Tutela Inibitória e multa para efetivação da tutela específica (versão online)

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03/10/13 Envio | Revista dos Tribunais revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 1/14 A TUTELA INIBITÓRIA E A MULTA PARA EFETIVAÇÃO DE TUTELA ESPECÍFICA: UM DIÁLOGO DE COERÊNCIA ENTRE OS ARTS. 461 DO CPC E 84 DO CDC A TUTELA INIBITÓRIA E A MULTA PARA EFETIVAÇÃO DE TUTELA ESPECÍFICA: UM DIÁLOGO DE COERÊNCIA ENTRE OS ARTS. 461 DO CPC E 84 DO CDC Revista de Direito do Consumidor | vol. 87/2013 | p. 153 | Mai / 2013DTR\2013\3457 Renzo Cavani Mestrando no Programa de Pós-graduação, com ênfase em Direito Processual Civil na UFRGS. Bolsista do CNPq. Bacharel em Direito pela Universidade de Lima, Peru. Área do Direito: Civil; Consumidor Resumo: O presente artigo busca a verificação da aplicabilidade do diálogo das fontes na problemática envolvendo os arts. 461 do CPC e 84 do CDC. Para tanto, realiza-se uma análise acerca da tutela inibitória, tutela preventiva e a relação entre processo e Constituição, perpassando pela separação do plano do direito material e do direito processual, utilizando este como uma ferramenta para a inibição do ilícito através da multa como medida coercitiva. Palavras-chave: Diálogo das fontes - Multa - Direito fundamental à tutela jurisdicional adequada. Abstract: This article intends to verify the applicability of the dialogue of the sources at the issue involving the arts. 461 of the Code of Civil Procedure and 84 of the Code of Consumer Protection. Therefore, it is made an analysis on the inhibitory tutelage, preventive tutelage and the relationship between process and constitution, passing by the separation of the plan of substantive law and procedural law, using this as a tool for the illicit inhibition through fines as coercive measure. Keywords: Dialogue sources - Fine - The fundamental right to proper judicial tutelage. Sumário: - 1.INTRODUÇÃO - 2.FUNDAMENTOS DA TUTELA INIBITÓRIA E A TUTELA PROCESSUAL DO ATO ILÍCITO E DO FATO DANOSO - 3.A MULTA PARA EFETIVAR A INIBIÇÃO DO ILÍCITO: DIÁLOGO ENTRE O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - 4.CONCLUSÃO - 5.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Recebido em: 15.09.2012 Pareceres em: 20.12.2012 e 10.05.2013 1. INTRODUÇÃO O propósito do presente artigo é solucionar interpretativamente um problema concreto que surge da aplicação dos arts. 461 do CPC (LGL\1973\5) e 84 do CDC (LGL\1990\40), relativo à multa para efetivação de tutela específica e o uso da multa periódica progressiva no processo civil que envolva direitos do consumidor. Para resolvê-lo, é necessário antes expor algumas generalidades sobre a tutela inibitória, a tutela preventiva dos direitos e a relação entre processo e Constituição. Finalmente, trata-se de verificar se o método do diálogo das fontes pode ser útil ou não para resolver dito problema, e que tipo de diálogo aplicar. 2. FUNDAMENTOS DA TUTELA INIBITÓRIA E A TUTELA PROCESSUAL DO ATO ILÍCITO E DO FATO DANOSO 2.1 Diferença entre ato ilícito e fato danoso Pensar que um direito precisa ser violado para que seja reparado é típico de uma visão patrimonialista dos direitos, onde tudo pode se transformar em pecúnia. A isto se denomina tutela repressiva, ou seja, a jurisdição intervém apenas diante da existência de dano. 1 Nada obstante, o surgimento de novos direitos diferentes ao direito de crédito exigiu uma reformulação da função da jurisdição. Estes direitos, como o direito ao meio ambiente e os direitos da personalidade, que não podem se transformar em pecúnia. A jurisdição, portanto, tem de ser capaz de evitar que tais direitos sejam violados. Em palavras de Cristina Rapisarda, na sua obra fundacional “Profili della tutela civile inibitoria”: “A difusão das formas de produção de massa e o desenvolvimento tecnológico dos sistemas

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A TUTELA INIBITÓRIA E A MULTA PARAEFETIVAÇÃO DE TUTELA ESPECÍFICA: UM

DIÁLOGO DE COERÊNCIA ENTRE OS ARTS. 461 DOCPC E 84 DO CDC

A TUTELA INIBITÓRIA E A MULTA PARA EFETIVAÇÃO DE TUTELAESPECÍFICA: UM DIÁLOGO DE COERÊNCIA ENTRE OS ARTS. 461 DO CPC E

84 DO CDC

Revista de Direito do Consumidor | vol. 87/2013 | p. 153 | Mai / 2013DTR\2013\3457Renzo CavaniMestrando no Programa de Pós-graduação, com ênfase em Direito Processual Civil na UFRGS.Bolsista do CNPq. Bacharel em Direito pela Universidade de Lima, Peru. Área do Direito: Civil; ConsumidorResumo: O presente artigo busca a verificação da aplicabilidade do diálogo das fontes naproblemática envolvendo os arts. 461 do CPC e 84 do CDC. Para tanto, realiza-se uma análiseacerca da tutela inibitória, tutela preventiva e a relação entre processo e Constituição,perpassando pela separação do plano do direito material e do direito processual, utilizando estecomo uma ferramenta para a inibição do ilícito através da multa como medida coercitiva. Palavras-chave: Diálogo das fontes - Multa - Direito fundamental à tutela jurisdicionaladequada.Abstract: This article intends to verify the applicability of the dialogue of the sources at the issueinvolving the arts. 461 of the Code of Civil Procedure and 84 of the Code of Consumer Protection.Therefore, it is made an analysis on the inhibitory tutelage, preventive tutelage and therelationship between process and constitution, passing by the separation of the plan ofsubstantive law and procedural law, using this as a tool for the illicit inhibition through fines ascoercive measure. Keywords: Dialogue sources - Fine - The fundamental right to proper judicial tutelage.Sumário: - 1.INTRODUÇÃO - 2.FUNDAMENTOS DA TUTELA INIBITÓRIA E A TUTELA PROCESSUAL DO ATOILÍCITO E DO FATO DANOSO - 3.A MULTA PARA EFETIVAR A INIBIÇÃO DO ILÍCITO: DIÁLOGOENTRE O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - 4.CONCLUSÃO -5.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 15.09.2012

Pareceres em: 20.12.2012 e 10.05.2013

1. INTRODUÇÃO

O propósito do presente artigo é solucionar interpretativamente um problema concreto que surgeda aplicação dos arts. 461 do CPC (LGL\1973\5) e 84 do CDC (LGL\1990\40), relativo à multa paraefetivação de tutela específica e o uso da multa periódica progressiva no processo civil queenvolva direitos do consumidor. Para resolvê-lo, é necessário antes expor algumas generalidadessobre a tutela inibitória, a tutela preventiva dos direitos e a relação entre processo eConstituição. Finalmente, trata-se de verificar se o método do diálogo das fontes pode ser útil ounão para resolver dito problema, e que tipo de diálogo aplicar.

2. FUNDAMENTOS DA TUTELA INIBITÓRIA E A TUTELA PROCESSUAL DO ATO ILÍCITO E DOFATO DANOSO

2.1 Diferença entre ato ilícito e fato danoso

Pensar que um direito precisa ser violado para que seja reparado é típico de uma visãopatrimonialista dos direitos, onde tudo pode se transformar em pecúnia. A isto se denomina tutela

repressiva, ou seja, a jurisdição intervém apenas diante da existência de dano.1 Nada obstante, osurgimento de novos direitos diferentes ao direito de crédito exigiu uma reformulação da função dajurisdição. Estes direitos, como o direito ao meio ambiente e os direitos da personalidade, que nãopodem se transformar em pecúnia. A jurisdição, portanto, tem de ser capaz de evitar que taisdireitos sejam violados.

Em palavras de Cristina Rapisarda, na sua obra fundacional “Profili della tutela civile inibitoria”:

“A difusão das formas de produção de massa e o desenvolvimento tecnológico dos sistemas

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informativos hão determinado, nestes anos, o surgimento de novos direitos, que não encontraramadequada colocação no catálogo das situações substanciais tuteláveis de derivação dacodificação. Trata-se, no particular, das necessidades de tutela conexas com o desenvolvimentoda saúde humana e da personalidade individual, com a fruição dos bens ambientais e com aposição do consumidor no mercado. (…) Agora bem, no que diz respeito aos direitos indicados,assume particular relevância a possibilidade de recorrer de uma tutela preventiva de tipo inibitória.A utilidade de recurso a tal forma de tutela deriva, sobretudo, da inidoneidade da tradicional tutelaressarcitória para garantir a efetiva atuação dos novos direitos. Como a mais recente doutrina tem

posto amplamente à luz, tal inidoneidade dos bens que constituem objeto dos novos direitos.”2

Nada obstante, um dogma presente no campo do direito material constituiu - e ainda constitui -um obstáculo para isto. Trata-se da identificação das categorias do ato ilícito e o fato danoso.Segundo aqueles que falam desta relação, o único que importa para o Direito é a produção de

dano. Temos aqui, por exemplo, a Orlando Gomes3 e, recentemente, Francisco Amaral.4

A confusão entre ilícito e dano foi ocasionada, em grande medida, porque a responsabilidade civilera identificada com a culpa. Assim, a culpa era o comportamento antijurídico por excelência. E

como só há culpa onde houve dano, o ilícito se funde com o dano.5 Aliás, esta diferenciação jáera preocupação de boa parte da doutrina italiana a partir da metade do século XX, como é o

caso de Pietro Trimarchi, um dos maiores civilistas italianos.6 Nada obstante, para autores como

Pontes de Miranda7 ou Judith Martins-Costa,8 existe uma diferença entre o ilícito e a culpa.

Esta confusão entre ilícito e dano se repercutiu com muita força no processo civil. Com efeito,como diz Luiz Guilherme Marinoni:

“Contudo, o incorreto não é só ligar o ilícito à indenização pecuniária, mas associar o ilícito com ofato danoso, ainda que ele seja suscetível de ressarcimento na forma específica. A associação deilícito e dano deriva da suposição de que a violação do direito somente pode exigir do processocivil tutela contra o dano - na forma específica ou pelo equivalente monetário -, mas jamais umatutela voltada a remover o ilícito (independentemente de ele ter provocado o dano). Ou ainda:tal associação se funda na falsa premissa de que o processo civil não pode impedir a violação deum direito sem se importar com a probabilidade de dano. Frise-se que inibir a violação não é omesmo que inibir o dano. Além disso, do ponto de vista probatório, é muito mais fácil caracterizar

o ilícito ou sua ameaça do que precisar o dano ou sua probabilidade.”9

O dano não é um elemento constitutivo do ilícito. Diz Trimarchi que “antes do que o ato ilícito sejaconfigurado, o direito opera não só com a ameaça da sucessiva sanção, que pode frear ocomportamento proibido, mas também com medidas imediatas voltadas a impedir o comportamento

lesivo ou a lesão antes que eles se verificarem”.10 O simples fato de o Direito atuar antes doacontecimento do dano, faz do ilícito uma entidade diferente. Assim, o dano não é necessáriaconsequência do ilícito. Por isso, como será explicado mais à frente, a tutela inibitória não visa aprevenir o acontecimento do dano, mas busca a impedir a prática, continuação e repetição doilícito.

Então: como definir o ato ilícito e o fato danoso? O ato ilícito é simplesmente o ato contrário ao

direito, e o fato danoso é o prejuízo juridicamente relevante.11

Um exemplo trazido do Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40) será de utilidade para

diferenciar estes conceitos: o art. 10, caput, do CDC (LGL\1990\40) 12 diz: “O fornecedor nãopoderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentaralto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança” - Grifos nossos. Sendo assim, oque acontece se o fornecedor co loca no mercado um produto ou serviço que apresentaefetivamente alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança? Há um atocontrário a direito, porque se estaria violando essa norma. Disso não há dúvida. Agora bem, seráque há dano? Não. Esta norma não fala nada sobre o dano, nem se ocupa dele. É possível que amercadoria não tenha sido vendida a ninguém ou que o serviço não tenha sido prestado aninguém. Temos então que o direito se preocupa com o ato ilícito que é configurado pelo só fato

de colocar produtos ou serviços no mercado, e não se o consumidor sofreu dano.13

Assim como esta norma, existem outras que demonstram que o Direito não só se interessa emoferecer tutela contra dano, mas também contra o ilícito. Exemplo disso são as chamadas normasde proteção. Neste ponto é preciso recorrer novamente a Luiz Guilherme Marinoni:

“A prática de um ato contrário a uma norma de proteção, ainda que não traga dano, exige umaforma de tutela jurisdicional do direito, e por isso, obviamente, não poder ser indiferente aoprocesso civil. No há como admitir, no Estado Constitucional, que a única função do processo

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civil contra o ilícito continue a ser a de dar ressarcimento pelo dano. Num Estado preocupadocom a proteção de direitos fundamentais, o processo civil também deve ser utilizado comoinstrumento capaz de garantir a observância das normas de proteção, para o que a ocorrência

de dano não tem importância alguma.”14

Portanto, o Estado deve ser capaz de outorgar tutela jurisdicional preventiva, é dizer, sepreocupar por deixar de tutelar tão somente um direito quando violado ou lesado. Para isso, comobem disse José Carlos Barbosa Moreira em seminal ensaio, é necessário quebrar o esquema

“processo de condenação (normalmente de rito ordinário) + execução forçada”.15 Disse o brilhantejurista carioca:

“Se não é viável, ou não é satisfatória, a modalidade tradicional de tutela consistente naaplicação de sanções, quer sob a forma primária da restituição ao estado anterior, quer sob asformas secundárias da reparação ou do ressarcimento, o de que precisam os interessados é deremédios judiciais a que possam recorrer antes de consumada a lesão, com o fito de impedi-la, ouquando menos de atalhá-la in continenti, caso já se esteja iniciando. Em vez da tutelasancionatória, a que alguns preferem chamar repressiva, e que pressupõe violação ocorrida, umatutela preventiva, legitimada ante a ameaça de violação, ou mais precisamente à vista de sinais

inequívocos da iminência desta.”16

Além da precisão dos termos, a preocupação de Barbosa Moreira é ainda mais salientável tendoem conta que a conferência que deu origem a esse trabalho foi pronunciada apenas seis anosdepois da entrada em vigor do Código de Processo Civil (LGL\1973\5) de 1973, caracterizado porimpossibilitar a prestação de tutela preventiva dos direitos, concentrando-se apenas em umatutela repressiva do dano.

2.2 Importância da separação do plano do direito material e do direito processual: tutelados direitos e técnica processual (em espécie: o direito à inibição do ilícito)

O processualista de hoje sabe que o direito material permeia o processo todo; nada obstante, umadas exigências atuais da disciplina é distinguir com nitidez o plano do direito material do plano dodireito processual, porque, se eles se confundissem, simplesmente não seria possível identificar oobjeto a ser tutelado nem os meios predispostos para tutelá-lo. Apenas como exemplo: será que épossível construir as técnicas processuais adequadas para tutelar um direito sob ameaça de ilícitose não se leva em conta que a tutela inibitória se encontra no plano do direito material? Será queé possível?

Penso que não. E por isso que é preciso identificar, em primeiro lugar, o que se encontra no planodo direito material.

No plano do direito material se identificam normas de direito material que não só atribuem direitos,mas afirmam as formas imprescindíveis à sua proteção, é dizer, a própria norma de direito material

estabelece as formas de tutela do direito que reconhece.17

Isso acontece, por exemplo, quando a Constituição Federal (LGL\1988\3) no art. 5.º, X, afirmaque é inviolável o direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas. Aqui aConstituição não está apenas proclamando o direito à intimidade, à vida privada, à honra e àimagem das pessoas, mas confere uma tutela idônea à sua proteção com a finalidade de evitar a

violação desses direitos e assim preservar a sua inviolabilidade.18

O mesmo acontece no caso do art. 6.º, I, do CDC (LGL\1990\40) que diz o seguinte: “São direitosbásicos do consumidor: I - A proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados

por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos”.19 Seráque o Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40) unicamente reconhece a vida, a saúde ou asegurança como direito do consumidor? Ou, em todo caso, também lhe assegura uma efetivaproteção ou tutela a fim de evitar que o fornecedor fira esses direitos através de produtos ouserviços considerados perigosos ou nocivos? É evidente que não só se consagra um direito,também se outorga uma tutela material para esse direito.

Qual tutela? A tutela do direito material específica para impedir a produção do ilícito se denomina

tutela inibitória. 20 Agora bem, note-se que isto ocorre no plano do direito material. Até agoranada tem sido dito sobre o direito processual.

A tutela inibitória não se encontra reconhecida, como considera Marinoni,21 na norma contida notexto do art. 5.º, XXXV, que diz: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ouameaça a direito”. O que se encontra reconhecido, através do termo ameaça é a exigência deuma tutela jurisdicio nal idônea para prestar tutela material contra o ilícito e não somente contra odano, ao qual refere o termo lesão. É dizer, a Constituição reconhece a necessidade de o Poder

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Judiciário oferecer tutela preventiva. Assim, a tutela preventiva, situada no campo do direito

processual deve ser distinguida da tutela inibitória, que decorre do direito material.22

O mesmo que consagra a norma constitucional é ratificado pelo art. 12, caput , do CC/2002(LGL\2002\400): “Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, ereclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.”

Então: onde é que se encontra fundamentada a tutela inibitória? Entendendo-se o direito

subjetivo como “posição jurídica tutelável”,23 pode-se afirmar que “ter direito” significa “ter direitoà tutela do direito”, e também significa “ter direito à segurança do direito”. E “ter direito à tutelado direito” quer dizer “ter direito a que esse direito seja satisfeito”, segundo o que a norma dedireito material exige. E essa satisfação pode-se obter mediante a prevenção do ilícito ou arepressão do dano, dependendo precisamente, do tipo de satisfação que determinado direito

precisa.24

A tutela inibitória, por consequência, reside na própria configuração do direito, não somente nosdireitos expressamente reconhecidos. “Ter direito” significa “ter direito à inibição do ilícito”. Com a

inibição do ilícito, o direito é satisfeito.25

2.3 Adequação do direito processual civil às necessidades do direito à inibição do ilícito. Amulta como medida coercitiva

Entra-se aqui no plano do direito processual. O processo deve possuir uma configuração e astécnicas processuais idôneas e adequadas para satisfazer as tutelas prometidas pelo direito

material. Esse é o dever do Estado-legislador e do Estado-juiz.26 Há, portanto, uma relação deadequação entre tutelas dos direitos e técnica processual.

Assim, como dizem os Professores Marinoni e Mitidiero, a efetividade da tutela jurisdicional“concerne à necessidade de o resultado da demanda espe-lhar o mais possível o direito materialpropiciando-se às partes sempre tutela específica - ou tutela pelo resultado prático equivalente -

em detrimento da tutela pelo equivalente monetário”.27

Sendo o processo civil contemporâneo um processo de resultados, é preciso saber se o meio éadequado para o fim. Ou seja, para saber se as técnicas processuais consagradas são idôneas épreciso olhar para o direito material. Assim, se o direito material precisa ser protegido contra umaeventual violação, é absolutamente indispensável que o processo seja capaz de outorgar tutelajurisdicional preventiva aos direitos, efetivando assim a tutela inibitória decorrente do direito

material.28-29

Então, se o autor pede tutela jurisdicional preventiva alegando seu direito material à inibição doilícito, o Estado deve ser capaz de conceder tutela específica, é dizer, um resultado o maispróximo possível da tutela prometida pelo direito material.

E para conseguir isso, a Constituição, especificamente o direito fundamental ao processo justo,30

e ainda mais especificamente o direito à tutela jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva, exigea criação e aplicação de técnicas processuais tais como a técnica antecipatória e as técnicasexecutivas, e dentre estas últimas, a multa que faz referência o art. 461 do CPC (LGL\1973\5) e oart. 84 do CDC (LGL\1990\40).

A multa, no âmbito do cumprimento da sentença, enquadra-se no que se conhece como técnicasde execução indireta ou, mais comumente, medidas coercitivas. A multa é coercitiva porque visa apersuadir o sujeito obrigado a cumprir o mandato judicial, e diferencia-se das medidas sub-rogatórias, pois estas não precisam do comportamento do executado para satisfazer o direito do

exequente, atuando independentemente da vontade.31 Essa é a sua função, pelo que não podemser consideradas como punitivas, e por isso, como bem diz Marcelo Lima Guerra, a multa não pode

ser imposta diante da impossibilidade prática da execução específica a ser realizada.32

No que tange à própria efetividade da multa como medida coercitiva, “ao agir sobre a vontade do

obrigado, elimina a demora e as implicações que marcam a execução por sub-rogação”.33 Assimmesmo, segundo Marcelo Lima Guerra, “o caráter coercitivo da multa diária exige que suaaplicação seja submetida ao exame das circunstâncias de cada caso pelo juiz. Isso significa que amulta não deve ser aplicada ‘automaticamente’ a qualquer pedido de tutela específica, masapenas àqueles em que o juiz, em decisão fundamentada, considere a imposição dessa multa

suscetível de, efetivamente, conduzir à obtenção da tutela pleiteada”.34

Finalmente, é preciso diferenciar entre multa fixa e a multa periódica, e nesta, a multa estática ea multa progressiva. A multa fixa implica a fixação de uma quantidade que só incide uma vez e não

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muda diante do decurso de tempo. A multa periódica estática pressupõe a fixação de uma mesmaquantidade que incide por unidade de tempo, ou seja, multa diária, semanal etc. E a multaperiódica progressiva implica que o valor fixado aumenta progressivamente.

3. A MULTA PARA EFETIVAR A INIBIÇÃO DO ILÍCITO: DIÁLOGO ENTRE O CÓDIGO DEPROCESSO CIVIL E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

3.1 Premissas para o diálogo entre o Código de Processo Civil e o Código de Defesa doConsumidor

Antes de tentar fazer um diálogo entre o Código de Processo Civil (LGL\1973\5) e o Código deDefesa do Consumidor (LGL\1990\40) no que diz respeito a qualquer problema interpretativo, épreciso levar em conta, quando mínimo, as seguintes quatro premissas. Apenas assim será possívelfazer esse diálogo mais frutífero.

A primeira é que o processo deve se adaptar às promessas do direito material que visa a tutelar, esofre uma grande influência dele. Isso acontece no caso do direito constitucional, civil,trabalhista, consumidor etc. Assim, o direito do consumidor, como direito material que é, sendoparte do direito privado, influi sobre o processo. Mas o processo, ao menos o processodesenvolvido perante órgãos estatais, pertence sempre ao direito público.

A segunda é que, à diferença do que se pode cogitar no que diz respeito ao Código de Defesa doConsumidor (LGL\1990\40) e ao Código Civil (LGL\2002\400), não é verdade dizer que o direitoprocessual civil visa a uma relação entre iguais, enquanto o direito processual do consumidorregula uma relação entre diferentes. Isso não é verdade porque o processo se encontra em umarelação instrumental, mas não é um apêndice do direito material. Assim mesmo, isso não é verdadeporque o direito processual civil contemporâneo é pensado sob o prisma dos direitos fundamentais.E o direito fundamental ao processo justo, como o modelo de processo do Estado Constitucional,não permite um tratamento desigual entre as partes, seja qual fosse a relação verificada no planodo direito material. As partes no processo têm direito à paridade de armas e a influir noprocedimento e na decisão de maneira equitativa.

A terceira é que o processo civil no Brasil é o direito processual comum,35 não só servindo paratutelar interesses privados, mas também públicos. É impossível e até irresponsável, portanto,pretender falar sobre o processo trabalhista, de família ou consumidor sem ter em conta não só anormatividade do Código de Processo Civil (LGL\1973\5), mas também a própria disciplina do direitoprocessual civil.

Finalmente, a quarta premissa diz respeito à necessidade de advertir que o Código de Defesa doConsumidor (LGL\1990\40) não só consagra normas de direito material. Ao falar, por exemplo, doônus da prova e das técnicas executivas para o cumprimento da sentença evidentemente tratam-se de normas disciplinadoras do processo. Apenas este sistema normativo é o que pode sermatéria de diálogo com o CPC (LGL\1973\5).

3.2 O problema da multa nos arts. 461 do CPC e 84 do CDC. Solução a partir do direitofundamental à tutela jurisdicional adequada

Dentro dos complexíssimos problemas que oferece o tema de tutela inibitória e a tutela preventivados direitos, para os propósitos do presente ensaio se decidiu escolher um que seja passível deaplicação do diálogo das fontes. Ou seja, tem de ser um problema de aplicação de duas ou maisnormas, seja de forma complementar, seja de forma subsidiária. Na minha opinião, só a esteaspecto se limita o diálogo das fontes: conflito de regras, não ficando claro se também podesolucionar conflitos entre princípios jurídicos.

O problema é o seguinte: em 1990, o Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40) trouxe umanormativa processual realmente inovadora. Com efeito, no art. 84 se fez previsão expressa de queo juiz tinha que privilegiar a concessão da tutela específica segundo o pedido pelo autor, etambém se consagrou uma série de técnicas executivas idôneas para o cumprimento da decisãojudicial nos seus termos. Este texto teve tanta relevância que foi adotado integramente no art.461 do CPC (LGL\1973\5) em 1994, mediante a Lei 8.952/1994. Assim, os cinco parágrafos quecompunham (e que ainda compõem) o art. 84 do CDC (LGL\1990\40) foram adotados pelo Códigode Processo Civil (LGL\1973\5). Eis o texto integral do mencionado dispositivo após da reforma de1994:

“Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juizconcederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providênciasque assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

§ 1.º A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou seimpossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.

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§ 2.º A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa (art. 287).

§ 3.º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia doprovimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia,citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisãofundamentada.

§ 4.º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu,independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimen-to do preceito.

§ 5.º Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente,poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como busca eapreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividadenociva, se necessário com requisição de força policial.”

O tratamento da multa na normativa do Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40), que logopassou para o Código de Processo Civil (LGL\1973\5), apenas falava de multa diária e limitava-seà execução do provimento antecipatório e na execução da sentença em geral, mas nada diziasobre a consecução da tutela específica. Assim mesmo, a partir de uma interpretação focada nalegislação, o juiz só podia conceder multa diária, que podia ser fixa ou periódica estática, mas nãoa multa periódica progressiva, ainda que houvesse doutrina defendendo a aplicação da multaprogressiva.

Nada obstante, na reforma do Código de Processo Civil (LGL\1973\5) de 2002, operada mediante aLei 10.444, foram modificados o § 5.º do art. 461 e foi agregado mais um parágrafo. Qual foi amodificação? Consagrar expressamente a multa como técnica executiva para a consecução datutela específica e da tutela pelo resultado prático equivalente e, também se consagrouexpressamente a possibilidade de o juiz impor multa por tempo de atraso e modificar o valor ou aperiodicidade da multa, caso insuficiente ou excessiva. Ao instituir a possibilidade de impor umamulta por tempo de atraso e de modificar a periodicidade da multa, evidentemente se introduziu amulta periódica progressiva. Eis o texto atual dos § 5.º e 6.º do art. 461 do CPC (LGL\1973\5):

“§ 5.º Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente,poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como aimposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas,desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de forçapolicial.

§ 6.º O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que setornou insuficiente ou excessiva.” Como pode-se apreciar, se incluiu a “multa por tempo deatraso” como técnica processual para cumprimento de tutela específica no § 5.º, e no § 6.º seregulou expressamente a multa periódica progressiva, dado que tal norma outorga, na verdade,ampla liberdade para o juiz impor a multa na modalidade mais adequada para cumprimento daordem.

Mas isto foi reformado unicamente no Código de Processo Civil (LGL\1973\5) e não do Código deDefesa do Consumidor (LGL\1990\40). Assim, a pergunta óbvia é: num processo civil onde setenha dado razão a um consumidor, na execução específica da decisão, tem o juiz poder parafazer uso da multa (incluída a multa periódica progressiva) com grande liberdade para outorgartutela jurisdicional efetiva?

O exemplo do art. 10, caput, do CDC (LGL\1990\40) pode ser útil para exemplificar o que se querdizer aqui: Imaginemos que um consumidor que mora ao lado de uma fábrica, descobre que nosdepósitos dela se estão guardando brinquedos. Mas estes brinquedos, produzidos na China, tinhamsido catalogados como tóxicos para as crianças. Assim, dito consumidor interpõe uma demandapedindo tutela inibitória para impedir que os brinquedos sejam distribuídos e assim colocados nomercado, pedindo a destruição deles. O juiz deu razão ao consumidor e, no momento da execuçãoda decisão, o consumidor pede que o juiz ordene a imposição de uma multa periódica progressivapara que a empresa cumpra com o dever de destruir os brinquedos. Nada obstante, o juiz olhapara o art. 84, § 5.º, do CDC (LGL\1990\40) e verifica que dentre as técnicas executivas paracumprimento de tutela específica não está a multa e, assim mesmo, os outros parágrafos doCódigo de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40) apenas fazem referência à multa diária e não àmulta progressiva. Mas também verifica o art. 461 do CPC (LGL\1973\5) e adverte que ele permitesim o uso da multa progressiva.

O nosso juiz, como tentativa de interpretação, poderia cogitar, entre outras coisas, o seguinte:(a) o art. 84 é norma especial e, por isso, não aplica a multa progressiva para lograr a tutelaespecífica; (b) o Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40) é norma anterior à Lei que

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consagrou a multa e a aplica; (c) foi a vontade do legislador que determinou a ausência de multano caso do consumidor e, portanto, deixa de aplicá-la; ou (d) não é possível fazer distinções ondea Lei não as faz e decide não aplicar a multa.

É claro que estas interpretações carecem de rigorosidade. Na verdade, o tema é mais complexo doque tudo isso, e o método do diálogo das fontes certamente pode ajudar a resolver esteproblema. Mas antes de tentar utilizar tal método, cabe salientar que há uma forma de solucionareste problema da multa no Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40), no meu critério, comuma argumentação jurídica bastante convincente, que é a seguinte:

O direito à tutela jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva, como parte do direito fundamentalao processo justo, exige que a prestação jurisdicional não seja somente efetiva (ou seja, queaspire a um resultado o mais próximo possível ao direito material), nem tempestiva (que a duraçãoseja proporcional às necessidades de tutela do direito material), mas também adequada, como jávimos, que o processo possua as técnicas processuais idôneas para a satisfação plena do direitomaterial. Assim, como a sentença que ordena a inibição do ilícito sempre consiste em um mandato,ou seja, uma ordem, dirige-se não ao patrimônio do executado, mas à própria pessoa dele. E parao cumprimento eficaz deste tipo de mandatos, deve-se lançar mão, principalmente, das técnicasde execução indireta, ou seja, exercer coerção para o executado cumprir a ordem. Estas técnicassão sumamente importantes no contexto onde se busque impedir a prática de um ilícito, posto que

aqui, lograr a tutela específica é absolutamente imprescindível.36 Assim, o uso da multa éindispensável para efetivar a tutela jurisdicional preventiva e, assim, satisfazer o direito à inibiçãodo ilícito.

3.3 A multa para efetivação da tutela inibitória na tutela processual do consumidor e odiálogo das fontes

Segundo Claudia Lima Marques, apoiada na lição de Erik Jayme, diante de uma pluralidade defontes normativas, é preciso aplicá-las de forma coordenada e harmônica; é dizer, é necessárioum diálogo que permita a convivência dessas normas com o fim de “alcançar a sua ratio, a

finalidade ‘narrada’ ou ‘comunicada’ em ambas”.37

Esse diálogo pode adotar três formas diversas: o diálogo sistemático de coerência, o diálogosistemático de complementaridade ou subsidiariedade ou o diálogo de coordenação e adaptaçãosistemática. Cada um desses diálogos tem de ser adaptar aos requerimentos de ordemhermenêutica em cada caso concreto.

Os três tipos de diálogo podem ser explicados em palavras de Claudia Lima Marques:

“Na minha visão atual, três são os tipos de ‘diálogo’ possíveis entre essas duas importantíssimasleis da vida privada [o CDC (LGL\1990\40) e o CC]: 1) na aplicação simultânea das duas leis, umalei pode servir de base conceitual para a outra (diálogo sistemático de coerência), especialmentese uma lei é geral e a outra especial, se uma é a lei central do sistema e a outra um microssistemaespecífico, não completo materialmente, apenas com completude subjetiva de tutela de um grupoda sociedade; 2) na aplicação coordenada das duas leis, uma lei pode complementar a aplicaçãoda outra, a depender de seu campo de aplicação no caso concreto (diálogo sistemático decomplementariedade e subsidiariedade) em antinomias aparentes ou reais), a indicar a aplicaçãocomplementar tanto de suas normas, quanto de seus princípios, no que couber, no que fornecessário ou subsidiariamente; 3) ainda há o diálogo das influências recíprocas sistemáticas,como no caso de uma possível redefinição do campo de aplicação de uma lei (assim, por exemplo,as definições de consumidor stricto sensu e de consumidor equiparado podem sofrer influênciasfinalísticas do Código Civil (LGL\2002\400), uma vez que esta lei vem justamente para regular asrelações entre iguais, dois iguais-consumidores ou dois iguais-fornecedores entre si - no caso dedois fornecedores, trata-se de relações empresariais típicas, em que o destinatário final fático dacoisa ou do fazer comercial é um outro empresário ou comerciante -, ou, como no caso dapossível transposição das conquistas do Richterrecht (direito dos juízes), alcadas de uma lei paraa outra. É a influência do sistema especial no geral e do geral no especial, um diálogo de double

sens (diálogo de coordenação e adaptação sistemática).”38

Tal como se lê na passagem anterior, o diálogo das fontes surgiu de uma preocupação por aplicarharmonicamente o novo Código Civil (LGL\2002\400) e o Código de Defesa do Consumidor(LGL\1990\40) já vigente, precisamente porque o primeiro desses diplomas não vinha comnenhuma previsão sobre o consumidor e sim, por exemplo, sobre o empresário. Nada obstante, issonão quer dizer que não seja possível aplicar esse método no campo do direito público,concretamente, no processo, mas sempre tendo em conta as premissas que foram esclarecidas noitem 2.1.

Assim, já evidenciado o problema, se tentarmos aplicar o método do diálogo das fontes, é preciso

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constatar que há evidentes influências recíprocas e aplicação conjunta dos arts. 461 do CPC(LGL\1973\5) e 84 do CDC (LGL\1990\40), no mesmo tempo e ao mesmo caso, ao momento detutelar de forma específica o consumidor. Nada obstante, penso que não cabe dizer que háincompatibilidade ou conflito, posto que essas normas precisam dialogar harmonicamente. E porser um caso de aplicação simultânea, é preciso levar adiante um diálogo sistemático de coerência,pois nesta hipótese temos um sistema central como é o Código de Processo Civil (LGL\1973\5), eum microssistema, como é o Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40), no seu aspectoprocessual.

Neste contexto, o raciocínio que deve ser aplicado é o seguinte: para que serve a multa comotécnica de execução indireta? Para obter tutela específica e assim o resultado mais próximo àtutela prometida pelo direito material. Para quem e por que foram instituídas as técnicasexecutivas do art. 84 do CDC (LGL\1990\40)? Para o consumidor, porque claramente é um entefraco e merece tutela processual especial.

Com efeito, ao se perguntar por que tutelar os consumidores, responde Guido Alpa:

“Desde la edad de los derechos fundamentales constitucionalmente garantizados en la épocarevolucionaria francesa, se ha pasado a la edad de las reivindicaciones económicas y sociales, ydespués a la edad de los derechos civiles. Hoy, en una sociedad pluralista en la que los derechosciviles están en fase de expansión, y los derechos de los trabajadores adecuadamentegarantizados, uno de los límites que se pueden añadir al gobierno de la sociedad por parte de lasreglas del mercado es aquel constituido por la tutela de los intereses de los destinatarios de losproductos y servicios. Por consiguiente, no es una instancia hedonística aquella que sostiene elandamiaje de los derechos de los consumidores, cuando más bien la coordinación y la adaptaciónde intereses en conflicto y, por lo tanto, susceptibles de mediación. Esta última no se puedeobtener de manera, por así decir, natural dejando liberar y prosperar solamente las fuerzaseconómicas del mercado, porque los portadores de aquellos intereses están en una situaciónobjetiva diversificada, con una desigual distribución del poder, de manera que una de las tareas delas instituciones (desde las comunitarias hasta las estatales e infra-estatales) consisteprecisamente en introducir reglas de equilibrios de los intereses en juego. Las reglas en sumomento adecuan el ‘peso’ de los diversos intereses, teniendo en cuenta los diferentes

sectores”.39 Esta lição de Alpa não apenas justifica a necessidade de tutelar especificamente oconsumidor a fim de evitar os abusos que poderiam ser gerados pela interação das forças domercado, que não se limitam à consagração de direitos com titularidade atribuída ao consumidor,mas também tutelas materiais (inibitória, de remoção de ilícito, reparatória, ressarcitória) e, paraque estas sejam efetivadas, técnicas processuais adequadas.

Faz sentido, então, restringir a multa, seja fixa, seja periódica progressiva, sendo técnicaimprescindível para exercitar coerção no executado e para tutelar efetivamente o consumidor?Não faz nenhum sentido. A multa deve ser empregada pelo juiz em qualquer das suas modalidades,precisamente porque uma delas ou a combinação destas permite satisfazer especificamente oconsumidor.

Não se trata, portanto, de deixar de aplicar o art. 84 do CDC (LGL\1990\40) porque “absorvido” noart. 461 do CPC (LGL\1973\5). Impõe-se, portanto, aplicar o arts. 461 do CPC (LGL\1973\5) e 84do CDC (LGL\1990\40) em forma coerente, com o único objetivo de proteger os consumidores nomomento da execução da decisão judicial, e assim conseguir a tutela específica mediante a

inibição do ilícito.40

4. CONCLUSÃO

Como conclusão, é possível dizer que a ausência de previsão expressa da multa para cumprimentode tutela específica nos casos de processos que envolvam o consumidor, é amplamente superável.Além da aplicação direta pelo juiz do direito fundamental à tutela jurisdicional adequada - o qual écomum no discurso da maioria de processualistas -, se demonstrou que mediante a aplicação dodiálogo de coerência, que é uma das variáveis do método do diálogo das fontes, também se podechegar a uma solução altamente satisfatória, sempre com o objetivo de gerar interpretaçõesharmônicas e visando proteger o ente mais fraco, como é o consumidor, e ainda mais no contextodo processo judicial, onde a disparidade entre as partes muitas vezes pode chegar a ser muitomais dramática.

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1 Segundo MITIDIERO, Daniel: O processualismo e a formação do Código Buzaid. RePro 183/190, oCódigo Buzaid (1973-1994) não foi capaz de outorgar uma verdadeira tutela preventiva, dado que“o processo padrão para tutela dos direitos encampado pelo Código Buzaid não foi, em nenhummomento, pensado para prestar tutela jurisdicional atípica contra o ilícito, nem para possibilitar

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uma tutela preventiva atípica aos direitos”. 2 RAPISARDA, Cristina. Profili della tutela civile inibitoria. Pádua: Cedam, 1987. p. 77-80. Algunsanos antes a mesma autora já tinha mostrado grande preocupação pelo tema: Premesse allostudio della tutela civile preventiva. Rivista di Diritto Processuale 35/93-154. Exatamente a mesmapreocupação surgiu no Brasil, um ano antes do ensaio de Cristina Rapisarda. Com efeito, BARBOSAMOREIRA, José Carlos. Tutela sancionatória e tutela preventiva. Revista Brasileira de DireitoProcessual 18/126, ao constatar que para certos direitos simplesmente não havia uma tutelaidônea: “Recordem-se aqui os direitos da personalidade, cuja elaboração teórica permitiu à nossacultura, como já se disse com bela fórmula, alcançar ‘um dos cimos da dimensão jurídica’. Desdeas espécies clássicas - direito à vida, à integridade física e psíquica, à liberdade, à honra, aonome, à própria imagem- até os mais modernos desdobramentos, como o direito à preservação daintimidade, cuja carência de proteção se reveste em nossos dias de tons dramáticos, ante orefinamento de certas técnicas, não há quem não perceba o caráter de franca mistificação queassume aí, em regra, uma tutela atuada em termos de simples compensação pecuniária. Certascoisas, sabe-o bem o povo, não há dinheiro que pague”. Por outro lado, como demonstração deque a preocupação pela tutela preventiva e a tutela inibitória não era própria da doutrina daprimeira metade do século XX, basta conferir BORSELLI, Edgardo. Inibitoria (diritto processualecivile). Novissimo Digesto Italiano. Turim: Utet, 1968. vol. 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Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar, 2003. p.548, afirmando que “o ato ilícito é o ato praticado com infração de um dever legal ou contratual,de que resulta dano para outrem”. 5 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória (individual e coletiva). 4. ed. rev. atual. e amp. SãoPaulo: Ed. RT, 2006. p. 47-48, salienta: “Supunha-se, exatamente porque se fazia umaidentificação entre ilícito e dano, que o elemento psicológico (dolo ou culpa) fosse absolutamentenecessário para a configuração do próprio ilícito. Se o ilícito é compreendido através de ponto devista da responsabilidade civil, torna-se natural não só a confusão entre ilícito e dano, mastambém a exigência da culpa (ou do dolo) como componente do ilícito”. 6 TRIMARCHI, Pietro. Illecito. Enciclopedia del diritto. Milão: Giuffrè, 1970. vol. XX, p. 90-112. 7 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 4. ed. 2. tir. São Paulo:Ed. RT, 1983. t. II, p. 201 e ss., quem diferencia nitidamente a ilicitude da culpa. 8 MARTINS-COSTA, Judith; TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Comentários ao novo Código Civil(LGL\2002\400) . Do inadimplemento das obrigações. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. vol. V,t. II. p. 188 e ss., nada obstante, para a destacada autora a ilicitude implica violação de direito, oqual não é outra coisa que a produção de dano. Com efeito, diz que “há ilicitude quando hácontrariedade às normas de dever-ser postas no Ordenamento jurídico, mediante a violação dedireito”. 9 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Ed. RT, 2004. p.158-159. Grifos do original. Em outra obra, Tutela inibitória… cit., p. 37, o mesmo autor diz que “aidentificação de ilícito e dano não deixa luz para a doutrina enxergar outras formas de tutelacontra o ilícito; não é por outra razão, aliás, que o grande exemplo de tutela inibitória no direitobrasileiro está no interdito proibitório, a refletir valores liberais clássicos e privatísticos”. 10 TRIMARCHI, Pietro. Op. cit., p. 106. A passagem é a seguinte: “La reazione che l’ordinamentogiuridico apresta contro l’atto illecito mira preventivamente ad impedirne il compiersi, esucessivamente ad eliminarne le conseguenze. Meglio prevenire che curare: è un ovvio principio dieconomia. Perciò, ancor prima che l’atto illecito sia compiuto, il diritto opera non solo con laminaccia della successiva sanzione, che può scoraggiare il comportamento vietato, ma anche conmisure immediate volte ad impedire il comportamento lesivo o la lesione prima del loro verificarsi”.

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11 SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direitoconstitucional. São Paulo: Ed. RT, 2012. p. 638. Cabe salientar que a parte sobre os direitosfundamentais processual foi escrita apenas pelos Professores Marinoni e Mitidiero. 12 O mesmo exemplo coloca também MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual… cit., p. 277-279. 13 Idem, p. 277: ” Esse grau de nocividade ou periculosidade tem relação com a caraterística doproduto, e não com a chamada ‘probabilidade de dano‘. Quando certos produtos não podem serpostos no mercado, por serem altamente nocivos ou perigosos, parte-se do pressuposto que asua fabricação ou exposição à venda (por exemplo) pode gerar danos. No entanto, essapressuposição falta no caso em que se pensa em probabilidade do dano, pois a sua demonstraçãoé necessária exatamente porque não pressuposta. Assim, a probabilidade de ilicitude pode exigir oaprofundamento da cognição na direção da novidade ou periculosidade do produto. Mas isso,contudo, não significa examinar a probabilidade de dano” - Grifos do original. 14 MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. Curso de processo civil. 5. ed. rev. eatual. São Paulo: Ed. RT, 2011. p. 256. Afirma corretamente MIRAGEM, Bruno. Os direitos dapersonalidade e os direitos do consumidor. RDC 49/53, que “o Código de Defesa do Consumidor(LGL\1990\40), ao estabelecer normas de proteção do consumidor, o faz em consideração a umasérie de interesses reconhecidos pela própria norma como legítimos. Não se restringe, portanto, aointeresse meramente econômico, representado pelo equilíbrio das prestações de consumidores efornecedores. Nem tampouco se pode reconhecer a proteção endereçada apenas aos interessesde conteúdo patrimonial do consumidor, em que pese sejam estes os que se manifestam primafacie”. 15 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Op. cit., p. 124. 16 Idem, p. 127 (grifos do original). E depois o jurista demonstra a sua preocupação com aconsagração de técnicas processuais adequadas a oferecer uma efetiva prevenção: “E pareceigualmente fácil compreender que, para garantir-lhe o máximo de eficiência [à tutela preventiva],se torna necessário revesti-la de formas procedimentais particularmente simples e expeditas, jáque o interesse na atuação do mecanismo judicial emerge, em regra, da urgência do remédio, valedizer, da iminência da ofensa, e bem assim armá-la de efetivo poder de coerção, através demedidas tendentes a influir no ânimo do provável infrator, com força bastante para induzi-lo àabstenção”. Esta referência à coerção para cumprimento de tutela específica demonstra, comclaridade, a grande sensibilidade e a agudeza de Barbosa Moreira diante dos problemas daefetividade do processo civil naquela época (que, aliás, seguem sendo as mesmas da épocaatual). 17 Esta é precisamente a primeira ideia lançada por DI MAJO, Adolfo. La tutela civile dei diritti. 2.ed. Milão: Giuffrè, 1993. p. 1: “Tra i compiti primari dell’ordenamento giuridico vi è di provvederead una efficace tutela dei diritti che in esso sono riconosciuti e garantiti. Verrebbe meno ai propricompiti un ordinamento che si limitasse a ricoscere l’astratta titolarità di diritti e/o comunque lameritevolezza di determinate classi di interessi ma non si preocupasse di garantire la tutela di talidiritti o la soddisfazione degli interesse”. 18 No mesmo sentido: MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória… cit., p. 78 e ss.; MA-RINONI,Luiz Guilherme. Teoria geral do processo cit., p. 253 e ss. 19 Segundo MIRAGEM, Bruno. Direito do consumidor. São Paulo: Ed. RT, 2008. p. 119, “por direitoà saúde podemos considerar o direito a que se seja assegurado ao consumidor no oferecimento deprodutos e serviços, assim como no consumo e utilização dos mesmos, todas as condiçõesadequadas à preservação de sua integridade física e psíquica. Já no que diz respeito ao direito àsegurança, consiste basicamente em direito que assegura proteção contra riscos decorrentes domercado de consumo. Por direito básico à segurança, podemos entender como o que assegura aproteção do consumidor contra riscos decorrentes do oferecimento do produto ou do serviço,desde o momento de sua introdução no mercado de consumo, abrangendo o efetivo consumo, atéa fase de descarte de sobras, embalagens e demais resíduos do mesmo”. Para uma referência aosvícios de qualidade por inadequação e os vícios de qualidade por insegurança, cfr. MARQUES,Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesado Consumidor (LGL\1990\40). 3. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Ed. RT, 2010. p. 245. 20 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória… cit., p. 39, esclarece que “falamos em ‘tutela’

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inibitória porque entendemos que o sistema de tutela dos direitos deve deixar de ser pensado emtorno da ação uma e abstrata e passar a ser compreendido em termos de ‘tutela’, ou melhor, apartir dos resultados que a tutela jurisdicional proporciona aos consumidores do serviçojurisdicional. Deixe-se claro, portanto, que a expressão tutela nada tem a ver com o fato de oresultado perseguido pelo autor ser obtido através de uma tutela que não é de cogniçãoexauriente, as de cognição sumária, como as tutelas antecipatória e cautelar”. Em outrapassagem da mesma obra, diz o jurista: “A tutela é decorrência da existência do próprio direito.Ou melhor, a tutela inibitória existe pelo fato de ser inerente à existência do direito; todo titularde direito tem o direito de impedir a sua violação” (p. 82). 21 Idem, ibidem. Registra o jurista que “o fundamento maior da inibitória, ou seja, a base de umatutela preventiva geral, encontra-se - como será melhor explicado mais tarde- na própriaConstituição Federal (LGL\1988\3), precisamente no art. 5.º, XXXV (…), e exatamente por istonão há como pensar que a inibitória somente pode servir a certos direitos”. 22 Neste ponto é importante esclarecer que para Luiz Guilherme Marinoni (idem, p. 62 e ss.), aação inibitória é o veículo processual a fim de obter tutela inibitória, por isso é que ele nãoconfunde o plano do direito material com o plano do direito processual, tal como se demonstranestas passagens: “Isto quer dizer que a ação inibitória, que agora permite - em razão dasvirtudes do novo art. 461 - a obtenção de tutela inibitória antecipada em seu seio, não necessita,por motivos bastante óbvios, de uma ação principal” (p. 65); “O direito de buscar a tutelainibitória, através da via processual adequada, consagra o direito a uma via processual realmentecapaz de propiciar a tutela inibitória. Assim, o exercício do direito de ir ao Judiciário para buscar atutela inibitória, nada é do que o exercício da ação inibitória. É neste sentido que se pode pensarem ação inibitória, ou seja, em ação efetivamente capaz de permitir, caso o direito material sejareconhecido, a obtenção de tutela inibitória” (p. 83). Nada obstante, no meu critério, deixando delado o impróprio uso do termo “ação” (aqui Marinoni se refere, evidentemente, à “demanda”),resulta desnecessário duplicar o termo “inibitória”, uma vez que conceituado corretamente noplano do direito material. É melhor falar de tutela preventiva, ainda mais tendo em conta, comoreconhece o próprio Marinoni, que a ação inibitória não é outra coisa que uma ação deconhecimento. 23 Segundo SARLET, Ingo; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Op. cit., p. 638, ” ondehá um direito existeigualmente direito à sua realização. Um direito é uma posição juridicamentetutelável. É da sua previsão que advém o direito à sua tutela -posto que o fim do direito é a suaprópria realização. A previsão do direito pela ordem jurídica outorga desde logo pretensão à suaproteção efetiva”. 24 Segundo as lições de aula de Daniel Mitidiero. 25 Evidentemente existe tutela material contra o dano, assim como tutela contra o ilícito. SARLET,Ingo; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Op. cit., p. 638, lecionam o seguinte: “Atutela jurisdicional pode ter por objetivo a proteção contra o ilícito ou contra o dano. Ato ilícito éato contrário a direito. Fato danoso é prejuízo juridicamente relevante. São conceitos que não seconfundem. Nada obsta, inclusive, a que o mesmo processo viabilize tutela contra o ilícito e tutelacontra o dano. A tutela contra o ilícito pode ser prestada de forma preventiva (tutela inibitória)ou de forma repressiva (tutela de remoção do ilícito, também conhecida como tutelareintegratória)”. A primeira visa a impedir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito. Éuma tutela voltada para o futuro. A segunda, a remover a causa de um ilícito ou os seus efeitos.É uma tutela voltada ao passado. A tutela contra o dano é sempre repressiva. Ela pressupõe aocorrência do fato danoso. Ela pode visar à reparação do dano (tutela reparatória) ou ao seuressarcimento em pecúnia (tutela ressarcitória). 26 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual… cit., p. 185 e ss. 27 SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Op. cit., p. 637. 28 Um posicionamento contrário se encontra em FRIGNANI, Aldo. Op. cit., p. 573, para quem“l’azione inibitoria há uma funzione eminentemente preventiva, in quanto essa tende a bloccarel’illecito, o meglio a non permetterne la ripetizione o continuazione. L’inibitoria perciò, se da un latosi basa sul passato (deve esaminarne attentamente gli elementi onde poter dedurre se esiste ilpericolo e la probabilità della ripetizione o reiterazione dell’illecito), dall¿atro mira al futuro inquanto impone ad un soggetto un determinato comportamento per il futuro”. Assim mesmo, tendoem conta o que foi exposto sobre tutela inibitória no marco da tutela dos direitos, FRIGNANI nãofaz nenhuma diferença entre azione inibitoria e a própria tutela inibitória.

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29 Ainda que não é um tema relevante para este ensaio, é preciso esclarecer que no pensamentode MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória… cit., p. 152 e ss.; MARINONI, Luiz Guilherme.Teoria geral do processo cit., p. 253 e ss.; MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutelados direitos cit., p. 268 e ss., deve-se diferenciar entre tutela inibitória e tutela de remoção doilícito. Com efeito, enquanto uma está voltada para o futuro ao impedir a prática, continuação ourepetição do ilícito, a segunda está voltada para o passado, e visa a eliminar os efeitos do ilícito jáproduzidos. 30 Para SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Op. cit., p. 615 ess., o direito fundamental ao processo justo é o conceito que engloba todos os direitosfundamentais processuais. 31 Para AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro. Multa do artigo 461do CPC (LGL\1973\5) e outras. 2. ed. rev. atual. e amp. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.p. 75, a multa (ainda que ele prefira usar o termo “astreintes”) é “medida coercitiva, destinada apressionar o devedor para cumprir decisão judicial, e não a reparar os prejuízos do seudescumprimento (muito embora esta função ressarcitória tenha, por algum tempo, se mostradopresente nos primórdios da utilização das astreintes). O réu, ameaçado pela incidência de multaque, por incidir em tempo indefinido, pode chegar a valores bem maiores que os da própriaobrigação principal, é compelido a defender seu patrimônio, através do cumprimento da decisãojudicial. O exercício da técnica de tutela das astreintes permite, assim, a materialização da tutelajurisdicional almejada pelo autor”. Para GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta. São Paulo: Ed.RT, 1998. p. 193, “o caráter coercitiva é da essência do instituto da multa diária como garantia deexecução específica. Como corolários diretos desse carácter coercitivo, a aptidão da multa paracoagir o devedor a adimplir e a possibilidade concreto do adimplemento ser realizado são critériosque devem ser observados no momento da aplicação concreta da multa e não apenas no da suafixação, sob pena de, se não forem, conduzirem a um uso distorcido e inaceitável dessa medida. Éque o ordenamento só autoriza a utilização da multa diária para compelir o devedor a adimplir enão para impor-lhe uma pena pelo inadimplemento”. 32 GUERRA, Marcelo Lima. Op. cit., p. 192. 33 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória cit., p. 144, e é por isso, segundo esse autor, que amulta não só serve para tutelar as obrigações de não fazer infungíveis, mas também a ordem deum fazer fungível (p. 141 e ss.). 34 GUERRA, Marcelo Lima. Op. cit., p. 191. 35 MITIDIERO, Daniel. Diálogo das fontes e formas de tutela jurisdicional no Código de Defesa doConsumidor (LGL\1990\40). Processo civil e Estado Constitucional. Porto Alegre: Livraria doAdvogado, 2007. p. 78. 36 Inclusive, para MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos cit., p. 396-397, a multa pode exceder o próprio valor da prestação. Com efeito, “atualmente, em face dosarts. 461, CPC (LGL\1973\5), e 84, CDC (LGL\1990\40), não há mais qualquer dúvida acerca dapossibilidade de a multa exceder ao valor da prestação. Isso pela razão de que essas normas,atreladas à ideia de que a tutela específica é imprescindível para a realização concreta do direitoconstitucional à efetiva tutela jurisdicional, não faze qualquer limitação ao valor da multa” (grifosdo original). O mesmo é aceito por BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O novo processo civilbrasileiro (exposição sistemática do procedimento). 27. ed. rev. e atual. 2. tir. Rio de Janeiro:Forense, 2009. p. 231. 37 MARQUES, Claudia Lima. Superação das antinomias pelo diálogo das fontes: o modelo brasileirode coexistência entre o Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40) e o Código Civil(LGL\2002\400) de 2002. RDC 51/35, afirma que “na pluralidade de leis ou fontes, existentes oucoexistentes no mesmo ordenamento jurídico, ao mesmo tempo, que possuem campos deaplicação, ora coincidentes, ora não coincidentes, os critérios tradicionais da solução dos conflitosde leis no tempo (Direito intertemporal) encontram seus limites. Isso ocorre, porque pressupõe aretirada de uma das leis (a anterior, a geral e a de hierarquia inferior) do sistema, daí propõe ErikJayme, o caminho do ‘diálogo das fontes’, para superação das eventuais antinomias aparentesexistentes entre o CDC (LGL\1990\40) e o CC/2002 (LGL\2002\400)”. Cfr. MARQUES, Claudia Lima.Diálogo das fontes. In: BENJAMIN, Antonio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, LeonardoRoscoe. Manual de direito do consumidor. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Ed. RT, 2009. p.90-91.

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38 Idem, p. 93-94. A mesma explicação pode-se encontrar em MARQUES, Claudia Lima. Superaçãodas antinomias pelo diálogo das fontes. Op. cit., p. 57 e ss.; e, com mais vagar, em MARQUES,Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Op. cit., p. 29-63. 39 ALPA, Guido. Op. cit., p. 42-43. 40 Assim, MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos cit., p. 414-415,também mostra a sua preocupação pelas interpretações restritivas do art. 84 CDC (LGL\1990\40),no sentido de que as técnicas executivas voltadas à tutela do consumidor ficariam restritas porfalta de previsão expressa delas. Diz o professor paranaense que “a falta de previsão demodalidade executiva adequada para determinada situação concreta não obriga o juiz a aceitarque a sua decisão não possa propiciar a efetividade do direito reconhecido. Admitir a inércia dojuiz, nesse caso, seria supor que o direito processual é quem confere as linhas dos direitos, e queassim ninguém teria a possibilidade de acusar o processo de inefetivo, uma vez que não caberiadizer que a omissão da legislação processual poderia ser suprida pelo juiz, ainda que diante dasevidências decorrentes do direito material e do direito fundamental à efetividade da tutelajurisdicional. De qualquer forma, o art. 461 do CPC (LGL\1973\5) é evidentemente aplicável aodireito do consumidor”. V. também, MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica do consumidor.In: MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno (orgs.). Doutrinas essenciais. Direito do Consumidor.Tutela das relações de consumo. São Paulo: Ed. RT, 2011. vol. VI, p. 239 e ss.

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