Post on 08-May-2023
O JUDICIÁRIO QUE QUEREMOS...
Reflexões sobre o planejamento estratégico do Poder Judiciário
LUCIANO ATHAYDE CHAVES**
Alice - Você poderia me dizer, por favor, que
caminho devo seguir para sair daqui?
Gato - Isto depende bastante de onde você
quer chegar [...].
Alice - Eu não me importo muito com isso
[...].
Gato - Então não importa muito que caminho
você irá tomar.
(Alice no País das Maravilhas)
1. INTRODUÇÃO
Na obra de Lewis Carrol, a menina Alice está perdida diante de uma
encruzilhada e tem à sua frente a única criatura que lhe é sincera, entre ironias e
brincadeiras, num mundo sabidamente louco e confuso.
Nos apontamentos que fez esse clássico de Carrol, Martin Gardner
sugere que a cena tenha sido tirada do Talmud1: "se você não sabe aonde está indo,
então qualquer estrada o levará lá”.2
Agradeço ao colega Bráulio Gabriel Gusmão, Juiz do Trabalho da 9ª. Região e Presidente da Associação dos Magistrados do Trabalho do Paraná – Amatra IX (2008-2010), pelas valiosas contribuições e
sugestões ao presente texto. ** Juiz do Trabalho da 21ª Região (RN). Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Doutorando em Direito Constitucional (UNIFOR). Mestre em Ciências Sociais (UFRN). Presidente da
Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – Anamatra (2009-2011). E-mail:
luciano@anamatra.org.br. 1 O Talmude ou Talmud (em hebraico: מלת ,é um registro das discussões rabínicas que pertencem à lei (דו
ética, costumes e história do judaísmo. É um texto central para o judaísmo rabínico, perdendo em
importância apenas para a Bíblia hebraica (cf. www.wikipedia.org). 2 cf. GARDNER, Martin. The Annotated Alice. The Definitive Edition. New York: W. W. Norton &
Company, 2000.
2
Vivemos num mundo realmente confuso e assimétrico, talvez, em muitos
aspectos, semelhante ao País de Alice. Um mundo de relações sociais
hipercomplexificadas, que frequentemente demanda soluções novas em relação às quais
não temos caminhos já percorridos ou experiências conhecidas.
As instituições públicas, inseridas de forma inexorável nesse contexto,
também são diariamente desafiadas a encontrar novos meios e veios para cumprir suas
missões, num ambiente societal em constante transformação.
O Judiciário do Brasil tem 70 milhões de processos em andamento, numa
aproximada proporção de um para cada três brasileiros!
Isso nos faz os maiores, senão o maior, dos litigantes do mundo e em
nada lembra a imagem que possuímos de nós mesmos, como um povo tranquilo,
pacífico e cordato.
A cada ano, exibimos com entusiasmo impressionantes números de casos
resolvidos, centenas, milhares.
O valor a esses resultados é refletido nas expectativas depositadas nos
responsáveis pela solução dos conflitos.
O padrão do bom juiz, num olhar pelo menos majoritário, é o daquele
que está com o trabalho em dia, que consegue resolver o maior número de casos
possíveis, conciliador, que profere despachos, sentenças e votos aos cântaros, numa
verdadeira linha de produção.
E a ideia de trabalho em dia supõe, quase sempre, prazos razoáveis na
fase de conhecimento, olvidando que a jurisdição sugere a entrega integral da tutela
material, que somente faz algum sentido para o jurisdicionado quando presentes os
efeitos concretos da atuação do Poder Judiciário (a satisfação de uma obrigação de
3
pagar, a entrega da coisa objeto do litígio, a desconstituição de uma relação jurídica,
etc.).3
O tempo judiciário não é cíclico, ele é contínuo, embora nos pareça
renovado a cada ano judiciário ou a cada biênio de alteração nas cúpulas dos tribunais,
quando uma nova leva de administradores é chamada para "encontrar o caminho certo".
Aproveitando a metáfora de Carrol, podemos nos valer do gato, como
uma espécie de oráculo, e buscar, mercê de sua provocação, a saída para uma situação
que insiste em nos incomodar, apesar das melhorias no sistema judiciário nas últimas
décadas.
Talvez possamos pensar diferente, propor uma nova caminhada.
Num ambiente em que a efetividade de direitos é tão importante quanto a
sua conquista, é fundamental planejar e administrar os problemas da Justiça, procurando
implementar uma visão moderna do “governo dos juízes”, de modo a construir um
Poder Judiciário acessível, célere e justo.
Não raro ouvimos críticas a essa “governança” do Judiciário, em grande
parte centradas na ideia de que os magistrados brasileiros não são bons gestores e que
sua função, no cenário republicano, não seria essa.
3 Tenho, já de algum tempo, realçado os problemas desse quadro de prestígio demasiado à ideia de
jurisdição como apenas a declaração de direitos. Em outro texto, assinalei: “tenho insistido, já de algum
tempo, quanto aos dissabores causados no sistema processual pelo fenômeno do “mito da cognição”, que
ainda insiste em predominar nas práticas judiciárias. Por “mito da cognição” entendo a demasiada
ênfase na fase de conhecimento dos feitos (audiências, sentenças, etc.), que também visa a atender às
expectativas institucionais de prazos e otimização de pautas de audiência projetadas pelas corregedorias, sem se estabelecer, contudo, um equilíbrio de atuação do juiz do Trabalho na fase de cumprimento da
sentença. A par dessa circunstância, temos um verdadeiro paradoxo: os novos processos e os novos
clientes da Justiça recebem, em geral, uma boa (e merecida!) atenção. Tanto que os prazos médios para
sentença de primeiro grau apresentam bons números na maioria das regiões trabalhistas. Os processos já
julgados e em fase de execução forçada, porém, têm sua análise e impulso muitas vezes comprometidos
pela falta de tempo do juiz para neles atuar, já que os prazos na fase de conhecimento são mais curtos.
Disso resulta o seguinte: quem já teve um crédito reconhecido em seu favor e ainda não satisfeito por
quem de direito, deve aguardar ainda mais, enquanto novos feitos ocupam a centralidade da atuação
judicial” (CHAVES, Luciano Athayde. Estudos de direito processual do trabalho. São Paulo: LTr, 2009,
p. 256). Sobre o mesmo assunto, consultar, ainda, CHAVES, Luciano Athayde. A recente reforma no
processo civil e seus reflexos no direito judiciário do trabalho. São Paulo: LTr, 3ª. Ed., 2007, p. 346 e ss.).
4
O interessante é notar que, em muitos países (como Espanha, Argentina e
França), onde é encargo do Poder Executivo gerir a máquina judiciária, cresce a
demanda dos magistrados por uma independência em relação aos outros poderes. O
sentimento é o de que o atrelamento do Judiciário a outro poder, ainda que na área
administrativa, compromete em grande medida seu desempenho e, em última instância,
seus próprios predicamentos.
No Brasil, onde o Judiciário goza de um forte estatuto constitucional que
robustece sua independência administrativa, financeira e orçamentária, ainda sobrevive
uma leitura de que a gestão judiciária não seria um problema dos juízes.
Por isso, desde logo, creio ser apropriado assentar uma nota
metodológica para o enfrentamento dos bloqueios para uma justiça melhor: cabe aos
juízes, com apoio da comunidade jurídica e em harmonia dos outros Poderes4,
identificá-los e pensar na formulação e execução de soluções.
2. RESOLVENDO PROBLEMAS, ALÉM DOS PROCESSOS
Antes de olharmos para o futuro que podemos e devemos imaginar,
nossa própria história recente poderá nos indicar o caminho que não deve ser seguido.
Durante os últimos anos, os tribunais brasileiros têm dado mostra de
grande capacidade de resolução dos processos.
Os números são impressionantes, como indicam os relatórios dos últimos
anos do Programa Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça5.
4 Exemplo dessa harmonia está na relação entre os tribunais brasileiros e a Secretaria da Reforma do
Poder Judiciário, vinculada ao Ministério da Justiça, órgão que, nos últimos anos, tem realizado um
grande esforço para concretizar reformas processuais e sugerir ferramentas de acesso à justiça. Foi no
âmbito dessa relação interpoderes que tiveram lugar os dois Pactos de Estado em favor de um Judiciário
Rápido e Republicano, por meio dos quais muitos projetos de lei chegaram à aprovação perante o
Congresso Nacional, inclusive o da grande reforma do Código de Processo Civil brasileiro de 2005 e
2006. 5 Disponível em: www.cnj.jus.br. Acesso em: 20/07/2009. A propósito, trata-se de um programa dos mais
importantes, pois a existência de estatísticas e números confiáveis sobre o funcionamento do Judiciário
5
Se os administradores do Judiciário fossem um CEO6 de uma grande
corporação prestadora de serviço, estariam esfregando as mãos contentes, pois a
tendência é de aumento da demanda por mais decisões.
A realidade, entretanto, não é essa.
Aumento de demandas pode indicar muitas coisas, mas jamais pode ser
associado ao êxito dos serviços prestados, normalmente uma consequência da fidelidade
da clientela, numa organização empresarial que objetiva o lucro, o que não sucede aqui.
O recrudescimento da demanda é fenômeno dos mais complexos, e seu
exame não cabe nos propósitos do presente texto. Nada obstante, creio ser possível
assinalar que esse fenômeno tem causas sistêmicas (burocracia, formalismo, etc.) e
decorrentes do comportamento dos atores sociais (falta de observância da legislação nas
relações sociais, aproveitamento da morosidade para dilação no cumprimento das
obrigações, dentre outras).7
Precisamos nos preparar para a caminhada na busca de uma excelência
na gestão judiciária. Ter a consciência de que somos um único Poder Judiciário.
Estarmos conectados ao mundo, sermos transparentes e “organizar a casa”.
As 10 metas para o Judiciário, fixadas pelo Conselho Nacional de Justiça
e Tribunais Brasileiros, a partir do II Encontro do Poder Judiciário (Belo Horizonte, fev.
2009), mostram que ainda estamos na primeira etapa de uma longa jornada.
Do contrário, para ficarmos apenas no caso da Meta 2 (julgamento de
todos os processos distribuídos até dezembro de 2005), seria possível imaginar que em
brasileiro é uma importante ferramenta para a concepção e o desenvolvimento de projetos de gestão,
conquanto não seja elemento que, por si só, possa definir as políticas de governo do Judiciário.
6 Chief executive officer ("Diretor-executivo" ou "diretor-geral", em português), mais conhecido como
CEO, é um termo em inglês para designar a pessoa com a mais alta responsabilidade ou autoridade numa
organização. 7 Aproveito-me, neste ponto, do método oferecido por Boaventura de Sousa Santos para qualificar as
causas da morosidade judiciária. Para maiores detalhes do método, cf. SANTOS, Boaventura de Sousa.
Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo: Cortez, 2007.
6
2014, ano da Copa do Mundo de Futebol no Brasil, a meta número 2 será julgarmos
todos os processos de 2009?
O pensador português Boaventura de Souza Santos, ao falar sobre a
criação do Observatório da Justiça no Brasil, menciona estar interessado não apenas na
quantidade e na velocidade dos processos, mas na qualidade das decisões e se os
cidadãos sentiram-se bem e se tiveram dificuldade de acesso ao tribunal.8
Nesse sentido, o primeiro aspecto a considerar é descobrir qual Judiciário
queremos, quando falamos em qualidade e eficácia das decisões, por exemplo, com
decisões de qualidade, com potencial efetivamente pacificador e pedagógico, etc.
Nosso objetivo é pura e simplesmente continuar resolvendo processos ou
podemos desejar mais? Podemos almejar também eficácia e qualidade nas decisões? O
que significa isso?
Como agentes de um Poder estatal, o Judiciário e seus órgãos e os
próprios magistrados estão sujeitos, obrigados e compelidos ao cumprimento dos
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, nos termos do art. 3º da
Constituição da República.
Em última medida, as pretensões deduzidas em juízo por pessoas e
instituições estão impregnadas do espírito contido nestes objetivos: liberdade, justiça,
solidariedade, desenvolvimento nacional, erradicação da pobreza e marginalização,
redução de desigualdades sociais e regionais, promoção do bem comum, sem
preconceitos e discriminação.
8 A apresentação foi feita no Ministério da Justiça, cuja Secretaria de Reforma do Poder Judiciário é
parceira na implementação do modelo de ‘Observatório’ já em funcionamento na Universidade de
Coimbra, sob a coordenação do Professor Boaventura de Sousa Santos. Cf., sobre esse assunto, a matéria
está disponível em: www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2009/02/03/materia.2009-02-03.0316125551/view.
Acesso em 20.07.2009.
7
Todavia, o mito do princípio da inércia processual impregnou o juiz
brasileiro, cristalizando uma situação que, em alguns momentos, parece retirar-lhe a
condição de cidadão e agente do Estado.
Como ‘guardiões’ 9 e realizadores das promessas do Estado de Direito os
juízes poderiam e podem realizar mais.
Não no sentido de mais trabalho ou mais processos, mas de pensar
diferente, na busca de solucionar também os problemas causadores das demandas.
No caso da Justiça do Trabalho, os problemas são conhecidos e também
suas consequências.
Considerando a afirmação de que as decisões do Poder Judiciário
moldam o comportamento dos cidadãos, qual é então o comportamento que nossas
decisões estão impondo?
Qual a razão do contínuo aumento das demandas e por que nossas
decisões não provocam a redução dos conflitos?
Um exemplo.
No dia-a-dia das manchetes dos periódicos e fazendo parte das
estatísticas oficiais, temos o trabalho informal, um eufemismo para a ilegalidade nas
relações de trabalho. Esse fenômeno socioeconômico produz um exército de
trabalhadores à margem da seguridade social, torna desleal a concorrência de mercado
fundada na livre iniciativa, igualmente inserida no texto da Constituição, bem como
expõe a clara desigualdade social existente no País, a partir da consolidação de um
abismo social entre os "trabalhadores formais e informais".
9 cf. GARAPON, Antonie. O juiz e a democracia: o guardião das promessas. Tradução de Maria Luiza de Carvalho. Rio de Janeiro: Revan, 2001.
8
Para melhor exemplificar tal condição, podemos mencionar dados do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), uma fundação pública federal
vinculada à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.
Seu relatório semestral sobre o mercado de trabalho, conjuntura e
análise10 mede oficialmente o “nível de informalidade” ou de “trabalhadores sem
carteira assinada”, que corresponde a 38,1% do nível de ocupação no Brasil e associa a
melhoria da “formalização” ao crescimento econômico do país.
Nesse compasso, seria possível indagar como a Justiça do Trabalho,
reconhecidamente célere, pode contribuir para que a eficácia de suas decisões
compreenda também medidas que contribuam para redução da ilegalidade nas relações
de trabalho e na melhoria das condições de saúde e segurança no ambiente de trabalho?
Voltando à metáfora do início do texto, parece-me que o primeiro passo é
escolher um caminho e ele pode muito bem considerar a hipótese de que o Judiciário
também esteja preocupado em resolver o problema e não apenas o processo.
3. CONHECIMENTO DE SUAS PRÓPRIAS ENTRANHAS
Para saber aonde se quer chegar é preciso descobrir o que se deseja e o
desejo implica em autoconhecimento.
Projetos do Conselho Nacional de Justiça têm buscado compreender a
realidade do Judiciário brasileiro, seus números e suas práticas. Além disso, para os
casos mais severos, há notícias de trabalhos realizados pela Corregedoria Nacional de
Justiça, investigando in loco a realidade de determinada instituição.
O presente texto é escrito a partir do olhar da Justiça do Trabalho e, nesse
particular, não se observam projetos buscando conhecer as origens de suas demandas e
10 Disponível em: www.ipea.gov.br.
9
práticas que tenham buscado a solução desses problemas ou mesmo o resultado
provocado por suas decisões.
O Judiciário que queremos deve olhar a si mesmo sob dois aspectos:
a) para dentro do aparelho estatal, como um dos pilares do Estado.
Enxergando a si mesmo como um produtor de demandas que precisa administrar os
próprios compromissos, tais como gastos e aumento de pessoal.
b) para fora, como administrador da Justiça, observando quais os efeitos que
suas decisões provocam externamente. Quais as mudanças concretas e como essa
"política judiciária" é vista. Qual é o efetivo resultado das decisões que proferimos e
quais são os efeitos desejados.
Conhecer e reconhecer a própria estrutura implica em saber o custo do
Judiciário para o Estado, não apenas do ponto de vista econômico, mas os recursos e
energias despendidos para a solução dos processos e, como ousamos propor, também
dos problemas.
As administrações dos Tribunais precisam olhar para fora e indagar a
respeito dos efeitos de suas decisões na vida dos trabalhadores e empregadores, quais as
efetivas mudanças e como esta "política judiciária" é vista.
Há necessidade de se saber qual é o efetivo resultado das decisões que
proferimos, ou seja, o alcance para além das partes envolvidas no litígio solucionado.
Assim, uma primeira proposta deveria ser a adaptação da marcha até
agora realizada e caminhar no sentido de também saber as origens ou causas dos
conflitos, como eles têm sido resolvidos e quais os resultados das decisões proferidas,
do ponto de vista da coletividade originária.
A segunda proposta, igualmente importante na busca por
autoconhecimento da Instituição, reside na necessidade de ajustar a própria estrutura,
10
para que não atue como um fim em si mesma, mas para alcance dos objetivos e missão
a que se propõe.
Como é possível levar toda uma Instituição para o melhor caminho
quando diversos de seus principais atores são alijados do processo decisório?
4. O MAGISTRADO COMO GESTOR JUDICIÁRIO
Lara Cristina de Alencar Selem, em sua obra Gestão Judiciária
Estratégica, define o gestor judiciário como aquele responsável por “exercer todas as
atribuições inerentes à função jurisdicional, bem como as administrativas referentes
aos serviços conexos ou auxiliares da Justiça, que estejam a ele vinculados, bem como
os servidores que lhe sejam diretamente subordinados” (SELEM, Lara Cristina de
Alencar. Gestão Juidiciária Estratégica: o Judiciário em busca da eficiência. Natal:
Esmarn, 2004, p.29).
Sob esse aspecto, a autora define outras atribuições desse gestor, que vão
além das responsabilidades jurisdicionais e administrativas determinadas por lei. Gestão
geral, de atendimento ao cliente, de pessoas, de tecnologia e sistemas, de infraestrutura
e da qualidade judiciária são algumas das atribuições atribuídas por Lara Selem ao
encargo do gestor judiciário, em nosso caso o magistrado, com o imprescindível apoio
do corpo funcional.
Tendo o magistrado sob sua responsabilidade todas essas tarefas, e sendo
ele auxiliado por uma equipe, não restam dúvidas de que todos esses atores precisam
estar inseridos no planejamento estratégico de forma efetiva e democrática.
Assim como define Selem, “o gestor será o grande líder que levará a
equipe da Unidade Judiciária sob sua responsabilidade a realizar seu maior intento.
11
Sem ele, toda e qualquer iniciativa de implementação de melhorias e modernização da
Gestão Judiciária sucumbirá” (2004, p.34).
Desse modo, temos que compreender o papel do juiz em sua dupla
dimensão, na perspectiva dinâmica da atuação do Poder Judiciário. Como julgador e
como gestor. Ambas as tarefas se entrelaçam e se completam, ainda que reconheça que a
visão da maioria dos atores é de que essa dupla dimensão implica em disfunção
institucional, já que o papel do juiz seria, apenas, o de distribuir justiça, em sentido
estrito e endoprocesssual.
Definitivamente, não compartilho dessa leitura limitada da atuação do
magistrado perante a estrutura e o funcionamento do Judiciário. Não enxergo essa
disfunção e me recuso a admitir que se pode exercer os predicamentos da magistratura,
com liberdade e independência, sem uma gestão participativa e baseada na ideia de um
governo dos juízes, e de todos eles, respeitadas as atribuições de cada um e as tarefas
reservadas pela lei e pelos regulamentos e regimentos.
5. DEMOCRACIA INTERNA, GESTÃO E CONTROLE
Um Estado Democrático pressupõe a ampla participação da sociedade
nos negócios e nos espaços públicos, bem como o fortalecimento do sistema político
vigente, o que resulta, via de regra, em instituições fortes e republicanas.
Porém, esse é um processo ainda em curso e que expõe diversos pontos
de melhoria em nossa democracia, inclusive no Judiciário. Um desses pontos é a
questão da legitimidade democrática dos agentes de poder.
Por certo, não nos referimos aqui à falta de legitimidade dos juízes em
exercerem suas funções de acordo com o modelo profissional vigente em nosso país.
Como tem destacado a literatura jurídico-constitucional, a soberania
estatal das decisões de índole jurisdicional encontra sua legitimidade na própria
12
Constituição; no dever indeclinável de fundamentação coerente de todas as decisões;
pela existência de controles técnicos de revisão (recursos e outras formas de
impugnação); e, em certas circunstâncias, pela disponibilidade de diversas vias de
apuração de responsabilidade funcional (processos disciplinares, ações penais e
processos de impeachment).
Falamos, sim, do ainda presente déficit democrático relacionado com a
dinâmica da gestão administrativa do Poder Judiciário, aspecto pouco visível, a julgar
pelo silêncio em torno do tema, raramente quebrado.
Um olhar mais distante poderia até conceber, à luz do sistema de
recrutamento dos magistrados, que uma baixa abertura de participação no governo dos
tribunais fosse corolário das próprias características que cercam a carreira dos juízes e a
escolha de seus dirigentes, as quais, em regra geral, combinam, em dosagens diferentes,
merecimento e antiguidade, não necessariamente nessa ordem.
Contudo, sendo a jurisdição expressão do poder político, também o
Poder Judiciário há de observar princípios constitucionais inerentes a toda a
Administração Pública.
Até hoje, “a gerência dos recursos humanos e materiais do Judiciário
prossegue, em regra, passando ao largo de qualquer preocupação democrática. Esta só
tem sua face visível no modo de escolha dos membros da mesa diretora dos tribunais,
periodicamente eleitos para mandatos bienais irrenováveis” (CHAVES, Luciano
Athayde; SOUZA JUNIOR, Antonio Umberto. Uma nova gestão para o Poder
Judiciário. Valor Econômico, 10.09.2009).
Mas, mesmo em relação a essa escolha dos dirigentes dos tribunais, pelas
regras do jogo vigentes, a partir do próprio texto de nossa Constituição e, em especial,
da Lei Orgânica da Magistratura, trata-se de eleição com reduzido universo de eleitores
13
(desembargadores, nos tribunais estaduais e regionais, e ministros, nos tribunais
superiores) e com uma ínfima porção de candidatos elegíveis, definida segundo a baliza
única da antiguidade no posto.
Sem adentrar na hipótese, plenamente possível, de deliberarem os
tribunais pela autonomia normativa constitucionalmente conferida, pela abertura dos
processos de escolha de seus dirigentes, soa razoável ponderar que tal limitação da
legitimidade democrática no processo de eleição para os cargos de direção pode ser, em
alguma dimensão, compensada pela legitimação democrática no exercício do poder
confiado a tais autoridades.
Para alcançar tal compensação, um método mais adequado consiste em
assegurar maior participação do coletivo dos juízes em todos os matizes
administrativos, imprimindo total transparência à atuação administrativa, financeira e
orçamentária dos tribunais: a publicidade dos atos e operações realizados pelos tribunais
permite que os contribuintes e usuários da Justiça saibam onde estão sendo aplicados os
recursos humanos e materiais por eles financiados, facilita o controle pelas diversas
instituições (conselhos, Ministério Público, tribunais de contas, sociedade civil
organizada) e aproxima juízes e servidores da Administração.
O outro meio extremamente útil e eficaz consiste na criação de
colegiados plurais de que participem magistrados de todos os níveis da carreira e
servidores.
Também é importante a criação de mecanismos que permeiem e
assimilem as sugestões e críticas de outros atores importantes para a Justiça, como
advogados, jurisdicionados, universidades e outros segmentos interessados em um
Judiciário mais rápido, sério e efetivo.
14
E não podemos desprezar a importância da autonomia administrativa e
financeira assegurada pela Constituição aos tribunais brasileiros. Em muitos países,
como já assinalei no início deste texto, em que essa autonomia não é assegurada ao
Poder Judiciário, constitui agenda para os juízes a luta para conquistá-la. No Brasil, não
raro se ouvem vozes contra essa autonomia, como se ela não fosse uma face da
independência da atividade judicante.
A transparência e a participação na Administração Pública exalam do
texto original da Constituição de 1988 e tiveram tal aroma reforçado nas sucessivas
mudanças patrocinadas pelo Congresso Nacional. Somente para ilustrar, recorde-se a
abolição das sessões administrativas secretas, decretada pela Emenda Constitucional nº
45/ 2004.
Nessa perspectiva democratizante há de ser valorizada, comemorada e
levada muito a sério a determinação do Conselho Nacional de Justiça, órgão
administrativo de cúpula do Judiciário (subsumido apenas ao controle do Supremo
Tribunal Federal), no sentido de que os tribunais devam garantir “a participação efetiva
de serventuários e de magistrados de primeiro e segundo graus, indicados pelas
respectivas entidades de classe, na elaboração e na execução de suas propostas
orçamentárias e planejamentos estratégicos” (Resolução CNJ nº 70/2009, art. 2º, § 4º).
O poder normativo primário dos atos do Conselho Nacional de Justiça
confere à regra o caráter de obrigatoriedade imediata. A novidade, em verdade, traduz
“opinião consensual retirada dos vários encontros regionais de tribunais que aquele
órgão promoveu em 2008” (CHAVES; SOUZA JUNIOR, 2009) na busca de um modelo
ideal de planejamento estratégico no Poder Judiciário: em todas as reuniões, concluíram
os participantes (dirigentes, magistrados, entidades de classe) que a audiência e o
15
engajamento dos magistrados e servidores são requisitos imprescindíveis para o êxito da
ideia de melhoria na qualidade de gerência e planejamento dos tribunais brasileiros.
Assim, doravante, tanto a programação quanto a execução dos
orçamentos e dos planejamentos de médio e longo prazos dos tribunais deverão ser
acompanhadas, no mínimo, por representantes dos magistrados e servidores
formalmente integrados a instâncias deliberativas das cortes.
Além de aproximar os gestores dos tribunais de suas bases, a medida
propicia o constante fluxo de informações acerca das necessidades dos órgãos que
compõem cada corte de justiça e das eventuais dificuldades ou limitações da direção,
abrindo espaço para o incremento do grau de eficiência e economicidade na gestão
pública dos tribunais.
Outra determinação recente complementa esse verdadeiro “pacote”
democratizante implantado pelo Conselho Nacional de Justiça: inspirado no dever de
publicidade e na recém-aprovada Lei Complementar nº 131/2009, que aperfeiçoou a
chamada Lei de Responsabilidade Fiscal.
O CNJ, por meio da Resolução nº 79, tornou compulsória a exibição, em
caráter permanente e em local de fácil acesso nos sítios dos tribunais na internet, de
todos os dados relativos aos gastos e receitas do Judiciário, inclusive com a
discriminação pormenorizada das rubricas dos pagamentos e os dados identificadores
das pessoas e empresas que prestem serviço ou entreguem produtos nesse Poder.
Não é preciso assinalar a importância da transparência como instrumento
de apoio à participação de juízes, servidores e da sociedade em geral na gestão dos
tribunais.
Esses são aspectos de um tormentoso, mas necessário, processo de
transformação do Poder Judiciário, na direção de uma nova institucionalização, para
16
usar uma expressão do Presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar
Mendes, em recente encontro com associações de magistrados no Conselho Nacional de
Justiça, em julho de 2009.
Porém, para que a perspectiva democratizante aberta pelo cenário
normativo aqui desenhado efetivamente transforme a realidade de nossos tribunais, é
essencial que se dê vida a tais comandos.
É buscando trilhar esse caminho que todos nós queremos, no tocante à
gestão judiciária, que o Conselho de Representantes da Associação Nacional dos
Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), que congrega os 24 presidentes das
Associações Regionais de Magistrados (Amatras) em todo o Brasil, deliberou, no dia 1º
de julho de 2009, apoio às medidas de fortalecimento, transparência e participação nos
processos de administração das estruturas do Poder Judiciário.
Nesse propósito, a Anamatra vem implementando ações que vão ao
encontro da Resolução nº 70 do CNJ, entre elas:
a) a busca da pronta efetividade do disposto no art. 2º, § 4º da Resolução
n. 70/09, que garante a concreta e ampla participação de magistrados indicados por sua
associação de classe no processo de elaboração do planejamento estratégico dos
tribunais; bem como da elaboração e execução dos orçamentos dos órgãos do Poder
Judiciário do Trabalho;
b) a estruturação de uma assessoria técnica especializada para se dedicar
ao estudo do orçamento da Justiça do Trabalho, com a contratação de um especialista na
área, que tem a importante missão de subsidiar de forma técnica o acompanhamento do
orçamento por parte das Associações Regionais e dos tribunais;
c) o oferecimento de novos cursos de planejamento e gestão
orçamentária, de modo a qualificar a participação dos juízes de primeiro e segundo
17
graus indicados pelas associações nos processos de planejamento e execução dos
orçamentos.
Afora isso, a Anamatra está compilando e acompanhando o
desenvolvimento desses processos de renovação administrativa, de cariz participativo,
pretendo entregar ao Conselho Nacional de Justiça relatórios periódicos dos avanços e
eventuais bloqueios, tudo no escopo de tornar realidade as propostas contidas nas
referidas resoluções.
Eis o desafio que ora se descortina diante dos atores do Poder Judiciário.
E ele somente será vencido na medida da vontade presente nessa busca por uma nova
gestão do Judiciário.
6. OS CONSELHOS SUPERIORES E O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO
A composição democrática e plural do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ) e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), respeitando também a
vontade de seus representados, significaria um avanço na efetivação do planejamento
estratégico para os tribunais.
À luz da gestão democrática e das definições do CNJ sobre a participação de
diversos atores no planejamento estratégico, a Anamatra lança o debate, primeiramente,
sobre o papel do CSJT como agente democratizador do Judiciário Trabalhista e como
ator fundamental do planejamento estratégico da justiça especializada.
Sob esse aspecto, e, em consonância com as definições da Resolução nº
70 do CNJ, há de se analisar as consequências da ausência dos juízes de primeiro grau
na formação do CSJT.
Ainda que se tenha assegurado assento e voz à Anamatra (Resolução
CSJT n. 1/2005), aspecto que tem contribuído para uma maior interlocução entre o
18
conjunto da magistratura do Trabalho e o Conselho, parece-me que a própria
Constituição estampa a necessidade de simetria com a arquitetura da composição do
CNJ, onde está presente a participação de todos os níveis da carreira da judicatura.
É dizer: se a Constituição deixou expressa que a composição do CNJ
deveria ser assim, é razoável interpretar que a faculdade temporária de se regulamentar
o funcionamento do CSJT também deveria observar semelhantes critérios.
Os aspectos negativos dessa composição foram detalhados em
documento encaminhado ainda em 2005, logo após a publicação da Resolução
Administrativa nº 1064/05, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), com a
regulamentação do CSJT. No documento, a Anamatra criticou o sistema
“excessivamente hierarquizado que implica na concentração do aparelhamento dos
serviços judiciários nas cúpulas administrativas, cujo acesso, na prática, não permite
uma abertura democrática”.11
Por essa razão, a Anamatra já apresentou ao CSJT uma proposta de
anteprojeto de lei de sua regulamentação legal, exigida constitucionalmente (art. 111-A,
§ 2º, inciso II, CF c/c art. 6º da Emenda n. 45/04), prevendo a participação de
magistrados de todos os níveis em sua bancada, notadamente por entender ser essencial
a representação de todas as instâncias da magistratura trabalhista na elaboração de
políticas estratégicas e de planejamento dos tribunais.
Especialmente após a Emenda 45/2004, que alargou a competência da
Justiça do Trabalho, houve mudanças no ambiente forense que precisam ser relatadas e
pensadas por todos.
11 "Princípios e Diretrizes da Anamatra para o CSJT, janeiro de 2005, disponível em
www.anamatra.org.br.
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Não obstante a composição do CSJT, a Anamatra vem lançando o seu
olhar também quanto à indicação dos representantes da Justiça do Trabalho no CNJ,
prerrogativa conferida ao Tribunal Superior do Trabalho.
Para tanto, desde 2007 elabora lista tríplice com nomes de juízes de 1º e
2º graus, feita a partir de uma eleição entre seus mais de 3.500 associados. A lista,
encaminhada ao TST, tem como objetivo sensibilizar o Tribunal quanto à importância
da participação majoritária dos magistrados do Trabalho na escolha de seus
representantes no CNJ.
Trata-se de preocupação que decorre de uma difícil constatação: somente
os juízes não podem participar, de forma coletiva, dessas indicações, o que não sucede
com o Ministério Público e com os representantes da Ordem dos Advogados, como bem
sintetizou Cláudio Montesso, ex-presidente da Anamatra, em texto sobre o assunto, do
qual extraio a seguinte passagem:
Curiosamente, no CNJ, somente a magistratura não escolhe seus
representantes, o mesmo não ocorrendo com o Ministério Público, que
decide, inclusive, os seus integrantes do correspondente conselho
daquela instituição. Os advogados escolhem seus representantes por
meio de votação dos membros do Conselho Federal da OAB. Os
representantes do Senado e da Câmara, como representantes do
parlamento, estão legitimados como representantes do povo. Mesmo os
tribunais superiores escolhem seus representantes com o voto de seus
pares. Mas à magistratura de todo o país tal direito é negado.
Não se argumente que a escolha pelo conjunto da magistratura
resultaria na representação de interesses meramente corporativos. Trata-
se de um argumento preconceituoso. Afinal, não se imputa aos outros
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conselheiros, escolhidos pelos seus pares, a mesma pecha. Não se
acusam os representantes do Ministério Público, da OAB e do Congresso
de defender interesses de seus eleitores. Além do mais, as associações de
magistrados têm mostrado, por sua atuação social e política, que é
possível conciliar interesses de classe com os interesses do país. O
mesmo se pode esperar de eventuais escolhidos (MONTESSO, Cláudio
José. O CNJ e a democratização do Judiciário. Correio Braziliense.
14.4.2009).
Essa preocupação me parece procedente, pois uma escolha mais ampla e
democrática dos membros dos conselhos poderia ser uma eficaz ferramenta de
participação dos magistrados em torno dos temas de gestão e de planejamento, pois
haveria um saudável debate prévio de ideias e de propostas, reforçando o engajamento
de todos numa seara que hoje não tem despertado o interesse geral da categoria.
De mais a mais, num regime democrático, é de se supor que essa participação
deve ter lugar em todas as instituições.
Trata-se, portanto, de uma crítica ao sistema de escolha, jamais em relação aos
colegas indicados para as três composições do CNJ até aqui, os quais demonstraram e
demonstram todas as qualidades para a função, e cujas contribuições estão a merecer
todo nosso apoio.
7. A PARTICIPAÇÃO DE MAGISTRADOS NA ADMINISTRAÇÃO DOS TRIBUNAIS: UMA
LEITURA DO POTENCIAL CONTIDO NO ART. 9º DA RESOLUÇÃO Nº 72 DO CONSELHO
NACIONAL DE JUSTIÇA
Ainda dentro de todo esse contexto de uma tomada de posição em favor
de uma gestão mais eficiente e participativa, como um dos elementos centrais de um
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planejamento estratégico para o Poder Judiciário, está o exame da ampliação dos atores
dos tribunais dedicados à atividade administrativa.
Tradicionalmente, tem prevalecido entre nós a ideia de que a função
judicante somente excepciona a atividade administrativa no que se refere aos
magistrados eleitos para cargos de direção. Na maioria dos tribunais, isso significa
dizer: presidente, vice-presidente e corregedor.
Contudo, pelas especificidades de atribuições, não podemos afirmar que
o corregedor exerce propriamente atividades administrativas nos tribunais. Resta, assim,
o presidente e o vice. Nossas tradições, porém, apontam para a conclusão de que a
participação do vice-presidente não ultrapassa, em boa parte dos casos, às substituições
legais, ainda que não se ignore a sinergia afirmada em alguns casos, em que, por
vontade da mesa diretora, prevalece a atuação comum nos temas mais importantes pelos
membros dirigentes.
Assim, é de diagnosticar que a função administrativa dos tribunais é
tarefa afeta, basicamente, ao presidente do tribunal, com o apoio dos servidores
ocupantes de cargos de direção.
Esse modelo, todavia, vem se mostrando cada dia mais ineficiente. É que
planejar e executar projetos envolvendo a magistratura e o ofício judicante não é missão
das mais fáceis. E mais: não costumam ter sucesso o diálogo e o engajamento os juízes.
Por outro lado, a forma de ser da atividade jurisdicional nem sempre
permite que o corpo funcional de apoio à direção do tribunal consiga desenvolver
adequadamente um trabalho de interlocução institucional entre a presidência e os
demais juízes, especialmente os de primeiro grau, que são em maior número e, não raro,
apresentam maiores pontos de tensão administrativa.
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Certamente em função desse quadro, muitos tribunais passaram a
experimentar um outro modelo, por meio do qual se convoca juízes de primeira
instância para atuarem, em forma de auxílio, com o presidente do tribunal, colaborando
com a instituição no planejamento e execução dos projetos aprovados pelo órgão, além
da atuação como interlocutores entre os diversos atores judicantes, máxime em razão do
pouco tempo disponível da presidência para desempenhar essa tarefa.
Essas experiências se mostraram tão exitosas que hoje fazem parte do
cotidiano de muitos tribunais, inclusive do Supremo Tribunal Federal, do Superior
Tribunal de Justiça e do Tribunal Superior Eleitoral.
O mesmo sucede com o próprio Conselho Nacional de Justiça, cuja
função de secretário-geral é exercida, na forma do regimento interno, por um juiz-
auxiliar da presidência do CNJ.12
Por isso, o CNJ adotou, na Resolução nº 72/09, regulamentação sobre a
matéria, com efeitos sobre todo o Poder Judiciário:
Art. 9º. A Presidência dos Tribunais, excepcionalmente e observados os
critérios desta Resolução, poderá convocar, observados os critérios
desta resolução, até dois (2) juízes para auxilio aos trabalhos da
Presidência e até dois (2) para a Vice-presidência, respectivamente.
§ 1º. Nos Tribunais com mais de trezentos (300) juízes, a convocação de
que trata o caput em numero acima do limite estabelecido deverá ser
justificada e submetida ao controle e referendo do Conselho Nacional de
Justiça.
Não se diga que essa convocação implica prejuízo jurisdicional. Dentro
de certas balizas, como apontadas pelo dispositivo acima, o auxílio pode melhorar, e
12 Aliás, é voz corrente na comunidade jurídica que essa função, exercida por um juiz, mostra-se uma dos
traços mais positivos da atuação do Conselho Nacional de Justiça.
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muito, o desempenho administrativo da estrutura judiciária, trazendo ganhos gerais
sobre a atividade jurisdicional.
Isso porque a melhoria das rotinas, dos fluxos de trabalho, dos sistemas
informatizados, da distribuição dos servidores, do regime de plantão dos juízes, da
distribuição dos feitos, dentre outros aspectos, é fator de racionalização geral da
atividade do Poder Judiciário, com potencial para encurtar prazos e emprestar maior
efetividade aos processos.
Não é por acaso que, em muitos lugares, a experiência de convocação
teve como motivo principal agregar os conhecimentos de juízes em áreas de gestão de
tecnologias da informação (TI) para viabilizar o desenvolvimento de ferramentas
eletrônicas apropriadas para o uso dos magistrados, tarefa que simplesmente não
poderia ser apenas confiada a técnicos, pois esses não conseguiriam harmonizar os
recursos tecnológicos aos limites e exigências legais para o desenvolvimento de um
processo judicial em espaço totalmente virtualizado.
Logo, creio que esse passo dado pela Resolução nº 72 é digno de nota e
rompe com diversos e vetustos paradigmas, realçando o caráter participativo do
planejamento estratégico do Poder Judiciário.
A mesma Resolução estendeu a possibilidade de convocação também às
corregedorias:
Art. 9º..................................................................................................
§ 2º. A Corregedoria-Geral junto aos Tribunais poderá solicitar a
convocação de juízes de primeiro grau em auxílio aos seus trabalhos
correicionais, sendo um (1) para cada cem (100) juízes efetivos em
exercício no Estado ou região sob sua jurisdição, devendo ser
expressamente justificada e submetida ao referendo do CNJ quando
exceder de 6 juízes.
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Essa convocação pode ser especialmente útil para permitir uma atuação
da corregedoria mais próxima dos juízes, o que nem sempre é possível em razão das
diversas atribuições apenas do corregedor.
Ademais, pela própria natureza das atividades correicionais, algumas
questões somente podem ser enfrentadas por juízes, em razão dos predicamentos que
cercam a função. Logo, esse auxílio tem potencial capacidade de reduzir conflitos e
tensões intrainstitucionais. Por outro lado, aproveitando-se da experiência presente dos
juízes auxiliares, a padronização de alguns procedimentos pode ser realizada de forma
mais ágil, porquanto eles podem atuar como interlocutores entre o corregedor e o corpo
de magistrados, ajudando na construção de consensos e na efetiva implementação de
práticas procedimentais mais eficazes.
O campo, enfim, é vasto para a construção de um Poder Judiciário que
substituta a hierarquização que imobiliza pela participação que dinamiza e melhora a
prestação dos serviços jurisdicionais, tudo dentro do espírito de garantir ao cidadão uma
justiça mais acessível, célere e substancialmente justa.
Nessa mesma quadra, vejo também a necessidade de se repensar o papel
dos juízes-diretores de foro na Justiça do Trabalho. Em geral, essa função não é
desempenhada com o potencial que poderia ter, notadamente dentro de um espírito de
descentralização administrativa, que teria, dentre outras tantos aspectos positivos, o
condão de preparar, progressivamente, o magistrado para o desempenho de outras
funções administrativas dentro do próprio tribunal, como a presidência mais adiante.
Na maioria dos tribunais que conheço, não é assegurado ao juiz-diretor
de foro qualquer margem de autonomia orçamentária ou administrativa, sendo presente
muita concentração de encargos na própria presidência do tribunal ou na diretoria-geral
e administrativa, essas últimas exercidas por servidores.
Há casos em que o diretor-geral do tribunal recebe delegação da
presidência para nomear servidores para funções comissionadas, conceder diárias e
férias, etc., e o diretor do foro não pode desempenhar nenhuma dessas tarefas.
A meu juízo, cuida-se de uma inversão hierárquica que se atrita com a
ideia de governo dos juízes.
O resultado dessa disfunção institucional é o afastamento e o
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descomprometimento dos juízes com as questões administrativas, implicando na
existência de um ‘arquipélago de juízes’, no lugar de um continente integrado e
participativo do corpo de magistrados.
É de se lembrar que só muito recentemente foi assegurado, de forma
nacional, a indicação do diretor de secretaria pelo juiz titular de Vara. Como se poderia
pensar em planejamento estratégico nessa época?
Creio, portanto, que fortalecer o papel dos juízes-diretores de foro é um
fator de desenvolvimento institucional, na medida em que descentraliza a
administração, trazendo o administrador para mais próximo dos problemas. Além disso,
como assinalei, é aspecto que pode contribuir para o aprimoramento de uma cultura
administrativa no seio dos magistrados, que vão, ainda no primeiro grau,
familiarizando-se com temas como orçamento público, licitações, regime jurídico dos
servidores, etc.
8. CONCLUSÃO
As propostas até agora adotadas pela Justiça do Trabalho buscam a
eficiência judiciária e não consideram adotar um caminho que possa reconhecer nas
suas ações a possibilidade de transformação social, na esteira dos objetivos
fundamentais da República.
Enquanto a marcha continuar, o rumo que tomamos não é importante,
pois não refletimos a respeito dele.
Esse primeiro aspecto implica em buscar caminhos que levem a solução,
não apenas dos processos judiciais, mas dos problemas neles encontrados. É dever da
justiça exercer seu escopo pedagógico, lançando luzes nas situações “litigiogênicas”,
isto é, geradoras de conflitos, de litígios judiciais.
Essa busca pressupõe o autoconhecimento da instituição e a constatação
de que alguns dos seus principais atores estão alijados da tomada de decisões, como é o
caso da maior porção dos juízes.
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O modelo gerencial da administração dos tribunais é um simulacro do
modelo da competência funcional no processo judiciário, mas não confere ao juiz de
primeiro grau um papel decisório ou de gestão.
O governo dos juízes, previsto na Constituição brasileira, é fundamental
na sustentação do projeto de mudanças.
Assim, o Judiciário que queremos deve ser aquele que saiba qual o
caminho deve seguir: "Comece pelo começo, siga até chegar ao fim e então, pare"
(Lewis Carroll).