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A cidade no despertar da era higiênica: A Cidade da Parahyba e o Movimento Higienista (1854-1912)
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA NATUREZA
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA - MESTRADO
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Orientação: Doralice Sátyro Maia
João Pessoa. Agosto de 2009
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA NATUREZA
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA - MESTRADO
Nirvana Lígia Albino Rafael de Sá
Dissertação de Mestrado:
A cidade no despertar da era higiênica:
A Cidade da Parahyba e o Movimento Higienista
(1854 - 1912).
Dissertação apresentada junto ao Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade Federal da Paraíba, para obtenção do título de mestre em Geografia.
Orientadora: Doralice Sátyro Maia
João Pessoa. Agosto de 2009
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S111c Sá, Nirvana Lígia Albino Rafael de. A cidade no despertar da era higiênica: A Cidade da Parahyba e o Movimento Higienista (1854-1912)/ Nirvana Lígia Albino Rafael de Sá. - - João Pessoa: UFPB, 2009. 154 f.: il. Orientadora: Doralice Sátyro Maia. Dissertação (Mestrado) – UFPB/CCEN. 1. Geografia histórica. 2. Movimento Higienista. 3. Cidade da Parahyba. UFPB/BC CDU: 913(043)
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AGRADECIMENTOS
É chegado o momento de agradecer, ou acima disso, de reconhecer aqueles que, ao longo
desses últimos trinta meses contribuíram para a realização do trabalho aqui apresentado. Sempre
achei que seria um texto fácil de ser escrito, mas agora percebo que não. Não é fácil porque vai
além da racionalidade, porque sempre surge o receio de não lembrar, ou ainda, porque envolve
emoções e sentimentos, os quais desfavorecem a linearidade que a escrita exige para um maior
entendimento do leitor. Mas, mesmo não sendo fácil, façamos! Afinal, é necessário e, sobretudo,
é agradável.
Inicio agradecendo a orientadora, professora e amiga Doralice Sátyro Maia (Dora), com a
qual venho aprendendo os caminhos da geografia (seja ela histórica ou não) desde 2004, quando
no momento da iniciação científica (no mais amplo sentido do termo) e ainda, aprendendo sobre
a vida através das conversas e do ensinamento diário.
Aos meus professores, primeiramente a Raquel Goldfarb que foi a primeira com quem
tive maiores contatos (ainda no Cefet) e que pode ter sido uma das causas de chegar até aqui;
Nosso querido Carlos Augusto com deu humor peculiar, e seus comentários inteligentes. Uma
mente admirável! A todos os professores do mestrado, especialmente Maria Franco, Pedro
Vianna e Dadá, de quem sempre recebemos incentivo e apoio.
A todos os colegas de mestrado, em especial Marco Llarena, amigo atencioso; Andréa
(Déa) que conseguia tornar as descobertas mais instigantes com seus comentários; Alexandre
(Alê), grande amigo; e a Raquel (Quel). Essa merece um destaque, pois nos conhecemos desde o
primeiro semestre de graduação e mesmo fazendo tanto tempo quero mesmo continuar tendo-a
por perto, afinal, sua companhia é sempre muito agradável. Estes ajudaram e ajudam muito, em
tantos momentos que nem dá para descrever aqui. Por isso merecem agradecimento mais do que
especial.
Aos componentes do grupo de estudos e pesquisa sobre a geografia urbana, coordenado
pela professora Doralice. Em relação a estes não posso deixar de iniciar pelo meu amigo Yure,
com quem tive (e tenho) o prazer de conviver nos últimos anos, e com quem aprendi muito,
principalmente sobre a geografia urbana. Nossas conversas serão sempre lembradas; Leonardo,
Sonale, Rebeca, Mateus e Rafaela obrigada pelas nossas reuniões: momento valioso no processo
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de aprendizagem da ‘cidade e do urbano’, e ainda pelos momentos de descontração, pelas nossas
conversas e pelos cafés com bolacha. A Simone, que tanto me ajudou através das dicas sobre o
urbanismo e a história das cidades, e pela amizade. A Rita, Carol e mais uma vez Andréa, já que
muitos dos documentos aqui utilizados foram por elas coletados em anos anteriores a meu
ingresso no grupo de pesquisa.
Aos colegas geógrafos. Amigos de bate-papo, companheiros da AGB, enfim aos
encontros nos corredores da UFPB que muitas vezes nos auxiliaram para que aqui chegássemos:
Victor (Vitão); Lairton (Lunguinho); Thiago (Thí); Áurea; Chauane; Conrad; Gustavo (Gusta);
Igor; Silvânia; Liese (Li); Luanna; Mara; Mariana; Romero.
Enfim, a todos vocês, muito obrigada por terem sempre estado presente. Uns mais, outros
menso, no entanto, todos muito importantes.
Agora agradeço aos meus amigos de longa data, além das fronteiras da geografia, Tâmisa,
minha amiga, aqui está a culpa da minha ausência, principalmente nos últimos meses; Waldemar,
amigo historiador que me ajudou com o tratamento de algumas fontes; A Reillen, que sempre
incentivou meu crescimento e meus projetos de vida; E aos amigos mais recentes, Raoni e
Jéssica, obrigada por terem aparecido e me feito perceber que a vida pode ser mais divertida e
agradável; e meu querido André (Dé) que esteve/está comigo nos últimos meses e que me ajuda
em tudo, desde o contato com o computador, até o fato de me tranqüilizar quando é necessário
por demonstrar confiança na minha capacidade de “dar conta do recado”, obrigada pelo jeito
incentivador, carinhoso e enfático de me “empurrar pra frente”.
Agradecimento especial a minha família, meus pais, Mércia e Normando, por tudo, por
tanto, que não cabe aqui. Meus tios Madson e Maurílio, amantes da leitura e do conhecimento;
minha avó Ritinha, uma mulher forte e verdadeira por quem tenho grande admiração. Observar
seu prazer pela leitura, desde criança, me incentivou ao estudo; meus pequenos sobrinhos por
muitas vezes não poder estar presente em virtude disto; Normando Júnior e Normanda, meus
irmãos, de quem eu espero ter herdado um pouco da retórica e do poder da escrita. A Tia Márcia,
geógrafa assim como eu. Obrigada pelo incentivo e pelas palavras de carinho constantes. Meu
cunhado/irmão. Wilson Júnior e minha cunhada Aluska.
Enfim, para finalizar este texto, que ficou maior do que eu esperava, nada melhor que um:
À todos: Muito obrigada!
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RESUMO
O trabalho aqui apresentado refere-se à pesquisa realizada a partir de documentos históricos, a fim de tratar o espaço urbano da Cidade da Parahyba entre os anos de 1854 e 1912. Este recorte é utilizado por tratar-se do período situado entre a construção do primeiro cemitério público da cidade supracitada e a instalação do seu serviço de abastecimento de água. Elementos estes importantes no que concerne a análise do espaço urbano sob a luz do Movimento Higienista. Este trabalho foi realizado a partir dos estudos da Geografia Histórica, ou seja, principalmente a partir da análise documental de fontes primárias, em arquivos locais e nacionais. Pretendemos aqui investigar de que forma a Cidade da Parahyba é adequada a este ideário, ou seja, até que ponto o mesmo é utilizado enquanto justificativa para as transformações que ocorrem neste espaço urbano, no período situado entre os anos de 1854 e 1912. Para tanto, o presente trabalho tem os objetivos de analisar a repercussão e os efeitos do Movimento Higienista na Cidade da Parahyba, especialmente no que diz respeito às transformações urbanas aí ocorridas. Desta forma, pretendemos registrar as conseqüências das implementações modernas, higiênicas e sanitárias na morfologia urbana da cidade entre meados do século XIX e início do século XX, bem como nos hábitos e costumes de sua população. Com o intuito de discutirmos a produção e reprodução do espaço urbano, bem como a influência do Higienismo no tratamento com as questões que diziam respeito a estes espaços, faz-se necessário que busquemos entender o que vem a ser este tema, como foi posto e formulado, quais foram as circunstâncias em que se deu o seu surgimento e, principalmente, de que forma este suscitou modificações na cidade analisada. O Movimento Higienista corresponde a uma série de teorias, normativas, e formulações que dizem respeito à adequação dos espaços aos princípios de salubridade, higienização e embelezamento. Estes princípios, junto às teorias sobre o contágio e a proliferação de doenças, dão início a uma nova forma de pensar e de gerir os espaços, sobretudo o das cidades, posto ser aí o lugar em que se davam as principais ocorrências de epidemias que assolavam e dizimavam um grande número de seus habitantes. Para tanto, nos cabe investigar, sobretudo de que forma o Movimento Higienista aparece enquanto justificativa para as transformações que se dão nas cidades em geral, e mais particularmente na Cidade da Parahyba. Palavras chave: Cidade; Geografia Histórica; Movimento Higienista
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ABSTRACT
The work presented here refers to research conducted from historical documents to sort out the City’s urban Parahyba, between the years 1854 and 1912. This article is used to be about the period between the construction of the first public cemetery in the city mentioned and installation of the service water supply. These important elements in what concerns the analysis of urban space under the light of the Movement Hygienist. This work was conducted from studies of Historical Geography, mostly from the documentary analysis of primary sources in local and national archives. We want to investigate here how the City of Parahyba it is appropriate for this idea, to what extent to which it is used as justification for the changes that occur in urban space, in the period between the years 1854 and 1912. This work has the objective of analyze the impact and effects of the hygienic movement in City Parahyba, especially with regard to urban transformations that have occurred. This Way intent to record the consequences of modern implementations, hygienic and sanitary conditions in urban morphology of sort out, city between the mid-nineteenth century and beginning of the twentieth century and in the habits and customs of its population. In order to discuss the production and reproduction of urban space, as well as the influence of Hygiene in handling the issues that relate to these areas, it is necessary to seek to understand what has to be the subject, as post and made, what were the circumstances that made its appearance and, especially, how it caused changes in the city considered. The Hygienist Movement is a series of theories, standards, and formulations concerning to get used to spaces to the principles of health, hygiene and beautification. These principles, with the theories about the infection and spread of diseases, start a new way of thinking and manage the space, especially the cities, since there is the place which gave the main occurrences of epidemics attacking and decimated a large number of its inhabitants. For this, we must investigate, especially how the Hygienist Movement appears as a justification for the changes that occur in cities in general and more particularly in the City of Parahyba. Key Works: City; Hygienist Movement; Historical Geography.
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LISTAS DE SIGLAS UTILIZADAS
AHEPB – Arquivo Histórico do Estado da Paraíba
GPCES – Grupo de Pesquisa Ciência, Educação e Sociedade
IHGP – Instituto Histórico e Geográfico Paraibano
NDHIR – Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional
RPP – Relatórios dos Presidentes da Província
RSCM – Relatórios da Santa Casa de Misericórdia
LISTAS DE FIGURAS
Figura 01: Mapa da Cidade da Parahyba, 1855__________________________ 31
Figura 02: Planta da Cidade da Parahyba para 1889 _____________________ 32
Figura 03. Tipologia das habitações __________________________________ 34
Figura 04: População paraibana. ____________________________________ 35
Figura 05: Jornal ‘O Tempo’. 1865. __________________________________ 39
Figura 06: Modelo do Ensanche de Barcelona __________________________ 72
Figura 07: Quantidade de doentes nos Hospitais ________________________ 108
Figura 08: Lado direito do Jardim Público em 1910 _____________________ 126
Figura 09: Trecho da Planta da Cidade da Parahyba em 1923 ______________ 128
Figura 10: Rua João Machado em 1920_______________________________ 129
Figura 11. Abastecimento de água na Cidade da Parahyba. 1912____________ 130
Figura 12. Início da Rua das Trincheiras,1870 __________________________ 139
Figura 13. Rua das Trincheiras ______________________________________ 140
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FONTES UTILIZADAS
Actas da Assembléa Provincial. Fonte: Arquivo da Assembléia Legislativa do Estado da
Paraíba.
Almanach Administrativo e Commercial do Estado da Parahyba, para 1911. Estudos e
Opiniões: Saneamento. Fonte: Arquivo Nacional
Arquivo Histórico do Estado da Paraíba
CD Multimídia do Grupo de Pesquisa Ciência Educação e Sociedade
Correspondências com o Ministério do Império. Fonte: Arquivo Nacional
Jornal A Regeneração. Fonte: Documentos Micro-filmados do Núcleo de Documentação e
Informação Histórica e Regional. Rolo 02.
Jornal Gazeta da Parahyba. Fonte: Instituto Histórico e Geográfico Paraibano. João Pessoa-
PB.
Jornal O Tempo. Fonte: Documentos Micro-filmados do Núcleo de Documentação e
Informação Histórica e Regional. Rolo 03.
Revistas do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano. Fonte: Instituto Histórico e Geográfico
Paraibano. João Pessoa- PB
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SUMÁRIO
Considerações Iniciais 13
Caminhos Metodológicos: A Geografia Histórica Urbana: Espaço e Tempo na/da Cidade
17
Capítulo I: A Cidade da Parahyba e o Ideário Higienista 29
1.1 Normas higiênicas na Cidade da Parahyba 36
1.2 As epidemias e as determinações higiênicas na Cidade da Parahyba 44
1.3 As condições sociais como causadoras de doenças 53
Capítulo II: As cidades no século XIX: Aumento populacional, reformas urbanas e controle higiênico
65
2.1 Controle Higiênico nas cidades 73
2.2 Medidas sanitárias utilizadas na Cidade da Parahyba 74
2.3 Uma ordem higiênica: A construção do Cemitério Senhor da Boa Sentença na Cidade da Parahyba
79
2.4 A Santa Casa de Misericórdia: Administração pública e religião 92
2.5 Alterações nos equipamentos urbanos seguindo os preceitos higienistas 100
2.6 A água encanada enquanto equipamento necessário a busca por higiene e modernidade na Cidade
114
Capítulo III: Modernidade e Cidade: Aformoseamento e higienização 120
Considerações Finais 146
Referências Bibliográficas 150
12
Estamos convencidos de la importancia de abocarse a los temas en esta línea historiográfica que se ha dado llamar historia urbana, y a los de la que en paralelo los geógrafos llamamos geografía urbana histórica. Especialmente las del siglo XIX nos brindan la posibilidad de aprehender, de manera más cabal, la compleja realidad de las ciudades del presente. Nos ayudan a hacer conciencia del valor que tiene la herancia del pasado plasmada en una ciudad actual, para saber respetarla y darle el peso adecuado a los intentos por rescatar y conservar un patrimonio que nos pertenece a todos. Eulalia Ribero Carbó, 2002.
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CONSIDERAÇÕES INICIAIS
No final do século XIX e início do século XX, surge uma nova forma de pensar e gerir
as cidades fundada no princípio da higienização. Este novo olhar que se lança, sobretudo sobre os
espaços urbanos, é parte do Ideário ou Movimento Higienista, que, aliado ao conhecimento
médico da época, buscava adequar os espaços urbanos, a fim de evitar a ocorrência de epidemias,
tais como a febre amarela, a cólera e a varíola. A ocorrência destas epidemias tivera um
acréscimo considerável graças ao adensamento populacional, conseqüência da Revolução
Industrial ocorrida em alguns países e da ausência de conhecimento sobre o surgimento, contágio
e transmissão das inúmeras doenças que assolavam a população, bem como dos métodos de
combatê-las.
No entanto, vale destacar que a influência do Movimento Higienista não está restrita às
cidades industriais, mas atinge também muitas outras, que mesmo sem ter expressividade
industrial, foram adequadas a este padrão normativo de Higiene e de Modernidade. Estes são,
portanto, os temas centrais deste trabalho. Na Cidade da Parahyba não seria diferente, isto por
que, embora a cidade não apresente indústria, a modernização e a higienização ocorrem graças
aos circuitos econômicos que aí ocorrem, ou ainda a acumulação de capital gerada a partir das
atividades desenvolvidas pela sociedade agrária que aqui existia.
Esta pesquisa foi realizada na concepção da Geografia Histórica, principalmente a partir
da análise documental (fontes primárias) encontradas em arquivos locais e nacionais.
Investigamos de que forma a Cidade da Parahyba foi adequada ao ideário higienista, ou seja,
analisamos até que ponto este ideário foi utilizado enquanto justificativa para as transformações
que ocorrem neste espaço urbano, no período de 1854 a 1912. O principal objetivo, portanto, foi
o de analisar a repercussão e os efeitos do Movimento Higienista na Cidade da Parahyba,
especialmente no que diz respeito às transformações urbanas aí ocorridas.
As informações sobre as transformações urbanas no período analisado foram levantadas
a partir da análise e identificação e posterior análise das mudanças apresentadas no tecido urbano
da Cidade da Parahyba no que diz respeito à salubridade pública no período supracitado.
Mudanças estas que se apresentam justificadas tanto nos documentos oficiais como nas
impressões dos que faziam os jornais da época. Justificativa essa que se dava utilizando-se de um
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discurso baseado nos princípios de salubridade e higienização da cidade. Por sua vez, o discurso e
a busca por higiene na cidade levou à implantação de vários equipamentos urbanos na Cidade da
Parahyba, equipamentos estes que foram solicitados e/ou instaurados sob o enfoque deste
discurso. Desta forma, registramos as conseqüências das implementações modernas, higiênicas e
sanitárias na morfologia urbana da cidade supracitada entre meados do século XIX e início do
século XX, bem como nos hábitos e costumes de sua população.
Com o intuito de discutirmos a produção e reprodução do espaço urbano, bem como a
influência do Higienismo no tratamento das questões que diziam respeito a estes espaços, fez-se
necessário inicialmente entendermos o significado da terminologia, como foi posto e formulado,
quais foram as circunstâncias em que se deu o seu surgimento e, principalmente, de que forma
este suscitou modificações na cidade analisada. O Movimento Higienista corresponde a uma série
de teorias, normativas, e formulações que dizem respeito à adequação dos espaços aos princípios
de salubridade, higienização e embelezamento. Estes princípios, junto às teorias sobre o contágio
e a proliferação de doenças, dão início a uma nova forma de pensar e de gerir os espaços,
sobretudo o das cidades, posto ser aí o lugar em que se davam as principais ocorrências de
epidemias que assolavam e dizimavam um grande número de seus habitantes. Para tanto, nos
coube investigar, sobretudo de que forma o Movimento Higienista aparece enquanto justificativa
para as transformações que se dão nas cidades em geral, e mais particularmente na Cidade da
Parahyba.
A relevância desse tema encontra-se no grande número de modificações por que
passaram as cidades no período de maior vigência do ideal higiênico-sanitário, ou seja, entre o
final do século XIX e as primeiras décadas do século XX (BOARINI, 2003). Desta forma, a
análise e a interpretação dos documentos de fonte primária encontrados em arquivos locais e
nacionais, nos deram subsídio para entender a influência do chamado Movimento Higienista
sobre o espaço urbano; bem como nos possibilitou referenciar as transformações urbanas que
passam a ser realizadas na cidade e que vão, por sua vez, modificar também o cotidiano dos
habitantes, a medida que estes se moldam, aceitam ou refutam as novas teorias médicas que
alteram intensamente não só o espaço físico, como também o seu convívio social.
Estruturamos o texto em três capítulos, além de uma parte inicial, na qual apontamos
não só a metodologia utilizada, como também expomos de que forma alguns teóricos explanaram
o uso de documentos históricos para análise espacial. Ou seja, destacamos nesta parte a qual
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intitulamos ‘Caminhos Metodológicos: A Geografia Histórica Urbana: Espaço e Tempo na/da
Cidade’, destacamos de que forma utilizamos o método e a metodologia das fontes históricas para
o tratamento da cidade em um tempo pretérito, configurando uma Geografia Histórica da Cidade
da Parahyba.
No primeiro capítulo, ‘A Cidade da Parahyba e o Ideário Higienista’, apresentamos este
ideário como fundamento para as intervenções urbanas que ocorrem em várias cidades do mundo,
sobretudo durante o século XIX e as primeiras décadas do século XX. Para tanto, partimos de
uma explanação sobre como as idéias acerca da higienização e da salubridade fundamentaram as
intervenções em cidades européias ou naquelas localizadas no ‘além mar’. Considerando como a
produção do conhecimento e o cientificismo, interferem para que as modificações urbanas
ocorram. Modificações estas que têm os intuitos principais de evitar a ocorrência de epidemias e
disciplinar a população.
Ao abordarmos as cidades européias, damos ênfase ao plano urbanístico proposto para a
cidade de Paris elaborado pelo Barão Haussmann, além de analisarmos como se deu a importação
desse plano para outras cidades, as quais também passariam a produzir novas formas de regular e
disciplinar o espaço, os hábitos e os costumes. Seguindo o estudo sobre planos urbanísticos
fazemos uma breve explanação a propósito do plano de expansão da cidade de Barcelona
proposto por Idelfonso Cerdá. O referido plano não apenas elabora uma ordenação urbana para as
cidades espanholas, como também prevê a utilização de espaços destinados à população futura.
No entanto, nosso objetivo principal ao tratarmos os “ensanches” propostos por Cerdá é o de
constatarmos o tratamento de espaços livres julgados necessários à vida higiênica. Na última
parte deste capítulo explanamos de que forma as condições sociais foram entendidas pela elite e
pelos administradores das cidades como causa da ocorrência de doenças. Entendimento este que
favoreceu o preconceito e a segregação no âmbito da cidade.
No capítulo posterior intitulado ‘As cidades no século XIX: Aumento populacional,
reformas urbanas e controle higiênico’ demonstramos com base na análise documental de que
forma a Cidade da Parahyba tem seu espaço modificado inspirado no discurso do Higienismo e
da salubridade, ou seja, procuramos compreender como se deu a influência do Ideário Higienista
sobre a Cidade da Parahyba. A partir da análise dos documentos oficiais, averiguamos de que
forma os responsáveis por regular a cidade promoveram mudanças na morfologia urbana no
período analisado, qual seja, entre 1854 e 1912.
16
No último capítulo, ‘Modernidade e Cidade: Aformoseamento e Higienização’ tratamos
a Modernidade atrelada ao higienismo na cidade, até que ponto a população da cidade aqui
analisada aceitou ou refutou o discurso higiênico que era veiculado nos jornais da época e,
determinado pela legislação como único meio capaz de evitar a ocorrência de epidemias e a
disseminação de doenças. Ademais, buscamos retratar de que forma o crescimento econômico
verificado na Cidade da Parahyba, sobretudo, graças aos recursos provenientes da produção do
açúcar e do algodão promoveram essa modernização, ou ainda, a expansão do tecido urbano da
cidade.
17
CAMINHOS METODOLÓGICOS
A Geografia Histórica Urbana: Espaço e Tempo na Cidade
Essa pesquisa foi realizada a partir dos estudos e procedimentos metodológicos da
Geografia Histórica, “termo usado para identificar uma sub-disciplina aparentemente distinta das
geografias acadêmicas que busca a espacialização dos fenômenos do passado, com a finalidade
de entender e identificar as transformações que levaram a realidade atual”. (GREGORY, 1996, p.
156) Para tanto, fez-se necessário uma pesquisa antes de tudo documental, a qual se configura
como “um conjunto de operações visando representar o conteúdo de um documento de forma
diferente. [...] seu objetivo consiste na representação condensada da informação de tais
documentos”. (LAKATOS, 2006, p. 29).
Para Philo, (1996) a Geografia Histórica não pode reivindicar para si um objeto de
estudo definido, pois nem o espaço é seu objeto, visto a abrangência do termo, nem tampouco a
história. Os pesquisadores que trabalham com esse tema, tendem a utilizar-se, portanto de
ferramentas filosóficas e de metodologias que abrangem as duas áreas de conhecimento, e é
exatamente aí que reside a maior dificuldade em se definir esse ramo da geografia assim
denominado ‘geografia histórica’.
a complexa geografia do mundo está estreitamente ligada com o que acontece em sua história [...] meu argumento principal aqui é que a importância da geografia histórica é fazer com que uma sensibilidade geográfica seja introduzida no estudo de todos esses fenômenos do passado – econômicos, sociais, políticos ou qualquer outro – que são a própria substância da história e que atraíram a atenção dos historiadores (como também a de outros estudiosos das ciências sociais e das humanidades). (PHILO, 1996, p. 270)
A análise documental fez-se muito importante para construção deste trabalho que, busca
entender o espaço urbano entre meados do século XIX e início do século XX. Portanto,
necessitamos da produção bibliográfica e documental referente a este recorte, a fim de
fundamentar nossa pesquisa acerca da influência do chamado Movimento ou Ideário Higienista e
seu novo olhar que se lança sobre o espaço urbano. Esta pesquisa pretende analisar as
transformações da Cidade da Parahyba ocorridas com base nas postulações do Movimento ou
Ideário Higienista, para entendermos de que forma os habitantes da referida cidade se moldam às
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teorias médicas que modificam não só o espaço físico, como também o seu convívio social, entre
os anos de 1854 e 1912.
Durante meados do século XIX e início do século XX ocorreram ransformações na
cidade ora analisada, sob a luz do Movimento Higienista. Transformações estas, que incidem
sobre a cidade, a partir da década de 1830, quando são elaboradas as primeiras posturas, os
decretos e as normas que incidem em alterações urbanas, determinadas pela Câmara Municipal, e
têm maior incidência entre as últimas décadas do século XIX e o início do século XX. As
décadas de 1910 a 1930 indicam um período de grande representação dessas transformações, pois
é neste momento quando ocorre a implantação de vários dos equipamentos urbanos na cidade, a
exemplo do abastecimento de água inaugurado em 1912; o alargamento e calçamento de ruas; a
construção de matadouros; de praças e jardins; modificação nas formas de construir as habitações
particulares, bem como na forma de administrá-las.
Justificamos o recorte temporal estabelecido neste trabalho, qual seja, entre os anos de
1854 e 1912, por ser, o primeiro um marco na busca por higienização do espaço urbano da
cidade, já que este coincide com a data de construção do primeiro cemitério público da capital
paraibana e, o ano de 1912 utilizado como término para a análise aqui efetuada por ter sido este o
momento em que ocorre a implantação do primeiro serviço de abastecimento de água na cidade,
o qual apesar de apresentar limitações, atingindo apenas seis ruas da área central, representa um
equipamento importante no tratamento da cidade e na busca por tornar este espaço higiênico e
salubre. Conforme a análise documental, tal serviço é solicitado pela população desde meados do
século XIX e apontado por muitas autoridades como condição para que a Cidade da Parahyba
seja considerada higiênica, salubre e bela. Contudo, salientamos aqui que não ousamos limitar as
modificações do espaço urbano da Cidade da Parahyba que se deram a partir do discurso
higiênico para o período citado, pois sabemos que as idéias higiênicas continuam ainda nos dias
de hoje, embora não sob o mesmo enfoque teórico, sendo utilizados para justificar modificações
no espaço situado nas cidades, inclusive na cidade aqui analisada.1 No entanto, a partir de nossa
pesquisa verificamos que o ideário higiênico tem maior destaque entre o final do século do XVIII
e o início do século XX, devido à teoria médica acerca do contágio e proliferação de doenças
aceita e divulgada neste período.
As teorias médicas de ‘contágio’ e ‘miasmas’ são refutadas à medida que novos estudos
1 Sobre o ideário higiênico e sua influência no planejamento urbano atual, ver Campos, 2004.
19
sobre o surgimento de doenças são elaborados, estudos estes que fundamentaram o surgimento da
Medicina moderna, tal como veremos adiante. Isso reflete que, com o avanço da Medicina, o
planejamento urbano pautado nos preceitos da higiene tem um decréscimo, visto que as teorias
médicas que divulgavam a idéia do contágio de doenças a partir da emanação de ares pútridos são
rebatidas.
Os documentos históricos utilizados constituem fontes primárias passíveis de serem
utilizadas pelos pesquisadores de um modo geral. Configuram-se enquanto evidências de tempos
idos, produzidas quando o fato histórico que se está pesquisando ocorria, e utilizadas hoje para
reconstruí-lo. Esses documentos foram utilizados a fim de entendermos como se dava a (re)
produção do espaço urbano na Cidade da Parahyba, as repercussões das idéias higienistas sobre o
mesmo, e a implantação de equipamentos urbanos.
Quanto à utilização dos documentos históricos, existe atualmente uma consonância entre
os historiadores e demais cientistas sociais que realizam pesquisas históricas, de que as fontes
primárias podem ou não ser escritas, sendo explicitadas das mais diversas formas e tipos: cartas,
documentos registrados em cartórios, diários, objetos, edificações, testemunhos orais etc. Para
este trabalho priorizamos a utilização de documentos históricos escritos, oficiais e não oficiais,
além de algumas fotografias que retratam a cidade no período analisado.
Tanto os documentos escritos, como os fotográficos foram utilizados para realização da
nossa pesquisa. As fontes coletadas concentram-se em alguns arquivos públicos, entre os quais
destacamos:
Arquivo Público do Estado da Paraíba, onde foi realizada a coleta de documentos
oficiais, tais como relatórios e mensagens de presidentes de província, atos, ofícios, leis e
decretos referentes ao período estudado;
Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba (IHGP), onde tivemos a oportunidade de
realizar pesquisa nas revistas publicadas por este órgão, além da consulta a algumas outras
revistas que veicularam durante o período. Estas revistas nos chamaram atenção por
demonstrarem através dos seus artigos, as idéias da população, não se limitando ao discurso da
“elite” como muitas vezes acontece com as fontes oficiais (leis, atos e decretos). Destacamos a
Revista Terra Natal; Revista Philipéia; Revista Era Nova; A Notícia e Revista Benjamin
Constant. Além das revistas, alguns Almanaques, escritos pelos Presidentes da Província e pelos
administradores da cidade também foram consultados;
20
Núcleo de Desenvolvimento e Informação Histórica e Regional (NDHIR). Neste
arquivo consultamos jornais micro-filmados, como o Jornal O Tempo, Regeneração, e Gazeta da
Parahyba;
Arquivo Nacional e a Biblioteca Nacional, ambos situados na cidade do Rio de
Janeiro - RJ. Na primeira das instituições citadas coletamos documentos referentes ao tema da
higienização das cidades, especialmente as leis que foram determinadas pela capital do império e
tiveram influência direta sobre o tratamento das autoridades locais sob o espaço analisado, além
de anúncios, descrições e relatórios sobre a Cidade da Parahyba que foram enviados à dita capital
e que abordavam o tema. Na Biblioteca Nacional procuramos encontrar material em publicações
situadas na seção de obras raras que tratassem do tema trabalhado e para o espaço analisado.
A prática de utilizar documentos históricos como recurso metodológico à investigação é
associado principalmente à disciplina História, mas não se limita a esta. O nosso intuito é o de
demonstrar de que forma os documentos podem ser utilizados para o estudo do espaço, ou
melhor, dizendo, para a análise do espaço urbano da Cidade da Parahyba em tempos pretéritos.
Para tanto, partimos de uma discussão acerca do que vem a ser a Geografia Histórica Urbana.
Sauer afirma que “una peculiaridad de la tradición geográfica norte americana ha sido su
falta de interés por los procesos y secuencias históricos, incluso para negarlos” (1991, p. 36).
Desta maneira, o autor enfatiza a falta de tradição geográfica, particularmente, da geografia
norte-americana, em estudos dos processos históricos. Segundo o autor, estes processos podem
ser analisados na Geografia não apenas quando há a delimitação de determinados períodos
históricos pretéritos, mas também a fim de observar determinados fatos, os quais mesmo que
tenham ocorrido no passado possam contribuir para o entendimento do mesmo na atualidade. O
autor enfatiza ainda que a Geografia em qualquer uma de suas áreas deve investigar os processos
que deram origem aquele espaço.
A reconstrução de espaços em tempos passados assemelha-se a um trabalho de
‘detetive’, já que vivenciamos uma busca constante por dados que evidencie essas áreas e que nos
dê a possibilidade de investigar sua trama física, ou seja, conforme coloca Maurício de Abreu,
um quebra-cabeças espacial2. Para essa tarefa ser cumprida deve-se recorrer a elementos
econômicos, habitacionais e sociais expostos através dos documentos históricos que possam
2 Termo utilizado com base no artigo: Um quebra cabeças (quase) resolvido: Os engenhos da capitania do Rio de Janeiro. Publicado na Revista Scripta Nova. Volume 10. Nº 118. Ano 2006. Disponível em <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-218-32.htm> [ISSN: 1138-9788]. Acesso em Maio de 2009.
21
contribuir com o estudo histórico do espaço. Muitos autores salientam as dificuldades
encontradas para se realizar pesquisas históricas no tratamento de questões que dizem respeito
aos homens simples, às classes menos abastadas. A história que se escreve normalmente é a dos
‘grandes homens’, tais como políticos, médicos, engenheiros, proprietários de terra, ou seja, da
elite. Esse fato configura-se enquanto uma dificuldade para uma análise mais ampla do espaço,
posto termos, através dos documentos oficiais, o discurso da elite, e não da população em geral.
Entendemos que para que essa barreira seja vencida, um bom recurso é o de se utilizar
não apenas dos documentos oficiais, mas, sobretudo, dos documentos não-oficiais, tais como
jornais e revistas que foram publicados à época e que muitas vezes trazem notícias curtas, mas
significativas, como solicitações e reclamações de serviços por parte da população. Nesse
sentido, aqui faz-se necessário que citemos a tipologia das fontes empregadas, bem como o
porquê da utilização de documentos oficiais e não oficiais, já que os primeiros representam o
ideal da elite em tornar a cidade moderna dentro dos padrões e normas estabelecidos, ou seja, a
partir da ordem sonhada e idealizada principalmente por meio de normas higiênicas, uma vez que
a representação política se fazia entre a elite. É a partir deste entendimento que acreditamos na
importância em se fazer uma análise mais acurada sobre alguns documentos que expressem de
que forma a população recebeu essas idéias. Conforme nos fala Campos “é possível compreender
as pessoas comuns do passado à luz de sua própria experiência e de suas reações a estas
experiências, mesmo utilizando documentos preservados em arquivos emanados do centro e
produzidos para legitimar o poder.” (2004, p.21).
Os textos encontrados nos jornais e nas revistas expressam tanto o cotidiano da
população como a tentativa de manutenção do que se entendia por ‘ordem’ pela elite, já que era
por esta forma de divulgação que as ações dominantes eram expressas, com o intuito, muitas
vezes de impulsionar hábitos e até mesmo direcionar a opinião pública.
A Geografia e a História de determinado lugar podem, para uns, ser analisadas
separadamente. Entretanto, no nosso entendimento, separar as análises do espaço e do tempo não
se faz possível, mesmo para aqueles que pesquisam processos espaciais atuais. Os documentos
históricos são uma importante fonte de análise para quem estuda e analisa os tempos passados, na
medida em que podem auxiliar na resolução de suas questões formuladas e em alcançar os
objetivos propostos pela pesquisa. Esta análise configura-se como uma aproximação entre o
pesquisador e a realidade de um tempo passado. Para aquele que realiza sua pesquisa sob a luz da
22
geografia histórica, a análise documental amplia a noção acerca do espaço durante o período
temporal que se pretende pesquisar.
Para Jacques Le Goff, “o que sobrevive não é aquilo que existiu no passado, mas uma
escolha efetuada quer pelas forças que operam no desenvolvimento temporal do mundo e da
humanidade, quer pelos que se dedicam à ciência do passado e do tempo.” (1996, p. 535). O
autor enfatiza que dentre os documentos encontrados, o pesquisador deve ‘escolher’ aquele que
mais se adequar ao seu objeto de pesquisa, a fim de analisá-lo e interpretá-lo, ou seja, cabe ao
pesquisador “tirar dos documentos tudo o que eles contêm e em não lhes acrescentar nada do que
eles não contêm [...] se mantém o mais próximo possível dos textos.” (idem, ibidem, p. 536).
Ao tentarmos entender como os documentos oficiais foram utilizados em pesquisas
históricas, percebemos que durante as últimas décadas do século XIX e o início do século XX, a
análise destes elementos passou a referenciar os fatos analisados por apresentar-se como prova
concreta da existência do mesmo. Na escola positivista, a utilização de documentos escritos
torna-se indispensável para uma pesquisa temporal. Além disso, o conteúdo dos documentos
também foi modificado no final do século XIX, passando a ser mais abrangente e,
conseqüentemente mais ricos de detalhes. É neste momento que as pesquisas acerca do tempo
recorrem também a outras fontes, como a memória oral, sons, imagens, fósseis, instrumentos de
luta utilizados pela comunidade, fazendo com que a história pudesse ser reescrita com tudo que a
habilidade do pesquisador e os arquivos que estão ao seu alcance permitissem.
Quanto à utilização dos arquivos para a pesquisa em geografia histórica, Carl Sauer
esclarece dizendo que o primeiro passo recomendado é a busca por mapas, pois é a partir da
análise destas fontes cartográficas que o geógrafo histórico pode identificar a morfologia do
espaço durante o período analisado. Já Pedro Vasconcelos complementa:
[...] para a geografia urbana histórica, a cartografia de cada época tem uma importância fundamental – apesar das imprecisões, das impossibilidades de uma mensuração correta, das diferenças de escala etc. -, porque os próprios mapas são marcos definitivos de etapas das transformações espaciais da cidade, nos dando uma informação precisa (em diferentes graus) do que já existia, do que estava consolidado, e do que tinha importância em ser registro e mapeado (desde a superfície documentada, até o que é representado ou colocado em destaque: igrejas, fortificações, logradouros etc.) (VASCONCELOS, 1999, p. 192)
Neste sentido, a partir da Planta da Cidade da Parahyba, levantada em 1855, por
23
Alfredo de Barros e Vasconcelos, (o 1° Tenente do Corpo de Engenheiros da cidade)
pretendemos pontuar os equipamentos urbanos que foram implementados na Cidade da Parahyba,
e que tenham seu requerimento justificado a partir do ideário de higienização. Isso se justifica já
que, segundo Vasconcelos (1999), o pesquisador pode e deve recorrer a plantas cadastrais,
arquivos de concessão de terra, dados sobre nascimento e morte, principais causas de morte,
bens, títulos de propriedade, enfim uma gama de informações que podem ser encontradas em
fontes diversas e ajudam no tratamento da questão.
No que concerne à pesquisa aqui apresentada, utilizamos como fontes de análise não
apenas documentos oficiais escritos, como por exemplo, as atas da Assembléia Provincial, como
também jornais, revistas e fotografias, fotografias estas encontradas principalmente no acervo de
Walfredo Rodrigues. Este acervo possui algumas fotografias que retratam a Cidade da Parahyba,
dos últimos anos do século XIX, mas, sobretudo concentra-se nas primeiras décadas do século
XX. Através deste material podemos confrontar os documentos, com as imagens das ruas
apresentadas.
Vasconcelos (1999) distingue os períodos de análise de documentos em duas grandes
fases: “períodos densos” 3 e “hiatos temporais”. Os primeiros representam a época quando há
abundância de documentos. Como exemplo, o autor cita o escravismo no Brasil, pois como neste
período, havia vários fatores políticos que tratavam o tema, muitos documentos oficiais foram
produzidos, e podem ainda hoje ser encontrados com abundância nos arquivos. Baseados na
formulação de Vasconcelos acerca do “período denso”. Além da escravidão, podemos nos
remeter, para a Cidade da Parahyba à época da construção de uma ponte, a ponte sobre o Rio
Sanhauá, que interligava a Cidade da Parahyba com a cidade vizinha, de Bayeux - PB. A
construção desta obra deu-se permeada de muitos embates políticos, pois vários foram os
problemas encontrados durante sua execução, tais como, a falta de materiais, atraso na entrega da
obra, escassez de verbas públicas, má qualidade na construção, enfim, uma série de reclamações
é feita, tanto por parte da população, como pelo poder público, produzindo vários documentos
oficiais e não oficiais. Portanto, podemos caracterizar este período da história da Cidade da
Parahyba como um “período denso” de documentos. Em outras palavras, a densidade de
documentos sobre o tema ocorre em decorrência de uma série de problemas que houve na
3 Podemos fazer uma analogia entre este termo e o que o geógrafo Marcel Roncayolo chama de ‘tempos fortes’, ambos representam a abundância de documentos no período analisado.
24
licitação e na construção da referida ponte, levando à expedição de muitas ordens de contrato e de
reclamações por parte da população, bem como as contra argumentações e também requisições
feitas pelo poder público.
Já os “hiatos temporais” representam o contrário, ou seja, os períodos em que o
pesquisador tem mais dificuldade de encontrar fontes documentais sobre o tema que pretende
abordar. Metodologicamente, Vasconcelos propõe que para ser feita uma pesquisa de geografia
histórica urbana, devemos seguir alguns passos, quais sejam: exame das continuidades e rupturas
na existência de documentos; análise dos aspectos nacionais e internacionais que influenciaram
as transformações do espaço estudado; quais agentes contribuíram para a remodelação deste
espaço; e, por último, mas de grande importância, posto tratar-se de uma investigação geográfica,
é identificar o “desenvolvimento espacial de cada período, tomando como referência principal a
cartografia original (e a iconografia existente), mas complementada pelas informações escritas
(inclusive estatísticas), e de preferência de fontes primárias.” (VASCONCELOS, 1999, p. 199).
Gregory (1991), também propõe que uma apreciação de geografia histórica deve ser
iniciada não pela teoria, mas dentro do mundo político, para que se possa avaliar de que forma o
espaço estava sendo produzido, e quais eram os principais atores políticos responsáveis por essa
produção. Quanto aos documentos oficiais, salientamos o fato de que nem sempre eles expressam
o que realmente foi realizado, todavia, é a partir destes que podemos entender as intenções e o
desejo da elite ao buscar as modificações do meio urbano.
Podemos, portanto, fazer uma analogia entre o que se propõe através da análise de
documentos oficiais sobre a produção e transformação do espaço urbano da Cidade da Parahyba
no período analisado, e o que expressa os seus moradores sobre tais modificações, contrapondo
assim, ideal e realidade. Embora saibamos da dificuldade para a realização desta contraposição,
visto muitas vezes nos encontrarmos diante da escassez de material documental, acreditamos ser
importante a análise sob o que se pensava enquanto ideal para o espaço urbano. Ideal este que se
configurava através do desejo de transformar a Cidade da Parahyba em uma cidade moderna, por
meio de determinações e ações, e que tinham o “sentido de imprimirem nova feição esthetica a
esta cidade, melhorando-a materiavelmente, e, portanto, preparando o terreno para a melhoria de
sua hygiene, já agora, segundo colhemos de fonte oficial, em perspectiva de entrar em uma phase
de remodelamento e utilidade pública”. (MARÓJA. 1911. p. 433)
Muitas dessas determinações expressas através de documentos oficiais, apesar de
25
decretadas pelo poder público, levaram anos ou mesmo nem chegaram a ser implementadas, mas
expressam exatamente esta intenção em provocar alterações na cidade, pois a análise dos
documentos oficiais nos revela como o discurso ideológico da salubridade inferiu no cotidiano
dos moradores, obrigando-os a adotarem novos hábitos, condizentes com os princípios
higienistas. Importante ressaltar que esse discurso ideológico restringia-se aos médicos,
engenheiros e políticos, constituindo-se, portanto, em um conhecimento restrito médico-
científico, permanecendo a população em geral desinformada e, portanto, alheia às razões das
determinações impostas e de tamanhas transformações. Na prática, essa gente, na maioria das
vezes aceitava esse discurso por se tratar de prática comum entre a elite, ou era forçada a
obedecer as novas determinações em função das medidas punitivas.
A partir de levantamento bibliográfico observamos uma tendência geral nas cidades
brasileiras, apesar das diversas escalas e graus variados de intensidade, de adequá-las aos padrões
da modernidade, da salubridade e da higiene. Nesse sentido, na então Cidade da Parahyba não
seria diferente, especialmente em meados do século XIX e início do século XX4, há uma
pretensão, principalmente por parte dos seus governantes, em concretizar profundas mudanças na
estrutura da cidade para transformá-la também em uma cidade moderna, higiênica e salubre.
Para o entendimento acerca da elite aqui retratada, partimos das proposições de Murilo
de Carvalho. Consideramos, conforme coloca o autor, que retratar a elite brasileira durante o
período imperial, não é tarefa fácil, visto que, de acordo com suas próprias palavras “o império
durou 67 anos, período suficientemente longo para permitir mudanças importantes” na sua
composição. (Idem, 2003, p. 58)
Ao tratar sobre a elite no Brasil, o autor supracitado inicia a discussão diferenciando as
elites portuguesas e espanholas, a partir de características políticas, sociais, econômicas, mas,
sobretudo, analisando o tipo de educação que cada um destes países ofereceu a suas elites,
principalmente no que se refere à educação superior. A principal diferença apresentada pelo autor
é que a Espanha, ao manter uma política por criar universidades nas colônias, permitira a
formação de elites locais, e evitou a unificação das mesmas, ao contrário de Portugal. A maior
parte da elite política brasileira havia estudado na Universidade de Coimbra e, por isso, estava
4 Embora a influência higienista sobre a regulação dos espaços urbanos não se limite a esse período, já que podemos observar em registros documentais algumas solicitações de equipamentos urbanos ainda no início do século XIX, ou mesmo nas últimas décadas do século XVIII, enfatizamos este recorte por ter sido o período em que as determinações e posturas fundamentadas neste discurso são mais abundantes.
26
submetidas a uma homogeneização gerada graças à socialização e ao treinamento comum que aí
recebera. Esta homogeneização favorecia, por sua vez, o fortalecimento do Estado, já que isto
seria imprescindível para que a elite permanecesse no poder, uma vez que ambos encontravam-se
interligados.
A educação seria, pois, um elemento importante na unificação ideológica da elite
brasileira, pois esta parcela da população, considerada “uma ilha de letrados num mar de
analfabetos” (CARVALHO, 2003, p. 65), ao receber formação superior em Coimbra5 mantinha
contato entre si, ou seja, estudantes de diversas províncias de alguma forma se conheciam. Esta
política é tratada pelo autor como uma
política sistemática do governo português nunca permitir a instalação de estabelecimentos de ensino superior nas colônias. Quando em 1768 a capitania de Minas Gerais pediu permissão para criar por conta própria uma escola de Medicina, o Conselho Ultramarino respondeu que a questão era política, que a decisão favorável poderia enfraquecer a dependência da colônia. (Idem, p. 69)
Outra diferença apresentada pelo autor encontra-se inserida no campo político. Para ele,
Portugal objetivou a partir de suas atitudes, a unidade, ou seja, a supremacia do governo civil,
buscada principalmente e estrategicamente pela presença da corte na colônia. Por outro lado, a
Espanha se caracteriza pela fragmentação conseqüente de um longo período anárquico por ela
vivenciado. Esta política de unificação adotada por Portugal refletirá no Brasil e
conseqüentemente na formação da sua elite à medida que criará laços econômicos entre as várias
capitanias existentes, garantindo desta forma a integridade do território colonizado por Portugal.
Ao falar sobre a elite, Murilo de Carvalho expõe que “não nos referimos a grandes
homens [...] falamos de grupos especiais de elite que se distinguem tanto das massas como de
outros grupos de elite” (CARVALHO, 2004, p. 20), a qual se caracteriza pela homogeneidade
social, já que boa parte dela partia dos setores sociais dominantes, ou seja, havia uma vinculação
entre a elite e a dinâmica social, a qual mantém seu domínio na medida em que controla alguma
‘força social’, tal como dinheiro, terra, conhecimento ou religião. No entanto, no momento em
que a distribuição dessas forças é modificada, a classe política desaparece para ceder lugar a
outra que controle a nova força social dominante.
Ainda de acordo com Carvalho (2003), o Estado seria o maior influenciador na
5 Esta prática foi mantida até o início da Independência, quando foram criadas as primeiras escolas de ensino superior no Brasil
27
formação da elite durante o período imperial brasileiro, à medida que este mantinha concentrado
o poder nas mãos dos monarcas em detrimento da Igreja e da nobreza. Referindo-se a esfera
política, afirma que as várias combinações e esferas de poder deram origem a elites também
distintas, mais que em sua maioria, o topo da elite brasileira confundia-se com a elite política, até
que “com a progressiva queda da renda da terra, muitos aristocratas passaram a investir em outros
setores, formando-se aos poucos uma aristocracia capitalista” (Idem, p. 29), ou seja, uma elite
comercial, econômica, distinta daquela parcela envolvida com a política e administração pública.
Conseqüência disso foi que com a implementação do que o autor denomina ‘princípios
de mercado’ no que se refere à aquisição de terras, o simples fato de deter a propriedade da terra
seria necessário para obter alguns privilégios legais destinados à elite, a qual vivia, portanto, da
renda da terra, mas dependiam diretamente do Estado para manter seus privilégios, já que
possuíam “caráter parasitário”. Em muitos casos o que ocorria no Brasil era o fato de a terra, por
ser a principal fonte de riqueza, gerar prestígio aos seus proprietários, embora estes fossem,
muitas vezes, “nobres portugueses empobrecidos”. A elite brasileira durante o século XIX pode
ser entendida, segundo o autor, como “simples representante do poder dos proprietários rurais e o
Estado simples executor dos interesses dessa classe” (Idem, p. 41)
Um dos elementos mais destacados ainda pelo referido autor, no que concerne à
formação da elite brasileira, conforme já salientamos, é o tipo de educação que esta recebia.
Neste sentido, é abordado pelo autor que “o Brasil dispunha ao tornar-se independente de uma
elite ideologicamente homogênea devido a sua formação jurídica em Portugal, ao seu treinamento
no funcionalismo público e ao isolamento ideológico em relação a doutrinas revolucionárias”
(CARVALHO, 2004, p. 39)
Além da elite política e econômica que acabamos de apontar aqui, não podemos deixar
de falar na elite eclesiástica. Neste intento, afirma Murilo de Carvalho que, embora não haja
“dúvida de que a Igreja era uma instituição influente. Era parte da burocracia estatal. É
igualmente inegável que houve intensa participação política de padres em certos períodos. Mas
seria exagero dizer que a Igreja como instituição teve grande influência na formulação de
políticas públicas” (Idem, p. 56). O que metodologicamente o faz incluir no estudo acerca da elite
brasileira imperial apenas aqueles eclesiásticos que ocupassem posições representativas ou de
administração no quadro político brasileiro.
Salientamos ainda que, a elite não se limitava àqueles que tivessem recebido uma
28
educação superior, seja em Coimbra, ou nas escolas que foram posteriormente criadas no Brasil,
havia também aqueles que possuíam influência econômica, como por exemplo, os fazendeiros.
Compunha ainda a elite brasileira no período imperial, os profissionais liberais, que,
cada vez mais, atingiram postos antes ocupados pela elite política e econômica que abordamos
anteriormente. Estes eram, de acordo com o autor, “advogados, juízes, procuradores, funcionários
públicos, além de parte reduzida de capitalistas e proprietários [...] boa parte dos elementos com
possibilidade de acesso a posições na elite política estavam de alguma maneira vinculada à
máquina estatal, pois o Estado constituía o maior empregador dos letrados que ele mesmo
formava.” (Idem, p. 98)
Por fim expomos aqui a grande estabilidade que esta elite possuía, sobretudo no campo
político, já que, por circular em vários postos ou regiões, ou seja, permutar não apenas cargos,
como também geograficamente (sobretudo os magistrados e militares) esta elite acumulava uma
ampla experiência de governo, o que lhe garantia ainda mais a permanência no poder e, portanto,
nas camadas da própria elite.
As fontes analisadas expressam muito claramente o ideal dessa parcela da população,
tendo sido escritas por e para a elite detentora do saber. Elite esta que na Cidade da Parahyba,
correspondia tanto aos comerciantes e fazendeiros, como aos proprietários de terra, visto que,
segundo Maia (2000) estes não representava um grupo antagônico, fazendo parte de uma mesma
elite, com interesses interdependentes. Além dos homens letrados, que também, muitas vezes,
pertenciam as duas camadas antes citadas.
É exatamente essa elite, sobretudo os médicos e engenheiros, ou seja, os homens
letrados que aqui nos interessa, por ser a partir do seu discurso de salubridade e modernidade que
um novo olhar será lançado sobre a cidade no que concerne à promoção da higiene enquanto
saúde pública a fim de evitar a ocorrência e a disseminação de doenças, tal como nos referimos
anteriormente. Novo olhar esse que promove ou sugere alterações no espaço urbano desta cidade
e que será analisado no período situado entre os anos de 1854 e 1912, ou seja, desde o primeiro
cemitério público até a instalação do primeiro serviço de abastecimento de água da cidade, então
Cidade da Parahyba.
29
CAPÍTULO I
A CIDADE DA PARAHYBA E O IDEÁRIO HIGIENISTA
Relacionado a momentos e contextos históricos diferentes, a cidade ora estudada recebe
várias denominações, as quais se referem ao período econômico, político e ideológico vivenciado
na ocasião. No recorte temporal analisado, entre finais do século XIX e início do século XX, a
Cidade da Parahyba, antes denominada Cidade de Nossa Senhora das Neves, ou ainda Frederica;
e Filipéia de Nossa Senhora das Neves era marcada pela singeleza e por uma vida urbana de
pouca intensidade, bem como por uma parca expressividade urbana.
De acordo com Jardim (1910) a Cidade da Parahyba, assim como muitas outras de
colonização portuguesa, apresentava, em conseqüência do relevo acidentado na qual encontrava-
se assentada, duas porções diferenciadas, então denominadas de ‘Cidade Alta’ e ‘Cidade Baixa’.
Segundo o referido autor, no ano de 1865, a Cidade Alta possuía: “28 ruas, 07 travessas, 20
becos, 10 praças, 02 fontes públicas, 03 conventos, 11 igrejas, 10 edifícios públicos, 02 edifícios
particulares, 01 cemitério, 01 jardim público, 984 prédios entre os quaes 44 são sobrados6, 382
casas de palha; tendo mais destas 28 por detraz da Rua das Trincheiras.” 7
Como se pode perceber a partir da descrição acima, a denominada Cidade Alta abrigava
neste período, os prédios administrativos e religiosos, graças ao seu relevo, o qual lhe dá maior
destaque e visibilidade. Este era, portanto, o local escolhido para o assentamento das instituições
religiosas e administrativas, as quais aí deveriam se colocar a fim de demonstrar seu poder. Já a
Cidade Baixa, ou Varadouro encontra-se situada exatamente na área da cidade às margens do Rio
Sanhaúa, ou melhor, na planície que se situa entre o rio e o tabuleiro, local onde foi construído o
porto e a casa de alfândega. A Cidade Baixa era, portanto, representada pelo cais do Sanhauá e
lugares adjacentes, os quais compunham um misto de área residencial e comercial, que abrigava
os principais estabelecimentos comerciais e as residências de alguns comerciantes, além do porto,
6 O termo sobrado inicialmente era utilizado para denominar “o espaço sobrado ou ganho devido a um soalho suspenso” (LEMOS, 1996, p. 33), no entanto, aqui é utilizado para indicar os casarões com mais de um pavimento, em geral pertencentes à parcela da população de maior poder aquisitivo. 7 Revista do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba Volume n.º 02. Ano II. 1910.
30
citado anteriormente. Segundo a monografia antes referida, esta parte da cidade contava com:
31 ruas, 09 travessas, 13 becos, 10 praças, 02 fontes públicas, 02 igrejas, 13 edifícios públicos, 02 edifícios particulares, 01 cemitério, 1112 prédios entre os quaes 50 sobrados, 361 casas de palha, e destas mais 16 na ladeira atrás de S. Bento. Existem mais 03 ruas sem denominação, no lugar que se dá o nome de Jardim, contendo 04 prédios e 86 casas de palha.
Dados que podem ser melhor observados ao analisarmos a figura 01que foi levantada em
1855 por Alfredo de Barros e Vasconcelos. Essa planta, levantada em meados do século XIX nos
oferece meios de observar melhor a cidade, visto a ausência de maiores fontes cartográficas.
Segundo Maia (2000) “datam de meados do século XIX os primeiros registros de ordenamento
das ruas, como também a primeira medida no sentido de se elaborar uma planta da cidade da
Paraíba” (Idem, p. 110)
A CIDADE DA PARAHYBA EM 1855
Figura 01: Mapa da Cidade da Parahyba, 1855. Fonte: Mapa feito sobre base levantada por Alfredo de Barros e Vasconcelos, 1855. Organização: Maria Simone Moraes Soares.
Com o intuito de percebermos a evolução e a expansão urbana da cidade ainda no século
31
XIX, nos valemos da planta organizada por Wylnna Vidal. A autora, com a finalidade de estudar
as transformações urbanas e o desenho da cidade entre as décadas de 1910 e 1940 produziu “uma
planta inédita da cidade retratando sua configuração em 1889” (VIDAL, 2004, p. 06) a partir da
Monografia da Cidade da Parahyba. Monografia esta que ela descreve como sendo “um
minucioso descritivo, sem referências gráficas levantando todos os elementos da estrutura urbana
de então – ruas, praças, edifícios, bicas – e descrevendo precisamente a localização, a dimensão
de ruas, a quantidade e o tipo de edificações existentes em cada rua” (Idem).
Figura 02: Planta da Cidade da Parahyba para 1889. Fonte: Vidal, 2004, p. 16. Em negrito estão representados os edifícios públicos e em cinza as ruas abertas ou prolongadas entre 1855 e 1889.
32
A análise dos dois mapas nos leva a perceber que, durante o século XIX o tecido urbano
da Cidade da Parahyba sofreu poucas alterações. Ainda segundo Vidal (2004) os primeiros
esforços de modificação na configuração urbana da cidade ocorrem a partir da segunda metade
do século XIX. “Enquanto no Rio de Janeiro e na vizinha capital de Pernambuco os
investimentos em infra-estrutura urbana começaram a esboçar-se desde as primeiras décadas do
século XIX”, (Idem, p. 09) os habitantes da cidade ora analisada só usufruíram de incrementos
como a água encanada e a energia elétrica na primeira década do século XX.
Ao comparar os dois mapas, a autora propõe que “entre as duas datas a cidade se
expandira de forma espontânea, a partir, sobretudo, do prolongamento de ruas existentes, sem que
o poder público exercesse controle adequado sobre esse processo” (VIDAL, 2004, p. 74).
Acrescenta ainda que, mesmo apresentando expansão do tecido urbano, a Cidade da Parahyba
continuava limitada às porções de Cidade Alta e Cidade Baixa, características desde a sua
origem.
Como explica Sales e Maia (2003) “o contraste entre essas duas áreas da cidade não se
dava apenas pela sua topografia, prédios e outros tipos de edificações, mas também pela
população que circulava pelas ruas: a classe trabalhadora sempre no Varadouro e a elite sempre
presente na Cidade Alta (Idem, p. 46)”, ou seja, a diferença não era apenas na morfologia
apresentada, ou no relevo, mas também nos hábitos e costumes vivenciados pela população que
residia e/ou transitava por cada uma destas áreas da cidade. Além disso
[...] os elementos que dão forma à cidade – ruas, casas, praças – revelam toda uma estrutura social nela presente. E é na forma, na materialidade que as relações sociais se tornam visíveis. No entanto, toda a projeção que se realiza na formas da sociedade na cidade constitui apenas uma parte dela. A cidade irá trazer a imagem do dado momento, ela será construída e reconstruída segundo a vontade, o desejo, o esforço e a reflexão do homem, criando assim símbolos que marcarão época. No entanto, essa construção/ reconstrução ocorrem diariamente, ela se faz fruto do cotidiano tornando assim, a cidade uma obra inacabada e eternamente dinâmica. (SALES e MAIA, 2003, p. 41)
A partir da Monografia da Cidade da Parahyba, citada anteriormente, que, embora tenha
sido publicada em 1910, retrata a cidade em 1865, podemos perceber que a referida cidade, ainda
de pouca expressividade urbana, tinha, na época, sua feição limitada a algumas ruas, sendo estas
concentradas em um perímetro de tamanho relativamente pequeno.
Observa-se ainda uma grande quantidade de prédios religiosos distribuídos ao longo da
33
cidade, representando o poder exercido pela Igreja em detrimento à diminuta atuação do Estado.
Este fato pode ser ainda melhor observado quando analisamos as diversas posturas, leis e
decretos que tratam do espaço urbano, pois, é nítido como, com o passar do tempo, e mais
particularmente a partir dos últimos anos do século XIX, estas determinações vão tratar dos
prédios administrativos prevendo construções, reformas e ampliações nos mesmos.
A fim de entendermos melhor não apenas o crescimento e a expansão no tecido urbano
da cidade, como também seu crescimento populacional, passamos a explanar aqui algumas
características da população, seja em relação ao crescimento vegetativo, ou à tipologia de suas
habitações, de acordo com os dados que encontramos durante a pesquisa. A partir destes dados,
observamos que, no início do século XIX, a população da Cidade da Parahyba estava reduzida à
cerca de três mil habitantes, já em 1828 passa a contabilizar um total de 5.816 habitantes, de
acordo com o ‘Mapa apresentado pelos Vigários das differentes Freguesias’ em 1828 (Arquivo
Nacional). Em relação à tipologia das habitações, sabemos que, neste período a cidade possuía:
Tipologia das habitações na Cidade da Parahyba
Sobrados Casas de alvenaria Casas de taipa Casas de palha.
55 246 608 1.210
Figura 03. Tipologia das habitações. Fonte: Mappa Estatístico da População da Província da Parahyba do Norte. 1828. Arquivo Nacional. Organização: Nirvana de Sá
A partir desses números, os quais representam a cidade antes do período temporal
delimitado para a constituição dessa pesquisa, podemos observar melhor a morfologia e as
características de população ao longo do tempo. Esses dados nos dão subsídios para inferir que,
na maior parte das habitações encontradas na cidade, em meados do século XIX residia uma
população de menor poder aquisitivo, e, por isso, um expressivo número de casas de palha.
Sabe-se que a partir do século XIX, “nas principais cidades brasileiras, grandes
mudanças acontecem [...] tais como o aumento demográfico, a institucionalização da propriedade
privada, as melhorias de transporte e infra-estrutura urbana como a instalação da iluminação, do
abastecimento d’água ou ainda o início da promoção imobiliária” (MAIA, 2008, p. 02). Estes
serão, portanto, os principais fatores responsáveis pelas modificações observadas na Cidade da
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Parahyba tanto em relação à sua morfologia ou à distribuição dos seus habitantes, como aos seus
hábitos e costumes.
Sobre a população nas cidades brasileiras de um modo geral, podemos observar que no
Brasil, um acréscimo da população que reside nas cidades foi notado quando da abertura dos
portos brasileiros ao comércio internacional, com o tratado de 1808. Com o maior fornecimento
de matérias primas, excluindo-se a figura do atravessador, aumentam-se as instalações do
comércio no litoral brasileiro, influenciando, por conseguinte, o litoral paraibano.
Em relação à distribuição dos habitantes da Cidade da Parahyba, verificamos que, nas
primeiras décadas do século XIX eles se ncontravam divididos da seguinte forma:
População Paraibana (1828)
Brancos
Negros Pardos
Naturalizados Africanos Homens 1140 880 410 724
Mulheres 1246 670 180 566 Figura 04: População paraibana. Fonte: Mappa Estatístico da População da Província da Parahyba do Norte. 1828. Fonte: Arquivo Nacional. Organização: Nirvana de Sá
O aumento populacional, observado em algumas cidades brasileiras, ainda não pôde ser
constatado na Cidade da Parahyba no início do século XIX. Um crescimento mais considerável
pôde ser verificado, sobretudo, a partir da segunda metade deste século. Segundo dados
publicados em artigo da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, no ano de 1850
foram batizadas, na Cidade da Parahyba, 388 crianças e faleceram 469 pessoas. O autor do
referido artigo atribui este déficit de natalidade ao fato de que “morria mais gente do que nascia
porque a Santa Casa era a maior fornecedora dos cemitérios e muitos dos seus clientes vinham do
interior só para morrer aqui” (RAMALHO, 1958, p. 136).
A partir da análise documental, mesmo sabendo que “não tem sido possível obter uma
estatística completa da população da província. Os dados que existem [...] são muito imperfeitos,
e apenas podem dar uma idéia aproximada da verdade.” (RPP, 1854, p. 18). Estes dados apontam
que, em 1852, a população da Parahyba [província] “não excede a 211.952 almas, sendo 183.479
de pessoas livres e 28.473 de escravos.” (Idem). Já em 1869, a população da cidade atinge a cifra
de 28.000 habitantes, de acordo com uma comissão de médicos que “sob a presidencia do
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Inspector de Saude Poggi, deviam estudar o assunto e propor medidas” (MEDEIROS, 1910, p.
121). A partir da análise do relatório elaborado por esta comissão, percebemos que “a população
daquela época, de 13.000 habitantes, eleva-se actualmente a 28.000” (Idem). Estes dados
referem-se, respectivamente aos anos de 1869, momento da elaboração do referido relatório e;
1911, quando da publicação do artigo ora citado, de autoria de Coriolano de Medeiros. Ou seja,
apresenta um acréscimo aproximado de 115% em apenas 42 anos.
Embora a população tenha apresentado um acréscimo nos últimos anos do século XIX,
problemas em relação à urbanização e, sobretudo à sua salubridade continuam a atingir este
espaço. Ramalho (1958) explana que as causas de insalubridade, apontadas pelas comissões de
higiene e pelos administradores locais, os quais solicitavam sua pronta resolução, continuavam a
existir durante anos, mesmo que houvessem sido apontadas como focos de disseminação de
doenças e sugeridas sua extinção. Entre estas causas, o autor, cita:
[...] a localização e construção do cemitério publico, o qual ainda hoje está prestando serviços; o despreso em que deixaram os princípios de hygiene na construcção do matadouro publico; a falta de asseio das ruas e praças; inconstâncias das estações; a estagnação das águas do Jaguaribe, da lagoa e aguas salgadas no soppé occidental da cidade. (Idem, p. 141)
Os relatórios dos Presidentes das Províncias e ainda os relatórios referentes às
repartições de saúde apontam ainda como causas de insalubridade a ausência de determinados
equipamentos urbanos e da atuação do poder público:
[...] pouca limpeza e asseio que se observa nas ruas d’esta Cidade, um grande lamaçal que existe á leste da estrada, que communica a ponte sobre o Rio Sanhauá com a Cidade baixa e o rio Jaguaribe, que costeia a capital pelo lado do leste, cujas águas não dispondo de livre curso, em conseqüência da obstrucção do seu leito, acha-se, por conseguinte, transformado em um extenso pântano, coberto de vegetação aquática; o que concorre poderosamente para a alteração, que se nota n’este importante ramo do serviço público (RPP. 1882. p. 21)
O então considerado “importante ramo do serviço público”, (tal como colocado nas
palavras do presidente da província no ano de 1879) era a saúde pública, a qual dá título às suas
palavras. Complementa ainda ao dizer que se fazia necessário para a manutenção da ordem
pública da cidade e da saúde de seus habitantes que esses focos de insalubridade fossem extintos
“pelas leis da hygiene”, o que, no entanto, não ocorria nesta província “devido sem dúvida, á
defficiencia dos seus recursos” (RPP, 1882, p. 21). Em relação à saúde e à salubridade pública na
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Cidade da Parahyba, vários são os registros que afirmam a deficiência da mesma. Pois,
em qualquer canto, em todas as ruas e beccos encontra-se montes de lixo, animaes mortos em putrefação, materiaes fecaes, e aguas podres estagnadas: de sorte que, se todos esses focos pestilenciaes não fossem modificados em sua acção destruidora pela vegetação, que cobre em grande parte o solo, e pelo clima reconhecidamente salubre, estaríamos sempre sob a pressão de frequentes e graves cataclysmas epidêmicos. (RPP, 1882. p. 02)
Essas eram as principais causas apontadas para a ocorrência das epidemias que
assolavam a Cidade da Parahyba ao longo dos anos analisados, quais sejam, entre os anos de
1854 e 1912. É importante, pois, estudar e analisar as medidas que foram tomadas e/ou
recomendadas para o seu combate. Estas, por sua vez, promoveram ou reivindicaram alterações
no espaço urbano da Cidade da Parahyba.
1.1 - Normas higiênicas na Cidade da Parahyba
A fim de entendermos de que forma a Cidade da Parahyba teve o seu espaço urbano
alterado sob a influência do Movimento Higienista, passamos a investigar as alterações e
intervenções urbanas que ocorreram em muitas cidades no mundo ao longo do século XIX e
início do século XX e que foram direta ou indiretamente fundamentadas a partir do Ideário ou
Movimento Higienista. Desta forma, teremos uma compreensão acerca da abrangência das idéias
e teorias que fundamentaram as ditas intervenções e de que maneira estas basearam, interviram,
modificaram ou justificaram as modificações promovidas nessas cidades em geral, e mais
especificamente na Cidade da Parahyba.
Para tanto, partimos do entendimento de que, desde o século XVIII, e mais
especificamente a partir do século XIX algumas mudanças foram verificadas em relação à
distribuição e concentração dos habitantes sobre os territórios das cidades. Na Inglaterra, por
exemplo, estas modificações foram ocasionadas principalmente pela denominada primeira fase da
Revolução Industrial. Esta foi impulsionada pela utilização da máquina a vapor e, por
conseguinte, pelo processo de industrialização. O crescente desenvolvimento da indústria
influenciou um acréscimo na concentração e na densidade dos habitantes nas cidades, e fez com
que os locais onde se dava a instalação de indústrias se tornassem verdadeiros centros de
aglomerados humanos em rápido crescimento.
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Junto a esse acréscimo populacional verifica-se a ocorrência de muitas epidemias, que
assolavam e dizimavam a população, pois, com o adensamento, a transmissão e o contágio das
doenças se dava com maior rapidez. Benévolo (1994) relata que, junto a esses novos problemas
na/da cidade industrial, entre 1830 e 1850, nasce à ‘urbanística moderna’, a qual, aliada às novas
técnicas de construção e novos elementos construtivos, modifica o pensamento e a atuação sobre
o espaço urbano. Além disso, as recentes técnicas de construção e o desejo por tornar as cidades
menos passíveis à ocorrência de doenças possibilitam o surgimento de novas formas de
intervenção deste espaço e sobre este espaço por parte daqueles responsáveis pela gestão das
cidades, as quais se encontravam relacionadas principalmente a uma gestão higiênica dos espaços
urbanos das cidades.
Apesar do surgimento e divulgação das novas técnicas e, da necessidade de diminuir as
epidemias a partir de uma gestão higiênica dos espaços, os instrumentos de intervenção revelam-
se, muitas vezes, insuficientes, pois diante do crescente número de população e da chegada diária
de novos habitantes às cidades atraídos pela indústria, os proprietários e construtores de
habitações as faziam de qualquer forma, sem nenhum controle da autoridade pública, e
tampouco, sem nenhuma preocupação sanitária, desta forma “em muitas cidades as áreas
construíveis caem sob o controle exclusivo da especulação privada, e as exigências especulativas
impõem sua lei a cidade: forte densidade de construções, crescimento em anéis concêntricos em
torno dos velhos centros ou dos lugares de trabalho, falta de espaços livres.” (BENÉVOLO,
1994, p. 71).
Todo esse adensamento populacional gera algumas exigências decorrentes tanto do
déficit e da má qualidade das habitações; como da intensificação e proliferação de doenças entre
os habitantes. Ou ainda graças à grande concentração de pessoas em espaços não suficientes para
a circulação do ar, o que, segundo a teoria vigente sobre a transmissão de doenças seria a grande
causa da ocorrência de epidemias. Esta teoria, denominada ‘Teoria dos Miasmas’, defendia que
as doenças eram transmitidas pelos ares de uma atmosfera contaminada por estarem concentradas
nos ambientes, principalmente naqueles habitados pela população de menor poder aquisitivo. Por
conseguinte, havia um fortalecimento do preconceito social que justificava as intervenções
autoritárias e o afastamento desta população “perigosa” dos lugares habitados pela “boa gente”.
Ou seja, por não possuírem ainda, os meios técnicos suficientes à descoberta dos micróbios, das
bactérias e dos vírus, como os microscópios, por exemplo, as autoridades médicas não apenas
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acreditavam como também difundiam a idéia de que as doenças eram transmitidas através de um
ambiente onde o ar estaria contaminado pelos odores da sujeira das ruas e dos corpos, tanto dos
vivos como dos mortos.
Na tentativa de entender a origem das doenças foram criadas e aceitas pela comunidade
médica em geral, bem como pela elite e pelos administradores locais, três concepções distintas,
porém complementares. Segundo Diniz:
Ao nível das leis eruditas, tem-se a concepção médica, que procurava ligar as causas das doenças a fenômenos naturais e humanos, seja na versão infeccionista (corrupção do ar), seja na contagionista (importação e contato). Entre as camadas populares, dominavam explicações relacionadas à idéia de manipulação da doença. Quanto a terceira explicação, vinculada às religiões oficiais, identificava-se a doença a castigo e punição. (Idem, 2001, p. 129)
Eram a partir destas concepções que se dava a formulação das ordenações urbanas nas
cidades, principalmente durante o século XIX e início do século XX, as quais serão aqui
analisadas.
Diniz (2001) expõe que até o século XIX duas formas de representação fundamentaram
o entendimento sobre o surgimento das doenças, são elas, a concepção ontológica e a concepção
dinâmica. A primeira delas, ou seja, a concepção ontológica seria algo exterior ao homem que o
penetrava, e “neste caso, o homem doente seria aquele ao qual havia se agregado um ser (a
doença)”. (DINIZ, 2001, p.133). Este mal exterior deveria ser, portanto, expulso do homem por
meio de tratamentos baseados em religiosidade ou “mágica”, daí a justificativa para o uso de
sanguessugas, muitas vezes utilizados, não só por curandeiros, como pelos próprios médicos,
conforme podemos observar nos anúncios de jornais e revistas publicados durante meados do
século XIX, ou mesmo no início do século XX.
ATTENÇÃO
Figura 05: Jornal ‘O Tempo’. 1865. NDHIR.
Este uso atrelado aos rituais religiosos fazia parte dos métodos de cura que permeavam o
N. 106.- Junto ao passo – N. 106.
Ginot Manoel Gomes de Carvalho, tendo comprado grande porção de sanguessugas hamburguezas, tem resolvido vender cada uma pelo diminuto
preço de 640 rs.; e aluga pelo de 320 rs.; e faz grande abate nas compras de mais de 50.
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período analisado8. A religiosidade é justificada por ser a epidemia considerada como um castigo
divino, como punição dos deuses à uma vida na qual as leis divinas não eram observadas. Daí a
justificativa para que a população ociosa e pobre fosse considerada como perigosa, no que se
refere à transmissão de doenças.
Já a concepção dinâmica seria o entendimento a partir do qual “a doença era resultante
da perturbação desse equilíbrio [da natureza], dessa harmonia. Como tal, não se localizava em
parte alguma do corpo humano [...] era, sobretudo, o esforço da natureza no homem para obter
um novo equilíbrio.” (DINIZ, 1999, p. 185). Estas concepções, que vão influenciar as teorias
médicas sobre o contágio e transmissão das doenças, até meados do século XIX, levaram a
necessidade da existência de uma gestão higiênica da habitação e dos espaços para que fosse
evitada a difusão das mesmas e a ocorrência das epidemias. A partir desse entendimento, os
recursos para cura e prevenção, em sua maioria resumiam-se ao saneamento. A higiene passa
então a ser considerada como algo imprescindível, ou seja, uma das formas principais de evitar
infecções, fazendo com que as cidades se tornassem ‘alvo’ do ideário higienista, no sentido de
receber equipamentos urbanos que favorecessem a higienização, como a instalação de serviços de
abastecimento de água; de saneamento; o controle sobre a construção de habitações, construção
de cemitérios públicos, e matadouros, entre outros. A higiene, portanto, é considerada como “a
parte da medicina administractiva, que tem por fim conservar a saúde e a vida, aperfeiçoar nossas
faculdades, fasendo-nos gosar e usar de huma maneira conveniente de tudo que nos cerca, e
evitar o perigo ligados ao abuzo.” (Correspondências com o Ministério do Império. 15 de outubro
de 1863).
Neste intento, Boarini (2003) demonstra que, sobretudo a partir de meados do século
XIX, “a preocupação com a objetividade, com o esquadrinhamento e com a previsão era uma
constante. O cientificismo era a figura de uma sociedade que, aceleradamente, se despojava dos
últimos vestígios do feudalismo (p.31)”. A ciência, sobretudo o saber médico, passa a interferir
sobre o espaço habitado. Os médicos veiculavam através dos jornais e revistas da época que os
males epidêmicos se proliferavam devido aos maus hábitos de higiene da população, e que era
preciso difundir entre os habitantes da cidade novos hábitos condizentes com os preceitos
científicos, ou seja, fazia-se necessário, controlar o espaço urbano através de uma gestão
8 Para maior leitura sobre o tema. Ver a obra: Chalhoub. Sidney (Org.) Artes e Ofícios de curar no Brasil: Capítulos de história social. Unicamp, 2003.
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higiênica das habitações e dos costumes, sobretudo das classes populares, pois de acordo com os
detentores do saber científico, eram nas casas dessa população pobre, mais exatamente nos
pequenos cômodos, nos cortiços e nas casas de construção precária, que se originavam os surtos
epidêmicos.
Esta era, portanto, a única forma de evitar as epidemias que assolavam as cidades e
dizimavam grande número de sua população, ou seja, “nada melhor que a ciência com seus
procedimentos demonstráveis, trazendo ‘verdades’ que, tal como a religião o fizera, deveriam ser
irrefutáveis, pois impunham a necessidade de modernidade e desenvolvimento (BOARINI, 2003,
p.98)”. Seria através de hábitos higiênicos que as cidades tomariam ares de urbe moderna,
conforme podemos observar no documento que se segue.
O Movimento que incita todas as cidades a submetter-se as exigências de hygiene moderna, sob pressão enérgica da opinião publica, é irresistível. Torna-se felizmente, de mais a mais temerário de evital-o [...] A morada pode ser comparada a um organismo vivo, si as leis que regem a natureza que nos envolve e que vive de ar, de luz e d’água são respeitadas. As casas insalubres, as casas de taipas, as cobertas de folhagens, receptáculo de insetos e outros, sacrificam esses elementos.9
Tal concepção entendia que, quanto mais a cidade e sua densidade crescem, maiores os
problemas em relação à estética, à insalubridade, aos resíduos sólidos e líquidos, por isso as
contaminações que daí surgem são transmitidas dos bairros populares (vistos como principais
responsáveis não só pela origem, como também pela contaminação e contágio de doenças) para
os burgueses e aristocráticos, ou seja, para os bairros centrais em que habitava a elite dominante,
levando a criação e ao surgimento de inúmeros regulamentos, determinações, posturas e decretos
que alterassem a maneira como se daria o tratamento sobre o espaço urbano.
Quanto aos regulamentos e determinações vale destacar que
[...] as cidades de colonização portuguesa embora não estivessem subordinadas à lei de edificações não se podia dizer que estas cidades se estruturaram sem ordem nenhuma. É nesse contexto que se constrói a cidade de Nossa Senhora das Neves, que surge já enquanto cidade. Contudo, os costumes citadinos eram tipicamente rurais e isto poderia ser mais bem observado através das poucas edificações que em cujos quintais havia o cultivo de certas frutas e hortaliças bem como a criação de galinhas e outros animais. Estas atitudes, ditas como
9 Saneamento da Capital: Estudos e Opiniões. Almanach Administrativo, Histórico e Commercial do Estado da Parahyba para 1911. Coleção Paraibana: Biblioteca Central UFPB.
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rurais, apresentavam-se também nas relações mantidas pelos habitantes e refletiam-se na forma da cidade: ruas esburacadas e fétidas, devido o despejamento de lixo doméstico que se misturava aos dejetos dos animais que viviam nas ruas. (SALES e MAIA, 2003, p. 44).
Maia (2008) analisa a legislação brasileira e o tratamento das cidades e da vida urbana
no período de 1822 a 1850. Esta análise nos faz aqui importante por representar bem as
determinações que versam sobre as cidades de um modo geral, o que nos possibilita o
entendimento sobre as determinações acerca da Cidade da Parahyba em particular, já que lidamos
com as posturas, leis e decretos que a regulamentam. A autora identifica as leis, ao decretos e
ainda as resoluções como sendo o conjunto de documentos que compõem as legislações do Brasil
no século XIX, e propõe que, durante o recorte temporal por ela analisado, mesmo que houvesse
resoluções municipais, a maioria delas era apontada ou direcionada pela legislação nacional.
Percebemos a partir desta explanação que, mesmo com a existência de documentos locais,
ligados à Câmara Municipal, estes não são os mais expressivos e que, em geral, até mesmo os
jornais locais publicavam as determinações nacionais transmitidas da Corte Imperial (Rio de
Janeiro) às capitais das províncias. Em relação às Câmaras Municipais a autora observa ainda que
as decisões locais são controladas pelo governo central e, além disso, as unidades municipais possuem parcos recursos financeiros para viabilizarem todas as atribuições determinadas pelo texto constitucional e pelas leis complementares. No Brasil, os municípios teriam que atender as demandas de melhoramento urbano, instrução, saúde e policial, e os recursos eram por demais escassos, não atendendo as mínimas funções indispensáveis à manutenção dos seus serviços. (MAIA, 2008, p. 08)
A partir da análise documental, constatamos várias modificações na Cidade da Parahyba,
que são determinadas tanto pelas normatizações advindas da Capital do Império, ou
posteriormente da República, como aquelas propostas pela Câmara Municipal da Cidade da
Parahyba, tais como: construção de calçamento e passeios em frente às casas da Rua Conde d’Eu;
os passeios da Rua São Francisco em 1874; o calçamento da Rua São Frei Pedro Gonçalves e da
Estrada da Gamelleira em 1889. Essas intervenções, somadas a inúmeras outras, exemplificam
bem a tentativa e as atuações voltadas para o embelezamento e a higienização da cidade.
Para Andrade (2005), foi principalmente durante o século XIX que surgiu a necessidade
de alinhar as ruas, “contrapondo-se as ruas sinuosas, feitas sem obediência às normas e seguindo
o relevo”. Neste momento, foram formuladas, na Cidade da Parahyba, as chamadas Posturas
Municipais. Estes são, portanto, documentos que contêm normas especificamente urbanas e são
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elaborados pelas Câmaras Municipais. A autora acrescenta que “as câmaras municipais
adquiriram, no século XIX, grande importância no destino das cidades. Uma lei de 01 de outubro
de 1828 regula e padroniza o funcionamento das Câmaras Municipais. O artigo 66 determina que
tudo o que diz respeito ao chão público é de responsabilidade das câmaras.” (ANDRADE, 2005,
p. 31)
Ao analisar as Posturas Municipais que foram criadas na Cidade da Parahyba, temos a
certeza de que esta cidade pretendia acompanhar as tendências de modernidade e a preocupação
com a boa aparência da cidade que eram trazidas da Europa para a Capital do Império e desta
para as demais capitais das províncias.
Note-se que as determinações expressas nos documentos analisados confirmam o ideário
e os objetivos do poder municipal de adequar a Cidade da Parahyba aos padrões de higiene e
salubridade, precisando para isto modificar o espaço físico da cidade e os hábitos da população
por força punitiva. Como podemos aqui demonstrar, o cumprimento das determinações higiênicas
fazia com que se afastasse da área central da cidade não só os hospitais – como o da Casa da
Misericórdia que sai da Rua Direita e passa a situar-se em área distante, denominada Cruz do
Peixe – mas também as habitações da população pobre. Se por um lado os hospitais são
deslocados, afastados da cidade, por outro, os mortos também passam a ocupar outro espaço na
cidade: os cemitérios.
Quanto ao tratamento das leis e determinações para o trabalho de reconstrução ou
análise do espaço urbano, vale destacar os riscos de que nem sempre o que é determinado a partir
da lei é realmente concretizado e, ainda de que as leis em geral representam a classe dominante,
ou seja, a elite local. No entanto, o tratamento e a análise do espaço a partir da legislação fazem-
se importantes à medida que, mesmo que não tenham sido postas em prática, é a partir de sua
investigação que temos a possibilidade de compreender o ideal ou a mentalidade que permeava as
práticas de intervenção no espaço à época, ou seja, conforme coloca Maia (2008) “se por uma
lado é certo que a lei intermedeia as relações de classe em benefício da classe dominante, por
outro, ela também intervém nessas relações através dos registros legais que serviram muitas
vezes para inibir as ações dos mesmos dominantes.” (p. 05)
Acreditamos ainda que estes riscos possam ser amenizados à medida que confrontamos
a análise das leis e decretos com o que era publicado nos diversos jornais e revistas no âmbito da
cidade, os quais, muitas vezes, expressam a situação da maior parte da população que habita a
43
cidade e que não necessariamente fazem parte da elite letrada ou dos responsáveis pela criação e
aplicação das mesmas leis. Portanto podemos afirmar que é baseado no estudo sobre o cotidiano
da população que compunha a cidade; bem como a análise de como esta população aceita ou
refuta o que é determinado pelas legislações que há possibilidade de diminuirmos os riscos
apontados pela autora. Riscos estes que dizem respeito ao tratamento da cidade e da vida urbana a
partir das fontes oficiais.
O discurso da higiene insere-se, portanto, nesta nova forma de controle social e de
exercício do poder por parte da elite sob a população em geral, população esta que, como falamos
antes, em sua maioria não tinha condições de acompanhar tal discurso. Desta maneira, não apenas
o lugar, mas os valores
atribuídos ao modelo de urbanização, representado pelo modelo de cidade moderna, higiênica, saudável, contribuíram para o esquadrinhamento de homens e mulheres [...] as pessoas que desejassem habitar a cidade deveriam se enquadrar nos padrões exigidos pela lógica capitalista que lhe deu origem ou então seriam excluídas a fim de impedir a reprodução de um modelo contrário à ordem planejada, que rompesse o traçado do espaço que se quis presumível. (CAMPOS, 2004, p.14)
Apesar do autor acima analisar meados do século XX, suas contribuições nos parece
importantes por demonstrar que as idéias do controle social não estão limitadas ao período aqui
estudado, porém surgem neste e tem respaldo ainda sob o planejamento urbano atual. Pensando
na exclusão citada por Campos, consideramos, a partir de fonte documental, a exclusão e
segregação posta na cidade ora analisada, ao observarmos não apenas a disposição de
equipamentos urbanos instalados, como também as próprias habitações (tipos de construção e
lugares construídos). Ademais, faz-se importante uma investigação acerca da oferta de alguns
serviços tais como cemitérios e matadouros públicos os quais, embora se fizessem importantes
para a manutenção da salubridade eram também considerados nocivos à sociedade à medida que,
por meio deles poderiam ser emanados gases nocivos, ou seja, constituíam lugares contaminados
ou capazes de oferecer risco à população de um modo geral, segundo a teoria dos miasmas.
Salientamos, portanto, que a escolha dos lugares em que seriam ofertados e/ou
implementados alguns equipamentos urbanos, bem como a não oferta dos mesmos, relacionava-
se também ao conhecimento científico da época sobre o contágio e a transmissão de doenças, já
que cabia aos engenheiros sanitários e aos médicos responsáveis pela administração pública a
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escolha do lugar e a execução da planta dos equipamentos urbanos a ser instalados na cidade, ou
ainda a abertura de novas ruas e até mesmo a disposição das habitações.
O conhecimento científico e a forma como se planejava a cidade são modificados ao
passo que outras teorias médicas são descobertas. Por muitos anos acreditou-se, a partir da teoria
dos contágios, que as doenças eram propagadas através do ar e que era a partir dos lugares e da
má gestão dos espaços urbanos que se daria a ocorrência de epidemias. Jonhson (2008) retrata
bem essa teoria ao comentar o enterramento dos mortos em Londres em meados do século XIX.
O mesmo relata que
por mais repulsiva que fosse a visão das sepulturas, muito provavelmente os cadáveres não estavam disseminando ‘doenças perniciosas’. O fedor era suficientemente opressivo, mas não ‘infectava’ ninguém. Uma cova rasa coberta de corpos em decomposição era uma afronta aos sentidos e à dignidade humana, mas o odor exalado não representava um risco à saúde pública. [...] No entanto, os postos cegos no mapa, os sombrios continentes de erros e preconceitos, carregam também seu próprio mistério. Como tantas pessoas inteligentes puderam se equivocar tão completamente por um período tão extenso? Como puderam ignorar tantas evidências esmagadoras que contradiziam suas teorias mais básicas? (JOHNSON, 2008, p. 25)
A teoria dos miasmas irá, portanto, fundamentar a criação das primeiras leis higiênicas e
sanitárias no mundo, bem como o surgimento da ‘Comissão dos Pobres’ que atuava no ano de
1832, na cidade de Londres; a Lei dos Pobres, de 1834, na mesma localidade; ou ainda o estudo,
realizado em 1845 que culmina com a construção de um relatório da comissão real de Londres
sobre o estado das grandes cidades e dos distritos populosos, no qual se fazem recomendações
para impor às habitações condições higiênicas mínimas a fim de melhorar e alargar ruas; abrir
parques públicos e instalar alguns equipamentos urbanos considerados necessários aos bons
hábitos higiênicos da população.
1.2 - As epidemias e as determinações higiênicas na Cidade da Parahyba
Ao estudar as epidemias – especialmente a epidemia da cólera que assolou a Região
Nordeste durante o século XIX – Diniz (2001) explana as teorias médicas que foram sendo
formuladas ao longo dos tempos com o objetivo de investigar a ocorrência e transmissão das
doenças. Desta forma, o imaginário da doença no século XIX, quando se acreditava nas teorias de
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contágio e dos miasmas é “alimentado pelo desconhecimento das causas do mal, impotência da
medicina, súplicas, preces, desânimo e, sobretudo, medo do contágio” (Idem, p.121). É
exatamente este medo do contágio e o desconhecimento das causas das doenças que vai gerar o
temor em relação à aproximação de outros, ou seja, daqueles considerados doentes ou propensos
a adoecer, principalmente os pobres e desempregados, favorecendo desta forma, a exclusão e a
segregação na cidade. A respeito da inexistência de conhecimento quanto às causas das doenças,
transcrevemos aqui o trecho de uma carta escrita pelo então Presidente da Província no ano de
1863, na qual, trata da cólera afirmando ser
[...] inútil discutir seriamente, com os cênicos dados, que temos ate hoje colhido, qual a causa primordial do cholera, attendendo-se que essa moléstia epidêmica tem-se desenvolvido e propagado no espaço de 15 annos através de 3 milhões de legoas quadradas em paizes e regiões diversas, e no meio de condicções hygienicas e clymatericas inteiramente oppostas. O que porem é senão incontestável, ao menos racional, é suppor-se a existência de uma causa especifica provavelmente espalhada na athmosfera, mas que até hoje se não tem dado a Ella uma demonstração plausível e satisfatória (Correspondências com o Ministério do Império. 12 de janeiro de 1863. Arquivo Nacional)
Desta forma, observamos que, eram as características atmosféricas as principais causas
identificadas para a ocorrência de determinadas doenças, e mais especificamente, da cólera,
tratada pelo autor anteriormente citado. Portanto, as condições naturais do lugar, ou seja, o
relevo, o clima, a ocorrência de ventos e a incidência de raios solares, seriam consideradas os
principais fatores causadores das doenças. Entre os fatores que compunham as condições naturais
da Cidade da Parahyba são destacados nos documentos analisados os pântanos e as áreas
alagadiças, o que em conseqüência, gerou inúmeras solicitações de obras para que os mesmos
fossem removidos da área habitada da cidade, sobretudo, dos lugares habitados pela elite, a fim
de evitar a ocorrência de epidemias.
Em relação às epidemias que assolaram a Cidade da Parahyba durante o período
analisado, averiguamos que em 1853, segundo o relatório do Presidente da Província, “nenhum
mal epidêmico tem accometido esta Capital. A febre amarella, louvado Deos, não tem feito novas
victimas, e somente as febres intermitentes que sempre costumam apparecer pela mudança da
estação tem-se feito sentir no meio da população” (RPP, 1853, p. 22). No entanto, não demorou
muito para que esta cidade fosse atingida pelo mal epidêmico, tal como ocorria nas províncias
vizinhas, como a de Pernambuco, com a qual mantínhamos importantes relações políticas e
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comerciais. O Presidente da Província em seu relatório para o ano de 1855 divulga que “a peste
das bexigas que em alguns mezes passados tanto perseguia os habitantes desta Capital e de alguns
pontos do interior, tem consideravelmente arrefecido” (RPP, 1855, p. 03). E afirma ainda neste
mesmo ano que:
[...] com pezar vos annuncio que o estado da saúde publica na Provincia não é lisongeiro: a peste das bexigas tem lavrado com intensidade em alguns pontos d’ella, com especialidade n’esta capital onde tem feito não pequeno numero de victimas, mas quase todas na classe baixa do povo principalmente entre os presos da cadeia, muitos dos quaes não são vaccinados, e vindos do interior aqui permanecem amontoados em espaço relativamente acanhado, onde por consecuencia não se encontrão as condicções de boa hygiene. (RPP, 1855, p. 08)
Essa epidemia levou o Presidente da Província a contratar dois médicos, três estudantes
de medicina e um farmacêutico a fim de “facilitar não só medicamentos, como facultativos aos
habitantes daquelles lugares, onde taes recursos absolutamente fallecem [...] apesar de exagerado
preço, que elles conhecendo a necessidade urgente e únicos no lugar, impoem a seus serviços”
(Correspondências com o Ministério do Império. 11 de setembro de 1857). A contratação de
médicos é sempre apontada como uma necessidade urgente não apenas para a Cidade da
Parahyba, como também para toda a província, o que faz com que os estudantes sejam
contratados e tenham suas faltas na faculdade abonadas, quando estiverem, durante a ocorrência
de epidemias, em serviço, conforme relata o Presidente da Província em comunicação ao
Ministério do Império no ano de 1856.
Ainda no ano de 1855, o Secretário do Governo da Parahyba em comunicação com a
Corte Imperial reclama que “sendo mui sensível n’esta Provincia a falta de um médico, a
ausência do sobredito Dr. Deixa n’ella um vácuo impossível aqui de preencher”
(Correspondências com o Ministério do Império. 11 de julho de 1855) e conclui rogando que o
Ministério tenha a honra de providenciar a verba necessária para que tal falta seja preenchida, a
fim de que seus habitantes sejam “socorridos em suas necessidades pelos benefícios da Medicina,
agora principalmente que, segundo me parece, somos ameaçados da terrível epidemia de cholera-
morbus” (Idem).
Quanto às epidemias de cólera, podemos dizer que estas foram as que mais
incomodaram as autoridades de saúde da Cidade da Parahyba, por quanto o número de pessoas
vitimadas a cada surto desta doença, daí a importância por combatê-la, evitando sua ocorrência e
disseminação. Esta afirmação poder ser exemplificada ao observarmos que
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O cholera-morbus [...] preocupa a Administração Publica, roubou ao Paiz um crescido numero de filhos, e tirou dos cofres da Nação sommas, que deverião ser despendidas com as industrias e a lavoura, que infelismente vão cada dia em definhamento! [...] Todas as questões de hygiene social apresentam duas faces, uma puramente médica, e outra civil: a hygiene publica por tanto tem na administração baseadas nos conhecimentos médicos e outra nos recursos da Nação: observar ou mesmo destrui-las é do domínio da administração medica, empregar os recursos da Nação em bem da salubridade é do domínio da administração civil. (Correspondência com o Ministério do Império. 11 de maio de 1862)
Em 1856, além da cólera, a peste de bexigas continuava a fazer vítimas, embora
houvesse uma diminuição considerável no número de mortos se compararmos com anos
anteriores. Diminuição esta atribuída, pelas autoridades, a algumas melhorias nos hábitos
higiênicos dos habitantes, mas, principalmente ao serviço de vacinação, o que muitas vezes
mostra-se contraditório, a maioria dos documentos apresenta as dificuldades e reclama a
repugnância do povo em relação ao serviço de inoculação da vacina, alguns outros demonstram
algum crescimento no número de pessoas vacinadas. Acreditamos que estes últimos ocorrem
como estratégia de convencer a população sobre a importância deste serviço.
Em relação à vacinação, vale apontar que desde 1830 a vacinação infantil passa a ser
obrigatória. Apesar dessa obrigatoriedade, poucos pais cumpriam com tal determinação, isto por
várias razões: o método de inoculação além de lento era bastante doloroso; os vacinados ainda
deveriam retornar para verificação da pústula no oitavo dia, gerando desconforto e, sobretudo,
descrença, já que a população em geral não acreditava na eficácia da vacina, pois achavam que a
mesma ao invés de trazer a prevenção era uma maneira de introduzir a doença em seus corpos.
Em 1844, foi decretada uma nova postura pela Câmara Municipal da cidade do Rio de
Janeiro em relação à vacinação infantil. Esta deveria ocorrer entre os 04 meses e 01 ano de idade,
sob pena de multa aos pais ou responsáveis, e para garantir maior controle, os adultos não
vacinados não poderiam ter emprego público, nem mesmo ingressar em escolas, sejam estas
públicas ou privadas. A partir de 1868 todos os anos foram marcados por epidemias no Rio de
Janeiro: “a febre amarela reapareceu no Rio no verão de 1868, e a partir de então não mais deixou
a cidade até a bem sucedida campanha de erradicação liderada por Oswaldo Cruz no início do
século XX” (CHALHOUB, 1996, p. 86). O que conduz à maiores intervenções pelos
administradores. A Secretaria de Negócios do Interior criou o Código Sanitário em 1894 e passa
a tratar daqueles que se recusavam a receber a vacina. Assim, os agentes de saúde passam a ser
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acompanhados da força policial para realizar a vacinação. Aliado a este fato, decide-se tanto no
Rio de Janeiro, como na maioria das outras cidades brasileiras, por se afastar da área central, as
denominadas classes pobres ou classes perigosas, alocando-as nos arredores da cidade com o
objetivo claro de evitar que estes “portadores de doenças” transmitissem seus males à elite. O
conjunto dessas medidas, somado à falta de uma educação sanitária, que ao invés de obrigar,
informasse e convencesse a população da importância da vacinação, gera o que conhecemos
como a Revolta da Vacina. Esta revolta ocorre em 1904 quando o serviço de vacinação estava
imunizando o maior número de pessoas nunca antes visto. O que parece ser contraditório.
Contudo, é importante lembrar que estas pessoas eram vacinadas por força policial e não por
vontade própria, o que fazia crescer cada vez mais a revolta contra os vacinadores, médicos e
sanitaristas.
Vários são os registros e documentos escritos pelas autoridades locais que nos revelam
de que forma ocorria o serviço de vacinação na Cidade da Parahyba, ou mesmo, no interior da
Província, sendo a maior parte deles reclamando sobre a qualidade do ‘pus vacínico’, sua
quantidade ou mesmo a falta de interesse do povo por submeter-se a tal procedimento. Em
relatório, o Presidente da Província reclama sobre o serviço de vacinação, ao dizer que:
“infelizmente a vaccina não tem tido da parte da população [...] a acceitação que éra de desejar, e
este facto não deixa sem duvida de contribuir para a propagação do mal e de seus terríveis
effeitos” (RPP, 1856, p. 19). Neste mesmo ano, o comissário vacinador desta província solicita
uma “remessa de puz vaccinico, de que há por aqui falta absoluta [...] por ocazião do
apparecimento da peste das bexigas na Cadêa publica d’esta cidade” (Correspondências com o
Ministério do Império. 11 de setembro de 1857).
Embora muitas dificuldades sejam expressas, em 1875, o Inspetor de Saúde Pública da
Cidade da Parahyba afirma que, apesar de todas as dificuldades para o bom funcionamento do
serviço de vacinação da Cidade da Parahyba, como por exemplo, “a repugnância de uns, e os
preconceitos de outros” foram vacinados 1354 pessoas durante este ano, concorrendo, ainda
segundo o mesmo, com o bom estado sanitário da província e principalmente com uma redução
no número de mortos. Afirma neste sentido que “raríssimo é o caso de varíola em algum
individuo n’esta capital, devido a estar a maior parte da população vaccinada, ao passo que são
constantemente affectadas todas quantas vem ao interior da Provincia, que se descuidão de
procurar a vaccina” (Correspondência com o Ministério do Império. 11 de dezembro de 1874).
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Apesar disso, a peste das bexigas continua a fazer vítimas no ano de 1857, não apenas na
cadeia pública, como também entre os habitantes da cidade, especialmente “nos subúrbios [...] no
quartel do meio Batalhão e demais logares d’esta mesma Cidade (Idem. 11 de outubro de 1857).
Este ano foi marcado ainda pela ocorrência do que se denominou nos jornais da época de
“primeiro cholera”, (assim denominado a fim de distingui-lo do segundo surto que aflige a cidade
seis anos mais tarde, o qual abordaremos adiante); e da febre amarela que “ceifa na Capital os
marujos dos navios estrangeiros, mas não tem passado a população” (Correspondências com o
Ministério do Império. 1856.)
Irineo Pinto descreve a situação da cidade em relação a essa epidemia da cólera na
Revista do Instituto Histórico e Geográfico. Relata que “os governos cônscios de sua missão e
responsabilidades, punham em pratica as medidas mais necessarias e apontadas pela sciencia,
para não só abortar o mal, se fosse possível, como também o receber no caso da invasão”
(PINTO, 1910, p. 117). No entanto, estas medidas “apontadas pela ciência” não foram tomadas
por parte da população, ou do governo, nem tampouco diminuíram a força do surto epidêmico
que assolou a cidade neste ano. Ainda de acordo com Pinto (1910) “nada, porem, domou a vinda
de tão inopportuno mensageiro da morte, cuja entrada em nosso paiz trouxe o seu cortejo de
lágrimas e dores, aniquilando tantas vidas” (Idem, p. 118). Tal situação exigiu que o Presidente
da Província comunicasse ao Ministério do Império não ser
possível que os facultativos possão soccorrer a todos os affectados, diariamente, principalmente achando-se gravemente enfermo da epidemia o Estudante de Medicina [...] os medicamentos continuão a escacear pelas grandes remessas que tenho sido obrigado a faser para o interior, e pelo grande consumo que tem tido n’esta Capital, cuja mortalidade, apesar de todos os soccorros chegou hontem a 49 individuos, em uma população tão pequena. (Correspondências com o Ministério do Império. 17 de março de 1856).
Esses e outros dados divulgados na dita correspondência, nos indicam que em cerca de
três semanas, houve, em março de 1856, mais de 400 vítimas na Cidade da Parahyba, número
acrescido para 1.110 mortos no mês de abril, momento em que se iniciou um processo de declínio
no número de mortes, ou seja, quando a epidemia passou a ser controlada.
A fim de justificar a pouca eficácia das ações do governo e da ciência no que concerne a
prevenção da ocorrência de doenças, em seu relato, Irineo Pinto afirma ainda que: “a intensidade
delle tornava nulla qualquer medida adoptada pelas autoridades sanitárias [...] pela falta de
conhecimento e preparo dos meios para repellil-o, apellando as populações quasi que
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exclusivamente para o ceo, onde estava a ultima esperança de salvação” (PINTO, 1910, p. 118).
As causas apontadas para a ocorrência desta epidemia são várias, conforme demonstramos
anteriormente. No entanto, podemos perceber que vários eram os autores que afirmavam ser esta
de caráter natural, transmitida pelo ar, como afirmava a teoria dos miasmas. Pinto (1910), por
exemplo, explana que: “o transbordar dos rios, inundando grandemente as suas margens, trouxe a
decomposição de detrictos orgânicos alli acumulados, sendo isto, segundo pensam, de fevereiro a
primeiro de abril, somente um més e cinco dias, foi preciso para uma verdadeira hecatombe
social.” (Idem, p. 126). Além destas, figuravam entre as causas apontadas para a ocorrência e
determinação de doenças e das epidemias, uma
má alimentação plástica, assim como respiratória [...] o desprezo sobre tudo que directamente concorre para viciação do ar que respiramos [...] as más porcas e lamacentas e sujas, os monturos a cada canto, os esterquilínios em quasi todos os bêcos e ladeiras, as aguas estagnadas e pobres, a decomposição e suas exhalações mephiticas miasmáticas a influir alta e poderosamente sobre a salubridade publica. (Correspondência com o Ministério do Império. 15 de outubro de 1863).
Fazia-se necessário, portanto extinguir estes focos de infecção, determinando medidas
higiênicas a serem tomadas tanto em relação ao espaço urbano como à população. Para o
tratamento da epidemia da cólera, muitas eram as medidas determinadas pelo governo, pelos
médicos e engenheiros, principalmente as que diziam respeito à extinção dos problemas citados
anteriormente. Contudo, o que podemos observar, a partir da análise documental, é que havia
uma série de dificuldades para que a Cidade da Parahyba fosse dotada dos meios necessários à
prevenção. Reclama-se, entre outras coisas, do “numero redusido de facultativos, insufficiente
mesmo em tempos ordinários, a falta de hospitaes onde possam ser tratados as pessoas pobres e
desvalidas entre as quaes são maiores os estragos: todas estas considerações afflictivas tem
convertido aquelle receio em quase terror” (PINTO, 1910, p.121). Em relação aos pobres, que
muitas vezes eram classificados como responsáveis pelo surgimento e pela transmissão de
doenças, muitas eram as medidas tomadas para seu disciplinamento e tratamento, exemplo disso,
é o documento no qual o Presidente da Província da Parahyba na época expõe que
A gente mais desvalida, como succede quase sempre em todas as epidemias, foi também aquella que mais soffrêo, sendo a rasão disso fácil de achar-se na apreciação das condicções proprias da pobresa e de suas necessidades, no abuso constante que tal gente comete em todos os sentidos, principalmente quanto ao
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uso de alimentação (Correspondência com o Ministério do Império. 17 de janeiro de 1868).
Esses foram, portanto, os fenômenos apontados como causa dos dois principais surtos de
cólera que assolaram a Cidade da Parahyba. O primeiro grande surto epidêmico de cólera ocorreu
entre os anos de 1855 e 1856 “apesar das enfermarias e boticas que foram estabelecidas para a
pobresa, onde apesar da promptidão e da caridade, com que eram soccorridos e affectados,
elevou-se a cifra obituária a 1.518 mortos” (PINTO, 1910, p. 128).
De acordo com Oliveira (1958), essa epidemia penetrou a Parahyba, vinda da província
vizinha, Pernambuco, através da cidade paraibana de Pedras de Fogo, e causou nesta cidade,
cerca de 3.840 mortos. Já o segundo surto, ocorrido a partir do ano de 1862 apesar de ter gerado
vítimas nas províncias de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, não foi tão violento, em
número de mortos quanto o primeiro, isso porque, segundo o referido autor “agora concorriam,
ao par de taxa embora precária de imunizados pela epidemia anterior, possivelmente experiência
e recursos maiores para uma defesa mais proveitosa.” (Idem, p. 20 e 21).
O segundo surto de cólera, ocorrido na década de 1860 na Cidade da Parahyba
promoveu algumas alterações na cidade, como por exemplo, o improviso de enfermarias. Neste
momento, uma enfermaria foi construída no Convento de São Bento para tratamento dos
acometidos desta doença durante o período de surto. Outras medidas, como a tentativa de realizar
uma educação higiênica entre a população foram tomadas. Esta, tinha o intuito de favorecer a
prevenção a esta doença, de acordo com os conhecimentos da época. É o que relata Oliveira ao
explanar que “também a imprensa quis entrar com a sua cota-parte nessa generosa obra de
solidariedade humana, tomando a si, entre outras incumbências, a de ministrar avisos, instruções,
conselhos sobre os cuidados que a oeste reinante e até como se proceder a medicação dos
coléricos” (1958, p. 21). Os avisos noticiados pela imprensa tinham o intuito, portanto, de
divulgar entre a população, os preceitos medicamentosos e a prevenção para determinada doença.
Os surtos epidêmicos de cólera que assolaram a cidade levaram a que os médicos e
medicamentos que eram destinados a esta capital não fossem capazes de tratar o grande número
de infectados pela cólera, já que, em um único dia, segundo dados fornecidos na Revista do
Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba, morreram 49 pessoas “em uma população tão
pequena”. O autor afirma ainda que “de certo, a província, quiçá a capital, ficaria despovoada.”
(PINTO, 1910, p. 129).
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Todavia, não seria apenas a cólera que faria vítimas na Cidade da Parahyba, outras
doenças foram identificadas como causas de mortes. Neste sentido, o Inspetor de Saúde Pública
na Província, no ano de 1875 mostra em seu relatório a existência de febre amarela e de varíola,
além de outras “entidades mórbidas que ordinariamente aparecem em conseqüência de causas
naturaes e accidentaes que estão todos sujeitos” (Correspondência com o Ministério do Império.
30 de janeiro de 1875). Não obstante esses dados, o mesmo Inspetor afirma ser difícil escrever
acerca da saúde na/da província
[...] para que Ella fosse minuciosa, e completa e tivesse a importância e utilidade, reclamadas pelo bem publico, seria preciso que fosse baseada em dados scientificos, e informações regularmente ministradas por profissionaes encarregados de tão útil tarefa. Mas infelismente assim não succede, em virtude da irregular e defeictuoza organização deste importante ramo de administração, que cada dia reclama promptas providencias dos altos poderes do Estado. (Idem. Ibd).
Contudo, devido à necessidade de relatar o estado sanitário em que se achava a
província, semestralmente o Inspetor de Saúde tinha a incumbência de enviar relatórios acerca do
tema para o Ministério do Império. Dados estes que se encontram catalogados no Arquivo
Nacional, e dos quais, juntamente com outras fontes documentais, nos utilizamos para a
construção do referido trabalho.
A partir do exposto, podemos inferir ainda que em 1878, a epidemia de febre amarela
grassava na cidade e sobretudo nas tripulações advindas de outras localidades e embarcadas no
porto. Conforme podemos perceber nos documentos oficiais e nas correspondências emitidas
pelos então presidentes da província “a febre amarella, que por vezes tem manifestado e
propagado nas tripolações dos navios estrangeiros, que demandam este porto no tempo da safra e
na estação calmosa, este anno apareceo” (RPP, 1878, p.41). As causas dessa enfermidade eram o
“envenenamento miasmático produzido pelas emanações, que se desprendem dos pântanos, dos
esterquilineos, do cemitério, do matadouro e de outros focos de infecção, sob cuja inffluencia
vive a população” (MEDEIROS, 1913, p. 122). Este trecho de documento, extraído de artigo
publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba é complementado por outro
intitulado: ‘A Nossa Hygiene: Considerações Geraes’, de autoria de Flávio Maroja, publicado na
mesma revista, o que indica a importância deste tema para a população da cidade à época, já que
muitos são as divulgações em jornais, revistas, e ainda em documentos oficiais, tais como
posturas e decretos que versavam sobre o tema. Este autor escreve, ao complementar o que
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anteriormente escrevera Coriolano de Medeiros que “por onde quer que se comece o estudo das
diversas causas, productores umas, e aggravantes outras, de má hygiene da nossa capital, ver-se-a
no seu termino, que são innumeras essas causas, cada qual mais carente de prompto e efficaz
remedio, todas merecedoras de um remodelamento accorde ás exigências da hygiene moderna.”
(MAROJA, 1913, p. 431)
Em 1882, o Presidente da Província afirma que, em relação aos riscos epidêmicos, as
febres eram as que mais acometiam a população desta cidade, estas eram “em geral benignas e
cedendo a um tratamento regular, muitas vezes revestiam-se de symptomas typhicos, e com
perturbações taes, que zombavam de todos os esforços da medicina. Não foram muitas as suas
victimas, no entanto succumbiram algumas sob sua acção.” (RPP, 1882, p. 04). E acrescenta
ainda que essas febres que ocorreram na cidade neste ano são decorrentes “de uma entoxicação
produzida por emanações deletérias, que se desprendem dos pântanos, esterquilinios existentes no
centro da Cidade, do Cemitério, do matadouro e de outros locos de infecção” (Id. Ibd.), os quais
deveriam, como vimos, ser regulados e controlados a partir de medidas sanitárias.
1.3 - As condições sociais como causadoras de doenças
Na última metade do século XVIII e principalmente com a publicação em 1790 da obra
La miseria del pueblo: Madre de enfermidades, do médico J.P Frank cresce na Europa os
primeiros estudos acerca das problemáticas enfrentadas pelo proletariado industrial, formando
junto com a medicina legal, a medicina pública, ou social. É nesse sentido, que são produzidas as
maiores transformações no campo científico, principalmente na medicina, para lutar pela
erradicação de enfermidades, como a febre amarela e a cólera.
[...] afecciones que se desarrollaban con más frecuencia en el medio urbano y que afectaban a la mayor parte de la población, especialmente aquella conformada por las clases más bajas, trabajadores, obreros y sus familias, cuyas insalubres condiciones de vida y de trabajo se convertían en focos de enfermedad permanentes. (GONZALÉS, 1999, p. 02)
De acordo com o autor acima, os primeiros escritos que tratavam das enfermidades dos
trabalhadores sob os preceitos do Movimento Higienista na Espanha datam de meados do século
XVIII e estão relacionados principalmente à problemática do proletariado industrial, “cuando
tendrá lugar, en nuestro país, el desarrollo conceptual definitivo del higienismo como doctrina de
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base científica” (Idem, p. 03). Essas idéias serviriam como guia para as ações do governo,
provocando reformas em toda a legislação que se referia à saúde, ao ensino e exercício da
medicina e da cirurgia; às águas minerais; à higiene municipal; à polícia urbana e rural; aos
cemitérios; entre outros. Desta forma, as atividades cotidianas foram acompanhadas pela teoria e
legislação higienista como “forma de gobierno y como actuación destinada a prevenir y a
remediar los males que afectaban al conjunto de la sociedad española.” (GONZÁLES, 1999, p.
45).
A miséria e as condições sociais do povo, relacionadas à ocorrência de doenças foi alvo
de estudo de muitos outros autores. Peter Hall (1988), por exemplo, descreve a situação de
algumas áreas habitadas por trabalhadores em Londres, a miserabilidade dos cortiços em que se
apinhavam várias famílias, crianças, jovens, mulheres e idosos vivendo sem nenhuma condição
de higiene em um espaço muito menor do que o Estado vitoriano destinava para os encarcerados
em prisões ou em reformatórios. Além disso, era praticada uma extorsão em relação a esses
aluguéis, para uma população que chegava a pagar quase 50% do seu salário em aluguéis devido
à escassez de moradia e ao rápido crescimento da população ocupada em trabalhos industriais
“uma classe digna de lástima, constituída por gente batalhadora, sofredora, desesperançada, as
vítimas da competição, e sobre as quais recai com especial dureza o peso das depressões
recorrentes do mercado” (HALL, 1988, p. 75)
Percebemos o quanto a industrialização alterou o espaço urbano, pois ao atrair levas de
habitantes à cidade, sem que esta possuísse condições de infra-estrutura de recebê-los, os
habitantes, principalmente a população de menor poder aquisitivo passa a habitar lugares
insalubres sujeitos às doenças. Isto se torna um fator agravante no período analisado por não
possuirem ainda técnicas de combates eficazes às epidemias que assolavam a cidade durante o
século XIX. Nesse sentido, boa parte das habitações, principalmente as mais modestas continuam
a sofrer com a falta de infra-estrutura, desprovidas de qualquer equipamento necessário para
habitação e se contrapunham às normas de higiene que agora vigoravam na cidade.
Abreu (2005) ao falar sobre a emergência do pensamento higienista, delimita suas
origens na obra de Hipócrates, intitulada ‘Sobre os ares, as águas e os lugares’. Esta obra
difundida pelo médico Syndeham ao estudar a cidade de Londres no século XVII define o que
vem a ser a teoria mais aceita acerca da proliferação de doenças. A mesma propunha, tal quais
outros autores por nós analisados, uma íntima relação entre o meio natural e geográfico, bem
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como as condições sociais com a ocorrência de certas doenças. Esta teoria foi, portanto, utilizada
para explicar as grandes epidemias que assolavam as cidades, principalmente durante o período
da Revolução Industrial a partir das mudanças trazidas pela mesma.
Com base nos estudos sobre as causas sociais da insalubridade, deu-se a criação de
inúmeros trabalhos chamados geografias e/ou topografias médicas. Esses são definidos como
Una serie de estudios de tipo geográfico-estadístico, en los que se insertan diversas consideraciones acerca del origen y desarrollo de la mortalidad en general. Estas monografías médicas suelen ceñirse a ciudad, localidades y comarcas o regiones concretas, y tienen como base determinadas concepciones médicas, que consideran la génesis y evolución de las enfermedades como fuertemente determinadas por el clima y el medio local. (URTEAGA, 1980, p. 07)
Nos inúmeros documentos que tratam a Cidade da Parahyba no período analisado, não
identificamos nenhuma obra com a denominação de topografias ou geografias médicas, no
entanto, há algumas descrições que indicam os lugares, na Cidade da Parahyba onde haveria
maior possibilidade de ocorrência de doenças, conforme descrito por Urteaga.
Em relação às topografias médicas podemos expor que elas tratavam, a partir do
discurso higiênico, de considerar não apenas o meio natural em que estava inserido o espaço
analisado, como também o meio social, e de que forma estes poderiam contribuir para o
desenvolvimento de enfermidades. Este fato levou a que os higienistas em geral promovessem
críticas enfáticas à falta de salubridade das cidades industriais e, principalmente, das habitações
pobres que, por não terem recursos, não podiam atentar para as determinações higiênicas
propostas pelas elites. Cabiam às topografias então, não apenas descrever minuciosamente as
condições deste ambiente, como também propor medidas de caráter higiênico e social, a fim de
contribuir com uma melhoria na qualidade de vida, na saúde e na higiene daquela população
considerada perigosa.
Urteaga (1980) revela “la relación estrecha, que a lo largo del siglo XIX se da entre
medicina e geografía (p. 08)”, visto que seria através de características do meio ambiente, tais
como a circulação do ar; a localização dos terrenos úmidos e pantanosos que ocorreria a
disseminação de doenças. A ocorrência de febres, por exemplo, estava relacionada a partir dos
escritos médicos com o clima, neste período, mais particularmente
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desde mediados de siglo [XVIII], los miasmas aparecen doquier, muchas veces como complemento de las alteraciones atmosféricas. En general, y hasta la segunda mitad del siglo XIX, gozarán de amplia aceptación todas aquellas prédicas que atribuyen a los miasmas el origen de las epidemias – tercianas, fiebre amarilla, cólera – tan extraños elementos, se definen usualmente como substancias imperceptibles disueltas en la atmosfera, originadas por la descomposición de cadáveres, elementos orgánicos o incluso por emanaciones de enfermos. (Idem, p. 11)
Neste sentido, na Cidade da Parahyba não seria diferente. Em comunicação com o
Ministério do Império, o então Presidente da Província afirma, no ano de 1860, que “a epocha das
enchentes dos rios na estação das chuvas assignala o apparecimento de febres e outras
enfermidades em consecuencia da insalubridade do ar, resultante de exhalações mephiticas então
mais abundantes” (Correspondências com o Ministério do Império. 28 de fevereiro de 1860).
Além desta, o remetente da referida correspondência relata que, muitas outras causas
contribuem para a insalubridade na Cidade da Parahyba, as quais tem uma relação direta com a
geografia do lugar, conforme pretendemos afirmar. Dentre estas são citadas “a proximidade de
terrenos alagadiços cobertos de mangues á margem do Rio Parahyba na extensão de cinco legoas;
outra a existência de uma alagoa e das várzeas paludosas do ‘Riacho Jaguaribe’ a barlavento
desta cidade” (Idem). Fazia-se necessário, portanto, um controle sobre o lugar e a adequação
destes espaços a fim de que os mesmos deixassem de, de acordo com o saber médico da época,
produzir gases nocivos à saúde dos habitantes, favorecendo à disseminação de doenças.
O Presidente da Província prossegue esta correspondência apontando outras causas para
a insalubridade na Cidade da Parahyba, ao relatar que, além das causas naturais, as quais
transcrevemos acima, há ainda “a ignorância e incúria da população da classe inferior, o pouco ou
nenhum asseio das ruas e quintaes, onde muitas vezes se achão grandes focos de infecção”
(Idem). A miséria era, portanto, entendida como causa, como a culpada dos males que assolavam
a cidade, visto a ignorância desta parcela da população, de acordo com o discurso dos
administradores locais.
Na Cidade da Parahyba, no ano de 1858, o Presidente da Província em correspondência
ao Ministério do Império afirma a necessidade da construção de um estabelecimento que
funcionasse enquanto ‘escola industrial de aplicação à agricultura’. Segundo o mesmo, com o
hábito de trabalhar desde cedo, as crianças paraibanas teriam em si a produção dos melhores
“effeitos em relação não só a industria do paiz como á moralidade de seus habitantes, cujas
classes pobres, em falta de educação conveniente, vegetão na mizeria e contrahem vícios que a
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ociosidade alimenta.” (Correspondência ao Ministério do Império. 11 de outubro de 1858).
Neste sentido, é criada a Lei Provincial nº 24, de 04 de julho de 1857 que autoriza a
instalação de escolas agrícolas teóricas e práticas na província, com a intenção de que estas
escolas fossem “uma imitação dos asylos agrícolas quaes se observão na Suissa. Nella reunirei
um certo número de meninos desvalidos, sobretudo orphãos, collocando-os d’est’arte em posição
de se tornarem cidadãos aproveitáveis, o que certamente não aconteceria se continuassem a viver
no estado de degradação em que nacerão” (Idem, 11 de outubro de 1858). A instalação destas
escolas para as crianças e desvalidos justificava-se para que esta parcela da população pudesse
“empregar no trabalho lucrativo o que hoje dispendem no jogo e em outros vícios a que recorrem
como único meio de distração” (Id. Ibd.). Desta forma, seriam considerados homens bons e
deixariam de representar perigo, posto estarem ocupados com seu trabalho, já que seriam
considerados perigosos, conforme afirmado em outra ocasião aqueles a quem a elite julgasse
avesso à higienização e ao trabalho, isto é, os pobres; os doentes mentais; os doentes em geral; os
ociosos, enfim, toda parcela da população que por algum motivo representasse oposição à ordem
imposta e sonhada pela elite para o espaço das urbes, portanto, aqueles que fossem julgados
contrários: ao progresso, ao moderno, ao higiênico e ao belo.
A questão do trabalho na cidade que se pretende moderna e higiênica sempre foi um
ponto importante, o que nos leva a – embora não a discutamos com maior zelo por não tratar-se
do nosso objetivo central – anotar algumas medidas que foram utilizadas pelos administradores
da Cidade da Parahyba, a fim de combater a ociosidade da população durante o período
analisado. Fazia-se importante dar trabalho à população pobre, não só para diminuir a quantidade
de pessoas que transitavam pelas ruas ‘sem rumo’ e ‘sem ocupação’, como também, e
principalmente, a fim de exercer o controle sobre esta parcela da população, considerada perigosa
por não ser, segundo o discurso da elite, adeptas aos princípios reguladores do trabalho.
O trabalho era entendido como meio para sustentar a ordem social, a qual só seria
atingida através de “uma nação produtiva, que reprimisse sistematicamente o não-trabalho, o
ócio, a vagabundagem” (CAMPOS, 2004, p. 17), ou seja, já que o trabalho era visto como uma
das principais maneiras de moralizar o ser humano cria-se na Cidade da Parahyba, a verba
‘Socorros Públicos’. Essa verba tinha o intuito de que os retirantes e mendigos fossem
aproveitados nos diversos serviços e equipamentos urbanos que vinham sendo implementados na
cidade durante o final do século XIX e início do século XX. E neste sentido as epidemias eram
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consideradas avessas ao trabalho já que as mesmas ocorriam “aniquilando tantas vidas e
arrancando tantos braços, tão necessarios, naquelles tempos, ao trabalho profícuo de agricultura e
povoamento do solo, em uma nacionalidade de pequena população, que não podia soffrer esta
guerra de extermínio.” (PINTO, 1910, p. 118)
Com o propósito principal de controlar esta parcela da população considerada perigosa,
bem como enquadrá-los no sistema moralizador do trabalho, a verba ‘Socorros Públicos’,
consistia em fazer com que os indigentes e retirantes da seca fossem utilizados nas obras públicas
que estavam sendo realizados na capital. Em troca receberiam auxílio ou, conforme denominado
à época, ‘ração’, o que garantiria a sua sobrevivência.
Vários são os documentos que versam sobre este tema, como o relatório do Presidente
da Província, do ano de 1878, o qual explana que
[...] no empenho, pois, de dar occupação util e proveitosa ao excessivo numero de emigrantes validos, que, dispersos, na mais completa ociosidade, percorrião em lastimável estado de fome e nudez, as ruas d’esta Capital, recommendei á mesma Commissão que os fizesse empregar em diversas obras públicas de maior urgencia. (RPP, 1878. p. 14)
A parcela da população que vagava pelas ruas sem trabalho, e que, por ser consideradas
um dos motivos para o contágio e transmissão de doenças, precisava ser ocupada (empregada) e,
mais ainda, controlada. Esta população, em geral era proveniente do interior da província, e vinha
à capital paraibana, principalmente nos períodos em que suas cidades estavam sendo acometidas
pela seca, em busca de melhores condições de vida, e somava-se aos indigentes da própria cidade
aumentando ainda mais o espetáculo de miséria observada nas suas ruas. Conforme nos conta o
presidente da província em seu relatório sobre o ano de 1879, “esta corrente de pessoas
desvalidas que descem de vários pontos do interior para esta cidade, pouco tem diminuído, e
ninguém ignora quaes as necessidades que passam essas famílias desvalidas atravez desses
caminhos, ingerindo fructos e raízes bravias, águas insalubres e carregando, á pé, creanças sob o
calor ardente da secca” (RPP, 1879, p. 12). Neste mesmo relato, o presidente da província
acrescenta em relação à saúde desta parcela da população que,
Vê-se, pois, que essa aglomeração do povo que aqui existe já com a saúde mais ou menos deteriorada, fora de seus hábitos, sem agasalho, sem commodos, sem alimentação regular, sem roupas, será ainda a causa do desenvolvimento de molestias, até que seja retirada completamente do seio desta cidade essa população adverticia e ociosa, proporcionando-se-lhe meios de trabalho na
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factura de estradas e do plantio á que deverão entregar em nucleos coloniaes. Não há duvida que é dessa aglomeração de indivíduos indigentes, dessa promiscuidade de sexos e falta absoluta de asseio, que resulta o mephetismo, que determina no organismo uma verdadeira germinação deletéria. (Idem, p. 12)
Portanto, seriam perigosos, à medida que eram considerados os responsáveis pela
transmissão dos seus males à população em geral, e, sobretudo, à elite. Esta última residia nas
principais ruas da cidade, em habitações luxuosas e em ruas urbanizadas, geralmente mais
dotadas de infra-estrutura do que as ruas mais distantes da área central. Esta área era também o
lugar onde se concentravam também as igrejas e os prédios da administração pública, ou seja,
onde acontecia a vida urbana da cidade. No entanto, tinham a sua vista diariamente o espetáculo
da pobreza e da indigência que lhes incomodava, pois este era o lugar escolhido pelos pobres para
transitarem e deixar à mostra seus males e sua miséria, em busca de se enquadrar em algumas das
obras de caridade organizadas pelas mulheres vinculadas às instituições de caridade, tal como
ocorria com a Santa Casa de Misericórdia.
Neste sentido, na Cidade da Parahyba “outro fator que agredia o olfato e as vistas da
emergente elite comercial urbana dizia respeito ao fato das secas tangerem para a capital os
sertanejos e, com eles, todo um cortejo de miséria, imundície e peste” (SÁ, 1999, p. 65). Em
períodos de seca, a cidade recebia uma grande leva de retirantes, a qual sem infra-estrutura para
recebê-los, tinha o seu cotidiano ainda mais afetado, posto que, com o acréscimo populacional as
epidemias assolavam e dizimavam um número maior de habitantes, bem como o contágio se dava
com mais força. Estes retirantes da seca faziam parte da população considerada perigosa, pois
através deles o perigo de contaminação e a falta de trabalho poderia influenciar a ‘boa gente’.
Além do hábito de utilizar a população retirante na realização de obras públicas, em
1867, o Chefe de Policia Dr. Antonio Joaquim Buarque de Nazareth “ordenava que os presos
codemnados á galés fizessem a limpeza das ruas da cidade e pequenos trabalhos de nivelamento e
terraplanagem.” (MEDEIROS, 1913, p. 121). Esta prática tornou-se comum até o ano de 1889,
momento em que, graças ‘ao espírito de modernidade’, e “sob o pretexto de que o espetáculo de
presos encalcetados asseiando a rua era deprimente, findou-se o uso estabelecido pelo Chefe de
Policia de 1867.” (Idem).
A idéia de segregação daqueles considerados perigosos permanece e leva à criação de
estabelecimentos nos quais a observação desta parcela da população por parte dos “homens bons”
e da elite deveria ser evitada. Neste sentido, são criados os asilos de mendicidade e asilos de
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loucos na Cidade da Parahyba. Para tratarmos desta questão, partiremos principalmente dos
relatórios da Santa Casa da Misericórdia. Com base nestes documentos, observamos que no final
do século XIX, há uma solicitação para a construção do ‘Asilo de Mendicidade’, o qual ainda não
havia sido construído em detrimento do desejo dos administradores locais, e mais particularmente
do Provedor da Santa Casa de Misericórdia, que assina o referido relatório.
Graças à inexistência deste, a medida tomada era a de distribuir o dinheiro de esmolas a
todos os pobres que vagavam pelas ruas da cidade, mas principalmente àqueles que por ventura
estivessem prestando algum serviço, seja diretamente à Santa Casa de Misericórdia, ou mais
especificamente à municipalidade. Esta afirmação pode ser exemplificada ao observamos o
relato, publicado no ano de 1889, no qual o provedor da Santa Casa afirma que no momento em
que tomou posse
um homem, que, posto não estivesse curado de sua vizivel enfermidade, que parece difficil de completa cura. Pedio, e obteve alta. Passados alguns mezes voltou em pior estado, e foi segunda vez admittido no hospital, d'onde sahindo em Maio, ou principio de Junho ultimo, tornou a entrar. Elle que não achava fora meios de subsistência, e que não podia expor-se á serviços pezados, quiz servir voluntariamente no hospital, dando-se-lhe a ração de doente. (RSCM, 1889, p. 15)
Essa história é relatada a fim de ressaltar a importância do trabalho e de fazer com que a
população de um modo geral, mas principalmente a “classe perigosa” estivesse voltada ao
trabalho e não se encontrasse ociosa, como medida de segurança e de controle, conforme
podemos afirmar em outra ocasião. Neste mesmo ano, a quantidade de indigentes na Cidade da
Parahyba sofre um acentuado acréscimo, visto que o interior da província estava passando por um
período de seca. Este fato faz com que seja “tal a concurrencia de retirados do interior da
província, famintos, maltrapilhos e doentes á procura de asylo e recursos, que em pouco tempo
chegou a 170 o numero d'esses infelizes, de ambos os sexos e de todas as edades, recolhidos,
alimentados e tratados no Hospital.” (Id. Ibd. p. 16). Salientamos que o autor refere-se ao
Hospital da Santa Casa de Misericórdia, já que era, inexistente na cidade um asilo de
mendicidade.
No ano de 1911, o estabelecimento do Asilo de Mendicidade, continuava a “ser uma
aspiração”, já que, segundo relato do provedor da Santa Casa de Misericórdia “o estado de
desenvolvimento da nossa capital não supporta mais o espectaculo deprimente da mendicidade
nas ruas e nas praças” (RSCM, 1911, p. 17). Por conta da inexistência do dito asilo e com receio
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de que houvesse, entre estes indigentes a propagação e o contágio de alguma doença epidêmica e,
ainda pior, que estes transmitissem seus males à população da cidade, foi criado, em 1912, pelo
presidente da província, um outro hospital, para onde muitos destes retirantes foram transferidos,
denominado de “Cruz do Peixe”, por situar-se no sítio de mesmo nome.
A idéia exposta acima e que vai permear o isolamento daqueles considerados indigentes
e, portanto, perigosos no que concerne à manutenção da higiene da cidade, vem a promover
também o isolamento dos considerados loucos, e por isso, considerados não menos perigosos. No
entanto, mesmo no início do século XX, qual seja, no ano de 1906, eram inúmeras as
reclamações quanto a este estabelecimento. O relatório do Provedor da Santa Casa de
Misericórdia, para este ano afirma que
[...] este estabelecimento onde são recolhidos os infelizes que perdem a rasão, não corresponde, de modo algum, aos intuitos da caridade e nem ás prescripções da sciencia medica. E’ antes uma prisão, e esta bem martyrisante, do que um manicomio, com o necessário conforto e os meios hygyenicos indispensáveis á vida humana, infelismente os recursos financeiros da Misericordia ainda não são sufficientes para comportarem as despesas com os diversos ramos de serviço, a cargo da nossa administração, deixando saldo que possa ser applicado na construcção de um edifício moderno embora de pequenas proporções, mas que seja um azylo completo e onde os alienados recebam um tratamento compatível com os preceitos da medicina e encontrem bálsamo ás suas dores. (RSCM, 1906, p. 14/15)
Sobre a miséria entendida enquanto reduto de enfermidades, Urteaga (1980) propõe que,
junto às doutrinas miasmáticas havia também a identificação, principalmente por parte dos
médicos de que, a ‘culpa’ da existência de epidemias na cidade seria daquela população de menor
poder aquisitivo, o que leva a ocorrência da eugenia, ou do preconceito social. Neste período, os
médicos atribuíram à pobreza, às más condições de alimentação e de habitação, ao excesso de
horas de trabalho, ao adensamento dos bairros industriais, bem como, à falta de infra-estrutura e
de equipamentos urbanos como os responsáveis pela transmissão e contágio de doenças.
En resumen, en la segunda mitad del siglo XVIII, son evidentes para numerosos médicos las conexiones que existen entre la morbilidad, y por tanto la mortalidad, y el medio ambiente. Las sutiles relaciones que se establecen entre las aguas, los vientos, el aire, los climas, el suelo, la alimentación y la aparición de epidemias, su difusión a través de miasmas y la distribución espacial de las enfermedades, deben, por tanto, ser objeto de estudio. (URTEAGA, 1980, p. 15)
Com base nestas evidencias, é que, principalmente partir do século XIX, os médicos e
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engenheiros, e aqueles responsáveis pela administração das cidades vão ser incumbidos de
levantar os lugares considerados problemas para a construção de habitações e edificação em
geral, ou ainda serão eles os responsáveis pela escolha dos lugares para construção dos
cemitérios, matadouros, hospitais, lazaretos, enfim, todas as construções consideradas perigosas
em relação à transmissão de doenças, por favorecer, segundo o discurso médico da época, a
disseminação de doenças. Cabia ainda a estes profissionais ‘esconder’ dos olhos da elite a
mendicância, a ociosidade, e a doença. Momento em que os hospitais, mais que lugares para
tratamento de saúde, representam asilos em que esta população que não têm ‘capacidade’ de
cuidar de si e da sua saúde é enviada para que viva à custa da caridade e da igreja.
No início do século XX, questiona-se “si o saneamento da nossa capital pode soffrer
mais adiamentos, já com uma população” de cerca de 25 mil habitantes. (MARÓJA, 1913, p.
435). Muitas serão as transformações e construções que se darão nas primeiras décadas deste
século, como por exemplo, a iluminação pública que é instalada no ano de 1910 e o serviço de
abastecimento de água, sobre o qual falaremos adiante, inaugurado no ano de 1912. É neste
mesmo ano ainda, mais precisamente em 14 de agosto do referido ano, que é inaugurado um
Asilo de Mendicidade na cidade, aos cuidados do senhor Joaquim Manoel Carneiro da Cunha, o
Barão de Abiahy. A instalação do dito asilo teve como intuito deixar a “cidade expurgada de
verdadeiros e pseudo-mendigos” (CUNHA, 1968, p.27), conseqüentemente, torná-la mais bela a
medida que esta parcela da população era segregada e isolada neste estabelecimento.
A criação do Asilo de Mendicidade foi proposta pelo Barão de Abiahy na Paraíba, aos
moldes do que o mesmo havia implementado no estado do Ceará. Por não conseguir subvenção
necessária, por parte do governo, para a criação deste estabelecimento, o mesmo consegue com o
Coronel Álvaro Monteiro, comandante de polícia do estado, uma banda de música “para os
bandos precatórios e uma bandeira nacional. Foi um verdadeiro sucesso. Em poucas passeatas
pelas ruas da cidade, recolheu a quantia necessária para organizar tudo, o que fez em pouco
tempo.” (CUNHA, 1968, p. 28). A quantia recolhida com estas apresentações musicais foi
utilizada para a compra do prédio no qual o Asilo passou a funcionar, já o terreno, localizado “no
arrebalde Mandacarú” (Id, Ibd.), foi doado pelo doutor Manoel Deodato Henrique de Almeida.
Além do prédio em que passou a funcionar o Asilo, e que se situava em área distante da zona
central da cidade, na Avenida João Machado.
Instalado, portanto, de acordo com os preceitos higiênicos, o subventor “mandou
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construir uma capelinha, onde aos domingos, um sacerdote celebrava o santo sacrifício da
missa”.
Este asilo, portanto, cumpre a sua dupla função, a primeira delas era a de auxiliar os
desvalidos que transitavam pelas ruas da cidade e que necessitavam de auxílio financeiro a fim de
garantir o seu sustento e sobrevivência, mas, sobretudo, cumpre a função de retirar das ruas da
cidade moderna e civilizada a parcela da população que não deveria ser vista, nem percebida pela
elite, já que o simples fato de aí estarem, nas ruas centrais da cidade, representaria atraso e
regresso. Portanto, o Estado, que deveria agir como regulador e propor uma educação sanitária e
uma melhoria na qualidade de vida, através, por exemplo, da instalação de equipamentos urbanos
responsáveis por diminuir a ocorrência de epidemias, atua, na prática, através da segregação e do
isolamento desta parcela da população que se vê obrigada a sair da mira disciplinadora a fim de
poder realizar suas atividades longe do policiamento e da regulação.
A perseguição aos pobres e às suas práticas causadoras de doenças permanece
fortalecida pela crença na teoria dos miasmas, a qual continua sendo a mais aceita entre a
comunidade médica. Entretanto, com o passar dos anos e o aumento das técnicas possíveis para a
investigação em laboratório, as teorias médicas passam a ser reformuladas. Diniz (1999) ao
analisar o conceito de epidemia, propõe que
o discurso médico a respeito da propagação das epidemias vai deixando de lado os imprecisos sentidos do olfato e tato para afirmar-se no sentido da visão. O nascimento da clínica no final do século XVIII que se estrutura através de uma linguagem que fala do olhar, inaugura um novo discurso, marcado pela objetividade, formalidade, empiricidade, concretude, análise e profundidade. (p. 190)
A objetividade aí contida seria, portanto, a responsável por criar as condições para uma
experiência clínica, passando da análise dos sentidos sobre o olfato e o tato, tal como ocorriam
para as teorias do contágio e dos miasmas, para o sentido da visão, a partir dos estudos
biológicos, dando lugar a uma nova teoria: a da transmissão. Teoria esta que contribui com o
surgimento da medicina moderna. Faz-se necessário para o entendimento desta nova teoria as
contribuições de Pasteur, Koch, e ainda do médico John Snow. Estes foram os responsáveis pelo
surgimento, divulgação e propagação da teoria da transmissão de doenças a partir de vírus e
bactérias.
John Snow tem sua importância aqui relatada graças ao seu trabalho de investigação
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sobre a epidemia da cólera que afligiu a cidade de Londres em meados do século XIX. O referido
médico, realizando uma averiguação na rede de abastecimento de água da cidade citada,
relacionou a transmissão da doença com uma bomba de água situada na Avenida Broad Street, a
qual era utilizada para o consumo humano. Ao analisar as estatísticas de saúde que eram escritas
e divulgadas pelos administradores municipais, Snow percebe que foi exatamente nas imediações
desta bomba de água onde ocorreram mais casos da doença. Vale considerar que estas estatísticas
reforçavam a idéia de que a doença acometia a população pobre, ou seja, a classe perigosa, como
um castigo divino por sua “amoralidade”, ou ainda, por sua falta de asseio. O médico e
pesquisador, no entanto, vai além e tenta provar à comunidade médica, que a água fornecida à
população era a responsável pela transmissão de doenças e não as condições sociais, como
queriam fazer crer os miasmistas. Desta maneira, esse médico e investigador social, contribui
para a inauguração de uma nova era da saúde pública.
Já a contribuição de Pasteur encontra-se principalmente na exposição de sua teoria sobre
enfermidades infecciosas. O mesmo propunha que as enfermidades infecciosas seriam causadas
pelos micróbios, os quais seriam capazes de se propagar entre as pessoas. Suas pesquisas
microscópicas foram importantes por contribuir para o entendimento de que se faz necessário,
para o combate das enfermidades, identificar o micróbio responsável por sua disseminação. Outra
contribuição importante para a história da epidemiologia foi a de Koch. Além de ser um dos
criadores da microbiologia, Koch foi um dos responsáveis pela atual concepção da epidemiologia
das enfermidades transmissíveis. Suas contribuições foram fundamentais para a ciência médica
no que concerne à teoria da transmissão de doenças, por ter sido a partir de seus estudos
microscópicos – baseados nos métodos de fixação e coloração de bactérias – que se tornou
possível identificar o bacilo da tuberculose, denominado ‘Bacilo de Koch’ assim conhecido em
sua homenagem. Esta doença era responsável pela morte de muitos habitantes nas cidades.
No entanto, o embate entre os que acreditavam na teoria dos miasmas e aqueles que
divulgavam as novas teorias ligadas à transmissão de doenças não seria resolvido rapidamente, a
divulgação destas novas descobertas apesar de ter, prontamente suscitado debates científicos
entre a comunidade médica, muitos anos foram necessários até que as mesmas fossem aceitas e
passassem a ser utilizadas no tratamento urbano e médico. Neste sentido, mesmo nas primeiras
décadas do século XX, muitas cidades continuam tendo seus regulamentos e ordenações baseadas
e justificadas pelo discurso higiênico pautado ainda na teoria dos miasmas.
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No Brasil, vários são os registros e obras bibliográficas que retratam como as cidades
são modificadas a partir do ideário que permeava o Movimento Higienista e que, por sua vez,
propõe uma forma específica de pensar e gerir o espaço urbano. Portanto, analisaremos a seguir o
Movimento Higienista e sua influência sobre algumas dessas cidades no Brasil.
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CAPÍTULO II
As cidades no século XIX:
Aumento populacional, reformas urbanas e controle higiênico
De acordo com Benévolo (1994) em Londres, a partir de meados do século XIX, o
fornecimento de água de boa qualidade torna-se cada vez mais difícil, em virtude da grandeza e
da densidade dos novos bairros que vão sendo gerados pela industrialização e conseqüentemente
pelo aumento da população. Essa densidade provoca a manifestação de infecções, graças ao fácil
contato entre os moradores, e, por conseguinte, as contaminações e epidemias difundem-se dos
bairros populares para os burgueses, fazendo com que a população clame pela efetivação do
abastecimento de água nesta cidade. Também na França, a industrialização afeta a forma como
se deveria organizar a cidade, pois, a partir da constatação das dificuldades higiênicas nos novos
aglomerados ocorrem várias intervenções no espaço urbano, como por exemplo, a criação de
órgãos responsáveis por manter saudáveis os espaços urbanos e difundir as idéias higienistas, tal
qual a Sociedade São Vicente de Paula; ou ainda a promulgação da primeira Lei Urbanística
Francesa, em 1850.
Essa lei merece destaque, pois a partir dela há autorização para a constituição e
nomeação de uma comissão que deve indicar medidas imprescindíveis para a organização das
instalações e habitações insalubres, mesmo que estas sejam alugadas e/ou ocupadas por outrem
que não seja o seu proprietário. O proprietário pode ser obrigado a pagar as obras, se for julgado
responsável pela falta de salubridade; ou até pode ocorrer de o proprietário ser expropriado pela
comissão de higiene quando esta julgar necessário. (BENÉVOLO, 1994)
É sob este princípio que se dará a ação do Barão de Hausmann em Paris, sob um
panorama político autoritário. A Revolução de 1848, na França, fez com que a esquerda socialista
voltasse à oposição. Com bases teóricas renovadas, esta esquerda negava legitimidade às
propostas urbanísticas de uma direita conservadora, como Napoleão III na França e Bismarck na
Alemanha. Essa nova direita, autoritária e popular, considerava
ser necessário um controle direto do estado sobre muitos setores da vida econômica e social; por conseguinte, efetua uma série de reformas, a urbanística, portanto transforma-se em um instrumento de poder. Napoleão tem interesse em favorecer a execução dessas grandes obras públicas em Paris, descuradas pelos
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governos precedentes, a fim de reforçar sua popularidade por meio de testemunhos tangíveis e a fim de tornar mais difíceis as futuras revoluções, demolindo as antigas ruas medievais e substituindo-as por artérias espaçosas e retilíneas propícias aos movimentos das tropas. (BENÉVOLO, 1994, p. 96)
O plano urbanístico de Hausmann nos interessa aqui por ter sido um importante
exemplar, representativo de uma ação ampla para acompanhar e regular as transformações
ocorridas em uma grande cidade a fim de que esta pudesse ser considerada moderna. Quando
criticado, principalmente por intelectuais e artistas, pelas inúmeras demolições executadas para a
abertura de longas avenidas, Hausmann justifica as suas ações expondo a contraposição entre as
“perdas de alguns espetáculos pitorescos aos melhoramentos técnicos e higiênicos” (Benévolo,
1994, p. 106). Para muitos urbanistas, a ação hausmanniana constitui-se como ponto de partida
para o surgimento do conceito de moderno, dos ambientes urbanos abertos e contínuos, em
oposição ao antigo e fechado, que se encontrava na cidade antes de sua intervenção.
A “circulação, migração e apropriação de modelos urbanísticos elaborados na Europa
durante o século XIX” (MENEZES, 2001, p. 09), bem como o ideário de salubridade que
fundamenta muitas vezes tais modelos foram analisados por Menezes no intuito de entender e
questionar quais foram as propriedades mais abrangentes, principalmente do plano urbanístico
haussmanniano, que levaram a sua rápida assimilação em muitas cidades, não apenas da Europa,
mas também em cidades do ‘além Atlântico’.
Dentre as causas apontadas para tal, o autor cita a “flexibilidade estética do modelo”,
tornando-se assim de fácil absorção, tal como um modelo determinante, o qual ecoou “em outros
casos relevantes de renovação urbana e modernização de cidades do começo do século XX”
(Idem. p. 12). Para a realização desses planos, os engenheiros assumiram um papel importante
nas cidades, pois foram com o passar do tempo, cada vez mais solicitados a fim de atender a
demanda de obras públicas que vinham sendo implantadas ou que eram solicitadas por parte das
autoridades. Obras estas que “independentemente de qualquer ideologia e da especulação
inerente a esse processo, trariam novas condições cotidianas de vida” (SALGUEIRO, 2001. p.
24). Os modelos urbanísticos elaborados na Europa, sobretudo aquele executado por Haussmann
em Paris durante o século XIX, circulam e são importados para inúmeras outras cidades do
mundo todo, provocando reformas baseadas nos princípios de embelezamento e saneamento.
Ainda em relação à obra de Haussmann, Picon (2001) propõe que para compreender as
bases que deram origem a este modelo se faz necessário considerar a crescente atuação dos
68
engenheiros no âmbito das decisões e realizações urbanísticas entre os séculos XVIII e XIX. Para
este autor, a redefinição do trabalho e atuação dos engenheiros diz respeito a sua ligação com os
movimentos utópicos, como o ‘sansimonismo’, apesar de deixar claro que o destaque dado ao
ideário sansimonista “não deve levar a considerá-lo uma fonte de inspiração para os grandes
engenheiros haussmannianos” (Idem, p.86), mas que há sim, uma interligação entre as
concepções que os fundamenta. Concepções essas ligadas à cidade de movimentos e fluxos que
vão orientar as ações dos engenheiros haussmannianos e de outros, que atuaram em diferentes
cidades do mundo.
O entendimento do modelo haussmanniano encontra-se associado a um amplo conjunto
de valores que permeava a época, bem como às suas representações. O modelo haussmanniano
para a cidade de Paris que, também influenciou muitas outras cidades que o utilizaram como
exemplo, está relacionado à importância em relação à análise dos fluxos de circulação: de
mercadoria; de pessoas; de idéias, e das comunicações, já que
aos olhos da elite do século XVIII, a cidade deixara de se apresentar como uma entidade imóvel correspondente às descrições que acentuavam sua antiguidade, sua história e seus principais monumentos, para tornar-se a sede de funções políticas e econômicas claramente identificadas. O exercício dessas funções devia passar, doravante, pela intensificação e o controle de um conjunto de movimentos e fluxos tanto naturais, quanto humanos. Era necessário, antes de tudo, assegurar a livre circulação do ar, da água e da luz a fim de combater os miasmas da cidade grande. (PICON, 2001, p. 68)
À medida que as cidades deixam de ser entendidas como entidades imóveis, ou como
nós estratégicos, e passam a ser vistas como passíveis à interligação umas com as outras, a
percepção que se tem sobre as mesmas é modificada, exigindo um novo pensamento, sobre o qual
a circulação e o fluxo dentro da cidade e entre cidades diferentes seja promovido. Era sob essa
concepção que se basearia a ação dos engenheiros do século XVIII, os quais atuariam no intuito
de fazer com que a cidade perdesse as características de fechada e com difícil deslocamento. O
objetivo era o de torná-la dinâmica, e deste modo, favorecer a circulação, da qual dependiam a
higiene, visto que, segundo a teoria médica vigente, uma das principais maneiras de evitar a
proliferação das doenças seria favorecendo a circulação do ar e a penetração do sol nas
residências. A prosperidade pública também era uma meta, pois seria com a presença de ruas
alargadas, calçadas, e estradas de ferro que a circulação comercial de homens e de mercadorias
poderia ser estimulada. Com este propósito, as reformas propostas e/ou realizadas serão
69
concebidas segundo uma rigorosa geometria. A partir da utilização de traçados mecânicos,
círculos e quadrados são combinados para “canalizar circulações recenseadas previamente por
meio de uma análise das funções urbanas” (Idem, p. 71), e utilizadas não apenas na abertura de
novas ruas como também seja para justificar a demolição de ruas antigas da cidade histórica, seja
nas obras mais técnicas ligadas distribuição de água, e a instalação e reforma dos sistemas de
saneamento.
Neste sentido, faz-se relevante citarmos aqui a importância da École Polytechnique, a
partir da qual os engenheiros recebem uma formação voltada à análise matemática, e as
aplicações de cálculo integral e diferencial, e que leva ao surgimento de uma “ciência de
engenharia analítica que permite explicar as dinâmicas naturais e humanas com um grau de
precisão antes pouco provável pelos limites de entidades geométricas simples.” (PICON, 2001, p.
73) e que irá permear muitas das grandes obras ocorridas nas cidades.
Donatella Calabi (2001) ao analisar o papel de Paris na urbanística italiana do século
XIX, verifica a importação do modelo haussmanniano para as reformas aí realizadas,
principalmente a partir de 1865, data da primeira lei urbano-adiministrativa que possibilitava às
prefeituras a desapropriação, conforme Haussmann já o fizera. Para a autora, os estudos de
caráter social encomendados por sanitaristas e médicos, acerca de deficiências higiênicas e das
condições ambientais na/da cidade foram muito importantes para as transformações que viriam a
ocorrer mais tarde na cidade, à medida que impulsionou o surgimento de uma nova disciplina,
qual seja a engenharia sanitária. A importância dessa disciplina para a área citadina está no fato
de que desde sua origem
refere-se amplamente às noções higiênicas, médicas e físico-químicas elaboradas nos institutos parisienses, a fim de elaborar um conceito de salubridade urbana que se buscaria com as técnicas do engenheiro. O que interessava era determinar uma série de instrumentos operativos de natureza edificatória e urbanística que impedissem o surgimento e a propagação de doença. Era necessário, no entanto, saber determinar uma série de mecanismos para o conhecimento da situação habitacional, que teriam seu pleno desenvolvimento com as pesquisas e os pedágios sanitários (CALABI, 2001, p. 105)
As técnicas trazidas a partir desta disciplina passam a interferir sobre a cidade, já que é a
partir da mesma que se dão algumas obras administrativas. Para as cidades italianas, a autora cita
que a partir da influência do que estava sendo realizado em Paris, sob o comando do barão de
70
Haussmann, é introduzido o alinhamento nas fachadas de grandes cidades como Nápoles e
Florença, bem como em cidades italianas menores.
Os conhecimentos técnicos da engenharia e da medicina estavam, portanto muito
relacionados ao planejamento urbano no século XIX, já que a higiene nas/das cidades passa a ser
entendida como uma filosofia social que propõe combinar as necessidades fisiológicas e culturais
com o meio ambiente a fim de controlar as enfermidades coletivas através do ar puro, da água
potável, de uma habitação apropriada, do verde e do sol. Para Armus (1994) é durante este século
que:
una suerte de ideología urbana ganó terreno […] progreso, multitud, orden, higiene y bienestar son algunos de los elementos constitutivos de esa ideología urbana donde también cuentan los discursos de la degeneración e regeneración, de la reforma profunda y la utopía […] desde nuevas disciplinas como la higiene, la ingeniería sanitaria o la sociología los problemas de la cuidad moderna ocuparan El centro de la agenda. Es en la ciudad donde las evidencias de la degeneración toman forma: el crecimiento acelerado y caótico, la vivienda popular insalubre (Idem, p. 116)
Pretende-se, por parte dos então administradores da cidade, exercer um controle social,
principalmente sob a classe de menor poder aquisitivo, os operários, mendigos, prostitutas,
doentes e loucos. Como afirmamos anteriormente, toda esta parcela da população era entendida
enquanto ‘classe perigosa’, ou seja, perigosos seriam aqueles que provocavam espanto à elite da
cidade por apresentarem sua pobreza nas ruas aos olhos daqueles que desejassem ou não vê-los.
Bresciani (2004) avalia, com base em reflexões literárias; a partir da análise de investigadores
sociais; e ainda das obras de médicos e de administradores da cidade, que durante os séculos XIX
e XX havia “espanto e a geral preocupação ante a pobreza que a multidão nas ruas revela” (Idem.
p. 09). Multidão esta que demonstrava à sociedade que transitava pelas ruas sua própria desgraça.
As ruas se constituem, portanto, como um teatro espontâneo, nas quais as pessoas tornam-se
espetáculo, espectadores e ás vezes atores umas para as outras, em que sem as quais não há vida
urbana, já que é ai onde se efetuam movimentos e misturas, conforme nos escreve Lefebvre
(2002). Por conseguinte, os lugares privilegiados da Cidade da Parahyba, ou seja, as ruas
principais tornam-se também espaços nos quais a pobreza circulava, tornando-se espetáculo e
aparecendo aos olhos da elite, mesmo contra a sua vontade.
A fim de retratar melhor as reformas urbanas que surgiram a partir do discurso que
permeava o Movimento Higienista, abordaremos sobre algumas cidades no mundo, onde este fato
71
pode ser observado, com o intento de analisar como o Higienismo pode ser considerado enquanto
fundamento para as intervenções que ocorrem no espaço urbano. Em Milão, um novo programa
de reforma urbana é apresentado em 1860, que incluía edifícios, ruas, canais, jardins, serviços de
iluminação, de abastecimento de água e de esgoto. Porém com uma diferença, Bignami, o
engenheiro responsável pelas obras, ao projetar o sistema de esgotos, identifica a cidade histórica
romana e, no entanto, se opõe às propostas demolidoras, indo de encontro ao que ocorria em Paris
com grande intensidade. No entanto, o novo plano projetado para a cidade de Milão se utiliza,
sob os moldes parisienses, da lei da desapropriação. Além disso,
abrem-se novas ruas no centro; atende-se à demanda habitacional de uma nova burguesia; propõem-se novas estruturas e equipamentos coletivos; definem-se as condições técnicas para um desenvolvimento extraordinário da cidade [...] O plano aprovado em definitivo é uma versão haussmanniana, embora reduzida, da reestruturação do centro da cidade. (CALABI, 2001, p. 109)
O modelo de Haussmann é então, importado para muitas cidades, não só na Europa,
como também no “além mar”. Mas outras cidades também têm seus planos criados, e embora
baseados nos mesmos princípios de circulação e de diminuição da insalubridade, possuem
modelos próprios, como é o caso de Barcelona e Madrid, que têm seus planos elaborados por
Idelfonso Cerdá.
Em 1859, Idelfonso Cerdá propõe um plano de expansão para a cidade de Barcelona,
denominado ensanches, o qual é considerado por alguns autores, como o primeiro plano proposto
para esta cidade e vem a ser um projeto de reordenamento urbano da mesma.
Em linhas gerais, este plano consiste na construção de blocos em quadras com esquinas
‘recortadas’, além de um espaço interior geralmente destinado a pátios ou jardins. Não
abordaremos aqui as características dos ensanches, nem tampouco faremos uma descrição da
morfologia dos mesmos, já que este não é nosso objetivo. Nossa intenção é a de analisar a relação
que a construção dos ensanches, proposta por Idelfonso Cerdá possui com a necessidade por
tornar a cidade salubre, higiênica, e bela. Ou seja, partimos do entendimento de que este plano
possui uma justificativa, ou melhor, tem causalidade também fundada nos ideais higiênicos e do
desejo de modernizar e expandir a cidade. Antes da execução do plano de expansão proposto por Cerdá, a cidade de Barcelona
encontrava-se rodeada das antigas muralhas que haviam servido como estratégia de defesa, mas
que neste momento, representavam um entrave à sua expansão. O espaço urbano desta urbe
72
estava cada vez menor, frente ao crescimento populacional, as ruas eram estreitas, as praças
estavam desaparecendo e as condições de salubridade nestas ruas apertadas e tortuosas não eram
favoráveis. Fazia-se necessário, portanto, ampliar o espaço da cidade. Neste contexto, Cerdá
elabora seu plano de expansão.
Figura 06: Modelo do Ensanche de Barcelona (1858) proposto por Ildefonso Cerdá. Com esquinas chanfradas e bem pensadas para o cruzamento dos automóveis.10
Ao analisar a prática dos agentes urbanizadores na Espanha em diferentes processos
históricos, Alvaréz (2004) indica que os poderes públicos intervêm a partir de reordenamentos
urbanos em diferentes épocas e formas e, com finalidades variadas. Para o autor, esta prática já
foi utilizada desde o império romano, quando ocorria a fundação de novas plantas nas colônias a
partir de leis que eram votadas em assembléias, as quais “regulaba la división de las tierras, el
trazado de las calles y el fórum o plaza central, delimitándose el perímetro de la ciudad y
asignando a los colonos las respectivas parcelas” (Idem, p. 37). O autor cita o direito romano para
iniciar sua análise sobre a iniciativa privada na execução de planos urbanísticos por acreditar que
era a partir desta regulação global que se iniciava a atuação dos particulares, e que vai conceber
10 Disponível em http://www.geocities.com/HotSprings/7912/ensanche.html. Acessado em Junho de 2009.
73
os planos urbanísticos de diversas outras cidades em outros períodos históricos a partir de então,
já que é esta concepção de tratamento técnico e jurídico acerca dos planos urbanísticos como
obras públicas que marcará a evolução do urbanismo em grande parte das cidades européias,
inclusive atualmente, ou seja,
Estas reglas nos van a permitir hablar del surgimiento de un conjunto de normas urbanísticas que tienen por objetivo específico la ordenación de las ciudades, al tiempo que sientan las bases para una expansión que ya se adivina cercana y necesaria. Va a permitir la búsqueda de un modelo uniforme para su desarrollo, centrado en el modelo de las alineaciones. Se trata de que la ciudad prolongue sus calles más allá incluso de las viejas murallas y que los nuevos edificios se acomoden a las concepciones viarias y de entorno que pretenden los encargados del desarrollo urbano. A favor de estas nuevas consideraciones contribuirá el replanteamiento de las concepciones clásicas sobre la propiedad. (ALVARÉZ, 2004, p. 41)
Na Espanha, até o século XIX, muitas cidades mantiveram seu sítio urbano no interior
das muralhas medievais, até que se fez necessário, por parte do poder público propor
planejamentos que auxiliassem a expansão através da modificação das normativas urbanas, as
quais se baseariam a partir daí nas regras dominantes de salubridade, segurança, comodidade e
embelezamento.
Essas concepções utilizadas no momento de surgimento dos novos planos urbanos
surgidos em meados do século XIX na Espanha tomam força exatamente a partir de Idelfonso
Cerdá, principalmente em sua obra Teoria Geral da Urbanização. Obra esta, muito importante
não só pelas proposições teóricas e propostas urbanísticas que contém, mas também pelo
neologismo urbanismo atribuído pelo autor para indicar as ações e intervenções sobre o urbano e
que será aceito e utilizado a partir de então, em todos os países de língua latina.
A importância de Cerdá encontra-se relatada por muitos autores, principalmente quando
se referem aos planos de expansão das cidades de Madrid e Barcelona, os ensanches. O modelo
de ensanche germina a partir da diminuição de limites sobre a propriedade privada, baseados em
ordenações jurídicas que beneficiavam em primeiro lugar, a classe burguesa, fazendo com que
“muchas de estas propiedades estarían llamadas en breve plazo de tiempo a las nuevas utilidades
de industrialización y urbanización que iban a ser puestas en marcha especialmente en los
núcleos que ya apuntaban como ciudades importantes” (ALVARÉZ, 2004, p. 45).
A importância do referido plano está em ter previsto a ordenação urbanística de espaços
destinados à população futura, através da fixação de volumes e espaços livres que eram julgados
74
necessários à vida higiênica. Essa concepção de expansão e transformação da cidade foi
regulamentada pela Lei de 10 de janeiro de 1879, que dita a expropriação pela utilidade pública e
regulava a atuação em territórios de 20 a 50 metros, destinados, sobretudo, a redefinição de ruas,
quadras e praças, a fim de que estas apresentassem um traçado adequado com os requisitos de
maior fluidez e circulação, além de maiores garantias de salubridade que seriam necessárias para
diminuir a ocorrência de epidemias.
2.1 - Controle higiênico nas cidades
A divulgação da higiene enquanto único meio eficaz para a diminuição da ocorrência de
epidemias no espaço urbano, por parte da elite e dos detentores do saber, funciona como um
‘micro-poder’, tal qual denomina Foucault (2008). Para ele o corpo de cada um dos indivíduos
que compõe a cidade precisava ser controlado. O corpo enquanto “sede de necessidades e de
apetites; como lugar de processos fisiológicos e de metabolismos, como alvos de ataques
microbianos e de vírus” (Idem, p. 25) necessita não apenas ser observado pelo olhar dos médicos,
engenheiros e sanitaristas, como também estar submetido a um campo de controle político, no
qual as relações de poder têm alcance direto sobre eles. Esse alcance se fazia, a partir da
vigilância, da punição, e até mesmo do policiamento, a fim de que uma prática higiênica fosse
posta na cidade, não só nos espaços físicos como nos hábitos da população. Para o referido autor,
a partir do século XIX o corpo de cada indivíduo deixa de ser o principal alvo policial como
ocorria na era dos suplícios públicos, ou seja, com o passar do tempo o suplício e o teatro diante
da morte pública diminui e ocorre então uma busca por maneiras de punição que não sejam
diretamente físicas. No entanto, o poder sobre o corpo não deixou de existir até meados dos
oitocentos, mesmo que, cada vez mais de maneira indireta.
O controle social e o poder serão aqui analisados a partir das determinações higiênicas
para a construção de equipamentos urbanos que favorecessem a higiene e a salubridade entre os
habitantes da cidade. A higiene era, portanto utilizada enquanto justificativa para estas
determinações, por ser apontada como único meio capaz de combater a disseminação de doenças,
ou seja, os hábitos higiênicos eram divulgados enquanto norma para uma população que não
possuía acesso ao conhecimento médico e científico e que, portanto, enquadrava-se nas
prescrições da elite, dos médicos e engenheiros, responsáveis em sua grande maioria pela
75
administração da cidade, através de punição e do policiamento.
Na ausência de um plano de reforma urbana que caracterizasse uma verdadeira cirurgia
urbana destaca-se na Cidade da Parahyba implementações urbanas a partir de construções de
alguns equipamentos, bem como algumas alterações na sua morfologia. Dentre as normatizações
que se dão na Cidade da Parahyba, faremos uma exposição a partir dos equipamentos urbanos,
iniciando com a construção do primeiro cemitério público na cidade no ano de 1854; a
construção, instalação e reforma dos hospitais existentes na mesma, durante o recorte temporal
estabelecido; a cadeia e os matadouros e por fim, a instalação do primeiro serviço de
abastecimento de água no ano de 1912, o qual representa não só a busca por higienização do
espaço urbano desta cidade, como também o ideal de modernidade que promove alterações na
mesma, sobretudo a partir do início do século XX, sob os preceitos de higienizar, sanear e
embelezar.
2.2 - Medidas sanitárias utilizadas na Cidade da Parahyba
Para evitar que a população de menor poder aquisitivo transmitisse seus males à elite, já
que a pobreza encontrava-se geralmente relacionada à falta de higiene, as autoridades, sobretudo
os médicos, engenheiros e sanitaristas, buscavam maior intervenção nos espaços públicos a fim
de controlar essa ‘desordem’. Desta forma, a saúde de um habitante da cidade não é mais
responsabilidade unicamente sua e de sua família, visto que a enfermidade que possivelmente lhe
acomete pode contagiar os vizinhos com maiores probabilidades do que ocorreria com um
habitante de uma casa isolada no campo, favorecendo desta forma a disseminação de doenças e a
ocorrência de epidemias.
O crescimento populacional observado nas cidades se dará junto com as modificações na
estrutura das mesmas, principalmente a partir da instalação dos equipamentos urbanos, tais como
o abastecimento de água, a iluminação, a abertura de novas ruas, ampliação e urbanização das já
existentes, e, primeiramente, para a análise aqui realizada, a construção do primeiro cemitério
público na Cidade da Parahyba em meados do século XIX e a constante busca por torná-la
moderna e higiênica.
Os diversos documentos oficiais expressam muito claramente o ideário dos governantes,
da elite e dos políticos do século XIX em transformar a Cidade da Parahyba em uma cidade
76
salubre e higiênica. Como coloca Maia (2008) “o século XIX representa um momento bastante
singular para o entendimento do processo de urbanização e principalmente do ordenamento
urbano no Brasil, se o ideário da Modernidade já se fazia presente no imaginário da elite e
principalmente dos seus governantes (p. 01)”, há ainda o ideário higiênico da busca por
salubridade que se alia a modernidade a fim de gerar transformações no espaço urbano.
A análise sobre os equipamentos, as reformas e as intervenções urbanas, que foram
instalados e/ou solicitados a partir do discurso da higienização e salubridade da cidade, nos
permite, portanto, identificar até que ponto este discurso, ao influenciar alterações no espaço
físico da cidade favoreceu a expansão do seu tecido urbano, pois com o surgimento de alguns
equipamentos urbanos em áreas distantes do núcleo habitado da cidade fez-se necessário a
interligação dos mesmos com a área já habitada. Interligação esta relacionada à simples caminhos
ou às ruas. Ruas estas a princípio construídas apenas para facilitar o acesso dos trabalhadores
envolvidos na obra durante sua construção e que, posteriormente passaram a ser utilizadas.
As mudanças na morfologia urbana na Cidade da Parahyba, conforme afirmado
anteriormente acontecem principalmente na “cidade da elite”, mas também imprimem suas
marcas na cidade habitada pelos pobres. Muitos dos equipamentos urbanos reclamados pela
população e pelos administradores da cidade, quando instalados, limitaram-se à área central da
cidade, onde residia os habitantes de maior poder aquisitivo, portanto, a população de um modo
geral não possuía acesso a esse incremento. Exemplo disso é o que se denomina de saneamento
da cidade no ano de 1889, e que se referia, na verdade, à limpeza da cidade.
Neste momento, o Dr. José Lopes da Silva Júnior relata que, após ter sido encarregado
de fiscalizar este serviço de saneamento iniciou o trabalho na “cidade alta, achando-se hoje
completamente limpos e transitáveis os seguintes pontos: Rua da Medalha; Ladeira do Goés; Rua
da Matriz e das Pedras e Bêco do Carmo.” (Gazeta da Parahyba. Anno II. 06 de abril de 1889).
A justificativa para que essas ruas tenham sido escolhidas como ponto inicial da limpeza
da cidade está no fato de que “sendo estes pontos de viação pública considerados como
principaes focos de infecção no entender da commissão médica [...] a ilustre redação do orgam de
todas as classes ignore que se acham limpos e aformozeados, permitindo livre passagem aos
transeuntes sem sentirem o odor de outr’ora.” (Id. Ibd.)
Percebemos ainda inúmeras outras reclamações expostas principalmente nos jornais
publicados à época que denunciavam lugares considerados ainda mais insalubres e arriscados no
77
que diz respeito à transmissão de doenças. No entanto, como estes se encontravam ocupados por
uma população de menor poder aquisitivo, seu asseio ficava a cargo dos seus moradores, ou
simplesmente era dissimulado pelas autoridades médicas e pelos administradores locais.
Apesar da escassez verificada na oferta dos equipamentos urbanos e de serviços, tais
como o de limpeza das ruas à cidade de um modo geral, a população tem seu cotidiano também
modificado, principalmente pela punição e pela ausência dos novos equipamentos urbanos, ou
seja, daquilo que correspondia à imagem da cidade moderna.
Além da área edificada da cidade, outros espaços a ela associados, como os portos,
foram objeto de controle por parte dessa elite do saber. Em janeiro de 1843 é decretada uma série
de posturas que regulamenta as inspeções de saúde nos portos brasileiros. Uma destas era a
fiscalização à quarentena:
[...] hum dos secretários da saúde estará prompto desde o nascer do sol até o seu occaso para visitar qualquer navio immediatamente que entre, e o outro fará o expediente da Casa de Saúde em terra. Proceder-se-ha à uma visita em toda, e qualquer embarcação, mercante ou de Guerra que entre, e o outro fará o expediente da Casa de Saúde em terra. (Decreto n.º 268. Regulamento das Inspeções de Saúde dos Portos. Série Interiores. Arquivo Nacional).
Este regulamento nacional tem o seu embate na Cidade da Parahyba, quando da
observação de uma epidemia que a assolava, a qual acreditavam está sendo transmitida pela vinda
das embarcações provenientes da Província de Pernambuco. É o que expressa o documento:
Constando a este Governo por communicação do Provedor de Saúde d’esta Provincia, que se manifestara a febre amarella em dois marujos de um navio ___ surto no Porto d’esta cidade [...] pelo que fora ele mandado retirar pelo Provedor para o Boqueirão, assim como em Pernambuco reapareceu a bordo das embarcações vindas daquela província, antes do que, e da declaração de ficarem livre a pratica, e não permitirá mergulho e nem saida de pessoa alguma de seu bordo. (Palácio do Governo da Parahyba, 31 de janeiro de 1852).
Esta comunicação, ocorrida, conforme podemos observar, em janeiro de 1852 é
reproduzida ainda em maio do mesmo ano, quando observamos “[...] recomendações para que
não tenham contacto com a terra naquelle porto, e nesta cidade pessoas vindas nas embarcações
do Porto de Pernambuco, sem prévio desembaraço da Inspecção de Saúde” 11. Recomendação
esta que nos leva a perceber o quanto a epidemia, ou o risco epidêmico trazia alterações na vida e
11 Alfândega da Parahyba, 14 de maio de 1852. Arquivo Histórico do Estado da Paraíba. Caixa 30.
78
no cotidiano de uma cidade, não apenas por conta do medo do contágio ou da morte, mas também
pela vigilância em relação à saúde dos habitantes. O controle social exercido a partir desta busca
por salubridade provoca, portanto, alterações também nas atividades econômicas, visto que
Pernambuco e Parahyba possuíam importantes laços econômicos que podem ter sido abalados
graças à fiscalização dos portos e a quarentena12.
As medidas sanitárias aqui utilizadas compunham-se, principalmente do controle sobre
os hábitos da população e sobre a instalação de equipamentos urbanos e urbanização, ou ainda a
tentativa de educar a população a partir de campanhas educativas no que concerne à obtenção de
hábitos higiênicos, a partir, principalmente da criação de cadeiras de higiene nas escolas ou ainda
das campanhas divulgadas através da imprensa e de folhetos educativos. Contudo, poucas são as
notícias, nos documentos analisados que tratam sobre a educação higiênica na Cidade da
Parahyba, sobretudo, ao analisarmos o século XIX. Apenas no início do século XX, percebemos
a criação de cadeiras de higiene nas escolas da cidade. Contudo, o relatório do Presidente da
Província para o ano de 1855 expressa que
[...] forão impressos e distribuídos por toda a Provincia varias exposições contendo conselhos higyenicos, e outras prescrições medicas relativas ao modo de previnir a peste e de tractar os affetados d’ella: mais de mil exemplares se tem espalhado pelo interior onde a ausência de facultativos e a falta de recursos d’arte juntas a celebridade com que o mal costuma atacar e destruir tornão summamente útil a vulgarisação e o conhecimento antecipado desses meios higyenicos e therapeuticos. (RPP, 1855, p.10)
Essas medidas voltavam-se não apenas para a divulgação dos hábitos higiênicos como
meio eficaz para a prevenção de doenças, como tinham também o intuito de promover as
benesses da vacina a fim de convencer a população de que este seria uma medida importante na
prevenção, ao contrário do que pensava a maior parte da população avessa a esta prática.
A prática de divulgar, através de folhetos impressos, os meios de prevenção de doenças
e hábitos higiênicos é novamente utilizada no ano de 1863, momento em que, por estarem alguns
lugares do interior da província acometidos de cólera, o governo mandou distribuir
com ambulancia de medicamentos próprios, folhetos impressos com instrucções sanitárias acompanhadas de prescripções médicas [...] esta medida foi tanto mais proveitosa por quanto havendo poucos médicos na Provincia, aquellas ditas
12 Entende-se por quarentena o período de quarenta dias a que estavam submetidos aqueles que fossem considerados risco no que diz respeito ao contágio e proliferação de doenças.
79
instrucções escriptas com toda a clareza e precisão, não só instruíam o povo a respeito das cautellas, que devião ter para prevenir o mal, como também punhão nos a par do melhor e mais seguido tratamento do cholera-morbus (Correspondências com o Ministério do Império. 12 de janeiro de 1863).
Esses folhetos tinham também a intenção de divulgar a vacina e convencer a população
sobre a sua importância. Quanto à vacinação podemos dizer que este serviço, embora escasso e
limitado, ocorria freqüentemente, principalmente na Cidade da Parahyba, o que atestam os
documentos oficiais, principalmente os relatórios dos Presidentes da Província. Estes confirmam
que entre os anos de 1850 e 1851 foram vacinados 1560 pessoas.
No entanto, o número reduzido de “puz vacinico” e a qualidade do mesmo é
constantemente reclamado pelos administradores da cidade. Para exemplificar esta situação,
conforme nos conta o Presidente da Província no ano de 1853, o Doutor Antônio Coêlho de Sá
Albuquerque, enfatiza que “em muitos indivíduos deixou de desenvolver a vaccina, apezar de
haver o Commissário Vaccinador Provincial distribuído pelos differentes Commissários laminas,
tubos com ferido vaccinico, remmetidos pelo Instituto da Côrte; o que em verdade retarda um
pouco os benefícios que podiam resultar desse preservativo” (RPP, 1853. s/p). As reclamações
permanecem, tal como podemos verificar no ano de 1855, quando o Presidente da Província
afirma em relatório que
[...] o grande preservativo do mal, a vaccina, tem sido applicada tanto em alguns lugares do centro para onde é promptamente remettida apenas é requisitada, como n’esta cidade; mas ou pela má qualidade e degeneração do puz ou pelo estado, em geral péssimo da saúde dos que a recebem, a inoculação não tem produsido os bons effeitos que costuma, e as enfermarias estão regorgitando de doentes a maior parte dos quaes bexiguentos. (RPP, 1855, p. 08).
Em relação às causas para a ineficiência do serviço de vacina, o Presidente da Província
expressa, no ano de 1857, que as principais causas para tal problema seriam a
[...] a repugnância, que no seu emprego se encontra em grande parte da população, cuja intelligencia não aprecia devidamente os beneficos effeitos da vaccina, e outras da falta de zello, e dedicação dos agentes encarregados deste serviço, que em geral não são habilitados. Estas causas hão por muito tempo embaraçar os benefícios, que se devião esperar do Instituto Vaccinico. As primeiras são naturaes, e resultão do estado, em que se acha o nosso Paiz. Só o tempo, e augmento da população, e os progressos da civilização, ajudados da acção da autoridade, poderão destruir preconceitos antigos e inveterados (RPP. 1857. p.15).
80
Porém, vale considerar que essa “repugnância” era devida ao próprio método de
inoculação da vacina, o qual era de difícil aplicação e dolorido, conforme nos conta Chalhoub
(1996). Por conta disso, em 1863 o Inspetor de Saúde Pública, João José Inocêncio Poggi,
escreve um amplo relatório acerca da vacinação, no qual descreve que a população de menor
poder aquisitivo foi a que mais sofreu com o efeito “por que a gente mais ignorante é também a
que mais repugnância tem em receber o milagroso e efficaz preservativo da vaccina”
(Correspondências com o Ministério do Império. 15 de outubro de 1863), não atentando para as
dificuldades que essa população vivia, em relação à alimentação e à habitação, o que por si,
favorece uma maior disseminação de doenças. O relator aponta um ligeiro acréscimo no número
de pessoas que o procuravam nos dias determinados para a vacinação nos meses que se seguem e
justifica este crescimento a partir da ocorrência da segunda epidemia de cólera, quando por medo
do contágio algumas pessoas procuram o referido serviço.
Os problemas e causas para a ocorrência de epidemias, revelados nos documentos
analisados, embora haja solicitação por parte da comissão de higiene que sejam resolvidos,
permanecem na cidade por muitos anos e vão sendo eliminados ou são resolvidos de forma
paleativa, principalmente nas ruas principais da cidade, nas quais residia a elite.
2.3 - Uma ordem higiênica:
A construção do Cemitério Senhor da Boa Sentença na Cidade da Parahyba
Entre finais do século XIX e início do século XX as transformações no campo, a
substituição do trabalho escravo pelo assalariado, bem como a ocorrência de grandes secas na
Província da Parahyba acarretaram um crescimento demográfico na Cidade da Parahyba. Tal
aumento demográfico deu-se em decorrência, principalmente do aumento da migração em
direção à cidade. Concomitantemente a estas alterações no contingente populacional, verifica-se
o aumento do desemprego, da má qualidade de vida e, principalmente da intensificação dos
problemas sanitários observados na cidade, já que a mesma não possuía infra-estrutura necessária
para receber os moradores recém-chegados.
Esses fatores provocam a proliferação de epidemias que assolam a cidade e mais
especificamente a sua população, ou seja, “é no cenário de miséria determinado pelas condições
de vida e trabalho que o nordeste vai sendo invadido pelas epidemias, sobretudo pela migração
81
campo-cidade que provocava amontoamento de pessoas que fugiam da seca, da fome e da própria
propagação de doenças” (ARAÚJO, 1997, p. 119), gerando um aumento no número de óbitos. O
aumento da mortalidade faz com que se torne ainda mais perceptível a necessidade de construção
de um cemitério público na cidade a fim de que a morte seja assistida adequadamente, mesmo
que seguindo os rituais religiosos costumeiros e ainda vigentes segundo as determinações da
Igreja. É bom lembrar que neste período a Igreja e o Estado muitas vezes se confundiam, cabendo
inclusive ainda à Igreja a certificação dos nascimentos e dos óbitos. De fato é a partir da
instalação do Império que o Estado brasileiro passa a se consolidar. Por conseguinte, no decorrer
dos oitocentos, as determinações que regiam a organização da cidade e também a vida dos seus
habitantes passam a ser cada vez mais definidas pelo governo imperial, muitas vezes contrariando
os preceitos religiosos.
Dessa forma, a determinação para a construção do cemitério público não está limitada
aos preceitos religiosos, mas é acima de tudo, uma ordem do Estado que diz respeito à saúde
pública e que, portanto, precisava ser tratada e gerida como tal. Por conseguinte, o seu
cumprimento não se dá sem reações e tensões, uma vez que também simbolizava a separação
Igreja-Estado. Pois no momento em que o Estado passa a tratar da morte, ele está interferindo nas
doutrinas da Igreja. Assim,
[...] a questão da morte trouxe mais tensões do que se imaginava, por que além de envolver diretamente o governo, a Igreja (representada pelas suas irmandades e confrarias), alguns membros ilustres da sociedade [...] poderiam trazer a tona algumas transformações fundamentais para a cidade, como a separação igreja-estado, e as diversas reformas espaciais decorrentes das novas concepções higiênicas. (PAGOTO, 2004, p. 23)
Além das tensões já estabelecidas que aparecem nas definições do funcionamento e da
gerência do cemitério, há também dificuldades quanto à escolha do espaço onde este deveria ser
construído. Dessa forma, fora do âmbito sagrado, este equipamento ocasiona também
modificações nas formas de lidar com a morte, ou como diz Reis (1998) até o momento de
construção e efetivação do cemitério enquanto espaço público, não era possível observar uma
“separação radical, como hoje temos, entre a vida e a morte, entre o sagrado e o profano, entre a
cidade dos vivos e a dos mortos” (Idem, p. 74). O autor acrescenta ainda que, havia sim o temor à
morte, no entanto, este temor era observado quando os ritos fúnebres não eram atentados. Desta
maneira, Reis mostra de que forma se dava o tratamento com a morte e com os mortos, os quais
82
só seriam temidos quando não fossem cumpridos o ritual religioso e a preparação para que as
almas fossem recebidas no céu. Daí a importância em observar a ostentação dos aparatos
religiosos utilizados nos ritos fúnebres a partir dos quais os mortos chegariam aos céus e os vivos
estariam protegidos de possíveis riscos espirituais, já que teriam cumprido com sua obrigação de
fazer com que aquele corpo e, sobretudo aquela alma ‘descansasse em paz’.
É preciso lembrar que a construção do cemitério e, por conseguinte a determinação em
se enterrar os mortos neste novo equipamento urbano quebra com um antigo costume de se
enterrar os mortos nas igrejas, aqueles que eram de famílias abastadas. De fato, a classe social e
a estratificação também eram observadas quando da ‘escolha’ do lugar onde seriam construídos
os jazigos da família. Conforme relata Pagoto (2004) “esta forma de entender a morte deu
margem para a criação dentro do âmbito da igreja, de divisas espaciais de acordo com a situação
financeira de cada indivíduo. Além disso, também se acreditava que quanto mais próxima a
sepultura estivesse da imagem de algum santo ou dos altares, mais chance a pessoa sepultada
teria de obter a salvação” (p. 37). Fato este que gera a diferenciação de preços em relação à
escolha dos enterramentos dentro das igrejas, ou mesmo no ambiente dos cemitérios em virtude
da suntuosidade dos túmulos; o tipo de mortalha utilizado no rito fúnebre, o qual variava segundo
a condição social do morto e até mesmo do lugar em que os mesmos eram construídos.
Os túmulos dentro da igreja eram oferecidos ou destinados aquelas pessoas que em vida
tivessem contribuído para as inúmeras obras realizadas pela própria igreja, seja a partir da doação
de donativos para construção da mesma, ou em relação às obras de caridade por ela
administradas. Poucos eram aqueles que, em virtude, da quantidade de recursos doados em vida,
obtiveram o privilégio de ter um túmulo perpétuo neste espaço. Boa parte dos corpos aí
enterrados era, com o tempo, removida a fim de que outros corpos fossem postos no seu lugar.
Após o enterramento, os corpos eram de responsabilidade da igreja e, mesmo que houvesse, em
caso de acusações judiciais, a necessidade de uma exumação daquele corpo, o mesmo só
ocorreria se fosse permitida pela paróquia a qual o indivíduo ali enterrado fizera parte em vida.
Contudo, com a crescente ocorrência de epidemias, uma nova atitude diante da morte
passa a ser veiculada pelos detentores do saber médico-científico, fundamentada na doutrina dos
miasmas, o que fez com que ocorresse não apenas uma nova forma de entender a morte, como
também se fazia necessário que a mesma fosse tratada como fonte de transmissão de doenças, por
conseguinte, era preciso que o Estado interviesse no tratamento da morte e dos mortos a fim de
83
que estes não representassem um problema à saúde pública.
O suor, a urina, as fezes, animais mortos eram algumas das fontes de ‘infecção do ar’, segundo os higienistas. Os cadáveres humanos contavam entre as principais causas de formação de miasmas mefíticos, e afetavam com particular virulência a saúde dos vivos, por que eram depositados em igrejas e cemitérios paroquiais dos centros urbanos. Com a descoberta dos miasmas veio a descoberta do mau cheiro da decomposição cadavérica. (REIS, 1998, p. 76)
É exatamente essa concepção e a descoberta dos corpos dos mortos como problema para
a saúde pública, ou seja, como um risco de disseminação de doenças que vai fazer com que seja
criado o Cemitério Senhor da Bôa Sentença na Cidade da Parahyba. A construção deste cemitério
modifica não só o lugar, a partir da sua construção física, mas também o imaginário social acerca
do poder exercido pela igreja, a qual tinha até então, o controle sobre os mortos e seu
enterramento. Os cemitérios surgem, portanto, como uma representação da separação entre Igreja
e Estado, pois, antes de sua construção não só o enterramento dos mortos era realizado
concomitante à cerimônia regida e executada pela igreja, como também os corpos permaneciam
sob sua tutela.
Isso perdurou até a construção desse equipamento quando o enterramento passou a
ocorrer em espaço público de administração do Estado. Não obstante os funerais estivessem, em
sua maioria, relacionados aos rituais sagrados, os corpos e os enterramentos se davam sob
determinações do Estado.
A passagem do enterramento dentro de espaços religiosos, para a construção de
cemitérios situados fora da igreja representa a incorporação do discurso da higiene, pois de
acordo com o saber médico vigente à época, as emanações provenientes dos corpos contagiavam
aqueles que tivessem acesso aos mesmos, daí a necessidade de construir espaços destinados para
tal. Além disso, com um número muito alto de mortos em conseqüência das epidemias que
assolavam a cidade fazia-se necessário a construção de um cemitério público que fosse capaz de
receber todos esses corpos. Neste sentido, no ano de 1854 na Cidade da Parahyba, foi construído
o Cemitério Senhor da Boa Sentença, sob determinação da Câmara Municipal.
A construção de cemitérios nas cidades do Brasil ocorre principalmente entre o século
XIX e o século XX. No entanto, a viabilização desta construção não ocorre sem embates. Como
exemplo, na cidade de Salvador, a população toma uma posição contrária à prática de enterrar
seus mortos em lugares abertos e passíveis à violação, seja por animais ou mesmo por pessoas
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“desumanas”, o que culminará com a revolta contra a construção de cemitérios, conhecida por
cemiterada13, a “única revolta popular brasileira realizada contra a criação de um cemitério
municipal” (PAGOTO, 2004, p.25)
Outra razão para o embate está no fato de que, com o enterramento nas igrejas, os
paroquianos acreditavam estarem mais próximos de Deus, dos seus anjos e santos, os quais
provavelmente lhes garantiriam uma boa morte e a morada eterna de suas almas no céu. Além de
o cemitério representar, para alguns, a impossibilidade de manter seus corpos e sua alma sob os
cuidados de Deus, tem-se ainda “a comercialização de diferentes objetos e móveis utilizados em
procissões e enterros, tais como testamentos, sepulturas, mortalhas, missas, sinos de igreja,
pompas fúnebres [entre outras]” (PAGOTO, 2004, p. 14). Comercialização esta que vem reforçar
os conflitos sobre a determinação da construção e gerenciamento dos cemitérios, gerando, por sua
vez, um embate, entre o poder público, representado neste momento pelos médicos e engenheiros
e a igreja. O primeiro deles, ou seja, o Estado estava preocupado com a saúde dos habitantes e a
manutenção da ordem a partir da observância das regras de higiene no momento dos
enterramentos. Este agente entendia que os corpos mortos eram os causadores das epidemias que
assolavam as cidades neste período, e por isso mesmo, era, necessário, senão primordial, afastá-
los do convívio dos vivos. Enquanto isso, a igreja, as irmandades e as confrarias preocupavam-se
com o comércio e as rendas obtidas em cada ritual fúnebre realizado dentro do âmbito do
sagrado, bem como com a permanência daqueles que se acreditava serem necessários para uma
boa vida e uma boa morte.
Quanto ao enterro nas igrejas e os ritos fúnebres nela realizados, vale destacar que,
conforme salienta Pagoto, em contraposição à prática atual de banir a morte das conversas diárias
e limitar o acesso à mesma no cotidiano, até o início do século XX isto era diferente, pois, neste
momento, “a morte fazia parte do cotidiano, e devia ser lembrada por meio das badaladas [...] os
funerais eram concebidos por uma grande parcela da população como eventos sociais e como
uma das raras oportunidades para desfilar a riqueza e o poder” (Idem, 2004, p. 19)
A mudança em relação aos ritos fúnebres no Brasil ocorre em meados do século XIX,
quando, a partir das idéias higienistas, os médicos e engenheiros responsáveis pela administração
da cidade passam a intervir nos espaços urbanos reordenando os que consideravam prejudiciais à
saúde pública, tais como os matadouros, os hospitais, as habitações, as ruas e os cemitérios.
13 Para melhor entendimento acerca da Cemiterada, ver Reis, 1998 (op cit)
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Muitas vezes a população aceitava a construção de cemitérios apenas quando da
ocorrência de epidemias, em virtude de acreditarem ser impossível que tantas pessoas fossem
enterradas em tão pouco tempo nas igrejas. De acordo com a teoria da transmissão e contágio de
doenças, o desenterramento apressado de cadáveres e o revolvimento das terras nas quais os
mesmos estavam colocados eram considerados atos arriscados para a saúde, pois a partir daí,
seria liberado à atmosfera emanações e gases que disseminariam as doenças. Era neste momento,
portanto, que a população aceitava o cercamento de lugares destinados ao enterramento das
vítimas de epidemia. Estes lugares, por sua vez, seriam apontados por uma comissão formada por
médicos e engenheiros, os quais deveriam atentar para um lugar onde as regras de higiene fossem
observadas e cumpridas.
Os cemitérios em geral deveriam ser ordenados segundo regras de engenharia,
arborizados e ajardinados com o objetivo tanto de amenizar a perda do ente querido, como de
garantir a boa circulação do ar dentro desses ambientes. Tais medidas eram consideradas como a
forma de evitar a transmissão de doenças. Nas palavras de Reis (1998): “os projetistas
imaginaram cemitérios gramados e arborizados, cemitérios jardins para serem visitados como
lugar solene de serena meditação, e onde fossem erigidos túmulos vistosos que marcariam um
novo tipo de culto aos mortos” (Idem. p. 78).
A construção dos cemitérios dava-se com recursos tanto da administração pública, como
de doações das pessoas abastadas da comunidade que acreditavam estarem assim favorecendo a
salubridade da cidade.
Podemos, a partir da documentação consultada, afirmar que a escolha do lugar em que
seriam construídos os cemitérios e os hospitais na Cidade da Parahyba era realizada por
profissionais tecnicamente habilitados para tal, sobretudo os engenheiros. Estes eram os
responsáveis não só por esta escolha, como também pela planta do mesmo. Desta maneira, “o
illustrado Engenheiro, Dr. Francisco Dias Cardoso Filho, Director da Fabrica de Tecidos
Parahybana, a convite meo percorreu commigo o sitio Cruz do Peixe, fez exames necessários e
gentilmente encarregou-se de levantar a planta do novo Hospital e de fazer o respectivo
orçamento.14”.
O cemitério precisava ser construído em lugar distante e seguro quanto à preservação da
14 Relatório apresentado a Mesa Conjunta da Santa Casa de Misericórdia em Sessão Solemne de 02 de julho de 1908 pelo provedor Trajano A. de Caldas Brandão. Imprensa Official, 1908.
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salubridade na cidade. Em relação ao primeiro cemitério público da cidade ora analisada,
observamos que, em ata da sessão da Assembléia Provincial, a ‘Commissão de Poderes’ pede o
privilégio perpetuo à mesa administrativa da Santa Casa de Misericórdia, para construção de um
cemitério nesta cidade:
Considerando a commissão que não tendo a Câmara Municipal curado da construcção d’um estabelecimento tão útil, e nem lhe é possível curar, attento o desleixo, e prostituição em que jas essa corporação, considerando os males de que já ressente esta Cidade pela falta d’um cemitério. Entende a Commissão que, com quanto seja urgente a necessidade de sua construção [...]. (Acta da Assembléa Provincial de 25 de maio de 1854. Caixa 06).
Conforme afirmado anteriormente a construção do primeiro cemitério público da Cidade
da Parahyba, apesar de solicitado em 1852, teve início em 30 de janeiro de 1854, quando da
contratação do pedreiro Antonio Polari, e deveria ser terminada dentro de quatro meses. A sua
urgência dava-se pelo fato da ausência e da necessidade de um lugar para enterrar os mortos em
área distante da cidade. Apontadas nos vários documentos escritos em anos anteriores.
Em 1855, o engenheiro da província, Affonso de Almeida e Albuquerque afirma no
Relatório do Presidente da Província que: “não podia ser por mais tempo differida a existência de
um cemiterio publico n’esta Capital.” (RPP, 1855, p.21), o qual mesmo tendo sido solicitado em
anos anteriores, conforme afirmado anteriormente, encontrava-se em construção e “dentro de
pouco tempo ficará elle em estado de receber cadáveres cujos enterramentos ainda se fazem nas
nossas Igrejas com desacato à Religião e em detrimento da saúde publica” (Idem, p.22).
Ainda no final desse mesmo ano, encontrava-se o cemitério público concluído. A
brevidade da obra justificava-se por ser “sem duvida uma das mais importantes e mais úteis a
salubridade d’esta Capital” (RPP. 1855. p. 10). Sobre este mesmo ano, podemos observar ainda o
relato de Irineo Pinto, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba, sob o título ‘O
Cholera Morbus na Parahyba’, no qual o autor expõe que
[...] de há muito ambicionava a capital possuir este útil melhoramento, afim de acabar o anacronico uso de enterramento nas igrejas, e apesar de diversas tentativas, só no anno anterior, havia sido levada com insistência e realidade a iniciação da empresa, mandando o governo nesse anno, uma junta de facultativos estudar o local apropriado para tal fim. (PINTO, 1910, p. 123)
Para compor a história desse importante equipamento urbano na cidade, bem como de
que forma o mesmo foi se consolidando no âmbito da cidade, partimos, principalmente, dos
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relatórios dos Presidentes da Província e da Santa Casa de Misericórdia. Desta forma, foi possível
entender e reconstruir o ‘quebra-cabeças’ que compõe a história do cemitério público no espaço
urbano da Cidade da Parahyba.
Essa história prossegue, portanto, de acordo com os documentos, com embates entre
aqueles que desejavam continuar a enterrar seus mortos nas igrejas, como ocorria até então,
justificados pela maior proximidade com Deus e conseqüente proteção, e aqueles que aceitavam
o discurso da salubridade e da higiene que justificava a sua construção. Além desses problemas,
podemos perceber que os parcos recursos da cidade representavam uma dificuldade à medida que
um novo cemitério ou a ampliação do já existente não era possível ser realizada. Como bem
expressa, “é de lamentar que os habitantes não procurem, uns com seu dinheiro e outros com seus
serviços gratuitos de alguns dias, edificar essas habitações das gerações que acabão. Não só o
sentimento de religião, para com os mortos, como também o interesse da salubridade pública, os
deverião aconselhar neste empenho”. (RPP, 1856, p. 34)
No ano posterior à instalação do primeiro cemitério público da Cidade da Parahyba, qual
seja, no ano de 1855, ocorre o primeiro grande surto de ‘cholera-morbus’ na cidade, fato este que
leva a criação da Junta Central de Higiene e de uma série de normativas quanto à adequação do
espaço urbano a este novo mal que o atinge. Sua população encontrava-se, portanto, assustada
com a “novidade da moléstia, cuja origem não está ainda bem averiguada, sua força destructiva
difficil de superar-se, os horríveis padecimentos dos que della são accommettidos” (PINTO,
1910, p. 121).
Em relação à criação da Junta Central de Higiene, podemos dizer que, no ano em que a
Cidade da Parahyba é assolada pelo “primeiro cholera”, o governo toma a iniciativa de, em
assembléia provincial reunir “uma junta de facultativos e ouvindo a opinião de todos, proferida
com acerto e judiciosa observação, inicia logo a serie de medidas no sentido de suas indicações”
(PINTO, 1910, p. 122). Esta ‘Junta de Higiene’, junto à câmara municipal determina que fossem
“caidos, pintados e asseiados os edifícios públicos, mandando a camara que igual medida fosse
adoptada pelos particulares com relação aos seus prédios” (PINTO, 1910, p. 122).
No entanto, as medidas, prescritas pelos administradores locais, nem sempre são
concretizadas, conforme mostramos em outra ocasião. Isto porque fazia parte de uma série de
ordenamentos destinados, principalmente à população de menor poder aquisitivo, a qual não
possuía os meios necessários para atender a imposição destas ordens. A inobservância dos
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ordenamentos por parte desta parcela da população era colocada como sendo responsabilidade
deles mesmos. No ano de 1861, Medeiros (1913) considera como causas para a ocorrência de
doenças, diversos fatores “enumerando certas doenças apontava-lhes as fontes e insistia sobre
meios de combater a phthisica, as febres e a syphilis, umas oriundas da má alimentação, dos
defeitos de edificação, da corrupção do ar e outra transbordando dessas casas de prostituição onde
não ha ao menos inspecção nem policial nem medica.” (Idem, p. 120).
Pinto (1910) ainda atribuindo à população a ocorrência das epidemias descreve que
“nenhuma medida de hygiene particular era tomada pelo povo, apellando o mesmo para Deus,
aterrorisado esperava o mal tal qual poderia apparecer, tendo ainda contra si os mais abastados
que confiados nas suas posses disiam que se o cholera ca viesse seria tão benigno como fôra a
febre amarella e outras epidemias” (p.121). Benigno seria, portanto, não pelas condições
higiênicas apresentadas na cidade, nem tampouco pelas medidas sanitárias, as quais estavam em
execução e pouco abrangendo as ruas da mesma, mas pelo clima e as condições atmosféricas aqui
existentes. Para ilustrar esta afirmação transcrevemos trecho de documento escrito pelo Inspetor
de Saúde do Porto da Província da Parahyba, em 1888, o qual afirma que “nenhuma moléstia
epidêmica e contagiosa desenvolveu-se neste porto nem mesmo na cidade; o que foi devido,
como estou convencido, as condições climáticas e não as hygienicas, que são deploráveis nesta
cidade e seus subúrbios”.(Correspondências com o Ministério do Império. 09 de janeiro de 1888).
As medidas higiênicas apontadas pelas comissões e juntas de higiene continuavam a ser
reclamadas e solicitadas tanto pela população como também pelas autoridades locais, ainda no
final do século XIX.
A variação e irregularidade da temperatura que activa e facilita maior desprendimento de miasmas de toda natureza, elaborados nos innumeros foccos deleteriaes que se encontra a cada canto desta capital [...] Em qualquer canto, em todas as ruas e becos achão-se grandes depósitos de lixo, animaes mortos em decomposição, materiaes esterchoraes e aguas podres e estagnadas; de sorte que, se todas essas emanações deletérias não fossem absorvidas pela vegetação, que em grande extenção cobre o seo sólo, e modificados pela natureza, reconhecidamente salubre de nosso clima, estaría-mos sempre sob a pressão de graves cataclysmos epidêmicos. (Correspondência com o Ministério do Império. 29 de fevereiro de 1884)
Quanto ao clima desta cidade, várias são as informações sobre a benignidade do mesmo,
tal como: “A Parahyba sempre foi reputada como terra salubre e de clima agradável, mau grado
89
sua posição entre os trópicos” (MEDEIROS, 1911, p.117). Desta forma percebemos que o clima
e as condições atmosféricas eram considerados benignos no que concerne à manutenção da saúde
e à prevenção de doenças na Cidade da Parahyba. Já o povo e, sobretudo, a população de menor
poder aquisitivo, seriam os principais responsáveis pela ocorrência e disseminação de doença.
Conforme assinala Pinto “era pra temer a imprevidência do povo, luctando com maior factor de
seu anniquilamento – a pobresa – ao qual raro é o que pensa na alimentação do dia de amanhã e
raríssimo o que possue uma rede ou um catre em que se deite sendo que a cobertura ninguém a
tem, confiados todos na benegnidade do clima.” (PINTO, 1910, p. 121).
O autor expõe ainda que, neste ano o Cemitério Senhor da Boa Sentença “achava-se,
pois, em estado adiantado quando surgiu a noticia da próxima invasão [refere-se à cólera],
fasendo o Governo activar a obra no intuito de servir logo ao fim para que fôra destinada”.
(PINTO, 1910, p. 123). Mais uma vez podemos observar que a ocorrência de doenças favorece,
determina ou prescreve alterações no espaço urbano desta cidade, à medida que pretende torná-la
mais salubre e higiênica, e conseqüentemente livre das epidemias que dizimam os seus
habitantes.
Em 1879 a construção de um novo cemitério é reclamado pelos administradores locais.
O relatório do Presidente da Província argumenta que, considerando
[...]o numero de inhumações, e achando-se quase totalmente occupada a area do Cemiterio do Senhor da Boa Sentença, deliberei fundar um novo Cemitério que, prestando-se ao enterramento de grande numero de victimados pelas epidemias reinantes, servisse por seu espaço e condições hygienicas para ser o ponto permanente das inhumações n’esta Capital. (RPP, 1879, p. 25)
Neste sentido, o engenheiro responsável pelas obras públicas na capital, obedecendo as
ordens do Presidente da Província, sugere que este novo cemitério seja construído em “uma área
de terreno no sitio denominado ‘Cruz do Peixe’ proxima ao hospital dos variolosos, cujas
inhumações ordenei que fossem logo feitas n’esse Cemiterio a fim de evitar o transporte dos
cadaveres das victimas d’essa terrível enfermidade pelo centro da Cidade.” (RPP. 1879. p. 27).
Note-se que a preocupação em não disseminar as doenças no centro da cidade, área em que
habitava a elite e em que se dava a maior parte das relações comerciais; além da presença do
Estado e da Igreja era uma constante. Várias são as determinações a partir das quais podemos
observar este fato. A respeito do lugar escolhido para a construção do novo cemitério, a comissão
higiênica determina que “preferindo a bem da salubridade pública e de conformidade com os
90
preceitos da hygiene, o local que demora ao lado direito da estrada de rodagem, e que fica quase
em frente á Igreja da Bôa Vista, há 300 braças [...] de distancia d’esta cidade, a partir da Ponte
Sanhauá” (RPP, 1879, p. 22).
No entanto, o cemitério da Cruz do Peixe, construído durante o período de flagelo da
seca, foi fechado ainda no ano de 1882, tal como podemos observar no relato do Presidente da
Província, quando o mesmo afirma que “o Cemiterio Senhor da Boa Sentença á cargo da Santa
Casa de Misericórdia, segundo a opinião do Provedor, é insufficiente para os enterramentos que
alli se fazem, visto ter-se fechado o da Cruz do Peixe, estabellecido por ocasião do flagello da
secca” (RPP, 1882, p. 26)15.
Quanto à administração dos cemitérios, anteriormente referida no relato citado,
salientamos que as entidades responsáveis não apenas pelos cemitérios e enterramentos, como
muitas vezes pelos hospitais, pelas obras de caridade e pelas obras assistencialistas encontravam-
se divididas em ordens terceiras, irmandades e confrarias, ou seja, eram as entidades religiosas.
No entanto, em geral eram “presididas por leigos, que visavam prestar auxílio, tanto espiritual
quanto material a seus membros” (PAGOTO, 2004, p. 50). As confrarias, por sua vez,
encontravam-se “divididas principalmente em irmandades e ordens terceiras, existiam em
Portugal desde o século XIII pelo menos, dedicando-se a obras de caridade voltadas para seus
próprios membros ou para pessoas carentes não associadas” (REIS, 1998, p. 49).
Em 1879 a Cidade da Parahyba contava com dois cemitérios, o primeiro era o ‘Senhor
da Bôa Sentença’, que estava em funcionamento desde o ano de 1855, conforme afirmamos
anteriormente, e o da Cruz do Peixe, no qual eram enterrados os variolosos, situado em área mais
distante do perímetro urbanizado da mesma. O jornal ‘A Regeneração’ publica em 1879, um
artigo reclamando sobre o serviço de enterramento dos mortos nesta cidade enfatizando que “as
inhumações n’esta cidade se fazem em dous cemitérios” 16 (Jornal A Regeneração. 28 de agosto
de 1879). Este artigo é complementado pelo relatório apresentado pelo senhor Vice-Presidente da
Província acerca das condições higiênicas da cidade, e publicado no jornal ‘O Liberal
Parahybano’ no mesmo ano. Noticia-se que a área do Cemitério Senhor da Bôa Sentença
encontrava-se “quasi toda occupada pelo grande numero de enterramentos que n’elle se tem feito
durante a crise epidêmica” (Idem). O mesmo jornal comunica que o Cemitério Cruz do Peixe, o
15 A pesquisa não encontrou nenhuma referência a respeito do fechamento deste. 16 Microfilmes NIDHIR. Rolo 02
91
referido jornal aponta que ainda não estivesse concluído naquele ano, graças às dificuldades de
construção decorrentes da declividade apresentada no terreno, o mesmo já encontrava-se em
funcionamento, embora que “de um modo pouco regular para satisfazer a necessidade publica”.
(Idem).
Os administradores, receosos de que a área do Senhor da Bôa Sentença fosse
completamente ocupada, e julgando que o da Cruz do Peixe, situado junto ao hospital de
variolosos, e destinado ao enterramento daqueles que falecessem neste local fosse completamente
preenchido, nomeou uma comissão composta de alguns médicos da cidade, a fim de darem um
parecer sobre a conveniência do local em que, de preferência, devesse ser construído um terceiro
cemitério. Esta comissão, após o exame “remetteo em data de 03 de Novembro ultimo o seo
parecer, preferindo á bem da salubridade, e de conformidade com os preceitos da hygiene, o local
que ao lado direito da estrada de rodagem, e que fica quase em frente á igreja da Bôa Vista, há
380 braças, ou 85000 metros de distancia d’esta cidade, a partir da Ponte do Sanhauá.” (Idem).
Entretanto, não nos foi possível constatar a partir de dados documentais se realmente este terceiro
cemitério foi construído.
Os relatórios da Santa Casa de Misericórdia apontam inúmeros dados que nos possibilita
um maior cuidado no tratamento deste importante equipamento urbano, no que concerne à
promoção da higiene da cidade. A partir destes relatórios observamos que no ano de 1906 ainda
não havia sido iniciada a construção da capela anexa ao mesmo, além de outras implementações
que ainda não haviam sido efetuadas devido às dificuldades financeiras por quais passava a Santa
Casa. A maior delas era a falta de um depósito no qual fosse colocado os restos mortais daqueles
aí enterrados, problema este “que a nova Meza deve reparar, dando logo ordem para se construir
a obra destinada para servir de deposito dos restos mortaes, a qual é a mais urgente” (RSCM,
1906, p. 11).
Ainda neste ano, foi promulgada a Lei Provincial n. 22, que autorizou a desapropriação
dos terrenos no entorno do referido cemitério, “como respeito devido ao lugar consagrado ao
enterramento dos mortos, respeito que fica abalado pela contigencia de um aforamento, e dos
direitos e acções, que competem ao senhorio.” (Idem, p.12). Além destas medidas tomadas em
relação à higiene e à manutenção do cemitério, temos notícia, a partir do referido relatório de
obras relacionadas à capinação; e limpeza do mesmo “de modo que os visitantes do Campo Santo
no dia de finados ficaram bem impressionados ante o asseio em que viram.” (idem, p. 10).
92
Em 1908, o Dr. Flávio Maroja, diretor do Serviço Sanitário dos Hospitais a cargo da
Santa Casa de Misericórdia apresenta um relatório no qual afirma que “acha-se o cemitério em
bôas condicções de asseio e conservação, offerecendo bella perspectiva, bem como a pequena
capella alli existente” (RSCM, 1908, p. 07). Já no ano seguinte, o mesmo médico relata que
[...] o actual Cemitério deve ser fechado definitivamente, porque além de offerecer área insufficiente para os enterramentos, o systema destes não está de accordo com os principios rudimentares da hygiene publica [...] fundado ha mais de meio seculo, quando a população desta capital orçava pela quinta ou sexta parte da actual, é fora de duvida que o Cemiterio Senhor da Bôa Sentença não corresponde às necessidades de hoje. (Idem. p. 07)
Esse cemitério de 142 metros de cada lado, continha 480 catacumbas, das quais 84
pertencentes à Irmandade da Santa Casa; 100 à Irmandade das Mercez; 50 à Ordem Terceira do
Carmo; 50 à Irmandade de São José; 50 à Irmandade da Mãe dos Homens; 60 à Irmandade do
Sacramento; 30 a do Bom Jesus; 30 a de Nossa Senhora da Conceição e 26 a de São Francisco.
Além de 20 mausoléus destinados à perpetuidade. A área do dito cemitério que não era ocupada
pelas catacumbas e mausoléus, encontrava-se subdividida em duas partes iguais, destinadas as
sepulturas comuns e às reservadas. Estas últimas eram aquelas situadas nas melhores localidades
e que, por isso estariam destinadas à população de maior renda, que houvesse contribuído em
vida, com as obras de caridade da Santa Casa de Misericórdia. A partir desses dados
[...] comprehende-se que o actual Cemitério não satisfaz ás necessidades de nossa Capital. Um outro mais vasto deve ser construído, obedecendo os enterramentos a outras normas que a hygiene moderna prescreve. E, como não caiba hoje nas attribuições das Irmandades religiosas a fundação de Cemitérios, é indispensável que o poder municipal providencie no intuito de construir um outro, como já o fiz sentir no relatório que li o armo passado. (RSCM, 1910, p. 08)
Desta forma, em 1910, o referido relator manisfesta-se a favor da necessidade de
constução de um novo cemitério e fechamento do Cemitério Senhor da Boa Sentença, em virtude
de que “o systema de enterramentos não satisfaz aos preceitos modernos da hygíene [...] é muito
acanhado, precisa ser substituido pelo poder competente e o systema de enterramentos não
obedece às exigencias das prescripções de hygiene” (RSCM, 1911. p. 07). Isto se deve ao fato de
que, tendo o cemitério sido “fundado em 1850, não pode manifestamente satisfazer ás
necessidades da Parahyba actual, quer quanto a suas dimensões, quer quanto ao systema de
93
enterramentos. Outro cemiterio deve ser construido em substituição ao actual e disto não trata a
Santa Casa por lhe faltar competencia.” (RSCM, 1912, p. 07).
Portanto, até o final do recorte temporal analisado, a Cidade da Parahyba contava com
um único cemitério público, o Senhor da Bôa Sentença, tal como apontamos aqui. Este, que
encontra-se em funcionamento até os dias de hoje, foi o responsável pelos primeiros
enterramentos que se deram fora do âmbito do sagrado, e, por este motivo, representativo no que
diz respeito à promoção de higiene na cidade durante o período analisado.
2.4 - A Santa Casa de Misericórdia: Administração pública e religião
À Santa Casa de Misericórdia cabia duas grandes funções, a administrativa e a religiosa.
Conforme podemos observar no documento que se segue:
Há no, Compromisso approvado pela meza conjuncta dous aspectos importantes: um, o temporal ou civil, que se prende á assistencia publica e adquire validade jurídica pelo registro prescripto no Decreto n. 173 de 10 de Setembro de 1893, o qual se vai effectuar. O outro, o religioso, diz respeito ao culto divino, e assim tem de obedecer ás disposições das Leis Canonicas.17
Ou conforme afirma Reis (1998) a Santa Casa de Misericórdia, entidade religiosa,
controlava uma “vasta rede filantrópica de hospitais, recolhimentos, orfanatos e cemitérios.
Desenvolviam em caridade principalmente para fora, para os destituídos da sociedade, uma vez
que seus irmãos eram os socialmente privilegiados.” (REIS, 1998, p. 51). Sobre a fundação da
Santa Casa de Misericórdia na Cidade da Parahyba, há um documento datado de 1864 em que o
Inspetor de Saúde Pública da Província escreve ao Presidente da mesma afirmando não haver no
arquivo da referida instituição dado algum a respeito de quem “fosse o fundador d’esse
Estabelecimento, e a época de sua instituição, constando apenas que em 22 de outubro de 1676 já
elle existia, e o obtive do Governo de Portugal uma provisão, concedendo-lhe todos os privilégios
concedidos aos da Bahia e Pernambuco” (Correspondência com o Ministério do Império. 29 de
janeiro de 1864). O que nos sugere que a Santa Casa de Misericórdia já havia sido instalada antes
dessa data nestas duas províncias.
Em análise feita a partir da leitura dos Relatórios da Santa Casa de Misericórdia
17 Compromisso da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia da Capital do Estado da Parahyba. 1913. Disponível no Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba.
94
podemos inferir sobre a saúde na Cidade da Parahyba. Estes relatórios nos dão subsídios para
uma análise mais acurada acerca dos hospitais e dos cemitérios existentes nesta cidade e dos
cemitérios. Em 1858, o Dr. Francisco de Assis Pereira Rocha, que assina o relatório da Santa
Casa por ser o administrador da mesma, sugere a mudança dos doentes para áreas distantes da
cidade, bem como para enfermarias provisórias, nas quais estes possam ficar isolados. Este tipo
de solicitação repete-se ainda nos relatórios de anos subseqüentes, os quais nos permite observar
a preocupação por parte desta instituição em manter os prédios onde funcionavam as casas de
saúde não apenas limpas e asseadas, como demonstra o documento ora posto, como também
distante da área urbanizada da cidade, com a finalidade de diminuir o contato entre doentes e
sãos, entre os considerados perigosos e aqueles que estavam de acordo com as regras da saúde e
da higiene.
Essa afirmação pode ser ilustrada ao observarmos, neste mesmo relatório que:
a concurrencia de doentes, que n’estes ultimos dias tem, demandado o hospital, e a conveniência de separal-os, e classifical-os, segundo as suas molestias, exigem que se concerte, e distribua o andar térreo. É também necessário, que se abrão na enfermaria das mulheres algumas janellas ou frestas em contraposição a serie das que existem, e que dando á enfermaria muita e mais que sufficiente claridade, não bastão para estabelecer lhe a necessária correnteza do ar.” (RSCM, 1858, p. 04).
O presente trecho demonstra o entendimento sobre os lugares de tratamento de saúde.
Estes deveriam ser isolados e bem ventilados, já que o ar e o sol eram considerados como um dos
meios mais importantes na luta contra a disseminação de doenças. Além disso, os
estabelecimentos deveriam ser esteticamente belos, pois, tal como escreve Dr. Francisco de Assis
Pereira Rocha “o aformozeamento não me parece objeto de indiferença para um hospital, e por
isso alguma cousa se deve fazer nesse sentido” (Idem, p. 04).
Em relação à disposição das casas de saúde e o espaço interno das mesmas, vele destacar
o artigo ‘Paisajismo y políticas públicas higienistas en hospitales de Buenos Aires’. Neste, a
autora, Gabriela Campari, ao abordar a enfermidade como fenômeno social, analisa os espaços
verdes das instituições de saúde enquanto medidas de elevar a qualidade de vida dos internos e
obter melhores respostas em relação ao tratamento das enfermidades epidêmicas que estavam
repercutindo neste território durante principalmente o século XIX e início do século XX. A autora
acredita, desta forma, na interação entre o discurso médico, a prática pública da higiene e a
intervenção paisagística nos hospitais de Buenos Aires. Nesta cidade as epidemias também
95
promoveram alterações no espaço urbano, a fim de que este fosse adequado as práticas higiênicas
e, portanto, diminuísse o risco do contágio. Para a autora foi
con el higienismo se incorporó la idea de “verde” como instrumento sanador de un modelo de ciudad sana, bajo una noción organicista de la trama urbana, en la cual se consideraba a la ciudad como un “organismo vivo” que respiraba a través de la vegetación, promoviendo la calidad de vida y bienestar de sus habitantes. Esta concepción primó en la planificación de los espacios públicos como el arbolado de aceras en calles y avenidas, jardines, plazas y parques, y en la incorporación de tareas especializadas en jardinería y producción en el “criadero de plantas”. (CAMPARI, 2009, p. 09)
Nos cemitérios construídos e administrados pela Santa Casa de Misericórdia eram
enterrados os que faleciam nos hospitais administrados por esta mesma instituição. Na Cidade da
Parahyba, a Santa Casa era também a responsável pelos serviços mortuários e os carros fúnebres,
embora houvesse uma grande variedade nos serviços oferecidos e/ou administrados pela mesma,
conforme anteriormente demonstrado. No ano de 1854, o Presidente da Província relata que a
Santa Casa de Misericórdia caminhava lentamente, em virtude de suas deliberações ocorrerem
em mesa, já que “muitas vezes objectos de interesse, e que exigem uma prompta decisão, ficão
prejudicados, porque não é possível reunir-se a meza na occasião necessaria.” (RPP. 1854. p. 17).
Esta entidade tinha como objetivo, conforme muitos documentos que tratam da mesma, “a prática
de obras pias, e de beneficencia, em favor, e soccorro dos pobres, e dos enfermos, desvalidos,
assim como dos meninos expostos” (RPP. 1857. p. 17). Tinha a seu cargo, em 1856, além do
cemitério, o hospital de caridade, “único estabelecimento dessa natureza existente na Provincia”
(RPP. 1856. p. 39) que se encontrava em de ruína e bem longe de preencher o fim de tão pia
instituição.
Quanto ao Hospital da Santa Casa de Misericórdia, temos notícia, no ano de 1855, que
este estabelecimento era o único hospital de caridade que existia na cidade nesta época e que
“infelismente pelas suas mui poucas rendas, e pequenes do edifício não pode receber numero
crescido de doentes pobres; e para as molestias contagiosas, não há adoptado em local no coração
da cidade” (Correspondência com o Ministério do Império. 22 de novembro de 1855). As
reclamações em relação a este hospital prosseguem, e no ano de 1857, registra-se que “está em
mao estado o edifício, onde funcciona. Trata-se de repara-lo, e dar-lhe os commodos precisos.
Depois deste trabalho ficará com mais proporções para o serviço a que lhe é destinado”. (RPP.
1857. p. 17). Reforma esta, que foi contratada alguns meses depois, de acordo com o referido
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relatório.
Além do exposto, o Hospital da Santa Casa de Misericórdia contava com reduzidos
funcionários, e limitados recursos. Em 1858, o seu provedor relatou que havia neste hospital
“dous enfermeiros, uma enfermeira, dous serventes, e uma servente, cada um com suas
attribuições expressas; custando este pessoal ao estabelecimento cerca de 2:400$ rs. annualmente,
quantia que pode ficar reduzida a 2:000$ reis com a esperada baixa no preço dos géneros
alimentícios”, fato que limitava o serviço oferecido por este estabelecimento, levando o relator da
Santa Casa de Misericórdia a reclamar a falta de pessoal e a necesidade de encontrar “mulheres
caridosas” que servissem ao hospital e possibilitassem um maior atendimento de doentes. No
entanto, embora o provedor da Santa Casa, Francisco d’Assis Pereira Rocha, exiba esses
números, ele afirma ainda que “não ha exactidão no numero dos curados; alguns sahidos, como
taes voltarão para o hospital, e algum houve, que morreu logo depois de sua sahida” (RSCM,
1858, p. 05). Sobre a reforma sugerida no hospital, o relator indaga:
[...] que vantagem trará esta reforma? [...] Devo ser franco; assaltão-me tristes apprehensões acerca dos negócios públicos, quando considero na quadra actual, em que vidas illustres tem sido infelizmente ou ceifadas, ou infeccionadas do contagio do egoísmo. Esperemos! O novo regimem não pode em um mez ter trazido notavel melhoramento; alem do tirocínio dos empregados, e da falta de certos objectos, outras circunstancias tem occorrido para que o asseio das enfermarias, e dos doentes não seja o desejável. Tenho me limitado a fazer algumas advertencias, e se ellas não produzirem o desejado effeito o Provedor olhrará convenientemente. (Idem, p. 06).
Partimos aqui dos relatórios da Santa Casa de Misericórdia, com o intuito de
reconstruirmos a geografia histórica, bem como de relatarmos um pouco sobre a importância do
Hospital da Santa Casa de Misericórdia para a Cidade da Parahyba. Além de apontar a relação
deste hospital com o espaço urbano; bem como as alterações efetivadas em tal estabelecimento de
saúde. Estes documentos revelam que, entre primeiro de Julho de 1857 e o último dia de Junho de
1858 este hospital, contava com
08 doentes; homens 06, e mulheres 02. Entrarão em todo o anno 86: homens 56, e mulheres 30, sendo por consequência 94 o numero dos doentes tratados no referido anno. Destes sahirão curados 60; homens 48, e mulheres 12, e mortos 22; homens 11, e mulheres 11; ficão existindo 22; homens 13, mulheres 9. Contão-se no numero dos entrados 16 praças de policia, e das quaes existem 4, tendo sahido curados 12. (RSCM, 1858, p. 05).
No ano de 1858 o Hospital da Santa Casa de Misericórdia, é marcado, como podemos
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perceber nos números apresentados acima, por um grande atendimento de doentes, o que leva a
necessidade e “conveniência de separal-os, e classifical-os, segundo as suas molestias, exigem
que se concerte, e distribua o andar térreo. É também necessário, que se abrão na enfermaria das
mulheres algumas janellas, [...] e que dando á enfermaria muita e mais que sufficiente claridade,
não bastão para estabelecer lhe a necessária correnteza do ar.”( RSCM, 1858, p. 04).
Sua remoção do centro foi sugerida, no ano de 1878, momento em que o Presidente da
Província opina que o mesmo seja removido “do centro da cidade para a casa que foi do Collegio
de Educandos artífices, situada em um dos arrebaldes mais próximos da mesma cidade, e onde,
em enfermarias especiais e separadas, poderão, sem perigo para a população, como para os outros
enfermos, ser recolhidos e tratados os doentes de molestias epidêmicas e contagiosas”. (RPP,
1878, p. 20)
Ainda em 1878 “o hospital de caridade [...] situado no centro d’esta Capital, fora de
todas as condições de hygiene. Unico do seu gênero existente na mesma Capital, recebe elle
doentes de todas as molestias, ainda que sejam epidêmicas e contagiosas [...]” (Idem). O
Presidente da Província continua, na seção ‘Saúde Pública’ dizendo que: “O Hospital da Santa
Casa de Misericórdia, pela sua situação no centro da cidade, não se presta bem a esse mister”,
qual seja a saúde pública, tal como descrito no documento a seguir:
A situação do Hospital no centro d'esta cidade é reconhecidamente ante-hygienica. A sua remoção, portanto, para outro logar é uma necessidade, que considero de primeira ordem, mas cuja satisfação tem sido protrahida á mingua de recursos próprios, e ausência de autorisação, que os poderes públicos, sob cuja protecção e inspecção superior se acha o Estabelecimento, não tem conferido, assim como de meios para isso indispensáveis que elles não teem consignado. O edifício é relativamente acanhado, e mal dividido, de sorte que não se presta á conveniente classificação e separação dos doentes de moléstia interiores dos de moléstias exteriores, de moléstias consideradas epidemicas das que o não são. O pavimento térreo, húmido e mal arejado, é occupado por nove loucos, alguns até furiosos, cujo tratamento regular e impossível, e que incommodam e sobresaltam com gritos e arruidos, de dia e de noute, os demais enfermos e os moradores das casas visinhas. Não ha espaço que possa ser preparado e aproveitado para passeio e recreio dos convalescentes. (Relatório Santa Casa de Misericórdia, 1889, p. 04)
Além deste documento, podemos observar, a partir do relato do Presidente da Província
que “nenhuma providencia se tem adoptado para restabelecer n’esta capital a salubridade publica,
que se acha alterada por differentes causas [...]” (RPP, 1878, s/p). As principais, apontadas em
relatório são: o lazareto da Ilha da Restinga, relatado anteriormente; e a situação do Hospital da
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Santa Casa de Misericórdia alocado no centro da cidade. Este hospital era composto de dois
médicos, o Dr. Manoel Carlos de Gouvêa e o Dr. António da Cruz Cordeiro. Este último com
função de prestar serviços como Cirurgiáo-mór da província. Além destes havia ainda dois
enfermeiros,
sendo um para a enfermaria dos homens: outro, do sexo feminino, para a das mulheres e meninos; de três serventes e duas serventes; de duas cozinheiras; de duas lavadeiras. Os serventes e as serventes auxiliam os enfermeiros nos misteres a seo cargo. Os médicos revesam-se semanalmente nas suas visitas ao hospital. E apesar do zelo e dedicação com que trabalham, parecia-me que melhor seria concorrerem ambos diariamente a essas visitas, distribuindo entre si os enfermos segundo a natureza das moléstias; o que talvez fosse mais commodo a elles, e provavelmente mais profícuo aos mesmos enfermos. (RSCM, 1889, p. 05)
O referido hospital tinha a incumbência de receber os acometidos de doenças da cidade,
mas, não tinha a obrigação de “receber doentes de moléstias epidêmicas, ou contagiosas”
(Correspondência com o Ministério do Império. 22 de maio de 1874). Quando isto ocorria, este
estabelecimento recebia do Governo Imperial a quantia equivalente às referidas despesas.
Todavia, no momento em que a cidade foi irrompida pela epidemia de febre amarela, coube ao
Hospital da Santa Casa de Misericória tratar não apenas os doentes da cidade, como também dos
tripulantes dos navios estrangeiros atracados no porto, graças a inexistência do hospital de
estrangeiros e as dificuldades por que passava o lazareto da Ilha da Restinga. Esta prática deveria
ocorrer, de acordo com o Provedor da Santa Casa,
até que os Exmos. Presidentes façam montar com grandes despezas, enfermarias para esse tratamento, e quando a epidemia é julgada officialmente extincta, e aquelles hospitais fixados continuam a ser tractados n’este os que vão sendo affectados, que pelo commum não são poucos annualmente. No corrente anno deu-se o mesmo facto: os primeiros affectados foram tratados n’este Hospital e continuam a ser, ainda agora, os que teem sido accommettidos da epidemia depois que foi fixado officialmente Hospital, montado pelo Governo em São Francisco para esse tratamento. O mesmo aconteceu com os atacados de varíola os quaes sendo tratados na invasão da epidemia n’este Hospital que depois deixou de recebêl-os por ordem de V. Exª, continuam a ser tratados n’elle depois que foi officialmente fexado o Hospital de São Franciso [...] venho pedir a V. Exª não tanto como indemnisação, mas como auxilio a este Pio Estabelecimento pela verba de Socorros Publicos, a importância de [...].(Correspondência com o Ministério do Império. 1 de maio de 1874)
Conforme podemos perceber, a partir de análise do trecho citado acima, apesar de a
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Santa Casa não ser responsável nem pelos doentes acometidos por moléstias contagiosas, nem
pelos estrangeiros aqui chegados no porto e que, por ventura, houvessem contraído as referidas
enfermidades, estes eram acolhidos neste estabelecimento, o Hospital de Caridade, por haver falta
de espaço em outros estabelecimentos, bem como pela subvenção posteriormente recebida por
parte do Ministério do Império que cobria as despesas que foram realizadas com estes doentes.
Estes dados nos mostram a preocupação dos administradores do hospital não apenas no
que concerne à salubridade, como também o cuidado para que fosse evitado o contágio entre os
doentes aí internados, pois sugere sua separação e classificação. Podemos observar ainda a
preocupação constante em relação ao embelezamento do lugar. Exemplo disso é a afirmação de
que “o aformozeamento não me parece objeto de indiferença para um hospital, e por isso alguma
coisa deve ser feita nesse sentido” (Idem. p. 04). Além disso, o dito relator reclama e sugere uma
ampliação do Hospital da Santa Casa a fim de que o mesmo pudesse servir e acolher o número
crescente de doentes que o procurava. Neste sentido aponta que seria importante
emprehender novos estabelecimentos sem prejuízo dos existentes, o local indicado para edificação da casa do recolhimento devia servir com preferencia para o augmento do hospital, que é muito acanhado para satisfazer as necessidades, que vão crescendo. Cuidemos, pois, primeiramente no que temos, e no que é mais necessário para não perdermos tudo. (p. 09).
O diretor dos serviços sanitários dos hospitais a cargo da Santa Casa de Misericórdia,
reclama que embora soubesse que o serviço de tratamento dos doentes mentais deveria ser de
competência do poder público, “cuja missão social é velar pela manutenção da ordem e da paz
publicas” (Idem) este continuava a ser executado pela Santa Casa de Misericórdia em detrimento
dos parcos recursos que esta posssuia e o muito trabalho acumulado com os diversos
estabeleciemntos postos no seu encargo administrativo. Contudo, o mesmo explana que esta
instituição de caridade “jamais se recusará a prestar o seo auxilio, a sua dedicação sempre que fór
procurada; e, por isso, não podemos abandonar a causa desses desditosos seres humanos,
confiados á nossa solicitude e caridade” (RSCM, 1906, p. 15)
Para tanto, requisita ajuda do Governo do Estado a fim de que este trabalho em relação
aos hospitais e cemitérios seja mantido, com a intenção de “levarmos avante esse nosso projecto,
cuja realisação, como já vos dissemos, interessa talvez mais a elle do que a nós outros que nos
achamos na gestão dos negócios da Santa Casa”. (Idem). Esta afirmação pode ser complementada
com o documento publicado no ano de 1909, o qual afirma que “a Santa Casa não solicita
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auxilios para a sustentação do culto religioso, o que a Constituição não tolera, pede, entretanto,
auxilios para amparar e curar os miseraveis, os pobres que não tem recursos, em hospital que com
sacrificio mantem e custêa.” (RSCM, 1909, p. 20).
Nos primeiros anos do século XX, a Santa Casa de Misericórdia reorganiza-se como
associação pia de caridade. Seu regulamento previa a sua composição com um número ilimitado
de irmãos, bem como, com duração indefinida. Além disso, esta instituição, conforme ditado no
artigo terceiro do referido regulamento, seria “isenta da jurisdicção parochial e depende
immediatamente da autoridade Diocesana no que disser respeito ao culto divino”. Cabia,
portanto, a mesma: “a pratica de obras pias, de beneficencia, de misericordia e caridade em favor
e soccorro dos pobres, dos enfermos desvalidos, dos orphãos e expostos de ambos os sexos” e
ainda, “a manutenção e administração dos seguintes estabelecimentos: A Egreja da Santa Casa; O
Cemiterio do Senhor da Bôa Sentença; O Hospital de Santa Izabel; O Asylo de Sant'Anna;
Quaesquer outros estabelecimentos de caridade que forem fundados pela Santa Casa, ou não fun-
dados por ella, mas de cuja manutenção ella se encarregar mediante accordo”. (RSCM)
2.5 – Alterações nos equipamentos urbanos seguindo os preceitos higienistas
Para tratar sobre os equipamentos na Cidade da Parahyba, de que forma foram criados
ou modificados a partir do ideário de higienização e salubridade partiremos das alterações que se
deram no âmbito da cadeia pública desta localidade, bem como dos cárceres ao longo da história.
Os primeiros cárceres da história, surgiram ainda na Idade Média como uma forma de castigar
àqueles que não podiam pagar suas dívidas “e para pessoas que devido a sua posição social não
podiam ser executadas ou submetidas à castigos corporais” públicos. (CAPEL, 2005, p. 336). Os
edifícios utilizados para tal podiam ser fortificações ou mosteiros, e de acordo com o autor acima
referido, muitas vezes traziam conseqüências lamentáveis à saúde dos prisioneiros, graças à sua
falta de salubridade. Entre os séculos XII e XIII houve um crescimento no número de apenados,
isso posto pela necessidade de ‘regenerar’ algumas pessoas e transformá-las em força de trabalho
a ser utilizada em obras e construções diversas.
Para a justiça, mesmo que fosse necessário “manipular e tocar o corpo dos justiçáveis,
tal se fará à distância, propriamente, segundo regras rígidas e visando a um objetivo bem mais
elevado” (Foucault. 2008. p.14). A justificativa para este distanciamento está no fato de ter
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havido, nesta passagem de tempo, uma substituição nos objetos a serem julgados. A análise passa
a ser mais ampla, quando o julgamento ocorre também sobre “as paixões, os instintos, as
anomalias, as enfermidades, as inadaptações, os efeitos do meio ambiente ou de hereditariedade”
(Idem. p.19), através de uma nova forma não só de julgar como também de punir, que tenha o
objetivo principal de demonstrar o exercício de poder sobre aqueles passíveis à punição.
Além disso, esse distanciamento se deve, em boa parte, ao medo das multidões, já que o
grande ajuntamento de pessoas em torno dos suplícios fazia com que surgissem nas autoridades o
temor de agitações e o medo de que houvesse desordem e violência contra os envolvidos, até
mesmo contra os responsáveis pelo julgamento.
Segundo Foucault, quando o povo se reúne no local da execução não é apenas para
assistir o sofrimento do condenado, ou para estimular a raiva no carrasco executor da pena, mas
também para ouvir os lamentos daquele que na hora de sua execução, por não ter mais nada a
perder, combate as leis que o condenaram a tal suplício, os juízes ali presentes, o poder exercido
por estes e até mesmo a religião. Foi exatamente este temor e o caráter ambíguo da presença da
população que fez com que houvesse uma diminuição na morte enquanto espetáculo teatral, e
fosse produzida uma nova forma de punir e policiar os corpos, os costumes e os hábitos da
população.
Nos séculos seguintes o número de apenados cresce ainda mais, já que, aqueles que
fossem considerados delinqüentes, pobres, ou os que não tivessem um trabalho, seriam
considerados perigosos e por isso, julgados culpados. Esta idéia perdurou, e mesmo em meados
do século XIX e início do século XX, pode-se observar, por exemplo, instituições que tinham
muito mais o objetivo de disciplinar e moralizar os que fossem considerados perigosos, do que
propriamente readaptar ou punir aqueles que fossem julgados culpados de algum crime.
Com é sabido, a fundação de uma cidade no Brasil colonial dava-se a partir da instalação
do pelourinho (símbolo da municipalidade) e da Casa de Câmara e Cadeia. Assim, a primeira
cadeia da Cidade da Parahyba funcionava na parte inferior (sótão) da Casa de Câmara, localizada
na Rua Direita.
Em relação à cadeia na Cidade da Parahyba sabemos que no ano de 1853, há a
solicitação para que a cadeia pública fosse assentada em outra localidade, a fim de que “o lugar
escolhido para elle reúne[a] todas as condicções de salubridade” (RPP 1853). Visto que o lugar
em que funcionava o prédio anterior destinado à cadeia era considerado em “estado de ruína e
102
asquerosidade”.
Os hospitais e matadouros, tais como os cemitérios e as cadeias, encontravam-se sob a
mira disciplinadora dos médicos e engenheiros sanitários, fundamentadas nas regras de higiene.
Portanto, tais estabelecimentos deveriam situar-se em áreas distantes da cidade
Várias são as medidas entendidas como possibilidades de diminuir a ocorrência de
epidemias, ou mesmo, de preveni-las. A maioria destas, tal como pretendemos afirmar aqui,
provocam, promovem ou reivindicam alterações no espaço urbano, como se pode perceber ao
analisarmos os documentos divulgados entre meados do século XIX e início do século XX, já que
neste momento, as teorias acerca do contágio e transmissão de doenças a partir dos miasmas e do
ar estavam em vigor.
Entre as medidas determinadas, existiram aquelas relacionadas diretamente à promoção
da saúde pública, como: “contractos com médicos, que para esta Provincia queirão vir, provisão
de medicamentos, bem como dos gêneros de primeira necessidade, estabelecimento de hospitais
provisórios etc. são outras tantas medidas a tomar para moderar a acção maléfica das epidemias”
(RPP, 1855); as que dizem respeito à localização de determinados equipamentos no espaço
urbano. Podemos observar que várias são as determinações que prescrevem que estes
equipamentos estejam alocados nas áreas distantes da cidade, a fim de diminuir a ocorrência de
epidemias, a exemplo da solicitação da construção do Lazareto na Ilha da Restinga, que em 1855,
encontrava-se
[...] já quase concluída, posto que não completamente, todavia em estado de preencher o fim como a urgência e a distancia do lugar o permittirão. Seria conveniente, julgo mesmo indispensavel, a existência de um edifício separado para onde fossem removidos os que já por dias houvessem feito ‘quarentena’ a fim de evitar que tivessem contacto com os passageiros novamente sobrevindos. Em uma das extremidades da ilha, em distancia sufficiente existe uma casa que muito bem pode servir para este mister. (RPP, 1855, p. 20)
A citação anterior refere-se não apenas à localização de determinado equipamento
urbano, qual seja, o lazareto em área distante da cidade, como também a preocupação latente de
evitar o contato entre embarcações advindas de outros lugares e que porventura houvesse
apresentado durante o trajeto da viagem algum passageiro com febre, ou qualquer outro sintoma
que remetesse a alguma doença considerada epidêmica. Para estes casos exigia-se o isolamento e
a quarentena.
103
A construção do lazareto na ilha citada, de propriedade do Mosteiro de São Bento, teve
sua primeira solicitação no ano de 1853, momento em que a província do Pará estava sendo
acometida por uma epidemia “de caráter pernicioso” (Correspondência n.º 52. 12 de julho de
1853). A notícia de uma epidemia em qualquer província gerava o medo do contágio, e por sua
vez, ocasionava algumas transformações na cidade, por parte das autoridades e dos moradores,
com o intuito de evitar que a mesma se propagasse nesta localidade. Embora o Pará esteja em
área distante da Parahyba, acreditava-se que as embarcações que daí vinham ou que haviam feito
algum pouso nesta província poderiam transmitir a epidemia, por isso fazia-se necessário um
controle sanitário sobre as mesmas. Fato este que levou a construção do Lazareto, o qual tinha
como objetivo maior, recolher “os passageiros que para a Provincia vém nessas embarcações:
toda a correspondência e mais objectos n’ellas transportadas são sujeitos, e passão por operações
que a sciencia aconselha para que o seu contacto não possa contaminar-nos” (RPP, 1855. p. 10).
Deviam, pois, ficar em quarentena “os passageiros que daquella Provincia, ou dos outros portos
vierem com navios de 15 dias de viagem” (Correspondências com o Ministério do Império. 26 de
julho de 1856).
Salientamos que a Ilha da Restinga foi escolhida como lugar destinado à construção do
dito Lazareto, por encontrar-se “a três legos distantes d’esta cidade, e um pouco da fos do Rio
Parahyba e da Povoação de Cabedelo” (Idem. 22 de novembro de 1855), ou conforme descreve o
mesmo presidente em comunicação com o Ministério do Império esta ilha “é por certo o lugar,
que melhores condições offerece para garantia á população d’esta cidade da invazão de qualquer
moléstia pestilencial que nos venha por importação. A quatro legoas desta cidade, ao norte da
barra, completamente isolada, e sempre bem ventilada, considero-a com todas as condicções
hygienicas para nella permanecer o hospital marítimo” (Correspondência com o Ministério do
Império. 24 de setembro de 1872)
Outras medidas são tomadas, ainda em relação à epidemia que assolava a província do
Pará, citada anteriormente, são elas: a convocação de uma junta médica, que deveria apontar
medidas sanitárias, a partir das quais
Mandei [o Presidente da Província] imediatamente estabelecer as quarentenas para os navios de vella ou vapôr que chegassem a este porto vindos do Norte; autorizei a compra de um escaler para a visita da saúde e conducção das malas; ordenei a conclusão do quartel de Policia, onde se acha a enfermaria do Meio Batalhão Provisório; tenho mandado apressar a conclusão da obra do Hospital
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Militar que se está edificando n’esta Cidade, limpar as ruas removendo para longe os lixos immundos que algumas continham, asseiar as fontes publicas, mandar igualmente remover o matadouro publico para o edifício já construído pela Provincia para esse fim, e ordenei o acabamento do cemitério que breve será entregue a seu destino (Correspondências com o Ministério do Império. 28 de julho de 1855).
No entanto, os recursos da província não eram suficientes para que todas as medidas
fossem tomadas, já que encontramos algumas destas mesmas determinações ao longo dos anos
que se seguem, exigindo que o Presidente da Província nesta mesma comunicação solicite do
Ministério do Império um aumento nas rendas destinadas à salubridade pública da Parahyba, com
o intuito de que essas obras tenhão “promptidão conveniente, á fim de serem concluídas com
brevidade como recommenda a prevenção” (Idem).
Em 1864 uma comissão é enviada à Ilha da Restinga com o objetivo de observar as
condições do edifício do dito lazareto que se encontrava sob a fiscalização do comandante da
Fortaleza de Cabedelo, “sem, contudo poder este exercer uma fiscalização conveniente em favor
do edifício, por ficar separado delle pelo mar distante de meia legoa, e ser a ilha posto que
deserta, muito freqüentada por caçadores, pescadores e tiradores de madeira” (Correspondência
com o Ministério do Império. 14 de novembro de 1864). Em razão da dificuldade de fiscalização
apresentada no dito documento, bem como da maré, que constantemente solapava o prédio em
que funcionava o lazareto, o mesmo apresentava problemas na sua construção. Depois de acurado
exame, a comissão supracitada averigua que não havia possibilidade de consertar o edifício onde
funcionava o lazareto e que o mesmo encontrava-se perto de desabar, já que houvera sido
edificado sob “esteios, se achão estes cerceados ao res do chão e a frente do lado do poente
rasada e abatidas a ponto de já não poderem abrir as portas” (Idem).
Outros problemas seriam identificados ainda em relação a este estabelecimento, como
por exemplo, a falta de uma condução, ou conforme denominado à época, de um escaler18, que
transportasse os doentes até a referida ilha, “tornando-se inexeqüível e mesmo fatao o seo
transporte para o Lazareto da Ilha da restinga, não só pela grande distancia em que está desta
capital, como pela falta absoluta de um transporte commodo e rápido” (Correspondência com o
Ministério do Império. 30 de janeiro de 1875). Alguns anos depois, em 1878, o lazareto
localizado na Ilha da Restinga ainda era alvo da atenção dos administradores locais. O relatório
18 Escaler seria um tipo de “embarcação miúda a remo ou a vela, e que executa serviços dum navio ou repartição marítima. FERREIRA. Aurélio Buarque de Holanda. Mini dicionário da Língua Portuguesa. Editora Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 2000. p. 279
105
do Presidente da Província neste ano diz que:
[...] o lazareto da ilha da Restinga, destinado ao recolhimento dos doentes d’esta espécie [acometidos de febre amarela], e a quarentena dos navios procedentes de portos infeccionados, jaz em completa ruína, e absolutamente imprestável, de sorte que vemo-nos privados do meio efficaz de obstar a importação de alguma epidemia, ou de obviar a sua propagação. (RPP. 1878. p. 11)
Como solução, o presidente “considera de utilidade a reconstrução do Lazareto da
Restinga, não só para as quarentenas, como para o tratamento dos marinheiros que foram
atacados da febre amarella ou de qualquer outra epidemia.” (Idem).
Além disso, havia um hospital montado no Convento de São Francisco pelo governo.
Tratava-se de uma enfermaria que foi aí estabelecida para receber os acometidos de febres,
principalmente de varíola. Porém, o mesmo não estava isento de reclamações, a exemplo da falta
de pessoal e de material, o que fazia com que os doentes continuassem a ser tratados no Hospital
da Santa Casa. Quando do fechamento desta enfermaria, no ano de 1874, momento em que se
encontrava “terminada a epidemia de febre-amarela que grassou na tripolação dos navios surtos
no porto d’esta capital” os enfermos que aí ainda estavam sendo tratados foram transferidos para
o Hospital da Santa Casa e o material utilizado transportado para o Lazareto “com destino ao
tratamento de indigentes accommettidos da varíola” (Correspondência com o Ministério do
Império. 02 de março de 1874). Além disso, entre janeiro e maio de 1883 foi aberta uma
enfermaria provisória no sítio Cruz do Peixe, ou seja, durante a ocorrência da epidemia de varíola
na Cidade da Parahyba (Correspondências com o Ministério do Império)
No início do século XX, cabia à Santa Casa de Misericórdia, não só a administração do
referido hospital e do cemitério público, como também da “Egreja de Misericórdia que é a séde
da nossa irmandade, a Capella do Cemitério Público e a Capellinha do Hospital de Santa Anna,
na Cruz do Peixe” (RSCM, 1906, p. 12). Neste ano o serviço hospitalar a cargo da referida
instituição continuava a ser feito “pelo estabeleciemento de Santa Isabel, annexo á Egreja e sede
da administração, pelos de Santa Anna e Azylo de Loucos, na Cruz do Peixe, onde também ha
duas casas separadas que servem de enfermarias para variolosos e doentes de camara de
sangue19.” (Idem). A partir da análise destes documentos podemos afirmar portanto, que a Santa
Casa, possuía além do hospital que levava a sua denominação, os hospitais de Santa Anna e de
19 Refere-se à disenteria. A qual era designada como: crônica, maligna, violenta, alarmante, aguda e sangrenta. In: FARIAS (2006)
106
Santa Isabel, sobre os quais trataremos a seguir.
Ao Hospital de Santa Isabel eram recolhidos os acometidos de moléstia curável e que
fossem considerados indigentes. Este continha, no ano de 1906 cinco enfermarias, “duas no pavi-
mento superior e três no térreo; neste está a [enfermaria] destinada aos soldados do Batalhão de
Segurança que ahi se tratam mediante a diária de 800 rs.; e as quatro restantes são destinadas,
duas aos homens e duas ás mulheres.” (RSCM, 1906, p. 13). O diretor do serviço sanitário na
época, Flávio Maroja, fez uma exposição acerca do estado deste hospital, que foi publicada nos
relatórios da Santa Casa e da qual nos utilizamos para apontar de que forma se dava o seu
funcionamento. A partir disso cosideramos que, “evidenciava-se que tudo faltava, desde os
instrumentos cirúrgicos para o gabinete medico, até roupa para os enfermos e para os leitos.”
(Idem, p. 13). O mesmo prossegue dizendo que
A' vista de tal estado de miséria, a Mesa resolveo fazer immediato sortimento dos objectos mais urgentes para os Hospitaes, sendo distribuídos roupa, colchões, travesseiros, louças e mais utensílios de cosinha. [...] Temos, portanto, máximo jubilo de dizer que actualmente os hospitaes estão providos do mais necessário para conforto dos pobres que ahi se refrigeram das agruras de sua sorte desditosa, bem como para o regular funccionamento dos Estabelecimentos da Misericórdia. (RSCM, 1906, p. 14)
Entre as medidas tomadas para a melhoria higiênica dos referidos hospitais,
encontramos a caiação nas enfermarias, uma limpeza completa em todo edifício e pintura interior
e exterior, além da retirada do forro da enfermaria destinada às mulheres “por achar-se podre e
prestes a desabar” (Id. Ibd.). Nesta enfermaria houve ainda a substituição de peças de madeira
que compunham as portas e o telhado; além de “reparos nas cornijas, no pavimento térreo e nas
portas, janellas e camas. Fizemos encommenda de vinte camas de ferro que estam se preparando
nas officinas do Snr. Coronel José da Bahia, pois occasiões têm se dado em que não são
sufficientes para os recolhidos os leitos existentes.” (Idem, p. 14). Todas estas medidas tinham o
intuito de manter este hospital higiênico e principalmente de dotá-lo da estrutura necessária para
receber os inúmeros doentes que o procuravam na época de surtos epidêmicos.
Além destas, a medida mais solicitada foi a remoção do dito Hospital para o sítio
denominado ‘Cruz do Peixe’. Enquanto esta medida não era tomada, uma atitude paleativa foi a
transeferência dos “enfermos de variolas e elephantiasis ou morphea, existentes nas enfermarias
deste Pio estabelecimento” para o ‘Sítio do Cruz do Peixe’, no qual encontrava-se já instalado o
‘Asylo de Sant'Anna’, aí localizado por situar-se em área distante da zona habitada da cidade.
107
(Correspondência com o Ministério do Império. 25 de fevereiro de 1889)
O Relatório do Presidente da Província no ano de 1906 declara ainda que o ‘Cruz do
Peixe’ seria favorável à instalação e acomodação do hospital por ser dotado de abundantes fontes
de água potável, “offerecendo, além de outras vantagens que se pode logo prever, a
commodidade de se estabelecer uma lavanderia que proporcionará o asseio indispensavel n'um
ambiente infeccionado, como é o Hospital, que participa, em condições especiaes, dos defeitos e
perigos das habitações collectivas” (RSCM, 1906, p. 16). Em relação à economia que se faria
com esta remoção, citada anteriormente, no documento acima transcrito, acreditamos que esta
ocorria graças à proximidade com o Hospital de Santa Anna.
No Hospital de Santa Anna, que também funcionava sob a administração da Santa Casa
de Misericórdia, eram tratados “os acommettidos de molestias infecto-contagiosas e de marcha
demorada” (RSCM, 1909, p. 30). No início do século XX, o mesmo apresentava-se “em
condições mais tristes do que o de S. Izabel, encontrámos este hospital, cuja falta de tudo era
absoluta. Em relação a elle, fizemos o que nos foi possível.” (Idem, 1906, p. 14). Suas condições,
eram “de todos nós bem conhecidas, e, como o de S. Isabel recorgita de enfermos numa
promiscuidade comdemnavel” (Idem,1911. p. 17).
Os doentes que aí faleciam eram sepultados em seu próprio cemitério, com o intuito de
evitar que os corpos fossem transportados pelo centro da cidade até chegar ao Cemitério Senhor
da Boa Sentença. Este cemitério de ‘Santa Anna do Cruz do Peixe’ era “edificado por trás das
Enfermarias, com a distancia de tresentos metros mais ou menos” (RSCM, 1906, p. 54). No
entanto, por falta de condições físicas, o Provedor da Santa Casa recebe uma ordem para que os
mortos deste hospital passem a ser enterrados no Cemitério Senhor da Bôa Sentença.
Para cumprir a referida determinação, ordenada pelo Presidente da Província sem atentar
contra a saúde dos habitantes da capital, o mesmo fornece ao hospital de Santa Anna “um caixão
próprio para a conducção dos cadáveres” (Idem, p.54). Quanto à quantidade de doentes que estes
dois hospitais receberam, conseguimos, a partir dos relatórios da Santa Casa de Misericórdia,
elaborar um quadro que mostra o número de doentes atendidos:
No ano de 1909, o então Provedor da Santa Casa, Trajano Américo de Caldas Brandão,
propõe algumas reformas que se faziam necessárias para a manutenção da higiene da cidade, e,
principalmente, para o bom funcionamento dos hospitais e do cemitério situados nesta cidade e
que se encontravam a cargo da Santa Casa de Misericórdia. Em relação a estas reformas, o
108
referido provedor afirma ser duas delas mais importantes, a primeira seria a construção de um
hospício de alienados, e a segunda, refere-se à transferência dos enfermos do Hospital de Santa
Izabel para as enfermarias do Hospital de Santa Anna, ambos situados no Cruz do Peixe.
Quantidade de enfermos tratados na Cidade da Parahyba entre 1905 e 1908
Períodos De meados de 1904 Até julho de 1905
De 01 de julho/1906 a 30 de junho/1907
De 01 de Julho/1907 a 30 de junho/1908
Hospitais Sta. Anna
Sta. Isabel
Sta. Anna
Sta. Isabel
Sta. Anna
Sta. Isabel 20
Entrarão 246 751 625 897 579 __
Tiveram alta 1
82 696 354 803 438 __
Falecerão 7
0 82 228 63 166 __
Em
tratamento
5
3 45 102 73 77 __
Figura 07: Quantidade de doentes nos Hospitais de Santa Anna e Santa Isabel, entre 1905 e 1908. Fonte: Relatórios Santa Casa de Misericórdia. Organização: Nirvana de Sá
Sugere-se ainda que haja uma ampliação nas dependências dos mesmos “addicionando
novas enfermarias ás que já existem naquelle aprasivel arrabalde” (RSCM, 1909, p. 30).
Seguindo o mesmo direcionamento, ainda neste ano, o director do Serviço Sanitário em seu
relatório fez considerações a respeito dessa mudança, a fim de apoiar a proposta do então
provedor da Santa Casa. Ambos, concordam, portanto que
esta mudança, de facto, produsiria grandes vantagens, entre outras porque retira do centro de nossa Capital um foco de emanações nocivas á saúde publica, qual não pode deixar de ser um recinto onde se recolhem diariamente leprosos e enfermos de variadas moléstias. Realisada que seja a trasladação faltada poder-se-ia aproveitar o edificio contiguo á Egreja da Misericórdia, para estabelecer-se nelle um collegio de orphãs. E constitue essa idéa a terceira reforma de máxima utilidade. (Idem, p. 31)
20 Não foram encontrados dados referentes ao período de 01 de julho de 1907 a 30 de junho de 1908 para o Hospital de Santa Isabel.
109
Em relação à quantidade de internações nestes hospitais, observamos, a partir dos
citados relatórios, que ambos os hospitas, ou seja, o Hospital de Santa Isabel e o de Santa Anna,
mantiveram-se lotados nos últimos anos, “não exaggeramos dizendo que, quando em qualquer
das enfermarias vaga um leito, é este disputado com uma exigência que commove”. (Idem, p. 32)
Afirmação que mostra o grande número de acometidos por doenças na cidade, exigindo a criação
de inúmeras determinações, legislações e mudanças no que concerne a adequação desta cidade à
higiene e a saúde a fim de evitar as ditas doenças e males epidêmicos que assolavam seus
moradores.
Além dos doentes da cidade, vale considerar que, o número de internos nesses hospitais
era acrescido dos moradores de outras localidades, não só daqueles advindos do interior da
província, conforme afirmamos em outra ocasião, como também dos estados visinhos. É o que
diz o provedor da Santa Casa de Misericórdia em relatório apresentado em 1909: “temos doentes
recolhidos em nossas enfermarias, pela facilidade de transporte que os mesmos encontram com o
prolongamento da ferro-via, que os deixa nesta capital, donde alguns têm voltado por não pode-
rem, a falta de commodo, ser recolhidos ao hospital” (RSCM, 1909, p. 31)
Todos estes fatos justificavam a inauguração de um novo hospital, o qual deveria estar
“dentro dos moldes da planta que lhe foi traçada pelo habil e competente Engenheiro Sr. Dr.
Francisco Dias Cardoso Filho” (RSCM,1909, p. 30). Além disso, a construção do novo hospital
levaria à destruição do Hospital de Santa Isabel conforme requisitado em muitos trabalhos e
relatórios, já que este era considerado um perigo público, por ser aí o local onde se realizavam
todos os trabalhos de cirurgias, embora estivesse alocado em área central da cidade, indo de
encontro as regras higiênicas e de saúde que se acreditava na época.
Temos notícia ainda de um outro hospital que chegou a existir na cidade, no entanto, não
nos foi possível obter maiores dados sobre o mesmo. Sabemos que este estabelecimento, qual
seja, o ‘Hospital Inglez’, existiu na cidade e foi fechado por motivo que desconhecemos, sendo
posteriormente reaberto em 1863, momento em que, de acordo com correspondência do
secretário do Governo da Parahyba ao Ministério do Império, começou a desenvolver-se no porto
desta cidade a epidemia de febre amarela que atingiu os tripulantes de navios ingleses que
estavam atracados no dito porto. Estes foram recolhidos ao Hospital de Caridade a fim de serem
tratados.
110
Dahi em diante a febre amarella foi accommettendo indistintamente as tripolações de todos os navios sitos no porto. O Dr. Cordeiro e eu, médicos do Hospital de Caridade, refletindo sobre o número que iria passar sobre o Hospital referido, a continuar o movimento epidêmico e attendendo mais ao atropelo que deveria haver naquelle pio estabelecimento, cujo edifício acha-se em obras tendentes a melhoral-o resolvemos restabelecer o Hospital Inglez, que aqui existira. (Correspondências com o Ministério do Império. 20 de outubro de 1863.)
O autor prossegue enfatizando a importância da dita obra a fim de oferecer aos
estrangeiros que porventura fossem acometidos de algum mal epidêmico e se encontrassem em
solo paraibano o tratamento necessário para a cura. Ademais, o dito hospital, “acha-se
acommodado em um dos pontos da Cidade Baixa, o mais conveniente, não só por sua elevação
acima das casas mais próximas, como também por dominar livremente a vista do porto, onde
ancorão os navios, pelo que fácil e prompta se torna a communicação recíproca entre elle e os
navios” (Id. Ibd.). Embora tenhamos a notícia desta determinação para a reabertura do referido
hospital, não temos a confirmação de sua realização.
Por muitos anos a inexistência de um hospital estrangeiro, o que fazia com que, neste
ano os doentes fossem tratados ou no Hospital da Santa Casa ou ainda em casas de particulares
(quando os doentes podiam arcar com as despesas desta internação). Havia casos ainda, em que
os doentes chegados a bordo de navios no porto desta cidade, fossem tratados dentro das próprias
embarcações, o que apesar de ser considerado prejudicial à saúde pública fazia-se necessário
visto a falta de condições de transporte até o Lazareto ou ainda para outros estabelecimentos.
Apenas em meados da década de 1860 é criado o ‘Hospital Ingles’ também situado no
sítio denominado ‘Cruz do Peixe’, no qual seriam tratados os estrangeiros que fossem acometidos
de qualquer doença contagiosa. Neste ano em correspondência ao Ministério do Império noticia-
se que foi tratada uma mulher vinda do Maranhão que havia contraído varíola, e um senhor vindo
da região Sul, além de um “pequeno numero de estrangeiros accommettidos de febres passageiras
e de syphiles, no entanto não posso limitar agora o número d’esses enfermos soccorridos por
aquele hospital, em virtude de serem recolhidos alternadamente os próprios enfermos tratados a
bordo, e que vão ali passar um ou outro dia que as circunstancias da moléstia ou de bordo
exigem.” (Correspondência ao Ministério do Império. 23 de janeiro de 1866). Poucas são as
informações sobre o dito hospital, o que nos impede um tratamento mais detalhado acerca do
mesmo, contudo, a sua existência, mesmo que, aparentemente breve, reflete a necessidade de
isolar os acometidos de doenças e, sobretudo, os estrangeiros em hospitais isolados da área
111
habitada da cidade, decerto com a intenção de diminuir o contágio e a disseminação de doenças,
que estes “forasteiros” poderiam transmitir aos moradores da cidade e a “boa gente” que nela
habitava.
Outros estabelecimentos necessários à vida na cidade e que sofreram transformações a
partir das medidas higiênicas foram os matadouros e os açougues desde a origem das cidades
eram estabelecimentos necessários, mesmo em regiões não caracterizadas como pecuárias. O
abastecimento de carne era realizado com a criação de gado na própria cidade ou em regiões
vizinhas, uma vez que o seu deslocamento era algo lento e difícil.
No século XIX, em todas as regiões brasileiras, mas principalmente nas interioranas
eram comuns os caminhos de boiada e também dos tropeiros. Estes caminhos eram assim
denominados por terem sido abertos para a condução de gado bovino e também dos outros
produtos.
O abastecimento de carne na Cidade da Parahyba era realizado pelos negociantes de
gado, conhecidos como ‘marchantes’. Segundo Maia (2000) estes “faziam-se presentes nas
grandes feiras de gado do estado, de onde traziam os animais para serem abatidos nos matadouros
da cidade [...] o abastecimento de carne de João Pessoa era feito através desses marchantes, que
saiam em busca de animais de melhor corte e de menor preço”. (Id. Ibd. p. 285). E acrescenta que
no século XIX grande parte da carne consumida, na então cidade da Parahyba, provinha das
terras sertanejas.
Nesse século, a localização na cidade de alguns estabelecimentos, especialmente os que
exerciam funções de saúde, era um tema relevante nos documentos oficiais bem como nas
notícias jornalísticas. Dessa forma, não só hospitais e cemitérios como também os matadouros e
açougues deveriam ser alocados em lugares apropriados à manutenção da saúde. Este era um dos
preceitos higiênicos. O seu cumprimento exigia que os equipamentos de saúde fossem afastados
do “coração da cidade”. Além destes, os matadouros e os depósitos de lixo deveriam situar-se em
áreas distantes, tais como “[na] cidade alta, o Forte, e a casa da pólvora ao Norte, e no Varadouro
o Zumbi, e o porto da gamelleira ao Sul” (A Regeneração. 10 de março de 1862)
As determinações nos ajudam a perceber de que forma se dava a manutenção da higiene
nos matadouros e mercados em que havia a venda de carne. A Lei 877 de 1º de dezembro de
1888 determina que
112
Art. 13. As carnes penduradas nas paredes e portas das casas públicas [...] estarão sempre encostadas sobre pannos de linho, ou algodão branco e asseiadas, que deverão ser mudadas diariamente e não serão penduradas das portas para fora. [...] Art. 26. É prohibido [...] sob o solo lançar immundicies. (Arquivo Histórico do Estado da Paraíba)
Vários são os documentos que versam sobre a existência de matadouro público em lugar
não propício, como por exemplo:
[...] o matadouro público no lugar em que estava era summamente inconveniente e prejudicial tanto pela falta d’ágoa tão necessária em estabelecimentos desta natureza, como pela sua posição collocada em uma das ruas da Cidade e quase a barlavento d’ella para onde por conseguinte eram muitas vezes trazidos os miasmas que d’elle emanavão, e que tão nocivos erão à saúde publica, contractou o fazimento de um novo matadouro em lugar, que apezar de ter também alguns inconvenientes que não desconheço, me parece com tudo o mais apropriado ao fim para que foi escolhido. (RPP, 1855, p.21)
Esse documento divulgado no relatório do Presidente da Província do ano de 1855 foi
escrito pelo engenheiro da Província, Affonso de Almeida e Albuquerque, e trata ainda de
questões de administração dos equipamentos urbanos construídos nesta cidade, os quais deveriam
encontrar-se sob determinação ou da Câmara Municipal ou da Santa Casa de Misericórdia. Este
relatório diz que tal qual o antigo matadouro que era de propriedade da Santa Casa de
Misericórdia, este novo também o deveria ser, no entanto, afirma o dito engenheiro: “não me
achando, porém autorisado para assim dispôr de um edifício público em beneficio da Santa Casa,
entreguei o novo matadouro a Camara Municipal a quem por Lei compete a sua administração”
(RPP, 1855, p. 21). Assim, no final deste mesmo ano, “realizou-se a mudança do matadouro
público para o novo edifício, e segundo a opinião de pessoas professionais muito deve essa
transferência concorrer para a pureza e salubridade do ar que aqui respiramos n’esta Cidade” (Id.
Ibd.p. 09).
No ano seguinte, quando foi criada pelo governo a Junta Central de Higiene, “novas
posturas municipaes foram elaboradas, prohibindo a venda de gêneros em mao estado e tomando
outras prescripções á bem da boa alimentação do povo.” (PINTO, 1910, p. 122). Irinêo Pinto
refere-se ainda a este equipamento, ao citar que, no ano de 1855 “o matadouro publico da capital,
situado pouco acima da igreja do Bom Jesus, nas Trincheiras, julgado incoveniente e prejudicial á
saúde publica foi logo mudado para o recém construido, além da ponte do Sanhauá, sendo
entregue a sua direcção e propriedade á Camara Municipal pela Lei N. 11, de 08 de novembro de
113
1855” (PINTO, 1910, p. 123). Mesmo com a afirmação de Pinto no ano de 1855, quatro anos
depois o matadouro era reclamado por parte das autoridades, ao dizer que
[...] a falta de um matadouro nesta cidade é geralmente sentida e reclamada, por isso não posso deixar de dar-lhe lugar neste relatório. Por falta daquelle edifício e de um lugar em que descarnem as rezes trazidas do sertão com destino ao consumo, come-se nesta cidade carne má pelo preço elevadíssimo, por que se vende. De modo que, obrigadas as rezes a um longo trajecto, e mortas cançadas, logo que aqui chegão, não é para admirar, que só attribua á carne enfezada, que come a população, boa parte das molestias que a affligem.
Esta afirmação nos leva a inferir que o recém construído matadouro, citado pelo autor,
teve seu período de existência limitado.
No ano de 1863, a Lei N.º 84, promulgada no dia 30 de outubro regulamenta de que
forma deveria ocorrer a venda de carnes na cidade. Esta lei define que “o carniceiro será obrigado
a conservar sempre limpos o cepo, balança e balcão, assim como a ter sempre varridos o pateo e a
casa do açougue, sob pena de multa” (Jornal ‘O Tempo’, 1863, s/p). Os estabelecimentos
destinados a venda de carne deveriam ainda cumprir a determinação de terem a casa “caiada e
limpa, e dentro de tres meses depois da publicação das presentes posturas á fazer substituir as
portas da referida casa por grades estreitas e de ferro ou madeira” (Idem). Neste mesmo ano
encontramos uma correspondência escrita pelo Inspetor de Saúde Pública da Província ao
Ministério do Império, na qual o referido afirma ser o matadouro uma das principais causas da
ocorrência de doenças, reclamando, pois, “enérgicas e promptas medidas a fim de que seja
removido da localidade em que se acha” (Correspondência com o Ministério do Império. 28 de
setembro de 1863). E prossegue, ao explanar as condições do edifício em que o mesmo
funcionava relatando que
O seu edifício, alem de não reunir as condições necessárias, acha-se planteado no meio de immundicies a margem da estrada principal que comunica esta cidade com o centro da província [...] não há em sua visinhança logradouro para a apascentação dos gados destinados ao consumo diário [...] essas carnes verdes são abafadas parte do dia e durante toda a noite n’esses edifícios pequenos, muitos delles, sem arejamento algum, de maneiras que n’amanhã seguinte estarão alteradas e não muito boas para o talho [...] (Correspondência com o Ministério do Império. 15 de outubro de 1863. Arquivo Nacional)
Todas essas medidas representam bem o pensamento e o desejo por controlar a venda de
carnes que sempre foi entendida como um dos principais meios de infecção e transmissão de
114
doenças, embora não tenhamos a confirmação de que forma a população consegue se adequar a
dita postura, o fato de a encontrarmos nos ajuda a entender e averiguar o pensamento higienista e
sua influência sobre as alterações que se deram no espaço urbano da Cidade da Parahyba no
período analisado.
Como vimos, as casas de saúde ou hospitais representam um importante elemento de
análise no que concerne à manutenção da higiene da cidade e à promoção da saúde entre os
habitantes. Quanto a estes, apontamos, a partir de análise documental, que a Cidade da Parahyba
no final do século XIX contava com os seguintes hospitais: o Hospital da Santa Casa de
Misericórdia; a enfermarias militar; o Hospital da Cadeia; e o Lazareto da Ilha da Restinga,
abordados anteriormente. No entanto, as autoridades reclamavam a construção de um outro
hospital, graças à ineficiência dos já existentes, tanto em relação à capacidade de receber novos
doentes, como a qualidade das instalações e dos equipamentos. Neste sentido, no ano de 1882, o
Presidente da Província sugere ser
d’absoluta necessidade a creação d’um hospital, onde sejão tratados os doentes affectados de molestias contagiosas. D’essa falta resulta, que taes doentes, ou são recolhidos ao hospital da Santa Casa de Misericordia, ou são tratados em casas particulares no centro da cidade. Essa pratica não deixa de ser prejudicial e fatal, porque facilita a propagação dessas molestias, que podendo ser evitadas, se os primeiros casos fossem isolados, constituem verdadeiras e mortíferas epidemias. (RPP, 1882, p. 06)
Além da criação de hospitais, os relatórios mencionam a existência de algumas
enfermarias provisórias destinadas ao tratamento daqueles que fossem afetados por doenças
contagiosas, como é o caso relatado pelo Presidente da Província no ano de 1882.
Tendo conhecimento, por communicação da inspectoria de saúde publica e do Provedor interino da Santa Casa de Misericordia, de que no hospital d’esta pia instituição, o qual, contra todos os preceitos hygienicos, está collocado no centro da cidade, existiam três indigentes variolosos, determinei, na falta de um estabelecimento destinado ao abrigo e tratamento dos desvalidos affectados de epidemia e de doenças pestilenciaes, fossem transferidos para o prédio provincial do sitio – Cruz do Peixe -, onde por vezes, se há montado enfermaria provisória, em casos idênticos. (p. 04)
A criação destes hospitais, dos matadouros e cemitérios descritos aqui, fazem parte de
um conjunto de medidas que visava a promoção da saúde, a prevenção de doenças e,
principalmente à adequação do espaço urbano da Cidade da Parahyba a fim de que fosse evitado
115
que as epidemias, e principalmente, a febre amarela, a varíola e a cólera dizimassem um número
ainda maior de pessoas.
Quanto às medidas de higiene que deveriam ocorrer no espaço urbano a fim de evitar a
ocorrência de doenças, o relator da Repartição de Saúde, publica ser
[...] sensível em todas as épochas do ano, mais especialmente no verão, a ruindade das carnes verdes expostas a venda: e a necesidade em que se vê a população de tomá-las assim mesmo para sua alimentação, a obriga a que não se isente dos males que de sua ingestão lhe podem provir. [...] A maior vigilância deveria haver, quer sobre o acceio do matadouro, o qual, digamos de passagem, não está convenientemente collocado, sobre o modo de conducção das carnes para os açougues, limpeza destes, e meios d’ahi a carne ser cortada, quer sobre o numero de horas durante as quaes se vendem as carnes de uma mesma rez; tudo isto, porém é esquecido, e de tão criminoso esquecimento muitos damnos resultão á população. (RPP, 1882, p. 12)
Além dos equipamentos urbanos, outro elemento fundamental na estrutura e dinâmica da
cidade é o fornecimento de água. As águas sempre foram um motivo de preocupação, senão o
maior deles, para que a salubridade na cidade fosse mantida. Nesse sentido, várias são as
determinações e medidas sanitárias que versam sobre, não apenas o abastecimento de água, a
partir da limpeza das fontes, cacimbas e chafarizes, como também a reclamação do serviço de
abastecimento, o qual, como veremos, é um importante elemento de análise acerca do tema aqui
levantado, qual seja o Movimento Higienista, a promoção da saúde entre os habitantes da cidade
e, as alterações que se derem nesta cidade a fim de torná-la moderna, higiênica e bela.
2.6 - A água enquanto equipamento necessário à busca por higiene e modernidade
na cidade
O abastecimento de água representava um componente importante na estrutura da cidade
que se quer fazer moderna, daí a justificativa para a escolha desse equipamento enquanto
elemento que finda a análise ora realizada sobre a Cidade da Parahyba. Assim, esta cidade, até a
primeira década do século XX, não poderia ser considerada uma cidade moderna, nem tão pouco,
salubre, pois, apesar da primeira reivindicação por este serviço datar de 1866, seu abastecimento
de água só pôde ser efetivado em 1912. Conforme podemos observar nas atas da Assembléia
Legislativa do Estado da Paraíba, o Governo fica autorizado “a despender a quantia que for
preciso com o encanamento d’água potável para esta cidade e para a de Mamanguape e com a
116
factura de chafarizes, ou das permissões para fasel-o a uma compra ou associação de nacionaes
ou estrangeiros.” (Atos da Assembléa Legislativa do ano de 1866. AHEP)
A água que abastecia a população por todo o século XIX não possuía tratamento prévio.
Em 1857, a Repartição de Saúde narra que
[...] a limpeza das fontes aqui é completamente desprezada, e há necessidade de que o contrario aconteça. Apezar da latitude em que se acha collocada esta Provincia, grande é o gráo de humidade que nella ordinariamente se nota, e sem duvida d’ahi vem a tendência ao desenvolvimento de certas molestias que já mencionamos, e a prestreza com que marchão algumas. Quanto a nós influe na máxima parte da conservação de tal grão de humidade a existência do Rio Parahyba de um lado da Cidade, e do Rio Jaguaribe de outro, advirtindo-se que este ultimo, não tendo livre curso de suas água, as derrama formando um grande alagadiço nos terrenos adjacentes.
Como podemos perceber, as águas servidas também eram motivo de preocupação, além
do trecho acima que cita os rios que cortam a cidade e a umidade provenientes deles como riscos
à manutenção da saúde, temos notícia neste mesmo ano de que “cumpre dar nova direcção ás
águas que affluem para a Rua da Baixa, as quaes não só embaração o transito, como tendem a
prejudicar a saúde publica, pelas suas exhalações miasmáticas”. (RPP, 1857, p. 22).
Outras medidas modificam a Cidade da Parahyba ao sugerir alterações e adequação aos
princípios de salubridade e diminuição da ocorrência de doenças. Entre estas medidas destaca-se
Além dos males que pode trazer à saude publica a humidade do ar, as emanações miasmáticas que se produzem de um lado do grande alagadiço, onde se achão constantemente cm putrefacão vegetaes e animaes, e de outro lado dos mangues que formão as margens do rio Parahyba muito damnosos lhe são sem duvida alguma.Assim, pois, cuidar de um meio que possa diminuir estas influencias maléficas, sendo impossível de todo extingui-las, é prestar um grande serviço a humanidade.Cremos que o único meio de pratica actualmente aqui possível que tenda a attenuar taes influencias é canalisar as agoas do Jagoaribe, idéa já existente nesta Província, o talvez de não mui difficil execução.
Ainda em relação ao Rio de Jaguaribe, vale destacar que muitos são os documentos que
versam sobre a importância em desobstrui-lo e realizar a limpeza ao longo do seu curso, como
por exemplo, citamos o relato do presidente da província para o ano de 1882, o qual aponta ser
importante a obra, já que este rio “desprende constantemente miasmas paludosos, nocivos à
saúde, não só dos habitantes de suas margens, como aos d’este Cidade.” (Idem, p. 04)
Aqui nos cabe apontar o que fundamenta a nossa tese de que a crença nos miasmas e na
117
transmissão de doenças através do ar fundamenta ou justifica muitas das alterações que se dão no
âmbito do espaço urbano da Cidade da Parahyba, a qual é modificada a partir do olhar e da busca
por extinguir estes focos epidêmicos, com isso, diminuir a ocorrência e disseminação de doenças.
Este rio, portanto “que costêa esta Capital pelo lado do leste [...] está transformado em um
extenso pantano coberto de vegetação aquatica,” (RPP, 1882, p. 03). E complementa justificando
a obra no rio ao dizer que “seria, pois, de grande utilidade publica e mesmo particular, que se
désse livre curso a suas aguas, medida essa, que por vezes tenho reclamado, em bem da
salubridade publica (RPP, 1882, p. 04)”
As pessoas muitas vezes continuavam a banhar-se (apesar de proibição) nas mesmas
águas coletadas para o consumo como para as atividades domésticas, levando as autoridades a
reclamarem a qualidade das águas aí coletadas pela população, bem como seus hábitos. A matéria
jornalística noticia que
[...] faz nojo o estado em que se encontra a única fonte da capital. Além de immunda, tornou-se lugar de obcenidades. Á toda hora do dia, de mistura com os carregadores d’água, grupos de indivíduos lá vão para banharem-se, enchem a fonte, e com a maior sem cerimônia, tomam banho, sem que haja a menos providencia que ponha termo a tal abuso. Além disso, lava-se roupa constantemente dentro da mesma fonte, o que aumenta ainda mais a immundicie (Jornal A Regeneração. 01 de maio de 1861.)
Como já afirmamos anteriormente, somente em 1912, instala-se o abastecimento de água
por rede pública na Cidade da Parahyba. Porém, mesmo com esse equipamento, os preceitos de
higiene ainda não estavam completamente atendidos. É o que expressa às palavras do Presidente
da Província João Lopes Machado:
Com o abastecimento d’água em vésperas de ser inaugurado, e com a canalisação dos esgotos que penso poder contractar ainda antes de terminar-se o período administrativo actual, é que teremos nesta cidade os fundamentos principaes para construir uma obra sólida e verdadeiramente útil de hygiene pública. Presentemente só será susceptível de alcançarmos, completamente, o que estamos trabalhando para obter: a educação do povo, pela observância das disposições legaes vigentes, para que se torne fácil a fiel obediência dos preceitos que têm de ser estabelecidos rigorosamente. (Saúde Pública, p. 185).
Durante a implementação do serviço de abastecimento de água, a cidade possuía treze
chafarizes públicos instalados na Cidade Alta, onde se concentrava a população de maior renda.
Os mais pobres ainda não possuíam acesso à água canalizada. De acordo com Chagas (2004):
118
[...] a questão da insalubridade ou da água servida, aos paraibanos, apesar de ter alcançado as páginas dos jornais, se limitou aos grupos sociais detentores do poder econômico e de decisão político social. Assim, as discussões se restringiam aos médicos, engenheiros e políticos, e se constituiu num processo fechado e fundamentado no conhecimento médico-científico. Por isso, excluiu os demais segmentos da sociedade, a exemplo dos trabalhadores e moradores dos bairros periféricos que se abasteciam diretamente no Rio Jaguaribe. (Idem, p.95).
O fato de a água ser servida apenas à população de alta renda era justificado por
acarretar custos que nem o Tesouro poderia arcar, nem tão pouco os moradores poderiam pagar
os impostos que favoreciam esse abastecimento. Ainda a respeito do estado de insalubridade da
cidade, o engenheiro Victor Kromenacker, em 08 de outubro de 1910, afirma que as suas causas
são não só a falta de abastecimento d’água, mas também a sua posição topográfica já que
[...] uma parte da cidade está assentada sobre uma chapada comprida e estreita, a outra na baixa da mesma sob um nível pouco elevado acima do rio, algumas ruas transversaes collocadas nos flancos da collina ligam uma e outra. O Rio Parahyba que banha a Cidade Baixa é sujeito às enchentes e as vasantes do mar, o seu sub-solo é regado por um lençol subterrâneo de pouca profundidade, que recebe por infiltração, há séculos, sem interrupção, a maior parte dos detrictos produzidos pela conglomeração urbana. (Almanach Administrativo e Commercial do Estado da Parahyba, p. 777).
Esse mesmo engenheiro, no mesmo relatório, ainda se refere a outros problemas de
salubridade, escreve:
As águas servidas. As águas pluviaes derramam-se, onde podem, na superfície do solo, no pé da casas e acabam infiltrando-se, para infeccionar completamente o solo. As matérias fecaes são depositadas em covas fixas, nos quintaes das casas, cujo estancamento é impossível, ou em escoadouros ou mesmo em cacimbas abandonadas!!! Nessas condições o envenenamento methodico e continuo do lençol aqüífero subterrâneo tão próximo, e das casas cujos alicerces entram-se, constitui um perigo permanente à saúde de seus habitantes. [...] O lixo enfim, está carregado em carroças meias fechadas, levando comsigo e semeando por toda parte de seu percurso todos os germens morbidos da cidade, está depositado em certos terrenos para aterral-os, e estes por sua vez, vão contaminar por assim dizer, automaticamente, a população dos arredores [...]. (Almanach Administrativo e Commercial do Estado da Parahyba, para 1911. Estudos e Opiniões: Saneamento. p. 778. Arquivo Nacional)
O relatório do engenheiro supracitado, bem como os diversos documentos oficiais
119
analisados, expressam muito claramente o ideal dos governantes, da elite e dos políticos do
século XIX em transformar a Cidade da Parahyba em uma cidade salubre e higiênica. Para isto,
várias foram as determinações e ações que provocaram grandes alterações na estrutura da cidade
e ainda na vida dos seus habitantes. Contudo, o serviço de abastecimento de água trouxe também
alguns problemas em relação à salubridade nas cidades, pois, conforme expõe Lemos (1996), “a
água encanada [...] provocou no planejamento dessas casas a vizinhança forçada entre a cozinha e
as instalações sanitárias” (p. 56); fazendo com que, concomitantemente ao serviço de
abastecimento de água, o serviço de saneamento fosse solicitado.
Saneamento este que só ocorre alguns anos depois do serviço de abastecimento de água,
no ano de 1927, quando uma proposta de urbanização da cidade, foi projetada e executada pelo
Engenheiro Saturnino de Brito. Este projeto incluía, além do saneamento, a abertura de novas
vias, o alargamento de ruas, bem como a ampliação do serviço de abastecimento de água, acima
referido.
Além do serviço de abastecimento de água potável na Cidade da Parahyba, e das águas
servidas, os rios e áreas alagadiças da cidade também foram alvo do olhar dos higienistas. Como
exemplo, podemos citar a solicitação para a desobstrução do Rio Jaguaribe, que corta a cidade e,
segundo o discurso médico da época, favorecia a disseminação de doenças, bem como a
urbanização da Lagoa dos Irerês. Quanto à desobstrução do Rio Jaguaribe em 186421, esta é mais
uma obra pública que representa bem a remodelação geral da cidade. Este rio teve suas águas
utilizadas para a instalação do serviço de abastecimento de água. O projeto previa que só a partir
dessa desobstrução seria possível manter limpos os terrenos no seu entorno, já que em épocas de
cheia estes permaneciam por muito tempo alagados, com mosquitos e maus cheirosos,
favorecendo a contaminação não só dos habitantes do seu entorno, como também daqueles que
utilizassem suas águas quando da instalação do serviço de abastecimento. A essas determinações
somavam-se às da limpeza das casas e terrenos.
Em relação à urbanização da lagoa, esta se fez necessária, uma vez que se tratava de
uma área pantanosa que impossibilitava a expansão da cidade na direção leste, e ainda em
cumprimento às teorias médicas que a consideravam uma área não higiênica, conforme podemos
analisar no documento transcrito abaixo:
21 Revista do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba. n.º 03, 1911.
120
[...] o dr. Abdon Milanez, Inspector de Saude, repetia ainda que o estado sanitário não era bom e que as fontes de infecções eram: o cemitério, o matadouro público, o rio Jaguaribe, a lagoa, a falta de asseio das praças e ruas, a ausência de calçamentos, etc. e pedia que se attentasse para os estragos que a syphilis estava produzindo. (MEDEIROS, 1911, p. 123)
Com a urbanização dessa área, foi possível a expansão da cidade em direção Leste, e
posteriormente a abertura da Avenida Epitácio Pessoa, a qual complementa o intuito de fazer com
que a cidade crescesse em direção ao litoral.22
Além das condições ambientais apresentadas pelo mesmo, um grande fator de destaque
no que se refere ao tratamento das questões urbanas, bem como à forma como eram entendidos os
espaços enquanto riscos no que tange a transmissão de doenças, seriam as condições sociais e de
trabalho. Este último percebido como único meio capaz de ‘regenerar’ as “classes perigosas”, à
medida que estas se tornassem afeitas ao progresso, à modernidade, ao higiênico e ao belo. A
parcela da população que não apresentasse condições sociais de molde a favorecer estes
requisitos seria considerada, por conseguinte “perigosa” e por isso submetida a regras e ao
controle disciplinar, moral e sanitário.
22 Não trataremos aqui do referida avenida, ou do crescimento da cidade na direção Leste por encontrar-se além do recorte temporal analisado. Para maiores observações acerca do tema ver: TRAJANO FILHO. Do rio ao mar. Uma leitura da cidade de João Pessoa entre duas margens. (In) TINEM. Nelcí. Fronteiras, marcos e sinais: Leituras das ruas de João Pessoa. João Pessoa: Editora Universitária, 1996.
121
CAPÍTULO III
MODERNIDADE E CIDADE:
AFORMOSEAMENTO E HIGIENIZAÇÃO
Pero la batalla era por mucho más que las costumbres. Era la
lucha entre la pervivencia de las estructuras coloniales y la imposición de la modernidad, era la guerra a muerte entre el
antiguo régimen y el mundo de diseño burgués.
Eulália Ribero Carbó, 2002.
Entende-se por Modernidade o movimento que gera alterações não apenas nos espaços,
como também, nos hábitos, na moda e nos costumes dos habitantes. Este ideário, tal como coloca
Berman (1986) tende a homogeneizar o mundo, à medida que as relações de sociabilidade são
difundidas entre diferentes cidades; bem como a produção científica; as vestimentas; o estilo
arquitetônico; a arte, enfim, uma série de alterações baseadas na busca do ser moderno que se
refletem, sobretudo, no cotidiano dos habitantes da cidade. Este é, portanto, “um movimento
coletivo, impessoal, que parece ser endêmico à modernização: o movimento no sentido de criar
um ambiente homogêneo, um espaço totalmente modernizado, no qual as marcas e aparência do
velho mundo tenham desaparecido sem deixar vestígio” (p. 78).
Na capital do império, Rio de Janeiro, a Modernidade e as medidas de profilaxia
modificam todo o espaço urbano e o cotidiano dos moradores. Nas primeiras décadas do século
XX é realizada uma grande reforma urbana que culmina com a abertura da Avenida Central.
Outros fatores de destaque são a obrigatoriedade da vacinação23, e a instalação da rede de esgotos
da cidade, além de várias outras implementações geradas pelos ideais da Modernidade e do
Higienismo que mudaram a estrutura da cidade, atingindo diretamente a vida dos moradores.
Contudo, tais implementações não se deram sem embates. O maior destes foi contra a vacinação
e a destruição dos cortiços, considerados focos de disseminação e doenças, bem como de
imoralidade. Para destruir este “espaço de impurezas”, o prefeito da cidade na época, Barata
23 Percebemos como o discurso da falta de higiene como responsável pela propagação de doenças, encontrava-se complementado pela teoria da transmissão em alguns casos no início do século XIX, conforme podemos averiguar a partir da obrigatoriedade da vacinação. Instrumento este utilizado a partir da descoberta da transmissão de doenças, como a varíola, por exemplo.
122
Ribeiro, munido de aparato policial mandou derrubar o maior cortiço da cidade, o Cabeça de
Porco, em 1893. Tal medida justificava-se pelo objetivo de limpar a cidade e exterminar aquele
“antro de imundícies”. A destruição do “Cabeça de Porco” marcou o princípio de gestão no
espaço urbano pautada na diferenciação social, mas que estava fundamentada no saber higiênico,
que consistia em um “processo sistemático de perseguição a esse tipo de moradia, o que vinha se
intensificado desde pelo menos meados da década de 1870, mas que chegaria a histeria com o
advento das primeiras administrações republicanas” (Chalhoub, 1996, p. 25).
Na cidade de São Paulo, a condição de cidade salubre e higiênica é buscada através da
criação, em 1918 do Instituto de Higiene, que tem entre outras, a finalidade de ordenar a vida
pública e sanear a cidade, através da educação escolar como estratégia de política sanitária. Os
preceitos higiênicos eram difundidos por meio da propaganda dos efeitos benéficos que uma boa
educação sanitária poderia trazer àqueles que seguissem as recomendações dos homens da
ciência. Para isso, investe-se na formação de agentes da saúde pública que fundamentados nas
concepções higiênicas conseguissem persuadir a população, disseminando assim, a ”cultura de
higiene nos meios populares”. (Rocha, 2003).
Esses profissionais da higiene tinham o intuito de transformar a cidade em um espaço
moderno e salubre. Baseavam-se na Fundação RocKefeller, ou seja, na Junta Internacional de
Saúde Norte- Americana, caracterizada pelos investimentos na área de saúde e pela ação contra a
miséria e insalubridade nas cidades, em outras palavras, os ideais de reforma sanitária. Assim,
uma nova cidade é construída, a estrutura desta vai apresentar ruas alargadas, calçadas, alinhadas
e iluminadas, muitas das suas casas baixas são destruídas, a sujeira, a escuridão, a falta de
circulação de ar são deixadas para trás, praças e jardins são construídos e novos prédios
pomposos e elegantes são erguidos para abrigar as instituições administrativas.
De acordo com Rocha (2003), a criação do Serviço Sanitário, órgão subordinado à
Secretaria do Interior entre 1891 e 1892 exemplifica bem a preocupação com a normatização da
cidade de São Paulo. O referido autor informa ainda que data de 1894 a criação do Código
Sanitário, cujo objetivo era o de “disciplinar os usos do espaço urbano e coibir os abusos”. As
intervenções propostas neste código “são enunciadas em forma de minuciosas prescrições, que
recobrem os mais recônditos aspectos do cotidiano da cidade, dando especial destaque à questão
de habitação” (Rocha, 2003, p 35).
O engenheiro Baêta Neves, em obra publicada em 1913 relata de que forma deveria
123
pautar-se o espaço urbano no que diz respeito à morfologia das cidades e disposição dos seus
equipamentos. Esta obra, cujo título manifesta bem o tema aqui tratado, apesar de ter sido
publicada em ano posterior ao recorte temporal por nós analisado, representa o ideário que
permeava a produção e transformação do espaço urbano das cidades brasileiras nas duas
primeiras décadas do século XX.
Observa-se, portanto, uma tendência geral nas cidades brasileiras, apesar das diversas
escalas e graus variados de intensidade, à adequação desses espaços aos padrões da modernidade,
da salubridade e da higiene. Neste sentido, a então denominada Cidade da Parahyba não seria
diferente. Os documentos oficiais e matérias jornalísticas expressam determinações,
normatizações e uma pretensão, principalmente por parte dos seus governantes em concretizar
mudanças na cidade a fim de transformá-la também em uma cidade moderna.
Consideraremos, portanto, de que forma o ideal higiênico e, até mesmo, a influência das
reformas urbanas ocorridas na cidade do Rio de Janeiro, então capital nacional e mesmo nas
cidades européias se deram sobre uma cidade sem grande destaque e de menor porte, como a
Cidade da Parahyba. Além disso, examinaremos até que ponto os ideais, seja ele de higienizar
(sanear), ou de modernizar (embelezar) estavam postos nos discursos da elite que pensava as
mudanças na cidade aqui estudada.
Acreditamos, pois que são exatamente essas concepções de Modernidade que, somadas
ao ideário de higienização, modificam o espaço urbano da Cidade da Parahyba, principalmente
durante o período situado entre as últimas décadas do século XIX e, sobretudo, nos primeiros
anos do século XX.24 Estes movimentos encontram-se atrelados, tal como podemos perceber ao
analisar o discurso que é produzido neste período e que, por muitas vezes, relaciona cidade
higiênica à cidade moderna. O espaço urbano deveria ser enquadrado não apenas nestas duas
categorias, como também deveria apresentar-se belo.
O desejo de criar um ambiente homogêneo faz com que os habitantes desta cidade
busquem enquadrar-se, aos moldes europeus, como pessoas modernas que habitam uma cidade
modernizada. Baseamo-nos em Maia (2000) ao retratar cidade moderna, a qual relata que
“quando dizemos modernizada queremos enfatizar as mudanças ocorridas na cidade em função
das imposições do mundo moderno, sem, contudo haver profundas transformações em toda a
24 Para maior conhecimento acerca do tema da modernidade na Cidade da Parahyba entre as décadas de 1910 e 1930 ver Chagas, 2004
124
malha urbana” (2000, p. 47). E acrescenta
Dessa forma, a cidade modernizada corresponde à cidade que recebe incrementos característicos da vida moderna, bem como implementações de algumas idéias urbanísticas, que fundamentaram as ‘cidades modernas’. Todavia, essa modernização circunscreve-se a determinados áreas e realiza-se em determinados setores da sociedade. Portanto, a modernidade pode até promover a vida quando desenvolve conhecimento, ciência e técnica, porém o movimento que moderniza a sociedade não apaga o fundamento da desigualdade sobre o qual se assenta. (Id. Ibd.)
O ideário da Modernidade traz às cidades de um modo geral, e também à Cidade da
Parahyba, grandes mudanças em sua morfologia, mas também na vida dos seus habitantes.
Embora o Movimento da Modernidade estivesse diretamente associado a uma sociedade
industrial e capitalista, tal como ocorreu nos países europeus e mesmo nos Estados Unidos, o
desejo do sentir-se moderno atinge outras cidades que não tiveram influência direta com a
expansão industrial. Para estas cidades o desenvolvimento da Modernidade não se dá como
conseqüência do crescimento industrial e sim graças ao processo mundial de modernização dos
espaços físicos, dos hábitos e dos costumes da população citadina.
Vianna (2006) nos conta que “quase não havia fábricas no Brasil imperial, portanto
faltavam não só artigos considerados luxuosos, mas muitas vezes também objetos indispensáveis
ao uso diário. Assim importava-se em demasia, a maioria dos produtos consumidos pelos
brasileiros durante esta época era importado” (Id, Ibd, p.14), principalmente aqueles que fossem
considerados artigos de uma sociedade moderna, tais como, papel de embrulho, água florida,
tônico, água de cheiro, chapéus e tecidos, entre outros. (Jornal da Parahyba. 25 de julho de 1883).
Apesar de alguns autores considerarem a produção açucareira como uma produção
industrial, a exemplo de Reis Filho (1968), que explana que ainda no Brasil colonial a produção
de açúcar “não era apenas uma atividade agrícola, mas também industrial” (Idem, p. 93), fato é
que a indústria nacional aparece no cenário das cidades brasileiras na segunda metade do século
XIX, quando são instalados os primeiros grandes empreendimentos urbanos, tais como a energia
elétrica e a construção de estradas de ferro.
Em relação à produção de açúcar no Brasil, Maia (2000) apresenta a idéia de que “no
século XVIII a economia açucareira entra em crise, estimulando o processo de urbanização,
concomitante a ascensão da especulação financeira e das atividades comerciais. (Id, Ibd, p. 82).
125
Por conseguinte há maior circulação de pessoas, mercadorias e dinheiro, bem como, possibilidade
de maior adensamento populacional nas cidades.
Ademais, para ser moderno era preciso consumir os produtos trazidos da Europa, a fim
de ostentar riqueza e poder. Neste intento, muito são os anúncios nos quais os produtos europeus
e as marcas advindas deste continente são divulgados nos jornais e revistas produzidos na Cidade
da Parahyba como sinônimo de beleza e modernidade, fazendo com que a população de maior
poder aquisitivo, ou seja, a elite os consumisse nas principais ruas da cidade e atentasse para o
que ditava a moda européia, levando a um comércio de produtos importados advindos desta
localidade.
No Brasil, os anúncios da Modernidade podem ser sentidos, principalmente a partir do
início do século XX, período marcado por uma nova história “que deveria ser escrita com as
tintas e aspirações da modernidade e do progresso. Passado os primeiros anos de instituição do
regime republicano, o desejo de alinhar-se ao ritmo das grandes metrópoles européias promoveria
transformações profundas nas cidades brasileiras, sobretudo nas capitais” (VIDAL, 2004, p. 17).
Desta maneira, na Cidade da Parahyba, embora, com os limites de tempo e espaço não seria
diferente, ao menos no desejo, por parte de sua população, principalmente da elite, em sentirem-
se modernos.
Em análise sobre a Modernidade na Cidade da Parahyba, percebemos que, nas últimas
décadas do século XIX e, principalmente no início do século XX há uma maior circulação de
dinheiro oriunda do crescimento econômico, principalmente graças a um aumento na produção de
algodão. Concomitante a este processo a elite rural passa a residir na cidade, gerando ainda um
crescimento populacional da mesma. Esta elite, ao habitar na cidade solicita e/ou promove
alterações na mesma. Esta passa a ser dotada de vários equipamentos urbanos modernos, tais
como a iluminação pública, a qual tem sua primeira instalação à base de óleo de mamona ainda
em 1822, na cidade alta. Sendo posteriormente estendida (sete anos depois) à cidade baixa. Em
1910 observamos mais uma modificação, ou seja, a iluminação passa a ser elétrica; além deste
equipamento citamos ainda construção do jardim público em 1879, a qual representa o desejo de
utilizar os espaços públicos enquanto lugares de festas e sociabilidade.
126
Figura 08: Lado direito do Jardim Público em 1910 (atual Praça João Pessoa). Pode-se observar o antigo gradil e, ao fundo o antigo Lyceu. Fonte: Acervo Walfredo Rodriguez. In: CD Multimídia GPCES.
Estes lugares de lazer eram freqüentados pela elite não apenas
com o intuito de divertir-se, mas também de fazer contatos políticos e comerciais, além de desfilar sua condição social [...] sendo o lugar onde aconteciam sempre concertos e retretas nos fins de tarde. O fato de se realizarem apresentações musicais nos fins de tarde nos mostra que embora fosse público, o jardim se consolidou num espaço seletivo e excludente, restrito somente à elite e à classe média (VIANNA, 2006, p. 22).
Outro equipamento que muda significativamente o espaço urbano e é símbolo da
Modernidade é a estrada de ferro. Se por um lado o trem que tinha como principal função a
ligação das cidades e províncias e que, portanto conduz a formação de uma rede urbana, por
outro lado, são os bondes que mudam substancialmente a dinâmica interna da cidade, já que
permitem o deslocamento no interior da cidade possibilitando sua maior expansão. Sobre a
importância da ferrovia para a implantação da modernidade na Cidade da Parahyba, bem com
para as alterações que se deram no tecido urbano da mesma, vale apresentar as palavras de Vidal
(2004) a qual acredita que “as numerosas obras de embelezamento urbano promoveram
transformações na paisagem urbana e via de regra não implicaram a modificação do tecido
urbano. As intervenções visando a melhoria do sistema viário é que foram responsáveis por tal
127
modificação.” (Idem, p. 83)
Segundo Vianna (2006) o término da estrada ferro-carril de tração animal, a qual tem
sua circulação finalizada com o intuito de dá lugar ao bonde elétrico; ou ainda, no mesmo ano, o
surgimento do serviço de telefonia, são importantes exemplares no que concerne à instalação de
equipamentos urbanos modernos, os quais representariam não apenas uma melhoria na estrutura
urbana da cidade como também uma modificação no imaginário da população que habitava a
mesma, e sobretudo, a parte desta população que tinha acesso aos mesmos serviços,
possibilitando o sentimento de serem modernos e habitarem uma cidade moderna.
Ainda sobre a expansão da cidade, partimos do entendimento de Vidal (2004). Esta
autora ao analisar o que ela denomina de “os rumos de uma cidade em transformação” expõe que
durante o período imperial a expansão urbana da Cidade da Parahyba se deu apenas por meio do
prolongamento das vias já existentes, pouco se fez em relação à abertura de novas ruas,
limitando-se a espontaneidade a partir do prolongamento. Isto ocorreu até as primeiras décadas
do século XX, quando a autora afirma:
a primeira expansão planejada que identificamos foi a criação do bairro de Jaguaribe, na década de 1910. Tratou-se de um loteamento aberto, por iniciativa dos proprietários, em áreas antes ocupadas por sítios. O surgimento do bairro e a configuração que ele assumiu estão vinculados às obras realizadas no início dos anos 10 para a implantação do primeiro serviço de abastecimento de água. (Idem, p. 53)
Esta expansão foi favorecida graças à abertura de uma nova via de 22 metros de largura
e 1.350 metros de extensão, que tinha a função de ligar o manancial, localizado na Mata do
Buraquinho até o reservatório elevado, localizado na Cidade Alta. Esta via partia da Estrada do
Macaco, nas proximidades do manancial, passando pela “estrada de Jaguaribe e a Rua da
Palmeira e vindo terminar na Rua das Trincheiras”. A rua referida, aberta a partir das construções
de implementação do abastecimento de água na Cidade da Parahyba foi denominada de Avenida
João Machado e “sua abertura sinalizou o início de uma nova era, constituindo um marco no
processo de modernização da cidade” (VIDAL, 2004, p. 54).
Ao longo dessa avenida, foram construídas, conforme as aspirações de progresso da
época, moradias para as classes mais abastadas. Ademais, esta rua foi compartimentada com lotes
de grandes dimensões, a fim de que seus moradores pudessem construir casarões ajardinados, já
que este elemento, o jardim, era símbolo do progresso e da modernidade, bem como, sua
128
presença seria considerada representativa no que concerne a observância das regras de higiene,
modernidade e conforto. (Figura 07)
Figura 09: Trecho da Planta da Cidade da Parahyba em 1923, mostrando em amarelo a Avenida João Machado, em vermelho indicado pelas letras A, B, C e D, respectivamente, a Rua das Trincheiras, a Rua da Palmeira, a Estrada de Jaguaribe e a Estrada dos Macacos. Os números 1, 2 e 3 mostram, respectivamente, a Rua da Glória, a Rua do Meio e a Rua da Concórdia, que foram as primeiras ruas do Bairro de Jaguaribe e foram traçadas quese que paralelamente à Rua João Machado. FONTE: (VIDAL, 2004).
A avenida, dotada de residências amplas e belas contrastava com as pequenas casas de
palha da população de menor poder aquisitivo, bem como das casas geminadas e ruas estreitas da
cidade colonial.
São esses casarões que “vão compor, juntamente com os templos religiosos e as sedes
dos órgãos públicos, os maiores destaques no conjunto de edificações da cidade” a partir de
então. (MAIA, 2000, p. 103). Ademais, esta foi uma avenida importante se nos remetermos a
expansão da cidade na direção, pois serviu como eixo de expansão para a cidade a partir de então.
Faz-se importante aqui ressaltarmos a importância do presidente João Lopes Machado,
visto a avenida da qual nos referimos ter recebido esse nome em sua homenagem. Este governou
a Paraíba entre os anos de 1908-1912 e, por ser, “médico sanitarista e com grande convívio na
capital federal à época em que o discurso da salubridade urbana e a s reformas de Pereira Passos
129
estavam em curso” (VIDAL, 2004, p. 18) promoveu ou reivindicou algumas alterações na cidade,
sobre os auspícios da Modernidade.
Figura 10: Rua João Machado em 1920. FONTE: STUCKERT, 2003.
Foi exatamente neste período que um importante incremento necessário para que a
cidade fosse considerada moderna foi instalado, o abastecimento de água em 1912. Mesmo que
inicialmente, conforme afirmamos anteriormente, estivesse restrito à seis ruas situadas na área
central da cidade (Figura 09). Este serviço promove alterações na forma e no cotidiano25 de uma
cidade moderna.
Vale considerar também os investimentos promovidos pelo presidente da província,
Henrique Beaurepaire Rohan, entre os anos de 1857 e 1859 (momento da visita do imperador).
Este presidente promoveu o “alargamento, o alinhamento e/ou o nivelamento de algumas ruas
existentes, a desapropriação de áreas para abertura de novas vias, além de providenciar a
fundação de uma biblioteca pública e de adquirir uma área próxima ao Palácio do Governo para
instalar um jardim botânico” (VIDAL, 2004, p. 10).
25 Cotidiano é aqui entendido como, segundo Certeau, “aquilo que nos é dado a cada dia (ou que nos cabe em partilha), nos pressiona dia após dia, nos oprime, pois existe uma opressão no presente [...] O cotidiano é aquilo que nos prende imediatamente, a partir do interior. (CERTEAU, 1996, p. 31)
130
Abastecimento de água na Cidade da Parahyba – 1912
Figura 11. Abastecimento de água na Cidade da Parahyba. 1912. Demonstrando as seis principais ruas da cidade, nas quais foi efetivado o abastecimento de água.
Além disso, este presidente buscou o “saneamento de áreas pobres e de estrutura
precária, alargamento e regularização de ruas existentes e abertura de ruas amplas – medidas
estas destinadas a possibilitar o funcionamento da cidade no futuro através da melhoria das
condições de salubridade e de circulação das áreas afetadas” (Id. Ibd, p. 13). Embora tenha ficado
poucos anos a frente da administração da província ressaltamos a importância de Rohan por ter
contribuído com as alterações urbanas na Cidade da Parahyba.
Além da instalação do serviço de abastecimento de água que favoreceu a expansão do
tecido urbano da cidade, podemos citar, alguns anos mais tarde, em 1927 a execução do serviço
de saneamento e a implementação do projeto de expansão da cidade proposto pelo engenheiro
Saturnino de Brito.
É preciso destacar que a instalação desses equipamentos não se deu tão facilmente, nem
rapidamente, isto em decorrência, principalmente dos parcos recursos econômicos da capital, pois
131
ocasionando demora e atraso no que concerne à entrega de obras e à instalação de equipamentos
urbanos. Como exemplo, muitos dos equipamentos quando instalados na Cidade da Parahyba
concentram-se nas ruas principais, os lugares em que se concentra a população de menor poder
aquisitivo é alijado desse processo.
Desta forma, consideramos que a Modernidade na Cidade da Parahyba, dá-se mais
enfaticamente no desejo, ou seja, nas normativas – determinações, posturas e decretos – do que
propriamente nas alterações apresentadas na mesma. Estas legislações ao expressarem o anseio
dos administradores municipais ou ainda da população através do que se consumia e se divulgava
nos jornais enquanto produtos modernos nos permitem investigar sobre o sentido da modernidade
nesta cidade, pois, embora muitas destas implementações solicitadas e/ou divulgadas como
incrementos modernos não tenham sido realizadas, sua análise nos diz muito sobre o que faria
com que pudesse ser considerada uma urbe moderna.
Ademais as transformações realizadas ou solicitadas trarão modificações também no
cotidiano dos habitantes da cidade, pois além das alterações na forma, os usos passam a ser
diferenciados, o público e as festas civis, religiosas e profanas passam a acontecer a partir da
criação dos jardins públicos e praças, entre outros, ou, tal como expõe Vianna (2006)
também surgiram mesmo que discretamente e em pequeno número poucos hotéis, algumas novas casas de comércio especializadas, a primeira agência do Banco do Brasil, o Teatro Santa Roza, o Liceu Paraibano e a Escola Normal. Um pouco mais tarde já no século XX, surgiram também, alguns poucos cafés e salas de cinema. Assim, o cotidiano da cidade também sofreu mudanças, pois a vida tornou-se mais agitada e atraente. Por conseguinte, no final do século XIX, as ruas da cidade vão passar por alterações tanto na forma com o alargamento, calçamento, recuo entre as novas habitações, limpeza e pintura das fachadas, como no seu uso. (Idem, p.19)
Berman ao referir-se a Baudelaire, expõe que “a modernização da cidade
simultaneamente inspira e força a modernização na alma dos seus cidadãos” (1986, p. 168). No
entanto, nosso tratamento aqui estará direcionado para as alterações provocadas no espaço urbano
da cidade e na geografia do lugar.
As mudanças na estrutura urbana ocorrerão lentamente e por todo o século XIX,
principalmente a partir de meados do século, como podemos perceber ao analisarmos os
documentos pesquisados. No entanto, verificaremos agora de que forma, no período
correspondente ao início do Movimento Republicano (que se inicia no ano de 1889, quando da
132
proclamação da República no Brasil) se darão as alterações do espaço urbano da Cidade da
Parahyba, não apenas no que diz respeito ao Movimento Higienista e sua busca por higienizar os
espaços, como também em relação à busca por Modernidade. Movimentos estes que se aliam
ocasionando alterações neste espaço e que representam momentos e contextos históricos
diferentes, relacionados à economia, à política, à ideologia e ao próprio conhecimento técnico
incorporado.
No nosso recorte temporal, parte da população da cidade, particularmente a de menor
poder aquisitivo, é excluída de sua área central, por não se adequar, nem com o discurso da elite e
do poder público, nem com os princípios de salubridade e higienização. Isto ocorria, segundo as
teorias dos médicos e engenheiros sanitaristas, graças à falta de vontade deste povo considerado
avesso ao progresso e à modernidade. Por este motivo aqueles que regulamentavam e
prescreviam as normas de conduta para o espaço da cidade, os consideravam não merecedores de
habitar as áreas centrais e, principalmente, de respirar os ares da “cidade moderna”.
A população pobre, portanto, necessitava sair da mira disciplinadora, não por não estar
afeita a estas normas ou se contrapor às normas higiênicas, mas por falta, seja de hábito; seja de
uma educação higiênica; ou ainda por falta de condições financeiras necessárias para a realização
das reformas que sugeria a elite, os médicos e os engenheiros responsáveis pela divulgação dos
‘bons costumes’ em jornais e revistas publicados na cidade, ou mesmo, nas posturas e decretos
que regulamentavam a construção de habitações, os hábitos e os costumes. Afastados, ou melhor,
apartados da área central e, portanto fora do foco do olhar disciplinador e do controle social a que
estavam submetidos, os pobres promoveram uma expansão do tecido urbano em direção às áreas
antes desabitadas.
O controle por parte da elite e dos administradores locais sobre a população em geral, e,
sobretudo, sobre aquela de menor poder aquisitivo, pode ser observado à medida que
identificamos, na Cidade da Parahyba, vários registros de transformação urbana, determinados
e/ou sugeridos sob os preceitos do Higienismo e da Modernidade. Registros identificados não só
nos discursos dos governantes, mas também nos relatórios das obras finalizadas e também nas
impressões dos que faziam os jornais veiculados na cidade à época. Estas notícias demonstram
tais modificações. Como podemos observar no trecho do documento que se segue, o qual
pretende
chamar desta vez attenção da nossa municipalidade e da Inspectoria de Hygiene
133
Publica para os dous immundos focos de infecção, existentes nas ruas [...] E se a hygiene é a parte médica incumbida de dar regras para a conservação do nosso estado sanitário, bem como a nossa Municipalidade, temos fundada esperança, de que providenciarão accordemente para que desappareção d’entre nos aquelles dous focos de infecção, que certamente, na estação calmosa que atravessamos, muito concorrerão para damnificar o nosso estado sanitário que não é lá, para que digamos muito satisfatória. (AHEPB. Caixa 012. 1869)
As modificações solicitadas para a Cidade da Parahyba, aqui demonstradas a partir de
documentos, encontram-se diretamente relacionadas àquilo que era anunciado pelo Movimento
Higienista. Movimento este que, conforme mostramos em páginas anteriores tem seu surgimento
atrelado às condições de insalubridade observadas, sobretudo, nas cidades européias durante o
período da Revolução Industrial26. Salienta-se, entretanto que, muito embora os preceitos de
higiene e as teorias médicas estivessem diretamente associados aos promulgados na Europa,
especialmente em cidades como Londres e Paris, em função do adensamento populacional gerado
a partir da industrialização, os mesmos não se restringem às cidades industriais, mas atingem
outros espaços. A proliferação de doenças e a falta de salubridade no Brasil não estavam
diretamente associadas à instalação de indústrias, já que estas só aparecerão mais fortemente no
final do século XIX. Porém, o Ideal Higienista foi aceito e/ou desejado nestas cidades com o
objetivo de transformar a fisionomia de cidade colonial em urbe moderna. Ideal este que, se
somado ao desejo de progresso e de Modernidade interfere na arquitetura, nos projetos de
urbanismo, na moda e nos costumes. É o que bem expressam autores como Maurício de Abreu e
Sidney Chalhoub ao estudarem a cidade do Rio de Janeiro; Heloísa Pimenta da Rocha ao tratar da
cidade de São Paulo; Pedro Vasconcelos em sua análise sobre a cidade de Salvador, Clélia
Lustosa no que concerne a cidade de Fortaleza, entre outros.
A Cidade da Parahyba, apesar de não ter uma forte expressividade industrial, tem seu
espaço modificado conforme mostram os documentos. Vários são os documentos que
determinam medidas de limpeza nas casas e nas ruas:
A Câmara Municipal d’esta cidade manda fazer publicar que, sendo obrigados todos os moradores d’esta capital a terem a frente de suas casas limpas e asseiadas e os proprietários dos terrenos comprehendidos no círculo da mesma capital a roçarem ditos terrenos o farão no prazo de 15 dias. (A Regeneração. 1861)
26 A análise sobre o Movimento Higienista, seu surgimento e sua atuação em relação as cidades de um modo feral será feita em capítulo posterior.
134
Essa cidade é, portanto, modificada com base nos padrões de salubridade e higienização,
tanto dos espaços, como dos hábitos e dos costumes dos seus habitantes, com a finalidade, seja de
diminuir o risco epidêmico, seja de tomar ares de uma cidade moderna aos moldes do padrão
europeu. Partindo deste princípio, o Movimento e/ou Ideário Higienista aparece enquanto uma
justificativa para as melhorias e as alterações que se dão no espaço de inúmeras cidades. Na
Cidade da Parahyba não seria diferente, seus moradores recebem constantemente
ordens severas [...] para a limpesa de todas as cidades e villas da província e na capital extinguiram-se, não com pouco trabalho, os esterquilineos que se encontravam a cada canto e que eram outros tantos focos de infecção, donde se exhalavam vapores mephiticos que corrompiam o ar, e o dispunha a receber e propagar todas as epidemias. Foram caiados, pintados e asseiados os edifícios públicos, mandando a câmara que igual medida fosse tomada pelos particulares com relação aos seus prédios. (PINTO, 1910, p. 122)
As modificações observadas e /ou solicitadas na cidade e que irão alterar as habitações
no âmbito da mesma, se dão num contexto maior, no qual, encontram-se relacionados ideários
políticos e a conjuntura econômica. No Brasil, as condições de produção do período colonial,
baseadas em uma sociedade agrária e escravagista, não “foram de molde a favorecer o
desenvolvimento dos núcleos urbanos, nem a gerar valores ‘burgueses’ comumente associados ao
fenômeno urbano europeu.” (COSTA, 1999, p.239).
No século XIX, as habitações, em geral, ou eram sobrados ou casas térreas como diz
Reis Filho (1995). Os sobrados destacavam-se mais, pois, eram as residências das pessoas mais
abastadas, geralmente dos ricos proprietários de terras que os construíam somente para
permanência temporária na época do inverno e das chuvas ou em épocas de festas; ou dos ricos
comerciantes, que faziam na parte térrea o estabelecimento comercial e nos demais andares,
residência familiar. As casas térreas, ou casa de chão batido, eram a habitação da população de
menor poder aquisitivo, apresentando-se, em sua maioria, mais modestas que os sobrados.
A população que possuía menor poder aquisitivo morava nas mais precárias habitações.
Os escravos libertos e retirantes da seca marcavam o cenário urbano da Cidade da Parahyba em
suas casas cobertas de palha muitas vezes segregados das ruas principais da cidade.
Várias são as determinações que versam sobre as habitações pobres na Cidade da
Parahyba, que se concentram entre os finais do século XIX e início do século XX. Porém mesmo
com todas essas determinações, muito havia ainda por fazer, para que essas habitações se
135
adequassem aos padrões determinados pela elite, bem como para que no espaço privado do
trabalhador não houvesse propagação das epidemias que assolavam a Cidade da Parahyba.
Desta forma, por mais que a elite, os médicos, os engenheiros, enfim os detentores do
saber científico na época defendessem e propagassem que o asseio das habitações da população
fosse uma prática comum, este objetivo não era fácil de se concretizar, pois muito distante estava
a população de possuir condições econômicas para efetivar este asseio. Além disso, é importante
lembrar que a população pobre não era servida por alguns serviços que contribuiriam para que
suas habitações fossem mais adequadas à Modernidade, à salubridade e à higienização, tais
como, o recolhimento do lixo, o abastecimento de água, o saneamento, entre outros.
Essa população pobre foi, entre finais do século XIX e início do século XX, expulsa da
área central para evitar que propagassem as suas enfermidades à elite e por conta disso passaram
a ocupar, portanto, o entorno da cidade. O documento abaixo demonstra que a partir de meados
do século XIX, os códigos de posturas proíbem esse tipo de habitação por serem identificadas
como focos de epidemias. No entanto, apesar das posturas exigirem a demolição das casas de
palha, a maioria da população que nelas residia não tinha como construir casas tal qual se
determinavam as posturas. A carta que segue revela esse fato:
Ilmos e Senr. Deputados a Assembléia Provincial. Os abaixo assignados moradores em casas de palha compreendida no circuito d’esta cidade vem requererem a esta respeitável Assembléia a modificação do artigo 53 do código de posturas de 20 de setembro de 1859. Determinando esse artigo das posturas que no prazo de 12 (?) todos prejudicados de casas de palha compreendida nos limites dos prédios urbanos serão obrigados a demolil-os. Os abaixo assignados ignorando esse art.º das posturas são agora intimados p.ª demolirem suas casas no prazo determinado em (?) posturas. Sendo os abaixo assignados as pessoas mais pobres e desvalidas p.ª isso que não tem meios para terem casas cobertas com telhas, são também as mais ignorantes a ponto de não saberem, cumprir seus deveres e muito mais das leis e posturas [...] (Carta de 1859)
Outro elemento importante para a análise aqui desenvolvida trata-se das habitações,
sobretudo as habitações das “classes perigosas”. Essas habitações representavam para a elite um
importante foco na disseminação de doenças, precisavam ser conservadas e limpas a fim de que
os seus moradores considerados perigosos, não transmitissem seus males à elite. Neste sentido, a
Câmara Municipal da Cidade da Parahyba
manda fazer publicar que, sendo obrigados todos os moradores d’esta capital a terem as frentes de suas casas limpas e asseiadas e os proprietários dos terrenos
136
conprehendidos no circulo da mesma capital a roçarem ditos terrenos o farão no prazo de 15 dias [...] de conformidade com o artigo 34 das Posturas de 30 de setembro de 1859. (Jornal ‘A Regeneração’, 16 de novembro de 1861.)
As habitações da cidade são não apenas vigiadas, como também são relocadas – quando
consideradas perigosas e não condizentes com os preceitos higiênicos – em lugares distantes da
área central. Exemplo desta afirmação é o fato de que já no início do século XX “embora não se
tenha planejado um espaço destinado a esses moradores, eles [a classe baixa] foram se alocando
nos arredores da cidade” (CHAGAS, 2004, p. 54), dando origem ao surgimento do Bairro de
Jaguaribe no início do século XX, embora desde meados do século XIX, devido à ociosidade das
terras, alguns retirantes da seca e mendigos que “perambulavam” na área central, tivessem em
processo de ocupação deste espaço. Além de operários, alfaiates, costureiras, sapateiros,
domésticas, trabalhadores do comércio e da indústria se concentraram nesse espaço.
Suas casas eram simples, algumas cobertas de palha e continuavam até as duas primeiras
décadas do século XX sem nenhuma infra-estrutura, pois, como afirmado anteriormente, os
equipamentos urbanos não chegavam às áreas mais distantes do núcleo central da cidade. Por
conseguinte, afirmamos que o Ideário Higienista é de fato implementado com a instalação de
novos equipamentos, bem como com a mudança das formas de construção e ainda dos hábitos e
da própria vida dos trabalhadores e da “classe perigosa”. Em relação ao bairro de Jaguaribe,
Vidal ao analisar o seu traçado explana que o mesmo
marcou o início de uma mudança no processo de crescimento urbano, em que passou a predominar a ocupação de grandes áreas na forma de loteamentos planejados – em substituição à tradicional expansão espontânea. Nessas novas áreas prevalecia a adoção do traçado regular e ortogonal, muito usado no Brasil do século XIX, que se tornaria o tipo de desenho mais usual nas expansões urbanas da capital paraibana. (Id, Ibd, p. 56)
As transformações no processo de construção e de ocupação das habitações que
observamos para o bairro de Jaguaribe vão se intensificar no início do século XX, quando ocorre
uma mudança no processo produtivo do açúcar, principal atividade econômica da província,
provocando a passagem do engenho para a usina de açúcar no final do século XIX e início do
século XX. Este fato vai trazer grandes modificações na Cidade da Parahyba. Segundo Maia, “é
a partir desse momento em que sobreviverão mudanças no meio rural, na passagem do engenho
para a usina, que as residências urbanas dos senhores deixam de ser temporárias, passando a
permanente” (2000, p. 25), ou seja, a cidade passa, nesse momento, a receber uma nova
137
população.
Os proprietários rurais que se limitavam a vir na cidade em épocas de chuvas e de festas
passam agora a residir neste espaço urbano. Portanto, era preciso transformá-lo já que a imagem
que o mesmo apresentava não correspondia ao que esta burguesia aspirava. E foi justamente pelo
desejo dessa classe de se sentirem modernos que a modernização da Cidade da Parahyba foi
impulsionada. Segundo Chagas:
A transferência dos proprietários rurais para a capital, sua incorporação às elites e o desejo de quererem se afastar do mundo rural, visto com antigo e atrasado, passaram a justificar a implementação dos serviços de infra-estrutura urbana, ou seja, a modernização da cidade. Esse processo foi resultado da renda proveniente do algodão que possibilitou aos produtores e comerciantes desse produto adquirirem uma casa na Capital e desfrutarem da modernização. Acrescente-se a isso o fortalecimento das finanças do estado patrocinado pelo algodão, uma vez que, de 1900 a 1929, este foi o principal produto nas exportações da Parahyba, superando a cana e o gado. (CHAGAS, 2000, p. 39-40)
Assim, não apenas o açúcar, como também a economia algodoeira impulsionaram as
transformações na cidade, atendendo ao ideal dos governantes, já que a intervenção do Estado se
fazia necessária.
Para Maia (2000) até o século XIX, “mesmo sem um pequeno incremento nas atividades
comerciais, a Cidade da Parahyba apresenta uma singela configuração fortemente atrelada aos
ritmos (crises e ápices) das produções agrícolas, especialmente da cana-de-açúcar.” (Idem, p.85).
Contudo, é a partir de meados deste século, quando se dá a alta do algodão no estado da Paraíba,
bem como a passagem do engenho para a usina de açúcar que muitas alterações sócio-
econômicas, sobretudo, no final do século XIX e início do século XX. Neste sentido, a autora
relata ainda que foram esses recursos advindos, sobretudo, da produção algodoeira que
possibilitaram as obras de embelezamento e modernização da Cidade da Parahyba.
Se, na região Sudeste, é a economia do café a responsável pelas transformações ocorridas nas cidades ali situadas, é a passagem do engenho para a usina que marcará as mudanças sucedidas nas cidades da conhecida zona canavieira nordestina, inclusive a passagem do local de residência dos senhores de engenho do campo para a cidade. No momento em que os engenhos de açúcar deixam de ser as unidades produtivas de ponta, despontando as usinas com todo o seu maquinário, vão surgir nas cidades residências de um padrão mais alto: os casarões. (MAIA, 2000, p. 98)
Embora os anteriormente senhores de engenho, e agora usineiros, ainda permaneçam nas
138
propriedades rurais sua família passando a habitar a cidade farão com que, o mundo rural seja
refletido nas suas residências, ou seja, “a cidade, mesmo passado a ser local da residência
permanente dos proprietários rurais, apresentando uma vida mais expressiva, continuou sendo um
prolongamento do campo”. (Id, Ibd, p. 103)
Essa elite que aqui se instala vê nas imagens das grandes cidades, principalmente
aquelas referentes ao Rio de Janeiro, um ideal de cidade moderna. E são essas imagens que essa
elite almeja para a Cidade da Parahyba. Para tanto, se fez necessária a reformulação do espaço
urbano e das habitações, destruindo alguns elementos que representavam o passado colonial,
então visto como atrasado, como, por exemplo, a Igreja do Rosário, demolida em1923 e a Igreja
Mãe dos Homens, no Bairro de Tambiá, entre outras. Já no início do século XX podemos citar a
destruição de alguns edifícios para a construção de praças, como ocorreu para a Praça Vidal de
Negreiros. Praças estas que se faziam necessárias em virtude do ideal modernizador que ansiava
por lugares para o lúdico e para o passeio.
As casas onde residia a população pobre, existindo algumas próximas às habitadas pela
elite, eram de taipa e cobertas de palha ou muitas vezes somente de palha (que são as choupanas)
apesar das proibições dos médicos, dos engenheiros sanitaristas e daqueles que faziam parte da
administração municipal. Essas determinações não levavam em consideração a falta de recursos
em que vivia esta população, e por isso mesmo à impossibilidade em cumprirem os ideais de
modernidade e salubridade impostos pela elite.
Com as novas técnicas de construção e as novas determinações para construções, as
casas que passam a ser construídas e/ou exigidas a partir do início do século XX devem ter recuos
laterais e frontais, além de medidas específicas, determinadas pelos engenheiros para as
aberturas, as janelas e os jardins. Estas medidas foram tomadas em decorrência da necessidade de
maior aeração das residências a fim de que os ares maléficos causadores de doenças não se
concentrassem no âmbito das mesmas, e que fossem asseadas pelo ar e pelo sol, já que estes dois
elementos eram considerados como os maiores meios de evitar a proliferação dos
microorganismos causadores de doenças que viviam na atmosfera, segundo a Teoria dos
Miasmas.
De acordo com Lemos (1996), as casas construídas no Brasil durante principalmente o
século XIX apresentaram-se de norte a sul com estilos arquitetônicos similares, ou seja, com
plantas bastante semelhantes, seguindo especialmente as influências européias acerca das técnicas
139
construtivas e dos padrões arquitetônicos. Diferenciavam-se, em geral, a partir das funções aí
desenvolvidas, das técnicas e materiais de construção disponíveis para tal. Desta forma, a
população de maior poder aquisitivo “levantaram casarões, verdadeiros acastelamentos à usança
medieval, nas sedes de seus recém inaugurados latifúndios (Id, Ibd, p. 20)”.
Os casarões da Rua das Trincheiras e Tambiá são exemplos dessa nova forma de
moradia. A Rua das Trincheiras, antes habitada principalmente por pessoas de baixo poder
aquisitivo, ou seja, moradores de casas de taipa e palha, já que a mesma situava-se em área
distante da cidade, passa por profundas mudanças, principalmente no que diz respeito ao tipo de
ocupação.
No final do século XIX, os então usineiros começam a construir as suas principais
residências na cidade, como já foi mencionado anteriormente. Estas agora não seriam apenas
temporárias – épocas chuvosas e de festas religiosas – mas sim suas moradias permanentes. Desta
forma, começam a ser construídos principalmente na Rua das Trincheiras, verdadeiros
“palacetes” para abrigar aqueles ricos senhores.
Figura 12. Início da Rua das Trincheiras,1870. Fonte: Acervo Walfredo Rodrigues. In: CD Multimídia GPCES.
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Figura 13. Rua das Trincheiras, vendo-se a Igreja de Nossa Senhora de Lourdes e ainda alguns bondes transitando na mesma. Fonte: Acervo Walfredo Rodrigues. In: CD Multimídia GPCES.
A Cidade da Parahyba, durante quase todo o século XIX, apresentou habitações com
características próprias daquelas que configuraram o espaço das cidades de colonização
portuguesa. O grau de simplicidade ou complexidade de cada uma se dava de acordo com o poder
aquisitivo de quem as habitava. Assim, essas variavam de pequenas casas cobertas de palhas aos
suntuosos sobrados.
Alguns fatores ao longo desse século vão mudando aos poucos o aspecto destas
habitações, no entanto, é no início do século XX, que as mudanças se intensificam. Com a
transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, a construção de habitações sofreu
algumas alterações, já que algumas novidades surgidas a partir da Revolução Industrial na
Europa foram difundidas no país e passaram a manifestar-se não apenas na moda e nos costumes,
enfim no cotidiano, mas também na arquitetura, através das novas técnicas e novos materiais de
construção.
Na Cidade da Parahyba, portanto, o capital oriundo da produção açucareira e algodoeira
impulsiona mudanças na morfologia das ruas da cidade e na arquitetura de suas habitações, ou
seja, “as companhias gerais do comércio, no século XVIII deram certo alento às cidades do
nordeste e do norte amazônico [...] já que a abastança trazida pela agricultura ali incentivada e a
141
administração direta de Lisboa patrocinava o concurso de construtores portugueses afinados com
as últimas palavras da técnica e da arte arquitetônicas.” (LEMOS, 1996, p. 33).
Além de alterações técnicas podemos citar ainda o que Lemos (1996) denomina
“alterações higienizantes da arquitetura domiciliar pelo Brasil afora” (p. 46). É exatamente com a
finalidade de verificarmos estas tendências à higienização, ou seja, a influência da busca por
higiene na produção arquitetônica é que analisamos de que forma o Movimento Higienista
revela-se nas normativas urbanas determinando a partir das posturas nacionais e locais um
conjunto de regras de disciplinamento das edificações. Todo esse conjunto de fatores altera a
forma de construir e também de habitar no século XIX e início do século XX.
As posturas, os decretos e as determinações (as legislações de um modo geral) fazem
com que o poder médico adentre o espaço privado do trabalhador, ou seja, suas habitações.
Inspecione e prescreva normas de conduta que anteriormente eram destinadas apenas aos espaços
públicos. O médico Pedro José de Almeida, em tese defendida na Faculdade de Medicina do Rio
de janeiro (1845) aponta que entre as causas que mais atacavam à saúde da população, estava a
habitação, pois a proximidade dos rios gerava problemas quanto ao risco de acidentes, enchentes
e lodo, tornando essas casas “focos de febres perniciosas, febre amarella, e talvez de epidemias
pestilentas”. (p. 56).
O espaço privado, ou seja, as habitações também tornam-se alvo do olhar disciplinador
dos engenheiros e médicos que ordenam a cidade. É neste momento, sobretudo a partir de
meados do século XIX que encontramos inúmeros documentos que reclamam a salubrudade nas
habitações, como por exemplo, o trecho do documento, publicado em 1882, no qual o Presidente
da Província relata que
Nenhum acceio ha nas casas e na Cidade em geral, no entretanto está ao alcance de todos o quanto influirá na saúde publica o mao estado das habitações, a falta de limpeza nas ruas etc. Em algumas destas formão-se e conservão-se por muitos dias empossamentos de aguas pluviaes, os quaes pelo menos influem na saúde, augmentando a humidade das casas, que são térreas nos lugares a que me refiro.Convem, pois, por meio de calçadas, ou simplesmente de entulhos feitos com arêa ou caliça, e de esgotos, acabarem-se taes empossamentos de aguas, assim como aceiar casas, ruas, etc.(RPP, 1882, p. 05)
No ano posterior, 1883, essas mesmas determinações ainda são prescritas no relatório do
Presidente da Província para a manutenção da higiene da cidade. Denota-se poratnto, que muitas
eram as orientações e ordenações, no entanto, poucas eram concretizadas em virtude das
142
dificuldades financeiras da província, constantemente reclamadas nos relatórios oficiais. Este
dado nos mostra que, embora muitas reclamações, sugestões e determinações fossem feitas pelas
autoridades em saúde na cidade, pouco era feito o que se delongava por muito tempo.
As obras do governo também, e principalmente, tornaram-se alvo do olhar disciplinador,
a fim de serem consideradas modernas deveriam ter suas construções belas e higiênicas e,
principalmente, modernas. Conforme podemos perceber ao observamos o seguinte documento:
“A obra do Palácio está em seu fim, e hoje a vossa Província, se não tem um palácio de gosto
moderno, tem ao menos um edifício commodo e asseiado para morada de vossos
Administradores. (RPP, 1851, p. 09)
Além da busca por higiene e salubridade, a modernidade vai trazer a busca por alguns
equipamentos relacionados à diversão, e a arte, enfim, ao uso público. Entre eles podemos citar o
mais solicitado em meados do século XIX, qual seja o teatro. Maia aborda a questão ao enfatizar
que “no início do século XIX, uma série de modificações e implementações vão ocorrer nos
centros tradicionais brasileiros. Nesse momento, já não são os edifícios religiosos que terão o
maior destaque, mas sim, prédios públicos, como um teatro, uma biblioteca, além dos passeios
públicos” (2000, p. 109). É neste sentido, que ainda no ano de 1853 há a solicitação para que seja
construído o primeiro teatro público da cidade. Este teatro é considerado como “sem dúvida, obra
desejável para a cidade” [...] visto que
[...] não há n’esta Cidade passeios, sociedades de qualquer gênero, nenhum ponto de reunião. O Theatro offerecerá a Cidade um gozo social, quero dizer um gozo que se não limitaria ao individualismo, ou as afinidades da família. Dahi nasceriam relações nas quais muito ganharia o sentimento de sociabilidade. (RPP, 1853, p. 26)
No entanto, apesar das prescrições e determinações geradas com o intuito de tornar a
cidade moderna, vários são os registros que reclamam a falta de incrementos modernos, ou seja,
mesmo que estes estivessem incorporados às normatizações que versavam sobre a cidade, ainda
não haviam sido criados. Muitas dessas solicitações, ocorreram em meados do século XIX mas
continuam a ser reclamadas nas primeiras décadas do século XX. Exemplo disso é o artigo
publicado no jornal ‘Acadêmico Parahybano’ do dia 20 de julho de 1866, o qual reclamava que a
capital caiu no esquecimento em relação a limpeza da cidade. O autor do referido artigo relata
que “o viajante que ahi saltasse hoje vê-la-ia tal qual a 8 ou 10 annos antes, isto é, as mesmas
143
ruas, as mesmas caras, os mesmos muros, finalmente a mesma ausência de luz á noite, por falta
de uma illuminação.27” O autor reclama, entre outras coisas, da falta de um teatro, e conseqüente
ausência de “recreios e divertimentos [...] que distrahissem nas noites de aborrecimento”. (Idem)
Em relatório publicado no ano de 1866, por exemplo, o Presidente da Província da
Parahyba ao fazer uma comparação entre esta e a Província de Pernambuco, ou mais
particularmente, com cidade de Recife, relata que mesmo não querendo “comparar os elementos
de que dispõe a província de Pernambuco com as da Parahyba [...] queremos apenas um
progresso relativo, e compatível com as forças desta Província e nada mais”, pois, ainda segundo
o mesmo, este “progresso” não havia sido efetuado na Cidade da Parahyba, graças à ausência de
uma boa aplicação do dinheiro público, o que, caso acontecesse “o Estado da Parahyba seria
outro, que não este que actualmente vemo-la” (RPP, 1866).
Entre outras medidas assinaladas como necessárias ao desenvolvimento do progresso e
da modernidade da cidade em meados do século XIX estavam o calçamento da cidade, a limpeza
das ruas, a remoção do lixo, a iluminação a gás, entre outras obras.
Reclamações estas que ainda podem ser observadas em princípios do século XX,
reveladas nos documentos deste período. No entanto, mesmo com todas as dificuldades aqui
relatadas, a Modernidade altera, na Cidade da Parahyba o uso das ruas, as quais deixam de ser
apenas ruas caminhos que levavam as pessoas em direção às igrejas e à casa dos vizinhos e
passam a ter outros usos, ligados aos festejos, e ao público. Este último principalmente em
virtude da criação de praças, jardins e parques ao longo da cidade, que favorecem e intensificam
o uso das ruas enquanto espaço público, e lugares em que de dariam as festividades, os desfiles
cívicos e as manifestações. Desta maneira, as ruas da Cidade da Parahyba que antes se
apresentavam sob a forma de
[...] perfeitos sorvedouros lamacentos e immundos, que alem de serem prejudiciaes a saúde, os são também aos tranzeuntes; que nellas caem e se afogão, quando não quebram ou luxam os braços e pernas. Ahi estão protestando contra nossa civilisação e interesse públicos os monturos e esterquilineos; as escavações profundas com aguas estagnadas e lamacentas da Rua d’Arêa, e de outras ruas públicas, que se acham intransitáveis. (Correspondência com o Ministério do Império. 15 de outubro de 1863)
As ruas então tem suas fisionomias alteradas com a instalação de inúmeros
27 Arquivo Nacional. Sessão de Obras Raras. Microfilme Rolo P 17.02.123. Gazeta do Governo da Paraíba do Norte. Acadêmico Parahybano. Sexta-feira, 20 de julho de 1866.
144
equipamentos urbanos e, sobretudo da busca por limpeza, ordenamento e Modernidade. Neste
sentido, as ruas das cidades, a partir do início do século XX “passam a ter grande expressividade
na vida da sociedade paraibana. As implantações desses equipamentos aliadas às intervenções
urbanas modificam a sociedade, a rua e a cidade” (SALES e MAIA, 2003, p. 46). Quanto às
modificações no uso das ruas e na própria morfologia da cidade as autoras explicitam ainda que
No século XIX, mudanças profundas ocorrem na sociedade paraibana, no plano político – passagem da Colônia para o Império – nos planos econômico e social – vinda da família Real para o Brasil, passagem da predominância religiosa para a secular, introdução da modernidade – acarretando assim mudanças na ordem espacial brasileira, conseqüentemente na paraibana. As normativas e leis sancionadas vêm a modificar não só as formas das ruas, mas também o seu uso. As cenas antes costumeiras passam a ser agora punidas com rigor e multas. Entre as proibições temos: o correr e galopar de cavalos nas ruas, a retirada de animais das ruas, a proibição de jogar lixos na rua. Essas normativas e leis modificam as relações sociais, mas imediatamente impõem outros costumes que vão sendo lentamente modificados com o surgimento de novas normativas e leis tornando esse processo contínuo e dinâmico. Com a industrialização e a modernização já latentes nos países europeus, processou-se uma série de mudanças na urbanização brasileira. Muitas cidades foram criadas e outras modificadas com a chegada de equipamentos que dominaram e influenciaram esse espaço urbano. (Idem, 2003, p.45)
Nossa pesquisa teve, portanto, como objetos de estudo este espaço urbano, qual seja uma
cidade situada entre o vale do Rio Sanhauá e o Tabuleiro (Baixo Planalto Costeiro), que
apresentou até as primeiras décadas do século XX, características rurais, mas que tem seu espaço
físico e cotidiano modificados pelo ideário presente no discurso higienista, bem como pelo
Movimento da Modernidade. Ideários estes que modificam as feições acima descritas, à medida
que normatizam e regulamentam as áreas edificadas da cidade, os costumes e os hábitos da
população, levando à alterações a partir dos planos de ordenação urbana, e da busca por torná-la
higiênica, moderna e bela.
Mesmo com os preceitos de higiene já incorporados às posturas urbanas, a vida de
muitos habitantes estava bastante distante de cumprir tais determinações. Assim, é que os banhos,
apesar das proibições continuam acontecendo, até as primeiras décadas do século XX onde se
dava a captação de água, nas bicas e nas fontes (CHAGAS, 2004). O esgoto era lançado em valas
diretamente às ruas, ou nos cursos naturais de água e não existia um serviço de abastecimento e
tratamento de água que garantisse tanto a sua qualidade, quanto a quantidade necessária para toda
a população.
145
A Primeira República, portanto, representa um período de grandes modificações em todo
o Brasil, tanto do ponto de vista social, quanto político e econômico. Buscava-se, junto com o
novo regime, uma nova cidade, a qual seria produzida e administrada a partir de uma ideologia
modernizadora e sanitarista. Contudo, no início do século XX, e mesmo já com a promulgação da
República as medidas de higiene e salubridade na cidade continuam a ser entendidas como
importantes no que diz repeito ao trato com o espaço urbano. Neste sentido é que em 11 de
fevereiro de 1905 o prefeito desta cidade determina que sejam obrigados “os proprietários e
inquilinos dos predios a fazerem a capinação na frente dos oitões dos mesmos.” (RAMALHO,
1958, p. 135).
A análise dos documentos oficiais revela ainda como o discurso ideológico da
salubridade inferiu no cotidiano dos moradores, obrigando-os a adotarem novos hábitos,
condizentes com os princípios higienistas. Importante ressaltar que esse discurso ideológico
restringia-se aos médicos, engenheiros e políticos, constituindo-se, portanto, em um
conhecimento restrito médico-científico, permanecendo a população em geral desinformada e,
portanto, não compreendendo as razões das determinações impostas e o porquê de tamanhas
transformações. Na prática, essa gente, na maioria das vezes aceitava esse discurso, seja por se
tratar de prática comum entre a elite, ou por serem obrigados, através de medidas punitivas.
Mesmo sem a intensidade dos acontecimentos assinalada nos grandes centros urbanos da
época, a cidade aqui estudada, com todos os limites do tempo e do espaço, apresenta vários
registros de alteração na estrutura urbana a partir dos preceitos do Higienismo. Alterações estas
que mudam a morfologia da cidade, principalmente da cidade da elite, mas que também
imprimem suas marcas na cidade das “classes perigosas”. Estas últimas impressões não são as
mesmas da parte central da cidade, mas se configuram principalmente pela punição e aliciamento
e ainda pela ausência dos novos equipamentos, ou seja, daquilo que correspondia à imagem da
cidade moderna.
A análise documental permite que afirmemos que a expansão urbana da Cidade da
Parahyba foi favorecida graças aos princípios de higienização, embelezamento e modernização,
visto que alguns dos equipamentos urbanos construídos sob a luz desse ideário foram localizados
distantes da área central, tais como o hospital e o cemitério. Além disso, esta análise nos revela
como o discurso ideológico da salubridade inferiu no cotidiano dos moradores, obrigando-os a
adotar novos hábitos, condizentes com os princípios higienistas. Várias são as determinações que
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versam sobre a incorporação de hábitos higiênicos entre os habitantes da cidade, porém, mesmo
com todas estas determinações, como já foi dito antes, muito havia ainda por fazer, para que essas
habitações se adequassem aos padrões exigidos pela elite, bem como para que o espaço privado
do trabalhador não fosse elemento de propagação das epidemias que assolavam a Cidade da
Parahyba.
A análise dos documentos oficiais revela como o discurso ideológico da salubridade
inferiu no cotidiano dos moradores, obrigando-os a adotarem novos hábitos, condizentes com os
princípios higienistas. Importante ressaltar que esse discurso ideológico restringia-se aos
médicos, engenheiros e políticos, constituindo-se, portanto, em um conhecimento restrito
médico-científico, permanecendo a população em geral desinformada e, portanto, não
compreendendo as razões das determinações impostas e o porquê de tamanhas transformações.
Na prática, essa gente, na maioria das vezes aceitava esse discurso, seja por tratar-se de prática
comum entre a elite, ou por serem obrigados, através de medidas punitivas.
Os diversos documentos oficiais analisados, identificados não só nos discursos dos
governantes, mas também nos relatórios das obras finalizadas e também nas impressões dos que
faziam o jornal da época expressam o ideal dos governantes, da elite e dos políticos do século
XIX em transformar a Cidade da Paraíba em uma cidade salubre e higiênica. Para isto, várias
foram as determinações e ações que provocaram grandes alterações na sua estrutura e na vida dos
seus habitantes.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
[...] basta dizer que o tema das cidades é imenso.
Assim, nós nos consideramos suficientemente justificados por não abordá-lo aqui em sua totalidade,
limitando-nos a recortar dele uma parte precisa.
Helena Angoti Salgueiro, 2001.
A análise documental utilizada ao longo deste trabalho nos leva a considerar que o
Movimento Higienista, sobretudo durante os séculos XIX e primeiras décadas do século XX
favoreceu uma alteração no espaço urbano das cidades em geral. E, conseqüência disso, também
provocou alterações na área urbanizada da Cidade da Parahyba. Cidade essa que, embora
apresentasse uma dinâmica de menor intensidade do que outros centros urbanos do mesmo
período, tem na imagem destes grandes centros, sobretudo na das grandes cidade brasileiras como
o Rio de Janeiro, por exemplo, ou nas cidades européias, um modelo. Uma representação do que
deveria ser entendido enquanto progresso. Em vista disso, era essa imagem de progresso e de
Modernidade que os administradores da Cidade da Parahyba, juntamente com a elite, desejavam
para a Cidade da Parahyba. O progresso e a Modernidade que, por sua vez, encontravam-se
diretamente ligados à promoção da higiene e da saúde pública.
Esses temas, portanto, se fazem importantes para a análise de qualquer cidade durante o
período citado, qual seja, entre meados do século XIX e início do século XX, pois, em
decorrência das epidemias que as assolavam tornava-se necessário não só evitar o contágio como
também prevenir a ocorrência das mesmas. Sendo um tema recorrente no que diz respeito a
análise urbana para este período.
Como podemos perceber a partir das fontes analisadas e da bibliografia consultada, em
virtude da ausência de conhecimento médico acerca do contágio e transmissão de doenças que
atacavam e dizimavam os habitantes da cidade, a higiene era entendida com o único meio de
evitar que estes problemas fossem gerados e, principalmente disseminados pela população
urbana. Esse fato ocorria porque, seria a falta de higiene, tanto nos espaços físicos da cidade, a
partir dos considerados ‘focos de insalubridade’, como da população, a partir dos maus hábitos,
que as epidemias, tais como a febre amarela, a varíola e a cólera, sendo estas as doenças que mais
atacavam a população, que se daria a origem e a transmissão de doenças.
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Foi a partir desta análise, investigada com base nos documentos oficiais e não oficiais,
tais como as posturas, decretos e determinações em geral que eram produzidos na cidade
analisada, ou à nível da nação e que, por sua vez, deveriam ser também aqui observadas; nas
matérias jornalísticas e ainda nas obras bibliográficas produzidas à época que podemos averiguar
de que forma a Cidade da Parahyba teve o seu espaço adequado e/ou modificado a partir dos
preceitos higiênicos, sob a ordem de sanear, higienizar e embelezar que se faziam constante nos
discursos da elite, daqueles que participavam da administração da cidade; ou ainda nas
determinações, leis e decretos que eram difundidos à época.
Os desejos de progresso e higiene, aliados à intenção por tornar esta cidade moderna,
sob os moldes dos grandes centros urbanos, faz com que, conforme observamos ao longo dos
capítulos deste trabalho, a cidade tenha seu espaço modificado, através da abertura de novas ruas;
alargamento das ruas já existentes; construção de casas de saúde ou do isolamento para aqueles
que seriam considerados um risco no que concerne à transmissão de doenças. Citamos ainda a
instalação de alguns equipamentos urbanos, como o cemitério e o abastecimento de água, entre
outras medidas, são exemplos destas modificações.
No entanto, nos fica claro que estas modificações não se dão apenas no espaço físico da
cidade e, por sua vez, promovem modificações também nos hábitos e costumes da população aí
residente, em virtude das solicitações que dizem respeito diretamente ao cotidiano, como a
proibição por banhar-se nas fontes, fato bastante corriqueiro entre a população de menor poder
aquisitivo; a localização de determinados estabelecimentos destinados a venda de gêneros
alimentícios; o próprio enterramento nos cemitérios e conseqüente proibição de manter as igrejas
enquanto redutos dos mortos. Todas estas medidas provocam alterações na forma de habitar e
pertencer à cidade.
Vale considerar ainda que as alterações na cidade, sobretudo a implementação das
melhorias sanitárias e de infra-estrutura na cidade que se dão baseadas no discurso higiênico, na
maioria das vezes não ocorre de maneira igualitária, como exemplo citamos o próprio
abastecimento de água, que, ao ser executado limita-se às ruas mais centrais da cidade, nas quais
habitava a população de maior poder aquisitivo. Contudo, mesmo com estas limitações, o embate
das modificações produzidas podem ser observadas em toda a cidade, e para todos os seus
habitantes, pois mesmo aqueles que não tem o espaço físico em que habitam alterado, tem no
contrile higiênico, nas determinações e normas, ou mesmo na ocorrência de doenças um contato
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direto, como este que denominamos Movimento Higienista. Assim denominado Movimento
Higienista por promover sim uma mudança, nos espaços, nos hábitos, nos costumes, e, sobretudo,
na forma de habitar e pertencer à cidade.
Esta pesquisa teve, portanto, o objetivo de investigar estas alterações/modificações que
ocorreram na Cidade da Parahyba, entre os anos de 1854 e 1912 a fim de relacioná-las ao
Movimento Higienista, entendendo-o senão como causa, ao menos como justificativa, ou mesmo
promotor destas mudanças.
Por fim, o trabalho aqui exposto ao longo das últimas páginas vem a contribuir com a
geografia histórica da Cidade da Parahyba, resgata a história da implantação de muitos dos seus
equipamentos urbanos instalados na Cidade da Parahyba durante o período de 1854 a 1912,
justificados pelo ideário higienista, bem como as repercussões dessas mudanças sobre a vida dos
habitantes da cidade, principalmente das classes populares que em geral deveriam cumprir o que
lhes era imposto a partir das normativas e ordenanças, sem que, muitas vezes entendessem o
motivo de tamanhas transformações.
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