determina ou prescreve alterações no espaço urbano desta cidade, à medida que pretende torná-la

mais salubre e higiênica, e conseqüentemente livre das epidemias que dizimam os seus

habitantes.

Em 1879 a construção de um novo cemitério é reclamado pelos administradores locais.

O relatório do Presidente da Província argumenta que, considerando

[...]o numero de inhumações, e achando-se quase totalmente occupada a area do Cemiterio do Senhor da Boa Sentença, deliberei fundar um novo Cemitério que, prestando-se ao enterramento de grande numero de victimados pelas epidemias reinantes, servisse por seu espaço e condições hygienicas para ser o ponto permanente das inhumações n’esta Capital. (RPP, 1879, p. 25)

Neste sentido, o engenheiro responsável pelas obras públicas na capital, obedecendo as

ordens do Presidente da Província, sugere que este novo cemitério seja construído em “uma área

de terreno no sitio denominado ‘Cruz do Peixe’ proxima ao hospital dos variolosos, cujas

inhumações ordenei que fossem logo feitas n’esse Cemiterio a fim de evitar o transporte dos

cadaveres das victimas d’essa terrível enfermidade pelo centro da Cidade.” (RPP. 1879. p. 27).

Note-se que a preocupação em não disseminar as doenças no centro da cidade, área em que

habitava a elite e em que se dava a maior parte das relações comerciais; além da presença do

Estado e da Igreja era uma constante. Várias são as determinações a partir das quais podemos

observar este fato. A respeito do lugar escolhido para a construção do novo cemitério, a comissão

higiênica determina que “preferindo a bem da salubridade pública e de conformidade com os

90

preceitos da hygiene, o local que demora ao lado direito da estrada de rodagem, e que fica quase

em frente á Igreja da Bôa Vista, há 300 braças [...] de distancia d’esta cidade, a partir da Ponte

Sanhauá” (RPP, 1879, p. 22).

No entanto, o cemitério da Cruz do Peixe, construído durante o período de flagelo da

seca, foi fechado ainda no ano de 1882, tal como podemos observar no relato do Presidente da

Província, quando o mesmo afirma que “o Cemiterio Senhor da Boa Sentença á cargo da Santa

Casa de Misericórdia, segundo a opinião do Provedor, é insufficiente para os enterramentos que

alli se fazem, visto ter-se fechado o da Cruz do Peixe, estabellecido por ocasião do flagello da

secca” (RPP, 1882, p. 26)15.

Quanto à administração dos cemitérios, anteriormente referida no relato citado,

salientamos que as entidades responsáveis não apenas pelos cemitérios e enterramentos, como

muitas vezes pelos hospitais, pelas obras de caridade e pelas obras assistencialistas encontravam-

se divididas em ordens terceiras, irmandades e confrarias, ou seja, eram as entidades religiosas.

No entanto, em geral eram “presididas por leigos, que visavam prestar auxílio, tanto espiritual

quanto material a seus membros” (PAGOTO, 2004, p. 50). As confrarias, por sua vez,

encontravam-se “divididas principalmente em irmandades e ordens terceiras, existiam em

Portugal desde o século XIII pelo menos, dedicando-se a obras de caridade voltadas para seus

próprios membros ou para pessoas carentes não associadas” (REIS, 1998, p. 49).

Em 1879 a Cidade da Parahyba contava com dois cemitérios, o primeiro era o ‘Senhor

da Bôa Sentença’, que estava em funcionamento desde o ano de 1855, conforme afirmamos

anteriormente, e o da Cruz do Peixe, no qual eram enterrados os variolosos, situado em área mais

distante do perímetro urbanizado da mesma. O jornal ‘A Regeneração’ publica em 1879, um

artigo reclamando sobre o serviço de enterramento dos mortos nesta cidade enfatizando que “as

inhumações n’esta cidade se fazem em dous cemitérios” 16 (Jornal A Regeneração. 28 de agosto

de 1879). Este artigo é complementado pelo relatório apresentado pelo senhor Vice-Presidente da

Província acerca das condições higiênicas da cidade, e publicado no jornal ‘O Liberal

Parahybano’ no mesmo ano. Noticia-se que a área do Cemitério Senhor da Bôa Sentença

encontrava-se “quasi toda occupada pelo grande numero de enterramentos que n’elle se tem feito

durante a crise epidêmica” (Idem). O mesmo jornal comunica que o Cemitério Cruz do Peixe, o

15 A pesquisa não encontrou nenhuma referência a respeito do fechamento deste. 16 Microfilmes NIDHIR. Rolo 02

91

referido jornal aponta que ainda não estivesse concluído naquele ano, graças às dificuldades de

construção decorrentes da declividade apresentada no terreno, o mesmo já encontrava-se em

funcionamento, embora que “de um modo pouco regular para satisfazer a necessidade publica”.

(Idem).

Os administradores, receosos de que a área do Senhor da Bôa Sentença fosse

completamente ocupada, e julgando que o da Cruz do Peixe, situado junto ao hospital de

variolosos, e destinado ao enterramento daqueles que falecessem neste local fosse completamente

preenchido, nomeou uma comissão composta de alguns médicos da cidade, a fim de darem um

parecer sobre a conveniência do local em que, de preferência, devesse ser construído um terceiro

cemitério. Esta comissão, após o exame “remetteo em data de 03 de Novembro ultimo o seo

parecer, preferindo á bem da salubridade, e de conformidade com os preceitos da hygiene, o local

que ao lado direito da estrada de rodagem, e que fica quase em frente á igreja da Bôa Vista, há

380 braças, ou 85000 metros de distancia d’esta cidade, a partir da Ponte do Sanhauá.” (Idem).

Entretanto, não nos foi possível constatar a partir de dados documentais se realmente este terceiro

cemitério foi construído.

Os relatórios da Santa Casa de Misericórdia apontam inúmeros dados que nos possibilita

um maior cuidado no tratamento deste importante equipamento urbano, no que concerne à

promoção da higiene da cidade. A partir destes relatórios observamos que no ano de 1906 ainda

não havia sido iniciada a construção da capela anexa ao mesmo, além de outras implementações

que ainda não haviam sido efetuadas devido às dificuldades financeiras por quais passava a Santa

Casa. A maior delas era a falta de um depósito no qual fosse colocado os restos mortais daqueles

aí enterrados, problema este “que a nova Meza deve reparar, dando logo ordem para se construir

a obra destinada para servir de deposito dos restos mortaes, a qual é a mais urgente” (RSCM,

1906, p. 11).

Ainda neste ano, foi promulgada a Lei Provincial n. 22, que autorizou a desapropriação

dos terrenos no entorno do referido cemitério, “como respeito devido ao lugar consagrado ao

enterramento dos mortos, respeito que fica abalado pela contigencia de um aforamento, e dos

direitos e acções, que competem ao senhorio.” (Idem, p.12). Além destas medidas tomadas em

relação à higiene e à manutenção do cemitério, temos notícia, a partir do referido relatório de

obras relacionadas à capinação; e limpeza do mesmo “de modo que os visitantes do Campo Santo

no dia de finados ficaram bem impressionados ante o asseio em que viram.” (idem, p. 10). 

92

Em 1908, o Dr. Flávio Maroja, diretor do Serviço Sanitário dos Hospitais a cargo da

Santa Casa de Misericórdia apresenta um relatório no qual afirma que “acha-se o cemitério em

bôas condicções de asseio e conservação, offerecendo bella perspectiva, bem como a pequena

capella alli existente” (RSCM, 1908, p. 07). Já no ano seguinte, o mesmo médico relata que

 [...] o actual Cemitério deve ser fechado definitivamente, porque além de offerecer área insufficiente para os enterramentos, o systema destes não está de accordo com os principios rudimentares da hygiene publica [...] fundado ha mais de meio seculo, quando a população desta capital orçava pela quinta ou sexta parte da actual, é fora de duvida que o Cemiterio Senhor da Bôa Sentença não corresponde às necessidades de hoje. (Idem. p. 07)

Esse cemitério de 142 metros de cada lado, continha 480 catacumbas, das quais 84

pertencentes à Irmandade da Santa Casa; 100 à Irmandade das Mercez; 50 à Ordem Terceira do

Carmo; 50 à Irmandade de São José; 50 à Irmandade da Mãe dos Homens; 60 à Irmandade do

Sacramento; 30 a do Bom Jesus; 30 a de Nossa Senhora da Conceição e 26 a de São Francisco.

Além de 20 mausoléus destinados à perpetuidade. A área do dito cemitério que não era ocupada

pelas catacumbas e mausoléus, encontrava-se subdividida em duas partes iguais, destinadas as

sepulturas comuns e às reservadas. Estas últimas eram aquelas situadas nas melhores localidades

e que, por isso estariam destinadas à população de maior renda, que houvesse contribuído em

vida, com as obras de caridade da Santa Casa de Misericórdia. A partir desses dados

[...] comprehende-se que o actual Cemitério não satisfaz ás necessidades de nossa Capital. Um outro mais vasto deve ser construído, obedecendo os enterramentos a outras normas que a hygiene moderna prescreve. E, como não caiba hoje nas attribuições das Irmandades religiosas a fundação de Cemitérios, é indispensável que o poder municipal providencie no intuito de construir um outro, como já o fiz sentir no relatório que li o armo passado. (RSCM, 1910, p. 08)

Desta forma, em 1910, o referido relator manisfesta-se a favor da necessidade de

constução de um novo cemitério e fechamento do Cemitério Senhor da Boa Sentença, em virtude

de que “o systema de enterramentos não satisfaz aos preceitos modernos da hygíene [...] é muito

acanhado, precisa ser substituido pelo poder competente e o systema de enterramentos não

obedece às exigencias das prescripções de hygiene” (RSCM, 1911. p. 07). Isto se deve ao fato de

que, tendo o cemitério sido “fundado em 1850, não pode manifestamente satisfazer ás

necessidades da Parahyba actual, quer quanto a suas dimensões, quer quanto ao systema de

93

enterramentos. Outro cemiterio deve ser construido em substituição ao actual e disto não trata a

Santa Casa por lhe faltar competencia.” (RSCM, 1912, p. 07).

Portanto, até o final do recorte temporal analisado, a Cidade da Parahyba contava com

um único cemitério público, o Senhor da Bôa Sentença, tal como apontamos aqui. Este, que

encontra-se em funcionamento até os dias de hoje, foi o responsável pelos primeiros

enterramentos que se deram fora do âmbito do sagrado, e, por este motivo, representativo no que

diz respeito à promoção de higiene na cidade durante o período analisado.

2.4 - A Santa Casa de Misericórdia: Administração pública e religião

À Santa Casa de Misericórdia cabia duas grandes funções, a administrativa e a religiosa.

Conforme podemos observar no documento que se segue:

Há no, Compromisso approvado pela meza conjuncta dous aspectos importantes: um, o temporal ou civil, que se prende á assistencia publica e adquire validade jurídica pelo registro prescripto no Decreto n. 173 de 10 de Setembro de 1893, o qual se vai effectuar. O outro, o religioso, diz respeito ao culto divino, e assim tem de obedecer ás disposições das Leis Canonicas.17

Ou conforme afirma Reis (1998) a Santa Casa de Misericórdia, entidade religiosa,

controlava uma “vasta rede filantrópica de hospitais, recolhimentos, orfanatos e cemitérios.

Desenvolviam em caridade principalmente para fora, para os destituídos da sociedade, uma vez

que seus irmãos eram os socialmente privilegiados.” (REIS, 1998, p. 51). Sobre a fundação da

Santa Casa de Misericórdia na Cidade da Parahyba, há um documento datado de 1864 em que o

Inspetor de Saúde Pública da Província escreve ao Presidente da mesma afirmando não haver no

arquivo da referida instituição dado algum a respeito de quem “fosse o fundador d’esse

Estabelecimento, e a época de sua instituição, constando apenas que em 22 de outubro de 1676 já

elle existia, e o obtive do Governo de Portugal uma provisão, concedendo-lhe todos os privilégios

concedidos aos da Bahia e Pernambuco” (Correspondência com o Ministério do Império. 29 de

janeiro de 1864). O que nos sugere que a Santa Casa de Misericórdia já havia sido instalada antes

dessa data nestas duas províncias.

Em análise feita a partir da leitura dos Relatórios da Santa Casa de Misericórdia

17 Compromisso da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia da Capital do Estado da Parahyba. 1913. Disponível no Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba.

94

podemos inferir sobre a saúde na Cidade da Parahyba. Estes relatórios nos dão subsídios para

uma análise mais acurada acerca dos hospitais e dos cemitérios existentes nesta cidade e dos

cemitérios. Em 1858, o Dr. Francisco de Assis Pereira Rocha, que assina o relatório da Santa

Casa por ser o administrador da mesma, sugere a mudança dos doentes para áreas distantes da

cidade, bem como para enfermarias provisórias, nas quais estes possam ficar isolados. Este tipo

de solicitação repete-se ainda nos relatórios de anos subseqüentes, os quais nos permite observar

a preocupação por parte desta instituição em manter os prédios onde funcionavam as casas de

saúde não apenas limpas e asseadas, como demonstra o documento ora posto, como também

distante da área urbanizada da cidade, com a finalidade de diminuir o contato entre doentes e

sãos, entre os considerados perigosos e aqueles que estavam de acordo com as regras da saúde e

da higiene.

Essa afirmação pode ser ilustrada ao observarmos, neste mesmo relatório que:

a concurrencia de doentes, que n’estes ultimos dias tem, demandado o hospital, e a conveniência de separal-os, e classifical-os, segundo as suas molestias, exigem que se concerte, e distribua o andar térreo. É também necessário, que se abrão na enfermaria das mulheres algumas janellas ou frestas em contraposição a serie das que existem, e que dando á enfermaria muita e mais que sufficiente claridade, não bastão para estabelecer lhe a necessária correnteza do ar.” (RSCM, 1858, p. 04).

O presente trecho demonstra o entendimento sobre os lugares de tratamento de saúde.

Estes deveriam ser isolados e bem ventilados, já que o ar e o sol eram considerados como um dos

meios mais importantes na luta contra a disseminação de doenças. Além disso, os

estabelecimentos deveriam ser esteticamente belos, pois, tal como escreve Dr. Francisco de Assis

Pereira Rocha “o aformozeamento não me parece objeto de indiferença para um hospital, e por

isso alguma cousa se deve fazer nesse sentido” (Idem, p. 04).

Em relação à disposição das casas de saúde e o espaço interno das mesmas, vele destacar

o artigo ‘Paisajismo y políticas públicas higienistas en hospitales de Buenos Aires’. Neste, a

autora, Gabriela Campari, ao abordar a enfermidade como fenômeno social, analisa os espaços

verdes das instituições de saúde enquanto medidas de elevar a qualidade de vida dos internos e

obter melhores respostas em relação ao tratamento das enfermidades epidêmicas que estavam

repercutindo neste território durante principalmente o século XIX e início do século XX. A autora

acredita, desta forma, na interação entre o discurso médico, a prática pública da higiene e a

intervenção paisagística nos hospitais de Buenos Aires. Nesta cidade as epidemias também

95

promoveram alterações no espaço urbano, a fim de que este fosse adequado as práticas higiênicas

e, portanto, diminuísse o risco do contágio. Para a autora foi  

con el higienismo se incorporó la idea de “verde” como instrumento sanador de un modelo de ciudad sana, bajo una noción organicista de la trama urbana, en la cual se consideraba a la ciudad como un “organismo vivo” que respiraba a través de la vegetación, promoviendo la calidad de vida y bienestar de sus habitantes. Esta concepción primó en la planificación de los espacios públicos como el arbolado de aceras en calles y avenidas, jardines, plazas y parques, y en la incorporación de tareas especializadas en jardinería y producción en el “criadero de plantas”. (CAMPARI, 2009, p. 09)

Nos cemitérios construídos e administrados pela Santa Casa de Misericórdia eram

enterrados os que faleciam nos hospitais administrados por esta mesma instituição. Na Cidade da

Parahyba, a Santa Casa era também a responsável pelos serviços mortuários e os carros fúnebres,

embora houvesse uma grande variedade nos serviços oferecidos e/ou administrados pela mesma,

conforme anteriormente demonstrado. No ano de 1854, o Presidente da Província relata que a

Santa Casa de Misericórdia caminhava lentamente, em virtude de suas deliberações ocorrerem

em mesa, já que “muitas vezes objectos de interesse, e que exigem uma prompta decisão, ficão

prejudicados, porque não é possível reunir-se a meza na occasião necessaria.” (RPP. 1854. p. 17).

Esta entidade tinha como objetivo, conforme muitos documentos que tratam da mesma, “a prática

de obras pias, e de beneficencia, em favor, e soccorro dos pobres, e dos enfermos, desvalidos,

assim como dos meninos expostos” (RPP. 1857. p. 17). Tinha a seu cargo, em 1856, além do

cemitério, o hospital de caridade, “único estabelecimento dessa natureza existente na Provincia”

(RPP. 1856. p. 39) que se encontrava em de ruína e bem longe de preencher o fim de tão pia

instituição.

Quanto ao Hospital da Santa Casa de Misericórdia, temos notícia, no ano de 1855, que

este estabelecimento era o único hospital de caridade que existia na cidade nesta época e que

“infelismente pelas suas mui poucas rendas, e pequenes do edifício não pode receber numero

crescido de doentes pobres; e para as molestias contagiosas, não há adoptado em local no coração

da cidade” (Correspondência com o Ministério do Império. 22 de novembro de 1855). As

reclamações em relação a este hospital prosseguem, e no ano de 1857, registra-se que “está em

mao estado o edifício, onde funcciona. Trata-se de repara-lo, e dar-lhe os commodos precisos.

Depois deste trabalho ficará com mais proporções para o serviço a que lhe é destinado”. (RPP.

1857. p. 17). Reforma esta, que foi contratada alguns meses depois, de acordo com o referido

96

relatório.

Além do exposto, o Hospital da Santa Casa de Misericórdia contava com reduzidos

funcionários, e limitados recursos. Em 1858, o seu provedor relatou que havia neste hospital

“dous enfermeiros, uma enfermeira, dous serventes, e uma servente, cada um com suas

attribuições expressas; custando este pessoal ao estabelecimento cerca de 2:400$ rs. annualmente,

quantia que pode ficar reduzida a 2:000$ reis com a esperada baixa no preço dos géneros

alimentícios”, fato que limitava o serviço oferecido por este estabelecimento, levando o relator da

Santa Casa de Misericórdia a reclamar a falta de pessoal e a necesidade de encontrar “mulheres

caridosas” que servissem ao hospital e possibilitassem um maior atendimento de doentes. No

entanto, embora o provedor da Santa Casa, Francisco d’Assis Pereira Rocha, exiba esses

números, ele afirma ainda que “não ha exactidão no numero dos curados; alguns sahidos, como

taes voltarão para o hospital, e algum houve, que morreu logo depois de sua sahida” (RSCM,

1858, p. 05). Sobre a reforma sugerida no hospital, o relator indaga:

[...] que vantagem trará esta reforma? [...] Devo ser franco; assaltão-me tristes apprehensões acerca dos negócios públicos, quando considero na quadra actual, em que vidas illustres tem sido infelizmente ou ceifadas, ou infeccionadas do contagio do egoísmo. Esperemos! O novo regimem não pode em um mez ter trazido notavel melhoramento; alem do tirocínio dos empregados, e da falta de certos objectos, outras circunstancias tem occorrido para que o asseio das enfermarias, e dos doentes não seja o desejável. Tenho me limitado a fazer algumas advertencias, e se ellas não produzirem o desejado effeito o Provedor olhrará convenientemente. (Idem, p. 06).

Partimos aqui dos relatórios da Santa Casa de Misericórdia, com o intuito de

reconstruirmos a geografia histórica, bem como de relatarmos um pouco sobre a importância do

Hospital da Santa Casa de Misericórdia para a Cidade da Parahyba. Além de apontar a relação

deste hospital com o espaço urbano; bem como as alterações efetivadas em tal estabelecimento de

saúde. Estes documentos revelam que, entre primeiro de Julho de 1857 e o último dia de Junho de

1858 este hospital, contava com

08 doentes; homens 06, e mulheres 02. Entrarão em todo o anno 86: homens 56, e mulheres 30, sendo por consequência 94 o numero dos doentes tratados no referido anno. Destes sahirão curados 60; homens 48, e mulheres 12, e mortos 22; homens 11, e mulheres 11; ficão existindo 22; homens 13, mulheres 9. Contão-se no numero dos entrados 16 praças de policia, e das quaes existem 4, tendo sahido curados 12. (RSCM, 1858, p. 05).

No ano de 1858 o Hospital da Santa Casa de Misericórdia, é marcado, como podemos

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perceber nos números apresentados acima, por um grande atendimento de doentes, o que leva a

necessidade e “conveniência de separal-os, e classifical-os, segundo as suas molestias, exigem

que se concerte, e distribua o andar térreo. É também necessário, que se abrão na enfermaria das

mulheres algumas janellas, [...] e que dando á enfermaria muita e mais que sufficiente claridade,

não bastão para estabelecer lhe a necessária correnteza do ar.”( RSCM, 1858, p. 04).

Sua remoção do centro foi sugerida, no ano de 1878, momento em que o Presidente da

Província opina que o mesmo seja removido “do centro da cidade para a casa que foi do Collegio

de Educandos artífices, situada em um dos arrebaldes mais próximos da mesma cidade, e onde,

em enfermarias especiais e separadas, poderão, sem perigo para a população, como para os outros

enfermos, ser recolhidos e tratados os doentes de molestias epidêmicas e contagiosas”. (RPP,

1878, p. 20)

Ainda em 1878 “o hospital de caridade [...] situado no centro d’esta Capital, fora de

todas as condições de hygiene. Unico do seu gênero existente na mesma Capital, recebe elle

doentes de todas as molestias, ainda que sejam epidêmicas e contagiosas [...]” (Idem). O

Presidente da Província continua, na seção ‘Saúde Pública’ dizendo que: “O Hospital da Santa

Casa de Misericórdia, pela sua situação no centro da cidade, não se presta bem a esse mister”,

qual seja a saúde pública, tal como descrito no documento a seguir:

A situação do Hospital no centro d'esta cidade é reconhecidamente ante-hygienica. A sua remoção, portanto, para outro logar é uma necessidade, que considero de primeira ordem, mas cuja satisfação tem sido protrahida á mingua de recursos próprios, e ausência de autorisação, que os poderes públicos, sob cuja protecção e inspecção superior se acha o Estabelecimento, não tem conferido, assim como de meios para isso indispensáveis que elles não teem consignado. O edifício é relativamente acanhado, e mal dividido, de sorte que não se presta á conveniente classificação e separação dos doentes de moléstia interiores dos de moléstias exteriores, de moléstias consideradas epidemicas das que o não são. O pavimento térreo, húmido e mal arejado, é occupado por nove loucos, alguns até furiosos, cujo tratamento regular e impossível, e que incommodam e sobresaltam com gritos e arruidos, de dia e de noute, os demais enfermos e os moradores das casas visinhas. Não ha espaço que possa ser preparado e aproveitado para passeio e recreio dos convalescentes. (Relatório Santa Casa de Misericórdia, 1889, p. 04)

Além deste documento, podemos observar, a partir do relato do Presidente da Província

que “nenhuma providencia se tem adoptado para restabelecer n’esta capital a salubridade publica,

que se acha alterada por differentes causas [...]” (RPP, 1878, s/p). As principais, apontadas em

relatório são: o lazareto da Ilha da Restinga, relatado anteriormente; e a situação do Hospital da

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Santa Casa de Misericórdia alocado no centro da cidade. Este hospital era composto de dois

médicos, o Dr. Manoel Carlos de Gouvêa e o Dr. António da Cruz Cordeiro. Este último com

função de prestar serviços como Cirurgiáo-mór da província. Além destes havia ainda dois

enfermeiros,

sendo um para a enfermaria dos homens: outro, do sexo feminino, para a das mulheres e meninos; de três serventes e duas serventes; de duas cozinheiras; de duas lavadeiras. Os serventes e as serventes auxiliam os enfermeiros nos misteres a seo cargo. Os médicos revesam-se semanalmente nas suas visitas ao hospital. E apesar do zelo e dedicação com que trabalham, parecia-me que melhor seria concorrerem ambos diariamente a essas visitas, distribuindo entre si os enfermos segundo a natureza das moléstias; o que talvez fosse mais commodo a elles, e provavelmente mais profícuo aos mesmos enfermos. (RSCM, 1889, p. 05)

O referido hospital tinha a incumbência de receber os acometidos de doenças da cidade,

mas, não tinha a obrigação de “receber doentes de moléstias epidêmicas, ou contagiosas”

(Correspondência com o Ministério do Império. 22 de maio de 1874). Quando isto ocorria, este

estabelecimento recebia do Governo Imperial a quantia equivalente às referidas despesas.

Todavia, no momento em que a cidade foi irrompida pela epidemia de febre amarela, coube ao

Hospital da Santa Casa de Misericória tratar não apenas os doentes da cidade, como também dos

tripulantes dos navios estrangeiros atracados no porto, graças a inexistência do hospital de

estrangeiros e as dificuldades por que passava o lazareto da Ilha da Restinga. Esta prática deveria

ocorrer, de acordo com o Provedor da Santa Casa,

até que os Exmos. Presidentes façam montar com grandes despezas, enfermarias para esse tratamento, e quando a epidemia é julgada officialmente extincta, e aquelles hospitais fixados continuam a ser tractados n’este os que vão sendo affectados, que pelo commum não são poucos annualmente. No corrente anno deu-se o mesmo facto: os primeiros affectados foram tratados n’este Hospital e continuam a ser, ainda agora, os que teem sido accommettidos da epidemia depois que foi fixado officialmente Hospital, montado pelo Governo em São Francisco para esse tratamento. O mesmo aconteceu com os atacados de varíola os quaes sendo tratados na invasão da epidemia n’este Hospital que depois deixou de recebêl-os por ordem de V. Exª, continuam a ser tratados n’elle depois que foi officialmente fexado o Hospital de São Franciso [...] venho pedir a V. Exª não tanto como indemnisação, mas como auxilio a este Pio Estabelecimento pela verba de Socorros Publicos, a importância de [...].(Correspondência com o Ministério do Império. 1 de maio de 1874)

Conforme podemos perceber, a partir de análise do trecho citado acima, apesar de a

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Santa Casa não ser responsável nem pelos doentes acometidos por moléstias contagiosas, nem

pelos estrangeiros aqui chegados no porto e que, por ventura, houvessem contraído as referidas

enfermidades, estes eram acolhidos neste estabelecimento, o Hospital de Caridade, por haver falta

de espaço em outros estabelecimentos, bem como pela subvenção posteriormente recebida por

parte do Ministério do Império que cobria as despesas que foram realizadas com estes doentes.

Estes dados nos mostram a preocupação dos administradores do hospital não apenas no

que concerne à salubridade, como também o cuidado para que fosse evitado o contágio entre os

doentes aí internados, pois sugere sua separação e classificação. Podemos observar ainda a

preocupação constante em relação ao embelezamento do lugar. Exemplo disso é a afirmação de

que “o aformozeamento não me parece objeto de indiferença para um hospital, e por isso alguma

coisa deve ser feita nesse sentido” (Idem. p. 04). Além disso, o dito relator reclama e sugere uma

ampliação do Hospital da Santa Casa a fim de que o mesmo pudesse servir e acolher o número

crescente de doentes que o procurava. Neste sentido aponta que seria importante

emprehender novos estabelecimentos sem prejuízo dos existentes, o local indicado para edificação da casa do recolhimento devia servir com preferencia para o augmento do hospital, que é muito acanhado para satisfazer as necessidades, que vão crescendo. Cuidemos, pois, primeiramente no que temos, e no que é mais necessário para não perdermos tudo. (p. 09).

O diretor dos serviços sanitários dos hospitais a cargo da Santa Casa de Misericórdia,

reclama que embora soubesse que o serviço de tratamento dos doentes mentais deveria ser de

competência do poder público, “cuja missão social é velar pela manutenção da ordem e da paz

publicas” (Idem) este continuava a ser executado pela Santa Casa de Misericórdia em detrimento

dos parcos recursos que esta posssuia e o muito trabalho acumulado com os diversos

estabeleciemntos postos no seu encargo administrativo. Contudo, o mesmo explana que esta

instituição de caridade “jamais se recusará a prestar o seo auxilio, a sua dedicação sempre que fór

procurada; e, por isso, não podemos abandonar a causa desses desditosos seres humanos,

confiados á nossa solicitude e caridade” (RSCM, 1906, p. 15)

Para tanto, requisita ajuda do Governo do Estado a fim de que este trabalho em relação

aos hospitais e cemitérios seja mantido, com a intenção de “levarmos avante esse nosso projecto,

cuja realisação, como já vos dissemos, interessa talvez mais a elle do que a nós outros que nos

achamos na gestão dos negócios da Santa Casa”. (Idem). Esta afirmação pode ser complementada

com o documento publicado no ano de 1909, o qual afirma que “a Santa Casa não solicita

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auxilios para a sustentação do culto religioso, o que a Constituição não tolera, pede, entretanto,

auxilios para amparar e curar os miseraveis, os pobres que não tem recursos, em hospital que com

sacrificio mantem e custêa.” (RSCM, 1909, p. 20).

Nos primeiros anos do século XX, a Santa Casa de Misericórdia reorganiza-se como

associação pia de caridade. Seu regulamento previa a sua composição com um número ilimitado

de irmãos, bem como, com duração indefinida. Além disso, esta instituição, conforme ditado no

artigo terceiro do referido regulamento, seria “isenta da jurisdicção parochial e depende

immediatamente da autoridade Diocesana no que disser respeito ao culto divino”. Cabia,

portanto, a mesma: “a pratica de obras pias, de beneficencia, de misericordia e caridade em favor

e soccorro dos pobres, dos enfermos desvalidos, dos orphãos e expostos de ambos os sexos” e

ainda, “a manutenção e administração dos seguintes estabelecimentos: A Egreja da Santa Casa; O

Cemiterio do Senhor da Bôa Sentença; O Hospital de Santa Izabel; O Asylo de Sant'Anna;

Quaesquer outros estabelecimentos de caridade que forem fundados pela Santa Casa, ou não fun-

dados por ella, mas de cuja manutenção ella se encarregar mediante accordo”. (RSCM)

2.5 – Alterações nos equipamentos urbanos seguindo os preceitos higienistas

Para tratar sobre os equipamentos na Cidade da Parahyba, de que forma foram criados

ou modificados a partir do ideário de higienização e salubridade partiremos das alterações que se

deram no âmbito da cadeia pública desta localidade, bem como dos cárceres ao longo da história.

Os primeiros cárceres da história, surgiram ainda na Idade Média como uma forma de castigar

àqueles que não podiam pagar suas dívidas “e para pessoas que devido a sua posição social não

podiam ser executadas ou submetidas à castigos corporais” públicos. (CAPEL, 2005, p. 336). Os

edifícios utilizados para tal podiam ser fortificações ou mosteiros, e de acordo com o autor acima

referido, muitas vezes traziam conseqüências lamentáveis à saúde dos prisioneiros, graças à sua

falta de salubridade. Entre os séculos XII e XIII houve um crescimento no número de apenados,

isso posto pela necessidade de ‘regenerar’ algumas pessoas e transformá-las em força de trabalho

a ser utilizada em obras e construções diversas.

Para a justiça, mesmo que fosse necessário “manipular e tocar o corpo dos justiçáveis,

tal se fará à distância, propriamente, segundo regras rígidas e visando a um objetivo bem mais

elevado” (Foucault. 2008. p.14). A justificativa para este distanciamento está no fato de ter

101

havido, nesta passagem de tempo, uma substituição nos objetos a serem julgados. A análise passa

a ser mais ampla, quando o julgamento ocorre também sobre “as paixões, os instintos, as

anomalias, as enfermidades, as inadaptações, os efeitos do meio ambiente ou de hereditariedade”

(Idem. p.19), através de uma nova forma não só de julgar como também de punir, que tenha o

objetivo principal de demonstrar o exercício de poder sobre aqueles passíveis à punição.

Além disso, esse distanciamento se deve, em boa parte, ao medo das multidões, já que o

grande ajuntamento de pessoas em torno dos suplícios fazia com que surgissem nas autoridades o

temor de agitações e o medo de que houvesse desordem e violência contra os envolvidos, até

mesmo contra os responsáveis pelo julgamento.

Segundo Foucault, quando o povo se reúne no local da execução não é apenas para

assistir o sofrimento do condenado, ou para estimular a raiva no carrasco executor da pena, mas

também para ouvir os lamentos daquele que na hora de sua execução, por não ter mais nada a

perder, combate as leis que o condenaram a tal suplício, os juízes ali presentes, o poder exercido

por estes e até mesmo a religião. Foi exatamente este temor e o caráter ambíguo da presença da

população que fez com que houvesse uma diminuição na morte enquanto espetáculo teatral, e

fosse produzida uma nova forma de punir e policiar os corpos, os costumes e os hábitos da

população.

Nos séculos seguintes o número de apenados cresce ainda mais, já que, aqueles que

fossem considerados delinqüentes, pobres, ou os que não tivessem um trabalho, seriam

considerados perigosos e por isso, julgados culpados. Esta idéia perdurou, e mesmo em meados

do século XIX e início do século XX, pode-se observar, por exemplo, instituições que tinham

muito mais o objetivo de disciplinar e moralizar os que fossem considerados perigosos, do que

propriamente readaptar ou punir aqueles que fossem julgados culpados de algum crime.

Com é sabido, a fundação de uma cidade no Brasil colonial dava-se a partir da instalação

do pelourinho (símbolo da municipalidade) e da Casa de Câmara e Cadeia. Assim, a primeira

cadeia da Cidade da Parahyba funcionava na parte inferior (sótão) da Casa de Câmara, localizada

na Rua Direita.

Em relação à cadeia na Cidade da Parahyba sabemos que no ano de 1853, há a

solicitação para que a cadeia pública fosse assentada em outra localidade, a fim de que “o lugar

escolhido para elle reúne[a] todas as condicções de salubridade” (RPP 1853). Visto que o lugar

em que funcionava o prédio anterior destinado à cadeia era considerado em “estado de ruína e

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asquerosidade”.

Os hospitais e matadouros, tais como os cemitérios e as cadeias, encontravam-se sob a

mira disciplinadora dos médicos e engenheiros sanitários, fundamentadas nas regras de higiene.

Portanto, tais estabelecimentos deveriam situar-se em áreas distantes da cidade

Várias são as medidas entendidas como possibilidades de diminuir a ocorrência de

epidemias, ou mesmo, de preveni-las. A maioria destas, tal como pretendemos afirmar aqui,

provocam, promovem ou reivindicam alterações no espaço urbano, como se pode perceber ao

analisarmos os documentos divulgados entre meados do século XIX e início do século XX, já que

neste momento, as teorias acerca do contágio e transmissão de doenças a partir dos miasmas e do

ar estavam em vigor.

Entre as medidas determinadas, existiram aquelas relacionadas diretamente à promoção

da saúde pública, como: “contractos com médicos, que para esta Provincia queirão vir, provisão

de medicamentos, bem como dos gêneros de primeira necessidade, estabelecimento de hospitais

provisórios etc. são outras tantas medidas a tomar para moderar a acção maléfica das epidemias”

(RPP, 1855); as que dizem respeito à localização de determinados equipamentos no espaço

urbano. Podemos observar que várias são as determinações que prescrevem que estes

equipamentos estejam alocados nas áreas distantes da cidade, a fim de diminuir a ocorrência de

epidemias, a exemplo da solicitação da construção do Lazareto na Ilha da Restinga, que em 1855,

encontrava-se

[...] já quase concluída, posto que não completamente, todavia em estado de preencher o fim como a urgência e a distancia do lugar o permittirão. Seria conveniente, julgo mesmo indispensavel, a existência de um edifício separado para onde fossem removidos os que já por dias houvessem feito ‘quarentena’ a fim de evitar que tivessem contacto com os passageiros novamente sobrevindos. Em uma das extremidades da ilha, em distancia sufficiente existe uma casa que muito bem pode servir para este mister. (RPP, 1855, p. 20)

A citação anterior refere-se não apenas à localização de determinado equipamento

urbano, qual seja, o lazareto em área distante da cidade, como também a preocupação latente de

evitar o contato entre embarcações advindas de outros lugares e que porventura houvesse

apresentado durante o trajeto da viagem algum passageiro com febre, ou qualquer outro sintoma

que remetesse a alguma doença considerada epidêmica. Para estes casos exigia-se o isolamento e

a quarentena.

103

A construção do lazareto na ilha citada, de propriedade do Mosteiro de São Bento, teve

sua primeira solicitação no ano de 1853, momento em que a província do Pará estava sendo

acometida por uma epidemia “de caráter pernicioso” (Correspondência n.º 52. 12 de julho de

1853). A notícia de uma epidemia em qualquer província gerava o medo do contágio, e por sua

vez, ocasionava algumas transformações na cidade, por parte das autoridades e dos moradores,

com o intuito de evitar que a mesma se propagasse nesta localidade. Embora o Pará esteja em

área distante da Parahyba, acreditava-se que as embarcações que daí vinham ou que haviam feito

algum pouso nesta província poderiam transmitir a epidemia, por isso fazia-se necessário um

controle sanitário sobre as mesmas. Fato este que levou a construção do Lazareto, o qual tinha

como objetivo maior, recolher “os passageiros que para a Provincia vém nessas embarcações:

toda a correspondência e mais objectos n’ellas transportadas são sujeitos, e passão por operações

que a sciencia aconselha para que o seu contacto não possa contaminar-nos” (RPP, 1855. p. 10).

Deviam, pois, ficar em quarentena “os passageiros que daquella Provincia, ou dos outros portos

vierem com navios de 15 dias de viagem” (Correspondências com o Ministério do Império. 26 de

julho de 1856).

Salientamos que a Ilha da Restinga foi escolhida como lugar destinado à construção do

dito Lazareto, por encontrar-se “a três legos distantes d’esta cidade, e um pouco da fos do Rio

Parahyba e da Povoação de Cabedelo” (Idem. 22 de novembro de 1855), ou conforme descreve o

mesmo presidente em comunicação com o Ministério do Império esta ilha “é por certo o lugar,

que melhores condições offerece para garantia á população d’esta cidade da invazão de qualquer

moléstia pestilencial que nos venha por importação. A quatro legoas desta cidade, ao norte da

barra, completamente isolada, e sempre bem ventilada, considero-a com todas as condicções

hygienicas para nella permanecer o hospital marítimo” (Correspondência com o Ministério do

Império. 24 de setembro de 1872)

Outras medidas são tomadas, ainda em relação à epidemia que assolava a província do

Pará, citada anteriormente, são elas: a convocação de uma junta médica, que deveria apontar

medidas sanitárias, a partir das quais

Mandei [o Presidente da Província] imediatamente estabelecer as quarentenas para os navios de vella ou vapôr que chegassem a este porto vindos do Norte; autorizei a compra de um escaler para a visita da saúde e conducção das malas; ordenei a conclusão do quartel de Policia, onde se acha a enfermaria do Meio Batalhão Provisório; tenho mandado apressar a conclusão da obra do Hospital

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Militar que se está edificando n’esta Cidade, limpar as ruas removendo para longe os lixos immundos que algumas continham, asseiar as fontes publicas, mandar igualmente remover o matadouro publico para o edifício já construído pela Provincia para esse fim, e ordenei o acabamento do cemitério que breve será entregue a seu destino (Correspondências com o Ministério do Império. 28 de julho de 1855).

No entanto, os recursos da província não eram suficientes para que todas as medidas

fossem tomadas, já que encontramos algumas destas mesmas determinações ao longo dos anos

que se seguem, exigindo que o Presidente da Província nesta mesma comunicação solicite do

Ministério do Império um aumento nas rendas destinadas à salubridade pública da Parahyba, com

o intuito de que essas obras tenhão “promptidão conveniente, á fim de serem concluídas com

brevidade como recommenda a prevenção” (Idem).

Em 1864 uma comissão é enviada à Ilha da Restinga com o objetivo de observar as

condições do edifício do dito lazareto que se encontrava sob a fiscalização do comandante da

Fortaleza de Cabedelo, “sem, contudo poder este exercer uma fiscalização conveniente em favor

do edifício, por ficar separado delle pelo mar distante de meia legoa, e ser a ilha posto que

deserta, muito freqüentada por caçadores, pescadores e tiradores de madeira” (Correspondência

com o Ministério do Império. 14 de novembro de 1864). Em razão da dificuldade de fiscalização

apresentada no dito documento, bem como da maré, que constantemente solapava o prédio em

que funcionava o lazareto, o mesmo apresentava problemas na sua construção. Depois de acurado

exame, a comissão supracitada averigua que não havia possibilidade de consertar o edifício onde

funcionava o lazareto e que o mesmo encontrava-se perto de desabar, já que houvera sido

edificado sob “esteios, se achão estes cerceados ao res do chão e a frente do lado do poente

rasada e abatidas a ponto de já não poderem abrir as portas” (Idem).

Outros problemas seriam identificados ainda em relação a este estabelecimento, como

por exemplo, a falta de uma condução, ou conforme denominado à época, de um escaler18, que

transportasse os doentes até a referida ilha, “tornando-se inexeqüível e mesmo fatao o seo

transporte para o Lazareto da Ilha da restinga, não só pela grande distancia em que está desta

capital, como pela falta absoluta de um transporte commodo e rápido” (Correspondência com o

Ministério do Império. 30 de janeiro de 1875). Alguns anos depois, em 1878, o lazareto

localizado na Ilha da Restinga ainda era alvo da atenção dos administradores locais. O relatório

18 Escaler seria um tipo de “embarcação miúda a remo ou a vela, e que executa serviços dum navio ou repartição marítima. FERREIRA. Aurélio Buarque de Holanda. Mini dicionário da Língua Portuguesa. Editora Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 2000. p. 279

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do Presidente da Província neste ano diz que:

[...] o lazareto da ilha da Restinga, destinado ao recolhimento dos doentes d’esta espécie [acometidos de febre amarela], e a quarentena dos navios procedentes de portos infeccionados, jaz em completa ruína, e absolutamente imprestável, de sorte que vemo-nos privados do meio efficaz de obstar a importação de alguma epidemia, ou de obviar a sua propagação. (RPP. 1878. p. 11)

Como solução, o presidente “considera de utilidade a reconstrução do Lazareto da

Restinga, não só para as quarentenas, como para o tratamento dos marinheiros que foram

atacados da febre amarella ou de qualquer outra epidemia.” (Idem).

Além disso, havia um hospital montado no Convento de São Francisco pelo governo.

Tratava-se de uma enfermaria que foi aí estabelecida para receber os acometidos de febres,

principalmente de varíola. Porém, o mesmo não estava isento de reclamações, a exemplo da falta

de pessoal e de material, o que fazia com que os doentes continuassem a ser tratados no Hospital

da Santa Casa. Quando do fechamento desta enfermaria, no ano de 1874, momento em que se

encontrava “terminada a epidemia de febre-amarela que grassou na tripolação dos navios surtos

no porto d’esta capital” os enfermos que aí ainda estavam sendo tratados foram transferidos para

o Hospital da Santa Casa e o material utilizado transportado para o Lazareto “com destino ao

tratamento de indigentes accommettidos da varíola” (Correspondência com o Ministério do

Império. 02 de março de 1874). Além disso, entre janeiro e maio de 1883 foi aberta uma

enfermaria provisória no sítio Cruz do Peixe, ou seja, durante a ocorrência da epidemia de varíola

na Cidade da Parahyba (Correspondências com o Ministério do Império)

No início do século XX, cabia à Santa Casa de Misericórdia, não só a administração do

referido hospital e do cemitério público, como também da “Egreja de Misericórdia que é a séde

da nossa irmandade, a Capella do Cemitério Público e a Capellinha do Hospital de Santa Anna,

na Cruz do Peixe” (RSCM, 1906, p. 12). Neste ano o serviço hospitalar a cargo da referida

instituição continuava a ser feito “pelo estabeleciemento de Santa Isabel, annexo á Egreja e sede

da administração, pelos de Santa Anna e Azylo de Loucos, na Cruz do Peixe, onde também ha

duas casas separadas que servem de enfermarias para variolosos e doentes de camara de

sangue19.” (Idem). A partir da análise destes documentos podemos afirmar portanto, que a Santa

Casa, possuía além do hospital que levava a sua denominação, os hospitais de Santa Anna e de

19 Refere-se à disenteria. A qual era designada como: crônica, maligna, violenta, alarmante, aguda e sangrenta. In: FARIAS (2006)

106

Santa Isabel, sobre os quais trataremos a seguir.

Ao Hospital de Santa Isabel eram recolhidos os acometidos de moléstia curável e que

fossem considerados indigentes. Este continha, no ano de 1906 cinco enfermarias, “duas no pavi-

mento superior e três no térreo; neste está a [enfermaria] destinada aos soldados do Batalhão de

Segurança que ahi se tratam mediante a diária de 800 rs.; e as quatro restantes são destinadas,

duas aos homens e duas ás mulheres.” (RSCM, 1906, p. 13). O diretor do serviço sanitário na

época, Flávio Maroja, fez uma exposição acerca do estado deste hospital, que foi publicada nos

relatórios da Santa Casa e da qual nos utilizamos para apontar de que forma se dava o seu

funcionamento. A partir disso cosideramos que, “evidenciava-se que tudo faltava, desde os

instrumentos cirúrgicos para o gabinete medico, até roupa para os enfermos e para os leitos.”

(Idem, p. 13). O mesmo prossegue dizendo que

                                     A' vista de tal estado de miséria, a Mesa resolveo fazer immediato sortimento dos objectos mais urgentes para os Hospitaes, sendo distribuídos roupa, colchões, travesseiros, louças e mais utensílios de cosinha. [...] Temos, portanto, máximo jubilo de dizer que actualmente os hospitaes estão providos do mais necessário para conforto dos pobres que ahi se refrigeram das agruras de sua sorte desditosa, bem como para o regular funccionamento dos Estabelecimentos da Misericórdia. (RSCM, 1906, p. 14)

Entre as medidas tomadas para a melhoria higiênica dos referidos hospitais,

encontramos a caiação nas enfermarias, uma limpeza completa em todo edifício e pintura interior

e exterior, além da retirada do forro da enfermaria destinada às mulheres “por achar-se podre e

prestes a desabar” (Id. Ibd.). Nesta enfermaria houve ainda a substituição de peças de madeira

que compunham as portas e o telhado; além de “reparos nas cornijas, no pavimento térreo e nas

portas, janellas e camas. Fizemos encommenda de vinte camas de ferro que estam se preparando

nas officinas do Snr. Coronel José da Bahia, pois occasiões têm se dado em que não são

sufficientes para os recolhidos os leitos existentes.” (Idem, p. 14). Todas estas medidas tinham o

intuito de manter este hospital higiênico e principalmente de dotá-lo da estrutura necessária para

receber os inúmeros doentes que o procuravam na época de surtos epidêmicos.

Além destas, a medida mais solicitada foi a remoção do dito Hospital para o sítio

denominado ‘Cruz do Peixe’. Enquanto esta medida não era tomada, uma atitude paleativa foi a

transeferência dos “enfermos de variolas e elephantiasis ou morphea, existentes nas enfermarias

deste Pio estabelecimento” para o ‘Sítio do Cruz do Peixe’, no qual encontrava-se já instalado o

‘Asylo de Sant'Anna’, aí localizado por situar-se em área distante da zona habitada da cidade.

107

(Correspondência com o Ministério do Império. 25 de fevereiro de 1889)

O Relatório do Presidente da Província no ano de 1906 declara ainda que o ‘Cruz do

Peixe’ seria favorável à instalação e acomodação do hospital por ser dotado de abundantes fontes

de água potável, “offerecendo, além de outras vantagens que se pode logo prever, a

commodidade de se estabelecer uma lavanderia que proporcionará o asseio indispensavel n'um

ambiente infeccionado, como é o Hospital, que participa, em condições especiaes, dos defeitos e

perigos das habitações collectivas” (RSCM, 1906, p. 16). Em relação à economia que se faria

com esta remoção, citada anteriormente, no documento acima transcrito, acreditamos que esta

ocorria graças à proximidade com o Hospital de Santa Anna.

No Hospital de Santa Anna, que também funcionava sob a administração da Santa Casa

de Misericórdia, eram tratados “os acommettidos de molestias infecto-contagiosas e de marcha

demorada” (RSCM, 1909, p. 30). No início do século XX, o mesmo apresentava-se “em

condições mais tristes do que o de S. Izabel, encontrámos este hospital, cuja falta de tudo era

absoluta. Em relação a elle, fizemos o que nos foi possível.” (Idem, 1906, p. 14). Suas condições,

eram “de todos nós bem conhecidas, e, como o de S. Isabel recorgita de enfermos numa

promiscuidade comdemnavel” (Idem,1911. p. 17).

Os doentes que aí faleciam eram sepultados em  seu próprio cemitério, com o intuito de

evitar que os corpos fossem transportados pelo centro da cidade até chegar ao Cemitério Senhor

da Boa Sentença. Este cemitério de ‘Santa Anna do Cruz do Peixe’ era “edificado por trás das

Enfermarias, com a distancia de tresentos metros mais ou menos” (RSCM, 1906, p. 54). No

entanto, por falta de condições físicas, o Provedor da Santa Casa recebe uma ordem para que os

mortos deste hospital passem a ser enterrados no Cemitério Senhor da Bôa Sentença.

Para cumprir a referida determinação, ordenada pelo Presidente da Província sem atentar

contra a saúde dos habitantes da capital, o mesmo fornece ao hospital de Santa Anna “um caixão

próprio para a conducção dos cadáveres” (Idem, p.54). Quanto à quantidade de doentes que estes

dois hospitais receberam, conseguimos, a partir dos relatórios da Santa Casa de Misericórdia,

elaborar um quadro que mostra o número de doentes atendidos:

No ano de 1909, o então Provedor da Santa Casa, Trajano Américo de Caldas Brandão,

propõe algumas reformas que se faziam necessárias para a manutenção da higiene da cidade, e,

principalmente, para o bom funcionamento dos hospitais e do cemitério situados nesta cidade e

que se encontravam a cargo da Santa Casa de Misericórdia. Em relação a estas reformas, o

108

referido provedor afirma ser duas delas mais importantes, a primeira seria a construção de um

hospício de alienados, e a segunda, refere-se à transferência dos enfermos do Hospital de Santa

Izabel para as enfermarias do Hospital de Santa Anna, ambos situados no Cruz do Peixe.

Quantidade de enfermos tratados na Cidade da Parahyba entre 1905 e 1908

Períodos De meados de 1904 Até julho de 1905

De 01 de julho/1906 a 30 de junho/1907

De 01 de Julho/1907 a 30 de junho/1908

Hospitais Sta. Anna

Sta. Isabel

Sta. Anna

Sta. Isabel

Sta. Anna

Sta. Isabel 20

Entrarão 246 751 625 897 579 __

Tiveram alta 1

82 696 354 803 438 __

Falecerão 7

0 82 228 63 166 __

Em

tratamento

5

3 45 102 73 77 __

Figura 07: Quantidade de doentes nos Hospitais de Santa Anna e Santa Isabel, entre 1905 e 1908. Fonte: Relatórios Santa Casa de Misericórdia. Organização: Nirvana de Sá

Sugere-se ainda que haja uma ampliação nas dependências dos mesmos “addicionando

novas enfermarias ás que já existem naquelle aprasivel arrabalde” (RSCM, 1909, p. 30).

Seguindo o mesmo direcionamento, ainda neste ano, o director do Serviço Sanitário em seu

relatório fez considerações a respeito dessa mudança, a fim de apoiar a proposta do então

provedor da Santa Casa. Ambos, concordam, portanto que

esta mudança, de facto, produsiria grandes vantagens, entre outras porque retira do centro de nossa Capital um foco de emanações nocivas á saúde publica, qual não pode deixar de ser um recinto onde se recolhem diariamente leprosos e enfermos de variadas moléstias. Realisada que seja a trasladação faltada poder-se-ia aproveitar o edificio contiguo á Egreja da Misericórdia, para estabelecer-se nelle um collegio de orphãs. E constitue essa idéa a terceira reforma de máxima utilidade. (Idem, p. 31)

20 Não foram encontrados dados referentes ao período de 01 de julho de 1907 a 30 de junho de 1908 para o Hospital de Santa Isabel.

109

Em relação à quantidade de internações nestes hospitais, observamos, a partir dos

citados relatórios, que ambos os hospitas, ou seja, o Hospital de Santa Isabel e o de Santa Anna,

mantiveram-se lotados nos últimos anos, “não exaggeramos dizendo que, quando em qualquer

das enfermarias vaga um leito, é este disputado com uma exigência que commove”. (Idem, p. 32)

Afirmação que mostra o grande número de acometidos por doenças na cidade, exigindo a criação

de inúmeras determinações, legislações e mudanças no que concerne a adequação desta cidade à

higiene e a saúde a fim de evitar as ditas doenças e males epidêmicos que assolavam seus

moradores.

Além dos doentes da cidade, vale considerar que, o número de internos nesses hospitais

era acrescido dos moradores de outras localidades, não só daqueles advindos do interior da

província, conforme afirmamos em outra ocasião, como também dos estados visinhos. É o que

diz o provedor da Santa Casa de Misericórdia em relatório apresentado em 1909: “temos doentes

recolhidos em nossas enfermarias, pela facilidade de transporte que os mesmos encontram com o

prolongamento da ferro-via, que os deixa nesta capital, donde alguns têm voltado por não pode-

rem, a falta de commodo, ser recolhidos ao hospital” (RSCM, 1909, p. 31)

Todos estes fatos justificavam a inauguração de um novo hospital, o qual deveria estar

“dentro dos moldes da planta que lhe foi traçada pelo habil e competente Engenheiro Sr. Dr.

Francisco Dias Cardoso Filho” (RSCM,1909, p. 30). Além disso, a construção do novo hospital

levaria à destruição do Hospital de Santa Isabel conforme requisitado em muitos trabalhos e

relatórios, já que este era considerado um perigo público, por ser aí o local onde se realizavam

todos os trabalhos de cirurgias, embora estivesse alocado em área central da cidade, indo de

encontro as regras higiênicas e de saúde que se acreditava na época.

Temos notícia ainda de um outro hospital que chegou a existir na cidade, no entanto, não

nos foi possível obter maiores dados sobre o mesmo. Sabemos que este estabelecimento, qual

seja, o ‘Hospital Inglez’, existiu na cidade e foi fechado por motivo que desconhecemos, sendo

posteriormente reaberto em 1863, momento em que, de acordo com correspondência do

secretário do Governo da Parahyba ao Ministério do Império, começou a desenvolver-se no porto

desta cidade a epidemia de febre amarela que atingiu os tripulantes de navios ingleses que

estavam atracados no dito porto. Estes foram recolhidos ao Hospital de Caridade a fim de serem

tratados.

110

Dahi em diante a febre amarella foi accommettendo indistintamente as tripolações de todos os navios sitos no porto. O Dr. Cordeiro e eu, médicos do Hospital de Caridade, refletindo sobre o número que iria passar sobre o Hospital referido, a continuar o movimento epidêmico e attendendo mais ao atropelo que deveria haver naquelle pio estabelecimento, cujo edifício acha-se em obras tendentes a melhoral-o resolvemos restabelecer o Hospital Inglez, que aqui existira. (Correspondências com o Ministério do Império. 20 de outubro de 1863.)

O autor prossegue enfatizando a importância da dita obra a fim de oferecer aos

estrangeiros que porventura fossem acometidos de algum mal epidêmico e se encontrassem em

solo paraibano o tratamento necessário para a cura. Ademais, o dito hospital, “acha-se

acommodado em um dos pontos da Cidade Baixa, o mais conveniente, não só por sua elevação

acima das casas mais próximas, como também por dominar livremente a vista do porto, onde

ancorão os navios, pelo que fácil e prompta se torna a communicação recíproca entre elle e os

navios” (Id. Ibd.). Embora tenhamos a notícia desta determinação para a reabertura do referido

hospital, não temos a confirmação de sua realização.

Por muitos anos a inexistência de um hospital estrangeiro, o que fazia com que, neste

ano os doentes fossem tratados ou no Hospital da Santa Casa ou ainda em casas de particulares

(quando os doentes podiam arcar com as despesas desta internação). Havia casos ainda, em que

os doentes chegados a bordo de navios no porto desta cidade, fossem tratados dentro das próprias

embarcações, o que apesar de ser considerado prejudicial à saúde pública fazia-se necessário

visto a falta de condições de transporte até o Lazareto ou ainda para outros estabelecimentos.

Apenas em meados da década de 1860 é criado o ‘Hospital Ingles’ também situado no

sítio denominado ‘Cruz do Peixe’, no qual seriam tratados os estrangeiros que fossem acometidos

de qualquer doença contagiosa. Neste ano em correspondência ao Ministério do Império noticia-

se que foi tratada uma mulher vinda do Maranhão que havia contraído varíola, e um senhor vindo

da região Sul, além de um “pequeno numero de estrangeiros accommettidos de febres passageiras

e de syphiles, no entanto não posso limitar agora o número d’esses enfermos soccorridos por

aquele hospital, em virtude de serem recolhidos alternadamente os próprios enfermos tratados a

bordo, e que vão ali passar um ou outro dia que as circunstancias da moléstia ou de bordo

exigem.” (Correspondência ao Ministério do Império. 23 de janeiro de 1866). Poucas são as

informações sobre o dito hospital, o que nos impede um tratamento mais detalhado acerca do

mesmo, contudo, a sua existência, mesmo que, aparentemente breve, reflete a necessidade de

isolar os acometidos de doenças e, sobretudo, os estrangeiros em hospitais isolados da área

111

habitada da cidade, decerto com a intenção de diminuir o contágio e a disseminação de doenças,

que estes “forasteiros” poderiam transmitir aos moradores da cidade e a “boa gente” que nela

habitava.

Outros estabelecimentos necessários à vida na cidade e que sofreram transformações a

partir das medidas higiênicas foram os matadouros e os açougues desde a origem das cidades

eram estabelecimentos necessários, mesmo em regiões não caracterizadas como pecuárias. O

abastecimento de carne era realizado com a criação de gado na própria cidade ou em regiões

vizinhas, uma vez que o seu deslocamento era algo lento e difícil.

No século XIX, em todas as regiões brasileiras, mas principalmente nas interioranas

eram comuns os caminhos de boiada e também dos tropeiros. Estes caminhos eram assim

denominados por terem sido abertos para a condução de gado bovino e também dos outros

produtos.

O abastecimento de carne na Cidade da Parahyba era realizado pelos negociantes de

gado, conhecidos como ‘marchantes’. Segundo Maia (2000) estes “faziam-se presentes nas

grandes feiras de gado do estado, de onde traziam os animais para serem abatidos nos matadouros

da cidade [...] o abastecimento de carne de João Pessoa era feito através desses marchantes, que

saiam em busca de animais de melhor corte e de menor preço”. (Id. Ibd. p. 285). E acrescenta que

no século XIX grande parte da carne consumida, na então cidade da Parahyba, provinha das

terras sertanejas.

Nesse século, a localização na cidade de alguns estabelecimentos, especialmente os que

exerciam funções de saúde, era um tema relevante nos documentos oficiais bem como nas

notícias jornalísticas. Dessa forma, não só hospitais e cemitérios como também os matadouros e

açougues deveriam ser alocados em lugares apropriados à manutenção da saúde. Este era um dos

preceitos higiênicos. O seu cumprimento exigia que os equipamentos de saúde fossem afastados

do “coração da cidade”. Além destes, os matadouros e os depósitos de lixo deveriam situar-se em

áreas distantes, tais como “[na] cidade alta, o Forte, e a casa da pólvora ao Norte, e no Varadouro

o Zumbi, e o porto da gamelleira ao Sul” (A Regeneração. 10 de março de 1862)

As determinações nos ajudam a perceber de que forma se dava a manutenção da higiene

nos matadouros e mercados em que havia a venda de carne. A Lei 877 de 1º de dezembro de

1888 determina que

112

Art. 13. As carnes penduradas nas paredes e portas das casas públicas [...] estarão sempre encostadas sobre pannos de linho, ou algodão branco e asseiadas, que deverão ser mudadas diariamente e não serão penduradas das portas para fora. [...] Art. 26. É prohibido [...] sob o solo lançar immundicies. (Arquivo Histórico do Estado da Paraíba)

Vários são os documentos que versam sobre a existência de matadouro público em lugar

não propício, como por exemplo:

[...] o matadouro público no lugar em que estava era summamente inconveniente e prejudicial tanto pela falta d’ágoa tão necessária em estabelecimentos desta natureza, como pela sua posição collocada em uma das ruas da Cidade e quase a barlavento d’ella para onde por conseguinte eram muitas vezes trazidos os miasmas que d’elle emanavão, e que tão nocivos erão à saúde publica, contractou o fazimento de um novo matadouro em lugar, que apezar de ter também alguns inconvenientes que não desconheço, me parece com tudo o mais apropriado ao fim para que foi escolhido. (RPP, 1855, p.21)

Esse documento divulgado no relatório do Presidente da Província do ano de 1855 foi

escrito pelo engenheiro da Província, Affonso de Almeida e Albuquerque, e trata ainda de

questões de administração dos equipamentos urbanos construídos nesta cidade, os quais deveriam

encontrar-se sob determinação ou da Câmara Municipal ou da Santa Casa de Misericórdia. Este

relatório diz que tal qual o antigo matadouro que era de propriedade da Santa Casa de

Misericórdia, este novo também o deveria ser, no entanto, afirma o dito engenheiro: “não me

achando, porém autorisado para assim dispôr de um edifício público em beneficio da Santa Casa,

entreguei o novo matadouro a Camara Municipal a quem por Lei compete a sua administração”

(RPP, 1855, p. 21). Assim, no final deste mesmo ano, “realizou-se a mudança do matadouro

público para o novo edifício, e segundo a opinião de pessoas professionais muito deve essa

transferência concorrer para a pureza e salubridade do ar que aqui respiramos n’esta Cidade” (Id.

Ibd.p. 09).

No ano seguinte, quando foi criada pelo governo a Junta Central de Higiene, “novas

posturas municipaes foram elaboradas, prohibindo a venda de gêneros em mao estado e tomando

outras prescripções á bem da boa alimentação do povo.” (PINTO, 1910, p. 122). Irinêo Pinto

refere-se ainda a este equipamento, ao citar que, no ano de 1855 “o matadouro publico da capital,

situado pouco acima da igreja do Bom Jesus, nas Trincheiras, julgado incoveniente e prejudicial á

saúde publica foi logo mudado para o recém construido, além da ponte do Sanhauá, sendo

entregue a sua direcção e propriedade á Camara Municipal pela Lei N. 11, de 08 de novembro de

113

1855” (PINTO, 1910, p. 123). Mesmo com a afirmação de Pinto no ano de 1855, quatro anos

depois o matadouro era reclamado por parte das autoridades, ao dizer que

[...] a falta de um matadouro nesta cidade é geralmente sentida e reclamada, por isso não posso deixar de dar-lhe lugar neste relatório. Por falta daquelle edifício e de um lugar em que descarnem as rezes trazidas do sertão com destino ao consumo, come-se nesta cidade carne má pelo preço elevadíssimo, por que se vende. De modo que, obrigadas as rezes a um longo trajecto, e mortas cançadas, logo que aqui chegão, não é para admirar, que só attribua á carne enfezada, que come a população, boa parte das molestias que a affligem.

Esta afirmação nos leva a inferir que o recém construído matadouro, citado pelo autor,

teve seu período de existência limitado.

No ano de 1863, a Lei N.º 84, promulgada no dia 30 de outubro regulamenta de que

forma deveria ocorrer a venda de carnes na cidade. Esta lei define que “o carniceiro será obrigado

a conservar sempre limpos o cepo, balança e balcão, assim como a ter sempre varridos o pateo e a

casa do açougue, sob pena de multa” (Jornal ‘O Tempo’, 1863, s/p). Os estabelecimentos

destinados a venda de carne deveriam ainda cumprir a determinação de terem a casa “caiada e

limpa, e dentro de tres meses depois da publicação das presentes posturas á fazer substituir as

portas da referida casa por grades estreitas e de ferro ou madeira” (Idem). Neste mesmo ano

encontramos uma correspondência escrita pelo Inspetor de Saúde Pública da Província ao

Ministério do Império, na qual o referido afirma ser o matadouro uma das principais causas da

ocorrência de doenças, reclamando, pois, “enérgicas e promptas medidas a fim de que seja

removido da localidade em que se acha” (Correspondência com o Ministério do Império. 28 de

setembro de 1863). E prossegue, ao explanar as condições do edifício em que o mesmo

funcionava relatando que

O seu edifício, alem de não reunir as condições necessárias, acha-se planteado no meio de immundicies a margem da estrada principal que comunica esta cidade com o centro da província [...] não há em sua visinhança logradouro para a apascentação dos gados destinados ao consumo diário [...] essas carnes verdes são abafadas parte do dia e durante toda a noite n’esses edifícios pequenos, muitos delles, sem arejamento algum, de maneiras que n’amanhã seguinte estarão alteradas e não muito boas para o talho [...] (Correspondência com o Ministério do Império. 15 de outubro de 1863. Arquivo Nacional)

Todas essas medidas representam bem o pensamento e o desejo por controlar a venda de

carnes que sempre foi entendida como um dos principais meios de infecção e transmissão de

114

doenças, embora não tenhamos a confirmação de que forma a população consegue se adequar a

dita postura, o fato de a encontrarmos nos ajuda a entender e averiguar o pensamento higienista e

sua influência sobre as alterações que se deram no espaço urbano da Cidade da Parahyba no

período analisado.

Como vimos, as casas de saúde ou hospitais representam um importante elemento de

análise no que concerne à manutenção da higiene da cidade e à promoção da saúde entre os

habitantes. Quanto a estes, apontamos, a partir de análise documental, que a Cidade da Parahyba

no final do século XIX contava com os seguintes hospitais: o Hospital da Santa Casa de

Misericórdia; a enfermarias militar; o Hospital da Cadeia; e o Lazareto da Ilha da Restinga,

abordados anteriormente. No entanto, as autoridades reclamavam a construção de um outro

hospital, graças à ineficiência dos já existentes, tanto em relação à capacidade de receber novos

doentes, como a qualidade das instalações e dos equipamentos. Neste sentido, no ano de 1882, o

Presidente da Província sugere ser

d’absoluta necessidade a creação d’um hospital, onde sejão tratados os doentes affectados de molestias contagiosas. D’essa falta resulta, que taes doentes, ou são recolhidos ao hospital da Santa Casa de Misericordia, ou são tratados em casas particulares no centro da cidade. Essa pratica não deixa de ser prejudicial e fatal, porque facilita a propagação dessas molestias, que podendo ser evitadas, se os primeiros casos fossem isolados, constituem verdadeiras e mortíferas epidemias. (RPP, 1882, p. 06)

Além da criação de hospitais, os relatórios mencionam a existência de algumas

enfermarias provisórias destinadas ao tratamento daqueles que fossem afetados por doenças

contagiosas, como é o caso relatado pelo Presidente da Província no ano de 1882.

Tendo conhecimento, por communicação da inspectoria de saúde publica e do Provedor interino da Santa Casa de Misericordia, de que no hospital d’esta pia instituição, o qual, contra todos os preceitos hygienicos, está collocado no centro da cidade, existiam três indigentes variolosos, determinei, na falta de um estabelecimento destinado ao abrigo e tratamento dos desvalidos affectados de epidemia e de doenças pestilenciaes, fossem transferidos para o prédio provincial do sitio – Cruz do Peixe -, onde por vezes, se há montado enfermaria provisória, em casos idênticos. (p. 04)

A criação destes hospitais, dos matadouros e cemitérios descritos aqui, fazem parte de

um conjunto de medidas que visava a promoção da saúde, a prevenção de doenças e,

principalmente à adequação do espaço urbano da Cidade da Parahyba a fim de que fosse evitado

115

que as epidemias, e principalmente, a febre amarela, a varíola e a cólera dizimassem um número

ainda maior de pessoas.

Quanto às medidas de higiene que deveriam ocorrer no espaço urbano a fim de evitar a

ocorrência de doenças, o relator da Repartição de Saúde, publica ser

[...] sensível em todas as épochas do ano, mais especialmente no verão, a ruindade das carnes verdes expostas a venda: e a necesidade em que se vê a população de tomá-las assim mesmo para sua alimentação, a obriga a que não se isente dos males que de sua ingestão lhe podem provir. [...] A maior vigilância deveria haver, quer sobre o acceio do matadouro, o qual, digamos de passagem, não está convenientemente collocado, sobre o modo de conducção das carnes para os açougues, limpeza destes, e meios d’ahi a carne ser cortada, quer sobre o numero de horas durante as quaes se vendem as carnes de uma mesma rez; tudo isto, porém é esquecido, e de tão criminoso esquecimento muitos damnos resultão á população. (RPP, 1882, p. 12)

Além dos equipamentos urbanos, outro elemento fundamental na estrutura e dinâmica da

cidade é o fornecimento de água. As águas sempre foram um motivo de preocupação, senão o

maior deles, para que a salubridade na cidade fosse mantida. Nesse sentido, várias são as

determinações e medidas sanitárias que versam sobre, não apenas o abastecimento de água, a

partir da limpeza das fontes, cacimbas e chafarizes, como também a reclamação do serviço de

abastecimento, o qual, como veremos, é um importante elemento de análise acerca do tema aqui

levantado, qual seja o Movimento Higienista, a promoção da saúde entre os habitantes da cidade

e, as alterações que se derem nesta cidade a fim de torná-la moderna, higiênica e bela.

2.6 - A água enquanto equipamento necessário à busca por higiene e modernidade

na cidade

O abastecimento de água representava um componente importante na estrutura da cidade

que se quer fazer moderna, daí a justificativa para a escolha desse equipamento enquanto

elemento que finda a análise ora realizada sobre a Cidade da Parahyba. Assim, esta cidade, até a

primeira década do século XX, não poderia ser considerada uma cidade moderna, nem tão pouco,

salubre, pois, apesar da primeira reivindicação por este serviço datar de 1866, seu abastecimento

de água só pôde ser efetivado em 1912. Conforme podemos observar nas atas da Assembléia

Legislativa do Estado da Paraíba, o Governo fica autorizado “a despender a quantia que for

preciso com o encanamento d’água potável para esta cidade e para a de Mamanguape e com a

116

factura de chafarizes, ou das permissões para fasel-o a uma compra ou associação de nacionaes

ou estrangeiros.” (Atos da Assembléa Legislativa do ano de 1866. AHEP)

A água que abastecia a população por todo o século XIX não possuía tratamento prévio.

Em 1857, a Repartição de Saúde narra que

[...] a limpeza das fontes aqui é completamente desprezada, e há necessidade de que o contrario aconteça. Apezar da latitude em que se acha collocada esta Provincia, grande é o gráo de humidade que nella ordinariamente se nota, e sem duvida d’ahi vem a tendência ao desenvolvimento de certas molestias que já mencionamos, e a prestreza com que marchão algumas. Quanto a nós influe na máxima parte da conservação de tal grão de humidade a existência do Rio Parahyba de um lado da Cidade, e do Rio Jaguaribe de outro, advirtindo-se que este ultimo, não tendo livre curso de suas água, as derrama formando um grande alagadiço nos terrenos adjacentes.

Como podemos perceber, as águas servidas também eram motivo de preocupação, além

do trecho acima que cita os rios que cortam a cidade e a umidade provenientes deles como riscos

à manutenção da saúde, temos notícia neste mesmo ano de que “cumpre dar nova direcção ás

águas que affluem para a Rua da Baixa, as quaes não só embaração o transito, como tendem a

prejudicar a saúde publica, pelas suas exhalações miasmáticas”. (RPP, 1857, p. 22).

Outras medidas modificam a Cidade da Parahyba ao sugerir alterações e adequação aos

princípios de salubridade e diminuição da ocorrência de doenças. Entre estas medidas destaca-se

Além dos males que pode trazer à saude publica a humidade do ar, as emanações miasmáticas que se produzem de um lado do grande alagadiço, onde se achão constantemente cm putrefacão vegetaes e animaes, e de outro lado dos mangues que formão as margens do rio Parahyba muito damnosos lhe são sem duvida alguma.Assim, pois, cuidar de um meio que possa diminuir estas influencias maléficas, sendo impossível de todo extingui-las, é prestar um grande serviço a humanidade.Cremos que o único meio de pratica actualmente aqui possível que tenda a attenuar taes influencias é canalisar as agoas do Jagoaribe, idéa já existente nesta Província, o talvez de não mui difficil execução.

Ainda em relação ao Rio de Jaguaribe, vale destacar que muitos são os documentos que

versam sobre a importância em desobstrui-lo e realizar a limpeza ao longo do seu curso, como

por exemplo, citamos o relato do presidente da província para o ano de 1882, o qual aponta ser

importante a obra, já que este rio “desprende constantemente miasmas paludosos, nocivos à

saúde, não só dos habitantes de suas margens, como aos d’este Cidade.” (Idem, p. 04)

Aqui nos cabe apontar o que fundamenta a nossa tese de que a crença nos miasmas e na

117

transmissão de doenças através do ar fundamenta ou justifica muitas das alterações que se dão no

âmbito do espaço urbano da Cidade da Parahyba, a qual é modificada a partir do olhar e da busca

por extinguir estes focos epidêmicos, com isso, diminuir a ocorrência e disseminação de doenças.

Este rio, portanto “que costêa esta Capital pelo lado do leste [...] está transformado em um

extenso pantano coberto de vegetação aquatica,” (RPP, 1882, p. 03). E complementa justificando

a obra no rio ao dizer que “seria, pois, de grande utilidade publica e mesmo particular, que se

désse livre curso a suas aguas, medida essa, que por vezes tenho reclamado, em bem da

salubridade publica (RPP, 1882, p. 04)”

As pessoas muitas vezes continuavam a banhar-se (apesar de proibição) nas mesmas

águas coletadas para o consumo como para as atividades domésticas, levando as autoridades a

reclamarem a qualidade das águas aí coletadas pela população, bem como seus hábitos. A matéria

jornalística noticia que

[...] faz nojo o estado em que se encontra a única fonte da capital. Além de immunda, tornou-se lugar de obcenidades. Á toda hora do dia, de mistura com os carregadores d’água, grupos de indivíduos lá vão para banharem-se, enchem a fonte, e com a maior sem cerimônia, tomam banho, sem que haja a menos providencia que ponha termo a tal abuso. Além disso, lava-se roupa constantemente dentro da mesma fonte, o que aumenta ainda mais a immundicie (Jornal A Regeneração. 01 de maio de 1861.)

Como já afirmamos anteriormente, somente em 1912, instala-se o abastecimento de água

por rede pública na Cidade da Parahyba. Porém, mesmo com esse equipamento, os preceitos de

higiene ainda não estavam completamente atendidos. É o que expressa às palavras do Presidente

da Província João Lopes Machado:

Com o abastecimento d’água em vésperas de ser inaugurado, e com a canalisação dos esgotos que penso poder contractar ainda antes de terminar-se o período administrativo actual, é que teremos nesta cidade os fundamentos principaes para construir uma obra sólida e verdadeiramente útil de hygiene pública. Presentemente só será susceptível de alcançarmos, completamente, o que estamos trabalhando para obter: a educação do povo, pela observância das disposições legaes vigentes, para que se torne fácil a fiel obediência dos preceitos que têm de ser estabelecidos rigorosamente. (Saúde Pública, p. 185).

Durante a implementação do serviço de abastecimento de água, a cidade possuía treze

chafarizes públicos instalados na Cidade Alta, onde se concentrava a população de maior renda.

Os mais pobres ainda não possuíam acesso à água canalizada. De acordo com Chagas (2004):

118

[...] a questão da insalubridade ou da água servida, aos paraibanos, apesar de ter alcançado as páginas dos jornais, se limitou aos grupos sociais detentores do poder econômico e de decisão político social. Assim, as discussões se restringiam aos médicos, engenheiros e políticos, e se constituiu num processo fechado e fundamentado no conhecimento médico-científico. Por isso, excluiu os demais segmentos da sociedade, a exemplo dos trabalhadores e moradores dos bairros periféricos que se abasteciam diretamente no Rio Jaguaribe. (Idem, p.95).

O fato de a água ser servida apenas à população de alta renda era justificado por

acarretar custos que nem o Tesouro poderia arcar, nem tão pouco os moradores poderiam pagar

os impostos que favoreciam esse abastecimento. Ainda a respeito do estado de insalubridade da

cidade, o engenheiro Victor Kromenacker, em 08 de outubro de 1910, afirma que as suas causas

são não só a falta de abastecimento d’água, mas também a sua posição topográfica já que

[...] uma parte da cidade está assentada sobre uma chapada comprida e estreita, a outra na baixa da mesma sob um nível pouco elevado acima do rio, algumas ruas transversaes collocadas nos flancos da collina ligam uma e outra. O Rio Parahyba que banha a Cidade Baixa é sujeito às enchentes e as vasantes do mar, o seu sub-solo é regado por um lençol subterrâneo de pouca profundidade, que recebe por infiltração, há séculos, sem interrupção, a maior parte dos detrictos produzidos pela conglomeração urbana. (Almanach Administrativo e Commercial do Estado da Parahyba, p. 777).

Esse mesmo engenheiro, no mesmo relatório, ainda se refere a outros problemas de

salubridade, escreve:

As águas servidas. As águas pluviaes derramam-se, onde podem, na superfície do solo, no pé da casas e acabam infiltrando-se, para infeccionar completamente o solo. As matérias fecaes são depositadas em covas fixas, nos quintaes das casas, cujo estancamento é impossível, ou em escoadouros ou mesmo em cacimbas abandonadas!!! Nessas condições o envenenamento methodico e continuo do lençol aqüífero subterrâneo tão próximo, e das casas cujos alicerces entram-se, constitui um perigo permanente à saúde de seus habitantes. [...] O lixo enfim, está carregado em carroças meias fechadas, levando comsigo e semeando por toda parte de seu percurso todos os germens morbidos da cidade, está depositado em certos terrenos para aterral-os, e estes por sua vez, vão contaminar por assim dizer, automaticamente, a população dos arredores [...]. (Almanach Administrativo e Commercial do Estado da Parahyba, para 1911. Estudos e Opiniões: Saneamento. p. 778. Arquivo Nacional)

O relatório do engenheiro supracitado, bem como os diversos documentos oficiais

119

analisados, expressam muito claramente o ideal dos governantes, da elite e dos políticos do

século XIX em transformar a Cidade da Parahyba em uma cidade salubre e higiênica. Para isto,

várias foram as determinações e ações que provocaram grandes alterações na estrutura da cidade

e ainda na vida dos seus habitantes. Contudo, o serviço de abastecimento de água trouxe também

alguns problemas em relação à salubridade nas cidades, pois, conforme expõe Lemos (1996), “a

água encanada [...] provocou no planejamento dessas casas a vizinhança forçada entre a cozinha e

as instalações sanitárias” (p. 56); fazendo com que, concomitantemente ao serviço de

abastecimento de água, o serviço de saneamento fosse solicitado.

Saneamento este que só ocorre alguns anos depois do serviço de abastecimento de água,

no ano de 1927, quando uma proposta de urbanização da cidade, foi projetada e executada pelo

Engenheiro Saturnino de Brito. Este projeto incluía, além do saneamento, a abertura de novas

vias, o alargamento de ruas, bem como a ampliação do serviço de abastecimento de água, acima

referido.

Além do serviço de abastecimento de água potável na Cidade da Parahyba, e das águas

servidas, os rios e áreas alagadiças da cidade também foram alvo do olhar dos higienistas. Como

exemplo, podemos citar a solicitação para a desobstrução do Rio Jaguaribe, que corta a cidade e,

segundo o discurso médico da época, favorecia a disseminação de doenças, bem como a

urbanização da Lagoa dos Irerês. Quanto à desobstrução do Rio Jaguaribe em 186421, esta é mais

uma obra pública que representa bem a remodelação geral da cidade. Este rio teve suas águas

utilizadas para a instalação do serviço de abastecimento de água. O projeto previa que só a partir

dessa desobstrução seria possível manter limpos os terrenos no seu entorno, já que em épocas de

cheia estes permaneciam por muito tempo alagados, com mosquitos e maus cheirosos,

favorecendo a contaminação não só dos habitantes do seu entorno, como também daqueles que

utilizassem suas águas quando da instalação do serviço de abastecimento. A essas determinações

somavam-se às da limpeza das casas e terrenos.

Em relação à urbanização da lagoa, esta se fez necessária, uma vez que se tratava de

uma área pantanosa que impossibilitava a expansão da cidade na direção leste, e ainda em

cumprimento às teorias médicas que a consideravam uma área não higiênica, conforme podemos

analisar no documento transcrito abaixo:

21 Revista do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba. n.º 03, 1911.

120

[...] o dr. Abdon Milanez, Inspector de Saude, repetia ainda que o estado sanitário não era bom e que as fontes de infecções eram: o cemitério, o matadouro público, o rio Jaguaribe, a lagoa, a falta de asseio das praças e ruas, a ausência de calçamentos, etc. e pedia que se attentasse para os estragos que a syphilis estava produzindo. (MEDEIROS, 1911, p. 123)

Com a urbanização dessa área, foi possível a expansão da cidade em direção Leste, e

posteriormente a abertura da Avenida Epitácio Pessoa, a qual complementa o intuito de fazer com

que a cidade crescesse em direção ao litoral.22

Além das condições ambientais apresentadas pelo mesmo, um grande fator de destaque

no que se refere ao tratamento das questões urbanas, bem como à forma como eram entendidos os

espaços enquanto riscos no que tange a transmissão de doenças, seriam as condições sociais e de

trabalho. Este último percebido como único meio capaz de ‘regenerar’ as “classes perigosas”, à

medida que estas se tornassem afeitas ao progresso, à modernidade, ao higiênico e ao belo. A

parcela da população que não apresentasse condições sociais de molde a favorecer estes

requisitos seria considerada, por conseguinte “perigosa” e por isso submetida a regras e ao

controle disciplinar, moral e sanitário.

22 Não trataremos aqui do referida avenida, ou do crescimento da cidade na direção Leste por encontrar-se além do recorte temporal analisado. Para maiores observações acerca do tema ver: TRAJANO FILHO. Do rio ao mar. Uma leitura da cidade de João Pessoa entre duas margens. (In) TINEM. Nelcí. Fronteiras, marcos e sinais: Leituras das ruas de João Pessoa. João Pessoa: Editora Universitária, 1996.

121

CAPÍTULO III

MODERNIDADE E CIDADE:

AFORMOSEAMENTO E HIGIENIZAÇÃO

Pero la batalla era por mucho más que las costumbres. Era la

lucha entre la pervivencia de las estructuras coloniales y la imposición de la modernidad, era la guerra a muerte entre el

antiguo régimen y el mundo de diseño burgués.

Eulália Ribero Carbó, 2002.

Entende-se por Modernidade o movimento que gera alterações não apenas nos espaços,

como também, nos hábitos, na moda e nos costumes dos habitantes. Este ideário, tal como coloca

Berman (1986) tende a homogeneizar o mundo, à medida que as relações de sociabilidade são

difundidas entre diferentes cidades; bem como a produção científica; as vestimentas; o estilo

arquitetônico; a arte, enfim, uma série de alterações baseadas na busca do ser moderno que se

refletem, sobretudo, no cotidiano dos habitantes da cidade. Este é, portanto, “um movimento

coletivo, impessoal, que parece ser endêmico à modernização: o movimento no sentido de criar

um ambiente homogêneo, um espaço totalmente modernizado, no qual as marcas e aparência do

velho mundo tenham desaparecido sem deixar vestígio” (p. 78).

Na capital do império, Rio de Janeiro, a Modernidade e as medidas de profilaxia

modificam todo o espaço urbano e o cotidiano dos moradores. Nas primeiras décadas do século

XX é realizada uma grande reforma urbana que culmina com a abertura da Avenida Central.

Outros fatores de destaque são a obrigatoriedade da vacinação23, e a instalação da rede de esgotos

da cidade, além de várias outras implementações geradas pelos ideais da Modernidade e do

Higienismo que mudaram a estrutura da cidade, atingindo diretamente a vida dos moradores.

Contudo, tais implementações não se deram sem embates. O maior destes foi contra a vacinação

e a destruição dos cortiços, considerados focos de disseminação e doenças, bem como de

imoralidade. Para destruir este “espaço de impurezas”, o prefeito da cidade na época, Barata

23 Percebemos como o discurso da falta de higiene como responsável pela propagação de doenças, encontrava-se complementado pela teoria da transmissão em alguns casos no início do século XIX, conforme podemos averiguar a partir da obrigatoriedade da vacinação. Instrumento este utilizado a partir da descoberta da transmissão de doenças, como a varíola, por exemplo.

122

Ribeiro, munido de aparato policial mandou derrubar o maior cortiço da cidade, o Cabeça de

Porco, em 1893. Tal medida justificava-se pelo objetivo de limpar a cidade e exterminar aquele

“antro de imundícies”. A destruição do “Cabeça de Porco” marcou o princípio de gestão no

espaço urbano pautada na diferenciação social, mas que estava fundamentada no saber higiênico,

que consistia em um “processo sistemático de perseguição a esse tipo de moradia, o que vinha se

intensificado desde pelo menos meados da década de 1870, mas que chegaria a histeria com o

advento das primeiras administrações republicanas” (Chalhoub, 1996, p. 25).

Na cidade de São Paulo, a condição de cidade salubre e higiênica é buscada através da

criação, em 1918 do Instituto de Higiene, que tem entre outras, a finalidade de ordenar a vida

pública e sanear a cidade, através da educação escolar como estratégia de política sanitária. Os

preceitos higiênicos eram difundidos por meio da propaganda dos efeitos benéficos que uma boa

educação sanitária poderia trazer àqueles que seguissem as recomendações dos homens da

ciência. Para isso, investe-se na formação de agentes da saúde pública que fundamentados nas

concepções higiênicas conseguissem persuadir a população, disseminando assim, a ”cultura de

higiene nos meios populares”. (Rocha, 2003).

Esses profissionais da higiene tinham o intuito de transformar a cidade em um espaço

moderno e salubre. Baseavam-se na Fundação RocKefeller, ou seja, na Junta Internacional de

Saúde Norte- Americana, caracterizada pelos investimentos na área de saúde e pela ação contra a

miséria e insalubridade nas cidades, em outras palavras, os ideais de reforma sanitária. Assim,

uma nova cidade é construída, a estrutura desta vai apresentar ruas alargadas, calçadas, alinhadas

e iluminadas, muitas das suas casas baixas são destruídas, a sujeira, a escuridão, a falta de

circulação de ar são deixadas para trás, praças e jardins são construídos e novos prédios

pomposos e elegantes são erguidos para abrigar as instituições administrativas.

De acordo com Rocha (2003), a criação do Serviço Sanitário, órgão subordinado à

Secretaria do Interior entre 1891 e 1892 exemplifica bem a preocupação com a normatização da

cidade de São Paulo. O referido autor informa ainda que data de 1894 a criação do Código

Sanitário, cujo objetivo era o de “disciplinar os usos do espaço urbano e coibir os abusos”. As

intervenções propostas neste código “são enunciadas em forma de minuciosas prescrições, que

recobrem os mais recônditos aspectos do cotidiano da cidade, dando especial destaque à questão

de habitação” (Rocha, 2003, p 35).

O engenheiro Baêta Neves, em obra publicada em 1913 relata de que forma deveria

123

pautar-se o espaço urbano no que diz respeito à morfologia das cidades e disposição dos seus

equipamentos. Esta obra, cujo título manifesta bem o tema aqui tratado, apesar de ter sido

publicada em ano posterior ao recorte temporal por nós analisado, representa o ideário que

permeava a produção e transformação do espaço urbano das cidades brasileiras nas duas

primeiras décadas do século XX.

Observa-se, portanto, uma tendência geral nas cidades brasileiras, apesar das diversas

escalas e graus variados de intensidade, à adequação desses espaços aos padrões da modernidade,

da salubridade e da higiene. Neste sentido, a então denominada Cidade da Parahyba não seria

diferente. Os documentos oficiais e matérias jornalísticas expressam determinações,

normatizações e uma pretensão, principalmente por parte dos seus governantes em concretizar

mudanças na cidade a fim de transformá-la também em uma cidade moderna.

Consideraremos, portanto, de que forma o ideal higiênico e, até mesmo, a influência das

reformas urbanas ocorridas na cidade do Rio de Janeiro, então capital nacional e mesmo nas

cidades européias se deram sobre uma cidade sem grande destaque e de menor porte, como a

Cidade da Parahyba. Além disso, examinaremos até que ponto os ideais, seja ele de higienizar

(sanear), ou de modernizar (embelezar) estavam postos nos discursos da elite que pensava as

mudanças na cidade aqui estudada.

Acreditamos, pois que são exatamente essas concepções de Modernidade que, somadas

ao ideário de higienização, modificam o espaço urbano da Cidade da Parahyba, principalmente

durante o período situado entre as últimas décadas do século XIX e, sobretudo, nos primeiros

anos do século XX.24 Estes movimentos encontram-se atrelados, tal como podemos perceber ao

analisar o discurso que é produzido neste período e que, por muitas vezes, relaciona cidade

higiênica à cidade moderna. O espaço urbano deveria ser enquadrado não apenas nestas duas

categorias, como também deveria apresentar-se belo.

O desejo de criar um ambiente homogêneo faz com que os habitantes desta cidade

busquem enquadrar-se, aos moldes europeus, como pessoas modernas que habitam uma cidade

modernizada. Baseamo-nos em Maia (2000) ao retratar cidade moderna, a qual relata que

“quando dizemos modernizada queremos enfatizar as mudanças ocorridas na cidade em função

das imposições do mundo moderno, sem, contudo haver profundas transformações em toda a

24 Para maior conhecimento acerca do tema da modernidade na Cidade da Parahyba entre as décadas de 1910 e 1930 ver Chagas, 2004

124

malha urbana” (2000, p. 47). E acrescenta

Dessa forma, a cidade modernizada corresponde à cidade que recebe incrementos característicos da vida moderna, bem como implementações de algumas idéias urbanísticas, que fundamentaram as ‘cidades modernas’. Todavia, essa modernização circunscreve-se a determinados áreas e realiza-se em determinados setores da sociedade. Portanto, a modernidade pode até promover a vida quando desenvolve conhecimento, ciência e técnica, porém o movimento que moderniza a sociedade não apaga o fundamento da desigualdade sobre o qual se assenta. (Id. Ibd.)

O ideário da Modernidade traz às cidades de um modo geral, e também à Cidade da

Parahyba, grandes mudanças em sua morfologia, mas também na vida dos seus habitantes.

Embora o Movimento da Modernidade estivesse diretamente associado a uma sociedade

industrial e capitalista, tal como ocorreu nos países europeus e mesmo nos Estados Unidos, o

desejo do sentir-se moderno atinge outras cidades que não tiveram influência direta com a

expansão industrial. Para estas cidades o desenvolvimento da Modernidade não se dá como

conseqüência do crescimento industrial e sim graças ao processo mundial de modernização dos

espaços físicos, dos hábitos e dos costumes da população citadina.

Vianna (2006) nos conta que “quase não havia fábricas no Brasil imperial, portanto

faltavam não só artigos considerados luxuosos, mas muitas vezes também objetos indispensáveis

ao uso diário. Assim importava-se em demasia, a maioria dos produtos consumidos pelos

brasileiros durante esta época era importado” (Id, Ibd, p.14), principalmente aqueles que fossem

considerados artigos de uma sociedade moderna, tais como, papel de embrulho, água florida,

tônico, água de cheiro, chapéus e tecidos, entre outros. (Jornal da Parahyba. 25 de julho de 1883).

Apesar de alguns autores considerarem a produção açucareira como uma produção

industrial, a exemplo de Reis Filho (1968), que explana que ainda no Brasil colonial a produção

de açúcar “não era apenas uma atividade agrícola, mas também industrial” (Idem, p. 93), fato é

que a indústria nacional aparece no cenário das cidades brasileiras na segunda metade do século

XIX, quando são instalados os primeiros grandes empreendimentos urbanos, tais como a energia

elétrica e a construção de estradas de ferro.

Em relação à produção de açúcar no Brasil, Maia (2000) apresenta a idéia de que “no

século XVIII a economia açucareira entra em crise, estimulando o processo de urbanização,

concomitante a ascensão da especulação financeira e das atividades comerciais. (Id, Ibd, p. 82).

125

Por conseguinte há maior circulação de pessoas, mercadorias e dinheiro, bem como, possibilidade

de maior adensamento populacional nas cidades.

Ademais, para ser moderno era preciso consumir os produtos trazidos da Europa, a fim

de ostentar riqueza e poder. Neste intento, muito são os anúncios nos quais os produtos europeus

e as marcas advindas deste continente são divulgados nos jornais e revistas produzidos na Cidade

da Parahyba como sinônimo de beleza e modernidade, fazendo com que a população de maior

poder aquisitivo, ou seja, a elite os consumisse nas principais ruas da cidade e atentasse para o

que ditava a moda européia, levando a um comércio de produtos importados advindos desta

localidade.

No Brasil, os anúncios da Modernidade podem ser sentidos, principalmente a partir do

início do século XX, período marcado por uma nova história “que deveria ser escrita com as

tintas e aspirações da modernidade e do progresso. Passado os primeiros anos de instituição do

regime republicano, o desejo de alinhar-se ao ritmo das grandes metrópoles européias promoveria

transformações profundas nas cidades brasileiras, sobretudo nas capitais” (VIDAL, 2004, p. 17).

Desta maneira, na Cidade da Parahyba, embora, com os limites de tempo e espaço não seria

diferente, ao menos no desejo, por parte de sua população, principalmente da elite, em sentirem-

se modernos.

Em análise sobre a Modernidade na Cidade da Parahyba, percebemos que, nas últimas

décadas do século XIX e, principalmente no início do século XX há uma maior circulação de

dinheiro oriunda do crescimento econômico, principalmente graças a um aumento na produção de

algodão. Concomitante a este processo a elite rural passa a residir na cidade, gerando ainda um

crescimento populacional da mesma. Esta elite, ao habitar na cidade solicita e/ou promove

alterações na mesma. Esta passa a ser dotada de vários equipamentos urbanos modernos, tais

como a iluminação pública, a qual tem sua primeira instalação à base de óleo de mamona ainda

em 1822, na cidade alta. Sendo posteriormente estendida (sete anos depois) à cidade baixa. Em

1910 observamos mais uma modificação, ou seja, a iluminação passa a ser elétrica; além deste

equipamento citamos ainda construção do jardim público em 1879, a qual representa o desejo de

utilizar os espaços públicos enquanto lugares de festas e sociabilidade.

126

Figura 08: Lado direito do Jardim Público em 1910 (atual Praça João Pessoa). Pode-se observar o antigo gradil e, ao fundo o antigo Lyceu. Fonte: Acervo Walfredo Rodriguez. In: CD Multimídia GPCES.

Estes lugares de lazer eram freqüentados pela elite não apenas

com o intuito de divertir-se, mas também de fazer contatos políticos e comerciais, além de desfilar sua condição social [...] sendo o lugar onde aconteciam sempre concertos e retretas nos fins de tarde. O fato de se realizarem apresentações musicais nos fins de tarde nos mostra que embora fosse público, o jardim se consolidou num espaço seletivo e excludente, restrito somente à elite e à classe média (VIANNA, 2006, p. 22).

Outro equipamento que muda significativamente o espaço urbano e é símbolo da

Modernidade é a estrada de ferro. Se por um lado o trem que tinha como principal função a

ligação das cidades e províncias e que, portanto conduz a formação de uma rede urbana, por

outro lado, são os bondes que mudam substancialmente a dinâmica interna da cidade, já que

permitem o deslocamento no interior da cidade possibilitando sua maior expansão. Sobre a

importância da ferrovia para a implantação da modernidade na Cidade da Parahyba, bem com

para as alterações que se deram no tecido urbano da mesma, vale apresentar as palavras de Vidal

(2004) a qual acredita que “as numerosas obras de embelezamento urbano promoveram

transformações na paisagem urbana e via de regra não implicaram a modificação do tecido

urbano. As intervenções visando a melhoria do sistema viário é que foram responsáveis por tal

127

modificação.” (Idem, p. 83)

Segundo Vianna (2006) o término da estrada ferro-carril de tração animal, a qual tem

sua circulação finalizada com o intuito de dá lugar ao bonde elétrico; ou ainda, no mesmo ano, o

surgimento do serviço de telefonia, são importantes exemplares no que concerne à instalação de

equipamentos urbanos modernos, os quais representariam não apenas uma melhoria na estrutura

urbana da cidade como também uma modificação no imaginário da população que habitava a

mesma, e sobretudo, a parte desta população que tinha acesso aos mesmos serviços,

possibilitando o sentimento de serem modernos e habitarem uma cidade moderna.

Ainda sobre a expansão da cidade, partimos do entendimento de Vidal (2004). Esta

autora ao analisar o que ela denomina de “os rumos de uma cidade em transformação” expõe que

durante o período imperial a expansão urbana da Cidade da Parahyba se deu apenas por meio do

prolongamento das vias já existentes, pouco se fez em relação à abertura de novas ruas,

limitando-se a espontaneidade a partir do prolongamento. Isto ocorreu até as primeiras décadas

do século XX, quando a autora afirma:

a primeira expansão planejada que identificamos foi a criação do bairro de Jaguaribe, na década de 1910. Tratou-se de um loteamento aberto, por iniciativa dos proprietários, em áreas antes ocupadas por sítios. O surgimento do bairro e a configuração que ele assumiu estão vinculados às obras realizadas no início dos anos 10 para a implantação do primeiro serviço de abastecimento de água. (Idem, p. 53)

Esta expansão foi favorecida graças à abertura de uma nova via de 22 metros de largura

e 1.350 metros de extensão, que tinha a função de ligar o manancial, localizado na Mata do

Buraquinho até o reservatório elevado, localizado na Cidade Alta. Esta via partia da Estrada do

Macaco, nas proximidades do manancial, passando pela “estrada de Jaguaribe e a Rua da

Palmeira e vindo terminar na Rua das Trincheiras”. A rua referida, aberta a partir das construções

de implementação do abastecimento de água na Cidade da Parahyba foi denominada de Avenida

João Machado e “sua abertura sinalizou o início de uma nova era, constituindo um marco no

processo de modernização da cidade” (VIDAL, 2004, p. 54).

Ao longo dessa avenida, foram construídas, conforme as aspirações de progresso da

época, moradias para as classes mais abastadas. Ademais, esta rua foi compartimentada com lotes

de grandes dimensões, a fim de que seus moradores pudessem construir casarões ajardinados, já

que este elemento, o jardim, era símbolo do progresso e da modernidade, bem como, sua

128

presença seria considerada representativa no que concerne a observância das regras de higiene,

modernidade e conforto. (Figura 07)

Figura 09: Trecho da Planta da Cidade da Parahyba em 1923, mostrando em amarelo a Avenida João Machado, em vermelho indicado pelas letras A, B, C e D, respectivamente, a Rua das Trincheiras, a Rua da Palmeira, a Estrada de Jaguaribe e a Estrada dos Macacos. Os números 1, 2 e 3 mostram, respectivamente, a Rua da Glória, a Rua do Meio e a Rua da Concórdia, que foram as primeiras ruas do Bairro de Jaguaribe e foram traçadas quese que paralelamente à Rua João Machado. FONTE: (VIDAL, 2004).

A avenida, dotada de residências amplas e belas contrastava com as pequenas casas de

palha da população de menor poder aquisitivo, bem como das casas geminadas e ruas estreitas da

cidade colonial.

São esses casarões que “vão compor, juntamente com os templos religiosos e as sedes

dos órgãos públicos, os maiores destaques no conjunto de edificações da cidade” a partir de

então. (MAIA, 2000, p. 103). Ademais, esta foi uma avenida importante se nos remetermos a

expansão da cidade na direção, pois serviu como eixo de expansão para a cidade a partir de então.

Faz-se importante aqui ressaltarmos a importância do presidente João Lopes Machado,

visto a avenida da qual nos referimos ter recebido esse nome em sua homenagem. Este governou

a Paraíba entre os anos de 1908-1912 e, por ser, “médico sanitarista e com grande convívio na

capital federal à época em que o discurso da salubridade urbana e a s reformas de Pereira Passos

129

estavam em curso” (VIDAL, 2004, p. 18) promoveu ou reivindicou algumas alterações na cidade,

sobre os auspícios da Modernidade.

Figura 10: Rua João Machado em 1920. FONTE: STUCKERT, 2003.

Foi exatamente neste período que um importante incremento necessário para que a

cidade fosse considerada moderna foi instalado, o abastecimento de água em 1912. Mesmo que

inicialmente, conforme afirmamos anteriormente, estivesse restrito à seis ruas situadas na área

central da cidade (Figura 09). Este serviço promove alterações na forma e no cotidiano25 de uma

cidade moderna.

Vale considerar também os investimentos promovidos pelo presidente da província,

Henrique Beaurepaire Rohan, entre os anos de 1857 e 1859 (momento da visita do imperador).

Este presidente promoveu o “alargamento, o alinhamento e/ou o nivelamento de algumas ruas

existentes, a desapropriação de áreas para abertura de novas vias, além de providenciar a

fundação de uma biblioteca pública e de adquirir uma área próxima ao Palácio do Governo para

instalar um jardim botânico” (VIDAL, 2004, p. 10).

25 Cotidiano é aqui entendido como, segundo Certeau, “aquilo que nos é dado a cada dia (ou que nos cabe em partilha), nos pressiona dia após dia, nos oprime, pois existe uma opressão no presente [...] O cotidiano é aquilo que nos prende imediatamente, a partir do interior. (CERTEAU, 1996, p. 31)

130

Abastecimento de água na Cidade da Parahyba – 1912

Figura 11. Abastecimento de água na Cidade da Parahyba. 1912. Demonstrando as seis principais ruas da cidade, nas quais foi efetivado o abastecimento de água.

Além disso, este presidente buscou o “saneamento de áreas pobres e de estrutura

precária, alargamento e regularização de ruas existentes e abertura de ruas amplas – medidas

estas destinadas a possibilitar o funcionamento da cidade no futuro através da melhoria das

condições de salubridade e de circulação das áreas afetadas” (Id. Ibd, p. 13). Embora tenha ficado

poucos anos a frente da administração da província ressaltamos a importância de Rohan por ter

contribuído com as alterações urbanas na Cidade da Parahyba.

Além da instalação do serviço de abastecimento de água que favoreceu a expansão do

tecido urbano da cidade, podemos citar, alguns anos mais tarde, em 1927 a execução do serviço

de saneamento e a implementação do projeto de expansão da cidade proposto pelo engenheiro

Saturnino de Brito.

É preciso destacar que a instalação desses equipamentos não se deu tão facilmente, nem

rapidamente, isto em decorrência, principalmente dos parcos recursos econômicos da capital, pois

131

ocasionando demora e atraso no que concerne à entrega de obras e à instalação de equipamentos

urbanos. Como exemplo, muitos dos equipamentos quando instalados na Cidade da Parahyba

concentram-se nas ruas principais, os lugares em que se concentra a população de menor poder

aquisitivo é alijado desse processo.

Desta forma, consideramos que a Modernidade na Cidade da Parahyba, dá-se mais

enfaticamente no desejo, ou seja, nas normativas – determinações, posturas e decretos – do que

propriamente nas alterações apresentadas na mesma. Estas legislações ao expressarem o anseio

dos administradores municipais ou ainda da população através do que se consumia e se divulgava

nos jornais enquanto produtos modernos nos permitem investigar sobre o sentido da modernidade

nesta cidade, pois, embora muitas destas implementações solicitadas e/ou divulgadas como

incrementos modernos não tenham sido realizadas, sua análise nos diz muito sobre o que faria

com que pudesse ser considerada uma urbe moderna.

Ademais as transformações realizadas ou solicitadas trarão modificações também no

cotidiano dos habitantes da cidade, pois além das alterações na forma, os usos passam a ser

diferenciados, o público e as festas civis, religiosas e profanas passam a acontecer a partir da

criação dos jardins públicos e praças, entre outros, ou, tal como expõe Vianna (2006)

também surgiram mesmo que discretamente e em pequeno número poucos hotéis, algumas novas casas de comércio especializadas, a primeira agência do Banco do Brasil, o Teatro Santa Roza, o Liceu Paraibano e a Escola Normal. Um pouco mais tarde já no século XX, surgiram também, alguns poucos cafés e salas de cinema. Assim, o cotidiano da cidade também sofreu mudanças, pois a vida tornou-se mais agitada e atraente. Por conseguinte, no final do século XIX, as ruas da cidade vão passar por alterações tanto na forma com o alargamento, calçamento, recuo entre as novas habitações, limpeza e pintura das fachadas, como no seu uso. (Idem, p.19)

Berman ao referir-se a Baudelaire, expõe que “a modernização da cidade

simultaneamente inspira e força a modernização na alma dos seus cidadãos” (1986, p. 168). No

entanto, nosso tratamento aqui estará direcionado para as alterações provocadas no espaço urbano

da cidade e na geografia do lugar.

As mudanças na estrutura urbana ocorrerão lentamente e por todo o século XIX,

principalmente a partir de meados do século, como podemos perceber ao analisarmos os

documentos pesquisados. No entanto, verificaremos agora de que forma, no período

correspondente ao início do Movimento Republicano (que se inicia no ano de 1889, quando da

132

proclamação da República no Brasil) se darão as alterações do espaço urbano da Cidade da

Parahyba, não apenas no que diz respeito ao Movimento Higienista e sua busca por higienizar os

espaços, como também em relação à busca por Modernidade. Movimentos estes que se aliam

ocasionando alterações neste espaço e que representam momentos e contextos históricos

diferentes, relacionados à economia, à política, à ideologia e ao próprio conhecimento técnico

incorporado.

No nosso recorte temporal, parte da população da cidade, particularmente a de menor

poder aquisitivo, é excluída de sua área central, por não se adequar, nem com o discurso da elite e

do poder público, nem com os princípios de salubridade e higienização. Isto ocorria, segundo as

teorias dos médicos e engenheiros sanitaristas, graças à falta de vontade deste povo considerado

avesso ao progresso e à modernidade. Por este motivo aqueles que regulamentavam e

prescreviam as normas de conduta para o espaço da cidade, os consideravam não merecedores de

habitar as áreas centrais e, principalmente, de respirar os ares da “cidade moderna”.

A população pobre, portanto, necessitava sair da mira disciplinadora, não por não estar

afeita a estas normas ou se contrapor às normas higiênicas, mas por falta, seja de hábito; seja de

uma educação higiênica; ou ainda por falta de condições financeiras necessárias para a realização

das reformas que sugeria a elite, os médicos e os engenheiros responsáveis pela divulgação dos

‘bons costumes’ em jornais e revistas publicados na cidade, ou mesmo, nas posturas e decretos

que regulamentavam a construção de habitações, os hábitos e os costumes. Afastados, ou melhor,

apartados da área central e, portanto fora do foco do olhar disciplinador e do controle social a que

estavam submetidos, os pobres promoveram uma expansão do tecido urbano em direção às áreas

antes desabitadas.

O controle por parte da elite e dos administradores locais sobre a população em geral, e,

sobretudo, sobre aquela de menor poder aquisitivo, pode ser observado à medida que

identificamos, na Cidade da Parahyba, vários registros de transformação urbana, determinados

e/ou sugeridos sob os preceitos do Higienismo e da Modernidade. Registros identificados não só

nos discursos dos governantes, mas também nos relatórios das obras finalizadas e também nas

impressões dos que faziam os jornais veiculados na cidade à época. Estas notícias demonstram

tais modificações. Como podemos observar no trecho do documento que se segue, o qual

pretende

chamar desta vez attenção da nossa municipalidade e da Inspectoria de Hygiene

133

Publica para os dous immundos focos de infecção, existentes nas ruas [...] E se a hygiene é a parte médica incumbida de dar regras para a conservação do nosso estado sanitário, bem como a nossa Municipalidade, temos fundada esperança, de que providenciarão accordemente para que desappareção d’entre nos aquelles dous focos de infecção, que certamente, na estação calmosa que atravessamos, muito concorrerão para damnificar o nosso estado sanitário que não é lá, para que digamos muito satisfatória. (AHEPB. Caixa 012. 1869)

As modificações solicitadas para a Cidade da Parahyba, aqui demonstradas a partir de

documentos, encontram-se diretamente relacionadas àquilo que era anunciado pelo Movimento

Higienista. Movimento este que, conforme mostramos em páginas anteriores tem seu surgimento

atrelado às condições de insalubridade observadas, sobretudo, nas cidades européias durante o

período da Revolução Industrial26. Salienta-se, entretanto que, muito embora os preceitos de

higiene e as teorias médicas estivessem diretamente associados aos promulgados na Europa,

especialmente em cidades como Londres e Paris, em função do adensamento populacional gerado

a partir da industrialização, os mesmos não se restringem às cidades industriais, mas atingem

outros espaços. A proliferação de doenças e a falta de salubridade no Brasil não estavam

diretamente associadas à instalação de indústrias, já que estas só aparecerão mais fortemente no

final do século XIX. Porém, o Ideal Higienista foi aceito e/ou desejado nestas cidades com o

objetivo de transformar a fisionomia de cidade colonial em urbe moderna. Ideal este que, se

somado ao desejo de progresso e de Modernidade interfere na arquitetura, nos projetos de

urbanismo, na moda e nos costumes. É o que bem expressam autores como Maurício de Abreu e

Sidney Chalhoub ao estudarem a cidade do Rio de Janeiro; Heloísa Pimenta da Rocha ao tratar da

cidade de São Paulo; Pedro Vasconcelos em sua análise sobre a cidade de Salvador, Clélia

Lustosa no que concerne a cidade de Fortaleza, entre outros.

A Cidade da Parahyba, apesar de não ter uma forte expressividade industrial, tem seu

espaço modificado conforme mostram os documentos. Vários são os documentos que

determinam medidas de limpeza nas casas e nas ruas:

A Câmara Municipal d’esta cidade manda fazer publicar que, sendo obrigados todos os moradores d’esta capital a terem a frente de suas casas limpas e asseiadas e os proprietários dos terrenos comprehendidos no círculo da mesma capital a roçarem ditos terrenos o farão no prazo de 15 dias. (A Regeneração. 1861)

26 A análise sobre o Movimento Higienista, seu surgimento e sua atuação em relação as cidades de um modo feral será feita em capítulo posterior.

134

Essa cidade é, portanto, modificada com base nos padrões de salubridade e higienização,

tanto dos espaços, como dos hábitos e dos costumes dos seus habitantes, com a finalidade, seja de

diminuir o risco epidêmico, seja de tomar ares de uma cidade moderna aos moldes do padrão

europeu. Partindo deste princípio, o Movimento e/ou Ideário Higienista aparece enquanto uma

justificativa para as melhorias e as alterações que se dão no espaço de inúmeras cidades. Na

Cidade da Parahyba não seria diferente, seus moradores recebem constantemente

ordens severas [...] para a limpesa de todas as cidades e villas da província e na capital extinguiram-se, não com pouco trabalho, os esterquilineos que se encontravam a cada canto e que eram outros tantos focos de infecção, donde se exhalavam vapores mephiticos que corrompiam o ar, e o dispunha a receber e propagar todas as epidemias. Foram caiados, pintados e asseiados os edifícios públicos, mandando a câmara que igual medida fosse tomada pelos particulares com relação aos seus prédios. (PINTO, 1910, p. 122)

As modificações observadas e /ou solicitadas na cidade e que irão alterar as habitações

no âmbito da mesma, se dão num contexto maior, no qual, encontram-se relacionados ideários

políticos e a conjuntura econômica. No Brasil, as condições de produção do período colonial,

baseadas em uma sociedade agrária e escravagista, não “foram de molde a favorecer o

desenvolvimento dos núcleos urbanos, nem a gerar valores ‘burgueses’ comumente associados ao

fenômeno urbano europeu.” (COSTA, 1999, p.239).

No século XIX, as habitações, em geral, ou eram sobrados ou casas térreas como diz

Reis Filho (1995). Os sobrados destacavam-se mais, pois, eram as residências das pessoas mais

abastadas, geralmente dos ricos proprietários de terras que os construíam somente para

permanência temporária na época do inverno e das chuvas ou em épocas de festas; ou dos ricos

comerciantes, que faziam na parte térrea o estabelecimento comercial e nos demais andares,

residência familiar. As casas térreas, ou casa de chão batido, eram a habitação da população de

menor poder aquisitivo, apresentando-se, em sua maioria, mais modestas que os sobrados.

A população que possuía menor poder aquisitivo morava nas mais precárias habitações.

Os escravos libertos e retirantes da seca marcavam o cenário urbano da Cidade da Parahyba em

suas casas cobertas de palha muitas vezes segregados das ruas principais da cidade.

Várias são as determinações que versam sobre as habitações pobres na Cidade da

Parahyba, que se concentram entre os finais do século XIX e início do século XX. Porém mesmo

com todas essas determinações, muito havia ainda por fazer, para que essas habitações se

135

adequassem aos padrões determinados pela elite, bem como para que no espaço privado do

trabalhador não houvesse propagação das epidemias que assolavam a Cidade da Parahyba.

Desta forma, por mais que a elite, os médicos, os engenheiros, enfim os detentores do

saber científico na época defendessem e propagassem que o asseio das habitações da população

fosse uma prática comum, este objetivo não era fácil de se concretizar, pois muito distante estava

a população de possuir condições econômicas para efetivar este asseio. Além disso, é importante

lembrar que a população pobre não era servida por alguns serviços que contribuiriam para que

suas habitações fossem mais adequadas à Modernidade, à salubridade e à higienização, tais

como, o recolhimento do lixo, o abastecimento de água, o saneamento, entre outros.

Essa população pobre foi, entre finais do século XIX e início do século XX, expulsa da

área central para evitar que propagassem as suas enfermidades à elite e por conta disso passaram

a ocupar, portanto, o entorno da cidade. O documento abaixo demonstra que a partir de meados

do século XIX, os códigos de posturas proíbem esse tipo de habitação por serem identificadas

como focos de epidemias. No entanto, apesar das posturas exigirem a demolição das casas de

palha, a maioria da população que nelas residia não tinha como construir casas tal qual se

determinavam as posturas. A carta que segue revela esse fato:

Ilmos e Senr. Deputados a Assembléia Provincial. Os abaixo assignados moradores em casas de palha compreendida no circuito d’esta cidade vem requererem a esta respeitável Assembléia a modificação do artigo 53 do código de posturas de 20 de setembro de 1859. Determinando esse artigo das posturas que no prazo de 12 (?) todos prejudicados de casas de palha compreendida nos limites dos prédios urbanos serão obrigados a demolil-os. Os abaixo assignados ignorando esse art.º das posturas são agora intimados p.ª demolirem suas casas no prazo determinado em (?) posturas. Sendo os abaixo assignados as pessoas mais pobres e desvalidas p.ª isso que não tem meios para terem casas cobertas com telhas, são também as mais ignorantes a ponto de não saberem, cumprir seus deveres e muito mais das leis e posturas [...] (Carta de 1859)

Outro elemento importante para a análise aqui desenvolvida trata-se das habitações,

sobretudo as habitações das “classes perigosas”. Essas habitações representavam para a elite um

importante foco na disseminação de doenças, precisavam ser conservadas e limpas a fim de que

os seus moradores considerados perigosos, não transmitissem seus males à elite. Neste sentido, a

Câmara Municipal da Cidade da Parahyba

manda fazer publicar que, sendo obrigados todos os moradores d’esta capital a terem as frentes de suas casas limpas e asseiadas e os proprietários dos terrenos

136

conprehendidos no circulo da mesma capital a roçarem ditos terrenos o farão no prazo de 15 dias [...] de conformidade com o artigo 34 das Posturas de 30 de setembro de 1859. (Jornal ‘A Regeneração’, 16 de novembro de 1861.)

As habitações da cidade são não apenas vigiadas, como também são relocadas – quando

consideradas perigosas e não condizentes com os preceitos higiênicos – em lugares distantes da

área central. Exemplo desta afirmação é o fato de que já no início do século XX “embora não se

tenha planejado um espaço destinado a esses moradores, eles [a classe baixa] foram se alocando

nos arredores da cidade” (CHAGAS, 2004, p. 54), dando origem ao surgimento do Bairro de

Jaguaribe no início do século XX, embora desde meados do século XIX, devido à ociosidade das

terras, alguns retirantes da seca e mendigos que “perambulavam” na área central, tivessem em

processo de ocupação deste espaço. Além de operários, alfaiates, costureiras, sapateiros,

domésticas, trabalhadores do comércio e da indústria se concentraram nesse espaço.

Suas casas eram simples, algumas cobertas de palha e continuavam até as duas primeiras

décadas do século XX sem nenhuma infra-estrutura, pois, como afirmado anteriormente, os

equipamentos urbanos não chegavam às áreas mais distantes do núcleo central da cidade. Por

conseguinte, afirmamos que o Ideário Higienista é de fato implementado com a instalação de

novos equipamentos, bem como com a mudança das formas de construção e ainda dos hábitos e

da própria vida dos trabalhadores e da “classe perigosa”. Em relação ao bairro de Jaguaribe,

Vidal ao analisar o seu traçado explana que o mesmo  

marcou o início de uma mudança no processo de crescimento urbano, em que passou a predominar a ocupação de grandes áreas na forma de loteamentos planejados – em substituição à tradicional expansão espontânea. Nessas novas áreas prevalecia a adoção do traçado regular e ortogonal, muito usado no Brasil do século XIX, que se tornaria o tipo de desenho mais usual nas expansões urbanas da capital paraibana. (Id, Ibd, p. 56)

As transformações no processo de construção e de ocupação das habitações que

observamos para o bairro de Jaguaribe vão se intensificar no início do século XX, quando ocorre

uma mudança no processo produtivo do açúcar, principal atividade econômica da província,

provocando a passagem do engenho para a usina de açúcar no final do século XIX e início do

século XX. Este fato vai trazer grandes modificações na Cidade da Parahyba. Segundo Maia, “é

a partir desse momento em que sobreviverão mudanças no meio rural, na passagem do engenho

para a usina, que as residências urbanas dos senhores deixam de ser temporárias, passando a

permanente” (2000, p. 25), ou seja, a cidade passa, nesse momento, a receber uma nova

137

população.

Os proprietários rurais que se limitavam a vir na cidade em épocas de chuvas e de festas

passam agora a residir neste espaço urbano. Portanto, era preciso transformá-lo já que a imagem

que o mesmo apresentava não correspondia ao que esta burguesia aspirava. E foi justamente pelo

desejo dessa classe de se sentirem modernos que a modernização da Cidade da Parahyba foi

impulsionada. Segundo Chagas:

A transferência dos proprietários rurais para a capital, sua incorporação às elites e o desejo de quererem se afastar do mundo rural, visto com antigo e atrasado, passaram a justificar a implementação dos serviços de infra-estrutura urbana, ou seja, a modernização da cidade. Esse processo foi resultado da renda proveniente do algodão que possibilitou aos produtores e comerciantes desse produto adquirirem uma casa na Capital e desfrutarem da modernização. Acrescente-se a isso o fortalecimento das finanças do estado patrocinado pelo algodão, uma vez que, de 1900 a 1929, este foi o principal produto nas exportações da Parahyba, superando a cana e o gado. (CHAGAS, 2000, p. 39-40)

Assim, não apenas o açúcar, como também a economia algodoeira impulsionaram as

transformações na cidade, atendendo ao ideal dos governantes, já que a intervenção do Estado se

fazia necessária.

Para Maia (2000) até o século XIX, “mesmo sem um pequeno incremento nas atividades

comerciais, a Cidade da Parahyba apresenta uma singela configuração fortemente atrelada aos

ritmos (crises e ápices) das produções agrícolas, especialmente da cana-de-açúcar.” (Idem, p.85).

Contudo, é a partir de meados deste século, quando se dá a alta do algodão no estado da Paraíba,

bem como a passagem do engenho para a usina de açúcar que muitas alterações sócio-

econômicas, sobretudo, no final do século XIX e início do século XX. Neste sentido, a autora

relata ainda que foram esses recursos advindos, sobretudo, da produção algodoeira que

possibilitaram as obras de embelezamento e modernização da Cidade da Parahyba.

Se, na região Sudeste, é a economia do café a responsável pelas transformações ocorridas nas cidades ali situadas, é a passagem do engenho para a usina que marcará as mudanças sucedidas nas cidades da conhecida zona canavieira nordestina, inclusive a passagem do local de residência dos senhores de engenho do campo para a cidade. No momento em que os engenhos de açúcar deixam de ser as unidades produtivas de ponta, despontando as usinas com todo o seu maquinário, vão surgir nas cidades residências de um padrão mais alto: os casarões. (MAIA, 2000, p. 98)

Embora os anteriormente senhores de engenho, e agora usineiros, ainda permaneçam nas

138

propriedades rurais sua família passando a habitar a cidade farão com que, o mundo rural seja

refletido nas suas residências, ou seja, “a cidade, mesmo passado a ser local da residência

permanente dos proprietários rurais, apresentando uma vida mais expressiva, continuou sendo um

prolongamento do campo”. (Id, Ibd, p. 103)

Essa elite que aqui se instala vê nas imagens das grandes cidades, principalmente

aquelas referentes ao Rio de Janeiro, um ideal de cidade moderna. E são essas imagens que essa

elite almeja para a Cidade da Parahyba. Para tanto, se fez necessária a reformulação do espaço

urbano e das habitações, destruindo alguns elementos que representavam o passado colonial,

então visto como atrasado, como, por exemplo, a Igreja do Rosário, demolida em1923 e a Igreja

Mãe dos Homens, no Bairro de Tambiá, entre outras. Já no início do século XX podemos citar a

destruição de alguns edifícios para a construção de praças, como ocorreu para a Praça Vidal de

Negreiros. Praças estas que se faziam necessárias em virtude do ideal modernizador que ansiava

por lugares para o lúdico e para o passeio.

As casas onde residia a população pobre, existindo algumas próximas às habitadas pela

elite, eram de taipa e cobertas de palha ou muitas vezes somente de palha (que são as choupanas)

apesar das proibições dos médicos, dos engenheiros sanitaristas e daqueles que faziam parte da

administração municipal. Essas determinações não levavam em consideração a falta de recursos

em que vivia esta população, e por isso mesmo à impossibilidade em cumprirem os ideais de

modernidade e salubridade impostos pela elite.

Com as novas técnicas de construção e as novas determinações para construções, as

casas que passam a ser construídas e/ou exigidas a partir do início do século XX devem ter recuos

laterais e frontais, além de medidas específicas, determinadas pelos engenheiros para as

aberturas, as janelas e os jardins. Estas medidas foram tomadas em decorrência da necessidade de

maior aeração das residências a fim de que os ares maléficos causadores de doenças não se

concentrassem no âmbito das mesmas, e que fossem asseadas pelo ar e pelo sol, já que estes dois

elementos eram considerados como os maiores meios de evitar a proliferação dos

microorganismos causadores de doenças que viviam na atmosfera, segundo a Teoria dos

Miasmas.

De acordo com Lemos (1996), as casas construídas no Brasil durante principalmente o

século XIX apresentaram-se de norte a sul com estilos arquitetônicos similares, ou seja, com

plantas bastante semelhantes, seguindo especialmente as influências européias acerca das técnicas

139

construtivas e dos padrões arquitetônicos. Diferenciavam-se, em geral, a partir das funções aí

desenvolvidas, das técnicas e materiais de construção disponíveis para tal. Desta forma, a

população de maior poder aquisitivo “levantaram casarões, verdadeiros acastelamentos à usança

medieval, nas sedes de seus recém inaugurados latifúndios (Id, Ibd, p. 20)”.

Os casarões da Rua das Trincheiras e Tambiá são exemplos dessa nova forma de

moradia. A Rua das Trincheiras, antes habitada principalmente por pessoas de baixo poder

aquisitivo, ou seja, moradores de casas de taipa e palha, já que a mesma situava-se em área

distante da cidade, passa por profundas mudanças, principalmente no que diz respeito ao tipo de

ocupação.

No final do século XIX, os então usineiros começam a construir as suas principais

residências na cidade, como já foi mencionado anteriormente. Estas agora não seriam apenas

temporárias – épocas chuvosas e de festas religiosas – mas sim suas moradias permanentes. Desta

forma, começam a ser construídos principalmente na Rua das Trincheiras, verdadeiros

“palacetes” para abrigar aqueles ricos senhores.

Figura 12. Início da Rua das Trincheiras,1870. Fonte: Acervo Walfredo Rodrigues. In: CD Multimídia GPCES.

140

Figura 13. Rua das Trincheiras, vendo-se a Igreja de Nossa Senhora de Lourdes e ainda alguns bondes transitando na mesma. Fonte: Acervo Walfredo Rodrigues. In: CD Multimídia GPCES.

A Cidade da Parahyba, durante quase todo o século XIX, apresentou habitações com

características próprias daquelas que configuraram o espaço das cidades de colonização

portuguesa. O grau de simplicidade ou complexidade de cada uma se dava de acordo com o poder

aquisitivo de quem as habitava. Assim, essas variavam de pequenas casas cobertas de palhas aos

suntuosos sobrados.

Alguns fatores ao longo desse século vão mudando aos poucos o aspecto destas

habitações, no entanto, é no início do século XX, que as mudanças se intensificam. Com a

transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, a construção de habitações sofreu

algumas alterações, já que algumas novidades surgidas a partir da Revolução Industrial na

Europa foram difundidas no país e passaram a manifestar-se não apenas na moda e nos costumes,

enfim no cotidiano, mas também na arquitetura, através das novas técnicas e novos materiais de

construção.

Na Cidade da Parahyba, portanto, o capital oriundo da produção açucareira e algodoeira

impulsiona mudanças na morfologia das ruas da cidade e na arquitetura de suas habitações, ou

seja, “as companhias gerais do comércio, no século XVIII deram certo alento às cidades do

nordeste e do norte amazônico [...] já que a abastança trazida pela agricultura ali incentivada e a

141

administração direta de Lisboa patrocinava o concurso de construtores portugueses afinados com

as últimas palavras da técnica e da arte arquitetônicas.” (LEMOS, 1996, p. 33).

Além de alterações técnicas podemos citar ainda o que Lemos (1996) denomina

“alterações higienizantes da arquitetura domiciliar pelo Brasil afora” (p. 46). É exatamente com a

finalidade de verificarmos estas tendências à higienização, ou seja, a influência da busca por

higiene na produção arquitetônica é que analisamos de que forma o Movimento Higienista

revela-se nas normativas urbanas determinando a partir das posturas nacionais e locais um

conjunto de regras de disciplinamento das edificações. Todo esse conjunto de fatores altera a

forma de construir e também de habitar no século XIX e início do século XX.

As posturas, os decretos e as determinações (as legislações de um modo geral) fazem

com que o poder médico adentre o espaço privado do trabalhador, ou seja, suas habitações.

Inspecione e prescreva normas de conduta que anteriormente eram destinadas apenas aos espaços

públicos. O médico Pedro José de Almeida, em tese defendida na Faculdade de Medicina do Rio

de janeiro (1845) aponta que entre as causas que mais atacavam à saúde da população, estava a

habitação, pois a proximidade dos rios gerava problemas quanto ao risco de acidentes, enchentes

e lodo, tornando essas casas “focos de febres perniciosas, febre amarella, e talvez de epidemias

pestilentas”. (p. 56).

O espaço privado, ou seja, as habitações também tornam-se alvo do olhar disciplinador

dos engenheiros e médicos que ordenam a cidade. É neste momento, sobretudo a partir de

meados do século XIX que encontramos inúmeros documentos que reclamam a salubrudade nas

habitações, como por exemplo, o trecho do documento, publicado em 1882, no qual o Presidente

da Província relata que

Nenhum acceio ha nas casas e na Cidade em geral, no entretanto está ao alcance de todos o quanto influirá na saúde publica o mao estado das habitações, a falta de limpeza nas ruas etc. Em algumas destas formão-se e conservão-se por muitos dias empossamentos de aguas pluviaes, os quaes pelo menos influem na saúde, augmentando a humidade das casas, que são térreas nos lugares a que me refiro.Convem, pois, por meio de calçadas, ou simplesmente de entulhos feitos com arêa ou caliça, e de esgotos, acabarem-se taes empossamentos de aguas, assim como aceiar casas, ruas, etc.(RPP, 1882, p. 05)

No ano posterior, 1883, essas mesmas determinações ainda são prescritas no relatório do

Presidente da Província para a manutenção da higiene da cidade. Denota-se poratnto, que muitas

eram as orientações e ordenações, no entanto, poucas eram concretizadas em virtude das

142

dificuldades financeiras da província, constantemente reclamadas nos relatórios oficiais. Este

dado nos mostra que, embora muitas reclamações, sugestões e determinações fossem feitas pelas

autoridades em saúde na cidade, pouco era feito o que se delongava por muito tempo.

As obras do governo também, e principalmente, tornaram-se alvo do olhar disciplinador,

a fim de serem consideradas modernas deveriam ter suas construções belas e higiênicas e,

principalmente, modernas. Conforme podemos perceber ao observamos o seguinte documento:

“A obra do Palácio está em seu fim, e hoje a vossa Província, se não tem um palácio de gosto

moderno, tem ao menos um edifício commodo e asseiado para morada de vossos

Administradores. (RPP, 1851, p. 09)

Além da busca por higiene e salubridade, a modernidade vai trazer a busca por alguns

equipamentos relacionados à diversão, e a arte, enfim, ao uso público. Entre eles podemos citar o

mais solicitado em meados do século XIX, qual seja o teatro. Maia aborda a questão ao enfatizar

que “no início do século XIX, uma série de modificações e implementações vão ocorrer nos

centros tradicionais brasileiros. Nesse momento, já não são os edifícios religiosos que terão o

maior destaque, mas sim, prédios públicos, como um teatro, uma biblioteca, além dos passeios

públicos” (2000, p. 109). É neste sentido, que ainda no ano de 1853 há a solicitação para que seja

construído o primeiro teatro público da cidade. Este teatro é considerado como “sem dúvida, obra

desejável para a cidade” [...] visto que

[...] não há n’esta Cidade passeios, sociedades de qualquer gênero, nenhum ponto de reunião. O Theatro offerecerá a Cidade um gozo social, quero dizer um gozo que se não limitaria ao individualismo, ou as afinidades da família. Dahi nasceriam relações nas quais muito ganharia o sentimento de sociabilidade. (RPP, 1853, p. 26)

No entanto, apesar das prescrições e determinações geradas com o intuito de tornar a

cidade moderna, vários são os registros que reclamam a falta de incrementos modernos, ou seja,

mesmo que estes estivessem incorporados às normatizações que versavam sobre a cidade, ainda

não haviam sido criados. Muitas dessas solicitações, ocorreram em meados do século XIX mas

continuam a ser reclamadas nas primeiras décadas do século XX. Exemplo disso é o artigo

publicado no jornal ‘Acadêmico Parahybano’ do dia 20 de julho de 1866, o qual reclamava que a

capital caiu no esquecimento em relação a limpeza da cidade. O autor do referido artigo relata

que “o viajante que ahi saltasse hoje vê-la-ia tal qual a 8 ou 10 annos antes, isto é, as mesmas

143

ruas, as mesmas caras, os mesmos muros, finalmente a mesma ausência de luz á noite, por falta

de uma illuminação.27” O autor reclama, entre outras coisas, da falta de um teatro, e conseqüente

ausência de “recreios e divertimentos [...] que distrahissem nas noites de aborrecimento”. (Idem)

Em relatório publicado no ano de 1866, por exemplo, o Presidente da Província da

Parahyba ao fazer uma comparação entre esta e a Província de Pernambuco, ou mais

particularmente, com cidade de Recife, relata que mesmo não querendo “comparar os elementos

de que dispõe a província de Pernambuco com as da Parahyba [...] queremos apenas um

progresso relativo, e compatível com as forças desta Província e nada mais”, pois, ainda segundo

o mesmo, este “progresso” não havia sido efetuado na Cidade da Parahyba, graças à ausência de

uma boa aplicação do dinheiro público, o que, caso acontecesse “o Estado da Parahyba seria

outro, que não este que actualmente vemo-la” (RPP, 1866).

Entre outras medidas assinaladas como necessárias ao desenvolvimento do progresso e

da modernidade da cidade em meados do século XIX estavam o calçamento da cidade, a limpeza

das ruas, a remoção do lixo, a iluminação a gás, entre outras obras.

Reclamações estas que ainda podem ser observadas em princípios do século XX,

reveladas nos documentos deste período. No entanto, mesmo com todas as dificuldades aqui

relatadas, a Modernidade altera, na Cidade da Parahyba o uso das ruas, as quais deixam de ser

apenas ruas caminhos que levavam as pessoas em direção às igrejas e à casa dos vizinhos e

passam a ter outros usos, ligados aos festejos, e ao público. Este último principalmente em

virtude da criação de praças, jardins e parques ao longo da cidade, que favorecem e intensificam

o uso das ruas enquanto espaço público, e lugares em que de dariam as festividades, os desfiles

cívicos e as manifestações. Desta maneira, as ruas da Cidade da Parahyba que antes se

apresentavam sob a forma de

[...] perfeitos sorvedouros lamacentos e immundos, que alem de serem prejudiciaes a saúde, os são também aos tranzeuntes; que nellas caem e se afogão, quando não quebram ou luxam os braços e pernas. Ahi estão protestando contra nossa civilisação e interesse públicos os monturos e esterquilineos; as escavações profundas com aguas estagnadas e lamacentas da Rua d’Arêa, e de outras ruas públicas, que se acham intransitáveis. (Correspondência com o Ministério do Império. 15 de outubro de 1863)

As ruas então tem suas fisionomias alteradas com a instalação de inúmeros

27 Arquivo Nacional. Sessão de Obras Raras. Microfilme Rolo P 17.02.123. Gazeta do Governo da Paraíba do Norte. Acadêmico Parahybano. Sexta-feira, 20 de julho de 1866.

144

equipamentos urbanos e, sobretudo da busca por limpeza, ordenamento e Modernidade. Neste

sentido, as ruas das cidades, a partir do início do século XX “passam a ter grande expressividade

na vida da sociedade paraibana. As implantações desses equipamentos aliadas às intervenções

urbanas modificam a sociedade, a rua e a cidade” (SALES e MAIA, 2003, p. 46). Quanto às

modificações no uso das ruas e na própria morfologia da cidade as autoras explicitam ainda que

No século XIX, mudanças profundas ocorrem na sociedade paraibana, no plano político – passagem da Colônia para o Império – nos planos econômico e social – vinda da família Real para o Brasil, passagem da predominância religiosa para a secular, introdução da modernidade – acarretando assim mudanças na ordem espacial brasileira, conseqüentemente na paraibana. As normativas e leis sancionadas vêm a modificar não só as formas das ruas, mas também o seu uso. As cenas antes costumeiras passam a ser agora punidas com rigor e multas. Entre as proibições temos: o correr e galopar de cavalos nas ruas, a retirada de animais das ruas, a proibição de jogar lixos na rua. Essas normativas e leis modificam as relações sociais, mas imediatamente impõem outros costumes que vão sendo lentamente modificados com o surgimento de novas normativas e leis tornando esse processo contínuo e dinâmico. Com a industrialização e a modernização já latentes nos países europeus, processou-se uma série de mudanças na urbanização brasileira. Muitas cidades foram criadas e outras modificadas com a chegada de equipamentos que dominaram e influenciaram esse espaço urbano. (Idem, 2003, p.45)

Nossa pesquisa teve, portanto, como objetos de estudo este espaço urbano, qual seja uma

cidade situada entre o vale do Rio Sanhauá e o Tabuleiro (Baixo Planalto Costeiro), que

apresentou até as primeiras décadas do século XX, características rurais, mas que tem seu espaço

físico e cotidiano modificados pelo ideário presente no discurso higienista, bem como pelo

Movimento da Modernidade. Ideários estes que modificam as feições acima descritas, à medida

que normatizam e regulamentam as áreas edificadas da cidade, os costumes e os hábitos da

população, levando à alterações a partir dos planos de ordenação urbana, e da busca por torná-la

higiênica, moderna e bela.

Mesmo com os preceitos de higiene já incorporados às posturas urbanas, a vida de

muitos habitantes estava bastante distante de cumprir tais determinações. Assim, é que os banhos,

apesar das proibições continuam acontecendo, até as primeiras décadas do século XX onde se

dava a captação de água, nas bicas e nas fontes (CHAGAS, 2004). O esgoto era lançado em valas

diretamente às ruas, ou nos cursos naturais de água e não existia um serviço de abastecimento e

tratamento de água que garantisse tanto a sua qualidade, quanto a quantidade necessária para toda

a população.

145

A Primeira República, portanto, representa um período de grandes modificações em todo

o Brasil, tanto do ponto de vista social, quanto político e econômico. Buscava-se, junto com o

novo regime, uma nova cidade, a qual seria produzida e administrada a partir de uma ideologia

modernizadora e sanitarista. Contudo, no início do século XX, e mesmo já com a promulgação da

República as medidas de higiene e salubridade na cidade continuam a ser entendidas como

importantes no que diz repeito ao trato com o espaço urbano. Neste sentido é que em 11 de

fevereiro de 1905 o prefeito desta cidade determina que sejam obrigados “os proprietários e

inquilinos dos predios a fazerem a capinação na frente dos oitões dos mesmos.” (RAMALHO,

1958, p. 135).

A análise dos documentos oficiais revela ainda como o discurso ideológico da

salubridade inferiu no cotidiano dos moradores, obrigando-os a adotarem novos hábitos,

condizentes com os princípios higienistas. Importante ressaltar que esse discurso ideológico

restringia-se aos médicos, engenheiros e políticos, constituindo-se, portanto, em um

conhecimento restrito médico-científico, permanecendo a população em geral desinformada e,

portanto, não compreendendo as razões das determinações impostas e o porquê de tamanhas

transformações. Na prática, essa gente, na maioria das vezes aceitava esse discurso, seja por se

tratar de prática comum entre a elite, ou por serem obrigados, através de medidas punitivas.

Mesmo sem a intensidade dos acontecimentos assinalada nos grandes centros urbanos da

época, a cidade aqui estudada, com todos os limites do tempo e do espaço, apresenta vários

registros de alteração na estrutura urbana a partir dos preceitos do Higienismo. Alterações estas

que mudam a morfologia da cidade, principalmente da cidade da elite, mas que também

imprimem suas marcas na cidade das “classes perigosas”. Estas últimas impressões não são as

mesmas da parte central da cidade, mas se configuram principalmente pela punição e aliciamento

e ainda pela ausência dos novos equipamentos, ou seja, daquilo que correspondia à imagem da

cidade moderna.

A análise documental permite que afirmemos que a expansão urbana da Cidade da

Parahyba foi favorecida graças aos princípios de higienização, embelezamento e modernização,

visto que alguns dos equipamentos urbanos construídos sob a luz desse ideário foram localizados

distantes da área central, tais como o hospital e o cemitério. Além disso, esta análise nos revela

como o discurso ideológico da salubridade inferiu no cotidiano dos moradores, obrigando-os a

adotar novos hábitos, condizentes com os princípios higienistas. Várias são as determinações que

146

versam sobre a incorporação de hábitos higiênicos entre os habitantes da cidade, porém, mesmo

com todas estas determinações, como já foi dito antes, muito havia ainda por fazer, para que essas

habitações se adequassem aos padrões exigidos pela elite, bem como para que o espaço privado

do trabalhador não fosse elemento de propagação das epidemias que assolavam a Cidade da

Parahyba.

A análise dos documentos oficiais revela como o discurso ideológico da salubridade

inferiu no cotidiano dos moradores, obrigando-os a adotarem novos hábitos, condizentes com os

princípios higienistas. Importante ressaltar que esse discurso ideológico restringia-se aos

médicos, engenheiros e políticos, constituindo-se, portanto, em um conhecimento restrito

médico-científico, permanecendo a população em geral desinformada e, portanto, não

compreendendo as razões das determinações impostas e o porquê de tamanhas transformações.

Na prática, essa gente, na maioria das vezes aceitava esse discurso, seja por tratar-se de prática

comum entre a elite, ou por serem obrigados, através de medidas punitivas.

Os diversos documentos oficiais analisados, identificados não só nos discursos dos

governantes, mas também nos relatórios das obras finalizadas e também nas impressões dos que

faziam o jornal da época expressam o ideal dos governantes, da elite e dos políticos do século

XIX em transformar a Cidade da Paraíba em uma cidade salubre e higiênica. Para isto, várias

foram as determinações e ações que provocaram grandes alterações na sua estrutura e na vida dos

seus habitantes.

147

CONSIDERAÇÕES FINAIS

[...] basta dizer que o tema das cidades é imenso.

Assim, nós nos consideramos suficientemente justificados por não abordá-lo aqui em sua totalidade,

limitando-nos a recortar dele uma parte precisa.

Helena Angoti Salgueiro, 2001.

A análise documental utilizada ao longo deste trabalho nos leva a considerar que o

Movimento Higienista, sobretudo durante os séculos XIX e primeiras décadas do século XX

favoreceu uma alteração no espaço urbano das cidades em geral. E, conseqüência disso, também

provocou alterações na área urbanizada da Cidade da Parahyba. Cidade essa que, embora

apresentasse uma dinâmica de menor intensidade do que outros centros urbanos do mesmo

período, tem na imagem destes grandes centros, sobretudo na das grandes cidade brasileiras como

o Rio de Janeiro, por exemplo, ou nas cidades européias, um modelo. Uma representação do que

deveria ser entendido enquanto progresso. Em vista disso, era essa imagem de progresso e de

Modernidade que os administradores da Cidade da Parahyba, juntamente com a elite, desejavam

para a Cidade da Parahyba. O progresso e a Modernidade que, por sua vez, encontravam-se

diretamente ligados à promoção da higiene e da saúde pública.

Esses temas, portanto, se fazem importantes para a análise de qualquer cidade durante o

período citado, qual seja, entre meados do século XIX e início do século XX, pois, em

decorrência das epidemias que as assolavam tornava-se necessário não só evitar o contágio como

também prevenir a ocorrência das mesmas. Sendo um tema recorrente no que diz respeito a

análise urbana para este período.

Como podemos perceber a partir das fontes analisadas e da bibliografia consultada, em

virtude da ausência de conhecimento médico acerca do contágio e transmissão de doenças que

atacavam e dizimavam os habitantes da cidade, a higiene era entendida com o único meio de

evitar que estes problemas fossem gerados e, principalmente disseminados pela população

urbana. Esse fato ocorria porque, seria a falta de higiene, tanto nos espaços físicos da cidade, a

partir dos considerados ‘focos de insalubridade’, como da população, a partir dos maus hábitos,

que as epidemias, tais como a febre amarela, a varíola e a cólera, sendo estas as doenças que mais

atacavam a população, que se daria a origem e a transmissão de doenças.

148

Foi a partir desta análise, investigada com base nos documentos oficiais e não oficiais,

tais como as posturas, decretos e determinações em geral que eram produzidos na cidade

analisada, ou à nível da nação e que, por sua vez, deveriam ser também aqui observadas; nas

matérias jornalísticas e ainda nas obras bibliográficas produzidas à época que podemos averiguar

de que forma a Cidade da Parahyba teve o seu espaço adequado e/ou modificado a partir dos

preceitos higiênicos, sob a ordem de sanear, higienizar e embelezar que se faziam constante nos

discursos da elite, daqueles que participavam da administração da cidade; ou ainda nas

determinações, leis e decretos que eram difundidos à época.

Os desejos de progresso e higiene, aliados à intenção por tornar esta cidade moderna,

sob os moldes dos grandes centros urbanos, faz com que, conforme observamos ao longo dos

capítulos deste trabalho, a cidade tenha seu espaço modificado, através da abertura de novas ruas;

alargamento das ruas já existentes; construção de casas de saúde ou do isolamento para aqueles

que seriam considerados um risco no que concerne à transmissão de doenças. Citamos ainda a

instalação de alguns equipamentos urbanos, como o cemitério e o abastecimento de água, entre

outras medidas, são exemplos destas modificações.

No entanto, nos fica claro que estas modificações não se dão apenas no espaço físico da

cidade e, por sua vez, promovem modificações também nos hábitos e costumes da população aí

residente, em virtude das solicitações que dizem respeito diretamente ao cotidiano, como a

proibição por banhar-se nas fontes, fato bastante corriqueiro entre a população de menor poder

aquisitivo; a localização de determinados estabelecimentos destinados a venda de gêneros

alimentícios; o próprio enterramento nos cemitérios e conseqüente proibição de manter as igrejas

enquanto redutos dos mortos. Todas estas medidas provocam alterações na forma de habitar e

pertencer à cidade.

Vale considerar ainda que as alterações na cidade, sobretudo a implementação das

melhorias sanitárias e de infra-estrutura na cidade que se dão baseadas no discurso higiênico, na

maioria das vezes não ocorre de maneira igualitária, como exemplo citamos o próprio

abastecimento de água, que, ao ser executado limita-se às ruas mais centrais da cidade, nas quais

habitava a população de maior poder aquisitivo. Contudo, mesmo com estas limitações, o embate

das modificações produzidas podem ser observadas em toda a cidade, e para todos os seus

habitantes, pois mesmo aqueles que não tem o espaço físico em que habitam alterado, tem no

contrile higiênico, nas determinações e normas, ou mesmo na ocorrência de doenças um contato

149

direto, como este que denominamos Movimento Higienista. Assim denominado Movimento

Higienista por promover sim uma mudança, nos espaços, nos hábitos, nos costumes, e, sobretudo,

na forma de habitar e pertencer à cidade.

Esta pesquisa teve, portanto, o objetivo de investigar estas alterações/modificações que

ocorreram na Cidade da Parahyba, entre os anos de 1854 e 1912 a fim de relacioná-las ao

Movimento Higienista, entendendo-o senão como causa, ao menos como justificativa, ou mesmo

promotor destas mudanças.

Por fim, o trabalho aqui exposto ao longo das últimas páginas vem a contribuir com a

geografia histórica da Cidade da Parahyba, resgata a história da implantação de muitos dos seus

equipamentos urbanos instalados na Cidade da Parahyba durante o período de 1854 a 1912,

justificados pelo ideário higienista, bem como as repercussões dessas mudanças sobre a vida dos

habitantes da cidade, principalmente das classes populares que em geral deveriam cumprir o que

lhes era imposto a partir das normativas e ordenanças, sem que, muitas vezes entendessem o

motivo de tamanhas transformações.

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