Web social e movimento hip hop Biblioteca do Faça você mesmo

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Revista Biblioo ano 3, n. 11, nov. 2013 - 1 ARTIGOS Bibliotecas a saga universitária Por Ana Paula Lopes da Silva Políticas Públicas de Informação em Moçambique Por Euclides Daniel Cumbe Web social e movimento hip hop Por Janaina França e Maria José Jorente OPINIÃO Vinicius de Moares Estudante Por Augusto Montano Biblioteca do Faça você mesmo Por Moreno Barros ENTREVISTA Liliana Serra Por Chico de Paula e Emilia Sandrinelli SER OU NÃO SER

Transcript of Web social e movimento hip hop Biblioteca do Faça você mesmo

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 - 1

ARTIGOS

Bibliotecas a saga universitária

Por Ana Paula Lopes da Silva

Políticas Públicas de Informação em

Moçambique

Por Euclides Daniel Cumbe

Web social e movimento hip hop

Por Janaina França e Maria José Jorente

OPINIÃO

Vinicius de Moares Estudante

Por Augusto Montano

Biblioteca do Faça você mesmo

Por Moreno Barros

ENTREVISTA

Liliana Serra

Por Chico de Paula

e Emilia Sandrinelli

SER OU NÃO SER

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 – 2

S U M Á R I O

ARTIGOS

4

Bibliotecas a saga universitária

por Ana Paula Lopes da Silva

6

Políticas Públicas de Informação em Moçambique

por Euclides Daniel Cumbe

9

Web social e movimento hip hop

por Janaina França e Maria José Jorente

REPORTAGENS

13

Belas bibliotecas do Brasil

por Soraia Magalhães

24

Ser ou não ser bibliotecário

por Chico de Paula

ENTREVISTA

29

Liliana Serra

por Chico de Paula e Emilia Sandrinelli

OPINIÃO

38

COLUNA DO AGULHA3AL

A rigidez de seus pontos visuais é um obstáculo à

felicidade

40

COLUNA DO JONATHAS CARVALHO

Os modismos terminológicos

43

COLUNA DO THIAGO CIRNE

Memórias do Judiciário

44

COLUNA DO CLÁUDIO RODRIGUES

Causando na rede

46

COLUNA DO MORENO BARROS

Biblioteca do Faça você mesmo

50

COLUNA DO AUGUSTO MONTANO

Vinicius de Moares Estudante

E X P E D I E N T E

EDITOR-CHEFE

Chico de Paula

EDITORA EXECUTIVA

Emilia Sandrinelli

EDITORA DE CRIAÇÃO

Hanna Gledyz

EDITOR ADJUNTO

Rodolfo Targino

REVISORES:

Isis Brum

Vanessa Souza

COLABORADORES FIXOS:

Daniele Fonseca

Livia Lima

Talita James

Soraia Magalhães

CHARGISTA

Aldo Henrique

COLUNISTAS:

Agulha3AL

Augusto Montano

Claudio Rodrigues

Jonathas Carvalho

Moreno Barros

Thiago Cirne

COLABORARAM NESTA EDIÇÃO:

Ana Paula Lopes da Silva

Euclides Daniel Cumbe

Janaina França

A N O 3 – N. 11 – N O V E M B R O 2 0 1 3 – I S S N: 2 2 3 8 – 3 3 3 6

W W W . B I B L I O O . I N F O

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 - 3

“MENSALÃO” O QUE HÁ DE FATO PARA SE COMEMORAR?

por Chico de Paula

Não há dúvida de que ver uma elite política condenada e obrigada a cumprir pena é

bastante simbólico. Entretanto, pergunta-se: o que há de fato para se comemorar na

condenação dos “mensaleiros”? Explorado do início ao final de forma sensacionalista

pela grande imprensa, a Ação Penal 470, ou simplesmente “mensalão”, se materializou

em mensagem precípua da mídia gorda, como se esta quisesse o tempo todo dizer: “Eles

são os maus e nós somos os bons”.

O que se sabe de fato é que o “mensalão” serviu para alguns propósitos. O primeiro

deles foi saciar a “opinião pública” brasileira ávida por ver condenados neste país o que

ela considera – ou foi levada a considerar – os vilões da desgraça nacional: os políticos.

O segundo é que o caso serviu para uma elite conservadora e reacionária nacional como

prova de que a esquerda não serve para governar este país, mesmo a despeito do fato do

Partido dos Trabalhadores há muito ter se afastado de suas bandeiras históricas de luta.

Alguns daqueles condenados foram um dia parte da esperança desse país, e suas

condenações por si só já bastaria para se concluir que não há o que comemorar neste

episódio. De outro lado, toda uma corja – de latifundiários a empreiteiros, passando por

concessionários de serviços públicos, chegando aos dirigentes de futebol – continua a

explorar milhões de trabalhadores de Norte a Sul deste país, sem que nada seja feito.

Esses fatos mostram que a condenação daqueles homens não serviu apenas para atender

uma demanda popular. Longe disso! Serviu sim para conformar um jogo de interesses

em que toda a máquina do Estado – da mídia ao judiciário – foi chamada a trabalhar.

Diante deste fatos, nos perguntamos: chegará o dia em que grileiros, cafetões,

contrabandistas, atravessadores e todos os corruptos como esses que agora foram

condenados serão chamados a prestar contas de seus crimes? As dúvidas são muitas e as

esperanças poucas.

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 – 4

artigos

por Ana Paula Lopes da Silva

Se há um lugar onde muito se busca, se consome e

se produz informação, este lugar certamente é a

universidade. Pelo menos é o que se espera destes

centros de educação que trazem em sua essência o

ideal de difundir e formar conhecimento. E,

consequentemente, a biblioteca universitária aparece

como uma extensão de tudo isto, ou melhor, um

meio para atingir este ideal, estando fortemente

atrelada à comunidade acadêmica na construção do

processo educacional.

E como parte integrante deste processo, a biblioteca

deve estar em consonância com o que propõe a

universidade: a criação de novos cursos, novas

formas de ensino, a exigências de novos suportes de

informação etc. Mas não tem sido fácil acompanhar

as mudanças incorporadas pelas universidades que,

na maioria das vezes, alteram seus propósitos sem

avaliar sua real capacidade de atender aos mesmos.

E como ficam as bibliotecas? Correndo atrás do

prejuízo...

Na corrida desenfreada pela expansão do ensino,

criam-se universidades e universidades; públicas e

privadas; ensino presencial e à distância. Aliás, este

método de ensino tem se fortalecido e se difundido

de forma surpreendente. O Censo da Educação

Superior 2011, realizado pelo Instituto Nacional de

Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

(INEP), revela a grande expansão dessa modalidade

de ensino. São 2.365 instituições de ensino superior;

6.739.689 matriculas na graduação, destas 5.746.762

ensino presencial e 992.927 na educação a distância.

A preocupação é que nem sempre expansão e

qualificação do ensino andam juntas, da forma como

se estabelece atualmente este processo, uma acaba

por abdicar da outra.

A questão é que se criam mais instituições de

ensino, mais cursos de graduação, mais vagas nas

AAA SSSAAAGGGAAA DDDAAASSS

BBBIIIBBBLLLIIIOOOTTTEEECCCAAASSS

UUUNNNIIIVVVEEERRRSSSIIITTTÁÁÁRRRIIIAAASSS

artigos

ÁÁRRDDUUAA ,, PPOORRÉÉMM NNEECCEESSSSÁÁRRIIAA AAOOSS QQUUEE AACCRREEDDIITTAA MM NNOO VVAALLOORR DDAA

IINNFFOORRMMAAÇÇÃÃOO

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 - 5

artigos

universidades, mas não se considera de imediato que

na mesma proporção devem-se aumentar os recursos

humanos dentro da biblioteca, a verba para aquisição

de obras que atendam a este novo público, o espaço

físico para comportar este acervo e os próprios

usuários, sem falar na necessidade de equipamentos,

como computadores e mobiliário para estudo. Isso

não seria problema se as bibliotecas fossem

projetadas inicialmente visando o crescimento futuro

da instituição, mas também não é o que

normalmente acontece e a biblioteca acaba por ser

apontada por sua insuficiência no atendimento às

demandas universitárias que, na realidade, é uma

consequência da insuficiência do sistema como um

todo.

Dziekaniak em seu artigo Sistema de gestão para

biblioteca universitária coloca: “Não se concebe

mais a educação apenas transmitir conhecimentos,

mas sim, fornecer subsídios para que cada indivíduo

construa suas ideias e descubra/desenvolva seu

potencial. Diante desse cenário, cabe à biblioteca

assumir e desempenhar seu papel de ator principal

no processo educacional e, para que isso ocorra, uma

adequada estrutura é condição necessária, e isso

envolve uma série de requisitos básicos, tais como

recursos humanos, materiais, financeiros e

tecnológicos apropriados [...]”.

Falando em novas demanda informacionais, Murilo

Bastos Cunha em A biblioteca universitária na

encruzilhada nos faz questionar “como serão os

universitários do futuro e as suas necessidades de

informação? Eles vão querer as coisas por via

eletrônica, fáceis de serem usadas e manipuladas?

Teremos que ter leitores de livros eletrônicos [e-

book reader] para empréstimo?, coloca que a

indagação: “Cadê o pdf?” está sendo um

comportamento do estudante universitário”.

Este novo contexto traz também essa “pressão” para

o digital que é uma discussão inevitável para quem

está à frente de uma unidade de informação e que é

um passo importante a ser dado pelas bibliotecas

para permanecerem como fontes úteis de

informação, mas um passo “firme” e não

“desenfreado”, como se está dando por ai, dentro das

necessidades e possibilidades de cada instituição.

A saga é árdua, porém necessária aos que acreditam

no valor da informação!

Ana Paula Lopes da Silva é

graduda em Biblioteconomia pela

Universidade Estadual do Piauí –

UESPI, atua como Bibliotecária pela Universidade

Federal do Vale do São Francisco – UNIVASF

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 – 6

artigos

por Euclides Daniel Cumbe

O cenário histórico Moçambicano é uma natural

referência da necessidade continua de um debate

profundo relactivo as apolíticas de informação. Isso

porque o país desenvolvolve por inerências externas,

tais como a globalização, a informática às tecnologias

globais, onde aqui são considerados outros e novos

elementos, tais as forças naturais externas das quais

sempre dependemos, nesta ordem de ideias, embora a

palavra política esteja sendo usada com certo

preconceito. Ou seja, atribuída ao espírito partidário,

todos os cidadãos são políticos na medida em que, para

além da sua reflexão em torno das dimensões directivas

e promulgativas, a sua aceitação como ser natural e

gregário da sociedade é uma marca dominante na

aceitação da sua dimensão política.

Neste sentido, importa antes de mais nada aceitar que

eternas fraquezas estão no encalço de Moçambique com

maior firmeza para a questão estrutural das políticas

sociais ou públicas com referência à informação,

considerada o maior elemento e dinamizador da

essência liberativa do ser humano ou do

desenvolvimento governamental, mas que no fundo é

este olhar governamental que a relega, em termos

documentais e reais para uma posição secundária, aliás,

como uma plataforma ao serviço da comunicação social

o que decerto parece-nos errada esta proteção.

Basicamente a sociedade moçambicana enfrenta

atualmente transformações significativas em termos

econômicos, políticos e sociais, assim como mudanças

relacionadas aos problemas ambientais aos quais se

precisa de informação, que o governo parece não

preparado e capacitado adequadamente a

satisfazer/explicar. Neste contexto, a informação torna-

se um instrumento crucial da gestão pública diante da

complexidade e das dimensões dos problemas actuais.

O país carece de legislação que indica o grau de

institucionalização de determinadas ações no panorama

da informação como, por exemplo, o decreto 33/92 do

Conselho de Ministros, que criou Sistema Nacional de

INFORMAÇÃO EM

MOÇAMBIQUE FFAALLTTAAMM VVOONNTTAADDEE PPOOLLÍÍTTIICCAA,, VVAALLOORRIIZZAAÇÇÃÃOO EE RREECCOONNHHEECCIIMMEENNTTOO PPAARRAA CCOOMM EESSTTEE SSEETTOORR

artigos

P O L Í T I C A S P Ú B L I C A S D E

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 - 7

artigos

Arquivos (SNA) como uma mera miragem durante

longo período, fruto de descomprometimento

governamental e falta de mecanismos assentes à

realidade nacional (formados, líderes, analísticas) que

tão bem poderiam aqui intervir de forma mais

consistente a fim de fazer da questão arquivística

nacional um campo certo e potencial para as

transformações e necessidades de informação social.

Institucionalizando o Sistema Nacional de Arquivos

A nossa realidade arquivística se legitima até certo

ponto no Arquivo Histórico Moçambicano (AHM)

como uma unidade bem estruturada e com uma

dimensão nacional em termos do seu acervo, mas que

não se faz competência maior por conta dos defeitos e

diferentes atropelos relativamente a objetivos do Centro

de Documentação de Moçambique (CEDIMO). Enfim,

as falhas de ordem governamental corrente (falta de um

Arquivo Nacional com uma representação nacional,

pois o AHM pertence à Universidade Eduardo

Mondlane – UEM ).

A institucionalização do SNA abria espaço a criação e

inauguração dos arquivos provinciais. Mas não houve

institucionalização/implantação, o que nos leva dizer

que, temos lei, mas não existe infraestrutura. A

considerar o decreto 36/2007, que revoga o decreto

33/92 e institui o chamado Sistema Nacional de

Arquivos do Estado (SNAE), tem o CEDIMO seu

proponente e executor, sob a direcção central do

Ministério da Função Pública, e ao mesmo tempo

“órgão director central do SNAE com regulamentos

centrados em políticos e sem profissionais da área o que

nos leva a apensar numa lei somente para a acomodação

da comunicação ou mesmo para a pura expressão” para

o inglês ver.

Assim, a situação que caracteriza a questão da

informação no âmbito dos programas governamentais

aparenta um real controle governamental, na sua relação

com a sociedade, mas que no fundo é uma reflexão da

desconexão entre os diferentes vetores legítimos de

politicas, informação e da sociedade em si. Um dos

momentos mais avassaladores refere-se maturamente no

que concerne aos ditames da Constituição da República

(2007), actualmente em vigor. Se refere à dimensão da

comunicação da informação inscrita no âmbito do

preceituado da liberdade de imprensa e do direito à

informação, excluindo a questão que diz respeito à

gestão e disseminação da informação, bem como do

acesso do cidadão à informação. É assim que têm se

manifestado os programas quinquenais do governo.

Falamos concretamente dos de 2000/2004 e o

2005/2009 como uma lacuna, do mesmo contexto, isto

é, mais virado para as questões da comunicação como

se da informação houvesse algum elemento central ou

árbitro regulador das acções e aplicações políticas.

A Resolução n.º 12/97, do Conselho de Ministros, que

aprova a Política Cultural e sua estratégia de

implementação, concebe as poucas Unidades de

Informação que o País possui na estrutura do Estado,

como agências culturais do mesmo e não como agências

de informação, como o mais gritante cenário integrado

aos arquivos e bibliotecas a sua expressão cultural e não

como plataformas integradas nas dimensões

informacionais nacionais, isto é, como elementos da

identidade da informação. Por exemplos: arquivos não

são concebidos em sua dimensão informacional onde

assumiriam papel de liderança na gestão da informação

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 – 8

artigos

e na definição de políticas de informação arquivística,

tão pouco como instrumentos ao serviço da

administração e de apoio à tomada de decisões, mas

sim, concebidos em sentido cultural com função de

preservar a memória institucional e ações de pesquisa

histórica.

A falta de políticas públicas de acesso à informação

A nossa “Lei mãe”, no seu Artigo 48°, n° 1 diz: “Todos

os cidãos têm direito à liberdade de expressão, liberdade

de imprensa, bem como o direito à informação”. Sobre

o acesso a informação o cenário não se difere do já

referenciado artigo acima. O acesso à informação e as

Novas Tecnologias da Informação e Comunicação

(TICs), conforme apresentado na reflexão do Jardim (?),

coloca-se como questão central para os tempos atuais

visto estarmos vivendo na chamada era da informação.

A emergência das TICs e os avanços científicos se

impõem nos países desenvolvidos. Isto permitiu que a

Arquivística ganhasse uma autonomia, deixando assim

de ser uma disciplina auxiliar da história e valendo-se da

sua relação de interdisciplinaridade com outras áreas de

conhecimento.

O acesso à informação tem deparado com obstáculos de

natureza legal e não legal. Os legais relacionam-se com

a criação de mecanismos capazes contribuír para a

diminuição das barreiras que às vezes concorrem para

os problemas do acesso. No caso moçambicano,

podemos dar o exemplo do decreto 36/2007 que contem

instrumentos para a implementação do programa da

gestão dos documentos administrativos. Os não legais

são vários, desde a existência das massas documentais

acumuladas, até à falta de infraestruturas.

De forma sumária, no campo político se realça a

necessidade duma reestruturação de raiz política pública

da informação que deve abranger em primeiro plano o

profissional (da informação) como sujeito e como

objeto. Isto significa que este profissional deve

participar na elaboração dessa política e ser beneficiado

pela mesma como seu objeto. Depois de uma análise ao

cenário moçambicano no âmbito das políticas públicas

de informação, chegou-se a uma conclusão de que o

profissional não figura como peça fundamental na

elaboração das políticas públicas (da informação), por

razões que não são tornadas conhecidas, o que talvez

seja a razão da falta de harmonia entre a legislação,

realidade e os programas do governo nesta área.

A falta de interacção entre o governo e a sociedade civil

faz com que o que se pretendia como Política Pública da

Informação se transformasse numa política

governamental de informação e neste caso, de cultura e

de comunicação social. Considerando o cenário acima

descrito, concordamos com o reportado no dia 1 de

outubro do corrente ano pelo “Jornal Notícias” citando

o Relatório do Instituto de Comunicação Social da

África Austral (MISA), publicado a 30 de Agosto/2010:

“No país não existe nenhuma instituição pública aberta

e transparente no tocante ao acesso à informação”. E

nós diríamos que no país não temos políticas públicas

de informação devido à falta de vontade política à

valorização e reconhecimento da área.

Euclides Daniel Cumbe é

graduado em Ciência da Informação pela

Universidade Eduardo Mondlane,

Bibliotecário na mesma Universidade e trabalha como

consultor independe na área.

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 - 9

artigos

por Luciana Ribeiro de Assunção e Maria José Jorente

A Ciência da Informação (CI) é responsável por

tratar dos estudos informacionais de diferentes

alcances na sociedade a partir da

transdisciplinaridade e interdisciplinaridade

usando elementos produzidos em estudos

científicos para melhorar questões relacionadas

ao usuário. Ambas as formas são aplicadas com

o intuito de desenvolver maneiras inclusivas e

novas metodologias para melhor atender as

necessidades informacionais da sociedade para

proporcionar a ampla inclusão na sociedade da

informação por meio de políticas sociais que

ofereçam maneiras de desfrutar as informações,

a fim de que todos se beneficiem dos avanços

na área da Ciência da Informação.

Com a evolução das plataformas na Internet, a

Web atualmente torna-se o ambiente

privilegiado de inclusão nas questões digitais.

Ela permite aos usuários colaborar e expor suas

opiniões através de seus aplicativos. A

comunicação que antes era feita apenas de uma

forma e controlada por apenas poucas pessoas,

inverte a ordem de apresentação dos elementos

e as possibilidades de autoria múltipla dos

conteúdos dão mais espaço de participação aos

integrantes.

Formas alternativas

de difusão do Hip Hop

O estudo apresentado sobre o Movimento Hip

Hop se relaciona a essas questões na medida em

que ele pode ter a oportunidade de encontrar

nos meios da Web contemporânea o espaço

certo de divulgação dos seus elementos. O Hip

Hop sempre foi uma manifestação mal vista aos

olhos da sociedade por várias razões, entre elas

o fato de ser uma manifestação que acontece da

WWWEEEBBB SSSOOOCCCIIIAAALLL EEE MMMOOOVVVIIIMMMEEENNNTTTOOO HHHIIIPPP

HHHOOOPPP

artigos

CCOOMMOO EESSSSAA FFEERRRRAAMMEENNTTAA PPOODDEE CCOONNTTRRIIBBUUIIRR PPAARRAA

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Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 – 10

artigos

periferia para o centro da cultura e ser de

origem africana e afro-americana. E como outro

movimento de mesma origem, encontra

resistências.

A verificação da falta de espaço que os jovens

praticantes da cultura Hip Hop sempre

enfrentaram nos diversos setores da sociedade,

inclusive nos meios de comunicação, nos leva a

pensar nos meios digitais proporcionados pelos

aplicativos Web da atualidade como formas

alternativas de difusão e até mesmo de justiça

social, pois foram poucos e curtos os programas

nas diversas mídias da indústria cultural que

abordaram os assuntos ligados ao Hip Hop.

As novas possibilidades de acesso, favorecidas

pelas Tecnologias de Informação e

Comunicação (TICs), são atualmente a aposta

para haver inclusão dos membros dessa cultura,

pois são instrumentos disseminatórios

decisivos, e também para o desenvolvimento

social das classes menos favorecidas que

podem, através do bom uso dessas TICs, ser

beneficiadas pela chance de expressão do

individual e grupal.

As propostas de melhoria e de inclusão por

meio da Web devem ser mais estudadas a fim

de explorar e possibilitar o uso dos seus

recursos que são muito bem vindos por toda a

população, mas principalmente pela cultura Hip

Hop, que necessita de oportunidades e espaços

como esses para ter a autonomia, a qual é

reivindicada há muitos anos nos meios de

comunicação brasileiro.

A expressão Hip Hop foi criada por

AfrikaBambata, um DJ que propôs a

pacificação entre as gangues do Bronx através

de encontros dos B.Boys, DJ e MCs, e a

tradução do termo significa: “Hip” quadril e

“Hop” pular, ou seja, é um conjunto de

movimentos que expressa “sacudir os quadris”.

Porém o significado vai muito além da ação de

movimentar o corpo, pois a conotação “jogo de

corpo”, daí derivada, se aplica ao cotidiano dos

tantos seguidores dessa cultura que têm que ter

essa agilidade de se desvencilhar dos problemas

sociais em que vivem.

Em busca do

espaço merecido

Os elementos que são seus pilares

independentemente de qualquer lugar onde

esteja acontecendo são: o Grafite, que

representa o desenho, a arte de registrar através

da plasticidade e da pintura; o Break, que é a

arte de dançar, representada pelo B.Boy e

B.girl; o DJ, disc jockei, que representa a

sonoridade através dos tocas- discos e o MC,

mestre de cerimônia, que é o cantor,

mensageiro de todo discurso cantado nas letras

de rap.

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 - 11

artigos

Desde seu surgimento, o Hip Hop brasileiro

ainda não teve o espaço merecido nos meios de

comunicação da grande mídia. Esse fato impede

a disseminação dessa cultura para população

brasileira, pois as chances de mostrar os seus

elementos foram e até hoje são escassas. Esses

meios têm se mostrado conservadores e

temerosos em abrir espaço às manifestações

culturais vindas das periferias e sempre

exigiram normas restritivas para as

apresentações. Assim, a relação entre os

tradicionais meios disseminadores e às

manifestações ligadas ao Hip Hop se dá de

forma conturbada.

Os meios que o Movimento Hip Hop teve até

hoje na “grande mídia” para mostrar sua cultura

são: 1) No rádio, a 105 FM foi a primeira no

Brasil a dar espaço para essa manifestação. O

programa Balanço Rap está no ar desde 1998,

proporcionando aos ouvintes a sua participação

direta na programação; 2) O Black 105, um

programa de Black Music em que algumas das

músicas que fazem parte das raízes afro como o

rap, entre outras, são tocadas em sua

programação; 3) Espaço Rap é o mais ouvido

entre os programas citados e divide-se em parte

I e parte II, que vai ao ar diariamente; 4)

Charme da 105, que dedica a programação para

a música black em geral; 5) Festa do Dj Hum é

um importante programa disseminador de

música negra, pois contempla os estilos de:

Samba Rock, Rap, Soul, Funk, Boogie e

RareGrooves.

Basicamente são esses os espaços que o Rádio

direciona para o Movimento Hip Hop, mas há

muito a se conquistar, pois os rappers não se

sentem representados totalmente através dessas

programações, que não são puras e exclusivas

para que possam de fato ter autenticidade

voltada exclusivamente á eles. As revistas

impressas sobre o Hip Hop tiveram duração de

aproximadamente dez anos em circulação, mas

saíram do mercado entre os anos de 2008 e

2009. São elas: Pode Crê! Rap Brasil, Rap BR,

Cultura Hip Hop, Planeta Hip Hop, Rap News e

Grafite.

A televisão brasileira também não dedicou

muitas possibilidades de cooperação para o

Movimento Hip Hop. A primeira emissora que

fez um programa aberto foi a MTV Brasil com

o programa YO! Mas devido a

desentendimentos entre a produção e os

apresentadores do programa, ele saiu do ar. Em

Sergipe e Porto Alegre é comemorado com

sucesso o Hip Hop sul que já está há dez anos

no ar e é exibido pela TVE. No ano de 2008 a

TV Cultura finalmente abriu espaço para as

manifestações da Periferia e passou a exibir o

programa Manos e Minas. Entre

desentendimentos com os apresentadores e

algum tempo fora do ar, o programa atualmente

é a maior referência da manifestação da cultura

Hip Hop em uma mídia de comunicação de

massa.

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 – 12

artigos

Há um reconhecimento por parte dos seguidores

dessa cultura que apontam a Web como

principal potencializadora do Movimento Hip

Hop, pois nenhum dos meios elencados acima

têm cem por cento de espaço dedicado á

cultura. Alguns sites que estão em veiculação

são: Portal Rap Nacional; Portal Central Hip

Hop; Enraizados; Radar Urbano; Rap

Evolusom; e Central Hip Hop. Pois esses

espaços em ambiente Web são os que de fato

oferecem a expressão máxima de comunicação

entre os seus indivíduos.

Essa abertura em função da construção coletiva

do conhecimento pode melhorar e unificar a

cultura Hip Hop caso exista um ambiente em

linguagem wiki especifico para ela, como um

WikiHipHop, que crie convergências para o

grafiti, o break, o mc e o dj, juntamente com

links para discussões que crie esse universo

como a literatura marginal, gênero literário que

surge para representar os tramas das periferias,

assim como as letras de rap e seus conteúdos

reivindicatórios.

Percebe-se assim que a Web Social pode ser

uma potencializadora de espaços digitais onde

os usuários possam colaborar para construir

maior autonomia nas informações,

principalmente comunidades e produções

periféricas que são estereotipadas ou não

representadas nas mídias tradicionais.

Janaina França de Melo é

bacharel em Biblioteconomia pela

Faculdade de Filosofia e Ciências da

Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita

Filho”. Trabalha na Biblioteca Municipal Prefeito

Mitsuo Marubayashy da Estância Turística de

Paraguaçu Paulista – São Paulo.

Maria José Jorente é

licenciada em Artes pela FAAP e em

Letras pela USP. Especializada em

Design de Produto. Doutora pelo Programa de Pós-

graduação em Ciência da Informação pela UNESP.

Professora Assistente-Doutora do Departamento de

Ciência da Informação (UNESP). Coordenadora do

Laboratório de Desenvolvimento e Aplicação de

Multimídia da FFC - UNESP. Desenvolve atividades

nas áreas de Informação e Tecnologia, TIC, Mídias,

Intersemiótica, Hipertextualidade, Web Design,

Mobilidade, Portabilidade e Convergência de

linguagens na Internet, Cultura Digital, Redes de

Informação, Intersemioses Digitais, TIC aplicadas às

Unidades de Informação e transformações do uso

das TIC na Web Social e Colaborativa.

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 - 13

artigos reportagens

E O Q U E C A D A U M A D E L A S T E M D E E S P E C I A L . . .

por Soraia Magalhães

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 – 14

reportagens

Para incentivar o surgimento de listas de belas bibliotecas brasileiras aos moldes das

que são periodicamente difundidas nas redes sociais, ou mesmo pelos canais de notícias

sobre belas bibliotecas do mundo, optei por eleger dez bibliotecas do Brasil que a meu

ver se destacam não apenas pela beleza arquitetônica, mas pela inovação ou decoração

interna ou por sua história e relação com a cidade. Desde já, observo que as dez

selecionadas foram bibliotecas que tive a oportunidade de conhecer in loco e por isso

deixei de fora tantas outras que por não ter visitado, mesmo sabendo de suas

potencialidades, não as adicionei a essa lista.

Real Gabinete Português de Leitura

Rio de Janeiro, RJ

Presente em várias listas internacionais como uma das mais bonitas bibliotecas do

mundo, o Real Gabinete Português de Leitura, do Rio de Janeiro, confere posição de

destaque por seu deslumbrante projeto arquitetônico, detido especialmente na decoração

interna, envolta em rico acervo de autores lusitanos e por sua relação histórica com a

capital fluminense. Um tesouro.

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 - 15

reportagens

Biblioteca Nacional

Rio de Janeiro, RJ

A Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro abriga acervo composto por cerca de nove

milhões de itens, sendo considerada pela UNESCO uma das dez maiores bibliotecas

nacionais do mundo. Seu precioso acervo, sua beleza arquitetônica e as diversas

atividades que realiza fazem com que seja ponto de referência cultural do turismo na

cidade do Rio de Janeiro.

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 – 16

reportagens

Biblioteca Pública de Niterói

Niterói, RJ

A Biblioteca Pública de Niterói se destaca não apenas por sua composição arquitetônica

junto a outros edifícios históricos, mas pela adequação do antigo com o novo. Após

detalhada reforma, passou a exibir novidades que vão do mobiliário aos equipamentos

tecnológicos, ao acervo e ações que motivam a participação da comunidade, numa

proposta que referencia as bem-sucedidas bibliotecas Parque da Colômbia.

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 - 17

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Biblioteca Pública Estadual do Amazonas

Manaus, AM

A Biblioteca Pública do Amazonas teve seu marco de criação no ano de 1870, mas seu

espaço foi consolidado somente em 1910, em prédio construído em estilo neoclássico,

na área central de Manaus. Apesar de ter fechado suas portas para reforma por um

longo período, reabriu em 2013 atraindo o interesse do público local e de turistas de

diversas partes do mundo que visitam o Amazonas.

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 – 18

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Biblioteca Mário de Andrade

São Paulo, SP

A Biblioteca Mário de Andrade foi fundada em 1925 e seu edifício em art déco, figura

como umas das jóias do centro histórico de São Paulo. Com amplos e elegantes salões,

possui o segundo maior acervo documental bibliográfico do Brasil, formado por

inúmeras raridades. O que a faz tão bela e vale a pena ressaltar é a percepção da

grande quantidade de usuários fazendo uso dos serviços. Uma Biblioteca vibrante!

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 - 19

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Biblioteca Parque de Manguinhos

Rio de Janeiro, RJ

A Biblioteca Parque de Manguinhos, inaugurada em 2011, segue os preceitos das

Bibliotecas Parque da Colômbia, onde a visão de espaço e serviços constituiu elemento

de resgate social e cidadania. Colorida, ampla e cheia de novidades é uma biblioteca

bela, coerente e necessária.

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 – 20

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Biblioteca de São Paulo

São Paulo, SP

Construída onde outrora funcionou a Casa de Detenção do Carandiru, a Biblioteca de

São Paulo, inaugurada em 2010 em uma área de 4.200 metros quadrados, energiza o

passado criando um espaço de oportunidades. O lúdico está presente em diversas áreas

internas e a atenção ao público jovem e infantil fazem desta Biblioteca um exemplo a

ser valorizado e seguido por gestores de outras cidades do país.

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 - 21

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Biblioteca Luiz de Bessa

Belo Horizonte, MG

Foto: Divino Advincula/Flicker

Foi projetada por Oscar Niemeyer e fundada em 1954 no governo de Juscelino

Kubitschek. Faz parte do Complexo Cultural da Praça da Liberdade, sendo um espaço

bastante visitado na capital mineira. Em frente ao edifício, foi instalada a obra o

“Encontro Marcado” com os escritores mineiros Otto Lara Rezende, Fernando Sabino,

Paulo Mendes Campos e Hélio Pellegrino, em estátuas de bronze em tamanho natural.

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 – 22

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Biblioteca da Floresta

Rio Branco, AC

A Biblioteca da Floresta foi inaugurada em 2007 em edifício moderno e confortável

com traços característicos dos ambientes amazônicos. Além de dispor de relevante

acervo especializado sobre o estado do Acre e da região, abriga exposições permanentes

e temporárias e viabiliza uma série de serviços aliando ações de biblioteca com

elementos museológicos.

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 - 23

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Gabinete Português de Leitura

Salvador, BA

Foto: Flávio de Queiroz Panoramio

A Biblioteca do Gabinete Português de Leitura de Salvador é outra jóia marcante da

presença portuguesa no Brasil. Recebe o nome Infante D. Henrique, e não é tão

conhecida como o Real Gabinete do Rio de Janeiro. O edifício, contudo, do ponto de

vista exterior, ricamente projetado em estilo Neomanuelino, é um primor projetado

entre os anos de 1912 e 1915.

Soraia Magalhães nasceu em Manaus, Amazonas. Mestra em

Sociedade e Cultura na Amazônia. Participa do Núcleo de Estudos e

Pesquisas das Cidades na Amazônia Brasileira (NEPECAB). É

Bibliotecária voluntária do Instituto Ler para Crescer e editora do Blog Caçadores de

Bibliotecas.

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 – 24

reportagens

por Chico de Paula

reportagens

S E R O U

N Ã O S E R

B I B L I O T E C Á R I O

QUAIS AS PRINCIPAIS MOTIVAÇÕES PARA

SE ESCOLHER A BIBLIOTECONOMIA COMO

PROFISSÃO?

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 - 25

reportagens

RIO – Há alguns anos o bibliotecário Edson Nery da Fonseca escreveu o clássico artigo que

ora tomamos o título emprestado. No texto Nery elenca alguns motivos pelos quais se

poderia (ou se pode) estimular ou desestimular alguém a seguir a carreira de bibliotecário:

“Ser bibliotecário para transformar as bibliotecas em organismos dinamicamente integrados

no desenvolvimento econômico, científico e tecnológico; Não ser bibliotecário para tornar-

se um burocrata a mais no sistema administrativo da nação, do estado ou do município”, diz

ele.

Nery, que foi mais professor de Biblioteconomia do que bibliotecário, defende a ideia de

que o bibliotecário não deve ser um técnico: “o bibliotecário deve ser uma pessoa culta,

como foram os bibliotecários da antiguidade”. Culto ou técnico, o fato é que existem

motivos diversificados que levam alguém a optar pela Biblioteconomia como profissão.

Alguns apontam o gosto pelo livro e pela leitura; outros simplesmente colocam a baixa

concorrência, seja no vestibular, no mercado de trabalho ou mesmo em concursos públicos

como atrativo, dado ao pequeno número desses profissionais no Brasil. Conforme dados do

sistema CFB/CRBs, os bibliotecários somam 34 mil, sendo que destes apenas 18 mil estão

ativos.

Para Silvia Maria Fortes, que é bibliotecária escolar em Niterói, região metropolitana do

Rio, o que lhe motivou a escolher a Biblioteconomia foi o fato de que quando ainda cursava

o ensino médio, antigo segundo grau, teve a oportunidade de trabalhar em uma escola de

ensino fundamental, onde passou pelos setores de auxiliar de maternal e assistente de

secretária, até receber a missão de montar uma biblioteca.

“‘Contratar uma bibliotecária? Não! Vamos colocar a Silvia lá!’ E assim fui inaugurar a

biblioteca do IEEP, totalmente crua. Não sabia nada da profissão, não tinha ninguém para

me orientar. Comecei a observar o trabalho das bibliotecárias da biblioteca da escola em

que eu estudava e que eu frequentava desde sempre e por instinto comecei a realizar

empréstimos e ‘catalogar’ no meu trabalho [...] Foi aí que descobri a profissão e tive a

certeza de que era isso que eu queria fazer. Trabalhei na escola durante seis anos, quando

saí estava começando a faculdade”.

Mesmo se desdobrando para dar conta de todo o serviço técnico da biblioteca – receber o

público (alunos da escola) para a realização de empréstimos e eventualmente fazer algumas

leituras, internas ou ao ar livre – Silvia ainda encontra tempo para editar um blog com dicas

de leitura. “Realizo também oficinas relacionadas à leitura ou a algum escritor específico,

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 – 26

reportagens

segundo a necessidade de cada turma mediante trabalho conjunto com os professores”,

informa a bibliotecária.

Bibliotecária e docente da Universidade Federal Fluminense (UFF), Marcia Tavares fez, no

fim da 8º série, testes vocacionais que lhe indicaram potencialidades para várias áreas:

“tirando Desenho e Engenharia Civil – baixíssimo raciocínio espacial – eu poderia fazer o

que quisesse, incluindo área matemática e altíssimo raciocínio mecânico – em geral baixo

para mulheres”. Mas o que ela gostava mesmo de fazer era ler. Seu pai tinha uma biblioteca

de cerca de 500 livros, onde ela adorava classificar, organizar as coleções e ler, ler muito, de

tudo um pouco – de Eça de Queroz a Machado de Assis, de biografias de Mahatma Ghandi

a relatos de tortura na guerra de independência da Argélia. E Monteiro Lobato, todo. A

coleção infantil e a coleção adulta.

Lobato, a propósito, apareceria novamente na vida de Márcia. Já formada em

Biblioteconomia, ela fez vestibular para Direito e uma questão discursiva (o ano era 1986)

ganhou por causa do autor de clássicos como o Sítio do Pica-pau Amarelo. A pergunta era

sobre a campanha “O petróleo é nosso!”, tema de uma de suas obras: “A questão era

dissertativa e assim, passei em 9º lugar para Direito. E eu havia entrado em 1º lugar em

Biblioteconomia”, se orgulha.

Quando estudante de Biblioteconomia, Marcia estagiou desde o primeiro semestre de

faculdade. Era 1979. De lá para cá foram vários estágios e três empregos: UFRGS, Tribunal

Regional Federal da 2º Região e UFF, onde entrou em terceiro lugar: “Um terceiro lugar de

que muito me orgulho”. Foram 12 anos de prática bibliotecária e mais os estágios. Tendo

estudado de 1979 a 1982, começou a trabalhar em janeiro de 1983, somando 31 anos de

formada e mais os quatro de estagio. “Praticamente 35 anos de militância bibliotecária e

arquivística também dado aos estágios e à docência em Arquivologia”, ressalta.

A eterna luta pela afirmação e pela valorização

Mesmo sendo uma prática profissional milenar, a Biblioteconomia ainda vive no Brasil

uma fase de afirmação enquanto profissão, sobretudo em virtude da ignorância em relação

às práticas que envolvem a leitura e as práticas profissionais neste campo. Como se sabe, os

índices de leitura por aqui são baixíssimos, chegando a 2,1 livros inteiros por ano, conforme

dados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil 2011.

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 - 27

reportagens

Silvia, por exemplo, está satisfeita com a profissão, mesmo assim reclama da pouca

valorização da profissão, sobretudo no ambiente escolar: “Muitas instituições insistem em

não contratar um profissional, julgando a biblioteca como uma parte menos importante da

escola. Sempre pergunto para amigos e pessoas de meu convívio como é a biblioteca da

escola de seus filhos e geralmente ouço que a escola não tem biblioteca, ou que tem uma

salinha fechada aonde vão às vezes com a professora”.

A falta de reconhecimento e conhecimento é tanta que já se tornou clássica entre

profissionais e estudantes a expressão “Biblio o que?”, se refindo à pergunta comum que os

leigos fazem quando alguém informa que é formado em ou estuda Biblioteconomia.

O desconhecimento acerca da carreira, a propósito, já fez parte da vida de muitos hoje

bibliotecários. É o caso de Cleyde Rosário. Embora vindo de uma família de leitores, a

bibliotecária conheceu o curso por acaso: “nem sabia, como muitos, que havia tal curso”.

Após ser reprovada no vestibular para Jornalismo, Rosário saiu em busca de um curso

menos concorrido. Segundo ela, 70% dos que escolheram o curso em sua época – no ano de

1990 – escolheram em função da baixa relação candidato/vaga no vestibular.

O mercado de trabalho

Conforme o Código Brasileiro de Ocupações (CBO) do Ministério do Trabalho e Emprego,

o bibliotecário tem por atribuição “disponibilizar informação em qualquer suporte;

gerenciam unidades como bibliotecas, centros de documentação, centros de informação e

correlatos, além de redes e sistemas de informação. Tratam tecnicamente e desenvolvem

recursos informacionais; disseminam informação com o objetivo de facilitar o acesso e

geração do conhecimento; desenvolvem estudos e pesquisas; realizam difusão cultural;

desenvolvem ações educativas. Podem prestar serviços de assessoria e consultoria”.

Como se vê, um dos maiores atrativos em relação ao mercado de trabalho para o

bibliotecário é, sem dúvida alguma, o leque de possibilidades de atuação. Esse profissional

pode atuar em unidades de informação variadas, não só em bibliotecas. Além disso, a

internet tem possibilitado novos horizontes a esses profissionais, visto que a informação se

mostra cada dia mais ligada aos aparatos tecnológicos da computação.

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 – 28

reportagens

Outro importante atrativo a esses profissionais é o serviço público. Tanto é assim que a

bibliotecária Kátia Maria Costa não escolheu a Biblioteconomia, mas sim o serviço público.

Frustrada por não ter feito Faculdade de Educação Física, vasculhou vários cursos dentre os

quais teria condições de passar no vestibular, além da pressão da idade: já estava com 33

anos: “Mas o que me chamou atenção foi o que estava escrito na habilitação que era em

Gestão da Informação – aquela coisa moderna. Então entrei e não pretendo sair mais…

Uma delicia que satisfaz minha vida profissional”.

Estando formada há cinco anos, há quase quatro Kátia passou em um concurso público,

com salário e ambiente de trabalho que adora: a Biblioteca Pública Municipal Ary Cabral,

dentro da Fundação Cultural de Brusque, em Santa Catarina. “Como a maioria das

Bibliotecas Pública, tenho que muitas vezes me desdobrar do planejamento ao operacional,

são vários problemas, mas muitas conquistas e isso nos faz acreditar que ainda temos

esperança para nossas bibliotecas”, avalia.

A satisfação pela escolha profissional

Apesar de todos os percalços, o que existe de comum nos discursos dos profissionais é a

satisfação pela escolha da carreira de bibliotecário. Para a bibliotecária Rosário, por

exemplo, “foi paixão mesmo”; “estou muito satisfeita!”, diz ela que atua na área há 11 anos.

“Já passei por todo tipo de biblioteca: infantil, escolar, universitária, especializada, centro de

referência e agora pública; posso dizer que dei o meu melhor em todos os locais por onde

passei” ressalta orgulhosa.

De forma semelhante, a bibliotecária Silvia Maria diz que sua satisfação está na realização

do seu trabalho, principalmente lidar com o público infantil. Kátia Maria, por sua vez,

assevera que a profissão de bibliotecário é uma delicia que satisfaz sua vida profissional.

E você? O que lhe motivou, motiva ou pode motivar a ser bibliotecário?

Clique aqui e leia integralmente os relatos que compuseram esta matéria

CHICO DE PAULA é editor-chefe da Revista Biblioo.

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 - 29

reportagens

RIO – Os livros eletrônicos ou simplesmente e-books são o futuro irremediável das

bibliotecas, é o que garante a bibliotecária Liliana Serra. Tendo proferido palestras e

cursos sobre o assunto, Liliana se dedica a pesquisar o complexo tema que tanto tem

afligido os bibliotecários, sobretudo em virtude das diversas dúvidas que surgem na

hora de se optar por esse movo modelo de documento nas unidades de informação.

Nesta entrevista, Liliana fala um pouco da pesquisa que tem desenvolvido no mestrado

e responde algumas questões sobre o tema.

Chico de Paula: Liliana, gostaria de pedir que

você se apresentasse, falasse um pouco sobre a sua

trajetória acadêmica para que possamos conhecer

um pouco mais sobre você.

Liliana Serra: Eu sou bibliotecária, me formei em

1992 pela FESP [Fundação Escola de Sociologia e

Política de São Paulo]. Estou na área de bibliotecas

desde 1989 e nem estou contando toda a minha

vida, porque sou filha de bibliotecários, quase nasci

no meio de estantes. Já passei por vários tipos de

bibliotecas: universitária, escolar, pública, cultural e

jurídica. Sempre com essa visão mais de tecnologia;

sempre me encantou a tecnologia e como ela pode

melhorar o trabalho do bibliotecário e eu trabalho

na Prima Informática [empresa que desenvolve o

software Sophia para bibliotecas] há quase quatro

anos como bibliotecária ajudando a desenvolver o

sistema de bibliotecas e eu comecei a me preocupar,

entrevistas

LILIANA SERRA ““EEUU NNÃÃOO VVOOUU DDIIZZEERR QQUUEE ÉÉ OO FFUUTTUURROO DDAASS BBIIBBLLIIOOTTEECCAASS,,

MMAASS AASS BBIIBBLLIIOOTTEECCAASS VVÃÃOO TTEERR QQUUEE TTEERR EE--BBOOOOKKSS NNOO FFUUTTUURROO””

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 – 30

entrevista

s

já tem quase três anos, com a questão do controle

de estoque, como que o cliente poderia solicitar que

o sistema ajudasse na gestão de conteúdos de sites.

Eu comecei a procurar informação sobre isso e não

achei nada relevante na literatura brasileira.

Comecei a procurar na literatura estrangeira e tive

bastante dificuldade de encontrar alguma coisa, até

que em algum momento eu achei informação e eu

comecei a pesquisar sobre isso. Junte a isso o fato

de eu ter participado de congressos internacionais

onde eu tive contato com alguns nomes muito

representativos da área, pessoas que estão

estudando, grandes referenciais teóricos da área de

e-books, principalmente dos Estados Unidos eu tive

contato pessoal mesmo. Para passar em um projeto

de mestrado foi um pulo. Antes de entrar no

Programa de Mestrado da USP, eu já tinha

apresentado um trabalho finalista do Congresso de

Livro Brasileiro da CBL [Câmara Brasileira do

Livro] no ano passado, terceiro Congresso em

2012, e no final do ano passado eu emendei no

projeto de mestrado, para onde estou levando este

tema. Existem algumas pessoas estudando o

assunto, mas eles têm um foco diferente do que eu

tenho estudado. A minha preocupação é como o e-

book vai mudar o trabalho das bibliotecas, e como

algumas questões estão sendo muito afetadas, do

trabalho do bibliotecário mesmo, enquanto as

pesquisas que têm no curso tem foco muito no

mercado editorial. Eu acho que todas as pesquisas

sobre o tema são interessantes e agregam, mas não

tinha na nossa área ninguém pesquisando o que vai

acontecer com a biblioteca ou como é que eu vou

usar o e-book na biblioteca, e é nisso que estou

querendo focar na minha pesquisa. E quando você

começa a estudar sobre esse tema, ele começa a

mostrar possibilidades das dificuldades. Primeiro,

“o que é um e-book?”. As pessoas têm uma visão

um pouco ingênua do que é um e-book ou do que

pode vir a ser um e-book que é uma tecnologia

nova, e a gente tem observado que o e-book não é

um livro digital simplesmente, ele pode ser um

simples livro digital, mas ele pode ser muito mais

do que isso. Então eu tenho que ter um referencial

conceitual mesmo do que é um livro digital, como

ele entra na biblioteca, quais são as opções… Eu

tenho que falar do modelo de negócios, e é muito

difícil falar de prática em um ambiente acadêmico.

Mas ao mesmo tempo eu acredito que a academia

estuda as questões conceituais, estuda as questões

teóricas – tem que estudar, é o foco da academia –

mas eu também tenho que ter uma aplicação no

mercado, porque senão eu vou fazer o estudo, que é

importante, e o mercado continua sem nenhuma

resposta. Eu não tenho pretensão de dar respostas

ao mercado porque não existe uma resposta ao

mercado, não vai ser uma única resposta, mas o

objetivo da minha pesquisa, e do que eu tenho

escrito sobre o tema, é tentar trazer subsídios para

que a gente saiba que cenário é esse, quais as

possibilidades, quais são as cartas que estão em

jogo hoje, para gente saber o que a gente pode

melhorar, o que eu posso usar, como eu posso usar,

ou se não está bom para mim, como eu vou

negociar para que fique bom. Então eu tenho que

primeiro conhecer esse ambiente para, a partir daí,

eu falar: “não, isso aqui muda a forma de trabalhar,

mas é uma evolução”, porque eu não posso pensar

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 - 31

entrevistas

no e-book como mais um tipo de suporte

simplesmente. Ele tem um tratamento diferente,

exige um tratamento diferente. Eu tenho que ter um

nível digital muito maior do que eu tinha, porque

uma coisa sou eu ter uma estante de livros – eu vejo

que eu tenho tantos registros, tantas obras no meu

acervo – outra coisa é saber que eu tenho nos

servidores ou meu, ou no repositório externo ou no

fornecedor externo, então eu não vejo mais. O nível

de resposta tem que ser maior.

C. P.: Liliana, em termos práticos, qual ou quais as

principais preocupações que os bibliotecários

devem ter na hora de fazer a aquisição dos e-

books?

L. S.: Já começamos com um problema, porque eu

não posso falar em aquisição de e-books… O tema

da minha dissertação, pelo menos o título provisório

é: “O Impacto dos e-books em bibliotecas” e o

primeiro impacto é que eu não sou mais a dona

dele, eu tenho uma licença de uso, então a forma

como eu faço a aquisição não é a mesma, eu tenho

que saber até onde vai o meu direito de proprietária:

Ele vence? É perpétuo? Eu assino? Que modelo eu

vou usar para ter esse material? Eu vou dispor para

o meu usuário durante um tempo? Às vezes eu vejo

algumas opiniões assim: “Que absurdo! Assinatura!

O livro é da biblioteca!”. Depende! Se eu estou em

uma biblioteca de pesquisa de repente eu não quero

fazer um investimento de longo prazo, eu posso

assinar as obras naquele período, fazer um

investimento para aquele período. Me atendeu, eu

não preciso mais daquele custo. Se for uma

biblioteca pública é diferente, uma biblioteca

universitária é diferente, então começa a ficar mais

claro que não basta eu falar em e-book, eu tenho

que saber que tipo de conteúdo é esse em meio

digital, em que perfil de biblioteca ele vai ser

utilizado, qual é o usuário, qual a expectativa do

usuário que você tem, quem tem esse conteúdo para

fornecer e em quais moldes. Então são muitas

questões que eu tenho que saber para, a partir daí,

eu começar a tomar decisões.

C. P.: Nesses termos, não se pode falar em

empréstimo de e-books?

L. S.: Pode falar em empréstimo de e-books sim

porque a função da biblioteca é emprestar. A

biblioteca não aluga livros, apesar de muito usuário

jovem chegar à biblioteca e perguntar: “vocês

alugam livros?”. “Não, a gente empresta livros!”. A

gente não cobra, o aluguel tem uma negociação

comercial e a biblioteca não tem essa conotação.

Mas eu acho sim que existe empréstimo digital, ele

pode acontecer de várias formas. Não vejo como

limitações tecnológicas. São limitações comerciais.

São limitações de como nossos fornecedores estão

oferecendo o material para gente. Então as minhas

limitações são comerciais, são politicas, são

definidas pelos editores.

C. P.: Você falou que um dos pressupostos em

relação a esse novo mercado é o modelo de

negócio das editoras. Você não acredita que o

modelo de negócio das editoras está prevalecendo

sobre o interesse público, em relação aos e-books?

L. S.: Eu não sei se eu falaria em interesse público,

porque depende da biblioteca onde eu estou usando.

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 – 32

entrevista

s

O papel de cada biblioteca é diferente. A biblioteca

pública tem uma função social. A biblioteca

universitária, pode ser privada ou pública, tem uma

função educativa, acadêmica. Uma biblioteca

jurídica tem uma função puramente de negócios,

então eu não consigo pensar num papel público da

biblioteca, porque dependendo do uso que eu vou

fazer desse e-book, ele vai ter uma natureza. O que

a gente observa, o que a gente sente – isso não só

Brasil – eu acho que a gente nem começou a ter

problema de e-book no Brasil. Não que estejamos

no zero. Já teve discussão e já temos alguma oferta,

mas estamos muito atrasados em relação à Europa e

bastante atrasados em relação aos Estados Unidos.

O que a gente observa é que o mercado editorial

num todo é extremamente conservador e por medo

do que já aconteceu com o mercado fonográfico,

que foi destruído com MP3, com a digitalização do

que eles tinham pra vender, vendiam música e a

música foi digitalizada e as pessoas começaram a

distribuir livremente, isso causou uma total

remodelação do mercado fonográfico. As pessoas

não ganham mais dinheiro hoje no mercado

fonográfico vendendo disco. Elas ganham dinheiro

com show. Nunca show foi tão caro e ganham

dinheiro vendendo música, e é curioso porque a

gente observa até um retrocesso, pois a partir do

momento que eu começo a comprar uma música e

não compro mais o álbum, o disco que tem 10, 12

músicas eu volto a consumir música como eu

consumia na década de 50, quando eu não tinha o

LP, o Long Play, que era o álbum. É um paralelo

que é bem curioso. No caso do mercado

fonográfico, ele quebrou e está se reinventando. Já

o mercado editorial, quando chegou a digitalização

neste nível, a primeira reação dele, e foi uma reação

natural, “eu vou me proteger porque eu não posso

deixar acontecer comigo o que aconteceu com o

mercado de música”. Eles colocaram uma série de

barreiras, de restrições em uma tentativa de proteger

o seu modelo, o seu negócio porque eu não posso

pensar só com cabeça de biblioteca pública, tenho

que pensar que livro é uma indústria, é um

mercado, as pessoas publicam livro porque é o jeito

que elas ganham a vida, é o negócio delas, elas têm

que ser remuneradas por isso, elas trabalham por

isso. Eu tenho que ser remunerado, eu tenho que ter

a visão de indústria, porque dependendo de onde

essa indústria atua ela vai ter um comportamento

diferente. A biblioteca pública compra livros da

mesma forma que uma biblioteca particular compra

livros. Não é uma questão do público. A biblioteca

faz outro uso da publicação que ela investiu para

atender melhor o seu usuário. Como o mercado

editorial dificultou, ele começou a ver que se ele

vendesse para uma biblioteca um livro digital e esse

livro digital não tivesse proteção, isso significaria

que a biblioteca ia comprar um livro digital,

colocaria em seu acervo e as pessoas entrariam na

biblioteca e baixariam o livro quantas vezes

quisessem e quantas pessoas quisessem. Então

agora eu teria um livro sendo vendido, consumido

por milhares e as pessoas não comprariam mais

livro e as editoras quebrariam. Por causa disso eles

colocaram uma série de proteções tecnológicas para

dificultar que as bibliotecas comprassem livros em

primeiro lugar. Têm casos de editoras que não

vendem ou não vendiam, algumas já estão se

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 - 33

entrevistas

sensibilizando, mas não vendiam pra bibliotecas,

vendiam só para pessoa física e agora que o

mercado já tem uma segurança tecnológica que

garante, não é 100 por cento – nada é 100 por cento

no meio digital – mas ele já tem uma barreira de

segurança. Eles já estão mais acostumados com o

que é o livro digital. É uma novidade para o editor

também. Eles começam a ver que não precisa ser

tão rigoroso, mas ainda existe muito chão para

gente caminhar e chegar num meio termo que seja

interessante para todo mundo. Eu tenho uma visão

de que não adianta querer brigar com o editor,

porque se eu quiser brigar com o editor eu não vou

caminhar, porque eu dependo do editor para ter as

obras no acervo. Eu não vou aceitar tudo o que ele

quer. Eu entendo o porquê ele está agindo dessa

forma. É o negócio dele, é o meio de vida dele. Eu

entendo, mas ele tem que entender que biblioteca é

parceiro. Afinal de contas, a biblioteca sempre

comprou muito. Às vezes a pessoa conhece o livro

na biblioteca e isso representa venda. A partir do

momento que eu começo a sentar com o editor e

começo a negociar mais flexibilidade de contrato,

mais oferta, menos restrições, eu consigo caminhar

e é nessa linha que tem sido feito no mercado norte-

americano. Eles brigam? Sim, eles brigam bastante.

Tiveram casos que eles chamaram algumas editoras

para sentar – as bibliotecas americanas tem uma

representação muito forte no país junto ao mercado

editorial. Elas chamaram alguns editores muito

importantes para conversar e falaram assim: “não é

assim que a gente quer trabalhar, vamos

flexibilizar”. E muitas coisas já estão avançando. Eu

acho que é nessa linha que a gene tem que ir. Não

adianta querer ficar dando muro em ponta de faca,

brigando com o editor, fazendo manifestação,

“vamos denegrir a imagem dele”, não adianta fazer

isso, com isso você vai se desgastar.

C. P.: Liliana, as duas modalidades básicas que os

bibliotecários têm hoje para ter os e-books nas suas

bibliotecas, ter esse acesso nas suas bibliotecas,

são assinatura e aquisição perpétua, certo? O que

o bibliotecário deve levar em consideração na hora

de fazer a sua opção, em termos práticos?

L. S.: Isso depende muito. Depende de uma série de

fatores.

C. P.: Estou meio que repetindo uma pergunta

anterior, mas é para ficar um pouco mais claro.

L. S.: Existem outros modelos de negócio, mas no

Brasil o que temos de oferta hoje são esses dois:

assinatura ou aquisição perpétua. As duas têm prós

e contras. A aquisição perpétua para a gente é o

mais confortável porque é o mais parecido com o

que a gente fez até hoje: eu escolho os títulos que eu

quero, eu vou adquirir, eles vão ser meus, eu vou ter

uma licença de uso, eles podem ficar no meu

servidor ou podem ficar no servidor do fornecedor.

Isso também tem lado bom e lado ruim, e eu não

preciso comprar para ter a cesso a essa obra, ela é

minha e eu vou acessá-la. Normalmente a aquisição

perpétua é um acesso por vez, não permite acesso

simultâneo, normalmente é isso. No caso da

assinatura, você tem o direito de usar aquela obra

por um período, ela não é sua, se você não renovar

a assinatura você vai perder o acesso à publicação.

Dependendo do uso do seu acervo, essa é uma boa

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 – 34

entrevista

s

modalidade. A gente vai ter que começar a fazer

uma coisa que não era muito usual para o

bibliotecário. Eu vou ter que começar a fazer uma

gestão de recursos, gestão de orçamento. Eu tenho

que prever se eu tenho a minha assinatura, se eu

vou manter essa assinatura. Não vou trabalhar com

uma única assinatura. É uma coisa que o pessoal

aqui no Brasil não percebeu ainda. Eu não vou ter

um fornecedor para me atender em tudo, então eu

vou ter casos em que eu vou ter que fazer gestão de

várias assinaturas: “isso cabe no meu orçamento,

isso não cabe, esse eu renovo?”. Tem uma variação

de preços, obras novas entraram, eu posso ter

acesso simultâneo. É um serviço. Eu estou

contratando um serviço, a assinatura é um serviço,

eu não tenho posse, eu não tenho a licença de uso.

A aquisição perpétua não. Ela dá licença de uso, eu

posso usar aquela obra porque ela me pertence, mas

isso não quer dizer que eu posso fazer o que eu bem

entenda com ela.

C. P.: Em três palavras, o e-book é o futuro das

bibliotecas?

L. S.: Eu não vou dizer que é o futuro das

bibliotecas, mas as bibliotecas vão ter que ter e-

books no futuro. Eu não vou dizer que é o futuro

porque não é só isso.

Emilia Sandrineli: Você comentou que participou

de vários congressos nacionais e internacionais,

então a partir dessa experiência você conheceu

casos de bibliotecas que estão sendo muito bem

sucedidas ou casos interessantes que possam servir

de exemplo da relação das bibliotecas com os e-

books e seus usuários para as bibliotecas aqui no

Brasil?

L.S.: Não, eu não diria da biblioteca, mas eu acho

que os avanços maiores… A gente tem uma

diferença cultural, de políticas de Biblioteconomia

muito grande em relação aos Estados Unidos. Eu

não vou dizer que lá seja melhor, eu não vou dizer

que seja pior, eu não vou entrar nesse mérito. Eu

acho que cada um tem suas características, mas eles

têm uma coisa que no Brasil até já existiram

tentativas, mas não vingou da forma como tem de

consórcio. Eles têm consórcios de bibliotecas e são

consórcios muito fortes. Quando você é forte, você

tem um poder de negociação maior, você fala de

repente num consórcio com 20, 30 bibliotecas ou

públicas ou universitárias e isso você senta para

negociar com o fornecedor com outro peso.

Normalmente os relatos que a gente tem são casos

de consórcio. O movimento dos e-books começou

nas bibliotecas americanas com as universitárias,

porque é onde a demanda é maior, a rapidez da

informação, a facilidade de acesso das obras, então

começou no meio universitário. Foi expandindo

para as públicas, que tiveram muitas restrições dos

editores. A gestão de bibliotecas deles não é

bibliotecas infantis. Elas não são bibliotecas

puramente escolares. Eles as chamam de K12. Você

pega desde a criança bebê, pequenininha, até o que

seria o nosso ensino médio – é o que eles chamam

de infantil, eu falo desde a parte de recreação de

leitura, acompanhamento escolar etc. Então a gente

tem visto esses três seguimentos muito claros. O

seguimento corporativo é bem menor que o

universitário. Nós temos muitos casos… Eu não

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 - 35

entrevistas

citaria o caso de uma porque o usuário quer, o

usuário precisa, então a biblioteca vai correr atrás

para atender o seu usuário. Eu não tenho o caso de

uma biblioteca que seja exemplar, eu tenho alguns

casos que são mais simbólicos, por exemplo: foi

inaugurada agora no Texas, em agosto, se não me

engano, uma biblioteca que não tem livros. Ela já

nasceu digital. São duas no Texas, uma ligada a

Universidade e a outra ligada a um College, a

universidade também. Elas nasceram já com o

conceito de ser cem por cento digital. Elas não têm

estantes. Tem uma que tem um espaço muito

pequeno, a outra o espaço é maior, mas é uma área

onde você tem mesas, cadeiras, sofás, terminais de

computador, mas não têm estantes. A área de

estantes é usada para o usuário ocupar o espaço. O

que também é curioso porque uma biblioteca digital

não precisa que o usuário esteja presente, é outro

modelo de negócio. Eu passo pelo tipo de acesso

que a pessoa tem que estar na minha biblioteca pra

poder acessar o e-book. É outra forma de gestão

que existe para usar livro eletrônico. Têm vários

casos, têm casos de bibliotecas que emprestam

tablets com o objetivo de leitura, tem biblioteca que

já usa há muito tempo e ai você tem acesso

enquanto é nosso usuário e quando não tem mais

vínculo com a instituição você não tem mais acesso

aos digitais por conta do contrato com os editores.

As bibliotecas públicas que estão começando agora

a fazer uso, que estão conseguindo fazer

assinaturas, têm projeto com a Amazon que não

está muito claro ainda como vai ser isso, não está

claro para eles. Estão tendo algumas brigas… É um

tema que eu estou estudando até para uma

disciplina que estou tendo agora no mestrado. A

Amazon está emprestando livros para os usuários

de uma biblioteca pública, através de um agregador

de serviço, a Amazon aluga.

C. P.: Você lembra o nome desse serviço?

L. S.: É a Overdrive trabalhando com a Amazon. A

Overdrive é o agregador de conteúdo, um dos

maiores que tem no mundo. No Brasil a gente não

tem Overdrive e ela fez a parceria com a Amazon.

Então eu sou usuário de uma biblioteca pública, eu

tenho meu cartãozinho, minha carteirinha de

usuário, eu vou ao site da minha biblioteca e eu

escolho que eu quero emprestar uma obra no

formato Kindle, eu faço a baixa no meu pátio, dali

eu sou direcionada para a Amazon que já sabe

quem eu sou ou eu me identifico com a minha conta

Amazon e ele está lá no meu texto como se fosse de

compra, mas ao invés de fazer uma compra eu vou

emprestar e essa é a política que foi negociada com

a Overdrive junto com a biblioteca. Só que isso não

vai ficar só nisso. A gente sabe que não vai ficar só

nisso, porque o objetivo da Amazon não é só

emprestar. Tudo bem, ela está ganhando dinheiro

com a parceria, ela está sendo remunerada pelo

aluguel, porque ela faz o aluguel, a biblioteca

empresta; e esse aluguel está sendo pago no

contrato com a Overdrive. Mas existem questões

que aqui para o Brasil eu não me lembro de ter visto

isto, mas que é muito sério nos Estados Unidos…

“Cadê a minha privacidade enquanto leitor?”.

Porque uma coisa sou eu ser uma pessoa que tem

uma conta na Amazon e eu compro um livro,

porque cada vez que eu entro na Amazon ela fala

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 – 36

entrevista

s

pra mim: “você que comprou isso, pode gostar

disso, disso e disso!”. Outra coisa é através dos

livros que eu pego emprestado ela saber quem eu

sou e começar a me bombardear com propaganda.

C. P.: É mais ou menos o que o Google faz?

L. S.: O Google reconhece a ID. Ele sabe por onde

você navegou e o que pode te interessar, ele usa isso

como critério de relevância na hora de mostrar os

dados para você. A Amazon é um pouco mais do

que isso, porque ela sabe exatamente quem é você,

ela não está te reconhecendo pelo IP; o IP é uma

das formas dela te reconhecer, mas você pode entrar

de qualquer computador: você logou, ele sabe de

onde você fez o login. Então ele sabe quem é você,

tem seu cadastro lá, onde você mora, o que você

gosta de ler, o que você não gosta de ler. Isso para

gente, se eu for pensar “é minha privacidade, eu não

quero receber propaganda”. Claro que eles vão ter,

eles não são loucos, o sucesso da Amazon é porque

ele sempre privilegiou atender bem o cliente, e o

sucesso da Amazon é isso. Sempre teve a

preocupação, a política da empresa é: “eu vou fazer

com que o cliente tenha uma boa experiência, ele

vai voltar para mim porque ele encontra o que ele

quer e compra rápido”. Essa é a política, ele nunca

escondeu isso, mas para os americanos eles têm

preocupações de segurança que nós não temos. Por

exemplo, aqui no Brasil as pessoas da área de

segurança… Se você for na biblioteca e quiser ler

um livro sobre bomba, você não vai ter a Polícia

Federal batendo na sua porta. Nos Estados Unidos

eles têm um controle. Existem termos legais onde

eu tenho a privacidade do leitor sendo mantida, a

biblioteca jamais pode divulgar e ela não vai

interferir no que o usuário lê porque ela acredita que

o usuário tem liberdade de ler absolutamente o que

quer, e a Amazon pegando isso ela está quebrando a

privacidade do usuário, porque se você vai comprar

um livro de arma, um livro de bomba, isso vai bater

no FBI; se você pega um livro emprestado que fala

de bomba, não importa se você está estudando uma

bomba hidráulica. Se tem “bomba”, eles têm

motivos para serem neuróticos. Não estou tirando a

razão deles, mas você afeta diretamente todos os

tratados que existem de privacidade do usuário. E

uma das coisas que consta nesse tratado, são

documentos legais mesmo, é a privacidade do

usuário para biblioteca.

E. S: Afeta pesquisas científicas, porque os

pesquisadores que vão fazer empréstimos nas

bibliotecas têm sua privacidade garantida, a

privacidade da sua pesquisa garantida!

L. S.: Isso que a gente tá falando de bomba é um

caso extremo, mas às vezes você pode ter coisas

que podem levar as pessoas a uma situação

constrangedora. A pessoa de repente pega um livro

de gosto duvidoso ou um livro mais ousado e ai de

repente a privacidade está sendo invadida. Além

disso, eu não acho interessante – isso me preocupa

bastante em termos de biblioteca – eu não acho

interessante eu desvincular o acesso ao livro da

biblioteca. Porque tudo bem, a pessoa foi no site da

biblioteca, disse que quer aquele livro e dali ela foi

para Amazon e dali a Amazon liberou. O que o

usuário guarda desse processo? “Eu tenho um livro

na Amazon”, não “eu peguei o livro na biblioteca”

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 - 37

entrevistas

ou “a minha biblioteca me deu acesso a Amazon.”.

Isso é uma questão que a gente tem visto muito e

porque a gente tem tido tanto aquisição perpétua

quanto a assinatura, porque? Eu compro um livro

mesmo que ele esteja no meu servidor, eu vou

acessar através de uma plataforma proprietária

porque é onde os fornecedores conseguem colocar

o DRM. Então se a biblioteca não coloca o usuário

deles no OPAC, para o usuário descobrir o livro, a

biblioteca sendo um serviço de descoberta, eu

descubro que eu tenho um e-book na biblioteca, na

hora de abrir eu vou abrir um aplicativo, não tem

como, mas ele tem que ter a descoberta lá. Não são

todos os fornecedores que me dão os metadados

para que jogue isso no meu OPAC e ai o usuário vai

procurar em outra plataforma. Se eu faço isso, o

meu usuário daqui a pouco nem lembra que existe

biblioteca, ele vai direto para o fornecedor e isso

para a gente não é interessante, porque a gente está

pagando por aquilo, é orçamento da biblioteca, eu

estou proporcionando o acesso a essa obra para o

meu usuário, então eu não posso desvincular isso.

Essa é uma questão que me preocupa, eu tenho que

trazer o conteúdo para mim. Tem fornecedor que

não dá o conteúdo, ai eu tenho outra forma de

conseguir fazer isso, mas sempre estar tentando

trazer para a biblioteca, para deixar claro: “usuário,

eu que estou te proporcionando isso!”.

C. P.: Então sua recomendação é que o acesso seja

sempre pela base da biblioteca?

L.S.: Sim, ou pela base da biblioteca ou pelo

serviço de descoberta. Mas a pessoa descobre que

existe aquele e-book na base da biblioteca. Eu fico

muito preocupada, por exemplo, quando eu faço

uma assinatura e ai eu vou colocar no site da

biblioteca um link pra pessoa pesquisar na página

do dono do provedor. Não, esse acervo, mesmo que

temporário, pertence ao acervo da instituição e é lá

que vai consultar. Essa é uma das coisas que a gente

não pode abrir mão, ou pela biblioteca, pelo OPAC

ou pelo serviço de descoberta, acho isso

fundamental.

EMILIA SANDRINELLI é Editora Executiva da biblioo.

CHICO DE PAULA é editor-chefe da Revista Biblioo.

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 – 38

opinião

A "NUVEM VIRTUAL" E O

EVERNOTE ME SALVARAM JÁ OUVIU FALAR EM BLOCOS DE NOTAS DIGITAIS? E

NUM PROGRAMA CHAMADO EVERNOTE?

O mundo informatizado pensou em coabitar

um mundo sem papel, infelizmente esse

“mundo sem papel”, não existe e nunca vimos

um consumo tão alto de celulose como nos

dias de hoje. Porque a carga de informação

que cai em nossas cabeças diariamente só

cresce, não importa o meio.

Semana passada, um computador que eu

usava "morreu". E sim, eu sei da importância

de salvar arquivos, só que não fiz, logo eu

que faço milhares de anotações dei esse

mole... Quando fui caçar minhas anotações

em papel para varias coisas, inclusive para o

texto do mês, cadê? Tive que recomeçar a

escrever esse texto do zero e com outro tema.

Eu tenho o hábito de fazer anotações em

papel para tudo e confesso, é chato não

encontrar uma anotação quando preciso (por

serem muitas).

Isso até encontrar um programa de anotações

virtual! Já ouviu falar em blocos de notas

digitais? E num programa chamado Evernote?

Se não, trata-se de uma ferramenta que conta

já com mais de 10 milhões de utilizadores

registrados. A princípio, ele parece um

aplicativo de agenda comum com uma

interface meio desorganizada, mas depois que

o usuário se familiariza com o serviço, o

Evernote se releva uma excelente ferramenta

para organizar tarefas e ideias. Ele não é

somente um aplicativo isolado para

dispositivos móveis, graças às versões web e

para outras plataformas, ele se torna um App

essencial com integração na nuvem. E fora os

usos comuns com referências nas notas,

coisas comum a todos com espírito

biblioteconômico, descobri alguns usos

bacanas para ele, segue alguns:

1. Web Clipper - Esse recurso é muito útil

para guardar páginas web e substitui com

eficiência o recurso de favoritos do

navegador. O Web Clipper adiciona anotações

nas páginas marcadas. O recurso deve ser

instalado como complemento (extensão) no

navegador, disponível também para

dispositivos móveis. O Web Clipper também

Agulha3al é um boneco de retalhos. Costurado por sinestesia de leituras, vivências, olhares, toques e

distração. Tão distraído que esquece de pessoas que foi apresentado ontem... Esquece objetos, lugares, e

na maioria das vezes até como deve agir corretamente... A maior contradição é ser Anthony Lessa, e ainda

atende pelo apelido de José Antonio, Zé e Toinho.

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 - 39

opinião

se integra ao buscador do Google: quando

algo relacionado a uma página já marcada

pelo Evernote surge no resultado de busca, o

Web Clipper exibe uma miniatura desta

página no canto direito. Para instalar o Web

Clipper, visite a seção do programa no site do

Evernote.

2. Cartões de visita - Tire uma foto ou

digitalize os cartões que você recebe e o

Evernote tornará pesquisável as informações

contidas no cartão. Dessa forma, será muito

fácil encontrar o contato que você procura.

3. Lista de supermercado - Basta colocar

caixas de verificação ao lado dos itens que

precisa comprar e então ir marcando à medida

em que os coloca no carrinho.

4. Receitas - Organize todas as suas receitas

com fotos, links e até sua opinião ou

comentários depois de experimentar o prato.

(Existe um aplicativo everfood).

5. Senhas - Da bicicleta, de sites, do armário,

de conexões Wi-Fi e por aí vai. Você ainda

pode criptografá-las usando o botão direito do

mouse e acionando a opção Criptografar

Texto Selecionado.

6. Livros - Dê uma nota para cada livro que já

leu e compartilhe a lista com os amigos. Ou

melhor: tire uma foto de cada prateleira da

sua estante, e carregue com você a ordem

exata e o lugar de cada um dos seus livros.

7. Recibos - Escaneie ou tire fotos de todos os

seus recibos, comprovantes ou garantias.

8. Livrarias - Se você lê um pouco de tudo

quando vai a uma livraria, é interessante

registrar uma foto de cada livro que folheou,

para escolher depois os que vai de fato

comprar.

Bom é isso! Espero que tenham gostado. Se

sim, faça seu registro no evernote!

HTTP://BIBLIOO.INFO/PUBLICACOES/

SAIBA COMO PUBLICAR SEU ORIGINAL!

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 – 40

opinião

OS MODISMOS

TERMINOLÓGICOS

QUAIS SEUS IMPACTOS NO CAMPO

DA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO?

A Ciência da Informação (CI) como campo do

conhecimento institucionalmente gestado em

meados do século XX se constitui a partir de

dois fenômenos básicos: 1)

reprodução/apropriação acrítica de teorias de

outras áreas e 2) adaptação de teorias de

outras áreas, como ocorre no âmbito da

Epistemologia (influências da Filosofia,

Sociologia, Psicologia, Educação),

Tecnologias de informação (influências da

Computação e outras áreas tecnológicas),

Gestão/Política/Economia de informação

(Administração e Economia) aplicada, em

particular, as ações das bibliotecas e, em

geral, aos meandros da informação.

No primeiro caso, há uma preocupação

central de fazer da CI mero objeto para

aplicação de fundamentos teóricos e

pragmáticos ou simplesmente de inserir

terminologias a esmo, sem se valer de uma

reflexão crítica. No segundo caso, há uma

perspectiva mais efetiva de diálogo entre CI e

outras áreas do conhecimento primando por

um processo crítico de apropriação de

conhecimento e/ou por diálogos de

reciprocidade entre a CI e outras áreas do

conhecimento.

Enfatizando o primeiro caso, observo que há

uma necessidade em muitos pesquisadores (e

pesquisas) em naturalizar terminologias,

visando fundamentar a cientificidade da CI.

Essa “naturalidade terminológica” não

somente não abre perspectivas para

fundamentação teórico-epistemológica e

pragmática quanto acomoda processos de

criação na área. Em especial, destaco duas

terminologias comumente importadas

acriticamente e que viraram modismos na CI:

paradigma e interdisciplinaridade.

Com relação ao conceito de paradigma, desde

as obras escritas por Thomas Kuhn intituladas

“A Era das revoluções científicas (1962)” que

passou por várias revisões com o objetivo de

elucidar alguns aspectos polêmicos quanto à

compreensão, mas sem perder o ethos

conteudístico do pensamento kuhniano e “A

tensão essencial (1977)” o conceito de

Jonathas Carvalho é professor do curso de Biblioteconomia da Universidade Federal do Ceará - Campus

Cariri. Mestre em Ciência da Informação pela UFPB. Doutorando em Ciência da Informação pela UFBA.

Atua nos seguintes segmentos: epistemologia e pesquisa em Biblioteconomia e Ciência da Informação;

mediação e estudos de usuários da informação; bibliotecas escolares, comunitárias e públicas; fundamentos

sociais, políticos, éticos e profissionais aplicadas a Biblioteconomia.

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 - 41

opinião

paradigma se propagou largamente pelas

correntes epistemológicas das diversas áreas

do conhecimento.

Na CI, o conceito de paradigma foi

desenvolvido para validar cientificamente

questões da área, em especial, calcadas na

formação dos paradigmas físico, cognitivo e

social (ou sócio-cognitivo), de estudo de

usuários e outros assuntos.

No entanto, atentando para um dos principais

sentidos de paradigma em Kuhn como

“realizações científicas reconhecidas em

caráter global que, durante algum tempo,

fornecem problemas e soluções para uma

comunidade científica”, entendo que o

paradigma foi apropriado viciosamente na CI,

de modo que é visto na área como princípio

norteador da atividade científica quando, em

verdade, o paradigma é resultado de um

conjunto de ações e teorias reconhecidas entre

uma comunidade científica internacional.

De outro modo, o paradigma na CI se

estabelece como uma espécie de “molde

epistemológico” (a CI impõe o paradigma

como fundamento de configuração científica

inibindo a necessidade de um pensamento

crítico-criativo, isto é, a formulação de

fundamentos inovadores universalmente

reconhecidos pelos praticantes da área).

Quanto à interdisciplinaridade, considero que

foi outro conceito apropriado acriticamente

na CI e postulado como característica natural

fundante da área. Discordo dessa afirmação

em virtude de que a interdisciplinaridade não

é uma ciência, fundamento teórico ou

categoria de conhecimento, mas fundamento

pragmático ou categoria de ação.

Entendendo a interdisciplinaridade como ação

recíproca ou de integração entre áreas do

conhecimento. Nenhum campo científico

pode ser naturalmente considerado

interdisciplinar se não for efetivado na

prática. Logo, a interdisciplinaridade

comumente não é questão de cunho global,

mas local que depende das relações entre

pesquisadores de determinadas áreas, em

determinados espaços/instituições e em

determinados tempos históricos.

Isso significa que a interdisciplinaridade na

CI não é um fenômeno pré-determinado,

imutável e arbitrário, mas construído

pragmática e humanisticamente (é preciso a

disposição de dois ou mais

pesquisadores/grupos que partilhem de

objetivos em comum e que respeitem suas

diferenças em prol desses objetivos), promove

transformações entre pesquisadores e/ou áreas

do conhecimento envolvidas e é concebida

dialogicamente (demanda diálogos

horizontais).

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 – 42

opinião

Mas a pergunta que não quer calar é: por

quais motivos os termos paradigma e

interdisciplinaridade são postulados na CI em

caráter de modismo? Elenco alguns motivos

que justificam essa conotação:

1) os termos paradigma e

interdisciplinaridade (assim como seus

complementos pluridisciplinaridade e

transdisciplinaridade) se estabeleceram

maciçamente no início da década de 1960,

precisamente equivalente ao período do

advento da CI enquanto campo do

conhecimento científico institucionalizado

(1962);

2) o termo paradigma foi pertinente para

fundamentação teórico-epistemológica de

muitas áreas do conhecimento, especialmente

aquelas oriundas no século XX, incluindo a

CI, enquanto o termo interdisciplinaridade

favorece uma “cartilha de conduta

pragmática” dos pesquisadores da CI que

possibilita o diálogo (direto ou indireto) com

outras áreas confirmando o modismo como a

terminologia interdisciplinaridade é

apropriada na CI.

Nos dois sentidos assinalados, o objetivo

principal é amadurecer o viés epistemológico

da CI, mas, em síntese, nenhum deles

favorece esse amadurecimento. Ao contrário.

Prendem a área a procedimentos “chavões”,

sem uma perspectiva mais expressiva de

fundamentação crítica e criativa.

Enfim, para um entendimento mais amplo

acerca dos termos paradigma e

interdisciplinaridade aplicados a CI, partilho

links de alguns artigos, visando despertar

percepções crítico-analíticas sobre a temática

do texto, uma vez que esta é muito ampla para

ser encerrada por aqui:

Reflexões teóricas sobre a construção

paradigmática da Ciência da Informação:

considerações acerca do(s) paradigma(s)

cognitivo(s) e social

Das concepções disciplinares na Ciência

da Informação e/ou de suas

configurações epistemológicas: o

desiderato percepcionado da

interdisciplinaridade

A(s) disciplinaridade(s) da ciência da

informação: aplicação das leis da dialética

marxista no contexto pluri, inter e

transdisciplinar

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 - 43

opinião

MEMÓRIAS DO JUDICIÁRIO MUSEU DA JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

EXIBE ACERVO PRECIOSO SOBRE A HISTÓRIA DO

JUDICIÁRIO BRASILEIRO

Rio – Quem visita o Centro do Rio de Janeiro tem

mais uma opção cultural. O Museu da Justiça,

inaugurado em 23 de agosto de 1988, passou por

processos de restauração e, desde novembro 2010,

expõe seu acervo ao público interessado.

A coleção é composta por livros, fotos e outros

documentos que relembram acontecimentos de

grande repercussão no Poder Judiciário, incluindo

170 arquivos audiovisuais e 24 mil processos

sobre diversos temas. O prédio ficou conhecido

por abrigar julgamentos famosos, com os dos

envolvidos no caso Tim Lopes, morto em 2002, e

de Paula Thomaz, no caso Daniella Perez,

assassinada em 1992.

Carlos Jorge Fernandes, Diretor da instituição, fala

sobre as ações desenvolvidas pelo Museu: “Temos

uma parceria com o Centro Cultural do Palácio da

Justiça e realizamos visitas guiadas com turmas de

escolas e universidades. Outra atividade em

andamento é a digitalização de documentos raros,

alguns destes expostos aos visitantes”. O cuidado

com a preservação do mobiliário também faz parte

dos planos para 2014. “Estamos com o projeto de

recuperação de peças antigas e iremos lançar um

catálogo com móveis, quadros e outras peças”,

afirma Carlos.

Formado basicamente por p rocessos judiciais

datados do séc. XIX, o acervo textual é

considerado um dos mais importantes do Brasil.

Gilmar de Almeida, historiador do Museu,

descreve a coleção: “Temos livros de registros de

compra e venda de escravos, patentes, atas e

documentos pessoais de magistrados como

Bezerra Câmara e Aguiar Dias. Nosso processo

mais antigo é de 1723”.

Com 15 anos de existência, o programa História

Oral narra, através de entrevistas, a vida de

desembargadores, juízes, advogados e políticos

com trajetórias ligadas à administração da Justiça,

destaca Gilmar de Almeida. “São 160 entrevistas

em nosso banco de dados”, complementa o

historiador.

Visitas: segunda a sexta-feira, das 11 às 17h.

Endereço: Rua Dom Manuel, 29, Centro – RJ.

Tel.: 3133-3532/3133-3497

E-mail:[email protected]

Thiago Cirne é graduado em Biblioteconomia pela Universidade Federal do Estado do Rio de

Janeiro (Unirio). Pós graduado em Jornalismo Cultural pela Universidade do Estado do Rio de

Janeiro (Uerj). Bibliotecário do Centro de Estudos Jurídicos da Procuradoria Geral do Estado

(PGE-RJ). Atua em Acervos de Memória e Coleções Especiais.

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 – 44

opinião

CAUSANDO NA REDE

PORQUE A VIDA NEM SEMPRE PRECISA SER CLICHÊ

Não basta estar na rede, é preciso causar.

Interessante é que o verbo causar, que pede uma

transitividade, na condição de gíria é tangenciada

pela intransitividade. Quem causa simplesmente

causa. Está, pois, cheio do efeito, sendo sua

própria consequência. O problema é querer causar

com frases feitas.

As frases feitas sempre existiram. Mas agora elas

abundam nas redes. Abundar é o verbo ideal nesse

caso (estou propondo outra etimologia para a

palavra). Não gosto de frase feita. Na falta do que

dizer, diz-se o que já foi dito. Vai-se ao baú dos

clichês, espreme-se esse sumo ralo do dito até que

se ele fique desbotado. Vivendo numa excitação

constante, queremos a todo custo ser vistos, lidos,

elogiados: “Me vê, me cutuca, me curte, me

ama... Eu saberei retribuir na mesma intensidade”.

Escambo virtual.

Não gosto dessa necessidade fremente, que muito

se vê por aí, daqueles que, não sendo leitores,

querem passar uma imagem de que são cultos,

letrados, intelectuais. E vão destilando as tais

frases feitas, sem saber que elas são feitas para

serem usadas por quem não tem criatividade ou

não querem pensar. Ou, querendo pensar,

preferem o fácil. Eu quero a arqueologia do fóssil.

Ih, acho que fiz uma frase feita (não é redundante

dizer isso? Não existe frase não feita. Veja como

sou meu próprio crítico). Mas é só pra descontrair.

O importante é impactar, mesmo que a via seja

compactar.

Será que estamos emburrecendo? Não creio.

Apenas a rede expõe a gente como “nunca antes

na história desse país” (a frase feita mais famosa

da década). Nunca antes na história da

humanidade as sociedades puderam se exibir em

tão altas doses. Daí que sabemos o que outro

pensa, do que é capaz ou não, o que aparenta ser, o

que quer ter, apenas pelo que ele diz, mesmo

copiando e colando, mesmo usando frases feitas.

Antes ninguém gostava de escrever redações

porque precisava pensar e desenvolver sua opinião

em mais de 20 linhas. Hoje, que tudo é sintetizado,

as pessoas copiam e colam. Dão Control C e

Control V o tempo todo. Vá entender esse povo!

Vemos uma legião de frases sem nenhum efeito,

apenas na onda do bonitinho. Aliás, têm, sim,

efeito colateral: mostram que você não consegue

ser você quando e onde mais deveria ser você.

Cláudio Rodrigues é maranhense e mora no Rio de Janeiro. Mestre e doutor em Teoria Literária, dá aulas para a

EJA; escreveu os livros Um rei que virou lenda (2009), Cirandeira do Menino-Deus (2009), e O encontro do

Corvo inglês com o Urubu brasileiro na terra do sol inclemente (2012), geralmente colocados na prateleira dos

infantojuvenis, mas voltados para o leitor de todas as idades.

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 - 45

opinião

Sociedade dos escribas virtuais. Copistas. A idade

média é aqui.

Clarice Lispector disse certa vez que passara uma

noite toda tendo pesadelos horríveis. Tinha

sonhado lendo coisas que jamais escrevera. Ela

acordou atordoada e extremamente chateada com

essa possibilidade. Ah, Clarice, e não é

exatamente isso que ocorre hoje? Você é usada

para as mais bobas frases de efeito por gente que

nunca de fato leu um fio de sua narrativa

complexa, mas apaixonante.

Caríssimo, um exercício de criatividade vem com

um exercício de personalidade. Você pode me

perguntar: “mas como posso desenvolver esse meu

lado crítico e criativo para poder ir além de uma

maria vai com as outras?” Estude! Mergulhe nos

livros! Vá a uma biblioteca, afogue-se de cultura

(afogar é exagero, não quero nem o suicídio

cultural). Vá ao teatro, ouça uma música boa (ah,

você não sabe o que é uma boa música?), vá a um

teatro e assista a uma tragédia ou a uma comédia,

visite uma exposição de arte. Ou, simplesmente,

contemple a natureza, buscando nela sua dose

diária de linguagem. É preciso praticar a arte do

ver para poder falar/escrever, como diz um

heterônimo do Pessoa:

O meu olhar é nítido como um girassol.

Tenho o costume de andar pelas estradas

Olhando para a direita e para a esquerda,

E de vez em quando olhando para trás...

E o que vejo a cada momento

É aquilo que nunca antes eu tinha visto,

E eu sei dar por isso muito bem...

Sei ter o pasmo essencial

Que tem uma criança se, ao nascer,

Reparasse que nascera deveras...

Sinto-me nascido a cada momento

Para a eterna novidade do Mundo...

O mestre Caeiro nos ensina a arte do ver. Se você

acorda todo dia para a eterna novidade da vida,

certamente terá sobre o que falar, será criativo,

crítico, e saberá que tudo tem um preço. É preciso

ter olhar de girassol. É nesse sentido que você

aprenderá a analisar para, em seguida, sintetizar.

As redes sociais são os ambientes das sínteses,

mais do que das análises. Elas cobram de você a

capacidade de ver grande e reduzir grande. Essa

matemática não combina com aquela regrinha

besta que aprendemos na escola que diz que mais

por menos dá menos. Dessa regra só vale o

“menos por menos dá mais”. O que é isso?

Simples: ser mais, sendo menos.

De minha parte, prefiro pagar um alto preço por

dizer o que penso do que por ficar buscando o que

os outros disseram para me esconder neles e me

anular. Não seja bobo; seja criativo!

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 – 46

opinião

BIBLIOTECA DO FAÇA VOCÊ

MESMO SERVIÇO DE REFERÊNCIA SEM MEDIAÇÃO

Sou uma daquelas pessoas que nunca pedem ajuda

a bibliotecária de referência. Jamais. Não pedia

quando criança, muito menos agora que sou

adulto. Escrevi uma monografia, uma dissertação

e uma tese sem consultar uma única bibliotecária.

Não foi até pouco tempo atrás que realmente

pensei sobre isso e percebi que não estava

evitando o serviço de referência por causa da

minha ansiedade ou timidez. Não era que o balcão

parecia inacessível ou a bibliotecária ranzinza. É

tudo porque eu simples e teimosamente gosto de

descobrir as coisas sozinho.

E esse comportamento moldou o meu pensamento

sobre o serviço de referência. Durante anos,

minhas experiências alimentaram meu desejo de

tornar o balcão e o serviço de referência mais

acessíveis. Como eu, muitas pessoas querem

descobrir as coisas sozinhas. E quando há algo na

biblioteca que não entendem, elas não recorrem ao

serviço de referência. Elas simplesmente vão para

outro lugar.

Mesmo agora, eu vasculho sites, blogs e fóruns

para obter informações antes de pedir qualquer

tipo de ajuda. E lendo artigos sobre a geração DIY

(faça você mesmo) eu percebo que não sou o

único. Vejo a atitude DIY como o respeito pelo

autodidata e o “desenrolado” contra o perito e o

sabichão.

Em uma época onde as massas (veja o Yahoo!

Respostas e Wikipedia) se tornaram em grande

parte o lugar para obter informações e o perito

(veja a bibliotecária de referência) tem visto um

declínio na demanda, pensar em como oferecer

apoio à pesquisa sem que alguém precise consultar

um bibliotecário ou participar de um minicurso é

extremamente necessário.

Muitos serviços de biblioteca são baseados em um

modelo que não existe mais. Nossos serviços de

referência são baseados em um ambiente de

escassez de informações, enquanto que vivemos

atualmente em um ambiente de abundância de

informação. Bibliotecários são os guardiões

exclusivos de quase nada. A ênfase que nós

colocamos em modelos de mediação é equivocada

e pode estar nos movendo em direção à

irrelevância. Embora eu acredite que os serviços

de referência e de instrução ainda devam estar no

centro do que fazemos, a sugestão de repensar

nossos serviços, tendo em conta a mentalidade

DIY, me chama bastante atenção.

Moreno Barros é bibliotecário do Centro de Tecnologia da UFRJ. Graduado pela UFF, mestre em Ciência da

Informação pelo IBICT e doutorando em História das Ciências na UFRJ.

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 - 47

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Isto não é um apelo para diminuir o nosso foco na

instrução, no letramento, mas verificar como

podemos apoiar as pessoas que agem por conta

própria em seus pontos de necessidade no uso de

sistemas de bibliotecas - que não são

frequentemente amigáveis ao usuário. Vejamos:

muitas bibliotecas têm criado tutoriais, mas a

maioria simplesmente coloca objetos de

aprendizagem em uma página de "Tutoriais" e

acha que o trabalho está feito. Quando os usuários

estão tendo dificuldade em procurar uma base de

dados, quantos deles pensam "a biblioteca tem um

tutorial sobre isso"?

Precisamos pensar sobre como podemos fortalecer

esses adeptos do estilo “faça você mesmo“

incorporando ajuda em seus fluxos de trabalho de

pesquisa. Quando eles têm um problema com a

sua busca de informações, a ajuda deve estar

disponível continuamente - isso pode exigir

fornecer um tutorial de como agir dentro de (ou ao

lado de um link para) uma base de dados

complicada ou tornar mapas disponíveis nas áreas

da biblioteca onde os usuários muitas vezes se

perdem. Isto requer compreender os

comportamentos de busca da informação dos

nossos usuários - através de métodos como

estatísticas web, pesquisa etnográfica e testes de

usabilidade – e pensar sobre a incorporação de

ajuda além das paredes da biblioteca e do site

oficial.

As bibliotecas também precisam repensar a forma

como criamos conteúdo instrucional online, que

muitas vezes é projetado com base na maneira

como ensinamos. Um usuário procurando

informações sobre como determinar se um artigo é

acadêmico não quer passar por um longo tutorial

sobre revisão por pares para encontrar a resposta.

Idealmente as bibliotecas desenvolverão sistemas

que podem ajudar os usuários a encontrar

rapidamente o pequeno pedaço de conteúdo

instrucional que eles precisam para resolver seu

problema. Será como ter uma entrevista de

referência sem o usuário ter que pedir ajuda a

alguém.

Se quisermos cativar a crescente população de

DIYs, devemos capacitá-los a utilizar os nossos

recursos sem vir ao serviço de referência ou a uma

oficina. Serviços presenciais são importantes, mas

não podemos torna-los um pré-requisito para

alguém ser um buscador de informações pleno e

satisfeito.

Acredito que os bibliotecários precisam trabalhar

para tornar a sabedoria da biblioteca disponível

para os usuários em um formato sem mediação.

Tenho plena consciência de que nem todos os

nossos usuários se encaixam no estereótipo DIY,

mas acredito que a criação de mecanismos que

eliminam certos aspectos da interação de

referência irá fornecer todos os nossos usuários as

ferramentas que eles precisam para ser bem

sucedidos. Sozinhos.

Tradução adaptada do artigo de Meredith Farkas

“Rethinking how we help those who don’t ask”.

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 – 48

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VINÍCIUS DE MORAES ESTUDANTE CURIOSIDADES HISTÓRICAS DA PROVA DE

REDAÇÃO DO VESTIBULAR DE 1930 DO ENTÃO

POSTULANTE AO CURSO DE DIREITO DA

FACULDADE NACIONAL DE DIREITO

No mês de outubro comemoramos o centenário de

Vinícius de Moraes, diplomata, jornalista, poeta e

compositor brasileiro e tivemos o Exame Nacional

de Seleção do ensino Médio – ENEM. Diante destes

acontecimentos faço uma homenagem ao conhecido

“poetinha” pela contribuição à constituição de nossa

nacionalidade pelo viés da cultura poética e musical.

Faço isso através da descrição e comentários sobre a

forma e o conteúdo de uma prova de ingresso que

realizara para então Universidade do Rio de Janeiro

(que em 1937 se tornaria Universidade do Brasil,

passando a se chamar Universidade Federal do Rio

de Janeiro só em 1965).

O leitor mais crítico quer me chamar a atenção

porque o ENEM não tem nada haver com o

vestibular de 1930. Com certeza não. Mas, leitor

amigo, tens de concordar comigo, que este exame

atual não mede em nada as habilidades de leitura e

escrita do indivíduo numa situação normal da vida.

Mede sim a capacidade do estudante em sobreviver

a uma maratona cansativa.

Os exames antigamente tinham prova oral. Mas a

realidade da Universidade era outra. Só os filhos da

elite é que chegavam até o nível superior. Hoje em

dia cursar uma universidade já é prerrogativa das

massas populacionais ávidas por um emprego que

lhe dê um retorno financeiro maior.

Não pretendo constituir nenhuma escrita sobre a vida

do “poetinha” a partir deste documento histórico.

Qualquer consideração sobre qualquer personalidade

será sempre um “texto” aberto a infindáveis

complementações de informações. Há muita

informação arquivística que pode ser descoberta

como, por exemplo,sobre nossos poetas consagrados

da literatura brasileira.

Portanto, há sempre biógrafos que podem se

constituir em referências (autorizadas ou não), mas

nenhuma biografia é completa ou se pretende ser

completa informando tudo sobre as pessoas

pesquisadas.E, já que outubro foi o mês do ENEM,

nada mais interessante que visualizarmos uma prova

escrita de 1930 realizada por uma personalidade

cultural que nem se pretendia tãoimportante e

Augusto Brito Montano é professor de língua portuguesa/ literaturas pela UFF. Especialista em

Literatura e mestrando em Letras pela UFRJ. Arquivista do Centro de Tecnologia da UFRJ.

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 - 49

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querido pelos brasileiros pelas suas poesias e

composições musicais.

A prova escrita de filosofia:

descrição e comentários

Este documento foi recuperado num projeto de

“Memória Arquivística” implantado pelo Núcleo de

Documentação e Memória Arquivística (NUDMA)

da Faculdade Nacional de Direito (FND/UFRJ),

através de um trabalho de pesquisa de servidores

públicos, arquivistas, e exposto numa “Mostra de

Documentos Históricos” em comemoração aos 120

anos da Faculdade Nacional de Direito ocorrida em

2011.

Houve uma pequena publicação no qual a referida

“prova de filosofia” foi reproduzida, portanto

passível de ser estudada e analisada sem maiores

dificuldades.

Esse documento foi escolhido entre os vários para

compor a mostra da FND/UFRJ pelo que diz a

própria instituição, através do Núcleo de

documentação e Memória Arquivística. Diz ele: “

Por entendermos que a memória coletiva é um

processo de construção que se dá pela seletividade

de diversos elementos, elegemos alguns documentos

que nos permitiram recuar mais de um século de

história para traçarmos o caminho percorrido pela

Faculdade Nacional de Direito até os dias atuais

(p.3)”.

Assim, Vinícius de Moraes, como outras

personalidades oriundas de famílias de classe média

alta,se graduaram, geralmente, em Direito, Medicina

ou Engenharia.

A prova é de filosofia, uma redação cujo título é

“Methodo”. A ortografia era assim mesmo em

1930. Vinícius discorre sobre este assunto

embasando sua afirmação a partir do que René

Descartes (filósofo, físico e matemático francês)

expõe em “Discurso do Methodo”, desenvolve a

argumentação com boa coesão e coerência

necessária a uma redação de vestibular. É um

resumo comentado sobre os principais pontos

daquela obra. Há uma indicação em cima da prova

como se ele tivesse podido escolher um “ponto” ou

assunto para discorrer. Está escrito “ponto 3 .

Porém o texto sugere que há uma continuação da

redação em outra folha que não pudemos visualizar.

Só há a primeira parte. O que será que Vinícius

escrevera? A curiosidade se instala muito forte entre

nós. Poderia ter realizado uma grande resenha que

revelaria uma crítica pertinente sobre Descartes. Por

enquanto nesta folha da redação que tivemos acesso

somente há um resumo simples.

Recebeu nesta prova a nota de 7,0 segundo consta o

carimbo ao lado. Além da prova, escrita houve uma

prova oral que ele tirou 2,0. Talvez o peso da prova

oral fosse 3,0 e o da escrita 7,0? É o que se sugere. A

prova é datada de 14/03/1930.

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 – 50

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Há outro material ótimo que produzido pelo Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro (AGCRJ) que me foi

presenteado quando de meu estágio curricular em Arquivologia na época da graduação naquela instituição. Nele

constam uma cronologia, uma biografia e materiais pessoais diversos reproduzidos como, por exemplo,

fotografias, uma carta de Vinícius ao poeta Pablo Neruda, um poema que este fizera a aquele, além de vários

outros documentos arquivísticos que retratam os períodos mais consagrados de Vinícius de Moraes que não sua

vida de estudante.

Mas o leitor deve estar muito curioso para ver a prova de redação. Sugerimos a leitura do pequeno catálogo dos

documentos que fizeram parte da Mostra ou se dirijam ao Arquivo da FND agendando horário para visita ao

“arquivo histórico”. Também posso emprestar todas essas publicações.

Revista Biblioo – ano 3, n. 11, nov. 2013 - 51

W W W . B I B L I O O . I N F O

H U M O R

C O N H E Ç A N O S S O S B L O G S

http://biblioo.info/blogdaredacao/

http://biblioo.info/blogdosconcursos/

http://biblioo.info/blogdochicodepaula/

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