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Redações convergentes e o impacto dos tablets nas rotinas produtivas jornalísticas1
Alberto Marques2
Resumo: Este ensaio objetiva discutir o processo de produção de notícias para tablets no cenário de redações convergentes. A partir da inserção de um novo suporte para a produção noticiosa, e o consequente desenvolvimento das edições jornalísticas autóctones, considera-‐se fundamental refletir sobre as possíveis transformações nos processos de produção de notícias feitas para o suporte. Ao contrário de outros meios digitais, esses equipamentos apresentam diferentes características para produção, circulação e acesso a notícias. Buscamos debater a inserção de novos critérios de noticiabilidade, a possibilidade de surgimento de novos valores-‐notícia, e a abertura de uma nova estética de produtos. Além disso, o novo suporte táctil abre a possibilidade de criação de narrativas diferenciadas. Palavras-‐chave: Tablets. Jornalismo. Mobilidade. Newsmaking.
O jornalismo praticado na sociedade contemporânea tem passado alterações
sociais, econômicas e ideológicas. A digitalização da informação, aliada ao
desenvolvimento de novas plataformas e de novas formas de apropriação e
compartilhamento da informação jornalística, tem provocando alterações na profissão dos
jornalistas.
Algumas dessas mudanças são mais simples; outras, mais profundas, classificadas
como mudanças estruturais (ADGHIRNI; PEREIRA, 2011). Um dos aspectos deflagradores
desse processo é a multiplicação de canais de produção noticiosa e informativa
(ADGHIRNI; JORGE, 2011).
Um outro motivo que pode ser ventilado está relacionado à busca constante das
empresas de mídia por novas técnicas, capazes de conferir menores custos de produção e
mais celeridade, com foco em aumentar a rentabilidade e a competitividade dos grupos de
comunicação. Esse fato pode ser constatado desde que a informação assumiu a posição de
1 Artigo enviado na modalidade Comunicação Oral 2 Professor e pesquisador da Universidade Católica de Brasília e doutorando em Comunicação na linha jornalismo e sociedade pela Universidade de Brasília. E-‐mail: [email protected]
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um novo produto comercializável (a notícia) e a atividade jornalística foi profissionalizada
(AGNEZ, 2011).
No jornalismo, um ponto de grande impacto que provocou mudanças profundas na
profissão foi o desenvolvimento da microinformática e das telecomunicações. Nos anos 80,
Gomes (2009) previa que a rápida expansão do uso dos computadores, a par da
proliferação de diversos tipos de bases de dados eletrônicos, transformaria
consideravelmente a forma como os jornalistas recolheriam os dados e formulariam a
notícia3. “Todas as etapas, incluindo a coleta, o processamento e a transmissão de
conteúdos informativos passaram por uma reformulação [...]”. Esse processo está diluído
em diversos instantes na história da comunicação. (JORGE, 2007, p. 61).
Sabemos que toda nova tecnologia introduzida no jornalismo é passível de alterações do ambiente e das formas de lidar com a rotina. Foi assim desde a adoção dos tipos móveis, as melhorias das estradas e distribuição dos impressos, o surgimento das linotipos e das rotativas, das máquinas de escrever, do telégrafo, do próprio telefone e, posteriormente, a criação dos meios eletrônicos de comunicação, como o rádio e a televisão, a difusão da internet comercial e a adoção de microcomputadores pelas redações e dos sistemas digitais de fotografia, edição e impressão, entre outros. (AGNEZ, 2011, p.4).
É no contexto de novos suportes e o desenvolvimento de novos aparatos
tecnológicos que as práticas desses profissionais já constituídas são metamorfoseadas
(FIDLER, 1997). As rotinas executadas nos novos meios não surgem de forma espontânea,
elas migram dos velhos meios e são remediadas. Com isso, métodos antigos de trabalho
são adaptados e muitas vezes transpostos para um novo meio.
Nesse processo de inserção e transformações, as rotinas profissionais nas novas
mídias têm remediado (BOLTER, GRUSIN, 2000)4 as formas e as práticas profissionais de
uma mídia anterior.
Apesar dos diversos momentos históricos em que essas transformações ocorreram,
para este trabalho, interessam-‐nos as transformações provocadas a partir da convergência
3 Neste trabalho quando nos referimos à notícia não estamos falando de um gênero, estamos nos referindo aos produtos jornalísticos. Como reportagem, por exemplo. 4 De acordo com os autores, as “velhas mídias” (old media) são representadas e, em alguns momentos, destacadas pelas novas mídias, recebendo uma nova finalidade, uma nova forma e um novo tipo de acesso. Entendemos que as práticas desenvolvidas pelos diversos atores também são remediadas.
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das redações e pela criação das versões jornalísticas vespertinas para os dispositivos
móveis. De forma ensaística, buscamos debater e chamar atenção para os métodos
produtivos feitos nesta lógica organizacional. Lançamos um olhar, considerando o cenário
delineado, sobre os aspectos nas etapas de coleta da informação (WOLF, 2003).
1. Convergência jornalística
Embora existam diversos estudos sobre convergência, percebe-‐se que não há
consenso sobre o termo (SALAVERRÍA; GARCIA AVILÉS; MASIP, 2007, CANAVILHAS, 2012).
No jornalismo, apesar de os estudos nessa área já datarem de quase três décadas
(SALAVERRÍA; GARCÍAVILÉS, 2008, BARBOSA, 2009a), também existe diversidade de
conceitos.
A convergência é entendida neste trabalho como um processo multidimensional,
que afeta os âmbitos Tecnológico, Profissional, Empresarial e Editorial/Conteúdo dos
meios de comunicação, levando-‐os a passar por profundas transformações, e desencadeia
a junção de ferramentas, espaços, rotinas de trabalho e linguagens. Há, neste contexto,
uma produção de conteúdos para que sejam distribuídos através de múltiplas plataformas,
por meio das linguagens próprias a cada uma delas. (GARCÍA AVILÉS et al, 2007).
A seara Tecnológica está relacionada à infraestrutura técnica, como computadores,
câmeras, gravadores, servidores e sistemas de gestão de conteúdo “[...]para garantir a
produção (redação integrada), a difusão cross-‐media e a recepção” (BARBOSA, 2009a, p.
4262). De forma resumida, e indicando a parte que nos interessa, aqui os aparelhos
técnicos são utilizados para produção de conteúdos jornalísticos para todos os meios que
fazem parte desse processo convergente.
Na área Profissional, existe uma sinergia na elaboração de conteúdos para mais de
um meio. Ela ocorre quando uma redação é unificada, ou redações independentes
trabalham em sinergia para produção de conteúdo, para diferentes plataformas. “Abarca,
portanto, produção integrada, jornalistas polivalentes e distribuição multiplataforma”
(BARBOSA, 2009a, p. 4262).
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Já em relação à Empresarial, esta está totalmente relacionada aos grupos
midiáticos, sejam eles multinacionais, nacionais, regionais ou locais, e às alianças, fusões,
absorções ou novas empresas que resultam dessas composições.
A última, a de Conteúdos, está voltada à criação de peças informativas mais
inovadoras e ao uso de linguagem multimídia. Nesse ponto, há uma hibridização de
gêneros jornalísticos.
Compreendemos que esses quatro âmbitos impulsionam transformações no
processo de produção das notícias. “La tecnología digital ha propiciado la integración de
funciones en el proceso de producción informativa en los distintos medios. [...] A su vez,
los equipos se han vuelto cada vez más portátiles y manejables, lo que facilita la obtención
y difusión de documentos.” (GARCÍA AVILÉS, 2006).
Barbosa (2009a) elenca diversos fatores que caracterizam a convergência
jornalística. O primeiro deles é a integração entre meios distintos; o ciclo contínuo 24/7
para a produção de conteúdos; a reorganização das redações; jornalistas capazes de tratar
a informação – a notícia – para diversas plataformas (platform-‐agnostic); inserção de
novas funções, além de habilidades multitarefas para os jornalistas; profissionais
trabalhando em parceria com a comunidade/audiência, segundo o modelo Pro-‐Am; criação
de narrativas originais, com utilização de hipertexto e da hipermídia e o emprego efetivo
da interatividade.
No Brasil, empresas de comunicação de diferentes regiões já estão com projetos de
convergência jornalística em curso. Barbosa (2009b) acredita que talvez o caso mais
conhecido internacionalmente, justamente pela visibilidade que o World Editors Forum lhe
deu, é o Grupo Rede Brasil Sul (RBS/Rio Grande do Sul), único do país a integrar o relatório
da entidade publicado em 2008. Outros exemplos de empresas brasileiras que passaram
por esse processo foram: A Tarde, O Globo, Zero Hora, Rede Gazeta de Vitória e Folha de S.
Paulo5.
Ao falar sobre as apropriações dos tablets, o marco da inserção desses aparelhos no
mercado é o mês de abril de 2010 quando a Apple lançou o iPad (CANAVILHAS; DE
SANTANA, 2011). Os suportes não eram novidade no mercado da tecnologia, mas o
5 A Folha anunciou uma reestruturação em 2010, pretensiosamente intitulada como o “jornal do futuro”.
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lançamento de Steve Jobs representou o boom de vendas e aceitação do aparelho no
mercado mundial.
Já a utilização do suporte para a prática jornalística é anterior ao lançamento da
Apple, com o ‘tablet newspaper’ há 17 anos, em 1997. O professor e diretor do Programa
Digital Publishing Donald W. Reynolds Journalism, da Universidade do Missouri (EUA),
Roger Fidler, é o idealizador do dispositivo (BARBOSA; SEIXAS, 2013).
Apesar de ainda serem tímidas as apropriações e o desenvolvimento de versões
jornalísticas nativas (MARQUES, 2014), dados apontam que o número de acesso por esses
dispositivos tem aumentado a cada ano. “O aumento da presença de tecnologias móveis
nos domicílios brasileiros apresentou crescimento em 2012 e reforça a tendência à
mobilidade.” A quantidade de pessoas que utilizam celular para acessar a internet cresceu
em 2012, chegando a 24%. “Em 2011, esse tipo de uso era menos comum (18%)6”.
Dados da comScore mostram que a proporção de acessos realizados por
dispositivos móveis, como celulares e tablets, teve crescimento de 300% entre maio de
2011 (quando era de 0,6% do tráfego total) e maio de 2012 (2,4%) no Brasil. Nos Estados
Unidos, os números daquele ano também chamam atenção. Das pessoas que possuem
tablets no país, 64% usam o dispositivo para ler notícias, revela a Pew Research Center's
Project for Excellence in Journalism (PEJ) .
Ao contrário de outros meios digitais, esses equipamentos diferenciam suas
características de acesso a notícias, como computadores de mesa. Apesar de existirem
diversas apropriações, interessam-‐nos as apropriação nativas para o suporte. Mais
especificamente, lançamos um olhar sob os vespertinos brasileiros: Globo A Mais, Estadão
Noite e Diário do Nordeste Plus. Principalmente por supormos que as características
dessas versões impactam de alguma forma as etapas da produção da informação
jornalística.
As pesquisas sobre jornalismo e os dispositivos móveis florescem a partir do século
XXI, com a propagação de conexões sem fio e tecnologias móveis mais avançadas
(celulares, tablets, notebooks, entre outros) (SILVA, 2008).
6 Informações disponíveis em: <http://agencia.fapesp.br/17463#.UcoZvc_g-‐04> Acesso em 22 de junho de 2014.
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Todo esse processo complexo desencadeou uma série de impactos no jornalismo e
tem sido alvo de estudos. Por meio da revisão bibliográfica feita neste trabalho e
desenvolvida no projeto de doutoramento deste autor, constatamos que a área carece de
estudos voltados às rotinas produtivas.
Como a convergência jornalística é um processo em evolução contínua, de cariz complexo, o desenvolvimento de pesquisas que estudem casos distintos, de regiões diferentes para conhecer as rotinas de produção em redações integradas, permitirá esclarecer a(s) forma(s) configuradora(s) da convergência jornalística no Brasil, seus modelos, como é o desenvolvimento e implantação das ações relativas às distintas áreas da convergência jornalística e o grau de convergência existente (BARBOSA, 2009b, p. 51).
É nesse contexto que buscamos, com esse artigo, refletir sobre as rotinas
produtivas em redações convergentes a partir da inserção de um novo suporte para
circulação da informação: o tablet. Acreditamos que a inserção de um novo suporte no
contexto de uma redação convergente altera o processo de noticiabilidade das
informações.
Pela própria caraterística do produto-‐notícia, ele segue o contexto social,
econômico e político e se submete ao entorno local. Percebemos os processos produtivos
das notícias como uma construção, em que fatores variados influenciam na elaboração
noticiosa: “valores-‐notícia, tecnologias do meio, logística de produção da notícia,
orçamento, problemas legais, disponibilidade de fontes, e formas de apresentação do
acontecimento” (JORGE, 2007, p.15).
Destacamos que este trabalho está inserido na corrente teórica da sociologia dos
emissores, mais especialmente, do newsmaking7. Nessa corrente de pesquisa, existem
duas vertentes de estudo: as organizações formais e a estrutura administrativa da mídia,
principalmente no que tange à introdução de aparatos tecnológicos no processo produtivo
7 O estudos dos emissores se desenvolveram sob duas perspectivas: uma mais ligada à questões culturais, do padrão de carreira e dos processos de sociabilização, entre outros. E do outro sobre a lógica dos processos produtivos. A segunda corrente busca compreender como o trabalho jornalístico é organizado. (WOLF, 2003).
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da notícia8; e, por outro, o jornalista como construtor da notícia inserido no contexto de
construção da realidade social (ALSINA, 2009; WOLF, 2003).
Apenas para reforçar, o newsmaking está articulado entre a cultura profissional e a
organização do trabalho e dos processos produtivos (WOLF, 2003). Com isso, estamos
filiados aos trabalhos que buscam compreender os processos organizacionais cotidianos
que alicerçam a construção das mensagens jornalísticas por períodos extensos.
Apesar dessa filiação, deixamos claro que compreendemos que as duas correntes
de investigação do newsmaking não estão separadas e que são complementares.
Impactam, dessa forma, na construção dos produtos noticiosos.
Como frisamos, a inserção dos produtos noticiosos vespertinos – como é o caso dos
já mencionados Globo A Mais, Estadão Noite e Diário do Nordeste Plus -‐ no contexto das
redações convergentes demanda, para a produção jornalística, novos requisitos dos
profissionais envolvidos na criação da notícia, acrescentando novas rotinas ao processo de
produção da notícia.
Do ponto de vista da estrutura do trabalho nos aparatos informativos, e sob o
enfoque do profissionalismo dos jornalistas, há uma diversidade de requisitos que se
exigem para os eventos adquirirem a existência pública da notícia. (WOLF, 2003). Para se
tornar notícia, ela precisa ter noticiabilidade, que é o conjunto de características que os
eventos devem reunir para se tornar notícia.
As rotinas são importantes porque “diante da variedade e imprevisibilidade dos
acontecimentos, as empresas jornalísticas precisaram se organizar no tempo e espaço,
unificando as práticas e estabelecendo rotinas para a produção da notícia” (AGNEZ, 2009,
p. 65).
Sousa (2002) entende os processos/rotinas como técnicas convencionais e algo
mecanicista de produção de alguma coisa que, sem excluir que determinadas pessoas
tenham rotinas próprias ou que a cultura e o meio social afetem essa produção, pareça
obedecer essencialmente a fatores sócio-‐organizacionais.
8 A notícia é o nosso objeto de estudo neste trabalho. Aqui, o termo aparece como sinônimo de comunicação e informação, podendo abranger outros gêneros informativos.
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Neste contexto, a construção da notícia aparece como um processo de três fases:
produção, circulação e consumo (ALSINA, 2009)9. Wolf defende três fases também: i)
coleta, ii) seleção, e iii) edição/apresentação no jornalismo10 (2003). Devido ao proposto
neste trabalho, iremos refletir somente sobre o primeiro item – a produção ou coleta.
Apesar de aqui defendermos que essas rotinas são divididas em três fases,
deixamos claro que o processo informativo se compõe de fases que variam segundo a
organização do trabalho de cada redação e de cada meio de comunicação (ADGHIRNI,
2012).
Para que a notícia seja construída, o jornalista precisa seguir alguns procedimentos,
entre eles tomar cuidado com a apuração dos dados, escolher fontes e selecionar as
informações. Para isso, ele segue um processo. É este processo que vai definir sua rotina
de trabalho.
Além desses pontos elencados, as notícias também são resultado de uma ação
histórica que se reflete hoje sobre os modos de produção (SOUZA, 2002). Nesse contexto
evolutivo, os “avanços nos processos de transmissão e difusão da informação trouxeram
novas formas de noticiar” (JORGE, 2007, p.47). Um bom exemplo é o telégrafo que teria
dado, entre outros impactos, a dimensão do valor-‐notícia atualidade11. Antes dele, as
notícias demoravam semanas ou dias para chegar de um local para outro.
2. Pontencialidades e rotinas produtivas
Antes de começarmos a elencar as rotinas no contexto dos tablets, listamos
algumas características que precisam/precisarão ser levadas em conta para a construção
da informação em algumas etapas da produção jornalística. A primeira diferença dos
outros suportes tradicionais é a sua mobilidade, que estende ao espaço público o consumo
9 Apesar de existirem outras classificações, optamos em utilizar a classificação de Alsina (2009). Além disso, deixamos claro que os processos informativos variam de acordo com cada redação, por isso, pensamos de forma ampla. 10 Apesar de termos escolhido o processo em três fases, deixamos claro que o processo informativo compõe-‐se de diversas fases que variam segundo a organização do trabalho de cada redação e de cada meio de comunicação (ADGHIRNI, 2012). 11 Os valores-‐notícia ou critérios de noticiabilidade não serão discutidos neste referencial teórico, mas fazem parte, aos serem utilizados para definir o que é ou não uma notícia, das rotinas produtivas.
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das notícias e a forma de produção de conteúdo, criando o que Lemos (2009) chama de
territórios informacionais.
Os usuários passam a consumir informações em metrôs, ônibus, entre outros locais,
em estado de deslocamento. Essa característica pode influir na leitura dos textos e nos
formatos que são consumidos. Com isso, certamente o usuário produtor de informação
terá que se preocupar na hora de produzir o produto.
Um segundo ponto, que está imbricado com o primeiro, é a portabilidade, que
modifica as condições de leitura, voltando a aproximar-‐se do manuseio do impresso, e
alterando, com isso, a produção e formatação do conteúdo.
Outra característica tem relação com a forma de manusear com os dedos a
interface do dispositivo. Essa função é conhecida como touch. Apesar de outros
dispositivos apresentarem essa características, é o tablet o primeiro a consolidar a leitura
de notícia com tal função.
Outro elemento são os aplicativos. Muitas edições e serviços jornalísticos para
tablets são desenvolvidas em aplicativos. Esse desenvolvimento abre novas perspectivas
de modelo de negócio para os meios de comunicação e gera novas demandas no processo
produtivo de informações.
Nos aplicativos, a criação de hipertextos passa a acontecer em uma ambiente
fechado que, ao usar links externos, faz com que o jornalista leve o usuário a um ambiente
externo. Certamente essa decisão pesará na hora da escolha.
As empresas midiáticas também têm desenvolvido produtos jornalísticos não
somente em aplicativos. A web também tem sido utilizada, com apoio de uma linguagem
chamada de HTML5, como suporte de produção desse formato.
Esse desenvolvimento herda do jornalismo digital caraterísticas passíveis de uso,
como hipertextualidade, multimidialidade, personalização, atualização
contínua/instantaneidade e memória (PALACIOS, 2003). É neste ponto que florescem
debates teóricos acerca do tema. Neste contexto, observaremos como essas apropriações
estão sendo usadas. Com o uso dos tablets e telefones celulares, Palacios e Cunha (2013)
propõem o surgimento de uma nova característica desse jornalismo: a tactilidade.
Há também que se destacar que os aplicativos jornalísticos têm utilizados imagens
em alta definição (high definition). Os vídeos também possuem, em sua grande maioria,
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alta qualidade (MARQUES, 2014). De alguma forma, isso acaba impactando na geração de
conteúdo para o suporte e inviabilizando as informações que não possuem material
suficiente na sua coleta.
Apresentadas algumas características, passamos a adentrar nas rotinas produtivas.
O primeiro passo, e a etapa que nos interessa, das três partes que adotamos como modelo
de rotina, é a coleta. De acordo com Wolf (2003), a coleta é proporcional aos recursos
disponíveis. Disponibilidade de recursos humanos e materiais fazem parte do rol de
necessidades para produção da informação jornalística nesta etapa.
O primeiro passo da coleta se dá na escolha dos temas que serão abordados. Neste
momento, tem início uma pesquisa ampla sobre diversas temáticas e acontecimentos
possíveis que acontecerão durante o dia para depois o jornalista avaliar a viabilidade do
tema. É nesse emaranhado de fatos que os editores dos vespertinos buscam as temáticas
que serão manchetadas no dia.
No Globo, que edita O Globo a Mais, por exemplo, a primeira reunião de pauta
acontece às 8h da manhã e certamente dessa reunião o conteúdo publicado no vespertino
nasce ou é inicialmente pautado. “Da descoberta de um fato à publicação na edição
impressa, a notícia deve ser adaptada a novas mídias, ganhar personagens, análises e ser
enriquecida por especialistas12”.
Este é um trabalho circular, que está integrado aos valores-‐notícia e aos canais de
coleta da informação. “Os dois processos procedem quase simultaneamente, visto que a
coleta ocorre sobretudo por meio de fontes estáveis, que tendem a fornecer material
informativo já facilmente inserível nos procedimentos produtivos normais da redação”
(WOLF, 2003, p.230). Acreditamos serem esses fatores os primeiros passos que
estabelecem a viabilidade da informação, que assim se torna um produto jornalístico.
No cenário de uma redação convergente, essa apuração começa nos primeiros
meios do grupo a divulgar a informação: rádio, televisão, portais e os perfis nos sites
formadores de redes sociais online.
12 Informação retirada da matéria “É tempo de uma nova forma de fazer notícia”. Disponível em: < http://oglobo.globo.com/brasil/e-‐tempo-‐de-‐uma-‐nova-‐forma-‐de-‐fazer-‐noticia-‐12100886 > Acesso em 21 de junho de 2014.
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A decisão de quais assuntos entrarão no dia perpassa certamente pelas métricas e
repercussão gerada pelas informações. Certamente essa escolha deve ser tomada não só
pelos critérios tradicionais, como valor-‐notícia. Compartilhamento em redes sociais na
web, sistemas de mensuração de palavras-‐chave e número de acessos dos meios digitais
devem ser alguns dos fatores que passam a influenciar nessa escolha. A escolha das
notícias ganha um novo critério sócio-‐métrico, que é essencial para publicação do
conteúdo no vespertino.
Neste momento, também começa uma pré-‐apuração dos fatos, o levantamento de
fontes e a validação dos valores-‐notícia. As fontes especializadas ganham relevo nestas
edições. Supomos que os especialistas ganham destaque nas análises. Desde a criação da
web e da possível quebra do polo de emissão (LEMOS, 2005), houve um alargamento do
uso de fontes e certamente esse aspecto deve ser refletido nas páginas dos vespertinos.
As informações que têm circulado nos vespertinos, pela proposta do novo meio de
comunicação, são fatos que ganharam destaque durante o dia. Por isso, supomos que a
apuração ocupe boa parte do dia para trazer novas angulações e informações ainda não
abordadas. Como a proposta é divulgar desdobramentos e análises dos fatos, esse
primeiro ponto deve ocupar uma boa parte do dia.
Selecionado o tema que será destaque na edição do dia, a construção da pauta
passa a ser um elemento central na primeira etapa. Pauta pode ser descrita como uma
agenda ou o roteiro dos assuntos abordados em um meio de comunicação jornalístico.
Para Rabaça e Barbosa (2001, p. 556), pode ser também uma “súmula de matérias a serem
feitas em determinadas edições” ou um planejamento esquematizado de angulações a
serem usadas em um texto jornalístico.
No caso do jornalismo digital, quando a produção é multimidiática, a pauta, além
de ser um roteiro e um recurso interpretativo mental, é uma ferramenta para composição
da narrativa (SCHWINGEL, 2012). Certamente essa dinâmica também funciona nos tablets.
Além das informações tradicionais, como nome do repórter, editor, data, prazo de
entrega, assunto, histórico, enfoque do texto, desdobramento e fontes, abre-‐se a
necessidade de se pensar nos formatos utilizados e no fluxograma do texto. Schwinngel
(2012) acredita que é possível também inserir elementos interativos no texto.
12
É na arquitetura que o jornalista vai explicitar a navegação no produto e a
hierarquização da informação. Sugerimos, com a inserção da tactilidade, que as pautas
devem/deverão incluir um novo campo que envolve navegação nos arquivos. Tanto
horizontais como verticais. Essas informações podem também ficar no fluxograma. O que
não está claro é se esse processo é pensado no momento da pauta ou na hora da edição
dos conteúdos. Nos aplicativos autóctones, como Globo A Mais, já há uma navegação
horizontalizada e verticalizada e em camadas hipertextuais.
A navegação nas notícias produzidas para esses suportes é realizada por meio de
gestos tácteis. (PALACIOS e CUNHA, 2013). Os jornalistas precisam pensar e arquitetar as
informações a partir dessa nova função.
Passado o momento de pauta, o jornalista passará a coletar os arquivos que serão
usados na edição. As entrevistas certamente são feitas em equipamentos digitais para que,
na hora da edição, o repórter escolha o formato que usará. Com isso, quando a presença
física é permitida, imaginamos que os vídeos são privilegiados.
As imagens são capturadas com máquinas profissionais. Há nessas versões espaços
para galerias de imagens, como também elas são usadas em todas as matérias. Num
trabalho anterior (MARQUES, 2014), observamos que a maioria dos arquivos utilizados são
de agências noticiosas e de assessorias de imprensa.
Apesar de não fazer parte da lógica dos vespertinos ainda, acreditamos que os
dispositivos móveis acrescentam novos critérios de noticiabilidade, como localismo e
instantaneidade intensiva (SILVA, 2007).
Silva (2008, p.2) explica que a ideia de geolocalização via GPS nas notícias reforça a
ideia de localismo, do hiperlocal, ou visualização espacial da notícia. “Este é um elemento
novo no jornalismo que acrescenta novas informações à matéria numa construção que une
instantaneidade e localização geográfica [...]”.
Apesar de existir essa potencialidade, nas versões vespertinas não há uma
utilização sistemática da geolocalização para customização da informação. Notícias são
produzidas, como já frisamos, na “lógica do a mais”, na qual as informações mais
importantes são aprofundadas. O que os espaços fazem são análises de acontecimentos
diários
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Há de se ressaltar que esses plataformas feitas para tablets aportam ferramentas
oriundas de outros meios de comunicação e que demandam um conhecimento amplo de
diversos suportes. Há uma tendência no mundo, por exemplo, de coberturas ao vivo via
streaming de muitos jornais.
Até o momento, as experiências jornalísticas no mundo são tímidas. A explicação
está principalmente no fato de ser uma nova plataforma. Barbosa e Seixas (2013) afirmam
que vivenciamos uma fase transpositiva dessas versões, seguindo a mesma tendência das
primeiras edições de sites jornalísticos para a web.
Considerações finais
As transformações no fazer jornalístico têm sido intensificadas pelo
desenvolvimento das tecnologias digitais. Ao mesmo tempo, a busca por soluções
econômicas tem energizado mudanças e novos rearranjos institucionais.
No que tange ao tema tratado neste trabalho, novas pesquisas empíricas devem se
debruçar sobre os pontos que envolvem a noticiabilidade, com o intuito de compreender
como esses critérios são alterados em um cenário convergente.
No mundo, inclusive no Brasil, existem níveis e estratégias variadas de
convergência. Nos meios que possuem os quatro âmbitos de convergência elencados neste
trabalho, essas alterações devem ser claras.
A necessidade de contenção de custos e de competências do profissional que
produz essa informação deve impactar fortemente na escolha das pautas e no processo de
seleção dos profissionais que executarão os trabalhos. Devido às suas características,
novas demandas surgem e esses temas só são viabilizados quando atendem as
características do suporte.
Como futuros trabalhos, sugerimos que pesquisas etnográficas mergulhem nesse
processo e busquem compreender de que formas um novo suporte provoca alterações no
fazer jornalístico.
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