Políticas Públicas Urbanas no Brasil: a caminho da construção da cidade justa?

20
1 POLÍTICAS PÚBLICAS URBANAS NO BRASIL: A CAMINHO DA CONSTRUÇÃO DA CIDADE JUSTA? Teresa de Jesus Peixoto Faria Drª em Estudos Urbanos Universidade Estadual do Norte Fluminense/CCH/LEEA [email protected] Maria Alice de Oliveira Pohlmann Msc em Políticas Sociais Universidade Estadual do Norte Fluminense/CCH/LEEA [email protected] Resumo: Os problemas das metrópoles expansão e adensamento urbanos acelerados e desordenados, déficit habitacional, favelização, fragmentação social e espacial também são verificados nas cidades médias, como Campos dos Goytacazes e Macaé, no norte do Estado do Rio de Janeiro. Ambas as cidades detem importante posição econômica, no Brasil, desde o período colonial, primeiramente devido à indústria sucroalcooleira e atualmente à indústria petrolífera. O Município de Campos tem 463.731 habitantes, dos quais 418.725 (90,3%) na zona urbana, dentre estes, 15.777 moram em 27 favelas; o Município de Macaé possui 206.728 habitantes dos quais, 201.859 (98,1%) na área urbana e 36.233 moram em 12 favelas (primeiros resultados do Censo, IBGE, 2010). Porém, a proporção do número de habitantes em favelas 3,4% em Campos e 7,8% em Macaé, reflete que o alto volume de royaIties recebido pelas duas cidades não se reverte na aplicação e distribuição equitativa dos serviços urbanos ampliando as desigualdades e injustiças socioespaciais. Consideramos que o foco, nos aspectos espaciais ou geográficos da injustiça e também da justiça social, pode ser o ponto de partida para iniciar uma justa e equitativa distribuição, no espaço, dos recursos sociais e das oportunidades de usufruir os mesmos. O recente conceito de justiça espacial tem sido mobilizado para evidenciar as injustiças sociais expressas no espaço e estudar o modo como o espaço pode amplificar essas injustiças (a básica relação dialética espaço-sociedade). Além disso, a noção de justiça espacial vem se firmando como marco conceitual crítico para pensar a cidade, e analisar a desigualdade entre os territórios, assim como os discursos, a ação do Estado e sua vontade política de dirimi-las ou não. Mesmo concordando que as desigualdades sociais expressas no território possam ser tratadas sem que se faça referência ao conceito de justiça e que este é de difícil consenso, nos propomos a analisar a política urbana brasileira, especialmente o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e o MCMV (Minha Casa Minha Vida), referente a seus programas voltados para as favelas e bairros periféricos precários, visando dirimir ou reduzir essas desigualdades para alcançar uma cidade mais justa. O artigo, orientado principalmente pelos estudos de Harvey, Rawls, Lefebvre, Soja, Sen e do JUGURTA (acrônimo do programa internacional de pesquisa Justice Spatiale et Gouvernance dans les Villes du Sud), tem por objetivo específico analisar as políticas públicas urbanas que estão sendo implantadas nas cidades de Campos dos Goytacazes e Macaé, avaliando até que ponto elas propõem e se de fato alcançam (ou não) uma justa e equitativa distribuição dos serviços públicos reduzindo, assim as desigualdades e injustiças socioespaciais. Assim, esperamos contribuir com a discussão teórico-metodológica acerca da análise de políticas públicas urbanas no Brasil, a partir do marco conceitual da justiça espacial. Igualmente, acreditamos que a justiça espacial também pode se apresentar como uma referência crucial garantindo aos cidadãos que buscam alternativas para os modelos de desenvolvimento excludentes que concentram nas mãos de uma minoria “proprietária” o poder e os benefícios e recursos oferecidos pela cidade, o “direito à cidade”. Palavras-Chave: Política Urbana - desigualdades socioespaciais - justiça espacial

Transcript of Políticas Públicas Urbanas no Brasil: a caminho da construção da cidade justa?

1

POLÍTICAS PÚBLICAS URBANAS NO BRASIL: A CAMINHO DA CONSTRUÇÃO DA CIDADE

JUSTA?

Teresa de Jesus Peixoto Faria Drª em Estudos Urbanos Universidade Estadual do Norte Fluminense/CCH/LEEA [email protected] Maria Alice de Oliveira Pohlmann Msc em Políticas Sociais Universidade Estadual do Norte Fluminense/CCH/LEEA [email protected] Resumo: Os problemas das metrópoles – expansão e adensamento urbanos acelerados e desordenados, déficit habitacional, favelização, fragmentação social e espacial – também são verificados nas cidades médias, como Campos dos Goytacazes e Macaé, no norte do Estado do Rio de Janeiro. Ambas as cidades detem importante posição econômica, no Brasil, desde o período colonial, primeiramente devido à indústria sucroalcooleira e atualmente à indústria petrolífera. O Município de Campos tem 463.731 habitantes, dos quais 418.725 (90,3%) na zona urbana, dentre estes, 15.777 moram em 27 favelas; o Município de Macaé possui 206.728 habitantes dos quais, 201.859 (98,1%) na área urbana e 36.233 moram em 12 favelas (primeiros resultados do Censo, IBGE, 2010). Porém, a proporção do número de habitantes em favelas 3,4% em Campos e 7,8% em Macaé, reflete que o alto volume de royaIties recebido pelas duas cidades não se reverte na aplicação e distribuição equitativa dos serviços urbanos ampliando as desigualdades e injustiças socioespaciais. Consideramos que o foco, nos aspectos espaciais ou geográficos da injustiça e também da justiça social, pode ser o ponto de partida para iniciar uma justa e equitativa distribuição, no espaço, dos recursos sociais e das oportunidades de usufruir os mesmos. O recente conceito de justiça espacial tem sido mobilizado para evidenciar as injustiças sociais expressas no espaço e estudar o modo como o espaço pode amplificar essas injustiças (a básica relação dialética espaço-sociedade). Além disso, a noção de justiça espacial vem se firmando como marco conceitual crítico para pensar a cidade, e analisar a desigualdade entre os territórios, assim como os discursos, a ação do Estado e sua vontade política de dirimi-las ou não. Mesmo concordando que as desigualdades sociais expressas no território possam ser tratadas sem que se faça referência ao conceito de justiça e que este é de difícil consenso, nos propomos a analisar a política urbana brasileira, especialmente o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e o MCMV (Minha Casa Minha Vida), referente a seus programas voltados para as favelas e bairros periféricos precários, visando dirimir ou reduzir essas desigualdades para alcançar uma cidade mais justa. O artigo, orientado principalmente pelos estudos de Harvey, Rawls, Lefebvre, Soja, Sen e do JUGURTA (acrônimo do programa internacional de pesquisa Justice Spatiale et Gouvernance dans les Villes du Sud), tem por objetivo específico analisar as políticas públicas urbanas que estão sendo implantadas nas cidades de Campos dos Goytacazes e Macaé, avaliando até que ponto elas propõem e se de fato alcançam (ou não) uma justa e equitativa distribuição dos serviços públicos reduzindo, assim as desigualdades e injustiças socioespaciais. Assim, esperamos contribuir com a discussão teórico-metodológica acerca da análise de políticas públicas urbanas no Brasil, a partir do marco conceitual da justiça espacial. Igualmente, acreditamos que a justiça espacial também pode se apresentar como uma referência crucial garantindo aos cidadãos que buscam alternativas para os modelos de desenvolvimento excludentes que concentram nas mãos de uma minoria “proprietária” o poder e os benefícios e recursos oferecidos pela cidade, o “direito à cidade”. Palavras-Chave: Política Urbana - desigualdades socioespaciais - justiça espacial

2

Introdução

No limiar do século XX, quase todas as sociedades enfrentam a desanimadora perspectiva de

uma infindável crise urbana, devido a um modelo seletivo e excludente ocupação do espaço

urbano. Além disso, a urbanização rápida e a forte concentração de indústrias, serviços,

juntamente com um retrocesso na vida do campo, vem ocasionando um aumento de população

nas cidades.

Segundo Ratiner (2009) o crescimento urbano brasileiro, nos últimos cinqüenta anos transformou

e inverteu a distribuição da população urbana, pois em 1945, a população urbana representava

25% da população rural. No início de 2000, a proporção de urbanização chegou a 82% do total

de 169 milhões habitantes e enquanto entre 1991 e 2000, a população total aumentou cerca de

20%, o número de habitantes urbanos aumentou mais de 40%.

O Censo do IBGE de 2010 mostra que do total de 190.755.799 habitantes, 160.925.792 de

brasileiros (84,4% da população total) vivem no espaço urbano, enquanto 29.830.007, ou seja,

15,6% vivem no espaço rural. É importante notar que, no Brasil, o crescimento urbano sempre

se deu com exclusão, pois o acesso à moradia pela população pobre das áreas metropolitanas

brasileiras vem, há décadas, se efetivando através do processo contínuo de ocupação das

periferias urbanas, das áreas de proteção ambiental, seja através da compra de lotes irregulares

ou da autoconstrução (Maricato, 2008).

As cidades de Campos dos Goytacazes e Macaé, no norte do Estado do Rio de Janeiro, sofrem

os mesmos problemas das metrópoles – expansão e adensamento urbanos acelerados e

desordenados, déficit habitacional, favelização, segregação e fragmentação social e espacial.

Campos dos Goytacazes concentra 58,24% dos habitantes de toda a região Norte Fluminense,

sendo o maior município da região tanto em área 4.040,6 km2) quanto em número de habitantes:

463.731, dos quais 418.725 (90,3%) na zona urbana, dentre estes, 15.777 moram em 27 favelas.

O Município de Macaé, 2º maior município da região Norte Fluminense, possui 206.728

habitantes dos quais, 201.859 (98,1%) na área urbana e 36.233 moram em 12 favelas (primeiros

resultados do Censo, IBGE, 2010). Com área de 1.291,1 km2, Macaé fica em primeiro lugar

quanto à densidade demográfica (10,25 hab/m2), enquanto que Campos dos Goytacazes com

área quatro vezes maior fica em segundo lugar com densidade de 10,07hab/m2. O que denuncia

a alta concentração populacional de Macaé.

Este resultado continua sendo confirmado pelos dados censitários de 2010, a tabela abaixo nos

mostra que Macaé cresceu 56,1%, a maior taxa de crescimento da região, enquanto que a

3

cidade de Campos cresceu apenas 13,9%. Explica-se esta diferença pelo fato de que a base

petrolífera é baseada em Macaé, tornando-a uma cidade com maior oferta de trabalho e

oportunidades que atrai, desde a década de 1980, uma grande quantidade de migrantes das

mais diferentes procedências: regionais, metropolitanos e internacionais, que chegam ao

Município em busca das riquezas advindas do “ouro negro”.

Tabela 1: Crescimento Populacional da Região Norte Fluminense do Censo 2010

Fonte: economianortefluminense.blogspot.com.br

Macaé vivenciou um processo de urbanização mais espontâneo. E não foi contemplada com

planos urbanísticos que mereçam destaque na área do planejamento urbano. Somente em 2006,

seguindo ao que determina o Estatuto da Cidade, aprovou o seu Plano Diretor Democrático e

Participativo (Lei 076/2006), com vistas a dotar a cidade de instrumentos de gestão suscetíveis

de enfrentar as necessidades da população, controlar e orientar os usos dos espaços,

proporcionando nova ordem à expansão da cidade e ao desenvolvimento de todo o município,

considerando a zona urbana e rural.

Porém, o processo de industrialização e urbanização intenso e agravado pela chegada de um

grande número de imigrantes em busca de emprego (Abreu e Faria, 2012), em uma cidade sem

estrutura para essa nova realidade, traz problemas urbanos, tais como alta concentração

populacional no seu centro urbano (distrito sede, ou seja a cidade), falta de infraestrutura,

serviços e déficit habitacional. O resultado é a ocupação das áreas periféricas, principalmente

das áreas de preservação ambiental como mangues, brejos, restingas e lagoas, causando sérios

problemas e conflitos socioambientais (Tougeiro e Faria, 2011).

Já a cidade de Campos dos Goytacazes recebeu ao longo dos anos diversos planos

urbanísticos, sendo os mais importantes por serem elaborados por profissionais de renome

4

nacional e por considerarem a cidade em seu conjunto, o Plano Saneamento de campos,

realizada pelo engenheiro sanitarista Saturnino de Brito, em 1902, o Plano de 1944, realizado

pela empresa Coimbra Bueno, o PDUC (Plano de Desenvolvimento Urbano de Campos), de

1979. Após as novas diretrizes do Ministério das Cidades consagradas no Estatuto da Cidade,

em 2008 foi aprovado o Plano Diretor Democrático e Participativo. Entretanto, estes planos só

foram realizados parcialmente1 e que de fato restaram fora as leis de Zoneamento,

Parcelamento e Uso do Solo, o Código de Obras, que são constantemente modificadas ou

ignoradas para atender aos interesses do mercado imobiliário ou por falta de um controle mais

rígido do processo de urbanização, já que não apresentam soluções definitivas, principalmente

para o problema de habitação.

Assim, o processo de ocupação das áreas periféricas (sobretudo das áreas non edificandi) da

cidade de Campos pela população pobre iniciou-se no fim do século XIX com as intervenções

urbanas de cunho higienista (Faria, 2001, 2003) e se consolidou, principalmente, com o êxodo

rural, nos anos 1960, em consequência da erradicação das plantações de café e do fim do

regime de colonato ( Guimarães e Póvoa, 2005) e, atualmente, pela falta de acesso dos pobres à

moradia formal.

De fato, as desigualdades socioespaciais verificadas em Campos e Macaé, entre áreas centrais

e periféricas, mesmo quando estas são também ocupadas por condomínios residenciais

fechados destinados, principalmente às classes médias e altas, resultam do crescimento urbano

excludente brasileiro denunciado por Maricato (2008), que se apresenta e se reproduz através

dos processos inerentes à urbanização capitalista: de favelização, de segregação e

fragmentação do espaço urbano.

Desigualdades e injustiças socioespaciais, quais políticas adotar?

Partimos da premissa que o território não só é o palco ou cenário onde se expressam as

desigualdades econômicas, como também desempenha um papel relevante na estruturação e

desenvolvimento das desigualdades e injustiças sociais (...). (GERVAIS-LAMBONY, DUFAUX &

MUSSET, 2010, p. 13).

As desigualdades e injustiças sociais se expressam na configuração espacial das cidades, na

forma da dualidade centro-periferia. O primeiro dotado da maioria dos serviços urbanos públicos

1 Para se ter uma ideia da falta de intervenções visando os planos como um todo, uma importante avenida perimetral idealizada pelo Plano de 1944, a Avenida Arthur Bernardes, só foi realizada e inaugurada, e ainda assim, parcialmente, em 2012!

5

e privados, são ocupados pelos grupos sociais de alta renda. A segunda, carente desses

serviços e distante das áreas centrais, é ocupada, predominantemente, pelos grupos de baixa

renda.

Segundo Lago (2002) a segregação socioespacial nas grandes e médias cidades brasileiras, se

tornam cada vez mais complexas e de difícil definição, pois, ao mesmo tempo, em que se

consolida o padrão socioespacial centro-periferia, observa-se um processo de fragmentação

deste. Os exemplos significativos dessa nova configuração fragmentada dos espaços urbanos

nas metrópoles e cidades médias brasileiras se apresentam com a instalação dos condomínios

fechados de alto luxo, os shoppings centers, assim como assentamentos populares tanto nos

centros como nas periferias. Contudo, concordamos com Vilaça (2003) que o padrão da

segregação brasileira é caracterizado pela oposição centro-periferia.

Harvey (2005) argumenta com um viés mais crítico para explicar a formação urbana da cidade

capitalista. Para ele a divisão social do espaço ocorre como conseqüência das relações sociais e

produtivas impostas pelo capitalismo.

De todo modo, as favelas são uma das expressões máximas das desigualdades e injustiças

sociais. Além disso, o termo “favela” está eivado de preconceitos e estigmas – violência,

marginalidade, tráfico de drogas – por isso tem sido substituído por “comunidade de baixa

renda”, “aglomerado subnormal” ou mesmo “bairro”.

A política urbana no Brasil: em direção para uma cidade justa?

A noção de justiça vem se firmando como marco conceitual crítico para pensar a cidade, bem

como para analisar a desigualdade entre os territórios, e o papel do Estado na redução ou

amplificação dessas desigualdades. De outro lado, justiça é utilizada para promover e justificar

políticas e intervenções urbanas (LEIBLER & MUSSET, 2010).

Soja (2008, 2010) alerta que é crucial, tanto na teoria quanto na prática, dar ênfase à

espacialidade da justiça e das injustiças, não apenas na cidade, mas em todas as escalas

geográficas, da local a global. Para isso, propõe a adoção do termo específico justiça espacial.

De fato, concordamos que a justiça espacial pode se converter em um marco integrador e

interdisciplinar, aplicável aos estudos das desigualdades e injustiças socioespaciais e de

políticas públicas visando a reduzi-las, em todas as escalas, em países diversos e em todos os

continentes. Acreditamos que a justiça espacial também pode se apresentar como uma

6

referência crucial garantindo aos cidadãos que buscam alternativas para os modelos de

desenvolvimento excludentes que concentram nas mãos de uma minoria “proprietária” o poder e

os benefícios e recursos oferecidos pela cidade, o “direito à cidade” (Faria, 2011).

Com o intuito de atenuar esta problemática brasileira, a Constituição de 1988 criou um

instrumento fundamental - o Estatuto da Cidade (EC)2. Para Maricato (2010) o acesso à terra

pelos pobres urbanos é crucial e essa é a questão-chave do EC, cujo objetivo principal é a

construção de cidades mais justas e ambientalmente equilibradas.

Vale ressaltar que a Constituição brasileira de 1988 foi promulgada em um momento de

ascensão da democratização no país. A partir deste momento é assegurada ao poder municipal

competência para definir o uso e a ocupação da terra urbana e o EC reforça ao poder municipal

essa orientação autônoma e descentralizadora. É no município, por meio da lei do Plano Diretor

que a política de desenvolvimento urbano a ser conduzida deve assegurar justiça social no

ordenamento e desenvolvimento pleno das funções sociais da cidade e assegurando o bem

estar de seus habitantes, garantindo o acesso à habitação, transporte, educação, saúde, assim

como ao processo de distribuição justa de benefícios através de provisão de infra-estrutura e de

oportunidades na cidade. O Estatuto da cidade representa a institucionalização do “direio à

cidade” cunhado por Henry Lefebvre (1968).

Mas como assegurar a justiça social nas cidades brasileiras quando o funcionamento das

mesmas ainda estão atrelados à especulação abusiva da terra? Para Lima (2010), como forma

para contribuir para o debate faz-se necessário buscar uma definição de eqüidade social robusta

o bastante para julgar a eficácia social de política urbana local. Assim o conceito de eqüidade

social é visto como fator de julgamento da eficácia de políticas urbanas, pois por meio da

promoção de acesso justo e equânime aos diferentes grupos sociais urbanos, como diferença de

renda, classe social, ou o que seria mais importante na discussão urbana, a localização

residencial.

Na literatura há diversos estudos sobre a relação entre o conceito de eqüidade social e aquele

de justiça social. Eqüidade é tida como a disposição de reconhecer o direito de cada um na

sociedade. Dentro dos valores éticos do conceito de justiça, justiça social é distinguida tanto

como componente corretivo como parte da justiça legal como juízo de valores. O primeiro é

usado em uma base individual e refere-se a significados legais de justiça associados à resolução

de conflitos entre indivíduos através de procedimentos legais (Hayek, 1967; Nozick, 1974). O

2 Estatuto da Cidade, lei federal brasileira nº 10.257, aprovada em 2001.

7

segundo considerado como importante para a discussão que segue a Constituição de 1988,

refere-se ao uso ético ou uso moral de justiça dentro de sociedade e atribui ônus e benefícios

para controle e distribuição de vantagens sociais tais como liberdade, oportunidade (Rawls,

1972; Schaffer e Lamb, 1981).

A importância dada para eqüidade social no debate urbano no Brasil não é recente (Kowarik,

1970 e Bollaffi, 1979), mas só recentemente com a promulgação da Constituição de 1988, tem

se tornado explícita em documentos oficiais. Entendemos que a Constituição de 1988 representa

o esforço para democratizar o país depois do fim do governo militar a partir da década de 80.

Como parte do processo de reafirmação dos direitos humanos, objetivos sociais foram

explicitados no planejamento urbano e nas políticas públicas.

A Constituição declara em seu artigo 182 que “A política de desenvolvimento urbano, executada

pelo poder público municipal, conforme diretrizes fixadas em lei, tem por objetivo o pleno

desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes”. De

acordo com a Constituição, a função social da cidade e da propriedade tem dois componentes

básicos: justiça através da garantia de direitos urbanos (acesso a habitação, transporte,

educação, saúde) e a distribuição justa de benefícios através de provisão de infraestrutura. Para

esse fim, Planos diretores tornaram-se os meios para os governos locais fazerem os estudos e

as novas normas a gestão urbanística e fiscal do município.

As demandas atuais pela reforma urbana no Brasil tem, por um lado, enfatizado a importância

de ajustamento estrutural econômico e estudos do mercado imobiliário urbano baseadas nas

formulações da economia política visando aplicar instrumentos que alcancem a função social da

propriedade. Por outro lado, a função social da cidade está subjacente nos estudos urbanos

brasileiros (Ribeiro, 1994).

É aparente que a aplicação das propostas de reforma urbana é restrita devido ao efeito das

práticas conservadoras de planejamento urbano local através dos anos. Entende-se que as

discussões acerca da reforma urbana no Brasil, o termo função social da cidade contem em seu

escopo a idéia de uma alternativa para estabelecer um equilíbrio entre usos do solo urbano

através de regulamentações urbanísticas e uma distribuição mais justa – ou equânime - dos

benefícios de infraestrutura através de uma atenção para justiça social (Grazia, 1990).

No campo da habitação, o Governo Federal parte da premissa de que o acesso à moradia

regular é condição básica para garantir a melhoria da qualidade de vida da população de baixa

renda. O Programa “Minha Casa, Minha Vida” tem como objetivo reduzir o déficit habitacional,

8

através da criação de mecanismos de incentivo à produção e à aquisição de novas unidades

habitacionais para famílias de baixa renda.

Royalties e políticas públicas urbanas em Campos dos Goytacazes e Macaé

A economia, destes municípios apresentava até final da década de 70 predominantemente,

agroindustrial. Mas a partir dos anos 80 com o início da extração do petróleo esta região passa a

sofrer grandes impactos com o surgimento do complexo industrial petrolífero, de capital intensivo

e de avançado teor tecnológico, transformando o seu perfil socioeconômico e populacional

gerando alterações que refletem na configuração e na dinâmica regional e intra-urbana (Piquet,

2003), no seu perfil sócio-econômico e populacional, principalmente o município de Macaé

(Abreu e Faria, 2012).

No que concerne às receitas de royalties de petróleo contabilizadas nos municípios da Região

Norte Fluminense em 2011, Campos dos Goytacazes liderou com uma receita anual de R$ 559,3

milhões, seguido por Macaé com uma receita de R$410,5 milhões. A receita total da região

atingiu R$1,2 bilhão ou 46,48% da receita geral do Estado do Rio de Janeiro.

Na composição da receita de royalties com a parcela de participações especiais, os valores

transferidos para os municípios produtores da região, Campos dos Goytacazes ficou com R$1,2

bilhão, Macaé ficou com R$ 482,7 milhões.

Campos dos Goytacazes é o maior recebedor de royalties do país e o 12º maior orçamento

municipal entre as mais de 5,6 mil cidades brasileiras, incluindo as capitais, porém, a renda de

86,6% da população é de até dois salários mínimos, e de 73% até um salário mínimo. Enquanto

que em Macaé, devido às operações offshore de petróleo, a renda de 75,1%. Chagas (2010).

No entanto o alto volume de royaIties recebido não se reverte na aplicação e distribuição equitativa dos

serviços urbanos ampliando as desigualdades e injustiças socioespaciais, conforme demonstra Terra

(2007), existe uma distribuição espacial concentrada nas áreas centrais e uma apropriação desigual das

rendas petrolíferas segundo o status social.

No Censo do IBGE de 2000, a cidade de Campos possuía 32 favelas nas quais moravam 16.876

moradores. Já os dados censitários de 2010 contabilizaram um total de 15.777 moradores em

26 favelas3. Assim, Campos dos Goytacazes é o 7º município com maior número de moradores

3 Na atualidade as favelas existentes em Campos dos Goytacazes de acordo com o CENSO 2010 são: Aeroporto Bonsucesso, Aldeia, Avenida Central, Baleeira, Bariri, Chatuba, Escova Urubu, Fofoca, Fundão, Ilha de Ururaí, Ilha do Cunha, Inferno Verde, Lagoa do Vigário, Margem da Linha, Martins Lage, Matadouro, Parque São Matheus,

9

em favelas, excetuando os moradores dos municípios da área metropolitana de nosso estado.

Mas com o programa de habitação de Interesse Social – Morar Feliz – este número tende a

sofrer mudanças devido às remoções que continuam sendo realizadas.

Políticas públicas de Habitação em Campos dos Goytacazes e Macaé

No município de Campos dos Goytacazes, o problema habitacional é tão grave quanto no

restante do país. Segundo Duarte, em 2008 o município apresentava um déficit habitacional

equivalente a 11.822, sendo que somente na área urbana 11.079 correspondem ao déficit

habitacional e 473 na área rural (Duarte, 2008).

Os primeiros conjuntos habitacionais foram construídos no final da década de 60 pelo Banco

Nacional de Habitação (BNH). No entanto, sem recursos financeiros, a Prefeitura limitava-se a

fazer a intermediação entre proprietário dos terrenos e a Companhia Estadual de Habitação

(CEHAB-RJ, criada pela Lei 263 de 29/12/62) com o objetivo de desenvolver a política

habitacional nos Estados.

Até o final da década de 80, não foi registrada iniciativa alguma da Prefeitura Municipal de

Campos (PMC) no setor e não havia uma destinação de recursos para área habitacional (Duarte,

2008). No entanto, no final da década de 80, a partir da Constituição de 1988 e a consequente

municipalização das políticas sociais, a PMC, passou a observar e elaborar ações para o

problema habitacional. A descentralização das políticas públicas de habitação começa a

acontecer durante a administração de Garotinho (1989) e desde então vários programas

habitacionais foram criados no município4, são eles: “Pode entrar que a casa é sua” (1990-2008),

“Vale-construção” (1991), “Cada família tem um lote” (1991), “SOS Habitação” (1993),

“Comunidade Legal” (2000, 2005, 2007 e 2008. “Casa Nova” (2007) e Morar Feliz (2009 – atual)

Já no Município de Macaé a questão das políticas públicas voltadas para as Habitações de

Interesse Social passou a ser desenvolvida a partir de 2005. A prefeitura de Macaé,

“determinada a garantir às futuras gerações uma cidade mais organizada, mais humana e mais

inclusiva, investe recursos dos royalties na produção de casas populares e firmou parcerias com

o governo federal, ações que resultaram em 1.152 novas moradias para famílias de menor

renda, em que foram privilegiadas aquelas que se encontravam em situação de risco ou

Patronato, Presidente Vargas, Oriente, Rio Ururai, Risca Faca, Rua da Farmácia, Santa Luísa, Siqueira e Silva e Tira-Gosto. 4 Para mais informações detalhadas sobre estes programas ver Duarte (2008).

10

ocupavam áreas de preservação ambientalistas”. Isto se explica devido ao crescimento

populacional acelerado para atender as empresas petrolíferas.

Os programas de Macaé inicialmente eram originários exclusivamente de políticas públicas

municipais, mas recentemente a cidade foi beneficiada com o PAC - Programa de Aceleração de

Crescimento5.

Na atualidade através da Secretaria Municipal de Habitação está desenvolvendo o Plano Local

de Habitação de Interesse Social (PLHIS), obedecendo às regras do Ministério das Cidades,

tendo como pilar o projeto “Minha Casa, Minha Vida”. O programa envolve também as áreas de

Saneamento e Meio Ambiente, Mobilidade Urbana, Saúde, Educação, Defesa Civil e outros

órgãos municipais e faz parte do plano do atual do governo municipal até 2012.

1- Aluguel-emergência e Auxílio-emergência - Programa que visa prestar atendimento a

desabrigados e desalojados em função de abundantes precipitações pluviométricas,

vendavais, desabamentos, avanço do mar e ressaca, bem como em conseqüência de

outros fenômenos da natureza ou ocorrência de sinistros, devidamente caracterizado

pela Defesa Civil.

2- Engenharia e Arquitetura Pública - Programa fundado nas diretrizes da Lei Federal

11.888/2008, e tem como finalidade assegurar às famílias de baixa renda a assistência

técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social.

3- Macaé Sem Favelas - desenvolvido pela Secretaria Municipal de Habitação, tem como

objetivo acabar com as favelas e reduzir o déficit habitacional no município. A prefeitura

deverá totalizar cerca de 4.000 novas unidades habitacionais. Este programa será

implantado em três etapas: 2010/13, 2014/18 e 2019/22.

4- Minha Casa, Minha Vida - Implementado por adesão do Município ao “Programa Minha

Casa, Minha Vida” do governo federal, a SEMHAB desenvolve empreendimentos para

famílias com renda mensal de até R$ 1.395,00, conforme as diretrizes do Ministério das

Cidades. O Programa é operado pela Caixa Econômica Federal. Nos empreendimentos

implantados em terras de propriedade do Município o governo municipal vem doando os

lotes ao Fundo de Arrendamento Residencial – FAR e custeia a infraestrutura externa.

5 Programa do Governo Federal brasileiro que engloba um conjunto de políticas econômicas, planejadas para os próximos quatro anos, e que tem como objetivo acelerar o crescimento econômico do Brasil, tendo como uma de suas prioridades a infra-estrutura, portos e rodovias. O principal bloco engloba as medidas de infra-estrutura, incluindo a infra-estrutura social, como habitação, saneamento e transportes de massa. Atualmente está na sua segunda fase, chamada de PAC2.

11

5- Regularização Fundiária - Seguindo as diretrizes do Programa Nacional de

Regularização Fundiária, o Programa consiste na gestão do processo de intervenção

pública, sob os aspectos jurídico, físico e social, visando legalizar a permanência de

populações moradoras de Áreas Urbanas de Interesse Social (AEIS), públicas ou

privadas, ocupadas em desconformidade com a lei.

Percebe-se que todos estes programas, inclusive o programa MCMV (Minha Casa, Minha Vida)

na sua implantação tem sido sem conexão com estratégias de desenvolvimento urbano e de

mobilidade sustentáveis, repetindo desse modo as condições de crescimento periférico e

fragmentação urbana vigentes nas cidades brasileiras (Rolnik, 2012).

No caso da cidade de Campos, percebemos claramente este processo no programa Morar Feliz,

pois os conjuntos estão localizados em áreas distantes da centralidade, alguns tem uma certa

aproximação com um bairro urbano, mas um dos problemas apontados em geral, pela imprensa

e pelos próprios moradores, nos conjuntos habitacionais, é a falta de segurança e o problema da

mobilidade.

O Programa de habitação popular “Morar Feliz”, na cidade de Campos dos Goytacazes

Este programa foi lançado no final de 2010 pelo poder público e tem como principal objetivo

garantir moradia digna para a população pobre e periférica da cidade de Campos dos

Goytacazes, sendo construído um total de 10.000 casas populares.

Na primeira fase, o projeto prevê a construção de 5.100 casas, distribuídas da seguinte maneira:

Tapera I – 380 casas; Tapera II- 370 casas; Eldorado – 996 casas ; Parque Aldeia – 530 casas;

Parque Santa Rosa – 598 casas; Parque Jóquei Clube – 936 casas, Penha – 264 casas; Lagoa

das Pedras – 100 casas e Travessão – 100 casas.

Segundo a Secretaria de Obras e Urbanismo, foram entregues 5.100 casas na primeira etapa.

As casas são do tipo padrão, cada uma com área edificada de 43,08 metros quadrados em um

lote de 140 m². As 510 restantes são no padrão acessível, com área edificada de 51m² em um

lote de 160 m².

Cada casa possui dois quartos, uma sala, um banheiro e uma cozinha. Além de área de serviço

com tanque. As instalações eletrohidráulicas seguem os parâmetros das normas de edificações.

Não tem muro, mas possuem passeios públicos (calçadas) e são de cores diferentes para

“quebrar” aquele aspecto repetitivo de conjuntos habitacionais.

12

Das 10.000 (dez mil) casas prometidas pela prefeita Rosinha, eleita em 2008, para serem

entregues no término do seu mandato (2012), em outubro de 2012, foram entregues 4.754 casas

e no final do ano foram entregues mais 346 casas, completando 5.100 casas. Porém, o

secretário municipal de governo, Suledil Bernardino, já confirmou a abertura da licitação das

4.900 casas restantes para a próxima gestão de Rosinha (2013-2016) cumprindo assim a meta

de 10.000 casas populares prometidas para o 1º mandato.

A prioridade para o recebimento das casas do PMF é das famílias que vivem em áreas de risco

eminente de desabamento, sinalizadas em laudo pela Defesa Civil, seguida das famílias que

estavam em aluguel social, além das demandas espontâneas. É realizado um cadastramento

das famílias e são as assistentes sociais que mantem o diálogo permanente com estas famílias

com o intuito de convencê-las a saírem do local levando apenas seus pertences.

Sabemos que as áreas non edificandi não podem ser ocupadas, mas devido à ausência do

estado, esta ocupação acontece e decorrente de mudanças de ordem política ou de interesses

do setor imobiliário especulativo vem a ideia e a prática das remoções.

É neste exato momento que se inicia o primeiro enfrentamento entre o poder público municipal e

os moradores de uma dada comunidade afetada através da resistência de deixar a casa que

construiu (auto-construção) ao longo do tempo, a perda da relação de vizinhança, a diferença

entre a casa que mora e a casa oferecida, distância da escola dos filhos, do trabalho entre

outros. Das 140 famílias que foram removidas em fins de 2012 da Ilha do Cunha (às margens do

Rio Paraíba, no Caju) para o conjunto habitacional Morar Feliz na Aldeia (em Guarús), a

moradora Zenilda Santos (62 anos) resistiu dizendo que morava no local há 40 e não queria ir

para as casas do PMF por elas serem pequenas comparadas à sua:

“A minha casa é grande e boa, tenho uma filha especial e ela não se adapta em

qualquer lugar. Sem contar os anos que trabalhei para construir minha casa”

Já a comerciante Vilma Gonçalves (54 anos) também resistiu à mudança, pois, segundo ela, a

sua casa é muito boa e a Lan House que possui é o sustento de sua família, e nas casas do

Programa Morar Feliz não poderá manter seu comércio, pois é proibido.

Segundo o secretário da defesa Civil, Henrique Oliveira, em depoimento ao jornal Folha da

Manhã, afirmou que ações judiciais serão iniciadas para retirar estas famílias que estão se

recusando a sair dos locais considerados de risco ou de preservação ambiental. Por outro lado,

também encontramos a situação inversa, de satisfação de quem conseguiu uma casa.

13

“ Foi uma benção conseguir esta casa.estou muito feliz em não precisar mais ter

que sair de casa em época de enchente. Minha antiga casa tinha muito

infiltração e também era muito apertada”. (Maria da Conceição, 35 anos -

doméstica)

“ Demorou muito para eu conseguir uma casa, mas valeu a pena.Hoje posso

sair de casa e não ter uma surpresa desagradável na volta, em dia de chuva.

Minha família está muito satisfeita com a casa. Nós temos esgoto, água

encanada, ruas asfaltadas.” ( José da Silva, 40 anos – pedreiro)

Este programa habitacional é o maior já realizado na cidade e como todo programa na sua

implantação existem alguns percalços que foram relatados pelos moradores e pela imprensa

local como podemos observar em matéria publicada no jornal diário Folha da Manhã, intitulada

“BR’s [rodovias federais] Fechadas em Protesto. Manifestantes pedem agilidade na entrega das

casas populares”:

Os moradores pediam a aceleração da entrega das casas do programa Morar

Feliz, já que o local em que residem teria sido considerado de risco pela

Secretária da Defesa Civil e algumas famílias já tinham sido removidas para o

conjunto habitacional Morar Feliz Aldeia 2 e as quinze famílias que

permaneciam no local esta convivendo em meios aos destroços das casa

demolidas. Além da insegurança no local que tem impedido os moradores de

saírem da suas casas após as 18:00 horas. O segundo protesto foi na BR-101,

próximo ao Aeroporto Bartolomeu Lysandro, no km-07 – Parque Boa Vista. As

famílias pediam transferência do local ou melhoria na infraestrutura, já que o

lugar não apresenta condições mínimas de habitação. Na manifestação também

existiam pessoas que perderam suas casas há cerca de três anos (enchentes)

e, desde então, residem em casas que teriam sido construídas pelo governo

estadual, mas com falta de infraestrutura: não há luz elétrica, abastecimento de

água, rede de esgoto, correios não passam e nem ônibus. (Folha da Manhã

23/05/2012, p. 07).

Há protestos das casas que em curto espaço tempo apresentaram rachaduras e muitas famílias

ainda permanecem em área de risco, pois não foram contempladas com as casas populares do

PMF da PMCG.

14

Por causa das rachaduras, duas unidades do Morar Feliz da Penha foram interditadas e os

moradores removidos para o conjunto habitacional do Morar Feliz do Novo Jockey.

Os conjuntos se localizam em áreas periféricas, cada vez mais distantes da área central,

persistindo o problema de mobilidade e falta de serviços, grande parte destes conjuntos não

possue escola, posto de saúde, posto de policiamento e comércio.

No depoimento da moradora Claudia (35 anos) que morava na favela do Goiabal, e mudou-se

para o Conjunto habitacional Morar Feliz Novo Jockey fez o seguinte depoimento:

“Não estou satisfeita, existentem muitos problemas como: a escola construída não

atende o número de crianças existente no conjunto, assim como, a creche; o

ônibus demora muito. Não temos um Posto Médico e necessitamos de um Posto

Policial, devido à presença do tráfico no conjunto”.

No que diz respeito à infra-estrutura, existem instalações da rede de esgoto, abastecimento de

água, instalação de luz elétrica, galerias pluviais, ruas asfaltadas, passeios públicos (calçadas)

largas, mas como não há fiscalização após a entrega das casas, certos problemas começam a

aparecer. Como por exemplo, a falta de pagamento das contas de água e luz, cujos valores

estão dentro de uma cota social, às devidas concessionárias (Águas do Paraíba e Ampla),

justificada pela falta de hábito de pagar estas taxas ou mesmo por falta de condições financeiras

para arcar com essas novas despesas, alguns moradores optam em continuar não pagando e

quebram os relógios e hidrômetros que marcam o consumo, conforme observamos no local.

Segundo relato da moradora Ana Beatriz (32 anos), residente da rua 4, quadra 6 nº 30, do

conjunto Morar Feliz Santa Rosa, quando a família recebe a chave da sua nova moradia existe

um prazo de 03 meses concedido tanto pela Ampla quanto pela Águas do Paraíba para

regularizar os documentos para que o consumo saia no nome do proprietário da casa, já que em

um acordo feito com a prefeitura durante estes 03 meses o consumo é pago pela

municipalidade. Mas alguns moradores se recusam a pagar tal consumo e quebram os relógios

e hidrômetros e fazem as ligações clandestinas. Além disso, observamos em alguns conjuntos a

presença de esgoto escoando á céu aberto pelas ruas.

Outro problema apontado por moradores, é a alta velocidade dos carros nas ruas do conjunto

que acaba colocando em risco a vidas das crianças. Um morador falou sobre a velocidade de

carros e principalmente motos nas ruas do com junto que não possuem quebra-molas, inclusive

já ocorreu óbito de uma criança na Rua 01, que foi atropelada e morta na hora por uma moto que

trafegava em alta velocidade.

15

Não é realizado um estudo mais aprofundado sobre a vida destas famílias, suas necessidades e

expectativas que não se resumem apenas a possuir uma casa fora da área de risco. Faltam

também escolas, creches, posto médico, transporte coletivo. Na maioria dos casos, o programa

não proporciona condições para as práticas culturais e religiosas, para o desenvolvimento de

atividades de lazer, de trabalho, de comércio.

Desse modo, percebemos que em várias ruas do conjunto habitacional, áreas destinadas a um

pequeno jardim foram transformadas em pequenas templos evangélicos, em garagem e até

mesmo em um outro cômodo para atender às necessidades da família.

Algumas casas tiveram sua sala transformada em salão de beleza, pequeno comércio. As casas

de esquina, por possuíram maior espaço livre no “quintal” que as demais, seus moradores

alugam-no para trailers, oficinas de bicicleta e outras atividades.

Na concepção do projeto das casas do PMF, as casas não possuem muros, mas com a

justificativa de privacidade e de segurança foram construídos muros de diferentes materiais (uns

de tijolos, outros de madeira, ou com telhas de amianto) e colocados portões, na maioria delas.

Política de urbanização: o programa Bairro Legal da Prefeitura Municipal de Campos

O Bairro Legal é um programa que atende dez bairros e tem por objetivo promover melhorias na

infraestrutura e na acessibilidade de alguns e implantando toda infraestrutura em outros. Os

bairros beneficados durante a gestão municipal de 2009-20012 foram: Donana, Ururaí,

Residencial Santo Antônio, Penha, Lapa, Parque Eldorado, Parque Jardim Ceasa, Parque Novo

Eldorado, Vila Industrial Parque Jardim Eldorado.

Segundo os dados da Secretária de Obras o investimento da PMCG no programa Bairro Legal

passou de R$ 200 milhões de reais. Todos estes bairros recebem sistema de drenagem e coleta

de esgoto sanitário, construção de nova base e sub-base, nova iluminação, construção de

passeios públicos (calçadas) e tratamento paisagístico. As obras visam por fim com os

alagamentos das áreas e garantir saneamento básico e a retificação e pavimentação de todas as

ruas do bairro.

Alguns bairros já estão usufruindo das melhorias como o bairro Donana, mas nos bairros Penha

e Lapa, as obras além de estarem lentas tem apresentado vários problemas, o que tem gerado

conflitos da população com o poder público.

Mas a lentidão na execução das obras gerou reclamações dos moradores. Na Lapa as obras

duraram mais de 06 meses e devido à poeira durante as obras, vários moradores apresentaram

16

problemas respiratórios. Outro problema gerado foi o aumento de assalto principalmente nos

finais de semana, pois as ruas não tinham nenhum tipo de movimento. Além dos transtornos

gerados no trânsito da cidade.

A notícia abaixo, publicada no jornal Folha da Manhã, do dia 12 de maio de 2012, intitulada

“Penha: Obras do Bairro Legal geram protesto”, demonstra o grau de insatisfação dos moradores

perante a lentidão e também aos transtornos que as obras tem causado à saúde de crianças e

idosos e nas atividades comerciais existente no bairro. Mesmo nos bairros onde os trabalhos

foram concluídos, as obras apresentaram problemas em curto espaço de tempo.

As políticas públicas em Macaé

Dentre os programas de políticas públicas do município de Macaé é o programa “Macaé Sem

Favelas” que pretende atender as Zeis: Lagomar, Nova Esperança, Nova Holanda, Malvinas,

Piracema, Fronteira, Brasília, Planalto da Ajuda e Ajuda de Baixo. Os Setores de Requalificação

Urbana estão na Imboassica, Morobá, Morro do Carvão, Comunidade da Linha, Morro do

Lazaredo, Morro de São Jorge, Morro de Santana, Maloca, Novo Botafogo e Novo Horizonte. Já

os Setores de Preservação Ambiental estão na Fronteira, Águas Maravilhosas, ao longo do

Canal da Virgem Santa, Colônia Leocádia e Engenho da Praia, com o objetivo de melhorar a

qualidade de vida da população sem pegar empréstimo e, portanto, sem endividar os cofres

públicos municipais.

No total são 3.000 unidades habitacionais, entre casas e apartamentos no município, que estão

sendo construídas desde 2007 e a medida que há o término estão sendo entregues à população

cadastradas. Mas como a necessidade de moradias é latente neste município, existem novos

projetos em estudo. Dentro da “Minha Casa, Minha Vida” são quase 2.800 novas unidades,

alcançando famílias de zero a dez salários mínimos, com envolvimento direto do governo

municipal, sem contar com os projetos ainda em fase de conclusão para se somarem a esse

número.

A primeira etapa do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV), lançado em 2009, já permitiu

contratar cerca de 215 mil unidades habitacionais em municípios com população inferior a 50 mil

habitantes. Em sua segunda etapa, o PMCMV prevê um aumento de cerca de seis vezes do

montante de recursos de OGU destinados exclusivamente à produção habitacional subsidiada

nesse perfil de município (na modalidade de oferta pública de recursos), ao destinar R$ 5,5

bilhões para a produção de 220 mil unidades. Entretanto, para que os investimentos federais se

17

traduzam em melhorias efetivas nas condições de moradia da população, é preciso qualificar

quadros técnicos municipais e apoiar instrumentos de planejamento local que dialoguem com a

realidade desses municípios.

Nesse sentido, o Conselho Gestor do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social –

CGFNHIS aprovou a Resolução nº 37 de 08/12/2010, que estabelece um conteúdo e um

procedimento simplificados para PLHIS de municípios de menor porte, visando garantir que

estes apresentem seus planos e estejam habilitados a acessar os.

Conclusão

A desigualdade e injustiça sociais se revelam nos espaços estratificados e profundamente

diferenciados entre si quanto à dotação de recursos urbanos – infraestrutura, serviços,

equipamentos, transporte, moradia, espaços públicos e de lazer, amenidades ambientais. Dentre

esses espaços, as favelas são os exemplos mais eloqüentes.

Sabemos que o Estado desempenha um papel importante na redução ou aprofundamento das

desigualdades socioespaciais, inclusive, das injustiças. Porém, frente às desigualdades

socioespaciais o Estado, ou seja, o poder público em várias escalas, responsável pelo bem

público comum, pode decidir intervir (ou não) no espaço e, por conseguinte, reduzir essas

desigualdades.

De fato, já existem inúmeros e reconhecidos estudos sobre favela no Brasil (VALLADARES,

1979, ZALUAR & ALVITO, 1998, ABRAMO, 2009), mas nenhum deles com enfoque na justiça

espacial, e, raros são aqueles voltados para as cidades do interior, localizadas fora das regiões

metropolitanas. Ademais, enquanto símbolo da pobreza e da desigualdade, o processo de

favelização parece ser um problema que está longe de ser resolvido, e, pela sua complexidade,

diversidade e riqueza cultural, a favela não é fácil de ser apreendida.

Somos de acordo com Ronilk quando diz que o problema é que nosso déficit (brasleiro) não é de

casas, é de cidade, de urbanidade, e isso o Minha Casa Minha Vida não resolve, tanto é que ele

está claramente estrangulado pela inexistência de áreas urbanizadas adequadas.

No caso das cidades de Campos dos Goytacazes e Macaé percebemos que os programas de

Habitação de Interesse Social, estão longe de propiciar aos seus moradores a justiça espacial,

pois são deslocados para áreas mais distantes e periféricas e longe dos recursos urbanos,

principalmente do emprego e de escolas, serviços de saúde, sem transporte adequado. Ale´m

18

disso, as construções são de qualidade questionável e padronizadas e não atendem às

necessidades e nem atentam para suas práticas culturais, religiosas, profissionais muito menos

de lazer, estando longe portanto de proporcionar-lhes uma qualidade de vida as condições de

usufruir dos direitos estabelecido no Estatuto da Cidade..

O planejamento do território e a intervenção do Estado com vistas a modificar de forma profunda

a repartição dos equipamentos e atividades no território e permitir ao cidadão a participação no

processo decisório das intervenções e políticas urbanas, tornam-se fundamentas para tornar a

cidade mais igualitária e justa.

Referências Bibliográficas

ABRAMO, P. A cidade da informalidade – o desafio das cidades latinoamericanas. Rio de Janeiro, Ed. Sette Letras, 2003.

ABREU, S. , FARIA, T. de J. P. “Migração em Macaé: Impactos da Industrialização no Processo de Urbanização”. In: Vértices. Publicação Científica do IFF. V. 14, nº Especial 2, p. 11-132, Campos dos Goytacazes, Essentia Editora, 2012.

BRASIL. Lei nr. 10.257, de 10 de julho de 2001 – Estatuto da Cidade, que “regulamenta os

arts.182 e 183 da Constituição Federal, estabelece as diretrizes gerais da política urbana e dá

outras providências”. Disponível em http://www.senado.gov.br/legislação

BOLAFFI, J. Para uma Nova Política Habitacional e Urbana: Possibilidades Econômicas,

Alternativas Operacionais e Limites Políticos. In Valladares, L . Habitação em Questão. Rio de

Janeiro: Zahar. 167-196, 1979.

CHAGAS, A. economianortefluminense. blogspot.com

DUARTE, D.B. A Descentralização da Política Habitacional: o caso de Campos dos Goytacazes -

Dissertação de Mestrado em Políticas Sociais da Universidade Estadual do Norte Fluminense,

Centro Ciências do Homem. Campos dos Goytacazes/RJ, 2008.

FARIA, T.P. “Projeto de Modernização e Mudança da Morfologia Social e Urbana de Campos

dos Goytacazes/RJ nos anos 1870-1880 – Novos equipamentos e Infra-estrutura Urbana”. (In)

Anais do IX Encontro Nacional da ANPUR, Rio de Janeiro, vol.2, pp785-796, maio/jun.de 2001.

__________”Configuração do espaço Urbano da Cidade de Campos dos Goytacazes, após

1950: Novas centralidades, velhas estruturas”. (in) Anais do X Encontro de Geógrafos da

Amárica Latina, USP, São Paulo – 20 a 26 março de 2005.

19

__________ “Justiça espacial como referência para análise de políticas públicas, no Brasil?” In.

Anais do III Congresso Internacional Poderes, territórios, identidades. UFES, Vitória, 07 e 10 de

novembro de 2011.

GERVAIS-LAMBONY, Philippe, DUFAUX, Frédéric, MUSSET, Alain, « Estudios urbanos y

justicia social », In: Musset Alain, Ciudad, Sociedad, Justicia. Un enfoque espacial y cultural, 11-

25, Mar del Plata: EUDEM, 2010.

GUIMARÃES, B & PÓVOA, F. R. Formação e Evolução das Favelas em Campos dos

Goytacazes- Relatório de Pesquisa UENF/CCH/LESCE, 2005.

GRAZIA, G. de. Plano Diretor, Instrumento de Reforma Urbana. Rio de Janeiro: Federação dos

Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), 1990

HARVEY.D. A Produção Capitalista do Espaço. Ed. Annablume, São Paulo.SP, 2005

KOWARIK, L. A Espoliação Urbana. São Paulo. Ed Paz e Terra , 1970.

LAGO, L. C. Deseigualdades e segregação na metrópole: O Rio de Janeiro em tempo de crise.

Rio de Janeiro: Editora Revan, 2002.

LEIBLER, L. MUSSET, A. “Un transport hacia la justicia espacial? El caso Del metrocable y La comuna nororiental de Medelín, Colombia”. In: Scripta Nova. www.ub.es/geocrit/sn/sn-331-48.html. Consulta: 22 de outubro de 2010.

LEFEBVRE, H. O Direito à Cidade. Ed. Centauro. São Paulo, 2001 (1ª Ed. Em francês, 1968).

LIMA, J. J. F. “O Conceito de Equidade Social como referencial para avaliação de políticas

urbanas” In. Anais eletrônico do III Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico Balanço das

experiências de implementação do Estatuto da Cidade. Recife, 27 a 29 de junho de 2010.

MARICATO, E. Brasil, Cidades: alternativas para a crise urbana. 3ª Edição, Petrópolis: Vozes,

2008.

_______________ O Estatuto da Cidade Periférica (in) O Estatuto da Cidade: Comentado Celso

Santos Carvalho, Anaclaudia Rossbach (Orgs). São Paulo: Ministério das Cidades: Aliança das

Cidades, 2010.

PIQUET, R. (Org.) Petróleo, Royalties e Região. Rio de Janeiro, Garamond, 2003.

RAWLS, J. A Theory of Justice. Oxford: Clarendon Press, 1972

RIBEIRO, L. C. e SANTOS Jr, O . “O Futuro das Cidades Brasileiras na Crise”. In Ribeiro, L. &

Santos Jr, O. Globalização, Fragmentação e Reforma Urbana: o Futuro das Cidades Brasileiras

na Crise. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 11-20. 1994.

20

ROLNIK, R. “Nosso déficit não é de casas, é de cidades” entrevista dada ao Jornal Brasil de Fato

em 22.10.2012 . Disponível em http://raquelrolnik.wordpress.com/

SOJA, E. ”The City and Spatial Justice”. In: Revue Électronique: Justice Spatiale, Spatial Justice, http://jssj.org . 2008. Consulta: 1 de novembro 2010.

________ Seeking Spatial Justice, Minneapolis: University of Minnesota Press, 2010.

TERRA, D.C.T. Uma Leitura Espacial da Apropriação Desigual das Rendas Petrolíferas em

Campos dos Goytacazes. Tese (Doutorado), UFRJ/PPGG, 2007.

TOUGEIRO, J. V., FARIA, T. J. P. “Conflitos Socioambientais Motivados por Ocupação de

Manguezais e Restingas para Fins de Moradia no espaço Urbano de Macaé”. In Revista

Internacional Interdisciplinar Interthesis. Vol. 7, nº 1, p. 242-271. Jan./jul. 2010.

VALLADARES, L. Passa-se uma casa: análise do programa de remoção de favelas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: Zahar, 1979.

VILLAÇA, F. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo : Nobel, 1998

ZALUAR, A. ALVITO, M. (orgs) Um Século de Favelas. 5ª ed. Rio de Janeiro, Ed, FGV, 2006.