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FELIPE DANTAS DE ARAÚJO
DIREITO ANTICORRUPÇÃO NO BRASIL:
Internacionalização, Política Interna e Novos Paradigmas
Sancionatórios e Institucionais
Brasília
2010
FELIPE DANTAS DE ARAÚJO
DIREITO ANTICORRUPÇÃO NO BRASIL:
Internacionalização, Política Interna e Novos Paradigmas
Sancionatórios e Institucionais
Dissertação apresentada como requisito parcial
para conclusão do Programa de Mestrado em
Direito do Centro Universitário de Brasília –
UNICEUB.
Orientador: Prof. Dr. Marcelo Dias Varella
Brasília
2010
FELIPE DANTAS DE ARAÚJO
DIREITO ANTICORRUPÇÃO NO BRASIL:
Internacionalização, Política Interna e Novos Paradigmas
Sancionatórios e Institucionais
Dissertação apresentada como requisito parcial para
conclusão do Programa de Mestrado em Direito do
Centro Universitário de Brasília – UNICEUB.
Orientador: Prof. Dr. Marcelo Dias Varella
Brasília, 02 de dezembro de 2010.
Banca Examinadora:
________________________________________
Prof. Dr. Marcelo Dias Varella
Orientador
___________________________________
Prof.ª Dr.ª Maíra Rocha Machado
Examinadora
___________________________________
Prof. Dr. Roger Stiefelmann Leal
Examinador
___________________________________
Prof. Dr. Roberto Freitas Filho
Examinador
___________________________________
Prof. Dr. Luiz Eduardo de Lacerda Abreu
Examinador
SUMÁRIO
Resumo ....................................................................................................................................... 1
Abstract ....................................................................................................................................... 2
Lista de Ilustrações (tabelas, gráficos, etc.) ................................................................................ 3
Lista de Siglas ............................................................................................................................. 4
Introdução ................................................................................................................................... 5
Capítulo 1: Internacionalização da Anticorrupção ..................................................................... 9
1.1 Regimes Globais de Proibição: Traçando o Paralelo entre Antilavagem de Dinheiro e
Anticorrupção.......................................................................................................................10
1.2 Dimensões da Internacionalização da Anticorrupção....................................................18
1.3 Dimensão Criminal da Anticorrupção............................................................................20
1.4 Dimensão Administrativa da Anticorrupção..................................................................23
1.5 Positivação da Anticorrupção: FCPA, OCDE, OEA, ONU...........................................29
Capítulo 2: Política Interna Anticorrupção ............................................................................... 35
2.1 ENCLA: origens e políticas públicas de internalização de regimes internacionais de
proibição...............................................................................................................................36
2.2 Complexidade da Anticorrupção:ENCCLA e outras políticas públicas anticorrupção.46
2.3 Análise da ENCCLA por suas diretrizes........................................................................57
Capítulo 3: Corrupção, Risco e Responsabilidade ................................................................... 70
3.1 Um Conceito de Corrupção?......................................................................................... 72
3.2 Expansão do Direito Penal e natureza supraindividual do bem jurídico protegido pela
tipificação penal de atos de corrupção.................................................................................76
3.3 Risco e Responsabilidade...............................................................................................82
3.4 Administrativização do Direito Penal ou Direito de Intervenção..................................88
3.5 Perspectivas concretas: rumo a um Direito de Intervenção Anticorrupção e regras
jurídicas primárias e secundárias na construção de um sistema jurídico.............................96
Capítulo 4: Proposições Sancionatórias do Direito de Intervenção Anticorrupção ................. 99
4.1 Marco Principiológico....................................................................................................99
4.2 Política Criminal...........................................................................................................104
4.3 Conteúdo Sancionatório – Prevenção Normativa x Prevenção Técnica......................108
4.4 Espécies de Sanções.....................................................................................................120
Capítulo 5: Proposições Institucionais do Direito de Intervenção Anticorrupção –
Legitimidade e Competências de uma Agência Anticorrupção Interventiva ......................... 134
5.1 Conceito e Competências de Agências Anticorrupção................................................135
5.2 Por uma Agência Anticorrupção Interventiva (ou Reguladora)...................................144
5.3 Legitimidade das Agências Anticorrupção..................................................................151
Conclusão ............................................................................................................................... 163
Referências ............................................................................................................................. 173
ANEXO A – DIRETRIZES ENCLA/ENCCLA DE 2004 A 2010 ........................................ 183
ANEXO B – LISTA DE MEMBROS DA ENCCLA ............................................................ 213
ANEXO C – DETALHAMENTO ORÇAMENTÁRIO DAS AÇÕES ANTICORRUPÇÃO
DO PODER EXECUTIVO .................................................................................................... 215
APÊNDICE A – CLASSIFICAÇÃO DAS DIRETRIZES DA ENCLA/ENCCLA .............. 218
APÊNDICE B – ESPÉCIES TÍPICAS DE ILÍCITOS ADMINISTRATIVOS E PENAIS DE
CORRUPÇÃO NO DIREITO INTERNO BRASILEIRO, SEGUNDO AS CONVENÇÕES
ANTICORRUPÇÃO INTERNACIONAIS ........................................................................... 227
Dedico este trabalho:
À Advocacia-Geral da União, que por meio de sua
Escola da AGU financiou este estudo;
À Secretaria de Prevenção da Corrupção e
informações Estratégicas da Controladoria-Geral da
União, pela inspiração oriunda do trabalho;
Ao mestrado do UniCEUB, pela sólida formação
propiciada;
A todas as pessoas destas instituições que de
alguma forma me acompanharam nesta jornada, e,
sobretudo, à família e aos amigos, que a tornaram menos
árdua.
Uma flecha no ar
Mas não é o céu que a leva
Antes, um arco
1
Resumo
A corrupção já era tratada pelo sistema jurídico como um ilícito, mesmo antes do surgimento
do respectivo regime global de proibição, e formas penais para lidar com o problema foram
concebidas, com maior ou menor grau de sofisticação, por diversas culturas passadas. A
corrupção é agora vista como incompatível com a vida política das sociedades modernas, e
não é mais tolerada. O direito vale-se da sua técnica mais tradicional, a ameaça de punição,
dirigida contra aqueles que praticarem as condutas definidas como corrupção no âmbito do
próprio direito. A sociedade de risco tem acarretado, no direito, a criação e expansão da
categoria dos bens jurídicos supraindividuais, onde inserimos a tutela dos atos de corrupção.
A transição de risco externo para risco manufaturado na sociedade atual está ocasionando uma
crise de responsabilidade, que em implica mudança nas correlações entre risco,
responsabilidade e decisões. Dessa crise emerge uma “irresponsabilidade organizada”: ela
aumenta a diversidade de riscos criados pelo próprio homem, pelos quais as pessoas e as
instituições são naturalisticamente imputáveis, e acarreta desvios extremados, como a
expansão do direito penal. O fato do direito penal preocupar-se com a corrupção não é novo,
mas saberes como a economia, a ciência política, a administração pública e até a ética
aplicada e a psicologia consolidaram uma gama considerável de conhecimentos e informações
sobre a corrupção, suas causas, efeitos, circunstâncias, tipologias, probabilidades. Face à
expansão do direito penal e levando em conta outros saberes, é possível cogitar como a
tecnologia jurídica pode se configurar para melhor aplicar esses novos conhecimentos sobre o
fenômeno da corrupção na tarefa última de prevenir sua ocorrência da forma mais eficiente,
mas também mais justa possível. Este trabalho esmiúça modelos de uma nova tecnologia
jurídica, possivelmente adequada para se lidar com a corrupção, mas que tentam se apartar de
paradigmas do direito penal tradicional, no sentido de uma administrativização do direito
penal. Adotada a nomenclatura de Direito de Intervenção, esta é consolida com um exercício
prospectivo de tentar concretizar um modelo jurídico de direito interventivo voltado para se
lidar com os problemas da corrupção, enumerando e analisando quais seriam as características
desejáveis de um Direito de Intervenção Anticorrupção, ao mesmo tempo em que se fornecem
exemplos concretos de institutos jurídicos atuais, presentes no direito pátrio e nas convenções
internacionais anticorrupção internalizadas pelo Brasil.
PALAVRAS-CHAVE: Convenções Internacionais contra a Corrupção – Expansão do
Direito Penal – Administrativização do Direito Penal – Sociedade do Risco – Direito de
Intervenção Anticorrupção.
2
Abstract
Corruption was already handled by the legal system as an illegal practice, even before the
arrival of its global prohibition regime, and criminal law ways to deal with this problem were
already designed, with varying degrees of sophistication, by various past cultures. However,
corruption is now seen as incompatible with the political life of modern societies, and is no
longer tolerated. The law uses its more traditional technique, the threat of punishment directed
against those who practice the conduct described as corruption within the law itself. The risk
society has led, in law, to the establishment and expansion of the category of collective legal
goods, where we insert the regulation of acts of corruption. The transition from external risk
to manufactured risk in modern society is causing a crisis of responsibility, which implies a
change in the correlations between risk, responsibility and decisions. From this crisis emerges
an “organized irresponsibility”: it increases the diversity of risks created by man, by which
people and institutions are naturalistically blamed, and causes extreme deviations, as the
expansion of criminal law. The fact that criminal law be concerned with corruption is not
new, but sciences like economy, political science, public administration and even psychology
and applied ethics consolidate a considerable range of knowledge and information about
corruption, its causes, purposes, conditions, types, probabilities. Given the expansion of
criminal law and taking into account those other sciences, it is possible to wonder how the
legal technology can be configured to best apply this new knowledge about the phenomenon
of corruption in the task of preventing its occurrence in the most efficient but also more
equitable possible way. This dissertation deeply analyzes models of a new legal technology,
possibly suitable for dealing with corruption, but that at the same time attempts to depart from
traditional paradigms of criminal law, towards a merging of criminal law and administrative
law. The adopted nomenclature of Intervention Law is reinforced by a prospective exercise of
trying to achieve a legal model of law aimed at intervening to deal with the problems of
corruption, listing and analyzing what would be the desirable characteristics of an Anti-
Corruption Intervention Law, while are provided concrete examples of existing legal
institutions present in Brazilian law and international anti-corruption conventions internalized
by Brazil.
KEY-WORDS: International Conventions against Corruption – Expansion of Criminal Law
– Administrativization of Criminal Law – Risk Society – Anti-Corruption Intervention Law
3
Lista de Ilustrações (tabelas, gráficos, etc.)
Ilustração 1: Alegoria do Sistema de Integridade ................................................................... 28
Ilustração 2: Colunas vs. Políticas do Sistema de Integridade ............................................... 28
Ilustração 3: Réus, Condenados, Inquéritos e Ações Penais Sobre Lavagem de Dinheiro .... 44
Ilustração 4: Ações Anticorrupção por Entidade .................................................................... 51
Ilustração 5: Chave de Classificação das Diretrizes da ENCCLA .......................................... 62
Ilustração 6: Tabulação da Classificação das Diretrizes da ENCCLA ................................... 64
Ilustração 7: Diretrizes por Ano .............................................................................................. 65
Ilustração 8: % das Diretrizes quanto à Natureza ................................................................... 65
Ilustração 9: % das Diretrizes quanto à Dimensão ................................................................. 66
Ilustração 10: % das Diretrizes quanto ao Tema ..................................................................... 67
Ilustração 11: % das Diretrizes quanto à Instrumentalização ................................................. 68
Ilustração 12: % dos Protagonistas quanto à Natureza ........................................................... 68
Ilustração 13: 10 Maiores Protagonistas da ENCCLA ........................................................... 69
Ilustração 14: Estrutura da Obrigação Penal ......................................................................... 115
Ilustração 15: Estrutura da Obrigação Interventiva .............................................................. 116
4
Lista de Siglas
ACA – Agência Anticorrupção, acrônimo de anti-corruption agency
ACU – Unidade Anticorrupção, acrônimo de anti-corruption unit
AML – Antilavagem de Dinheiro, acrônimo de Anti-Money Laundering
CGU – Controladoria-Geral da União
COAF – Conselho de Controle de Atividades Financeiras
CTF – Contra o financiamento do terrorismo, acrônimo de Counter Terrorism Financing
DRCI – Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional do
Ministério da Justiça
ENCCLA – Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro
FCPA – Lei contra as práticas corruptas no estrangeiro, acrônimo de Foreign Corrupt
Practices Act
GAFI / FATF – Grupo de Ação Financeira Internacional, ou Financial Action task Force
GAFISUD – Grupo de Ação Financeira da América do Sul contra a Lavagem de Dinheiro e o
Financiamento do Terrorismo
GGI-LD – Gabinete de Gestão Integrada de Prevenção e Combate à Lavagem de Dinheiro
KYC – “Conheça o seu cliente”, acrônimo de Know Your Customer
JUG – Joined-up Government
MESICIC – Mecanismo de Acompanhamento da Implementação da Convenção
Interamericana contra a Corrupção
NCCT – Países e territórios não-cooperantes [às recomendações do GAFI], acrônimo de non
cooperative countries and territories.
NIS – Sistema Nacional de Integridade, acrônimo de National Integrity System
OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OEA – Organização dos Estados Americanos
ONU – Organização das Nações Unidas
SAR – “Relatório de operação suspeita”, acrônimo de Suspicious Activity Report
SPCI – Secretaria de Prevenção da Corrupção e Informações Estratégicas da Controladoria-
Geral da União
UIF – Unidade de Inteligência Financeira
UNODC – Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, acrônimo de United Nations
Office on Drugs and Crime
5
Introdução
Apesar da amplitude do tema, trataremos da corrupção em um aspecto bastante
específico: partindo da constatação da complexidade das políticas internas que visam o
cumprimento de um regime internacional de anticorrupção, proporemos novos modelos
sancionatórios e institucionais visando o resgate da racionalidade jurídica em um contexto de
expansão do direito penal e de quebras de barreiras entre áreas do direito (administrativização
do direito penal).
Formas não-penais para lidar com o problema foram concebidas, com maior ou menor
grau de sofisticação, por diversas culturas passadas. O primeiro-ministro brâmane de
Chandragupta, escrevendo 2300 anos atrás, listou 40 formas de desviar dinheiro do Estado.
Na China antiga, funcionários públicos recebiam um adicional chamado Yang-li, que
significava “provento da incorruptibilidade” (o qual aparentemente falhava em alcançar seu
propósito) (KLITGAARD, 1988, p. 7). Entretanto, a forma tradicional de se lidar com a
corrupção é mediante o uso do sistema penal – outras medidas administrativas, por mais que
se acredite que tenham efeitos moralizadores, eram propostas e aplicadas devido a um juízo
de eficiência ou de racionalização de determinado setor, e não pela corrupção em si.
A corrupção é tão antiga quanto o próprio Estado. Embora o que seja legal ou ilegal
dependa de país para país, a maioria dos Estados penaliza formas mais ou menos coincidentes
de suborno, peculato, extorsão e fraude em contratos públicos. Diferentemente da lavagem de
dinheiro (regime com o qual compararemos a anticorrupção), a corrupção já era tratada pelo
sistema jurídico como um ilícito, mesmo antes do surgimento do respectivo regime global de
proibição.
Entretanto, a corrupção vem há duas décadas passando por um processo de
problematização em nível internacional. Analisaremos como se deu essa internacionalização
da anticorrupção no Capitulo 1, descrevendo-a enquanto um regime global de proibição.
Observe-se desde já que o conteúdo das medidas e políticas propostas pela anticorrupção
pode ser dividido, do ponto de vista jurídico, em duas dimensões, uma criminal e outra
administrativa. Do lado da dimensão administrativa, preocupações com desenvolvimento
econômico e social, eficiência do Estado e gestão transparente do patrimônio publico. Na
dimensão penal, ressaltam-se o paralelismo e a sobreposição, em alguns pontos, da
anticorrupção com outro regime global de proibição: a antilavagem de dinheiro, ambos
concorrendo para o modelo de enfrentamento penal do fenômeno da criminalidade
6
organizada. Nesse caso, o contexto é de atuação da comunidade internacional sobre um
problema que, por si só, desconhece fronteiras, vez que a criminalidade organizada
transnacional, ao mesmo tempo em que consiste no comércio internacional de bens ilícitos de
naturezas diversas, se beneficia dos espaços de anomia entre uma jurisdição e outra.
Contemporaneamente, acredita-se que a corrupção mina a boa governança e destrói a
confiança pública na justiça e na imparcialidade da administração pública. Esses efeitos são
maximizados pelas funções do Estado moderno, que se apropria tributariamente de boa parte
da riqueza gerada pelos particulares, e a reverte em serviços públicos na tentativa de corrigir
ou mitigar desigualdades sociais. Em casos extremos de corrupção endêmica, a própria
existência do Estado coloca-se em perigo – o “combate” à corrupção aparece na propaganda e
no discurso legitimador de praticamente todos os grupos revolucionários modernos, armados
ou organizados em partidos. Mas também se acredita que a corrupção pode distorcer
seriamente a concorrência e pôr em perigo o desenvolvimento econômico, quando, por
exemplo, as empresas subornam agentes públicos para vencer licitações. Com a globalização
das estruturas econômicas e financeiras, bem como com a integração dos mercados nacionais
em um mercado global, as decisões tomadas sobre os movimentos de capitais ou
investimentos em um país podem fazer efeitos em outros. Corporações multinacionais e
investidores internacionais desempenham um papel determinante na economia atual e não são
limitados por fronteiras, e manter as regras do mercado leais e transparentes é tanto do
interesse dos operadores econômicos, como de todos os afetados pela economia global.
O exame dessa conjuntura inicia-se com a adoção pelo Brasil de diversas convenções
internacionais que representam, do ponto de vista interno, a introdução de um regime
internacional de proibição voltado à anticorrupção, o qual se manifesta internamente por meio
de uma política legislativa de adequação de nosso ordenamento jurídico aos seus paradigmas.
Veremos que o regime da anticorrupção é naturalmente complexo no Capítulo 1, onde
descreveremos os processos internacionais de produção e expansão do regime global de
proibição da anticorrupção, a partir do paralelismo com o regime global de proibição da
antilavagem de dinheiro e da categorização da bidimensionalidade (administrativo-criminal)
da anticorrupção.
No Capítulo 2 apresentaremos os processos de internalização no Brasil desse regime
de proibição, demonstrando a sua complexidade por meio de uma análise temático-
quantitativa das diretrizes da ENCCLA (Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à
7
Lavagem de Dinheiro), destacando o padrão de paralelismo com a antilavagem e a
bidimensionalidade administrativo-criminal. As políticas públicas que concretizam a adoção
interna da anticorrupção demonstram a grande complexidade desse regime: o paralelismo
entre a anticorrupção e a AML não pára em nível internacional e a bidimensionalidade
administrativo-criminal da anticorrupção é intensificada internamente com a polarização
institucional de cada uma dessas dimensões.
A complexidade da anticorrupção, presente tanto na internacionalização quanto nas
políticas públicas internas desse regime, também apresenta percalços para a teoria jurídica,
notadamente no contexto da administrativização e da expansão do direito penal, em um
sintoma de amalgamação entre direito e risco. As políticas de internalização da anticorrupção
denunciam a complexidade do regime por meio da sua dimensão dupla – administrativo-
criminal –, da clivagem institucional, e de preocupações ao mesmo tempo punitivas e
preventivas. A complexidade das políticas anticorrupção é enxergada pelo direito como a
retirada de marcos precisos, como o recuo de noções jurídicas nitidamente delimitadas, como
a de culpa penal ou de responsabilidade civil, em proveito de noções com fronteiras mais
imprecisas, como periculosidade e solidariedade. Nessa retirada de marcos, não só o conteúdo
das normas é afetado, mas a sua própria organização, desaparecendo as divisões que separam
as grandes categorias ou disciplinas nas quais se repartem as diversas espécies de direito:
penal, civil e administrativo. E isso pode significar mais do que um ajuste das técnicas
jurídicas à complexidade do mundo pós-industrial, pois põe em causa o princípio da razão:
quando os contornos do direito de punir se perdem entre uma legalidade muito enfraquecida e
uma repressão administrativa em pleno desenvolvimento, enfraquece-se a qualidade de
racionalidade interna e sistêmica do direito, o que causa, como demonstraremos, um sistema
jurídico menos justo. Assim, no Capítulo 3 identificaremos a natureza do bem jurídico
protegido pelas normas anticorrupção, dentro de um contexto de perspectivas e problemas
modernos de responsabilidade jurídica (sociedade de risco, expansão do direito penal,
administrativização do direito penal).
A partir dos antecedentes da internacionalização de um complexo regime de proibição
(descrita no Capítulo 1), da internalização do regime da anticorrupção, sob o ponto de vista
das políticas públicas e da política criminal, também de forma complexa (demonstrada no
Capítulo 2), e da situação dessa conjuntura no contexto das recentes teorizações do direito
penal sobre expansão punitiva, administrativização do direito penal, e direito penal do risco
(Capítulo 3), propomos um paradigma/modelo jurídico racional de sancionamento e desenho
8
institucional denominado direito de intervenção anticorrupção (Capítulos 4 e 5). Dados os
problemas de como ocorreu a internalização no Brasil do regime global de proibição da
anticorrupção, e de como esse fenômeno se insere em um contexto de complexidade, de
sociedade de risco e de expansão do direito penal, e, dada a complexidade de todo esse
cenário, surge a indagação se há, e quais são, as alternativas de modelos jurídicos que podem
contribuir para trazer ou aumentar a racionalidade/justiça do regime da anticorrupção. A
hipótese, adotada nesta dissertação, é a de que uma nova classe de direito, o direito de
intervenção anticorrupção, resultante da administrativização do direito penal, ao mesmo
tempo em que se apresenta como alternativa à expansão do direito penal, filia-se a um
programa de direito penal mínimo, e dá racionalidade jurídica à complexa bidimensionalidade
(administrativo-penal) internacional e interna do regime da anticorrupção, mantendo sua
legitimidade.
9
Capítulo 1: Internacionalização da Anticorrupção
O conjunto de regras e políticas que denominamos de anticorrupção deriva
majoritariamente de um movimento internacional que possui como objetivo a erradicação ou
minoração da corrupção. Uma das formas mais expressivas de atuação desse movimento é a
produção de normas de direito internacional a respeito desse tema, mas estas, ainda assim, são
apenas a conseqüência de uma intrincada rede de atores nacionais e internacionais de
naturezas diversas: países, grupos, organizações internacionais públicas e não-
governamentais.
Uma das razões da predominância da anticorrupção nas relações internacionais é um
raro consenso entre os Estados quanto ao tema. A origem da anticorrupção nas relações
internacionais é substancialmente mais complexa, como se demonstrará a seguir, a adequação
de métodos é disputada, formas de mensuração da corrupção são denunciadas1, mas o
consenso de ser “contra a corrupção” é avassalador. Pode-se questionar a regulação
internacional de determinadas substâncias psicoativas por serem estas ligadas a culturas
tradicionais e a efeitos da altitude sobre a fisiologia humana. Definições universalizantes de
direitos humanos são invariavelmente taxadas de eurocêntricas. Simpatizantes e detratores se
apegam a visões distintas, estes à violência dos métodos, aqueles à justiça da causa, no debate
de qualificar um ato como terrorista ou como de resistência. Mas não há como não ser contra
a corrupção. Na perspectiva tradicional da preponderância dos Estados como sujeitos do
direito internacional, a corrupção é vista como um perigo para a existência dos próprios
Estados. Em uma agenda mais contemporânea, de prevalência de direitos humanos e de
elevação da proteção do indivíduo no direito internacional, o consenso atual relaciona
inversamente corrupção a desenvolvimento humano e capacidade de investimento em
infraestrutura, saúde e educação. Regimes corruptos praticam delitos coletivos não só contra o
patrimônio de sua população presente, mas contra o direito de as gerações futuras se
beneficiarem do desenvolvimento que não ocorreu. Todo esse movimento internacional da
anticorrupção mobiliza recursos e esforços de diversos atores, e, numa próxima instância,
alcança força suficiente para se impor e convencer os Estados a internalizarem suas políticas e
suas normas.
1 Como o índice de percepção da corrupção produzido pela ONG internacional Transparência Internacional –
este índice é discutido porque evolução da estrutura de persecução contra casos de corrupção redunda em
aumento do número de casos, maior discussão interna na mídia, o que gera impactos óbvios na percepção do
fenômeno. De forma mais sutil, as políticas anticorrupção envolvem também o aumento de condutas ou tipos
penais englobados na chave semântica da corrupção, ver subcapítulo 3.2 sobre a expansão do direito penal.
10
No âmbito internacional, a anticorrupção faz parte de um contexto de expansão do
direito internacional, justamente no aspecto de ser um tema relativo a uma área
tradicionalmente considerada como sendo interna aos Estados (política criminal e defesa do
patrimônio público). Se a expansão do direito internacional se caracteriza, no plano material,
por uma multiplicação dos temas que passam a ser ligados a ele como fontes de inspiração do
conteúdo na formação desse direito, no plano formal, a expansão das normas restritivas e das
soft norms também é notável (VARELLA, 2005, pp. 136 e 164). Todavia, como o conjunto
das normas e princípios resultantes da descentralização das fontes do direito internacional
nem sempre é coerente, surgem diversos focos de complexidade (incoerência sistêmica), que
são reproduzidos em nível interno (como veremos no Capítulo 2).
Para entender a complexidade do regime de internacionalização da anticorrupção de
forma apropriada é adequado traçar um paralelo com outro regime global de proibição muito
relevante, que precedeu a internacionalização da anticorrupção e que com ela guarda muitas
conexões: trata-se do regime da antilavagem de dinheiro (1.1). Mas adiantamos que, apesar de
relacionado, o regime da antilavagem de dinheiro diferencia-se do regime da anticorrupção
não apenas quanto ao conteúdo, mas quanto a suas dimensões (1.2) criminal (1.3) e
administrativa (1.4) e quanto ao fato de a anticorrupção encontrar suporte jurídico em um
conjunto de normas internacionais tão ou mais especializado do que o da antilavagem (1.5),
todas estas características distintivas contribuindo para a grande complexidade da
anticorrupção.
1.1 Regimes Globais de Proibição: Traçando o Paralelo entre Antilavagem de
Dinheiro e Anticorrupção
A literatura da internacionalização do direito penal aponta que a problematização
criminal da lavagem de dinheiro é um dos principais exemplos do sucesso de um movimento
internacional em provocar alterações substanciais nos regimes jurídicos internos dos Estados.
Sucesso este demonstrado pelo fato de que, em questão de uma década, uma recém-criada
organização internacional, o GAFI2 (Grupo de Ação Financeira Internacional, também muito
2 Criado em 1989 no âmbito do G-7 e da Comunidade Européia. Em 1990 as recomendações foram estendidas
aos demais membros da OCDE, Hong Kong e Cingapura, e em 1999 ao Brasil e Argentina.
11
referenciado no seu acrônimo inglês FATF, Financial Action Task Force) conseguiu expandir
para um terço dos países do mundo seu modelo de persecução penal e de inteligência
financeira aplicados contra a lavagem de dinheiro. Demonstraremos esse contexto do
surgimento da antilavagem de dinheiro, doravante AML3, como um regime global de
proibição, concluindo neste ponto com o paralelismo desse regime internacional com a
anticorrupção, o qual redundará na adoção interna pelo Brasil de uma política comum para
enfrentamento da lavagem de dinheiro e da corrupção (tema do Capítulo 2).
Todavia, não é o objetivo desta dissertação tratar exaustivamente do tema lavagem de
dinheiro, mas tão somente do necessário para estabelecer as relações iniciais de paralelismo
do regime da AML com o da anticorrupção. Dessa forma, trataremos da definição lavagem de
dinheiro e sua relação com o crime organizado, especialmente o transnacional (I),
característica esta que justifica o desenvolvimento de um verdadeiro regime internacional de
proibição (II). Como prática associada ao controle da criminalidade moderna, a AML é
formada por técnicas penais deveras peculiares (III), técnicas estas que se comunicam, de
alguma forma, ao regime global de proibição que é tema principal deste trabalho, a
anticorrupção (IV).
(I) Impulsos muito primitivos do ser humano estão ligados ao ato de esconder ou
disfarçar a natureza ou a origem criminosa do proveito de um delito praticado (DE CARLI,
2006, p. 68). Toda transgressão a normas ativa vários mecanismos de defesa, destinados,
fundamentalmente, a evitar a punição. Esses mecanismos operam com duas finalidades: negar
o crime e tornar possível usufruir os ganhos por ele gerados. A lavagem de dinheiro opera
nessa dimensão, em primeiro lugar, procurando negar um crime anterior, tentando apagar uma
evidência dele: o ganho indevido resultante deixa de ser aparente. Em segundo lugar, após
múltiplas operações de estratificação do dinheiro sujo, há um momento no qual esse capital é
integrado à normalidade financeira, revertido em bens ou participações em empresas, e passa
a ser usufruído.
Todavia, o direito penal tradicional já possuía ferramentas para coibir esse instinto
natural do criminoso de esconder vestígios materiais do seu crime, para aumentar as chances
de não ser punido, ou para facilitar o gozo patrimonial decorrente do ilícito: os crimes de
receptação ou ocultação de cadáver, por exemplo, tinham suas objetividades penais dirigidas
3 Acrônimo em inglês de “Anti-Money Laundering”.
12
contra crimes patrimoniais ou contra a vida praticados anteriormente4. Não obstante a
existência dessas ferramentas, o que intriga na lavagem de dinheiro é o seu surgimento
recente, enquanto crime, e a súbita propagação de regimes penais e administrativos que se
voltam contra essa prática. Apesar de o crime de lavagem de dinheiro ser relativamente novo,
tendo sido primeiro tipificado em meados dos anos 80 na Itália e nos EUA, em poucos anos, a
partir da década de 90, principalmente, reproduziu-se em dezenas de Estados.
(II) Há uma série de fatos que recebem o tratamento de crime internacional, do qual a
fórmula mais genérica é composta por dois elementos: (1) a existência de uma questão
qualquer a qual se atribua condição de crime; e (2) o envolvimento de uma pluralidade de
Estados nessa questão, que pode advir tanto da forma de criação ou produção do direito penal,
quanto da forma de aplicação do direito penal determinada pela atividade jurisdicional via
cooperação jurídica internacional (MACHADO, 2004, p. 21).
Seguindo-se a uma fase de adoção de instrumentos legais internacionais e filiação a
organismos ou redes específicas (fase de unificação), há um processo de recepção do direito
internacional unificado pelos direitos internos, caracterizada esta recepção por processos de
uniformização (“inserção nos direitos nacionais de regras idênticas, mas não únicas”) e
harmonização “(realização, pautada no respeito a pluralidade dos direitos estatais de uma
equivalência de regras nacionais”) (MACHADO, 2004, p. 21). Assim, no processo de
reprodução intranacional da AML foram adotados regimes jurídicos e políticas antilavagem
praticamente idênticos, padronizados até mesmo em nível institucional (como no exemplo das
Unidades de Inteligência Financeira – UIFs5). Criou-se, ainda, um elaborado conjunto de
medidas e de organismos internacionais de cooperação que visam a implementação de uma
política uniforme global de prevenção e repressão à lavagem de dinheiro (DE CARLI, 2006,
p. 133). Esses transplantes normativos de uma jurisdição para outra são apontados pelo direito
comparado como a principal causa de mudança nos sistemas jurídicos (CHOUDHRY, 2006,
p. 17).
Delineamos, assim, alguns motivos para a reprodução global da AML, que vai além da
padronização jurídica: (1) transnacionalidade das movimentações financeiras; (2)
4 Código Penal:
Art 180. Adquirir, receber ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de
crime, ou influir para que terceiro de boa fé a adquira, receba ou oculte:
Art. 211 - Destruir, subtrair ou ocultar cadáver ou parte dele: 5 A UIF do Brasil é o COAF: Conselho de Controle de Atividades Financeiras, órgão ligado ao Ministério da
Fazenda.
13
transnacionalidade da prática criminosa antecedente; (3) além de “hermética e cheia de
siglas”, a AML é de fato um complexo de regimes jurídicos e políticas públicas específicas
concertadas. Para o sistema funcionar, não basta que apenas alguns itens do modelo sejam
reproduzidos – sua adoção se dá em blocos: a AML envolve não apenas a tipificação do crime
de lavagem de dinheiro; mas a criação de normas regulamentares específicas para diversos
setores econômicos (bancos, seguros, valores mobiliários, imóveis, jogo e loterias, jóias,
previdência, fomento mercantil, dentre outros); e também a criação de instituições
especializadas, como unidades de investigação e persecução, e de inteligência financeira
(UIFs). Antecipando o papel da ENCCLA6, a própria coordenação da atuação de todos esses
atores, submetidos a tantos regulamentos diferentes, é um esforço considerável.
A esses motivos somam-se mais quatro ligados ao conceito de um “regime
internacional de proibição”, de Nadelmann: (1) a inefetividade de regimes nacionais coibirem
apenas internamente atividades transnacionais; (2) intenção de eliminar paraísos para refúgio
de criminosos; (3) padronização que torna possível a cooperação jurídica internacional entre
países de tradições jurídicas distintas; e (4) expectativa de cooperação entre países, que, caso
não cumprida, cria certo embaraço internacional (NADELMANN, 1990, p. 481)7.
Um “regime internacional de proibição” não abrange, apenas, normas materiais
identificando condutas a serem proscritas também internamente, mas também entes
internacionais dedicados ao seu enforcement. No caso da AML, esse destaque vai para o
GAFI que funciona, em termos operacionais, como órgão central da comunidade formada
pelas diversas UIFs mundo afora, as quais usam a estrutura fornecida pelo GAFI como canal
para troca de informações. O GAFI também possui um caráter supranacional, ao elaborar
recomendações e avaliar se os seus membros estão adimplentes ou não com as obrigações que
6 Ver subcapítulo 2.1.
7 O trecho é ilustrativo ao ponto de merecer ser transcrito na íntegra:
The most important inducement to the creation of international prohibition regimes is the
inadequacy of unilateral and bilateral law enforcement measures in the face of criminal activities
that transcend national borders. No government possesses sufficient resources to police effectively
all of the high seas or to investigate and punish the array of illicit activities that are committed
abroad and harm its interests or citizens. Nor is any government willing, except on rare occasions,
to unilaterally pursue a criminal when doing so involves a blatant affront to another state's external
sovereignty. International prohibition regimes are intended to minimize or eliminate the potential
havens from which certain crimes can be committed and to which criminals can flee to escape
prosecution and punishment. They provide an element of standardization to cooperation among
governments that have few other law enforcement concerns in common. And they create an
expectation of cooperation that governments challenge only at the cost of some international
embarrassment. In these respects, international prohibition regimes amount to more than the sum
of the unilateral acts, bilateral relationships, and international conventions that constitute them.
14
elas representam8. Grosso modo, as recomendações do GAFI consistem em medidas que os
Estados-membros devem adotar para adequar seu regime e políticas internas ao padrão
internacional de proibição AML. Os países considerados não-adimplentes entram para a lista
de “non cooperative countries and territories”, NCCT. Além de perderem a condição de
membros do GAFI, aos países NCCT aplicam-se as regras da Recomendação 21: as
instituições financeiras dos demais países (incluindo aí o FMI e o Banco Mundial que também
se pautam pelas recomendações) têm que adotar procedimentos de especial atenção às
relações comerciais e transações financeiras com pessoas físicas ou jurídicas domiciliadas no
NCCT, o que encarece substancialmente os custos de movimentações financeiras e causa
danos e constrangimento aos setores internacionalizados da economia. O Brasil também é
filiado ao GAFISUD, uma organização internacional regional da América do Sul, paralela ao
GAFI, e que adota os mesmos padrões (Recomendações) de AML e CTF.
(III) Se enxergarmos o regime e as políticas de AML como um conjunto de ações e
entes públicos voltados à inibição de uma prática criminosa antecedente, esse conjunto é,
prima facie, colocado como uma política criminal. Mas ela possui diferenças substanciais se
comparadas, por exemplo, ao regime tradicional do direito penal de inibição de crimes
antecedentes, que representamos neste trabalho com os tipos penais de receptação e ocultação
de cadáver (ver nota de rodapé 4). A essência do processo de lavagem é distanciar o dinheiro
de sua fonte (o delito antecedente), movimentá-lo por diversas vezes, criando camadas de
operações (através de interpostas pessoas, físicas e jurídicas) que o desvinculam cada vez
mais da origem e tornam imensamente difícil recompor as pistas de auditoria; para, ao final,
reinvesti-lo em uma atividade inserida na economia legal, de forma que pareça ser
inteiramente legítimo (DE CARLI, 2006, pp. 113-114).
A primeira peculiaridade substancial das políticas AML é o tipo de crime ao qual elas
se dirigem. A criminalização da lavagem de dinheiro não foi desenvolvida para inibir a prática
da criminalidade urbana, comum, de violência rasteira. A AML é dirigida a coibir a
criminalidade organizada, caracterizada como sendo aquela que aufere quantidades
substanciais de recursos, estruturada empresarialmente com finalidade clara de lucro,
incluindo aí a criminalidade de natureza transnacional. Assim, quando uma atividade
criminosa gera lucros substanciais, os responsáveis por ela precisam encontrar uma forma de
controlar esses fundos sem atrair atenção das autoridades para si e para o seu negócio. A
8 A título de ilustração, o Brasil está atualmente (2009-2010) em processo de avaliação pelo GAFI.
15
maneira de conseguir isso é disfarçando as fontes, mudando a forma ou movendo os fundos
para um lugar ou situação na qual eles possam despertar menos atenção. Na receptação, além
do interesse de inibir a subtração precedente, há um interesse de resgate do patrimônio
subtraído da vítima. Na lavagem, por outro lado, não há, em regra, um patrimônio subtraído: a
principal receita das organizações criminosas é o comércio de bens ilícitos. Nessa hipótese, o
patrimônio confiscado na persecução da lavagem não serve para reparar um dano provocado,
mas sim para enfraquecer a organização criminosa, impossibilitar o aproveitamento dos seus
lucros, e, residualmente, investir nos órgãos de investigação. A exceção é para a lavagem de
capitais decorrentes de atos de corrupção, na qual remanesce o interesse da vítima, o Estado,
em recuperar o patrimônio desviado9.
Outra diferença entre o regime da AML e o da, por exemplo, receptação, é a dimensão
sistêmica das ferramentas das políticas criminais respectivas. Neste último, inibe-se o crime
antecedente, digamos, furto ou roubo, por meio de uma medida também de natureza penal – a
tipificação da receptação. Essa dimensão é operacionalizada por meio de medidas tradicionais
de política criminal: destacamento de uma delegacia de polícia civil para investigação de
desmanches, manutenção de informantes em oficinas ou em ourivesarias, processo penal
recaindo sobre os receptadores, preocupação com o interesse da vítima na recuperação do
bem subtraído. No regime da AML há uma preocupação com a prevenção da prática pela via
penal, é verdade, tanto que a lavagem de dinheiro é tipificada como crime. Mas há também
uma função preventiva nos efeitos das estruturas não-penais relativas à atividade de
inteligência financeira. A inteligência financeira usada preventivamente pelas UIF depende de
os operadores do sistema financeiro serem obrigados, por lei ou regulamento, a prestar
informações sobre operações suspeitas (SAR – Suspicious Activity Report). Até mesmo nas
hipóteses onde já existe uma investigação penal em andamento, a quebra judicial de sigilo de
uma pessoa só faz sentido se as instituições financeiras tiverem a obrigação, pelo menos, de
manter cadastros dos seus clientes e registro das operações efetuadas (KYC – Know Your
Customer).
A atividade de inteligência financeira pertence à dimensão penal da AML, porque seu
principal é objetivo é detectar casos de lavagem de dinheiro (que serão processados
9 Convenção da ONU contra a Corrupção, Artigo 1 – Finalidade: A finalidade da presente Convenção é: a)
Promover e fortalecer as medidas para prevenir e combater mais eficaz e eficientemente a corrupção; b)
Promover, facilitar e apoiar a cooperação internacional e a assistência técnica na prevenção e na luta
contra a corrupção, incluída a recuperação de ativos; c) Promover a integridade, a obrigação de render contas
e a devida gestão dos assuntos e dos bens públicos.
16
criminalmente), ainda que essa detecção ocorra por órgãos fora do sistema de justiça criminal
(COAF e demais reguladores do sistema financeiro) com base em obrigações especificadas
em regulamentos administrativos10
. Apesar disso, há o efeito de tornar, como um todo, o
sistema financeiro e as instituições financeiras mais transparentes. Em virtude da
operacionalização dessas medidas de cunho administrativo, as românticas figuras de uma
conta bancária anônima ou de refinados certificados de obrigações ou participações
societárias ao portador, são comuns em cada vez menos jurisdições.
Mais recentemente, a maioria das técnicas de AML foi estendida à disciplina de CTF
(Counter Terrorism Financing). Em 1999 o Conselho de Segurança das Nações Unidas, por
meio da resolução 1.267(1999)11
, determinou aos países membros da ONU que bloqueassem
fundos e bens pertencentes ao Talibã, então no governo do Afeganistão. A lógica da união do
tema CTF à AML é que se organizações criminosas se valem de brechas e fragilidades no
sistema financeiro legítimo para fazer com que este transporte fundos derivados de ganhos
criminosos, o sistema financeiro também estava sendo usado para operações no fluxo inverso:
capitais transferidos internacionalmente por simpatizantes (particulares ou governos) a
organizações terroristas. A união da antilavagem de dinheiro e do contra-financiamento do
terrorismo foi consolidada no contexto de “Guerra ao Terror”, após os atentados de 11 de
setembro de 2001, pela USA PATRIOT (Uniting and Strengthening America by Providing
Appropriate Tools Required to Intercept and Obstruct Terrorism) Act. Com esse mesmo fim,
o Conselho de Segurança das Nações Unidas editou a Resolução 1373(2001)12
, que amplia as
hipóteses de bloqueio de fundos e obriga os países membros a criminalizarem o
10
Observe-se que um reporte, por parte de uma instituição financeira a um órgão regulador ou UIF, de uma
operação suspeita é uma prática meramente administrativa tornada corriqueira, e não uma notitia criminis. Os
regulamentos que definem uma operação suspeita são deveras minuciosos e o adjetivo suspeita se refere mais à
não usualidade da operação (grandes retiradas ou depósitos em espécie, múltiplas operações entre os mesmos
destinatários em valores pequenos, como que para disfarçar uma transação de montante maior, etc.) do que à
suspeita da ocorrência de um crime. Com efeito, um dos raciocínios subjacentes por trás da análise financeira de
uma operação suspeita ou não-usual é que se um cliente fez uma operação financeira mais cara, redundante,
logisticamente mais custosa ou arriscada ou tributariamente desvantajosa é porque outros motivos que não
apenas o econômico devem ser os motivos reais da operação financeira. Assim, as inúmeras operações suspeitas
reportadas são recebidas, catalogadas e analisadas pelas unidades de inteligência financeira na busca por
padrões, repetições, anormalidades, correlações com casos criminais em andamento ou com pessoas já alvos de
investigações, de forma que uma minoria de SARs é encaminhada para os órgãos persecutórios para tornar-se
efetivamente um caso penal. Segundo Relatório de Gestão do COAF (COAF, 2010), em 2009 foram recebidas
1.802.865 SARs (p. 32), que geraram apenas 1.524 Relatórios de Inteligência Financeira (p. 31), encaminhados a
autoridades persecutórias. Estas, por sua vez, englobando polícias, ministérios públicos, juízes, outras UIFs
pediram informações ao COAF 2.575 vezes (p. 37) no ano de 2009. O número total de pessoas investigadas pelo
COAF, de ofício a partir das SARs ou provocado por pedido de informações, foi de 9.522 pessoas
financeiramente investigadas (p. 31). 11
Internalizada no Brasil pelo Decreto nº 3.267, de 30 de novembro de 1999. 12
Internalizada no Brasil pelo Decreto nº 3.976, de 18 de outubro de 2001.
17
financiamento ao terrorismo, e o GAFI criou mais 9 diretivas de CTF, que, somadas às
anteriores de AML, resultaram no conjunto de 40+9 Recomendações.
(IV) O paralelismo entre os regimes da AML e da anticorrupção inicia-se ainda em
nível internacional. Inicialmente, ele decorre de uma constatação prática: a corrupção é um
dos principais crimes antecedentes do delito de lavagem de dinheiro, isto é, os ganhos ilícitos
auferidos com atos de corrupção se submetem a processos de ocultação para futuro gozo pelos
corruptos. A corrupção também é comumente praticada por e para beneficiar organizações
criminosas. Para alguns autores, o elemento essencial do conceito de crime organizado é
justamente a corrupção de agentes públicos, no sentido de que a operação criminosa cresce a
tal ponto que precisa infiltrar-se no Estado para influenciar a continuidade tolerada das
práticas delitivas (HASSEMER, 1994, p. 57).
Dessa forma, apesar de contar com peculiaridades que serão mais adiante
especificadas, o regime da anticorrupção, assim como o da lavagem de dinheiro, pode ser
caracterizado como um regime internacional de proibição. Das 40+9 Recomendações do
GAFI, há três que se relacionam diretamente com instrumentos do regime anticorrupção. A
mais diretamente relacionada é a Recomendação 6, que trata de Pessoas Politicamente
Expostas13
(ver também nota de rodapé 29). As outras duas Recomendações, 1 e 35, remetem
à adoção das Convenções das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de
Substâncias Psicotrópicas (Convenção de Viena), de 1988, e contra a Criminalidade
Organizada Transnacional (Convenção de Palermo), de 2000. Ambas as Convenções foram
internalizadas pelo Brasil (Decretos 154/1991 e 5.015/2004, respectivamente), ao mesmo
tempo em que contêm pontos de contato com o regime da anticorrupção14
.
13
Recomendação 6 do GAFI:
6. As instituições financeiras deveriam, em relação a pessoas politicamente expostas, além de
aplicar as medidas de vigilância normais: a) Dispor de sistemas de gestão de riscos adequados a
determinar se o cliente é uma pessoa politicamente exposta; b) Obter autorização da Direcção para
estabelecer relações de negócios com tais clientes; c) Tomar medidas razoáveis para determinar a
origem do património e dos fundos; d) Assegurar a vigilância, de forma reforçada e contínua, da
relação de negócio. 14
Viena:
“Conscientes de que o tráfico ilícito gera consideráveis rendimentos financeiros e grandes fortunas
que permitem às organizações criminosas transnacionais invadir, contaminar e corromper as
estruturas da administração pública, as atividades comerciais e financeiras lícitas e a sociedade em
todos os seus níveis.”
Palermo:
Artigo 8 – Criminalização da corrupção: 1. Cada Estado Parte adotará as medidas legislativas e
outras que sejam necessárias para caracterizar como infrações penais os seguintes atos, quando
intencionalmente cometidos: a) Prometer, oferecer ou conceder a um agente público, direta ou
indiretamente, um benefício indevido, em seu proveito próprio ou de outra pessoa ou entidade, a
18
1.2 Dimensões da Internacionalização da Anticorrupção
No movimento de internacionalização da anticorrupção distinguem-se as medidas e
normas englobadas por esse regime em duas dimensões, administrativa e criminal.
Novamente, é possível aclarar essa distinção continuando o cotejamento entre o regime da
anticorrupção e o da AML.
Apesar dos paralelismos, uma das distinções mais elementares entre as políticas AML
e as anticorrupção está no fato de que a corrupção – antes do movimento de
internacionalização que lhe ocorreu – já era tratada como ilícita pelos regimes jurídicos
nacionais. Desde o passado, a corrupção tem sido atribuída a uma diversidade de causas. Há
perspectivas extremas, como a da hereditariedade biológica, adotada com relutância por Max
Weber, ou a de Samuel Huntington, segundo quem na América Latina a corrupção é mais
comum nos “países mulatos” (KLITGAARD, 1988, p. 38). No mínimo, a perspectiva mais
tradicional quanto a corrupção é tratá-la como um problema ético:
Suborno é algo universalmente vergonhoso. Não há um país no
mundo que não trate o suborno como crime. Há algumas leis, como as
relativas ao jogo, que são constantemente violadas sem que nenhum
senso particular de vergonha seja atribuído à ofensa. As leis que
proíbem o suborno não são desse tipo. Em nenhum país os subornados
falam publicamente dos subornos que recebem, nem subornadores
anunciam o que pagam. Ninguém anuncia em jornais que pode
negociar um suborno. Ninguém é honrado porque é um grande
subornador ou subornado (NOONAN, 1984, pp. 702-703)15
.
fim de praticar ou se abster de praticar um ato no desempenho das suas funções oficiais; b) Por
um agente público, pedir ou aceitar, direta ou indiretamente, um benefício indevido, para si ou
para outra pessoa ou entidade, a fim de praticar ou se abster de praticar um ato no desempenho das
suas funções oficiais. 2. Cada Estado Parte considerará a possibilidade de adotar as medidas
legislativas ou outras que sejam necessárias para conferir o caracter de infração penal aos atos
enunciados no parágrafo 1 do presente Artigo que envolvam um agente público estrangeiro ou um
funcionário internacional. Do mesmo modo, cada Estado Parte considerará a possibilidade de
conferir o caracter de infração penal a outras formas de corrupção. 15
Tradução livre de:
Bribery is universally shameful. Not a country in the world which does not treat bribery as
criminal on its lawbooks. There are some laws such as those on gambling that are constantly
broken without any particular sense of shame attaching to the offense. Bribery law is not among
them. In no country do bribetakers speak publicly of their bribes, or bribegivers announce the
bribes they pay. No newspaper lists them. No one advertises that he can arrange a bribe. No one is
honored precisely because he is a big briber or a big bribee.
19
Dentro dessa perspectiva moral, a forma tradicional de se lidar com a corrupção (em
sentido amplo, suborno e outras formas de favorecimento pessoal indevido por meio de
recursos públicos) é tipificar algumas formas de conduta como ilícitos penais, imputando-as
aos indivíduos envolvidos. A corrupção é, nessa perspectiva tradicional, um problema moral a
ser resolvido por meio de políticas criminais internas, voltadas à punição de indivíduos
isolados.
Todavia, recentemente, também a partir das décadas de 80 e 90 do século passado, a
internacionalização da anticorrupção modifica qualitativamente essa perspectiva tradicional
do que se entende por corrupção. Esse redimensionamento se dá em dois níveis: o primeiro
continua a tratar a corrupção como um problema de dimensão criminal, mas qualitativamente
diverso da criminalidade tradicional (subcapítulo 1.3 a seguir). No segundo nível, que não
exclui a primeira dimensão criminal, a corrupção passa a ser também uma preocupação
administrativa, cuja elaboração envolve conceitos como reforma do Estado, reforma política,
prevenção, transparência e sanções administrativas (1.4 adiante).
Essa distinção que propomos, entre as dimensões administrativa e criminal do regime
anticorrupção será particularmente útil para a análise da ENCCLA que propomos no
subcapítulo 2.3 deste trabalho, e também se aplica à AML. Apesar de as obrigações que
recaem sobre os operadores do sistema financeiro serem, em termos de natureza jurídica,
normas administrativas, para efeito deste trabalho as consideramos como pertencentes à
dimensão criminal da anticorrupção/AML. O sistema penal tradicional também é formado por
normas estritamente penais (que tipificam os atos considerados como crime, atribuem-lhe
penas e regram o processo judicial para condenação), complementadas por normas
administrativas que organizam os órgãos de persecução, o judiciário e os presídios. No caso
da AML, as informações quanto às operações suspeitas e à identificação dos
clientes/beneficiários serão usadas para iniciar alertas que podem se transformar em inquéritos
e processos penais com quebras judiciais de sigilo financeiro. Mesmo medidas puramente
administrativas, como o registro civil de imóveis ou cadastros de bens, podem ter reflexos que
serão aproveitados no processo penal. A dimensão se verifica mais no destino e menos na
origem. A Meta 3 de 2008 da ENCCLA (ver Anexo A) trata da regulamentação de cartão
bancário pré pago. É uma medida administrativa, de fato, mas serve para rastrear recursos,
informação que será usada como prova no processo penal. Esses regulamentos são, pois,
normas administrativas, mas que servem ao sistema criminal. Cabe lembrar que, embora não
seja o nosso caso (o COAF é um órgão administrativo, vinculado ao Ministério da Fazenda e
20
ao Sistema de Inteligência), as FIUs de alguns países são consideradas agências de natureza
eminentemente policial16
.
Mas a AML possui suas políticas e medidas de dimensão administrativa, que não
fazem parte do sistema criminal, em que pese serem em parcela diminuta. Um exemplo é a
ação civil de extinção de domínio, processada fora do sistema criminal e que versa apenas
sobre a ausência de justo título para sua aquisição e a incompatibilidade entre determinado
patrimônio adquirido e a renda de seu titular aparente. Em outras jurisdições, especialmente
nas de common law, ações dessa natureza também são chamadas de jurisdiction in rem, vez
que se assume que a litigância ocorreria na verdade contra o patrimônio, e não contra a
pessoa. Entretanto, diferentemente da anticorrupção, onde as dimensões criminal e
administrativa competem em relevância, o regime da antilavagem – salvo exceções como a da
extinção de domínio – é eminentemente criminal.
1.3 Dimensão Criminal da Anticorrupção
A dimensão criminal resultante da internacionalização da anticorrupção é uma
evolução qualitativa da tipificação tradicional da corrupção como crime. Na nova dimensão
criminal da corrupção sobressai-se a tipologia da criminalidade organizada, de forma que a
corrupção deixa de ser vista apenas como um delito individual, na perspectiva tradicional de
tipo penal que envolve um particular pagador de suborno e um servidor público tomador de
suborno (I), e, derivando dessa nova perspectiva, multiplicam-se nas normas internacionais
contra a corrupção os dispositivos que tratam de medidas penais em um forte paralelo com a
lavagem de dinheiro (II).
(I) Obviamente o aspecto tradicional da corrupção, a “pequena corrupção” (ou petty
corruption como definida nos manuais da ONU) ainda existe e é considerada relevante, até
porque afeta diretamente os indivíduos socialmente mais dependentes de serviços básicos do
Estado e, portanto, mais vulneráveis a abusos praticados por servidores inescrupulosos.
Entretanto, o que se destaca nessa nova dimensão da corrupção são os grandes esquemas, os
16
O principal exemplo de UIF de natureza policial é o National Criminal Intelligence Service (NCIS) do
Reino Unido, mas esse modelo também é encontrado na Alemanha, Áustria, Estônia, Hungria, Irlanda, Islândia e
Suécia (FMI, 2004, p. 15).
21
grandes desvios de recursos, as fraudes e conluios em compras públicas de bens ou serviços,
enfim, usando novamente o jargão técnico da ONU, a “grand corruption”. A perspectiva da
grand corruption é qualitativamente distinta, não apenas quanto ao valor incrementado dos
bens jurídicos desviados, como também mudam os agentes envolvidos no delito (1), e o
modus operandi criminal (2).
(1) Do lado do Estado figuram não servidores que lidam com a prestação direta de
serviços ao público (e que nessa posição podem cobrar subornos). Na grand corruption os
servidores envolvidos são de escalão mais elevado, que ocupam postos de decisões
estratégicas, finalísticas ou de meio (contratações públicas), e que praticam corrupção em
grupos organizados. Do lado do setor privado, mais como corruptores do que como vítimas,
grupos empresariais e políticos que se enriquecem em licitações fraudulentas ou permanecem
nas estruturas do poder com doações ilegais a campanhas políticas, por meio de esquemas
organizados de subornos e tráfico de influências.
(2) Do ponto de vista criminológico, essa nova dimensão da corrupção está associada a
modelos de macrocriminalidade (com suas características de atividade organizada, e com
objetivo de lucro), e o paralelismo com o regime de antilavagem é novamente estabelecido,
vez que as técnicas de AML, originalmente concebidas como políticas antidrogas, passam a
ser entendidas como política criminal genericamente adequada para as diversas formas de
criminalidade organizada. Ainda nessa nova dimensão penal, a corrupção é enxergada não só
como um delito que pode ser praticado por organizações criminosas como sua atividade fim
(isto é, a corrupção como “produtora de capital” para determinados beneficiários), mas
também como um delito deliberadamente praticado por qualquer organização criminosa, no
intuito de facilitar o trânsito de suas mercadorias, corromper policiais, promotores e juízes, ou
até mesmo ingressar no sistema político. Assim, o paradigma da dimensão criminal da
anticorrupção é o de que “os esforços contra a corrupção devem ser coordenados com outra
campanha internacional – a luta contra o crime organizado” (ROSE-ACKERMAN, 1999, p.
190).
(II) Nesse contexto de “luta contra crime organizado”, persiste o paralelismo relevante
com as políticas AML por duas razões. Primeiro, tanto governantes corruptos quanto
organizações criminosas se beneficiam da facilidade de se lavar dinheiro atravessando
fronteiras nacionais. Segundo, é provável que a existência de negócios ilegais em larga-escala
tenha uma influência corrupta sobre o Estado, especialmente nas áreas de segurança pública e
22
controle de fronteiras. Servidores públicos corruptos e gângsteres se nutrem uns dos outros.
Negócios ilegais precisam pagar suborno para operar impunemente. Esse paralelismo é
demonstrado, sobretudo, pela sobreposição dos dois temas – corrupção e lavagem de dinheiro
– em convenções internacionais. As duas convenções mais relevantes sobre entorpecentes e
criminalidade organizada transnacional, Viena e Palermo, avançam tematicamente sobre o
tema corrupção. O mesmo movimento de sobreposição de regimes se verifica em convenções
anticorrupção, as quais se prolongam para dispor também sobre medidas de prevenção e
combate à lavagem de dinheiro.
Assim, a Convenção Interamericana contra a Corrupção (Caracas/1996, promulgada
pelo Decreto 4.410/2002) estabelece em seu Artigo VI, inciso 1.d, que os seus dispositivos
abrangem o aproveitamento doloso ou a ocultação de bens provenientes de qualquer dos atos
de corrupção a que se refere este artigo (suborno, tráfico de influência e prevaricação). Já a
Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Mérida/2003, promulgada pelo Decreto
5.687/2006), por sua vez, vai além da Convenção de Caracas. De forma mais detalhada, a
Convenção de Mérida obriga os Estados-partes a tipificarem o delito de lavagem de dinheiro
(artigo 23, inciso 1.a), dispondo que devem ser crimes antecedentes da lavagem (“delitos
determinantes” na tradução oficial) não só os delitos considerados atos de corrupção, mas
também uma “gama mais ampla possível de delitos determinantes” (artigo 23, inciso 2, a e
b)17
.
Avançando ainda mais sobre o tema da lavagem de dinheiro, a Convenção de Mérida
chega a definir a obrigatoriedade de os seus Estados-partes estabelecerem medidas específicas
de AML, tais como a regulamentação do setor financeiro com as obrigações de KYC – know
your customer e SAR – suspicious activity report (Artigo 14)18
, além de contar com um
17
Artigo 23 – Lavagem de produto de delito:
1. Cada Estado Parte adotará, em conformidade com os princípios fundamentais de sua legislação
interna, as medidas legislativas e de outras índoles que sejam necessárias para qualificar como
delito, quando cometido intencionalmente: a) i) A conversão ou a transferência de bens, sabendo-
se que esses bens são produtos de delito, com o propósito de ocultar ou dissimular a origem ilícita
dos bens e ajudar a qualquer pessoa envolvida na prática do delito com o objetivo de afastar as
conseqüências jurídicas de seus atos; ii) A ocultação ou dissimulação da verdadeira natureza,
origem, situação, disposição, movimentação ou da propriedade de bens o do legítimo direito a
estes, sabendo-se que tais bens são produtos de delito;
[...]
2. Para os fins de aplicação ou colocação em prática do parágrafo 1 do presente Artigo: a) Cada
Estado Parte velará por aplicar o parágrafo 1 do presente Artigo à gama mais ampla possível de
delitos determinantes; b) Cada Estado Parte incluirá como delitos determinantes, como mínimo,
uma ampla gama de delitos qualificados de acordo com a presente Convenção; 18
Artigo 14 – Medidas para prevenir a lavagem de dinheiro:
23
capítulo sobre recuperação de ativos (Capítulo V), disciplina típica da AML, a qual envolve
tópicos como cooperação internacional para fins de confisco (Artigo 55), restituição e
disposição de ativos (Artigo 57) e até mesmo a criação e manutenção de uma unidade de
inteligência financeira (Artigo 58).
A dimensão criminal do regime internacional anticorrupção é completada com a
definição, nessas convenções, dos atos considerados crimes de corrupção. Apesar de não
conceituarem o que seja corrupção, tanto a Convenção de Mérida quanto a da OEA dedicam
uma parte específica a obrigar que os Estados-partes criminalizem uma série de atos que
enumeram e descrevem (Capítulo III na convenção da ONU, e Artigo VI na convenção da
OEA), no sentido de criar para os Estados a obrigação de tipificar formas de conduta
doravante abrigadas sob o conceito semântico de corrupção (ver subcapítulo 3.1 e Apêndice
B). Essa dimensão criminal é aprofundada com dispositivos que vão além da definição de
crimes, e tratam de medidas de processo penal e técnicas persecutórias específicas, presentes
no capítulo sobre cooperação internacional (Capítulo IV) da Convenção de Mérida, o qual
estabelece normas sobre extradição (Artigo 44), assistência judicial recíproca (Artigo 46),
investigações conjuntas (Artigo 49) e técnicas especiais de investigação (Artigo 50), “como a
vigilância eletrônica ou de outras índoles e as operações secretas”. Ademais, o Escritório das
Nações Unidas sobre Drogas e Crime – UNODC é a agência da ONU que custodia, no âmbito
internacional, a implementação da Convenção de Mérida (Artigo 60).
1.4 Dimensão Administrativa da Anticorrupção
Paralelamente e sem excluir a dimensão criminal, a internacionalização da
anticorrupção é composta também por uma forte dimensão administrativa. Tomamos por
dimensão administrativa da anticorrupção o conjunto de políticas públicas específicas,
punitivas ou não, mas que se situam fora da esfera do sistema penal. Nesta dimensão estão
1. Cada Estado Parte: a) Estabelecerá um amplo regimento interno de regulamentação e
supervisão dos bancos e das instituições financeiras não-bancárias, incluídas as pessoas físicas ou
jurídicas que prestem serviços oficiais ou oficiosos de transferência de dinheiro ou valores e,
quando proceder, outros órgãos situados dentro de sua jurisdição que sejam particularmente
suspeitos de utilização para a lavagem de dinheiro, a fim de prevenir e detectar todas as formas de
lavagem de dinheiro, e em tal regimento há de se apoiar fortemente nos requisitos relativos à
identificação do cliente e, quando proceder, do beneficiário final, ao estabelecimento de registros e
à denúncia das transações suspeitas;
24
preocupações relativas à economia (I), preocupações da comunidade internacional em
fomentar o desenvolvimento econômico dos países não-industrializados (II), reforma do
Estado do ponto de vista da gestão e medidas preventivas (III), e a formas administrativas
diversas de se lidar com a corrupção, inclusive sancionatórias (IV), culminando com a
elaboração de um conceito-tipo de gestão administrativo-institucional do problema da
corrupção (V).
(I) Fundamentalmente, a dimensão administrativa da anticorrupção está ligada a uma
metáfora econômica do problema (KLITGAARD, 1988, p. 11). Por metáfora econômica,
entenda-se a perspectiva de que, como o servidor público e o particular potencialmente
envolvidos em um ato de corrupção fazem um cálculo do risco da operação, os custos-
benefícios respectivos podem ser alterados, em um enfoque preventivo, por políticas públicas
e iniciativas de incremento da gestão administrativa. Essa metáfora econômica possui duas
faces: os agentes públicos, idealizadores e executores dessas políticas também têm que
considerar aspectos de racionalidade, eficiência e alcance das ações anticorrupção, sem se
deixar enredar em moralismo e desproporcionalidade sancionatória. É dessa metáfora
econômica que surge a concepção, ligada à teoria do risco (ver subcapítulo 3.3), de que
mudanças institucionais no modelo de administração do Estado favorecem ou diminuem a
probabilidade de ocorrência de corrupção em um determinado governo.
(II) O surgimento dessa dimensão administrativa no movimento de internacionalização
do regime anticorrupção, simbolizado nas metáforas descritas, ocorre em uma conjuntura de
mudança do papel do Estado, de ator direto na economia para interventor no domínio
econômico. Nos países em desenvolvimento, essa conjuntura tem a peculiaridade de ocorrer
em uma época histórica de aumento dos gastos em infraestrutura, crescimento das prestações
sociais do Estado e consolidação de modelos democráticos distributivistas. Ao mesmo tempo,
o fim da Guerra Fria alterou o equilíbrio de forças e removeu a necessidade pelos blocos de
países desenvolvidos de apoiarem regimes corruptos por razões de segurança nacional
(ROSE-ACKERMAN, 1999, p. 177).
Assim, a corrupção, que inicialmente era vista pela comunidade internacional como
um assunto de interesse unicamente doméstico dos países, sofreu um processo de
internacionalização com profundos reflexos em políticas de comércio internacional e
cooperação para desenvolvimento. Isso porque a corrupção possui, para além de metáforas da
sua causa, sérios efeitos econômicos: ela afeta a competitividade da economia global e a
25
eficiência de investimentos e projetos de desenvolvimento (ROSE-ACKERMAN, 1999, p.
178).
Dada a relevância que ganhou o caráter econômico do fenômeno da corrupção, a
internacionalização do regime anticorrupção começa a ser delineada no âmbito do Banco
Mundial, de cujos quadros desliga-se Peter Eigen para fundar a ONG Transparência
Internacional – TI. Na perspectiva desses atores, apesar de reconhecerem que nos países
desenvolvidos também há corrupção, há uma tendência de se acreditar que aí ela é incidental,
enquanto nos países em desenvolvimento a corrupção seria endêmica, estrutural e abrangente.
O efeito da corrupção nesses países seria, portanto, mais maligno, vez que atravanca o
desenvolvimento (NUIJTEN, 2007, p. 8), ao tornar contratos inseguros, acarretar demoras
burocráticas nas trocas econômicas e infligir custos não-previsíveis ao mercado. Como esses
efeitos não desejados retroalimentam a perda de legitimidade dos governos, Sul e Oriente
tornaram-se os principais alvos da coalizão internacional contra a corrupção.
(III) Na prática, as políticas e medidas que fazem parte dessa dimensão administrativa
da anticorrupção circunscrevem-se a áreas de atuação governamental bastante diversas: de
design de programas, à gestão de pessoal, passando por compras públicas de bens e serviços e
orçamento público. Apesar da internacionalização, não há uma receita globalmente genérica.
Afirma-se que reformas que aumentam a competitividade da economia reduzem incentivos à
corrupção (ROSE-ACKERMAN, 1999, p. 39), mas as propostas são específicas, orientadas
para peculiaridades do regime local, e com nuances de microeconomia.
A primeira reação indicada por especialistas anticorrupção seria aprovar uma reforma
que acabasse com um programa governamental mais propenso à corrupção. Por outro lado,
um programa de diminuição do tamanho do Estado não reduz automaticamente o risco de
corrupção. A diminuição de gastos públicos ou de iniciativas produtivas estatais é geralmente
acompanhada do aumento da influência nos campos regulatórios e de concessões de serviços,
áreas nas quais a corrupção pode também ser praticada.
Os mesmos exercícios de raciocínio podem ser aplicados aos recursos humanos a
serviço do governo. A democracia, em regra, é incompatível com um regime de serviço
público baseado em influências políticas. Sem proteção ou um mínimo de estabilidade,
servidores públicos que acreditem que perderão seus empregos nas próximas eleições têm um
forte incentivo para “acumular” capital para o futuro, ou estabelecer relações espúrias com o
setor privado, na qualidade de prováveis empregadores futuros. Terceirização de pessoal para
26
exercício de atividades próprias do serviço público pode ter o mesmo efeito, ao colocar um
particular sem vínculo com o Estado para cuidar de assuntos sensíveis.
A experiência brasileira é farta em escândalos de corrupção ligados a compras
públicas de bens ou serviços. Subornos podem determinar não só quem vence uma licitação,
mas, em um momento anterior, orientar o tamanho e as especificações dos objetos de
aquisição. Por outro lado, numa perspectiva de corrupção privada, são comuns esquemas
elaborados de fraudes em compras (entregar o bem ou serviço em quantidade ou qualidade
inferior ao contratado), ou de conluio entre licitantes (formação de cartéis para elevar preços,
dividir mercado e inviabilizar o surgimento de concorrentes). Há consenso de que as reformas
anticorrupção devem focar não apenas em reduzir peculato e subornos, mas também em
incrementar a eficiência das decisões de compras governamentais (ROSE-ACKERMAN,
1999, p. 59).
(IV) Também fazem parte da dimensão administrativa da anticorrupção, para além de
políticas administrativas de reestruturação e gestão do Estado, medidas sancionatórias
administrativas, que se apartam de preocupações repressivas criminais e do sistema penal
como um todo. Essas medidas podem ser exemplificadas com os regulamentos específicos
sobre a conduta dos servidores públicos, que se expressam como normas disciplinares ou
códigos de conduta. Ou, ainda, com procedimentos judiciais e técnicas de investigação
dirigidos à recuperação do capital derivado do ato de corrupção – nesse particular, o
paralelismo com a AML é intensificado – como a já mencionada técnica de extinção de
domínio, jurisdictio in rem, e outras de recuperação de ativos.
(V) Conceitualmente, as discussões e propostas sobre reformas institucionais das
estruturas do Estado como item da agenda anticorrupção global têm a sua expressão mais
elaborada no conceito (ou pacote, para os detratores deste) de National Integrity System, ou
Sistema Nacional de Integridade (NIS), promovido pela Transparência Internacional e pelo
Banco Mundial. O discurso base do modelo é de que o governo moderno requer
accountability, sem o que os interesses privados são promovidos, em detrimento do interesse
público (POPE, 2000, p. 35). Para o Banco Mundial, a luta contra a corrupção é parte da
segunda geração de reformas, sugeridas aos países que buscam auxílio financeiro. Na linha de
ação do Banco Mundial, após os ajustes que estabilizam e liberalizam a economia, seguem-se
as reformas institucionais e ajustes no sistema regulatório. A abordagem sobre essas reformas
ocorre em quatro áreas de ação: controle de corrupção nos projetos do Banco Mundial,
27
cooperação a países interessados em controlar a corrupção interna, integração de cláusulas
anticorrupção nos empréstimos do Banco e auxílio a iniciativas internacionais para controlar a
corrupção (MACHADO, 2009). Permeando todas essas medidas, está o discurso sobre o
modelo do NIS.
Declaradamente, um “sistema de integridade” tem como objetivo a viabilização de um
ambiente propício para que os setores público e privado favoreçam o desenvolvimento
sustentável, partindo de uma abordagem que se auto-qualifica como holística. Para essa
finalidade, o NIS precisaria ser construído sobre oito pilares de apoio mútuo: executivo,
parlamento, judiciário, agências de fiscalização, mídia, setor privado, sociedade civil e law
enforcement agencies. Como esses pilares são interdependentes, um enfraquecimento na
estrutura de um dos pilares resulta em um aumento da carga a ser deslocada para os outros, e
quando vários pilares enfraquecem, o sistema desmorona. A idéia é que a análise de um NIS
requer identificar falhas e oportunidades de corrupção dentro de cada um dos pilares e, em
seguida coordenar o trabalho do governo e da sociedade civil e doadores tendo em vista um
fortalecimento institucional coerente (LANGSETH, 1999, p. 12).
A mística sobre o NIS vai ao ponto de representá-lo como um templo grego (ver
Ilustração 1 abaixo). Conforme se observa na figura abaixo, os pilares do templo do NIS
situam-se sobre duas fundações: consciência pública e valores da comunidade. Se estas
fundações forem fortes, sustentarão e reforçarão as colunas do templo. Do contrário, colocam
em risco de ruína toda a estrutura (POPE, 2000, p. 35). No topo do telhado do templo
repousam três figuras: qualidade de vida, legalidade e desenvolvimento sustentável. A trinca é
representada como esferas para simbolizar que, se o teto do templo inclinar-se devido a
alguma fraqueza estrutural, esses valores rolarão e cairão.
28
A figura não contempla esse detalhe, mas segundo o modelo de NIS a cada coluna
correspondem regras e políticas a serem postas em prática pelas instituições representadas nas
colunas (POPE, 2000, p. 37). Em espécie, esta é a matriz de correspondência entre as duas
categorias (Ilustração 2):
Fonte: POPE, 2000, p. 35
ILUSTRAÇÃO 1: ALEGORIA DO TEMPLO DO SISTEMA DE INTEGRIDADE
ILUSTRAÇÃO 2: COLUNAS VS. POLÍTICAS DO SISTEMA DE INTEGRIDADE
29
1.5 Positivação da Anticorrupção: FCPA, OCDE, OEA, ONU
As políticas do regime internacional anticorrupção se expressam sob diversos
repositórios formais. Abundam os projetos de cooperação e assistência desenvolvidos por
entidades não governamentais, como a Transparência Internacional e organismos
internacionais, como o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime – UNODC.
Tematicamente, esses projetos envolvem conteúdos como incentivo à ética, incremento da
capacidade de gestão pública, preocupações do estado com governança e transparência,
incentivo à criação de uma sociedade civil crítica e que controle socialmente o desempenho
dos governos, e treinamento de policiais e promotores em técnicas avançadas de investigação,
especialmente financeira. Para além desses projetos e documentos pontuais, as políticas
anticorrupção derivam juridicamente, em nível internacional, de uma ampla gama de
convenções. A positivação jurídica da internacionalização anticorrupção ocorreu como em um
crescendo: uma lei interna dos EUA que punia o suborno ainda que praticado
extraterritorialmente (I) e a recente replicação desse conteúdo normativo para todos os
membros da OCDE (II); ao que se seguiram documentos mais abrangentes, tematicamente e
subjetivamente, no sentido de convenções regionais (III), e, finalmente, a ONU (IV).
(I) Paradoxalmente, considera-se que o documento que dá origem ao regime
internacional da anticorrupção é uma lei interna dos EUA, o Foreign Corrupt Practices Act –
FCPA. Apesar de não ser uma norma de direito internacional, o FCPA possui, por concepção
efeitos transnacionais: ele atinge não só pessoas físicas, mas também pessoas jurídicas norte-
americanas, especialmente companhias multinacionais, por atos de suborno praticados
extraterritorialmente contra servidores públicos de qualquer lugar do globo. Obviamente, os
EUA não possuem jurisdição para atingir executoriamente os bens de uma subsidiária no país
onde se encontre, fora do seu território nacional. Porém, a transnacionalidade da presença dos
grupos econômicos faz com que grande parcela do patrimônio dessas companhias esteja sob
jurisdição direta dos EUA, em seu território. O FCPA data de 1977, e foi aprovado em meio
às investigações sobre supostas contribuições de empresas para a campanha de reeleição do
presidente Richard Nixon, quando a Securities Exchange Comission, órgão regulador do
mercardo de valores mobiliários, descobrira que algumas companhias mantinham um caixa
dois no exterior para influenciar decisões de negócios. As investigações que antecederam a
edição da lei, consolidadas no Report on Questionable and Illegal Corporate Payments and
Practices, descobriram que 400 companhias investigadas (o que correspondera a 60% da
amostra) estavam envolvidas em alguma forma de pagamento a servidores públicos
30
estrangeiros, os quais iam de subornos diretos de burocratas de cargos elevados a pagamentos
de facilitação (“greasing payments” feitos para acelerar determinado desembaraço burocrático
lícito) a servidores “blue collars” (ROSENVINGE, 2009, p. 787). O objetivo geral da lei era
aumentar a confiança do público e dos acionistas nas empresas dos EUA, e aumentar a
efetividade econômica no comércio internacional.
O FCPA representou uma quebra no paradigma do comércio exterior da época, no
ponto específico da atuação em países em desenvolvimento de companhias dos países
desenvolvidos. Até então, no cenário da corrupção vista como um problema apenas interno,
era comum que multinacionais, em uma espécie de neomercantilismo, tivessem como regra
comum de negócio a “lubrificação” das relações com os Estados locais por meio de suborno.
Do ponto de vista da multinacional, o suborno a um servidor público estrangeiro garantiria a
concessão e renovação de licenças, a liberação aduaneira ou sanitária de mercadorias de
forma mais expedita, ou a contratação em grandes projetos de infraestrutura promovidas por
Estados, na maioria das vezes, ainda em construção. Localmente, essa prática acarretava um
círculo vicioso político, que minava as possibilidades de desenvolvimento: enriquecia tiranos,
eternizava no poder grupos políticos despóticos e genocidas, tornava a economia menos
eficiente, destruía a competição de possíveis atores locais, e fazia com que os escassos
recursos públicos e impostos desses Estados fossem mal empregados em compras públicas de
preço majoradas, ou em obras que nunca eram entregues. Da perspectiva dos países
desenvolvidos, o suborno praticado pelas multinacionais neles originada tinha diversas
vantagens: lucro direto, no caso de multinacionais estatais ou semi-estatais, remessa dos
lucros para suas economias nacionais no caso de multinacionais privadas, financiamento da
evolução tecnológica e expansão da influência política desses Estados (serviços de
inteligência se beneficiaram enormemente do papel de intermediadores desses contatos).
Ainda por cima, uma prática tão relevante deveria ser incentivada: a legislação tributária de
alguns países desenvolvidos previa a hipótese de dedução, como custos operacionais, dos
valores pagos a subornos de servidores públicos nativos, para fins de taxação dos lucros
recebidos pelas multinacionais no estrangeiro.
Embora contenha disposições penais, o FCPA é um exemplo que pertence
majoritariamente à dimensão administrativa do regime anticorrupção. Ele é composto de duas
partes principais: uma que trata da qualificação do suborno, abrangência da norma e
respectivas sanções, e outra que traz obrigações contábeis e de auditoria interna. Na parte
sancionatória, destacam-se a punibilidade de pessoas jurídicas e a preferência por aplicação de
31
multas vultosas – características que, combinadas, resultam na maioria dos casos investigados
em acordos milionários entre as companhias e o Department of Justice, órgão persecutório
desse sistema19
. Há também a possibilidade de a pena consistir em proibição de contratar com
o governo, ou do estabelecimento de uma mandatory supervision, por meio da qual a
companhia fica sob supervisão direta do governo com o objetivo de estabelecer programas
internos anticorrupção. A parte contábil, que se aplica às companhias que tenham ações
negociadas no mercado aberto, exige que estas mantenham registros apropriados que acurada
e honestamente representem as transações da companhia.
(II) O modelo normativo de justiça transnacional do FCPA, seus conceitos e
princípios, e sua racionalidade sancionatória inspiraram de forma fundamental os debates da
comunidade internacional que culminaram anos depois na Convenção da OCDE, concluída
em Paris, em 1997, e internalizada no Brasil por meio do Decreto nº 3.678/2000. O objeto de
proibição é praticamente idêntico ao do FCPA, o que fica claro pelo título oficial do
instrumento: Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos
Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais.
(III) Seguindo-se a década de 90, foram acordados vários instrumentos regionais
contra a corrupção. O primeiro, em 1996, é a já mencionada Convenção da OEA. No seu
conteúdo, ela contempla as duas dimensões, criminal e administrativa, da anticorrupção.
Como já mencionado anteriormente, a dimensão criminal na perspectiva de um regime global
de proibição é expressa pela obrigação, dirigida aos Estados-partes, de criminalizar
uniformemente determinados atos considerados corrupção, por disposições relativas à
lavagem do dinheiro derivado desses atos, e pela previsão de medidas de cooperação jurídica
entre os Estados-partes (Artigo XIII – Extradição e Artigo XIV – Assistência e cooperação).
19
A Lucent Technologies Inc. contabilizou milhões de dólares gastos em viagens pagas a mais de 1.000
agentes públicos chineses como visitas a suas fábricas nos EUA, quando na verdade os destinos eram a Disney
World, Las Vegas e outros locais turísticos. A empresa reconheceu o erro e pagou, consensualmente, multa de
US$ 2,5 milhões. Em outra investigação, a gigante da indústria de defesa Titan Corp. admitiu culpa e a multa de
US$ 28,5 milhões para encerrar as acusações contra si, mas como efeito colateral teve o valor de suas ações
reduzido, e dúvidas sobre a sua saúde financeira minaram um processo de fusão com a companhia aeroespacial
Lockheed Martin. Essa fusão, se tivesse sido concluída, reverteria US$ 1,6 bilhão a ser rateado entre os
acionistas da Titan. O conglomerado industrial Siemens AG fechou acordo em dezembro de 2008 para pagar
US$ 800 milhões ao governo dos EUA para encerrar uma investigação sobre supostas propinas a autoridades em
todo mundo para ganhar contratos de infra-estrutura. O alto valor justifica-se porque a corrupção na Siemens
teria chegado ao alto escalão do conglomerado. No processo que correu perante um tribunal federal na capital
dos EUA, a Siemens foi acusada de gastar mais de US$ 1 bilhão subornando agentes públicos de diversos países.
Aos US$ 800 milhões de multas nos EUA soma-se quantia equivalente paga ao governo da Alemanha, a sede
original da Siemens. Segundo reportagem do The Wall Street Journal, a Siemens declarou que o custo para sanar
os problemas internos relacionados à corrupção, a implantação de um compliance efetivo e a manutenção de um
interventor federal foram tão altos quanto a despesa total paga com multas.
32
A dimensão administrativa consiste na enunciação de diversas medidas preventivas (Artigo
III), dirigidas (1) ao Estado (aquisição de bens e serviços, tributação, proteção de
denunciantes, órgãos de controle e, para funcionários públicos: códigos de conduta, meios de
reportar casos de corrupção, sistemas disciplinares, acompanhamento da evolução patrimonial
e recrutamento); (2) ao setor privado (manutenção de registros que reflitam com exatidão a
aquisição e alienação de ativos e mantenham controles contábeis internos que permitam aos
funcionários da empresa detectarem a ocorrência de atos de corrupção); e à sociedade civil em
geral (estímulo à participação social e estudo de novas medidas de prevenção). A
anticorrupção na União Européia manteve a mesma bidimensionalidade, mas com a opção de
adotar dois documentos, ao invés de um só (Criminal Law Convention on Corruption e Civil
Law Convention on Corruption).
(IV) Como visto nos parágrafos anteriores, o regime internacional da anticorrupção
surge com uma lei interna dos EUA, seguindo-se uma convenção de organismo internacional
(OCDE). Se nos anos 90, o tema foi expandido para documentos regionais – Américas e
Europa, o Século XXI presenciou a sua mundialização. Inicialmente com a já mencionada
Convenção da ONU contra o Crime Organizado Transnacional (Palermo), cuja dimensão
preponderante é a criminal, mas que, não obstante tangencia políticas de dimensão
administrativa (Artigo 9)20
.
Mas o documento que consolidou o regime internacional de proibição no qual consiste
a anticorrupção foi a Convenção da ONU de Mérida, adotada em 2003 e internalizada pelo
Brasil em 2006. A Convenção de Mérida não foge do padrão das duas dimensões da
anticorrupção. Na dimensão administrativa, afirma que a participação da sociedade, os
princípios do Estado de Direito, a devida gestão dos assuntos e bens públicos, a integridade, a
transparência, a obrigação de render contas, e a cooperação entre Estados são políticas e
práticas de prevenção da corrupção (Artigo 5). Essas políticas são complementadas com a
orientação para: criação de órgãos encarregados de prevenir a corrupção, inclusive com o
aumento e a difusão dos conhecimentos em matéria de prevenção da corrupção (Artigo 6);
para estruturação em carreira e códigos de conduta do serviço público (Artigos 7 e 8);
20
UNCATOC, Artigo 9 – Medidas contra a corrupção: 1. Para além das medidas enunciadas no Artigo 8 da
presente Convenção, cada Estado Parte, na medida em que seja procedente e conforme ao seu ordenamento
jurídico, adotará medidas eficazes de ordem legislativa, administrativa ou outra para promover a integridade e
prevenir, detectar e punir a corrupção dos agentes públicos. 2. Cada Estado Parte tomará medidas no sentido de
se assegurar de que as suas autoridades atuam eficazmente em matéria de prevenção, detecção e repressão da
corrupção de agentes públicos, inclusivamente conferindo a essas autoridades independência suficiente para
impedir qualquer influência indevida sobre a sua atuação.
33
licitação, orçamento e transparência (Artigos 9 e 10); independência do judiciário e do
ministério público, compliance anticorrupção no setor privado e controle social (Artigos 11 a
13), “recompilação, intercâmbio e análise de informações sobre a corrupção” (Artigo 61) e as
já mencionadas medidas para prevenir a lavagem de dinheiro (Artigo 14).
A dimensão criminal da Convenção de Mérida inicia-se por uma parte penal
substantiva – a obrigação dos Estados-partes de tipificarem internamente como crime uma
série de condutas: suborno de funcionários públicos nacionais e estrangeiros e no setor
privado, peculato no setor público e no setor privado, tráfico de influências, abuso de funções
e enriquecimento ilícito de funcionários públicos (Artigo 15 a 22). O paralelismo com a AML
vem presente no já citado Artigo 23 (p. 14) e também na obrigação de estabelecer um,
“departamento de inteligência financeira” (Artigo 58). A essa parte penal substantiva
adiciona-se uma série de medidas procedimentais e de administração da justiça, como
responsabilização das pessoas jurídicas (Artigo 26), apreensão e confisco de bens (Artigo 31),
proteção a testemunhas, denunciantes e vítimas (Artigos 32 e 33), cooperação internacional
(Capítulo IV) e técnicas especiais de investigação: entrega vigiada, vigilância eletrônica e
operações secretas (Artigo 50), a serem praticadas por uma autoridade especializada (Artigo
36) “na luta contra a corrupção mediante a aplicação coercitiva da lei”.
O FCPA não e uma norma de direito internacional público, ele é tão somente uma
norma de direito interno dos EUA aplicada extraterritorialmente (isto é, em decorrência de
fatos ocorridos fora do território estadunidense) por meio de sanções que recaem sobre
pessoas físicas e jurídicas (especialmente estas) que possam ser atingidas pela jurisdição
estadunidense, devido a neste país estarem sediadas, constituídas ou terem suas ações
negociadas em bolsas de valores. Sendo assim, o FCPA não vincula outros Estados, ainda que
sua aplicação possa abranger empresas de propriedade do governo (como a Petrobrás, que
negocia suas ações em Nova York).
As convenções da OCDE, OEA e ONU, por sua vez, são obrigatórias entre os Estados,
mas não dispõem de mecanismos de força para fazer valer seu conteúdo, muito embora
existam procedimentos de soft law consistentes em revisões e avaliações de uns países pelos
outros. Assim, a Convenção da OCDE sobre Suborno Transnacional dispõe de um Working
Group on Bribery, que gerencia os procedimentos de autoavaliação e avaliação mútua,
previstos na própria Convenção; a Convenção de Caracas conta com um Mecanismo de
Acompanhamento da Implementação da Convenção Interamericana contra a Corrupção
34
(MESICIC), formado tecnicamente pela Comissão de Peritos do Mecanismo, composta por
especialistas designados pelos Estados Partes; e a 3ª Conferência dos Estados Partes da
Convenção de Mérida aprovou em 2009 o seu mecanismo de avaliação.
Invariavelmente essas avaliações mútuas consistem em várias fases ou rodadas,
aplicadas no intervalo de alguns anos entre cada uma, para verificar se em um primeiro
momento o país fez as modificações legislativas necessárias para implementação da
convenção, e, em um segundo momento, se o novo regime internalizado está sendo
efetivamente posto em prática. Os avaliadores são outros Estados-partes de cada Convenção
escolhidos de acordo com critérios de proximidade geográfica e similaridade de sistema
jurídico. Há também follow-up procedures para verificar a adesão ao cumprimento das
medidas propostas nos relatórios de avaliação .
Muito embora essas avaliações não sejam fontes formais de direito internacional, e o
impacto dos relatórios produzidos seja limitado ao uso que deles faça a opinião publica
(MACHADO, 2004, pp. 45 e 49), os mecanismos não deixam de, de certa forma, influenciar a
conduta dos Estados. Realisticamente, é necessário considerar que os Estados não são
entidades monolíticas – as agências internas que trabalham com o acompanhamento das
Convenções são formadas por burocratas de carreira e é válido assumir que, dado o campo
onde atuam, e as atividades de cooperação técnica, o intercâmbio de informações e
experiências com congêneres de outros países, estes promovam ativamente a adoção de
medidas de cumprimento das Convenções21
. Nesse sentido, por mais que os mecanismos de
avaliação não obriguem os Estados enquanto entes de direito internacional, podem servir de
motivação interna para mudança de posição do governo ou do parlamento, enquanto entes
políticos, sobre determinado ponto das convenções.
21
A Controladoria-Geral da União, por exemplo, apresenta “hotsites” das convenções:
http://www.cgu.gov.br/AreaPrevencaoCorrupcao/AreasAtuacao/CompromissosInternacionais/index.asp
35
Capítulo 2: Política Interna Anticorrupção
As políticas públicas que concretizam a adoção interna da anticorrupção demonstram a
grande complexidade desse regime: o paralelismo entre a anticorrupção e a AML não pára em
nível internacional e a bidimensionalidade administrativo-penal da anticorrupção é
intensificada internamente com a polarização institucional de cada uma dessas dimensões. A
ENCCLA, Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro, é um
exemplo óbvio da persistência dessa correlação não só enquanto regimes jurídicos
internacionais, mas especialmente enquanto políticas públicas internas. A Estratégia, que
tratava apenas de lavagem de dinheiro de 2003 até 2006 (quando era ENCLA com apenas um
“C”), teve sua sigla alterada em 2007 para ENCCLA, com o acréscimo de um “C” a mais,
devido à abrangência temática relativa à corrupção.
A ENCCLA é uma organização sem personalidade constituída e não há nenhum ato
normativo que dê suporte jurídico à prática administrativa de as organizações que a compõem
concertarem suas estratégias. Tampouco existe regulamento para a dinâmica de suas ações, de
forma que nos anos de existência da estratégia a condução das discussões e atividades dos
participantes evoluiu em um sistema de costume administrativo. Mas, em que pese a sua
efemeridade institucional, a ENCCLA congrega, há sete anos, 48 organizações públicas,
federais e estaduais (a maioria federais – ver Anexo B), envolvendo não só órgãos típicos do
sistema de justiça criminal, como polícias, ministério público e judiciário, mas também
advocacia pública, instituições financeiras e órgãos de controle e regulatórios. Assim, a
ENCCLA funciona como fórum de articulação das políticas internas antilavagem de dinheiro
e anticorrupção, no sentido de dar cumprimento, em nível interno, aos compromissos
assumidos internacionalmente pelo Brasil. Boa parte das atividades da ENCCLA consiste na
elaboração e implantação de medidas de aprimoramento da legislação, de competências
institucionais e de técnicas voltadas ao enfrentamento do crime organizado – nesse âmbito, a
inspiração em modelos normativos e institucionais de outros países é muito comum.
Antes de especificarmos a análise da ENCCLA como vetor de políticas públicas
anticorrupção, dedicaremos algum espaço aos primeiros anos da Estratégia, quando ela tratava
apenas de lavagem de dinheiro (2.1). Esse resgate dos momentos iniciais da então ENCLA é
útil por dois motivos. Primeiro, porque reforça a associação, o paralelismo entre os regimes
da antilavagem e da anticorrupção, e nesse sentido, consolida a demonstração, também em
nível interno, de que o regime da anticorrupção possui uma forte dimensão criminal, forte e
36
nova, por estar agora associada a categorias de controle penal próximas às preocupações com
a criminalidade organizada e transfronteiriça. Segundo, porque a expansão do foco temático
da estratégia sobre o tema corrupção não alterou substancialmente nem os seus participantes,
nem as suas práticas procedimentais. Sua constituição, portanto, permaneceu a mesma, e esta
foi definida, sobretudo, nos seus primeiros momentos. O ponto seguinte (2.2) trata já da
ENCCLA na sua competência atual, mas discorre também sobre outros pólos no setor público
responsáveis pela inovação de políticas públicas anticorrupção. Diferentemente da ENCCLA,
de dimensão majoritariamente criminal, esses outros atores, órgãos de controle (especialmente
a Controladoria-Geral da União) se dedicam mais a tópicos pertencentes à dimensão
administrativa do regime da anticorrupção (eficiência do gasto público, participação social,
promoção da ética, etc.), reforçando mais uma vez a demonstração da complexidade
bidimensional do fenômeno. No subcapítulo seguinte (2.3), a partir desse paralelismo entre os
regimes da antilavagem e da anticorrupção, e da bidimensionalidade da anticorrupção,
especificaremos a análise da ENCCLA enquanto vetor de políticas públicas anticorrupção,
mediante uma metodologia de categorização e classificação do conjunto de diretrizes
produzidas pela ENCCLA, com o objetivo de, ineditamente, demonstrar e mensurar a
complexidade do regime da anticorrupção.
2.1 ENCLA: origens e políticas públicas de internalização de regimes
internacionais de proibição
É preciso mais do que leis para se adotar com efetividade um regime internacional de
proibição. Anos após a adoção da lei antilavagem, os esperados resultados persecutórios eram
ainda pífios. Mais do que a mera tipificação do crime de lavagem e da criação de normas
processuais específicas, faltava ainda desenvolver uma cultura, por parte dos demais atores do
sistema de justiça criminal, de se investir na persecução desse tipo de crime. A unidade de
inteligência financeira brasileira, o COAF, fora criada junto com a tipificação da lavagem, em
1998, mas seus informes de pouco adiantavam se técnicas de investigação policial eram ainda
rudimentares, se as estratégias processuais da acusação eram inadequadas, ou se o judiciário
ainda era resistente às medidas penais mais duras do novo regime.
Até a gestão de casos, individualmente considerados, era demasiadamente complexa.
Os casos eram sensíveis demais, com um volume muito grande de evidências, e de dados
37
coletados de quebras de sigilo. Na tentativa de se criar uma instância que gerenciasse,
acompanhasse e prestasse auxílio técnico às forças-tarefa interagências que começavam a
surgir, percebeu-se que não adiantava apenas um ou alguns dos atores do sistema de justiça
criminal desenvolver aptidões adequadas ao regime da AML. Era necessário que a evolução
fosse conjunta, concertada e consciente dos percalços envolvidos (carência de recursos para
treinamento e instalação de novas competências, sérios riscos políticos, convencimento
gradual dos tribunais, etc.). É nesse contexto que surge a ENCLA (I). Apesar de surgir em um
contexto de atuação de órgãos eminentemente jurídicos, o estudo aprofundado da ENCLA
exige sua categorização ao largo do campo de conhecimento do direito (II). Mesmo no campo
das políticas públicas, sua característica interinstitucional só é percebida por meio de
elaborações mais específicas (III), o que é ressaltado pelo caráter interdisciplinar de suas
principais realizações (IV).
(I) O regime da AML começou a ser internalizado no Brasil com a edição, em 1998,
da Lei 9.613. Esta norma define o crime de lavagem de dinheiro, enumerando os crimes
antecedentes (os delitos “produtores” do dinheiro a ser lavado: art. 1º); estabelece as
modalidades de agentes financeiros submetidos às obrigações de KYC e SAR (a lista do art.
9º contém 15 incisos, e contempla setores que lidam com transações substanciais: vai de
bancos a negociantes de jóias e de arte); e cria, no âmbito do Ministério da Fazenda, a UIF
brasileira, o COAF (art. 14). A lei contém, ainda, disposições de natureza processual, das
mais tradicionais, como às relativas à competência (art. 2º), às mais sofisticadas, próprias da
dimensão criminal desses regimes de proibição mais modernos: como medidas assecuratórias
patrimoniais (art. 4º) e cooperação jurídica internacional (art. 8º). Apesar de os elementos
jurídicos do regime da antilavagem de dinheiro terem sido instalados, faltava ainda a cultura
institucional e a determinação de conceber e executar políticas organizadas para o
funcionamento desse sistema: o que havia era baixa difusão do tema até mesmo entre os
órgãos persecutórios, o que resultava em quase nenhuma investigação ou processo pelo crime
de lavagem.
Em 2003, cinco anos, portanto, após a edição da lei antilavagem, foi desenvolvido, por
alguns órgãos da União, um fórum de articulação interna para aprimorar a internalização do
regime da AML. A ENCLA foi criada, secretariada pelo Ministério da Justiça, como um
fórum de articulação e de atuação conjunta entre os diversos órgãos dos poderes federais que
possuem competências relativas ao regime da AML. Isso envolve, obviamente, os órgãos que
tradicionalmente fazem parte do sistema persecutório da União: Polícia Federal, Ministério
38
Público Federal e Justiça Federal. Mas, dada a complexidade e modernidade da AML, órgãos
regulatórios do sistema financeiro como o Banco Central, a Comissão de Valores Mobiliários
– CVM, e a Superintendência de Seguros Privados – SUSEP também são atores importantes.
A eles se somam o COAF, na qualidade de UIF, e autoridade central para cooperação jurídica
internacional, o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional
– DRCI, do Ministério da Justiça. Além desses órgãos “operacionais”, fazem parte da
ENCLA, desde o seu início, outros que se posicionam de forma mais estratégica na concepção
de políticas públicas: a Secretaria Nacional de Justiça, do Ministério da Justiça, os Conselhos
da Justiça Federal e Nacional de Justiça e a Secretaria de Prevenção da Corrupção e
Informações Estratégicas – SPCI da Controladoria-Geral da União (em mais uma
demonstração de paralelismo entre os regimes da AML e da anticorrupção). Uma lista
exaustiva de órgãos que compõem o Gabinete de Gestão Integrada de Prevenção e Combate à
Lavagem de Dinheiro – GGI-LD (que funciona como uma espécie de comitê gestor da
ENCLA) pode ser encontrada no Anexo B.
(II) Tecnicamente, a ENCCLA não existe, enquanto ente da Administração. A
ENCCLA não é uma autarquia ou um órgão. Ela não possui servidores, sede, ou chefia (até
agora o DRCI e depois a SNJ, ambos do Ministério da Justiça, exerceram o papel de
secretaria e organizadores logísticos da Estratégia). Não há portarias, convênios ou decretos
que ligam os órgãos participantes. A busca de um modelo para categorizar a ENCLA deve,
portanto, ser fundamentalmente mais teórica do que dogmática, e isso pode ser feito mediante
uma abordagem por duas sucessivas aproximações: Associar a ENCLA a um campo do
conhecimento que possua ferramentas apropriadas para descrevê-la, e testar se essas
ferramentas efetivamente conseguem fazê-lo (1); e uma vez assegurada a propriedade desse
campo do conhecimento para investigar a ENCLA, analisar com mais profundidade como se
situa a Estratégia nesse campo (2).
(1) A aproximação da ENCLA ao campo das políticas públicas parece ser
aprioristicamente assegurada pelas características de ação, de procedimentalidade, de prática
administrativa da ENCLA, que possui o objetivo de aprimorar a atividade repressiva do
Estado sobre determinada atividade proscrita (a lavagem de dinheiro). Há quem afirme que
a ENCLA constitui a política pública criminal do Brasil para a prevenção e a repressão da
lavagem de dinheiro (DE CARLI, 2006, p. 177). A autora identifica no modelo da ENCLA a
reprodução um padrão de atuação da prática ilícita pelo regime de proibição: em resposta à
criminalidade transnacional, que opera em redes, desenvolveu-se um regime global de
39
proibição, formado pela interação de normas jurídicas vinculantes e de normas de softlaw, de
múltipla relações entre os Estados nacionais, as organizações e os órgãos internacionais e
regionais. Internalizando o modelo de atuação em rede, o regime local de proibição representa
a absorção do regime global antilavagem de dinheiro. A associação é interessante, justamente
no sentido de que redes interorganizacionais descrevem um fenômeno organizacional que
mostra a complexidade dos empreendimentos contemporâneos, utilizando da flexibilidade das
tecnologias de comunicação e incorporam estilos de gestão que buscam maior participação e
compromisso das pessoas envolvidas. Em contraposição ao modelo de organização
burocrática, a rede pressupõe disposição horizontal dos atores, sejam indivíduos ou
instituições, baseada em relações mais simétricas do que hierárquicas, mais cooperativas do
que competitivas e mais dinâmicas do que normativas (ROCHA, 2008, p. 72).
Políticas públicas constituem temática oriunda da Ciência Política e da Ciência da
Administração Pública. Seu campo de interesse – as relações entre a política e a ação do
Poder Público – tem sido tratado até hoje, na Ciência do Direito, no âmbito da teoria do
Estado, do direito constitucional, do direito administrativo e do direito financeiro. As políticas
públicas podem ser definidas como “programas de ação governamental visando a coordenar
os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos
socialmente relevantes e politicamente determinados (BUCCI, 2006b, p. 241)”.
(2) O posicionamento da ENCLA no campo de discussão das políticas públicas não é
suficiente para precisar o que é, efetivamente, a ENCLA nesse campo. Numa discussão
específica sobre políticas públicas não nos parece ser suficiente afirmar que a ENCLA é a
política pública brasileira da antilavagem de dinheiro. Sabemos que existe um regime
internacional de proibição da AML, o qual é composto por normas (convenções e
recomendações do GAFI), por atores (organismos internacionais: GAFI, OCDE, comunidade
internacional, EUA) e por práticas específicas (relações entre países, trocas de experiências e
informações, processos de avaliação, cooperação jurídica internacional para recuperação de
ativos, etc.). Sabemos também que o processo inicial de internalização da AML, representado
pela mera edição da Lei 9.613/98 não foi suficiente para dar efetividade interna ao regime.
Em conseqüência, as organizações federais afetas ao tema chegaram ao consenso que
eram necessárias medidas de diversas ordens: aperfeiçoamento sistêmico de normas internas
(não bastava apenas uma lei de lavagem, outras normas do sistema penal deveriam ser
alteradas); alteração de normas e novas normas para adequação às convenções posteriores a
40
1998; modificação da jurisprudência; difusão do conhecimento sobre a AML para os órgãos
persecutórios (federais e não-federais); aperfeiçoamento da capacidade de comunicação
interagências; desenvolvimento de capacidades investigatórias até então não-convencionais;
criação de novas instituições; dentre outras22
. Todas essas medidas, todas essas modificações
à situação presente à época só seriam possíveis e alcançáveis mediante o esforço comum de
elementos das três esferas de poder. Assim, se encararmos as políticas públicas como
“programas ou quadros de ação governamental, consistentes num conjunto de medidas
articuladas (coordenadas), cujo escopo é dar impulso, movimentar o Estado no sentido de
realizar algum objetivo de ordem pública” (BUCCI, 2006a, p. 14), podemos definir o
conjunto normativo-jurisprudencial-institucional dessas medidas como a política pública de
internacionalização do regime global da AML. Enfim, as políticas são instrumentos de ação
dos governos – o government by policies que desenvolve e aprimora o government by law23
.
Certamente, a ENCLA é algo relativo a essa política pública, isto é, possui uma
relação de associação com o seu conteúdo. Haveria alguma distinção entre a ENCLA e essa
política, ou, caso negativo, a relação é de identidade? Continuando com a teoria sobre
políticas públicas, um capítulo importante do seu estudo é aquele acerca das formas de
expressão das políticas: qual ou quais as formas exteriores, reconhecíveis pelo sistema
jurídico, que assume uma política pública. A resposta preliminar é de que estas têm distintos
suportes legais. Podem ser expressas em disposições constitucionais, ou em leis, ou ainda em
normas infralegais, como decretos e portarias e até mesmo em instrumentos jurídicos de outra
natureza, como contratos de concessão de serviço público, por exemplo (BUCCI, 2006a, p.
11). Substancialmente, uma política é estruturada com elementos formais que indicam a sua
22
Um dos pontos do Acórdão 1720/2008 do TCU foi descrever e avaliar a atuação da União no combate à
lavagem de dinheiro e apontar medidas que pudessem contribuir para o aprimoramento da atuação estatal nessa
área. Em termos da composição dos elementos material, humano e tecnológico postos à disposição desses atores
na prevenção e combate ao crime de lavagem de dinheiro foram verificados: a estrutura dos órgãos e entidades
reguladores dos mercados financeiros e afins e os mecanismos por eles adotados para controle da sistemática de
identificação e comunicação de operações suspeitas ou atípicas, indicativas de operações de LD, por seus
jurisdicionados; a estrutura, a sistemática para elaboração e a serventia/aplicação dos Relatórios de Inteligência
Financeira - RIF - elaborados pelo COAF para uso dos órgãos de repressão à lavagem de dinheiro; a estrutura e
os meios disponíveis para instrução e julgamento desses crimes junto ao Poder Judiciário; os resultados obtidos
pelas condenações por lavagem de dinheiro e conseqüente recuperação do patrimônio ocultado ou dissimulado; a
disponibilidade de meios ao Sistema Brasileiro de Inteligência - SISBIN, necessários à produção e fornecimento
ao Poder Executivo de conhecimentos de inteligência alusivos à lavagem de dinheiro; a suficiência da estrutura e
da sistemática de operações do DPF para reunir tempestivamente provas da materialidade e da autoria do crime
de LD; a estrutura do MPF e a forma de investigação necessária ao oferecimento da denúncia de LD, ao
acompanhamento da ação penal e ao controle externo da polícia. 23
“as políticas são uma evolução em relação à idéia de lei em sentido formal, assim como esta foi uma
evolução em relação ao government by men, anterior ao constitucionalismo. E é por isso que se entende que o
aspecto funcional inovador de qualquer modelo de estruturação do poder político caberá justamente às políticas
públicas” (BUCCI, 2006b, p. 252)
41
natureza de algo que movimenta o Estado, exemplificados com termos que denotam essa
qualidade de algo em construção24
: fins, objetivos, princípios, diretrizes, instrumentos,
sistema, fundamentos, diretrizes gerais de ação, planos diretores, programas, projetos, etc.
Assim, política pública não é a nova lei de lavagem de dinheiro, ou as varas instaladas
especializadas em AML: estes são resultados da política pública em questão25
. Podemos
concluir, portanto, que a política pública nesse contexto ora estudado é o processo em si de
internalização do regime global de proibição da antilavagem de dinheiro, atendendo a
compromissos políticos e direito internacional assumidos pela República Federativa
Brasileira, internalização esta que se traduz, por meio do consenso interno quanto à
necessidade-utilidade desse regime, em uma política criminal contra a criminalidade
organizada. As alterações normativas, jurisprudenciais e institucionais, as ações e medidas
promovidas no âmbito da ENCLA como resultados (chamados, conforme veremos no
subcapítulo 2.3, de metas, ações e recomendações) são fins e objetivos da política. Os atores
da política são, por sua vez, os órgãos e entes dos três poderes e das esferas federativas que
participam da ENCLA. A ENCLA figura, se seguirmos a nomenclatura de Maria Paula
Dallari Bucci, como um instrumento dessa política, mas um instrumento especial: uma forma
bastante particular e avançada, com procedimentos internos e uma cultura própria de
comunidade epistêmica que, em determinada medida, deixou de ser uma ferramenta e passou
à qualidade de ator da política. Por esse motivo escolhemos, chamar a ENCLA de vetor da
política pública criminal antilavagem de dinheiro.
(III) Apesar de não ter existência institucional formalizada, identificamos na ENCLA
uma semelhança com o modelo de gestão de organizações e projetos no setor público
denominado de joined-up government, ou JUG. A própria expressão “joined-up”, que pode
ser traduzida para “combinados para fazer algo útil” já antevê em seu conteúdo semântico a
pluralidade de partícipes, e a idéia de ação, de fazer algo novo e desejado. Academicamente,
se propõe a definição de JUG como “uma expressão que denota a aspiração para atingir ação
e pensamento horizontalmente e verticalmente coordenados. Por meio dessa coordenação
espera-se que alguns benefícios sejam atingidos: primeiro, situações na qual políticas
diferentes inibem umas as outras podem ser eliminadas; segundo, melhor uso pode ser feito
24
“A política, contraposta à noção de princípio, designa “aquela espécie de padrão de conduta que assinala
uma meta a alcançar, geralmente uma melhoria em alguma característica econômica, política ou social da
comunidade (BUCCI, 2006b, p. 253)”. 25
A política distinguir-se-ia das categorias das normas e atos jurídicos, embora esses elementos sejam parte
integrante dela. A noção operacional de política estaria mais próxima do conceito de atividade (BUCCI, 2006b,
p. 255).
42
de recursos escassos; terceiro, sinergias podem ser criadas através da reunião conjunta de
pessoas chaves em uma campo ou rede política particular; quarto, torna possível oferecer aos
cidadãos acesso a um conjunto de serviços relacionados de forma contínua, e não
fragmentada” (POLLITT, 2003, p. 35). Embora seja uma categoria eminentemente gerencial,
o JUG tem claramente um princípio político, que é o de se afastar de burocracismo e de
insularidade de órgãos. Surgindo na agenda atual das reformas do setor público, no Reino
Unido, logo se espalhou para outros países da OCDE. Apesar de essa organização
internacional ser um partícipe relevante e uma fonte normativa do regime da antilavagem (e
também da anticorrupção), não há registros de que a ENCCLA tenha se inspirado diretamente
nesse modelo. De qualquer forma, anota-se JUG não é algo novo, apenas aparenta ser. É a
manifestação mais recente de uma das mais antigas preocupações no campo das políticas e da
administração públicas: coordenação de órgãos públicos e da concepção e administração
de políticas públicas (POLLITT, 2003, p. 35).
Com efeito, a eficácia de políticas públicas consistentes depende diretamente do grau
de articulação entre os poderes e agentes públicos envolvidos, vez que as prestações do
Estado resultam da operação de um sistema extremamente complexo de estruturas
organizacionais, recursos financeiros, figuras jurídicas, cuja apreensão é a chave de uma
política pública efetiva e bem-sucedida (BUCCI, 2006b, p. 249). Isso é especialmente
verdadeiro para a ENCCLA e sua posição como vetor de política criminal no contexto da
separação de poderes brasileira. A divisão de poderes no Brasil é organicista, no sentido de
que as funções do Estado são separadas em grandes macro-órgãos (os poderes) extremamente
separados: estes só se tocam nas suas atividades fins, de controle recíproco, e não há uma
instância de comunicação de suas atividades meio. Estas, como orçamento, permanecem
separadas, impossibilitando uma definição estratégica comum dos três poderes. Não há um
órgão comum aos três poderes, e é impossível criá-lo em nosso regime constitucional, que
centralize ou funcione de palco para essas discussões.
Na configuração tradicional das políticas públicas, compete ao poder legislativo e à
direção política executiva do governo a decisão sobre as políticas públicas e à Administração
compete a sua execução. Todavia, reconhece-se que nem em uma perspectiva ortodoxa esse
modelo não possui correspondência com a realidade prática, passando ”a ser mais um tipo
ideal que um dado da realidade” (BUCCI, 2006b, p. 249). Isso é especialmente verdadeiro
para a política pública em comento: o primeiro passo da internalização do regime, a assinatura
e ratificação das convenções e outros compromissos internacionais depende do serviço
43
diplomático, do chefe de Estado e do Congresso Nacional. A edição de leis penais e
processuais depende do Congresso, mesmo que haja iniciativa do Executivo. A aplicação
prática do regime é promovida por instituições que guardam, senão uma autonomia política,
uma forte autonomia operacional em relação ao governo (especialmente o Ministério
Público). Em adição as medidas mais efetivas, como condenações, prisões e restrições
patrimoniais são de competência do judiciário. Finalmente, a difusão de conhecimento sobre o
regime, de forma efetiva, exige unidade quase doutrinária de linguagem e de concepções
sobre o modelo de AML. Em tese, leis vinculam todos esses entes, mas, lembrando a nossa
tradição brasileira de normas cujo conteúdo nasce vazio de efetividade, leis não tem como
prever a sua própria aplicação. De qualquer forma, dada a dimensão criminal do regime, há o
risco constante de argumentos de constitucionalidade invalidarem parcial ou totalmente o
conteúdo de leis ordinárias. Assim, apenas uma articulação cuidadosa e consensual entre os
atores envolvidos pode conseguir um efetivo avanço.
(IV) Apesar de concebida inicialmente como um fórum para gestão de ações
operacionais em comum, e como gestora de forças tarefa, a ENCLA logo viu seu papel ser
expandido. Mais do que o mero encontro de “oficiais de contato” a ENCLA evoluiu para uma
comunidade epistêmica de profissionais de especialidades diversificadas, mas de interesses e
conhecimentos secantes. Redes são estruturas organizacionais abertas capazes de se expandir
de forma ilimitada, integrando novos participantes desde que consigam se comunicar dentro
da rede, compartilhando os mesmos códigos de comunicação, ou seja, os mesmos valores ou
objetivos de desempenho. Uma estrutura social em redes é um sistema aberto altamente
dinâmico e suscetível a inovações sem ameaça ao seu equilíbrio (ROCHA, 2008, p. 72). E o
fato de ser a política pública um “quadro normativo de ação”, faz com que elementos
operacionais desempenhem um papel relevante na análise e na elaboração dos pressupostos
que dão base às políticas públicas (BUCCI, 2006b, p. 249). Nesse sentido, a ENCLA é um
vetor das políticas que formam o regime antilavagem ao transformar-se de mero importador
dos modelos internacionais do regime, e afirmar-se como protagonista interno ao, por
exemplo, expedir recomendações a órgãos que dela não fazem parte26
.
Dois gráficos produzidos pelo Ministério da Justiça ilustram o crescimento do número
de réus, de condenados, de inquéritos e de sentenças sobre lavagem de dinheiro, no âmbito da
26
2010 Recomendação 4: Recomenda-se ao Grupo Jurídico que analise o Anteprojeto da “Lei Orgânica da
Administração Pública”, manifestando-se o Grupo no que couber, encaminhando suas sugestões ao Ministério
do Planejamento.
44
Justiça Federal (Ilustração 3). O crescimento de todos esses parâmetros é acentuado, sendo
clara a visualização no gráfico de um paredão ascendente em 2003, ano no qual, não por
coincidência foi criada a ENCLA.
Outra evidência da relevância da ENCCLA como vetor de políticas públicas é o seu
papel de, embora fora do parlamento, catalisar alterações normativas, a exemplo do Projeto de
Lei 3.443/2008, decorrente da Meta 20 da ENCLA de 2004 e que altera a Lei 9.613/1998, ato
normativo que criminalizou a lavagem de dinheiro no Brasil. As primeiras leis de lavagem de
dinheiro aplicavam-se apenas aos capitais oriundos do tráfico de drogas, sendo classificadas
como leis de “1ª Geração”. As de “2ª Geração” criminalizam a ocultação de capitais advindos
de outros crimes graves, como corrupção. A Lei 9.613/98 pertence a essa geração, mas o PL
3.443/08 extrapola a AML no Brasil para uma “3ª Geração”, ao considerar como lavagem
qualquer ato que importe em “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização,
disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou
indiretamente, de infração penal” (nova redação do art. 1º da Lei 9.613/1998 de acordo com o
PL 3443/2008). Outros exemplos de resultados da ENCCLA incluem o Cadastros de Clientes
do Sistema Financeiro Nacional (CCS)27
, o Sistema Nacional de Bens Apreendidos
27
Resultado da Meta 2 da ENCLA de 2005, dá cumprimento ao art. 3º da Lei 10.701/2003. O CCS é um
sistema informatizado que permite indicar onde clientes de instituições financeiras mantêm contas de depósitos,
de poupança e de investimentos em geral. O cadastro apenas identifica os clientes (KYC), sem manter
informações sobre movimentações e saldos, que são protegidas por sigilo e demandam autorização judicial para
serem conhecidas.
Fonte: Ministério da Justiça
ILUSTRAÇÃO 3: RÉUS, CONDENADOS, INQUÉRITOS E AÇÕES PENAIS
SOBRE LAVAGEM DE DINHEIRO
45
(SNBA)28
, a inclusão da obrigação de enhanced due dilligence sobre Pessoas Expostas
Politicamente (PEPs)29
e a criação de um leiaute padrão para solicitação e obtenção de
informações decorrentes de quebras de sigilo bancário30
.
Um dos primeiros e mais impactantes casos de lavagem de dinheiro geridos pela
comunidade ENCLA, em uma atividade persecutória estrategicamente combinada de diversos
órgãos distintos, foi o caso do agora Deputado Federal Paulo Maluf. Associadas a evidências
de desvios de verbas públicas e fraudes em licitações, foram descobertas na Suíça e em Jersey
(onde os recursos teriam chegado via empresas off-shore constituídas em Cayman) contas
bancárias controladas pelo ex-prefeito de São Paulo e ex-governador paulista. Apesar de
Paulo Maluf não ter sofrido condenação transitada em julgado, e possuir ainda considerável
força política, o caso é considerado o paradigma da antilavagem no Brasil. Não só pela
repercussão e pelo volume financeiro envolvido, mas pelo uso, com sucesso, de diversas
técnicas propiciadas pelo regime da AML, tais como: persecução da lavagem independente da
condenação pelo crime anterior; quebras de sigilo de naturezas diversas; cooperação jurídica
internacional para obtenção de provas e bloqueio de patrimônio no estrangeiro (propiciadas
pelo Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional – DRCI,
do Ministério da Justiça); e atuação integrada da investigação e acusação penais tradicionais
(polícia e Ministério Público) com a inteligência financeira (COAF). Sobretudo, o caso Maluf
é emblemático também porque o crime antecedente à lavagem de dinheiro trata-se de
corrupção. Assim, ele contribuiu para reforçar o sentimento conjuntural da necessidade de
28
No enfrentamento ao crime organizado, não apenas os corpos dos criminosos são passíveis de serem
foucaultianamente tocados pelo Estado. A Lei de Lavagem e algumas leis específicas sobre determinados crimes
(como a de drogas) prevêem o perdimento dos bens/valores adquiridos a partir dos lucros dessas atividades, bem
como medidas cautelares de bloqueio desse patrimônio. A possibilidade jurídica dessas medidas precedeu a
sofisticação de sua administração, e não havia informações centralizadas sobre os bens submetidos à constrição
judicial. A Meta 10 da ENCLA de 2006 tratou do assunto, resolvido com a Resolução 62/2008 do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ), que criou o SNBA. 29
PEPs são um exemplo típico da intersecção dos regimes de antilavagem e anticorrupção. PEPs são agentes
públicos de escalão elevado: a legislação é mais complexa e detalhada do que isso, mas o conceito abrange, no
poder executivo federal, do Presidente da República aos cargos de nível DAS-6. Enhanced due dilligence sobre
PEPs significa que as instituições financeiras têm um dever a mais de cuidado no seu relacionamento com as
PEPs, justamente porque se identifica nelas um maior risco da prática de corrupção, que é em si um dos
principais crimes antecedentes da lavagem de dinheiro. 30
Como os esforços de ocultação patrimonial envolvem múltiplas operações, estruturadas em diversas contas,
e em diversos níveis de distanciamento da colocação original do dinheiro no sistema financeiro, em cada
investigação as quebras de sigilo bancário abrangem um número considerável de operações financeiras.
Atualmente, dada a quantidade de informações recebidas por quebra, e dados os esforços dos lavadores de tecer
operações cada vez mais estruturadas, a análise desses dados é feita com uso de sofwares especializados. Para
racionalizar o trabalho de investigação, o leiaute padronizado importa em que as instituições financeiras
entreguem os dados relativos à quebra de sigilo em um formato amigável ao trabalho de análise, razão pela qual
foi objeto de preocupação da Meta 4 da ENCCLA de 2008. Essa medida também é importante nos casos em que
múltiplas agências se debruçam sobre o mesmo conteúdo probatório (um mesmo fato pode ser ao mesmo tempo
crime, infração administrativa, improbidade ou relevante para fins de inteligência de Estado).
46
evolução das medidas punitivas penais anticorrupção, adaptando-as às ferramentas para se
lidar com a macrocriminalidade moderna, organizada e do colarinho branco31
.
2.2 Complexidade da Anticorrupção: ENCCLA e outras políticas públicas
anticorrupção
As políticas públicas anticorrupção desenvolvidas a partir da adoção pelo Brasil do
respectivo regime internacional de proibição estão concentradas na ENCCLA, no que toca à
dimensão criminal, e na Controladoria-Geral da União (CGU), no que toca à dimensão
administrativa. Não obstante, existe ainda uma feição tradicional da anticorrupção,
representada por um dever geral de probidade nos negócios públicos e pela tipificação penal
de delitos tradicionalmente associados à corrupção, como peculato, concussão e os tipos
homônimos, passivo e ativo. A corrupção é tão antiga quanto o próprio Estado. Embora o que
seja legal ou ilegal dependa de país para país, a maioria dos Estados penaliza formas mais ou
menos coincidentes de suborno, peculato, extorsão e fraude em contratos públicos
(KLITGAARD, 1988, p. 7).
Diferentemente da lavagem, a corrupção já era tratada pelo sistema jurídico como um
ilícito, mesmo antes do surgimento do respectivo regime global de proibição. Formas não-
penais para lidar com o problema foram concebidas, com maior ou menor grau de
sofisticação, por diversas culturas passadas. Entretanto, o regime da anticorrupção é diferente
dessas medidas tradicionais contra a corrupção. Nele, a dimensão administrativa é tão
relevante quanto a dimensão criminal, senão mais.
Ambas as dimensões da anticorrupção são, por sua vez, derivadas de outros campos de
modernização. A dimensão criminal da anticorrupção é uma parte, um recorte das políticas
criminais contra formas mais avançadas e perigosas de criminalidade organizada, e nesse
tocante relaciona-se intimamente com políticas e com o regime da antilavagem de dinheiro. A
dimensão administrativa da anticorrupção é uma parte importante de um discurso mais amplo:
democratização, liberalismo econômico, eficiência da gestão pública e reconhecimento ao
31
O caso, consideravelmente complexo e cheio de idas e vindas graças às prerrogativas políticas do acusado e
às peculiaridades de nosso processo penal, está narrado em estilo jornalístico no livro O Dinheiro Sujo da
Corrupção: porque a Suíça entregou Maluf, de Rui Martins.
47
desenvolvimento sustentável dos povos. Combinadas, as dimensões criminal e administrativa
da anticorrupção ganham autonomia ao serem expressas como o regime internacional da
anticorrupção. A proibição do suborno transnacional é um exemplo da combinação de ambas
as dimensões: medidas penais (criminalização, seqüestro de bens) combinadas com medidas
administrativas (regras de transparência na escrituração contábil, obrigação de companhias
manterem uma estrutura de compliance ético), dando cumprimento a imperativos de ordem
criminal (impedir a lavagem de dinheiro de tiranos corruptos) e administrativos (liberalismo
político, governo justo e livre concorrência).
Temperando ambas as dimensões, o paradigma do regime atual da anticorrupção como
preocupação internacional (I) é o foco na prevenção e na diminuição de situações de risco.
Todavia, a internalização desse regime ocorre de forma substancialmente mais complexa do
que ocorreu na AML – um dos fatores dessa complexidade é a própria ENCLA, que em 2006
foi transmudada para ENCCLA, com a adição do tema corrupção aos interesses da Estratégia
(II). Se for fato que alguns avanços na anticorrupção foram propostos nestes três anos do tema
no âmbito da ENCCLA, esta permanece muito ligada ao regime da AML, na qualidade de
parte da política criminal contra o crime organizado – em conseqüência, a anticorrupção é
tratada no âmbito da Estratégia com preponderância da sua dimensão criminal. Mas, por outro
lado, medidas e ações anticorrupção são executadas por outros órgãos públicos, notadamente
a CGU (III), o que nos faz concluir que a complexidade do regime da anticorrupção é não só
temática, dada a sua bidimensionalidade administrativo-criminal, mas também institucional,
com dois pólos principais de inovação em políticas de introdução do regime (IV).
(I) A internalização no Brasil desse novo paradigma da anticorrupção começa pela
assinatura e ratificação das Convenções já citadas: Palermo (crime organizado transnacional),
OCDE (suborno transnacional), Caracas (contra a corrupção da OEA) e Mérida (contra a
corrupção da ONU). Daí em diante, a internalização ocorre de forma substancialmente mais
complexa do que ocorreu na AML, e essa distinção decorre devido à força da dimensão
administrativa da anticorrupção (1), à multiplicidade de condutas penais que se caracterizam
como corrupção (2) e das organizações públicas encarregadas de coibi-las e preveni-las (3).
Ademais, as intersecções entre ambos os regimes (4) apenas contribuem para a demonstração
de sua distinção.
(1) Enquanto a anticorrupção dispõe de um considerável arsenal de medidas não-
penais em suas técnicas, a AML se baseia, pelo contrário, em técnicas penais que exacerbam
48
o poder punitivo do Estado, na fase investigatória dando mais poder a órgãos persecutórios, e
na fase processual diminuindo enormemente a necessidade de carga probatória suficiente para
a condenação. Como se prescinde da condenação pelo crime antecedente32
(diferentemente do
que ocorre para efeitos de atribuição da reincidência, por exemplo), este é, portanto, uma
mera elementar do tipo, e não uma condição do processo penal. É possível, portanto, que
alguém seja absolvido da prática do crime antecedente, por, digamos, prescrição ou
insuficiência de provas33
, e, em um juízo diferente (caso as ações não tenham sido reunidas
por conexão) ser condenado pela lavagem dos recursos que se consideraram advindos da
prática de um crime anterior no qual não se obteve a condenação. Apesar de a inteligência
financeira ser baseada em órgãos e regulamentos administrativos, ela é instrumental ao
sistema penal, vez que seu objetivo é propiciar a descoberta de casos ocultos de lavagem.
Instrumentalmente, o regime da AML se presta ao enfraquecimento do crime organizado,
enquanto a anticorrupção possui uma agenda de objetivos (desenvolvimento, ética pública,
participação cívica) substancialmente mais ampla e difusa.
(2) Em termos penais, talvez seja tão difícil descobrir e apurar um caso de lavagem
quanto um caso de corrupção, mas esta abarca muitos tipos diferentes de condutas: suborno,
peculato, concussão, fraudes diversas em licitações, dentre outras, espalhadas inclusive em
legislação extravagante (ver Apêndice B). Embora possa ser praticada por diversos métodos, a
lavagem de dinheiro é substancialmente uma conduta fácil de definir e de distinguir de casos
que não são lavagem, com apenas dois artigos de definição de tipos e em apenas uma lei.
Além disso, a corrupção possui suas peculiaridades de fenômeno historicamente associado a
qualquer Estado, o que torna sua tipificação algo tradicional nas diversas jurisdições,
enquanto a lavagem de dinheiro é essencialmente um delito contemporâneo, e, apesar de
bastante disseminada, ainda em evolução.
(3) Quanto aos atores das respectivas políticas, a relação de interessados na AML é
bem menor do que na anticorrupção. Aquela possui órgãos persecutórios, o judiciário e
órgãos reguladores das atividades financeiras. Já a anticorrupção é de interesse não só de
todos estes, mas também de órgãos de controle, do meio político, dos órgãos de planejamento,
do setor público em geral e também da sociedade civil. A investigação e punição da lavagem
podem ser feitas pela esfera estadual, mas o dispositivo da Lei 9.613 que trata de competência
32
Ver Lei 9.613/1998, Art. 2º: O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei: II - independem do
processo e julgamento dos crimes antecedentes referidos no artigo anterior, ainda que praticados em outro país; 33
Salvo se a absolvição for por negativa de autoria, caso em que a coisa julgada se estenderia como matéria
de fato para o processo penal da lavagem.
49
torna bastante improvável a hipótese de que o crime de lavagem não seja federal34
. A
corrupção, por sua vez, pode ser praticada nos âmbitos federais, estaduais, municipais e do
setor privado. Observa-se igualmente um aumento recente do número de atores não-
governamentais preocupados com o tema corrupção (ver CGU/ETHOS: A Responsabilidade
Social das Empresas no Combate à Corrupção35
).
(4) Os regimes da AML e da anticorrupção possuem uma intersecção, de fato, que
coincide com o regime maior da criminalidade organizada: corrupção como crime antecedente
da lavagem, corrupção como crime principal ou acessório praticado por uma organização
criminosa. Mas a própria antilavagem se preocupa com crimes antecedentes que não são
corrupção, como o tráfico de drogas, por exemplo, e também com atos que não propriamente
crime organizado, como o terrorismo (o qual apesar de ser, efetivamente, organizado, não
possui a finalidade de lucro). A anticorrupção, por sua vez, possui em sua própria dimensão
criminal uma parte não coincidente com o regime da AML e das políticas criminais contra o
crime organizado: atos de petty corruption praticados de forma individual e com baixa
rentabilidade por um funcionário público subalterno, por exemplo.
(II) Esta complexidade traduziu-se em diversas formas concretas de internalização da
anticorrupção. Uma delas, a parte que coincide com a AML e com as políticas criminais
contra o crime organizado é justamente a ENCLA, que em 2006 foi transmudada para
ENCCLA, com a adição do tema corrupção aos interesses da Estratégia. O assunto
anticorrupção esteve presente na Estratégia desde o início, de forma incidental, como crime
antecedente da lavagem de dinheiro e devido ao já elaborado paralelismo entre ambos os
regimes. Porém, o ano de 2006 foi um ano especial para a anticorrupção no Brasil e acabou
tendo reflexos que mudariam consideravelmente a então ENCLA, ainda sem o “C”. Já em
janeiro desse ano foram publicados os Decretos de criação da Secretaria de Prevenção da
Corrupção e Informações Estratégicas (SPCI)36
da CGU e de promulgação da Convenção da
34
Art. 2º O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei: III - são da competência da Justiça Federal:
a) quando praticados contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira, ou em detrimento de bens,
serviços ou interesses da União, ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas; b) quando o crime
antecedente for de competência da Justiça Federal. 35
Disponível em:
www.cgu.gov.br/Publicacoes/ManualRespSocial/Arquivos/ManualRespsocialEmpresas_baixa.pdf 36
Decreto 5.683/2006. Art. 17. À Secretaria de Prevenção da Corrupção e Informações Estratégicas compete:
I - promover o incremento da transparência pública;
III - promover intercâmbio contínuo, com outros órgãos, de informações estratégicas para a prevenção e o
combate à corrupção;
V - acompanhar a evolução patrimonial dos agentes públicos do Poder Executivo Federal e observar a existência
de sinais exteriores de riqueza, identificando eventuais incompatibilidades com a sua renda declarada;
50
ONU contra a Corrupção. Mas o que realmente deu ensejo à inclusão do tema corrupção na
ENCCLA foram duas iniciativas de avaliação oficial das políticas públicas anticorrupção,
feitas uma pelo TCU (1) e a outra pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do
Congresso Nacional denominada de “CPMI dos Correios” (2), criada por ocasião da
exposição pública do escândalo do “Mensalão do PT”.
(1) A avaliação do TCU consta do Relatório e Pareceres Prévios sobre as Contas do
Governo da República – Exercício de 2005. Ela consiste em uma avaliação das estratégias de
combate à corrupção em órgãos do Poder Executivo e do Ministério Público Federal, e
restringiu-se a levantar informações junto aos seguintes órgãos: CGU, MPF, DPF e DRCI (p.
202). Destaca-se também desse relatório a divisão de medidas e ações contra a corrupção em
dois conjuntos: combate e prevenção (p. 206). No primeiro, constam: programa de
fiscalização de prefeituras municipais e dos estados da federação, operações especiais com a
DPF e o MPF, auditorias ordinárias e especiais nos órgãos do Poder Executivo Federal,
investigação da evolução patrimonial de servidores públicos (sindicâncias patrimoniais),
promoção da transparência dos gastos públicos e do controle social, instituição do Sistema de
Correição do Poder Executivo Federal, elaboração de anteprojetos de lei (criminalização do
enriquecimento ilícito, conflitos de interesse na Administração Pública, regulamentação do
acesso a informações da Administração Pública pelos cidadãos, aperfeiçoamento dos
mecanismos de prestação de contas em transferências voluntárias). No conjunto da prevenção
foram alocados o portal da transparência, o programa olho vivo no dinheiro público e
fortalecimento da gestão, mapas de risco junto com transparência internacional.
O Relatório também sistematizou a anticorrupção como um processo dinâmico, que
pode ser dividido em quatro fases: prevenção, detecção, investigação e punição. A realização
VI - fomentar a participação da sociedade civil na prevenção da corrupção;
VII - atuar para prevenir situações de conflito de interesses no desempenho de funções públicas;
VIII - contribuir para a promoção da ética e o fortalecimento da integridade das instituições públicas;
IX - reunir e integrar dados e informações referentes à prevenção e ao combate à corrupção;
Da estrutura orgânica da SPCI faz parte a seguinte Diretoria (DPC):
Art. 19. À Diretoria de Prevenção da Corrupção compete:
I - realizar pesquisas e estudos sobre o fenômeno da corrupção, consolidando e divulgando os dados e
conhecimentos obtidos;
II - propor e executar projetos e ações que contribuam para o incremento da transparência da gestão pública;
III - desenvolver metodologias para a construção de mapas de risco em instituições públicas e propor medidas
que previnam danos ao patrimônio público;
IV - acompanhar a implementação das convenções e compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, que
tenham como objeto a prevenção e o combate à corrupção;
V - propor e adotar medidas que previnam situações de conflito de interesses no desempenho de funções
públicas; e
VI - estimular a participação dos cidadãos no controle social.
51
dessas fases se dá de forma distribuída entre várias entidades, sendo que normalmente cada
uma acaba se especializando ou concentrando em uma determinada fase (Ilustração 4 abaixo).
O Relatório reconhece que “existe a necessidade de maior integração entre as
instituições que atuam no combate à corrupção” (p. 240) e destaca que, apesar de estar
“focada no combate à lavagem de dinheiro, tema que tem relação com o enfrentamento da
corrupção, mas não o abrange totalmente”, a ENCLA é um “importante referencial na
interação entre os órgãos governamentais que atuam no combate à lavagem de dinheiro e
ao crime organizado”. “A definição de metas, com prazos estipulados, e a designação de uma
instituição como responsável pela consecução dos objetivos proporcional maior efetividade
aos fins almejados.” O Relatório do TCU conclui com o entendimento de que “faz-se
necessária uma estratégia voltada especificamente para a prevenção, detecção, investigação e
punição de práticas de corrupção” (p. 241).
(2) Em abril de 2006 foi publicado o Relatório Final dos Trabalhos da CPMI dos
Correios, que fez uma análise bastante compreensiva do cenário anticorrupção à época,
catalogando algumas medidas já implantadas, ao mesmo tempo em que propôs um sofisticado
conjunto de novas proposições consolidadas em um “Sistema Nacional de Combate à
Corrupção”. Assim, as proposições abordaram dois eixos distintos. O primeiro destes eixos
diz respeito à estrutura, ao aparelhamento necessário para que o Estado faça frente à
corrupção, no qual seria necessário não só reformular alguns dos órgãos já existentes e
atuantes na área, mas, sobretudo, criar um Sistema Nacional de Combate à Corrupção, o qual
atuaria de forma “permanente e especificamente na busca de soluções para a prevenção e
Fonte: TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Relatório e Pareceres Prévios sobre as Contas do
Governo da República – Exercício de 2005, p. 236
ILUSTRAÇÃO 4: AÇÕES ANTICORRUPÇÃO POR
ENTIDADE
52
combate à corrupção”. O outro eixo a ser abordado referia-se à revisão e atualização da
legislação brasileira capaz de atuar tanto preventiva quanto coercitivamente na luta pela
erradicação da corrupção na administração pública (p. 1655-1656). Quanto à análise do
cenário estrutural da corrupção, esta foi dividida em quatro fases: prevenção (p. 1667 –
enfoques no compartilhamento de informações, planejamento e transparência); identificação
(p. 1668 – sistema de inteligência para identificar tempestivamente os focos de corrupção:
“compilar, organizar e gerenciar informações disponíveis nos mais diversos e esparsos
sistemas de controle administrativo”); contenção (p. 1669 – de responsabilidade do plano
administrativo: sanções administrativas mais severas37
); e punição (p. 1673 – no plano
judicial).
Ao final, a CPMI afirmou que “sem deixar de reconhecer a necessidade de
fortalecimento das instituições já existentes e atuantes na prevenção e combate à corrupção
[...] é preciso ir mais além, criando todo um Sistema Nacional de Combate à Corrupção, de
caráter contínuo e que envolva, além dos órgãos e instituições governamentais, cruciais no
momento inicial, também o apoio e inestimável parceria da sociedade civil, da mídia e do
setor privado” (p. 1673). no âmbito do Poder Legislativo, a CPMI sugeriu a criação de uma
Comissão Permanente Mista de Combate à Corrupção, responsável especialmente, por
apresentar e acompanhar as proposições legislativas necessárias e pertinentes ao
aperfeiçoamento do Sistema Nacional de Combate à Corrupção38
.
37
Segundo o Relatório: “O problema no Brasil, no entanto, é que não existe eficácia nas medidas de sanção
administrativa. Ao fim acaba-se por reservar ao Poder Judiciário o monopólio integral de qualquer iniciativa no
plano da punição.” Todavia, a sua morosidade processual e a necessidade de privilegiar a busca constante da
verdade substancial no processo judicial acabam por soterrar qualquer expectativa de uma punição imediata a
contento. 38
O Relatório da CPMI já antevia algumas das proposições a serem apresentadas e acompanhadas:
Transformação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF em Agência Nacional
de Inteligência Financeira – ANIF
Redução do Número de Cargos em Comissão e de Confiança no Âmbito do Poder Executivo das
Três Esferas
Criação de Câmaras e Varas Judiciárias Específicas para Julgar Crimes contra a Administração
Pública
Inclusão dos Dirigentes de Entidades da Administração Indireta entre os Sujeitos Passíveis de
Convocação, pelo Senado Federal, pela Câmara dos Deputados ou por Qualquer de Suas Comissões,
para Prestar Informações
Divulgação, via Internet, do Currículo e Agenda dos Agentes Políticos e Ocupantes de Cargos em
Comissão de Livre Nomeação e Exoneração, para Conferir mais Transparência à Administração
Pública
Definição, em Sede Constitucional, da Aplicabilidade da Lei que Regula os Atos de Improbidade
Administrativa
Limitação das Despesas com Publicidade
Fiscalização dos Fundos de Previdência Complementar
Revisão e Atualização da Lei de Lavagem de Dinheiro
53
Em ambas as avaliações expostas, a orientação comum do TCU e da CPMI era para
conceber um mecanismo para lidar com a corrupção, semelhante ao que era a ENCLA para a
lavagem de dinheiro. Porém, a reunião anual da ENCLA, no fim de 2006, que definiu as
metas para 2007, optou por expandir a Estratégia, acrescentando a corrupção como objeto de
combate e como letra de sua nova sigla, resultando na atual ENCCLA. De 2007 para cá, a
ENCCLA abrangeu os dois temas, lavagem de capitais e corrupção, que se tangenciam,
mesmo sendo distintos. A decisão de se ter ambos tratados no mesmo âmbito deveu-se menos
à correlação entre eles, e mais à impressão, à época, de que os partícipes da comunidade
antilavagem teriam muito em comum com os de uma eventual comunidade anticorrupção,
além do já citado Caso Maluf.
(III) Alguns avanços na anticorrupção foram propostos nestes três anos do tema no
âmbito da ENCCLA, como por exemplo: a discussão sobre a intermediação de interesses
(lobby), diversos projetos de leis propostos (enriquecimento ilícito, conflito de interesses,
responsabilidade da pessoa jurídica por atos de corrupção) e o Cadastro Nacional de
Empresas Inidôneas e Suspensas – CEIS (dá publicidades da lista de pessoas que não podem
contratar com o Estado). Apesar disso, a ENCCLA permanece muito ligada ao regime da
AML, na qualidade de parte da política criminal contra o crime organizado. O fato de ser mais
voltada ao regime da AML também torna a ENCCLA mais próxima do sistema penal, e, em
conseqüência, a anticorrupção é tratada nesse âmbito com preponderância da sua dimensão
criminal.
Mas, por outro lado, medidas e ações anticorrupção são executadas por outros órgãos
públicos, em suas competências corriqueiras, e a Controladoria-Geral da União, apesar de
criada há pouco tempo39
, vem se firmando como protagonista na concepção e execução de
políticas públicas anticorrupção, a maioria de dimensão administrativa e de finalidades
preventivas. Como já citado acima, a CGU conta com uma Secretaria de Prevenção da
Alteração da Lei de Improbidade Administrativa
Tipificação das Condutas de Fazer Afirmação Falsa ou Negar a Verdade, na Condição de Indiciado
ou Acusado, em Relatório Final dos Trabalhos da CPMI “dos Correios” Volume III - Pág. 1693
Inquéritos, Processos e Comissões Parlamentares de Inquérito
Redução da Discricionariedade nas Licitações
Ampliação do Âmbito de Aplicação do Pregão Eletrônico, Licitação por “Proposta Mais Vantajosa”
e Melhoria dos Instrumentos de Controle
Inclusão de Normas Específicas Relativas a Serviços de Publicidade na Lei de Licitações e Contratos
Administrativos
Institui o Programa de Incentivo a Revelações de Interesse Público 39
Em 2001, pela Medida Provisória n° 2.143-3, então com a denominação de Corregedoria-Geral da União. O
nome atual foi dado pela Medida Provisória n° 103/ 2003, convertida na Lei n° 10.683 do mesmo ano.
54
Corrupção e Informações Estratégicas e a SPCI, por sua vez, tem uma Diretoria de Prevenção
da Corrupção, responsável por “acompanhar a implementação das convenções e
compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, que tenham como objeto a prevenção e o
combate à corrupção”. Essas competências certamente fazem com que estes órgãos se
posicionem na vanguarda da internalização do regime global da anticorrupção, ao ponto de a
CGU atribuir-se a qualidade de ACA, “agência anticorrupção” brasileira40
41
. De acordo com
o seu site, a CGU desenvolve no presente as seguintes medidas anticorrupção:
(1) Compromissos Internacionais contra Corrupção: além das já citadas convenções
internacionais contra a corrupção, cuja implementação é acompanhada pela DPC/SPCI, a
CGU desenvolve projetos anticorrupção em conjunto com o Banco Mundial, o UNODC, o
Reino Unido, e Memorando de Entendimentos entre os Governos da Índia, do Brasil e da
África do Sul, para cooperação nas áreas de administração e governança pública.
(2) Programa Olho Vivo no Dinheiro Público: para incentivar o controle social,o
objetivo é fazer com que o cidadão, no município, não seja alheio à aplicação dos recursos
públicos. Sensibilizam-se e orientam-se conselheiros municipais, lideranças locais, agentes
públicos municipais, professores e alunos sobre a importância da transparência na
administração pública, da responsabilização e do cumprimento dos dispositivos legais, através
das seguintes ações: educação presencial e a distância; elaboração e distribuição de material
didático; incentivo à formação de acervos técnicos; e parcerias e cooperação institucional.
(3) Fortalecimento da Gestão Pública: ao fiscalizar e auditar um número considerável
de estados e municípios percebeu-se que a desinformação dos agentes locais e a fragilidade
dos instrumentos de controle interno e social são adversárias da boa gestão do dinheiro
40
Conforme consta do Relatório de Avaliação do Plano Plurianual, a Controladoria-Geral da União afirma
que “tem se firmado também como uma típica agência anticorrupção, que privilegia a elaboração de estratégias e
políticas de prevenção e combate a esse mal”. Ver Capítulo 5. 41
O termo “agência anticorrupção” é um jargão do regime. Decorre das experiências de alguns países, como
Hong Kong, que criaram órgãos exclusivos para persecução e/ou prevenção da corrupção. Essas experiências
informaram a elaboração dos artigos 6 e 36 da Convenção de Mérida. Segundo o Artigo 6, sob o título “órgão ou
órgãos de prevenção à corrupção”, cada Estado-parte da Convenção garantirá a existência de um ou mais órgãos,
encarregados de prevenir a corrupção com o aumento e a difusão dos conhecimentos em matéria de prevenção da
corrupção, e com a aplicação/supervisão/coordenação das medidas de prevenção nela apresentadas. A esses
órgãos deverá ser outorgada “a independência necessária, de conformidade com os princípios fundamentais de
seu ordenamento jurídico, para que possam desempenhar suas funções de maneira eficaz e sem nenhuma
influência indevida.” A mesma disposição de independência também opera no Artigo 36, que trata de
“autoridades especializadas”, também chamadas de anti-corruption units (ACU). Segundo o Artigo 36, os
Estados-partes deverão dispor de um ou mais órgãos ou pessoas especializadas na luta contra a corrupção
mediante a aplicação coercitiva da lei. Apesar de o Artigo 6 ser dedicado à prevenção e o 36 à repressão, ambos
são comumente estudados em conjunto como expressão da disposição internacional à promoção de reformas
internas na estrutura dos Estados, no âmbito das políticas anticorrupção. Ver Capítulo 5.
55
público. Nem todas as impropriedades nas contas públicas derivam necessariamente da
improbidade e da corrupção de gestores públicos. O programa se concretiza por meio da
promoção das seguintes ações: capacitação de agentes públicos; distribuição de bibliografia
técnica; e cooperação com controles internos.
(4) Incremento da Transparência Pública: a transparência é necessária para que os
cidadãos possam exercer efetivamente o controle social. Diante disso, a CGU criou os
seguintes mecanismos: Portal da Transparência; Páginas da Transparência; Relatórios de
Fiscalização a partir dos Sorteios Públicos.
(5) Promoção da Integridade no Serviço Público Federal: concentra o foco também na
prevenção, além da repressão. Segue a doutrina de estimular a integridade no serviço público,
e a redução do risco de atitudes que violam princípios éticos. Uma das ações é justamente o
mapeamento de situações de risco à corrupção.
(6) Promoção da Integridade no Setor Privado: divulga, junto a empresas, a adoção de
políticas de integridade a fim de fortalecerem o ambiente de negócios, prática comum em
diversas multinacionais devido ao risco persecutório do FCPA. No site da CGU há a notícia
de um “Cadastro de Empresas Pró-Ética”, cuja criação é estudada de forma conjunta com o
Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, com o objetivo de cadastrar “as
empresas que invistam na ética e na integridade por meio da implementação de medidas de
governança corporativa e de prevenção da corrupção”.
(7) Produção e Disseminação do Conhecimento sobre prevenção e combate à
corrupção: desenvolve ações que visam a promover estudos e estimular a produção de
conhecimento sobre o fenômeno da corrupção, como: Biblioteca Virtual sobre Corrupção –
BVC; Concurso de Desenho e Redação da CGU; Concurso de Monografias; Revista da CGU;
celebração de acordos de cooperação com universidades; e realização de debates acadêmicos.
(8) Aprimoramento do Marco Legal: concentração de esforços para o aprimoramento e
debate sobre normas para prevenção e combate à corrupção, realizando estudos e proposições
nas seguintes áreas: prevenção a conflitos de interesses42
; acompanhamento da evolução
patrimonial43
e criminalização do enriquecimento ilícito de servidores públicos44
;
42
Projeto de Lei 75281/2006. Disponível em: www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=334907 43
Decreto 5.483/2005. 44
Projeto de Lei 5586/2005. Disponível em: www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=292771
56
regulamentação do lobby; acesso à informação45
; torna a corrupção crime hediondo46
; e
institui a responsabilidade da pessoa jurídica por ato de corrupção47
.
O regime da anticorrupção é expresso internacionalmente por documentos que
combinam as suas dimensões administrativa e criminal. Entretanto, no Brasil o regime da
anticorrupção já internalizado é tratado, quanto à formulação e execução das políticas que o
compõem, de forma dividida. Uma parte “tradicional” da anticorrupção, pré-globalização do
regime desse regime de proibição é de competência do setor público em geral. Quanto à
“moderna” anticorrupção, resultante da internalização do regime global de proibição, sua
dimensão criminal é tratada pela ENCCLA e a administrativa pela CGU, órgão responsável
pelo acompanhamento da implementação das diversas convenções contra a corrupção
ratificadas pelo Brasil. Duas evidências confirmam essa clivagem institucional do regime: as
Mensagens Presidenciais ao Congresso Nacional (1) e a estrutura orçamentária das ações do
Poder Executivo (2).
(1) A primeira evidência dessa cisão das dimensões e atores das políticas públicas
anticorrupção pode ser encontrada na mensagem e plano de governo que o Presidente da
República remete ao Congresso Nacional por ocasião da abertura da sessão legislativa,
expondo a situação do País48
. Analisamos as Mensagens Presidenciais ao Congresso de 2000
a 2009 e observamos primeiro que não há nelas menção ao combate à corrupção, até 2003
(ano seguinte ao da internacionalização da Convenção contra a corrupção da OEA, e mesmo
da ONU), o que se configura em mais um indício que demonstra a internalização recente do
regime e dos campos de conhecimento a ele subjacentes. O segundo, é que de 2003 em diante,
o tema corrupção é tratado sempre em dois capítulos diferentes: o dedicado à “Segurança
Pública” e o que trata de “Gestão do Estado e Combate à Corrupção”, aquele relatando as
operações policiais contra a corrupção e o crime organizado no âmbito do Ministério da
Justiça, e este enumerando as políticas e medidas de dimensão administrativa no âmbito da
CGU.
(2) A evidência seguinte pode ser extraída a partir da leitura da Lei Orçamentária
Anual, mais especificamente do volume que trata do detalhamento das ações (ver Anexo C da
dissertação) do Poder Executivo. Assim, o Programa 1173, intitulado “Controle Interno,
45
Projeto de Lei 5228/2009. Disponível em: www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=434566 46
Projeto de Lei 6616/2009. Disponível em: www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=464192 47
Projeto de Lei 6826/2010. Disponível em: www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=466400 48
Constituição, art. 84, XI.
57
Prevenção e Combate à Corrupção”, a cargo da Controladoria-Geral da União alberga a Ação
173.2B13, denominada “Ações de Prevenção à Corrupção e Transparência Governamental”,
ao lado de outras ações meta-administrativas e relativas à competência da CGU como órgão
central do sistema de controle interno do Poder Executivo da União. Entretanto, encontra-se
ligado ao Ministério da Justiça o Programa 1164 “Prevenção e Combate à Lavagem de
Dinheiro”, do qual fazem parte ações relativas à corrupção, a saber, a Ação 1164.8217
“Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA)”, e a
Ação 1164.2390 “Capacitação Técnica de Agentes em Combate à Corrupção e à Lavagem de
Dinheiro”.
2.3 Análise da ENCCLA por suas diretrizes
Para demonstrar e mensurar a complexidade do regime da anticorrupção tal como
tratado pela ENCCLA desenvolvemos uma metodologia de classificação e julgamento do
conjunto de diretrizes produzidas pela Estratégia. Não foi só o ineditismo da abordagem que
nos levou a escolhê-la para a dissertação. A constatação da bidimensionalidade do regime da
anticorrupção é mais facilmente apreendida nos textos normativos, internacionais e nacionais,
que fundamentam o regime e estes aparecem citados de forma intercalada no decorrer do
texto, conforme adequados a esta ou aquela parte do trabalho. Da mesma forma, as medidas
anticorrupção adotadas como atribuição ordinária de órgãos persecutórios ou de controle
seriam de difícil quantificação, dada à grande quantidade de tipos penais relativos à corrupção
(ver Apêndice B) e à pouca cultura de produção de estatísticas judiciárias no Brasil. Os
programas da Controladoria-Geral da União foram citados anteriormente e sua quantidade não
permite a elaboração de inferências mais aprofundadas, além do que os números resultantes
desses programas fazem parte de publicações institucionais disponíveis on line. Citá-los seria
meramente redundante e descritivo. A ENCCLA oferece, por sua vez, numerosos espécimes –
suas diretrizes – produzidos uniformemente e por atores interinstitucionais. Acreditamos que
metodologicamente essa análise possibilite a apresentação de resultados confiavelmente
representativos sobre a política interna brasileira anticorrupção. Sobretudo, ela representa uma
visão jurídica de uma política pública interinstitucional, algo reclamado pela doutrina
especializada e que vai ao encontro da linha de pesquisa deste programa de mestrado. Ao
largo do aprofundamento do objetivo desta análise, explicitaremos sua metodologia (I) e a
teoria na qual esta se baseia (II) e apresentamos alguns resultados preliminares, com suporte
58
gráfico, que confirmam o problema da complexidade e bidimensionalidade das políticas
internas anticorrupção (III).
(I) O que propomos aqui não é propriamente uma avaliação das políticas de
antilavagem ou de anticorrupção – não diremos se elas são efetivas ou não em reduzir os
ilícitos de que tratam. Também não é uma avaliação da ENCCLA em si ou dos seus
processos, da eficácia e do cumprimento de suas diretrizes: aquela se confunde com os
objetivos da política em questão, e estas são avaliadas anualmente pela própria ENCCLA.
Entretanto, a análise do conjunto de suas diretrizes pode oferecer perspectivas mais
estruturadas sobre, além do seu discurso, o que é a ENCCLA. Quais os assuntos com os quais
os seus atores mais se preocupam, e qual dimensão prepondera nas medidas que eles
escolhem ou acham relevantes que sejam tomadas49
. Quando se trata de políticas públicas, a
visão sobre o governo é deslocada da partícula de ato administrativo, para a estrutura de
atividade administrativa, e nesse conceito está intrínseco o de processualidade, a qual se
divide três momentos: o da formação, o da execução e o da avaliação (BUCCI, 2006b, p.
266). A análise que propomos é justamente sobre o primeiro momento, o da formação da
política. Mais especificamente, analisaremos os objetivos declaradamente desejados pela
ENCCLA enquanto vetor das políticas antilavagem e de parte das políticas anticorrupção.
Por natureza, os esforços de uma rede interorganizacional como a ENCCLA,
semelhante ao modelo joined-up government exposto anteriormente, tendem a ser mais
frágeis do que os que partem de uma só agência. Há mais partícipes, o que aumenta a
possibilidade de falhas e ruídos na comunicação entre eles, e é mais difícil estabelecer um
processo factível de monitoramento e avaliação. Acreditamos, entretanto, que a ENCCLA
passa no teste proposto dos seis cuidados necessários para se atingir uma iniciativa de joined-
up government efetiva (POLLITT, 2003, p. 41): (1) criação de um sistema de operação de
qualidade, que promova flexibilidade, inteligibilidade mútua, e controle compartilhado (o
processo de tomada de decisões, a necessidade de consenso, a dinâmica de reunião estratégica
anual e reuniões de trabalho durante o ano de trabalho, a existência de um comitê gestor, o
GGI-LD, e de uma secretaria, a SNJ); (2) recursos (a Secretaria Nacional de Justiça em
especial e, desde 2007, a CGU custeiam os gastos logísticos); (3) desenvolvimento de uma
cultura de confiança e de solução comum de problemas (a ENCCLA forma uma comunidade
49
Considerando que uma política pública é um aglutinado de dados e processos, a qualidade, tanto do arranjo
em si, como dos expedientes de compreensão e análise, está na razão direta da adequação dos métodos utilizados
(BUCCI, 2008, p. 247).
59
epistêmica de especialistas em antilavagem e anticorrupção); (4) gerenciamento do processo
de desenvolvimento seqüencial, de forma a que da cooperação saiam produtos, além dos
usuais feitos pelos cooperantes (as diretrizes produzidas pela reunião anual são trabalhadas no
decorrer do ano, e seu cumprimento avaliado na reunião anual seguinte); (5) ser de longo
termo, altamente seletiva sobre seu objeto que deve ser bastante específico e especificável, e
cooperativa, não imposta de cima para baixo, mas genuinamente necessária por envolver mais
de um ministério (a ENCCLA já dura sete anos e seu objeto temático é bem definido); e (6)
um processo de planejamento. É justamente nesse sexto item que acreditamos que nossa
análise possa ser útil. A análise do conteúdo das diretrizes da ENCCLA pode revelar
perspectivas sobre a pertinência do conjunto das medidas tomadas com as necessidades dos
regimes de AML e anticorrupção, sobre a forma de atuação dos seus partícipes e sobre a
compatibilidade de tratamento de dois regimes distintos, ainda que paralelos. Principalmente,
a análise servirá para demonstrar a complexidade do intercâmbio entre as dimensões criminal
e administrativa das políticas anticorrupção, complexidade esta que será tratada nos capítulos
seguintes desta dissertação, sobre o prisma da ciência jurídica.
(II) Especificando a metodologia de análise, coletamos na página da internet dedicada
à ENCCLA, no portal do Ministério da Justiça, o texto de todas as diretrizes elaboradas pelas
sete reuniões anuais da Estratégia, de 2004 a 2010 (Anexo A). Tabulamos essas metas em
uma planilha eletrônica (Apêndice A), que serviu também como ambiente para atribuição das
classificações, cálculo automatizado de inferências matemáticas e produção de gráficos.
O termo “diretriz” foi escolhido como denominação genérica para os enunciados
programáticos formulados em cada ano do ciclo de trabalho da ENCCLA, já que, em sua
história, esses enunciados receberam diferentes denominações: metas, recomendações, ações.
As regras metodológicas de formulação e de cumprimento dessas diretrizes variam sutilmente
de ano para ano. Grosso modo, as diretrizes são formuladas na reunião anual da Estratégia,
em consenso de todos os órgãos/entes participantes, para serem implementadas por um ou
mais órgãos responsáveis. Os resultados são avaliados na reunião do ano seguinte. Não há
metas plurianuais, todas são formuladas para serem executadas no ano seguinte. Entretanto,
há exemplos de metas que demoraram mais de um ano para serem cumpridas, como a de
apresentação de projeto de lei sobre responsabilização de pessoas jurídicas (2008 Meta 6). Em
alguns casos, diretrizes posteriores instaram a retomada do cumprimento de uma anterior não
cumprida, como no caso de reforma da Lei de Improbidade (2009 Ação Jurídica 1, retomada
em 2010 Recomendação 3) e da tipificação penal do terrorismo (2006 Meta 19, resgatada em
60
2010 Ação 5). Consenso não pressupõe unanimidade, e há exemplos de objeções formuladas
por apenas um órgão que acabam por obstruir a aprovação de uma diretriz. O “ano” da
ENCCLA indica para quando a diretriz será trabalhada, isto é, o ano seguinte, e não o ano da
reunião, que ocorre no fim do ano anterior ao de referência. Assim, as diretrizes da ENCCLA
2010 foram formuladas na reunião anual da ENCCLA 2010, que ocorreu, entretanto, de 17 a
20 de novembro de 2009.
A seguir, criamos uma chave de classificação composta de quatro níveis (atributos),
cada um com 2 a 5 características alternativas ou cumulativas, e aplicamos essa chave de
classificação sobre cada uma das 220 diretrizes produzidas pela ENCCLA em suas sete
edições. Em seguida, esses juízos foram tabulados e tratados numérica e graficamente. A
chave de classificação aplicada sobre as diretrizes é dividida em quatro níveis, ou grupos de
atributos: natureza da diretriz; tema a que se refere o conteúdo da diretriz; dimensão
preponderante a que pertence o resultado pretendido com a diretriz; e método de
instrumentalização. Cada atributo é composto por duas a cinco características específicas.
Fazemos ressalva de que a classificação feita não se pretende ser exaustiva nem
exclusiva. Por não exaustiva queremos dizer que nem todas as diretrizes foram classificadas
em todos os atributos (24 das 220 metas não foram classificas em todos, mas nenhuma foi
classificada em menos de dois). Não exclusiva significa que, em cada atributo, cada diretriz
pode ter sido enquadrada em mais de uma característica. Sintetizamos a racionalização dos
atributos e das características nos seguintes pontos, seguidos de uma breve explicação sobre
os critérios de aplicação de cada característica:
Características do atributo NATUREZA:
Estruturante: criação de algo novo, que será permanente, ou cujos efeitos serão
permanentes, no sentido de acréscimo, de adicionar uma característica. Exemplos:
um poder a um órgão, uma capacidade ao sistema que inexistia antes.
Tática: Diretriz cujo efeito que irá operar no ano seguinte para resolver um
problema ou uma situação específica. Usada também como distinção de força à
estruturante.
Interna: sentido de metadiretriz, uma diretriz que só terá efeitos internos à
comunidade ou à organização da Estratégia em si.
Características do atributo TEMA:
61
Terrorismo: uso literal do termo na diretriz, e, na ausência do termo, englobando
medidas como controle de entrada e saída de pessoas do território nacional.
Lavagem: uso literal do termo na diretriz, e, na ausência do termo, englobando
preocupações em geral com recuperação de ativos e regulamentação do sistema
financeiro.
Corrupção: uso literal do termo na diretriz, e, na ausência do termo, englobando
medidas voltadas especificamente a funcionário públicos e políticos, e controle de
despesas públicas.
Criminalidade Organizada: mesmo quando a medida não é de lavagem, mas o
destaque da diretriz é patrimonial e envolve a captura de bens utilizados no crime.
Abrange também diretrizes sobre meios modernos de investigação e de prova, e
preocupações com crimes transnacionais.
Cooperação internacional: uso literal do termo na diretriz, e preocupações com
recuperação de ativos dirigidas especificamente à aspectos internacionais.
As características do atributo DIMENSÃO são apenas duas: Administrativa e Penal.
Usamos o termo dimensão mais próximo não da prática da ação, mas do seu resultado
desejado, no sentido de ação como instrumental a alguma dimensão. Por default, as diretrizes
foram classificadas como de dimensão criminal, a não ser que se refiram especificamente a
uma medida não-penal, como no caso da ação civil de extinção de domínio, ou quando se
refere a um meio notadamente regulatório. Algumas diretrizes referentes ao COAF e a outros
reguladores receberam dupla classificação, porque o COAF é ao mesmo tempo regulatório e
unidade de inteligência financeira, e que, apesar de não estar processualmente envolvido na
persecução penal, de fato, fornece proativamente (ainda que não provocado) evidências de
crimes de rastro financeiro à polícia e ao Ministério Público.
Características do atributo INSTRUMENTALIZAÇÃO:
Divulgação: difusão do regime AML, suas características, técnicas e
potencialidades para outros órgãos persecutórios, especialmente os de nível local,
ou repartições federais situadas nos Estados. Envolve iniciativas de educação,
treinamento e capacitação, com o objetivo de criar um ambiente epistemológico da
antilavagem, familiarizado e atualizado no assunto.
Pesquisa: produção de conhecimento sobre lavagem de dinheiro, crime
organizado e corrupção, abrangendo medidas como descoberta de modus operandi,
desenho de tipologias, estudos de caso, novos métodos de investigação ou
62
estratégias processuais. Se se trata de atividade acadêmica incentivada pela
ENCCLA, a diretriz foi classificada como de divulgação.
Comunicação: medidas que tratam do incremento da capacidade de comunicação e
troca de informações entre os partícipes geralmente envolvendo soluções
tecnológicas diversas: bancos de dados, canais específicos, wiki.
Legislativa: produção de anteprojetos de normas de natureza diversas: leis,
portarias, decretos, etc. Engloba estudos de normas vigentes ou prestes a ser
aprovadas, e gestões junto ao legislativo para acelerar ou bloquear a aprovação de
uma lei.
Os atributos e as respectivas características podem ser condensados no seguinte
quadro (Ilustração 5):
(III) O próprio quadro já demonstra que o âmbito de atuação da ENCCLA, como toda
política, é interdisciplinar por definição, daí o conceito de política pública adotado por Maria
Paula Dallari Bucci (BUCCI, 2008, p. 226), para uso em direito, estipulado como “arranjos
ILUSTRAÇÃO 5: CHAVE DE CLASSIFICAÇÃO DAS DIRETRIZES DA
ENCCLA
ATRIBUTO CARACTERÍSTICAS
NATUREZA
Estruturante
Tática
Interna
TEMA
Terrorismo
Lavagem
Corrupção
Criminalidade organizada
Cooperação internacional
DIMENSÃO Administrativa
Criminal
INSTRUMENTALIZAÇÃO
Divulgação
Pesquisa
Comunicação
Legislativa
63
institucionais complexos”. O campo das políticas públicas envolve disciplinas como ciências
sociais, administração pública e economia. No que diz respeito à abordagem jurídica, destaca-
se que o aparelho estatal é constituído de instituições jurídicas, criadas e conformadas pelo
direito, e isso é simbolizado pelo princípio da legalidade administrativa sintetiza esse traço,
vinculando toda ação administrativa à existência de prévio fundamento legal. Os regimes
estudados neste trabalho não fogem a este paralelo. Ambos possuem sua origem interna em
documentos jurídicos internacionais, e são aplicados – dado o forte caráter punitivo de ambos
– com base em estritos padrões jurídicos.
Atendemos ao desafio proposto pela autora de estabelecer uma metodologia jurídica
apropriada, que permita descrever e compreender, segundo as categorias do direito, as
políticas públicas enquanto ações governamentais determinadas e analisar juridicamente o seu
processo de formação e implementação. Como as políticas públicas seguem uma
racionalidade mais abstrata, que está no plano ideal-típico das ideologias, dos discursos e dos
compromissos formalizados, e seu objetivo é o avanço a evolução em determinada
providência estatal, tornam-se as políticas práticas estatais permeadas por múltiplas linhas de
tensão, que atuam em sentidos diversos e contrapostos. “O ambiente em que se dá a ação
governamental é fragmentado e beira o caótico, daí que a compreensão de suas componentes
jurídico-institucionais pode representar um diferencial de melhoria das políticas públicas que
nele se desenvolvem” (BUCCI, 2008, pp. 228 e 244).
Dessa forma, acreditamos que a metodologia proposta neste trabalho atende pelo
menos a três das premissas propostas pela autora para uma metodologia jurídica de análise de
políticas públicas: (1) a decisão governamental é o problema central da análise de políticas
públicas. Uma vez internalizadas pelo Estado as obrigações de estabelecer regimes de AML e
anticorrupção, cabe aos elementos internos do governo decidirem e conceberem, na prática, a
política e medidas de como dar-se-á essa internalização. Como o estabelecimento desses
regimes internos depende da atuação de órgãos dos três poderes, as decisões necessárias são
produzidas consensualmente por uma instância de articulação desses atores, ou seja, as
diretrizes da ENCCLA; (2) As políticas públicas não podem e não devem ser reduzidas às
disposições jurídicas com as quais se relacionam (a análise que fizemos neste trabalho não
recaiu sobre as leis antilavagem ou anticorrupção, mas sim sobre o processo de sua
proposição pela ENCCLA); e (3) Como as políticas públicas não se reduzem às políticas
sociais, a abordagem estrutural pode se aplicar indistintamente a qualquer política em que se
revele a ação do governo como condutora de determinado fim.
64
(IV) Após classificar cada uma das 220 diretrizes produzidas pelas sete reuniões
anuais da ENCCLA de 2004 a 2010, segundo os critérios expostos na Ilustração 5 acima, o
passo imediatamente seguinte foi tabular essas classificações, por ano, atributos e
características. Como o número de diretrizes varia significativamente de ano para ano (mais
de três vezes entre os anos com o mínimo e máximo de diretrizes: 16 em 2009, 53 em 2007),
foi necessário adotar alguma regra de proporcionalidade, de forma a evitar que a magnitude
do número resultado mascare a densidade do universo, impedindo a comparação ano a ano
com base em inferências válidas. Assim, escolhemos trabalhar os gráficos que se seguirão, em
regra, alimentando-os com valores proporcionais dos entes classificados comparados com o
número parcial de metas por ano. A tabulação inicial já conta com esse esforço elementar de
cálculo percentual (Ilustração 6):
Um estudo gráfico, também bastante elementar, relacionando o número de diretrizes
por ano, indica crescimento da quantidade de diretrizes durante o período de meia-vida da
ENCCLA, seguido por uma tendência de queda no número de diretrizes nos anos seguintes
(Ilustração 7). A partir do gráfico seguinte (Ilustração 8), que trata da evolução das diretrizes
no tempo, classificadas quanto a sua natureza, podem-se fazer algumas inferências. A
visualização da evolução das diretrizes táticas e estruturantes configura uma interessante
simetria. Enquanto as estruturantes tiveram o seu pico em 2006, e decaíram desde então, as
diretrizes táticas fizeram um movimento exatamente oposto: tiveram um vale em 2006 e
crescimento constante daí em diante. Uma explicação provável para essa simetria é que os
primeiros momentos de introdução do regime e de concepção da política exigem medidas
mais sólidas, mais estruturais e de grande alcance. Com o passar do tempo, a estrutura pode
ILUSTRAÇÃO 6:
TABULAÇÃO DA CLASSIFICAÇÃO DAS DIRETRIZES DA ENCCLA
65
ser sempre melhorada, mas ganham relevância a solução de problemas concretos e a
realização de ajustes finos. A linha das diretrizes internas não apresenta alterações bruscas. O
fato de em todos os anos elas estarem presentes (menos em 2006) talvez indique que a
ENCCLA está sempre aberta a reformulações de seu conteúdo.
O estudo gráfico seguinte (Ilustração 9) trata da pertinência dimensional das diretrizes,
segundo a classificação que fizemos. O gráfico demonstra que a ENCCLA é vetor de
medidas, sobretudo, de natureza de política criminal. Posto haja uma tendência de queda das
diretrizes criminais, o seu mínimo presente ainda é de mais de 2/3. Tanto a queda das
diretrizes criminais quanto a elevação das medidas administrativas ocorreram de 2006 a 2007,
período que viu o tema corrupção ser agregado à ENCCLA. Isso parece confirmar a nossa
hipótese de que, enquanto o regime da AML é majoritariamente vinculado ao sistema penal, o
regime da anticorrupção é também largamente baseado em medidas administrativas. De
qualquer forma, após o seu pico, o número de medidas administrativas também decaiu
QUADRO 7: DIRETRIZES por ANO
32
43
29
53
22
16
25
0
10
20
30
40
50
60
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
QUADRO 8: % das Diretrizes quanto à NATUREZA
59,4
48,8
79,3
62,3
50,0
31,3 32,0
40,644,2
17,2
32,1
50,056,3
60,0
3,111,6
0,05,7 4,5
18,8
8,00,0
10,0
20,0
30,0
40,0
50,0
60,0
70,0
80,0
90,0
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Estruturantes
Táticas
Internas
ILUSTRAÇÃO 7: DIRETRIZES POR ANO
ILUSTRAÇÃO 8: % DAS DIRETRIZES QUANTO À NATUREZA
66
constantemente, e de forma brusca (58% para 36% em três anos). Talvez isso indique que a
ENCCLA, comunidade formada principalmente por profissionais ligados a áreas
persecutórias, e mais familiarizados, portanto, com o sistema penal, não “digeriu” de forma
apropriada a dimensão administrativa do regime da anticorrupção, e retornou ao seu campo de
conhecimentos e práticas original.
Também do gráfico que trata do tema das diretrizes podem ser extraídos
conhecimentos em perspectiva da ENCCLA. Na Ilustração 10, a linha do terrorismo
demonstra que este tema, bastante ligado ao regime da AML no âmbito internacional, não tem
tido o mesmo destaque nas políticas brasileiras, o que se explica, certamente, pela inexistência
do fenômeno em nosso território. A cooperação jurídica internacional, responsável por 20%
das diretrizes nos dois primeiros anos, viu sua magnitude decair para menos de 5% dali em
diante, demonstrando, talvez, adequação ao regime internacional e precoce solução de
questões estruturais. A lavagem de dinheiro sempre foi o tema de destaque da ENCCLA.
Embora haja um viés de queda, a lavagem ainda se mantém com mais de 50% das metas a ela
dirigidas. O aclive acentuado (de 10% para 50%) da linha da corrupção ocorre no ano de
acréscimo do “C” a mais na Estratégia, e desde 2007 a participação da corrupção nas
diretrizes da Estratégia praticamente se equipara à da lavagem. A linha vermelha indica
aspectos da criminalidade organizada não necessariamente relativos à lavagem e à corrupção,
como, por exemplo, formas de investigação não-financeiras50
. Esse tipo de diretriz oscila de
50
Por exemplo: 2006 Meta 25 – Obter do Ministério das Comunicações e da ANATEL a elaboração de
cadastro nacional de assinantes de telefonia fixa e móvel e de Internet.
QUADRO 9: % das Diretrizes quanto à DIMENSÃO
96,990,7 89,7
73,6
86,4
68,8 68,0
15,6 16,324,1
58,554,5
43,836,0
0,0
20,0
40,0
60,0
80,0
100,0
120,0
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Criminal
Administrativa
ILUSTRAÇÃO 9: % DAS DIRETRIZES QUANTO À DIMENSÃO
67
ano para ano, mas está sempre presente em um percentual significante (na última reunião da
ENCCLA teve presença em 32% das diretrizes). Isso pode indicar a nossa hipótese de que o
tema lavagem de dinheiro, apesar de dar nome à ENCCLA, é na verdade instrumental a uma
política maior, que seria a de combate à criminalidade organizada. Sigilo bancário, evidências
financeiras, cadastros de bens, todos estão semanticamente relacionados à AML, e assim
foram contados para fins da nossa classificação, mas também servem para outros crimes
organizados em geral.
Quanto ao atributo da instrumentalização das diretrizes (Ilustração 11), as linhas das
características oscilam bastante para podermos fazer alguma inferência, a não ser por três
aspectos. O primeiro, de que todas começam em 2004 praticamente na mesma posição, e
passam a oscilar nos anos seguintes – isso talvez indique um primeiro momento de concepção
ideal das políticas antilavagem, que dá lugar nos anos seguintes a formas de
instrumentalização adaptadas às necessidades. Segundo, após quatro anos de queda, a forma
de instrumentalização consistente em pesquisa ganhou força nos últimos dois anos, indicando
um esforço de investimento na compreensão mais aprofundada sobre a natureza dos
fenômenos tratados na ENCCLA. Terceiro, as metas de comunicação, que consistem
basicamente em melhorar a troca de informações entre os partícipes tiveram importância
ascendente, com pico em 2008, e queda acentuada logo em seguida. Isso pode significar que a
as necessidades de comunicação foram estruturalmente satisfeitas em 2008.
QUADRO 10: % das Diretrizes quanto ao TEMA
3.10.0
10.3 9.44.5
0.0
8.0
71.967.4 69.0
58.563.6
50.056.0
12.5
4.710.3
50.9 50.056.3 56.0
15.618.6
34.5
26.4
36.4
18.8
32.0
21.9 20.9
3.4 3.8 4.50.0 0.00.0
20.0
40.0
60.0
80.0
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Terrorismo
Lavagem
Corrupção
Criminalidade Organizada
Cooperação Internacional
ILUSTRAÇÃO 10: % DAS DIRETRIZES QUANTO AO TEMA
68
Além da análise do conteúdo das diretrizes, um viés igualmente interessante da
ENCCLA é o estudo também dos seus protagonistas. Na dinâmica da ENCCLA é escolhido
um órgão responsável por cada diretriz (salvo 2009). É comum que outros órgãos se
candidatem como interessados nas diretrizes que tangenciam suas atividades. Porém, o
responsável coordenará os trabalhos de execução da diretriz, e é comum que ele tenha sido o
seu propositor – há uma associação de pertinência entre as competências do protagonista e o
conteúdo da diretriz. A Ilustração 12 classifica os protagonistas quanto à sua natureza,
englobando numa mesma categoria diversos órgãos. Assim, o tipo de protagonista mais
atuante na ENCCLA são órgãos persecutórios (polícia, ministério público e judiciário). Em
2007, entretanto, a participação dos órgãos persecutórios apresenta uma queda, provavelmente
relacionada ao crescimento da dimensão administrativa, acarretada, por sua vez, pelo ingresso
nesse ano do tema anticorrupção na ENCCLA (ver Ilustração 9 acima). Nesse mesmo
momento, verifica-se no gráfico abaixo o crescimento, pelo menos até 2008, da participação
de órgãos de controle como protagonistas. Em 2009, devido a alterações nos seus
procedimentos internos, não foram designados responsáveis pelas diretrizes.
Quadro 12: % dos Protagonistas quanto à NATUREZA
15.63
2.33
41.38
18.87
9.09
16.00
46.8844.19
51.72
32.08 31.82
44.00
15.6311.63
13.79
22.64
36.36
20.00
0.00
20.00
40.00
60.00
2004 2005 2006 2007 2008 2010
Regulatórios
Persecutórios
Controle
Quadro 11: % das Diretrizes quanto à
INSTRUMENTALIZAÇÃO
25.0
34.9
10.315.1
22.7
6.3
16.0
25.0
14.0
6.93.8 4.5
56.3
40.0
25.0
37.234.5 35.8
50.0
25.0
12.0
21.9 20.9
41.4
47.2
31.8
18.8
40.0
0.0
20.0
40.0
60.0
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Divulgação
Pesquisa
Comunicação
Legislativa
ILUSTRAÇÃO 11: % DAS DIRETRIZES
QUANTO À INSTRUMENTALIZAÇÃO
ILUSTRAÇÃO 12: % DOS PROTAGONISTAS QUANTO À NATUREZA
69
Do total de 220 metas, o Judiciário tem 20 diretrizes e o Ministério Público 21, algo
próximo a 10% das diretrizes da ENCCLA para cada um. Uma peculiaridade da participação
desses órgãos na ENCCLA é que 15% das diretrizes do Judiciário e 47,6% das diretrizes do
Ministério Público são de responsabilidade, em verdade, não de órgãos dessas instituições,
mas de associações, como CDEMP, GNCOC, CNPG, AJUFE e ANPR. De certa forma, isso
reflete o conservadorismo das instâncias superiores, e captura das inferiores pelo discurso dos
regimes de AML e anticorrupção. A diversidade de participação desses órgãos parece
confirmar a observação do Relatório e Pareceres Prévios sobre as Contas do Governo da
República – Exercício de 2005 segundo a qual “a autonomia dos membros do Ministério
Público acaba por não geral um procedimento padrão de relacionamento, negociação e troca
de informações entre o MPF e as outras entidades, figurando, portanto, como um embaraço
adicional à integração”. Encerramos o estudo dos protagonistas das diretrizes com o gráfico
representando o peso dos órgãos que mais atuaram nessa qualidade na ENCCLA (Ilustração
13):
ILUSTRAÇÃO 13: 10 MAIORES PROTAGONISTAS DA ENCCLA
70
Capítulo 3: Corrupção, Risco e Responsabilidade
A complexidade da anticorrupção, presente tanto na internacionalização quanto nas
políticas públicas internas desse regime, também apresenta percalços para a teoria jurídica,
notadamente no contexto da administrativização e da expansão do direito penal, em um
sintoma de amalgamação entre direito e risco. Como demonstramos nos capítulos
precedentes, as políticas de internalização da anticorrupção denunciam a complexidade do
regime por meio da sua dimensão dupla – administrativo-criminal –, da clivagem
institucional, e de preocupações ao mesmo tempo punitivas e preventivas. Todas essas
características do que denominamos complexidade são percebidas pela teoria jurídica atual
também em outras áreas temáticas da atividade humana (meio ambiente, economia, saúde
pública) e problematizadas, especialmente no que toca ao direito penal, como um
esvaziamento de sua racionalidade e de seus princípios tradicionais.
Nesse contexto de perda de referenciais jurídicos da atividade punitiva estatal,
destacam-se fenômenos como a diluição das diferenças entre as naturezas das sanções
(indistinguem-se se de natureza penal, civil ou administrativa); a mudança nas regras
processuais de imputação e constatação de infrações; mecanismos de arquivamento liminar de
processos devido ao saturamento dos tribunais; pragmatização do direito penal, no sentido de
um distanciamento crescente entre uma superpenalização legislativa e a subpenalização nas
práticas; todos estes caracterizando o que Delmas-Marty denomina de “bricabraque penal”
(DELMAS-MARTY, 2004, pp. 13 e 20).
Assim, o que denominamos até agora como complexidade das políticas anticorrupção
é enxergada pelo direito como a retirada de marcos precisos, como o recuo de noções
jurídicas nitidamente delimitadas, como a de culpa penal ou de responsabilidade civil, em
proveito de noções com fronteiras mais imprecisas, como periculosidade e solidariedade.
Nessa retirada de marcos, não só o conteúdo das normas é afetado, mas a sua própria
organização, desaparecendo as divisões que separam as grandes categorias ou disciplinas nas
quais se repartem as diversas espécies de direito: penal, civil e administrativo. E isso pode
significar mais do que um ajuste das técnicas jurídicas à complexidade do mundo pós-
industrial, pois põe em causa o princípio da razão: quando os contornos do direito de punir se
perdem entre uma legalidade muito enfraquecida e uma repressão administrativa em pleno
desenvolvimento, enfraquece-se a qualidade de racionalidade interna e sistêmica do direito
(DELMAS-MARTY, 2004, pp. 7 e 8).
71
Logo, quanto menos racionalidade, menos justiça. Essa relação entre justiça e
racionalidade é inegável pelo fato de que, na tradição cultural do Ocidente, os princípios de
justiça, tanto formal quanto material, foram, via de regra, considerados como encarnações da
razão. A idéia de razão como relacionar adequado entre dois entes preside o estabelecimento
de diversos princípios, como “o do pensamento correto (lógica), da pesquisa correta
(metodologia), da correta justificação dos juízos valorativos (retórica), do correto
comportamento em face das diversas situações vitais (prudência)”. Assim, o poder coativo da
lei deriva do fato de ser esta uma regra que emana de uma certa prudência e de uma certa
inteligência (FERRAZ, 2009, pp. 232-233 e 200).
Não é apenas na razão prática, aplicada a decisões de casos concretos, que a
racionalidade se liga à justiça. Há também um valor do justo imbuído na concepção de um
sistema de normas coerentes entre si (SEN, 2010, Cap. 1 Reason and Objectivity). Nesse
sentido estrutural de racionalidade e justiça, a correlação entre ambas é particularmente
importante para o direito penal, vez que, desde o iluminismo, verifica-se a preocupação
teórica de construir um sistema racional e coerente que permita aplicação segura das normas,
de acordo com determinados critérios e princípios (BOTTINI, 2007, p. 126) de proteção do
indivíduo dos abusos do poder punitivo. A racionalidade apresenta-se, então, como penhor da
segurança jurídica e de proteção à arbitrariedade.
Partimos do pressuposto de que a complexidade (que demonstramos nos Capítulos 1 e
2) do regime da anticorrupção significa menos coerência para o direito, decorrente da
bidimensionalidade das normas introduzidas por ensejo da adoção desse regime. E se um
sistema de direito é fortemente integrado, portanto, plenamente jurídico, “quando as normas
estão prescritas de modo preciso e unívoco, quando elas são interpretadas sem margem de
apreciação, segundo a lógica aristotélica clássica e se encontram legitimadas por um código
cultural homogêneo” (DELMAS-MARTY, 2004, p. 116), menos coerência-integração
intrassistêmica significa menos justiça. Daí a necessidade de, dada a realidade do
“bricabraque” do regime da anticorrupção, investigar novas formas de arranjos jurídicos, o
que, em uma nova racionalidade, contrabalanceará os efeitos da complexidade do regime em
tela.
Dessa forma, enquanto os capítulos 1 e 2 foram descritivos das partes externa e interna
da anticorrupção; e os capítulos 4 e 5 serão propositivos, no sentido de conjecturar acerca de
uma racionalidade mais adequada, ainda que adaptada, à complexidade do regime; a função
72
deste capítulo 3 é eminentemente teórica. Sua função será aprofundar o que entendemos por
corrupção (3.1) e situar a como este tema se insere em dois problemas da atualidade
identificados pela doutrina penalista: a expansão do direito penal (3.2) e os efeitos da adoção,
pelo direito, da teoria do risco (3.3). Em seguida, correlacionamos nossas preocupações a de
outros estudiosos que já tratam, sob concepções distintas, da aproximação entre o direito
penal e o direito administrativo, identificando um modelo que acreditamos ser apto a restaurar
a racionalidade do sistema jurídico no que toca aos regimes punitivos contra a corrupção
(3.4). Dado o modelo do direito de intervenção de Hassemer, a última parte deste capítulo
teórico se dedica à investigação de quais parâmetros devem ser especificados na construção
dessa nova racionalidade (3.5), e serve como ligação argumentativa aos vindouros capítulos 4
e 5.
3.1 Um Conceito de Corrupção?
O início, neste capítulo 3, da parte teórica da dissertação acarreta a necessidade de
interromper brevemente a linha de raciocínio em curso, em uma pausa dedicada a esforços
conceituais sobre o tema deste trabalho em sentido amplo, a corrupção. Dada a amplitude
semântica do termo e a equivocidade de seu conceito, a corrupção é objeto de preocupação
das ciências sociais, da comunicação, da economia, da teoria do Estado e da ciência da
administração.
Como fato social e econômico, a corrupção é tratada por diversas organizações, que a
definem segundo seus critérios e visão próprios51
. Ainda que um conceito comum não tenha
sido encontrado pela comunidade internacional para descrever precisamente o que seja
corrupção, aparentemente há concordância de que ao menos algumas práticas políticas,
sociais ou comerciais podem ser conceituadas como corruptas. Entretanto, a adjetivação de
algumas práticas como corruptas e sua eventual reprovação pela opinião pública variam de
51
Por exemplo:
Source Book da Transparência Internacional: “O uso indevido do poder público para proveito privado”;
ONU: “o abuso da função pública para ganho pessoal direto ou indireto”;
Banco Mundial e o FMI: “O abuso da função pública para ganho privado”; e
Grupo Multidisciplinar sobre a Corrupção do Conselho da Europa: “Suborno e qualquer outro
comportamento em relação a pessoas confiadas com responsabilidades no setor público ou privado que viola
seus deveres decorrentes de seu status enquanto agente público, empregado privado, agente independente de
outra relação desse tipo, e com o objetivo de obter vantagens indevidas de qualquer natureza para si mesmos
ou para terceiros”.
73
país para país, e não necessariamente implica-se que elas são consideradas crimes pelo direito
penal. No que toca a esta dissertação, entretanto, devemos fixar um conceito jurídico do que o
trabalho entende por corrupção (I), ao mesmo tempo em que iniciamos uma abordagem
política sobre o fenômeno (II), a qual, se não é de todo metodologicamente dogmática,
reforçará a associação entre risco e responsabilidade feita mais adiante no subcapítulo 3.4.
(I) Em regra um ilícito, a corrupção – ou, pelo menos, o ato humano
corrupto/corruptor – é também, e naturalmente, de interesse do direito. É uma preocupação
algo constante dos saberes que tentam explicar a corrupção o fato de seu conceito não ser
unívoco, mas acreditamos que os juristas não devam partilhar dessas angústias, ainda que com
ela possam se ilustrar: o consenso jurídico que criará obrigações e punições relacionadas à
corrupção dependerá em larga medida dos modelos explicativos trazidos por esses outros
saberes, ao mesmo tempo em que as condutas categorizadas como fenômenos jurídicos é que
assumirão relevo aos olhos das ciências sociais explicativas.
O que pretendemos, dentro da finalidade limitada deste trabalho, é apenas apontar
quais modelos normativos de conduta, quais tipos, penais ou administrativos corresponderiam
a atos de corrupção. Como a tentativa aqui é de aproximação de um conceito jurídico,
utilizaremos um modelo também normativo para estabelecer uma definição do que seja “ato
de corrupção”, e nesse método apelaremos como critério utilizado para se definir corrupção o
direito internacional público. Nesse âmbito, o combate e a prevenção da corrupção fazem
parte de uma política pública assumida como compromisso internacional pelo Brasil, que é
signatário da Convenção Interamericana contra a Corrupção (Caracas/1996, promulgada pelo
Decreto 4.410/2002) e da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Mérida/2003,
promulgada pelo Decreto 5.687/2006). Essas convenções também não conceituam o que seja
corrupção, mas ambas contêm uma parte que obriga os Estados-partes a criminalizar uma
série de atos que enumera e descreve (Capítulo III na convenção da ONU, e Artigo VI na
convenção da OEA). Esses seriam os atos de corrupção para os fins de nosso estudo.
Nesse sentido, convivem no ordenamento jurídico interno várias normas penais e
administrativas a respeito da corrupção que correspondem literalmente à definição dos atos de
corrupção a serem criminalizados segundo as convenções anticorrupção. Também há tipos,
geralmente derivados, que, muito embora não correspondam de forma literal aos atos de
corrupção das convenções, seus elementos normativos se adéquam, ainda que em termos
correlatos. Há também os tipos penais que, embora não contenham nos seus elementos
74
normativos componentes dos atos de corrupção segundo as convenções, uma análise do bem
jurídico protegido e da motivação criminológica da sua prática leva à identificação de que
esse tipo penal se baseia em valores anticorrupção52
. Grosso modo, espécies típicas de ilícitos
administrativos e penais que se enquadram em nosso direito interno como atos de corrupção
segundo a descrição das convenções internacionais constam do Apêndice B.
(II) Mas a conceituação jurídica não afasta a utilidade de uma abordagem também
política – que será útil tanto para ter uma visão realista das limitações das possibilidades e
efeitos do direito como técnica jurídica normativo-punitiva, quanto para tratar da corrupção
como risco. No campo das ciências sociais há diversos modelos causais-explicativos da
corrupção, apontando a relação deste fenômeno com certas formas autocráticas de governo
(HEIDENHEIMER, 2001) ou até com formas populares de viver e de enxergar a ética nas
relações cidadão-governo (ver capítulo muito interessante de ALMEIDA, 2007, pp. 45-71,
sobre o “jeitinho brasileiro” e a “Lei de Gérson”).
Em tempos de graves crises políticas, a corrupção é invariavelmente parte do discurso
das forças que desejam provar a penúria no estado moral dos negócios públicos e a
necessidade de mudanças drásticas. O Ato Institucional nº 5, de 1968, afirma, em seus
“considerandos” que o fundamento da Revolução de 1964 era, ao lado do “combate à
subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso povo”, a luta contra a corrupção.
Décadas antes, o Império Brasileiro chegou a termo em um contexto de acusações, dirigidas
contra o Imperador “Pedro Banana”, de tolerância e falta de pulso com desvios de recursos
públicos praticados por membros do Partido Conservador (Mais precisamente, na chamada
“Questão Militar”, ver CARVALHO, 2007, p. 132). No Brasil contemporâneo, o
relacionamento que se estabelece entre o Congresso multipartidário e o Executivo, no qual os
cargos de confiança de um são o penhor da fidelidade política da base aliada no outro, é
comumente citado nas discussões sobre configuração do sistema político e corrupção
intrínseca (Ver ABRANCHES, 1988, e o conceito de “presidencialismo de coalizão”).
Entretanto, dentre todas as correlações possíveis do fenômeno da corrupção na
história, política e sociedade, uma perspectiva que acreditamos útil para os fins deste trabalho
como fundamentação de certo pessimismo em relação à corrupção, é a visão oferecida pelos
diversos estudiosos da chamada “teoria das elites”. Ao estudar as práticas das elites políticas
52
A exemplo do art. 313-A do Código Penal, inserção de dados falsos em sistema de informações, tipo que
criminaliza um dos métodos mais comuns para a prática de fraude previdenciária praticada por servidores
públicos do INSS.
75
dominantes das mais diversas sociedades, do passado e contemporâneas, esses autores
chegam, nesse ponto em particular quanto à corrupção, a conclusões significativamente
semelhantes. E pessimistas porque entendem que em todas as civilizações há o gerenciamento
dos negócios públicos por uma minoria de pessoas influentes, que exerce as funções políticas,
monopoliza o poder e goza das vantagens que o poder traz, e a cujo comando se submete a
maioria (de bom grado ou não) (MOSCA, 1989, pp. 50-53).
Diferentemente do consenso que ocorre hoje na dimensão administrativa da
anticorrupção, especialmente em nível internacional, que afirma que a corrupção é
inversamente proporcional a formas mais democráticas de governo, os teóricos das elites
enxergam uma relação justamente oposta. Para Gaetano Mosca, em um sistema autocrático, a
burocracia será recrutada nas classes governantes. Logo, a moralidade da burocracia será a da
classe dominante. Esse nível será maior quando a classe dominante tem tradições de honra e
probidade enraizadas, formadas e disciplinadas em longo período de tempo devotado ao
serviço do Estado. A moralidade da burocracia será de nível menor quando a classe
governante é de data mais recente, formada por aventureiros gananciosos ou por famílias de
camponeses e pequenos comerciantes que adquiriram, na melhor das hipóteses, os primeiros
rudimentos de boas maneiras e educação. No início, ainda que essa nova burocracia tenha
atingido um grau satisfatório de competência técnica, os recém-chegados carecem da fagulha
do idealismo e retêm uma sórdida e inveterada cobiça não só por grandes ganhos, mas até
pelos pequenos (MOSCA, 1989, p. 408). Para este autor, não só a burocracia, mas a
representação política parlamentar propiciada pela democracia é ainda mais contaminada em
termos de moralidade combinada ao sufrágio universal, de onde se originaria a necessidade de
agradar às classes menos favorecidas (ver também MICHEL, 2001, sobre o favoritismo e
clientelismo acarretado à atividade política pela chegada de partidos de origem popular ao
parlamento). Pareto chega a conclusão semelhante sobre a atividade política nas democracias
representativas, afirmando que o cenário de conflagração eleitoral leva ao fato de que “a
corrupção em nome do partido é bem-vinda e tolerada” (PARETO, 1935, p. 1611).
Apesar de ter vivido na virada do século XIX para o XX (1848-1923), encontra-se em
Pareto uma observação especialmente verdadeira nos dias de hoje. Segundo o autor, observa-
se o aumento na cultura de subornos com o ingresso do Estado na atividade econômica,
inicialmente no favorecimento fiscal da atividade industrial, e posteriormente, e com mais
corrupção, quando o Estado chama para si a tarefa de desenvolver a infraestrutura nacional
mediante obras públicas (PARETO, 1935, p. 1586). Com efeito, se há uma constante histórica
76
na correlação de coexistência entre o exercício de funções públicas, e o valimento dessas
funções para proveito pessoal, é lógico supor que quanto mais poderes tenha o Estado, que
quanto mais recursos e mais funcionários estejam a sua disposição, maior será a probabilidade
de ocorrência de corrupção.
Em que pese o exagero da descrença na democracia pelos teóricos das elites, que
focam sua análise apenas na negociação política propiciada pela democracia (e não
consideram que características como liberdade de imprensa, aprimoramento das técnicas
jurídicas e transparência possam ter efeitos inibidores da corrupção), a visão propiciada por
eles se adéqua perfeitamente à nossa visão de corrupção enquanto risco. Ademais, propiciam
uma perspectiva realista quanto ao que o direito é ou não capaz de fazer. Certamente, o direito
não será capaz de erradicar a corrupção, assim como o direito penal não é capaz de erradicar a
criminalidade. Não obstante, isso não significa que o direito seja despiciendo de efeitos
inibidores e de controle, e de reforço da legitimidade social através da busca pela justiça.
Assim, é possível continuar na linha de argumentação acerca da investigação das formas e
técnicas jurídicas mais adequadas para controlar determinadas condutas indesejadas.
3.2 Expansão do Direito Penal e natureza supraindividual do bem jurídico
protegido pela tipificação penal de atos de corrupção
Uma das formas de manifestação da dimensão penal da anticorrupção é a exacerbação
de normas punitivas, e uma certa inflação de tipos penais, fenômeno este observado,
inclusive, mundo afora e em especial na América Latina (FORTETE e CESANO, 2009,
pp.128 a 130). A análise de quais os bens jurídicos que as tipificações de atos de corrupção
intentam proteger, leva à conclusão que a natureza desses bens é supraindividual (I) ao
mesmo tempo em que expõe como as diversas concepções do direito penal se relacionam com
essa categoria de bens jurídicos, destacando as vicissitudes da respectiva tutela penal que
recai sobre eles, notadamente a expansão do direito penal (II), o que não ocorre sem que haja
reações doutrinárias e garantistas ao fenômeno (III)
(I) A exigência de que o direito penal intervenha exclusivamente para proteger bens
jurídicos penais constitui uma garantia fundamental do direito penal moderno (SILVA-
SANCHEZ, 1992, p. 267). Trata-se de manifestação de confluência entre diversos princípios
77
garantistas (proporcionalidade, fragmentariedade) e também de princípios utilitaristas, como
os da necessidade e utilidade da intervenção penal (intervenção mínima). Esses princípios
fizeram com que preponderassem conceitos sociológico-funcionalistas de bens jurídicos, os
quais apreciam a necessidade de entender os bens jurídicos em sua dimensão social, como
condições necessárias para a conservação de uma ordem social. Conseqüentemente, a
característica comum dos atos lesivos de bens jurídicos será a sua danosidade social. Silva-
Sanchez alerta que há um perigo inerente nessa definição, que é o de que o direito penal
poderia ser levado a proteger valores morais, estratégias políticas, ou pontos de vista
totalitários, mas consente que esses riscos podem ser resolvidos se se incluir no conceito de
bem jurídico uma referência central ao indivíduo: a idéia chave é que só podem ser bens
jurídicos tutelados penalmente aqueles que o ser humano precisa para sua livre
autorrealização, para o desenvolvimento pessoal do homem em sociedade (SILVA-
SANCHEZ, 1992, p. 271). Esses requisitos não excluiriam a proteção penal a bens jurídicos
supraindividuais, na medida em que estes também se constituem em meios importantes para a
autorrealização social do indivíduo (SILVA-SANCHEZ, 1992, p. 272).
A corrupção, especialmente aquela que consiste em desvio de recursos públicos, seja
pelo simples peculato ou por complexos esquemas de fraude à licitação, atinge de forma
imediata bens econômicos do Estado. Por mais que a ficção do ente de direito público permita
individualizar esse dano a determinada pessoa jurídica de direito público, a coletividade é
quem é efetivamente atingida, ainda que de forma mediata. Além desses aspectos obviamente
patrimoniais, nos tipos penais anticorrupção a moralidade administrativa é protegida, tendo
como fundamento os princípios que a norteiam, os quais constam do art. 37 da Constituição:
legalidade, impessoalidade, publicidade e eficiência (LIVIANU, 2006, p. 82). Também
haveria um forte componente de proteção da legitimidade das instituições políticas, naquilo
que diz respeito à ordem moral do Estado e aos ideais de justiça de uma comunidade. Da
mesma forma, a corrupção, ao drenar recursos que seriam despendidos em serviços públicos e
investidos em infraestrutura, possui efeitos negativos intergeracionais: solapa o direito dos
povos ao progresso e ao desenvolvimento integral, fazendo com que gerações futuras vivam
em situação sócio-econômica inferior à que viveriam se a corrupção não tivesse existido.
Inegável, portanto, que a corrupção atinge um bem jurídico difuso, no sentido de lesionar
bens públicos, de interesse geral, não se vinculando, especificamente a uma vítima
individualizada, mas atingindo todo o contexto social.
78
(II) Diversos autores têm escrito sobre a tutela penal que recai sobre bens jurídicos
supraindividuais, apontando que existe uma tendência, um movimento característico de
política criminal consistente em expansão de proteção penal do crime, partindo de um modelo
clássico de proteção de bens individuais para um modelo de crimes de perigo de bens
supraindividuais. Os anos oitenta (quiçá os setenta em alguns países) significaram novos
processos de incriminação. Tais processos passaram a afetar condutas que até àquele
momento constituíam ilícitos civis ou administrativos e cuja danosidade social não parecia
discutível. Ao ponto de afirmar que a discussão atual não parece centrada sobre a punição ou
não de fatos lesivos a bens jurídicos, senão sobre qual é a proteção específica (civil, penal,
administrativa) que deve ser prestada a determinados bens, sobre cuja natureza de objetos
juridicamente protegidos não existem dúvidas (SILVA-SANCHEZ, 1992, p. 276).
Essa expansão do direito penal ocorreu principalmente sobre aquilo que se denomina
macrocriminalidade, ou criminalidade do colarinho branco, que se comporta invariavelmente
segundo métodos de criminalidade organizada. A criminalidade organizada, detentora de
parcela de poder inimaginável, em especial econômico, demonstra a fragilidade do processo
penal, na sua estrutura atual. A criminalidade organizada está fechada ao ambiente exterior e
imune aos tradicionais meios de investigação, o que demandaria novos métodos de
investigação policial. Esta constatação, que não é isolada, exige das autoridades estatais novas
formas de investigação, como a escuta telefônica, a infiltração de agentes e a proteção dos
colaboradores da justiça (LIVIANU, 2006, p. 68). Nesse universo da macrocriminalidade, a
corrupção situa-se de forma a ser considerada um tipo de delinqüência específica da
globalização, e possui especial relevância, na medida em que a realização com êxito da
macrocriminalidade internacional é dificilmente imaginável à margem das burocracias
administrativas estatais, sem a cooperação de funcionários e de agentes estatais (LIVIANU,
2006, p. 107). A Winfried Hassemer não satisfaz a definição de que essa macrocriminalidade
seja organizada internacionalmente e promovida de uma forma meramente econômica. Para o
autor isso não seria uma qualidade no desenvolvimento da criminalidade, mas somente uma
intensificação de um fato já conhecido. Para Hassemer, a corrupção é aquilo que dá à
criminalidade organizada a sua nova qualidade53
(HASSEMER, 2007, p. 147).
Especificamente, os crimes que surgiram acompanhando essas transformações no âmbito dos
governos foram os de abuso de poder, escutas ilegais, espionagem política, os escândalos
53
Em outra passagem (HASSEMER, 1998, p. 26), “O proprium da criminalidade organizada consiste na
paralisação [por meio da corrupção] do braço que deve combatê-la”.
79
econômicos, ao lado das figuras primitivas do peculato e da corrupção (LIVIANU, 2006, p.
45).
Não é nada difícil constatar a existência de uma tendência claramente dominante em
todas as legislações no sentido da introdução de novos tipos penais54
, assim como um
agravamento dos já existentes55
, que se pode encaixar no marco geral da restrição, ou da
“reinterpretação” das garantias clássicas do direito penal substantivo e do direito processual
penal. Essa tendência de expansão se caracteriza por: criação de novos “bens jurídico-penais”,
ampliação dos espaços de riscos jurídicos penalmente relevantes, flexibilização das regras de
imputação e relativização dos princípios político-criminais de garantia (SILVA-SANCHEZ,
2002, p. 21). A profundidade e extensão das bases sociais da atual tendência expansiva do
direito penal nada têm a ver com as que na década de 70 e posteriores respaldaram o
movimento, inicialmente norte-americano, de law and order (SILVA-SANCHEZ, 2002, p.
24). A representação social do direito penal que comporta a atual tendência expansiva
mostraria, pelo contrário, uma rara unanimidade. A divisão social característica dos debates
clássicos sobre o direito penal teria sido substituída por um consenso geral, ou quase geral,
sobre as “virtudes” do direito penal como instrumento de proteção dos cidadãos contra danos
a seus interesses supraindividuais.
Constitui-se essa expansão desproporcional do direito penal em um dos arquétipos
legais de nossas sociedades contemporâneas. A literatura aponta que em torno deste
fenômeno orbitam dois conceitos – primeiro, o surgimento do direito penal da sociedade de
risco com alto conteúdo simbólico, e segundo, o endurecimento da resposta penal punitiva
como resposta a insegurança urbana. Se esse fenômeno de expansão/endurecimento do direito
penal abrange também a criminalidade tradicional, as suas cinco características principais
(FORTETE e CESANO, 2009, pp.128 a 129) têm relação direta com a anticorrupção: (1)
aumento da quantidade de tipos penais, em decorrência da expansão da tutela sobre novas
realidades sociais problemáticas – novas tecnologias, terrorismo – ou sobre realidades
existentes cuja vulnerabilidade aumentou – crime organizado e criminalidade transnacional;
(2) transformação do alvo da política criminal que passa a concentrar cada vez mais esforços
54
De 1940 até o final do primeiro semestre de 2009, houve aproximadamente 122 leis que alteraram o sistema
penal, quanto aos crimes comuns. Delas, 80,3% foram mais gravosas; 12,3% mais benéficas; 7,4% têm conteúdo
misto ou foram indiferentes (GAZOTO, 2010, p. 271). 55
Entre janeiro de 2007 a 30 de junho de 2009 foram apresentados na Câmara dos Deputados 308 projetos
tratando de direito penal, dos quais cerca de 95% são para aumentar penas e incidências criminais. No Senado,
no mesmo período, dos 172 projetos sobre direito penal apresentados, 97% foram para aumentar penas e
incidências criminais (GAZOTO, 2010, p. 272).
80
na criminalidade dos poderosos; (3) predominância de intervenção criminal sobre outras
formas de controle (por exemplo, direito administrativo) afetando o princípio da ultima ratio;
(4) necessidade de adaptar o conteúdo do direito penal e do processo penal às características
específicas colocadas pela persecução dessa nova criminalidade (punição autônoma de atos
preparatórios e da associação para prática de crimes; tipos penais menos precisos, menos
taxativos e mais abertos; técnicas especiais de investigação; requisitos mais flexíveis para
decretação de prisões temporárias, de quebras de sigilo e de uso de tecnologia de vigilância e
rastreamento; diminuição das garantias processuais; padrões probatórios menos rígidos para
condenação; regimes penitenciários diferenciados; prisões federais de segurança máxima
longe de centros urbanos; etc.); e (5) papel essencialmente retórico: as normas incriminadoras
não terão uma incidência real sobre o bem jurídico a que visam proteger, apenas possuem um
relevante papel simbólico, muitas vezes de emergência, nas mãos de políticos e nas mentes
dos eleitores.
(III) Todavia, a expansão do direito penal não se dá sem reações. Verifica-se a
necessidade de tentar repensar criticamente as práticas punitivas que tanto se combateram em
relação aos menos favorecidos e que, agora, não se sabe exatamente o porquê, tem merecido o
aplauso de uma esquerda ávida por culpados de uma classe social que até os anos 80, salvo
nos crimes passionais, raramente ocupava o banco dos réus (TORON, 1999, p. 73). O autor
considera que herdamos da criminologia positivista do fim do século XIX a idéia de que as
instâncias de controle social fixaram-se na vigilância das classes populares, julgadas as únicas
perigosas, mas com a crescente democratização da sociedade ampliou-se o espectro de
incidência do sistema penal. Outros atores integraram-se ao sistema penal: não só a polícia e o
ministério público, mas órgãos de controle, comissões parlamentares e as procuradorias das
diferentes fazendas também passaram a investigar casos até então tidos como irrelevantes,
mas que ganham relevo dados os seus contornos econômicos.
Com a aparição dos “novos” personagens do mundo do crime, os abusos que antes
eram objeto de viva repulsa, passaram a ser não apenas tolerados, como, de certa forma,
incentivados. Assim, prisões preventivas são requeridas e decretadas amiúde, empresários e
homens de governo são publicamente “escrachados”, mesmo que se tratem de meros
suspeitos, e conclui-se que o que outrora se combateu como opressão dirigida aos segmentos
desfavorecidos, porque afrontoso aos direitos humanos, não pode, perversamente, vir validado
e aplaudido como se fosse a “democratização do direito penal”, que agora também atinge os
ricos (TORON, 1999, p. 74). Da mesma forma, a nova política criminal atuarial e expansiva
81
recebe as boas-vindas de muitos setores sociais antes reticentes ao direito penal, ao qual agora
acolhem como uma espécie de reação contra a criminalidade dos poderosos (SILVA-
SANCHEZ, 2002, p. 53).
Louk Hulsman, de certa forma, concorda com a análise conjuntural de Toron e Silva-
Sanchez, ao conceder que, entre os que se inquietam com os problemas da justiça penal e
denunciam o funcionamento do sistema atual, em seu aspecto de degradação e aviltamento do
homem, alguns, entretanto, preconizam a persecução penal de pessoas que, nos campos
ecológico, financeiro e econômico, trazem grandes prejuízos para a coletividade
(HULSMAN, 1997, p, 121). Segundo o autor:
Sei perfeitamente que os que fazem esse tipo de proposta são movidos pela
indignação, que com eles partilho, com o escândalo de uma organização
político-social que utiliza dois pesos e duas medidas, conforme a categoria
social visada; e que gostariam de, por esse meio, tentar restabelecer a
igualdade dos cidadãos perante a lei (HULSMAN, 1997, p, 121).
Mas Hulsman permanece forte e coerente em seus propósitos abolicionistas:
Mas, a máquina penal continua sendo um mau sistema, qualquer que
seja o julgamento moral e social que se possa ter sobre determinado
comportamento. [...] Da minha parte, creio que, nos campos ainda não
criminalizados, se deveria evitar a qualquer preço a criminalização. No que
diz respeito à busca de igualdade de tratamento para todos, eu preferia que se
estendessem àquelas que costumam ser chamados de “delinqüentes pés-de-
chinelo” os procedimentos conciliatórios que existem para os “grandes”
(HULSMAN, 1997, p, 121).
Eugenio Raúl Zaffaroni também é contrário à expansão do direito penal aos casos de
corrupção e demais crimes do colarinho branco, mas adota um tom consideravelmente mais
sombrio, não enxergando nada de genuíno no discurso de proteção dos bens jurídicos
decorrentes da pós-modernidade. Para o autor (ZAFFARONI, 1991, p. 108), a experiência
latino-americana demonstra a incapacidade dos setores penais para resolver os conflitos
gerados pelos crimes econômicos e do colarinho branco. Em relação aos crimes de poluição,
de colarinho branco e crimes econômicos – crimes de poder – existiria uma inoperância geral
de nossos sistemas penais que, nos poucos casos dessa natureza em que atua, é
instrumentalizado como meio de eliminação competitiva, deixando vulneráveis aqueles
menos poderosos dentre os abastados:
Os exemplos costumeiros de efetividade diante de crimes
inqualificáveis e aberrações do poder representam apenas o resultado da
seleção de alguns executores materiais que podem ser sacrificados com a
perda de proteção – por não serem mais úteis a outro poder maior, com o
82
qual entraram em conflito, ou por estar defasado o alinhamento anterior de
micropoderes – com a cuidadosa exclusão dos investigadores e cúmplices
invulneráveis que se tornam rapidamente funcionais no novo reordenamento
desses micropoderes.
Múltiplos são os casos demonstrativos de que, em nossa região
marginal, os poderosos só são vulneráveis ao sistema penal quando, em uma
luta que se processa na cúpula hegemônica, colidem com outro poder maior
que consegue retirar-lhes a cobertura de invulnerabilidade. Do ponto de vista
de nossa região marginal não há razão alguma para se crer que seja menos
utópico um modelo de sociedade no qual não existe invulnerabilidade penal
para os poderosos do que um modelo de sociedade no qual seja abolido o
sistema penal.
Outras não poderiam deixar de serem as opiniões de Hulsman e Zaffaroni. O
abolicionismo nega a legitimidade do sistema penal tal como atua na realidade social
contemporânea e, como princípio geral, nega a legitimação de qualquer outro sistema penal
que se possa imaginar no futuro como alternativa a modelos formais e abstratos de solução de
conflitos, postulando a abolição radical dos sistemas penais e a solução dos conflitos por
instâncias ou mecanismos informais. Mesmo o direito penal mínimo, que nega a legitimidade
do sistema penal, tal como hoje funciona, mas propõe uma alternativa mínima que se
considera como um mal necessário, não se coaduna com a expansão do direito penal
demonstrada.
3.3 Risco e Responsabilidade
Na literatura que verifica a expansão desmedida do direito penal na atualidade, é
freqüente a associação deste fenômeno à sociedade de risco, vez que as novas tipificações e
medidas constritivas processuais seriam determinadas pelo surgimento de bens difusos, na
previsão de um “direito penal de risco”, como próprio e característico de uma sociedade de
risco. Este direito penal teria por função estabelecer maior segurança social mediante a
criminalização de comportamentos que tenham lugar nos novos âmbitos de risco (LIVIANU,
2006, p. 79).
Assim, há visões segundo as quais a pós-modernidade e a sociedade pós-industrial
colocaram em xeque as idéias dos criminólogos iluministas e clássicos (SILVEIRA, 2003, p.
17). Novos riscos sociais foram postos com o avanço dos meios tecnológicos: na modernidade
avançada, a produção social de riqueza vem acompanhada, sistematicamente, por uma
83
correspondente produção social de riscos. Diante disso, os problemas e os conflitos da
sociedade são substituídos por problemas e conflitos que surgem da produção, definição e
divisão dos riscos produzidos de maneira técnica-científica. Atualmente, ainda que se fale em
direito penal mínimo, em direito penal de ultima ratio, não existe uma real limitação da
abrangência criminal, pelo contrário, verifica-se uma ampliação de figuras repressivas
relativas a esses novos riscos (SILVEIRA, 2003, p. 28). A compreensão apropriada deste
fenômeno depende do estudo da categoria “risco”, que ocupa uma posição epistemológica
bastante peculiar e generalizada em ciências sociais (I), e de como as preocupações a ela
relacionadas operam sobre o direito (II).
(I) No campo das ciências sociais, dois autores, nos anos 90, foram majoritariamente
responsáveis pela introdução e subseqüente divulgação do conceito de “sociedade de risco”: o
britânico Anthony Giddens e o alemão Ulrich Beck. Os dois abordam o fenômeno da
sociedade de risco de forma semelhante quanto às suas características e conseqüências, mas
diferem substancialmente quanto às perspectivas de causação e conceituação do que uma
“sociedade de risco” seria. Beck adota uma perspectiva que caracteriza a sociedade de risco
como um estado de fato, vez que a sociedade de risco seria uma forma sistemática de lidar
com perigos e inseguranças induzidas e introduzidas pela própria modernidade em si (BECK,
1992, p. 21). Giddens parte de uma perspectiva diametralmente oposta, associando o risco
mais com um estado cultural/cognitivo de consciência e previdência direcionadas para o
futuro. Nas palavras do autor:
A idéia de sociedade de risco pode sugerir um mundo que tenha se tornado
mais perigoso, mas não é necessariamente assim. Antes, trata-se de uma
sociedade que aumenta cada vez mais sua preocupação com o futuro (e
também com segurança) que gera a noção de risco. (GIDDENS, 1999, p.3)56
Giddens elabora esse conceito partindo da distinção entre risco e perigo, e ilustra essa
diferença sob a perspectiva da visão medieval:
Uma sociedade de risco não é intrinsecamente mais perigosa ou ameaçadora
do que formas pré-existentes de ordenações sociais. É instrutivo nesse
contexto traçar as origens do termo “risco”. A vida na Idade Média era
perigosa; mas não havia a noção de risco, e de fato não parece haver a noção
de risco em nenhuma cultura tradicional. A razão para isso é que os perigos
são experimentados na medida em que se apresentam. Ou eles vêm de Deus,
ou simplesmente decorrem de um mundo que é visto como uma dádiva. A
56
Tradução nossa do original: “The idea of ‘risk society’ might suggest a world which has become more
hazardous, but this is not necessarily so. Rather, it is a society increasingly preoccupied with the future (and
also with safety), which generates the notion of risk”.
84
idéia de risco está vinculada à aspiração de controlar e particularmente com
a idéia de controlar o futuro. (GIDDENS, 1999, p.3)57
O estudo do risco pode fornecer algumas pistas de como adaptar ou criar uma
tecnologia jurídica adequada para se lidar com a corrupção. Giddens distingue não apenas a
época do perigo da época do risco, mas, dentro da era do risco, ele ainda interpõe uma
subdivisão. Trata-se do risco externo e do risco manufaturado (1999, p. 4). Segundo o autor,
os primeiros 200 anos da sociedade industrial foram dominados pelo risco externo, que seria o
risco de eventos que podem ocorrer inesperadamente, mas que acontecem de forma tão
suficientemente regular e freqüente que são largamente previsíveis. Já os riscos
manufaturados aparecem em sociedades que vivem independentemente da tradição e da
natureza, e são criados pelo progresso da ciência e da tecnologia. Os riscos manufaturados
inserem-se em um contexto de novos ambientes de risco, para os quais a história nos dá pouca
experiência prévia, e não podemos calculá-los de forma precisamente acurada em termos de
tábuas atuariais.
Ainda segundo Giddens, há uma intrínseca relação entre risco e responsabilidade
jurídica, vez que risco só existe quando há decisões para serem tomadas, e a idéia de
responsabilidade também pressupõe a tomada de decisões, especialmente quando essa decisão
ocorre quando existem conseqüências discerníveis (1999, p. 8). Afirma-se então, que a
transição de risco externo para risco manufaturado na sociedade atual está ocasionando uma
crise de responsabilidade. E é uma crise, porque como a transição implica mudança nas
correlações entre risco, responsabilidade e decisões, é difícil atribuir ou assumir
responsabilidade jurídica perante os novos riscos segundo os paradigmas da tecnologia
jurídica atual. Para Giddens, dessa crise emerge o que Ulrich Beck chama de
“irresponsabilidade organizada”: ela aumenta a diversidade de riscos criados pelo próprio
homem, pelos quais as pessoas e as instituições são naturalisticamente imputáveis, mas faz
com que ninguém seja juridicamente responsabilizado (1999, p. 8). A conseqüência de não se
ter meios jurídicos adequados para se lidar com a “irresponsabilidade organizada” é um
desvio extremado: não só em algumas situações ninguém é responsabilizado, mas em outras
há culpabilidade em excesso.
57
Tradução nossa do original: “A risk society is not intrinsically more dangerous or hazardous than pre-
existing forms of social order. It is instructive in this context to trace out the origins of the term ‘risk’. Life in the
Middle Ages was hazardous; but there was no notion of risk and there doesn’t seem in fact to be a notion of risk
in any traditional culture. The reason for this is that dangers are experienced as given. Either they come from
God, or they come simply from a world which one takes for granted. The idea of risk is bound up with the
aspiration to control and particularly with the idea of controlling the future.”
85
Demonstra-se, assim, o paradoxo vislumbrado pelo antagonismo entre a
minimalização e o recrudescimento do direito penal, justificada a sua expansão presente pela
proteção penal dos bens coletivos e dos crimes de perigo. Esse paradoxo pode ser explicado,
no âmbito das teorias sobre risco, como uma “crise de responsabilidade”, na visão de
Giddens, ou como uma “irresponsabilidade organizada”, na visão de Beck. A crise de
responsabilidade é conseqüência da transição do risco externo para o risco manufaturado, este
próprio da sociedade moderna. No caso da corrupção, o risco externo é causado pelo aumento
do tamanho do Estado, em termos de atribuições, de poder econômico e de pessoal, aumento
este atrelado à prestação de serviços sociais. A crise de responsabilidade implica, por sua vez,
em súbitas alterações na forma como o risco, a responsabilidade e as decisões se relacionam.
Nesse quadro de crise da responsabilidade, os paradigmas da tecnologia jurídica atual não
operam em sintonia com a realidade da corrupção enquanto risco, e torna-se complicado
atribuir ou assumir responsabilidade jurídica perante esses novos riscos.
(II) Nessa evolução geral dos regimes de responsabilidade causada pela absorção dos
riscos pelo direito, há um lugar crescente para a responsabilidade sem culpa, no sentido da
passagem de uma gestão individual da culpa a uma gestão socializada do risco. Nos campos
onde ainda persiste a necessidade de responsabilização por culpa, assiste-se até a um aumento
da busca de uma responsabilidade penal (VARELLA, 2006, p. 97). O risco, apesar de
refutado como indesejável, é ao mesmo tempo necessário para o desenvolvimento de relações
econômicas. Mas, como a noção de causalidade quanto aos riscos se desloca da natureza e do
divino para a atividade humana, o direito penal entra em cena para inibir condutas. No direito
penal como gestão de riscos, abundam os tipos penais de perigo abstrato. Devido a
características técnicas e de adaptabilidade necessária aos avanços do conhecimento, os riscos
não são definidos pelo parlamento, mas sim pela Administração. O direito penal dos riscos é
usado, então, de forma diferente do direito penal tradicional: as condutas proibidas não são
precisamente definidas com anterioridade, antes, sua especificação e alteração constantes
ficam a cargo de órgãos públicos técnicos. Daí o incremento das normas penais em branco,
que fixam apenas diretrizes genéricas de condutas ilícitas e delegam às autoridades
administrativas a competência de precisar aspectos dos tipos penais. Em termos de dogmática
penal, o injusto típico passa a ser verificado pelo risco da conduta, de forma que o núcleo do
injusto penal é transferido do resultado para a ação, valorada pelo risco potencial que causa,
ou seja por um “suposto de causalidade genérica” (BOTTINI, 2007, vários pontos dessa obra,
especialmente pp. 53-59, 94-121).
86
A corrupção continua a ser vista como um evento indesejável, e o pessimismo quanto
a ela se manifesta de outras formas. A corrupção é agora vista como incompatível com a vida
política das sociedades modernas, das mais variadas configurações políticas e ideológicas, e
não é mais tolerada. A concepção de Estado atual fundamenta o desejo de se controlar o
futuro para que não mais ocorram casos de corrupção, e o presente para revelar os que já estão
acontecendo ou aconteceram. Como a corrupção deixa de ser vista como um perigo, e passa a
ser entendida como um risco, o Estado usa, então, uma das tecnologias das quais dispõe para
controlar a conduta de seus indivíduos, o direito, e a corrupção torna-se juridicamente
proscrita. Para tentar alcançar o objetivo que lhe foi delegado, o direito vale-se da sua técnica
mais tradicional, a ameaça de punição, dirigida contra aqueles que praticarem as condutas
definidas corrupção no âmbito do próprio direito. E, como o pessimismo latente sobre a
corrupção indica, ela se apresenta como relevante demais para ser tratada por outra área do
direito que não a mais aflitiva, o direito penal, e todo o sistema criminal que o orbita.
Nesse sentido, inúmeras são as novas condutas criminalmente tipificadas,
principalmente porque o direito penal ainda é tido, pela moderna sociedade, como eficaz
instrumento de pedagogia político-criminal e mecanismo de socialização, mas considera-se
que essa situação é de extremo perigo: se aceita com ela um crescimento absurdo do que
outrora era considerado ultima ratio (SILVEIRA, 2003, p. 189). Quem pugna pela aceitação
da necessidade de proteção ampla de bens coletivos corre o risco de aceitar o direito penal,
não como última, senão como a primeira ou única ratio de proteção dos bens jurídicos
(SILVEIRA, 2003, p. 31). Quando o legislativo infla as tipificações criminais, não faz mais
do que aumentar o arbítrio seletivo das agências executivas do sistema penal e seus pretextos
para exercer um maior poder controlador (ZAFFARONI, 1991, p. 16).
Qualquer que seja a filiação política, nenhuma perspectiva realista para um direito
penal contemporâneo, ou alternativa adequada a ele, pode prescindir do reconhecimento fático
da expansão do direito penal e da apreensão pelo sistema penal de categorias até então
inexistentes nesse ramo do direito ou tratadas por outra área: bens jurídicos supraindividuais e
responsabilização por risco. Essas concepções opostas do sistema penal são temperadas com
perplexidades quanto à modernidade e à sociedade de risco, e aos sistemas jurídicos
apropriados a uma sociedade de risco. A bidimensionalidade administrativo-penal do regime
da anticorrupção, que, como já visto, existe internacionalmente e foi importada em políticas
públicas internas situa-se, portanto, nesse quadro de complexidade.
87
Assim, não há como fugir do fato de que a globalização, que se faz presente neste
contexto pelos fenômenos já consolidados dos regimes internacionais de proibição, impõe
uma seríssima carga: a necessidade de aprimoramento da eficácia penal (SILVEIRA, 2003,
214). Por outro lado, o direito penal deve ser tido sempre como ultima ratio do sistema. O
atual estágio de expansão deste Direito explica-se pela utilização errada do modelo tradicional
à realidade moderna. Isso leva a indagações de se haveria, então, um modelo de direito (penal
ou de outra natureza) adequado à realidade moderna, no sentido de tutela mais eficiente dos
bens jurídicos difusos?; e de se esse modelo, se adequado, poderia ser considerado direito
penal, ou parte do sistema penal?
Hulsman parece responder negativamente à segunda questão, ao afirmar que proceder
a novas criminalizações nos campos onde hoje não funciona o sistema penal chega a parecer
uma manobra desastrosa, que, “ricocheteando”, acabaria por lhe dar uma nova legitimação.
Mas flexibiliza sua postura quando entende que isto não significa que se devam deixar de fora
do controle jurisdicional os mecanismos de transação que alguns utilizam em detrimento de
outros, como tampouco quer dizer que os protagonistas de processos lesivos a um grande
número de pessoas não devam ser sancionados ou só o devam ser de maneira desproporcional
à sua audácia (HULSMAN, 1997, p, 121). O autor não se alonga em demasia nesse ponto,
mas admite ser favorável a propostas que envolvam controles diferentes do direito penal, e
cita expressamente procedimentos de regulamentação já utilizados em alguns contextos,
contra pessoas jurídicas, os quais considera eficazes, tais como a proibição de contratar com a
administração ou de ter subvenções estatais (HULSMAN, 1997, p, 121).
Da mesma forma, diversos autores, inspirados por Winfried Hassemer, registram a
possibilidade de uma forma nova de sancionar, apartada, em boa medida, do direito penal
tradicional, mas um tanto mais severa do que o direito administrativo tradicional. A
preocupação com a corrupção política e de funcionários implica recurso a uma
interdisciplinaridade, surgindo uma administrativização do direito penal (LIVIANU, 2006, p.
107), uma vez que o direito clássico de reação a posteriori, contra um fato determinado e
individualizado, cede lugar a um direito penal que objetiva uma gestão punitiva de riscos
gerais.
88
3.4 Administrativização do Direito Penal ou Direito de Intervenção
A dificuldade em estabelecer-se um conceito determinado para o bem jurídico difuso
tem levado alguns doutrinadores a excluir da proteção penal os crimes praticados contra bens
intermediários ou supraindividuais, sugerindo a proteção extrapenal para os mesmos, como
por exemplo, segundo o direito administrativo penal ou direito de intervenção, na
nomenclatura adotada por Hassemer (LIVIANU, 2006, p. 85). Lembremos que a idéia de
risco está vinculada à aspiração de controlar o futuro, nas palavras de Giddens, e para
controlá-lo precisamos conhecer o passado e as relações de causalidade que produzirão o
evento indesejado. O fato do direito penal preocupar-se com a corrupção não é novo, mas
saberes como a economia, a ciência política, a administração pública e até a ética aplicada e a
psicologia consolidaram uma gama considerável de conhecimentos e informações sobre a
corrupção, suas causas, efeitos, circunstâncias, tipologias, probabilidades... Esses saberes
“largaram na frente” do direito como resposta ao pessimismo sobre a corrupção. Uma postura
otimista faz com que cogitemos como a tecnologia jurídica pode se configurar para melhor
aplicar esses novos conhecimentos sobre o fenômeno da corrupção na tarefa última de
prevenir sua ocorrência da forma mais eficiente, mas também mais justa possível. A hipótese,
adotada nesta dissertação, é a de que uma nova classe de direito, resultante dessa
administrativização do direito penal, ao mesmo tempo em que se apresenta como alternativa à
expansão do direito penal, filia-se a um programa de direito penal mínimo, e dá racionalidade
jurídica à bidimensionalidade administrativo-criminal, internacional e interna, do regime da
anticorrupção. Deste ponto em diante, a influência de Hassemer foi essencial na formulação
desta nova classe de direito, a qual chamamos de direito de intervenção anticorrupção (I), mas
também tangenciamos outros modelos correlatos, como o direito administrativo penal
mencionado por Miguel Reale e Renato Silveira (II), o direito penal de duas velocidades de
Silva-Sanchez (III), e o regime dos ilícitos de mera ordenação social de Portugal (IV).
(I) Hassemer entende que a estratégia necessária e duradoura ao combate da
criminalidade organizada não pode se apoiar somente e em primeira linha no direito penal e
no direito processual penal. O autor constrói a argumentação fundamentadora do direito de
intervenção em sua obra “Direito Penal Libertário”, a partir da dicotomia no processo penal
entre os princípios da legalidade (1) e da oportunidade (2).
(1) Para o autor, o princípio da legalidade no processo penal deve se reportar à ética do
Estado de Direito, a qual corresponde às idéias da separação dos poderes, da certeza legal e da
89
igualdade. O princípio da legalidade assegura a igualdade de tratamento dos cidadãos, que é
fundamental para a justiça da administração do direito penal. Há uma íntima ligação entre o
direito penal material e o direito processual penal: tanto a segurança das normas penais quanto
a segurança dos limites da punibilidade exigem que as normas do direito penal material sejam
realizadas no processo penal, na forma como estão contidas pelo direito material penal, isto é,
conforme a legalidade jurídico-material (HASSEMER, 2007, p. 49, 50 e 148).
(2) Entretanto, os programas formais do direito material esbarram, em sua realização,
no processo penal, com seus programas informais, que são regulados por uma diversidade de
modos "poluídos", espontâneos e talvez latentes. Outro fator é que os recursos pessoais e
materiais das autoridades responsáveis pela persecução penal serão sempre escassos. Isso tudo
exclui a possibilidade de se assentar o processo penal apenas em um princípio tão teórico,
formal e tão simples como o princípio da legalidade, especialmente quando se trata de delitos
relativos à macrocriminalidade. Em detrimento da legalidade, Hassemer identifica no
processo de expansão do direito penal para a tutela de bens difusos a prevalência do princípio
da oportunidade. Esse princípio consiste na autorização para finalizar previamente o processo
penal, mesmo quando da existência de suspeita do delito (HASSEMER, 2007, pp. 53-56). Os
motivos para a aplicação do princípio da oportunidade tornam-se mais fortes na medida em
que o direito penal se conceba como de orientação pelas conseqüências, e estas residem na
esfera da efetividade da administração da justiça penal.
No contexto da nova criminalidade tratada neste trabalho, Hassemer teoriza sobre
algumas interrelações entre os princípios da legalidade e da oportunidade. Assim, entende o
autor que uma aplicação e imposição, apenas seletiva e oportunista, das normas de direito
material no processo penal deveria enfraquecer, em longo prazo, essas normas,
principalmente aquelas cuja execução, por escolha oportunista e desconsideração estratégica,
será mais prejudicada. Nesse mesmo sentido, haveria a expectativa de que uma execução
desigual do direito penal material, no processo penal, danificaria o sistema do direito criminal
em sua legitimidade, pois um processo penal que descura do princípio da legalidade desperta,
acima de tudo quando seus pressupostos não são bem definidos, a impressão de desigualdade,
inconseqüência e possivelmente até engano, o que tem como conseqüência a perda, senão
total, mas em boa medida, da legitimidade do sistema penal. Ademais, caso a decisão sobre a
persecutibilidade seja tomada não em razão da legalidade, mas da oportunidade, seria posto
em perigo o princípio da separação dos poderes, quando as autoridades responsáveis pelo
90
inquérito podem autonomamente decidir sobre a não persecução de delitos (HASSEMER,
2007, pp. 49-51).
O princípio da oportunidade é freqüentemente elogiado em virtude de seu efeito
descriminalizante, pois um processo penal construído de forma oportunista se liberta
antecipadamente (e liberta também os suspeitos da prática desses fatos) de um grande número
de fatos suspeitos. Mas o autor discorda dessa visão, afirmando que é uma arbitrariedade
teórica do sistema e uma ilusão política para a opinião pública que se preconize publicamente
a criminalização (eventualmente até de delitos de pequeno potencial ofensivo) nas leis penais,
e então eliminá-la “secretamente” no processo penal. Apesar de esse caminho do processo
penal guiado pela oportunidade ser mais cômodo, quanto mais o direito penal material se
orienta pelos princípios da fragmentariedade e da proporcionalidade, tanto menos motivo
existe para um processo penal oportunista. Seria mais claro, mais grave e mais verdadeiro
uma descriminalização sobre o direito penal material, uma redução da punibilidade
atualmente transbordante para um “direito penal nuclear”, correspondente ao direito e
sistemas penais tradicionais, cuja resposta-sanção modelo é o encarceramento de indivíduos.
Mas como proteger os bens jurídicos, decorrentes da pós-modernidade, que estariam
fora desse “direito penal nuclear”? Hassemer passa, então, a dar forma ao seu conceito de
direito de intervenção. Os princípios da legalidade e da oportunidade, na persecução penal,
enfatizam respectivamente partes diversas da idéia jurídica. A legalidade responde mais pela
justiça, a oportunidade coloca-se mais pela utilidade e efetividade. Dessa forma, uma opção
político-criminal deveria observar que a justiça é o objetivo, mas que a utilidade é, porém,
uma condição restritiva da perseguição do objetivo (HASSEMER, 2007, p. 60). Para o autor,
esse direito de intervenção, “ampliado” a todos os bens universais possíveis, aproxima-se do
direito administrativo, e a ele também corresponderá a qualidade de suas sanções, afastando-
se do sistema penal tradicional. Não se trata mais de um equilíbrio adequado de um ilícito
factível: trata-se de uma prevenção do risco, da dominação do perigo, da intervenção, antes
que os danos ocorram. A diferença entre repressão e prevenção, que distingue o direito penal
tradicional do direito administrativo e demais outros, é para Hassemer impeditiva e obsoleta
(HASSEMER, 2007, p. 96).
O direito de intervenção, na visão de Hassemer, não chega ainda a ser um modelo ou
uma proposta concreta de alternativa à expansão do direito penal tradicional. Quando muito, é
o registro de uma tendência, ou de um conjunto de princípios que tentariam resgatar parte da
91
legitimidade do sistema penal, desvinculando-o do seu aspecto encarcerador. Não obstante
inexistir uma proposta sistematizada e completa, Hassemer é capaz de, no decorrer de
“Direito Penal Libertário”, fornecer alguns exemplos, ilustrando características preliminares
do direito de intervenção, que serão retomadas mais adiante.
(II) Hassemer não é o único, entretanto, a propor uma administrativização do direito
penal. Miguel Reale Jr. e Renato Silveira não chegam a propor efetivamente uma formulação
“nova” ou independente de direito administrativo penal. Ambos declaradamente se inspiram
em Hassemer, e aprofundam o modelo deste com considerações e exemplos adicionais,
iniciando um diálogo do modelo de direito de intervenção com a realidade do ordenamento
jurídico brasileiro. Examinando as semelhanças e diferenças em concreto entre os tipos penais
da Lei 8.137/1990 e as infrações administrativas da Lei 8.884/1994, Miguel Reale Júnior
conclui que se pode afirmar que os tipos penais e infracionais têm em comum a tutela do
mesmo bem jurídico, por meio de repressão a condutas em grande parte semelhantes (REALE
JR., 1999. p. 121). A partir desse exame em concreto, o autor examina, do ponto de vista
teórico, em que consistem as semelhanças e diferenças entre duas entidades fundamentais no
direito penal e no direito administrativo econômico, quais sejam, o crime e a infração
administrativa. Segundo o autor, os processos de despenalização ocorridos na Itália e na
França bem demonstram que a escolha da via penal ou da via administrativa nada tem a ver
com a importância do bem jurídico, tratando-se, antes de uma escolha com base na
conveniência política deste ou daquele caminho, com vista a melhor alcançar os fins
preventivos e retributivos de um direito punitivo que cada vez mais se faz único. Trata-se,
portanto, de um problema de eficácia social, e não de uma questão de diversidade axiológica
(REALE JR., 1999. p. 122). As sanções que se somam têm pequena distinção relativa, na
verdade, ao significado da reprovação. Se é certo que ambas guardam finalidades preventiva e
retributiva, o que as distingue é o caráter moral de reprovação social inerente à sanção penal,
bem como o gravame do próprio processo penal a que é submetido ao agente, não
encontráveis na sanção e no processo administrativo. Diante da substituição das penas
privativas de liberdade por penas restritivas, sobressai, na distinção entre sanções
administrativas e penais, o elevado conteúdo de censura moral mais reduzido do processo e da
sanção administrativos (REALE JR., 1999. p. 124).
Seria preciso pensar um novo campo do direito que “não aplique as pesadas sanções
do direito penal, sobretudo as sanções de privação da liberdade e que, ao mesmo tempo, possa
ter garantias menores” (REALE JR., 1999. p. 125). Declaradamente inspirado em Hassemer,
92
o autor entende que o direito de intervenção não deve estar jungido pelos dogmas garantistas
do direito penal, sendo antes um direito administrativo adaptado às peculiaridades econômicas
das relações que pretende regular. A característica fundamental desse novo gênero de direito é
que as infrações são administrativas e não penais, sendo julgadas por um tribunal
administrativo, como, por exemplo, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica –
CADE. Todavia, revestem-se de algumas garantias e limitações próprias do direito penal, o
que significa dizer que contêm, simbioticamente, tanto qualidades de infração administrativa
quanto de penal. O acento primordial recairia, no entanto, sobre a natureza administrativa,
razão pela qual denomina este ramo de “direito administrativo penal”, que se distinguiria do
direito administrativo disciplinar, porquanto este pressupõe uma relação de subordinação do
agente frente à Administração Pública.
Na França e na Itália, segundo Reale, já existiriam leis “tipificadoras das infrações
administrativo-penais”, e destaca algumas das características desse modelo normativo:
submissão ao princípio da legalidade; proibição da analogia in malam parte; interpretação
restritiva; exigência de tipicidade; vedação a conceitos extrajurídicos, conceitos
indeterminados e locuções abertas; irretroatividade, a não ser da nova lei mais benigna;
solidariedade entre a pessoa jurídica e seu administrador; e necessidade de individualização
da pena (REALE JR., 1999, p. 126-128).
Renato Silveira adota uma postura semelhante, ressaltando que se deve entender o
caráter penal meramente no sentido de sancionador, e não obrigatoriamente como parte do
direito ou sistema penais. Assim, nada impediria a idealização de um direito de intervenção
para tais casos que, por suas características particulares, deveriam sempre ser tratados em leis
esparsas. Em outras palavras, ao mesmo tempo em que se deve restringir a aplicação penal
sobre condutas que dela não necessitam, de outro, deve-se praticar uma forma sancionatória
mais próxima da administrativa, a qual pode solucionar melhor o impasse atual. O direito
administrativo sancionador revela-se mais adequado para o intuito repressivo. De toda a sorte,
a aplicação de conceitos penais de cunho mais arrojado há de ser presente para que este novo
direito se mantenha dentro de um espírito de legalidade, em que o justo seja buscado e
alcançado (SILVEIRA, 2003, 214).
O espírito da proposta de Renato Silveira é que o critério de imputação deve ser
diferenciado para bens individuais e difusos. Ao mesmo tempo em que as garantias
individuais do homem não podem ser violadas, as garantias, no que tange aos novos tipos
93
penais, podem ser mais flexíveis. Sem dúvida, "o direito de intervenção ou direito
administrativo penal, mostrar-se-á de forma mais dura que o direito administrativo
tradicional” (SILVEIRA, 2003, 215).
(III) Silva-Sanchez, por sua vez, relaciona a expansão do direito penal com a visão de
setores da sociedade de que este seria o único instrumento eficaz de pedagogia político-social,
como mecanismo de socialização e civilização, e aponta como causa dessa visão, em parte, a
inadequação de outras três formas de controle: a ética social, que estaria falida; o direito civil,
cuja responsabilização cada vez mais objetiva não expressa nenhum conteúdo de reprovação a
atos ilícitos, tendo o efeito de uma seguridade generalizada e apenas patrimonial; e o direito
administrativo, que se perde em meio a um crescente descrédito em relação aos instrumentos
de proteção específicos desse setor, preventivos ou punitivos, e a burocratização incontrolável
que lhe é característica. A partir da expansão do direito penal, o prognóstico de Silva-Sanchez
é que o direito penal da globalização econômica e da integração supranacional será um direito
menos garantista, no qual se flexibilizarão regras de imputação e se relativizarão as garantias
político-criminais, substantivas e processuais. Nesse ponto, esse direito penal não fará mais
que acentuar a tendência que já se percebe nas legislações nacionais, de modo especial nas
últimas leis “em matéria de luta contra a criminalidade econômica, a criminalidade organizada
e a corrupção” (SILVA-SANCHEZ, 2002, pp. 61 e 75).
Silva-Sanchez não se perfila com a idéia de direito de intervenção de Hassemer.
Afirma ele que não haveria nenhuma dificuldade em admitir um modelo de menor intensidade
garantística dentro do direito penal, e a opção político-jurídica pelo direito penal continua
tendo vantagens relevantes, não vinculadas necessariamente à dureza fática da sanção:
mecanismo público de persecução, algo que lhe atribui uma dimensão comunicativa superior,
de simbolismo por estigmatização. Comparativamente ao direito administrativo, e, portanto
dentro do âmbito sancionatório, o direito penal aporta sua maior neutralidade no que diz
respeito à política, assim como a imparcialidade própria do âmbito jurisdicional, o que torna
mais difícil o infrator valer-se de técnicas de neutralização do juízo de desvalor
administrativo, como, por exemplo, influência política sobre o administrador (SILVA-
SANCHEZ, 2002, pp. 141-142).
A proposta de Silva-Sanchez parte da constatação de uma realidade da qual o autor
considera impossível retroceder: a expansão do direito penal, e a coexistência de vários
direitos penais distintos, com estruturas típicas, regras de imputação, princípios processuais e
94
sanções substancialmente diversas. A partir dessa constatação, e considerando improvável um
movimento de despenalização, propõe o autor que “as sanções penais que se imponham ali
onde têm se flexibilizado as garantias não sejam penas de prisão”. Pondera Silva-Sanchez que
a demanda social de proteção por meio do direito penal provavelmente não se veria satisfeita
de um modo funcional com um direito penal reduzido a um núcleo principal. A resposta a
essa demanda punitiva resolve-se com a ampliação do direito penal para proteger interesses
que não pertenciam a seu âmbito clássico de aplicação, e essa expansão flexibilizará
provavelmente regras de imputação e princípios de garantia, vez que dada à natureza dos
interesses objeto de proteção, dita tutela seria praticamente impossível no marco de regras e
princípios clássicos. Mas essa ampliação não poderia basear sua requerida força comunicativa
na imposição de penas privativas de liberdade (SILVA-SANCHEZ, 2002, pp. 143-144).
Silva-Sanchez denomina sua proposta de direito penal de duas velocidades porque
ainda persistiria um direito penal remanescente, “mais lento” porque salvaguarda o modelo
clássico de imputação e de princípios para o núcleo intangível de direitos ao qual se assinala
uma pena de prisão, que seria a primeira velocidade. A segunda velocidade, correspondente a
um direito penal “mais rápido”, encontra-se em um direito penal mais distante do núcleo
criminal e no qual se impõem penas mais próximas às sanções administrativas (privativas de
direitos, multas, sanções que recaem sobre pessoas jurídicas) e se flexibilizam os critérios de
imputação e as garantias político-criminais. A característica essencial de tal campo
continuaria sendo a judicialização (e a conseqüente imparcialidade em maior grau), da mesma
forma que a manutenção do significado “penal” dos ilícitos e das sanções, sem que estas,
contudo, tivessem a repercussão pessoal da pena de prisão. O autor usa como exemplo do seu
direito penal de duas velocidades o direito penal econômico, onde caberia uma flexibilização
controlada das regras de imputação (responsabilidade penal das pessoas jurídicas, ampliação
dos critérios de autoria, ou da imputação por omissão, dos requisitos de vencibilidade do
erro), como também dos princípios político-criminais de garantia (legalidade, culpabilidade).
Tais princípios seriam suscetíveis de uma acolhida gradual, e não teriam que ser tratados de
forma idêntica nos dois níveis de direito penal.
(IV) Em termos de direito comparado, é digno de citação o instituto do direito
português dos ilícitos de mera ordenação social, que possui características que nos permitem
compará-lo com as demais formulações expostas neste subcapítulo. Sob o título de “direito
penal econômico e direito de mera ordenação social”, aponta-se que as origens do instituto
também remontam ao movimento de expansão do direito penal, e à reação de um movimento
95
de descriminalização (JAPIASSÚ, 2007, p. 25). Logo após a Segunda Guerra Mundial foram
promulgadas na Alemanha leis que acabaram por dar expressão legislativa aos estudos e
recomendações de Eberhard Schmidt, retirando dos quadros do direito penal um grande
número de delitos e distinguindo as infrações que deveriam ser ameaçadas com penas
criminais daquelas a que deveriam ser aplicadas meras advertências sociais ou sanções
ordenativas. Tendo como pano de fundo esse movimento de descriminalização, ganhou
autonomia o direito das contra-ordenações e do correspondente ilícito, face ao direito e ilícito
penais.
O conceito de ilícito de mera ordenação social se dá por força da previsão
contida na legislação portuguesa (artigo 1º, 1 do Decreto-lei nº 433/82) que preceitua:
“constitui contra-ordenação todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no
qual se comine uma coima”. Dessa forma, o ilícito referido caracterizar-se-ia pela ausência de
uma dimensão de censura ética da respectiva sanção (a coima), pela neutralidade ética do
ilícito de mera ordenação e por sua especificidade processual, que consiste na possibilidade da
aplicação da respectiva sanção pela própria autoridade administrativa. Aproxima-se, portanto,
do ilícito administrativo.
Deve-se salientar que a doutrina portuguesa filia-se ao pressuposto de que os
tipos penais de crime são dotados de relevo ético, e, por isso, funda o conceito de ilícito de
mera ordenação nos critérios acima apontados, como forma de traçar uma distinção em face
do ilícito penal. Mas há questionamentos sobre a existência de um ilícito eticamente
indiferente, isto é, considera-se que a autonomia do direito de contra-ordenações não se
assentaria em razões relacionadas com a neutralidade ética do ilícito de mera ordenação.
Dessa forma, traçar a diferença entre o ilícito penal e o ilícito de mera ordenação social com
base em seu conteúdo, ou seja, pela existência ou não de uma censura ética no bojo dos
respectivos ilícitos, afigurar-se-ia como uma concepção equivocada. Não propriamente
porque ambos encerrariam uma dimensão de censura ética da respectiva sanção ou mesmo da
conduta – e aqui se delineia mais uma diferença entre as concepções esposadas pelos autores
portugueses e pátrios – mas sim pela necessidade de se obedecer à máxima de que o direito
penal só deve intervir como ultima ratio da política criminal. A ordem jurídico-penal, por este
raciocínio, vê-se purificada das infrações que não atentam contra bens jurídicos ou cujo
sancionamento não exiba o caráter de necessidade que justifica a aplicação de uma pena
criminal (JAPIASSÚ, 2007, p. 28).
96
A exposição de motivos do Decreto-lei nº 433/82, de 27 de outubro de 1982, que
reformou o regime das contra-ordenações, afirma existir uma necessidade de dar
“consistência prática às injunções normativas decorrentes deste novo e crescente
intervencionismo do Estado [referindo-se à configuração do Estado Português pós-Revolução
dos Cravos]” e essa necessidade demanda recorrer-se a um “quadro específico de sanções”.
Ao mesmo tempo, a exposição de motivos nega a intervenção do direito penal nessas novas
sanções, vez que isso significaria “uma manifesta degradação do direito penal, com a
conseqüente, e irreparável perda da sua força de persuasão e prevenção”, além da
“impossibilidade de mobilizar preferencialmente os recursos disponíveis para as tarefas da
prevenção e repressão da criminalidade mais grave”. Conclui a exposição de motivos
exortando que só o direito das contra-ordenações “viabilizará uma política criminal racional,
permitindo diferenciar entre os tipos de infracções e os respectivos arsenais de reacções”.
3.5 Perspectivas concretas: rumo a um Direito de Intervenção Anticorrupção e
regras jurídicas primárias e secundárias na construção de um sistema
jurídico
Uma dificuldade inicial na concepção de um direito de intervenção anticorrupção
ocorreu por falta de modelos mais ou menos concretos em que se basear. A teoria jurídica
versa, comumente, ou sobre o direito posto, ou sobre o direito aplicado. Não temos nenhum
dos dois presentes, ainda que embriões possam ser identificados. O escopo deste trabalho não
se trata, tampouco, da proposição de um modelo legislativo abstrato, nem da discussão da
solução a um caso jurídico concreto. É, apenas, uma teorização jurídica sobre um contexto
jurídico ainda excessivamente aberto (sociedade de risco) e com escassez e assistematização
de sua positivação (regime da anticorrupção, internacional e internalizado).
Esta dissertação vai além da teorização inicial da administrativização do direito penal
já feita com maior propriedade por Hassemer e Silva-Sanchez. Com base nos modelos de
inovação propostos por estes autores, entretanto, acreditamos ser possível enxergar um pouco
além, e é possível apontar uma série de características, umas desejadas e outras já existentes
de forma esparsa, que seriam próprias do programa do direito de intervenção anticorrupção. A
dificuldade neste momento, precedente aos capítulos propositivos, é como sistematizar o que
97
se conhece e o que se pressupõe até agora, de forma palatável à ciência jurídica, em um
modelo jurídico racional. Escolhemos como modelo agregador das proposições jurídicas que
exporemos neste capítulo uma das argumentações mais simples, e, ao mesmo tempo, mais
elegantes sobre a natureza do direito. Vamos à Herbert Hart.
De acordo com a hipótese descritiva de Herbert Hart, sobre o “conceito de direito”
(HART, 2007, p. 1-22), a característica geral mais proeminente do direito consiste em que sua
existência significa que certas espécies de conduta humana já não são facultativas, mas
obrigatórias em certo sentido. O sentido primeiro e mais simples em que a conduta já não é
facultativa ocorre quando um homem é forçado a fazer o que outro lhe diz, porque esse outro
o ameaça com conseqüências desagradáveis se ele recusa. Uma segunda de tais
características surge de um segundo modo em que uma conduta pode não ser facultativa, mas
obrigatória. As regras morais impõem obrigações e retiram certas zonas de conduta da livre
opção do indivíduo de agir como lhe apetece. A partir dessas características, Hart imagina
uma sociedade bastante simples, em termos jurídicos, que se pauta apenas por regras desse
tipo. Essa sociedade não possui poder legislativo, tribunais ou funcionários de qualquer
espécie, e o único meio de controle social é a atitude geral das pessoas quanto aos modos
padrão de comportamento (HART, 2007, p. 89-109). Nessa sociedade simples, as regras
segundo as quais o grupo vive não formarão um sistema, mas serão simplesmente um
conjunto de padrões separados, sem qualquer identificação comum, exceto a de que são regras
aceitas por aquele grupo particular de seres humanos.
Para Hart, o padrão de regras de uma sociedade simples como essa padece de três
defeitos: incerteza (1), caráter estático (2) e ineficácia (3). O primeiro defeito é (1) a incerteza:
em caso de dúvida sobre qual regra aplicar, não há uma regra de reconhecimento que dite qual
procedimento deve ser adotado para dirimir essa dúvida, o que também pode ocorrer pela
ausência de um texto dotado de autoridade ou de uma pessoa para fazê-lo58
. Um segundo
defeito é (2) o caráter estático das regras, vez que essa sociedade não dispõe de formas
deliberadas de adaptar seu padrão normativo às circunstâncias. O único modo de alteração
das regras conhecido de tal sociedade será um lento processo lento de crescimento (condutas
primeiro facultativas tornam-se usuais em um segundo momento, e finalmente obrigatórias
em seguida) ou enfraquecimento (desvios, tratados com severidade no início, passam a ser
58
(HART, 2007, p. 102):
“evidentemente tal processo e o reconhecimento, quer do texto, quer das pessoas dotadas de
autoridade, envolve a existência de regras de um tipo diferente das regras de obrigação ou dever,
que são ex hypothesi tudo o que o grupo tem”.
98
tolerados e depois desapercebidos). O terceiro defeito desta forma simples de vida social é a
(3) ineficácia da pressão social difusa pela qual se mantêm as regras. As disputas sobre se
uma regra de obrigação particular foi ou não violada, e qual conseqüência jurídica isso
acarreta, ocorrerão sempre e continuarão veementes em qualquer sociedade, exceto se não
houver uma instância especialmente dotada de poder para determinar, de forma definitiva e
com autoridade, o fato da violação. O único método do qual dispõe essa sociedade simples é
deixar essa tarefa para os interessados mais diretos (como vítimas ou família), ou para o grupo
desorganizado como um todo.
Hart continua seu exercício cognitivo e estabelece um remédio para cada um destes
três defeitos principais nesta forma mais simples de estrutura social, o qual consiste em
complementar as regras primárias de obrigação com regras secundárias, as quais são regras de
diferente espécie. A introdução de uma solução para cada defeito poderia em si ser
considerado um passo na passagem do mundo pré-jurídico para o jurídico, no âmbito da
concepção de Hart de que o direito pode ser caracterizado como uma união de regras
primárias de obrigação com regras secundárias de institucionalização. A forma mais simples
de remédio para (1) a incerteza do regime das regras primárias é a introdução daquilo a que
Hart chama de regra de reconhecimento: esta, ao conferir uma marca dotada de autoridade
superior, introduz, embora numa forma embrionária, a idéia de sistema jurídico. Para o
segundo defeito, o remédio para (2) a qualidade estática do regime de regras primárias
consiste na introdução de regras de alteração, que conferem poder a um indivíduo ou a um
corpo de indivíduos para introduzir novas regras primárias para a conduta da vida do grupo,
ou de certa classe dentro dele, e para eliminar as regras antigas. O terceiro complemento ao
regime simples das regras primárias, destinado a remediar a (3) ineficácia da sua pressão
social difusa, consiste em regras secundárias que dão poder a certos indivíduos para proferir
determinações dotadas de autoridade respeitantes à questão sobre se, numa ocasião concreta,
foi violada uma regra primária, e quais as conseqüências sancionatórias por ela prescritas.
A noção de direito, ou pelo menos de sistema jurídico, surge então, para Hart, na
medida em que uma sociedade desenvolve um grau sofisticado o bastante de racionalização
jurídica de forma a atribuir às regras primárias o suficiente complemento das regras
secundárias. É justamente nesses corretivos aos defeitos da regra primária que se situa a
discussão vindoura do presente trabalho. Usaremos o modelo de regras primárias e
secundárias de Hart como ilustração das propostas normativas dos capítulos seguintes, dando
uma feição sistêmica e mais completa ao cenário de tecnologia jurídica que ora propomos.
99
Capítulo 4: Proposições Sancionatórias do Direito de Intervenção
Anticorrupção
Se o que define os ramos do direito são as distintas naturezas das respectivas
sanções59
, nada mais apropriado do que o primeiro capítulo propositivo acerca do direito de
intervenção anticorrupção enfocar esse tipo particular de norma secundária de um sistema
jurídico. Utilizaremos aqueles conceitos e categorias manejados nos capítulos precedentes
para propor características de um vindouro direito de intervenção anticorrupção. Para nossa
própria surpresa, várias dessas características, muito embora não sistematizadas em uma nova
espécie jurídica, já existem de forma embrionária e esparsa em nosso ordenamento jurídico.
Não só para os tipos de infração administrativa à ordem econômica da Lei 8.884/1994, como
observado por Reale Junior, mas também com o foco específico em anticorrupção.
A proposta básica deste Capítulo 4 é que a expansão do direito penal seja
acompanhada de um movimento de despenalização relativo à imposição de penas privativas
de liberdade, sobre certos tipos penais que se afiguram apenas como tipos penais de risco.
Mas, como o outro paradigma é a eficácia, e a demanda social de proteção por meio do direito
penal provavelmente não se veria satisfeita de modo funcional com um direito penal reduzido
a um núcleo principal, a proposta contempla também a ampliação desse novo direito de
intervenção para proteger interesses que não pertenciam ao âmbito clássico de aplicação do
direito penal. Esta particularização inicial da proposta deve envolver considerações sobre as
seguintes dimensões desse direito de intervenção anticorrupção: marco principiológico (4.1),
componentes legitimadores enquanto política criminal (4.2), natureza (4.3) e espécies das
sanções (4.4).
4.1 Marco Principiológico
Quanto ao marco principiológico, o direito de intervenção anticorrupção seria
caracterizado pela minoração da força de princípios do direito penal tradicional, mediante
uma reinterpretação das garantias clássicas tanto do direito penal material quanto do
processual. Essa minoração de garantias não seria feita sem critérios, todavia, e ocorreria
59
(DURKHEIM, 1999, p.37), sobre a clássica distinção entre sanções repressivas (direito penal) e restitutivas
(direito civil).
100
somente nos campos onde coubesse uma flexibilização controlada – a “segunda velocidade”
representada por esse novo sistema sancionatório não ocorreria sem parâmetros. Não se fala
em abolição desses princípios, ressalte-se. Mas, como tais princípios são suscetíveis de
acolhida gradual, não teriam que ser tratados de forma idêntica nos dois níveis (direito penal e
direito de intervenção).
Vimos que a expansão da proteção penal de bens jurídicos supraindividuais vai de
encontro aos princípios da intervenção mínima, fragmentariedade e subsidiariedade do direito
penal. Esse conflito poderia ser solucionado se essa expansão, necessária à proteção – ou pelo
menos ao sentimento de proteção – desses novos direitos, for desviada do curso do direito
penal para o novo leito do direito de intervenção. Tutelar-se-iam os novos interesses por meio
do direito de intervenção, e o direito penal “nuclear” permaneceria mínimo e subsidiário,
cuidando das violações mais graves a direitos individuais. O direito de intervenção representa,
portanto, uma solução adequada e realista aos anseios de incremento da tutela de bens
jurídicos supraindividuais. Assim, princípios de diversas ordens poderiam ser tratados de
forma adaptada ao direito de intervenção, sem, entretanto, serem abolidos. A saber:
(1) Devido processo legal. A sanção só seria cominada após a condução de um
procedimento que atendesse os requisitos mínimos do devido processo legal, com a
oportunidade de ampla defesa e contraditório ao acusado, mas poderia ser temperado com
restrições à recorribilidade de decisões interlocutórias ou acautelatórias, ou da
prescindibilidade de defesa técnica por advogado.
(2) O princípio da legalidade também poderia ceder espaço ao princípio da
oportunidade, no caso de alocação de esforços e recursos para decidir quais infrações
investigar e punir. Com um universo expandido de bens jurídicos supraindividuais protegidos
pelo direito de intervenção, as autoridades responsáveis por essa nova forma de persecução
teriam que adotar critérios para escolher onde focar seus esforços. Em oposição à
obrigatoriedade/indisponibilidade da ação penal, o processo no direito de intervenção
anticorrupção se apresenta pautado pela discricionariedade/oportunidade controladas.
Obviamente que os critérios utilizados para fundamentar a escolha de quem investigar/punir
devem ser proporcionais e razoáveis, para a discricionariedade não se transformar em
arbitrariedade. Critérios razoáveis seriam, por exemplo, chegar à decisão sobre quem ou quais
grupos investigar a partir de mapas de avaliação de risco de corrupção, a partir de
modalidades/setores de compras, obras ou serviços públicos notoriamente atraentes de fraudes
101
à licitação, ou ainda a partir de descompassos entre a renda de alguns servidores públicos e
seu patrimônio ou padrão de vida. Na fase processual, que precederia a aplicação da sanção, o
custo-proveito de instauração de um procedimento poderia ser calculado com base na
expectativa de sucesso/efetividade, levando em conta fatores como robustez probatória ou
gravidade do fato. Nesse ponto da oportunidade versus legalidade, o direito de intervenção
seria mais genuíno do que o direito penal tradicional tal como praticado atualmente, porque a
preocupação com a efetividade das investigações e dos processos estaria explícita no discurso
e nas práticas, com base em critérios razoáveis e, portanto, controláveis. Todavia, não se
abriria mão de outros princípios decorrentes da rule of law, como a proibição da analogia in
malam parte; a interpretação restritiva; a exigência de tipicidade (ainda que os tipos sejam
construídos mais abertos); a vedação a conceitos extrajurídicos, conceitos indeterminados e
locuções abertas; a irretroatividade, a não ser da nova lei mais benigna; e a necessidade de
individualização da pena.
(3) Necessidade de individualização da pena. Um dos óbices apontados pela doutrina
para responsabilização penal da pessoa jurídica é a impossibilidade de individualização da
pena, decorrente da ausência de conduta “real” de um ente que é uma ficção jurídica. Mas
como se verá adiante, uma das regras de imputação de um futuro direito de intervenção seria a
relevância dos tipos de perigo abstrato e punição da conduta omissiva. Assim, seria
perfeitamente possível conceber a individualização e dosimetria da sanção atribuída a uma
pessoa jurídica pela prática de corrupção por um de seus empregados.
Imaginem-se, por exemplo, duas companhias. A primeira conta com um sólido
programa interno de compliance anticorrupção, que envolve medidas como treinamento de
seus empregados e executivos em responsabilidade corporativa ética, ou como uma linha
direta interna para denúncias de corrupção. A segunda companhia, entretanto, não possui nem
um código de ética interno, ou se o possui, ele é apenas figurativo, não divulgado ou não
observado como parâmetro pelos seus altos níveis diretivos. Imaginemos agora que a primeira
empresa tenha tido ciência posterior de um ato de corrupção praticado por um gerente, e que,
após alguma apuração interna, revele esse fato às autoridades competentes e coopere
prestando todas as informações solicitadas para o esclarecimento. Já na segunda companhia,
por sua vez, um empregado revelou a um diretor indícios da prática de corrupção por um
gerente e, como conseqüência, a diretoria resolveu tomar medidas para ocultar provas desse
ato de corrupção, preservou o gerente em sua posição, e este por sua vez demitiu o empregado
denunciante por ter suprimido um degrau hierárquico na empresa e não ter sido “leal” a seu
102
superior direto. Essas duas pessoas jurídicas certamente seriam sancionadas de forma diversa
em um direito de intervenção anticorrupção.
Inclusive, a possibilidade de punição da pessoa jurídica por um direito de intervenção
anticorrupção daria cumprimento a obrigações internacionais assumidas pelo Brasil. A
Convenção da OCDE sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros
em Transações Comerciais Internacionais, publicada pelo Decreto 3.678/2000, estabelece em
seu Artigo 2 a obrigação dos Estados-partes de tomar todas as medidas necessárias ao
estabelecimento das responsabilidades de pessoas jurídicas pela corrupção de funcionário
público estrangeiro, de acordo com seus princípios jurídicos. Mas consente em seu Artigo 3
que, caso a responsabilidade criminal, de acordo com cada sistema jurídico, não se aplique a
pessoas jurídicas, o Estado-Parte deverá assegurar que as pessoas jurídicas estarão sujeitas a
sanções não-criminais efetivas, proporcionais e dissuasivas contra a corrupção de funcionário
público estrangeiro, inclusive sanções financeiras. O Artigo 26, item 4, da Convenção da
ONU contra a Corrupção contém disposição praticamente idêntica60
. Idem para o regime das
contra-ordenações português, que admite, consoante o art. 7º do Decreto-Lei nº 433/82, a
punição de “pessoas singulares”, “pessoas colectivas” e “associações sem personalidade
jurídica”. Em 2010, o Executivo iniciou Projeto de Lei, concebido na CGU, que trata da
responsabilidade da pessoa jurídica por ato de corrupção, inclusive de funcionário público
estrangeiro61
.
(4) Regras de imputação. Não apenas princípios de garantia do direito penal seriam
aplicados de forma relativizada no direito de intervenção, como também algumas das
principais regras de imputação ortodoxas passariam por um processo de releitura. Nas alíneas
a seguir elencamos as principais regras de imputação associadas com o direito penal
tradicional (crime praticado por um indivíduo em detrimento de um bem jurídico de natureza
individual), e as debatemos com regras de imputação correspondentes em um direito de
intervenção:
a) Quanto à pessoa: no direito penal tradicional vigora a responsabilidade penal da
pessoa natural, salvo raríssimas exceções. No direito de intervenção anticorrupção há
60
Artigo 26 – Responsabilidade das pessoas jurídicas: 4. Cada Estado Parte velará em particular para que se
imponham sanções penais ou não-penais eficazes, proporcionadas e dissuasivas, incluídas sanções monetárias, às
pessoas jurídicas consideradas responsáveis de acordo com o presente Artigo. 61
Projeto de Lei 6826/2010 . Disponível em: www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=466400
103
responsabilidade relevante também da pessoa jurídica, com hipóteses de solidariedade e
desconsideração entre esta e seu administrador.
b) Autoria no direito penal em regra imediata – quem efetivamente, diretamente e
fisicamente praticou o ato criminoso é quem responde perante o direito penal. No direito de
intervenção, há ampliação dos critérios de autoria – quem determinou a prática do ato, ou dele
se beneficiou também responde, talvez de forma até mais gravosa do que quem praticou
diretamente. Ex.: também a pessoa jurídica responderia por ato de corrupção praticado por um
empregado.
c) Conduta: no direito penal a imputação é majoritariamente por ação, e residualmente
por omissão – a obrigação penal se estrutura de forma negativa: comina-se uma pena à
descrição de uma conduta que se entende proibida. No direito de intervenção, a imputação por
omissão é relevante para o sistema – não se prescindirá de tipos, mas se utilizará largamente a
técnica de descrever uma obrigação de forma positiva, com sanções pela não atuação
positivamente prescrita. Ex.: obrigação de empresas de adotar programas de compliance
anticorrupção.
d) Dolo: no direito penal tradicional há a forte exigência de elementos probatórios que
demonstrem inegavelmente a ciência do ato praticado, ou que condicionem essa ciência a um
estado cognitivo de ânimo do agente de violar um bem jurídico determinado (dolo específico).
No direito de intervenção seriam suficientes à imputação os meros dolo genérico, dolo
eventual, dolo de perigo e até mesmo o dolo presumido62
. Para a pessoa jurídica, outros
requisitos de vencibilidade do erro podem ser adotados, como culpa in eligendo ou vigilando.
Da mesma forma, a comprovação de due dilligence pode ensejar a redução da
responsabilidade.
e) Efeitos da coisa julgada penal: procedimentos e a sentença proferida no processo
penal gozam de autoridade em face de outros juízos: segundo arts. 63 a 67 do Código de
Processo Penal, a sentença penal faz coisa julgada no âmbito das obrigações civis e
administrativas, mas o inverso não ocorre. Nos casos de absolvição no processo de
intervenção, o processo penal seria a este subsidiário. Para se garantir a unidade da ordem
jurídica e para se evitar decisões reciprocamente excludentes, o procedimento interventivo
62
Como o da receptação qualificada (art. 180, § 1º, do Código Penal): “Adquirir, receber, transportar,
conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma
utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber
ser produto de crime:” (grifo nosso)
104
poderia causar o arquivamento provisório – e eventualmente definitivo em um momento
posterior – de um procedimento investigatório ou punitivo penal63
.
4.2 Política Criminal
A adoção de um direito de intervenção teria reflexos positivos, em termos de política
criminal, no sentido de que seria legitimado como uma inovação garantista de direitos. Neste
caso, o garantismo estaria associado a dois pilares: descriminalização (I) e desencarceramento
(II).
(I) A descriminalização se coloca como referência de uma posição minimalista do
direito penal, do resgate de um princípio tradicional de política criminal de se ter no direito
penal a “ultima ratio” do poder coercivo monopolizado pelo Estado. Como visto
anteriormente, o crescente surgimento e valorização de bens jurídicos etéreos,
supraindividuais, típicos da sociedade moderna de risco, teve como conseqüência a expansão
do direito penal como tecnologia de proteção desses novos valores. Mas, conforme proposto
por Hassemer, preocupações com a efetividade e os custos envolvidos com o processo penal
fazem com que o direito processual atualmente em uso contra os delitos típicos da
supraindividualidade se paute mais pela oportunidade do que pela legalidade.
Esse processo penal “oportunista” visa adequar o extenso rol de tipos penais do direito
penal sobre-expandido às possibilidades materiais e políticas do aparelho persecutório e
punitivo, e, por essa razão, ele é visto como uma “válvula de escape” menos legítima, pelo
fato de ser menos genuína: do lado da política declarada, politics, – o direito penal – o
discurso é o da maximização e da expansão para tutela de novos bens jurídicos, enquanto que
do lado da política posta em prática, policy, – o direito processual – as atividades
persecutórias são guiadas por critérios realistas de eficiência e economia. O conflito entre os
dois discursos é característico, por exemplo, de investigações criminais que envolvem delitos
do colarinho branco: o direito penal exige, pelo princípio da obrigatoriedade e
63
Segundo a Convenção da ONU contra a Corrupção:
Artigo 47 – Enfraquecimento de ações penais: Os Estados Partes considerarão a possibilidade de enfraquecer
ações penais para o indiciamento por um delito qualificado de acordo com a presente Convenção quando se
estime que essa remissão redundará em benefício da devida administração da justiça, em particular nos casos nos
quais intervenham várias jurisdições, com vistas a concentrar as atuações do processo.
105
indisponibilidade, que todos os fatos suspeitos sejam minuciosamente investigados. Mas a
amplitude de partícipes, a dificuldade de precisar a conduta de cada um, e as limitações
inerentes de tempo e custo na produção de provas válidas perante um juízo penal fazem com
que a polícia e o ministério público selecionem quais condutas e investigados serão
processados. E o fazem discricionariamente, de forma não-controlada e segundo critérios
subjetivos – pautar-se pela obrigatoriedade estrita significa não-efetividade, traduzida em
absolvições por insuficiência de provas ou por prescrição.
Em um direito de intervenção anticorrupção, verdadeiramente pautado pelos princípios
da fragmentariedade e da proporcionalidade, ocasionar-se-iam menos motivos para um
processo penal oportunista. Por isso se propõe a descriminalização de uma série de condutas
atualmente previstas pelo direito penal material, objetivando-se uma redução da punibilidade
atualmente transbordante para um “direito penal nuclear”, nas palavras de Hassemer. Esse
“direito penal nuclear” corresponde ao direito e sistemas penais tradicionais, cuja resposta-
sanção modelo é o encarceramento de indivíduos.
Obviamente, tipos penais como corrupção ativa e passiva permaneceriam (juntamente
com os altos padrões de prova exigidos para a sua condenação). Mas, a título de ilustração,
alguns dos exemplos de tipos penais que poderiam deixar de existir na esteira de um processo
de política criminal de descriminalização encontram-se no Decreto-Lei 201/1967, que trata da
responsabilidade de prefeitos e vereadores. O art. 1º dessa norma enumera as condutas típicas
que configuram crimes de responsabilidade, em um total de 23 incisos. A responsabilidade
criminal dos agentes municipais é usualmente associada à prática de atos de corrupção.
Entretanto, a nosso ver, apenas dois dos incisos desse artigo contém, nos elementos dos
respectivos tipos penais, a descrição suficiente de um ato de corrupção. Tomando como
referência apenas para este raciocínio um conceito bastante elementar de corrupção – a
transformação ilícita de recursos públicos em benefícios privados – apenas os incisos I
(“apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio”) e II
(“utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços
públicos”) descrevem atos de corrupção. Os demais incisos, tais como o III (“desviar, ou
aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas”), IV (“empregar subvenções, auxílios,
empréstimos ou recursos de qualquer natureza, em desacordo com os planos ou programas a
que se destinam”), XIII (“nomear, admitir ou designar servidor, contra expressa disposição de
lei”) e XXIII (“realizar ou receber transferência voluntária em desacordo com limite ou
condição estabelecida em lei”) não descrevem propriamente atos de corrupção, porque lhes
106
falta o elemento típico de benefício privado, segundo o conceito simplório de corrupção que
usamos neste raciocínio.
Não se quer dizer que a aplicação indevida de recursos públicos, a contratação de
servidores de forma ilícita ou a transferência voluntária de recursos mal feita não sejam atos
antijurídicos, e que não devessem ensejar a responsabilização de prefeitos e vereadores. Os
quatro incisos que usamos como exemplo de não-tipos penais de corrupção descrevem
condutas que fazem parte da cadeia de riscos de um ato de corrupção, ou que indicam a
probabilidade de que a real motivação daquela conduta tenha sido corrupta. Na verdade, se
em cada um desses incisos houvesse o elemento subjetivo “em proveito próprio ou alheio”,
todos eles seriam atos de corrupção, mas é justamente a ausência desse elemento subjetivo
que serve para diferenciar a descrição de um ato de corrupção da mera falha ou má-gestão
administrativa. O próprio legislador, em certa medida, reconhece e segue essa distinção:
segundo o §1º do artigo em questão, os crimes dos incisos I e II são punidos com a pena de
reclusão, de dois a doze anos, e os demais, com a pena de detenção, de três meses a três anos.
Tomando por base as regras do art. 44 do Código Penal, que trata das penas restritivas de
direito, é estatisticamente improvável que um réu fique preso por uma pena desse porte,
especialmente um réu primário. Logo, na visão principiológica que expusemos, seria
politicamente mais legítimo e economicamente mais eficiente retirar essas condutas
tipificadoras de má-gestão do âmbito do direito penal. Sendo o bem jurídico relevante, mas
não ao ponto de merecer a proteção do direito penal, outros ramos do direito poderiam tutelá-
lo, como o administrativo. Havendo componentes de censura desejáveis, ou se as condutas
que se deseja prescrever se inserirem em um contexto de ameaça ou de agravamento de um
risco (as condutas dos incisos III, IV, XIII e XXIII influem para aumentar o risco de
corrupção, por exemplo), o direito de intervenção entraria em cena.
(II) A descriminalização de certas condutas, e a migração da sua tutela coercitiva do
direito penal tradicional para o direito de intervenção, importam, por conseguinte, em
desencarceramento, o segundo pilar valorativo do direito de intervenção enquanto política
pública. Naturalmente, a expansão do direito penal significa a expansão correspondente do
sistema penal e de uma de suas características menos desejáveis: privação em escala industrial
da liberdade de um contingente expressivo de seres humanos, sem a conseqüente
determinação política de se despender recursos públicos para garantir padrões mínimos de
salubridade aos encarcerados. Passados mais de 70 anos, Sobral Pinto ainda é tristemente
atual: violação a direitos humanos não é uma expressão precisamente adequada para
107
caracterizar o sistema prisional brasileiro – nem gado chega a ser confinado como seres
humanos o são em alguns presídios. Por outro lado, em um país com o nosso nível de déficit
social reconhece-se como não realista a esperança de que recursos públicos sejam desviados
de áreas politicamente atraentes (como infraestrutura produtiva, educação, previdência e
saúde) para o incremento da qualidade do sistema prisional. Que político retiraria verbas de
crianças, velhos e doentes e as gastaria com condenados64
? O direito de intervenção, com suas
características de descriminalização e desencarceramento, não é a solução completa para esse
problema – se é que existe uma – mas atua minorando-o, e evitando que a expansão do direito
penal sobre os bens jurídicos supraindividuais o agrave. Como afirma Silva-Sanchez, a
“segunda velocidade” do direito penal não pode basear sua requerida força comunicativa na
privação de liberdade (SILVA-SANCHEZ, 2002, p. 144). Em outra decorrência positiva, o
direito de intervenção anticorrupção seria menos estigmatizante do que o direito penal.
Outro fundamento do desencarceramento, segundo o postulado de um direito de
intervenção, é a finalidade da pena de restrição de liberdade. Especificamente para o caso da
corrupção (embora valha para outras espécies de criminalidade macroeconômica), não há
qualquer discurso legitimador da sanção penal de encarceramento, que envolva, por exemplo,
categorias como ressocialização, prevenção geral ou especial. Aquele que pratica um crime de
colarinho branco em regra não padece de nenhuma carência de socialização. Isso porque a
instrução e o aperfeiçoamento profissionais recebidos por esse indivíduo, juntamente com
seus contatos – também pessoas de nível econômico respeitável – foram justamente os fatores
sociais que ensejaram a oportunidade para a prática do referido crime. Também é difícil
conceber algum valor de prevenção geral nas sanções de privação de liberdade previstas para
a macrocriminalidade, pelo menos em um nível minimamente efetivo. A classe social a que
pertence, a possibilidade de contar com defesa técnica de qualidade superior, e o novo
entendimento do Supremo Tribunal Federal emitido no HC 84.07865
, tornam o típico agente
que pratica um crime de colarinho de certa forma intimorato das conseqüências penais de seus
atos. Em boa medida, a prevenção especial também é prejudicada, se entendida no âmbito do
direito penal tradicional: foco no encarceramento do agente, e recuperação de ativos oriundos
64
O termo “condenados” foi usado na frase de forma retórica. A realidade é pior, reservando o tratamento
brutal de nosso sistema prisional a milhares de indivíduos sem culpa penal formada contra eles. A população
carcerária, medida em junho de 2010, segundo o Departamento Penitenciário Nacional-Depen, é de 494.237
presos. Quadro disponível em:
http://portal.mj.gov.br/services/DocumentManagement/FileDownload.EZTSvc.asp?DocumentID={4DB22D35-
62BC-43B8-84C9-17D8FA374F23}&ServiceInstUID={4AB01622-7C49-420B-9F76-15A4137F1CCD} 65
HC 84078/MG, rel. Min. Eros Grau, 5.2.2009. Informativo nº 534: “Ofende o princípio da não-
culpabilidade a execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.”
108
do crime em segundo plano. Sendo a motivação e o objeto do delito de colarinho branco
majoritariamente econômicos, a mera privação de liberdade não impede o gozo futuro, ainda
que diferido, do produto do crime. Em níveis extremos, não são raras as notícias de
criminosos de colarinho branco que, mesmo da prisão, continuam a reger os agentes
remanescentes em liberdade de uma organização criminosa. Conclui-se, então, que para os
delitos dessa natureza, e especialmente para a corrupção, a função da pena apenas como
castigo e retribuição é a que se tem presente (LIVIANU, 2006, p. 106).
4.3 Conteúdo Sancionatório – Prevenção Normativa x Prevenção Técnica
Se a perspectiva é a descriminalização e o desencarceramento, como então se
manifestaria o conteúdo coercitivo, como seriam as sanções em um direito de intervenção
anticorrupção? Também é relevante indagar em que as sanções desse direito de intervenção
seriam diferentes das sanções aplicadas no direito administrativo. Em termos de política
criminal, a escolha da via penal ou da via administrativa não possui uma relação direta com a
importância do bem jurídico, tratando-se antes de uma escolha com base na conveniência
política de um dos dois caminhos, tendo em vista a alcançar os fins preventivos e retributivos
de um direito punitivo que cada vez mais se faz único. Trata-se, portanto, de um problema de
eficácia, e não de uma questão de diversidade axiológica. Da mesma forma que os interesses
supraindividuais estão, figurativamente, à meia distância entre os direitos públicos e os
direitos individuais, o direito de intervenção – que busca proteger justamente os bens jurídicos
supraindividuais – teria seu viés coercitivo à meia distância entre o processo penal e o
processo administrativo, entre as sanções penais e as sanções administrativas. Ao lado de
características gerais das formas sancionatórias adaptadas (I), o direito de intervenção se
caracterizaria por um valor bastante peculiar em termos de prevenção (II).
(I) Assim, de um lado figura o direito penal tradicional, com penas privativas de
liberdade, processo mais grave e caráter mais estigmatizante. A sanção do direito penal
destaca-se pela sua característica primordial de ser aflitiva, retributiva. Do outro, o direito
administrativo, com sanções simbólicas (os proveitos obtidos com a prática da atividade
regulada compensam o risco da multa eventual), processo mais expedito e um conteúdo quase
nulo de sanção moral. Atualmente, muitas vezes a pena imposta ao ilícito administrativo não
109
vai além de um caráter remuneratório da Administração, quase tributário. Como nesses casos
seu conteúdo destina-se como mantença extraorçamentária de determinada estrutura ou
aparelho do Estado, sua magnitude é prevista justamente com base no cálculo econômico de
que o administrado, em algumas ocasiões, preferirá pagar a multa a se comportar da forma
prevista no respectivo regulamento administrativo.
Dessa forma, o conteúdo sancionatório do direito de intervenção anticorrupção deve se
situar eqüidistante dos extremos desse espectro. Como tratado anteriormente, a sanção do
direito de intervenção não deve ser privativa de liberdade e tão estigmatizante quanto a do
direito penal. Seriam, então, penas restritivas ou extintivas de direitos, ou pecuniárias. Porém,
o direito penal continua tendo vantagens relevantes, não vinculadas necessariamente à dureza
fática da sanção, e que podem ser transpostas, em menor escala, para o direito de intervenção
anticorrupção. Silva-Sanchez indica um mecanismo público e próprio de persecução, algo que
atribua à sanção do direito de intervenção uma dimensão comunicativa superior, um
simbolismo gravoso de censura. Esse efeito pode ser reforçado pelo incremento da magnitude
e da gravidade das penas restritivas de direito e pecuniárias, de forma que essas sanções não
sejam, como as do direito administrativo tradicional, moralmente neutras. O mecanismo
procedimental e institucional de persecução adotado pelo direito de intervenção
provavelmente não será tão célere e autoexecutório quanto o do direito administrativo, devido
aos limites principiológicos enumerados no início deste capítulo. Mas, como estes princípios
encontram-se em uma dimensão restringida dos princípios penais clássicos, o processo do
direito de intervenção deve ser mais ágil e dinâmico do que o do direito penal. É de se
considerar que o aumento da gravidade das sanções restritivas de direito por um direito de
intervenção daria cumprimento ao Artigo 3, item 4 da Convenção da OCDE sobre o Combate
da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros, segundo o qual “cada Parte deverá
considerar a imposição de sanções civis ou administrativas adicionais à pessoa sobre a qual
recaiam sanções por corrupção de funcionário público estrangeiro”.
O valor da sanção do direito de intervenção não deve ser encontrado apenas na
retribuição, e tampouco na remuneração proporcionada pela pena. O valor do conteúdo
coercitivo, especialmente para o direito de intervenção anticorrupção, deve ser buscado na
prevenção de novos ilícitos e, sobretudo, na reparação dos danos causados. Esses valores são
destacadamente importantes quando se trata de atos de corrupção, ainda mais porque não são
devidamente atendidos com o paradigma atual de persecução penal, ainda que vigente um
110
direito penal expandido: os escândalos são estancados de forma reativa, e não preventiva, e o
patrimônio público desviado em regra não é recuperado.
(II) Das sanções que se cogita para o direito de intervenção anticorrupção, aquelas
como multa pecuniária, obrigação de reparar o dano causado ao patrimônio público, ou
bloqueio/seqüestro cautelar de patrimônio são nitidamente medidas voltadas ao valor
reparação. Porém, como afirmado acima, essas sanções, e mais as outras também, possuem
todas um forte componente de prevenção. A prevenção no direito de intervenção
anticorrupção é substancialmente diferente da prevenção do direito penal tradicional, que é,
na visão de Hassemer, uma prevenção meramente normativa. Essa prevenção é normativa
porque decorre apenas do valor retributivo de desestímulo contido na sanção: a única maneira
de incrementar o valor de prevenção de um tipo penal é ou aumentar a pena que lhe é imposta
ou dotar as instituições persecutórias de formas mais eficientes – e geralmente, mais invasivas
– de revelar e provar os elementos de fato que compõem o tipo penal66
; ou ainda, diminuir os
requisitos de robustez probatória para a condenação67
.
Segundo Hassemer, esse modelo de prevenção apenas normativa não é adequado com
os parâmetros de política criminal descritos acima, vez que o aumento dessa forma de
prevenção apenas significa aumento da quantidade de tipos penais, das penas (também de
encarceramento) e intensificação de medidas invasivas de investigação68
. Como alternativa à
prevenção normativa, Hassemer entende que outros ramos do direito, como o administrativo,
66
O direito das contra-ordenações português prevê uma série de restrições a novas “tecnologias probatórias”,
reputadas como mais invasivas. Com reservas a esse tipo de restrição a priori, que especifica formas probatórias
proscritas: creio que a invasividade da atividade probatória depende menos das formas e meios em abstrato, e
mais dos métodos, motivação, discrição e circunstâncias em concreto. De qualquer forma, o Decreto-Lei nº
433/82 estabelece que:
Artigo 42-1 – Não é permitida a prisão preventiva, a intromissão na correspondência ou nos meios de
telecomunicação nem a utilização de provas que impliquem a violação do segredo profissional.
Artigo 42-2 – As provas que colidam com a reserva da vida privada, bem como os exames corporais e a prova
de sangue, só serão admissíveis mediante o consentimento de quem de direito. 67
Segundo HASSEMER (2007, p. 148):
Até o momento, o combate da criminalidade organizada vem se dando por intermédio da
prevenção normativa - um tipo de prevenção que se realiza por meio de normas, mais
especificamente, por meio de limitação de direitos fundamentais: limites penais máximos e
mínimos são aumentados, as ameaças de penalização são ampliadas, implicando para os cidadãos
um desmonte das esferas de liberdade. 68
Segundo HASSEMER (2007, p. 97):
Seria atual, mas equivocado, retirar da periculosidade dos desenvolvimentos corruptíveis então a
conclusão de que esses deveriam ser combatidos com os meios mais severos que possuímos, ou
seja, com os meios penais: novas tipificações, aumento das penas, eliminação dos pressupostos da
punibilidade como eventualmente dos acordos ilegais, redução do requisito do dolo ou de sua
comprovação, agravamento dos instrumentos da investigação como o controle telefônico,
investigadores secretos, escutas e testemunhas principais. Isso é o esquema do estímulo-reação que
seguimos há anos.
111
o direito do serviço público, o direito tributário poderiam ser empregados para atingir o que
ele define como prevenção técnica (HASSEMER, 2007, p. 97). Especialmente quando se
trata de criminalidade organizada, entende tal autor que, para além do desmonte dos direitos
fundamentais do cidadão e da ampliação da autorização da intervenção estatal, típicos da
prevenção normativa, a prevenção técnica pode impor ao crime organizado obstáculos fáticos,
organizacionais ou econômicos (HASSEMER, 2007, p. 142), tais como medidas antilavagem
de dinheiro, delação premiada, impedimento das relações corruptivas na Administração por
meio de regras organizacionais e de capacidade e da ocupação e troca de informação
regulamentada sobre suspeitos em situação de corrupção.
Em nossa visão, o binômio da prevenção normativa versus prevenção técnica proposto
por Hassemer também se encaixa como modelo em um paradigma de entendimento da
corrupção enquanto fenômeno típico da atual sociedade de risco. Isso porque há uma extensa
literatura a respeito de “melhores práticas” para prevenir a ocorrência de atos de corrupção,
formada por compêndios, manuais e cases, editados por organismos internacionais, governos,
organizações da sociedade civil, e empresas que prestam serviços de compliance69
. Os
respectivos autores, nacionais e internacionais, são especialistas de diversas áreas, do direito à
administração pública, da ciência política à economia. Ao dissecar o fenômeno da corrupção,
tratando das suas causas próximas ou remotas, de macrofatores políticos ou de microfatores
psicológicos, das suas conseqüências econômicas ou jurídicas, o conjunto dessas obras é o
substrato intelectual que permite enxergar na corrupção um fenômeno típico da sociedade de
riscos. No âmbito da sociedade de risco é possível, portanto, prever com determinado grau de
certeza a ocorrência de corrupção, no sentido de identificar, em termos de probabilidades,
quais departamentos ou áreas dos setores público ou privado seriam mais propensos a sofrer
com a corrupção, em quais ocasiões e por quais motivos. Com essa capacidade de previsão
vem, completando o sentido da sociedade de risco segundo Giddens, o desejo,
institucionalizado juridicamente sob a forma de uma necessidade pública, de evitar, mitigar
ou controlar o fenômeno da corrupção enquanto risco70
. Dessa forma, a responsabilização no
direito de intervenção anticorrupção decorreria não apenas da ocorrência do ato de corrupção
em si, mas também da omissão de uma empresa em adotar programas internos de prevenção.
Da mesma maneira, verificada a ocorrência concreta de corrupção, a desconsideração quanto
69
Boa parte dessas obras é de acesso livre, e pode ser baixada do sítio da Biblioteca Virtual sobre Corrupção
da CG: <http://bvc.cgu.gov.br/community-list>. 70
Ou até mesmo assumi-lo: Micha Glenny demonstra em “Mafyia: as parteiras do capitalismo” como o
ambiente de anomia, corrupção e fomento econômico privado nas ex-repúblicas soviéticas pós-guerra fria foi
“Indispensável à transição do socialismo para o capitalismo” (GLENNY, 2008, pp. 69-95).
112
às obrigações relativas ao risco seria o fato gerador punitivo ou geraria um agravamento na
responsabilização.
É interessante registrar que as três convenções anticorrupção às quais o Brasil se
obrigou internacionalmente contêm dispositivos que, de forma subjacente, são informados por
princípios de gerenciamento de risco ao prever obrigações especificamente voltadas para
diminuir a probabilidade de ocorrência de casos de corrupção, obrigações estas que, se
internalizadas pelos Estados-partes, recairão em boa parte sobre o setor privado. Assim, a
Convenção da OCDE sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros
traz no seu Artigo 8, item 1, a obrigação de os Estados-partes criarem regulamentos
determinando que as empresas mantenham registros contábeis e declarações financeiras claras
e verdadeiras, de forma a dificultar a ocultação de atos de corrupção71
. O não cumprimento
dessa obrigação deve ensejar, segundo o item 2 do mesmo artigo “penas civis, administrativas
e criminais efetivas, proporcionais e dissuasivas pelas omissões e falsificações em livros e
registros contábeis, contas e declarações financeiras de tais companhias”. A Convenção
Interamericana contra a Corrupção em seu Artigo III, item 10 obriga os Estados-partes a
adotar, com o objetivo de impedir o suborno de agentes públicos nacionais e estrangeiros,
mecanismos para garantir que as empresas “mantenham registros que, com razoável nível de
detalhe, reflitam com exatidão a aquisição e alienação de ativos e mantenham controles
contábeis internos que permitam aos funcionários da empresa detectarem a ocorrência de atos
de corrupção.”
A Convenção da ONU contra a Corrupção vai na mesma linha, obrigando em seu
Artigo 12 os Estados-partes a adotar medidas para prevenir a corrupção melhorando as
normas contábeis e de auditoria no setor privado. E, em caso de descumprimento dessas
normas, os Estados-partes são orientados a “prever sanções civis, administrativas ou penais
eficazes, proporcionadas e dissuasivas em caso de não cumprimento dessas medidas”.
Algumas das medidas sugeridas pela Convenção envolvem a formulação de códigos de
conduta para funcionários do setor privado, e de promoção de boas práticas comerciais nas
relações contratuais com o Estado; medidas relativas à identificação das pessoas jurídicas e
71
Artigo 8 – Contabilidade:
1. Para o combate efetivo da corrupção de funcionários públicos estrangeiros, cada Parte deverá tomar todas
as medidas necessárias, no âmbito de suas leis e regulamentos sobre manutenção de livros e registros contábeis,
divulgação de declarações financeiras, e sistemas de contabilidade e auditoria, para proibir o estabelecimento de
contas de caixa "dois", a realização de operações de caixa "dois" ou operações inadequadamente explicitadas, o
registro de despesas inexistentes, o lançamento de obrigações com explicitação inadequada de seu objeto, bem
como o uso de documentos falsos por companhias sujeitas àquelas leis e regulamentos com o propósito de
corromper funcionários públicos estrangeiros ou ocultar tal corrupção.
113
físicas envolvidas no estabelecimento e na gestão de empresas, evitando a figura de sócios ou
controladores ocultos; a prevenção de conflitos de interesse mediante restrições por um
período à contratação de ex-funcionários públicos; controles contábeis internos para ajudar a
prevenir e detectar atos de corrupção; e procedimentos apropriados de auditoria e certificação
sobre as contas e estados financeiros das empresas.
É de se ressaltar que não apenas o setor privado pode ser sujeito de uma obrigação
dessa natureza: Hassemer cogita acerca da possibilidade de obrigar agentes públicos a
registrar e comunicar determinadas práticas ou fatos, obrigação esta valorada por uma sanção
(HASSEMER, 2007, p. 142). Destacamos três exemplos de obrigações de prestar
informações que recaem sobre agentes públicos cujo objetivo declarado é prevenir a
ocorrência de corrupção. O primeiro é a obrigação de todos os agentes públicos de declarar
seu patrimônio. Esse dever de informar existe para possibilitar o acompanhamento da
evolução patrimonial do agente público, e está previsto no art. 13 da Lei de Improbidade
Administrativa72
, e reforçado no Artigo 8, item 5, da Convenção da ONU contra a
Corrupção73
e no Artigo III, item 4 da Convenção Interamericana contra a Corrupção74
. Sendo
o enriquecimento sem causa um forte e reconhecido indício do beneficiamento ilícito do
servidor público, e, consequentemente, de corrupção, numa visão de obrigações jurídicas
construídas tendo em vista a noção de risco, o próprio enriquecimento ilícito pode ser punido
autonomamente, como reconhecem o Art. 9º, inciso VII da Lei de Improbidade
Administrativa75
, e o Artigo 20 da Convenção da ONU contra a Corrupção76
. O segundo
72
Art. 13 da Lei 8.429/92: A posse e o exercício de agente público ficam condicionados à apresentação de
declaração dos bens e valores que compõem o seu patrimônio privado, a fim de ser arquivada no serviço de
pessoal competente. 73
Artigo 8 – Códigos de conduta para funcionários públicos: 5. Cada Estado Parte procurará, quando proceder
e em conformidade com os princípios fundamentais de sua legislação interna, estabelecer medidas e sistemas
para exigir aos funcionários públicos que tenham declarações às autoridades competentes em relação, entre
outras coisas, com suas atividades externas e com empregos, inversões, ativos e presentes ou benefícios
importantes que possam das lugar a um conflito de interesses relativo a suas atribuições como funcionários
públicos. 74
Artigo III – Medidas preventivas: 4. Sistemas para a declaração das receitas, ativos e passivos por parte das
pessoas que desempenhem funções públicas em determinados cargos estabelecidos em lei e, quando for o caso,
para a divulgação dessas declarações. 75
Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo
de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas
entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente: VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de
mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à
evolução do patrimônio ou à renda do agente público; 76
Artigo 20 – Enriquecimento ilícito: Com sujeição a sua constituição e aos princípios fundamentais de seu
ordenamento jurídico, cada Estado Parte considerará a possibilidade de adotar as medidas legislativas e de outras
índoles que sejam necessárias para qualificar como delito, quando cometido intencionalmente, o enriquecimento
ilícito, ou seja, o incremento significativo do patrimônio de um funcionário público relativos aos seus ingressos
legítimos que não podem ser razoavelmente justificados por ele.
114
exemplo é a enumeração do conflito de interesses como ato de improbidade administrativa, no
Art. 9º, inciso VIII da respectiva lei77
. É possível conceber, em uma improvável hipótese, que
um agente “duplo”, público e privado ao mesmo tempo, divida sua atuação de forma a não
favorecer nem a Administração, nem seu empregador privado. Essa situação é impossível,
entretanto, em casos que envolvem a manutenção em sigilo de determinada informação mais
sensível ou estratégica. De qualquer forma, ainda que não haja evidências de dano para a
Administração ou de favorecimento ilícito por parte do agente público, o conflito de
interesses é punível não por qualquer resultado materialístico, mas tão somente por se
configurar em um risco reconhecidamente extremo de corrupção. Finalmente, temos também
a recente obrigação, trazida pelo Decreto 6.906/2009, que recai sobre os servidores de alguns
níveis hierárquicos do poder executivo da União, de declarar vínculos de parentesco com
outros servidores, como uma forma de coibir o nepotismo.
Esses exemplos ilustram que nessa mudança de paradigma de prevenção meramente
normativa para uma prevenção também técnica, o direito de intervenção anticorrupção
diferenciar-se-á do direito penal tradicional ao mudar a sua estrutura obrigacional. A
obrigação jurídica interventiva não será apenas a de não praticar um ato de corrupção, mas
também, e principalmente, seu arranjo obrigacional será o de adotar medidas ou práticas
reconhecidamente aceitas como relevantes para prevenir casos de corrupção futura ou revelar
casos passados ou presentes. Como visto anteriormente, a obrigação no direito penal é
baseada na estrutura dos tipos penais: descreve-se uma conduta que se entende proibida, e
prevê-se uma pena para a prática dessa conduta. O resultado da operação lógica desse
silogismo é uma obrigação negativa: o indivíduo é obrigado a se abster dessa conduta, mas se
praticá-la, receberá uma sanção. A forma de prevenção proporcionada pelo direito penal
tradicional é apenas normativa porque se limita a atuar no momento final do silogismo de
tipificação, na conclusão dessa operação lógica. Já o direito de intervenção anticorrupção não
prescindirá de tipos, mas utilizará largamente a técnica de descrever suas obrigações de forma
positiva, com sanções pela não atuação positivamente prescrita. Nesse modelo, a prevenção
existe como valor não só no momento da conclusão do silogismo de aplicação da sanção, mas
também no desenho das obrigações aptas a prevenirem/mitigarem esses riscos, e até mesmo
no conhecimento técnico-científico sobre os riscos que precedem o dano, conforme reconhece
o Artigo 61 da Convenção da ONU contra a Corrupção, sob o título “Recompilação,
77
VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física
ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das
atribuições do agente público, durante a atividade;
115
intercâmbio e análise de informações sobre a corrupção”78
e o Artigo III, item 12 da
Convenção Interamericana contra a Corrupção79
.
Segundo o exposto, elaboramos as figuras a seguir como forma de ilustrar a diferença
estrutural entre a obrigação penal e a interventiva. No direito penal tradicional (Ilustração 14)
destacamos a prevenção normativa, que opera eminentemente no momento de tipificação
(descrição elementar + atribuição de pena) de uma conduta. Dada a estrutura lógica da
obrigação penal, as formas de se incrementar a prevenção se resumem a penas mais longas e
menos possibilidades de liberdade durante a execução da pena, para aumentar o valor
negativo da sanção; e menos evidências exigidas para provar fato típico; e formas mais
invasivas de investigação para facilitar a demonstração judiciária da conduta ilícita. Tomamos
o tipo penal de corrupção ativa como exemplo, mas ele se aplicaria a qualquer um:
78
Artigo 61 – Recompilação, intercâmbio e análise de informações sobre a corrupção:
1. Cada Estado Parte considerará a possibilidade de analisar, em consulta com especialistas, as tendências da
corrupção em seu território, assim como as circunstâncias em que se cometem os delitos de corrupção.
2. Os Estados Partes considerarão a possibilidade de desenvolver e compartilhar, entre si e por ação de
organizações internacionais e regionais, estatísticas, experiência analítica acerca da corrupção e informações
com vistas a estabelecer, na medida do possível, definições, normas e metodologias comuns, assim como
informações sobre práticas aceitáveis para prevenir e combater a corrupção.
3. Cada Estado Parte considerará a possibilidade de velar por suas políticas e medidas em vigor encaminhadas
a combater a corrupção e de avaliar sua eficácia e eficiência. 79
Artigo III – Medidas preventivas: 12. O estudo de novas medidas de prevenção, que levem em conta a
relação entre uma remuneração eqüitativa e a probidade no serviço público.
ILUSTRAÇÃO 14
116
Já no direito de intervenção (Ilustração 15), a prevenção pretendida pelo
estabelecimento de uma obrigação jurídica característica poderia ser aumentada em três
níveis: (1) no nível que liga os riscos previstos aos danos efetivos, a prevenção é aumentada
pela evolução de estudos e pesquisas sobre causas, condições, conseqüências da corrupção, o
que leva a identificação de novos riscos (como determinado setor público que passa a ser mais
sensível, como o de esportes devido aos eventos mundiais de 2014 e 2016 que serão
realizados no Brasil); (2) no nível que liga os riscos à estipulação previsão jurídica de
condutas, a mitigação daqueles por esta pode ser positivamente influenciada pela adaptação
ou criação de novas obrigações preventivas, e pelo aumento dos incentivos ao controle social
e à responsabilidade ética corporativa; (3) e na ligação entre as condutas prescritas e as penas
previstas, a prevenção se beneficia devido a um maior leque de possibilidades sancionatórias
(tipos e magnitude de penas diversificados, ver subcapítulo 4.4) e na oportunidade de as
práticas persecutórias ocorrerem de forma planejadamente concentrada ou saturada sobre
determinados setores (o exemplo acima, dos esportes, é igualmente válido).
A Lei 9.613/1998, que dispõe sobre a lavagem de dinheiro, é um bom exemplo de um
sistema de manejo jurídico da prevenção técnica. Como a preocupação jurídica com a
lavagem tem como objetivo criar obstáculos à prática de outros crimes geradores de ativos, a
ILUSTRAÇÃO 15
117
tipificação da lavagem de dinheiro como crime é, em si, uma forma de prevenção técnica,
muito embora siga o modelo tradicional do direito penal de obrigação negativa, baseado no
paradigma do tipo. Todavia, estudos e experiências de outros países mostram que a punição
criminal da lavagem é insuficiente para desestimular o uso do sistema financeiro como
método de ocultação, desvio e legalização de patrimônio auferido ilicitamente. A
multiplicidade de técnicas e tipologias de lavagem, a natureza oculta, multiterritorial e
sigilosa das operações, e a grande atratividade financeira demandam que a prevenção ocorra
em toda a cadeia correspondente de riscos presumíveis.
Havendo consenso e demonstração de que a lavagem de dinheiro ocorre mediante uma
série de operações financeiras subseqüentes, estruturadas de forma a ocultar a origem dos
ilícitos, por meio de múltiplas transferências e remessas de capitais, quanto mais se tem
informação sobre os fluxos financeiros, menos probabilidade há de ocorrer uma operação de
lavagem despercebida. Assim, para além da obrigação penal que as empresas que atuam como
prestadores de serviços financeiros têm de “não lavar dinheiro”, existe uma série de
obrigações não-penais cujo objetivo é criar/incrementar a idoneidade e a transparência do
mercado contra o seu uso para fins ilícitos. Como exemplo dessas obrigações, os bancos, as
factorings, as corretoras de imóveis e de ações, as seguradoras, as administradoras de cartões
de crédito, as casas de câmbio, e os negociantes de jóias e de arte têm o dever de manter
cadastro dos seus clientes (KYC), manter registro de todas as operações realizadas e,
principalmente, comunicar aos respectivos órgãos/entidades reguladores as operações
consideradas suspeitas (SAR), assim definidas em normas dos próprios entes reguladores.
Assim, a prevenção do sistema da Lei 9.613 abarca não só a proteção contra o dano direto ao
bem jurídico protegido (obrigação penal), mas alcança também toda a cadeia de riscos
entendidos como pré-existentes a esse dano (obrigação administrativa).
Outro ponto distintivo das sanções do direito de intervenção anticorrupção seria a
possibilidade de se flexibilizar a pena aplicável para modalidades menos graves, como forma
de incrementar a detecção da ocorrência de corrupção, ou de incentivar a adoção de medidas
preventivas. Essa flexibilização parte da constatação de que uma dissuasão efetiva é
impossível, a menos que as autoridades competentes possam obter evidências relevantes da
corrupção. E sendo a corrupção um fenômeno por natureza oculto, o sucesso da detecção
depende de delatores que tenham conhecimento do esquema ilícito, usualmente por dele terem
participado, e até se beneficiado, em alguma medida. A possibilidade de conceder perdão ou
leniência, ou de diminuir a pena, de algum desses participantes elevaria as probabilidades de
118
exposição de casos de corrupção, vez que a probabilidade de detecção é uma função da
questão de saber se algum dos participantes tem um incentivo para informar às autoridades
competentes (ROSE-ACKERMAN, 2006, p. 53-56).
Lembrando que a responsabilidade da pessoa jurídica diferenciar-se-ia não só por
comportar sanções próprias, mas também por ser fundada em princípios de imputação
também distintos. Assim, em um direito de intervenção, a responsabilidade da pessoa jurídica
dar-se-ia em hipóteses de solidariedade e desconsideração entre esta e seu administrador,
devido a uma ampliação dos critérios de autoria: a pessoa jurídica que se beneficiou do ato,
ainda que não o tenha determinado, também responde por ele. A socialização do risco
encontra outra justificativa quando se apóia na responsabilidade sem culpa, quando puder
obrigar um ator a levar em consideração o custo social de sua atividade: trata-se de “forçar os
produtores de riscos a internalizar esses riscos” (VARELLA, 2006, p. 99).
Susan Rose-Ackerman também considera relevante para a dissuasão e prevenção da
corrupção, no âmbito do setor privado, a existência de regras que reconheçam como critério
atenuador ou abonador de responsabilidade o due dilligence, ou devido cuidado. Isto é, o fato
de determinada pessoa jurídica ter se pautado segundo as normas, regulamentos e critérios
estabelecedores de programas de compliance ou de vigilância anticorrupção seria levado
positivamente em conta, ainda que se comprove o envolvimento da companhia com um caso
de corrupção (ROSE-ACKERMAN, 2006, p. 57). Isso daria uma feição de que algumas das
obrigações do direito de intervenção anticorrupção seriam também de meio, e não
necessariamente apenas de resultado. A justificativa da autora é que no mundo dos negócios,
a maioria dos subornos são pagos por empregados de nível intermediário, e não por níveis
superiores da gestão. Se esses subornos dão retorno às empresas, os gestores ou proprietários
ficam na confortável posição de facilitar a corrupção praticada por seus subordinados,
permanecendo ignorantes dos detalhes do esquema. Se as pessoas jurídicas forem
automaticamente e diretamente responsabilizadas criminalmente pelos atos corruptos dos seus
empregados, independentemente do sopesamento de outros fatores, os níveis hierárquicos
superiores podem não apoiar um sistema interno de monitoramento ético eficaz. A alternativa
proposta pela autora à responsabilização criminal pura e simples da pessoa jurídica é a criação
de uma regra de negligência, segundo a qual as pessoas jurídicas seriam responsáveis apenas
no caso de terem negligenciado suas responsabilidades internas de prevenção anticorrupção.
Para tanto, seriam necessárias “quite precise directives stating what type of internal
monitoring is required”, ou seja, “regras bastante precisas indicando que tipo de controle
119
interno é necessário”. Essa regra de negligência proposta pela autora se adéqua com os
princípios da oportunidade/discricionariedade que caracterizariam um direito de intervenção.
Um exemplo desse modelo de “regra de negligência” pode ser encontrado no sistema
normativo do Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), dos EUA (ROSE-ACKERMAN, 2006,
p. 58). Essa norma, aplicável sobre as companhias que se submetem à jurisdição da Securities
Exchange Commission, complementa a proibição a subornos com obrigações contábeis
específicas. Tais empresas devem estabelecer sistemas de contabilidade que reflitam de forma
precisa operações que envolvam ativos da empresa, e elas devem ter um sistema eficaz de
controles contábeis internos. As empresas e os seus gestores podem ser simultaneamente
sujeitos a penalidades civis e criminais por violar estas disposições contábeis, e não há
nenhuma regra específica de due dilligence no FCPA. Porém, na prática, as empresas que
criam e aplicam sistemas de controle interno eficazes aparentam experimentar um tratamento
mais favorável, mesmo em casos revelados de corrupção. As Federal Sentencing Guidelines
também prevêem a atenuação da pena no caso de esforços internos para detectar e punir
violações da lei.
Mais recente, a lei chilena nº 20.39380
, que cria a responsabilidade penal da pessoa
jurídica por suborno, estabelece que a conduta típica só ocorre quando o crime é praticado
como conseqüência do não cumprimento dos deveres de direção e supervisão (art. 3º,
primeiro parágrafo81
), e a própria lei considera que esses deveres de direção e supervisão dão-
se por cumpridos (art. 3º, terceiro parágrafo82
) caso a pessoa jurídica tenha um programa de
compliance (descrito no art. 4º), o que torna a conduta da atípica e, portanto, desde logo
penalmente irrelevante. Na lei chilena, o programa de compliance também aparece como uma
das possíveis condições para concessão de suspensão condicional do processo (25, segundo
parágrafo, item 4). No Projeto de Lei nº 6826/2010, enviado à Câmara dos Deputados pelo
80
“Establece la responsabilidad penal de las personas jurídicas en los delitos de lavado de activos,
financiamiento del terrorismo y delitos de cohecho [soborno] que indica”, disponível em:
http://www.leychile.cl/Navegar?idNorma=1008668&idParte=&idVersion=2009-12-02 81
Artículo 3°.- Atribución de responsabilidad penal. Las personas jurídicas serán responsables de los
delitos señalados en el artículo 1° que fueren cometidos directa e inmediatamente en su interés o para su
provecho, por sus dueños, controladores, responsables, ejecutivos principales, representantes o quienes realicen
actividades de administración y supervisión, siempre que la comisión del delito fuere consecuencia del
incumplimiento, por parte de ésta, de los deberes de dirección y supervisión. 82
Se considerará que los deberes de dirección y supervisión se han cumplido cuando, con anterioridad a la
comisión del delito, la persona jurídica hubiere adoptado e implementado modelos de organización,
administración y supervisión para prevenir delitos como el cometido, conforme a lo dispuesto en el artículo
siguiente.
120
Executivo83
, o compliance anticorrupção é uma circunstância de dosimetria, assim como a
cooperação com a apuração e comunicação do fato anterior à instauração do processo84
.
4.4 Espécies de Sanções
Neste item enumeraremos as espécies de sanções que seriam compreendidas por um
direito de intervenção anticorrupção, tomando por base os fundamentos principiológicos,
políticos e teleológicos expostos até agora. Em termos de política punitiva, definimos que as
sanções do direito de intervenção não podem ser encarceradoras. Apresentamos os princípios
do direito penal tradicional que seriam encarados de forma diferente, em regra flexibilizados,
no direito de intervenção. E a função da sanção do direito de intervenção anticorrupção será
reparatória, retributiva e preventiva, mas não apenas normativamente preventiva, e sim
também tecnicamente preventiva, segundo o conceito espelhado em Hassemer e que
ilustramos nas Ilustrações 14 e 15.
Podemos classificar as sanções desse direito de intervenção conforme contra quem são
aplicadas. Assim, as sanções podem ser voltadas para o setor público ou para o setor privado,
e, dentre estas, ou para pessoas físicas ou jurídicas. Algumas sanções são aplicáveis em
qualquer entrada dessa matriz, especialmente aquelas do setor privado, ou seja tanto para
pessoas jurídicas quanto pessoas físicas. Iniciamos com a exposição das penas contra as
pessoas jurídicas do setor privado (I), seguindo com as penas possivelmente aplicáveis às
pessoas naturais sem vínculo com a Administração e a servidores públicos (II). Entretanto,
fazemos uma breve conclusão com a possibilidade do uso da técnica de “sanções positivas”
(III).
(I) A modernidade encara a corrupção como um risco: ela é um evento que possui
causas e efeitos demonstráveis, e cuja ocorrência futura pode ser precisada em termos
83
“Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a
Administração Pública nacional ou estrangeira”, a exposição interministerial de motivos foi conjuntamente
assinada pelos Ministros da Justiça e da Controladoria-Geral da União. 84
Art. 9º Levar-se-ão em consideração na aplicação das sanções:
VII - a cooperação na apuração das infrações, por meio de práticas como a comunicação do ato ilegal às
autoridades públicas competentes antes da instauração do processo e a celeridade na prestação de informações no
curso das investigações; e
VIII - a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia
de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica.
121
probabilísticos. Boa parte desse conhecimento é dirigido ao estudo do papel das pessoas
jurídicas, empresas e corporações na prática de atos de corrupção, e de quais medidas podem
ser tomadas para prevenir e sancionar de forma efetiva esse tipo de conduta corporativa.
Como a base da pessoa jurídica é a separação da vida jurídica desta da de seus membros,
ocasionando uma separação de patrimônio e de responsabilidade, essa característica ensejaria
o uso das pessoas jurídicas como instrumentos de crime. A perspectiva da corrupção como
risco supera essa visão da pessoa jurídica apenas como instrumento de um crime, e a recoloca
em uma posição de ambiente de prática de ilícito, e de responsável jurídico pelas suas
conseqüências. Assim, contra as pessoas jurídicas do setor privado poderiam ser aplicadas as
seguintes sanções, relacionadas em uma tentativa de estabelecer uma gradação ascendente do
respectivo grau aflitivo:
(1) Publicidade da decisão condenatória, feita à custa do responsável condenado:
apesar de aparentemente inócua, do ponto de vista da esfera jurídica patrimonial da pessoa
jurídica envolvida, a publicidade da decisão que afirma que esta é responsável por um caso de
corrupção pode ter graves conseqüências no ambiente de mercado e governança da empresa.
A decisão da autoridade competente que demonstra o ato de corrupção ocorrido no âmbito de
uma pessoa jurídica, ou a falta de cuidado ou compromisso desta em se adequar às normas de
compliance anticorrupção é mais do que uma mera advertência administrativa. Não se
pretende do direito de intervenção que este tenha o caráter desproporcionalmente
estigmatizante do direito penal, mas ainda assim há utilidade em que o ato ilícito do direito de
intervenção seja visto como algo contrário à moral. Ademais, para uma sociedade da
responsabilidade a sentença condenatória “torna-se mais importante que a pena, e comunica à
vítima, à sociedade e ao delinqüente a mensagem de que o ilícito não pode ser atribuído a
circunstâncias da situação, à natureza, ao destino ou ao azar, mas a um erro praticado por uma
pessoa de direito responsável” (GÜNTHER, 2009, p. 20).
Assim, um direito de intervenção anticorrupção trará intrínsecos nas suas decisões
uma dimensão comunicativa superior, um simbolismo gravoso de censura. A publicidade da
decisão condenatória traz para a pessoa jurídica uma série de conseqüências negativas: queda
no preço das ações, o que por si só deprecia o patrimônio dos acionistas, especialmente o dos
majoritários e controladores; pressão dos acionistas sobre a diretoria, cobrando
esclarecimentos ou exigindo corte de cabeças pela depreciação patrimonial, o que pode
redundar inclusive em troca do comando da pessoa jurídica; aumento no custo de obtenção de
crédito e outros financiamentos; dificuldade de obtenção de recursos com o lançamento de
122
papéis, outra decorrência da desvalorização das ações; dificuldades de relacionamento com
clientes e fornecedores; queda nas vendas, maximizada por movimentos de boicote
promovidos por entidades da sociedade civil organizada; e internalização de gastos com a
defesa e/ou consultorias externas para sanar o problema.
O objetivo desse simbolismo de censura é criar para as companhias do setor privado
um “risco reputacional”, ou seja, a atitude pelas empresas de enxergar no direito de
intervenção anticorrupção um sistema que acarreta um perigo provável ao desenvolvimento
de suas operações e ao seu incremento financeiro, mas que por outro lado esse mesmo sistema
contém as regras segundo as quais as empresas podem se prevenir desse risco, tais como o
estabelecimento de programas de compliance ético, a proteção ao denunciante de boa-fé e a
exposição antecipada de casos de corrupção interna. O objetivo é também que esse risco
reputacional passe a ser visto como um diferencial competitivo, isto é, fazer com que as
empresas que se importem mais com anticorrupção tenham mais chances de sucesso
corporativo do que as que não se importam. Em graus diferenciados, esse efeito de risco
reputacional vai permear todo o espectro de sanções do direito de intervenção anticorrupção, e
existe, como acabamos de demonstrar, mesmo quando desacompanhado de outras sanções
restritivas de direito ou pecuniárias. A lei 8.884/1994, que trata das infrações administrativas
contra a ordem econômica, contém sanção dessa espécie no seu art. 2485
. O Decreto-Lei
433/82, do direito das contra-ordenações português, possui regra semelhante86
.
(2) Proibição, por tempo determinado ou definitivamente, de contratar com a
Administração, sanção prevista como acessória no regime das contra-ordenações português87
,
e que já existe em algum grau em nosso ordenamento jurídico nos incisos do art. 12 da lei de
improbidade administrativa, a Lei 8.429/1992, no art. 24 inciso II da Lei 8.884, no art. 22,
inciso III da Lei 9.605/1998, que trata dos crimes ambientais, e no art. 87 da lei de licitações,
a Lei 8.666/199388
, neste caso sob a forma de suspensão ou inidoneidade. A sanção de
85
Art. 24. Sem prejuízo das penas cominadas no artigo anterior, quando assim o exigir a gravidade dos fatos
ou o interesse público geral, poderão ser impostas as seguintes penas, isolada ou cumulativamente: I - a
publicação, em meia página e às expensas do infrator, em jornal indicado na decisão, de extrato da decisão
condenatória, por dois dias seguidos, de uma a três semanas consecutivas; 86
Artigo 21-5 A lei poderá ainda determinar os casos em que deva dar-se publicidade à punição por contra-
ordenação. 87
Decreto-Lei nº 433/82, Artigo 21-3 A lei poderá também, simultaneamente com a coima, determinar, entre
outras, as seguintes sanções acessórias: b) Privação do direito a subsídio outorgado por entidades ou serviços
públicos; 88
Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa,
aplicar ao contratado as seguintes sanções:
123
inidoneidade para contratar pode ser aplicada nos casos de inexecução total ou parcial do
contrato, ou às pessoas físicas ou jurídicas que, no âmbito de contratação com a
Administração, tenham sofrido condenação por praticarem fraude no recolhimento de
tributos, praticado atos visando a frustrar os objetivos da licitação ou outros ilícitos que
demonstrem sua inidoneidade89
. O agente público que admitir à licitação ou celebrar contrato
com inidôneo, bem como a pessoa ou ente privado inidônea que participar de licitação ou
contratar praticam crime específico, previsto no art. 97 da Lei 8.666/199390
. Assemelha-se a
essa restrição do direito de licitar a proibição de receber subvenções, incentivos fiscais ou
empréstimos do Estado91
.
(3) Sanções pecuniárias: como a obrigação de reparar o dano causado ao patrimônio
público, por meio de ressarcimento ou perda de valores ilicitamente auferidos. Essa medida,
que não pode ser considerada propriamente retributiva, não é desprovida, todavia, de caráter
aflitivo. Comumente a essa obrigação que se realiza na forma pecuniária, outra sanção que é
semelhante na forma, mas possui conteúdo diverso é a sanção de multa, sendo a natureza
desta indiscutivelmente retributiva. O importante nas sanções pecuniárias, em um direito de
intervenção, é que sua magnitude produza um efeito realmente dissuasivo, criando um risco
regulatório para aqueles que exercem atividades de risco de ocorrência de corrupção92
. Isso
porque se determinada companhia calcular que o valor da sanção pecuniária que possa receber
por um ato de corrupção for inferior aos custos de implantação e manutenção de um programa
efetivo de compliance anticorrupção, a companhia simplesmente assumirá o risco da
ocorrência da corrupção e pagará a multa quando for o caso. Uma sanção pecuniária dessa
III - suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por
prazo não superior a 2 (dois) anos;
IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto
perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria
autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração
pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior. 89
Art. 88. As sanções previstas nos incisos III e IV do artigo anterior poderão também ser aplicadas às empresas
ou aos profissionais que, em razão dos contratos regidos por esta Lei:
I - tenham sofrido condenação definitiva por praticarem, por meios dolosos, fraude fiscal no recolhimento de
quaisquer tributos;
II - tenham praticado atos ilícitos visando a frustrar os objetivos da licitação;
III - demonstrem não possuir idoneidade para contratar com a Administração em virtude de atos ilícitos
praticados. 90
Art. 97. Admitir à licitação ou celebrar contrato com empresa ou profissional declarado inidôneo:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. Incide na mesma pena aquele que, declarado inidôneo, venha a licitar ou a contratar com a
Administração. 91
Uma relação com empresas sancionadas dessa forma na União e em alguns entes federativos pode ser
encontrada no site: http://www.portaldatransparencia.gov.br/ceis/ 92
Segundo o Decreto-Lei nº 433/82, Artigo 18-2 [...] a coima deverá, sempre que possível, exceder o
benefício econômico que o agente retirou da prática da contra-ordenação.
124
natureza seria apenas remuneratória da Administração e não dissuasória das práticas de
corrupção. Nesse sentido, a Convenção da OCDE sobre o Combate da Corrupção de
Funcionários Públicos Estrangeiros estabelece no seu Artigo 3, item 3 que “o suborno e o
produto da corrupção de um funcionário público estrangeiro, ou o valor dos bens
correspondentes a tal produto, estejam sujeitos a retenção e confisco ou que sanções
financeiras de efeito equivalente sejam aplicáveis.”
A obrigação de ressarcir e a pena de multa já existem em nosso ordenamento atual,
inclusive no âmbito do próprio direito penal, mas também sob o direito civil e no regime
especial da Lei de Improbidade Administrativa, que as estabelece nos incisos de seu artigo 12.
Dessa forma, a questão relevante quanto a essas espécies sancionatórias não é a possibilidade
de estas ocorrerem, mas sim o tempo, em cada caso, em que elas serão aplicadas. A
ultrafungibilidade do dinheiro, as facilidades proporcionadas pelo sistema financeiro ou por
outros tipos de mercado, como o imobiliário, ou ainda por relações de intimidade com
terceiros “laranjas” favorecem a probabilidade de ocultação patrimonial bem-sucedida,
probabilidade esta que aumenta em função do tempo decorrido para localizar os ativos
ilicitamente e também para, de alguma forma, assegurá-los.
Novamente, a Lei 8.429/1992 contém no seu art. 16 disposição que autoriza o
seqüestro cautelar dos bens do responsável que enriqueceu ilicitamente, inclusive de ativos
financeiros mantidos no exterior, segundo o §2º da norma93
, mas essa possibilidade se aplica
apenas aos casos de improbidade administrativa. O que se pretende é uma ferramenta
procedimental mais expedita do que as oferecidas pelo seqüestro e/ou confisco do processo
penal. Uma das formas que se cogita para tanto é através de uma forma procedimental mais
próxima do direito civil, mais focada sobre o patrimônio, na qual a prova da responsabilidade
criminal do agente se dê incidentalmente. Uma ação civil de extinção de domínio
possibilitaria o perdimento de bens antes ou até independentemente do trânsito em julgado da
sentença penal, para a qual se exige certeza sobre a responsabilidade criminal do agente. Essa
ação não exigiria o nível de certeza probatória do processo penal, nem responsabilização
definitiva pelo fato criminoso. A cognição judicial, na ação de extinção de domínio, ficaria
restrita à prova da origem ilícita dos bens, a ausência de justo título para sua aquisição e a
93
Art. 16. Havendo fundados indícios de responsabilidade, a comissão representará ao Ministério Público ou
à procuradoria do órgão para que requeira ao juízo competente a decretação do seqüestro dos bens do agente ou
terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público. § 1º O pedido de seqüestro
será processado de acordo com o disposto nos arts. 822 e 825 do Código de Processo Civil. § 2° Quando for o
caso, o pedido incluirá a investigação, o exame e o bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiras
mantidas pelo indiciado no exterior, nos termos da lei e dos tratados internacionais.
125
incompatibilidade entre o patrimônio adquirido e a renda. Em outras jurisdições,
especialmente nas de common law, ações dessa natureza também são chamadas de
jurisdiction in rem, vez que se assume que a litigância ocorreria na verdade contra o
patrimônio, e não contra a pessoa. Formalmente, o patrimônio é que figuraria no pólo
processual passivo da ação, mas obviamente admitir-se-ia ao titular, ou pretenso titular, ou ao
titular aparente, a possibilidade de defesa de seu título sobre esse patrimônio. Como afirma o
Artigo 31, item 8 da Convenção da ONU contra a Corrupção:
Artigo 31 – Embargo preventivo, apreensão e confisco:
8. Os Estados Partes poderão considerar a possibilidade de exigir de um
delinqüente que demonstre a origem lícita do alegado produto de delito ou
de outros bens expostos ao confisco, na medida em que ele seja conforme
com os princípios fundamentais de sua legislação interna e com a índole do
processo judicial ou outros processos.
9. As disposições do presente Artigo não se interpretarão em prejuízo do
direito de terceiros que atuem de boa-fé.
Algumas propostas de recuperação de ativos no âmbito de um direito de intervenção
se destacam ao permitir o bloqueio ou seqüestro administrativo de patrimônio, e até mesmo o
confisco definitivo por autoridades administrativas. Em outra ocasião trataremos
especificamente do aspecto dos operadores institucionais responsáveis pela aplicação do
direito de intervenção, e aprimoraremos os conceitos que permitirão concluir que a tomada de
medidas executórias por órgãos que não são tradicionalmente parte do Poder Judiciário pode
não ser considerada desprovida de legitimação. Por hora, basta que explicitemos que há
diversas formas de legitimar um bloqueio administrativo de urgência, de modo a
compatibilizar essa medida com a cláusula constitucional do devido processo legal. A
Convenção contra a Corrupção da ONU tacitamente admite essa possibilidade ao definir em
seu Artigo 2, “f” e “g”, que as formas de constrição patrimonial cautelar (“embargo
preventivo) e definitiva (confisco) ocorrerão após ordem de um tribunal “ou de outra
autoridade competente”94
. O Artigo 31, item 1, da mesma Convenção reforça a idéia de que
medidas de urgência de restrição patrimonial possam ser aplicadas por uma autoridade não
judiciária, ao estabelecer que: “Cada Estado Parte adotará, no maior grau permitido em seu
ordenamento jurídico interno, as medidas que sejam necessárias para autorizar o confisco”.
94
Artigo 2 – Definições:
f) Por "embargo preventivo" ou "apreensão" se entenderá a proibição temporária de transferir, converter ou
trasladar bens, ou de assumir a custódia ou o controle temporário de bens sobre a base de uma ordem de um
tribunal ou outra autoridade competente;
g) Por "confisco" se entenderá a privação em caráter definitivo de bens por ordem de um tribunal ou outra
autoridade competente;
126
Uma das formas que cogitamos seria uma espécie de “bloqueio em flagrante”. À
semelhança do procedimento de prisão em flagrante, a autoridade administrativa competente
para investigar casos de corrupção teria o poder de bloquear ou seqüestrar ativos, desde que
tivesse fundados indícios de que estes ativos tivessem decorrido de atividade ilícita cuja
titularidade fosse do responsável pelo ato de corrupção. Incontinenti, comunicaria o bloqueio
à autoridade judiciária competente que decidiria pela manutenção ou não do gravame. Esse
procedimento garantiria ao mesmo tempo a urgência necessária à efetividade da medida, mas
também a legitimidade proporcionada pelo controle de uma autoridade pertencente a uma
outra estrutura de poder, e imparcial vez que não “capturada” pelo envolvimento na
investigação. Usando o argumento de relevância dos bens jurídicos envolvidos, não há porque
não se admitir um procedimento dessa natureza que atinja mero patrimônio, quando o
ordenamento jurídico o admite recaindo sobre o corpo e a liberdade de seres humanos.
Portugal, que possui história constitucional paralela à nossa, admite no regime das
contra-ordenações do Decreto-Lei nº 433/82, cujo processo é tocado na via administrativa95
, a
apreensão de objetos sem decisão judicial96
, de forma cautelar ou definitiva97
. O controle
judicial da medida é, todavia, perfeitamente admitido98
.
(4) A publicidade da decisão condenatória, a proibição de se relacionar
contratualmente com a Administração ou as sanções pecuniárias, todas são medidas que
afligem a pessoa jurídica em sua dimensão externa. Atingem a esfera de direitos da pessoa
jurídica, sem, todavia, alcançar a sua estrutura. O problema é que há casos em que todo um
setor ou divisão de uma companhia está fortemente implicado em um ou mais casos de
corrupção, sem que o restante da empresa o esteja, entretanto. A gravidade do caso pode
recomendar a aplicação de sanções que signifiquem restrição de mercado e que atinjam a
empresa em sua estrutura. Daí as possíveis penas de suspensão de atividade para as pessoas
jurídicas que desenvolvem múltiplas atividades econômicas, mas apenas alguma delas está
comprometida pela prática de corrupção, ou, de forma semelhante, a interdição de
95
Artigo 33 – O processamento das contra-ordenações e a aplicação das coimas competem às autoridades
administrativas.
Artigo 54-1 – O processo iniciar-se-á oficiosamente, mediante participação das autoridades policiais ou
fiscalizadoras ou ainda mediante denúncia particular.
Artigo 54-2 – A autoridade administrativa procederá à sua investigação e instrução, finda a qual arquivará o
processo ou aplicará uma coima. 96
Artigo 83-1, Quando a autoridade administrativa decidir, no processo de aplicação da coima, apreender
qualquer objeto [...] 97
Artigo 21-1 [...] poderá decidir-se como sanção acessória de uma contra-ordenação a apreensão de objectos. 98
Artigo 59-1, a decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é susceptível de impugnação
judicial.
127
estabelecimento, quando o comprometimento ocorrer apenas em uma determinada filial, com
delimitação de alcance geográfico. O direito das contra-ordenações português possui previsão
específica a respeito99
, inclusive. Entretanto, essas medidas não são estranhas a nosso próprio
ordenamento, sendo admitidas nas Leis 9.605/1998100
e 8.884/1994101
.
(5) Ainda dentro das espécies de sanções que atingem a estrutura em si da pessoa
jurídica, podemos cogitar também de uma sanção de estabelecer ou reforçar medidas
preventivas. Como ilustrado anteriormente (Ilustração 15), a própria obrigação-modelo
interventiva comporta a obrigação, por parte da pessoa jurídica, de manter programas de
prevenção anticorrupção. Assim, a conclusão de um processo contra a empresa pode ser no
sentido de obrigá-la a com mais veemência a estabelecer um programa ou a reforçar um
programa já existente, mas considerado pouco efetivo. Essa sanção pode ser acessória, e
apareceria combinada com outras, como, dependendo do caso, a designação de um interventor
externo à companhia, mas que teria poderes e seria custeado por ela para adequar as
obrigações preventivas da empresa a padrões consensualmente mínimos.
(6) Finalmente, é possível conceber a hipótese de que uma pessoa jurídica tenha
sido criada ou esteja sendo usada exclusiva ou principalmente como instrumento de um
esquema de corrupção. Segundo determinada concepção, a pessoa jurídica é uma ficção
jurídica, cuja constituição se permite pelo Estado com o objetivo de melhor instrumentalizar
esforços humanos para exercer uma atividade econômica ou cultural. Quando a finalidade
intrínseca da pessoa jurídica é deliberadamente desvirtuada para a prática de ilícitos, quando
sua função principal é servir de ferramenta para a prática de corrupção, não se justifica a
manutenção do fundamento autorizador da sua criação ou manutenção. Nesse sentido, em
casos extremamente graves de corrupção, o direito de intervenção anticorrupção admitiria
como sua sanção mais extremada a extinção ou dissolução forçada da pessoa jurídica. A
“pena de morte” da pessoa jurídica, como também é conhecida essa espécie de sanção em
decorrência de seu resultado prático, seria uma medida extraordinária e certamente pouco
99
Decreto-Lei nº 433/82: Artigo 21-3 A lei poderá também, simultaneamente com a coima, determinar, entre
outras, as seguintes sanções acessórias: a) Interdição de exercer uma profissão ou actividade; c) Privação do
direito de participar em feiras ou mercados. 100
Art. 22. As penas restritivas de direitos da pessoa jurídica são: I - suspensão parcial ou total de atividades;
II - interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade; 101
Art. 24. Sem prejuízo das penas cominadas no artigo anterior, quando assim o exigir a gravidade dos fatos
ou o interesse público geral, poderão ser impostas as seguintes penas, isolada ou cumulativamente: V - a cisão de
sociedade, transferência de controle societário, venda de ativos, cessação parcial de atividade, ou qualquer outro
ato ou providência necessários para a eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica.
128
aplicada pelo direito de intervenção. Uma das razões para essa afirmação é que se acredita
que a maioria dos casos de corrupção não envolve os níveis mais altos de direção de uma
companhia, sendo os níveis intermediários ou gerenciais os principais responsáveis por
envolvimento em casos de suborno (ROSE-ACKERMAN, 2006, p. 57), devido a questões de
oportunidade (o nível gerencial detém a gestão de dispêndio de recursos e usualmente se
submete apenas a controles hierárquicos verticais) e motivo (pressões corporativas por
melhores resultados financeiros).
Embora extraordinária, sendo a sanção mais grave contra uma pessoa jurídica que se
afigura em um direito de intervenção, a extinção forçada não é estranha ao ordenamento
jurídico atual, e encontra-se presente em outros ramos do direito. Por exemplo, o direito civil
admite a extinção de pessoas jurídicas por motivos menos graves do que ser instrumento
contumaz da prática de atos de corrupção. Assim, segundo o Código Civil, extinguem-se as
fundações, quando seu objeto torna-se ilícito, impossível ou inútil102
, as sociedades que
dependam de autorização para funcionar e a vejam cassada pelo Poder Executivo103
, ou por
ocasião da declaração de falência104
.
(II) Contra as pessoas naturais, além das penas de proibição de contratar com a
Administração e das sanções pecuniárias em geral poderiam ser aplicadas as seguintes
sanções:
(1) Para as pessoas naturais do setor privado, proibição ou inabilitação para exercer
determinada atividade profissional, de compor conselho societário, ou de exercer cargo de
diretoria em pessoas jurídicas.
(2) Para as pessoas naturais do setor público, (a) remoção forçada para outra
atividade/setor e (b) demissão. Em ambos os casos, pode ser recomendado temperar a sanção
em questão com impedimento de retorno à posição anteriormente ocupada ou com
impedimento de assumir determinados cargos, como, por exemplo, cargos que envolvam
102
Código Civil, Art. 69. Tornando-se ilícita, impossível ou inútil a finalidade a que visa a fundação, ou
vencido o prazo de sua existência, o órgão do Ministério Público, ou qualquer interessado, lhe promoverá a
extinção, incorporando-se o seu patrimônio, salvo disposição em contrário no ato constitutivo, ou no estatuto,
em outra fundação, designada pelo juiz, que se proponha a fim igual ou semelhante. 103
Código Civil, Art. 1.125. Ao Poder Executivo é facultado, a qualquer tempo, cassar a autorização
concedida a sociedade nacional ou estrangeira que infringir disposição de ordem pública ou praticar atos
contrários aos fins declarados no seu estatuto.
CC, Art. 1.033. Dissolve-se a sociedade quando ocorrer:
V - a extinção, na forma da lei, de autorização para funcionar 104
Código Civil, Art. 1.044. A sociedade se dissolve de pleno direito por qualquer das causas enumeradas
no art. 1.033 e, se empresária, também pela declaração da falência.
129
dispêndio, ou controle de dispêndio de recursos, licitações, ou decisões com reflexos sensíveis
para o mercado.
Quanto às pessoas naturais, sejam elas do setor privado ou do setor público, o objeto
do direito de intervenção anticorrupção seria atingir não apenas aquelas diretamente e
comprovadamente implicadas em atos de corrupção (que responderiam penalmente, pela
prática dos tipos penais remanescentes), mas outras que, fazendo parte da cadeia de riscos,
não atuaram devidamente ou tecnicamente para prevenir ou reportar casos de suspeita de
corrupção, de acordo com as obrigações anticorrupção que estariam em vigor no ordenamento
jurídico.
Focando no caso de sanções contra o agente público, a Lei 8.112/1990, que trata sobre
o regime jurídico dos servidores civis da União e suas entidades, contém regras punitivas que
estabelecem infrações e ritos de processo administrativo disciplinar. Embora cada ente
federativo e cada poder tenha autonomia para disciplinar internamente a atividade disciplinar
de seus integrantes, em regra o modelo da Lei 8.112/1990 foi replicado nas normas de pessoal
respectivas. Entretanto, há quem entenda que esse modelo sancionatório atual estaria
ultrapassado, baseado em parâmetros da metade do século passado (GAZENMÜLLER, 2007,
p. 28). Isso porque esse modelo foca apenas na manutenção da regularidade do
funcionamento da Administração Pública e a outras questões internas, inexistindo ênfase no
enfrentamento à fraude e à corrupção. O procedimento do Processo Administrativo
Disciplinar – PAD é considerado muito frouxo, pouco regulamentado, e as condutas
infracionais típicas são muito abertas, o que faz com que as comissões processantes,
constituídas ocasionalmente e casuisticamente, não possuam uniformidade em sua atuação.
Observa-se que a função “corregedoria”, cujo foco de atuação específico é a investigação e
responsabilização administrativa disciplinar só alcançou afirmação na Administração Federal,
do ponto de vista organizacional, em 2005, quando o Decreto 5.480 instituiu o Sistema
Federal de Corregedorias.
É necessário, portanto, que no âmbito de um direito de intervenção anticorrupção a
Administração seja contemplada com poderes e mecanismos jurídicos para enfrentar
adequadamente com os agentes públicos implicados nos atos de corrupção. É importante
destacar que a feição da responsabilização disciplinar como uma das ferramentas jurídicas
anticorrupção alinha-se com a doutrina da Organização das Nações Unidas – ONU nessa área.
Assim, o UN Anti-Corruption Toolkit elege como Instrumento de nº 33 o enunciado
130
“servidores públicos delatores: proteção das pessoas que reportam corrupção” (ONU, 2004a,
p. 66). E um dos fundamentos desse Instrumento é o foco na:
[...] condenação de corruptos e facilitar diversas formas pelas quais isso
pode ser alcançado, como por exemplo, [...] perdimento de patrimônio
auferido sem explicação, instituição de penalidades à propriedade e outras
medidas de seqüestro de bens havidos ilegalmente, e permitir perdimentos de
propriedade civis ou administrativos ou procedimentos disciplinares como
uma alternativa à ação penal. 105
Tradução nossa
Da mesma forma, o United Nations Handbook on Practical Anti-Corruption Measures
for Prosecutors and Investigators afirma que:
A corrupção é dita “sistêmica” quando se tornou intrínseca a um sistema
administrativo, deixando de ser caracterizada por ações de indivíduos
desonestos isolados dentro do serviço público. Quando esses atos menores
de corrupção leve ocorrem, cogita-se ser preferível que estes sejam
sancionados de forma administrativa (rebaixamento, demissão), do que
invocar sobre eles todo o peso do processo penal. Tradução nossa (ONU,
2004b, p. 24) 106
Segundo a mesma obra, critérios de eficiência no levantamento probatório, no sentido
de custo-benefício e celeridade do procedimento, mais característicos do processo
administrativo do que do processo penal, justificariam, em alguns casos, a preferência do
combate à corrupção pela via administrativa:
O ônus da prova para a acusação no processo penal exige altos padrões de
qualidade probatória devido às conseqüências penais envolvidas. Em alguns
casos é possível que existam provas necessárias à condenação em sanções
mais brandas, mas insuficientes para lastrear um processo penal (sanções
administrativas geralmente não requerem provas além de uma dúvida
razoável, mas apenas de peso de probabilidade).
[...]
Na formulação de estratégias anticorrupção, persecução e punição penal
devem ser vistas apenas como uma de muitas opções. Devem ser
consideradas outras possibilidades, indo de medidas preventivas (como
educação e treinamento) a sanções administrativas ou disciplinares, que
conseguem afastar corruptos de forma mais rápida e menos onerosa
105
Do original:
TOOL #33 Whistleblowers: Protection of persons who report corruption:
“to convict corrupt individuals and sets out a number of ways in which this may be
achieved, such as (…) confiscation of inexplicable wealth, instituting a property penalty
and other measures to remove illegally earned goods, and allowing for civil or
administrative confiscation or disciplinary action as an alternative to criminal proceedings.” 106
Do original:
“Corruption is said to be „systemic‟ where it has become ingrained in an
administrative system. It is no longer characterised by actions of isolated rogue elements
within a public service. Where minor acts of petty corruption occur it is often thought best
to leave these to be dealt with by way of administrative sanction (demotion, dismissal etc.),
rather than invoke the whole weight of the criminal process.”
131
para a administração e para a sociedade como um todo. (ONU, 2004b, pp.
46-47) Tradução e grifo nossos 107
Nos casos de punições disciplinares no âmbito de um direito de intervenção, Hassemer
entende que as autoridades deveriam possuir um poder de sanção “limitado” (se comparado
ao direito penal), envolvendo poderes como os de determinar a reparação de danos,
pagamento de multa, dentre outros (HASSEMER, 2007, p. 57). Como não há, em um modelo
dessa natureza, o grau de certeza probatório típico da verdade real do direito penal, não existe,
também, a figura propriamente de um “condenado”. Assim, a sanção se volta, tecnicamente,
contra um inocente. Mas Hassemer entende ser possível buscar a legitimação desse tipo de
procedimento em outro campo. Essa legitimação pode advir, vez que a sanção atinge bens
jurídicos disponíveis, em uma ênfase sobre a autonomia dos envolvidos, podendo ser
instrumentalizadas mediante o consentimento destes. E para garantir a essência do Estado de
direito nesse processo e para não renunciar totalmente ao princípio da separação dos poderes,
Hassemer consente que esse procedimento pode ser submetido, a posteriori, à possibilidade
de controle, quanto a sua legalidade, por um juízo competente.
Um interessante exemplo prático de como um direito de intervenção anticorrupção
poderia trazer um modelo inovador para a questão disciplinar do agente público pode ser
emprestado do Grupo Multidisciplinar sobre Corrupção da União Européia. Esse organismo
entende, de acordo com seu Programa de Ação Anticorrupção, que quando procedimentos de
investigação interna revelam que a prática de um funcionário é contrária às suas funções, tal
como definido pela lei ou em códigos de conduta, sanções podem ser impostas a esse
funcionário pela própria Administração. Essas sanções são apuradas em procedimentos
especiais, que protegem em certa medida o direito do funcionário a uma defesa, mas não é
sempre que esses procedimentos oferecem tantas garantias processuais quanto um
procedimento judicial (p. 56).
107
Do original:
The burden of proof in criminal prosecutions demands relatively high standards
because of the penal consequences involved. In some cases, there may be sufficient
evidence to justify lesser corrective measures but not to support a criminal prosecution.
(Administrative sanctions do not usually require proof beyond reasonable doubt but only on
the balance of probabilities.)
[…]
In formulating anti-corruption strategies, criminal prosecution and punishment should
be seen as only one of a series of options. Consideration should always be given to other
possibilities, ranging from preventive measures (such as education and training) to
administrative or disciplinary sanctions that remove offenders more expeditiously and at a
lesser cost to the organisation and society as a whole.
132
Nesse sentido, ainda segundo o Programa de Ação Anticorrupção, normas e
regulamentos administrativos podem ser interpretados de forma mais ampla do que o direito
penal. Sendo o código de conduta dos funcionários um regulamento administrativo como
qualquer outro, sua aplicação prática comporta certo grau de discricionariedade por parte das
autoridades administrativas, o que não existe no direito penal. Em vários casos, não só em
relação a códigos de conduta do setor privado, mas também no que diz respeito à
administração pública, o código de conduta pode ser visto como parte do contrato de trabalho
e deve ser assinado pelo funcionário. Depois de o funcionário liberalmente submeter-se ao
código de conduta, qualquer violação aos padrões éticos nele estabelecidos configuraria
também uma violação de contrato, ensejando sanções como reprimendas e demissão.
Seguindo a linha do Programa de Ação Anticorrupção, o Comitê de Ministros da Europa
editou em 2000 a Recomendação n º. R (2000) 10 sobre códigos de conduta para servidores
públicos. Segundo o artigo 28 da referida Recomendação: “Artigo 28 º - Cumprimento do
presente Código e Sanções: [...] as disposições deste Código fazem parte das condições de
emprego do funcionário público. A violação destas pode resultar em ação disciplinar.108
”
A adoção de um modelo disciplinar dessa natureza para casos de corrupção, no âmbito
de um direito de intervenção anticorrupção, se coaduna com exigências do Artigo 8
Convenção contra a Corrupção da ONU. A Convenção obriga os Estados-partes , com o
objetivo de combater a corrupção, a promover a integridade, a honestidade e a
responsabilidade entre seus funcionários públicos (item 1). Uma das formas de fazê-lo é o
estabelecimento de “códigos ou normas de conduta para o correto, honroso e devido
cumprimento das funções públicas” (item 2). Nessa linha, o item 6 do Artigo 8 orienta os
Estados-partes a adotar “medidas disciplinares ou de outra índole contra todo funcionário
público que transgrida os códigos ou normas estabelecidos em conformidade com o presente
Artigo.” O Artigo III, itens 1 e 2 da Convenção Interamericana contra a Corrupção contém
disposições semelhantes109
.
(III) Da mesma forma, a prevenção focada na avaliação de riscos, uma das
características de um direito de intervenção anticorrupção, pode levar à conclusão de utilidade
e legitimidade do estabelecimento de sanções positivas para pessoas naturais, quer do setor
público, quer do privado, que denunciem de boa-fé atos de corrupção, de forma bem-
108
Article 28 - Observance of this Code and Sanctions: [...] the provisions of this Code form part of the terms
of employment of the public official. Breach of them may result in disciplinary action. 109
Artigo III - Medidas preventivas: 1. Normas de conduta para o desempenho correto, honrado e adequado
das funções públicas [...]. 2. Mecanismos para tornar efetivo o cumprimento dessas normas de conduta
133
sucedida, útil e relevante para o esclarecimento do caso e responsabilização dos envolvidos.
Por sanções positivas, entendam-se incentivos, que vão desde ao estabelecimento de
mecanismos de leniência ou perdão negociado para participantes de esquemas de corrupção,
de proteção a esse denunciante (tais como estabilidade no emprego, remoção para outro
local/setor) ou de premiação (promoção, elogio, destinação de parte da multa obtida do
responsável ou de bens apurados em extinção de domínio). Nesse sentido, o Artigo 8, item 4,
da Convenção contra a Corrupção da ONU orienta os Estados-partes a estabelecer “medidas
e sistemas para facilitar que os funcionários públicos denunciem todo ato de corrupção às
autoridades competentes quando tenham conhecimento deles no exercício de suas funções”. O
Artigo 33 da Convenção estende a orientação aos Estados de adotar medidas protetivas a
todos os denunciantes de boa-fé, independentemente da sua qualidade de funcionário
público110
. O Artigo III, item 8 da Convenção Interamericana contra a Corrupção contém
disposição semelhante.111
110
Artigo 33 - Proteção aos denunciantes: Cada Estado Parte considerará a possibilidade de incorporar em seu
ordenamento jurídico interno medidas apropriadas para proporcionar proteção contra todo trato injusto às
pessoas que denunciem ante as autoridades competentes, de boa-fé e com motivos razoáveis, quaisquer feitos
relacionados com os delitos qualificados de acordo com a presente Convenção. 111
Artigo III – Medidas preventivas: 8. Sistemas para proteger funcionários públicos e cidadãos particulares
que denunciarem de boa-fé atos de corrupção, inclusive a proteção de sua identidade, sem prejuízo da
Constituição do Estado e dos princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico interno.
134
Capítulo 5: Proposições Institucionais do Direito de Intervenção
Anticorrupção – Legitimidade e Competências de uma Agência
Anticorrupção Interventiva
Neste capítulo 5, expandiremos o modelo do Capítulo 4, e situaremos em qual
autoridade repousará o poder para aplicar as regras do direito de intervenção corrupção, e, se
for o caso, para estabelecer os regulamentos infralegais necessários à sua aplicação.
Utilizaremos o mesmo referencial teórico do Capítulo 4: sistematização de um modelo
jurídico a partir das regras secundárias de Hart, e conteúdo partindo dos modelos teóricos de
administrativização de Hassemer e Silva-Sanchez. Assim, iremos ao encontro de exemplos
jurídicos concretos nacionais ou internacionais (como as assim chamadas “agências
anticorrupção”) que dêem suporte à visão institucional do direito de intervenção como
tecnologia jurídica apropriada para se lidar com a corrupção enquanto fenômeno de risco.
Para fins conceituais, denominaremos neste trabalho os órgãos ou entidades com
competências temáticas próprias voltadas para a concepção ou operacionalização de medidas
anticorrupção de agências anticorrupção, ou ACAs (do acrônimo anti-corruption agency). O
termo agency ou agência é utilizado neste conceito de forma lata: ele não se refere
obrigatoriamente ao modelo estatal autárquico por nós importado dos Estados Unidos, mas
sim para designar genericamente órgãos ou entes públicos estabelecidos. Não é um termo
unívoco, como veremos, abrangendo genericamente instituições públicas exclusivas ou que
dividem seus poderes com outras nos países que as adotam, com competências muitas vezes
divergentes (preventivas ou persecutórias) de um país para outro, e aplicável a estruturas que
não se identificam elas próprias com ACAs. Não obstante, o termo possui força no meio dos
especialistas técnicos ou acadêmicos em anticorrupção e familiarizados com os campos das
diversas convenções internacionais e de outros atores que se preocupam com o tema (OCDE,
Banco Mundial, Transparência Internacional, FCPA compliancers, dentre outros). Por esses
motivos, manteremos o uso do termo neste trabalho, mesmo quando propusermos
necessidades de adequações do conceito de ACA ao direito de intervenção anticorrupção.
Cumpre fazer, todavia, uma ressalva. A quantidade e a densidade dos argumentos
neste capítulo penderá inevitavelmente para o aspecto institucional, por uma série de razões:
primeiro, e mais obviamente, é a proposta-base do capítulo, tematicamente enunciada em seu
título. Segundo, e de forma mais sutil, o próprio Hart considera as regras secundárias como
intrinsecamente institucionalizantes, no sentido de criação de corpos que possuem autoridade:
135
não só a aplicação das sanções vem de um determinado organismo, mas o reconhecimento das
regras primárias pode vir de uma autoridade, assim como a alteração das regras depende tanto
de um procedimento, quanto de alguém que as modifique. As regras primárias devem ser
acompanhadas por uma descrição da relação relevante dos funcionários do sistema com as
regras secundárias que lhe dizem respeito, enquanto funcionários (HART, 2007, p. 125-126).
Em outro trecho, chega ele a ser positivamente expresso:
A história do direito, todavia, sugere insistentemente que a falta de
instâncias oficiais para determinar com autoridade o fato da violação
das regras constitui um defeito muito mais grave, porque muitas
sociedades remediaram este defeito muito antes dos outros dois
(HART, 2007, p. 103).
Dessa forma, neste quinto e último capítulo desta dissertação apresentaremos os
diversos conceitos e competências de Agências Anticorrupção encontradas comparativamente
(5.1), ao que, em seguida, detalharemos o modelo que acreditamos ser adequado à idéia de
direito de intervenção anticorrupção (5.2). Na seqüência, defendemos esse modelo,
demonstrando sua legitimidade (5.3).
5.1 Conceito e Competências de Agências Anticorrupção
Seguindo o modelo de Hart de concepção de um sistema jurídico, neste item 5.1 nos
dedicaremos ao terceiro complemento secundário das regras de obrigação primárias, aquele
que se refere especificamente a qual ou quais autoridades compete a verificação concreta se
essas obrigações foram cumpridas, e, em caso negativo, às quais também compete a aplicação
das respectivas sanções. Essa abordagem remete-nos, já que estamos no âmbito das políticas
anticorrupção, a um conjunto de entes bastante conhecido e debatido, e que representam na
atualidade o estado-da-arte do design institucional anticorrupção: as agências anticorrupção,
que possuem como correspondente e sinônimo no jargão inglês anti-corruption agencies,
anti-corruption authorities ou ainda anti-corruption comissions. No decorrer do trabalho,
utilizaremos o acrônimo ACA para representá-las.
Há pouco consenso sobre as ACAs: dúvidas sobre a sua efetividade; questionamentos
quanto ao seu custo-benefício; divergências, na prática, entre os modelos e poderes das ACAs
dos países que a possuem. Em alguns círculos, o vedetismo inicial sobre as ACAs foi
136
substituído por uma postura de resistência, que as considera apenas como mais um item do
pacote anticorrupção imposto aos países em desenvolvimento por alguns organismos
internacionais. Há uma extensa literatura instrumental sobre ACAs, usualmente positiva ou
vaga demais para causar algum dano ao conceito, e algumas abordagens acadêmicas, a
maioria críticas112
e focadas na descrição dos modelos já implantados e na discussão de sua
efetividade113
.
Neste capítulo, propomos uma abordagem diferente. A proposta aqui é problematizar
os modelos de ACAs não quanto a sua efetividade (algo extremamente complicado de se
medir, tendo em vista a dificuldade até agora não solucionada de se mensurar a corrupção),
organização (se uma autoridade apenas, ou mais de uma), independência (a quem é vinculada,
e qual a forma de financiamento) ou tamanho (alguns preferem o modelo de Hong Kong, com
milhares de agentes, outros o de Cingapura, com menos de cem). O foco deste capítulo se
limitará aos poderes e competências que uma ACA possui nos seus diferentes modelos, e
quais desses poderes tradicionalmente encontrados são compatíveis com a concepção de um
direito de intervenção anticorrupção proposta neste trabalho. Obviamente, a tarefa de
adaptação institucional de uma ACA ao modelo do direito de intervenção envolve a
conjectura sobre outras competências adequadas, mas que não são encontradas nos modelos
de ACA da atualidade. Dessa forma, neste subcapítulo trataremos das origens e antecedentes
legais das ACAs (I) como introdução à classificação destas conforme suas atribuições (II).
(I) As discussões e propostas sobre reformas institucionais das estruturas do Estado
como item da agenda anticorrupção global tem sua origem no conceito de national integrity
system, ou Sistema Nacional de Integridade (NIS – ver subcapítulo 1.4), promovido pela
Transparência Internacional e pelo Banco Mundial. Um “sistema de integridade” tem como
112
Cf. SOUSA, 2008, p. 44:
As agências anticorrupção são o elemento inovador do pacote “uniformizado” de medidas
recomendadas pela comunidade internacional a países em transição para a democracia e uma
economia de mercado, onde a corrupção se faz sentir de modo mais permanente e endêmico. Não
são a panacéia do combate à corrupção, nem as únicas responsáveis pelo seu sucesso ou insucesso.
[...] Não obstante haja uma tendência para isomorfismo e mimetismo institucional provocado pela
universalização da doutrina e os condicionalismos impostos por instituições financeiras mundiais,
doadores e processos de integração regional (Critérios de Copenhaguen, UE), as agências
obedecem a culturas organizacionais e padrões de desenvolvimento institucional diferentes de país
para país.
Cf. HEILBRUNN, 2004, p. 2 e 15:
[…] anti-corruption commissions fail to reduce public sector venality in all but a few special
circumstances […] some evidence suggests that the size of a country, either geographically or in
terms of its population may explain the effectiveness of anti-corruption efforts. Hong Kong and
Singapore each have substantial populations living in a small geographic area. An argument that
the geographic size of the country determines capacity to control venality has some credence. 113
Ver: MEAGHER, 2005.
137
objetivo a viabilização de um ambiente propício para que os setores público e privados
favoreçam o desenvolvimento sustentável, partindo de uma abordagem que se auto-qualifica
como holística. Ainda que as ACAs paradigma tenham surgido, como veremos mais adiante,
antes da Convenção da ONU contra a Corrupção, e antes da intensificação da
problematização do tema corrupção na comunidade internacional, quando se inicia a
internacionalização do regime da anticorrupção o conceito de agências especializadas para o
combate à corrupção é absorvido pelo discurso de fortalecimento institucional, próprio da
idéia de sistema de integridade, e as ACAs são elevadas a um patamar de supervisão e
coordenação do NIS. De qualquer forma, para além do conceito de NIS, é rudimentar que um
elemento crucial de uma estratégia anticorrupção bem planejada comece pela definição dos
modelos institucionais para se lidar com corrupção e sobre as políticas e os esforços de
desenvolvimento que permitirão que essas instituições cumpram de forma eficaz o seu papel.
Em um conceito bastante amplo, uma ACA é “um órgão público, de natureza durável,
com uma missão específica de combate à corrupção e de redução das estruturas de
oportunidade propícias para a sua ocorrência através de estratégias de prevenção e repressão”
(SOUSA, 2008, p. 23). O dilema pelo qual vários países passam é ou criar uma instituição
separada, uma ACA, para tratar exclusivamente da corrupção, ou modificar/adaptar
instituições existentes – e esse dilema é agravado pela miríade de possíveis combinações
intermediárias entre ambos os modelos extremos. Os países que estudam a criação de uma
ACA como instituição separada e independente, ou que já optaram por ela, inspiram-se nos
poucos exemplos bem-sucedidos desse modelo, notadamente (PNUD, 2005, p. 05):
Independent Commission Against Corruption (ICAC – Hong Kong, estabelecida em 1974),
Corrupt Practices Investigations Bureau (CPIB – Cingapura, instalada em 1952 ainda pelo
governo colonial Britânico), Directorate for Economic Crime and Corruption (DCEC –
Botswana, inspirada em 1994 no modelo de Hong Kong) e Independent Commission Against
Corruption (ICAC – crida no estado australiano de Nova Gales do Sul, em 1988).
Essas experiências positivas também informaram a elaboração dos artigos 6 e 36 da
Convenção da ONU contra a Corrupção, adotada pela Assembléia-Geral em 2003. Segundo o
Artigo 6, sob o título “órgão ou órgãos de prevenção à corrupção”, cada Estado-parte da
Convenção garantirá a existência de um ou mais órgãos, encarregados de prevenir a corrupção
com o aumento e a difusão dos conhecimentos em matéria de prevenção da corrupção, e com
138
a aplicação/supervisão/coordenação das medidas de prevenção apresentadas no Artigo 5114
.
Ao mesmo tempo, o Artigo 6 determina que os Estados-partes, além de prover “os recursos
materiais e o pessoal especializado que sejam necessários” para esses órgãos, também deverão
outorgar ao órgão ou aos órgãos “a independência necessária, de conformidade com os
princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico, para que possam desempenhar suas
funções de maneira eficaz e sem nenhuma influência indevida.” A mesma disposição de
independência condicionada à adequação com o ordenamento jurídico do Estado-parte
também opera no Artigo 36, que trata de “autoridades especializadas”, também chamadas
pelo Guia Técnico da Convenção da ONU (UNODC, 2009, p. 113) de anti-corruption units
(ACU). Segundo o Artigo 36, os Estados-partes deverão dispor de um ou mais órgãos ou
pessoas especializadas na luta contra a corrupção mediante a aplicação coercitiva da lei, não
apenas com independência, como já vimos, mas também com “pessoal com formação
adequada e recursos suficientes para o desempenho de suas funções”. Ambos os artigos são
disposições mandatórias da Convenção da ONU, e apesar de o Artigo 6 ser dedicado à
prevenção e o 36 à repressão, ambos são comumente estudados em conjunto como expressão
da disposição internacional à promoção de reformas internas na estrutura dos Estados, no
âmbito das políticas anticorrupção.
(II) Os textos da ONU afirmam não existir um modelo universalmente aceito, e a
Convenção não prescreve se a responsabilidade institucional dos artigos em comento deve
recair em um ou mais de um órgão, em um órgão a ser criado ou em um já existente115
. Por
114
Artigo 5 – Políticas e práticas de prevenção da corrupção: 1. Cada Estado Parte, de conformidade com os
princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico, formulará e aplicará ou manterá em vigor políticas
coordenadas e eficazes contra a corrupção que promovam a participação da sociedade e reflitam os princípios do
Estado de Direito, a devida gestão dos assuntos e bens públicos, a integridade, a transparência e a obrigação de
render contas. 2. Cada Estado Parte procurará estabelecer e fomentar práticas eficazes encaminhadas a prevenir a
corrupção. 3. Cada Estado Parte procurará avaliar periodicamente os instrumentos jurídicos e as medidas
administrativas pertinentes a fim de determinar se são adequadas para combater a corrupção. 4. Os Estados
Partes, segundo procede e de conformidade com os princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico,
colaborarão entre si e com as organizações internacionais e regionais pertinentes na promoção e formulação das
medidas mencionadas no presente Artigo. Essa colaboração poderá compreender a participação em programas e
projetos internacionais destinados a prevenir a corrupção. 115
Cf. UNODC, 2009, p. 08, tradução nossa:
Pontos a favor de organismos novos:
• A sua criação, representaria um novo começo e uma demonstração de um novo compromisso;
• Organismos já existentes, podem ter perdido a credibilidade e a inércia das suas práticas atuais
pode ser difícil de mudar;
• Organismos existentes podem ter funcionários que não possuem as habilidades necessárias para o
novo mandato;
• Um novo corpo pode ser dotado de novas competências adequadas às circunstâncias atuais.
Pontos a favor de organismos existentes:
• Eles já têm instalações, pessoal treinado, poderes legais, procedimentos internos, os quais teriam
que ser criados a partir do início de uma novo corpo, assim, arriscando a perda de dinamismo.
139
outro lado, o Guia Técnico da Convenção da ONU elenca quais seriam as funções típicas
desses órgãos. Para aqueles ligados à prevenção, as competências e garantias desejáveis são
(UNODC, 2009, p. 09 e 10):
• Autoridade legal para desenvolver políticas e práticas preventivas
definidas na Convenção;
• Publicar manuais de orientação e desenvolver códigos de conduta;
• Fazer recomendações para a futura legislação e ser consultado antes
que qualquer legislação anti-corrupção seja introduzida;
• Exigir que as instituições do setor público elaborem planos de ação
anticorrupção específicos e orientar/rever a implementação destes;
• Avaliar e inspecionar instituições;
• Receber e analisar reclamações do público, relatórios de
investigação, de auditoria, parlamentares e de outros órgãos
responsáveis pela investigação anticorrupção;
• Engajar-se em pesquisas sobre legislação e procedimentos
administrativos;
• Realizar pesquisas de opinião pública, e desenvolver outras fontes de
informação;
• Obter evidências e realizar audiências públicas tendo em vista
revisões periódicas dos progressos da estratégia anticorrupção.
• Celebrar acordos para facilitar a colaboração com outras agências e
com as organizações internacionais e regionais na promoção e
desenvolvimento de medidas anticorrupção, e participar em programas
e projetos internacionais que visam a prevenção da corrupção.
• Trabalhar com instituições do setor público para garantir que as
informações sobre as medidas anticorrupção sejam disseminadas aos
serviços adequados e ao público, bem como ONGs e instituições de
ensino, e promover o trabalho preventivo e de integração de
sensibilização anticorrupção nas escolas e nos currículos acadêmicos.
• Publicar seus relatórios.
• Considerar a produção de manuais de orientação para serem
distribuídos o mais amplamente possível.
• Poderes de intimação para a obtenção de documentação, informação,
testemunhos ou outras provas;
• Trocar informações com organismos competentes, em nível nacional
e internacional, envolvidos no combate à corrupção, incluindo
autoridades policiais, quando necessário;
• Independência adequada para desempenhar as suas funções; e
• Garantias que seus funcionários sejam protegidos da jurisdição civil,
quando cumprirem seus deveres de boa-fé. (Tradução nossa)
• Organismos existentes podem ter um elevado grau de credibilidade e só precisam de uma
alteração nas suas competências para melhorar sua eficácia.
• A criação de um novo corpo coloca um dilema quanto à possibilidade de manter ou abolir os
organismos existentes – a manutenção cria tensões e potencialidades de conflito, e a abolição seria
inevitavelmente resistida por aqueles que têm interesses investidos no órgão anterior.
140
Já quanto aos órgãos especializados de atribuições repressivas, a experiência
internacional demonstra que a maior motivação para sua criação são dúvidas quanto à
probidade e eficiência de instituições já existentes. As atribuições ideais consoante a ONU são
todas aquelas relativas a poderes de inteligência financeira e criminal, investigações e
persecuções penais e recuperação de ativos (UNODC, 2009, p. 115). Acessoriamente, esses
órgãos deveriam ter o poder de iniciativa de começar investigações, e de selecionar de forma
discricionária em quais casos atuar (ainda que justificadamente), tendo em vista critérios de
probabilidade de sucesso. Isso significaria atuar também em casos criminais correlatos de
lavagem de dinheiro e de fraude, e no acompanhamento e repressão ao enriquecimento ilícito
de agentes públicos (PNUD, 2005, p. 07).
A partir do paradigma das ACAs mais antigas e mais bem-sucedidas, do modelo da
Convenção da ONU e dos exemplos de autoridades anticorrupção especializadas que brotam
mundo afora – e, quiçá, também no Brasil (CGU, 2008, p.04)116
– especialistas ligados à
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) desenvolveram uma
classificação de ACAs que leva em conta o arranjo de certos poderes típicos em um mesmo
órgão (KLEMENČIČ e STUSEK, 2006; DIONISIE e CHECCHI, 2007). Assim, para os
efeitos dessa classificação, são identificadas as seguintes categorias de atividades que podem
ser associadas a uma ACA: prevenção; law enforcement (persecução e investigação penais);
educação e sensibilização; e uma função de supervisão e/ou coordenação geral das atividades
de outros órgãos. Levando em conta quais dessas atividades determinado órgão possui, esta
classificação propõe a existência de três tipos de ACAs: law enforcement (1), prevenção (2), e
multi-task (3).
(1) O primeiro modelo de órgão especializado contra a corrupção é o de law
enforcement ou persecutório. Organismos dessa natureza usualmente têm competência de
acusação penal em matérias específicas estabelecidas por lei, tais como sobre determinados
tipos de corrupção, principalmente suborno de agentes públicos e fraudes em licitações
(competência relativa à corrupção político-eleitoral é menos freqüente), e também sobre
delitos tematicamente correlatos, como lavagem de dinheiro e algumas modalidades de fraude
ou corrupção corporativas. Alternativamente ou, o que é mais comum, cumulativamente, as
ACAs do modelo de law enforcement também têm competências e estruturas de investigação.
116
Conforme consta do Relatório de Avaliação do Plano Plurianual, a Controladoria-Geral da União, que
possui uma Secretaria de Prevenção da Corrupção e Informações Estratégicas, afirma que “tem se firmado
também como uma típica agência anti-corrupção, que privilegia a elaboração de estratégias e políticas de
prevenção e combate a esse mal”.
141
Algumas dessas agências também têm importantes funções preventivas e são convidadas a
apoiar o desenvolvimento de estratégias anticorrupção e da legislação, bem como a realizar
pesquisas sobre corrupção. Esse modelo corresponde, em boa medida, ao art. 36 da
Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, e o UNODC o denomina particularmente
de ACU (anti-corruption unit).
(2) O segundo modelo de ACA é constituído por órgãos dedicados à prevenção e à
coordenação do desenvolvimento e execução de políticas públicas anticorrupção. Na realidade
falar de um modelo nessa área pode ser enganador, pois muitos tipos de organismos com
diferentes estruturas e níveis de independência lidam com a prevenção da corrupção. Algumas
dessas agências são simples comissões (anti-corruption comissions) formadas por
funcionários de alto nível produzindo pareceres para o executivo, outras são compostas
principalmente por especialistas ou técnicos que assessoram o gabinete ou o presidente e,
finalmente, existem agências estabelecidas com estrutura, pessoal e orçamento próprios. As
formas mais comuns de ações concretas anticorrupção encontradas nesse modelo abrangem
políticas de educação e sensibilização, de pesquisa quasi-acadêmica sobre a corrupção, e
centralização/disseminação de e para outros órgãos sociedade civil de informações de
interesse de suas atividades. Dentro desse segundo modelo, podem-se distinguir dois subtipos
de ACAs preventivas: (a) aquelas cujo trabalho se concentra na definição de objetivos
estratégicos, prioridades e medidas anticorrupção e à coordenação/supervisão da ação
governamental contra a corrupção; e (b) aqueles que, além das funções gerais de prevenção da
corrupção, também são responsáveis por algumas atividades operacionais, geralmente
relacionados com o controle da correta aplicação dos regulamentos do serviço público, e,
eventualmente, de recursos orçamentários. Assim como o modelo de ACA de law
enforcement está para o Artigo 36 da Convenção da ONU, este modelo de ACA preventiva
corresponde ao Artigo 6 da norma mencionada.
(3) O terceiro modelo identificado pelos especialistas da OCDE é o de ACA multi-
task. Comumente, as agências identificadas com perfil de ACA vão além da combinação das
competências associadas aos dois modelos anteriores. Uma ACA multi-task tem, de fato,
poderes repressivos e de promoção da prevenção, mas o âmbito ou o nível de exercício dessas
competências é transportado da base para instâncias mais altas de decisão na hierarquia do
poder político. Mais do que um órgão propriamente operacional, uma ACA desse modelo
142
possui geralmente funções típicas de uma assessoria temático-política diretamente vinculada
ao chefe do poder executivo 117
.
Apesar de distintos, as ACAs dos três modelos possuem três características ideais em
comum. A primeira, e mais relevante, é a independência de atuação, que será estudada mais
detidamente no subitem dedicado à análise da legitimidade democrática dessas instituições. A
segunda característica comum das visões repressivas e preventivas decorre das dúvidas
semânticas quanto ao conceito de corrupção: existe uma busca declarada e incessante pelas
ACAs de abordagens acadêmicas e técnicas que melhor expliquem as causas da corrupção,
suas conseqüências, que descrevam as tipologias de sua ocorrência, e que de alguma forma a
mensurem (principalmente para objetivos de controle de eficiência no decorrer do tempo de
políticas anticorrupção). Em última instância, o aumento do conhecimento sobre o fenômeno,
e o aumento da qualidade desse conhecimento advindo do engajamento da academia com o
tema ou da especialização da ACA em pesquisa, é o que propicia as ferramentas para que se
lide com a corrupção enquanto fenômeno de risco, e não mais com base em visões
tradicionais118
.
A terceira característica em comum é certo grau de discricionariedade de atuação: as
ACAs usualmente escolhem em quais casos atuar. No caso das competências repressivas, a
criação de uma ACA não importa, em tese, em perda de competência da atuação dos órgãos
persecutórios (policiais ou de acusação penal) “regulares”. O pessoal especializado das ACAs
é comumente reduzido (salvo a ICAC de Hong Kong), e escolhe os casos mais sensíveis que
recebe para focar sua atuação, ou os avocam dos órgãos “regulares”. Os “casos simples”,
considerados não prioritários, são encaminhados para apuração nos órgãos regulares. Algo
semelhante ocorre nas ACAs preventivas: o fato de um órgão superior ter competências para
desenvolver políticas anticorrupção nacionais e abrangentes não inibe a possibilidade, de, por
exemplo, o departamento de estradas adotar medidas internas antifraude em suas licitações.
117
A ICAC de Hong Kong é uma exceção ao modelo de ACA multi-task: apesar de desenvolver ao mesmo
tempo políticas preventivas e ações persecutórias, sua estrutura com mais de 2000 agentes e jurisdição sobre uma
população e territórios reduzidos fazem com que suas competências abranjam também casos de petty-corruption. 118
Cf. PNUD, 2005, p. 09:
A related area is also the capacity for research on corruption-related issues as well as knowledge
management. The capacity to conduct research into public opinion on as well as trends and the
nature of corruption is essential in order to devise effective strategies for combating corruption. In
its assessment, the European Commission found that lack of research capacity in Latvia and
Lithuania was a concern, and it was recommended that capacity be developed in this regard. In
New South Wales, it was concluded that the most efficient and effective placement of the capacity
for research was within the ACA itself. In several of the countries studied below, the ACA does
indeed have research functions. However, this is a role that, in many countries, is also carried out
by other institutions as well as by civil society.
143
Por outro lado, enquanto o direito penal é baseado na aplicação de normas já estabelecidas (de
fato, um dos axiomas do direito penal é que não há crime sem lei anterior que o defina),
medidas preventivas vão em outro sentido: como políticas públicas, elas partem de uma
situação de ausência de prestação do Estado substituída pelo desenvolvimento e
estabelecimento coordenado de ações. O ato de criar políticas públicas é essencialmente mais
dinâmico e orientado para o futuro do que a persecução penal, e isso favorece uma maior
liberdade criativa das ACAs preventivas.
Uma exceção de uma competência persecutória de uma ACA que tradicionalmente
não é partilhada com agências regulares, mesmo quando as atribuições da ACA se
circunscrevem à gravitação em torno dos escalões mais altos do governo, é o
acompanhamento do enriquecimento ilícito de agentes públicos. A convenção da ONU, em
seu Artigo 20, obriga os Estados-partes a criminalizar o enriquecimento ilícito, se isso for
adequado a seu regime constitucional, entendido como “o incremento significativo do
patrimônio de um funcionário público relativos aos seus ingressos legítimos que não podem
ser razoavelmente justificados por ele”. Em que pese a existência de Projeto de Lei nesse
sentido119
, o enriquecimento ilícito atualmente em nosso ordenamento configura-se em
improbidade administrativa120
, e, por conseqüência, em ilícito disciplinar punido com
demissão121
. Essa exclusividade de atribuições se justifica no caso do enriquecimento ilícito
por dois motivos: primeiro, e mais importante, a tipificação do enriquecimento ilícito como
crime ou como infração administrativa é um fenômeno próprio da legislação anticorrupção
atual. O paradigma anticorrupção acredita que o enriquecimento ilícito de um agente público
é um indício de corrupção porque, numa visão própria da corrupção enquanto risco, o
locupletamento à custa do Estado seria o lugar mais provável da origem ilícita ou não
declarada de patrimônio pelo agente público. Segundo, com essa infração, o órgão de
persecução por ela responsável deveria ter autoridade para acesso a declarações de renda e
patrimônio de todos os agentes públicos estatais. Como as ACAs, também nesta época de
início da expansão das leis anticorrupção, foram alocadas mais próximas da chefia do
Executivo, nada mais natural que uma infração cuja persecução exigisse autoridade superior
119
Projeto de Lei 5586/2005 na Câmara dos Deputados. 120
Cf. a Lei 8.429/92: Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito
auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função,
emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente: VII - adquirir, para si ou
para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor
seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público; 121
Cf. Lei 8.112/90: Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos: IV - improbidade
administrativa;
144
às demais estruturas do Estado fosse às ACAs dirigida. De qualquer forma, essa exceção
confirma a regra de que na prática a atribuição da persecução de ilícitos menos sensíveis,
ainda que se trate de casos de corrupção, permanece sendo exercida por agências regulares.
5.2 Por uma Agência Anticorrupção Interventiva (ou Reguladora)
Exposto o panorama atual e comparativo das agências anticorrupção, devemos nos
questionar se os modelos existentes de ACA, e os poderes/competências que as caracterizam,
são adequados ou não à instrumentalização institucional do direito de intervenção
anticorrupção. Acreditamos que no intento de responder a essa questão importam menos as
questões de saber se a ACA é uma nova organização, ou uma antiga com poderes adaptados,
ou de definir se esses poderes caberão a uma autoridade centralizada, ou a mais de uma.
Ambas são questões de estrutura organizacional e serão decididas com base em critérios
políticos de organização interna dos Estados, e, por isso mesmo, limitadas na sua concepção
pela escassez dos recursos destinados à anticorrupção e pela pressão de grupos de interesse
corporativos, ciosos de perder atribuições ou ansiosos por ganhar destaque na participação de
um órgão especializado.
Essas questões podem ser problematizas em algum nível quanto à verificação concreta
de sua legalidade ou constitucionalidade, mas por pertinência esses temas serão tratados no
subcapítulo 5.3, dedicado à análise da legitimidade desses arranjos, aprofundando os poderes
discricionários de uma ACA. Da mesma forma, o âmbito da discussão do direito de
intervenção anticorrupção é essencialmente punitivo, então as características de políticas de
prevenção nas suas formas de educação, conscientização, coordenação e supervisão podem
ser afastadas para fins metodológicos, pelo menos neste trabalho inicial de apresentação do
cenário. Dessa forma, os poderes e interesses, tradicionalmente encontrados em ACAs,
relevantes para o estudo do direito de intervenção anticorrupção são: preocupações
preventivas (I), poderes persecutórios (II), capacidades operacionais (III),
competências/capacidades de realizar pesquisas (IV), além de poderes regulatórios (V).
(I) Os interesses preventivos são preocupações comuns das ACAs, seja de qual
modelo forem. Entretanto, a forma das medidas de prevenção é intrinsecamente decorrente do
tipo de competência exercida pela ACA. As ACAs preventivas, como vimos, desenvolvem
145
políticas de prevenção geral, não repressivas – seu modelo e suas preocupações preventivas
não se adéquam ao que uma ACA que aplique as normas do direito de intervenção entende
como qualidades preventivas da sua atuação. O mesmo vale para o modelo tradicional de
ACA de law enforcement: sua visão de prevenção é balizada pelos paradigmas tradicionais do
direito penal de prevenção especial e geral normativa, paradigma do qual, como visto neste
trabalho (lustrações 14 e 15) o direito de intervenção anticorrupção se aparta.
(II) Nessa mesma linha, suas competências persecutórias, englobando a investigação e
a acusação, são voltadas apenas para o modelo de repressão criminal do direito penal
tradicional122
, e, por conseqüência, também são incompatíveis com o cenário de inovação
jurídica que cogitamos neste trabalho. Por outro lado, como uma ACA interventiva deve ter o
poder de aplicar as sanções do direito de intervenção anticorrupção, e, para isso, tem
logicamente de apurar os fatos que lhes darão causa123
.
(III) Daí a necessidade de uma certa capacidade operacional, traduzida não só no
poder de seus agentes de ir a campo e realizar investigações, mas também nas habilidades
humanas e disponibilidade de recursos para tanto. Essa capacidade operacional não-criminal
pode ser correlata à que possui o segundo modelo das ACAs preventiva, que, como vimos
anteriormente, além das funções gerais de prevenção da corrupção, também são responsáveis
por algumas atividades operacionais, geralmente relacionados com o controle da correta
aplicação dos regulamentos do serviço público, e, eventualmente, de recursos orçamentários.
(IV) O que importa do resgate dessas idéias quanto à natureza da obrigação
sancionada pelo direito de intervenção anticorrupção, é que a prevenção existe como valor
não só no momento da conclusão do silogismo de aplicação da sanção, mas também no
desenho das obrigações aptas a prevenirem/mitigarem esses riscos, e até mesmo no
conhecimento técnico-científico sobre os riscos que precedem o dano, conforme reconhece o
Artigo 61 da Convenção da ONU contra a Corrupção, sob o título “Recompilação,
intercâmbio e análise de informações sobre a corrupção”124
e o Artigo III, item 12 da
122
Cf. KLEMENČIČ e STUSEK, 2006, p. 14: “the mandate of investigation and prosecution provide for the
enforcement of anti-corruption legislation, with the focus at the criminal law”. 123
Apesar de também não se adequar aos modelos principais, o Bureau de Prevenção e Combate à Corrupção
da Letônia (KNAB) possui o poder de “hold public officials administratively liable and impose sanctions for
administrative violations related to corruption prevention” (KLEMENČIČ e STUSEK, 2006, p. 56). As
competências do KNAB, que, dos três modelos de ACA, se ajusta melhor ao de multi-task, combinam
prevenção, educação e investigação de corrupção. 124
Artigo 61 – Recompilação, intercâmbio e análise de informações sobre a corrupção:
1. Cada Estado Parte considerará a possibilidade de analisar, em consulta com especialistas, as tendências da
corrupção em seu território, assim como as circunstâncias em que se cometem os delitos de corrupção.
146
Convenção Interamericana contra a Corrupção125
. Dessa forma, a competência e a capacidade
de realizar pesquisas sobre corrupção são elementos desejáveis de uma ACA.
(V) Mas talvez a principal peculiaridade de uma ACA interventiva sejam os seus
poderes normativo-regulatórios, ainda que esta faça parte da Administração. A perspectiva de
uma ACA que aplique o direito de intervenção anticorrupção enquanto tecnologia jurídica
punitiva envolve necessariamente o entendimento sobre o conteúdo coercitivo desse cenário,
ou seja, sobre a natureza das sanções de um direito de intervenção anticorrupção. Como visto
no subcapítulo 4.3, uma das proposições do direito de intervenção é a mudança de paradigma
de prevenção meramente normativa para uma prevenção também técnica, pela qual o direito
de intervenção anticorrupção diferenciar-se-á do direito penal tradicional ao mudar a sua
estrutura obrigacional. A obrigação jurídica interventiva não será apenas a de não praticar um
ato de corrupção, mas também, e principalmente, seu arranjo obrigacional será o de adotar
medidas ou práticas reconhecidamente aceitas como relevantes para prevenir casos de
corrupção futura ou revelar casos passados ou presentes.
É justamente nesse momento que podemos entender o ponto de destaque, onde está
ruptura que a ACA interventiva representa em relação aos três modelos de ACA existentes.
Essa ruptura, que será exposta mais adiante, deve ser construída a partir de duas causas:
aspecto técnico da anticorrupção enquanto atividade de gerenciamento de risco (1); e estrutura
da obrigação jurídica interventiva (2).
(1) Como já explicitado anteriormente, o conhecimento atual sobre a corrupção pode
ser classificado como um conhecimento técnico-científico sobre riscos que precedem danos.
A corrupção continua a ser vista como um evento indesejável, e não é mais tolerada. A
preocupação de outras ciências que não a jurídica com a corrupção levou a um estado-da-arte
atual onde, mapeadas as causas e as conseqüências da corrupção, podem ser identificados
padrões de risco futuro da sua ocorrência. E esse conhecimento, e a sua constante evolução,
como vimos, são uma característica própria até mesmo dos modelos de ACAs atuais. Em
decorrência desse primeiro fator, a obrigação jurídica interventiva não será apenas a de não
2. Os Estados Partes considerarão a possibilidade de desenvolver e compartilhar, entre si e por ação de
organizações internacionais e regionais, estatísticas, experiência analítica acerca da corrupção e informações
com vistas a estabelecer, na medida do possível, definições, normas e metodologias comuns, assim como
informações sobre práticas aceitáveis para prevenir e combater a corrupção.
3. Cada Estado Parte considerará a possibilidade de velar por suas políticas e medidas em vigor encaminhadas
a combater a corrupção e de avaliar sua eficácia e eficiência. 125
Artigo III – Medidas preventivas: 12. O estudo de novas medidas de prevenção, que levem em conta a
relação entre uma remuneração eqüitativa e a probidade no serviço público.
147
praticar um ato de corrupção, mas também, e principalmente, seu arranjo obrigacional será o
de adotar medidas ou práticas reconhecidamente aceitas como relevantes para prevenir casos
de corrupção futura ou revelar casos passados ou presentes.
(2) Enxergando-se a corrupção como um risco, a prevenção existe como valor não só
no momento da conclusão do silogismo de aplicação da sanção interventiva, mas também, e
principalmente, no desenho das obrigações aptas a prevenirem/mitigarem esses riscos. Como
visto anteriormente, um dos objetivos principais do direito de intervenção anticorrupção é a
transferência do risco da corrupção para aqueles que mais provavelmente dela se beneficiam,
isto é, certas áreas e pessoas dos setores privado e público. Essa transferência de risco só pode
ser feita de forma apta a partir do conhecimento técnico-científico acerca do risco que se quer
transferir, neste caso a corrupção. Ao mesmo tempo, a transferência de risco deve estar
exposta na estrutura obrigacional-sancionatória das regras de intervenção anticorrupção, e a
forma de fazê-lo é obrigar os atores mais prováveis da corrupção a adotar medidas ou práticas
reconhecidamente aceitas como relevantes para prevenir casos de corrupção futura, ou revelar
casos de corrupção presentes. Entretanto, conforme já demonstrado, como o conhecimento
sobre o fenômeno da corrupção está em constante evolução, e os padrões de risco podem ser
alterados em curto período de tempo, de acordo com o foco de atuação de uma ACA
especializada, isso faz com que os modelos obrigacionais interventivos possam estar em um
constante estado de atraso, de não mais adequação com o ambiente real em virtude do tempo
decorrido. Esse perigo de atraso é ressaltado pela estabilidade natural do direito, e,
especialmente, em um tema tão sensível.
Assim, a solução que apontamos como contraponto a esse déficit de atualização é
adotar, como regra secundária segundo a concepção de Hart, uma regra de alteração para o
direito de intervenção anticorrupção nos moldes do direito regulatório. Como ocorre nos
setores econômicos regulados, tais como energia, telecomunicações, água e saneamento,
transportes, petróleo, financeiro, de valores mobiliários e de previdência complementar
(PRADO, 2008, p. 431) 126
, a ACA interventiva teria poderes de criar regulamentos
anticorrupção. Isso transformaria os setores mais propensos à corrupção (que podem ser
identificados com base nas técnicas de avaliação de riscos) em setores regulados, devido a
uma peculiaridade econômica do seu meio de atuação. Superada a idéia de que a competência
das agências reguladoras se limita às matérias relativas a regulamentos de organização, seu
126
Like the American agencies, most of the IRAs‟ rule-making power in Brazil is exercised through collegial
decisions, in which each director has an equal vote and a majority vote determines the final outcome.
148
poder normativo atualmente é reconhecido para além das relações dos particulares que estão
em situação de sujeição especial ao Estado (GUERRA, 2004, p. 15).
Para entender o funcionamento concreto de uma ACA interventivo-reguladora, é
preciso dedicar algumas linhas à compreensão do fluxo de atuação ideal de uma agência
reguladora “padrão” (MOREIRA, 2004, p. 180). Assim, o fenômeno regulatório não se dá
apenas quando do estabelecimento de regras regulamentares, mas também num momento
anterior (a produção normativa e os procedimentos de criação legislativa stricto sensu) e num
momento posterior (o cumprimento das regras e a imputação de sanções em decorrência do
seu desrespeito). Ao fluxo de momentos se denomina de “circuito regulatório” – uma linha
evolutiva que determina o início da cadeia de regulação e o seu ponto final. Dessa forma, as
três etapas essenciais do “circuito regulatório” são: autorização legislativa, pelo parlamento,
da regulamentação; regulamentação normativa pela agência; e supervisão fiscalizatória com a
eventual sanção punitiva.
Em termos concretos para o direito de intervenção anticorrupção, as obrigações
interventivas seriam estruturadas da seguinte forma: uma lei geral da regulação anticorrupção
estabeleceria as competências de uma ACA interventiva ou reguladora, dentre as quais a de
estabelecer regulamentos para os setores públicos ou privados previamente identificados. Essa
mesma lei geral fixaria as espécies de sanção e os limites de sua dosimetria e estabeleceria a
qual autoridade competiria investigá-las e aplicá-las. Assim, o primeiro momento da
obrigação interventiva seriam seus aspectos gerais e axiomáticos definidos pelo legislador
ordinário. Como nem sempre todas as fases do ciclo regulatório precisam ser atribuídas a um
único órgão (MOREIRA, 2004, p. 181), os três momentos seguintes (regulamentação,
investigação, sanção) seriam distribuídos entre ACAs distintas, ou, caso se adote o modelo de
autoridade única, entre setores diferentes dentro de uma grande e compreensiva agência
anticorrupção interventiva. Alguns documentos da OCDE orientam que a ACA tenha suas
competências fixadas em lei, e que desenvolva algumas de suas atividades mediante
regulamentos e normativos internos (KLEMENČIČ e STUSEK, 2006, p. 18)127
, mas a
proposição de que isso se dê de forma regulatória é absolutamente inédita.
127
Legal basis: An anti-corruption institution should have a clear legal basis governing the following areas:
mandate, institutional placement, appointment and removal of its director, internal structure, functions,
jurisdiction, powers and responsibilities, budget, personnel-related matters (selection and recruitment of
personnel, special provisions relating to immunities of the personnel if appropriate, etc.), relationships with other
institutions (in particular with law enforcement and financial control bodies), accountability and reporting, etc.
The legal basis should, whenever possible, be stipulated by law rather than by-laws or governmental or
149
Uma forma rudimentar de regulação visando a prevenção da prática de ilícitos
criminais com base numa perspectiva de risco pode ser encontrada, por exemplo, na Lei
9.613/1998, que não só dispõe sobre os crimes de "lavagem" de dinheiro, mas também sobre a
prevenção da utilização do sistema financeiro para a prática desses ilícitos. Essa lei elenca
uma série de atores do setor econômico financeiro como sujeitos às obrigações que serão
concretamente definidas pelos entes reguladores, conforme os arts. 10128
e 11129
. No caso da
regulamentação anticorrupção, o conteúdo dos regulamentos infralegais poderia abranger
obrigações de informar a ACA acerca de operações comerciais suspeitas de corrupção, mas
também, e talvez principalmente, de adotar certas medidas de compliance interno
anticorrupção consensualmente aceitos como efetivos e de onerosidade aceitável pela
comunidade de especialistas anticorrupção. Essas obrigações poderiam ser inclusive voltadas
para certos setores Estado, ou recair sobre certas atividades desenvolvidas por todos os setores
do Estado, como, por exemplo, o aprimoramento de certos padrões de verificação e prevenção
de ilicitudes em licitações. Da mesma forma que os regulamentos advindos das agências
reguladoras visam à preservação de certos elementos relevantes para o bom funcionamento
sistêmico de determinados setores econômicos, tais como preços, quantidade da oferta,
consumidores, perfil e tamanho dos prestadores, qualidade dos bens colocados no mercado, os
regulamentos de uma agência anticorrupção reguladora ou interventiva também o fariam.
Na verdade, várias dessas obrigações infralegais que constariam dos regulamentos
anticorrupção já são conhecidas, e, em alguma medida, estão sistematizadas em uma forma
jurídica. Ocorre que elas estão descritas e inseridas no sistema técnico anticorrupção apenas
como soft law, “boas práticas” e valorizadas como “responsabilidade ético-social da empresa”
(o que quer que isso venha a ser, e se é que existe). O modelo regulatório representaria não só
presidential decrees. Furthermore, internal operating, administrative, and reporting procedures and codes of
conduct should be adopted in legal form by regulations and by-laws. 128
Art. 10. As pessoas referidas no art. 9º: I - identificarão seus clientes e manterão cadastro atualizado, nos
termos de instruções emanadas das autoridades competentes; II - manterão registro de toda transação em moeda
nacional ou estrangeira, títulos e valores mobiliários, títulos de crédito, metais, ou qualquer ativo passível de ser
convertido em dinheiro, que ultrapassar limite fixado pela autoridade competente e nos termos de instruções por
esta expedidas; 129
Art. 11. As pessoas referidas no art. 9º: I - dispensarão especial atenção às operações que, nos termos de
instruções emanadas das autoridades competentes, possam constituir-se em sérios indícios dos crimes previstos
nesta Lei, ou com eles relacionar-se; II - deverão comunicar, abstendo-se de dar aos clientes ciência de tal ato, no
prazo de vinte e quatro horas, às autoridades competentes: a) todas as transações constantes do inciso II do art.
10 que ultrapassarem limite fixado, para esse fim, pela mesma autoridade e na forma e condições por ela
estabelecidas; a) todas as transações constantes do inciso II do art. 10 que ultrapassarem limite fixado, para esse
fim, pela mesma autoridade e na forma e condições por ela estabelecidas, devendo ser juntada a identificação a
que se refere o inciso I do mesmo artigo; (Redação dada pela Lei nº 10.701, de 9.7.2003); [...] § 1º As
autoridades competentes, nas instruções referidas no inciso I deste artigo, elaborarão relação de operações que,
por suas características, no que se refere às partes envolvidas, valores, forma de realização, instrumentos
utilizados, ou pela falta de fundamento econômico ou legal, possam configurar a hipótese nele prevista.
150
a migração do risco de toda a sociedade para os setores econômicos e políticos mais
provavelmente beneficiados por ela, mas também a migração de toda uma técnica e de
obrigações especializadas de um ambiente de soft law para um meio propriamente de
enforcement jurídico.
Ainda que não tenha sido inspirada nesse modelo regulamentar que ora propomos,
nem sistematizada em um conjunto maior de leis anticorrupção, há um exemplo real e atual de
uma norma infralegal anticorrupção, publicada por uma autoridade central do governo cujos
poderes temáticos e específicos abrangem os demais órgãos e entes do poder executivo
federal. Trata-se da Instrução Normativa (IN) nº 2/2009 da Secretaria de Logística e
Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Essa IN
estabeleceu a obrigatoriedade de apresentação da “Declaração de Elaboração Independente de
Proposta”, em procedimentos licitatórios, no âmbito dos órgãos e entidades integrantes do
Sistema de Serviços Gerais – SISG. Essa obrigação, segundo a própria Instrução, deverá
constar dos instrumentos convocatórios das modalidades licitatórias tradicionais e do pregão,
em sua forma presencial, no momento de abertura da sessão pública, ou do instrumento
convocatório da modalidade licitatória “pregão”, em sua forma eletrônica, no momento da
habilitação. Por meio dessa declaração, o licitante afirma que sua proposta foi elaborada de
forma independente, isto é, que ele não combinou preços com nenhum agente público (fraude
à licitação) e/ou com nenhum concorrente (cartel em compras públicas), ambas tipologias
clássicas de corrupção. O objetivo dessa declaração é aumentar o simbolismo de integridade
do processo licitatório, envolver e alertar os licitantes quanto a condutas não toleradas, e, caso
se verifique posteriormente a ocorrência de fraude ou cartel, aumentar a responsabilidade pelo
ilícito também em decorrência da falsidade da declaração.
No cenário de direito de intervenção anticorrupção posto em prática por agências de
intervenção anticorrupção, normas infralegais como a IN 2/2009 poderiam ser de competência
geral da ACA reguladora. Como esse modelo regulamentar da anticorrupção ainda não foi
posto ou cogitado em termos práticos como tecnologia jurídica, a criação de uma ACA
interventivo-reguladora (e do próprio direito de intervenção anticorrupção) não acarretaria
problemas de incompatibilidade ou disputas de funções com órgãos preexistentes. Ainda que
isso ocorresse, a posição própria da ACA enquanto reguladora geral não elidiria a
possibilidade de normativos internos e específicos feitos pelos órgãos responsáveis pelos
outros setores do Estado.
151
5.3 Legitimidade das Agências Anticorrupção
Para concluir a análise do direito de intervenção anticorrupção e das ACAs, segundo a
concepção de Hart do direito como união de regras primárias e secundárias, devemos nos
concentrar neste último subcapítulo naquilo a que Hart chama de regra de reconhecimento.
Em outras palavras, como, e se, o direito de intervenção anticorrupção, nos seus aspectos
normativo e institucional, se adéqua ao nosso regime constitucional e ao sistema jurídico
como um todo.
A princípio, em termos dogmáticos, não é possível problematizar de forma muito
concreta a questão da constitucionalidade de uma ACA de aplicar sanções não-penais ou de
elaborar regulamentos anticorrupção. O inciso LIV do artigo 5º da Constituição afirma que
ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal, e o inciso
LV130
parece prescindir que o processo que acarrete essa conseqüência seja necessariamente
perante o poder judiciário, senão não atribuiria as restrições principiológicas do contraditório
e da ampla defesa também ao processo administrativo. A constitucionalidade do modelo
regulador das agências foi aventado, mas nunca seriamente posto em perigo131
. Campos onde
o poder executivo e o legislativo, atuando nas funções típicas desses poderes, aplicam sanções
não-criminais também são abundantes. Inclusive, com força auto-executória, como a
apreensão de certos bens ilícitos em posse do particular, ou até mesmo de bens lícitos de sua
propriedade e posse inquestionáveis (por exemplo, a apreensão alfandegária imediata sob
condição de pagamento do tributo correspondente, com posterior perdimento em caso de
inadimplemento132
). Obviamente, todas essas punições e medidas de força podem ser
130
CF, art. 5º: LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. 131
Cf. DI PIETRO, 2008, pp. 146-147, “a função reguladora só tem validade constitucional para as agências
previstas na Constituição. Para as demais, ela não existe no termos em que foi definida.” Tratam-se dos artigos
21, XI e 177, §2º, III, ambos da Constituição. Aquele trata da criação de uma agência reguladora para o setor de
telecomunicações e este para o setor de petróleo. Leila Cuéllar, todavia, entende justamente o contrário
(CUÉLLAR, 2001, p. 136): “a atipicidade não permite sustentar a inconstitucionalidade das agências. Assim, a
ausência de previsão constitucional expressa acerca da cada uma das agências que eventualmente fossem criadas
não importa imediatamente a inconstitucionalidade dos entes reguladores.” 132
Decreto nº 6.759/2009. LIVRO VI (DAS INFRAÇÕES E DAS PENALIDADES), CAPÍTULO II (DAS
PENALIDADES), Seção I (Das Espécies de Penalidades). Art. 675. As infrações estão sujeitas às seguintes
penalidades, aplicáveis separada ou cumulativamente: I - perdimento do veículo; II - perdimento da mercadoria;
III - perdimento de moeda; IV - multa; e V - sanção administrativa.
152
controladas quanto à sua legalidade e constitucionalidade pelo poder judiciário133
, da mesma
forma que o poder regulamentar pode ser controlado quanto a sua adequação à lei que cria ou
disciplina o ente regulador. Essa possibilidade de controle jurisdicional também não se
discute para o direito de intervenção anticorrupção e para os atos de uma ACA interventivo-
reguladora, razão pela qual não continuaremos a análise sob esse ponto de vista
eminentemente dogmático. Por esse motivo, acreditamos que a discussão quanto à regra de
reconhecimento que recai sobre o cenário que propomos se situa menos no campo dogmático
da discussão constitucional, e mais nos campos histórico e ontológico do constitucionalismo,
especialmente nos argumentos que conduzem a uma revisitação quanto a novos modelos de
configuração e funcionalidades da separação de poderes.
Segundo Bruce Ackerman, o primeiro grande tema do constitucionalismo moderno é a
democracia, e o outro é a limitação e divisão de poderes (ACKERMAN, 2000, p. 685).
Seguiremos a proposta e identificaremos as justificativas na teoria da democracia e da
separação de poderes que legitimam a criação de um direito de intervenção anticorrupção e de
uma ACA interventivo-reguladora. Ambos os temas – democracia e divisão de poderes – se
retroalimentam historicamente e serão tratados pari pasu. A essa combinação
denominaremos, neste trabalho, de legitimidade. Certamente, os modelos de direito de
intervenção anticorrupção e de ACA interventivo-reguladora seriam questionados como
ilegítimos, como uma afronta ou usurpação pelo “poder executivo” das funções
“naturalmente” “próprias” dos órgãos pertencentes ao poder judiciário e legislativo, e, ao
mesmo tempo, antidemocrática. Tentaremos neste subcapítulo 5.3 demonstrar onde encontrar
a legitimidade para nossa proposta, partindo da primeira premissa de que o sentido da palavra
legitimidade não é estático, e sim dinâmico (BOBBIO, 2007, p. 635). Para tanto, devemos
tecer algumas considerações revisionistas sobre a clássica tripartição de poderes (I), expondo
novos modelos de separação de poderes, tais como o da especialização funcional de
Ackerman (II), dos quais destacamos o apoderamento dos “entes não-eleitos” na concepção
de Vibert (III). E, finalmente, a partir destes referenciais teóricos sobre uma nova
legitimidade, cotejar as características da Agência Anticorrupção Interventiva que propomos
(IV).
(I) É impossível falar de separação de poderes, sem falar de tripartição de poderes e do
modelo de Montesquieu. Na visão desse pensador, tudo estaria perdido se o mesmo homem,
133
CF, art. 5º: XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
153
ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo exercesse os três poderes: o de
fazer as leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as querelas entre
os particulares (MONTESQUIEU, Livro XI, Capítulo VI, Parágrafo 6º). Enquanto Locke
concebeu o judiciário como um braço do executivo, Montesquieu imaginou que sua
independência fosse crucial para a proteção dos direitos dos indivíduos. Sem um judiciário
independente, as pessoas deveriam enfrentar o formidável poder combinado de um executor,
juiz e júri – e aí certamente seus direitos não seriam garantidos.
A interpretação de Montesquieu sobre a constituição da Inglaterra tem sido submetida
a muitas críticas: freqüentemente ela não é considerada nem acurada, nem original.
Entretanto, o que Montesquieu disse sobre ela teve bastante influência, especialmente sobre
os fundadores de novas comunidades políticas, e, dentre esses, notadamente os da América do
Norte (HELD, 2006, p. 67). Quando o Brasil se reorganiza como República no fim do Século
XIX, importamos o modelo político dos EUA, e, em conseqüência importamos a mesma visão
rígida e estrita de tripartição de poderes: por default, todos os entes estatais são organizados
como se fossem parte de três macro-órgãos extremamente separados (os poderes), aos quais
são atribuídas funções típicas – essa visão é temperada, no máximo, pelo entendimento,
denominado de checks and balances, que há pontos de contato entre esses três grandes
órgãos, pelos quais uns têm influência sobre os outros.
(II) É possível rejeitar a idéia da necessidade de tripartição dos poderes entre
executivo, legislativo e judiciário, e ainda assim ser favorável à idéia mais geral de separação
de poderes. A tripartição nos moldes de Montesquieu é limitada, desatualizada e vinculada a
uma época histórica e a um modelo de Estado que não existe mais (e que talvez nunca existiu,
dada as incorreções históricas apontadas na descrição de Montesquieu do sistema político da
Inglaterra). A separação de poderes, por sua vez, pode retirar sua legitimidade de algo mais
além do que a mera idéia de que funções separadas tornam o Estado menos poderoso, menos
arbitrário e o cidadão mais livre. Modernamente, a separação de poderes pode retirar sua
legitimidade do que Ackerman chama de “especialização funcional” (ACKERMAN, 2000, p.
687). Ao mesmo tempo, a “especialização funcional” é um argumento que desvincula a
legitimidade de um órgão do Estado de seu caráter eleitoral ou representacionista, mas
também pode dar ensejo, se aprofundado, a novos desenhos de separação dos poderes .
No momento, a “especialização funcional” é descrita como uma realidade nas
democracias modernas que não pode ser ignorada. Do ponto de vista dos poderes eleitos, os
154
processos eleitorais são importantes para a legitimação democrática de parte da estrutura do
Estado, mas nenhum Estado se reduz a eleições e órgãos e agentes eleitos, antes, são
formados por vastas burocracias que emitem regulamentos e administram políticas públicas.
Pode-se tentar definir a democracia como certo conjunto de procedimentos formais para a
eleição de alguns agentes do Estado. Mas nunca se pode reduzir a prática democrática a esses
procedimentos eleitorais (MARKOFF, 1996, pp.177 e 179). Assim, Bruce Ackerman e Frank
Vibert elevam a “especialização funcional” a um nível que essa característica da burocracia
legitima uma nova separação de poderes.
Segundo Loewenstein, o próprio poder judiciário na concepção da tripartição de
poderes deriva dessa idéia de especialização (LOEWENSTEIN, 1970, pp. 61). Para esse
autor, quando Locke escreveu seus tratados sobre o governo, em 1692, não precisou teorizar o
judiciário como um poder propriamente dito porque ainda não estava em vigência o Act of
Settlement (1700), que fundamentava a independência dos juízes na Inglaterra. Loewenstein
também aponta que Montesquieu não se sentiu obrigado a conceder ao poder judiciário o
mesmo lugar que os outros dois detentores do poder, governo e parlamento. Apesar de
atualmente ser o judiciário colocado ao lado dos outros dois poderes, a frase de Montesquieu
segundo a qual o judiciário deve ser “invisível e quase nulo” significa que o que o juiz
realmente faz é aplicar a norma geral ao caso concreto, funcionando de forma semelhante à
Administração. A função “técnica” do judiciário é, fundamentalmente, a execução da decisão
política tomada anteriormente pelo parlamento e que se apresenta sob a forma de lei. Na
visão histórica de Loewenstein, a independência dos juízes teria sido um postulado político e
não funcional, motivada na Inglaterra pelo desejo de quebrar a prerrogativa real e de induzir
ao Estado de direito. Com o judicial review dos EUA, todavia, os tribunais se constituíram em
um terceiro e autêntico detentor de poder, não pertencendo em absoluto à teoria clássica da
separação de poderes, e foi alçado à categoria de controle político-jurídico dos demais
poderes. A “especialização funcional” pode ter sido o motivo da apartação do poder
judiciário como independente dos demais (1), e das concepções weberianas sobre o papel da
burocracia no Estado moderno (2).
(1) Afigura-se viável enxergar na especialização do judiciário um dos motivos de sua
origem independente em Montesquieu, apartado do poder executivo tal como estava na visão
de Locke (VIBERT, 2007, p. 115). Assim, a especialização e a autonomia do judiciário
decorriam do fato de os tribunais terem adotados standards e princípios próprios de atuação.
Dessa forma, a legitimidade do judiciário quanto à sua especialização decorreria da aplicação
155
de princípios fundamentais morais e políticos na interpretação e aplicação da lei e da
Constituição, assim como no uso de uma linguagem própria: o due process of law seria uma
forma de legitimação procedimental. Em nossa visão, uma das únicas formas de prestação do
Estado a sua população, à época de Montesquieu e Locke, era a manutenção da ordem interna.
A manutenção dessa ordem se dava basicamente através da punição de delitos, e, nas origens
do Estado liberal, do constitucionalismo e do Estado de direito, o poder punitivo passou a ser
limitado por regras jurídicas. Logo, um dos únicos conhecimentos técnicos relevantes àquela
época para atuação organizada o Estado era o direito. Os detentores do poder econômico
participavam diretamente do parlamento ou dos conselhos reais, e o poder militar se
concentrava na nobreza, especialmente antes de constituídos os exércitos nacionais. Então, é
natural que a primeira estrutura técnica independente do Estado tenha sido o judiciário. Mais
adiante, demonstraremos como uma analogia com esses aspectos do judiciário pode legitimar
novos órgãos em uma nova separação de poderes.
(2) O argumento de Ackerman de “especialização funcional” decorre em boa medida
das observações de Weber sobre a burocracia, que chegou à conclusão de que uma burocracia
centralizada era inevitável, em parte, devido a sua avaliação da impraticabilidade da
democracia direta, segundo a qual as condições de administração de estruturas de massas são
radicalmente diferentes das observadas em pequenas associações baseadas em relações
pessoais ou de vizinhança. A complexidade crescente das atividades administrativas e a
grande expansão das finalidades do Estado resultam cada vez mais na superioridade técnica
dos que têm treinamento e experiência, e favorecem a continuidade de alguns funcionários.
Dessa forma, com o tempo solidifica-se a probabilidade de surgimento de uma estrutura
perene e específica para propósitos administrativos, necessária para o exercício das regras. O
poder técnico vem da concentração de expertise, do manejo de informações e da posse de
segredos.
A concepção de Weber do Estado moderno é baseada em dois elementos de outras
formas de Estado: territorialidade e exercício de violência. Todavia, o Estado moderno,
diferentemente de seus predecessores, atribulados por constantes facções guerreiras internas,
tem o poder (em termos de capacidade prática) de monopolizar o uso da violência
internamente, dentro do território que lhe corresponde. É um Estado-nação que se relaciona
eventualmente de forma beligerante com outros Estados-nação, e não com segmentos
armados de sua população. O outro pilar da concepção de Weber sobre o Estado é a
legitimidade. O Estado é baseado em um monopólio de coerção física que é legitimado por
156
uma crença na justificabilidade e legalidade desse monopólio. As pessoas não mais
consentem na autoridade baseada apenas nas tradições ou no carisma dos governantes. Antes,
há obediência decorrente da crença na virtude da legalidade, entendida como validade da lei e
competência funcional baseadas em regras criadas racionalmente. A legalidade tem a
contrapartida à obediência dos cidadãos no dever dos agentes do Estado de conduzir os
assuntos administrativos seguindo princípios e regras procedimentais e substanciais de
atuação. Assim, é possível encontrar legitimidade nas burocracias – um tipo diferente de
legitimidade da que possui um parlamento ou um presidente eleitos, mas ainda assim
legitimidade.
A proposta de Ackerman de nova separação de poderes é também tributária do modelo
de Weber na medida em que aquele reconhece que a especialização funcional depende da
existência de uma “cultura weberiana” (ACKERMAN, 2000, p. 687): algumas pessoas
talentosas devem encontrar inspiração na perspectiva de um serviço profissional para o
Estado. Caso contrário, a separação funcional dos poderes servirá apenas como disfarce para
corrupção e clientelismo. No lado humano, então, a especialização funcional pressupõe a
disponibilidade de especialistas bem treinados. Os especialistas pretendem ser ouvidos com
base no corpo de conhecimentos que possuem, adquiridos através de um período de formação
educacional e profissional especializados (MARKOFF, 1996, p.178). Mas, mesmo em um
ambiente farto em especialistas, outros fatores operam para que um sistema de separação
funcional prospere.
(III) Dessa forma, o surgimento dos entes não-eleitos reflete a chegada de um novo
ramo do governo e uma nova forma de separação de poderes. Se esta fosse apenas mais uma
classe de organização executiva criada por razões administrativas ou gerenciais, não teria
muita importância. O que se vê é um novo ramo dentro do sistema governamental, com uma
responsabilidade especial para lidar e disseminar informação, análise de evidências e o uso
prático do conhecimento empírico mais atualizado (VIBERT, 2007, p. 12), justamente
competências e capacidades esperadas em uma instituição que lide com os aspectos técnicos
de uma política anticorrupção, entendida também como anti-risco. Em termos políticos, as
sociedades democráticas da atualidade requerem uma variedade de formas de autoridade e a
nova separação de poderes representa uma grande nova dimensão ao processo decisório das
democracias, ao estabelecer limites mais claros, inclusive funcionais e estruturais entre
julgamento técnico e julgamento político (VIBERT, 2007, p. 14), algo que, novamente, pode
ser proporcionado por um corpo técnico especializado, mas não por um parlamento, que é
157
tradicionalmente mais lento no seu processo decisório, e campo natural das disputas e
interinfluências políticas. As origens da burocracia na sua feição atual decorrem da mudança
da estrutura e funções do Estado para um modelo de economia de serviços, caracterizada pela
reforma da gestão do ente público e pela diferenciação nítida entre julgamentos técnicos e
julgamentos políticos, em um contexto conjuntural moderno de erosão da democracia
participativa.
Nesse cenário de surgimento de novos atores públicos e deterioração dos poderes dos
já existentes, os estudiosos dos impactos da sociedade do risco sobre os arranjos institucionais
governamentais já reconheceram que a crise representada pela categoria “riscos” já levou a
uma reforma da organização de poderes, com a criação de instituições próprias do direito da
ciência e da técnica, com a legitimidade de agências independentes decorrente do
conhecimento científico e com o surgimento de tribunais especializados (HERMITTE, 2006,
pp. 13-64). A proliferação de novas ameaças, particularmente sensíveis no que se refere ao
meio ambiente e à saúde, e a conscientização pela opinião pública dos novos riscos e
catástrofes, levaram os responsáveis na esfera política a vislumbrar sistemas de avaliação,
destinados a melhor controlar e prevenir os riscos de acidentes. Essa cultura dos riscos, que
leva a um governo dos riscos, fortaleceram o papel da perícia científica no processo decisório
político-administrativo. Os princípios que dão legitimidade ao papel regulador do “perito” são
a excelência (critérios seguros de qualificação do saber), a independência (agências
especializadas) e a confiabilidade (consciência e objetividade de atuação) (MORAND-
DEVILLER, 2005, pp.81-101).
(IV) Desta forma, está demonstrada, portanto, a atualidade e realidade política da
existência de uma burocracia especializada e independente, formada por entes estatais que não
se encaixam nos modelos anteriores de tripartição de poderes, e que de alguma forma existem
em decorrência da especialização das funções que exercem e dos conhecimentos que
manejam. Teremos sucesso em demonstrar a legitimidade de uma ACA interventivo-
reguladora se: demonstrarmos a pertinência do arranjo institucional que propomos a essa
realidade burocrática de especialização funcional, proposta principalmente por Ackerman e
Vibert (1) e se o modelo de ACA interventivo-reguladora cumprir os testes ou padrões de
legitimidade propostos por Vibert (2) e Ackerman (3).
(1) Iniciamos a comparação da nossa proposta de ACA com o modelo de nova
separação de poderes descrito minuciosamente por Frank Vibert. Para além do modelo de
158
Weber, e na linha da proposta por Bruce Ackerman de “nova separação de poderes”, Frank
Vibert analisa, em sua obra intitulada “The Rise of the Unelected: Democracy and the New
Separation of Powers”, a posição, nas democracias atuais, da burocracia, vista como um
corpo de entes estatais independentes ou quase independentes. Mais especificamente, o autor
analisa como a burocracia (os unelected) evoluiu para uma posição de destaque e de aumento
de seus poderes e funções, quais as características desses entes ou órgãos do Estado, e se eles
possuem legitimidade democrática. O surgimento dos não-eleitos se espalha por todo o
mundo democrático. Eles tomam diferentes formas jurídicas e denominações (agências,
departamentos, empresas, conselhos, diretorias, etc.), em diferentes arranjos democráticos. A
variedade de formas e terminologias obscurece o crescimento oculto da importância dessas
entidades. A questão-chave analisada é se a crescente dependência das democracias modernas
em entes não-eleitos representa um novo perigo para a democracia (VIBERT, 2007, p. 01).
As características comuns dos unelected são (VIBERT, 2007, p. 30): (a) operam em
áreas técnicas sofisticadas e especializadas (como a anticorrupção para as ACAs); (b)
dependem em larga medida de fontes extra-governamentais de informação (há incentivos,
positivos ou negativos, no direito de intervenção anticorrupção para que casos ou suspeitas de
casos de corrupção sejam revelados pelos envolvidos ou beneficiários); (c) transferem gastos
para o setor privado (a obrigação interventiva de as companhias manterem sistemas internos
de compliance anticorrupção pode ser interpretada como uma transferência da ocorrência de
risco de corrupção do setor público para um setor privado específico); (d) formam
comunidades epistêmicas, isto é, os agentes dos unelected adquirem conhecimentos
particulares e especiais no exercício de suas funções e esse conhecimento é de interesse
particular para outros exercendo a mesma função, ainda que de outros países (conforme
demonstrado no Capítulo 1, existe uma forte supranacionalidade e transnacionalidade nas
legislações anticorrupção, e há farta troca de conhecimento entre os especialistas
anticorrupção de várias nacionalidades); e (e) independência ou garantias de independência
estatutária ou costumeira, relacionada a sua expertise técnica, os unelected são afastados do
espectro de influência política direta (também um atributo apontado como essencial para as
ACA em toda a literatura anticorrupção. Muitas vezes a independência não significa a
estruturação declaradamente apartada de outros poderes ou órgãos de outros poderes, como
ocorre no art. 2º da nossa Constituição. Reputa-se que a independência da ICAC de Hong
Kong está no fato de a sua posição no organograma estatal estar colocada abaixo apenas do
Chefe do Executivo).
159
Continuando o exercício de comparação, Vibert classifica esses novos entes em cinco
categorias (VIBERT, 2007, p. 20-26), com a ressalva de que elas não são estanques, isto é,
alguns entes podem corresponder a mais de uma. São elas:
a) Provedores de serviços públicos tradicionais;
b) Avaliadores/gestores de risco (tradicionalmente nas áreas de saúde,
nutricional, nuclear, etc.). Nessa categoria, a competência de avaliação
pode vir junto ou separada da de gestão. A especialização dessa
categoria decorre da complexidade da avaliação de risco, que envolve
técnicas científicas e tecnológicas de definição da probabilidade e perfil
do risco, e depende da confiabilidade dos dados e qualidade da
evidência, mas também da capacidade de avaliar um risco em relação ao
outro – Para atuar como reguladora, as ACAs nos moldes que propomos
devem necessariamente dominar aspectos técnicos de mensuração da
corrupção, inclusive para identificar quando a sua atuação seria mais
custosa do que o benefício trazido;
c) “Vigia de fronteiras”, que seriam as entidades criadas para monitorar os
aspectos mais sensíveis da relação do setor público com o privado (do
suprimento de bens básicos de consumo à pesquisa biomédica),
categoria cujo exemplo mais tradicional é o da agência independente de
regulação econômica – aqui está precisamente o ponto de inovação
correspondente à ACA interventivo-reguladora;
d) Inquisidores, criados para auditar e inspecionar, e que são apartados da
política para que suas conclusões pareçam independentes da clivagem
ideológica ou sectária – a ACA interventivo-reguladora teria poderes
correspondentes para investigar casos suspeitos de corrupção e fiscalizar
o cumprimento de seus regulamentos; e
e) Árbitros e ouvidores, que se posicionam como uma nova geração de
tribunais administrativos, colegiados de apelação, ouvidores e
ombudsmen que expandiram mecanismos de compensação e retribuição
para além das atribuições do tradicional ramo do judiciário, adotando
formas procedimentais judiciárias – o poder punitivo interventivo de
nossa ACA atuaria desta maneira, aplicando sanções, mas submetendo
seus procedimentos aos princípios do contraditório e da ampla defesa, e
160
a outras garantias processuais, graduadas conforme as características do
direito de intervenção.
(2) Demonstramos, portanto, que as ACAs em geral, mas também a nossa proposta de
ACA interventivo-reguladora podem se encaixar no modelo de nova separação funcional de
poderes, obviamente ao lado de uma infinidade de outros entes e órgãos estatais modernos.
Cumpre partir para a comparação final entre as características das ACAs e os padrões ou
testes de legitimidade propostos por Vibert e Ackerman. Para Vibert, a definição dos critérios
de legitimidade dos unelected pode ser deduzida a partir de uma analogia com o processo de
legitimação histórica do poder judiciário (VIBERT, 2007, p. 115). Atribui-se a origem
funcional legitimadora do judiciário, isto é, o judiciário como aceito como poder apartado do
legislativo e executivo (no modelo de Montesquieu), a três motivos: especialidade técnica (a),
necessidade de posicionamento político (b) e desenvolvimento de standards próprios de
atuação (c).
(a) Primeiramente, à sua origem de especialização técnica sobre o campo de
conhecimento do direito: a independência do judiciário dos outros poderes políticos decorre
da necessidade de não ser por eles influenciado, tendo em vista um melhor exercício da
técnica jurídica. Já demonstramos que as ACAs também possuem especialização técnica
sobre os campos do conhecimento a elas correspondentes, e que a independência para esses
entes dos outros poderes políticos também é necessária para o exercício “puro” da sua
expertise.
(b) Em segundo lugar, a evolução do poder judiciário para fora do poder executivo
decorre também de uma necessidade de posicionamento político da própria estrutura
judiciária e suas funções: ainda que tivesse que contar com o apoio e consentimento gerais do
público, o judiciário deixa de ser controlado pelos poderes políticos ou por processos
eleitorais. Este segundo motivo também opera de forma semelhante para os unelected em
geral: a erosão da participação popular nos processos representativos, e a necessidade e
confiança depositada pela sociedade nos meios técnico-científicos proporcionados pelo
Estado indicam a delimitação do posicionamento político desses novos entes.
(c) E, como terceiro motivo, está o desenvolvimento de standards próprios de atuação.
Por standards próprios, Vibert compreende, em um aspecto substancial, a aplicação de
princípios fundamentais morais e políticos na interpretação e aplicação da lei (o que faz com
que o direito aplicado pelo judiciário seja às vezes substancialmente diferente do afirmado
161
pelo legislativo). O aspecto formal dos standards próprios reside na legitimação
procedimental, decorrente de critérios e princípios de due process of law, ou seja, o processo
de tomada de decisão pelo poder judiciário é mais claro, mais estrito, mais transparente e mais
participativo para os particulares atingidos do que o processo de decisão parlamentar e
executivo. Só que para Vibert, os unelected também possuem standards próprios que lhes
conferem legitimação. Os princípios, e todos eles também valem para a ACA interventivo-
reguladora, seriam a realização de intervenções normativas no ambiente a partir de coletas
científica de dados positivos; respeito à evidência proporcionada pelos fatos; respeito, por
outro lado, às incertezas; e processos de avaliação e contra-avaliação do risco. Os
procedimentos de atuação legitimadores seriam (VIBERT, 2007, p. 123): abordagem
experimental e empírica; respeito pelo método científico; avaliação de impacto; transparência
dos métodos, dados, análise e conclusões; existência de peer review e rigor; e, para reforçar a
independência e distanciamento do meio político, uma abordagem mais rigorosa, quase
acadêmica, do mundo da informação e do conhecimento.
(3) Escrevendo especificamente sobre a realidade estadunidense, Ackerman entende
que o fato de os foundings fathers terem reduzido o valor da separação de poderes à limitação
democrática à tirania deu-se em um contexto histórico, no qual ainda não se tinha como
prever a construção de um Estado burocrático (com exceção do judiciário, que no seu design
constitucional original ainda não tinha a capacidade de judicial review)134
. Assim, esse
“silêncio” da Constituição dos EUA sobre a burocracia não significa um impeditivo para os
acadêmicos se debruçarem sobre o problema da especialização funcional (ACKERMAN,
2000, p. 689), e sobre quais os critérios de legitimidade e de controle que devem incidir sobre
o “quarto poder” que é a burocracia. O autor entende que a legitimidade da burocracia,
especialmente da regulatória, pode ser definida com base nos seguintes critérios
(ACKERMAN, 2000, p. 693-694): um modelo constitucional que aceite a necessidade de
regulamentação suplementar por agências especializadas; a competência e a expertise dessas
agências deve ser real e comprovada, isto é, o conhecimento científico e a experiência
profissional só devem ser encaradas como valores se forem sérios e fundados135
; o controle e
134
Cf. ACKERMAN, 2000, p. 688:
But at the time they were writing the Constitution in 1787, the Founders did not have the slightest
idea that the American government would one day employ millions of officials exercising a
bewildering variety of functions. One statistic is worth a million words: in 1802, the number of
nonmilitary officials working for the federal government was precisely 2,597; in 1997, it was
1,872,000 135
“A serious constitution for the modern state should take aggressive steps to assure that bureaucratic
pretensions to expertise are not merely legitimating myths, but hard-earned achievements”.
162
a disciplina do conhecimento técnico devem ser feitas por técnicas que vão da possibilidade
de intervenção judicial à participação do público. Todos estes critérios citados são
encontrados no modelo de ACA que propomos.
Demonstramos, portanto, que a ACA interventivo-reguladora se identifica com o
modelo de unelected analisado por Vibert e com o surgimento de uma nova divisão de
poderes, na visão partilhada por Vibert e Ackerman. Da mesma forma, a ACA cumpriu os
padrões verificadores da legitimidade dos unelected na visão dos dois pensadores. Mas essa
última observação de Ackerman136
nos remete a um ponto relevante da legitimidade: as
formas de controle da ACA para evitar que abusos proliferem, levando em conta a
necessidade intrínseca de independência, e especialmente se adotado o modelo de uma ACA
interventiva multi-task, isto é, responsável pelos atos de todo o circuito da regulação. O
controle, externo e interno, não é incompatível com a proposta. Assim, a ICAC de Hong
Kong é submetida a quatro comitês consultivos, composto por membros oriundos da
comunidade especialmente designados e que se reúnem periodicamente para analisar as
actividades ICAC. O ICAC em Nova Gales do Sul é responsável perante os cidadãos através
da Comissão Parlamentar Mista Multipartidária (PJC), que monitora suas atividades, através
do Comitê de Revisão de Operações, que inclui membros do público e várias agências
governamentais, e através da sua obrigação de informar regularmente ao público. Ademais,
conforme estabelecido no início deste subcapítulo 5.3, e por disposição constitucional
expressa, o controle jurisdicional será sempre inafastável.
136
Preocupação partilhada também por MARKOFF, 1996, pp.177-178:
Los científicos políticos han descrito con gran detalle las formas con las que las agencias
poderosas desarrollan sus propias clases de política y se resisten a una supervisión efectiva por
parte de ministros y legisladores. La cuestión dei control efectivo de tales agencias por parte de
personajes políticos responsables ante el electorado es una de las cuestiones clásicas de la moderna
ciencia política.
163
Conclusão
A hipótese científica desta dissertação foi é a de que uma nova classe de direito, o
direito de intervenção anticorrupção, resultante da administrativização do direito penal, ao
mesmo tempo em que se apresenta como alternativa à expansão do direito penal, dá
racionalidade jurídica à complexa bidimensionalidade (administrativo-penal) internacional e
interna do regime da anticorrupção, contribuindo para sua legitimidade. Acreditamos que
conseguimos demonstrá-la satisfatoriamente.
Basicamente, o problema deste trabalho foi demonstrado nos Capítulos 1 e 2. No
Capítulo 1 descrevemos como o conjunto de regras e políticas que denominamos de
anticorrupção deriva majoritariamente de um movimento internacional que possui como
objetivo a erradicação ou minoração da corrupção. Ao lado da produção de normas de direito
internacional a respeito desse tema, atua uma intrincada rede de atores nacionais e
internacionais de naturezas diversas. O regime da anticorrupção, resultado da descentralização
das fontes do direito internacional não é coerente, apresentando-se de forma complexa
(incoerência sistêmica). No intuito de debater essa complexidade do regime de
internacionalização da anticorrupção, traçamos um paralelo com outro regime global de
proibição muito relevante, que precedeu a internacionalização da anticorrupção e que com ela
guarda muitas conexões, o regime da antilavagem de dinheiro. Demonstramos também a
bidimensionalidade da anticorrupção (administrativa e criminal), e descrevemos as principais
normas internacionais que dão suporte jurídico ao regime.
No Capítulo 2 demonstramos que a complexidade da anticorrupção foi reproduzida em
nível interno. Simbolizamos essa complexidade em nível interno por meio da ENCCLA,
Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro, que é um exemplo
óbvio da persistência da correlação entre os regimes da anticorrupção e da antilavagem não só
enquanto regimes jurídicos internacionais, mas especialmente enquanto políticas públicas
internas. A Estratégia, que tratava apenas de lavagem de dinheiro de 2003 até 2006 (quando
era ENCLA com apenas um “C”), teve sua sigla alterada em 2007 para ENCCLA, com o
acréscimo de um “C” a mais, devido à abrangência temática relativa à corrupção. Todavia, há
também outros pólos no setor público responsáveis pela inovação de políticas públicas
anticorrupção. Diferentemente da ENCCLA, de dimensão majoritariamente criminal, esses
outros atores, especialmente a Controladoria-Geral da União, se dedicam mais a tópicos
pertencentes à dimensão administrativa do regime da anticorrupção (eficiência do gasto
164
público, participação social, promoção da ética, etc.), reforçando mais uma vez a
demonstração da complexidade bidimensional da anticorrupção.
Encontramos mais duas evidências institucionais de complexidade. Primeiro,
analisamos as Mensagens Presidenciais ao Congresso de 2000 a 2009 e observamos que não
há nelas menção ao combate à corrupção, até 2003 (ano seguinte ao da internacionalização da
Convenção contra a corrupção da OEA, e mesmo da ONU), o que se configura em mais um
indício que demonstra a internalização recente do regime e dos campos de conhecimento a ele
subjacentes. Notou-se também que de 2003 em diante, o tema corrupção é tratado sempre em
dois capítulos diferentes: o dedicado à “Segurança Pública” e o que trata de “Gestão do
Estado e Combate à Corrupção”, aquele relatando as operações policiais contra a corrupção e
o crime organizado no âmbito do Ministério da Justiça, e este enumerando as políticas e
medidas de dimensão administrativa no âmbito da CGU. Segundo, a partir da leitura da Lei
Orçamentária Anual, o Programa, intitulado “Controle Interno, Prevenção e Combate à
Corrupção”, a cargo da Controladoria-Geral da União alberga a Ação 173.2B13, denominada
“Ações de Prevenção à Corrupção e Transparência Governamental. Entretanto, encontra-se
ligado ao Ministério da Justiça o Programa 1164 “Prevenção e Combate à Lavagem de
Dinheiro”, do qual fazem parte ações relativas à corrupção, a saber, a Ação 1164.8217
“Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA)”, e a
Ação 1164.2390 “Capacitação Técnica de Agentes em Combate à Corrupção e à Lavagem de
Dinheiro”.
Na continuação do Capítulo 2, a partir desse paralelismo entre os regimes da
antilavagem e da anticorrupção, e da bidimensionalidade da anticorrupção, efetuamos uma
análise da ENCCLA enquanto vetor de políticas públicas anticorrupção, mediante uma
metodologia de categorização e classificação do conjunto de diretrizes produzidas pela
Estratégia, com o objetivo de, ineditamente, demonstrar e mensurar a complexidade do
regime da anticorrupção. A análise que propomos recai sobre o momento de formação das
políticas públicas. Mais especificamente, analisamos os objetivos declaradamente desejados
pela ENCCLA enquanto vetor das políticas antilavagem e de parte das políticas
anticorrupção, que se apresenta como um modelo de gestão de organizações e projetos no
setor público no estilo de joined-up government. A análise do conteúdo das diretrizes da
ENCCLA revelou perspectivas sobre a pertinência do conjunto das medidas tomadas com as
necessidades dos regimes de AML e anticorrupção, sobre a forma de atuação dos seus
partícipes e sobre a compatibilidade de tratamento de dois regimes distintos, ainda que
165
paralelos. Principalmente, a análise serviu para demonstrar a complexidade do intercâmbio
entre as dimensões criminal e administrativa das políticas anticorrupção. Assim, os principais
achados da análise, sintetizados em inferências gráficas, foram:
a. Ilustração 9: Queda das diretrizes criminais e elevação das medidas
administrativas ocorreram de 2006 a 2007, período de entrada do tema
corrupção na ENCCLA, o que parece confirmar a hipótese de que, enquanto o
regime da AML é majoritariamente vinculado ao sistema penal, o regime da
anticorrupção é também largamente baseado em medidas administrativas;
b. Ilustração 9: após o seu pico, o número de medidas administrativas
decaiu constantemente de forma brusca (58% para 36% em três anos). Talvez
isso indique que a ENCCLA, comunidade formada principalmente por
profissionais ligados a áreas persecutórias, e mais familiarizados, portanto,
com o sistema penal, não “digeriu” de forma apropriada a dimensão
administrativa do regime da anticorrupção.
c. Ilustração 10: aclive acentuado (de 10 para 50%) da linha da corrupção
ocorre no ano de entrada da corrupção na Estratégia, e desde 2007 a
participação da corrupção nas diretrizes da Estratégia praticamente se equipara
à da lavagem.
d. Ilustração 10: criminalidade organizada oscila de ano para ano, mas está
sempre presente em um percentual significante (na última reunião 32% das
diretrizes). Isso pode indicar a nossa hipótese de que o tema lavagem de
dinheiro, apesar de dar nome à ENCCLA, é na verdade instrumental a uma
política maior, a de combate à criminalidade organizada.
e. Ilustração 12: Em 2007 a participação dos órgãos persecutórios
apresenta uma queda, provavelmente relacionada ao crescimento da dimensão
administrativa, acarretada, por sua vez, pelo ingresso nesse ano do tema
anticorrupção na ENCCLA.
f. Ilustração 12: Crescimento, pelo menos até 2008, da participação de
órgãos de controle como protagonistas.
No Capítulo 3 relacionamos a complexidade da anticorrupção, presente tanto na
internacionalização quanto nas políticas públicas internas desse regime, à teoria jurídica,
notadamente no contexto da administrativização e da expansão do direito penal, e do direito
penal do risco. As características do que denominamos complexidade são percebidas pela
teoria jurídica atual e problematizadas, especialmente no que toca ao direito penal, como um
esvaziamento de sua racionalidade e de seus princípios tradicionais, no que Delmas-Marty
denomina de “bricabraque penal”. Nessa retirada de marcos, não só o conteúdo das normas é
afetado, mas a sua própria organização, desaparecendo as divisões que separam as grandes
categorias ou disciplinas nas quais se repartem as diversas espécies de direito: penal, civil e
administrativo. E isso pode significar mais do que um ajuste das técnicas jurídicas à
complexidade do mundo pós-industrial, pois põe em causa o princípio da razão: quando os
contornos do direito de punir se perdem entre uma legalidade muito enfraquecida e uma
166
repressão administrativa em pleno desenvolvimento, enfraquece-se a qualidade de
racionalidade interna e sistêmica do direito. E, em um sentido estrutural de racionalidade e
justiça, a correlação entre ambas é particularmente importante para o direito penal, vez que,
desde o iluminismo, verifica-se a preocupação teórica de construir um sistema racional e
coerente que permita aplicação segura das normas, de acordo com determinados critérios e
princípios de proteção do indivíduo dos abusos do poder punitivo. A racionalidade apresenta-
se como penhor da segurança jurídica e de proteção à arbitrariedade.
Ainda no Capítulo 3, eminentemente teórico, aprofundamos conceitualmente o que
entendemos por corrupção. Dada a amplitude semântica do termo e a equivocidade de seu
conceito, a corrupção é objeto de preocupação das ciências sociais, da comunicação, da
economia, da teoria do Estado e da ciência da administração. Ainda que um conceito comum
não tenha sido encontrado pela comunidade internacional para descrever precisamente tal
fenômeno, como nesta dissertação o que importa é um conceito jurídico, utilizamos um
modelo também normativo para estabelecer uma definição do que seja “ato de corrupção”, e
nesse método escolhemos como critério utilizado para se definir corrupção o direito
internacional público. O Brasil, que é signatário da Convenção Interamericana contra a
Corrupção (Caracas/1996, promulgada pelo Decreto 4.410/2002) e da Convenção das Nações
Unidas contra a Corrupção (Mérida/2003, promulgada pelo Decreto 5.687/2006), adotou
também, normativamente as definições dessas convenções. Apesar de que elas também não
conceituam o que seja corrupção, ambas contêm uma parte que obriga os Estados-partes a
criminalizar uma série de atos que enumera e descreve (Capítulo III na convenção da ONU, e
Artigo VI na convenção da OEA). Esses seriam os atos de corrupção para os fins de nosso
estudo, e é relevante destacar que a lista que produzimos a partir das Convenções (Apêndice
B), é significativamente mais extensa do que os tipos literais clássicos (corrupção ativa e
passiva, peculato, concussão...).
Apesar de termos definido, ex ante, um conceito de trabalho para corrupção
eminentemente normativo, apresentamos uma perspectiva que acreditamos útil como
fundamentação de certo pessimismo em relação à corrupção, na visão oferecida pelos diversos
estudiosos da chamada “teoria das elites”. Tais teóricos, ao se debruçar sobre as estudar as
práticas das elites políticas dominantes das mais diversas sociedades, chegaram, nesse ponto
em particular quanto à corrupção, a conclusões pessimistas porque entendem que em todas as
civilizações há o gerenciamento dos negócios públicos por uma minoria de pessoas influentes,
167
que exerce as funções políticas, monopoliza o poder e goza das vantagens que o poder traz, o
que inclui, invariavelmente, o ganho privado mediante o ofício público.
Também no Capítulo 3 relacionamos o crescimento do regime da anticorrupção a um
fenômeno mais amplo de expansão do direito penal, algo típico da modernidade, e
especialmente para interesses transindividuais (como são os interesses que fundamentam a
tipificação penal de atos de corrupção). Particularmente interessante nesse aspecto da
expansão do direito penal são as influências causadas pela assim chamada sociedade do risco,
e pela apreensão, pelo direito, do risco como uma categoria operacionalizável juridicamente.
Acerca da corrupção como risco, nesta dissertação representamos a corrupção como
um pessimismo, já antigo e latente. Esse pessimismo é uma postura de previsão ou
representação futura de que é provável que um político ou outro funcionário vai se utilizar de
poderes da sua posição no Estado para de alguma forma se beneficiar em sua esfera particular.
Também faz parte do campo semântico desse pessimismo a corrupção ser encarada como um
evento indesejável. Com a modernidade, representada pelo ocaso dos conhecimentos
tradicionais causado pela ascensão da hegemonia da causalidade científica, a corrupção deixa
de ser vista apenas como um perigo. A modernidade acredita que a corrupção mina a boa
governança e destrói a confiança pública na justiça e na imparcialidade da administração
pública. Esses efeitos são maximizados pelas funções do Estado moderno, que se apropria
tributariamente de boa parte da riqueza gerada pelos particulares, e a reverte em serviços
públicos na tentativa de corrigir ou mitigar desigualdades sociais. Em casos extremos de
corrupção endêmica, a própria existência do Estado coloca-se em perigo – o “combate” contra
a corrupção aparece na propaganda e no discurso legitimador de praticamente todos os grupos
revolucionários modernos, armados ou organizados em partidos. Mas também se acredita que
a corrupção pode distorcer seriamente a concorrência e pôr em perigo o desenvolvimento
econômico, quando, por exemplo, as empresas subornam agentes públicos para vencer
licitações. Com a globalização das estruturas econômicas e financeiras, bem como com a
integração dos mercados nacionais em um mercado global, as decisões tomadas sobre os
movimentos de capitais ou investimentos em um país podem fazer efeitos em outros.
Corporações multinacionais e investidores internacionais desempenham um papel
determinante na economia atual e não são limitados por fronteiras, e manter as regras do
mercado leais e transparentes é tanto do interesse dos operadores econômicos, como de todos
os afetados pela economia global. A modernidade, então, encara a corrupção como um risco:
168
ela é um evento que possui causas e efeitos demonstráveis, e cuja ocorrência futura pode ser
precisada em termos probabilísticos.
Na sociedade de risco, são criadas formas técnicas sistemáticas para se lidar com a
corrupção. Neste âmbito, o foco da dissertação recaiu, dentro de uma concepção do direito
enquanto tecnologia, sobre as formas jurídicas adequadas ou apropriadas para se lidar com a
corrupção na sociedade de riscos. Entretanto, também correlacionamos a expansão do direito
penal ao estado de “crise de responsabilidade”, argumentando que o tratamento da corrupção
enquanto risco pelo direito penal é um desvio característico dos extremos punitivos da
“irresponsabilidade organizada”.
A reação à expansão do direito penal como campo jurídico inadequado para se lidar
com a corrupção impõe a busca prospectiva de novas formas jurídicas apropriadas para tanto.
Assim, correlacionamos nossas preocupações a de outros estudiosos que já tratam, sob
concepções distintas, da aproximação entre o direito penal e o direito administrativo,
identificando um modelo que acreditamos ser apto a restaurar a racionalidade do sistema
jurídico no que toca aos regimes punitivos contra a corrupção. Esses modelos não postulam o
fim do direito penal, por óbvio, mas propugnam o seu retorno à subsidiariedade, a um “direito
penal nuclear”, inclusive com a abolição criminal de algumas condutas. Esses modelos
recebem diversos nomes: Direito de Intervenção, Direito Penal de Duas Velocidades, e
Ilícitos de Mera Ordenação Social.
Dado o modelo do direito de intervenção de Hassemer, investigamos de quais
parâmetros devem ser especificados na construção dessa nova racionalidade. Uma dificuldade
inicial na concepção de um direito de intervenção anticorrupção ocorreu por falta de modelos
mais ou menos concretos em que se basear. A teoria jurídica versa, comumente, ou sobre o
direito posto, ou sobre o direito aplicado. Não temos nenhum dos dois presentes, ainda que
embriões possam ser identificados. O escopo deste trabalho não se trata, tampouco, da
proposição de um modelo legislativo abstrato, nem da discussão da solução a um caso
jurídico concreto. É, apenas, uma teorização jurídica sobre um contexto jurídico ainda
excessivamente aberto (sociedade de risco) e com escassez e assistematização de sua
positivação (regime da anticorrupção, internacional e internalizado).
Esta dissertação vai além da teorização inicial da administrativização do direito penal
já feita com maior propriedade por Hassemer e Silva-Sanchez. Portanto, foi possível apontar
uma série de características, umas desejadas e outras já existentes de forma esparsa, que
169
seriam próprias do programa do direito de intervenção anticorrupção. A dificuldade neste
momento, precedente aos capítulos propositivos, é como sistematizar e densificar as
conjecturas de Hassemer e Silva-Sanchez em um modelo jurídico racional. Escolhemos como
modelo agregador das proposições jurídicas desta dissertação o “Conceito de Direito” de
Herbert Hart.
Hart, após identificar três “defeitos” que atingiriam as práticas costumeiras de
sociedades tradicionais, estabeleceu um remédio para cada um destes três defeitos principais,
os quais consistem em complementar as regras primárias de obrigação com regras
secundárias, as quais são regras de diferente espécie. A introdução de uma solução para cada
defeito poderia em si ser considerado um passo na passagem do mundo pré-jurídico para o
jurídico, no âmbito da concepção de Hart de que o direito pode ser caracterizado como uma
união de regras primárias de obrigação com regras secundárias de institucionalização. A
noção de direito, ou pelo menos de sistema jurídico, surge então, para Hart, na medida em que
uma sociedade desenvolve um grau sofisticado o bastante de racionalização jurídica de forma
a atribuir às regras primárias o suficiente complemento das regras secundárias. É justamente
nesses corretivos aos defeitos da regra primária que se situaram os Capítulos 4 e 5, nos quais
usamos o modelo de regras primárias e secundárias de Hart como ilustração das propostas
normativas, dando uma feição sistêmica e mais completa ao cenário de tecnologia jurídica que
ora propomos.
Assim, no Capítulo 4 tentou-se conferir uma existência mais concreta, ainda que
meramente prospectiva, aos modelos alternativos à expansão do direito penal sobre interesses
jurídicos relativos a fenômenos tipicamente de riscos e reduzimos o âmbito dos modelos em
questão (que têm uma pretensão alternativa geral, isto é, voltada para todos os fenômenos de
risco) para propostas jurídicas especificamente voltadas para se lidar com a corrupção, com a
conseqüente denominação que adaptamos de “direito de intervenção anticorrupção”.
Fundamentamos e legitimamos a proposta de um direito de intervenção anticorrupção com
base em critérios de política criminal consensualmente reconhecidos, e definimos o seu marco
principiológico, subjacente às medidas jurídicas concretas correspondentes, e que aparta o
direito de intervenção do direito penal e do direito administrativo.
O marco principiológico do direito de intervenção anticorrupção seria resultado de
uma flexibilização controlada de princípios do direito penal tradicional, mediante uma
reinterpretação de algumas garantias e regras de imputação clássicas. Mas essa flexibilização
170
serviria para desviar ou minorar a expansão do direito penal, mantendo a sua subsidiariedade.
Em oposição à obrigatoriedade/indisponibilidade da ação penal, o processo no direito de
intervenção anticorrupção se apresentaria pautado pela discricionariedade/oportunidade e
admitir-se-ia a responsabilização da pessoa jurídica, a ampliação causal das regras de autoria,
a imputação por omissão ou negligência e a preponderância apuratória e processual do
processo interventivo sobre o processo penal. Quanto à política criminal, o direito de
intervenção anticorrupção se legitima ao incentivar a descriminalização e o
desencarceramento, focalizando sua força em uma retributividade digna, não degradante do
ser humano e menos estigmatizante.
O conteúdo sancionatório desse novo campo jurídico constituir-se-ia de penas
restritivas ou extintivas de direitos, ou pecuniárias, mas um mecanismo próprio de persecução
atribuiria ao direito de intervenção um simbolismo gravoso de censura moral, o que pode ser
também alcançado com o incremento da magnitude e da gravidade das penas restritivas de
direito e pecuniárias. O valor do conteúdo coercitivo deve ser buscado na reparação dos danos
causados, e, sobretudo, na prevenção de novos ilícitos. Diferentemente do direito penal
tradicional, focado na prevenção normativa, no direito de intervenção anticorrupção seria
buscada em especial a prevenção técnica, e a forma de estruturação das obrigações jurídicas
seria adaptada a essas necessidades.
As sanções em espécie do direito de intervenção anticorrupção teriam em comum a
visão de que os objetivos de uma tecnologia jurídica aplicada e adequada devem ser o de
isolar os sistemas corruptos que estão causando os maiores danos à sociedade e, em seguida,
para organizar o esforço de dissuasão, incentivar os participantes a denunciarem um negócio
corrupto e usarem mecanismos jurídicos de risco regulatório para em alguma medida inverter
e transferir o risco da corrupção da sociedade para o setor privado, tornando a corrupção cara
e custosa para os operadores econômicos. Uma simples enumeração das sanções:
a. Publicidade da decisão condenatória;
b. Proibição, por tempo determinado ou definitivamente, de contratar com
a Administração, ou de receber subvenções, incentivos fiscais ou
empréstimos do Estado;
c. Sanções pecuniárias, como multa ou obrigação de reparar o dano,
acompanhadas de medidas processuais e acautelatórias de urgência,
171
como ação civil de extinção de domínio ou bloqueio patrimonial em
flagrante;
d. Suspensão de atividade ou interdição de estabelecimento;
e. Estabelecimento ou reforço de medidas ou programas internos
preventivos da corrupção;
f. Designação de um interventor;
g. Extinção ou dissolução forçada da pessoa jurídica;
h. Proibição ou inabilitação para exercer determinada atividade
profissional;
i. Remoção forçada para outra atividade/setor, impedimento de retorno à
posição anteriormente ocupada, impedimento de assumir determinados
cargos ou demissão de agentes públicos;
j. Sanções positivas: leniência a participante, proteção a denunciante, e
premiação honorífica, pecuniária ou pro rata.
No Capítulo 5 expandimos o modelo do Capítulo 4, e situamos em qual autoridade
repousará o poder para aplicar as regras do direito de intervenção corrupção, e para
estabelecer os regulamentos infralegais necessários à sua aplicação. Assim, apresentamos os
diversos conceitos e competências de Agências Anticorrupção encontradas
comparativamente, nos modelos já existentes de law enforcement, prevenção, ou mistas. Para
além desses modelos, entretanto, uma agência anticorrupção apta a aplicar o direito de
intervenção anticorrupção deveriam possuir atribuições voltadas à prevenção da corrupção,
alguns poderes persecutórios e capacidades operacionais correlatas,
competências/capacidades de realizar pesquisas sobre o fenômeno da corrupção, bem como
poderes regulatórios. O aspecto regulatório em partícula deriva do fato de que um dos
objetivos principais do direito de intervenção anticorrupção é a transferência do risco da
corrupção para aqueles que mais provavelmente dela se beneficiam, isto é, certas áreas e
pessoas dos setores privado e público.
Essa transferência de risco só pode ser feita de forma apta a partir do conhecimento
técnico-científico acerca do risco que se quer transferir, neste caso a corrupção. Ao mesmo
tempo, a transferência de risco deve estar exposta na estrutura obrigacional-sancionatória das
regras de intervenção anticorrupção, e a forma de fazê-lo é obrigar os atores mais prováveis
da corrupção a adotar medidas ou práticas reconhecidamente aceitas como relevantes para
prevenir casos de corrupção futura, ou revelar casos de corrupção presentes. Entretanto,
172
conforme já demonstrado, como o conhecimento sobre o fenômeno da corrupção está em
constante evolução, e os padrões de risco podem ser alterados em curto período de tempo, de
acordo com o foco de atuação de uma ACA especializada, a solução que apontamos foi a
criação de uma regra de alteração [segundo a concepção de Hart] para o direito de intervenção
anticorrupção nos moldes do direito regulatório. Ou seja, a ACA interventiva teria poderes de
criar regulamentos anticorrupção. A legitimidade desse arranjo foi demonstrada por meio de
comparações com propostas atuais de reconfiguração da separação de poderes, nos moldes de
uma “especialização funcional” e de afirmação, com fundamento no conhecimento e na
técnica, de órgãos temáticos dedicados ao governo dos riscos.
Encerro o trabalho com algumas considerações de natureza metodológica, mas
também em certo grau exortativas. Posto não ser a prospecção teórica de novas técnicas ou
campos do direito uma abordagem comum para a academia jurídica – usualmente mais
apegada a descrever o presente ou a estabelecer relações causais ingênuas com o passado –,
isso não significa que a tarefa seja impossível, desde que utilizadas as ferramentas adequadas.
Escolhemos trabalhar com doutrina nacional e estrangeira, direito comparado, direito
internacional e analogias com institutos internos. Ainda que essas ferramentas não garantam,
por si sós, que um direito de intervenção seja mais adequado, do ponto de vista de uma
tecnologia jurídica, para se lidar com a corrupção ou com a corrupção enquanto risco, elas
permitiriam, ao menos, a capacidade de antevisão e de autoconsciência dos juristas sobre a
correta fundamentação e colocação de inovações legislativas relativas ao assunto. E essa
autoconsciência da nossa posição no ambiente jurídico global que nos cerca é relevante
demais para ser negligenciada: as múltiplas ordens, sistemas jurídicos, comunidades, fóruns,
organizações temáticas e tribunais internacionais demonstram que há, além da
supranacionalidade tradicional do direito internacional, uma “transnacionalidade jurídica”
entre os ordenamentos internos dos países. Essa “transnacionalidade” caracteriza-se pela
transferência de normas entre sistemas legais, uma prática comum que pode não ser
vinculativa, mas é indubitavelmente informadora das práticas jurídicas, ao ponto de se afirmar
que transplantes jurídicos são o principal motor das mudanças no direito. O maior objetivo
deste trabalho foi mostrar que, em boa medida, o futuro já chegou. Só nos falta reconhecê-lo
como tal.
173
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ANEXO A – DIRETRIZES ENCLA/ENCCLA DE 2004 A 2010
ENCLA 2004
2004 Meta 1
Instalar o Gabinete de Gestão Integrada de Prevenção e Combate à Lavagem de Dinheiro
(GGI-LD), secretariado pelo DRCI/MJ, composto pelos órgãos do Executivo, Judiciário e
Ministério Público participantes da ENCLA, encarregado de coordenar e articular
permanentemente a atuação do Estado na prevenção e combate à lavagem de dinheiro.
Responsável: DRCI
Prazo: 16/12/2003
2004 Meta 2
Recomendar aos membros do GGI-LD que os pedidos de cooperação jurídica internacional
ativa, provenientes do Judiciário, do Ministério Público e das autoridades policiais, federais e
estaduais, bem como as autorizações para cooperações operacionais diretas (que implicam em
compromisso de reciprocidade internacional) sejam centralizadas no Ministério da Justiça
(DRCI).
Responsável: DRCI
Prazo: 31/3/2004
2004 Meta 3
Promover a elaboração de Decreto que inclua representante do Ministério da Previdência
Social no COAF.
Responsável: C.CIVIL
Prazo: 31/3/2004
2004 Meta 4
Realizar mensalmente reuniões ordinárias do plenário do COAF. Os conselheiros devem
passar a receber relatórios gerenciais das atividades desenvolvidas pela Secretaria Executiva
do COAF.
Responsável:COAF
Prazo: 31/3/2004
2004 Meta 5
Desenvolver, juntamente com a Secretaria de Fazenda do Estado de São Paulo, projeto piloto
de capacitação das secretarias estaduais de fazenda para atuação no combate à lavagem de
dinheiro.
Responsável: DRCI
Prazo: 31/3/2004
2004 Meta 6
Elaborar, em conjunto com a Casa Civil da Presidência da República e o Ministério Público
Federal, projeto de código de ética que oriente os agentes públicos envolvidos em atividades
investigatórias sobre o relacionamento que devem ter com a imprensa, equilibrando a
liberdade de imprensa com a necessidade de sigilo para o êxito das investigações e a de
preservar a presunção de inocência.
Responsável:CGU
Prazo: 31/7/2004
184
2004 Meta 7
Apresentar estudo sobre as medidas necessárias para dispensar autorização judicial para
acesso a dados bancários, fiscais, comerciais aos órgãos encarregados da investigação e
acusação do crime de lavagem de dinheiro. Nesse estudo devem estar previstos rotinas e
procedimentos que resguardem as garantias individuais à privacidade e à presunção de
inocência. O Grupo de Trabalho (formado por representantes representantes dos órgãos que
compõem o GGI) deverá estudar também a alteração do decreto 2.799/98 (autorização judicial
para compartilhamento de dados entre os órgãos com assento no COAF) e a flexibilização do
sigilo bancário e fiscal dos agentes públicos e das pessoas jurídicas que contratam com o
Estado.
Responsável: GGI-LD
Prazo: 31/7/2004
2004 Meta 8
Obter junto ao TSE o acesso ao cadastro eleitoral para os órgãos públicos que atuam no
combate à lavagem de dinheiro.
Responsável: GGI-LD
Prazo: 31/3/2004
2004 Meta 9
Fazer levantamento de todos os sistemas de informática e das bases de dados que podem ser
úteis ao combate à lavagem de dinheiro, com suas características e dificuldades (jurídicas,
políticas e técnicas) de acesso, através do Comitê de Tecnologia do GGI-LD (ABIN, AGU,
CGU, BACEN, BB, CEF, COAF, CJF, DRCI, DPF, SENASP, SRF e CGU)
Responsável: DRCI
Prazo: 31/7/2004
2004 Meta 10
Apresentar ao GGI-LD um projeto para consulta on-line e simultânea aos cadastros de
veículos, embarcações e aeronaves.
Responsável: DRCI
Prazo: 31/7/2004
2004 Meta 11
Apresentar projeto de criação do Cadastro Nacional de Imóveis.
Responsável: DRCI
Prazo: 31/7/2004
2004 Meta 12
Criar banco de dados de investigações, denúncias e condenações sobre lavagem de dinheiro.
Responsável: CJF
Prazo: 31/7/2004
2004 Meta 13
Providenciar a estruturação definitiva do COAF (substituindo os atuais cargos DAS
temporários).
Responsável: C.CIVIL
Prazo: 31/3/2004
185
2004 Meta 14
Apresentar ao GGI-LD relatório sobre medidas de prevenção e combate à lavagem de
dinheiro fora do setor financeiro (ex.: agricultura, indústria, comércio e serviços).
Responsável: COAF
Prazo: 31/7/2004
2004 Meta 15
Elaborar (em conjunto com a AGU, MPF e DRCI) estudo sobre a possibilidade de
criminalização do enriquecimento ilícito, considerando os termos das Convenções da OEA e
da ONU, assinadas pelo Brasil.
Responsável:CGU
Prazo: 31/7/2004
2004 Meta 16
Publicar, mensalmente, estatísticas sobre solicitações de cooperação jurídica internacional,
diretas e indiretas, ativas e passivas, e seus resultados. As informações devem ser divididas
por país e região de procedência ou destino e assunto.
Responsável: DRCI
Prazo: 31/7/2004
2004 Meta 17
Publicar, em coordenação com o MPF, PF, DRCI, SENASP, Secretarias de Segurança
Pública e Tribunais de Justiça dos Estados, estatística mensal sobre o número de inquéritos,
ações penais, condenações, absolvições e quantidade de pena aplicada, relacionados ao crime
de lavagem de dinheiro, no âmbito federal e estadual. As informações devem ser classificadas
por localização geográfica (cidade).
Responsável: CJF
Prazo: 31/10/2004
2004 Meta 18
Apresentar estudo para dar maior eficiência sobre a administração de bens bloqueados,
alienados e confiscados.
Responsável: DRCI
Prazo: 31/7/2004
2004 Meta 19
Elaborar estudo sobre quantidade, valor e destino dos ativos apreendidos por órgãos públicos
e apresentar projeto para otimização do sistema de recuperação de ativos e de sua capacidade
de autofinanciamento.
Responsável: DRCI
Prazo: 31/7/2004
2004 Meta 20
Avaliar e propor alterações nos projetos de lei que: ampliam a tipificação do crime de
lavagem de dinheiro, desvinculando-o de rol exaustivo de crimes antecedentes; introduzem o
bloqueio administrativo de ativos ilícitos; conceituam organização criminosa; tipificam os
crimes de terrorismo e financiamento ao terrorismo; e modificam a Lei 9.613/98. O Grupo de
Trabalho (formado por representantes da AGU, COAF, DRCI, CJF, MPF, CGU e ABIN)
deve ficar responsável pelo acompanhamento dos projetos no Congresso Nacional, tendo
como meta suas aprovações até outubro de 2004. O Grupo deve acompanhar também a
186
aprovação dos tratados internacionais assinados pelo Brasil que tenham reflexos no combate à
lavagem de dinheiro.
Responsável: GGI-LD
Prazo: 31/10/2004
2004 Meta 21
Coordenar esforços do MPF, AGU e MJ na sustentação da inconstitucionalidade do foro
privilegiado para ex-autoridades.
Responsável: GGI-LD
Prazo: 31/7/2004
2004 Meta 22
Apresentar, em conjunto com o Ministério das Relações Exteriores, cronograma de acordos
internacionais de cooperação jurídica e policial, a ser executado nos anos de 2004 e 2005,
dando preferência aos países conhecidos como paraísos fiscais ou que tenham grande
potencial de cooperação internacional com o Brasil.
Responsável: DRCI
Prazo: 31/3/2004
2004 Meta 23
Coordenar os esforços do MPF, da AGU e do MJ para provocar a revisão da jurisprudência
do STF que impede a concessão de "exequatur" em cartas rogatórias que objetivam quebra de
sigilos legais e outras medidas de "caráter executivo" indispensáveis para a eficiência do
combate transnacional ao crime.
Responsável: GGI-LD
Prazo: 31/7/2004
2004 Meta 24
Dar ampla divulgação no site do Ministério da Justiça aos acordos de cooperação jurídica
internacional e às decisões judiciais sobre o tema.
Responsável: DRCI
Prazo: 31/7/2004
2004 Meta 25
Apresentar, após consulta aos demais membros do GGI-LD, programa de capacitação,
treinamento e especialização, com cursos de pequena (seminários), média (atualização) e
longa duração (especialização), para agentes públicos que atuam no combate à lavagem de
dinheiro. Os cursos de curta e média duração devem ser voltados ao estudo de casos práticos,
de tipologias de lavagem de dinheiro ou treinamentos específicos. Os cursos de longa
duração, com característica multidisciplinar, devem formar agentes públicos altamente
especializados no combate à lavagem de dinheiro, abragendo conhecimentos jurídicos,
financeiros, técnicas de investigação e o uso de softwares e equipamentos de última geração.
Responsável: DRCI
Prazo: 31/3/2004
2004 Meta 26
Promover a inclusão nos currículos acadêmicos de graduação e pós-graduação do estudo da
criminalidade transnacional e, especialmente, do combate à lavagem de dinheiro e da
cooperação jurídica internacional.
Responsável: DRCI
187
Prazo: 31/12/2004
2004 Meta 27
Avaliar, em conjunto com o Ministério Público do Estado de São Paulo, a criação de
procuradorias e promotorias especializadas no combate à lavagem de dinheiro.
Responsável: MPF
Prazo: 31/7/2004
2004 Meta 28
Apresentar ao GGI-LD programação de projetos destinados a ampliar a atuação dos Estados
(Poder Judiciário, Ministério Público, Polícias e Secretarias de Fazenda) no combate à
lavagem de dinheiro.
Responsável: DRCI
Prazo: 31/3/2004
2004 Meta 29
Preparar instrumento normativo e campanha para orientar os órgãos públicos federais e
estaduais a investigar sinais exteriores de riqueza e outros indícios de corrupção e lavagem de
dinheiro apresentados por seus funcionários (sindicância patrimonial).
Responsável:CGU
Prazo: 31/7/2004
2004 Meta 30
Elaborar estudo sobre o controle da liquidez imediata dos serviços bancários, em função do
perfil financeiro do cliente, como forma de dar efetividade à prevenção da lavagem de
dinheiro.
Responsável: BACEN
Prazo: 31/3/2004
2004 Meta 31
Apresentar relatório sobre a lavagem de dinheiro no Brasil por meio de "operações financeiras
estruturadas".
Responsável: BACEN
Prazo: 31/3/2004
2004 Meta 32
Elaborar, em conjunto com a Secretaria da Receita Federal, estudo sobre as medidas
necessárias para combater a lavagem de dinheiro por empresas "off-shore", especialmente
sobre a ampliação dos meios de identificação dos controladores das empresas sediadas no
exterior que participem do quadro societário empresas nacionais,
bem como a comprovação da origem dos respectivos investimentos.
Responsável: COAF
Prazo: 31/10/2004
Metas ENCLA 2005
2005 Meta 1
188
Criar o Comitê Gestor (CG-SISBRA) do “Ambiente Eletrônico do Gabinete de Gestão
Integrada de Prevenção e Combate à Lavagem de Dinheiro e de Recuperação de Ativos (GGI-
LD)”, o qual ficará responsável por sua especificação, desenvolvimento, coordenação e
manutenção geral.
Responsável: GGI-LD
Prazo: 01/03/2005
2005 Meta 2
Implementar o “Cadastro Nacional de Correntistas (CCS)”.
Responsável: BACEN
Prazo: 30/06/2005
2005 Meta 3
Reabrir o inventário dos sistemas de informações e das bases de dados úteis à recuperação de
ativos e ao combate à lavagem de dinheiro para que os órgãos possam atualizar as
informações.
Responsável: DRCI
Prazo: 31/03/2005
2005 Meta 4
Implementar o acesso às informações disponíveis, passíveis de compartilhamento entre os
membros do GGI, no “Ambiente Eletrônico do Gabinete de Gestão Integrada de Prevenção e
Combate à Lavagem de Dinheiro e de Recuperação de Ativos (GGI-LD)”.
Responsável: CG-SISBRA Prazo: 31/10/2005
2005 Meta 5
Aperfeiçoar o cadastro de entrada e saída de brasileiros e estrangeiros em território nacional.
Responsável: DPF
Prazo: 31/10/2005
2005 Meta 6
Informatizar as declarações de porte de valores (Resolução CMN 2.524/98).
Responsável: SRF
Prazo: 31/10/2005
2005 Meta 7
Criar, em meio eletrônico, o rol de culpados da Justiça Federal, de 1º e 2º graus.
Responsável: CJF
Prazo: 31/08/2005
2005 Meta 8
Interligar as bases de dados de acompanhamento processual da Justiça Federal de 1º e 2º
graus.
Responsável: CJF
Prazo: 31/08/2005
2005 META 9
Estimular a criação de mecanismos eletrônicos para solicitar, receber e fornecer informações e
documentos entre os órgãos envolvidos no combate à lavagem de dinheiro e na recuperação
de ativos.
189
Responsável: CG-SISBRA
Prazo: 31/12/2005
2005 Meta 10
Fazer gestões junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para obter acesso ao cadastro
eleitoral e às prestações de contas de campanhas eleitorais para os órgãos que atuam no
combate à lavagem de dinheiro e na recuperação de ativos.
Responsável: GGI-LD
Prazo: 31/05/2005
2005 Meta 11
Implementar o Sistema Nacional de Pesquisa de Registro de Imóveis (Sinapri), proposto com
base na Meta 11 da ENCLA 2004.
Responsável: GGI-LD
Prazo: 31/10/2005
2005 Meta 12
Elaborar instrumento normativo dispondo sobre a fiscalização das empresas de transporte de
valores nacionais e internacionais e a obrigação de prestação de informações sobre guarda e
transporte de valores e sua propriedade.
Responsável: GGI-LD
Prazo: 30/06/2005
2005 Meta 13
Acompanhar a elaboração, em conjunto com a Secretaria da Receita Federal, de estudo de
medidas necessárias para combater a lavagem de dinheiro por empresas “off-shore”,
especialmente sobre ampliação dos meios de identificação dos controladores das empresas
sediadas no exterior que participem do quadro societário empresas nacionais, bem como a
comprovação da origem dos respectivos investimentos.
Responsável: GGI-LD
Prazo: 31/12/2005
2005 Meta 14
Elaborar anteprojeto de lei instituindo ação civil de perdimento de bens de origem ilícita.
Responsável: GGI-LD
Prazo: 31/10/2005
2005 Meta 15
Elaborar anteprojeto de lei de alteração do Código de Processo Penal e do Código Penal que
dinamize os procedimentos de apreensão, arresto, seqüestro, destinação e alienação de bens,
direitos e valores; institua a alienação antecipada para preservação do valor dos bens
indisponibilizados, sempre que necessária; destine aos Estados e Distrito Federal os bens,
direitos e valores cuja perda tenha sido decretada no âmbito dos processos de sua
competência.
Responsável: GGI-LD
Prazo: 31/10/2005
2005 Meta 16
Avaliar e elaborar proposta normativa para disciplinar a administração e destinação de bens,
direitos e valores indisponibilizados ou expropriados no curso do processo penal, bem como
190
após o trânsito em julgado da sentença condenatória. A proposta deverá prever o afastamento
dos ônus existentes sobre os bens alienados ou destinados e o repasse de recursos para
atividades de prevenção e repressão ao crime.
Responsável: GGI-LD
Prazo: 31/10/2005
2005 Meta 17
Desenvolver sistema de cadastramento e alienação de bens, direitos e valores apreendidos,
seqüestrados e arrestados em procedimentos criminais e processos judiciais, disponibilizando-
o às instituições integrantes do GGI-LD.
Responsável: CG-SISBRA
Prazo: 31/07/2005
2005 Meta 18
Iniciar o cadastramento de bens, direitos e valores apreendidos, seqüestrados e arrestados em
procedimentos criminais e processos judiciais.
Responsável: Varas Federais Especializadas
Prazo: 31/10/2005
2005 Meta 19
Sugerir aos órgãos do Ministério Público e do Poder Judiciário o melhor aproveitamento dos
bens apreendidos, seqüestrados, arrestados dentro das possibilidades legais já existentes,
inclusive a alienação antecipada, se necessário.
Responsável: GGI-LD
Prazo: 01/03/2005
2005 Meta 20
Elaborar anteprojeto de regulamentação infralegal de forças-tarefas.
Responsável: DRCI
Prazo: 30/04/2005
2005 Meta 21
Elaborar manual de boas práticas para o combate à lavagem de dinheiro e recuperação de
ativos, com a participação dos órgãos interessados.
Responsável: DRCI
Prazo: 31/10/2005
2005 Meta 22
Instalar o Comitê Executivo do Gabinete de Gestão Integrada de Prevenção e Combate à
Lavagem de Dinheiro (GGI-LD), encarregado de acompanhar e dar maior efetividade às
deliberações do Gabinete, secretariado pelo DRCI/MJ e integrado pelos seguintes órgãos:
Ministério da Justiça, Ministério da Fazenda, Casa Civil da Presidência da República,
Controladoria-Geral da União, Advocacia Geral da União, Gabinete de Segurança
Institucional da Presidência da República, Departamento de Polícia Federal, Banco Central,
Conselho da Justiça Federal, Ministério Público Federal, Conselho Nacional dos Procuradores
Gerais do Ministério Público dos Estados e da União e Secretaria da Receita Federal.
Responsável: GGI-LD
Prazo: 01/03/2005
2005 Meta 23
191
Criar, no âmbito do Departamento de Polícia Federal, unidades de repressão de crimes
financeiros nos locais onde foram instaladas Varas Federais especializadas no processo e
julgamento dos crimes contra o Sistema Financeiro e lavagem de dinheiro.
Responsável: DPF
Prazo: 31/10/2005
2005 Meta 24
Apresentar, ao GGI-LD, estratégia de integração dos Ministérios Públicos Estaduais e da
União em atividades relacionadas aos crimes financeiros.
Responsável: MP-SP
Prazo: 31/12/2005
2005 Meta 25
Sugerir que os Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos façam inserir o tema do combate
ao crime de lavagem de dinheiro nos seus planos de atuação estratégica.
Responsável: CNPG
Prazo: 01/03/2005
2005 Meta 26
Definir, no âmbito do PNLD, diretrizes de conteúdo para o desenvolvimento das ações de
capacitação de agentes públicos. Tais diretrizes deverão contemplar, entre outras: a) descrição
das atividades exercidas pelos membros do GGI-LD no sistema de combate à lavagem de
dinheiro e recuperação de ativos (de onde e como recebem as informações, como são
processadas internamente, e a quem devem ser encaminhadas); b) compilação de casos típicos
e atípicos para exercício de tipologia; e c) troca permanente de informações entre os
integrantes do GGI-LD sobre as iniciativas de capacitação, objetivando otimizar recursos.
Responsável: DRCI
Prazo: 31/07/2005
2005 Meta 27
Construir modelo de capacitação a ser disponibilizado para as Secretarias Estaduais de
Fazenda, a partir de projeto piloto desenvolvido na SEFAZ/SP, visando à especialização de
grupos e a formação de multiplicadores no combate à lavagem de dinheiro.
Responsável: CDEMP
Prazo: 31/07/2005
2005 Meta 28
Sugerir a inserção do tema lavagem de dinheiro nos concursos públicos afins aos temas de
lavagem de dinheiro e recuperação de ativos.
Responsável: GGI-LD
Prazo: 01/03/2005
2005 Meta 29
Sugerir ao MPOG que condicione a autorização de novos concursos públicos, afins aos temas
de lavagem de dinheiro e recuperação de ativos, à inserção do tema lavagem de dinheiro nos
programas.
Responsável: GGI-LD
Prazo: 01/03/2005
2005 Meta 30
192
Encaminhar sugestão do GGI-LD às instituições de ensino superior para a inclusão nos
currículos acadêmicos de graduação e pós-graduação do estudo da criminalidade
transnacional e, especialmente, do combate à lavagem de dinheiro e da cooperação jurídica
internacional, por documento formulado diretamente pelo GGI-LD.
Responsável: GGI-LD
Prazo: 01/03/2005
2005 Meta 31
Elaborar e implementar plano de divulgação nacional da ENCLA.
Responsável: DRCI e CJF
Prazo: 10/12/2005
2005 Meta 32
Disseminar, por meio eletrônico, Curso UNODC de noções fundamentais para o combate à
lavagem de dinheiro.
Responsável: DRCI
Prazo: 30/07/2005
2005 Meta 33
Criar boletim informativo sobre lavagem de dinheiro e recuperação de ativos com
periodicidade trimestral.
Responsável: DRCI
Prazo: 30/03/2005
2005 Meta 34
Fazer gestões no sentido de acelerar o processo de aprovação e ratificação dos tratados
internacionais assinados pelo Brasil os quais tenham reflexos no combate à lavagem de
dinheiro, bem como de seus protocolos.
Responsável: DRCI
Prazo: 31/12/2005
2005 Meta 35
Desenvolver sistema eletrônico de geração e encaminhamento automático de informações
sobre o andamento de solicitações de cooperação jurídica internacional às autoridades
interessadas.
Responsável: DRCI
Prazo: 31/12/2005
2005 Meta 36
Apresentar projeto de alteração das normas de contratação, pelo Estado brasileiro, de
escritórios de advocacia no exterior.
Responsável: AGU
Prazo: 31/07/2005
2005 Meta 37
Estabelecer cronograma de negociação de acordos de cooperação jurídica internacional para
os anos de 2005 e 2006.
Responsável: DRCI
Prazo: 31/03/2005
193
2005 Meta 38
Realizar seminário para debater a nova competência do STJ na cooperação jurídica
internacional.
Responsável: CJF
Prazo: 31/07/2005
2005 Meta 39
Elaborar publicação sobre cooperação jurídica internacional em matéria penal que contenha:
a) comentários aos tratados a que o Brasil tenha se vinculado; b) melhores práticas; c) dúvidas
e questões freqüentes; e d) modelos de solicitação de assistência.
Responsável: DRCI e CJF Prazo: 31/07/2005
2005 Meta 40
Difundir informações sobre a necessidade de se observar os limites para a utilização de
documentos obtidos por meio de cooperação jurídica internacional.
Responsável: DRCI
Prazo: 31/07/2005
2005 Meta 41
Apresentar estudo sobre o aprimoramento de mecanismos de cooperação jurídica
internacional nas fronteiras.
Responsável: GGI-LD
Prazo: 31/10/2005
2005 Meta 42
Promover a adesão às iniciativas referentes à implementação de sistemas de comunicação
direta (Iber-Rede e Sistema da OEA), à divulgação desses instrumentos e à troca de
experiências entre os órgãos envolvidos no combate à criminalidade organizada transnacional.
Responsável: DRCI
Prazo: 31/10/2005
2005 Meta 43
Realizar gestões junto ao Congresso Nacional no sentido de aprovar em caráter de urgência a
Convenção da ONU contra a Corrupção.
Responsável: Casa Civil
Prazo: 28/02/2005
Metas ENCLA 2006
2006 Meta 1
Definir Pessoas Politicamente Expostas (PEPs) em atenção ao disposto no Artigo 52 da
Convenção da ONU contra a Corrupção e na Recomendação nº. 6 do GAFI.
Órgão Responsável: CGU
Prazo: 31 de março de 2006
Outros Órgãos Envolvidos: TSE; COAF; DRCI; BACEN; CNPG; MPF; TCU; AGU; CNMP;
CNJ; ABIN; MP-TCU
194
2006 Meta 2
Desenvolver programa de altos estudos no combate à lavagem de dinheiro para o Poder
Judiciário.
Órgão Responsável: DRCI
Prazo: 31 de março de 2006
Outros Órgãos Envolvidos: CJF; SENAD; SRJ; ESMPU; CDEMP; FEBRABAN; ENM;
ENFAM; AJUFE
2006 Meta 3
Elaborar documento que regulamente o acesso dos Ministérios Públicos Estaduais às
informações protegidas por sigilo fiscal.
Órgão Responsável: SRF
Prazo: 31 de março de 2006
Outros Órgãos Envolvidos: GNCOC; CNPG; SRP; PGFN; MPF; ANPR; AGU
2006 Meta 4
Apresentar relatório sobre a possibilidade de informatizar o acesso do Poder Judiciário, do
Ministério Público Federal e do COAF às informações da Secretaria da Receita Federal.
Órgão Responsável: SRF
Prazo: 30 de março de 2006
Outros Órgãos Envolvidos: CJF; MPF; COAF; DRCI; SRJ; CNPG; CGU; AGU; MP-TCU
2006 Meta 5
Regulamentar, no âmbito das respectivas competências, as obrigações do sistema financeiro
em relação às Pessoas Politicamente Expostas (PEPs).
Órgão Responsável: BACEN; CVM; COAF; SUSEP; SPC
Prazo: 30 de junho de 2006
Outros Órgãos Envolvidos:
2006 Meta 6
Apresentar, no âmbito das competências de cada órgão, normativos sobre os aspectos
financeiros do transporte de valores nacionais e internacionais e a obrigação de prestação de
informações pelas empresas.
Órgão Responsável: COAF; SRF; BACEN
Prazo: 30 de junho de 2006
Outros Órgãos Envolvidos: DPF
2006 Meta 7
Criar Grupo de Trabalho para analisar a eficácia do cumprimento das ordens judiciais e das
requisições do Ministério Público e da punição pelo seu descumprimento.
Órgão Responsável: CJF
Prazo: 30 de junho de 2006
Outros Órgãos Envolvidos: SRJ; AJUFE; MPF; DRCI; AGU; ANPR; AMB; DPF; CNPG
2006 Meta 8
Propor medidas para aperfeiçoar a proteção de informações sigilosas.
Órgão Responsável: ANPR
Prazo: 30 de junho de 2006
Outros Órgãos Envolvidos: MPF; AJUFE; CJF; DPF; DRCI; COAF; BACEN; SRF; ABIN;
GSI; CNPG; SPC; CVM
195
2006 Meta 9
Elaborar anteprojeto de lei aperfeiçoando a disciplina das técnicas especiais de investigação.
Órgão Responsável: AJUFE
Prazo: 30 de junho de 2006
Outros Órgãos Envolvidos: MPF; DPF; ANPR; CJF; SRF; ABIN; APE/MPS; SENASP;
CNPG
2006 Meta 10
Apresentar projeto de apoio à gestão de ativos sujeitos a constrição judicial, até final
destinação.
Órgão Responsável: DRCI
Prazo: 30 de junho de 2006
Outros Órgãos Envolvidos: SPU; SENAD; CJF; CNJ; DPF; SRF; MPF; CNPG; AGU; PGFN
2006 Meta 11
Elaborar projeto de lei que tipifique organização criminosa.
Órgão Responsável: SAL
Prazo: 30 de junho de 2006
Outros Órgãos Envolvidos: CJF; DPF; MPF; SRF; ABIN; GSI; CNPG; DRCI; SENASP;
AGU; Casa Civil; AJUFE; GNCOC; ANPR; PGFN
2006 Meta 12
Regulamentar o provisionamento obrigatório mínimo para saques em espécie nos termos,
limites, prazos e condições a serem fixados pelo Banco Central do Brasil.
Órgão Responsável: BACEN
Prazo: 30 de junho de 2006
Outros Órgãos Envolvidos: COAF
2006 Meta 13
Criar cursos modulares certificados para agentes públicos e privados em combate à lavagem
de dinheiro e ao financiamento ao terrorismo.
Órgão Responsável: DRCI
Prazo: 30 de junho de 2006
Outros Órgãos Envolvidos: CDEMP; CJF; DPF; ABIN; CEAFs; ESMPU; SRF; COAF;
BACEN; CVM; SUSEP; SENASP; SPC; APE/MPS; ESPGFN; ESAGU; ENM;
FEBRABAN; SENAD; ENFAM; AJUFE; ANPR
2006 Meta 14
Elaborar projeto para aprimorar a cooperação jurídica internacional nas áreas de fronteira.
Órgão Responsável: DRCI
Prazo: 30 de junho de 2006
Outros Órgãos Envolvidos: GSI; MRE; MPF; CJF; DPF; SRF; MD; AGU
2006 Meta 15
Elaborar projeto de decreto disciplinando as regras gerais para a alocação de recursos
humanos e materiais do poder executivo para forças-tarefas interinstitucionais, com o objetivo
de combater a criminalidade organizada em geral.
Órgão Responsável: DPF
Prazo: 30 de junho de 2006
196
Outros Órgãos Envolvidos: CGU; MPF; CNPG; SRF; MPS; MD; GSI; PGFN; AGU;
BACEN
2006 Meta 16
Implantar laboratório-modelo de soluções de análise tecnológica de grandes volumes de
informações para difusão de estudos sobre melhores práticas em hardware, software e
adequação de perfis profissionais.
Órgão Responsável: DRCI
Prazo: 30 de junho de 2006
Outros Órgãos Envolvidos: ABIN; DPF; SENASP; MPF; CNPG; CJF; SENAD; BB; CGU
2006 Meta 17
Implantar sistema unificado e nacional de cadastramento e alienação de bens, direitos e
valores sujeitos a constrição judicial, até sua final destinação.
Órgão Responsável: DRCI
Prazo: 30 de junho de 2006
Outros Órgãos Envolvidos: CJF; SENAD; DPF; SRJ; SENASP; MPF; CNPG; BB; SPU
2006 Meta 18
Elaborar anteprojeto de lei complementar para incluir no art. 198 do Código Tributário
Nacional o acesso a informações fiscais pela autoridade policial em procedimento de
investigação instaurado.
Órgão Responsável: DPF
Prazo: 30 de junho de 2006
Outros Órgãos Envolvidos: SRF; MPF; PGFN; CNPG
2006 Meta 19
Elaborar anteprojeto de lei que aperfeiçoe a tipificação dos crimes de terrorismo e de
financiamento ao terrorismo, conforme recomendações e tratados internacionais.
Órgão Responsável: GSI
Prazo: 30 de setembro de 2006
Outros Órgãos Envolvidos: SAL; MRE; CJF; MPF; CNPG; DPF; ABIN; COAF; DRCI; Casa
Civil; AGU; AJUFE; MD; ANPR
2006 Meta 20
Regulamentar a Lei de Registros Públicos para fins de integração e uniformização de bases de
dados.
Órgão Responsável: SRJ
Prazo: 30 de setembro de 2006
Outros Órgãos Envolvidos: SAL; DRCI; Ministério das Cidades; Casa Civil; GSI; SENAD;
COAF; ANOREG; SRF; Colégio de Corregedores Gerais de Justiça; SPU; MDA; INCRA;
IRIB; AGU
2006 Meta 21
Atualizar as normas do BACEN, CVM, SPC e SUSEP relativas à prevenção e ao combate à
lavagem de dinheiro.
Órgão Responsável: BACEN; CVM; SPC; SUSEP
Prazo: 30 de setembro de 2006
Outros Órgãos Envolvidos: COAF
197
2006 Meta 22
Obter acesso integrado aos dados das Juntas Comerciais para os membros do GGI-LD.
Órgão Responsável: CGU
Prazo: 30 de setembro de 2006
Outros Órgãos Envolvidos: DRCI; DNRC
2006 Meta 23
Criar, no âmbito do Departamento de Polícia Federal, delegacias de repressão de crimes
financeiros em todas as superintendências regionais e núcleos nas demais delegacias onde
houver Varas Federais especializadas no processo e julgamento dos crimes contra o Sistema
Financeiro e lavagem de dinheiro.
Órgão Responsável: MJ
Prazo: 30 de setembro de 2006
Outros Órgãos Envolvidos: DPF; Casa Civil; MPOG
2006 Meta 24
Recriar base de dados de saída e entrada de brasileiros do território nacional.
Órgão Responsável: DPF
Prazo: 30 de setembro de 2006
Outros Órgãos Envolvidos: MRE; INFRAERO; SRF; ANAC; ABIN
2006 Meta 25
Obter do Ministério das Comunicações e da ANATEL a elaboração de cadastro nacional de
assinantes de telefonia fixa e móvel e de Internet.
Órgão Responsável: DRCI
Prazo: 30 de setembro de 2006
Outros Órgãos Envolvidos: Ministério das Comunicações; ANATEL; MPF; AGU; CNPG;
DPF; SENASP; CG-Internet; SRF; ABIN; CJF
2006 Meta 26
Desenvolver sistema para produzir estatísticas sobre inquéritos, procedimentos investigatórios
criminais, denúncias, sentenças, réus, condenações e apreensões sobre lavagem de dinheiro no
âmbito federal e estadual.
Órgão Responsável: DRCI Prazo: 31 de dezembro de 2006
Outros Órgãos Envolvidos: CJF, DPF; COAF; SRJ; SENASP; AJUFE; MPF; CNPG; CNJ;
CNMP; AMB; CGU
2006 Meta 27
Apresentar ao CNJ proposta de criação do rol eletrônico de culpados do Poder Judiciário.
Órgão Responsável: CJF
Prazo: 31 de dezembro de 2006
Outros Órgãos Envolvidos: ANPR; AJUFE; CJF; MPF; DPF; SENASP
2006 Meta 28
Criar rede para integração de especialistas certificados em combate à lavagem de dinheiro e
ao financiamento ao terrorismo.
Órgão Responsável: DRCI
Prazo: 31 de dezembro de 2006
198
Outros Órgãos Envolvidos: CDEMP; CJF; DPF; ABIN; CEAFs; ESMPU; SRF; COAF;
BACEN; CVM; SUSEP; SPC; APE/MPS; FEBRABAN; SENAD; ENM; AJUFE; ANPR;
ESAGU
2006 Meta 29
Completar a primeira fase da integração do acesso ao conteúdo das bases de dados
patrimoniais, incluindo, pelo menos, as bases de veículos terrestres, aeronaves e embarcações.
Órgão Responsável: DRCI
Prazo: 31 de dezembro de 2006
Outros Órgãos Envolvidos: SENASP; DAC; MD; DPC; DENATRAN; AGU; SENAD
Metas ENCCLA 2007
2007 Meta 1
Elaborar anteprojeto de lei para uniformizar e acelerar a comunicação, pelos órgãos de
fiscalização e controle da Administração Pública, de indícios de ilícitos aos órgãos de
investigação, inteligência e persecução penal.
Órgão Responsável: SAL
Prazo: 30/06/2007
Órgãos Envolvidos: MPF, DPF, CNPG, BACEN, SRF, TCU, AJUFE, AGU, CGU, COAF,
CVM,SENASP, ABIN, CJF, GSI, PGFN, GNCOC, MPS, SPC, ANATEL
2007 Meta 2
Elaborar anteprojeto de lei para aperfeiçoar a troca de informações sigilosas entre órgãos e
entidades públicos de controle, prevenção e combate à corrupção e à lavagem de dinheiro e de
recuperação de ativos.
Órgão Responsável: SAL
Prazo: 30/06/2007
Órgãos Envolvidos: MPF, DPF, CNPG, BACEN, SRF, TCU, AJUFE, AGU, CGU, COAF,
CVM, SENASP, ABIN, CJF, GSI, PGFN, GNCOC, MPS, SPC, ANATEL
2007 Meta 3
Regulamentar a obrigação de reportar operações suspeitas relacionadas a terrorismo e seu
financiamento.
Órgãos Responsáveis: CVM, SUSEP, SPC, COAF
Prazo: 30/09/2007
Órgãos Envolvidos GSI, ABIN, DPF
2007 Meta 4
Consolidar legislação vigente e elaborar anteprojeto de lei para regulamentar a ampliação da
fiscalização e controle das origens e aplicações de recursos das entidades sem fins lucrativos,
buscando a transparência e o atendimento à Recomendação Especial VIII do GAFI.
Órgão Responsável: DEJUS
Prazo: 30/09/2007
Órgãos Envolvidos: TCU, CGU, MPOG, SRP, SRF
2007 Meta 5
199
Promover treinamento, no âmbito do PNLD, para agentes públicos de prevenção e combate
ao crime, oficiais de registro de imóveis e corretores de imóveis sobre tipologias de lavagem
de dinheiro no setor imobiliário.
Órgão Responsável: DRCI
Prazo: 30/11/2007
Órgãos Envolvidos: SRJ, CNPG, COAF, CDEMP, DPF, ABIN
2007 Meta 6
Apresentar estatísticas de denúncias e sentenças (transitadas ou não em julgado) de bens
apreendidos e sujeitos a medidas assecuratórias de ações penais relativas aos crimes de
lavagem de dinheiro e seus antecedentes (referentes ao período 1998-2006) no MPF, MP-SP e
MP-RS.
Órgão Responsável: DRCI
Prazo: 30/11/2007
Órgãos Envolvidos: MPF, MP-SP, MP-RS, CNMP, CNPG
2007 Meta 7
Apresentar estatísticas sobre inquéritos civis, processos, sentenças, réus, condenações e
apreensões por improbidade administrativa, em especial quando decorrentes de aquisição de
patrimônio em desproporção à evolução do patrimônio ou renda do servidor público
(referentes ao período 2000-2006) (art. 9º, VII, da Lei 8.429/92).
Órgão Responsável: CNPG
Prazo: 30/11/2007
Órgãos Envolvidos: MP-SP, MP-RS, MPF, CCGJ, CGU
2007 Meta 8
Desenvolver e aprimorar as bases de dados da Polícia Federal, das Polícias Judiciárias dos
Estados, do Ministério Público Federal e dos Estados e do Poder Judiciário Federal e dos
Estados, possibilitando aferir, periodicamente, o número de investigações, de processos, de
condenações e recursos sobre crimes de lavagem de dinheiro e seus antecedentes, assim como
dos bens sujeitos a medidas assecuratórias e objeto de perdimento.
Órgão Responsável: SENASP
Prazo: 30/11/2007
Órgãos Envolvidos: CJF, CNPG, CGU, DRCI, MPF, AJUFE, DPF, SENAD, CNJ, CNMP,
SRJ, GNCOC
2007 Meta 9
Elaborar parecer padronizando a interpretação sobre sigilo e compartilhamento de dados
cadastrais do poder público, suas concessionárias e autorizatárias e submetê-lo ao Sr.
Presidente da República.
Órgão Responsável: AGU
Prazo: 30/09/2007
Órgãos Envolvidos: PGFN, CNPG, MPF, SRF, DPF, ABIN, ANATEL, CGU
2007 Meta 10
Emitir parecer sobre o acesso da Polícia Federal, do Ministério Público Federal, Ministérios
Públicos Estaduais, Advocacia-Geral da União, Controladoria-Geral da União e Tribunal de
Contas da União a dados fiscais e dados bancários cadastrais para investigação criminal e
administrativa, recuperação de ativos, inquéritos civis e ações de improbidade administrativa
e submetê-lo ao Sr. Presidente da República.
200
Órgão Responsável: AGU
Prazo: 30/09/2007
Órgãos Envolvidos: PGFN, CNPG, MPF, SRF, CGU, TCU, DPF, BACEN
2007 Meta 11
Elaborar anteprojeto de lei que crie o Fundo Nacional de Ativos Ilícitos e aperfeiçoe o regime
jurídico de confisco de bens, direitos e valores em processo criminal.
Órgão Responsável: DRCI
Prazo: 30/06/2007
Órgãos Envolvidos: STN, SOF, SENAD, CJF, SENASP, AJUFE, AGU, DPF, ABIN, PGFN,
MPF, GNCOC, CNPG, SAL, INSS
2007 Meta 12
Aprimorar o mecanismo de implementação das resoluções do Conselho de Segurança das
Nações Unidas para o bloqueio e apreensão de bens de terroristas.
Órgão Responsável: DRCI
Prazo: 30/06/2007
Órgãos Envolvidos: MRE, COAF, ABIN, GSI, DPF, AGU
2007 Meta 13
Definir órgão público responsável pela gestão de ativos sujeitos a medidas assecuratórias em
processo judicial.
Órgão Responsável: DRCI
Prazo: 30/06/2007
Órgãos Envolvidos: CJF, DPF, SENAD, CNPG, SENASP, AJUFE, SPU, MPF, AGU, CNJ,
GNCOC
2007 Meta 14
Promover a utilização de sistema eletrônico de alienação de bens no âmbito da Administração
Pública e da Justiça.
Órgão Responsável: DRCI
Prazo: 30/09/2007
Órgãos Envolvidos: SENAD, SRF, DPF, CJF, CNPG, CNJ, PGFN
2007 Meta15
Implantar o LAB-LD em SP.
Órgão Responsável: MP-SP
Prazo: 30/11/2007
Órgão Envolvido: DRCI
2007 Meta 16
Implantar o LAB-LD na DFIN/DCOR/DPF
Órgão Responsável: DPF
Prazo: 30/11/2007
Órgão Envolvido: DRCI
2007 Meta 17
Implantar o LAB-LD no RJ.
Órgão Responsável: SENASP
Prazo: 30/06/2007
201
Órgãos Envolvidos: DRCI, ABIN
2007 Meta 18
Apresentar proposta de aprimoramento da normatização que trata de contratação e controle de
serviços de publicidade pela Administração Pública.
Órgão Responsável: CGU
Prazo: 30/06/2007
Órgãos Envolvidos: TCU, SECOM-PR, SAL
2007 Meta 19
Criar Cadastro Nacional de pessoas naturais e jurídicas declaradas inidôneas ou proibidas de
contratar com a Administração Pública.
Órgão Responsável: CGU
Prazo: 30/09/2007
Órgãos Envolvidos: TCU, PREFEITURA SP, GOVERNO SP, SLTI-MPOG, DEJUS
2007 Meta 20
Elaborar anteprojeto de lei para permitir acesso dos órgãos de controle à documentação
contábil das entidades contratadas pela Administração Pública.
Órgão Responsável: CGU
Prazo: 30/06/2007
Órgãos Envolvidos: TCU, AGU
2007 Meta 21
Elaborar anteprojeto de ato normativo para proteção a servidores denunciantes de boa-fé.
Órgão Responsável: CGU
Prazo: 30/09/2007
Órgãos Envolvidos: TCU, SAL
2007 Meta 22
Expandir o sistema de monitoramento e controle de transferências voluntárias de recursos
federais, inclusive com a informatização das prestações de contas.
Órgão Responsável: CGU
Prazo: 30/11/2007
Órgãos Envolvidos: TCU, MPOG, STN, SPC, DEJUS
2007 Meta 23
Implantar mecanismos para receber, concentrar e analisar as Declarações de Bens e
Rendimentos de servidores públicos (Lei 8.429/92).
Órgão Responsável: CGU
Prazo: 30/11/2007
Órgãos Envolvidos: TCU, SRF, CNPG
2007 Meta 24
Desenvolver programa de altos estudos sobre corrupção e lavagem de dinheiro para o Poder
Judiciário.
Órgão Responsável: DRCI
Prazo: 30/11/2007
Órgãos Envolvidos: CJF, AJUFE, CNJ
202
2007 Meta 25
Elaborar anteprojeto de lei dispondo sobre o afastamento do sigilo fiscal e bancário de agente
público no âmbito de procedimento de investigação penal, civil ou administrativa para
apuração de ilícito contra a administração pública.
Órgão Responsável: CNPG
Prazo: 30/11/2007
Órgãos Envolvidos: MPF, SAL, CDEMP, CGU, TCU, AGU, PGFN, DRCI, SRF, GNCOC,
CNMP, DPF, Prefeitura de São Paulo
2007 Meta 26
Elaborar anteprojeto de lei ampliando os prazos prescricionais penais, em atenção ao artigo 29
da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, e ao artigo 11, item 5 da Convenção
das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, criando novos marcos
interruptivos.
Órgão Responsável: MPF
Prazo: 30/06/2007
Órgãos Envolvidos: ANPR, AJUFE, CJF, DPF, SAL, CNPG, MP-SP, GNCOC, CNMP, SRJ
2007 Meta 27
Elaborar anteprojeto de lei para disciplinar repasse, controle e avaliação de resultados
referentes aos recursos públicos destinados ao Terceiro Setor.
Órgão Responsável: DEJUS
Prazo: 30/11/2007
Órgãos Envolvidos: TCU, CGU, MPOG, SG-PR, AGU, MPS
2007 Meta 28
Integrar bancos de dados do MJ, do TCU, da CGU, do MPOG, do INSS e do CNAS sobre
entidades do Terceiro Setor beneficiárias, diretas ou indiretas, de recursos públicos ao
Cadastro Nacional de Entidades – CNEs/MJ, objetivando ampla e irrestrita publicidade,
transparência e controle social.
Órgão Responsável: DEJUS
Prazo: 30/06/2007
Órgãos Envolvidos: TCU, CGU, MPOG, PGFN, MPS, INSS, ABIN
2007 Meta 29
Elaborar projeto de norma estabelecendo a obrigatoriedade de consulta prévia pelos órgãos da
Administração Pública Federal ou entidades que recebam recursos de transferências
voluntárias da União ao Cadastro Nacional de Entidades – CNEs/MJ ao firmar parcerias com
o Terceiro Setor.
Órgão Responsável: DEJUS
Prazo: 30/06/2007
Órgãos Envolvidos: TCU, CGU, MPOG, MPS, MF
2007 Meta 30
Adotar medidas para integrar os cadastros de todos os cartórios de registro de imóveis no
Brasil.
Órgão Responsável: SRJ
Prazo: 30/11/2007
Órgãos Envolvidos: DRCI, CGU, ANOREG, SRF, CNJ, PGFN
203
2007 Meta 31
Elaborar ato normativo que somente permita a contratação, com recursos de transferências
voluntárias da União, de empresas cadastradas e adimplentes no SICAF.
Órgão Responsável: CGU
Prazo: 30/09/2007
Órgãos Envolvidos: TCU, MPOG
2007 Meta 32
Elaborar norma que defina os procedimentos de identificação de pessoas jurídicas, brasileiras
ou estrangeiras, com o objetivo de qualificar o real proprietário/beneficiário final dos
resultados por elas obtidos.
Órgão Responsável: COAF
Prazo: 30/09/2007
Órgãos Envolvidos: BACEN, DPF, DRCI, CVM, SUSEP, SPC, MPF, MP-SP, SEFAZ-SP,
PGFN, GNCOC, FEBRABAN, SRF
2007 Meta 33
Propor medidas e procedimentos que aperfeiçoem a segurança das informações sigilosas.
Órgão Responsável: GSI
Prazo: 30/06/2007
2007 Recomendação 1
Recomenda à Casa Civil da Presidência da República o acompanhamento especial dos
seguintes anteprojetos de lei de interesse da ENCCLA: lavagem de dinheiro; tipificação de
terrorismo e seu financiamento; tipificação de organização criminosa; ação civil de extinção
de domínio; cooperação jurídica internacional.
2007 Recomendação 2
Recomenda à Senasp/MJ a inclusão no Infoseg de cadastro nacional de documentos
extraviados, furtados e roubados.
2007 Recomendação 3
Recomenda ao Banco Central aperfeiçoar a regulamentação aplicada ao Sistema Financeiro
em conformidade com as Recomendações 7, 18 e 22 do Grupo de Ação Financeira - GAFI.
2007 Recomendação 4
Recomenda à CGU a conclusão do anteprojeto de lei de acesso a informações.
2007 Recomendação 5
Recomenda ao CFCI a inclusão do tema lavagem de dinheiro na prova de corretor de imóveis
e, também, a fiscalização do cumprimento, pelas empresas de intermediação imobiliária, das
obrigações administrativas previstas na legislação de lavagem de dinheiro.
2007 Recomendação 6
Recomenda aos Ministérios Públicos dos Estados e Ministério Público Federal a criação de
cadastro único de inquéritos civis instaurados, possibilitando a identificação de seu objeto.
2007 Recomendação 7
Recomenda às Receitas Municipais, Estaduais e Federal a capacitação e treinamento de seus
servidores para identificar movimentações suspeitas de lavagem de dinheiro.
204
2007 Recomendação 8
Recomenda às Polícias Federal e Civil, aos Ministérios Públicos e ao Poder Judiciário o
registro no Cadastro Nacional de Bens Apreendidos dos bens sujeitos a medidas
assecuratórias nos processos penais em tramitação.
2007 Recomendação 9
Recomenda à CGU e ao TCU que atuem junto aos gestores federais para que desenvolvam,
no âmbito de suas competências, a criação de tipos, padrões e custos referenciais para a
celebração de convênios, termos de parceria e contratos de repasse.
2007 Recomendação 10
Recomenda aos órgãos da ENCCLA a divulgação em seus sites e para seus servidores das
convenções contra corrupção das Nações Unidas, da Organização dos Estados Americanos e
da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
2007 Recomendação 11
Recomenda ao Grupo de Trabalho coordenado pelo GSI que aperfeiçoe o anteprojeto de lei
sobre a tipificação dos crimes de terrorismo e de financiamento ao terrorismo.
2007 Recomendação 12
Recomenda à Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça a elaboração de
anteprojeto de lei para alterar a Lei Federal n. 9.807/99, adequando-a aos termos do art. 32 da
Convenção das Nações Unidas de Combate à Corrupção.
2007 Recomendação 13
Recomenda à Secretaria do Tesouro Nacional que altere o art. 20 da IN nº 01/97 para limitar a
possibilidade da utilização de cheque no pagamento das despesas realizadas por conta de
recursos provenientes de transferências voluntárias da União.
2007 Recomendação 14
Recomenda ao Poder Judiciário e ao Ministério Público a utilização da alienação antecipada
para a preservação do valor dos bens sujeitos a medidas assecuratórias.
2007 Recomendação 15
Recomenda ao DRCI formar comitê para a organização XII Congresso sobre Prevenção do
Crime e Justiça Penal – UNODC – a ser sediado no Brasil em 2010.
2007 Recomendação 16
Recomenda à Casa Civil da Presidência da República a revisão dos textos traduzidos para a
língua portuguesa das Convenções das Nações Unidas de Combate à Corrupção, de Caracas e
da OCDE.
2007 Recomendação 17
Recomenda à CGU adotar ações visando a integração entre os controles internos Federal e
dos Estados.
2007 Recomendação 18
Recomenda a todos os órgãos e entidades da Administração Pública Federal a instalação de
comissão de ética.
205
2007 Recomendação 19
Recomenda à Casa Civil, CNPG e MPF que façam gestões junto ao Congresso Nacional para
priorizar a aprovação dos projetos de interesse da ENCCLA, entre os quais o de tipificação de
enriquecimento ilícito e o de conflito de interesses.
2007 Recomendação 20
Recomenda ao CRSFN, CVM, SUSEP, COAF e SPC desenvolverem mecanismos para
intercâmbio de informações sobre pessoas punidas em seus processos administrativos.
Metas ENCCLA 2008
2008 Meta 1
Sem prejuízo dos avanços que podem ser obtidos pela via interpretativa (Parecer AGU),
apresentar anteprojeto de lei complementar, considerando outros já existentes para alterar a
Lei Complementar nº 105 com o objetivo de: 1) definir dados cadastrais (não protegidos por
sigilo); 2) dispor sobre o compartilhamento de informações sigilosas entre os órgãos de
prevenção e repressão de ilícitos civis, criminais, eleitorais e administrativos; 3) dispor sobre
o acesso e utilização de informações sigilosas pelos órgãos de supervisão de mercado e da
Justiça Eleitoral no âmbito de suas competências; 4) dispor sobre acesso a informações
cobertas pelo sigilo bancário, em investigações de improbidade administrativa realizadas
pelos órgãos competentes.
Órgão Responsável: AJUFE
Prazo: 30/10/2008
Órgãos Envolvidos: ABIN, AGU, ANPR, BACEN, CGU, CJF, CNCPC, CNMP, CNPG,
CVM, DPF, GNCOC, GSI, INSS, MPF, MPSP, PGFN, RFB, SENASP, SNJ, SPC, SUSEP,
TCU, TSE
2008 Meta 2
Sem prejuízo dos avanços que podem ser obtidos pela via interpretativa (Parecer AGU),
Apresentar anteprojeto de lei complementar alterando o Código Tributário Nacional,
considerando outros já existentes, para: 1) definir dados cadastrais (não protegidos por sigilo);
2) dispor sobre o compartilhamento de informações sigilosas entre os órgãos de prevenção e
repressão de ilícitos civis, criminais, eleitorais e administrativos; 3) dispor sobre o acesso e
utilização de informações sigilosas pelos órgãos de supervisão de mercado e pela Justiça
Eleitoral no âmbito de suas competências.
Órgão Responsável: AJUFE
Prazo: 30/10/2008
Órgãos Envolvidos: ABIN, AGU, ANPR, BACEN, CGU, CJF, CNCPC, CNPG, CVM, DPF,
GNCOC, GSI, INSS, MPF, MPSP, PGFN, RFB, SENASP, SNJ, SPC, SUSEP, TCU, TSE
2008 Meta 3
Regulamentar a aquisição e utilização de cartões bancários pré-pagos ou similares, para fins
de prevenção de ilícitos e identificação de movimentações financeiras suspeitas.
Órgão Responsável: BACEN
Prazo: 30/09/2008
Órgãos Envolvidos: COAF, DPF, FEBRABAN, GNCOC, PGFN
206
2008 Meta 4
Padronizar a forma de solicitação e resposta de quebras de sigilo bancário e respectivos
rastreamentos.
Órgão Responsável: DRCI/SNJ
Prazo: 30/06/2008
Órgãos Envolvidos: AGU, AJUFE, AMB, ANPR, BACEN, CGU, CJF, CNCPC, CNJ,
CNMP, CNPG, DPF, FEBRABAN, GNCOC, INSS, MPF, MP-RJ, MPSP, PCERJ, PGFN,
RFB
2008 Meta 5
Expandir a rede INFOSEG para integrar os cadastros de identidades civis dos estados,
passaportes, SINPI, CNIS, aeronaves e embarcações.
Órgão Responsável: SENASP
Prazo: 30/10/2008
Órgãos Envolvidos: CGU, CNCPC, CNSSP, DPF, DRCI/SNJ, PGFN, MPS
2008 Meta 6
Apresentar anteprojeto de norma para disciplinar a responsabilidade da pessoa jurídica
também pela prática de atos ilícitos relacionados à lavagem de dinheiro, a ações de
organização criminosa e os praticados contra a administração pública nacional ou estrangeira
e o sistema financeiro.
Órgão Responsável: CGU
Prazo: 30/10/2008
Órgãos Envolvidos: AGU, AJUFE, ANPR, BACEN, CJF, CNCPC, CNPG, DPF, DRCI/SNJ,
GNCOC, MPF, MPSP, MRE, PCERJ, PGFN, RFB, SAL, TCU
2008 Meta 7
Propor medidas para a proteção de agentes públicos que atuem na prevenção e repressão ao
crime organizado, à lavagem de dinheiro e à corrupção.
Órgão Responsável: MPF
Prazo: 30/10/2008
Órgãos Envolvidos: ABIN, AGU, AJUFE, ANPR, DPF, CGU, CJF, CNCPC, CNJ, CNMP,
CNPG, GNCOC, PCERJ, PGFN, RFB, SAL, SENAD, SNJ, TCU
2008 Meta 8
Uniformizar tabelas de cadastramento de classes, assuntos processuais e andamentos
criminais entre Polícias Federal e Civil, Ministérios Públicos Federal e Estadual e Justiças
Federal e Estadual.
Órgão Responsável: CNJ
Prazo: 30/06/2008
Órgãos Envolvidos: CJF, CNCPC, CNMP, CNPG, DPF, DRCI/SNJ, MPF, PCERJ, SENASP,
SENAD
2008 Meta 9
Desenvolver sistema de informação processual criminal integrado entre Polícia Federal e
Civil, Ministérios Públicos Federal e Estadual e Justiças Federal e Estadual.
Órgão Responsável: CNJ
Prazo: 30/10/2008
Órgãos Envolvidos: AJUFE, CJF, CNCPC, CNMP, CNPG, DPF, DRCI/SNJ, MPF, PCERJ,
SENAD, SENASP, SRJ
207
2008 Meta 10
Realizar levantamento de dados relativos a bens que foram objeto de medidas assecuratórias
em órgãos do Poder Judiciário Federal e Estadual, para fins estatísticos e de registro no
Cadastro Nacional de Bens Apreendidos.
Órgão Responsável: DRCI/SNJ
Prazo: 30/10/2008
Órgãos Envolvidos: CNJ, CJF, SENAD, SENASP, CNMP, DPF, CGU, PGFN, ANPR,
AJUFE, PCERJ
2008 Meta 11
Desenvolver sistema para integrar os cadastros das serventias extrajudiciais no Brasil.
Órgão Responsável: CNJ
Prazo: 30/10/2008
Órgãos Envolvidos: CGU, DRCI/SNJ, PGFN, MPS, SENAD, SENASP, SRJ
2008 Meta 12
Desenvolver e/ou aprimorar na Rede INFOSEG a integração das bases de dados da Polícia
Federal, das Polícias Judiciárias dos Estados, do Ministério Público Federal e dos Estados e
do Poder Judiciário Federal e dos Estados, possibilitando aferir periodicamente as estatísticas
relativas aos crimes de lavagem de dinheiro e seus antecedentes.
Órgão Responsável: SENASP
Prazo: 30/10/2008
Órgãos Envolvidos: CJF, CNCPC, CNJ, CNMP, CNPG, DPF, DRCI/SNJ, MPF, MPRJ,
PCERJ, SENAD, TCU
2008 Meta 13
Promover, por meio de um grupo de trabalho, em articulação com a SAPSRI, a sensibilização
do Congresso Nacional relativamente às ações da ENCCLA, com o objetivo de harmonizar e
acompanhar a tramitação de projetos normativos do interesse desta.
Órgão Responsável: GGI-CLD
Prazo: 30/06/2008
Órgãos Envolvidos: GGI-CLD (SRI)
2008 Meta 14
Elaborar manual contendo descrição das bases de dados disponíveis em cada órgão da
ENCCLA, estruturados em suporte eletrônico ou não, incluindo as espécies de informações e
a forma de obtê-las.
Órgão Responsável: GSI/PR
Prazo: 30/10/2008
Órgãos Envolvidos: ABIN, AGU, ANATEL, BACEN, CGU, CJF, CNCPC, CNJ, CNMP,
COAF, CVM, DPF, INSS, MPF, MPOG, MPS, MP-SP, PCERJ, PGFN, RFB, SEGES,
SENAD, SENASP, SNJ, SPC, SUSEP, TCU, TSE
2008 Meta15
Padronizar a forma de solicitação e resposta de quebras de sigilo em serviços de
telecomunicações.
Órgão Responsável: ANATEL
Prazo: 30/10/2008
208
Órgãos Envolvidos: ANPR, CJF, CNCPC, CNPG, DPF, DRCI/SNJ, GNCOC, GSI, MPF,
MP-RJ, MPSP
2008 Meta 16
Elaborar projeto para a realização de campanhas e programas de conscientização, prevenção e
combate à corrupção e à lavagem de dinheiro em âmbito nacional.
Órgão Responsável: SNJ
Prazo: 30/06/2008
Órgãos Envolvidos: AGU, BACEN, CDEMP, CGU, CJF, CNCGMPEU, CNCPC, CNJ,
CNPG, COAF, DPF, ESMPU, (ESAF), FEBRABAN, MJ/Transparência, MPF, MP-RJ, (MP-
SC), MP-SP, PGFN, RFB, (SECOM), SEGES, TCU
2008 Meta 17
Promover a articulação entre os órgãos estaduais e municipais envolvidos no combate à
corrupção e à lavagem de dinheiro, buscando a integração de ações no âmbito de suas
competências.
Órgão Responsável: SNJ
Prazo: 30/09/2008
Órgãos Envolvidos: ABIN, BACEN, CCGJ, CDEMP, CGU, CJF, CNCPC, CNJ, CNMP,
CNPG, COAF, DPF, GNCOC, INSS, MP-RJ, MPS, MP-SP, PCERJ, PGFN, RFB, SEGES,
SENAD, TCU
2008 Meta 18
Elaborar anteprojeto de lei para a regulamentação da atividade de intermediação de interesses,
em suas manifestações em todos os poderes.
Órgão Responsável: CGU
Prazo: 30/09/2008
Órgãos Envolvidos: AGU, AJUFE, ANPR, BACEN, CASA CIVIL, MPF, (MTE), PGFN,
SAL, SEGES, TCU
2008 Meta 19
Elaborar anteprojeto de lei que viabilize medidas assecuratórias de urgência (patrimoniais,
restritivas da atuação) tomadas em processos administrativos.
Órgão Responsável: AGU
Prazo: 30/10/2008
Órgãos Envolvidos: AJUFE, ANPR, BACEN, CGU, CJF, CNCGMPEU, CNCPC, CNJ,
CNMP, CNPG, DPF, DRCI/SNJ, GNCOC, MPF, PGFN, RFB, SAL, TCU
2008 Meta 20
Atualizar cadastro unificado de servidores públicos efetivos e empregados públicos.
Órgão Responsável: TCU
Prazo: 30/10/2008
Órgãos Envolvidos: ABIN, CAMARA, CGU, CJF, CNCGMPEU, CNJ, CNMP, CNPG, DPF,
MPF, MPOG, SEGES, SENASP, SENADO, TSE
2008 Meta 21
Viabilizar a criação de cadastro público unificado de pessoas sancionadas em última instância
administrativa, relevantes para o combate à corrupção e à lavagem de dinheiro.
Órgão Responsável: CGU
Prazo: 30/06/2008
209
Órgãos Envolvidos: ABIN, (Agências Reguladoras), AGU, AJUFE, BACEN, CJF, CNCR,
CNJ, CNMP, CNPG, COAF, CVM, DPF, MPF, MPOG, PGFN, RFB, SENASP, SUSEP,
SPC, TCU, TSE
2008 Meta 22
Propor medidas para aperfeiçoar a segurança documental das certidões de registros civis.
Órgão Responsável: CNJ
Prazo: 30/06/2008
Órgãos Envolvidos: (ANOREG), CNCPC, DPF, INSS, PCERJ, MPS, SENASP, TSE
Ações ENCCLA 2009
2009 Ação Operacional 1
Compilar tipologias de utilização e desvio de recursos públicos por meio de patrocínio a
atividades desportivas, especialmente nos municípios;
2009 Ação Operacional 2
Criar um banco interativo com tipologias de lavagem de dinheiro e corrupção alimentados e
compartilhados pelos órgãos da ENCCLA;
2009 Ação Operacional 3
Analisar a lavagem de dinheiro associada ao comércio de semoventes (animais);
2009 Ação Operacional 4
Analisar a lavagem de dinheiro associada ao comércio de combustíveis;
2009 Ação Operacional 5
Analisar a lavagem de dinheiro associada à importação e à exportação fictícias;
2009 Ação Operacional 6
Analisar a corrupção associada a serviços terceirizados;
2009 Ação Operacional 7
Analisar ilícitos associados à contratação e execução de obras públicas;
2009 Ação Operacional 8
Promover a hierarquização de vulnerabilidades à lavagem de dinheiro e corrupção;
2009 Ação Operacional 9
Enfrentar a lavagem de dinheiro do crime organizado na Bahia por meio de ações integradas.
2009 Ação Jurídica 1
Estudo sobre a Lei de Improbidade Administrativa e dos projetos de lei relativos ao tema;
2009 Ação Jurídica 2
Realização de oficinas de Corregedorias para troca de experiências, com participação dos três
Poderes, de todas as esferas federativas, com produção de documento conclusivo, divulgando
210
as boas práticas. A realização das oficinas será precedida de questionário para colheita de
informações sobre a atuação das Corregedorias.
2009 Ação Jurídica 3
Analisar os Projetos de Lei sobre técnicas especiais de investigação;
2009 Ação Jurídica 4
Acompanhamento de outros Projetos de Lei e de anteprojetos de lei, tais como Projeto de Lei
nº 32, que altera a Lei nº 8.666, de 1993; Projetos de Lei que alteram o Código de Processo
Penal; Projeto de Lei que substituirá Medida Provisória que anistiava as entidades
filantrópicas e Projeto de Lei da videoconferência, entre outros.
2009 Ação TI 1
Sistemas de informação
Criação, acesso, integração, interoperação e aprimoramento de sistemas de informação em
geral;
2009 Ação TI 2
Indicadores e Estatística
Análise estatística e numérica dos assuntos relevantes para tomada de decisão dos grupos da
ENCCLA;
2009 Ação TI 3
Pesquisa e análise
Apoio a projetos de aprofundamento de temas, com vistas ao uso de tecnologia para solução
de problemas, ressaltando o viés do aumento da capacidade de análise.
Ações ENCCLA 2010
2010 Ação 1
Analisar os PLs que tratam sobre BINGOS e JOGOS ELETRÔNICOS
2010 Ação 2
Elaborar proposta de tipos penais ainda não existentes no ordenamento jurídico brasileiro, a
fim de atender aos Tratados e Convenções já internalizados.
2010 Ação 3
Retomar a análise do anteprojeto de Extinção de Domínio
2010 Ação 4
Analisar a regulamentação do fluxo financeiro envolvendo instituições offshores.
2010 Ação 5
Acompanhar o andamento dos trabalhos desenvolvidos no âmbito do Grupo instituído pela
Portaria GSI no. 55/2009, para análise da Lei nº 7.170/83 [Lei de Segurança Nacional], a fim
de verificar a adequação às Recomendações Especiais do GAFI/FATF.
2010 Ação 6
211
Acompanhar a tramitação do anteprojeto elaborado pela ENCCLA em matéria de prescrição
penal (Meta 26 – ENCCLA 2007), bem como o PL 1383/2003.
2010 Ação 7
Acompanhar a tramitação dos Projetos existentes sobre a LC 105/2001 (que versa sobre sigilo
bancário), bem como resgatar o anteprojeto de autoria da ENCCLA (confeccionado em
atenção à Meta 01 – ENCCLA 2008)
2010 Ação 8
Analisar as relações existentes entre os crimes contra a ordem tributária e a corrupção e
lavagem de dinheiro.
2010 Ação 9
Realizar Seminário Internacional relativamente à lavagem de dinheiro no futebol.
2010 Ação 10
Propor medidas de segurança voltadas à garantia da AUTENTICIDADE e INTEGRIDADE
dos documentos registrais e de identificação civil
2010 Ação 11
Compilar as políticas públicas de combate à corrupção e à Lavagem de Dinheiro,
desenvolvidas no âmbito e em decorrência da ENCCLA, com vistas ao planejamento de ações
futuras
2010 Ação 12
Analisar a atuação de milícias nos estados na prática de corrupção e lavagem de dinheiro dela
decorrentes
2010 Ação 13
Replicar regionalmente o modelo da ENCCLA, com início no estado da Bahia
2010 Ação 14
Analisar a atuação de organizações criminosas existentes nos estabelecimento prisionais e/ou
carcerários na prática de corrupção e lavagem de dinheiro
2010 Ação 15
Analisar a atuação do narcotráfico na prática de corrupção e lavagem de dinheiro
2010 Ação 16
Analisar a corrupção associada a serviços terceirizados no âmbito estadual
2010 Ação 17
Analisar os riscos de corrupção nas licitações e contratações de obras e serviços vinculados à
Copa 2014 e às Olimpíadas de 2016, com ênfase na formação de cartéis
2010 Ação 18
Identificar dificuldades e vulnerabilidades no processo de rastreamento de recursos no sistema
financeiro e propor soluções
2010 Ação 19
212
Analisar os pontos de fragilidade e vulnerabilidades nas transferências voluntárias
2010 Ação 20
Disponibilizar e disseminar a utilização da tecnologia para análise dos extratos de quebra de
sigilo bancário na forma do layout constante no memorando de instrução MI 001-
ASSPA/PGR
2010 Ação 21
Promover a edição de atos normativos para inserir o número de CPF na publicação em Diário
Oficial das nomeações para cargos públicos e funções de confiança
Recomendações ENCCLA 2010
2010 Recomendação 1
Recomenda-se a todos os membros da ENCCLA a adoção de grupos permanentes de atuação
junto à mesma. Neste contexto, os órgãos se comprometem a informar à Secretaria Executiva
toda e qualquer alteração quanto aos indicados para participação dos Grupos Temáticos.
2010 Recomendação 2
Recomenda-se à Secretaria Executiva da ENCCLA que encaminhe expediente aos membros
da Estratégia solicitando apoio para cumprimento de ações administrativas, quando
necessárias ao pleno cumprimento de determinadas ações, tais como: a) definir o modelo e a
configuração da WICCLA e homologar a ferramenta de informática utilizada; b) migrar o
Sistema do Censo ENCCLA do TSE para o Lab-LD ou MJ.
2010 Recomendação 3
Recomenda-se ao Grupo Jurídico a continuidade do cumprimento da Ação 01 – ENCCLA
2009, referente à análise da Lei de Improbidade Administrativa.
2010 Recomendação 4
Recomenda-se ao Grupo Jurídico que analise o Anteprojeto da “Lei Orgânica da
Administração Pública”, manifestando-se o Grupo no que couber, encaminhando suas
sugestões ao Ministério do Planejamento.
213
ANEXO B – LISTA DE MEMBROS DA ENCCLA
Mais especificamente, a lista abaixo se refere às organizações que compõem o
Gabinete de Gestão Integrada de Prevenção e Combate à Lavagem de Dinheiro (GGI-LD).
Segundo o site do Ministério da Justiça:
O Gabinete de Gestão Integrada de Prevenção e Combate à Lavagem
de Dinheiro (GGI-LD) foi instalado em dezembro de 2003, em
atendimento à meta n.º 1 da Estratégia Nacional de Combate à
Lavagem de Dinheiro e de Recuperação de Ativos 2004 (Encla). Tem
como missão acompanhar o andamento dos objetivos e metas
definidos pela Encla, bem como manter a constante articulação das
instituições governamentais envolvidas no combate à lavagem de
dinheiro e ao crime organizado.
(http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJ7AE041E8ITEMIDB4E60E24
D18D47B1A9192F49E57E8123PTBRNN.htm)
1. Advocacia–Geral da União – AGU
2. Agência Brasileira de Inteligência – ABIN
3. Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel
4. Associação dos Juízes Federais do Brasil – AJUFE
5. Associação Nacional de Procuradores da República – ANPR
6. Banco Central do Brasil – BACEN
7. Câmara dos Deputados
8. Casa Civil da Presidência da República
9. Colégio dos Corregedores Gerais de Justiça – CCGJ
10. Comissão de Valores Mobiliários – CVM
11. Conselho da Justiça Federal – CJF
12. Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF
13. Conselho Nacional de Justiça – CNJ
14. Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP
15. Conselho Nacional dos Chefes de Polícia Civil – CONCPC
16. Conselho Nacional dos Corregedores–Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e
da União – CNCGMPEU
17. Conselho Nacional dos Procuradores–Gerais do Ministério Público dos Estados e da
União – CNPG
18. Controladoria–Geral da União – CGU
214
19. Departamento de Polícia Federal – DPF
20. Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República – GSI/PR
21. Instituto Nacional do Seguro Social – INSS
22. Ministério da Defesa – MD
23. Ministério da Fazenda – MF
24. Ministério da Justiça – MJ
25. Ministério da Previdência Social – MPS
26. Ministério das Relações Exteriores – MRE
27. Ministério do Planejamento – MPOG
28. Ministério Público do Estado de São Paulo – MP/SP
29. Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro – MP/RJ
30. Ministério Público Federal – MPF
31. Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro – PC/RJ
32. Procuradoria–Geral da Fazenda Nacional – PGFN
33. Receita Federal do Brasil – RFB
34. Secretaria de Assuntos Legislativos – SAL
35. Secretaria de Direito Econômico – SDE
36. Secretaria de Gestão – SEGES
37. Secretaria de Previdência Complementar – SPC
38. Secretaria de Reforma do Judiciário – SRJ
39. Secretaria do Orçamento Federal – SOF
40. Secretaria Nacional Antidrogas – SENAD
41. Secretaria Nacional de Justiça – SNJ
42. Secretaria Nacional de Segurança Pública – Senasp
43. Senado Federal
44. Superintendência de Seguros Privados – SUSEP
45. Superior Tribunal de Justiça – STJ
46. Supremo Tribunal Federal – STF
47. Tribunal de Contas da União – TCU
48. Tribunal Superior Eleitoral – TSE
Lista disponível no endereço eletrônico:
http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJ7AE041E8ITEMIDD1738D5C26904662B4AB6986883
74BEEPTBRNN.htm
215
ANEXO C – DETALHAMENTO ORÇAMENTÁRIO DAS AÇÕES
ANTICORRUPÇÃO DO PODER EXECUTIVO
Extraído do Volume IV da LOA 2010 (LEI N° 12.214/2010)
APÊNDICE A – CLASSIFICAÇÃO DAS DIRETRIZES DA ENCLA/ENCCLA
ANO NOME NATUREZA TEMA DIMENSÃO INSTRUMENTALIZAÇÃO
ESTRUT. TÁT. INTERN.
TERROR LAVG. CORRUP. * CRIM.ORG. COOP.INT. ADM. CRIM. DIVULG. PESQ. COM. LEGIS.
2010 AÇÃO 1 X X X X X
2010 AÇÃO 2 X X X X
2010 AÇÃO 3 X X X X
2010 AÇÃO 4 X X X X
2010 AÇÃO 5 X X X X
2010 AÇÃO 6 X X X X X X
2010 AÇÃO 7 X X X X X
2010 AÇÃO 8 X X X X X
2010 AÇÃO 9 X X X X
2010 AÇÃO 10 X X X X X
2010 AÇÃO 11 X X X X X X
2010 AÇÃO 12 X X X X X X
2010 AÇÃO 13 X X X X X X
2010 AÇÃO 14 X X X X X X
2010 AÇÃO 15 X X X X X X
2010 AÇÃO 16 X P X X X
2010 AÇÃO 17 X P X X X X
2010 AÇÃO 18 X X X X X
2010 AÇÃO 19 X P X X
2010 AÇÃO 20 X X X X X
2010 AÇÃO 21 X X X
2010 RECOMENDAÇÃO 1 X X
2010 RECOMENDAÇÃO 2 X X
2010 RECOMENDAÇÃO 3 X X X X
2010 RECOMENDAÇÃO 4 X P X X
2009 AÇÃO OP. 1 X X X X X
2009 AÇÃO OP. 2 X X X X X X
2009 AÇÃO OP. 3 X X X X
ANO NOME NATUREZA TEMA DIMENSÃO INSTRUMENTALIZAÇÃO
ESTRUT. TÁT. INTERN.
TERROR LAVG. CORRUP. * CRIM.ORG. COOP.INT. ADM. CRIM. DIVULG. PESQ. COM. LEGIS.
2009 AÇÃO OP. 4 X X X X
2009 AÇÃO OP. 5 X X X X
2009 AÇÃO OP. 6 X P X X X
2009 AÇÃO OP. 7 X P X X X
2009 AÇÃO OP. 8 X X P X X X
2009 AÇÃO OP. 9 X X X X
2009 AÇÃO JURÍDICA 1 X X X X
2009 AÇÃO JURÍDICA 2 X X X X
2009 AÇÃO JURÍDICA 3 X X X X X X
2009 AÇÃO JURÍDICA 4 X X X X X X X
2009 AÇÃO TI 1 X X X
2009 AÇÃO TI 2 X X
2009 AÇÃO TI 3 X X X
2008 META 1 X X X X X X
2008 META 2 X X X X X X
2008 META 3 X X X X
2008 META 4 X X X X
2008 META 5 X X X X X
2008 META 6 X X X X X X
2008 META 7 X X X X X
2008 META 8 X X X
2008 META 9 X X X
2008 META 10 X X X X X X
2008 META 11 X X X X X
2008 META 12 X X X X X
2008 META 13 X X X X X X X X X X
2008 META 14 X X X X X X
2008 META 15 X X X X
2008 META 16 X X P X X X
2008 META 17 X X X X X X
2008 META 18 X P X X
ANO NOME NATUREZA TEMA DIMENSÃO INSTRUMENTALIZAÇÃO
ESTRUT. TÁT. INTERN.
TERROR LAVG. CORRUP. * CRIM.ORG. COOP.INT. ADM. CRIM. DIVULG. PESQ. COM. LEGIS.
2008 META 19 X X X X
2008 META 20 X X X X X
2008 META 21 X X X X X X
2008 META 22 X X X X
2007 META 1 X X X X X
2007 META 2 X X X X X X X
2007 META 3 X X X X
2007 META 4 X X X P X X
2007 META 5 X X X X
2007 META 6 X X X X X
2007 META 7 X X X X
2007 META 8 X X X X X
2007 META 9 X X X X X
2007 META 10 X X X X X X X
2007 META 11 X X X X
2007 META 12 X X X X
2007 META 13 X X X X
2007 META 14 X X X X
2007 META 15 X X X X X
2007 META 16 X X X X X
2007 META 17 X X X X X
2007 META 18 X P X X
2007 META 19 X P X X
2007 META 20 X X X X X X
2007 META 21 X P X X X X
2007 META 22 X P X X
2007 META 23 X X X X X X
2007 META 24 X X P X X X
2007 META 25 X X X X X X
2007 META 26 X X X X X X
2007 META 27 X X P X X X
ANO NOME NATUREZA TEMA DIMENSÃO INSTRUMENTALIZAÇÃO
ESTRUT. TÁT. INTERN.
TERROR LAVG. CORRUP. * CRIM.ORG. COOP.INT. ADM. CRIM. DIVULG. PESQ. COM. LEGIS.
2007 META 28 X X P X X X
2007 META 29 X P X X X
2007 META 30 X X X X
2007 META 31 X P X X
2007 META 32 X X X X
2007 META 33 X X X X
2007 RECOMENDAÇÃO 1 X X X X X X X X
2007 RECOMENDAÇÃO 2 X X X X
2007 RECOMENDAÇÃO 3 X X X X X
2007 RECOMENDAÇÃO 4 X P X X
2007 RECOMENDAÇÃO 5 X X X X X
2007 RECOMENDAÇÃO 6 X X X X
2007 RECOMENDAÇÃO 7 X X X X
2007 RECOMENDAÇÃO 8 X X X X X
2007 RECOMENDAÇÃO 9 X P X X
2007 RECOMENDAÇÃO 10 X P X X X
2007 RECOMENDAÇÃO 11 X X X X
2007 RECOMENDAÇÃO 12 X X X X X X
2007 RECOMENDAÇÃO 13 X X P X X X
2007 RECOMENDAÇÃO 14 X X X X
2007 RECOMENDAÇÃO 15 X X X
2007 RECOMENDAÇÃO 16 X P X X X
2007 RECOMENDAÇÃO 17 X P X X
2007 RECOMENDAÇÃO 18 X P X
2007 RECOMENDAÇÃO 19 X P X X X
2007 RECOMENDAÇÃO 20 X X X X
2006 META 1 X X X X X X
2006 META 2 X X X X
2006 META 3 X X X X X
2006 META 4 X X X X
2006 META 5 X X X X X X
ANO NOME NATUREZA TEMA DIMENSÃO INSTRUMENTALIZAÇÃO
ESTRUT. TÁT. INTERN.
TERROR LAVG. CORRUP. * CRIM.ORG. COOP.INT. ADM. CRIM. DIVULG. PESQ. COM. LEGIS.
2006 META 6 X X X X X
2006 META 7 X
2006 META 8 X X X X
2006 META 9 X X X X X X
2006 META 10 X X X X
2006 META 11 X X X
2006 META 12 X X X X
2006 META 13 X X X X X
2006 META 14 X X X X
2006 META 15 X X X X
2006 META 16 X X X X X
2006 META 17 X X X X X
2006 META 18 X X X X
2006 META 19 X X X X
2006 META 20 X X X X X X
2006 META 21 X X X X
2006 META 22 X X X X X
2006 META 23 X X X
2006 META 24 X X X X
2006 META 25 X X X X
2006 META 26 X X X X
2006 META 27 X X X
2006 META 28 X X X X X
2006 META 29 X X X X
2005 META 1 X X X
2005 META 2 X X X X
2005 META 3 X X X X X
2005 META 4 X X X X
2005 META 5 X X X X
2005 META 6 X X X X
2005 META 7 X X X
ANO NOME NATUREZA TEMA DIMENSÃO INSTRUMENTALIZAÇÃO
ESTRUT. TÁT. INTERN.
TERROR LAVG. CORRUP. * CRIM.ORG. COOP.INT. ADM. CRIM. DIVULG. PESQ. COM. LEGIS.
2005 META 8 X X X
2005 META 9 X X X X X
2005 META 10 X X P X X
2005 META 11 X X X X
2005 META 12 X X X X X
2005 META 13 X X X X
2005 META 14 X X X X
2005 META 15 X X X X X
2005 META 16 X X X X X
2005 META 17 X X X X X X
2005 META 18 X X X X X X
2005 META 19 X X X X X
2005 META 20 X X X X
2005 META 21 X X X X X
2005 META 22 X
2005 META 23 X X X
2005 META 24 X X X X
2005 META 25 X X X X
2005 META 26 X X X X
2005 META 27 X X X X
2005 META 28 X X X X
2005 META 29 X X X X
2005 META 30 X X X X X X
2005 META 31 X X X X X
2005 META 32 X X X X X
2005 META 33 X X X X X
2005 META 34 X X X X
2005 META 35 X X X X
2005 META 36 X X X X
2005 META 37 X X X X
2005 META 38 X X X X X
ANO NOME NATUREZA TEMA DIMENSÃO INSTRUMENTALIZAÇÃO
ESTRUT. TÁT. INTERN.
TERROR LAVG. CORRUP. * CRIM.ORG. COOP.INT. ADM. CRIM. DIVULG. PESQ. COM. LEGIS.
2005 META 39 X X X X X
2005 META 40 X X X X
2005 META 41 X X X X
2005 META 42 X X X X
2005 META 43 X P X X X
2004 META 1 X X X X
2004 META 2 X X X
2004 META 3 X X X X
2004 META 4 X X X X
2004 META 5 X X X X
2004 META 6 X X X X
2004 META 7 X X X X X X X X
2004 META 8 X X X X
2004 META 9 X X X X
2004 META 10 X X X X
2004 META 11 X X X X
2004 META 12 X X X X X
2004 META 13 X X X
2004 META 14 X X X X
2004 META 15 X X X X
2004 META 16 X X X X
2004 META 17 X X X X
2004 META 18 X X X X X
2004 META 19 X X X X X
2004 META 20 X X X X X X X X
2004 META 21 X X X X
2004 META 22 X X X X
2004 META 23 X X X
2004 META 24 X X X X
2004 META 25 X X X X
2004 META 26 X X X X X X
ANO NOME NATUREZA TEMA DIMENSÃO INSTRUMENTALIZAÇÃO
ESTRUT. TÁT. INTERN.
TERROR LAVG. CORRUP. * CRIM.ORG. COOP.INT. ADM. CRIM. DIVULG. PESQ. COM. LEGIS.
2004 META 27 X X X
2004 META 28 X X X X
2004 META 29 X X X X X X X
2004 META 30 X X X X
2004 META 31 X X X X
2004 META 32 X X X X
* O "P" no campo corrupção indica que a diretriz é mais relacionada a prevenção do que à persecução de atos de corrupção.
APÊNDICE B – ESPÉCIES TÍPICAS DE ILÍCITOS
ADMINISTRATIVOS E PENAIS DE CORRUPÇÃO NO DIREITO
INTERNO BRASILEIRO, SEGUNDO AS CONVENÇÕES
ANTICORRUPÇÃO INTERNACIONAIS
Tipos penais de corrupção no Código Penal:
Moeda falsa qualificada por funcionário público (art. 289, § 3º) e sua circulação (art.
289, § 4º)
Falsificação de papéis públicos (art. 293) praticada por funcionário público (art. 295)
Falsificação do selo ou sinal público (art. 296) por Funcionário Público (296, §2º)
Falsificação de documento público (art. 297 e Lei 8.212/91) por Funcionário Público
(297, §1º)
Falsidade ideológica (art. 299) por funcionário Público (art. 299, § único)
Falso reconhecimento de firma ou letra (art. 300)
Certidão ou atestado ideologicamente falso (art. 301, caput)
Falsidade material de atestado ou certidão (art. 301, § 1º)
Falsidade de atestado médico (art. 302)
Adulteração de sinal identificador de veículo automotor (art. 311) por funcionário
Público (art. 311, §1º e 2º )
Peculato (art. 312, caput e § 1º)
Peculato culposo (art. 312, §§ 2º e 3º)
Peculato mediante erro de outrem (art. 313)
Extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento (art. 314)
Emprego irregular de verbas ou rendas públicas (art. 315)
Concussão (art. 316, caput)
Excesso de exação (art. 316, §§ 1º e 2º)
Corrupção passiva (art. 317)
Facilitação de contrabando ou descaminho (art. 318)
Prevaricação (art. 319)
Condescendência criminosa (art. 320)
Advocacia administrativa (art. 321)
Violação do sigilo funcional (art. 325)
227
Violação do sigilo de proposta de concorrência (art. 326)
Tráfico de influência (art. 332)
Corrupção ativa (art. 333)
Impedimento, perturbação ou fraude de concorrência (art. 335)
Exploração de prestígio (art. 357)
Violência ou fraude em arrematação judicial (art. 358)
Inserção de dados falsos em sistema de informações (art. 313-A)
Modificação ou alteração não autorizada de sistema de informações (art. 313-B)
Corrupção ativa em transação comercial internacional (art. 337-B)
Tráfico de influência em transação comercial internacional (art. 337-C)
Tipos penais de corrupção na legislação penal extravagante:
Crimes de Responsabilidade (DL 201/67; Lei 1.079/50 e Lei 5.249/67)
Corrupção por Prefeitos e Vereadores (DL 201/67, art. 1º, I e II)
Crimes de Tráfico Ilícito de Drogas por Funcionário Público (Lei 11.343/06, art. 40, II)
Gestão financeira fraudulenta (Art. 4º da Lei 7.492/86)
Apropriação indébita financeira (Art. 5º da Lei 7.492/86)
Crimes contra a Ordem Tributária por Funcionário Público (art. 3º e 12,II da Lei
8.137/1990)
Crime contra a administração ambiental praticado por funcionário público (Lei
9.605/1998, arts. 66 e 67)
Crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos ou valores oriundos de crime
antecedente de corrupção, (Lei 9.613/98, art. 1º, V e VIII)
Crimes da Lei de Licitações (Lei 8.666/1993)
Corrupção em crimes eleitorais (Lei 4.737/65, art. 299 e 300)
Suborno no setor privado - Dos crimes contra a concorrência desleal (art. 195, IX e X
da Lei 9.279/96)
Conflito de interesses no setor privado - Dos crimes contra a concorrência desleal (art.
195, XI da Lei 9.279/96)
228
Tipos penais de corrupção no Código Penal Militar:
Peculato (art. 303)
Peculato por aproveitamento do erro de outrem (art. 304)
Concussão (art. 305)
Excesso de exação (art. 306)
Desvio (art. 307)
Corrupção passiva (art. 308)
Corrupção ativa (art. 309)
Participação ilícita (art. 310)
Prevaricação (art. 319)
Violação do dever funcional com o fim de lucro (art. 320)
Tipos administrativos-disciplinares de corrupção na Lei 8.112/1990:
Art. 117. Ao servidor é proibido:
IX - valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em
detrimento da dignidade da função pública;
XII - receber propina, comissão, presente ou vantagem de qualquer espécie, em
razão de suas atribuições;
XVI - utilizar pessoal ou recursos materiais da repartição em serviços ou
atividades particulares;
Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:
I - crime contra a administração pública;
IV - improbidade administrativa;
VIII - aplicação irregular de dinheiros públicos;
X - lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional;
XI - corrupção;
Tipos civis-administrativos de corrupção na Lei 8.429/1992:
CAPÍTULO II – Dos Atos de Improbidade Administrativa; Seção I – Dos Atos de
Improbidade Administrativa que Importam Enriquecimento Ilícito; Art. 9º e incisos.
229