Uma cidade que se conta.Imigrantes Italianos e narrativas no espaço social da cidade de Porto...

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ROSEMARY FRITSCH BRUM UMA CIDADE QUE SE CONTA Imigrantes italianos e narrativas no espaço social da cidade de Porto Alegre (1920 - 1937) Tese apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Doutora em História, Programa de Pós-Graduação em História do Brasil, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Orientadora: Professora Doutora Núncia Santoro de Constantino Porto Alegre, março de 2003

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ROSEMARY FRITSCH BRUM

UMA CIDADE QUE SE CONTA Imigrantes italianos e narrativas no espaço social da cidade de Porto Alegre (1920 -

1937)

Tese apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Doutora em História, Programa de Pós-Graduação em História do Brasil, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Orientadora: Professora Doutora Núncia Santoro de Constantino

Porto Alegre, março de 2003

À Gabriel Neves Camargo que atravessou

comigo a descoberta de que a conquista da própria

narrativa é fazer-se.

PRÓLOGO

O fato de não pertencer ao grupo de italianos, mais o fato de haver nascido

em Porto Alegre, vivido a infância e a adolescência em Caxias do Sul e, só haver

retornado para a cidade nos anos 70, marcou minha narrativa do estranhamento.

Entre duas cidades, seria Porto Alegre minha cidade de appartenenza sociale ou

Caxias do Sul? Quem sabe emulei essa tese para resolver de vez com a questão.

Não adiantou. Como os moraneses, entre dois mundos. Como todos os imigrantes

que mantém laços com os lugares por onde vão desenrolando suas vidas, entre

enredos e tramas narrativas.

Cidade e estranhamento sempre me fascinaram. É o que importa. Os

cronistas locais falam de um local assegurado. Nunca me interessei por certo tipo de

saudosismo, diferente da História urbana, que paira na tranqüila descrição de um

lugar que era, mas mudou tanto até que perdeu sua alma. Ao contrário, aprecio as

mudanças e o efeito dessas, na vida das pessoas que precisam mudar e, continuam

ainda iguais, sem serem idênticas.

Com esta “bagagem identitária”, trôpega, mais afinada com a urbanidade, até

pelo tema da dissertação de mestrado (1984), o Plano Diretor de Porto Alegre e os

movimentos de reintegração de posses e reivindicações sociais das vilas, nos anos

de implantação do Primeiro Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Porto

Alegre - PPDU, lancei-me a conhecer mais ”minha cidade”, (será?), em especial, sob

a perspectiva do estrangeiro.

Uma breve genealogia da viagem dos textos: não poderia escrever esta tese

sem a inspiração de três escritos, os quais chegaram quando estava mais

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perceptiva, cada um a seu tempo, pela curiosidade ou pelas mãos da orientadora, a

quem aproveito para começar a agradecer, Dra. Núncia Santoro de Constantino.

Como o foco é a narrativa do estrangeiro, percorri trilhas que não eram caminhos,

levaram longe, mas não para os propósitos da Tese. Alguns eventos foram decisivos

para trazer de volta a síntese necessária. São obras que salvaram o pensamento

errante, dos oceanos tumultuados para a tarefa de iniciar, fazer andar e, a mais

difícil, concluir a tese.

Dispensando a formalidade textual de praxe, cito as obras/teses com as quais

dialoguei durante o percurso para que novos aventureiros se interessem.

Primeiramente, a Narrativa e imaginário social: uma leitura das histórias de maloca

antigamente, de Pichvy Cinta Larga. Escrita como tese de Ivete Lara Camargos

Walty, em 1991, na Universidade de São Paulo - USP, li em 1998, quando da

elaboração do projeto de tese apresentado à Pontifícia Universidade Católica do Rio

Grande do Sul - PUCRS. Impressionei-me com a narrativa de Pichvy Cinta Larga

tanto quanto Ivete ao trabalhar, hermeneuticamente, a fala de um líder indígena que

sabia ser um texto escrito para brancos.

A obra seguinte, conheci no ano 2000, Occhiacci di legno: nove riflessione

sulla distanza, de Carlo Ginzburg, publicada em 1998, em Milão, Itália. Com

Ginzburg montei ou desmontei toda perspectiva histórica, transportando o

estranhamento, do olhar da arte para o olhar histórico.

Enfim, entre a maré de textos, considero o que li em 2002, o texto mais

esclarecedor sobre a viagem como uma epistemologia do social e o estrangeiro

como agente civilizador. Refiro-me ao La mente del viaggiatore: dall’Odissea al

turismo globale, escrita por Eric J. Leed , traduzida para o italiano e publicada em

Bologna em 1992 , do original em inglês. Esta obra é, para mim, um divisor de águas

nos textos sobre viagem e viajantes, bem como a estrutura mental de uma pessoa

em movimento. Muito própria para perceber nosso mundo globalizado. Da

cosmovisão e narrativa indígena, pela arte do estranhamento até o turismo global,

agora, me dou conta dos laços internos desses textos.

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As pessoas e seus textos entraram na tessitura da tese quando deviam, ou

seja, quando eu estava preparada para realizar as entrevistas. Pela mão da

orientadora conheci Carmine e, por ele, Angelina, Antônio e Dalva que já conhecia.

Essas pessoas concretizaram o que se ouve dizer: “minha vida daria um livro”. Dada

as exigências acadêmicas, fiz apenas história oral temática com cada um dos

entrevistados, tratando da partida, do transitar e do chegar para compor a narrativa.

Tenho certa angústia de saber que havia mais, muito mais para acrescentar eis que,

evidentemente, sem cada um deles, não haveria narrativa alguma nessa tese. É

óbvio, mas devo destacar que não haveria esta tese, seria outra, mas não esta. Há

um ano, entrei e talvez não consiga mais sair do texto de suas vidas. Este é apenas

um dos encantos do trabalho em história oral.

O silêncio de cada um faz brilhar o encobrimento das passagens menos

felizes e o esquecimento traumático. A filosofia de vida adquirida dá significado às

suas existências. A cidade toda agradece. São eles, os italianos do sul, cidadãos de

Porto Alegre, vindos de Morano-Calabro, que têm na memória fragmentos da

infância na pequena região, a grande travessia rumo ao Brasil, nem sempre

diretamente para Porto Alegre e, que, aqui casaram, trabalharam e vivem para

contar sua história.

Como contraponto, na minha memória ressoaram outras vozes, as daqueles

que entrevistei entre 1995 e 1996, para descobrir quanto ao lugar simbólico do

centro histórico de Caxias do Sul em um projeto que seria o embrião deste, a

appartenenza sociale, termo intraduzível, algo próximo de “pertencimento social”. A

modernidade caxiense tornou invisível este centro histórico, a não ser pela memória

dos filhos dos fundadores, tais como o comerciante José Corsetti, o empresário

Dovílio Gianella, o escritor José Clemente Possenato, as professoras Vera Longui,

Magda Longui e Loraine Slomp Giron, descendentes de italianos do norte. As

demais vozes não deram entrevista alguma, mas deixaram suas marcas na minha

existência em Caxias do Sul, cidade de meus avós e de minha mãe. Ou seja,

continuo essa “história de italianos de cidade”, porém, na cidade de Porto Alegre.

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Na pesquisa realizada dispus de distintos materiais, os da oficina do escritor,

entrevistas de história oral, jornais, a Coleção do Correio do Povo, disponível no

Museu Hipólito José da Costa, entre outros periódicos. Agradeço e desejo que o

Governo do Estado e os órgãos de Cultura dêem condições para preservar coleções

inteiras, não mais disponíveis ao público.

Vou produzir um agradecimento, que pode ser um agrado, o qual cresce até

se tornar uma declaração de gratidão, uma gratificação, mas, não nesta ordem,

necessariamente.

Quando essa tese seguir seu caminho para longe de mim e chegar ao leitor,

ainda estarei tentando dispor das palavras para dizer às pessoas o que elas

significam para mim.

Agradeço às Instituições de Ensino e Pesquisa que possibilitaram as

condições para meu estudo que ora concluo.

Agradeço:

À Dra. Núncia Santoro de Constantino, orientadora da tese. Lembro Mallarmé:

“definir é matar, sugerir é criar”. Sugerir é ser cúmplice de um fazer histórico, de algo

pré-figurado, ao qual eu ainda não conseguia dar forma. Sabia que estava lá, mas

difícil de fazer e comunicar. O que ficou no caminho, entre uma ponta e outra, traduz

meu limite até o momento.

A Banca de Tese de Doutorado defendida aos 11 de julho de 2003 :Núncia

Santoro de Constantino (Orientadora, PUCRS), Dra. Ruth Maria Chittó Gauer

(PUCRS), Dr. Charles Monteiro (PUCRS), Dr.Jorge Sarriera (PUCRS) e DR. Andréa

Ciacchi (UF Paraíba).

Ao Governo Brasileiro, através da Universidade Federal do Estado do Rio

Grande do Sul - UFRGS, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - IFCH, e ao

Departamento de História onde se localiza o meu lugar nessa universidade, mais

7

precisamente, ao Núcleo de História do Rio Grande do Sul, Laboratório de História

Oral. Lá, situo Francisco Carvalho Jr. , colega, amigo e cúmplice da proposta de

tratar a história oral como narrativa. Aos funcionários colegas também rendo meu

agradecimento.

À Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS, através do Centro de

Ciências Humanas, em especial, à Dra. Flávia Verle, na ocasião, Pró- Diretora

Administrativa, pelo empenho em tornar possível meu desejo de realizar o doutorado

em História, sendo da Sociologia. Atravessando, na prática, a interdisciplinaridade.

E, ao Diretor Dr. José Ivo Follmann pela observância rigorosa dos termos. Estendo

também aos funcionários o meu reconhecimento. Da UNISINOS, além dos colegas

do Departamento de Sociologia, nomino Dra. Cleci Eulália Favaro, Dra. Eloisa

Helena Capovilla da Luz Ramos, Dr. Marcos Justo Tramontini, pelas oportunidades,

sugestões e convívio em várias circunstâncias que antecederam, inclusive, os anos

dedicados à tese. Falamos de cidade, imigração, história oral e textos em vários

encontros.

À Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS, aos

professores com os quais tive a oportunidade de discutir, trocar e aprender, Dr. Arno

Alvarez Kern, Dra. Ruth Chittó Gauer, Dra. Margaret Marchiori Bakos, Dr. René E.

Gertz, Dra. Núncia Santoro de Constantino. Agradecendo igualmente à colaboração

dos funcionários.

À pessoa da Dra. Chiara Vangelista, de Turim, que trança a mesma urdidura

e abriu espaços para colocar minhas preocupações, sou reconhecida, bem como a

todos que - entre continentes - fazem a vida parecer uma única comunidade de

ideais e idéias contribuindo para a paz e o entendimento entre os povos.

Ao Governo Italiano, pela minha cidadania e pelo curso de italiano na

Associazone Culturale Italiana Del Rio Grande do Sul - ACIRS. Aproveito para citar

Lydia Miotto Gabellini e todos os professores de italiano que encontrei no caminho,

os quais contribuíram para que eu adquirisse uma nova sensibilidade, ao criar a

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competência lingüística necessária para a expressão oral e escrita do idioma

italiano.

À doutoranda e professora Isabella Vieira de Bem, que, sob o olhar da

literatura inglesa vem discutindo a narratividade sem obscurecer a diferença entre

ficção e ciências humanas em nossas reuniões, nas quais nunca sabemos onde

inicia a amizade ou o prazer do pensamento compartilhado.

No domínio da escrita, Ligia M. Rochenbach, que vem decifrando, traduzindo

e transpondo o que quero comunicar, com clareza e leveza. No mesmo sentido,

incluo na revisão da tese, Maria Inês Szczecinski.

No momento do enfrentamento com os jornais de 1920 e 1937 contei com a

pesquisadora e mestre Marisa Nonenmacher e, sempre sugerindo raridades, puro

encantamento de historiador, José Costa Leite, do Museu de Comunicação José

Hipólito da Costa. Certamente a parte divertida da busca de rastro deve ser

creditada a essa dupla.

Mtuitos sábados foram dedicados a consultar o Acervo do professor Frei

Róvílio Costa, quando iniciei o projeto.

Porém, o trabalho com jornais só foi exeqüível com a criação de banco de

dados do doutorando e professor Jeferson Francisco Selbach que, não por acaso,

pesquisa cidades e figuras beijaminianas.

Ao Dr. Mario Fleig e Dr. Ernildo Stein, por me darem as primeiras chaves para

começar a conhecer as possibilidades da hermenêutica da linguagem escrita e oral.

Fazendo uma ponte para o universo privado, lembro de Julio Falavigna,

(Gopala) que quando ensina a respirar, em suas aulas, ensina a pensar.

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Estou por concluir o discurso e quero trazer minha família. Os amigos, não os

nomino para não excluir. Cada um saberá seu lugar. Trago minha família, a que está

aqui e, daqui já se foi, na metáfora mais comum que diz ser a vida uma viagem.

In memorium, meus avós, pequenos comerciantes Luiz Affonso e Ottília

Lermen Fritsch, meus pais, os professores de tantas gerações, Luiz Gonzaga

Ferreira Brum e Eloah Loyre Fritsch Brum, minha irmã Tânia Regina.

Ao Luis Affonso e ao Paulo Ricardo, meus irmãos e aos meus filhos, Pablo

que mora em Londres, Rafael que voltou da Espanha, sem os quais não teria o

senso de comunidade afetiva necessária para liberar minha criatividade.

Em especial, a esses filhos que vão e vem, que me ensinaram, na prática, o

que é saudades e migração na Europa.

Ao Washington Mieres Gonzalez, com quem aprendi o que é ser imigrante no

Rio Grande do Sul, Brasil.

Falo, portanto, com certa autoridade de separações, sonhos, conquistas e

derrotas na cidade.

Aos que acompanharam, em algum momento, meu andar nessa vida, é hora

de agradecer.

E agora, agradeço a você, leitor.

Textos existem na forma de cadernos ou suplementos; a natureza da produção textual é tanta que o significado é negado, o que chama para um fim para crítica temática; textos afirmam o jogo das palavras, testemunhos, e significados. Uma ênfase mimética coloca estes elementos e posições em movimento; as dispersa e dissemina, fazendo-os frutificar em um novo caminho. A ênfase mimética desconstrói textos, combina seus elementos com outros em novos textos. No jogo das palavras, novos efeitos tornam-se essência. Cada texto, em sua referencialidade com outros textos, é um jogo que opera segundo regras. Um texto é multiplicado no jogo da contingência e necessidade, uma circunstância a inalterável condição de qual é o caráter escrito no texto. Os significados de todos os textos são em princípio indeterminados e imunes ao fechamento. Derrida, The between-character of mimesis

RESUMO

Esta tese se propõe a mostrar o espaço social de Porto Alegre, no período compreendido entre 1920 e 1937, através da visão do estrangeiro, em especial, moraneses calabreses, imigrantes italianos vindos da Itália Meridional e seus descendentes.

O período entre 1920-1937 é pouco pesquisado em termos de imigração. Marcado por uma densa atmosfera política, ainda assim os espaços sociais urbanos são festivos.

Estrangeiros italianos, imigrantes em Porto Alegre, narram a cidade pela perspectiva da diferença cultural e não da simulação de possíveis pontos de semelhança. A pesquisa histórica realizada concentrou-se nos estrangeiros e sua descendência em Porto Alegre e, em particular, nos moraneses que elaboram uma narrativa decorrente da tradução, da decifração e da comunicação de si na cidade, estabelecendo uma diferença perante os outros que representou a condição para se manterem como iguais entre si. Eles elaboram um enredo próprio, com dramas, mudanças de roteiros, sonhos e decepções, que ocorre tendo como fundo a cidade já cosmopolita.

À luz da História, utilizando-se em muito da aplicação da história oral, pensamos um modo de tratamento das narrativas do processo que teceu o caráter singularizador do universo lingüístico da personagem do estrangeiro imigrante.

Partir, transitar e chegar são os verbos do imigrante. O estrangeiro viajante não parte, se afasta. Transita, sim, mas não chega, está na cidade de passagem. Mas o imigrante estrangeiro, há de lutar para ser da cidade. Nem sempre é um vitorioso, a cidade pode massacrá-lo. É o que narram os moraneses.

ABSTRACT

The present thesis intends to portray the social space of Porto Alegre between 1920 and 1937 from a foreign perspective, especially those of ‘Moraneses Calabreses’, italian immigrants from meridional Italy, and their descendants.

The 1920-1937 period has rarely been researched in terms of immigration, and even though characterized by a dense politic atmosphere, these social spaces are festive.

Italian immigrants in Porto Alegre chronicle the city from their cultural view- point, unique and unassimilated. The historical research carried out concentrates on the Moraneses, who elaborate a narrative resulting from their translation, understanding and image of themselves in the city, establishing a difference in the presence of the others, and consequently a state of equality amongst themselves. They relate their own plot, dramas, changing, dreams and disillusionments, set in an already cosmopolitan city.

In the light of history, to a large extent utilizing oral history, the present thesis focuses on the narrative process, which created the singular character of the linguistic universe of the immigrant.

To leave, to move through and to arrive are the verbs of these immigrants. The foreigner never leaves, merely moves away. Moving through, but never arriving, he is a passer-by in the city. However the foreigner must struggle to belong in the city. Not always a winner, as the city can destroy him - this is what the moraneses narrate.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 15

1 CAPITULO TEÓRICO - PARA UMA NARRATIVA DA CIDADE ........................... 25

2 PARTIR ................................................................................................................. 43

2.1 A partida da Itália nos anos de 1920 a 1937 ..................................................... 44

2.2 Da Antigüidade à modernidade: moraneses partem até chegar a Porto Alegre ... ........................................................................................................................ 51

2.3 Texto de viagem e viagem do texto .................................................................. 57

2.4 Moraneses e a narrativa da partida .................................................................. 62

2.5 O pertencimento moranes ou appartenenza sociale do moranes ..................... 65

2.6 De lá, para cá, as cartas ................................................................................... 70

2.7 MINIMA MORALIA: reflexões sobre a vida danificada ...................................... 77

3 TRANSITAR NOS CAMINHOS DENTRO DE SI: HÁ UM DESTINO? .................. 92

3.1 A suspensão da narrativa ................................................................................. 93 3.1.1 Fazer-se cúmplice do caminho ....................................................................... 98 3.1.2 Viagem à Meca ............................................................................................. 103

3.2 Transitar nos jornais: a leitura interessada ..................................................... 106 3.2.1 Transitar no Correio do Povo ........................................................................ 116 3.2.1.1 Corpo diplomático em movimento .............................................................. 116 3.2.2 Trânsito de imigrantes .................................................................................. 139 3.2.3 Transitar entre culturas políticas ................................................................... 148 3.2.4 Trânsito de feiras .......................................................................................... 160

4 CHEGAR ............................................................................................................. 170

4.1 A cidade para o estrangeiro ............................................................................ 171

4.2 Dispositivos e códigos da “cidade dos Italianos” no movimento ..................... 180 4.2.1 O avião ......................................................................................................... 188 4.2.2 O automóvel e seus acidentes ...................................................................... 189 4.2.3 As avenidas .................................................................................................. 193 4.2.4 A imagem (o cinema) .................................................................................... 195 4.2.5 O som (o rádio, o telégrafo) .......................................................................... 199

4.3 Dispositivos e códigos de sociabilidade .......................................................... 205 4.3.1 Os clubes de Tiro, o Remo, o Hipódromo ..................................................... 206

14

4.3.2 A mesa refinada: novos restaurantes comandados por italianos surgem com novidades ..................................................................................................... 208

4.3.3 Uma sociabilidade em trânsito: a hotelaria moderna .................................... 210 4.3.4 A circulação nos salões: poetas, recitadores, escritores, músicos, cantores 211 4.3.5 O caso e o acaso do Clube Jocotó ............................................................... 217 4.3.6 Fundar e viver a italianidade na Porto Alegre Moderna ................................ 235 4.3.7 Obras e ações assistenciais ......................................................................... 269 4.3.8 Transitar na Rua da Praia, estar nas confeitarias, nos cafés ........................ 273

5 A CIDADE DE CARNE ........................................................................................ 280

5.1 Dispositivos e códigos da metáfora sanitária da “cidade dos italianos” .......... 280 5.1.1 A morada da máquina humana ..................................................................... 285 5.1.2 Presença de setores médios italianos e descendentes na construção da

cidade: engenheiros, médicos, advogados nas faculdades e sociedades .... 287

5.2 Sanear, Limpar, Conter, Disciplinar ................................................................ 293 5.2.1 Saúde mental, disciplinamento e imigração .................................................. 293 5.2.2 Higiene para uma cidade sadia .................................................................... 297 5.2.3 Cresce a cidade, cresce o crime ................................................................... 301

5.3 A cidade das trocas ........................................................................................ 309 5.3.1 Armazéns, açougues e lotéricas, quase um monopólio moranes em Porto

Alegre ........................................................................................................... 311 5.3.2 Para onde vai a classe operária? ................................................................. 312

5.4 A cidade de pedra. Códigos e dispositivos da estética de pedra .................... 326

6 A CIDADE DO ESPÍRITO ................................................................................... 335

6.1 Códigos e Dispositivos para ler, escrever e o saber para os italianos ............ 335

6.2 Formação de trabalhadores para a nova economia: cursos, institutos, academias ...................................................................................................... 337

6.3 Construção das bases industriais da leitura e da escrita ................................ 345

6.4 A Estética aprendida: lições da Itália .............................................................. 350

6.5 A identidade regional diante das lições da Itália: Fornari e Bernardi & Cia ..... 354

7 ARRIVARE .......................................................................................................... 364

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 389

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 410

INTRODUÇÃO

Esta tese propõe-se a mostrar o espaço social de Porto Alegre no período

compreendido entre 1920 e 1937 através da visão perspectiva do estrangeiro, em

especial moraneses calabreses, imigrantes italianos vindos da Itália Meridional e

seus descendentes.

Estrangeiros italianos, imigrantes na cidade de Porto Alegre, narram a cidade

na perspectiva da sua diferença cultural e não da simulação de possíveis pontos de

semelhança. A pesquisa histórica realizada concentrou-se nos estrangeiros e sua

descendência em Porto Alegre e, em particular, nos moraneses que produzem uma

narrativa decorrente da tradução, da decifração e da comunicação de si, na cidade.

Eles elaboram um enredo próprio, com dramas, mudanças de roteiros, sonhos e

decepções, que ocorre tendo como fundo a cidade já cosmopolita. Considera-se que

os relatos dos imigrantes tiveram a capacidade de organizar e transmitir suas ações

para as gerações. Não estamos na mesma temporalidade de seus desenhos

espaciais e sociais, mas, sabemos pela historicidade das narrativas que esteve

sempre em jogo a conquista de um significado pessoal, pois ao se narrar o sujeito

organiza um enredo lógico, masserando um material que, de outra forma, seria

apenas massa inerte e caótica de vivências, sensações e memórias esparsas, caso

não houvesse a narrativa.

Partir, transitar e chegar são os verbos do imigrante. O estrangeiro viajante

não parte, se afasta. Transita, sim, mas não chega, está na cidade de passagem.

Mas o imigrante estrangeiro, há de lutar para ser da cidade. Nem sempre é um

vitorioso, a cidade pode massacrá-lo. É o que narram os moraneses.

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As hipóteses que orientaram o material pesquisado foram dirigidas pela noção

de tradição lingüística definida por Hans-Georg Gadamer:

O que chega a nós pelo caminho da tradição lingüística não é o que ficou, senão algo que se transmite, que se diz a nós mesmos, sob a forma de relato direto, no que tem sua vida o mito, os usos e costumes, ou sob a forma da tradição escrita, cujos signos estão destinados imediatamente para qualquer leitor que está em condições de lê-los.

1

Sabia de antemão, ao optar pela conjuntura existente entre os anos de 1920-

1937, que na literatura brasileira o estrangeiro não merece destaque, uma vez “[...]

que a pregação nacionalista está às voltas com a substituição de um programa

estético europeu por outro de fabricação nacional”.2

O imigrante, enquanto personagem urbano, não é representado na literatura

local. É preciso dizer que essa omissão persiste nas narrativas de outros países que

receberam massivamente os imigrantes italianos. Basta ver que na Argentina e no

Uruguai, países da América Latina que além do Brasil receberam grande número de

italianos, os imigrantes como um todo são invisíveis também aos olhos da

intelectualidade. A cidade moderna e tecnológica dos anos 20, como Buenos Aires,

Montevidéu e Porto Alegre, não tem espaço de representação para o imigrante. Uma

das possibilidades de romper com esta invisibilidade é a travessia em direção à

Europa, preferencialmente. Esta viagem era uma prática da intelectualidade latino-

americana. Numa delas, abrem-se os olhos do escritor argentino Leopoldo Marechal,

comentado por Camilla Cattarulla, em Adán Buenosayres: periferie urbane e identitá

nazionale:

Falo como argentino de segunda geração e como descendente próximo de homens europeus [...]. Para ver com alguma claridade em meu país e em mim mesmo foi necessário que eu visitasse as terras da Europa, origem de nossos pais, e visse como eram aqueles homens antes de sua imigração. Os vi em suas aldeias e terras, postos numa vida penosa, e com um sentido heróico da existência que os fazia ou alegres, ou resignados em sua disciplina, na fé de Deus e na estabilidade de seus costumes. Os tenho

1 GADAMER, Hans-Georg. Verdad y método. Sígueme: Salamanca, 1993. v. 1, p. 468. Cito: “Lo que llega a nosotros por el camino de la tradición lingüistica no es lo que há quedado sino algo que se trasmite, que se nos dice a nosostros, bien bajo la forma del relato directo, en la que tiene su vida el mito, la leyenda, los usos e costumbres, bien bajo la forma de la tradición escrita, cuyos signos están destinados inmediatamente para cualquier lector que esté en condiciones de leerlos”. 2 ARANTES, Otília Beatriz Fiori; ARANTES, Paulo Eduardo. Sentido da formação. Três estudos sobre Antonio Candido, Gilda de Mello e Lucio Costa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. p. 78

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visto: assim eram e assim ainda são, todavia. Que fez nosso país ao oferecer-lhes o deslumbramento de sua riqueza? Os tentou (330-31).

3

Os narradores locais, cronistas, jornalistas, literatos e memorialistas são os

donos da palavra, os produtores das imagens de textos que permanecerão como

atributo de verdade de uma época ou lugar. Toda cidade tem os seus porquês, o

urbano requer uma narração.

Uma sociedade pode aceitar os fatores de inovação trazidos pelo estrangeiro,

enriquecer-se com a perspectiva do estranhamento, adotando modos alienígenas,

mas, ainda assim, desconsiderar sua narrativa. Essa narrativa reúne um

questionamento das dificuldades interpostas pela sociedade de recepção. Além

disso, a narrativa do estrangeiro está amarrada noutra historicidade que não

estabelece continuidade nem fusão com a idéia que a sociedade de recepção faz de

si mesma. Os narradores locais estão, geração a geração, tecendo uma narrativa de

imposição simbólica sobre a sociedade de recepção. Para que a narrativa do

estrangeiro aconteça, é preciso esperar que surjam seus próprios narradores. É o

trabalho de reconfiguração, pois sobre a narrativa morta e congelada, sobre o que

se escreveu a respeito de ser estrangeiro, na perspectiva da sociedade de recepção,

ocorre a nova escrita, ou seja, o narrador estrangeiro escreve sobre si mesmo.

Quando se desdobra esta narrativa, nova temporalidade já estabeleceu ao narrador

outra significação para o processo histórico decorrido. É vital que a sociedade mais

ampla abra espaço no centro da teia discursiva, trazendo das margens tais

narrativas.

Moraneses radicados em Porto Alegre, como italianos provenientes do sul da

Itália, não se reconhecem nas práticas sociais nem dos brasileiros, nem dos italianos

3 SCACCIII, Anna; CATARRULLA, Camila; GIOCELLI, Cristina. Cittá reali e immaginarie: del continente americano. Roma: Editrice Internazionale, 1998. p. 577. Cito: “Hablo como argentino de segunda generación y como descendiente cercano de hombres europeus [...]. Para ver com alguna claridad en mi país y en mí mismo fue necesario que yo visitara las tierras de Europa, cuna de nuestros padres, y viese cómo eran aquellos hombres antes de su emigración. Los vi en sus aldeas y terruños, puestos en una vida penosa, y com un sentido heroico de la existencia que los hacía o alegres o resignados en su disciplina, en la fe de su Dios y en la estabilidad de sus costumbres. Los he visto: así eran e así son todavia ? Qué hizo nuestro país al ofrecerle el deslumbramiento de su riqueza? Los há tentado. (330-31)”.

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oriundi das demais regiões. Sua diferença constrói uma narrativa tanto mais

convincente quanto mais galgam posições na sociedade porto-alegrense.

O singular do período compreendido entre 1920 e 1937 é que, recém, saídos

da Europa, imersa na 1ª Guerra Mundial, os imigrantes, como um todo, encontram

na cidade de Porto Alegre o avanço do nacionalismo na cultura e na política

brasileira. Enquanto as elites italianas lutam entre si, entre a busca da solidariedade

ao discurso da italianidade, o fascismo ascende na Itália, bem como há uma reação

liberal e antifascista. No Brasil, os grupos de italianos, em geral, são confrontados

com o discurso e a prática da assimilação cultural de uma brasilidade em

construção, que pode ser regional, como expressão mediatizada pela formação de

cada região, mas, tendo em vista, o pertencimento nacional. A radicalidade do

processo leva os iItalianos, em 1937, a assistirem impotentes a interdição da

expressão pública da língua italiana e seus dialetos, como o moranes, assim como

qualquer outro idioma estrangeiro.

Os jornais trazem a segunda modalidade narrativa importante da presença

italiana em Porto Alegre. No seu limite, permitem ao historiador interpretar a

gramática convencional de qualquer comunicação: o que, o por quê, o como e para

quem desta narração, além de estabelecer quem são os narradores.

As notícias coletadas funcionaram como fios discursivos ligados pela lógica

da pesquisa histórica ao contexto, que trazia sua significância na História. Os

capítulos 4, 5, 6 foram orientados pela pesquisa em jornais. Pequenas histórias

surgem em cada notícia, evidenciando os espaços sociais da cidade,4 com toda sua

parcialidade e riqueza, sugerindo micro-histórias, concepção que notabilizou o

historiador italiano Carlo Ginzburg. Como um romance, as personagens adquirem

vida própria, subjugam a régua do narrador. Mas sob o olhar disciplinador dos

objetivos da pesquisa histórica proposta, passamos adiante, viramos as páginas. E

construímos um olhar da imprensa, no caso o jornal diário do Correio do Povo, da

Companhia Caldas Júnior, sobre a presença italiana em Porto Alegre e da narrativa

desta presença na cidade.

4 Por espaço social entendemos, como Simmel, ações que têm lugar entre homens, ações recíprocas ou como propõe Kant, que dispõem da “possibilidade de convivência”. SIMMEL, Jorge. Sociologia: estudios sobre las formas de socializaciòn. Buenos Aires: Espasa-Calpe, 1939. p. 208.

19

Relativo ao trabalho com os jornais, algumas considerações cabem, no

sentido de balizar a compreensão do texto. Estamos tratando de uma dupla

temporalidade. Tal como ocorre na história oral, onde o testemunho prestado no ato

da entrevista dirige-se a outra temporalidade, o jornal calca nas cores do presente

um texto resignificado. O jornalista também constitui o acontecimento,

reinterpretando fatos, momentos de seu tempo histórico, congelando a escrita.

O “fazer notícia” muitas vezes está tão próximo do artefato literário não sendo

outra a razão porque a crônica no Brasil. “[...] antes foi ‘folhetim’, ou seja, um artigo

de rodapé sobre as questões do dia - políticas, sociais, artísticas, literárias.” 5

A confluência entre a narrativa do historiador, da literatura e do que faz o

jornalismo estão, pois, no caráter subjetivo e ficcional que está sempre presente.

Na aparente objetividade da notícia, há o trabalho textual do jornalista que

seleciona e hierarquiza a partir da sua subjetividade. Reconstrói um passado

projetando na memória futura uma determinada reconfiguração.

Tendo muito presente tais limites, o jornal Correio do Povo, da Companhia

Jornalística Caldas Júnior foi examinado extenuantemente, durante um ano de

trabalho, onde contamos com o auxílio de uma pesquisadora.

Os antecedentes históricos da empresa ligam-se ao processo de trabalho da

imprensa em transição, das bases de um modo de produção artesanal para

industrial. No Rio Grande do Sul, quando começa a circular, em 1º de outubro de

1895, não é mais aquele jornal do século XIX, artesanal, bancado pelo proprietário,

feito para defender idéias conforme Francisco Ricardo de Macedo Rüdiguer.6

No começo do século XX, muda o quadro, muda o jornal que passa a ser

produzido como indústria, dentro das regras de mercado. Requer a importação de

maquinaria, ampliação da tiragem e da veiculação publicitária.

5 CANDIDO, Antonio et al. Vida ao rés-do-chão. In: A crônica: o gênero, sua fixação e suas transformações no Brasil. Campinas, SP: Editora da UNICAMP; Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1992. p. 151. 6 RÜDIGHER, Francisco Ricardo. O panorama da imprensa gaúcha. São Leopoldo, UNISINOS, 17 ago. 2002. (Informação verbal).

20

A tese sobre a narrativa do estrangeiro precipitou incursões interdisciplinares

porque sabemos da fortuidade da história, conforme afirma E. M. Cioran:

Contra o que às grandes filosofias da história tem sustentado, a mais óbvia lição que se pode tirar da leitura de Tucídides, Michelet, Gibbon ou Toynbee é que na História pode ocorrer qualquer coisa e que apenas depois se encontra a explicação que transforma o fortuito em necessário. [grifo do autor].

7

Nossa estratégia, pois, foi evitar o risco da reificação, o imperialismo dos

textos que figuram o estrangeiro em matrizes fixas, portador de uma essência básica

que apenas requer oportunidade de se materializar em algum momento e lugar

qualquer. Manter a lucidez do estranhamento e evitar o discurso pedagógico,

parodiando Simone de Beauvoir, não se nasce estrangeiro, fica-se estrangeiro. A

questão para a contemporaneidade é o que se vai fazer com o estrangeiro que está

diante de nós, esquecendo-nos que todos somos estrangeiros na nossa

interioridade. O novo laço comunitário nas Ciências Humanas, alinha Cioran à

Donna Haraway, porquanto:

[...] um conhecedor científico não procura a posição de identidade com o objeto, mas de objetividade, isto é, de conexão parcial. [...] Instrumentos de visão mediam pontos de vista, não há visão imediata desde os pontos de vista do subjugado. Identidade, incluindo auto-identidade, não produz ciência, posicionamento crítico produz, isto é, objetividade.

8

Quando não se está em busca da verdade absoluta, mas da veracidade, da

plausibilidade histórica, uma posição relativista é bem-vinda, pois permite alternar

posições entre familiariedade e estranhamento.

A história da narrativa do imigrante urbano provém de uma gramática

impessoal, anulatória mesmo, onde poucos escapam do anonimato. O lugar dessa

palavra é perspectivo e encerra nova série de problemas cognitivistas, já apontada

7 CIORAN apud SAVATER, Fernando. Ensayo sobre Cioran. Madri: Espasa Calpe, 1992. p. 119. Cito: “Contra lo que las grandes filosofias da la História han sostenido, la mas obvia lección que puede ascarse de la lectura de Tucidides, Michelet, Gibbon o Toynbee es que la Historia puede pasar qualquier cosa y que solo después se urde la explicación que transforma lo fortuito en necessario”. [grifo do autor]. 8 HARAWAY, Donna. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagú, [s. l. ], n. 5, p. 26-27, 1995.

21

principalmente por Carlo Ginzburg,9 seguindo as lições, em boa medida, ensinadas

pelos formalistas russos. Numa analogia com a arte, o pontilhismo de Seurat,10

revolucionou na pintura a consciência do problema dialético no processo artístico.

Para a resolução do problema foi necessária a transformação radical de seu status

cognitivo, o que significou a adequação às novas necessidades individuais e sociais

a ser estabelecida sílaba por sílaba, imagem por imagem.

Na analogia do campo histórico com o artístico, uma hermenêutica narrativa

sobre o olhar estrangeiro traz outra perspectiva na percepção da cidade. Uma

narrativa que tem sujeito, mas não tem um único e totalizante centro, uma única

língua. O eu oculto da narrativa, nesta visão, não impera sobre os demais

narradores. O centro da narrativa de fundação da cidade de Porto Alegre é forçado a

abrir espaço para a narrativa que, muitas vezes, vem das margens, como a que

ocupa o migrante em geral. A narrativa desaparece por entre outras narrativas.

Torna-se, necessariamente, múltipla e mimetiza o processo urbano, que mais parece

um caleidoscópio, assumindo inusitadas formas.

Chegamos ao ponto: a função da narrativa no meio social é a mesma, da

poética. Haroldo Campos, ao tratar da ansiedade de um poeta sobre o outro, é

definitivo: “a função da grande obra literária não é resolver as angústias, mas dar-

lhes forma”.11

Ao evitarmos a reprodução estanque, ad infinitum, da mesma versão

fundatória da cidade, afastamos o risco de se tomar os mesmos fundadores nos

mesmos lugares, reproduzindo o mito da fundação simbólica, que é pura fabulação,

gênero este, que então adquire valor para a História. Mas não basta simplesmente

adotar uma geometria narrativa que consiste em tomar polaridades narrativas, seja

9 O olhar do estranhamento e do perspectivismo atravessa todo campo artístico. Ginzburg desloca este olhar para o campo histórico. GINZBURG, Carlo. Occhiacci di legno: nove riflessioni sulla distanza. Milano: Feltrinelli, 1998. 10 READ, Herbert. História da pintura moderna. São Paulo: Círculo do Livro, 1974. p. 28. Para o crítico, “o pontilhismo era uma técnica que envolvia a decomposição das cores presentes na natureza em matizes componentes, transferindo estes para a tela em seu estado puro ou primário, como minúsculas. Ao dedicar-se ao exame atento das possibilidades dos efeitos da ótica e cor, mais que mera técnica, Seurat logra o que Paul Valery denominaria de sistema unificado de sensibilidade e atividade humana pinceladas ou pontos, e deixando à retina do espectador a tarefa de reconstituir os matizes ‘numa mistura óptica’ ”. 11 CAMPOS, Haroldo. A Bíblia hebraica é uma partitura. In: SLAVUTZKY, Abraão (Org.). A paixão de ser: depoimentos e ensaios sobre a identidade judaica. Porto Alegre: Artes e ofícios, 1998. p. 45.

22

dos que estão “em cima” ou dos que estão “embaixo”. Tal procedimento é, com

certeza, tão pouco elucidativo do processo histórico quanto a posição que vê

irredutibilidade entre a escala da história da macro e da micro-narrativa.

O problema da pesquisa histórica é que, ela mesma é narrativa. Robert

Moses Pechman diz, estudando a representação literária sobre a cidade no Brasil,

que o romance do urbanismo é invenção da cidade. Rama assinala que o príncípio

da cidade é pensá-la e narrá-la. A narrativa torna-se necessária e nasce como

decorrência da anterioridade da imaginação e da sua posterior realização na

representação sobre a concretude física. A narrativa da cidade compõe, então, o

que se denomina duplo. Em termos objetivos, repõem-se o problema do duplo na

função da arte e do cânone literário na periferia capitalista, enquanto o referente, a

cidade brasileira, historicamente, está se formando.

Para processar a pesquisa, um cuidado: o historiador disputa um lugar

privilegiado com os narradores, dado seu compromisso com a objetividade. Como

pólo principal da história narrativa, exige o relato cronológico (nem sempre lógico)

numa ordem que lhe é interna.

À luz da História, utilizando-se, em muito, da aplicação da história oral,12

pensamos um modo de tratamento das narrativas que teceram o caráter

singularizador do universo lingüístico da personagem do estrangeiro imigrante. Os

fundamentos teórico-metodológicos fogem da concepção de estabelecer a

causalidade entre os dados contidos nos documentos históricos, suas fontes e a

própria historiografia existente. Examinando esses mesmos materiais, do ponto de

vista dos próprios narradores como sujeitos históricos, a ênfase recai sobre a

narrativa, de modo que o pesquisador possa revelar modos de perceber e contar,

mesmo quando subjacentes, indecifráveis, os significados de ser ou ter sido

representado como um estranho na sua contemporaneidade. Ao entendermos que a

composição de tal narrativa expressa sentidos de pertencimento a um lugar, a uma

família e assim por diante, e que movimenta toda a dimensão da necessidade e da 12 Ver sobre a história oral a bibliografia internacional e nacional que já é importante. Para uma revisão crítica do “estado da arte” no Rio Grande do Sul, ver PENNA, Rejane Silva. Fontes orais e historiografia do Rio Grande do Sul: novas perspectivas ou falsos avanços? 2003. Tese (Doutorado)- Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós- Graduação em História, Porto Alegre, 2003.

23

fragilidade da condição humana de reconhecer e ser reconhecido socialmente, é

inevitável o trânsito entre o imaginário, o simbólico e a linguagem, informando,

determinando e ordenando a causalidade pretendida.

Recentes pesquisas no Brasil, como as de Nicolau Sevcenko,13 aproximam

história e narrativa. Segundo o autor, o presente situa-se na intersecção com um

passado, do qual se faz a narrativa e um futuro, no qual esta se engaja, resultando

em uma história não linear.

A condição da alteridade permite tornar menos opaca a instituição da nova

tradição lingüística na experiência urbana, mesmo decorrido mais de um século

dessa transposição. Trabalhamos com possibilidades nas margens. Transitamos,

queremos andar, ser andarilhos porque as novas necessidades requerem esta

atitude. A migração e a série de agudas problemáticas que se colocam para a nova

sociabilidade estendida, globalizada, obrigam à revisão, uma vez que o trabalho

histórico está sempre se refazendo. Pomos em cheque interpretações assentadas

numa historiografia e metodologia que, a seu tempo, foram elucidativas e frutíferas

até certo ponto.

Nesses termos, é impossível pensar a história questionadora do documento,

sem pensar como o giro lingüístico pesou no discurso histórico. Uma hermenêutica

histórica, proposta em reflexões como a de Ricoeur, significa que, esbarrando na

incapacidade de alterar o passado, podemos alterar sua explicação alterando as

interpretações. Para essas leituras, a imprensa é um veículo privilegiado. Não

podemos situar a narrativa dos jornais nos limites do suporte nem no trânsito das

cartas trocadas entre os imigrantes e sua comunidade de origem, lá em Morano, a

qual se faz presente na distância. Ou, na oralidade, na visitação entre amigos e

parentes, trocando informações, elaborando representações. A narrativa aqui é a

narrativa jornalística, e, portanto, de outra significação para os italianos. E como

significou! No período compreendido entre 1920 e 1937 um dos principais modos de

auto-representação da comunidade italiana para a sociedade abrangente, foi a

imprensa escrita.

13 SEVCENKO, Nicolau. Orfeu extático na metrópole: São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

24

Formalmente, a narrativa dos estrangeiros está subdividida em três partes: A

partida, O trânsito no movimento, A chegada. Facilitaria as coisas, haver um antes e

um depois, intercalado por um durante, mas não há linearidade narrativa. Como se

verá, os tempos e os espaços são móveis, tanto quanto o sujeito histórico aqui

apresentado. Nas subdivisões estão distribuídas a história oral realizada com

moraneses e seus descendentes, em número de quatro entrevistas de uma a três

horas de duração, entre sessões gravadas e não gravadas.

Localizamos os temas através das notícias, elas é que direcionaram a

escolha dos fragmentos. Digitados, compuseram o material central das narrativas no

espaço urbano de Porto Alegre. Surpreendemo-nos, tanto quanto durante as

entrevistas, projetou-se uma outra cidade, agora, trazida pela perspectiva dos

estrangeiros. O modo de dispor e interpretar é uma possibilidade de expor com certa

fidedignidade, sem cair na pura empiria e sem engessar a vida narrada pelos que

estão na memória dos narradores.

Na partida da elaboração do design da pesquisa, percalços, alguns

esperados, eis que próprio do métier, o desapontamento, o encolhimento forçado do

campo de pesquisa. Dados, fontes, entrevistas a fazer e uma certeza: a narrativa do

imigrante, por ele mesmo, depende da competência narrativa que é um atributo

lingüístico, mas, e, mais importante, depende do meio sócio-histórico onde se

concretiza.

Tínhamos de buscar nos jornais, na história oral, na historiografia, mas esta

última, como reconfiguração, de pouco valia para a narrativa do imigrante.

Os objetivos iniciais propostos pela tese sobre a narrativa sinalizam para

outras tantas teses. O cerne da proposta mantém-se, qual seja, analisar o processo

que teceu o caráter singularizador da narrativa dos imigrantes.

O período entre 1920-1937 é pouco pesquisado em termos de imigração.

Marcado por uma densa atmosfera política, ainda assim os espaços sociais urbanos

são festivos, mesmo partilhando daquilo que o escritor italiano, Antonio Tabucchi,

denomina como o fio do desassossego na literatura como sismógrafo da época.

1 CAPITULO TEÓRICO - PARA UMA NARRATIVA DA CIDADE

A narrativa é atributo humano, todos têm e precisam contar histórias, os

estrangeiros e os italianos, em geral, e os moraneses, em particular, têm histórias

para contar.

A cidade faz convergir as temporalidades e os grupos humanos que nela

habitam. Já a narrativa que se faz sobre a cidade, dá sentido aos grupos humanos e

suas experiências imediatas desdobradas no cenário urbano. Esta narrativa, no

entanto, para existir necessita que haja um urbano para narrar, isto é, um modo de

vida, de morte, até, que possa ser entendido como próprio do convívio citadino.

Deixada a si, a cidade não tem rosto, é preciso que se desdobre em uma

cidade de carne, onde os homens e mulheres lutam pela sobrevivência, em uma

cidade de pedra, onde na materialidade estejam impregnados os projetos, as

estéticas sensíveis de um tempo, de um lugar, assim como é preciso a cidade do

espírito, onde a sensibilidade alcance uma representação, ou um simulacro, em

termos contemporâneos, onde haja a possibilidade de partilhar um significado tão

desprendido da realidade rasa, que possa propor novos ângulos para repensá-la e

agir sobre ela.

Metaforicamente, podemos fazer alusão a três cidades: a Cidade de Carne,

na qual o homem percebe sua existência física e o espaço onde se situa e produz; a

Cidade de Pedra, na qual há a percepção da matéria e onde se verifica a presença

do homem na cidade através de suas edificações e simbologias e, por fim, a Cidade

do Espírito, na qual se descortina o pensamento do homem, seu intelecto, sua

aprendizagem e o desenvolvimento das habilidades capazes de transmitir o

26

conhecimento, onde situar-se-ia a narrativa. Essas três cidades, com seus códigos e

dispositivos, delineiam o contorno do urbano e motivam as narrativas. Não existe um

urbano idêntico a outro, assim como não existe uma cidade idêntica à outra. Pode

haver uma mesma cidade, porém, sob os usos humanos, as catástrofes naturais,

enfim, toda sorte de fatores que podem incidir sobre ela, mas não será idêntica a ela

própria. E os narradores da cidade sabem disso, tanto que buscam reter ou fixar nas

imagens que configuram, essa anima própria de cada cidade.

Esta anima tem sobrevivido bem aos tempos, inclusive à modernidade. Muitos

temem seu desaparecimento na uniformidade e impessoalidade que vem à reboque.

A modernidade urbana é a síntese de um projeto histórico, onde a presença das

gerações na cidade é negativada. Os anos 20 em diante são os anos da realização

do ideário da modernidade.

Na cidade moderna os homens e mulheres estão reunidos por força do

cálculo pragmático sobre as vantagens do estarem juntos, ou ao menos, próximos

tais como para estabelecer as trocas econômicas e as soluções coletivas para a

reprodução da vida como habitação, saúde e ensino.

Certeau,14 Chartier e Hartog, dentre os mais expressivos historiadores

contemporâneos, têm discutido a ligação entre história e narrativa. A pesquisa

histórica é ela própria uma narrativa. A leitura de Ricoeur no campo da Filosofia da

Linguagem traz para a história um desafio gramatical: o que se entende ao dizer

“eu”, “nós”, “o outro” na narrativa?

Quanto à cidade, sua narrativa é um duplo produzido sobre um objeto que é

da ordem da materialidade do desenvolvimento urbano.

Em termos concretos, ao tempo em que se põe o duplo na função da arte e

do cânone literário na periferia capitalista, o referente, a cidade brasileira,

14 CERTEAU, Michel de. A cultura no plural. Campinas: Papirus, 1995; CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: DIFEL, 1990; HARTOG, François. A arte da narrativa histórica. In: BOUTIER, Jean; JULIA, Dominique (Orgs.). Passados recompostos: campos e canteiros da História. Rio de Janeiro: Ed. da UFRJ, Ed. FGV, 1998.

27

também está em gestação formando. Já mencionamos que Pechman ao examinar

o surgimento da representação literária sobre a cidade no Brasil, situa a ligação do

romance com o urbanismo, sendo que este é invenção da cidade. Estabelece a

equação : para haver urbanismo é preciso, antes, haver a cidade. Rama corrobora,

ao afirmar que o princípio da cidade é pensá-la e narrá-la. A imaginação e sua

representação sobre a materialidade é que gera a necessidade da narrativa.

Por quê é importante que o imigrante possa ler a representação da cidade?

Segundo Ricoeur, a ficção relaciona as distintas temporalidades e suas

instâncias, tais como a tradição, o passado narrado, o futuro. Todas essas

temporalidades sintetizam as ações romanescas que transmitem ao leitor um

discurso epistemológico. Tudo isso aponta para o mundo real que, de outra forma,

não seria alcançável pelos outros gêneros discursivos. A experiência da leitura faz

com que o sujeito entre na literatura, no espaço aberto entre a prática ficcional e o

espaço vivido.

Ricoeur relê a teoria da leitura, de Jauss e de Gadamer, da ação da resposta

que transforma a questão proposta pelo texto. Leitura não é atividade fechada

porque o sujeito está confrontado com o espelho do análogo, porque ele aponta um

mundo referencial (referência metafórica), porque existe nesse confronto com o

espelho do análogo, um espelho correspondente à experiência metafórica. Então, a

prática da leitura se enraiza nas categorias cognitivas do verossímil e do imaginável.

O imaginário trata do possível ao nível cognitivo, onde a leitura não se

desenvolve de modo restrito e desconexo, mas através de duas categorias:

verossímil e imaginável. Apresenta-se, enfim, ao leitor um campo de transição do

homem com o tempo, como apresentação da vida, “ser no tempo”.

Um parênteses: conceitualmente, no plano da narrativa literária, como a parte

mais reconhecida socialmente do universo maior da narrativa, tudo é considerado

narrativa, além da própria historiografia. Mas a narrativa também pode desaparecer.

Quando se considera que, tal como a identidade pessoal, a cidade pode ser igual a

si mesma, sem ser idêntica, o desaparecimento da narrativa em sentido amplo

28

(ditos, provérbios, histórias) põe em risco a própria relação entre as gerações. Das

narrativas entre as gerações, muitas já desapareceram. Outras, se refazem desde

os primeiros viajantes, como no Rio Grande do Sul, passam pelos cronistas, pela

lírica, pela literatura, pelo jornal, pela história oral. A narrativa é responsável pelo

princípio de organização do pensamento, da memória e da linguagem que liga o

sujeito com a sua história.

Que interesse pode haver na pesquisa histórica sobre a narrativa de

imigrantes? A resposta é clara, mas não simples. A narrativa está sempre presente,

porque é história e história é narrativa. Mas afora a literatura sobre viajantes,

propriamente dita, muito pouco já foi narrativizado.

Não ocorre o mesmo com a imigração. Dispensa-se argumentos quanto à sua

legitimidade temática. Ao contrário, precisa-se falar e falar cada vez mais sobre

porquê, como, quando e para onde as pessoas, em números assustadores, partem

para não mais voltarem. Há quem já fale em exodus.

Para os que partem, o deslocamento reproduz a primeira ruptura traumática

do gênero humano, o desligamento filial. Há ressentimentos pela própria memória

social perdida, fraturada.

Para os que são sujeitados a co-habitar com os imigrantes, há

constrangimentos quanto ao espaço vital que os seres humanos, a exemplo dos

animais, tão sequiosamente defendem, para não sucumbir.

Paradoxalmente existe pouco adensamento historiográfico sobre imigração

urbana e talvez a sensibilidade, a perspectiva literária tenha feito mais pela recepção

desta personagem que as ciências humanas. Ter-se-á mesclado o fenômeno urbano

aos ciclos do capitalismo periférico, de tal forma que, ao menos no Brasil, o

estrangeiro viu-se assimilado muito rapidamente a uma história economicista.

Provavelmente, acompanhando a tendência dos diálogos da história com a

sociologia, desde a consolidação da produção universitária no país.

29

A possibilidade da narrativa tornar-se objeto histórico está inserida no

contexto das Ciências Humanas que favorece o reconhecimento de uma nova série

de problemas. A opção por privilegiar as sugestões de Paul Ricoeur15 conduziu a

reflexão sobre a narratividade do estrangeiro em Porto Alegre e se baseou em

algumas soluções de ordem prática quanto ao tratamento com distintos materiais,

tais como a sua definição sobre o parentesco comum entre a historiografia e a

ficção, onde se ressalta que o tempo torna-se tempo humano na medida em que

está articulado de modo narrativo e a narrativa é composta pela experiência

temporal.

Refletindo sobre a extensão desse deslocamento entre os regimes de

temporalidade e de veracidade, conclui-se que a construção do objeto histórico

transita entre o texto narrativo e o simbólico no levantamento das múltiplas

expressões da vida social. Na instituição singularizada do imaginário social de

sujeitos históricos que, em dado processo, buscaram compreender a anima da

cidade, os estrangeiros instituíram sua própria identidade social, como auto-

referência na maneira como os símbolos e os mitos foram incorporados à linguagem.

Buscamos ver outra cidade através do olhar desses estrangeiros. Desconfia-

se até que as cidades deixadas para trás continuam com o mesmo quadro de

referência e enredo da narrativa. Os resultados consideram as narrativas e seus

diversos níveis discursivos como apreendidos e como o processo de entender ou

interpretar, não apenas, o sentido semântico, como também, a intencionalidade

latente dos materiais em circulação, historiográficos ou não.

A interpretação dirige-se ao drama do estrangeiro que, em seu tempo,

elaborou percepções e rupturas na fantasmagoria do abandono de um modo de vida

que lhe conferia significados. Implica perguntas de como o estrangeiro, na tradição

lingüística, edificou e conservou o seu habitar no mundo.

15 RICOEUR, Paul. O si mesmo como um outro. Campinas: Papirus, 1991; ____. Tempo e narrativa. Campinas: Papirus, 1994. v. 1-3.

30

Encontramos aqui o discurso de um texto, a narrativa do estrangeiro. O

enredo, assim como a configuração de acontecimentos narráveis, cabe ao leitor

inferir, como propõe Jonathan Culler.16

Esta narrativa não é literária e nem historiográfica, embora possa deslizar

para tais registros. Ela provém da sensação continuada de ser um estranho na

cidade, com penetração nos espaços urbanos e modos de ser no espaço que

termina por constituir o espaço social. Deste último é que podemos esperar o relato

do convívio social. E, as histórias, surgem por entre espaços partilhados ou

disputados nas trocas de amizade ou conflito, não importa.

A se considerar o impulso humano de ouvir e contar histórias, pode-se falar

em competência narrativa no âmbito da imigração ou emigração, assim como se fala

sobre a competência lingüística requerida?

E, por que esta narrativa que apenas beira o corpus literário que ainda não é

literatura, poderia interessar ao historiador? E, ainda, tratando-se da imigração, não

tem sido tema tratado à exaustão pelas ciências humanas e sociais, dados os

amplos efeitos econômicos, políticos, sociais e culturais que gera?

Interessa porque do seu olhar de estrangeiro ele reúne o que é distinto,

muitas vezes fragmentado, num todo coerente. Integrado ao processo histórico

coletivo sua narrativa recorta o mundo vivido, ainda que representado por toda

coletividade.

Quando narra a si próprio, o estrangeiro deixa transparecer na sua narrativa

toda coletividade, isto é, todos os elementos que de algum modo participaram da

elaboração de sua experiência e de seu tempo. Quando organiza um relato, oral ou

escrito, sua memória seleciona os eventos desde as impressões passadas, até o

presente. Esse processo só cessa quando o estrangeiro consegue conferir um

significado coerente para a totalidade de sua experiência.

16 CULLER, Jonathan. Teoria literária: uma introdução. São Paulo: Beca Produções, 1999.

31

Na adoção do estudo das narrativas, superam-se as noções de aculturação,

assimilação e integração que, tecidas geração após geração, reduzem os estudos

imigratórios a uma mera seqüência. Ao contrário, percebe-se que o estrangeiro ao

contar sua própria história (ou ao narrar a si mesmo) aciona a elaboração de uma

identidade pessoal (que é narrativa) ou de sua identidade de grupo, frente aos

demais, mas nunca de modo linear. A linearidade existe para trazer a história da

comunicação das gerações e os topos para analisar historicamente as estruturas e

os processos sócio-simbólicos implicados. Dentre as atribuições mais importantes da

narrativa do imigrante está evitar o esquecimento. Ao se contrapor ao quadro do

esquecimento, a narrativa constrói uma outra lógica, evitando os mecanismos

sociais de apagamento.

O apagamento é uma ameaça da modernidade. Segundo Pécaut os

intelectuais brasileiros entre os anos de 1925-1940 estavam preocupados em

organizar a nação:

[...] forjar um povo também é traçar uma cultura capaz de assegurar sua unidade. É verdade que nem todos os intelectuais da época partilham das mesmas concepções políticas. Muitos simpatizam com os diversos movimentos autoritários surgidos após 1930, ou mais tarde aderem ao Estado Novo instaurado em 1930. Outros, mantêm-se distantes dessa questão. Em sua grande maioria, contudo, mostram-se de acordo quanto à rejeição da democracia representativa e ao fortalecimento das funções de Estado.

17

O período sinaliza para uma intelligentzia ou camada intelectual de cunho

científico, profissional em gestação. As tarefas requeridas colocam a perspectiva dos

sujeitos individuais em plano secundário. Conhecer as realidades mais profundas da

própria dinâmica capitalista e suas determinações, em última instância, requer uma

lógica do social mais quantificável.

Uma modernidade, na visão do poeta Ronald de Carvalho:

O homem moderno do Brasil deve criar uma literatura própria, evitar toda espécie de preconceitos. Ele tem diante dos olhos um mundo virgem, cheio de promessas excitantes. Organizar este material, dar-lhe estabilidade,

17 PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo: Ática, 1990. p. 15. Ver igualmente WEBER, João Hernesto. A nação e o paraíso: a construção da nacionalidade na historiografia literária brasileira. Florianópolis: UFCS, 1997.

32

reduzí-lo a sua verdadeira expressão humana, deve ser sua preocupação fundamental. Uma arte direta, pura, enraizada profundamente na estrutura nacional, uma arte que fixe todo nosso tumulto em gestação, eis o que deve preocupar o homem moderno do Brasil. Para isso, é mister que ele estude não somente os problemas brasileiros, mas o grande problema americano. O erro primordial das nossas elites, até agora, foi aplicar no Brasil, artificialmente, a lição européia.

18

Na modernidade urbana como a de Porto Alegre não existe uma praça

comum, mas espaços privados mais ou menos exclusivos ou públicos, cuja

freqüentação é sempre seletiva dos que estão no regime da permanência. E

espaços muito transitórios que estão no regime da velocidade como aceleração do

tempo que encurta este mesmo espaço, como os meios de comunicação, como o

telefone, o rádio, o cinema; os meios de transporte, como o avião e os meios de

reprodução das necessidades vitais, como restaurantes, hotéis e certas modalidades

de lazer representadas pelo tiro, hipódromo, remo, ciclismo.

Este estar junto da modernidade não significa nem solidariedade, nem

amizade. Apenas convívio dadas às circunstâncias, pois a subjetividade moderna é

pouco gregária e muito individualista. A noção de comunidade não tem sentido na

cidade moderna, apenas é uma construção simbólica desejada por alguns e sobre a

qual se tenta convencer os demais. O estrangeiro está mais perto da noção de

moderno, pois realiza em si os atributos da ausência de pertencimento, enquanto é o

melhor adaptado para estimular as trocas na cidade. É o agente da inovação, o

oxigênio da voracidade urbana moderna. Os que estão na cidade, são os

sedentários representantes da reprodução continuada, sem novidades.

Todos esses fatores atuam na moderna cidade de Porto Alegre de 1920 e

1937. Como convivem seus habitantes, na aceleração do tempo, é uma inquirição

justa. Vivem em sociedade, desde que se abandone a idéia de ágora como lugar da

civilidade.

A vida não conhecida na cidade de Porto Alegre é trazida pela narrativa, na

recomposição permanente da memória coletiva, ou perto dessa noção. Mas essa

memória é da ordem do contraditório da cidade. Como a alteridade, não se pode ver

18 BRASIL, Assis. Teoria e prática da crítica literária. Rio de Janeiro: TOPBOOKS, 1995. p. 34.

33

na narrativa do estrangeiro uma história narrativa linear. Ao contrário, desde o início

do século XIX a segmentação existe, a hierarquização social imprimiu no espaço

urbano uma fisionomia heterogênea, comporta espaços mais ou menos seletos ou

deixados no mais completo abandono.

O estrangeiro narra sua experiência diante dos modos de viver, trabalhar,

adoecer e morrer na cidade que é mais conhecida por sua economia ou política,

dada a exigüidade dos estudos sobre imigrações urbanas. As narrativas transpõem

muitas lacunas, principalmente na história oral. Pode-se acompanhar, na distância

do tempo decorrido, mais de um século dessa transposição, a interpretação, as

correspondências e analogias entre traços e atributos que distinguem e

individualizam a coletividade, na cidade de Porto Alegre.

Mas, tais olhares não são muito presentes. Antes de mais nada, os

componentes da narrativa são da ordem da temporalidade, são voláteis, dependem

da carga de subjetividade do narrador que se dirige para um expectador, leitor ou

ouvinte sempre presente e mudo. Mas não havia condições históricas para tanto.

O estrangeiro, testemunha e sujeito no processo, gera práticas sociais que

não são adaptações do meio rural. Ao contrário, são até seu contraponto. Não foram

narradas aparentemente porque essa narrativa assombrada foi subsumida sob as

forças da coesão social e identitária, num termo um tanto ambíguo, como o da

cultura urbana.

Para reter tal narrativa a estratégia da pesquisa consistiu em partir da noção

de que o significado não é apenas alguma coisa expressa ou refletida na linguagem,

e sim produzido por ela, o que já se sabia desde a revolução lingüística de Saussure

a Wittgenstein e, que tem em Ricoeur uma elaboração original e, segundo nossa

proposta, operativa. Ao desenvolver seu programa de pesquisa, acentua querer

trabalhar a linguagem como discurso. O desdobramento dessa problemática coloca

ao pesquisador de imediato a pergunta que Ricoeur tenta responder: quem é o

narrador? O que se entende ao dizer “eu”, “nós”, “o outro” na narrativa?

34

A hermenêutica contemporânea aponta alguns deslizamentos da história para

com as questões antes adstritas ao terreno da teoria literária. Quanto muito, vale

reter a importância para o pesquisador, do procedimento para a problematização e a

distinção entre a narrativa histórica, a ficcional e o Tempo; de como refletir a

relevância da implicação do leitor frente ao texto, quer se trate do texto

historiográfico e/ou literário; de como considerar o círculo hermenêutico implicado.

Ainda, a título de demarcação no campo das possibilidades, as noções de

identidade narrativa, de identidade simbólica e os nexos com o texto-narração que

propõe, no seu firme compromisso com o humano, é outra tradução da prática

historiográfica. É outra causalidade, porque na organização que estabelece o

trabalho de composição narrativa combinada com a tarefa de relacionar o tempo da

narrativa, com a vida e com a ação afetiva, o pesquisador escapa da armadilha

cronológica linear, uma vez que é o relato que ordena.

Segundo Ricoeur, o texto-narração leva ao reconhecimento da identidade

narrativa que, por sua vez, responde a pergunta: quem sou eu? É onde a cultura e a

história se interpõem. As junções entre essas noções e o discurso vão se referir ao

modo como o estudo das narrativas é tomado como texto e paradigma textual, i. e. ,

sempre mediado pela identidade narrativa, mesmo entendendo o limite dado como

necessário, o de que o texto seja identificável com a escrita. Então, o fundamento do

texto deve ser procurado naquilo que se denomina discurso, uma vez que neste está

presente a dialética do distanciamento e da pertença.

Cabe, ao historiador, decodificar a narrativa efetuando a distinção entre

compreender e explicar. A explicação decorre da análise estrutural de um texto,

através da qual o mesmo adquire um sentido, uma estrutura. Já a compreensão

pressupõe um sujeito que se apropria do texto e o traduz, conferindo-lhe uma

significação.

O historiador é sempre o mediador, o hermeneuta, portanto, escolher o

documento tem a ver com a fenomenologia do tempo como processo de

transformação da vivência do indivíduo, seja em narrativa ou outra espécie de dado

histórico.

35

A narrativa é a única capaz de reter o tempo vivido, a possibilidade do

estrangeiro vir a se constituir como autor nesse novo mundo social. É quando

poderá abrir-se para seus leitores que, assim, podem reconstruir sua vida vivido

através da narração. E, então, está completo o círculo hermenêutico.

Para processar a pesquisa, um cuidado: o historiador disputa um lugar

privilegiado com os narradores, dado seu compromisso com a objetividade. Como

pólo principal da história narrativa, o historiador exige o relato cronológico (nem

sempre lógico) numa ordem que lhe é interna.

O narrador confere sentido à narrativa, cabendo ao historiador buscar a

identidade desta em relação à história, à análise, à descrição do corpo do texto e ao

significado simbólico que o narrador atribuiu ao seu relato. Atuou-se na tese como a

sede da narrativa reflexiva, o intérprete, por excelência, do significado e da

diferença, o sujeito mesmo da hermenêutica realizada.

São narradores, aqueles que partem do tipo de olhar do viajante perceptivo,

atento, não relaxado pelo hábito da paisagem e não envolvido nas sociabilidades

cotidianas, o olhar estrangeiro por definição, contemplado pela narrativa ou crônica

dos viajantes.

O olhar do narrador nativo diferencia-se do olhar do viajante, porque está

eivado pelo compromisso do registro da escrita da história de sua vila ou de sua

cidade. Aqui não há muito espaço para o estranhamento, mas, porque precisa

lembrar para não esquecer, afirmar uma memória para a cidade. A postura polifônica

respeita a multiplicidade dos narradores. Entre os sujeitos e suas narrativas produz-

se a intersecção que leva à narrativa do estrangeiro.

A importante noção de identidade narrativa também permite implicar tempo

histórico, que está no modo do relato com o público ao qual se dirige e é parte

constituinte de qualquer relato. A noção do papel identificante da narrativa vale,

tanto para uma comunidade, quanto para um indivíduo. O sujeito retifica e ordena as

histórias que narra sobre si até que, nelas se reconheça.

36

O acontecimento, o indivíduo, o fato retornam à história, mas retornam de

outro modo. Aqui, uma digressão epistemológica.

Tomando como objeto o tempo, Ricoeur tenta e consegue desestabilizar o

campo epistemológico porque tem como resultado colocar em questão os discursos.

Obriga as Ciências Humanas a se abrirem para um campo perigoso, o das

expressões da linguagem não filosóficas (sem as regras canônicas do discurso da

filosofia que se desenvolve na linguagem) que são utilizadas mas não dominam o

standard, como na filosofia analítica.19

A partir dos anos 70, com o conceito de tempo como eixo de seu

pensamento, as Ciências Humanas se aproximam do campo das expressões

ficcionais. A possibilidade de contradição no discurso dessas ciências tem como

interrogante um discurso temporal. Seu trabalho está negando, completamente, o

aspecto mais fundamental de seu objeto temporal para construir um objeto científico.

As Ciências Sociais, enfatizando o discurso histórico, associado ao problema

das determinações e da liberdade remetem à Sartre e à liberdade aqui elaborada,

não como existência determinada, como finalidade do ser humano, mas como uma

dedução ou determinação a priori no tempo, ser no tempo. O que implica na

mediação simbólica que permite através da confrontação do análogo da vida, ser e

produzir, exercendo a liberdade.

Não é o caso de proceder a um balanço sobre “o retorno da narrativa”, na

polêmica entre Stone e Hobsbawm,20 mas sim como a narrativa, considerada em si

mesma, é um problema desafiante para o historiador.21

19 BRUM, Rosemary Fritsch. Pressupostos teórico-metodológicos da história oral: primeiras aproximações entre Paul Ricoeur e a problemática da narrativa. São Leopoldo, UNISINOS, 1999. (Informação verbal). 20 STONE, Lawrence. El resurgimiento de la história narrativa: reflexiones acerca de una nueva e vieja história, el pasado y el presente. México: Fondo de Cultura Economica, 1986; HOBSBAWM, Eric. El renascimento de la história narrativa: algunos comentários. Histórias, México, n. 14, jul. /set. 1986. 21 BURKE, Peter. (Org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo. UNESP, 1992; ______; PORTER, Roy (Orgs.). Linguagem, indivíduo e sociedade: história social da linguagem. São Paulo: UNESP, 1992; VEYNE, Paul. Como se escribe la história: Foucault revoluciona la história, Madrid, Alianza Editorial, 1984. p. 20-32; WHITE, Hyden. Meta-história: a imaginação histórica do século XIX. São Paulo: EDUSP, 1992. (Coleção Ponta, v. 4).

37

Sobre esta questão, Cláudio Pereira Elmir22 traz uma reflexão importante

sobre a controvérsia narrativa. Da última década, até agora, a Filosofia Analítica da

Linguagem e a hermenêutica-fenomenológica, dentre outras “visitações”, adensa o

debate historiográfico que afirma que “história é narrativa”. Propostas não faltam,

haja vista a proliferação de biografias memoráveis, mais ou menos de cunho

jornalístico, a inquestionável importância da história oral, acompanhada,

invariavelmente, das discussões em torno de seu estatuto epistemológico, ou

mesmo, as propostas do “fim da história” através da diluição das fronteiras entre a

ficção (a incorporação da teoria literária) e a escrita da história. Continuamente,

estão sendo sugeridas novas revisitações às possibilidades teórico-metodológicas,

quando não, rupturas epistemológicas diante dos assentados campos disciplinares.

Um problema como da ordem da narrativa de migrantes sobre sua

constituição como estrangeiro, até de si, como diz Artaud, é tema árido na

historiografia, onde é preciso apresentar documentos e fundo de veracidade para a

escrita.

A história urbana e o encontro do migrante com a cidade moderna precisou

aguardar a superação da predominância da dialética materialista, do peso das fontes

quantificáveis no período. Ao lado de uma mudança paradigmática no uso do jornal,

as cartas, a história oral, a biografia são, hoje, documentos legítimos para justificar

igualmente o retorno da narrativa.23

Trabalhamos com possibilidades, nas margens. Transitamos, queremos

andar, ser andarilhos porque as novas necessidades requerem esta atitude. A

migração e a série de agudas problemáticas que se colocam para a nova

sociabilidade estendida, globalizada, obrigam à revisão, uma vez que o trabalho

histórico está sempre se refazendo.

Nesses termos, é impossível pensar a história questionadora do documento,

sem pensar como a virada lingüística pesou no discurso histórico. Uma

22 ELMIR. Cláudio Pereira. A história devorada: no rastro do crime do arvoredo. 2002. Tese (Doutorado)- Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2002. Ver principalmente A controvérsia narrativa p. 31-62. 23 REVISTA BRASILEIRA DE HISTÓRIA. Biografias. São Paulo: ANPUH/EdUnijuí, v. 17, n. 33, 1997.

38

hermenêutica histórica como propõe Ricoeur significa que, esbarrando na

incapacidade de alterar o passado, podemos alterar sua explicação alterando sua

interpretação.

A dimensão mimética significa que o caráter inter-pessoal está dado na

relação do sujeito ou de seu grupo com outros. Ao buscar a narrativa de um sujeito

histórico, encontramos a reinterpretação do vivido. Essa reinterpretação organiza a

pesquisa histórica quando busca quem são os outros e onde a história do sujeito

está incluída. Para tal, o pesquisador necessita contextualizar as ações e as

situações através das quais o sujeito que narra quer concretizar a identificação de si

e dos seus, frente aos demais.

A respeito da questão da verdade em história, salienta-se que a verdade dos

fatos é o tema dos documentos. O “rastro” seria a posição do documento: está lá, é

verdadeiro como documento. Agora, qual é a verdade que esse documento traz para

o historiador? A possibilidade de conhecer a verdade é integrar o passado do

homem ao seu presente e a seu futuro, propiciando, assim, sua reconstrução.

Retomando uma das contribuições de Ricoeur, a verdade está lá, na

articulação de três tempos onde o documento vira “rastro” via sua capacidade de

testemunho do documento. Agora, como descrevê-lo? Tem-se o rastro, o indício, a

relação de causalidade. Mas como está integrado pela mimese, existe um

testemunho de que essa verdade já foi. O sujeito historiador é sempre mediado,

portanto, escolher os documentos tem a ver com a fenomenologia do tempo

reformulada pela teoria do análogo, como processo de transformação do sujeito

vivido.

Mas, o que necessita o pesquisador em História, no trabalho com as fontes,

em especial, a entrevista em história oral que é vista como uma narrativa que produz

um tipo especial de texto ou discurso? O pesquisador necessita usufruir da abertura

e criar atalhos metodológicos, tal como o jornal. Mas os documentos orais são os

mais complexos, pois exigem mediar a narrativa com o critério da veracidade.

39

A história oral presta sua validade, quando o objetivo da reconstituição

histórica é a produção da narrativa de imigrantes no espaço social de Porto Alegre.

Ainda que traga a dialogicidade do duo, entrevistado e entrevistador, colocando

frente a frente as subjetividades envolvidas, impondo-se o selo, o filtro da

interpretação do historiador, ainda assim, o texto resultante será material vivo e

aberto a novas interpretações.

Isso é, uma narrativa resultante da entrevista em história oral, é história que

pode ser contestada, emendada, acrescida, suprimida. É um texto sobre o qual

temos outras vantagens: no ato da sua produção, ele presentifica o objeto histórico,

atualizando o presente, contando o passado e se projetando no futuro, sob a

perspectiva do entrevistado.

O sujeito, ao narrar, é o protagonista histórico, senhor de seu destino e, ao

mesmo tempo, colhido pelas circunstâncias. Mas a versatilidade humana, sua

autonomia está sempre latente em tais narrativas. Se são fragmentos, o critério de

entendimento haverá de ser a coerência segundo as pessoas entrevistas, permitindo

que se publique o roteiro de suas vidas para melhor entender o processo histórico.

Não cabe, pois, ao historiador buscar a coerência do texto de entrevista, como se

buscaria em outros tipos de documentos.

Na história oral, a narrativa se faz às custas da memória emprestada dos

descendentes. Ao cruzar sua história com as histórias dos outros, uma memória

social é posta em destaque. Imigrantes estão sempre a falar no nós, embora o eu

esteja em primeiro plano, e o destino dos demais seja a sua referência.

O resultado é, que, a narrativa final é única de quem narra. Neste momento

podemos dizer que as entrevistas realizadas teceram a trama discursiva, onde cada

entrevista é paradigma desses anos. É possível inferir e usar da imaginação porque

se pode justapor esta narração ao contexto histórico mais amplo. Ou seja, buscar os

pontos de contato entre a escala da vida que pulsa nas narrativas, justapondo-as

sobre a sucessão dos eventos que constituem a historicidade.

40

Quem recolhe relatos, recolhe a reconfiguração de uma narrativa que se faz

em três tempos. Se aqui estão em ordem quase linear, não foi assim que narraram,

pelo simples fato que os moraneses estão continuamente subvertendo o tempo e o

espaço da narrativa tradicional: se tomarmos o romance tradicional como modelo de

narratividade, com início, meio e fim, sua narrativa transpõe sua existência social em

Porto Alegre. Estão mais para uma pós-modernidade narrativa.

O pesquisador–narrador toma liberdades. Costura como quer, à medida que

lhe vem à consciência os nexos entre seus propósitos de pesquisa histórica e o que

os documentos orais ou não resolvem lhe dar. O eu-reflexivo, por sua vez, edita em

corpus conexos, conforme a proposta da tríplice estrutura que adotamos como

chave da organização e demonstração da Tese. Tem liberdade de intervir na fala e

congelá-la na escrita. Não pretende, no caso da história oral, interpretar para além

do significado que o narrador estrangeiro emigrante deixou transparecer na fala. Ao

longo do trabalho não buscamos nem denunciar uma falsa-consciência, nem

totalizar uma fala onde outras possibilidades históricas não estivessem colocadas

para os narradores.

O caráter, simultaneamente, massificador e fragmentador em alguns

períodos, é superado por outros, quando a noção de uma persistente narrativa é

armazenada na memória social. Seria improvável reter tais registros, a não ser pelo

texto narrativo.

As limitações no entendimento dos textos (escritos ou não), diminuem a

expectativa da comunicação entre a fonte oral e os distintos graus de interação do

pesquisador com tais fontes desde os arquivos existentes. Ainda que se queira

introduzir na pesquisa histórica, a dialogicidade com a pessoa-fonte, o estrangeiro

revela que antes da escuta de nós mesmos, deve-se atentar para a escuta dos

imigrantes de segunda, que são raros, e, de terceira geração, cuja comunicação é

turvada pelo pensar em outra língua, pois o que se diz, escreve ou lê na língua do

país de adoção, foi antes pensado na língua do país de origem. Pode-se falar de

uma língua de casa, dos avós, dos pais, dos filhos e até de uma língua da vida

pública.

41

Fontes orais foram buscadas enquanto os rastros do “ouvir dizer”, ditos pela

coletivamente, torna-se cativo de um modo de dizer, que pode se notabilizar porque

revela um mito constituído pela linguagem. Se o tempo é narrado, o tempo é

narrativa, como disse Ricoeur. A narrativa realizada pelo migrante, não só da história

por ele vivenciada, mas também daquilo que ele tomou conhecimento através das

gerações passadas, quando transformada em símbolo reflete uma filosofia de

linguagem, na qual são utilizados os critérios de veracidade, fidedignidade,

interpretação e compreensão.

A narrativa do migrante é capaz de emprestar um novo sentido à pesquisa

histórica, na medida em que os historiadores a utilizem, submetendo-a aos critérios

por eles adotados.

Mas tais relatos não se apresentam de imediato: a historiografia e a literatura

obscurecem a presença do estrangeiro na cidade quanto à elaboração de uma

narrativa própria. Paradoxalmente, a crescente importância econômica do

estrangeiro, desde o final do século XIX não consegue preencher as lacunas na sua

representação.

Transitar em documentos escritos, como os jornais, requer a consideração de

que uma semântica está presente, assim como uma narrativa.

O jornal faz parte da reunião de distintos textos que expressam “momentos”

da ambição de adentrar na atmosfera do discurso produzido na sociedade, no caso,

a cidade pelo olhar do estranho, o estrangeiro imigrante. O trabalho do historiador

contemporâneo com o jornal, quando visa entendê-lo como narrativa, aproxima o

literário do jornalístico. Tomar pela sua narratividade, sua intertextualidade, ou pela

sua recepção, são posturas decorrentes da conversão do paradigma estruturalista

na oficina da história dos anos 30 no Brasil.

A veracidade dos fatos, afirmada pela constituição do discurso da “imprensa

empresa”, é recente. Passado o período romântico, a profissionalização da atividade

de jornalista erige a ética da neutralidade, um pouco da influência positivista do

início do século XX, com certeza.

42

O “jornal empresa” acompanha as grandes transformações políticas neste

período. Desencadeia-se uma institucionalização dos saberes, a busca da

modernização no sistema educacional, bem como a ampliação de leitores.

Como corpus traduzem a noção de um o período que Nicolau Sevcenko24

metaforiza como montanha russa, ou seja, um período no qual o otimismo e a

confiança no progresso antecede a Grande Guerra com sua carga de apreensões

sobre o futuro da humanidade.

A confluência entre a narrativa do historiador, do escritor e do jornalista está

no caráter subjetivo e ficcional que está sempre presente. Fica claro que na aparente

objetividade da notícia, há o trabalho textual do jornalista que seleciona, hierarquiza

a partir da sua subjetividade. Reconstrói um passado projetando na memória do

futuro, uma determinada reconfiguração.

É preciso olhar a cidade dos anos 20 como um projeto de construção sempre

inacabado, sempre em fluidez: o que não existe ainda, na materialidade, já torna

obsoleto o que aí está. Como Prometeu, condenado ao martírio eterno da

dilaceração das suas carnes, a cidade moderna está condenada à voracidade da

velocidade de sua transformação.

24 SEVCENKO, Nicolau; SOUZA, Laura de Mello (Coord.); SCWARCZ, Lilia Moritz (Coord.). A corrida para o século XXI: no loop da montanha-russa. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. (Virando séculos, 7).

2 PARTIR

Itália bella mostrati gentile e i figli tuoi non li abbandonare, sennò ne vanno tutti in Brasile, non si recordan più di ritornare. Anco quà ci sarebbe da lavorar senza sta’ in America a migrar.

Il secolo presente qui ci lascia, il millenovecento s’avvicina. La fame ci han dipinta sulla faccia e per guarirla un c’é la medicina. Ogni po’ noi si sente dire: io vo là dov’è la raccolta del caffè.

Non ci rimane più che preti e frati, moniche di convento e cappuccini, e certi commercianti disperati di tasse non conoscono i confini. Verrà un di che anche loro dovran partir Là dov’è la raccolta del caffè.

L`operaio un lavora, c´è la fame che lo divora. e quei braccianti un sanno come si fare a andare avanti

Speremo ni` milenoveccento, finirà questo tormento. Ma questo è `iguaio: í peggio tocca sempre all`operaio.

Com questi scolgi ci hanno votato tutt`i portafogli (Les chants des émigrants italiens)25

25 BELA ITÁLIA, SÊ GENTIL. Trata-se de uma canção polêmica recolhida em Porciano, Município de Stia, Província de Arezzo, onde a emigração para as Américas foi muito importante no final do século XIX e no início do século XX. Por dedução, a canção pode ser datada no ano 1899. O texto que apresentamos corresponde à versão dada por Caterina Bueno na apresentação popular Ci ragiono e canto (material original coordenado por Cesare Bermani e Franco Coggiola, direção de Dario Fo), gravado como parte integrante da coleção Dischi del Sole. Cito: Bela Itália, sê gentil/1. Bela Itália, sê gentil/e não abandones os filhos teus/senão vão todos para o Brasil/e não voltam mais. /Aqui deveria haver trabalho sem que se precisasse emigrar para a América. 2. Este século está nos deixando/e o mil e novecentos se aproxima. /A fome temos estampada no rosto/e para curá-la não há remédio. /Em toda parte ouve-se dizer: eu vou/para lá onde se faz a colheita do café. /3. Aqui não restam mais que padres e frades, freiras de convento e capuchinhos, e alguns comerciantes desesperados/que pagam impostos sem fim. /Virá o dia em que também eles deverão partir/para lá onde se faz a colheita do café. /4. O operário não trabalha/a fome o devora/E aqueles Braccianti/Não sabem como fazer para ir em frente. /5. Tenhamos esperança no mil e novecentos/acabará o nosso tormento. Mas este é o problema, o pior cabe sempre ao operário. /6. Com estes obstáculos/esvaziaram nossa carteira.

44

PARTIR: partida, ato de partir, saída, correr as sete partes do mundo, viajar

pelo mundo todo. Sinonímia de morte, chegar ao fim de uma trajetória, de um

percurso; acabar, finalizar. E de súcia, assembléia, sociedade, convívio familiar.

Como pode tratar-se de reunião de indivíduos de má índole. Suciar é vadiar, divertir-

se, entre outros termos. Na etmologia latina, partir é dividir, distribuir; a acepção da

palavra, meter-se em movimento e suas afins derivam da noção de separação

contida na acepção da palavra partir, quebrar, dividir em partes e provavelmente se

trata do fracionamento de partir deixar um lugar.26

2.1 A partida da Itália nos anos de 1920 a 1937

Para Federico Chabod, a guerra de 1914 coloca em relevo a política

econômica e fiscal do governo que afetou a estrutura social do povo italiano. A Itália,

recém saída do processo de unificação para a formação do estado nacional com a

constituição do reino da Itália de 1861, submeteu-se a uma grande prova militar, ao

contrário da Inglaterra e da França que já contavam com uma secular tradição

nacional militar.27

A guerra lança seus 36 milhões de habitantes em um empreendimento que

arruína financeiramente a economia italiana.

A situação anterior à guerra já era preocupante: o país consumia mais do que

produzia tanto que, “entre 1909 e 1913, a média do excedente de importação sobre

a exportação é de um milhão e 1250 milhões. Sobre um volume total de comércio

internacional de cerca de 5 milhares e meio, a Itália tem um déficit de um milhar e

um quarto”.28

Nesses anos a emigração é calculada em torno de 873. 000 partidas anuais

sendo, em média, de 650. 000 ao ano no período entre 1909-1913. Os emigrantes

26 DICIONÁRIO Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. verbete partida, p. 2139, verbete partir p. 2140; verbete súcia p. 2631. 27CHABOD, Federico l. L´Italia contemporânea. (1918-1948). Turino: Eunadi, 1961. (Piccola Biblioteca Einaudi, II). p. 28. O que segue está no capítulo segundo: Consequências econômicas e sociais da guerra, p. 26-40. 28 Ibid., p. 27-28.

45

que conseguem economizar, enviam para as famílias, na Itália, suas economias.

Outra forma de fazer frente ao déficit é o turismo.

Setores do governo acreditavam que a empresa da guerra seria breve. Não o

foi. A necessidade do governo em levantar mais empréstimos, representou mais

impostos lançados sobre os contribuintes. A pequena e média burguesia,

profissionais liberais, quadros do comércio e da indústria, pequenos proprietários,

até o momento, a base de apoio político do Estado, sofrem perdas irrecuperáveis.

Outro setor a ser atingido é o imobiliário uma vez que o governo para resguardar

parte das perdas da população, bloqueia os aluguéis de bens fundiários e imóveis,

sem que a despesa cesse de aumentar.

Noutro extremo, setores econômicos e grupos sociais ligados à indústria e ao

comércio vão beneficiar-se e fazer fortunas.

No pós-guerra a expectativa frusta os que esperavam a recuperação da

economia. Com o fim da guerra, retira-se o controle do câmbio e a conseqüência é a

queda da lira e o aumento do custo de vida para o país que é importador de grãos,

carvão e petróleo.

Os jovens burgueses que fizeram a guerra engrossam as fileiras das demais

camadas sociais que sofrem a crise financeira. Os dados de distribuição da

ocupação da população em 1914 ainda são de Chabod: empregados na indústria,

28%, no comércio, 8% e na agricultura, os restantes, 55% da população, com,

aproximadamente, 5 milhões de proprietários. Ou seja, o caráter agrícola da

estrutura econômica italiana permanece, apesar do surto industrial ocorrido desde a

unificação do reino da Itália. Tal estrutura, como no período das grandes emigrações

em massa do século anterior, será responsável pela continuidade da emigração.

As causas da emigração no período são, além da guerra, conseqüência do

incorreto manejo das águas, dado o desmatamento descontrolado, principalmente

na Itália central e meridional e, até, nos Alpes ocidentais. O que torna os terrenos

que podem ser convertidos para a agricultura ainda mais exíguos, pois apenas 20%

destes representam terra fértil, sendo os demais, colinas e montanhas. A baixa

46

fertilidade das terras é herança de séculos de uso continuado. Há exceções, como o

vale Padano, o entorno de Nápoles, vales existentes ao longo dos rios da Itália

meridional, a planície de Palermo e a planície de Catania.29

Agrava-se o quadro, mais ainda, com a estrutura da propriedade

predominantemente organizada a partir dos latifúndios, aproximadamente, entre os 5

milhões de proprietários, sendo que nove em cada dez não detém um só hectare. O

arrendamento ou o trabalho, para o grande proprietário rural, tem sido a válvula de

descompressâo social. Eis a origem do braccianti, trabalhador volante proveniente,

sobretudo, da planície padana, nas regiões de Bologna, Ferrara, Cremona, Mantova

e no Piemonte, nas províncias de Vercelli e de Novara, regiões de cultura intensiva.

Mas ao se empregarem com os grandes proprietários rurais, em momentos de crise

agrícola ou de preço, ou ambas, o que ocorre é o rebaixamento do preço do trabalho

dos camponeses.

Quando termina a guerra, os soldados camponeses retornam, acentuando o

problema da desocupação: “Que coisa dar a estes ex-combatentes, uma vez finda a

Guerra?” 30

O quadro político agrava-se em julho-agosto de 1919, quando ocorre a

ocupação de terreno no entorno da capital, pela massa de camponeses. A descrição

sublinha “a bandeira Rossa na cabeça, ao som de uma marcha”. A Calábria e o Vale

Padano, em outubro, também são convulsionados pelos camponeses da liga Rossa,

socialista, vinculados à Confederação Geral do Trabalho, assim como os ligados ao

denominado “bolchevismo branco” e os católicos, cujo líder é o deputado Miglioli. Os

projetos políticos entre católicos e socialistas não coincidem, mesmo assim, eles

operam unidos nas ocupações. Em novembro, as ocupações se estendem para

áreas férteis de Cremona e Soresina com a palavra de ordem: “gestão direta da terra

por parte dos cultivadores, por meio de uma empresa coletiva”.31

Os efeitos do pós-guerra para os operários industriais serão diversos, ao sul,

onde ainda predomina o artesanato e, ao norte, estão a Fiat, a Ansaldo e outras

29 CHABOD, 1961, p. 33. 30 Ibid., p. 34. 31 Ibid., p. 35.

47

indústrias, localizadas no chamado “triângulo“ do desenvolvimento industrial, Turim,

Genova e Milão.32

Por sua vez, entre os socialistas italianos, o jornal Ordine Nuovo, de Antonio

Gramsci questiona as lideranças mais antigas do partido socialista. Ao propor que a

elite operária rediscuta as relações com a Rússia de Lenin, sugere que a luta seja

focada em torno da organização dos conselhos operários para a abolição do

capitalismo.

E são expressivos os socialistas ligados aos setores da indústria moderna

pois são majoritários na “Confederação Geral do Trabalho” que conta, em 1920, com

2 150 000 aderentes: um terço constituído por camponeses e o restante,

essencialmente, composto pela massa operária.33

Enfim, o quadro político da Itália pós-guerra está dividido entre pátria e classe,

de um lado, os socialistas, os operários e camponeses católicos defendendo a

internacionalização das lutas. De outro lado, os combatentes de guerra conferindo

centralidade às lutas em torno da noção de pátria, muito em função das questões

com o Adriático.34

Ercole Sori afirma:

[...] ao final do segundo semestre de 1914, a primeira guerra imperialista mundial coloca uma grande pedra na máquina emigratória italiana: ainda que por um fato excepcional, à época, o mercado internacional de trabalho livre encontrava o primeiro momento de fechamento. [...] Os repatriamentos nos países europeus em guerra, foram efetuados em circunstâncias dramáticas. Os trabalhadores perderam o salário trabalhado e a mobília da casa onde habitavam e encontram na Itália uma situação econômica difícil: dos 280, 000 repatriados, entre 15 de agosto e 1 de outubro 1914, uns 60%, não encontram ocupação.

35

32 CHABOD, 1961, p. 36. 33 Ibid., p. 37. 34 Ibid., p. 38. 35 SORI, Ercole. L´Emigrazione Italiana dall´unità alla seconda guerra mondiale. Bologna: Il Mulino, 1979. p. 401. O que segue está no capítulo décimo: A emigração ao exterior no período entre as duas guerras, p. 401-440.

48

Os mais prejudicados são os operários das regiões do Norte e do Centro, até,

por serem a maioria numérica da emigração nos países europeus, mais ainda que

os trabalhadores agrícolas. A situação pesa sobre o governo italiano. A “função” de

válvula de escape que a emigração representa para a Itália é contestada

internamente também. Os socialistas vêem a emigração como técnica de

descompressão da política italiana e a combatem vigorosamenre sob a liderança de

Coletti em 1925.36

Em 1927, “o regime fascista e corporativo, pela primeira vez e,

voluntariamente, passou a proibir a imigração”.37

A saída é voltar-se para o interior, tentar a colonização interna nas áreas

politicamente mais ameaçadoras. Sori cita Campese quando este autor afirma que

no Mezzorgiorno não havia desocupação, enquanto no Norte, sim.38

A aventura da colonização na Líbia integra a reversão da política emigratória

no período.

Após a contenção da imigração advém a crise mundial de 1930. A visão

socialista de Gramsci, descreve-a, como pensada a partir da existência de uma

reserva nacional de mão de obra em maior quantidade do que aquela que o meio

industrial poderia absorver. O desemprego e a conseqüente pressão no governo de

Mussolini, faz com que se amplie a liberação de passaportes nas áreas sociais mais

agitadas politicamente, como a Ligúria, o Piemonte e algumas províncias da Itália

Central.

Na verdade, para os historiadores italianos, como Sori, esta outorga de

passaportes marcava seu portador com o selo da oposição ao regime. O que impede

nos anos 20, “depois do ascenso do fascismo, separar a motivação econômica

daquela política [...]”.39

36 SORI, 1979, p. 406. 37 Ibid., p. 431. 38 Ibid., p. 433. 39 Ibid., p. 436.

49

Esta medida, com ”alguma probabilidade, um ato deliberado para filtrar”, os

opositores e recuperar “o senso fascista da comunidade italiana no exterior, velhos e

novos e, de controlar o comportamento político dos expatriados [...]”.40

Mas no caso dos meridionais, para Sori, a emigração reserva peculiaridades,

tal como a orientação no sentido de uma emigração transoceânica, ao invés de se

dirigir para os demais países europeus. Além do mais, entre os meridionais, verifica-

se uma elevadíssima especialização.41

Destinos podem ser traçados pelas gerações anteriores: os italianos do

Mezzogiorno ao partir estão deixando para trás o nó da unidade italiana, qual seja a

chamada Questão Meridional.

Nos anos 20, para Gramsci, ela reside na anômala posição que,

historicamente, o sul tem sido destinado a ser uma região agrícola, atrasada, com

relações sociais garantidoras dos latifúndios e da exploração da mão de obra dos

camponeses, mesmo quando estes detém alguma terra. O que, no Risorgimento, já

era evidente.

Já se conformava, embrionariamente, a relação histórica entre o Norte e o Sul, relação comparável à de uma grande cidade e um vasto campo; na medida em que essa relação não tinha a característica clássica de um vínculo orgânico entre província e capital industrial, mas se referia a duas extensões do território, com tradições civis e culturais profundamente distintas, todos os elementos que lhe podiam emprestar a dimensão de um conflito de nacionalidades encontraram-se reforçados.

42

A unidade italiana contempla tal divisão ao fazer prevalecer a dinastia dos

Savóia e a liderança dos empresários e comerciantes do Norte, principalmente, no

Piemonte, apoiados na indústria e economia mais moderna.

Mantém, ao sul, o Estado Pontifical, o rei de Nápoles, sem que fosse

realizado um projeto para o conjunto do país. E, aí vai a crítica de Gramsci ao

partido da ação naquele momento, Garibaldi, Pisacane, Felice Orsini por terem se

40 SORI, 1979, p. 437. 41 Ibid. Ver A destinação dos fluxos emigratórios, p. 28-31. 42 MACCHIOCI, Maria-Antonieta. O Mezzogiorno na formação do Estado italiano e no Risorgimento In: _______. A favor de Gramsci. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. p. 100-132. p. 109.

50

rendido à corrente moderada da burguesia. Daí em diante, ao sul, restou conter sua

insurreição e aderir ao bloco industrial-agrário de modo subalterno, sem perdas de

propriedades para os grandes proprietários. O deputado Nitti vai dizer:

[...] desde 1860 havia sido feita uma drenagem constante de capitais do Sul para o Norte, conseqüência da política desenvolvida pelo Estado, e que essa drenagem havia impedido o desenvolvimento do Mezzogiorno, tornando-se um fator essencial do desenvolvimento industrial para o Norte. Assim, dizia ele, a Itália Meridional transformou-se numa colônia, um mercado de consumidores, favorecendo o impulso da grande indústria do

Norte.43

Os primeiros meridionais partem em grande número. Como narra a

oficialidade, em 1888, o Ministério do Interior resolve pesquisar porque os portos de

embarque de Gênova estão lotados. As prefeituras de Campobasso, Cosenza,

Potenza, Catanzaro, Salerno, Benevevento em Avellino e Reggio Calabria, recebem

a mesma resposta: miséria, fome e escassez de salários.

O historiador Deliso Villa descreve o espetáculo das chaves para o nada:

Dos povoados da área de Cosenza e de Salerno e da Basilica já partem famílias inteiras. Vão tornar-se americanos. O espetáculo é muito doloroso. Quando não conseguem vender seus miseráveis pertences, deixam tudo como está. Nem mesmo fecham a porta de seus casebres. As chaves ficam penduradas num prego, como um objeto inútil [...].

44

Há muito tempo a miséria não tem origem na ordem do universo, há

preocupação social quanto às causas. O deputado Nitti escreve:

Não foram poucos os camponeses da Basilicata que vi serem vítimas do bárbaro sistema de arrendamento, trabalhando na esperança de se verem livres das dívidas contraídas para semear. E muitas vezes o valor da colheita era inferior às despesas do arrendamento: não sobrava nada para comer... Até cerca de vinte anos atrás, quem se encontrava nessa condições virava brigante. O brigantaggio, no Sul, transformara-se em instituição. Agora se emigra.

45

43 MACCHIOCI, 1976, p. 118. 44 VILLA, Deliso. História esquecida. Fundação Pró- Memória de São Caetano do Sul, 2000. (Série documenta). p. 154. 45 Ibid., p. 54.

51

2.2 Da Antigüidade à modernidade: moraneses partem até chegar a Porto

Alegre

Morano, tal como figura na memória de muitos, era uma comunidade agrícola

que, como outras do sul da Itália, via a partida de moraneses aumentar ano a ano.

Balleta dá números: se em 1870 e 1880 partiam em média dois calabreses em mil

habitantes, entre 1901 e 1910 salta para 32, principalmente nos distritos de

Cosenza, Nicastro e Castrovillari, ao qual Morano pertence.46 Nem sempre foi assim.

Hoje também não é assim. Na atualidade do Mezzogiorno, a Regione da Calábria,

de onde partiram tantos italianos moderniza-se, apresenta importante setor agrícola,

com o cultivo da oliveira e de cítricos. O setor industrial é ainda muito manufatureiro,

cerâmica e tecido. As indústrias estão em Crotone (química e metalurgia), Vibo

Valentia, Regio Calábria (mecânica) e Catanzaro. Crotone e Vibo Valentia são duas

províncias recentes, datam de 1991.

As províncias são Catanzaro, capital da Regione, Cosenza e Regio di

Calábria, sempre são citadas nas entrevistas dos moraneses. O início da perda

galopante de população gira em torno da Unificação, quando, com seus 5. 000

habitantes, era considerado município médio. Partem agricultores, em sua maioria,

de Castrovillari, Laino e Cassano, entre outros municípios, conforme Cingari, as

estatísticas da sociedade de expulsão nas décadas seguintes demonstra a involução

demográfica da cidade, com exceção da época da Unificação, quando cresce até um

pico para então iniciar um descenso contínuo. É o insólito espetáculo das chaves

nas portas que Villa descrevera anteriormente. A decadência da Calábria já foi

enunciada, embutida na série de problemas que criaram a Questão Meridional.47

Esses tempos ficam pregados nos relatos dos moraneses, a cidade de pedra

insiste em fixar tais cenários. A zona montanhosa do Maciço Polino onde Morano foi

edificada, está por tudo distante de outras Calábrias menos sombrias. A descrição a

seguir é poética:

46 BALLETTA, Francesco. Emigrazione e struttura demografica in Calabria nei primi cinquanta anni di unità nazionale. In: BORZOMATI, Pietro (Org.). L`emigrazione calabrese dall`unità ad oggi. Roma: Centro Studi Emigrazione, 1982. p. 11. 47 CINCARI, Gaetano. Storia della Calabria all´Unità a oggi. Roma-Bari: Laterza, 1982. p. 104.

52

Existe uma, luminosíssima, de mar, uma escura da montanha, uma fervilhante de vida presente, uma de um passado remoto visível, dada a sua diversidade física: é uma região marítima, com aproximadamente 800 km de costa banhada pelo Tirreno ao oeste e pelo Iono, ao sudoeste. Sila, Serre e Aspromonte, recoberta de vegetação, além da fauna e fauna típicas. Sila, mas também em por toda região, era recoberta de florestas.

48

O que os moraneses de Porto Alegre, bem informados e viajados, apreciam

lembrar para situar o mito de fundação da cidade é a sua presença desde a

Antigüidade. A cidade de pedra é antiga e guarda a presença das colônias gregas. A

história de Morano se tece entre invasões, períodos de prosperidade e decadência.

Constitui um senso de pertencimento que transcende o tempo histórico, avança no

tempo mitológico. Poucos imigrantes tem acesso a essa narrativa. O que ficou

marcado foi a impossibilidade de permanecer em Morano, dadas as condições da

Itália, principalmente, desde a sua unificação.

O mito de fundação de Morano perde-se nos tempos em que suas terras são

férteis, à época que o rio Sibari banha o vale próximo à cidade. Isto, porque as

montanhas do Monte Polino protegeram Sibari da população indígena da polis

italiota, que nem mesmo os colonos gregos logravam dominar.49

Os historiadores que ajudam a contar a história dizem como, depois da

fundação da primeira colônia grega de Reggio, surgiram as outras comunidades da

Magna Grécia (a opulenta Sibari, Crotone, Locri) as quais determinaram profundas

ligações com o Oriente. Mais helênicos, mais orientais, os meridionais vão

construindo sua diferença cultural também na culinária, na sociabilidade do grupo

familiar e na peculiaridade lingüística. Essa tradição se perde em algum ponto, no

entanto.

48 ASSOCIAÇÃO DE CULTURA ITALIANA DO RIO GRANDE DO SUL. ACIRS. Corso di lingua italiana, Calábria: [s. n. ], [s. d. ]. Ver igualmente LA REGIONE Calabria. Emigrazione. Rivista della Giunta Regionale della Calabria, Catanzaro: Abramo, Ufficio Stampa Regione Calabria, anno VII, 1 gennaio, p. 16-17, 1994. 49 CONSTANTINO, Núncia Santoro de. Emigração em Morano Calabro. In: _______. O italiano da esquina: imigrantes na sociedade porto-alegrense. Porto Alegre: EST, 1991. p. 81-86.

53

Placanica descreve estes tempos, antes da chegada dos romanos, quando

entre o terceiro e o segundo século A. C. a região é dominada e suas florestas são

destruidas para alimentar a urbanística e a frota dos vencedores.50

A adjetivação, “Calábria forte e valorosa”, demonstra-se na sucessão de

invasões, incluindo o período bizantino entre 553 e 1060, quando se dá a

penetração dos longobardos. Os sarracenos passam pela Calábria mas não se

fixam, fazem as suas razias. Morano foi assim ocupada por godos, visigodos,

longobardos, gregos-bizantinos e normandos. Em 1000 defende-se a cidade contra

os “mouros”, daí a cabeça de um mouro encimando o escudo de armas da cidade,

conforme a tradição.

À época de Frederico III da Sabóia, Morano é uma Cidade Régia. Nova

distinção, uma vez que no restante da Calábria há feudos. Uma situação que se

revela excepcional porque, em todo posterior domínio da Casa de Anjou e da Casa

de Aragão, o feudalismo dominou.

O sul da Itália continental fica em poder da casa de Anjou até 1434, quando

Afonso, rei de Aragão, consegue impor seu domínio a partir de Nápoles. A Casa

Sanseverino, no território moranes desde 1452, com o estabelecimento de um

mosteiro, em 1458, obtém um feudo e estabelece direitos de feudatário. No século

XVIII, enfim, o ramo espanhol criou o Reino de Nápoles, na Itália meridional.

Constantino escreve sobre a prosperidade da cidade. No século XVI há

destaque para a manufatura de tecidos e o comércio. No século XIX os laticínios

ainda garantem os famosos queijo caccio-cavallo e os rebanhos ovinos e caprinos

fornecem a matéria-prima para as manufaturas têxteis.51

Os tecidos de lã agregam prosperidade à Morano em relação às demais

cidades da Calábria. Nos meados do século a autora cita Bixio que fala em 7. 000

habitantes, quando dos 400 demais municípios da região apenas dois possuíam até

10. 000 habitantes. Tudo isso está prestes a acabar.

50 PLACANICA, Augusto. I caratteri originali. In: BEVILACQUA, Piero; PLACANICA, Augusto. (Orgs.). Storia d´Italia- Le regioni dall´Unità ad oggi: la Calabria. Turim: Einaudi, 1985. p. 216. 51 CONSTANTINO, 1991, p. 86-87.

54

Giuseppe Lauria introduz no final do século XIX maquinaria para a cardadura,

fiação e tecelagem de lã. Mesmo assim, paulatinamente, desaparece a indústria

têxtil moranesa, levando ao declínio dos trabalhos das fiandeiras e das atividades

exercidas na criação e na pecuária caprina e ovina.

A cidade torna-se decadente, tanto que, no final do século XIX, o viajante

inglês Douglas descreve Moarano como um lugar feio e atrasado, conforme

Constantino. Mas observa que é um município rico porque os moraneses que

emigram enviam dinheiro para suas famílias.52

A partir de 1878 vão surgir as primeiras notícias de moraneses em Porto

Alegre. Segundo Constantino,53 eles podem vir diretamente ou, passaram pelos

países do Prata antes de chegar à capital do Rio Grande do Sul. Vão partir

conjugando o verbo ter, imprescindível na lógica do emigrante, como função de

quem chega para sobreviver na cidade estranha, apenas conhecida por relatos. E

irão se manifestar na medida em que ocorrer a decifração bem sucedida dos códigos

e dispositivos da cidade.

Imediatamente trazem a inovação, que é a função do estrangeiro, como tem

sido a do nômade, na sociedade dos sedentários. Ficará para depois, para as

próximas gerações o acesso à escrita literária que fixará esses tempos de sua

fundação na cidade de Porto Alegre.

Ao partir, lançam as raízes para construir uma nova condição de vida. Mal

sabem que vão hifenizar-se para não sucumbirem aos preconceitos e estereótipos

que rondam a construção simbólica em torno da italianidade nas primeiras décadas

do século XX.

Melhor ter a italianidade ítalo-brasileira, como costumam enunciar-se, como

uma referência identitária, mas tripartida, coerente com o fato de que entre esses

estrangeiros, há modos próprios de vivenciar e, portanto, narrar sua visão de mundo.

52 DOUGLAS, Norman. Vecchia Calabria. Florença: Giunti Marzocco, 1983. p. 195. 53 CONSTANTINO, 1991, p. 92-94.

55

Combatem, ao seu modo, a unidade do pensamento que quer ver uma comunidade

italiana onde a história continua soldando fossos.

Os moraneses que chegam em Porto Alegre encontram outra formação

urbana, produzida de modo que lhes é original.54

O núcleo urbano da cidade inicia quando um pequeno número de casais

oriundos das Ilhas dos Açores e Madeira alcançam o, então, porto do Dorneles (ou

Porto de Viamão), em 1752.

A singularidade do fenômeno urbano no Rio Grande do Sul começa a se

delinear. De um lado, a criação de gado que dá origem à sociedade pastoril na

campanha, nas missões e no litoral marítimo-lagunar. De outro, o complexo

imigrante que inicia a economia agrícola com origem portuguesa: trigo, oliveira,

vinha.

Porto Alegre é transformada em capital do continente de São Pedro, em 1773,

substituindo Viamão, o que significa, também, a emergência da função político-

administrativa e militar. Passa de cidade de defesa para cidade Colonial, dada a

importância econômica crescente do porto.

Desse período em diante, a urbanização do continente representa a

integração da Colônia com a matriz, bem como a emergência de novas categorias

sociais, a instalação da nova sociabilidade urbana e dos hábitos cosmopolitas. O

cenário discursivo integra o elenco de imagens, utopias, mitos e narrativas sobre a

Polis ideal, portando, polissêmicas comparações. “[...] vêde que céu, que paisagem!

É o céu da Itália, são as paisagens e a vegetação de Provence; estamos em Porto

Alegre!”,55 exulta o viajante Arsène Isabelle.

Com a vinda dos imigrantes, enriquecida que é com novos modelos de

representações, os mais variados e ricos, as narrativas acompanham a performance

54 MACEDO, Francisco Riopardense de. Porto Alegre: origem e crescimento. Porto Alegre: Sulina, 1968; MARTINI, Maria Luiza. Rua da Praia: corredor cultural. Porto Alegre: SMC, 1997. 55 ISABELLE, Arsène. Viagens ao Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Museu Júlio de Castilhos, 1946. p. 64-67.

56

do núcleo original de Porto Alegre nas suas variadas funções. A primordial delas, foi,

como não poderia deixar de ser, econômico-comercial, especialmente de

comercialização de trigo produzido pelos açorianos, os primeiros colonizadores e,

posteriormente, a comercialização de produtos das colônias alemãs instaladas a

partir de 1824 e das colônias italianas, a partir de 1875.

O grande movimento do capital no séc. XIX, com a eliminação de milhões de

pessoas do regime de terras europeu, principalmente na Alemanha e na Itália,

coaduna-se com a necessidade de diversificação da base sócio-econômica da

sociedade brasileira. A mudança do regime de trabalho, da mão-de-obra escrava

para o trabalho livre, solicita força de trabalho para o grande empreendimento

cafeicultor no eixo Rio - São Paulo. O caráter complementar da economia regional à

nacional reforça-se.

No sentido da imigração, o Rio Grande do Sul manifesta mais uma vez sua

singularidade, implantando o regime do colonato para a admissão do imigrante, há

que se diversificar a base econômica, centrada na pecuária tradicional, há que se

abastecer o mercado interno (fazendas de café e núcleos urbanos) com a lavoura

colonial.56

Para tanto, os imigrantes alemães vão instalar-se na Depressão Central, em

1824, onde está localizada Porto Alegre e, os italianos, desde 1875 na Serra, entre

essa e a região dos Campos de Cima da Serra, onde estão os descendentes de

portugueses dedicados à pecuária.

Com o desenvolvimento do mercado interno, graças à consolidação dos

núcleos coloniais no último quartel do século XIX, Porto Alegre agrega a função

industrial. Entra em franca fase de industrialização a partir de 1890 e ocorre a

propalada passagem para a modernidade, segundo o clássico de Singer.57

56 ROCHE, Jean. A colonização alemã e o Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Globo, 1969. v. 2. 57 SINGER, Paul. Desenvolvimento econômico e evolução urbana. São Paulo: Editora Nacional, EDUSP, 1974; REICHEL, Heloisa Jochims. Industrialização no Rio Grande do Sul na República Velha. In: DACANAL, J. H. ; GONZAGA, S. RS: Economia & política. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1979. p. 255-276.

57

O surto industrial faz parte da onda de industrialização que, pela primeira vez,

varria o país por ocasião do encilhamento. A indústria de Porto Alegre cresce muito

graças à posição geográfica privilegiada da cidade. Cresce através do comércio de

gêneros alimentícios da lavoura colonial e de produtos da indústria nascente que

beneficiava as matérias primas do setor agrário, transformadas em vinho, banha,

cerveja e couro.

Analisando a realidade rio-grandense, os estudiosos constatam que, no fin de

siècle, a renovação capitalista partiu do complexo colonial imigrante e não do

complexo da pecuária tradicional. Ou seja, somente depois de esgotar essas

possibilidades de expansão é que ela se lança no mercado nacional, contando, no

entanto, com sólida base regional. É esse fato que acaba capacitando a indústria

porto-alegrense a conquistar a supremacia no Estado.58

A cidade para onde os italianos se dirigem, pois, é a Porto Alegre que, na

década de 20, apresenta-se como metrópole que já não pode mais produzir um

discurso unitário, pois sua periferia (no sentido simbólico) é multiétnica.

2.3 Texto de viagem e viagem do texto

“A penna corre spinta dallo stesso piacere che ti fa correre le strade” é a

epígrafe de Ítalo Calvino, que compara o prazer da escrita ao prazer de correr a

estrada e abre o trabalho de Pino Fasano sobre literatura e viagem. Nele, o autor

detém-se sobre a viagem-literatura, a escrita, o estranhamento, situação de

estrangeiro e no procedimento com que os formalistas russos definem a escrita. A

literatura deveria ser entendida como um ato de espaçamento, onde a palavra russa

é o stranierie, freqüentemente traduzida como “estranhamento”. O que se sabe é a

perspectiva da arte. O estrangeiro, imigrante ou não, por definição - ou sujeição -

sempre adota o perspectivismo.59

58 LAGEMANN, Eugênio. Industrialização e imigração no Rio Grande do Sul. In: DACANAL, J. H. ; GONZAGA, Sergius (Orgs.). RS: Imigração e colonização. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1980. p. 114-133. 59 FASANO, Pino. Letteratura e viaggio. Roma: Bari, 1999.

58

Segundo Sklovskij:

E eis que para dar a sensação da vida, para sentir os objetos, para ter a experiência que a pedra é pedra, existe o que se chama de arte. A finalidade da arte reside em dar uma sensação do objeto como visão e não como reconhecimento; o procedimento da arte é o procedimento de singularização dos objetos e o procedimento que consiste em obscurecer a forma, em aumentar a dificuldade e a duração da percepção.

60

Tal perspectiva, para além da literatura propriamente dita, orienta as

narrativas de fundação de sítios urbanos, de vilas que depois de um tempo

transformam-se em cidades, como ocorreu com Porto Alegre quer por força da sua

economia, posição estratégica ou ambos fatores.

As narrativas de viagem-literatura, na feliz expressão de Fasano, produzem

textos de viagem e viagens do texto. O porto de destino de tais narrativas tem

leitores variados, por vezes, bem localizados e contumazes consumidores desses

relatos, mas também destinos imponderáveis. Podem ser repetidas gerações,

vivificando o mito. Podem ser abandonadas em algum baú ou esquecidas em algum

museu até que o olhar atento de um pesquisador as façam reviver e cumprir seu

destino de fazer circular uma história, um ordenamento em relato, do mundo vivido

pelo narrador. Estrito senso, o narrador não se identifica, necessariamente, com o

autor textual, nem com o autor empírico. O narrador é uma criatura fictícia do autor

textual, que é uma construção do autor empírico.

A adoção do perspectivismo na pesquisa das narrativas exige privilegiar a

percepção sobre o olhar estrangeiro, entre os pontos de encontro e de intersecção,

nem sempre harmoniosos, das fusões de experiências de vida relatadas.

Concretamente, significa buscar a materialidade que sustenta essa variedade

da tradição lingüística nos documentos que tenham referência a Porto Alegre, entre

1920 e 1937. Isto é o próprio processo de urbanização, a experiência de cronistas,

jornalistas, viajantes, seus testemunhos escritos e mesmo a história oral,

demarcando a pluralidade de seus sujeitos e textos. 60 Ver ainda SKOLOVSKIJ, “arte como procedimento” de 1916. In: SILVA, Vitor Manuel de Aguiar. Teoria da literatura. Coimbra: Almedina, 1999. v. 1, p. 51.

59

Como de praxe, os primeiros narradores, sempre lembrados, foram os

viajantes do século XIX. Sabe-se que esses foram além do relato-viagem: podem

haver contribuído para a fundação de uma historiografia literária, na “origem” de sua

singularização e brasilidade, como propõe Flora Sussekind. O descritivismo e o

paisagismo dos textos, segundo ela, vão ser incorporados pela literatura, surgindo o

narrador na segunda metade do século, quer como historiador, quer como cronista.61

O perspectivismo funda a própria literatura nacional, conduz ao olhar distante,

ao deslocamento, à antiga canção alemã para crianças, cujo verso “O Brasil não é

longe daqui”, Sussekind se utilizou para intitular uma de suas obras. Lembrando

sempre que a arte supõe esse estranhamento, a sua tese para a origem da literatura

nacional é que tais relatos serviram de referente para esse narrador distante, o que é

mais estranho, estando no Brasil. Isto é, sendo brasileiro (ou o que isso pudesse

representar no século XIX).

Interessa de imediato, para a interpretação do modo de circulação dessas

narrativas, a informação histórica. Quando os viajantes começam a circular nas

costas marítimas, adentrar pelos portos como o de Rio Grande, a visitar os

pequenos e mal construídos núcleos urbanos, até o interior rural, além de

participarem do corpus literário em formação, estão elaborando e gravando imagens,

figurações e impressões desse mundo vivido para o mundo do leitor. Por corpus

literário, entende-se o conjunto de obras e documentos que encerrem certa

literariedade restritiva, ou seja, textos que encerrem uma demonstração narrativa,

textos mais interessados em produzir uma história do que meramente uma

informação.62

Voltando à Sussekind, o “acreditar-se-á?” passa a ser a suspeição da

recepção sobre os relatos, creditados então aos aventureiros, ao olhar maravilhoso e

ao seu desejo de paraíso. Não é o caso dos viajantes na categoria em que se

inscreve Saint-Hilaire. Tomado pelo rigor cientificista, sua meta é o mapa, a

61 SUSSEKIND, Flora. O Brasil não é longe daqui: o narrador, a viagem. Companhia das Letras: São Paulo, 1990. Da mesma autora ver igualmente Com os olhos dos outros. In: Papéis colados. Ensaios: Rio de Janeiro: EdUFRJ, 1993. 62 Ver CULLER, Jonathan Teoria literária: uma introdução. São Paulo: Beca, 1999. p. 26-48; ver igualmente COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Belo Horizonte: UFMG, 2001. p. 29-45.

60

classificação, a atitude distante, a mesma que leva ao deslocamento do autor para o

narrador neutro, no campo literário. Uma narrativa meticulosa, onde desaparece a

figura do sujeito da narrativa pode ser esperada em tais casos. Mas, a subjetividade

força seu caminhos, quando emite juízos de valor sobre as cenas urbanas, sobre a

civilidade (ou não) dos nativos, seus costumes e sua concepção estética. Não

poderia ser de outra maneira, na medida em que o referente, é o mundo vivido

europeu.

De todo modo, a delimitação da paisagem das regiões percorridas atua na

montagem da representação da nação. Fundada, evidentemente, na Monarquia,

principalmente até os anos 40, funde-se o narrador no viajante, no cronista de

costumes, no historiador.

Agora, saindo do corpus literário, percebendo o perspectivismo na

antropologia de Ilka Boaventura Leite, consegue-se outro ângulo de

entendimentosobre os relatos de viagem. Para ela, existe gênero próprio nesses

relatos. Tais documentos encerram as narrativas de representação do Brasil. O

exotismo é elaborado para o relato, cuja sociedade de recepção é a Europa, assim

como a adequação de novos ritmos e lugares: o viajante traduz a sua idéia de

mundo para um leitor que está no lugar de sua procedência.63

Fornecer o referencial de identidade, na narrativa, e ser também o estranho,

permitindo ao viajante adentrar e circular na comunidade. Mas a suspensão e um

pertencimento local o deixa à mercê do crédito e do valor dos testemunhos que

obtém. É a suspeição do “acreditar-se-á?” de Sussekind.

Macknow Karen Lisboa vai mais longe: os viajantes, durante todo século XIX,

interessam ao projeto Imperial. As relativas condições de paz no Brasil, sob a

Monarquia, mais o interesse do Imperador em apoiar o esforço científico - inclusive

quanto ao laboratório racial em elaboração (a sociedade mestiça crioula) - estimulam

uma cartografia que se presta aos interesses econômicos, principalmente da

63 LEITE, Ilka Boaventura. Antropologia da viagem: escravos e libertos em Minas Gerais no século XIX. Belo Horizonte: ED UFMG, 1996.

61

Inglaterra, secundariamente, à França e à Alemanha, bem como, ao projeto

imigracional.64

O importante é que o modo narrativo desses viajantes foi incorporado à

literatura brasileira, além de haver elaborado a imagem do Brasil na atração de mão-

de-obra para a colonização e imigração brasileiras.

Agora, como se pode explicar, que na base de tais narrativas, a viagem em si

possa atuar na personalidade do viajante, transformando a cultura dos tempos? Eric

J. Leed, em La mente del viaggiatore busca sustentar o porquê.65

Por certo, o que está em jogo, é a importância da narrativa em si, sob

qualquer forma, uma vez sem a narrativa literária ou mesmo as mais próximas

dessa, rompem as relações com o passado, a percepção do ontem ou qualquer

outro modo de apropriação do mundo. Dissipar o sonho não é apenas representá-lo,

é evitar o esquecimento. É não perfazer a vida como era ou como pode ser

recordada, conforme estabelece Benjamin, citado por Buck-Morss.66

Benjamin temia, nas portas da Segunda Grande Guerra, a perda da

capacidade narrativa, porque o narrador nunca está só, comunica-se com outros

narradores que o antecederam ou que irão sucedê-lo, na memória -legado-

testamento de sua marca ou ferida, dessa cidade ou de tantas outras, embaralhadas

pelo jogo da memória.

Nesse sentido, Bernard Lepetit recorre a Maurice Halbwachs, para quem:

64 LISBOA, Macknow Karen. Olhares estrangeiros sobre o Brasil. In: MOTA, Carlos Guilherme (Org.). Viagem incompleta. A experiência brasileira (1500-2000). Formação: histórias. São Paulo: SENAC, 2000. p. 256-296. Para o Rio Grande do Sul ver MARCHIORI, José Newton Cardoso; NOAL Filho, Valter Antonio. (Orgs.). Santa Maria: relatos e impressões de viagem. Santa Maria: EdUFSM, 1997; FRANCO (Org.); TAUNAY, Visconde de. Amor ao Brasil: catálogo de estrangeiros ilustres e prestimosos. (1800-1892). São Leopoldo, EDUNISINOS, 1998. 65 LEED, Eric J. La mente del viaggiatore: dall’ Odissea al turismo globale. Bologna: Societá editrice il Mulino, 1992. 66 Ver BUCK-MORSS, Susan. La ciudad como mundo de ensueños y catástrofe: “A obra de Benjamin Passagen-Werk tenía una finalidad política. Su objetivo no era representar el ensueño, sino disiparlo. Benjamin queria presentar la historia pasada de lo colectivo del mismo modo en que Proust había presentado su historia personal: no ´la vida como era´, ni siquiera la vida recordada, sino la vida como há sido ´olvidada` (II, 311): ´Esta obra trata del despertar del siglo XIX” (V, 580)”. In: ANDRADE, Ana Luiza; CAMARGO, Maria Lucia; ANTELO, Rául (Orgs.) Leituras do ciclo. Florianópolis: ABRALIC: Chapecó: GRIFOS, 1999. p. 277

62

[...] o passado não se conserva e não ressurge idêntico. A cada etapa de seu desenvolvimento, a sociedade remaneja suas lembranças de forma a adequá-las às condições do momento de seu funcionamento. Assim, num processo de reelaboração permanente, de reconstrução perpétua, a memória exprime as verdades do passado com base nas do presente. Sendo memória coletiva, é útil ao grupo social que dela se apodere, é parte de sua própria definição, transforma-se à medida que o grupo evolui.

67

Os estudos imigratórios tentam entrelaçar os tempos e o fazem muitas vezes

de modo surpreendente, tal como os moraneses narram sua experiência imigratória

a seguir.

2.4 Moraneses e a narrativa da partida

Ariel Dorfman associa imigração à língua do imigrante. É o caso de

estabelecer o problema do estranhamento a partir das dificuldades que o imigrante

encontra ao desfazer-se de sua língua, que traduz seu modo vida e adota a língua

do país de recepção. Como uma vestimenta, em certo momento, há de se perguntar:

com qual língua eu devo apresentar-me?

As línguas não se expandem somente por meio de conquistas, também crescem oferecendo um porto seguro àqueles que as procuram em perigo, àqueles que estão caindo de um lugar muito menos seguro que o útero de uma mãe, àqueles que, como meus próprios pais, foram obrigados a fugir da terra natal.

68

Depois das cartas que atraem os moraneses para a emigração, escritas na

língua materna, o movimento que segue é o da expectativa em torno da partida, o

pleno exercício da imaginação.

O que fica para trás é a decisão de partir, tomada na língua natal. Agora

temos o navio, cujo nome é sempre lembrado, último elo da terra que se extingue no

horizonte, como a lembrar aos estrangeiros que irão desembarcar em porto

estranho.

67 ANDRADE, 1999, p. 149. 68 DORFMAN, Ariel. Uma vida em trânsito: memórias de um homem entre duas culturas. Rio de Janeiro: Objetiva, 1998. p. 26..

63

A possibilidade de relatos dessa estrutura em movimento circula na polifonia

lingüística dos imigrantes embarcados.

Na chegada ao destino (?) a narrativa de hoje para o fundo do passado pode

representar a perda gradativa da língua materna. O mundo que se abre exige o

abandono da língua dos ancestrais se quizerem sobreviver. Outra possibilidade, ao

invés de revezamento normal de uma língua por outra, é assumir uma jornada

bilíngüe na língua das ruas da cidade de recepção. Como costumamos categorizar,

a “língua do comércio”.

Reinventar-se em uma outra língua é o trânsito da língua. Os pais contam aos

filhos, na língua natal, que contam aos netos em outra língua, tantas vezes é feita e

refeita essa travessia, que a narrativa, quando devolvida ao meio comunicativo, é

devolvida como experiência. Os matizes entre o vivido e “o ouvir dizer” ficam

definitivamente soldados na memória afetiva.

O que configuram as certezas de Angelina, imigrante moranes com seu forte

acento calabrês: “o Brasil? Sempre gostei do Brasil!”. Sempre? Como decifrar a

temporalidade da expressão, senão a partir de uma identidade narrativa. Ao narrar,

Angelina conforma sua identidade efetuando o tempo (da narrativa), com sua vida e

ação efetiva, amálgama completa. Ao não se dizer brasileira, diz-se sempre

apreciadora do país que a recebeu.

Como fazer a narrativa em língua estrangeira, se o seu “mundo da vida”,

composto por variados signos, emblemas, gestos, angústias, desejos e impulsos só

cabe no código lingüístico da língua materna? O que está no presente do

pesquisador são as fontes históricas, no reservatório da memória coletiva dos

descendentes, testemunhas indiretas da tradução e da transcriação entre a língua

portuguesa e as demais.

Em razão desse fato lingüístico, a narrativa do imigrante, por ele mesmo, não

pode ser entendida sem a noção de que o pertencimento seja, necessariamente,

fator de homogeneização. Ao contrário, os eventos circunstanciais, ou a “alteração

64

cronotópica”, podem contribuir em favor da construção de uma heterogeneidade

substantiva à noção de narrativa étnica, dentre eles, a presença do multilingüismo.

As narrativas demonstram o princípio do conflito, da diversidade social como

intrínseco à socialização. Deixando nítida a impossibilidade de apreensão da

imagem da mesma experiência para todos, na representação urbana. Dificilmente,

os grupos e os indivíduos do mesmo grupo partilham do mesmo fundo de

significação na cidade.

O ato de narrar-se, tendo como referente a cidade de Porto Alegre, permitiu

ao estrangeiro compreender-se como parte, ainda que fragmento e ansiedade de um

todo histórico do meio social feito de superação, ou não, dos obstáculos. O conflito

faz parte da superação de obstáculos.

Vale lembrar que, na moderna abordagem histórica, a tradição lingüística dos

imigrantes interage com outro meio de linguagem, mas que não redunda no

desaparecimento de uma, em função da outra. A tradução é vista, não como a

anulação da diferença, mas, como um meio de acesso à circulação lingüística, como

reveladora da diferença aí implícita das alteridades.

Conforme Simmel, o conflito é uma faceta da socialização e, pode explicitar

as bases societárias, com as quais o estrangeiro conseguiu a elaboração de um

ponto fixo identitário. Essa localização elucida o trabalho de separação do

estrangeiro entre tradições, culturas, continentes e outras temporalidades. Esse

drama narra o tempo da elaboração da ruptura.69

O drama da ruptura é que dá significado ao modo de acessar vivências na

nova cidade, com a carga de experiência de outra materialidade (às vezes sequer

urbana, mas rural mesmo), bem como dá significado ao modo pelo qual simbolizou

suas instituições, organizou suas marcas do passado de tantas outras cidades

abandonadas, imaginadas, escritas.

69 SIMMEL, Jorge. Sociologia: estudios sobre las formas de socialización. Buenos Aires: Espasa-Calpe, 1939.

65

Estrangeiro é exatamente o inverso daquele sujeito que se auto define como

pertencente a uma rede de relações de sentido que lhe dá senso de identidade, de

fazer parte de um todo. O estrangeiro é figura solitária, o que se adjetiva quer dizer-

se de algo ou algum lugar. É uma perspectiva identitária que está em jogo.

2.5 O pertencimento moranes ou appartenenza sociale do moranes

O pertencimento étnico, importante categoria explicativa de estudos de

migração, pode ser matizado pela clivagem dos significados existenciais elaborados

segundo princípios de estratificação social.

A complexidade dessa noção, quando aplicada à historiografia urbana da

imigração em Porto Alegre, transcende a fabulação das sociabilidades étnicas ou do

discurso das elites.70

Esclarecendo: Weber erigiu a profecia da modernidade, a concepção de que

o processo civilizatório teria se completado e a urbanidade moderna seria o grande

testemunho do processo. Nesta ordem social, lamenta, não haveria lugar no mundo

para expressões sociais da ação coletiva que não, as pautadas pelos critérios ditos

“racionais”.71

A comunidade étnica e o pertencimento, como sentidos subjetivos, afetivos às

lógicas nem tanto racionais, não cabem na sociedade da rotinização do carisma.

Mas, vale lembrar, que, o mesmo Max Weber, percebe que a etnia faz parte

mais classicamente, porque as pessoas se agrupam em função de valores étnicos e

a estratificação é função de poder em relação ao mercado. Assim, o sentido e a

determinação da ação social de base étnica deve ser aproximada, nesta formulação,

aos tipos de fenômenos interligados puramente econômicos ou não, relevantes e

70 BRUM, Rosemary Fritsch. A paisagem urbana de Caxias do Sul: um estudo do pertencimento sócio-espacial da população de origem italiana. 1995. Monografia (Especialização)- Pós-Graduação em Filosofia, Curso de Especialização em Filosofia do Conhecimento e da Linguagem, Centro de Ciências Humanas, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 1995. 71 Esses conceitos podem ser acompanhados, entre outras obras, em WEBER, Max. Economia y sociedad. Ciudad del México: Fondo de Cultura Econômica, 1996. p. 695-117.

66

condicionados economicamente. Não teria escrito A ética protestante e o espírito do

capitalismo se pensasse de outra maneira.72

Para complementar a força da atração com a qual os imigrantes combinam

pertencimento local ao étnico, na identidade narrativa, os sociólogos Renzo Gubert e

Giovanna Gadotti , na esteira de Durkhein e Pareto, esclarecem a relação, quando

afirmam que:

[...] uma estável cena física constitui a “memória comum” dos habitantes. Os elementos do espaço físico, espécie de constructo do homem. Constituem um insubstituível ponto de referência mnemônico para reter a história e os ideais do grupo [...]. E a appartenenza, enquanto dispõe à solidariedade, constrói a comunidade, a participação, a interiorização dos valores e metas. É pressuposto da vida social, é pressuposto não apenas da manutenção do tecido social, mas também de qualquer ação coletiva de mudança.

73

Colocar em perspectiva o mundo vivido, a dinâmica e o contexto histórico das

ações e situações que possibilitem a identificação do próprio sujeito que narra, exige

um esforço reflexivo para, na busca das narrativas do estrangeiro, encontrar uma

gama de sentimentos que vão desde o anseio até a rejeição da nova identidade de

pertencimento a uma história local. De qualquer maneira, pelo prisma religioso, pode

ser morrer para a vida terrena, nascer para a vida espiritual e assim por diante. Partir

é ato de separação, dor, atenuada conforme a finalidade, a distância, o tempo ou

mesmo o prazer.

Fala-se da dor ao se romper os laços da appartenenza sociale, ou dos

significados do pertencimento sócio-territorial ao lugar. No caso, da cidade natal dos

entrevistados, Morano-Calabro, na Itália, rica história de fundação e sobre suas

formas de sociabilidade. Para a Calábria, existe uma bibliografia consistente sobre a

72 Ver WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Abril Cutural, 1974. (Os pensadores, v. XXXVII). p. 181-238. 73 GUBERT, Renzo; GADOTTI, Giovana. La struttura sócio spaciale: contributi sociologici allá pianificacione dell centro storico. Milano: Franco Angeli, 1986. p. 18. Cito: “[...] una stabile scena fisica costituisce la `memoria comune`degli abitanti. Gli elementi dello spazio fisico, specie quelli costruiti dall`uomo, costituiscono un insostituibile punto di riferimento mnemonico per ritenere la storia e gli ideali del grupo [...]. E l´appartenenza, inquanto dispone alla solidarietà, alla cotruzione della comunità, alla partecipazione, alla interiorizzazione di valori e mete, è presupposto di vita sociale, é presupposto non solo del mantenimento del tessuto sociale, ma anche di qualsiaisi azione colletiva di mutamento”.

67

persistência dos traços camponeses sobre a cultura da região, que explicam, em

grande medida, os laços dessa appartenenza.74

Pertencentes a determinados extratos sociais, os moraneses empreenderam

a viagem que pontifica sua emigração para distintas regiões da América. Aqui, em

conformidade com a proposição adotada para o desenvolvimento da tese,

trataremos dos imigrantes chegados ao Brasil no início do século XX, mais

precisamente, os que vieram para Porto Alegre entre 1920 e 1937, da produção de

suas narrativas e da configuração de sua identidade.

A narrativa da história oral dos moraneses entrevistados traz outra geografia

pode-se dizer, subjetivada socialmente. Não mais aquela da onda emigratória,

impessoal, nem por isso, menos dramática.

As pessoas concederam seu tempo para contar sua história, no breve

contato, não mais que uma entrevista e vários cafezinhos em cada sessão, como

Antonio que até ofertou uma fotografia de seu “Parlamento”, brincadeira de

aposentados que se freqüentam no centro de Porto Alegre. Trata-se de um ponto

fixo, de encontro semanal onde os mais antigos moraneses discutem de tudo

referente à Itália, “menos política”.

Fala-se de estrangeiros e de sua subjetivação social. As ondas emigratórias

guardam senões e diferenças. Os entrevistados preferem falar do presente. Mas

aqui, o foco é a partida e se suspendem suas histórias neste ponto. Será necessário

aguardar os próximos capítulos.

O pertencimento como princípio gerativo do teatro da vida urbana, nesse

início da história, só pode tratar da perda da cidade de Morano, da fragmentação

familiar, da tentativa de reconstrução de laços sociais partilhados com tantos outros.

Os descendentes estão sempre por perto, assim como os genros, amigos e

vizinhos, todos ajudando na memória dos mais idosos, ajeitando a narrativa na

74 CORRADO, Alvaro. Calabria. Prefazione di Libero Bigiaretti. Con un saggio di Domenico Scafoglio. Vibo Valentia: Qualecultura-Jaca Book, 1990.

68

ordem dos fatos, narrando sua experiência de descendentes, a que passa pelo filtro

da voz do outro. São vigilantes atenciosos. Coisa de moranes.

Sobre os entrevistados, é momento de dizer que o pai de Dalva resolveu

partir. Assim como os pais de Angelina e os avós de Carmine. Antônio veio pelo ato

de chamada de parentes.

O pai de Dalva partiu para ser livre, era o empreendedor, o avô de Carmine

foi dar no Prata e só depois veio ao Brasil. Era camponês. Os pais de Angelina

vieram pelo Ato de Chamada do tio. Antonio era sapateiro em Morano. Filomena era

criança de 10 anos, quando partiu.

O avô de Carmine foi dos primeiros a partir, mas levou tempo para reunir a

família. Carmine mesmo chegou com 19 anos.

No período de guerra, Dalva viveu com sua mãe na Itália. Aos 21 anos,

quando a guerra acabou, após dez anos sem ver o pai, apenas alimentada pelas

cartas, exceto no período de guerra, veio para o Brasil ao encontro do pai. Este,

inicialmente, emigrara para Costa Rica e depois para o Brasil.

A aventura da partida acentua a capacidade de liberdade condicionada e

condicionante, passo a passo, dia a dia nessas trajetórias coletivas ou individuais.

Desdobra-se o enredo no ritmo do corte entre a diacronia e a sincronia, tece-se o

drama e a comédia dessas vidas.

Partir projeta a identidade étnica. Ser italiano é pertencimento que vem

depois, já no Brasil. Em parte, em função das agruras da unificação italiana,

percebe-se, na anônima identificação “italiano”, que isso é novidade para quem se

diz moranes.

Mas ao se dizer assim, cola-se no conceito mais amplo, “meridionais”. E é

remetido, desde então, à variação cultural italiana, às fragilidades históricas do

federalismo Italiano, a sua relação periférica frente ao norte industrializado. Posições

cristalizadas de auto-representação e aqui reproduzidas na duplicação de

sociedades italianas.

69

O trabalho das gerações capacita para a leitura da ação social. O lento

trânsito da designação de estrangeiro, dizendo que ele não é daqui, não tem origem,

nem raízes, fará com que tarde a ser aceito no quadro de referência cultural. Caso

logre conquistar uma situação socialmente privilegiada, tenderá a se identificar como

pertencente à refinada cultura latina.

Partir demonstra, de certa maneira, uma narrativa moranesa que é o tempo

todo defensiva. Acentua, ao mesmo tempo em que lamenta, os valores perecíveis

(os deixados lá, os de seus ancestrais) no processo de homogeneização das

sociedades humanas, as relações gesellschaft (o percebido na sua descendência,

“mas lá na Itália está igual”) impondo-se sobre a destruição da gemeinschaft

conforme a dicotomia clássica de Tönnies.75

Pode-se falar em narrativa de moraneses porque há pertencimento ou

appartenenza sociale. Dizer-se, incluir-se na história dos demais, como porta-voz de

uma experiência vivida em comum, partilhada, é fruto do sentimento e da

consciência subjetiva de fazer parte de um grupo e ser reconhecido por ele (assim

como o seu inverso, a exclusão social).

Partir é abrir mão deste mundo construído da apreensão dos

condicionamentos, da orientação seletiva da rede de relações sociais e da

percepção do ambiente e da atenção às mensagens culturais. É desfazer a fina

trama dos distintos níveis de agregação, grupo familiar cindido, perder a integração

na comunidade local, a relação geográfica, a relação ecológica que define a

percepção e a representação dos elementos físicos da paisagem.

Morrer para esta vida é separar-se do âmbito espacial da vida em comum de

Morano, onde foram representados, geograficamente, a riqueza e a variedade de

símbolos de identificação cultural da sociedade italiana. Objetividade e subjetividade

estabelecem a relação afetiva com o território e pode ser visto como “fato social” em

bom sentido durkheiano. O critério crucial da appartenenza sociale será o que

abandonar, o que constituir na nova vida. O que foi deixado para trás é simbolizado

75 TONNIES, F. descreveu a urbanização como a passagem de uma comunidade baseada nos bens hereditários, a uma sociedade construída sobre laços de escolha e assimilação. In: Enciclopédia Einaudi. Região v. 8. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1986. p. 427.

70

desde a posição atual. É uma avaliação que se faz a partir da situação do presente,

sempre. Se o pertencimento pode ser transferido para a nova cidade, é o que se

verá.

A gramática social não erra: os “meus e os outros” inscritos nas falas estão a

traduzir para o historiador a base étnica das relações de integração e conflito, dentro

e fora da comunidade. Residem em Porto Alegre, aproximadamente, 15 mil

moraneses, o triplo da atual população de Morano. E isso sempre dito com muito

orgulho. Os “meus” são “iguais”, denota a pertença étnica se perpetuando como

extensão da solidariedade por semelhança ou, como componente de classe no

sentido de Marx.76 Os “meus” podem ser operários, trabalhadores, doutores,

continuam sendo os “meus”. Quanto mais longe da cidade-referência, mais atua a

gramática social.

Sob o ângulo das representações coletivas, os moraneses formaram,

historicamente, diferentes interpretações das formas de se processar a construção

dos seus vínculos sociais de solidariedade que estenderam para onde foram.

Alguns, se perderam, são até “esquecidos” pelos narradores. Alguns, se perderam

porque partiram, outros, exatamente porque ficaram e não obedeceram às regras do

grupo.

As afinidades e/ou diferenças, explicam o porquê dos bairros étnicos, quando

não, de toda uma cidade. Deram origem a celebração do local para os seus,

ritualizada na “ida à Morano”. E tecem a trama narrativa.

2.6 De lá, para cá, as cartas

O moranes era atraído pela imagem de Porto Alegre construída nas cartas e

relatos dos viajantes. Como diz, Fernando Pessoa, noutra passagem, “se mover-se

76 MARX, Carlos; ENGELS, Federico. La ideologia alemana. Montevideo: Ediciones Pueblos Unidos, 1971. p. 60-61.

71

é viver, dizer-se é sobreviver. Não há nada de real na vida que não o seja porque se

descreveu bem”.77

Mas entre a partida e a chegada, o texto-narração dos entrevistados sobre o

trânsito Itália-Brasil é econômico, lacônico. A ausência do quadro trágico com que,

sabemos, eram transportados seus avós, não justifica. Estamos diante de tempos

mais civilizados em relação à imigração espontânea do século XIX. A possibilidade

da economia da narrativa está noutro lugar. Vamos buscar. A pista começa com Eric

J. Leed, quando diz tratar-se do movimento e de sua capacidade de gerar

narratividade.78

A hipótese é que uma história de viagem, no exato momento de transitar,

entre um partir e um chegar, é de tal importância para a transformação mental do

viajante que interrompe a narrativa. Por quê?

Os viajantes aqui considerados são os moraneses, que, como vimos até

agora, constituem uma verdadeira singularidade, também na narrativa da viagem

heróica, aventureira ou quase iniciática dentro do universo das narrativas de viagem

e de migração.

Mas há um ponto zero nesta narrativa, aquele dos empreendedores, dos que

iniciaram a cadeia migratória, são os avós, pais, tios, sempre do sexo masculino, de

preferência solteiros, vinte e poucos anos. Não são os artistas, os intelectuais, os

políticos ou os religiosos que vem para a América. São os aventureiros que “vem

fazer a América”.

Raramente, escrevem diários ou relatos de viagem, a dita literatura de

viagem, constituindo a fundação de uma historiografia literária como propõe

Sussekind, como comentamos na seção Texto de viagem e viagem do texto.

77 PESSOA, Fernando. Livro do desassossego. Composto por Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa. In: RICHARD Zenith, (Org.). São Paulo: Companhia das letras, 1999. p. 63. 26, p. 63 78 Eric Leed quer entender como a viagem plasma e muda a história humana. No afastamento espacial dos indivíduos moldam-se comportamentos nos grupos sociais que modificam sua própria dinâmica. Ao entender que a viagem porta uma estrutura e que os atos de partir, transitar e chegar, são processos que modificam a percepção, o comportamento e as relações sociais do ser humano, Leed realiza uma história da viagem que parece-nos uma hipótese civilizatória nômade. LEED, 1992.

72

Mas escrevem cartas. O trânsito das cartas implica afirmar que este fora o

mais forte elo de comunicação e de atração entre os de cá e os de lá. Mais sedutor

que toda a política de propaganda oficial dos países receptores de imigrantes, como

o Brasil em relação à Itália. Não tivemos acesso às cartas, apenas inquirimos sobre

seu conteúdo quando das entrevistas. Mas foi possível ter uma noção do teor, porém

o que nos interessava era a função que as cartas desempenhavam entre os

imigrantes.

Há uma narrativa, um autor, um leitor.

Mas não é tão simples assim.

Entre os empreendedores, como foi verbalizado, nem todos escrevem, não

tem acesso à linguagem escrita. As cartas, muitas vezes, são redigidas por outros.

Isto é, são traduzidas e recriadas.79

As cartas trocadas entre os migrantes podem ser tomadas desde sua

estrutura narrativa, sofrendo o trabalho do historiador, como realizou Natalie Zenmon

Davis, quando inspirada por Stone, trabalhou com as cartas de remissão de crime do

século XVI.80

As cartas dos que iniciam a cadeia imigratória descrevem a cidade de Porto

Alegre não acometida pelo pavor da guerra, mas receptiva. A cidade apresenta uma

estrutura ou mosaico sócio-espacial acelerada demográfica e culturalmente por

outras vozes de imigrantes que chegam incessantemente, desde meados do século

XIX.

Essa cidade, será, em seguida, ainda mais redesenhada pelo poder público,

ao dar início às grandes intervenções urbanas, a partir do período Loureiro da Silva,

que modifica o traçado característico das cidades coloniais ibero-americanas.

79 Como podem ser tomadas desde o ponto de vista de material de escritura auto-referencial e o novo sujeito na narração. Ver a obra organizada por SANTOS, Maria Teresa Cunha; BASTOS, Maria Helena Câmara; MIGNOT, Ana Chrytina Venancio (Orgs.). Refúgios do eu: educação, história, escrita autobiográfica. Florianópolis: Mulheres, 2000. 80 DAVIS, Natalie Zemon. Histórias de perdão: e seus narradores na França do século XVI. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

73

A distância entre Porto Alegre e Morano é problema acentuado pela

necessidade de decifração do código lingüístico, para alguns. As cartas que vão

para a Itália, na maioria dos casos, necessitam de escritores de boa vontade.

Quando chegam, do outro lado do Oceano, surgem os leitores. Momento público, de

uma escrita que já foi secreta, entre o narrador e o escrevente de cartas.

E falam de trabalho, além da saudade. Do problema da comunicação na

cidade das trocas que ignora a língua materna, a que é de casa, a que se fala

quando se está triste, indignado ou amando. Sequer, pode ser entendida pelos

outros como ele, também estrangeiro. Porto Alegre já foi mais polifônica que hoje.

Nesta polifonia, nesta Babilônia, há que se lembrar de outras vozes, os grupos

originários, como os lusitanos, os nem tão recentemente imigrados, os italianos da

zona Colonial e seus dialetos que alguns consideram como uma língua são

indecifráveis para os próprios lombardos, friulianos, vênetos que permaneceram na

Itália. Lembramos do poema A aurora do goivo, de Rafael Alberti: “minha língua

natal, de que/me serve em terra estranha?”81

Mas o estranhamento diante da cidade-metrópole aos olhos destes

moraneses não será tão arrasador como o dos lombardos, os vênetos, enfim, os

ainda presos na condição econômica agrária da zona colonial, fustigados (e

fascinados) pela imagem negativa da urbe na fala do clero conservador. Não, esses

imigrantes, quase ou mesmo analfabetos, que estão a chamar parentes para o

Brasil, já trazem a experiência citadina dada a peculiaridade da urbe italiana, ou, já

passaram por Buenos Aires, Montevidéu, até Costa Rica, segundo os relatos. Vão

aderir à modernidade como pedreiros, marmoristas, arquitetos, construtores, etc., na

cidade cada vez mais europeizada.

Vão partir, mas não em massa, como os primeiros imigrantes do século XIX,

que contribuíram para o adensamento humano na cidade despreparada para tal.

Ainda assim, o século XX não prevê aos que imigram nenhum planejamento social

por parte do poder público. A sobrevivência nos tempos difíceis, vai exigir

cooperação e solidariedade entre os seus e, também, da rede comunitária.

74

Ainda não vão partir de avião, mas a viagem não será aquela dos primeiros

relatos do Bispo Scalabrini verdadeiro “transporte de carne humana”. Diante da cena

dos emigrantes sentados, amontoados, na Estação em Milão, no auge da grande

emigração, aguardando o trem que os levaria até o Mediterrâneo, com destino às

Américas, reflete sobre o ânimo e expectativas dos que partem:

Com lágrimas nos olhos, tinham-se despedido do torrão natal, que os ligava a si por numerosas lembranças. Mas, sem remorso abandonam a pátria, que apenas lhes era conhecida sob duas formas odiosas: o recrutamento e as cobranças dos impostos. Pois, para o deserdado, a pátria é a terra que lhe garante o pão; e lá, bem longe esperavam conseguí-lo, menos parcimonioso e menos custoso.

82

Ao partir sabem que alguns vão ocupar a periferia da cidade ou os locais de

concentração de imigrantes, deteriorados e anti-higiênicos. Em muitos casos, serão

os párias da imigração. A cidade europeizada descrita nas cartas está no centro, em

usufruto das elites imigrantes, onde não faltarão traços de distinção social,

estabelecidos pelas formas e usos do espaço urbano. Os palacetes estão a exibir a

afirmação cultural, projetando o futuro possível. Assim parece aos que estão

chegando.

Os moraneses estão investidos da vontade do trabalho. Partem para

sintonizar com o processo dinâmico da cidade de recepção. Vão necessitar queimar

etapas para tornar realidade pessoal a fabulação do “fazer a América”.

Alguns, os que chamam os parentes, estão, já, dando ênfase ao consumo.

Estão diferenciando-se na paisagem urbana com suas igrejas, sociedades artísticas,

associativas, de lazer, etc.

Estão dando início à exploração dos domínios, dos gostos e preferências

estéticas diferenciadas. A cidade promete, aos que vão chegar, a ascensão

econômica do grupo. A acumulação de capitais na cidade-metrópole, conforme

estatísticas da época ou comentários de jornais, principalmente os do Correio do

82 SCALABRINI, João Batista. A emigração italiana na América. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, Centro de Estudos de Pastoral Migratória; Caxias do Sul: Universidade de Caxias do Sul, 1979. p. 43-45.

75

Povo, apresentam Porto Alegre como uma cidade progressista, resultado do

desenvolvimento da zona colonial.

Os que já estão em Porto Alegre servem de modelo de sucesso, acenam com

um horizonte de trabalho para os que vão partir. Desapegam-se de seus identitários

e, não importa o que são em Morano, aqui a metamorfose do trabalho se fará

automaticamente. Entre risos, os entrevistados relatam “era sapateiro, aqui,

verdureiro”, ou pedreiro e assim por diante.

Todos os dias, todas as horas, desde a partida, entram no movimento, na

viagem urbana, traçando de ponta a ponta a cidade das trocas. Abrem mão de um

destino previsível na Itália, dada a fixidez da estrutura econômica, social e política,

pela autonomia pessoal e social.

Desde que entram no navio, o rumor das línguas já os põe nas “zonas de

contato”. Explicamos: para Mary Louise Pratt “[tal termo] trata as relações entre

colonizadores e colonizados, ou viajantes e visitantes, não em termos de separação

ou segregação. Mas em termos da presença comum, freqüentemente dentro de

relações radicalmente assimétricas de poder“.83

De estrangeiro para italiano moranes, as zonas de contato são imediatamente

postas pelo “outro”, que quer ver neste os traços e atributos da distinção do que os

faz socialmente diferentes.

Ingressar em outro sistema de categorização identitária é jogar com certa

maleabilidade. Se a posição de estrangeiro define o estranhamento, ser italiano

moranes é o novo distintivo. Antes de partir bastava ser moranes. Mas sabem que

ao aportar no Brasil, isso não dirá absolutamente nada no imaginário brasileiro. A

metamorfose identitária já começa no navio, na viagem.

Com a fabulação, os quilômetros que estão sendo deixados para trás estão

sendo convertidos em registro oral da cidade natal, agora ideal porque é onde se é

feliz.

83 PRATT, Mary Louise. Os olhos do império: relatos de viagem e transculturação. Baurú: EDUSC, 1999. p. 7.

76

Precisa engatar a fabulação na nova existência social, estrangeiro para si

mesmo, percebe que deve converter sua estrangeiridade em distinção. E que nem

necessita ser verdadeiro. Para Bordieu “[...] a força social da representação não é

necessariamente proporcional ao seu valor de verdade”. Não importa que Morano

não seja tão maravilhosa, se assim lhes parece. Eles detém um tesouro, e basta.84

Na bagagem, talvez sem estar muito claro à consciência, vão trazer os

suportes para a reconstrução de suas práticas sociais de viver e morrer. Entre o

antigo e o novo corpo, a dialética da nova organização social do tempo e do espaço.

O giro com as cartas denota que elas corporificam os seres amados,

distantes, é pretexto para a visitação, a freqüentação, o laço social quase

terapêutico (senão o for mesmo) que manterão enquanto puderem. Farão do teatro

da vida urbana a narração mais nítida do que foram e querem ser, entre

condicionado e condicionante.

Para os outros estrangeiros, como os historiadores, vai ficando mais nítida a

estrutura simbólica da experiência mediante a qual se dizem “Primeiro moranes,

depois italiano”. E brasileiro, perguntamos. Agradecem ao Brasil, mas ... É o próprio

grupo a organizar sua representação, seu pertencimento.

A partida inicia um trajeto mental, simbólico que não acompanha,

necessariamente, a trajetória social, econômica. A autonomia da partida se

esvanece sempre e quando encontra um seu idêntico, quando pode fundir-se na

comunidade. É possível transitar entre papéis numa sociedade mais complexa e, é

este fascínio, que o faz definir-se pela partida. Pensa poder interagir com o

semelhante que o recebe, e o diferente, que o estimula a progredir.

O uso estratégico da identidade, sempre vale lembrar, está nas tensões no

campo simbólico que levam hoje ao reforço do discurso da etnia (européia) para

indicar a ascensão social e a posição de sucesso numa sociedade de classe.

Conforme a situação, o discurso da homogeneidade e da heterogeneidade é

84 BOURDIEU, Pierre. L`identité et la répresentation: eléments pour une reflexion critique sur l´idée de région. Actes de la recherche en Sciences sociales, Paris, n, 35, p. 68, 1983.

77

utilizado, pragmaticamente. Ao que se sabe, o discurso da homogeneidade mantém

subjacente as rupturas e predações de grupos étnicos.

Trata-se da elaboração do imaginário social onde as diferenças sociais

intragrupos são diluídas através da afirmação étnica. No cotidiano, há um rito de

separação intraclasse, que nas festas se re-homogeiniza. Existe um mascaramento

ideológico, no qual, o imigrante e sua descendência, são apresentados como ”bem

sucedidos” e a marginalização não conta. A identidade étnica dos moraneses, tal

como, sugere sua narrativa, é erigida como o referente “positivo”, um discurso de

superfície que oculta o discurso subjacente, o da identidade por extrato sócio-

econômico.

2.7 MINIMA MORALIA: reflexões sobre a vida danificada

Minima Moralia é o título do texto em que Theodor Adorno disserta sobre uma

vida danificada. A narrativa da partida de imigrantes é uma vida danificada que

busca superação e realização das condições interpostas pela existencia social. Mas

que narrativa produz uma vida danificada?85

Se tudo é narrativa, não há narrativa, seguindo-se o rigor do princípio de

definição aristotélico. Se tudo é tudo, nada é nada. Desde o título da tese, o objeto

histórico parece diluir-se, sim, mas ... narrativa e narradores ... Quem? O Quê? Para

quê e para quem ? E, Por quê? Eis toda uma analítica existencial, sugerida para o

campo da história.

Quem narra? Quem tem o poder para tal? O quê narra? A própria constituição

de si, segundo as categorias de tempo e espaço. Para que narra? Antes de mais

nada, para si mesmo, para se constituir. Para quem? Para a comunidade de

referência, de destino, de origem.

Se toda obra destinada ao campo da história defronta-se com uma analítica

existencial, quanto mais essa, montada sob perspectiva de quem narra desde o

85 ADORNO, Theodor. Minima moralia: reflexões a partir da vida danificada. São Paulo: Ática, 1992.

78

espaço social da cidade, na posição de um outsider, forasteiro, estrangeiro, recém

imigrante.

O estrangeiro contém a fluidez necessária para o trânsito difícil. Mais que a

figura do pária social, por seu não pertencimento, o perspectivismo dessa posição é

mais estratégico, mais que substantivo: permite manter o inusitado em foco,

retirando-se as camadas da assimilação, da percepção domesticada, e, por que não

dizer, embotada.

A narrativa, desde o olhar que se surpreende, surpreendendo ao leitor,

fazendo-o cúmplice, mais que convidá-lo a tirar os sapatos, desafogar o colarinho e

usufruír da leitura, convida-o a fazer parte do campo da descoberta.

Em geral, o moranes não aprecia ser categorizado, juntamente com os

demais italianos que emigram em massa, no século anterior.

As histórias, a seguir, estão retidas na recusa à situação que implica na

renúncia do objeto do trabalho em si mesmo. O preço, talvez, tenha sido a partida de

Morano, como foi para tantos.

Os estudos imigratórios sobre a Itália dão conta da estratégia de

sobrevivência tradicional, onde se alternavam períodos sedentários com períodos

sazonais de acréscimo de renda pela prática de trabalhos esporádicos por homens e

mulheres. Chama a atenção na sua narrativa, a sensação que passa ao leitor como

se fosse de uma onda varrendo o território italiano, deslocando região a região, até

descaracterizar o equilíbrio dessa sociedade. Senão, vejamos fragmentos sobre as

características da emigração de 1830-60.

Os primeiros a se mover (fazem-no há tantos anos, mas agora em maior número) são os trabalhadores que vivem encostados às fronteiras, ao longo dos ásperos vales Como, Bergamo, Belluno, Udine. Movem-se os piemonteses, os bergamaschi, os bellunesi, os friuliani homens e mulheres, incansáveis andarilhos.

86

86 VILLA, 2000, p. 52.

79

Estes são trabalhadores sazonais, que se empregam na França, Suíça, no

“vasto império austríaco”, na agricultura, construção de estradas, pontes,

ferrovias...Em seguida, as zonas alpinas são tomadas pela emigração: partem do

Vêneto, da Lombardia. ”Há também a emigração política: depois de cada

insurreição, há gente refugiada”. Como Mazzini em 1831, partem os lígures: “vão

para os Estados Unidos, mas se estabelecem, sobretudo, ao longo do Prata[...]”.87

Já não são camponeses, são pescadores, artesãos, comerciantes, são

aventureiros, como Garibaldi em 1846. ”Partem os toscanos: os marmoristas de

Carrara, os figurinai (fabricantes ou vendedores de estatuetas (grifo nosso) de

Lucca, os anarquistas de Livorno e de Monte Amianta”.88

Para ele a passagem da emigração tradicional para a emigração nova se dá

em 1860.

Coincide com o nascimento da Itália; marca a passagem de uma emigração tradicional a uma emigração nova. Envolve pela primeira vez, de uma maneira mais consistente, não mais burgueses empreendedores, mas camponeses. Desta vez, não por uma estação, mas para sempre. São os pequenos proprietários os primeiros a partir. São arrendatários e portanto, não os mais pobres, mas aqueles que possuem alguma coisa e não podem mais levar a vida adiante, impossibilitados de continuar arrendando terras.

89

Ao mesmo tempo a unificação da Itália quebrou os mercados regionais e criou

um mercado único, aberto à concorrência internacional.

Preferível partir. É o que fazem, entre tantos, os clãs de Angelina, Antonio,

Dalva e Carmine, nossos entrevistados. Partem em épocas distintas, mas todos têm

seus familiares já residindo em Porto Alegre entre 1920 e 1937. Angelina é a única

testemunha que conta sobre esses anos diretamente. Os demais, narram sobre um

material já filtrado pelo relato de seus pais, irmãos, tios. Mas a experiência desses

estrangeiros é igualmente única.

87 VILLA, 2000, p. 52. 88 Ibid., p. 52. 89 Ibid., p. 52.

80

Trabalho da memória social, mais uma possível teoria da experiência que

evoluciona o conhecimento sobre a migração pode ser cogitada. Rina Benmayor e

Andor Skotnes afirmam como o testemunho pessoal ”permite entender como as

matrizes em movimento das forças sociais impactam e moldam os indivíduos, e

como os indivíduos, por sua vez, respondem, agem e produzem mudanças na arena

social mais ampla“.90

Partir: para Angelina Sanzi Ferraro91 e seu clã, inicia antes, pelas cartas do

irmão que se encontrava em Porto Alegre desde 1910.

Estamos todos na confortável residência da matriarca Angelina, no bairro

Glória, que concentra muitos moraneses. Sua filha, Conceição Ferraro Maranghello,

e seu genro, Delmar Caetano Maranghello, participam da entrevista.

Ao falarem, seus textos vão organizando, no ato, os fragmentos, não apenas

da memória, mas da experiência da emigração de moraneses no Brasil, em Porto

Alegre. Articulam a narrativa de se pensarem como seres humanos, procuram um

modo de preservar sua identidade.

Entre o herói da tragédia grega que produz a si próprio, o emigrado ou se

adapta e renuncia ao trabalho em si mesmo (alienação em Marx), ou vive a

determinação imposta como necessidade e então, trabalha em seu destino. O leitor

concluirá.

Angelina se apresenta:

“Hoje, estou com 87 anos. Nasci em 19 de setembro de 1915”. Conceição, a

filha, também se apresenta: ”tenho 63 anos, quase 64. Sou descendente”. Seu

marido, também descendente, se diz:

90 Ver THOMPSON, Alistair. Histórias (co)movedoras: história oral e estudos de migração. Revista Brasileira de História, Viagens e viajantes, São Paulo: ANPUH/Humanitas, v. 22, p. 345, 2002. 91 A entrevista foi realizada no dia 29 de setembro de 2002. Inicialmente prevista para durar uma hora, acabou gerando duas horas de gravação ao participarem a filha, Conceição Ferraro Maranglello e seu marido, Delmar Caetano Maranghello, acabou totalizando duas horas de gravação. A intervenção, de todo modo, da fala dos familiares no relato de Angelina Sanzi Ferraro permitiu-nos uma narrativa enriquecida pela experiência destes.

81

Delmar Caetano Maranghello, nasci em 31 de janeiro de 1928. Meu pai Salvador Maranghello, nasceu em 8 de janeiro de 1923, A mãe, brasileira, Maria Maranghello. O meu pai veio aqui em 23. Não falava nada, em brasileiro. Falava italiano, não contava nada. Eu vim aprender o calabres aqui, nessa roda viva. Hoje entendo mais ou menos.

Lacônico, como lhe condicionaram a tratar as coisas da Itália, uma narrativa

quase perdida.

Ambos, nascidos no Brasil, no entanto intervém na narrativa de Angelina,

como o “ponto” no teatro, ajudando-a na narrativa. Desconfiamos que consideram

incompleto, o que ela poderia dizer sem a sombra da família. Afinal, eles são os

outros dessa narrativa e Angelina está a contar a história de todos.

Tecnicamente, traduzem as perguntas feitas à Angelina, quando esta carrega

no sotaque ou expressões do linguajar calabrês ou quando as perguntas interpõem,

por nosso cacoete acadêmico, a incomunicabilidade.

Depois de se apresentar como pessoa, apresenta o espaço que a define até

hoje, Morano- Calabro: “Minha cidade natal, está lá em cima”. Lá em cima é a foto

panorâmica de Morano- Calabro, no Monte Polino. “Mas posso dizer como é que é:

muito boa, muito pitoresca, muito ... como é que eu vou dizer ...“.

Toda residência ou local de trabalho de moranes costuma ostentar, no local

de honra, fotos panorâmicas de Morano- Calabro, no Monte Polino. No mapa de

Morano se vê a rua Porto Alegre. O termo pitoresco é freqüentemente utilizado.

Morano deve sua forma de ocupação ao processo histórico da região, aliada ao

acidente geográfico do Monte Polino, que sujeita a ocupação urbana numa espécie

de carretel, sua edificação em pedra remonta ao período pré-moderno, com a área

rural colada à urbana. O pitoresco só pode ser em relação à cidade colonial

brasileira, como nos primórdios de Porto Alegre.

Mas nós viemos para cá, não estava mal, para comer, beber, nós estávamos muito bem. Tínhamos uma chácara, nós trabalhávamos, comíamos, não faltava nada. Ao contrário, nós fazíamos e tínhamos azeite para o ano inteiro. Viemos aqui para melhorar de vida, para melhorar. Graças ao bom Deus que nós melhoramos de vida aqui. Nos contaram

82

muito bem. De lá, eu quando eu estava lá na minha terra, ah, eu vou para o Brasil, bah, como eu gosto do Brasil.

Na continuidade, Angelina conta sua vinda de navio, sua chegada em Porto

Alegre quando seu irmão a presenteia com um importante símbolo de elegância

feminina, reservado à elite italiana, um chapéu.

Este, é o irmão desbravador de seu grupo familiar. Seduzida pelas cartas, diz

Angelina:

Veio com 24 anos, solteiro, ele que mandou recolher toda família, que ele achou muito bom aqui. E disse: “vocês vêm para cá que é uma maravilha”. Ele dizia para o meu pai, “você vai durar 10 anos a mais”. Porque meu pai trabalhava na chácara. E aqui não, não trabalhou em chácara. Por que nós não viemos para emigrar, mas por chamada. Não é como aqueles Italianos antigos que vieram migrar, e que foram para fora.

Foi o que Angelina e sua família fizeram. As notícias iam se avolumando,

formando o imaginário que fez com que o pai de Angelina decidisse partir. O

desbravador do grupo, o irmão, chama os demais, pelo Ato de Chamada ou de

Lavoro. Para ela, o marcante “gostar do Brasil” pode ter muitos significados, não há

como saber.

Não sei porque! Me deu na cabeça de dizer como gostava do Brasil. Quando cheguei aqui: Bah, parece que cheguei no paraíso [notícias do Brasil, quem as fornecia?] Não falava com ninguém. Só dizia que eu saia da minha terra. Eu tinha, esse que está sentado aqui “[refere-se à outra foto, esta de família, quando alinha a linhagem entre genealogia e ordem de partida da Itália]. Primeiro veio meu irmão mais velho, depois veio o meu pai e depois veio o outro meu irmão. E depois vieram eu, minha mãe, meu irmão, Viemos em quatro na genealogia: eu sou a filha do meio das mulheres. Primeiro o Luís, depois a Carmela, depois o Salvador, depois eu, e depois minha irmã pequena.

Há outra viagem, que é de turismo, na direção de Morano, que uma vez na

vida, deve ser feita - como ir à Meca. Todos os entrevistados foram. Alguns pensam

em retornar, partir novamente. Não é o caso dos entrevistados, mas de seus netos.

Delmar lamenta o esquecimento, optando por se refugiar:

83

[...] isso que vocês estão fazendo agora [a tese e outros trabalhos históricos], deveria ser feito em 1960. Por que ia pegar todo esse pessoal antigo, que já morreu. Na década de 60, 50, esse pessoal que veio 10, 20, estaria com 50 anos. Eu estou pensando no pessoal antigo. O padre, aqui na igreja, ele fez tudo, toda vida do pai dele, do avô dele, ele fez tudo, como eles saíram de lá, como chegaram aqui, como saíram de Genova. Aqui está toda família. Mas não é moranes. Mas teve o capricho de fazer isso.

Aproveita para comentar que as condições dos primeiros imigrantes que se

dirigiram para a serra eram difíceis: ”Mato virgem, esses passaram trabalho”.

Já, para Antonio Bianchimano,92 a narrativa é outra. Estamos agora no local

de comércio, na sua “Casa para todos”, negócio de ferragem e utensílios, na rua

Venâncio Aires, sob ruídos de tráfego intenso. A cidade Baixa em Porto Alegre foi

um bairro de concentração de moraneses e, em certa medida, ainda o é.

Ele tem urgência em falar. Enfim, encontramos um lugar sossegado.

Entra na conversa Filomena Aita, seu marido, Domenico Aita, que apenas

assiste. Antonio remete-se ao recôndito de sua existência e por isso, fala em italiano,

aqui traduzido. Quando se deu conta, passou a falar em português. A impressão, é

que Antonio, ao evocar o tempo da narração de partida, só conseguiu fazê-lo, em

italiano, como uma forma de registro mais autêntico e legítimo do que iria narrar.

Meu nome é Antonio Bianchimano nascido em Morano, Itália, em 1924. Tenho 78 anos. Quando parti, eu era jovem. Da Guerra, participei só no fim. Depois que terminou a guerra, eu comecei a tentar vir para a América. Cheguei em 1 de julho de 1949, pelo meu tio que me mandou chamar pelo Ato de Lavoro. Eu cheguei como pedreiro! Até no meu município me recusei, sou sapateiro! Porém fala daqui, fala de lá, trabalhei um ano como sota mestre. Aprendi a falar um pouco. Depois compramos uma poteva, [pequeno estabelecimento] na Rua Santo Antônio, na Independência e após passados 8 anos mandei chamar minha mulher.

Partir, para Filomena Aita, foi animado, iria rever seu pai, aos 10 anos de

idade, em 1946. Segundo Antonio, Filomena, hoje, aos 66 anos, é ”quase da

família”, vizinha e ex-proprietária do “Casa para todos”, negócio levado por Antonio

92 A entrevista foi concedida no dia 25 de setembro de 2002. Como o ocorrido na entrevista anterior, com Angelina, participaram Filomena Aita e seu marido Domenico, impossibilitado de falar por um recente problema de saúde.

84

até sua aposentadoria. Ela é casada com Domenico Aita, “o primeiro imigrante de

Morano a chegar em Porto Alegre depois da guerra”, salienta Antonio. Domenico

não está podendo articular e em silêncio, assente. Domenico, antes de se casar e se

fixar em Porto Alegre, havia passado pelo Prata.

Antonio ri, Domenico escuta e assente. Continua a narrativa de Filomena, sob

o olhar dos 10 anos:

[...] o meu pai que imigrou antes, ele me deixou com 8 meses e eu cheguei com 10 anos, a história da guerra, então nos ficamos em Morano e ele estava no Brasil, ficamos na Itália. Era eu e minha mãe. Só depois nasce um menino aqui.

Antonio resolve lembrar do embarque: “quando nós vínhamos para cá, era em

Nápoles que se embarcava, direto para Porto Alegre” (Santos, pressume-se).

Já Domenico, diz Filomena: “ele terminou a guerra, daí o irmão mandou

buscar, ficou pouco tempo. Depois. , ele veio com a mãe, o pai e a irmã, não ficou

ninguém lá, veio a família toda”.

Antonio é preciso: “Eu fui então [para a Itália] depois de 1975, estava meu

irmão lá”. Filomena medita; “Por que vieram todos para cá, qual é o mistério?”

Antonio: “O mistério é as guerras. Quantos moraneses! A cidade se triplicou aqui. É

que, quem tinha parente, cada um mandou buscar. Um chamou o outro”. Filomena

não se conforma, insiste:

Sim. mas quem foram os primeiros? Porque que vieram? É, isso aí é um mistério. Lá agora está muito melhor que aqui, mas eu amo o Brasil. Me convidaram prá ficar lá, mas eu me criei aqui. Tenho um casal de filhos, tenho dois netos. Eu não sou naturalizada, Eu me sinto brasileira [risos]. Eu amo a Itália ... Ele é naturalizado [apontando para o marido] Mas por quê, alguma mulher se sente mais italiana que brasileira? Não é complicado. Eu tenho a impressão que alguns se sentem mais ligados à Itália. É que para morar na Itália, agora, depois de tantos anos não te acostuma mais, a gente fica um pouco lá mas o teu pensamento está aqui. Porque as raízes estão aqui. Passear, ir e vir mas pra voltar, não. Eu nunca quis me naturalizar. Só se eu for obrigada. [pelos negócios] não atrapalhou. Quando houve aquele problema na Argentina, no Uruguai, [taxação alfandegária] eu digo, uma vez só que tu vai, não dá pra pagar. Vai uma vez vai duas. Por quê que eu vou me naturalizar brasileira, por quê não dá para pagar?

85

A perda da língua, da memória e da narrativa deve-se ao período posterior à

1937, quando a língua e o ensino, bem como a circulação de livros em idioma

estrangeiro ficou proibida. Quando pedimos relatos, desfilam ilações e uma grande

ausência de significados da distância traumática. Filomena não cessa de se indagar:

O que será que passavam. A gente na Itália, como nós ficamos na época da Guerra, meu pai ficou aqui, e minha mãe ficou lá ...[Comunicação?] Não, nenhuma, a gente não morreu de fome porque estavam os avós. E me lembro que meu pai mandou dinheiro pela Cruz Vermelha e depois não sei quantos anos, meu pai mandou dinheiro, não veio, me lembro que era um dinheiro miúdo, e veio um saco. Mas valia, isso é que importa. Agora que tem o telefone, o padre fala que ninguém se escreve mais. A gente passou necessidade na época que o pai estava aqui, passou fome, mas graças a Deus é passado. Alguns até esqueceram dessas memórias, mas o medo foi tão grande. Então os filhos gostariam de falar mas os pais não gostavam de falar. Mas antes era uma cidade moderna, boa prá se viver. Na época da guerra quem tinha os familiares aqui, a gente passou fome lá, na Itália, porque não tinha nada pra comer. Eu me lembro quando era guria de dizer para a minha mãe: ” - eu vou brincar prá não te pedir pão”.

Antonio conclui: “Ma siamo contento perche adesso siamo bastante moranes

e sempre se encontramo. Quando morre uma pessoa na nossa comunidade, é no

cemitério, na igreja e tamo bem até agora”. Essa é uma característica dos

moraneses, estar filosoficamente de bem com a vida, o que é comentado inclusive

por italianos de outros grupos.93

Como para Filomena, partir, para Dalva Di Martino Cassarä,94 teve o mesmo

sentido de reaver os elos com seu pai, separados que estavam desde antes da

guerra. Este encontro é apenas a sua voz, sem a sombra familiar. Apenas Dalva, na

sua sala da rua Demétrio Ribeiro, Dalva, minha ex-professora de italiano na ACIRS.

Sua narrativa, como a próxima, a de Carmine, é uma visão bastante pessoal

da sua trajetória de vida. A referência familiar e do grupo de moraneses ocorre 93 Entrevista realizada em 2 de outubro de 2002, na sua residência à rua Santo Antonio, gravada, com Lydia Theresa Miotto Gabellini, filha de venetos. Na ocasião recebi uma cópia do diário de memórias de seu pai, relatando sua vida desde a Itália, com seus pais, passando pelo trabalho nas plantações de café em São Paulo até conseguirem chegar, de fato, no Rio Grande do Sul. Seus avós, pois, foram localizados em Alfredo Chaves, hoje Passo Fundo pela “Comissão de terra e colonização”, em 1888. 94 Entrevista realizada em 28 de setembro de 2002. Embora nos conhecêssemos anteriormente, a indicação de seu nome foi feita por Carmine Motta, liderança do grupo moranes e sobrinho de Angelina. A entrevista, ao contrário das anteriores, teve cumprido todo o ritual da entrevista em história oral e durou uma hora de gravação, intercalada com fotos que surgiam e recortes de jornais antigos.

86

enquanto coadjuvantes de uma vida partilhada, mas o que sobressai é a reflexão

crítica de si e do grupo, sem a mediação no ato de narrar, dos demais.

Nasci dia 16 de outubro de 1939. Me criei na Itália, em Morano Calabro, uma cidade pitoresca. Nós estávamos falando de Morano, que idade era isso? Da lembrança que eu tenho de Morano, sei que não era muito grande no início. Em relação à evolução havida após a guerra, não somente em Morano, senão na Itália inteira, era um caos. Não tinha emprego, não tinha nada mais. Mas, afetivamente, era uma cidade pequena, era uma maravilha. Mas eu larguei Morano no sentido que deixei Morano com muitas outras pessoas mesmo. Não ficaram parentes, porque papai já estava aqui [em Porto Alegre]. [Fala do pai] Dentro daquele espírito aventureiro, não ligado à terra, mas as coisas da cidade do comércio ... Ele tinha esse espírito democrático. Então via aquela coisa de feudalismo e ele não suportava aquilo. Não quis se meter em política. Mas ele tinha idéias democráticas. Ele achava que, na época dele, quando era criança, a mãe dele dizia: “- vai lá cumprimentar” e ele não queria, “ele era igual a mim”. Desde criança esta coisa assim. [a família] Morava na cidade. Eu não conheci nem meu nono, quando eu nasci tinha falecido há tempo. Ele dizia: “- não tiro o chapéu para ninguém. Eu tiro chapéu para as pessoas amigas, as pessoas que eu aprecio que são mais do que eu. Que são democráticas. Não acho que tem que tirar chapéu por ser fulano de tal”. Ele não suportava e na época ele saiu de lá. Aí ele rompeu com isso e veio fazer a América. É isso aí, meu pai tinha essas idéias, muito inteligente. Era um filósofo. Mas eu conheci quase o pai aqui. Me deixou pequena foi uma pessoa assim que viveu para lá, e para cá, sozinho. Uma carta de oito em oito dias vinha, para o sustento da família. Foi uma pessoa muito legal. Não posso dizer ao certo o ano em que chegou, porque o pai atravessou o Atlântico seis ou oito vezes. A última etapa de viagem dele foi no Brasil, quando se radicou aqui na Colombo, no comércio, com armazém, por volta de 35. Condições assim [para buscar a família] ele tinha, mas depois veio àquela guerra, ficamos trancados. Ficamos cinco anos recebendo notícias, mas depois ficamos cinco anos sem receber uma carta. Só por nós, coitadinho, ele estava aflito em mandar notícias por meio da Cruz Vermelha. A família era a mãe, eu, e a outra irmã que já estava casada que agora também está aqui. [As cartas] Ele [dizia] das preocupações que ele tinha, como a gente estava, se estava tudo bem, que ele também dava notícias dele, explicava com andavam os negócios. E também desde que veio teve um amor sempre pelo Brasil, tanto que todos me chamam Dalva, porque tinha uma menina muito querida sobrinha, filha de uma irmã dele que se chamava Dalva, então ele deu além de carinho pela filha da minha irmã que ela gostava, tinha que ter meu nome em homenagem ao Brasil, uma coisa assim. [Partir] “Uma coisa assim que eu tive que deixar o colégio, os colegas, eu tinha quatorze anos, em cinqüenta e três. Em Morano, Castrovillari também. A gente pegava a ferrovia, se chamava jamalitrina, se pegava de manhã e voltava-se à tarde. Às vezes tinha aula às seis da tarde e assim uma vida maravilhosa que apesar como você disse, tive que deixar. O pai, quando chegou a hora assim diz: “ - vai comprar as passagens, eu quero que a família venha porque eu não vou voltar”. E a mãe ficou meia, sabe como eu digo, mais idosa, largar tudo, os costumes daquela vidinha que ela tinha nas mãos. “- o que eu vou encontrar? “Mas aqui [em Porto Alegre] ela tinha duas irmãs, também dois irmãos e eles escreveram para a mãe: “- não te preocupes, está tudo bem e teu marido já tem casa, está tudo tranqüilo”. A casa era no centro; tinha duas casas, uma quase em frente ao Capitólio, que agora tem o Edifício Dalva. Eu nasci na Itália e me criei na Demétrio, que tinha naquela quadra entre a Bento Martins e a Cipriano, um pedaço de rua assim maravilhoso. Tinha muitos e muitos jovens, então eu tinha chegado. A “italianinha” nessa rua, todo mundo me procurando, aquela coisa. Então eu

87

comecei a sentir aquele calor humano que até hoje é assim e eu não tenho nada a dizer contra ter deixado a Itália. Foi graças aquela gente que me deu um carinho maravilhoso e ai de quem falar dos gaúchos, que eu sou enraizada nessa terra maravilhosa. Só naquela quadra nós de italianos. O pai se dava com as pessoas e com isso vinha uma vizinha, vinha outra e depois me convidavam pra ir ao cinema. [A educação] A educação continuou italiana. A mãe escrevia cartas para Porto Alegre, Rio Grande do Sul e finalmente eu conheci Porto Alegre. Foi uma imagem muito bonita, era um dia de sol maravilhoso. Então o que acontece, eu saí de lá com pesar, mas eu tive um povo que me acolheu. Pessoas maravilhosas que deram ... levantaram meu astral. Não é que me deixaram esquecer, que isso é uma coisa que não se esquece. Mãe, pátria e primeiro amor, são coisas que não se esquecem nunca. Leva sempre no coração”.

Para finalizar este corpus de entrevistas sobre a partida, a narrativa de

Carmine Motta,95 em seu estabelecimento, a alfaiataria Vestire, na Venâncio Aires,

também na Cidade Baixa. Seu pai aqui estava, aproximadamente, como Angelina e

Salvador, no comércio, com armazém, atividade comum aos moraneses e italianos

em geral. Como Filomena, a guerra o separara da família.

Sua narrativa desdobra-se fluente, sem sombras familiares. Prazerosa e

articulada. Enfim, está acostumado a representar o grupo moranes.

Na primeira fala, corrige minha pronúncia. “Carmine Motta, acentinho em cima

do “a”, a pronúncia certo, não tem o acento, não é? Eu sou italiano nato, eu nasci na

Itália, em Morano Calabro, na Província de Cosenza, na Calábria, no sul da Itália, na

ponta da bota”.

Logo, decide que a sua história começa na história do avô. Como narrador

experiente, sabe que uma história de migração tem sempre um totem fundador, um

ancestral que dá origem ao resto.

Eu vim para cá, em 1961, mas a minha família, família de meu pai, já estava em Porto Alegre. [Porto Alegre] Bem, naquela época era uma cidade grande e ali [Morano] era um lugar pequeno, só trabalhando na terra, o pessoal vivia da agricultura, enquanto que aqui se podia desenvolver, viver, era o comércio, vindima. Meu avô vendia fruta ... Então fez duas filhas, mais dois filhos, um homem e uma mulher e voltou prá cá. E aí ficou até antes da

95 A entrevista foi realizada no dia 16 de julho de 2001 e de gravação dispendemos 1 hora. Foi a primeira entrevista realizada com moranes, mas como Carmine foi o último a chegar em Porto Alegre, optei por deixar sua narrativa após as demais. Além disso, sua visão é tanto retrospectiva, ao pensar Morano como a cidade mítica da cultura antiga, como projetiva, ao pensar Porto Alegre como a cidade irmã de Morano, o gemellaggio na direção da aproximação e intercâmbio entre as duas cidades e seus moraneses.

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guerra. Quando da guerra, ele voltou como patriota para fazer a Primeira Guerra Mundial em 1915, e aí ele fez a guerra, aí nesse meio tempo teve um outro filho e aí já eram cinco filhos. Aí ele voltou, depois da guerra, disse que não podia viver lá porque tinha filho, três filhas mulher, prá casar as filhas tinha que voltar para Porto Alegre porque aqui ele arrumava algum dinheiro, aí ele voltava prá casar as filhas. E aí ele não voltou mais. E aí nesse meio tempo as filhas cresceram, não é, as filhas cresceram, arrumaram namorado, casavam-se jovens naquela época, não é. Então a minha mãe, a minha outra tia casou e o filho homem já tinha uns vinte e poucos anos e, em 1935 chamou o filho, o genro, e vieram prá cá. E era prá vir o resto da família, mas a mulher ficou lá, a esposa dele. Então, em trinta e cinco, meu tio, os dois genros , mas as mulheres ficaram sempre lá. Era prá vir prá cá a minha mãe, não o meu pai, depois com certeza viria o resto da família. Mas aí estourou a Segunda Guerra Mundial e ficaram presos lá, não puderam vir prá cá, a minha avó, a minha outra tia, e o outro filho que já era jovem, que tinha nascido depois da Primeira Guerra Mundial. Nesse meio tempo estourou a guerra, meu pai teve mais quatro ou cinco anos de guerra. Terminando a guerra, logo depois em 46, vieram prá cá, a minha avó, a minha. Bom, em 46 vieram a minha avó para cá, veio a minha tia, o marido dela já estava aqui de antes da guerra, o outro tio tinha vindo solteiro, casou aqui. E em quaren ... cinqüenta e um, nós éramos dois filhos eu e mais o meu irmão. O meu irmão, terminada a guerra em cinqüenta e um ele veio prá cá. Por quê? Pelo medo, a minha mãe tinha medo que estourasse mais uma guerra! Porque ela tinha tido na primeira guerra mundial, o pai, na Segunda Guerra Mundial, o marido e diz, "daqui a um pouco vou ter os filhos na guerra". Então em cinqüenta e um vem o meu irmão para cá, mas já estava os parentes aqui. E eu, praticamente fui educado para vir para a América, para vir para o Brasil. Por quê? Porque nós tínhamos ficado sozinhos lá, nós tínhamos ficado sozinhos lá na Itália e todo o resto da família já estava aqui. Aos pouquinhos, desde o início do século vieram prá cá, não é. Então tinha ficado só a minha mãe, meu pai e eu. E eu praticamente fui educado prá vir prá cá. Sempre: "Tu vai prá América, tu vai para o Brasil". Porque o meu irmão já estava aqui. Mas era uma opção minha. Claro que cresci, comecei a estudar lá, eu tinha que escolher, fazer uma escolha, não é? Eu morava em um lugar pequeno. Ou vinha para o Brasil ou emigrava para outro lugar, na própria Itália, que a Itália já estava começando a se organizar em sessenta. Mas eu optei prá cá porque já estava o resto da família já estava aqui, os dois irmãos, vamos morar juntos, vamos ficar juntos e aí em 1961 eu vim prá cá. Com dezenove anos, completei dezenove anos aqui. Vai fazer quarenta anos, agora, dia vinte que eu estou aqui em Porto Alegre. E, é claro que foi uma aventura vir sozinho ... Depois de dois anos aí eu vim com aquele idéia de ver se eu gostava ou não gostava. Porque se eu não gostava, teria ido embora. Mas vim acabei gostando, fiquei, estou aqui. As notícias, a imagem que eu tinha? Porto Alegre, lá onde eu nasci, lá em Morano Calabro é praticamente de casa. É claro que eu não tinha uma noção da cidade. Eu não imaginava uma cidade tão grande, imaginava uma cidade menor. Mas também não uma cidade pequena, por que? Porto Alegre, desde o inicio do século, diversas famílias vieram para cá e sempre teve uma ligação entre os porto-alegrenses e os moraneses. E, quando depois veio o pessoal se estabeleceram aqui, e depois de alguns anos voltaram para lá, sempre tínhamos algumas informações da cidade, dos costumes. Eram formas de vida, como a gente vivia aqui e que a gente imaginava que esta cidade - pelo menos eu - que esta cidade era próxima, mais próxima com os costumes italianos. E na realidade é. Dessas informações que eu recebia lá, quando os outros voltavam. Mesmo eu que era adolescente, essas coisas, sempre vinha uma pessoa amiga e minha mãe dizia: “- vamos a visitar a fulano de tal que veio da América. ”Então a gente ia a visitar prá ver, levar umas noticias dos parentes, dos amigos. E então desde pequeno eu escutava: “- um mora aqui, um cara tem isso, o outro tem aquilo. ”Então

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havia uma idéia , claro, pálida, da cidade. [Que seria como viver na Itália?] Eu imaginava isso, eu imaginei, mas na realidade quando cheguei aqui vi que não era isto, vi que não era bem assim. Ao contrário, eu encontrei uma cidade completamente diferente de como se vivia na Itália. Quando eu vim prá cá, meu irmão tinha um negócio na Vigário José Ignácio, na parte de cima. E nós morávamos lá”.

Como foi depois, Carmine falará mais adiante, assim como da viagem.

Apenas lembra que “é como uma árvore que se tira de um lugar e vai plantar em

outro, ele tem que se adaptar entre tantas coisas”.

Bom, o português eu aprendi, eu fiz um curso. Eu tenho o curso ginasial. Lá [na Itália], naquela época era ginásio. E aí eu fui fazer um curso com um conhecido, particular. Me ensinou alguma coisa, Eu aprendi no dia a dia, mas me deu a base da gramática. Mas na realidade foi no dia a dia. Me lembro que havia um senhor gerente de banco, do Banco de Crédito Real e ele passava todos dias por mim e dizia prá mim: “- italianinho, tu tens que aprender duas palavras por dia”. E todos os dias me dava duas palavras novas para no outro dia, eu ... Tá te lembrando? O trabalho, pela minha profissão. Já vim com essa profissão, foi lá, já vim pronto para trabalhar. Fiz um curso de corte, lá em Turin, tinha profissão lá na minha terra, tinha mestres lá. Ah, e esse senhor, o gerente, me dava duas palavras por dia. Então nós, depois de algum tempo, depois de alguns meses, já estávamos falando razoavelmente o português”.

Carmine inventaria as perdas havidas em função das guerras, o

estranhamento dos próprios italianos e seus descendentes, diante da cultura

italiana. Trata-se da narrativa interrompida, que não liga o tempo mítico ao histórico

e ao do calendário. Os pais, ao partir, são os deserdados da Itália. E têm em seus

filhos o espelho da ruptura para as gerações, do laço identitário. No Brasil, não são

filhos para o Estado-Novo. Enfim, é o início da hifenização necessária, criar um

terceiro que ligue as pontas.

[No Estado Novo] O meu avô, aqui em Porto Alegre não era tão sentido porque aqui a maioria viviam entre eles, não eram ligados à política, não eram pessoas da alta. Mas de vez em quando havia casos assim na época da guerra aquele pessoal não podia falar. Meu avô foi preso uma vez porque encontrou um patrício que perguntou pela família. Não era Quinta Coluna, não era nada, só perguntava noticias da família. Passou um delegado de policia e prendeu ele e meu avô, não levou um dia para soltarem. Outros amigos, mesmo brasileiros, que entendiam que aquilo era uma bobagem e pediam para que soltassem os pobres dos italianos que estavam presos. Mas teve outros casos que eram mais complicados, não? O pessoal se ocultava claro. Eu tenho notícias, por exemplo, de pessoas que eram daqui e viviam aqui pessoas de uma certa idade hoje, que contavam que naquela época os pais italianos proibiam os filhos de falar italiano para não ter discriminação. Aquela geração que anos cinqüenta e

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sessenta e antes um pouco, toda essa geração não fala italiano e fala dialeto. Hoje nós sentimos isso com os dirigentes. Tem alguns dirigentes novos nas entidades italianas eles não se sentem italianos, sendo numa sociedade italiana, eles sempre tendem a colocar o marco brasileiro por quê? Porque eles perderam a relação com a cultura italiana. Ultimamente a Itália está fazendo tudo para resgatar isso, mas são fatos históricos o que aconteceu com a história da etnia. E foi uma pena porque o Estado do Rio Grande do Sul poderia ser um estado trilingüe, tranqüilamente não é? Porque assim como tem o castelhano, poderia ter o italiano, o alemão. Nós poderíamos falar fluentemente o alemão, o italiano. Um povo culto [empobrecimento da cultura da cidade]. Claro, quando eu cheguei, eu não peguei este período, quando cheguei já terminada esta época, já tinha uma nova mentalidade, uma nova forma política dos outros. O único problema que eu peguei foi, quer dizer, não foi nem para mim que não tinha consciência naquela época tinha dezenove anos. Foi quando da Revolução da Legalidade que a minha mãe estava preocupada, porque havia notícias pelo rádio que havia estourado uma revolução. E ela diz: “- mandei meus filhos para sair da guerra da Itália eventualmente uma outra guerra e agora logo lá vai estourar uma revolução”. E ela sabia que nós morávamos ali, perto, próximo ao campo ali do palácio Piratini que era onde podia estourar alguma coisa. Tivemos, claro, naquela época, todos nós depois da revolução, todos nós, a gente se mantinha neutro. Não entrávamos na política. Ficamos fora. Naquela época de ditadura irritou tantos talentos e talvez que podiam se dedicar e talvez porque o pessoal estava com medo então não se dedicou [literatura] Normalmente isso aí é um fato de que o imigrante normalmente vinha com pouco conhecimento literário. Então não passava ao filho, ao descendente, esse lado; que dizer, é uma opinião minha, mas eu creio que seja isso. Ele não conseguia passar ao filho para manter uma tradição familiar, mas quando chegava, quer dizer, ele nunca ia obrigar, dizer para um filho ler um texto em italiano. Porque ele não conhecia também. Ele era um sujeito que normalmente vinha da campanha, vinha com pouca instrução, o nível cultural. Tinha uma cultura popular vindo da mente deles, então. Passava valores, mas não cultura literária. Por exemplo era difícil porque ele não a conhecia. Eu, esses tempos dei à minha filha quando estava no primeiro grau fazendo um curso em italiano, eu dei um texto para ela o Promessi sposi, do Alessandro Manzoni. Mas que eu já tinha lido o romance de Alessandro Manzoni, então eu pude dizer para ela: “- esse texto é bom, vai te interessar”. ”- Agora outra pessoa que nunca viu falar, que nem sabia quem era Alessandro Manzoni, então não podia transmitir, por isso. É o fato que aconteceu. É uma maturação, é verdade, dentro da imigração normalmente o filho quer ocultar, o neto quer desvendar. E nessa guerra, entre as guerras, esse é o problema. O pessoal que vinha não tinha conhecimento cultural, então era difícil de transmitir isso para os filhos [...] Vocês nunca quiseram se informar? O pai não se informou porque não sabia, era um agricultor, ele não sabia, mas tu, depois na tua intelectualidade, nunca foi tentar mudar, ou tentar pesquisar para ver também o outro lado? Isso o meu pai não sabia, porque ele nunca tinha estudado para me transmitir, mas eu vou fazer uma pesquisa, vou me informar, vou pegar uma literatura, sei lá. Mas então, não são culpados só os pais, vocês também são culpados, nunca se interessaram é isso que aconteceu nessa faixa sabe, essa faixa de vinte, trinta anos”.

Na sala, há uma foto ampliada de Morano- Calabro que existe em todas as

casas de Moraneses, com vista para a cidade. Como sabemos, a população de

Morano é menor que a residente em Porto Alegre, entre oriundi e descendentes.

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A narrativa da partida também se faz sob o signo da esperança, como

veremos a seguir.

O que fica em destaque nas narrativas dos entrevistados e ligado à

historiografia da migração, é que a cadeia migratória familiar que conseguiram tecer

em Porto Alegre, interrompeu-se, de fato, apenas nos período das grandes guerras.

Outro comentário a fazer, baseado na historiografia e nos relatos orais, é que

antes da unificação italiana, os calabreses que partiam eram em sua maioria sem

qualificação, mas no início do século XX já ocorre um principio de estratificação

social. No período do fascismo a emigração em massa de italianos é interrompida.

Mas ainda assim emigram. Desta feita, confunde-se as motivações anteriores e os

motivos político-ideológicos quando partem também profissionais liberais

descontentes ou perseguidos pela ditadura instalada na Itália. Esses,

preferencialmente, procuram as cidades, a rede estabelecida é menos familiar que a

emigração aqui relatada pelos moraneses, que é uma emigração urbana por

excelência, onde quer que se tenham instalado.

Partem, emigram, mas refazem a rede de convivência no novo meio urbano e

a rede de comunicação com a Itália meridional sempre que possível, ao contrário do

que historicamente ocorreu com outros grupos de italianos de outras regiões, que

estão hoje despertando para a busca das origens de seu ancestrais. É como se

estivessem para realizar o que os moraneses, em parte, sempre buscaram:

valorizar, a re-ligação com os tempos míticos, através da narrativa. A cidade conflui

e contribui como fundo de experiência coletiva para tal.

3 TRANSITAR NOS CAMINHOS DENTRO DE SI: HÁ UM DESTINO?

[560] 1921 Qualquer caminho leva a toda parte, Qualquer caminho Em qualquer ponto seu em dois se parte E um leva aonde indica a strada Outro é sozinho. Um leva ao fim da mera strada, pára Onde acabou. Outro é abstrata margem ................................................................. No inútil desfilar de sensações Chamado a vida, No cambalear coerente de visões Do [...] Ah! Os caminhos stão todos em mim. Qualquer distância ou direção, ou fim Pertence-me, sou eu. O resto é a parte De mim que chamo o mundo exterior. Mas o caminho deus eis se biparte Em o que eu sou e o alheio a mim. [...] Fernando Pessoa 96

TRANSITAR: passar ou andar ao longo, entre ou através de; percorrer; mudar

de lugar, situação ou condição, trânsito.97

A diferença entre as narrativas de Angelina, Dalva, Filomena e Carmine, da

travessia no navio desde o porto italiano até o Brasil, relatadas a seguir e o viajante

sem direção de Fernando Pessoa, é esclarecedora, embora não se abra um abismo.

Antonio, curiosamente, não disse uma palavra sobre a viagem que o trouxe ao

96 PESSOA, Fernando. Obra poética. Volume único. Rio de Janeiro: Companhia Aguilar, Biblioteca Luso-Brasileira, 1965. p. 497-498. [560]. 97 DICIONÁRIO Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 2751.

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Brasil, os demais partiram decididos. De toda maneira não é mais uma viagem nos

termos dos relatos da migração em massa do século XIX.98

Destino ou não, vir para América nem sempre significava chegar em Porto

Alegre. Muitos embarcam sem saber ao certo para onde ir. As histórias de imigração

estão repletas desse caráter de incertezas e ausência de predestinação. Apenas os

moraneses, a partir do momento que alicerçam sua cadeia migratória, colocam um

destino nas expectativas de emigrar.

Como o eu poético de Pessoa que contém seu próprio caminho, portanto, seu

pertencimento, os imigrantes vão transitar entre mundos distintos. O “mundo italiano”

o qual ficou para trás e lhes diz o que são e o “mundo da América” que irão enfrentar

e precisará ser traduzido, decifrado, isso tudo irá requerer a comunicação entre o

conhecido e o desconhecido, na cidade de Porto Alegre.

3.1 A suspensão da narrativa

Viajar? Para viajar basta existir. Vou de dia para dia, como de estação para estação, no comboio do corpo, ou do meu destino, debruçado sobre as ruas e as praças, sobre os gestos e os rostos, sempre iguais e sempre diferentes, com afinal, as paisagens são. Se imagino, vejo. Que mais faço eu se viajo? Só a fraqueza extrema da imaginação justifica que se tenha que deslocar para sentir.Qualquer estrada, esta mesma estrada de Entepfuhl, te levará ao fim do mundo’. Mas o fim do mundo, desde que o mundo se consumou dando-lhe a volta, é o mesmo Entepfuhl de onde se partiu. Na realidade, o fim do mundo, como o princípio, é o nosso conceito do mundo. É em nós que as paisagens têm passagem. Por isso, se as imagino, as crio; se são, vejo-as como às outras. Para quê viajar? Em Madri, em Berlim, na Pérsia, na China, nos Pólos ambos, onde estaria eu senão em mim mesmo, e no tipo de gênero das minhas sensações? A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que vemos, não é o que vemos, senão o que somos.

99

Mas todos os nossos protagonistas, ao contrário da literatura de ficção ou da

literatura de expedição científica, são vacilantes quanto à experiência direta da

viagem, do trânsito. Paradoxalmente, o movimento, o deslocamento gera uma

98 MAESTRI, Mario. Travessia oceânica. In: Os senhores da serra: a colonização italiana no Rio Grande do Sul. (1875-1914). Passo Fundo: UPF, 2000. v. 2. (Il brasile italiano-500 anos de História). p. 45-50. 99 PESSOA, 1999, p. 452. [451].

94

narrativa que omite a história. Interrompe ou empobrece a narração que se

desdobra, até então, tão vívida.

Para Leed é evidente que, quem quer narrar o movimento, enfrenta

dificuldades. E indaga:

Que coisa existe no trânsito que dissipa as suas motivações extrínsecas e gera fins próprios; que tranqüiliza, satisfaz e extingue a condição da narração e fornece um prazer pelo qual os viajantes habituais despendem a riqueza e a vida como outros fazem por uma amante dileta?

100

No caso dos imigrantes, o seu senso e sua percepção, bem como os efeitos

da experiência da travessia, produzem um texto exíguo. Por quê frustam a narração

e talvez a linguagem?

As rotinas da vida no navio são inenarráveis, porque são da ordem do

ordinário. Mas por quê o, supostamente, sem dificuldades não pode ser descrito?

Após o drama da partida, abate-se o silêncio e os dias se sucedem. É o maravilhoso

que Angelina não detalha, ou a babel lingüística de Carmine. Os temas da partida

são ricos em detalhes sobre a ruptura da appartenenza e os relatos de chegada são

os mais fabulados de geração para geração. Como um mito, sua narração articula

temporalidade, comunicação, relações entre as gerações, envolve o outro. Transitar,

no que concerne à possibilidade da narratividade, esbarra, agora, com uma quase

impossibilidade. Seriam irrelevantes, as percepções geradas durante o trânsito entre

tempos vividos e espaços percorridos?

Deixemos o sofrimento da partida, aliás, nem toda partida é sofrida.

Imaginemos que a natureza da transformação da mente do imigrante está para

acontecer onde menos se imagina: no movimento. Mas a narrativa desta

transformação empobrece. As tintas da emoção escorrem e se apagam, Na rotina da

viagem, o supostamente normal, ordinário, fácil e prazeroso provoca silêncio.

100 “Che cosa c´é nel transito che consuma le motivazioni ad esso estrinseche e genera fini propri; tranquillizza e soddisfa, estingue le conddizioni della narrazione, e fornisce un piacere per il quale i viaggiatori abituali spendono la ricchezza e la vita come altri fanno per una amante diletta?” LEED, Eric J. La mente del viaggiatore: dall’Odissea al turismo globale. Bologna: Società Editrice Il Mulino, 1992. p. 76.

95

Não foi sofrimento para Angelina, alguns eventos romperam a rotina. “Ah

gostei muito, o passeio de navio, de vir de navio, bah. [De primeira classe?] De

terceira. Tanto de primeira quanto de terceira estar em cima do mar é igual, mas

tudo bem”.

Segundo James Gibson, citado por Leed, “Devemos então perceber para

movermo-nos, mas devemos também movermo-nos para perceber.”101 Angelina

precisa a duração da viagem, mas congela estas lembranças de modo maravilhoso,

na sua narrativa, nos seus vinte anos: “Durou ... saí de lá, 30 de abril, cheguei aqui,

16 de maio, não durou muito, era um navio novo, naquela época, navio Augusto que

se chamava. Uma viagem maravilhosa, que quando desci do navio fiquei com pena

de terminar de viajar”.

Forçamos a narrativa, pois os entrevistados não comentam muito,

perguntamos o que mais eles poderiam contar sobre a viagem. Conceição (filha de

Angelina) tenta ajudar: “- Mamãe, não te lembras de nenhum fato que aconteceu

dentro do navio?” Angelina não se dá por entendida: “Não aconteceu nada.”

Conceição torna a perguntar: “Não te lembras de nada de bom que aconteceu no

navio?”.

Insistimos, pedimos que comente sobre a língua falada na viagem,

perguntamos se havia apenas italianos à bordo.

Era tudo misturado [o convívio] maravilhoso, estou dizendo que foi maravilhoso. A viagem, quando terminou a viagem que eu dizia: “as que pena terminar”. Tinha um que passou mal, com mal do mar, que queria me matar. Eu, para mim foi maravilhoso, bah, ia para cá, ia para lá, subia, descia, maravilhoso. [Foi um passeio o tempo todo?] Maravilhoso. [É, aos 20 anos, tudo é novidade.] Até namorado encontrei em cima do navio. Tinha um rapaz que era... até hoje não sei, era italiano, ele ia para a Argentina. E queria me namorar: ‘Mas não vai dar certo, tu vais para a Argentina, e eu, para Porto Alegre, como é que nós vamos namorar?’ Até depois teve o gosto de tirar uma fotografia, e depois me mandou [risos]. [Houve reencontro?] Não, nunca. Foi só namoro de navio. É, namoro de navio. [risos] Namoro de navio, engraçado. [Escondido do pai?] Naquela época, Deus o livre, até hoje, agora que eu estou falando. Até hoje tem que ser segredo.

101 “Dobbiamo dunque percepire per muoverci, ma dobbiamo anche muoverci per percepire” (GIBSON, p 223) LEED, 1992, p. 88.

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Carmine já estabelece o trânsito lingüístico desde a viagem.

Bom, a língua, quando eu vim para cá eu não conhecia nada, nem uma palavra de português. Eu vim com um navio chamado Júlio César, era um bom navio, um navio abbandanza confortável. Não era um navio como vieram os primeiros imigrantes, tinha piscina a bordo, era bem confortável. Então, dentro do navio me lembro que tinha um padre espanhol que vinha para cá. Era um botânico. Era um jesuíta. E ele queria falar comigo, eu gostava de falar espanhol com este padre durante todo percurso que nós tivemos. E ele de vez em quando chamava um padre brasileiro, que era carioca, por sinal, para falar comigo em português: “Não, tu tens que aprender em português, e não o espanhol”. Mas o espanhol me soava mais fácil, mais prático para eu aprender a falar. E eu conhecia alguma coisa de espanhol, também gostava de falar com o padre. Mas quando veio aquele padre brasileiro, que começou a falar em português, ainda carioca, e chiando, eu não entendia bulhufas. [risos] Não, depois quando chegarmos ao Brasil, nós vamos ver como vai ser o negócio. Passaram uns dez ou doze dias naquela atravessada no mar e cheguei ao Rio de Janeiro, em 21 de julho de 1961. Até vou contar um detalhezinho: o meu irmão tinha me mandado uma carta - nós nos correspondíamos – dizendo “acidentalmente eu não posso ir ao Rio de Janeiro te esperar, vou te mandar um bilhete aéreo pela Companhia Varig e eles vão se encarregar de te buscar lá e ta”’. Eu conheci uma velhinha, e o filho disse para ela que viria buscá-la em Santos, na chegada. E a velha estava preocupada, porque além de não conhecer ninguém, não saber falar o idioma, nós não tínhamos dinheiro. Eu tinha um dinheirinho, mas durante o percurso do navio de noite, mesmo sendo tudo grátis, eu não pagava nada, mas sempre tem uma bebida, dançar de noite, eu tinha gastado tudo, tinha apenas sete dólares no bolso, então ela estava apavorada e a zero. [risos] E aí nós ficamos olhando, mas não tinha ninguém esperando. Até essa senhora me deu uma fotografia do filho, para eu ver se tinha alguma pessoa parecida com a fotografia. Daí eu olhei para uma cara vestido com linho branco, porque o cara na fotografia estava com linho branco. Eu fui atrás dessa pessoa, o cara me olhou atravessado, pensando “este cara é louco, entra aqui, correndo”. Quando olhei bem, não era ele. O cara aí, atrás de mim. Mas aí, depois, tinha um senhor que era italiano, esperava os outros imigrantes que vinham normalmente à São Paulo por contrato de trabalho e os levava para os lugares, nas empresas que tinham contratado essas pessoas. Nós vínhamos com um Ato de Chamada, o responsável era a pessoa que nos chamava, no caso, era o meu irmão, e o da senhora era o filho dela. Nós conversamos e ele disse: “olha eu não tenho nenhuma responsabilidade, não posso ajudar vocês”. Daí eu contei para ele o que meu irmão tinha mandado dizer... e aí telefonaram para a Varig. Daí ele mesmo disse: “vai telefonar”. Aí o problema da língua, o que eu vou falar, eu não sei falar português. Aí este senhor falou, telefonou e informaram para ele que teria vindo um rapaz da Varig trazendo dois bilhetes aéreos e mais um dinheiro que eles tinham mandado para cá, mas ele se atrasou porque tinham informado que o navio atracaria mais tarde, mas atracou antes. Pela manhã, este rapaz veio, nos entregou o bilhete e o dinheiro, e aí, a partir daí, foi fácil, porque a companhia Varig sempre nos auxiliou, depois, veio nos buscar. Depois de passar a alfândega, nos levou para o hotel. No outro dia nos levaram com uma Kombi, nos embarcaram para São Paulo, nos empacotaram para Porto Alegre e, quando chegamos aqui encontramos todos os parentes e amigos nos esperando. Já não era aquela imigração onde o cara chegava sozinho, até fizemos festa. Ficou gravado na minha memória.

97

Segundo Leed, “[...] Existem aqueles viajantes inveterados e habituais - como

Dampier - que não viajam para fazer comércio, adquirir riqueza, fama, mas

comerciam, gastam a própria riqueza e tornam-se estranhos para a mulher e os

filhos apenas pelo deslocamento em si”.102

Alguns moraneses também foram aventureiros.

Carmine recompõe o trânsito do avô:

O meu avô veio solteiro, no fim do século, em 1898. Veio prá cá, mas ele não veio direto para Porto Alegre, ele foi para Montevidéu e depois teve uma crise econômica lá, e aí, o pessoal que estavam lá, muitos calabreses, vieram para Porto Alegre e entre eles, o meu avô. Outros ficaram pelo caminho. Nós temos italianos calabreses de Santa Vitória do Palmar, por exemplo. Como é que naquela época o pessoal ia pensar em ir para Santa Vitória do Palmar? Então nada mais que vir de Montevidéu para cá e alguns ficaram na fronteira. O meu avô veio nesta época, ele veio solteiro depois voltou para a Itália no início do século, em 1892. Casou, teve duas filhas, entre essas minha mãe e depois voltou de novo prá cá. Sempre com uma viagem paga por ele, uma imigração espontânea, não era uma imigração coordenada, organizada, como aquela de 1875. E aí, o meu avô veio depois, em 1907, ficou mais dois anos, e aí, em 1910, no início de 1910 ele voltou de novo para a Itália... Aí eles arrumaram um dinheirinho, compraram um pedaço de terra lá, depois viram que não dava para ficar e ele voltou. No fim estava começando a se acostumar com o sistema daqui do Brasil, em Porto Alegre, e voltou, e fez mais dois filhos lá.

Apesar das cartas, alguns pais tornaram-se Ulisses para suas filhas e suas

mulheres. Filomena e Dalva não querem falar da viagem, mas de seu final, porque

lá, no Porto, está o pai, aguardando a família da qual estava afastado devido à

migração e à guerra. Tanto que o fato relevante para ambas foi o porto de onde

avistaram o semblante paterno, como se a distância eliminada houvesse sublimado

o tempo perdido.

Dalva conta sobre o espírito aventureiro de seu pai:

Ele sempre foi independente. Antes de vir para o Brasil ele se estabeleceu em Costa Rica, onde tinha uma loja de calçados. Uma noite veio um terremoto e ele ficou embaixo dos escombros, perdeu tudo, se salvou ele e o relógio. E ele ficou 24 horas embaixo dos escombros, respirando por uma frestinha sob uma mesa. Quando o salvaram, levaram para o hospital

102 “E ci sono quei viaggiatori inveterati e abituali –come Dampier- che non viaggiano per commerciare, acquisire ricchezza, fama, ma commerciano, spendono la propria ricchezza e diventano estranei per la moglie e i figli soltanto per lo spostamento in sé. ” LEED, 1992, p. 75.

98

para dar oxigênio e, quando ele se recuperou tinha neurose do vento. Quando começava a ventar, ficava aterrorizado. Depois disso, ele voltou para a Itália, foi aí que eu nasci [...].

Filomena conta:

O que me marcou muito foi quando chegamos em Santos. Eu vi um senhor e achei que fosse meu pai. Não conhecia meu pai, me deixou com 8 meses e cheguei aqui com 10 anos. Aí eu disse para minha mãe que achava que aquele lá era meu pai, porque diziam que era baixinho, careca, e a minha mãe dizia ‘Não olha, porque não é’. Nem ela o reconheceu. Aí o navio foi se aproximando, se aproximando, e eu sempre olhando pra ele. E uma hora ... minha mãe dizia assim: “Não olha, porque no Brasil falam que depois a pessoa vem atrás”. Que não era para eu olhar, mas eu não tirava os olhos dele porque achava que era meu pai. Daí, quando o navio começou a chegar perto, ela o reconheceu. Tinham se passado 10 anos... Era mesmo? Era meu pai, ela não reconheceu, ela reconheceu quando chegou mais perto e aquilo me marcou muito porque ela ficou muito nervosa, ela começou a chorar. Me marcou aquilo lá.

Para Dalva, ao contrário de Angelina, o maravilhoso foi chegar:

Olha, como eu digo, nas primeiras horas, nos primeiros momentos, teve um pouco de confusão, eu não conhecia a língua, não sabia dizer nem bom dia, falar contigo e tu não entender... assim como eu te falei, quando nós chegamos, um dia maravilhoso que nem hoje, o mês de setembro, exatamente, 22 de setembro de 1954. Até o Rio de Janeiro, nós viemos em uma companhia italiana. De lá, pegamos um navio, a mãe não quis vir de avião. O pai teve que retirar as passagens para a viagem [direto à Porto Alegre]. Porto Alegre, tinha um navio chamado Itaimbé, nunca me esqueço. É aí que eu comecei a me sentir triste porque até o Rio de Janeiro, o navio era italiano. Não tinha problema nenhum. Todo o mundo falava espanhol, mais ou menos entendia alguma coisa. De lá para cá que começou ... meu Deus, como é que vai ser? E eu chorava de saudades dos meus colegas e dizia: “Ai Jesus, por quê o pai não voltou para a Itália!” Mas chegando aqui em Porto Alegre eu vi aquela quantidade de gente, os parentes, primos, os filhos da minha tia e outros tantos, tanta gente que abanava que eu não conhecia ninguém.

3.1.1 Fazer-se cúmplice do caminho

Uma trilha pelas montanhas é diferente quando se está caminhando por ela e quando se passa voando sobre ela em um avião. Da mesma forma, a força de um texto lido é diferente quando, além de lido, ele é copiado a mão. O passageiro do avião vê apenas o caminho se estendendo pela paisagem, obedecendo aos ditames do terreno. Só aquele que segue à pé pela trilha passa a compreender a força que ela tem e como essa força se manifesta. O que para o passageiro do avião é apenas uma paisagem a se descortinar, para o caminhante significa distâncias, belvederes, clareiras, expectativas a

99

cada curva do caminho; a trilha é como um comandante dando ordens na frente da batalha.

103

Fazer-se cúmplice do caminho é criar uma condição perceptiva para o novo.

Existe uma perspectiva do caminho que é diversa, conforme uma paisagem quando

vista e quando vivenciada, a perspectiva muda conforme a vivência, a proximidade

ou a contemplação da paisagem.

Podemos tratar da perspectiva da arte ou do translado desta para o fazer

histórico, proposto por Ginzburg,104 ou seja, o fazer histórico na perspectiva do

estranhamento que resguarda o historiador de tal posição de identificação com o

objeto, o que impediria a objetividade proposta por Donna Haraway.105

O trânsito no movimento faz cessar a perspectiva e, portanto, a narrativa.

Leed teoriza sobre movimento e percepção. A aceleração do movimento provoca tal

fluxo de sensações e informações capaz de alterar a percepção do viajante. A

viagem, mesmo quando aparenta ser um fim em si mesma, expande os horizontes

porque estende a percepção. De fato, se tal ocorre, é como uma conseqüência do

trânsito no movimento.

Percorrendo o pragmatismo de William James, a teoria da percepção

ambiental de J. Gibson, até mesmo John Locke, Leed realiza importantes reflexões

sobre os temas da viagem no que incide sobre a mente e sobre as culturas. Trata-se

de desejo, motivação e finalidade própria da situação de trânsito em si. Ao invés de

amor ao lugar ou viagem como expiação, reencantar a vida, reiniciando outra no

estrangeiro e originando um novo eu.

103 PARINI, Jay. A travessia de Benjamin: a aventura de um filósofo fugindo do nazismo. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 1999. p. 317. 104 GINZBURG, Carlo. Occhiacci di legno: nove riflessioni sulla distanza. Milano: Feltrinelli, 1998. 105 HARAWAY, Donna. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagú, [s. l. ], n. 5, p. 26-27, 1995.

100

Pensamos como Leed, que vai aproximar seus argumentos dos arautos da

velocidade, como o urbanista Paul Virilio, para quem, há na velocidade no

movimento, uma nova experiência humana.106

Assim, para Leed, o que há no trânsito, no movimento, já está nos textos de

viagem desde a Epopéia de Gilgamesh, primeira narração ocidental que pertence à

épica antiga de viagem (transcrita em torno de 2900 a.C.), pois, segundo esta

noção: ”Podemos encontrar os sinais do trânsito no caráter do viajante, naquela

série de características do espírito que parecem induzidas pela experiência do

trânsito, características que permanecem, notavelmente, constantes no curso dos

milênios.”107

As hipóteses que formula sobre a estrutura da experiência imposta pelas

condições do movimento sugerem que a viagem muda a relação do viajante com o

lugar. A mentalidade, a personalidade e as relações dos viajantes são afetadas.

Qualquer viajante, seja migrante ou não, sofre mudança no seu aparelho de

percepção, independentemente da finalidade da viagem. No caso do moranes não

há uma mudança contínua de lugar, mas, há todo um conjunto de fatores presentes

no momento do movimento, entre Morano e Porto Alegre.

No trânsito, o movimento se torna o meio de percepção, além de ser o fator determinante da situação física do viajante. Isso guia a subjetividade do viajante, que se torna mais autoconsciente como ‘espectador’ ou ‘observador’ de um mundo que lhe passa à frente. Governa percepções de um mundo objetivo que são percepções “de passagem”, uma seqüência de panoramas e imagens que, continuamente, se desenrolam diante do observador [...] e, para compreender os efeitos peculiares ao trânsito é necessário dar-se conta do papel revestido pelo movimento nas percepções que o viajante tem do mundo, de si, e do outro.

108

106 VIRILIO, Paul. O espaço crítico: e as perspectivas do tempo real. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993. (Coleção TRANS). 107 “Possiamo trovare i segni del transito nel “carattere” del viaggiatore, in quella serie di caratteristiche dello “spirito”che sembrano indotte dall`esperienza del transito, caratteristiche che sono rimaste notevolmente costanti nel corso di millenni. ”. LEED, 1992, p. 76. 108 ‘ Nel transito il movimento diventa il mezzo di percepzione, oltre che il fattore che più determina la situazione fisica del viaggiatore. Esso guida la soggettività del viaggiatore, che diventa più consapevole di sé come”spettatore” o “osservatore” di un modo che gli passa davanti. Governa percezioni di un mondo oggettivo che sono percezioni “di passagio”, di un susseguirsi di ”vedute” e immagini che continuamente si srotolano davanti all`osservatore. [...] e per capire gli effetti peculiari al transito bisogna rendersi conto del ruolo rivestito dal movimento nelle percezioni che il viaggiatori ha del mondo, di sé e dell´altro. ”. LEED, op. cit., p. 78.

101

Pelo livre ato da escolha, as pessoas fazem opções. Muitos escolheram

migrar. De todo modo, há decisões. A viagem, neste senso, é ato de autonomia,

sempre. Ficar é render-se.

Quando Fernando Pessoa poetiza, só faz estremar a condição humana: “Ah!

Os caminhos estão todos em mim / Qualquer distância ou direção, ou fim / Pertence-

me, sou eu. O resto é a parte / De mim que chamo o mundo exterior / Mas o

caminho Deus eis se biparte / Em que eu sou e o alheio a mim [...]”.109

O viajante, o migrante não é atingido pela mudança como massa informe. Há

os que mudam pouco ou nada, o que, no entanto, demonstra a versatilidade da

comunicação das imagens e das predisposições atuantes.

Para Leed:

Claramente o comportamento do viajante em relação ao período de trânsito constitui uma variável importante do grau no qual o trânsito transforma e altera o estado, o espírito e o caráter do próprio viajante [...] O trânsito é uma seqüência de movimentos que produz transformações do caráter e até uma identidade, na medida em que é escolhido e é escolhido por si mesmo, não por motivos ou metas extrínsecas [...] O espírito do viajante não deriva de uma marca impressa por uma força externa sobre o ser capaz de ter sensações durante o trânsito, mas do modo no qual o viajante utiliza as idéias, as impressões e as percepções recolhidas enquanto está em movimento. Neste sentido como em outros casos, o caráter e os traços do caráter são levantados na escolha ativa de uma situação e podem ser vistos como defesa contra o desafio daquela situação. Esses traços podem ser lidos desde o ponto de vista daquilo de que o viajante se defende.

110

A teoria da percepção explica porque se interrompe a narrativa do migrante

na situação de trânsito: porque a narrativa necessita das regras de significação que

o movimento seqüestra.

109 LEED, 1992, p. 498. 110 “Chiaramente l’ ”atteggiamento” del viaggiatore verso il periodo del transito costituice una variabile importante del grado in cui il transito trasforma e altera lo stato, lo spirito e il carattere del viaggiatore stesso [...]. Il transito é una sequenza di movimento che produce trasformazioni del carattere e persino unadentità, nella misura in cui scelto ed é scelto per se stesso, non per scopi o mete estrinseche [...]. Lo “spirito del viaggiatore”non deriva da una “forza”esterna sull’éssere senziete, durante il transito, ma dal modo in cui il viaggiatore utilizza le idee, le impressioni e le percezioni racolte mentre é in movimento. In questo come in altri casi, il carattere e i lineamenti del carattere vengono formati nella scelta attiva di una situazione e possono esser visti come difese erette contro il disagio di quella situazione. Questi lineamenti possono essere letti dal punto di vest di ció da cui ci si difende. LEED, op. cit., p. 78-79.

102

A contribuição de Leed está na constatação de que a percepção, durante o

movimento, muda o significado até da casa que ficou para trás, como diz, da

“sacralidade da casa” e predispõe a situação de estrangeiridade na cidade de

recepção, o que é ignorado, no geral. É quando retorna a narrativa.

Comentando Gibson, Leed diz:

Enquanto o viajante se move através do espaço, alguma coisa muda rapidamente, outra lentamente, outra não muda de fato. As mudanças derivam do movimento e aquilo que não muda deriva do esquema rígido das superfícies ambientais. Logo, o que não muda focaliza o esquema e vale como informação sobre este. Portanto, as mudanças precisam do movimento e voltam como informações de um outro tipo, relativas ao movimento.

111

Para nossos fins, a narrativa interrompe-se porque as percepções do sujeito

ocorrem em tal velocidade e proporção que reduzem a visão de mundo do viajante,

tal como sugere Simmel em sua figura do flaneur transitando na cidade. Sem

autoconsciência, deixando-se quase ao sabor prazeroso da situação, o viajante

muda aspectos ou fixa traços de caráter. Neste ambiente de trânsito, de fluxo, de

movimento, não há como sustentar uma narrativa enquanto tal ocorre. Pode-se falar

em estado de fluxo, um esvaziamento da mente e da narratividade.

A viagem amplia significados porque há ampliação interna da consciência que

é fonte de continuidade no interior da identidade, mas só o desejo seguinte, de

estabilidade, de pertencimento é que possibilita a narrativa. É, pois, impossível

narrar a mudança, apenas o antes (já transfigurado pelo movimento) e o depois.

A preocupação de Benjamin com a perda da narrativa, prende-se, em parte à

fragmentação no interior da identidade do homem moderno na sua busca para

decifrar as regras de significação do mundo em constante movimento, no qual o

viajante é uma metáfora.

111 “Mentre il viaggiatore si muove attraverso lo spazio, alcune cose mutano rapidamente, altre lentamente, altre non mutano affatto. I mutamenti derivano dalla locomozione e i non mutamenti dallo schema rigido delle superfici ambientalli. Quindi, i non mutamenti precisano lo schema e valgano come informazioni su di esso; i mutamenti precisano la locomozione e valgano come informazioni di un altro tipo, relative alla locomozione”. LEED, 1992, p. 88.

103

3.1.2 Viagem à Meca

Há outra viagem de turismo na direção de Morano que uma vez na vida, ao

menos, deve ser feita - como ir à Meca. Se o espaço social é um modo de ser nos

lugares, os moraneses reinventam o que seria seu modo de ser até em Morano,

afinal, é o lugar de fundação da narrativa.

Para Fernando Pessoa:

O ambiente é a alma das coisas. Cada coisa tem uma expressão própria, e essa expressão vem-lhe de fora. Cada coisa é a intersecção de três linhas, e essas três linhas formam essa coisa: uma quantidade de matéria, o modo como interpretamos, e o ambiente em que está. [...] Uma breve vista do campo, por cima de um muro dos arredores, liberta-me mais completamente do que uma viagem inteira libertaria outro. Todo ponto de visão é um ápice de uma pirâmide invertida, cuja base é indeterminável.

112

Todos os entrevistados já refizeram esse caminho para vivificar memórias e

ancestrais. Alguns, pensam em retornar, partir novamente. Não é o caso dos

entrevistados. É, o dos netos.

Existe uma memória coletiva presente e revivida por todos da comunidade.

Há alteridade: como já se disse, a narrativa é a história de todos, as vozes estão

sempre se cruzando, inclusive sobre as lacunas, que a memória do grupo tenta

cobrir na superfície. A experiência de Delmar (genro de Angelina e descendente de

moraneses) é narrada por Conceição (sua esposa):

Inclusive quando nós fomos à Itália, tivemos curiosidade de conhecer a casa que era do pai do avô dele. E as pessoas, porque não tinha mais familiares do pai dele. E ele não sabia nada, porque o pai não contou onde era a casa, nem o nome da família. Ele não sabe dos avós. Foi o típico caso de casar com brasileira, o pai dele então... só falava italiano com os companheiros, fora dali, da casa dele. Mas dentro de casa não. Ele nunca ouviu o pai contar nada a respeito”.

Filomena, ao contrário de Delmar, relembrou, de chofre, sua infância quando

retornou à sua cidade natal: 112 PESSOA, Fernando. Livro do desassossego. Composto por Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa. In: RICHARD Zenith, (Org.). São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 63 [58] e 119 [91].

104

As pessoas lá de Morano sempre mantêm muito relacionamento, então já eram pessoas que estavam nos esperando. Me lembro de tudo, quando voltei, me lembrei de tudo. Me marcou muito, quando eu fui. Eu fui em 1990, pela primeira vez, que era meu sonho... Mas graças a Deus realizei... Quando cheguei lá me senti criança, eu me senti de uniforme de colégio, me senti de trança, me senti de meia com pompom. Eu tenho a impressão que alguns se sentem mais ligados à Itália. É que para morar na Itália, agora, depois de tantos anos a gente não se acostuma mais, a gente fica um pouco lá mas o teu pensamento está aqui, porque as raízes estão aqui. Se eu pudesse, hoje eu voava para lá. Passear, ir e vir, mas para voltar, não. Eu nunca quis me naturalizar. Só se eu for obrigada... e não atrapalhou. [...] Os filhos não foram mas eu levei uma neta, uma neta foi. Minha neta adorou e está com vontade de ir prá lá. Ela adorou... Fala e escreve em italiano. O dialeto não, mas ela agora, com essa ida a Itália [talvez aprenda o dialeto].

Dalva conta sobre o tempo que morou na Itália, depois de casada com Nicola,

na Sicília, sua terra:

Eu voltei depois de casada. Primeiro fomos para Sicília porque o meu sogro queria me conhecer. Só [contatos] através de fotografias ou de cartas. E aí a gente foi lá para conhecer meu sogro, e de lá havia uma tia irmã do meu pai e dizia que estava lá na Itália, mas eu todo dia ligava [para ela]. Mas como eu tinha já os dois meninos e já estavam na escola, porque nós fomos para ficar por pouco tempo [profissão do marido]. Construtor, escritório de engenharia [motivo da volta] porque era a terra dele. Daí quando nós chegamos, véspera de natal, as aulas já haviam começado. Depois do 6 de janeiro que eles têm as aulas de inverno lá [na Itália], já inscreveram os meninos e cursaram. E até o meu filho que está na Petrobrás, porque fala italiano e inglês, mandaram como representante lá para a Itália. E quando terminou a reunião [do filho] ele foi para Morano e para Sicília, porque já há dentro dele o amor pelas origens [...]. Nós ficamos, era para ficar primeiro no máximo três meses, mas ficamos quase dois anos, e aí aproveitei pra aprimorar o meu italiano. Fiz um curso, estudei mais. Mas era a coisa daquela época que o dinheiro não valia nada, 1973, 1974 [a crise do petróleo].Justamente, então nós chegamos lá [...]. Porque a gente não vendeu nada. Só os móveis de quando a gente estava aqui. Daí fazendo a conta, vendendo aqui, e pegando o dinheiro, lá não valia nada. De lá tinha que mudar em dólar e de lá em liras. E ele se desiludiu um pouco, tinha o emprego certo, fez um concurso, e aí depois fizeram a fusão de onde ele ia trabalhar, que eram três entidades, formaram uma só, e aqueles que estavam nas outras duas, passaram prá primeira. E aqueles que tinham feito concurso teriam que esperar. E aí era um mau momento que a gente tinha que ficar ou voltar, por causa das crianças. Fosse por mim ou por ele, teríamos ficado. As crianças iam para o segundo grau. Daí o Pedro Giovani perguntou: ’- o que tu achas?‘. Botamos todos os pontinhos nos “is” e resolvemos voltar. E aí começamos de novo [...]. As crianças começaram a se entrosar. Como eles estavam nas Dores, [colégio] foram recebidos de braços abertos. Graças à Deus foi tudo bem, não perderam nenhum ano. Para o pequeno, tiveram que dar aula particular porque ele só falava italiano e, no final, estava esquecido um pouco do português. Os professores, uns irmãos para mim, deram aula particular e conseguiram [validar os estudos realizados na Itália]. Quer dizer que essa passagem foi bem, um pouquinho dificultoso assim, começar novamente, de novo. Os sacrifícios começaram. Uma festa nós íamos, outra não. E graças à educação que recebemos dos pais de saber controlar o dinheiro, o que tem, que não tem, quando posso gastar [aprendeu] com minha mãe, foi uma grande mãe. Como eu te disse

105

ela viveu sozinha. Ela que tinha que controlar tudo. Hoje, na volta ao Brasil tornei-me professora de italiano, da ACIRS, e dou aulas particulares.

Carmine relembra:

Em uma ocasião fui à Itália e encontrei Vicente Dutra, vereador da cidade de Porto Alegre. Ele é de origem calabresa, a mãe dele é filha de calabreses. Foi fazer um curso na Universidade de Catanzaro. E nos encontramos em Morano Calabro, na frente da bancada... e ele se entusiasmou tanto. Quando voltou para cá, reuniu os parentes na casa dele, fizemos uma projeção de slides. E, antes de ir para lá, os parentes dele, também, não queriam que ele fosse: ‘Tu vai passar fome lá’. A imagem, os próprios caras não tem idéia, é a idéia do pai: ‘Não, é o nordeste brasileiro’. Quando o cara chegou lá, disse não, para aí... Parece que os caras não têm nem idéia. Então, vamos fazer uma projeção de slides. Então juntou todos eles, vieram professores. Quando estavam passando slides, a olhar aquelas casas velhas, que são tombadas pelo patrimônio histórico, pela UNESCO, que são patrimônio histórico da humanidade, aquela cidadezinha ali. E aí, eles diziam: ‘Ah, aquela casa que tinha o Scadelone? Esta é Scafone da praça Madalena?’ Esses são os fatos negativos daqueles imigrantes. Depois que terminou a projeção, me desculpei: ‘Mas vocês dão a impressão que sabem só os fatos negativos, mas nunca se preocuparam em saber os fatos positivos dessa origem de vocês, pensam que na Calábria havia só cabra. Mas a Calábria vem da época dos gregos, de uma cultura milenária, com pessoas importantes, pessoas que deram luz ao mundo.

Voltar à “Meca” faz parte do cotidiano de Carmine:

Logo depois dos anos setenta e cinco, oitenta começou a melhorar e aí comecei a participar muito ativamente da comunidade italiana e também aproveitei a oportunidade de me comunicar mais com a Itália, através da Sociedade Italiana, na qual cheguei depois à presidência. Mais adiante eu fui representante da minha região, fui consultor da migração junto à Calábria. A região da Calábria instituiu uma consulta de imigração e fui escolhido para participar dessas reuniões. Viajei para a Itália praticamente todos os anos, em função da sociedade italiana e dos comitês. Depois, instituíram outros organismos que o governo italiano criou, começou a se aproximar cada vez mais do imigrante e das pessoas que saíram de lá. Eu fui presidente do Comitê Italiano, da comunidade de italianos. Hoje, sou vice-presidente com um mandato de quatro anos. Tenho dois filhos: uma com vinte e oito e outro com vinte e quatro. Falam italiano, falam dialeto. Uma é formada psicóloga, outro vai se formar médico no fim do ano. Eu sou cidadão de Porto Alegre pela Câmara de Vereadores, pela atuação na comunidade. Depois, com o tempo, eu comecei a freqüentar a sociedade, comecei a me integrar bastante na comunidade aqui em Porto Alegre, participei, não só dos eventos da comunidade italiana, mas, também, da comunidade porto-alegrense. Participei de Rotary, sou professor rotariano. Meu trabalho proporcionou uma série de amizades e atividades que me honram, tanto que o Governo da Itália me deu o diploma Cavalliere della Republica por minha atividade dentro da comunidade italiana e porto-alegrense, respectivamente e a Câmara de Porto Alegre. Isso foi em noventa e dois.eito de ir e vir. Carmine comenta a recepção dos filhos de italianos na Itália:

106

Eu acho muito importante. Muito importante para Itália e importante para a comunidade italiana que vive fora do país. Porque a política italiana, afora os períodos de guerras, desde o início, quando se formou a etnia italiana, antes do Estado italiano, a Itália já existia. Aquela foi apenas a unificação do território de 1860, tanto é que o italiano que vinha antes de essa época vinha de aqueles estadozinhos que haviam se formado na Itália. Quando perguntavam para ele, ele dizia que era italiano? ‘Não, sou da Aosta, da Calábria’. Então a política italiana foi sempre voltada para o homem. O que está fazendo a Itália atual? Está voltada para o homem, para essas comunidades porque teve um momento em que a Itália teve que mandar seus filhos para fora, tiveram que sair, pelos seus motivos, não é? Hoje a Itália está recuperando, está resgatando esta dívida que tem para com os italianos fora da Itália. E, ao mesmo tempo, está dando oportunidade, por ser a Itália, hoje, um país moderno, por ser um país, economicamente dos mais avançados do mundo, está dando oportunidade para que os filhos desses imigrantes possam aproveitar lá, não só na Itália, mas tendo passaporte europeu, de estudar, se aperfeiçoar, pois é um filho de italiano, um filho de uma pessoa que é de origem italiana, não precisa ser italiano, pois não precisa ser da primeira geração. Pode ser até neto de Júlio César. Pode ter um passaporte italiano e estudar em uma universidade italiana. Tirar um curso e não pagar nada. E voltar para cá com uma profissão e se estabelecer em Porto Alegre, sei lá, ou em qualquer lugar do Brasil, então são vantagens. E a Itália também tem vantagens com isso, porque vai ter uma população de pessoas que tem simpatia pelos produtos italianos. [Será que a Itália esta recebendo bem os italianos além-mar?]. Sim, esses filhos de italianos, descendentes de italianos, que voltam para a Itália com passaporte italiano, estão sendo recebidos bem, eles voltam como italianos, com todos os direitos. [Sem nenhuma discriminação por serem ítalo-brasileiros?]. Sim, são italianos com todos os direitos, vão votar, trabalhar. [Participar da vida pública?]. Participar da vida pública, ter o direito de ir e vir. É a forma moderna de encarar o mundo, porque o mundo vai ser assim. Hoje, são esses italianos, os descendentes de europeus, amanhã vai ser o mundo inteiro.

Como é evidente, o trânsito inicial incorpora-se na narrativa como desejo de

retomar, no caso dos moraneses, também uma vida fraturada pelos intervalos da

crise política. A partir da normalidade democrática, retomam com mais vigor a

característica pendular da emigração do grupo, a ponto de, na atualidade, confundir-

se, fazer parte dos ritos do grupo, a viagem à Morano, sem sequer deter-se nas

demais regiões.

3.2 Transitar nos jornais: a leitura interessada

Transitemos no jornal, espreitemos a cidade de Porto Alegre na visão do

jornalismo. Algumas considerações iniciais, no entanto, sobre esse trânsito.

107

O trabalho do historiador contemporâneo com o jornal, quando visa entendê-

lo como narrativa, aproxima o literário do jornalístico. A narratividade, uma história

que valha à pena; a intertextualidade, obras feitas a partir de outras obras e a

recepção são posturas decorrentes da conversão do paradigma estruturalista na

oficina da história dos anos 30 no Brasil. Culler113.

A veracidade dos fatos afirmada pela constituição do discurso da imprensa

impressa, é recente. Passado o período romântico, a profissionalização do exercício

da atividade de jornalista erige a ética da neutralidade, um pouco da influência

positivista do século XX, com certeza.

No Brasil, a década de 30 inaugura a criação das universidades, projeto

levado pela intelectualidade desde os anos 20. Passando do bacharelesco para o

científico, o trabalho com o documento jornal representava a possibilidade de colocar

em suspenso o escrito, fazendo-o deslizar para o suporte escrito onde se tentava

discernir quais seriam as forças que guiariam o curso dos acontecimentos, à

despeito dos interesses, das intenções e das ações individuais.

Walter Galvani historia, no estilo biográfico, a trajetória do Correio do Povo

desde sua fundação por Francisco Antonio Vieira Caldas Júnior até 1994. Em 1989,

o jornal perde seu diretor Breno Alcaraz Caldas, ano em que atinge a marca de

193.000 assinantes, publicando a edição de número 100.

Traça largo panorama biográfico de Caldas Júnior, mas sem perder de vista

que o Correio do Povo constitui-se como um protagonista da vida política, cultural e

econômico-social no Rio Grande do Sul.

Na sua fundação, tendo como principal concorrente o jornal Federação do

Partido Republicano que domina a cena gaúcha, Galvani situa o jornal – e aqui não

arrogamos nenhum estudo para contestar a posição do jornal – a linha política

confronta o órgão oficial do bloco no poder, mas em bases as mais empresariais

possíveis.

113 CULLER, Jonathan. O que é literatura e tem ela importância? In:_____Teoria literária: uma introdução. São Paulo: Beca, 1999. p. 33 e 40.

108

Nos bastidores estão as decisões que emulam os manifestos, os editoriais, as

propostas e os programas do Correio onde o programa político mescla-se com o

projeto estético. Em torno das redações, Galvani conta como se formam autores que

compartilham as leituras do mundo. Projetos que querem dividir o poder no mundo

intelectual. Se fossemos realizar um mapeamento nesse campo, verificaríamos que,

por diversas vezes, os “donos” do jornal conseguiram impor sua leitura do mundo ao

resto da sociedade. Ele nasce para ser um novo jornal, em contraponto ao jornal

Federação, do Partido Republicano Rio-Grandense.114

No Correio do Povo desfilam italianos e descendentes de italianos, como

Mário Totta, Leonardo Truda, Sud Mennucci, André Carrazzoni, Roque Callage,

Fernando Callage, Ernani Fornari, Agripino Griecco, Silvio Picrini, Menotti del

Picchia, Arquimedes Fortini. Ficamos tentados a seguir seus trânsitos, fica para

outra pesquisa ou para outros historiadores.115 Curiosamente, na literatura urbana

que emerge nos anos 30, os italianos estão ausentes. Não figuram sequer na

narrativa de seus próprios intelectuais.

No sentido de buscar outros traços, é evidente que a obra de Galvani presta

relevante contribuição para a apreensão da narrativa do espaço social na

perspectiva dos estrangeiros italianos na medida em que, conhecendo os bastidores

do Correio do Povo, compreendemos melhor a presença italiana na cidade. Ao

buscar a freqüentação, a visibilidade, a espacialidade e o conteúdo que dimensiona

ao leitor essa presença, a história oral tem seu suporte na faticidade inscrita nas

suas páginas.

O que queremos reter das folhas amareladas do Correio do Povo é a

invenção da narrativa sobre os italianos no período. Retrocedemos, colhemos

material desde o início do século, não importa se não está presente diretamente no

texto, porque está no modo como apreendemos a narrativa sobre o grupo.

114 GALVANI, Walter. Um século de poder: os bastidores da Caldas Júníor. Porto Alegre: Mercado Aaberto, 1995. (Série Documento). 115 CLEMENTE, Elvo. Correio do povo e a literatura. In: FLORES, Hilda Agnes Hubner. (Org.). Correio do Povo- 100 Anos. Porto Alegre: Círculo de Pesquisas Literárias, Nova Dimensão, 1995. p. 97-102.

109

Essa narrativa não é dilacerada entre a ficção e a realidade, mas,

hermeneuticamente, entendida como possibilidade de apreensão de que o jornal é

fonte, objeto e suporte histórico, ao mesmo tempo.

A leitura dessa escritura será uma perspectiva interessada, parcial do que

Italo Calvino, diz sobre a ``Exatidão``: `o uso da palavra é uma incessante

perseguição das coisas, uma aproximação, não de sua substância, mas de sua

infinita variedade, um roçar de sua superfície multiforme e inexaurível`.116

Como é próprio da imprensa escrita, o jornal é o congelamento da escritura. A

mediação social intransparente e cúmplice, entre o autor legitimado, muitas vezes

anônimo ou encoberto por pseudônimos, o jornalista, a empresa jornalística e sua

direção, bem como o leitor implícito sofrem reinterpretações.

Se estamos par a par com a mudança de perspectiva historiográfica, ao

historiador afinado com a virada lingüística, cabe ver o que o documento diz e como

diz. Os novos campos semânticos alargam as possibilidades da produção histórica.

Tratemos, pois, do transitar no jornal.

Digamos que há mais de um trânsito. Do ponto de vista econômico-social, o

Correio do Povo coloca-se como empresa: a inscrição dessa escrita, tem em vista o

público de leitores, visa à ampliação da tiragem e da propaganda veiculada.

O trânsito ideológico do jornal diz respeito ao modo como compartilha dos

interesses dos grupos hegemônicos do Rio Grande do Sul, como erige seus

intelectuais orgânicos como quer Gramsci, como se coloca como elite, na acepção

de Elias ou Pareto.

A história do Correio do Povo assinala uma das possibilidades, no período, de

circulação e luta de imposição na sociedade de Porto Alegre. Seus colaboradores,

funcionários, a luta pelo poder interno e com a sociedade inclusa definem o trânsito

de intelectuais no sentido amplo, formando relações como rede, como propõe Jean-

116 CALVINO, Italo. Seis propostas para o novo milênio. Citado por ELMIR, Cláudio Pereira. As armadilhas do jornal: algumas considerações metodológicas de seu uso para a pesquisa histórica. Cadernos do PPG em História da UFRGS, Porto Alegre: UFGRS, n. 13, p. 19-29, dez. 1995.

110

François Sirinelli. Um programa de análise que caberia para o historiador seria o de

tentar "destrinçar" a questão das relações entre as ideologias produzidas ou

veiculadas pelos intelectuais e a cultura política de sua época.117

Fiquemos dentro do propósito da tese e busquemos no jornal apenas as

relações mais imediatas com a comunidade de leitores italianos e sua narração.

Trazendo nossos protagonistas entrevistados, todos fazem menção à leitura dos

jornais como seu meio de aprendizado da língua, tal qual seus pais e avós.

O jornais italianos citados como leitura, sempre com atraso, mesmo os que

vêm por Buenos Aires e Montevidéu, além de sua pouca distribuição, etc. O que eles

mantém, é a leitura do jornal local mesmo.

Buscam, ainda na leitura, o entretenimento. O Correio do Povo é literário

também, há jornalistas, ensaístas e escritores que disseminam a cultura das

primeiras décadas do século XX. Aliás, entre as fronteiras do jornal com o campo

literário há um trânsito de leitores aptos, produzidos pelo acesso social aos bens

simbólicos da cidade de Porto Alegre. Podem decodificar textos, sejam estes as

formas extremas de qualificação social de leitura, como a literatura ou o jornal e

assemelhados (folhetins, almanaques, revistas). Superada a barreira lingüística, a

cultura pode circular entre os italianos, através das páginas do jornal.

A historicidade interna do jornal é descrita por Galvani, quanto às decisões

que não chegam ao público senão de forma acabada, tais como a seção

denominada, em 1895, “Caixa Urbana” e, depois, “Correio do Leitor” (como foi

chamada, pelo menos até a data da impressão da obra de Galvani); a “Seção

Diversa”, datada de 12 de dezembro de 1895, a qual existiu até 1987 e a seção

“Poetas do Sul”, lançada em 1899, embrião das futuras páginas literárias e o

“Caderno de Sábado”. Em 1912, dando seqüência aos folhetins, o Correio, que já

117 SIRINELLI, Jean- François. Os intelectuais. In: RÈMOND, René. (Org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: UFRJ, 1996. p. 261.

111

publicara Henrique Sinkievicz e Dostoievski, publica Ivanhoé, de Walter Scott e, em

1915, lança o “Almanaque do Correio do Povo”.118

Esta história se passa desde a primeira instalação das oficinas, redação e

administração à rua dos Andradas, n.132. Em 1889, a mudança para o n. 317. Em

1910, o Jornal vai para o terceiro endereço, ainda na rua dos Andradas, n. 138/140.

Uma das primeiras notícias estampadas tratam do empastelamento da

tipografia do Centro, motim e depredação efetuados pela comunidade italiana

indignada com as ofensas publicadas no jornal Volksblatt, ou Gazeta Alemã, que

teria ofendido a Itália e os italianos justo no 20 de setembro, data nacional italiana,

quando comemoram a unificação do país e o Risorgimento. Reunidos em torno das

comemorações na Sociedade Vittorio Emanuelle II: Cantaram unidos o Vapiensiero,

lembrando Giuseppe Verdi, um herói nacional. Após o tumulto, se podia ver

espalhados na sarjeta os restos um exemplar do jornal alemão Volksblatt, o qual

havia sido espatifado pelo povo indignado.119

Não terá sido a primeira, nem a última vez que o jornal ilumina a presença

italiana em Porto Alegre. Ao se ver refletido na sociedade como protagonista do

drama social, essa comunidade vai tornar-se ainda mais visível ao longo das

próximas décadas.

No rés da calçada, o jornal embaixo do braço, imaginemos os leitores

italianos, observando o movimento dos célebres e dos anônimos da cidade. Na

breve pausa, transcorre a produção de sentido do cotidiano acelerado. Entre tantas

urgências, ainda é preciso comunicar-se, saber o que acontece, tomar posição. Os

que não lêem em português, ainda assim, podem inteirar-se no rolar da língua nas

ruas que restam em Porto Alegre.

118 Os Almanaques eram comumente publicados em italiano e alemão. O Correio do Povo inova ao iniciar publicações em português. Um exemplo é o Kalender, publicado entre 1855 e 1941, e destinado à comunidade alemã, conforme GRUTZMANN, Ingrid. O Kalender na imigração alemã na Argentina, no Brasil e no Chile. São Leopoldo, 16 ago. 2002. (Informação verbal). Outro, é o Almacco Italiano IIIustrado Del Giornale La Patria, publicado em 1921, Porto Alegre, ano V, Direção de Caetano Blancato. 119 Os acontecimentos podem ser acompanhados em LEMOS, Rodrigo Lemos; CONSTANTINO, Núncia Santoro de. Diversidade e tensões: Porto Alegre no final do século XIX. Estudos ibero-americanos, Porto Alegre: PUCRS, v. XXII, n. 1, p. 95-102, 1996.

112

O que torna o jornal tão especial é a capacidade de reunir de modo físico e

simbólico, pessoas que compartilham culturas políticas e leituras de gênero, em uma

época em que outros meios de comunicação estão, ainda, ausentes.

Na trajetória do jornal, o trânsito produz, de certo modo, uma comunidade de

leitores, uma comunidade de sentido. Os imigrantes lêem, como nos conta Dalva

sobre seu pai. Inferimos, dada as estatísticas da época, que os moraneses são

leitores, alguns, não todos. Esta leitura proporciona o acesso à língua a ser

decifrada, à semântica e à cultura da cidade.

Os entrevistados afirmam-se apolíticos, desde a primeira geração residente

em Porto Alegre. De fato, não encontramos moraneses figurando, no período, na

camada propriamente política, ao menos, no Jornal O Correio do Povo.

Mas, queiram ou não, fazem parte da cultura política que atravessa o período

e, portanto, não sendo testemunhas, são herdeiros do rico debate ideológico dos

anos 20/30.

Provavelmente, apenas quando o poder lhes retirou a liberdade de expressão

e de leitura na língua-mãe, como relata Angelina, ou na lembrança e silêncios dos

pais dos demais, a política lhes passa a interessar porque transfigura seu cotidiano.

O período entre 1920 e 1937, antecede essa sombra. Muitos racionalizam,

passando rapidamente sobre o interdito, alguns têm casos para contar. Mas

preferem (e toda narrativa é uma organização do vivido) narrar tendo o período que

viria a seguir, de efetiva interdição da língua, como um intervalo, uma suspensão

mesmo.

A narrativa insinua, mas não evolui neste intervalo sem duração. O antes é

pródigo, as possibilidades estão em aberto, os jornais trazem tantas novidades.

Saídos da Grande Guerra, há muito que reconstruir.

Há espaços sociais urbanos preferenciais para fazer circular a comunicação

interessada: os cafés, a rua da sociabilidade, a “Rua da Praia”, na verdade rua dos

Andradas, mas que na memória social ainda permanece como tal, as imediações da

113

Livraria Americana, ou da Editora do Globo, bloqueando a vista das vitrines. Porque

é na rua, nos anos 20/30, onde se fazem as trocas culturais e estão os espaços da

sociabilidade urbana.

Os estrangeiros, em razão desta condição, estão prevenidos, sabem não

tomar o Jornal como sinonímia de verdade, reconfiguram esta mimese. Buscam

notícias sobre o mundo que fica lá, muito próximo ainda, que só é estrangeiro para o

leitor comum. A visão de estrangeiridade espreita a escritura do jornal com sinonímia

da verdade.

Lêem o jornal pela possibilidade de dialogar, discutir e confrontar “o jornal”,

como qualquer leitor assíduo ou assinante. Figuram, até mesmo, como anunciante,

como pode ser comprovado desde o início do Correio do Povo, nos anúncios de

firmas e serviços de várias naturezas, conforme sua crescente inserção econômica

na cidade e da profissionalização da propaganda desde a década de 10. Outros,

figuram nas notícias. Segundo os corpus aqui propostos (diplomático, imigracionista,

cultural-político e comercial), muitos figuram como protagonistas do drama registrado

no jornal. Nenhum moranes, aparentemente, destaca-se nesses corpus. Aparecerão

no próximo capítulo, referente ao mundo social, menos atravessado pelo ideológico,

em Porto Alegre.

Voltando ao suporte do jornal, Galvani sabe que o fluxo da informação entre a

instantaneidade do fato transformado em notícia pelo jornalista-repórter-editor e seu

consumo pelo leitor depende da inovação tecnológica e das vias de comunicação,

como estradas, ferrovias e navios. Em razão disso, arrola o trânsito do jornal

provinciano para o jornal-empresa através da renovação tecnológica, da primeira

máquina, a Alauzet, o jornal em formato de 39x56 cm e o lançamento, em 1889, do

slogan “O Correio do Povo o jornal de maior tiragem e circulação do Estado do Rio

Grande do Sul”, anúncio em policromia na primeira página.

O formato perdura até 1905, quando o novo equipamento importado da

Alemanha, da firma Schelter & Giesecke, é capaz de aumentar o tamanho do jornal

para 49x68 cm. Em 1910, ocorre a modernização da linguagem jornalística. São

eliminados os tratamentos convencionais para as pessoas, o material tipográfico é

114

novo, a primeira máquina rotativa a chegar ao Rio Grande do Sul, uma Marinoni, é a

quinta máquina do Correio. Aos 25 anos de jornalismo de Caldas Júnior é anunciada

a entrada em operação das quatro primeiras máquinas linotipos a operarem em

Porto Alegre.

Em 1912, o Correio publica a primeira fotografia de reportagem de rua no Rio

Grande do Sul, quando chegam à Porto Alegre mais duas máquinas linotipos

importadas.

Um pouco da estética da recepção, de Jauss, poderia inferir um leitor mais

moderno, mas para fazer afirmação disso, precisaríamos conseguir comparar,

perceber a tensão latente. Será que as intenções eram realmente entendidas? Na

passagem do século é difícil porque não há história oral possível para saber como

liam o jornal. Mas há narradores atuando na redação, como demonstramos.

E há leitores: deduzimos sua presença na crescente tiragem. Em 1895, foram

2.000 jornais diários; 1896, a média de tiragem diária passa para 3.000 exemplares;

1897, segue a mesma média; 1898, a média de tiragem diária salta para 4.000

jornais; cresce para 4.500 exemplares, em 1899; e, em 1900, a tiragem média diária

alcança os 5.000 exemplares.

E começam a constituir-se os espectadores: o cinema inicia a competição

com o jornal, quando, em 27 de fevereiro de 1901, registra-se a projeção com

cinematógrafo no teatro São Pedro.

Em 1903, uma edição, pela primeira vez terá 10 mil exemplares. Sempre

supomos que o potencial de multiplicação dos leitores de apenas um exemplar

redimensiona o número de exemplares vendidos, tal como acontece com os

Almanaques, os folhetins, etc.

Entender a atuação dos grupos que atuam no espaço público, mediados pela

imprensa, é fundamental. As leituras do mundo que passam pelo político, pelo

cultural, pelo econômico de algum modo são configuradas como notícias, editoriais,

manifestos.

115

A empresa-jornal tem sua própria historicidade e, bem resguardada do olho

público. Precisa apresentar-se como produtora de um discurso unitário, que está

longe de refletir a luta interna. Galvani interessa-nos pelos detalhes dessa disputa.

Por opinião, por propriedade, por concepção política ou jornalística, pelo confronto

com a concorrência, com o poder no Estado e na cidade, seu trabalho não foi,

gratuitamente, sub intitulado “Os bastidores da Caldas Júnior”. No período, a crônica

interna revela que esteve longe de ser tranqüila a circulação de gerentes, herdeiros

e a adoção de estratégias de mercado.

Por outro lado, grandes nomes da cultura transitam no jornal, demonstrando a

interface com o jornalismo, ainda pouco reconhecido como profissão. Inclusive,

estimula-se outras incursões empregatícias, para compor a sobrevivência. A

interface mais freqüente é a literária: o início da literatura e dos memorialistas no Rio

Grande do Sul passa pelos jornais, inclusive pelo Correio do Povo. Como por

exemplo, Apolinário Porto Alegre, mestre, líder intelectual e político, ex-professor de

Caldas Júnior e de toda uma importante geração de políticos, intelectuais, morto em

1904.

Em 1909 morrem Daniel Job, o “grande repórter” e José Paulino Azurenha,

co-fundador do Correio. É quando entra para a redação Francisco de Leonardo

Truda. A luta sucessória inicia com a morte em 9 de abril de 1914 do fundador

Caldas Júnior, às vésperas da Grande Guerra. A notícia percorre as páginas dos

jornais A Federação, O Diário, O Eco do Povo, Deutsche Volksblatt, Deutsche

Zeitung e Neue Deustche , todos diários, mais as revista 606, Kodak, Stela D´Itália e

A Fita.

Em 1915, são apresentados novos correspondentes, alguns estrangeiros e

entre eles, Guglielmo Ferrero, em Turim, Itália.

Em 1917, é contratado Alcides Maya, escritor e jornalista, como

correspondente na então capital federal, Rio de Janeiro. Em 1918, morre mais um

colaborador do Correio do Povo, professor Apelles Porto Alegre, outro importante

formador de porto-alegrenses. Nesse mesmo ano, há a primeira censura da história

do Correio do Povo, com a proibição de notícias sobre a epidemia de Influenzia

116

Espanhola. Quando inicia a nossa história, em 1919, em 19 de julho na grande

Festa da Paz em Porto Alegre, o Redator-chefe do Correio está tratando sobre a

“Paz de Versalhes”.

Propomos nesse momento uma bússola para conduzir a rota da travessia da

leitura do jornal Correio do Povo: seguir os passos dos diplomatas, dos imigrantes,

da circulação de militantes fascistas e antifascistas na cidade e nas feiras comerciais

no circuito Brasil-Itália entre 1920 e 1937.

3.2.1 Transitar no Correio do Povo

3.2.1.1 Corpo diplomático em movimento

Em Porto Alegre, ressoa, em especial, na “colônia” italiana o re-

direcionamento da política externa da Itália de Mussolini, no poder desde 1922.

Emergem, na desordem do desenvolvimento capitalista, programas antagônicos:

“[...] a revolução comunista mundial ou transformação do imperialismo capitalista em

Império” [...], como propõem Michael Hadt e Antonio Negri. 120

A revolução soviética de 1917, seria a Primeira Grande Guerra Inter-

imperialista no contexto dos anos 20, sem deixar alternativas. O crescimento

econômico, a concentração da produção industrial e a difusão do taylorismo são

propostas de organização racional do trabalho e dos mercados para fazer frente ao

perigo da ampliação da revolução de Outubro de 1917.

O mundo assiste à expansão Colonial, possibilitada pela recém fundada Liga

das Nações, em 1920 e ao acirramento das crises nos países vencidos na Grande

Guerra: Alemanha, Aústria e Turquia.

Nesses anos as páginas internacionais acendem o Correio do Povo: em 10

de janeiro, em Genebra, a publicação é que o Exército Vermelho derrota a contra-

revolução e as intervenções internacionais e, em 1921, a China funda o Partido

Comunista da China, o PCC.

120 HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Império. Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 261-262.

117

A Polônia, em 1920 invade e é derrotada na Rússia. Dos EUA, em 1921, vem

a notícia do início do governo republicano de Harding, instaurando a era do Big

Business e da tríade: isolacionismo, conservadorismo e prosperidade material, que

propõem a retração da política novamente ao território americano, contra o

internacionalismo do presidente Wilson durante a Grande Guerra. E firma, com a

Conferência, o Tratado Naval de Washington sobre o Pacífico, em 6 de junho de

1922.

Da Turquia, vem a informação de que Mustafá Kemal é vitorioso sobre os

gregos (em 1919 o levante de Mustafá contra o Sultão dera início à guerra civil

turca).

Da Rússia, vem a notícia de que ela sofre a revolta de Kronsdadt e adota a

Nova Política Econômica - NEP, com V.L.Lênin no comando, em 1921.

A grande questão de fundo é o “cordão sanitário”, tentativa de isolar a

revolução soviética que leva Moscou a fazer alianças com os derrotados da Grande

Guerra. A Alemanha de Weimar é o alvo da estratégia, vindo a celebrar com a URSS

(Estado multinacional desde 30 de dezembro), o acordo soviético-alemão de

Rapallo, em 16 de abril de 1922, que, além de relações diplomáticas entre os

países, previa a fabricação de armas alemãs na URSS, proibidas de serem

produzidas na Alemanha pelo Tratado de Versailles.

Enquanto isso, o trânsito do corpo diplomático italiano em Porto Alegre segue

a gradativa reestruturação do Estado fascista, com Benito Mussolini no poder desde

a marcha sobre Roma.

A partir de 1927, a imigração assume uma função instrumental para o projeto

político fascista. Muda o discurso e a ação, Mussolini extingue o Secretariado Geral

de Imigração e cria a Diretoria Geral dos italianos no Exterior, em 1927.

A conseqüência direta é a alteração da atuação dos cônsules, como em Porto

Alegre. Anteriormente, para o século XIX, Núncia Santoro de Constantino já

118

examinara a atuação e relatórios emitidos na correspondência consular dando conta

da situação dos italianos em Porto Alegre, no seu livro “O Italiano da esquina”.121

Agora, na conjuntura entre os anos de 1920/1937, Loraine Slomp Giron

detém-se sobre as particularidades do poder na região italiana (com sede em Caxias

do Sul, formada pelos municípios de Garibaldi, Bento Gonçalves, Alfredo Chaves,

Nova Prata, Antonio Prado e Nova Trento). Diz:

o regime instituiu, por força de lei, uma figura política inexistente. Os antigos emigrantes sofrem então uma ‘italianização forçada’. Muitos deles, já plenamente integrados na nova pátria, sofrem um retrocesso no processo de integração, voltando seus interesses à Itália.122

Para avaliar a extensão dessas alterações na política italiana para a

emigração, Luiza Horn Iotti retrocede ainda mais no arco do tempo. Analisa a Itália

desde à época da Unificação e no seu trabalho “O olhar do poder”, esmiuça as

relações entre a política emigratória italiana, o papel do Ministério das Relações

Exteriores e o Estado italiano no período precedente. Conclui que, entre 1870 e o

início da Grande Guerra, destacam-se três períodos:

[...] o primeiro, a Unificação, quando se efetivou a montagem do novo Reino, através da sua organização jurídico-administrativa. Nesta fase, a política emigratória do governo e das classes dirigentes italianas variou entre posições e grupos que iam desde a nítida oposição ao desenvolvimento de uma emigração de massa na Itália, até a sua incondicional defesa, com uma ampla e manobrável série de posições intermediárias. O segundo iniciou com a ascensão da esquerda ao poder, em 1876, e encontrou plena realização durante o governo Crispi (1887-1896). Neste período, ocorreu uma reforma no aparato burocrático e uma radical transformação na orientação da política externa italiana. A emigração passou a ser encarada como uma solução para os problemas sócio-econômicos internos do país. E, para garantir o êxito do empreendimento, o Estado italiano assumiu a direção e a condução do movimento. O terceiro período começou com a queda de Crispi, em 1896, estendendo-se até o início da Primeira Guerra Mundial. Esta fase caracterizou-se pela transformação da economia italiana que, de essencialmente agrícola, passou a predominantemente industrial, pelo crescente aumento do fluxo emigratório bem como pelas remessas de

121 CONSTANTINO, Núncia Santoro de. O italiano da esquina: imigrantes na sociedade Porto-Alegrense. Porto Alegre: EST, 1991. p. 56. 122 GIRON, Loraine Slomp. As sombras do Littorio: o fascismo no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Parlenda , 1994. p. 71.

119

poupança dos emigrantes. A emigração, sob a tutela do Estado italiano, transformou-se em um negócio rentável para a Itália.

123

Debruçando-se sobre ampla documentação a respeito da estrutura social e

administrativa da carreira diplomática, Iotti conclui que, até 1914, os representantes

diplomáticos da Itália no Rio Grande do Sul,

[...] apesar de pertencerem aos quadros inferiores da carreira diplomática, possuíam traços que os ligavam às elites dirigentes do Estado italiano. E compartilhavam da mesma visão sobre a população pobre que havia sido obrigada a buscar fora do seu país as condições de vida que ele lhes negava. As relações que se estabeleceram entre eles e os imigrantes reproduziram, em parte, aquelas existentes, na Itália, antes da emigração. O Estado italiano e seus representantes continuaram a agir, no Rio Grande do Sul, com a mesma indiferença, com o mesmo preconceito e desprezo que haviam manifestado pela população pobre que vivia na Itália.

124

Pela análise dos anos entre 1922 e 1943, com base em ampla

documentação, João Fábio Bertonha afirma que:

[...] as conferências de imigração de 1924 e 1927 (BIANCHI, 1994) é todo um trabalho para, ao menos em teoria, preparar o emigrante italiano para a disputa de espaço num quadro internacional de contínuo fechamento dos espaços de imigração.(FRANZINA, 1994, p. 236-237; BIANCHI, 1994; DE MICHELIS, 1927 e SULPIZI, 1923). Dentro desta política, o fascismo parece ter absorvido algumas das idéias nacionalistas sobre como a emigração era um mal, mas que era uma necessidade obrigatória da Itália e não podia, assim, ser bloqueada, era imperativo retirar dela a maior quantidade possível de benefícios para a mãe pátria (GENTILE, 1986; CANNISTRARO, 1979).

125

O fato é que o corpo diplomático, sob o comando de Mussolini, é renovado.

Os cônsules recebem imunidades diplomáticas e novas atribuições. O mercado

externo representado pelos imigrantes passa a ser ainda mais interessante, há que

amalgamar uma ideologia nacionalista e ao mesmo tempo cuidadosa, considerando-

se a existência do Estado-Nação brasileira. Os Fasci di combatimento surgem na

123 IOTTI, Luiza Horn. O olhar do poder. Porto Alegre: EDIPURS, 2001. p. 44. Citando CANDELORO, a autora divide a história da Itália, de 1860 a 1914, em três períodos: a construção do Estado unitário (1860-1871), o desenvolvimento do capitalismo e do movimento operário. 124 Ibid., p. 82. 125 BERTONHA, João Fábio. Sob o signo do fascio: o fascismo, os imigrantes italianos e o Brasil. 1922-1943. 1999. Tese (Doutorado)- 1999, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1999.

120

Itália antes dos primeiros fasci all´ estero surgidos no Brasil, em 1923 e que serão

em número de 54, em 1926/27, e, de 3 no Rio Grande do Sul.126

Esses antecedentes podem auxiliar dimensionar a urdidura histórica por

detrás do suporte material do texto jornalístico do Correio do Povo: a vida do corpo

consular desdobra-se no cotidiano, aparentemente protocolar, interrompidos por

alegres efemérides, visitas e partidas de notáveis.

Transcrevemos alguns textos mais representativos para que o leitor possa

fazer sua própria interpretação, sem a nossa tirania. Para que possa perceber a aura

que cerca a emblemática posição de cônsul no jogo político que se trava e que o

texto narra com paixão.

Situemos os italianos que chegam em Porto Alegre neste contexto, como

cidadãos comuns e sem implicação política. A visibilidade da política externa italiana

é identificável na recepção do corpo consular aos estrangeiros da cidade.

Se a data for 11 de novembro de 1920, os italianos podem dirigir-se ao

Consulado Italiano, sito à rua Duque de Caxias n. 202 que lá encontram o Cav.

Massimo Goffredo, cônsul italiano. Com grande formalidade, o Cav. está “recebendo

das 10 as 11, as sociedades, escolas e seus compatriotas e das 11 as 12, o corpo

consular”. A razão de tudo isto é que a data é festiva, nada menos que o natalício do

rei Vittorio Emanuelle III, da Itália.127

Um ano se passa sem novidades noticiáveis neste campo. Em 1922, o Cav.

está de partida para a Itália, em licença. Nenhuma alteração mais grave, assume o

consulado na sua ausência, Giano Bozano, vice-cônsul da Espanha, devidamente

nomeado pela embaixada italiana. No Rio de Janeiro, como é praxe, antes de partir

o Cav. Massimo Goffredo apresenta-se à Protásio Alves, Secretário dos Negócios do

126 BERTONHA, 1999, p. 78. O autor cita ‘Seicento fasci Itáliani all´stero’in Il Legionario, III/44. 30/11/1926 e TRENTO (1994, p. 252). 127 ANIVERSÁRIO Regio. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 263, p. 4, 11 nov. 1920.

121

Interior e Exterior e às demais autoridades locais. Francisco Luiz Zuliani, secretário

do consulado, segue nas suas funções.128

Quando o cônsul parte, no Correio do Povo, as notícias são outras. É

acelerado o realinhamento político pós-guerra e o jornal não tem outra saída, senão

a de aumentar o número de seus correspondentes epistolares.129

Em 1923, seguem as notícias intranqüilizadoras: aproveitando-se da

debilidade social com a hiperinflação na Alemanha, ocorre o pusch de Hitler em

Munique, que fracassa. Mas alerta as demais potências que lançam o plano Dawes

de ajuda, em 1924. Investem capitais norte-americanos e ingleses, na tentativa de

retirar a Alemanha da área de influência soviética, ano em que ocorre a morte de

Lênin na Rússia.

Enquanto isso, ocorrem tentativas de estabilizar as fronteiras do ocidente na

Conferência de Locarno. Do outro lado do mundo, na China, morre Sun Iat Sen e

ascende Chang Kai Chek.

No ano seguinte, 1925, realiza-se o XVI Congresso do PUCS e Stalin alcança

o comando do Comitê Central do partido e do Bureau Político.

Em 12 de março de 1925, manobrando com os temores da crise que

atravessa a Itália, no contexto europeu, o fascismo torna-se partido único na Itália. É

notória a mudança de Mussolini que, em agosto, na mensagem aos italianos do Rio

Grande do Sul reorienta a política em relação à emigração.

A mensagem aos italianos se dá por ocasião do Cinqüentenário da Imigração.

O Correio do Povo afirma que a data interessa à imprensa na Itália. Em resposta a

comunicação enviada pelo comitê pró-comemorações do Estado, expressa o Duce:

Aos filhos da Itália do Rio Grande do Sul - Milão, coração palpitante da nova e antiga Gente latina, aos confrades do Rio Grande do Sul os quais, sob os céus ardentes do Trópico, não se esqueceram do plácido céu latino que vê

128 CONSULADO da Itália. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVII, n. 173, p. 4, 20 jul. 1921. 129 Internamente assume a direção Leonardo Truda. A Associated Press, no esforço financeiro de João Obino, diretor financeiro, começa a enviar material para o jornal, conforme GALVANI, 1995, p. 227-235.

122

as glórias milenárias da pátria imortal, manda a sua mensagem de saudação e de augúrio. E tanto se sente mais agradecida e comovida a nossa cidade, guarda de antigas memórias, e que no entanto se renova no trabalho e na indomável atividade, quanto acredita que entre vós, nossos irmãos, um pequeno núcleo povoado ostentará o nome inaugural de “Novo Milão” Ótimo e grande seja este auspício romano: possa o nome da patriótica cidade lombarda relembrar sempre aos colonos pioneiros da Pátria Latina o dulcíssimo nome da Itália, que, em meio os mais sérios trabalhos de colonização, é como se alçasse o espírito do trabalhador italiano. Vínculos profundos e quase invisíveis - e por isso mesmo mal compreendidos por aqueles que não sentem a grandeza do nome e da raça latina - são estes que ligam os italianos daqui e de lá do oceano. Possam estes laços estreitar-se sempre mais e fazerem-se sempre mais firmes de forma que a grande pátria latina possa da mesma forma ditar - de acordo com as suas seculares tradições - a sua inteira palavra pacifica de justiça e de liberdade ao povo do mundo. O secretário geral, E. Pizzagalli. O intendente, Sen. Mangiagalli.

130

Fica clara a soldadura pretendida por Mussolini, restabelecendo a paternidade

de origem, nela está embutida a idéia de que os pequenos núcleos coloniais, que

originariam às cidades do século XX podem ser réplicas das cidades de origem,

desmanchando a possibilidade de singularização do processo imigratório. Uma

appartenenza perfeita que se refaz onde e quando houver italianos espalhados no

mundo.131

De acordo com essa lógica, os acontecimentos com a família real italiana

devem enlutar os súditos, quando em 7 de janeiro de 1927, a consternação cobre a

"colônia" italiana: morre a rainha-mãe Margarida. O Cav. Julio Bozano, recebe as

condolências no consulado. As bandeiras voltam a tremular à meio-pau em todos os

consulados, nas sociedades italianas e na filial do Banco Francês e Italiano.132

Luto à parte, está em pleno curso o que os analistas definem como anos de

grande ilusão ou falsa prosperidade, guiados pelo industrialismo e pela sociedade de

consumo, há uma vaga idéia de que não poderia haver outra catástrofe como uma

130 UMA MENSAGEM aos italianos. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXI, n. 208, p. 4, 02 set. 1925. 131 A ressonância nas ciências sociais dessas concepções dão origem a trabalhos que visam estabelecer relações entre o teritório e as formas sociais de simbolização dos laços dos grupos com uma presumível matriz étnica. Um exemplo dessas pesquisas estão em GUBERT, Renzo; GADOTTI, Giovanna. La struttura socio spaziale di Trento: contributi sociologici alla pianificazione dell centro storico. Milano: Franco Angeli, 1986. 132 A MORTE da Rainha-Mãe Margarida. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXII, n. 5, p. 4, 07 jan. 1926.

123

nova guerra européia. É a fase que os historiadores denominam de “declínio da

hegemonia Européia”.133

Para José J. de Andrade Arruda haveriam três ‘fatias’ no período após a

grande guerra. O primeiro período, de 1919 a 1924-28, caracteriza o desejo de todos

os países europeus envolvidos que

procuraram liquidar os resquícios deixados pela guerra [...]; 1924-28 a 1931-33, com o grande surto de prosperidade, que trazia no seu bojo os elementos da crise detonada nos Estados Unidos em 1929; de 1932-33 a 1939 [...] esforço coletivo para superar a crise, desenvolvendo práticas intervencionistas jamais utilizadas até então.134

Entre 1926 e 1928, o Correio do Povo ainda publica a ofensiva do

Kuomintang que inicia, em 1926, a luta contra os Senhores da Guerra na China,

após, rompe com os comunistas, culminando com o grande massacre de Cantão,

em junho de 1927. No Tratado de Rapallo, em Berlim, são renovados os acordos

anteriores, em 24 de abril de 1926. A Alemanha é enfim admitida na Sociedade das

Nações.

Em 1927, na Itália de Mussolini, é tempo de radicalização na política de

emigração. Ainda assim, causa estranheza ao embaixador da Itália no Brasil, de

acordo com o discurso feito em São Paulo e publicado pelo Correio do Povo em

março de 1928, a diminuição da corrente emigratória para o Brasil. Afirma:

Com efeito, o seu número reduziu-se a menos da metade de 1901 até a presente data, com evidente repercussão em nossa economia. A responsabilidade desse fato cabe exclusivamente aos nossos governos que, até hoje, não souberam ou não quiseram encontrar uma solução harmônica com os nossos interesses, para resolver o importante problema imigratório. A maneira por que tem sido até agora encarada a questão, só tem servido para enriquecer os negocistas sem escrúpulos, as empresas de propaganda contraproducente, sem quaisquer garantias para o País. Nenhum outro país da América oferecerá, talvez, melhores condições ao imigrante. Eles, porém, o ignoram completamente. A maioria dos que aportam ao Brasil, vítimas dos intermediários, daqui saem, logo que podem, levando a pior impressão. Era já tempo de procurarmos meios mais eficientes de atrair o emigrante, de sorte que pudéssemos sub-

133 VIZENTINI, Paulo Fagundes. História do século XX. Porto Alegre: Novo Século, 2000. p. 11-58. 134 ARRUDA, José Jobson de Andrade. A crise do capitalismo liberal. In: REIS FILHO et al (Orgs.). O século XX: o tempo das crises, revoluções, fascismos e guerras. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2000. v. II, p. 11-34, p. 22.

124

nacionalizá-los e ao mesmo tempo oferecer-lhes garantias que os fixassem no território nacional.

135

Não apenas os italianos estão deixando de emigrar para o Brasil, como

acirram-se os ânimos dos grupos políticos ligados à disputa ideológica italiana, que

repercute também em Porto Alegre.

O que terá levado à agressão contra o Consulado Italiano na cidade, em 29

de agosto de 1928, senão um episódio dessa disputa transposta para a cena

brasileira, muitos devem perguntar-se ao ler as notícias do Correio do Povo, ”ofensa

grave” que acaba de ser cometida contra o consulado: a placa do mesmo amanhece

coberta de “imundície”. O vice-cônsul Giulio Bozano apressa-se em comunicar ao

sub-chefe de Polícia, Valentim Aragon, o ocorrido. Desconfia ser um atentado

antifascista, o que leva a autoridade a intimar e interrogar Carlos Gati e um outro

membro do Comitê antifascista. Nada pôde ser apurado e foram liberados.136

A notícia circula rapidamente na cidade, mas as investigações ocorrem no

maior sigilo, exceto, evidentemente, a convocação do líder antifascista por Valentim

Aragon. O prédio fica sob a guarda policial.

Em 4 de setembro outra investida, desta feita, contra o cônsul. O caso

aparenta não ter conotação política, é antes, de como as relações entre o consulado

e “os súditos” são verticalizadas.

O Correio do Povo narra que o consulado geral da Itália muda-se após a

chegada de seu novo regente, deputado Manfredo Chiostri, indo para a rua dos

Andradas n. 766. No mesmo, residem o cônsul e Guilherme Gobbi, funcionário do

consulado.

No dia da limpeza de Paulina Correia da Silva, que, corriqueiramente, faz nos

últimos 15 anos, um “sujeito“ à custa de dinheiro ou de violência tenta,

desesperadamente, falar com o cônsul. Lutaram e Paulina acabou por ser

amordaçada. Ao entrar no prédio, o sujeito “desconhecido, de cor morena, sem 135 DISCURSANDO. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 77, p. 3, 31 mar. 1928. 136 FATO reprovável. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 206, p. 4, 29 ago. 1928.

125

bigodes, de regular altura e mal vestido” foi afugentado pelos cães perdigueiros que

o cônsul utilizara em caçadas na véspera. O cônsul então se dá conta do que está

ocorrendo, liberta Paulina e não hesita: imediatamente comunica o fato às

autoridades policiais, bem como à Oswaldo Aranha, Secretário do Interior e ao

embaixador da Itália junto ao governo brasileiro.

Um soldado da Brigada Militar foi destacado para fazer a segurança do

consulado. ”O caso prossegue com o delegado Valentim Aragon, prendendo Antonio

Campagna, conhecido por suas idéias anti-fascistas, e que no interrogatório não foi

reconhecido por Angelina.”

O episódio rende solidariedade dos Cons. Julio Bozano e Gino Botocchio,

respetivamente vice-cônsules em Porto Alegre e em Bento Gonçalves. “Falando aos

representantes da imprensa, declarou o Dr. Chiostri estranhar o ocorrido, pois não

tem aqui nenhum desafeto, vivendo com a colônia na mais perfeita harmonia.”137

Em nome do corpo consular, Humberto Bidone, decano do referido corpo e

cônsul geral da Argentina, solidariza-se, mas a maior solidariedade parte do Fascio

Carlo del Prete. No dia seguinte eles compareceram em grande número, “de todas

as classes sociais da colônia”, fazendo, ao chegarem ali, ”a saudação à romana,

com o qual correspondia o representante da nação amiga.”138

As palavras do cônsul foram contundentes ao salientar que era, de fato, um

atentado em nível político, porque carece de inimigos pessoais.

Frisou no decorrer de sua oração que havia duas correntes, sendo uma do bolchevismo da Rússia, que é, naturalmente, a que pretende bolchevizar este ou aquele país com as suas idéias; a outra, porem, era o fascismo, que agia somente na Itália, que surgiu visando honrar a política nacional, pondo, sem dúvida, um forte dique ao bolchevismo, quando ele quis penetrar na sua pátria. Não foi ele constituído para se combater a burguesia, mas sim para evitar as lutas entre o capital, e o trabalho, reconhecendo que um não pode viver sem o auxílio de outro. Por meio desse programa, dessa "Carta Del Lavoro" que todo o mundo reconhece como uma das melhores obras do fascismo, ficou assegurado o justo valor á cada indivíduo. E, uma vez harmonizando-se todas essas classes, é justo se esperar o bem estar de

137 O ATENTADO de ontem ao consulado da Itália. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 211, p. 4, 04 set. 1928. 138 Ibid., loc. cit.

126

uma nação como a Itália, que está ressurgindo forte, coesa para os grandes destinos da humanidade.

139

A paranóia do cônsul justifica-se. O clima internacional é de intranqüilidade. O

Correio noticia, em 1929, o Acordo de Latrão, que cria o Estado do Vaticano, pondo

trégua na polêmica histórica entre o Estado italiano e a Igreja Católica.

Mais noticias sucedem-se, como as da sede da bolsa americana, o Crack em

1929 precipita a crise de superinvestimento e de subconsumo que chega ao seu

limite. Por maior que seja o leque de intérpretes da crise, ex-post, o fato é que urge

realizar o que ficara pendente desde as tratativas de paz pós-guerra, no sentido da

transformação do capitalismo. Na Itália e na Alemanha “o projeto de reestruturar as

relações capitalistas acabaram evoluindo para o nazismo e fascismo”.140

Em 1929, as eleições presidenciais na Alemanha dão a vitória a Hindenburg

sobre Hitler no segundo turno. Em 1931, há a moratória das dívidas e reparações da

Primeira Grande Guerra, a Alemanha fecha seus bancos e interrompe os

pagamentos, abandonando a SDN. Em 1933, Hitler é chamado para organizar o

governo. As primeiras medidas são no sentido de colocar o Partido Comunista

alemão na ilegalidade, criar uma polícia secreta, a Gestapo e ocupar os sindicatos.

Tais acontecimento são acompanhados, ainda em 1931, pela proclamação da

Segunda República na Espanha, pelo abandono da SDN pela Alemanha e pelo

Japão que invade a Manchúria em 19 de setembro.

Já a política econômica americana, depois da crise da bolsa, vai noutra

direção. Em 1932, nos EUA, é eleito Roosevelt que inaugura o New Deal com as

receitas do economista Keynes, em 1933. É um novo projeto de arranjo entre a

sociedade e o estado sob controle disciplinar da produção capitalista, onde são

implantadas as diretrizes de descolonização, descentralização e disciplinaridade.141

139 O ATENTADO ao consulado da Itália. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 212, p. 7, 05 set. 1928. 140 HARDT; NEGRI, 2001, p. 263. 141 Ibid., p. 263-270.

127

Um parênteses para tratar da dinâmica da política brasileira no período entre

1930 e 1937 e, a partir daí, estabelecer o trânsito de idéias e indivíduos estrangeiros

como segue nas próximas seções.

Referimo-nos ao processo nacional que repercute diretamente na

reorientação da política brasileira frente ao estrangeiro e a avaliação sobre a

continuidade ou não, da colonização e imigração estrangeira no país.

Os pontos principais dizem respeito à ruptura da aliança que vigorara entre as

oligarquias da economia agro-exportadora brasileira nos Estados de São Paulo e

Minas Gerais, com a emergência de novos atores sociais na cena política. Em 1930,

um novo alinhamento político rompe com a chamada “política do café com leite”,

assim chamada a alternância no poder central entre as tradicionais oligarquias

paulistas e mineiras. A crise da Bolsa terá seu papel nisso, tanto para enfraquecer a

base da monocultura de exportação que impõe a direção política nacional, quanto

para fortalecer novas camadas. Principalmente, as urbanas e os setores militares,

bem como as linhas de força que repetem no país, a disputa ideológica no ocidente

europeu, buscando outros projetos para o desenvolvimento nacional. Vai destacar-

se aquele que propõe o nacionalismo na cultura, a construção do homem brasileiro e

o reforço da modernização da sociedade.

Em 1930, sela-se uma coalizão inédita para os parâmetros da política rio-

grandense, de acordo com a história da formação do Estado do Rio Grande do Sul,

desde sua ocupação. Unem-se as forças políticas em torno de um novo líder, Getúlio

Vargas. Muita tinta já foi gasta para estudar o período e sua composição de forças.

Basta assinalar o que Boris Fausto denomina, “o Estado Getulista”,142 entre

1930 e 1945. É simples: em 1930, os militares impulsionados pelo movimento

tenentista da década anterior, alinham-se aos interesses das camadas de técnicos

diplomados, de jovens políticos e de industriais, resultando em um novo bloco no

poder. O poder regional cede para o poder centralizador emergente, acompanhando

142 FAUSTO, Boris. O Estado Getulista. In: _______. História concisa do Brasil. São Paulo: EDUSP/Imprensa Oficial do Estado, 2001a. p. 185-218.

128

a tendência internacional de reforço do Estado para enfrentar os efeitos e desafios

da quebra da Bolsa de Nova York.

Para Fausto, esse Estado que emerge vai atuar politicamente atribuindo às

forças armadas o papel de suporte da futura indústria de base, necessária para

alavancar a industrialização. No plano econômico, vence o projeto industrializante,

mas que não se faz sem antes lançar uma legislação de proteção aos trabalhadores

urbanos, unindo em aliança a burguesia nacional, o aparelho de Estado e as Forças

Armadas.

No Rio Grande do Sul, é delicada a situação. Parece crítico manter o antigo

apoio que Flores da Cunha, em 1932, prestara à Vargas, ao contribuir para debelar

a oposição das oligarquias paulistas descontentes, unidas aos democratas em geral,

que pedem pela Constituição. Dentre esses, no Rio Grande do Sul, em 1932, estava

o partido liberal gaúcho, que sairia derrotado e verá exilarem-se as figuras de Raul

Pilla, Lindolfo Collor, Battista Luzardo, João Neves da Fontoura e Borges de

Medeiros.

A partir de 1935 tem início a ruptura entre Flores da Cunha e Getúlio Vargas.

Uma breve recuperação sobre as linhas de força político-ideológicas desses

anos traz de 1930 até o Estado-Novo, uma cartografia polarizada entre o

Integralismo da Ação Brasileira (AIB) de Plínio Salgado, o Comunismo da Aliança

Nacional Libertadora (ANL), na presidência de Roberto Sisson, entre o Nazismo e o

Fascismo com relativa adesão dos imigrantes, bem como entre o Liberalismo do

partido Libertador. A pretexto de combater o comunismo, Getúlio Vargas retarda a

democratização e, em 1935, implanta a Lei de Segurança Nacional, suspendendo as

liberdades de manifestação e reunião existentes. Esse foi um dos motivos da ruptura

entre a liderança nacional de Getúlio Vargas e a regional de Flores da Cunha, que

insurge-se em 1935; no entanto, o realinhamento da conjuntura política que vai

enfrentar termina por levá-lo ao isolamento do poder. Em 1936, Flores da Cunha

assiste quando Vargas aciona o Estado de Sítio no país, na ante-câmara do que

este faria em 28 de abril de 1937, no Rio Grande do Sul. Ensaio geral do que estava

por vir com o Estado-Novo que estabeleceria as novas diretrizes nacionais.

129

Em 1937, Getúlio Vargas desarma ou neutraliza, uma a uma as forças

políticas predominantes na década de 30. Mais centralização, mais modernização da

infra-estrutura industrial e menos sociedade civil, essa é a nova cartografia das

alianças políticas regionais com o poder central.

O Estado-Novo será um poder autoritário e centralizador, que fará crescer a

economia no setor industrial, às expensas das liberdades democráticas. Os

imigrantes serão duramente atingidos, os estrangeiros verão ameaçados seu

patrimônio, dentre eles, o cultural quando interditada sua liberdade de expressão na

língua-mãe. Muitos imigrantes não conhecem outra língua e os episódio bizarros

sucedem-se quando na cotidianidade das ruas buscam a comunicação mais

corriqueira.143

Esse é o cenário onde transcorrerá a vida pública de Porto Alegre nos

próximos anos.

Antecedendo todos os últimos episódios, a tônica dos anos que antecedem o

Estado-Novo é o redirecionamento da política externa italiana em relação aos

italianos emigrados e de prestígio. Desde 1923 os italianos que podem traduzir sua

trajetória pessoal em prestígio para a Itália fascista serão homenageados com a

benemerência da “Estrela do mérito ao trabalho” de acordo com a estratégia de

conquista comercial e ideológica das colônias all’stero. Um exemplo é a notícia de 7

de junho de 1931 sobre a entrega da benemerência para vários ilustres imigrantes.

[...] por decreto real de 30 de dezembro de 1923, a fim de premiar os que se destacam pelo seu assíduo e inteligente trabalho. Os estrangeiros destacados são homenageados pelo governo fascista, pelo decreto de 4 de setembro de 1927, uma iniciativa do Ministro dos Negócios Estrangeiros [...] em número não superior a trezentos por ano. Este ano, s. m. o rei da Itália dignou-se conferir tal benemerência a quatro cavalheiros residentes em nosso Estado: Srs. Rocio Galo, Aristides Germini, Pedro Mocelin e Januario

143 FAUSTO, Boris. História concisa do Brasil. São Paulo: EDUSP/Imprensa Oficial do Estado, 2001b; BELLITANI, Adriana, Iop. Conspiração contra o Estado Novo. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; sobre a interdição da língua estrangeira, ver, entre outros, SGANZERLA, Cláudia Mara. A lei do silêncio: repressão e nacionalização no Estado Novo em Guaporé (1937-1945). Passo Fundo: UPF, 2001.

130

Scalzilli [...] A entrega solene ocorre no sábado, 25 do corrente, no Consulado Geral da Itália.

144

A notícia a seguir, demonstra o trânsito dos representantes do governo

italiano sempre com a deferência que a hierarquia diplomática exige, contando com

a receptividade dos círculos de distinção apropriados. Os mais notórios espaços de

realização das práticas sociais de reconhecimento recíproco são as sociedades

étnicas. Em decorrência desse quadro geral, a sociabilidade das comunidades

italianas é transpassada pelos conteúdos ideológicos que, conjunturalmenre,

solidarizam as elites locais à política italiana all’estero, sobressaido-se, no período, a

tentativa de penetração da ideologia fascista e sua luta por amalgamar as trocas

sociais entre os italianos da cidade.

A Casa dos Italianos recebe em 1931, Piero Parini, diretor geral do Ministério

das Relações Exteriores da Itália. O motivo da vinda desde Roma é visitar as

coletividades italianas residentes na América do Sul.

A visitação inicia pelo Rio de Janeiro, depois Belo Horizonte e São Paulo. O

programa que o espera em Porto Alegre é idêntico aos anteriores ocorridos naquelas

capitais. Sob a direção do cônsul geral, Cav. Manfredo Chiostri, os presidentes das

sociedades italianas e autoridades organizam, em princípio, recepção no cais do

porto, recepção da “colônia” na Casa dos Italianos, à rua da Misericórdia e

banquete, no salão da Confeitaria Rocco, com as devidas autoridades presentes ao

evento.

Com inscrição no Consulado Geral da Itália e na Casa dos Italianos, a elite

italiana local se vê refletida na comissão de festa, mas não a intelligentzia porto-

alegrense. É uma amostra, no entanto, representativa dos bem-sucedidos italianos,

compreendendo vários ramos da economia da cidade. Os nomes, a maioria de

descendentes ou oriundi, mesmo do norte da Itália, se repetem nas festividades e

eventos envolvendo a diplomacia italiana. Vale o registro: Giulio Bozano, Bianca

Benoni, Francisco Benoni, Duilio Bernardi, Giuseppe Corsi, Raffaele Gaspari, Italo

144 CONDECORADOS pelo governo italiano. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 157, p. 4, 07 jul. 1931.

131

Giaccioli, Giuseppe Leonardi, Lorenzo Lotti, Carlo Lubisco, Giov. Batt Minozzi,

Giovanni Monti, Angelo Perone, Angelina Piccoli, Natale Piccoli, Giovanni Brenna,

Giuseppe Ricaldone, Cesare Boarani, Vittorio Scatizzi, Nicola Soriero, Pietro

Boratto.145

Um intervalo para situar as complicações enfrentadas pelo Correio do Povo

ano de 1932: em março, a política nacional entra em ebulição com a perspectiva de

nova revolução com sede em São Paulo, a qual o jornal não intenciona apoiar. No

contexto latino-americano verifica-se o início da Guerra do Chaco.

Internamente, há mudanças significativas no jornal: o redator, André

Carrazzoni, deixa a direção em 14 de julho, vai para a capital federal e de lá

continua a escrever para o Correio do Povo. Permanece na Diretoria Alexandre

Alcaraz e o jornalista Arquimedes Fortini comemora “Jubileu de Prata”.

Como Carrazzoni, pode-se dizer que Fortini fazia parte da intelligentzia local

naqueles anos.146

A grande notícia na cobertura do Jornal em relação ao trânsito do corpo

consular, é a vinda, em 1932, do Embaixador da Itália junto ao governo brasileiro

Cav. Vittorio Cerrutti. O fato mobiliza a “colônia” pela extensa programação embutida

na sua missão diplomática.

O Correio do Povo utiliza uma narrativa que ensaia um jornalismo neutro. O

interessante quanto ao estilo da narrativa, é que os diálogos são apresentados de

modo que o leitor sinta-se presente à cena, não cabendo ao narrador-jornalista

nenhuma voz narrativa ativa. O resultado são matérias longas, detalhadas, onde se 145 A VIAGEM de um diplomata italiano. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 289, p. 7, 10 dez. 1931. 146 André Carrazzoni nascido em 1896, é descendente de italianos que se localizaram, primeiramente em Livramento. Após trabalhar no Diário de Notícias, trabalhou no Correio do Povo. Deixou versos, uma biografia e um perfil de estudante sobre Getúlio Vargas (1939 e 1940), por onde já podemos apreciar sua simpatia ao governante; produziu no jornalismo político e literário. Algumas de suas obras: Horas perdidas (1918)- versos, A poesia e a prosa do cotidiano (1957)- crônicas, Alma da terra (1962)- novela. Poema das quatro estações (1969); Arquimedes Fortini, nascido em Argel, de pais Italianos, chega em 1892 em Porto Alegre. Trabalhou no Correio do Povo, editou a revista de esportes Revista Esportiva. Entre outros, escreveu O 75O Aniversário da colonização Italiana no Rio Grande do Sul (1950), Revivendo o passado (1951); Porto Alegre através dos tempos (1962); O poder da fé em Santo Antônio (1967); Viagem sentimental (1968). In: SULIANI, Antônio (Org.). Etnias & carisma. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001. p. 402.

132

mescla a narrativa do falante com a do jornalista, por vezes confundindo o leitor, que

não sabe se está diante da mera transcrição de texto ou se está na presença da

interpretação narrativa.

Assim, acompanhemos a agenda do embaixador. Chega de avião,

desembarcando no cais do porto, onde está sendo esperado. Estará hospedado

com as honras de convidado do Estado, no Grande Hotel. Com este, já são três

embaixadores em curto período de tempo a visitar o Estado.

[...] O primeiro foi o conde Bostari, o segundo o barão Luiz Montagna, que aqui esteve, em 1925, por ocasião da Exposição do Cinqüentenário da Colonização Italiana e o último, agora o Cav. Cerruti. Além desses altos diplomatas, tivemos ainda a visita, em 1918, de uma embaixada italiana

chefiada pelo ex-deputado Vito Luciani [...].147

A programação envolve as sociedades italianas e as escolas por elas

mantidas; ao interventor do Estado, sempre com a previsão de retribuição da visita,

cabe recepcionar o corpo consular e a “colônia” italiana. Há previsão de visitas do

embaixador aos secretários de Estado, comandante da Região, arcebispo e prefeito.

Estão agendados bailes e banquetes oferecidos pelo governo, visita ao quartel do

Comando Geral da Brigada Militar e passeio pela cidade.

Nas visitas aos estabelecimentos industriais e comerciais temos uma amostra

da representatividade dos italianos aqui estabelecidos, ocasião em que os acordos

comerciais são reafirmados. São visitados, entre outros: Dal Molin Mulino

Esperança, Molino Rublo, Domenico Vigna, Distillaria Scalzilli, José Florini, Marmi,

Cipriano Michaletto, Oficina Machanica, Banco Ítalo Franceze per I’America del Sud.

O excepcional, no itinerário, é a visita, em trem especial, à Caxias afim de

acompanhar a Festa da Uva, assistida pelo Palácio do Governo.

Com alguma variação, a cena por onde circula o embaixador é a que

acontece na Sociedade Italiana Principessa Elena di Montenegro, quando após o

aluno Termignoni, falar, discursa Pasquale Santoro, saudando o amor pela pátria

147 AS VISITAS de ontem do Embaixador Cerruti. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVIII, n. 46, p. 7, 25 fev. 1932a.

133

distante. Quando o embaixador responde, seguindo as diretrizes da política externa

italiana, não deixa de frisar:

[...] filhos de italianos a que tudo fizessem para se tornarem os melhores cidadãos do Brasil [...] que o amor constante à pátria longínqua não exclui o amor profundo e sincero à segunda pátria adotiva, ao Brasil, pois um e outro desses sentimentos se correspondem e se fundem na mais perfeita harmonia.

148

O grupo que acompanha o embaixador é seleto, composto, entre outros pelo:

Cav. Giacomo Ungarelli, regente do consulado; cav. Julio Bozano, vice-cônsul; Dr. Gino Battochio, vice-cônsul em Bento Gonçalves; Dr. Lorenzo Lotti, fiduciário do Fascio Carlo del Prete; o Coronel Orestes Carneiro da Fontoura, oficial posto à disposição de s. Ex.a. pelo governo do Estado [...].

149

Hinos patrióticos não faltam, por onde circula e no club Canotiere Duca Degli

Abbruzzi o aguarda uma demanda feita pelo presidente, Raphael Guaspari, “[...]

apela para o estabelecimento de uma linha de navegação entre Gênova e Rio

Grande, iniciativa que seria recebida como um meio eficientíssimo para estreitar,

ainda mais, os laços de afeto existentes entre as duas grandes pátrias [...].”150

Encerrou o embaixador, a série de suas visitas indo ao consulado geral da

Itália, para receber os componentes do Fascio Del Prete e das Associações de Ex-

Combatentes e de Ex-Oficiais Italianos.151

No dia seguinte o Correio do Povo publica artigo onde estão reafirmadas as

recíprocas vantagens que os dois países auferem, na continuidade da emigração

[...] Por uma espécie de lei de compensação, entre os velhos países e os países jovens, em plena fase de formação econômica, se opera uma

148 AS VISITAS, 1932a, p. 7. 149 Ibid., loc. cit. 150 Ibid., loc. cit. 151 Ibid., loc. cit.

134

contínua permuta de valores sociais, de que é índice a deslocação da mão de obra. [...] vantagens recíprocas, tanto de ordem material como moral.152

A impressão que leva da visita, é publicada na capital federal, no Jornal do

Brasil e reproduzida no Correio do Povo. Tanto quanto pregara que os italianos

fossem bons brasileiros, parte com a impressão de que o Estado brasileiro é atento

com os próprios, pois uma vez que mesmo sem ser divulgado previamente, com

relação às habitações de colonos: “[o tratamento] observei que não pode ser mais

elevado. Há por toda a parte escrúpulo higiênico nas habitações dos trabalhadores,

que obedecem às exigências mais modernas de assistência social [...] ”.153

Além das funções de intercâmbio entre o Brasil e a Itália, o cônsul na cidade

pode realizar casamentos. Com o consulado já instalado na praça Montevidéu, n.

29, o que surpreende neste casamento realizado em 11 de agosto e que chama a

atenção do Correio do Povo é o ineditismo do enlace oficial de registro civil, oficiado

pelo Cônsul Geral da Itália, com. Mario Carli:

[...] dois expoentes da colônia italiana: o marques engenheiro Vittorio Scatizzi com a senhorita Bianca Benoni, filha do conhecido médico-cirúrgico dr. Francisco Benoni. A cerimônia assistida pelas testemunhas e parentes mais próximos dos noivos, desenvolveu-se no mais rígido cumprimento de estilo fascista [...].

154

O entendimento entre a Itália, seu governo e as sociedades étnicas no

exterior deixa transparecer dificuldades como a interrupção do diálogo entre o

representante italiano e as lideranças locais, ocorrido em 1933. A harmonia nas

relações entre o cônsul em Porto Alegre e as sociedades italianas é habilidade

rompida, ao ponto da remoção do cônsul ser a única atitude do momento. Os

motivos são desencontrados, pela cobertura do Correio do Povo concluímos tratar-

se da inabilidade política do cônsul em respeitar a autonomia das sociedades

italianas, independentes de Roma.

152 AS VISITAS de ontem do Embaixador Cerruti. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVIII, n. 47, p. 3, 26 fev. 1932b. 153 O EMBAIXADOR da Itália fala sobre o R. G. do Sul. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVIII, n. 59, p. 10, 11 mar. 1932. 154UM CASAMENTO no Consulado da Itália. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVIII, n. 189, p. 7, 11 ago. 1932.

135

A retirada de um cônsul é assunto delicado, mais ainda a chegada do

próximo, que vem com a missão de refazer o tecido comunitário rompido na

conjuntura politicamente radicalizada.

Em 13 de março de 1934 chega em Porto Alegre, pelo vapor “Itapagé” da

Companhia Costeira, o Cav. Américo Gigli, vice-cônsul da Itália em São Paulo, que

vem assumir as funções de regente do Consulado Geral da Itália no Rio Grande do

Sul, substituindo o comendador Mario Carli. Este, embarca no dia 15, após dois anos

de trabalho no consulado, desgastado com a “colônia“ italiana local.

Ao chegar, o regente Gigli, vai diretamente para o Grande Hotel, sendo

recebido pelo jornalista Rivelli, que há algumas semanas se encontra em Porto

Alegre em missão do governo italiano junto ao governo brasileiro. Rompendo com o

rito de recepção aos diplomatas, as sociedades italianas não se fizeram representar,

enquanto o comendador Mario Carli não partisse. Apenas depois é que iriam,

incorporados ao consulado cumprimentar seu novo representante.

Dias após, em visita ao jornal Correio do Povo, o novo regente manifesta vir

imbuído do desejo de congregar a colônia, bem como trabalhar pela aproximação

entre o Brasil e sua pátria. O Cav. Gigli, fez ainda uma visita às oficinas do “Correio

do Povo”, sendo-lhe dadas informações sobre os diversos departamentos do

jornal.155

Efetivamente, a troca de cônsul ocorre em maio, quando, pelo mesmo vapor

"Itanagé", chega o comendador Guilherme Barbarisi. Agora, os representantes da

colônia italiana o aguardam no cais. Vai ser hospedado no mesmo Grande Hotel.

Sua carreira enquadra-se no novo perfil consular pretendido por Mussolini, qual seja:

nascido em Caserta, em 19 de agosto de 1890, formado em ciências econômicas e

comerciais no ano de 1922, em Roma. Concursado na carreira diplomática consular

inicialmente é destacado para Tunis, no ano de 1925. Ao ser promovido a vice-

cônsul de segunda classe, em 1926, é enviado a São Paulo, onde permanece dois

155 O NOVO regente do consulado da Itália. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 67, p. 11, 22 mar. 1934.

136

anos. Como cônsul de terceira serve em Mendonza, na Argentina e por mais dois

anos em Charleroi. O cônsul detém a condecoração da Cruz do Mérito de Guerra.

O cônsul ao demonstrar habilidade com a colônia de Porto Alegre, inaugura

um largo período de tranqüilidade. Uma recepção programada pelas sociedades nos

salões da Confeitaria Coroa demonstra o apreço de todos por Barbarisi. Como é

costume, uma hora de arte é programada: “a soprano Sra. Elsa Barsini e o tenor

Antonio Porcello, que foram muito aplaudidos. A linda festa em homenagem ao cav.

Gigli e sua exma. consorte constituiu uma bela página social”.156

Mas se reina a paz no consulado, as notícias internacionais causam

inquietude. O Correio noticia os 13 milhões de americanos desempregados nos

EUA. Roosevelt anuncia a “Política de Boa Vizinhança”.

Enquanto isso, Hitler acumula as funções de Chanceler e Chefe de Estado.

Tem início o III Reich. É assinado o pacto de não agressão, pelo período de dez

anos, entre Polônia e Alemanha. Em 1935, são divulgadas as Leis de Nuremberg

“para a proteção da raça e da honra alemãs”. É feita a queima de livros proibidos e

iniciam as perseguições aos judeus, com a instalação do primeiro campo de

concentração. O partido Comunista Alemão é posto na ilegalidade, cria-se a

Gestapo, com ocupação das tropas de assalto do partido nazista e os dirigentes

sindicais são enviados para campos de concentração.

Neste ambiente, em 27 de julho de 1935 com. Guilherme Barbarisi anuncia o

apoio para duas efemérides: o "Dia do Colono" e o Centenário Farroupilha. Diante

da presença de italianos na formação do Rio Grande do Sul, na epopéia de

Garibaldi, perfila o italiano e suas virtudes:

Um grande orgulho e uma grande alegria de mim se apossam quando vejo que entre os colonos há inúmeros compatriotas meus, que honrando as qualidades esplêndidas da raça, pioneiros e construtores da riqueza, fizeram-se beneméritos tanto para a nova Pátria que os acolhe como para a grande Pátria de origem. Consagrando a fadiga fecunda dos soldados da terra o "Dia do Colono" consagra ao mesmo tempo as grandes virtudes características do italiano: indomável instinto, de progresso, operosidade, sobriedade. Associando-me às manifestações dos organizadores da consagração do colono, levanto o meu braço para saudar romanicamente o

156 O NOVO cônsul da Itália. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 125, p. 9, 31 maio 1934.

137

Herói da Terra que sobre o sulco do arado embebido com seu másculo suor olha serenamente impavidamente para o futuro, cônscio do seu papel magnífico e da sua nobre missão [...].157

Dois anos após, o Com G. Barbarisi está de partida do Rio Grande do Sul e é

homenageado no Hotel Carraro, retardando-se alguns dias para recepcionar o novo

cônsul, como manda o protocolo.

Faz a saudação Damaso Rocha, promotor público. A Comissão encarregada

das homenagens é composta por Elyseu Paglioli, Dante de Laytano, Ernani Fiori e

sr. Emilio Baldino.158

Damaso Rocha discursa, dialogando com o cônsul:

Exaltando nos italianos aqui radicados, o sentimento de civismo, não esquecestes nunca de entrelaçar a saudade e o amor pela pátria de origem, com o amor e o respeito pela terra que os acolheu [...] despertava também com o mesmo amor, os sentimentos de caridade no coração dos italianos do Rio Grande, promovendo uma coleta e doando mais de cem contos de réis à benemérita instituição do Sanatório Belém. [...]. Particularmente calara a ação do cônsul [...] ao afirmar o direito dos povos que é o mesmo direito de Roma sobre o arbítrio e a violência [...]. O manifesto redigido e lançado à opinião pública assinalou a intensificação do movimento de simpatia na Itália para essa grande República, tendo como conseqüência a fundação em Roma daquela aristocrática associação de alta intelectualidade denominada: "Amico del Brasile", presidida pelo gênio de Marconi e de outras personalidades italianas [...].

159

Só resta ao cônsul, agradecer e receber do historiador Eduardo Duarte, um

pergaminho assinado por todos os que aderiram às homenagens prestadas. O

cônsul ainda evoca as maiores figuras da Itália afinadas com a revolução farroupilha

que “mostrou a identidade de espírito itálico nos feitos épicos da nossa

nacionalidade”. Encerra pelo Correio do Povo, Renato Costa que enaltece a

amizade do cônsul, sempre amigo dos jornalistas “e homem representativo da Itália

contemporânea”.160

157 O DIA do Colono. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLI, n. 174, p. 7, 27 jul. 1935. 158 HOMENAGEM ao Consul da Itália. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 99, p. 18, 29 abr. 1937b. 159 HOMENAGEM ao Consul da Itália. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 100, p. 7, 30 abr. 1937a. 160 Ibid., loc. cit.

138

Em julho de 1936, o Correio noticia o início da Guerra Civil Espanhola e a a

vitória das frentes populares na Espanha e França. A Renânia é retomada por Hitler.

A criação do eixo Roma-Berlim é selada. Alemanha e Japão fazem o pacto anti-

Kominern.

Em 1937, aprofunda-se a Grande Depressão. O Japão lança ofensiva contra

a China. No Brasil, ocorre a implantação do Estado Novo.

Há mudanças no consulado em Porto Alegre e Emílio Kemp, do Correio vai

homenagear o comendador Guilherme Barbarisi, cônsul que depois de três anos é

transferido em 1937, incorporando-se, assim, às homenagens da colônia italiana. O

banquete foi realizado, no grande salão de festas da Sociedade Dante Alighieri. A

elite estava presente, como em outras importantes ocasiões.161

Três dias após, o Correio do Povo já noticia a vinda do novo cônsul. Este traz

uma mensagem especial, o agradecimento pelo apoio do Brasil contra as sanções à

Itália em 1937. O roteiro da narrativa já é conhecido. Primeiro a chegada a bordo do

vapor "Itaguassú", o Cav. Sanvicenzo Magno vem para assumir o cargo de cônsul

da Itália. A recepção é composta pelos já conhecidos integrantes da colônia e do

fiduciário do Fascio local, tenente Chiapini. Desta feita hospeda-se no próprio edifício

do consulado:

A carreira do novo cônsul iniciara frente do Consulado Geral da Itália em Nova York e era, há pouco, chefe da Divisão Comercial para os países transoceânicos junto do Ministério do Exterior e membro das comissões que tecera os acordos comerciais entre a Itália, o Brasil, a República Argentina, o Uruguai, a Colômbia, a Bélgica e demais países da Europa Oriental.162

Como Barbarisi, foi também oficial combatente na Grande Guerra, nas

homenagens, suas primeiras palavras foram “de reafirmação do alto conceito em

que se têm o Brasil em sua pátria, mormente após a sua atitude decidida no caso

das sanções aplicadas contra a Itália”.

161 O BANQUETE de ontem ao consul da Itália. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 111, p. 14, 13 maio 1937. 162 Ibid., loc. cit.

139

E como é tradição, “na Itálica Domus, à rua Misericórdia, nº 108, com a

presença dos membros da colônia italiana e amigos da Itália, terá lugar a cerimônia

do Cambio della Guardia entre o regente Cônsul Geral Comm. Guglielmo Barbarisi e

o seu substituto Commd. Sanvicenzo Magno”.163

Encerremos esse trânsito diplomático com a certeza de que Porto Alegre é

palco privilegiado da política externa italiana direcionada às “colônias” no

estrangeiro. Esse interesse todo não corresponde, apesar da visibilidade que a

imprensa confere aos movimentos estratégicos, ao menor interesse pela sorte dos

imigrantes que continuam a chegar.

A escalada do fascismo faz suas vítimas, como o assassinato em 1924 do

Deputado socialista Giacomo Matteotti na Itália. O fato gera um clima contrário à

diplomacia em Porto Alegre por setores alinhados no combate antifascista. A

preocupação em atrair os italianos para a política pró-fascista e o desinteresse pela

sorte dos imigrantes que chegam fazem o corpo diplomático distanciar-se do italiano

não pertencente à elite da cidade.

3.2.2 Trânsito de imigrantes

Nos bastidores do Correio, voltamos no arco do tempo. Em 30 de agosto de

1920, depois de 19 anos de exílio são repatriados os restos mortais de Gaspar da

Silveira Martins, predecessor de Caldas Jr. no jornalismo.

O Correio do Povo, em 1° de outubro entra no seu 26º ano de circulação e

Emílio Kemp que disputava a chefia de redação com Francisco de Leonardo Truda,

deixa o jornal para ir trabalhar no periódico Amanhã, no Rio de Janeiro, então capital

federal.

No contexto internacional uma modernidade avança sobre os costumes. O

Correio do Povo publica que as mulheres votam pela primeira vez, nos Estados

Unidos. Outra notícia boa é o surgimento do Jazz no país, que iria propagar o novo

gosto musical que repercutiria em Porto Alegre nesses anos.

163 CONSULADO da Itália. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 116, p. 16, 19 maio 1937.

140

A narrativa do Correio do Povo confere importância estatística à imigração.

Mas também analisa os prós e contras dela. É preciosista, divulga os nomes dos

navios, números e nacionalidades dos imigrantes, narrando os acontecimentos de

modo meticuloso.

A primeira matéria depois da Grande Guerra dá conta da recepção dos

imigrantes em Porto Alegre. Pela exemplaridade, está na íntegra:

Pelo vapor "Mercedes" chegaram, ontem, a esta capital 17 imigrantes italianos, 15 alemães e 4 norte-americanos, formando um total de 8 famílias. Com exceção dos norte-americanos, esses imigrantes são agricultores, tendo trazido consigo instrumentos agrários.Tanto os alemães como os italianos, são os primeiros imigrantes dessas nacionalidades que aqui chegam depois da conflagração européia. A sua viagem durou mais de 60 dias, apesar do que todos eles apresentam aspecto vigoroso. Causou, entretanto, desagradável impressão a todos quantos o observaram, o fato ocorrido com esses imigrantes, que aqui desembarcando quase privados de recursos não encontraram quem os recebesse ou lhes fornecesse, ao menos, informações sobre o destino que deviam tomar, apesar de terem sido encaminhados, para este Estado, segundo declararam, pela Diretoria do Povoamento do Solo. Achavam-se esses imigrantes já havia algumas horas sem saber o que fazer, no trapiche do Loyd Brasileiro, quando um empregado daquela empresa, se dirigiu ao primeiro posto, a fim de pedir providências. Ali foi declarado que nada se podia fazer no caso, no qual não cabia a intervenção daquela repartição policial. Comunicado o fato à Inspetora do Povoamento do Solo, esta informou que não havia ordem para receber os imigrantes. Apesar disso, depois de algum tempo, o Dr. Pedro Virgílio Martins mandou um contínuo, munido de um cartão seu, incumbido de obter hospedagem, em qualquer hotel, para os imigrantes. Ao mesmo tempo, prometeu o Dr. Virgílio Martins à pessoa que o procurara telegrafar com urgência ao Ministério da Agricultura solicitando auxílios para os imigrantes por conta do governo federal.Nova dificuldade surgia assim quando, avisado, compareceu ao trapiche do Loyd o professor Giovanni Della Ragione, regente do consulado da Itália, o qual mandou hospedar os seus compatriotas no Hotel Roma. Quanto aos alemães conseguiu-se que o Hotel Ziegler os hospedasse até que amanhã se resolva sobre o destino a dar-lhes.Merece ser salientado o fato de, enquanto não se decidia sobre o rumo que deviam tomar os imigrantes, vários populares lhes haviam oferecido, doces, café, sorvetes e comestíveis, que puderam ser adquiridos nas imediações do trapiche do Loyd. Os imigrantes declararam que no Rio de Janeiro aguardam embarque para o nosso Estado ainda umas 500 pessoas.Dado o lamentável fato ocorrido ontem, seria conveniente que em tempo se tomassem as medidas necessárias para evitar a sua reprodução, oferecendo aos que procuram a nossa terra, mais agradável acolhida no momento em que aqui aportam.

164

164 A IMIGRAÇÃO. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 50, p. 4, 29 fev. 1920.

141

O cuidado estatístico na notícia seguinte, é um exemplo do preciosismo

adotado pelo Correio do Povo:

Segundo os elementos coligidos pela Diretoria do Serviço de Povoamento, verifica-se que no período de 1820 a 1912, entraram no Brasil, 3.576.275 imigrantes sendo 3.337.903, no período de 1820 a 1913; 82.572, em 1914; 32.206, em 1915; 34.003, em 1916; 31.193, em 1917; 20.501, em 1918, 37.898, em 1919./Por nacionalidades, esses imigrantes estão assim descriminados: italianos, 1.378.876; portugueses, 1.021.291; espanhóis, 501.378; alemães, 127.321; russos, 105.225; australianos, 79.302; turco-árabes, 55.120; franceses, 29.665; ingleses, 18.728; suíços, 11.376; suecos, 5.502; belgas, 5.289, e diversos, 237.232.

165

Desdobrando os números, Ercole Sori comenta o debate interno italiano. A

frente socialista, contrária à emigração e que desde o Congresso de 1920 exortava a

todos para “não emigrarem, para manter elevada [...] a pressão proletária e socialista

sobre os poderes públicos e não prejudicar a luta dos companheiros das outras

nações [...]”.166

Para eles, o que estava presente na manutenção da emigração eram os

interesses dos liberais italianos, que “com uma linguagem pseudo-internacionalista

(convida), a não respeitarem os vértices das conquistas proletárias em toda parte

onde estejam sendo tocadas”.167

O quadro é ainda mais complexo a partir de 1921, quando os Estados Unidos,

para onde afluía a massa de imigrantes italianos, começa a estabelecer cotas,

crescentemente, restritivas. Na verdade, a restrição já ocorrera em 1915, e fora

legalizada em 1917, com a Literacy Act, decisão que vetava a entrada de emigrantes

analfabetos.

165 A IMIGRAÇÃO para o Brasil. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 156, p. 4, 08 jul. 1920. 166 ERCOLE, Sori. L’ Emigrazione italiana dall’unità alla seconda guerra mondiale. Bologna: IL Mulino, 1979. p. 406. 167 Ibid., loc. cit.

142

Segundo Ercole Soli, os italianos cessam o caráter pendular da emigração,

tomam a decisão de fixar-se no país, dados os constrangimentos crescentes como

esse, dentre outros,da política migratória e dos novos interesses do mercado de

trabalho norte americano.

Fechado o mercado norte americano, a direção da emigração repete a

direção rumo à América Latina: Argentina, Uruguai e Brasil. Sendo uma economia

periférica e enfrentando a crise mundial dos últimos anos, há problemas no mercado

latino-americano também. O Brasil, ainda em 1921, adota política de restrição da

imigração, introduzindo, em 1934, o sistema de cotas.

Mas a reviravolta anti-emigratória do fascismo se dá mesmo em 1927:

A nova política emigratória vem anunciada por Musssolini ao final de 1926 [...] Entre 1927 e 1929 foram suprimidos o Comissariato per l`emigrazione substituído pela Direzione generale degli italini all`estero, o Consiglio superiore e o Comitato permanente per l´ emigrazione; o Fundo emigrazione foi incorporado no balanço do Estado e foram abolidas as jurisdições especiais para as controvérsias sobre matérias de emigração [Câmara dos Deputados 1929, 508-11].

168

Na seqüência uma série de restrições são acionadas, até a proibição da

imigração.169

Enquanto isso, nos bastidores do Correio do Povo que desde 1921 contrata

os serviços da agência americana Associated Press, começa a publicação do

noticiário internacional na primeira página, sendo implantada reforma de paginação,

nos moldes do mais moderno jornalismo.

A notícia inquietante é o estabelecimento de cotas para imigrantes, de acordo

com sua nacionalidade de origem. Em 1921, 1924 e 1927 são aprovadas no

Congresso, leis que proíbem a imigração procedente da Europa Meridional, Oriental

e da Ásia.

168 A IMIGRAÇÃO..., 08 jul. 1920, p. 430. 169 Ibid., p. 431.

143

O Correio do Povo publica, no plano internacional, que a Irlanda (EIRE)

conquista a independência, libertando-se da Inglaterra. E que os filmes de Charlie

Chaplin batem recorde de público, como novo lazer das multidões, ainda mais que

seus filmes estabelecem uma crítica ao taylorismo, aos ditadores e à emergência do

anônimo urbano na figura do vagabundo.

Voltando à cobertura da imigração, se imaginamos que os maus tratos aos

imigrantes que chegam, cessam de imediato, nos enganamos. Vejamos o que

ocorre em 21 de outubro quando chegam no vapor "Javary", 92 imigrantes de

nacionalidades alemã, italiana, russa, e tchecoeslovaca. Entre eles estão

agricultores e operários.

Não há nenhuma autoridade encarregada de recebê-los, providenciar

transporte, alimentação, alojamento, o que for necessário. Como no caso anterior,

esperam anoitecer no trapiche do Loyd Brasileiro. São socorridos por passantes, que

fornecem doces e outros comestíveis aos que não tem como comprar mais nada. Os

imigrantes agricultores irão para o interior e os operários ficarão em Porto Alegre.170

Diante das estatísticas, um jornalista do jornal “A União”, do Rio de Janeiro

pergunta (republicado no Correio do Povo):

É muito, é pouco? As estatísticas dão conta de que entraram no Brasil, de 1820 a 1920, 3.500.000 imigrantes [...]. É pouco se compararmos com a Argentina, que recebeu, no mesmo período, 5 milhões, e com os Estados Unidos que receberam 35 milhões. Nos Estados Unidos, um terço da população é constituída por estrangeiros; na Argentina, a população de estrangeiros é de cerca de cinqüenta por cento [...].Quer dizer que o Brasil, para 30 milhões de habitantes, talvez não tenhamos 5 milhões de estrangeiros. Por um lado, é um bem. Por outro lado, é um mal, porque o nosso território é muito vasto e precisamos de quem cultive os nossos campos.

171

170 CHEGADA de imigrantes. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVII, n. 254, p. 4, 22 out. 1921. 171 UM SÉCULO de imigração. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVIII, n. 30, p. 4, 04 fev. 1922.

144

Em 1923, o Correio do Povo estampa os termos da convenção entre a Itália e

o Brasil referente à emigração. Parecem, na teoria, razoáveis.172

Examinando mais atentamente os termos do previsto, Angelo Trento pondera

que o que deveria ser um verdadeiro tratado, não passou de simples convenção,

através da qual os trabalhadores italianos adquiriram a mesma cobertura legal e

assistencial dirigida os brasileiros. “A novidade, porém era a cláusula que impunha a

obrigação, para quem quisesse receber trabalhadores italianos, de firmar acordos

com o CGE ou com instituições de assistência, como as sociedades Humanitária e

Bonomelli.”173

172 CONVENÇÃO entre a Italia e o Brasil. Correio do Povo, Porto Alegre, ano I, n. 4, p. 2, 30 jul. 1923. Foi sancionada pelo Sr. Presidente da República, no dia 26 de maio próximo findo, a resolução do Congresso Nacional que aprova a Convenção de Emigração e Trabalho assinada em Roma em 8 de Outubro de 1921. Damos a seguir, na integra, o texto em português dessa convenção: "O Presidente dos Estados Unidos do Brasil e Sua Majestade o Rei da Itália, reservando-se a faculdade de negociar um Tratado Geral de Emigração e Trabalho a bem dos nacionais dos dois países, concordaram celebrar uma convenção para estabelecer a igualdade de tratamento entre os cidadãos das duas nações no que se refere aos benefícios das leis sobre os infortúnios do trabalho a adotar as medidas necessárias para facilitar tanto quanto possível o movimento da emigração e o tratamento dos trabalhadores imigrantes. Para esse fim nomearam os seus plenipotenciários: O Presidente dos Estados Unidos do Brasil, S. Ex. o Sr. Luiz Martins de Souza Dantas, Embaixador dos Estados Unidos do Brasil na Itália. Sua Majestade, o Rei da Itália: S. E. Cav. de G. C. De Michelis Giuseppe, Comissário Geral da Emigração, os quais, depois de trocarem os respectivos plenos poderes reconhecidos em boa e devida forma, convieram nas seguintes condições: Art. 1o - As indenizações, os benefícios e os privilégios estabelecidos pelas leis e pelos regulamentos sobre reparação de infortúnios do trabalho, serão reconhecidos em cada um dos dois países aos cidadãos do outro e aos seus beneficiários legais que a eles tiverem direito, sem a condição de residência ou outra condição que não seja exigida para os nacionais. Art. 2º - Os contratos de Trabalho, individuais e coletivos, efetuados na Itália por trabalhadores italianos para serem executados no Brasil, nele terão pleno vigor se não forem contrários à ordem pública. Art. 3º - Os dois Governos facilitarão a conclusão e execução dos acordos que as Administrações competentes dos Estados Unidos do Brasil efetuarem com o Comissário Geral da emigração italiana, para o encaminhamento e condições de emprego dos trabalhadores italianos, com a condição que tais acordos sejam previamente submetidos à aprovação do Governo Federal e do Governo do Estado, no qual tiverem de ser executados. Art. 4º - O Governo Brasileiro, quando instalado o seu Departamento Nacional do Trabalho e do acordo com os seus Regulamentos, velar pela rigorosa inspeção do trabalho e melhor colocação dos imigrantes italianos, fiscalizando a perfeita execução dos contratos celebrados com esses imigrantes. Art. 5º - O Governo Brasileiro facilitará a organização e funcionamento das Sociedades cooperativas de consumo, de crédito, de previdência, etc., entre trabalhadores agrícolas, concedendo-lhes as possíveis facilidades. Art. 6o - Os imigrantes italianos gozarão no Brasil de todas as facilidades, benefícios e privilégios que são concedidos ou venham a serem concedidos aos imigrantes de outros países. Art. 7o - O Governo Brasileiro facilitará a ação das Sociedades que regularmente se constituírem entre italianos no Brasil com o propósito de aconselhar os imigrantes italianos e lhes facilitar o trabalho. Art. 8o - A presente convocação entrará em vigor depois de aprovada pelo Congresso Nacional brasileiro e pelo Parlamento Italiano e de ratificada pelos Governos respectivos. Vigorará enquanto não for denunciada por uma das partes, com antecedência, pelo menos, de seis meses. Roma, 8 de Outubro de 1921". 173 TRENTO, Angelo. Do outro lado do Atlântico: um século de imigração italiana no Brasil. São Paulo: Nobel/Istituto di Cultura di San Paolo/Instituto Cultural ìtalo-Brasileiro, 1988b. p. 273-274.

145

Em 1924, o Correio do Povo redimensiona o espaço da política local e

nacional, que retornam às posições na primeira página. Anuncia a compra de um

aparelho de rádio-telefonia (receptor de rádio) para ajudar o serviço de noticiário

com escuta de estações localizadas em Montevidéu e Buenos Aires.

Apenas Leonardo Truda deixa o cargo de chefia de redação. Por causa de

uma crise de papel branco e cor-de-rosa, o Correio do Povo é impresso um único

dia, em sua história, em papel verde. Fernando Caldas, filho do fundador, retorna

aos quadros do Correio do Povo, como redator. O Diretor Alexandre Alcaraz entra

com petição contra a censura relativa às notícias da revolução de 1924, junto à

Justiça Federal, abstendo-se de publicá-las.174

As notícias intranqüilizam. Há notícias de repatriamento nas estatísticas

italianas, em 1924.

As estatísticas completas para 1923, publicadas pelo Comissário Geral da Emigração Italiana, indicam que durante o ano passado, o número de emigrantes italianos aumentou em grande proporção, quer no que diz respeito à emigração ultramarina quer continental. O movimento de repatriamento ficou, pelo contrário, mais ou menos estacionário, o acréscimo das repatriações continentais estando quase compensado pela diminuição das repatriações transoceânicas. O número total dos emigrantes italianos foi, em 1923, de 348.079, ultrapassando em mais de 100.000, o número de 1922. No tocante à emigração continental italiana, a França continua a ser o seu mais importante escoadouro (142.990 imigrantes italianos em 1923, contra 85.815 no ano anterior). Nota-se também um pequeno aumento da emigração italiana com destino aos demais países europeus. As Information sociales, o semanário da Repartição Internacional do Trabalho dão informações minuciosas sobre esse assunto.

175

Novas estatísticas brasileiras revelam, em 1925, que:

[...] segundo os dados apurados pela Diretoria Geral do Serviço de Povoamento, entraram durante o ano findo, pelos diferentes portos, 98.125 imigrantes de 2a classe e de 3a classe, contra 86.679 em 1923 e 66.968 em 1922. [...] Em ordem decrescente aponta as nacionalidades: portuguesa (28.267), alemã (22.108), italiana (13.844) espanhola (7.489), polacos

174 A revolta tenentista de outubro de 1924, liderada pelo tenente João Alberto e o capitão Luís Carlos Prestes, com apoio do oposição gaúcha ao PRR, desloca-se em direção ao Paraná, indo unir-se em 1925 ao movimento tenentista de São Paulo. A idéia de percorrer o país, levando os ideais antioligárquicos cunhou o nome da Coluna Prestes, que percorreu 24 mil quilômetros até 1927, quando se embrenha na Bolívia e no Paraguai. In FAUSTO, 2001b. Especialmente A primeira República (1889-1930). p. 139-185. 175 OS EMIGRANTES italianos. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n. 182, p. 4, 30 jul. 1924.

146

(2010) e outras. Segundo os portos: Belém, 1.154 pessoas; Recife, 951 pessoas; São Salvador, 842 pessoas; Rio de Janeiro, 40.711 pessoas; Santos 51.300 pessoas; Paranaguá, 279 pessoas; Rio Grande, 2.602 pessoas.

176

Enquanto isso, desponta no noticiário, o surgimento da televisão nos EUA, a

qual revolucionaria a comunicação moderna.

O pouco caso com os imigrantes prossegue em 1926. A narrativa inicia

quando Arlindo Almeida, chefe da estação da Viação Férrea de Rio Grande recebe o

comunicado que um trem transportando imigrantes desde Santa Maria estava por

chegar. “[...] depois de viajar durante 35 horas e 50 minutos. Em 12 vagões, dos

quais 6 de passageiros e 6 de bagagem, viajaram, encerrados, 379 pessoas, entre

homens, mulheres e crianças, de nacionalidade ucraniana, constituindo 75 famílias.”

Resulta que foram atendidos, quando chegam por passantes, que alcançaram

alimentos aos famintos passageiros, enquanto os funcionários da estação

providenciavam alojamentos, assistência médica e a retirada do corpo de uma

criança de um ano que falecera durante a tenebrosa viagem.177

Indignado, o Correio do Povo questiona, no dia seguinte:

Não sabemos a quem deva atribuir-se a responsabilidade principal dessa original maneira de atrair e receber os elementos de que carece a nossa agricultura. Caiba ela à Inspeção de Povoamento de Solo, às companhias agenciadoras ou a quem quer que seja, o censurável abandono a que foram deixados esses imigrantes, o caso é que tais fatos não só podem reproduzir, quando mais não seja por mero espírito de humanidade. Isso é uma verdade incontrastável, embora dura de ser ouvida.

178

Em 1928, o Correio do Povo estampa as restrições estabelecidas por

Mussolini, com a manchete: "RESTRINGINDO E COMBATENDO A EMIGRAÇÃO

ITALIANA, O SR. MUSSOLLINI ACABA DE ESTABELECER AS CONDIÇÕES EM

QUE ELA SERÁ PERMITIDA”. Fica instituído o Ato de Chamada, pelo o qual todo o

italiano que vier à Porto Alegre, a partir desta data, somente poderá fazê-lo se

176 A IMIGRAÇÃO em 1924. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXI, n. 113, p. 4, 14 maio 1925. 177 CHEGADA de uma leva de imigrantes. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXII, n. 51, p. 6, 03 mar. 1926. 178 A RECEPÇÃO. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXII, n. 52, p. 3, 04 mar. 1926.

147

chamado por um parente, o que justificaria sua vinda. Assim acontece com os

entrevistados.

Outra exigência do Governo italiano diz respeito à pré-existência de um

contrato de trabalho que não exceda três anos, o qual seria possível apenas

quando:

[...] corresponder aos seguintes fins essenciais - do marido para a mulher; dos pais para os filhos que não sejam do sexo masculino ou de maior idade ou casados dos dois sexos; do filho para seus pais; do irmão para a irmã celibatária ou viúva, se esta não tiver outras pessoas da família no reino e do neto para os avós.

179

A estatística que gera a preocupação é a existência de 9.350.000 italianos

residentes no estrangeiro, no ano anterior, contra 40.796.000 vivendo na Itália. “Com

todas essa peias não será para estranhar que venha a suceder o que, há anos, se

registrou com os portugueses - crescer consideravelmente a emigração

clandestina”.180

Nova estatística, em 1929, confirma o que já vinha sendo apontado: o Serviço

de Informações do Ministério da Agricultura comunica que somou em 1928, segundo

a Diretoria do Serviço de Povoamento, 82.061 entradas contra 101.568 que havia

somado em 1927. Aparece, desde logo, a redução de 19.507 alienígenas,

correspondente a 18,7%.181

Nos últimos anos (1924-1928), o órgão anota ainda a mudança qualitativa do

fluxo migratório:

Enquanto as levas constituídas por alemães, espanhóis e italianos, sobretudo, espanhóis e italianos acusam a redução que vai refletir em cheio sobre o grande total, as levas constituídas por japoneses, poloneses, sírios

179 RESTRINGINDO e combatendo a emigração italiana, o Sr. Mussolini acaba de estabelecer as condições em que ela será permitida. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 196, p. 3, 17 ago. 1928. 180 Ibid., loc. cit. 181 Ibid., loc. cit.

148

e portugueses, guardando o efetivo normal, avançam progressivamente, realizando um ligeiro acréscimo.

182

Nada a estranhar, apenas, segue a análise que a Itália e a Espanha, que mais

vem diminuindo o seu contingente “é simplesmente a conseqüência do fenômeno

geral que a política dos governos de Roma e Madri procurando avolumar a

concentração de braços, busca orientar em proveito da nacionalidade, seja criando

embaraços á saída, seja facilitando os regressos.”183

Os números são claros. No ano de 1924 somaram 98.125 imigrantes; em

1925, 84.883; em 1926, 121.569; em 1927, 101.568; e em 1928, 82.061.184

Há reticências quanto à imigração decorrente da crise de 30. O Correio do

Povo publica desde 1931 matérias para estabelecer o debate sobre o tema.

Observamos os títulos e concluímos que acompanhavam a euforia nacionalista de

cunho autoritário que desembocaria no Estado Novo, em 1937.185

3.2.3 Transitar entre culturas políticas

Uma breve introdução sobre o interesse dessa seção. A história social e a

história política retornam nos últimos anos com outro sentido. A narrativa de uma

história cronológica, fechada, com estatuto de verdade inatacável feita pelos

182 O MOVIMENTO imigratório no qüinqüênio de 1924-1928. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXV, n. 128, p. 7, 01 jun. 1929. 183 Ibid., loc. cit. 184 Ibid., loc. cit. 185 SILVEIRA, Geraldino. Colonização e comércio. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 119, p. 3, 25 maio 1931; IMIGRAÇÃO. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIX, n. 197, p. 5, 24 ago. 1933; IMIGRAÇÃO e desempregados. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIX, n. 210, p. 3, 08 set. 1933; CALLAGE, Fernando. Nacionalização do imigrante. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIX, n. 281, p. 3, 09 dez. 1933; NÃO NECESSITAMOS imigrantes por ora. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 88, p. 3, 17 abr. 1934; ENTRADAS de imigrantes. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 101, p. 3, 03 maio 1934; ADMINISTRAÇÃO e quantidade territorial. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 103, p. 3, 05 maio 1934; ENTRADAS de imigrantes. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 101, p. 3, 03 maio 1934; ADMINISTRAÇÃO e quantidade territorial. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 103, p. 3, 05 maio 1934; UM DECRETO complexo. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 109, p. 3, 12 maio 1934; EM TORNO da questão imigratória. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 119, p. 3, 24 maio 1934; IMIGRAÇÃO e lei. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 191, p. 3, 16 ago. 1934; MOVIMENTO imigratório. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLI, n. 126, p. 4, 01 jun. 1935; PIERINI, Sylvio. Cotas de imigração. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 72, p. 3, 26 mar. 1936; CALLAGE, Fernando. O despovoamento do solo. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 224, p. 5, 23 set. 1936b.

149

grandes homens foi duramente criticada e condenada pelos Annales, na França e

também fora dela, tornando-se uma postura internacional.

A nova historiografia vai apontar para uma história política afastada dessa

historiografia e René Rémond irá propor uma história que tenha em conta a cultura

política. Jean-François Sirinelli quer retornar à história política dos intelectuais para

além da noção de campo de Bourdieu, de tal forma que se possa estabelecer as

relações entre a produção e veiculação das ideologias, com a cultura política de sua

época.186

Outra abordagem, igualmente criteriosa é a de René-Jean Dupuy, quando

pensa a cultura política e a cultura no plano epistemológico, como modo de

entrelaçar a experiência histórica concreta com a filosofia e a compreensão do

mundo pelo pensamento. No caso, quer estabelecer níveis de desvelamento mais

sutis entre o ideológico, o filosófico e o propriamente político. Dirá que:

Duce permite a conservação de estruturas que encobre com sua sombra: mas encarna o Estado. Mussolini, jurista latino, contentava-se com a razão de Estado que transformava, irresistivelmente, com muita retórica, em absoluto, Todo o sistema fascista assenta nesta união indissociável entre um homem que se reclama de si mesmo “trago comigo uma experiência vivida, experiência de chefe e não de doutrina”, e de um Estado que lhe deve todo “o Estado, em Itália, é o fascismo”. Não foge às instituições; conserva as antigas, como se conserva um museu: e as novas que lhe devem a vida, incorpora-as no seu Estado É bem uma união pessoal que instaura uma estatocracia entre as corporações e o fascismo.

187

Ainda que não levando muito longe tais idéias na iluminação da cena

ideológica da cidade nesses anos, consideremos essas observações no transitar da

cultura política na escala de um jornal, em determinado período, tendo como foco a

narrativa de italianos, principalmente do sul, para suspender qualquer leitura mais

ingênua.

186 As indicações desta leitura historiográfica foram sugeridas pela professora Tânia Regina de Luca, em palestra privada na UNISINOS, durante o Seminário Nacional Imigração e Imprensa. RÈMOND, René. (Org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: UFRJ, 1996. Em especial o texto de Jean- François Sirinelli. Os intelectuais. p. 231-270. 187 DUPUY, René-Jean. Entre o poder e o cidadão, a sombra vã da liberdade. In: DUBY, Georges. (Org.). A civilização latina: dos tempos antigos ao mundo moderno. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1989. p. 80.

150

De qualquer maneira, a cobertura do Correio Do Povo ao debate no período,

demonstra uma das facetas da historiografia da época entre guerras, a que somente

possibilita o entendimento com base em contextos maiores da política internacional

da época, como apontam Trento e Bertonha em suas pesquisas históricas.

Na leitura do jornal, como suporte, averiguamos que o debate foi intenso e,

gradativamente, foi obscurecendo a inserção dos italianos no espaço social e

político. E mais: o modo de ser, sua condição de vida, trabalho, prática religiosa, de

lazer, enfim o espaço social na dimensão da cotidianeidade urbana dos italianos

passa a ser apresentada apenas pela visão de uma elite estrategicamente jogando

com o que se revelaria a partir da conjuntura seguinte, nos limites do Estado Novo.

Essas são as notícias do Correio do Povo sobre guerra ideológica. Mas a vida dos

italianos, como já dissemos, e, eles, os moraneses o dizem claramente - passava ao

largo de grande parte disso tudo.

O contraponto dessa ideologização da imprensa, é o próximo capítulo. Na fala

dos moraneses, no movimento de chegar à cidade, são dadas outras alternativas,

além das inscritas nas páginas do Correio.

Vejamos o que está escrito.

A Porto Alegre dos anos 20 oferece aos italianos que transitam várias opções

político-ideológicas, mas a mais registrada no Correio do Povo é a polarização entre

fascismo e anti-fascismo. Pelo trânsito intenso de autoridades e intelectuais que

visitam Porto Alegre em claro movimento de propaganda, a impressão é de uma

cidade de italianos cindida entre dois grupos ideológicos: a favor ou contra o

fascismo. O integralismo será a opção católica do antifascismo, mas não figura no

jornal com a densidade que realmente representou no período.

A simpatia por uma ou outra corrente ideológica não transparece nas notícias,

apenas nos artigos como os de Olynto Sanmartin e Fernando Callage, misto de

aprovação ao fascismo e adesão ao coorporativismo do Estado Novo.

151

Implementando a cena política, os estudantes inauguram as notícias. Pelo

Correio do Povo no dia 27 de maio de 1921 é divulgado a realização do Congresso

do Partido Republicano Federalista, no prédio à rua 7 de Setembro n. 55 A

representação de Porto Alegre é constituída por A. de Moraes Fernandes, Raul Pilla,

Araujo Cunha e Edmundo Velho Monteiro, Mario Amaro da Silveira e João Augusto

Schmidt. O Grêmio dos Estudantes Federalistas designa um delegado.188

Em 18 de dezembro a Federação dos Estudantes Republicanos do Rio

Grande do Sul é reorganizada, sendo sua diretoria da Federação: A. J. Teixeira

Netto, presidente; Antonio J. de Castro Araújo Filho, vice-presidente; Oscar R.

Dornelles, 1o secretário; Hermenegildo Jaymes Varnieri, 2o secretário; José

Fredérico Wicker, tesoureiro; Reynoldo Heckmann, orador e Henrique Ribeiro

Saraiva, bibliotecário. São eles os acadêmicos da Escola Médico-Cirúrgica,

atendendo ao convite do dr. Teixeira Netto.189

Um registro importante: no Correio do Povo é crescente o espaço aberto para

a divulgação da propaganda fascista e antifascista.

Em geral, os ideólogos buscam confundir a sociabilidade urbana com a

recepção do poder local estatal aos representantes do Estado italiano, o que apóia o

entendimento dos historiadores Trento e Bertonha de que houve uma tentativa de

envolver os italianos, principalmente a burguesia e a pequena-burguesia no projeto

fascista.

Os espaços de sociabilidade são continuamente requisitados para a

publicidade das idéias fascistas. Em 12 de junho de 1926, o Correio do Povo noticia

a conferência realizada no dia anterior, no salão do Palacete Rocco, de Erminio

Gugliucci, jornalista italiano, sobre "A Itália de hoje." O conferencista fez um

minucioso relato da marcha vitoriosa do fascismo até atingir seu estado atual,

concorrendo, poderosamente para o engrandecimento da Itália. Em seguida, fez um

demorado exame e descrição do Rio Grande do Sul, falando do vasto campo que

188 CONGRESSO Federalista. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVII, n. 173, p. 4, 20 jul. 1921. 189 FEDERAÇÃO dos estudantes republicanos do Rio Grande do Sul. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVII, n. 225, p. 4, 18 dez. 1921.

152

aqui se encontra aberto à atividade de seus compatriotas. O orador foi muito

aplaudido pelo numeroso auditório presente à conferência. “[...] Um dia antes,

realiza-se na sede do ´Comitê Dante Alighier´, uma reunião em que é eleito José

Corsi como presidente do Grupo Fascista Porto-Alegre”.190

A reação não tarda pois um grupo de membros da colônia italiana de Porto

Alegre,delibera pela fundação de um grupo antifascista. Constituem o comitê diretor:

Amilcar Ferrari, Carlos Galti, Antonio Campagna, Aman Piattelli, Geremia Bini, Luigi

Superti, Afonso Diquigiovanni, Eugenio Zannini, Eriberto Piovesan, Enrico Gherard,

Ferrucio Piattelli e Arduino Bernardo. Nunca é excessivo lembrar a maçonaria rio-

grandense, através da presença no grupo do grão Mestre Marechal Carlos Frederico

de Mesquita. O nome adotado é "Giacomo Matteotti", homenageando a memória do

deputado italiano, que fora assassinado há dois anos, na Itália, presumivelmente

pelos fascistas.

Realizam no Hotel Jung, sua reunião, com grande adesão e resolvendo pela

divulgação de artigos de propaganda na imprensa local. Interessa igualmente a

difusão da venda do jornal La Difesa, publicado em São Paulo. Uma idéia é a

publicação de um semanário da propaganda dos ideais antifascista, sendo seu

diretor escolhido o major Dante Pettinelli. A comissão organizadora do Centro

Antifascista Giacomo Matteotti pretende ainda efetuar a publicação de um boletim

semanal ou bimensal. A sede provisória funciona à rua dos Andradas, nº.1305, altos

da livraria Americana. A comissão vota seus estatutos.191

A situação dos imigrantes interessa, igualmente aos fascistas e antifascistas.

Em função da situação de imigrantes evadidos do fascismo, a França sedia comitê e

envia representantes para conferir as condições locais de recepção no Rio Grande

190 GRUPO fascista. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXII, n. 136, p. 4, 12 jul. 1926. 191 CENTRO Antifascista. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXII, n. 176, p. 4, 08 jul. 1926. “Os parágrafos dizem: § 1o - O fim do Centro Giacomo Matteotti é: combater o fascismo italiano, que no estrangeiro, especialmente, só serve para desunir os componentes das diversas nacionalidades, dos mesmos italianos entre si, e criar antipatias entre eles e os brasileiros, reunir todos os homens, em geral, e os iItalianos aqui residentes, em particular, sob a bandeira deste país hospitaleiro e pregar a harmonia completa entre todos os homens no âmbito das leis da nação, sem influir de modo qualquer nas questões sociais. § 2o - O combate deve-se efetuar por meio da palavra, da imprensa, conferências públicas etc., etc. "

153

do Sul. Em 1927, os antifascistas interessam-se em examinar diretamente as

condições de recepção oferecidas aos italianos. Vale o registro mais detalhado pela

representatividade do discurso do qual é portador, reproduzido, com pequenas

variações, pelos demais visitantes antifascistas que transitam em Porto Alegre.

Como os diplomatas, os intelectuais pertencentes às camadas ligadas à

circulação de âmbito internacional, recebem um tratamento especial na cidade.

Espaços sociais de freqüentação restrita são ocupados pelos discursos desses

intelectuais que vem para disputar a adesão das elites locais.

É o que se verifica em 3 de março de 1927, quando chega o jornalista

Candido Testa, arditti da Grande Guerra. Após ser recebido por simpatizantes e

membros do "Grupo Giacomo Matteotti", segue para o Hotel Jung no qual se

hospeda.192

No dia seguinte, em visita ao Correio do Povo, esclarece os objetivos da sua

viagem. Trata-se do interesse da Comissão Antifascista, com sede em Paris e, do

interesse de Maximo Rocca, no momento o único deputado que se opõem ao

governo italiano, em averiguar as reais condições de transpor diversos milhares de

trabalhadores agrícolas e desocupados para o Brasil. A missão de Testa iniciara

pelos Estados de Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro, quando se encontrou com o

ministro da Agricultura e o diretor geral do Povoamento do Solo. No Rio Grande do

Sul, em Porto Alegre, pretende visitar várias autoridades, a iniciar pelo presidente do

Estado, Borges de Medeiros.

Na verdade, há certa solidariedade de interesses entre os antifascistas, o

Governo de Mussolini e o Governo francês, quanto a estancar a partida de

emigrantes para a França, evidentemente, por razões distintas. O fato é que as

causas da emigração dos anos recentes têm, na desvalorização da moeda, nas altas

taxas cobradas e nas perseguições políticas, a sua especificidade definida.

192 EM PROPAGANDA do encaminhamento de imigrantes. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIII, n. 52, p. 5, 03 mar. 1927.

154

O Brasil afigura-se com possibilidade de recepcionar os emigrantes impedidos

de regressar à Itália, por motivos políticos.193

O jornalista Candido Testa, em palestra no salão de festas do Club Caixeral,

com assistência de figuras como do marechal Carlos Fredérico de Mesquita, Attila

Salvaterra e Carlos Gatti, informa que, como representante do Comitê Antifascista

de Paris e da Liga dos Direitos do Homem, representa 300.000 italianos expatriados,

sendo 48.000 desempregados e desprotegidos do Governo de Mussolini, o qual

trata exclusivamente da emigração dos partidários do regime.

Para Testa, a França mantém sua posição democrática com eleições onde

vários socialistas foram eleitos deputados e senadores. Mas, para Mussolini,

desagrada a política francesa de recepção dos italianos. Em razão disso, busca um

incidente diplomático para justificar sua política, apesar da rejeição que sofre pelos

demais líderes europeus. Os atentados que teria sofrido, não passariam de mera

simulação para aumentar o seu prestígio. No caso refere-se a um linchamento

perpetrado por ocasião dos conflitos que reunira cerca de 100.000 pessoas quando

do presumido atentado sofrido pelo "Duce", onde o linchado ficou conhecido como o

“pequeno mártir de Bolonha”. O jornalista reforça sua argumentação citando a

definição de Manzini “herói, aquele que liberta, mesmo pela violência, os tiranos das

pátrias oprimidas e humilhadas [...]”. 194

Afirma que 1927 marca o fim de Mussolini, que está implicado no atentado e

assassínio do deputado socialista Giacomo Matteoti e nas tentativas de supressão

da maçonaria. A ausência de um guia seria a justificativa para a incapacidade

demonstrada pelos antifascistas, de destruir o “gérmen nefasto do fascismo”. Para

esta linha de interpretação da conjuntura política:

[...] a aurora de 1928 encontrará a Itália livre do “Duce” [...]. Tece um hino de admiração ao Brasil e diz, dirigindo-se aos brasileiros: Vós tendes, escritos em vossa bandeira duas palavras admiráveis: "Ordem e Progresso". Nós,

193 EM PROPAGANDA..., 1927, p. 5. 194 EM PROPAGANDA..., 1927, p. 5.

155

os italianos, proscritos, queremos escrever em nossa bandeira tricolor: “Liberdade e Justiça”.

195

Duas notícias galvanizam a cidade em 1927, a entrada da Itália na Guerra e a

execução, nos EUA, de Sacco e Vanzetti, como ficaram conhecidos, anarquistas

italianos presos e julgados culpados de atividades políticas.

Um ano depois, os dois blocos ideológicos comemoram, cada qual a seu

modo, mais um aniversário da promulgação da Constituição Italiana.

Em abril, o Grupo Antifascista Giacomo Matteotti reunira-se para eleger nova

diretoria; em junho deposita no pedestal de Giusepe Garibaldi grande bouquet de

flores naturais, com um cartão provocativo:

O Grupo Antifascista Giacomo Matteotti, ao ‘Duce’ de camisas encarnadas, Giusepe Garibaldi. Paladino da liberdade! Hoje, 46o aniversário de seu passamento, hoje também aniversário em que foi a constituição da Itália suprimida pelo ‘Duce’ de camisas pretas. Porto Alegre, 3 de junho de 1928.196

Em julho de 1928, é o deputado antifascista, Conde Francisco Frola que

chega à Porto ALegre, no "Comandante Capela", vindo de São Paulo, onde se

encontrava há dois anos. A finalidade da visita, convite do Grupo Antifascista

"Giacomo Matteotti e da maçonaria rio-grandense, é debater sobre o regime político

italiano. A vinda inclui uma visita à região colonial. No clube Caixeiral, como Cândido

Testa o fez, profere conferência pública sobre o tema." A origem e o

desenvolvimento do fascismo. Ao partir, ruma para Rio Grande, onde faz uma

conferência, igualmente promoção da maçonaria local e, mais duas palestras em

Curitiba:

195 CONFERÊNCIA antifascista. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIII, n. 57, p. 5, 09 mar. 1927. 196 A CONSTITUIÇÃO da Itália. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 132, p. 4, 05 jun. 1928.

156

Anteontem, na sede da Federação Operária, à rua Jerônimo Coelho n. 40, promovida por uma comissão, realizou-se uma conferência sobre o atual regime fascista, na Itália. Fez-se uma conferência sobre "A atitude das classes trabalhadoras e dos partidos avançados em face da calamidade fascista" [...] o palestrante Florentino Carvalho, mais o conde Frola, Attila Salvaterra e Carlos Ferreira participaram.

197

Vem, pela segunda vez em Porto Alegre, o jornalista italiano Giovani

Amendola do Comitê Democrático Antifascista de Paris, atuando em Buenos Aires,

onde escreve para vários jornais e visita o Correio do Povo.

Satisfeito com o movimento antifascista na América do Sul aproveita para

denunciar que em Paris, “se encontram exilados nada menos que uns 800 jornalistas

da velha nação latina, considerados, em sua pátria como brilhantes penas”. Informa

ainda que o movimento antifascista na Itália propõe a implantação da república

democrática socialista nos moldes da francesa, por não concordarem que a

monarquia se coadune com “as atuais aspirações de todo o povo livre. Aproveitando

sua estada aqui, o confrade Testa fará uma conferência, no Grande Oriente, na

próxima quinta-feira, sobre o tema: ‘A maçonaria italiana’ ".198

A seqüência de notícias sobre o embate entre os blocos vai esvanecendo-se

para uma cobertura estritamente sobre as recepções aos italianos estrangeiros e

197 A CHEGADA de um deputado italiano. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 162, p. 5, 08 jul. 1928 CONFERÊNCIA antifascista. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 167, p. 4, 14 jul. 1928; A VISITA do Conde Francisco Férula. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 170, p. 4, 18 jul. 1928 A VISITA do Conde Férula. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 184, p. 4, 03 ago. 1928; CONFERÊNCIA contra o fascismo. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXIV, n. 184, p. 4, 03 ago. 1928. 198 JORNALISTA Italiano. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 222, p. 4, 06 set. 1928.

157

residentes comprometidos com o fascismo. Seria fastidioso trazer aqui, mas caberia

estudo histórico. Relacionamos as fontes.199

Enquanto isso, as bandeiras tremulam no pico dos mastros no consulado

italiano, nas sociedades italianas e no Banco Francês-Italiano comemorando a

promulgação da Constituição da Itália.200

Setembro é mês do empastelamento do jornal italiano Il Piccolo, em São

Paulo. O episódio é largamente coberto nas matérias EMPASTELAMENTO DE

JORNAL, de 26/09/1928; EM DESAFRONTA DE UMA INJÚRIA 28/O9/1928; O

EMPASTELAMENTO DO "Il PICCOLO 29/09/1928; O EMPASTELAMENTO DO "Il

199 A MARCHA sobre Roma. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 257, p. 40, 08 nov. 1931; A CHEGADA do diretor geral dos fasci italianos no exterior. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 294, p. 7, 16 dez. 1931; A VISITA do embaixador do fascismo. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 296, p. 3, 18 dez. 1931; NA COLONIA italiana. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVIII, n. 255, p. 8, 27 out. 1932; ANIVERSÁRIO da Marcha sobre Roma. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVIII, n. 258, p. 9, 30 out. 1932; O 11O ANIVERSÁRIO do fascismo. Correio do Povo, Porto Alegre, ano – XXXIX, n. 252, p. 11, 31 out. 1933; A MARCHA dos fascistas sobre Roma. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 255, p. 13, 31 out. 1934; UMA SAUDAÇÃO do embaixador italiano. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 259, p. 14, 06 nov. 1934; ANIVERSÁRIO Natalício do Rei da Itália. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 264, p. 17, 11 nov. 1934; UMA BELA festa dos ex-combatentes italianos. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 266, p. 7, 14 nov. 1934; A DATA aniversaria a fundação dos fasci de combate. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLI, n. 57, p. 11, 10 mar. 1935; A ENTRADA da Itália na Grande Guerra. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLI, n. 122, p. 3, 28 maio 1935; ITALIANOS do Rio Grande do Sul. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLI, n. 294, p. 1, 15 dez. 1935. OS ITALIANOS comemoram, hoje, em todo o mundo o "Dia da Aliança". Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLI, n. 294, p. 1, 18 dez. 1935; O MOVIMENTO da colonia italiana em prol do dólar para a pátria. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 3, p. 4, 4/jan. 1936; O ANIVERSÁRIO da marcha sobre Roma. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 255, p. 9, 29 out. 1936; P. S. Ação do fascismo contra a desocupação. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 256, p. 5, 30 out. 1936; PELA causa da Itália. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 17, p. 7, 21 jan. 1936; PELA causa da Itália. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 18, p. 4, 22 jan. 1936; O DÓLAR para a pátria. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 18, p. 4, 22 jan. 1936; O DÓLAR para a pátria. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 19, p. 4, 23 jan. 1936; AS PROVAS de patriotismo dos italianos residentes no Brasil. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 52, p. 8, 03 mar. 1936; A COLONIA italiana em festa. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 106, p. 11, 07 maio 1936; A MARCHA sobre Roma. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 254, p. 6, 30 out. 1937; C. L. As mais recentes iniciativas da cultura italiana. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 217, p. 5, 15 set. 1936; Ver BOBBIO,Norberto. Intermédio de guerra. In: Perfil ideológico del siglo XX en Itália. México:Fendo de Cultura Econômica (Breviários) 1993. p. 158-177; CORREIO DO POVO. Porto Alegre, ano XLIII, n. 116, 19 maio 1937, publica a visita do presidente do senado italiano, que percorre algumas capitais , Luiz Federzoni. Escritor, entre suas obras figuram "Il Corruttore" (1900); "Il Contemporanea" (1904); "L'Allegra Novita" ( 1905); "Il Lucignola Dell'Ideale" (1906); "Alfredo Orian" (1910); "Ignacio Zuloaga" (1912); "U'Itália Nell Egeo" (1913); "G. Casanova" (1913); "La Dalmazia che aspetta" (1915); "Il Trattate di Rapallo" (1921; e outras obras especialmente de caráter político. 200 A CONSTITUIÇÃO ..., 1928, p. 4.

158

PICCOLO" de 30/09/1928; NA MADRUGADA DE ONTEM, FOI EMPASTELADO O"

DEUTSCHE POST de 30/9/1928.201

A narrativa do empastelamento está suficientemente realizada em vários

trabalhos que historiam o incidente político por ocasião da queda do avião dos

italianos Carlo Le Prete e Arturo Ferrarin, na baía da Guanabara, em 8 de agosto. O

vôo havia sido promovido pelo governo de Mussolini.

A queda de Le Prete, após uma convalescença, o leva à morte.

Homenageados como heróis, eis que a imprensa brasileira tem suas simpatias pelo

fascismo. Porém, uma escritora, Maria Lacerda de Souza resolve questionar a

promoção do fato. Lembra que um verdadeiro herói, Ronald Amundsen encontra-se

perdido no pólo norte e não há mobilização em torno de seu resgate. Os jornais

italianos Fanfulla e Il Piccolo resolvem polemizar. Está dada a celeuma, que termina

com o empastelamento do Il Piccolo.

Em especial, René Gertz detém-se no episódio para marcar o nacionalismo

crescente da década que acirra os ânimos e incendeia as posições. A faceta do

nacionalismo no Rio Grande do Sul assume vulto suficiente para o empastelamento

do Deutsche Post, criado em 1880 pelo pastor Wilhem Rotermund. O jornal de

língua e política germânica é publicado em São Leopoldo, por estudantes exaltados

de Porto Alegre. O motivo do empastelamento foi a solidariedade do jornal alemão

ao jornal italiano de São Paulo, depois desmentida, porém tarde demais para conter

os ânimos.202

O editorial do Correio do Povo reflete os movimentos populares:

[...] lições de civismo, infelizes das nacionalidades onde os povos assistam indiferentes aos ultrajes dirigidos ao seu brio, às tradições, a sua soberania. O desagradável incidente provocado pelo jornal Il Piccolo não deixou, portanto, de ter a sua vantagem prática, visto que ofereceu ensejo para

201 EM DESAFRONTA de uma injúria. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 230, p. 1, 26 set. 1928; O EMPASTELLAMENTO do "Il Piccolo". Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 232, p. 1, 28 set. 1928; O EMPASTELAMENTO do "Il Piccolo". Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 233, p. 5, 29 set. 1928; NA MADRUGADA de ontem, foi empastelado o "Deutsche Post". Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 234, p. 7, 30 set. 1928. 202 GERTZ, René E. O empastelamento da Deutsche Post em 1928. Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica (18;1998:Rio de Janeiro). In: REUNIÃO DA SBPH/SOCIEDADE BRASILEIRA DE PESQUISA HISTÓRICA, XVIII, Anais ...Curitiba: SBPH, 1998. p. 339-343.

159

documentar como existe vivo, inalterado e firme o sentimento de brasilidade [...].

203

Durante os conflitos em Porto Alegre, a segurança no consulado italiano é

guarnecida.

Os integralistas, os comunistas e os fascistas que visitam Porto Alegre, têm

espaços nos salões e nos eventos públicos, disputam visibilidade e dividendos

políticos. Mas é a imprensa o grande veículo de circulação de seus ideários,

evidentemente que exceto para os comunistas. As matérias são publicadas no

Correio do Povo, como a de 9 de outubro de 1934, INTEGRALISTAS E

COMUNISTAS sobre a situação em São Paulo:

A criação do fascismo, como a do hitlerismo não passam e reações contra o comunismo. Na Itália ou na Alemanha, o comunismo esbarra contra duas barreiras formidáveis, contra dois diques humanos que contém a invasão vermelha. No Brasil, tenta-se movimento igual. Tanto é igual que contra ele já se assanham os comunistas. Se grandes responsabilidades cabem aos integralistas, em seu ponto de vista elevado, toca-lhes, por isso mesmo, a honra de figurar no primeiro plano, face a face, ao comunismo que se distingue com seu ódio terrível. [...].

204

Sendo acirrado o jogo de posições entre uns e outros, terceiras posições

buscam disputar espaço ideológico. Em 4 de agosto de 1936, CONTRA O

FASCISMO, CONTRA O COMUNISMO, o Correio do Povo produz uma longa

matéria sobre a entrevista que Egydio Hervé concede aos jornais da cidade. A

finalidade é lançar um movimento para a juventude:

O que acima ficou dito fundamenta e justifica o movimento de que estamos tratando. Para levarmos a efeito esse movimento de cultura e de civismo, necessitamos a criação de dois órgãos: uma revista e um centro universitário de estudos políticos, de ciência e de arte. A revista terá a denominação de "Universitas", da qual serei diretor, tendo como companheiros os acadêmicos José Pinós Pereira e Carlos Armando Gadret. Procuraremos difundir uma cultura universal, combatendo as doutrinas exóticas que forem contrárias à nossa índole de povo livre, colaborando para a formação de uma civilização americana isenta dos erros e preconceitos que caracterizam a velha civilização européia. O centro universitário será uma agremiação de estudantes que integram a

203 NA MADRUGADA...1928, p. 7. 204 INTEGRALISTAS e comunistas. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 236, p. 3, 09 out. 1934.

160

Universidade de Porto Alegre. Terá como finalidade uma ação educadora no terreno político e social, dando oportunidade para que a nossa mocidade, antes que a paixão e as responsabilidades partidárias a absorvam, estudem, familiarizem-se com todas as doutrinas políticas e sociais existentes, afim de que, amanhã, quando responsáveis pelo destino da nação, os moços saibam construir governos capazes de distribuir e tornar realidade a justiça social. Como se vê, essa organização será um centro de democracia e de socialismo.

205

Em 27 de abril de 1937, o Correio do Povo sofre censura, o Governador

Flores da Cunha proíbe a venda e a circulação do jornal em trens e estações da

Viação Férrea do Rio Grande do Sul. Em resposta, o busto de Caldas Júnior é

inaugurado na sede da Associação Riograndense de Imprensa (ARI). De certo o

alinhamento do jornal com o governo central, desagradara Flores da Cunha, rompido

com Vargas nesse momento.

Em 10 de novembro ocorre o golpe de Estado, Getúlio Vargas implanta o

Estado Novo, instalando-se a censura à imprensa, o cerceamento das liberdades

políticas e a perseguição aos dissidentes do regime estabelecido, os quais, se

estrangeiros, serão repatriados.

3.2.4 Trânsito de feiras

Nesses anos o mercado brasileiro interessa e muito aos italianos. Feira é a

modalidade preferida de fazer circular produtos, na cidade das trocas.

Ao transitar em Porto Alegre, o estrangeiro informa-se pelo jornal, a respeito

do comunicado do embaixador brasileiro, em Roma, ao Ministério da Agricultura, o

qual fala da grande Feira Navegante de produtos das indústrias italianas que irá

percorrer portos do Brasil e dos países do Prata.

Trata-se da segunda, porque a primeira Feira Navegante aconteceu em 1921

e foi organizada pela indústria e pelo comércio da Itália, Yacht real Trinacria, e

percorreu os principais portos do Mediterrâneo.

205 CONTRA o fascismo, contra o comunismo. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 182, p. 13, 04 ago. 1936

161

O embaixador constata o que os comerciantes e industriais brasileiros que

visitaram o país, nos últimos anos, já haviam visto, ou seja o progresso italiano em

ramos da indústria tais como automóveis, artigos de eletricidade, aeroplanos,

chapéus e tecidos, destacando-se entre outros países da Europa. Ele verifica ainda,

a possibilidade de estreitamento dos laços comerciais entre o Brasil e a Itália.

A possibilidade comercial existe diante “das numerosas e prósperas colônias

italianas” e para “o bom êxito da Segunda Exposição Navegante estão empenhados

os ministros e os grandes industriais da península, tendo o governo prometido todo o

seu apoio”.206

La Regia Nave “Itália” vai percorrer alguns portos da América Latina. Em

serviço desde 1889, o transatlântico mercantil alemão, que pode transportar mais de

dois mil passageiros, em três classes, vai cumprir mais uma missão. O navio foi

“batizado” com o nome de Koning Albert. Requisitado na primeira guerra, viu-se

transformado em nave hospital. Novo batismo, novo nome, Ferdinando Palasciano,

para homenagear o médico napolitano precursor da Cruz Vermelha. Após a guerra é

considerado presa de guerra e anexado à frota da Ferrovia do Estado.

A nave, em 1920, assume um caráter diverso, o de transporte de passageiros,

na rota Gênova-New York. Aparece no Brasil quando a Navegazione Generale

Italiana já o empregara e com o seu derradeiro nome, Itália. Em 1925 foi requisitado

pelo Banco di San Giorgio e um ano após, revendido para demolição.207

Em 1924 há expectativas de incremento das trocas comerciais Brasil-Itália.

Como argumenta Angelo Trento, no entanto, esta viagem do “Itália” aos trópicos,

mais que uma monumental feira de amostras de mais de quinhentas empresas

italianas, com contratos firmados no montante de uma centena de liras, foi

essencialmente política. “A sua frente, porém, estava Giovanni Giuriati, na qualidade

206 FEIRA navegante italiana para os portos do Brasil. Mercúrio, Porto Alegre, p. 3, 09 jul. 1923. 207 SARTORIO. Crociera della Regia Nave “Itália” nell´America Latina. Roma: instituto Ítalo-Latino Americano, 9 dicembre 1999-5 febraio 2000, 1924. O que segue está nesta publicação especial.

162

de embaixador extraordinário do fascismo, com o objetivo de entrar em contato com

as coletividades italianas.”208

Entremos na nave. Ela reserva surpresas,209 narradas no catálogo

comemorativo, por Bruno Mantura, Ludovico Incisa di Camerana, Tereza Sacchi

Lodispoto e editado em 1999. Especificamente para comentar a mostra e o catálogo

organizado, estão os textos de Maria Paola Maino e outro de Tereza Sacchi

Lodispoto.

São ao todo dezenove salas. Bruno Mantura apresenta a estética em Sartorio,

que chegou a ser pintor cronista em 1917, no front. Ou narra como o artista Giulio

Aristide Sartorio termina por constituir-se Comissário de Bordo para a Bela Arte. E

que vai produzir uma viagem pintada. Pará, Rio Amazonas, Rio Tocantins,

Pernambuco, Bahia, Vitória, Rio de Janeiro Santos, Florianópolis, no Brasil; ainda

Uruguai, Argentina, Chile, Bolívia, Perú, Panamá, México, Cuba, Haiti, Colômbia e

Venezuela merecem quadros, que serão expostos em Roma, Palazzo delle

Esposizioni (1926-27); New York, The Anderson Galleries (1927), Milão, Galleria

Pesaro (1929). Galleria Borghese, Roma(1933), Galeria Dedalo, Milão (1934),

Accademia Nazionale di San Luca, Roma (1980), Dipinti del XIX secolo, Finarte. 546,

Roma, (1986).

Ludovico Incisa di Camerana atém-se ao político. Mais que uma feira de

produtos da arte e da indústria italiana:

[...] nas cabinas onde estão, de motores de aviação, automóveis, lavanderias elétricas [...] ambientes montados como um quarto de Dante [...] um salão vêneto e aquele florentino [...] Ainda existem urnas dadas de presente com a terra ensangüentada do Carso, de Montello. De Grappa, das batalhas italianas da Grande Guerra [...] é uma feira na qual triunfa a estética dannunziana [...].

210

208 TRENTO, Angelo. O período entre as duas guerras. In: TRENTO, Angelo. Do outro lado do Atlântico. Um século de imigração Italiana no Brasil. São Paulo: Nobel/Instituto Italiano di Cultura di San Paolo/Instituto Ítalo-brasileiro, 1988a. p. 267-404, p. 307. 209 SARTORIO, 2000, p. 178. 210 CAMERANA, Ludovico Incisa di. La grande traversata di un Vittoriale galleggiante. In: SARTORIO. Crociera della Regia Nave “Italia” nell´America Latina. Roma: instituto Italo-Latino Americano, 9 dicembre 1999-5 febraio 2000, 1924. p. 1.

163

A nave tem um duplo patronato na narrativa: D`Annunzio e Mussolini. Existe

certa sincronia entre os acontecimentos políticos na Itália e o percurso de navegação

da nave:

Curiosamente a expedição terminará por coincidir com um cenário interno italiano dramático. Em 18 de fevereiro de 1924, quando a nave zarpa de La Spezia, o Governo fascista não havia se tornado um regime. O sistema parlamentar mantém certa aparência, a estrutura governativa inclui liberais e moderados, também se a violência da esquadra não é terminada, assim entra na fase mais atroz. A nave estava avançando no Pacífico, quando em 10 de junho em Roma vem o seqüestro do deputado socialista Giacomo Matteotti: aproxima de Valaparaíso, passa do Pacífico no mar do Caribe quando em agosto vem revelado o cadáver do parlamentar desaparecido. Quando em 20 de outubro a expedição se conclui os procedimentos repressivos que encarniçam a imagem e contra os partidos antifascistas se sucedem: faltam poucas semanas para a volta definitiva de 3 de janeiro 1925, o início do regime.

211

Já Teresa Sacai Lodispoto detém-se sobre o escopo comercial e cultural da

expedição. Um comunicado estampado no jornal parigino L`Italie Nouvelle expõe os

propósitos da expedição:

Dar sensação precisa da nossa potencialidade industrial e da renovada vontade espiritual e da ação dos italianos; reafirmar nos nossos colacionais que vivem e operam na América Latina o legítimo orgulho de sentir-se filho da Itália; acrescentar à nossa exportação, criar novas relações de troca, aproximar o produtor italiano aos grandes centros de consumo daquelas terras; estudar o problema da colonização e da emigração.”

212

Ainda se detém nos aspectos da amostra de uma política cultural levada a

navegar onde houver comunidades italianas expressivas na América Latina e

Caribe. Uma espécie de estímulo à recepção da cultura italiana e à formação de

leitores.

O processo inicia com o Comissário para a Arte e a Cultura, Eugenio

Coselschi, enviando ao ministro da Instrução Pública Giovanni Gentil, seu projeto de

um opúsculo em italiano, espanhol e português, de modo a divulgar a cultura e a

obra da reforma do ensino em andamento, em 28 de setembro de 1923.

211 CAMERANA, 2000, p. 1. 212 Id., 1924, p. 14.

164

Os livros embarcados para serem distribuídos nas escolas, doados pelo

Ministério dos Negócios do Exterior dão uma amostra da recepção desejada pelo

governo italiano:

Foram de Dante, Di Magni, Le terre redente e Annuari delle scuole Italiane all´estero, I promessi sposi, di Manzoni, I miei ricordi de D`Azeglio, Il piccolo emigrante, de Cuman Pertile, Cristoforo Colombo de Baccini, Vita e regno, di Vittorio Emanuele II, de Massari, Comando superiore battaglione Piave e outros portadores dos valores itálicos, ligados à imprensa renascentista e da mais recente Primeira Guerra Mundial.

213

No ano do circuito da feira de 1924, a intensa comercialização entre os portos

italianos e alguns brasileiros, como o de Porto Alegre fica evidenciado na notícia

sobre as avarias no navio-motor argentino Cruz del Sud procedente de Gênova e

consignado à firma F. Bento & Cia. Sua carga não pode ser entregue aos

destinatários pela Alfândega, “sem que sejam exibidos pelos menos os recibos da

cota de 7%, estabelecida para essa avaria”. As firmas prejudicadas são as firmas

consignadas, alemãs e italianas, de C. F. Schmeling, E. Jeaneret, Santos Netto,

Sirangelo e Irmão, Candiota Irmãos e Lubisco, G. Egidi, Adolpho Caorsi e inclusive o

Banco Francês e Italiano. Os itens são os que normalmente são importados, como

obras de bronze, tranças, conservas, azeite, vinho tinto, ácidos, alumínio,

brinquedos, queijo e frutas secas.214

As exposições são a publicização do homus economicus, as elites urbanas

disputam espaço no campo econômico. Em 1926, no arrabalde Menino Deus

comissões nomeadas pelo comissariado da Exposição Geral de Indústrias e da

Agricultura vão julgar trabalhos em vidros e cerâmica, fotografia em bromuro e

fotografia esmaltada.

As firmas premiadas trazem nomes conhecidos, Rafael Pappaléo & Cia.

Limitada, Companhia de Vidros Sul-Brasileira e Fredérico l Kasper, Companhia

213 CAMERANA, 1924, p. 15. 214 AVARIA Grossa. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n. 305, p. 4, 20 dez. 1924.

165

Industrial Rio-Grandense, Pedro Pless e Companhia de Vidros Navegantes, Felippe

Monjo.215

Piatelli & Irmãos são italianos que se estabeleceram com uma oficina de

mármore e granito, materiais muito em voga. Localizados na Lomba do Cemitério n.

7-H, expõem seu mostruário de granito premiado na Exposição da Feira

Internacional de Roma.

Ao Grande Prêmio, soma-se a medalha de ouro na Exposição Feira do

Cinqüentenário da Colonização Italiana. Ambos podem ser apreciados na vitrine do

Correio do Povo. Posteriormente, serão oferecidos ao Museu Júlio de Castilhos.216

Em 1935, a matéria veiculada no Correio do Povo é extensa. Noticia a

instalação na Itália, em Milão, do Ufficio Comerciale del Brasile, sob a orientação

direta do dr. Luiz Sparano, adido comercial brasileiro junto a nossa delegação em

Roma. A idéia é acelerar as informações para colocar o Brasil na rota econômica

italiana.

O departamento dirigido por Ghilosani, é secundado pelo conterrâneo

Francisco Sparno Medaglia, seu fundador. O jornal Il Sole, de Milão, promove uma

caravana de industriais e exportadores italianos para visitar o Brasil.

Mas a concepção do Ufficio Comerciale de Brasile extrapola o interesse

meramente econômico, uma vez que busca manter a “memória dos patrícios que,

pelo talento e cultura, elevaram o nome do Brasil em estranhas terras”, como o

compositor Carlos Gomes e a soprano brasileira Iracema Follador, para o Brasil.

Homenageada a soprano, a colônia brasileira residente em Milão ainda pensa

na organização de um comitê ítalo-brasileiro para comemorar o centenário do

nascimento do maestro e compositor brasileiro Carlos Gomes, que estudou na Itália

e estreou no Teatro Scala, de Milão, com as óperas Guarani e Tosca.

215 EXPOSIÇÃO geral de indústria e de agricultura. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXII, n. 77, p. 4, 02 abr. 1926. 216 MOSTRUÁRIO de granito. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIII, n. 175, p. 4, 20 jul. 1927.

166

A imprensa italiana está favorável e o jornal Il Popolo d'Itália, órgão do partido

fascista, já publicou artigo tratando do tema. Os dirigentes do Ufficio Comerciale de

Brasile, à frente do comitê, estão em entendimentos com as autoridades brasileiras e

italianas. Noticia-se igualmente a visita ao Ufficio del Brasile, das autoridades do

Governo do Rio Grande do Sul, Di Donato, agente comercial, Paschoal Carlos

Magno, funcionário do consulado brasileiro em Londres, sendo atendidos pelos

responsáveis. Viram ainda “o álbum de honra, onde figuram todas as fotografias

referentes à Feira de Milão e a visita da filha do sr. Getúlio Vargas à Itália; a visita

que fez o duque de Bergamo ao pavilhão brasileiro; dr. Macedo Soares; dr. Luiz

Sparano, adido comercial”.217

O Ufficio del Brasile na Itália, é o primeiro estabelecimento do gênero, mas já

existia na Inglaterra, Suíça, Suécia, Canadá e América Central.

A última notícia da matéria é a constituição em Milão, do fascio Argentino,

sendo eleita presidente a jornalista Mercedes Carrasi, Marqueza del Villar, a qual

gentilmente visitou o Ufficio del Brasile. Houve troca de saudações entre os

dirigentes, representantes da colônia brasileira, e Del Villar, levando ao Ufficio

saudações dos argentinos residentes em Milão, ao que foi agradecido por Francisco

Sparano Medaglia.218

Em 1937, o Correio do Povo comenta o sucesso do Brasil nas feiras

internacionais de Bari e Milão. Na primeira feira, “não faz um ano”, a Feira do

Levante de Bari, o Brasil conquista duas medalhas de ouro, uma, na qualidade de

país como órgão potente de destaque entre trinta e seis países do oriente e

ocidente, e outra, através do Departamento Nacional do Café.

Na segunda feira, a Feira Internacional de Milão, o pavilhão brasileiro é

descrito como:

[...] um moderno conjunto arquitetural, provido, ao centro, de uma gigantesca torre retangular, encimada pela palavra “Brasil” e no topo

217 MOSTRUÁRIO ..., 1927, p. 4. 218 A PROPAGANDA do Brasil na Itália. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLI, n. 175, p. 10, 28 jul. 1935.

167

extremo a esfera azul do céu constelado com a legenda sadia da nossa

bandeira, obra do arquiteto italiano Giovanni Pallaroli [...].219

Cria-se a Associação dos "Amigos do Brasil", presidida por G.Marconi, nesta

ocasião. E, em homenagem, o dia 12 de abril foi escolhido como o "Dia do Brasil",

com a aquiescência do embaixador brasileiro em Roma, Adalberto Guerra Duval. A

programação prevê no “[...] Palazzo Del Economia Nazionale, a reunião dos

representantes brasileiros e italianos para discussão de um acordo comercial ítalo-

brasileiro, bilateralidade de fornecimentos de matérias primas brasileiras à Itália e

exportação de produtos italianos aos mercados nacionais”. Seguem homenagens no

Teatro Scala, com a música de Carlos Gomes.220

Na Feira de Milão, o Brasil conquista

[...] três medalhas de ouro decretadas sob aprovação de S. M. o Rei Victor Manoel III, patrono da Feira Milanesa, sendo uma, para o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, outra, para o Departamento Nacional do Café e a terceira ao nosso adido comercial Dr. Luiz Sparano [...].221

Também em São Paulo realizam-se feiras e exposições em 1937. Diz a

matéria que:

O visitante depara-se com uma seleção de obras de arte (pintura, escultura, gravações), mais selecionada para o emigrado “satisfazer a saudade”. São trabalhos de artegianato. [...] Todo o resto do pavilhão não é mais do que uma apoteose do Império, uma apoteose da grandeza e da potência da Itália dos nossos dias, conjugada como um só homem, sob o cetro da Casa de Savóia e sob a guia de seu Duce; uma apoteose que deverá provocar orgulho e ufania em seus filhos imigrados e em seus descendentes [...].

As documentações, de fato, do Fascismo e da Força Militar, bem como dos

diferentes órgãos da administração dão o caráter grandioso da potência italiana. A

219 SANMARTIN, Olyntho. O Brasil na Itália. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 89, p. 5, 17 abr. 1937. 220 O RELEVO do Brasil na Feira de Milão. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 118, p. 5, 21 maio 1937. 221 SANMARTIN, Olyntho. O relevo do Brasil na Feira de Milão. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 118, 21 maio 1937. p. 5.

168

amizade entre as duas nações latinas é lembrada desde a época de Vespuccio, em

exposição onde as documentações registram tais laços.222

O Correio do Povo noticia a participação italiana na exposição de São Paulo

realizada para celebrar os 50 anos da emigração oficial para o Brasil. Satisfeito por

ocasião do primeiro aniversário do Império na Itália, o Conde Galeazzo Ciano dirigiu,

o domingo último, a seguinte saudação aos brasileiros e aos italianos domiciliados

no Brasil:

Neste dia em que a Itália celebra o primeiro aniversário do Império é para mim razão de grande prazer dirigir a saudação do governo Fascista aos brasileiros e aos italianos reunidos em São Paulo para assistir a inauguração do pavilhão italiano junto a Exposição que celebra o qüinquagésimo aniversário da imigração oficial no Brasil, como assim a toda e nobre Nação brasileira. A participação italiana à Exposição de S. Paulo tem, uma significação muito mais vasta que uma simples adesão a uma iniciativa destinada a favorecer o incremento dos comércios. Com essa participação o governo fascista quis associar-se às razões ideais que sugeriram ao governo e ao povo brasileiro essa manifestação, e atestar uma vez mais que o Brasil ocupa um bem especial lugar entre os amigos da Itália. É de meu particular agrado tornar-me intérprete de tais sentimentos, sendo que permanece sempre viva na minha memória a lembrança da minha estada nesse país e especialmente nessa generosa cidade de São Paulo, onde os italianos, nas estradas, nas casas e mesmo no ar, encontram, como num recanto da pátria longínqua, a festeira acolhida que poderiam achar uma cidade italiana. O Conde Ciano, dirigiu-se depois em idioma italiano aos seus patrícios, disse: As relações entre o Brasil e a Itália, experimentaram no ano passado a sua prova de fogo. A lembrança da atitude do Brasil no momento em que o bom direito da Itália não era reconhecido, é viva no coração de todos os italianos e, deve ser particularmente grato às comunidades italianas no Brasil que contribuíram tão fortemente ao progresso dessa República. Os italianos domiciliados no Brasil prossigam na sua obra, numa colaboração serena, constante, afetuosa, para a formação de um Brasil sempre mais próspero, e lembrem-se que o governo fascista segue com cuidado paterno suas atividades, inspirando-se na solene palavra do Duce que, assumindo o governo da Itália renovada, proclamou altamente que onde viva um italiano ali assiste o amor da Pátria. Possa a saudação que a Pátria envia por meu intermédio fazer sentir os sentimentos que unem os corações de todos os italianos de um lado e do outro do oceano, neste dia consagrado à celebração da fundação do Império Fascista.

223

A Grande Exposição Universal de 1900, em Paris, movimenta diversos

italianos em Porto Alegre também, os quais constituíram o Grupo Excursionista Ítalo-

222 A ITÁLIA na Exposição de São Paulo. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 143, p. 19, 20 jun. 1937. 223 SAUDANDO os italianos do Brasil. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 110, p. 7, 12 maio 1937.

169

Porto Alegrense para assistirem ao importante evento. Elegem, inclusive, uma

diretoria para tal excursão. Dela fazem parte Luiz Valieira; João Cartosi; Victor

Ferlini; João Pilla; João Paternoster, Josué Pasqualoto e Narciso Morelli.224

Em visita ao Correio do Povo, em dezembro, Francisco Medaglia, também

editor do jornal Il Brasil de Milão, relata os sucesso das feiras que o Brasil tem

participado, conforme já havia sido informado pelo jornal. Aproveita para demonstrar

sua surpresa com o crescimento da cidade, que não via há quatro anos, com seus

prédios altos e avenidas. Sobre a propaganda brasileira na Itália, como encarregado

do Escritório de Propaganda Comercial do Brasil em Milão, fala das instalações em

uma das principais ruas da cidade:

Ocupamos uma parte inteira da Galeria Crespi, para onde dão as grandes vitrines, que permitem ao público examinar e apreciar os produtos que ali se encontrem [...]. Comenta que nas suas conferências, na Rádio de Milão, divulga “o que somos e aquilo que possuímos”, o que complementa a propaganda na Itália, feita pelo jornal "Brasil", cuja distribuição é gratuita em todos os países da Europa e América [...]. Sobre o presidente Getúlio Vargas, reitera ser conhecido e respeitado. Sobre a Itália [...] vive-se na mais perfeita ordem. Hoje o povo italiano se apresenta aos demais povos, com a mesma grandeza e o mesmo valor de que era possuído na época romana, pois Mussolini, deu á Itália o prestígio que bem merece [...].

225

Algumas considerações são cabíveis, no encerramento deste capítulo. Porto

Alegre, entre os anos de 1920 e 1937, mostra um cenário de intensa circulação de

indivíduos e idéias. A polarização política vai comprimindo a presença italiana na

cidade, tanto por causa da discussão ideológica na Itália, quanto pelo avanço do

Estado Novo no Brasil, tais acontecimentos irão reverter simpatias e adesões

iniciais, pró Itália, para outro eixo de alinhamento político e econômico, os EUA.

O próximo capítulo tratará da cidade de Porto Alegre entre 1920 e 1937, na

perspectiva do viajante. As possibilidades urbanas e suas interdições estão inscritas

nos códigos e dispositivos que a cidade propõe ao estrangeiro que chega.

224 COLUNA diversos. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 37, p. 2, 29 ago. 1937. 225 A PROPAGANDA do Brasil na Itália. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 282, p. 14, 03 dez. 1937.

170

4 CHEGAR

A vida bate (3/2/66) Não se trata do poema e sim do homem e sua vida - a mentira, a ferida, a consentida vida já ganha e já perdida e ganha outra vez. Não se trata do poema e sim da fome de vida, o sôfrego pulsar entre constelações e embrulhos, entre engulhos. Alguns viajam, vão a Nova York, a Santiago do Chile. Outros ficam mesmo na Rua da Alfândega, detrás de balcões e de guichês. Todos te buscam, facho de vida, escuro e claro, que é mais que a água na grama que o banho no mar, que o beijo na boca, mais que a paixão na cama. Todos te buscam e só alguns te acham. Alguns te acham e te perdem. Outros te acham e não te reconhecem e há os que se perdem por te achar, ó desatino, ó verdade, ó fome de vida! O amor é difícil mas pode luzir em qualquer ponto da cidade E estamos na cidade sob as nuvens e entre as águas azuis. A cidade. Vista do alto ela é fabril e imaginária, se entrega inteira como se estivesse pronta. Vista do alto, com seus bairros e ruas e avenidas, a cidade é o refúgio do homem, pertence a todos e a ninguém, Mas vista de perto, revela o seu túrbido presente, sua carnadura de pânico: as

171

pessoas que vão e vêm que entram e saem, que passam sem rir, sem falar, entre apitos e gases. Ah, o escuro sangue urbano movido a juros. São pessoas que passam sem falar e estão cheias de vozes e ruínas. És Antônio? És Francisco? És Mariana? Onde escondeste o verde clarão dos dias? Onde escondeste a vida que em teu olhar se apaga mal se acende? E passamos carregados de flores sufocadas. Mas dentro, no coração, Eu sei, A vida bate. Subterraneamente, a vida bate. Em Caracas, no Harlem, em Nova Delhi, sob as penas da lei, em teu pulso, a vida bate. E é essa clandestina esperança misturada ao sal do mar que me sustenta esta tarde debruçada à janela de meu quarto em Ipanema na América Latina.

226

Ferreira Gullar

CHEGAR/CHEGADA: ato ou efeito de chegar, momento exato em que se

chega a um lugar (a,c do avião), fim de um movimento percorrido no espaço, ato ou

efeito de aproximar-se, avizinhar(se); aproximação ou contato de uma coisa com a

outra, comparecer rapidamente ou demorar-se pouco em algum lugar.227

4.1 A cidade para o estrangeiro

Parafraseando Tognato, Porto Alegre é sempre a mesma sem nunca ser

idêntica. É eterna, mas imortal, porque o eterno é atributo do imutável; o imortal,

atributo daquilo que prossegue além da morte. O eterno e o imortal estão na escrita

dos cronistas da cidade que decantam suas belezas e feiúras desde sempre. Mas o

226 GULLAR, Ferreira. Dentro da noite veloz. São Paulo: Círculo do Livro, (1962-1974). p. 64. 2 DICIONÁRIO Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 697.

172

estrangeiro, o imigrante que não cessa de chegar, está na franja da representação

literária, precisa aguardar a formação de seus intelectuais orgânicos para ser

incluído na narrativa, lá pelo ano de 1960 em diante.228 Entre os anos de 1920 e

1937 apenas o jornal, que é lido por eles, os referencia organizando os esquemas

de percepção de si no mundo social da cidade.

Afora a literatura, não há como desconsiderar a imigração e a urbanização

das cidades receptoras de imigrantes em escala mundial. A tese debruça-se sobre o

ano de 1920 e de 1937 na Cidade de Porto Alegre e recolhe narrativas que ampliam

tal temporalidade.

Na conjuntura desses anos ainda ressoam os efeitos da I Guerra Mundial,

cuja economia vivia nas brechas do próprio conflito internacional. Tanto Diégues Jr.

quanto Boris Fausto apontam que a deflagração da guerra deteve em grande

medida a imigração internacional para a América, a qual voltou a recuperar-se a

partir de 1920, sem jamais retomar o ímpeto anterior. A esta época os imigrantes já

estão fracionados familiarmente: parte da família já emigrou, outra ainda não pôde,

mas está prestes a partir.

Alguns que aportam em Rio Grande e Porto Alegre já estão sendo esperados

por familiares e amigos, característica própria da imigração individual, nos 228 O que não significa a ausência das formas narratórias, o que permite ao historiador buscar os documentos escritos (e orais) que circulam na cidade e que produzem um tecido narrativo tão variado a ponto de avistar novos narradores na re-criação da narrativa. Quanto ao campo literário do Rio Grande do Sul, a discussão é complexa. Apenas indicamos que sua representação literária envolveu gerações de escritores que se sucederam na construção e questionamento da originalidade da literatura local. Como parte do corpus em questão, essa representação leva em conta a legitimidade identitária da principal figura da cultura, “o gaúcho”. Alguns críticos, como Regina Zilberman, datam principalmente após a revolução farroupilha, a coleta do cancioneiro popular mais antigo a respeito, que daria o fundamento do que se seguiria. Nos anos entre 1920 e 1937 a literatura urbana contempla “o gaúcho” não mais altaneiro como nos primeiros tempos da representação literária, mas despojado, decaído no seu papel social identitário, em razão da crise econômica na formação que lhe dá significado, o pampa gaúcho. Esse gaúcho migra para a cidade. No entanto os imigrantes europeus não participam da representação mais nobre da literatura. Pouco ou nada sensibilizam escritores da envergadura de Alcides Maya, João Simões Lopes Neto, Amaro Juvenal e depois Darcy Azambuja; ou a geração de Pedro Wyne, Cyro Martins, Aureliano de Figueiredo Pinto, Ivan Pedro de Martins. Na ficção urbana dos anos 30 o espaço de representação pertence aos produtores e consumidores da vida urbana e seus dramas, como em Dyonélio Machado. Afora Vianna Moog, a imigração européia será tematizada penas com Josué Guimarães e muito recentemente com José Clemente Posenato e Moacyr Scliar, para citar os mais consagrados pela crítica e pelo público de leitores. Imigrantes na cidade, quando aparecem literariamente, são diluídos ou fragmentados sob o sistema de categorização sociológica weberiana ou marxista, até bem recentemente. Ver ZILBERMAN, Regina. Roteiro de uma literatura singular. Porto Alegre: Ed. da Universidade, 1992. (Síntese Rio-grandense).

173

parâmetros da cadeia imigratória. As histórias se sucedem desenrolando as

situações, nomes, graus de parentesco, é a hora feliz, esta da chegada.

Entre 1930 e 1940 a imigração só perdeu intensidade pela Lei dos Dois

Terços, que estabelecia cotas para entrada de imigrantes estrangeiros, prova do

crescente nacionalismo restritivo. Diégues Jr. afirma que em 1940 a migração se dá

em número menor que em 1920. Segundo ele:

O texto Constitucional de 1934 [...] Art. 121 § 6º - A entrada de imigrantes no território nacional [...] não podendo, porém, a corrente de cada país exceder, anualmente, o limite de dois por cento sobre o número total dos respectivos nacionais fixados no Brasil durante os últimos cinqüenta

anos.229

Os protagonistas desta história chegam em Porto Alegre em datas diversas.

Angelina Sanzi Ferraro chega em 1937, com 22 anos; Antonio Bianchimano chega

em 1949, com 25 anos; Dalva DeMartino chega em 1953, com 14 anos e Carmine

Motta chega em 1961, com 19 anos. Mas seus parentes estavam na Porto Alegre

dos anos 20-37 e, é o que lhes vêm na memória.

Nenhum deles sabe precisar muito bem as datas de chegada dos avós e pais

porque tiveram que suportar anos de separação e a cronologia da memória afetiva

tem seus mistérios.

A suspensão do subsídio governamental à imigração e colonização no Brasil,

na ante-sala da II Guerra Mundial, culminou na política de aprisionamento das

línguas estrangeiras, alterando significativamente a liberdade de expressão do

imigrante estrangeiro, causando lacunas na narrativa dos entrevistados. Mesmo

assim, Angelina, Antonio, Carmine e Dalva conseguem nos contar suas histórias a

partir da memória coletiva.

A perspectiva da cidade de Porto Alegre que é conhecida através da narrativa

do estrangeiro elaborada no período entre 1920 e 1937, reflete uma situação de

229 Para a política de restrição ver ainda DIÉGUES JÚNIOR, Manuel. Imigração, urbanização e industrialização: estudos sobre alguns aspectos da contribuição cultural do imigrante no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Estudos pedagógicos/Ministério da Educação e Cultura, 1964. p. 334-141.

174

relativa liberdade de comunicação. A cidade é narrada segundo uma singular teoria

da experiência aliada a um olhar, que é o do estranhamento. Teoria da experiência

porque se refere àquele primeiro nível de compreensão do estrangeiro no seu

mundo, que tanto pode ser o mundo deixado para trás, como o da cidade de

recepção. No curto espaço de sua vida, pela mimesis (imitação) desse mundo ele

elabora a sua narrativa, escreve, lê. O processo finaliza quando o estrangeiro

reconhece-se na sua narrativa ou na dos demais; para alguns, quando passa do

mundo do leitor para o mundo seleto do escritor, após decantar sua própria

experiência.

Vai tardar para o estrangeiro ser o construtor da narrativa da polifonia de

Porto Alegre. A narrativa produzida no cânone literário na cidade neste período, é

quase omissa em relação a uma cidade que ressoa entre múltiplos padrões culturais

e lingüísticos. O mesmo não ocorre no jornal.

O estrangeiro vai imprimindo sua marca, não obstante a impossibilidade

conjuntural de figurar na mimese escrita. Como novo modo de experenciar a vida

urbana, o estrangeiro, impulsiona a urbanidade da cidade. Decifra a cidade, lega ao

urbanista-historiador novas chaves para interpretá-la.

Segundo Bernard Lepetit: “se a cidade é um texto, parece-me mais pertinente

e proveitoso analisá-la à luz de uma hermenêutica do que de uma semiologia”. O

conteúdo de um programa que “está por fazer”, acrescenta.230

Dá pistas, recorre a Marcel Roncayolo nos termos de que a cidade é “uma

categoria da prática social”. Propõe assim, que “a questão das temporalidades

urbanas seja colocada de outra maneira”:

A cidade, como vimos, nunca é absolutamente sincrônica: o tecido urbano, o comportamento dos citadinos, as políticas de planificação urbanística, econômica ou social desenvolvem-se segundo cronologias diferentes. Mas ao mesmo tempo, a cidade está inteira no presente. Ou melhor, ela é

230 LEPETIT, Bernard. É possível uma hermenêutica urbana? In: SALGUEIRO, Heliana Angotti. Por uma nova história urbana: Bernard Lepetit. São Paulo: EDUSP, 2001. p. 137-154. p. 152.

175

inteiramente presentificada por atores sociais nos quais se apóia toda a carga temporal [...].

231

O que sugere é, antes de associar uma trajetória histórica e uma evolução

futura, “estudar as modalidades de presentificação dos passados. Porque as

sociedade reinterpretam o sentido das formas antigas”. Por isso, acrescenta:

[...] podemos analisar a historicidade como um processo temporal complexo, no sentido de que o sistema vê seus elementos surgirem de uma pluralidade de tempos descompassados cujas modalidades de combinação geram mudança a cada instante. [...] A cidade não dissocia: ao contrário, faz convergirem, num mesmo tempo, os fragmentos de espaço e os hábitos vindos de diversos momentos do passado.

232

Na mesma direção, como Giulio Argan, que a cidade não seja decifrada pela

sua materialidade, e sim no sentido a seguir:233

Por cidade não se deve entender apenas um traçado regular dentro de um espaço, uma distribuição ordenada de funções públicas e privadas, um conjunto de edifícios representativos e utilitários. [...] Também são espaço urbano [...] a zona rural [...] os bosques [...] O espaço figurativo, como demonstrou muito bem Francastel, não é feito apenas daquilo que se vê, mas de infinitas coisas que se sabem e se lembram, são notícias. Até mesmo quando pinta uma paisagem natural, um pintor está pintando, na realidade, um espaço complementar do próprio espaço urbano. O espaço também é um objeto que se pode possuir e que é possuído. [...] O espaço urbano, por fim, é a verdadeira ideologia da burguesia, a “representação da situação de fato em que age”. E, dizendo “de fato”, diz-se “imaginário”, porque a dimensão em que se projeta e se faz não é certamente o local em que ocasionalmente nos encontramos, mas a imagem mental que cada um faz do espaço da vida e que, dado o mesmo fundo de experiência é a mesma.

Bem avisados, vamos adentrar na história urbana no que se refere a entrada

de imigrantes. A primeira constatação é que o espaço urbano de Porto Alegre está

sendo ocupado por uma população bastante diversificada, que aumenta aos saltos.

Vamos aos números: a Fundação de Economia e Estatística, em 1890,

contabiliza em Porto Alegre dados referentes ao ano de 1872: 43.998 habitantes,

231 LEPETIT, 2001, p. 145. 232 Ibid., p. 141. 233 ARGAN, Grulho. História da arte como história da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1993. p. 43.

176

entre livres e escravos. Pelo critério de sexo, a população é de 26.409 homens e

26.012 mulheres, no total de 52.421 habitantes.

No Rio Grande do Sul, como um todo, pelo critério da nacionalidade há em

1900, 1.013.986 brasileiros, 129.329, estrangeiros e 57.551 ignorados.

Em 1920, reunindo sexo e origem, há, no Rio Grande do Sul, 1.014.905

homens brasileiros, 87.031 homens estrangeiros e 2.050 ignorados, total 1.103.986.

Já as mulheres brasileiras são em número de 1.013.185 para 63.994 estrangeiras e

1.548 ignoradas, no total de 1.078.727.

No mesmo ano de 1920, em relação ao domínio da leitura, escrita e faixa

etária até os 14 anos, em Porto Alegre há 9.018 homens; 8.830 mulheres, no total

de 17.848; na faixa dos 15 anos ou mais, 45.466 homens; 41.4652 mulheres;

perfazendo 87.118, totalizando no geral 104.996 pessoas.234

É preciso ver, ainda, que neste arco do tempo (1890-1920) estão

compreendidos estrangeiros bem diferenciados socialmente, mas como assinala

Lepetit, a cidade os faz convergir.

Por outro lado, a urbanização de Porto Alegre segue a direção da formação

urbana brasileira, isto é, vai do litoral para o interior, seguindo os ciclos econômicos

da dinâmica internacional e dos arranjos políticos.

Desse modo, camadas e camadas de imigrantes são notícia mesmo antes da

imigração no Brasil Imperial. Por ocasião da Independência do Brasil, em 1822,

predominava na composição demográfica a população nativa, como índios,

descendentes de portugueses e de negros escravizados durante o Brasil-Colônia e

mestiços. Sob o leque do termo migração, abriga-se na formação brasileira,

migrações em massa, forçadas, migrações internacionais dirigidas e permanentes,

como as que possibilitaram a vinda dos casais de açorianos para o Rio Grande do

Sul, bem como migrações temporárias e individuais.

234 FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA. De Província de São Pedro a Estado do Rio Grande do Sul. Censo do RS: 1803-1950. Porto Alegre: Governo do Estado do Rio Grande do Sul, 1981. p. 81. p. 95, p. 125, p. 129.

177

Os registros são precários, mas dados publicados por Artur H. Neiva e J.

Fernando Carneiro informam que entre 1820 e 1839 entraram no Brasil 1.507.581

italianos, 1.428.032 portugueses, 596.961 espanhóis, 233.392 alemães e 182.799

japoneses.235

Essa pode ser considerada a primeira grande onda imigratória do século XIX

no Brasil. Com o advento da imigração oficial, como política real e a colonização em

alguns pontos do país, o vigor da burguesia periférica parece sublinhado. Os

brasileiros, principalmente os negros são preteridos em favor dos imigrantes no

mercado de trabalho, conforme estudos como o de Giralda Seyferth, onde se alinha

a construção da nação ao racismo na política de imigração e colonização

brasileira.236

O crescimento urbano acelerado, as novas categorias sócio-econômicas, a

especialização funcional forjam uma nova representação da cultura urbana. O

estrangeiro, de Simmel, que também é visto como o homem diante da metrópole

moderna, vai tecendo relações, inserindo-se na economia, na política (com retardo)

e na sociedade:

Não são as formas da proximidade e da distância espaciais que produzem os fenômenos da vizinhança ou da estrangeria, por evidente que isto pareça. Estes fatos são produzidos exclusivamente por fatores espirituais, e se verificam dentro de uma forma espacial (...). O que tem importância social não é o espaço, serão o deslocamento e conexão das partes do espaço, produzidos por fatores espirituais.

237

235 CARNEIRO, J. F. Imigração e colonização no Brasil. Rio de Janeiro, São Paulo: Faculdade de Filosofia, 1950. p. 34. 236 A autora ainda cita Mauss, para quem a crença na raça, língua e civilização comuns embasa as ideologias nacionalistas que marcam a passagem do século XIX ao XX. [...] a raça cria a nacionalidade num grande número de espíritos [...] e porque a nação criou a raça, acreditamos que a raça criou a nação. (Mauss, 1969, p. 595-596). SEYFERTH, Giralda. Construindo a nação: hierarquias raciais e o papel do racismo na política de imigração e colonização. In: MAIO, Marcos Chor e SANTOS, Ricardo Ventura. Raça, ciência e sociedade. Rio de Janeiro: FioCruz, 1995. p. 41-58. 237 SIMMEL, Jorge. Sociologia: estudios sobre las formas de socialización. Buenos Aires: Espasa – Calpe, 1939. p. 208. Cito: “ No son las formas de la proximidad y distancia espaciales las que producen los fenómenos da la vencidad o extranjeria, por evidente que esto parezca. Estos hechos son produzidos exclusivamente por factores espirituales, y se verifican dentro de una forma espacial [...]. Lo que tiene importancia social no es el espacio, sino el eslabonamento y conexion de las partes del espacio, produzidos por factores espirituales”.

178

Além do incremento da população que cresceu quase 100% em 12 anos,

outro fator que, provavelmente tenha influenciado no crescimento da cidade, foi a

atração natural que o centro urbano devia exercer, em termos de oportunidade de

emprego e possibilidade de ascensão social.

Os imigrantes italianos fixados em Porto Alegre, mais especificamente os do

sul, segundo relatório da Câmara, relativamente aos anos de 1884, 1885 e 1889,

totalizam 1.011 indivíduos. Uma estimativa pode ser feita e projetada para a década

de 1880. Desta forma, ter-se-iam fixado em média, anualmente, 344 indivíduos e, na

referida década atingiriam um número total de 3.440, aproximadamente.

Considerando-se as evidências de italianos residindo em Porto Alegre antes de 1880

e a intensificação do fluxo a partir de então, a exemplo do que ocorria em outros

núcleos urbanos brasileiros considerados pólos de atração. O número aproximado

de 6.000 habitantes italianos em Porto Alegre, em 1893, é bem plausível como

número de aproximação.238

Uma das grandes razões para os estrangeiros decidirem-se por Porto Alegre

entre 1920 e 1937 é o mercado de trabalho urbano; outra, o Almanak Riograndense

(1873) que fornece subsídios para o conhecimento da diversificação e da amplitude

do comércio porto-alegrense da época, ao relacionar nomes de proprietários e tipos

de estabelecimentos, entre outras coisas.239

O imigrante italiano e o meridional, em particular, como o alemão, irão se

tornar elementos importantes da pequena burguesia em Porto Alegre, dando assim

continuidade ao modelo do país de origem. A Itália, na opinião de Paci:240 “é um país

caracterizado por amplas faixas de pequena burguesia independente, pequena

burguesia artesã e camponesa, isto é, produtora de bens, e pequena burguesia

comercial ou que presta serviço”. Lembra-se, outrossim, que não é o italiano

meridional mais pobre que emigra, pois a emigração espontânea só é possível

àqueles que possuem recursos para custeá-la.

238 CONSTANTINO, Núncia Santoro de. O italiano da esquina: imigrantes na sociedade Porto-Alegrense. Porto Alegre: EST, 1991. p. 59. 239 Almanak Riograndense, como outros almanaques, era destinado a leitores específicos e leais. 240 PACI, Massimo. La struttura sociale italiana: costanti storiche e trasformazione recenti. Bologna: Il Mulino, 1982. p. 115-116.

179

A vida dos nossos protagonistas moraneses escorre por entre a propriedade

de bares e restaurantes com concertos ao ar livre, o que, por sua vez, confere

prestígio ao estrangeiro bem sucedido. Os espaços de sociabilidade são

diferenciados, agregados fortemente pela similitude étnica, é, mesmo, o apogeu das

sociedades étnicas. Assim, erigem formas de veiculação da cultura que sedimenta

sua identidade sócio-cultural na cidade.

Os demais grupos de italianos como um todo, assentados em Porto Alegre,

buscam, em maior ou menor grau, conservar a língua até sua interdição no período

de guerra entre a Itália e a Alemanha, quando o Brasil perfila-se com os aliados.

Buscam, até esse momento, conservar as tradições, as efemérides, prestigiar a

recepção da cultura artística da Itália, reverenciar os eventos políticos marcantes do

Ressurgimento italiano, presentificar os mitos e os heróis da Pátria de origem, como

Garibaldi e os demais heróis italianos que se incorporaram ao processo político do

Rio Grande do Sul, como na Revolução Farroupilha.

Em 1920, os imigrantes que chegam não são apenas camponeses. Eles

representam uma pequena burguesia que migra em função da Europa estar

fraturada política e economicamente pela guerra e isolamento de minorias étnicas. A

posição social desses estrangeiros os situa no mercado urbano em posições

vantajosas. Aos demais, o mercado oferece o trabalho industrial e o pequeno

comércio.

Fica evidente a diferença entre os imigrantes, há o estrangeiro já instalado na

sociedade local e o recém chegado. O primeiro, está inserido em Porto Alegre por

força do processo histórico que deu origem aos grandes deslocamentos

populacionais do século XIX, quando se completa o período da nova geografia

política européia.

Alguns autores, como o já citado Diégues Jr., destacam a diferença de

significado e da inserção econômica e política verificada nos diversos períodos de

migração. Chegam a subdividir o processo de inserção do imigrante na sociedade

brasileira, em períodos com características peculiares, ou seja, há um período de

1808 a 1850, outro, de 1850 a 1888 e, ainda, de 1888 em diante.

180

Os primeiros imigrantes vêm para o Brasil por força da expulsão do processo

europeu. A impossibilidade estrutural da reprodução econômica, sem alterar as

relações de poder e os custos sociais da unificação das nações expulsa muitos

camponeses. Mas, há também emigrantes urbanos, sequiosos por “Fazer a

América”, que se aproveitam da concorrência internacional pela mão-de-obra

imigrante. O Brasil, através de Dom Pedro II, formula sua política de colonização

para uma sociedade ainda agrária e hierarquizada, dos barões do café do sudeste

aos fazendeiros e criadores do sul.

Com a diversificação das funções da cidade de Porto Alegre, que passa de

trincheira de defesa à importante centro econômico-administrativo, em 1920, há

estrangeiros que efetuam o trampolim rural-urbano, muitos são da zona de

colonização alemã, situada na Depressão Central ou, italiana, na Encosta de Cima

da Serra.

Muito peculiar, nesse período entre guerras, é a vinda de imigrantes

diretamente para Porto Alegre. Movidos por um caráter individual, artistas,

intelectuais e auto-exilados políticos, entre outros, como destaca Angelo Trento,

chegam na cidade. Enfim, existe um largo leque de condições de imigração que

explicam a performance da atual urbanidade e do cosmopolitismo da capital.241

4.2 Dispositivos e códigos da “cidade dos Italianos” no movimento

Entre os anos de 1920 e 1937, quando os imigrantes chegam a Porto Alegre,

a perspectiva visual da cidade é plana, é a do navio. Nome do navio que nas

narrativas é sempre mencionado, a casa transitória sob os pés, fica gravada na

memória. Não se trata mais da imigração em massa, mas ainda não é tão seletiva

que possa chegar de avião. Alcançassem os ares, confeririam a bela descrição:

[...] colinas graníticas, de vertentes geralmente regulares, alcançando 50, depois 100, depois 150 metros de altitude, se escalonavam em anfiteatro (Moinhos de Vento, Monte Serrat, Petrópolis, Partenon, Menino Deus) até 4

241 Ver TRENTO, Angelo. O período entre as duas guerras. In: ______. Do outro lado do Atlântico: um século de imigração italiana no Brasil. São Paulo: Nobel/Instituto Italiano di Cultura di San Paolo/Instituto Ítalo-brasileiro, 1988a. p. 267-404.

181

ou 5 km do centro, seguidas de colinas mais altas (250 m) e mais íngremes (Teresópolis, Morro da Polícia, etc.) que fechavam o horizonte [...].

242

E segue a plasticidade da imagem estabelecida sobre a cidade:

Porto Alegre é uma cidade que cresceu pelos vales. Ela é como uma grande mão. Com o punho apoiado numa curva do Guaíba e com os dedos a repousarem por entre os morros, acompanhando o casario, o curso dos riachos e se espairando à sombra das colinas e morros que margeiam a cidade [...].

243

A vista é a do cais. Imaginemos, literariamente, a cena, como Saramago,

sobre a chegada de Ricardo Reis ao porto de Lisboa:

Aqui o mar acaba e a terra principia. Chove sobre a cidade pálida, as águas do rio correm turvas de barro, há cheia nas Lezírias. [...] São poucos os que vão descer. O vapor atracou, já arrearam a escada do portaló, começam a mostrar-se em baixo, sem pressa, os bagageiros e os descarregadores, saem dos alpendres e guaritas os guardas-fiscais de serviço, assoma aos alfandegueiros. A chuva abrandou, só quase nada. Juntam-se no alto da escada os viajantes, hesitando, como se duvidassem de ter sido autorizado o desembarque, se haverá quarentena, ou temessem os degraus escorregadios, mas é a cidade silenciosa que os assusta, porventura morreu a gente nela e a chuva só está ciando para diluir em lama o que ainda ficou em pé [...] Descem os primeiros passageiros. De ombros encurvados sob a chuva monótona, trazem sacos e maletas de mão, e tem o olhar perdido de quem viveu a viagem como um sonho de imagens fluidas, entre mar e céu, o metrônomo da proa a subir e a descer, o balanço da vaga, o horizonte hipnótico. [...] Os viajantes passaram à alfândega, poucos, como se calculava mas vai levar seu tempo saírem dela, por serem tantos os papéis a escrever [...] A alfândega é uma antecâmara, um limbo de passagem, que será lá fora [...].

244

Lá fora é a cidade de Porto Alegre nas primeiras décadas do século XX. Não

estamos “na pele” dos que chegam. Podemos fazer descrições e ilações por conta

da imaginação de relatos de primeira mão, como os de Angelina, Dalva, Antonio,

Filomena e Carmine, que trazem uma Porto Alegre construída pela historicidade e

sob a subjetividade da narrativa. Com os acréscimos por conta da memória dos tios,

242 ROCHE, Jean. Porto Alegre- Metrópole do Brasil Meridional. Revista Geografia urbana, São Paulo, n. 19, p. 35, mar. 1965. 243 COMISSÃO ESPECIAL designada pelo Prefeito Municipal. Levantamento econômico-social das malocas existentes em Porto Alegre, dez. 1951. 244 SARAMAGO, José. O ano da morte de Ricardo Reis. São Paulo: Companhia das letras, 1998. p. 11-14.

182

irmãos, pais, que aqui viveram entre os anos de 1920 e 1937, trazem uma cidade na

narrativa do espaço social. Uma cidade imaginada interpreta a cidade real e

possibilita a narrativa, remetendo a Ricoeur.

Atravessando a alfândega, os imigrantes são estrangeiros “para nós

mesmos”. Correspondem a números categorizados por etnia, sexo, ocupação e

constituem uma massa anônima que se acotovela no cais, até ser engolida pela

cidade ou desaparecer em direção às colônias. Nada é muito significativo.245

A quem pode interessar o fato dos imigrantes se defrontarem com a cidade

real, de “Pedra, de Carne e de Espírito”, senão a eles próprios. E dá-se de ombros.

É a atitude blasé, necessária, do citadino, da modernidade.

Dispositivos e códigos os aguardam: o espaço social da cidade está onde,

como e quando logram estabelecer relações com os demais, suscitando a narrativa

na língua-mãe. Mas a economia da cidade rege sua primeira tarefa de decifração:

vão precisar dominar logo a língua local, a linguagem do mundo social ou da ordem

moral do lugar. Na verdade, é uma batalha.

Leed propõe que a chegada é um processo de identificação porque o viajante

identifica o lugar e o lugar identifica a espécie de viajante que tem pela frente. “A

chegada é um processo de incorporação que desenvolve um senso de ‘coesão’

entre a pessoa e o lugar”.246

O imigrante, ao partir, destroça e interrompe sua narrativa de pertencimento

ao lugar. No trânsito da viagem suspende novamente sua narrativa porque está

absorvida na nova objetividade, constituindo uma individuação de tudo que antes lhe

conferia significado, a tradição. Ao chegar, este é um “gênero de acontecimento que

cria uma ordem no mundo”. Mas é um mundo em que ele chega como um estranho,

um intruso, um estrangeiro. Que mundo é este, da Porto Alegre dos anos 20?

245 KRISTEVA, Júlia. Estrangeiros para nós mesmos. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. 246 LEED, Eric J. La mente del viaggiatore: d´all Odissea al turismo globale. Bologna: Societá editrice Il Mulino, 1992. p. 111.

183

Ser estrangeiro no período, por mais polifônica que se apresente a cidade, é

ser flexível para circular, alternadamente, entre os círculos de inclusão e exclusão

social. No processo, estão erigidos os dispositivos e os códigos da batalha ritual,

visível e declarada.

Simmel tem uma interessante passagem sobre a sociabilidade italiana, que

pode explicar a força dessa flexibilidade na circulação social. Afirma ele,

comparando com outros grupos, como os norte-americanos, que os italianos são,

em geral, politicamente regionalistas. Significa que há uma noção provinciana onde

“cada cidade, é extraordinariamente zelosa de sua qualidade e liberdades,

freqüentemente em clara oposição a outras e desconhecendo o valor e o direito de

todos”. A conseqüência lógica, aparentemente, seria a presença de um forte sentido

coletivista “com tendências à igualdade. Não ocorre assim, sem dúvida, senão que

as famílias e os indivíduos entre si sintam a comoção mais viva de independência e

diversificação”.

Desse modo, a noção de appartenenza sociale, significa que os grupos de

italianos adquirem a consciência de fazerem parte “de um todo” e serem

reconhecidos por ele a partir das relações tecidas na experiência compartilhada em

comum, mas sob a restrita vigilância da dimensão em que é requerida.

O contato social, para Fredrik Barth, não desfaz a noção de fronteira étnica,

ao contrário, este mesmo contato pode fortalecer o senso das diferenças que

implicam na inclusão ou exclusão:

Em outras palavras, as distinções de categorias étnicas não dependem de uma ausência de mobilidade, contato e informação. Mas acarretam processos sociais de exclusão e de incorporação pelos quais categorias discretas são mantidas, apesar [grifo do autor] das transformações na participação e na pertença no decorrer de histórias de vidas individuais.

247

A existência de italianos na cidade no século XIX, já era importante, conforme

Constantino, supõe uma solidariedade comunitária. Na verdade, pelos documentos

247 BARTH, Fredrik. Grupos étnicos e suas fronteiras. In: POUTIGNAT, Philippe; STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da etnicidade: seguido de grupos étnicos e suas fronteiras de Fredrik Barth. São Paulo: Fundação UNESP, 1998. p. 185-227. p. 188.

184

que não cessam de ser levantados pela historiografia, tal não existe. Os grupos de

italianos reúnem-se por afinidades identitárias mais complexas que o mero

pertencimento à italianidade.

Um exemplo disso é a Colônia de Vila Nova d´Itália, ocupada por trentinos e

mantovanos, em 1894, por iniciativa imobiliária de Vicente Monteggia. O Correio do

Povo noticia a pujança da Colônia. Ela fornece frutas ao mercado público, com

destaque para as uvas. Moinhos para moagem de milho também constituem o

empreendimento. Como as demais cidades sedes de colonização de italianos, A

Colônia de Vila Nova também promove suas festas da uva.248

Em 1906, em visita à Porto Alegre, o grande propagandista da cidade para os

investimentos italianos, Vittorio Bucelli, não deixa de visitar e constatar “a energia

preciosa dos colonos Italianos”.249

O empreendimento agrícola reserva a construção de um monumento ao

fundador em sinal do reconhecimento da cidade ao seu sucesso como industrial,

agricultor, organizador de empresas, construtor e técnico de estradas.250

A unificação tardia tem seu papel nisso, mas como vimos, não

exclusivamente. A noção do paese, mais a história política das cidades italianas, e

os domínios de reinados teceram a diversidade interna.251

248 EXPOSIÇÃO de frutas. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVIII, n. 26, p. 4, 31 jan. 1922; FESTA da Uva em Vila Nova. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXXIX, n. 11, p. 4, 13 jan. 1933. 249 BUCELLI, Vittorio. Un viaggio a Rio Grande del Sud. Milão: Pallestrini, 1906. p. 140-141. 250 O FUNDADOR de Vila Nova. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLI, n. 281, p. 9, 03 dez. 1935. 251 POSSAMAI, Paulo Cesar. Os trentinos no Rio Grande do Sul (1875-1919). Mostra uma face desta singularidade, em relação aos trentinos, que embora etnicamente italianos, eram súditos do Império Austro-Húngaro. O fato vai diferenciar italianos e trentinos até a incorporação da província de Trento ao território italiano em 1919. O sentimento de ligação dos imigrantes com o Trentino e com a monarquia austríaca foi alimentado pelo clero católico como uma forma de preservá-los da propaganda anticlerical que era divulgada pelos liberais italianos. Fornece cifras de entrada no estado: 54% de vênetos, 33% de lombardos, 7% de trentinos, 4,5% de friulanos e 1,5% de outras proveniências. Em Porto Alegre editam o jornal l Il Trentino, em 1915 quando em 1917, passa a chamar-se Áustria Nova, e define-se como “órgão dos austro-húngaros no Brasil”. O surgimento de um jornal redigido em italiano que se dirigia aos imigrantes trentinos buscando manter entre os mesmos o sentimento de lealdade ao império austro-húngaro não deixa de ser um importante sinal da existência de um forte sentimento de identidade coletiva que opunha os trentinos aos italianos, superando mesmo a etnicidade em comum” conclui Possamai (no prelo).

185

Chegam da Calábria, da Toscana, do Vêneto, etc. Ser italiano, no senso

contemporâneo, é uma identidade simbólica e narrativa que se desenvolve durante o

processo de instalação na cidade. Dizer-se do paese não auxilia no trabalho da

decifração dos códigos, no domínio dos dispositivos. Já, identificar-se como italiano

acessa a comunicação com os co-nacionais.

Em 1920, quando chegam, Porto Alegre já está socialmente estratificada.

Alguns, vão viver nos clubes e sociedades, uma italianidade como constructo das

elites de estrangeiros residentes ou visitantes, a serviço ou não. Outros, retiram-se

para os círculos familiares, para usufruir, simbolicamente, do que lhes dá o senso de

appartenenza sociale: artes, culinária, ritos e visitações, destinando ao público, a

vida do comércio e da língua “brasileira”.

O período, pois, é crítico para os que estão chegando, também pela

exacerbação nacionalista, pelo rescaldo da Grande Guerra. Aqui, são defrontados

com o que Loraine Slomp chama de “retrocesso” no trabalho de sua instalação na

sociedade brasileira. A particularidade existente entre os anos de 1920 e 1937 é a

tentativa das elites italianas em homogeneizar as identificações no jogo político da

época, como vemos pelos jornais.

A auto-representação para os imigrantes italianos gera uma narrativa de

utilização das subcategorias de nomeação. Podemos entender porque a presença

de pertencimento ao paese é mais sólida, para os moraneses, que o constructo

nacional representado pela Itália. Há uma hierarquização na gramática da

enunciação: sou brasileiro(a), moranes-italiano.

O que sucedeu após o ano de 1937 está indelével na fala dos entrevistados: o

silêncio da língua era o silêncio político designado na cidade para o lugar do

estrangeiro e de sua cultura, nos anos seguintes. Nas falas ainda ressoa o

apolitismo dos mais velhos, testemunhas da transição de uma potência posta em

questão. Mas isto já é outra história: a do silêncio. Afinal, como diz Antonio “é tutto

passado. Siamo tutti uniti e felice.”

186

Ou como Leed:

[...] se o viajante entra no lugar da maneira certa, ele é uma fonte de poder, de bem, de respeito, saúde e crescimento do ser social. Se entra de maneira imprópria, é um poluidor, um perigo, uma fonte de contágio que perturba numa ordem sacra de diferenciações, que se materializa em muros, em divisões e corredores.

252

O primeiro dispositivo que o imigrante encontra é o de uma cidade que tem

pressa: em 1920 o Centro crescera 21%, com seus 33.000 moradores, a Azenha,

30%, com 46.000 moradores, a Glória 9 %, com 15.000 moradores, a Floresta 23%,

com 35.000 moradores e o Bairro São João 15%, com 23.000 moradores.253 Os

imigrantes que chegam vão-se colocando onde e como podem. Os primeiros

tempos, normalmente, são sublocações ou de “favor” com os parentes aqui

estabelecidos. Muitos italianos estão na Cidade Baixa e no Bonfim.

Os estrangeiros estabelecidos constroem seus palazzos, preferencialmente

na avenida Independência.

Na visão do planejador urbano, o caos é o resultado da contingência física,

somada à economia urbana. Os urbanistas e geógrafos, como Jean Roche,

lamentam a configuração física da cidade e o caos da ocupação urbana. São as

distintas temporalidades dos processos de urbanização, que tecem “essa sucessão

irregular de bairros povoados e de zonas diversas e o crescimento constante da

distância entre os bairros residenciais e o centro”.254

Mas, a positividade da modernidade da cidade é digna de júbilo. Os que

viajam trazem as novidades, como o estrangeiro, são os fatores de mudança social e

cultural mais forte na dinâmica da cidade. São os que têm a perspectiva do

estranhamento.

252 LEED, 1992, p. 115. Cito: ”Se il viaggiatore entra nel luogo nella maniera giusta egli e una fonte di potenza, di bene, diespetto, salute e accrescimento dell´essere sociale. Se entra in maniera impropria é inquinatore, un pericolo, una fonte di contagio che scompiglia un ordine sacro di differenzizzioni che si materalizzano in mura, pattizioni, corridoi. ” 253 FERRETTI, Rosemary Brum. Uma casa nas costas: análise do movimento social urbano de Porto Alegre 1975-198. Dissertação (Mestrado), Curso de Pós-Graduação em Antropologia, Política e Sociologia, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1985. 254 FERRETTI, 1985, p. 42.

187

O escritor e jornalista, Humberto Gotuzzo, correspondente do Correio do Povo

e afastado da cidade há trinta anos, não hesita. Constata: “que estamos superiores

ao Rio [em três coisas] o telefone automático, a grande letra no alto dos bondes e a

proibição da descarga livre, nos automóveis”, e foi o que transmitiu para seu jornal,

“O Jornal do Comércio”. Conclui o jornalista local: “não há, com efeito, rio-

grandenses mais rio-grandenses, que os rio-grandenses que vivem longe do seu

berço”.255

O atributo da distância aliado à perspicácia do observador e o pertencimento

à terra riograndense, somados, dão credibilidade ao narrador. Não por ser verdade,

mas por assim parecer através da utilização dos recursos da psicologia de massas,

a publicidade enceta a narrativa do novo mundo como um lugar aprazível. Anúncios

como o da Revista Máscara, em 1925, são cada vez mais freqüentes:

A nova luz para um novo mundo é a Lâmpada Edson./Seus representantes e depositários: Casa Lux./Preços e descontos especiais para revendedores. /estamos autorizados a nomear novos distribuidores./Solicitam informações./Emilio Diehl & Cia. /Andradas Ns. 485 - 487/Telefone aut. 4370/Endereço telegr. Lux.

256

A profissionalização do jornalismo evidencia que os jornais da época têm

compromissos com uma narrativa fatual, objetiva, ainda que comprometida com os

destinos da Pólis. A propaganda adapta-se à aceleração tecnológica. As mudanças

econômicas requerem novas competências profissionais, novas máquinas de

locomoção e de comunicação, engenhos de moradias, de entretenimento.

Os que podem, fazem seu lazer utilizando a linha de auto-bonde que a firma

Attilio Giordani & Cia. estabeleceu entre Porto Alegre e Santo Antonio da Patrulha.

São feitas duas viagens por semana, obedecendo ao seguinte horário: Saída de

Porto Alegre todas as segundas e quintas-feiras, às 7 horas, impreterivelmente, do

fim da linha de São João. Saídas de Santo Antônio da Patrulha, todas as terças e

sextas-feiras, às 7 horas, impreterivelmente.257

255 VÁRIOS. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 71, p. 3, 24 mar. 1928. 256 ANÚNCIO. Mascara, Porto Alegre, ano VIII, n. IV, p. 156, 6 fev. 1925. 257 LINHA de Auto-Bonde. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXI, n. 245, p. 4, 15 out. 1925.

188

4.2.1 O avião

Na Odisséia, pergunta-se ao estrangeiro: “quem és? [...] se não és Deus,

podes ser um mensageiro de Deus”. Os aventureiros, os viajantes, os marinheiros,

os exploradores já dominaram o conhecimento sobre os mares. O século XX será o

do domínio dos céus, as asas que faltaram a Ícaro.

Os precursores da odisséia de Angelina, Dalva, Antonio, Filomena, Carmine

terão visto o raid do aviador italiano Antonio Locatelli. Se não viram, perderam o

inesquecível espetáculo aéreo proporcionado pelo aviador. São tempos de intensa

propaganda italiana na América Latina. Os espetáculos esportivos também traduzem

a amizade Brasil-Itália, com o acento: esta Itália é moderna, sem negar seu passado

glorioso.

O evento rende homenagens ao intendente José Montaury. O senhor, Dr.

Amilcar Marchesini, 1º Secretário do Aero-Club Brasileiro, em ofício, agradece os

serviços prestados em setembro último ao raid do aviador, ao mesmo tempo em que

nomeia, como representante da diretoria, o intendente, sócio-correspondente no

Estado.258

O front italiano, durante a guerra, vai deixar um sonho que termina por se

realizar. Esta história quem narra é o jornalista Nilo Rushel, diretor da comissão

organizadora das comemorações da XII Semana de Porto Alegre: Sete anos após o

raid do aviador italiano, em 1927, a Viação Aérea Rio-Grandense – VARIG - é

formada e já se instala no Largo dos Medeiros.

A Varig nasce do sonho de Otto Ernesto Meyer que convence o intendente

Alberto Bins da viabilidade de uma empresa aérea no Estado. Vivera a Guerra nos

combates aéreos, como observador artilheiro, no front italiano. Quando retorna,

lança-se no audaz empreendimento. Após alcançar o apoio do governante, fecha as

cotas necessárias com empresários locais, estrutura e coloca a empresa no registro

das companhias aéreas nacionais.

258 AERO Clube Brasileiro. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 331, p. 4, 07 fev. 1920.

189

No armazém, junto à casa Bromberg (rua Siqueira Campos) traça os planos

iniciais. “Coloca anúncio no Correio do Povo: precisa-se de um jovem que seja

idealista, conheça datilografia e correspondência em português e alemão [...]

Apresentou-se Ruben Berta, para concretizar o sonho de Ícaro.”259

A predileção por vôos é antiga na cidade. Onde fora a praça de touros, na

Cidade Baixa, o aeronauta Magalhães Costa já se lançara no seu balão “Portugal”,

trazido pelo Lusitânia, no espaço, em sentido ascensional. As ruas da Concórdia e

da República lotam. O tráfego de carros de praça com as parelhas de cavalos é

intenso, todos querem apreciar o vôo. Mas o balão perde altura logo em seguida, caí

na rua da Margem.

No dia seguinte, repete-se a façanha para deleite dos porto-alegrenses. Agora

o espetáculo é beneficente nas proximidades do Teatro Parque até a Praça do

Portão. Quando inicia seu vôo levado pelo vento, é jogado na direção de Pedras

Brancas, não sem antes passar pelas ruas Duque de Caxias e Andradas. Trinta e

sete minutos de vôo, a uma altura de 2.680 metros. Evidentemente, também, foi

condecorado.260

A Guerra tornou mais mortal os esportes audazes, antes de estimular a

navegação aérea comercial dos anos 20.

4.2.2 O automóvel e seus acidentes

Enquanto isso, os problemas da ocupação urbana acelerada somam-se às

novas necessidades de circular na cidade.

Talvez, o maior símbolo da modernidade das décadas iniciais do século XX

caiba ao automóvel. São inaugurados centros de automóveis, como "o Centro de

Automóveis” da firma Dexheimer e Guaragna, na praça Senador Florencio. Os

automóveis são da marca Buik, último modelo e a agência é a Companhia Geral de

Acessórios de Automóveis Limitada. Com solenidades e festejos, os Buiks

desfilaram nas ruas da capital sob o olhar de admiração dos transeuntes, dadas as

259 RUSCHEL, Nilo. Rua da Praia. Porto Alegre: Prefeitura Municipal de Porto Alegre, 1971. p. 117. 260 AERO ..., 1920, p. 4.

190

novas cores, melhoramento e, principalmente, pelas sirenes soando livremente. O

automóvel é símbolo inconteste de status. Os atributos de potência e utilidade são

secundários.261

Em 1924, o número de automóveis em Porto Alegre é de 1.254. A partir do

ano seguinte começa a circular o ônibus.262

Assim como é festejado, o automóvel vai modificar comportamentos e rotinas:

sair do trabalho, passear despreocupadamente ou sair da escola são movimentos

ameaçados pela incursão de automóveis e chauffeurs no centro da cidade. O que

justifica a abertura, em 1920, de matrículas para o curso de chauffeurs no Instituto

Parobé. “As aulas deste curso foram no ano passado freqüentadas por muitos

proprietários de automóveis e chauffeurs, e neste ano já iniciaram-se as aulas com a

1ª turma”.263

Enquanto isso, os problemas da ocupação urbana acelerada somam-se às

novas necessidades de circular na cidade:

[...] como em todos os pontos da cidade, continuam a andar pela rua Independência em vertiginosa carreira [...] Ainda ontem, ali se registrou mais um desastre ocasionado por estes veículos que se vem juntar aos muitos que já ocorreram na referida via pública. A vitima de ontem foi uma senhorinha, que, depois de haver trabalhado, no centro da cidade, se recolhia á sua residência, situada à rua Tiradentes. A senhorinha Elsa Bohel, como é o nome da jovem, ao atravessar à rua Independência, próximo à rua da Conceição, foi apanhada pelo automóvel n. 784, que vinha da praça Júlio de Castilhos, com destino ao centro da cidade em furiosa corrida. Não tendo tempo de se desviar, foi ela apanhada pelo veículo, recebendo, por isso, graves contusões, além de haver ficado com uma das pernas fraturadas. O fato indignou a todos que o presenciaram, tendo populares levado a pobre moça, em estado bastante grave, para a Santa Casa. Ao dar entrada nesse hospital, foi atendida pelo Dr. Hidelbrando Varnieri. A polícia tomou conhecimento do fato.

264

As notícias repetem-se, acidentes como o ocorrido em 1922, quando o

passeio despreocupado pela via pública de Sara Leichemberg foi interrompido pelo

261 CENTRO de automóveis. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIII, n. 147, p. 4, 17 jun. 1927. 262 MACEDO, Francisco Riopardense de. Porto Alegre: origem e crescimento. Porto Alegre: Sulina, 1968. p. 109. 263 INSTITUTO Parobé. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 108, p. 4, 08 maio 1920. 264 SENHORINHA apanhada por um automóvel. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVI, n. 179, p. 4, 27 jul. 1921.

191

automóvel n. 413. Ela foi atendida na Assistência Pública do 1º Distrito, recolheu-se

a sua casa, rua dos Andradas, n.173. O Chauffeur, Antonio Bruno Lotto, foi

apresentado pelo inspetor Ernesto Militão ao delegado de Plantão na chefatura da

polícia.265

O Dr. Varnieri, no mesmo ano, atende Ana Maria, de 9 anos, filha do operário

Antonio C. Munhoz, trabalhador do cais do porto, colhida na mesma Av.

Independência, próxima à praça Julho de Castilhos, saindo da escola pública.

Atendida, foi recolhida a sua residência na rua Casemiro de Abreu, n. 97.266

A era do automóvel tem sua contrapartida no mercado ilícito, como o roubo de

peças. Os italianos localizam-se em qualquer ponto da estratificação social na

cidade, portanto podem estar no papel de vítima ou de infrator, segundo a notícia a

seguir.

Automóveis são objeto de desejo para os ladrões que:

[...] assaltaram o quintal da residência do sr. José Verdi, à rua Cristovão Colombo n. 1919, arrombando em seguida, as portas de uma garagem ali existente, onde tentaram desmontar um auto marca Fiat, de propriedade daquele cavalheiro, a fim de roubar as peças e maquinismos mais importantes.

267

A cena descrita a seguir pelo Correio do Povo começa em 1933, com o relato

da venda de objetos roubados em plena luz do dia, percebidos pelo olhar

profissional do guarda nº 435. O delegado Carlos Machado descobre tratar-se de

Theodoro Severino Lima, residente à Avenida Ceará n. 456, com sua amásia

Bernardina Modesta de Vargas. Ao ser interrogado, não consegue justificar a

procedência dos objetos.

O auxiliar Frontino da Costa Brasil descobre na casa, grande quantidade de

objetos roubados, provavelmente vendidos por Theodoro à João Rangel D'Angelo, 265 APANHADA por um automóvel. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVIII, n. 25, p. 4, 29 jan. 1922. 266 MENINA apanhada por um automóvel. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVIII, n. 98, p. 4, 25 abr. 1922. 267 O GATUNO em ação. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 192, p. 5, 12 ago. 1928. p. 15.

192

presumivelmente italiano, residente no Passo da Areia n. 276, diversos pneumáticos

e várias peças de automóvel que igualmente foram apreendidas, ficando detido o

receptador. Demais vítimas foram Augusto Furtado e Eugênio Garcia Sobrinho,

ambos residentes no Passo da Mangueira, Alice Lurando, presumivelmente italiana,

moradora na chácara do Sr. Germano Perenes e Alfredo Ângelo, na rua Conde de

Porto Alegre n. 492. Alguns deles já estiveram na delegacia, onde retiraram os

objetos roubados. Theodoro Severino Lima deverá ser transferido hoje, para a

Colônia Correcional da Cachoeirinha, onde ficará alguns dias de repouso.268

Nem meliante, nem vítima, o esporte do automobilismo galvaniza o final da

década. Em 1937, a ressonância da identidade étnica ou solidariedade é convocada

para impulsionar o esporte. É o que faz Attilio D'Avanzo, ao lançar um apelo aos

italianos residentes no Rio Grande do Sul. Ex-volante, Attilio D'Avanzo, atualmente,

é proprietário dos postos de gasolina "Adimor". Procura o jornal para convocar a

todos para apoiar o volante Norberto Jung. A proposta é arrecadar fundos junto à

colônia italiana para a aquisição de um carro:

[...] gloriosa marca Italiana Alfa Romeu. [...] Lembrai-vos que, sem máquinas "puro sangue" nada representa o valor pessoal. Lembrai-vos que este ano muitos serão os corredores que chegarão do estrangeiro com possantes carros, pois só da Argentina virão 6 ou 7 grandes ases [...].

269

Attilio D’Avanzo salienta, que cabe ao Rio Grande do Sul se fazer representar,

uma vez que se trata da mais importante corrida do Brasil e da América do Sul. Os

obstáculos existentes na corrida granjearam a denominação de “Trampolim do

Diabo”. Aciona a comunidade convidando italianos e descendentes a se unirem aos

rio-grandenses como forma de externar ao povo gaúcho, o afeto dos italianos.

A hifenização está em operação desde que:

[...] nossos corações pulsam irmanados com eles, mostrando ao Rio Grande do Sul e ao Brasil inteiro que amamos esta nossa segunda pátria com a

268 O "GATO" Theodoro Lima vai para a colonia. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIX, n. 244, p. 5, 20 out. 1933. 269 ATTILIO D'Avanzo lança um apelo aos italianos residentes no Rio Grande do Sul. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 85, p. 14, 13 abr. 1937.

193

mesma intimidade que os legítimos gaúchos [...]. E exclama: Demos um verdadeiro “racer” ao nosso ás n. 1, Norberto Jung [...].

270

O jornalista João Henrique narra a chegada triunfante de Norberto Jung à

Porto Alegre. A recepção nas ruas evidencia a popularidade das corridas

automobilísticas, a ovação, a música com que é recepcionado, tudo o coloca ao lado

dos que foram gloriosos militares e os maiores desportistas gaúchos. O jornalista

estabelece uma comparação:

[...] os jogos de Olímpia e Corinto, onde se coroavam os vencedores e a modernidade: nos primeiros, os prêmios elevados, os elogios dos governos e do povo que rendiam hinos aos heróis.[...] E, contam os historiadores antigos, a multidão de povo era tanta que, para verem o herói passar, abriam-se buracos nas paredes [...].

271

Na modernidade, continua o jornalista, o empenho, a habilidade e o risco da

própria vida, com a mudança de costumes que substitui o antigo sacrifício de

animais e homens, pelo risco do herói moderno, tal como o automobilista famoso. A

alegria do povo atesta a admiração que esses feitos suscitam, fixados no retrato do

vencedor e seus feitos propagados pelo rádio.272

4.2.3 As avenidas

Dois aspectos, ao menos justificam a peculiaridade das avenidas de Porto

Alegre, a conformação física e a desordenada ocupação urbana:

Porto Alegre não se assemelha às outras cidades novas da América Latina, as quais se estendem regularmente em tabuleiro a partir do centro, sobre uma superfície ou um planalto onde não encontram obstáculo algum. Porto Alegre suporta, ainda hoje [1955], dupla hipoteca de sua localização e de seu passado [...].

273

270 ATTILIO, 1937, p. 14. 271 HENRIQUE, João. Impressões. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 92, p. 9, 21 abr. 1937. 272 Ibid., loc. cit. 273 COMISSÂO ESPECIAL }, 1951; FERRETTI, 1985.

194

José Montaury, tentando administrar o caótico desenvolvimento urbano,

contrata o arquiteto João Moreira Maciel e, eis que a cidade tem um “Plano Geral de

Melhoramentos”. Entre outras medidas, propõe a subdivisão em quarteirões centrais,

projeta a continuação da Avenida Julio de Castilhos (antiga Rua das Flores) e Otávio

Rocha, bem como o alargamento do primitivo Beco do Rosário e da Avenida Borges

de Medeiros.

Nas administrações seguintes, em 1918, foi iniciada a construção do cais do

porto, agregando à cidade uma nova avenida, a Mauá. Em 1924, pode-se circular na

pavimentação de concreto da futura avenida Borges de Medeiros; a Otávio Rocha

alarga o Beco do Rosário.274

A cidade vai sendo alinhavada por novas avenidas ou pela ampliação das

antigas, como a Alberto Bins. A av. Júlio de Castilhos, liga o centro com a estação

férrea e a av. Benjamin Constant recebe faixa de concreto armado.275

Os bondes elétricos que começam a serem implantados, em 1907, podem

trafegar. Há algumas carroças ainda, percorrendo pontos da cidade, para não falar

das bicicletas que, além de esportivas, ainda auxiliam nos serviços de entrega à

domicílio. Quanto aos pedestres, eles que aprendam a atravessar atentamente as

avenidas.

274 MACEDO, 1968, p. 109-110. 275 Nova incisões urbanas aguardam a modernização desejada para a cidade, principalmente no centro histórico. A bibliografia existente é importante. FERRETTI, Rosemary Brum. Uma casa nas costas: análise do movimento social urbano de Porto Alegre 1975-1985. Dissertação (Mestrado)- Curso de Pós-Graduação em Antropologia, Política e Sociologia, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1985; PESAVENTO, Sandra Jatahy. (Coord.). Memória Porto Alegre: espaço e vivências. Porto Alegre: Prefeitura Municipal de Porto Alegre/Ed. da Universidade/UFRGS, 1990; MONTEIRO, Charles. Porto Alegre. urbanização e modernidade. A construção social do espaço urbano. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1995. (Coleção História 4); MACHADO, Nara Helena Naumann. Modernidade, arquitetura e urbanismo: o centro de Porto Alegre. 1998. Tese (Doutorado)- Curso de Pós-Graduação em História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1998. ; SEBBEN, Maria da Graça. Revitalização de áreas urbanas: um estudo de caso: a rua Voluntários da Pátria. 1999. Dissertação (Mestrado)- Curso de Pós-Graduação em História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1999; MATTAR, Leila Nesralla. Porto Alegre: Voluntários da Pátria e a experiência da rua plurifuncional (1900-1930). 2001. Dissertação (Mestrado)- Curso de Pós-Graduação em História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2001. Para Brasil na passagem para o século XX, ver ARAÚJO, Hermetes Reis de. D´Une nature á l`áutre: techinique, construction de l´espace et transformation sociale (Brésil, 1850-1910). 1997. Thése (Doctorat)- UFR de Géographie, Histoire et Sciences de la Société, Doctorat en Histoire et Civilisation Université de Paris VII, Paris, 1997.

195

4.2.4 A imagem (o cinema)

O divertimento preferido dos anos 20 é a imagem, ainda mais, a “imagem

sonora” que se torna realidade, em 1929. Alguns se ressentem com a nova estética,

como Georges Duhamael: “É uma máquina de embrutecimento e de dissolução, um

passatempo de iletrados, de criaturas miseráveis iludidas por sua ocupação”.276

Apesar das críticas que condenam como vulgar o fascínio que o cinema

exerce sobre as multidões, a estética imagética encantará os citadinos. Habitará a

imaginação dos que, como os imigrantes, adotaram o urbanismo como modo de

vida. Ser urbano é ser moderno. Constituem modos que tem gradativamente, após a

Grande Guerra, uma direção, o american way of life. É o início da universalização da

indústria fonográfica com o predomínio da distribuição das empresas americanas. A

produção européia e a estética lutam por espaço. Mas perderão a concorrência ao

longo do tempo para as grandes companhias americanas e suas eficientes redes de

distribuição comercial.

Angelina, por exemplo, é assídua freqüentadora do cinema. O baile, entre os

anos de 1920 e 1937, era interditado para algumas italianas jovens. O mesmo não

ocorria com o cinema, nas matinés, sempre acompanhadas dos adultos.

No Rio Grande do Sul, desde 1909, há uma cinematografia artesanal, “O

Ranchinho do Sertão” de Eduardo Hirtz, encabeça a série.277

Em Porto Alegre, os italianos são ativos animadores dessa recente cultura de

massa, instalando, projetando e construindo as salas de exibição. Sirangelo e os

irmãos, que já eram proprietários do Café Gioconda, arrendam o edifício da rua dos

Andradas, esquina da praça Senador Florêncio, onde funcionava a "Tabacaria

Eden". Lá, vão construir um salão para o novo cinema. O engenheiro Armando Boni

276 FERRO, Marc. O filme. Uma contra –análise da sociedade? In: LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre. História: novos objetos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995. p. 199-215. 277 Segue-se- Francisco Santos (1913-1914), “O crime dos banhados” e “A mulher do chiqueiro”. E. C. Kerrigan (1927-1929) “Amor que redime” e “Revelação”. Eduardo Abelim considerado um dos grandes pioneiros filmou “O castigo do orgulho” (1927) e “O pecado da vaidade” (1931). Quando da Revolução de 30, com uma câmara, filma o envolvimento dos gaúchos no processo revolucionário. MERTEN, Luiz Carlos. A aventura do cinema gaúcho. São Leopoldo: Ed. UNISINOS, 2002.

196

pretende construir uma platéia, duas filas de camarotes e galerias. Para tal

empreendimento, fecham o tradicional Café Gioconda.278

Conforme Fábio Augusto Steyer houve até um concurso público para batizar o

novo cinema. A apuração foi realizada na confeitaria Rocco, em grande estilo. Vence

o nome “Central”, mas havia preferências por “D`Annunzio” e “Gioconda”. É preciso

lembrar que as orquestras acompanhavam a projeção dos filmes, antes do advento

do cinema falado. O mercado de trabalho dos músicos se amplia, mas desaparecerá

brevemente. Eram chamados de professores, para garantir maior respeitabilidade.

As instalações do “Central” é o que há de mais moderno tecnologicamente, até

gerador próprio tem, no seu espaço para 1.500 assentos. Os irmãos gabam-se pela

imprensa que nem no Rio de Janeiro há algo que se compare.279

Em 1927, o moranes José Faillace manda construir um cinema à avenida

Borges de Medeiros, esquina da rua Demétrio Ribeiro. O arquiteto é Domingos

Rocco, que projeta um salão que terá acomodações para duas mil pessoas, uma

sala de recepção para famílias, sala de espera e bar.280

Os moraneses são vocacionados para o comércio do cinema em Porto

Alegre. Em 1935, há 22 cinemas para uma população de 250 mil pessoas. Muitos

pertencem aos italianos e italianos de Morano.281

Outra novidade é o cinema no lar. Em 1924, no salão do último andar do

Grande Hotel, local dos grandes eventos de caráter privado, o Pathé-Baby, aparelho

cinematográfico é demonstrado ao público (familiar) pelo sr. Emile Hansé, diretor da

empresa construtora.

Apropriado ao lar, eis que pode ser colocado em qualquer parte com custo

acessível. O diretor, que tem como representantes nesta capital, os srs. Hugo

Gertum & Cia, ressalta a versatilidade do aparelho antes de fazer a passagem de

278 NOVO Cinema. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIII, n. 191, p. 5, 07 ago. 1927. 279 STEYER, Fábio Augusto. Cinema e imprensa e sociedade em Porto Alegre. (1896-1930). Porto alegre: EDIPUCRS, 2001. (Coleção História 45). p. 76. 280 NOVO ..., 1927, p. 5. 281 FRANCO, Sérgio da Costa. Porto Alegre: guia histórico. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1998. Verbete Cinemas, p. 113-114.

197

vários filmes: o seu fácil manejo (até uma criança pode operar) necessita apenas de

uma parede, ou uma tela, para a projeção. A admiração é unânime.

O cinema é lazer para as famílias, permitido às senhoritas, sejam da elite,

sejam das camadas mais populares. Italianos assistem aos filmes que enunciam

modos e modas, fazendo-os viajar entre cenários de outros lugares da longínqua

Itália e, inclusive, até de uma Itália para além do paese.

Traz outros espaços e outra noção de tempo. Começa a concorrer com a

formação de leitores, que vão trair a erudição literária pela formação do espectador.

Há sociabilidade nas ante-salas dos cinemas, após a exibição, os filmes são

discutidos nos cafés. O cinema é democrático: exibem-se películas nos clubes, nos

sindicatos, nas paróquias. O teatro vai perder o seu lugar. Havia salas nos bairros,

não apenas no centro.

O cinema é documento. Em 1924, Benjamim Camozzato, morador de

Cachoeira, exibe em Porto Alegre o documentário “A Revolução de 23”. Dentista,

mas apaixonado pelo cinema, Camozzato percorre os caminhos do pampa gaúcho

atrás dos heróis desta revolução que dividia as paixões rio-grandenses. Com a

neutralidade de um estrangeiro, é bem recebido por ambas as partes do conflito,

maragatos ou “assissistas” e seus opositores chimangos ou “borgistas”.

Recentemente descoberto pelo pesquisador Antônio Jesus Pfeil, a obra é um

material precioso às teses sobre a cisão política da época.282

O cinema é, também, político. Em 1932, no salão do cinema Central, é

projetado uma única vez o filme italiano "Campo Mussolini", em sessão para

autoridades, para o Corpo Consular e para os italianos de Porto Alegre. A narrativa é

sobre a “viagem de quatro mil filhos de italianos no exterior, que, no verão passado,

foram conduzidos a Roma e também à alegre vida no campo (chamado por isto

‘Campo Mussolini’), daqueles briosos rapazes nascidos nos diversos países do

mundo, embaixo de céus diversos”.283

282 Película disponível na Cinemateca Brasileira, São Paulo. 283 UM FILME fascista no cinema central. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVIII, n. 97, p. 4, 26 abr. 1932.

198

Os escritores temem pela perda de sua importância social e de seu status

recém adquirido na sociedade de poucos ilustrados. Jornalistas buscam paralelos

entre o cinema e a literatura, André Carrazzoni escreve o artigo “Evasões da

Realidade”.

Nele, cita o tema de André Maurois - "Porque ainda se lêem novelas." Evadir-

se, como no cinema. Simples assim. Evadir-se de horizontes limitados. A estética do

maquinismo é a cara da modernidade:

[...] Saturados dos filtros grosseiros do materialismo, reconhecemos, num momento de divina reconciliação com o sonho e a fantasia, que o romantismo não sucumbira e continuava a ser a própria essência da nossa humanidade. Se o progresso, incorpora hoje um novo instrumento de utilidade ou de prazer aos bens materiais da vida, apaga mais uma ilusão ingênua e desencadeia mais uma inocência feliz, é somente a figura efêmera para o irreal que enche o vácuo deixado em torno de nós..284

A idade do maquinismo não conseguiu inventar o homem-máquina, rígido e frio no automatismo das ações e reações mecânicas, e enquanto existir o homem de nervos e sangue, com um coração e uma alma, haverá sobre a terra uma lágrima, uma emoção, um idílio, um drama, uma paixão, um sonho - todo esse maravilhoso complexo de romantismo dos seres civilizados. [...].285

[...] Mulheres e homens deste século e da vitória da máquina, somos todos enfermos da alma, enfermos desesperados que apelamos para a suave medicina do romantismo. Esse romantismo, enquanto não se alterar a química dos nossos sentimentos, há de constituir a base da própria vida.286

Em Porto Alegre, os teatros revezam-se com as salas de projeção, tornando-

se extremamente populares. Os cinemas modernos são construídos para o multiuso

entre a projeção de filmes e salão para a apresentação de variados espetáculos.

No período entre 1924 e 1934, a programação é intensa. Os espetáculos

culturais oferecem uma noção da vida cultural da cidade. Sua simples menção

sugere a captura da atmosfera cultural à semelhança das obras de Nicolau

Sevcenko, quando busca reter o frenético da São Paulo dos anos 20, ou de Hans 284 CARRAZZONI, André. Evasões da realidade. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 191, p. 3, 16 ago. 1934. 285 Id. Evasões da realidade. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 191, p. 3, 16 ago. 1934. 286 Id. Evasões da realidade. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 191, p. 3, 16 ago. 1934.

199

Ulrich Gumbrect, quando localiza em um único ano, o de 1926, a vivência da Europa

entre guerras. Poderia igualmente tratar-se de puro desassossego, como Antonio

Tabuchi adjetiva esses anos, seguindo Fernando Pessoa.

Porto Alegre diverte-se, abriga artistas nacionais e estrangeiros. No Teatro

Avenida estréia a Grande Companhia Canzoni di Nápoli; no Cine-Teatro Imperial

apresenta-se o transformista Darwin; no Teatro Apolo realizam-se os concertos do

Clube Hayden; no Cine-Teatro Avenida exibe-se a Grande Companhia de Fantoches

Líricos. O Teatro Carlos Gomes inaugura o cinema falado na cidade, sendo que os

aparelhos instalados são os da Rádio Corporation of America. O filme é “Anjo

Pecador”, da Paramont, com Nanci Carrol e Gary Cooper, sem diálogos, apenas

dançado e cantado.

Há mais. No Cine-Teatro Central apresenta-se a bailarina Maria Lubinska,

seguida de Joaquim Villa, barítono; no Cine-Teatro Guarani, a chilena Camila Bari

Zanãrtu, apresenta números folclóricos; no Cine-Teatro Baltimore exibe-se a

Companhia de Revista Clan-Clan; no Teatro Avenida apresenta-se a Companhia de

Sainetes e Revista Lyson Gaster, com os atores cômicos, Alfredo Viviani e Nilo Nillo;

no Teatro Baltimore, a Companhia de Revista e Bailados Negros Cubanos dá

espetáculos; no Cine-Teatro Imperial, os sambistas Francisco Alves, Mario Reis,

Noel Rosa, Nonô e Peri Cunha encantam. no Cine-Teatro Guarani apresenta-se a

transformista italiana Fátima Miris com a Companhia Cancela; no Teatro Avenida

apresentam-se Batista Júnior, seus bonecos e ventrílocos, bem como os The Black

Stars, estrelas pretas.287

4.2.5 O som (o rádio, o telégrafo)

Lembramos que o rádio foi o maior meio de comunicação para o aprendizado

da língua pelos imigrantes. É legítima a pergunta de Sylvio Pierini, quando

questiona: “O rádio sustituirá o jornal, ou não?” Para avaliar os 40 anos do Correio

do Povo, Sylvio faz estatísticas:

287 SANMARTIN, Olynto. Um ciclo de cultura social. Porto Alegre:Sulina, 1969. Sobre especificamente o teatro ver, HESSEL, Lothar. O teatro no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Ed da Universidade, UFRGS, 1999.

200

[...] Tomando-se o século pelo todo, quarenta anos apenas é uma fração de tempo. Sem ela o século não seria essa fração, para um jornal, coleciona subsídios da história, é um escrutínio em colunas das lutas e do trabalho do pensamento cotidiano [...].

288

Ainda enumera:

[...] cooperação pelo progresso do Estado, contribuição pela formação da prosperidade nacional, observação das mutações políticas no cenário internacional e nacional, trabalhando como parte integrante nos esforços do país e nas experiências de seu poder de compreensão e organização; contato sincero com a opinião pública em todas as suas manifestações de alegria e mal estar, de revoltas e queixas da liberdade circunscrita aos caprichos e às conveniências da política e das forças governamentais; segundos de existência [...].

289

E, conclui:

[...] "Correio do Povo" preparou as reservas de suas tradições éticas que hoje aproveita para prolongar na influência e nos exemplos de sua orientação em favor dos interesses de seu Estado e preocupado com os destinos de seu país. É uma etapa de êxito compensada por aplausos do seu povo, de quem ele se fez o Correio das aspirações sociais e espirituais.

290

[...] O rádio será? Uma só razão desfaz a pretensa superioridade do rádio, no presente, sobre a imprensa: é a razão econômica. O jornal informa, comenta, defende, vigia, tudo por meio de uma circulação persistente e barata, de preço acessível a todas as capacidades aquisitivas. A interrupção de sua publicidade só depende de calamidades públicas. [...].

291

[...] O rádio não. Posse cara, inacessível às capacidades médias e impossível às de recursos mínimos. Difusão sujeita, principalmente, ao fator estático que, só por si, é suficiente para quebrar essa velocidade magnífica de propagação do som pelas ondas de luz. [...].

292

[...] Releva observar mais: as estações do rádio, para concorrer realmente a todas as seções da imprensa moderna, necessitam, pelo menos, de uma organização, humana especializada na técnica de divulgar notícias e tecer

288 PIERINI, Sylvio. Quarenta anos. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLI, n. 229, p. 3, 01 out. 1935. 289 Ibid., loc. cit. 290 Ibid., loc. cit. 291 Ibid., loc. cit. 292 Ibid., loc. cit.

201

críticas sintéticas e acondicionadas a um ambiente literário proteiforme, de aspectos mentais contrastantes entre si e em si mesmos. [...].

293

O inventor do rádio, no que tange à precedência, é o porto-alegrense Padre

Landell de Moura, nascido em 1861, que realiza a primeira experiência de

transmissão de voz à distância em 1893, porém as honras foram para o italiano

Guglielmo Marconi, o qual teria inventado o rádio, em 1901.

O inventor do telégrafo, Marconi, é homenageado na cripta da Catedral

Metropolitana, em 1937, as exéquias são prestigiadas pelo cônsul geral da Itália. A

coletividade italiana se faz presente, além de altas autoridades civis e militares,

membros do corpo consular, comissões de sociedades, alunos de escolas italianas e

professores.

O celebrante, o monsenhor João Balém, cura da Sé, tendo assistido ao ato, do solio pontifical o arcebispo D. João Becker. Na exequia celebrada na Catedral, também compareceram fascistas aqui residentes, ostentando a sua camisa preta. Junto a essa, perfilados, fizeram a sua homenagem ao grande morto, segundo o ritual fascista [...].

294

D. João Becker profere as palavras de homenagem a Guilherme Marconi. “Et

lux perpetua luceat ei”: E a luz perpétua o ilumine. A Itália, onde os monumentos

ensinam e as estátuas deslumbram, como se aqueles repelissem os anais de Tácito

e estas cantassem os versos de Virgílio [...].”295

O cientista Marconi, nascido em Bologna no dia 25 de abril de 1874 e falecido

no dia 20 de julho de 1937, foi um grande aliado na aproximação Brasil-Itália.

Viajante inveterado, divulga suas experiências com as ondas hertzianas,

potencializando o conhecimento científico existente até alcançar a invenção da

rádio-telegrafia e da radiofonia.

Marconi segue a saga dos grandes viajantes italianos: atravessou cerca de

noventa vezes o Oceano Atlântico e terminou, em 1933, a volta em redor do mundo.

293 PIERINI, 1935, p. 3. 294 HOMENAGEM póstuma. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 169, p. 5, 27 jul. 1937. 295 Ibid., loc. cit.

202

Fez muitas publicações em italiano e inglês. Paralelamente, às atividades de

cientista, desenvolveu intensa participação política ao aderir ao fascismo. Em 1914,

como senador, representa a Itália na embaixada italiana nos Estados Unidos da

América do Norte. Em 1928, na Conferência de Paz, em Versalhes, é delegado

plenipotenciário. Em 1930, alcança a presidência do Conselho Nacional de

Pesquisas em Roma, quando presidente da Academia Real da Itália e membro do

grande conselho do partido Nacional Fascista. Um ano antes, em 1929, recebe o

título de Marquês. Durante a guerra ítalo-abissínia é voluntário.

A dilatação do tempo e o consumo do espaço deve a Marconi essa nova

dimensão da velocidade. Quando, em 1931, é inaugurada no Rio de Janeiro a

imagem do Cristo Redentor, no alto do Corcovado, lá em Roma estava Marconi

apertando um botão elétrico.

Quando de sua morte, também o curso de Rádio-Telegrafia da Associação

Cristã de Moços envia telegrama ao cônsul italiano Cav. Magno Sanvicenzo,

antecedendo homenagem das sociedades italianas, à noite, dia 28, na Itálica

Domus, solene sessão fúnebre pela passagem do 30º dia do seu falecimento.

Na homenagem, figura em destaque o busto elaborado por Luiz Sanguim,

ladeado pelas bandeiras do Brasil e da Itália. As autoridades presentes são as que

soldam a rede italiana na cidade. Na presidência da mesa, o Comendador Magno

Sanvicenzo; o desembargador André da Rocha, reitor da Universidade; o professor

Gabrielli, inspetor de escolas italianas recentemente aqui chegado. E ainda, o

tenente Fernando Chiapini, fiduciário do Fascio Carlo del Prete; Cav. Attilio Marsiaj e

João Prena, respectivamente, presidente e vice-presidente da Dante Alighieri.

Os discursos enalteceram o perfil múltiplo de Marconi, em

[...] sintonia com [...] o espírito italiano, tanto no progresso das ciências, como das artes, no direito, e finalmente, na eletricidade, desde os tempos

203

de Volta [...] Os aplausos são seguidos pela [...] chamada fascista em homenagem ao morto, tendo todos respondido com a palavra ´presente`.296

Em nome dos brasileiros, o jornalista Olintho Sanmartin traz impressões da

Itália moderna, que recentemente visitara, além de enaltecer a genialidade do

homenageado. Os vivas vão para Marconi, e Mussolini, à Itália e ao Brasil.

Mas, enfim, virá o rádio substituir o jornal? A expansão do rádio também se

deve ao uso militar na Grande Guerra. Imediatamente, também se descobriu o uso

político. Lenin, Mussolini, Goebells, Ministro da Propaganda de Hitler; Epitácio

Pessoa e Getúlio Vargas são exemplos do poder de difusão das idéias em larga

escala, alcançando o que a escrita não consegue: atingir a massa de analfabetos e

de imigrantes não socializados na leitura em português.

Com a rádio comercial, as propagandas sustentam as emissoras, que são

concessões do governo no Brasil. São bons negócios, além do alto dividendo

político. Relativamente acessíveis à população, quase toda família pode ter um

rádio. Nas residências, ao lado da Capelinha de Nossa Senhora, as famílias

começam a colocar seus rádios.

Em 1920, surge a primeira rádio em Porto Alegre, a Rádio Sociedade Rio-

grandense. Segue a Rádio Sociedade Gaúcha, em 1927; a Difusora Porto-

Alegrense, em 1934, junto à casa Coates, do descendente de italianos Artur Pizzoli;

a rádio Farroupilha é de 1935, fundada pelos filhos de Flores da Cunha, Luiz e

Antônio, mais Arnaldo Balvé. Cita à rua Duque de Caxias até o incêndio de 1954, em

decorrência da morte de Getúlio Vargas. Nas próximas décadas fusões e grandes

redes regionais ampliam e fortalecem a rádio do Rio Grande do Sul. As

comunidades ficam ligadas a transmissoras ou retransmissoras locais. Não houve

maior veículo de comunicação, no século XX, do que o rádio.297

296 HOMENAGEM ao inventor do rádio. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 197, n. 174, p. 3, 24 ago. 1937. 297 NEUBERGER, Lotário. O rádio no RS. In: NEUBERGER, Lotário. RS no contexto do Brasil. Círculo de pesquisas literárias. Porto Alegre: EDIPLAT, 2000. p. 79-84.

204

Nas regiões coloniais há espaço para o dialeto local, as notas de

nascimentos, falecimentos, religiosas, soldam os laços dos colonos muitas vezes

isolados.

Um registro pertinente, embora fora do arco do tempo da pesquisa, é o fato

dos entrevistados mencionarem a rádio como a grande difusora da cultura brasileira,

mas também, da italiana, com fator de ambientação e apreensão do tom local de

Porto Alegre. Em especial, por ocasião da Segunda Guerra, quando o uso da língua

alemã e italiana é proibido na rádio. Passada a guerra, somente em 1954, após o

longo silêncio, há uma recuperação da cultura italiana. A Radio Itaí, sete dias após

sua fundação, lança um programa semanal apresentado pelo romano Lorenzo

Gabellini, que chegara em Porto Alegre aos 12 anos, intitulado L`ítália al microfono.

Em 1955, o programa segue para a Rádio Difusora, dos padres Capuchinhos,

de grande penetração na Região Colonial Italiana (Caxias do Sul, Bento Gonçalves,

Garibaldi, etc) e continua por mais um ano.

Gabelline, nas duas décadas seguintes, enquanto foi diretor da rádio, dividiu

com Guido Bakos, advogado ligado à coletividade italiana e com Maria Paola

Gabellini do Nascimento, professora de língua e cultura italiana, a programação

voltada para a difusão da cultura italiana de alto nível.

Havia interatividade: no quadro Microfono per tutti os ouvintes apresentavam

suas músicas ou temas. Como por exemplo, quando se apresentou o Prof. Angelo

Ricci, professor de língua e cultura italiana, falando sobre o Quinto Centenário de

Leonardo da Vinci. O programa mensurava o nível de informação sobre a Itália,

através de uma espécie de jogos de perguntas e respostas. O quadro Passegiata

attraverso l Itália apresentava temas curiosos. O tempo todo música, desde a lírica

da marcha triunfal de Aída até a popular Vivere, além dos festivais de São Remo.298

298 Palestra proferida na sessão extraordinária da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, 2002, em homenagem ao radialista, e redigida por Lídia Gabellini, ex-proprietária da rádio. A quem agradecemos a doação. (Informação verbal)

205

4.3 Dispositivos e códigos de sociabilidade

Os imigrantes, nos anos 20, ao chegarem defrontam-se com a sociabilidade

regulada por novos dispositivos, outra fruição de tempo, outra concepção de espaço.

A cidade de Porto Alegre é cosmopolita desde 1900, sua modernidade

capitalista apresenta o urbanismo como um novo modo de vida desejável e como

sintoma de ascensão social. Os imigrantes preferem a cidade, mas vão ter que

disputá-la com os demais já instalados, muitos deles já estão entre a burguesia

ascendente. A narrativa da chegada começa a se perder entre as gerações, poucos

vão lembrar os detalhes da chegada, menos ainda vão querer contar para não

esquecer.

As várias modalidades lingüísticas na sociedade complexa exigem do

imigrante o domínio da língua. Sem ela, como diz Clastres, a lei fica gravada no

corpo. Vão aprender a língua para sobreviver na cidade.

Porto Alegre, como toda cidade latino-americana de projeção, vem sendo

construída segundo o projeto das burguesias emergentes. Apropriando-se do

espaço público, definem dispositivos de circulação. Como as avenidas, que existem

para a circulação de veículos mas igualmente para o passeio e para ligar os

negócios às moradias. Ou de freqüentação, como os clubes sociais e esportivos,

que existem para a privacidade do ócio, sem o risco do convívio com os

indesejáveis. O modo de ser nesses espaços exige o refinamento do gestual, as

amabilidades. Tal como, a visitação, todos se reconhecem no status de que gozam

os iguais.

Outra categoria de espaço social é o café, mas qualquer um pode freqüentá-

lo. Assim como as confeitarias, os hotéis, os restaurantes, definem “o estar com” a

modernidade: passageiro, utilitarista, anônimo, indiferente. A tristeza do narrador é a

consciência de um mundo que se foi, mais a necessidade de conter os demais,

soldando a memória pessoal à coletiva.

206

Os círculos da sociabilidade, já diz Simmel, conformam os dispositivos de

aceitação e seu reverso, a rejeição dos demais, porque a tolerância com a alteridade

diminui em função da racionalização da vida cada vez mais mercantilizada. A nova

sociabilidade urbana é, pois, menos aristocrática e mais erigida sobre a linhagem

dos comerciantes, dos industriais, dos banqueiros. A imprensa literária no século

XIX, os cronistas, os poetas descrevem a aura perdida.299

Nada disso faz parte da memória afetiva do estrangeiro quando chega. Ele

deverá assimilar tais dispositivos da memória social da cidade de recepção.

4.3.1 Os clubes de Tiro, o Remo, o Hipódromo

No início do século XX as formas prestigiadas de esporte são o tiro, o remo, o

ciclismo, o hipódromo.300

Em fevereiro de 1920, inauguram-se os melhoramentos introduzidos no Stand

de Tiro n. 318, no arrabalde de São João. A sexta turma de reservista faz o

juramento à bandeira.

Cruz e espada reunidas, ao juramento, segue-se à benção do Stand pelo

arcebispo metropolitano de Porto Alegre, D. João Becker, que desde 1912, governa

a arquidiocese. O arcebispo sempre procura estar entre os fiéis, principalmente, da

maior comunidade católica, que é a italiana.301

299 FERREIRA, Athos Damasceno Ferreira. Imprensa literária no séc. XIX. Porto Alegre: Editora da URGS, 1975. Ver PORTO ALEGRE, Aquylles. História popular de Porto Alegre. Porto Alegre:EU/Porto Alegre, 1994. Ver MEYER, Augusto. Segredos da infância: no tempo da flor. Porto Alegre:IEL/Editora da Universidade/UFRGS, 1996. Ver ALMEIDA, Marlene Medaglia. Na trilha de um Andarengo (1877-1944). Porto Alegre: IEL/EDIPUCRS, [s. d. ]. (Coleção Ensaios). Ver BAUGMGARTEN, Carlos Alexandre. A crítica literária no Rio Grande do Sul. Do romantismo ao modernismo. Porto Alegre: IEL/EDIPUCRS, 1997. (Coleção Ensaios). Ver MASINA, Lea; MAYA, Alcides. Um sátiro na terra do Currupira. Porto Alegre; IEL/UNISINOS, 1998. 300 RAMOS, Eloisa Capovilla da Luz. O teatro da sociabilidade: um estudo dos clubes sociais com espeços de representação das elites alemãs e teuto-brasileiras: São Leopoldo,1850/1930. 2000. Teses (Doutorado) Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2000. 301 GERTZ, René. O aviador e o carroceiro: política, etnia e religião no Rio Grande do Sul dos anos 1920. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002. (Coleção História, 50). p. 89-123.

207

A espada, no caso, representada pelo tiro inaugural do general Ilha Moreira,

comandante da Região. Cruz e espada reunidas, resta a sociabilidade refinada das

confeitarias. De preferência, a proporcionada pela Confeitaria Rocco.

Às 17 horas, no palacete Rocco, ocorre o "chá dançante", no encerramento

das festividades. O detalhe: esta é a maior turma fornecida ultimamente pelos Tiros

de Guerra deste Estado. Na comissão central dos festejos, vários nomes italianos

como João Jorge Fayet e Joaquim Difini.302

Em agosto, na sede social do Clube Militar de Oficiais da Guarda Nacional,

em Teresópolis, há a entrega solene “dos prêmios aos atiradores vencedores do

concurso de tiro de revólver, fuzil e winchester, levado a efeito pelo referido tiro, em

14 de julho próximo findo”. Tais eventos reúnem as famílias da burguesia e dos

militares de Porto Alegre.303

Em 1934, na sede do clube de Tiro, realiza-se a eleição do conselho

deliberativo e fiscal, que regerá o próximo ano. Vários componentes da chapa a ser

sufragada tem nomes italianos, como o de Joaquim Difini.304 Várias festas devem

seguir a posse da diretoria.

O remo, também, é importante em 1934. No dia 9 de fevereiro o Correio do

Povo noticia:

Faz hoje, 26 anos que um grupo de membros da colônia italiana e de admiradores do remo fundou o Club Ducca degli Abbruzzi. [...] Duas vezes reduzido por temporais, ficando sem garagem e sem material náutico, a sua direção não perdeu a calma. [...] passou para outra época de franca prosperidade, tendo agora, uma bela sede social e uma excelente flotilha.

305

E segue a enumerar os prêmios alcançados, vários nacionais em 1925, ou

estaduais. Hoje, o Ducca degli Abbruzzi tem a sua frente, o Sr. José Maia,

302 TIRO de guerra. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 46, p. 4, 25 fev. 1920. 303 TIRO da guarda nacional. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 180, p. 4, 05 ago. 1920. 304 TIRO de guerra. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n. 310, p. 4, 28 dez. 1924. 305 UM CLUBE com reais serviços ao remo rio-grandense. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 33, p. 7, 09 fev. 1934.

208

continuador dos ingentes esforços feitos por outros presidentes, entre os quais se

destaca o Sr. Raphael Guaspari.306

O auditório Araújo Viana é construído junto à praça Marechal Deodoro, em

1929. Nem clube, nem restrito aos associados, vai ser um espaço público

privilegiado para festivais de arte na cidade.

Como toda modernidade, a indústria do cavalo de corrida prospera. Entre a

hierarquização da ordem do lazer, os hipódromos em Porto Alegre ocupam a

preferência do público masculino. Elites e camadas populares encontram-se para as

apostas.

O jornalista italiano Vittorio Bucelli, em visita à Porto Alegre, em 1906 já

vaticinara ao ver o hipódromo na várzea do Rio Gravataí, no arraial dos Navegantes:

[...] os rio-grandenses são criadores de belas e fortes raças eqüinas; cavalgam como nenhum outro povo do mundo e [sobre isso] Garibaldi se recordava com orgulho e com emoção dos momentos mais solenes da campanha do risorgimento italiano. E por conseqüência amava os cavalos, se não com a exclusividade absoluta dos argentinos, que chegam ao delírio, com uma paixão imensa.

307

4.3.2 A mesa refinada: novos restaurantes comandados por italianos surgem

com novidades

Os italianos que chegam podem contar com refinamentos culinários,

restaurantes com comida internacional, caseiros e familiares, para todos os níveis de

renda.

A Luta, jornal local, publica, jocosamente, a seguinte matéria sobre os novos

hábitos da sociedade porto-alegrense (a brincadeira é a respeito da culinária

francesa):

[...] Indiscutivelmente, Porto Alegre faz progressos, tanto o faz, que se nota diariamente, até em nossos costumes, os hábitos dos grandes centros da Europa, aonde se verifica diariamente evolução de progresso.Observações

306 UM CLUBE ..., 1934, p. 7. 307 BUCELLI, 1906, p. 98.

209

essas que, qualquer pessoa pode fazê-las, quer na construção de um palacete chic como na de uma casa para um operário, na ornamentação aparentosa da sala de um capitalista, como num infeliz trapeiro. Nós aqui, já temos o Restaurant, o Hotel, o Café chic, aonde somos servidos por um garçom, elegantemente vestido, de esmerada educação, que nos atende com tal gentileza afrancesada, que só nele ler o Menu, feito em pratos franceses, alemães e italianos, o freguês não entende e fica farto, sem ter comido, nem entendido nada. Há, até um fato interessante, que aconteceu com um dos nossos almofadinhas elegantes; entrou ele no "Magestic Hotel", na entrada já o porteiro o esperava e sem ele perceber tirou-lhe a capa de gabardina, colocando-a no cabide, e apresentou-lhe uma mesa, que ele assentou-se numa atitude familiar. O garçom trouxe-lhe logo a carta, ele procurou compreender, leu quatro ou cinco vezes e disse: - O Sr. faz o favor de ler o Menu porque eu não posso ler de noite. O garçom leu todo o Menu e ele não entendendo nada, disse: - Traga-me o segundo prato, porque não gosto de sopa. Veio em seguida peixe. Ele não gostando de peixe, por formalidade comeu. E disse: - traga o terceiro prato. Veio peixe escabeche. O freguês comeu empurrando quase, porque é ele um terrível inimigo de anfíbios. Já incomodado diz: - O moço! Traga-me o quinto prato! E veio ainda peixe. Desta vez ele, teve que experimentar um excelente filé de garopa, mastigou o primeiro pedaço, cruzou os talheres e disse indignado: - Quanto é esta despesa? Me parece até que confundiram-me com Netuno ou então estou em algum Restaurant no fundo do Atlântico.

308

Novos restaurantes surgem, oferecem a culinária na interpretação de seus

proprietários. Alguns são italianos, como o inaugurado em grande estilo, em 1922,

por José Pizzati. É o Restaurante-Bar Guarany, no n. 233 da rua dos Andradas,

quadra entre a Travessa Paysandú e rua João Manoel.309

Dez anos após, nova inauguração, com as reformas modernizadoras. Agora a

firma é Cunha e Pizzatti. Este, “José Pizzatti, um dos mais antigos proprietários de

casas desse gênero em Porto Alegre”. O endereço também muda, está no n. 901. O

estilo ‘da sala de refeições, toda escariolada, oferece um excelente aspecto’.310

Já a firma Degani & Cia., em 1925, vai expandir seu negócio. Sito igualmente

à rua dos Andradas n. 229, no prédio contíguo ao atual, vai criar uma “seção de bar

e dando maior espaço ao seu salão de refeições. [...]”.311

308 PORTO ALEGRE por dentro, a luta. Correio do Povo, Porto Alegre, ano 1, n. 105, p. 1, 30 maio 1924. 309 RESTAURANTE-BAR Guarany. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVIII, n. 40, p. 4, 16 fev. 1922 310 RESTAURANT Guarany. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVIII, n. 86, p. 4, 13 abr. 1932. 311 BAR-RESTAURANT. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXI, n. 132, p. 4, 05 jun. 1925.

210

Novas especialidades são oferecidas, em 1928, pela Casa Antonello, de

Micalak, Antonello & Cia., no n. 1286, mais uma vez na Andradas.

Os convidados ao lançamento podem provar das iguarias à venda, tais como fiambres, frutas, bebidas, aperitivos, etc.; dispondo de um amplo salão, onde seus clientes e famílias podem saborear bebidas nacionais e estrangeiras, assim como gelados, fabricados especialmente para essa casa e saladas de frutas [...].

312

Em 1931, é o restaurante familiar de Jacob Buttelli, situado no Mercado

Público, que oferece, no dia 4 de julho, aos clientes e jornalistas convidados um

jantar pela passagem de seu natalício.313

Ainda no mesmo ano, Feoli e Pandolfi, proprietários do Café Bar e Restaurant

Popular, pela passagem de um ano de funcionamento de seu negócio, “oferecerão

às 15 horas, um ágape à imprensa desta capital.” O Restaurant Popular localiza-se à

Avenida João Pessoa n. 179.314

4.3.3 Uma sociabilidade em trânsito: a hotelaria moderna

O ano de 1920 segue a tendência da década anterior: Constroem-se mais e

mais palacetes. Ocorre uma renovação urbana e arquitetônica. A população cresce

e os lugares são altamente valorizados no espaço urbano, mas as fachadas e seus

interiores devem propiciar real conforto conjugado ao ideal estético da moda. É o

período áureo dos modelistas de prédio. Moderno quer dizer uma citação

neoclássica.315

Assim, onde funcionava o Hotel Sager, situado em frente ao Coliseu, na rua

Voluntários da Pátria, Dyonisio Cabeda, em 1920, está a construir um palacete de

quatro andares. “É o hotel para 120 quartos, [...] dos tipos populares, existentes nas

312 CASA Antonello. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 250, p. 4, 19 out. 1928. 313 RESTAURANTE Familiar. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 155, 04 jul. 1931. 314 RESTAURANTE Popular. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 253, p. 4, 29 out. 1931. 315 CARVALHO, Haroldo Loguercio. A modernização em Porto Alegre e a modernidade do Majestic Hotel. 1994. Dissertação (Mestrado)- Instituto de Filosofia e Cências Humanas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1994.

211

grandes cidades”. Vão arrendar o hotel “os atuais proprietários do Metrópole Hotel,

devendo a direção ficar a cargo do Sr. C. Binter”.316

Festas para comemorar a modificação de nome que significam mudança de

clientela. Como a que, em 1922, realiza André Canette. O Hotel Palácio Familiar

recebe a imprensa, hóspedes e pensionistas para comemorar seu novo nome. Antes

chamava-se "Grande Pensão Familiar". Na visitação às dependências do Hotel a

ordem, o asseio a higiene impressiona os convidados. Após o que, seguem as

danças.317

Os hotéis modernos da capital federal mudam hábitos: “deixar ao seu

hóspede a liberdade de fazer as suas refeições em qualquer parte, só lhes

fornecendo, além da cama, o café da manhã.” Esta é a concepção do Hotel Coliseu,

em 1924, que prevê 50 quartos, “com luz direta, encanamento d'água e mobiliário

novo”.318

Outro hotel a modernizar-se é o Hotel Jung, em 1925. Os melhoramentos são

visíveis na cozinha, onde se segue a exigência da Diretoria de Higiene Municipal,

tais como “azulejos brancos e dotada de material necessário à dependência de tal

natureza”. No momento, o Hotel Jung possui três salas de refeições, com belas

pinturas e espelhos. Nelas podem fazer suas refeições, de uma só vez, 220

pessoas.319

4.3.4 A circulação nos salões: poetas, recitadores, escritores, músicos,

cantores

A sociabilidade dos salões em Porto Alegre, na década de 20 e até o ano de

1937, educa a sensibilidade. Há salões de clubes, de confeitarias, de concertos, de

cinemas, os próprios cafés, salões de bibliotecas, os teatros de elite e os nem tanto.

As ruas são meras passagens entre tais lugares, as avenidas ainda não

entusiasmam a imaginação.

316 NOVO Hotel. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 217, p. 4, 17 set. 1920. 317 HOTEL Palácio. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVIII, n. 54, p. 4, 05 mar. 1922. 318 HOTEL Coliseu. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n. 224, p. 4, 17 set. 1924. 319 HOTEL Jung. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXI, n. 208, p. 4, 02 set. 1925.

212

Estes salões são espaços sociais que instituem modos de ser na cidade que

quer sintonizar com o movimento cultural dos tempos modernos. Nestes salões

despregam-se narrativas, crônicas, “causos” e fábulas que, de tão repetidas,

inscrevem-se como verdade sobre a cidade e sua gente.

Antes, no século XIX, a narrativa da cidade passava mais pela conquista das

ruas, pela euforia da mancha escravocrata na cidade, agora, Polis, ainda de

fisionomia colonial, onde os cronistas fixam estes tempos.

Como Antonio A. P. Coruja, que enquanto mora no Rio de Janeiro, na capital

federal, reconfigura a Porto Alegre do séc XIX, no seu Antigualhas: reminiscências

de Porto Alegre.320

Já vão longe, pois, os tempos de 1869, quando existe mais que um salão,

existe um grêmio, o Partenon Literário que lança uma revista de mesmo nome, se

localiza no bairro Partenon e, do qual se diz:

[...] uma tribuna para a pugna oratória: uma biblioteca onde reunirá as obras mais importantes, relativas à grandiosa trindade de seus estudos: filosofia, história e literatura: aulas noturnas para os sócios que quisessem dedicar-se sem dificuldades ao granjeio da ciência e afinal uma revista, tão necessária como as outras criações.

321

O Partenon Literário situa o momento de formação da literatura sul-rio-

grandense e impera sobre as artes e as letras com a implantação do regionalismo do

tipo pastoril. Isso até os anos de 20 e 30, quando o romance urbano questiona o

arquétipo de gaúcho como tipo social e narrador privilegiado do gaúcho. Ao lado

dele há uma vibrante Imprensa Literária já quase esquecida.322

320 CORUJA, Antônio Álvares Pereira. Antigualhas: reminiscências de Porto Alegre. Porto Alegre: Companhia União de Seguros Gerais, 1983. 321 FERREIRA, 1975, p. 56. 322 ZILBERMAN, Regina. Literatura gaúcha. temas e figuras da ficção e da poesia do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: L&PM, 1985; MARTINS, Maria Helena (Org.). Cyro Martins 90 anos. Porto Alegre: CELPE/IEL/CORAG, 1999; VELLINHO, Moysés. Partenon Literário. Edição comemorativa aos 130 anos da Sociedade Parthenon Litterário. (1868-1998). Porto Alegre: Arquivo Histórico de Porto Alegre, 1998.

213

Em 1920, a ordem urbana é seletiva, porém, de modo diverso. Nas ruas, a

emergência do anônimo urbano: quem vê passar aquele imigrante ou aqueles

imigrantes? Na literatura, inexistem. O imigrante narrado é o ligado à terra, na cidade

ele suspende sua narrativa e, se quer narrar-se, ou ser abrangido, literariamente, vai

precisar aguardar outros tempos. Os netos vão precisar narrar. Os escritores

repetem o que ocorre na Argentina dos anos 20.

Segundo Camilla Cattarulla, na Argentina, em Buenos Aires, a consolidação

da modernização percorre duas tendências poéticas: a que exalta a tecnologia, a

velocidade, a voracidade das transformações e, a que fica arraigada ao mais

tradicional, ao tempo lento. Ocorre que ambas deixam de ouvir o frêmito das vozes

dos imigrantes. Um nacionalismo lingüístico representado pelo movimento em torno

de Martin Fierro ou o criolismo que influencia Luis Borges. Dos bairros de imigrantes

de onde vinha a polifonia lingüística e cultural, silenciam os escritores, como nos

salões, evidentemente.323

Em Porto Alegre, no interior dos salões, que não são mais aristocráticos,

como no século de Coruja, todos se candidatam ao cosmopolitismo, mas sem

permitir que os imigrantes façam parte da narrativa de fundação da modernidade.

Os espaços têm sua inspiração no drama social, no intercâmbio de vivências.

Comparando com Buenos Aires, as tendências da tradição e da modernidade assim

como os anônimos das ruas e os notáveis dos salões, compõem a atmosfera mental

dos primeiros passos do romance urbano dos anos “30”. Os cronistas, escritores e

poetas narram o que se passa ou poderia se passar, a verossimilhança que

convence o leitor, deixando de lado a massa de imigrantes.

É o que acontece com Nova York, de John dos Passos, nos anos 20 e, que

vai influenciar a narrativa de Érico Verissimo, entre outros. E, aqui, seguimos em

grande parte e com a fidedignidade que permite a situação, a leitura de Maria da

323 CATTARULLA, Camilla. Adan Buenosayres: periferie urbene e identità nazionale. In: GIOCELLI, Cristina; CATTARULLA, Camilla; SCACCIII, Anna. Cittá reali e immaginarie: del continente americano. Roma: Edizioni Associate Editrice Internazionale, 1998. p. 571-599.

214

Glória Bordini.324 Para ela, na narrativa de dos Passos, está presente o fluxo

incessante dos imigrantes, colocando as pessoas frente às situações citadinas que

todos conhecem. Assim, ao utilizar a técnica do contraponto - a qual Verissimo

sempre colocou-se como devedor - seu foco narrativo dirige-se para dentro das

personagens, como se estas percepções fossem suas. Acreditamos que Bordini está

salientando a técnica do cinema infiltrando-se na narrativa moderna. Aponta como

ele, a utilização de flash instantâneos para representar as personagens. Dilaceradas

pela cidade, as personagens olham, mas não vêem. O juízo vem do narrador que

comenta a cena, corta a cena, retoma, como se nenhum outro drama fosse mais

importante na trama que o drama do outro.

Continuando com Bordini, para quem a sensibilidade estética do escritor

americano, ao entrecruzar as vidas, quer trazer a poli e a multivisão dos moradores

da cidade. Ideologicamente, o narrador faz escolhas ao acaso e estas é que

determinam os critérios ideológicos. Lembra do lingüísta Baktin.

Ainda na leitura de Bordini sobre o romance urbano de dos Passos: O

resultado é que as forças impelem e destroem as personagens, que têm como pano

de fundo os preconceitos raciais. Lembrando sempre que ele escreve na perspectiva

dos imigrantes como personagens secundários, os quais não têm rostos capazes de

seduzir ou explorar, mas servem para colaborar com as personagens centrais. A

saída para eles, desta condição alienada, será a morte arbitrária a derrota ou a fuga

da cidade. Aos vitoriosos, a perda do espelho do outro, ao preço de sua substância

humana. Resta a cidade, reproduzida com a leva de novos imigrantes, que os

devorará igualmente.

Para dos Passos, a cidade é bela no seu felino, mas não poupa ninguém.

Cada habitante se acredita autônomo, mas no fundo está sempre a cidade e as

individualidades vão se encaixando neste mosaico. A cidade é um sonho para quem

não está nela, encerra Bordini.

324 BORDINI, Maria da Gloria. Nova York, de John dos Passos. Porto Alegre, set. 1997. (Informação verbal).

215

Deixemos as ruas de Buenos Aires, de Nova York. Entremos na realidade de

Porto Alegre e na ficção urbana em busca dos imigrantes. O historiador Charles

Monteiro e o mestre em teoria literária Cláudio Cruz, levam às últimas

conseqüências a exegese da arte de percorrer os caminhos entre a cidade concreta

de Porto Alegre e sua ficcionalidade.

O primeiro, é conduzido (e nos leva junto), pela narrativa das crônicas de

Aquiles Porto Alegre sobre Porto Alegre de seu tempo, na década de 40 e de Nilo

Rushel, em 1971, sobre a Rua da Praia que vive ou ouviu dizer (pura oralidade).

Cláudio Cruz segue as narrativas de Reynaldo Moura, Érico Veríssimo e

Dyonélio Machado para narrar Porto Alegre no ano de 1935.

Ambos trilham a ficção, a memória e a historiografia urbana, naquilo que o

historiador da cultura urbana, repetindo Robert Moses Pechman, coloca como

equação: “para que o romance urbano nasça, é preciso, antes de tudo, inventar o

urbano, ainda que a cidade exista já há muito tempo”. Urbano, um modo de ser na

cidade, urbanidade, civilização.325

O urbano é, pois, uma construção social, simbólica, narrativa. Conforme sua

inscrição social, as camadas cultas, economicamente privilegiadas e as camadas

populares vão usufruir do que a cidade dispõe. Afinal, essa é uma das fascinações

do modo de vida urbano.

A narrativa feita nos espaços sociais pelos grupos é tão fragmentada quanto o

tempo, que é descontínuo. É um “estar junto” sem nenhum vínculo maior que a

fruição daquele momento. Para a elite, é um diferencial pertencer a agremiações de

caráter estritamente cultural: afastar-se do provincianismo, educar a sensibilidade.

Tudo sem necessitar mesclar-se com o povo.

325 MONTEIRO, Charles. Porto Alegre e suas escritas: histórias e memórias (1940-1972). 2001 Tese (Doutorado)- Programa de História, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, São Paulo, 2001; CRUZ, Cláudio. Literatura e cidade moderna. Porto Alegre 1935. Porto Alegre: EDIPUCRS/IEL, 1994a. (Coleção Ensaios); PECHMAN, Robert Moses. Cidades estreitamente vigiadas: o detetive e o urbanista. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2002.

216

Na cidade de Porto Alegre, a circulação nos salões, entre 1920 e 1937, é

narrada principalmente nos jornais e revistas. Assim, os leitores comuns, talvez a

maioria de imigrantes, podem inteirar-se da vida dos salões mais seletivos. Mas

sempre podem usufruir dos demais espaços sociais, como teatros populares ou

cine-teatros, que não cessam de abrir ao grande público. Lembramos também das

entrevistas: essa sociabilidade produz registros importantes da vivência de Porto

Alegre.

Pelo Correio do Povo, em 1922, as notícias iniciam pela música que vem do

salão do Instituto Musical de Porto Alegre, dirigido pelo maestro José Coral. As

preleções sobre a história da música e biografias de autores movimentam a agenda

social, como em agosto, quando o jornalista do referido jornal é o palestrante.326

Alguns são palestrantes, os demais, ouvintes. Mas, também, uma importante

camada de estrangeiros está se dirigindo para a cidade: são os artistas que no pós-

guerra procuram a América. É um cenário ainda inculto, mas com amplo mercado de

trabalho e, mais importante, relativa democracia intelectual.

Os estrangeiros ou descendentes da 2ª e 3ª geração, que aqui já estão

instalados, distribuem-se em dois modelos de interação social. Os que aderem às

elites locais na freqüentação destes salões e buscam construir uma brasilidade no

cosmopolitismo, sem hifenizar nada, sem priorizar o pertencimento étnico. E, os que

se limitam a freqüentar as sociedades étnicas existentes, sem outra opção, senão a

de interagir com a atmosfera itálica das mesmas.

Há, ainda, o hibridismo daqueles que transitam entre os espaços de

sociabilidade, dos freqüentados pelos mais ecléticos aos mais declaradamente,

étnicos, como determinadas personalidades que são mencionadas nas notícias

relativas aos dois espaços. Mas, na distância do tempo e pelos documentos

existentes, não há como estabelecer a densidade desses casos.

326 INSTITUTO Musical. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 156, p. 4, 08 jul. 1920.

217

4.3.5 O caso e o acaso do Clube Jocotó

Uma obra de 1969, encontrada num sebo de Porto Alegre, monitora 10 anos

da sociabilidade eclética de Porto Alegre. Outras existem, mas são trabalhos

parciais, como história de clubes e que levariam para longe o propósito deste

fragmento sobre a circulação nos salões. Através da obra Um ciclo de cultura social,

Olyntho Sanmartin, colaborador do Correio do Povo, espreita os salões.327

Parametriza esta seção sobre a sociabilidade dos salões com pertinência

Recorremos à bibliografia apenas para complementar o contexto e as referências

acionadas na sua narrativa, que define como um ciclo sobre um clube.

É uma história cíclica no sentido que perfaz um ciclo da vida cultural da

cidade, entre 1924 e 1934, quando encerra a narrativa. Trata-se de um clube

chamado Jocotó, sob a presidência de Mário Totta, figura que emula as promoções

do clube enquanto foi seu presidente, exatamente no período da narrativa de

Sanmartin.328

No campo da cultura mais ampla da cidade, que consome cultura no seu

lazer, muito está para ser reconstruído pelo método histórico. Ficamos com o elán

destes eventos. O modo como Sanmartin se encanta com a efervescência das

promoções do clube, que afetam a cidade naquele período. Usa o método da

objetividade da narrativa descritiva, cronológica, não entra nos meandros da crítica

estética. Valoriza as personagens, sem deixar de entremear o contexto político de

1930, que quase suspende as atividades do clube. Ele mesmo é personagem.

O escritor indica suas fontes, como arquivos públicos e particulares.

Provavelmente, os últimos sejam os mais interessantes para a história cultural de

Porto Alegre. De qualquer modo, estão ao dispor para novas consultas. São os

arquivos de testemunhas da época, de Armando Teixeira, Walter Spalding, Tasso

327 SANMARTIN, 1969. Sobre especificamente o teatro ver, HESSEL, Lothar. O teatro no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Ed da Universidade, UFRGS, 1999. 328 O mentor do clube, Mario Totta, nascido em Porto Alegre em 1886 e descendente de Italianos, além de sua projeção na cidade como médico, professor, é um dos fundadores do jornal Diário de Notícias, onde desenvolveu uma carreira de escritor ao lado da de jornalista.

218

Corrêa, Fernando Corona, Athos Damasceno Ferreira, Guerra Blessman, Alberto de

Oliveira, Pedro Villas Boas e Alberto de Oliveira.

Por paradoxal que pareça, é a história da cultura da cidade que começa na

fruição da natureza, alternativa de lazer nos arrabaldes de Tristeza, então, uma das

áreas paradisíacas da Porto Alegre dos anos vinte.

Vamos intrometer a hermenêutica na linearidade de Sammartin, ao explicitar

que é a nossa leitura que está no texto a seguir. Que como sabemos, poderia ser

outra e seria, possivelmente, válida, como a do próprio.

Uma narrativa clássica tem começo, meio e fim. O começo não é a história do

Jocotó. Este é o pretexto para entrar nos salões. Abortamos muitas passagens desta

história do “começo”, mas está lá, na obra de Sanmartin.

O Clube da Tristeza, iniciado na Tristeza, refletirá no panorama cultural e

social de Porto Alegre quando Mário Totta, entre 1924 e 1934, o expandi-lo para o

centro da cidade, margeando ou colocando-se no centro da vida artística e cultural

da cidade, em cujos salões a música, preferencialmente, é clássica, brasileira ou

popular italiana.

Antes dos salões, havia um balneário nessa história. É um trem que liga o

balneário à cidade. Há um fator humano, representado por Mário Totta, que é um

mecenas moderno em função do capital cultural que possui.

Temos o espaço e a personagem central, vamos à trama da narrativa: A

história está ligada ao lazer porto-alegrense. Referimo-nos aos balneários que as

famílias usufruíam, instalando inclusive casas de veraneio. Canoas, na região

metropolitana, é área de lazer, onde há casas de veraneio. Um pouco mais perto,

Belém Velho, Vila Nova (onde italianos instalam-se em comunidades rurais e

produtivas) e Belém Novo também atraem veranistas. Mas, ainda mais próximo, está

o arrebalde da Tristeza, com seu arvoredo, margeando o rio, poetiza Sanmartin.

Em 1918, um grupo de “alegres jovens” têm idéias geradas durante o lazer.

Aproveitando-se do privilégio de acesso fácil através do trem que parte da estação

219

do riacho, primeiramente junto à Ponte de Pedra, e, após, do centro, na Avenida

Borges de Medeiros (evidente que antes das alterações promovidas pelo interventor

Loureiro da Silva) até o arrebalde da Tristeza, criam-se condições para um perfeito

balneário de família ou apenas para freqüentadores temporários. No ir e vir do

trenzinho, rotinas de entretenimento são favorecidas, como bailes, saraus culturais e

carnavalescos.

Na Tristeza, veraneia Mário Totta e a rede de sociabilidade que constitui,

desdobra-se em círculo e depois em “Clube Veranista Jocotó.” Uma entidade é

criada para congregar tanta animação, sendo que o nome é inspirado numa

Companhia Nacional de Revistas, que apresenta um número com “o passo do

jocotó”.329

A história inicia, portanto, em 1918, segundo as fontes de Sanmartin.

Armando Teixeira, reconhecido como um dos fundadores, divulga, posteriormente,

no jornal “O Veranista”, a fundação do clube em 1923, por um “grupo alegre de

rapazes”: José Paiva, Ariovaldo Machado, Luis Lopes, Armando Barcellos, Ruy

Santiago e Mário Lopes e Leonardo Carlucci.Está no jornal:

[...] foi levada a efeito a representação de um interessante espetáculo humorístico, ao ar livre, com o concurso dos seguintes veranistas: Pedro Paulo da Rocha, Carlos Guaragna, Manoelito Teixeira, Átila Soares, Otávio Soares e Armando Teixeira. A realização deste divertimento, que alcançou um ruidoso sucesso, constitui o início do nosso inigualável Jocotó.

330

No jornal “O Veranista”, colabora a intelligentzia, os poetas: Peri Vale Soares,

Zeferino Brasil, Raul Totta e Euclides Lobato. Nas diretorias revezam-se intelectuais,

profissionais liberais, a elite da cidade, desde a pequenina sede, da “Vila Jocotó.”

A primeira diretoria é eleita no dia 24 de fevereiro de 1924, em Porto Alegre,

na residência de Armando Teixeira. Como Presidente Honorário, Mário Totta e

segue a nominata, com o italiano Carlucci fazendo parte da histórica diretoria.

329 SANMARTIN, 1969, p. 65. 330 Ibid., p. 65.

220

As promoções do clube vão seguir o calendário das festas brasileiras. A

principal, o carnaval, é promovida no salão do Cinema Gioconda, na Tristeza. É o

“Encontro do Lampião de Querozene”, em homenagem à cidade que ganha

ambiente noturno para viver, ao se instalar a luz elétrica.331

Desde 1920, existem, no centro da cidade, o Clube do Comércio de Porto

Alegre, o Clube Caixeiral Porto-Alegrense, a Sociedade Leopoldina, a Associação

dos Empregados no Comércio de Porto Alegre e as sociedades étnicas, como as

Sociedades italianas e alemãs.

O clube, durante 10 anos, aluga os principais salões da cidade para seus

eventos. Como as demais sociedades carnavalescas e recreativas, o Clube

Caixeiral, o Palacete Rocco, o Teatro Apolo, o Bar Florida e o Teatro São Pedro

alocam, quando necessitam, salões para os finos recitais e palestras proferidas por

ilustres.

Sabemos por Sanmartin que, em 1924, o Clube Caixeiral finaliza sua nova

sede, razão pela qual começa a decair a utilização do palacete Rocco. Os salões

são para os bailes elitizados, prática comum na Sociedade Esmeralda, Sociedade de

Filosofia, Sociedade dos Venezianos e Sociedade Filhos do Inferno, com a

presidência do moranes Domingos Faillace.332

As elites, refugiadas nos salões, desde o início do século XX, no carnaval,

abandonam as ruas ao. Das ruas, querem apenas o curso de automóveis mesmo. A

rua é do povo, no carnaval, conforme Alexandre Lazzari.

Algumas músicas de carnaval são escritas pelo patrono. Os blocos de

carnavalescos são o que há de elegante na época. As sociedades co-irmãs:

Esmeralda, Filosofia e Filhos do Inferno, excluindo-se as de negros, promovem

divertidas batalhas de confetes, serpentinas e eleições de rainhas.

331 CONSTANTINO, Núncia Santoro de. A conquista do tempo noturno: Porto Alegre “moderna”. Estudos Estudos Ibero-Americanos, Porto alegre, v. 20, n. 2, p. 65-84, 1994. 332 SANMARTIN, 1969, p. 46-47. Ver LAZZARI, Alexandre. Certas coisas não são para que o povo as faça: carnaval em Porto Alegre 1870-1915. Dissertação (Mestrado)- Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1998.

221

Prosseguindo, a segunda data histórica do clube é o dia 9 de outubro de

1924. Nos salões do Caixeral, recém-inaugurado, inicia a tradição das horas de arte

do Clube Jocotó. A seqüência é a mesma: uma parte literária, palestra proferida por

um intelectual, execuções musicais com muito canto da lírica italiana e brasileira e,

por fim, danças.

Trata-se de uma inauguração emblemática. Dela participam a soprano Branca

Begorri, acompanhada ao piano por Antonieta Monteiro. A conferência é de

Mansueto Bernardi, sobre a “A vida e os Versos de Alceu Wamosy”. Posteriormente,

vai reunir todo esse material, como parte de sua atividade editorial.333

As sessões do Clube Jocotó prestaram-se para homenagear e receber

artistas consagrados. A Sociedade Lírica Italiana prestigia os serões, possibilitando

que seus cantores apresentem-se no Clube. Igualmente, os espetáculos, mais

importantes, que vêm à Porto Alegre ensejam a apresentação dos artistas no Jocotó.

As transmissões de rádio levaram longe as sessões do clube, exorbitando os limites

reservados pelo clube aos seus associados. O Jocotó promove, também, festas com

ambientações específicas, como a “Festa Espanhola”. Em 1928, bailados andaluzes

e danças sevilhanas ocorrem no pátio.

Seria fastidioso reprisar a cronologia das horas de arte, fiquemos com um

pequeno recorte sobre a pesquisa de Sanmartin. Perfilemos, primeiramente, os

músicos que passam pelo clube, entre os anos de 1924 e 1928: Gustavo Fest, Gilda

Mancuso, Elise D´Ambrósio, Wilma Hermann, Edile Furtado, Emília Autran, Maria de

Almeida, Carmen Boisson Santos, Nilda Guedes, Odete Faria, Conceição Teixeira,

Euli Mabilde, Sibila Fontoura, Antonieta Monteiro, Maurício Kaan, Clélia Vargas

Linhares , Miranda Neto, Odete Faria, Léo Schneider, Emil Frey, Maria de Lourdes

Rangel. Cantores: Heloisa Couto, Lourdes Nascimento, Patrícia Iracema Folhador,

Irma Dreyer, Sila, Alda Souto, Talita Leão, Hartlieb Lima, Olga Siqueira Campos, a

grande soprano pelotense Zola Amaro, Ofélia Cezimbra, Ada Bonnes, Elsa Borsani,

barítono Emilio Baldino,Cecília Lemos, Olga Pereira, Adelaide Sarraceni e o barítono 333 SANMARTIN, 1969, p. 76. Mansueto Bernardi, nascido em Àsolo, Treviso (norte) é escritor, poeta, e grande promotor cultural da cidade, através da Livraria do Globo, de outro Italiano, José Bertaso. A bibliografia completa da obra de Mansueto Bernardi está em: BERNARDI, Mansueto. Terra convalescente. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes/Livraria Sulina, 1998. (Obras Completas, v. 1).

222

Carlo Tagliabue, Olga Carrara e Vicenzo Semper, Pasquala Fossatti, Arlinda Ribeiro,

Anita Brande, Eloisa Couto, Carmen Tôrres. Armando Albuquerque, Olga Fossati,

Dora Assmus Graudenz. Sotero Gomes (que também desenha), Dora Assmus

Nepomuceno, Côrte Real, Fernando Herrmann, Onorina Barbosa, Lotar

Blankenhein, Luis Cosme; o violinista russo Borgumil Sykara. Os maestros Gustavo

Adolf Fest, Radamés Gnatalli, Costaguta, Pescia, Julio Gráu, Victor Neves.

Há também os recitadores, como Zita Coelho e Vargas Neto com seus versos

gauchescos. Em 1928, declama Elena de Magalhães Castro. Nestes tempos

declamar é uma arte requisitada, o que leva à fundaçâo da Companhia de

Declamação, sob a direção do ator Veríssimo Alves, nos anos 30.

O ano de 1928 é importante porque, segundo nossa observação do material

pesquisado e do relato-testemunho de Sanmartin, direciona a passagem das horas

de arte, a passagem do caráter mais reflexivo, que vinha sendo desempenhado na

cena cultural da cidade, para se concentrar no caráter de alto entretenimento, após

1930. Salões como os do Museu Julho de Castilhos e do Teatro São Pedro são

ocupados pelas sessões do clube e dentre os recitadores de 1928 estão Luíza e

Maria Barreto Leite.

Músicos que se apresentam no Clube Jocotó, de 1928 a 1930: Olga Pereira,

Côrte Real, Maurício Kann, Elsa Tschoepke, Nilda Guedes, Fernando Hermann,

Heloisa Couto Radamés Gnatalli, Sotero Gomes e quarteto; José Camargo, Jesus

de Cavíriam, Fidélia Campina, Gustavo Feest, Fidelia Campina, Albino Marone,

Jesus de Cavíria, Julio Fregosirítono Jurandir Aguiar. Recitaram-se Menotti del

Picchia, Corrêa Junior, Raul Machado, Cleómenes Campos, Alfonsus de

Guimarrães, Belmiro Braga, Raul Machado, Rui Cirne Lima, José Leonardi, Julieta

Teles de Menezes, Jan Hooog, João Batista Pereira, Elsa Bersani Tschospecke, Ada

Bonnes, Julieta Laporta Albuquerque, Olegário Ricardo, Augusto Meyer, Manoel do

Carmo, Cassiano Ricardo, Maria Eugênia Celso, Emílio Baldino e o Trio Alberto

Nepomuceno, composto por: Côrte Real, Radamés Gnattali e Arduino Rogliano;

Augusto Cingolanie, Anita Conti, Augustin Barrios, Andino Abreu, Jaci Martins de

Horne, Carolina Tófoli Culan.

223

Com o movimento revolucionário de outubro de 1930, generalizado em todo

país, o Clube Jocotó foi obrigado a suspender suas atividades.

No dia 29 de novembro de 1930, retorna no salão da Exposição, na Av. 13 de

maio. Nessa ocasião, promove a sua hora de arte com um grupo de professores da

Banda Municipal.

De 1931 em diante, os artistas convidados são nomes que já circularam pelo

Jocotó e se encontram consolidados no mercado de arte musical de Porto Alegre. O

clube enfatiza seu caráter mais associativo, enquanto a cidade vai ganhando

espaços em relação ao início do século.

Com outros espaços sociais competindo com os do clube, a centralidade do

Jocotó na vida cultural de Porto Alegre, enfim muda. Mario Totta, seu mentor,

começa a dar sinais de cansaço à frente da agremiação.

Em 1933, o destaque é a Rádio Sociedade Gaúcha, que irradia o programa

lírico de 9 de setembro apresentado no Jocotó, demonstrando o poder de

comunicação que extravasa o exclusivismo do Clube, cujos sócios fazem parte da

elite porto-alegrense, constiuída por muitos nomes italianos.

Os salões do Clube Leopoldina Juvenil abrem as portas para um carnaval

com as co-irmãs no ano de 1934, o último da sua existência. O sábado de Aleluia é

festejado nos salões da Confeitaria Coroa, espaço social cujos proprietários são

italianos.

Agora, iluminemos a face reflexiva do Clube, ainda que ela seja abandonada,

gradativamente, a partir de 1928. À medida em que avança o governo Vargas, após

a revolução de 30, o entretenimento substitui as horas consagradas aos intelectuais

da cidade. Justo no momento em que emerge uma importante geração de escritores

e poetas.

Inicialmente, cabe um breve comentário sobre os oradores dos dez anos de

Clube Jocotó. Observados em perspectiva, os artistas e intelectuais que se

apresentam e conferenciam no clube, em sua maioria, constituem a camada da

224

intelligentzia local. Atuam na cidade que, metaforicamente, denominamos de

“Cidade do Espírito”.

Da mesma forma como destacamos a circulação de artistas nos teatros e nos

salões para ilustrar como, no período entre guerras, a elite de Porto Alegre se

diverte, destacamos a circulação de intelectuais no Clube para ilustrar também uma

projeção importante da narrativa erudita da cidade por seus narradores.

Nas horas culturais mensais do Clube Jocotó essas presenças e o corpus das

conferências indicam, no espaço social que o clube ocupa, uma década decisiva no

debate do campo estético. Como veremos, no que se refere às sociedades italianas,

onde é cultivada a cultura latina, no Clube Jocotó os estilos e gêneros literários

sinalizam tendências em luta de imposição. No campo político é visível que o

crescente modernismo quer definir a feição do nacionalismo no Brasil. A busca da

formulação estética é um tema complexo e, que, foge aos objetivos tanto de

Sanmartin quanto ao nosso, mas cabe indicar o debate em que estão inscritas as

conferências aqui mencionadas apenas por seus títulos.

No sentido da teoria literária de Jauss, os textos expressam o “horizonte de

espectativas” de sua época, ou seja, qual a pergunta que o texto quer responder.334

O Clube Jocotó é a vitrina dos textos de sua época, onde a escolha dos

temas reflete a existência de um público competente. Tomemos as informações a

seguir:

Nos “frementes anos” em que o clube existiu, as conferências iniciam 335 em

1924, quando Alcides Maya conferencia sobre “O belo e o feio”. Pedimos licença à

narrativa de Sanmartim para citar Lea Masina, ao destacar a importância do escritor:

Numa época em que a literatura deveria ser o mais fiel possível à realidade, o desespero barroco de Maya contribuiu para denunciar a miséria, a incompreensão e o abandono. O [...] “História gaúcha” [...] encerra-se de modo nostálgico. Os tempos novos, do cosmopolitismo moderno, não

334 JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à teoria literária. São Paulo: Ática, 1994. p. 40-50. 335 Seria igualmente fastidioso enumerar a data completa das apresentações. Para complementar essas informaçôes, ver SANMARTIN, 1969.

225

comportam mais as velhas crenças. Como na história bíblica de Sansão, a força abandona o gaúcho, que se rende à organização urbana e citadina.”336

Segue-se a conferência de Eduardo Guimaraens, que versa sobre “Os nosso

poetas”. Os poetas riograndenses têm em Augusto Meyer, uma de suas figuras de

destaque:

O simbolismo rio-grandense como expressão de grupo nasceu na praça da Misericórdia com Eduardo Guimaraens [Divina Quimera - grifo nosso]. Álvaro Moreira, Felipe de Oliveira, Homero Prates, Carlos de Azevedo. Antônio Barreto e logo depois contagiou o trio da praça da Harmonia, Alceu Wamosy, De Souza Júnior, Dyonélio Machado. [...] Parece que o simbolismo se aquerenciou no Rio Grande do Sul [...] nas paisagens outonais, em outras predisposições igualmente ponderáveis “Porto Alegre, cidade roxa” dizia Aldo Mota [...]. Ainda em Pedro Vergara (poeira dos sonhos, 1922), Athos Damasceno Ferreira (poemas do sonho e da desesperança, 1926), Paulo de Gouveia (Mansamente,1929) sua influência é evidente [...] Há traços de sua influência em Marcelo Gama e Zeferino Brazil [...].

337

A próxima noitada é com Zeferino Brazil, “príncipe dos poetas rio-

grandenses”, dissertando sobre “A arte de ser feliz”. O orador da noitada seguinte é

Rubens de Barcelos, que disserta sobre “A Dança”. Anos mais tarde ele viria traçar o

perfil geral da evolução literária do Rio Grande do Sul.338

Antes do fim do ano, Alba Barbedo declama “Pedra”, do patrono Mário Totta.

Mais próximo de seu encerramento, o escritor e poeta Jorge Jobim, fala sobre

“Motivos bizantinos”, onde destaca a importância da defesa da cidade de Bisâncio

na preservação da cultura do Ocidente, alegando que, graças a ela “A Itália pode ler

Platão, que a fé cristã expandiu-se até a Rússia, que os povos vizinhos adquiriram o

sentido da civilização [...]”.339

336 MASINA, 1998, p. 236. 337 MEYER, Augusto. Cinqüenta anos de vida literária. Correio do Povo, Porto Alegre, p. 4-7, 01 out. 1945. SILVA, Maria Luiza Berwanger da. Paisagens reinventadas: traços franceses no simbolismo sul-rio-grandenses. Porto Alegre: Ed. da Universidade, UFRGS, 1999. p. 345-346. 338 Escreve em 1955 O estudos rio-grandenses: motivos de história e literatura. Editado pela Globo. Ver MAROBIN, Luiz. Painéis da literatura gaúcha. São Leopoldo: Ed Unisinos, 1995. p. 23-24. 339 SANMARTIN, 1969, p. 80.

226

O palestrante e patrono Mário Totta fala sobre “O elogio do sacrifício”.

Ovacionado, é homenageado pelo presidente da Sociedade Carnavalesca Filhos do

Inferno, o moranes Domingos Faillace, assim como, pela Federação Acadêmica,

entre outros.

João Luso, escritor português residente no Rio de Janeiro, é o orador que

marca o reinício das atividades do ano. Discorre sobre ”A mulher e suas armas”.

Vem à Porto Alegre, sob o pseudônimo literário de Armand Erse. A descrição da sua

chegada é reconstituída por Sanmartin. É o olhar estrangeiro do viajante que tem

suas impressões. É o mesmo olhar que vamos encontrar em outros viajantes

conhecidos da historiografia local. Nas palavras de Sanmartin, o que Luso narra:

[...] do convés do navio em que viajava, ao aproximar-se da cidade, avistou logo as torres ponteagudas da igreja das Dores, a chaminé fumegante da usina da Força e Luz e a silenciosa Casa de Correção. Essas três imagens que se destacavam no panorama urbano, tinham, para o seu espírito [...] o senso de um tríptico moral muito severo: “Crê, trabalha e vê como te portas”.

340

Em maio, ocorrem debates sobre a dança, desta feita, a cargo de Fábio de

Barros, que fala sobre “A renascença da dança”. Na noitada seguinte, o patrono

Mário Totta, disserta sobre “Nomes e sobrenomes” enquanto Francis Pelicheck e

Sotero Gomes desenham. Na próxima reunião o regionalista Darcy Azambuja,

notabilizado pela sua obra “No galpão” é o orador, falando sobre costumes, sob o

título “Casar é bom”.341

O mesmo ocorre com o palestrante Paulo Arinos, pseudônimo de Moysés

Velhinho, o historiador, que na reunião seguinte ao invés de falar sobre o domínio

historiográfico, disserta sobre “Do riso ao sorriso”. Na próxima sessão a parte

literária está com o, recém retornado, poeta modernista Guglielmo de Almeida, cuja

obra demonstra a dimensão do debate travado à época:

Eu queria fazer ver à sociedade inteligente de Porto Alegre que nós todos- nós a quem uma imprensa mal informada e galhofeira, teima em chamar “futurista” - nós todos, que nos pusemos a vanguarda do movimento

340 SANMARTIN, 1969, p. 87. 341 MOREIRA. Maria Eunice. Regionalismo e literatura: no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: EST/ICP, 1982.

227

recente de brasilidade, não somos “arrivistas”, não somos “parvenus”, não somos “nouveaux-riches”, na poesia. Não [...] o que eu vou fazer com a minha obra poética, poderia fazê-lo , por exemplo, com a de Ronald de Carvalho que estreiou em 1914 com “Luz gloriosa e Sonetos”. Filiou-se em 1922 ao movimento modernista literário com “Epigramas irônicos e sentimentais” [...].

342

E, segue citando em sua defesa, Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Menotti

del Picchia, Ribeiro Couto, Oswald de Andrade. É aplaudidíssimo. Mais adiante, em

setembro de 1925 recebe homenagens da Revista Máscara, de escritores e artistas

locais, por ocasião de uma palestra proferida no teatro São Pedro.

O pintor italiano Angelo Guido, recém-chegado ao meio cultural da cidade, é o

palestrante em outubro que vem para ser professor no Instituto de Belas Artes. O

tema só podia ser “A tendência moderna da arte”. Trata dos novos ideais, “cubismo,

futurismo e expressionismo, a paisagem moderna e a poesia na pintura, realidade

espiritualizada, o espírito da nova raça, nacionalismo e universalismo e a crise

espiritual dos nossos tempos.”343

O orador, a seguir, é Mem de Sá, que trata da “Desilusão” e, é o último do

ano.

Em 1926, as sessões iniciam com o escritor Dionélio Machado, que estréia no

Jocotó, abordando o tema “A mulher e a literatura” 344.

342 SANMARTIN, 1969, p. 93. A discussão histórica sobre o tema é consistente. Ver LIPPI, Oliveira Lúcia. A questão nacional na primeira república. São Paulo: Brasiliense, 1990. p. 95-109; p. 111-126; p. 127-143; LAUERHASS, Jn. Ludwig. Getúlio Vargas e o triunfo do nacionalismo brasileiro. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/EDUSP, 1986. p. 35-58; p. 59-82; MOTTA, Marly. Silva da. A nação faz 100 Anos. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1992; VELLOSO, Mônica Pimenta. A literatura como espelho da nação. Estudos históricos, v. 1, n. 2, p. 239-263, 1988; BAUGMGARTEN, Carlos Alexandre. A crítica literária no Rio Grande do Sul: do romantismo ao modernismo. Porto Alegre: IEL/EDIPUCRS, 1997. (Coleção Ensaios); LEITE, Ligia Chiappini. Modernismo no Rio Grande do Sul: materiais para seu estudo. São Paulo: Instituto de Estudos Avançados, 1972. 343 SANMARTIN, 1969, p. 94; ver FABRIS, Annateresa. Futurismo e cubismo no Brasil. São Paulo: Fundação Memorial da América Latina/Parlamento Latino Americano, 1999. (Coleção Memo). 344 Em 1926 Dyonélio Machado escreve O estadista, seu primeiro livro de ficção. Está longe ainda do Os ratos, de 1935 que o projetaria nacionalmente. Mas já é reconhecido nas rodas literárias, como será na política dos próximos tempos e na medicina, como psquiatra. Ver CRUZ, Cláudio. Os ratos. In: _______. Literatura e cidade moderna. Porto Alegre 1935. Porto Alegre: EDIPUCRS/IEL, 1994a. p. 89-142. (Coleção Ensaios); GRAWUNDER, Maria Zenilda. Instituição Literária: análise da legitimação da obra de Dyonelio Machado. Porto Alegre: IEL/EDIPUCRS, 1997. (Coleção Ensaios).

228

Atores, igualmente, freqüentam o Clube. O comediógrafo, Leopoldo Fróis, que

está em apresentação no Teatro São Pedro, também dá seu espetáculo. Sobre ele

diz Carlos Reverbel:

[...] o maior ator brasileiro, em certa época, também era grande ator português e falando com o mesmo sotaque, tanto nos palcos do Brasil como nos de Portugal. Chamava-se Leopoldo Fróis. Alcancei-o e fui seu fã [...] outro calcanhar de Aquiles do teatro dito brasileiro: as grandes companhias formavam-se em torno de estrelas consagradas, como Procópio Ferreira, Dulcina de Moraes ou Leopoldo Fróis. [...]. Aí veio a guerra [a Segunda, grifo nosso]. E as coisas começaram a mudar de figura com a chegada de diversos diretores europeus [...].

345

Reverbel conclui, dizendo, que essa situação muda o teatro brasileiro,

fazendo-o amadurecer, eis que o texto e a direção passam a ser mais importantes

que o astro, estrela ou ator, como era até então.

Os serões continuam. Segue Augusto Meyer, que fala sobre “Poetas, poetas

e poetas”, o qual, inclusive tem um poema seu, “Aos Chorões”, publicado por Cyro

Martins: “Aos Chorões: Chorões da praia de Belas/molhando as folhas do rio/sois

pescadores de estrelas/ao crepúsculo tardio./O mais velhinho, já torto/ao peso de

tantas mágoas/lembra um pensamento absorto/debruçado sobre as águas [...]”.346

O escritor Osvaldo Orico, em setembro, profere a conferência intitulada “Nós,

os poetas”.

As conferências de 1927 iniciam com a escritora Diva Dantas, que fala sobre

”Os homens e as mulheres de ontem e de hoje”. O uruguaio Augusto Bado profere a

próxima palestra sobre “poetas do Uruguai”. Sotero Cosme, nesta noite vai desenhar

à lápis os convidados presentes, entre eles, o Cônsul Antonio Di Pasça.

Em agosto promove-se uma “Noite gaúcha”, na qual é apresentada a peça

“Gaúchos”, de Martinez Paiva, adaptada por Roque Callage e apresentada por

345 REVERBEL, Carlos; LAITANO Cláudia. Arca de Blau: memórias. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1993. p. 61-62. 346 Em 26 Alcides Maya já escrevera alguns poemas (1922-1923), Coração verde (1924-1925), Giraluz (1926-1927) In: MARTINS, Cyro. Perpectivas de Augusto Meyer In: Escritores gaúchos. Porto Alegre: Movimento, 1981.

229

Oduvaldo Viana. Em setembro, Miranda Netto analisa as obras de Carlos Gomes,

José Maurício, Assuero Garritano e João Schwarz Filho. A medida em que suas

músicas são executadas, Miranda discorre sobre a abrangência e a importância

desses compositores para a arte brasileira.

O escritor Cornélio Pires faz a palestra da próxima noite, em 12 de novembro

de 1927, o mesmo já se havia apresentado no Cine-Teatro Guarani. Na última

noitada do ano, o poeta Zeferino retorna ao Clube Jocotó para falar sobre o

“Romantismo”.

Gradativamente, o Clube Jocotó vai sendo absorvido pelos demais salões,

sintoma da cultura de massa impondo-se em Porto Alegre, bem como da diversidade

de espaços sociais onde são apresentados e “consumidos” os bens culturais em

circulação.

Muitas promoções são realizadas pelo Clube Jocotó, em associação com o

Teatro São Pedro. Uma delas, em 1929, a “Noite vienense”, com Margarete Slezak,

da opereta Vienense, Adolf Korner e Harry Payer os quais completam os três duetos.

São utilizados, também, os novos salões dos cinemas, como o do Teatro Carlos

Gomes com a apresentação do “Coro dos cossacos do Don”.

Nessa modalidade, ainda, o Clube oferece aos sócios um espetáculo da

Companhia de Comédias Jaime Costa, que encena no Teatro São Pedro “Quando

elas querem” e “A família colossal”. Ou, o programa vocal com o tenor Armando da

Silva Meconi, o barítono Emílio Baldino e, ao piano, o maestro Milton Calazans. No

dia 12 de junho de 1929, o Jocotó oferece, no Teatro São Pedro, a sua hora de arte.

O professor José Strnd, do conservatório de Praga, interpreta músicas

orientais com sua harpa, sendo a apresentação acompanhada da bailarina Strnd.

A fundação da Sociedade de Cultura Musical, em Porto Alegre, tendo como

presidente, João Pio de Almeida, só vem ampliar as opções de boa música e de

formação musical na cidade promovendo, também, a música internacional. Anos

mais tarde ela é ampliada e denominada Sociedade de Cultura Artística (música,

230

artes plásticas e literatura). Foram eleitos para compor a diretoria: Teófilo Borges de

Barros, Mário Totta e Mansueto Bernardi.

As reuniões dançantes, semanais, seguem pelo Jocotó, sem alterar as horas

de arte, assim como o concerto mensal do Clube Hayden que superlota o tradicional

salão do Turner -Bund, outro pólo de freqüentação e espetáculos.

O Clube Hayden, fundado no ano de 1897, retoma seus concertos fazendo

sua centésima apresentação no Teatro São Pedro, em 1930.

Vive-se a intensidade e o apogeu dos espetáculos teatrais. O cinema ainda é

um salão de espetáculos que divide espaço com a projeção das películas, pois o

boom do cinema, ainda, está por vir.

O Teatro São Pedro, por sua vez, apresenta uma variedade de espetáculos

de valor artístico diferenciado. Recebe a Companhia Italiana de Operetas Lea

Candini, promove conferências, como as de João Luso que também se apresenta no

Jocotó e do poeta e jornalista Afonso Lopes de Almeida, a qual versa sobre Artur de

Azevedo.

O alvoroço na cidade, entre dezembro de 1928 e janeiro de 1929, fica por

conta da chegada de Francisco Villaespesa, conhecido como “Príncipe dos poetas

de Espanha”. Osvaldo Aranha, Secretário do Interior faz as honras oficiais ao poeta,

que vem cumprir uma intensa programação.

Concertos musicais, recitais são de praxe. Quando Pina Mônaco se

apresenta, Mansueto Bernardi escreve narrando a trajetória individual da cantora,

que marcou, de certo modo, a escolha do repertório, do estilo de canto, enfim, o

toque de interpretação da artista:

Estuda na Europa, Pina com os maestros Bucceri e Bavagnelli, a princípio, e De Luca e Brambilla, afinal. De Bento Gonçalves, onde nasceu foi conhecida por Bernardi, vem a Porto Alegre e estuda antes de partir para a Itália. [...] De certa forma aliás, não se explicariam os seus repetidos sucessos nos teatros e salas de concerto da Itália, em que teve oportunidade de se exibir. O maestro Mascagni, tendo-a examinado, há cera de um lustre, vaticinou-lhe uma carreira brilhante [...]

231

Quando, em julho, se apresenta Germana Bitencourt, diz Mansueto:

[...] O contraponto é Germana Bittencourt. [...] Conhece também todos os segredos do canto. Mas não gorgeia óperas. [...] Mario de Andrade, Manoel Bandeira, Guilherme de Almeida, João Pinto da Silva [...] escreveram a respeito [...] de sua fina sensibilidade [...] dá-me a impressão de um instrumento musical, talvez de uma linda, graciosa, preciosa gaitinha de boca.

347

A variedade cultural dos artistas caracteriza a época do pós-guerra, visitam a

cidade: o quarteto Tcheco Zika, a Companhia Italiana de Operetas, Clara Weiss e S.

Seddivó, a Companhia Alemã de Comédias, de Otto Mazel e a Companhia Lírica

Ítalo-Brasileira de Saveiro Ferraiol.

Porto Alegre, recebe ainda, a Companhia Bávara de Dramas e Comédias de

Roman Rich, a Companhia Dramática Alemã, de Leonie Duval e a Grande

Companhia de espetáculos Roulien, de Raul Roulien ao lado de Iracema de Alencar.

No teatro São Pedro repercute o sucesso de Companhia Adelina-Aura-Abranches.

No mesmo teatro, Peri Machado apresenta-se, como Jaime Costa com sua

Companhia de Comédias.

A circulação nos salões gera um público consistente que assegura a

manutenção das casas de espetáculo.

Dimensionando o espaço da música refinada existe a Sociedade de

Concertos Sinfônicos que realiza no Teatro São Pedro concertos como, os dos

maestros Romeu Tagnin e Assuero Garritano. A maior contralto do mundo, Gabriela

Besanzoni Lage realiza recital beneficente no Teatro São Pedro, para a instituição

“pelas mães e pelas crianças”.

Em maio, Dora Assmus Graudenz retorna da Europa e apresenta-se no

Teatro São Pedro e, em seguida, é a vez de Elsa Bersani Tchoepke.

Destoando levemente, Rody, o ilusionista, atrai platéias ao mesmo teatro.

347 PINA Mónaco e Germana Bittencourt. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIII, n. 131, p. 3, 29 maio 1927.

232

Músicos brasileiros também têm vez. Marcelo Tupinambá ainda vai ser ouvido

com seu intérprete, Jurandir de Aguiar no Teatro São Pedro, apenas com música

brasileira.

Há noites notáveis, como por exemplo, quando Zola Amaro, a cantora patrícia

apresenta-se no Teatro São Pedro em homenagem ao Presidente do Estado,

Getúlio Dornelles Vargas; Odete Faria, pianista conterrânea realiza no salão do

Conservatório Musical seu concerto, assim como o faz Demétrio Ribeiro Sobrinho,

tenor rio-grandense ou quando o Cônsul da Itália, Manfredo Chiostri, mais José

Ricaldone, Cesar Scarini, Francisco Benoni e Carlos Lubisco promovem e levam à

cena no Teatro São Pedro a comédia “Scampolo”, de Dario Nicodemi.

O Teatro Coliseu, desde 1925, dividindo atenções e público contribui

ativamente com vida cultural e social da cidade. Em 1927, o teatro dos irmãos

italianos Petrelli, traz a Companhia Negra de Revista, em outros momentos traz a

Companhia de Comédias de Procópio Ferreira-Abigail Maia. Vicente Celestino e Laís

Areda também se apresentam, seguidamente, com sua Companhia Nacional de

Operetas. A Companhia de Comédias Trianon, de Teixeira Pinto é outra assídua

animadora de seu salão. A Companhia Portuguesa de Revista, de Antonio Macedo é

recebida, assim como a troupe Todor Tsckewloff, tendo Eva Todor, como figura

principal.

O Clube Hayden, também costuma fazer suas audições no Teatro Coliseu.

Alda Garrido apresenta-se com Augusto Anibal e Pedro Celestino. A Companhia

Nacional de Operetas Eugenio Noronha, com Pedro Celestino, Carmen Dora, Maria

Amorim é recepcionada também.

O Coliseu recebe, ainda, a Companhia de Variedades “Kid Wallace”, a

Companhia Sper. Umberto Petrelli, empresário que regressa de viagem de negócios

ao Rio e São Paulo, promove a vinda de Procópio Ferreira, “que apreciaremos no

Coliseu, no Teatro Avenida, na primeira quinzena de março, após percorrer Santos,

Curitiba com sucesso nas temporadas [...]”.348

348 PETRELLI, Umberto. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVIII, n. 44, p. 4, 23 fev. 1932.

233

O destaque para a última fase é a grande freqüência de companhias mais

populares de entretenimento, como ocorre em março de 1931, quando a Companhia

Nacional de Revistas “Pinto Filho” estréia no Teatro Coliseu.

No Teatro São Pedro apresenta-se a Companhia de comédias Palmerin Silva-

Ceci Medina.349

Outras cidades vão apreciar, em 1931, os concertos da Orquestra Sinfônica

de Porto Alegre: Sant'Ana do Livramento, Santa Maria e Cachoeira, bem como os 36

professores do Centro Musical Real Portoalegrense, que são dirigidos pelo maestro

patrício José Eggers e secretariado pelo musicista Heitor Manganelli.350

O Instituto de Cultura Física apresenta programa de bailados com Lia Bastian

Meyer e Liege Siemssen. Outra conquista da cidade, é a inauguração da sala

Beethoven, sendo o italiano A Pizoli, seu proprietário. É o grande espaço de

apresentações de concertos da cidade, apresentando, inclusive, uma novidade, o

instrumento Theremin.

Em 1932, a educação musical é, em parte, proporcionada pelo Maestro

Lunardi, que reside há anos em Porto Alegre. Vai dar aulas de piano, solfejo, teoria,

harmonia e canto em italiano, sabendo do gosto dos patrícios pela música. Sua

formação foi no Real Conservatório de Palermo.351

Um ano depois, a apresentação do Orfeão Rio Grandense, concerto

proporcionado pelo maestro Leonardi e pelo trabalho orquestral da Banda Municipal,

emocionava o público.352

No Auditório Araújo Viana ocorre, pela primeira vez, um concerto de Música

clássica, por José Leonardi, Diretor da Banda Municipal.

349 Ver HESSEL, 1999, p. 9-49. 350 ORQUESTRA sinfônica. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 165, p. 4, 16 jul. 1931. 351 MAESTRO Lunardi. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVIII, n. 44, p. 4, 23 fev. 1932. 352 NOTAS de arte. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIX, n. 115, p. 5, 18 maio 1933.

234

Enquanto isso, no clube Caixeiral, que faz 50 anos, Carlos Dias Fernando

palestra sobre Rui Barbosa e Raul Pompéia.

Há destaque, também, para as atividades do Clube Musical que apresenta um

concerto sinfônico no Clube Gondoleiros, com a regência de João Leite Maciela.

Enfim, muito mais poderia ser destacado nessa cena cultural de uma década,

detalhadamente reconstituída por Sanmartin e aqui exposta como fragmentos de

uma cidade que pleiteia ser uma metrópole cultural.

Uma hipótese absolutamente heurística: ao examinar o texto-narração,

apenas permitida pelo nosso estranhamento, aventamos se o Clube Jocotó

pretendeu mais do que aparentava, se foi mais longe do que as condições

permitiam. Não passa desapercebido na narrativa de Sanmartin, que em algum

momento de sua trajetória “o clube“ (entendamos, seus dirigentes) opta por um perfil

mais de entretenimento, após os acontecimentos ocorridos em torno do ano de

1930.

Há uma gradativa perda da função formativa intelectual, desde a origem do

Jocotó, que ocorre para alimentar a função de refinado entretenimento da camada

culta da população de Porto Alegre, a qual Sanmartin vive e narra.

Ao contrário das sociedades italianas, que, no período, adotam outro perfil na

programação cultural, o Clube Jocotó vai, gradativamente, diluindo o espaço da

escrita da sociedade do Rio Grande do Sul, ímpeto demonstrado nas origens das

suas noitadas, em função da fruição estética musical e da co-promoção com os

teatros e cinemas de espetáculos mais ao gosto da sociedade de massa que se está

delineando. Muito do glamour representado pelo Clube ficou retido apenas na

mémória de reconstituição como Sanmartin realizou.

235

4.3.6 Fundar e viver a italianidade na Porto Alegre Moderna

A recepção dos italianos que chegam em Porto Alegre pode ser a das

sociedades italianas existentes.353

Tais sociedades são frutos do trabalho pretérito, diante do isolamento social

dos primeiros italianos residentes na cidade e tem o objetivo de congregar os grupos

humanos pelo pertencimento étnico. Elas são fundadas na medida em que cresce a

importância social e econômica da imigração. Uma vez que existam italianos, suas

sociedades também existirão, seja na cidade ou na colônia.

O abandono destes imigrantes italianos assombrava o padre Scalabrini: a

indiferença do corpo diplomático, da Igreja e dos imigrantes de levas anteriores,

diante do espetáculo de anomia social a que era submetido o italiano, “escória

dentre todos os imigrantes, os menos classificados socialmente”, nos EUA no final

do século XIX e início do século XX.354

Reunindo as narrativas dos primeiros viajantes e exploradores, historiadores

conseguem entrever a precoce presença italiana no Brasil, e, em particular, em

Porto Alegre. Fazem parte da imigração individual, são os aventureiros e exilados

políticos. Notadamente, “a Revolução Farroupilha de 1835 atraía figuras como

Garibaldi, Rossetti, Zambeccari ou Anzini [...], e outros militares que vão fixar-se na

província”. Todos farão parte do panteon dos festejados pelas sociedades italianas,

na qual, o mais saliente é o mito de Garibaldi. Na corte, existem italianos desde

353 Estranhamente é escassa a historiografia sobre as sociedades italianas. Citamos CONSTANTINO, 1991b, que faz a pesquisa histórica até 1991; para a pesquisa até 1925, ver o CROCETTA, B. Le associazioni. In: CINQUANTENARIO DELLA COLONIZZAZIONE ITALIANA NELLO STATO DEL RIO GRANDE DEL SUD. “1885-1925”. Porto Alegre: Globo; Roma: Ministro degli Affari Esteri, 1925. p. 364-397. Principalmente até 1925, traz a nominata das diretorias é referência documental importante para a historiografia das sociedades. As sociedades ainda existentes como Sociedade Italianado Rio Grande do Sul, cita à rua João Telles, fundada em 1893 está constituindo acervo próprio. A Sociedade Calabresa, fundada em 1992 do mesmo modo está organizando importante acervo sobre a presença dos meridionais em Porto Alegre, como ficou claro nas recentes comemorações do Gemellaggio, de 18 de novembro a 30 de novembro de 2002. O Gemellaggio comemora 20 anos de unção da cidade de Morano- Calabro, cidade- irmã de Porto Alegre. 354 SCALABRINI, João Batista. A emigração italiana na América. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, Centro de Estudos de Pastoral Migratória, Caxias do Sul: Universidade de Caxias do Sul, 1979. p. 192-206.

236

1830. Mas nada comparável à expressão numérica que assumem a partir do final do

século XIX.355

A colônia urbana de Porto Alegre vai formar-se também a partir daqueles

imigrantes vindos do Uruguai, pioneiro na recepção de imigrantes no continente e da

Argentina, convulsionados em crises econômicas. Os entrevistados mencionam

casos deste trânsito antes do estabelecimento definitivo na cidade, bem como, dos

que trazem capitais para “fazer a América”, montado pequenos negócios e

fabriquetas que prosperam.

Segundo a extensa historiografia disponível sobre a colonização italiana do

século XIX no Brasil e no Rio Grande do Sul, os anos de 1876 e 1891, configuram-

se como sendo de grande êxodo italiano. Destinados inicialmente para a região da

Serra do Estado, os imigrantes, agora colonos, fecundam as correntes de imigrantes

da corrente alemã (na verdade reunião de várias etnias, dado o processo de

unificação da Alemanha), iniciada em 1824, para as terras da Real Feitoria do Linho

Cânhamo, hoje a cidade de São Leopoldo. Alguns se evadem do destino agrário

logo que chegam, outros, aguardam os tempos da prosperidade – ou da ruína total,

para tentar a vida na cidade.

A situação política na Europa não cessa de ejetar população e não apenas

rural. Técnicos, médicos, professores, artistas, vêm nas levas que os navios não

cessam de despejar nos portos brasileiros. Após a grande guerra, a considerar a

presença de judeus, poloneses, alemães, sírio-libaneses, franceses e espanhóis,

apenas mencionando as correntes mais expressivas, temos, em 1920, uma cidade

cosmpolita, um espaço social de interação multiétnico, uma Babel lingüística.

A metáfora geológica que Leed emprega é legítima quando compara a força

da viagem à força da erosão nos processos geológicos.356

355 CONSTANTINO, Núncia Santoro de. Italianos na cidade. A imigração itálica nas cidades brasileiras. Passo Fundo: UPF Editora/Associazione culturale Italianadel RS - ACIRS, 2000. (Il Brasile Italiano. 500 anos de História). p. 27. Ver BERNARDI, Mansueto. Gli Italiani e la Republica di Piratini. In: LA COOPERAZIONE DEGLI ITALIANI AL PROGRESSO CIVILE ED ECONOMICO DEL RIO GRANDE DEL SUD. Ópera pubblicata in occasione delle feste commemorative del 1º cinquantenario della colonizzazione Italiana nello stato (1875-1925). Porto Alegre: Ed. Globo. p. 35-46. 356 LEED, 1992, p. 158.

237

Jogado na “Cidade de Pedra”, o imigrante italiano tem no associativismo dos

anos iniciais da imigração uma ajuda real. Ao longo dos anos, agrega-se ao elenco

de atribuições das sociedades, a função pedagógica-política. Segundo os jornais,

entre 1920 e 1937, o discurso das sociedades prega a solidariedade, a força da

cultura e da moral italiana.

Pura estratégia de imposição simbólica, a pouca porosidade da elite porto-

alegrense terá desempenhado um papel na constituição de espaços exclusivos de

convívio dos italianos. A representação do estrangeiro é sua categorização como

força de trabalho que se oferece à sociedade. Dignificar o que era indigno, ou seja o

trabalho, na sociedade colonial brasileira.

A economia exige a metamorfose, partidos e camadas dirigentes incorporam

o discurso. Mas de “gringo a comendador”, tarda. Com a última palavra, sempre

Barth.357

Entre 1920 e 1937 a história social de Porto Alegre, na perspectiva de seletos

grupos de italianos transcorre privadamente, no espaço social das sociedades

italianas. Nas esferas de abrangência dessas sociedades, rotinizam-se

determinados dispositivos muito seletivos, os quais visam entronizar a chegada, a

condição de permanência ou partida dos estrangeiros ou patrícios, Em princípio, se

dividem em sociedades de auxílio e recreativas-culturais. Para Loraine Slomp,

“pobres eram as sociedades dos pequenos produtores rurais, dos operários. Ricas

eram as sociedades criadas pela burguesia urbana”.358

O certo é que o grau de associativismo de tais sociedades acompanha a

trajetória ascendente dos estrangeiros na cidade, basta consultar a galeria dos

presidentes. O modo de ser elitizado e o associativismo no espaço social de Porto

Alegre define os principaís perfis dessas sociedades.

357 A mudança semântica reflete uma atribuição positiva ao imigrante se bem sucedido socialmente. Ver POUTIGNAT, Philippe. Teorias da etnicidade: seguido de grupos étnicos e suas fronteiras de Fredrik Barth/Philippe Poutignat, Joceline Streiff-Fenart. São Paulo: UNESP, 1998. (Biblioteca Básica). Pode ser autodesignação utilizando estereótipos positivamente, como nos depoimentos de jovens imigrantes brasileiros beneficiados, muitos deles, com a dupla cidadania italiana. In: A PLACE in the sun. Jungle Drums, London, n. 1, 2003. 358 GIRON, Loraine Stomp. As sombras do littorio: o fascismo no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Parlenda, 1994. p. 47.

238

No século XIX, os italianos são pouco representativos, numericamente, em

Porto Alegre, quando da fundação da primeira sociedade, a Vittorio Emanuelle II, em

1877. A “minúscula colônia” de Porto Alegre somente começa a ser importante nas

décadas iniciais do século XX.359

Difícil saber quantas sociedades foram fundadas no Rio Grande do Sul,

tempo de duração, perfil dos associados, direção dos investimentos, sede própria e

outros aspectos importantes. No Cinquantenario della Colonizzazione nel Rio

Grande del Sud, Crocetta lamenta a falta de uma estatística que desse conta do

porte financeiro, número de associados e etc. “ [...] e aquilo que mais conta sob – o

aspecto moral - com a função educativa que essas exercem sobre as massas”.360

Situa em torno de 64 o número de sociedades no Estado, sendo 26 com sede

própria.

Por seu turno, a renovação da circulação dos grupos humanos na cidade é

acelerada pelo ímpeto das trocas econômicas. Diz-se que a própria disposição

geográfica de Porto Alegre a destina ao comércio, embora a indústria, em especial a

dos alemães, seja importante no período entre-guerras.

Ainda que haja crise, como o endividamento da municipalidade e os

empréstimos externos de 1909, 1922, 1926 e 1928, a economia representada pelo

imigrante é crescente e decisiva. A cidade mantém-se entre as mais importantes no

período, superando em alguns pontos, Rio de Janeiro e São Paulo.361

359 A Vittorio Emanuelle II, na origem Mutuo Socorro e Benevolenza, datada de 1877, com perfil eminentemente cultural, em se tratando da primeira sociedade em Porto Alegre, teve como Pres. de honra Giuseppe Garibaldi e obteve sua sede própria em 1904. Seguem-se as sociedades Principezza Elena di Montenegro, 1893; Umberto I, 1900; Giovani Emanuel, 1902; na Tristeza em 1885 fundam a Giuseppe Mazzini, para assistência médica. A sociedade Moranesi Uniti, teve sua primeira diretoria em 23 de novembro de 1924, a qual contava com: Dr. Angelo Perrone, Gennaro Conte, Angelo Rosito, Domenico Faillace, Leonardo Perrone, Giuseppe Faillace, Rocco Rosito, Nicola Faillace, Biagio Marroni, Pietro Faillace. A que terá caráter mais polivalente será a Società Nazionale Dante Alighieri, fundada pelo Comitato local, em 1914, com sede em Roma, fazendo a ligação com o grupo local. Originariamente presta apoio aos familiares dos jovens que participam da guerra, após o que proporciona ensino e difusão da cultura. Ver CROCETTA, B. Le associazioni. In: CINQUANTENARIO DELLA COLONIZZAZIONE ITALIANA NELLO STATO DEL RIO GRANDE DEL SUD. “1885-1925”. Porto Alegre: Globo; Roma: Ministro degli Affari Esteri, 1925. p. 364-397. 360 CROCETTA, 1925, p. 364 361 Sobre o individamento, a obra referência é BAKOS, Margaret Marquiori. Porto Alegre: e seus eternos intendentes. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996. (Coleção História, 11). P. 81-89. FRANCO, Sérgio. Porto Alegre e seu comércio. Porto Alegre: Associação Comercial de Porto Alegre, 1983. (Edição Comemorativa do 125o Aniversário da Associação Comercial de Porto Alegre); ver SINGER, Paul. Desenvolvimento econômico e evolução urbana. São Paulo, Cia. Editora Nacional, 1974.

239

Avultam os negócios e serviços da cidade, estrangeiros trazem capitais os

quais são superados pela importância do impulso das colônias, que, uma vez

passadas as tarefas de instalação, intensificam as trocas econômicas com Porto

Alegre. A formação da pequena burguesia italiana segue os passos da poderosa

burguesia alemã. Estabelecer-se no comércio é importante. Destacar-se na

liderança das sociedades italianas, nessa fase, é mais um modo de ser distintivo no

espaço social, para os bem-sucedidos. É possível que alguns venham a figurar nos

registros policiais ou médico-sanitários que, de alguma forma, contam suas histórias

interrompidas. A narrativa não pode ser apenas triunfalista.

De 1920 em diante, as sociedades italianas tem na coesão étnica, um

importante elemento discursivo, quando reproduzem, externamente, mais que para o

consumo interno, as distinções das hierarquias de origem. Mas, no domínio público

comparecem organicamente integradas como que para perenizar a coesão com os

demais italianos e seus descendentes. Constantino e Ospital detendo-se no caso

histórico dessas sociedades, em Porto Alegre e na cidade de La Plata (Buenos

Aires) mostram a diversidade interna e a dificuldade de coesão.362

Não é outra a percepção dos entrevistados. Apenas alguns, em cada grupo

familiar, relatam que seus parentes freqüentassem tais sociedades. A diversidade

étnica existente, até hoje, é um dos motivos apontados. Mas a lógica decisiva terá

sido a posição na escala social dos grupos italianos.

No citado trabalho de Crocetta, os ilustres merecem biografias. Normalmente

fundaram sociedades. De todo modo, as sociedades italianas são tomadas como

uma importante referência da vida social de Porto Alegre, senão para todos

imigrantes, para muitos deles, principalmente na visão da camada jornalística.363

362 CONSTANTINO, Núncia Santoro de; OSPITAL, María Silvia. Costrução da identidade e associações italianas: La Plata e Porto Alegre (1880-1920). Estudos Ibero-Americanos, Porto Alegre: PUCRS, v. XXV, n. 2, p. 131-146, dez. 1999. Ver igualmente DEVOTO, Fernando. Participación y conflictos en las sociedades italianas en Argentina (1866-1914). In: ROSOLI, Gianfausto (Org.). La imigración italiana em la Argentina. Buenos Aires: Biblos, 2000. p. 141-164. 363 Para PECHMAN, 2002, 2002, p. 334, “trata-se de, pois, perceber como essa conjuntura estrutura-se em camadas que podem ser lidas no ‘texto’ ou, no caso se deseje, no ‘corpo’ da cidade tanto horizontal como verticalmente, e que quando articuladas, funcionam como um guia [...], o mapa, através do qual se penetra na carne dessa cidade para descobrir o segredo de suas pedras. Podemos nomear essas camadas como sendo: a camada literária, a camada policial-jurídica, a camada cietítífica e a camada urbanística”.

240

Perscrutemos os jornais. O jornalista (ou repórter), nas páginas do Correio do

Povo desfila a vida pública dessas sociedades. Narra, inserindo os fatos no fluxo

insondável das coisas, os acontecimentos em detalhes corroborativos, trazem os

protagonistas e seus discursos à cena.

A narrativa dominante descreve o cenário das sociedades, a ordem das falas

faz soar os aplausos. Não há dissonância, polifonia. Os eventos são comemorativos

e endossam os lugares de memória italiana.

A vibração é a do palestrante ou a da platéia entusiasmada. O narrador oculto

é o jornalista isento. Ao leitor, cabe interpretar, atuar como cúmplice dessa

configuração. Mais que informação sobre os fatos, tal narrativa traz o tempero da

época, na perspectiva do estrangeiro.

Percebemos desequilíbrio no destaque das sociedades. Algumas, como a

Sociedade Vittorio Emanuelle II e a Sociedade Dante Alighieri são citadas, mas com

os documentos que dispomos, não temos como saber o que se passa nas demais.

Possivelmente, haja dissonância que não figura no Correio do Povo. Os

testemunhos estão presos no tempo, alguns se negam serem entrevistados e se

ressentem nas sombras.

O que está escrito sobre as sociedades, no arco de tempo destes 17 anos

pesquisados no acervo do Museu de Comunicação Social José Hipólito da Costa-

MCSJH, oferece algumas chaves de leitura ou corpus, enquanto sede reflexiva da

leitura:

1) A primeira chave de leitura sugerida é que as sociedades são destaques no

jornal não porque funcionem como clubes esportivos, ou sociais, ou de formação

intelectual. Mas porque são associativistas, pretendem oferecer através dos eventos

que proporcionam, sob o ponto de vita social, a comunicação necessária para o

apoio, a solidariedade e o convívio social entre os estrangeiros, inclusive através dos

eventos educativos, como o caso do ensino da língua italiana. Mas a comunicação e

o entendimento do “ser italiano” varia na conjuntura.

241

2) A segunda chave de leitura é que a propalada coesão é igualmente filtro. É

produto da hierarquia social e dos pertencimentos étnicos que encasulam os

imigrantes, truncando o laço da dita italianidade. A “Sociedade Moranesi Uniti”,

fundada pelos moraneses, em 1924, não é mais lembrada pelos moraneses

entrevistados na pesquisa da tese porque teve pouca permanência temporal.

3) A terceira chave de leitura é a dimensão comunicativa: fazem circular a

novidade que o viajante traz, mantendo a tradição oral. Não mais como a narrativa

de Marco Polo “que encerra a geografia do lendário e incorpora o real ao

maravilhoso”, mas como a dos viajantes modernos, os quais são cientistas,

intelectuais, professores que perpetuam a linhagem dos primeiros exploradores que

visitaram e escreveram sobre a, então, provinciana cidade, como Saint-Hilaire.364

Uma vez explicitadas as chaves de leitura, verificamos como o Correio do

Povo narra a presença italiana na cidade.

Meio da oralidade, as sociedades promovem horas-culturais onde os

discursos, as conferências buscam os ingredientes do bom relato, o que desde

Tucídides, deve tratar das áreas desconhecidas, das culturas, da economia, da

política, da topografia, dos povos, como a buscar na Itália moderna, a Roma

eterna.365

Relato ou narrativa que as sociedades cumprem exemplarmente, buscando

solidificar os laços entre Porto Alegre e Itália, estabelecendo trocas, como entre

amigos, mas, nunca como entre iguais. Cantando a Giovenezza:

Questa é la giovenezza che há si grande poter di vita ne le rosse vene da convertire il male come il bene

364 YERASIMOS, Stéphane. Introdução. In: POLO, Marco. O livro das maravilhas: a descrição do mundo. Porto Alegre: L&PM, 1994. SAINT HILAIRE, Auguste François César Prouvençal de. Voyage à Rio Grande do Sul (1820-1821), Publicada em Orleans, Arquivo Nacional, 1887. 365 GRIJÓ, Luiz Alberto. De Aquiles a Péricles: do herói da epopéia ao grande homem da história. In: FELIX, Loiva Otero; ELMIR, Cláudio P. Mitos e heróis: construção de imaginários. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 1998. p. 53-74. Ver igualmente CESAR, Temístocles. Sob o firmamento da história: o “mito” do texto como representação objetiva do passado. In: Mitos e heróis, p. 163-178.

242

per le sue tempie, in fulgir de ghirlande. Questa é la giovenezza poderosa Che, senza angoscie l´òrzzonte scruta, E nell´àrida vita a sé tramurta Gocce di snague in petali di rosa; Che, se vede cadresi ai piedi, infranta, La più divina de le sue chimere, Per un´àltra già sorta che lìcanta; Questa chòggi mi freme, nel piú bianda Ritmo di vita e di speranza, in cuore Oggi, che sono oppressa dal dolore E ancor proseguo la mia vita cantando (Anna Severino)366

O ano de 1920 abre com notícias sobre as comemorações de datas italianas

pelas sociedades. Setembro é a grande data da colônia italiana, evidentemente, a

colônia entendida como constructo identitário, designando uma homogeneidade

étnica fruto da eleboração do próprio discurso.

A efeméride celebra o 50º aniversário da unificação da Itália e é muito

representativa do modo de utilização e da densidade social do mito. A narrativa

contém todos os elementos que reproduzem a presença italiana na cidade, nesses

anos.367

É formada uma comissão com os presidentes das sociedades italianas locais,

invariavelmente, encabeçada pela autoridade consular que, em 1920, é o Cav.

Maximo Goffredo.

A visibilidade inicia pela escolha de um local onde a face laboral dos italianos

fique destacada, o que implica em exposições públicas do trabalho do imigrante e

em promoção de feiras que afirmam o discurso dominante sobre sua operosidade.

Aliás, sempre presente no discurso das autoridades tanto locais, como italianas, o

366 BLANCATO, 1921, p. 185. 367 20 DE SETEMBRO. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 204, p. 4, 02 set. 1920a.

243

acerto do governo brasileiro ao abrir as portas do país ao elemento estrangeiro,

disciplinado, de boa moral, incrementando o desenvolvimento dos dois países. 368

Em efeméride importante, cabe “a colocação de uma inscrição comemorativa,

em galvanoplastia, no monumento de Garibaldi e Anita”.369

Ambos são figuras históricas conduzidas a figuras míticas. Freqüentemente,

apresentados como forma de discurso são capazes de resistir ao seu tempo e

transcender a espacialidade mais restrita. Garibaldi e Anita, pela atuação durante a

Revolução Farroupilha e no processo político italiano, são absorvidos pelo discurso

da italianidade em construção. A referência constante à Garibaldi, “herói de dois

mundos” solda o laço mítico e possibilita ao estrangeiro situar-se também como um

sujeito capaz de se designar nos seus próprios enunciados.

O mito vem renovando-se desde o início do século XX. Em 4 de julho de

1907, a Sociedade Vittorio Emanuelle II já descerrara uma lápide de mármore na

data de nascimento de Garibaldi. Nela estava escrito por Adelchi Colnaghi: “In

questa libera terre/ove refuisi di gloria/l`éroe del due mondi/Giusepe Garibaldi/a

pertence ricordo dei posteri/nel cinquantenario della nascita/La colonia

unanime/Pose”.

Placas e monumentos perenizam a homenagem, mas segundo a crítica, não

tem significativo valor estético, apenas histórico. Faz parte da tendência assinalada

por Rudolf Witttkover, citada por Doberstein:

[...] quando nos voltamos para a escultura do séc. XIX, vem-nos à mente uma série de monumentos históricos dos mais vulgares, que provêm principalmente da segunda metade do século: os Garibaldi, Vittorio

368 LA COOPERAZIONE DEGLI ITALIANI AL PROGRESSO CIVILE ED ECONOMICO DEL RIO GRANDE DEL SUD. Opera pubblicata in ocasione delle feste commemorative del cinquantenario delle colonizzazione italiana nello stato (1875-1925); La relazione dell’on. Luciani sull’Ambasciata Straordinaria al Brasile. In: BLANCATO, Caetano (Dir.). Alamanacco italiano illustrato del giornale “La Patria”. Porto Alegre, Anno V, 1921, p. 186-194; ESPÍNOLA, Claúdia Macedo. Tutti Buona Gente: o discurso sobre os imigrantes italianos e seus descendentes no Rio Grande do Sul durante a Primeira Guerra Mundial. Trabalho de conclusão de Curso (Graduação)- Curso de Graduação em História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1997. 369 20 DE SETEMBRO, Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 204, p. 4, 17 set. 1920 a.

244

Emanuelle e outros do gênero, uma espécie de maldição que assola as cidades européias [...].

370

Mas exatamente pelo seu valor simbólico, as sociedades italianas

disseminam peças na paisagem urbana, nos espaços públicos e nas suas sedes.

Para os críticos, até meados de 1930, tal estatuária carece de valor estético, não

apenas em Porto Alegre.

As bandeiras também são importantes para a densidade social do mito, ainda

mais que uma nova sociedade, a Società dei Reduci di Guerra, acaba de ser

formada pelos súditos que combateram na Grande Guerra. Lembrar que assim como

o avô de Carmine combate nesta guerra, outros partiram de Porto Alegre para lutar

pela Itália em 1914. Uma bandeira bordada “com muito gosto artístico” e medalhas

para os ex-combatentes serão entregues na ocasião da inauguração da nova

associação. As senhoritas Carolina D'Amore, Adelina Del Fiurne, Maria Golfo e

Angelica Camerata participam da elaboração das festividades.371

A vitrine da casa "A Trocadera" exibe a bandeira, ao lado da fotografia do

patriota italiano Cesar Battisti, quando saía de uma cadeia na Áustria para ser

enforcado. Medalhas para os membros da nova sociedade também estão expostas,

além do álbum de assinaturas.

Nessa simples notícia estão dados os elementos de representação dos

grupos italianos em Porto Alegre. A união das sociedades em torno do evento dá

uma dimensão da vida cultural da cidade, a qual se reproduz em todo o período na

cobertura do Correio do Povo.

Nesse sentido, destaca-se a liderança política da “Sociedade Dante Alighieri”,

vinculada à Roma, uma espécie de sub-representação política-diplomática italiana,

presente onde houvesse importante imigração. A Casa dos Italianos ou Itálica

Domus, é um projeto de sede coordenado pelo Comitato Dante Alighieri local, que

vai ser implementado, financeiramente, como se pode verificar:

370DOBERSTEIN, Arnoldo Walter. Estatuários, catolicismo e gauchismo. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002. (Coleção História, 47). p. 124. 371 20 DE SETEMBRO. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 217, p. 4, 17 set. 1920b.

245

Cav. Settimio Sampó, gerente da sucursal do Banco Francês e Italiano, em S. Paulo, comunicou ao sr. Carlos Lubisco, presidente da "Dante Alighieri", que ali foram conseguidos os seguintes donativos para a Casa dos Italianos: Companhia Puglisi, 1:000$000; Companhia Mecânica e Importadora de S. Paulo, 1:000$000; Companhia S. A. Moinhos Gamba, 500$000.[...].

372

A sociedade será a referência da política italiana no exterior. Não há como

apreender a posição das demais, em relação à determinação externa sobre a ação

da “Dante Alighieri”, a não ser, apenas pelos jornais. Curiosamente, o jornal mantém

isenção na narrativa, deixa entrever apenas a inteireza de identidade nas iniciativas

das sociedades, como se não houvesse oscilação na condução das mesmas, entre

elas, com a sociedade de Porto Alegre e, internamente, entre seus sócios.

A existência de várias sociedades, aparentemente, não configura desarmonia,

ao contrário. Como percebemos na narrativa dos entrevistados, tal questão é uma

ferida narcísica ainda hoje. A solidariedade tem limites claros e não é horizontal,

nem vertical, nem expressa uma italianidade acima da referência do paese. A

questão nacional italiana é reproduzida no tecido urbano de Porto Alegre.

Em nível de comunicação, na difusão da cultura o domínio do português sem

a perda da língua-mãe é o objetivo expresso de todas sociedades italianas. A língua

italiana e seus dialetos (que alguns lingüístas sugerem como sendo uma língua),

praticados nas sociedades não interditam a dimensão comunicativa da identidade do

imigrante, ao contrário. Tornam impossível e, mesmo indesejável, uma narrativa

comum, empobrecida nos modos de serem semelhantes, sem serem iguais. Basta

observar como ser da região meridional ou do norte é uma pertença que parametriza

e recobre toda narrativa oral e escrita do estrangeiro imigrado, até hoje.373

Em função da construção da identidade dos grupos urbanos, mais a ausência

de um forte sistema educacional público, as sociedades, além da sociabilidade vão

ter função educativa. Isto é, instrução como Peter Burke entende: “no sentido mais

372 CASA dos italianos. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 242, p. 4, 16 out. 1920. 373 ASSOCIATION FREUDIENNE INTERNATIONALE´E MAISON DE, Lámerique Latine. Um incosciente pós-colonial: se é que ele existe. Porto Alegre: Artes e Ofício, 2000. Ver ASSOCIAÇÃO PSICANALÍTICA DE PORTO ALEGRE. Imigração e fundações. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2000. Ver ainda BORGES, Stella. Italianos: Porto Alegre e trabalho. Porto Alegre: EST, 1993.

246

amplo de ‘socialização’, todo processo pelo qual uma geração mais velha transmite

a sua cultura a uma geração mais jovem, desde o nascimento”.374

No sentido de instrução formal, o regime republicano no Estado preconiza o

ensino laico, sua liberdade e gratuidade. A reforma do ensino ocorrida em 1906, cria

colégios elementares e grupos escolares, aprimora a Escola Complementar. Em

1924, a taxa de analfabetismo no Estado é de 61,15%, enquanto a de São Paulo é

de 70,17%. O filho do imigrante tem acesso, desde 1906, à Escola Complementar. O

problema é a barreira lingüística a ser atravessada.375

Ao menos uma das exortações do Bispo Scalabrini cumpre-se nas

sociedades o ensino da língua italiana. Elas vão se aplicar nessa função, seguidas

de institutos e escolas. No século XIX, a Sociedade Vittorio Emanuell II e a

Sociedade Principezza Elena di Montenegro (antes Bella Aurora), no Campo Bom

Fim, modestamente já ensaiavam aulas, assim como a Sociedade Regina d´Itália e a

Sociedade Elena di Savóia. No início do século XX, a Sociedade Umberto I e a

Sociedade Giovanni Emanuel (esta por breve tempo) ministram aulas.

O Comitato Dante Alighieri tem, originariamente, compromisso com a

transmissão cultural. Ao longo do período vai construir sede própria, a Casa dos

Italianos, a exemplo da Argentina e dos EUA, reúne num único prédio:

Instituto de Ensino primário e secundário para os filhos de italianos; escola serial e festiva para operários, e para brasileiros que desejem estudar a nossa língua e a nossa cultura; biblioteca fixa e circulante para uso dos sócios, mas reservando algumas salas de estudo, de conversação e de

374 BURKE, Peter. Veneza e Amsterdã: um estudo das elites do século XVII. São Paulo: Brasiliense, 1991. p. 68. 375CROCETTA, B. Le associazioni. In: CINQUANTENARIO DELLA COLONIZZAZIONE ITALIANA NELLO STATO DEL RIO GRANDE DEL SUD. “1885-1925”. Porto Alegre: Globo; Roma: Ministro degli Affari Esteri, 1925. Instrução primária, p. 495. Por outro lado a criação da Secretaria de Educação e Saúde Pública processou-se apenas pelo decreto n. 5969, de 26 de junho de 1935, sob o selo da “Escola Nova”, experiência que desde os fins do século XIX entusiasmava a Europa, os EUA. KREMER, Alda Cardosol. Panorama da educação. In: ______. Rio Grande do Sul: terra e povo. Porto Alegre: Globo, 1969. p. 259-287. Quanto às congregações católicas e a educação, no período, ver Opera di sacerdoti e congregazioni Italiane nel progresso religioso, nello sviluppo dell`arte, dell ïstruzione e dell`assistenza nello Sato. In: LA COOPERAZIONE DEGLI ITALIANI AL PROGRESSO CIVILE ED ECONOMICO DEL RIO GRANDE DEL SUD. Opera pubblicata in ocasione delle feste commemorative del cinquantenario delle colonizzazione italiana nello stato (1875-1925); La relazione dell’on. Luciani sull’Ambasciata Straordinaria al Brasile. In: BLANCATO, Caetano (Dir.). Alamanacco italiano illustrato del giornale “La Patria”. Porto Alegre, Anno V, 1921. p. 153-192.

247

informações comerciais. Também consultório jurídico gratuito, e ofício de patronato para os estabelecidos no estado.376

Em 1924, os membros da colônia agitam-se: falta um ano para o 50o

aniversário da chegada dos primeiros imigrantes italianos ao Rio Grande do Sul.

Como de praxe, a Sociedade "Dante Alighieri" é o espaço social definido para os

preparativos do 20 de setembro.377

Nesse ano outra sociedade é fundada, desta vez, pelos meridionais. Esta

memória, como tantas outras, perdeu-se em Porto Alegre. Está na escrita, na

historiografia, não está na memória dos moraneses e seus descendentes

entrevistados. Sua breve duração não deixa registros. A notícia veiculada no dia 28

de novembro de 1924, no Correio do Povo, destaca:

Acaba de ser fundada, nesta capital, mais uma sociedade Italiana, sob o nome de Società Italiana "Moranesi Uniti". Os fins da nova sociedade são beneficentes e instrutivos, e dela farão parte todos os Italianos nascidos em Morano Calabro, na Itália. Como nesta capital existem muitos filhos dessa cidade, reuniram-se no domingo passado, no salão da Confeitaria Rocco, cerca de cem representantes desse departamento da nação amiga e elegeram a diretoria da nova e útil sociedade. Após essa eleição, foi aberta

376CROCETTA, 1925, p. 374; A luta pela construção da sede pode ser acompanhada nas notícias CONSTRUÇÃO de uma sede. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 119, p. 5, 20 maio 1928, Desde novembro último que a Sociedade Italiana "Dante Alighieri" está construindo um edifício, à rua da Misericórdia, esquina da General Vitorino. A direção daquela sociedade resolveu, agora, lançar um empréstimo, entre sócios e a colônia italiana, na importância de 200 contos de reis, a fim de concluir a obra. Dará ela, em garantia hipotecária, o terreno e o prédio, que, quando concluído, tem um valor de cerca de 500 contos de reis. Quanto ao juro, será de 7% ao ano, fazendo, anualmente, certas amortizações com o produto das partes do prédio que serão alugadas. [...]; NOVA sede da Dante Alighieri. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 199, p. 4, 21 ago. 1928, [...] Em assembléia geral realizada há poucos dias, o Comité Feminino da mesma sociedade resolveu organizar uma "Centuaria d'Onore", composta de senhoras e senhoritas que contribuiram com determinadas quantias em benefício da sede acima, que também se chamará "Casa dos Italianos". Para encerrar a lista das componentes dessa "Centuaria d'Onore" foi resolvido levar a efeito, no dia 6 de setembro, um chá dançante, precedido de uma hora de arte, na qual tomarão parte elementos de destaque do nosso mundo artístico [...];SOCIEDADE Dante Alighieri. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 123, p. 9, 29 maio 1934, [...] Além de solucionar os velhos compromissos e intensificar os meios de propaganda para conseguir as finalidades sociais, conta a nova diretoria da Dante Alighieri com a ativa cooperação de todos os sócios e com a plena solidariedade da colônia italiana para completar o suntuoso edifício da "Itália Domus", que, como seu proprio nome indica, significa a casa de todos os italianos, não só da capital mas do Estado, à semelhança das "Casas dos Italianos", que com o mesmo segnificado simbólico foram construídos em Paris, Chambery, Alger, Tanger, Barcelona, Mônaco, Baviera, Sofia, Beirute, Calcutá, Pequim, Rio de Janeiro, Salonicco, Basilea, Zurich, etc. [...]”. 377 O CINQÜENTENÁRIO da imigração italiana no estado. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n. 179, p. 4, 26 jul. 1924; CINQÜENTENÁRIO da imigração italiana. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n. 187, p. 4, 05 ago. 1924.

248

uma subscrição entre os presentes, a qual alcançou imediatamente franco sucesso, pois o capital subscrito atingiu a cerca de cinco contos de réis. Dada a espontaneidade com que os filhos da cidade de Morano Calabro, presentes á essa reunião, subscreveram tão elevada importância, é pensamento da diretoria proceder á nova coleta, a fim de adquirir um prédio para sede da sociedade. Os Srs. Januario Conte, presidente eleito, Rocco Gallo, Attilio Mainieri e Domenico Faillace, em comissão, foram ao régio consulado de S. M. o Rei da Itália, participar-lhe a fundação da Società Italiana "Moranesi Uniti", sendo recebidos, no salão de honra, pelo Cav. Luigi Arduini, que, aprovando os fins a que se destina essa sociedade, felicitou em nome de sua magestade a diretoria por tão feliz idéia. No dia 7 de dezembro próximo haverá mais uma reunião para empossar a primeira diretoria, já eleita, e para admissão de novos sócios.

378

Segundo Crocetta, a sociedade Moranesi Uniti, fundada a 23 de novembro,

para seus iniciadores, tinha finalidade exclusivamente patriótica.379

Nas páginas do Correio do Povo a próxima notícia sobre a Moranesi Uniti

será apenas em 1934, quando uma crise entre o cônsul italiano e a Sociedade

Dante Alighieri força a participação de delegados de todas sociedades para conter o

conflito. Nomes de fundadores também aparecem no conselho da Dante Alighieri,

assim como sobrenomes de famílias de meridionais em festas de outras sociedades.

Os entrevistados desconhecem a existência dessa Sociedade. Apenas

Delmar lembra sobre o pai comentar algo em torno de uma construção de sede

levantada pelos moraneses. Mas, não tem certeza.

Conjecturam o que teria acontecido com ela. Teria se fundido à outra

sociedade? Aqueles que poderiam esclarecer, já não estão entre nós.

Mas os anos 20 também são de celebrações fúnebres para os italianos, uma

vez que na morte, ainda mais se gloriosa, reforça-se o elo dos grupos capitaneados

pelas sociedades.

378 NOVA sociedade italiana. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n. 286, p. 4, 28 nov. 1924. 379 CROCETTA, 1925, p. 373: La prima Amministrazione sociale é risultada cosi composta: presidente: Conte Genaro; vice-presidente, Faillace Nicola; 2 vice-presidente, Faillace Domenico; 1 segretario, Mainieri Attilio; 2 segretario, Rosito Angelo; 1 tesorieri, Faillace Francesco; 2 tesorieri, Marroni Biagio; -cosiglieri:Mainieri Carmine;Gallo Rocco, Lo Tufo Antonio, Mainieri Luigi, Faillace Pietro, Faillace Francesco, Mainieri Matteo, Anele Pasquale, Ferrari Pasquale, Celia Giovanni, Marroni Fideli Mainieri Aprilucio.

249

Na leitura do Correio do Povo o espaço social é grandioso, nada menos que a

Catedral Metropolitana de Porto Alegre e a cena transcorre ainda em 1924. A

cerimônia fúnebre é pelo 6º aniversário dos tombados na Guerra. Celebrante, o

cônego Nicolau Marx, mais os padres Leopoldo Neis e Frei Modesto. Mestre de

cerimônias o cônego João Emillio Berwanger, secretário geral do arcebispo, enfim, a

mais alta hierarquia religiosa.

O Arcebispo de Porto Alegre é Dom João Becker, que desde 1912 governa a

arquidiocese. René Gertz trata sobre a atuação deste, ao atuar pelo “catolicismo

político”, que tem nos imigrantes e seus descendentes, desde que católicos,

evidentemente, seu centro de interesse. 380 O espaço da Catedral é franqueado aos

italianos ilustres, assim como em inúmeras ocasiões alguma autoridade eclesiástica

faz questão de estar prestigiando eventos da “colônia”. 381

A recém criada sociedade dos Reducci della guerra faz as honras com

estandarte em homenagem aos que combateram na guerra, como o avô de Carmine

dentre os imgrantes que de Porto Alegre retornaram à Itália para lutar. Os alunos do

Instituto Dante Alighieri, o Régio Cônsul italiano Cav. Luiz Arduini, também fazem

parte do ato fúnebre. A descrição efetuada pelo Correio do Povo da cena é

magestosa: “No meio da Igreja foi armado um alteroso catafalco”, isto é, um estrado

alto tendo ornamentos de coroa de flores naturais, nas cores da bandeira italiana. O

coral das Orfãs de Nossa Senhora da Piedade foi regido e acompanhado ao orgão,

pelo maestro Alberto Wolkmer e, ao violino, por Amadeu Luchesi. No encerramento

da missa, foi entoado Responso sob a luz das tochas acesas dos assistentes. A

plasticidade com que foi descrita a cerimônia não poderia deixar de sensibilizar o

leitor do Correio do Povo.382

A sagração religiosa é fundamental e está presente em todas datas

importantes, solidificando as relações entre a Igreja Católica e a cidade dos italianos.

380 GERTZ, 2002. 381 Sobre as relações do arcebispo Dom João Becker e a política nacionalista, ver DREHER, Martin. (Org.). Populações rio-grandenses e modelos de igreja. Porto Alegre/São Leopoldo l: EST/Sinodal, 1998. 382 PELOS italianos mortos na guerra. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n. 266, p. 4, 05 nov. 1924.

250

Bandeiras voltam a engalanar as sociedades e o consulado para comemorar

mais um aniversário da entrada da Itália na Grande Guerra. As efemérides italianas

são comemoradas em Porto Alegre, rigorosamente.383

Quanto a esse item, o Bispo Scalabrini ficaria satisfeito. Ele não exagerava

quando exigia maior participação social da Igreja junto aos italianos no exterior.

Diante da conjuntura internacional dos anos que se seguiram à grande imigração, só

tende a aumentar a presença da Igreja na América. Mas no sentido ideológico, com

uma solidariedade interessada na base italiana envolvida em negociações com o

poder político que afetam a liberdade religiosa e a língua estrangeira nas escolas.

Muito distinta do século passado, quando o sacerdote exortava os governos, as

autoridades, as sociedades de auxílio diante da calamitosa condição em que se

dava a emigração italiana.384

Esses anos caracterizam uma conjuntura de intensa divulgação da língua e

da cultura italianas. Em 1927, o Correio do Povo noticia que a seção feminina da

Dante Alighieri inaugura uma biblioteca para sócios e um curso prático da língua

italiana, para senhoras e senhoritas, ministrado pela presidenta, Bicce Luppi.385

Essa iniciativa fica, em princípio, restrita ao círculo feminino, no entanto a

idéia é a de expandir tais cursos, tanto que, em Roma, João Campelli procura

legalizar juridicamente o comitato local, através da cessão dos titulos respectivos e

beneméritos. O próximo passo é a construção da sede própria, ainda no ano de

1927, à rua da Misericórdia, esquina da General Vitorino.386

383 A ENTRADA da Itália na Guerra. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIII, n. 129, p. 4, 27 maio 1927. 384 Por sua atuação junto aos imigrantes, a obra de Scalabrini é sempre lembrada. Entre outros, ver RIZZARDO, Redovino. Os scalabrinianos no Brasil; missionários que salvaram a fé e a civilização de um povo. In: SULIANI, Antõnio (Org.). Etnias & carisma. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001. p. 919-934. Desde uma perspectiva política ver RODEGHERO, Carla. O diabo é vermelho: imaginário anticomunista e Igreja católica no Rio Grande do Sul (1945-1964). 1996. Dissertação (Mestrado)- Programa de Pós-Graduação em História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1996; ver GERTZ, 2002. 385 CURSO Prático da Língua Italiana. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIII, n. 139, p. 4, 08 jul. 1927. 386 COMITATO Dante Alighieri. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIII, n. 218, p. 4, 08 set. 1927.

251

Em 1928, é a vez da Sociedade Emanuelle II, à rua Sete de Setembro, reabrir

o Curso Prático de Língua Italiana, denominado de “sala de leitura e de

conversação”:

[...] A senhorita Bice Luppi fez ressaltar a sua satisfação em trabalhar na terra brasileira, para a divulgação da língua Italiana. Referiu-se, após, aos resultados obtidos no ano passado, os quais foram os mais lisonjeiros possíveis, e terminou dizendo que difundir a língua Italiana equivale a facilitar no estrangeiro o conhecimento do rico patrimônio dos valores teatrais, científicos, artísticos e históricos de que a Itália é possuidora.

387

Valorizar e divulgar o patrimônio cultural italiano é a preocupação

compartilhada pelo cônsul, quando em visita ao Instituto Ítalo-Brasileiro Dante

Alighieri, dirigido pelo professor Augusto Menegatti e esposa, Sra. Linda Menegatti,

constata o grau de adiantamento dos alunos, que cantam a Addio Giovinezza e o

hino nacional na homenagem que o esperava. O aluno Ascendino Vescovi saúda o

cônsul, seguido do diretor que após dirigir palavras sobre sua pátria, o Brasil, ainda

assim afirma que “os filhos de italianos nunca se esqueceriam da terra de seus

antepassados.” Augusto Menegatti lembra os 10 anos do Instituto e do empenho da

Itália quanto à educação. O cônsul deixa palavras aos alunos, exortando

[...] que a civilização que vem de Roma, tem como base a “força de um povo”. Credita à imposição da língua, o domínio de Roma no mundo. [...]. Ao Instituto Ítalo-brasileiro Dante Alighieri, que tão nobremente mantêm acesa a chama do idioma do grande poeta o meu aplauso e o da pátria reconhecida.388

O que não impede que proclame ser o Instituto Secundário uma necessidade

para a colônia, dado o seu desenvolvimento atual e com a finalidade desta Escola

Superior corresponder ao Instituto Médio Ítalo-brasileiro do Prof. Augusto

Menegatti.389

De fato, em 1933, o Correio do Povo noticia o início do funcionamento das

escolas italianas na "Dante Alighieri, rua da Misericórdia n. 108; na Escola "Umberto

387 PROPAGANDA da língua italiana. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 120, p. 4, 22 maio 1928. 388 CASAS de Ensino Instituto Ítalo-Brasileiro Dante Alighieri. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 146, p. 8, 21 jun. 1928. 389CROCETTA, 1925, p. 403.

252

I", rua Visconde do Rio Branco, esquina da rua Quintino Bandeira; na Escola "Elena

di Montenegro", rua General João Telles n. 317; na Escola "Vittorio Emanuelle II",

rua 7 de Setembro e, que, a inscrição é aberta aos alunos não maiores de 14 anos e

não menores de 6 anos. Em tais escolas o ensino da língua italiana é obrigatório,

mais o ensino da língua portuguesa e as demais matérias que são relativas aos

programas da lei brasileira. A centralização fica demonstrada quando a direção

didática cabe ao Real Consulado Geral da Itália. A Itália realizara recentemente uma

reforma no ensino primário, adaptando o ensino às diretrizes do governo. A abertura

desses cursos é reconhecidamente um passo a mais para a fraternidade Brasil e

Itália.390

Porém, notável é o acordo entre o Consulado Geral da Itália e o Governo do

Estado do Rio Grande do Sul que, em 8 de maio de 1933, instituíram, de forma

facultativa, os curso de língua italiana e literatura nos ginásios estaduais de Porto

Alegre, sendo pioneiros o Anchieta e o de Nossa Senhora do Bom Conselho.391

Quando, efetivamente, é inaugurado o curso no Ginásio Bom Conselho

comparecem, em grande estilo, o comendador Guglielmi, Barbarisi, cônsul geral da

Itália; Luiz Ledda, diretor geral das escolas italianas no Rio Grande do Sul;

Domenico Gaudio, representante do Fanfula, de São Paulo, e os representantes da

imprensa de Porto Alegre desta capital.392

O próprio cônsul comparece na ocasião do encerramento do primeiro curso

de italiano no Ginásio de Nossa Senhora das Dores dirigido pelo Cav. Gino

Battochio, ex-agente consular da vizinha cidade de Bento Gonçalves. Em nome dos

alunos, agradece o aluno Moreira Lima:

Sou o aluno menor, mas quero fazer também a minha saudação e a minha homenagem ao digníssimo representante da gloriosa Itália, amiga da minha grande e cara pátria, o Brasil. Eu falo em nome dos meus colegas do curso de língua Italiana, e devo dizer que somos muito gratos a V. S. que tanto interesse tem demonstrado por nós e o Duce Mussolini que mandou-nos livros tão úteis e belos. Viva o Brasil. Viva a Itália. Viva o nosso Interventor

390 A REORGANIZAÇÃO das escolas italianas. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIX, n. 51, p. 3, 02 mar. 1933. 391 O ENSINO de italiano. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIX, n. 112, p. 4, 14 maio 1933. 392 A INAUGURAÇÃO do Curso de italiano no Ginásio Bom Conselho. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLI, n. 76, p. 13, 02 abr. 1935.

253

general Flores da Cunha. Viva o Cônsul Geral da Itália. Viva o Reverendo Diretor.

393

Juntamente com a língua, os italianos de Porto Alegre, dos anos 30 em

diante, recebem insistentes mensagens da escalada fascista na Europa. A

metamorfose semântica vai tentar o imigrante, brasileiro de adoção, que é um

autêntico italiano e italiano fascista, na lógica de parte das elites das sociedades

italianas. Neste registro, os anos 30 foram pautados por numerosas e repetitivas

comemorações dos feitos de Mussolini, como por exemplo: a “marcha sobre Roma”.

O intenso debate ideológico domina a cena nas sociedades. Os fascistas do

exterior vão cumprindo suas funções de propaganda por aqui, por exemplo, quando

por ocasião dos 10 anos da ascensão de Mussolini, vão merecer comemorações do

Fascio Carlos Del Prete, na Dante Alighieri, no dia 3 de novembro de 1931.

Vale reter os pormenores da narrativa. O Correio do Povo descreve, inclusive,

os trajes dos cavalheiros, uma vez que alguns se apresentam com o fardamento

fascista. As falas, nessa ocasião como as demais, em todo o período, obedecem ao

ritmo das hierarquias das representações consulares e afins. Esta é a ordem: falam

o Comendador Manfredo Chiostri, Cônsul Geral da Itália, o Sr. Lourenço Lotti,

secretário do Fascio local, e o orador oficial Dr. João Monti, subdiretor do Banco

Francês e Italiano.

Aqui, o jornalista dispensa a isenção, é um entre os ouvintes: “sua oração

consistiu num profundo estudo sobre o regime fascista. Enalteceu os seus serviços

prestados à Itália a ponto de hoje se encontrar em tão magnifica posição”. Encerra a

matéria com os aplausos da platéia, antes das danças naquela passagem de

sábado para o domingo.394 A festa, sim, a festa é a quebra da rotina, do cotidiano e

de suas regras.

Fascismo, italianidade, farroupilha, são elementos da composição narrativa

que quer narrativizar os anos 30, na perspectiva das elites italianas. Ou seja, conferir

393 O ENSINO de italiano no Ginásio de Nossa Senhora das Dôres. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 263, p. 13, 10 nov. 1934. 394 A MARCHA sobre Roma. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 257, p. 40, 08 nov. 1931.

254

uma identidade amalgando símbolos tão caros aos rio-grandenses, à ascensão do

fascismo.

Essa identidade simbolizada vai costurando os mitos tão díspares entre si,

num mesmo registro, sendo o Centenário Farroupilha o realizador da grande síntese.

A mitologização em torno do Duce, do herói dos dois mundos, Garibaldi, dos heróis

farroupilhas marca a discursividade dos grandes eventos e das grandes sociedades

nos anos entre 1930 e 1937.

Como por exemplo, em 1931, quando Porto Alegre recebe a visita da

escritora Anita Garibaldi, neta de Garibaldi. Segundo o Correio do Povo, sua vinda

constitui uma peregrinação para recolher, na América do Sul, dados sobre a atuação

do grande condottiere. Clemenciano Barnasque, autor da matéria, propõe à neta o

lançamento de dois clichês em pintura. Descreve:

No primeiro, [clichê] revive Garibaldi, guiando, na planície rio-grandense, o transporte, por terra de sua esquadrilha, da barra de Capivara, na Lagoa dos Patos, à foz do Tramandaí, em 14 de julho de 1839; e o segundo lembra a destemida Anita fugindo à cavalo, levando ao colo Menotti Garibaldi, então recém-nascido em local próximo ao mesmo, da épica façanha um ano depois, como se vê [...] Que glorioso legado cumpriria a escritora Anita Garibaldi, lembrando os seus patrícios perpetuar, no centenário farroupilha, em dois monumentos, no próprio local, a glória de seus maiores!

395

Em 1932, a crise mundial inquieta especialmente os italianos em Porto

Alegre. Os rumos da política externa ressoam na cidade dos italianos. Muitos, estão

fora da discussão política, estão lutando pela sobrevivência. Outros, porque atuam

nas sociedades, como o tio de Dalva, não têm como se eximir.

No dia 30 de julho, em tom de release de próprio punho, ficamos sabendo que

foi a noite para ir à Sociedade Dante Alighieri, no edifício da Itálica Domus, assistir

395 BANASQUE, Clemenciano. Um apelo à colônia italiana. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 195, p. 14, 20 ago. 1931.

255

“uma conferência que atraiu ali um extraordinário número de pessoas do que há de

mais representativo em nossa sociedade e na colônia italiana”. 396

Não é excepcional o evento: nestes anos a Dante Alighieri cumpre sua função

ideológica como o espaço social da narrativa fascista. Discursa o Dr. Giovanni Monti,

“elemento de destaque de nossos meios financeiros e bancários”. Versa sobre

"Considerações sobre a crise mundial”. Presente, o Cônsul da Itália, agora, o

Comendador Mario Carli, e Dr. Duilio Bernardi, presidente da Dante Alighieri, o

Desembargador André da Rocha, presidente do Superior Tribunal do Estado;

cônsules do Uruguai e dos Estados Unidos, e representantes do Instituto Histórico e

Geográfico do Rio Grande do Sul. Tece o panorama da crise e conclui pela:

[...] reabertura da liberdade de imigração e emigração o orador examinando rapidamente a concepção econômica do Estado Corporativo Fascista que contém os elementos doutrinários e práticos para coordenar os esforços da produção e os harmonizar no quadro dos interesses gerais da coletividade. Uma prolongada salva de palmas reboou por toda sala quando o Dr. Monti disse suas últimas palavras da conferência que a todos agradou imensamente. A seguir foi exibido o filme "Ano IX", demonstrando alguns dos principais trabalhos públicos inaugurados pelo fascismo na Itália. Por eles se constatou como o Duce, desde a sua ascensão ao governo se interessa pela grandeza de sua pátria, colocando-a em posto de destaque entre as demais nações. Foi enfim uma excelente noitada proporcionada ontem pela Dante Alighieri à coletividade porto-alegrense [...].

397

As notícias dos dias 27 e 30 de outubro reúnem, exemplarmente, o círculo da

sociabilidade fascista. Vejamos o início dessa narrativa, a chegada do navio

“Netúnia” em Rio Grande, com a saudação, pelo Correio do Povo, de seu

comandante aos compatriotas por ocasião do 10º aniversário da “Marcha sobre

Roma”.

Em Porto Alegre as comemorações são coordenadas pelo Cônsul, Mario

Carli, com o apoio das diretorias das sociedades filiadas à Federação das

Sociedades Italianas. Não pode faltar a missa na Cripta da Catedral Metropolitana,

pelo Monsenhor João Balem in memorium “aos mártires da Revolução Fascista que

396 CONSIDERAÇÕES sobre a crise mundial. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVIII, n. 180, p. 10, 31 jul. 1932. 397 Ibid., loc. cit.

256

tombaram.” Após a missa, é o momento de ir ao consulado italiano cumprimentar o

cônsul, Comendador Mario Carli.

O fascio Carlo del Prete organiza à noite, no salão nobre da Itálica Domus,

uma solene comemoração.

Acompanhemos a plasticidade da narrativa:

A vasta sala se destaca pela magnífica ornamentação e abundância de luz, com um grande retrato do Duce, no centro cercado de bandeiras e flores. [...] Na platéia as camisas pretas de alguns assistentes a presença dos associados do "Reducci di guerra", com sua condecorações [...]. Os hinos italiano, brasileiro e Giovinezza são ouvidos com reverência [...] O que há de mais representativo da colônia Italiana e de nossa sociedade participou da festa, que decorreu com grande entusiasmo. Entre os presentes se contavam os Srs. Waldemar Cavalcanti, representando o interventor federal; major Alberto Bins, prefeito municipal; cônsules de Uruguai, da Espanha, de Portugal; da Inglaterra, dos Estados Unidos e da Alemanha; Dr. Eduardo Duarte, pelo Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul; diretorias de todas as sociedades italianas com os seus estandartes [...].

Quanto ao discurso, os oradores iniciam por acentuar a presença italiana em

Porto Alegre, quando da exposição para os festejos da chegada da primeira leva de

imigrantes ao estado. O orador, Dr. Duilio Bernardi, presidente da Dante Alighieri

prossegue:

[...] conseguiu demonstrar para grande parte da população daqui que ignorava por completo os maravilhosos resultados da atividade dos filhos da Itália. E conclama [...] Aos fascistas estrangeiros. Deveis, considerar-vos como portadores de uma nova civilização, como os construtores que lançam hoje as bases do edifício, que realizam tudo aquilo que foi o sonho de tantas gerações durante a Renascença Italiana; o sonho daqueles que combateram e morreram de 1915 a 1918 e dos melhores jovens de sangue vermelho e puríssimo que cedo caíram nas emboscadas armadas pelos elementos antinacionalistas. [...] foi publicado um livro que se ilustra a história dos 35 mortos e 212 feridos fascistas no estrangeiro. Prefaciando essa obra, o Sr. Giovanni Giuratti, presidente da Camara e ex-secretário do Partido, escreveu o seguinte: Esta resenha de mortos e feridos, este livro de ouro austero e verdadeiro, é destinado aos finados, na Itália e no estrangeiro. Mais ainda o estrangeiro, onde está em deblaterar (sic) da violência fascista nos jornais, na praças e mesmo nas audiências judiciárias, transformadas muitas vezes, com a cumplicidade de magistrados ou sectários ou muitos condescendentes, em públicos comícios. Para aqueles que, além dos Alpes e além dos mares, ostentando o mais ilibado horror do sangue, armam o braço do sicário e do agressor, e para todos os seus

257

favorecedores, ao alto e em baixo, este volume quer ser um claro e pacífico libelo [...].

398

O Dr. Lourenço Lotti, fiduciário do Fascio Carlos del Prete, evoca a trajetória

do Duce: “salvando do comunismo e da anarquia a pátria amada”. A oração do

cônsul sobre a "Itália de Mussolini", como obra de arte, encerra a oratória.

A narrativa do jornal encobre a do cônsul, parcialmente:

[...] já se falou que o Duce além de ser uma vontade e um talento político é também um espírito de artista inclinado as vozes do pensamento, sensível às visões da poesia, adestrado nos problemas de construção. Ele não é somente o irmão dos artistas e o seu iluminador benéfico. Mas é ele próprio, em todos os momentos, o artista privilegiado que não constrói castelos de palavras ou criaturas de gesso. Escolheu a matéria prima de sua criação - uma nação, um povo - matéria prima que vai modelando a grandes golpes [...]. Após a sessão solene, realizou-se magnífica hora de arte.399

Nem tudo é propaganda fascista nas páginas do Correio do Povo. Há eventos

sociais, sim. Depois da Vittorio Emanuell II, a sociedade mais antiga, em 1933, é a

Elena de Montenegro, a qual completa 40 anos. O baile é o centro das festividades.

Ocorre na sede (até hoje, 2003, está lá), à rua General João Telles, em homenagem

à grande data italiana de Victorio Veneto. O Grande Baile das Flores promete ser

uma festividade brilhante e de magnífico realce social. No outro dia haverá um

churrasco como parte da programação que se extendeu até o dia 12 de

novembro.400

As senhoritas diretoras do Baile constituem a geração das futuras mães de

importantes famílias, como Marietta Marranghello, Gilda Fiorenzano, Esther Zoratto,

Angelina Dellagrave, Clara Contieri, Maria Freda, Norma Campana, Aida Ren,

Claudia Boni, Mafalda Palmini, Iessa e Ida Giampaoli, Irma Fiori, Mariana

Mazzaferro, Irany Moure, Helena Santoro, Algesira Santoro, Ida Perrone, Celeste

398 NA COLÔNIA italiana. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVIII, n. 255, p. 8, 27 out. 1932; O X ANIVERSÁRIO da marcha sobre Roma. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVIII, n. 258, p. 9, 30 out. 1932. 399 O X ANIVERSÁRIO..., 1932, p. 9. 400 40O ANIVERSÁRIO da sociedade Elena de Montenegro. Correio do Povo, Porto Alegre, ano - XXXIX N. 255 p. 9. 4 nov. 1933

258

Palmini, Ida Gnatali, Luiza Fava, Gilka Cecchini, Norma Pellizari, Laura Rodel e E.

Croceta.

Porém, falta harmonia entre as sociedades, principalmente entre Humberto

Facciotti, presidente da Dante Alighieri e o Cônsul da Itália, Comendador Mario Carli.

O Correio do Povo cobre entre 27 de janeiro e maio, a querela, que terminou com a

volta do cônsul para a Itália e a nomeação de outro diplomata para exercer as

funções de cônsul.

As matérias trazem a repercussão no Rio de Janeiro, e, em Roma.

Desembarca em Porto Alegre o jornalista Cezar Rivelli, diretor da Nuova Itália com a

missão de intermediar a crise. O episódio mostra, apesar do tumulto, o desejo da

“colônia” na posse do edificio da sociedade Dante Alighieri. Não pretende abrir mão

da propriedade em benefício da matriz romana. Exige eleger sua administração, sem

nenhuma interferência, quer do consulado, quer da entidade da matriz, na Itália.

Notícias a respeito da Moranesi Uniti reaparecem durante a crise. É formado

o novo conselho de administração do Comitê Dante Alighieri, o anterior fora

destituído pelo Cônsul Mario Carli, em reunião no dia 26 de janeiro:

[...] com voto unânime de significativa confiança, nomeou para os altos cargos da diretoria os Srs. Raphael Guaspari, presidente; rag. Giovanni Prenna, vice-presidente; Giovani Eboli, tesoureiro, e Dr. Gesualdo Grocco, secretário. Esse conselho, que por sua vez foi eleito na anterior assembléia dos sócios, efetuada no dia 13 do corrente, é composto dos seguintes Srs.: Dr. Alberto Albertini, Prof. Francisco Benoni, Pedro Bonotto, Januario Conte, Dr. Gesualdo Grocco, Dr. Duilio Bernardi, Piero Boni, Cav. Julio Bozano, Alexandre De Meda, João Eboli, Domingo Faillace, José Floriani Filho, Rapahel Guaspari, Cav. Carlos Lubisco, nob. Attilio Marsiaj, Guido Mondini, Leonardo Perrone, Natale Piccolli, rag. Giovanni Prenna, Affonso Contieri, Paschoal Santoro, Dr. João Sassi, Dr. Cesar Scarani, Salvador Longo, José Difini e Benevenuto Crocetta e dos delegados permanentes das Sociedades Vittorio Emmanuelle II, Umberto I, Principessa Elena di Montenegro e Moranesi Uniti. A comissão de contas ficou constituída dos Srs. Francisco P. Donadio, Dr. José Manganelli e José Maia [...].

401

401 SOCIEDADE Elena di Montenegro. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 139, p. 14, 16 jun. 1934.

259

A antiga Sociedade Elena di Montenegro fica encarregada de receber,

oficialmente, o Comendador Guglielmi Barbarisi, novo Cônsul Geral, em 16 de junho.

O destaque da festa é o “concurso de engarrafamento.“.

[...] Esse concurso destina-se somente aos acondicionamentos de bebidas baseando-se na melhor apresentação do produto, julgando-se, assim, os rótulos, colocações dos mesmos, dos selos, arrolhamento, etc. Inúmeros industrialistas inscreveram-se no concurso [...].402

A paz volta para as sociedades. E, também, para a Dante Alighieri, que vê

admitidos novos sócios. Seu novo programa do conselho de administração é

aprovado, aumenta o número de sócios e os donativos para o término das obras da

Casa dos Italianos, ”projeta-se nova feira de amostras, inclusive uma de exclusivos

produtos vindos da Itália.[...] R. Cônsul Geral, Com. Barbarisi, manifestando a este

respeito a sua plena aprovação e prometendo o seu apoio moral para as démarche

a serem encaminhadas na Itália”.403

Tanto foi o apoio que a diretoria pôde se preocupar com as decorações do

edifício da Itálica Domus:

[...] os vitraux policromicos confeccionados pela Casa Genta de Porto Alegre, contendo ao centro a efígie ladeada por figuras simbólicas da originária grandeza romana, e em rodapé a célebre oração de Horácio: Alme Sol, possis nihil Urbe Roma maius videre. Benigno Sol, que tu nada possas ver maior que a Cidade de Roma!

404

A Comissão de Obras é formada por Duilio Bernardi e Pedro Bonotto.

O projeto arquitetônico prevê a ampliação do espaço para outras instituições

italianas de caráter beneficiente, recreativo ou artístico, bem como a instalação da

402SOCIEDADE Dante Alighieri. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 139, p. 4, 16 jun. 1934; UMA FESTA de confraternização na Sociedade Elena de Montenegro. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 147, p. 16, 26 jul. 1934. 403 SOCIEDADE Dante Alighieri. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 123, p. 9, 29 maio 1934. 404 SOCIEDADE Dante Alighieri. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 228, p. 16, 29 set. 1934. .

260

Feira Permanente de Amostras de toda e qualquer indústria pertencente aos

italianos e seus descendentes no Rio Grande do Sul.405

Esta normalidade, pairando sobre as sociedades italianas, permite relembrar

as origens da Sociedade Italiana Vittorio Emanuelle II, que completa 57 anos. Em

julho de 1877, alguns italianos reunidos na casa comercial de Floriol Goldi à rua dos

Andradas n. 251, resolvem criar uma associação e homenageiam o rei da

Unificação, morto naquele ano, pois o nome original era a Società Italiana di Mutuo

Socorro e Benevoleza.406

A lista dos homenageados é interessante: Mesclam-se desde o presidente

honorário, o herói dos dois mundos, Giusepe Garibaldi, até figuras políticas como

Júlio Prates de Castilhos; o escritor Achiles Porto Alegre; o advogado da entidade

João Menezes de Castro, o intendente J. Montaury de Aguiar Leitão, nome venerado

pelos italianos de Porto Alegre, que o cognominaram "Pai da pobreza Porto-

alegrense" e Giovanni Berutti, pela atividade na construção do suntuoso edifício

social. A nominata expressa a circulação e a trajetória das sociedades,

intercambiando discurso étnico com a sociabilidade mais cosmopolita dos anos 30.

Como já dissemos, no Correio do Povo a narrativa de fundação dos italianos

no Rio Grande do Sul é sintetizada no Centenário Farroupilha de 1935. Os mitos

reaparecem e mobilizam os italianos como co-protagonistas, enfeitando os fatos e

dirigindo o enredo.

Monoliticamente, as elites impõem uma narrativa histórica onde os italianos

na sociedade do Rio Grande do Sul, mormente em Porto Alegre, são conduzidos a

um modo de interpretação histórica encobridora da sua própria historicidade.

Estabelece-se desse modo uma justaposição: a composição dessa identidade

narrativa que pretende relacionar o tempo de uma narrativa unívoca e a italianidade,

com a vida e a ação efetiva de cada italiano, em particular.

405 SOCIEDADE Dante Alighieri. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 263, p. 4, 10 nov. 1934. 406 A MAIS antiga sociedade italiana. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 181, p. 110, 4 ago. 1934.

261

Os italianos são, simultaneamente, reféns e autores desta intriga, porque são

envolvidos na elaboração de uma ação pretensamente unívoca, mas na verdade,

totalitária do social, apenas conveniente para determinadas frações da colônia

italiana e seus interesses.

Desponta uma pretensa identidade italiana como resultado da fusão de

acontecimentos reais, elevados à categoria de mitos. É o que permite ver

solidariedade entre processos e ideários distintos entre si, tais como a Revolução

Farroupilha e o processo republicano italiano, na versão fascista.

Ao anular os atributos dos símbolos que vão constituir a base da elaboração

dos mitos festejados nas sociedades, se impõe um imaginário descolado da

realidade.

Nestes anos trinta os moraneses passam ao largo dessa mitologização

porque presos às tarefas da decifração dos códigos e dos dispositivos da cidade.

Em 7 de maio, Souza Docca, editorialista do Correio do Povo, tenta

desconstruir parte deste imaginário construído pelas elites no campo das artes. Quer

impor limites, trazer veracidade à imaginação do pintor rio-grandense José

Francesco, no quadro intitulado - "A última visão de Anita Garibaldi" Descreve:

[...] onde a heroína brasileira deitada "tendo a seu lado a figura simbólica da República de 35. Ao fundo, em uma cavalgata da epopéia, aparecem duas colunas de guerreiros farrapos, flâmulas ao alto, tendo à frente Garibaldi e Bento Gonçalves. [...] Duvida que [...] a heroína, em seus últimos momentos, nenhuma manifestação fez que se possa crer pensasse ela na cruzada farroupilha. Não há, mesmo, em sua correspondência conhecida, referências que demonstrem que aquele passado de lutas era uma de suas preocupações, de todos os momentos, especialmente nos lances arriscados ou difíceis [...]. E segue estabelecendo feitos que poderiam ser perenizados pelo gênio do artista [...] Abertura da Assembléia Constituinte [...] A Constituinte Rio-Grandense de 1842 [onde aparece] Vicente da Fontoura discutindo a paz na Corte [...].

407

Vocifera com Vitorio Buccelli, em Un viaggio a Rio Grande do Sul, quando diz

que:

407 DOCCA, Souza. A última visão de Anita Garibaldi. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLI, n. 106, p. 3, 07 maio 1935.

262

Garibaldi trocou com Bento Gonçalves, em 1835 as primeiras idéias para proclamação da República Rio-grandense, à sombra do histórico cipreste de Pedras Brancas, que ela transforma em ‘figueira’ e páginas adiante, metamorfosea em ‘umbu’. No ano da Revolução, Garibaldi nem o solo americano havia pisado [...].408

E, segue detalhando as bases do que denominamos, noutra perspectiva a

narrativa mítica de Garibaldi,

[...] donde [...] com essa falta de fundamento histórico e com aqueles anacronismos flagrantes, se tem criado uma lenda em torno de Garibaldi no Rio Grande do Sul [...] mas que, lamentavelmente, o tem sobreposto a vultos de proporções maiores que as suas, quer no terreno das idéias, quer na constância da luta, durante a cruzada homérica.

409

O Centenário Farroupilha aproxima-se. É necessário tomar providências.

Organiza-se um Comitê Colonial, cujo local de reuniões, é a Itálica Domus. O Cônsul

Barbarisi envia telegrama submetendo à aprovação, o programa, o qual foi

aprovado. Em maio, lembra o cônsul, comemora-se o natal de Roma (Aniversário de

Roma), a Festa do Trabalho Italiano e o martírio de Tiradentes. Mais mitos sendo

solidarizados, unindo a história de dois mundos afins.

Para participar do Centenário, a colônia reunida na Itálica Domus decide erigir

“um monumento à caridade.” Em outros termos, será a ampliação das dependências

do Sanatório Belém, obra de Pereira Filho, no bairro Belém Novo.

Para tanto é preciso uma subscrição pública. E o Cav. Rocchetto Guido

Mondini descreve o público presente à reunião e relembra outras cenas passadas

“um montão de cabeças prateadas a refletir um passado de ativa produtividade”, a

começar pelo presidente Guaspari, mais Provenzano, o Gattoni Crocetta, o Cav.

Rocchetto.410

O pavilhão terá o nome do grande fisiólogo italiano Forlanini:

408 DOCCA, 1935, p. 3. 409 Ibid., loc. cit. 410 MONDIN, Guido. A colônia italiana e o sanatório Belém. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLI, n. 127, p. 10, 02 jul. 1935.

263

É o espirito de confraternização ítalo-riograndense que sincero e leal, surge expontâneo, evocando e renovando o passado. Em 1835 José Garibaldi com um reduzido grupo de patrícios irmanava-se aos novos ideais republicanos de Bento Gonçalves e de seus, para realizarem a nova pátria mais digna. Decorridos cem anos, hoje os netos daqueles primeiros romeiros multiplicados, agora para aqui atraídos pelo ideal do trabalho e recebidos como irmãos, identificando-se cada vez mais com os filhos desta grandiosa terra, sem o mínimo esforço encontram-se num terreno mais produtivo ainda, a comemorar os feitos dos antepassados. E os que no primeiro encontro entre o presidente do Sanatório Belém professor Pereira Filho e o presidente do Comitato Italiano pró-Farroupilha, Sr. Raphael Guaspari, surge a idéia do pavilhão e do nome que perpetuará a grande gloria da Itália e da terapêutica anti-tubercular e do professor Forlanini. Por uma coincidência digna de ressalto nos últimos meses do ano findo, Roma inaugurava o maior sanatório antitubercular do mundo, dedicando ao nome de seu grande Duce; mas que por determinação do mesmo era intitulado ao grande nome de Forlanini. O Rio Grande terá em breve com este mesmo nome a um de seus pavilhões o maior sanatório antitubercular da América Latina.

411

O Comitê Colonial, presidido por Eliseu Paglioli, reúne descendentes de

italianos e convida “portadores de um título universitário, escritores, jornalistas e

estudantes [...]”.412

Em continuidade às comemorações relativas a 1935, no dia 28 de maio,

comemora-se mais um ano da entrada da Itália na Grande Guerra. Os que

sucumbiram são homenageados em promoção da Associação de Ex-Combatentes

Italianos, ocasião em que flores e placas são ofertadas durante as festividades.

Na sede do club Sportivo Balbo, onde funciona também o Fascio Carlos Del

Prete, à rua Dr. Timotheo, o Major Angelo Gattoni recepciona os convidados. O

menino Paolini, profere palavras que “arrancaram muitos aplausos”. Hinos patrióticos

foram entoados por 300 alunos de escolas italianas e espetáculos com ginásticas

conferem grande destaque à festa da Associação dos Ex-Combatentes Italianos.413

Ainda em 1935, como parte dos festejos farroupilhas, o Comendador

Barbarisi, Rafael Guaspari, Presidente da Dante Alighieri reúnem-se com as

comissões de outras corporações, alunos de escolas ítalo-brasileiras para inaugurar 411 A COLÔNIA italiana e o Centenário Farroupilha. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLI, n. 133, p. 13, 09 jun. 1935. 412A COLÔNIA italiana e o Centenário Farroupilha. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLI, n. 249, p. 4, 24 out. 1935. 413 A ENTRADA da Itália na Grande Guerra. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLI, n. 122, p. 3, 28 maio 1935.

264

um monumento à Vicente Monteggia, fundador de Vila Nova. Falecido em 1934, o

italiano é exemplar quanto ao perfil do italiano bem-sucedido, que as sociedades

fazem questão de destacar.414

Vejamos o que narra o Correio do a Povo, sobre a trajetória de sucesso de

Monteggia, na oratória do professor Francisco Benoni:

De humilde origem, ainda moço deixou sua pátria, para exercer a sua atividade na Tunísia, na África, tendo, depois, vindo para aqui, trabalhar na construção da então estrada de ferro da Margem a Santa Maria, na estrada de ferro de Paranaguá e Curitiba, e no edifício onde, hoje, se encontra o Colégio Militar. Seguiu, depois, em 1885, para Alfredo Chaves, afim de ali, localizar os primeiros imigrantes italianos, passando, após a trabalhar em Porto Alegre, para fundar, nos seus arredores, Villa Nova, que, devido aos seus esforços, muito progrediu, especialmente a viti-vinicultura. Fundou, ali, também um moinho, para moagem de milho, e se esforçou, ainda, pela construção do ramal ferroviário do Riacho a Villa Nova. Todos os esforços do operoso italiano, se destacaram bastante em vários certames, principalmente no realizado quando aqui esteve a embaixada Luciani, no ano de 1918. [...] Após o discurso do Dr. Paulo Bozano, em nome do prefeito da capital, o nosso colaborador Guido Mondini improvisou uma saudação, como velho imigrante [...].

415

No ano seguinte, em 1936, na Itálica Domus, volta a ressoar a crise política e

econômica a qual atravessa a Itália de Mussolini. O evento assinala:

[...] passagem do terceiro mês das sanções econômicas decretadas pela Liga das Nações, em 18 de novembro do ano passado”. Presentes o cônsul Barbarisi, Angelo Gattoni, secretário do Fascio Carlo Del Prete; engenheiro Guido Baggio, presidente da Comissão de Assistência e Propaganda; José Prena, vice-presidente da Dante Alighieri; Dr. Agostinho Fausto e dr. Dante Laytano. Discursam Luiz M. Leo, vindo do Rio Grande, Angelo Gattoni e Dante Laytano, discursos esses todos de enaltecimento ao valor e a resistência dos italianos encerrada a cerimônia, pelas 23 horas.

416

Ainda, nesse ano, comemora-se na sede o décimo sétimo aniversário de

fundação dos Fascios, mais os quatro meses de sanção contra a Itália. Discursos

antecedem a hora de arte com as sopranos Olga Pereira, Lindomar Lima e Lina

414 INAUGURAÇÃO de um monumento. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLI, n. 280, p. 4, 01 dez. 1935. 415 O FUNDADOR..., 1935, p. 9. 416 UMA COMEMORAÇÃO da Colônia Italiana. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 42, p. 10, 19 fev. 1936.

265

Gabellini; os tenores Dante Micheletto e Henrique Gherardi; o barítono Emilio

Baldino e o violinista Carlos Barone

[...]. Antes de dar inicio à hora de arte, o dr. Agostinho Fausto, diretor da Hora de Rádio Italiana na rádio Difusora Porto Alegrense, apresentou os artistas que, com amor e carinho se dedicam, gratuitamente, à hora Italiana, elogiando sua obra grandemente benemérita e apontando-os ao reconhecimento de todos os italianos. [...].417

Outro exemplo da solidariedade mítica construída é o congraçamento da

Itálica Domus, em abril, desta feita, o Natal do suposto nascimento de Roma, o

martírio de Tiradentes e o dia do Trabalho na Itália, em 21 de abril. Presidindo o ato

esteve o Comendador Barbarisi. Iniciaram compondo a mesa solene: deputado

Adolpho Dupot, Agostinho Fausto, Eduardo Duarte, secretário perpétuo do Instituto

Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, Dr. Guido Baggio e rag. José Prena,

diretor do Banco Francês e Italiano. No encerramento, o Cônsul Barbarisi exorta:

Meus patrícios! Camaradas de pé! Um minuto de recolhimento e de silêncio seja dedicado aos que gloriosamente tombaram na África Oriental. O povo italiano, hoje, em toda parte, e até na África, está reunido para celebrar a Festa di Lavoro; rende graças a Deus e, diante do Altar onde a divindade da Pátria recorda a juventude imolada, o trabalho do povo que avança, de sua civilização que deixa sulcos indeléveis até no solo africano, abençoa o trabalho que cria o bem-estar, não só às famílias mas a toda a nação, repetindo entre cânticos e epinícios a invocação de Horácio: "O Sol, faze com que eu não possa ver coisa maior que Roma!

418

Outro aconteceimento, é a festa da Dante Alighieri. “Colônia Italiana em festa”

é a manchete do Correio do Povo no dia 7 de maio, por ocasião da tomada de Addis

Abeba. Nesse epísódio, registra-se a tentativa do governo italiano em constituir um

império Colonialista, na África, à exemplo das demais potências européias no

período. Vai reverter a política externa, brevemente. Mas este é o momento de

comemorações pelo império que Mussolini tenta construir.

Retomemos: A festa cívica no salão da Itália Domus consiste na leitura dos

telegramas transcritos na íntegra, no jornal, enviados pela colônia italiana do estado

417 SOCIEDADE Dante Alighieri. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 70, p. 5, 24 mar. 1936. 418 UMA BRILHANTE festa promovida pela Colônia Italiana. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 94, p. 7, 22 abr. 1936.

266

e lido pelo cônsul Barbarisi, ao rei Victor Emmanuelle III, à Benito Mussolini, ao

general Badoglio e ao embaixador junto ao governo brasileiro. Entre os que

discursaram, além do cônsul, Agostinho Fausto, Gattoni. O Deputado Dupont,

segundo o jornal:

Exaltou a personalidade de Benito Mussolini e, referindo-se ao soldado italiano, disse que não somente a este cabem os louros da vitória: também aos italianos residentes, no Brasil, aqui no Rio Grande os quais embora não podendo, por razões justificáveis, acudir ao chamamento da Pátria, nem por isso deixaram de servi-la com a sua fé, com o seu entusiasmo e com vultuosa contribuição material. E, depois de outras inflamadas considerações sobre o motivo patriótico que ali congregava italianos e amigos da Itália, a tomada de Addis Abeba, o deputado Dupont, erguendo a destra, símbolo da saudação romana, perorou entre entusiásticos aplausos da enorme assistência.

419

Não é sobre toda sociabilidade das sociedades que paira o espectro da

guerra. Uma forma de promoção da italianidade, além da estética da morte até aqui

apresentada pelo Correio do Povo, é a da vida italiana na sua versão veneziana. Em

maio o Club Canottieri Duca Degli Abruzzi no recinto do Parque Farroupilla vai

acender a imaginação dos porto-alegrenses: nada mais, nada menos que a

reprodução do ambiente da Veneza dos Doges, ao invés dos fogos de artifício. No

lago da exposição será reconstituída uma noite veneziana “[...] para deleite do

público da capital. Entoando as lindas canções napolitanas, venezianas [...], os

cantores, todos em seus trajes característicos darão uma nota de remarcado bom

gosto. É uma festa cheia de delicadeza [...]”.420 No recinto da exposição estão

previstas quermesses com atrativos organizados pelas senhoras e senhoritas sócias

e torcedoras do Club. Na sede da Canottieri serão ultimados os preparativos.

Em agosto, a Itálica Domus apresenta sua feição educativa cívica: Festeja-se

[...] a Independência do nosso país, a direção didática das Escolas Ítalo-Brasileiras, realizou, ontem, à noite, na Itálica Domus, uma brilhante festa

419 A COLÔNIA italiana em festa. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 106, p. 11, 07 maio 1936. 420 CLUB Duca Degli Abruzzi. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 114, p. 12, 16 maio 1936.

267

escolar, que transcorreu cheia de entusiasmo [...] Todos alunos das Escolas Dante Alighieri estavam presentes, além do Cônsul Barbarisi.421

Em outubro, seria a vez da homenagem aos que regressam da Campanha da

Abissínia, na sede, destancando-se o tenente Italio Giaccioli e os sargentos Paoletto

e Troffolino Domenico.422

A face assistencial da colônia italiana retorna na Itálica Domus no ano,

através do Comitê Colonial Italiano Pró-Centenário Farroupilha. Cumprida a primeira

etapa da construção do Pavilhão Forlanini do Sanatório Belém (de 120 contos de

réis e de todos os móveis e utensílios), a segunda etapa:

[...] é inauguração dos retratos de Garibaldi e Anita, de Zambeccari, Anzani, Costellini etc. na sala das recepções da Dante Alighieri (Itálica Domus) e da exposição de uma grande coroa de louros no obelisco erigido no Campo da Redenção como lembrança do Cinqüentenário da Colonização Italiana no Rio Grande e no qual figuram os medalhões em bronze de Zambecari, e a placa com os nomes de todos os Italianos que participaram da campanha farroupilha. Seguirá a cerimonia do descobrimento de uma lápide na fachada do edifício da Prefeitura Municipal de Viamão em homenagem à memória de Luiz Rossetti, figura proeminente da revolução de 1835, morto no combate do Passo do Vigário e 23 de novembro de 1840. [...].

Nada sem, antes, ir ao palácio levar o convite do Cônsul Barbarisi e do

presidente da Dante Alighieri, Cav. Attilio Marsiaj, para sua Exa. o governador,

General Flores da Cunha para “intervir à cerimonia de Viamão, marcada para às 10

horas”:

Da Itálica Domus , após a inauguração dos retratos, segue o cortejo de automóveis e auto-ônibus, para Viamão, “cujo prefeito receberá os visitantes e descobrirá a lápide dedicada a Luiz Rossetti, tendo também providenciado em aplicar o nome do mesmo herói a uma rua que será escolhida pelo Instituto Histórico e Geográfico do Estado [...] A lista dos oradores prevê as falas de Gesnualdo Crocco pelo Comitê Italiano, o Eduardo Duarte,

421 A COLÕNIA italiana e o 7 de setembro. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 216, p. 15, 13 set. 1936. 422 HOMENAGEM aos que regressam da Campanha da Abissínia. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 246, p. 4, 18 out. 1936.

268

secretário perpétuo do Instituto Histórico Geográfico, o revdo. Américo Cabral de Oliveira“ em nome da população de Viamão [...].

423

Incluído nas homenagens, o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do

Sul, recebe da comissão formada pela colônia, um retrato de Tito Livio Zambeccari,

idêntico ao que existe na Dante Alighieri.424

O ano de 1937 marca a comemoração pelas sociedades italianas da capital,

do Comitê Colonial para o primeiro aniversário do império italiano sobre a vitória

militar na Etiópia. A homenagem especial será o descerramento das lápides com os

nomes dos sócios que contribuíram “com as quantias mínimas de cinco e um contos,

respectivamente, para a edificação da suntuosa sede da Dante Alighieri (Itálica

Domus), à rua Misericórdia”.425

Nesse ano, a marcha sobre Roma completa seu 15 aniversário e a iniciativa

de comemorar cabe a Fascio Carlos Del Prete. A Companhia Canzone di Napoli,

que, especialmente, se apresentará no Teatro São Pedro. No domingo, com todas

as autoridades presentes “o campo desportivo do Club Canottieri Duca Degli Abruzzi

propiciará exercícios ginásticos e corais dos alunos das escolas ítalo-brasileiras,

seguindo a cerimonia comemorativa da Marcha sobre Roma, sendo orador oficial o

Dr. Cav. Romolo Carbone”.426

A língua italiana volta a ser notícia em função das escolas italianas, dentro do

projeto fascista. Em 1937, a difusão da língua em Porto Alegre, sempre dirigida por

Gino Battochio, é comemorada nos ginásios Anchieta, Sevigné, Nossa Senhora das

Dores, Bom Conselho, Escola Normal, Colégio Americano, Instituto Porto Alegre,

Ginásio Nossa Senhora do Rosário. Homenagens presididas pelo então cônsul da

423 A COLÕNIA Italiana e o Centenario Farroupilha. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 276, p. 15, 22 nov. 1936. 424 UMA HOMENAGEM da Colônia Italiana. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 226, p. 9, 25 set. 1936. 425 FESTEJOS da Colônia Italiana. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 59, p. 16, 12 mar. 1937. 426 A MARCHA sobre Roma. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 252, p. 6, 28 out. 1937.

269

Itália, comendador Sanvicenzo Magno, com a presença do tenente Fernando

Chiappini, inspetor dos Fascios.427

No entanto, a escalada da língua italiana em Porto Alegre vai ser interrompida

e não apenas no âmbito das sociedades.

Assim questiona Menotti del Picchia, nas páginas do Correio do Povo, por não

compreender a abolição do ensino da língua italiana das escolas. E com pedagogia,

enumera-as

[...] Em primeiro lugar, porque é um dos mais belos do mundo. Em segundo lugar, porque hoje é uma das línguas vivas que mais interessam á humanidade, dada a importância internacional sempre crescente do Império Italiano. Em terceiro lugar, porque no Brasil, há mais de um milhão de filhos da gloriosa península [...].

Faz desfilar o pensamento jurídico de Carrara, Pessina, Cogliolo, Ferri. “Nas

artes plásticas e na música, é a pátria de Mazaccio e de Palestrina, a mestra dos

povos”. Em literatura, bastaria a "Divina Comédia" - o poema supremo - para

justificar um profundo conhecimento dessa língua. Petrarca, Boccacio, Aretino,

Gerrazzi, De Amicis, Carducci. “[...] É o idioma revelador das surpresas modernas de

um Pirandello ou de um Rosso de San Secondo, de um Papini ou de um Marinetti,

de um Gavoni ou de um Tambari, das proclamações cesarescas de um Mussolini ou

de uma conferência de um Marconi.” Critica, ainda, os latinistas, o grego e o latim

que entram nos currículos.428

4.3.7 Obras e ações assistenciais

A década exige: há crise de emprego, de habitação, de saúde nesses anos.

Maçons, católicos e espíritas atuam nas obras sociais. Os italianos se encontram em

todos os segmentos.

427 P. S. As escolas italianas. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 259, p. 6, 03 nov. 1936; PELA divulgação da língua italiana. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 287, p. 16, 09 dez. 1937. 428 PICCHIA, Menotti del. A língua italiana. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 143, p. 5, 19 jun. 1937.

270

A presença da maçonaria na medicina se verifica através do Grande Oriente

do Rio Grande do Sul que instala um consultório médico gratuito, em 1920. Novos

nomes italianos surgem, como Carlos Conti e Vicente Giannone.429

A Federação Espírita do Rio Grande do Sul também data de 1920, a qual

passa a funcionar desde o dia 17 de outubro, provisoriamente no "Centro Allan

Kardec", à rua General Vitorino n. 22. Nomes como de Ernani Muzell compõem a

diretoria.430

O Natal dos Pobres, em 1921, é promovido pela diretoria do "Centro Católico",

no Colégio Anchieta, sob a presidência do Rev. Padre Clemente Rehm. Igualmente

se verifica a presença de italianos na comissão, como o coronel José Ferreira Porta,

Lorenço Piccardo.431

A hora de arte do Clube Jocotó, no dia 25 de novembro de 1927, é em prol da

maternidade da Santa Casa. Vindo, especialmente, de São Paulo para participar o

“Quarteto Brasil”, Luis Figueras, Valter Riley, Franck Smith e Venceslau Satoklaca.

Honorina Corrêa Barbosa canta árias. A seguir, o minueto é dançado com trajes de

estilo. Também haverá uma apresentação no Teatro São Pedro.

A “Associação São Francisco de Assis” recebe doações pelo festival de arte

do Jocotó. Ao piano, Miranda Neto; ao violino, Fernando Hermann e, ao piano, Ilse

Woebke. Na parte literária colaboram Mansueto Bernardi, Augusto Meyer, Darci

Azambuja. Pina Monaco vocaliza e Elisena D´Ambrosio acompanha ao piano.432

Um grande edifício está planejado em 1929, o “Pão dos Pobres”. O presidente

da comissão construtora é Eduardo Secco. Está de partida em viagem de lazer para

a Europa. Antes, despede-se dos órfãos do Orfanotrófio de Santo Antonio.433

429 CONSULTÓRIO médico gratuito. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 244, p. 4, 19 out. 1920. 430 FEDERAÇÃO Espírita do Rio Grande do Sul. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 244, p. 4, 26 out. 1920. 431 NATAL dos pobres. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVII, n. 272, p. 4, 13 nov. 1921. 432 SANMARTIN, 1969. 433 VISITA de despedida ao Pão dos pobres. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXV, n. 108, p. 4, 09 maio 1929.

271

Quem sempre exerceu função de assistência médica aos pobres é a Santa

Casa. Em 1930, inaugura sua nova Maternidade.

Em 1931, o abrigo noturno “Dias da Cruz” promove o “Dia dos sem tetos” para

aumentar o edificio do Abrigo Noturno. Vários nomes italianos na diretoria, entre eles

Gilda Meneghini, Athalea L. Amorety, Thereza Vanini. A proposta de atendimento é

passar de oitenta para duzentas pessoas. Para alguns parece exagero.

[...] mas a lotação em apenas dois meses de assistência está em torno de uma centena de pessoas desempregadas com o fechamento dos estabelecimentos comerciais e industriais agravado pela paralisação das obras públicas municipais está perfeitamente justificado o número de leitos que foram previstos.

434

Um banco pode ser considerado comunitário se for como o Banco Francês e

Italiano. Sua sucursal está instalada em prédio próprio, adquirido do Banco Porto-

Alegrense. Construído à rua Sete de Setembro acompanhando o boom da

arquitetura de elites destes anos, o estilo renascentista foi executado nos três

andares.

O caráter comunitário do banco deve-se ao fato de que, em 1917, quando

começa a operar aqui, funcionava na rua General Câmara, em prédio alugado, em

função do desdobramento e intensidade das operações, de ano para ano, a sucursal

deixa de depender de São Paulo e se torna autônoma para atuar nas suas duas

agências, uma no Rio Grande e outra em Caxias do Sul. São seus dirigentes “[...] os

Srs. Sampaio, De Athaus, Apolinari, Haeberlain e Cezar Scarini, diretor desde o ano

de 1924. Como sub-diretores, servem os Srs. dr. João Monti e José Prenne."435

Outro aspecto do assistencialismo italiano ocorre por ocasião dos

testamentos. Como acontece em 1932, quando morre o meridional Nicolau Rocco,

da Confeitaria Rocco. Não tendo filhos, deixa em testamento grande soma aos

pobres da cidade. Cada orfanato de Porto Alegre receberá

434 EM FAVOR dos desamparados. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 181, p. 7, 04 ago. 1931. 435 BANCO Francês Italiano. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 258, p. 4, 04 nov. 1931.

272

5000$; 50000$ a órfãs pobres, a juízo do testamenteiro, como dote de casamento; 5000$ a cada afilhado de batismo; aproximadamente 1000$ a cada operário que estiver trabalhando na fábrica e confeitaria com exceção de três empregados antigos, que foram contemplados com 5000$ cada um [...].

Os familiares próximos receberam;

[...] a cada um dos quatro filhos do Sr. José Irace legou 50:000$000; deixou a quatro sobrinhas órfãs, residentes na Itália, filhas de Victorio Rocco, Irace e Vicenzo Rocco, duzentas mil liras a cada uma; duas sobrinhas, filhas de Bassomaria Rocco, cinqüenta mil liras a Tina e Lydia Campelli, filhas do Dr. Giovanni Campelli. Os remanescentes tocarão ao único sobrinho. residente nesta capital, Sr. José Irace, testamento instituído. Os legados supra ultapassaram a quantia de 1.000.000$.436

Também é importante a demanda por tarifas sociais para os estudantes. Nem

todos são provenientes de famílias abastadas, principalmente os estudantes de

medicina e direito. Tanto é assim que, em 1934, uma tarifa social é pedida. Carlos

Caroni, pelas páginas do Correio do Povo, solicita a redução das passagens de

bonde aos alunos dos cursos superiores, campanha que o jornal já fizera em 1933.

A matéria chama-se “QUEIXAS DO PÚBLICO”.

[...] No entretanto, noutras capitais do país a idéia vingou e, em São Paulo, por exemplo, há quase dois anos, por intermédio do prefeito, a "Light" rediziu para cem réis o preço das passagens aos acadêmicos [...] há pouco, o benemérito Governo Provisório, atendendo os justos pedidos que lhe

436 TESTAMENTO do Sr. Nicolau Rocco. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVIII, n. 180, p. 4, 31 jul. 1932; Jurídico herança contestada Sr. Rocco. O Sr. José Irace, sobrinho e testamenteiro dos bens deixados pelo seu tio Nicolau Rocco, dirigiu uma petição ao Dr. James Macedonia Franco, 4o juiz distrital, dizendo que queria providenciar sobre a publicação de edital relativamente à citação dos herdeiros daquelle extinto industrialista. A propósito, alega o Sr. José Irace, no seu requerimento como testamenteiro que é, no testamento hológrafo, que, de acordo com o artigo 1. 646 do Código Civil Brasileiro, queria providenciar sobre a publicação em juizo, ‘com a citação dos herdeiros legítimos’, do testamento particular deixado por seu tio Nicolau Rocco. - que o rol dos herdeiros, a saber: No Brasil (Porto Alegre), existe um só suplicante (sobrinho) filho da finada Victoria Rocco Irace (irmã pré-morta do ‘de cujus’); na Itália, além de duas irmãs do suplicante, um irmão do ‘de cujos’; duas sobrinhas, filhas do irmão pré-morto, Vicenzo Rocco, e seis sobrinhos (dois dos quais domiciliados na Argentina, filhos de Concetta Rocco Sbrocco, irmã pré-morta do ‘de cujus’ - que ele, José Irace, ignorando o lugar certo da maioria dos herdeiros, queria citá-los por edital (Comentário ao artigo 1. 646 do Código citado, anotado pelo Dr. João Luiz Alves), com um prazo razoável, para comparecerem à primeira audiência, após a transcorrência do edital, e assistirem à inquirição das testemunhas instrumentárias que intervierem no testamento particular, diligência que procederá à sua confirmação. Assim, requeria a expedição do competente edital citatório dos herdeiros do finado Nicolau Rocco, nos termos acima expostos, justificada previamente a ausência (artigo 288 do Código Civil e Comercial do Estado) com as testemunhas abaixo designadas - tudo com a intimação do curador de ausentes. As testemunhas que deverão comparecer, independente de citação, são os Srs. João Spolidoro e Jacintho Rainoni”.

273

eram feitos de todos os pontos do país, reduziu em boa proporção as taxas e emolumentos cobrados das escolas [...] fica lançada por intermédio do "Correio do Povo", tão solícito em ouvir os estudantes, o apelo dos mesmos ao nosso digníssimo Prefeito, para pleitear junto a Cia. Carris Porto Alegrense a desejada redução, ao menos em cinqüenta por cento, ou seja, equiparada a dos ginasiano Carlos Caroni."

437

4.3.8 Transitar na Rua da Praia, estar nas confeitarias, nos cafés

A principal rua de Porto Alegre, rua dos Andradas, é conhecida como rua da

Praia e também é espaço transitivo. É referência da sociabilidade nesses anos.

Passear, fazer o footing, ver, ser visto, fazer compras de produtos requintados, ir aos

cinemas.

Já foi espaço de grandes comemorações, como quando há um mês da

Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, quando se promoveu uma

caminhada de caráter festivo, com bandas, várias entidades étnicas e classistas,

populares em geral, capitaneadas pelas lideranças. Manifestações semelhantes

seriam realizadas em outras ocasiões importantes.

Ricardo de Aguiar Pacheco escreve: “assim as ruas da cidade se tornam

palco do fazer político, se tornam local possível de expressar apoio. Ou mesmo

desagrado à determinada questão pública. O sujeito dessas manifestações é a

multidão [...]”.438

Por agregar pessoas, podem irromper desentendimentos e graves. Como o

que envolveu Antonio Libero Poletto, Felipe e Mauricio Reguinan. O Correio do Povo

noticia no dia 4 de abril de 1924, “DESORDEM NA RUA DOS ANDRADAS”:

Ontem, às 20 1/2 horas, quando mais intenso era o movimento popular na rua dos Andradas, ocorreu, em frente à Confeitaria Colombo, uma desordem que poderia ter tido graves conseqüências. O fato em si não teve grande importância, pois não passou, como acima dissemos, de uma desordem. Antonio Libero Poletto, Felipe e Mauricio Reguinan haviam tido na noite de anteontem, em uma casa de tavolagem, uma alteração, motivada por questões de jogo, pois os mesmos na noite anterior haviam

437 AS QUEIXAS do público. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 52, p. 11, 4 mar. 1934. 438 PACHECO, Ricardo de Aguiar. O cidadão está nas ruas: representações e práticas acerca da cidadania republicana em Porto Alegre (1889-1991). Porto Alegre: Ed da universidade/UFGRS, 2001. p. 128.

274

furtado a um senhor à rua Santa Cruz, nos jogos denominados "tapinhas" e "pula macaco" a importância de 3:600$000. Esse fato passou-se no "chopp" denominado "Ponto Chic", à rua 24 de Maio, sendo a divisão do "lucro" o motivo principal da discussão. Ontem, encontrando-se na rua dos Andradas, travaram-se novamente de razões e, para não destoar da praxe aqui seguida, foram arrancados revólveres e houve ameaças de fazer uso deles. Houve, como é natural, pânico e correrias, o que ocasionou um grande susto às famílias que, em demanda dos cinemas, por ali passavam. Felizmente, porém, devido à enérgica intervenção do agente n. 43, Domingos dos Santos, os "valentes" foram desarmados, indo, depois, refrear os seus ímpetos nos xadrezes do 1o posto policial.

439

O que prevalece, ao longo dos anos, é a função comercial e de lazer da rua.

No decorrer deste século, a arquitetura comercial vai substituir os primeiros

estabelecimentos na rua da Praia.

Prédios comerciais próprios, somente seus, altaneiros, grandes e modernos magazines e lojas de departamentos, no início, nem tanto assim, que mexiam com o imaginário social. Práticos no sentido de procurar atender a todos ou mesmo uma pequena parcela, mas de forma completa, como nas lojas Bromberg (1909), Renner (19??), Guaspari (1936), Sloper (1938), Mesbla (1944). [...].

440

Os “arranha-céus”, assim não podem ser denominados, em 1920. O Café

Colombo, na General Câmara, o velho e o histórico Malakof, na Praça Montevidéu e

o Grande Hotel (primitivo), não passavam de dois ou três pisos. Arranha-céus

mesmo, é o da esquina da rua Marechal Floriano com a Gervásio Pinto de Oliveira,

seguido do Edifício Imperial, na Praça Senador Florêncio e do Novo Hotel Yung, na

Av. Otávio Rocha, esquina Marechal Floriano. Todos por obra de Azevedo Moura-

Gertum S.441

A rua possibilita as trocas, reúne no convívio diário, os formadores de opinião,

que fazem circular informações, “plantam” boatos e criam piadas.442. Ponto de

encontro de amigos. Há traje especial para circular na rua centenária. Nilo Ruschel

apresenta os tipos humanos nas proximidades dos anos 40. Algo terá mudado de 20

439 DESORDEM na Rua dos Andradas. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n. 80, p. 4, 04 abr. 1924; Ver MACIEL, Renato de Sá Junior. Anedotário da Rua da Praia. Porto Alegre/Rio de janeiro: Globo, 1982. 440 CANEZ, Anna Paula. Fernando Corona: e os caminhos da arquitetura moderna em Porto Alegre. Porto Alegre: EU/Porto Alegre/Faculdades Integradas do Instituto Ritter dos Reis, 1998. p. 94. 441 SANMARTIN, 1969, p. 44. 442 MACIEL, 1982.

275

a 40. Relata o que lembra, pede emprestada a memória do “grupo da “Dona Maria”:

Olavo Guedes, Rui Netto, Lupíscinio Rodrigues, Luiz Caccatori, João Freire, Madico,

Demóstenes Gonzales, mais a supervisão de Diogo Ferrás Filho, Athos Damasceno

Ferreira, Walter Spalding e Fernando Corona.443

Pode-se também olhar para a rua e a cidade de Porto Alegre e compará-las

com a Itália, como faz Arséne Isabelle, em 20 de março de 1834: “Vede que céu,

que paisagem! É o céu da Itália; são as paisagens e a vegetação de Provence;

estamos em Porto Alegre! [...] Duas, entre outras, a rua da Praia e a da Igreja são

interessantes pelo grande número de lindas casas que possuem.”444

E narra, pontilhando, fotografando. Às vezes se extende em comentários,

explicação que exige do leitor certo pré-requisito. Situa os pontos físicos apenas

para ilustrar que na rua circula o comércio, a vida cultural e social da cidade.

Já na narrativa de Ruschel

[...] a rua define-se não pelos que nela circulam, mas pelo ponto de fixidez nesse nomadismo diário. [...] o Café Nacional era o limite da Rua da Praia pelo lado nascente, pois que ela nascia mesmo a oeste, na Confeitaria Colombo. Da General Câmara à Vigário José Inácio ou seja, da ladeira à Rua do Rosário, é que morava a Rua da Praia até a década de trinta. O resto é Rua dos Andradas, como quer o mapa da cidade.445

Arrola farmácias como a Central na esquina da Marechal Floriano, mais

adiante cita a casa Masson, depois a confeitaria Rosicler, a casa Ao Preço Fixo. O

cine Ópera, o Café dos Turfistas, o Café do Lulu, dono do Clube dos Caçadores, na

Rua Nova ou Andrade Neves onde havia muita música e roleta.

443 Com Fernando Corona, espanhol, a cidade recebe prédios modernos, mas com referências clássicas. Constrói a arquitetura da exposição comemorativa do Centenário Farropupilha de 1935, o Instituto de Educação (1934), o edifício Guaspari (1936), o prédio do Banco do Comércio (1926), Instituto de Educação Flores da Cunha (1934). Em 1914 trabalha como escultor-decorador na firma de seu pai, Corona e Guiringuelli, mas teve parceria com Agnello Nilo de Lucca, paulista, de descendência italiana. Com ele, Corona projeta a Galeria Chaves e De Lucca; trabalhando para a firma Azevedo Moura e Gertum projeta os edifícios Imperial e Frederico Mentz (Hotel Yong ). Ver CANEZ, 1998. 444 RUSCHEL, 1971, p. 64-65. 445 Ibid., p. 5.

276

O importante para o jornalista, em qualquer cidade, é a existência dos cafés,

como o Café Suíça, de Guaragna que abriga os jornalistas na madrugada após

fechar a edição do jornal.

Cidade que se preze tem seus alienados, como o italiano Arlindo que

freqüenta a confeitaria Colombo, cantando “Serenatta de Arlequim” ou o Maecchiare,

um miserável das ruas.

Impossível não nomear a Livraria do Globo, onde nasce, por sugestão do

então Presidente do Estado, Getúlio Vargas, a Revista do Globo, a qual Mansueto

Bernardi dá forma em 1929. Encobrindo as vitrines, o ponto é de Osvaldo Vergara,

Moisés Velhinho, Osvaldo Aranha, Rubens de Barcellos, Athos Damasceno Ferreira,

Carlos Dante de Moraes, Walter Splading Behregaray. Faz desfilar a intelligentzia,

Eugenio Brito, Raul de Bittencourt, Paulo Hasslocher, Sotero Gomes, Theodemiro

Tostes, Augusto Meyer, Otávio Telles de Freitas, Pery Machado, Rui Cirne Lima,

Maestro Radamés Gnatalli, Mansueto Bernardi, Romeu Fossatti, Vianna Moog. Não

são muitos os descendentes de italianos na intelligentezia de Porto Alegre, nesses

anos, para não falar dos estrangeiros em geral.

E segue narrando, aqui, a Casa Kreiger, lá adiante, mais confeitarias, como a

Confeitaria Woltmann, a Central. Casa de Brinquedos, duas, a Tricolor - importados

da Alemanha e a Abelheira, na esquina da Marechal Floriano, a Moda Infantil e,

assim por diante.

Engraxatarias, casas lotéricas, toda sorte de negócios, enfim. Ruschel

recorda o hábito do porto-alegrense de, aos domingos, quando encerrava a missa,

com a passagem das elegantes, os homens costumava lustrar os sapatos, ou

melhor, as botinas de cano de camurça e carregar o “Correio do Povo” sob o braço

era o motivo aparente.446

O cafezinho era servido em mesas. Alguns se apoderavam de espaços, como

uma porta, uma parede, uma esquina. A esquina da Central era também o ponto do

jornalista Fortini. “Postava-se de lápis em punho, taquigrafando, pois quem tivesse

446 RUSCHEL, 1971, p. 13.

277

notícia para o Correio ia levá-la direto a ele. E ficava à mão, rondando as rodas dos

políticos, formadas no largo dos Medeiros”.447

Os bares, então, o Salatino, o Antonello, o Continental, a Bela Gaúcha, O

Ziper Franz, alternando lugares com cinemas, quando de lá saíam. O edifício

Imperial foi o primeiro arranha-céus, com um cinema de dois mil lugares.

Já as confeitarias, como a confeitaria Rocco, situada à rua Riachuelo, esquina

da rua Dr. Flores pode ser o centro da sociabilidade urbana de Porto Alegre nesses

anos. Pelos seus salões circularam as personagens mais destacadas da vida

política, cultural e social de Porto Alegre entre os anos de 1920 e 1940.

As confeitarias funcionam com espaço para celebrações de todo o tipo,

competindo com os clubes. Maronese escreve sobre a sociabilidade porto-alegrense

no período, descreve os ambientes, a caricatura social do teatro da sociabilidade da

modernidade.448

As vanguardas de todo tipo rotinizam lugares, fazem freqüentação à

determinados cafés, confeitarias, bares. No princípio do século é uma vivência

partilhada durante uma vida, mesmo que efêmera, afinal, são poucas horas

distribuídas nas semanas, nos meses.

Alguns lugares adquirem anima. A confeitaria Rocco é um desses lugares.

Divide com a efeméride, o homenageado, o que for, a marca do instante que se

grava na memória, o pequeno detalhe em função da cena toda.

Em 1926, realiza-se no salão do Palacete Rocco, a conferência do sr. Erminio

Gugliucci, jornalista italiano, sobre

"A Itália de hoje", na qual faz o relato da marcha vitoriosa do fascismo até seu atual estado, concorrendo, poderosamente para o engrandecimento da Itália. Em seguida, fez um demorado exame e uma descrição do Rio Grande

447 RUSCHEL, 1971, p. 15. 448 MARONEZE, Luiz Antõnio Gloger. Espaços de sociabilidade e memória: fragmentos da “vida pública” porto-alegrense entre os anos de 1890 e 1930. 1988. Dissertação (Mestrado)- Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1994.

278

do Sul, falando do vasto campo que aqui se encontra aberto à atividade de seus compatriotas [...].449

Em 1931, quando retorna da Itália, após dois anos, Rocco faz questão de

visitar a redação do Correio do Povo.450

Mais do que a rua, a avenida, o espaço público de confeitarias é apropriado e

selecionado por regras tênues de appartenenza de distintos tons étnicos e culturais.

Tem, paradoxalmente, o poder da convergência, da suspensão das hierarquias

econômicas, pelo mérito pessoal, talento especial ou, o que seja, uma certa

transgressão charmosa da ordem burguesa.

Nesse ano, a “Liga feminina pró-Estado Leigo” reúne-se no salão do palacete

Rocco. Discute sobre o papel da mulher, “cooperadora da grandeza e felicidade da

Pátria”. Italianas ou descendentes fazem parte da diretoria como Rina Pierini Angela

Giacobbe, Gilda Meneghini.451

Em 1932, a Confeitaria Rocco reabre, após estar finalizada a partilha dos

bens deixados por Nicolau Rocco.

A partir desses fragmentos, consideramos que a sociabilidade no período é

multipla, fazendo confluir os grupos humanos que circulam na cidade. As pessoas

freqüentam os ambientes sociais para conviverem, para se reconhecerem, ainda que

não privadamente, como seres que possuem o mesmo estilo de vida e fazem uma

leitura especial do mundo. O estrangeiro que aqui chega necessita ser iniciado

nesses rituais.

Os italianos e os moraneses, em particular, ao chegarem entre os anos de

1920 e 1937 encontram espaços sociais que deverão compartilhar. E, decifrar,

traduzir para sua própria experiência, a cidade inscrita em distintas temporalidades.

449 HOMENAGEM a um médico. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXV, n. 34, p. 4, 09 fev. 1929. 450 CONFETARIA Rocco. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 2, p. 4, 03 jan. 1931. 451 LIGA Feminina Pró-Estado Leigo. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 224, p. 4, 29 set. 1931.

279

Os códigos e dispositivos da sociabilidade moderna são vorazes dada a

aceleração do tempo presente. Estabelecem os que vão ser incluídos e excluídos ao

longo do período.

Ser italiano nessas décadas, é moeda de cotação social variável conforme a

aproximação dos anos 20 e 30, bem como o posterior afastamento do governo

brasileiro da Itália, ao final do período. De qualquer modo, os italianos são modernos

e, como tal, agentes da modernidade que a cidade busca.

A sociabilidade propicia a circulação e a narrativa de italianos cingida entre o

pertencimento étnico ou, não. Esse espaço social é, por direito, das sociedades

italianas. E, é capturado, em parte, pela ofensiva fascista desde a tomada do poder

por Mussolini.

O espaço social é difuso entre espaços cosmopolitas, glamorizados pela

circulação cultural de outras formações sociais européias, norte-amercanas e, é

claro, o regional-nacional que está em passo crescente na cena cultural dos anos

30.

A narrativa moranesa de história oral sobre este design social é toda ela o

trabalho de decifração desses códigos e dispositivos, que tem na aprendizagem da

língua o inicial desafio dessa cidade. O refúgio está na vivência do grupo, no espaço

social familiar, revitalizando continuamente a rede emigratória que os trouxe até

Porto Alegre.

A seguir, teremos a “Cidade de Carne”, onde os fragmentos demonstram a

tríplice atuação do urbanismo eugenista, do novo caráter dos conflitos entre o capital

e o trabalho, sob o governo de Getúlio Vargas e as tentativas de imposição de uma

certa apreensão da estética latina na “Cidade de Pedra”.

5 A CIDADE DE CARNE

5.1 Dispositivos e códigos da metáfora sanitária da “cidade dos italianos”

No início da década de 20 as cidades de dimensões como Porto Alegre

realizam suas primeiras reformas urbanas, leia-se principalmente sanitárias. As

principais cidades como São Paulo e Rio de Janeiro ensaiam as intervenções

urbanísticas para redimensionar o espaço físico diante da amplitude das novas

funções na economia moderna brasileira.

Podemos denominar a dinâmica implicada como Metáfora Sanitária, termo

que pode ser atribuído ao urbanista italiano Giuseppe de Luca, sobre o processo

realizado na Itália, à época da emigração em massa, após a unificação do reino.

O urbanista define essa metáfora como a prática urbana de motivação, mas

não apenas, de motivação essencialmente higiênica, ou de fundo moralístico que

redundaria em processos econômicos especulativos. Metáfora concreta, porque

define um aparato normativo inscrito no corpo legislativo do Estado como “leis

especiais”.452

No Brasil, a condição sanitária afeta tanto o quadro de qualidade de vida

urbana, como a rural. Já na Itália, em 1871, quando realizou-se a unificação, o país

era eminentemente rural e a colonização interna foi sustentáculo social da massa de

pequenos proprietários e trabalhadores em geral.

452 DE LUCA, Giuseppe. La metáfora sanitária nella costruzione della città moderna in Itália. Storia urbana, [s. l. ], n, 57, 1991.

281

Após a unificação italiana, as próximas dezenas de anos serão de tentativas

dos principiais municípios, alguns do Sul, como Nápoles, de pleitearem

investimentos para edificações e ampliações urbanas, às custas da expropriação.

Planos de política econômica que visam, antes de mais nada, a renda fundiária. A

situação foi detonada pela grande epidemia de cólera de 1884/85 que assolou o

país, à época e que os imigrantes contam aos filhos e netos. A pesquisa realizada

pelas autoridades sobre as condições de higiene e sanitarismo no país foi

assombrosamente desanimadora: super lotação, higiene precária, grassam as

epidemias. Nápoles é a primeira a introduzir as ”leis especiais”. Na análise dos

urbanistas, estas leis, embora fluam para uma imposição positivista e intrusiva sobre

a propriedade privada, emana de duas e bem distintas concepções de saúde, a

coletiva e a individual.

As leis, de fato, representam o ponto de encontro de duas culturas diversas: de formação médica, segundo a qual todos os males tem uma explicação e são curados com boa dose de medicina e/ou com intervenções cirúrgicas reparadoras; e aquela da engenharia técnica, segundo a qual só um ordenamento e uma razoável organização do assento físico e do território pode portanto trazer felicidade na vida individual.

453

Na origem, está o positivismo como “depositário da verdade” e seu sentido de

justiça com progresso. Na prática, em 1888, as leis instituem a figura do “médico

oficial sanitário” com poderes que limitam, inclusive, o princípio da inviolabilidade da

propriedade privada. Engenheiros sanitários igualmente são formados para atuarem

com força de lei. Francesco Crispi será o Ministro do Interior encarregado da ampla

reforma. Podem inspecionar, interditar, liberar as habitações e os negócios.

Mas a rígida estrutura social italiana vai impedir a realização plena da

erradicação das condições de exploração dos camponeses no campo, porque os

grandes proprietários obstaculizam a ação fiscalizadora-moralizadora do Estado. A

diferença entre o campo e a cidade só faz aumentar, haja vista que mesmo diante

da crise econômica do país, as principais cidades são transformadas, principalmente

os centros históricos. Dois conceitos reorganizam esta intervenção: o belo e o útil. A

discussão parlamentar é intensa e visa compatibilizá-los, como no caso de Nápoles:

453 DE LUCA, 1991.

282

“já encantadora, transformada na mais bela, na mais encantadora cidade do

mundo”.454 A noção do belo deveria ser acompanhada da noção do que é sadio.

As referências às condições sanitárias e às doenças, na descrição da Itália

deixada para trás na historiografia da imigração são imcompatíveis com as leis

migratórias crescentemente seletivas: o Brasil quer apenas trabalhadores sadios,

conforme o imperativo da eugenia em voga.

O passado insalubre é pesadelo para os recém–chegados em Porto Alegre, o

qual se repete quando a realidade imediata da cidade em 1920 destina ao imigrante

pobre o alojamento em zonas insalubres, ainda sem tratamento sanitário,

infraestrutura urbana, reproduzindo as condições deixadas para trás.

À época da intervenção italiana na sua condição sanitária, o Rio Grande do

Sul, principalmente Porto Alegre, está sob domínio político do castilismo. Não lhe é

estranha a mentalidade dos médicos e engenheiros sanitários italianos. Ao contrário,

a leitura positivista da realidade que organiza o horizonte ideológico do bloco no

poder no Estado coaduna-se idealmente com essa visão do urbano.

Os intendentes de inspiração positivista, embora existindo a disposição, não

teriam sucesso para transformar a cidade de então, na sonhada cidade progressista.

A velocidade com que aumenta a densidade demográfica e sua importância

econômica, nas primeiras décadas do século XX, supera os recursos existentes.

Não conseguiriam os líderes do Partido Republicano Rio-Grandense-PRR incorporar

dignamente o proletariado à sociedade moderna, como prega sua doutrina.455

Senão vejamos: em 1920, no centro, residem 33.000 pessoas, na Azenha

estão outros 46.000, na Glória, 15.000, na Floresta, 35.000 e São João, 23.000. Nos

454 DE LUCA, 1991. 455 Em 40 anos o Partido Republicano Rio-Grandense monopoliza o poder, sendo que, no período, apenas três intendentes administram Porto Alegre, a saber: O primeiro foi José Montaury de Aguiar Leitão que permaneceu 27 anos no poder, o segundo foi Otávio Rocha, que veio a falecer no decorrer do seu mandato e o último foi Alberto Bins, que exerceu o poder aproximadamente por dez anos. BAKOS, Margareth. Porto Alegre: e seus eternos intendentes. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996. (Coleção história 11). p. 45.

283

dois últimos concentram-se os imigrantes, principalmente, atraídos pelos baixos

preços dos aluguéis e habitações, além de próximo às fabricas. Principalmente o

bairro São João terá um crescimento explosivo nas décadas seguintes. As

condições sanitárias, ruins no dito centro, pioram nos bairros, apenas a zona do

Porto melhora com a continuidade do aterro iniciado em 1918 e finalizado com

grande júbilo para a administração em 1921.

A geografia não ajuda a ocupação ordenada. A cidade está “condenada”, para

o geógrafo, Jean Roche, há uma disposição radial, ou seja, o escoamento

longitudinal é facilitado apenas pelos eixos de circulação instalados nos terraplenos.

O restante do espaço a ser ocupado é dificultado pelas colinas graníticas de

vertentes, em princípio regulares, depois de certa altitude, as quais se “escalonavam

em anfiteatro” pelos bairros Moinhos de Vento, Monta Serrota, Petrópolis, Partenon,

Menino Deus, num raio de 4 ou 5 km do centro, mas interrompidos por colinas ainda

mais altas, íngremes como nos bairros Teresópolis, Morro da Polícia, etc. Os últimos

bairros não vão ser saneados na mesma velocidade dos primeiros quando em 1874

já se iniciam os trabalhos de saneamento. 456

As administrações devem verificar os serviços de abastecimento de água, luz,

sistema de esgotos, policiamento ostensivo e regular. Mas não há recursos, e os

empréstimos que são constantes e sempre insuficientes, só fazem aumentar a dívida

pública.457

Como na Itália, a imposição política no Brasil no final dos anos 30 acelera a

intervenção urbana, pois governantes nomeados centralizam as decisões sem

necessitar barganhar com a sociedade.458

456 ROCHE, Jean. Porto Alegre: metrópole do Brasil meridional. In: Revista Geografia Urbana, (19): mar, 1955, São Paulo, p. 35. 457 BAKOS, 1996. 458 DE GRANDI, Celito. Loureiro da Silva: o charrua. Porto Alegre: Literalis, 2002. Porto Alegre, durante o Estado Novo, sofre grandes intervenções urbanas através de seu prefeito interventor, Loureiro da Silva Chaves, que alcança realizar obras sem submeter à Camara de Vereadores. O autoritarismo impulsiona o urbanista.

284

Em 10 de novembro de 1937, o presidente Getúlio Vargas chefia o golpe,

revoga a Constituição, dissolve o Congresso e os partidos políticos, suspende as

garantias individuais constitucionais e implanta o Estado Novo.459

Flores da Cunha, no poder desde 1934, cede e após renunciar, se exila em

Montevidéu. Extingue-se com ele a geração que monopolizara o poder em Porto

Alegre e no Estado do Rio Grande do Sul. O Estado sob intervenção, é comandado

em caráter provisório pelo General Daltro Filho. Entre o novo grupo de poder é

escolhido José Loureiro da Silva, o “charrua”, que toma posse em 19 de outubro de

1937.460

No discurso de posse Loureiro da Silva, prefeito interventor, assevera que

essa situação urbana preocupe “não só aqueles que governam a comuna, como

aqueles que se acham nos mais altos postos da administração do Estado”,

propondo-se a dar “atenção para solucionar a situação da pobreza porto-

alegrense[...]”.461

Os dispositivos e códigos de Porto Alegre não são indecifráveis para o novo

administrador até porque não são novidades para ele: desde 28 de maio de 1925, o

intendente Otávio Rocha o nomeia Superintendente do 3º Distrito de Porto Alegre e,

em seguida, Delegado de Polícia do mesmo distrito, por intermédio do Chefe de

Polícia, Armando Azambuja.462

Loureiro da Silva fez as desapropriações como e quando quis, mudando

radicalmente a fisionomia da cidade no período seguinte através de obras para o

459 FAUSTO, Boris. História concisa do Brasil. São Paulo: EDUSP/Imprensa Oficial do Estado, 2001b. 460 Flores da Cunha, interventor eleito no primeiro Governo Constitucional por eleição indireta, conforme a Constituição promulgada em 1934, no governo de Getúlio Vargas, ainda tenta conviver com a oposição. E o consegue, até 21 de outubro de 1937, quando finalmente renuncia. Ver entre outros, BELLINTANI, Adriana Iop. Conspiração contra o Estado Novo. Poto Alegre: EDIPUCRS, 2002. 461 DE GRANDI, 2002, p. 89. 462 DE GRANDI, op. cit., p. 56.

285

saneamento dos bairros Navegantes e São João e realiza da canalização do riacho

Ipiranga, áreas totalmente insalubres nas décadas anteriores. 463

5.1.1 A morada da máquina humana

Os dispositivos da morada moderna requerem salubridade, segurança,

higiene pública fornecidos pelo poder público.

Na suave sociabilidade cosmopolita, o contraste fica por conta das péssimas

condições dos imóveis urbanos. Perfilados, são um tributo à condição operária de 20

e 30.464

O assistencialismo religioso atenua as situações, como no caso da chegada

do irmão de Angelina em Porto Alegre. Como ele, outros imigrantes italianos

solteiros, podem socorrer-se da hospedagem que oferece o Seminário, localizado

nos fundos da Igreja Matriz.

Com relação aos incêndios, não há o que fazer. Acontecem porque as

instalações das habitações dos imigrantes pobres são precárias. Peças ou casa de

aluguel, na sua maioria, o péssimo acesso pelas “estradas” dificulta o socorro. Em

outros casos, quando há seguros cobrindo os sinistros, o empreendimento é de certo

porte, não se pode situar como inserção dos imigrantes pobres que chegam em

Porto Alegre. Nestes anos o capitão do Corpo de bombeiros é Manoel Pozzo Bravo.

463 Sobre os problemas urbanos de Porto Alegre e as tentativas de planificação e intervenção urbana, ver MACEDO, Francisco Rio-pardense de. Porto Alegre: origem e crescimento. Porto Alegre: Sulina, 1968. p. 112. Nessa obra, cita os autores do Plano Geral de Melhoramentos do arquiteto contratado, José Moreira Maciel e em seguida os engenheiros Edvaldo Paiva e Luiz Artur Ubatuba de Farias, que tentam transpor para a cidade os Planos do Rio de Janeiro, do arquiteto Agache e do Plano de Avenidas de São Paulo, proposto por Prestes Maia. De todo modo são intervenções viárias ou de saneamento pontual, antes que oriundas de um planejamento em função das crescentes necessidades do desenvolvimento urbano de Porto Alegre e de sua população como um todo. Sobre esse aspecto ver, entre outros, FERRETTI, Rosemary Brum. Uma casa nas costas: análise do movimento social urbano de Porto Alegre 1975-198. 1985. Dissertação (Mestrado)- Curso de Pós-Graduação em Antropologia, Política e Sociologia, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1985. 464 As condições de habitação do proletariado vão deteriorar quanto mais aumenta o adensamento demográfico da capital, centro de atração da mão de obra regional como pólo industrial e comercial do Estado. Tendo límitrofe as ricas regiões das ex-colônias, como Novo Hamburgo, São Leopoldo e Caxias do Sul, Bento Gonçalves, na serra, ainda recebe o excedente de mão de obra proveniente da crise econômica do complexo agro-pastoril do sul do Estado. Ver. FERRETTI, op. cit.

286

No dia 16 de maio de 1920, no Mont Serrat, no prédio n. 11, da rua Fabricio

Pillar, foi destruído à noite, o prédio alugado, os móveis, tudo fora do seguro. O

prédio pertencia a Adolpho Koertzsch e era habitado por Antonio Francisco Cunha e

sua família. No local do incêndio estiveram José Montaury, intendente municipal,

Vianna Marques, delegado de polícia e o capitão Eduardo Sarmento, subintendente

do 3o distrito.465

Também foram despertados à noite por um incêndio os moradores da rua

Voluntários da Pátria, nas proximidades da rua Ernesto Alves “[...] O fogo, que

principiara no casebre no. 4 da referida avenida, tomou, então, maiores proporções,

comunicando-se aos prédios vizinhos [...]”. Instantes após, estavam completamente

destruídos o casebre, grande parte da oficina de móveis do Sr. Adolpho Cothr,

situada no prédio n. 365, a caldeira de cobre da firma Timing e Bednarski, a qual

ocupava o prédio n. 367 e a oficina de espelhação e atelier fotográfico do sr.

Fernando da Cunha Junior, fica aos fundos do prédio no. 363.

O prejuízo não foi total porque o fogo foi contido, após haver destruído parte

dos prédios acima. Os moradores das proximidades, temendo a propagação do

fogo, ao retirarem seus móveis para a via pública, muitos desses se quebraram e

outros foram enlameados dadas as condições da rua Voluntários da Pátria.

Os imóveis de moradia próximos aos imóveis de pequenas fábricas, com

materiais inflamáveis atestam as condições de habitação dos imigrantes pobres.

Viana Marques, delegado de plantão, nestas situações comparece ao local, faz o

inquérito, mas nada obtém com Caetano da Conceição e Analecto Dantas,

moradores do primeiro casebre a ser incendiado. 466

Outro incêndio, na Voluntários da Pátria, igualmente na madrugada, ocorre no

prédio n. 63-B. No pavimento térreo funcionava o laboratório “João Wesp”, morador

à rua Conde de Porto Alegre n. 65, mas o fogo irrompe no andar superior, que se

encontrava desocupado. Previdente, as existências do laboratório estavam

asseguradas. 467

465 INCÊNDIO. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 115, p. 5, 16 maio 1920. 466 INCÊNDIO. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 169, p. 5, 23 jul. 1920. 467 PRINCÍPIO de incêndio. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n. 156, p. 4, 02 jul. 1924.

287

Porto Alegre, como toda cidade de recepção de mão-de-obra migrante, não

garante espaços urbanos condizentes com a promessa da modernidade.

5.1.2 Presença de setores médios italianos e descendentes na construção da

cidade: engenheiros, médicos, advogados nas faculdades e sociedades

A presença de setores médios de italianos e descendentes na construção da

cidade é marcante. De certo modo a dimensão social dessa formação liga-se à

presença de fortes segmentos de orientação católica na formação da juventude

nestes anos.468

É possível localizar italianos e seus descendentes em 1922, quando a Escola

de Engenharia forma mais uma turma de engenheiros. O paraninfo, Dr. Duilio

468 É necessário uma longa nota, sintetizando o estudo de Fernando Casses Trindade, segundo o qual, a “geração católica” foi o grupo “ideológico” mais importante no Rio Grande do Sul a partir da década de 20 até os anos 50. Já a geração positivista formada no final do século XIX e consolidada no poder até a revolução de 30, dissemina sua ação em tão variados campos do conhecimento que estão longe da unidade dos católicos, centrados na ação dos jesuítas no Estado. No plano da docência os jesuítas iniciam sua expansão em 1869, no Colégio Nossa Senhora da Conceição, em São Leopoldo, cidade de colonização alemã, quando transferem a ênfase pedagógica para Porto Alegre, em 1890 no Colégio Anchieta. Para Fernando, o Colégio destaca-se entre os demais pela sua Congregação Mariana, que foi o verdadeiro ”berço da geração católica” interessada na formação intelectual e moral de seus aficionados. O núcleo mais consolidado foi o universitário denominado Mater Salvatoris e presente nas faculdades desde 1910. Segundo ele, os positivistas dominavam as faculdades de Engenharia, Direito e Medicina; já os católicos dominavam desde a fundação da Faculdade de Porto Alegre, principalmente na Faculdade de Filosofia. Outra importante instituição do período é a Ação Católica Oficial. A formação da “geração católica” nos anos secundários se dá antes da revolução de 30. Em 1931 foi criado o Centro Católico de Acadêmicos que avança para dominar as faculdades oficiais. Logo após a revolução é organizada a Liga Eleitoral Católica-LEG, em 1932, que luta pela inclusão na constituição dos ideais católicos, convencendo alguns partidos a defender tais propósitos, a LEG enfrentará os maçons e os positivistas. Mas diminui sua força porque a hierarquia católica cinde-se entre D. João Becker que apóia o Partido Republicano Liberal, fundado por Flores da Cunha, e o bispo de Uruguaiana, D. Ernesto José Pinheiro que discorda do interventor que apóia o governo central. O Partido Republicano Rio-Grandense-PRR e o Partido Libertador-PL, reunidos na Frente Única Rio-Grandense rompem com Flores da Cunha, o que acirra a cisão da hierarquia católica no Estado. Em 1933 ocorre o 1º Congresso Universitário Rio-Grandense, tendo Francisco Machado Carrion na presidência e Ernani Fiori na vice-presidência, com apoio do interventor Flores da Cunha, essa foi a primeira ação política pública dessa geração. A revista “Idade Nova”, de 1934 é parte dessa estratégia, tal como o projeto da Universidade de Porto Alegre feito pelos signatários do documento de 1934, dentre os quais havia muitos representantes da “geração católica”. O Centro Católico de Acadêmicos foi o berço de centros católicos da juventude, em torno de quarenta na capital e no interior. A ambição era formar uma federação da juventude católica. Na Itália, havia a Ação Católica desde 1920, e o papa Pio XI exortava os países católicos a seguirem o modelo, tarefa que, no Brasil, Dom João Becker toma a si, desde 1929, apenas em 1931, a iniciativa começa a vingar. O problema é a aceitação da hierarquia religiosa e a possível perda de espaço da “geração católica” vinda do Colégio Anchieta e que gera restrições. O que resulta de efetivo é que a geração entre 20 e 40 influencia o nascimento da Faculdade de Filosofia. TRINDADE, Fernando Casses. Uma contribuição á história da Faculdade de Filosofia da UFGRS. Revista do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Porto Alegre: UFGRS, ano x, 198239-53, 1983.

288

Bernardi, lente das cadeiras de pontes e estabilidade das construções. Assim como

alguns formandos, como Bonifácio Bettiol. “[...] Prestam ainda uma homenagem ao

dr. Lino Carneiro da Fontoura, falecido no Rio de Janeiro, e que, por algum tempo,

exerceu o cargo de engenheiro-chefe do Instituto de Engenharia e outra

homenagem ao Dr. Saturnino de Brito”.469

Também na área de formação jurídica estão os italianos. Em 1924 é a

admissão festiva dos colegas matriculados no primeiro ano do curso jurídico. Em

nome do Centro Acadêmico, são recebidos pelo acadêmico Annibal di Primio Beck.

Ainda neste ano é lembrada a fundação dos cursos jurídicos no Brasil, a 11 de

agosto.470

Percebe-se uma concentração de nomes italianos nos cursos e na atuação

profissional em saúde. Impressiona porque não são apenas os médicos, mas

famacêuticos e outras categorias profissionais, de todas regiões da Itália, natos ou

descendentes.

A obrigatoriedade do diploma brasileiro para o exercício da medicina que

ocorre apenas em 1932, sob pressão dos interesses corporativos, pode ser a

explicação. No período entre guerras, há muita disputa entre médicos diplomados e

não-diplomados no Brasil. Principalmente após da Primeira Guerra Mundial, vêm

médicos da Europa, sobretudo italianos, que se instalam no Rio Grande do Sul por

não haver exigências de provas de habilitação. Isso acirra a hostilidade nas

categorias, principalmente na médica. Os “não diplomados” são discriminados e vão

ser excluídos ao longo do período.471

Não podemos deduzir que a medicina seja apenas carreira das camadas

enriquecidas da cidade. O Correio do Povo em 1920 noticia o auxílio para os

469 ENGENHEIROS de 1922. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVIII, n. 126, p. 4, 30 maio 1922; CENTRO dos acadêmicos de Direito. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n. 176, p. 4, 23 jul. 1924. 470 CENTRO dos acadêmicos de Direito. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n. 89, p. 4, 15 abr. 1924. 471 WEBER, Beatriz Teixeira. As artes de curar: medicina, religião, magia e positivismo na República Rio-Grandense-1889-1928. Santa Maria: Ed da UFSM; Baurú: EDUSC, Universidade do Sagrado Coração, 1999. Ver o verbete Moinhos de Vento, Hospital FRANCO, Sérgio da Costa. Porto Alegre: guia histórico. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1998. p. 278.

289

estudos universitários proposto pelo Centro Acadêmico da Faculdade de Medicina,

uma espécie de caixa para subsidiar as custas do curso.

Tal sistema já existe nas universidades americanas, francesas e na de

Coimbra. A denominada "Caixa do Estudante" tem na comissão alunos como José

Candido Lupi a qual busca sensibilizar o poder público e a sociedade em geral para

a necessidade de apoio. Ao que parece a receptividade é alcançada, uma vez que

as promoções são bem recebidas pelo público, jáz que várias instituições e o

comércio da capital colaboram como o instituto a ser fundado. É o que ilustra o

anúncio: “Hoje, no Cinema Orion", será levado a efeito um festival com a exibição de

um "filme" e números de variedades com arrecadação para a “Caixa”.472

A capacidade hospitalar, por sua vez, acompanha o crescimento da cidade.

Desde 1918 a cidade tem seis estabelecimentos hospitalares. Entre os subordinados

ao governo estão: o Hospital de Isolamento no arrabalde São José, o Hospital da

Brigada Militar, no Bairro Cristal e o Hospital São Pedro. Há também o Hospital

Divisionário, à rua Duque de Caxias, de propriedade do governo da União.473

Os doutorandos da Faculdade de Medicina, alguns beneficiados pela “Caixa

do estudante”, podem trabalhar no Hospital da Sociedade Portuguesa de

Beneficência, à Avenida Independência ou na Santa Casa, na praça Dom

Feliciano.474

A Santa Casa é o principal equipamento médico da cidade nos anos 20 e 37,

onde os imigrantes da cidade e do interior podem curar-se. Daí ser igualmente fonte

de pesquisa historiográfica importante da imigração no Rio Grande do Sul. Casos

como o de Josefina são comuns, nas páginas do Correio do Povo: “de guia passada

472 CENTRO Acadêmico da Faculdade de Medicina. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 188, p. 4, 14 ago. 1920. 473 ABRAÃO, Janete Silveira. A “Espanhola” em Porto Alegre. 1918. 1995. Dissertação (Mestrado) Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Porto Alegre, 1995. p. 57. 474 Ver o verbete Santa Casa de Misericórdia. FRANCO, Sérgio da Costa. Porto Alegre: guia histórico. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1998. p. 360-363 e p. 278.

290

pelo 5o posto policial, foi, ontem recolhida à Santa Casa de Misericórdia Josefina

Ottolote, com 50 anos de idade, viúva, italiana e residente na Tristeza”.475

Seguindo o desenvolvimento da área de saúde, a Santa Casa especialização

aos enfermeiros. Dr. Victor de Britto, provedor da instituição, cria um curso de

enfermeiros em 1920. O corpo docente conta com os doutores Octacilio Rosa,

Sarmento Leite, Guerra Blesmann e o Dr. Hildebrando Varnieri, cirurgião interno. O

curso é “modelado pelas congêneres dos Estados Unidos da América do Norte”.

Quer ainda o provedor aumentar o número de parteiras para o serviço de obstetrícia

[...]”.476

A preocupação do provedor justifica-se pelo crescimento desenfreado de

Porto Alegre.

Como cirugião, Hildebrando Varnieri figura várias vezes nas páginas do

Correio do Povo, como quando atendeu na Santa Casa uma criança de três meses

de idade. Esta engulira um prego, na brincadeira da irmã. “[...] Atendendo a pouca

idade da criança, procurou-se, antes de tudo, evitar uma operação. Mas, devido o

estado em que se achava, resolveu-se, por fim, praticá-la”.477

Em 1924 há ainda que aumentar as clausuras para as irmãs de caridade que

são enfermeiras. O provedor, Coronel Amorin, e outros membros da administração

abrem a concorrência da obra. Disputam alguns arquitetos conhecidos, como

Borsatto e Laim, cujo projeto prevê a construção do edifício por 65 contos de réis, ou

Ribeiro e Tomattis, que orçam a obra em 71 contos de réis ou ainda Leonidas Tellino

que propõe o valor de 73 contos de réis.478

A Faculdade de Medicina de Porto Alegre, no dia 26 de julho de 1924, está

fazendo 26 anos. O Correio do Povo noticia a solenidade, presidida por seu Diretor,

Professor Sarmento Leite que na presença de auxiliares de ensino e de

475 RECOLHIDA à Santa Casa. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n. 309, p. 4, 27 dez. 1924. 476 SANTA Casa. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 153, p. 4, 04 jul. 1920. 477 ENGOLIU um prego. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVIII, n. 12, p. 4, 14 jan. 1922. 478 SANTA CASA, 1924, p. 4.

291

representantes do Centro Acadêmico, incluindo seu presidente, o aluno Antonio

Bottini inaugura o retrato do Dr. Dioclecio Pereira.479

Como parte da área de saúde médica, na Diretoria de Higiene é freqüente a

presença de nomes italianos, tal como quando concorrem ao Concurso de médicos

auxiliares: Raul di Primio e Jandyr Faillace, descendente de moranes.480

No Hospital Alemão, obra concluída em 1927, os médicos podem operar. O

Dr. Dino Vanucci, auxiliado pelo Dr. Renzo Rosa e pelo acadêmico Py Difini,

orientado pelo Dr. Etzberger realizam com sucesso duas cirurgias de estômago

utilizando técnicas inovadoras.481

Infelizmente o cirurgião está de partida em 1929 para São Paulo. Ele,

professor de universidade italiana, valida seu diploma perante a Faculdade de

Medicina, como outros o fazem. Sua partida é “[...] lamentada entre a colônia

italiana, que o tinha como um dos elementos representativos [...]. as homenagens,

evidentemente, estão programadas para o salão da Confeitaria Rocco [...]”482.

Em 1931 médicos são homenageados. O primeiro é o Dr. Benoni, pelos seus

25o de formatura, em grande gala e na presença do cônsul da Itália, na sede da

Casa degli Italiani. A homenagem é precedida pelo Dr. Lourenço Lotti, que louva o

labor de mais um italiano devotado à cura.483 O segundo é o Dr. Rodolpho Josetti,

que chega pelo avião da Condor. Médico-operador rio-grandense visita Porto Alegre,

pois reside há anos na Capital Federal. Fará, na Sociedade de Medicina, a convite

de seu Presidente, Dr. Octávio de Souza, uma conferência. “O professor Josetti virá

acompanhado de sua exma. esposa D. Alba Gomes Josetti, filha do ilustre

bacteriologista rio-grandense Dr. Eunli Gomes e neta do saudoso professor

Fernando Gomes”.484

479 FACULDADE de Medicina. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n. 179, p. 4, 26 jul. 1924. 480 DIRETORIA de Higiene. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n. 253, p. 4, 21 out. 1924. 481 IMPORTANTES intervenções cirúrgicas. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 177, 26 jul. 1928; ver o verbete Moinhos de vento, Hospital FRANCO, 1998, p. 278. 482 HOMENAGEM a um médico. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXV, n. 34, p. 4, 09 fev. 1929. 483 HOMENAGEM a um clínico italiano. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 282, p. 12, 02 dez. 1931. 484 DR. RODOLPHO Josetti. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 260, p. 4, 06 nov. 1931.

292

Não se mede elogios ao médico que tratará da cirurgia da tuberculose

pulmonar, isso porque:

Sua vitória é a do Rio Grande do Sul [...]. O acadêmico que ontem saiu daqui apenas levando as credenciais da glória paterna pode voltar hoje com os títulos todos que lhe conferem uma personalidade tão vigorosa, entre os nossos homens de ciência.[...]. Sua ascendência paterna é de prestígio, pois o seu pai, Dr. João Adolpho Josetti, é o “notável cirurgião cujo nome vive na lembrança da coletividade porto-alegrense [...]. As cifras da incidência da tuberculose em Porto Alegre atestam a validade desta [...] contribuição poderosa para o estudo e o combate ao flagelo que tantas devastações produz em todos os países do mundo [...].

485

No ano seguinte, em 24 de julho de 1932 a notícia vem da Sociedade de

Medicina. Trata-se da conferência do Dr. Nicolino Rocco, também sobre o tema

"Contribuição ao estudo das cavernas pulmonares". Moranes, Rocco é mais um bem

sucedido médico.486

Os médicos bem sucedidos costumam viajar para a Europa e se são italianos

ou de ascendência italiana, como Bartholomeu Tachini, conhecido médico da cidade

de Bento Gonçalves, a ida à Itália é uma viagem imprescindível. Retornam

entusiasmados com o progresso do país. Tachini chega a comentar em entrevista ao

Correio do Povo que a decisão do governo italiano de encaminhar uma boa parte da

população excedente para Tripolitana foi excelente. Essa migração faz parte das

impressões da apreciação da sua viagem a pátria: “Um geral progresso por toda a

parte [...] a Itália marcha numa escala progressiva [...].”487

Bem sucedidos, apreciados na comunidade, médicos de ascendência italiana

tem o exemplo da figura do Dr. Elyseu Paglioli, egresso da “Geração Católica”.

Docente livre da faculdade, aparece como noticia no Correio do Povo, em 1932,

oferecendo uma festa aos formandos, dos quais é paraninfo, na sua chácara de

485 UMA SESSÃO extraordinária na Sociedade de Medicina. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 265, p. 14, 12 nov. 1931. 486 SOCIEDADE de Medicina. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVIII, n. 174, p. 4, 24 jul. 1932. 487 IMPRESSÕES da Itália, Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIX, n. 183, p. 9, 06 ago. 1933.

293

Ipanema, onde foi servido “churrasco, regado a Chopp”. Após, foi improvisada uma

“divertida hora de arte [...]”.488

A modernidade requer especializações profissionais, as quais os italianos e

seus descendentes irão procurar adquirir e desempenhar na sociedade. Como

portadores de capital simbólico consolidam a camada média porto-alegrense.

5.2 Sanear, Limpar, Conter, Disciplinar

O estrangeiro pode ingressar na Porto Alegre dos anos 20 pelos clubes,

salões, cafés ou deslizar pelas margens, fazendo outra navegação social, como

metaforiza Roberto DaMatta.489 Mas, encontra de todos modos, a máquina

castilhista de governo entre 1896 e 1937. Os órgãos da administração pública

encarregados da segurança e higiene estão afetos à Intendência.

Entre a máquina e os estrangeiros, temos as notícias do Correio do Povo. De

1920 a 1937 mostram a outra face do estrangeiro, a qual pode desconstruir o

discurso de autoridade sobre o estereótipo do imigrante ordeiro, trabalhador, sadio e

alimentado pela literatura.

Tratemos, pois, das margens, na narrativa do Correio do Povo.

5.2.1 Saúde mental, disciplinamento e imigração

A ruptura das referências identitárias aliada à impossibilidade de estabelecer

novos vínculos sociais na cidade de recepção pode superar o limite humano da

sanidade mental.

A história da imigração desde a produção da loucura, ainda está para ser

contada. Fiquemos a olhar por uma fresta os anônimos que só constam em notas

nos jornais, mais pela bizarria. O louco não tem como narrar sua desventura na

cidade. Nem ninguém o fará por ele.

488 UMA FESTA em Ipanema. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIX, n. 229, p. 44, 11 out. 1933. 489 DaMATTA, Roberto. O que faz o brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1997.

294

Em Porto Alegre o imigrante pode oscilar entre a Cadeia Municipal e o

Hospício São Pedro, na pendularidade entre o crime e a alienação mental, que lhe

retira a responsabilidade civil sobre seus atos.

Apenas a sociedade é responsável pela segurança pública, retirando o

alienado dos olhos, digamos, das ruas da cidade. O Hospital São Pedro “a grande

obra do ´hospício` foi planejada para ocupar um espaço afastado do centro urbano,

entre o Riacho e a antiga estrada do Mato Grosso” (hoje Av. Bento Gonçalves). A

data de fundação foi 29 de junho de 1884.490

Em 1920, com o adensamento urbano, já está em área urbanizada e cercada

de moradias. Tanto que, facilmente, os internos podem tomar as ruas de Porto

Alegre. Aos 16 de outubro de 1920 o Correio do Povo noticia a fuga do Hospício São

Pedro, de “três alienados, que para ali haviam sido removidos da Casa de Correção,

onde cumpriam sentença. Eram eles Trajano Schutz, João Francisco Marcill e João

Ronco, condenados respectivamente, à 8, 10 e 30 anos de prisão celular [...]”. A

notícia informa ainda, a prisão de dois deles em São Leopoldo, “dirigindo-se uma

escolta da Chefatura de Polícia, afim de reconduzí-los para esta capital.”491 Quais

seus crimes, não sabemos.

No ano de 1924 sabemos qual o crime mas se desconhece o motivo. A

manchete: “VANDALISMO OU LOUCURA?”, o fato tem repercussão junto aos

católicos. A narrativa é a seguinte: Uberto Bohringer depreda o interior da igreja de

São Pedro. Recolhido à Casa de Correção, por ordem do Dr. Alceu Barbedo,

delegado judiciário do 1o distrito. Indignados, estudantes de Medicina como Antonio

Louzada, Antonio Botini, Mario Bernd, Pascoal Pereira e Carlos Bento, convidam

“todos os centros acadêmicos desta capital para, num gesto de protesto e ao mesmo

tempo de auxílio, empreender a reconstrução das partes danificadas do templo [...]”.

Organiza-se um bando precatório para a coleta de donativos, com o que há

de mais representativo na comunidade católica: a Congregação Mater Salvatoris de

Acadêmicos e Formados, do Ginásio Anchieta. Planejam sair à rua na próxima terça-

490 OLIVEIRA, Clovis Silveira de. Porto Alegre: a cidade e sua formação. Porto Alegre: Metrópole, 1993. p. 149. 491 EVASÃO de alienados. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 267, p. 4, 16 nov. 1920.

295

feira, após a reunião, que será na sede da União dos Moços Católicos, à rua dos

Andradas n. 150, às 14 horas.492

O desequilíbrio do imigrante foi confirmado por Vicente Stillner, em cuja casa

Uberto residia:

[...] (vem) inutilizando várias imagens dos santos e outros objetos que se achavam sobre o altar [...] disse o Sr. Vicente Stillner que Boeringer já estava, há tempos, em observação médica com os drs. Fredérico Falk e J. Cardinal [...]. Em vista de tais informações, as autoridades já se entenderam com o administrador da Casa de Correção, no sentido de Uberto ali ficar em observação médica.[...].

493

Em 1929 a Sociedade Pestalozzi, à rua Andradas 1766, trata da localização e

inauguração do Instituto Pestalozzi, que tem apoio do Governo do Estado e da

Intendência Municipal. Dedicado à educação de meninos “débeis físicos e mentais e

de retardados”.494

Em 1932 a saúde mental é discutida na 5ª Semana Anti-alcóolica, promovida

pela Liga Brasileira de Higiene Mental. Preside os trabalhos Miguel Couto. Realiza-

se a palestra intitulada “Profilaxia mental dos imigrantes”, por Xavier de Oliveira.

Seus pontos de vista expressam a visão higienista deste período embutida na

política de imigração, que restringe algumas raças. Pura eugenia. À medida que se

imprime cotas restritivas à entrada de estrangeiros, coloca-se sob suspeita esta

estrangeiridade, antes tão obsequiada pela sua “superior” força de trabalho.

[...] a) que é muito elevada a cota (de) psicopatas entre os imigrantes no Brasil; b) que as suas desordens mentais explodem, geralmente, dentro dos seis primeiros meses após a sua chegada; c) que um dos fatores mais importantes, entre os que de muito influem para esse efeito, é a falta de seleção mental do imigrante, feito em seu país de origem, imediatamente, antes da sua emigração.

Propõe uma série de medidas de profilaxia defensiva:

492 VANDALISMO ou loucura? Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n. 148, p. 4, 22 jun. 1924. 493 VANDALISMO ou loucura? Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n. 149, p. 4, 24 jun. 1924. 494 SOCIEDADE Pestalozzi. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXV, n. 8, p. 4, 10 jan. 1929.

296

[...] a) aconselhar o governo a por em execução a lei de 1921, que proíbe a entrada de psicopatas no Brasil, acrescida dos seguintes complementos; b) que em sua prole, caso a tenha, não haja filhos doentes mentais ou nervosos ou, simplesmente, com taras evidentemente menores ou mentais; c) que não sejam sifilíticos, verificado pelo controle obrigatório da reação de Wassermann, no sangue ou liquor, a juízo da junta médica que o examinar em seu país de origem ou de destino; d) que não sejam, alcoolatas, no sentido psiquiátrico desta palavra; e) que não sejam portadores de outras toxicomanias; f) que só seja permitida a entrada no país de imigrantes da raça branca; g) que seja expressamente proibida, para o efeito de residência além de seis meses, a entrada, no país, de quaisquer elementos das raças negras e amarela; h) que seja previamente feito exame de sanidade mental para todo estrangeiro que se queira naturalizar brasileiro; i) para a efetivação das medidas acima aconselhadas, o governo entrará em acordo com as nações emigratórias, para que seja, obrigatoriamente, feito o exame médico-psiquiátrico do imigrante que se dirige ao Brasil, da forma como for combinado com as nossas autoridades diplomáticas e consulares nesses países.

Propõem também as seguintes medidas de profilaxia, agressiva:

[...] 1) fazer repatriar, imediatamente, ao seu país de nascimento, a todo imigrante que se tornou, ou se vier a tornar alienado, durante os primeiros seis meses após a sua chegada a qualquer porto do Brasil; 2) repatriar, igualmente, aqueles que enfermaram depois dos primeiros seis meses e antes dos primeiros seis anos, após a sua chegada, e cuja moléstia for julgada incurável no estado atual da ciência; 3) a manter e tratar como se fossem nacionais os imigrantes que enfermarem depois de seis anos consecutivos de residência no país; 4) expulsar, sumariamente, a todo estrangeiro, homem ou mulher, que for verificado ser toxicômano reincidente; 5) a deferir á Liga Brasileira de Higiene Mental a inspeção médico-psiquiátrica e eugenica de todos os imigrantes que se destinam ao Brasil, habilitando-a com os devidos recursos materiais e legais, não podendo entrar no país nenhum alienígena que não tenha a sua ficha mental, previamente, feita por especialista daquela instituição.[...]

495

A deportação é a saída para os indesejáveis. O serviço de vigilância no Cais

do Porto de Porto Alegre, a cada desembarque de passageiros de vapores vindos

do Rio de Janeiro e portos do norte do país, examina e, se for o caso, deporta

imediatamente. Exemplo disso é o caso de:

José Piacenza, de cor branca, com 46 anos de idade e natural da Itália. Esse criminoso, que também usa os nomes de Antonio Villanova Brum e José Silveira, foi preso no interior de um bonde quando tentava dar um

495 O PROBLEMA imigrátorio sob o ponto de vista da higiene mental. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVIII, n. 218, p. 7, 14 set. 1932.

297

"golpe" na carteira de um passageiro que viajava a seu lado[...]. Já estivera no Rio de Janeiro e Paranaguá.

496

Loucos, alienados, desempregados, infratores, todos oferecem o espetáculo

da imigração sem critérios. As propostas sobre a imigração selecionada galvanizam

os anos 30. Teme-se a importação da degenerescência mental e a sua reprodução

“[...] Fazemos caso importante da qualidade. E com isso nem sempre conseguimos

apurar uma imigração de fato produtora [...] Basta dizer que entre nós a imigração é

de pura competência policial[...].”497

5.2.2 Higiene para uma cidade sadia

A saúde pública também preocupa. As condições de moradia dos imigrantes

no geral, não são das melhores. A peste bubônica grassa onde as condições de

higiene falham. Em 1922, na rua Voluntários da Pátria n. 269B onde está a funilaria

e a residência de Braz Fiorenzano, seu filho de 11 anos é acometido pela peste.

Flores Soares, adjunto diretor da “Higiene” interdita o prédio para desinfecção.

Verificou que se achava infectado como o germe da peste bubônica. Felizmente, a

saúde do menino foi restabelecida.498

Ainda nesse ano o Correio do Povo noticia outros casos. A incidência é tal,

que uma ação mais efetiva se faz necessária. Entre as medidas profiláticas tomadas

pela Diretoria de Higiene, está a desinfecção de todos os cinemas da capital, a

iniciar pelo Cinema Teatro Guarany.499

Na cidade, a área com um número maior de casos, alguns fatais, é na rua

João Alfredo. Os pacientes são tratados no Hospital de Isolamento, no arrabalde de

S. José, como o ocorrido com Caetano Berlese, do comércio desta praça.

496 A CAMPANHA contra os indesejáveis. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVIII, n. 185, p. 5, 06 ago. 1932. 497 IMIGRAÇÃO selecionada. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVIII, n. 220, p. 4, 16 set. 1932. ; A SELEÇÃO imigratória. Correio do Povo, Porto Alegre, n. 217, p. 81, 8 set. 1932. 498 PESTE bubônica. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVIII, n. 16, p. 4, 19 jan. 1922. 499 PESTE bubônica. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVIII, n. 46, p. 4, 23 fev. 1922.

298

Adoecendo, foi chamado para atendê-lo o Dr. Hermeto Tourinho.Tratado em tempo,

restabeleceu-se.500

Não foi a sorte do ator Victor Sohne, com 38 anos de idade, natural deste

Estado, casado e residente numa pensão da rua Voluntários da Pátria e fazia parte

da Companhia Cancella que trabalhava no Cine Teatro Coliseu:

Domingo, adoecendo, foi ele levado para a Beneficência Portuguesa e, sendo examinado pelo Dr. Serapião Mariante, verificou-se que ele se achava atacado de peste bubônica [...] Removido pra o Hospital de Isolamento, onde veio a falecer na manhã de ontem.[...] O quarto de hospital e a pensão onde morava foram desinfetados.

501

Mas se há algo que afeta tanto imigrantes quanto nacionais, são as condições

de higiene da via pública, as quais deixam a desejar em 1925. Preocupado com a

situação, Octavio Rocha, intendente municipal, “entendeu-se, há dias, com o general

Adalberto Petrazzi, diretor-presidente do Corpo de Bombeiros para que o serviço de

lavagem do Mercado Municipal seja, doravante, feito por essa coorporação.”502

A irrigação das ruas também vai ser executada pela corporação. Controle de

epidemias, limpeza pública, a cidade moderna necessita vigiar as condições da

alimentação fornecidas pelos estabelecimentos.

Muitos italianos de Morano-Calabro essão estabelecidos como açougueiros

em Porto Alegre, alguns até grandes atacadistas, como Genaro Conte. Mas dentre

os italianos em geral e, proprietários de açougues, em particular, alguns transgridem

as normas. A Diretoria de Higiene da Intendência Municipal multa em 50$000, Pedro

di Luca, à rua José do Patrocinio n. 58, expôs á venda carne em decomposição;

Caetano Diffini, à rua Riachuelo n. 278-A, por falta de higiene; em 100$000 Martins

Caetano, por infração do edital de 5 de janeiro de 1925. 503

500 PESTE bubônica. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVIII, n. 97, p. 4, 26 abr. 1922. 501 PESTE bubônica. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVIII, n. 61, p. 4, 14 mar. 1922. 502 A HIGIENE do Mercado Municipal. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXI, n. 9, p. 4, 11 jan. 1925. 503 MULTAS, Correio do Povo Porto Alegre, ano XXXI, n. 11p. 4, 14 jan. 1925.

299

Carne vendida depois do horário é o motivo da multa de mesmo valor para

Francisco Donato, à rua Marcilio Dias n. 148, no seu açougue.504

Em 1927, os marchantes aumentam o preço da carne levando a

municipalidade a permitir a instalação de matadouros de emergência para fazer

frente à necessidade de consumo da população de Porto Alegre. Os proprietários de

açougue fecham seus negócios, provisoriamente, em protesto.

Jacob Hackmann habilita-se. É proprietário de açougue Tigre, no Mercado

Público, com filiais nos bairros Passo da Areia, onde improvisa matadouro com

salsicharia anexa, no bairro Moinhos de Vento e na Rua Voluntários da Pátria. A

carne vem de pedras Brancas e da região serrana. Para todo o esquema montado, a

Higiene Municipal faz a sua vistoria.505

A Diretoria da Higiene Municipal tem muito trabalho pela frente. Em 1926 a

fábrica de caramelos e balas de Michelon, Quintella & Cia. Transfere-se para novo

prédio à rua S. Pedro n. 172, construído conforme as especificações daquela

diretoria. A visita é narrada:

[...] “prédio todo de material, com amplas aberturas, tendo ao centro uma vasta sala de duzentos metros quadrados, destinada ao fabrico de cerca de 50 qualidades de balas e caramelos, com matéria prima de primeira ordem”. A escariola reveste a sala onde trabalham as operárias [...] mesas de mármore, as máquinas todas movidas a eletricidade [...] piso é todo de cimento [...] na parte externa, banheiros para os empregados, patentes, vestiários, etc. [...] Breve vão expandir para o fabrico de artigos de chocolate [...] (a produção) é, presentemente, de cerca de mil quilos diários [...] que são vendidos nas principais praças deste e de outros Estados.506

A fábrica de Gelados Excelsior de Aldo Borri estabelece-se no prédio n. 1648

da rua dos Andradas, segundo os principais requisitos higiênicos e equipamentos

modernos, à eletricidade. Podem fabricar os gelados Cascata Sibilina, Spumone e

504 REUNIÃO de açougueiros, Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIII, n. 15, p. 4, 17 jan 1925. 505 MATADOUROS de emergência. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIII, n. 256, p. 4, 21 out. 1927. 506 FÁBRICA de caramelos e balas. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXII, n. 162, p. 4, 11 jul. 1926.

300

Torroni. Um caminhão com câmara frigorífica, especialmente construída, fará a

entrega domiciliar.507

A empresa Salvador Pappalardo & Cia, se estabelece à avenida Oswaldo

Aranha, 396, com fabrica de massas alimentícias, principalmente massas de sêmola,

ovos e pastilhas para diabéticos, além de massas com verdura e espinafre.508

A confeitaria Cestari, de Cestari & Irmãos, que se localiza no Caminho do

Meio, está sob suspeita: em 1931 a Diretoria de Higiene investiga um caso de

envenenamento. A noticia relata que em uma festa ocorrida na residência de João

Artur Pezarozzi, à rua Paulino Teixeira n.282 pessoas teriam sido envenenados por

doces fornecidos pela Confeitaria. Coletada amostra dos doces e examinada no

Laboratório da Diretoria de Higiene.

[...] Secundando essa providência, o professor Fernando de Freitas e Castro, Diretor da Higiene e Saúde Pública do Estado, designou o Dr. Ary Vianna, diretor do Centro de Saúde do 2º distrito sanitário, para proceder a rigoroso inquérito [...] nada encontrou de procedente, e encerrado está o caso.

Nota-se a preocupação com a imagem pública que associa modernidade,

higiene e prestação de serviço atenciosa.

A Confeitaria Cestari faz questão de divulgar as instalações da fábrica para

que sejam conhecidas pelo público. A narrativa do Correio do Povo traz a imagem

de um amplo e moderno prédio, que conta com um primeiro grande salão para a

venda a varejo, cujo piso é de mosaico e as paredes revestidas de ladrilhos

vidrados. Para expor a mercadoria, existe um balcão, dos mais modernos no gênero,

onde o freguês pode apreciá-la através de três amplas e bonitas vitrines. A sala que

segue o salão, é de piso de mosaico, sendo as paredes revestidas de ladrilhos

vidrados, aliás como o restante das dependências do prédio. Já a sala de contagem,

onde são expedidos os doces, dispõe de um sistema de gavetas, ladeadas por um

depósito de bandejas de papel. A sala de depósito de farinhas segue esta sala de

507 FÁBRICA de gelados Excelsior. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIII, n. 292, p. 4, 03 dez. 1927. 508 MASSAS alimentícias. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVIII, n. 64, p. 4, 17 mar. 1932.

301

manipulação. E há mais, como as sofisticadas máquinas do gênero, com dois fornos

a vulcão, e 15 fogões modernos, onde se cozinha-se as frutas e as marmeladas.509

5.2.3 Cresce a cidade, cresce o crime

É preciso mais segurança pública. O estrangeiro pode não ser trabalhador,

ordeiro, ou pode ser roubado por outro estrangeiro. No dia 19 de agosto de 1920, o

Correio do Povo noticia que Francisco Barbosa Fusquini constata a tentativa de

arrombamento do cofre, no seu escritório comercial, à rua General Câmara no 53.510

Sequer as caixas de penas Mallat, encomendadas por Barcellos, Bertaso &

Cia., proprietários da Livraria do Globo deixam de ser roubadas e vendidas no

mercado paralelo. Oferecidas às firmas locais por preço inferior, o fato precipitou

diligências que conduziram a um catreiro e um tripulante da chata. Quando

passavam pela Alfândega, os proprietários da livraria averiguaram que a caixa

estava arrombada:

Sabe-se, pelas diligências efetuadas, que encostado ao trapiche onde se achava atracada a chata, havia um saco onde eram depositadas às caixas de penas que, aos poucos, eram retiradas do caixão. Alguns dos compradores têm restituído as penas compradas.511

“Os amigos do alheio” estão cada vez mais audazes, conforme o fato narrado

a seguir, ocorrido em 1922:

[...] Contando com o mau policiamento da cidade, cada vez mais deficiente, os ladrões redobram de ousadia, chegando ao ponto de assaltar a uma mulher em plena via pública, no intuito de arrancar-lhe as jóias que a ornam [...]. Cerca de 20 horas de anteontem, sexta-feira da Paixão, a mulher Odette Fiori, residente à rua General Canabarro no 52, saiu a dar um passeio em companhia de sua amiga Inah Miranda. Pouco depois, quando subiam a rua dos Andradas, notou Odette estar sendo seguida por um indivíduo de cor negra [...].

509 EM TORNO de um envenenamento atribuído a doces da confeitaria CESTARI. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 303, p. 11, 27 dez. 1931. 510 ARROMBAMENTO. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 192, p. 4, 09 ago. 1920. 511 ROUBO de penas para escrever. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVIII, n. 86, p. 4, 18 dez. 1920.

302

Ao chegar, porém, à esquina da rua do Arroio, Odette Fiori vê-se

inopinadamente agredida pelo indivíduo que a seguia, o qual procurava arrancar-lhe

das orelhas um par de brincos com brilhantes. “[...] Reagindo, descalça um sapato

ao ser atirada ao chão e fere “a cara do perigoso ladrão.”

Policiais acorrem e prendem o assaltante que na Chefatura de Policia

identificou-se como José Rodrigues e disse ter 30 anos de idade. Odette Fiori, ferida,

foi atendida na assistência do 1º posto e após recolheu-se a sua casa. “A jóia que

despertara a cobiça do ladrão era do valor aproximado de 1:400$000."512

Muitos moraneses são proprietários de lotéricas e não conseguem ficar

imunes aos falsários de bilhetes de loteria no Estado. Os falsários João Terlera e

Dionysio Barronio são presos e soltos. O golpe foi descoberto quando tentam

adquirir três originais dos números de propriedade exclusiva da Administração da

Loteria do Estado na firma Broda, Dohnes & Cia., proprietária da Casa Beck. O

funcionário pretextou aceitar o pedido, mas entra em contado com Demarchi & Cia.,

concessionários da Loteria do Estado, fazendo-lhes entrega do original em questão.

Avisada a polícia, são presos quando vão buscar a encomenda.513

As arruaças são comuns na cidade moderna e a função policial é assegurar a

ordem pública, dirimindo os conflitos. Mas, às vezes um policial é ferido, como

aconteceu na casa de negócio de José Jorge Motri e Alberto Martins do Valle,

localizada no arrabalde da Tristeza.

Angelino Vieira e Theodoro Stanger estavam fazendo desordens, à tarde.

Foram chamados ao local o inspetor João Ramos de Oliveira, comandante do

destacamento de Tristeza e mais dois agentes, entre eles Pedro Rodrigues da Silva,

os quais foram agredidos,

[...] Theodoro Stanger, armado de uma faca, investiu contra o agente Pedro Rodrigues da Silva, com ela conseguindo vazar a vista esquerda do referido

512 ASSALTO em plena rua. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVIII, n. 86, p. 4, 16 abr. 1922. 513 FALSIFICAÇÃO de bilhetes de loteria. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVIII, n. 12, p. 4, 14 jan. 1922.

303

agente. O outro agressor, Angelino Vieira, também fez uso de uma pistola, cuja cápsula, felizmente, não conseguiu detonar [...].514

Há os que se destacam na luta contra o crime: O coronel Affonso Emilio

Massot é homenageado em 18 de maio de 1922. Completa o 7º aniversário de sua

nomeação para o cargo de comandante efetivo da Brigada Militar e vai ganhar um

quadro ofertado pelos oficiais da milícia estadual.515

A Guarda Municipal, posteriormente, a polícia Administrativa e a Brigada

Militar são os responsáveis em alguns distritos de Porto Alegre pela manutenção da

ordem desejada.516 Tal ordem é difícil de ser mantida na área da cidade maldita: a

polícia promete fechar espeluncas na capital, a cada conflito mais sério. A

sociabilidade implica em confronto e desavenças. No Club Ibá, situado à Travessa 2

de Fevereiro, um mulher perde a vida. Outras ficam feridas.

No interior do Club Rengt-Baal, à rua Andrade Neves, n. 29, numa discussão de jogo, João Mutti, julgando-se roubado numa parada de 50$000 que jogara no "bacarat", puxou do seu revolver e desfechou por 3 ou 4 vezes. Os tiros terminam por atingir [...] Agostinho Gasper, branco, com 40 anos de idade, solteiro, residente á rua Barros Cassal n. 19(..) desarmado e preso pelo inspetor da policia administrativa do 1o posto, Ernesto Militão, que apreendeu, também a arma de que se utilizara ele.[...].Passaram-se, no entanto, os dias, e a medida(de fechamento) passou, ao que parece, para o rol das coisas esquecidas.

517

Há, igualmente, empenho em controlar a área do meretrício. Os jornais

arremetem contra a falta de decoro urbano: "Engana-se muita gente em acreditar

haver sido resolvido o problema do meretrício em Porto Alegre. A princípio, as

autoridades se esforçaram em afastar, do coração da cidade, os prostíbulos que

ofereciam um espetáculo degradante aos olhos dos habitantes e forasteiros”. A

reforma moral localiza as mulheres de vida fácil nas ruas Espírito Santo e São João,

Beco do Oitavo e travessas Cruzeiro e Bento Gonçalves, afastando-as dali.

514 UM POLICIAL ferido num conflito. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVIII, n. 102, p. 4, 02 maio 1922. 515 HOMENAGEM ao Coronel Massot. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVIII, n. 116, p. 4, 18 maio 1922. 516 SIMÕES, Rodrigo Lemos. Porto Alegre 1890-1920: resistência popular e controle social. 1999. Dissertação (Mestrado)- Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Instituto de filosofia e Ciências Humanas, Porto Alegre, 1999. p. 42. 517 GRANDE desordem num club. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX n. 133, p. 4, 05 jul. 1924.

304

Trabalho em vão, pois em certas ruas do centro as meretrizes retornam,

afligindo as famílias residentes nas proximidades. Não basta os jornais denunciarem

o abuso porque o próprio “1º delegado-auxiliar está cansado de dizer que não

admite a interferência da imprensa em seus serviços”. Chama a atenção, o caso da

rua General Bento Martins, onde ocorre a ocupação de dois prédios pelas

meretrizes. Quando o delegado Cidade fez uma inspeção no “antro” da cafetina

"Mimi", instalada no prédio n. 150, a visita daquela autoridade ao local foi recebida

com satisfação, pois julgava-se que ela iria enfim remover tal impecilho da Rua

Bento Martins. Passaram-se mais quinze dias e a autoridade fez nova visita à casa

de “Mimi. O clichê da notícia é ilustrativo:

A antiga "Pensão Rosita" hoje de propriedade da cafetina Maria Batrochi. [...] é destinada somente às mulheres que trabalham no "Clube de Caçadores". Maria Batrochi expulsou dali todas as nacionais, trocando-as pelas estrangeiras. Ficou ela, pois, senhora do "mercado", visto haver desaparecido sua maior concorrente, Catharina Scuderoni.

518

Os ambientes públicos assim como aproximam os grupos urbanos, ensejam

desavenças. Os imigrantes podem passar de uma reunião agradável para um

desentendimento por insignificâncias, mas com conseqüências. Como relata o

Correio do Povo, quando se achavam reunidos em um armazém situado à rua

Cristovão Colombo, próximo da rua Felix da Cunha, Alfredo Gress, Oscar Westphal,

Salvador Giglio e outros rapazes:

A reunião decorria amigável e no meio de intensa "alegria", quando, por questões surgidas no momento entre dois rapazes do grupo, houve um conflito [...] Alfredo Gress ferido levemente, na cabeça por Salvador Giglio, com uma garrafa [...] Acreditando tudo terminado, ao sair para a rua, ao chegar á esquina da Félix da Cunha recebeu um tiro de Alfredo na parte posterior do pescoço. Atendido pala Assistência Pública do 3º Distrito, vai prestar depoimento à Chefatura de Polícia. As versões sobre os fatos não coincidem.

519

O tipo mais urbano de delito é o praticado pelos batedores de carteiras, os

quais são localizados nas imediações dos bancos. Nessa ocasião, a vítima é

Fernando Scotti, representante de jornais italianos. Tomada a decisão de retornar à

518 A LOCALIZAÇÃO do Meretrício. Estado do Rio Grande, ano 1, n. 188, p. 6, 03 jun. 1930. 519 CONFLITO e ferimentos. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n. 180, p 4, 08 ago. 1924.

305

Itália, dirige-se ao Banco Francês e Italiano, ”para transformar, em liras, 4 contos de

réis, produto de suas economias”. Pela parte da manhã não há a taxa-cambial,

então Scotti retorna à tarde. Nesse ínterim, passando pela frente do Banco

Brasileiro-Alemão, recebe um empurrão “de dois indivíduos, bem trajados, parando

na sua frente, obstaram-lhe o passo, enquanto o outro, pelas costas, lhe deu um

empurrão”. Ele não dá importância e segue até o Mercado Público, “onde tomou um

auto-caminhão da linha de S. João, voltando, mais tarde, para o centro da cidade.”

Quando vai adentrar no Banco Francês e Italiano, percebe a falta do dinheiro

entendendo a razão do fato acontecido com os dois sujeitos. “Cientificado o fato por

todos que conhecem aquele cavalheiro, foi ele lamentadíssimo, pois, ao cabo de

alguns anos de árduo trabalho é que ele conseguira reunir algum dinheiro para voltar

à terra natal, da qual se encontra ausente há 20 anos”.520

A cidade maldita não tem contemplação com os interioranos também. Ao

chegar de Ijuí, José Sanfelice, negociante, foi abordado por um indivíduo que disse

ser seu freguês e o convida a dar um passeio de automóvel, para conhecer a

cidade. Nesse momento aproximam-se outros dois companheiros do desconhecido.

Na altura do Areal da Baronesa, conforme declaração posterior, o presumido freguês

diz ter um bilhete de loteria, premiado na extração do sábado e não poder descontar

ainda e pede um adiantamento à José. Este mostra a quantia de 10:000$000 que

leva. E assente. Terminado o passeio, ao recolher-se no hotel dá-se conta que no

seu bolso agora só há um maço de papel velho. Darão Barbosa, delegado de

Plantão desconfia de “Mãozinha” e “Pivete”, mas desconhece a terceira

personagem.521

Estrangeiros continuam sendo recolhidos pela polícia. Dessa feita:

[...] Dr. Pompilio de Almeida, sub-intendente do 1º distrito, informa que foram presos e recolhidos ao xadrez vários vigaristas, dentre os quais Rodolpho Stol, Francisco Chagas, Oliveira Silva Bragga, Stella Giuseppe e

520 OS "BATEDORES" de carteira nas imediações dos bancos. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIII, n. 187, p. 4, 02 ago. 1927. 521 VIGARICE. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXII, n. 97, p. 5, 27 abri. 1926.

306

Jacques Califf. [...]. Também prende vários desordeiros e bêbados, que perambulavam pelas ruas do 1o distrito.

522

Porto Alegre já foi considerada “paraíso dos punguistas”. Porém, o problema

ameniza com a segurança policial. Agora, anos mais tarde, nova turma de

punguistas assola as imediações dos hotéis, como os quatro estrangeiros que são

presos, conforme a narrativa:

Essa diligência teve seu início no abrigo da Praça 15 de Novembro, numa hora de grande agitação, hora em que todos acorrem para aquele local a fim de tomarem condução: Meio dia. Entre a multidão que se aglomerara no abrigo a atenção do policial foi despertada para dois indivíduos que falavam desembaraçadamente o idioma italiano [...].

Os métodos de trabalho dos punguistas foram observados sob a supervisão

de Dr. Amantino Fagundes, 2º delegado: embarque, desembarque, conduta dentro

do bonde que resolve expedir voz de prisão. Os presos negaram mas acabaram

confessando “[...] Na presença do Dr. Amantino Fagundes os dois ‘peritos’ fizeram

algumas demonstrações práticas de como se ‘limpa’ uma descuidada vítima. A

própria carteira do delegado eles ‘bateram’ mas ... apenas por experiência”. O grupo

todo foi identificado, eram Luiz Mariani, Francisco Russo, e mais outros dois. E tem o

mesmo destino, a expulsão do território.523

Os armazéns de italianos também são assaltados. Não uma, mas várias

vezes. A notícia narra que na avenida Veneza n. 19-A, estabelecido com uma casa

comercial, Luiz Francisco Missoni, que também reside ali, surpreende um indivíduo e

uma carroça entrando no estabelecimento. Alertado, atira com seu revólver e põem

em fuga os ladrões. “Com esta, é a terceira vez que os larápios assaltam o armazém

da rua Veneza, sendo que, na segunda vez conseguiram levar 400$000 em dinheiro

que se encontravam numa gaveta”.524

522 PRISÃO de vigaristas e desordeiros. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIII, n. 189, p. 4, 05 ago. 1927. 523 OS "PUNGUISTAS" em Porto Alegre. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 26, p. 5, 01 fev. 1934. 524 ARMAZÉM assaltado. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 122, p. 4, 24 maio 1928.

307

O Correio do Povo descreve a cena de que Porto Alegre foi “palco”, como um

Far West americano.. Narra “[...] Queremo-nos referir a uma intentona de assalto

levado a efeito por um malfeitor que, de revólver em punho, pretendeu roubar uma

agência de loterias situada à rua Voluntários da Pátria.” O assaltante fere o

proprietário da Agência Tesouro, Marroni Leonardi, que funciona no prédio n. 519 da

referida rua. Em seu depoimento, ele relata como foi surpreendido pelo assaltante e

mesmo ferido com a coronhada de revólver que recebeu, deu o alarme. “[...]

atendido foi encaminhado ao Dr. João Pompilio de Almeida Filho, delegado de

plantão, o qual tomou logo imediatas providências no sentido de ser encontrado o

perigoso gatuno".525

A propriedades dos açougues em Porto Alegre pertence em sua maioria aos

italianos, muitos deles moraneses. E não estão livres dos assaltos. O

estabelecimento do moranes Gustavo Maineri à rua Venâncio Aires, n. 1417 tem a

porta arrombada. Os policiais, alertados pelos passantes Pedro Ferreira, residente à

rua Boa Vista, n.2397 e José Guinadelli, morador do Caminho do Meio. O

proprietário, avisado pela polícia, constata ao chegar, o arrombamento da máquina

registradora e o desaparecimento de 50$000, aproximadamente.526

Outro italiano, Carlos Maineri, também tem o seu açougue “Bom Gosto”, à rua

Santa Catarina (hoje, Dr. Flores), n. 391, arrombado, quase simultaneamente ao

assalto do estabelecimento de seu compatriota Gustavo Maineri. Dessa feita, o

proprietário se encontrava dormindo na casa conjugada ao açougue, mas nada

pressentiu. Porém, sua sorte foi melhor: o ladrão foi surpreendido carregando a

gaveta da caixa registradora pela “mulher Diva de tal”, quando descia a rua da

cadeia, indo para sua residência. O ladrão abandona a gaveta e foge, deixando para

trás 100$000, que foram encontrados pelos policiais alertados por Diva e outro

passante.527

Wirth define o urbanismo como modo de vida no qual está presente o decoro

e a urbanidade. Tal atitude faz falta a Orestes Lormandi, 38 anos, nacionalidade

525 OS ASSALTOS à mão armada. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 215, p. 5, 13 set. 1931. 526 GATUNOS carnívoros. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 253, p. 5, 29 out. 1931. 527 Ibid., loc. cit.

308

italiana, sapateiro, morador à rua Sertório n. 41. Orestes estava no Café Brasil sito à

Avenida Eduardo n. 1.465, de propriedade do Sr. Attilio Demeghini, arrabalde de

São João

[...] achava-se bebendo cerveja com atitudes inconvenientes, provocando a todos que dele se aproximava. [...] Justamente atemorizado com o que viesse a suceder, o Sr. Attilio saiu à rua afim de chamar um policial e fazer com que este providenciasse para a retirada do inconveniente freguês.[...].

Encontra o guarda civil número 226, Bento Alves dos Santos, que o acode.

Há troca de tiros e um atinge o sapateiro que vem a falecer. “Depois, nas diligências,

a identidade do italiano é revelada, assim como o fato de estar em liberdade

condicional por homicídio praticado no município de Novo Hamburgo, fora outros

registros por desordens”.528

Entre os advogados que atuam na “cidade de carne”, encontra-se o Dr.

Alberto Pasqualini, o qual faz a defesa do, remotamente, compatriota, Luiz Bettio.

Ocorre que:

[...] Há meses no "Restaurant Ponto Chic", situado no fim da linha do arrabalde da Glória, Luiz Bettio e outros promoveram um grande conflito, em que houve vários feridos, inclusive o proprietário daquele negócio Sr. Francisco Marzano.[...] O juiz pronunciou o réu Luiz Bettio nas penas do artigo 304 do Código Penal, por crime de ferimentos graves e

impronunciou as demais pessoas envolvidas.529

Localizado à Praça Marechal Deodoro, em 1933, o Teatro São Pedro está há

75 anos de sua inauguração. Ainda conserva sua elegância inicial, mas merece

cuidados. A noite é de gala, apresenta-se a pianista Dylla Josetti. O jornal conta que:

[...] À hora do início do concerto o gatuno comprou na bilheteria uma entrada e encaminhou-se tranqüilamente para o interior do Teatro São Pedro. Lá fora chovia torrencialmente. Ficou o esperto na sala de espera, como qualquer gentleman. Bem trajado, quem suspeitaria, naquele momento! Inicia o concerto. Nesse ínterim, o “gatuno”, “[...] encaminhou-se naturalmente, como se fosse empregado do teatro, para os bastidores.[...] Mais alguns passos e, como um clandestino, penetrou nos bastidores do São Pedro sem ser pressentido. Abriu a porta de um camarim e nele

528 REAGIU à prisão e foi morto pelo policial. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVIII, n. 3, p. 3, 05 jan. 1932. 529 ECOS DE UM CONFLITO. Correio do Povo, Porto Alegre anoXXXVIII, n. 39, p. 4 17 fev. 1932

309

penetrou de um golpe. Subtraiu, dali, então, uma rica pulseira de platina, cravejada de brilhantes, no valor de três cédulas de 50$ e mais alguns objetos [...]”. Foge naturalmente. Quando Dylla Josetti no término do concerto, dirige-se aos bastidores do teatro, dá-se conta do ocorrido. “O fato foi levado a seguir ao conhecimento da polícia, achando-se encarregado das diligências o Dr. Oscar Daudt Filho, 1º delegado auxiliar”.530

5.3 A cidade das trocas

Imigrantes italianos que chegam, imigrantes bem sucedidos que partem. Em

1921 continuam a chegar imigrantes. Dia 21 de outubro, por exemplo, pelo vapor

"Javary", chegam noventa e dois imigrantes de nacionalidades alemã, italiana, russa,

e tchecoeslovaca. Como sempre, a maior parte apenas transita por Porto Alegre,

seu destino é o interior do Estado. São agricultores. Mas, alguns veem para ficar na

cidade, são operários.

Entre esses, há um grupo que não tem ninguém a sua espera, o qual fica no

trapiche do Lloyd Brasileiro até cair à noite. Sem meios para providenciar uma

refeição, são auxiliados por pessoas da cidade que se mobilizam e improvisam

“alguns doces e outros comestíveis, fornecendo-os aos que precisavam”.531

Essas e outras situações continuariam a serem discutidas na Conferência

Internacional de Emigração e Imigração, divulgada em 1927, realizada em Havana,

Cuba. A primeira ocorreu em Roma no ano de 1924 com delegados de cinqüenta e

nove Estados, trinta da Europa; dezenove da América; dezeseis da Ásia; um da

África e três da Oceania.532

Apesar das restrições impostas para a saída da Itália, como o Ato de

Chamada e a existência de contrato de trabalho previamento estabelecido, o êxodo

530 UM AUDACIOSO roubo no Teatro S. Pedro. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIX, n. 231, p. 5, 04 out. 1933. 531 CHEGADA de imigrantes. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVII, n. 254, p. 4, 22 out. 1921. 532 CONFERÊNCIA Internacional de Emigração e Imigração. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIII, n. 182, p. 4, 26 jul. 1927.

310

italiano não cessa. “[...] A previsão é, como acontece com a emigração portuguesa,

que aumente a clandestinidade na emigração”.533

A população advinda da imigração tem seu adensamento somado ao

crescimento vegetativo, em Porto Alegre, bem como aos que irão estabelecer

negócios na capital, uma filial ou mesmo a matriz. É o caso das indústrias Renner

que se transfere de São Sebastião do Caí e amplia a fábrica, dado o aumento da

demanda dos seus produtos em função da guerra, tais como as famosas capas de lã

Renner.534

Desde 1920, os operários estrangeiros iriam encontrar emprego, tanto na

Renner, como em fábricas em Navegantes e São João. Os estabelecimentos

surgiriam em barracões, mas acompanhando a industrialização brasileira do período,

iriam se transformar em corporações empresariais modernas, com novos processos

de trabalho e diversificação da linha de produtos. A própria Renner inovaria, ao unir

primeiramente os setores de fiação, tecelagem e confecção numa mesma unidade

fabril e, depois, por investir na indústria de calçados, feltro, porcelanas, cimento,

tintas e máquinas de costura.

Diz Francisco Riopardense de Macedo:

A velha cidade, o primitivo núcleo, passa a ser mais freqüentado pelos moradores dos bairros, primitivos arraiais que, então dispunham de maiores facilidades de transporte. O melhor comércio, por isso mesmo, se localizou naquele núcleo aumentando a importância das radiais que o ligavam aos centros de consumo, dele distantes de cinco a sete quilômetros [...].

O crescimento dos bairros distantes tais como Glória e Teresópolis, mais

tarde, Petrópolis e Tristeza se explicam por esse fato.535

533 RESTRINGINDO e combatendo a emigração italiana, o Sr. Mussolini acaba de estabelecer as condições em que ela será permitida. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 196, p. 3, 17 ago. 1928. 534 REISCHEL, Heloisa Jochims. O surgimento de uma grande empresa no parque industrial gaúcho. O caso das indústria Renner. Pesquisa FINEP/UFRGS. Processo de industrialização do Rio Grande do Sul 1889-1945. Asssessoria de Francisco Carvalho Junior e Marcia Lewis. Porto Alegre, 1984. (Mimeo). p. 29. 535 MACEDO, 1968.

311

A possibilidade de emprego que existe na crescente indústria de Navegantes

e São João, ocorre em função da substituição do artesanato pela indústria na várzea

do Gravataí. O proletariado porto-alegrense é uma realidade com o crescimento

demográfico que se alia ao uso da força motriz desde a guerra.

A indústria italiana investe na cidade. Ao chegar em Porto Alegre o

estrangeiro pode se empregar na nova filial da firma Ercole Marelli, com sede em

Milão, na Itália. O depósito de motores elétricos, ventiladores, bombas centrífugas e

outros produtos de seu fabrico, se situa na cidade à rua Uruguai, n. 4. 536

5.3.1 Armazéns, açougues e lotéricas, quase um monopólio moranes em

Porto Alegre

O estrangeiro é amigo ou inimigo. Os ingleses vão mais longe: senão é

comerciante, é um inimigo, segundo Leed.537

Miguel Bodea examina o censo demográfico de 1920. Trabalha com

estatísticas. O que nos interessa é localizar a população classificada como

estrangeira. O censo registra para Porto Alegre uma população de 179.263 pessoas,

das quais 53.178 estão na categoria “profissão não-declarada ou mal definida”,

dessas, estão no setor terciário, desempregadas ou subempregadas, não há como

determinar. Da população definida no censo estão no comércio, 23,4%; na indústria,

31,7%; no transporte, 63% do total. Excluídos os proprietários, gerentes e

autônomos, essas constituem as classes trabalhadoras urbanas de Porto Alegre.

Segundo o censo, na pesquisa de Bodea, os estrangeiros são 27,7% dos

empregados na indústria; 12,75%, nos transportes; em torno de 26,35%, no

comércio. No total, 74,7% constituem nacionais e 25,3%, estrangeiros. na

interpretação de Bodea,

Em São Paulo, para efeito comparativo, a proporção de trabalhadores

estrangeiros é mais que o dobro de Porto Alegre. A conclusão é que a imigração

536 FILIAL de uma casa italiana. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 261, p. 4, 09 nov. 1920. 537 LEED, Eric J. La mente del viaggiatore: d´all Odissea al turismo globale. Bologna: Societá editrice il Mulino, 1992.

312

estrangeira dirigia-se, no Rio Grande do Sul, sobretudo, para as áreas rurais. Os

descendentes dos antigos colonos açorianos é que fornecem a maior parcela da

mão-de-obra urbana.538

De todo modo, a comparar com a presença da mão-de obra alemã

empregada, os autores deduzem que há baixa representatividade dos italianos,

ainda que as estatísticas sejam vagas e demonstrem algum crescimento.539

Pode-se, então, afirmar que os italianos se fazem representar em diversas

atividades, porém se encontram concentrados em algumas delas, tais como na

venda de calçados; secos e molhados; fazendas e miudezas; bares e cafés; venda

de loterias; assim como a comercialização de gêneros alimentícios, onde se

verificam muitos proprietários de açougues.540

5.3.2 Para onde vai a classe operária?

Os italianos que chegam a Porto Alegre buscam o trabalho que o meio urbano

propicia. Onde há trabalho, há conflito social e na modernidade capitalista,

organização coletiva de trabalho.

As condições de trabalho para a família operária imigrante são difíceis. Os

menores não estão estudando, mas trabalhando. Às vezes ocorrem tragédias, como

a que vitimou Constança Iloreschi, operária de 14 anos, na funilaria a vapor, situada

à rua comentador Coruja n. 112. Atendida na enfermaria da Santa Casa, não

resistiu.541

Em 1910, organizam-se os sindicatos no Rio Grande do Sul. Os anarco-

sindicalistas e a Federação Operária do Rio Grande do Sul-FORGS são a

538 BODEA, MIGUEL. A greve de 1917: as origens do trabalhismo gaúcho. Porto Alegre: Pró-Arte/LPM, 1977. p. 27. 539 BORGES, Stella. Italianos: Porto Alegre e trabalho. Porto Alegre: EST, 1993. 540 CONSTANTINO, Núncia Santoro de. O italiano da esquina: imigrantes na sociedade Porto-Alegrense. Porto Alegre: EST, 1991b. p. 115-138. 541 DESASTRE. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 32, p. 4, 07 fev. 1920.

313

contrapartida da expansão da industrialização e da urbanização. Mais tarde, o

socialismo e o comunismo avançam no meio operário.542

A Igreja Católica, nos anos vinte e trinta, teme a escalada de tais

organizações que possam dividir os trabalhadores e afastá-los do raio de sua ação.

A década de 30 começa com a grande crise do capital, o “crac” da Bolsa nos EUA. O

Estado-Novo lança, em 19 de março de 1931, a lei de sindicalização n. 19.770,

elaborada por Getúlio Vargas, Osvaldo Aranha e Lindolfo Collor, a qual entre outros

itens, regulamenta a sindicalização das classes patronais e operárias.

Como parte da conjuntura corporativista, ocorre a crise da FORGS, após a

nova lei de sindicalização. Nesse ínterim e, contra o avanço do pensamento

materialista-comunista, surge a nova estratégia do corporativismo reformista da

igreja, segundo Astor Antônio Diehl. Desde 1922, a igreja se revolve diante dos

novos fatos. A questão social terá uma resposta: a criação dos círculos operários. O

primeiro surge em Pelotas, em 1932. Em 1934, será a vez de Porto Alegre.

Álvaro Barreto, fazendo trabalho historiográfico, pontua que ao trabalho inicial

de Diehl somaram-se outros, os quais apontam para a tensão interna na implantação

dos círculos (ou circulismo), como os choques que se verificam na hierarquia da

Igreja e na jurisdição eclesiástica de Dom João Becker.

Segundo Diehl, D. João Becker, ainda que entusiasmado com as propostas

da revolução de 1930, não tinha sua ação dirigida para os problemas sociais, mas

voltada aos valores cristãos. Na sua visão, o trabalhador rural detinha tais valores,

ao passo que o industrialismo levava ao laicismo. Os setores populares, diante da

elite e da classe média urbana, na concepção do Cardeal Leme, eram o foco da

ação da igreja. O proletariado interessa aos comunistas, nessa ordem de fatores.

A vanguarda intelectual católica que colabora com o circulismo é composta

por dois descendentes de italianos, Ernani Maria Fiori e Valério Alberton, mais o

542 O que segue está apoiado em DIEHL, Astor Antônio. Círculos operários no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1990.

314

Centro Católico Acadêmico, a Ação Brasileira de Renovação Social e os Centros de

Juventude Católica criados por Alberton.543

No entanto, ainda existe pouca densidade historiográfica sobre a presença

dos grupos de italianos em quaisquer destes níveis de associativismo para a cidade,

além do já citado trabalho de Stella Borges sobre o período pré anos trinta.

Utilizando-se da periodização de João Batista Marçal, o qual situa três períodos: o

primeiro, no final do século XIX, de 1877 a 1892 , mais precisamente à época da

fundação da Sociedade de Mútuo Socorro e Beneficência Vittorio Emanuelle; o

segundo, social democrata, de 1892 a 1910, à época da fundação da “União do

Trabalho” em Rio Grande; o terceiro período, de 1910 a 1930, com a FORGS

anarquista.544

A aproximação da Igreja em direção à comunidade católica de Porto Alegre

se verifica junto às elites e às sociedades italianas no período que antecede a

Segunda Guerra e junto ao operariado, através dos círculos operários, coincidindo

com a implantação do Estado Novo.

Ainda segundo Diehl, em 1934 são fundados os círculos de Petrópolis, São

João, Navegantes e São Geraldo. Em 1935 são fundados os círculos de Lourdes,

Floresta, Central e Mont Serrat. Todos visam disputar o operariado junto aos

anarquistas e comunistas. A expansão geográfica acompanha a localização da

moradia operária, do centro para os bairros Partenom, Glória, Tristeza e Cristo

Redentor.545

Os italianos são minoria na indústria em Porto Alegre nos anos 20/30.

Participam da vida associativista nos círculos operários, nos sindicatos, tomam parte

nas greves e em outras manifestações coletivas, mas em número reduzido. Podem

ser encontrados, majoritariamente, nos setores do comércio, como proprietários ou

empregados e nos setores de seviços.

543 BARRETO, Álvaro. Uma avaliação da produção historiográfica sobre os círculos operários. Anos 90, Revista do Programa de Pós-Graduação em História, Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, n. 7, p. 127-147, jul. 1997. Ver igualmente TRINDADE, Fernando, 1983. 544 BORGES, 1993. 545 DIEHL, 1990, p. 65.

315

A conjuntura sindical é rica, também, em acontecimentos e não apenas em

orientações ideológicas. É um período de realinhamento das organizações diante do

Estado Brasileiro. Leis são baixadas na verticalização da estrutura corporativa. No

Correio do Povo, a cobertura dos conflitos classistas tem o tom da conjuntura política

coorporativista, ao ver do articulista Fernando Callage, nesta seção. Muitas notícias

são suscintas, não expressam em toda a extensão, a movimentação dos

trabalhadores. São manchetes sem continuidade. Deveríamos perseguir os rastros

para compreender a totalidade do processo. Não é possível, fiquemos na superfície

do mero registro.

Algumas notícias foram selecionadas segundo o critério da relevância

econômica e política. Ponhamo-nos no lugar do estrangeiro que chega à Porto

Alegre, qual o espetáculo do mundo do trabalho que o aguarda? Alguns são

trabalhadores sazonais, poucos especializados; outros são industriais ou

comerciantes que chegaram há mais tempo. Alguns, já nasceram no Brasil.

Acompanhemos as manchetes, elas podem contar parte do mundo do trabalho

desses italianos.

Os conflitos quanto à jornada de trabalho são freqüentes, como ocorre com os

comerciantes varejistas. Em 1920, os comerciantes de secos e molhados, com

negócios às ruas Duque de Caxias, Riachuelo, Andradas, Sete de Setembro e

Coronel Fernando Machado, tentam manter fechadas as portas de seus

estabelecimentos aos domingos.

A categoria, no entanto, não concorda. Alguns abrem os estabelecimentos. A

4 de abril do corrente ano, há enfrentamento quando um grupo de empregados

manifesta-se, publicamente, e pede o fechamento dos estabelecimentos. O conflito

eclode, quando, chegando à rua Coronel Fernando Machado no estabelecimento de

David Kalil, na casa n. 190, defrontam-se com os caixeiros Vicente de Paiva Lima,

Jesuino Francisco dos Santos Junior, João Octavio de Carvalho Bastos, Celso de

Araujo Moreira, Virgilio Alrite da Silva, Nathaniel Pinto Ribeiro e Francisco de Araujo

Ornellas. Ferem-se o proprietário do armazém e o seu empregado, Simão Dippe.

316

Os caixeiros são presos e conduzidos à Chefatura de Policia e, após, levados

para a Casa de Correção. Um habeas-corpus impetrado pelo Dr. Lyno Dias os libera.

O Ministério Público apresenta denúncia ao Dr. Valentin Aragon que se achava no

exercício do cargo de juiz da vara criminal.

No decorrer do processo foram os autos conclusos ao Dr. Caio da Cunha

Cavalcanti, juiz da comarca da 3ª vara que, em sentença, acaba de “julgar

improcedente a denúncia para não pronunciar os acusados dos crimes que lhes são

imputados”, como se verifica:

Deixa, assim, de reconhecer as provas do processo em relação à co-autoria dos indiciados no crime de dano, por ser de ação privada [...] “salvo existência de flagrante" (artigo 3º do Código do Processo Penal), que, na realidade, não ocorreu na espécie, não obstante constar do auto de fls. 8, cujo conteúdo foi completamente anulado pelos depoimentos dos condutores dos indiciados e testemunhas que subscreveram o dito auto, conforme se verifica de fls. 96 verso, 101 a 104.

546

Em 10 de setembro de 1924, a manchete, “GREVE DE GARÇONS”, noticia

que a Confeitaria Colombo, propriedade da firma J. Romba & Cia., figura como

espaço de negociação por melhores salários.

A narrativa dá conta de uma ação muito breve, logo resolvida. Os garçons

pleiteiam e conseguem - em breves horas de negociação - “um aumento para cada

um, de 20$000 nos seus vencimentos, que passaram a ser de 100$000 mensais”.

Coisa que se passa em poucas horas, entre a meia-noite e o dia seguinte. Mas é

greve, não é simples paralização.547

Em 17 de janeiro de 1925, a manchete, “REUNIÃO DE AÇOUGUEIROS”,548

relata o encontro dos pequenos proprietários de açougue que acontece na sede da

Associação Comercial dos Varejistas, o qual versa sobre a classe. Esse setor, tal

qual às casas de comestíveis, é, largamente, ocupado por italianos e moraneses.

546 ASSALTO a um armazém. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 269, p. 4, 18 nov. 1920. 547 GREVE de garçons. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n. 218, p. 4, 10 set. 1924. 548 REUNIÃO de açougueiros. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXI, n. 15, p. 4, 17 jan. 1925.

317

Entre vários assuntos, vão eleger a nova diretoria. Vários italianos meridionais

são eleitos: Presidente, Lourenço Melchionna; vice-presidente, Jorge Elias Filho; 1º

secretário, Odorino Paganotto; 2º secretário, Celestino Curcio; 1º tesoureiro,

Guilherme Bolze; 2º tesoureiro, Caetano Rosito; conselheiros, Fidelis Marranghello,

Miguel Melchiona, João Paganotto, Bertolino Corrêa, Rocco Faillace, José Rosito,

Salvador Amadeu, Rocco Rosito, José Fernandes Rodrigues e Bernardino

Marranghello; suplentes, Domingos Papaleo, Antonio Ferrari, Pedro Faillace, Carlos

Aronne; revisores de contas, Attilio Mainieri e João Fernandes Rodrigues.

Os açougueiros insurgem-se contra o trust da carne, eis que os marchantes

monopolizam a venda, trabalhando com um produto de péssima qualidade e com

alto preço, inclusive, ameaçando fechar-lhes o negócio, caso discordem. Um dos

oradores sugere imprimir um aviso ao povo e à imprensa sobre a carne “que é de

péssima qualidade, pois se é comprada baratíssima, [...] e inadequado o meio de

condução da carne”.549

Passemos para 1925. Nesse ano, o assunto dominante no Correio do Povo é

a panificação: em 10 de março: “FUSÃO DE PADARIAS”. No sete de julho temos a

reunião, na confeitaria Rocco, dos panificadores. Presentes os proprietários das

padarias Popular, Tristeza, Piccini, Universal, Delgado, Weimann e Panificadora.

Alexandre Piccini dirige os trabalhos. Esta fusão vai ser a União dos Proprietários de

Padarias.550

Em 5 de setembro, sob a manchete: “GREVE DOS PADEIROS”, informa-se a

reunião na confeitaria Rocco, da União dos Proprietários de Padarias, estando

presentes quarenta e sete sócios, muitos são italianos. No aguardo de

entendimentos com o intendente Municipal, Octávio Rocha, sobre um memorial que

lhe haviam enviado, ainda sem resposta, o advogado da União, Attilla Salavaterra,

mostra a conveniência do fechamento de todos estabelecimentos padeirais. Deixam

de fabricar o pão e também os biscoitos dias 5 e 6. O Comissariado do

abastecimento vai fabricar o pão.551

549 REUNIÃO de açougueiros. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXI, n. 15, p. 4, 17 jan. 1925. 550 FUSÃO de padarias. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXI, n. 58, p. 4, 10 mar. 1925. 551 GREVE dos padeiros. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXI, n. 211, p. 6, 05 set. 1925.

318

Em 6 de setembro de 1925: “O PÃO EM PORTO ALEGRE”, noticia que os

proprietários reunidos estão resolvidos a voltar a fabricar pão e biscoito. Na reunião,

Francisco Fabres da Rocha, secretário de Otávio Rocha, comparece para discutir o

preço do pão. A Comissão constituída por Alexander Piccini, Romeu Pianca, Miguel

Paris, Manoel Alexandre da Silva e Francisco N. Bastos é recebida pelo Intendente

que pondera sobre os preços estabelecidos pelo Comissariado de Abastecimento

Público, ao que, os panificadores retrucam alegando que os preços estavam muito

baixos. A solução seria o erário público assumir o ônus por meio de novos impostos.

A Comissão de Panificadores, ao retornar para o edifício da Confeitaria

Rocco, pondera que o preço deva ser superior ao estabelecido pelo Comissariado

de Abastecimento Público. Resta a este, então, arrendar a padaria Bermudez, à rua

Demétrio Ribeiro e panificara para a população, uma vez que não há acordo.

A Casa de Correção, tendo em vista a greve, já aumentara a produção para

abastecer o Hospício São Pedro e a Brigada Militar. A colônia Jacuhy produz para a

Santa Casa de Misericórdia, o Hospital Militar do Exército e alguns hotéis. O

problema é o fermento porquê as padarias recusavam seu fornecimento, o que foi

resolvido pela Cervejaria Bopp. O administrador da Casa de Correção, Plínio de

Azevedo, declara que há anos atrás, quando houve a greve geral, vendera pão às

pessoas pobres no portão principal do estabelecimento.552

No dia 12: “O PÃO EM PORTO ALEGRE” é a manchete que noticia como a

Comissão de Proprietários, em negociação com Dr. Borges de Medeiros, resolve

reiniciar a panificação, uma vez que baixara o preço da farinha. A produção volta à

normalidade.553

Avançemos para 17 de maio de 1927. A manchete: “UM COMÍCIO”, trata do

comício ocorrido na praça Senador Florencio, dia 15, em protesto contra a

condenação à morte, pelo tribunal da América do Norte, dos operários Nicolau

Sacco e Bartholomeu Vanzetti. O consulado dos Estados Unidos se manteve

fechado. Aos 24 de maio, a notícia “A EXECUÇÃO DE SACCO E VANZETTI”,

552 O PÃO em Porto Alegre. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXI, n. 212, p 3, 06 set. 1925. 553 O PÃO em Porto Alegre. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXI, n. 217, p. 6, 12 set. 1925.

319

convulsiona a cidade. Reunidos em frente ao Correio do Povo, aguardam a notícia

que chega às 9 horas, sendo o telegrama afixado no placar do jornal. Os operários

dos estaleiros Mabilde & Cia. e de outras oficinas abandonam o trabalho em

protesto. Para manter a ordem, o Chefe de Polícia, Valentim Aragon, ordena que o

piquete da Chefatura de Brigada aguarde em prontidão.554

Em 12 de janeiro de 1929, outra manchete: “DECLARAM - SE ONTEM EM

GREVE PACÍFICA MAIS DE 1.000 OPERÁRIOS DOS NOSSOS

ESTABELECIMENTOS FABRIS”, a notícia narra a greve pela aplicação da lei de

férias que, iniciada na fábrica de móveis Walter Gerdau à rua Voluntários da Pátria,

repercute na A. J. Renner, depois na F.G. Bier & CIA, Fábrica da Fiação e Tecidos

Porto Alegre. Os empresários entrevistados alegam a impossibilidade de se cumprir

à lei. O diretor da Fiação e Tecidos Porto-Alegrense, Possidonio da Cunha, reitera

que o próprio Conselho Nacional do Trabalho no Rio de Janeiro é contrário,

deixando de nomear até o presente, os fiscais.

[...] A lei de férias existe, mas é uma coisa muito complicada. É difícil dar férias aos operários sem graves prejuízos para as indústrias, porquê cada um deles dentro do seu ofício, representa um valor inestimável e se torna, às vezes, um elemento insusbtituível, momentaneamente [...].555

Em 15 de janeiro de 1929: “A GREVE DOS OPERÁRIOS FABRIS”, noticia a

reunião, ocorrida domingo na Praça dos Navegantes, dos operários que pleiteavam

a execução da lei de férias através de greve pacífica. Os advogados Pinheiro

Machado e Oliveira de Deus Vieira Filho concitam os operários a acatarem a palavra

do governo e retornarem ao trabalho. Carlos Ferrari não concorda com as

promessas. Discursam ainda, Paulo Hegenfurth e Antonio Nalepinski. Os operários

das fábricas A J.Renner & Cia, Gerdau, F. G. Bier e Fiação de Tecidos Porto-

Alegrense voltam ao trabalho, cumprindo acordo com Oswaldo Aranha,

554 UM COMÍCIO. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIII, n. 120, p. 4, 17 maio 1927. 555 DECLARARAM-SE, ontem, em greve pacífica, mais de 1. 000 operários dos nossos estabelecimentos fabris. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXV, n. 10, p. 5, 12 jan. 1929.

320

Subsecretário do Interior e o Desembargador Florêncio de Abreu, Chefe de Polícia e

intermediário do Presidente do Estado na questão.556

No dia 1 de janeiro de 1931, a notícia: “A VERBA DE IMIGRAÇÃO NO

AUXÍILIO DOS SEM TRABALHO”, trata da aplicação dos saldos de verba do art. 6o,

da Lei no. 5.759 de 27 de dezembro de 1929, na localização de trabalhadores

desocupados, como se verifica:

[...] Decreta: Art. 1o - As despesas decorrentes do transporte, localização, hospedagem e assistência aos trabalhadores, nos termos do art. 6º do Decreto n. 19.482, de 12 de dezembro de 1930, construção de linhas coloniais e estradas de rodagem, inclusive o pagamento de mensalidades, diárias e salários do pessoal técnico, auxiliares e trabalhadores em geral, empregados nesses serviços, serão custeadas, nos exercícios de 1930 e 1931, pelos saldos apurados, desde já, na verba 3ª do art. 6o, da Lei n. 5.743, de 27 de dezembro de 1929, nas consignações - Pessoal e Material - Indistintamente, os quais serão fundidos e discriminados de acordo com as conveniências do serviço.

557

Em 8 de fevereiro de 1931, a manchete: “AS FÉRIAS DOS OPERÁRIOS”,

trata do telegrama entre Aristides Casado, adido do gabinete do Ministério do

Trabalho, Indústria e Comércio, atualmente na capital, e Lindolfo Collor, Ministro do

Trabalho, o qual versa sobre entendimentos com industriais e uma próxima reunião

no centro industrial sobre a questão.558

Em 6 de novembro, a manchete: “GRAVE CONFLITO NO MERCADO

PÚBLICO”, alude ao estopim de um conflito que tem como cenário o, sossegado,

Café Provenzano, localizado no Mercado Público. Os protagonistas são Plinio

Montano, comerciante estabelecido em Belém Novo, no lugar denominado "Costa do

Cerro" e Rogerio Mutinelli, funcionário da firma Rogerio Fava, à Avenida Julio de

Castilhos. O que pode ser um atrito pessoal é, na verdade, desacordo comercial. A

cena, segundo o Correio do Povo, inicia na manhã do dia 5, quando

[...] Rogerio Mutinelli, achava-se sentado em uma das primeiras mesas daquele café palestrando com os Srs. Julio Monteggia e Alfredo Scherer.

556 A GREVE dos operários fabris. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXV, n. 12, p. 4, 15 jan. 1929. 557 A VERBA de imigração no Auxílio dos Sem Trabalho. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 1, p. 4, 01 jan. 1931. 558 AS FÉRIAS aos operários. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 33, p. 4, 08 fev. 1931.

321

Em dado momento, Plinio Montano, ali penetrando, encaminhou-se rapidamente a Rogerio Mutinelli, dando-lhe forte soco que o lançou ao solo. [...] Quando quis reagir, recebeu mais um golpe, desta vez de faca, na cabeça [...].

Teria continuado a agressão, não fosse contido por Ernesto Fortes que

[...] desferiu-lhe violento pontapé, atirando-o à distância. Na queda, Plínio Montano feriu-se em uma perna, com sua própria faca. [...] Plínio foge mas, como portava a arma, [...] foi preso pelo guarda-civil no 56, João Eviro Nascimento, não sem antes entrar em luta.

Os antecedentes foram relatados à autoridade. Iniciados quando, a 7 do mês

passado, Plinio entra em negociação com Rogerio Mutinelli no estabelecimento

comercial de Rogerio Fava sobre o preço da farinha de mandioca. Ao discordar do

valor estipulado, Montano ouve de Mutinelli: "Vocês estão sempre com espírito de

judeu." Ao que Montano retrucou: "Ora, deixa de dizer asneiras." Mal havia

terminado estas palavras, o autor delas recebeu um formidável murro no nariz,

desferido pelo seu antagonista. Montano, desfalecido, foi transportado para a

Farmácia Calleya, onde foi medicado por um clínico. Sob suspeita de fratura,

procura o Dr. J. G. Valentim.

O incidente termina com o atendimento médico a ambos e a prisão em

flagrante de Plinio. Rogério foi removido para o Hospital da Beneficência Portuguesa

e Plinio Montano para a Casa de Correção. O primeiro, de cor branca, casado, com

34 anos e morador à rua Coronel Bordini no 995; o segundo, de cor branca, casado,

com 30 anos de idade e residente em Belém Novo, onde aguarda competente

processo.559

Em 10 de abril de 1931, a manchete é: “O CRIME DA RUA RAMIRO

BARCELLOS”. A notícia narra como há meses, Victorio Vetorello, ex-empregado da

Padaria Piccini desentendeu-se com o patrão, João Juncker, à rua Ramiro Barcellos,

ferindo-o, gravemente, com vários tiros de revólver. Nada adiantou ser atendido no

Hospital Alemão, no qual veio a falecer. Preso, Vetorello é processado pelos crimes

559 GRAVE conflito no Mercado Público. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 260, p. 5, 06 nov. 1931.

322

de estelionato e de homicídio. Seu advogado Dr. Pio Pinto Torelly impetra ao

Superior Tribunal do Estado, uma ordem de habeas-corpus. “[...] Relatado o pedido

pelo Desembargador André da Rocha, resolveram, por unanimidade de votos,

denegar a ordem impetrada”.560

Já, no ambiente dos açougues, jovens podem se tornar assassinos. No bairro

Moinhos de Vento, à Rua Padre Chagas, o conflito entre dois distribuidores de carne

chega ao limite. Antagonizados em função da distribuição da carne de Porto Alegre,

o empregado do açougue "Trieste", à rua Cristovão Colombo n. 1932, de Francisco

Donadio, o menor Francisco Ferreira Filho, de cor branca e com 16 anos de idade

desfere um tiro mortal em Carmine Carbone, italiano, com 28 anos de idade e que a

pouco mais de 10 semanas chegara da Calábria.

A história começa quando o menor Francisco, que tinha sua clientela diária de

distribuição de carne o fazia na carroça do açougue, até o momento em que resolve

trabalhar para um competidor, o açougue "Roma", à rua Moinhos de Vento, com

Nova York, n. 1395, de Francisco de Oliveira, quando passa a entregar a carne de

bicicleta.

Para preencher a lacuna deste trabalhador, o proprietário do açougue

”Triestre” contrata o calabres Carmine, ainda que este não se expressa em

português. Como Francisco, ele entrega a carne de bicicleta.

O menor Francisco quer manter seus antigos fregueses o que Carmine não

aceita, sucedendo-se os conflitos. Certo dia, Carmine agride o jovem com uma

bofetada. Chorando, o jovem recorre ao patrão e diz que quer comprar um revólver e

se vingar.

Dissuadido, aguarda seu salário do mês e adquire a arma. Fica ,então, a

espreita de seu desafeto. Certa manhã, encontram-se, atendendo a mesma cliente

na residência de Ottilio Boeira. Recebendo alternadamente os fornecedores, a Sra

Boeria fica confusa.

560 O CRIME da Rua Ramiro Barcelos. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 83, p. 4, 10 abr. 1931.

323

Quando se retirava, o jovem Francisco é atingido pela navalha de Carmine,

ao revidar, atira contra o italiano e foge, alegando haver se defendido quando passa

pela alfaiataria de Antonio Manzzoni, casa 220. Ao chegar a ambulância e o socorro,

o calabrês já está morto. As testemunhas recolhem os fatos para o capitão Armando

Ferreira estabelecer seu inquérito.561

Em 9 de julho, ainda em 1931, “A FUNDAÇÃO DO SINDICATO DOS

MOLEIROS” é a notícia da reunião que congrega 16 moinhos, essencialmente, rio-

grandenses de vários municípios. Aristides Germani, que fora agraciado pel Governo

Italiano com a “Estrela do Mérito ao Trabalho” é um dos líderes do movimento.

Possuindo dois moinhos em Caxias do Sul, aproveita a oportunidade para revelar

problemas que afetam a indústria, como a falta de estradas para transportar a

produção dos colonos, entre outros itens, já comunicados ao presidente Getúlio

Vargas e denunciados em documento da Sociedade Nacional da Agricultura.562

Quase simultaneamente, em 19 de agosto,a manchete é: “MOVIMENTO

OPERÁRIO SINDICATO PADEIRAL”, que dia 23 comemora seu décimo oitavo

aniversário com uma sessão solene da Sociedade União e Progresso, à rua

Casemiro de Abreu. Aproveitam para prestar homenagem à memória dos militantes

operários italianos Sacco e Vanzetti, eletrocrutados há um ano nos EUA. Fala na

ocasião o representante do Comitê Pró Organização Proletária.

No final de 1933 e no início de 1934, irrompe a greve dos padeiros. O laço

que define o movimento ascendente que tem seu ápice em 1935 é apresentado na

historiografia existente repassada por Alexandre Fortes. Em jogo na conjuntura a

nova relação entre o governo Getúlio Vargas e os trabalhadores organizados.563

561 COM 16 anos, apenas, praticou ontem um crime. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVIII, n. 278, p. 5, 06 dez. 1932. 562 A FUNDAÇÃO do Sindicato dos Moleiros. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 155, p. 5, 09 jul. 1931. Ver NETTO, Campos. O cavaliere Aristides Germani. Porto Alegre: EST, 1978. Relato da odisséia deste cremonês chegado ao Brasil em 1885, e que se dirigindo para o interior de Caxias do Sul, onde é aguardado por familiares, anos depois instaura a base da moagem do trigo no Estado. 563 FORTES, Alexandre. Como era gostoso meu pão francês. A greve dos padeiros de Porto Alegre (1933-1934). Anos 90. Revista do Programa de Pós-Graduação em História, Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, n. 7, p. 88-126, jul. 1997.

324

Em 16 de outubro de 1933 a manchete pode parecer banal, um caso isolado.

Na verdade, espelha as visões sobre a regulação das leis trabalhistas na fase de

sua implantação. A manchete é: “UM CONFLITO ENTRE BARBEIROS”. A narrativa

inicia:

Feriado ... Quem não gosta de uma folga? Nem toda a gente, ao que parece. [...] e relata a intervenção da polícia na discussão havida à rua Cel. Genuíno. O caso que acaba no noticiário policial ocorre no salão de barbeiros à rua Cel. Genuino, quando os barbeiros João de Oliveira, de cor mista, com 28 anos de idade, residente à rua José do Patrocínio e Angelino Cabretti, de cor branca, com 32 anos de idade, residente à avenida Victoria no 93”, desentendem-se sobre o fechamento ou não do estabelecimento, em razão do decreto de feriado nacional. Os "fígaros" chegam a sacar de suas navalhas bem afiadas e Angelino Cabretti é ferido e, depois, internado na Santa Casa. Poderia ser pior, não fosse a intervenção de populares e da polícia.564

Na mesma ordem da cotidianeidade, longe da cobertura jonalística dos

grandes acontecimentos, perdida numa simples manchete, encontra-se: “CONFLITO

NUMA PEDREIRA”. O conflito de operários italianos tendo como cenário a pedreira

de Leonardo & Cia., à Estrada do Mato Grosso, bairro do Partenon.

A narrativa diz que a contenda inicia-se quando Amadeu Paradizzi, casado,

com 40 anos de idade, pedreiro, italiano, residente à rua Machado de Assis

desentende-se com Saul Bernardi, solteiro, com 26 anos, domiciliado à rua Botafogo

n. 919, por cinco minutos de trabalho. “[...] A síntese da matéria é a desavença entre

eles“ porque Amadeu ponderou ao seu colega Saul que este deixara o trabalho

cinco minutos antes da hora regulamentar

[...] O que parecia ser frugal, evoluiu para Saul, que, ao acabar de telefonar, foi agredido a pauladas por Amadeu, que o esperava. A precipitação das ações envolveu o uso de faca e até o revólver disparado por Amadeu, contra o jovem, sem sucesso. Saul, foi no Posto Central da Assistência Pública [...].

564 UM CONFLITO entre barbeiros. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIX, n. 265, p. 5, 16 nov. 1933.

325

Depois comunicou o fato na 2ª delegacia de policia “Essa autoridade ordenou

a prisão do pedreiro Amadeu Paradizzi, que ainda não foi levado à sua presença”.565

Avancemos para 3 de março de 1937, a manchete: “REÚNEM-SE OS

OPERÁRIOS PORTO-ALEGRENSES”, dá conta do comício promovido no domingo

pelo Círculo Operário Porto-Alegrense. Ocorrido ao lado da Igreja São Pedro, no

arrabalde da Floresta com hinos do Brasil e Operário. Discursaram Mario Marins, A.

Ladeira, Damasco Rocha, o deputado classista Carlos Santos e Nyro Rosa, com

entusiasmo e patriotismo.566

No mesmo dia, Fernado Callage escreve sob o título: “AÇÃO CATÓLICA

BRASILEIRA”, texto no qual narra o trabalho da Ação Católica no interesse das

classes operárias sob os princípios renovadores da encíclica “Rerum Novarum” de

Leão XIII, propondo-se a resolvê-los de modo cristão e humano e sua expansão:

[...] notadamente no Rio Grande do Sul, onde atualmente cerca de 20 mil operários recebem assistência de toda natureza, vem se destacando entre nós de maneira impressionante, principalmente, na campanha cristã e patriótica contra o comunismo dissolvente[...].567

No dia 2 de abril, na matéria intitulada: “O TRABALHO E O CAPITAL NO SEU

MÚTUO ENTENDIMENTO”, Fernado Callage, do Correio do Povo defende:

[...] verdadeiramente só um Estado Corporativista poderá prestar eficientemente assistência moral e material ao operário e assegurar-lhe todos os seus direitos. Todo sindicato nessas condições, fora do estado, estará sempre sujeito as explorações dos marxistas e a má vontade dos patrões [...]. O Brasil vem realizando essa obra salutar ao mesmo tempo justa e necessária para que todos possam, sem dissídios, dentro das suas associações, das suas organizações, dos seus sindicatos, colher uma soma enorme dos mais salutares benefícios [...]

568

565 CONFLITO numa pedreira. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 63, p. 5, 17 mar. 1934 566 REÚNEM-SE os operários portoalegrenses. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 51, p. 9, 03 mar. 1937. 567 CALLAGE, Fernando. Ação católica brasileira. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 51, p. 5, 03 mar. 1937b. 568 CALLAGE, Fernando Callage. O trabalho e o capital no seu mútuo entendimento. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 76, p. 5, 02 abr. 1937a.

326

Em 23 de dezembro, no artigo intitulado: “ASSISTÊNCIA SOCIAL AO

OPERÁRIO”, Fernando Callage retorna, agora, tratando sobre as novas leis

trabalhistas que beneficiam o trabalhador ,mas não são compreendidas e aplicadas

em toda sua amplitude pelos industriais, os quais não entendem que:

A melhor arma contra o comunismo dissolvente é lhes dar o maior número de benefícios. O próprio industrialista nunca deveria esperar da parte do governo, nos dias nebulosos de hoje, obrigações nesse sentido; ele mesmo, como um bom psicólogo, deveria ser o primeiro a empreender, dentro de sua própria fábrica obras sociais que elevassem o nível de vida do trabalhador e fizesse deste um seu amigo, um seu auxiliar dedicado. Devemos ter sempre presente o seguinte: o operário feliz não faz revolução e nem se rebela contra seus patrões. Ademais, nunca haverá paz durável entre os homens se não houver justiça social [...]

569

5.4 A cidade de pedra. Códigos e dispositivos da estética de pedra

Quando os italianos chegam, há uma cidade edificada. Uma anima congelada

na pedra. Eles decifrarão tais signos quanto mais assemelhados forem com a cultura

latina que trazem.

As arquiteturas dos lugares são elaborações e estruturações da humanidade que através das elaborações materiais das trocas, dos encontros, das técnicas de exclusão que criam espaços privados que não devem ser alcançados pelas vistas dos estrangeiros. Um lugar ordenado, cidade, vila ou localidade turística, é apenas uma materialização da sua realidade intrínseca, das relações, identidade e comportamento que o formam. Para Suzanne Langer uma cultura é um “sistema de ações” que se entrelaçam e se interseccionam, um desenho funcional contínuo. Com tal é intangível e invisível. A territorialização destas relações rende visibilidade nos muros externos da cidade, nas portas, nos canais, nos corredores e nestas estruturas materializadas do lugar, o viajante é introduzido e absorvido”.

570

569 CALLAGE, Fernando. Assistência social ao operário. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 299, p. 5, 23 dez. 1937c. 570 LEED, 1992, p. 112. Cito: “Le architetture del luogo sono um laborazione e strutturazione dell’ umanità che le attraversa, un elaborazione materiale degli scambi, degli incontri, delle tecniche di esclusione che creano spazi privati, che non devono essere raggiunti dallo sguardo di estranei. Il ‘luogo’ ordinato, città, villagio o località turistica, è solo una materializzazione della realtà intrinseca, di quei rapporti, identità e comportamenti che lo formano. Per Suzanne Langer una cultura è un ‘sistema di azioni che si intrecciano e si intersecano, un disegno funzionale continuo. Come tale é intangibile e invisibile ‘. La territorializzazione di questi rapporti rende visibile nelle mura, nelle porte, nei canali, nei corridoi e in queste strutture materalizzate del luogo il viaggiatore viene indrotto e assorbito”.

327

A modernidade arquitetônica avança. Para Doberstein, a arquitetura religiosa

no estado no período 1920-40, teve um impulso tão espetacular como o surto da

arquitetura civil das décadas anteriores. Em síntese, para ele, o primeiro ímpeto foi

dado ”pelo desenvolvimento das forças produtivas”; este será pela mobilização do

catolicismo regional, integrante do movimento conhecido com “Ação Católica”, que

consistia na participação dos seculares no apostolado hierárquico [...].”571

Após a Grande Guerra, os italianos que chegam podem receber juntamente

com a impressão estética, a exortação lamentosa do arcebispo D. João Becker “[...]

que a louca fúria da guerra, ora finda, tenha destruído tantas e tão formosas igrejas

no velho continente [...] levantemo-nos e edifiquemos a nossa catedral [...].”572

O arcebispo inicia assim as obras da nova Catedral Metropolitana nos

primeiros dias de março de 1920. O cônego Dom João Maria Balem, recém

nomeado pelo Arcebispo Metropolitano será também o diretor fiscal das obras.

A obra arquitetônica começa em 1921 quando o arcebispo festeja seu jubileu

e benze a primeira pedra da futura catedral que se concretizará com doações,

inclusive do comitato para a comemoração do cinqüentenário da colonização italiana

no Estado. O arquiteto é Giovani Battista Giovenale, membro da comissão de Arte

Sacra do Vaticano.573

O projeto traz justificativas:

Se bem que para o uso prático bastasse um só campanário, [...] preferiu-se dois de proporções discretas [...] para conservar o tipo tradicional das igrejas coloniais e aquelas das Missões Jesuíticas; para criar simetria o projeto, e finalmente para não diminuir a grandiosa impressão da cúpula, que deve manter a nota característica e dominante do Monumento [...]

574.

571 DOBERSTEIN, Arnoldo Walter. Estatuários, catolicismo e gauchismo. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002. (Coleção História 47). p. 213. 572 DOBERSTEIN, 2002, p. 214. 573 CROCETTA, B. Cattedrale metropolitana di Porto Alegre. In: CINQUANTENARIO DELLA COLONIZZAZIONE ITALIANA NELLO STATO DEL RIO GRANDE DEL SUD. “1885-1925”, 1925. p. 471-479; ver o verbete Catedral Metropolitana In: FRANCO, 1998, p. 105-106. 574 CROCETTA, 1925, p. 472.

328

A edificação da catedral metropolitana de Porto Alegre foi possibilitada,

também pela efetiva colaboração da comunidade italiana que através de seu espírito

associativista faz contribuição em dinheiro, como se pode verificar:

O Comitato per la comemorazione del Cinquantenario della Colonizzazzione arrecada 15: 000$000.

575

Para a construção comemorativa proposta, em 1920, os italianos concorrem

com outros empreiteiros para construir um monumento aos heróis de 35 e um

pantheon jazigo perpétuo dos rio-grandenses notáveis e devotados ao Estado. A

encomenda é da Secretaria de Obras. A comissão julgadora é constituída por José

Coelho Pereira, diretor das Obras Públicas, Manoel Viterbo de Carvalho, Adolpho

Stern, José Moreira Maciel e pelo Professor Giuseppe Gaudensi.

As propostas foram apresentadas por José Belloni, José Mariné & Mattos e

Germano Dreschler & Filhos, para o monumento e, para o pantheon, por Theophilo

de Barros, José Bellioni e José Franceschi, Germano Dreschler & Filhos, Jesus M.

Corona Alonso e Wilh Haverkamp. Quanto ao monumento, nenhuma proposta foi

aceita. Já para o Pantheon, fica em 1o lugar - o projeto do engenheiro Theophilo de

Barros. Os demais não atenderam ao estilo requerido que tinha o clássico como

base. Em outra oportunidade haverá, diz a notícia, uma nova abertura de

concorrência para o monumento a Bento Gonçalves.576

Quanto às construções particulares, os anos 20 em Porto Alegre definem uma

tendência iniciada aproximadamente dez anos antes para o estilo de morar daselites

urbanas. Nos pontos nobres da cidade, os projetos apresentam novas plantas,

reservando inclusive espaço para a garagem. Na vida social, se acelera a

freqüentação aos ambientes públicos e também às recepções domésticas, os

575 CROCETTA, 1925, p. 479. 576 CONSTRUÇÃO de um panteon e de um monumento. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 180, p 4, 5 ago. 1920; O PANTEON Rio-Grandense e o Monumento aos Heróis de 35. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 217, p. 4, 17 set. 1920.

329

saraus. O projeto da fachada tem estilo mas os interiores são uma combinação da

vida burguesa privada, da visitação e encontros de uma vida social mais seletiva.577

A ascensão econômica dos grupos de italianos deve refletir-se na casa, ou

melhor, pallazo ou palacete. Assim como o local dos negócios. É o que faz Angelo

M. La Porta, concessionário da Loteria de Santa Catarina, que adquiriu dois prédios,

“sob os ns. 226 e 228 da rua dos Andradas, esquina da Uruguai”. Vai demolí-los

para construir

[...] um palacete de quatro andares, cuja planta foi executada pelo arquiteto Augusto Sertori. Cada pavimento terá quinze peças e a sua construção obedecerá aos estilos modernos. O novo edifício, que muito cooperará para embelezar aquela esquina da nossa principal artéria, será dotado de elevadores.578

A cidade de pedra pode ser narrada também pela estatuária, suporte de uma

linguagem estética. O estrangeiro pode observar e tentar descrever as inscrições da

gramática solene da estatuária na paisagem urbana. Não fazendo parte daquela

cultura tarda para decifrar os significados, permanece nos signos, na exterioridade,

até que, como disse o entrevistado Carmine: “entenda a cultura da cidade”. O

estranhamento é o da arte, mas é também o do sujeito diante da arte e dos

significados históricos que não interpreta imediatamente. É uma linguagem de

sentidos mais profundos, requer tempo e convívio social.

A estatuária quando rende homenagens, constitui parte do discurso mais

específico e social, o da nobilização, embora varie seu valor estético, como assinala

Doberstein.579 Mas nessa gramática o valor simbólico sobrepõe-se ao estético

577 GÉA, Lúcia Segala. Arquitetura residencial da elite porto-alegrense (1893-1929). In: WEIMER, Gunter. (Org.). História, teoria e cultura. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 2000. p. 11-46. ; WEIMER, Gunter estruturas sociais gaúchas e arquitetura. In: BERTUSSI, Iroquez et al (Org.). Arquitetura no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983. p. 155-190; MONTEIRO, Charles. Porto Alegre: urbanização e modernidade, a construção social do espaço urbano. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1995. (Coleção História, 4); MACHADO, Nara Helena Naumann. Modernidade, arquitetura e urbanismo: o centro de Porto Alegre. 1998. Tese (Doutorado)- Curso de Pós-Graduação em História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1998. 578 CONSTRUÇÃO de um palacete. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n. 52, p. 4, 01 mar. 1924. 579 DOBERSTEIN, 2002.

330

As estátuas contam fatos, episódios ou simplesmente apresentam os heróis

da anima da cidade para os forasteiros.

O suporte físico e a sociabilidade proposta variam. Compõem a narrativa não

apenas praças, avenidas, corredores, mas igualmente cemitérios. A estatuária

cemiterial está na tradição moderna da ligação dos vivos com seus mortos.

Para um importante escultor, uma simples coroa de bronze não há de

valorizar seu gênio. Giuseppe Gaudenzi é o escultor da homenagem póstuma feita

ao Professor Pasqual, ex-presidente do Centro Musical Porto-Alegrense que seus

alunos e admiradores da música prestam em 1925, o que valoriza a ambos.

Alexandre Gnatalli, então presidente do centro, pronuncia as palavras de

saudade.580

Não dizia Augusto Comte que “os vivos são mais e mais governados pelos

mortos?” A recepção do positivismo no Rio Grande do Sul, em grande parte

incrementa a estatuária. Pode haver influenciado na homenagem no mausoléu

mandado construir pela Brigada Militar, homenageando o Coronel Affonso Emilio

Massot. O patrício distante de Michelangelo, o escultor José Gaudenzi cinzela a

pedra, na cidade de pedra.581

A formação artística de Gaudenzi vem dos mestres italianos, Celini, Ferrari,

Cesare Bozzani, com os quais estudou antes de chegar ao Brasil.582

Mas a maior visibilidade da estatuária de comemoração, nos anos 30, é o

Centenário Farroupilha que começa a ser preparado com antecedência.

As sociedades italianas optam por um “monumento social”, ampliando o

Sanatório Belém, com o Pavilhão Forlanini. Sua presença está perenizada desde a

580 CENTRO Musical Porto-Alegrense. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXI, n. 162, p. 4, 10 jul. 1925. 581 INAUGURAÇÃO de um mausoléu. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIII, n. 256, 21 out. 1927. Giuseppe Gaudenzi é considerado um modelador. Chegado em Porto Alegre em 1910, contratado pala Escola de Engenharia, foi entre outros trabalhos, o modelador dos Atlantes, da Confeitaria Rocco. Ver DOBERSTEIN, 2002, p. 89-103. 582 DOBERSTEIN, op. cit., p. 103, nota 25.

331

inauguração como o aporte financeiro da coletividade e seus intelectuais de

descendência italiana mais próximos.

“Os lugares de memória”, no entanto, tem que ser instituídos. Dois anos

antes, reiniciara a disputa pela edificação da estátua eqüestre do grande líder

farrapo, Bento Gonçalves, a ser instalada na ponte da Azenha.

O escultor vencedor é Antonio Caringi, de Pelotas, que chegou jovem em

Porto Alegre. Após estudar no Rio de Janeiro, estuda na Akademie der Bildenden

Kunst em Munich, Alemanha.

Para construir o monumento expõe maquetes no Teatro São Pedro aos

jornalistas e vence. Mas antes, para idealizar o projeto, quando retorna da

Alemanha, Caringi cerca-se de alguns elementos que compõe a narrativa dos anos

30 sobre os farrapos, o general e os índios. Refigura e massera, narrando ao seu

modo.

Em entrevista, revela que mergulhou no passado, principalmente, através da

obra de Alcides Maya, Othelo Rosa, Felix Contreiras Rodrigues e Gustavo Barroso.

Para compor com maior autenticidade a obra, chega a conseguir a espada e as

condecorações de Bento Gonçalves, assim como as botas e esporas que ele usava.

Utilizou o melhor retrato a óleo de Bento Gonçalves. Explica que o cavalo da estátua

não é apenas uma reprodução naturalista, mas a estilização do nosso cavalo crioulo:

“forte, sadio e redondo”.583

Nesse ínterim recebe a encomenda da cidade de Pelotas para criar um

monumento durante os festejos do centenário. Sem imposição, Caringi desce na

escala social e propõe a “sentinela farroupilha”.

Aproveita para homenagear o gaúcho pobre,

[...] o rebelde humilde, o soldado farrapo, o peão da estancia. Deve chegar [...] em que reproduzo a sentinela de 35 com a fisionomia máscula do índio charrua, trazendo a indumentária usada aqui há um século: o xiripá, o

583 DOBERSTEIN, 2002.

332

poncho, bota de cano a meio-pé, o lenço ao pescoço com o laço de 35 [...].584

Esses são os elementos da linguagem de Caringi para cinzelar, na visão de

artista, a narrativa histórica do Rio Grande do Sul e da Revolução Farroupilha,

inseparáveis e rediscutidas ad eternun.

Mas nada disso constitui o universo de representações do estrangeiro

comum, aquele que, diferentemente dos demais italianos que participaram do

episódio histórico não entraram na galeria dos homenageáveis. Se como simples

espectador, estando nas proximidades do evento, quiser assisti-lo, vai sujeitar-se à

imprevisibilidade do tempo. Talvez ignore a importância do ato e deslumbre-se com

a beleza da estátua.

Noticia o Correio do Povo:

[...] torrencial chuva caída momentos antes de começar a solene inauguração do monumento do general Bento Gonçalves, como encerramento das solenidades do Centenário Farroupilha, impediu que ela tivesse a esperada imponência. Mesmo assim, regular massa popular e altas autoridades compareceram ao ato.

As autoridades que descerram o monumento são os generais Flores da

Cunha e Parga, convidadas pelo prefeito major Alberto Bins, assistidos pelo

governador José Antonio Flores da Cunha.

O deputado Dario Crespo, bisneto de Bento Gonçalves, discursa

agradecendo e destacando a conveniência da data com a a necessidade de união

política da conjuntura do anos de 35:

No acontecimento dessa hora política, o Rio Grande levanta o melhor monumento à gloria dos farrapos. Porquê procura, e há de preservar, o patrimônio sagrado que lhes legara. Porquê se une, como outrora, quando à sombra de perigo comum se projeta sobre a Pátria. Porquê se irmana na mesma fé inquebrantável, numa obra de construção patriótica. Há um século, redobrado de glórias, Bento Gonçalves cumpria o destino de comandar o Rio Grande. Que o seu espírito paire sobre a terra que ele mais

584 DOBERSTEIN, 2002, p. 10.

333

amou como nome tutelar inspirando e iluminando a todos nós, aos nossos filhos, aos filhos dos nossos filhos pelas idades afora [...].

585

Mas as estátuas existem para a solidão. O articulista do Correio do Povo

devaneia quando passa pelo Parque da Redenção e recorda do poema de

Raymundo Corrêa: “Aqui outrora hinos [...]. Só a estátua de Bento Gonçalves dava

uma nota de vida aquele recinto abandonado.” Referencia o artista Antonio Caringi

“[...] o seu autor, é, talvez, neste momento, o escultor mais vigoroso do Brasil

moderno. O seu temperamento parece que foi trabalho para cantar os motivos

heróicos [...].”586

A próxima parada de Caringi é a Argentina, onde disputa a edificação da

estátua do General Roca 587

Solidarizemos as “Cidades de Carne” e a “Cidade de Pedra”, antes de

completarmos a metáfora. O que concluímos dessas narrativas é que a higienizada

“Cidade de Carne” representa um texto da cidade de estrangeiros, onde a luta

cotidiana pela sobrevivência física e moral é cruel. Alguns se alienam durante essa

luta. A cidade já tem seus hospícios para fazer desaparecer da vista do público

esses fracassados da cidade. Alguns se envolvem nos crimes ou nas desavenças

comuns ao compartilhar seu espaço vital com os demais anônimos da cidade.

Também percebemos os percalços da aplicação das novas leis trabalhistas e

entre os trabalhadores, entre eles, muitos estrangeiros, agora proprietários dos

meios de produção, a explodir nos conflitos que quebraram os laços de

pertencimentos étnicos, para restarem no que realmente são: conflito entre o capital

e o trabalho.

Por fim, como a estética de pedra, que antes de tudo é arte imobilizada na

pedra, a “Cidade de Pedra” deixa-se perceber, na conjuntura, como tentativa de

585 FOI inaugurada, ontem, a estátua eqüestre de Bento Gonçalves. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 13, p. 10, 16 nov. 1935. 586 P. C. L. Antonio Caringi. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 166, p. 3, 16 jul. 1936. 587 ANTONIO Caringi em Buenos Aires. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 306, p. 7, 29 dez. 1936.

334

acento corroboratório das marcas de uma italianidade construída simbolicamente

fora da Itália.

Para finalizar o trabalho com os fragmentos das narrativas, temos, a seguir,

na “Cidade do Espírito”, como os italianos estão traçando sua luta na tentativa de se

apoderar do mundo das palavras. E inscrever sua história, na história da cidade,

como portadores da cultura, mais que italiana, latina, na contramão do crescente

nacionalismo cultural iniciado no Brasil nos anos 20.

6 A CIDADE DO ESPÍRITO

6.1 Códigos e Dispositivos para ler, escrever e o saber para os italianos

A cidade existe na sua materialidade, o urbano é a invenção social da cidade,

como já disse Robert Moses Pechmam. Lembremo-nos de Argan, para quem o

espaço urbano é ideologia burguesa, a representação e o imaginário de uma

situação. Ou de Lepetit, propondo uma hermenêutica da cidade como um texto, mais

que uma semiologia. Ou de Roncayolo, quando aponta como a cidade é

presentificação, por atores sociais, de toda assincronia existente sobre ela. 588

A síntese dessa discussão é que narrar uma cidade, no romance, só é

possível quando o urbano tenha sido inventado. Ele não é natural da cidade. E a

cidade não é apenas a sua materialidade. É a projeção da imaginação de seus

fundadores, a qual os historiadores da cidade, como Charles Monteiro trazem sobre

Porto Alegre, guardam como narrativas. Cruzam uma linha tênue entre a ficção e a

realidade, de modo a eternizar Porto Alegre para os que lhe sucedem, ao ponto

dessas imagens figurarem como a cidade real que um dia existiu.589

São nessas cidades, nesses cenários que a criação humana dispõe,

meticulosamente, do espaço para sugerir ao passante a sensação de continuidade

588 PECHMAN, Robert Moses. Cidades estreitamente vigiadas: o detetive e o urbanista. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2002. ARGAN, Giulio. História da arte como história da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1993. LEPETIT, Bernard. É possível uma hermenêutica urban? In: SALGUEIRO, Heliana Angotti. Por uma nova história urbana: Bernard Lepetit. São Paulo: EDUSP, 2001, p. 137-154. 589 Nem menos as cidades históricas resistem. A historicidade pode estar no limite do regime da imaginação. É quando algumas cidades, principalmente as ditas “colôniais” no Rio Grande do Sul são erigidas como réplicas reduzidas de algo existente, abandonado e portanto, idealizado no jogo da memória.

336

de algo que ficou lá atrás. Na verdade, são verdadeiras cidades de lugares de

“memórias” inventadas, sem falar da inovação que qualquer ambiente físico impõem

ao recém chegado, antes de metamorfosear-se em tradição.

Pechman sugere que “para transformar cidades de pedra em cidades

urbanas”, é necessário dar a todas às edificações que compreendem uma cidade

“um enquadramento numa teia discursiva, de tal maneira que a dureza da pedra não

se reconheça mais na alma mineral, mas somente na fluidez dos discursos”590

Essa teia discursiva que transforma cidade de pedra em cidade do espírito,

literariamente falando, surge na cultura brasileira em torno de 1930. A importância

da representação do urbano, sempre tardia em relação ao surgimento da cidade,

evidentemente, prega-se em dois argumentos.

O primeiro argumento vem de Angel Rama, quando aponta como a cidade é

fruto da capacidade humana de representar o mundo em imagem. O segundo

argumento é de Richard Williams, para quem a função do romancista urbano seria,

tornar conhecível a natureza da vida urbana, para dessa maneira adentrar na

natureza da vida humana.591

Uma cidade e sua representação literária é como a urbanidade e o suporte do

que faz a qualidade de vida urbana desejável, tais como equipamentos urbanos,

meios de vida, comunicação.

Mas para haver discurso possível, os pré-requisitos são muitos e o acesso a

eles, mais seletivo ainda, como veremos a seguir.

590 PECHMAN, 2002, p. 204. Cita Pedra e discurso: cidade, história e literatura. In: AGUIAR, Flavio et al. Gêneros de fronteira: cruzamentos entre o histórico e o literário. São Paulo: Xamã, 1997. p. 101. 591 As obras citadas são RAMA, Angel. A cidade das letras. São Paulo: Brasiliense, 1984 e WILLIAMS, Raymond. O campo e a cidade: na história e na literatura. São Paulo: Compahia das letras, 1989.

337

6.2 Formação de trabalhadores para a nova economia: cursos, institutos,

academias

A modernidade chega na cidade de Porto Alegre, e com ela, a necessidade

de qualificação da mão-de-obra local. O imigrante que chega depara-se com um

mercado de trabalho exigente. A inserção na economia urbana é seletiva.

Em 1920 pode-se matricular nos diferentes curso do Instituto Parobé, que já

conta com 717 alunos, sendo 480 do curso diurno, 185 do noturno e 52 do curso

feminino.

As professoras do novo curso feminino são Ida Lima e Agrippina Travassos

Alves Py. Para a ginástica, o professor Ernesto Gräffe e para a jardinagem, Emilio

Schenk. O material da Escola de Engenharia já está encomendado para o curso

feminino. A reforma da maquinaria das diversas oficinas também já foi

providenciado.

No fim do mês haverá o lançamento da pedra fundamental do edifício

definitivo do curso. Terá três andares e será localizado à rua 1º de Março, na área

compreendida entre o Instituto Electro Técnica e a Escola de Direito.592

Além das profissões modernas, é possível acompanhar a discussão da

ciência e tecnologia atuais. A conferência do jornalista Leonardo Truda "O futuro

econômico do Rio Grande do Sul”, a primeira da série ocorre no "Grêmio dos

Acadêmicos do Instituto Borges de Medeiros”.593

Área importante para a economia de todo Estado, mas que interessa

particularmente aos italianos, é o aprimoramento da vitivinicultura. O Instituto

promove sob a presidência de Egydio Hervé, a reunião dos seus professores e do

palestrante convidado Fulvio Albertoni, chefe da seção de viticultura, falou sobre o

vinho italiano "Marsala". Em primeiro lugar salientou suas propriedades higiênicas,

592 INSTITUTO Parobé. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 108, p. 4, 08 maio 1920. 593 CONFERÊNCIA. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 168, p. 4, 22 jul. 1920.

338

que se assemelham às do Porto, Jerez e Madeira. Traz a referência do fisiologista

italiano Paulo de Mantegazza:

[...] que o classifica como um dos melhores vinhos alcoólicos, devido à sua ação benéfica sobre os nervos motores. Este vinho é produzido especialmente na Ilha Sicilia. Os vinhedos acham-se nas encostas dos morros em terrenos terciários-pliocenos e solos argilosos-calcários.

594

De todo modo, qualquer setor da economia moderna exige técnicos

especializados. Não se empregando diretamente na produção, vários serviços

terciários estão disponíveis para os estrangeiros que chegam. Uma opção é fazer,

em 1921, o curso de guarda-livros no Instituto Comercial Israel Torres Barcelos.

Para estimular novos alunos, a turma de formandos tem sua fotografia

exposta na vitrine da Livraria Globo. Vários nomes Italianos figuram entre os

formandos, como Francisco Muratore, Hilario Bettanim, Victorio di Giorgio, e no

corpo docente, como examinador, Ernesto Pellanda.595

Em 1931, a cena repete-se, com direito a foto dos formandos da turma de

1930, agora numa das vitrinas da Casa Rheingantz, à rua dos Andradas. O curso

ocorre no Colégio Narciso Berlese, à rua Garibaldi n. 1281 e tem como

homenageado Raul Pilla, descendente de italianos. “Esta é a décima quinta turma

de guarda-livros do Colégio Narciso Berlese, estabelecimento de ensino que vem

prestando relevantes serviços à mocidade desde 1919”.596

Ainda em 1922, mais um curso comercial é fundado, incluindo nomes italianos

igualmente. Desta feita é o curso que oferece 32 matrículas, em carga horária diária

no prédio n. 381 da rua dos Andradas. O Diretor Antonio Porto Junior e o fiscal, José

P. Rebello trabalham juntamente com os demais professores, Abelardo Marques,

Germano Krumeneri e Januario Lippo.

594 INSTITUTO Borges de Medeiros. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVII, n. 218, p. 4, 10 set. 1921. 595 NOVOS Guarda-livros. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVII, n. 247, p. 4, 14 out. 1921. 596 TURMA de Guarda-Livros do Colégio Narciso Berlese. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 27, p. 4, 01 fev. 1931.

339

Como exige a modernidade contábil, as disciplinas são escrituração mercantil,

contabilidade e cálculo comercial, datilografia, correspondência e noções de

aritmética.597 Nessa década são comuns os anúncios desses estabelecimentos,

como publica a revista Máscara, em 1925:

Instituto Médio Ítalo-brasileiro A.Menegatti, Escola Elementar, Curso Comercial, Curso Preparatório Acelerado, Línguas de ensino: Portuguesa - Italiana – Francesa; Facultativas: Alemã – Inglesa. Pedidos e esclarecimentos ao Diretor Professor A. Menegatti. Rua Riachuelo, 156 - Porto Alegre.

598

Mas também é preciso conhecer o espaço físico e a história onde se assenta

a modernidade. Cabe à geração de 1920 fundar a narrativa oficial do Rio Grande do

Sul, quando cria o Instituto Histórico Geográfico do Rio Grande do Sul.

A reunião promovida por Octavio Augusto de Faria, Tenente Souza Docca,

Capitão Manoel Joaquim de Faria Corrêa e Dr. Florencio de Abreu e Silva é a

segunda, mas agora exitosa na tentativa de fundar o Instituto. Na solenidade Amaro

Baptista recorda que, em 1917, houve a mesma iniciativa em Porto Alegre, além do

próprio, Demetrio Ribeiro, Antão de Faria, Marechal João Candido Jacques também

participaram.

O salão do Arquivo Público é cedido por Borges de Medeiros, presidente do

Estado, Governo do Estado, orgulhoso com a iniciativa. Estão a postos Octavio

Augusto de Faria, Tenente Souza Docca, Capitão Manoel Joaquim de Faria Corrêa,

Florencio de Abreu e Silva, Amaro Baptista, José Paulo Ribeiro, Achylles Porto

Alegre, Delfino M. Riet, Dr. José Zeferino da Cunha, Alfonso Guerreiro Lima, Padre

João Baptista Hafkemeyer, por si e pelo Padre Carlos Teschauer, coronel Aurelio

Porto, José Vieira de Rezende, coronel João Maia, monsenhor Mariano da Rocha,

Armando Dias de Azevedo, Arthur Candal, Dr. Eduardo Duarte, Leonardo Truda,

Tenente Souza Docca.

O Instituto já lançara um trabalho de Protasio Alves sobre a questão de limites

entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

597 CURSO Comercial. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVIII, n. 28, p. 4, 02 fev. 1922. 598 MÁSCARA. Porto Alegre, ano VIII, n. IV, p. 4, 06 fev. 1925.

340

Cria-se uma comissão para fundar, efetivamente, o Instituto constituída pelo

Professor Achylles Porto Alegre, Monsenhor Mariano da Rocha e Capitão Manoel

Joaquim Faria Corrêa, comunicando-se ao presidente do estado a fundação

oficial.599

Em 1921, o Instituto recomeça suas publicações com o segundo número da

"Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul", que tem na

comissão de redação Artur Candal, J.B. Afkemeyer, Leonardo Truda e Lindolpho

Collor. A gráfica é a Globo, "[...] com 150 páginas, com abundante matéria sobre

vocabulário, história e da geografia do Rio Grande, firmada por consagrados

estudiosos da vida do passado do nosso Estado. O referido volume constitui, de

fato, um importante repositório, uma fonte magnifica para estudos”.600

O acervo vai ser constituído ao longo dos anos. A narrativa histórica está em

andamento. Aqui reforçando a construção do passado, ali questionando. Souza

Doca, um dos fundadores e ativo historiador, é indicado, pelo Ministério das

Relações Exteriores, para “reformar a nossa história no que diz respeito ao Brasil e à

República Argentina”. O jornalista Callage aproveita para mostrar afinidades: “[...] por

sermos acordes no mesmo ponto de vista com relação ao movimento revolucionário

de ‘35’, cujo caráter, acentuadamente republicano e brasileiro, procuramos destacar

em nossos livros”, o elogia nas páginas do Correio do Povo, comparando-o à

Capristano de Abreu e cita "O Brasil no Prata", "A Missão Ponsonhy" e a

"Independência Uruguaia", escritos que revelam esse mesmo espírito.

Callage destaca a: "Ideologia Federativa na Cruzada Farroupilha". Nessa obra

lançada em 1933, como nas posteriores, ressalta com aquele mesmo carinho,

elegância, critério, a pureza do sentimento federativo dos baluartes de 35 [...]

General Bento Manoel Ribeiro, estudo este publicado na "Revista do Instituto

599 INSTITUTO Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 181, p. 4, 06 ago. 1920. 600 REVISTA do Instituto Histórico. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVII, n. 162, p. 2, 07 jul. 1921.

341

Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul", em que reabilita a memória do ilustre

militar[...].”601

A Biblioteca Pública para montar o seu acervo que está sendo composto, tal

qual o do Instituto, necessita de funcionários especializados. Qualquer cidadão pode

concorrer, desde que habilitado e brasileiros naturalizados, enfim é cargo público.

Seleciona a comissão composta por

Carlos Augusto Cruz e Balthazar dos Santos Paz, sob a Presidência do Dr. Decio Coimbra, Diretor Geral da Secretaria do Interior, resolveu julgar habilitados os seguintes candidatos, por ordem de merecimento: Theodomiro Tostes, Octacilio Marques de Oliveira e José Ernesto Müller.602

Sendo a modernidade exigente, há que se operar máquinas cada vez mais

sofisticadas, tecnologias são lançadas no mercado, novas relações de trabalho são

necessárias. Ensina-se datilografia e qualquer italiano pode aprender. No antigo

Ginásio Bom Conselho, é rigoroso o exame final do primeiro curso. O irmão Pedro,

diretor do Colégio Santo Antonio do Parthenon, e o jornalista Archymedes Fortini da

Escola Superior de Comércio, assistem as provas: os alunos precisam escrever à

máquina um trecho literário e uma carta comercial. Presente também a diretora,

madre Benicia. Entre os aprovados, encontram-se Mary Torelly, Orvalino Franciosi,

Annita Manico, Nelly Torelly.603

É coerente a preocupação com a competência lingüística, a aquisição de

capacidade de leitura e escrita, na cidade. Há perguntas recorrentes: haverá mais

analfabetismo entre os imigrantes que chegam nos portos ou entre os nacionais que

também chegam nos portos? E entre os imigrantes, como se dá a distribuição entre

saber ler e escrever? O progresso, enfim, se deve ao imigrante por ser mais

instruído? É ainda Fernando Callage, pelas páginas do Correio do Povo a ensaiar

comparações e conclusões. Parece crer que não há porque tanto alardear o

analfabetismo brasileiro e portanto engrandecer o estrangeiro nesse item. Apoia-se

601 CALLAGE, Fernando. Souza Docca - Historiador Gaúcho. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 269, p. 5, 14 nov. 1936c. 602 CONCURSO na Biblioteca Pública. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVII, n. 157, p. 4, 01 jul. 1921. 603 OS QUE aprendem a arte de escrever à máquina. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIX, n. 247, p. 22, 24 out. 1933.

342

em trabalhos apresentados no Instituto Histórico e Geográfico, em 1929, por

Marcello Piza, então Diretor do Departamento Estadual do Trabalho, denominado

"Movimento Imigratório de São Paulo", quanto ao grau de instrução dos imigrantes,

de 1908 á 1931:

Num total de 1.064.355 verificamos, entre algumas nacionalidades, que mais forneceram colonos, a seguinte e interessante estatística: NACIONALIDADES TOTAL: SABEM LER, NÃO SABEM, ALFABETIZADOS e %: Alemães: 38.033, 32.745, 5.288, 86,9%; Franceses 2.749, 2.375, 374, 86,3%; Letos: 3.219, 2.679, 540, 83,2%; Húngaros: 4.860, 3.851, 1.002, 79,7%; Brasileiros: 85.058, 66.545, 10.513, 78,2%; Poloneses: 10.827, 8.224, 2.603, 75,9%; Austríacos: 14.402, 10.745, 3.657, 74,6%; Japoneses: 103.765, 76.552, 27.213, 73,8%; Yugoslavos: 21.005, 15.017, 5.988, 71,4%; Romenos: 22.734, 15.951, 6.782, 70,1%; Russos: 10.228, 6.764, 3.464, 66,1%; Lituanos: 19.981, 13.126, 6.845, 65,0%; Sírios: 16.382, 10.095, 6.287, 61,6%; Italianos: 197.113, 114.103, 82.310, 58,2% [grifo nosso]; Portugueses: 260.742, 107.536, 153.206, 41,2%; Turcos: 26.219, 10.009, 16.210, 38,2%; Espanhóis: 206.004, 55.987, 150.017, 27,1%. São impressionantes os algarismos referentes aos imigrantes não alfabetizados saídos da Espanha, Portugal, Itália e Japão, em cotejo com o Brasil. Basta o leitor olhar para o presente quadro, para ter uma idéia exata do grau de instrução desses povos de civilização antiga em comparação com o Brasil [...].

604

Entre os motivos que explicam o analfabetismo no Brasil, a realidade física e

a ausência de comunicações concorrem para a baixa difusão do ensino primário e

secundário. “Somos como conceitua um sociólogo, um povo que se ignora a si

mesmo”. 605

A presença dos nacionais fica nítida quando se sabe que dos “[...] 64.885

brasileiros desembarcados em Santos, entre 1908 e 1928, apenas 13.940 não

sabiam lêr e escrever [...]”. E terminava os seus judiciosos conceitos com estas

oportunas palavras: "O grande progresso de São Paulo não é devido só ao esforço

estrangeiro, mas sobretudo, ao nacional [...].”606 A conclusão não poderia ser outra:

“[...]uma demonstração positiva real, do nosso adiantamento em face do velho e

604 CALLAGE, Fernando. A instrução dos imigrantes estrangeiros e a do colono brasileiro. Um confronto oportuno. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVIII, n. 169, p. 5, 19 jul. 1932. 605 Ibid., loc. cit. 606 Ibid., loc. cit.

343

decantado mundo civilizado; de que somos, na nossa ingenuidade, eternos

enamorados [...]”.607

No dia 21 de abril de 1935 é fundado o Instituto Italo-Riograndense que, em

09 de julho do ano seguinte passa a se denominar Instituto de Cultura Ítalo-

Riograndense, o qual desenvolve atividades ligadas à cultura e língua italianas. Os

estrangeiros que chegam podem sentir-se na Itália, novamente. O Instituto Ítalo-

Riograndense apóia, principalmente, a instalação de cursos de língua nos

estabelecimentos de ensino da capital. Como por exemplo, na escola normal, cujo

diretor Emilio Kemp recepciona os convidados, o cônsul Barbarisi, o professor do

curso, Gino Batocchio. Apenas que estas aulas não são abertas ao grande público:

“Apenas alunos do 3º ano daquela escola e pelas alunas-mestras e professoras que

o quiserem [...]”.608

Na noite do dia nove, o salão de conferências da Biblioteca Pública do Estado

é o espaço da sociabilidade, da fraternidade Brasil-Itália.

Essas e outras promoções consolidam o Instituto recém fundado. A sessão é

presidida pelo Desembargador André da Rocha, presidente do Instituto Ítalo-

Riograndense, cuja mesa conta com Othelo Rosa, secretário da Educação e Saúde

Pública e Interior; Guilherme Barbarisi, Cônsul Geral da Itália; Moysés Vellinho e

José Ricaldone, oradores oficiais da noite. Lugares de honra para o Capitão

Octaviano Paixão Coelho, representante do Governador do Estado; Leonardo

Macedonia, Presidente do Instituto Histórico e Geográfico; Léo Arruda, líder da

maioria da Assembléia dos Representantes; Dr. Constantino Martins, subprocurador

Geral do Estado como Representante do Presidente do Tribunal Eleitoral e do

Presidente da Corte de Apelação. O cônego José Balem, representante do

Arcebispo Metropolitano; os cônegos Cleto Bevegnú e José Nadal. Fausto Gino

Batochio e Dante de Laytano, são os secretários gerais do Instituto.

Quando a palavra finalmente passa para o cônsul, este trata de lembrar que a

ação do Instituto alinha-se à Associação dos Amigos do Brasil e à Associação dos

607 CALLAGE, 1932. 608 DIFUNDINDO a língua de Dante. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLI, n. 137, p. 11, 04 jul. 1935.

344

Amigos da Itália, sob o beneplácito do “Duce”, de Guglielmo Marconi, de Aluizio de

Castro. Outros oradores da sessão como Moysés Vellinho e José Ricaldone

secundam o cônsul, na mesma linha de argumentação.609

Uma das modalidades de trabalhadores para a nova economia é a que

desponta pela formação acadêmica, a qual passa pela visita de cientistas, como a

do professor Guido Finzi em 1937, de grande interesse para a agropecuária do

Estado.

Procedente de Buenos Aires, o médico veterinário italiano, com “notáveis

trabalhos bactereológicos” participa de palestras na Escola de Agronomia e

Veterinária da Universidade de Porto Alegre. Vem porque os estudantes de Medicina

Veterinária, sabendo de sua estada em Buenos Aires solicitam sua presença, por

intermédio do Centro de Acadêmicos, da Federação das Associações Rurais do Rio

Grande do Sul, dos professores Desiderio Finamor, Delphim Mesquita Barbosa, José

Ricaldone e do presidente do Grêmio Footboll Porto-alegrense. A trajetória científica

de Guido Finzi perfaz sua função como Reitor da Faculdade de Medicina Veterinária

da Real Universidade de Milão, “como delegado italiano ao Congresso de Zootecnia

de Nova York.[...] e na "Real Academia de Lincei, na Sociedade de Medicina de

Milão, [...] e na Academia de Ciências de Paris", [...] ciclo de conferências no

Instituto Carlos Forlanini de Roma, o maior centro de estudos da tuberculose[...]”.610

O afã sede da reconstrução histórica e da memória do Rio Grande do Sul e

sua fundação, o crescente intercâmbio de cientistas ligados às áreas econômicas do

Estado, a formação ténica e comercial são elementos requeridos pela modernidade.

Mas, é necessário assegurar o mercado da cultura, criar um mercado

ampliado de leitores e alguns escritores para a representação literária da cidade.

609 INSTITUTO de Cultura Ítalo-Rio Grandense. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 161, p. 6, 10 jul. 1936. 610 A VISITA do professor Guido Finzi. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 232, p. 11, 05 out. 1937.

345

6.3 Construção das bases industriais da leitura e da escrita

Há uma história, publicada em 6 de agosto de 1931, pelo Correio do Povo de

Albino R. Bordini. O Título é “Decepção”. A personagem Lourenço é representativa

da mentalidade camponesa dos anos 30, no que se refere à restrição da leitura e da

escrita:

Para que ler e escrever, dizia ele, não me faz falta, vivo muito bem assim... Nascera e se criara no campo; era um raro exemplo de robustez, força e vigor.[...] nas lides campeiras; um moço, ninguém tinha mais certeza no laço, [...] e mais galhardia em cima do cavalo, mais graça na dança nem mais amores no coração simples e bom. Fora sempre um triunfador no seu meio; só não vencera papel e tinta [...].

611

A narrativa segue justificando os limites e a desimportância da alfabetização

diante do livro da natureza que, este sim, dominava na sua poesia, nas

[...] páginas verdes dos campos [...] amor e alegria, deram-lhe a esposa - a mais linda morena que jamais vira - e o filho travesso e ladino como ele só. Nem páginas de tristeza faltaram na biblioteca de Lourenço:[...] a morte da companheira, [...] a do filho. Deixou-lhe este um netinho Paulo [...].612

A história segue com o convencimento de um amigo sobre a necessidade de

colocar os estudos na vida do rapaz, o que exigiria mudar-se para a cidade.

Lourenço resiste, mas cede, justificando: “- Para que? A escola dá canseira; a

cidade, perdição... - Para aprender a ler e escrever, para instruir, enfim. - Não há

necessidade. Lerá como o pai e o avô nos ventos, nas nuvens, na lua [...]”

O amigo promete novas possibilidades no futuro do rapaz: “- Pó.derias fazer

do rapaz, um doutor... - O que?! Fazer deste piá, um doutor?! - Sim. É só mandá-lo

estudar. Lourenço calou-se. Ficou pensando... Decidiu-se”: faria do rapaz, um

doutor! [...].”

611 BORDINI, Albino R. Decepção. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 210,p. 11, 06 set. 1931. 612 Ibid., loc. cit.

346

O enredo transcorre entre as tentativas do velho em rabiscar e conseguir,

enfim ler e escrever para o neto, porque em três anos só tivera notícias por

estranhos. Enfim, chega a resposta da carta de Lourenço. E o drama se completa,

na guinada da narrativa:

- Imaginasse o avô que ele fora forçado, sim, forçado pelas necessidades da vida da cidade, a que a mesquinhez dos ordenados não faz frente, a desviar por várias vezes, pequenas quantias da caixa do patrão; [...] ele abandonara os estudos, e se empregara no comércio. Agora, [...] seria preso se o avôzinho não lhe valesse, mandando o dinheiro[...].

613

O velho retoma a narrativa,

[...] “dobra a carta e com a caneta”, fere o papel: ladrão, ladrão, ladrão... Depois, num movimento brusco quebrou a pena e rasgou livro e caderno, enquanto que amarga lágrima lhe rolava pela enrrugada face. Para aquilo é que ele fora aprender a ler e escrever!.614

A escrita e a cidade, duas fontes de perdição, nada falta nesta narrativa.

Desde Platão, a linguagem escrita é suspeita, mas necessária. A imprensa

tem seu papel civilizador. Barcellos, Bertaso & C., da Livraria do Globo, Mansueto

Bernardi e João Pinto da Silva querem transformar Porto Alegre em importante

centro editorial. Em 1920, os dois últimos, estão com as provas prontas de mais um

"Almanack do Globo" por eles dirigido.615

Alternando funções, finalmente, em 1924 Mansueto Bernardi abandona o

funcionalismo público e assume a direção da Livraria do Globo. Renuncia ao

mandato de Intendente do Município de São Leopoldo, além do cargo eletivo ora

resignado, as funções de Professor Público, Oficial da Secretaria da Fazenda,

Secretário da Presidência do Estado e Diretor do Expediente da Secretaria das

Obras Públicas, ao todo, são 20 anos de serviço estadual.616

613BORDINI, Albino R. Decepção. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 210,p. 11, 06 set. 1931. 614 Ibid. 615 ALMANACK do Globo. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 260, 07 nov. 1920. 616 RENÚNCIA de Intendente. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n. 88, p. 4, 13 abri. 1924.

347

Também cresce o mercado tipográfico. A "Tribuna Italiana", adquiriu a

tipografia de Grunemberg e Trein ex-Cesar Reinhardt, por conta da Sociedade

Anônima Gráfica Italiana. Esta, além de publicar diariamente a Tribuna Italiana,

explorará as indústrias gráficas.617

A leitura dos jornais do Prata é comum, nos anos 20 e 30, entre os italianos.

Como em muitos casos a imigração que começara pela Argentina ou Uruguai, traz o

hábito de consumo desses jornais o que mantém as ligações com estes países.

Por isso, há o que comemorar também na capital em 1932 quando ocorre o

63º aniversário de publicidade de La Prensa, de Buenos Aires. Fredérico Castelletti,

representante, recebe os comprimentos. Na recepção, no Edifício Oliveira, o

jornalista Archymedes Fortini acresce às saudações:

Já se disse que ‘os homens da pena do mundo inteiro constituem uma grande e gloriosa família, onde há muito afeto e muita admiração’ [...]. em ver como um jornal da respeitabilidade de La Prensa conquista a golpes de inteligência e de fraternidade universal e mormente sul-americana, um lugar tão saliente.618

O papel constitui uma das bases industriais da leitura e da escrita, sua

disposição no mercado é imprescindível para a circulação da notícia. O Correio do

Povo, por exemplo, teve uma ocasião na qual ficou sem papel para rodar o jornal,

mas na maioria das vezes, ele o emprestava aos concorrentes. É crônica a questão

do papel no período. Sem ele, não há periodicidade, sem ela, não há jornalismo em

bases empresariais. Como ocorre com qualquer editora.

Em 1935 Menotti del Picchia, como empresário e editor questiona:

Um dos aspectos mais vexatórios do trust nacional do papel é a posição humilhante em que fica a nossa imprensa, sujeita, ao controle de suas edições, à obrigatoriedade do registro para poder importar papel e a multas mortais diante de qualquer descuido [...].

617 SOCIEDADE Anonima Gráfica Italiana. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXII, n. 144, p. 4, 20 jun. 1926. 618 63O ANIVERSÁRIO de "la prensa". Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVIII, n. 248, p. 4, 19 out. 1932.

348

E segue expondo as limitações de toda ordem que a indústria do papel impõe

aos jornais, editoras, tipografias, enfim, o mercado da escrita empresarial. “[...] No

Brasil novo e livre não há mais lugar para comodistas, tímidos ou poltrões”. Refere-

se ao silêncio dos demais sobre a situação. Ao seu ver, o Brasil novo é o da era

Vargas.619

Mas não basta mercado empresarial, é necessário mercado de escritores,

consumidores-leitores. Uma recepção razoável que, afinal sustente o resto.620

O jornalista André Carrazoni em 1936 acredita que há recepção da leitura,

seja no jornalísmo, seja na literatura, tendo inclusive escrito artigo afirmando que “já

se lê no Brasil”. Apoiado nos depoimentos dos editores, dos livreiros e dos escritores

do país, distingue ainda os públicos do jornal e o do livro:

O primeiro está sob o signo da quantidade, enquanto o segundo supõe o ascendente exclusivo da qualidade. O jornal representa a vitória da multidão, no apetite do fato [...] o livro reclama o ócio aristocrático das elites, com a paixão da idéia, a estima do pensamento, o exercício da reflexão [...].621

Em qualquer caso,

[...] a circulação das idéias é pura função de maior ou menor coeficiente de cultura popular. A nossa Academia de Letras, coroamento, como todas as Academias, da majestosa e secular arquitetura do gênio nacional, ainda não penetrou nos sertões bravios, nos mesmos sertões em que um Antonio Conselheiro ou um Virgulino Ferreira já conquistaram uma celebridade não acadêmica.[...].622

Carrazoni confia nas patrulhas da Cruzada Nacional da Educação. Mas há

uma perda. E uma projeção do fenômeno das comunicações que surge nos anos 30:

619 DEL PICCHIA, Menotti. Os jornais e o papel nacional. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLI, n. 159, p. 3, 10 jul. 1935. 620 Tomamos a liberdade de aqui utilizar um conceito moderno da teoria literária qual seja a “estética da recepção” de Jauss, uma interpretação hermenêutica de textos onde o leitor não é o sujeito passivo na recepção. JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à teoria literária. São Paulo: Ática, 1994. p. 28-30. 621 CARRAZZONI, André. Ler, escolher, descobrir. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 121, p. 3, 24 maio 1936. 622 Ibid., loc. cit..

349

Daqui a trinta ou quarenta anos, quando os sertões estiverem incorporados à rede de comunicações da inteligência brasileira, os grandes nomes de hoje talvez lá sejam murmurados com uma curiosidade sem flama, como relíquias de museu literário.[...].623

Traz em apoio Georges Duhamel, para estabelecer a diferença entre

estatísticas demográficas e sensibilidade estética:

Sobre o tema, Georges Duhamell oferece-nos lição recentissima. Para esse médico, que sabe escrever prodigiosamente bem, ler é algo mais do que ler apenas. Ler, para Duhamel, quer dizer "élire, c'est-á direchoisir". Em resumo: ler, eleger, escolher. Pequena experiência de leitura leva-me a anotar, sem maior originalidade, que ler é um equivalente de descobrir. Em cada livro que abrimos morde-nos o excitante de novas aventuras do espírito, e novas possibilidades de alargamento do mundo humano [...].Quem escreve paga seu tributo a um egoísmo inspirador, o egoísmo de ser lido. O leitor, por isso mesmo, é a ressonância do escritor, a certeza de que o seu apelo desperta generosa vibração, a esperança do prolongamento de sua mensagem na sonoridade de outras vidas e de outros destinos."

624

Em 1937, o problema não é estético, é a onda nacionalista avançando sobre

o ensino nas escolas estrangeiras. O Correio do Povo publica um comentário onde

as limitações das leis reguladoras da matéria estão sendo aprovadas sobre a

nacionalização do ensino das escolas italianas e alemã no meio Colonial.

Previne o artigo sobre a conveniência de:

[...] dotar os núcleos de imigração de escolas suficientes e de professores eficientes.[...] Depois de termos a certeza de que as escolas nacionais não faltam, de que igualmente não faltam os professores nacionais, então faremos uma lei explícita que [...] cerceie na íntegra o grave fenômeno da nossa desnacionalização psíquica, [...] da infância na língua, na pedagogia e nos costumes nacionais.[...]

625 E conclui: “Que existe o perigo, já estamos

cansados de saber. Saibamos, pois, subjugá-lo.626

O nacionalismo no período estreita a polifonia trazida pela migração e a

educação fará sua parte, vigiando o idioma e a cultura nacional, sobre a rede

instalada pelos imigrantes e suas elites.

623 CARRAZZONI, 1936, p. 3. 624 Ibid. 625ENSINO e nacionalismo. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 231, p. 5, 03 out. 1937. 626 Ibid.

350

Não se pense que a estética latina recua diante da ofensiva nacionalista. Ela

reivindica foro de universalidade, de construtora da sensibilidade artística da

humanidade. E, portanto, irrevogável conquista que ultrapassa os limites de uma

nação, ainda que o berço central seja a Itália.

6.4 A Estética aprendida: lições da Itália

Os italianos que chegam podem apreciar a obra de Julio Gavroski. Recém

chegado de uma temporada onde residiu e trabalhou em São Paulo visita o Correio

do Povo em 1921 e comunica que vai radicar-se em Porto Alegre. A exposição

marca sua fixação na cidade. Entre uma cidade e outra, Florença, foi a cidade do

estudo, da recepção da estética das artes, na Escola de Belas Artes.627

Na cena artística as notícias internacionais trazem que em 1925 Constantin

Stanislavski revoluciona a arte da interpretação teatral. Também ocorre a estréia o

cantor de jazz Al Jonson, que se populariza através do cantor e trompetista Louis

Armstrong.

Muitos podem ter seus retratos pintados e encomendarem obras aos artistas

italianos em Porto Alegre. Os generais, como é praxe, apreciam eternizar-se. É o

que acontece, quando em 1926 o general Andrade Neves, comandante da 3a

Região Militar, é pintado por José Boscagli, no seu atelier à rua dos Andradas.

Em 1933 o pintor Leopoldo Gotuzzo está em Porto Alegre. Expõe ao público

seus quadros. “Afirmação magnífica de um temperamento de classe servido por um

senso vigoroso de equilíbrio e beleza, ele se destaca no meio artístico do país como

das suas mais expressivas personalidades”.628

627 PINTOR Brasileiro. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVII, n. 217, p. 4, 09 set. 1921. 628 NOTAS de arte. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIX, n. 115, p. 5, 18 maio 1933.

351

É tempo igualmente de estréia do filme falado. E a estética norte- americana

avança: Walt Disney cria a personagem do Michey Mouse.629

O Correio do Povo noticia a palestra de Hermínio Gugiucci, jornalista do

Fanfulla de São Paulo, no salão da Sociedade Vittorio Emanuele II. Dissertará sobre

La sorgente poética nell'anima Italiana.630

Outro italiano que visita a cidade é Maximo Bontempelli, membro da Real

Academia da Itália, vindo de Buenos Aires, pelo avião da Pan Air. Apresentado

como grande vulto das correntes modernas do pensamento italiano, o lombardo nos

seus 51 anos, é Doutor em Filosofia e Letras.

Como jornalista e intelectual italiano, juntamente com Marinetti, fundou o

Futurismo. Suas obras, para além da participação nos “maiores jornais da península

e da Europa”, São romances como "Vida intensa"; "A mulher dos meus sonhos";

"Nossa Deusa" (teatro); "Filho de duas mães"; "Minnie, a cândida" (teatro); "Estado

de graça" (interpretações); "Vida e morte de Adria e de seus filhos"; "O Neosofista"

(escritos); "Viagens e descobertas".

A Livraria do Globo também exporá em poucos dias, a tradução esmerada da

obra “Vida e Morte de Adria e seus filhos”, de Botempelli. Uma conferência será

proferida na Itálica Domus "Il Oitocento e il novecento”, pelo próprio, que, depois de

alguns dias partirá pelo avião da Condor, rumo à capital da República.631

Sobre a vinda de Bontempelli, o Correio do Povo publica um artigo veemente

de Reynaldo Moura. Nele, o jornalista comenta como Mussolini cumpre “o ciclo de

um destino augusto que o torna, diante do mundo, uma das mais impressionantes

629 CUMBRECHT, Hans Ulrich. Em 1926: vivendo no limite do tempo. Rio de Janeiro/São Paulo: Recorda, 1999. Para o Brasil, ver SEVCENKO, Nicolau. Orfeu extático na metrópole: São Paulo sociedade e cultura nos frementes anos 20. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. 630 CONFERÊNCIA de um jornalista. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXII, n. 37, p. 4, 13 fev. 1926. A definição e a diferença entre cultura italiana, latinidade e do sentido da língua italiana adotadas nessa tese tem sua fonte na obra A civilização latina de Georges Duby, onde à p. 20, assevera: “a latinidade, para aqueles que a propagaram até aos antípodas, não era apenas maneira de falar e escrever. Era maneira de aprender a vida, um sistema de pensamento, um conjunto de atitudes moldadas por uma longa tradição simultaneamente cívica e religiosa. “ 631 UM GRANDE escritor italiano. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIX, n. 222, p. 12, 22 set. 1933.

352

grandezas pessoais da hora que passa”. Conclui afirmando que o líder fascista fez

germinar na Itália o milagre de uma nova Renascença.

Moura desagrava o cônsul Mario Carli, lembrando que, quando ocupara a

representação de Roma no Sul do Brasil, convivera com D'Annunzio, e efetuaria no

Rio Grande do Sul a divulgação literária “dos valores da Itália nova.” O que seria

acompanhado pela divulgação de autores italianos modernos pela atividade editorial

da Revista do Globo, inclusive. “Pirandelo compareceu com a risonha amargura de

sua filosofia”.

Sobre a literatura, acredita ser “uma necessidade orgânica da nossa

insuficiência. Antes de Freud o homem já se definia nessa vocação incoercível do

prazer animal pelas representações”.

Sobre a última obra de Bontempelli, comenta, o ambiente da Cidade Eterna,

reproduzindo a representação do escritor. E pergunta: “Que há em Roma quando as

portas da aurora derramam sobre a cidade a glória de um renascimento? É a

expressão espiritual da cidade que se desdobra, dentro da luz, uma vitória mística”.

E insere o mundo moderno por entre as pedras de Roma e nos ares, desde as asas

dos aviões “embora das pedras eternas se desprende sempre eflúvio que perfuma

de nobreza a atmosfera radiante, para que ela permaneça lúcida como uma alma

tranqüila, dentro da qual a festa do mundo encontra uma imprevista ressonância”. O

que é incomparável.

Novamente a idéia de que uma cidade é a mesma, sem ser idêntica.

Esse espírito da cidade repercute nos homens e suscita nos escritores “o

mesmo estado da alma da cidade. Diante da admiração dos outros, longe da vila

Borghese, da tranqüilidade dos palácios, da sombra dos jardins e dos braços de

mármore da cidade, os homens exclamam: - Ah! mas eu sou romano. Essa são as

impressões da obra, onde Bontempelli recria um estilo de vida onde “Mesmo os

automóveis que deslizam pelas estradas dos arrabaldes romanos, são diferentes,

têm um estilo próprio, no brilho e no élan da corrida, que os torna também criaturas

participantes das forças misteriosas e serenas desse ambiente de sonho”

353

Mas uma cidade não se revela senão “nas ocasiões oportunas - como em

todas as cidades o mundo da aristocracia - mas que em Roma adquire uma

personalidade inconfundível. Adria vem do segredo suave dessa esfera”.

Bontempelli diz – “Adria é mais bela do que a luz. Adria e Deus, tão distantes

da ternura humana, que só as orgulhosas tradições da cidade mística podem

compreender! Que belo espetáculo!”.632

Para encerrar essa seção, nada melhor que o artigo que o Correio publica de

Dante de Laytano, em 1936. Ao participar do congresso cultural em Buenos Aires,

reunindo “ escritores de todo mundo fugindo da paisagem nacional, encontraram-se

uma vez por ano, numa grande cidade do nosso amável planeta, que ainda pensa

em brincar de guerra”.

Da Itália vem Marinetti, Puccini e Ungaretti participar do torneio de palavras,

São homens que não se abalam com nada, “numa placidez augustamente helênica

ou florentina, deslizam pela vida como alhuetas doiradas e formosas.” Como a Itália

que “é um lindo país de poesia, as passagens sobre canais chamam-se ponte dos

suspiros, as igrejas nas cidades famosas tomam o nome Santa Maria das Flores e a

suavidade mística da Umbria do poverello [...]”.

Dante de Laytano apresenta ao leitor o “africanismo literário” de Marinetti,

presente no “derramamento rítmico dos negros cantores e tocadores e sua curiosa

‘eletricidade sensual’ haveria de caber melhor na languidez amorosa das argentinas

milongas”. Ainda acrescenta que o autor de "Cinco almas numa bomba" já estivera

em Buenos Aires.

De Giuseppe Ungaretti dirá que, como Marinetti, “é italiano do Egito. Arrojada

expressão e vanguardismo melhor definem sua estética, sendo o autor de Il porto

sepolto e Allegria dei Naufragi duas mensagens de loucura poética, doidice lúcida

mas gritantes duma beleza inédita nascida nas trincheiras de 14”.

632 ADRIA-BONTEMPELLI sentindo a vida romana. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIX, n. 294, p. 3, 20 dez. 1933.

354

Sobre Mario Puccini, “vindo mais ou menos, da poesia de Rembrandt, dos

simbolistas mas editor, jornalista e livreiro e oficial na frota da grande guerra,

transformou-se num espírito agilmente contemporâneo, que deu algumas novelas

mesmo admiráveis. E encerra afirmando: “três homens, num instante da

modernidade, foram os embaixadores da Nova Itália literária nas províncias

intelectuais da América [...].633

São breves lições da estética italiana. Mas existem outras estéticas na cidade

de Porto Alegre. E os estrangeiros italianos ou seus descendentes não estão

autorizados a se pronunciar sobre elas. Uma delas é a que envolve a identidade

regional que tem no cerne a figura do gaúcho.

6.5 A identidade regional diante das lições da Itália: Fornari e Bernardi & Cia

Como temos narrado, a recepção da estética italiana é visível nas gerações

de intelectuais da cena de Porto Alegre de 20 e 37, em função da condição de

capital e de pólo cultural. Marca tanto os estrangeiros recém chegados, como os

nascidos no Brasil, descendentes de italianos chegados no final do século XIX. A

língua Italiana, a latinidade e não são necessariamente o mesmo, vive momentos de

alta recepção na cidade. Divide espaço com a tradição francesa e alemã, está no

início a presença norte-americana, na literatura , mas principalmente através do jazz

e do cinema.

O regionalismo e o simbolismo dominam a estética local, traduzindo estas

influências. O local- regional- nacional é sintetizado na Semana da arte moderna de

São Paulo de 22, que embala o novo nacionalismo político.

A aproximação do nacionalismo e da vanguarda estética moderna é saudada

por Fernando Callage no Correio do Povo:

Presentemente vemos o homem de letra ocupando brilhantes posições, como acontece em São Paulo, onde o Sr. Mário de Andrade, é o atual diretor do Departamento Municipal de Cultura. Sua ação já se tem feito

633 A EQUIPE italiana no torneio literário de Buenos Aires. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 260, p. 5, 4 nov. 1936.

355

sentir com a criação de bibliotecas circulantes, infantis, cinemas educativos e audições públicas pelas grandes orquestras sinfônicas que possui esta capital. A transição que sofremos foi, sob muitos pontos de vista, notável. Avançamos uma larga etapa na evolução do nosso pensamento e da nossa cultura.[...].

634

A elaboração simbólica da cidade pelo campo artístico-literário tarda, mas

coloca-se nestes anos como o rompimento com o passadismo Colonial brasileiro. A

cidade e sua representação demora o tempo da urbanização da economia, em torno

dos anos 30, que culmina a falência do antigo jogo político nacional da República

Velha.

A representação literária e poética da imigração, signo da modernidade,

ocorre tardiamente. Se o romance precisa do jornal, a poesia mais ainda. E precisa

também, de um público de leitores competentes. Descendentes de italianos fazem-

se escritores, poetas, jornalista literatos e críticos. Porto Alegre, cidade na qual

circulam jornais modernos como o Correio do Povo, Diário de Notícias e revistas,

como a Máscara, propicia o trânsito da camada intelectual. A genealogia dessa

geração pode ser resumida, embora eles sejam muitos e produtivos.635

Sem o menor interesses em traçar a epopéia da imigração estão os

regionalistas como Simões Lopes Netto, Alcides Maya, Cesimbra Jaques, e os não

regionalistas: “o Rio Grande do Sul conta com Alvaro Moreyra, Manoel do Carmo,

Felippe de Oliveira, Eduardo Guimaraens, Mansueto Bernardi, Paulo Labarte, Pery

Mello, Cezar de Castro, Homero Prates”.636

Roque Callage é especial entre todos: consagrado regionalista, não cultiva

sua perspectiva de filho de imigrantes e será o grande cronista da cidade de Porto 634 CALLAGE, Fernando. Alguns escritores gaúchos. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 156, p. 3, 04 jul. 1936a. 635 Francisco Leonardo Truda, nascido em Porto Alegre, em 1886; Roque Oliveira Callage nasce em Santa Maria, em 1886, filho de italiano; Arquimedes Fortini, nascido em Argel, em 1887, com seus pais italianos em 1892 chegam à Porto Alegre; André Carazzoni, nascido em 1895, de pai italiano, transita entre várias cidades, até fixar-se em Porto Alegre; Arlindo Pasqualini, nascido em 1911, filho de italianos, chega adolescente em Porto Alegre; Mansueto Bernardi, nascido em Asolo, Treviso, em 1888, chega à Alfredo Chaves, atual Veranópolis e definitivamente em Porto Alegre em 1918; Ernani Fornari, nascido em Rio Grande em 1899, filho de italianos, estabelece-se em Porto Alegre e depois no Rio de Janeiro na década de 20. 636 GUIMARÃES, Renato de Freitas. Roque Callage: homenagem que lhes presta um grupo de amigos em comemoração ao primeiro aniversário de sua morte. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1932. p. 83-85

356

Alegre de 1925, na seção diária denominada “A cidade” que assinará no Diário de

Notícias, até seu falecimento em 1931. Em 20 está entregando os originais dos

"Crônicas e contos” a Augusto Corrêa e Dania, proprietários da "Livraria Brasil". Esta

obra reúne material disperso entre jornais e revistas, deste cronista regionalista,

paradoxalmente, meticuloso narrador da cidade. Já publicara "Terra natal".637

Ao mesmo tempo, influenciado por regionalistas como Simões Lopes Netto,

Alcides Maya, Cesimbra Jaques e, no plano nacional, por Euclides da Cunha,

preocupa-se com as realidades do homem do interior, “quase um sociólogo”, dizem,

é um dos mentores do Instituto Histórico Geográfico do Rio Grande do Sul. Divulga

sua obra na capital da república, Rio de Janeiro onde escreve para vários jornais. Na

cidade de São Paulo, em 1923 fez-se amigo de Monteiro Lobato e do poeta

Cassiano Ricardo.638

A narrativa de Roque Callage contempla o pampa gaúcho. É reconhecido

como o segundo maior regionalista depois de Alcides Maya.639 Em 1926, publicará o

"Vocabulário Gaúcho", entre outras tantas obras. “Estão, aí, reunidos cerca de dois

mil termos da nossa linguagem gauchesca. A edição é da Livraria do Globo [...].”640

Outro livro no prelo da Livraria do Globo: “[...] o livro de cenas crioulas da vida

rio-grandense, "Quero-Quero" [...] são interessantes contos, assim intitulados:

Quero-Quero, No Pouso, Nem amarrado, Ritóca, Resistência, A lo bruto, Velho

hábito, Gauchito, Tinha que ser... , Maldade, Ao descambar do sol, Traição,

Tropicão, O Minuano e Lida Nova.”641

Trata-se de um descendente de italianos construindo uma obra universal, se

considerarmos as discussões mais lúcidas sobre o sentido do regionalismo literário.

A cidade, no entanto, não atrai sua narrativa. A maestria de Callage soube não

637 CRÔNICAS e contos. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 167, p. 4, 21 jul. 1920; CRÔNICAS e contos. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 255, p. 4, 31 out. 1920. 638 CALLAGE, Fernando. Alguns traços da vida íntima de Roque Callage. In: GUIMARÃES, Renato de Freitas. Roque Callage: homenagem que lhe presta um grupo de amigos por ocasião do primeiro aniversario de sua morte. Porto Alegre: Globo, 1932. p. 98-110. 639 PORTO, Aurélio. Callage. In: GUIMARÃES, Renato de Freitas. Roque Callage: homenagem que lhe presta um grupo de amigos ao primeiro aniversario de sua morte. Porto Alegre: Globo, 1932 p. 59-62. 640 VOCABULÁRIO Gaucho. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXII, n. 72, p. 4, 27 mar. 1926. 641 QUERO-QUERO. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIII, n. 150, p. 4, 21 jun. 1927.

357

confrontar o pampa e seus mitos. No regionalismo deixou imagens perenes da

representação literária do homem-gaúcho e sua paisagem..

Já Ernani Fornari não terá a mesma sorte. Nem regionalista e nem escritor da

cidade publica em 1924: “Missa de ternura e de humanidade”. Sérgio Gouveia

satiriza a indiferença modernista sobre a obra de Fornari:

[...] o futurismo era quase uma nebulosa e a obra de Marinetti alguma coisa muito citada mas pouquíssimo entendida [...] Ernani encolheu os ombros e deu a publicidade de um livro de sonetos. Bem recebido. Mal recebido. [...] Depois veio “Trem da Serra”. Versos modernos. Não se podia dizer que o poeta era passadista [...] depois, “Praia dos milagres” [...] segunda edição do “Missal” que horror! Em pleno século vinte, de arranha-céus, zeppelins e outras coisas colossais [...].

642

Ainda em 1924, deu de ombros: O início desta história é quando Ernani

Fornari escreve a poesia “Gaúcho” e homenageia Alcides Maya, publicando-a na

revista Mascara, em 6 de fevereiro de 1925. Foi criticado por um leitor. Como um

estrangeiro ousa poetizar o arquétipo do gaúcho? O “conflito das representações”

cai sobre Fornari e grava a lição de que sendo uma vez estrangeiro, será sempre

estrangeiro. Não tem competência narrativa para tratar do que não lhe pertence, isto

é, a mitologização que é recente e vai ser maior ainda nas próximas décadas, em

torno do gaúcho, sendo ele um estranho.643

De uma maneira geral, os imigrantes articulam muito no seu discurso o

pertencimento local, colando, se for o caso, vários pertencimentos numa certa

hierarquia, hifenizando-o. O conceito de hifenização, de Lesser644, parece-nos,

funciona com a dialética da inclusão e exclusão, uma vez que reconhece na

identidade, um ser igual, mas não idêntico. É o que fazem os moraneses, como se

verifica através dos entrevistados, os quais utilizam essa dialética quase como um

escudo de uma appartenenza flexível, porosa, mas que luta por ser reconhecida, tal

como os frutos de uma mesma árvore.

642 GOUVÊA, Sergio. O espírito e o coração na obra de Ernani Fornari. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIX, n. 144, p. 3, 23 jul. 1933. 643 OLIVEN, Ruben. A parte e o todo: a diversidade cultural no Brasil-nação. Petrópolis: UNESP, 1992. 644 LESSER, Jefrey. A negociação da identidade nacional: imigrantes, minorias e a luta pela etnicidade no Brasil. São Paulo:UNESP, 2001.

358

Fornari é deixado nú na sua estrangeiridade, na sua condição de filho de

imigrantes do século XIX, como uma cicatriz narcísica, não como emblema ou troféu

da odisséia dos que atravessam o oceano para fazer “a América”. Apenas um

estrangeiro, rapidamente ejetado, embora pertença à segunda geração de

imigrantes italianos em Porto Alegre. Isto porque narra um tipo que agride a

positividade da representação simbólica dominante sobre o tipo identitário, “o

gaúcho”. Vamos à poesia:

O GAÚCHO

para Alcides Maya por Ernani Fornari

Misto de justo e mau, / Tisnado nas garruchas, / Tem orgulhos de rei, e humildades de escravo; / Livre como o pampeiro, / E como as armas, bravo; / Põe o amor na cordeôna, e a raiva nas garruchas. / Herdou dos espanhóis / O gesto exagerado; / Do aborígena herdou bravura e crenças bruxas; / Traz no olhar a altivez / Das coxilhas gaúchas, / No sangue o ardor do pampa ao sol ardente e bravo... / E mata como um deus. / E como os deuses tomba; / Desconfia de quem lhe enjeita a cuia e bomba. / Beija a infância no olhar, / Despreza o vil e o concho. / Tem sempre o rancho aberto, embora noite seja, / E a adaga sempre pronta / A abater na peleja / Quem ousado e agressor tente "pisar-lhe o poncho".

645

Um leitor da revista Máscara, descontente com o teor da poesia, escreve à

Revista, argumentado contra Fornari e sua descrição do que entende por ser

gaúcho. Por dever de exercício, a revista publica sua carta na edição de 1 de janeiro

de 1925, a qual diz:

Redator d' "A Máscara". Permita-me que como rio-grandense, como gaúcho, proteste, energicamente, contra os conceitos que o seu colaborador E. Fornari externa sobre a nossa pujante raça, na sua poesia "Gaúcho", publicada no último e apreciado número dessa revista. O gaúcho não é "misto de justo e mau" mas, justo e leal. "Humildades de escravo", para o representante do Pampa, se não é injúria, anda perto... O gaúcho é altivo, é independente, é orgulhoso. Talvez para E. Fornari, que é estrangeiro, o gaúcho tenha estes tristes defeitos. Para quem o conhece, não tem. Só é estranhável que a "Máscara" publique versos que desconsideram o Rio Grande do Sul. Atenciosas saudações. A. M. J.. Constante leitor".

646

646MÁSCARA. Porto Alegre, ano VII, n. III, p. 31, 01 jan. 1925.

359

O editorialista defende a ética profissional mas considera injusta a crítica

porquê:

[...] esse poeta pode ter cometido injustiças nos conceitos emitidos sobre o gaúcho - e somos de opinião de que o nosso colaborador não conhece de perto o caráter do rio-grandense, certamente não teria publicado a poesia em discussão - mas o que não pode ser posto em dúvida é o espírito, já não diremos de nacionalidade, mas de regionalismo de que tantas provas tem dado o nosso colaborador. Descendente, embora de uma nobre raça estrangeira, o Sr. Ernani Fornari é tão rio-grandense como os que mais o forem. Quanto à publicação dos versos em questão, temos apenas a dizer ao nosso "constante leitor" que a "Máscara" não assume a responsabilidade das opiniões, competentemente assinadas de seus colaboradores.

647

Ernani Fornari revida asperamente e escreve “ao amigo De Souza” o que

qualifica como “acesso de epilepsia regional”. Está na íntegra pelo preciosismo da

resposta:

Ao lê-la tive a impressão de que o autor, na pitoresca expressão gauchesca, é um "abalanceado dos cascos". Foi o mais eloqüente auto-atestado de uma ignorância e nenhum senso que jamais vi algum homem passar: das duas, uma: ou esse tal A. M. J. teve meningite, ou tomou chá em pequeno. Quem é finalmente essa criatura, de cérebro tão complicado, De Souza? Vê tu se m'a descobres que a cabeça desse cidadão exposta em posta alugada à Rua dos Andradas, junto ao "jumento fenômeno” que anda por aí em exibição, é bem capaz de reerguer a mais claudicante empresa deste gênero. Sem ter compreendido o espírito, o fundo da tese que me produz versificar, ignorante dos mais rudimentares princípios da psicologia e de ética rio-grandenses, esse ungido devoto da Nossa Senhora Imbecilidade, depois de decompor a minha peça poética, estultamente, reza uma Salve-rainha de sandices, e desaba, cérebro abaixo, um rosário grotesco de impropriedades. A Providência, tão justa quando mais diferençou os asnos dos fidalgos cavalos pelo tamanho das orelhas, devia mostrar-se, ainda uma vez eqüitativa substituindo a velha, roída e cansada cabeça do infeliz Ugolino. Há uma gente fazendo juz a essa vaga. Dêem-se-lhe novos dentes ao vingativo cardeal dantesco, e a cabeça microcefálica desse coitado se há de sentir muito a gosto, ali, entre as caldeirinhas, sentindo ecoar no vazio baú craneado o doce encanto dos atritos, a rítmica raspagem do violento cafuné mandibular. Eu podia, justificar, perfeitamente, os meus versos. Mas para que?... Não vale a pena: "É gastar cera com ruim defunto". A esse senhor da cabeça da cabeça de ninho de tico-tico aconselho, unicamente, a leitura daquela expressiva fábula de La Fontaine: "A rapoza, o leão e o burro". E dizer que ainda há um padeiro que se levanta de madrugada para dar pão a um homem desses. Do ex-corde. Ernani Fornari.

648

647 MÁSCARA. Porto Alegre, ano VIII, n. IV, p. 71, 06 fev. 1925. 648 Ibid., loc. cit.

360

Nos próximos anos Ernani Fornari não se expõe à ira do leitor. A geração

D’Annunziana melhor interpreta a sua narrativa. Além dele, fazem parte desta

geração Eduardo Guimaraens, João Pinto da Silva, De Souza Júnior, Felipe de

Oliveira, Homero Prates, Rubens de Barcellos, Álvaro Moreira. Todos são

influenciados por Mansueto Bernardi.649

O MINUANO

Mansueto Bernardi

Contra o dorso indefeso das coxilhas / o Minuano rígido arremete. / Três dias sucessivos arremete, / na sua profissão de saneamento. / Com os seus longos uivos de leopardo / e os seus silvos estrídulos de serpe; / Com seu ímpeto frio e sibilante / e o seu açoite revolucionário, / fecha e escancara portas e janelas, / por cerros e quebradas assobia, / em todos os espaços se intromete, / por todas as gargantas e orifícios, / elástico e invisível se insinua. / As árvores fustiga e os animais / Revolve os ninhos. As mulheres despenteia / e encarapela rios e lagoas. / Poderoso exaustor, limpa completamente / os miasmas e gazes deletérios / que soem dos monturos e paus, / as impurezas todas que andam no ar. / Num relâmpago, espana o leite dos caminhos / que através da campanha serpenteiam, / no mesmo andar que na cidade o pó das ruas / e a fumaça das fábricas dissolve. / De tal sorte que, após sua passagem / renovadora e clarificadora, / do norte ao sul, no pampa ou na montanha, / uma vera delicia é o respirar. / Porém não basta que, fisicamente, / o nosso meio apenas tu saneies. / Sobre toda a extensão da pátria urge que sopres / e com tuas rajadas purifiques / o ar moral que há muito ela respira, / saturado de tóxicos mortais. / Desencadeia, pois, teu é isto, ó Minuano / E antes de tudo e sem detença varre / a discórdia que aparta os irmãos dos irmãos. / Arrefece o calor da luta inglória. / Apaga os fogos dos acampamentos / todos os fogos dos acampamentos / que com seu brilho hostil, dentro da noite imensa / tais como insulto são a imagem do Cruzeiro. / Tange, acomete, alue todas as atalaias, / de onde os irmãos com ódio espreitam os irmãos! / E varre a fraude, em suas formas todas. / Varre a violência, e todos os seus males. / Varre as más ambições que corvejam / sobre os corpos de irmãos mortos pelos irmãos! 650

A recepção da estética simbolista italiana, pois, quer pelos seus “patrícios”

radicados em Porto Alegre, descendentes ou, simplesmente, por intelectuais, artistas

e leitores trazem o “Crepusculare”: Dante, Petrarca e Leopardi que influenciam os

poetas gaúchos. Simbolistas seguiam Samain, Verlaine, Rimbaub, Verharren, Jules

Laforgue, mas também Pascoli e D’Annunzio. “Simbolistas e primeiros modernistas

649 MARCON, Itálico. Carta para Mansueto Bernardi no céu. In: MARCON, Itálico; COSTA, Rovílio (Orgs.). Obras completas: terra convalescente Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, Livraria Sulina, 1980. V. 1. (Obras Completas de Mansueto Bernardi). p. 31-34. 650 BERNARDI, Manueto. Ao Minuano. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXI, n. 173, p. 3, 23 jul. 1925.

361

encontraram nos “crepusculares” Guido Gozzano, Sergio Corazzini e Aldo

Pallazeschi, a atmosfera apropriada aos seus entardeceres nevoentos.651

Embora não “fosse um genuíno poeta” representante do Modernismo, neste

mesmo ano de 1925, Mansueto Bernardi, em sua casa no Menino Deus, apresenta

Guilherme de Almeida, aos poetas modernistas do Rio Grande do Sul. Na foto tirada

nessa ocasião estão, entre outros, Francis Pelicheck, Pedro Vergara, Renato Costa,

João Pinto da Silva, Eduardo Guimaraens, Angelo Guido, Vargas Neto, Ernani

Fornari, Fernando Corona, Athos Damasceno Ferreira, De Souza Júnior, Moysés

Vellinho, Rui Cirne Lima, Luiz Vergara, Eurico Rodrigues e Darcy Azambuja.652

Ernani Fornari volta a ser notícia em 1932, agora no Correio do Povo. Cacy

Cordovil avalia que seu livro de contos “Guerra das fechaduras” revoluciona,

iniciando, fora do regionalismo, uma nova era do conto “[...] uma tal variedade de

assuntos e imagens, que, terminando, fica-se com a impressão de ter visto,

sucessivas, as transformações sem conta de um caleidoscópio [...].”653

No mesmo número Érico Veríssimo vibra com o ataque que os personagens

fazem ao autor Ernani Fornari:

Todos [...] para frente! Ajustemos contas com o autor! E todas as personagens dos contos de “Guerra das fechaduras” formam em tumulto, a dois de fundo e marcham ao som de um canto de guerra, truculentos e agitados. Em busca do Sr. Fornari. Na frente do bloco “baliza” impávido e desinquieto-Nanquinote. Há dias que não vejo o poeta do “Trem da serra”. Temo pela sua vida. Será que os bonecos o encontraram?654

Em 1933, Sergio Gouveia do Correio do Povo relembra o tardio

reconhecimento da obra de Fornari “[...] o culto que se prestava até dez anos atrás,

651 DEGRAZIA, José Eduardo. Poesias escolhidas: poetas italianos contemporâneos. Porto Alegre: Sagra-D c Luzzatto, Porto Alegre, 1995. p. 8. Ver igualmente CESAR, Guilermino. Mansueto, o ‘crepusculare´. In: CARVALHAL, (Org.). Notícia do Rio Grande: literatura. Guilermino Cesar, Porto Alegre:Instituto Estadual do Livro/Editora da Universidade, 1994, p. 121-124; MARCON; COSTA 1980. 652 MARCON; COSTA, 1980. 653 VERISSIMO, Érico l. Naniquinote e o Sr. Ernani Fornari. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVIII, n. 20, p. 11. 24 jan. 1932; outras críticas favoráveis já haviam sido realizadas nos dias 10 a 14 do mesmo mês, no jornal. Em 1933 novas críticas igualmente favoráveis no Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIX, n. 144, p. 3, 26 jun. 1933. 654 Ibid., p. 11.

362

quando copiando o movimento modernista da Europa, conduzimo-lo para rumos

incertos e finalidades duvidosas, até a decadência atual em que se encontram arte

literatura no Brasil [...]”. Um longo espaço de tempo para esfriar as costas e eis a

“Guerra das fechaduras”, com três edições lotadas. “[...] Aí vem ‘O homem que era

dois’, aí virá a ‘Teoria do estalo’ ”. 655

Em 17 de junho de 1934 a manchete: CONSAGRAÇÃO DE DOIS

ESCRITORES RIOGRANDENSES do Correio do Povo trata da tradução para o

italiano, de Ernani Fornari e Érico Veríssimo. “[...] As obras traduzidas são “Clarissa”,

de Érico Veríssimo e a “Guerra das Fechaduras”, de Ernani Fornari. Para o

comentarista, a tradução pelo escritor e jornalista Aldo Deci para a língua de

Pirandello fará essa obras “parecer coisa nova”.

O caráter de grande promotor da cultura em Porto Alegre é simbolizado no elo

que une Érico Veríssimo a Ernani Fornari: Mansueto Bernardi.

Érico Veríssimo, nascido em 1905, filho de emigrados portugueses e tropeiros

de Sorocaba, percorre uma trajetória de escritor amador até encontrar com Bernardi.

Apenas em 1928 terá trabalhos publicados na Revista Globo em Porto Alegre, os

contos “Ladrão de cavalos” e “A tragédia de um homem gordo”. Ainda que o Correio

do Povo publique em 1929 “A lâmpada mágica”, apenas em 1930 ao entrar em

contato com Bernardi quando vai trabalhar como secretário da Revista do Globo, é

que sua carreira adquire o profissionalismo requerido para a função de escritor na

sociedade moderna.

No ano seguinte, Veríssimo ainda escreve para o Correio do Povo e para o

Diário de Notícias. Em 1932 publica “Fantoches”, contos com influências de Ibsen,

Shaw, Anatole France e Pirandello. Em 1933 ocorre o sucesso de “Clarissa”,

publicado pela editora Globo de Henrique Bertaso, outro grande promotor da cultura

da cidade. 656

655 GOUVEA, 1933, p. 3; ver igualmente as edições de 26 e 29 seguintes. 656 VERISSIMO, Erico. Solo de clarineta: memórias. Porto Alegre: Globo, 1973. v. 1; CHAVES, Flávio Loureiro. Erico Verissimo o escritor e seu tempo. Porto Alegre: Ed. da Universidade/UFGRS, 2001.

363

Passando ao largo dessa presença italiana, em 1936, o descendente de

italianos, Fernando Callage, irmão de Roque Callage, preocupa-se com a construção

do nacional, da cultura genuinamente brasileira, sem italianidade, portanto.

O jornalista celebra o ressurgimento da Academia de Letras no Rio Grande do

Sul, um grande momento literário nacional e local, em especial, com o livro “Clarissa”

de Érico Veríssimo e também "Caminhos cruzados" e "Música ao longe", seus

romances rescentes realçam mais ainda o valor de Veríssimo como figura marcante

nas letras nacionais [...]”, ambos de 1935.657

Essa é a paisagem final da perspectiva desde o estrangeiro. O momento da

reconfiguração, quando a narrativa poderia ser retomada pelo estrangeiro de seu

lugar mais nobre - o literário e não o foi.

A literatura absorve o regional, o nacional mas não a presença do imigrante

urbano. Não há lugar na estética para a diversidade estrangeira quando os tempos

são de construção do homem brasileiro. Não recebe representação literária pela sua

condição estrangeira e nem pode representar o que seja ser gaúcho, uma vez que

para o consenso social, nem brasileiro é.

Acompanhemos através das narrativas como se colocam os entrevistados na

cidade de Porto Alegre.

657 CALLAGE, 1936a, p. 3.

7 ARRIVARE

O “chegar” conclui as condições para a completa narrativa, a qual é tomada

como estrutura que supõe partir, transitar e chegar conforme Leed. Do amálgama

entre migração e estrangeiridade, brota o eu que narra entre o tempo mítico, o

tempo histórico, o tempo cronológico.

A narrativa de quem parte trata da sofrida separação da appartenenza

sociale, do ato de libertação do mundo, da vida e do trabalho alienado. O migrante

vai, semanticamente, tornar-se um estrangeiro, também para si. Já a narrativa no

trânsito, na viagem é quase suspensa porque o narrador está preso no “paradoxo de

percepção do tempo” como nomeia Santo Agostinho. A narrativa necessita de

eventos, de intervalos entre os eventos e do envolvimento com eles porquê o tempo

depende da natureza, da direção das vivências, que no limite da viagem é pouco

expressivo, embora possamos, como fizemos, tratar de outros trânsitos.

Agora, a narrativa da chegada fecha o ciclo. Se antes havia uma vaga pré-

noção da emigração, agora a realidade se afirma pela impossibilidade de voltar

atrás. Atrás é muito longe, está no passado, já foi. Resta o aqui, o agora e o futuro.

Agora é uma circularidade na narração moranesa. Chegar está pregado na

volta a Morano que é o início de tudo para os moraneses. Da suas vidas concretas,

lançam, enfim, a narrativa que lhes diz quem são. O que estava danificado na

mínima moralia agora solda o tempo mítico, o tempo histórico e o tempo cronológico.

365

Chegar, para Angelina, Calvino e Rama que se ocupam da representação

sobre as cidades, é confrontrar a cidade entre o que se imaginou, antes de conhecê-

la e a vivência da experiência.

Angelina imaginou Porto Alegre apenas não escreveu sobre ela. Pode falar e

fala. Conta como as notícias que chegavam a Morano mobilizavam sua vontade de

partir, chegar logo. O narrador mesmo foi Luis, seu irmão. Na entrevista, este é

mencionado com reverência. Afinal, é o desbravador, o que ampara a trajetória de

Angelina e sua família, o que irá distribuir conselhos aos sobrinhos. O que dá início à

cadeia imigratória.

A recomposição da diáspora familiar ocorre na medida em que Luis escreve

para a família contando da cidade e das oportunidades que aqui se encontram.

Acende o imaginário de Angelina “vocês vem pra cá que é uma maravilha. Ele dizia

para o meu pai: ‘você vai durar 10 anos a mais’ ”. Tais descrições constituem o

fundo de realidade que fizeram com que sem conhecer o Brasil, Angelina tecesse o

país:

[...] a expectativa era aquela alegria de sair de minha terra e chegar na Mérica. Mérica... E, cheguei aqui e, graças a Deus e gostei muito, a alegria de vir era maior do que a de deixar, tanto que me naturalizei brasileira em 1970. Olha, para me naturalizar brasileira é renunciar a pátria, (riso) e renunciei, por quê? Porquê aqui me encontrei melhor, a gente cresceu por tudo.

Os anos 30 são de restrição da migração na Europa. Luis, o irmão de

Angelina, precisa fazer mais para solicitar a vinda dos familiares. Progressivamente

a política da migração torna-se restritiva também no Brasil e estabelece a exigência

de outros quesitos para haver a permissão da migração de familiares. E assim ele

procede.

Para o entrevistador, Luis é apenas “aquele que está sentado na fotografia de

família”. Mas o estranhamento passa rápido, à medida que a narrativa desenha o

perfil desse irmão.

366

Conceição, a filha de Angelina, força a memória anterior a esse tio “meu avô

contava, porquê ele chegou aqui em 1800, ele contava que tinha ido primeiro para o

Uruguai, mas como ele foi para o Uruguai, eu não me lembro dele contar essas

histórias”.

Angelina relembra como foram duros esses anos. Pouco comentados, fazem

parte do acervo traumático familiar:

[...] depois o meu irmão também, morava perto do Capitólio, quem chegava primeiro botava a panela no fogo...Aquela fotografia...Eram todos homens, uns solteiros. eles vieram pra melhorar de vida. Lá não tinha nada, antigamente. Não precisava chamar, [o ato de Chamada] quando meu irmão veio, em 24, o meu pai mandou fazer o passaporte, pagou a passagem para cá, ele veio, não precisava nem chamar. Eu me lembro dele contar que não tinha luz na rua, os bondes puxados por burro, e que eles moravam no seminário”.

Delmar, o genro de Angelina, cujo pai chegara no mesmo período, anui: “ah

passavam trabalho também. O que chegava primeiro, acendia o fogareiro à

querosene”. Este seminário ficava junto à atual Catedral Metropolitana e funcionava

como uma pensão para jovens imigrantes solteiros.

A expressão “passava trabalho também” é uma analogia com a imigração

colonial do Rio Grande do Sul, amplamente narrada pela historiografia. Uma

odisséia urbana também tem seu valor, quererá dizer Delmar?

Outra é a narrativa de Angelina que ainda está maravilhada com a chegada,

como esteve durante a viagem de navio e toda a expectativa de vir para a América.

Outra cidade sem ser idêntica a de seu irmão, é descrita. Prenuncia seu novo estilo

de vida, onde a dificuldade com a língua é transponível:

Achei maravilhoso. O meu irmão mais velho foi me buscar em Rio Grande. Aqui se usava chapéu, em 36, e o meu irmão não queria que eu desembarcasse aqui em Porto Alegre sem chapéu. Daí ele procurou uma chapelaria, era domingo, mas procurou, achou, comprou o chapéu. Achei maravilhoso, desembarcar de chapéu. Porquê lá na minha terra era só aquela gente finíssima, de alta que tinha chapéu. Eu cheguei no primeiro dia aqui com chapéu, eu me sentia a mais rica, claro, moça...(risos).[...] [circular na cidade]. Foi um pouco difícil... eu ia comprar uma coisa e não sabia dizer em português. Então quando ia comprar, por exemplo, a primeira vez que fui comprar pressão. Ah eu quero aquele que faz assim...”Pessão”, pronto entrou na cabeça “pressão” [botões de segurança de blusas

367

femininas].Querosene, não é petróleo, queria um litro de petróleo, querosene, pronto, querosene. Fiz até o terceiro ano na Itália. E falando, ah, eu trabalhei no armazém e depois do armazém, colégio, aprendi o português porque a gente era obrigado a falar. O pessoal pedia as coisas, coisa fácil, arroz e feijão. Mas, fui aprendendo, na prática. Tinha vinte e três anos, quando comecei no armazém e trabalhei doze anos, até os trinta e cinco anos.

Chegar é sempre em local provisório, junto aos parentes, entre eles, está o tio

Salvador que será necessário nessa narrativa. “Quando cheguei em Porto Alegre fui

para a casa do meu irmão, na Lima e Silva”. Já casar envolve estabelecer-se,

mudar “depois me casei e fui para Santana. Depois fui para a Glória, onde estou

desde 1939, até agora”.

Os tempos de chegada são os da sociabilidade dos anos 30 no meio cultural

de Porto Alegre. Para uma jovem, vinda de Morano, nem todas práticas culturais e

sociais são permitidas. “Havia o cinema no qual o tio Salvador nos levava muito a

passear. Baile não, nem se falava, nós não costumávamos, não tínhamos aquele

hábito. [...]. Teatro, quando tinha um teatrinho. E muita visita, patrícios, nós íamos lá,

eles vinham aqui, festas da família”.

Sempre em tom de festa, a prática religiosa é vivenciada como

desdobramento da sociabilidade do estrangeiro na cidade: “Sou Católica Apostólica

Romana. Na Itália freqüentava muito à igreja e aqui continuei. Assim como

participava das festividades da igreja, todas”. Enfatiza “todas”.

A narrativa do viver em Porto Alegre nos anos 30, da mulher imigrante traz a

afetividade associada à constituição da família onde um novo status está para ser

constituído. Para as moranesas, implica casamento com moranes. E trabalho, muito

trabalho nestes primeiros anos. Saborosamente, conta fazendo brilhar seus olhos

claros:

[...] casei com vinte e dois anos mesmo. Com vinte e três, ganhei ela [Conceição]. Depois que cheguei aqui, em seis meses arranjei namorado, o Salvador, foi muito fácil. Era de lá, conhecia só de vista, de bom dia e boa tarde. Aí quando cheguei aqui, ele foi buscar um pacote que a mãe dele mandou por mim, era costume. E ele foi buscar o pacotinho. Depois quando ele foi embora até me depreciou. Era tão bonita quando tava lá na Itália, agora depois da viagem... E depois de seis meses ele veio me comprar [comprar?] Até foi gozado. Deixou-me com 17 anos lá. Cheguei aqui um

368

pouco desfigurada. [Explica Conceição: “eles se conheciam, era amigo do irmão dela]. E depois no nosso tempo namoro era por recado. Não era namoro como hoje. Mas naquela época pelo menos eu, casei a gosto do meu pai. Mas tu gostavas do rapaz, mas meu pai não gostava e eu não casava. A gente obedecia aos pais antigamente (risos) Casei, tive filhos, sempre trabalhando. Depois que nasceu o segundo filho, não mais. Eu tinha trinta e seis anos quando eu tive o Salvador. Era muito esperta. Analfabeta, mas esperta de não ter muitos filhos.

Além da chegada em si, do trabalho, do casamento há a sociabilidade das

sociedades italianas. Da sociedade que os italianos fundaram em 28 de janeiro de

1924, a Sociedade Italiana Moraneses Unidos, ninguém lembra, mesmo quando

mostramos o recorte de jornal:

Antes de nós chegarmos aqui, só existia a sociedade Dante Alighieri [...] naquela época quando fundaram a Sociedade Italiana os moraneses ajudaram na construção. Naquela época eram mais unidos do que hoje [freqüentava ?] Só a Sociedade Italiana, nessa sociedade italiana que existe até hoje meu marido, Salvador Ferraro foi conselheiro. Após os anos cinqüenta, depois do armazém ele começou a freqüentar os jantares, as datas comemorativas.

A cidade pluriétnica não rompe a sociabilidade seletiva. Mesmo no conjunto

dos italianos de Porto Alegre preserva-se a distância e, com os não-italianos,

estrangeiros ou não, restam as relações comerciais “ia muito alemão e com o papai

ia muito judeu, o próprio comércio ajuda”.

Começamos a compreender o significado moranesi uniti. Diz Conceição:

“eram muito unidos, entre eles, eram mais os moraneses”.

A sensação que vai impondo-se é a de uma cidade dentro da outra.

Estimulada por sua vivência, Conceição, nascida em Porto Alegre, tem uma visão

mais aguda que a própria Angelina desse estar-junto dos moraneses que povoaram

sua infância e juventude. São “eles”, os moraneses, na sua gramática social. Há

ressentimentos, é verdade. Há uma fresta por ser brasileira, que ela consegue

absorver até certo ponto. O que já foi uma vitória pessoal:

[...] quando a gente fazia uma festa convidava todo mundo. Quando ela [a mãe ] casou aqui tinha trezentas pessoas. Mas a festa era só nós, os patrícios, italianos e de Morano. [Por hipótese, quando uma pessoa não era de Morano, como era recebida] Eu acho que os italianos do norte não eram

369

muito bem recebidos. Inclusive na Sociedade Italiana. Isso foi sempre assim. Quando era presidente alguém do norte da Itália, eles não gostavam da base italiana do sul. Quando era da base italiana do norte, o presidente, falava o gramatical. Quando nós nos juntávamos, era o dialeto, então ficava uma mistura. Até hoje quando chega um moranes, só se fala em dialeto[os italianos do norte são quase como se fosse outro país]. É, eu acho que havia, não sei, se não há uma rivalidade. Mas os do norte fundaram juntos a Sociedade Italiana. No início eram só os moraneses como colaboradores, pela placa que tem lá [origens da distinção]. Olha eu acho que os italianos até por sobrenomes, foram fortes em Porto Alegre. A separação que tem aqui é reflexo da separação que havia lá: o norte é mais politizado, mais empresas, no sul há mais agricultores.[...]. A gente não tinha contato com os italianos do norte, na geração do meu irmão, as sociedades já são algumas a mais, nunca freqüentei. E os moraneses criaram as filhas muito fechadas, poucas estudavam, eu estudei porquê me rebelei, fiz o Normal. Não queriam que andasse na rua. Eu sei que da minha geração tem poucas que estudaram. Nunca exerci, porquê casei em seguida, infelizmente. Foram duas coisas que eu acho que marcou, poucas estudaram, apenas tiravam primário. Os moraneses achavam que a filha mulher tinha que aprender a costurar e cozinhar. Não tinha baile nada. E eu me rebelei, queria. Um tio meu, me ajudou, por que as filhas dele estudaram e tiraram faculdade. Uma se formou professora de línguas, outra de canto. Ele valorizava e deixava. Poucas guiavam automóvel. As filhas de moraneses não podiam nem ir até esquina. Não deixavam nada [temor] Que os rapazes pegassem elas para que não engravidassem. A maioria casava com os moraneses. [comparando com os de Morano] Agora elass tão bem modernizadas.

Conceição absorveu certo estranhamento em relação aos moraneses. Atua

como intérprete na entrevista, afinal estamos tratando do que ela conhece desde

sempre, porquê nasceu e viveu em Porto Alegre. Sobre ser moranes

[...] o que distingue é a tradição, a culinária que é impressionante pelo pessoal de Caxias, os casamentos e a língua que não deixam de falar. E procuram estarem unidos, nas tristezas e nas festas. A gente vê que os brasileiros notam essa união em missa de sétimo dia.

Angelina diz: “eu procurei sempre de melhorar, em tudo”. Não apenas ela,

pois a alta freqüência, desde o início do século XX, de sobrenomes italianos em

qualquer indicador social de Porto Alegre, dá conta da forte presença italiana na

cidade.

Para Conceição “dá para gente pensar que aqui predominam os italianos do

sul” que superaram as barreiras lingüísticas como e quando podiam, segundo ela:

Não freqüentavam os cursos, só aprendiam no comércio e na força de vontade, para trabalhar, é bem fácil. Eu tinha 9 anos quando um tio meu veio e foi fácil...Nós temos moraneses antigos que vieram assim como ela,

370

que se destacaram no comércio. Meu pai teve armazém primeiro, aqui na Glória, depois foi para a Azenha, perto do campo do Grêmio, e depois foi para o Centro, com uma casa lotérica, que é uma das coisas mais marcantes entre os moraneses. Há muitos açougueiros [à época], armazéns, restaurantes, poucos, como o Copacabana [é do primo dela], o Célia Irmãos (tecidos).Para mim a pessoa que mais se destacou e que já foi homenageada foi o Feoli, da Cambial. O Feoli, depois do Célia Irmãos, foi ele, que teve seis ou sete lojas. Ele se destacou, veio vindo pequenininho. E depois os açougueiros, pessoal de mercado, mas isso é uma nova leva.

A identidade étnica é controvertida e a sociabilidade é pautada por ela.

Angelina quando voltou a Meca, digo, a Morano, não foi como brasileira ou

moranesa e sim, como americana:

É por isso que a gente se naturalizou brasileiro. Não sou italiana, aqui sou brasileira. Quando a gente vai lá e chamam de “americaaaaaano” [a última vez foi há quatorze anos] para mim foi sempre bom porquê tenho parente lá. A primeira vez foi em 62. Que nunca pensava que ia, porquê não pensava que ia voltar. Mas quando cheguei, a primeira vez, tive uma sensação extraordinária, aqueles vizinhos, tudo me arrodeando ... Sabe o filme da Lolobrigida, quando a Lolobrigida chega numa cidadezinha e todos arrodearam ela? foi assim que me senti, umas cem pessoas todas: como vai, como vai, ah te conheço? Naquela época era difícil, por isso quando chegava um americano era assim, eles chamavam americano. Lá de volta à Itália, imagina o que era a curiosidade, como se vestia, tudo isso era observado.[E essa diferença de ser da América Latina, distingüiam?]. Não. E lá estava a irmã do meu marido. Então enquanto eu estive lá, parece mentira, um mês eu não saí de lá, recebendo visitas, tal qual a mãe dele, que recebia um irmão da América, havia visitas também da vizinhança.

Conceição ilustra que em Porto Alegre a visitação ainda é cultivada:

[...] só para comparares, ela fez uma cirurgia em maio, até uns quinze dias atrás e recebia visita, a casa quase nunca estava vazia. [temas de conversação] Assunto de família, não se fala de economia. É alguma coisa que acontece com os amigos. Um pouco com os da minha idade e em menor escala com os mais moços. A turma dela [de Angelina] é a que mais visita, da idade dela [Conceição] há poucos, a maioria com sessenta, setenta anos.

Angelina acrescenta: “as filhas duma amiga também vem, pouco mas vem,

mas são as mais velhas”. Angelina tem um atributo extra: conhece os apelidos,

nomes próprios de família e da da comunidade. Chegando a Morano só se tratam

através dos apelidos nas visitações.

371

Conceição lembra de como viveu esta sociabilidade na cidade dos anos 30:

Tenho a lembrança alegre de que todos os domingos eles se visitavam, marcou minha infância, pegava dois bondes, voltava dormindo. Aquele convívio, todos os domingos, não só família mas os amigos também. Então sinto saudade daquele tempo. Aquela geração da minha idade, a gente se perdeu. Aquela amizade era uma festa, um tocava gaita e todo mundo dançava tarantella.

Nem tudo foram flores. No início da década de 40 haveria a definitiva

interdição da língua estrangeira. Como o moranes aprendia primeiro o dialeto e

depois o italiano se a escola propiciar, a narrativa é truncada. Angelina sombreia os

olhos:

[...] olha, aquela época foi um pouco ruim, não se podia falar o italiano. Mas como tinha pessoa velha que nunca aprendeu a falar brasileiro, quando se encontravam falavam em moranese. Naquela época, dois estavam na praça da Matriz, parlando moranese prenderam os dois! Aí o filho dele disse: mas como foram prender! Ó cristo, vão prender alguém que não sabe falar [português]. Aquilo foi uma piada mesmo!

Conceição tinha medo: “eu tinha muito medo, eu era criança e via eles

falarem que tinham muito medo. Aquilo causou um trauma. Eles tinham medo de

perder as coisas, ter uma casa tirada, eu sentia no meu pai. Até pouco antes de

morrer, ele sempre teve medo”.

A narrativa do moranes deixa claro que o centro da afirmação do grupo na

cidade de Porto Alegre, nos anos 20 em diante, foi a vida econômica mas com muita

energia dispensada na manutenção dos laços comunitários.

A estratificação social decorrente das posições diferenciadas na estrutura

social não provocou dano nos laços comunitários dessas gerações. Entre danos e

perdas, Angelina dá o veredictun: “Melhor aqui. Isso é engraçado! Nós virmos de lá e

trabalhar no comércio aqui, já foi uma grande coisa”.

“Muitos que vieram também trabalharam com o marido”, acrescenta Conceição [acumulação do capital inicial]. Dinheiro emprestado dos que tinham vindo antes. O meu avô vendia frutas de balaio. Mas logo que eles chegaram, faziam isso prá aprender a andar na cidade. Até se perdiam

372

porque, lógico, para quem vinha de uma cidadezinha, Porto Alegre já era uma cidade grande.

“Todo mundo fez o futuro”, soma Angelina [cidade italiana é próxima da área

agrícola, então mesmo o agricultor tem uma experiência urbana] e caminhando

bastante sim, porque a agricultura deles não era na cidade, não tinha nada. Aparece

o morro daqui [a foto de Morano] aquilo lá, não ia de auto, só a pé. Lá, eles tinham

que caminhar cinco quilômetros. Na minha época nós íamos a pé, cinco horas de

caminhada.

Angelina sempre arrojada, aprendeu a dirigir aos sessenta anos, é uma

viajante ainda. Atribui a sua personalidade o sucesso no partir, transitar e chegar

porquê esses eventos estão continuamente reconfigurando sua narrativa. Onde está

seu lugar? No modo de ser no espaço social que ela e tantos outros, como ela,

construíram entre Porto Alegre e Morano-Calabro.

Para Antonio Bianchimano, chegar em Porto Alegre foi em 1949 aos vinte e

quatro anos. Apenas quando termina a Segunda Guerra Mundial tenta vir para a

América. Seu tio envia-lhe o Ato de Chamada. Chega como pedreiro, sendo

sapateiro. Diz isso com certa indignação porquê na Itália jamais aceitou ser pedreiro.

Trabalhou um ano com um mestre e aprendeu a falar um pouco. Parlando, parlando

se aprende um pouquinho. Antonio comenta:

As pessoas vindas da Argentina, cada uma, coitada daquela gente, todos

analfabetos, não reconhecendo letra de bonde, não sabiam ler, só com a força de

vontade.

Retomamos do ponto em que chama a esposa, em 1958:

[...] la mia signora. Era casado ma no era casado... Eu tinha vinte e quatro, a minha esposa vinte e sete, vinte e poucos anos. Naquela época trabalhava a base do caderno, fazia um fiado. [empréstimos dos parentes para montar negócio] Não tinha essas coisas. Eu comprei uma casa na Venâncio Aires, eu e o meu amigo Salvatore. Trabalhamos quase 30 anos. Compramos sapatos colegiais. Naquela época não era como agora, que cada um escolhe um sapato, era só de um modelo. Depois abrimos uma loja grande, três mil pares de sapatos. Depois me aposentei. Primeiro começamos na Casa Masson.

373

Filomena Aita, “vizinha, quase da família”, chegou de Morano em 1946,

esperada pelo pai que estava aqui desde 1936. Teve uma chegada emocionada em

Santos. Só conseguia ver seu pai.

Estar em Porto Alegre era estar com seu pai, sua mãe, a família que a

Grande Guerra separou, enfim reunida.

Vindo de Morano para Porto Alegre, foi um contraste, nós chegamos e fomos lá para a terra do campo do Grêmio. Me chamou um pouquinho assim a atenção que achamos uma casa de madeira, sentimos um pouco aquilo lá, não estava acostumada. Em Morano era tudo pedra. [A língua] Ah, eu fui para o colégio, fui para a escola, estudei um pouco no Colégio da Glória. Mas sabe que isso aí é interessante? Veio o meu avô, meu avô mandou buscar minha avó, mandaram buscar meu pai, “uma roda”, mas por quê? E dizem assim. Muita gente lá em Morano tinha uma idéia que se iria ao Brasil e para Porto Alegre. Não sei se para levar uma vida melhor, mas naquela época para todo mundo era difícil. Mas como vinha todo mundo prá cá deveria ser melhor aqui. E talvez uma influência de um para o outro. Claro, é que eles falavam que iam fazer a vida. E no início sem saber falar português. Sim eu acho que passaram muito trabalho, os primeiros que chegaram aqui. Uma pessoa que vinha para a América dependia de que alguém escrevesse por ela. Era tudo analfabeto, a maioria. [lembra o filme “Central do Brasil “?e Filomena concorda]. Depois não é mais como antigamente, agora os filhos estão estudando se fazendo advogado. Lá em Morano tinha aquela época até o 5. o ano, depois tinha que sair, ir à Castrovilari, era 7 km, 15 minutos. Para estudar acho que em Nápoles, mas naquela época ninguém estudava.

A impressão da cidade revela grande contraste, eis que, em Morano,

predominava a utilização de pedras, enquanto em Porto Alegre, afora o perímetro

central, predominava a alvenaria.

A sociabilidade foi na Sociedade Italiana e, mais recentemente, na Sociedade

Calabresa que tem 10 anos de fundação.

Diz Antônio Bianchimano: “Apesar de tudo, quando nos juntamos estamos

contentíssimos. Cada um se chama diferente. Todos se conhecem por apelido.

Perue se chiada um chocha”.658

658 Nas entrevistas com os mais velhos, o uso de apelido para identificar as famílias é um referente de geração. Os italianos ou descendentes mais jovens não se reconhecem pelos apelidos dessa singular genealogia complementar. Angelina pode nomear todos os apelidos dos moraneses atualmente residindo na cidade. Ver LAYTANO, DANTE de. In Presença Calabresa, Porto Alegre: EST, 1988, p. 40-44.

374

Filomena confirma:

Tu chegas lá em Morano e pergunta pela Aita, ninguém sabe, mas pergunta pelo Domenico (seu marido), todo mundo sabe. Mas a italianidade continua a manter distinções [contatos com italianos do norte]. Muito pouco, mais a gente é calabres.[...] É, mas é mais entre nós mesmos [diferença entre as sociedades]. É que a Calabresa é fundada por calabres, primeiro, na rua Botafogo, depois na Medianeira e, depois, foi para lá, na Olavo Bilac. O Dante de Laytano, historiador, escreveu sobre isso.

Mais uma vez o rádio está presente na comunicação dos grupos de italianos

radicados em Porto Alegre e, em outras cidades de forte presença de imigrantes

italianos. Lembra Antonio: ”Há o Carmine Motta que está sempre presente, uma

pessoa maravilhosa. Apresenta todos domingos, das oito e meia até as nove e meia,

o programa La Domenica Italiana”.

Perguntamos sobre o trabalho de reconstituição histórica, como situar a

Società Moranesi Uniti, Filomena se manifesta: “acho maravilhoso, por quê que não?

Sobre a Moranesi Uniti, de 1924, eu mesma não conheço. Que fim levou?”. É um

mistério tanto quanto os primeiros a chegar em Porto Alegre, pontos obscuros de

uma narrativa que está se fazendo ainda.

Historicamente, também é interessante observar, através das gerações, o

comportamento das mulheres moranesas “de lá” e “de cá” o qual enseja

comparações:

Mas por quê? alguma mulher se sente mais italiana que brasileira? Não é complicado. Eu tenho a impressão que algumas se sentem mais ligadas a Itália. Claro, uma pessoa de mais idade continua com a cabeça antiga, mas a mocidade está muito moderna, [na Itália] às vezes até pior que aqui. Aqui já misturou tudo. Isso aí [casamento apenas entre moraneses] já era. Agora já é uma outra juventude. E agora estão todos se separando...

Antonio não está interessado em avaliar o comportamento de geração, o que

entende é de sociabilidade. Ele convida:

No primeiro domingo de cada mês o salão é requisitado para a festa dos moraneses em Porto Alegre. E depois vamos fazer a Festa da Nossa Senhora do Carmo. I moranese son tutti viti. Em Morano, na festa da Madona Del Carmo, a maior festa que há em Morano e, agora, o padre

375

daqui foi à festa. E quando a Madona chegou na praça, o padre falou, “que beleza, quantos moraneses de Porto Alegre estão aqui?”. E todos se levantaram! Muitos, muitos ficaram contentes.No mês de maio [reverenciam] eu tenho uma réplica da estátua, da Madona Del Carmo.

Antonio entende de sociabilidade: lendo a matéria do Correio do Povo de 19

de março de 1996, ri e confirma a notícia:

Um “Parlamento Italiano em Porto Alegre.” Há mais de dez anos, todas as manhãs, das 10h30min, às 11h30min, no primeiro andar da galeria Masson, um grupo de italianos se reúne para discutir os mais variados assuntos, principalmente sobre as novidades da Itália e futebol. É o “Parlamento Italiano”. A característica do grupo: seus integrantes são oriundos da vecchia Itália e todos são aposentados, que desfrutam uma hora diária, inclusive nos sábados, neste “clube do bolinha”. Outra: a maioria é do grupo calabrês. O patriarca do “Parlamento” é Luigi Santi, de oitenta e três anos, que veio com dezesete anos para o Brasil. As histórias do grupo são muitas. Na sua maioria, vieram para o Brasil na época da Guerra quando o Cime, órgão que tratava da imigração de italianos para o exterior, facilitou a vinda daqueles que tinham familiares aqui. Muitos desses italianos integrantes do “Parlamento” vieram jovens, constituíram família, abriram seu próprio negócio e hoje se reúnem para falar daquele tempo, das mudanças e progresso da Itália. Uma única recomendação eles têm; “falta informação da Itália”, as notícias conseguidas são transmitidas por familiares que lá ficaram. Não há um órgão que possibilite o conhecimento dos fatos. “Os jornais quando divulgam alguma coisa, publicam dados errados”, diz Sansi. [Hoje há a RAI].Em clima de amizade e confraternização, o “Parlamento Italiano” tem normas, entre elas, não falar de política. Faz parte do estatuto do grupo, os dois únicos artigos: aquele que entra na confraria, na primeira vez não paga o cafezinho e quem está de aniversário, paga a rodada.

Na atualidade, o “Parlamento” se denomina Nossa Senhora do Carmo -turma

do cafezinho e está na Galeria Chaves. É composto pela quase totalidade do grupo

de 1986, mais alguns novos integrantes. São eles: Fedele Arona , Carmine Severino,

Michele Tavaniello, Francesco Anele, Leonardo Scorza, Gaspare Bruno, Giovane

Arona, Genaro Feoli, Domenico Vitola, Pasqualino Morelli, Antonio Severino, Hugo

Vieira, Carmine Di Martino, José Bado Gulart, Carmine Marrone, Leonardo Aita,

Carmine Sanzi, Francesco Barletta, Zelmar Leonardelli, Rui Barbosa, Ele (Antonio

Bianchimano), Francesco Vitola. O mais novo, nascido no ano de 1953, o mais

velho, nascido em 1915, segundo Antonio que, por essas e outras atividades, é

conhecido como “xerife da Botafogo”.

Em contrapartida, a animosidade para com o estrangeiro foi vivida

diretamente por Antonio e Filomena. Antonio apresta-se a dizer “eu sou

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naturalizado”. Como Angelina, Antonio terá concordado com a naturalização por

força da atividade econômica e do resíduo das guerras, desfavorável aos italianos e

alemães. Filomena não optou pela naturalização e seus negócios não foram

afetados, talvez, por ser adulta nos anos em que há diluição da xenofobia, quando

montou seu negócio de bazar. Mas de menina recorda Filomena:

Quanto ao período de proibição da língua] Eles não podiam falar, tal qual ocorria com papai na Argentina. Eu me lembro em São Paulo, no Balestra Itália não podia mais jogar, a luz tinha que apagar. Alguns até esqueceram dessas memórias, mas o medo foi grande.

Dalva Demartino chegou em Porto Alegre em 1955, sua casa era no centro,

tinha duas casas, uma quase em frente ao edifício Capitólio, que agora tem o

edifício Dalva, cujo terreno o pai dera “para essas companhias construtoras”.

[...] aos quatorze anos, fui estudar no Colégio Sevigné. [adaptação, educação].Continuou italiana. Na época era como era para todos os valores: não podia sair de casa, não se podia chegar em casa muito tarde. Mas podia ter amizades no colégio. Eu procurava sempre a essas alturas me entrosar aqui, porquê já que eu tenho que viver aqui, tenho que conhecer também as coisas daqui meus coleguinhas, as turmas. Assim que eles iam dormir na casa de uma, de outra, isso aí eu não podia fazer, que a mãe não deixava. E a vida continua? Sempre nos dizendo para a gente se cuidar, a parte mais bonita, aquela história que casando, tinha que ser pura [entre namoro e casamento] Demorou sim, bastante. Tinha um namorado e depois não deu certo e, de repente, uma noite fomos em uma reunião dançante. Nós íamos muito à reunião dançante com os colegas. Eu tinha mais ou menos a mesma idade que o meu filho tem hoje. Nós tínhamos muita amizade e nós íamos dançar na Faculdade de Engenharia, que começava às nove horas e terminava à meia-noite, uma hora. Então quer dizer que aquele círculo de amizade foi se formando cada vez mais [aprendizado da língua]. Já como tenho dito, sempre procurei aprender, fiz questão. Tinha dificuldades sim, mas aos pouquinhos eu lia em voz alta para ver se eu conseguia [professor particular?] E aí não precisou de professor particular nem nada, fui aprendendo a conversação. Depois a convivência diária com a língua, né? É claro que até hoje não tenho pronúncia exata como eu gostaria, mas procurei sempre [ser professora de italiano] Bom, o caso de ser professora eu tive uma boa base de italiano e começou com aulas particulares, com o pessoal: “ah, tu me ensina italiano?” Isso na Demétrio, por brincadeira. Então, desde mocinha a gente cantava junto, conhecia um pouco de gramática [sociabilidade, casamento e família] Sempre ótima, até hoje. Sempre teve amizade da Dalva com todo mundo que me conhece, o pessoal que eu conheço no relacionamento não tem problema nenhum. Eu conheci meu marido no Dino Dasan, uma sociedade italiana, depois, casei aos 29 anos [trabalho e cuidados de filha] eu estava em casa porquê a minha mãe começou a ficar doente. Eu era a última filha porquê a outra minha irmã, quando nós chegamos, em seguida encontrou um rapaz que era de Morano, então quer dizer, a caçula fica em casa cuidando do pai e da mãe. Nesse intermédio nós estávamos na casa da minha irmã esperando o pai que não vinha nunca e ele tinha sido atropelado e foi então que eu não sabia. Mãe doente, o pai também, e fui então cuidar

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deles [aulas] às vezes, sim, às vezes não, depois como eu já disse, casei tive dois filhos, um tem trinta e três anos e, o outro trinta e cinco. Um tirou Faculdade de Engenharia, depois foi tirar em Salvador Engenharia Petrolífera e está na Petrobrás... está lá em Macari. O outro filho se formou em Veterinária e está aqui, em Porto Alegre.

A utilização da língua italiana oscila entre o período de interdição e a fase

pujante da cultura italiana, nos anos cinqüenta.

[...] aí tinha um curso que ia ter, ia começar as aulas de italiano e eu fiz um teste, pelo Cultural Italiano, me chamaram e tudo começou. Vai fazer dez anos que estou com eles e também minhas aulas particulares continuam. E tem muita procura. Quando cheguei era mais aquela curiosidade de saber e aquele interesse em conhecer algo então perguntavam para mim, eram muitos italianos e filhos de italianos. Isso na época daquele realismo e dos filmes italianos, ai meus Deus, aqueles artistas, aquela coisa toda que o pessoal se encantava. Quer dizer, havia aquela curiosidade. E aí começou: “como é a música, o cinema. O Festival de San Remo era transmitido, tinhs aquelas canções bonitas.

Mas o desconhecimento da língua remete à sombria época da interdição:

[...] porquê tinha tido aquela parte assim durante a guerra que não podia falar italiano e os pais até proibiam os filhos. O pai contava assim que não podia falar, sequer se reunir. Até ele contou uma coisa assim: era sete de setembro e havia a Feira da Pátria com o desfile lá na João Pessoa, que agora é lá na Perimetral. Então, faz muito tempo, meu pai diz que estava lá com um senhor, um amigo dele e estavam falando italiano, chegou um policial que disse: “Gringo sujo”, falando nessa língua horrorosa, “vão ser presos”. Daí disseram: “um momentinho, eu só vou dizer que neste momento estou falando com esse senhor idoso que não entende muito bem o português, então estava dizendo da beleza do desfile”, ao que o policial respondeu: “Dessa vez, tudo bem, mas estamos de olho em vocês”. Não sei se eles tinham medo, não, ele se livrou de ser preso. O meu tio teve oito dias ou mais preso. Ele era muito amigo do Caldas Junior, do Correio do Povo, diz que meu tio era barbeiro dele. Eles eram muito amigos, faziam janta juntos. Quando ele ficou sabendo, pela barbearia fechada, o que aconteceu, tomou providências. Então era verdade. Não se falava, ninguém escutava música. Desde que o Brasil entrou na guerra contra a Itália, Alemanha e Japão, começou o medo de represálias. E, depois, o pai que contava que os pracinhas que foram pra lá, brasileiros de todo mundo, contavam que foram muito bem tratados. Eles diziam para a família “fomos tratados muito bem”. No começo àquela coisa: “bom, nós tratamos esses daqui bem e os nossos lá, são bem tratados”. Começou a mudar a mentalidade mais nessa época. Não é que um povo seja ruim, é o que acontece quando o sentimento de ódio toma conta e se discute muito.

Os italianos moraneses que pertenciam à elite de italianos de Porto Alegre

freqüentavam espaços sociais prestigiados:

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Meu pai e esse tio contavam que eles iam à sociedade porquê eram da elite dos italianos porto-alegrenses. Reuniam-se quando era Natal, festa ou Reveillon, todos na confeitaria Rocco que era famosíssima. Ele é quem construiu o maravilhoso prédio que agora foi tombado. O pai nem ia tanto que ele era reservado, não era muito de festa, mas meu tio sim. Esse tio era barbeiro, dono da Barbearia Roma que ficava na Rua da Praia. Não existe mais. Trabalhou até ter um enfarte. Outro tio, o Leão, irmão da minha mãe, também tinha barbearia, dava banhos, tinham suas banheiras. Essa barbearia era lá no antigo Grande Hotel que era famosíssimo. Tio Leão se dava muito com o dono do Grande Hotel [essa elite animava a vida cultural] O Teatro São Pedro, as óperas vinham sempre, vinha companhia da Argentina que traziam as montagens, então eles tinham uma vida ativa culturalmente. E havia o Instituto Dante Alighieri que era um pouco de tudo: escola, sociedade e instituto. Era aqui na Duque, se não me engano.

Dalva tem uma foto para mostrar, a de família, onde está o tio paterno que

praticava bocha e freqüentava o Prado. Prado?, dizia o tio [que não era onde está

agora], era lá que os homens se combinavam as turmas.

O lugar social da sociabilidade das mulheres:

Era em casa, com minha mãe e a irmã mais velha. Então nos fins de semana quando a gente estava na Demétrio, todos perguntavam se tinha festa. Porquê todos os parentes iam visitar a mãe e o pai. E os homens iam jogar carta e a mãe já preparava comidas assim. Isso amenizava um pouco aquela saudade da terra, porquê todo mundo falava em italiano.

A formação de leitores se dava em Porto Alegre, como a de seu pai, o qual

teve ainda, o convívio com o grupo da editora Globo, com o Henrique Bertazo,

descendente dos italianos do norte:

É isso aí, meu pai tinha essas idéias, muito inteligente. Era um filósofo [lia] O Correio do Povo era o melhor meio de comunicação [o jornal italiano demorava pra chegar, vinha de Buenos Aires] Adorava rádio, depois que veio a rádio foi a principal coisa para falar português [leitura] Ele lia muito. Acho que eu puxei dele, eu não sei o por quê, eu adoro ler. E ele tinha esse hábito, me deixou essa herança. Dizia: “a leitura abre muitas portas, viajas com a imaginação”. Lia-se de tudo.

O espaço social da cultura nos anos 20/30, em Porto Alegre, segundo Dalva

são os meridionais porquê:

[...] os que criaram a parte social foram os do sul, as confeitarias. Mas todo o comércio atual, todos eles são de filhos de meridionais, hoje são médicos

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engenheiros, arquitetos. Eles lutaram para dar aos filhos condições para o que eles queriam ser. Eles se projetaram nos filhos. Todos os que aqui chegaram: “o que não deu para eu ser, o meu filho vai ser. E conseguiram. Mesmo aqui entre os italianos havia, como há até hoje, essa discriminação nortexsul. Com muito pesar. Tu como é imigrante veio pra cá deixastes a tua terra, que é do norte, como eu deixei a do sul. Outra coisa que acho, a Itália do norte sempre foi a mais privilegiada no ponto de vista de indústrias, de comércio, devido aos governos. Isso porque a casa Savóia, a casa real era toda lá de cima [separação] É, mas isso não acontece, depois de tanta luta para a unificação italiana, de repente vem um louco [aquele louco lá deve ser Mussolini].. Quem acha bom é uma pena. É uma parte feia do povo. O caso é que se sentem superiores. Pode ser que tenham superioridade, mas não inteligência, porquê o povo do sul é muito inteligente, filosófico, mais ligado às humanidades, àquela tradição latina. Eu tive uma colega, que depois de fazer um curso lá em Peruggia, [Universidade para estrangeiros de Perugia] fiquei dois meses. A própria Associação Italiana promove os cursos seus professores, alunos. -Eu fiquei com uma vontade de conhecer o sul, ela disse.-‘olha, eu termino o curso e me toco prá lá, se tu quiseres vir... -Mas como é que vai ser? -Olha a gente vê.-Mas eu não posso ir agora. –Por que? - Porque agora eu tenho que visitar uns parente. - Tu sabes que ela veio, ficou encantada, não deixaram ela ir em hotel nenhum...tanto na Sicília como lá. -Meu Deus, meus parente lá no norte não me deram a mínima...Ela se encantou .[cultura dos meridionais] É uma coisa antiga. Lá no Norte eles tinham indústria, fábrica e, lá no sul era mais assim, na faixa agrícola. Então eles acham que é um povo que não tinha cultura.

Conclui Dalva:

[...] eu acho assim, da minha parte, que eu me entroso como todo mundo. Eu acho assim que um pedaço da Itália está aqui, eu estou dentro da Itália, seja do norte, do sul, ou do centro.[brasileiros, amizades] Eu sempre quis, fiz questão de estar no meio deles. Eu sou gaúcha, adoro essa terra.

Chegar para Carmine em Porto Alegre foi em 1961. Tem hoje da cidade uma

avaliação similar aos demais entrevistados: mescla de pertencimento de gauchismo,

brasilidade e italianidade, verdadeiro caleidoscópio da matriz de sua significação no

espaço social de Porto Alegre.

[...] como cidade, é uma cidade bem organizada em relação a muitas cidades italianas, com uma infra-estrutura boa. O único problema são os cinturões de miséria que estão no entorno da cidade. Esse sim é um problema que não tem nada a ver com as cidades italianas. Mesmo que tenha, é de uma forma diferente, isto que eu vejo. Agora, como organização a cidade é bem organizada. Culturalmente é uma cidade com atividade cultural bastante elevada. O povo de Porto Alegre tem alto percentual de cultura. São poucas as pessoas assim. Quando se vai a outro lugar, destacam-se os porto-alegrenses, os gaúchos. Uma ocasião estava na praia em Santa Catarina e observei o comportamento de uma pessoa. Eu a cumprimentei. “Sou gaúcho, disse a pessoa. Só podia ser“, disse eu. E esta

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impressão não é só minha. Vieram para cá alguns amigos meus da Itália. E eles tiveram a mesma sensação “mas aqui parece uma cidade européia!” Em que sentido? Até no comportamento das pessoas, nas atividades culturais. Por exemplo, teatro, uma cidade que tem orquestra sinfônica, diversos museus, não apenas fisicamente, mas teatro que funciona. No fundo eu sou um homem feliz porquê brasileiro, particularmente, no Rio Grande do Sul porquê conheço melhor e me adaptei, convivo e me sinto mais gaúcho que brasileiro. Claro, norte, nordeste, conheço muito pouco, não significa que não tem nada a ver. Mas com o Rio Grande do Sul tem muito a ver. Então este vínculo com o Rio Grande do Sul, o Brasil deixou me tornar um brasileiro, um gaúcho, sem me tirar àquela identidade cultural. Continuo a ser o italiano que eu sou. E isso é muito bom. E assim que deveria ser um o povo, nunca deveriam tirar a sua identidade, o que seria uma violência com a pessoa, isso permaneceria. Aconteceu na época nos Estados Unidos e em outros países, mas aqueles que são italianos, continuam italianos, quem é judeu continua judeu, brasileiro é brasileiro. Uma coisa agora, aquele brasileiro que migra, vai tirar a identidade? Ao contrário, continua brasileiro, tem que ser respeitado como tal. Ele pode ser integrado, mas não tirar a identidade, não.

Carmine, como sabemos, já veio com a profissão de alfaiate e segue na

profissão. É proprietário, juntamente com sua mulher, da Loja Vestire, moda

feminina, masculina, infantil e alfaiataria, na Venâncio Aires.

Os primeiros passos para a competência lingüística que hoje demonstra,

Carmine como os demais, atribui ao mundo do trabalho:

[...] já no início comecei a trabalhar com brasileiros e normalmente os outros patrícios que vinham trabalhavam com outro italiano, então não se esforçavam em aprender. E eu não, desde o primeiro dia eu já comecei a trabalhar com pessoas com as quase eu tinha que me esforçar para aprender. Então às vezes dava um problema, mas a leitura ajudava, o rádio principalmente. Eu vou te contar uma coisa assim. Eu sou alfaiate, desde que eu vim em sessenta e um, quando eu comecei a trabalhar. No início eu trabalhei numa empresa da Renner, até poder trabalhar por conta própria. A partir daí eu comprei um rádio, um rádio desses de válvula. Eu sempre fui fã da Rádio Guaíba com o pessoal da Rádio, eu tive sempre boas informações e também aprendi o linguajar bem falado, por escutar todo o dia. E a minha profissão me dá essa vantagem de trabalhar e escutar.Quando trabalhava na empresa, é claro que eu não podia. Até vou te contar uma historinha. Quando, logo que fui trabalhar na empresa, na Itália o pessoal canta, trabalhando (risos) aí comecei a trabalhar e a cantar. E veio o dono, o chefe da seção: “- Italiano, não dá para cantar. - Ora, por quê, qual é o problema? - Não dá para cantar porquê o vizinho não gosta.” Não tinha coragem de dizer porquê não se usava, sei lá por quê. E ele disse que era o vizinho e aqui não dá nem para cantar (risos).[Além do Rádio]. Em geral leitura, jornal, geralmente Correio do Povo, Folha da Tarde. Naquela época para conseguir um jornal italiano era difícil, não era como hoje para conseguir um jornal italiano. Tinha uma loja de jornais na Vittorino. Eu comprava um jornal que chegava atrasado. Era o Domenica Del Corriere que vinha com um mês de atraso. Rádio, televisão, dificilmente havia alguma coisa. Hoje não. Temos a RAI em casa, a NET

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Carmine muito cedo se deu conta das sutilezas culturais que deveria

observar, se quisesse circular com desenvoltura na cidade. As notícias, a imagem

que tinha de Porto Alegre, não lhe deram uma noção da cidade neste nível.

Relembramos suas palavras:

[...] eu não imaginava uma cidade tão grande, imaginava uma cidade menor. Mas também não uma cidade pequena, por quê? Essa cidade desde o inicio do século teve uma ligação entre os porto-alegrenses e os moraneses, diversas famílias vieram para aqui [seria como viver na Itália] eu imaginava isso, eu imaginei, mas na realidade quando cheguei aqui vi que não era isto, vi que não era bem assim. Ao contrário, eu encontrei uma cidade completamente diferente de como se vivia na Itália. Do sistema, dos costumes, até a forma de brincar com as pessoas. Uma coisa é conviver dentro de uma comunidade italiana, outra coisa é com a comunidade porto-alegrense, é completamente diferente. Então havia, eu tive que me reciclar, me adaptar, fazer um novo toraggio de todo esse tempo que eu tinha pensado, enfim, que era completamente diferente. Mas isso aí é uma questão de tempo: com o tempo é que a gente vai adquirindo os costumes, a cultura da própria cidade, entende? e tu devagarito começa a te comportar como portoalegrense depois. Mas isso no início dá um choque.

Com relação ao domínio da língua do país de recepção, Carmine afirma:

Nunca se integra, dificilmente se integra ao ambiente [mensagens na linguagem] que ele não capta. Sobrevive, mas fica fora do cntexto sócio cultural do meio que o acolheu. Nasce, vem e morre e ele fica sempre fora. Isso aconteceu com diversos de nossos conterrâneos que vieram com pouca instrução e talvez sem nada. Eles tiveram que manter sempre aquele invetre entre as famílias deles mesmos. A própria sociedade porto-alegrense não deixou. Porto-alegrense, ou brasileira, ou qualquer outra sociedade, fica difícil para tu entrares, entende? Tem-se que tem que dominar o idioma.O meio lingüístico, então fica difícil para um e para outro, para o cara te entender e para tu entender ele.

Carmine comenta sua experiência de ser italiano:

Dependendo do meio afastava ou não. No meio do trabalho, havia este problema: o cara era rejeitado, um pouco era, não digo descriminado, havia uma certa diferença. Não sei, talvez porquê vinha de fora. Não sei, talvez porquê, no meio de trabalho, as pessoas não eram pessoas de uma cultura elevada, não é ? Tinham uma média cultura para baixa então, sentiam que a pessoa que estava entrando no mercado de trabalho deles estava competindo [competição] então, criava, às vezes, umas desavenças, uns obstáculos. Mas, no meio desses, sempre tinha alguém que te acolhia muito bem, que te respeitava. Foi bem diferente de quando eu comecei a trabalhar por conta, ao abrir meu ateliê. O dia que eu comecei a trabalhar com uma faixa de pessoas de cultura mais elevada, então havia mais respeito do que com àquelas pessoas que eram de cultura mais baixa. As pessoas te respeitavam, te admiravam, aí foi diferente a coisa, ao ofício e à pessoa. Porquê a pessoa de cultura, ela sabia que tu vinha de um meio cultural, de

382

um país, enfim, que era de uma cultura milenar e que tinha tradição. E além disso, nós todos - vou falar até em nome dos outros- o imigrante em si é uma pessoa que até se submete. É submisso, um pouco. Então essa submissão depende de como é vista. Se, é vista por uma pessoa inteligente, culta, ele vê como uma pessoa que tem que ser respeitada. Agora, se é visto por uma pessoa inculta, diz o cara: "é um cara qualquer". Depende da forma, do ângulo como é visto este cidadão. De qualquer forma, no início é sempre problemático. O maior problema é o idioma. Que tu não conhecendo o sistema, que tu não conhecendo o sistema da cidade, das pessoas, dos costumes, tu às vezes tu te choca até uma brincadeira. Tu brinca de uma forma que às vezes é ofensiva para uma outra pessoa. Ou vice-versa, a pessoa está brincando contigo e tu está pensando que ela tá te ofendendo e tu não está entendendo que é uma brincadeira.

A transitoriedade do imigrante reflete-se na provisoridade da moradia. Até

conseguir se estabelecer o estrangeiro percorre lugares em Porto Alegre. Enfim, se

fixa em um espaço, como Angelina, Antônio, Filomena, Dalva. Carmine conta sua

experiência:

Quando eu vim para cá, meu irmão tinha um negócio na Vigário José Ignácio, na parte de cima. E nós morávamos lá. Mas logo depois que eu cheguei, meu irmão tinha comprado um apartamento que estava em construção na Octávio Correa e fomos morar lá. Poucos meses depois vieram meus pais e fomos morar na Venâncio Aires. Então sempre morei na Venâncio Aires. Sempre nesta área da cidade. E agora estou morando na Lima e Silva [as transformações urbanas desde os anos sessenta] Toda essa transformação da cidade desde a época de adolescente, no auge da Rua da Praia, aos domingos, às cinco horas, tinha mais ou menos vinte ou trinta rapazes na base da minha idade, nos juntávamos na Praça da Alfândega para esperar a saída do cinema. Que dizer, nós, por sermos jovens começamos a viver com outros jovens de Porto Alegre. Freqüentávamos os mesmo lugares que os jovens porto-alegrenses, a Reitoria, a Casa dos Estudantes, para dançar, a Casa de Portugal, sei lá, essas sociedades, essas mesmas que nós, os jovens na época freqüentávamos.

O problema de ser estrangeiro, do ponto de vista do estranhamento social,

afora o mundo do trabalho onde dominam as relações competitivas, é fator de

interesse, novidade e curiosidade.

[discriminação] não, não. Nunca teve esse problema, ao contrário: sempre até com as meninas nos fazíamos sucesso por sermos Italianos. Casei com italiana, mas que veio pequena de lá”.

Práticas de leitura de um jovem estrangeiro:

383

Não lia, aos dezenove anos, logo na vinda a Porto Alegre o que era acessível não era a literatura mais profunda. Normalmente lia jornais e revistas. A Revista Globo era uma revista que lia toda semana na casa do meu irmão, tinha outra revista que eu comprava muito que era Cruzeiro e assim a gente começou. Mas hoje, por exemplo, quando tenho tempo para ler, continuo a ler a literatura italiana para não perder o hábito. Porquê mesmo que a gente se integre, se adapte, viva e conviva, aquela formação inicial, aquela continua sendo fundamental, porquê aos 19 anos já se é um adulto.

Fazendo um cômputo, Carmine pode ser considerado um intelectual orgânico

da comunidade moranesa. Pondera a trajetória dos meridionais no espaço social de

Porto Alegre:

Atuação política não, mas em campo acadêmico e cultural. Não apenas cultural. Política, diretamente, não. Na comunidade italiana de Porto Alegre são poucos na política, recém que começaram, como Luiz Vicente Dutra, no início. Bertazzo, fundador da editora Globo, era um oásis de inteligência já vinha de um cepo cultural [mas não era moranes e nem escreve sobre os italianos urbanos]. Também há outro fato, normalmente o italiano, a primeira geração, ele tem um pouco de medo de descrever e de se colocar e de falar a sua origem, porquê, normalmente, essa é pobre e dramática. Então ele faz de tudo nesse ponto para ocultar e se adaptar bem aos valores: “eu sou brasileiro agora, eu tenho a minha vida, tá tudo bem.” Normalmente, dos que tem uma profissão, uma atividade econômica poucos tem a coragem de contar. Eu sou um cara diferente, porque eu me realizei mas não posso esquecer aquilo que me valoriza, aquele passado na Calábria, a minha saída. Eu conto pra meus filhos a minha história: como foi e como não foi. Eu acho isso uma valorização, mas tem pessoas que não, que ocultam. Não constróem a mesma história só que chegam aqui e não sabem de mais nada, não se lembram de mais nada. Ocultam e por quê? E o filho? Esse é um fato interessante dentro da comunidade dos calabreses de Porto Alegre, quer dizer as outras comunidades italianas que vieram pra cá tiveram de passar três, quatro gerações para que os filhos pudessem ser colocados dentro da comunidade como pessoas de um certo nível. Os primeiros, o pai era camponês, agricultor e o filho se tornou agricultor, o neto continuou agricultor da quarta geração. Na quarta, às vezes na terceira geração começaram a surgirem médicos. Na comunidade calabresa, já na primeira geração, a caraterística profissional é diferente, os filhos não desempenham a mesma atividade dos pais, necessariamente. Dentro da cidade, um filho de calabreses, se o pai fosse bilheteiro nem sempre o filho o seria; se o pai fosse sapateiro, dificilmente o filho também seria sapateiro, poderia ser médico ou engenheiro. Então, era uma classe intelectual sem capacidade para produzir uma literatura, uma sociedade não organizada para o poder. A guerra atrapalhou um pouco também. Então não tiveram capacidade de colocar a história real para que ela fosse vista pelos filhos como uma coisa importante vinda do pai, ao contrário. E também porque no meio social o cara levantou vôo muito alto, já de primeira. Então o filho que se forma, o pai dele é pessoa simples, o cara que tem açougue, o cara que trabalha no comercinho. De repente, o filho se torna um médico famoso ou um engenheiro que começa a freqüentar a alta sociedade porto-alegrense, atrapalha o pai ser açougueiro, a origem do pai. É uma coisa natural. Então se ele consegue ocultar dentro da família, ele é um tipo. Dentro da sociedade é outro, por que ali convive com outros doutores e os outros doutores são filhos de pessoas ilustres. É, são pessoas de certo nível social,

384

então ele se atrapalha um pouco. E nesses últimos anos nós resgatamos, ... dez ou onze anos para cá começamos a resgatar. E começaram a aparecer os intelectuais. Esse é um trabalho também que a Núncia, professora Núncia teve uma participação importante. E outra professora que faleceu, Maria Feoli Guaragna, em 1986 nós tivemos o Encontro de Estudos sobre a presença calabresa em Porto Alegre. Justamente para quê? Dar à classe intelectual desses calabreses motivos para começar a participar. Começar a vir para a comunidade. O que é que acontecia? O cara chegava a ser importante e se afastava da comunidade, vivia a vida dele; aquele outro, mais um aqui, outro ali, em separado. Enquanto que, se aquele que participava da comunidade tivesse puxado um pouquinho o outro, teria sido mais fácil a integração. O fato cultural mais importante é que não tínhamos nada escrito até doze, quinze anos atrás, nada. Hoje temos alguma coisa, por exemplo, intelectuais como o Doutor Carlos Laytano que fez romances até sobre esta imigração calabresa de Morano. É uma maturação. É verdade, dentro da imigração, normalmente, o filho quer ocultar, o neto quer desvendar. Uma vez eu estava em Caxias, em uma palestra da professora Vitaliana Frosi que estava dizendo uma coisa certa: “antes nós tínhamos vergonha de sermos filho de colonos, hoje nos orgulhamos de sermos filhos dos pioneiros”, não é? Essa é a historia da emigração, complexa, dramática no fim, mas ela te dá experiência de vida, um enriquecimento que se tu não tivesse sido imigrante, não tivesse tido nunca esse conhecimento pela convivência com outras raças complemente diferentes. Claro, como eu disse, no inicio dramático, aquele negócio da família, dos amigos, isso tudo de começar tudo de novo. Mas depois tem isso ...

Suspendemos nossa narrativa neste ponto. Não há muito a acrescentar.

Podemos interpretar, isso sim. Busquemos uma interpretação que seja uma síntese

dessas vidas narradas. Impossível, mas na condição da comunicação que conclui a

tese, sinalizamos algumas considerações específicas da fala da situação de

entrevista.

Iniciemos com a mais genuína das entrevistas, no sentido de sua

estrangeiridade nos anos 30. Na narrativa de Angelina aparece o modo como

educou sua sociabilidade na coexistência entre iguais, em família. Ela, como uma

senhorita de seu tempo, teve sua sociabilidade restrita ao espaço exclusivo da

sociabilidade do grupo, caracterizado por reuniões e casamentos endógenos. Nesse

estar junto, circulam os relatos orais e escritos de pais, tios sobre a cidade de

Morano e a nova cidade que estão decifrando. Essa decifração redunda num lugar

assegurado, onde o grupo se vê e é visto, outro aspecto da sociabilidade urbana.

Tanta confiança já não cabe na “Cidade de Pedra” e na “Cidade de Carne”,

onde circulou, no seu dialeto aportuguesado, mas suficiente para as trocas

385

econômicas que permitiram a constituição da sua vida de adulta e a fundação de

seu clã familiar.

Quando chega na moderna cidade de Porto Alegre, apreciava tudo, guindada

ao melhor do estilo de vida das jovens da elite de sua Morano. Chega dando

continuidade à cadeia emigratória que caracteriza a emigração urbana. Seu irmão,

que mandara chamar toda família, é “jovem de visão”, já está na década de 20,

havendo-se com as metáforas da cidade que utilizamos, a de carne, a de pedra, e a

do espírito.

Seu tio é o conselheiro do grupo, o “banco” que empresta os capitais iniciais

para os pequenos negócios. Educa sua prole dentro das exigências da

modernidade.

Esse tio é o protótipo do italiano moderno, certamente terá freqüentado os

espaços de sociabilidade étnica ou cosmopolita, é um italiano adulto de sua época.

Terá visto nas sociedades italianas o mesmo que “os de fora”: espaço de

convivência da cultura italiana, o senso de pertencimento ao segundo grupo,

numericamente, mais importante da cidade cosmopolita, seguindo os alemães.

Ainda que sua adesão tenha sido disputada pelo discurso fascista, não se

terá deixado conquistar totalmente. Em autodefesa, os moraneses se autodefinem

como apolíticos. Fiquemos com a afirmação.

A filha de Angelina, Conceição, como a mãe, foi criada nos moldes da

educação dos italianos do sul, muita família, pouco estranhamento. Seu marido,

Delmar, adquiriu o senso do pertencimento moranes quando convive na família de

Angelina, pois seus pais mantinham um casamento misto, onde o dialeto e as

tradições moranesas não eram cultivadas.

Antônio chega nos anos 40, atingido em cheio pelas austeridades do Estado-

Novo de Getúlio Vargas. Em Porto Alegre está seu tio, que manda chamá-lo. Seu

sócio e amigo, Domenico, é o primeiro moranes a chegar em Porto Alegre depois da

segunda guerra e é casado com Filomena.

386

Filomena orbita, como tantos, entre Morano que deixou também nos anos 40

e retornou a ver, como os demais, em idade adulta e a vida feita no Brasil, em Porto

Alegre. Veio acossada pela crise italiana de guerra. E sua emoção ao chegar foi a

de reencontrar seu pai. Seus filhos têm idéia de se estabelecer na Itália moderna,

como grande parte da terceira geração, portadores do passaporte italiano.

Antônio só quer esquecer os episódios ruins da vida na Calábria e nos

primeiros tempos de Brasil. Quer presentificar uma vida feliz e cercada do convívio

que ele mesmo e outros criaram, o “parlamento” moranes. A tônica da vida de

Antônio é o seu presente, as festas da padroeira Nossa Senhora do Carmo, o dia do

nhoque, um tipo de pasta italiana, comemorado a cada fim de mês.

Dalva também chega nos anos 40, em tempo de usufruir uma vida confortável

que seu pai constrói sozinho desde os anos 20. Chega desconhecendo este pai que

a imigração e, depois a guerra, separara. Seu pai teve um estilo pessoal, “livre

pensador”, sobrevive só na cidade.

Ele e seu tio, irmão do pai, viveram a sociabilidade das sociedades italianas, a

vida cultural de Porto Alegre, o Palacete Rocco. Caldas Junior libera seu tio da

prisão por falar italiano em Porto Alegre, à época de Getúlio Vargas; é amigo de

Bertazzo da Editora Globo. Essa freqüentação social ampliada do pai, mais a

abertura social para um comportamento autônomo da mulher, possibilitaram nos

anos 50 uma juventude de estudos e uma sociabilidade não restrita aos moraneses.

Vai morar na Itália com a família que constituiu no Brasil, mas volta e ensina a língua

italiana até hoje.

Carmine é o imigrante dos anos 60, embora seu avô já estivesse em Porto

Alegre desde 1910, aproximadamente, quando retorna para a Itália e luta na guerra

de 1914.

Entre seu avô e ele, duas guerras onde a Itália saí destroçada. Emigrar já não

é aquela aventura do século XIX. Logo que pode, participa da vida social dos

moraneses, articula entre moraneses a realização do gemellaggio entre Porto Alegre

e Morano-Calabro.

387

Trabalha em prol da representação social dos moraneses em Porto Alegre e,

destes, em Morano. A visibilidade desse papel está no gemellaggio comemorado em

outubro de 2002, quando a cidade recepciona o sindaco e autoridades de Morano,

promovendo várias atividades de integração na comunidade.

Seus filhos, formados, aprenderam a língua italiana e Carmine pode, enfim

sugerir os grandes nomes da literatura italiana ignorada por muitos moraneses. Está

surgindo a camada de intelectuais para contar a história dos moraneses e fazer

narrativa literária. 659

Carmine, como os demais, lamenta a existência de sociedade italianas que

pulverizam os italianos da cidade, em 2003, tal como nos séculos anteriores.

Reproduz-se entre as sociedades, o fato genuíno da peculiar formação histórica

italiana, a anterioridade do paese. É o aspecto regional, reforçado pelo processo de

unificação italiana que, até os dias atuais é responsável pelo desnível de

desenvolvimento interno.

Culturas que não se fundem, que mantêm a diferença, a qual foi a base da

principal estratégia de sobrevivência dos moraneses em Porto Alegre. A narrativa

que nos chega é o texto-narração da perspectiva moranesa da confluência que a

cidade engendra.

Finalizemos com Leed:660

Uma comparação entre a força da viagem e aquela da erosão nos processos geológicos pode ser oportuna: arranca o sedimento mais mole e recente para esculpir e revelar ao mesmo tempo camadas mais antigas, duras, de história, seja pessoal, seja cultural. As partidas evocam a primeira separação da infância, o trânsito a primeira experiência de fuga e liberdade

659 Em 1986, de 20 a 23 de outubro o Centro Ítalo Brasileiro realiza em Porto Alegre o “Encontro de estudos sobre a presença calabresa em Porto Alegre”; dez anos depois, em 1996 de 14 a 18 de outubro o Centro Calabrese del rio Grande do Sul organiza a 1a Settimana Calabrese., 660 LEED, Eric J. La mente del viaggiatore. D´all Odissea al turismo globale. Bologna: Societá editrice il Mulino, 1992. Cito: “Il paragone tra la forza del viaggio e quella dell’erosione nei processi gealogici può essere calzante: stacca le sedimentazioni più molli e recenti per scolpire e rivelare nello stesso tempo straiti più antichi e duri di storia, sia personale sia culturale. Le partenze evocano le prime separazioni dell’ínfanzia, il transito le prime esperienze di fuga e libertà fisica, gli arrivi la magia di un ritorno ad inizi e il raggiungimento della coesione com altri. [...] Ma l’arrivo ci dá tutt’altra immagine della forza delle mobilità, perché in questa fase tale forza é riconoscibile come prodotto non della dissociazione e del distanziamento, ma delle associazioni umane formate mediante procedure di identificazione e incorporamento, che rimpiazzano o cancellano identità precedenti”. p. 157.

388

física, as chegadas, a magia de um retorno ao início e o encontro da coesão com o outro.[...] Mas a chegada da outra imagem da força da mobilidade, porque nessa fase, tal força é reconhecível como produto, não da dissociação e do distanciamento, mas da associação humana formada mediante procedimentos de identificação e incorporamento que reiniciam ou cancelam a identidade precedente.

Contrários à Leed, os moraneses não querem que, na chegada, se anule o

que os define: moraneses. Ao menos que a cidade de chegada seja, enfim, Morano,

unindo os tempos da narrativa: histórico, mítico e cronológico.

[...] que dá outra imagem completamente diferente da força da mobilidade, porque nessa fase, tal força é reconhecível como produto, não da dissociação e do distanciamento mas das associações humanas formadas mediante procedimentos de identificação e incorporação que substituem ou anulam identidades anteriores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essa tese trata de sonhos. Fazer, vencer, viver numa cidade, é a projeção de

um sonho. Os sonhos podem ser repetitivos, excepcionais, não deixarem lastro na

passagem do inconsciente para aquele momento da semi-vigília beijaminiana, ou

podemos nos recordar dos fragmentos num sentido quase racional.

O surrealismo fez a estética e a escola do sonho. Quando o fez, a promessa

iluminista de progresso e superioridade da razão humana estava desassossegada

com a extensão da guerra européia de 1914-1918.

Entre 1920 e 1937 os moraneses em Porto Alegre, recém-chegados ou já

instalados, manifestavam indícios da sua conquista na cidade, através da tradução,

da transposição, da decifração e da comunicação de si mesmos de modo muito

singular. Vão impor-se a partir da sua diferença para se manterem iguais. A força da

integração e appartenenza sociale, é o que os tornou um grupo com forte identidade.

Suas narrativas terão contribuído para isso proporcionando-lhes um senso de

autovalorização pessoal e social.

Como fração dos grupos de imigrantes em geral, sua narrativa sobre a cidade

foi possível sob condições históricas e sociais favoráveis, que não foi o caso da

conjuntura da pesquisa histórica, espremida entre guerras e com o processo de

instalação do Estado Novo no Brasil.

A historiografia, a história oral e os jornais trazem as modalidades narrativas

mais importantes da presença italiana em Porto Alegre. Os moraneses foram

espreitados no caudal dessa presença, uma vez que importava percebê-los em

390

contato com a cidade, através dos demais italianos. Quando nos demos conta, eles

estavam na cidade, entre 1920 e 1937, de modo mais expressivo que as estatísticas

induzem a pensar.

A migração está na fala dos entrevistados, nas lacunas e no resultado da

interdição da língua. Todos têm um silêncio para contar, pois como narrativizar sem

a língua-mãe? Onde buscar a tradução dos sentimentos mais profundos, senão

naquelas palavras que aprendemos por puro ensaio, erro ou emulação no meio-

ambiente. Sentimentos e representações intraduzíveis. Para poder falar, partiram.

Mas, aqui irão suspender novamente a narrativa, após 1937, por ironia da História.

Talvez o pesadelo da guerra tenha desfeito a fronteira entre os estados de

consciência dessa geração de 1920 e 1937, bem como daquilo que a humanidade

poderia e fez ao longo dos tempos. E, que alguns transformaram em feitos gloriosos,

coisas das quais as gerações futuras devam se orgulhar.

Esse é o material da heróica história do imigrante que é recontada com

reverência, pouca linearidade e sem muita exatidão factual pelos descendentes. Não

importa. Memórias, cartas, relatos têm a tendecialidade esperada e desejável. A

grande História já trilha o caminho da prova, do inquérito, não importa, ambas são

pontos de vistas que confluem.

E a memória, seja patrimonial, seja imaterial, não falamos impropriamente em

“resgate” histórico, a todo hora? Buscar algo que está lá em algum lugar,

cristalizado, à espera de interesses e sensibilidades. Tudo para congelar novamente

na escritura.

A narrativa, a história oral, o jornal, os impressos acadêmicos ou

memorialistas, a literatura, os folhetos e os folhetins, sons e imagens, todos estão

sempre remoendo materiais, memórias, falas que um dia serão história. Fundo de

história do que já foi vida palpitando, trabalho morto, como diz Marx, “pedras”

revividas pelo trabalho humano.

391

O estrangeiro quando se acerca de uma cidade está entrando no sonho dos

que o antecederam. Como fantasma, deve decifrar novos códigos, novos

dispositivos. Mas não o faz como alma despida de capacidade de significação e de

representação. Busca no seu ser um meio de comunicação com esta exterioridade,

até torná-la parte de seu próprio repertório.

De tanto embaralhar as referências, produz um novo significado, aquele que

lhe permite suportar e superar o “eu” que se foi para sempre. É o ônus do

distanciamento, uma nova perspectiva é elaborada, independente de seu apego a

uma pretensa identidade.

O estrangeiro só descobre que é imigrante quando os demais lhe mostram,

sistematicamente, que ele não é dali, podendo ali estar, no máximo por alguma

conveniência do grupo ou do lugar. Mas é da ordem pragmática. Basta um passo em

falso e esta condição provisória e condescendente lhe é retirada.

Pode até ficar sem sua língua, aquela por onde a vida adquire a possibilidade

de comunicação humana e social. Constitui-se em tribos para sobreviver. A afinidade

no novo lugar, com pessoas que talvez nem tomasse conhecimento no lugar da

appartenenza é condição vital. Não é o caso dos moraneses, evidentemente, mas

de tantos outros imigrantes que não tem essa rede ao seu dispor. Aliás,

modernamente, o que é muito comum.

Precisa de trabalho, de casa, de comida. Necessita de algum lazer, amor,

sexo, família, quem sabe alguma religião e arte. Participar da vida da Polis? Apenas

quando convidado, por enquanto é massa anômica e anônima. A qualquer momento

pode ser mandado embora, com a roupa do corpo. A derrota total, mas não havia

publicado que só voltaria vitorioso?

Precisa apoderar-se da cidade que não é sua, tornar-se tão imprescindível

quanto os donos do lugar. Mas precisa fazê-lo pela diferença e, não por ser igual a

eles. Mostrar-lhes um novo modo de viver a cidade, mostrar inovação, que vai

metamorfosear como tradição do lugar de onde veio e, quem sabe, nem tinha

acesso à terra, à culinária e à cultura letrada.

392

Para participar da fundação da anima da cidade, precisa fazer com que os

donos da memória do lugar abram a guarda. Polifonia, sim, mas sob controle. A

cidade importante sempre foi polifônica, mas alguns encobrem esta multiplicidade e

controlam uma narrativa totalizadora e totalitária. O estrangeiro às vezes, sequer

pode falar a sua língua, quanto mais fazer literatura, que é mais abrangente que

fazer historiografia, ou sociologia.

Buscamos na Tese reescrever um certo clima de época. Fazer uma seleção

de materiais cujo resultado conquistasse uma possibilidade de abertura às

interpretações. O que seria dado ao estrangeiro dispor em Porto Alegre entre os

anos de 1920 e 1937, tentemos nos situar como se pudéssemos estar

acompanhando seus passos e participando de suas decisões.

O jornal Correio do Povo, entre 1920 e 1937, permitiu a interpretação da

gramática convencional da comunicação, respondendo o quê, por quê, como e para

quem da narração, além de estabelecer os narradores. Foi muito útil e até,

imprescindível para a elaboração da Tese.

O jornal e seus fragmentos considerados como corpus, nesse momento, mais

do que os fatos em si, que são igualmente narrativas, foram encaminhando à

pesquisa histórica, além de trazerem o tempero da época, com seus adjetivos e sua

tentativa de neutralidade profissional.

Por quê a narrativa literária de Porto Alegre não conteve o estrangeiro, mas o

fez em outro tempo histórico, tornou-se uma questão mais emuladora, deixando

passar o narrativizável nos espaços de vida e morte da cidade.

Escolhemos o grupo de moraneses para ser o detetive do inquérito. Através

deste detetive, procuramos os rastros, como ensina o filósofo Paul Ricoeur e

historiadores interessados em perspectivismo, como Ginsburg, bom leitor de Edgar

Allan Poe.

A metáfora da viagem do estrangeiro devemos à Eric Leed.

393

A concepção do trabalho com a narrativa de imigrantes exigiu, para um

melhor entendimento, o capítulo um que é mais uma comunicação da estratégia

reflexiva adotada no decorrer da pesquisa do que um trajeto teórico-historiográfico

sobre a narrativa e a história.

O estrangeiro teria sido assimilado pela cidade que o recebeu? Pensamos

que não, pelo menos no sentido convencional, pois seria considerar ausente a

relação dialógica da interação humana. Ao contrário, a pesquisa revelou, que entre

1920 e 1937, os grupos de italianos na cidade de Porto Alegre buscavam afirmar-se,

deixando transparecer as diferenças que traziam. Inovação é civilização sim,

concordam os sequiosos de novidades.

A narrativa recolhe desses dramas de imigrantes, as vírgulas, os pontos, as

interrogações e as exclamações de um enredo irônico. Na atuação em história oral,

o entrevistado interioriza o olhar para acessar este enredo que não está lá. Ele e o

pesquisador fazem, juntos, o “entelhamento”. É trabalho de memória, sim, mas

também da linguagem que a enforma. Os silêncios, os risos, os gestos, o tom da voz

não passam para o texto escrito, mas o pesquisador que os intui ou percebe, busca

compreendê-los e interpretá-los no contexto da pesquisa, de tal modo que integram

a narrativa tanto quanto aquilo que é lançado no papel. É o trabalho vivo que revive

as “pedras”.

A narrativa não se faz sem a cumplicidade do pesquisador. Ela se finaliza em

frases que mais interrogam, como é próprio da oralidade fabular - sobre o antes,

que, quem sabe, poderia ter sido – como modo de apaziguar o presente e pregar o

futuro.

Percorremos a narrativa tradicional da migração. Percebemos que na

superfície, é como um conto de fadas. Há um desterro, uma mãe ou pai ou ambos,

malvados, que abandonam seus filhos à própria sorte. Os adultos admiradores de

histórias infantis, sem muita psicanálise para decifrar tais artefatos, vão entender

logo a analogia.

394

No caminho há muitos perigos e adversidades para testar o caráter e a

inteligência do herói. Ao final, sobrevive o mais astuto, o mais flexível, àquele que

melhor soube decifrar os sinais para daí, então, estabelecer estratégias.

Talvez, por isso, a narrativa da migração tenha sempre um “nós” e um “eu”

individualizado. Principalmente, se o contexto por onde o enredo se desdobra for o

urbano, a cidade. A cidade é, por si mesma, o altar da individualização. Vem-se para

a cidade para vencê-la. Não é relação amorosa como a daquele que sempre esteve

aqui, desde que se lembra de andar e se comunicar.

A melhor figura até hoje criada pelos pensadores sobre a cidade é que cada

cidade tem um anima, sendo o estrangeiro, o melhor preparado para percebê-lo.

Inclusive, porque tem o equipamento do estranhamento, os sentidos todos

aguçados. A percepção ainda não rotinizada, como a paixão humana existente no

início dos relacionamentos.

Não há um depoimento pessoal ou biografia de escritor que não acentue o

distanciamento como condição ideal para melhor entender a si e aos outros e, por

extensão, a sua cidade.

O desterro e o exílio são as faces mais dramáticas do distanciamento porque

significam a exclusão absoluta, A interdição do imobilizado que um ser humano

possa atravessar, produz arte exatamente porque transborda o desejo da soldadura

com o partido: família, cidade, pátria. Por isso que a arte é filha do estranhamento e

mãe da ligação.

A vitória sobre a cidade é a vitória sobre a cidade que teve que abandonar.

Mesmo que seja para encetar a aventura, mesmo que seja para constituir sua

epopéia pessoal. Quem migra, luta por deixar sua marca gloriosa lá de onde partiu

mesmo que não deixe traços na memória dos que ficaram, nem nas pedras por onde

passou.

395

A analogia com os contos de fadas se mantém porque quando “todos foram

felizes para sempre”, pode significar que os vazios foram preenchidos de alguma

forma, ao menos na narrativa.

No plano da epopéia, Ulisses quando retorna não é reconhecido pela mulher,

nem pelos filhos, volta mais desterrado do que quando partiu. Estes são os medos

do migrante, o esquecimento e o estranhamento dos que deixou para atrás.

Atualmente, temos a internet, as micro-câmeras, os celulares, há um novo

tipo de distanciamento. Antes da aceleração das comunicações quando a notícia

dependia da viagem de navio transoceânico e as cartas e as notícias eram tudo na

comunicação, a imaginação e o artesanato da memória também eram tudo no

pertencimento ao lugar.

Os moraneses permitiram que esta tese chegasse ao seu fim. Que é sempre

um recomeço. Mas, academicamente, é a conclusão de uma etapa na formação

profissional.

Esse grupo peculiar de italianos e seus descendentes, cidadãos de Porto

Alegre, cidade que comemorou o gemellaggio com Morano-Calabro; capital do

estado da nação Brasil, o mais meridional, talvez representem a cidade de um modo

mais profundo do que suas narrativas deixem entrever.

Não seriam os primeiros a estabelecer pontos em comum. Buccelli já não

comparara o clima de Porto Alegre ao da Itália, em sua visita à cidade, em 1906? E

no século anterior, não o fizera Arsène Isabelle.

A hermenêutica é o método da suspeita, no sentido de que algo está sempre

ali para ser decifrado, é a exigência também para o fazer-se histórico. Ligados pela

narrativa, soldando a hermenêutica à história e depois, muito depois, à escrita para

congelar a oralidade, como Ranciére estabelece.

A história de Porto Alegre, em cada época, tem sido reescrita pelos que têm

acesso a determinados meios privilegiados, tais como tempo, ócio criativo para olhar

para a cidade e pensar: Como foi? Como poderia ter sido? Como foi e nunca

396

saberemos? O que o historiador-escritor-memorialista faz é tecer de um lugar

assegurado, a trama real numa trama fictícia, porém plausível, verossímil.

Quando a visão brasileira, de Flora Süssekind e a visão norte-americana, de

Eric Leed se unem para afirmar que a expectativa sobre a narrativa do viajante, seja,

tanto da ordem do maravilhoso, quanto, da ordem da dúvida, do criticismo,

permitindo para a platéia-leitor a possibilidade do “acreditar-se-á?” não é pouca a

responsabilidade social do historiador.

O historiador é confrontado com as interpretações, as fragilidades e as

limitações de toda espécie de documentos (fidedignidade, veracidade, etc) e, ainda

assim ele quer contar a sua história, a sedução da História.

Com o mesmo prazer que ouvimos histórias infantis onde o final é feliz - para

os que praticam o bem - lemos, pesquisamos e queremos saber mais da “História”,

para confrontá-la com o passado que já se foi, com o presente e com o futuro, o que

pode significar o fim do final feliz, porque afinal, estávamos todos nos enganando

mesmo.

No período, entre os anos de 1920 e 1937, percorrido pelo olhar histórico, os

protagonistas estavam exatamente como nós, em desassossego. Se já houve uma

grande guerra, pode haver mais uma e a próxima. O Brasil é um lugar seguro, vive o

tempo da sua modernidade, está se abrindo para as novidades da tecnologia, por

quê não?

Há uma fluidez na sociedade brasileira que permite a ascensão econômica e

uma pergunta secundária sobre títulos de nobreza, como é próprio do discurso da

invenção da “América”.

Os europeus são valorizados pelo reservatório cultural que representam, são

pelo menos, portadores da civilização ocidental. Por quê não recebê-los bem? São

valorosos trabalhadores, não são? Afinal, isso é repetido à exaustão pelos

pensadores sociais do início do século, bem como pelos diversos atores sociais

397

diretamente interessados, quais sejam os empresários e os fazendeiros, as

empresas de navegação e emigração.

As considerações finais resumem o que foi ficando ao longo do caminho. A

produção de uma narrativa do estrangeiro, por ele mesmo, e sob seu ponto de vista

sobre a cidade.

Buscamos um roteiro, um drama contado na perspectiva de quem não é

daqui. O que alinhamos é o que Ricoeur chama de “entelhamento”, isto é, telhas

mesmo, umas sobre as outras dispostas a formar uma estrutura. O telhado cobre a

casa. A narrativa é o entelhamento da casa ou da vida vivida, que é contida pelo

telhado, mas quando ocorrem os vendavais, não é o telhado o primeiro a ser

atingido? E fica a casa, na maioria dos casos, a depender de sua estrutura física.

Quanto mais avançavamos na tese, buscando o porquê do quase total

encobrimento da narrativa do estrangeiro no período entre 1920-1937, deparávamos

com a estrutura da casa. Numa boa concepção dialética e dialógica, a linguagem

constrói o mundo, verbaliza e cria significado. Não é suporte desvalido de alma. A

escrita, mais que a linguagem, limita a linguagem viva, limita a oralidade. Apenas

para exemplificar, o que resta da narrativa dos entrevistados dessa tese, agora que

é escrita? A interpretação do leitor, a reconfiguração. O que passou para a escrita,

do dialogismo de uma entrevista em história oral, a formulação do pensamento em

ato comunicativo, a memória estabelecendo o roteiro, as lacunas das áreas do

desprazer que não quer vir à tona?

A migração é sempre ruptura. A narrativa refaz a ruptura, ou melhor, faz o

“entelhamento” da ruptura. A casa que o entrevistado deixa aparente é aquela

contida pela possibilidade de ser narrativizável.

Quando o pesquisador edita uma entrevista, faz outro roteiro, de acordo com

o objetivo da pesquisa, agindo como agiria com qualquer documento, de modo a

garantir a objetividade no perspectivismo.

398

Vai para as demais fontes com a narrativa dos entrevistados martelando

perguntas, suspendendo a massa de escritas existentes. Sim, está diante de uma

outra perspectiva. Vai considerar ou vai totalizar na massa das demais escritas,

sempre cabe uma decisão, por vezes, de ordem historiográfica, por vezes da ordem

da eticidade.

Uma cidade narrada por um narrador autônomo das implicações acadêmicas

não é menos determinada por outros compromissos, não nos iludamos. Ela não está

aí em estado de fluidez da consciência. O emigrante é um sobrevivente e assim quer

parecer.

O texto-narração que formula, traz a gramática social que cabe ao

pesquisador, aí sim decodificar. Há sempre um eu, nós e os outros. Mas não vamos

pensar em fixidez, há muita transitividade nos pronomes pessoais. Como no

conceito de etnia, por exemplo, que não passa de um constructo mantido quando e

onde interessa ao seu portador ou signatário.

As comemorações étnicas, fundacionais estão a serviço dessa dinâmica

social, que depois é simbólica. Não nos entendam incorretamente. Para alguém

poder dizer eu sou, é necessário que os demais atuem como espelho ou contra-

referência, que estabeleçam a possibilidade da individuação. Então o imigrante pode

dizer eu sou. Não se nasce imigrante, fica-se, lembremo-nos da analogia com

Simone de Beauvoir.

Com exceção dos escritores John dos Passos, nos EUA e Borges, na

América Latina, os romancistas urbanos locais tardam a reconhecer a presença dos

imigrantes na cidade. O imigrante visto por ele mesmo irá transparecer apenas

quando ele produzir literariamente, o que, no Rio Grande do Sul, ocorrerá por volta

de 1960, aproximadamente.

Fala-se de resgate histórico. Mas, resgatar exatamente o que? Se o ir para a

memória é sempre a renovada construção de um roteiro inédito.

399

O roteiro da história dos imigrantes seguiu três temporalidades traumáticas:

partir, transitar e chegar à cidade de Porto Alegre, os quais ordenaram a disposição

formal da tese. As armadilhas desta lógica de exposição, ou demonstração, no

entanto, apresentraram-se desde a primeira entrevista. Os moraneses entrevistados

não funcionam assim. Levantaram uma dúvida paralizante: eles ou o imigrante em

geral atuam na mesma lógica e os estudos imigratórios, aos poucos, estão se dando

conta disso. Colocamos um entelhamento indevido nos trabalhos históricos, na

contra mão da identidade narrativa dos imigrantes, congelamos a vida contada e

remontada desde o presente?

Como Calvino em, “As cidades e o céu”, ao narrar que na cidade de Eudóxia

existe um tapete no qual a exata forma da cidade pode ser contemplada, uma vez

que ela se estende de modo pouco compreensível, “entre vielas tortuosas, escadas,

becos, casebres”. Mas que na primeira impressão não parece em nada com a

cidade. Mas que olhando atentamente, a cada ponto do tapete corresponde a um

ponto da cidade. As verdadeiras relações ... as quais se evadem aos olhos

distraídos pelo vaivém, pelos enxames, pela multidão. Quando tudo silencia, os

odores deixam de exalar e confundir, cessa toda perspectiva parcial ... o tapete

prova que existe um ponto no qual a cidade mostra as suas verdadeiras proporções,

o esquema geométrico implícito nos mínimos detalhes.

O útil na existência desse tapete é que, se é fácil perder-se em Eudóxia,

basta observar o tapete para retomar a direção ... cada habitante de Eudóxia

compara a ordem imóvel do tapete a uma imagem sua da cidade, uma angústia sua

e todos podem encontrar, escondidas entre os arabescos, uma resposta à história

de suas vidas, às vicissitudes do destino.

Um oráculo foi interrogado para decifrar a estranha relação entre a cidade e o

tapete. “Um dos dois objetos - foi a resposta - tem a forma que os deuses deram ao

céu estrelado e às órbitas, nas quais os mundos giram; o outro é reflexo

aproximativo do primeiro, como todas as obras humanas”. Então, confirma-se o que

todos desconfiavam, diz Calvino, de que o desenho harmônico era de feitura divina.

E por outra interpretação “que o verdadeiro mapa do universo seja a cidade de

Eudóxia, assim como é, uma mancha que se estende sem forma, com ruas em

400

ziguezague, casas que na grande poeira desabam umas sobre as outras, incêndios,

gritos na multidão”.

A idéia é que possa existir um objeto que represente em detalhes, a totalidade

do universo. Mas que o universo possa ser ele, o caótico, repondo o dilema de

Galileu.

Esse objeto de representação permite ao homem situar-se no mundo e torna

possível mimetizar, fazer a representação simbólica do mundo.

Então, se a cidade é algo em movimento, ela pode ser representada como o

tapete de Eudóxia, sendo a relação entre o objeto e sua representação, um mistério

que somente um oráculo, o qual tem força sobrenatural, poderá esclarecer.

A narrativa é a tentativa humana de alcançar o oráculo, o local mais alto por

onde se possam divisar os destinos inscritos nos céus.

Narrar a cidade é tentar ligá-la aos céus. Quem de nós, quando está perdido

e busca orientação, não olha para os céus? E, quem de nós, quando está desolado,

não anda cravando nas pedras da cidade, passos demarcando sua presença, ao

menos naquele breve contato?

O nômade, o andarilho, o viajante, o estrangeiro não pertencem àquelas

pedras, àquele lugar. Não sendo sedentários, esses tipos sociais sabem que outros

passos virão e, mais outros que encobrirão os seus. Para ser imigrante é preciso

imprimir nas pedras sua presença. É necessário decifrar o “tapete da cidade”, é

preciso fazer um “entelhamento” narrativo e questionar a narração onipotente dos

donos do lugar.

Isso leva tempo. Em Porto Alegre, foi preciso esperar o início da

metropolização da cidade. Quando os donos da palavra necessitaram negociar seu

centro com a narrativa que estava vindo das margens, das periferias, dos imigrantes,

dos estrangeiros, agora co-nacionais. Pura memória, quase nada mais de

testemunho, a não ser a cobertura infantil onírica do “ouvir dizer” e do “realmente”

vivido. É por essa razão que a narrativa de chegar em Porto Alegre abre a última

401

parte da Tese. As reminiscências estão lá, os protagonistas do período entre os

anos de 1920 e 1937, estão lá decifrando o tapete. Não narrativizaram. Não tinham

condições de simbolizar, precisavam sobreviver. Por isso a história oral é

insubstituível. Como mais reter o esforço da mimese que não gera escrita ?

Reprisemos a lógica da descoberta, refaçamos o caminho. Queríamos buscar

nos diferentes momentos dos verbos do imigrante, partir, transitar e chegar, como as

diferentes fontes, orais e impressas, colocaram em perspectiva e fabularam este

transe. Nas entrevistas em história oral, os entrevistados fizeram um relato da

retenção da memória social e coletiva sobre os verbos partir, transitar e chegar à

Porto Alegre, desde o ponto de sua trajetória presente. Ao se narrarem, não o

fizeram de modo isolado do contexto social e histórico. Ao contrário, todos aqueles

que de algum modo participaram de suas experiências no tempo, ajudaram a

organizar sua elaboração no enredo das narrativas. Por outro lado, diluiu-se o

caráter aparentemente massificador e fragmentado do conhecimento histórico sobre

algumas passagens nessa trama narrativa.

Ficou evidente como a narrativa moranesa dependeu de uma autovalorização

positiva que foi trabalho de gerações. Se, as pré-noções da cidade de recepção

traziam envolto um alo quase irreal, na medida em que adquiriam a competência

para dominar o código lingüístico, sem abrir mão do todo, de sua própria tradição

lingüística, os moraneses puderam decifrar o meio urbano. No processo de

decodificação das cidades de recepção os estrangeiros foram auxiliados pela leitura

de jornais, almanaques, etc, bem como, pelo rádio. Atualmente, já podem

reconfigurar o material escrito sobre a cidade e sua presença nela. Já produziram

seus próprios intelectuais.

Na primeira parte, tratamos de apreender a emigração de italianos no período

denominado entre guerras, o qual está pouco presente na historiografia. Exceção

seja feita, para citar Angelo Trento e Carlos Diegues Jr., que muito auxiliaram para o

entendimento dessa conjuntura tão peculiar. A salientar o risco do anacronismo que

paira na leitura. Para nós, entre guerras, para eles, talvez a Europa com a entrada

dos EUA não se lançasse mais numa aventura assim. A motivação é, então,

econômica, de uma Itália que ao fazer sua unificação manteve uma estrutura social

402

desigual afora os percalços da sua modernização nos principais ramos de sua

economia.

A terra, o trabalho, a liberdade e a aventura emulam os emigrantes do século

XX. Não mais rumo ao desconhecido como o fantástico deslocamento de famílias

inteiras no século XIX motivados pelas empresas colonizadoras, pela Igreja e pela

indiferença da burguesia italiana.

O estabelecimento da migração em cadeia é a relação mais significativa da

emigração entre o século XIX e o século XX. Nunca lembrada pelas autoridades

italianas ou brasileiras, essa é a relação que viabilizará a imigração urbana. E na

mesma medida em que os bem sucedidos colonos demandam a cidade e seus

recursos como salto para a civilização (educação e saúde, basicamente),

prescindem de uma rede familiar porque detém uma acumulação primitiva para

buscar a cidade. Ou, são trabalhadores sazonais que “resolvem” enfrentar o meio

urbano.

Na segunda parte, mais metafórica, o trânsito representou o tempo de espera

da percepção do novo como propõe Leed. Para elaborar o que havia ficado para

trás, para sempre na composição de uma identidade narrativa de ser agora um

estrangeiro, um nada. É que, na cidade que aportam pelo mar para a grande massa,

porque a aviação era para os heróis, esportistas, militares destemidos, os múltiplos

narradores querem dizer o que são e para onde vão.

Um contexto ideologizado onde muitas vezes o italiano é remetido às práticas

sociais e alinhamentos que não desejaria. Emigra para ser um súdito? Trata-se de

uma armadilha? E os co-nacionais, nisto, que estão vivendo a construção da

brasilidade, principalmente na arte, na literatura esses italianos não são estrangeiros

que ameaçam a pureza da alma brasileira com seu europeísmo? Para não falar da

crescente recepção da modernidade representada pela cultura e tecnologia norte-

americana. A história oral narra a fugacidade deste momento entre a partida e

chegada, uma narrativa suspensa como se quisesse retomar o fôlego para enfrentar

a cidade, que não é mais uma imagem que chega através de cartas e relatos, mas

sim, a realidade que se apresenta sem retorno, ao menos de imediato.

403

O trânsito nos documentos escritos como o jornal requereu uma semântica,

além da narrativa. Selecionamos corpus de temas que foram dispostos na lógica do

momento de transitar na viagem, para os entrevistados, na cidade segundo a

mediação da escrita jornalística.

Os fragmentos de notícias, em especial do Jornal Diário Correio do Povo

presentifica Porto Alegre movimentada pelo trânsito de diplomatas, imigrantes de

passagem, debate de idéias políticas, feiras de demonstração da modernidade

industrial da Itália e do do Rio Grande do Sul. Fossemos desenhar uma sintaxe dos

espaços sociais ocupados pelas trocas entre indivíduos e idéias nesses anos tendo

a cobertura jornalística como suporte interessado neste trânsito, restaria um cenário

de crescente politização e incertezas; de otimismo e de confiança no futuro da

modernidade e de narrativas do desassossego daqueles que, saídos de uma guerra,

podem estar vivendo a impossibilidade desse futuro e de sua positividade.

Na terceira parte, chegar à cidade além da história oral, a pesquisa do jornal

também estava a indicar que se é notícia e envolve italianos - ou o que se denomina

italianos, na época - interessa. Para assombro - e mais dificuldades para o

fechamento da tese, um apaixonante cenário se abriu. Pretendíamos registrar a

novidade trazida pelo estrangeiro diante dos códigos e dispositivos estabelecidos

pela modernidade da sociedade local colocando-nos, pela escrita, numa

temporalidade mais próxima de sua ação ou discurso.

A narrativa do jornal foi um olhar desde “fora”, através da perspectiva das três

cidades: a de carne, a de pedra e a do espírito, alternado por olhares desde “dentro”,

através da perspectiva do espaço reservado às elites que tentaram falar sobre quem

eram os italianos nos tempos mitológicos, históricos e cronológicos para os próprios,

além do alcance desses discursos nas sociedades brasileira e italiana, em especial.

Como na segunda parte trabalhamos nos fragmentos o que foi viável em

termos do tempo disponível sempre exíguo, muito ficou entre o acontecimento e sua

narrativa reflexiva, ligando a teia discursiva ao fundo dos mecanismos sociais

dominantes no período. A considerar que foi uma opção não totalizar

autoritariamente a narratividade. Não demos por encerrada a contextualização

404

histórica onde falta pesquisa substantiva. Encobrir, mais que desvelar, seria uma

contradição à proposta da tese. Aguardamos que outros pesquisadores o façam.

A metáfora da “Cidade de Carne”, da “Cidade de Pedra” e da “Cidade do

Espírito” buscou, assim, abranger a tripartida exigência feita ao estrangeiro na

cidade de recepção. A cidade e seus espaços sociais são modos de ser, mediados

por dispositivos e códigos. Buscou-se demonstrar a determinação, mas também o

leque de possibilidades abertas para o imigrante ou estrangeiro em geral, entre os

anos de 1920 e 1937, quando inicia uma conjuntura desfavorável para ele.

As conclusões sobre os diferentes momentos colocados em perspectiva nas

diferentes fontes apontam para a árdua tarefa da transposição, tradução decifração

e comunicação de estrangeiros com os moraneses sem abrir mão do senso de

pertencimento ou appartenenza ao grupo. Irão estabelecer o modo de ser no espaço

social, uma diferença que lhes garantiu serem iguais entre si, reforçando-se como

grupo na cidade, ainda que se hifenizando.

Os moraneses, como os demais italianos como ficou demonstrado na leitura

da imprensa diária, como o Correio do Povo, necessitaram haver-se, de 1920 em

diante, com a grandeza e a miséria da utopia da modernidade urbana, desde à

aceleração da nova percepção do tempo pelo movimento, passando pela

sociabilidade nos espaços públicos ou restritos. A metáfora, bem utilizada, sem

esconder a dificuldade de seu uso, abre possibilidades para essa demonstração

fragmentada do cotidiano que pulsa no jornal. Entre a escrita do jornal, do jornalismo

da época e da narrativa oral dos moraneses, interpusemos a cidade tríplice, a

metáfora.

A metáfora sanitária que quis na “Cidade de Carne" disciplinar os indivíduos,

principalmente os estrangeiros, de acordo com os modos de viver, ter acesso ao

mercado de trabalho, trabalhar, conter os antisociais e morrer na cidade de Porto

Alegre das primeiras décadas do século XX.

405

A “Cidade de Pedra”, que foi o espaço da representação da elite na escultura,

na arquitetura, buscou reproduzir um gosto mais próximo da cultura clássica, da

cultura latina ou apenas a serviço da imposição ideológica ?

A “Cidade do Espírito”, que pretendeu montar o espaço da cultura e da

formação técnica, o tracejar das estéticas e das identidades. A viagem aqui não é a

metáfora, é a condição do imigrante que foi percorrida pela lente de Leed,

mostrando o valor do perspectivismo para a individuação que assegura o autovalor

pessoal.

Por quê partir é a pergunta que se faz ao imigrante, a fixidez não é o modo

humano de ser? O nomadismo é o modo perspectivista de vivenciar e interpretar o

mundo. A arte não consiste no estranhamento?

Igual, mas não o mesmo, a ipseidade e a mesmidade de Ricoeur. Complexo.

Ser idêntico sem ser o mesmo. Vale para viajantes de toda espécie e vale para as

narrativas. Vale para a cidade e para qualquer lugar. Por quê, outra razão o viajante

busca surpreender-se, maravilhar-se com a mesma intensidade que busca

inscrições familiares que esclareçam suas origens, dizendo quem ele é, de onde ele

vem, ou o que aquele lugar tem de semelhante com o lugar conhecido, conquistado

e morto para maravilhar-se? Por quê razão o ser humano se põe em movimento?

Porque sai pela terra, mar e ar, agora uma trivialidade conquistada, senão para

colocar-se em contato com ele mesmo, através de uma percepção excitada, uma

narrativa suspensa, sem condições de ser realizada porque no movimento não se

produz narrativa.

Podemos dizer que um dos desafios da pós-modernidade é a perda

incessante do referencial. A viagem de turismo, o grande negócio do século XXI, a

chaminé sem fumaça.

Depois, quando a percepção se traduzir em significado pela presença do

referente, o sujeito irá elaborar e congelar na escrita, nas artes aquilo que já foi. É

por essa razão que, entre obra e criatura há um distanciamento posterior, de outra

natureza, porque a obra já não lhe pertence, é de um passado que tentou conter na

406

pedra, na tinta, na dança, na música, na encenação, na imagem, enfim, na

fugacidade. Porém, quando se torna repetição não é mais criação. Perde o elan a

entrega, o êxtase. A arte de uma época não é simples espelho. É narratividade. Mais

que Adorno, Gadamer.

Nas narrativas, os registros lingüísticos utilizam expressões comuns mas

significativas. Trata-se da busca da autonomia pessoal que inicia no ato da partida,

segue no trânsito (como tratamos na tese) até o momento de cair no abismo do

chegar.

Como medusa, “Chegar” lança ao sujeito inscrições, representações, signos

diacríticos, classificações, distinções e exclusões. O sujeito nunca está tão livre

quanto no momento em que parte, nunca está tão preso, desfigurado quanto no

momento em que chega.

O uso estratégico da identidade não se verifica quando o ser humano diz “eu

sou”, mas ocorre quando a pessoa pode livrar-se da carcaça social auto-imposta e

dizer “eu não sou”.

Língua, terra e mãe (sangue) são elementos que definem o sujeito ou apenas

são usados por ele? A resposta é de ordem tribalista, em grupo, o sujeito compensa

sua falta de guelras para nadar e de asas para voar.

Assim como busca a individuação, o ser humano procura a sua humanidade

no outro. Da mesma forma, quando nega a humanidade, está negando a existência

de outros da mesma espécie; quando racionaliza e pensa é que está excluindo o

outro.

O estrangeiro suscita a sociabilidade pela diferença. Isso o faz pertencer à

tribo, não o contrário. Pode imitar e esse é o primeiro mandamento da vida em

sociedade, ser igual, mas não idêntico. Esse é o drama social do migrante.

Os primeiros estudos sobre imigração elegeram como categoria central à

assimilação, partindo do pressuposto de que era a moeda da sociabilidade a ser

conquistada pelo estranho. Partiam da fixidez, da noção de permanência das

407

sociedades. Quem partia rompia com a matriz de significações, parente próxima de

uma concepção essencialista de identidade.

O existencialismo na filosofia e na cultura do século XX, bem como as

guerras, deram sua contribuição ajudando a virar de ponta cabeça essas e outras

noções.

A globalização atual está completando o que o século XX iniciou. Neste

parâmetro, a tese foi orientada. Uma história narrada da ipseidade.

Ao recortar o período entre guerras, definição que apenas a perspectiva da

temporalidade histórica permite, buscamos apreender o imigrante a partir de uma

guerra que não se repetiria, paradoxalmente.

O combate epistemológico foi com a razão onipotente do historiador que trata

a História como uma sucessão de mal entendidos, de visões e ações limitadas dos

protagonistas diante da ferocidade dos condicionantes, os demiurgos, os

proprietários da narrativa.

Por isso, são tantos nomes citados. Eles é que produziram os acontecimentos

nas condições dadas pela história dentro das boas lições de Marx. A história

narrativa que anula a singularidade dos João e Maria, aqui, mais os Giusepe e

Marieta, pode produzir uma macro-história importante e de larga duração. Mas o

diálogo da história com as demais áreas do conhecimento se faz por “n” estratégias,

sendo a de Braudel, uma das mais importantes. Mesmo Ricoeur não vislumbra uma

narrativa, no Mediterrâneo de Braudel?

Foi prazeroso pensar numa história sem fim. Rebater com a narrativa dos

entrevistados que do presente lançam um olhar ético para si, para os seus,

iluminando alguns pontos e encobrindo outros, o fascínio da dialogicidade narrativa

face a face, jogando o seu roteiro sobre o nosso.

Um desafio ao apoderamento da História: eles tinham uma história para

contar, nós tínhamos dados históricos para confrontar. A história se fazendo, entre

408

os impérios da oralidade e da escrita, pela interpretação, pela hermenêutica

partilhada.

Surpresas no caminho. Ou acidentes de percurso. A tese, no projeto, era

imensa, pretendíamos chegar até o momento da produção da narrativa literária dos

descendentes dos imigrantes do século XIX, uma vez que a intelligentzia local

desconhece os imigrantes na fundação e narração da cidade. A crônica é ibérica e

ponto. Venceram até os platinos, como demonstrou a historiografia de Ieda Gudfried.

Momento de reconfiguração das primeiras narrativas, com Moacyr Scliar, José

Clemente Pozenatto.

O tempo é inimigo da perfeição, o prazo a cumprir cerceava a possibilidade

da pretensiosa - hoje reconhecemos - proposta. Optamos desde a qualificação pela

narrativa de estrangeiros, sim, mas emigrados recentes da Itália entre-guerras. Se a

cidade é alemã, como interpretaram Paul Singer e tantos outros fascinados pela

sociabilidade alemã na cidade, faríamos outra leitura, a cidade dos italianos.

Os acidentes de percurso foram provocados pelas surpresas no caminho.

Havia e há outra história urbana de Porto Alegre a ser contada. O Dr. Arno Kern,

professor nas aulas do Doutorado da PUCRS utilizava uma bela expressão: “abrir

uma nova página na História”. Só alcançamos a compreensão do desafio presente

na frase escrevendo a tese. Quanto mais descobríamos, mais havia por descobrir.

Descobrir no sentido de uma crescente inquietação e insatisfação com o

conhecimento historiográfico acumulado.

As conclusões sobre os diferentes momentos colocados em perspectiva nas

diferentes fontes são como a perspectiva da viagem de navio. Depois da segurança

do cais – a narrativa disponível - a imensidão do mar.

Portanto, essa tese é o ponto de chegada entre a nossa pretensão e o “giro”

mais do que lingüístico que a história urbana narrada pelos grupos de italianos aqui

chegados, em especial, a quem não cansamos de agradecer, os moraneses, os

quais emprestaram sua narrativa para incorporar-se a nossa.

409

Comprovamos que contar a história de Porto Alegre através da perspectiva do

imigrante moranes, recuperou o sentido de ser humano, segundo uma identidade

narrativa constituída no seu próprio mundo histórico. Na posição de quem conta para

atar os nós soltos de um tapete que só tem significado quando tecido por várias

mãos, em cooperação criativa. A expressão: “quem conta um conto aumenta um

ponto” propõe uma analogia sensata.

Se conseguimos emocionar, fazer refletir e contar histórias chegamos a

terceira parte: chegar, não na cidade, mas no fim que é apenas a suspensão da

narrativa sobre uma cidade, sob a perspectiva do estranhamento.

fim fim fim fim fim fim fim fim fim fim fim fim fim fim fim fim fim fim fim fim fim fim fim

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CASA Antonello. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 250, p. 4, 19 out. 1928.

436

CASA dos Italianos. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 242, p. 4, 16 out. 1920.

CASAS de Ensino Instituto Italo-Brasileiro Dante Alighieri. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 146, p. 8, 21 jun. 1928.

CENTRO Acadêmico da Faculdade de Medicina. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 188, p. 4, 14 ago. 1920.

CENTRO Antifascista. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXII, n. 176, p. 4, 08 jul. 1926.

CENTRO de automóveis. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIII, n. 147, p. 4, 17 jun. 1927.

CENTRO dos acadêmicos de Direito. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n. 89, p. 4, 15 abr. 1924.

CENTRO dos acadêmicos de Direito. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n.176, p. 4, 23 jul. 1924.

CENTRO Musical Porto-Alegrense. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXI, n. 162, p. 4, 10 jul. 1925.

CHEGADA de imigrantes. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVII, n. 254, p. 4, 22 out. 1921.

CHEGADA de uma leva de imigrantes. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXII, n. 51, p. 6, 03 mar. 1926.

CINQUENTENARIO da imigração italiana. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n. 187, p. 4, 05 ago. 1924.

CLUB Duca Degli Abruzzi. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 114, p. 12, 16 maio 1936.

COLUNA diversos. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 37, p. 2, 29 ago. 1937.

COM 16 anos, apenas, praticou ontem um crime. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVIII, n. 278, p. 5, 06 dez. 1932.

COMITATO Dante Alighieri. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIII, n. 218, p. 4, 08 set. 1927.

437

CONCURSO na Biblioteca Pública. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVII, n. 157, p. 4, 01 jul. 1921.

CONDECORADOS pelo governo italiano. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 157, p. 4, 07 jul. 1931.

CONFERÊNCIA anti-fascista. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIII, n. 57, p. 5, 09 mar 1927.

CONFERÊNCIA anti-fascista. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 167, p. 4, 14 jul. 1928.

CONFERENCIA contra o fascismo. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXIV, n. 184, p. 4, 03 ago. 1928.

CONFERÊNCIA de um jornalista. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXII, n. 37, p. 4, 13 fev. 1926.

CONFERÊNCIA Internacional de Emigração e Imigração. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIII, n. 182, p. 4, 26 jul. 1927.

CONFERÊNCIA. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 168, p. 4, 22 jul. 1920.

CONFETARIA Rocco. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 2, p. 4, 03 jan. 1931.

CONFLITO e ferimentos. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n. 180, p 4, 08 ago. 1924.

CONFLITO numa pedreira. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 63, p. 5, 17 mar. 1934.

CONGRESSO Federalista. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVII, n. 173, p. 4, 20 jul. 1921.

CONSIDERAÇÕES sobre a crise mundial. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVIII, n. 180, p. 10, 31 jul. 1932.

CONSTRUÇÃO de um panteon e de um monumento. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 180, p 4, 5 ago. 1920.

CONSTRUÇÃO de uma sede. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 119, p. 5, 20 maio 1928.

438

CONSTRUÇÃO de um palacete. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n. 52, p. 4, 01 mar. 1924.

CONSULADO da Itália. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVII, n. 173, p. 4, 20 jul. 1921.

CONSULADO da Itália. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 116, p. 16, 19 maio 1937.

CONSULTÓRIO médico gratuito. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 244, p. 4, 19 out. 1920.

CONTRA o fascismo, contra o comunismo. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 182, p. 13, 04 ago. 1936.

CONVENÇÃO entre a Itália e o Brasil. Correio do Povo, Porto Alegre, ano I, n. 4, p. 2, 30 jul. 1923.

CORREIO DO POVO. Porto Alegre, ano XXX, n. 176, 23 jul. 1924.

CORREIO DO POVO. Porto Alegre, ano XLIII, n. 116, 19 maio 1937.

CORREIO DO POVO. Porto Alegre, ano XLIII, n. 219, 19 set. 1937.

CRONICAS e contos. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 167, p. 4, 21 jul. 1920.

CRONICAS e contos. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 255, p. 4, 31 out. 1920.

CURSO Comercial. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVIII, n. 28, p. 4, 02 fev. 1922.

CURSO Prático da Lingua Italiana. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIII, n. 139, p. 4, 08 jul. 1927.

DECLARARAM-SE, ontem, em greve pacífica, mais de 1. 000 operários dos nossos estabelecimentos fabris. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXV, n. 10, p. 5, 12 jan. 1929.

DEL PICCHIA, Menotti. Os jornais e o papel nacional. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLI, n. 159, p. 3, 10 jul. 1935.

DEL PICCHIA, Menotti del Picchia. A língua italiana. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 143, p. 5, 19 jul. 1937.

439

DESASTRE. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 32, p. 4, 07 fev. 1920.

DESORDEM na Rua dos Andradas. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n. 80, p. 4, 04 abr. 1924.

DIFUNDINDO a lingua de Dante. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLI, n. 137, p. 11, 04 jul. 1935.

DIRETORIA de Higiene. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n. 253, p. 4, 21 out. 1924.

DISCURSANDO. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 77, p. 3, 31 mar. 1928.

DOCCA, Souza. A ultima visão de Anita Garibaldi. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLI, n. 106, p. 3, 07 maio 1935.

DR. RODOLPHO Josetti. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 260, p. 4, 06 nov. 1931.

ECOS de um conflito. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVIII, n. 39, p. 4, 17 fev. 1932.

EM DESAFRONTA de uma injúria. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 230, p. 1, 26 set. 1928.

EM FAVOR dos desamparados. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 181, p. 7, 04 ago. 1931.

EM PROPAGANDA do encaminhamento de imigrantes. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIII, n. 52, p. 5, 03 mar. 1927.

EM TORNO da questão imigratória. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 119, p. 3, 24 maio 1934.

EM TORNO de um envenenamento atribuído a doces da confeitaria CESTARI. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 303, p. 11, 27 dez. 1931.

ENGENHEIROS de 1922. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVIII, n. 126, p. 4, 30 maio 1922.

ENGOLIU um prego. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVIII, n. 12, p. 4, 14 jan. 1922.

ENSINO e nacionalismo. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 231, p. 5, 03 out. 1937.

440

ENTRADA da Itália na guerra. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIII, n. 129, p. 4, 27 maio 1927.

ENTRADAS de imigrantes. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 101, p. 3, 03 maio 1934.

EVASÃO de alienados. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 267, p. 4, 16 nov. 1920.

EXPOSIÇÃO de frutas. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVIII, n. 26, p. 4, 31 jan. 1922.

EXPOSIÇÃO geral de indústria e de agricultura. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXII, n. 77, p. 4, 02 abr. 1926.

FÁBRICA de caramelos e balas. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXII, n. 162, p. 4, 11 jul. 1926.

FÁBRICA de gelados Excelsior. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIII, n. 292, p. 4, 03 dez. 1927.

FACULDADE de Medicina. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n. 179, p. 4, 26 jul. 1924.

FALSIFICAÇÃO de bilhetes de loteria. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVIII, n. 12, p. 4, 14 jan. 1922.

FATO reprovável. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 206, p. 4, 29 ago. 1928.

FEDERAÇÃO dos estudantes republicanos do Rio Grande do Sul. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVII, n. 225, p 4, 18 dez. 1921.

FEDERAÇÃO Espírita do Rio Grande do Sul. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 244, p. 4, 26 out. 1920.

FESTA da Uva em Vila Nova. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXXIX, n. 11, p. 4, 13 jan. 1933.

FESTEJOS da Colônia italiana. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 59, p. 16, 12 mar. 1937.

FILIAL de uma casa italiana. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 261, p. 4, 09 nov. 1920.

441

FOI inaugurada, ontem, a estátua eqüestre de Bento Gonçalves. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 13, p. 10, 16 nov. 1935.

FUSÃO de padarias. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXI, n. 58, p. 4, 10 mar. 1925.

GATUNOS carnívoros. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 253, p. 5, 29 out. 1931.

GOUVÊA, Sergio. O espírito e o coração na obra de Ernani Fornari. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIX, n. 144, p. 3, 23 jul. 1933.

GRANDE desordem num club. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX n. 133, p. 4, 05 jul. 1924.

GRAVE conflito no Mercado Público. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 260, p. 5, 06 nov. 1931.

GREVE de garçons. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n. 218, p. 4, 10 set. 1924.

GREVE dos padeiros. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXI, n. 211, p. 6, 05 set. 1925.

GRUPO fascista. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXII, n. 136, p. 4, 12 jul. 1926.

GRUPO Giacomo Matteotti. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVII, n. 225, p. 4, 26 abr. 1928.

HENRIQUE, João. Impressões. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 92, p. 9, 21 abr. 1937.

HOMENAGEM a um clínico italiano. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 282, p. 12, 02 dez. 1931.

HOMENAGEM a um médico. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXV, n. 34, p. 4, 09 fev. 1929.

HOMENAGEM ao Consul da Itália. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 100, p. 7, 30 abr. 1937a.

HOMENAGEM ao Consul da Itália. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 99, p. 18, 29 abr. 1937b.

442

HOMENAGEM ao Coronel Massot. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVIII, n. 116, p. 4, 18 maio 1922.

HOMENAGEM ao inventor do rádio. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 197, n. 174, p. 3, 24 ago. 1937.

HOMENAGEM aos que regressam da Campanha da Abissinia. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 246, p. 4, 18 out. 1936.

HOMENAGEM póstuma. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 169, p. 5, 27 jul. 1937.

HOTEL Coliseu. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n. 224, p. 4, 17 set. 1924.

HOTEL Jung. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXI, n. 208, p. 4, 02 set. 1925.

HOTEL Palácio. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVIII, n. 54, p. 4, 05 mar. 1922.

IMIGRAÇÃO e desempregados. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIX, n. 210, p. 3, 08 set. 1933.

IMIGRAÇÃO e lei. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 191, p. 3, 16 ago. 1934.

IMIGRAÇÃO selecionada. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVIII, n. 220, p. 4, 16 set. 1932.

IMIGRAÇÃO. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIX, n. 197, p. 5, 24 ago. 1933.

IMIGRANTES abandonados. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 146, 21 jun. 1928.

IMPORTANTES intervenções cirúrgicas. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 177, 26 jul. 1928.

IMPRESSÕES da Itália, Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIX, n. 183, 06 ago. 1933.

INAUGURAÇÃO de um mausoléu. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIII, n. 256, 21 out. 1927.

INAUGURAÇÃO de um monumento. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLI, n. 280, 01 dez. 1935.

443

INCÊNDIO. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 115, 16 maio 1920.

INCÊNDIO. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 169, 23 jul. 1920.

INSTITUTO Borges de Medeiros. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVII, n. 218, 10 set. 1921.

INSTITUTO de Cultura Ítalo-Rio Grandense. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 161, 10 jul. 1936.

INSTITUTO Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 181, 06 ago. 1920.

INSTITUTO Musical. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 156, 08 jul. 1920.

INSTITUTO Parobé. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 108, 08 maio 1920.

INTEGRALISTAS e comunistas. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 236, 09 out. 1934.

ITALIANOS do Rio Grande do Sul. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLI, n. 294, 15 dez. 1935.

JORNALISTA Italiano. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 222, 06 set. 1928.

LIGA Feminina Pró-Estado Leigo. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 224, 29 set. 1931.

LINHA de Auto-Bonde. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXI, n. 245, 15 out. 1925.

MAESTRO Lunardi. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVIII, n. 44, 23 fev. 1932.

MASSAS alimentícias. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVIII, n. 64, 17 mar. 1932.

MATADOUROS de emergência. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIII, n. 256,, 21 out. 1927.

MELHORAMENTOS no Hospital São Pedro. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 71,04 mar. 1928.

444

MENINA apanhada por um automóvel. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVIII, n. 98, 25 abr. 1922.

MEYER, Augusto. Cinquenta anos de vida literária. Correio do Povo, Porto Alegre, 01 out. 1945.

MONDIM, Guido. A colônia italiana e o sanatório Belém. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLI, n. 127, 02 jul. 1935.

MOSTRUÁRIO de granito. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIII, n. 175, 20 jul. 1927.

MOVIMENTO imigratório. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLI, n. 126, 01 jun. 1935.

MULTAS. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXI, n. 11, 14 jan. 1925.

NA COLÕNIA italiana. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVIII, n. 255, 27 out. 1932.

NA MADRUGADA de ontem, foi empastelado o "Deutsche Post". Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 234, 30 set. 1928.

NÃO NECESSITAMOS imigrantes por ora. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 88, 17 abr. 1934.

NATAL dos pobres. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVII, n. 272, 13 nov. 1921.

NOTAS de arte. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIX, n. 115, 18 maio 1933.

NOVA sede da Dante Alighieri. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 199, 21 ago. 1928.

NOVA sociedade italiana. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n. 286, 28 nov. 1924.

NOVO Cinema. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 191, 02 jul. 1920.

NOVO Cinema. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIII, n. 191, 07 ago. 1927.

NOVO Hotel. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 217, 17 set. 1920.

NOVOS Guarda-livros. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVII, n. 247, 14 out. 1921.

445

O "GATO" Theodoro Lima vai para a colônia. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIX, n. 244, 20 out. 1933.

O 11 º ANIVERSÁRIO do fascismo. Correio do Povo, Porto Alegre, ano – XXXIX, n. 252, 31 out. 1933.

O ANIVERSÁRIO da marcha sobre Roma. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 255, 29 out. 1936.

O ATENTADO ao consulado da Itália. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 212, 05 set. 1928.

O ATENTADO de ontem ao consulado da Itália. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 211, 04 set. 1928.

O BANQUETE de ontem ao consul da Itália. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 111, 13 maio 1937.

O CINQÜENTENÁRIO da imigração italiana no estado. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n. 179, 26 jul. 1924.

O CRIME da Rua Ramiro Barcelos. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 83, 10 abr. 1931.

O DIA do Colono. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLI, n. 174, 27 jul. 1935.

O DÓLAR para a pátria. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 18, 22 jan. 1936.

O DÓLAR para a pátria. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 19, 23 jan. 1936.

O EMBAIXADOR da Itália fala sobre o R. G. do Sul. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVIII, n. 59, 11 mar. 1932.

O EMPASTELAMENTO do "Il Piccolo". Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 232, 28 set. 1928.

O EMPASTELAMENTO do "Il Piccolo". Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 233, 29 set. 1928.

O ENSINO de italiano no Ginásio de Nossa Senhora das Dôres. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 263, 10 nov. 1934.

O ENSINO de italiano. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIX, n. 112, 14 maio 1933.

446

O FUNDADOR de Vila Nova. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLI, n. 281, 03 dez. 1935.

O GATUNO em ação. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 192, 12 ago. 1928.

O MOVIMENTO da colônia italiana em prol do dólar para a pátria. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 3, 4/ jan. 1936.

O MOVIMENTO imigratório no quinqüênio de 1924-1928. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXV, p. 7, 01 jun. 1929.

O NOVO cônsul da Itália. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 125, 31 maio 1934.

O NOVO regente do consulado da Itália. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 67, 22 mar. 1934.

O PANTEON Rio-Grandense e o Monumento aos Heróis de 35. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 217, 17 set. 1920.

O PÃO em Porto Alegre. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXI, n. 217, 12 set. 1925.

O PÃO em Porto Alegre. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXI, n. 212, 06 set. 1925.

O PROBLEMA imigrátorio sob o ponto de vista da higiene mental. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVIII, n. 218, 14 set. 1932.

O REGENTE do consulado da Itália. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 60, 14 mar. 1934.

O X ANIVERSÁRIO da marcha sobre Roma. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVIII, n. 258, 30 out. 1932.

ORQUESTRA sinfônica. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 165, 16 jul. 1931.

OS "BATEDORES" de carteira nas imediações dos bancos. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIII, n. 187, 02 ago. 1927.

OS "PUNGUISTAS" em Porto Alegre. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 26, 01 fev. 1934.

447

OS ASSALTOS a mão armada. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 215, 13 set. 1931.

OS EMIGRANTES italianos. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n. 182, 30 jul. 1924.

OS ITALIANOS comemoram, hoje, em todo o mundo o "Dia da Aliança". Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLI, n. 294, 18 dez. 1935.

OS QUE aprendem a arte de escrever a máquina. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIX, n. 247, 24 out. 1933.

P. C. L. Antonio Caringi. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 166, 16 jul. 1936.

P. S. , As escolas italianas. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 259, 03 nov. 1936.

P. S. Ação do fascismo contra a desocupação. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 256, 30 out. 1936.

PELA causa da Itália. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 17, 21 jan. 1936.

PELA causa da Itália. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 18, 22 jan. 1936.

PELA divulgação da lingua italiana. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 287, 09 dez. 1937.

PELOS italianos mortos na guerra. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n. 266, 05 nov. 1924.

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PESTE bubônica. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVIII, n. 97, 26 abr. 1922.

PETRELLI, Umberto. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVIII, n. 44, 23 fev. 1932.

PICCHIA, Menotti del. A lingua italiana. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 143, 19 jun. 1937.

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PIERINI, Sylvio. Cotas de imigração. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 72, 26 mar. 1936.

PIERINI, Sylvio. Quarenta anos. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLI, n. 229, 01 out. 1935.

PINA Mónaco e Germana Bittencourt. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIII, n. 131, 29 maio 1927.

PINTOR Brasileiro. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVII, n. 217, 09 set. 1921.

PORTO ALEGRE por dentro, a luta. Correio do Povo, Porto Alegre, ano 1, n. 105, 30 maio 1924.

PRINCÍPIO de incêndio. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n. 156, 02 jul. 1924.

PRISÃO de vigaristas e desordeiros. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIII, n. 189, 05 ago. 1927.

PROPAGANDA da lingua italiana. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 120, 22 maio 1928.

QUERO-QUERO. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIII, n. 150, 21 jun. 1927.

REAGIU à prisão e foi morto pelo policial. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVIII, n. 3, 05 jan. 1932.

RECOLHIDA à Santa Casa. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n. 309, 27 dez. 1924.

RENÚNCIA de Intendente. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n. 88, 13 abri. 1924.

RESTAURANTE-BAR Guarany. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVIII, n. 40, 16 fev. 1922.

RESTAURANTE Guarany. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVIII, n. 86, 13 abr. 1932.

RESTAURANTE Familiar. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 155, 04 jul. 1931.

RESTAURANTE Popular. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 253, 29 out. 1931.

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RESTRINGINDO e combatendo a emigração italiana, o Sr. Mussolini acaba de estabelecer as condições em que ela será permitida. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 196, 17 ago. 1928.

REÚNEM-SE os operários portoalegrenses. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 51, 03 mar. 1937.

REUNIÃO de açougueiros. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXI, n. 15, 17 jan. 1925.

REVISTA do Instituto Histórico. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVII, n. 162, 07 jul. 1921.

ROUBO de penas para escrever. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVIII, n. 86, 18 dez. 1920.

SANMARTIN, Olyntho. O relevo do Brasil na Feira de Milão. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 118, 21 maio 1937.

SANTA Casa. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 153, 04 jul. 1920.

SANTA Casa. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n. 72, 26 mar. 1924.

SAUDANDO os italianos do Brasil. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLIII, n. 110, 12 maio 1937.

SENHORINHA apanhada por um automóvel. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVI, n. 179, 27 jul. 1921.

SILVEIRA, Geraldino. Colonização e comércio. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 119, 25 maio 1931.

SOCIEDADE Anônima Gráfica Italiana. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXII, n. 144, 20 jun. 1926.

SOCIEDADE Dante Alighieri. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 123, 29 maio 1934.

SOCIEDADE Dante Alighieri. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 139, 16 jun. 1934.

SOCIEDADE Dante Alighieri. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 228, 29 set. 1934.

SOCIEDADE Dante Alighieri. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 70, 24 mar. 1936.

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SOCIEDADE de Medicina. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVIII, n. 174, 24 jul. 1932.

SOCIEDADE Helena di Montenegro. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 139, 16 jun. 1934.

SOCIEDADE Dante Alighieri. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 263, 10 nov. 1934.

SOCIEDADE Pestalozzi. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXV, n. 8, 10 jan. 1929.

TESTAMENTO do Sr. Nicolau Rocco. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVIII, n. 180, 31 jul. 1932.

TIRO da guarda nacional. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 180, 05 ago. 1920.

TIRO de guerra. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVI, n. 46, 25 fev. 1920.

TIRO de guerra. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n. 310, 28 dez. 1924.

TURMA de Guarda-Livros do Colégio Narciso Berlese. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 27, 01 fev. 1931.

UM AUDACIOSO roubo no Teatro S. Pedro. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIX, n. 231, 04 out. 1933.

UM CASAMENTO no Consulado da Itália. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVIII, n. 189, 11 ago. 1932.

UM CLUBE com reais serviços ao remo rio-grandense. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 33, 09 fev. 1934.

UM COMÍCIO. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIII, n. 120, 17 maio 1927.

UM CONFLITO entre barbeiros. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIX, n. 265, 16 nov. 1933.

UM DECRETO complexo. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 109, 12 maio 1934.

UM FILME fascista no cinema central. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVIII, n. 97, 26 abr. 1932.

451

UM GRANDE escritor italiano. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIX, n. 222, 22 set. 1933.

UM INCIDENTE entre o Cônsul da Itália e o Presidente Dante Alighieri. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 22, 27 nov. 1934.

UM POLICIAL ferido num conflito. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVIII, n. 102, 02 maio 1922.

UM RETRATO. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXII, n. 159, 08 jul. 1926.

UM SÉCULO de imigração. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXVIII, n. 30, 04 fev. 1922.

UMA BELA festa dos ex-combatentes italianos. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 266, 14 nov. 1934.

UMA BRILHANTE festa promovida pela Colonia Italiana. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 94, 22 abr. 1936.

UMA COMEMORAÇÃO da Colônia Italiana. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 42, 19 fev. 1936.

UMA FESTA de confraternização na Sociedade Elena de Montenegro. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 147, 26 jul. 1934.

UMA FESTA em Ipanema. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIX, n. 229, 11 out. 1933.

UMA HOMENAGEM da Colônia Italiana. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XLII, n. 226, 25 set. 1936.

UMA MENSAGEM aos italianos. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXI, n. 208, 02 set. 1925.

UMA SAUDAÇÃO do embaixador italiano. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XL, n. 259, 06 nov. 1934.

UMA SESSÃO extraordinária na Sociedade de Medicina. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVII, n. 265, 12 nov. 1931.

VANDALISMO ou loucura? Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n. 148, 22 jun. 1924.

VANDALISMO ou loucura? Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXX, n. 149, 24 jun. 1924.

452

VÁRIOS. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXIV, n. 71, 24 mar. 1928.

VERISSIMO, Érico . Naniquinote e o sr. Ernani Fornari. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXVIII, n. 20, 24 jan. 1932.

VIGARICE. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXII, n. 97, 27 abri. 1926.

VISITA de despedida ao Pão dos pobres. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXV, n. 108, 09 maio 1929.

VOCABULÁRIO Gaúcho. Correio do Povo, Porto Alegre, ano XXXII, n. 72, 27 mar. 1926.

b) Outros

A LOCALIZAÇÃO do Meretrício. Estado do Rio Grande, ano 1, n. 188, 03 jun. 1930.

ANÚNCIO. Máscara, Porto Alegre, ano VIII, n. IV, 6 fev. 1925.

FEIRA navegante italiana para os portos do Brasil. Mercúrio, Porto Alegre, 09 jul. 1923.

MÁSCARA. Porto Alegre, ano VII, n. III, 01 jan. 1925.

MÁSCARA. Porto Alegre, ano VIII, n. IV, 06 fev. 1925.