TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA- Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834). Vol I

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TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime [1750-1834] Dissertação de Tese de Mestrado em Cultura e Formação Autárquica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. [10 de Dezembro de 2003] PAULO CELSO FERNANDES MONTEIRO

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TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇAPenalva do Castelo em finais do Antigo Regime [1750-1834]

Dissertação de Tese de Mestrado em

Cultura e Formação Autárquica pela

Faculdade de Letras da Universidade

de Lisboa. [10 de Dezembro de 2003] PAULO CELSO FERNANDES MONTEIRO

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

1

“(…)Durante o século XVIII — e tão tarde quanto o início

do século XIX — em Portugal o poder ainda se reconhece

na pluralidade: as esferas do Público e do Privado, do

Formal e do Informal, do Estado e da Sociedade Civil

interpenetram-se e sobrepõem-se, em graus diversos,

nas instituições locais(...)”

Vidigal, Luís,

O Municipalismo em Portugal no Século XVIII, Lisboa, 1989,

p.86

(…)They never created as oligarchic a structure as the

Cortes of Castile, where a score of cities commited the

entire Kingdom(…)”

Hespanha, António Manuel,

Cities and the state in Portugal, Theory and Society, 18,

1989, p. 715

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

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I — ÍN D I C E

I — ÍNDICE ............................................................................................................................ 2

II - AGRADECIMENTOS ....................................................................................................... 4

III - PREÂMBULO ................................................................................................................ 6

IV - INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 7

V - DOCUMENTAÇÃO .......................................................................................................... 9

CAPÍTULO I ........................................................................................................................ 12

1. TERRITÓRIO .................................................................................................................. 12

1.1 LOCALIZAÇÃO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA ................................................................... 12

1.2. CONTRIBUTOS PARA A CARACTERIZAÇÃO CONCELHIA ......................................... 17

1.2.1. As Memórias Paroquiais ..................................................................................... 17

1.2.2. O inquérito ............................................................................................................ 17

1.2.3. Penalva em 1758 .................................................................................................. 19

1.2.4. Demografia........................................................................................................... 21

1.2.5. Economia .............................................................................................................. 26

1.2.6. Poder eclesiástico................................................................................................ 29

1.2.7. Jurisdições religiosas .......................................................................................... 33

1.3. ESPAÇO E PODER ...................................................................................................... 42

1.4. RECEITAS E DESPESAS ............................................................................................. 45

1.4.1. RECEITAS.................................................................................................................... 48

1.4.2. DESPESAS .................................................................................................................. 52

CAPITULO II ....................................................................................................................... 64

2. ELITES E GOVERNANÇA ............................................................................................... 64

2.2. O SENHOR, O DONATÁRIO E O CONCELHO ......................................................................... 66

2.2.1 Relações de poder ................................................................................................ 66

2.2.1.2. O PODER SENHORIAL ................................................................................................. 66

2.2.1.3. Os Meneses, Senhores de Penalva .................................................................. 67

2.2.1.4. Marqueses de Penalva ..................................................................................... 70

2.2.2. Donatário .............................................................................................................. 72

2.2.3. Ouvidor ................................................................................................................. 74

2.3. O PODER SENHORIAL E PODER LOCAL ................................................................... 77

2.3.1. PENALVA E A LEI DE 19 DE JULHO DE 1790 ......................................................... 77

2.4. JOGOS NAS ESFERAS DO PODER ....................................................................................... 79

2.4.1. Tensões, conflitos e acções de domínio ............................................................. 79

2.5 AS REUNIÕES DE CÂMARA ........................................................................................ 85

2.5.1. O Processo Eleitoral ............................................................................................ 88

2.6. MAGISTRADOS DA ADMINISTRAÇÃO PERIFÉRICA ................................................................. 91

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2.6.1. Corregedores ....................................................................................................... 91

2.6.2. Juízes de Fora ...................................................................................................... 94

2.7. MAGISTRADOS LOCAIS................................................................................................... 101

2.7.1. Juízes ordinários ................................................................................................ 101

2.7.2. Vereadores ......................................................................................................... 104

2.7.3. Procuradores ..................................................................................................... 114

2.7.4. Outros oficiais do concelho ............................................................................... 116

2.7.4.1. Escrivães ......................................................................................................... 116

2.7.4.2. Escrivão dos órfãos ......................................................................................... 118

2.7.4.3. Almotacés ....................................................................................................... 119

2.7.4.4. Assistente ou Assessor .................................................................................. 120

2.7.4.5. Porteiro ........................................................................................................... 122

2.7.4.6. Carcereiro ....................................................................................................... 122

2.7.4.7. Médicos & cirurgiões ...................................................................................... 124

2.7.4.8 Tabeliões .......................................................................................................... 126

2.8. AS ELEIÇÕES EM PENALVA ............................................................................................. 129

2.8.1. CONJUNTURA HISTÓRICA ........................................................................................... 129

2.8.2. O TRIÉNIO DE 1824, 1825 E 1826 ............................................................................... 131

2.8.3. O TRIÉNIO DE 1827, 1828 E 1829 ............................................................................... 138

2.8.4. O TRIÉNIO DE 1829, 1830 E 1831 ............................................................................... 146

2.8.5. O TRIÉNIO DE 1832, 1833 E 1834 .............................................................................. 156

2.9. SOCIOLOGIA DOS ELEITOS (1824-1834) .......................................................................... 162

CONCLUSÃO ................................................................................................................... 168

BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................. 176

FONTES IMPRESSAS ............................................................................................................. 188

DOCUMENTAÇÃO ................................................................................................................. 188

ABREVIATURAS .................................................................................................................... 191

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I I - A g r a d e c i m e n t o s

A dedicação e o esforço individual não produzem uma tese, sendo antes o fruto

de uma colaboração de diversas pessoas, que com os seus apoios, sugestões,

apreciações e opiniões, permitiram um consolidar de ideias.

Em primeiro lugar, e assim não podia deixar de ser, uma palavra de gratidão

muito especial ao Prof. Doutor José Manuel Tengarrinha, orientador científico deste

trabalho, pela sua disponibilidade pessoal, atenção amiga, sugestões fecundas e eficaz

direcção com as quais o trabalho beneficiou.

Seguindo o protocolo académico, um agradecimento extensivo a todos os

professores que orientaram com vigor, diálogo, abertura e exigência crítica, os

seminários deste mestrado.

Aos colegas que com a sua vivacidade, solidariedade, debate de ideias, incentivo

e audácia permitiram estabelecer laços de amizade e de entreajuda.

De forma idêntica, queria agradecer aos funcionários dos arquivos visitados,

pelo empenho, serviço e colaboração desinteressada na localização de fontes e acesso

ao acervo documental, que nem sempre foi tarefa fácil.

A nível pessoal e fora do âmbito académico, recebi de muitas pessoas,

familiares e amigos, apoio, ânimo, colaboração e um perfeito entendimento ao longo do

estudo.

Uma palavra de especial apreço para todos aqueles que salvaram e me fizeram

chegar preciosa documentação que, por andar perdida, corria riscos de

desaparecimento, possibilitando desta forma uma nova abordagem a temas e assuntos,

sem a qual não seria possível.

Não podia de deixar de agraciar ao penalvense incógnito que me enviou, em

finais de Maio de 2002, um livro dos assentos do corregedor, aquando das suas visitas

de correição ao concelho. Apesar de ter surgido quando a presente tese já estava

praticamente concluída, mesmo assim, proporcionou um reforço de determinadas

ideias e opiniões.

Uma especialíssima atenção para a minha família, sobretudo aos meus pais,

que uniram o apoio incondicional à compreensão, nem sempre fácil, em tantos anos de

trabalho, estando sempre do meu lado, animando e estimulando-me a prosseguir.

Refira-se ainda o empenho, o carinho, colaboração e sugestões que me deram nos

bons e maus momentos.

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Aos amigos e colegas o meu profundo apreço pela estima, incentivo, cooperação

e espicaçar intelectual, partilhado em muitos momentos.

A todos os que “sofreram” com esta tese, o meu muito obrigado.

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I I I - P r e âm b u l o

São conhecidas no meio académico as vicissitudes que a elaboração de uma

tese de mestrado acarreta (falta de tempo para investigar, bibliografia e documentação

em excesso ou em deficit, dificuldades de coordenação/deslocação para as aulas,

etc...), mas a estas é necessário anexar outras, que ao longo de quatro anos acabaram

por se tornar o fulcro deste trabalho.

Aquando da inscrição no Mestrado em Cultura e Formação Autárquica,

desempenhava funções na Câmara Municipal de Penalva do Castelo. Por constatar que

o concelho não possuía nenhum estudo histórico sobre a sua evolução ao longo dos

tempos, tornava-se quase que obrigatório, desenvolver essa tarefa. À pseudo obrigação

e aos afazeres profissionais desenvolvidos no dia-a-dia, aliava-se um acreditar na

possibilidade de colocar tão pequeno concelho no correcto caminho da protecção do

seu património e salvaguarda da memória histórica.

Foram enormes dificuldades e tantos outros factores que não possibilitaram a

execução na íntegra de tamanha utopia, mas ao final de quatro anos, depois de

trabalhar em outras duas autarquias (Serpa e Covilhã) e contactar com arquivos

municipais da mesma época, constata-se que o concelho, em termos históricos, possui

particularidades e aspectos únicos, que merecem um continuado e aprofundado

esforço de investigação pela comunidade científica.

Independentemente de tudo, ficam aqui reunidos vários capítulos que

constituem um corpus histórico, procurando contribuir para um melhor entendimento

de uma realidade municipal, na Beira Alta em finais do Antigo Regime.

Para além, de todas as razões já expostas importa referir que existia ainda o

valor sentimental de ligação à terra dos meus avós.

O sonho de qualquer investigador é poder elaborar uma exposição detalhada e

sistemática do seu estudo. Não se procura aqui dar um entendimento global sobre a

história de Penalva, pretende-se antes sintetizar resultados de pesquisas, leituras e

discussões sobre o tema, mas tendo sempre por alvo o município penalvense e o seu

envolvimento com a sociedade, num determinado espaço e tempo.

Não se pretende com esta explicação e com anteriores agradecimentos,

justificar erros e omissões do presente trabalho, que inevitavelmente irá permanecer

imperfeito, apenas referir que, sem tais colaborações e acções não se tinha conseguido

aqui chegar.

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I V - I n t r o d u ç ã o

O estudo do fenómeno municipalista no Antigo Regime é caracterizado por uma

enorme diversidade administrativa, muitas das vezes de cariz “nano-geográfico”,

perfeitamente situada, apesar de uma linha transversal de aparências sistemáticas

comuns, emanadas do poder central, que transformam o seu entendimento num dos

factores essenciais para a compreensão de alguns problemas que ainda hoje afectam o

mapa autárquico Português. Por isso é fundamental ressaltar que o desenvolvimento

de formas distintas de actuação, por parte dos antigos concelhos, se deve a uma

complexa conjugação de factores como: os rendimentos, finanças e património

municipais; estratégia, composição e movimentações de poder das elites locais, formas

e acções de poder; isenções e privilégios exógenos ao poder local.

Se por um lado a implementação de um modelo centralizador e uniformizador

dos poderes camarários, não obteve as melhores condições para a sua afirmação,

muito deve às dificuldades económico-financeiras de carácter estrutural, fruto de uma

exiguidade territorial. Para além disso, outros factores contribuíram para o agravar da

situação. Entre eles destacam-se a resistência das elites locais, “auxiliadas” por uma

ineficiente rede de comunicações e pela enorme carência de gente letrada, capaz de

impôr a lei e uniformizar procedimentos.

Na realização do presente estudo procurou-se abordar três grandes áreas

ligadas à interpretação do concelho de Penalva do Castelo entre 1750 e 1834: Território,

Elites e Governança.

Com o Território incidiu-se na caracterização política, administrativa, social,

económica e religiosa de Penalva do Castelo, através da análise dos inquéritos

realizados em 1758, popularmente denominados de Memórias Paroquiais. Existiu ainda

a preocupação de analisar as questões do espaço e do poder, procurando apurar a

evolução da centralidade político-administrativa do município.

A segunda grande área tem como principal alvo o estudo do poder senhorial e o

seu inter -relacionamento com o concelho, enquanto corpos políticos e individuais

operantes e como entidades jurisdicionais, as relações, redimensionamentos,

exercícios e acções de poder, inseridos no ordenamento político-jurídico do “específico

mundo” do municipalismo do Antigo Regime. Tiveram-se em conta as ligações dos

poderes senhorial e central, as tensões, os jogos de poder e jurisdições concorrentes,

de forma a examinar se existiu dependência, usurpação, colaboração ou coexistência

mútua, entre ambos. Paralelamente insistiu-se na necessidade de avaliação das acções

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reais na abolição das ouvidorias e a aplicação da legislação

uniformizadora/centralizadora no concelho.

Em último lugar, com a abordagem ao tema da Governança pretende-se

analisar a importância política dos oficiais municipais, a arquitectura de poder, os

processos electivos e a composição dos corpos governativos das gentes que

constituíram o universo municipalista Penalvense. Em suma, ambiciona-se “montar o

puzzle” da vida institucional e política da sociedade Penalvense de então.

Para uma correcta compreensão das interacções entre as relações de poder e a

sua implicação espacial importa entender e analisar as instituições municipais que,

pelas suas características muito próprias, foram um marco estruturante da

administração local. No entanto, não podemos esquecer que esta afirmação é fruto das

relações e acções, muito concretas, estabelecidas entre a periferia e o centro,

assumidamente complementadas por dinâmicas locais de cariz social, económico,

judicial, políticas e administrativas.

Se em qualquer época e lugar, o poder ocupa um lugar central na política, a sua

acção na Câmara Municipal de Penalva do Castelo não é excepção, pelo que importa

fazer uma reflexão sobre o seu exercício no território e na sociedade de então.

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V - D o c u m e n t a ç ã o

A tese foi elaborada, fundamentalmente, através do recurso a documentação

inédita existente em diversos arquivos e bibliotecas, cujos fundos acabaram por

constituir uma importante fonte de conhecimento sobre o período e temática aqui

abordada.

Em diversos núcleos do I.A.N./T.T. - Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do

Tombo encontramos informação relativa à acção e mercês reais, relações entre o

poder central e a periferia, nomeações de ofícios, comportamentos político-sociais,

caracterização do concelho a diversos níveis, destacando-se particularmente os fundos

do Desembargo do Paço, Intendência Geral da Polícia, Chancelarias Régias, Gavetas,

Registo Geral de Mercês, Conventos e Dicionário Geográfico, etc...

Este último fundo, também conhecido por Memórias Paroquiais, face à escassez

documental, revelou-se fundamental para a caracterização do concelho sobretudo nos

seus aspectos económicos, administrativos, religiosos e demográficos. Para além

disso, utilizaram-se como fontes privilegiadas as pautas de vereação, referentes ao

concelho de Penalva do Castelo, que se encontram no arquivo do Desembargo do Paço.

O estudo dos eleitos no concelho de Penalva do Castelo entre 1824 e 1834, tem também

como justificação ser a única documentação do género conhecida, referente a esta

edilidade.

Do A.C.M.P.C.- Arquivo da Câmara Municipal de Penalva do Castelo tivemos

particular atenção aos códices referentes à segunda metade do século XVIII e princípios

do XIX, mais incisivamente os livros da administração/vereação n.º 10, 11 e 12. A

relativa coerência das actas é uma constante, uma vez que, o escrivão produzia durante

largo tempo esta tipologia documental, relatando mais ou menos uniformemente os

actos de governança. Prova disso são os outros livros da governação1, os quais

complementam os conteúdos expressos nas actas de câmara.

Apesar de inúmeros lapsos cronológicos, conjugando os livros de vereação

depositados na autarquia com os encontrados, estamos perante um vasto período do

Antigo Regime que vai de 1752 até 1812.

Por diversos motivos, outros testemunhos escritos desapareceram, perderam-se

em incêndios, foram roubados ou simplesmente abandonados pelo desconhecimento,

incúria e desleixo dos homens.

1 Livros de receitas e despesas, leis e privilégios, processos, querelas e sentenças.

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Nos reservados da B.N. - Biblioteca Nacional encontra-se o Arquivo de Tarouca,

pertencente à família Meneses, o qual contêm informações sobre a acção senhorial no

concelho e quais as suas redes de influência.2

Mas, se no princípio do trabalho o maior problema existente à sua concretização

era a raríssima documentação existente sobre terras de Penalva, agora que ele se

encontra concluído, podemos afirmar que nem só de pesquisa “vive” o investigador

para encontrar a sua documentação. Olhando para trás parece irónico como alguns

documentos nos foram parar às mãos, pelo que tais factos merecem uma breve

descrição. Já era do nosso conhecimento que o Arquivo Municipal da Câmara Municipal

de Penalva do Castelo se encontrava (e ainda se encontra) em péssimo estado, no

entanto nunca se esperava que em Março de 2001, três livros de actas de câmara,

abrangendo os períodos cronológicos de 1768-1772, 1780-1784 e 1794-1796 fossem

encontrados por um particular nos caixotes do lixo localizados junto à autarquia.

Outros dois livros, abarcando os anos de 1800-1805 e 1805-1808, foram

recuperados aquando da destruição de uma antiga habitação que tinha sido habitada

por um sacerdote. Hoje sabe-se que nos finais do século XIX devido ao diminuto espaço

que a autarquia dispunha, efectuou uma permuta de habitações com o padre da Ínsua.3

Terá sido nessa troca que alguns livros ficaram esquecidos passando a englobar o

espólio dos sacerdotes?

Em finais de Janeiro de 2002, aquando da visita a um alfarrabista em Lisboa,

surgiram dois outros volumes de actas da câmara cujos períodos vão de 1788-1794 até

1808-1812, os quais foram prontamente adquiridos. Mas, de todas as descobertas

insólitas a mais curiosa de todas aconteceu em finais de Maio de 2002, quando

recebemos um envelope sem remetente dentro do qual vinha um livro do corregedor de

1789-1794.

Quem terá sido o expedidor? Tanto mistério e para quê? São perguntas sem

resposta, mas o que interessa é que foi desta forma que os documentos chegaram à

nossa posse, possibilitando um enriquecimento do estudo e irão, com certeza, no

futuro, permitir aos investigadores novos dados que possibilitem um outro olhar sobre

a história do concelho.

2 Trata-se sobretudo de correspondência trocada entre o Marquês de Penalva e diversas personagens locais, ou

residentes na área. 3 Os actuais Paços do Concelho eram à época a residência paroquial.

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E assim vai o nosso património arquivístico municipal....

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CAPÍTULO I

1 . T e r r i t ó r i o

1 . 1 Localização e evolução histórica

O concelho de Penalva do Castelo situado na Beira Alta, na região do Alto Dão,

pertencia em termos administrativos à comarca e provedoria de Viseu, e no religioso ao

bispado de Viseu. Era composto por 12 freguesias, a saber: Antas, Castelo de Penalva,

Esmolfe, Germil, Ínsua, Lusinde, Mareco, Pindo, Real, Sezures, Trancoselos, Vila Cova

do Covelo, detendo uma área aproximada de 140 km2.

A sede actual do concelho é a vila de Penalva do Castelo, denominada de

Castendo até 1957.

Actualmente, pertence ao Distrito de Viseu, comarca de Mangualde e desde

1962, conta com mais uma freguesia — Matela - proveniente da divisão da vizinha Antas.

O concelho é limitado, a norte, pelo concelho do Sátão, a sul, pelo de Mangualde, a

Oeste, pelo de Viseu e a Este, pelo de Fornos de Algodres. Mais estritamente, integra-

se no denominado Planalto Beirão, limitado a Norte pelo rio Coja e a Sudeste pela

ribeira de Ludares. A cruzar todo o concelho surge o rio Dão no qual vai desaguar uma

intricada rede de afluentes, compostas por pequenos ribeiros e riachos, que escorrem

pelas vertentes das encostas.

A geologia é constituída por granitos calco-alcalinos e alcalinos, porfiróides e

equigranulares, existindo aqui e ali pequenas manchas de xistos e grauvaques.

Em termos climáticos o concelho possui um clima temperado continental, com

consideráveis amplitudes térmicas, típicas da região.

1.1 Antecedentes históricos

A presença humana e a sua distribuição no espaço está intimamente ligada com

as relações comunitárias, implicando directa e indirectamente um reforço das

interacções de poder. A ocupação remota das terras de Penalva está patente nos

diversos achados pré-históricos, nos topónimos megalíticos (Antas), na Anta do Penedo

do Com e nos habitats contíguos. Sinais evidentes de outra cultura são os vestígios do

período romano, estradas, pontes e inscrições epigráficas. A diluição do império de

Roma, a fixação de novos povos na Península e sobretudo as invasões árabes

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contribuíram para a alteração das relações geo-estratégicas de toda a beira e

consequentemente do território Penalvense.

Aquando da reconquista cristã, estas zonas foram um importante ponto na

consolidação do reino cristão. Numa guerra feita sazonalmente, baseada em

sucessivas investidas das hordes cristãs e muçulmanas que por onde passavam

saqueavam e matavam, os lugares que permitiam uma defesa mais ou menos coerente

desempenhavam um poder atractivo de fixação de uma população em busca de

segurança. A situação geográfica da área, e muito especialmente a de Castelo de

Penalva, contribuiu para que a sua posse se tornasse apetecível para as partes em

confronto. Castelo de Penalva localiza-se num monte rochoso e escarpado, que

controla todo um planalto à beira serra. A posse deste privilegiado sítio significava: uma

defesa mais fácil e eficaz de toda uma importante área, observação das movimentações

inimigas e empreender ataques às povoações hostis abaixo da linha natural do

Mondego. No fundo era a porta de entrada para as terras de Azurara e o reforço das de

Viseu.

A reconquista era inevitável e assim, no século XI, Fernando, o Magno tomou-as

depois de ter conquistado Lamego e Viseu4. Para entendermos melhor a conjuntura da

reconquista importa verificar a localização estratégica das Terras de Penalva.

Incrustadas entre as linhas de defesa naturais dos rios Dão e Mondego, são um

importante enclave para o domínio de todo o planalto Beirão e do Alto Paiva. É numa

perspectiva de consolidação do território cristão que se inserem estruturas de defesa

como o Castelo de Penalva e no concelho vizinho de Mangualde, a Torre de Gandufe, o

Castelo de Mangualde e a Torre de Tavares. Para além disso, realça-se o esforço de

conferir e ordenar privilégios, direitos, deveres a determinadas áreas, dos quais se

destacam os forais de Azurara5 e Tavares,6 Sátão, Viseu e Ferreira de Aves que, se

observarmos, ficam em redor das Terras de Penalva.7Mas a consolidação da área

compreendida entre os rios Mondego e Dão não ficaria por aqui. Uma vez assegurada a

posse importava desenvolvê-la, criando estruturas e fixando populações de modo a

4 Leão, Américo, Castelo de Penalva, Revista Beira Alta, vol. 6, fasc. 3 e 4, Viseu, 1947. 5 Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo (I.A.N./T.T.) - Leitura Nova, Forais Velhos, microfilme 1022/r, f.12. 6 I.A.N./T.T.- Foral de Tavares, Gaveta 15, Maço 6, n.º 5. 7 A iniciativa foraleira permitiu cimentar toda uma importante linha de castelos e de sítios amuralhados que se estendiam

das terras de Besteiros às de Celorico, contribuindo ainda na reforma e estabelecimento de uma nova organização da

sociedade local, através da regulamentação da justiça e da economia, pela preceituação de impostos e estabelecimento

de multas/penas, pelo estabelecimento da segurança e defesa do território, etc...

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permitir uma defesa territorial mais eficaz. Implementou-se então uma nova etapa com

a fixação das ordens religiosas8, sobretudo com a Ordem do Santo Sepulcro em

Trancoselos (Penalva do Castelo), com os Hospitalários em Lobelhe do Mato, Ordem de

Santiago em Abrunhosa-a-Velha e Mareco, e com a Ordem de S. Bento, primeiro em

Moimenta e posteriormente em Maceira Dão9, Se numa primeira fase as fortificações

militares eram o elemento aglutinador de defesa e de reorganização social, os

conjuntos monásticos, articulados com as atribuições de foral a Azurara e Tavares,

desempenharam um papel primordial na reorganização social/espacial e no

desenvolvimento económico local de toda a vasta área.

Segundo o foral manuelino, atribuído a 10 de Fevereiro de 1514, as Penalva tinha tido

outros dois aforamentos anteriores dados pelos reis D.Sancho II e D.Afonso III.

Contudo, nenhum documento que comprovasse essa teoria tinha sido encontrado, mas

aquando das pesquisas para a tese foi referenciado um pergaminho com o foral de

D.Afonso III e uma cópia do século XVIII com a transcrição dos dois forais10. O primeiro

foi dado a 15 de Julho de 1246 11, enquanto o segundo12 data de 29 de Outubro de 1281 13.

Procurando potenciar estas características ou salvaguardando interesses muito

próprios, os primeiros monarcas levam a efeito um conjunto de medidas, que importa

analisar. A centralidade territorial do concelho estava situada na povoação de Castelo

de Penalva, que desde o fim dos conflitos da reconquista, perdia população uma vez

que a razão estratégica do controlo das terras entre o Mondego e o Dão, tinha deixado

de existir. Confrontado com tal situação, D. Dinis, em carta de 12 de Fevereiro de 1283,

concedeu autorização para aí se construírem casas, nas quais a população pudesse

habitar. O prazo para a fixação era até 15 de Agosto, a partir do qual o juiz e o tabelião

8 O estabelecimento de uma ordem religiosa numa determinada área implicava grandes alterações, uma vez que o

mosteiro ou convento tornava-se o centro das atenções. Com uma importância económica vital sobretudo em termos

agrícolas, a unidade monástica era o ponto de confluência de pessoas, de novas experiências e de importantes trocas

comerciais e culturais. 9 Alves, Alexandre, O Real Mosteiro de Santa Maria de Maceira Dão, Concelho de Mangualde, col. Terra de Azurara e de

Tavares, C.M. Mangualde, 1992, p.21-22 10 Os forais foram transcritos e traduzidos e encontram-se no segundo volume. 11 I.A.N./T.T.- Reforma das Gavetas, nº 28, microfilme 974-A 12 I.A.N./T.T.- Gavetas, gaveta 15, maço 8, doc. 25 13 Após uma análise sumária à documentação inédita podemos afirmar que estes dois documentos são tipologicamente

diferentes, pois se o primeiro estabelece uma assembleia mediante um pagamento o segundo está mais próximo de uma

carta de aforamento, do que de um foral instituidor/regulador de uma municipalidade.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

15

podiam retirar as habitações e atribui-las a outros moradores que aí pretendessem

fixar-se14.

Independentemente da desertificação do local, a igreja de Castelo de Penalva

sempre gozou de considerável poder económico e a prova disso são os inúmeros

documentos que referem um permanente conflito entre o concelho de Penalva e o rei,

pela posse do padroado. O primeiro documento revelador da contenda data de 4 de

Agosto de 1265 e refere que o concelho renunciava a todos os direitos pretendidos no

padroado da igreja de S. Pedro de Castelo de Penalva a favor do monarca15. De novo a

15 de Março de 1283, o município reconhecia a igreja de Castelo de Penalva como

propriedade do monarca e revogava todas as decisões tomadas até então. A querela

entre a coroa e os munícipes das terras de Penalva pela posse do templo e dos seus

bens16, estendeu-se entre 1265 e 1325. A corroboração da importância financeira do

padroado fica bem patente aquando da doação de 30 de Abril de 1499, pela qual o rei D.

Manuel I deu a D. João de Meneses, os padroados das igrejas dos territórios de Gulfar17

e Penalva, continuando na posse da coroa a de S. Pedro.

A investigação documental permite-nos considerar que desde o século XIII,

Penalva do Castelo é um concelho consolidado nas suas dimensões básicas com

organização completa da administração municipal, judicatura constituída, produção

económica e mercado e uma sociedade estruturada, de base rural. O traço mais

importante da administração municipal era o carácter relativamente autónomo do seu

governo, concretizado no reconhecimento, pelo poder central, de uma ordem jurídica

local emanada da carta de foral e das posturas e na existência de magistrados eleitos

pelo concelho. Em termos históricos a organização municipal, foi alvo de estudo por

parte de vários investigadores. Alguns viram nas autarquias uma criação divina, um

modelo de Deus18, enquanto outros defendem a ideia de que os actuais concelhos pouco 14 I. A.N./T.T, Chancelaria D. Dinis, Livro 1, fl. 250. 15 I.A.N./T.T. – Gavetas, Gaveta 19, Maço 2, Doc.16 16 I.A.N./T.T. – Gavetas, Gaveta 19, Maço 2, Doc. 19. 17 Também pode ser designado por Golfar. 18 Segundo Luís Vidigal, em a História do Municipalismo no século XVIII, Henriques Nogueira defende a tese redentora ao

citar Toqueville “(...)A instituição municipal parece ter saído directamente da mão de Deus(...)”. Numa perspectiva de

evolução histórica Alexandre Herculano acredita numa autoridade esclarecida. Para ele, a restauração social e económica

do Portugal do séc. XIX, teria por base a necessidade de afirmação do poder local, como princípio corrector das

distorções provocadas por um centralismo excessivo e paralisante. Impunha-se que o país fosse governado pelo próprio

país, pelo que se tornava indispensável revitalizar a vida dos municípios que vegetavam inertes. A vantagem da eleição

dos homens no âmbito local, por via eleitoral, assentava na possibilidade da designação dos melhores, recaindo a

escolha sobretudo naqueles que fossem honrados e inteligentes.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

16

ou nada têm a haver com a génese destas instituições. Mas se observarmos com

atenção a orgânica do seu funcionamento, facilmente notamos que muitas

semelhanças, fruto de um amadurecimento secular.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

17

1.2. CONTRIBUTOS PARA A CARACTERIZAÇÃO CONCELHIA

1.2.1. As Memórias Paroquiais

Face à inexistência de documentação que nos permita efectuar uma

caracterização mais pormenorizada do concelho de Penalva do Castelo, em finais do

Antigo Regime, optou-se pelo recurso ao Dicionário Geográfico, também conhecido

como Memórias Paroquiais. Realizadas em 1758, inserem-se num programa de

reconhecimento e identificação do território nacional, que já vinha a ser efectuado

desde os inícios do século XVIII, com os inquéritos da Academia Real de História em

1721, e pelos questionários preliminares de 1732, cujo objectivo era a elaboração do

Dicionário Geográfico.

Numa época em que as vias de comunicação eram escassas, as viagens

demoradas e onde não existia uma fluidez informativa/cultural, a concretização de um

questionário revelava-se de importância fundamental para o conhecimento do Reino e

para a resolução dos seus problemas. Disto tinham consciência os Homens da Coroa e

desde o princípio a Secretaria de Estado do Reino apoiou tais iniciativas.

Durante séculos a maneira privilegiada de se inventariar e conhecer o território

nacional e as suas potencialidades fazia-se através do envio de emissários pelo país,

indagando os naturais sobre os seus direitos, deveres, propriedades, culturas, etc.... No

fundo, as preocupações dos enviados versavam o arrolamento das orgânicas

político/administrativas, potencialidades económicas e agrícolas das terras

inspeccionadas.

1.2.2. O inquérito

O grande terramoto de 1755 abalou profundamente o país, deixando um rasto de

morte e destruição. A situação caótica em que o território nacional ficou mergulhado,

obrigou o poder central a apurar o verdadeiro estado da nação.

Numa primeira fase, pensou-se em enviar emissários por todo o país inquirindo

quais as dimensões dos estragos e efectuando uma avaliação global do território. Para

além de tal tarefa assumir proporções e custos ciclópicos, a macrocéfala máquina

estatal, sedeada em Lisboa, tinha sido profundamente atingida pelo cataclismo,

encontrando-se numa fase de reorganização interna, que se reflectia numa aparente

falta de controlo da administração periférica do estado.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

18

Posteriormente, chegou-se à conclusão que os melhores conhecedores da

realidade local eram os sacerdotes e que a utilização da rede eclesiástica trazia ainda

outras duas vantagens: em primeiro lugar, para os padres ensinarem os mandamentos

de Cristo necessitavam de saber ler e escrever, conhecimentos vitais para elaboração

dos relatórios sobre a situação local. Em segundo lugar, a rede eclesiástica estava bem

organizada e possuía uma total distribuição pelo território, constituindo uma verdadeira

teia de conhecimentos eruditos em permanente contacto com as populações

autóctones. Assim, procedeu-se à elaboração de um questionário que foi enviado a

todos os sacerdotes responsáveis pelas freguesias do Reino.

Como principal impulsionador deste movimento surge o Padre Luís Cardoso,

um Oratoriano dedicado às memórias de outrora, que consegue obter do poder central,

apoio para este empreendimento, através da autorização do Secretário de Estado dos

Negócios do Reino do rei D.José I.

O questionário era composto por diversas perguntas que abarcavam os mais

variados assuntos, dos quais se destacam: o levantamento demográfico da população,

os estragos do terramoto, as principais produções agrícolas da terra, o número de

capelas existentes, os rios e serras das vizinhanças, etc... Os párocos deveriam

responder com a maior brevidade possível, utilizando uma caligrafia legível, devendo

posteriormente o seu envio ser feito à Secretaria de Estado dos Negócios do Reino.

O padre Luís Cardoso, pessoa experimentada na realização de inquéritos junto

dos sacerdotes do reino, perfilava-se como o mais capaz para realizar tal tarefa19. Logo

a seguir à catástrofe, em 1756, o mesmo sacerdote realizou outro questionário, que

tinha como objectivo indagar quais os estragos provocados pela actividade sísmica.

Tornava-se imperioso refazer o trabalho perdido e assim, conseguiu do “(...)Secretário

do grande e respeitavel Sebastião José de Carvalho ordem para que todos os Parochos

do Reino enviassem novas Descripsões das Freguesias com aquellas escrupulosas, e

circunstanciadas miudezas que mais abaixo constarão da copia dos interrogatórios que,

impressos, lhes forão enviados, com o preceito de responderem, preceito que a maior

parte dos parochos cumpriram no mesmo ano de 1758, em que lhes foi intimado(...)”20.

19 Alguns resultados dos inquéritos anteriormente realizados por ele foram publicados em 1747, constituindo o Dicionário

Geográfico do Reino de Portugal. Com o terramoto de 1755, só se salvaram as respostas correlativas aos dois primeiros

volumes correspondentes às letras A,B,C, que já se encontravam publicados. 20 I.A.N./T.T. - Dicionário Geográfico, Prólogo do índice, Liv.321.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

19

Em 1758 imprimiram-se novos inquéritos que foram expedidos a todos os

párocos do reino. As perguntas eram semelhantes às do questionário de 1747, apenas

diferindo em 4 questões: n.º20, 21, 22 e 2621. Versava inúmeros assuntos desde a

constituição eclesiástica da freguesia, passando pela sua morfologia geográfica, onde

não eram esquecidos os rios e serras, até às principais produções agrícolas.

Concluído o envio das respostas, estas constituíram quarenta e um volumes e

depositados no Convento das Necessidades, tendo sido posteriormente transferidas

para a Torre do Tombo. A estes foram posteriormente anexados mais três volumes, dos

quais dois deles são uma compilação de diversas fontes e informações dispersas,

organizados de modo a suprimir as lacunas das 500 freguesias que não responderam.

O último volume foi posteriormente compilado e é o índice22.

Segundo o prólogo da obra, o sacerdote não acabou esta ardilosa tarefa porque

“(...) Não quis, ou não pode: porque as enfermidades, ou a velhice, ou o presentimento

da morte, ou tudo juncto fês, que o Padre Cardoso olhasse como impossível a execução

do seo projecto (...)”23.

1.2.3. Penalva em 1758

De acordo com o relato do pároco do Castelo de Penalva, em 1758, o concelho

de Penalva do Castelo era composto por doze freguesias24 sendo a sua cabeça25 a vila do

Castelo. Contudo, referia ainda que as reuniões de câmara e todos os actos político-

administrativos se realizavam em Castendo26.

Pelo índice da obra podemos verificar que das 12 freguesias existentes à altura,

apenas responderam 10 27. Os sacerdotes de Trancoselos e de Vila Cova do Covelo não

21 Esta última pergunta questionava o impacto sismológico de 1758 e as suas consequências. 22 Devido à preservação e conservação de uma das mais consultadas fontes da Torre do Tombo, as memórias foram

microfilmadas e actualmente são consultadas neste suporte. 23 I.A.N./T.T- Índice do Dicionário Geográfico nº44, Índice 321, nº de Ordem 112,f. II, m. 2301. 24 A freguesia da Matela só foi criada em 1962, pelo Dec. Lei n.º 44245, de 23/3 25 Entenda-se por cabeça sede administrativa 26 I.A.N./T.T.- Dicionário Geográfico, vol. 10, m.220, f.1441. 27 Este caso é tanto mais curioso se verificarmos que o questionário utilizado para a sua resposta é diferente do utilizado

26 anos depois.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

20

enviaram as suas respostas, o que levou os organizadores a compilarem nos dois

volumes anexos (nº 42 e 43), as respostas de 1732 28.

Não sabemos ao certo quando é que o questionário teve a aprovação régia, nem

quando começou a ser distribuído pelos párocos, no entanto no concelho de Penalva as

respostas foram efectuadas entre 29 de Março e 29 de Maio de 1758.

QUADRO I

Consti tuição das freguesias do concelho de Penalva do Castelo e data da

elaboração das respostas

F r e g ue s i a O r a g o N o m e d o Sa ce r d o te D a t a d a Re spo s t a

Antas São Vicente Manuel de Sá Vilarinho 27/05/1758

Castelo de Penalva São Pedro António Lourenço Pereira 24/05/1758

Esmolfe Nossa Senhora da

Conceição Manuel Gomes de Carvalho 23/0571758

Germil São Cosme e Damião Lourenço da Costa Carvalho 20/05/1758

Ínsua São Genésio Manoel Lourenço de Matos 29/03/1758

Lusinde Nossa Senhora da

Assunção António Gomes 15/05/1758

Mareco São Domingos António Pereira 8/05/1758

Pindo São Martinho Manuel Ferreira 5/05/1758

Real São Paulo João do Amaral 29/05/1758

Sezures Nossa Senhora da Graça João Rodrigues 25/05/1758

Trancoselos São Salvador Ventura Fernandes 9/08/1732

Vila Cova do Covelo Nossa Senhora de

Expectação João Teixeira 6/08/1732

Fonte: Memórias Paroquiais do Concelho de Penalva do Castelo (I.A.N./T.T.- Dicionário Geográfico)

Em termos qualitativos a informação obtida não é homogénea, uma vez que

alguns sacerdotes nos forneceram relatórios muito elaborados, outros fizeram-no

muito sucintamente. No entanto alguns padres contaram com os testemunhos de

outras pessoas para redigirem as suas respostas29.

28 O inquérito de 1732 tinha por objectivos a concepção de uma História Eclesiástica e Secular do Reino, tendo sido

executado pela Academia Portuguesa de História. 29 Para muitos sacerdotes existiu a preocupação com a informação a fornecer levou à consulta de de pessoas fidedignas.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

21

1.2.4. Demografia

Ao longo dos séculos, os monarcas preocuparam-se com a dinâmica social do

reino, implementando medidas de combate às assimetrias demográficas e encarando

este factor como essencial para a implementação e construção de um poder

subsidiário no repovoamento do reino. A ocupação humana e a sua distribuição no

espaço estão intimamente ligadas com as relações comunitárias, implicando directa e

indirectamente um reforço das interacções de poder.

O concelho de Penalva do Castelo não possui estudos de demografia histórica e

os dados que existem não passam de meros levantamentos populacionais não sendo de

grande fiabilidade. É nosso dever alertar que ao procedermos a uma análise do género

é necessário termos presente, que nem sempre os termos vizinhos, fogos e moradores

possuíram o significado que hoje conhecemos, pelo que é obrigatório procedermos a

uma análise muito cuidadosa dos inventários.

Para entendermos melhor a evolução demográfica do município, temos que

analisar um dos primeiros levantamentos de que temos conhecimento: O Cadastro da

População do Reino. Elaborado em 1527, atribuía ao concelho 764 moradores30

distribuídos do seguinte modo: “(...)o lugar de Castemdo em que vivem 29, Castelo que

he a outra cabeça vivem 5, o lugar da Encoberta 10, o lugar da Corga, 20, o lugar de

Pindo de Cima 12, o lugar de Roriz 15, o lugar de Pindo do Fundo 13, o lugar de Oliveira

10, o lugar de casalldrey31 20; o lugar de Vila Garcia 6, o lugar de Santa Ovaya32 7,

Lusinde 24, Lusindinho 14, Gondomar 7, a Imsua 30, o lugar desperoens33 8, nas

qujmtans da mouta e lamosa 6, em Lisei 5, em sam gymill 9, nas quymtas de golges34 6,

em fumdo de Villa 13, em Esmolfe 40, Sezures 51, em a Pomte 6, em Germil 19, nas

povoaçoens do Lamegall 13, no lugar da Rybeyra 7, em tramquoselle35 8, em tramcoselo

14, no Valle e Lages e Mosteyro 29, em samdiaens 13, no casall e tybaies 16, em Ryall

33, no lugar de pejes 21, nos paços vivem 4, nas povoaçoens 7, em quedernelas36 16, no

lugar das quymtas 11, em souto de vyde e aldea 27, no lugar de vila cova 36, no lugar de

30 Não podemos interpretar o número de moradores como o número de habitantes, pois nesta época era costume utilizar

tal designação para referir aquilo que hoje, de modo geral, denominamos por fogo. 31 Casal Diz 32 Santa Eulália 33 Esporões 34 Goje 35 Trancoselinhos 36 Codornelas

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

22

marlio37 32, na Matela nova e velha 17, na miusela 16, nas Antas 33, em

pousadas18(...)”Ao somarmos os dados fornecidos, pelos itens atrás indicados,

verificámos que o autor do documento se enganou quando atribui 764 moradores ao

concelho mais seis do que a soma indica (758)38.

Outro levantamento que não podemos deixar de referir é o do Diccionário

Geográphico e Corográphico, do Padre António Carvalho da Costa, elaborado nos inícios

do século XVIII, e na qual o município Penalvense apresentava uma densidade

populacional superior a 30 hab./km2, um valor bastante significativo para a época39.

As Memórias Paroquiais fornecem-nos um manancial de informações e fazem

destes documentos vectores fundamentais para uma melhor compreensão da evolução

demográfica do concelho.

QUADRO II

Distribuição da população por freguesias

Freguesias Fogos Vizinhos Pessoas Pessoas de

Sacramento

Pessoas

Maiores

Menores Pequenos

Antas 188 560

Castelo de Penalva 391 1180

Esmolfe 107 277 41 ( ) 50

Germil 90 270*

Ínsua 255 700

Lusinde 92 280*

Mareco 70 180

Pindo 391 1194*

Real 88 216

Sezures 175 554

Trancoselos** 65 184 30

Vila Cova do

Covelo**

96

Fonte: Memórias Paroquiais do Concelho de Penalva do Castelo (I.A.N./T.T..- Dicionário Geográfico)

* População Menor incluída, **Dados do Inquérito de 1732

37 Mareco 38 I.A.N./T.T.- Cadastro da População do Reino, Núcleo Antigo, nº 825, doc.1527, f.102v e ss. 39 Hespanha, António Manuel, As Vésperas do Leviathan. Instituições e poder político em Portugal no séc. XVII, Coimbra,

Almedina, 1994, f. 84

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

23

Os sacerdotes classificaram a população das freguesias por diversas classes

(Quadro II)40 e, pontualmente, chegaram mesmo a discriminar o número de habitantes

que algumas povoações tinham:

QUADRO III

Distribuição da população por local idades

Lo c a l i da de s F o g os V i z i nho s P e ss o as M o ra d o re s

Freguesia de Castelo de Penalva

Castelo de Penalva 9 32

Freguesia de Esmolfe

Fundo de Vila 18

Freguesia de Germil

Germil 50 150*

Lamegal 26

120*

Coucinheiro 5

Abogões 9

Freguesia da Ínsua

Ínsua 70 200

Castendo 80 200

Sangemil 50 50

Esporões e Moita 20 50

Goje 20 40

Gondomar 8 30

Moinhos 7 30

Freguesia de Real

Real 76 162

Ribeira 22

Freguesia de Sezures

Sezures 117 371

Campina 17 57

Boco 13 52

Quinta da Ponte 28 74

Fonte: Memórias Paroquiais do Concelho de Penalva do Castelo (I.A.N./T.T..- Dicionário Geográfico)

* População Total (Maiores e menores).

Consequentemente torna-se extremamente pertinente proceder à conversão

dos termos vizinhos/fogos/moradores em habitantes/pessoas. Contudo, sabemos que

tal operação deve ser encarada com algumas reservas, até porque estamos a trabalhar

40 A denominação usada para classificar a população foi a seguinte: (fogos, vizinhos, pessoas, pessoas de sacramento,

menores, pequenos e pessoas maiores)

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

24

com dados sensíveis. Para além disso, ao utilizarmos as respostas elaboradas por

diferentes pessoas, corremos alguns riscos, pois nem sempre o mesmo conceito é

adoptado por todos de igual maneira. Por tudo o que ficou patente é necessário encarar

os resultados expostos como meros indicadores de uma possível tendência

demográfica.41

Comparativamente procurou-se um índice de multiplicação42 baseado na

relação intermédia dos dados fornecidos pelos sacerdotes à cerca do número de

vizinhos/fogos e pessoas, tendo-se obtido o resultado aproximado de 3,12. Conferindo

este com outros obtidos em trabalhos demográficos similares, podemos constatar que

se encontra dentro dos padrões médios para o final do século XVIII. Fernando de Sousa

aponta para a mesma época coeficientes que oscilam entre os 2,9 da área rural de

Bragança e os 4,2 da área urbana de Tomar.43 Os números fornecidos pelos sacerdotes

indicam que a população do concelho de Penalva do Castelo tinha 1832 fogos/vizinhos44

e que a população deveria variar entre os 5.700 e os 5.900 habitantes. As contagens

demográficas da obra do Padre António de Carvalho da Costa, realizadas em todo o

território nacional (áreas urbanas e rurais), apontam para um coeficiente médio de 3,3

pessoas45.

Dois anos antes, em 1755, Oliveira de Freire obteve uma contagem com valores

aproximados, atribuindo ao mesmo município, 12 freguesias com 1669 fogos e 4575

almas46 No entanto, é necessário termos algum cuidado na interpretação dos dados,

41 A tudo isto devemos somar a fiabilidade relativa dos inquéritos de Trancoselos e Vila Cova do Covelo provocada

sobretudo devido a estas respostas terem sido elaboradas 26 anos antes. No entanto, se compararmos os dados, com os

fornecidos pelo Padre António Carvalho da Costa, vimos que existe uma grande aproximação, pois em relação a

Trancoselos o sacerdote aponta para a existência de 60 fogos, 200 pessoas maiores e 35 menores. A resposta de 1732,

revela-nos dados semelhantes ao apontar 65 fogos, 184 pessoas maiores e 30 menores. No caso de Vila Cova do Covelo,

os dados obtidos pela resposta do inquérito apenas nos permitem comparar o número de fogos, que são 96. Valor

idêntico apresenta-nos o Padre António Carvalho Costa, ao indicar 100 fogos. 42 Este índice representa o valor médio de pessoas moradoras por fogo. 43 Sousa, Fernando de, A população portuguesa nos inícios do séc. XIX, in População e Sociedade, porto, edição do

Centro de Estudos da População e Família, n. 2, 1996, pp.7-75 44 Se multiplicarmos a este dado o índice intermédio previamente estabelecido, obtemos um valor de 5716 habitantes, que

não pode ser encarado como um valor exacto, pois não é mais do que a aplicação a um dado, cuja fiabilidade é relativa

de um coeficiente de multiplicação, também produto de uma operação condicionada. 45 Hespanha, António Manuel, As Vésperas do Leviathan. Instituições e poder político em Portugal no séc. XVII, Coimbra,

Almedina, 1994, p. 72 46 Leite, Fernando Barbosa Barros, Concelho de Penalva do Castelo, Recolha Bibliográfica/Contributo para uma Monografia,

Câmara Municipal de Penalva do Castelo, p. 235

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

25

pois muitas vezes, os critérios de contabilização variavam conforme a designação47 Por

esta razão é bem possível que o autor não tenha contabilizado as crianças e os

menores quando elaborou a referida contagem. A comparação dos dois valores, para

além de mostrar que o índice de multiplicação utilizado é bastante similar a outros,

permitindo-nos constatar uma equiparação de resultados, sobretudo no número de

fogos/vizinhos. Os valores agora apresentados remetem-nos para uma densidade

demográfica de, mais ou menos, 42 hab./km2, número um pouco superior ao obtido 52

anos antes.

Aquando dos levantamentos demográficos, os sacerdotes indicaram o número

de habitantes através de algumas designações, cujo entendimento e conhecimento,

actualmente se torna complicado. Exemplo disso é a utilização de expressões como

pessoas maiores. Estavam a referir-se ao cidadão adulto ou a uma maioridade religiosa

e sacramental? São termos como este que nos levam a encarar as informações obtidas

com uma certa relatividade.

Se analisarmos apenas os números referentes às povoações vemos que a

localidade de Castelo de Penalva tinha um reduzido número de moradores. Mas ao

alargarmos o horizonte de observação para a sua circunscrição político/administrativa,

apuramos facilmente que era a freguesia mais populosa do concelho logo seguida por

Pindo e Ínsua (Gráfico I).

050

100150200250300350400

Nº d

e Fo

gos/

Viz

inho

s

Ant

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telo

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Pena

lva

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Ger

mil

Ínsu

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Lusin

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Mar

eco

Pind

o

Real

Sezu

res

Tran

cose

los

Vila

Cov

a do

Cov

elo

Freguesias

GRÁFICO IDistribuição dos Fogos/Vizinhos por freguesias (1758)

Fonte: Memórias Paroquiais do Concelho de Penalva do Castelo (I.A.N./T.T.- Dicionário Geográfico)

47 O estudo dos dados populacionais deste autor ainda nos deixam outro problema ao não revelarem a distribuição da

população pelas freguesias.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

26

Esta última possuía dois aglomerados habitacionais consideráveis, a Ínsua com

70 vizinhos e 200 pessoas, e Castendo com 80 vizinhos e com igual número de pessoas.

As Antas surgem em quarto lugar, mas é necessário relembrar que na época as

freguesias das Antas e Matela não se encontravam apartadas. Com um menor número

de fogos/vizinhos e consequentemente com menos habitantes surgem Trancoselos,

com 184 pessoas maiores e trinta menores, e Mareco com 180 pessoas.

Distribuindo as freguesias pelo número de fogos/vizinhos, constatamos que três

delas tem mais de 201, enquanto uma grande maioria (7) possuíam menos de 100

(Gráfico II). As três maiores eram por ordem de grandeza Castelo de Penalva, Pindo e

Ínsua e as menores Real, Mareco e Trancoselos.

Fonte: Memórias Paroquiais do Concelho de Penalva do Castelo (I.A.N./T.T.- Dicionário Geográfico)

1.2.5. Economia

Na multi-tipologia de poderes locais do Antigo Regime, onde são frequente

modelos de cariz nano-municipalista, os concelhos dedicavam a sua principal atenção

para o governo da edilidade, procurando articular a administração do seu património

com a gestão dos serviços públicos básicos (abastecimento das populações, segurança,

higiene pública, justiça, etc..). Num mundo autárquico profundamente rural, a

fragilidade da economia de base agrária e pecuária, a crónica dependência das

condições climatéricas, os obstáculos à comunicação e à informação, as dificuldades

no sistema de comercialização de produtos e excedentes, obrigaram uma atenção

particular aos assuntos relacionados com o abastecimento local, estorvado por uma

penúria económica relacionada com as dificuldades de gestão financeira do concelho.

A principal actividade económica das Terras de Penalva sempre foi a

agricultura. De vital importância para a subsistência das gentes, praticamente toda a

0

2

4

6

8

0-100 101 -200 > 201N º d e Fo gos

G R Á F IC O IID istribu ição das freguesias pelo núm ero de fogos/ viz inhos

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

27

população encarava-a, conjuntamente com as suas áreas complementares (das quais

se destaca a criação de gado), como a sua principal actividade.

Consciente do papel que possuíam em todo país, o padre Luís Cardoso

introduziu 4 perguntas cuja temática eram as práticas agrícolas, às quais todos os

sacerdotes do concelho responderam. Pelo quadro nº IV vimos que as duas maiores

produções eram o centeio e o trigo, embora outras culturas como a vinha, o olival e o

trigo já possuíssem um certo peso. Surgem ainda as árvores de fruto, importantes não

só em termos de produtividade agrícola local, mas também porque desempenhavam

conjuntamente com o centeio e legumes, um vector fundamental no equilíbrio de uma

dieta alimentar um tanto ou quanto debilitada. Curiosa é a afirmação do cura de

Mareco, que antevendo as possibilidades de melhores produções frutícolas, indicava

que estas não se faziam por falta de cuidado.48

À excepção da resposta de Germil, que nos revela os nomes de algumas árvores

de fruto (pereiras, macieiras, cerejeiras, videiras, pessegueiros, etc..)49, as outras não

discriminam as espécies. De facto essa memória é extremamente reveladora das

produções e actividades agrícolas de então, ao descrever minuciosamente, não só as

principais colheitas, como indicando as pequenas plantas, cuja principal utilização era a

medicina popular.

QUADRO IV

Principais culturas e referências agrícolas por freguesia (1758)

Freguesias Referências Agrícolas Principais Culturas

Antas Centeio, trigo, milho, vinha, castanhas e árvores de fruto Não faz menção

Castelo de Penalva Centeio Centeio

Esmolfe Centeio, milho, vinhas, castanheiros e olivais Não faz menção

Germil Milho, centeio, trigo, cevada, legumes e árvores de fruto Milho

Ínsua Olivais, Vinhas e centeio Não faz menção

Lusinde Milho Milho

Mareco Centeio, trigo, milho, vinhas, olivais, castanheiros e árvores de fruto Milho

Pindo Milho grosso, trigo, centeio, olivais e árvores de fruto Não faz menção

Real Centeio, trigo, cevada, vinhas, olivais, castanheiros e árvores de fruto Milho

Sezures Centeio Centeio

Trancoselos** Centeio, milho e castanheiros Não faz menção

Vila Cova do Covelo** Centeio, milho, trigo, castanheiros e olivais Centeio

Fonte: Memórias Paroquiais do Concelho de Penalva do Castelo (I.A.N./T.T.- Dicionário Geográfico) ** Dados de 1732

48 I.A.N./T.T.- Dicionário Geográfico, vol. 22, m.52, f.341. 49 I.A.N./T.T.- Dicionário Geográfico, vol. 17, m.39, f.217.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

28

A criação de gado era uma das actividades a que os párocos se referem nas

suas respostas. Mais uma vez recorremos à memória de Germil na qual encontramos a

referência a “(...)poucas e meudas cabras, ovelhas, porcos(...)”. A pastorícia para além

de fornecer suplementos alimentares como a carne, leite e derivados, proporcionava

ainda matérias orgânicas para a adubagem dos campos. Com os bovinos a situação era

exactamente a mesma, mas estes animais forneciam uma importante força de tracção

nos trabalhos agrícolas.

Outros elementos frequentemente citados nas memórias são os engenhos

agrícolas, instrumentos vitais na transformação de produtos agrícolas como a azeitona

e o centeio, em azeite e farinha. O pão era o alimento por excelência e só através de um

complexo sistema de moagem, verdadeiramente implantado por todo o concelho, é que

se podiam satisfazer as necessidades da população. Geralmente situados junto de rios

e quedas de água, procuravam aproveitar a energia hidráulica para moer os grãos dos

cereais panificadores. Da mesma forma os engenhos, moinhos e lagares directamente

ligados à transformação da azeitona em azeite, encontravam-se perfeitamente

distribuídos pelo concelho, como o quadro V indica:

QUADRO V

Relação dos engenhos agrícolas referidos pelos párocos

Freguesia Moinhos Pisões Engenhos, Moinhos e Lagares de Azeite

Antas a) - -

Castelo de Penalva a) - 2

Esmolfe a) - -

Germil 1 1 1

Ínsua 7 - 2

Lusinde - - 1

Mareco a) - a)

Pindo 9 - -

Real a) - 1

Sezures 9 - -

Trancoselos** a) a) a)

Vila Cova do Covelo** a) - a)

Fonte: Memórias Paroquiais do Concelho de Penalva do Castelo (I.A.N./T.T.- Dicionário Geográfico)

a)- Quantidade não especificada

A pergunta número 19, ao questionar a existência de feiras e quais as suas

características, destinava-se a indagar a actividade comercial existente nas diversas

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

29

freguesias. Importantes veículos de dinamização da economia local, estes eventos

eram paragem obrigatória de comerciantes e almocreves, arrastando

consequentemente as populações vizinhas. Proporcionavam ainda, aos habitantes

locais, uma oportunidade para negociarem os seus excedentes agrícolas, realizando

assim mais valias que poderiam ser utilizados na compra de produtos

complementares.

No município de Penalva do Castelo existiam em 1758, três feiras de

periodicidade anual. Duas delas ocorriam em Vila Cova do Covelo a 1 de Maio e a 10 de

Agosto. Em Esmolfe tinha lugar no dia 23 de Janeiro, uma feira em honra de Sto.

Ildefonso, que ainda hoje se realiza na mesma data e no mesmo local - Campo de

Santo Ildefonso.

1.2.6. Poder eclesiástico

Uma parte substancial do questionário procurava inventariar alguns dos

aspectos religiosos da freguesia, tais como: capelas, igrejas, irmandades, rendimentos

eclesiásticos, etc...

Pertencente ao bispado de Viseu e ao arciprestado de Penaverde, o poder e a

influência religiosa em Terras de Penalva obedeciam a diversos factores, que por vezes

ultrapassavam a própria estrutura da igreja e se confundiam com a orgânica do poder.

A personagem eclesiástica com maior destaque do concelho era o abade de Castelo de

Penalva. Apresentado pelos Marqueses de Cascais desempenhava um importante

papel na coordenação da vida e acção religiosa, nomeando oito outros sacerdotes.

QUADRO VI

Rendimentos e categorias eclesiást icas

Freguesias Apresentador Pároco

Rendimentos

anuais

(valores em reis)

Antas Abade da Igreja de S. Pedro do Castelo de Penalva cura colado 40.000

Castelo de Penalva Marqueses de Cascais abade 900.000

Esmolfe Abade da Igreja de S. Pedro do Castelo de Penalva cura 20.000

Germil Abade da Igreja de S. Pedro do Castelo de Penalva cura anual 6.000

Ínsua Abade da Igreja de S. Pedro do Castelo de Penalva cura 6.000

Lusinde Reitor da Igreja de Pindo cura 10.000

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

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Mareco Abade da Igreja de S. Pedro do Castelo de Penalva cura 20.000

Pindo Coroa vigário 40.000

Real Abade da Igreja de S. Pedro do Castelo de Penalva cura 6.000

Sezures Abade da Igreja de S. Pedro do Castelo de Penalva cura amovível 65.000

Trancoselos* Abade da Igreja de S. Pedro do Castelo de Penalva cura anual 20.000

Vila Cova do Covelo* Abade da Igreja de S. Pedro do Castelo de Penalva cura 30.000

Fonte: Memórias Paroquiais do Concelho de Penalva do Castelo (I.A.N./T.T.- Dicionário Geográfico)

* -Dados de 1732

Analisando a distribuição das receitas monetárias pelas categorias dos

sacerdotes, constatamos uma grande disparidade, que se reflecte no seu maior

beneficiário, o abade de Castelo de Penalva que tinha de renda anual 900.000 reis.

Seguia-se-lhe o sacerdote de Sezures com um valor de 65.000 e o cura das Antas e o

vigário de Pindo, ambos com 40.000 reis. Com os menores rendimentos temos os curas

de Mareco, Germil e de Real todos com 6.000 reis.

QUADRO VII

Distribuição dos Rendimento pela Categoria dos Sacerdotes

Va lores

( e m mi lha res d e re i s )

C ura s V i gá r i os Aba de s

0 — 10 4 - -

11 — 20 3 - -

21 — 30 1 - -

31 — 40 1 1 -

- 41 1 - 1

Fonte: Memórias Paroquiais do Concelho de Penalva do Castelo (I.A.N./T.T.- Dicionário Geográfico)

Comparando as rendas do Abade do Castelo de Penalva com o global do produto

obtido por todos os padres do concelho verificámos que esse sacerdote detinha 77,39%

da totalidade das receitas. Possuidor de um valor económico tão extraordinário, o

sacerdote incorporava ao poder eclesiástico um significativo poderio financeiro, que

fazia dele um dos principais actores da vida organizativa municipal.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

31

Como se pode ver pela transcrição dos interrogatórios, alguns dos templos

eram palco de romarias, às quais se deslocavam inúmeros romeiros em demonstração

de fé. Ainda hoje muitos locais de culto mantêm as suas tradicionais festas em honra

dos seus padroeiros, que tão bem caracterizam a tipificada religiosidade popular das

gentes beirãs.

Fonte: Memórias Paroquiais do Concelho de Penalva do Castelo (I.A.N./T.T..- Dicionário Geográfico)

No concelho existiam as seguintes igrejas e capelas:

QUADRO VIII

Capelas existentes no concelho de Penalva do Castelo

F re g ue s i a P o v o ação C a pe la Lo c a l i zação Propr iedad e/Propr ie tá r i o

Antas

Antas

S. Bento No fundo do Povo para a

parte Sul Pública

N. Sr.ª da Purificação Perto da Igreja Pública

N. Sr.ª da Estrela Perto da Igreja Pública

N. Sr.ª da Conceição Junto às casas de Simão de

Oliveira Simão de Oliveira

Matela S. Nicolau S/l Pública

Matela Velha St.ª Catarina S/l Pública

Quinta da

Moradia N. Sr.ª dos Remédios S/l Pública

Miuzela N. Sr.ª da Conceição S/l Pública

Castelo de Castelo de S. Sebastião S/l Pública

0

100.000

200.000

300.000

400.000

500.000

600.000

700.000

800.000

900.000

Valores em Reis

Cura

das

Ant

as

Aba

de d

o Ca

stel

ode

Pen

alva

Cura

de

Esm

olfe

Cura

de

Ger

mil

Cura

da

Ínsu

a

Cura

de

Lusin

de

Cura

de

Mar

eco

Vig

ário

de

Pind

o

Cura

de

Real

Cura

de

Sezu

res

Cura

de

Tran

cose

los

Cura

de

Vila

Cov

ado

Côv

elo

Sacerdotes

GRÁFICO IIIComparação de Rendimentos dos Sacerdotes do

Concelho de Penalva do Castelo (1758)

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

32

Penalva Penalva

Entre Lages e

Peges Não faz menção ao orago Num pequeno campo Pública

Peges St.ª Catarina S/l

Francisco António de Barros da Qt.ª

da Moita

N. Sr.ª da Paz S/l D. Catarina Bernardes

Aldeia das

Posses N. Sr.ª da Conceição S/l Pública

Vila Mendo S. José S/l Padre Manuel de Gouveia

São Romão S. José S/l Pública

Vales N. Sr.ª do Pilar S/l Pública

Quinta da Lomba N. Sr.ª dos Remédios S/l

Alexandre Luís da Qt.ª de Balsemão

(Lamego)

S. Domingos Num campo João de Lemos de Viseu

Serra de Peges N. Sr.ª da Piedade S/l João de Lemos de Viseu

Casal das Donas N. Sr.ª da Consolação S/l Pública

Sandiães St.º António S/l Pública

Pousadas S. João Batista S/l Pública

S. João Evangelista S/l P.e Domingos do Amaral

Quintãs S. Miguel S/l Pública

Codornelas S. Estevão S/l Pública

Soito de Vide S. Aleixo S/l Pública

St.ª Luzia S/l Pública

Quinta do Rio

Dão N. Sr.ª das Necessidades S/l

Herdeiros do Abade José de

Campos

Cantos

St.ª Barbara S/l Pública

Espírito Santo A pouca distância da

localidade Domingos de Lemos

Amiais S. Francisco S/l Pública

Qta do

Salgueiral N. Sr.ª da Guia S/l

Felipe de Sousa (Assistente em

Viseu)

Esmolfe Esmolfe St.º Ildefonso S/l Pública

Germil Germil N. Sr.ª da Piedade S/l Pública

Ínsua

Castendo Misericórdia S/l Misericórdia

S. Caetano S/l Pública

Sangemil N. Senhora da Esperança S/l Pública

Goje Santa Margarida S/l Pública

Esporões e

Moita Santa Ana S/l Pública

Lusinde Lusinde St.º António S/l Pública

Mareco Mareco N. Sr.ª do Carmo No meio do lugar António Dias Pais

Pindo

Encoberta Espírito Santo S/l Pública

Corga N. Sr.ª da Expectação S/l Pública

Santo Amaro S/l Pública

Casal Diz S. Simão S/l Pública

Roriz St.ª Barbara S/l Pública

Sr.ª da Assunção S/l Pública

St.ª Eulália St.ª Maria S/l Pública

St.ª Catarina S/l Pública

Vila Garcia S. João Baptista S/l Pública

S. Sebastião Num alto Pública

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

33

Real Ribeira N. Sr.ª da Ribeira S/l Pública

N. Sr.ª da Ouvida S/l Pública

Sezures50 Sezures S. Sebastião

Distante do lugar, tiro e

meio de funda Pública

Campina St.º António S/l Pública

Trancoselos

Trancoselos N. Sr.ª da Graça S/l Pública

Lizei Espírito Santo Fora do Povo, num outeiro Pública

S. Silvestre Para Nascente Pública

Vila Cova do

Covelo

Vila Cova do

Covelo

St.º António Dentro do Lugar Pública

N. Sr.ª da Esperança Fora do Lugar Pública

S. Tiago e S. Lourenço Fora do Lugar Pública

Fonte: Memórias Paroquiais do Concelho de Penalva do Castelo (I.A.N./T.T..- Dicionário Geográfico)

S/l- sem localização

A décima terceira pergunta questionava o número de ermidas que a terra

possuía, quais os seus oragos e seu proprietário. No total das respostas

contabilizaram-se 61 templos, pertencendo apenas 21% a proprietários privados com

as suas 13 capelas.

Fonte: Memórias Paroquiais do Concelho de Penalva do Castelo (I.A.N./T.T.- Dicionário Geográfico)

1.2.7. Jurisdições religiosas

Ao abordar-se as instituições e suas jurisdições no concelho durante o Antigo

Regime é obrigatório fazer-se referência às ordens religiosas, mas temos consciência

que é extremamente difícil fazer a leitura transversal de uma implantação que

decorreu desde os primórdios da nacionalidade, face à inexistência documental que tal

investigação acarreta. O domínio das ordens militares ou a jurisdição eclesiástica eram,

50 São atribuídas a esta freguesia 4 capelas, mas apenas vem discriminadas 2.

G R Á F I C O I VD i s t r i b u i ç ã o d o s l o c a i s r e l i g i o s o s s e g u n d o a p r o p r i e d a d e

P ú b l i c a7 9 %

P r i v a d a2 1 %

P ú b l i c a P r i v a d a

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

34

seguramente, as mais importantes das jurisdições privilegiadas, derivando essa

importância da sua própria competência, que compreendia questões puramente

eclesiásticas, associada a uma componente de poder. A esta característica, as ordens

religiosas, aliavam um elemento fundamental que se baseava na sua administração da

corte. Se por um lado, as questões religiosas faziam a demarcação perante as justiças

locais, por outro o seu controlo real permitia-lhes gozarem de isenções político-

jurisdicionais, constituindo-se como uma extensão dominial da coroa, apesar da sua

relativa autonomia e diferenciação51.

Em meados do século XVIII, as ordens militares que possuíam bens no concelho

(Ordem de Malta e Santiago), encontravam-se económica e jurisdicionalmente

debilitadas, não possuindo um controle eficaz das propriedades. Segundo o relato do

Cura António Pereira de Mareco, os moradores da povoação eram reguengueiros

encabeçados da Ordem de Santiago e queixavam-se do não cumprimento dos seus

anteriores direitos e privilégios. Do mesmo modo, os habitantes de Sezures viam as

antigas benesses e jurisdição ameaçadas pela intervenção directa da administração

municipal de Penalva, que tentava organizar e centralizar sob a sua tutela todo o

território concelhio.

Em termos económicos, os rendimentos eclesiásticos são bem diferenciados

quer de sacerdote para sacerdote, quer de Ordem para Ordem. Se por um lado o

rendimento dos párocos é bastante oscilatório, a Ordem de Malta, ao contrário da de

Santiago, que já nada cobrava, recebia um nono de todas as produções do couto de

Sezures — o noviado 52.

A aplicação das justiças municipais não se fazia sentir por todo o concelho da

mesma maneira, sobretudo devido à existência de duas comendas religiosas em

Mareco e Sezures. A primeira era pertença da Ordem de Santiago e os seus moradores

“(...)reguengueiros emcabeçados antigos e grandes privilegios concedidos aos

reguengueiros da ordem de São Thiago(...)”. No entanto, os privilégios já não eram

cumpridos “(...)posto que hoje lhe não são guardados em tudo.(...)”53. São poucos os

documentos que fazem referência a esta comenda, que por estar situada num

importante ponto de passagem viário, deverá ter servido de apoio aos romeiros, tal

51 Hespanha, António Manuel, As Vésperas do Leviathan. Instituições e poder político em Portugal no séc. XVII, Coimbra,

Almedina, 1994, p.417 52 Sobre este assunto consultar memória de Sezures e capítulo sobre as jurisdições religiosas. 53 I.A.N./T.T.- Dicionário Geográfico, vol. 10, m.236, f.1957

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

35

como sugere a tradição popular e uma antiquíssima via cujo topónimo é o caminho dos

Galegos54.

Propriedade da Ordem de Malta, as Terras de Sezures e a Quinta do Mosteiro do

Santo Sepulcro em Trancoselos foram incorporados na comenda de Águas Santas,

passando a ser um ramo desse domínio. Com privilégios e regalias outorgados, o couto

de Sezures foi a 19 de Março de 1745, objecto de uma visitação que tinha como intuito

“(...) visitar, examinar os bens, cazas, foros, passaes, mais pertenças do dito ramo de

Sezures, e para provermos tudo o de que nelle se necessitasse(...)”55. Os visitadores

gerais procuraram obter o maior número de informações inspeccionando as várias

propriedades, inquirindo seis testemunhas e anotando tudo aquilo que não estivesse a

ser cumprido de acordo com as provisões reais e recomendações da comenda.

Sezures gozava um regime de excepção, possuindo a comenda diversos

terrenos agrícolas, matas e “(...)huma corrente de cazas, que correm de nascente a

poente, e constão de huma sobradada e telhada com sua lagea, outra caza terrea e

telhada, que serve para os nossos(...)”56. Algumas das propriedades não estavam bem

cuidadas necessitando de reparações urgentes, o que levou os comendadores a

ordenarem a reparação num prazo máximo de três meses e sob pena de sequestro.

Pelo relato das testemunhas constatamos que a cobrança dos direitos do couto

era tudo menos consensual, sobretudo devido à recusa no pagamento do noviado por

parte dos clérigos que possuíam terras dentro do couto. Como os membros do clero

não estavam livres destes encargos e não podiam de se “(...)eximir de pagar o noviado à

comenda dos fructos, que lavrão nos ditos patrimonios na forma do tombo por ser o

dito noviado encargo real, que passou com a terra na factura dos mesmos

prestimonios, e a que estes sem titulo algum jurídico repugnão pagallo, e outras

pessoas seculares não pagão como devem, do que tudo se pode seguir hum grande

prejuizo à comenda, constituindo-se os devedores em alguma posse, e prescripsam

imemorial, mandamos, que o comendador no termo de seis meses os obrigue a que

paguem na forma do tombo(...)”57.

A disputa existente entre a população e a comenda pela posse de uma mata que

estava dentro dos limites do couto de Sezures gerava confusão e tensão social. Como

54 Em Mareco existe uma casa com a cruz de Santiago gravada na ombreira da porta. 55 I.A.N./T.T.- Conventos, Livro da Visitação da Ordem de Malta, liv. 24, f.127 v 56 Idem. 57 Idem, f.128

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

36

não estava delimitada era utilizada pelos locais para se abastecerem de lenha e

pastarem o gado. Estes direitos não constavam dos usos estipulados pela comenda. Tal

situação levou ao testemunho de José Marques, barbeiro de profissão e declarando no

processo que “(...)por a terra da mata os moradores usurpando e a tem devassado,

aproveitando-se dos matos dos matos, e lenhas, o que hé em grave prejuizo desta

comenda(...)”. Inquiridos Amaro de Oliveira e Manuel Aguiar declaravam que a situação

ao presente se encontrava resguardada e expunham que os abusos ocorriam sobretudo

no tempo das neves. Como mencionavam ainda que de dois em dois anos os seus

matos eram alugados pela confraria do Santíssimo Sacramento, com o beneplácito dos

comendadores de Sezures. Para legitimar os actos, os visitadores ordenaram que se

efectuasse o registo dos alugueres, para que existisse prova dos factos.

Queixavam-se os inquiridores, que o arquivo se encontrava incompleto porque

os tombos, prazos e documentos andavam dispersos por mãos dos procuradores,

mandando que, sob pena de excomunhão, no prazo máximo de dois meses, toda a

documentação fosse restituída à casa da Ordem para serem guardados correctamente

e que não saíssem do “(...)dito archivo se não tirem sem cauza, ou necessidade muito

preciza(...)”.58

Para além de algum dinheiro e devido às características agrícolas deste couto,

os rendimentos eram sobretudo pagos em produtos da terra: centeio, trigo, milho-

miúdo, vinho, galinhas, carne de porco (marrã), etc... Os pagamentos podiam ser anuais

(rendimentos certos) ou terem outra periodicidade (rendimentos incertos).

QUADRO IX

Quadro do rendimento certo do ramo de Sezures da comenda das Águas Santas em 1745

Produto Quantidade Preço unitário

(valor em reis)

Total a pagar

(valor em reis)

Trigo 110

alqueires

300 33.000

Centeio 405

alqueires

200 81.000

Milho 31 alqueires 200 6.200

Vinho 4 almudes 300 1.200

Marrã (carne de

porco)

450 arrateis 50 reis 22.500

58 Idem, f.128v

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

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Galinhas 48 120 2.760

Capões 18 120 2.160

Carneiro 1 500 500

Geiras 8 e 1/2 60 510

Dinheiro - - 29.000

Total - - 178.830

Fonte: Visitações da Ordem de Malta, liv. 24

Os rendimentos totais do couto eram, em 1745, de 243.270 reis pagos

anualmente, excluindo os provenientes da Quinta do Mosteiro do Santo Sepulcro em

Trancoselos e outras regalias59.

Em termos jurisdicionais, a comenda possuía ainda o direito de eleger escrivão,

porteiro ou meirinho para as diligências cíveis do couto e dois capitães “(...)hum maior,

outro menor para a companhia dos privilegiados deste ramo(...)”.60. Tinha obrigação de

pagar ao juiz de Penalva pela administração da “(...)justiça aos moradores deste couto

quinhentos reis em cada hum anno, e outra tanta quantia ao porteiro por fazer as

diligencias da comenda(...)”61 As memórias paroquiais reforçavam a ideia afirmando que

“(...)o povo está sujeito ao juiz ordinario de Penalva, a quem o comendador paga para os

ouvir, e esta tambem sujeito ao corregedor de Vizeu(...)”62.

A 22 de Junho de 1767, aquando de nova visitação, a localização do couto

mosteiro de Santa Maria de Aguas Santas foi descrito como estando “(...)do nascente

para o poente e tem de cumprido athe o arco cruzeiro nove varas, e de largo sinco e

meia, e a capela mor tem sinco de cumprido, e quatro e huma terça de largo, tem a

capela mor seu retabulo antigo apainellado, dourado, e pintado, e nelle se acha a

imagem de Santa Maria de Agoas Santas, de de Villa Nova do Mosteiro em volta, e para

a parte do evangelho se acha em pintura a imagem de Sam João Batistas e para a da

epistola a se Sam João Evangelista, he toda a capella forrada de castanho e ladrillhada

de pedra meuda; e tem na capella mor huma fresta para o norte e outra para o sul,

suas grades de madeira no arco cruzeiro, hum campanario no frontespicio com seu

59 I.A.N./.T.T.- Comenda de Malta, Visitações da Ordem de Malta, liv. 24, f. 135 e 135 v. 60 Idem, f. 131 61 Idem, f. 132 62 I.A.N./T.T.- Dicionário Geográfico, vol.10, m236 1957-1962

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

38

sino, e necessita de algum concerto nos telhados, forro da cappela mor, reboco e

caiamento(...)”63.

As tensões e as recusas derivadas ao pagamento de impostos e tributos por

parte dos moradores, com as justiças de Penalva deviam-se uma vez que “(...) da

Sagrada religião de Malta sempre gozaram os moradores deste couto de Sezures;

tendo-se também introduzido a justiça de Penalva a vexarem-nos e a coimarem-lhe os

gados, e a sogeitarem os moradores a dintas contra o que sempre se praticou pelo

passado(...)”64. Tal intromissão na jurisdição religiosa implicava que “(...)A vista do que

claramente fica exposto e provado nestes autos, acharem este moradores quasi

totalmente revoltados com o pretexto de se não observarem os expressados privilégios,

e de se acharem tam oprimidos com as grandes penhoras que pagão a esta comenda,

do noviado e mais direitos alem do dizimo que pagão a Mitra de Viseu, que

desesperados desertam uns e repugnão os outros de satisfazeerem o que devem para

com este ramo de Sezures(..)”65. Por tudo isto, os visitadores ordenavam a intervenção

directa do comendador junto das populações e recomendavam ao comendador que

solicitasse a intervenção real, para acabar com a situação de vexame e de opressão,

em que se encontravam os moradores. Justificava-se ainda que estes privilégios eram

antiquíssimos e desde sempre estipularam que nenhuma justiça de Penalva entrasse

no ramo, excepto em matérias de crime, estando os moradores livres e isentos dos

“(...)cargos do concelho e encargos dele, e de coimas, jugadas, fintas e talhas e pedidos,

por uma provisão de El rei D.Afonso Henrriques confirmada por El rei D.Sebastião(...)”66.

As rendas que a Ordem recebia do deveriam ser renovadas de três em três

anos,67 mas em 1767, os rendimentos totais das diversas propriedades espalhadas pelo

concelho eram os seguintes:

QUADRO X

Rendimento das propriedades do Couto em Sezures em 1767

Produto Quantidade Preço

unitário

Total

Milho 420 alqueires 200 reis o alqueire 84.000 reis

63 I.A.N./T.T.- Conventos, Livro da Comenda de Malta, liv. 19, f.274v 64 Idem, 283 v 65 Idem 66 Idem, f.289 67 Idem, f. 278

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

39

Trigo 90 alqueire 300 reis 27.000 reis

Venda da lauda retro - - 111.reis

Marrã 9 arrobas 1600 reis 14.400 reis

Galinhas e capões 55 120 6600

Dinheiro pago - - 30.000

Total - - 162.000 reis

Fonte: IANTT- Conventos, Livro da Comenda de Malta

QUADRO XI

Rendimento do Mosteiro do Santo Sepulcro em 1767

Produto Quantidade Preço

unitário

Total (em

reis)

Renda dos caseiros 16.6000

Castanha 4 alqueires 100 reis 400 reis

Milho grosso 60 alqueires - 200 reis cada - 12.000

Marrã 5 arrobas 1600 8.000

Galinhas e capões 10 120 1200

Dinheiro pago - - 1800

Total - - 219. 400

Fonte: IANTT- Conventos, Livro da Comenda de Malta

QUADRO XII

Rendimento da Ordem de Malta no Couto de Sezures em 1767

Produto Quantidad

e

Preço

unitário

Total (em

reis)

Observaçõe

s

Milho 40 alqueires 200 reis o alqueire 80.000 Pagamento da

novena

Centeio 50 200 reis 1.000

Trigo 5 alqueire 300 reis 1500

Linho 20 augadouros 80 reis 1600

Vinho 30 almudes 240 7200

Venda da lauda

retro

247.500.

Casas

arrendadas

2.000

Fogos

arrendados aos

moradores

35.000

Dinheiro pago 30.000

Total 284.500

Fonte: IANTT- Conventos, Livro da Comenda de Malta

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

40

Um ano depois, em 1768, aquando de nova visitação ao ramo de Sezures, os

testemunhos registados dão conta de que os moradores já não cumpriam com o

pagamento do noviado, pois a justiça de Penalva, outrora confinada às justiças do

crime, sobrepunha-se à jurisdição do ramo mandando e executando em material cível.

As tensões agravavam-se e a população acusava o concelho de Penalva de não

respeitar os privilégios e isenções de que gozavam, pois frequentemente lançavam

multas e impostos para a construção de pontes, manutenção dos órfãos, etc...

Desculpavam-se do não cumprimento das suas obrigações perante a comenda

alegando que estavam “(...)oprimidos com tantos pezos, e tributos, e privos da

liberdade, que tinhão pello passado se pugnação hoje de pagar o noviado que se pugnão

hoje de pagar o noviado que devem(...)”. 68 Mas, só em finais de setecentos, a 26 de

Novembro de 1790, é que o senado estipulou que os moradores de Sezures não

deveriam pagar siza, de acordo com as determinações e isenções da Ordem de Malta.69.

Por forma a não existirem dúvidas sobre os limites territoriais da jurisdição, a 12

de Abril de 1768, foram afixadas na fachada do pelourinho de Castendo, os éditos da

visitação70 que se iria fazer para se determinar o tombo dos bens deste ramo, que tinha

“(...) em as terras da quinta e seu circulo de cumpimento do nascente a poente

começado no simo do penedo da boca aonde esta huma cruz de malta athe o penedo de

extrema aonde esta outra crus de malta que ambas elle dito juiz mandou formar ao

picam tem settecentas e noventa e duas varas de sinco palmos cada huma de largo e

do norte ao sul começando desde o rio Dam athe ao simo da varzia e outro que ahi há

tem settecentas e vinte varas levaram de semeiade uvas as terras que da dita quinta se

semea pam e cultivam duzentos e trinta alqueires de pam entramdo as terras do Prazo

que foi de Donna Luiza que vai já metida nesta medição e demarcaçam da quinta em

circuito(...)”71. As propriedades estendiam-se por uma vasta área, que abrangia as

actuais freguesias de Sezures, parte de Castelo de Penalva e de Esmolfe, terminando

em Trancoselos72.

68 I.A.N./T.T.- Conventos, Livro de Visitação Ordem de Malta, nº.19, f. 281. 69 ACMPC/ADT/ADT-VER/ f. 36 70 I.A.N./T.T. -Comendas de Malta, Tombo da Comenda de Águas Santas e Sezures, 1768-1771, 3 vol., nº de Ordem 13,

P.6 71 Idem, 19v 72 Actualmente podemos encontrar quatro marcos graníticos com a cruz de malta gravada que outrora delimitavam as

propriedades da Ordem de Malta em Sezures. Através do seu estudo e de informações recolhidas no local tudo nos leva a

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

41

Concluindo, é justo afirmar que a igreja apresentava no concelho de Penalva

dois tipos de jurisdição/poder. Um, directo, era exercido por um clero regular baseado

nas suas paróquias com rendimentos certos provenientes da côngrua que os seus fiéis

pagavam. O segundo, indirecto, provinha de uma jurisdição antiquíssima que a Ordem

de Malta detinha numa faixa territorial que ia de Sezures até ao Mosteiro do Santo

Sepulcro. Já sem grande impacto, mas ainda dentro desta tipologia surgia Mareco,

pertença outrora da Ordem de Santiago, cujos direitos e privilégios tinham ficado

esquecidos no passar dos séculos.

crer que esta jurisdição tinha a configuração que ia de Sezures ao Mosteiro do Santo Sepulcro, abrangendo todo o vale

do Dão e algumas propriedades em Castelo de Penalva

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

42

1.3. ESPAÇO E PODER

A evolução político-administrativa do concelho de Penalva do Castelo é um caso

único em Portugal, mas bem representativa da ascensão e queda de alguns concelhos.

Em 1527, o município possuía “(...)duas cabeças huma se chama o castello em que esta

a Igreja em hum paço do Comcelho em que se ffazem as audienciaas e outra cabeça do

comcelho he o lugar de castemdo em que está outro paço do comcelho no qual outro sy

se ffazem as audiencias de per meyo(...)”73.

Delimitado geograficamente pelos pequenos concelhos de Povolide, Tavares,

Azurara, Algodres, Matança, Penaverde, Ladário, Golfar e Rio de Moinhos, o município

Penalvense possuía, comparado com os seus vizinhos, uma histórica coesão territorial,

que muito provavelmente virá desde a sua fundação74. As reformas administrativas dos

primeiros anos do Liberalismo reestruturaram o reino, suprimiram inúmeros

concelhos e aglomeraram os seus territórios, dando origem a um novo mapa

municipal, mais aproximado daquele que actualmente conhecemos.

Se compararmos as dimensões dos municípios vizinhos de Penalva, vemos que

o concelho possui uma dimensão considerável. A explicação desta grandeza territorial

deve-se fundamentalmente às sucessivas doações a diversos personagens da história

portuguesa, colocando o concelho sobre o poder senhorial tipificado, que constitui a

base da inalterabilidade hegemónica do concelho de Penalva, numa Beira municipal

extremamente pulverizada e miniaturizada.

O estudo das relações de poder passa obrigatoriamente pela análise das relações

dinâmicas do espaço. De facto é dentro da dialéctica Espaço/Poder, que se move todo

um contexto político administrativo concelhio, oscilando entre a antiga vila do Castelo

de Penalva e Castendo. Esta última desempenhava um papel predominante em termos

de execução da jurisdição judicial, pois aqui se encontravam sedeados os órgãos e

equipamentos estruturantes do poder concelhio.

Um factor que contribuiu para alterar o cenário administrativo e espacial foi a relação

de centralidade. A prová-lo está a modificação ocorrida com a primeira localização da

cabeça do concelho em Castelo de Penalva. Para analisarmos melhor tais modificações

torna-se pertinente recuarmos até à época da reconquista. Assim, verificamos que as

condições geo-estratégicas de defesa necessárias para uma guerra de razias sazonais,

73 I.A.N./T.T. - Cadastro da População do Reino, Núcleo Antigo, 895, doc.1527, f.102 v. 74 Apesar de não sabermos qual a delimitação territorial, aquando da fundação do município, a documentação mais antiga

conhecida demonstra-nos que as Terras de Penalva tinham uma configuração geográfica muito semelhante à actual.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

43

implicavam uma localização da população em sítios altos, de difícil acesso favoráveis,

por isso mesmo, às condições de defesa. Para além destas características, Castelo de

Penalva possuía uma circunscrição bastante táctica, protegendo todo o vale do Dão e

controlando uma antiga estrada e ponte romana que constituíam importantes pontos

de travessia.

Com o recuo do infiel e consequente cessar das hostilidades, as populações

procuraram locais mais produtivos e adequados às práticas agrícolas, em detrimento

dos lugares de defesa. Situado num planalto, Castendo detinha o privilégio de ser

atravessada por uma via que fazia a ligação entre Trancoso e Viseu, duas das mais

importantes urbes da Beira de então. Além dos comerciantes e almocreves que por

aqui passavam a negociar as suas mercadorias, o correio que servia o concelho

utilizava também este itinerário.

Outro factor condicionante da modificação do cenário político-administrativo

verificou-se quando as famílias mais poderosas do concelho procuraram Castendo e as

suas proximidades, para aí se estabelecerem, procedendo assim a uma alteração geo-

política da centralidade municipal do concelho de Penalva do Castelo.

Ao analisarmos as indicações fornecidas pelo Cadastro da População do Reino75 e as do

sacerdote do Castelo de Penalva76 notamos que tal modificação foi gradual, e só na

primeira metade do séc. XVIII, é que as audiências começaram a desenrolar-se

exclusivamente em Castendo, pois a 16 de Fevereiro de 1719, a reunião de Câmara

realizou-se ainda nas Casas da Câmara de Castelo de Penalva, indiciando a rotatividade

municipal já expressa77.

Com o que ficou patente, a alteração do panorama político/espacial do

município, através do estabelecimento das funções orgânicas do Concelho em

Castendo, passa por uma “atracção” da dinâmica/importância social das elites aí

sediadas, conjugada com uma ingestão administrativa, por parte dos grupos sociais de

Castelo de Penalva, das suas estruturas organizacionais do poder78. Exemplo revelador

desta atracção é a explicação do abade do Castelo de Penalva:“(...)E me persuado que

assim sucedeo; por aquela vizinhança ser mais poderosa; e não porque algum dos

75 I.A.N./T.T.- Cadastro da População do Reino, Núcleo Antigo, nº 825, f.1. 76 I.A.N./T.T.- Dicionário Geográfico, vol. 10, m.220, f.1441. 77 ACMPC/ADM/ADT-VER/006, f.21v 78 Hespanha, António Manuel, As Vésperas do Leviathan. Instituições e poder político em Portugal no séc. XVII, Coimbra,

Almedina, 1994, p. 85.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

44

Senhores Monarcas deste Reyno a criasse villa; porque ainda as ordens que saim dos

Tribunaes, senão dirigem a ella, mas a villa de Castello(...)”79.

Em termos de espaço e poderes periféricos, importa ainda referir a inserção de

Penalva na ouvidoria do Marquês de Penalva e na comarca e provedoria de Viseu. Se no

primeiro caso o Ouvidor podia residir num concelho vizinho ou no próprio, no segundo

tanto o corregedor como o provedor desempenhavam as suas funções a partir de Viseu.

Concluindo, podemos afirmar que aos factores já descritos devemos ainda

somar os problemas da centralidade e acessibilidade, bem como os serviços do correio.

Só assim será possível um melhor entendimento da alteração geográfica deste órgão

da administração periférica da Corte. Desta forma, o intercalar das audiências entre as

vilas do Castelo e de Castendo, gerava uma rotatividade geográfica das justiças

municipais e suas interacções, que só acabaria no princípio do XVIII, com o

estabelecimento definitivo da sede do concelho em Castendo.

79 I.A.N./T.T.- Dicionário Geográfico, vol. 10, m.220, f.1441.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

45

1.4. RECEITAS E DESPESAS

Para além de possibilitar uma acção municipal mais vasta, a existência de

capacidade financeira numa autarquia do Antigo Regime significava um importante

instrumento de poder da instituição municipal e das gentes da governança. A gestão

dos bens municipais e a cobrança de impostos variam de concelho para concelho

realçando ainda mais as diferenças de um pulverizado mundo autárquico dos finais do

Antigo Regime. São estas particularidades que reunidas com a gestão conjunta dos

rendimentos reais e da comunidade potenciam o município como o garante local da res

publica.

Elemento de primordial importância para o estudo da gestão financeira do

concelho de Penalva do Castelo entre 1755 e 1834, a documentação não abunda, e

dependemos exclusivamente de apenas um livro de receitas e despesas que abrange os

anos de 1787 a 1802. Durante dezasseis anos foram registadas informações sobre a

vida económica da autarquia, que revelam quais as fontes de rendimento, despesas,

apresentação de contas e a sua aprovação pelos provedores da comarca de Viseu. No

entanto, importa referir que ao contrário da tipologia documental de outros municípios

já estudados, em Penalva do Castelo não nos chegou até nós nenhum livro de coimas e

multas, apenas existindo registos para o ano de 1802. Um estudo atento permite-nos

observar a forma como a actividade municipal era exercida, como se obtinham as

receitas e quais as despesas produzidas. É pois entre sucessivos movimentos

financeiros, cuidadosamente registados, que a edilidade empreendia as suas acções de

governança, diversificadas por várias áreas.

Um dos principais instrumentos do governo municipal assentava na boa gestão

das finanças do concelho. Se por um lado a existência de uma saúde financeira

razoável implicava uma maior autonomia da vereação, por outro ela era um

instrumento fundamental para a boa administração dos munícipes. Por tudo isto,

determinavam as Ordenações que os vereadores eram obrigados a “(...)saber, e ver, e

requerer todos os bens do concelho, como são propriedades, herdades, casas e foros,

se são aproveitados como devem(...).80 De facto, a boa gestão financeira era

extremamente necessária devido às inúmeras dificuldades de liquidez com que os

pequenos municípios se debatiam. Neste sentido, e caso as potencialidades/bens do

concelho não estivessem a ser bem geridas, os vereadores deveriam modificar essa

80 Ordenações filipinas, titulo LXVI, 2.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

46

situação procurando maximizá-los, retirando deles todo o rendimento e os “(...) que

acharem mal aproveitados, fa-los-hão aproveitar e concertar(...)”81.

Era aos homens encarregues do regimento da terra e das obras do concelho e

aos procuradores que competia zelar e administrar as finanças da autarquia, uma vez

que ao longo da documentação estudada não se encontrou a figura do tesoureiro e de

acordo com a legislação da época “(...) onde não houver thesoureiro, seja carregada

sobre o tal procurador, do qual dinheiro se não faça cousa alguma sem nosso

mandado(...)”82.

Pela observação das actas de vereação verificamos a importância vital com que

se revestiam as finanças municipais, sobretudo pelo cuidadoso e constante trabalho de

nomeação de recebedores e fintadores para a sisa, décima, terça real, fintas etc... São

inúmeras as deliberações que se preocupam com a nomeação de pessoas cujas

funções se prendiam com a arrecadação de impostos e com a administração dos bens

concelhios, porque sem cobradores não havia dinheiro para a máquina municipal

funcionar.

QUADRO XIII

Receitas e despesas da Câmara Municipal de Penalva entre 1787 e 1802

Fonte A.C.M.P.C./ACMPC/ADM/ECF-RDE/002

81 Idem 82 Ibidem

Anos Receitas Despesas Terça Rendimento l íquido Saldo

1787 137110 101490 45703 86697 -14793

1788 157780 115853 52593 87687 -28166

1789 204720 112153 68240 132410 20257

1790 204010 104723 68003 135424 30701

1791 190090 109840 63363 133328 23488

1792 172690 114930 57563 115127 197

1793 163245 107362 54415 108830 1468

1794 176450 119676 58816 119102 -574

1795 175900 103538 58633 117267 13629

1796 220000 117199 73333 146667 29468

1797 223700 142700 74566 149134 6434

1798 201850 102444 67283 134567 16279

1799 238935 136046 79645 135892 -154

1800 265390 146020 88563 152587 6567

1801 297600 151126 99200 198400 17274

1802 299890 128454 99762 171436 71674

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

47

A documentação existente revela-nos que os registos eram feitos pelo escrivão

que depois os submetia ao provedor da comarca de Viseu, ou ao seu substituto. Era

esta personagem que supervisionava as finanças municipais, verificando e fiscalizando

as receitas e despesas. Depois da criação do lugar de juiz de fora e da tomada de posse

do Dr. Joaquim Pereira da Silva Couto, este surge como entidade fiscalizadora e nas

contas referentes ao ano de 1799, recusando a apresentação dos resultados e

escrevendo pelo seu próprio punho no auto “(...)risquei por não virem na forma

dada(..)”83. Neste ano tentaram-se fazer mais duas apresentações de contas, mas

existiram sempre problemas com a entrega do dinheiro que tinha sobrado acabando

por serem conferidas pelo Dr.Joaquim da Costa Pereira a 5 de Setembro de 1801

enquanto provedor comissário da provedoria de Viseu. As de 1800 também lhe foram

apresentadas, mas continham ainda uma recomendação do Dr. Joaquim Pereira da

Silva Couto para que as contas fossem lançadas na conformidade da lei fazendo verba

em cada huma da despesa 84.

Para além das cobranças e gestão dos seus recursos financeiros próprios ao

senado municipal recaía a tarefa de implementar e coordenar uma rede local de

cobradores de impostos reais que possibilitava às elites autárquicas uma intervenção

directa nas áreas municipais da economia, sociedade e instituições.

83 AMCPC/ADM/ECF-RDE/002, f. 67 84 Idem, f. 69

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

48

GRÁFICO VA evolução das finanças municipais entre 1787 e 1802

-50000

0

50000

100000

150000

200000

250000

300000

350000

1787 1788 1789 1790 1791 1792 1793 1794 1795 1796 1797 1798 1799 1800 1801 1802

Anos

Valo

res e

m re

is

Rendimento bruto

Terça

Rendimentolíquido doConcelhoDespesas

Saldo

1.4.1. Receitas

A importância das receitas e a gestão dos bens do município eram fundamentais

para toda actividade autárquica de um município de cariz rural.

Os principais rendimentos do município Penalvense, entre 1787 e 1802,

provinham sobretudo das cobranças das correições, coimas e condenações, foros e do

aluguer de bens próprios (casa do Castelo), das rendas dos campos e dos escassos

acréscimos financeiros dos anos transactos. No entanto, ao contrário de outros

municípios rurais vemos que o grosso das receitas não advém das

propriedades/direitos aforados, mas sim das correições e das cobranças das coimas e

condenações.

0

50000

100000

150000

200000

250000

300000

Valores em reis

1787 1788 1789 1790 1791 1792 1793 1794 1795 1796 1797 1798 1799 1800 1801 1802

Anos

GRÁFICO VIDistribuição das receitas por items (1787-1802)

Correições

Coimas/condenações

Foros

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

49

Pelos registos dos autos de câmara, ficamos a saber que a autarquia

complementava as suas receitas com outras fontes de rendimento como a cobrança de

fintas, das sisas, arrematações do açougue, etc..., mas tais receitas não entravam no

compito anual do activo sendo registado ocasionalmente nas actas da vereação.

Competia ainda à câmara colocar todas as rendas em pregão, mas destas o

senado Penalvense apenas costumava arrematar publicamente o açougue por um

período anual, mas também tal proveito não surge discriminado.

Durante dezasseis anos o município Penalvense viu as suas receitas a evoluírem

tendencialmente, apresentando pequenas retracções nos anos de 1792, 1793, 1795,

1798 e 1802.

Como fica bem patente nos gráficos exibidos, o grosso das receitas provinha das

coimas e condenações (65%) cobradas pelo município, sendo seguidas dos réditos das

correições (33%) e pelos foros e arrendamentos. Apesar de não ser um pequeno

município, se atendermos às diminutas dimensões dos concelhos vizinhos, Penalva do

Castelo tinha uma característica financeira típica dessas autarquias, uma vez que a

importância das receitas das coimas e condenações era primordial, assumindo

relevância acrescida, uma vez que tinham proveitos das rendas e aforamentos

GRÁFICO VIIEvolução das receitas do Concelho

0

50000

100000

150000

200000

250000

1787 1788 1789 1790 1791 1792 1793 1794 1795 1796 1797 1798 1799 1800 1801 1802

Anos

Valo

res e

m re

is

Rendimento líquido do Concelho

GRÁFICO VIIIItems das receitas por percentagem

Correições33%

Foros/arrendamentos

2%

Coimas/condenações65%

CorreiçõesCoimas/condenaçõesForos/arrendamentos

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

50

substancialmente pequenos. Por outro lado, são pouco frequentes as discriminações

das coimas e dos seus intervenientes, não nos permitindo uma noção completa da

forma de aplicação e cobranças.

1.4.1.2. A s f i n t a s

Geralmente mais rigorosas eram as cobranças das fintas85, nas quais existia

uma preocupação acrescida na nomeação de cobradores e recebedores, para

efectuarem a cobrança destes “extras financeiros”.

As obras extraordinárias exigiam receitas suplementares que se obtinham

através da repartição das fintas por toda a população. Todavia, o procedimento estava

sujeito à autorização do corregedor da comarca e muitos elementos da comunidade

encontravam-se “escusos” do pagamento. Os livros de actas da câmara revelam-nos

85 Entenda-se por finta, as contribuições municipais lançadas quando os rendimentos do concelho eram insuficientes para

fazer frente a determinadas despesas. Era um tributo proporcional aos rendimentos e bens do cidadão.

GRÁFICO XObjectivo das fintas

Obras públicas55%

Assistência social45%

020000400006000080000

100000120000140000160000180000200000

Valores em reis

1787 1788 1789 1790 1791 1792 1793 1794 1795 1796 1797 1798 1799 1800 1801 1802

Anos

GRÁFICO IXRendimento líquido do concelho (1787-1802)

Rendimento líquido do Concelho

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

51

que o senado da autarquia Penalvense usava frequentemente este tipo de impostos

para arranjar fundos financeiros para a assistência social (expostos) ou para a

realização de obras públicas.86 Confirmando ainda mais a debilidade económica da

edilidade estão as diversas nomeações/colocações ou substituição de fintadores,

demonstrando a atenção e a importância de tais receitas para a prossecução das

actividades autárquicas. Entre 1752 e 1812 foram lançadas 33 fintas destinando-se 18 a

obras públicas e 15 à assistência social dos órfãos.

Prova das evidentes astenias financeiras do município é a utilização do dinheiro

que sobrou de uma finta destinada a uma ponte no rio Dão, para a reparação da casa da

câmara. Se analisarmos a proveniência final das verbas relacionadas com as obras

públicas verificamos que metade das fintas se destinavam a financiar construções fora

do termo concelhio, destacando-se as calçadas de Celorico da Beira e a edificação de

pontes sobre os rios Vouga e Côa. As fintas para obras municipais estão todas

interligadas com a construção ou reconstrução de pontes e pontões, realçando-se as

dos rios Ludares e Dão e outras junto das povoações do Lamegal, Mareco, Boco e

Quinta da Ponte.87

86 São frequentes as intervenções do corregedor para que a autarquia aplique fintas que se destinam a obras públicas fora

do concelho. 87 Em 1781 foi colocada uma finta para a reparação da Ponte de Porcas.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

52

1.4.2. Despesas

A gestão das despesas era uma das principais preocupações dos vereadores.

Com a falta das receitas os gastos eram parcos, obedecendo a sua discriminação

anual, a um ritual sistemático. Incidiam sobretudo nas propinas e ordenados dos

funcionários municipais, aquisição de materiais e pequenos concertos de edifícios

municipais (câmara, cadeia e nas despesas com procedimentos

judiciais/administrativos (aquisição de livros, correio, eleições, correições,

apresentação de contas ao provedor).

Tal como em outros pequenos concelhos, a vereação recorria muitas vezes aos

seus recursos financeiros ou à terça real para colmatarem as despesas do município.

Desta forma os vereadores atrasavam sistematicamente a entrega das verbas reais

para fazerem frente às diversas despesas. A dificuldade financeira com que as gentes

da governança se debatiam era patente chegando por vezes a situações de evidentes

problemas como com o que sucedeu com a apresentação das contas de 1799,

provocado por uma dívida de 4083 reis que o município detinha para com os vereadores.

Para uma mais fácil compreensão da gestão financeira da câmara de Penalva

do Castelo optou-se por se dividirem as despesas nas seguintes categorias:

0

10000

20000

30000

40000

50000

60000

70000

80000

Valores em reis

1787 1788 1789 1790 1791 1792 1793 1794 1795 1796 1797 1798 1799 1800 1801 1802

Anos

GRÁFICO XIDistribuição das despesas municipais por categorias

Ordenados e Propinas Expediente municipal Ordens e comunicaçõesAq. materiais, concertos e o. públicas Despesas eleições JustiçaCorreições Foros Assist. socialColeta da U.C. Outr. despesas

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

53

1.4.2.1. O r d e n a d o s e P r o p i n a s

Significava o grosso das despesas 59%, abrangendo os salários e propinas dos

funcionários/oficiais do município (carcereiro, porteiro, escrivão, sargento-mor,

contador, etc...). De todos o que tinham maior ordenado era o escrivão que durante os

dezasseis anos estudados obteve sempre um rendimento anual de 43.200 reis. Os

ordenados do carcereiro e do porteiro foram evoluindo, tendo os funcionários, passado

a auferir um significativo acrescento financeiro.

Na documentação estudada não surgem referências ao pagamento de

determinadas profissões municipais que estão estipuladas nas actas tais como: o

médico do concelho, os juízes dos ofícios, meirinho, monteiro-mor, etc..., o que nos leva

a supor que nem todas as despesas relacionadas com o pagamento de remunerações

dos agentes municipais passava por estas verbas.

Nas despesas existe uma tendência evolutiva que é interrompida em 1792, 1794

e 1798, sobretudo devido à inexistência de pagamentos a alguns funcionários

municipais. Como é rapidamente entendido, tal progressão deve-se a um aumento

substantivo das remunerações dos cargos públicos.

1.4.2.2. E x p e d i e n t e m u n i c i p a l

Abrange despesas relacionadas com a administração municipal, com as suas

actividades e gastos de material de expediente. Assim aqui são contabilizados os

dispêndios com a aquisição de livros, despesas com as contas, petições não

especificadas, mandados, pagamentos a portadores de livros, etc... Ao todo

contabilizavam apenas 4% das despesas totais, demonstrando que a ineficiência de

recursos financeiros se traduzia na própria administração municipal. Em 1790, 1793 e

1794 as despesas reduziram-se tendo-se despendido 500 reis. Por outro lado, 1799

GRÁFICO XIIEvolução das despesas com ordenados e propinas

0

1000020000

3000040000

5000060000

7000080000

90000

1787 1788 1789 1790 1791 1792 1793 1794 1795 1796 1797 1798 1799 1800 1801 1802 Anos

Val

ores

em

reis

Ordenados e Propinas

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

54

representa o ano em que mais se gastou (16306 reis) no expediente camarário,

contribuindo para isso o pagamento de umas “ordens expedidas.”

1.4.2.3. O r d e n s e c o m u n i c a ç õ e s

Numa época em que a transmissão de informações se processava com bastante

dificuldade e eram fundamentais para a gestão municipal, as contas da autarquia

revelam bem a importância que este item tinha ao representar 22 % das despesas

totais ao longo destes dezasseis anos. Eram as ordens do poder que permitiam a

gestão e a implementação das directrizes reais e senhoriais, para além de serem um

instrumento fundamental na emissão e conhecimento das resoluções do senado. Os

valores despendidos variam entre os 12248 reis de 1795 e os 53500 reis de 1797, sendo

o ano de 1792 uma excepção devido à inexistência de relações de despesa com

ordens/comunicações do poder.

Em 1801 existe uma referência curiosa a uns próprios que o juiz mandou em

tempo de guerra (guerra das Laranjas) para várias partes nos quais foram gastos 1960

rs 88.

88 ACMPC/ADM/ECF-RDE/002, f. 72 v

GRÁFICO XIIIDespesas municipais com expediente municipal

02000400060008000

10000120001400016000

1787 1788 1789 1790 1791 1792 1793 1794 1795 1796 1797 1798 1799 1800 1801 1802 Anos

Valo

res e

m re

is

Expediente municipal

GRÁFICO IVDespesas municipais com ordens e comunicações

0100002000030000400005000060000

1787 1788 1789 1790 1791 1792 1793 1794 1795 1796 1797 1798 1799 1800 1801 1802 Anos

Valo

res e

m re

is

Ordens e comunicações

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Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

55

1.4.2.4. D e s p e s a s c o m a a q u i s i ç ã o d e m a t e r i a i s , c o n c e r t o s e

o b r a s p ú b l i c a s

Como já ficou patente a falta de receitas condicionava a realização de

melhoramentos e de obras públicas de envergadura, limitando-se o senado a efectuar

pequenos arranjos na casa da câmara, nos móveis, na cadeia, etc...

Durante o período estudado as despesas relacionadas com as obras públicas

não tiveram uma grande importância, apenas existindo referências a cinco

empreendimentos, destacando-se os concertos da casa da câmara em 1787 (480 reis) e

o arranjo das janelas, portas e ferragens dos Paços do Concelho. Outras despesas

relevantes ocorreram em 1795 (concerto do badalo do sino da cadeia, que orçou os

1750 reis), 1800 (concerto dos ferros e da cadeia - 4950 reis) e 1801 (arranjos na Casa

da Câmara — 700 reis). Tais tarefas não são obras de vulto, mas simples concertos

esporádicos. Se a este ponto juntarmos os registos de actas de câmara, que versam

sobre o mesmo tema, constatamos uma notória debilidade financeira do município, que

se traduz na incapacidade de financiar empreendimentos mais significativos, sem

recorrer ao lançamento de fintas.

1.4.2.5. J u s t i ç a

Uma das principais preocupações da vereação municipal prendia-se com o

cumprimento e execução da justiça, através da aplicação das coimas, devassas,

embargos, condução de presos, reparação de ferros da cadeia, etc... Ao longo dos anos

as despesas judiciais foram pontuais (1787, 1799, 1800 e 1801) significando 1% dos

gastos totais. Neste espaço de tempo estudado o ano com maior relevo foi o de 1799

com 3300 reis despendidos em três levas de presos para Viseu.

GRÁFICO XVDespesas municipais com aquisição de materiais, concertos e obras públicas

0

5000

10000

15000

1787 1788 1789 1790 1791 1792 1793 1794 1795 1796 1797 1798 1799 1800 1801 1802Anos

Valo

res e

m re

is

Aq. materiais, concertos e o. públicas

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

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56

1.4.2.6. D e s p e s a s c o m a s e l e i ç õ e s m u n i c i p a i s

A presente categoria compreende as despesas com as eleições para as justiças

municipais através do pagamento dos intervenientes no acto (corregedor, menino para

tirar os pelouros, ouvidores, escrivão, etc...) e das reparações dos símbolos do poder

local — as varas.

À excepção de 1798, em todos os outros anos a fazenda municipal desembolsou

diversas verbas com a eleição do executivo. Com uma média anual de 5511 reis, os

gastos atingiram o seu máximo em 1789 com 12.060 rs, representando 5% do total das

despesas.

GRÁFICO XVIIDespesas municipais com eleições

02000400060008000

100001200014000

1787 1788 1789 1790 1791 1792 1793 1794 1795 1796 1797 1798 1799 1800 1801 1802 Anos

Valo

res e

m re

is

Despesas eleições

7

GRÁFICO XVIDespesas municipais com a Justiça

0100020003000400050006000700080009000

1787 1788 1789 1790 1791 1792 1793 1794 1795 1796 1797 1798 1799 1800 1801 1802 Anos

Valo

res e

m re

is

Justiça

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

57

1.4.2.7. C o r r e i ç õ e s

Sob este título tivemos em conta os custos relacionados com as actividades do

ouvidor (até 1790) e dos agentes do poder central (corregedor, provedor,

desembargador, ajudante da comarca, etc...), que ao todo perfazem 5% dos gastos

municipais, tendo atingindo o seu auge em 1792, com 10460 reis (resultantes das

audiências do corregedor e do ordenado do ajudante da comarca) e o seu ponto mais

baixo em 1787 (3400 rs).

1.4.2.8. F o r o s

Refere-se apenas ao pagamento do foro da casa da câmara. É um custo

constante, que apesar de não mencionado em 1787, mantém-se inalterável ao longo de

dezasseis anos, sendo pouco significativo em termos globais (3600 rs).

GRÁFICO XVIIIDespesas municipais com Correições

0

2000

4000

6000

8000

10000

12000

1787 1788 1789 1790 1791 1792 1793 1794 1795 1796 1797 1798 1799 1800 1801 1802 Anos

Valo

res e

m re

is

Correições

GRÁFICO XIXEvolução das despesas municipais relacionadas com Foros

050

100150200250300

1787

1788

1789

1790

1791

1792

1793

1794

1795

1796

1797

1798

1799

1800

1801

1802

Anos

Valo

res e

m re

is

Foros

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

58

1.4.2.9 A s s i s t ê n c i a s o c i a l

Os gastos discriminados com a assistência social são muito pequenos existindo

apenas a atribuição de esmolas a pobres no ano de 1789. Curioso é a não referência a

qualquer pagamento de despesas relacionadas com os expostos (pagamento de amas,

roupas, etc...), uma vez que o tema é abordado inúmeras vezes nas reuniões de

câmara. Pela documentação consultada, e tal como as obras públicas, as despesas

autárquicas relacionadas com este item eram suportadas por fintas específicas.

1.4.2.10. C o l e c t a d a U n i v e r s i d a d e d e C o i m b r a

Conjuntamente com os foros os custos com a Universidade de Coimbra são os

mais regulares, não tendo sido contabilizados no ano de 1793. Representam 3% das

despesas totais e são o contributo municipal para o funcionamento dessa instituição

educativa.

1.4.2.11. O u t r a s d e s p e s a s

São os desembolsos financeiros da edilidade com matérias não especificadas ou

esporádicas como: lutos (colocação de um pano preto no pelourinho) em 1787; as

dívidas transactas, em 1792 e o vestuário dos funcionários municipais, em 1797.

GRÁFICO XXEvolução das despesas com a coleta da Universidade de Coimbra

0500

10001500200025003000350040004500

1787 1788 1789 1790 1791 1792 1793 1794 1795 1796 1797 1798 1799 1800 1801 1802Anos

Valo

res e

m re

is

Coleta da Universidade de Coimbra

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

59

1.4.3. A T e r ç a R e a l

Uma das principais actividades financeiras do município prendia-se com o

custeamento dos gastos da administração central — a Terça Real. Antiquíssimo

imposto, a sua cobrança competia ao tesoureiro, mas como em Penalva do Castelo o

cargo não existia, as competências transitavam para o procurador.

No início revertia para suprimir os gastos com as defesas dos municípios,

sobretudo na reparação de muralhas, castelos, etc...89. Mais tarde a situação alterou-se

e a terça ia direito para o Erário Real dando origem, a que de todos os rendimentos do

concelho, o monarca tinha direito a uma terça parte. Para além de exigir aos

municípios um maior esforço na colecta dos impostos, acabava por remeter as finanças

autárquicas para segundo plano, uma vez que essa importância era determinada sobre

a colecta total e não sobre o saldo final.

89 Ordenações Filipinas, L.I, 62, p.67

GRÁFICO XXIOutras despesas municipais

01000200030004000500060007000

1787 1788 1789 1790 1791 1792 1793 1794 1795 1796 1797 1798 1799 1800 1801 1802 Anos

Valo

res e

m re

is

Outr. despesas

GRÁFICO XXII Valores do pagamento da Terça Real (1787-1802)

0

50000

100000

150000

1787 1788 1789 1790 1791 1792 1793 1794 1795 1796 1797 1798 1799 1800 1801 1802 Anos

Valo

res e

m re

is

Terça

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

60

Entre 1787 e 1802 a evolução da terça é significativa iniciando-se com um valor

mínimo de 45.703 reis, e subindo até os 68.240, em 1789. Posteriormente decaiu até os

54.415 em 1793, mas rapidamente atingiu um novo máximo, em 1802, com 99.762 reis.

Nesta subida as excepções ocorreram nos anos de 1795 e 1798, em que se deram

quebras pontuais90.

1.4.4. S a l d o s

Durante dezasseis anos as variações entre as receitas e as despesas foram

significativas, existindo quatro anos com saldos negativos, enquanto os outros são

positivos. Os piores anos foram os de 1787, 1788, 1794 e 1799 e marcam negativamente

o gráfico abaixo indicado. Os principais déficits foram consecutivos e deram-se em 1787

e 1788 com os valores 14.793 e 28.166 reis respectivamente. Demonstrando a

instabilidade financeira com que se debatiam o município Penalvense, se a estes quatro

anos adicionarmos outros dois (1792 e 1793), em que o saldo é praticamente nulo,

percebemos ainda melhor a debilidade da situação.

Apesar de não termos um período cronológico bastante alargado, constatamos

uma evidente heterogeneidade de saldos, que se prende com as elevadas oscilações

existentes entre saldos positivos e negativos. Inclusivamente isto estende-se a anos

consecutivos com balanço positivo. A prová-lo estão os “saltos” económicos de 1788,

90 Destas duas quebras a última foi mais significativa com uma diferença de 7283 reis para o ano imediatamente anterior.

-30000-20000-10000

01000020000300004000050000600007000080000

Valo

res e

m re

is

1787 1788 1789 1790 1791 1792 1793 1794 1795 1796 1797 1798 1799 1800 1801 1802 Anos

GRÁFICO XXIIISaldo financeiro do município 1787-1802

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

61

com um déficit de 28.166 para 1789, com um “lucro” de 1789 e 1801, com 17.274 reis

para os 71.674 reis de 1802.

De facto este último ano apresentou o maior saldo positivo registado ao longo

de todo o período, seguido de longe pelos anos de 1790 e 1796 com 30.701 e 29.468 reis

respectivamente. Para isso muito contribuiu a elevada receita arrecadada e um

diminuição das despesas.

1.4.4. C o n c l u s ã o

Apesar de alguns saldos positivos, não podemos considerar que o concelho

vivesse em perfeita saúde financeira, uma vez que a inexistência de sistemáticas dívidas

devia-se a uma contenção de despesas e a algumas injecções monetárias de membros

da vereação. Nesta conjuntura não é de estranhar uma quase total ausência de obras

públicas, praticamente financiadas por colectas extraordinárias (fintas) que não são

mencionadas, nem nas receitas, nem nas despesas, surgindo esporadicamente

registadas nas actas da câmara.

A análise precedente demonstra-nos que em finais do Antigo Regime, o senado

debatia-se com dificuldades na organização e controlo das finanças locais, devido à

inconstância nas receitas arrecadadas, que apesar de serem tendencialmente

crescentes muitas vezes não faziam frente às enormes despesas municipais.

GRÁFICO XXIVDistribuição das despesas por categorias

Ordenados e Propinas59%

Despesas comas eleições

5%

Expediente municipal4%

Ordens e comunicações22%

Aquisição de materiais, concertos

e obras públicas1%

Correições5%

Outras despesas0%

Coleta da Universidade deCoimbra

3%

Assistênciasocial0%

Foros0%

Justiça1%

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

62

O grosso das despesas incidia sobre as actividades ligadas com a administração

concelhia: ordenados e propinas (59%), ordens e comunicações (22%), gastos com

eleições (5%), expediente municipal (4%). Com tanto dispêndio, face a insuficientes

receitas, tornam-se plausíveis as resistências/impossibilidades do senado em tomar

medidas ligadas às obras públicas, abastecimento das populações e assistência social.

A 26 de Novembro de 1790 foi presente a reunião de câmara uma petição de

José Pereira de Mangualde, que solicitava a dispensa dos assistentes nomeados para a

cobrança da siza. O senado recusou, acrescentando que tinha sido costume alguns

poderosos “maquinarem” a nomeação de oficiais para a execução destes lugares, uma

vez que assim já pagavam muito menos impostos. A acta refere mesmo que Francisco

de Melo Coutinho, entretanto já falecido, e um companheiro tiraram das rendas de

Paulo Cardoso de Mareco e do povo 40.000 reis, com gravíssimo prejuízo e escândalo

da república. Perante o acontecimento foram feitas diversas queixas à autarquia

referindo que existia o costume de subornar os assistentes da cobrança e de

influenciarem a nomeação de pessoas amigas para as funções. Por tudo isto os

vereadores consideraram insuportável a ocorrência e trataram de substituir os

indivíduos91.

Para observarmos melhor as dificuldades da edilidade Penalvense importa fazer

a comparação com outras instituições locais de âmbito religioso, como os rendimentos

do pároco de Castelo de Penalva, ou os rendimentos da Ordem de Malta, pelo couto de

Sezures. Em 1767, a Ordem de Malta tinha de rendimentos do ramo Sezures 665.900

reis, Nove anos antes, o abade de Castelo de Penalva apresentava como posses da

igreja a soma anual de 900.000 rs, e em 1802, a Câmara Municipal de Penalva do

Castelo obteve de rendimento bruto 299.890 reis, tendo no final do ano correspondido a

um saldo de 71.674 rs.

Apesar destes três valores corresponderem a três épocas diferentes, sendo o do

município o mais recente (1802), e não introduzindo nos valores qualquer taxa de

actualização financeira, são bem evidentes as diferenças económicas entre instituições.

91 DSRA, Actas de Câmara, 1788-1794, f.36

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

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0

100000

200000

300000

400000

500000

600000

700000

800000

900000

Valo

res e

m re

is

Receitas do concelho em 1802 Redimentos do abade de Castelo dePenalva em 1758

Rendimentos certos da Ordem de Maltaem Sezures em 1767

GRÁFICO XXVComparação entre as receitas da câmara de Penalva e os rendimentos do abade de Castelo de Penalva e o ramo de

Sezures da Ordem de Malta

Após cinquenta anos, as receitas obtidas pelo concelho correspondem a um

pouco mais do que ¼ das receitas auferidas pelo abade de Castelo de Penalva. Se por

um lado, a comparação pode legitimar o poderio do sacerdote e justificar a qualidade

estética do programa artístico daquela igreja92, traduz também a embaraço financeiro

que a edilidade acabava por colocar nos seus eleitos como mais à frente se pode

constatar.

92 Convêm não esquecer que o abade entregava duas partes do seu rendimento (cerca de 180.000 reis) à casa dos

Marqueses de Cascais. Contudo isto não impediu a igreja de manifestar arquitectónica e esteticamente uma riqueza bem

significativa, da qual o altar em talha dourada e as tábuas renascentistas da escola de Viseu (Grão-Vasco) constituem os

principais elementos. Própria da época, a ostentação atingiu níveis interessantes, sobretudo na Península Ibérica, que não

passaram despercebidos aos clérigos estrangeiros. Em finais do século XVII, um capuchinho francês escreveu “”Las

iglesias de Francia no son más que establos en comparación con las de Portugal y España, en las que hay tesoros

inmensos”, citado por A.Dominguez Ortiz, Las clases privilegiadas en la Espa a del Antiguo Régimen, Ed. Istmo, Madrid,

1973, p.338.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

64

CAPITULO II

2 . El i tes e Governança

2.1. Arquitectos do Poder

A aplicação da lei e da justiça, independentemente de ser efectuada

directamente ou através do senhorio, revelava-se fundamental para a organização e

estabilidade dos municípios e consequentemente do país.

Durante o Antigo Regime, o Governo do reino pautou-se por uma multiplicidade

administrativa, burocrática em formas e processos, que conjugada com a distribuição

geográfica, a falta de informação, o desconhecimento legal, a caracterização sócio-

económica dos agentes locais, a escassez dos recursos humanos e materiais,

produziram uma ineficaz e quase obsoleta administração municipal. Periféricos e sem

considerável autonomia financeira, os municípios, sobretudo aqueles sem expressão

económico-territorial, acabavam por sobreviver da arte e do engenho dos eleitos.

A efectivação da arquitectura do poder93 só é possível com existência de

recursos financeiros/logísticos e humanos. Se no primeiro factor é determinante a

capacidade financeira, que produza uma disponibilidade de meios e estruturas

necessários, a segunda, predispõem a existência de homens intencionados a

empreender acções e actividades jurídico/político/administrativas, em determinado

contexto municipal e com um definido programa e objectivos. São certos

agentes/indivíduos que constituem o aparelho autárquico, que influenciam o exercício e

a realização da autoridade, que regulam a aplicação jurisdicional, que administram,

aplicam e desrespeitam as vontades senhoriais, que são o símbolo desse poder, etc.....94

Os dados obtidos através da pesquisa documental revelam a existência de duas

fases político-administrativas bem distintas, mostrando que nem sempre a arquitectura

do poder em Terras de Penalva teve a mesma estrutura, composição, acção e relações

de poder, pelo que se destacam duas fases distintas.

A primeira, abrange o período cronológico que ocorre até 1790. Como já foi

abordado, a doação compreendia as jurisdições civis e do crime permitindo à Casa de

Tarouca nomear e aprovar uma rede administrativa municipal constituída por

93 As relações de poder não se desenrolam apenas entre dominado e dominador, mas acentuam e traduzem, sobretudo nas interacções sociais entre eles, a cultura, prestígio, confiança, tradição, etc... No período estudado as relações sociais, sobretudo as familiares impõem poder, ou têm possibilidades de o manifestar. Num composto Bourdieu/Weberiano a autoridade manifesta-se num misto de autoridade tradicional/carismática no qual a tradição familiar e meio onde se desenvolve irrompem por um quadro simbólico/administrativo. 94 A tudo isto acrescenta-se a definição básica de poder como sendo a forma de impor a outros a nossa vontade.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

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ouvidores, justiças (juízes e vereadores), tabeliães, meirinhos, etc... e substituindo a

habitual segunda instância composta pelo corregedor da comarca, a qual durante todo

o tempo foi preenchida pela nomeação senhorial do ouvidor.95.

Apesar de em Julho de 1560, a família Menezes deter as sisas gerais e o direito

à correição e alçada96 e do teor da doação, António Hespanha, afirma que os Condes de

Tarouca não possuíam isenção de correição usufruindo apenas do conhecimento de

apelações e agravos, apuramento das eleições concelhias e nomeação de ofícios

concelhios97.

A segunda fase inicia-se com a promulgação da Lei 19 de Julho de 1790,

seguida pelo Alvará de 7 de Janeiro de 1792, substituindo os ouvidores pelos

corregedores. Contudo, só se efectivou com a criação do lugar de juiz de fora e

respectiva nomeação em cumprimento com a matéria legal em vigor, que ocorreu já no

século XIX.

Todavia, uma correcta interpretação das relações entre senhorio e concelho

terá de ter em conta as medidas legislativas reais, sobretudo as consequências que a

introdução destes documentos legais vieram trazer. Reforçando uma nova política real,

o Alvará de 7 de Janeiro de 1792, estabelecia a Relação da comarca como segunda

instância e efectivava os corregedores elementos representativos desse patamar

jurídico.

Ao longo de séculos, a câmara de Penalva do Castelo reuniu em si duas

importantes componentes a administrativa e a jurídica. Se da primeira existem

elementos que nos permitem um desvendar da máquina burocrática e política, da

segunda apenas temos pequenas anotações em actas de câmara, mais incisivas na

nomeação de funcionários do que propriamente na sua acção judicial. Por outro lado, a

influência senhorial sentida até à última década da centúria de setecentos expandia-se

à nomeação dos agentes senhoriais locais, procurando controlar e gerir melhor as

benesses e regalias, exercendo ou procurando contribuir para uma orientação das

vivências administrativas e judiciais do município.

95 I.A.N./T.T.- Chancelaria D.Manuel I, Livro 41, fl.107 e seg. 96 I.A.N./T.T.- Chancelaria de D.João III, Livro 54, fl. 326. 97 Hespanha, António Manuel, As Vésperas do Leviathan. Instituições e poder político em Portugal no séc. XVII, Coimbra,

Almedina, 1994, p.433

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2.2. O Senhor, o Donatário e o Concelho

2 . 2 . 1 Relações de poder

2.2.1.2. O poder senhorial

As Terras de Penalva, depois de conquistadas ao infiel, ficaram na posse da

coroa até ao reinado de D.Pedro I, que depois dos seus amores com a malograda Inês

de Castro, procurou dar o estatuto de infantes aos filhos desta união, concedendo a

D.João de Castro inúmeras benesses e privilégios, dos quais se destacam as terras e

julgados de Gulfar, Sátão e Penalva. A doação era feita na intenção do infante "(...)os aia

e tenha e posuya em todo o tempo de sas vidas com todos seus termos e aldeas e

terras(...)"98. Como era costume nesses tempos, o documento possuía as alternativas de

sucessão no caso de o infante morrer sem deixar herdeiros legítimos. Se isso

sucedesse deveriam herdar os bens referidos na carta régia, os outros dois irmãos

dessa mesma união - D.Dinis e D.Beatriz, uma vez que "(...)esta doaçam e herança em

parte nem em todo nehuu tempo passe a outros herdeiros nem pesoas estranhas fora

da linha lidima per nacença descendente do dicto jffante dom joham(...)"99. Ao infante e

seus sucessores eram-lhes concedidos os direitos de "(...)correiçom mayor de justiça e

toda justiça mero e mjsto jmperio e senhorio real(...)"100. Posteriormente, D.João de

Castro casou com a irmã de D. Leonor Teles, rainha de Portugal pelo casamento com

D.Fernando. Conta a lenda que as intrigas da corte fizeram com que D.João de Castro

pensasse que a mulher o enganava e acabou por matá-la e refugiou-se em Castela,

junto de sua irmã que tinha casado com D.Fernado de Castela101.

Como nenhum dos filhos de Inês de Castro se manteve fiel ao nosso rei, as

terras de Penalva acabaram por ir parar à posse da coroa. D.João I por ofereceu-as, a

23 de Abril de 1386, com todos os direitos e privilégios, a Martim Vasques da Cunha,

homem que tinha prestado valorosos serviços à causa Portuguesa. No entanto, não

satisfeito com as oferendas reais, o novo proprietário das terras de Penalva, em 1395,

encontrava-se já do lado castelhano, chegando a participar no saque de Viseu. Devido

98 I.A.N./T.T.- Chancelarias Portuguesas, D.Pedro I, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de

Lisboa, Publ. Instituto Nacional de Investigação Científica, Lisboa, 1984. 99 Idem. 100 Ibidem. 101 Aquando do início dos problemas de sucessão, o monarca castelhano mandou-o encarcerar, devido a ser o principal

obstáculo às pretensões de sua esposa. Não teve grande sorte e aí morreu.

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ao seu envolvimento com o inimigo, os seus bens foram confiscados e mais uma vez as

terras passam para a posse da coroa.

Em Évora, a 17 de Abril de 1411, D.João I e D.Filipa de Lencastre doam ao seu

filho D.Henrique, inúmeras terras e propriedades de entre as quais se destacam as de

Penalva.102 A dádiva era feita com "(...)todollas rrendas, derejtos, foros, çenssos,

emprazamentos, tributos, pensõoes, fruytos, nouos, padroados de igreias(...)",103

renunciando o monarca aos seus direitos nas ditas terras em favor do seu filho, no

entanto reservava para o poder real o direito "(...)à correiçom e alçadas e peixes rreaes

e dizimas das cousas que vierem de fora dos dictos nossos rregnos per mar(...)" e a

"(...)confirmaçom dos dictos tabaliados(...)"104.

2.2.1.3. Os Meneses, Senhores de Penalva

As terras de Penalva não ficaram muito tempo nos vastos domínios do Infante D.

Henrique. Todas as propriedades, benesses e direitos dados não podiam ser doados,

empenhados ou vendidos, a não ser que o infante casasse fora de Portugal ou tivesse

algum negócio ou razão plausível.O Duque de Viseu dedicou-se aos descobrimentos e

estes tornaram-se a «rrazom justa e lidima» para que empenhasse parte desta doação

a D. Pedro de Meneses. Necessitando de dinheiro, recorreu aos empréstimos do

primeiro capitão de Ceuta, dando as terras de Golfar e de Penalva como garantia e

recebendo em troca 3000 dobras.

Após a morte de D. Pedro de Meneses, o seu filho D. Duarte recorreu ao

monarca para que o confirmasse como herdeiro e assim ficar com a posse das terras.

O rei D. Duarte, por carta dada em Avis a 16 de Junho de 1438, reconhecia a D. Duarte

de Meneses o direito ao penhor dos territórios de Golfar e de Penalva, enquanto o

infante D. Henrique não liquidasse as 500 dobras que ainda devia à família Meneses, do

empréstimo contraído. Confirmava assim esta penhora de bens do seu irmão e

mandava que aquem"(...)esta nossa carta for mostrada, que o metaaes logo em posse

das dictas terras de Golfar e de Penalua, ou a seu certo procurador que pera ello leuar

seu poder abastante. E, daqui en diante, lhas leixe auer e lograr e posujr com todallas 102Para alguns historiadores as doações joaninas serviram também para criar uma nova classe nobilitária, visto que grande

parte da nobreza tradicional se pôs ao lado de Castela.

103 Monumenta Henricina, colectânea documental organizada pelo P.e António Joaquim Dinis, Pub. Comissão Executiva

das Comemorações do V Centenário da Morte do Infante D. Henrique, Coimbra, 1960-1974, vol.1, pg. 343. 104 Idem.

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rendas e dyrectos e pertenças que aas dictas terras perteencer, assy e pella guisa que

o dicto conde seu padre, ataa sua morte, ouue, segundo mais compridamente he

contheudo na carta do apenhamento que delles fez o dicto jffante dom Anrrique, meu

jrmãao, ao dicto conde seu padre(...)"105.

A 26 de Abril de 1450, D. Afonso V, vendo o requerimento de D. Duarte de

Meneses e querendo-lhe fazer graça e mercê, confirma-lhe a hipoteca das terras de

Penalva e Golfar106. Toda a dinastia senhorial que se vai servir das terras de Penalva tem

como base o empréstimo concedido por D. Pedro de Meneses ao Infante D. Henrique.

Após o falecimento do primeiro capitão e herói da tomada de Ceuta, os seus herdeiros

foram confirmados como credores do dito empréstimo. A morte do Infante ocorreu em

1460 sem deixar herdeiros, levando a que as ditas possessões voltassem para a posse

da coroa como estipulava a concessão de 1411.

Como sucessor surgia D. Manuel, Duque de Beja e Senhor de Viseu, que ficou

com os domínios penalvenses, ainda penhorados, por doação de D. João II107. D. João de

Meneses, obteve as regalias que anteriormente o seu pai era beneficiário ficando com

as terras, rendas, direitos, tributos e foros, bem como o domínio, senhorio e jurisdição.

Por sua vez D. Manuel detinha os direitos dos padroados das igrejas de Golfar e de S.

Pedro de Penalva.

À morte de D. João II, D. Manuel vai-lhe suceder no trono e leva para a coroa a

posse das terras de Penalva, anteriormente acordadas com D. João de Meneses. Mas,

quis o destino que não fosse por muito tempo e a 30 de Abril de 1499, para

recompensar D. João de Meneses dos seus serviços prestados no Norte de África e nas

guerras com Castela, o monarca doou-lhe as terras de Penalva "(...)com todos os seus

termos, julgados, senhorios, honrras e remdas, direitos, foros trebutos(...)"108

Através do acto a coroa acabava por renunciar a privilégios significativos que as

referidas áreas lhe traziam, ficando-lhes reservados o direito à correição e alçada e às

sisas gerais. Enquanto vivesse, ao duque estavam reservados os direitos aos padroados

das igrejas (excepto a de S. Pedro de Penalva) e as jurisdições civis e do crime. A dádiva

estabelecia que D. João poderia nomear juízes, ouvidores e tabeliães, para os domínios

indicados. Assim, permitia que em "(...)seu nome de todollos agravos e apellações que

105 I.A.N./T.T.- Chancelaria de D. Duarte, Liv 1, fl 236 v. 106 I.A.N./T.T.- Chancelaria de D. Afonso V, Liv 11, fl.25 v. 107 I.A.N./T.T.- Leitura Nova, Livro 2º de Místicos, fl.107 e seg. 108 I.A.N./T.T.- Chancelaria D. Manuel I, Livro 41, fl.107 e seg.

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lavrem dante o Juíz e officiaes das ditas villa e terras sem irem ao corregedor da

comargua(...)".109 Todo o poder ficava patente no título, pois D. João de Meneses passava

a usar o nome de Senhor de Penalva.110 Com a oferta, as terras passavam directamente

do poder real para o poder senhorial da família Meneses.

Ao conde de Tarouca sucedeu-lhe seu filho, D. Duarte, que foi nomeado

governador da Índia, em 1521, cargo onde não permaneceu muito tempo pois três anos

passados foi preso e acusado de roubo e de graves irregularidades de administração do

governo. Como era prática frequente, quando alguém era incriminado, os bens eram

confiscados pela coroa. Isto levou a que as ditas zonas voltassem para as mãos do rei.

Mas em 1534, D. João III vai reabilitá-lo por supor estar inocente e confirma-lhe todas

as anteriores mercês e privilégios111.

Mais tarde, o seu filho, D. João de Meneses vê o rei aumentar-lhe as concessões

por duas vezes. Na primeira, o monarca oferta-lhe as terras e os mesmos privilégios

que o seu pai tinha "(...)pera si e pera um seu filho e neto(...)".112 A presente directriz

acabava por significar uma perda da influência real na administração concelhia, na qual

o monarca abdicava do direito que seu pai consagrara, mas guardava para si o

padroado de S. Pedro de Penalva, as sisas gerais e o direito à correição e alçada113.

A D. João de Meneses sucedeu-lhe D. Duarte que foi confirmado senhor das

ditas posses pelo cardeal D. Henrique114. O seu filho D. Luís de Meneses continuou

como proprietário senhorial delas, por carta do rei D. Filipe I, dada em 1591 115. Seguiu-

se-lhe D. Duarte Luís de Meneses, que aquando da Restauração, conjuntamente com o

seu filho primogénito, tomou o partido de Castela e viu serem-lhes confiscados todos

os bens.116 Mas D.Estevão de Meneses, segundo filho de Luís de Meneses, reconciliou-

se com a coroa portuguesa, voltou ao reino e viu D. João IV e o príncipe regente D.

Pedro restituírem-lhe todos os bens de família. Mais uma vez as terras de Penalva

109 Idem. 110 Ibidem. 111 I.A.N./T.T.- Chancelaria de D. João III, Livro 40, fl.185 e seg. 112 Esta cláusula, ao jeito da Lei Mental, permitia que a posse das áreas se mantivesse na família Meneses por três

gerações. Em Julho de 1560 o mesmo rei volta a beneficiá-lo, aumentando-lhe benesses e privilégios. A coroa rescindia à

suprema jurisdição dos «feitos civil e crime mero e misto império», podendo o senhor proceder à nomeação dos oficiais e

magistrados que exerciam os cargos nos concelhos. 113 I.A.N./T.T.- Chancelaria de D. João III, Livro 54, fl. 326. 114 I.A.N./T.T.- Chancelaria de D. Henrique, Livro 5, fl. 107 v.. 115 I.A.N./T.T.- Chancelaria de D. Felipe I, Livro 13, fl. 412 v.. 116 I.A.N./T.T.- Chancelaria de D. Felipe II, Livro 37, fl. 173 v..

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voltavam à posse dos Meneses117. Contudo, o senhorio encontrava-se ameaçado por não

possuir filho varão o que o leva a interceder junto do rei, para que este lhe reconheça a

sua filha, D. Joana Rosa de Meneses, como herdeira legítima. D.Pedro, em 1678, acede

aos seus pedidos. A verdade é que este reconhecimento ia contra a doação real de

1551, que previa como linha de sucessão o lado masculino.

2.2.1.4. Marqueses de Penalva

A herdeira vai acabar por casar com D.João Gomes da Silva. Deste casamento

nasce D. Estevão de Meneses, que vê renovados os seus direitos e benesses por D.

João V118. A 7 de Fevereiro de 1750, o monarca cria o marquesado de Penalva e

nomeava-o primeiro Marquês de Penalva de «juro e herdade», passando-o a usar

conjuntamente com o de título de Conde de Tarouca119. Nascido a 19 de Maio de 1695,

morreu a 7 de Setembro de 1758, tendo casado com D. Margarida de Lorena, filha dos

terceiros Marqueses de Alegrete. Deste casamento nasceu D. Eugénia Mariana Josefa

de Menezes e Silva. Durante a sua vida desempenhou vários cargos na administração

do Estado dos quais se destacam comendador de S.Salvador de Vila Cova de Lixa,

presidente do Conselho Ultramarino e deputado na Junta dos Três Estados (30 de

Agosto de 1749) e membro da Real Academia de História.

Como só tinha uma filha, com a sua morte D. Eugénia Mariana Josefa Joaquina

de Menezes e Silva, nascida a 26 de Agosto de 1731, herda toda a vasta fortuna e os

títulos da Casa Menezes. Casa com seu primo co-irmão Manuel Teles da Silva 120 que

obteve a carta do marquesado de Penalva a 21 de Janeiro de 1769. Desempenhando um

papel muito activo na sociedade portuguesa de então, ocupa vários cargos de

importância junto da coroa como: capitão da guarda real, Gentil Homem da Câmara da

Rainha D.Maria I, deputado da Junta dos Três Estados, presidente da Junta do Tabaco,

académico da Real Academia de História. Fundador e secretário da Academia dos

ocultos e sócio efectivo da Academia Real das Ciências e escreveu o Elogio fúnebre do

Padre D. José Barbosa, Clérigo Regular.

117 I.A.N./T.T.- Chancelaria de D. Afonso VI, Livro 16, fl. 236 v.. 118 I.A.N./T.T.- Chancelaria de D. João V, Livro 109, fl. 145 v.. 119 A.N.T.T.- Chancelaria de D. João V, Livro 119, fl. 191. 120 Nasceu a 23 de Fevereiro de 1727 e morreu a 25 de Fevereiro de 1789

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

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O sucessor Fernando Teles da Silva Caminha e Meneses121, terceiro marquês de

Penalva e sétimo conde de Tarouca, herdou de seus pais os senhorios, vínculos e

comendas hereditárias de ambas. O título de Marquês de Penalva foi confirmado por

carta régia em 1785 e mais uma vez, à semelhança dos seus antepassados, foi Gentil

Homem da câmara da Rainha (1803), censor régio da mesa do Desembargo do Paço,

deputado da Junta dos 3 Estados, presidente da Junta do Tabaco, e sócio honorário da

Academia Real das Ciências. Na vida militar chegou a tenente general, tendo sido

governador das capitanias de S. Paulo e Rio Grande do Sul. Publicou várias obras das

quais se destaca a Dissertação a favor da Monarquia, onde se prova pela razão,

autoridade e experiência de ser este o melhor e mais justo de todos os governos. Casou

por duas vezes a primeira com D. Maria Rosa de Almeida e com D. Joana de Almeida.

Fernando Teles da Silva Caminha e Menezes, foi o quarto Marquês de Penalva.

Nascido a 26 de Novembro de 1813, obteve confirmação do título a 29 de Julho de 1824.

Partidário convicto de D. Miguel, acompanhou-o na guerra civil, tendo assentado praça

em cavalaria. Posteriormente devido ao seu activo desempenho foi promovido a alferes

(1833) e a tenente do Estado-maior de D. Miguel em 1834. Uma vez terminado o conflito

manteve-se pouco activo na vida política, tendo morrido a 16 de Setembro de 1893.

121 Nasceu a 9 de Junho de 1754 e morreu a 10 de Dezembro de 1818

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

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2.2.2. Donatário

A figura do donatário, de indispensável análise para uma melhor compreensão

do poder senhorial, não pode ser desassociada das concessões territoriais e

jurisdicionais concedidas pelos diversos monarcas à sua família. Contudo, e após já

termos abordado tal temática, importa agora debruçarmo-nos sobre o desenho das

relações institucionais, que surjam das ligações entre senhor e concelho.

Ao longo da vasta documentação consultada não nos foi possível encontrar

referências de estadas ou visitas dos Marqueses de Penalva a estas terras. Por outro

lado, as respostas de confirmação das pautas eleitorais, de nomeação do ouvidor, etc...

vinham endereçadas de Lisboa, revelando a acentuada tendência para a fixação da

nobreza aristocrática em torno da corte. Para além disso, as relações senhores e

municípios revestiam-se de um carácter meramente institucional, bastante

distanciadas. Na segunda metade do século XVIII, a jurisdição dos Marqueses de

Penalva fazia-se sentir sobretudo através da confirmação dos eleitos e na nomeação de

ouvidores.

As relações entre o donatário e o concelho arquitectavam-se de uma forma

descendente através do senado e tendo por intermediário o ouvidor, existindo um

consenso geral nesta coexistência. Se por um lado a população gozava dos privilégios

concedidos pelo poder senhorial, por outro lado respeitava os seus interesses através

do cumprimento das directrizes por ele enviadas. Por vezes, tal relação tomava

aspectos quase familiares de certa forma intensos, levando as populações locais a

festejarem o nascimento de um herdeiro real ou senhorial, ou a chorarem a morte dos

seus senhores. Prova disto ocorreu na sessão de câmara de 23 de Novembro de 1802,

na qual o Marquês de Penalva informava do nascimento de um novo infante, tendo sido

logo deliberado festejar-se a ocorrência através da colocação de luminárias durante

três dias122. Actos como estes reflectem que, apesar da Lei de 19 de Fevereiro ter

reduzido significativamente os poderes senhoriais, sobretudo com a extinção do cargo

de ouvidor, a família Meneses continuava a possuir uma ascendência sobre a actividade

municipal, não só pelas informações e comunicações emanadas, mas também com a

nomeação de juízes de fora, como comprova a carta enviada pelo corregedor de Viseu

ao senado da câmara, a qual indica ao juiz ordinário que “(...)sem a minima detença

deve dar posse a mesmo procurador de S.Excelência do Senhorio dessa vila e conselho.

E visto não terem até agora tomado posse às justiças, que confirmei, vossa mercê 122 DSRA, Actas da Câmara, 1800-1805, f. 49.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

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suspenda os ditos actos, até que por Sua excelência venham confirmadas outras, ou as

mesmas na forma das suas doaçõens, que nesta parte em nada foram ofendidas pela

Lei Novissima.(...)”123.

A acção do donatário estendia-se à cobrança dos seus direitos, sobretudo pela

política de execução fiscal do agente senhorial junto da autarquia. Argumentando uma

ineficaz cobrança de foros, a Marquesa de Penalva solicitou, em 1777, ao Desembargo

do Paço que nomeasse o seu do ouvidor como juiz privativo dos direitos do Foral de

modo a poder executar fiscalmente os moradores rebeldes124.

A relação desenvolvida entre donatário e concelho não se baseava numa

simples relação entre senhor e súbditos, indo muito mais além até um campo próprio

da intimidade humana. O concelho festejava os actos festivos da família Meneses, os

seus casamentos, nascimento de herdeiros, os regressos de viagens fora do reino e

chorava com eles a morte dos seus membros. O respeito por tanta proximidade e

intimidade significava uma espécie de família, numa relação entre pai e filho125.

Os vínculos afectivos não surgiam só com o senado estendendo-se sobretudo ao

juiz de fora, como aconteceu com Joaquim Pereira de Macedo, que agradecia, a 19 de

Maio de 1814, ao Marquês de Penalva, doze anos de benefícios que acabaram por

mantê-lo ligado à família126. Os laços estreitos de convivência alargavam-se também à

família real, de quem o donatário informava o concelho dos momentos mais marcantes

da sua vida (nascimentos, casamentos,127 morte, etc...) aconselhando os Penalvenses a

associarem-se nas comemorações ou ... nas condolências.

Os agentes do Marquês no terreno não se limitavam ao juiz de fora, alargando a

sua acção a outras pessoas que visitavam os concelhos sobre a alçada da Casa de

Penalva (Penalva do Castelo, Gulfar, Lalim, Tarouca e Lazarim), alertando para o

incumprimento de deveres, relatando o comportamento e a acção do juiz de fora, a sua

aceitação pelo povo, etc... Assim, permitia ao donatário sedeado em Lisboa um melhor

123 DSRA, Actas da Câmara, 1788-1794, f.46. 124 I.A.N./T.T.- Desembargo do Paço, Beira, maço 1082. 125 Biblioteca Nacional (B.N), Arquivo Tarouca, cota 353, nº 25 126 Idem, s/n. 127 Por carta de 3 de Dezembro de 1817, o Dr. Pedro Mendes de Abreu informava o Marquês de Penalva das

comemorações das festividades pelo casamento real, que produziram em toda a comunidade “(...) demonstraçõens nada

equivocas, do seu grande prazer, e contentamento: e logo no dia 23 passado concorremos na Igreja Matriz com o Clero,

Nobreza, e Povo a render ao Todo = Poderozo acçoens de graças por hum solene Te Deum por tão feliz consorcio,

rogando ao Altissimo se digne esparzir as suas graças sobre tão feliz união para felicidade desta Monarquia(...)” B.N.,

Arquivo Tarouca, Armário 5º, letra s, maço 7, nº21

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acompanhamento das possessões autárquicas. Na correspondência estudada

encontrou-se como emissário senhorial - Nicolau Tolentino - um homem ligado à

igreja. Visitou o concelho de Penalva, verificando o cumprimento da jurisdição e

relatando a acção do juiz de fora128. Mas, a acção de visitador acaba também por ser

relativamente próxima e servir para outros favorecimentos, como o pedido de um dos

ofícios de Penalva, efectuado pelo mesmo emissário, para seu sobrinho.

2.2.3. Ouvidor

Para controlar a aplicação das suas prerrogativas, garantir os seus direitos e

zelar pelos interesses, os senhores podiam nomear um seu representante junto do

concelho - o ouvidor. A ele competia-lhe a justiça “intermédia”, desempenhando as

funções jurisdicionais estabelecidas pela doação régia129.

Em Penalva, o ouvidor surge mais como uma figura “ausente”, não

frequentando o normal decorrer administrativo das sessões de Câmara, apenas

aparecendo nos principais actos, sobretudo na confirmação das pautas dos eleitos.

Para além disso, desempenha funções de intermediário entre o poder local e o

donatário, através da troca de correspondência e informações.

Mas, esse papel nem sempre era bem aceite e executado na perfeição, dando

origem as tensões entre o ouvidor e o senado devido às escusas dos eleitos para os

cargos municipais. Bem revelador de tal situação é a descrição da acta de câmara de

14 de Fevereiro de 1772 em que o senado se queixava de “(....)o Doutor Ouvidor deste

Conselho admitir requerimentos e dar livramentos e ainda com maior excesso sem

conhecimento de causa aos que sam noteficados para empenharem a vara de sorte que

se faz impossível fazer no seu tempo as devidas solenidades experimentado o conselho

faltas de vereadores as vezes ate o meio do anno como agora sucede(...)”130. O motivo

que desencadeou toda a situação foi a fuga de dois eleitos aos compromissos com o

concelho, devidamente consentida pelo ouvidor. Segundo o assento da acta de Câmara,

nas costas da provisão da Marquesa, o ouvidor do concelho anotou que devido

“(...)molestias de cama cometo a diligencia de posse e juramento ao Senhor Doutor

128 Refere numa missiva enviada ao donatário que brevemente irá visitar brevemente os outros concelhos senhoriais. 129 Hespanha, António Manuel, As Vésperas do Leviathan. Instituições e poder político em Portugal no séc. XVII, Coimbra,

Almedina, 1994, p. 193 130 DSRA, Actas da Câmara, 1768-1772, 74v-75

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Francisco António de Barros de Figueiredo Cardoso, Cavaleiro Professo na Ordem de

Cristo, e no seu impedimento ao Senhor Doutor António de Matos de Faria Carvalho

advogado nas auditorias deste concelho que poderão em solidum fazer as minhas vezes

a respeito da mesma diligencia e proceder com provisões contra os rebeldes depois de

notificados e não ausentes ou impedidos porque a meu respeito deste deve eleger

pessoa que sirva enquanto durar o impedimento(...)”131.

As dispensas não agradaram ao executivo municipal, que debatendo-se com

desobrigas constantes por parte do ouvidor, procurou resolver a situação mandando

prender a mulher de um dos fugitivos, João de Almeida de Lusinde, a ver se com essa

resolução ele comparecia a tomar juramento. A acta de vereação refere que o eleito

solicitou ao ouvidor, a escusa do lugar, uma vez que detinha o privilégio de

mamposteiro pequeno dos captivos na capela e romagem de S.Bartolomeu, em

Lusinde. Ora, de acordo com os vereadores em exercício, no local nunca existiu

romagem e não se pedia para os captivos. Desta forma o motivo apresentado era falso

e tanto mais grave uma vez que existia outra pessoa designada para fazer esse serviço

em toda a freguesia.

No entanto, a presente acção não reproduziu efeitos e como o senado

necessitava de se certificar sobre a forma como agir, elaboram um processo destinado

a ser remetido ao Desembargo do Paço, no qual constavam todas as escusas e

determinações da ouvidoria. Solicitaram a intervenção real, para decidirem o que fazer

com os rebeldes e com os livramentos do ouvidor em prejuízo da república e em

perturbação do senado132.

QUADRO XIV

Ouvidores entre 1754 e 1790

Ano Nome Res idênc i a C a rg os

O c u pa d os

D a t a d a

to m a da de

Posse

O b se rvaçõe s

1754 António José da

Rocha

Rio de

Moinhos - - Foi suspenso a 25/10/1754

1754 Atanásio Pais

Monteiro - - -

Substituiu o anterior e nomeou

por comissão o seguinte

1754 António José da - - 25/10/1754 -

131 DSRA, Actas da Câmara, 1768-1772, f. 69 v. 132 DSRA, Actas da Câmara, 1768-1772, f.77v-80v

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

76

Rocha Leitão

1755 José Gouveia

Ozório Vila Mendo - 12/6/1758 -

1759 José António

Ferreira Pinheiro

Casal da

Donas - 20/12/1759 -

1762 Atanásio Pais

Monteiro - - - Esteve no cargo até 1765

1767 José Feliz do

Amaral - - - Ouvidor comissário/substituto

1768 Atanásio Pais

Monteiro - - - -

1769 José António

Ferreira Pinheiro

Casal das

Donas - -

Continua a exercer funções em

fins de 1772

1780-

1784

José da Cruz

Bastos -

Juiz de Fora de

Mangualde - -

1788-

1791

Bernardo Soares

do Amaral - - -

Cavaleiro professo na Ordem de

Cristo

As tensões de conflituosidade entre o representante senhorial e o senado eram

evidentes, tendo ficado registadas na petição ao Desembargo do Paço, pela qual a

vereação acusava o ouvidor de perturbar o bom regimento do concelho uma vez que ele

“(...)a imtrou alterar sendo ele o próprio que manda convocar a câmara e tomando a

presidência dela defere juramento aos novos confirmados, isto perteistado que a

mesma confirmação da pauta assim lho determina talvez pedido por elles oito se

sujeitam os nossos antecessores, porem introu a crescer tanto o excesso que o mesmo

ouvidor se introu a fazer senhor despótico, querendo subordinar a si este senado do

modo per si, livrando tanto os pautados como os nomeados em Camara sem mais

conhecimento de cauza do que aquela que cada hum quer perteistar(...)”133.

Outro assunto abordado pela mesmo documento relaciona-se com o não

cumprimento da lei no desempenho do cargo de ouvidor, uma vez que as pessoas que

desempenhavam este lugar por “(...) des e mais annos sem que em tempo nenhum se

conheça do bem ou mal que obram razam porque se fazem tam despóticos se sobre

este concelho muitas injustiças(...)”134, em vez dos três anos que as Ordenações

estipulavam.

Por tais acções e reacções verificamos uma propensão para relações algo

tensas com a composição do executivo municipal, sofrendo de vários factores externos

133 DSRA, Actas da Câmara, 1768-1772, f.77 v-80 v. 134 DSRA, Actas da Câmara, 1768-1772, f.77 v-80 v.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

77

ao próprio processo eleitoral, tanto da parte dos agentes, como por interferências

exteriores, relativamente à acção do ouvidor, Desembargo do Paço e mais tarde do

corregedor.

2 . 3 . O Poder Senhorial e Poder Local

2.3.1. Penalva e a Lei de 19 de Julho de 1790

A Lei de 19 de Julho de 1790, caracterizou-se por uma elevada noção de

uniformização legal e administrativa, procurando uma centralização administrativa, há

muito ambicionada pelo poder central. Verdadeiro instrumento de um novo

reordenamento do território nacional, este preceito legal implicou diversas alterações

no contexto municipal senhorial, onde Penalva se inseria. Assinada pela rainha D. Maria

I, a legislação para além de abolir as ouvidorias concedidas aos donatários,

uniformizava direitos e regalias, abolia “exempçõens de correição” e estabelecia a

apelação para relações do distrito. Pretendia-se explicar, declarar e regular as

jurisdições dos donatários, abolindo as ouvidorias e excepçõens de correição135. Face à

exiguidade territorial de muitas das ouvidorias para formar uma comarca, a monarca

estabelecia que “(...)que ella se forme, ordeno, que se proceda a crear lugar, ou lugares

de Juizes de Fora, com graduação, ou sem ella, se parecerem necessárias, e

competentes, e a unir esses territórios a outras comarcas, ou se criem, ou não juizes

de Fora(...)”136.Para além de ter contribuído para a uniformização administrativa e

jurídica da administração municipal, sob tutela senhorial, a Carta de Lei de 19 de Julho

de 1790, extinguia as ouvidorias, acabava com as isenções de correição e reorganizava

o território municipal, propondo-se servir “(...)de moderação, sistema e regulamento

das jurisdições nestes reinos, concedidas aos donatários; tendo em vista, que o uso, e

exercicio prático da justiça, e meios de ela se conseguir sejam iguais e uniformes(...)”137.

Por vontade real, a presente legislação revogava ainda o título quarenta e cinco,

parágrafo décimo terceiro das Ordenações Filipinas, abolindo as isenções de correição

de todos os donatários sem distinção, mesmo aqueles que pela “(...)sua Alta herarchia

ou por singulares distintas considerações se pudessem entender exceptuados(...)”.

135 I.A.N./T.T.- Leis Maço 8, n.º38 136 I.A.N./T.T.- Leis Maço 8, n.º38 137 I.A.N./T.T.- Leis Maço 8, n.º38

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

78

Como justificação o monarca considerava que a isenção era prejudicial aos donatários e

ruinoza aos povos. 138. Em termos práticos, a diferença mais significativa para Penalva

estava relacionado com a extinção cargo de ouvidor e sua substituição por juiz de fora.

Agora, o donatário deixava de nomear ouvidor e em sua vez propunha ao rei, uma

listagem de bacharéis, dos quais o monarca escolhia um para exercer as funções de

magistrado.

Como a aplicação desta legislação uniformizadora e centralizadora sofreu

algumas resistências locais, foi reforçada com a promulgação do Alvará de 7 de Janeiro

de 1792, pela qual se pretendia regulamentar a lei uma vez que “(...)a demora na

execução de uma tal Lei era muito danosa à Ordem da Justiça e ao bem dos

povos(...)”139.

O entendimento legislativo não era fácil, levando o concelho a recorrer ao

corregedor da comarca de Viseu para esclarecer as dúvidas relativas à jurisdição do

concelho, colocação de justiças e ouvidor. Por carta de 26 de Agosto de 1791, o

corregedor José Ribeiro Saraiva instruía o juiz ordinário para reconhecer

imediatamente o Marquês de Penalva como senhor destas terras, suspendendo,

contudo, a posse das justiças, até que fossem confirmadas por outras. Em relação à

colocação de ouvidor, porém a situação era outra, uma vez que “(...)não pode este ter

jurisdição alguma depois de passados os três annos desde a sua posse, se para isso

não mostrar provisão, ou outro titulo legitimo: quando mesmo se não devam a este

respeito julgar alteradas as doações de V.Excelência na conformidade da dita Lei

interpretada por um assento da Relação; o que não hé do meu oficio decidir por este

modo(...)”140.

Segundo ele, o ouvidor não podia ter jurisdição alguma passados três anos da

sua posse, mas face às incertezas sobre o impacto da lei nas jurisdições senhoriais,

não lhe competia decidir sobre o assunto, por isso as eleições efectuadas em 1790,

para o triénio 1791, 1792 e 1793, ficaram sem efeito.141 Devido a este imbróglio

administrativo, a composição do senado manteve-se inalterável por mais de dois anos

138 Idem. 139 Colecção de Leis Régia, Officina de António Rodrigues Galhardo, Lisboa, (1788-93). 140 DSRA, Actas da Câmara, 1788-1794 f. 46 141 DSRA, Actas da Câmara, 1788-1794, f. 46v

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

79

consecutivos, até ser substituído por outros pautados, sob a batuta do corregedor, que

organizou novo processo eleitoral para o triénio 1791-1793142.

Em Penalva, os ouvidores foram abolidos e em seu lugar nomearam-se juízes

letrados, passando os eleitos para o senado da câmara a tirarem a carta perante o

corregedor da comarca, substituindo assim o reconhecimento das pautas pelo

donatário143.

Mesmo após a nomeação do primeiro juiz de fora, e quase vinte anos depois o

entendimento da referida Lei e a sua execução nos primeiros anos ainda era tema de

discussão.

2.4. Jogos nas esferas do Poder

2.4.1. Tensões, conflitos e acções de domínio

O estabelecimento de relações comunicativas entre o poder senhorial e o poder

local, na segunda metade do século XVIII e princípios do XIX, era complicado derivado a

um antiquíssimo sistema viário, em muitos casos de base romana, coadjuvado por uma

ineficiente rede de comunicações. Tal conjuntura retardava o conhecimento das

decisões emanadas de Lisboa e em muitos casos gerava que o mundo autárquico fosse

tomando conhecimento delas, de uma forma temporalmente descoordenada. A questão

da dificuldade de acessibilidade ao interior do país, conjugado com o deficiente

funcionamento da posta, um incapacitado sistema viário e uma contrariedade social,

gerada por elevadas taxas de analfabetismo, predispunham complicações na

organização do espaço político municipal.

Em Penalva do Castelo, a comunicação entre senhor e concelho fazia-se

sobretudo através de agentes e intermediários. Como agentes temos os homens da

posta que “corriam” o país levando e trazendo as comunicações e ... as novidades144. As

actas de câmara mostram-nos que, geralmente a correspondência entre senhor e

senado fazia-se indirectamente, via intermediários. Se numa primeira etapa, o ouvidor

desempenhava essas funções, posteriormente, com a sua extinção, elas transferiram-

se para o juiz de fora.

142 Aquando da visita de correição de 1793, o magistrado referia ainda que as justiças novas ainda não tinham tomado

posse DSRA, Livro do corregedor, 1789-1794, f.46 143 DSRA, Actas da Câmara, 1788-1794, f.6 144 A título de curiosidade, convêm explicar que o itinerário dos emissários do correio, que servia o concelho, partia de

Viseu em direcção a Trancoso e utilizava praticamente um sistema viário antiquíssimo.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

80

Nos reservados da Biblioteca Nacional, existe documentação proveniente da

família Meneses, mais conhecido por Arquivo da Casa de Tarouca. Neste fundo

detectaram-se trinta e sete documentos, alguns dos quais formando pequenos

processos concernentes a governança do concelho. Para além da documentação

relativa ao concelho de Gulfar, estamos perante diversas missivas trocadas entre o

Marquês de Penalva, ou o seu representante legal, e os magistrados por ele nomeados.

Assim, existem também propostas de nomeação para cargos municipais (juiz de fora,

dos órfãos e meirinho) informações sobre a correspondência trocada entre os togados

locais e diversos agentes da administração periférica da coroa e processos de

confirmação das justiças. Datadas entre 1813 e 1827, a maior parte da documentação é

portadora da época de produção documental, apesar de existirem algumas cartas sem

essa indicação.

A correspondência remetida do concelho geralmente passava pelo

administrador da Casa de Tarouca, de seu nome António Inácio de Campos, mas

também existem algumas cartas enviadas para outras pessoas próximas da Casa de

Penalva.

Como ao magistrado competia-lhe relatar os acontecimentos da vida municipal

e zelar pelos bens do senhorio, tornava-se um costume a troca de correspondência

entre o Marquês e o seu togado.

Quando tomou posse o juiz de fora Joaquim Pereira de Macedo encontrou o

concelho mal regido, não existindo cumprimento dos direitos, encontrando-se as terras

por arrendar. Em jurisdição termos jurisdicionais, a situação não era melhor uma vez

que não existia intervenção do representante senhorial na eleição das pautas para o

senado, nem o reconhecimento da mesma era da responsabilidade do donatário. A

comprovar existe uma troca de correspondência entre Joaquim Pereira de Macedo e o

Marquês na qual, o primeiro, afirma que quem procedia ao apuramento e confirmação

das eleições era o corregedor da comarca e que já o fazia há mais de 25 anos145. Para

que o Senhor pudesse argumentar junto das entidades competentes, o togado anexou

uma certidão comprovativa como o reconhecimento das justiças era competência da

Casa de Penalva. A questão gerou polémica, levou a uma investigação sobre o

apuramento de responsabilidades na usurpação dos direitos senhoriais, da qual

145 B.N., Arquivo Tarouca, Armário 5º, letra s, maço 20, nº 12

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

81

Joaquim Pereira de Macedo apurou que o primeiro corregedor de Viseu a eleger e a

confirmar justiças146 tinha sido o Dr. José Ribeiro Saraiva, em 1792, 93 e 94147.

As dificuldades sentidas pelo magistrado na prossecução do direito senhorial

originaram tensões e complicações pessoais que levaram o magistrado a solicitar a sua

não recondução no cargo. Justificando a decisão, por carta de 29 de Abril de 1816,

argumentava ainda que “(...)a experiência que tem feito conceber prova ideia das

minhas qualidades muito inferior à importância deste emprego em geral, e

especialmente quando se trata de servir tão melindroso lugar de Penalva. Eu tenho

concebido dele hum secreto desgostoso por motivos gerais, e por outros, que lhe são

particulares(...)”148.

O abuso de poderes e a usurpação de ofícios foram alguns dos problemas com

que o novo juiz de fora Pedro Mendes de Abreu encarou no concelho em 1817. Tratou

imediatamente de comunicar ao Marquês de Penalva que tinha encontrado António

Leite do Amaral Teles a servir como Distribuidor, Inquiridor e Contador da edilidade por

uma provisão do Desembargo do Paço, obtida ilegalmente149. A situação demonstra-nos

uma prática de dupla atribuição e confirmação de ofícios desempenhada pela

administração senhorial e central, originando tensões e conflitos num pântano

jurisdicional de difícil entendimento.

Para o mesmo juiz, o facto do Marquês não confirmar as justiças privava-o

“(...)d’ hum dos primeiros direitos e regalias, que lhe pertence como Donatário, e donde

resulta grande incomodo aos habitantes deste concelho, porque alem de pagarem ao

Corregedor, seu escrivão, e meirinho, pela vinda aqui, tem alem disto de irem a Viseu

diligenciar, e pagar suas cartas(...)”150. Mas a justificação da conveniência popular não

era nenhum argumento para o corregedor151 que simplesmente afirmava que o senhorio

não estava encartado para esse procedimento e como era sua “(...)obrigação de

defender a jurisdição real sendo bem fácil ao mesmo Excelentissimo Senhor obter as

mesmas regalias, que tem outros excelentissimos donatários, visto que na doação

146 A mesma comunicação menciona que a eleição feita pelo ouvidor para os anos de 1791, 92 e 93 não chegou a ser

posta em prática uma vez que o corregedor veio expressamente anular aquele acto e eleger novos oficiais. 147 B.N., Arquivo Tarouca, Armário 5º, letra s, maço 1, nº11 148 B.N., Arquivo Tarouca, Armário 5º, letra s, maço 20, nº5 149 B.N., Arquivo Tarouca, Armário 5º, letra s, maço 2, nº19 150 B.N., Arquivo Tarouca, Armário 5º, letra s, maço 20, nº20 151 O mesmo magistrado refere que quando era juiz de fora de Penalva, pessoalmente e por duas ocasiões, falou deste

problema ao Marquês José Teles da Silva, tendo este acordado solicitar a provisão real, que lhe confira esses poderes.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

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(como disse o Corregedor Pires) não he comprehendida a regalia da

confirmaçam(...)”152.

As tensões entre o agente senhorial e o do centro agravaram-se na medida em

que o juiz de fora anunciou-lhe que iria proceder à eleição dos oficiais e remeter a

pauta à confirmação do donatário. Reagindo a essa acção, o corregedor António

Joaquim da Silva Pereira Couto, que já tinha sido magistrado do Marquês em Penalva,

ameaçou com a nulidade de tal acto e substituição imediata das justiças por outras

confirmadas por ele. Não restou outra solução a Pedro Mendes de Abreu que não fosse

solicitar a ajuda de seu irmão Luís Mendes de Abranches e Costa, para que este

intercedesse junto do donatário, de modo a recorrer desta usurpação para o

Desembargo do Paço153.

O conflito agudizou-se de tal forma que o magistrado, procurando evitar

questões, questionou o senhorio no sentido de saber se existia algum inconveniente a

não confirmação das justiças154. Os ânimos exaltaram-se entre juiz de fora e corregedor

de tal forma que Pedro Mendes de Abreu refere em carta datada de 12 de Janeiro de

1818, que a confirmação das justiças ter acabado em 1791 não passava de uma historia,

porque o principal culpado era António Joaquim da Silva Couto, uma vez que aquando

magistrado em Penalva “(...)teve a maior culpa, porque querendo os Vereadores tirados

da ordem dos nobres do concelho, chamou o Corregedor para os eleger, e

confirmar.(...)”155. O jogo e a tensão entre ambos era de tal forma, que mais uma vez

solicitava-se a intervenção superior do Desembargo. Pedro Mendes de Abreu alvitrava

ainda que iria atrasar a posse das novas justiças, enquanto o assunto se resolvia.

Visto que os direitos e regalias senhoriais estavam em causa, o próprio marquês

de Penalva escreve directamente ao Dr. António Joaquim da Silva Pereira Couto para

“(...)que cesse a usurpação que por involuntarias omisoens.(...)”156 dele, tinha sofrido

nas regalias e que apesar de ser donatário em outras terras só Penalva e anexos

(Gulfar) é que deixaram de enviar as pautas.

Devido aos incidentes jurisdicionais, ou à acção do donatário, adoptou-se uma

forma mista, para o escrutínio de 1819, na qual estiveram presentes os dois

magistrados, fazendo a eleição o corregedor e alvitrando ao juiz de fora que remetesse

152 B.N., Arquivo Tarouca, cota 353, s/n. 153 Idem 154 B.N., Arquivo Tarouca, cota 353, nº 6 155 B.N., Arquivo Tarouca, Armário 5, letra s, maço 7, n.º 22 156 B.N., Arquivo Tarouca, Armário 5, letra s, maço 2, n.º 90

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

83

a certidão da abertura do pelouro desse ano para o senhorio. Face às diferentes

tipologias eleitorais, Pedro Mendes de Abreu, avisa que o ritual encontrava-se ferido de

ilegalidade uma vez que os procedimentos legais e cerimoniais eram diferentes nas

eleições senhoriais e reais157.

Com a morte do Marquês de Penalva, a 10 de Dezembro de 1818, o rei nomeou

D.Prior de Guimarães para governar os bens da Casa enquanto o herdeiro fosse menor.

É o substituto que gera alguma tensão com o juiz de fora ao suspeitar da sua acção e

insinuando que estava a tomar partido do corregedor. O Dr. Pedro Mendes de Abreu

reagiu fortemente explicando, que foi ele que tomou a primeira atitude sobre a

usurpação de bens do donatário e reforçava a sua posição em defesa dos bens

senhoriais, pois preferia ser riscado do serviço real, do que ficar com a imagem de

incumprimento das funções158.

Mais tarde, em 1824, com a nomeação de Francisco de Assis Gomes de Miranda

para juiz de fora, esse magistrado elucidava o Marquês que quem presidia às eleições

era o corregedor e que no ano transacto as pautas tinham sido enviadas ao

Desembargo do Paço e de lá tinham vindo confirmadas.

Em jeito de remate, vemos que as relações de proximidade estabelecidas entre

o senhorio e outros intervenientes (juízes de fora, senado) criam uma atitude

paternalista, inspirada no comportamento real absolutista, em que o rei zela pelos

súbditos.

O cumprimento expresso de antigas doações e uma enorme necessidade de

afirmação de autoridade suscitaram tensões e os conflitos jurisdicionais entre os

representantes senhoriais e os agentes do poder central, que tinham por objectivo

último a acção do donatário em confirmar os eleitos locais. Tal procedimento devia-se

mais a uma questão de prestígio e a de cumprimento de ancestrais privilégios, do que a

um interesse efectivo em controlar a composição do elenco municipal.

A margem de manobra do magistrado senhorial encontra-se diminuída pela

acção do corregedor da comarca que surge sempre com uma ascendência directa

sobre os juízes de fora, controlando e advertindo-os. Igualmente, pela documentação

analisada em epígrafe constata-se que os agentes do poder senhorial não se limitam

apenas aos diversos juízes de fora nomeados, mas também a um conjunto de pessoas,

157 B.N., Arquivo Tarouca, cota 353, nº 50-51 158 B.N., Arquivo Tarouca, Armário 5, letra s, maço 7, n.º 25

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

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relativamente próximas da casa de Penalva, que procuravam interceder e contribuir

para orientar da melhor forma os direitos e regalias do donatário.

Como estava em jogo Poder e o seu exercício, os corregedores também não

queriam perder a esfera de influência conquistada, após a promulgação da Lei que

extinguiu as ouvidorias, pelo que faziam valer-se das prerrogativas e procedimentos

efectuados desde 1790.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

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2.5 AS REUNIÕES DE CÂMARA

O exercício do poder baseava-se no conceito patrimonial da autarquia, mercê da

qual, a câmara fazia estender a sua acção e autoridade às diversas áreas de influência.

Num meio de governação tão vasto, como o concelho de Penalva do Castelo, era

normal existirem tensões de poder, uma vez que uns lutavam por manter os seus

poderes, enquanto outros pretendiam obter poder. Era nesta constante disputa entre

agentes e áreas de poderes que a vereação municipal desempenhava um papel fulcral

no governo do concelho. Órgão de características mistas (governativa e judicial), o seu

desempenho fazia-se sentir ao longo dos diversos autos registados nos livros de actas

de câmara, relacionados com uma lógica contextual do universo autárquico, sempre

inseridos no princípio da jurisdição (iurisdictio). Por isso, importava regulamentar tais

actos, fomentando a participação dos eleitos, regendo a actividade municipal e,

sobretudo, definindo normas de acção e de comportamento dos seus participantes.

As Ordenações Filipinas estipulavam que os juízes (ordinários ou de fora)

participassem sempre nas reuniões de câmara para, conjuntamente com os outros

elementos, estipularem e regerem tudo o que era de bem comum, direito e justiça de

forma a zelarem pelo bom regimento da autarquia159. Pela mesma legislação, deveriam

ainda estar presente nestes actos administrativos dois juízes ordinários, três

vereadores e um procurador. No entanto, em Penalva até à tomada de posse do juiz de

fora, esta prática nem sempre era cumprida, sendo frequentes as sessões constituídas

pelo juiz mais idoso e dois ou três vereadores. Por isso, são poucas as reuniões160

composta por todo o elenco governativo. Prova do deficiente funcionamento são as

constantes deliberações autárquicas para que vereadores e procuradores

compareçam, uma vez que a sua ausência significava a nulidade destes actos161. Muitas

vezes os eleitos, procurando justificar as faltas alegavam que não tinham sido avisados

dos autos ou da sua nomeação162.

159 Ordenações Filipinas, Livro I, Titulo 35, § 2, p. 135 160 Em todas as reuniões do senado da Câmara o escrivão assentava as decisões nelas produzidas nos denominados

livros de vereação, nos quais podemos observar os problemas, preocupações, decisões, nomeações, etc... 161 A 16 de Dezembro de 1761 foi deliberado pelos oficiais de câmara que “(...)nenhum auto de câmara que se tiver feito

ou se fizer daqui em diante sem presidir o procurador actual os são por nulos, e de ninhum efeito so constando

legitimamente por minha fé de mi escrivam o dito procurador se acha ausente fora do dito

concelho(...)”A.C.M.P.C./ADT/ADT-VER/011, f. 87. 162 A.C.M.P.C./ADT/ADT-VER/011, f.89v

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

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86

Tal comportamento administrativo originava uma confusão organizativa

degenerando num vazio de poder, que levava à anulação de várias reuniões de câmara.

No âmbito das suas funções, o corregedor da comarca de Viseu, em visto de correição

assentou que “(...)Os juizes façam as audiencias a horas determinadas e que se alguma

pessoa perturbar ou fazer tumulto ele juiz prenderá e autuará com pena de culpa se

assim o manobrar e que não tenham assessores clérigos e que se algum clérigo tiver

requerimento em audiencia primeiro que tudo o fará e farão por fora da Casa da

Câmara e que os vereadores tantas vezes acharem os gados nos coitos a coimem à

cabeça a vinte reis e que nam consintam cabras a onde houver arvores de fruto que

faça executar os acórdãos da câmara e capitolos da correisam e que não façam juizes

que sejam parentes dos escrivãens(...)”163. Pela diversidade de assuntos abordados, o

documento merece uma atenção especial, pois regimenta as reuniões, determina o

horário, estabelece o direito de ordem na sessão, exclui os elementos do clero e

parentes de eleitos do funcionamento administrativo dos actos e delibera várias acções

de âmbito económico a desempenhar pelos titulares dos lugares.

O regulamento do senado não era constante podendo o cerimonial ser alterado,

como aconteceu na sessão de 24 de Outubro de 1806. Depois de terem eleito o capitão

José Figueiredo de Albuquerque de Vila Cova para vereador de barrete, o executivo

voltou a reunir para mudarem o regulamento das sessões, uma vez que o nomeado

acumulava o cargo com as suas obrigações militares, o que impelia a um ajustamento

de horários, iniciando-se agora a sessão às duas da tarde164.

No ano seguinte, modificou-se novamente a hora do encontro, determinando-se

que as reuniões se iniciassem sempre à uma da tarde165. Existia um cerimonial muito

próprio, pelo qual os eleitos tinham de se reger e cumprir, devendo para isso recorrer

ao uso de certos objectos que se constituem como verdadeiros símbolos de poder.

Destacam-se: as varas dos juízes, ícone da justiça municipal, vermelhas e brancas, de

acordo com a sua categoria (ordinário ou de fora); a arca dos pelouros, pequeno

recipiente onde se colocavam os votos/nomeações dos eleitos e o estandarte do

município, geralmente levado na procissão de Corpo de Deus, que se fazia anualmente

163 DSRA, Actas da Câmara, 1780-1784, f. 2 (apenso ao livro) 164 DSRA, Actas da Câmara, 1805-1808,, f.48 v 165 DSRA, Actas da Câmara, 1805-1808,, f.67

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

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à Senhora do Castelo, em Mangualde 166 167. Outro ritual estabelecido era o toque dos

sinos antes das reuniões de câmara, alertando e convocando a população para o acto.

Para além destes dois elementos, participavam também nas reuniões de

Câmara, os três vereadores e o procurador. Este último era conjuntamente com o

magistrado, o participante mais assíduo.

Uma presença habitual era a do escrivão da câmara (que não tem direito de

voto) que “assessorava” e redigia as actas de vereação. São raras as presenças de

outros elementos, ou de grupos/classes sociais, mas, por vezes, e esporadicamente,

surgem referências a alguns sacerdotes, mas porém, de uma forma geral, isto

acontece na tomada de posse de algum ouvidor, na eleição das justiças, etc...

As reuniões alargadas constituem, de facto, o momento em que o clero, a

nobreza, alguns artífices e homens bons tomam presença na discussão dos assuntos

de interesse local, que extrapolam o normal decorrer da vida municipal. As suas

assinaturas no final da acta comprovam a sua presença e responsabilizam-nos pelas

decisões tomadas. Vulgarmente as reuniões são precedidas de pregões em que a

câmara convida todos a tomarem parte das decisões que hão de ser debatidas.

Apesar de todo o respeito e simbolismo, à volta das vereações, o correcto

funcionamento do modelo municipal só foi possível através da intervenção de actores e

agentes, que num equilíbrio político, judicial e económico, mais ou menos

estável/instável, procuraram as melhores condições de poder para exercitarem os seus

dotes de administração, e vice-versa, dando tratamento a imperiosas necessidades e

realidades do concelho.

Nas reuniões do senado resolviam-se as questões públicas, cumpria-se o

exercício do poder legado por posturas municipais ou leis reais, mas para além de

todas as decisões de carácter político-administrativo, resolviam-se outros problemas

de ordem social e familiar, não existindo desta forma, na comunidade Penalvense de

então, uma distinção completa e clara entre o interesse publico e o privado.

Por isso, importa analisar mais de perto quem eram estas gentes da

governança, como constituíam o aparelho administrativo, judicial e burocrático, da

autarquia Penalvense, procurando saber o que faziam, quais os ofícios que ocupavam,

166 DSRA, Actas da Câmara, 1805-1808, f.68, 167 Em 1997, aquando de obras nas caves do edifício dos paços do concelho situado na Rua 1º de Dezembro, deparou-se

com um pedaço de tecido que estava metido numa saliência da parede, entre dois blocos graníticos, que veio a revelar-se

como os restos do antigo estandarte. Bordado a fio de ouro, dos dois lados, foi limpo e colocado numa moldura na sala

de sessões onde ainda hoje se encontra.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

88

que acções implementaram, qual a actividade que desempenharam no exercício da

administração municipal...

2.5.1. O Processo Eleitoral

Cada município possuía a sua estrutura, liberdades, concessões e privilégios

constituindo uma espécie de subpoder, de reduzido cariz territorial. Assim, a

necessidade do exercício do poder local obrigava à existência de pessoas com

capacidade de governação nos inúmeros municípios do país; ora isto nem sempre

acontecia numa época em que o nível de instrução era baixíssimo, resultando numa

concentração de vários cargos e postos em torno de poucas famílias.

O poder centralista do Antigo Regime enfrentava no país real diversas

adversidades que passavam pela inexistência de quadros técnico-administrativos

especializados168, de equipamentos, recursos financeiros sólidos, etc... Outro problema

advinha da morosidade das comunicações que por vezes levava ao não cumprimento e

ao desconhecimento da legislação régia.

Com um suporte jurídico-administrativo que advém das Ordenações Afonsinas,

Manuelinas e que posteriormente transitaram, quase sem nenhuma alteração, para as

Ordenações Filipinas, as eleições para os cargos municipais obedeciam a um ritual

muito próprio que importa aqui focar de uma forma sucinta:

“Antes que os officiaes do derradeiro anno da elleição passada acabem de servir,

nas oitavas do Natal do mesmo anno sejam juntos em Camera com os homens

bons e povo, chamado a Concelho, e o Juíz mais velho lhe requererá, que

nomêem seis homens para Eleitores; os quaes lhe serão nomeados

secretamente, nomeando-lhe cada hum seis homens para isso mais aptos, os

quaes tomará em scripto o Scrivão da Camera (...). E mandem-lhes, que cada

dous dêm per scripto apartado per si quaes lhe parecem pertencentes para

Juízes: e em outro titulo quaes para Vereadores: e em outro para Thesoureiros ,

onde os houver: (...) Porém os Eleitores cada dous em seu rol não nomearão mais

pessoas, que as necessarias para servirem os ditos Ofícios tres annos (...) 3. E o

168 A falta de quadros especializados que abrangesse todo o território nacional provocava o recurso aos meios humanos

locais cujo conhecimento e interpretação da lei variava de situação para situação, originando múltiplas interpretações

legais e administrativas.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

89

saco dos pelouros se meterá em hum cofre de tres fechaduras, das quais terão

as chaves os vereadores do ano passado, cada hum sua, e não darão a chave a

outro, em modo que nunca hum tenha duas chaves. E cada hum irá, quando

cumprir, abrir a fechadura, de que tiver a chave; e o que der a chave a outro, que

outra tenha, e o que a receber, será degradado hum ano para fóra da vila e seu

termo, e pagará quatro mil reis, a metade para captivos, e a outra para quem

acusar.(...) E no tempo que houverem de tirar os pelouros, segundo seu foro e

costume, mandarão pregoar que venham a Concelho; e perante todos hum moço

de idade até sete anos metterá a mão em cada repartimento, e os que saírem nos

pelouros, serão oficiaes esse ano, e não outros.(...) E se este, que assi for eleito

em lugar de outro, sair em outro anno por oficial de algum oficio dos ditos

pelouros, servirá todavia o oficio em que sair. E não se escusará (3), por assi ter

já servido o oficio, para que foi eleito, por morte, absencia ou impedimento do

outro.(...) E os Juízes, que saírem per pelouros, mandarão requerer as cartas

para usarem (4) de seus oficios aos Desembargadores do Paço, ou ao corregedor

da comarca, ou ao senhorio da terra, se para isso per sua doação, ou privilegio

lhe for dado poder. E até que hajam as ditas cartas, não usarão dos ditos oficios.

E fazendo o contrario, haverão a pena, que houvermos por bem.

(Ordenações Filipinas, Liv.1, Titulo LXVII).

Era, pois, segundo esta indicação que o processo em Penalva decorria, apenas

com algumas salvaguardas estipuladas pela lei em relação à posse do donatário e à

sua jurisdição. O sistema de votação trienal, indirecta e parcial, baseava-se numa

assembleia municipal constituída pelos homens bons do concelho, nobreza local,

alguns elementos do povo e homens de ofícios. A assembleia escolhia seis eleitores

que deveriam, agrupados dois a dois, indicar através de uma listagem as pessoas mais

hábeis para a governança do concelho.

No fim da elaboração das 3 listagens, o juiz mais idoso aferia as indicações e

escolhia os indivíduos “(...)que mais vozes tiverem(...)”169. Geralmente o processo atrás

referido competia ao corregedor, mas no caso de Penalva não se detectou a sua

presença em processos eleitorais. Posteriormente elaborava-se uma pauta com os

escolhidos por função (vereadores, procuradores e juízes) e procedia-se à sua

distribuição por pelouros. Surge assim o núcleo do corpo colegial concelhio a que se 169 Ordenações Filipinas, Liv. I, Titulo LXVII, ob. cit.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

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virá a chamar, mais tarde a Câmara e sobre o qual passa a impender a

responsabilidade da gestão dos negócios do concelho.

O alvará de 12 de Novembro de 1611 possibilitou algumas alterações reforçando

o poder do ouvidor que passou a poder nomear 2 ou 3 pessoas de entre as “(...)das mais

antigas e honradas, e de que tenham informação que são zelosos do bem público, e de

sãs consciencias (...)”170. Penalva era um concelho em que a presença do ouvidor, ao

contrário do corregedor, se fazia sentir sempre que a reunião da Câmara abordava

algum assunto mais sensível como era o caso da escolha dos indivíduos que iriam

ocupar a vereação.

A 4 de Dezembro de 1761, em reunião da Câmara presidida pelo juiz ordinário

Dr. João da Costa Soares, onde estava presente o ouvidor, o Dr José António Ferreira

Pinheiro Amado foi mandado vir “(...)perante sim aceitados pillouros das justiças para

as verem de se abrir e tirarem os pillouros das justiças que ham de servir o anno de mil

setecentos e sesenta e dois annos e vindou assim a dita arca que se achava depositada

em a mam de Joze da Silva e logo pelo dito Juíz foy mandado abrir a dita arca e foi

aberta com a minha chave de mim escrivam e com a chave do Juíz e tam bem com a

chave do procurador do concelho e sendo asima aberto a dita arca foram tirados os

pillouros para Juízes e veriadores e procurador os quais pillouros foram tirados pella

mam de hum menino que tera de idade pouco mais ou menos coatro annos o quais

foram tirados por elle dito menino o qual pilouro foi aberto por mim escrivam da

camera na prezença do dito Juíz e doz mais oficiais de camera e mais povo nam se lhe

manifestando publicamente o dito pilouro por de verificar em segredo da camera que

assim se lhe encarregou debaixo de juramento que tomaram de seus oficios e

cargos(...)”171.

Depois de todo um ritual muito próprio os nomes apurados eram enviados pelo

ouvidor à donatária, a Marquesa de Penalva, que os deveria confirmar «na forma das

doaçois». Dois meses mais tarde, a 12 de Fevereiro de 1762, voltou-se a fazer nova

reunião de câmara, na qual o ouvidor apresentou a confirmação dos eleitos.

A finalizar o processo eleitoral, a Marquesa recomendava ao executivo em

funções que deveria mandar chamar à Câmara os eleitos aprovados e notificá-los da

parte do Rei e da sua aceitação, para exercerem as funções nas quais foram nomeados.

170 Regimento para a eleição dos Vereadores, de José Justino de Andrade Silva, s/d. 171 ACMPC/ADM/ADT-VER/10, f.45

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

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O juramento dos eleitos decorreu nesse mesmo dia à excepção do vereador Manuel

João que não apareceu, tendo sido imediatamente notificado para tomar posse sob

pena de prisão. De facto, era bastante comum os eleitos escusarem-se a cumprir

funções no exercício da governança, o que obrigava a reuniões suplementares para o

preenchimento desses lugares. Se à primeira vista, a nomeação e eleição de um

indivíduo para estes cargos trazia prestígio e honra, por outro lado, podemos constatar

que os fracos recursos económicos dos pequenos municípios levavam ao desgaste

financeiro dos eleitos, sendo por isso normal a existência de frequentes pedidos de

escusas. No entanto, tal tendência contribui ainda para uma concentração de cargos

em torno de uma elite local, que aliava ao poder económico o poderio político.

Com este mecanismo eleitoral, o donatário conseguia limitar o acesso à

governação, procurando controlar o município, e contribuindo para a aristocratização

do poder autárquico. Assim, com o desenrolar dos anos, as classes dirigentes

mantinham o poder através de um compromisso secular entre a família e o “status

social ” à qual pertenciam.

Até a criação do lugar de juiz de fora em terras de Penalva, em 1802, as

reuniões de Câmara eram presididas pelo juiz ordinário mais idoso. Cabia-lhe dirigir a

sessão podendo ter voz decisória em casos de empate. Nestas reuniões só em casos

excepcionais é que o segundo magistrado tomava parte das decisões pois muitas vezes

nem sequer participava nelas. A sua interferência dava-se apenas em casos de

substituição do togado mais velho, ou em reuniões cujo interesse para a comunidade

era bastante elevado, necessitando-se da intervenção de todo o senado.

2.6. Magistrados da Administração Peri fér ica

2.6.1. Corregedores

Funcionário régio de nomeação trienal, o corregedor exercia a sua jurisdição

numa área territorial definida - a comarca, fazendo assentar a acção por uma

formalidade ritual de todo um desempenho jurídico, que se sentia no seu

intervencionismo político, social e económico.

Os corregedores eram nomeados directamente pelo rei, por um período trienal

e a execução da actividade exercia-se consoante uma trilogia: inquirir, julgar e

fiscalizar, em três grandes áreas: política, justiça e polícia.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

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Na primeira eram responsáveis pela coordenação e alçada dos municípios da

comarca, autorizando e estabelecendo fintas, confirmando as pautas dos eleitos,

verificando as receitas e despesas das edilidades, controlando o cumprimento de

posturas, acórdãos e das Ordenações. No campo da justiça defendiam a lei geral e a

ordem pública, indagavam a aplicação da justiça, das sentenças, inquiriam as justiças

locais e a sua acção, conheciam os agravos das decisões interlocutórias, devassavam

sobre crimes com gravidade, conheciam as justiças senhorias e as suas implicações

perante a lei geral, etc...172 Em termos de polícia são os responsáveis pelas inquirições

aos médicos, cirurgiões e escrivães, combatiam o contrabando de cereais,

inspeccionava as obras públicas e os equipamentos concelhios (casa de câmara,

estradas, prisões, etc...). De âmbito alargado, este magistrado ordinário da

administração real periférica orientava influência e poderes através de uma gestão

tutelar, reforçada por visitas pontuais.

Neste concelho, o exercício da actividade esbarrava, em primeiro lugar, com o

poder e acção dos donatários e seus ouvidores sendo frequentes as tensões e conflitos,

que insidiam sobretudo na jurisdição senhorial. Por outro lado, as elites locais e as

justiças municipais também não viam com bons olhos o exercício dessas funções,

apesar de inúmeras vezes recorrer aos seus préstimos jurídicos para resolverem e

esclarecerem dúvidas de teor legal.

Em Penalva a tutela do corregedor era diminuta até à publicação da Lei de

extinção dos Senhorios em 1790, mas a partir daqui o seu papel vai ser alargado,

passando os eleitos municipais a tirarem a carta perante o corregedor da comarca,

substituindo assim, o reconhecimento das pautas pelo donatário.173 Até essa data

competia-lhe sobretudo superintender e zelar pelo cumprimento da lei geral, impedir

abusos do donatário e ouvidor, esclarecer juridicamente as justiças locais, impedir o

contrabando de cereais, autorizar e colocar fintas, fiscalizar a administração financeira

e efectuar a sua visitação anual ao concelho. Após esse acontecimento, a acção do

togado começou a ser mais extensa incidindo sobre competências um pouco dúbias e

começando a disputar com o donatário do concelho a confirmação das justiças.

Aquando da correição de 1792, e verificando que a composição do senado era

exactamente a mesma do ano transacto, uma vez que ele não tinha sido confirmado por

172 Hespanha, António Manuel, As Vésperas do Leviathan. Instituições e poder político em Portugal no séc. XVII, Coimbra,

Almedina, 1994, p.199 173 DSRA, Actas da Câmara, 1788-1794-, f. 6

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

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parte do Marquês de Penalva, o corregedor Dr. José Rebelo Saraiva mandou que no dia

seguinte, na sua presença, fosse aberto o pelouro para a eleição dos novos corpos

governativos da câmara.174

As correições eram minuciosas e abordavam toda a actividade autárquica

desempenhada pelas justiças locais, pretendendo o seu ajustamento à realidade local,

sobretudo na cobrança de impostos e rendas como o que aconteceu na visita de 1770,

na qual o magistrado caracterizava a finta para os enjeitados como exorbitante e

excessiva. Mas, a plenitude do seu exercício do poder recomendava à câmara lançar o

imposto para os expostos, devendo ter obrigatoriamente uma relação das crianças que

se encontravam sobre a tutela. A acção fiscalizadora era outra das suas facetas e como

lhe constou que existiam diversos abusos - e como as amas ainda não tinham recebido

o dinheiro - mandou que lhe fosse entregue o livro da receita e da despesa para “(...)se

averiguar quantos foram os meninos, quaes as amas, e o recebido destas(...)”175.

O critério rigoroso com que expunha opiniões e sugeria medidas levara a

mandar executar disposições relacionadas com a economia e o abastecimento das

populações, destacando-se as posturas e acórdãos sobre a criação de gado, aferição de

medidas, higiene pública, os produtos alimentares (azeite, cereais, frutas, etc...).

Tornou-se muito activo quando Portugal entrou em conflitos armados e

articulou os empréstimos ao estado em plena da Guerra das Laranjas176 e auxiliou o

exército, nas invasões francesas, através da aquisição e requisição de juntas de bois,

fardamentos, alimentação para os soldados e na articulação e conjugação dos senados

municipais na defesa do país177.

Em balanço, vemos que acção do magistrado se fez sentir na supervisão e na

regulamentação dos actos de câmara e dos oficiais municipais, aplicando leis,

sugerindo opções e impondo uma acção tendencialmente uniformizadora, que o

senhorio arcava e acatava enquanto ordem real estabelecida, até que os seus

privilégios, direitos e poderes fossem cumpridos. Podemos afirmar que, até à

publicação da legislação de 1790-92, o donatário/ouvidor e corregedor viviam numa

espécie de coabitação mútua na qual estabeleciam as suas relações e acções de poder,

no concelho de Penalva do Castelo.

174 DSRA, Livro do Corregedor, f. 95 175 DSRA, Actas da Câmara, 1768-1772, f.59 v. 176 DSRA, Actas da Câmara, 1805-1808,, f.17 177 DSRA, Actas da Câmara, 1805-1808, f.49v

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

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2.6.2. Juízes de Fora

Representante do poder real junto das comunidades, o juiz de fora era um oficial

letrado, provido trienalmente para um concelho através de nomeação régia, onde

aplicava a sua jurisdição. Ao contrário dos juízes ordinários, eram magistrados com

formação académica em leis, portadores de uma cultura legal, procurando a isenção e

uniformização do direito, junto das comunidades locais.

Como o nome indica estes magistrados eram estranhos ao município onde

trabalhavam, procurando uma maior isenção e autonomia em relação aos poderes

locais instituídos. De nomeação trienal, em Penalva do Castelo competia ao donatário

propor ao rei, uma listagem contendo os nomes daqueles que achava mais aptos para

tais atribuições. Praticamente adquirida achava-se a aprovação real.

QUADRO XV

Relação dos juízes de fora que exerceram funções em Penalva entre 1802 e 1833

Mandato Juiz de Fora Proposta do

donatário

Nomeação

régia

Despacho do

Desembargo do

Paço

Data de

tomada de

posse

1802-05 António Joaquim da

Silva Marques Pereira

Couto

- - 20 de Fevereiro de

1802

1 de Abril de

1802

1805-10 Francisco Pinto Coelho

e Castro

- - 14 de Novembro de

1804

23 de Abril de

1805

1810-14 Francisco Luis Teixeira

da Mota

- - - 30 de Junho de

1810

1814-16 Joaquim Pereira

Macedo

3 de Fevereiro

de 1813

29 de Maio de

1813

- -

1816-19 Pedro Mendes de

Abreu

21 de Janeiro

de 1816

6 de Julho de

1816

- 5 de Abril de

1817

1820-23 Francisco António de

Andrade Moura Melo

Noronha Lencastre

3 de Agosto de

1818

18 de Dezembro

de 1818

- -

1823-24 Joaquim Rebelo da

Serra Chuquere

- - 15 de Março de 1823 -

1824-27 Francisco Assis Gomes

Miranda

8 de Junho de

1824

28 de Junho de

1824

- 1 de Junho de

1826

1827-33 Francisco Assis Gomes

Miranda

18 de Setembro

de 1827

16 de Outubro

de 1827

- -

Ficou implícita a formação deste cargo a partir da publicação da Lei de 1790, a

19 de Julho de 1790, mas a sua criação só veio a ocorrer com Alvará régio de 27 de

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

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Janeiro de 1802) e o provimento do lugar só se deu a 20 de Fevereiro de 1802, com a

nomeação régia do primeiro magistrado, o Dr. António Joaquim da Silva Pereira Couto.

O togado tinha como área jurisdicional os municípios de Penalva do Castelo e de Golfar

(Sátão), ambos pertencentes ao Marquês de Penalva.

Nas actas da reunião de câmara, de 18 de Março de 1802, está registada uma

carta sua avisando o senado que iria chegar brevemente para tomar posse178 e de facto,

isso aconteceu no primeiro dia de Abril desse ano, com a presença dos notáveis do

concelho e das justiças de Golfar179. A 9 de Agosto, acordaram os executivos das duas

câmaras municipais dividirem os emolumentos do magistrado proporcionalmente ao

número das suas freguesias, doze e quatro respectivamente180.

O exercício do togado foi contudo fundamental para uma reestruturação da

execução administrativa, notando-se esse efeito sobretudo nas actas do senado, mais

pormenorizadas, abrangentes e precisas. Não se pode afirmar que existiu uma

revolução processual das reuniões e do registo das mesmas, mas o que se nota é a

emanação dos conhecimentos legais e de uma experiência anterior, aliada a um

orgulho profissional

Até à extinção do cargo com a reorganização municipal, empreendida por

Mouzinho da Silveira, foram várias as pessoas que desempenharam essas funções no

município de Penalva do Castelo, pelo que urge esclarecer alguns dados biográficos

sobre cada um deles.

- António Joaquim da Silva Marques Pereira Couto -

Foi o primeiro magistrado a ocupar o cargo de juiz de fora no concelho de

Penalva. Natural da freguesia de Santiago de Bedoido (Estarreja) era filho e neto de

magistrados181. Proveniente de uma das mais distintas famílias da comarca, pessoa de

boa vida, de louváveis costumes, entrou para a governança com 22 anos, solteiro,

possuindo rendimentos das suas fazendas182. Pagou 30.000 reis pelas despesas das

178 DSRA, Actas da Câmara, 1805-1808,, f.30 179 DSRA, Actas da Câmara, 1805-1808,, f.31 v 180 DSRA, Actas da Câmara, 1800-1805, f. 59 v. 181 O seu pai era o Dr. Agostinho Marques Pereira do Couto, cavaleiro da Ordem de Cristo e o avô era o Dr. Vitoriano

Pereira da Cruz. Pela parte materna os seus avós eram o capitão António Soares e Maria da Silva

182 I.A.N./T.T.- Desembargo do Paço, Leitura de Bacharéis, A, maço 25, n.º3

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

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habilitações e iniciou a carreira profissional a 21 de Julho de 1778, tendo sido nomeado

juiz de fora de Ovar183.

Aquando da criação do cargo em Penalva do Castelo, foi nomeado por indicação

régia, de 20 de Fevereiro de 1802, para exercer essas funções com predicamento de

primeiro banco184, onde ficou durante três anos até ser nomeado, a 22 de Novembro de

1805, corregedor de Viseu185186. Existe ainda um alvará de predicamento para o lugar de

corregedor da comarca de Aveiro187, mas tal fico sem efeito uma vez que seu

desempenho profissional proporcionou-lhe a recondução no cargo que ocupava em

Viseu. Mais tarde à ascensão na carreira pública levou-o a desembargador do Porto.

Encontrou-se ainda uma nomeação para juiz de fora em Lagos, mas como não

tomou posse é credível que tenha sido anulada188, mas a 4 de Maio de 1825, conseguiu

carta de professo do hábito da Ordem de Cristo189.

- Francisco José Pinto Coelho de Castro -

Natural de Celorico de Basto, comarca de Guimarães na época, era bacharel

formado pela Faculdade de Leis na Universidade de Coimbra. A família estava ligada à

administração pública, pois o pai, José Bernardo Ferreira de Castro, tinha sido

bacharel, da mesma forma que o seu o avô materno, o Dr. Bernardo António Camelo de

Sousa190. Obteve a carta de juiz de fora de Penalva, a 14 de Novembro de 1804191 e

provisão para poder por seu procurador prestar juramento de estilo na chancelaria mor

do reino. Tomou posse a 23 de Abril de 1805 e manteve-se no lugar até 1810.

Em 1823 foi nomeado corregedor do cível de Lisboa192 e três anos mais tarde, a

13 de Outubro de 1826, D. João VI concede-lhe alvará de Desembargador graduado na

Suplicação, servindo de corregedor do cível de Lisboa193.

183 I.A.N./T.T.- Desembargo do Paço, Leitura de Bacharéis, A, maço 25, n.º3 184 I.A.N./T.T.- Chancelaria D. João VI, livro 1, f.288. 185 I.A.N./T.T.- Chancelaria D. João VI, liv.7, f. 261. 186 I.A.N./T.T.- Chancelaria D. João VI, liv. 10, f.273. 187 I.A.N./T.T.- Chancelaria D. João VI, liv.8, f.111. 188 I.A.N./T.T.- Desembargo do Paço, Leitura de Bacharéis, letra a, maço 25, n.º3 189 I.A.N./T.T.- Chancelaria D. João VI, liv.20, f. 103 v. 190 I.A.N./T.T.- Desembargo do Paço, Leitura de Bacharéis, letra F, maço 21, n.º10 191 I.A.N./T.T.- Chancelaria de D João VI, livro n.º 6, f.143 v. 192 I.A.N./T.T.- Chancelaria de D. João VI, liv. 17, fl. 242 v. 193 I.A.N./T.T.- Chancelaria D. João VI, Livro 22, f.140.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

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Progrediu na carreira pública tendo obtido carta de desembargador da relação

do Porto com exercício de ajudante do Intendente Geral da Polícia, a 12 de Julho de

1828194.

- Francisco Luís Teixeira da Mota -

Bacharel formado em Leis pela Universidade de Coimbra, era filho de Tomé

Luís Teixeira da Mota e de Luísa Teresa Mota, todos naturais de Basto, comarca de

Guimarães. A sua data de formatura foi em Julho de 1799, mas só passados nove anos,

a 4 de Abril de 1808, é que obteve carta do lugar de juiz de fora da vila de Penalva195,

onde esteve entre 1810 e 1814.

Devido à agitação política e social que o reino atravessava, só tomou posse do

cargo a 30 de Junho de 1810196, tendo desempenhando-o até 1814197.

Em 6 de Junho de 1821 recebeu a carta de juiz de fora de Miranda198 e a 31 de

Janeiro de 1825, alcançou a carta de profissão do Hábito de Cristo199, tendo sido nesse

mesmo ano nomeado para provedor da comarca de Portalegre. Todavia tal nomeação

que ficou sem efeito por ter recebido, a 6 de Agosto de 1825, o mesmo lugar em

Guimarães200.

- Joaquim Pereira de Macedo -

Morador em Lamego foi inquirido a 7 de Fevereiro de 1811 e aprovado a 13 de

Fevereiro de 1812, tendo sido nomeado para o cargo de juiz de fora do concelho de

Penalva e de Gulfar, a 2 de Dezembro de 1813201. Filho de José de Macedo Ribeiro e de

Maria do Rosário Pereira da Paz era “(...)pessoa de boa vida e costumes, solteiro e

geralmente por todos estimado em razão das amáveis qualidades de que he

dotado(...)”202.

194 I.A.N./.T.T.- Chancelaria D. Pedro IV, livro 1, fl. 191v. 195 I.A.N./T.T.- Chancelaria de D Maria I, livro n.º 78, f.256 v. 196 DSRA, Actas da Câmara, 1805-1808, f. 55 v. 197 I.A.N./T.T.- Desembargo do Paço, Autos de Residência, Beira, maço 1018. 198 I.A.N./T.T. - Chancelaria de D. João VI, Liv. 15, f. 62v. 199 I.A.N./T.T. - Chancelaria de D. João VI, Liv. 20, f. 33 200 I.A.N./T.T.- Chancelaria de D. João VI, Liv. 20, f. 194. 201 I.A.N./T.T.- Chancelaria de D. João VI, Liv. 12, f. 107 202 I.A.N./T.T.- Desembargo do Paço, Leitura de Bacharéis, maço 72, nº 51.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

98

Tinha estagiado no “auditório” do Doutor António Cardoso de Meneses

Montenegro, juiz de fora com alçada e predicamento de correição ordinária em

Lamego203. Serviu em Penalva e Golfar desde 28 de Janeiro de 1814 até 5 de Abril de

1817. Era intenção do Marquês reconfirmá-lo no lugar, mas em carta enviada ao

donatário, o magistrado pediu que não o fizesse uma vez que os seus mais serios

interesses chamavam-no a viver algum tempo na sua casa204. Estranhando essa atitude,

o Marquês de Penalva questionou-o novamente, ao qual ele respondeu alegando que

“(...)a experiencia que tem feito conceber prova ideia das minhas qualidades muito

inferior à importância deste emprego em geral, e especialmente quando se trata de

servir tão melindroso lugar de Penalva. Eu tenho concebido delle hum secreto

disgostoso por motivos gerais, e por outros, que lhe são particulares(...)”205. Tão sincera

afirmação remete-nos para possíveis problemas e tensões durante o exercício do seu

mandato como magistrado, mas a inexistência das actas de câmara deste período,

impede-nos a sua verificação.

Voltou a exercer funções no aparelho do Estado, a 16 de Janeiro de 1824,

quando D. João VI o nomeou Juiz de Fora do Porto.

- Pedro Mendes de Abreu -

Licenciado pela Universidade de Coimbra era filho de Manuel Mendes da

Fonseca e de Rosa Maria de S. José, solteiro e “(...)bem morigerado, católico romano,

familia à lei da nobreza(...)”206. Foi admitido na magistratura a 14 de Junho de 1815,

tendo sido proposto pelo Marquês de Penalva para o cargo a 21 de Janeiro de 1816 e

confirmado pelo monarca a 6 de Julho. Exerceu funções entre 5 de Abril de 1817 a 17

de Abril de 1820.

Se Joaquim Pereira Macedo não queria ser nomeado para outro mandato, o seu

sucessor fez questão de lembrar ao donatário que poderiam novamente ser indigitado

bastando para isso o requerimento ao rei.207

Recebeu carta de hábito a 21 de Junho de 1824, tendo sido posteriormente

reconduzido no lugar de juiz de fora do crime de Santarém, a 23 de Dezembro de

203 Idem 204 B.N., Arquivo Tarouca, cota 353, armário 5º, letra s, maço 20, nº 12 205 B.N., Arquivo Tarouca, cota 353, armário 5º, letra s, maço 20, nº 5 206 I.A.N./T.T.- Desembargo do Paço, Leitura de Bacharéis, maço 9, n.º 16 207 B.N., Arquivo Tarouca, cota 353, nº 49

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

99

1825208. Foi-lhe dada carta de juiz de direito do julgado de Penalva, dez anos mais tarde,

a 20 de Outubro de 1835209.

Com o advento liberalista continuou a pertencer ao aparelho judicial do estado e

a 15 de Maio de 1839 obteve a transferência de juiz de Direito substituto da comarca de

Vouzela para a Comarca de Viseu210. Quatro anos mais tarde foi nomeado juiz de direito

da comarca de Mangualde211.

- Francisco António de Andrade Moura Melo Noronha -

Aquando da sua inquirição tinha 26 anos, curso de leis na Universidade de

Coimbra. Natural de Vila da Feira, pagou 30.000 reis para entrar na carreira pública

tendo iniciado funções de 19 de Setembro de 1815. Filho de Luís António de Andrade e

de Brígida Maria da Silva Moura, o seu avô paterno era o bacharel António Luís de

Andrade212. Foi a primeira escolha do Marquês do Alegrete para exercer o lugar de juiz

de fora em Penalva, por carta de 3 de Agosto de 1818, que foi confirmada pelo rei em 18

de Dezembro de 1818. Só tomou posse do cargo em 1820 e desempenhou-o até 1823.

- Joaquim Rebelo da Serra Chuquere -

Formado pela Faculdade de Canônes da Universidade de Coimbra era natural da

quinta do Vale Côvo, freguesia de Paradela, Sever do Vouga, comarca de Aveiro, filho de

João da Serra Chuquere e de Thomasia Casemira213. Em 19 de Dezembro de 1818,

pagou 40.000 reis para se habilitar aos lugares de letras. Trabalhou no escritório do

Doutor Joaquim José Francisco de Araújo, ex-juiz de fora de Coruche, e segundo a

informação do corregedor de Aveiro em 23 de Abril de 1819 era “(...)solteiro, bem

morigerado, prudente, hábil e por isso digno de entrar na carreira(..)”214.

208 I.A.N./T.T.- Chancelaria de D. João VI, Liv. 20, f. 283 209 I.A.N/T.T.- Chancelaria D. Maria II, livro 25, f. 77v-78 210 I.A.N./T.T.- Chancelaria de D. Maria II, livro 10, fl. 114-114v 211 I.A.N./T.T.- Chancelaria de D. Maria II, livro 20, fl. 22v - 23 212 I.A.N./T.T.- Desembargo do Paço, Leitura de Bacharéis, maço 24, n.º 34 213 I.A.N./T.T.- Leitura de Bacharéis, 1818, Maço 76, nº 29 214 I.A.N./T.T.- Desembargo do Paço, Leitura de Bacharéis, maço 76, n.º 29

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

100

A 15 de Março de 1823, foi nomeado juiz de fora de Penalva,215 onde acabou por

ficar a residir e em 1828 é um dos mais votados, para pauteiro das eleições de 1829,

1830 e 1831, tendo exercido funções na governança.

- Francisco Assis Gomes Miranda -

De todos os magistrados que exerceram funções em Penalva do Castelo, este é

aquele cujo percurso profissional menos se conhece, apenas existindo breves

referências ao seu percurso na magistratura. Recebeu carta de juiz de fora a 6 de

Março de 1820216 e em 1824 encontra-se em Penalva. Devido ao seu zelo, honra

préstimo e actividade no desempenho das funções foi proposto pelo Marquês, em lista

única, ao rei, que o reconduziu no lugar217.

Mais tarde, por nomeação de D. Maria II, datada de 20 de Dezembro de 1834, vai

desempenhar o cargo de juiz da relação dos Açores218.

215 I.A.N./T.T.- Chancelaria de D.João VI, livro 17, fl.81. 216 I.A.N./T.T.- Chancelaria D. João VI, Liv.22, fl. 27v 217 B.N., Arquivo Tarouca, cota 353, armário 5º, letra s, maço 20, nº 18 218 I.A.N./T.T. – Chancelaria D. Maria II, liv.3, fl.123-123v

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

101

2.7. Magistrados Locais

No executivo municipal, o cargo mais importante pela honra e pelo prestígio que

advinham do desempenho de funções era o de juiz. Gozando de autonomia, competia-

lhe presidir às sessões de câmara, zelar pela observância das leis reais, defender a

jurisdição real e particularmente em Penalva por vezes também a senhorial, vigiar o

desempenho dos demais oficiais concelhios, aplicar a justiça em primeira instância,

zelar pela manutenção da ordem pública e segurança, velar pela satisfação da

população, fiscalizar o cumprimento das medidas e actividades económicas, higieno-

sanitárias, das posturas municipais, etc...

O principal lugar das justiças locais em Penalva do Castelo foi ocupado por dois

tipos de magistrados em duas fases distintas. A primeira vai até 1802 e é composta por

dois juízes ordinários eleitos anualmente em escrutínio local, enquanto a segunda

inicia-se depois dessa data com a provisão do lugar de juiz de fora.

Em ambos os casos, os magistrados estavam sujeitos ao poder senhorial, uma

vez que os primeiros, apesar da eleição local, deveriam ser confirmados pelo donatário,

enquanto os segundos eram propostos pelo senhor ao rei, que atestava essa

nomeação. No entanto, cumpriam as suas funções com relativa autonomia

jurisdicional, fazendo da câmara municipal de Penalva do Castelo o centro efectivo de

decisão de todo o concelho. É notório que em muitos casos, depois de eleitos, os juízes

actuavam praticamente desvinculados da entidade que lhes confirmavam as pautas.

2.7.1. Juízes ordinários

Eleitos localmente de entre os melhores homens bons do concelho, o cargo de

juiz ordinário era de todos os lugares no executivo municipal, aquele que maior

prestígio social e reconhecimento tinham.

Em Penalva do Castelo existiram até ao início do século XIX, dois Juízes

ordinários como atestam as actas da vereação de anos tão afastados de 1596 ou 1718219.

Escolhidos de entre os homens bons da terra, estes oficiais de justiça podiam ou não

ser letrados e tinham como principais funções o cumprimento e manutenção da justiça,

da ordem pública, a regulamentação da vida municipal, etc.... Geralmente eram eleitos

dois, mas tal como acontece em Penalva do Castelo, só quando os assuntos o exigem, 219 Arquivo Câmara Municipal de Penalva do Castelo/ADM/ADT-VER/002 e 006

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

102

ou se revelam de maior importância, é que ambos compareciam às sessões de

Câmara, pelo que o normal é encontramos nas actas apenas a presença do juiz mais

idoso. Este lugar ao contrário dos juízes de fora não era cargo de carreira e a sua

validade limitava-se ao cumprimento do mandato. Competia-lhes ainda administrar a

justiça entre os vizinhos embora por via da confusão das tarefas judiciais e de

administração lhes competissem atribuições não litigiosas. Os lugares eram anuais e

electivos e tinham como função gerir em conjunto com os vereadores o concelho e o

seu termo.

Na prática, o juiz ordinário exercia praticamente as mesmas funções que o juiz

de fora, excluindo-se apenas a aplicação prática dos direitos comum e régio, fruto da

sua formação. Mas ao contrário desse, podia não ter formação jurídica, sendo até

frequente casos em que os titulares do cargo são analfabetos. Se numa primeira fase o

analfabetismo não era nenhuma inaptidão para o exercício do lugar, com a publicação

da Lei de 13 de Novembro de 1642, passou a ser proibido o desempenho das

magistraturas locais por analfabetos220.

Mas como distinguir os letrados dos iletrados, numa época em que saber

assinar poderia significar uma “douta ascensão social”? Essa questão levanta-nos

dúvidas uma vez, que da análise dos livros de actas apenas podemos retirar

informações da assinatura de presença de cada um deles. Todavia é bastante evidente

que uma caligrafia, mais elaborada e estilizada significa um maior treino e aptidão, pelo

que são notórios casos de pouco conhecimento letrado em diversos eleitos, mas não

tão reveladores como em muitos vereadores, que não sabem escrever e assinam de

cruz.

Procurando analisar tal factor, voltamos a cair na análise da assinatura dos

setenta e nove juízes que desempenharam funções entre 1758 e 1802. Desses, setenta

sabiam assinar, não se conseguindo apurar, se o faziam ou não, os restantes nove. Se

considerarmos que ser letrado e iletrado passa por saber escrever, ou não, o nome,

constatamos que essa definição não é a mais correcta, uma vez que para a época o

conceito era de um homem sciente, erudito e versado em letras.221 Contudo, para o

desempenho dos lugares apenas se pedia que conhecessem os usos e costumes da

terra, o direito consuetudinário, isenção e bom senso.

220 Hespanha, António Manuel, As Vésperas do Leviathan. Instituições e poder político em Portugal no séc. XVII, Coimbra,

Almedina, 1994, p.451-453 221 Bluteau, Rafael, Vocabulário portuguêz e latino, Lisboa, Oficina de Pascoal da Silva, 1716, t.5, p.90.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

103

A condição pouco literária dos juízes era também uma das alegações

efectuadas pela Marquesa de Penalva ao Desembargo do Paço, ao tentar obter para o

seu ouvidor o juízo privativo para a cobrança dos direitos do foral, uma vez que os

magistrados locais eram “(...)comunmente homem leigo, que nem sabe ler, nem

escrever, de sorte que estava sempre dependente de arbitrios de terceiros assessores,

para decidir qualquer matéria(...)”222.

É amplamente conhecido que a rotatividade das elites locais no desempenho

dos cargos municipais é elevada, especificamente dentro de um restrito grupo,

geralmente suportado por certas famílias, que forneciam grande parte dos eleitos. Isto

passa-se também na proveniência social dos juízes ordinários. Muitos deles são

originários da “nobreza de quinta”223, prestigiados grupos familiares, que gozam de

honra e de bom nome na governação, sendo por isso fácil qualquer dos seus elementos

fazer parte de restrito grupo. Ao longo deste período detectaram-se dezoito indivíduos

ligados à nobreza local, mais especificamente à Casa de Goje, Quinta da Moita, Casa

Coutinho e casa de Vila Mendo.

Por tudo isso, é frequente vermos um indivíduo a ocupar o mesmo lugar por

várias vezes, muitas da quais consecutivamente, desrespeitando, desta forma o

estabelecido nas ordenações. Entre as balizas cronológicas do presente estudo (1752-

1802224) encontramos os casos de: Francisco José de Melo Coutinho, com oito

presenças (1758, 1759,1780, 1788, 1789, 1791 e 1792); José Gonçalves do Amaral (1788,

1790, 1791 e 1792) e João da Silva Amaral, três presenças (1772, 1783 e 1784). Com três

222 I.A.N./T.T.- Desembargo do Paço, Beira, maço 82 223 A associação à nobreza de quinta deve-se sobretudo às diversas casas senhoriais que ainda hoje existem no

concelho, construídas por elementos que frequentaram a governança do concelho. 224 Note-se que o cargo de juiz ordinário extinguiu-se com a nomeação de Juízes de Fora.

GRÁFICO XXVIPercentagem dos juízes ordinários que sabem assinar

Sem informações11%

Juizes que sabem assinar 89%

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

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participações temos Miguel de Albuquerque e com duas José Rodrigues Pereira e

Manuel Martins.

A análise sociológica dos magistrados revela-nos que eram na sua maior parte

proprietários/agricultores abastados, aparecendo com alguma frequência bacharéis e

titulares de cargos militares. Ao contrário de outros lugares nas justiças locais, aqui

não surgiram homens de ofícios ou mesteres a executarem estas atribuições.

A distribuição dos juízes das varas vermelhas por freguesia, demonstram-nos a

preponderância da Ínsua com dezanove indivíduos e remete-nos para a afirmação do

abade de Penalva, que relata a vizinhança poderosa de Castendo225, seguido por

Esmolfe, com doze e Pindo, com dez.

02468

101214161820

Nº d

e el

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Cast

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Vila

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Freguesias

GRÁFICO XXVIIDistribuição dos juizes ordinários por freguesia

2.7.2. Vereadores

A administração municipal vai-se tornando mais intrincada e conduz ao

desenvolvimento de aparelhos burocráticos mais complexos. Os inconvenientes

encontrados na reunião frequente da assembleia concelhia levou à instituição, por volta

de 1340 226 de um órgão “de cinco ou seis homens bons”, primeiro designados por

vedores e depois por vereadores que estavam encarregados de “(...)falar ou de

concordar em todas aquelas causas que forem prol e bõo vereamento da dicta vila ou

225 Para melhor entendimento ver capítulo das Relações de Poder e Espaço. 226 Hespanha (1994), António Manuel, As Vésperas do Leviathan. Instituições e poder político em Portugal no séc. XVII,

Coimbra, p.161

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

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julgado(...)”.Encontravam-se incumbidos de “(...)todo o regimento da terra e das obras

do concelho, e de tudo o que poderem saber, e entender, porque a terra e os

moradores della possam bem viver, e nisto hão de trabalhar(...)”227. Isto é, abarcavam

todos os assuntos da administração concelhia, desde as finanças ao abastecimento e à

justiça. O seu reconhecimento dava-se com a homologação das pautas primeiro pelo

donatário (até 1790-92), posteriormente pelo corregedor (até 1802), depois novamente

pelo poder senhorial, até à intervenção do Desembargo do Paço (a partir de 1824).

Para o sistema eleitoral vigente no Antigo Regime, o correcto cumprimento do

cargo só era possível se, as pessoas que o desempenhassem, fossem das mais nobres

da vila, constituindo, deste modo, uma garantia de imparcialidade e não perturbando a

ordem pública228.

Procurando uma uniformização da regra social da época, na composição do

senado penalvense, a 9 de Setembro de 1789, o corregedor ordenava que não deveriam

ser eleitos para vereadores, procuradores e almotacés, indivíduos que não fossem

capazes de serem juízes ordinários, pois por vezes, escolhia-se quem “(...)nunca lhe

poderia lembrar servir em tam honorificos empregos e desta desordem resultava que

quando depois deles se elegiam alguns do que na verdade devem ser na forma da lei

nam queriam muitos os ditos cargos honoríficos empregos tendo se por injuriados de

entrarem ou servirem os ditos empregos depois de ate terem servido pessoas da

imprópria peble(...)”229.

Posteriormente e face à perda de influência do donatário, o magistrado volta

novamente a alertar para a situação aquando da correição de 1791, referindo a

continuação de procedimentos errados. Nada tinha mudado, uma vez que “(...)Nesta

vila se apresentou que havendo serem eleitos para vereadores procuradores e

almotacés pessoas que não seja capazes para poderem servir de juízes ordinários na

forma que manda a lei de Sua Magestade que Deos guarde sucedia que muitas vezes

elegião para vereadores procuradores e juízes e almotacés pessoas da mais ínfima

plebe que nunca lhe poderá lembrar servir tão honoríficos empregos e desta desordem

resultava que quando depois delles se elegiam algum dos que na verdade devião servir

na forma de lei não querião ocupar os ditos honoríficos empregos tendo se por

227 Ordenações Filipinas, Titulo LXVI. 228 Monteiro, Nuno Gonçalo, Os concelhos e as Comunidades, in História de Portugal, dir. de José Mattoso. Vol IV, Círculo

de Leitores, Lisboa, p. 325 229 DSRA, Livro do Corregedor, f.36.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

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injuriados de entrarem ou servirem os ditos empregos depois de o terem servido

pessoas da ínfima plebe que nunca os devem ter servido, e que ainda que já tem havido

provimentos saber se tem mesmo particular por não terem produzido efeito e se não

terem observado(...)”. Isto sucedia porque os mais poderosos eram reconhecidos

socialmente, não necessitando deste trabalho, para atingirem um estatuto social que

lhes fornecesse reconhecimento e poder. Existia mesmo uma noção de desprestígio,

em torno do exercício dos cargos, não só por uma constante falta de recursos

financeiros dos municípios mais pequenos, a que obrigava a uma injecção de capitais,

por quem andava na governança, mas também porque o desempenho era contrário ao

status das elites locais.

Por tudo isto, o corregedor determinava que a partir daqui em diante nunca

mais fosse eleito qualquer pessoa sem qualidades e predicados da lei230. Chegava

mesmo a indicar qual a proveniência social das pessoas honradas, podendo estas

serem encontradas entre os “(...)lavradores, advogados, bacharéis e outros

semelhantes, sem nunca serem pessoas mecânicas que exercitem ofícios mecânicos

ou da plebe(...)”231. Comprovando a indicação encontramos a exercer funções um

sapateiro e um carpinteiro, respectivamente nos anos de 1754 e 1772. Em termos

sócio-profissionais são poucos os dados obtidos pelas actas de câmara, no entanto

aferimos que em períodos de instabilidade militar como as invasões franceses232, existiu

uma tendência para a cristalização dos ofícios junto da elite militar local.

No caso das ordens não serem acatadas e cumpridas, todos os actos eram

considerados nulos, aos quais, qualquer pessoa do povo se poderia opor a este abuso.

No caso da nomeação de pessoas indevidas, cada oficial da câmara deveria pagar de

multa seis mil reis. O escrivão ficava ainda incumbido de ler este capítulo da correição

aos pautados e aos eleitores para que não se esquecessem de o executarem, aquando

de novos actos electivos. O magistrado alegava ainda que o motivo porque muitos

procuradores acabavam por exercer lugares de vereadores se devia à grande dimensão

do concelho, com muitas povoações de consideráveis dimensões e porque as distâncias

230 DSRA, Livro do Corregedor, f. 75v 231 DSRA, Livro da Correição, f.76 v 232 A insegurança latente em 1809, aquando da passagem dos exércitos napoleónicos por Penalva, levou a uma

considerável desistência dos nomeados para o senado. Tal situação estendeu-se às ordenanças do concelho onde

alguns elementos fugiram para o Brasil, DSRA, Actas da Câmara, 1808-1812, f. 52v-53

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

107

entre elas eram significativas, o que originava uma deficiente cobrança das coimas

(apenas uma vigésima parte)233.

A questão social, a capacidade financeira e económica, a existência de

familiares na governança, a ocupação laboral e a residência dentro do concelho eram

condições obrigatórias para integrarem o executivo municipal. No entanto, numa

comunidade rural do Antigo Regime, de todas estas características, as mais visíveis

eram as de cariz familiar e, consequentemente os rendimentos monetários. Tornava-se

assim um circuito socialmente fechado ou de reduzida mobilidade, onde o nome da

família, aliava prestígio, experiência governativa e em alguns casos dinheiro.

No período estudado 1753-1833, apesar dos hiatos documentais/temporais

(1769-1770, 1773-1777, 1779, 1785-1787; 1797-1799, 1813-1815 e 1822-1823) existiram

62 mandatos municipais para os quais foram efectuadas 281 nomeações para

vereadores, tendo sido ocupados por 196 pessoas. Se dividirmos o número de

nomeações pelos mandatos, temos uma média aproximada de 4,53 vereadores por

executivo, o que nos demonstra uma elevada rotatividade de eleitos.

Se analisarmos os períodos de 1753-1800 e 1800-1833, vemos que os valores

são bastante contraditórios com 5,4 para o primeiro e 3,6 para o segundo. Esta redução

substancial deve-se não só a uma tendência nacional, bem patente nas médias de

Montemor-o-Novo234, Braga235 e Barcelos236, mas também a uma efectiva actividade do

corregedor e, posteriormente, à acção administrativa do juiz de fora que veio

regulamentar e por cobro às inúmeras escusas que era habitual acontecerem.

Detectaram-se 97 nomeações provenientes de substituições eleitorais, o que

representam cerca de 35 %, mais de um terço das nomeações.

233 Idem, f. 78 234 Fonseca, Teresa, Relações de Poder no Antigo Regime, A administração municipal em Montemor-o-Novo (1777-1816),

p.42 235 Capela, José Viriato, A Câmara, a nobreza e o povo do concelho de Barcelos – a administração do município nos fins

do Antigo Regime, p.111 236 Capela, José Viriato Capela, Braga, um município fidalgo. As lutas pelo controlo da Câmara entre 1750 e 1834, p.313.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

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GRÁFICO XXVIIINomeações de Vereadores

Nomeações Totais65%

Nomeações resultantes de escusas de vereadores;

35%

As substituições de vereadores eleitos eram constantes, motivadas pelo

desprestígio do cargo, por doença, ausência, indisponibilidade económica/laboral e pela

incapacidade financeira do município. A sistemática penúria económica com que os

pequenos municípios se debatiam, acabava por afastar os eleitos que não tinham

recursos monetários, e aqueles que não queriam investir na governança. Foi o caso de

Xavier Nunes de Vila Cova, que tendo sido eleito como vereador de barrete em 1758

acabou por ser dispensado do cargo, devido à pobreza extrema em que vivia e porque

dependia exclusivamente da sua enxada para sobreviver. Semelhante situação sucedeu

em 1782, onde os oficiais do concelho livraram um dos nomeados uma vez que não

tinha meios de subsistência e não conseguia superar os gastos do concelho, que eram

abonados, como também para fazer face às despesas com o imposto real237. Outras

vezes, a causa das substituições encontrava-se na suspensão de vereadores motivadas

por erros no seu ofício, detectados aquando da correição238.

Prova de que os mandatos se arrastavam durante anos são as equipas

nomeadas para 1791 e 1802. A primeira só foi substituída em meados de 1793,

enquanto a segunda exerceu funções durante dois anos seguidos. Este prolongamento

da acção governativa, já vinha de trás, originando tensões entre o senado e o ouvidor, o

grande responsável por um elevado número de dispensas. Em reunião de câmara de 14

de Março de 1760, o executivo proibiu o ouvidor de escusar os eleitos, pois a equipa

governativa em funções já tinha cumprido vários mandatos e os seus substitutos eram

sucessivamente isentos das obrigações. Por isso, davam um prazo, às pessoas

pautadas para tomarem posse ou seriam presas, uma vez que se encontravam “(...)

237 DSRA, Actas da Câmara, 1780-1784, f.48 238 ACPMC/ADT/ADT-VER/011, f.95 v

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

109

incompativelmente escusos e não tendo jurisdiçam para o poder fazer pelas doações e

sem lhe ser expressamente proibido pela lei do reino, livro segundo titulo quarenta e

cinco(...)”239. Desta forma recorriam à lei geral, sobretudo ao ponto treze, o qual afirma

que os donatários e os seus representantes deveriam deixar os concelhos usar das

suas eleições. Os pedidos de escusas em excesso, a que o ouvidor dava provimento,

levaram o senado a recorrer ao Desembargo do Paço, procurando uma solução para

aquilo a que consideravam uma acção de senhor despótico240.

As ingerências externas ao processo eleitoral não ficaram por aqui e, a 7 de

Setembro de 1761, face à recusa do juiz ordinário em dar juramento às novas justiças,

porque ainda não tinham sido confirmadas pela Marquesa, o corregedor e o ouvidor

compareceram a essa reunião “(...)por constar por legitimas provas que saindo no mes

de janeiro proximo passado para servirem de juizes ordinários neste concelho de

Penalva o presente ano o Bacharel João da Costa Soarez , e Luiz Pereira Pinto Tavares

de que obtiveram confirmaçam da senhora donataria do mesmo concelho o juiz que

acabava de servir de mil setecentos e sessenta João Inácio de Albuquerque e Castro

nam quiser dar juramento aos ditos juizes com o pretexto de que a mesma senhora

donataria a Excelentissima Condessa de Vilar Maior nam tinha doações confirmadas,

nem alvará de manter em posse, querendo por este modo reter e conservar a jurisdição

de juiz neste concelho alem do ano porque fora eleito e sem embargo desta

repugnancia viera o ouvidor do mesmo concelho dar juramento ao dito juiz novamente

eleito Luis Pereira e Pinto, o qual saindo da casa da camara com vara lhe saira ao

encontro o dito juiz que acabava de servir João Inácio de Albuquerque com algumas

pessoas, que tinha mandado notificar para que acompanhasse da parte de El rei, nam

querendo lhe conceder ao dito juiz novamente eleito depois de algumas ouvidas que

entre si tiveram, se prenderam hum ao outro, e presos foram para as casas da camara

onde ficou, o dito João Inácio como prezo, e logo passado pouco espaço se sahio das

mesmas cazas da camara pretendendo fazer-se ainda reconhecer juiz athé que veio

aceder desta pertençam ficando servindo o dito Luis Pereira Pinto e destes factos não

sem ficarem opostos, e mal afectos hum a outro, e a cada hum dos sobredictos se

foram agregando os seus parentes, e amigos respectivos, fazendo-se inimigos os huns

de outros para se mutuamente insultarem no modo possivel estando assim em huma

239 ACPMC/ADT/ADT-VER/011, f. 49 v. 240 DSRA, Actas da Câmara, 1768-1772, f.77v-78v

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

110

declarada competencia e parcialidade(...)”241. A contenda sobre a contestação dos

poderes senhoriais e a sua habilitação para nomear justiças levou à intervenção do

corregedor que ordenou a ambas as partes o fim das hostilidades242.

Todas as desculpas serviam para não ser vereador e para contestar os pedidos

de escusa. Foi o caso de Manuel Albuquerque de Esmolfe, nomeado para o cargo, não

comparecia a tomar posse por ter entreposto um requerimento para se livrar por

motivos de saúde. Para o senado, reunido a 25 de Janeiro de 1765, tal documento era

falso uma vez que gozava de “(...)muito boa saúde sem embargo que algumas vezes

lançava sangue pella, boca isto é não embaraçava a tratar da sua vida em trabalhos

mais violentos do que ser vereador e andava pelos feiras e todas a parte a onde hera

preciso como por eles ditos vereadores foi visto(...)”. Assim, foi obrigado a servir pelo

que lhe passaram imediatamente ordem para o irem buscar debaixo de prisão. No

entanto, aquando da sua chegada o juiz não lhe deu juramento e mandou-o embora,

ameaçando de prisão os vereadores. Os conflitos entre a vereação e o juiz acabaram

por se saldar numa saída colectiva dos vereadores que acordaram em “(...)arrumar a

vara visto ter acabado o seu tempo(...)”243.

241 ACMPC/ADT/ADT-VER/011, f. 83 242 O magistrado ordenou “(...)que asignassem em termo de hoje em diante se apartarem inteiramente das ditas

parcialidades e competencias , vivendo em paz, e sossego abstendo-se de se insultarem ou fazerem dano huns aos outros

por obra, ou palavra, nem por modo algum fomentarem, ou excitarem discordias ou perturbaçõesns com comminação que

aquelle que contravier a este termo ser prezo e da cadeia pagar duzentos mil reis para cativos, e ser degradado para hum

dos lugares de Africa;(...)” ACMPC/ADT/ADT-VER/011, f. 83 243 ACMPC/ADT/ADT-VER/011, f.26 v

05

1015202530354045

N. d

e el

emen

tos

Antas

Caste

lo

Esm

olfe

Ger

mil

Insu

a

Lusin

de

Mar

eco

Pind

o

Real

Sezu

res

Tran

cose

los

Vila

Cova

n/id

entif

icad

os

s/re

ferê

ncia

Freguesias

GRÁFICO XXIXDistribuição dos vereadores por freguesias (1753-1821)

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

111

A distribuição geográfica dos vereadores não foi sempre a mesma e por isso

importa analisarmos dois períodos. O primeiro, estende-se desde 1753 até 1821 e

baseia-se sobretudo na documentação proveniente das actas de câmara. O segundo,

vai de 1824 até 1833 e abrange as pautas eleitorais para os triénios 1824-26, 1827-29,

1829-31 e 1832-34.

Ao todo exerceram funções como vereadores 196 indivíduos diferentes

provenientes de várias freguesias, com estatutos sociais e económicos distintos.

A freguesia com maior número de escolhidos para desempenharem o cargo de

vereador é o Castelo com 41 nomeações e correspondendo a 16%. Segue-se-lhe Pindo

com 34 nomeações e 14%, Antas com 24 e 10% e Ínsua com 8% correspondendo a 20

designações. Contudo importa realçar os 13% de vereadores cuja origem não foi

possível desvendar e os 3% de elementos de procedência não identificada.

Antas10%

Castelo de Penalva 16%

Esmolfe4%

Germil4%

Insua8%Lusinde

4%Mareco

4%Pindo14%

Real7%

Sezures6%

Trancoselos3%

Vila Cova4%

n/identificados3%

s/referência13%

GRÁFICO XXXDistribuição dos vereadores por freguesia (percentagem)

05

101520253035404550

N. d

e el

emen

tos

Antas

Caste

lo

Esm

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Ger

mil

Insu

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Lusin

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Mar

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Pind

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Tran

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los

Vila

Cova

n/id

entif

icad

os

s/re

ferê

ncia

Freguesias

GRÁFICO XXXIDistribuição dos vereadores por f reguesias (1753-1833)

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

112

Se a estes dados incluirmos os relativos ao período 1824-1833, não se sente

grande alteração uma vez que a ordem das freguesias continua inalterável, apenas

existindo variações a nível das percentagens e do número de nomeações.

Dissecando globalmente a distribuição dos vereadores constatamos que entre

1753-1833 a freguesia de Castelo de Penalva possui uma posição cimeira obtendo 17%

das nomeações; logo seguida de Pindo, com14%, Antas com 10% e Ínsua com 9 %. Não

é de estranhar esta relação, porque no concelho de Penalva, a conexão existente entre

o espaço e o poder vai um pouco mais além, existindo uma preciosa ligação entre os

elementos da vereação e a nobreza local, maioritariamente residente nestas

freguesias. Eram estas famílias distintas, de forte influência na população, procurando

manter ascendência, privilégios, notoriedade e exercendo um controlo social do meio

envolvente244.

A rotatividade dos eleitos era mais acentuada sobretudo nos ofícios de vereador.

De 284 mandatos ocorridos no período estudado, apenas 154 foram desempenhados

uma única vez, tendo ocorrido uma repetição de eleitos em 130 mandatos. Assim, os

cargos ocupados mais do que uma vez, representam 46% do total patenteando bem

uma elite local que se repete no exercício do lugar.

Personagens como José Paulino Barreiros do Amaral e António Almeida Nunes

desempenharam por cinco vezes o lugar. Outros como António Leite do Amaral Teles,

Caetano de Almeida, Joaquim Nunes e Manuel de Gouveia Osório fizeram-no por quatro

244 Ainda hoje notamos a distinção de algumas casas solarengas (Casa de Goje, Casa de Vila Mendo, Casa da Moita,

Casa Cardoso Meneses, etc..), que nos surgem referenciadas como residência de muitos dos membros da governança.

05

101520253035404550

N. d

e el

emen

tos

Antas

Caste

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Esm

olfe

Ger

mil

Insu

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Lusin

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Mar

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Pind

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Tran

cose

los

Vila

Cova

n/id

entif

icad

os

s/re

ferê

ncia

Freguesias

GRÁFICO XXXIIDistribuição dos vereadores por f reguesias (1753-1833)

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

113

vezes. Com três ocupações do lugar encontramos António de Albuquerque Garro,

António Almeida de Melo Coutinho, António de Carvalho, António Dias, José António,

José Calisto de Andrade, José de Melo Coutinho, José Pais, Luís Tomas do Amaral

Pedroso Faria, Manuel José de Albuquerque e Miguel António da Silva Pinto. Com duas

representações identificaram-se trinta e dois vereadores.

Se por um lado, isto trás ao desempenho de funções uma certa experiência e

veterania, também é verdade que, podia representar um continuar de procedimentos

administrativos/judi-ciais/económicos extremamente burocráticos e viciante do

sistema municipal.

As práticas de negócios menos claros e alguns indícios de corrupção nos actos

electivos levaram o senado a efectuar uma petição ao Desembargo do Paço, sobre a

acção do ouvidor nas escusas dos eleitos, no qual expressavam, que sendo “(...)bem

comum neste concelho que as pessoas que sam capazes de servir a república, e pagar

fintas solicitam estas escusas que muitas vezes se lhe dam por negociação dos que

lhos passam satisfazendo a elles com huma pequena esmola que dam de sua

casa(...)”245. A dúbia negociação de escusas detinha contornos pouco claros e de

legalidade duvidosa que acabaram por levar à intervenção do corregedor.

Em suma, após a criação do lugar de juiz de fora, o cargo de vereador

representava no universo dos ofícios municipais o lugar mais importante, que qualquer

elemento da comunidade que pretendesse uma ascendência social, procurava exercer.

No entanto, importa verificar que esse mesmo grupo era proveniente de uma nobreza

mediana, sem grandes possibilidades de mobilidade social.

245 DSRA, Actas da Câmara, 1768-1772, f.77 v-80 v.

GRÁFICO XXXIIIDistribuição dos mandatos para a vereação de acordo com a sua ocupação

Nº de mandatos ocupados pelos

mesmos vereadores; 129; 46%

Nº de mandatos ocupados apenas uma

vez pela mesma pessoa; 154; 54%

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

114

2.7.3. Procuradores

Eleito e interveniente directo nas sessões de câmara, com direito a voto e

opinião, o procurador do concelho, incumbia-se de zelar pelos bens e arrendamentos

municipais, arrecadar a terça e rendas, indagar o escrivão da amotaçaria e demais

oficiais sobre as coimas não demandadas em tempo devido, remeter o produto da

arrecadação para o concelho, substituir o tesoureiro e zelar pelo concerto e

manutenção dos bens públicos, caminhos, pontes, poços, chafarizes, fontes,

etc...246Ocupava-se ainda da vigilância dos bens municipais muito especialmente sobre a

ocupação de via pública. A 14 de Fevereiro de 1783, foi enviado para efectuar uma

vistoria, procurando averiguar o estado do caminho e se tinha fundamento uma

denúncia de interditação de passagem247. A sua importância, como interveniente nos

trabalhos de governação do concelho, resulta das atribuições legais levando mesmo a

vereação a deliberar que qualquer reunião efectuada, sem a presença do mesmo, fosse

considerada nula248.

Em Penalva do Castelo, ser procurador significava que se pertencia a uma

segunda linha de reconhecimento e estatuto social, podendo em alguns casos, através

da ocupação continuada de cargos públicos ascender aos mais nobres da vila. Ocupar

este cargo servia para ganhar experiência na governança, e possibilitar uma esperança

246 Ordenações Titulo 69, §f. 162-163 247 DSRA, Actas da Câmara, 1780-1784, f. 76. 248 ACPMC/ADT/ADT-VER/011, fólio 87

02468

101214161820

Nº d

e in

diví

duos

Antas

Castelo

Esm

olfe

Germ

il

Insua

Lusinde

Mareco

Pindo

Real

Sezures

Trancoselos

Vila Cova

n/identificados

s/referência

Freguesias

GRÁFICO XXXIVDistribuição dos Procuradores por Freguesias

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

115

na ascensão do seu estatuto social. Foi o que aconteceu a António Leite do Amaral

Teles, procurador por duas vezes em 1804 e 1805 e que surge como eleitor e candidato

à vereação na década de 20, destacando-se a sua experiência governativa como

elemento preponderante no exercício das suas atribuições.

Em termos sócio-profissionais estamos perante lavradores, pequenos

proprietários e alguns titulares de mesteres (sobretudo boticários), bem considerados

socialmente entre os seus conterrâneos e capazes de desempenhar ofícios públicos.

Semelhante composição social tinham os concelhos de Montemor-o-Novo, Vila Nova de

Portimão e Alter do Chão, o que nos remete para uma possível situação de

preeminência social e política, capaz de alterar a condição social de cada um deles.

Apesar de um elevado número de eleitos sem proveniência, são sobretudo

pessoas originárias das seguintes freguesias: Ínsua, com vinte; Castelo de Penalva,

com doze; Pindo com oito, surgindo em segundo plano Lusinde e Antas, com seis e

cinco eleitos respectivamente. Encontraram-se ainda dezasseis procuradores de

origem incógnita e dois outros não identificáveis.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

116

2.7.4. Outros oficiais do concelho

O município não funcionava só com os elementos constituintes da vereação

sendo necessário um conjunto de pessoas dispostas a desempenharem diversos

cargos vitais para colocarem em prática as acções executiva, fiscalizadora e

supervisora do senado.

Além destes magistrados de provisão electiva, havia outros ofícios cujo o

processo de preenchimento era a nomeação concelhia dos quais de destacam:

almotacés, assessores, porteiros, carcereiros, médicos, cirurgiões, escrivães, que no

conjunto, representavam um núcleo fundamental da administração municipal.

2.7.4.1. Escrivães

A administração municipal era servida por vários escrivães que

desempenhavam as suas funções em duas áreas primordiais: administração e justiça.

Tipologicamente são três os cargos: escrivão da câmara e almotaçaria, escrivão dos

órfãos e escrivão do judicial. Por isso importa dissecar caso a caso quais incumbências

e competências de cada um.

No concelho de Penalva, durante o período abordado, o escrivão da câmara

acumulava as funções de escrivão da almotaçaria. Pelo primeiro cargo competia-lhe

apontar as rendas e as receitas da edilidade, elaborar os autos de vereação, executar

cartas, requerimentos e zelar pela emissão de correspondência, alvarás, editais,

registar as posturas e o gado, etc... Efectuava toda uma panóplia de actos

administrativos ligados ao expediente e vida municipal, sendo responsáveis pela guarda

da face materializável desses procedimentos — os livros e tombos. Para além de darem

apoio administrativo, estes funcionários procediam a uma uniformização da

administração e desempenhavam funções de comunicação com os provedores e

corregedores da comarca, sendo eles responsáveis pela fiscalização da sua actividade.

A esta vertente, acumulavam as obrigações da almotaçaria e registava as coimas,

multas, as aferições (pesos e medidas). Pelo livro de receitas e despesas vemos que o

cargo era o mais bem remunerado, uma vez que existiam os emolumentos dos actos

administrativos e da escrituração das coimas.

Era um lugar nobilitado e apesar de em muitos concelhos ser de nomeação

trienal, em Penalva do Castelo, tal como em Montemor-o-Novo, era vitalício e

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

117

hereditário249 tendo sido ocupado entre 1746 e 1824, por cinco indivíduos provenientes

da casa da Moita. Para além disto, quase cem anos antes, a 19 de Novembro de 1664,

aquando da nomeação régia de Manuel de Albuquerque para o mesmo cargo referia-se

que seu pai já tinha exercido as mesmas funções250. O cargo de escrivão da câmara era

um ofício nobilitado, desempenhado por elementos de uma família que detinha

influência e poder, mas com dificuldades financeiras e cuja execução dessas funções

lhe permitiam um certo desafogo financeiro e prestigio.

Como curiosidade, refere-se que muitos dos assuntos do concelho foram

tratados na intimidade do lar, uma vez que são constantes as referências aos assentos

redigidos na Quinta da Moita, em casas de mim escrivão.

QUADRO XVI

Escrivães da câmara & almotaçaria (1664-1828)

Nome Morador Ofício

Responsável

pela

Nomeação

Confirmação

régia Outras observações

Manuel de

Albuquerque Esmolfe

Escrivão da

câmara e

almotaçaria

Rei 19/10/1664

O cargo passou do seu pai João

de Albuquerque que tinha mais

de 60 anos e “(...) tres filhos

dous machos e huma femea, e

não era rico(...)”251

Francisco António

de Barros de

Figueiredo

Quinta da

Moita

Escrivão da

câmara e

almotaçaria

Rei 20/6/1746 -

Roque de Barros

Cardoso

Quinta da

Moita

Escrivão da

Câmara e

almotaçaria

- -

Surgem referências ao seu

desempenho nos anos entre

1758 e 1767

Duarte de Barros

Cardoso Ribeiro e

Vasconcelos

Quinta da

Moita

Escrivão da

Câmara e

almotaçaria

Senado do

Câmara 1796

O seu pai já tinha ocupado este

cargo

José Bernardo de

Barros

Quinta da

Moita

Escrivão da

Câmara e

almotaçaria

- - -

Luís Cândido

Cardoso Sotto

Maior

Exercia funções a 5 de Agosto

de 1822

Francisco António Quinta da Escrivão da Senado da 20/9/1824 Filho de Duarte de Barros

249 Em Montemor-o-Novo, Teresa Fonseca remete-nos para um cargo vitalício e hereditário, desempenhado entre 1777 e

1816, apenas por duas pessoas. 250 I.A.N./T.T.- Desembargo do Paço, Justiça e Despacho da Mesa, maço 2434. 251 Idem.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

118

de Barros

Cardoso

Moita câmara e

almotaçaria

Câmara Cardoso

António Teles do

Amaral -

Escrivão da

Câmara e

Almotaçaria

Senado da

câmara 15/4/1828 -

2.7.4.2. Escrivão dos órfãos

Segundo as Ordenações Filipinas, o ofício de escrivão dos órfãos deveria ser

constituído em terras com mais de quatrocentos vizinhos sendo sua pertença auxiliar

os juízes dos órfãos, servindo e por em boa arrecadação os bens e rendas dos órfãos,

registá-los, inventariar os bens e pertenças, assentar as tutorias, etc...252

Ao contrário do ofício anterior não podemos verificar uma hereditariedade do

cargo, mas aquando da nomeação de Manuel Saraiva existe menção a uma ligação

familiar de um parente que já tinha desempenhado essas funções253.

QUADRO XVII

Escrivão dos Órfãos (1642-1820)

N o m e M o r a d o r O f íc i o

Re s p onsá ve l

p e l a

N o m e ação

C o nf i rmaçã

o rég i a

O u t ra s

obse rvaçõe

s

Manuel Saraiva Escrivão dos

órfãos Rei 128/8/1664

Era sobrinho

do anterior

escrivão dos

órfãos

Manuel Saraiva

Albuquerque

Escrivão dos

órfãos Rei 15/12/1726

Manuel Felisberto de

Albuquerque Castro Esmolfe

Escrivão dos

órfãos Rei 5/4/1734

José Inácio de

Albuquerque

Escrivão dos

órfãos Rei 28/10/1748

João de Almeida

Bandeira

Escrivão dos

órfãos

Rei/Senado da

Câmara 26/11/1781

Manuel de Barros

Cardoso

Casa da

Moita

Escrivão dos

órfãos. Rei 7/8/1820

252 Ordenações Filipinas, livro I, titulo, 89, §1, f. 220 253 I.A.N./.T.T. – Registo Geral de Mercês, D.Afonso VI, livro 7, f.3

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

119

2.7.4.3. Almotacés

Eleitos localmente, através de normas bem definidas, competia-lhes o controlo

e a fiscalização das actividades económicas, sobretudo ligadas ao abastecimento das

populações. São os responsáveis pelas vistorias e inspecções às feiras, açougues,

padarias e tabernas. Verificam as condições de venda e de produtos como a carne, o

pescado, o vinho, o pão, etc... Regulam os ofícios artesanais como os sapateiros,

alfaiates. Aferem os pesos e medidas, zelam pela higiene e limpeza da vila, pelo

controlo dos animais abandonados. Acompanhados pelo escrivão da almotaçaria

fiscalizam as obras particulares podendo embargar aquelas que causem prejuízo à res

publica.

As ordenações ordenavam que em Janeiro de cada ano exercessem o cargo os

juízes do ano transacto. Em Fevereiro os dois vereadores mais velhos do ano findo e em

Março o procurador e o vereador mais novo. Nos restantes meses o executivo deveria

proceder à eleição de “(...)nove pares de homens bons dos melhores, que houver no

concelho(...)”254. Mas uma coisa é a teoria e outra é a prática. Desta forma, em Penalva

do Castelo, à semelhança com Montemor-o-Novo, o período do seu mandato é de três

meses. A obrigatoriedade de execução das funções, por parte dos elementos da

cessante vereação, nem sempre era cumprida, uma vez que muitos dos eleitos pediam

escusas. Para além dos notáveis, outros elementos menos abastados, cumpriram

essas atribuições, mesclando-se com os mais nobres da terra. Todavia importa prestar

atenção às diversas desistências e substituições de eleitos. Se por um lado, as

competências do almotacé são potencialmente passíveis de uma maior exposição

pública, por outro contêm um considerável risco de conflitos e tensões. Por isso, os

nobilitados acabam por solicitar a dispensa do lugar, alegando muitas vezes que já

cumpriram funções como vereadores ou juízes e evitando problemas e complicações

pouco dignos com o seu estatuto.

A preocupação do estatuto dos almotacés era considerável não só por parte do

poder central, que estipulou o impedimento na ascensão ao cargo de filhos ou netos de

pessoas mechaniças,255 como também ficou patente na visita efectuada pelo corregedor

da comarca de Viseu, que mandava aos oficiais da câmara executarem os acórdãos das

254 Ordenações Filipinas, liv.1, titulo 68, 1-17, f.157-159 255 Alvará de 21 de Agosto de 1618, in José Justino de Andrade e Silva, Collecção Chronológica da legislação Portugueza,

1613-1619, Lisboa, Imprensa de J.J.A.Silva, 1855, p.334

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

120

correições “(...)não pondo por almotaces senão pessoas que tenham servindo de juizes

ou vereadores ou procuradores ou filhos deles que sejão dos principais do

concelho(...)”256.

Problema era também o campo jurisdicional no qual os almotacés exerciam

tarefa confundido-se muitas vezes com a jurisdição municipal, levando à intervenção do

corregedor que afirmava “(...)estar introduzido assistirem os almotaseis intrometendo-

se na jurisdisam da camara sem lhe pertencer por serem as correisois dos ditos

almotases separados dos da camara na forma da lei que tudo hé em ludibrio do mesmo

senado da camara faltando assim os mesmos almotaseis a fazerem as correições que

lhe competem e para milhor observancia da obrigação de cada hum determinaram que

os almotaceis fossem notificados peaa nam assistirem a intrometerem-se na

correisam que pertence a Camara indo esta incorporada e que per si fizessem as que

lhe competem pello seu regimento, ....., e mais mandaram que os ditos almotaseis

fossem notificados na forma acima declarado pena de suspensão(...)”257.

2.7.4.4. Assistente ou Assessor

A aplicação da justiça, no Antigo Regime, obedecia a critérios por vezes mais de

ordem social e política do que de ordem jurídica, no entanto procurando colmatar as

dificuldades sentidas pelos juízes ordinários no dia-a-dia muitos deles recorreram à

figura do assistente ou assessor de direito. Ao contrário da maior parte dos cargos a

nomeação não era electiva, nem partia da vontade régia, sendo necessário para o

desempenho do lugar ser-se bacharel e pessoa de bons costumes258.

Competia-lhe explicar às justiças da terra o que era de direito,

complementando, orientando e auxiliando os juízes ordinários na interpretação da

causa e na implementação da justiça. O assessor podia auxiliar diversos executivos

concelhios, servindo como complemento do direito erudito, contribuindo para a

uniformização da lei geral e evitando discrepâncias jurídicas.

Em Penalva, não é uma figura permanente nas actas da câmara, mas à

semelhança de outros municípios vizinhos, sobretudo na área do Montemuro, a sua

256 DSRA, Actas da Câmara, 1780-1784, f.28 257 ACPMC/ADT/ADT-VER/010, f. 134v. 258 Hespanha, António Manuel, Sábios e rústicos: A violência doce da razão jurídica. “Revista Critica de ciências sociais”, nº

25/26, Dez. 1998, p.51

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

121

acção incidia principalmente na prática judicial259. Tomava também parte do governo do

município, particularmente na implementação de acórdãos e no estabelecimento da

carga penal de quem não os cumprisse260.

No concelho são poucas as referências aos assessores derivadas sobretudo das

dificuldades financeiras dos eleitos e também de uma actividade mais insistente de

alguns eleitos que iam surgindo, ou por sua livre vontade, ou por interesse, no apoio ao

executivo encontramos o padre da Ínsua a desempenhar as funções de assessor. Uma

situação comum na época e que se explicava devido à falta de letrados. Todavia o

corregedor da comarca procurava evitar a nomeação de clérigos, através de directrizes

expressas aquando da visita de correição261. Ordem semelhante surgiu na comarca de

Lamego, onde o Corregedor Dr. Luís Ribeiro Godinho, estabeleceu que os juízes não

poderiam despachar sem assessor e este não devia ser clérigo262. Indicações como esta

generalizaram-se em toda a comarca e acabaram por ser adoptada na de Viseu. Outro

documento, já mencionado, mas que pela sua importância importa de novo aqui

lembrar é a petição ao Desembargo do Paço efectuada pela Marquesa de Penalva, a

qual refere o apoio frequente que os assessores davam aos juízes ordinários

analfabetos263.

A documentação consultada revelou-nos ainda outros dois assistentes João

Amaral e o Doutor José Ribeiro, da Quinta de S. Sebastião, que merecem uma atenção

especial, uma vez que o primeiro exerceu diversos lugares na governança, enquanto o

segundo pertencia a uma família que era habitual nestas lides264.

259 Ramos, Anabela, Violência e justiça em Terras do Montemuro, 1708-1820, Palimage Editores, Viseu, 1998, f.92. 260 A 28 de Março de 1772, assistiu à reunião de câmara, o “(...)Doutor Manuel Esteves, cura desta freguesia que

actualmente hé assessor dos juizes acima nomiados e como assistente incorporado na mesma camara como em outras

muitos tem praticados mandou escrever o dito acordão em que convieram os oficiais da camara como no mesmo acordão

se contem sem embargo da informação que dei muitos acordãos e capitulos das correições que se não executavam, e que

as frutas heram mal guardadas em termos que nenhum relego havia tanto nos viveres como nas pessoas daninhas de que

havia huma queixa geral como já muitos dizem que não querem semear, por conta da destruição que fazem sem temor

algum dos ditos cacpitulos e acordãos ficando estes so servindo de desprezo por aqueles contra quem se devem executar

por se lhe não porem os meios da execução e de como assim que tenho porposto muitas vezes me pareceu fazer esta

declaração para todo o tempo constar de que não há omissão da minha parte em que nunca quisera inconveniência

espiritual nem corporal pelo que sempre protesto em todos os autos da minha obrigação(...)”DSRA, Actas da Câmara,

1780-1784, f 87 - 88 v. 261 DSRA, Actas da Câmara, 1780-1784, f. 2 262 Ramos, Anabela, Violência e justiça em Terras do Montemuro, 1708-1820, Palimage Editores, Viseu, 1998, f.92. 263 I.A.N./T.T.- Desembargo do Paço, Beira, maço 82 264 DSRA, Actas da Câmara, 1780-1784, f.87

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

122

2.7.4.5. Porteiro

O porteiro relacionava-se com a intermediação das relações entre a câmara e

os munícipes, ou outros órgãos, competindo-lhe anunciar as decisões camarárias,

notificar as pessoas para comparecer em sessão de câmara, executar penhoras e

efectuar a arrematação dos bens, através de pregões.

Em Penalva, tal como em outros pequenos municípios, a sua presença na

actividade autárquica, não é muito visível surgindo aqui e ali algumas nomeações, mas

no entanto são inúmeras as referências ao acto de “botar pregão” sobretudo no

arrendamento de propriedades municipais e na aquisição de bens. Outro aspecto que

importa realçar, prende-se com a acumulação de cargos entre o porteiro e o

carcereiro, levando muitas vezes o mesmo indivíduo a acumular ambas funções.

Independentemente das dificuldades geradas pela inexistência de

documentação para os períodos a que o estudo faz alusão, mesmo assim,

conseguiram-se apurar algumas pessoas que desempenharam esse lugar (ver Quadro

XVIII).

QUADRO XVIII

Porteiros da Câmara Municipal de Penalva do Castelo (1761-1808)

Ano Nome D a t a d o

j ura me nto Re nd i me nt os O b se rv açõe s

1761 Simão Camelo 14/7/1761 3.000 reis

1764 José de Almeida Acumulava funções pois também era

carcereiro

1788 Francisco de

Assunção 6.000 reis Corga

1793 Francisco de

Assunção 6.000 reis Corga

1796 António de Almeida 11/3/1796 9.600 reis Abrunhosa do Sátão

1808 Manuel Francisco 8/3/1808 1.400 reis Ladário

2.7.4.6. Carcereiro

Competia-lhes zelar pelo bom funcionamento das cadeias e fazer cumprir as

decisões judiciais sobre os presos à sua guarda. A execução destas funções poderia

acarretar-lhes algumas dificuldades, porque segundo as Ordenações Filipinas, se

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

123

consentisse a fuga de prisioneiros ou agisse por malícia, poderia ser punido com penas

de açoitamento, degredo e de execução265.

No concelho de Penalva do Castelo existiram dois edifícios com as funções de

albergar presos e vulgarmente denominados de cadeia. Um situava-se em Castelo de

Penalva e deverá ter funcionado, da mesma forma que a casa de câmara, até meados

do século XVIII. A outra situava-se em Castendo e passou a ter a primazia de utilização,

aquando da transferência da “cabeça” de concelho. A importância do equipamento era

tanto maior, uma vez que era o baluarte da justiça municipal e para onde se

deslocavam os condenados. Assim, não são de estranhar as preocupações da vereação

com a condução de presos, reparação de ferros da cadeia e com as nomeações de

indivíduos para exercerem estas funções.

Ao contrário de Montemor-o-Novo, em Penalva do Castelo o cargo não era

vitalício e muito menos hereditário, tendo sido ocupado por diversas pessoas,

demonstrando rotatividade social no desempenho das atribuições. Por vezes, o

carcereiro acumulava as funções com as de porteiro como sucedeu em 1762 e 1763,

mas geralmente eram actividades separadas e bem definidas. Todos os indivíduos

nomeados para o cargo eram originários do concelho, ao contrário dos porteiros,

muitos dos quais de municípios vizinhos.

A actividade e fluxos prisionais encontravam-se bastante dependentes da

aplicação da justiça e dos padrões de comportamento social, sobretudo ao nível das

tensões entre grupos e indivíduos. Por vezes, como em 1799, existem menções a

transferência de presos para a cadeia de Viseu, desconhecendo-se o motivo dessa

atitude. Não teria Penalva condições para albergar uma elevada comunidade prisional?

Será que os crimes cometidos eram graves e por isso submetidos a outra instância

judicial? São perguntas como estas, que a inexistência de documentação judicial não

nos permite responder.

A 29 de Fevereiro de 1812, aquando da tomada de posse José Bernardo, como

carcereiro, refere-se em auto de câmara que a prisão municipal tinha sob a sua alçada

sete “presos e uma presa”. O mesmo documento refere ainda a tipologias dos ferros

utilizados no exercício das funções, destacando-se os grilhos, ferrolhos e correntes

para os pés266.

265 Ordenações Filipinas, Titulo 77, §3, f. 178 266 DSRA, Actas da Câmara, 1805-1808 f.80v

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

124

QUADRO XIX

Carcereiros da Câmara Municipal de Penalva do Castelo (1754-1812)

A n o N o m e L o c a l i da de D a t a d e

n o m e ação

D a t a d o

j ura me nto

Re nd i me ntos

p a g os ( v a l o r e m

re is )

O b se rvaçõe s

1754 António

Camelo Ínsua 4/3/1754 - 14.000 por ano

Desempenhou

funções em 1755.

1761 João

Antunes Arvoredo 9/6/1761 -

1762 José de

Almeida Corga 6/12/1762 30/3/1763 1.000 por mês

Acumulava funções

com as de porteiro

1791 José de

Almeida Corga - - 15.000 por ano -

1792 Anselmo

Carvalho Castendo - - - -

1793 Luis de

Melo Sangemil - - - -

1793 Jerónimo

de Almeida - 3/11/1793 - 1.500 por mês -

1800 Vicente

Ferreira Castendo 17/9/1800 - 1.500 por mês -

1801

Francisco

José de

Araújo

Castendo 14/4/1801 - 1.500 por mês Sapateiro

1802 António

Nunes Casal Diz 15/2/1802 - 1.500 por mês -

1805 Francisco

Pina Castendo - - -

Homem com as

circunstâncias da

lei

1806 António da

Silva Castendo 18/3/1806 - - -

1808 João Lopes Castendo 25/10/1808 - 1.200 por mês -

1809 José

Machado Castendo 5/9/1809 -

1 quartinho de ouro

por mês -

1812 José

Bernardo Castendo 29/2/1812 - - Sapateiro

2.7.4.7. Médicos & cirurgiões

Como a saúde pública representava uma preocupação do executivo, eram

constantes as nomeações públicas para o desempenho dos cargos de médicos e

cirurgiões. Se o primeiro cargo era, desde que tivesse título universitário, equiparado

por direito aos doutores, o segundo por ser um ofício mecânico, já o não possuía o

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

125

mesmo significado267. Assim, os actos de nomeação eram diferentes e tinham

importância diferenciada no regimento do município, existindo uma maior tendência

para a nomeação de médicos do que para cirurgiões.

Ao médico competia-lhe zelar pela saúde dos munícipes, sobretudo dos mais

pobres e desprotegidos e entre as suas obrigações devia “(...)curar os pobres de graça

deste concelho pondo-se sempre pronto com besta quando for chamado e nunca saira

fora do concelho sem licença por mais de vinte e quatro horas(...)”268.

A 13 de Fevereiro de 1795, nomearam por três meses a João Mendes para

médico, enquanto não arranjavam outro. Apareceu também nessa sessão Luís Morais

da Costa Pacheco, apresentando um requerimento para o partido de médico, no

entanto ficou expresso que enquanto desempenhou essas funções fê-lo sem

capacidade, possuindo falta de caridade com os pobres e miseráveis.269 Foram então a

votação para saberem qual deviam escolher, mas existiu empate pelo que decidiram

chamar a nobreza a pronunciar-se. Na mesma sessão compareceu o Dr. Manuel de

Barros da Quinta da Moita a pedir a suspensão dos dois vereadores que tinham

nomeado João Mendes sem consultarem o povo e a nobreza e assim a de 11 de Março

efectuou-se a votação dessas duas classes, as quais votaram maciçamente contra a

nomeação de João Mendes.270 Causa deste comportamento negativo para desempenhar

ofício encontrava-se um conflito judicial entre ele e o Doutor Manuel de Barros, da

Casa da Moita. João Mendes acabou por desempenhar o cargo entre 1794 e 1795, mas

a 19 de Agosto deste último ano foi despedido, por não desempenhar correctamente a

sua missão271.

Em 1802, a falta de médico tornava-se novamente motivo de preocupação do

executivo, uma vez que o concelho era de “(...)grande extensão, e as circunstancias dos

tempos tem exigido despesas mais avultadas(...)” tornava-se necessário aumentar os

seus rendimentos de 140.000 para 200.000 reis272.

267 Hespanha, António Manuel, As Vésperas do Leviathan. Instituições e poder político em Portugal no séc. XVII, Coimbra,

Almedina, 1994, p 346-347. 268 DSRA, Actas da Câmara, 1788-1794- f.11 v 269 DSRA, Actas da Câmara, 1794-1796, f. 12v 270 DSRA, Actas da Câmara, 1794-1796f. 17- 21v. 271 DSRA, Actas da Câmara, 1794-1796, f.101. 272 DSRA, Actas da Câmara, 1800-1805, f.26v ss

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

126

QUADRO XX

Médicos (1757- 1808)

Ano Nome Cargo D a t a d e

n o m e ação

Jurament

o

Re nd i me nt

o s O b se rvaçõe s

1757 José Quadros Boto Médico - - - -

1761 José Tomas Rebelo Médico 21/6/1761 21/6/1761 70.000 reis Germil

1795 João Mendes de

Almeida Médico 13/2/1795

1801 João Mendes de

Almeida Médico

Morreu e foi

substituído

1801 Francisco de

Abrantes Fortuna Médico 30/5/1801 31/10/1801 140.000 reis Trancoselinhos

1806 Domingos Dias

Correia Médico - (?)/6/1806 -

Começava a

trabalhar a 10 de

Junho

1808 José Pereira do

Amaral Sousa Médico 11/12/1808 11/12/1808 - -

Outra profissão de importância acrescida para a saúde pública do concelho era

o cirurgião. Em Penalva do Castelo destacou-se no desempenho do cargo, José

Henriques de Morais, que a 5 de Fevereiro de 1790, apresentou ao senado duas cartas,

uma de cirurgião aprovado e a outra para poder sangrar, sarjar, lançar ventosas e

sanguesugas273. Quatro anos depois em sessão de câmara, com a participação do povo

e nobreza decidiu-se não colocar cirurgião... porque não queriam274. Posteriormente,

devido às distâncias a percorrer estabeleceram-se os honorários a pagar pelas

deslocações do cirurgião, dentro do concelho275.

2.7.4.8 Tabeliões

Nomeados por indicação régia eram parte do braço da justiça de primeira

instância em Penalva do Castelo, acumulando o mesmo funcionário as funções de

tabelião do público, notas e judicial. Todavia, para um melhor entendimento das

273 DSRA, Actas da Câmara, 1788-1794, f. 24. 274 Idem, f. 100v 275 Em acta de câmara realizada entre 29 de Abril e 4 de Maio acordou-se o pagamento das deslocações da seguinte

forma “(...)dentro da vila cem reis e fora da vila dentro da freguesia cento e quarenta, povos dentro de legoa duzentos e

quarenta reis e fora de legoa cuatrocentos reis à maneira dos oficiais de justiça(...)”DSRA, Actas da Câmara, 1805-1808, f.

13 v.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

127

atribuições de cada uma das funções iremos começar pelo tabelião das notas.

Competia-lhes a execução dos instrumentos jurídicos que necessitassem de

conferência de fé pública, redigindo contratos, renúncias, procurações, cartas de

quitação e de dívida, instituições de morgadios e capelas. Os do judicial tinham como

dever redigir os actos judiciais julgados perante as justiças municipais, executando

arrolamentos, devassas, recolhendo depoimentos das testemunhas, efectuando

procurações, querelas, sentenças, autos de emprazamento, instrumentos de apelação

e agravo, penhoras e execuções276. Segundo as Ordenações, estavam obrigados, nos

concelhos com juízes de fora, a prestarem três horas de serviço de manhã e à tarde e

deveriam acompanhar os magistrados no seu trabalho277.

Devido às doações reais, neste município, a sua nomeação era da

responsabilidade do Marquês de Penalva, mas necessitando sempre da confirmação

régia e de exame de ofício efectuado pelo Desembargo do Paço.

Até à publicação da Lei de 19 de Julho de 1790, os tabeliões, no âmbito da

determinação das sentenças proferidas em primeira instância, mantinham contactos

institucionais com os ouvidores. Todavia com a alteração do recurso de segunda

instância para a Relação, esse relacionamento transferiu-se para os corregedores de

comarca.

As Ordenações obrigavam a morarem no concelho onde exercessem, não

podendo acumular cargos. Apesar de não termos conseguido apurar a proveniência de

todos os nomeados, a grande maioria é do concelho, mas ao contrário do escrivão da

câmara e almotaçaria, não são de origem nobilitada ou pertencem a família influente,

pelo que se deduz que sejam agricultores/proprietários com instrução e posses

financeiras.

276 Hespanha, António Manuel, As Vésperas do Leviathan. Instituições e poder político em Portugal no séc. XVII, Coimbra,

Almedina, 1994, p 174. 277 Ordenações Filipinas, livro I, titulo 79, §1-46, f.186-191

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

128

QUADRO XXI

Tabel iões

N o m e M o r a d o r O f íc i o Re s p onsá ve l

p e l a N o me ação

C o nf i rmação

rég ia

O u t ra s

obse rvaçõe s

Manuel de Melo Lusinde

Tabelião do

público,

judicial e

notas

Conde de Tarouca

José da Costa

Barreiros Nesperido

Tabelião do

público,

judicial e

notas

Conde de Tarouca 11/10/1742

Oficio onde estava

servindo Manuel de

Melo de Lusinde

Matias de

Almeida

Tabelião do

público,

judicial e

notas

Conde de Tarouca

Sebastião

Ferreira Corvo Vila Boa

Tabelião do

público,

judicial e

notas

Conde de Tarouca 2/10/1742 O lugar vagou por morte

de Matias de Almeida

José Perfeito da

Costa Corga

Tabelião do

público,

judicial e

notas

Conde de Tarouca 12/10/1742

António

Rodrigues de

Almeida

Menezes

Tabelião do

Judicial e

notas.

Marquês de Penalva 9/5/1807

José de Lemos Mareco

Tabelião do

público,

judicial e

notas

Marquês de Penalva 12/6/1807

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

129

2.8. As eleições em Penalva

Aquando da investigação realizada para o presente estudo detectaram-se no

Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo, no fundo do Desembargo do Paço as

pautas de vereação referentes ao concelho de Penalva do Castelo e à nomeação dos

seus eleitos na última década do Antigo Regime (1824-1833). Face à importância dos

dados contidos nesta documentação para o estudo da vida municipal, optou-se por se

fazer uma análise separada das restantes eleições. Outro dos motivos que reforçou

esta necessidade é que até 1824 todos os dados sobre os executivos municipais tinham

sido retirados dos livros de actas da câmara e da documentação trocada entre o

Marquês de Penalva e os diversos juízes de Fora.278

Isto torna-se mais relevante uma vez que são as únicas pautas eleitorais

conhecidas e que permitem desvendar parte do desenrolar administrativo e burocrático

electivo, para além de uma sociologia dos eleitos.

2.8.1. Conjuntura Histórica

Os processos eleitorais sobre os quais nos iremos debruçar deverão ser

compreendidos numa juntura nacional, motivada por uma situação política bastante

conturbada por um processo de contra revolução, que ganhava mais força de dia para

dia, e que iria desembocar na conhecida Abrilada de 1824.

D. João VI, após uma retirada estratégica e apoiada pela Inglaterra consegue

submeter D.Miguel e ele abandona o país. O rei morre e sucede-lhe seu filho D. Pedro

IV que, dividido entre o Brasil e Portugal, procura um equilíbrio com o seu irmão. Face

a um crescimento da tensão social entre liberais e absolutistas as escaramuças

tornaram-se frequentes e, em 1826-27 quase ocorreu uma guerra civil. De regresso a

Portugal, D. Miguel dissolveu as cortes em Março de 1828, voltando a convocá-las três

meses depois à “maneira absolutista” para ser proclamado monarca. O rei, incapaz de

congregar em si as diversas facções e interesses, empenhou-se num combate às ideias

liberais através de prisões e perseguições dos elementos da oposição liberal.

D. Miguel governa de 1828 a 1834 um Portugal dividido. Com toda a agitação

social D.Pedro apoia a causa liberal, envolvendo-se na força expedicionária que em

278 Como em anexo vão transcritas todas as pautas de vereação optou-se por só colocar as referências das citações que

não constassem destes processos.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

130

Junho de 1832 desembarca no Mindelo. A campanha durou dois anos e terminou com a

convenção de Évora Monte assinada a 26 de Maio de 1834.

Em Penalva, pela correspondência trocada entre o juiz de fora e a Intendência

Geral da Policia, sabemos que em Junho de 1821 a segurança estava garantida,

existindo ordem pública e uma perfeita tranquilidade, depois da expulsão dos

salteadores279. No ano seguinte existe a referência que os habitantes de Penalva eram

afectos ao sistema constitucional e em carta de 23 de Junho de 1823, o juiz de fora

Joaquim Chuquere anuncia que nesse mesmo dia acabaram as câmaras

constitucionais sendo substituídas pelas que as precederão. Os habitantes continuavam

a “(...)mostrarem a mais firme adesão ao Altar e Ttono Portuguez(...)”280.

As mudanças no reino faziam-se sentir no concelho de tal forma que a

repercussão dos acontecimentos era relatada muito pormenorizadamente, tal como

nos demonstra a carta do juiz de fora Francisco Assis Gomes de Miranda, de 22 de

Setembro de 1826 ao Intendente Geral da Policia, na qual refere que “(...) foi jurada a

corte, que felizmente nos rege, com grande entusiamo em o dia 31 de Julho e os

habitantes deste destricto continuão incessantemente a demonstrar, que conhecem os

beneficios que ella nos tem dado e promette; e obdientes as leis sempre sempre se

tem conservado na melhor harmonia(...)”281.

A constante agitação social remetia-nos para um ambiente concelhio com

diversos casos de correspondência revolucionária de ambas as partes, exílios políticos

e alguns conflitos de pequenas consequências. O concelho manteve-se fiel a D.Pedro IV

e à carta até que os conflitos agudizaram-se e a 18 de Dezembro, o juiz de fora

comunicava que as guerrilhas dos concelho vizinhos pró-absolutistas fizeram diversas

incursões ao concelho, obrigando o magistrado a evadir-se, sem ter conseguido auxílio

algum282. Mais tarde, em 1828, com a subida ao poder de D. Miguel, o concelho passou a

seguir uma linha pró-absolutista.

279I.A.N./T.T. – Intendência Geral da Policia, maço 473, doc.38. 280I.A.N./T.T. – Intendência Geral da Policia, maço 474, doc.179. 281I.A.N./T.T. – Intendência Geral da Policia, Doc.293, maço 477 282I.A.N./T.T. – Intendência Geral da Policia, Doc.487, maço 430

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

131

2.8.2. O Triénio de 1824, 1825 e 1826283

Tal como acontece hoje as eleições para os órgãos do poder local no Antigo

Regime obedeciam a um ritual muito próprio que variava conforme as especificidades

de cada município. Os processos sobre os quais irá incidir este trabalho ocorrem após a

criação de um lugar de juiz de fora em Penalva do Castelo (Alvará régio de 27 de

Janeiro de 1802) pelo que em termos documentais é já notória uma maior organização

administrativa.

Como Penalva não era excepção, a 23 de Outubro de 1823, o Doutor António

Duarte da Fonseca Lobo, juíz de fora de Mangualde e desempenhando as funções de

corregedor da comarca de Viseu, procedeu à eleição das pautas para a constituição do

executivo municipal, correspondente ao triénio de 1824, 1825 e 1826284. Assim e de modo

«a se achar pronta a Camera» foram chamados, através de avisos e pregões, lançados

nos lugares competentes, a nobreza e o povo. Movidos pelo corregedor da comarca em

exercício a votar, cumpriram o seu dever distribuindo os votos da seguinte forma:

José de Gouveia ............................................................................. 9 votos

Manuel de Gouveia ......................................................................... 9 votos

António de Carvalho ....................................................................... 10 votos

António de Almeida ........................................................................ 5 votos

António de Albuquerque ................................................................ 10 votos

António Leite de ............................................................................. 3 votos

Luís Tomás ..................................................................................... 9 votos

José Paulino ................................................................................... 2 votos

Manuel de Barros .......................................................................... 4 votos

Manuel de Barros .......................................................................... 3 votos

Francisco Bentes ........................................................................... 2 votos

Manuel de Almeida ........................................................................ 1 voto

283 I.A.N./T.T. – Desembargo do Paço, Beira, Pautas, maço 1074, cx. 1168 284 Neste caso a documentação existente não apresenta a Provisão do Desembargo do Paço para que fossem efectuadas

as eleições, como costuma acontecer em alguns procedimentos administrativos.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

132

Saíram nomeados para eleitores «pela sua pluralidade de votos» José de

Gouveia Osório de Vila Mendo285, António de Carvalho da Quinta das Posses, Manuel de

Gouveia de Vila Mendo, António de Almeida da Ínsua, António de Albuquerque Guarro de

Sezures e Luís Tomás da Quinta do Campo. Foi-lhes imediatamente deferido o

Juramento dos Santos Evangelhos para que debaixo dele, procedessem à eleição das

pessoas que iriam servir de vereadores e procuradores. Para exercer estas funções

deveriam estar acostumados a «andar na governança, bem quistos dos povos».

Posteriormente, e de acordo com as Ordenações Filipinas, foram aparelhados

em três grupos e em conjunto elaboraram as listagens das pessoas que melhor

poderiam desempenhar os cargos na governança deste concelho (9 vereadores e 3

procuradores)286:

1ª Pauta

Eleitores: José de Gouveia de Vila Mendo com António de Almeida da Ínsua

Vereadores

Manuel de Gouveia Osório

António de Carvalho Almeida

Manuel de Albuquerque

José Calixto de Andrade

António de Albuquerque Guarro

António de Melo

António de Pina

António Pereira

António de Abreu

Procuradores

Joaquim António Cabral

José Luís

285 No ano de 1758, José de Gouveia Osório apresentava em reunião de Câmara uma carta de mercê do Marquês de

Penalva, pela qual lhe tinha sido concedido o direito de exercer o cargo de Ouvidor do Donatário, nos concelhos de

Penalva e Golfar. ACMPC/ADM/ADT-VER/10, fólio 6. 286 Determinavam as Ordenações Filipinas que dos seis eleitores mais votados o juiz os deveria “(...)apartar de dous em

dous, não sendo parentes, nem cunhados dentro do quarto grau (...)”, ob. cit.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

133

José de Albuquerque

2ª Pauta

Eleitores: Luís Tomás da Quinta do Campo com António de Albuquerque de

Sezures

Vereadores

Manuel de Gouveia Osório

António de Carvalho

José de Melo Coutinho

António de Mello Coutinho

Manuel Maria

António de Pina, o Morgado

António de Almeida Nunes

José Calixto de Andrade

Francisco Bentes de Melo

Procuradores

Joaquim Cabral

Manuel de Barros

José Luís

3ª Pauta

Eleitores: Manuel de Gouveia de Vila Mendo com António de Carvalho das

Posses

Para Vereadores

O Doutor Luís Tomás de Amaral Faria

Manuel de Albuquerque

António de Melo

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

134

O Doutor José Calixto de Andrade

O Capitão António de Albuquerque

António de Pina

Francisco de Melo Bentes

Francisco da Costa

Manuel de Barros

Para Procuradores

Joaquim Cabral

António Cardoso

José Luís

A selecção elaborada, de acordo com os princípios exigidos, foi posteriormente

submetida ao juízo dos informadores escolhidos Luís Tomás do Amaral Pedroso Faria e

António do Amaral Teles.

O primeiro, Luís Tomás do Amaral Pedroso, era formado em leis, solteiro, com

45 anos de idade e possuía de bens 12.000 cruzados. O seu pai era José Paulino

Barreiros do Amaral, incluído no arrolamento da nobreza, sargento-mor das milícias e

possuidor de 50.000 cruzados. Foi mencionado na terceira pauta, obteve um voto e

ocupou o lugar de vereador em 1824.

O segundo informador, António Leite do Amaral Teles, morador em Castendo,

com 50 anos de idade, tinha experiência de governação e possuía 15.000 cruzados. Não

foi pautado em nenhuma lista e não irá ocupar nesse triénio qualquer lugar no

executivo camarário.

A documentação referente a este processo eleitoral está muito incompleta e

certos documentos geralmente presentes em semelhantes actos administrativos

simplesmente não existem. Se, por um lado, a documentação poder-se-á ter perdido,

por outro, o desconhecimento e a falta de prática nestes processos poderiam ter

conduzido a uma escassez documental.

Pelo «Arrolamento da nobreza e mais pessoas em circunstancias de entrarem

na governança deste concelho» vemos que muitos dos arrolados aqui, com a indicação

do cargo que tinham condições para desempenhar, não constam nas listagens

elaboradas pelos informadores como são os casos de:

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

135

- José de Gouveia Osório, doutorado na faculdade de canônes. Tinha servido em

cargos públicos com o predicamento de primeiro banco. Com 67 anos tinha de

seu 50.000 cruzados, era solteiro e morava no lugar de Vila Mendo, freguesia de

Castelo de Penalva. — Vereador;

- José Paulino Barreiros do Amaral, sargento-mor de milícias, reformado,

morava na sua Quinta do Campo neste concelho. Era casado, tinha 70 anos e

possuía 50.000 cruzados. O seu filho era Luís Tomás do Amaral Pedroso que foi

nesta eleição eleitor, informante e vereador em 1824. — Vereador;

- António Leite do Amaral Teles da vila de Castendo, possuía experiência de

governação, era casado, tinha 50 anos de idade e 15.000 cruzados. — Vereador;

- João Manuel da Costa Soares de Abreu Castelo-Branco, graduado em major de

milícias e morador no lugar de Lusinde. Era casado, tinha 50 anos e dispunha de

15.000 cruzados. — Vereador;

- José da Costa Gonçalves, do lugar de Vila Garcia era casado e tinha 70 anos.

Com experiência de governação possuía 18.000 cruzados. — Vereador;

- João de Melo, do lugar de Pindo tinha andado na governança, era casado, com

45 anos e 300.000 reis. — Vereador;

- António Rebelo de Pindo, também com experiência na governança deste

concelho, casado, 70 anos e com 10.000 cruzados. - Vereador

- José de Figueiredo Albuquerque era Capitão das Ordenanças de Vila Cova,

casado, com 48 anos de idade e 6.000 cruzados. — Vereador;

- Diogo da Costa do Amaral, morador em Castendo, era casado, tinha andado na

governança e tinha 55 anos e 4.000 cruzados. — Procurador;

- António Gomes, do Lamegal, ajudante de milícias, casado, com 55 anos de idade

e tinha 8.000 cruzados. - Procurador

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

136

- António Pedro Fernandes, da Quinta do Boco, tinha experiência de governação

deste concelho, solteiro, com 60 anos e 10.000 cruzados. - Vereador

Ao analisarmos a distribuição dos elementos referenciados para vereadores

neste arrolamento pelas freguesias do Concelho, podemos verificar a preponderância

de Castelo de Penalva com 6 indivíduos, logo seguido de Pindo, com 4 e a Ínsua, com 3.

Para além destas freguesias albergarem as principais famílias do concelho eram

também as mais populosas.

As idades dos arrolados situam-se entre os 25 anos (a idade mínima necessária

para exercer cargos na administração municipal) e os 70 anos. Na época nem todos

tinham a consciência da sua idade o que originava a uma estimativa da mesma, levando

a grandes discrepâncias. Para além disso muito contribuiu a deficiente informação

recolhida por vezes aleatoriamente pelos informadores e restantes intervenientes no

processo eleitoral. A média etária dos vereadores é de 50 anos, enquanto a dos

procuradores situa-se nos 43,3.

A escassez de dados referentes à actividade sócio-profissional dos arrolados

não nos permite uma análise mais detalhada, mas dos referidos vemos que existem

fidalgos, licenciados, oficiais das ordenanças ou das milícias (no activo ou já retirados) e

alguns lavradores abastados/proprietários.

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Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

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Freguesias

GRÁFICO XXXIVDistribuição dos elementos referênciados para vereadores, em arrolamento de nobreza nas eleições

para os anos de 1824, 1825 e 1826, por freguesias

Não existiu ao longo da documentação estudada nenhuma informação que

alegasse a capacidade ou incapacidade do elemento referenciado.

A pauta finalizante das eleições para o triénio de 1824, 1825 e 1826 apresenta a

constituição para o executivo municipal do concelho de Penalva do Castelo, tendo sido

posteriormente organizada do seguinte modo:

Ano de 1824

Vereadores:

José Calixto de Andrade da Matela

António de Mello Coutinho do lugar de Peges

Dr. Luís Tomás do Amaral

Procurador:

Joaquim António Cabral do Lamegal

Ano de 1825

Vereadores:

Manuel de Gouveia Osório de Vila Mendo

António de Pina — o Morgado das Antas

José de Mello Coutinho de Peges

Procurador:

José de Albuquerque de Lusinde

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

138

Ano de 1826

Vereadores:

António de Carvalho e Almeida da Quinta das Posses

Manuel de Albuquerque do lugar de Real

António de Almeida Nunes de Ínsua.

Procurador:

José Luís das Antas

Pela documentação existente parece-nos que durante o triénio que se seguiu

nenhum dos eleitos solicitou a escusa à sua nomeação ou teve de ser substituído.

Quando a listagem dos eleitos foi submetida à aprovação superior o

Desembargo do Paço deve ter concordado com os escolhidos pelo juiz de Fora de

Mangualde, substituto do corregedor da comarca de Viseu. Não era de estranhar a

decisão de tal homologação, pois ela era geralmente efectuada, quando a decisão

recaía sobre os indivíduos mais votados e que tivessem as condições mínimas para

exercerem a governação do concelho.

2.8.3. O Triénio de 1827, 1828 e 1829287

O processo eleitoral sobre o qual nos iremos agora debruçar é

substancialmente mais completo em tipologias documentais, permitindo clarificar

melhor a eleição para os executivos municipais.

A 14 de Junho de 1826, na Vila de Castendo, o corregedor da comarca, Manuel

Monteiro da Fonseca Quaresma, reuniu nos Paços do Concelho os «homens Nobres da

Governança, e os mais que elle Ministro lhe pareceo convocar, e que podessem votar

nos eleitores conforme a Ordenação do Reino e Ordem do mesmo Senhor que sejão

naturaes da terra e dos mais velhos e Nobres della e que tenhão zello tambem com

um, e experienciado Governo da mesma terra não sendo parciaes quando nella haja

bando para com liberdades» para nomearem as pessoas que iriam servir na

governação deste concelho durante o triénio de 1827, 1828 e 1829.

Ainda nesse mesmo dia, por ordem do corregedor, o oficial de porteiro lançou

os pregões «pelas ruas publicas desta villa para que toda a pessoa que tivesse servido

na governança da mesma viesse votar na elleição das justiças», tendo-se 287 I.A.N./T.T.- Desembargo do Paço, Beira, Pautas, maço 1075, cx. 1169

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

139

posteriormente procedido à votação e ao escrutínio dos votos para eleitores, cujo

resultado foi o seguinte:

O Doutor Luís Tomás do Amaral .................................................... 8 votos

O Doutor António de Faria ............................................................. 8 votos

António Leite do Amaral ................................................................ 7 votos

Egídio de Morais ............................................................................. 7 votos

António de Pina .............................................................................. 8 votos

Diogo da Costa ............................................................................... 8 votos

José Paulino Barreiros .................................................................. 4 votos

António de Almeida ........................................................................ 3 votos

António de Carvalho ....................................................................... 1 voto

O Doutor José Calixto .................................................................... 1 voto

Francisco António .......................................................................... 1 voto

José Luís ......................................................................................... 2 votos

Manuel de Albuquerque Castro .................................................... 1 voto

Foram seleccionados para eleitores/pauteiros: o Doutor Luís Tomás do Amaral,

Egídio de Morais, Doutor António de Faria, Diogo da Costa, António Leite do Amaral e

António de Pina, que receberam do corregedor o Juramento dos Santos Evangelhos. De

seguida, foi-lhes pedido «que conforme suas consciencias votassem na pessoa que

lhes parecessem com milhor e com mais zello do bem publico, servirão nesta Camara

os cargos de Veriadores e Procuradores nos tres annos proximo futuros,» e advertiu-os

que da parte de sua Majestade «que as pessoas quem ouvessem para haver de servir

serião das qualidades e partes que convem e naturaes desta villa e termo e dos que

costumão andar na governança della ou o tiverem sido seos Paes e Avós e de

conveniente Idade, e que nenhum dos Eleitores vote em si nem em seo companheiro, e

que no Rol que cada hum delles Eleitores hão de fazer conforme a Ordenação e Ordens

do mesmo Senhor se hão de conformar ambos em tudo nas pessoas quem o dito rol

nomearem e que não fação nomeação de mais pessoas que as que forem necessarias

para haverem de servir os ditos tres annos, e que não a cumprido assim e constando

que a nomeação que fizessem foi em respeitos ou subornos não será valioza, e a bem

disso se procederá contra elles.».

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

140

Posteriormente, os eleitores foram aparelhados dois a dois constituindo três

grupos e indicaram as seguintes pautas:

1ª Pauta

Eleitores: O Doutor Luís Tomás do Amaral com Egídio de Morais

Para Vereadores

Manuel de Gouveia Osório

António de Mello Couto

José Calixto de Andrade

Manuel Maria de Albuquerque

Francisco António de Barros

José Maria Cardoso de Meneses

António Leite do Amaral Teles

José António Barros

Para Procuradores

Adrião António de Gouveia

Manuel de Barros

Manuel José

2ª Pauta

Eleitores: O Doutor António de Faria com Diogo da Costa

Vereadores

O Bacharel Francisco António de Barros

António de Albuquerque

Manuel da Fonseca

O Bacharel José Maria Cardoso

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

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António Tavares

Francisco da Costa

O Bacharel José Calixto de Andrade

Francisco de Andrade

António Pedro

Procuradores

Egídio de Morais

Adrião de Gouveia

Manuel José

3ª Pauta

Eleitores: António Leite do Amaral com António de Pina

Vereadores

Francisco António de Barros

José Maria Cardoso de Meneses

Luís Tomás

António de Melo

José António Tavares

Manuel de Gouveia Osório

Manuel Maria de Albuquerque

João Manuel da Costa Soares Castelo Branco

Procuradores

Adrião António de Gouveia

Manuel José da Costa

Manuel de Almeida de Albuquerque

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

142

Prosseguindo com o procedimento eleitoral o corregedor mandou vir à sua

presença Luís Tomás do Amaral Pedroso de Faria e António Leite do Amaral, «homens

dos mais antigos e nobres de que tem informação que são de boa consciência e mais

zelosos do bem publico naturaes e moradores na terra» para que declarassem as

pessoas que mais requisitos288. tivessem para desempenhar os cargos municipais.

Assim, foram dadas as informações relativas aos indivíduos que poderiam servir para

vereadores e procuradores, nas quais o corregedor apontou ao lado a capacidade de

cada um dos mencionados para desempenhar os referidos cargos. Referiram-se 16

indivíduos para os cargos de vereadores e 7 para procuradores, ao contrário do triénio

anterior no qual foram mencionados 24 pessoas para vereadores e 8 para

procuradores.

Tendo notado que alguns dos pautados não foram mencionados no arrolamento

elaborado pelos informantes, o corregedor solicitou-lhes esclarecimentos sobre qual a

razão que levou a tal exclusão.

De imediato foi informado das seguintes pessoas e factos:

- Manuel da Fonseca, de Vila Cova, casado, de idade superior a 75 anos era

apontado como muito idoso e já não servia na governança do concelho desde

que tinha sido criado o cargo de Juiz de Fora. No entanto o principal motivo para

a não inclusão era a sua falta de bens, apesar de ter sido “ministro de vara

branca”, isto é juiz ordinário.

- António Tavares, residente em Mareco, tinha perto de 80 anos de idade e estava

«velho», ignorava-se o seu estado civil e também não tinha andado na

Governança.

- Francisco da Costa, residente em Lusinde, casado, de 45 anos, achava-se quase

sem bens e era o feitor dos herdeiros de Dom Sebastião de Lusinde.

288 O corregedor solicitou-lhes que indicassem «as pessoas que ha nesta vila e termo dos que constem não andar na

governança amigos Pais e Avós tiverem andado nella outros quaes quer que tiverem geralidades e partes para servirem os

taes cargos posto querião sejão naturaes e dos parentes e os quebra entre elles e cujas mulheres e em que grão e

amizade, ou ódio, e da idade de cada huma das ditas pessoas e creado de sua Magestade ou o foi de outrem, e de quem

e que ofício e fazendo a tem e se vive nesta vila, outro termo, e se são na terra dela ou o forão ou não seus Paes ou Avós e

se foi oficial mecanico, e quanto há que deixo eu de a servir ou se o foi seu Pai ou Avós e se tem habito com tença ou se

tem ela, e de que Ordem», vide anexo documental

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

143

- Francisco de Andrade, da Corga, casado, tinha 80 anos ou mais, e estava muito

velho e por isso não fizeram menção dele. Possuía em bens de raiz 3.000 ou

4.000 cruzados.

- António Pedro do Boco, solteiro, com 55 anos, encontrava-se «de todo falido de

bens e por esse motivo delle não fizerão menção».

- Egídio de Morais, de Fundo de Vila (Esmolfe), casado, 50 anos não foi nomeado

por esquecimento uma vez que casou e foi viver para fora do concelho. Tinha em

bens seis mil cruzados.

- Manuel José da Costa, de Real, casado, 45 anos, tinha servido de administrador

da casa dos herdeiros de Miguel António, e possuía em bens quatrocentos mil

reis.

Para fornecer indicações dos arrolados o corregedor utilizou o critério de

“Bom”, “Suficiente”, “Capaz” e “Ordinário”.

Ao contrário do triénio anterior a documentação deste processo eleitoral

encontra-se mais completa, permitindo ver com mais clareza a centralização das

vereações em torno de uma elite local constituída por nobres/fidalgos, membros das

ordenanças e milícias do concelho, bacharéis e proprietários. Ao contrário do que se

passou em alguns concelhos, em Penalva continuamos a ver o poder local nas mãos de

uma oligarquia endogâmica que se auto-renovava, sendo frequentes nas informações

estudadas, existirem menções ao parentesco entre os potenciais eleitos.

Todos os mencionados residem no concelho ou seu termo, sendo questão

sempre presente nas informações prestadas pelos eleitores. Os potenciais vereadores

continuam a pertencer às principais famílias do concelho e a distribuição pelas

freguesias fazia-se pelo seguinte modo:

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Freguesias

GRÁFICO XXXVDistribuição dos elementos referenciados para vereadores, em arrolamento de nobreza nas eleições

para os anos de 1827, 1828 e 1829, por freguesias

Castelo de Penalva com cinco eleitos, continuava a ser a freguesia com um

maior números de elementos, logo seguido pela Ínsua, Pindo e locais não

especificados.

Os que mais votos obtiveram foram eleitos para desempenharem os cargos de

vereadores e procuradores no executivo municipal durante os anos de 1827 e 1828, pois

ao contrário do pretendido este acto eleitoral não elegeu ninguém para o ano de 1829,

tendo-se a 14 de Setembro de 1828, procedido à abertura de novo processo eleitoral

cujo objectivo visava a nomeação de novo executivo municipal para o triénio de 1829-

1831.

Assim, as equipas autárquicas que desempenharam funções nos anos de 1827 e

1828 foram as seguintes:

Ano de 1827

Vereadores:

Francisco António de Barros da Quinta da Moita289

José Maria Cardoso de Menezes de Pindo 289 Foi substituído por Manuel Maria de Albuquerque de Esmolfe “(...)Nomeio a Manoel Maria d´ Albuquerque – de Esmolfe,

para Vereador da Camara do concelho de Penalva do Castello, em lugar de Francisco António de Barros, que foi escuzo;

para o que se passe Ordem LXª 2 de Março de 1827.(...)”, ver anexo documental.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

145

José António Tavares de Tibães

Procurador: Adrião António de Gouveia das Posses

Ano de 1828

Vereadores:

António de Melo Coutinho

José Calixto de Andrade

António de Pina

Procurador: Manuel de Barros

Apenas dois vereadores - Francisco António de Barros da Quinta da Moita e

José Maria Cardoso de Menezes - foram votados/nomeados nas três pautas. De todos

os que exerceram o seu lugar no executivo municipal só António de Pina é que obteve

um voto, enquanto os restantes conseguiram dois.

A faixa etária dos arrolados estende-se dos 26 aos 72 anos. Neste campo

importa recordar que era um requisito importante no processo de selecção e que

nomeados na primeira pauta não foram mencionados no arrolamento como eram os

casos de António Tavares e de Francisco de Andrade, com cerca de 80 anos ou mais.

Todavia a média etária dos vereadores é de 33,2 anos e a de todos os arrolados para o

mesmo cargo é de 44,6. No caso dos procuradores a média é mais baixa e fixa-se nos

30 anos.

Em termos económicos os vereadores eleitos possuíam rendimentos entre os

5.000 cruzados e os 80.000 situando-se a média global dos pautados em 18.000

cruzados. Mas por aqui podemos ver que a condição económica não é só por si

determinante para a eleição de uma pessoa, uma vez que pautados como José Paulino

Barreiro do Amaral, com 80.000 cruzados e Manuel de Gouveia Osório, com 30.000, não

foram seleccionados.

Para finalizar todo o processo eleitoral, o corregedor mandou elaborar a

devassa das eleições procurando indagar e «averiguar se nella ouve algum soborno».

Foram inquiridas 16 testemunhas do acto eleitoral tendo todas, declarado que o acto

correu normalmente sem nenhuma suspeita de suborno ou de adulteração de

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

146

resultados. Muitos dos inquiridos eram proprietários, lavradores e artífices. Nestes

últimos encontramos referências às profissões de tamanqueiro, barbeiro, ferrador,

negociante e sapateiro.290

Posteriormente, a documentação foi enviada para o Desembargo do Paço para

se proceder à apreciação e nomeação dos eleitos, constituindo um processo

documental. Apenso a ele encontramos um pedido de dispensa solicitado por Francisco

António de Barros Cardoso e Vasconcelos, do cargo de vereador para o qual tinha sido

eleito, uma vez que se encontrava doente e incapacitado de cumprir as obrigações que

tal cargo acarretava. Ao seu pedido anexava uma carta passada pelo médico dos

partidos de Penalva, José Pereira do Amaral, formado em Medicina pela Universidade

de Coimbra, cujo teor era o seguinte:«Certifico que o Ilustrissimo Sr. Francisco António

de Barros Cardoso da Quinta da Moita, deste Distrito esta bastante doente, com uso de

remédios, que lhe apliquei, os quais deverão ser continuados por muito tempo, a fim de

radicalmente se curar a sua molestia. Por ser o seu Médico os estendo posso esta que

sendo necessario, atesto de baixo juramento do meu grao. Castendo, 26 de Março de

1827»

O atestado de incapacidade foi reconhecido em Penalva do Castelo, nesse

mesmo dia por Francisco Manuel Alves, tendo posteriormente subido ao Desembargo

do Paço. A 2 de Maio foi dado provimento ao pedido de escusa e logo foi nomeado

Manuel Maria de Albuquerque de Esmolfe para seu substituto uma vez que era o

vereador com maior número de votos e possuía aceitação dos informantes e do

corregedor.

2.8.4. O Triénio de 1829, 1830 e 1831291

Como as listas nomeadas nas eleições anteriores não chegaram a ser

cumpridas, a 14 de Setembro de 1828 procedeu-se às pautas de vereadores e

procuradores que iriam servir durante este novo triénio. O processo eleitoral sobre o

qual nos iremos agora debruçar é um pouco mais pobre do que o anterior e não

apresenta uma tão vasta tipologia documental.

Como era costume as eleições foram anunciadas por «editaes e lançado o

pregão pelo pregoeiro», mas também devido às restrições sociais existentes nestes

290 Vide anexo documental. 291 I.A.N./T.T.- Desembargo do Paço, Beira, Pautas, maço 1075, cx. 1169

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

147

actos, não é de excluir a hipótese, de que por vezes, o que ocorria era a transmissão do

pregão directamente aos interessados, de uma forma directa e mais recatada, ou

inclusive, de boca em boca pelos restritos círculos familiares ou de potenciais eleitores.

A presidi-las encontrava-se o Desembargador Juíz de Fora da cidade de Viseu, o Doutor

Francisco da Costa Mimoso Alpoim,292 que estava servindo de corregedor da comarca. O

mesmo encarregou as pessoas presentes para «que dessem a sua eleição em seis

pessoas deste concelho que costumassem andar na governança delle que fossem de

bons costumes e que tivessem conhecimentos suficientes das pessoas que estavam

nas circunstancias de serem Vereadores». Recomendava ainda da parte de «El Rei

Nosso Senhor que se houvessem comcircunspeção nesta nomeação; pois que della

defendia a boa eleição de Vereadores que havião de dirigir a boa eleição deste concelho

e fazenda delle»

Assim os presentes distribuíram os seus votos da seguinte forma:

Para Pautas

António de Carvalho ....................................................................... 9 votos

Francisco António Barros .............................................................. 18 votos

Luís Tomás de Amaral ................................................................... 18 votos

António Leite .................................................................................. 17 votos

José de Melo Coutinho .................................................................. 16 votos

António de Pina .............................................................................. 7 votos

António de Almeida Nunes ............................................................ 14 votos

António Pedro Ferreira .................................................................. 4 votos

João Manuel da Costa Soares ....................................................... 6 votos

José de Albuquerque ..................................................................... 3 votos

Joaquim Rebelo da Serra Chuquere ............................................. 14 votos

Manuel Maria de Albuquerque ...................................................... 3 votos

António de Melo ............................................................................. 2 votos

Diogo da Costa do Amaral ............................................................. 5 votos

José António Tavares ..................................................................... 2 votos

António de Ferreira do Amaral ...................................................... 2 votos

João de Barros ............................................................................... 1 voto 292 Francisco da Costa Mimoso Alpoim era também Fidalgo da Casa Real

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

148

E porque tiveram a pluralidade dos votos foram eleitos para pauteiros,

Francisco António de Barros, Luís Tomás do Amaral, António Leite, José de Melo

Coutinho, António de Almeida Nunes e Joaquim Rebelo da Serra Chuquere, recebendo

logo o juramento para que procedessem à nomeação de nove indivíduos vereadores e

três procuradores, os quais deveriam estar habituados a « andar na governaça deste

concelho, ou para isso sejão aptos exemptos de ciúmes bem morigerados, sem nota

em sua reputação, e que não sejão dos que sejão inimigos do Altar do Thorno, sendo

verdade no governo deste concelho, e zelozos dos bens delle.»

A preocupação notória na eleição de pessoas que não fossem inimigas do trono

reflecte-nos a conjuntura de então, em que absolutistas e liberais se confrontavam

ideologicamente na tentativa de controle de toda a nação. Com o evoluir de tais

confrontos começou a surgir uma nítida preocupação em resguardar os municípios dos

ventos revolucionários liberalistas, que começavam a contaminar o aparelho do Estado.

Procurava-se a todo o custo evitar a contaminação dos órgãos periféricos da coroa, no

intuito de não introdução do vírus liberal em todo o corpo do Poder.

Organizados em três grupos de dois os pauteiros elegeram as seguintes listas:

1ª Pauta

Eleitores/Pauteiros: Joaquim Rebelo da Serra Chuquere e António Leite do

Amaral

Vereadores

António de Carvalho e Almeida

Doutor Luís Tomás Pedroso de Faria

José de Melo Coutinho

Doutor de José Maria Cardoso

José Luís de Sousa

Francisco António de Barros

José António Tavares

António de Albuquerque Guarro

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

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Manuel Maria de Albuquerque

Procuradores

António Bernardo

Egídio de Morais

António da Costa Faro

2ª Pauta

Eleitores/Pauteiros: Francisco António de Barros e José de Melo Coutinho

Vereadores

Manuel Maria de Albuquerque e Castro de Esmolfe

Pedro de Castilho de Real

António de Carvalho de Almeida da Qt.ª das Cazas

Manuel de Gouveia Osório de Vila Mendo

Francisco da Costa Gonçalves de Lusinde

José de Figueiredo de Vila Cova

António de Almeida da Ínsua

João Manuel da Costa da Lajinha

Luís Tomas do Amaral da Qt.ª do Campo

Procuradores

João de Barros de Castendo

Manuel Pinto de Esporões

António Bernardo de S. Tiago de Luzinde

3ª Pauta

Eleitores/pauteiros: Luís Tomás do Amaral e António de Almeida Nunes

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

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Para Vereadores

Joaquim Rebelo da Serra Chuquere

Francisco António de Barros

José Maria de Meneses de Pindo

Manuel Maria de Albuquerque de Esmolfe

José de Melo Couto de Peges

António de Albuquerque Guarro de Sezures

José António Tavares de Tibães

António Leite do Amaral Teles de Castendo

António Abreu de Roriz

Para Procuradores

Egídio de Morais de Fundo de Vila

Manuel José de Real

Francisco de Oliveira de Roriz

Para informantes foram escolhidos o Doutor Joaquim Rebelo da Serra

Chuquere e António de Carvalho e Almeida, a quem o corregedor os encarregou que o

informassem «de que eram as pessoas que neste concelho julgava capazes de servir de

vereadores e Procuradores tendo andado no governo deste concelho que delle tivessem

experiencia, bem morigerados, exemptos de crimes, e sem nota alguma em sua

reputação politica, ou religioza, declarando suas idades, naturalidades, teres, e haveres

e reciprocas relacçoens que houver entre os que assim nomearem de parentesco, ou

amizade».

Nas pautas foram mencionados 20 possíveis vereadores e 9 procuradores,

enquanto nas listagens dos informadores encontramos referenciados 31 indivíduos que

estavam à altura para exercerem os cargos municipais no triénio de 1829-31. Quem

elaborava este rol deveria colocar, para além do nome do listado, a idade, a profissão,

naturalidade, relações de parentesco com outros nomeados e os bens que possuía. Na

margem desta listagem o corregedor deu a sua informação sobre cada um dos

listados, preocupando-se mais com a sua fidelidade à coroa e aos ideais absolutistas,

do que propriamente com os bons costumes ou capacidade financeira. De facto, por

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

151

elas podemos ver que a confusão sócio-política que o país enfrentava sentia-se

também no concelho de Penalva e foi vivida com muito empenho por parte das forças

vivas do município. Se, por um lado, uns apoiavam os rebeldes liberais, uma grande

maioria dos arrolados eram partidários de D. Miguel e chegaram mesmo a participar

nos combates travados. Muitos dos miguelistas mereceram mesmo por parte do

corregedor uma menção especial à sua fidelização, que aqui expomos:

- António de Carvalho de Almeida, era casado, major comandante das

Ordenanças de Penalva, tinha 75 anos e 25.000 cruzados em bens de raiz. O

corregedor deu sobre ele a seguinte informação: «Este individuo seguio a

causa da Realeza, no proxima passada luta com os rebeldes, promovendo, e

enviando muitos voluntários para a defesa do trono, e esta decidido por elle

a sua conduta he boa».

- José de Melo Coutinho, morador em Pejes, com 47 anos, capitão graduado

em major das milícias e tendo em bens de raiz 20.000 cruzados, o

corregedor afirmava que ele era «inteiramente decidido pelo governo

Monarchico, e se empenhou na luta passada, he de boa reputação e

costumes.»

- José Luís de Sousa, das Antas, casado, capitão de Ordenanças de idade de

50 anos, com 7.000 cruzados era referenciado como seguidor da realeza de

bons costumes e bem morigerado.

- Francisco António de Barros, da Quinta da Moita, solteiro, de 26 anos,

Cavaleiro Fidalgo da Casa Real, bacharel e possuía 80.000 cruzados em bens

de raiz . «Era uma das principais pessoas daquelle termo» e pertencia a

uma das famílias mais poderosas da época. Tinha «murado propriedades do

escrivão da Camara a qual lhe he disputada por António Leite do Amaral» e

a sua condição de apoiante da coroa era também inscrita.

- Manuel Maria de Albuquerque, solteiro, de 30 anos e capitão de Milícias do

Regimento de Viseu, possuía em bens de raiz 20.000 cruzados e era «muito

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

152

capaz pela sua conduta civil e sucedido pela cauza da realeza, pela qual esta

comprometido por ter parte na luta passada».

Grande parte dos listados (83,9%), vê expressa na sua informação o apoio à

coroa, enquanto 9,6 % prefere não se pronunciar sobre qual das facções apoia. Os

liberais são apenas 6.5%, mas o Doutor Francisco da Costa Mimoso Alpoim não deixa

passar as suas inseguranças políticas e refere-as:

- Luís Tomás do Amaral, da Quinta do Campo, solteiro, 45 anos, bacharel,

filho de José Paulino Barreiros do Amaral e administrador da casa de seu

pai tinha 150.000 cruzados. Apesar de ter sido nomeado informador nos dois

últimos actos eleitorais e desempenhado funções como vereador em 1824, a

sua posição estava agora debilitada uma vez que não era «muito seguro em

suas ideias polliticas»

- Tal como o anterior António Leite do Amaral Teles apesar dos seus

anteriores desempenhos como informador e apesar de deter o ofício de

Distribuidor, Contador e Inquiridor do concelho servia também de Escrivão

da Câmara, cuja propriedade lhe era disputada por Francisco Andrade

Barros. O corregedor afirmava que ele «não he seguro em suas ideas

polliticas, devendo julgar-se seguir o governo revolucionario»

O Doutor Francisco da Costa Mimoso Alpoim não estando satisfeito com os

dados fornecidos mandou chamar novamente os informadores, para prestarem mais

esclarecimentos sobre algumas pessoas. Como o informante Francisco Costa

Gonçalves já não se encontrava presente em sua substituição foi chamado José de

Melo Coutinho. Procedeu-se à justificação dos seguintes indivíduos:

- Pedro Castilho, de Real era casado, com 45 anos e tinha em bens de raiz

200.000 cruzados, mas achava-se «a morrer de um estopor e por isso

incapaz do serviço.» Ao lado o corregedor acrescentou «Este individuo era

excelente, homem de probalidade e decidido pelo Governo Monarchico,

porem muito doente.»

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

153

- Manuel de Gouveia Osório, natural de Vila Mendo, casado, 68 anos e 80.000

cruzados achava-se impossibilitado de servir por «molestias cronicas.»

Acrescentaram-lhe a seguinte citação «Tambem é muito capas, mas muito

doente, de modo que não sabe de coza.»

- João de Barros, de Castendo, com 45 anos, com 600.000 reis, mas não

estava apto para ser vereador ou procurador pelos poucos bens que tinha e

pela inabilidade moral. A sua informação dizia ainda que estava quase

mentecapto.

- Manoel Pinto de Esporões, filho de José da Silva, de 25 anos de idade, «filho

de família». Era «julgado amante do Governo Monarquico, de boa conduta

porem filho famelhios»

Foram então eleitos para este triénio os seguintes eleitores:

Ano de 1829

Vereadores:

José de Melo Coutinho de Peges

José Maria Cardoso de Menezes

Manuel Maria de Albuquerque de Esmolfe

Procurador: António Bernardo de S. Thiago

Ano de 1830

Vereadores:

António de Carvalho e Almeida

António de Albuquerque Guarro

José de Figueiredo e Albuquerque

Procurador: António da Costa Faro

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

154

Ano de 1831

Vereadores: António de Abreu de Roriz

Joaquim Rebelo de Serra Chuquere

João Manuel da Costa Soares de Abreu Castelo Branco

Procurador: Manuel José da Costa Real

Ao analisarmos os vereadores eleitos vemos que todos moram no concelho ou

seu termo e que a sua faixa etária situava-se entre os 26 anos de Francisco António

Barros e os 86 de Francisco Andrade. A média dos vereadores eleitos é de 47,4 anos

sendo a mais alta registada dos 3 triénios já estudados, enquanto a média do rol é de

48,7. Por seu lado os procuradores possuem uma média etária de 43,3 anos, mas no

seu arrolamento traduz-se em 42,7.

A situação sócio-profissional dos eleitos indica-nos que este triénio é diferente

dos anteriores uma vez que proliferam pessoas ligadas às milícias ou às ordenanças,

constituindo 35% das ocupações (7). Em segundo lugar surgem-nos os elementos não

especificados (7), sendo seguida pelos licenciados/bacharéis com 3, a nobreza com 2 e

as outras com 1.

Em termos económicos a média de rendimento dos arrolados é de 22.500

cruzados embora os vereadores eleitos tivessem uma média de 12.700. Isto significa

que o poderio económico deixava de ser primordial como factor de eleição. De facto,

valor importante e bastante explorado em todo o processo é a confiança política do

indivíduo. À semelhança do partido político do Marquês de Penalva, neste processo a

G R Á F I C O X X X V ID i s t r i b u i ç ã o d o s a r r o l a d o s p a r a v e r e a d o r e s , n a s e l e i ç õ e s p a r a o t r i é n i o d e

1 8 2 9 - 3 1 , e m t e r m o s s ó c i o - p r o f i s s i o n a i s

1 0 %

3 5 %

1 5 %

3 5 %

5 %N o b r e z aM i l i t a r e sB a c h a r e i so u t r a ss e m d a d o s

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

155

chave da nomeação era ser Miguelista, pois todos os eleitos eram partidários da

realeza e apoiavam o trono absolutista.

A instabilidade social e as frequentes escaramuças primeiro, e posteriormente

uma situação de guerra aberta entre as duas facções levaram a que a autarquia tivesse

nos seus principais cargos pessoas ligadas às forças militares de defesa. Em 1829

estiveram a cumprir funções como vereadores dois militares, em 1830, todos os

vereadores estavam ligados às Ordenanças. No ano posterior apenas esteve em

funções um indivíduo ligado à defesa – João Manuel de Soares Abreu Castelo Branco,

Major responsável pelas milícias deste concelho. As patentes destes eleitos são

consideravelmente altas e oscilam entre o posto de capitão e o de major,

demonstrando a importância social que as elites militares tinham nos meios ligados à

defesa e organização do concelho e no próprio contexto municipal.

A distribuição dos arrolados para vereadores por freguesias continua a

fornecer-nos a mesma tónica. Castelo, Ínsua e Pindo continuam a deter uma

predominância em relação às outras, mas neste triénio Pindo e Ínsua surgem em ex-

aequo no primeiro lugar com 4 arrolados enquanto Castelo apenas detém 1.

Em todos os arrolados existiu a preocupação de mencionar a sua experiência de

governação ou a dos seus familiares que ocuparam esses cargos.

A concluir o processo eleitoral o corregedor mandou elaborar uma devassa de

suborno para inquirir se nesta eleição tinha havido qualquer interferência ou suborno

0

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ferê

ncia.

Freguesias

GRÁFICO XXXVIIDistribuição dos elementos referenciados para vereadores, em arrolamento de nobreza nas eleições para os anos

de 1829, 1830 e 1831, por freguesias.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

156

que condicionasse ou dirigisse a escolha do executivo municipal. Esta preocupação

encontrava-se logo patente no início da eleição; o pregoeiro anunciava «que nenhuma

pessoa per si ou per outrem soborne a mesma eleição; debaixo das penas de ser

degradado dois annos para os lugares de Africa, alem de ella ser nulla». Na devassa

foram interpelados vários participantes no acto, tendo todos afirmado que

desconheciam a existência de qualquer irregularidade ou procedimento ilegal.

2.8.5. O Triénio de 1832, 1833 e 1834 293

A última eleição para os cargos municipais realizada com metodologia

administrativa própria do Antigo Regime iniciou-se a 27 de Julho de 1831. Neste dia o

Doutor Francisco Arrais de Vilhena, em observância da provisão do Desembargo do

Paço, deu início ao acto para proceder à eleição dos vereadores e procuradores para a

Câmara de Penalva do Castelo. Assim, mandou passar as ordens necessárias para «se

achar prezente a Camara nobreza e povo tendo precedido os competentes avizos e

pregoes».

Na presença dos que compareceram foram votados para eleitores os seguintes

indivíduos:

Francisco António de Barros .......................................................... 14 votos

António de Carvalho e Almeida ..................................................... 14 votos

António de Melo .............................................................................. 4 votos

António José de Albuquerque ........................................................ 10 votos

António José de Albuquerque Guarro ........................................... 3 votos

António Pedro ................................................................................. 11 votos

José de Figueiredo Albuquerque .................................................. 8 votos

António de Pina .............................................................................. 11 votos

António da Costa Faro .................................................................... 7 votos

Joaquim Rebelo da Serra Chuquere ............................................. 2 votos

Diogo da Costa ............................................................................... 3 votos

Elegeram Francisco António de Barros Cardozo, António de Carvalho Almeida,

José de Figueiredo Albuquerque, António Pedro Fernandes, António de Pina e António 293 I.A.N./T.T.- Desembargo do Paço, Beira, Pautas, maço 1075, cx. 1169

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

157

José de Albuquerque Guarro para que aparelhados dois a dois elegessem o executivo

municipal. Para isso recomendava-se que tais pessoas fossem «de probidade Nobreza

e capacidade para servirem os ditos cargos, e fieis a El Rei Nosso Senhor».

Foram pois elaboradas as seguintes listas:

1ª Pauta

Eleitores: António de Carvalho Almeida e António Pedro Ferreira

Vereadores:

Francisco António de Barros

Manuel Maria de Albuquerque

Manuel de Albuquerque e Castro

António de Pina

José Cabral Pinto

Manuel Pinto da Silva

António José de Albuquerque

José de Figueiredo de Albuquerque

António da Costa Faro

Procuradores:

Manuel de Andrade

Pedro de Carvalho

Francisco de Albuquerque

António de Carvalho e Almeida

António Pedro Fernandes

2ª Pauta

Eleitores: Francisco António de Barros e António José de Albuquerque

Vereadores

António de Carvalho Almeida

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

158

Manuel Maria de Albuquerque e Castro

António Pedro Fernandes

António de Pina

Manuel Albuquerque e Castro

Manuel de Barros

José de Figueiredo Albuquerque

José Cabral Pinto

Diogo da Costa

Procuradores

Manuel de Andrade

José Frutuoso

Felipe de Carvalho

3ª Pauta

Eleitores: José de Figueiredo Albuquerque e António de Pina

Vereadores

Francisco António de Barros

António de Carvalho e Almeida

Manuel Maria de Esmolfe

Manuel de Albuquerque e Castro

Manuel de Barros

António Pedro Fernandes

Manuel Pinto

José Cabral Pinto

António da Costa Faro

Procuradores

Manuel de Andrade

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

159

José Frutuoso

Felipe Carvalho

À semelhança das eleições anteriores foram nomeados informadores para

«proceder, ao arrolamento ou apuração de todas as pessoas do concelho que estiveram

nas circunstancias de entrarem em pautas e em confiança, proceder ao referido

anolamento». Ao invés dos anteriores actos eleitorais para este, o corregedor destacou

3 elementos para efectuarem tal operação: António de Carvalho Almeida, António Pedro

Fernandes e António de Pina. Arrolaram-se 13 pessoas para as funções de vereadores

e 5 para procuradores e apenas uma pessoa foi dada como tendo pouca capacidade.

Era ele Diogo da Costa, de 60 anos, morador em Castendo, boticário na mesma vila,

com 100.000 reis, tinha experiência como procurador e possuía bons sentimentos

políticos. A explicação para tal atitude baseava-se na «sua ocupação e poucos teres»

que este indivíduo detinha, não possuindo capacidade suficiente para o cargo.

Também referido em adicionamento aparece Pedro de Carvalho, casado, com

600.000 reis, de 60 anos e bons sentimentos políticos, que não foi arrolado apenas por

esquecimento.

Neste triénio a distribuição dos arrolados pelas freguesias de onde são oriundos

mantêm a trilogia de Castelo, Pindo e Ínsua. Esta surge em primeiro lugar com 4

nomeados, mas todos os arrolados continuam a ser moradores no concelho.

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0,5

1

1,5

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2,5

3

3,5

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Vila

Cov

a

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ncia.

Freguesias

GRÁFICO XXXVIIIDistribuição dos elementos referênciados para vereadores, em arrolamento de nobreza nas eleições para os anos de 1832, 1833 e

1834, por freguesias.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

160

Em termos económicos a média de rendimentos dos arrolados para vereadores

era de 16.640 cruzados, enquanto a dos procuradores era de 11.400 cruzados.294 A nível

sócio-profissional os arrolados provêm sobretudo de áreas ligadas à protecção militar

do concelho, das ordenanças e das milícias (51%). Tal facto não é de estranhar uma vez

que a situação política no país é bastante agitada e ainda ocorrem algumas

escaramuças entre liberais e absolutistas. Dois dos procuradores são oriundos

também da área da defesa/militar enquanto os outros três são lavradores. A média de

idades dos arrolados para vereadores é de 48,4 anos e a dos eleitos é de 40,8 anos.

Cumprindo o ritual administrativo o corregedor elaborou então a Devassa da

eleição para saber se houve suborno ou interferência no acto. Foram inquiridas 13

pessoas que participaram ou assistiram ao processo eleitoral para a nomeação do

executivo municipal. Alguns deles detinham profissões ligadas às ordenanças e às

milícias do concelho enquanto outros eram ferradores, lavradores, alfaiate,

proprietários, sapateiro e até foi interrogado o escrivão do público judicial e notas. Na

devassa surgem mencionados alguns dos arrolados que, ou não foram escolhidos para

a governação, ou não possuíam qualidades para exercerem essas funções, como são os

casos de António da Costa Faro e Diogo da Costa.

No final do processo foram escolhidos os seguintes elementos:

1832

Vereadores:

Francisco António Barros Cardoso (2 votos)

António de Pina (2 votos)

294 A média dos rendimentos dos eleitos é substancialmente maior para os vereadores com 25.000 cruzados e menor

para os procuradores com 8.000.

G R Á F I C O I X LD is t r i b u i çã o s ó c i o - p r o f i s s i o n a l d o s a r r o l a d o s p a ra v e r e a d o r e s n o t r i é n i o

1 8 3 2 -3 4

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TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

161

Manuel de Albuquerque e Castro (3 votos)

Procurador: Manuel de Andrade (3 votos)

1833

Vereadores:

Manuel Maria de Albuquerque e Castro (3 votos)

José Cabral Pinto (3 votos)

Manuel Pinto da Silva (2 votos)

Procuradores: José Frutuoso (2 votos)

Esta eleição do executivo camarário, à semelhança do que ocorreu no triénio de

1826-29, não chegou até ao fim e no ano de 1834 já ninguém exerceu funções devido à

restruturação liberal do poder local, acabando o modelo de cariz absolutista e

tradicional.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

162

2.9. Sociologia dos eleitos (1824-1834)

A acção de exercer cargos municipais, provocava um “enobrecimento” das

classes mais desfavorecidas, trazia prestígio e respeito. Por isso quem ocupa tais

cargos procura mantê-los a todo o custo. Controla acções e actos, crítica e obstrói,

procurando cerrar fileiras e tapar as possibilidades de ascensão a outros indivíduos.

Instituem preceitos sociais e económicos que devem ser cumpridos, pelos possíveis

eleitores, reduzindo o seu número a meia dúzia de contemplados.

Em Penalva vemos sobretudo uma pequena nobreza local preocupada com os

jogos de poder, e alguns membros das famílias mais abastadas, as denominadas

“famílias de Quinta”, das quais se destacam, pela presença de seus membros em

algumas composições de elencos municipais: a Quinta da Moita, de Goje e os Menezes.

No entanto, a principal família com poder económico não surge muito interessada pela

administração municipal das terras de Penalva, tal como o seu senhorio. Disto é prova

o pouco empenho demonstrado pelos sucessivos Marqueses de Penalva, que ao

contrário de outros senhores, nem sequer visitavam os seus territórios. Por outro lado,

a família Albuquerque que se encontrava em franco enriquecimento económico, mercê

dos cargos desempenhados por Luís de Albuquerque Pereira e Cáceres na

administração colonial brasileira, preocupou-se mais com edificação/organização de

um vasto leque de propriedades e com o exercício dos cargos de nomeação real, do que

com a administração municipal.

Ao contrário de alguns municípios, não existem elementos pertencentes aos

mesteres e ofícios a ocuparem cargos municipais. A única menção surgida é a

nomeação de Diogo Costa, Boticário, no arrolamento para vereador na eleição das

justiças de 1832, 1833, 1834, mas não foi eleito. Por outro lado, vemos presentes

inúmeros lavradores e proprietários que disputam a sua eleição para a administração

concelhia, sobretudo para procuradores. Para eles este facto traduz-se numa

aproximação à nobreza, numa elevação do seu prestígio social, numa superior condição

social e num renegar da sua vida agrária.

Durante quase uma década - de 1824 a 1833/34 - passaram pelo governo

municipal 34 indivíduos que exerceram os seus mandatos como vereadores e

procuradores, tendo alguns deles desempenhado os cargos por mais de uma vez.

Iremos pois referenciar a listagem dos eleitos com os respectivos cargos e anos de

desempenho por ordem alfabética:

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

163

Vereadores

António de Abreu – 1831

António de Albuquerque Guarro – 1830

António de Almeida Nunes – 1826

António de Carvalho e Almeida – 1826 e 1830

António de Carvalho e Almeida – 1830

António de Melo Coutinho – 1824 e 1828

António de Pina (Morgado) – 1825

António de Pina – 1828 e 1832

Francisco António Barros Cardoso – 1827 e 1832

João Manuel da Costa Soares de Abreu Castelo Branco – 1831

Joaquim Rebelo de Serra Chuquere – 1831

José António Tavares – 1827

José Cabral Pinto – 1833

José Calixto de Andrade – 1824 e 1828

José de Figueiredo e Albuquerque – 1830

José de Mello Coutinho – 1825 e 1829

José Maria Cardoso de Menezes – 1827 e 1829

Luís Tomás do Amaral – 1824

Manuel de Albuquerque – 1826

Manuel Maria de Albuquerque – 1827 e 1829

Manuel de Albuquerque e Castro – 1832

Manuel de Gouveia Osório – 1826

Manuel Maria de Albuquerque e Castro –1833

Manuel Pinto da Silva – 1833

Procuradores

Adrião António de Gouveia – 1827

António Bernardo de S. Thiago – 1829

António da Costa Faro – 1830

Joaquim António Cabral – 1824

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

164

José de Albuquerque – 1825

José Frutuoso – 1833

José Luís – 1826

Manuel de Andrade – 1832

Manuel de Barros – 1828

Manuel José da Costa – 1831

Constatamos que 8 dos vereadores eleitos exerceram as suas funções por duas

vezes, o que não aconteceu com nenhum dos procuradores.

GRÁFICO XLDistribuição dos vereadores por freguesias (1824-1834)

ANTAS7%

CASTELO 33%

ESMOLFE7%GERMIL

3%

ÍNSUA 17%

LUSINDE7%

MARECO0%

PINDO13%

REAL7%

SEZURES3%

TRANCOSELOS0%

VILA COVA3%

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

165

Ao contrário do sucedido ao longo da segunda metade do século XVIII, durante

estes 10 anos estudados detectou-se apenas uma desistência o que pressupõe uma

alteração significativa na organização municipal. Se as desistências eram comuns e

ocorriam devido ao fraco poder económico das autarquias e ao controlo exemplar feito

pelo Donatário ou o seu ouvidor, agora algo mudou. Terão sido os ventos liberais que

reduziram o poder do senhorio originando um reavivar das elites locais em busca de

poder e prestígio? Ou será que os conflitos entre liberais e absolutistas levou ambas as

facções a encararem os municípios como ponta de testa à implantação das suas

ideologias e poder no território nacional? A todas estas hipóteses podemos ainda juntar

a possibilidade de o município penalvense ter recuperado alguma capacidade

económica, mas esta não nos parece muito verosímil.

A distribuição geográfica dos vereadores destes 10 anos mostra-nos de uma

forma inequívoca a preponderância da freguesia de Castelo de Penalva com 10 eleitos

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GRÁFICO XLIDistribuição dos vereadores por freguesias (1824-1834)

0

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Vil a

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GRÁFICO XLIIDistribuição dos procuradores por f reguesias (1824-34)

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

166

correspondendo a 33% do total. Em segundo lugar vem a Ínsua com 5 vereadores (17%)

e Pindo com 4 (13%).

Sem nenhum representante aparecem Mareco e Trancoselos. Curioso é o caso

das Antas com 2 vereadores que viviam na Matela, que actualmente é freguesia

independente. Quando fazemos a mesma análise para os procuradores vemos uma

maior dispersão apenas surgindo com algum destaque a Ínsua com 3 e Lusinde com 2.

Sem nenhum eleito apareciam as freguesias de Esmolfe, Mareco, Real, Sezures e Vila

Cova do Covelo.

As idades dos 30 vereadores eleitos oscilam entre os 26 anos de Francisco

António de Barros, da Quinta da Moita e os 75 de António Carvalho e Almeida. A média

etária total é de 52,3 anos enquanto nos procuradores atingem os 43,9. Nestes últimos

a idade mínima são os 30 anos e a máxima os 55.

Outro factor de notória importância era o seu estado civil. Em Penalva do

Castelo os vereadores solteiros eram em maior n.º do que os casados. Todavia nos

procuradores esta situação invertia-se e apenas um era solteiro, para os oito casados.

A observação do estatuto sócio profissional revela-nos uma preponderância dos

grupos sociais habitualmente privilegiados, mas com particular destaque para os

eleitos ligados às Ordenanças do Concelho e às Milícias. Isto deveu-se sobretudo à

conjuntura de instabilidade política e social derivada dos conflitos entre absolutistas e

liberais, que assolou o nosso país. 27% dos eleitos não possuíam qualquer indicação da

profissão ou estatuto social a que pertenciam, mas possivelmente alguns deles eram

lavradores e pequenos proprietários.

G RÁFICO XLIIIA nálise do estado civil dos vereadores, que serviram entre 1824-34

43%

7%

50%

Solteiro

Casados

Sem Indicação

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

167

A discriminação dos bens e rendimentos era uma constante nos arrolamentos

efectuados nestes 4 processos eleitorais, sendo o valor médio apurado de 17.137

cruzados para os vereadores e 5.000 para os procuradores.

Em jeito de conclusão podemos, pois, afirmar que nos últimos anos do Antigo

Regime, o poder municipal em Penalva do Castelo está circunscrito a uma meia dúzia

de indivíduos que são parte integrante de uma aristocracia local, gozando de um

poderio económico considerável e aliados a uma posição social e com prestígio

político295. Nota-se que alguns deles tinham, até à criação do lugar de juiz de fora,

desempenhado funções como juízes ordinários. Desta forma, e face à extinção deste

cargo, produziu-se uma “nobilitação forçada” dos ofícios de vereador, na medida que

era, conjuntamente com o de procurador, o único cargo que poderia ser executado

pelas elites autóctones. Mas em termos comparativos entre as únicas funções

restantes, era muito mais dignificante e prestigiante o seu exercício.

Constata-se ainda que durante o período estudado, o poder municipal em

Terras de Penalva estava sob controlo de uma elite local detentora de grande parte dos

postos concelhios. Contudo aquando dos conflitos liberais-absolutistas, os indivíduos

ligados à defesa do concelho reforçam substancialmente a sua presença no grupo dos

eleitos, centralizando em si o poder autárquico.

Outros factores determinantes para o exercício da governação são: a génese

familiar, os comportamentos sócio-profissionais, a posição do sujeito no processo

produtivo de bens e acumulação de riqueza e a escolha política.

295 Joaquim Romero Magalhães ao abordar os eleitos nos municípios algarvios reforça esta ideia ao afirmar que o poder

se concentra «nas mãos de muito poucos».

GRÁFICO XLIVAnálise sócio-profissional dos vereadores 1824-34

10%

23%

37%

3%

27% NobrezaBachareisOrdenanças e MilíciasOutrasNão especificadas

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

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CONCLUSÃO

A vida municipal no concelho, em finais do Antigo Regime, não foi uma simples

e hermética “caixa de acontecimentos” desenraizados do tempo e do espaço. Foi sim

uma história de uma comunidade local, com os seus problemas e sucessos, que vivia

uma realidade imperfeita e em mutação.

Ao longo do trabalho procurou-se abordar três áreas distintas – Território,

Elites e Governança que através das suas interacções constituem o fulcro da acção

municipal em Penalva do Castelo entre 1752 e 1834.

Territorialmente estamos perante uma população completamente dedicada aos

afazeres do campo, onde a agricultura e a criação de gado desempenhavam um papel

fundamental na economia destas gentes, o concelho foi crescendo numa periferia de

poder, onde a pertença e o trabalho da terra constituíam a principal preocupação de

grande parte da população. Assim, desta forma, a “vida agrícola” desenvolve-se não só

nas freguesias do concelho, mas na própria vila, não existindo uma separação entre

zonas urbanas e rurais. Actividades ligadas ao preparo das hortas, amanha dos

campos, o cultivo de cereais, leguminosas, do vinho e azeite, a criação de gado

abarcam grande parte do dia-a-dia dos penalvenses de então.

Numa zona onde predomina a policultura baseada em minifúndio, é à volta do

ciclo dos cereais panificáveis, que giravam grande parte dos afazeres. A importância do

centeio, do milho, trigo e cevada gerava ainda outras actividades, destacando-se a

moagem.

O concelho de Penalva do Castelo, sobretudo a sua comunidade, acabava por

constituir um microcosmo sócio-económico, multi-relacional, com fortes vínculos de

solidariedade, nas quais uma minoria de figuras sociais desempenhava um papel

chave.

Em termos financeiros, o município penalvense caracterizava-se por uma

manifesta debilidade económica, característica de uma grande maioria de concelhos do

Antigo Regime. A escassez de património, sobretudo de terras para arrendar, aliada a

cobranças deficientes originava saldos extremamente insignificantes ou negativos, que

condicionavam as actividades da governança. A importância dada à capacidade

económica dos eleitos, realça a debilidade financeira do município e reforça a

importância dada aos assuntos e materiais desse foro. De facto, a dimensão política

dos municípios era extremamente reduzida, conduzindo a câmara para acções básicas

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

169

ligadas com a economia municipal: abastecimento de cereais, gestão do património

municipal, abrigo e protecção social aos mais desprotegidos, etc...

Ao analisarmos os modelos municipais no Antigo Regime devemos ter em conta

que estamos perante um sistema díspar e multi-arquétipo, que variava de concelho

para concelho. Penalva não era excepção e o exercício do poder senhorial, corresponde

mais a um modelo estratégico de efectivação de prestígio/status por parte do senhorio,

do que a constituição de um centro autónomo de poder político e económico de

controlador do sistema municipal. Ao nível do exercício das funções jurisdicionais, a

acção, o poder e o controlo social pairavam sobre a esfera autárquica, sem nunca se

imiscuírem nos verdadeiros problemas da governação. Era esta elite senhorial a

montante, que constituía uma espécie de nuvem jurisdicional, de elevada relevância

simbólica, mas truncada no horizonte político-jurídico, uma vez que não detinha

jurisdição de primeira instância. Por tudo isto, e se analisarmos a acção do donatário

constatamos que o domínio senhorial era mais um poder condicionante do que efectivo.

Se por um lado, é costume afirmar-se que a legislação de 1790-92 incutiu um rude

golpe no poder senhorial, em Penalva o que se produziu foi uma redefinição de

procedimentos administrativos e judiciais, demarcando novos limites jurisdicionais que

acabaram por levar ao abandono da confirmação das justiças pela parte do

marquesado. Além do mais, tais poderes pouco ou nada se manifestavam numa

edilidade claudicante em termos económicos, uma vez que se tornava difícil tirar-se

partido da sua situação financeira.

A elevada rotatividade municipal e a existência de elementos “cativos dos

ofícios”, não significa que se esteja perante uma sociedade local organicamente

definida e estruturada. Antes pelo contrário, uma vez que excluindo um grupo com

características oligárquicas de cariz familiar de segunda linha, verificamos que o

grosso dos eleitos provêem de entre os mais distintos do... povo.

O sistema senhorial nunca implicou um poder compacto e homogéneo,

implacável na forma de acção e sem fissuras na aplicação de direitos e privilégios junto

da comunidade local. A miniaturização do espaço político, fragmentado por diversas

áreas do poder, aliada a um programa central de uniformização e centralização jurídica

e a maneabilidade dos órgãos locais, reduziram o poder senhorial a uma questão quase

meramente institucional, bastante mesurado.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

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Se em termos históricos, o senhorialismo tem uma fama feudal longitroante, no

espaço e no tempo aqui abordados, esse fundamento não se aplica uma vez que o

estabelecimento de uma complexa rede de relações entre donatário, ouvidor, concelho

e mais tarde com o juiz de fora, acabaram por se diluir e transformando-se em finais do

Antigo Regime, num poder do prestígio.

Os mecanismos de autoridade e jurisdição foram reorganizados legalmente

traduzindo-se também numa renovação e mudança de procedimentos, atitudes e

perspectivas do senado municipal. A transmigração do processo reorganizativo em

curso pelo centro, trespassou a Casa de Tarouca e repercutiu-se no concelho por uma

reestruturação levada a efeito pelo agente senhorial, o juiz de fora, que induziu a uma

reformulação de métodos e dos sistemas administrativos locais.

A concorrência de poderes entre agentes do centro e nobiliárquicos possibilitou

a uma escala diminuta, o reforço das aspirações municipais, que aproveitando as

tensões e o desviar das atenções, procuraram um novo espaço de acção. Todavia, este

espaço acabou por chocar com uma amálgama de direitos especiais, muitas vezes mal

interpretados, sobretudo no caso da jurisdição da ordem de Malta em Sezures. Ao

longo do período estudado, se exceptuarmos as questões relacionadas com as eleições

locais, são factores de ordem fiscal e financeira que geram mais pressões e conflitos

geraram entre o senado e as populações.

Chegados aqui importa debater a sociabilidades das elites locais e da

Governança, fundamentais para a compreensão da evolução político social em terras

de Penalva. Fonte de despesas para os seus protagonistas, e em alguns casos de

desprestígio, os ofícios camarários não atraíam mais do que uma segunda leva de

poderosos locais, uma vez que as casas e famílias com outro estatuto e poderio,

acabavam por desempenhar importantes cargos na administração central e colonial

portuguesa. A média dimensão territorial de Penalva, para o meio municipal vizinho e a

capacidade/debilidade financeira do concelho, acabaram por originar uma constituição

social dos corpos executivos da autarquia diversificada com inspirações oligárquicas,

próprias de diversas famílias sem grandes aspirações sociais. Nos últimos anos do

Antigo Regime, acentua-se esta tendência de ascensão social, devido à fixação de

certos grupos familiares nos ofícios concelhios.

A natureza oligárquica desvanece perante a elevada rotatividade dos cargos,

gerando instabilidade, tensões, reacções e atraindo o senado para o recurso aos

agentes do centro. As clientelas senhoriais do poder, interligavam-se com os agentes

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

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locais, indiciando por vezes comportamentos proteccionistas, reveladores de um status

de poder, que se manifestava numa recusa sistemática do exercício das obrigações

concelhias.

Os concelhos portugueses, na Idade Moderna não obedeciam a esquemas

democráticos na eleição dos seus governantes, prevalecendo neles um modelo

oligárquico. A propensão para converter os cargos municipais em património

hereditário, não questiona a existência de oligarquias locais, mas sim qual a sua

composição, permeabilidade, interacção, capacidade de renovação, influências, etc...

Contudo, as práticas e tradições instituídas e uma hegemonia social de segunda

linha criaram um núcleo habitual de eleitos, decisivo na continuação da acção

camarária. Se por um lado, constituíam uma segunda escolha, representavam também

uma segurança na aplicação de conteúdos jurídico-legais e administrativos. Essa

mesma segunda linha dos poderosos autóctones, se numa primeira fase até à

implementação do juiz de fora, desempenhava sobretudo os lugares de juízes

ordinários, passaram depois a ocupar as funções de vereadores. Contudo, a existência

de um letrado à frente dos destinos do concelho credibilizou a instituição, renovou o

espaço social, ao qual as elites locais responderam com nova postura, que se traduziu

por uma redução substancial dos pedidos de escusas e no aumento da assiduidade nas

reuniões de câmara.

O poder real e o donatário detinham a capacidade, ou possibilidade de intervir

nas decisões do senado, nas escolhas das composições municipais, na acção

administrativa e judicial, na colocação de medidas sócio-económicas (posturas), etc...,

mas raramente o fazia. Se verificarmos os potenciais pólos de poder (central, senhorial,

municipal, elites locais e até o poder religioso) e os seus agentes junto da edilidade,

constatamos que estamos perante uma comunidade local típica do Antigo Regime,

policentrica, caracterizada por múltiplos centros de poder com diferentes

ordenamentos administrativos, jurídicos e políticos. Mas desengane-se quem pense

que existia uma plena e concreta separação desses poderes, uma vez que estamos

perante uma sociedade em que se confundem as esferas do privado com as do público

e onde não existe uma separação transversal e clara entre o Estado e a Sociedade. No

mesmo campo operam direitos diferentes (real, senhorial, municipal, canónico e outros

especiais), não existindo uma estrutura perfeitamente hierarquizada de administrativa,

na qual esteja patente uma cadeia de comandos e instâncias de controlo.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

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Face a inúmeras vicissitudes, o modelo autárquico Penalvense encarou o

processo de uniformização e centralização de uma forma conjunta com os outros

agentes do poder, independentemente de serem de nomeação central ou senhorial.

Uma das incógnitas que fica é se os carácteres distintos das acções poderiam ou não

causar modificações acentuadas na vida local, mas o que se sabe é que o habitual

estrangulamento das finanças locais, reduzia imenso o campo de manobra.

Se uma possível monopolização do funcionamento municipal poderia ser

legitimada pela jurisdição senhorial, primeiro através do seu ouvidor e depois por ele

próprio, os meios/métodos de controlo e acção (também exercidos posteriormente pelo

corregedor da comarca), assim como a responsabilidade que advinha do exercício de

tais procedimentos fiscalizadores, vieram trazer uma entidade própria histórica/jurídica

e demarcar um campo político/social, por vezes movediço.

As lacunas jurídicas, conjugadas com a inexistência de formulas legais que

proporcionem uma uniformização de critérios e procedimentos geravam no modelo

organizacional de base senhorial, comportamentos com a comunidade local, que se

traduziam mais pela emanação da graça do que pela sobreposição da acção. A

liberdade era também autoridade, reflectindo um paternalismo próprio de um poder

senhorial em declínio, que tem jurisdição, e em alguns casos intenção, de controlar

politicamente a composição do senado, mas não o fazia, ou não o conseguia.

Contudo a autonomia municipal Penalvense, com uma jurisdição própria e

métodos independentes de exercício de acção baseava-se em muito nas doações,

privilégios e direitos reais, sendo comum o senado apelar para o cumprimento do foral

ou de outra concessão real.

Mas, num município como o de Penalva do Castelo, onde os modelos de

governação se alteraram, a complexidade e diversidade administrativa é ainda maior e

complexa, exigindo uma precisão na definição de momentos históricos que nos

permitem compreender melhor toda a situação. São eles o estabelecimento da “cabeça

do concelho” em Castendo, a extinção do cargo de ouvidor e a nomeação de juiz de fora.

Se no primeiro caso, a sua ocorrência se deveu à força e conveniência das elites locais,

os outros acontecimentos devem-se à interferência directa do Centro. É pois dentro

destas esferas de influência e de relações/tensões entre poder central, senhorial e

local, que se desenvolve toda a actividade municipal, cada vez mais abrangida e

inspirada por processos de progressão do “centro”.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

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A criação do lugar de juiz de fora promoveu o concelho e deu-lhe organização

jurídica/administrativa, mas também é verdade que o município vizinho de Gulfar foi

relegado para uma posição de inferioridade, não só no título do magistrado, mas

também porque a sua acção sentia-se quase em permanência em terras de Penalva.

Por outro lado, importa realçar que o mosaico municipal estava longe de ser

homogéneo e unificado, coexistindo no reino diferentes modelos, com as suas

especificidades locais. Por tudo isto, e apesar de não ter estado sujeito a uma rigorosa

acção de controlo senhorial/central, pode-se concluir que a debilidade política do

município penalvense era comparável à sua situação económica, uma vez que não

conseguia um pleno exercício de poder. De facto uma medida parece condicionar a

outra. A falta de recursos financeiros acaba por implicar menos verbas para governar e

assim via-se praticamente privado de uma importante dimensão política.

O senado municipal, ao longo destes oitenta anos, foi um organismo

pluripessoal de carácter executivo em diversas áreas (jurídicas, administrativas,

económicas, sociais, etc...), agindo num processo contínuo tendencialmente marcado

por uma constância e imobilista, mas com “marcado” por momentos históricos, que se

repercutiram em suaves alterações sócio-políticas e consequentes mudanças de

comportamento.

Analisando hoje as alterações políticas e sociais levadas a efeito pelo

liberalismo, sobretudo as transformações radicais no mapa autárquico português,

vemos que o concelho como instituição encontrava-se numa larga e profunda crise e

que nem mesmo as mutações legais operadas nos últimos anos do Antigo Regime

conseguiram alterar essa situação. Contudo o caso de Penalva, também aqui foi

excepção por ter continuado com a sua estrutura geográfica e administrativa

inalterável.

Foi esta coesão que permitiu resistir às tentativas de aglutinação surgidas no

século passado, fruto de uma necessidade de afirmação/justificação territorial de

outros municípios. A 4 de Agosto de 1867, em reunião do município de Mangualde

afirmava-se que “(...)parece à Câmara de razão e justiça que se devem incorporar neste

concelho as freguesias do concelho de Penalva que lhe são confinantes, sitas aquém do

rio Dão que são: Germil, Trancoselos, Real, Castelo e Mareco, que deverão formar mais

uma paróquia civil, com sede em Real – incorporação esta de reconhecida

conveniência, não só pela proximidade em questão desta Vila, centro e capital do

concelho, mas também pela tendência e comodidade e interesses da maior parte dos

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seus habitantes.(...)”296. No caso desta resolução ter sido aceite o concelho de Penalva

do Castelo seria esquartejado em pedaços e englobado nos municípios seus vizinhos

(Viseu, Fornos de Algodres, Aguiar da Beira, Mangualde e Sátão).

Se por um lado a documentação estudada, apresenta uma certa coerência

jurídica/administrativa do município penalvense, isto não faz dele um exemplo, antes

pelo contrário, coexistindo inúmeros modelos municipais, próprios das tipicidades

locais e produtos das circunstâncias históricas específicas. É pois neste colorido

mosaico político/jurídico/administra-tivo, difícil de abarcar face à multiplicidade de

actos e documentação, que o poder central vai exercer a sua acção procurando

uniformizar toda a organização e composição municipal através de uma implacável

orientação centralizadora.

No campo político/jurídico e administrativo, a particularidade do municipalismo

penalven-se, residiu na articulação de determinados actos organizativos, de carácter

mais ou menos ideológicos e suas fórmulas institucionais de uma forma local, mas

englobadas por uma substrato histórico/administrativo/jurídico imposto pelo poder

central e senhorial.

Durante todo o Antigo Regime a política centralista/absolutista inspirou-se no

desígnio de subordinar aos seus interesses a administração municipal, reduzindo

progressivamente a autonomia concelhia e realçando o poder central.

O século XVIII, fase culminante do absolutismo monárquico, revelou-se como

uma época de intensa movimentação institucional. A remodelação do Estado levou ao

desenvolvimento de uma persistente atitude regulamentarista, que por sua vez

desemboca numa rigorosa centralização administrativa, cujo reformismo do Estado

absolutista é indefectivelmente, o seu cunho centralizador. O município não escapou à

influência das tendências políticas do absolutismo e isto reflectiu-se na sua capacidade

jurídico/administrativa, como demonstra a documentação por nós consultada.

Concluindo verificamos que a dinâmica municipal de Penalva do Castelo, em

meados do século XVIII, estava interligada/dependente da gestão de diversos poderes,

que se articulavam entre si, para atingirem os seus objectivos.

Importa referir que o estudo da municipalidade em Terras de Penalva está ainda

por fazer, pois se, por um lado, a questão não tem levantado muito interesse, por outro,

296 Arquivo da Câmara Municipal de Mangualde, Livro das Actas das Sessões da Câmara de Mangualde nos anos de 1862

a 1868, f. 321.

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a escassa documentação existente não ajuda. Consciente de que, em termos históricos,

a necessidade de racionalização se torna fundamental, a prossecução destes estudos

deverá ser fundamentada através de um árduo trabalho de investigação. Por tudo isto

urge redefinir conceitos entrando-se numa nova dimensão da História Penalvense e do

seu património, que importa ser estudado e divulgado como forma de identidade de

todos os munícipes.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

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D. Maria I, liv.2 nº 78, f.256 v, liv. 10, fl. 114-114v, liv. 20, fl. 22v – 23, liv. 25, f. 77v-78,

liv. 3, fl.123-123v

D. João VI, liv. 1, f.288, liv. 10, f.273, liv. 12, f. 107, liv. 15, f. 62v, liv. 17, fl. 242 v, liv. 17,

fl.81, liv. 20, f. 194, liv. 20, f. 283, liv. 20, f. 33, liv. 22, f.140, liv. 6, f.143 v, liv.20, f. 103 v,

liv.22, fl. 27v, liv.7, f. 261, liv.8, f.111.

D. Pedro IV, liv. 1, fl. 191v.

- Comendas de Malta

Tombo da Comenda de Águas Santas e Sezures, 3 vol., nº de Ordem 13, P.6

- Conventos

Livro 19, f.274v liv. 24, f.127 v

Desembargo do Paço

- Autos de Residência - Beira

Maço 82; maço 1082., maço 1018.

- Pautas,

Maço 1071, caixa 1168; maço 1074, cx. 1168; maço 1075, cx. 1169

- Justiça e Despacho da Mesa, Maço 2434.

- Leitura de Bacharéis

Caixa 1818, Maço 76, nº 29; letra F, maço 21, n.º10;

Letra A, maço 25, n.º3; maço 24, n.º 34; maço 72, nº 51; maço 76, n.º 29; maço 9, n.º

16

- Leitura Nova

Livro 2º de Místicos, fl.107 e seg.

Forais Velhos, microfilme 1022/r, f.12.

- Leis, maço 8, n.º38

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

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190

- Núcleo Antigo, Cadastro da População do Reino, nº 825, f.1.

- Intendência Geral da Policia

Maço 477, doc.293; maço 430, doc.487; maço 473, doc.38.; maço 474, doc.179.

- Dicionário Geográfico

Prólogo do índice, liv.321.,volume 10, m.220,

Antas, vol.4, m.27, f.143-147v

Castelo de Penalva, vol.10, m. 220, f.1441-1446.

Esmolfe, vol.14, m. 60, f. 425-431

Germil, vol.17, m.39, f.217 – 224

Ínsua, vol. 18, m24, f.185-191 v.

Lusinde, vol.21, m.168, f. 1419-1420

Mareco, vol.22, m.52, f. 341-342v

Pindo, vol. 29, m. 177, f. 1277-1279v

Real, vol. 31, m.22, f. 105-111

Sezures, vol.10, m236 1957-1962

Vila Cova do Covelo, vol. 43, m.487, f.513-515

Trancoselos, vol.43, m.449, f. 345

- Gavetas

Gaveta 15, maço 6, n.º 5; gaveta 19, maço 2, doc.16; gaveta 19, maço 2, n.º 19.

ACMPC -Arquivo da Câmara Municipal de Penalva do Castelo

- Livros de Actas da Câmara

ADM/ADT-VER/002 (1596-1598)

ADM/ADT-VER/006 (1718-1722)

ADM/ADT-VER/007 (1726-1730)

ADM/ADT-VER/008 (1730-1733)

ADM/ADT-VER/006 (1735-1738)

ADM/ADT-VER/010 (1752-1758)

ADM/ADT-VER/011 (1758-1764)

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

191

ADM/ADT-VER/012 (1764-1768)

-Livro de receitas e despesas

ACMPC/ADM/ECF-RDE/002 (1787-1802)

A.C.M.M- Arquivo da Câmara Municipal de Mangualde

- Livro das Actas das Sessões da Câmara de Mangualde nos anos de 1862 a

1868, f. 321.

DSRA - Documentação sem registo arquivístico297

- Livro de Actas da Câmara,

1768-1772, 1780-1784,

1788- 1794,

1794-1796,

1800-1805,

1805-1808,

1808-1812

- Livro do Corregedor, 1789-1794

Abreviaturas

A.C.M.M. – Arquivo da Câmara Municipal de Mangualde

A.C.M.P.C. - Arquivo da Câmara Municipal de Penalva do Castelo

A.D.V. - Arquivo Distrital de Viseu

ADM - Administração Municipal

297 Entenda-se por documentação sem registo arquivístico, todos os livros que foram recolhidos e que apesar de fazerem

parte do corpus arquivístico e histórico do município, não integram fisicamente o Arquivo da Câmara Municipal de Penalva

do Castelo.

TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA

Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834) 

192

ADT – Administração

DSRA - Documentação sem registo arquivístico

I.A.N./T.T. - Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo

M.H. – Monumenta Henricina

VER – Vereações