TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA- Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834). Vol I
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TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇAPenalva do Castelo em finais do Antigo Regime [1750-1834]
Dissertação de Tese de Mestrado em
Cultura e Formação Autárquica pela
Faculdade de Letras da Universidade
de Lisboa. [10 de Dezembro de 2003] PAULO CELSO FERNANDES MONTEIRO
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
1
“(…)Durante o século XVIII — e tão tarde quanto o início
do século XIX — em Portugal o poder ainda se reconhece
na pluralidade: as esferas do Público e do Privado, do
Formal e do Informal, do Estado e da Sociedade Civil
interpenetram-se e sobrepõem-se, em graus diversos,
nas instituições locais(...)”
Vidigal, Luís,
O Municipalismo em Portugal no Século XVIII, Lisboa, 1989,
p.86
(…)They never created as oligarchic a structure as the
Cortes of Castile, where a score of cities commited the
entire Kingdom(…)”
Hespanha, António Manuel,
Cities and the state in Portugal, Theory and Society, 18,
1989, p. 715
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
2
I — ÍN D I C E
I — ÍNDICE ............................................................................................................................ 2
II - AGRADECIMENTOS ....................................................................................................... 4
III - PREÂMBULO ................................................................................................................ 6
IV - INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 7
V - DOCUMENTAÇÃO .......................................................................................................... 9
CAPÍTULO I ........................................................................................................................ 12
1. TERRITÓRIO .................................................................................................................. 12
1.1 LOCALIZAÇÃO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA ................................................................... 12
1.2. CONTRIBUTOS PARA A CARACTERIZAÇÃO CONCELHIA ......................................... 17
1.2.1. As Memórias Paroquiais ..................................................................................... 17
1.2.2. O inquérito ............................................................................................................ 17
1.2.3. Penalva em 1758 .................................................................................................. 19
1.2.4. Demografia........................................................................................................... 21
1.2.5. Economia .............................................................................................................. 26
1.2.6. Poder eclesiástico................................................................................................ 29
1.2.7. Jurisdições religiosas .......................................................................................... 33
1.3. ESPAÇO E PODER ...................................................................................................... 42
1.4. RECEITAS E DESPESAS ............................................................................................. 45
1.4.1. RECEITAS.................................................................................................................... 48
1.4.2. DESPESAS .................................................................................................................. 52
CAPITULO II ....................................................................................................................... 64
2. ELITES E GOVERNANÇA ............................................................................................... 64
2.2. O SENHOR, O DONATÁRIO E O CONCELHO ......................................................................... 66
2.2.1 Relações de poder ................................................................................................ 66
2.2.1.2. O PODER SENHORIAL ................................................................................................. 66
2.2.1.3. Os Meneses, Senhores de Penalva .................................................................. 67
2.2.1.4. Marqueses de Penalva ..................................................................................... 70
2.2.2. Donatário .............................................................................................................. 72
2.2.3. Ouvidor ................................................................................................................. 74
2.3. O PODER SENHORIAL E PODER LOCAL ................................................................... 77
2.3.1. PENALVA E A LEI DE 19 DE JULHO DE 1790 ......................................................... 77
2.4. JOGOS NAS ESFERAS DO PODER ....................................................................................... 79
2.4.1. Tensões, conflitos e acções de domínio ............................................................. 79
2.5 AS REUNIÕES DE CÂMARA ........................................................................................ 85
2.5.1. O Processo Eleitoral ............................................................................................ 88
2.6. MAGISTRADOS DA ADMINISTRAÇÃO PERIFÉRICA ................................................................. 91
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
3
2.6.1. Corregedores ....................................................................................................... 91
2.6.2. Juízes de Fora ...................................................................................................... 94
2.7. MAGISTRADOS LOCAIS................................................................................................... 101
2.7.1. Juízes ordinários ................................................................................................ 101
2.7.2. Vereadores ......................................................................................................... 104
2.7.3. Procuradores ..................................................................................................... 114
2.7.4. Outros oficiais do concelho ............................................................................... 116
2.7.4.1. Escrivães ......................................................................................................... 116
2.7.4.2. Escrivão dos órfãos ......................................................................................... 118
2.7.4.3. Almotacés ....................................................................................................... 119
2.7.4.4. Assistente ou Assessor .................................................................................. 120
2.7.4.5. Porteiro ........................................................................................................... 122
2.7.4.6. Carcereiro ....................................................................................................... 122
2.7.4.7. Médicos & cirurgiões ...................................................................................... 124
2.7.4.8 Tabeliões .......................................................................................................... 126
2.8. AS ELEIÇÕES EM PENALVA ............................................................................................. 129
2.8.1. CONJUNTURA HISTÓRICA ........................................................................................... 129
2.8.2. O TRIÉNIO DE 1824, 1825 E 1826 ............................................................................... 131
2.8.3. O TRIÉNIO DE 1827, 1828 E 1829 ............................................................................... 138
2.8.4. O TRIÉNIO DE 1829, 1830 E 1831 ............................................................................... 146
2.8.5. O TRIÉNIO DE 1832, 1833 E 1834 .............................................................................. 156
2.9. SOCIOLOGIA DOS ELEITOS (1824-1834) .......................................................................... 162
CONCLUSÃO ................................................................................................................... 168
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................. 176
FONTES IMPRESSAS ............................................................................................................. 188
DOCUMENTAÇÃO ................................................................................................................. 188
ABREVIATURAS .................................................................................................................... 191
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
4
I I - A g r a d e c i m e n t o s
A dedicação e o esforço individual não produzem uma tese, sendo antes o fruto
de uma colaboração de diversas pessoas, que com os seus apoios, sugestões,
apreciações e opiniões, permitiram um consolidar de ideias.
Em primeiro lugar, e assim não podia deixar de ser, uma palavra de gratidão
muito especial ao Prof. Doutor José Manuel Tengarrinha, orientador científico deste
trabalho, pela sua disponibilidade pessoal, atenção amiga, sugestões fecundas e eficaz
direcção com as quais o trabalho beneficiou.
Seguindo o protocolo académico, um agradecimento extensivo a todos os
professores que orientaram com vigor, diálogo, abertura e exigência crítica, os
seminários deste mestrado.
Aos colegas que com a sua vivacidade, solidariedade, debate de ideias, incentivo
e audácia permitiram estabelecer laços de amizade e de entreajuda.
De forma idêntica, queria agradecer aos funcionários dos arquivos visitados,
pelo empenho, serviço e colaboração desinteressada na localização de fontes e acesso
ao acervo documental, que nem sempre foi tarefa fácil.
A nível pessoal e fora do âmbito académico, recebi de muitas pessoas,
familiares e amigos, apoio, ânimo, colaboração e um perfeito entendimento ao longo do
estudo.
Uma palavra de especial apreço para todos aqueles que salvaram e me fizeram
chegar preciosa documentação que, por andar perdida, corria riscos de
desaparecimento, possibilitando desta forma uma nova abordagem a temas e assuntos,
sem a qual não seria possível.
Não podia de deixar de agraciar ao penalvense incógnito que me enviou, em
finais de Maio de 2002, um livro dos assentos do corregedor, aquando das suas visitas
de correição ao concelho. Apesar de ter surgido quando a presente tese já estava
praticamente concluída, mesmo assim, proporcionou um reforço de determinadas
ideias e opiniões.
Uma especialíssima atenção para a minha família, sobretudo aos meus pais,
que uniram o apoio incondicional à compreensão, nem sempre fácil, em tantos anos de
trabalho, estando sempre do meu lado, animando e estimulando-me a prosseguir.
Refira-se ainda o empenho, o carinho, colaboração e sugestões que me deram nos
bons e maus momentos.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
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Aos amigos e colegas o meu profundo apreço pela estima, incentivo, cooperação
e espicaçar intelectual, partilhado em muitos momentos.
A todos os que “sofreram” com esta tese, o meu muito obrigado.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
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I I I - P r e âm b u l o
São conhecidas no meio académico as vicissitudes que a elaboração de uma
tese de mestrado acarreta (falta de tempo para investigar, bibliografia e documentação
em excesso ou em deficit, dificuldades de coordenação/deslocação para as aulas,
etc...), mas a estas é necessário anexar outras, que ao longo de quatro anos acabaram
por se tornar o fulcro deste trabalho.
Aquando da inscrição no Mestrado em Cultura e Formação Autárquica,
desempenhava funções na Câmara Municipal de Penalva do Castelo. Por constatar que
o concelho não possuía nenhum estudo histórico sobre a sua evolução ao longo dos
tempos, tornava-se quase que obrigatório, desenvolver essa tarefa. À pseudo obrigação
e aos afazeres profissionais desenvolvidos no dia-a-dia, aliava-se um acreditar na
possibilidade de colocar tão pequeno concelho no correcto caminho da protecção do
seu património e salvaguarda da memória histórica.
Foram enormes dificuldades e tantos outros factores que não possibilitaram a
execução na íntegra de tamanha utopia, mas ao final de quatro anos, depois de
trabalhar em outras duas autarquias (Serpa e Covilhã) e contactar com arquivos
municipais da mesma época, constata-se que o concelho, em termos históricos, possui
particularidades e aspectos únicos, que merecem um continuado e aprofundado
esforço de investigação pela comunidade científica.
Independentemente de tudo, ficam aqui reunidos vários capítulos que
constituem um corpus histórico, procurando contribuir para um melhor entendimento
de uma realidade municipal, na Beira Alta em finais do Antigo Regime.
Para além, de todas as razões já expostas importa referir que existia ainda o
valor sentimental de ligação à terra dos meus avós.
O sonho de qualquer investigador é poder elaborar uma exposição detalhada e
sistemática do seu estudo. Não se procura aqui dar um entendimento global sobre a
história de Penalva, pretende-se antes sintetizar resultados de pesquisas, leituras e
discussões sobre o tema, mas tendo sempre por alvo o município penalvense e o seu
envolvimento com a sociedade, num determinado espaço e tempo.
Não se pretende com esta explicação e com anteriores agradecimentos,
justificar erros e omissões do presente trabalho, que inevitavelmente irá permanecer
imperfeito, apenas referir que, sem tais colaborações e acções não se tinha conseguido
aqui chegar.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
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I V - I n t r o d u ç ã o
O estudo do fenómeno municipalista no Antigo Regime é caracterizado por uma
enorme diversidade administrativa, muitas das vezes de cariz “nano-geográfico”,
perfeitamente situada, apesar de uma linha transversal de aparências sistemáticas
comuns, emanadas do poder central, que transformam o seu entendimento num dos
factores essenciais para a compreensão de alguns problemas que ainda hoje afectam o
mapa autárquico Português. Por isso é fundamental ressaltar que o desenvolvimento
de formas distintas de actuação, por parte dos antigos concelhos, se deve a uma
complexa conjugação de factores como: os rendimentos, finanças e património
municipais; estratégia, composição e movimentações de poder das elites locais, formas
e acções de poder; isenções e privilégios exógenos ao poder local.
Se por um lado a implementação de um modelo centralizador e uniformizador
dos poderes camarários, não obteve as melhores condições para a sua afirmação,
muito deve às dificuldades económico-financeiras de carácter estrutural, fruto de uma
exiguidade territorial. Para além disso, outros factores contribuíram para o agravar da
situação. Entre eles destacam-se a resistência das elites locais, “auxiliadas” por uma
ineficiente rede de comunicações e pela enorme carência de gente letrada, capaz de
impôr a lei e uniformizar procedimentos.
Na realização do presente estudo procurou-se abordar três grandes áreas
ligadas à interpretação do concelho de Penalva do Castelo entre 1750 e 1834: Território,
Elites e Governança.
Com o Território incidiu-se na caracterização política, administrativa, social,
económica e religiosa de Penalva do Castelo, através da análise dos inquéritos
realizados em 1758, popularmente denominados de Memórias Paroquiais. Existiu ainda
a preocupação de analisar as questões do espaço e do poder, procurando apurar a
evolução da centralidade político-administrativa do município.
A segunda grande área tem como principal alvo o estudo do poder senhorial e o
seu inter -relacionamento com o concelho, enquanto corpos políticos e individuais
operantes e como entidades jurisdicionais, as relações, redimensionamentos,
exercícios e acções de poder, inseridos no ordenamento político-jurídico do “específico
mundo” do municipalismo do Antigo Regime. Tiveram-se em conta as ligações dos
poderes senhorial e central, as tensões, os jogos de poder e jurisdições concorrentes,
de forma a examinar se existiu dependência, usurpação, colaboração ou coexistência
mútua, entre ambos. Paralelamente insistiu-se na necessidade de avaliação das acções
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
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reais na abolição das ouvidorias e a aplicação da legislação
uniformizadora/centralizadora no concelho.
Em último lugar, com a abordagem ao tema da Governança pretende-se
analisar a importância política dos oficiais municipais, a arquitectura de poder, os
processos electivos e a composição dos corpos governativos das gentes que
constituíram o universo municipalista Penalvense. Em suma, ambiciona-se “montar o
puzzle” da vida institucional e política da sociedade Penalvense de então.
Para uma correcta compreensão das interacções entre as relações de poder e a
sua implicação espacial importa entender e analisar as instituições municipais que,
pelas suas características muito próprias, foram um marco estruturante da
administração local. No entanto, não podemos esquecer que esta afirmação é fruto das
relações e acções, muito concretas, estabelecidas entre a periferia e o centro,
assumidamente complementadas por dinâmicas locais de cariz social, económico,
judicial, políticas e administrativas.
Se em qualquer época e lugar, o poder ocupa um lugar central na política, a sua
acção na Câmara Municipal de Penalva do Castelo não é excepção, pelo que importa
fazer uma reflexão sobre o seu exercício no território e na sociedade de então.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
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V - D o c u m e n t a ç ã o
A tese foi elaborada, fundamentalmente, através do recurso a documentação
inédita existente em diversos arquivos e bibliotecas, cujos fundos acabaram por
constituir uma importante fonte de conhecimento sobre o período e temática aqui
abordada.
Em diversos núcleos do I.A.N./T.T. - Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do
Tombo encontramos informação relativa à acção e mercês reais, relações entre o
poder central e a periferia, nomeações de ofícios, comportamentos político-sociais,
caracterização do concelho a diversos níveis, destacando-se particularmente os fundos
do Desembargo do Paço, Intendência Geral da Polícia, Chancelarias Régias, Gavetas,
Registo Geral de Mercês, Conventos e Dicionário Geográfico, etc...
Este último fundo, também conhecido por Memórias Paroquiais, face à escassez
documental, revelou-se fundamental para a caracterização do concelho sobretudo nos
seus aspectos económicos, administrativos, religiosos e demográficos. Para além
disso, utilizaram-se como fontes privilegiadas as pautas de vereação, referentes ao
concelho de Penalva do Castelo, que se encontram no arquivo do Desembargo do Paço.
O estudo dos eleitos no concelho de Penalva do Castelo entre 1824 e 1834, tem também
como justificação ser a única documentação do género conhecida, referente a esta
edilidade.
Do A.C.M.P.C.- Arquivo da Câmara Municipal de Penalva do Castelo tivemos
particular atenção aos códices referentes à segunda metade do século XVIII e princípios
do XIX, mais incisivamente os livros da administração/vereação n.º 10, 11 e 12. A
relativa coerência das actas é uma constante, uma vez que, o escrivão produzia durante
largo tempo esta tipologia documental, relatando mais ou menos uniformemente os
actos de governança. Prova disso são os outros livros da governação1, os quais
complementam os conteúdos expressos nas actas de câmara.
Apesar de inúmeros lapsos cronológicos, conjugando os livros de vereação
depositados na autarquia com os encontrados, estamos perante um vasto período do
Antigo Regime que vai de 1752 até 1812.
Por diversos motivos, outros testemunhos escritos desapareceram, perderam-se
em incêndios, foram roubados ou simplesmente abandonados pelo desconhecimento,
incúria e desleixo dos homens.
1 Livros de receitas e despesas, leis e privilégios, processos, querelas e sentenças.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
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Nos reservados da B.N. - Biblioteca Nacional encontra-se o Arquivo de Tarouca,
pertencente à família Meneses, o qual contêm informações sobre a acção senhorial no
concelho e quais as suas redes de influência.2
Mas, se no princípio do trabalho o maior problema existente à sua concretização
era a raríssima documentação existente sobre terras de Penalva, agora que ele se
encontra concluído, podemos afirmar que nem só de pesquisa “vive” o investigador
para encontrar a sua documentação. Olhando para trás parece irónico como alguns
documentos nos foram parar às mãos, pelo que tais factos merecem uma breve
descrição. Já era do nosso conhecimento que o Arquivo Municipal da Câmara Municipal
de Penalva do Castelo se encontrava (e ainda se encontra) em péssimo estado, no
entanto nunca se esperava que em Março de 2001, três livros de actas de câmara,
abrangendo os períodos cronológicos de 1768-1772, 1780-1784 e 1794-1796 fossem
encontrados por um particular nos caixotes do lixo localizados junto à autarquia.
Outros dois livros, abarcando os anos de 1800-1805 e 1805-1808, foram
recuperados aquando da destruição de uma antiga habitação que tinha sido habitada
por um sacerdote. Hoje sabe-se que nos finais do século XIX devido ao diminuto espaço
que a autarquia dispunha, efectuou uma permuta de habitações com o padre da Ínsua.3
Terá sido nessa troca que alguns livros ficaram esquecidos passando a englobar o
espólio dos sacerdotes?
Em finais de Janeiro de 2002, aquando da visita a um alfarrabista em Lisboa,
surgiram dois outros volumes de actas da câmara cujos períodos vão de 1788-1794 até
1808-1812, os quais foram prontamente adquiridos. Mas, de todas as descobertas
insólitas a mais curiosa de todas aconteceu em finais de Maio de 2002, quando
recebemos um envelope sem remetente dentro do qual vinha um livro do corregedor de
1789-1794.
Quem terá sido o expedidor? Tanto mistério e para quê? São perguntas sem
resposta, mas o que interessa é que foi desta forma que os documentos chegaram à
nossa posse, possibilitando um enriquecimento do estudo e irão, com certeza, no
futuro, permitir aos investigadores novos dados que possibilitem um outro olhar sobre
a história do concelho.
2 Trata-se sobretudo de correspondência trocada entre o Marquês de Penalva e diversas personagens locais, ou
residentes na área. 3 Os actuais Paços do Concelho eram à época a residência paroquial.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
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E assim vai o nosso património arquivístico municipal....
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
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CAPÍTULO I
1 . T e r r i t ó r i o
1 . 1 Localização e evolução histórica
O concelho de Penalva do Castelo situado na Beira Alta, na região do Alto Dão,
pertencia em termos administrativos à comarca e provedoria de Viseu, e no religioso ao
bispado de Viseu. Era composto por 12 freguesias, a saber: Antas, Castelo de Penalva,
Esmolfe, Germil, Ínsua, Lusinde, Mareco, Pindo, Real, Sezures, Trancoselos, Vila Cova
do Covelo, detendo uma área aproximada de 140 km2.
A sede actual do concelho é a vila de Penalva do Castelo, denominada de
Castendo até 1957.
Actualmente, pertence ao Distrito de Viseu, comarca de Mangualde e desde
1962, conta com mais uma freguesia — Matela - proveniente da divisão da vizinha Antas.
O concelho é limitado, a norte, pelo concelho do Sátão, a sul, pelo de Mangualde, a
Oeste, pelo de Viseu e a Este, pelo de Fornos de Algodres. Mais estritamente, integra-
se no denominado Planalto Beirão, limitado a Norte pelo rio Coja e a Sudeste pela
ribeira de Ludares. A cruzar todo o concelho surge o rio Dão no qual vai desaguar uma
intricada rede de afluentes, compostas por pequenos ribeiros e riachos, que escorrem
pelas vertentes das encostas.
A geologia é constituída por granitos calco-alcalinos e alcalinos, porfiróides e
equigranulares, existindo aqui e ali pequenas manchas de xistos e grauvaques.
Em termos climáticos o concelho possui um clima temperado continental, com
consideráveis amplitudes térmicas, típicas da região.
1.1 Antecedentes históricos
A presença humana e a sua distribuição no espaço está intimamente ligada com
as relações comunitárias, implicando directa e indirectamente um reforço das
interacções de poder. A ocupação remota das terras de Penalva está patente nos
diversos achados pré-históricos, nos topónimos megalíticos (Antas), na Anta do Penedo
do Com e nos habitats contíguos. Sinais evidentes de outra cultura são os vestígios do
período romano, estradas, pontes e inscrições epigráficas. A diluição do império de
Roma, a fixação de novos povos na Península e sobretudo as invasões árabes
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
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contribuíram para a alteração das relações geo-estratégicas de toda a beira e
consequentemente do território Penalvense.
Aquando da reconquista cristã, estas zonas foram um importante ponto na
consolidação do reino cristão. Numa guerra feita sazonalmente, baseada em
sucessivas investidas das hordes cristãs e muçulmanas que por onde passavam
saqueavam e matavam, os lugares que permitiam uma defesa mais ou menos coerente
desempenhavam um poder atractivo de fixação de uma população em busca de
segurança. A situação geográfica da área, e muito especialmente a de Castelo de
Penalva, contribuiu para que a sua posse se tornasse apetecível para as partes em
confronto. Castelo de Penalva localiza-se num monte rochoso e escarpado, que
controla todo um planalto à beira serra. A posse deste privilegiado sítio significava: uma
defesa mais fácil e eficaz de toda uma importante área, observação das movimentações
inimigas e empreender ataques às povoações hostis abaixo da linha natural do
Mondego. No fundo era a porta de entrada para as terras de Azurara e o reforço das de
Viseu.
A reconquista era inevitável e assim, no século XI, Fernando, o Magno tomou-as
depois de ter conquistado Lamego e Viseu4. Para entendermos melhor a conjuntura da
reconquista importa verificar a localização estratégica das Terras de Penalva.
Incrustadas entre as linhas de defesa naturais dos rios Dão e Mondego, são um
importante enclave para o domínio de todo o planalto Beirão e do Alto Paiva. É numa
perspectiva de consolidação do território cristão que se inserem estruturas de defesa
como o Castelo de Penalva e no concelho vizinho de Mangualde, a Torre de Gandufe, o
Castelo de Mangualde e a Torre de Tavares. Para além disso, realça-se o esforço de
conferir e ordenar privilégios, direitos, deveres a determinadas áreas, dos quais se
destacam os forais de Azurara5 e Tavares,6 Sátão, Viseu e Ferreira de Aves que, se
observarmos, ficam em redor das Terras de Penalva.7Mas a consolidação da área
compreendida entre os rios Mondego e Dão não ficaria por aqui. Uma vez assegurada a
posse importava desenvolvê-la, criando estruturas e fixando populações de modo a
4 Leão, Américo, Castelo de Penalva, Revista Beira Alta, vol. 6, fasc. 3 e 4, Viseu, 1947. 5 Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo (I.A.N./T.T.) - Leitura Nova, Forais Velhos, microfilme 1022/r, f.12. 6 I.A.N./T.T.- Foral de Tavares, Gaveta 15, Maço 6, n.º 5. 7 A iniciativa foraleira permitiu cimentar toda uma importante linha de castelos e de sítios amuralhados que se estendiam
das terras de Besteiros às de Celorico, contribuindo ainda na reforma e estabelecimento de uma nova organização da
sociedade local, através da regulamentação da justiça e da economia, pela preceituação de impostos e estabelecimento
de multas/penas, pelo estabelecimento da segurança e defesa do território, etc...
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
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permitir uma defesa territorial mais eficaz. Implementou-se então uma nova etapa com
a fixação das ordens religiosas8, sobretudo com a Ordem do Santo Sepulcro em
Trancoselos (Penalva do Castelo), com os Hospitalários em Lobelhe do Mato, Ordem de
Santiago em Abrunhosa-a-Velha e Mareco, e com a Ordem de S. Bento, primeiro em
Moimenta e posteriormente em Maceira Dão9, Se numa primeira fase as fortificações
militares eram o elemento aglutinador de defesa e de reorganização social, os
conjuntos monásticos, articulados com as atribuições de foral a Azurara e Tavares,
desempenharam um papel primordial na reorganização social/espacial e no
desenvolvimento económico local de toda a vasta área.
Segundo o foral manuelino, atribuído a 10 de Fevereiro de 1514, as Penalva tinha tido
outros dois aforamentos anteriores dados pelos reis D.Sancho II e D.Afonso III.
Contudo, nenhum documento que comprovasse essa teoria tinha sido encontrado, mas
aquando das pesquisas para a tese foi referenciado um pergaminho com o foral de
D.Afonso III e uma cópia do século XVIII com a transcrição dos dois forais10. O primeiro
foi dado a 15 de Julho de 1246 11, enquanto o segundo12 data de 29 de Outubro de 1281 13.
Procurando potenciar estas características ou salvaguardando interesses muito
próprios, os primeiros monarcas levam a efeito um conjunto de medidas, que importa
analisar. A centralidade territorial do concelho estava situada na povoação de Castelo
de Penalva, que desde o fim dos conflitos da reconquista, perdia população uma vez
que a razão estratégica do controlo das terras entre o Mondego e o Dão, tinha deixado
de existir. Confrontado com tal situação, D. Dinis, em carta de 12 de Fevereiro de 1283,
concedeu autorização para aí se construírem casas, nas quais a população pudesse
habitar. O prazo para a fixação era até 15 de Agosto, a partir do qual o juiz e o tabelião
8 O estabelecimento de uma ordem religiosa numa determinada área implicava grandes alterações, uma vez que o
mosteiro ou convento tornava-se o centro das atenções. Com uma importância económica vital sobretudo em termos
agrícolas, a unidade monástica era o ponto de confluência de pessoas, de novas experiências e de importantes trocas
comerciais e culturais. 9 Alves, Alexandre, O Real Mosteiro de Santa Maria de Maceira Dão, Concelho de Mangualde, col. Terra de Azurara e de
Tavares, C.M. Mangualde, 1992, p.21-22 10 Os forais foram transcritos e traduzidos e encontram-se no segundo volume. 11 I.A.N./T.T.- Reforma das Gavetas, nº 28, microfilme 974-A 12 I.A.N./T.T.- Gavetas, gaveta 15, maço 8, doc. 25 13 Após uma análise sumária à documentação inédita podemos afirmar que estes dois documentos são tipologicamente
diferentes, pois se o primeiro estabelece uma assembleia mediante um pagamento o segundo está mais próximo de uma
carta de aforamento, do que de um foral instituidor/regulador de uma municipalidade.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
15
podiam retirar as habitações e atribui-las a outros moradores que aí pretendessem
fixar-se14.
Independentemente da desertificação do local, a igreja de Castelo de Penalva
sempre gozou de considerável poder económico e a prova disso são os inúmeros
documentos que referem um permanente conflito entre o concelho de Penalva e o rei,
pela posse do padroado. O primeiro documento revelador da contenda data de 4 de
Agosto de 1265 e refere que o concelho renunciava a todos os direitos pretendidos no
padroado da igreja de S. Pedro de Castelo de Penalva a favor do monarca15. De novo a
15 de Março de 1283, o município reconhecia a igreja de Castelo de Penalva como
propriedade do monarca e revogava todas as decisões tomadas até então. A querela
entre a coroa e os munícipes das terras de Penalva pela posse do templo e dos seus
bens16, estendeu-se entre 1265 e 1325. A corroboração da importância financeira do
padroado fica bem patente aquando da doação de 30 de Abril de 1499, pela qual o rei D.
Manuel I deu a D. João de Meneses, os padroados das igrejas dos territórios de Gulfar17
e Penalva, continuando na posse da coroa a de S. Pedro.
A investigação documental permite-nos considerar que desde o século XIII,
Penalva do Castelo é um concelho consolidado nas suas dimensões básicas com
organização completa da administração municipal, judicatura constituída, produção
económica e mercado e uma sociedade estruturada, de base rural. O traço mais
importante da administração municipal era o carácter relativamente autónomo do seu
governo, concretizado no reconhecimento, pelo poder central, de uma ordem jurídica
local emanada da carta de foral e das posturas e na existência de magistrados eleitos
pelo concelho. Em termos históricos a organização municipal, foi alvo de estudo por
parte de vários investigadores. Alguns viram nas autarquias uma criação divina, um
modelo de Deus18, enquanto outros defendem a ideia de que os actuais concelhos pouco 14 I. A.N./T.T, Chancelaria D. Dinis, Livro 1, fl. 250. 15 I.A.N./T.T. – Gavetas, Gaveta 19, Maço 2, Doc.16 16 I.A.N./T.T. – Gavetas, Gaveta 19, Maço 2, Doc. 19. 17 Também pode ser designado por Golfar. 18 Segundo Luís Vidigal, em a História do Municipalismo no século XVIII, Henriques Nogueira defende a tese redentora ao
citar Toqueville “(...)A instituição municipal parece ter saído directamente da mão de Deus(...)”. Numa perspectiva de
evolução histórica Alexandre Herculano acredita numa autoridade esclarecida. Para ele, a restauração social e económica
do Portugal do séc. XIX, teria por base a necessidade de afirmação do poder local, como princípio corrector das
distorções provocadas por um centralismo excessivo e paralisante. Impunha-se que o país fosse governado pelo próprio
país, pelo que se tornava indispensável revitalizar a vida dos municípios que vegetavam inertes. A vantagem da eleição
dos homens no âmbito local, por via eleitoral, assentava na possibilidade da designação dos melhores, recaindo a
escolha sobretudo naqueles que fossem honrados e inteligentes.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
16
ou nada têm a haver com a génese destas instituições. Mas se observarmos com
atenção a orgânica do seu funcionamento, facilmente notamos que muitas
semelhanças, fruto de um amadurecimento secular.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
17
1.2. CONTRIBUTOS PARA A CARACTERIZAÇÃO CONCELHIA
1.2.1. As Memórias Paroquiais
Face à inexistência de documentação que nos permita efectuar uma
caracterização mais pormenorizada do concelho de Penalva do Castelo, em finais do
Antigo Regime, optou-se pelo recurso ao Dicionário Geográfico, também conhecido
como Memórias Paroquiais. Realizadas em 1758, inserem-se num programa de
reconhecimento e identificação do território nacional, que já vinha a ser efectuado
desde os inícios do século XVIII, com os inquéritos da Academia Real de História em
1721, e pelos questionários preliminares de 1732, cujo objectivo era a elaboração do
Dicionário Geográfico.
Numa época em que as vias de comunicação eram escassas, as viagens
demoradas e onde não existia uma fluidez informativa/cultural, a concretização de um
questionário revelava-se de importância fundamental para o conhecimento do Reino e
para a resolução dos seus problemas. Disto tinham consciência os Homens da Coroa e
desde o princípio a Secretaria de Estado do Reino apoiou tais iniciativas.
Durante séculos a maneira privilegiada de se inventariar e conhecer o território
nacional e as suas potencialidades fazia-se através do envio de emissários pelo país,
indagando os naturais sobre os seus direitos, deveres, propriedades, culturas, etc.... No
fundo, as preocupações dos enviados versavam o arrolamento das orgânicas
político/administrativas, potencialidades económicas e agrícolas das terras
inspeccionadas.
1.2.2. O inquérito
O grande terramoto de 1755 abalou profundamente o país, deixando um rasto de
morte e destruição. A situação caótica em que o território nacional ficou mergulhado,
obrigou o poder central a apurar o verdadeiro estado da nação.
Numa primeira fase, pensou-se em enviar emissários por todo o país inquirindo
quais as dimensões dos estragos e efectuando uma avaliação global do território. Para
além de tal tarefa assumir proporções e custos ciclópicos, a macrocéfala máquina
estatal, sedeada em Lisboa, tinha sido profundamente atingida pelo cataclismo,
encontrando-se numa fase de reorganização interna, que se reflectia numa aparente
falta de controlo da administração periférica do estado.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
18
Posteriormente, chegou-se à conclusão que os melhores conhecedores da
realidade local eram os sacerdotes e que a utilização da rede eclesiástica trazia ainda
outras duas vantagens: em primeiro lugar, para os padres ensinarem os mandamentos
de Cristo necessitavam de saber ler e escrever, conhecimentos vitais para elaboração
dos relatórios sobre a situação local. Em segundo lugar, a rede eclesiástica estava bem
organizada e possuía uma total distribuição pelo território, constituindo uma verdadeira
teia de conhecimentos eruditos em permanente contacto com as populações
autóctones. Assim, procedeu-se à elaboração de um questionário que foi enviado a
todos os sacerdotes responsáveis pelas freguesias do Reino.
Como principal impulsionador deste movimento surge o Padre Luís Cardoso,
um Oratoriano dedicado às memórias de outrora, que consegue obter do poder central,
apoio para este empreendimento, através da autorização do Secretário de Estado dos
Negócios do Reino do rei D.José I.
O questionário era composto por diversas perguntas que abarcavam os mais
variados assuntos, dos quais se destacam: o levantamento demográfico da população,
os estragos do terramoto, as principais produções agrícolas da terra, o número de
capelas existentes, os rios e serras das vizinhanças, etc... Os párocos deveriam
responder com a maior brevidade possível, utilizando uma caligrafia legível, devendo
posteriormente o seu envio ser feito à Secretaria de Estado dos Negócios do Reino.
O padre Luís Cardoso, pessoa experimentada na realização de inquéritos junto
dos sacerdotes do reino, perfilava-se como o mais capaz para realizar tal tarefa19. Logo
a seguir à catástrofe, em 1756, o mesmo sacerdote realizou outro questionário, que
tinha como objectivo indagar quais os estragos provocados pela actividade sísmica.
Tornava-se imperioso refazer o trabalho perdido e assim, conseguiu do “(...)Secretário
do grande e respeitavel Sebastião José de Carvalho ordem para que todos os Parochos
do Reino enviassem novas Descripsões das Freguesias com aquellas escrupulosas, e
circunstanciadas miudezas que mais abaixo constarão da copia dos interrogatórios que,
impressos, lhes forão enviados, com o preceito de responderem, preceito que a maior
parte dos parochos cumpriram no mesmo ano de 1758, em que lhes foi intimado(...)”20.
19 Alguns resultados dos inquéritos anteriormente realizados por ele foram publicados em 1747, constituindo o Dicionário
Geográfico do Reino de Portugal. Com o terramoto de 1755, só se salvaram as respostas correlativas aos dois primeiros
volumes correspondentes às letras A,B,C, que já se encontravam publicados. 20 I.A.N./T.T. - Dicionário Geográfico, Prólogo do índice, Liv.321.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
19
Em 1758 imprimiram-se novos inquéritos que foram expedidos a todos os
párocos do reino. As perguntas eram semelhantes às do questionário de 1747, apenas
diferindo em 4 questões: n.º20, 21, 22 e 2621. Versava inúmeros assuntos desde a
constituição eclesiástica da freguesia, passando pela sua morfologia geográfica, onde
não eram esquecidos os rios e serras, até às principais produções agrícolas.
Concluído o envio das respostas, estas constituíram quarenta e um volumes e
depositados no Convento das Necessidades, tendo sido posteriormente transferidas
para a Torre do Tombo. A estes foram posteriormente anexados mais três volumes, dos
quais dois deles são uma compilação de diversas fontes e informações dispersas,
organizados de modo a suprimir as lacunas das 500 freguesias que não responderam.
O último volume foi posteriormente compilado e é o índice22.
Segundo o prólogo da obra, o sacerdote não acabou esta ardilosa tarefa porque
“(...) Não quis, ou não pode: porque as enfermidades, ou a velhice, ou o presentimento
da morte, ou tudo juncto fês, que o Padre Cardoso olhasse como impossível a execução
do seo projecto (...)”23.
1.2.3. Penalva em 1758
De acordo com o relato do pároco do Castelo de Penalva, em 1758, o concelho
de Penalva do Castelo era composto por doze freguesias24 sendo a sua cabeça25 a vila do
Castelo. Contudo, referia ainda que as reuniões de câmara e todos os actos político-
administrativos se realizavam em Castendo26.
Pelo índice da obra podemos verificar que das 12 freguesias existentes à altura,
apenas responderam 10 27. Os sacerdotes de Trancoselos e de Vila Cova do Covelo não
21 Esta última pergunta questionava o impacto sismológico de 1758 e as suas consequências. 22 Devido à preservação e conservação de uma das mais consultadas fontes da Torre do Tombo, as memórias foram
microfilmadas e actualmente são consultadas neste suporte. 23 I.A.N./T.T- Índice do Dicionário Geográfico nº44, Índice 321, nº de Ordem 112,f. II, m. 2301. 24 A freguesia da Matela só foi criada em 1962, pelo Dec. Lei n.º 44245, de 23/3 25 Entenda-se por cabeça sede administrativa 26 I.A.N./T.T.- Dicionário Geográfico, vol. 10, m.220, f.1441. 27 Este caso é tanto mais curioso se verificarmos que o questionário utilizado para a sua resposta é diferente do utilizado
26 anos depois.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
20
enviaram as suas respostas, o que levou os organizadores a compilarem nos dois
volumes anexos (nº 42 e 43), as respostas de 1732 28.
Não sabemos ao certo quando é que o questionário teve a aprovação régia, nem
quando começou a ser distribuído pelos párocos, no entanto no concelho de Penalva as
respostas foram efectuadas entre 29 de Março e 29 de Maio de 1758.
QUADRO I
Consti tuição das freguesias do concelho de Penalva do Castelo e data da
elaboração das respostas
F r e g ue s i a O r a g o N o m e d o Sa ce r d o te D a t a d a Re spo s t a
Antas São Vicente Manuel de Sá Vilarinho 27/05/1758
Castelo de Penalva São Pedro António Lourenço Pereira 24/05/1758
Esmolfe Nossa Senhora da
Conceição Manuel Gomes de Carvalho 23/0571758
Germil São Cosme e Damião Lourenço da Costa Carvalho 20/05/1758
Ínsua São Genésio Manoel Lourenço de Matos 29/03/1758
Lusinde Nossa Senhora da
Assunção António Gomes 15/05/1758
Mareco São Domingos António Pereira 8/05/1758
Pindo São Martinho Manuel Ferreira 5/05/1758
Real São Paulo João do Amaral 29/05/1758
Sezures Nossa Senhora da Graça João Rodrigues 25/05/1758
Trancoselos São Salvador Ventura Fernandes 9/08/1732
Vila Cova do Covelo Nossa Senhora de
Expectação João Teixeira 6/08/1732
Fonte: Memórias Paroquiais do Concelho de Penalva do Castelo (I.A.N./T.T.- Dicionário Geográfico)
Em termos qualitativos a informação obtida não é homogénea, uma vez que
alguns sacerdotes nos forneceram relatórios muito elaborados, outros fizeram-no
muito sucintamente. No entanto alguns padres contaram com os testemunhos de
outras pessoas para redigirem as suas respostas29.
28 O inquérito de 1732 tinha por objectivos a concepção de uma História Eclesiástica e Secular do Reino, tendo sido
executado pela Academia Portuguesa de História. 29 Para muitos sacerdotes existiu a preocupação com a informação a fornecer levou à consulta de de pessoas fidedignas.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
21
1.2.4. Demografia
Ao longo dos séculos, os monarcas preocuparam-se com a dinâmica social do
reino, implementando medidas de combate às assimetrias demográficas e encarando
este factor como essencial para a implementação e construção de um poder
subsidiário no repovoamento do reino. A ocupação humana e a sua distribuição no
espaço estão intimamente ligadas com as relações comunitárias, implicando directa e
indirectamente um reforço das interacções de poder.
O concelho de Penalva do Castelo não possui estudos de demografia histórica e
os dados que existem não passam de meros levantamentos populacionais não sendo de
grande fiabilidade. É nosso dever alertar que ao procedermos a uma análise do género
é necessário termos presente, que nem sempre os termos vizinhos, fogos e moradores
possuíram o significado que hoje conhecemos, pelo que é obrigatório procedermos a
uma análise muito cuidadosa dos inventários.
Para entendermos melhor a evolução demográfica do município, temos que
analisar um dos primeiros levantamentos de que temos conhecimento: O Cadastro da
População do Reino. Elaborado em 1527, atribuía ao concelho 764 moradores30
distribuídos do seguinte modo: “(...)o lugar de Castemdo em que vivem 29, Castelo que
he a outra cabeça vivem 5, o lugar da Encoberta 10, o lugar da Corga, 20, o lugar de
Pindo de Cima 12, o lugar de Roriz 15, o lugar de Pindo do Fundo 13, o lugar de Oliveira
10, o lugar de casalldrey31 20; o lugar de Vila Garcia 6, o lugar de Santa Ovaya32 7,
Lusinde 24, Lusindinho 14, Gondomar 7, a Imsua 30, o lugar desperoens33 8, nas
qujmtans da mouta e lamosa 6, em Lisei 5, em sam gymill 9, nas quymtas de golges34 6,
em fumdo de Villa 13, em Esmolfe 40, Sezures 51, em a Pomte 6, em Germil 19, nas
povoaçoens do Lamegall 13, no lugar da Rybeyra 7, em tramquoselle35 8, em tramcoselo
14, no Valle e Lages e Mosteyro 29, em samdiaens 13, no casall e tybaies 16, em Ryall
33, no lugar de pejes 21, nos paços vivem 4, nas povoaçoens 7, em quedernelas36 16, no
lugar das quymtas 11, em souto de vyde e aldea 27, no lugar de vila cova 36, no lugar de
30 Não podemos interpretar o número de moradores como o número de habitantes, pois nesta época era costume utilizar
tal designação para referir aquilo que hoje, de modo geral, denominamos por fogo. 31 Casal Diz 32 Santa Eulália 33 Esporões 34 Goje 35 Trancoselinhos 36 Codornelas
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
22
marlio37 32, na Matela nova e velha 17, na miusela 16, nas Antas 33, em
pousadas18(...)”Ao somarmos os dados fornecidos, pelos itens atrás indicados,
verificámos que o autor do documento se enganou quando atribui 764 moradores ao
concelho mais seis do que a soma indica (758)38.
Outro levantamento que não podemos deixar de referir é o do Diccionário
Geográphico e Corográphico, do Padre António Carvalho da Costa, elaborado nos inícios
do século XVIII, e na qual o município Penalvense apresentava uma densidade
populacional superior a 30 hab./km2, um valor bastante significativo para a época39.
As Memórias Paroquiais fornecem-nos um manancial de informações e fazem
destes documentos vectores fundamentais para uma melhor compreensão da evolução
demográfica do concelho.
QUADRO II
Distribuição da população por freguesias
Freguesias Fogos Vizinhos Pessoas Pessoas de
Sacramento
Pessoas
Maiores
Menores Pequenos
Antas 188 560
Castelo de Penalva 391 1180
Esmolfe 107 277 41 ( ) 50
Germil 90 270*
Ínsua 255 700
Lusinde 92 280*
Mareco 70 180
Pindo 391 1194*
Real 88 216
Sezures 175 554
Trancoselos** 65 184 30
Vila Cova do
Covelo**
96
Fonte: Memórias Paroquiais do Concelho de Penalva do Castelo (I.A.N./T.T..- Dicionário Geográfico)
* População Menor incluída, **Dados do Inquérito de 1732
37 Mareco 38 I.A.N./T.T.- Cadastro da População do Reino, Núcleo Antigo, nº 825, doc.1527, f.102v e ss. 39 Hespanha, António Manuel, As Vésperas do Leviathan. Instituições e poder político em Portugal no séc. XVII, Coimbra,
Almedina, 1994, f. 84
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
23
Os sacerdotes classificaram a população das freguesias por diversas classes
(Quadro II)40 e, pontualmente, chegaram mesmo a discriminar o número de habitantes
que algumas povoações tinham:
QUADRO III
Distribuição da população por local idades
Lo c a l i da de s F o g os V i z i nho s P e ss o as M o ra d o re s
Freguesia de Castelo de Penalva
Castelo de Penalva 9 32
Freguesia de Esmolfe
Fundo de Vila 18
Freguesia de Germil
Germil 50 150*
Lamegal 26
120*
Coucinheiro 5
Abogões 9
Freguesia da Ínsua
Ínsua 70 200
Castendo 80 200
Sangemil 50 50
Esporões e Moita 20 50
Goje 20 40
Gondomar 8 30
Moinhos 7 30
Freguesia de Real
Real 76 162
Ribeira 22
Freguesia de Sezures
Sezures 117 371
Campina 17 57
Boco 13 52
Quinta da Ponte 28 74
Fonte: Memórias Paroquiais do Concelho de Penalva do Castelo (I.A.N./T.T..- Dicionário Geográfico)
* População Total (Maiores e menores).
Consequentemente torna-se extremamente pertinente proceder à conversão
dos termos vizinhos/fogos/moradores em habitantes/pessoas. Contudo, sabemos que
tal operação deve ser encarada com algumas reservas, até porque estamos a trabalhar
40 A denominação usada para classificar a população foi a seguinte: (fogos, vizinhos, pessoas, pessoas de sacramento,
menores, pequenos e pessoas maiores)
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
24
com dados sensíveis. Para além disso, ao utilizarmos as respostas elaboradas por
diferentes pessoas, corremos alguns riscos, pois nem sempre o mesmo conceito é
adoptado por todos de igual maneira. Por tudo o que ficou patente é necessário encarar
os resultados expostos como meros indicadores de uma possível tendência
demográfica.41
Comparativamente procurou-se um índice de multiplicação42 baseado na
relação intermédia dos dados fornecidos pelos sacerdotes à cerca do número de
vizinhos/fogos e pessoas, tendo-se obtido o resultado aproximado de 3,12. Conferindo
este com outros obtidos em trabalhos demográficos similares, podemos constatar que
se encontra dentro dos padrões médios para o final do século XVIII. Fernando de Sousa
aponta para a mesma época coeficientes que oscilam entre os 2,9 da área rural de
Bragança e os 4,2 da área urbana de Tomar.43 Os números fornecidos pelos sacerdotes
indicam que a população do concelho de Penalva do Castelo tinha 1832 fogos/vizinhos44
e que a população deveria variar entre os 5.700 e os 5.900 habitantes. As contagens
demográficas da obra do Padre António de Carvalho da Costa, realizadas em todo o
território nacional (áreas urbanas e rurais), apontam para um coeficiente médio de 3,3
pessoas45.
Dois anos antes, em 1755, Oliveira de Freire obteve uma contagem com valores
aproximados, atribuindo ao mesmo município, 12 freguesias com 1669 fogos e 4575
almas46 No entanto, é necessário termos algum cuidado na interpretação dos dados,
41 A tudo isto devemos somar a fiabilidade relativa dos inquéritos de Trancoselos e Vila Cova do Covelo provocada
sobretudo devido a estas respostas terem sido elaboradas 26 anos antes. No entanto, se compararmos os dados, com os
fornecidos pelo Padre António Carvalho da Costa, vimos que existe uma grande aproximação, pois em relação a
Trancoselos o sacerdote aponta para a existência de 60 fogos, 200 pessoas maiores e 35 menores. A resposta de 1732,
revela-nos dados semelhantes ao apontar 65 fogos, 184 pessoas maiores e 30 menores. No caso de Vila Cova do Covelo,
os dados obtidos pela resposta do inquérito apenas nos permitem comparar o número de fogos, que são 96. Valor
idêntico apresenta-nos o Padre António Carvalho Costa, ao indicar 100 fogos. 42 Este índice representa o valor médio de pessoas moradoras por fogo. 43 Sousa, Fernando de, A população portuguesa nos inícios do séc. XIX, in População e Sociedade, porto, edição do
Centro de Estudos da População e Família, n. 2, 1996, pp.7-75 44 Se multiplicarmos a este dado o índice intermédio previamente estabelecido, obtemos um valor de 5716 habitantes, que
não pode ser encarado como um valor exacto, pois não é mais do que a aplicação a um dado, cuja fiabilidade é relativa
de um coeficiente de multiplicação, também produto de uma operação condicionada. 45 Hespanha, António Manuel, As Vésperas do Leviathan. Instituições e poder político em Portugal no séc. XVII, Coimbra,
Almedina, 1994, p. 72 46 Leite, Fernando Barbosa Barros, Concelho de Penalva do Castelo, Recolha Bibliográfica/Contributo para uma Monografia,
Câmara Municipal de Penalva do Castelo, p. 235
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
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pois muitas vezes, os critérios de contabilização variavam conforme a designação47 Por
esta razão é bem possível que o autor não tenha contabilizado as crianças e os
menores quando elaborou a referida contagem. A comparação dos dois valores, para
além de mostrar que o índice de multiplicação utilizado é bastante similar a outros,
permitindo-nos constatar uma equiparação de resultados, sobretudo no número de
fogos/vizinhos. Os valores agora apresentados remetem-nos para uma densidade
demográfica de, mais ou menos, 42 hab./km2, número um pouco superior ao obtido 52
anos antes.
Aquando dos levantamentos demográficos, os sacerdotes indicaram o número
de habitantes através de algumas designações, cujo entendimento e conhecimento,
actualmente se torna complicado. Exemplo disso é a utilização de expressões como
pessoas maiores. Estavam a referir-se ao cidadão adulto ou a uma maioridade religiosa
e sacramental? São termos como este que nos levam a encarar as informações obtidas
com uma certa relatividade.
Se analisarmos apenas os números referentes às povoações vemos que a
localidade de Castelo de Penalva tinha um reduzido número de moradores. Mas ao
alargarmos o horizonte de observação para a sua circunscrição político/administrativa,
apuramos facilmente que era a freguesia mais populosa do concelho logo seguida por
Pindo e Ínsua (Gráfico I).
050
100150200250300350400
Nº d
e Fo
gos/
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Real
Sezu
res
Tran
cose
los
Vila
Cov
a do
Cov
elo
Freguesias
GRÁFICO IDistribuição dos Fogos/Vizinhos por freguesias (1758)
Fonte: Memórias Paroquiais do Concelho de Penalva do Castelo (I.A.N./T.T.- Dicionário Geográfico)
47 O estudo dos dados populacionais deste autor ainda nos deixam outro problema ao não revelarem a distribuição da
população pelas freguesias.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
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Esta última possuía dois aglomerados habitacionais consideráveis, a Ínsua com
70 vizinhos e 200 pessoas, e Castendo com 80 vizinhos e com igual número de pessoas.
As Antas surgem em quarto lugar, mas é necessário relembrar que na época as
freguesias das Antas e Matela não se encontravam apartadas. Com um menor número
de fogos/vizinhos e consequentemente com menos habitantes surgem Trancoselos,
com 184 pessoas maiores e trinta menores, e Mareco com 180 pessoas.
Distribuindo as freguesias pelo número de fogos/vizinhos, constatamos que três
delas tem mais de 201, enquanto uma grande maioria (7) possuíam menos de 100
(Gráfico II). As três maiores eram por ordem de grandeza Castelo de Penalva, Pindo e
Ínsua e as menores Real, Mareco e Trancoselos.
Fonte: Memórias Paroquiais do Concelho de Penalva do Castelo (I.A.N./T.T.- Dicionário Geográfico)
1.2.5. Economia
Na multi-tipologia de poderes locais do Antigo Regime, onde são frequente
modelos de cariz nano-municipalista, os concelhos dedicavam a sua principal atenção
para o governo da edilidade, procurando articular a administração do seu património
com a gestão dos serviços públicos básicos (abastecimento das populações, segurança,
higiene pública, justiça, etc..). Num mundo autárquico profundamente rural, a
fragilidade da economia de base agrária e pecuária, a crónica dependência das
condições climatéricas, os obstáculos à comunicação e à informação, as dificuldades
no sistema de comercialização de produtos e excedentes, obrigaram uma atenção
particular aos assuntos relacionados com o abastecimento local, estorvado por uma
penúria económica relacionada com as dificuldades de gestão financeira do concelho.
A principal actividade económica das Terras de Penalva sempre foi a
agricultura. De vital importância para a subsistência das gentes, praticamente toda a
0
2
4
6
8
0-100 101 -200 > 201N º d e Fo gos
G R Á F IC O IID istribu ição das freguesias pelo núm ero de fogos/ viz inhos
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
27
população encarava-a, conjuntamente com as suas áreas complementares (das quais
se destaca a criação de gado), como a sua principal actividade.
Consciente do papel que possuíam em todo país, o padre Luís Cardoso
introduziu 4 perguntas cuja temática eram as práticas agrícolas, às quais todos os
sacerdotes do concelho responderam. Pelo quadro nº IV vimos que as duas maiores
produções eram o centeio e o trigo, embora outras culturas como a vinha, o olival e o
trigo já possuíssem um certo peso. Surgem ainda as árvores de fruto, importantes não
só em termos de produtividade agrícola local, mas também porque desempenhavam
conjuntamente com o centeio e legumes, um vector fundamental no equilíbrio de uma
dieta alimentar um tanto ou quanto debilitada. Curiosa é a afirmação do cura de
Mareco, que antevendo as possibilidades de melhores produções frutícolas, indicava
que estas não se faziam por falta de cuidado.48
À excepção da resposta de Germil, que nos revela os nomes de algumas árvores
de fruto (pereiras, macieiras, cerejeiras, videiras, pessegueiros, etc..)49, as outras não
discriminam as espécies. De facto essa memória é extremamente reveladora das
produções e actividades agrícolas de então, ao descrever minuciosamente, não só as
principais colheitas, como indicando as pequenas plantas, cuja principal utilização era a
medicina popular.
QUADRO IV
Principais culturas e referências agrícolas por freguesia (1758)
Freguesias Referências Agrícolas Principais Culturas
Antas Centeio, trigo, milho, vinha, castanhas e árvores de fruto Não faz menção
Castelo de Penalva Centeio Centeio
Esmolfe Centeio, milho, vinhas, castanheiros e olivais Não faz menção
Germil Milho, centeio, trigo, cevada, legumes e árvores de fruto Milho
Ínsua Olivais, Vinhas e centeio Não faz menção
Lusinde Milho Milho
Mareco Centeio, trigo, milho, vinhas, olivais, castanheiros e árvores de fruto Milho
Pindo Milho grosso, trigo, centeio, olivais e árvores de fruto Não faz menção
Real Centeio, trigo, cevada, vinhas, olivais, castanheiros e árvores de fruto Milho
Sezures Centeio Centeio
Trancoselos** Centeio, milho e castanheiros Não faz menção
Vila Cova do Covelo** Centeio, milho, trigo, castanheiros e olivais Centeio
Fonte: Memórias Paroquiais do Concelho de Penalva do Castelo (I.A.N./T.T.- Dicionário Geográfico) ** Dados de 1732
48 I.A.N./T.T.- Dicionário Geográfico, vol. 22, m.52, f.341. 49 I.A.N./T.T.- Dicionário Geográfico, vol. 17, m.39, f.217.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
28
A criação de gado era uma das actividades a que os párocos se referem nas
suas respostas. Mais uma vez recorremos à memória de Germil na qual encontramos a
referência a “(...)poucas e meudas cabras, ovelhas, porcos(...)”. A pastorícia para além
de fornecer suplementos alimentares como a carne, leite e derivados, proporcionava
ainda matérias orgânicas para a adubagem dos campos. Com os bovinos a situação era
exactamente a mesma, mas estes animais forneciam uma importante força de tracção
nos trabalhos agrícolas.
Outros elementos frequentemente citados nas memórias são os engenhos
agrícolas, instrumentos vitais na transformação de produtos agrícolas como a azeitona
e o centeio, em azeite e farinha. O pão era o alimento por excelência e só através de um
complexo sistema de moagem, verdadeiramente implantado por todo o concelho, é que
se podiam satisfazer as necessidades da população. Geralmente situados junto de rios
e quedas de água, procuravam aproveitar a energia hidráulica para moer os grãos dos
cereais panificadores. Da mesma forma os engenhos, moinhos e lagares directamente
ligados à transformação da azeitona em azeite, encontravam-se perfeitamente
distribuídos pelo concelho, como o quadro V indica:
QUADRO V
Relação dos engenhos agrícolas referidos pelos párocos
Freguesia Moinhos Pisões Engenhos, Moinhos e Lagares de Azeite
Antas a) - -
Castelo de Penalva a) - 2
Esmolfe a) - -
Germil 1 1 1
Ínsua 7 - 2
Lusinde - - 1
Mareco a) - a)
Pindo 9 - -
Real a) - 1
Sezures 9 - -
Trancoselos** a) a) a)
Vila Cova do Covelo** a) - a)
Fonte: Memórias Paroquiais do Concelho de Penalva do Castelo (I.A.N./T.T.- Dicionário Geográfico)
a)- Quantidade não especificada
A pergunta número 19, ao questionar a existência de feiras e quais as suas
características, destinava-se a indagar a actividade comercial existente nas diversas
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
29
freguesias. Importantes veículos de dinamização da economia local, estes eventos
eram paragem obrigatória de comerciantes e almocreves, arrastando
consequentemente as populações vizinhas. Proporcionavam ainda, aos habitantes
locais, uma oportunidade para negociarem os seus excedentes agrícolas, realizando
assim mais valias que poderiam ser utilizados na compra de produtos
complementares.
No município de Penalva do Castelo existiam em 1758, três feiras de
periodicidade anual. Duas delas ocorriam em Vila Cova do Covelo a 1 de Maio e a 10 de
Agosto. Em Esmolfe tinha lugar no dia 23 de Janeiro, uma feira em honra de Sto.
Ildefonso, que ainda hoje se realiza na mesma data e no mesmo local - Campo de
Santo Ildefonso.
1.2.6. Poder eclesiástico
Uma parte substancial do questionário procurava inventariar alguns dos
aspectos religiosos da freguesia, tais como: capelas, igrejas, irmandades, rendimentos
eclesiásticos, etc...
Pertencente ao bispado de Viseu e ao arciprestado de Penaverde, o poder e a
influência religiosa em Terras de Penalva obedeciam a diversos factores, que por vezes
ultrapassavam a própria estrutura da igreja e se confundiam com a orgânica do poder.
A personagem eclesiástica com maior destaque do concelho era o abade de Castelo de
Penalva. Apresentado pelos Marqueses de Cascais desempenhava um importante
papel na coordenação da vida e acção religiosa, nomeando oito outros sacerdotes.
QUADRO VI
Rendimentos e categorias eclesiást icas
Freguesias Apresentador Pároco
Rendimentos
anuais
(valores em reis)
Antas Abade da Igreja de S. Pedro do Castelo de Penalva cura colado 40.000
Castelo de Penalva Marqueses de Cascais abade 900.000
Esmolfe Abade da Igreja de S. Pedro do Castelo de Penalva cura 20.000
Germil Abade da Igreja de S. Pedro do Castelo de Penalva cura anual 6.000
Ínsua Abade da Igreja de S. Pedro do Castelo de Penalva cura 6.000
Lusinde Reitor da Igreja de Pindo cura 10.000
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
30
Mareco Abade da Igreja de S. Pedro do Castelo de Penalva cura 20.000
Pindo Coroa vigário 40.000
Real Abade da Igreja de S. Pedro do Castelo de Penalva cura 6.000
Sezures Abade da Igreja de S. Pedro do Castelo de Penalva cura amovível 65.000
Trancoselos* Abade da Igreja de S. Pedro do Castelo de Penalva cura anual 20.000
Vila Cova do Covelo* Abade da Igreja de S. Pedro do Castelo de Penalva cura 30.000
Fonte: Memórias Paroquiais do Concelho de Penalva do Castelo (I.A.N./T.T.- Dicionário Geográfico)
* -Dados de 1732
Analisando a distribuição das receitas monetárias pelas categorias dos
sacerdotes, constatamos uma grande disparidade, que se reflecte no seu maior
beneficiário, o abade de Castelo de Penalva que tinha de renda anual 900.000 reis.
Seguia-se-lhe o sacerdote de Sezures com um valor de 65.000 e o cura das Antas e o
vigário de Pindo, ambos com 40.000 reis. Com os menores rendimentos temos os curas
de Mareco, Germil e de Real todos com 6.000 reis.
QUADRO VII
Distribuição dos Rendimento pela Categoria dos Sacerdotes
Va lores
( e m mi lha res d e re i s )
C ura s V i gá r i os Aba de s
0 — 10 4 - -
11 — 20 3 - -
21 — 30 1 - -
31 — 40 1 1 -
- 41 1 - 1
Fonte: Memórias Paroquiais do Concelho de Penalva do Castelo (I.A.N./T.T.- Dicionário Geográfico)
Comparando as rendas do Abade do Castelo de Penalva com o global do produto
obtido por todos os padres do concelho verificámos que esse sacerdote detinha 77,39%
da totalidade das receitas. Possuidor de um valor económico tão extraordinário, o
sacerdote incorporava ao poder eclesiástico um significativo poderio financeiro, que
fazia dele um dos principais actores da vida organizativa municipal.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
31
Como se pode ver pela transcrição dos interrogatórios, alguns dos templos
eram palco de romarias, às quais se deslocavam inúmeros romeiros em demonstração
de fé. Ainda hoje muitos locais de culto mantêm as suas tradicionais festas em honra
dos seus padroeiros, que tão bem caracterizam a tipificada religiosidade popular das
gentes beirãs.
Fonte: Memórias Paroquiais do Concelho de Penalva do Castelo (I.A.N./T.T..- Dicionário Geográfico)
No concelho existiam as seguintes igrejas e capelas:
QUADRO VIII
Capelas existentes no concelho de Penalva do Castelo
F re g ue s i a P o v o ação C a pe la Lo c a l i zação Propr iedad e/Propr ie tá r i o
Antas
Antas
S. Bento No fundo do Povo para a
parte Sul Pública
N. Sr.ª da Purificação Perto da Igreja Pública
N. Sr.ª da Estrela Perto da Igreja Pública
N. Sr.ª da Conceição Junto às casas de Simão de
Oliveira Simão de Oliveira
Matela S. Nicolau S/l Pública
Matela Velha St.ª Catarina S/l Pública
Quinta da
Moradia N. Sr.ª dos Remédios S/l Pública
Miuzela N. Sr.ª da Conceição S/l Pública
Castelo de Castelo de S. Sebastião S/l Pública
0
100.000
200.000
300.000
400.000
500.000
600.000
700.000
800.000
900.000
Valores em Reis
Cura
das
Ant
as
Aba
de d
o Ca
stel
ode
Pen
alva
Cura
de
Esm
olfe
Cura
de
Ger
mil
Cura
da
Ínsu
a
Cura
de
Lusin
de
Cura
de
Mar
eco
Vig
ário
de
Pind
o
Cura
de
Real
Cura
de
Sezu
res
Cura
de
Tran
cose
los
Cura
de
Vila
Cov
ado
Côv
elo
Sacerdotes
GRÁFICO IIIComparação de Rendimentos dos Sacerdotes do
Concelho de Penalva do Castelo (1758)
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
32
Penalva Penalva
Entre Lages e
Peges Não faz menção ao orago Num pequeno campo Pública
Peges St.ª Catarina S/l
Francisco António de Barros da Qt.ª
da Moita
N. Sr.ª da Paz S/l D. Catarina Bernardes
Aldeia das
Posses N. Sr.ª da Conceição S/l Pública
Vila Mendo S. José S/l Padre Manuel de Gouveia
São Romão S. José S/l Pública
Vales N. Sr.ª do Pilar S/l Pública
Quinta da Lomba N. Sr.ª dos Remédios S/l
Alexandre Luís da Qt.ª de Balsemão
(Lamego)
S. Domingos Num campo João de Lemos de Viseu
Serra de Peges N. Sr.ª da Piedade S/l João de Lemos de Viseu
Casal das Donas N. Sr.ª da Consolação S/l Pública
Sandiães St.º António S/l Pública
Pousadas S. João Batista S/l Pública
S. João Evangelista S/l P.e Domingos do Amaral
Quintãs S. Miguel S/l Pública
Codornelas S. Estevão S/l Pública
Soito de Vide S. Aleixo S/l Pública
St.ª Luzia S/l Pública
Quinta do Rio
Dão N. Sr.ª das Necessidades S/l
Herdeiros do Abade José de
Campos
Cantos
St.ª Barbara S/l Pública
Espírito Santo A pouca distância da
localidade Domingos de Lemos
Amiais S. Francisco S/l Pública
Qta do
Salgueiral N. Sr.ª da Guia S/l
Felipe de Sousa (Assistente em
Viseu)
Esmolfe Esmolfe St.º Ildefonso S/l Pública
Germil Germil N. Sr.ª da Piedade S/l Pública
Ínsua
Castendo Misericórdia S/l Misericórdia
S. Caetano S/l Pública
Sangemil N. Senhora da Esperança S/l Pública
Goje Santa Margarida S/l Pública
Esporões e
Moita Santa Ana S/l Pública
Lusinde Lusinde St.º António S/l Pública
Mareco Mareco N. Sr.ª do Carmo No meio do lugar António Dias Pais
Pindo
Encoberta Espírito Santo S/l Pública
Corga N. Sr.ª da Expectação S/l Pública
Santo Amaro S/l Pública
Casal Diz S. Simão S/l Pública
Roriz St.ª Barbara S/l Pública
Sr.ª da Assunção S/l Pública
St.ª Eulália St.ª Maria S/l Pública
St.ª Catarina S/l Pública
Vila Garcia S. João Baptista S/l Pública
S. Sebastião Num alto Pública
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
33
Real Ribeira N. Sr.ª da Ribeira S/l Pública
N. Sr.ª da Ouvida S/l Pública
Sezures50 Sezures S. Sebastião
Distante do lugar, tiro e
meio de funda Pública
Campina St.º António S/l Pública
Trancoselos
Trancoselos N. Sr.ª da Graça S/l Pública
Lizei Espírito Santo Fora do Povo, num outeiro Pública
S. Silvestre Para Nascente Pública
Vila Cova do
Covelo
Vila Cova do
Covelo
St.º António Dentro do Lugar Pública
N. Sr.ª da Esperança Fora do Lugar Pública
S. Tiago e S. Lourenço Fora do Lugar Pública
Fonte: Memórias Paroquiais do Concelho de Penalva do Castelo (I.A.N./T.T..- Dicionário Geográfico)
S/l- sem localização
A décima terceira pergunta questionava o número de ermidas que a terra
possuía, quais os seus oragos e seu proprietário. No total das respostas
contabilizaram-se 61 templos, pertencendo apenas 21% a proprietários privados com
as suas 13 capelas.
Fonte: Memórias Paroquiais do Concelho de Penalva do Castelo (I.A.N./T.T.- Dicionário Geográfico)
1.2.7. Jurisdições religiosas
Ao abordar-se as instituições e suas jurisdições no concelho durante o Antigo
Regime é obrigatório fazer-se referência às ordens religiosas, mas temos consciência
que é extremamente difícil fazer a leitura transversal de uma implantação que
decorreu desde os primórdios da nacionalidade, face à inexistência documental que tal
investigação acarreta. O domínio das ordens militares ou a jurisdição eclesiástica eram,
50 São atribuídas a esta freguesia 4 capelas, mas apenas vem discriminadas 2.
G R Á F I C O I VD i s t r i b u i ç ã o d o s l o c a i s r e l i g i o s o s s e g u n d o a p r o p r i e d a d e
P ú b l i c a7 9 %
P r i v a d a2 1 %
P ú b l i c a P r i v a d a
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
34
seguramente, as mais importantes das jurisdições privilegiadas, derivando essa
importância da sua própria competência, que compreendia questões puramente
eclesiásticas, associada a uma componente de poder. A esta característica, as ordens
religiosas, aliavam um elemento fundamental que se baseava na sua administração da
corte. Se por um lado, as questões religiosas faziam a demarcação perante as justiças
locais, por outro o seu controlo real permitia-lhes gozarem de isenções político-
jurisdicionais, constituindo-se como uma extensão dominial da coroa, apesar da sua
relativa autonomia e diferenciação51.
Em meados do século XVIII, as ordens militares que possuíam bens no concelho
(Ordem de Malta e Santiago), encontravam-se económica e jurisdicionalmente
debilitadas, não possuindo um controle eficaz das propriedades. Segundo o relato do
Cura António Pereira de Mareco, os moradores da povoação eram reguengueiros
encabeçados da Ordem de Santiago e queixavam-se do não cumprimento dos seus
anteriores direitos e privilégios. Do mesmo modo, os habitantes de Sezures viam as
antigas benesses e jurisdição ameaçadas pela intervenção directa da administração
municipal de Penalva, que tentava organizar e centralizar sob a sua tutela todo o
território concelhio.
Em termos económicos, os rendimentos eclesiásticos são bem diferenciados
quer de sacerdote para sacerdote, quer de Ordem para Ordem. Se por um lado o
rendimento dos párocos é bastante oscilatório, a Ordem de Malta, ao contrário da de
Santiago, que já nada cobrava, recebia um nono de todas as produções do couto de
Sezures — o noviado 52.
A aplicação das justiças municipais não se fazia sentir por todo o concelho da
mesma maneira, sobretudo devido à existência de duas comendas religiosas em
Mareco e Sezures. A primeira era pertença da Ordem de Santiago e os seus moradores
“(...)reguengueiros emcabeçados antigos e grandes privilegios concedidos aos
reguengueiros da ordem de São Thiago(...)”. No entanto, os privilégios já não eram
cumpridos “(...)posto que hoje lhe não são guardados em tudo.(...)”53. São poucos os
documentos que fazem referência a esta comenda, que por estar situada num
importante ponto de passagem viário, deverá ter servido de apoio aos romeiros, tal
51 Hespanha, António Manuel, As Vésperas do Leviathan. Instituições e poder político em Portugal no séc. XVII, Coimbra,
Almedina, 1994, p.417 52 Sobre este assunto consultar memória de Sezures e capítulo sobre as jurisdições religiosas. 53 I.A.N./T.T.- Dicionário Geográfico, vol. 10, m.236, f.1957
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
35
como sugere a tradição popular e uma antiquíssima via cujo topónimo é o caminho dos
Galegos54.
Propriedade da Ordem de Malta, as Terras de Sezures e a Quinta do Mosteiro do
Santo Sepulcro em Trancoselos foram incorporados na comenda de Águas Santas,
passando a ser um ramo desse domínio. Com privilégios e regalias outorgados, o couto
de Sezures foi a 19 de Março de 1745, objecto de uma visitação que tinha como intuito
“(...) visitar, examinar os bens, cazas, foros, passaes, mais pertenças do dito ramo de
Sezures, e para provermos tudo o de que nelle se necessitasse(...)”55. Os visitadores
gerais procuraram obter o maior número de informações inspeccionando as várias
propriedades, inquirindo seis testemunhas e anotando tudo aquilo que não estivesse a
ser cumprido de acordo com as provisões reais e recomendações da comenda.
Sezures gozava um regime de excepção, possuindo a comenda diversos
terrenos agrícolas, matas e “(...)huma corrente de cazas, que correm de nascente a
poente, e constão de huma sobradada e telhada com sua lagea, outra caza terrea e
telhada, que serve para os nossos(...)”56. Algumas das propriedades não estavam bem
cuidadas necessitando de reparações urgentes, o que levou os comendadores a
ordenarem a reparação num prazo máximo de três meses e sob pena de sequestro.
Pelo relato das testemunhas constatamos que a cobrança dos direitos do couto
era tudo menos consensual, sobretudo devido à recusa no pagamento do noviado por
parte dos clérigos que possuíam terras dentro do couto. Como os membros do clero
não estavam livres destes encargos e não podiam de se “(...)eximir de pagar o noviado à
comenda dos fructos, que lavrão nos ditos patrimonios na forma do tombo por ser o
dito noviado encargo real, que passou com a terra na factura dos mesmos
prestimonios, e a que estes sem titulo algum jurídico repugnão pagallo, e outras
pessoas seculares não pagão como devem, do que tudo se pode seguir hum grande
prejuizo à comenda, constituindo-se os devedores em alguma posse, e prescripsam
imemorial, mandamos, que o comendador no termo de seis meses os obrigue a que
paguem na forma do tombo(...)”57.
A disputa existente entre a população e a comenda pela posse de uma mata que
estava dentro dos limites do couto de Sezures gerava confusão e tensão social. Como
54 Em Mareco existe uma casa com a cruz de Santiago gravada na ombreira da porta. 55 I.A.N./T.T.- Conventos, Livro da Visitação da Ordem de Malta, liv. 24, f.127 v 56 Idem. 57 Idem, f.128
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
36
não estava delimitada era utilizada pelos locais para se abastecerem de lenha e
pastarem o gado. Estes direitos não constavam dos usos estipulados pela comenda. Tal
situação levou ao testemunho de José Marques, barbeiro de profissão e declarando no
processo que “(...)por a terra da mata os moradores usurpando e a tem devassado,
aproveitando-se dos matos dos matos, e lenhas, o que hé em grave prejuizo desta
comenda(...)”. Inquiridos Amaro de Oliveira e Manuel Aguiar declaravam que a situação
ao presente se encontrava resguardada e expunham que os abusos ocorriam sobretudo
no tempo das neves. Como mencionavam ainda que de dois em dois anos os seus
matos eram alugados pela confraria do Santíssimo Sacramento, com o beneplácito dos
comendadores de Sezures. Para legitimar os actos, os visitadores ordenaram que se
efectuasse o registo dos alugueres, para que existisse prova dos factos.
Queixavam-se os inquiridores, que o arquivo se encontrava incompleto porque
os tombos, prazos e documentos andavam dispersos por mãos dos procuradores,
mandando que, sob pena de excomunhão, no prazo máximo de dois meses, toda a
documentação fosse restituída à casa da Ordem para serem guardados correctamente
e que não saíssem do “(...)dito archivo se não tirem sem cauza, ou necessidade muito
preciza(...)”.58
Para além de algum dinheiro e devido às características agrícolas deste couto,
os rendimentos eram sobretudo pagos em produtos da terra: centeio, trigo, milho-
miúdo, vinho, galinhas, carne de porco (marrã), etc... Os pagamentos podiam ser anuais
(rendimentos certos) ou terem outra periodicidade (rendimentos incertos).
QUADRO IX
Quadro do rendimento certo do ramo de Sezures da comenda das Águas Santas em 1745
Produto Quantidade Preço unitário
(valor em reis)
Total a pagar
(valor em reis)
Trigo 110
alqueires
300 33.000
Centeio 405
alqueires
200 81.000
Milho 31 alqueires 200 6.200
Vinho 4 almudes 300 1.200
Marrã (carne de
porco)
450 arrateis 50 reis 22.500
58 Idem, f.128v
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
37
Galinhas 48 120 2.760
Capões 18 120 2.160
Carneiro 1 500 500
Geiras 8 e 1/2 60 510
Dinheiro - - 29.000
Total - - 178.830
Fonte: Visitações da Ordem de Malta, liv. 24
Os rendimentos totais do couto eram, em 1745, de 243.270 reis pagos
anualmente, excluindo os provenientes da Quinta do Mosteiro do Santo Sepulcro em
Trancoselos e outras regalias59.
Em termos jurisdicionais, a comenda possuía ainda o direito de eleger escrivão,
porteiro ou meirinho para as diligências cíveis do couto e dois capitães “(...)hum maior,
outro menor para a companhia dos privilegiados deste ramo(...)”.60. Tinha obrigação de
pagar ao juiz de Penalva pela administração da “(...)justiça aos moradores deste couto
quinhentos reis em cada hum anno, e outra tanta quantia ao porteiro por fazer as
diligencias da comenda(...)”61 As memórias paroquiais reforçavam a ideia afirmando que
“(...)o povo está sujeito ao juiz ordinario de Penalva, a quem o comendador paga para os
ouvir, e esta tambem sujeito ao corregedor de Vizeu(...)”62.
A 22 de Junho de 1767, aquando de nova visitação, a localização do couto
mosteiro de Santa Maria de Aguas Santas foi descrito como estando “(...)do nascente
para o poente e tem de cumprido athe o arco cruzeiro nove varas, e de largo sinco e
meia, e a capela mor tem sinco de cumprido, e quatro e huma terça de largo, tem a
capela mor seu retabulo antigo apainellado, dourado, e pintado, e nelle se acha a
imagem de Santa Maria de Agoas Santas, de de Villa Nova do Mosteiro em volta, e para
a parte do evangelho se acha em pintura a imagem de Sam João Batistas e para a da
epistola a se Sam João Evangelista, he toda a capella forrada de castanho e ladrillhada
de pedra meuda; e tem na capella mor huma fresta para o norte e outra para o sul,
suas grades de madeira no arco cruzeiro, hum campanario no frontespicio com seu
59 I.A.N./.T.T.- Comenda de Malta, Visitações da Ordem de Malta, liv. 24, f. 135 e 135 v. 60 Idem, f. 131 61 Idem, f. 132 62 I.A.N./T.T.- Dicionário Geográfico, vol.10, m236 1957-1962
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
38
sino, e necessita de algum concerto nos telhados, forro da cappela mor, reboco e
caiamento(...)”63.
As tensões e as recusas derivadas ao pagamento de impostos e tributos por
parte dos moradores, com as justiças de Penalva deviam-se uma vez que “(...) da
Sagrada religião de Malta sempre gozaram os moradores deste couto de Sezures;
tendo-se também introduzido a justiça de Penalva a vexarem-nos e a coimarem-lhe os
gados, e a sogeitarem os moradores a dintas contra o que sempre se praticou pelo
passado(...)”64. Tal intromissão na jurisdição religiosa implicava que “(...)A vista do que
claramente fica exposto e provado nestes autos, acharem este moradores quasi
totalmente revoltados com o pretexto de se não observarem os expressados privilégios,
e de se acharem tam oprimidos com as grandes penhoras que pagão a esta comenda,
do noviado e mais direitos alem do dizimo que pagão a Mitra de Viseu, que
desesperados desertam uns e repugnão os outros de satisfazeerem o que devem para
com este ramo de Sezures(..)”65. Por tudo isto, os visitadores ordenavam a intervenção
directa do comendador junto das populações e recomendavam ao comendador que
solicitasse a intervenção real, para acabar com a situação de vexame e de opressão,
em que se encontravam os moradores. Justificava-se ainda que estes privilégios eram
antiquíssimos e desde sempre estipularam que nenhuma justiça de Penalva entrasse
no ramo, excepto em matérias de crime, estando os moradores livres e isentos dos
“(...)cargos do concelho e encargos dele, e de coimas, jugadas, fintas e talhas e pedidos,
por uma provisão de El rei D.Afonso Henrriques confirmada por El rei D.Sebastião(...)”66.
As rendas que a Ordem recebia do deveriam ser renovadas de três em três
anos,67 mas em 1767, os rendimentos totais das diversas propriedades espalhadas pelo
concelho eram os seguintes:
QUADRO X
Rendimento das propriedades do Couto em Sezures em 1767
Produto Quantidade Preço
unitário
Total
Milho 420 alqueires 200 reis o alqueire 84.000 reis
63 I.A.N./T.T.- Conventos, Livro da Comenda de Malta, liv. 19, f.274v 64 Idem, 283 v 65 Idem 66 Idem, f.289 67 Idem, f. 278
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
39
Trigo 90 alqueire 300 reis 27.000 reis
Venda da lauda retro - - 111.reis
Marrã 9 arrobas 1600 reis 14.400 reis
Galinhas e capões 55 120 6600
Dinheiro pago - - 30.000
Total - - 162.000 reis
Fonte: IANTT- Conventos, Livro da Comenda de Malta
QUADRO XI
Rendimento do Mosteiro do Santo Sepulcro em 1767
Produto Quantidade Preço
unitário
Total (em
reis)
Renda dos caseiros 16.6000
Castanha 4 alqueires 100 reis 400 reis
Milho grosso 60 alqueires - 200 reis cada - 12.000
Marrã 5 arrobas 1600 8.000
Galinhas e capões 10 120 1200
Dinheiro pago - - 1800
Total - - 219. 400
Fonte: IANTT- Conventos, Livro da Comenda de Malta
QUADRO XII
Rendimento da Ordem de Malta no Couto de Sezures em 1767
Produto Quantidad
e
Preço
unitário
Total (em
reis)
Observaçõe
s
Milho 40 alqueires 200 reis o alqueire 80.000 Pagamento da
novena
Centeio 50 200 reis 1.000
Trigo 5 alqueire 300 reis 1500
Linho 20 augadouros 80 reis 1600
Vinho 30 almudes 240 7200
Venda da lauda
retro
247.500.
Casas
arrendadas
2.000
Fogos
arrendados aos
moradores
35.000
Dinheiro pago 30.000
Total 284.500
Fonte: IANTT- Conventos, Livro da Comenda de Malta
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
40
Um ano depois, em 1768, aquando de nova visitação ao ramo de Sezures, os
testemunhos registados dão conta de que os moradores já não cumpriam com o
pagamento do noviado, pois a justiça de Penalva, outrora confinada às justiças do
crime, sobrepunha-se à jurisdição do ramo mandando e executando em material cível.
As tensões agravavam-se e a população acusava o concelho de Penalva de não
respeitar os privilégios e isenções de que gozavam, pois frequentemente lançavam
multas e impostos para a construção de pontes, manutenção dos órfãos, etc...
Desculpavam-se do não cumprimento das suas obrigações perante a comenda
alegando que estavam “(...)oprimidos com tantos pezos, e tributos, e privos da
liberdade, que tinhão pello passado se pugnação hoje de pagar o noviado que se pugnão
hoje de pagar o noviado que devem(...)”. 68 Mas, só em finais de setecentos, a 26 de
Novembro de 1790, é que o senado estipulou que os moradores de Sezures não
deveriam pagar siza, de acordo com as determinações e isenções da Ordem de Malta.69.
Por forma a não existirem dúvidas sobre os limites territoriais da jurisdição, a 12
de Abril de 1768, foram afixadas na fachada do pelourinho de Castendo, os éditos da
visitação70 que se iria fazer para se determinar o tombo dos bens deste ramo, que tinha
“(...) em as terras da quinta e seu circulo de cumpimento do nascente a poente
começado no simo do penedo da boca aonde esta huma cruz de malta athe o penedo de
extrema aonde esta outra crus de malta que ambas elle dito juiz mandou formar ao
picam tem settecentas e noventa e duas varas de sinco palmos cada huma de largo e
do norte ao sul começando desde o rio Dam athe ao simo da varzia e outro que ahi há
tem settecentas e vinte varas levaram de semeiade uvas as terras que da dita quinta se
semea pam e cultivam duzentos e trinta alqueires de pam entramdo as terras do Prazo
que foi de Donna Luiza que vai já metida nesta medição e demarcaçam da quinta em
circuito(...)”71. As propriedades estendiam-se por uma vasta área, que abrangia as
actuais freguesias de Sezures, parte de Castelo de Penalva e de Esmolfe, terminando
em Trancoselos72.
68 I.A.N./T.T.- Conventos, Livro de Visitação Ordem de Malta, nº.19, f. 281. 69 ACMPC/ADT/ADT-VER/ f. 36 70 I.A.N./T.T. -Comendas de Malta, Tombo da Comenda de Águas Santas e Sezures, 1768-1771, 3 vol., nº de Ordem 13,
P.6 71 Idem, 19v 72 Actualmente podemos encontrar quatro marcos graníticos com a cruz de malta gravada que outrora delimitavam as
propriedades da Ordem de Malta em Sezures. Através do seu estudo e de informações recolhidas no local tudo nos leva a
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
41
Concluindo, é justo afirmar que a igreja apresentava no concelho de Penalva
dois tipos de jurisdição/poder. Um, directo, era exercido por um clero regular baseado
nas suas paróquias com rendimentos certos provenientes da côngrua que os seus fiéis
pagavam. O segundo, indirecto, provinha de uma jurisdição antiquíssima que a Ordem
de Malta detinha numa faixa territorial que ia de Sezures até ao Mosteiro do Santo
Sepulcro. Já sem grande impacto, mas ainda dentro desta tipologia surgia Mareco,
pertença outrora da Ordem de Santiago, cujos direitos e privilégios tinham ficado
esquecidos no passar dos séculos.
crer que esta jurisdição tinha a configuração que ia de Sezures ao Mosteiro do Santo Sepulcro, abrangendo todo o vale
do Dão e algumas propriedades em Castelo de Penalva
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
42
1.3. ESPAÇO E PODER
A evolução político-administrativa do concelho de Penalva do Castelo é um caso
único em Portugal, mas bem representativa da ascensão e queda de alguns concelhos.
Em 1527, o município possuía “(...)duas cabeças huma se chama o castello em que esta
a Igreja em hum paço do Comcelho em que se ffazem as audienciaas e outra cabeça do
comcelho he o lugar de castemdo em que está outro paço do comcelho no qual outro sy
se ffazem as audiencias de per meyo(...)”73.
Delimitado geograficamente pelos pequenos concelhos de Povolide, Tavares,
Azurara, Algodres, Matança, Penaverde, Ladário, Golfar e Rio de Moinhos, o município
Penalvense possuía, comparado com os seus vizinhos, uma histórica coesão territorial,
que muito provavelmente virá desde a sua fundação74. As reformas administrativas dos
primeiros anos do Liberalismo reestruturaram o reino, suprimiram inúmeros
concelhos e aglomeraram os seus territórios, dando origem a um novo mapa
municipal, mais aproximado daquele que actualmente conhecemos.
Se compararmos as dimensões dos municípios vizinhos de Penalva, vemos que
o concelho possui uma dimensão considerável. A explicação desta grandeza territorial
deve-se fundamentalmente às sucessivas doações a diversos personagens da história
portuguesa, colocando o concelho sobre o poder senhorial tipificado, que constitui a
base da inalterabilidade hegemónica do concelho de Penalva, numa Beira municipal
extremamente pulverizada e miniaturizada.
O estudo das relações de poder passa obrigatoriamente pela análise das relações
dinâmicas do espaço. De facto é dentro da dialéctica Espaço/Poder, que se move todo
um contexto político administrativo concelhio, oscilando entre a antiga vila do Castelo
de Penalva e Castendo. Esta última desempenhava um papel predominante em termos
de execução da jurisdição judicial, pois aqui se encontravam sedeados os órgãos e
equipamentos estruturantes do poder concelhio.
Um factor que contribuiu para alterar o cenário administrativo e espacial foi a relação
de centralidade. A prová-lo está a modificação ocorrida com a primeira localização da
cabeça do concelho em Castelo de Penalva. Para analisarmos melhor tais modificações
torna-se pertinente recuarmos até à época da reconquista. Assim, verificamos que as
condições geo-estratégicas de defesa necessárias para uma guerra de razias sazonais,
73 I.A.N./T.T. - Cadastro da População do Reino, Núcleo Antigo, 895, doc.1527, f.102 v. 74 Apesar de não sabermos qual a delimitação territorial, aquando da fundação do município, a documentação mais antiga
conhecida demonstra-nos que as Terras de Penalva tinham uma configuração geográfica muito semelhante à actual.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
43
implicavam uma localização da população em sítios altos, de difícil acesso favoráveis,
por isso mesmo, às condições de defesa. Para além destas características, Castelo de
Penalva possuía uma circunscrição bastante táctica, protegendo todo o vale do Dão e
controlando uma antiga estrada e ponte romana que constituíam importantes pontos
de travessia.
Com o recuo do infiel e consequente cessar das hostilidades, as populações
procuraram locais mais produtivos e adequados às práticas agrícolas, em detrimento
dos lugares de defesa. Situado num planalto, Castendo detinha o privilégio de ser
atravessada por uma via que fazia a ligação entre Trancoso e Viseu, duas das mais
importantes urbes da Beira de então. Além dos comerciantes e almocreves que por
aqui passavam a negociar as suas mercadorias, o correio que servia o concelho
utilizava também este itinerário.
Outro factor condicionante da modificação do cenário político-administrativo
verificou-se quando as famílias mais poderosas do concelho procuraram Castendo e as
suas proximidades, para aí se estabelecerem, procedendo assim a uma alteração geo-
política da centralidade municipal do concelho de Penalva do Castelo.
Ao analisarmos as indicações fornecidas pelo Cadastro da População do Reino75 e as do
sacerdote do Castelo de Penalva76 notamos que tal modificação foi gradual, e só na
primeira metade do séc. XVIII, é que as audiências começaram a desenrolar-se
exclusivamente em Castendo, pois a 16 de Fevereiro de 1719, a reunião de Câmara
realizou-se ainda nas Casas da Câmara de Castelo de Penalva, indiciando a rotatividade
municipal já expressa77.
Com o que ficou patente, a alteração do panorama político/espacial do
município, através do estabelecimento das funções orgânicas do Concelho em
Castendo, passa por uma “atracção” da dinâmica/importância social das elites aí
sediadas, conjugada com uma ingestão administrativa, por parte dos grupos sociais de
Castelo de Penalva, das suas estruturas organizacionais do poder78. Exemplo revelador
desta atracção é a explicação do abade do Castelo de Penalva:“(...)E me persuado que
assim sucedeo; por aquela vizinhança ser mais poderosa; e não porque algum dos
75 I.A.N./T.T.- Cadastro da População do Reino, Núcleo Antigo, nº 825, f.1. 76 I.A.N./T.T.- Dicionário Geográfico, vol. 10, m.220, f.1441. 77 ACMPC/ADM/ADT-VER/006, f.21v 78 Hespanha, António Manuel, As Vésperas do Leviathan. Instituições e poder político em Portugal no séc. XVII, Coimbra,
Almedina, 1994, p. 85.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
44
Senhores Monarcas deste Reyno a criasse villa; porque ainda as ordens que saim dos
Tribunaes, senão dirigem a ella, mas a villa de Castello(...)”79.
Em termos de espaço e poderes periféricos, importa ainda referir a inserção de
Penalva na ouvidoria do Marquês de Penalva e na comarca e provedoria de Viseu. Se no
primeiro caso o Ouvidor podia residir num concelho vizinho ou no próprio, no segundo
tanto o corregedor como o provedor desempenhavam as suas funções a partir de Viseu.
Concluindo, podemos afirmar que aos factores já descritos devemos ainda
somar os problemas da centralidade e acessibilidade, bem como os serviços do correio.
Só assim será possível um melhor entendimento da alteração geográfica deste órgão
da administração periférica da Corte. Desta forma, o intercalar das audiências entre as
vilas do Castelo e de Castendo, gerava uma rotatividade geográfica das justiças
municipais e suas interacções, que só acabaria no princípio do XVIII, com o
estabelecimento definitivo da sede do concelho em Castendo.
79 I.A.N./T.T.- Dicionário Geográfico, vol. 10, m.220, f.1441.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
45
1.4. RECEITAS E DESPESAS
Para além de possibilitar uma acção municipal mais vasta, a existência de
capacidade financeira numa autarquia do Antigo Regime significava um importante
instrumento de poder da instituição municipal e das gentes da governança. A gestão
dos bens municipais e a cobrança de impostos variam de concelho para concelho
realçando ainda mais as diferenças de um pulverizado mundo autárquico dos finais do
Antigo Regime. São estas particularidades que reunidas com a gestão conjunta dos
rendimentos reais e da comunidade potenciam o município como o garante local da res
publica.
Elemento de primordial importância para o estudo da gestão financeira do
concelho de Penalva do Castelo entre 1755 e 1834, a documentação não abunda, e
dependemos exclusivamente de apenas um livro de receitas e despesas que abrange os
anos de 1787 a 1802. Durante dezasseis anos foram registadas informações sobre a
vida económica da autarquia, que revelam quais as fontes de rendimento, despesas,
apresentação de contas e a sua aprovação pelos provedores da comarca de Viseu. No
entanto, importa referir que ao contrário da tipologia documental de outros municípios
já estudados, em Penalva do Castelo não nos chegou até nós nenhum livro de coimas e
multas, apenas existindo registos para o ano de 1802. Um estudo atento permite-nos
observar a forma como a actividade municipal era exercida, como se obtinham as
receitas e quais as despesas produzidas. É pois entre sucessivos movimentos
financeiros, cuidadosamente registados, que a edilidade empreendia as suas acções de
governança, diversificadas por várias áreas.
Um dos principais instrumentos do governo municipal assentava na boa gestão
das finanças do concelho. Se por um lado a existência de uma saúde financeira
razoável implicava uma maior autonomia da vereação, por outro ela era um
instrumento fundamental para a boa administração dos munícipes. Por tudo isto,
determinavam as Ordenações que os vereadores eram obrigados a “(...)saber, e ver, e
requerer todos os bens do concelho, como são propriedades, herdades, casas e foros,
se são aproveitados como devem(...).80 De facto, a boa gestão financeira era
extremamente necessária devido às inúmeras dificuldades de liquidez com que os
pequenos municípios se debatiam. Neste sentido, e caso as potencialidades/bens do
concelho não estivessem a ser bem geridas, os vereadores deveriam modificar essa
80 Ordenações filipinas, titulo LXVI, 2.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
46
situação procurando maximizá-los, retirando deles todo o rendimento e os “(...) que
acharem mal aproveitados, fa-los-hão aproveitar e concertar(...)”81.
Era aos homens encarregues do regimento da terra e das obras do concelho e
aos procuradores que competia zelar e administrar as finanças da autarquia, uma vez
que ao longo da documentação estudada não se encontrou a figura do tesoureiro e de
acordo com a legislação da época “(...) onde não houver thesoureiro, seja carregada
sobre o tal procurador, do qual dinheiro se não faça cousa alguma sem nosso
mandado(...)”82.
Pela observação das actas de vereação verificamos a importância vital com que
se revestiam as finanças municipais, sobretudo pelo cuidadoso e constante trabalho de
nomeação de recebedores e fintadores para a sisa, décima, terça real, fintas etc... São
inúmeras as deliberações que se preocupam com a nomeação de pessoas cujas
funções se prendiam com a arrecadação de impostos e com a administração dos bens
concelhios, porque sem cobradores não havia dinheiro para a máquina municipal
funcionar.
QUADRO XIII
Receitas e despesas da Câmara Municipal de Penalva entre 1787 e 1802
Fonte A.C.M.P.C./ACMPC/ADM/ECF-RDE/002
81 Idem 82 Ibidem
Anos Receitas Despesas Terça Rendimento l íquido Saldo
1787 137110 101490 45703 86697 -14793
1788 157780 115853 52593 87687 -28166
1789 204720 112153 68240 132410 20257
1790 204010 104723 68003 135424 30701
1791 190090 109840 63363 133328 23488
1792 172690 114930 57563 115127 197
1793 163245 107362 54415 108830 1468
1794 176450 119676 58816 119102 -574
1795 175900 103538 58633 117267 13629
1796 220000 117199 73333 146667 29468
1797 223700 142700 74566 149134 6434
1798 201850 102444 67283 134567 16279
1799 238935 136046 79645 135892 -154
1800 265390 146020 88563 152587 6567
1801 297600 151126 99200 198400 17274
1802 299890 128454 99762 171436 71674
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
47
A documentação existente revela-nos que os registos eram feitos pelo escrivão
que depois os submetia ao provedor da comarca de Viseu, ou ao seu substituto. Era
esta personagem que supervisionava as finanças municipais, verificando e fiscalizando
as receitas e despesas. Depois da criação do lugar de juiz de fora e da tomada de posse
do Dr. Joaquim Pereira da Silva Couto, este surge como entidade fiscalizadora e nas
contas referentes ao ano de 1799, recusando a apresentação dos resultados e
escrevendo pelo seu próprio punho no auto “(...)risquei por não virem na forma
dada(..)”83. Neste ano tentaram-se fazer mais duas apresentações de contas, mas
existiram sempre problemas com a entrega do dinheiro que tinha sobrado acabando
por serem conferidas pelo Dr.Joaquim da Costa Pereira a 5 de Setembro de 1801
enquanto provedor comissário da provedoria de Viseu. As de 1800 também lhe foram
apresentadas, mas continham ainda uma recomendação do Dr. Joaquim Pereira da
Silva Couto para que as contas fossem lançadas na conformidade da lei fazendo verba
em cada huma da despesa 84.
Para além das cobranças e gestão dos seus recursos financeiros próprios ao
senado municipal recaía a tarefa de implementar e coordenar uma rede local de
cobradores de impostos reais que possibilitava às elites autárquicas uma intervenção
directa nas áreas municipais da economia, sociedade e instituições.
83 AMCPC/ADM/ECF-RDE/002, f. 67 84 Idem, f. 69
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
48
GRÁFICO VA evolução das finanças municipais entre 1787 e 1802
-50000
0
50000
100000
150000
200000
250000
300000
350000
1787 1788 1789 1790 1791 1792 1793 1794 1795 1796 1797 1798 1799 1800 1801 1802
Anos
Valo
res e
m re
is
Rendimento bruto
Terça
Rendimentolíquido doConcelhoDespesas
Saldo
1.4.1. Receitas
A importância das receitas e a gestão dos bens do município eram fundamentais
para toda actividade autárquica de um município de cariz rural.
Os principais rendimentos do município Penalvense, entre 1787 e 1802,
provinham sobretudo das cobranças das correições, coimas e condenações, foros e do
aluguer de bens próprios (casa do Castelo), das rendas dos campos e dos escassos
acréscimos financeiros dos anos transactos. No entanto, ao contrário de outros
municípios rurais vemos que o grosso das receitas não advém das
propriedades/direitos aforados, mas sim das correições e das cobranças das coimas e
condenações.
0
50000
100000
150000
200000
250000
300000
Valores em reis
1787 1788 1789 1790 1791 1792 1793 1794 1795 1796 1797 1798 1799 1800 1801 1802
Anos
GRÁFICO VIDistribuição das receitas por items (1787-1802)
Correições
Coimas/condenações
Foros
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
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Pelos registos dos autos de câmara, ficamos a saber que a autarquia
complementava as suas receitas com outras fontes de rendimento como a cobrança de
fintas, das sisas, arrematações do açougue, etc..., mas tais receitas não entravam no
compito anual do activo sendo registado ocasionalmente nas actas da vereação.
Competia ainda à câmara colocar todas as rendas em pregão, mas destas o
senado Penalvense apenas costumava arrematar publicamente o açougue por um
período anual, mas também tal proveito não surge discriminado.
Durante dezasseis anos o município Penalvense viu as suas receitas a evoluírem
tendencialmente, apresentando pequenas retracções nos anos de 1792, 1793, 1795,
1798 e 1802.
Como fica bem patente nos gráficos exibidos, o grosso das receitas provinha das
coimas e condenações (65%) cobradas pelo município, sendo seguidas dos réditos das
correições (33%) e pelos foros e arrendamentos. Apesar de não ser um pequeno
município, se atendermos às diminutas dimensões dos concelhos vizinhos, Penalva do
Castelo tinha uma característica financeira típica dessas autarquias, uma vez que a
importância das receitas das coimas e condenações era primordial, assumindo
relevância acrescida, uma vez que tinham proveitos das rendas e aforamentos
GRÁFICO VIIEvolução das receitas do Concelho
0
50000
100000
150000
200000
250000
1787 1788 1789 1790 1791 1792 1793 1794 1795 1796 1797 1798 1799 1800 1801 1802
Anos
Valo
res e
m re
is
Rendimento líquido do Concelho
GRÁFICO VIIIItems das receitas por percentagem
Correições33%
Foros/arrendamentos
2%
Coimas/condenações65%
CorreiçõesCoimas/condenaçõesForos/arrendamentos
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
50
substancialmente pequenos. Por outro lado, são pouco frequentes as discriminações
das coimas e dos seus intervenientes, não nos permitindo uma noção completa da
forma de aplicação e cobranças.
1.4.1.2. A s f i n t a s
Geralmente mais rigorosas eram as cobranças das fintas85, nas quais existia
uma preocupação acrescida na nomeação de cobradores e recebedores, para
efectuarem a cobrança destes “extras financeiros”.
As obras extraordinárias exigiam receitas suplementares que se obtinham
através da repartição das fintas por toda a população. Todavia, o procedimento estava
sujeito à autorização do corregedor da comarca e muitos elementos da comunidade
encontravam-se “escusos” do pagamento. Os livros de actas da câmara revelam-nos
85 Entenda-se por finta, as contribuições municipais lançadas quando os rendimentos do concelho eram insuficientes para
fazer frente a determinadas despesas. Era um tributo proporcional aos rendimentos e bens do cidadão.
GRÁFICO XObjectivo das fintas
Obras públicas55%
Assistência social45%
020000400006000080000
100000120000140000160000180000200000
Valores em reis
1787 1788 1789 1790 1791 1792 1793 1794 1795 1796 1797 1798 1799 1800 1801 1802
Anos
GRÁFICO IXRendimento líquido do concelho (1787-1802)
Rendimento líquido do Concelho
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
51
que o senado da autarquia Penalvense usava frequentemente este tipo de impostos
para arranjar fundos financeiros para a assistência social (expostos) ou para a
realização de obras públicas.86 Confirmando ainda mais a debilidade económica da
edilidade estão as diversas nomeações/colocações ou substituição de fintadores,
demonstrando a atenção e a importância de tais receitas para a prossecução das
actividades autárquicas. Entre 1752 e 1812 foram lançadas 33 fintas destinando-se 18 a
obras públicas e 15 à assistência social dos órfãos.
Prova das evidentes astenias financeiras do município é a utilização do dinheiro
que sobrou de uma finta destinada a uma ponte no rio Dão, para a reparação da casa da
câmara. Se analisarmos a proveniência final das verbas relacionadas com as obras
públicas verificamos que metade das fintas se destinavam a financiar construções fora
do termo concelhio, destacando-se as calçadas de Celorico da Beira e a edificação de
pontes sobre os rios Vouga e Côa. As fintas para obras municipais estão todas
interligadas com a construção ou reconstrução de pontes e pontões, realçando-se as
dos rios Ludares e Dão e outras junto das povoações do Lamegal, Mareco, Boco e
Quinta da Ponte.87
86 São frequentes as intervenções do corregedor para que a autarquia aplique fintas que se destinam a obras públicas fora
do concelho. 87 Em 1781 foi colocada uma finta para a reparação da Ponte de Porcas.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
52
1.4.2. Despesas
A gestão das despesas era uma das principais preocupações dos vereadores.
Com a falta das receitas os gastos eram parcos, obedecendo a sua discriminação
anual, a um ritual sistemático. Incidiam sobretudo nas propinas e ordenados dos
funcionários municipais, aquisição de materiais e pequenos concertos de edifícios
municipais (câmara, cadeia e nas despesas com procedimentos
judiciais/administrativos (aquisição de livros, correio, eleições, correições,
apresentação de contas ao provedor).
Tal como em outros pequenos concelhos, a vereação recorria muitas vezes aos
seus recursos financeiros ou à terça real para colmatarem as despesas do município.
Desta forma os vereadores atrasavam sistematicamente a entrega das verbas reais
para fazerem frente às diversas despesas. A dificuldade financeira com que as gentes
da governança se debatiam era patente chegando por vezes a situações de evidentes
problemas como com o que sucedeu com a apresentação das contas de 1799,
provocado por uma dívida de 4083 reis que o município detinha para com os vereadores.
Para uma mais fácil compreensão da gestão financeira da câmara de Penalva
do Castelo optou-se por se dividirem as despesas nas seguintes categorias:
0
10000
20000
30000
40000
50000
60000
70000
80000
Valores em reis
1787 1788 1789 1790 1791 1792 1793 1794 1795 1796 1797 1798 1799 1800 1801 1802
Anos
GRÁFICO XIDistribuição das despesas municipais por categorias
Ordenados e Propinas Expediente municipal Ordens e comunicaçõesAq. materiais, concertos e o. públicas Despesas eleições JustiçaCorreições Foros Assist. socialColeta da U.C. Outr. despesas
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
53
1.4.2.1. O r d e n a d o s e P r o p i n a s
Significava o grosso das despesas 59%, abrangendo os salários e propinas dos
funcionários/oficiais do município (carcereiro, porteiro, escrivão, sargento-mor,
contador, etc...). De todos o que tinham maior ordenado era o escrivão que durante os
dezasseis anos estudados obteve sempre um rendimento anual de 43.200 reis. Os
ordenados do carcereiro e do porteiro foram evoluindo, tendo os funcionários, passado
a auferir um significativo acrescento financeiro.
Na documentação estudada não surgem referências ao pagamento de
determinadas profissões municipais que estão estipuladas nas actas tais como: o
médico do concelho, os juízes dos ofícios, meirinho, monteiro-mor, etc..., o que nos leva
a supor que nem todas as despesas relacionadas com o pagamento de remunerações
dos agentes municipais passava por estas verbas.
Nas despesas existe uma tendência evolutiva que é interrompida em 1792, 1794
e 1798, sobretudo devido à inexistência de pagamentos a alguns funcionários
municipais. Como é rapidamente entendido, tal progressão deve-se a um aumento
substantivo das remunerações dos cargos públicos.
1.4.2.2. E x p e d i e n t e m u n i c i p a l
Abrange despesas relacionadas com a administração municipal, com as suas
actividades e gastos de material de expediente. Assim aqui são contabilizados os
dispêndios com a aquisição de livros, despesas com as contas, petições não
especificadas, mandados, pagamentos a portadores de livros, etc... Ao todo
contabilizavam apenas 4% das despesas totais, demonstrando que a ineficiência de
recursos financeiros se traduzia na própria administração municipal. Em 1790, 1793 e
1794 as despesas reduziram-se tendo-se despendido 500 reis. Por outro lado, 1799
GRÁFICO XIIEvolução das despesas com ordenados e propinas
0
1000020000
3000040000
5000060000
7000080000
90000
1787 1788 1789 1790 1791 1792 1793 1794 1795 1796 1797 1798 1799 1800 1801 1802 Anos
Val
ores
em
reis
Ordenados e Propinas
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
54
representa o ano em que mais se gastou (16306 reis) no expediente camarário,
contribuindo para isso o pagamento de umas “ordens expedidas.”
1.4.2.3. O r d e n s e c o m u n i c a ç õ e s
Numa época em que a transmissão de informações se processava com bastante
dificuldade e eram fundamentais para a gestão municipal, as contas da autarquia
revelam bem a importância que este item tinha ao representar 22 % das despesas
totais ao longo destes dezasseis anos. Eram as ordens do poder que permitiam a
gestão e a implementação das directrizes reais e senhoriais, para além de serem um
instrumento fundamental na emissão e conhecimento das resoluções do senado. Os
valores despendidos variam entre os 12248 reis de 1795 e os 53500 reis de 1797, sendo
o ano de 1792 uma excepção devido à inexistência de relações de despesa com
ordens/comunicações do poder.
Em 1801 existe uma referência curiosa a uns próprios que o juiz mandou em
tempo de guerra (guerra das Laranjas) para várias partes nos quais foram gastos 1960
rs 88.
88 ACMPC/ADM/ECF-RDE/002, f. 72 v
GRÁFICO XIIIDespesas municipais com expediente municipal
02000400060008000
10000120001400016000
1787 1788 1789 1790 1791 1792 1793 1794 1795 1796 1797 1798 1799 1800 1801 1802 Anos
Valo
res e
m re
is
Expediente municipal
GRÁFICO IVDespesas municipais com ordens e comunicações
0100002000030000400005000060000
1787 1788 1789 1790 1791 1792 1793 1794 1795 1796 1797 1798 1799 1800 1801 1802 Anos
Valo
res e
m re
is
Ordens e comunicações
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
55
1.4.2.4. D e s p e s a s c o m a a q u i s i ç ã o d e m a t e r i a i s , c o n c e r t o s e
o b r a s p ú b l i c a s
Como já ficou patente a falta de receitas condicionava a realização de
melhoramentos e de obras públicas de envergadura, limitando-se o senado a efectuar
pequenos arranjos na casa da câmara, nos móveis, na cadeia, etc...
Durante o período estudado as despesas relacionadas com as obras públicas
não tiveram uma grande importância, apenas existindo referências a cinco
empreendimentos, destacando-se os concertos da casa da câmara em 1787 (480 reis) e
o arranjo das janelas, portas e ferragens dos Paços do Concelho. Outras despesas
relevantes ocorreram em 1795 (concerto do badalo do sino da cadeia, que orçou os
1750 reis), 1800 (concerto dos ferros e da cadeia - 4950 reis) e 1801 (arranjos na Casa
da Câmara — 700 reis). Tais tarefas não são obras de vulto, mas simples concertos
esporádicos. Se a este ponto juntarmos os registos de actas de câmara, que versam
sobre o mesmo tema, constatamos uma notória debilidade financeira do município, que
se traduz na incapacidade de financiar empreendimentos mais significativos, sem
recorrer ao lançamento de fintas.
1.4.2.5. J u s t i ç a
Uma das principais preocupações da vereação municipal prendia-se com o
cumprimento e execução da justiça, através da aplicação das coimas, devassas,
embargos, condução de presos, reparação de ferros da cadeia, etc... Ao longo dos anos
as despesas judiciais foram pontuais (1787, 1799, 1800 e 1801) significando 1% dos
gastos totais. Neste espaço de tempo estudado o ano com maior relevo foi o de 1799
com 3300 reis despendidos em três levas de presos para Viseu.
GRÁFICO XVDespesas municipais com aquisição de materiais, concertos e obras públicas
0
5000
10000
15000
1787 1788 1789 1790 1791 1792 1793 1794 1795 1796 1797 1798 1799 1800 1801 1802Anos
Valo
res e
m re
is
Aq. materiais, concertos e o. públicas
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
56
1.4.2.6. D e s p e s a s c o m a s e l e i ç õ e s m u n i c i p a i s
A presente categoria compreende as despesas com as eleições para as justiças
municipais através do pagamento dos intervenientes no acto (corregedor, menino para
tirar os pelouros, ouvidores, escrivão, etc...) e das reparações dos símbolos do poder
local — as varas.
À excepção de 1798, em todos os outros anos a fazenda municipal desembolsou
diversas verbas com a eleição do executivo. Com uma média anual de 5511 reis, os
gastos atingiram o seu máximo em 1789 com 12.060 rs, representando 5% do total das
despesas.
GRÁFICO XVIIDespesas municipais com eleições
02000400060008000
100001200014000
1787 1788 1789 1790 1791 1792 1793 1794 1795 1796 1797 1798 1799 1800 1801 1802 Anos
Valo
res e
m re
is
Despesas eleições
7
GRÁFICO XVIDespesas municipais com a Justiça
0100020003000400050006000700080009000
1787 1788 1789 1790 1791 1792 1793 1794 1795 1796 1797 1798 1799 1800 1801 1802 Anos
Valo
res e
m re
is
Justiça
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
57
1.4.2.7. C o r r e i ç õ e s
Sob este título tivemos em conta os custos relacionados com as actividades do
ouvidor (até 1790) e dos agentes do poder central (corregedor, provedor,
desembargador, ajudante da comarca, etc...), que ao todo perfazem 5% dos gastos
municipais, tendo atingindo o seu auge em 1792, com 10460 reis (resultantes das
audiências do corregedor e do ordenado do ajudante da comarca) e o seu ponto mais
baixo em 1787 (3400 rs).
1.4.2.8. F o r o s
Refere-se apenas ao pagamento do foro da casa da câmara. É um custo
constante, que apesar de não mencionado em 1787, mantém-se inalterável ao longo de
dezasseis anos, sendo pouco significativo em termos globais (3600 rs).
GRÁFICO XVIIIDespesas municipais com Correições
0
2000
4000
6000
8000
10000
12000
1787 1788 1789 1790 1791 1792 1793 1794 1795 1796 1797 1798 1799 1800 1801 1802 Anos
Valo
res e
m re
is
Correições
GRÁFICO XIXEvolução das despesas municipais relacionadas com Foros
050
100150200250300
1787
1788
1789
1790
1791
1792
1793
1794
1795
1796
1797
1798
1799
1800
1801
1802
Anos
Valo
res e
m re
is
Foros
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
58
1.4.2.9 A s s i s t ê n c i a s o c i a l
Os gastos discriminados com a assistência social são muito pequenos existindo
apenas a atribuição de esmolas a pobres no ano de 1789. Curioso é a não referência a
qualquer pagamento de despesas relacionadas com os expostos (pagamento de amas,
roupas, etc...), uma vez que o tema é abordado inúmeras vezes nas reuniões de
câmara. Pela documentação consultada, e tal como as obras públicas, as despesas
autárquicas relacionadas com este item eram suportadas por fintas específicas.
1.4.2.10. C o l e c t a d a U n i v e r s i d a d e d e C o i m b r a
Conjuntamente com os foros os custos com a Universidade de Coimbra são os
mais regulares, não tendo sido contabilizados no ano de 1793. Representam 3% das
despesas totais e são o contributo municipal para o funcionamento dessa instituição
educativa.
1.4.2.11. O u t r a s d e s p e s a s
São os desembolsos financeiros da edilidade com matérias não especificadas ou
esporádicas como: lutos (colocação de um pano preto no pelourinho) em 1787; as
dívidas transactas, em 1792 e o vestuário dos funcionários municipais, em 1797.
GRÁFICO XXEvolução das despesas com a coleta da Universidade de Coimbra
0500
10001500200025003000350040004500
1787 1788 1789 1790 1791 1792 1793 1794 1795 1796 1797 1798 1799 1800 1801 1802Anos
Valo
res e
m re
is
Coleta da Universidade de Coimbra
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
59
1.4.3. A T e r ç a R e a l
Uma das principais actividades financeiras do município prendia-se com o
custeamento dos gastos da administração central — a Terça Real. Antiquíssimo
imposto, a sua cobrança competia ao tesoureiro, mas como em Penalva do Castelo o
cargo não existia, as competências transitavam para o procurador.
No início revertia para suprimir os gastos com as defesas dos municípios,
sobretudo na reparação de muralhas, castelos, etc...89. Mais tarde a situação alterou-se
e a terça ia direito para o Erário Real dando origem, a que de todos os rendimentos do
concelho, o monarca tinha direito a uma terça parte. Para além de exigir aos
municípios um maior esforço na colecta dos impostos, acabava por remeter as finanças
autárquicas para segundo plano, uma vez que essa importância era determinada sobre
a colecta total e não sobre o saldo final.
89 Ordenações Filipinas, L.I, 62, p.67
GRÁFICO XXIOutras despesas municipais
01000200030004000500060007000
1787 1788 1789 1790 1791 1792 1793 1794 1795 1796 1797 1798 1799 1800 1801 1802 Anos
Valo
res e
m re
is
Outr. despesas
GRÁFICO XXII Valores do pagamento da Terça Real (1787-1802)
0
50000
100000
150000
1787 1788 1789 1790 1791 1792 1793 1794 1795 1796 1797 1798 1799 1800 1801 1802 Anos
Valo
res e
m re
is
Terça
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
60
Entre 1787 e 1802 a evolução da terça é significativa iniciando-se com um valor
mínimo de 45.703 reis, e subindo até os 68.240, em 1789. Posteriormente decaiu até os
54.415 em 1793, mas rapidamente atingiu um novo máximo, em 1802, com 99.762 reis.
Nesta subida as excepções ocorreram nos anos de 1795 e 1798, em que se deram
quebras pontuais90.
1.4.4. S a l d o s
Durante dezasseis anos as variações entre as receitas e as despesas foram
significativas, existindo quatro anos com saldos negativos, enquanto os outros são
positivos. Os piores anos foram os de 1787, 1788, 1794 e 1799 e marcam negativamente
o gráfico abaixo indicado. Os principais déficits foram consecutivos e deram-se em 1787
e 1788 com os valores 14.793 e 28.166 reis respectivamente. Demonstrando a
instabilidade financeira com que se debatiam o município Penalvense, se a estes quatro
anos adicionarmos outros dois (1792 e 1793), em que o saldo é praticamente nulo,
percebemos ainda melhor a debilidade da situação.
Apesar de não termos um período cronológico bastante alargado, constatamos
uma evidente heterogeneidade de saldos, que se prende com as elevadas oscilações
existentes entre saldos positivos e negativos. Inclusivamente isto estende-se a anos
consecutivos com balanço positivo. A prová-lo estão os “saltos” económicos de 1788,
90 Destas duas quebras a última foi mais significativa com uma diferença de 7283 reis para o ano imediatamente anterior.
-30000-20000-10000
01000020000300004000050000600007000080000
Valo
res e
m re
is
1787 1788 1789 1790 1791 1792 1793 1794 1795 1796 1797 1798 1799 1800 1801 1802 Anos
GRÁFICO XXIIISaldo financeiro do município 1787-1802
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
61
com um déficit de 28.166 para 1789, com um “lucro” de 1789 e 1801, com 17.274 reis
para os 71.674 reis de 1802.
De facto este último ano apresentou o maior saldo positivo registado ao longo
de todo o período, seguido de longe pelos anos de 1790 e 1796 com 30.701 e 29.468 reis
respectivamente. Para isso muito contribuiu a elevada receita arrecadada e um
diminuição das despesas.
1.4.4. C o n c l u s ã o
Apesar de alguns saldos positivos, não podemos considerar que o concelho
vivesse em perfeita saúde financeira, uma vez que a inexistência de sistemáticas dívidas
devia-se a uma contenção de despesas e a algumas injecções monetárias de membros
da vereação. Nesta conjuntura não é de estranhar uma quase total ausência de obras
públicas, praticamente financiadas por colectas extraordinárias (fintas) que não são
mencionadas, nem nas receitas, nem nas despesas, surgindo esporadicamente
registadas nas actas da câmara.
A análise precedente demonstra-nos que em finais do Antigo Regime, o senado
debatia-se com dificuldades na organização e controlo das finanças locais, devido à
inconstância nas receitas arrecadadas, que apesar de serem tendencialmente
crescentes muitas vezes não faziam frente às enormes despesas municipais.
GRÁFICO XXIVDistribuição das despesas por categorias
Ordenados e Propinas59%
Despesas comas eleições
5%
Expediente municipal4%
Ordens e comunicações22%
Aquisição de materiais, concertos
e obras públicas1%
Correições5%
Outras despesas0%
Coleta da Universidade deCoimbra
3%
Assistênciasocial0%
Foros0%
Justiça1%
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
62
O grosso das despesas incidia sobre as actividades ligadas com a administração
concelhia: ordenados e propinas (59%), ordens e comunicações (22%), gastos com
eleições (5%), expediente municipal (4%). Com tanto dispêndio, face a insuficientes
receitas, tornam-se plausíveis as resistências/impossibilidades do senado em tomar
medidas ligadas às obras públicas, abastecimento das populações e assistência social.
A 26 de Novembro de 1790 foi presente a reunião de câmara uma petição de
José Pereira de Mangualde, que solicitava a dispensa dos assistentes nomeados para a
cobrança da siza. O senado recusou, acrescentando que tinha sido costume alguns
poderosos “maquinarem” a nomeação de oficiais para a execução destes lugares, uma
vez que assim já pagavam muito menos impostos. A acta refere mesmo que Francisco
de Melo Coutinho, entretanto já falecido, e um companheiro tiraram das rendas de
Paulo Cardoso de Mareco e do povo 40.000 reis, com gravíssimo prejuízo e escândalo
da república. Perante o acontecimento foram feitas diversas queixas à autarquia
referindo que existia o costume de subornar os assistentes da cobrança e de
influenciarem a nomeação de pessoas amigas para as funções. Por tudo isto os
vereadores consideraram insuportável a ocorrência e trataram de substituir os
indivíduos91.
Para observarmos melhor as dificuldades da edilidade Penalvense importa fazer
a comparação com outras instituições locais de âmbito religioso, como os rendimentos
do pároco de Castelo de Penalva, ou os rendimentos da Ordem de Malta, pelo couto de
Sezures. Em 1767, a Ordem de Malta tinha de rendimentos do ramo Sezures 665.900
reis, Nove anos antes, o abade de Castelo de Penalva apresentava como posses da
igreja a soma anual de 900.000 rs, e em 1802, a Câmara Municipal de Penalva do
Castelo obteve de rendimento bruto 299.890 reis, tendo no final do ano correspondido a
um saldo de 71.674 rs.
Apesar destes três valores corresponderem a três épocas diferentes, sendo o do
município o mais recente (1802), e não introduzindo nos valores qualquer taxa de
actualização financeira, são bem evidentes as diferenças económicas entre instituições.
91 DSRA, Actas de Câmara, 1788-1794, f.36
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
63
0
100000
200000
300000
400000
500000
600000
700000
800000
900000
Valo
res e
m re
is
Receitas do concelho em 1802 Redimentos do abade de Castelo dePenalva em 1758
Rendimentos certos da Ordem de Maltaem Sezures em 1767
GRÁFICO XXVComparação entre as receitas da câmara de Penalva e os rendimentos do abade de Castelo de Penalva e o ramo de
Sezures da Ordem de Malta
Após cinquenta anos, as receitas obtidas pelo concelho correspondem a um
pouco mais do que ¼ das receitas auferidas pelo abade de Castelo de Penalva. Se por
um lado, a comparação pode legitimar o poderio do sacerdote e justificar a qualidade
estética do programa artístico daquela igreja92, traduz também a embaraço financeiro
que a edilidade acabava por colocar nos seus eleitos como mais à frente se pode
constatar.
92 Convêm não esquecer que o abade entregava duas partes do seu rendimento (cerca de 180.000 reis) à casa dos
Marqueses de Cascais. Contudo isto não impediu a igreja de manifestar arquitectónica e esteticamente uma riqueza bem
significativa, da qual o altar em talha dourada e as tábuas renascentistas da escola de Viseu (Grão-Vasco) constituem os
principais elementos. Própria da época, a ostentação atingiu níveis interessantes, sobretudo na Península Ibérica, que não
passaram despercebidos aos clérigos estrangeiros. Em finais do século XVII, um capuchinho francês escreveu “”Las
iglesias de Francia no son más que establos en comparación con las de Portugal y España, en las que hay tesoros
inmensos”, citado por A.Dominguez Ortiz, Las clases privilegiadas en la Espa a del Antiguo Régimen, Ed. Istmo, Madrid,
1973, p.338.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
64
CAPITULO II
2 . El i tes e Governança
2.1. Arquitectos do Poder
A aplicação da lei e da justiça, independentemente de ser efectuada
directamente ou através do senhorio, revelava-se fundamental para a organização e
estabilidade dos municípios e consequentemente do país.
Durante o Antigo Regime, o Governo do reino pautou-se por uma multiplicidade
administrativa, burocrática em formas e processos, que conjugada com a distribuição
geográfica, a falta de informação, o desconhecimento legal, a caracterização sócio-
económica dos agentes locais, a escassez dos recursos humanos e materiais,
produziram uma ineficaz e quase obsoleta administração municipal. Periféricos e sem
considerável autonomia financeira, os municípios, sobretudo aqueles sem expressão
económico-territorial, acabavam por sobreviver da arte e do engenho dos eleitos.
A efectivação da arquitectura do poder93 só é possível com existência de
recursos financeiros/logísticos e humanos. Se no primeiro factor é determinante a
capacidade financeira, que produza uma disponibilidade de meios e estruturas
necessários, a segunda, predispõem a existência de homens intencionados a
empreender acções e actividades jurídico/político/administrativas, em determinado
contexto municipal e com um definido programa e objectivos. São certos
agentes/indivíduos que constituem o aparelho autárquico, que influenciam o exercício e
a realização da autoridade, que regulam a aplicação jurisdicional, que administram,
aplicam e desrespeitam as vontades senhoriais, que são o símbolo desse poder, etc.....94
Os dados obtidos através da pesquisa documental revelam a existência de duas
fases político-administrativas bem distintas, mostrando que nem sempre a arquitectura
do poder em Terras de Penalva teve a mesma estrutura, composição, acção e relações
de poder, pelo que se destacam duas fases distintas.
A primeira, abrange o período cronológico que ocorre até 1790. Como já foi
abordado, a doação compreendia as jurisdições civis e do crime permitindo à Casa de
Tarouca nomear e aprovar uma rede administrativa municipal constituída por
93 As relações de poder não se desenrolam apenas entre dominado e dominador, mas acentuam e traduzem, sobretudo nas interacções sociais entre eles, a cultura, prestígio, confiança, tradição, etc... No período estudado as relações sociais, sobretudo as familiares impõem poder, ou têm possibilidades de o manifestar. Num composto Bourdieu/Weberiano a autoridade manifesta-se num misto de autoridade tradicional/carismática no qual a tradição familiar e meio onde se desenvolve irrompem por um quadro simbólico/administrativo. 94 A tudo isto acrescenta-se a definição básica de poder como sendo a forma de impor a outros a nossa vontade.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
65
ouvidores, justiças (juízes e vereadores), tabeliães, meirinhos, etc... e substituindo a
habitual segunda instância composta pelo corregedor da comarca, a qual durante todo
o tempo foi preenchida pela nomeação senhorial do ouvidor.95.
Apesar de em Julho de 1560, a família Menezes deter as sisas gerais e o direito
à correição e alçada96 e do teor da doação, António Hespanha, afirma que os Condes de
Tarouca não possuíam isenção de correição usufruindo apenas do conhecimento de
apelações e agravos, apuramento das eleições concelhias e nomeação de ofícios
concelhios97.
A segunda fase inicia-se com a promulgação da Lei 19 de Julho de 1790,
seguida pelo Alvará de 7 de Janeiro de 1792, substituindo os ouvidores pelos
corregedores. Contudo, só se efectivou com a criação do lugar de juiz de fora e
respectiva nomeação em cumprimento com a matéria legal em vigor, que ocorreu já no
século XIX.
Todavia, uma correcta interpretação das relações entre senhorio e concelho
terá de ter em conta as medidas legislativas reais, sobretudo as consequências que a
introdução destes documentos legais vieram trazer. Reforçando uma nova política real,
o Alvará de 7 de Janeiro de 1792, estabelecia a Relação da comarca como segunda
instância e efectivava os corregedores elementos representativos desse patamar
jurídico.
Ao longo de séculos, a câmara de Penalva do Castelo reuniu em si duas
importantes componentes a administrativa e a jurídica. Se da primeira existem
elementos que nos permitem um desvendar da máquina burocrática e política, da
segunda apenas temos pequenas anotações em actas de câmara, mais incisivas na
nomeação de funcionários do que propriamente na sua acção judicial. Por outro lado, a
influência senhorial sentida até à última década da centúria de setecentos expandia-se
à nomeação dos agentes senhoriais locais, procurando controlar e gerir melhor as
benesses e regalias, exercendo ou procurando contribuir para uma orientação das
vivências administrativas e judiciais do município.
95 I.A.N./T.T.- Chancelaria D.Manuel I, Livro 41, fl.107 e seg. 96 I.A.N./T.T.- Chancelaria de D.João III, Livro 54, fl. 326. 97 Hespanha, António Manuel, As Vésperas do Leviathan. Instituições e poder político em Portugal no séc. XVII, Coimbra,
Almedina, 1994, p.433
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
66
2.2. O Senhor, o Donatário e o Concelho
2 . 2 . 1 Relações de poder
2.2.1.2. O poder senhorial
As Terras de Penalva, depois de conquistadas ao infiel, ficaram na posse da
coroa até ao reinado de D.Pedro I, que depois dos seus amores com a malograda Inês
de Castro, procurou dar o estatuto de infantes aos filhos desta união, concedendo a
D.João de Castro inúmeras benesses e privilégios, dos quais se destacam as terras e
julgados de Gulfar, Sátão e Penalva. A doação era feita na intenção do infante "(...)os aia
e tenha e posuya em todo o tempo de sas vidas com todos seus termos e aldeas e
terras(...)"98. Como era costume nesses tempos, o documento possuía as alternativas de
sucessão no caso de o infante morrer sem deixar herdeiros legítimos. Se isso
sucedesse deveriam herdar os bens referidos na carta régia, os outros dois irmãos
dessa mesma união - D.Dinis e D.Beatriz, uma vez que "(...)esta doaçam e herança em
parte nem em todo nehuu tempo passe a outros herdeiros nem pesoas estranhas fora
da linha lidima per nacença descendente do dicto jffante dom joham(...)"99. Ao infante e
seus sucessores eram-lhes concedidos os direitos de "(...)correiçom mayor de justiça e
toda justiça mero e mjsto jmperio e senhorio real(...)"100. Posteriormente, D.João de
Castro casou com a irmã de D. Leonor Teles, rainha de Portugal pelo casamento com
D.Fernando. Conta a lenda que as intrigas da corte fizeram com que D.João de Castro
pensasse que a mulher o enganava e acabou por matá-la e refugiou-se em Castela,
junto de sua irmã que tinha casado com D.Fernado de Castela101.
Como nenhum dos filhos de Inês de Castro se manteve fiel ao nosso rei, as
terras de Penalva acabaram por ir parar à posse da coroa. D.João I por ofereceu-as, a
23 de Abril de 1386, com todos os direitos e privilégios, a Martim Vasques da Cunha,
homem que tinha prestado valorosos serviços à causa Portuguesa. No entanto, não
satisfeito com as oferendas reais, o novo proprietário das terras de Penalva, em 1395,
encontrava-se já do lado castelhano, chegando a participar no saque de Viseu. Devido
98 I.A.N./T.T.- Chancelarias Portuguesas, D.Pedro I, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de
Lisboa, Publ. Instituto Nacional de Investigação Científica, Lisboa, 1984. 99 Idem. 100 Ibidem. 101 Aquando do início dos problemas de sucessão, o monarca castelhano mandou-o encarcerar, devido a ser o principal
obstáculo às pretensões de sua esposa. Não teve grande sorte e aí morreu.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
67
ao seu envolvimento com o inimigo, os seus bens foram confiscados e mais uma vez as
terras passam para a posse da coroa.
Em Évora, a 17 de Abril de 1411, D.João I e D.Filipa de Lencastre doam ao seu
filho D.Henrique, inúmeras terras e propriedades de entre as quais se destacam as de
Penalva.102 A dádiva era feita com "(...)todollas rrendas, derejtos, foros, çenssos,
emprazamentos, tributos, pensõoes, fruytos, nouos, padroados de igreias(...)",103
renunciando o monarca aos seus direitos nas ditas terras em favor do seu filho, no
entanto reservava para o poder real o direito "(...)à correiçom e alçadas e peixes rreaes
e dizimas das cousas que vierem de fora dos dictos nossos rregnos per mar(...)" e a
"(...)confirmaçom dos dictos tabaliados(...)"104.
2.2.1.3. Os Meneses, Senhores de Penalva
As terras de Penalva não ficaram muito tempo nos vastos domínios do Infante D.
Henrique. Todas as propriedades, benesses e direitos dados não podiam ser doados,
empenhados ou vendidos, a não ser que o infante casasse fora de Portugal ou tivesse
algum negócio ou razão plausível.O Duque de Viseu dedicou-se aos descobrimentos e
estes tornaram-se a «rrazom justa e lidima» para que empenhasse parte desta doação
a D. Pedro de Meneses. Necessitando de dinheiro, recorreu aos empréstimos do
primeiro capitão de Ceuta, dando as terras de Golfar e de Penalva como garantia e
recebendo em troca 3000 dobras.
Após a morte de D. Pedro de Meneses, o seu filho D. Duarte recorreu ao
monarca para que o confirmasse como herdeiro e assim ficar com a posse das terras.
O rei D. Duarte, por carta dada em Avis a 16 de Junho de 1438, reconhecia a D. Duarte
de Meneses o direito ao penhor dos territórios de Golfar e de Penalva, enquanto o
infante D. Henrique não liquidasse as 500 dobras que ainda devia à família Meneses, do
empréstimo contraído. Confirmava assim esta penhora de bens do seu irmão e
mandava que aquem"(...)esta nossa carta for mostrada, que o metaaes logo em posse
das dictas terras de Golfar e de Penalua, ou a seu certo procurador que pera ello leuar
seu poder abastante. E, daqui en diante, lhas leixe auer e lograr e posujr com todallas 102Para alguns historiadores as doações joaninas serviram também para criar uma nova classe nobilitária, visto que grande
parte da nobreza tradicional se pôs ao lado de Castela.
103 Monumenta Henricina, colectânea documental organizada pelo P.e António Joaquim Dinis, Pub. Comissão Executiva
das Comemorações do V Centenário da Morte do Infante D. Henrique, Coimbra, 1960-1974, vol.1, pg. 343. 104 Idem.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
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rendas e dyrectos e pertenças que aas dictas terras perteencer, assy e pella guisa que
o dicto conde seu padre, ataa sua morte, ouue, segundo mais compridamente he
contheudo na carta do apenhamento que delles fez o dicto jffante dom Anrrique, meu
jrmãao, ao dicto conde seu padre(...)"105.
A 26 de Abril de 1450, D. Afonso V, vendo o requerimento de D. Duarte de
Meneses e querendo-lhe fazer graça e mercê, confirma-lhe a hipoteca das terras de
Penalva e Golfar106. Toda a dinastia senhorial que se vai servir das terras de Penalva tem
como base o empréstimo concedido por D. Pedro de Meneses ao Infante D. Henrique.
Após o falecimento do primeiro capitão e herói da tomada de Ceuta, os seus herdeiros
foram confirmados como credores do dito empréstimo. A morte do Infante ocorreu em
1460 sem deixar herdeiros, levando a que as ditas possessões voltassem para a posse
da coroa como estipulava a concessão de 1411.
Como sucessor surgia D. Manuel, Duque de Beja e Senhor de Viseu, que ficou
com os domínios penalvenses, ainda penhorados, por doação de D. João II107. D. João de
Meneses, obteve as regalias que anteriormente o seu pai era beneficiário ficando com
as terras, rendas, direitos, tributos e foros, bem como o domínio, senhorio e jurisdição.
Por sua vez D. Manuel detinha os direitos dos padroados das igrejas de Golfar e de S.
Pedro de Penalva.
À morte de D. João II, D. Manuel vai-lhe suceder no trono e leva para a coroa a
posse das terras de Penalva, anteriormente acordadas com D. João de Meneses. Mas,
quis o destino que não fosse por muito tempo e a 30 de Abril de 1499, para
recompensar D. João de Meneses dos seus serviços prestados no Norte de África e nas
guerras com Castela, o monarca doou-lhe as terras de Penalva "(...)com todos os seus
termos, julgados, senhorios, honrras e remdas, direitos, foros trebutos(...)"108
Através do acto a coroa acabava por renunciar a privilégios significativos que as
referidas áreas lhe traziam, ficando-lhes reservados o direito à correição e alçada e às
sisas gerais. Enquanto vivesse, ao duque estavam reservados os direitos aos padroados
das igrejas (excepto a de S. Pedro de Penalva) e as jurisdições civis e do crime. A dádiva
estabelecia que D. João poderia nomear juízes, ouvidores e tabeliães, para os domínios
indicados. Assim, permitia que em "(...)seu nome de todollos agravos e apellações que
105 I.A.N./T.T.- Chancelaria de D. Duarte, Liv 1, fl 236 v. 106 I.A.N./T.T.- Chancelaria de D. Afonso V, Liv 11, fl.25 v. 107 I.A.N./T.T.- Leitura Nova, Livro 2º de Místicos, fl.107 e seg. 108 I.A.N./T.T.- Chancelaria D. Manuel I, Livro 41, fl.107 e seg.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
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lavrem dante o Juíz e officiaes das ditas villa e terras sem irem ao corregedor da
comargua(...)".109 Todo o poder ficava patente no título, pois D. João de Meneses passava
a usar o nome de Senhor de Penalva.110 Com a oferta, as terras passavam directamente
do poder real para o poder senhorial da família Meneses.
Ao conde de Tarouca sucedeu-lhe seu filho, D. Duarte, que foi nomeado
governador da Índia, em 1521, cargo onde não permaneceu muito tempo pois três anos
passados foi preso e acusado de roubo e de graves irregularidades de administração do
governo. Como era prática frequente, quando alguém era incriminado, os bens eram
confiscados pela coroa. Isto levou a que as ditas zonas voltassem para as mãos do rei.
Mas em 1534, D. João III vai reabilitá-lo por supor estar inocente e confirma-lhe todas
as anteriores mercês e privilégios111.
Mais tarde, o seu filho, D. João de Meneses vê o rei aumentar-lhe as concessões
por duas vezes. Na primeira, o monarca oferta-lhe as terras e os mesmos privilégios
que o seu pai tinha "(...)pera si e pera um seu filho e neto(...)".112 A presente directriz
acabava por significar uma perda da influência real na administração concelhia, na qual
o monarca abdicava do direito que seu pai consagrara, mas guardava para si o
padroado de S. Pedro de Penalva, as sisas gerais e o direito à correição e alçada113.
A D. João de Meneses sucedeu-lhe D. Duarte que foi confirmado senhor das
ditas posses pelo cardeal D. Henrique114. O seu filho D. Luís de Meneses continuou
como proprietário senhorial delas, por carta do rei D. Filipe I, dada em 1591 115. Seguiu-
se-lhe D. Duarte Luís de Meneses, que aquando da Restauração, conjuntamente com o
seu filho primogénito, tomou o partido de Castela e viu serem-lhes confiscados todos
os bens.116 Mas D.Estevão de Meneses, segundo filho de Luís de Meneses, reconciliou-
se com a coroa portuguesa, voltou ao reino e viu D. João IV e o príncipe regente D.
Pedro restituírem-lhe todos os bens de família. Mais uma vez as terras de Penalva
109 Idem. 110 Ibidem. 111 I.A.N./T.T.- Chancelaria de D. João III, Livro 40, fl.185 e seg. 112 Esta cláusula, ao jeito da Lei Mental, permitia que a posse das áreas se mantivesse na família Meneses por três
gerações. Em Julho de 1560 o mesmo rei volta a beneficiá-lo, aumentando-lhe benesses e privilégios. A coroa rescindia à
suprema jurisdição dos «feitos civil e crime mero e misto império», podendo o senhor proceder à nomeação dos oficiais e
magistrados que exerciam os cargos nos concelhos. 113 I.A.N./T.T.- Chancelaria de D. João III, Livro 54, fl. 326. 114 I.A.N./T.T.- Chancelaria de D. Henrique, Livro 5, fl. 107 v.. 115 I.A.N./T.T.- Chancelaria de D. Felipe I, Livro 13, fl. 412 v.. 116 I.A.N./T.T.- Chancelaria de D. Felipe II, Livro 37, fl. 173 v..
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
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voltavam à posse dos Meneses117. Contudo, o senhorio encontrava-se ameaçado por não
possuir filho varão o que o leva a interceder junto do rei, para que este lhe reconheça a
sua filha, D. Joana Rosa de Meneses, como herdeira legítima. D.Pedro, em 1678, acede
aos seus pedidos. A verdade é que este reconhecimento ia contra a doação real de
1551, que previa como linha de sucessão o lado masculino.
2.2.1.4. Marqueses de Penalva
A herdeira vai acabar por casar com D.João Gomes da Silva. Deste casamento
nasce D. Estevão de Meneses, que vê renovados os seus direitos e benesses por D.
João V118. A 7 de Fevereiro de 1750, o monarca cria o marquesado de Penalva e
nomeava-o primeiro Marquês de Penalva de «juro e herdade», passando-o a usar
conjuntamente com o de título de Conde de Tarouca119. Nascido a 19 de Maio de 1695,
morreu a 7 de Setembro de 1758, tendo casado com D. Margarida de Lorena, filha dos
terceiros Marqueses de Alegrete. Deste casamento nasceu D. Eugénia Mariana Josefa
de Menezes e Silva. Durante a sua vida desempenhou vários cargos na administração
do Estado dos quais se destacam comendador de S.Salvador de Vila Cova de Lixa,
presidente do Conselho Ultramarino e deputado na Junta dos Três Estados (30 de
Agosto de 1749) e membro da Real Academia de História.
Como só tinha uma filha, com a sua morte D. Eugénia Mariana Josefa Joaquina
de Menezes e Silva, nascida a 26 de Agosto de 1731, herda toda a vasta fortuna e os
títulos da Casa Menezes. Casa com seu primo co-irmão Manuel Teles da Silva 120 que
obteve a carta do marquesado de Penalva a 21 de Janeiro de 1769. Desempenhando um
papel muito activo na sociedade portuguesa de então, ocupa vários cargos de
importância junto da coroa como: capitão da guarda real, Gentil Homem da Câmara da
Rainha D.Maria I, deputado da Junta dos Três Estados, presidente da Junta do Tabaco,
académico da Real Academia de História. Fundador e secretário da Academia dos
ocultos e sócio efectivo da Academia Real das Ciências e escreveu o Elogio fúnebre do
Padre D. José Barbosa, Clérigo Regular.
117 I.A.N./T.T.- Chancelaria de D. Afonso VI, Livro 16, fl. 236 v.. 118 I.A.N./T.T.- Chancelaria de D. João V, Livro 109, fl. 145 v.. 119 A.N.T.T.- Chancelaria de D. João V, Livro 119, fl. 191. 120 Nasceu a 23 de Fevereiro de 1727 e morreu a 25 de Fevereiro de 1789
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
71
O sucessor Fernando Teles da Silva Caminha e Meneses121, terceiro marquês de
Penalva e sétimo conde de Tarouca, herdou de seus pais os senhorios, vínculos e
comendas hereditárias de ambas. O título de Marquês de Penalva foi confirmado por
carta régia em 1785 e mais uma vez, à semelhança dos seus antepassados, foi Gentil
Homem da câmara da Rainha (1803), censor régio da mesa do Desembargo do Paço,
deputado da Junta dos 3 Estados, presidente da Junta do Tabaco, e sócio honorário da
Academia Real das Ciências. Na vida militar chegou a tenente general, tendo sido
governador das capitanias de S. Paulo e Rio Grande do Sul. Publicou várias obras das
quais se destaca a Dissertação a favor da Monarquia, onde se prova pela razão,
autoridade e experiência de ser este o melhor e mais justo de todos os governos. Casou
por duas vezes a primeira com D. Maria Rosa de Almeida e com D. Joana de Almeida.
Fernando Teles da Silva Caminha e Menezes, foi o quarto Marquês de Penalva.
Nascido a 26 de Novembro de 1813, obteve confirmação do título a 29 de Julho de 1824.
Partidário convicto de D. Miguel, acompanhou-o na guerra civil, tendo assentado praça
em cavalaria. Posteriormente devido ao seu activo desempenho foi promovido a alferes
(1833) e a tenente do Estado-maior de D. Miguel em 1834. Uma vez terminado o conflito
manteve-se pouco activo na vida política, tendo morrido a 16 de Setembro de 1893.
121 Nasceu a 9 de Junho de 1754 e morreu a 10 de Dezembro de 1818
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
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2.2.2. Donatário
A figura do donatário, de indispensável análise para uma melhor compreensão
do poder senhorial, não pode ser desassociada das concessões territoriais e
jurisdicionais concedidas pelos diversos monarcas à sua família. Contudo, e após já
termos abordado tal temática, importa agora debruçarmo-nos sobre o desenho das
relações institucionais, que surjam das ligações entre senhor e concelho.
Ao longo da vasta documentação consultada não nos foi possível encontrar
referências de estadas ou visitas dos Marqueses de Penalva a estas terras. Por outro
lado, as respostas de confirmação das pautas eleitorais, de nomeação do ouvidor, etc...
vinham endereçadas de Lisboa, revelando a acentuada tendência para a fixação da
nobreza aristocrática em torno da corte. Para além disso, as relações senhores e
municípios revestiam-se de um carácter meramente institucional, bastante
distanciadas. Na segunda metade do século XVIII, a jurisdição dos Marqueses de
Penalva fazia-se sentir sobretudo através da confirmação dos eleitos e na nomeação de
ouvidores.
As relações entre o donatário e o concelho arquitectavam-se de uma forma
descendente através do senado e tendo por intermediário o ouvidor, existindo um
consenso geral nesta coexistência. Se por um lado a população gozava dos privilégios
concedidos pelo poder senhorial, por outro lado respeitava os seus interesses através
do cumprimento das directrizes por ele enviadas. Por vezes, tal relação tomava
aspectos quase familiares de certa forma intensos, levando as populações locais a
festejarem o nascimento de um herdeiro real ou senhorial, ou a chorarem a morte dos
seus senhores. Prova disto ocorreu na sessão de câmara de 23 de Novembro de 1802,
na qual o Marquês de Penalva informava do nascimento de um novo infante, tendo sido
logo deliberado festejar-se a ocorrência através da colocação de luminárias durante
três dias122. Actos como estes reflectem que, apesar da Lei de 19 de Fevereiro ter
reduzido significativamente os poderes senhoriais, sobretudo com a extinção do cargo
de ouvidor, a família Meneses continuava a possuir uma ascendência sobre a actividade
municipal, não só pelas informações e comunicações emanadas, mas também com a
nomeação de juízes de fora, como comprova a carta enviada pelo corregedor de Viseu
ao senado da câmara, a qual indica ao juiz ordinário que “(...)sem a minima detença
deve dar posse a mesmo procurador de S.Excelência do Senhorio dessa vila e conselho.
E visto não terem até agora tomado posse às justiças, que confirmei, vossa mercê 122 DSRA, Actas da Câmara, 1800-1805, f. 49.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
73
suspenda os ditos actos, até que por Sua excelência venham confirmadas outras, ou as
mesmas na forma das suas doaçõens, que nesta parte em nada foram ofendidas pela
Lei Novissima.(...)”123.
A acção do donatário estendia-se à cobrança dos seus direitos, sobretudo pela
política de execução fiscal do agente senhorial junto da autarquia. Argumentando uma
ineficaz cobrança de foros, a Marquesa de Penalva solicitou, em 1777, ao Desembargo
do Paço que nomeasse o seu do ouvidor como juiz privativo dos direitos do Foral de
modo a poder executar fiscalmente os moradores rebeldes124.
A relação desenvolvida entre donatário e concelho não se baseava numa
simples relação entre senhor e súbditos, indo muito mais além até um campo próprio
da intimidade humana. O concelho festejava os actos festivos da família Meneses, os
seus casamentos, nascimento de herdeiros, os regressos de viagens fora do reino e
chorava com eles a morte dos seus membros. O respeito por tanta proximidade e
intimidade significava uma espécie de família, numa relação entre pai e filho125.
Os vínculos afectivos não surgiam só com o senado estendendo-se sobretudo ao
juiz de fora, como aconteceu com Joaquim Pereira de Macedo, que agradecia, a 19 de
Maio de 1814, ao Marquês de Penalva, doze anos de benefícios que acabaram por
mantê-lo ligado à família126. Os laços estreitos de convivência alargavam-se também à
família real, de quem o donatário informava o concelho dos momentos mais marcantes
da sua vida (nascimentos, casamentos,127 morte, etc...) aconselhando os Penalvenses a
associarem-se nas comemorações ou ... nas condolências.
Os agentes do Marquês no terreno não se limitavam ao juiz de fora, alargando a
sua acção a outras pessoas que visitavam os concelhos sobre a alçada da Casa de
Penalva (Penalva do Castelo, Gulfar, Lalim, Tarouca e Lazarim), alertando para o
incumprimento de deveres, relatando o comportamento e a acção do juiz de fora, a sua
aceitação pelo povo, etc... Assim, permitia ao donatário sedeado em Lisboa um melhor
123 DSRA, Actas da Câmara, 1788-1794, f.46. 124 I.A.N./T.T.- Desembargo do Paço, Beira, maço 1082. 125 Biblioteca Nacional (B.N), Arquivo Tarouca, cota 353, nº 25 126 Idem, s/n. 127 Por carta de 3 de Dezembro de 1817, o Dr. Pedro Mendes de Abreu informava o Marquês de Penalva das
comemorações das festividades pelo casamento real, que produziram em toda a comunidade “(...) demonstraçõens nada
equivocas, do seu grande prazer, e contentamento: e logo no dia 23 passado concorremos na Igreja Matriz com o Clero,
Nobreza, e Povo a render ao Todo = Poderozo acçoens de graças por hum solene Te Deum por tão feliz consorcio,
rogando ao Altissimo se digne esparzir as suas graças sobre tão feliz união para felicidade desta Monarquia(...)” B.N.,
Arquivo Tarouca, Armário 5º, letra s, maço 7, nº21
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Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
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acompanhamento das possessões autárquicas. Na correspondência estudada
encontrou-se como emissário senhorial - Nicolau Tolentino - um homem ligado à
igreja. Visitou o concelho de Penalva, verificando o cumprimento da jurisdição e
relatando a acção do juiz de fora128. Mas, a acção de visitador acaba também por ser
relativamente próxima e servir para outros favorecimentos, como o pedido de um dos
ofícios de Penalva, efectuado pelo mesmo emissário, para seu sobrinho.
2.2.3. Ouvidor
Para controlar a aplicação das suas prerrogativas, garantir os seus direitos e
zelar pelos interesses, os senhores podiam nomear um seu representante junto do
concelho - o ouvidor. A ele competia-lhe a justiça “intermédia”, desempenhando as
funções jurisdicionais estabelecidas pela doação régia129.
Em Penalva, o ouvidor surge mais como uma figura “ausente”, não
frequentando o normal decorrer administrativo das sessões de Câmara, apenas
aparecendo nos principais actos, sobretudo na confirmação das pautas dos eleitos.
Para além disso, desempenha funções de intermediário entre o poder local e o
donatário, através da troca de correspondência e informações.
Mas, esse papel nem sempre era bem aceite e executado na perfeição, dando
origem as tensões entre o ouvidor e o senado devido às escusas dos eleitos para os
cargos municipais. Bem revelador de tal situação é a descrição da acta de câmara de
14 de Fevereiro de 1772 em que o senado se queixava de “(....)o Doutor Ouvidor deste
Conselho admitir requerimentos e dar livramentos e ainda com maior excesso sem
conhecimento de causa aos que sam noteficados para empenharem a vara de sorte que
se faz impossível fazer no seu tempo as devidas solenidades experimentado o conselho
faltas de vereadores as vezes ate o meio do anno como agora sucede(...)”130. O motivo
que desencadeou toda a situação foi a fuga de dois eleitos aos compromissos com o
concelho, devidamente consentida pelo ouvidor. Segundo o assento da acta de Câmara,
nas costas da provisão da Marquesa, o ouvidor do concelho anotou que devido
“(...)molestias de cama cometo a diligencia de posse e juramento ao Senhor Doutor
128 Refere numa missiva enviada ao donatário que brevemente irá visitar brevemente os outros concelhos senhoriais. 129 Hespanha, António Manuel, As Vésperas do Leviathan. Instituições e poder político em Portugal no séc. XVII, Coimbra,
Almedina, 1994, p. 193 130 DSRA, Actas da Câmara, 1768-1772, 74v-75
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Francisco António de Barros de Figueiredo Cardoso, Cavaleiro Professo na Ordem de
Cristo, e no seu impedimento ao Senhor Doutor António de Matos de Faria Carvalho
advogado nas auditorias deste concelho que poderão em solidum fazer as minhas vezes
a respeito da mesma diligencia e proceder com provisões contra os rebeldes depois de
notificados e não ausentes ou impedidos porque a meu respeito deste deve eleger
pessoa que sirva enquanto durar o impedimento(...)”131.
As dispensas não agradaram ao executivo municipal, que debatendo-se com
desobrigas constantes por parte do ouvidor, procurou resolver a situação mandando
prender a mulher de um dos fugitivos, João de Almeida de Lusinde, a ver se com essa
resolução ele comparecia a tomar juramento. A acta de vereação refere que o eleito
solicitou ao ouvidor, a escusa do lugar, uma vez que detinha o privilégio de
mamposteiro pequeno dos captivos na capela e romagem de S.Bartolomeu, em
Lusinde. Ora, de acordo com os vereadores em exercício, no local nunca existiu
romagem e não se pedia para os captivos. Desta forma o motivo apresentado era falso
e tanto mais grave uma vez que existia outra pessoa designada para fazer esse serviço
em toda a freguesia.
No entanto, a presente acção não reproduziu efeitos e como o senado
necessitava de se certificar sobre a forma como agir, elaboram um processo destinado
a ser remetido ao Desembargo do Paço, no qual constavam todas as escusas e
determinações da ouvidoria. Solicitaram a intervenção real, para decidirem o que fazer
com os rebeldes e com os livramentos do ouvidor em prejuízo da república e em
perturbação do senado132.
QUADRO XIV
Ouvidores entre 1754 e 1790
Ano Nome Res idênc i a C a rg os
O c u pa d os
D a t a d a
to m a da de
Posse
O b se rvaçõe s
1754 António José da
Rocha
Rio de
Moinhos - - Foi suspenso a 25/10/1754
1754 Atanásio Pais
Monteiro - - -
Substituiu o anterior e nomeou
por comissão o seguinte
1754 António José da - - 25/10/1754 -
131 DSRA, Actas da Câmara, 1768-1772, f. 69 v. 132 DSRA, Actas da Câmara, 1768-1772, f.77v-80v
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
76
Rocha Leitão
1755 José Gouveia
Ozório Vila Mendo - 12/6/1758 -
1759 José António
Ferreira Pinheiro
Casal da
Donas - 20/12/1759 -
1762 Atanásio Pais
Monteiro - - - Esteve no cargo até 1765
1767 José Feliz do
Amaral - - - Ouvidor comissário/substituto
1768 Atanásio Pais
Monteiro - - - -
1769 José António
Ferreira Pinheiro
Casal das
Donas - -
Continua a exercer funções em
fins de 1772
1780-
1784
José da Cruz
Bastos -
Juiz de Fora de
Mangualde - -
1788-
1791
Bernardo Soares
do Amaral - - -
Cavaleiro professo na Ordem de
Cristo
As tensões de conflituosidade entre o representante senhorial e o senado eram
evidentes, tendo ficado registadas na petição ao Desembargo do Paço, pela qual a
vereação acusava o ouvidor de perturbar o bom regimento do concelho uma vez que ele
“(...)a imtrou alterar sendo ele o próprio que manda convocar a câmara e tomando a
presidência dela defere juramento aos novos confirmados, isto perteistado que a
mesma confirmação da pauta assim lho determina talvez pedido por elles oito se
sujeitam os nossos antecessores, porem introu a crescer tanto o excesso que o mesmo
ouvidor se introu a fazer senhor despótico, querendo subordinar a si este senado do
modo per si, livrando tanto os pautados como os nomeados em Camara sem mais
conhecimento de cauza do que aquela que cada hum quer perteistar(...)”133.
Outro assunto abordado pela mesmo documento relaciona-se com o não
cumprimento da lei no desempenho do cargo de ouvidor, uma vez que as pessoas que
desempenhavam este lugar por “(...) des e mais annos sem que em tempo nenhum se
conheça do bem ou mal que obram razam porque se fazem tam despóticos se sobre
este concelho muitas injustiças(...)”134, em vez dos três anos que as Ordenações
estipulavam.
Por tais acções e reacções verificamos uma propensão para relações algo
tensas com a composição do executivo municipal, sofrendo de vários factores externos
133 DSRA, Actas da Câmara, 1768-1772, f.77 v-80 v. 134 DSRA, Actas da Câmara, 1768-1772, f.77 v-80 v.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
77
ao próprio processo eleitoral, tanto da parte dos agentes, como por interferências
exteriores, relativamente à acção do ouvidor, Desembargo do Paço e mais tarde do
corregedor.
2 . 3 . O Poder Senhorial e Poder Local
2.3.1. Penalva e a Lei de 19 de Julho de 1790
A Lei de 19 de Julho de 1790, caracterizou-se por uma elevada noção de
uniformização legal e administrativa, procurando uma centralização administrativa, há
muito ambicionada pelo poder central. Verdadeiro instrumento de um novo
reordenamento do território nacional, este preceito legal implicou diversas alterações
no contexto municipal senhorial, onde Penalva se inseria. Assinada pela rainha D. Maria
I, a legislação para além de abolir as ouvidorias concedidas aos donatários,
uniformizava direitos e regalias, abolia “exempçõens de correição” e estabelecia a
apelação para relações do distrito. Pretendia-se explicar, declarar e regular as
jurisdições dos donatários, abolindo as ouvidorias e excepçõens de correição135. Face à
exiguidade territorial de muitas das ouvidorias para formar uma comarca, a monarca
estabelecia que “(...)que ella se forme, ordeno, que se proceda a crear lugar, ou lugares
de Juizes de Fora, com graduação, ou sem ella, se parecerem necessárias, e
competentes, e a unir esses territórios a outras comarcas, ou se criem, ou não juizes
de Fora(...)”136.Para além de ter contribuído para a uniformização administrativa e
jurídica da administração municipal, sob tutela senhorial, a Carta de Lei de 19 de Julho
de 1790, extinguia as ouvidorias, acabava com as isenções de correição e reorganizava
o território municipal, propondo-se servir “(...)de moderação, sistema e regulamento
das jurisdições nestes reinos, concedidas aos donatários; tendo em vista, que o uso, e
exercicio prático da justiça, e meios de ela se conseguir sejam iguais e uniformes(...)”137.
Por vontade real, a presente legislação revogava ainda o título quarenta e cinco,
parágrafo décimo terceiro das Ordenações Filipinas, abolindo as isenções de correição
de todos os donatários sem distinção, mesmo aqueles que pela “(...)sua Alta herarchia
ou por singulares distintas considerações se pudessem entender exceptuados(...)”.
135 I.A.N./T.T.- Leis Maço 8, n.º38 136 I.A.N./T.T.- Leis Maço 8, n.º38 137 I.A.N./T.T.- Leis Maço 8, n.º38
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
78
Como justificação o monarca considerava que a isenção era prejudicial aos donatários e
ruinoza aos povos. 138. Em termos práticos, a diferença mais significativa para Penalva
estava relacionado com a extinção cargo de ouvidor e sua substituição por juiz de fora.
Agora, o donatário deixava de nomear ouvidor e em sua vez propunha ao rei, uma
listagem de bacharéis, dos quais o monarca escolhia um para exercer as funções de
magistrado.
Como a aplicação desta legislação uniformizadora e centralizadora sofreu
algumas resistências locais, foi reforçada com a promulgação do Alvará de 7 de Janeiro
de 1792, pela qual se pretendia regulamentar a lei uma vez que “(...)a demora na
execução de uma tal Lei era muito danosa à Ordem da Justiça e ao bem dos
povos(...)”139.
O entendimento legislativo não era fácil, levando o concelho a recorrer ao
corregedor da comarca de Viseu para esclarecer as dúvidas relativas à jurisdição do
concelho, colocação de justiças e ouvidor. Por carta de 26 de Agosto de 1791, o
corregedor José Ribeiro Saraiva instruía o juiz ordinário para reconhecer
imediatamente o Marquês de Penalva como senhor destas terras, suspendendo,
contudo, a posse das justiças, até que fossem confirmadas por outras. Em relação à
colocação de ouvidor, porém a situação era outra, uma vez que “(...)não pode este ter
jurisdição alguma depois de passados os três annos desde a sua posse, se para isso
não mostrar provisão, ou outro titulo legitimo: quando mesmo se não devam a este
respeito julgar alteradas as doações de V.Excelência na conformidade da dita Lei
interpretada por um assento da Relação; o que não hé do meu oficio decidir por este
modo(...)”140.
Segundo ele, o ouvidor não podia ter jurisdição alguma passados três anos da
sua posse, mas face às incertezas sobre o impacto da lei nas jurisdições senhoriais,
não lhe competia decidir sobre o assunto, por isso as eleições efectuadas em 1790,
para o triénio 1791, 1792 e 1793, ficaram sem efeito.141 Devido a este imbróglio
administrativo, a composição do senado manteve-se inalterável por mais de dois anos
138 Idem. 139 Colecção de Leis Régia, Officina de António Rodrigues Galhardo, Lisboa, (1788-93). 140 DSRA, Actas da Câmara, 1788-1794 f. 46 141 DSRA, Actas da Câmara, 1788-1794, f. 46v
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
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consecutivos, até ser substituído por outros pautados, sob a batuta do corregedor, que
organizou novo processo eleitoral para o triénio 1791-1793142.
Em Penalva, os ouvidores foram abolidos e em seu lugar nomearam-se juízes
letrados, passando os eleitos para o senado da câmara a tirarem a carta perante o
corregedor da comarca, substituindo assim o reconhecimento das pautas pelo
donatário143.
Mesmo após a nomeação do primeiro juiz de fora, e quase vinte anos depois o
entendimento da referida Lei e a sua execução nos primeiros anos ainda era tema de
discussão.
2.4. Jogos nas esferas do Poder
2.4.1. Tensões, conflitos e acções de domínio
O estabelecimento de relações comunicativas entre o poder senhorial e o poder
local, na segunda metade do século XVIII e princípios do XIX, era complicado derivado a
um antiquíssimo sistema viário, em muitos casos de base romana, coadjuvado por uma
ineficiente rede de comunicações. Tal conjuntura retardava o conhecimento das
decisões emanadas de Lisboa e em muitos casos gerava que o mundo autárquico fosse
tomando conhecimento delas, de uma forma temporalmente descoordenada. A questão
da dificuldade de acessibilidade ao interior do país, conjugado com o deficiente
funcionamento da posta, um incapacitado sistema viário e uma contrariedade social,
gerada por elevadas taxas de analfabetismo, predispunham complicações na
organização do espaço político municipal.
Em Penalva do Castelo, a comunicação entre senhor e concelho fazia-se
sobretudo através de agentes e intermediários. Como agentes temos os homens da
posta que “corriam” o país levando e trazendo as comunicações e ... as novidades144. As
actas de câmara mostram-nos que, geralmente a correspondência entre senhor e
senado fazia-se indirectamente, via intermediários. Se numa primeira etapa, o ouvidor
desempenhava essas funções, posteriormente, com a sua extinção, elas transferiram-
se para o juiz de fora.
142 Aquando da visita de correição de 1793, o magistrado referia ainda que as justiças novas ainda não tinham tomado
posse DSRA, Livro do corregedor, 1789-1794, f.46 143 DSRA, Actas da Câmara, 1788-1794, f.6 144 A título de curiosidade, convêm explicar que o itinerário dos emissários do correio, que servia o concelho, partia de
Viseu em direcção a Trancoso e utilizava praticamente um sistema viário antiquíssimo.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
80
Nos reservados da Biblioteca Nacional, existe documentação proveniente da
família Meneses, mais conhecido por Arquivo da Casa de Tarouca. Neste fundo
detectaram-se trinta e sete documentos, alguns dos quais formando pequenos
processos concernentes a governança do concelho. Para além da documentação
relativa ao concelho de Gulfar, estamos perante diversas missivas trocadas entre o
Marquês de Penalva, ou o seu representante legal, e os magistrados por ele nomeados.
Assim, existem também propostas de nomeação para cargos municipais (juiz de fora,
dos órfãos e meirinho) informações sobre a correspondência trocada entre os togados
locais e diversos agentes da administração periférica da coroa e processos de
confirmação das justiças. Datadas entre 1813 e 1827, a maior parte da documentação é
portadora da época de produção documental, apesar de existirem algumas cartas sem
essa indicação.
A correspondência remetida do concelho geralmente passava pelo
administrador da Casa de Tarouca, de seu nome António Inácio de Campos, mas
também existem algumas cartas enviadas para outras pessoas próximas da Casa de
Penalva.
Como ao magistrado competia-lhe relatar os acontecimentos da vida municipal
e zelar pelos bens do senhorio, tornava-se um costume a troca de correspondência
entre o Marquês e o seu togado.
Quando tomou posse o juiz de fora Joaquim Pereira de Macedo encontrou o
concelho mal regido, não existindo cumprimento dos direitos, encontrando-se as terras
por arrendar. Em jurisdição termos jurisdicionais, a situação não era melhor uma vez
que não existia intervenção do representante senhorial na eleição das pautas para o
senado, nem o reconhecimento da mesma era da responsabilidade do donatário. A
comprovar existe uma troca de correspondência entre Joaquim Pereira de Macedo e o
Marquês na qual, o primeiro, afirma que quem procedia ao apuramento e confirmação
das eleições era o corregedor da comarca e que já o fazia há mais de 25 anos145. Para
que o Senhor pudesse argumentar junto das entidades competentes, o togado anexou
uma certidão comprovativa como o reconhecimento das justiças era competência da
Casa de Penalva. A questão gerou polémica, levou a uma investigação sobre o
apuramento de responsabilidades na usurpação dos direitos senhoriais, da qual
145 B.N., Arquivo Tarouca, Armário 5º, letra s, maço 20, nº 12
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
81
Joaquim Pereira de Macedo apurou que o primeiro corregedor de Viseu a eleger e a
confirmar justiças146 tinha sido o Dr. José Ribeiro Saraiva, em 1792, 93 e 94147.
As dificuldades sentidas pelo magistrado na prossecução do direito senhorial
originaram tensões e complicações pessoais que levaram o magistrado a solicitar a sua
não recondução no cargo. Justificando a decisão, por carta de 29 de Abril de 1816,
argumentava ainda que “(...)a experiência que tem feito conceber prova ideia das
minhas qualidades muito inferior à importância deste emprego em geral, e
especialmente quando se trata de servir tão melindroso lugar de Penalva. Eu tenho
concebido dele hum secreto desgostoso por motivos gerais, e por outros, que lhe são
particulares(...)”148.
O abuso de poderes e a usurpação de ofícios foram alguns dos problemas com
que o novo juiz de fora Pedro Mendes de Abreu encarou no concelho em 1817. Tratou
imediatamente de comunicar ao Marquês de Penalva que tinha encontrado António
Leite do Amaral Teles a servir como Distribuidor, Inquiridor e Contador da edilidade por
uma provisão do Desembargo do Paço, obtida ilegalmente149. A situação demonstra-nos
uma prática de dupla atribuição e confirmação de ofícios desempenhada pela
administração senhorial e central, originando tensões e conflitos num pântano
jurisdicional de difícil entendimento.
Para o mesmo juiz, o facto do Marquês não confirmar as justiças privava-o
“(...)d’ hum dos primeiros direitos e regalias, que lhe pertence como Donatário, e donde
resulta grande incomodo aos habitantes deste concelho, porque alem de pagarem ao
Corregedor, seu escrivão, e meirinho, pela vinda aqui, tem alem disto de irem a Viseu
diligenciar, e pagar suas cartas(...)”150. Mas a justificação da conveniência popular não
era nenhum argumento para o corregedor151 que simplesmente afirmava que o senhorio
não estava encartado para esse procedimento e como era sua “(...)obrigação de
defender a jurisdição real sendo bem fácil ao mesmo Excelentissimo Senhor obter as
mesmas regalias, que tem outros excelentissimos donatários, visto que na doação
146 A mesma comunicação menciona que a eleição feita pelo ouvidor para os anos de 1791, 92 e 93 não chegou a ser
posta em prática uma vez que o corregedor veio expressamente anular aquele acto e eleger novos oficiais. 147 B.N., Arquivo Tarouca, Armário 5º, letra s, maço 1, nº11 148 B.N., Arquivo Tarouca, Armário 5º, letra s, maço 20, nº5 149 B.N., Arquivo Tarouca, Armário 5º, letra s, maço 2, nº19 150 B.N., Arquivo Tarouca, Armário 5º, letra s, maço 20, nº20 151 O mesmo magistrado refere que quando era juiz de fora de Penalva, pessoalmente e por duas ocasiões, falou deste
problema ao Marquês José Teles da Silva, tendo este acordado solicitar a provisão real, que lhe confira esses poderes.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
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(como disse o Corregedor Pires) não he comprehendida a regalia da
confirmaçam(...)”152.
As tensões entre o agente senhorial e o do centro agravaram-se na medida em
que o juiz de fora anunciou-lhe que iria proceder à eleição dos oficiais e remeter a
pauta à confirmação do donatário. Reagindo a essa acção, o corregedor António
Joaquim da Silva Pereira Couto, que já tinha sido magistrado do Marquês em Penalva,
ameaçou com a nulidade de tal acto e substituição imediata das justiças por outras
confirmadas por ele. Não restou outra solução a Pedro Mendes de Abreu que não fosse
solicitar a ajuda de seu irmão Luís Mendes de Abranches e Costa, para que este
intercedesse junto do donatário, de modo a recorrer desta usurpação para o
Desembargo do Paço153.
O conflito agudizou-se de tal forma que o magistrado, procurando evitar
questões, questionou o senhorio no sentido de saber se existia algum inconveniente a
não confirmação das justiças154. Os ânimos exaltaram-se entre juiz de fora e corregedor
de tal forma que Pedro Mendes de Abreu refere em carta datada de 12 de Janeiro de
1818, que a confirmação das justiças ter acabado em 1791 não passava de uma historia,
porque o principal culpado era António Joaquim da Silva Couto, uma vez que aquando
magistrado em Penalva “(...)teve a maior culpa, porque querendo os Vereadores tirados
da ordem dos nobres do concelho, chamou o Corregedor para os eleger, e
confirmar.(...)”155. O jogo e a tensão entre ambos era de tal forma, que mais uma vez
solicitava-se a intervenção superior do Desembargo. Pedro Mendes de Abreu alvitrava
ainda que iria atrasar a posse das novas justiças, enquanto o assunto se resolvia.
Visto que os direitos e regalias senhoriais estavam em causa, o próprio marquês
de Penalva escreve directamente ao Dr. António Joaquim da Silva Pereira Couto para
“(...)que cesse a usurpação que por involuntarias omisoens.(...)”156 dele, tinha sofrido
nas regalias e que apesar de ser donatário em outras terras só Penalva e anexos
(Gulfar) é que deixaram de enviar as pautas.
Devido aos incidentes jurisdicionais, ou à acção do donatário, adoptou-se uma
forma mista, para o escrutínio de 1819, na qual estiveram presentes os dois
magistrados, fazendo a eleição o corregedor e alvitrando ao juiz de fora que remetesse
152 B.N., Arquivo Tarouca, cota 353, s/n. 153 Idem 154 B.N., Arquivo Tarouca, cota 353, nº 6 155 B.N., Arquivo Tarouca, Armário 5, letra s, maço 7, n.º 22 156 B.N., Arquivo Tarouca, Armário 5, letra s, maço 2, n.º 90
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
83
a certidão da abertura do pelouro desse ano para o senhorio. Face às diferentes
tipologias eleitorais, Pedro Mendes de Abreu, avisa que o ritual encontrava-se ferido de
ilegalidade uma vez que os procedimentos legais e cerimoniais eram diferentes nas
eleições senhoriais e reais157.
Com a morte do Marquês de Penalva, a 10 de Dezembro de 1818, o rei nomeou
D.Prior de Guimarães para governar os bens da Casa enquanto o herdeiro fosse menor.
É o substituto que gera alguma tensão com o juiz de fora ao suspeitar da sua acção e
insinuando que estava a tomar partido do corregedor. O Dr. Pedro Mendes de Abreu
reagiu fortemente explicando, que foi ele que tomou a primeira atitude sobre a
usurpação de bens do donatário e reforçava a sua posição em defesa dos bens
senhoriais, pois preferia ser riscado do serviço real, do que ficar com a imagem de
incumprimento das funções158.
Mais tarde, em 1824, com a nomeação de Francisco de Assis Gomes de Miranda
para juiz de fora, esse magistrado elucidava o Marquês que quem presidia às eleições
era o corregedor e que no ano transacto as pautas tinham sido enviadas ao
Desembargo do Paço e de lá tinham vindo confirmadas.
Em jeito de remate, vemos que as relações de proximidade estabelecidas entre
o senhorio e outros intervenientes (juízes de fora, senado) criam uma atitude
paternalista, inspirada no comportamento real absolutista, em que o rei zela pelos
súbditos.
O cumprimento expresso de antigas doações e uma enorme necessidade de
afirmação de autoridade suscitaram tensões e os conflitos jurisdicionais entre os
representantes senhoriais e os agentes do poder central, que tinham por objectivo
último a acção do donatário em confirmar os eleitos locais. Tal procedimento devia-se
mais a uma questão de prestígio e a de cumprimento de ancestrais privilégios, do que a
um interesse efectivo em controlar a composição do elenco municipal.
A margem de manobra do magistrado senhorial encontra-se diminuída pela
acção do corregedor da comarca que surge sempre com uma ascendência directa
sobre os juízes de fora, controlando e advertindo-os. Igualmente, pela documentação
analisada em epígrafe constata-se que os agentes do poder senhorial não se limitam
apenas aos diversos juízes de fora nomeados, mas também a um conjunto de pessoas,
157 B.N., Arquivo Tarouca, cota 353, nº 50-51 158 B.N., Arquivo Tarouca, Armário 5, letra s, maço 7, n.º 25
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Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
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relativamente próximas da casa de Penalva, que procuravam interceder e contribuir
para orientar da melhor forma os direitos e regalias do donatário.
Como estava em jogo Poder e o seu exercício, os corregedores também não
queriam perder a esfera de influência conquistada, após a promulgação da Lei que
extinguiu as ouvidorias, pelo que faziam valer-se das prerrogativas e procedimentos
efectuados desde 1790.
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Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
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2.5 AS REUNIÕES DE CÂMARA
O exercício do poder baseava-se no conceito patrimonial da autarquia, mercê da
qual, a câmara fazia estender a sua acção e autoridade às diversas áreas de influência.
Num meio de governação tão vasto, como o concelho de Penalva do Castelo, era
normal existirem tensões de poder, uma vez que uns lutavam por manter os seus
poderes, enquanto outros pretendiam obter poder. Era nesta constante disputa entre
agentes e áreas de poderes que a vereação municipal desempenhava um papel fulcral
no governo do concelho. Órgão de características mistas (governativa e judicial), o seu
desempenho fazia-se sentir ao longo dos diversos autos registados nos livros de actas
de câmara, relacionados com uma lógica contextual do universo autárquico, sempre
inseridos no princípio da jurisdição (iurisdictio). Por isso, importava regulamentar tais
actos, fomentando a participação dos eleitos, regendo a actividade municipal e,
sobretudo, definindo normas de acção e de comportamento dos seus participantes.
As Ordenações Filipinas estipulavam que os juízes (ordinários ou de fora)
participassem sempre nas reuniões de câmara para, conjuntamente com os outros
elementos, estipularem e regerem tudo o que era de bem comum, direito e justiça de
forma a zelarem pelo bom regimento da autarquia159. Pela mesma legislação, deveriam
ainda estar presente nestes actos administrativos dois juízes ordinários, três
vereadores e um procurador. No entanto, em Penalva até à tomada de posse do juiz de
fora, esta prática nem sempre era cumprida, sendo frequentes as sessões constituídas
pelo juiz mais idoso e dois ou três vereadores. Por isso, são poucas as reuniões160
composta por todo o elenco governativo. Prova do deficiente funcionamento são as
constantes deliberações autárquicas para que vereadores e procuradores
compareçam, uma vez que a sua ausência significava a nulidade destes actos161. Muitas
vezes os eleitos, procurando justificar as faltas alegavam que não tinham sido avisados
dos autos ou da sua nomeação162.
159 Ordenações Filipinas, Livro I, Titulo 35, § 2, p. 135 160 Em todas as reuniões do senado da Câmara o escrivão assentava as decisões nelas produzidas nos denominados
livros de vereação, nos quais podemos observar os problemas, preocupações, decisões, nomeações, etc... 161 A 16 de Dezembro de 1761 foi deliberado pelos oficiais de câmara que “(...)nenhum auto de câmara que se tiver feito
ou se fizer daqui em diante sem presidir o procurador actual os são por nulos, e de ninhum efeito so constando
legitimamente por minha fé de mi escrivam o dito procurador se acha ausente fora do dito
concelho(...)”A.C.M.P.C./ADT/ADT-VER/011, f. 87. 162 A.C.M.P.C./ADT/ADT-VER/011, f.89v
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
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Tal comportamento administrativo originava uma confusão organizativa
degenerando num vazio de poder, que levava à anulação de várias reuniões de câmara.
No âmbito das suas funções, o corregedor da comarca de Viseu, em visto de correição
assentou que “(...)Os juizes façam as audiencias a horas determinadas e que se alguma
pessoa perturbar ou fazer tumulto ele juiz prenderá e autuará com pena de culpa se
assim o manobrar e que não tenham assessores clérigos e que se algum clérigo tiver
requerimento em audiencia primeiro que tudo o fará e farão por fora da Casa da
Câmara e que os vereadores tantas vezes acharem os gados nos coitos a coimem à
cabeça a vinte reis e que nam consintam cabras a onde houver arvores de fruto que
faça executar os acórdãos da câmara e capitolos da correisam e que não façam juizes
que sejam parentes dos escrivãens(...)”163. Pela diversidade de assuntos abordados, o
documento merece uma atenção especial, pois regimenta as reuniões, determina o
horário, estabelece o direito de ordem na sessão, exclui os elementos do clero e
parentes de eleitos do funcionamento administrativo dos actos e delibera várias acções
de âmbito económico a desempenhar pelos titulares dos lugares.
O regulamento do senado não era constante podendo o cerimonial ser alterado,
como aconteceu na sessão de 24 de Outubro de 1806. Depois de terem eleito o capitão
José Figueiredo de Albuquerque de Vila Cova para vereador de barrete, o executivo
voltou a reunir para mudarem o regulamento das sessões, uma vez que o nomeado
acumulava o cargo com as suas obrigações militares, o que impelia a um ajustamento
de horários, iniciando-se agora a sessão às duas da tarde164.
No ano seguinte, modificou-se novamente a hora do encontro, determinando-se
que as reuniões se iniciassem sempre à uma da tarde165. Existia um cerimonial muito
próprio, pelo qual os eleitos tinham de se reger e cumprir, devendo para isso recorrer
ao uso de certos objectos que se constituem como verdadeiros símbolos de poder.
Destacam-se: as varas dos juízes, ícone da justiça municipal, vermelhas e brancas, de
acordo com a sua categoria (ordinário ou de fora); a arca dos pelouros, pequeno
recipiente onde se colocavam os votos/nomeações dos eleitos e o estandarte do
município, geralmente levado na procissão de Corpo de Deus, que se fazia anualmente
163 DSRA, Actas da Câmara, 1780-1784, f. 2 (apenso ao livro) 164 DSRA, Actas da Câmara, 1805-1808,, f.48 v 165 DSRA, Actas da Câmara, 1805-1808,, f.67
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
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à Senhora do Castelo, em Mangualde 166 167. Outro ritual estabelecido era o toque dos
sinos antes das reuniões de câmara, alertando e convocando a população para o acto.
Para além destes dois elementos, participavam também nas reuniões de
Câmara, os três vereadores e o procurador. Este último era conjuntamente com o
magistrado, o participante mais assíduo.
Uma presença habitual era a do escrivão da câmara (que não tem direito de
voto) que “assessorava” e redigia as actas de vereação. São raras as presenças de
outros elementos, ou de grupos/classes sociais, mas, por vezes, e esporadicamente,
surgem referências a alguns sacerdotes, mas porém, de uma forma geral, isto
acontece na tomada de posse de algum ouvidor, na eleição das justiças, etc...
As reuniões alargadas constituem, de facto, o momento em que o clero, a
nobreza, alguns artífices e homens bons tomam presença na discussão dos assuntos
de interesse local, que extrapolam o normal decorrer da vida municipal. As suas
assinaturas no final da acta comprovam a sua presença e responsabilizam-nos pelas
decisões tomadas. Vulgarmente as reuniões são precedidas de pregões em que a
câmara convida todos a tomarem parte das decisões que hão de ser debatidas.
Apesar de todo o respeito e simbolismo, à volta das vereações, o correcto
funcionamento do modelo municipal só foi possível através da intervenção de actores e
agentes, que num equilíbrio político, judicial e económico, mais ou menos
estável/instável, procuraram as melhores condições de poder para exercitarem os seus
dotes de administração, e vice-versa, dando tratamento a imperiosas necessidades e
realidades do concelho.
Nas reuniões do senado resolviam-se as questões públicas, cumpria-se o
exercício do poder legado por posturas municipais ou leis reais, mas para além de
todas as decisões de carácter político-administrativo, resolviam-se outros problemas
de ordem social e familiar, não existindo desta forma, na comunidade Penalvense de
então, uma distinção completa e clara entre o interesse publico e o privado.
Por isso, importa analisar mais de perto quem eram estas gentes da
governança, como constituíam o aparelho administrativo, judicial e burocrático, da
autarquia Penalvense, procurando saber o que faziam, quais os ofícios que ocupavam,
166 DSRA, Actas da Câmara, 1805-1808, f.68, 167 Em 1997, aquando de obras nas caves do edifício dos paços do concelho situado na Rua 1º de Dezembro, deparou-se
com um pedaço de tecido que estava metido numa saliência da parede, entre dois blocos graníticos, que veio a revelar-se
como os restos do antigo estandarte. Bordado a fio de ouro, dos dois lados, foi limpo e colocado numa moldura na sala
de sessões onde ainda hoje se encontra.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
88
que acções implementaram, qual a actividade que desempenharam no exercício da
administração municipal...
2.5.1. O Processo Eleitoral
Cada município possuía a sua estrutura, liberdades, concessões e privilégios
constituindo uma espécie de subpoder, de reduzido cariz territorial. Assim, a
necessidade do exercício do poder local obrigava à existência de pessoas com
capacidade de governação nos inúmeros municípios do país; ora isto nem sempre
acontecia numa época em que o nível de instrução era baixíssimo, resultando numa
concentração de vários cargos e postos em torno de poucas famílias.
O poder centralista do Antigo Regime enfrentava no país real diversas
adversidades que passavam pela inexistência de quadros técnico-administrativos
especializados168, de equipamentos, recursos financeiros sólidos, etc... Outro problema
advinha da morosidade das comunicações que por vezes levava ao não cumprimento e
ao desconhecimento da legislação régia.
Com um suporte jurídico-administrativo que advém das Ordenações Afonsinas,
Manuelinas e que posteriormente transitaram, quase sem nenhuma alteração, para as
Ordenações Filipinas, as eleições para os cargos municipais obedeciam a um ritual
muito próprio que importa aqui focar de uma forma sucinta:
“Antes que os officiaes do derradeiro anno da elleição passada acabem de servir,
nas oitavas do Natal do mesmo anno sejam juntos em Camera com os homens
bons e povo, chamado a Concelho, e o Juíz mais velho lhe requererá, que
nomêem seis homens para Eleitores; os quaes lhe serão nomeados
secretamente, nomeando-lhe cada hum seis homens para isso mais aptos, os
quaes tomará em scripto o Scrivão da Camera (...). E mandem-lhes, que cada
dous dêm per scripto apartado per si quaes lhe parecem pertencentes para
Juízes: e em outro titulo quaes para Vereadores: e em outro para Thesoureiros ,
onde os houver: (...) Porém os Eleitores cada dous em seu rol não nomearão mais
pessoas, que as necessarias para servirem os ditos Ofícios tres annos (...) 3. E o
168 A falta de quadros especializados que abrangesse todo o território nacional provocava o recurso aos meios humanos
locais cujo conhecimento e interpretação da lei variava de situação para situação, originando múltiplas interpretações
legais e administrativas.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
89
saco dos pelouros se meterá em hum cofre de tres fechaduras, das quais terão
as chaves os vereadores do ano passado, cada hum sua, e não darão a chave a
outro, em modo que nunca hum tenha duas chaves. E cada hum irá, quando
cumprir, abrir a fechadura, de que tiver a chave; e o que der a chave a outro, que
outra tenha, e o que a receber, será degradado hum ano para fóra da vila e seu
termo, e pagará quatro mil reis, a metade para captivos, e a outra para quem
acusar.(...) E no tempo que houverem de tirar os pelouros, segundo seu foro e
costume, mandarão pregoar que venham a Concelho; e perante todos hum moço
de idade até sete anos metterá a mão em cada repartimento, e os que saírem nos
pelouros, serão oficiaes esse ano, e não outros.(...) E se este, que assi for eleito
em lugar de outro, sair em outro anno por oficial de algum oficio dos ditos
pelouros, servirá todavia o oficio em que sair. E não se escusará (3), por assi ter
já servido o oficio, para que foi eleito, por morte, absencia ou impedimento do
outro.(...) E os Juízes, que saírem per pelouros, mandarão requerer as cartas
para usarem (4) de seus oficios aos Desembargadores do Paço, ou ao corregedor
da comarca, ou ao senhorio da terra, se para isso per sua doação, ou privilegio
lhe for dado poder. E até que hajam as ditas cartas, não usarão dos ditos oficios.
E fazendo o contrario, haverão a pena, que houvermos por bem.
(Ordenações Filipinas, Liv.1, Titulo LXVII).
Era, pois, segundo esta indicação que o processo em Penalva decorria, apenas
com algumas salvaguardas estipuladas pela lei em relação à posse do donatário e à
sua jurisdição. O sistema de votação trienal, indirecta e parcial, baseava-se numa
assembleia municipal constituída pelos homens bons do concelho, nobreza local,
alguns elementos do povo e homens de ofícios. A assembleia escolhia seis eleitores
que deveriam, agrupados dois a dois, indicar através de uma listagem as pessoas mais
hábeis para a governança do concelho.
No fim da elaboração das 3 listagens, o juiz mais idoso aferia as indicações e
escolhia os indivíduos “(...)que mais vozes tiverem(...)”169. Geralmente o processo atrás
referido competia ao corregedor, mas no caso de Penalva não se detectou a sua
presença em processos eleitorais. Posteriormente elaborava-se uma pauta com os
escolhidos por função (vereadores, procuradores e juízes) e procedia-se à sua
distribuição por pelouros. Surge assim o núcleo do corpo colegial concelhio a que se 169 Ordenações Filipinas, Liv. I, Titulo LXVII, ob. cit.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
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virá a chamar, mais tarde a Câmara e sobre o qual passa a impender a
responsabilidade da gestão dos negócios do concelho.
O alvará de 12 de Novembro de 1611 possibilitou algumas alterações reforçando
o poder do ouvidor que passou a poder nomear 2 ou 3 pessoas de entre as “(...)das mais
antigas e honradas, e de que tenham informação que são zelosos do bem público, e de
sãs consciencias (...)”170. Penalva era um concelho em que a presença do ouvidor, ao
contrário do corregedor, se fazia sentir sempre que a reunião da Câmara abordava
algum assunto mais sensível como era o caso da escolha dos indivíduos que iriam
ocupar a vereação.
A 4 de Dezembro de 1761, em reunião da Câmara presidida pelo juiz ordinário
Dr. João da Costa Soares, onde estava presente o ouvidor, o Dr José António Ferreira
Pinheiro Amado foi mandado vir “(...)perante sim aceitados pillouros das justiças para
as verem de se abrir e tirarem os pillouros das justiças que ham de servir o anno de mil
setecentos e sesenta e dois annos e vindou assim a dita arca que se achava depositada
em a mam de Joze da Silva e logo pelo dito Juíz foy mandado abrir a dita arca e foi
aberta com a minha chave de mim escrivam e com a chave do Juíz e tam bem com a
chave do procurador do concelho e sendo asima aberto a dita arca foram tirados os
pillouros para Juízes e veriadores e procurador os quais pillouros foram tirados pella
mam de hum menino que tera de idade pouco mais ou menos coatro annos o quais
foram tirados por elle dito menino o qual pilouro foi aberto por mim escrivam da
camera na prezença do dito Juíz e doz mais oficiais de camera e mais povo nam se lhe
manifestando publicamente o dito pilouro por de verificar em segredo da camera que
assim se lhe encarregou debaixo de juramento que tomaram de seus oficios e
cargos(...)”171.
Depois de todo um ritual muito próprio os nomes apurados eram enviados pelo
ouvidor à donatária, a Marquesa de Penalva, que os deveria confirmar «na forma das
doaçois». Dois meses mais tarde, a 12 de Fevereiro de 1762, voltou-se a fazer nova
reunião de câmara, na qual o ouvidor apresentou a confirmação dos eleitos.
A finalizar o processo eleitoral, a Marquesa recomendava ao executivo em
funções que deveria mandar chamar à Câmara os eleitos aprovados e notificá-los da
parte do Rei e da sua aceitação, para exercerem as funções nas quais foram nomeados.
170 Regimento para a eleição dos Vereadores, de José Justino de Andrade Silva, s/d. 171 ACMPC/ADM/ADT-VER/10, f.45
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
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O juramento dos eleitos decorreu nesse mesmo dia à excepção do vereador Manuel
João que não apareceu, tendo sido imediatamente notificado para tomar posse sob
pena de prisão. De facto, era bastante comum os eleitos escusarem-se a cumprir
funções no exercício da governança, o que obrigava a reuniões suplementares para o
preenchimento desses lugares. Se à primeira vista, a nomeação e eleição de um
indivíduo para estes cargos trazia prestígio e honra, por outro lado, podemos constatar
que os fracos recursos económicos dos pequenos municípios levavam ao desgaste
financeiro dos eleitos, sendo por isso normal a existência de frequentes pedidos de
escusas. No entanto, tal tendência contribui ainda para uma concentração de cargos
em torno de uma elite local, que aliava ao poder económico o poderio político.
Com este mecanismo eleitoral, o donatário conseguia limitar o acesso à
governação, procurando controlar o município, e contribuindo para a aristocratização
do poder autárquico. Assim, com o desenrolar dos anos, as classes dirigentes
mantinham o poder através de um compromisso secular entre a família e o “status
social ” à qual pertenciam.
Até a criação do lugar de juiz de fora em terras de Penalva, em 1802, as
reuniões de Câmara eram presididas pelo juiz ordinário mais idoso. Cabia-lhe dirigir a
sessão podendo ter voz decisória em casos de empate. Nestas reuniões só em casos
excepcionais é que o segundo magistrado tomava parte das decisões pois muitas vezes
nem sequer participava nelas. A sua interferência dava-se apenas em casos de
substituição do togado mais velho, ou em reuniões cujo interesse para a comunidade
era bastante elevado, necessitando-se da intervenção de todo o senado.
2.6. Magistrados da Administração Peri fér ica
2.6.1. Corregedores
Funcionário régio de nomeação trienal, o corregedor exercia a sua jurisdição
numa área territorial definida - a comarca, fazendo assentar a acção por uma
formalidade ritual de todo um desempenho jurídico, que se sentia no seu
intervencionismo político, social e económico.
Os corregedores eram nomeados directamente pelo rei, por um período trienal
e a execução da actividade exercia-se consoante uma trilogia: inquirir, julgar e
fiscalizar, em três grandes áreas: política, justiça e polícia.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
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Na primeira eram responsáveis pela coordenação e alçada dos municípios da
comarca, autorizando e estabelecendo fintas, confirmando as pautas dos eleitos,
verificando as receitas e despesas das edilidades, controlando o cumprimento de
posturas, acórdãos e das Ordenações. No campo da justiça defendiam a lei geral e a
ordem pública, indagavam a aplicação da justiça, das sentenças, inquiriam as justiças
locais e a sua acção, conheciam os agravos das decisões interlocutórias, devassavam
sobre crimes com gravidade, conheciam as justiças senhorias e as suas implicações
perante a lei geral, etc...172 Em termos de polícia são os responsáveis pelas inquirições
aos médicos, cirurgiões e escrivães, combatiam o contrabando de cereais,
inspeccionava as obras públicas e os equipamentos concelhios (casa de câmara,
estradas, prisões, etc...). De âmbito alargado, este magistrado ordinário da
administração real periférica orientava influência e poderes através de uma gestão
tutelar, reforçada por visitas pontuais.
Neste concelho, o exercício da actividade esbarrava, em primeiro lugar, com o
poder e acção dos donatários e seus ouvidores sendo frequentes as tensões e conflitos,
que insidiam sobretudo na jurisdição senhorial. Por outro lado, as elites locais e as
justiças municipais também não viam com bons olhos o exercício dessas funções,
apesar de inúmeras vezes recorrer aos seus préstimos jurídicos para resolverem e
esclarecerem dúvidas de teor legal.
Em Penalva a tutela do corregedor era diminuta até à publicação da Lei de
extinção dos Senhorios em 1790, mas a partir daqui o seu papel vai ser alargado,
passando os eleitos municipais a tirarem a carta perante o corregedor da comarca,
substituindo assim, o reconhecimento das pautas pelo donatário.173 Até essa data
competia-lhe sobretudo superintender e zelar pelo cumprimento da lei geral, impedir
abusos do donatário e ouvidor, esclarecer juridicamente as justiças locais, impedir o
contrabando de cereais, autorizar e colocar fintas, fiscalizar a administração financeira
e efectuar a sua visitação anual ao concelho. Após esse acontecimento, a acção do
togado começou a ser mais extensa incidindo sobre competências um pouco dúbias e
começando a disputar com o donatário do concelho a confirmação das justiças.
Aquando da correição de 1792, e verificando que a composição do senado era
exactamente a mesma do ano transacto, uma vez que ele não tinha sido confirmado por
172 Hespanha, António Manuel, As Vésperas do Leviathan. Instituições e poder político em Portugal no séc. XVII, Coimbra,
Almedina, 1994, p.199 173 DSRA, Actas da Câmara, 1788-1794-, f. 6
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
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parte do Marquês de Penalva, o corregedor Dr. José Rebelo Saraiva mandou que no dia
seguinte, na sua presença, fosse aberto o pelouro para a eleição dos novos corpos
governativos da câmara.174
As correições eram minuciosas e abordavam toda a actividade autárquica
desempenhada pelas justiças locais, pretendendo o seu ajustamento à realidade local,
sobretudo na cobrança de impostos e rendas como o que aconteceu na visita de 1770,
na qual o magistrado caracterizava a finta para os enjeitados como exorbitante e
excessiva. Mas, a plenitude do seu exercício do poder recomendava à câmara lançar o
imposto para os expostos, devendo ter obrigatoriamente uma relação das crianças que
se encontravam sobre a tutela. A acção fiscalizadora era outra das suas facetas e como
lhe constou que existiam diversos abusos - e como as amas ainda não tinham recebido
o dinheiro - mandou que lhe fosse entregue o livro da receita e da despesa para “(...)se
averiguar quantos foram os meninos, quaes as amas, e o recebido destas(...)”175.
O critério rigoroso com que expunha opiniões e sugeria medidas levara a
mandar executar disposições relacionadas com a economia e o abastecimento das
populações, destacando-se as posturas e acórdãos sobre a criação de gado, aferição de
medidas, higiene pública, os produtos alimentares (azeite, cereais, frutas, etc...).
Tornou-se muito activo quando Portugal entrou em conflitos armados e
articulou os empréstimos ao estado em plena da Guerra das Laranjas176 e auxiliou o
exército, nas invasões francesas, através da aquisição e requisição de juntas de bois,
fardamentos, alimentação para os soldados e na articulação e conjugação dos senados
municipais na defesa do país177.
Em balanço, vemos que acção do magistrado se fez sentir na supervisão e na
regulamentação dos actos de câmara e dos oficiais municipais, aplicando leis,
sugerindo opções e impondo uma acção tendencialmente uniformizadora, que o
senhorio arcava e acatava enquanto ordem real estabelecida, até que os seus
privilégios, direitos e poderes fossem cumpridos. Podemos afirmar que, até à
publicação da legislação de 1790-92, o donatário/ouvidor e corregedor viviam numa
espécie de coabitação mútua na qual estabeleciam as suas relações e acções de poder,
no concelho de Penalva do Castelo.
174 DSRA, Livro do Corregedor, f. 95 175 DSRA, Actas da Câmara, 1768-1772, f.59 v. 176 DSRA, Actas da Câmara, 1805-1808,, f.17 177 DSRA, Actas da Câmara, 1805-1808, f.49v
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
94
2.6.2. Juízes de Fora
Representante do poder real junto das comunidades, o juiz de fora era um oficial
letrado, provido trienalmente para um concelho através de nomeação régia, onde
aplicava a sua jurisdição. Ao contrário dos juízes ordinários, eram magistrados com
formação académica em leis, portadores de uma cultura legal, procurando a isenção e
uniformização do direito, junto das comunidades locais.
Como o nome indica estes magistrados eram estranhos ao município onde
trabalhavam, procurando uma maior isenção e autonomia em relação aos poderes
locais instituídos. De nomeação trienal, em Penalva do Castelo competia ao donatário
propor ao rei, uma listagem contendo os nomes daqueles que achava mais aptos para
tais atribuições. Praticamente adquirida achava-se a aprovação real.
QUADRO XV
Relação dos juízes de fora que exerceram funções em Penalva entre 1802 e 1833
Mandato Juiz de Fora Proposta do
donatário
Nomeação
régia
Despacho do
Desembargo do
Paço
Data de
tomada de
posse
1802-05 António Joaquim da
Silva Marques Pereira
Couto
- - 20 de Fevereiro de
1802
1 de Abril de
1802
1805-10 Francisco Pinto Coelho
e Castro
- - 14 de Novembro de
1804
23 de Abril de
1805
1810-14 Francisco Luis Teixeira
da Mota
- - - 30 de Junho de
1810
1814-16 Joaquim Pereira
Macedo
3 de Fevereiro
de 1813
29 de Maio de
1813
- -
1816-19 Pedro Mendes de
Abreu
21 de Janeiro
de 1816
6 de Julho de
1816
- 5 de Abril de
1817
1820-23 Francisco António de
Andrade Moura Melo
Noronha Lencastre
3 de Agosto de
1818
18 de Dezembro
de 1818
- -
1823-24 Joaquim Rebelo da
Serra Chuquere
- - 15 de Março de 1823 -
1824-27 Francisco Assis Gomes
Miranda
8 de Junho de
1824
28 de Junho de
1824
- 1 de Junho de
1826
1827-33 Francisco Assis Gomes
Miranda
18 de Setembro
de 1827
16 de Outubro
de 1827
- -
Ficou implícita a formação deste cargo a partir da publicação da Lei de 1790, a
19 de Julho de 1790, mas a sua criação só veio a ocorrer com Alvará régio de 27 de
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
95
Janeiro de 1802) e o provimento do lugar só se deu a 20 de Fevereiro de 1802, com a
nomeação régia do primeiro magistrado, o Dr. António Joaquim da Silva Pereira Couto.
O togado tinha como área jurisdicional os municípios de Penalva do Castelo e de Golfar
(Sátão), ambos pertencentes ao Marquês de Penalva.
Nas actas da reunião de câmara, de 18 de Março de 1802, está registada uma
carta sua avisando o senado que iria chegar brevemente para tomar posse178 e de facto,
isso aconteceu no primeiro dia de Abril desse ano, com a presença dos notáveis do
concelho e das justiças de Golfar179. A 9 de Agosto, acordaram os executivos das duas
câmaras municipais dividirem os emolumentos do magistrado proporcionalmente ao
número das suas freguesias, doze e quatro respectivamente180.
O exercício do togado foi contudo fundamental para uma reestruturação da
execução administrativa, notando-se esse efeito sobretudo nas actas do senado, mais
pormenorizadas, abrangentes e precisas. Não se pode afirmar que existiu uma
revolução processual das reuniões e do registo das mesmas, mas o que se nota é a
emanação dos conhecimentos legais e de uma experiência anterior, aliada a um
orgulho profissional
Até à extinção do cargo com a reorganização municipal, empreendida por
Mouzinho da Silveira, foram várias as pessoas que desempenharam essas funções no
município de Penalva do Castelo, pelo que urge esclarecer alguns dados biográficos
sobre cada um deles.
- António Joaquim da Silva Marques Pereira Couto -
Foi o primeiro magistrado a ocupar o cargo de juiz de fora no concelho de
Penalva. Natural da freguesia de Santiago de Bedoido (Estarreja) era filho e neto de
magistrados181. Proveniente de uma das mais distintas famílias da comarca, pessoa de
boa vida, de louváveis costumes, entrou para a governança com 22 anos, solteiro,
possuindo rendimentos das suas fazendas182. Pagou 30.000 reis pelas despesas das
178 DSRA, Actas da Câmara, 1805-1808,, f.30 179 DSRA, Actas da Câmara, 1805-1808,, f.31 v 180 DSRA, Actas da Câmara, 1800-1805, f. 59 v. 181 O seu pai era o Dr. Agostinho Marques Pereira do Couto, cavaleiro da Ordem de Cristo e o avô era o Dr. Vitoriano
Pereira da Cruz. Pela parte materna os seus avós eram o capitão António Soares e Maria da Silva
182 I.A.N./T.T.- Desembargo do Paço, Leitura de Bacharéis, A, maço 25, n.º3
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
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habilitações e iniciou a carreira profissional a 21 de Julho de 1778, tendo sido nomeado
juiz de fora de Ovar183.
Aquando da criação do cargo em Penalva do Castelo, foi nomeado por indicação
régia, de 20 de Fevereiro de 1802, para exercer essas funções com predicamento de
primeiro banco184, onde ficou durante três anos até ser nomeado, a 22 de Novembro de
1805, corregedor de Viseu185186. Existe ainda um alvará de predicamento para o lugar de
corregedor da comarca de Aveiro187, mas tal fico sem efeito uma vez que seu
desempenho profissional proporcionou-lhe a recondução no cargo que ocupava em
Viseu. Mais tarde à ascensão na carreira pública levou-o a desembargador do Porto.
Encontrou-se ainda uma nomeação para juiz de fora em Lagos, mas como não
tomou posse é credível que tenha sido anulada188, mas a 4 de Maio de 1825, conseguiu
carta de professo do hábito da Ordem de Cristo189.
- Francisco José Pinto Coelho de Castro -
Natural de Celorico de Basto, comarca de Guimarães na época, era bacharel
formado pela Faculdade de Leis na Universidade de Coimbra. A família estava ligada à
administração pública, pois o pai, José Bernardo Ferreira de Castro, tinha sido
bacharel, da mesma forma que o seu o avô materno, o Dr. Bernardo António Camelo de
Sousa190. Obteve a carta de juiz de fora de Penalva, a 14 de Novembro de 1804191 e
provisão para poder por seu procurador prestar juramento de estilo na chancelaria mor
do reino. Tomou posse a 23 de Abril de 1805 e manteve-se no lugar até 1810.
Em 1823 foi nomeado corregedor do cível de Lisboa192 e três anos mais tarde, a
13 de Outubro de 1826, D. João VI concede-lhe alvará de Desembargador graduado na
Suplicação, servindo de corregedor do cível de Lisboa193.
183 I.A.N./T.T.- Desembargo do Paço, Leitura de Bacharéis, A, maço 25, n.º3 184 I.A.N./T.T.- Chancelaria D. João VI, livro 1, f.288. 185 I.A.N./T.T.- Chancelaria D. João VI, liv.7, f. 261. 186 I.A.N./T.T.- Chancelaria D. João VI, liv. 10, f.273. 187 I.A.N./T.T.- Chancelaria D. João VI, liv.8, f.111. 188 I.A.N./T.T.- Desembargo do Paço, Leitura de Bacharéis, letra a, maço 25, n.º3 189 I.A.N./T.T.- Chancelaria D. João VI, liv.20, f. 103 v. 190 I.A.N./T.T.- Desembargo do Paço, Leitura de Bacharéis, letra F, maço 21, n.º10 191 I.A.N./T.T.- Chancelaria de D João VI, livro n.º 6, f.143 v. 192 I.A.N./T.T.- Chancelaria de D. João VI, liv. 17, fl. 242 v. 193 I.A.N./T.T.- Chancelaria D. João VI, Livro 22, f.140.
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Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
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Progrediu na carreira pública tendo obtido carta de desembargador da relação
do Porto com exercício de ajudante do Intendente Geral da Polícia, a 12 de Julho de
1828194.
- Francisco Luís Teixeira da Mota -
Bacharel formado em Leis pela Universidade de Coimbra, era filho de Tomé
Luís Teixeira da Mota e de Luísa Teresa Mota, todos naturais de Basto, comarca de
Guimarães. A sua data de formatura foi em Julho de 1799, mas só passados nove anos,
a 4 de Abril de 1808, é que obteve carta do lugar de juiz de fora da vila de Penalva195,
onde esteve entre 1810 e 1814.
Devido à agitação política e social que o reino atravessava, só tomou posse do
cargo a 30 de Junho de 1810196, tendo desempenhando-o até 1814197.
Em 6 de Junho de 1821 recebeu a carta de juiz de fora de Miranda198 e a 31 de
Janeiro de 1825, alcançou a carta de profissão do Hábito de Cristo199, tendo sido nesse
mesmo ano nomeado para provedor da comarca de Portalegre. Todavia tal nomeação
que ficou sem efeito por ter recebido, a 6 de Agosto de 1825, o mesmo lugar em
Guimarães200.
- Joaquim Pereira de Macedo -
Morador em Lamego foi inquirido a 7 de Fevereiro de 1811 e aprovado a 13 de
Fevereiro de 1812, tendo sido nomeado para o cargo de juiz de fora do concelho de
Penalva e de Gulfar, a 2 de Dezembro de 1813201. Filho de José de Macedo Ribeiro e de
Maria do Rosário Pereira da Paz era “(...)pessoa de boa vida e costumes, solteiro e
geralmente por todos estimado em razão das amáveis qualidades de que he
dotado(...)”202.
194 I.A.N./.T.T.- Chancelaria D. Pedro IV, livro 1, fl. 191v. 195 I.A.N./T.T.- Chancelaria de D Maria I, livro n.º 78, f.256 v. 196 DSRA, Actas da Câmara, 1805-1808, f. 55 v. 197 I.A.N./T.T.- Desembargo do Paço, Autos de Residência, Beira, maço 1018. 198 I.A.N./T.T. - Chancelaria de D. João VI, Liv. 15, f. 62v. 199 I.A.N./T.T. - Chancelaria de D. João VI, Liv. 20, f. 33 200 I.A.N./T.T.- Chancelaria de D. João VI, Liv. 20, f. 194. 201 I.A.N./T.T.- Chancelaria de D. João VI, Liv. 12, f. 107 202 I.A.N./T.T.- Desembargo do Paço, Leitura de Bacharéis, maço 72, nº 51.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
98
Tinha estagiado no “auditório” do Doutor António Cardoso de Meneses
Montenegro, juiz de fora com alçada e predicamento de correição ordinária em
Lamego203. Serviu em Penalva e Golfar desde 28 de Janeiro de 1814 até 5 de Abril de
1817. Era intenção do Marquês reconfirmá-lo no lugar, mas em carta enviada ao
donatário, o magistrado pediu que não o fizesse uma vez que os seus mais serios
interesses chamavam-no a viver algum tempo na sua casa204. Estranhando essa atitude,
o Marquês de Penalva questionou-o novamente, ao qual ele respondeu alegando que
“(...)a experiencia que tem feito conceber prova ideia das minhas qualidades muito
inferior à importância deste emprego em geral, e especialmente quando se trata de
servir tão melindroso lugar de Penalva. Eu tenho concebido delle hum secreto
disgostoso por motivos gerais, e por outros, que lhe são particulares(...)”205. Tão sincera
afirmação remete-nos para possíveis problemas e tensões durante o exercício do seu
mandato como magistrado, mas a inexistência das actas de câmara deste período,
impede-nos a sua verificação.
Voltou a exercer funções no aparelho do Estado, a 16 de Janeiro de 1824,
quando D. João VI o nomeou Juiz de Fora do Porto.
- Pedro Mendes de Abreu -
Licenciado pela Universidade de Coimbra era filho de Manuel Mendes da
Fonseca e de Rosa Maria de S. José, solteiro e “(...)bem morigerado, católico romano,
familia à lei da nobreza(...)”206. Foi admitido na magistratura a 14 de Junho de 1815,
tendo sido proposto pelo Marquês de Penalva para o cargo a 21 de Janeiro de 1816 e
confirmado pelo monarca a 6 de Julho. Exerceu funções entre 5 de Abril de 1817 a 17
de Abril de 1820.
Se Joaquim Pereira Macedo não queria ser nomeado para outro mandato, o seu
sucessor fez questão de lembrar ao donatário que poderiam novamente ser indigitado
bastando para isso o requerimento ao rei.207
Recebeu carta de hábito a 21 de Junho de 1824, tendo sido posteriormente
reconduzido no lugar de juiz de fora do crime de Santarém, a 23 de Dezembro de
203 Idem 204 B.N., Arquivo Tarouca, cota 353, armário 5º, letra s, maço 20, nº 12 205 B.N., Arquivo Tarouca, cota 353, armário 5º, letra s, maço 20, nº 5 206 I.A.N./T.T.- Desembargo do Paço, Leitura de Bacharéis, maço 9, n.º 16 207 B.N., Arquivo Tarouca, cota 353, nº 49
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
99
1825208. Foi-lhe dada carta de juiz de direito do julgado de Penalva, dez anos mais tarde,
a 20 de Outubro de 1835209.
Com o advento liberalista continuou a pertencer ao aparelho judicial do estado e
a 15 de Maio de 1839 obteve a transferência de juiz de Direito substituto da comarca de
Vouzela para a Comarca de Viseu210. Quatro anos mais tarde foi nomeado juiz de direito
da comarca de Mangualde211.
- Francisco António de Andrade Moura Melo Noronha -
Aquando da sua inquirição tinha 26 anos, curso de leis na Universidade de
Coimbra. Natural de Vila da Feira, pagou 30.000 reis para entrar na carreira pública
tendo iniciado funções de 19 de Setembro de 1815. Filho de Luís António de Andrade e
de Brígida Maria da Silva Moura, o seu avô paterno era o bacharel António Luís de
Andrade212. Foi a primeira escolha do Marquês do Alegrete para exercer o lugar de juiz
de fora em Penalva, por carta de 3 de Agosto de 1818, que foi confirmada pelo rei em 18
de Dezembro de 1818. Só tomou posse do cargo em 1820 e desempenhou-o até 1823.
- Joaquim Rebelo da Serra Chuquere -
Formado pela Faculdade de Canônes da Universidade de Coimbra era natural da
quinta do Vale Côvo, freguesia de Paradela, Sever do Vouga, comarca de Aveiro, filho de
João da Serra Chuquere e de Thomasia Casemira213. Em 19 de Dezembro de 1818,
pagou 40.000 reis para se habilitar aos lugares de letras. Trabalhou no escritório do
Doutor Joaquim José Francisco de Araújo, ex-juiz de fora de Coruche, e segundo a
informação do corregedor de Aveiro em 23 de Abril de 1819 era “(...)solteiro, bem
morigerado, prudente, hábil e por isso digno de entrar na carreira(..)”214.
208 I.A.N./T.T.- Chancelaria de D. João VI, Liv. 20, f. 283 209 I.A.N/T.T.- Chancelaria D. Maria II, livro 25, f. 77v-78 210 I.A.N./T.T.- Chancelaria de D. Maria II, livro 10, fl. 114-114v 211 I.A.N./T.T.- Chancelaria de D. Maria II, livro 20, fl. 22v - 23 212 I.A.N./T.T.- Desembargo do Paço, Leitura de Bacharéis, maço 24, n.º 34 213 I.A.N./T.T.- Leitura de Bacharéis, 1818, Maço 76, nº 29 214 I.A.N./T.T.- Desembargo do Paço, Leitura de Bacharéis, maço 76, n.º 29
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
100
A 15 de Março de 1823, foi nomeado juiz de fora de Penalva,215 onde acabou por
ficar a residir e em 1828 é um dos mais votados, para pauteiro das eleições de 1829,
1830 e 1831, tendo exercido funções na governança.
- Francisco Assis Gomes Miranda -
De todos os magistrados que exerceram funções em Penalva do Castelo, este é
aquele cujo percurso profissional menos se conhece, apenas existindo breves
referências ao seu percurso na magistratura. Recebeu carta de juiz de fora a 6 de
Março de 1820216 e em 1824 encontra-se em Penalva. Devido ao seu zelo, honra
préstimo e actividade no desempenho das funções foi proposto pelo Marquês, em lista
única, ao rei, que o reconduziu no lugar217.
Mais tarde, por nomeação de D. Maria II, datada de 20 de Dezembro de 1834, vai
desempenhar o cargo de juiz da relação dos Açores218.
215 I.A.N./T.T.- Chancelaria de D.João VI, livro 17, fl.81. 216 I.A.N./T.T.- Chancelaria D. João VI, Liv.22, fl. 27v 217 B.N., Arquivo Tarouca, cota 353, armário 5º, letra s, maço 20, nº 18 218 I.A.N./T.T. – Chancelaria D. Maria II, liv.3, fl.123-123v
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
101
2.7. Magistrados Locais
No executivo municipal, o cargo mais importante pela honra e pelo prestígio que
advinham do desempenho de funções era o de juiz. Gozando de autonomia, competia-
lhe presidir às sessões de câmara, zelar pela observância das leis reais, defender a
jurisdição real e particularmente em Penalva por vezes também a senhorial, vigiar o
desempenho dos demais oficiais concelhios, aplicar a justiça em primeira instância,
zelar pela manutenção da ordem pública e segurança, velar pela satisfação da
população, fiscalizar o cumprimento das medidas e actividades económicas, higieno-
sanitárias, das posturas municipais, etc...
O principal lugar das justiças locais em Penalva do Castelo foi ocupado por dois
tipos de magistrados em duas fases distintas. A primeira vai até 1802 e é composta por
dois juízes ordinários eleitos anualmente em escrutínio local, enquanto a segunda
inicia-se depois dessa data com a provisão do lugar de juiz de fora.
Em ambos os casos, os magistrados estavam sujeitos ao poder senhorial, uma
vez que os primeiros, apesar da eleição local, deveriam ser confirmados pelo donatário,
enquanto os segundos eram propostos pelo senhor ao rei, que atestava essa
nomeação. No entanto, cumpriam as suas funções com relativa autonomia
jurisdicional, fazendo da câmara municipal de Penalva do Castelo o centro efectivo de
decisão de todo o concelho. É notório que em muitos casos, depois de eleitos, os juízes
actuavam praticamente desvinculados da entidade que lhes confirmavam as pautas.
2.7.1. Juízes ordinários
Eleitos localmente de entre os melhores homens bons do concelho, o cargo de
juiz ordinário era de todos os lugares no executivo municipal, aquele que maior
prestígio social e reconhecimento tinham.
Em Penalva do Castelo existiram até ao início do século XIX, dois Juízes
ordinários como atestam as actas da vereação de anos tão afastados de 1596 ou 1718219.
Escolhidos de entre os homens bons da terra, estes oficiais de justiça podiam ou não
ser letrados e tinham como principais funções o cumprimento e manutenção da justiça,
da ordem pública, a regulamentação da vida municipal, etc.... Geralmente eram eleitos
dois, mas tal como acontece em Penalva do Castelo, só quando os assuntos o exigem, 219 Arquivo Câmara Municipal de Penalva do Castelo/ADM/ADT-VER/002 e 006
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
102
ou se revelam de maior importância, é que ambos compareciam às sessões de
Câmara, pelo que o normal é encontramos nas actas apenas a presença do juiz mais
idoso. Este lugar ao contrário dos juízes de fora não era cargo de carreira e a sua
validade limitava-se ao cumprimento do mandato. Competia-lhes ainda administrar a
justiça entre os vizinhos embora por via da confusão das tarefas judiciais e de
administração lhes competissem atribuições não litigiosas. Os lugares eram anuais e
electivos e tinham como função gerir em conjunto com os vereadores o concelho e o
seu termo.
Na prática, o juiz ordinário exercia praticamente as mesmas funções que o juiz
de fora, excluindo-se apenas a aplicação prática dos direitos comum e régio, fruto da
sua formação. Mas ao contrário desse, podia não ter formação jurídica, sendo até
frequente casos em que os titulares do cargo são analfabetos. Se numa primeira fase o
analfabetismo não era nenhuma inaptidão para o exercício do lugar, com a publicação
da Lei de 13 de Novembro de 1642, passou a ser proibido o desempenho das
magistraturas locais por analfabetos220.
Mas como distinguir os letrados dos iletrados, numa época em que saber
assinar poderia significar uma “douta ascensão social”? Essa questão levanta-nos
dúvidas uma vez, que da análise dos livros de actas apenas podemos retirar
informações da assinatura de presença de cada um deles. Todavia é bastante evidente
que uma caligrafia, mais elaborada e estilizada significa um maior treino e aptidão, pelo
que são notórios casos de pouco conhecimento letrado em diversos eleitos, mas não
tão reveladores como em muitos vereadores, que não sabem escrever e assinam de
cruz.
Procurando analisar tal factor, voltamos a cair na análise da assinatura dos
setenta e nove juízes que desempenharam funções entre 1758 e 1802. Desses, setenta
sabiam assinar, não se conseguindo apurar, se o faziam ou não, os restantes nove. Se
considerarmos que ser letrado e iletrado passa por saber escrever, ou não, o nome,
constatamos que essa definição não é a mais correcta, uma vez que para a época o
conceito era de um homem sciente, erudito e versado em letras.221 Contudo, para o
desempenho dos lugares apenas se pedia que conhecessem os usos e costumes da
terra, o direito consuetudinário, isenção e bom senso.
220 Hespanha, António Manuel, As Vésperas do Leviathan. Instituições e poder político em Portugal no séc. XVII, Coimbra,
Almedina, 1994, p.451-453 221 Bluteau, Rafael, Vocabulário portuguêz e latino, Lisboa, Oficina de Pascoal da Silva, 1716, t.5, p.90.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
103
A condição pouco literária dos juízes era também uma das alegações
efectuadas pela Marquesa de Penalva ao Desembargo do Paço, ao tentar obter para o
seu ouvidor o juízo privativo para a cobrança dos direitos do foral, uma vez que os
magistrados locais eram “(...)comunmente homem leigo, que nem sabe ler, nem
escrever, de sorte que estava sempre dependente de arbitrios de terceiros assessores,
para decidir qualquer matéria(...)”222.
É amplamente conhecido que a rotatividade das elites locais no desempenho
dos cargos municipais é elevada, especificamente dentro de um restrito grupo,
geralmente suportado por certas famílias, que forneciam grande parte dos eleitos. Isto
passa-se também na proveniência social dos juízes ordinários. Muitos deles são
originários da “nobreza de quinta”223, prestigiados grupos familiares, que gozam de
honra e de bom nome na governação, sendo por isso fácil qualquer dos seus elementos
fazer parte de restrito grupo. Ao longo deste período detectaram-se dezoito indivíduos
ligados à nobreza local, mais especificamente à Casa de Goje, Quinta da Moita, Casa
Coutinho e casa de Vila Mendo.
Por tudo isso, é frequente vermos um indivíduo a ocupar o mesmo lugar por
várias vezes, muitas da quais consecutivamente, desrespeitando, desta forma o
estabelecido nas ordenações. Entre as balizas cronológicas do presente estudo (1752-
1802224) encontramos os casos de: Francisco José de Melo Coutinho, com oito
presenças (1758, 1759,1780, 1788, 1789, 1791 e 1792); José Gonçalves do Amaral (1788,
1790, 1791 e 1792) e João da Silva Amaral, três presenças (1772, 1783 e 1784). Com três
222 I.A.N./T.T.- Desembargo do Paço, Beira, maço 82 223 A associação à nobreza de quinta deve-se sobretudo às diversas casas senhoriais que ainda hoje existem no
concelho, construídas por elementos que frequentaram a governança do concelho. 224 Note-se que o cargo de juiz ordinário extinguiu-se com a nomeação de Juízes de Fora.
GRÁFICO XXVIPercentagem dos juízes ordinários que sabem assinar
Sem informações11%
Juizes que sabem assinar 89%
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
104
participações temos Miguel de Albuquerque e com duas José Rodrigues Pereira e
Manuel Martins.
A análise sociológica dos magistrados revela-nos que eram na sua maior parte
proprietários/agricultores abastados, aparecendo com alguma frequência bacharéis e
titulares de cargos militares. Ao contrário de outros lugares nas justiças locais, aqui
não surgiram homens de ofícios ou mesteres a executarem estas atribuições.
A distribuição dos juízes das varas vermelhas por freguesia, demonstram-nos a
preponderância da Ínsua com dezanove indivíduos e remete-nos para a afirmação do
abade de Penalva, que relata a vizinhança poderosa de Castendo225, seguido por
Esmolfe, com doze e Pindo, com dez.
02468
101214161820
Nº d
e el
emen
tos
Ant
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Cast
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Vila
Cov
a
n/id
entif
icad
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s/re
ferê
ncia
Freguesias
GRÁFICO XXVIIDistribuição dos juizes ordinários por freguesia
2.7.2. Vereadores
A administração municipal vai-se tornando mais intrincada e conduz ao
desenvolvimento de aparelhos burocráticos mais complexos. Os inconvenientes
encontrados na reunião frequente da assembleia concelhia levou à instituição, por volta
de 1340 226 de um órgão “de cinco ou seis homens bons”, primeiro designados por
vedores e depois por vereadores que estavam encarregados de “(...)falar ou de
concordar em todas aquelas causas que forem prol e bõo vereamento da dicta vila ou
225 Para melhor entendimento ver capítulo das Relações de Poder e Espaço. 226 Hespanha (1994), António Manuel, As Vésperas do Leviathan. Instituições e poder político em Portugal no séc. XVII,
Coimbra, p.161
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
105
julgado(...)”.Encontravam-se incumbidos de “(...)todo o regimento da terra e das obras
do concelho, e de tudo o que poderem saber, e entender, porque a terra e os
moradores della possam bem viver, e nisto hão de trabalhar(...)”227. Isto é, abarcavam
todos os assuntos da administração concelhia, desde as finanças ao abastecimento e à
justiça. O seu reconhecimento dava-se com a homologação das pautas primeiro pelo
donatário (até 1790-92), posteriormente pelo corregedor (até 1802), depois novamente
pelo poder senhorial, até à intervenção do Desembargo do Paço (a partir de 1824).
Para o sistema eleitoral vigente no Antigo Regime, o correcto cumprimento do
cargo só era possível se, as pessoas que o desempenhassem, fossem das mais nobres
da vila, constituindo, deste modo, uma garantia de imparcialidade e não perturbando a
ordem pública228.
Procurando uma uniformização da regra social da época, na composição do
senado penalvense, a 9 de Setembro de 1789, o corregedor ordenava que não deveriam
ser eleitos para vereadores, procuradores e almotacés, indivíduos que não fossem
capazes de serem juízes ordinários, pois por vezes, escolhia-se quem “(...)nunca lhe
poderia lembrar servir em tam honorificos empregos e desta desordem resultava que
quando depois deles se elegiam alguns do que na verdade devem ser na forma da lei
nam queriam muitos os ditos cargos honoríficos empregos tendo se por injuriados de
entrarem ou servirem os ditos empregos depois de ate terem servido pessoas da
imprópria peble(...)”229.
Posteriormente e face à perda de influência do donatário, o magistrado volta
novamente a alertar para a situação aquando da correição de 1791, referindo a
continuação de procedimentos errados. Nada tinha mudado, uma vez que “(...)Nesta
vila se apresentou que havendo serem eleitos para vereadores procuradores e
almotacés pessoas que não seja capazes para poderem servir de juízes ordinários na
forma que manda a lei de Sua Magestade que Deos guarde sucedia que muitas vezes
elegião para vereadores procuradores e juízes e almotacés pessoas da mais ínfima
plebe que nunca lhe poderá lembrar servir tão honoríficos empregos e desta desordem
resultava que quando depois delles se elegiam algum dos que na verdade devião servir
na forma de lei não querião ocupar os ditos honoríficos empregos tendo se por
227 Ordenações Filipinas, Titulo LXVI. 228 Monteiro, Nuno Gonçalo, Os concelhos e as Comunidades, in História de Portugal, dir. de José Mattoso. Vol IV, Círculo
de Leitores, Lisboa, p. 325 229 DSRA, Livro do Corregedor, f.36.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
106
injuriados de entrarem ou servirem os ditos empregos depois de o terem servido
pessoas da ínfima plebe que nunca os devem ter servido, e que ainda que já tem havido
provimentos saber se tem mesmo particular por não terem produzido efeito e se não
terem observado(...)”. Isto sucedia porque os mais poderosos eram reconhecidos
socialmente, não necessitando deste trabalho, para atingirem um estatuto social que
lhes fornecesse reconhecimento e poder. Existia mesmo uma noção de desprestígio,
em torno do exercício dos cargos, não só por uma constante falta de recursos
financeiros dos municípios mais pequenos, a que obrigava a uma injecção de capitais,
por quem andava na governança, mas também porque o desempenho era contrário ao
status das elites locais.
Por tudo isto, o corregedor determinava que a partir daqui em diante nunca
mais fosse eleito qualquer pessoa sem qualidades e predicados da lei230. Chegava
mesmo a indicar qual a proveniência social das pessoas honradas, podendo estas
serem encontradas entre os “(...)lavradores, advogados, bacharéis e outros
semelhantes, sem nunca serem pessoas mecânicas que exercitem ofícios mecânicos
ou da plebe(...)”231. Comprovando a indicação encontramos a exercer funções um
sapateiro e um carpinteiro, respectivamente nos anos de 1754 e 1772. Em termos
sócio-profissionais são poucos os dados obtidos pelas actas de câmara, no entanto
aferimos que em períodos de instabilidade militar como as invasões franceses232, existiu
uma tendência para a cristalização dos ofícios junto da elite militar local.
No caso das ordens não serem acatadas e cumpridas, todos os actos eram
considerados nulos, aos quais, qualquer pessoa do povo se poderia opor a este abuso.
No caso da nomeação de pessoas indevidas, cada oficial da câmara deveria pagar de
multa seis mil reis. O escrivão ficava ainda incumbido de ler este capítulo da correição
aos pautados e aos eleitores para que não se esquecessem de o executarem, aquando
de novos actos electivos. O magistrado alegava ainda que o motivo porque muitos
procuradores acabavam por exercer lugares de vereadores se devia à grande dimensão
do concelho, com muitas povoações de consideráveis dimensões e porque as distâncias
230 DSRA, Livro do Corregedor, f. 75v 231 DSRA, Livro da Correição, f.76 v 232 A insegurança latente em 1809, aquando da passagem dos exércitos napoleónicos por Penalva, levou a uma
considerável desistência dos nomeados para o senado. Tal situação estendeu-se às ordenanças do concelho onde
alguns elementos fugiram para o Brasil, DSRA, Actas da Câmara, 1808-1812, f. 52v-53
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
107
entre elas eram significativas, o que originava uma deficiente cobrança das coimas
(apenas uma vigésima parte)233.
A questão social, a capacidade financeira e económica, a existência de
familiares na governança, a ocupação laboral e a residência dentro do concelho eram
condições obrigatórias para integrarem o executivo municipal. No entanto, numa
comunidade rural do Antigo Regime, de todas estas características, as mais visíveis
eram as de cariz familiar e, consequentemente os rendimentos monetários. Tornava-se
assim um circuito socialmente fechado ou de reduzida mobilidade, onde o nome da
família, aliava prestígio, experiência governativa e em alguns casos dinheiro.
No período estudado 1753-1833, apesar dos hiatos documentais/temporais
(1769-1770, 1773-1777, 1779, 1785-1787; 1797-1799, 1813-1815 e 1822-1823) existiram
62 mandatos municipais para os quais foram efectuadas 281 nomeações para
vereadores, tendo sido ocupados por 196 pessoas. Se dividirmos o número de
nomeações pelos mandatos, temos uma média aproximada de 4,53 vereadores por
executivo, o que nos demonstra uma elevada rotatividade de eleitos.
Se analisarmos os períodos de 1753-1800 e 1800-1833, vemos que os valores
são bastante contraditórios com 5,4 para o primeiro e 3,6 para o segundo. Esta redução
substancial deve-se não só a uma tendência nacional, bem patente nas médias de
Montemor-o-Novo234, Braga235 e Barcelos236, mas também a uma efectiva actividade do
corregedor e, posteriormente, à acção administrativa do juiz de fora que veio
regulamentar e por cobro às inúmeras escusas que era habitual acontecerem.
Detectaram-se 97 nomeações provenientes de substituições eleitorais, o que
representam cerca de 35 %, mais de um terço das nomeações.
233 Idem, f. 78 234 Fonseca, Teresa, Relações de Poder no Antigo Regime, A administração municipal em Montemor-o-Novo (1777-1816),
p.42 235 Capela, José Viriato, A Câmara, a nobreza e o povo do concelho de Barcelos – a administração do município nos fins
do Antigo Regime, p.111 236 Capela, José Viriato Capela, Braga, um município fidalgo. As lutas pelo controlo da Câmara entre 1750 e 1834, p.313.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
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GRÁFICO XXVIIINomeações de Vereadores
Nomeações Totais65%
Nomeações resultantes de escusas de vereadores;
35%
As substituições de vereadores eleitos eram constantes, motivadas pelo
desprestígio do cargo, por doença, ausência, indisponibilidade económica/laboral e pela
incapacidade financeira do município. A sistemática penúria económica com que os
pequenos municípios se debatiam, acabava por afastar os eleitos que não tinham
recursos monetários, e aqueles que não queriam investir na governança. Foi o caso de
Xavier Nunes de Vila Cova, que tendo sido eleito como vereador de barrete em 1758
acabou por ser dispensado do cargo, devido à pobreza extrema em que vivia e porque
dependia exclusivamente da sua enxada para sobreviver. Semelhante situação sucedeu
em 1782, onde os oficiais do concelho livraram um dos nomeados uma vez que não
tinha meios de subsistência e não conseguia superar os gastos do concelho, que eram
abonados, como também para fazer face às despesas com o imposto real237. Outras
vezes, a causa das substituições encontrava-se na suspensão de vereadores motivadas
por erros no seu ofício, detectados aquando da correição238.
Prova de que os mandatos se arrastavam durante anos são as equipas
nomeadas para 1791 e 1802. A primeira só foi substituída em meados de 1793,
enquanto a segunda exerceu funções durante dois anos seguidos. Este prolongamento
da acção governativa, já vinha de trás, originando tensões entre o senado e o ouvidor, o
grande responsável por um elevado número de dispensas. Em reunião de câmara de 14
de Março de 1760, o executivo proibiu o ouvidor de escusar os eleitos, pois a equipa
governativa em funções já tinha cumprido vários mandatos e os seus substitutos eram
sucessivamente isentos das obrigações. Por isso, davam um prazo, às pessoas
pautadas para tomarem posse ou seriam presas, uma vez que se encontravam “(...)
237 DSRA, Actas da Câmara, 1780-1784, f.48 238 ACPMC/ADT/ADT-VER/011, f.95 v
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
109
incompativelmente escusos e não tendo jurisdiçam para o poder fazer pelas doações e
sem lhe ser expressamente proibido pela lei do reino, livro segundo titulo quarenta e
cinco(...)”239. Desta forma recorriam à lei geral, sobretudo ao ponto treze, o qual afirma
que os donatários e os seus representantes deveriam deixar os concelhos usar das
suas eleições. Os pedidos de escusas em excesso, a que o ouvidor dava provimento,
levaram o senado a recorrer ao Desembargo do Paço, procurando uma solução para
aquilo a que consideravam uma acção de senhor despótico240.
As ingerências externas ao processo eleitoral não ficaram por aqui e, a 7 de
Setembro de 1761, face à recusa do juiz ordinário em dar juramento às novas justiças,
porque ainda não tinham sido confirmadas pela Marquesa, o corregedor e o ouvidor
compareceram a essa reunião “(...)por constar por legitimas provas que saindo no mes
de janeiro proximo passado para servirem de juizes ordinários neste concelho de
Penalva o presente ano o Bacharel João da Costa Soarez , e Luiz Pereira Pinto Tavares
de que obtiveram confirmaçam da senhora donataria do mesmo concelho o juiz que
acabava de servir de mil setecentos e sessenta João Inácio de Albuquerque e Castro
nam quiser dar juramento aos ditos juizes com o pretexto de que a mesma senhora
donataria a Excelentissima Condessa de Vilar Maior nam tinha doações confirmadas,
nem alvará de manter em posse, querendo por este modo reter e conservar a jurisdição
de juiz neste concelho alem do ano porque fora eleito e sem embargo desta
repugnancia viera o ouvidor do mesmo concelho dar juramento ao dito juiz novamente
eleito Luis Pereira e Pinto, o qual saindo da casa da camara com vara lhe saira ao
encontro o dito juiz que acabava de servir João Inácio de Albuquerque com algumas
pessoas, que tinha mandado notificar para que acompanhasse da parte de El rei, nam
querendo lhe conceder ao dito juiz novamente eleito depois de algumas ouvidas que
entre si tiveram, se prenderam hum ao outro, e presos foram para as casas da camara
onde ficou, o dito João Inácio como prezo, e logo passado pouco espaço se sahio das
mesmas cazas da camara pretendendo fazer-se ainda reconhecer juiz athé que veio
aceder desta pertençam ficando servindo o dito Luis Pereira Pinto e destes factos não
sem ficarem opostos, e mal afectos hum a outro, e a cada hum dos sobredictos se
foram agregando os seus parentes, e amigos respectivos, fazendo-se inimigos os huns
de outros para se mutuamente insultarem no modo possivel estando assim em huma
239 ACPMC/ADT/ADT-VER/011, f. 49 v. 240 DSRA, Actas da Câmara, 1768-1772, f.77v-78v
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
110
declarada competencia e parcialidade(...)”241. A contenda sobre a contestação dos
poderes senhoriais e a sua habilitação para nomear justiças levou à intervenção do
corregedor que ordenou a ambas as partes o fim das hostilidades242.
Todas as desculpas serviam para não ser vereador e para contestar os pedidos
de escusa. Foi o caso de Manuel Albuquerque de Esmolfe, nomeado para o cargo, não
comparecia a tomar posse por ter entreposto um requerimento para se livrar por
motivos de saúde. Para o senado, reunido a 25 de Janeiro de 1765, tal documento era
falso uma vez que gozava de “(...)muito boa saúde sem embargo que algumas vezes
lançava sangue pella, boca isto é não embaraçava a tratar da sua vida em trabalhos
mais violentos do que ser vereador e andava pelos feiras e todas a parte a onde hera
preciso como por eles ditos vereadores foi visto(...)”. Assim, foi obrigado a servir pelo
que lhe passaram imediatamente ordem para o irem buscar debaixo de prisão. No
entanto, aquando da sua chegada o juiz não lhe deu juramento e mandou-o embora,
ameaçando de prisão os vereadores. Os conflitos entre a vereação e o juiz acabaram
por se saldar numa saída colectiva dos vereadores que acordaram em “(...)arrumar a
vara visto ter acabado o seu tempo(...)”243.
241 ACMPC/ADT/ADT-VER/011, f. 83 242 O magistrado ordenou “(...)que asignassem em termo de hoje em diante se apartarem inteiramente das ditas
parcialidades e competencias , vivendo em paz, e sossego abstendo-se de se insultarem ou fazerem dano huns aos outros
por obra, ou palavra, nem por modo algum fomentarem, ou excitarem discordias ou perturbaçõesns com comminação que
aquelle que contravier a este termo ser prezo e da cadeia pagar duzentos mil reis para cativos, e ser degradado para hum
dos lugares de Africa;(...)” ACMPC/ADT/ADT-VER/011, f. 83 243 ACMPC/ADT/ADT-VER/011, f.26 v
05
1015202530354045
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Antas
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Ger
mil
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Mar
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Tran
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Vila
Cova
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Freguesias
GRÁFICO XXIXDistribuição dos vereadores por freguesias (1753-1821)
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
111
A distribuição geográfica dos vereadores não foi sempre a mesma e por isso
importa analisarmos dois períodos. O primeiro, estende-se desde 1753 até 1821 e
baseia-se sobretudo na documentação proveniente das actas de câmara. O segundo,
vai de 1824 até 1833 e abrange as pautas eleitorais para os triénios 1824-26, 1827-29,
1829-31 e 1832-34.
Ao todo exerceram funções como vereadores 196 indivíduos diferentes
provenientes de várias freguesias, com estatutos sociais e económicos distintos.
A freguesia com maior número de escolhidos para desempenharem o cargo de
vereador é o Castelo com 41 nomeações e correspondendo a 16%. Segue-se-lhe Pindo
com 34 nomeações e 14%, Antas com 24 e 10% e Ínsua com 8% correspondendo a 20
designações. Contudo importa realçar os 13% de vereadores cuja origem não foi
possível desvendar e os 3% de elementos de procedência não identificada.
Antas10%
Castelo de Penalva 16%
Esmolfe4%
Germil4%
Insua8%Lusinde
4%Mareco
4%Pindo14%
Real7%
Sezures6%
Trancoselos3%
Vila Cova4%
n/identificados3%
s/referência13%
GRÁFICO XXXDistribuição dos vereadores por freguesia (percentagem)
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101520253035404550
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Freguesias
GRÁFICO XXXIDistribuição dos vereadores por f reguesias (1753-1833)
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
112
Se a estes dados incluirmos os relativos ao período 1824-1833, não se sente
grande alteração uma vez que a ordem das freguesias continua inalterável, apenas
existindo variações a nível das percentagens e do número de nomeações.
Dissecando globalmente a distribuição dos vereadores constatamos que entre
1753-1833 a freguesia de Castelo de Penalva possui uma posição cimeira obtendo 17%
das nomeações; logo seguida de Pindo, com14%, Antas com 10% e Ínsua com 9 %. Não
é de estranhar esta relação, porque no concelho de Penalva, a conexão existente entre
o espaço e o poder vai um pouco mais além, existindo uma preciosa ligação entre os
elementos da vereação e a nobreza local, maioritariamente residente nestas
freguesias. Eram estas famílias distintas, de forte influência na população, procurando
manter ascendência, privilégios, notoriedade e exercendo um controlo social do meio
envolvente244.
A rotatividade dos eleitos era mais acentuada sobretudo nos ofícios de vereador.
De 284 mandatos ocorridos no período estudado, apenas 154 foram desempenhados
uma única vez, tendo ocorrido uma repetição de eleitos em 130 mandatos. Assim, os
cargos ocupados mais do que uma vez, representam 46% do total patenteando bem
uma elite local que se repete no exercício do lugar.
Personagens como José Paulino Barreiros do Amaral e António Almeida Nunes
desempenharam por cinco vezes o lugar. Outros como António Leite do Amaral Teles,
Caetano de Almeida, Joaquim Nunes e Manuel de Gouveia Osório fizeram-no por quatro
244 Ainda hoje notamos a distinção de algumas casas solarengas (Casa de Goje, Casa de Vila Mendo, Casa da Moita,
Casa Cardoso Meneses, etc..), que nos surgem referenciadas como residência de muitos dos membros da governança.
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Vila
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Freguesias
GRÁFICO XXXIIDistribuição dos vereadores por f reguesias (1753-1833)
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
113
vezes. Com três ocupações do lugar encontramos António de Albuquerque Garro,
António Almeida de Melo Coutinho, António de Carvalho, António Dias, José António,
José Calisto de Andrade, José de Melo Coutinho, José Pais, Luís Tomas do Amaral
Pedroso Faria, Manuel José de Albuquerque e Miguel António da Silva Pinto. Com duas
representações identificaram-se trinta e dois vereadores.
Se por um lado, isto trás ao desempenho de funções uma certa experiência e
veterania, também é verdade que, podia representar um continuar de procedimentos
administrativos/judi-ciais/económicos extremamente burocráticos e viciante do
sistema municipal.
As práticas de negócios menos claros e alguns indícios de corrupção nos actos
electivos levaram o senado a efectuar uma petição ao Desembargo do Paço, sobre a
acção do ouvidor nas escusas dos eleitos, no qual expressavam, que sendo “(...)bem
comum neste concelho que as pessoas que sam capazes de servir a república, e pagar
fintas solicitam estas escusas que muitas vezes se lhe dam por negociação dos que
lhos passam satisfazendo a elles com huma pequena esmola que dam de sua
casa(...)”245. A dúbia negociação de escusas detinha contornos pouco claros e de
legalidade duvidosa que acabaram por levar à intervenção do corregedor.
Em suma, após a criação do lugar de juiz de fora, o cargo de vereador
representava no universo dos ofícios municipais o lugar mais importante, que qualquer
elemento da comunidade que pretendesse uma ascendência social, procurava exercer.
No entanto, importa verificar que esse mesmo grupo era proveniente de uma nobreza
mediana, sem grandes possibilidades de mobilidade social.
245 DSRA, Actas da Câmara, 1768-1772, f.77 v-80 v.
GRÁFICO XXXIIIDistribuição dos mandatos para a vereação de acordo com a sua ocupação
Nº de mandatos ocupados pelos
mesmos vereadores; 129; 46%
Nº de mandatos ocupados apenas uma
vez pela mesma pessoa; 154; 54%
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
114
2.7.3. Procuradores
Eleito e interveniente directo nas sessões de câmara, com direito a voto e
opinião, o procurador do concelho, incumbia-se de zelar pelos bens e arrendamentos
municipais, arrecadar a terça e rendas, indagar o escrivão da amotaçaria e demais
oficiais sobre as coimas não demandadas em tempo devido, remeter o produto da
arrecadação para o concelho, substituir o tesoureiro e zelar pelo concerto e
manutenção dos bens públicos, caminhos, pontes, poços, chafarizes, fontes,
etc...246Ocupava-se ainda da vigilância dos bens municipais muito especialmente sobre a
ocupação de via pública. A 14 de Fevereiro de 1783, foi enviado para efectuar uma
vistoria, procurando averiguar o estado do caminho e se tinha fundamento uma
denúncia de interditação de passagem247. A sua importância, como interveniente nos
trabalhos de governação do concelho, resulta das atribuições legais levando mesmo a
vereação a deliberar que qualquer reunião efectuada, sem a presença do mesmo, fosse
considerada nula248.
Em Penalva do Castelo, ser procurador significava que se pertencia a uma
segunda linha de reconhecimento e estatuto social, podendo em alguns casos, através
da ocupação continuada de cargos públicos ascender aos mais nobres da vila. Ocupar
este cargo servia para ganhar experiência na governança, e possibilitar uma esperança
246 Ordenações Titulo 69, §f. 162-163 247 DSRA, Actas da Câmara, 1780-1784, f. 76. 248 ACPMC/ADT/ADT-VER/011, fólio 87
02468
101214161820
Nº d
e in
diví
duos
Antas
Castelo
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Germ
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Lusinde
Mareco
Pindo
Real
Sezures
Trancoselos
Vila Cova
n/identificados
s/referência
Freguesias
GRÁFICO XXXIVDistribuição dos Procuradores por Freguesias
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
115
na ascensão do seu estatuto social. Foi o que aconteceu a António Leite do Amaral
Teles, procurador por duas vezes em 1804 e 1805 e que surge como eleitor e candidato
à vereação na década de 20, destacando-se a sua experiência governativa como
elemento preponderante no exercício das suas atribuições.
Em termos sócio-profissionais estamos perante lavradores, pequenos
proprietários e alguns titulares de mesteres (sobretudo boticários), bem considerados
socialmente entre os seus conterrâneos e capazes de desempenhar ofícios públicos.
Semelhante composição social tinham os concelhos de Montemor-o-Novo, Vila Nova de
Portimão e Alter do Chão, o que nos remete para uma possível situação de
preeminência social e política, capaz de alterar a condição social de cada um deles.
Apesar de um elevado número de eleitos sem proveniência, são sobretudo
pessoas originárias das seguintes freguesias: Ínsua, com vinte; Castelo de Penalva,
com doze; Pindo com oito, surgindo em segundo plano Lusinde e Antas, com seis e
cinco eleitos respectivamente. Encontraram-se ainda dezasseis procuradores de
origem incógnita e dois outros não identificáveis.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
116
2.7.4. Outros oficiais do concelho
O município não funcionava só com os elementos constituintes da vereação
sendo necessário um conjunto de pessoas dispostas a desempenharem diversos
cargos vitais para colocarem em prática as acções executiva, fiscalizadora e
supervisora do senado.
Além destes magistrados de provisão electiva, havia outros ofícios cujo o
processo de preenchimento era a nomeação concelhia dos quais de destacam:
almotacés, assessores, porteiros, carcereiros, médicos, cirurgiões, escrivães, que no
conjunto, representavam um núcleo fundamental da administração municipal.
2.7.4.1. Escrivães
A administração municipal era servida por vários escrivães que
desempenhavam as suas funções em duas áreas primordiais: administração e justiça.
Tipologicamente são três os cargos: escrivão da câmara e almotaçaria, escrivão dos
órfãos e escrivão do judicial. Por isso importa dissecar caso a caso quais incumbências
e competências de cada um.
No concelho de Penalva, durante o período abordado, o escrivão da câmara
acumulava as funções de escrivão da almotaçaria. Pelo primeiro cargo competia-lhe
apontar as rendas e as receitas da edilidade, elaborar os autos de vereação, executar
cartas, requerimentos e zelar pela emissão de correspondência, alvarás, editais,
registar as posturas e o gado, etc... Efectuava toda uma panóplia de actos
administrativos ligados ao expediente e vida municipal, sendo responsáveis pela guarda
da face materializável desses procedimentos — os livros e tombos. Para além de darem
apoio administrativo, estes funcionários procediam a uma uniformização da
administração e desempenhavam funções de comunicação com os provedores e
corregedores da comarca, sendo eles responsáveis pela fiscalização da sua actividade.
A esta vertente, acumulavam as obrigações da almotaçaria e registava as coimas,
multas, as aferições (pesos e medidas). Pelo livro de receitas e despesas vemos que o
cargo era o mais bem remunerado, uma vez que existiam os emolumentos dos actos
administrativos e da escrituração das coimas.
Era um lugar nobilitado e apesar de em muitos concelhos ser de nomeação
trienal, em Penalva do Castelo, tal como em Montemor-o-Novo, era vitalício e
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
117
hereditário249 tendo sido ocupado entre 1746 e 1824, por cinco indivíduos provenientes
da casa da Moita. Para além disto, quase cem anos antes, a 19 de Novembro de 1664,
aquando da nomeação régia de Manuel de Albuquerque para o mesmo cargo referia-se
que seu pai já tinha exercido as mesmas funções250. O cargo de escrivão da câmara era
um ofício nobilitado, desempenhado por elementos de uma família que detinha
influência e poder, mas com dificuldades financeiras e cuja execução dessas funções
lhe permitiam um certo desafogo financeiro e prestigio.
Como curiosidade, refere-se que muitos dos assuntos do concelho foram
tratados na intimidade do lar, uma vez que são constantes as referências aos assentos
redigidos na Quinta da Moita, em casas de mim escrivão.
QUADRO XVI
Escrivães da câmara & almotaçaria (1664-1828)
Nome Morador Ofício
Responsável
pela
Nomeação
Confirmação
régia Outras observações
Manuel de
Albuquerque Esmolfe
Escrivão da
câmara e
almotaçaria
Rei 19/10/1664
O cargo passou do seu pai João
de Albuquerque que tinha mais
de 60 anos e “(...) tres filhos
dous machos e huma femea, e
não era rico(...)”251
Francisco António
de Barros de
Figueiredo
Quinta da
Moita
Escrivão da
câmara e
almotaçaria
Rei 20/6/1746 -
Roque de Barros
Cardoso
Quinta da
Moita
Escrivão da
Câmara e
almotaçaria
- -
Surgem referências ao seu
desempenho nos anos entre
1758 e 1767
Duarte de Barros
Cardoso Ribeiro e
Vasconcelos
Quinta da
Moita
Escrivão da
Câmara e
almotaçaria
Senado do
Câmara 1796
O seu pai já tinha ocupado este
cargo
José Bernardo de
Barros
Quinta da
Moita
Escrivão da
Câmara e
almotaçaria
- - -
Luís Cândido
Cardoso Sotto
Maior
Exercia funções a 5 de Agosto
de 1822
Francisco António Quinta da Escrivão da Senado da 20/9/1824 Filho de Duarte de Barros
249 Em Montemor-o-Novo, Teresa Fonseca remete-nos para um cargo vitalício e hereditário, desempenhado entre 1777 e
1816, apenas por duas pessoas. 250 I.A.N./T.T.- Desembargo do Paço, Justiça e Despacho da Mesa, maço 2434. 251 Idem.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
118
de Barros
Cardoso
Moita câmara e
almotaçaria
Câmara Cardoso
António Teles do
Amaral -
Escrivão da
Câmara e
Almotaçaria
Senado da
câmara 15/4/1828 -
2.7.4.2. Escrivão dos órfãos
Segundo as Ordenações Filipinas, o ofício de escrivão dos órfãos deveria ser
constituído em terras com mais de quatrocentos vizinhos sendo sua pertença auxiliar
os juízes dos órfãos, servindo e por em boa arrecadação os bens e rendas dos órfãos,
registá-los, inventariar os bens e pertenças, assentar as tutorias, etc...252
Ao contrário do ofício anterior não podemos verificar uma hereditariedade do
cargo, mas aquando da nomeação de Manuel Saraiva existe menção a uma ligação
familiar de um parente que já tinha desempenhado essas funções253.
QUADRO XVII
Escrivão dos Órfãos (1642-1820)
N o m e M o r a d o r O f íc i o
Re s p onsá ve l
p e l a
N o m e ação
C o nf i rmaçã
o rég i a
O u t ra s
obse rvaçõe
s
Manuel Saraiva Escrivão dos
órfãos Rei 128/8/1664
Era sobrinho
do anterior
escrivão dos
órfãos
Manuel Saraiva
Albuquerque
Escrivão dos
órfãos Rei 15/12/1726
Manuel Felisberto de
Albuquerque Castro Esmolfe
Escrivão dos
órfãos Rei 5/4/1734
José Inácio de
Albuquerque
Escrivão dos
órfãos Rei 28/10/1748
João de Almeida
Bandeira
Escrivão dos
órfãos
Rei/Senado da
Câmara 26/11/1781
Manuel de Barros
Cardoso
Casa da
Moita
Escrivão dos
órfãos. Rei 7/8/1820
252 Ordenações Filipinas, livro I, titulo, 89, §1, f. 220 253 I.A.N./.T.T. – Registo Geral de Mercês, D.Afonso VI, livro 7, f.3
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
119
2.7.4.3. Almotacés
Eleitos localmente, através de normas bem definidas, competia-lhes o controlo
e a fiscalização das actividades económicas, sobretudo ligadas ao abastecimento das
populações. São os responsáveis pelas vistorias e inspecções às feiras, açougues,
padarias e tabernas. Verificam as condições de venda e de produtos como a carne, o
pescado, o vinho, o pão, etc... Regulam os ofícios artesanais como os sapateiros,
alfaiates. Aferem os pesos e medidas, zelam pela higiene e limpeza da vila, pelo
controlo dos animais abandonados. Acompanhados pelo escrivão da almotaçaria
fiscalizam as obras particulares podendo embargar aquelas que causem prejuízo à res
publica.
As ordenações ordenavam que em Janeiro de cada ano exercessem o cargo os
juízes do ano transacto. Em Fevereiro os dois vereadores mais velhos do ano findo e em
Março o procurador e o vereador mais novo. Nos restantes meses o executivo deveria
proceder à eleição de “(...)nove pares de homens bons dos melhores, que houver no
concelho(...)”254. Mas uma coisa é a teoria e outra é a prática. Desta forma, em Penalva
do Castelo, à semelhança com Montemor-o-Novo, o período do seu mandato é de três
meses. A obrigatoriedade de execução das funções, por parte dos elementos da
cessante vereação, nem sempre era cumprida, uma vez que muitos dos eleitos pediam
escusas. Para além dos notáveis, outros elementos menos abastados, cumpriram
essas atribuições, mesclando-se com os mais nobres da terra. Todavia importa prestar
atenção às diversas desistências e substituições de eleitos. Se por um lado, as
competências do almotacé são potencialmente passíveis de uma maior exposição
pública, por outro contêm um considerável risco de conflitos e tensões. Por isso, os
nobilitados acabam por solicitar a dispensa do lugar, alegando muitas vezes que já
cumpriram funções como vereadores ou juízes e evitando problemas e complicações
pouco dignos com o seu estatuto.
A preocupação do estatuto dos almotacés era considerável não só por parte do
poder central, que estipulou o impedimento na ascensão ao cargo de filhos ou netos de
pessoas mechaniças,255 como também ficou patente na visita efectuada pelo corregedor
da comarca de Viseu, que mandava aos oficiais da câmara executarem os acórdãos das
254 Ordenações Filipinas, liv.1, titulo 68, 1-17, f.157-159 255 Alvará de 21 de Agosto de 1618, in José Justino de Andrade e Silva, Collecção Chronológica da legislação Portugueza,
1613-1619, Lisboa, Imprensa de J.J.A.Silva, 1855, p.334
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
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correições “(...)não pondo por almotaces senão pessoas que tenham servindo de juizes
ou vereadores ou procuradores ou filhos deles que sejão dos principais do
concelho(...)”256.
Problema era também o campo jurisdicional no qual os almotacés exerciam
tarefa confundido-se muitas vezes com a jurisdição municipal, levando à intervenção do
corregedor que afirmava “(...)estar introduzido assistirem os almotaseis intrometendo-
se na jurisdisam da camara sem lhe pertencer por serem as correisois dos ditos
almotases separados dos da camara na forma da lei que tudo hé em ludibrio do mesmo
senado da camara faltando assim os mesmos almotaseis a fazerem as correições que
lhe competem e para milhor observancia da obrigação de cada hum determinaram que
os almotaceis fossem notificados peaa nam assistirem a intrometerem-se na
correisam que pertence a Camara indo esta incorporada e que per si fizessem as que
lhe competem pello seu regimento, ....., e mais mandaram que os ditos almotaseis
fossem notificados na forma acima declarado pena de suspensão(...)”257.
2.7.4.4. Assistente ou Assessor
A aplicação da justiça, no Antigo Regime, obedecia a critérios por vezes mais de
ordem social e política do que de ordem jurídica, no entanto procurando colmatar as
dificuldades sentidas pelos juízes ordinários no dia-a-dia muitos deles recorreram à
figura do assistente ou assessor de direito. Ao contrário da maior parte dos cargos a
nomeação não era electiva, nem partia da vontade régia, sendo necessário para o
desempenho do lugar ser-se bacharel e pessoa de bons costumes258.
Competia-lhe explicar às justiças da terra o que era de direito,
complementando, orientando e auxiliando os juízes ordinários na interpretação da
causa e na implementação da justiça. O assessor podia auxiliar diversos executivos
concelhios, servindo como complemento do direito erudito, contribuindo para a
uniformização da lei geral e evitando discrepâncias jurídicas.
Em Penalva, não é uma figura permanente nas actas da câmara, mas à
semelhança de outros municípios vizinhos, sobretudo na área do Montemuro, a sua
256 DSRA, Actas da Câmara, 1780-1784, f.28 257 ACPMC/ADT/ADT-VER/010, f. 134v. 258 Hespanha, António Manuel, Sábios e rústicos: A violência doce da razão jurídica. “Revista Critica de ciências sociais”, nº
25/26, Dez. 1998, p.51
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
121
acção incidia principalmente na prática judicial259. Tomava também parte do governo do
município, particularmente na implementação de acórdãos e no estabelecimento da
carga penal de quem não os cumprisse260.
No concelho são poucas as referências aos assessores derivadas sobretudo das
dificuldades financeiras dos eleitos e também de uma actividade mais insistente de
alguns eleitos que iam surgindo, ou por sua livre vontade, ou por interesse, no apoio ao
executivo encontramos o padre da Ínsua a desempenhar as funções de assessor. Uma
situação comum na época e que se explicava devido à falta de letrados. Todavia o
corregedor da comarca procurava evitar a nomeação de clérigos, através de directrizes
expressas aquando da visita de correição261. Ordem semelhante surgiu na comarca de
Lamego, onde o Corregedor Dr. Luís Ribeiro Godinho, estabeleceu que os juízes não
poderiam despachar sem assessor e este não devia ser clérigo262. Indicações como esta
generalizaram-se em toda a comarca e acabaram por ser adoptada na de Viseu. Outro
documento, já mencionado, mas que pela sua importância importa de novo aqui
lembrar é a petição ao Desembargo do Paço efectuada pela Marquesa de Penalva, a
qual refere o apoio frequente que os assessores davam aos juízes ordinários
analfabetos263.
A documentação consultada revelou-nos ainda outros dois assistentes João
Amaral e o Doutor José Ribeiro, da Quinta de S. Sebastião, que merecem uma atenção
especial, uma vez que o primeiro exerceu diversos lugares na governança, enquanto o
segundo pertencia a uma família que era habitual nestas lides264.
259 Ramos, Anabela, Violência e justiça em Terras do Montemuro, 1708-1820, Palimage Editores, Viseu, 1998, f.92. 260 A 28 de Março de 1772, assistiu à reunião de câmara, o “(...)Doutor Manuel Esteves, cura desta freguesia que
actualmente hé assessor dos juizes acima nomiados e como assistente incorporado na mesma camara como em outras
muitos tem praticados mandou escrever o dito acordão em que convieram os oficiais da camara como no mesmo acordão
se contem sem embargo da informação que dei muitos acordãos e capitulos das correições que se não executavam, e que
as frutas heram mal guardadas em termos que nenhum relego havia tanto nos viveres como nas pessoas daninhas de que
havia huma queixa geral como já muitos dizem que não querem semear, por conta da destruição que fazem sem temor
algum dos ditos cacpitulos e acordãos ficando estes so servindo de desprezo por aqueles contra quem se devem executar
por se lhe não porem os meios da execução e de como assim que tenho porposto muitas vezes me pareceu fazer esta
declaração para todo o tempo constar de que não há omissão da minha parte em que nunca quisera inconveniência
espiritual nem corporal pelo que sempre protesto em todos os autos da minha obrigação(...)”DSRA, Actas da Câmara,
1780-1784, f 87 - 88 v. 261 DSRA, Actas da Câmara, 1780-1784, f. 2 262 Ramos, Anabela, Violência e justiça em Terras do Montemuro, 1708-1820, Palimage Editores, Viseu, 1998, f.92. 263 I.A.N./T.T.- Desembargo do Paço, Beira, maço 82 264 DSRA, Actas da Câmara, 1780-1784, f.87
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
122
2.7.4.5. Porteiro
O porteiro relacionava-se com a intermediação das relações entre a câmara e
os munícipes, ou outros órgãos, competindo-lhe anunciar as decisões camarárias,
notificar as pessoas para comparecer em sessão de câmara, executar penhoras e
efectuar a arrematação dos bens, através de pregões.
Em Penalva, tal como em outros pequenos municípios, a sua presença na
actividade autárquica, não é muito visível surgindo aqui e ali algumas nomeações, mas
no entanto são inúmeras as referências ao acto de “botar pregão” sobretudo no
arrendamento de propriedades municipais e na aquisição de bens. Outro aspecto que
importa realçar, prende-se com a acumulação de cargos entre o porteiro e o
carcereiro, levando muitas vezes o mesmo indivíduo a acumular ambas funções.
Independentemente das dificuldades geradas pela inexistência de
documentação para os períodos a que o estudo faz alusão, mesmo assim,
conseguiram-se apurar algumas pessoas que desempenharam esse lugar (ver Quadro
XVIII).
QUADRO XVIII
Porteiros da Câmara Municipal de Penalva do Castelo (1761-1808)
Ano Nome D a t a d o
j ura me nto Re nd i me nt os O b se rv açõe s
1761 Simão Camelo 14/7/1761 3.000 reis
1764 José de Almeida Acumulava funções pois também era
carcereiro
1788 Francisco de
Assunção 6.000 reis Corga
1793 Francisco de
Assunção 6.000 reis Corga
1796 António de Almeida 11/3/1796 9.600 reis Abrunhosa do Sátão
1808 Manuel Francisco 8/3/1808 1.400 reis Ladário
2.7.4.6. Carcereiro
Competia-lhes zelar pelo bom funcionamento das cadeias e fazer cumprir as
decisões judiciais sobre os presos à sua guarda. A execução destas funções poderia
acarretar-lhes algumas dificuldades, porque segundo as Ordenações Filipinas, se
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
123
consentisse a fuga de prisioneiros ou agisse por malícia, poderia ser punido com penas
de açoitamento, degredo e de execução265.
No concelho de Penalva do Castelo existiram dois edifícios com as funções de
albergar presos e vulgarmente denominados de cadeia. Um situava-se em Castelo de
Penalva e deverá ter funcionado, da mesma forma que a casa de câmara, até meados
do século XVIII. A outra situava-se em Castendo e passou a ter a primazia de utilização,
aquando da transferência da “cabeça” de concelho. A importância do equipamento era
tanto maior, uma vez que era o baluarte da justiça municipal e para onde se
deslocavam os condenados. Assim, não são de estranhar as preocupações da vereação
com a condução de presos, reparação de ferros da cadeia e com as nomeações de
indivíduos para exercerem estas funções.
Ao contrário de Montemor-o-Novo, em Penalva do Castelo o cargo não era
vitalício e muito menos hereditário, tendo sido ocupado por diversas pessoas,
demonstrando rotatividade social no desempenho das atribuições. Por vezes, o
carcereiro acumulava as funções com as de porteiro como sucedeu em 1762 e 1763,
mas geralmente eram actividades separadas e bem definidas. Todos os indivíduos
nomeados para o cargo eram originários do concelho, ao contrário dos porteiros,
muitos dos quais de municípios vizinhos.
A actividade e fluxos prisionais encontravam-se bastante dependentes da
aplicação da justiça e dos padrões de comportamento social, sobretudo ao nível das
tensões entre grupos e indivíduos. Por vezes, como em 1799, existem menções a
transferência de presos para a cadeia de Viseu, desconhecendo-se o motivo dessa
atitude. Não teria Penalva condições para albergar uma elevada comunidade prisional?
Será que os crimes cometidos eram graves e por isso submetidos a outra instância
judicial? São perguntas como estas, que a inexistência de documentação judicial não
nos permite responder.
A 29 de Fevereiro de 1812, aquando da tomada de posse José Bernardo, como
carcereiro, refere-se em auto de câmara que a prisão municipal tinha sob a sua alçada
sete “presos e uma presa”. O mesmo documento refere ainda a tipologias dos ferros
utilizados no exercício das funções, destacando-se os grilhos, ferrolhos e correntes
para os pés266.
265 Ordenações Filipinas, Titulo 77, §3, f. 178 266 DSRA, Actas da Câmara, 1805-1808 f.80v
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
124
QUADRO XIX
Carcereiros da Câmara Municipal de Penalva do Castelo (1754-1812)
A n o N o m e L o c a l i da de D a t a d e
n o m e ação
D a t a d o
j ura me nto
Re nd i me ntos
p a g os ( v a l o r e m
re is )
O b se rvaçõe s
1754 António
Camelo Ínsua 4/3/1754 - 14.000 por ano
Desempenhou
funções em 1755.
1761 João
Antunes Arvoredo 9/6/1761 -
1762 José de
Almeida Corga 6/12/1762 30/3/1763 1.000 por mês
Acumulava funções
com as de porteiro
1791 José de
Almeida Corga - - 15.000 por ano -
1792 Anselmo
Carvalho Castendo - - - -
1793 Luis de
Melo Sangemil - - - -
1793 Jerónimo
de Almeida - 3/11/1793 - 1.500 por mês -
1800 Vicente
Ferreira Castendo 17/9/1800 - 1.500 por mês -
1801
Francisco
José de
Araújo
Castendo 14/4/1801 - 1.500 por mês Sapateiro
1802 António
Nunes Casal Diz 15/2/1802 - 1.500 por mês -
1805 Francisco
Pina Castendo - - -
Homem com as
circunstâncias da
lei
1806 António da
Silva Castendo 18/3/1806 - - -
1808 João Lopes Castendo 25/10/1808 - 1.200 por mês -
1809 José
Machado Castendo 5/9/1809 -
1 quartinho de ouro
por mês -
1812 José
Bernardo Castendo 29/2/1812 - - Sapateiro
2.7.4.7. Médicos & cirurgiões
Como a saúde pública representava uma preocupação do executivo, eram
constantes as nomeações públicas para o desempenho dos cargos de médicos e
cirurgiões. Se o primeiro cargo era, desde que tivesse título universitário, equiparado
por direito aos doutores, o segundo por ser um ofício mecânico, já o não possuía o
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
125
mesmo significado267. Assim, os actos de nomeação eram diferentes e tinham
importância diferenciada no regimento do município, existindo uma maior tendência
para a nomeação de médicos do que para cirurgiões.
Ao médico competia-lhe zelar pela saúde dos munícipes, sobretudo dos mais
pobres e desprotegidos e entre as suas obrigações devia “(...)curar os pobres de graça
deste concelho pondo-se sempre pronto com besta quando for chamado e nunca saira
fora do concelho sem licença por mais de vinte e quatro horas(...)”268.
A 13 de Fevereiro de 1795, nomearam por três meses a João Mendes para
médico, enquanto não arranjavam outro. Apareceu também nessa sessão Luís Morais
da Costa Pacheco, apresentando um requerimento para o partido de médico, no
entanto ficou expresso que enquanto desempenhou essas funções fê-lo sem
capacidade, possuindo falta de caridade com os pobres e miseráveis.269 Foram então a
votação para saberem qual deviam escolher, mas existiu empate pelo que decidiram
chamar a nobreza a pronunciar-se. Na mesma sessão compareceu o Dr. Manuel de
Barros da Quinta da Moita a pedir a suspensão dos dois vereadores que tinham
nomeado João Mendes sem consultarem o povo e a nobreza e assim a de 11 de Março
efectuou-se a votação dessas duas classes, as quais votaram maciçamente contra a
nomeação de João Mendes.270 Causa deste comportamento negativo para desempenhar
ofício encontrava-se um conflito judicial entre ele e o Doutor Manuel de Barros, da
Casa da Moita. João Mendes acabou por desempenhar o cargo entre 1794 e 1795, mas
a 19 de Agosto deste último ano foi despedido, por não desempenhar correctamente a
sua missão271.
Em 1802, a falta de médico tornava-se novamente motivo de preocupação do
executivo, uma vez que o concelho era de “(...)grande extensão, e as circunstancias dos
tempos tem exigido despesas mais avultadas(...)” tornava-se necessário aumentar os
seus rendimentos de 140.000 para 200.000 reis272.
267 Hespanha, António Manuel, As Vésperas do Leviathan. Instituições e poder político em Portugal no séc. XVII, Coimbra,
Almedina, 1994, p 346-347. 268 DSRA, Actas da Câmara, 1788-1794- f.11 v 269 DSRA, Actas da Câmara, 1794-1796, f. 12v 270 DSRA, Actas da Câmara, 1794-1796f. 17- 21v. 271 DSRA, Actas da Câmara, 1794-1796, f.101. 272 DSRA, Actas da Câmara, 1800-1805, f.26v ss
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
126
QUADRO XX
Médicos (1757- 1808)
Ano Nome Cargo D a t a d e
n o m e ação
Jurament
o
Re nd i me nt
o s O b se rvaçõe s
1757 José Quadros Boto Médico - - - -
1761 José Tomas Rebelo Médico 21/6/1761 21/6/1761 70.000 reis Germil
1795 João Mendes de
Almeida Médico 13/2/1795
1801 João Mendes de
Almeida Médico
Morreu e foi
substituído
1801 Francisco de
Abrantes Fortuna Médico 30/5/1801 31/10/1801 140.000 reis Trancoselinhos
1806 Domingos Dias
Correia Médico - (?)/6/1806 -
Começava a
trabalhar a 10 de
Junho
1808 José Pereira do
Amaral Sousa Médico 11/12/1808 11/12/1808 - -
Outra profissão de importância acrescida para a saúde pública do concelho era
o cirurgião. Em Penalva do Castelo destacou-se no desempenho do cargo, José
Henriques de Morais, que a 5 de Fevereiro de 1790, apresentou ao senado duas cartas,
uma de cirurgião aprovado e a outra para poder sangrar, sarjar, lançar ventosas e
sanguesugas273. Quatro anos depois em sessão de câmara, com a participação do povo
e nobreza decidiu-se não colocar cirurgião... porque não queriam274. Posteriormente,
devido às distâncias a percorrer estabeleceram-se os honorários a pagar pelas
deslocações do cirurgião, dentro do concelho275.
2.7.4.8 Tabeliões
Nomeados por indicação régia eram parte do braço da justiça de primeira
instância em Penalva do Castelo, acumulando o mesmo funcionário as funções de
tabelião do público, notas e judicial. Todavia, para um melhor entendimento das
273 DSRA, Actas da Câmara, 1788-1794, f. 24. 274 Idem, f. 100v 275 Em acta de câmara realizada entre 29 de Abril e 4 de Maio acordou-se o pagamento das deslocações da seguinte
forma “(...)dentro da vila cem reis e fora da vila dentro da freguesia cento e quarenta, povos dentro de legoa duzentos e
quarenta reis e fora de legoa cuatrocentos reis à maneira dos oficiais de justiça(...)”DSRA, Actas da Câmara, 1805-1808, f.
13 v.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
127
atribuições de cada uma das funções iremos começar pelo tabelião das notas.
Competia-lhes a execução dos instrumentos jurídicos que necessitassem de
conferência de fé pública, redigindo contratos, renúncias, procurações, cartas de
quitação e de dívida, instituições de morgadios e capelas. Os do judicial tinham como
dever redigir os actos judiciais julgados perante as justiças municipais, executando
arrolamentos, devassas, recolhendo depoimentos das testemunhas, efectuando
procurações, querelas, sentenças, autos de emprazamento, instrumentos de apelação
e agravo, penhoras e execuções276. Segundo as Ordenações, estavam obrigados, nos
concelhos com juízes de fora, a prestarem três horas de serviço de manhã e à tarde e
deveriam acompanhar os magistrados no seu trabalho277.
Devido às doações reais, neste município, a sua nomeação era da
responsabilidade do Marquês de Penalva, mas necessitando sempre da confirmação
régia e de exame de ofício efectuado pelo Desembargo do Paço.
Até à publicação da Lei de 19 de Julho de 1790, os tabeliões, no âmbito da
determinação das sentenças proferidas em primeira instância, mantinham contactos
institucionais com os ouvidores. Todavia com a alteração do recurso de segunda
instância para a Relação, esse relacionamento transferiu-se para os corregedores de
comarca.
As Ordenações obrigavam a morarem no concelho onde exercessem, não
podendo acumular cargos. Apesar de não termos conseguido apurar a proveniência de
todos os nomeados, a grande maioria é do concelho, mas ao contrário do escrivão da
câmara e almotaçaria, não são de origem nobilitada ou pertencem a família influente,
pelo que se deduz que sejam agricultores/proprietários com instrução e posses
financeiras.
276 Hespanha, António Manuel, As Vésperas do Leviathan. Instituições e poder político em Portugal no séc. XVII, Coimbra,
Almedina, 1994, p 174. 277 Ordenações Filipinas, livro I, titulo 79, §1-46, f.186-191
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
128
QUADRO XXI
Tabel iões
N o m e M o r a d o r O f íc i o Re s p onsá ve l
p e l a N o me ação
C o nf i rmação
rég ia
O u t ra s
obse rvaçõe s
Manuel de Melo Lusinde
Tabelião do
público,
judicial e
notas
Conde de Tarouca
José da Costa
Barreiros Nesperido
Tabelião do
público,
judicial e
notas
Conde de Tarouca 11/10/1742
Oficio onde estava
servindo Manuel de
Melo de Lusinde
Matias de
Almeida
Tabelião do
público,
judicial e
notas
Conde de Tarouca
Sebastião
Ferreira Corvo Vila Boa
Tabelião do
público,
judicial e
notas
Conde de Tarouca 2/10/1742 O lugar vagou por morte
de Matias de Almeida
José Perfeito da
Costa Corga
Tabelião do
público,
judicial e
notas
Conde de Tarouca 12/10/1742
António
Rodrigues de
Almeida
Menezes
Tabelião do
Judicial e
notas.
Marquês de Penalva 9/5/1807
José de Lemos Mareco
Tabelião do
público,
judicial e
notas
Marquês de Penalva 12/6/1807
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
129
2.8. As eleições em Penalva
Aquando da investigação realizada para o presente estudo detectaram-se no
Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo, no fundo do Desembargo do Paço as
pautas de vereação referentes ao concelho de Penalva do Castelo e à nomeação dos
seus eleitos na última década do Antigo Regime (1824-1833). Face à importância dos
dados contidos nesta documentação para o estudo da vida municipal, optou-se por se
fazer uma análise separada das restantes eleições. Outro dos motivos que reforçou
esta necessidade é que até 1824 todos os dados sobre os executivos municipais tinham
sido retirados dos livros de actas da câmara e da documentação trocada entre o
Marquês de Penalva e os diversos juízes de Fora.278
Isto torna-se mais relevante uma vez que são as únicas pautas eleitorais
conhecidas e que permitem desvendar parte do desenrolar administrativo e burocrático
electivo, para além de uma sociologia dos eleitos.
2.8.1. Conjuntura Histórica
Os processos eleitorais sobre os quais nos iremos debruçar deverão ser
compreendidos numa juntura nacional, motivada por uma situação política bastante
conturbada por um processo de contra revolução, que ganhava mais força de dia para
dia, e que iria desembocar na conhecida Abrilada de 1824.
D. João VI, após uma retirada estratégica e apoiada pela Inglaterra consegue
submeter D.Miguel e ele abandona o país. O rei morre e sucede-lhe seu filho D. Pedro
IV que, dividido entre o Brasil e Portugal, procura um equilíbrio com o seu irmão. Face
a um crescimento da tensão social entre liberais e absolutistas as escaramuças
tornaram-se frequentes e, em 1826-27 quase ocorreu uma guerra civil. De regresso a
Portugal, D. Miguel dissolveu as cortes em Março de 1828, voltando a convocá-las três
meses depois à “maneira absolutista” para ser proclamado monarca. O rei, incapaz de
congregar em si as diversas facções e interesses, empenhou-se num combate às ideias
liberais através de prisões e perseguições dos elementos da oposição liberal.
D. Miguel governa de 1828 a 1834 um Portugal dividido. Com toda a agitação
social D.Pedro apoia a causa liberal, envolvendo-se na força expedicionária que em
278 Como em anexo vão transcritas todas as pautas de vereação optou-se por só colocar as referências das citações que
não constassem destes processos.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
130
Junho de 1832 desembarca no Mindelo. A campanha durou dois anos e terminou com a
convenção de Évora Monte assinada a 26 de Maio de 1834.
Em Penalva, pela correspondência trocada entre o juiz de fora e a Intendência
Geral da Policia, sabemos que em Junho de 1821 a segurança estava garantida,
existindo ordem pública e uma perfeita tranquilidade, depois da expulsão dos
salteadores279. No ano seguinte existe a referência que os habitantes de Penalva eram
afectos ao sistema constitucional e em carta de 23 de Junho de 1823, o juiz de fora
Joaquim Chuquere anuncia que nesse mesmo dia acabaram as câmaras
constitucionais sendo substituídas pelas que as precederão. Os habitantes continuavam
a “(...)mostrarem a mais firme adesão ao Altar e Ttono Portuguez(...)”280.
As mudanças no reino faziam-se sentir no concelho de tal forma que a
repercussão dos acontecimentos era relatada muito pormenorizadamente, tal como
nos demonstra a carta do juiz de fora Francisco Assis Gomes de Miranda, de 22 de
Setembro de 1826 ao Intendente Geral da Policia, na qual refere que “(...) foi jurada a
corte, que felizmente nos rege, com grande entusiamo em o dia 31 de Julho e os
habitantes deste destricto continuão incessantemente a demonstrar, que conhecem os
beneficios que ella nos tem dado e promette; e obdientes as leis sempre sempre se
tem conservado na melhor harmonia(...)”281.
A constante agitação social remetia-nos para um ambiente concelhio com
diversos casos de correspondência revolucionária de ambas as partes, exílios políticos
e alguns conflitos de pequenas consequências. O concelho manteve-se fiel a D.Pedro IV
e à carta até que os conflitos agudizaram-se e a 18 de Dezembro, o juiz de fora
comunicava que as guerrilhas dos concelho vizinhos pró-absolutistas fizeram diversas
incursões ao concelho, obrigando o magistrado a evadir-se, sem ter conseguido auxílio
algum282. Mais tarde, em 1828, com a subida ao poder de D. Miguel, o concelho passou a
seguir uma linha pró-absolutista.
279I.A.N./T.T. – Intendência Geral da Policia, maço 473, doc.38. 280I.A.N./T.T. – Intendência Geral da Policia, maço 474, doc.179. 281I.A.N./T.T. – Intendência Geral da Policia, Doc.293, maço 477 282I.A.N./T.T. – Intendência Geral da Policia, Doc.487, maço 430
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
131
2.8.2. O Triénio de 1824, 1825 e 1826283
Tal como acontece hoje as eleições para os órgãos do poder local no Antigo
Regime obedeciam a um ritual muito próprio que variava conforme as especificidades
de cada município. Os processos sobre os quais irá incidir este trabalho ocorrem após a
criação de um lugar de juiz de fora em Penalva do Castelo (Alvará régio de 27 de
Janeiro de 1802) pelo que em termos documentais é já notória uma maior organização
administrativa.
Como Penalva não era excepção, a 23 de Outubro de 1823, o Doutor António
Duarte da Fonseca Lobo, juíz de fora de Mangualde e desempenhando as funções de
corregedor da comarca de Viseu, procedeu à eleição das pautas para a constituição do
executivo municipal, correspondente ao triénio de 1824, 1825 e 1826284. Assim e de modo
«a se achar pronta a Camera» foram chamados, através de avisos e pregões, lançados
nos lugares competentes, a nobreza e o povo. Movidos pelo corregedor da comarca em
exercício a votar, cumpriram o seu dever distribuindo os votos da seguinte forma:
José de Gouveia ............................................................................. 9 votos
Manuel de Gouveia ......................................................................... 9 votos
António de Carvalho ....................................................................... 10 votos
António de Almeida ........................................................................ 5 votos
António de Albuquerque ................................................................ 10 votos
António Leite de ............................................................................. 3 votos
Luís Tomás ..................................................................................... 9 votos
José Paulino ................................................................................... 2 votos
Manuel de Barros .......................................................................... 4 votos
Manuel de Barros .......................................................................... 3 votos
Francisco Bentes ........................................................................... 2 votos
Manuel de Almeida ........................................................................ 1 voto
283 I.A.N./T.T. – Desembargo do Paço, Beira, Pautas, maço 1074, cx. 1168 284 Neste caso a documentação existente não apresenta a Provisão do Desembargo do Paço para que fossem efectuadas
as eleições, como costuma acontecer em alguns procedimentos administrativos.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
132
Saíram nomeados para eleitores «pela sua pluralidade de votos» José de
Gouveia Osório de Vila Mendo285, António de Carvalho da Quinta das Posses, Manuel de
Gouveia de Vila Mendo, António de Almeida da Ínsua, António de Albuquerque Guarro de
Sezures e Luís Tomás da Quinta do Campo. Foi-lhes imediatamente deferido o
Juramento dos Santos Evangelhos para que debaixo dele, procedessem à eleição das
pessoas que iriam servir de vereadores e procuradores. Para exercer estas funções
deveriam estar acostumados a «andar na governança, bem quistos dos povos».
Posteriormente, e de acordo com as Ordenações Filipinas, foram aparelhados
em três grupos e em conjunto elaboraram as listagens das pessoas que melhor
poderiam desempenhar os cargos na governança deste concelho (9 vereadores e 3
procuradores)286:
1ª Pauta
Eleitores: José de Gouveia de Vila Mendo com António de Almeida da Ínsua
Vereadores
Manuel de Gouveia Osório
António de Carvalho Almeida
Manuel de Albuquerque
José Calixto de Andrade
António de Albuquerque Guarro
António de Melo
António de Pina
António Pereira
António de Abreu
Procuradores
Joaquim António Cabral
José Luís
285 No ano de 1758, José de Gouveia Osório apresentava em reunião de Câmara uma carta de mercê do Marquês de
Penalva, pela qual lhe tinha sido concedido o direito de exercer o cargo de Ouvidor do Donatário, nos concelhos de
Penalva e Golfar. ACMPC/ADM/ADT-VER/10, fólio 6. 286 Determinavam as Ordenações Filipinas que dos seis eleitores mais votados o juiz os deveria “(...)apartar de dous em
dous, não sendo parentes, nem cunhados dentro do quarto grau (...)”, ob. cit.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
133
José de Albuquerque
2ª Pauta
Eleitores: Luís Tomás da Quinta do Campo com António de Albuquerque de
Sezures
Vereadores
Manuel de Gouveia Osório
António de Carvalho
José de Melo Coutinho
António de Mello Coutinho
Manuel Maria
António de Pina, o Morgado
António de Almeida Nunes
José Calixto de Andrade
Francisco Bentes de Melo
Procuradores
Joaquim Cabral
Manuel de Barros
José Luís
3ª Pauta
Eleitores: Manuel de Gouveia de Vila Mendo com António de Carvalho das
Posses
Para Vereadores
O Doutor Luís Tomás de Amaral Faria
Manuel de Albuquerque
António de Melo
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
134
O Doutor José Calixto de Andrade
O Capitão António de Albuquerque
António de Pina
Francisco de Melo Bentes
Francisco da Costa
Manuel de Barros
Para Procuradores
Joaquim Cabral
António Cardoso
José Luís
A selecção elaborada, de acordo com os princípios exigidos, foi posteriormente
submetida ao juízo dos informadores escolhidos Luís Tomás do Amaral Pedroso Faria e
António do Amaral Teles.
O primeiro, Luís Tomás do Amaral Pedroso, era formado em leis, solteiro, com
45 anos de idade e possuía de bens 12.000 cruzados. O seu pai era José Paulino
Barreiros do Amaral, incluído no arrolamento da nobreza, sargento-mor das milícias e
possuidor de 50.000 cruzados. Foi mencionado na terceira pauta, obteve um voto e
ocupou o lugar de vereador em 1824.
O segundo informador, António Leite do Amaral Teles, morador em Castendo,
com 50 anos de idade, tinha experiência de governação e possuía 15.000 cruzados. Não
foi pautado em nenhuma lista e não irá ocupar nesse triénio qualquer lugar no
executivo camarário.
A documentação referente a este processo eleitoral está muito incompleta e
certos documentos geralmente presentes em semelhantes actos administrativos
simplesmente não existem. Se, por um lado, a documentação poder-se-á ter perdido,
por outro, o desconhecimento e a falta de prática nestes processos poderiam ter
conduzido a uma escassez documental.
Pelo «Arrolamento da nobreza e mais pessoas em circunstancias de entrarem
na governança deste concelho» vemos que muitos dos arrolados aqui, com a indicação
do cargo que tinham condições para desempenhar, não constam nas listagens
elaboradas pelos informadores como são os casos de:
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
135
- José de Gouveia Osório, doutorado na faculdade de canônes. Tinha servido em
cargos públicos com o predicamento de primeiro banco. Com 67 anos tinha de
seu 50.000 cruzados, era solteiro e morava no lugar de Vila Mendo, freguesia de
Castelo de Penalva. — Vereador;
- José Paulino Barreiros do Amaral, sargento-mor de milícias, reformado,
morava na sua Quinta do Campo neste concelho. Era casado, tinha 70 anos e
possuía 50.000 cruzados. O seu filho era Luís Tomás do Amaral Pedroso que foi
nesta eleição eleitor, informante e vereador em 1824. — Vereador;
- António Leite do Amaral Teles da vila de Castendo, possuía experiência de
governação, era casado, tinha 50 anos de idade e 15.000 cruzados. — Vereador;
- João Manuel da Costa Soares de Abreu Castelo-Branco, graduado em major de
milícias e morador no lugar de Lusinde. Era casado, tinha 50 anos e dispunha de
15.000 cruzados. — Vereador;
- José da Costa Gonçalves, do lugar de Vila Garcia era casado e tinha 70 anos.
Com experiência de governação possuía 18.000 cruzados. — Vereador;
- João de Melo, do lugar de Pindo tinha andado na governança, era casado, com
45 anos e 300.000 reis. — Vereador;
- António Rebelo de Pindo, também com experiência na governança deste
concelho, casado, 70 anos e com 10.000 cruzados. - Vereador
- José de Figueiredo Albuquerque era Capitão das Ordenanças de Vila Cova,
casado, com 48 anos de idade e 6.000 cruzados. — Vereador;
- Diogo da Costa do Amaral, morador em Castendo, era casado, tinha andado na
governança e tinha 55 anos e 4.000 cruzados. — Procurador;
- António Gomes, do Lamegal, ajudante de milícias, casado, com 55 anos de idade
e tinha 8.000 cruzados. - Procurador
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
136
- António Pedro Fernandes, da Quinta do Boco, tinha experiência de governação
deste concelho, solteiro, com 60 anos e 10.000 cruzados. - Vereador
Ao analisarmos a distribuição dos elementos referenciados para vereadores
neste arrolamento pelas freguesias do Concelho, podemos verificar a preponderância
de Castelo de Penalva com 6 indivíduos, logo seguido de Pindo, com 4 e a Ínsua, com 3.
Para além destas freguesias albergarem as principais famílias do concelho eram
também as mais populosas.
As idades dos arrolados situam-se entre os 25 anos (a idade mínima necessária
para exercer cargos na administração municipal) e os 70 anos. Na época nem todos
tinham a consciência da sua idade o que originava a uma estimativa da mesma, levando
a grandes discrepâncias. Para além disso muito contribuiu a deficiente informação
recolhida por vezes aleatoriamente pelos informadores e restantes intervenientes no
processo eleitoral. A média etária dos vereadores é de 50 anos, enquanto a dos
procuradores situa-se nos 43,3.
A escassez de dados referentes à actividade sócio-profissional dos arrolados
não nos permite uma análise mais detalhada, mas dos referidos vemos que existem
fidalgos, licenciados, oficiais das ordenanças ou das milícias (no activo ou já retirados) e
alguns lavradores abastados/proprietários.
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Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
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Freguesias
GRÁFICO XXXIVDistribuição dos elementos referênciados para vereadores, em arrolamento de nobreza nas eleições
para os anos de 1824, 1825 e 1826, por freguesias
Não existiu ao longo da documentação estudada nenhuma informação que
alegasse a capacidade ou incapacidade do elemento referenciado.
A pauta finalizante das eleições para o triénio de 1824, 1825 e 1826 apresenta a
constituição para o executivo municipal do concelho de Penalva do Castelo, tendo sido
posteriormente organizada do seguinte modo:
Ano de 1824
Vereadores:
José Calixto de Andrade da Matela
António de Mello Coutinho do lugar de Peges
Dr. Luís Tomás do Amaral
Procurador:
Joaquim António Cabral do Lamegal
Ano de 1825
Vereadores:
Manuel de Gouveia Osório de Vila Mendo
António de Pina — o Morgado das Antas
José de Mello Coutinho de Peges
Procurador:
José de Albuquerque de Lusinde
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
138
Ano de 1826
Vereadores:
António de Carvalho e Almeida da Quinta das Posses
Manuel de Albuquerque do lugar de Real
António de Almeida Nunes de Ínsua.
Procurador:
José Luís das Antas
Pela documentação existente parece-nos que durante o triénio que se seguiu
nenhum dos eleitos solicitou a escusa à sua nomeação ou teve de ser substituído.
Quando a listagem dos eleitos foi submetida à aprovação superior o
Desembargo do Paço deve ter concordado com os escolhidos pelo juiz de Fora de
Mangualde, substituto do corregedor da comarca de Viseu. Não era de estranhar a
decisão de tal homologação, pois ela era geralmente efectuada, quando a decisão
recaía sobre os indivíduos mais votados e que tivessem as condições mínimas para
exercerem a governação do concelho.
2.8.3. O Triénio de 1827, 1828 e 1829287
O processo eleitoral sobre o qual nos iremos agora debruçar é
substancialmente mais completo em tipologias documentais, permitindo clarificar
melhor a eleição para os executivos municipais.
A 14 de Junho de 1826, na Vila de Castendo, o corregedor da comarca, Manuel
Monteiro da Fonseca Quaresma, reuniu nos Paços do Concelho os «homens Nobres da
Governança, e os mais que elle Ministro lhe pareceo convocar, e que podessem votar
nos eleitores conforme a Ordenação do Reino e Ordem do mesmo Senhor que sejão
naturaes da terra e dos mais velhos e Nobres della e que tenhão zello tambem com
um, e experienciado Governo da mesma terra não sendo parciaes quando nella haja
bando para com liberdades» para nomearem as pessoas que iriam servir na
governação deste concelho durante o triénio de 1827, 1828 e 1829.
Ainda nesse mesmo dia, por ordem do corregedor, o oficial de porteiro lançou
os pregões «pelas ruas publicas desta villa para que toda a pessoa que tivesse servido
na governança da mesma viesse votar na elleição das justiças», tendo-se 287 I.A.N./T.T.- Desembargo do Paço, Beira, Pautas, maço 1075, cx. 1169
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
139
posteriormente procedido à votação e ao escrutínio dos votos para eleitores, cujo
resultado foi o seguinte:
O Doutor Luís Tomás do Amaral .................................................... 8 votos
O Doutor António de Faria ............................................................. 8 votos
António Leite do Amaral ................................................................ 7 votos
Egídio de Morais ............................................................................. 7 votos
António de Pina .............................................................................. 8 votos
Diogo da Costa ............................................................................... 8 votos
José Paulino Barreiros .................................................................. 4 votos
António de Almeida ........................................................................ 3 votos
António de Carvalho ....................................................................... 1 voto
O Doutor José Calixto .................................................................... 1 voto
Francisco António .......................................................................... 1 voto
José Luís ......................................................................................... 2 votos
Manuel de Albuquerque Castro .................................................... 1 voto
Foram seleccionados para eleitores/pauteiros: o Doutor Luís Tomás do Amaral,
Egídio de Morais, Doutor António de Faria, Diogo da Costa, António Leite do Amaral e
António de Pina, que receberam do corregedor o Juramento dos Santos Evangelhos. De
seguida, foi-lhes pedido «que conforme suas consciencias votassem na pessoa que
lhes parecessem com milhor e com mais zello do bem publico, servirão nesta Camara
os cargos de Veriadores e Procuradores nos tres annos proximo futuros,» e advertiu-os
que da parte de sua Majestade «que as pessoas quem ouvessem para haver de servir
serião das qualidades e partes que convem e naturaes desta villa e termo e dos que
costumão andar na governança della ou o tiverem sido seos Paes e Avós e de
conveniente Idade, e que nenhum dos Eleitores vote em si nem em seo companheiro, e
que no Rol que cada hum delles Eleitores hão de fazer conforme a Ordenação e Ordens
do mesmo Senhor se hão de conformar ambos em tudo nas pessoas quem o dito rol
nomearem e que não fação nomeação de mais pessoas que as que forem necessarias
para haverem de servir os ditos tres annos, e que não a cumprido assim e constando
que a nomeação que fizessem foi em respeitos ou subornos não será valioza, e a bem
disso se procederá contra elles.».
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
140
Posteriormente, os eleitores foram aparelhados dois a dois constituindo três
grupos e indicaram as seguintes pautas:
1ª Pauta
Eleitores: O Doutor Luís Tomás do Amaral com Egídio de Morais
Para Vereadores
Manuel de Gouveia Osório
António de Mello Couto
José Calixto de Andrade
Manuel Maria de Albuquerque
Francisco António de Barros
José Maria Cardoso de Meneses
António Leite do Amaral Teles
José António Barros
Para Procuradores
Adrião António de Gouveia
Manuel de Barros
Manuel José
2ª Pauta
Eleitores: O Doutor António de Faria com Diogo da Costa
Vereadores
O Bacharel Francisco António de Barros
António de Albuquerque
Manuel da Fonseca
O Bacharel José Maria Cardoso
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
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António Tavares
Francisco da Costa
O Bacharel José Calixto de Andrade
Francisco de Andrade
António Pedro
Procuradores
Egídio de Morais
Adrião de Gouveia
Manuel José
3ª Pauta
Eleitores: António Leite do Amaral com António de Pina
Vereadores
Francisco António de Barros
José Maria Cardoso de Meneses
Luís Tomás
António de Melo
José António Tavares
Manuel de Gouveia Osório
Manuel Maria de Albuquerque
João Manuel da Costa Soares Castelo Branco
Procuradores
Adrião António de Gouveia
Manuel José da Costa
Manuel de Almeida de Albuquerque
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
142
Prosseguindo com o procedimento eleitoral o corregedor mandou vir à sua
presença Luís Tomás do Amaral Pedroso de Faria e António Leite do Amaral, «homens
dos mais antigos e nobres de que tem informação que são de boa consciência e mais
zelosos do bem publico naturaes e moradores na terra» para que declarassem as
pessoas que mais requisitos288. tivessem para desempenhar os cargos municipais.
Assim, foram dadas as informações relativas aos indivíduos que poderiam servir para
vereadores e procuradores, nas quais o corregedor apontou ao lado a capacidade de
cada um dos mencionados para desempenhar os referidos cargos. Referiram-se 16
indivíduos para os cargos de vereadores e 7 para procuradores, ao contrário do triénio
anterior no qual foram mencionados 24 pessoas para vereadores e 8 para
procuradores.
Tendo notado que alguns dos pautados não foram mencionados no arrolamento
elaborado pelos informantes, o corregedor solicitou-lhes esclarecimentos sobre qual a
razão que levou a tal exclusão.
De imediato foi informado das seguintes pessoas e factos:
- Manuel da Fonseca, de Vila Cova, casado, de idade superior a 75 anos era
apontado como muito idoso e já não servia na governança do concelho desde
que tinha sido criado o cargo de Juiz de Fora. No entanto o principal motivo para
a não inclusão era a sua falta de bens, apesar de ter sido “ministro de vara
branca”, isto é juiz ordinário.
- António Tavares, residente em Mareco, tinha perto de 80 anos de idade e estava
«velho», ignorava-se o seu estado civil e também não tinha andado na
Governança.
- Francisco da Costa, residente em Lusinde, casado, de 45 anos, achava-se quase
sem bens e era o feitor dos herdeiros de Dom Sebastião de Lusinde.
288 O corregedor solicitou-lhes que indicassem «as pessoas que ha nesta vila e termo dos que constem não andar na
governança amigos Pais e Avós tiverem andado nella outros quaes quer que tiverem geralidades e partes para servirem os
taes cargos posto querião sejão naturaes e dos parentes e os quebra entre elles e cujas mulheres e em que grão e
amizade, ou ódio, e da idade de cada huma das ditas pessoas e creado de sua Magestade ou o foi de outrem, e de quem
e que ofício e fazendo a tem e se vive nesta vila, outro termo, e se são na terra dela ou o forão ou não seus Paes ou Avós e
se foi oficial mecanico, e quanto há que deixo eu de a servir ou se o foi seu Pai ou Avós e se tem habito com tença ou se
tem ela, e de que Ordem», vide anexo documental
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
143
- Francisco de Andrade, da Corga, casado, tinha 80 anos ou mais, e estava muito
velho e por isso não fizeram menção dele. Possuía em bens de raiz 3.000 ou
4.000 cruzados.
- António Pedro do Boco, solteiro, com 55 anos, encontrava-se «de todo falido de
bens e por esse motivo delle não fizerão menção».
- Egídio de Morais, de Fundo de Vila (Esmolfe), casado, 50 anos não foi nomeado
por esquecimento uma vez que casou e foi viver para fora do concelho. Tinha em
bens seis mil cruzados.
- Manuel José da Costa, de Real, casado, 45 anos, tinha servido de administrador
da casa dos herdeiros de Miguel António, e possuía em bens quatrocentos mil
reis.
Para fornecer indicações dos arrolados o corregedor utilizou o critério de
“Bom”, “Suficiente”, “Capaz” e “Ordinário”.
Ao contrário do triénio anterior a documentação deste processo eleitoral
encontra-se mais completa, permitindo ver com mais clareza a centralização das
vereações em torno de uma elite local constituída por nobres/fidalgos, membros das
ordenanças e milícias do concelho, bacharéis e proprietários. Ao contrário do que se
passou em alguns concelhos, em Penalva continuamos a ver o poder local nas mãos de
uma oligarquia endogâmica que se auto-renovava, sendo frequentes nas informações
estudadas, existirem menções ao parentesco entre os potenciais eleitos.
Todos os mencionados residem no concelho ou seu termo, sendo questão
sempre presente nas informações prestadas pelos eleitores. Os potenciais vereadores
continuam a pertencer às principais famílias do concelho e a distribuição pelas
freguesias fazia-se pelo seguinte modo:
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Freguesias
GRÁFICO XXXVDistribuição dos elementos referenciados para vereadores, em arrolamento de nobreza nas eleições
para os anos de 1827, 1828 e 1829, por freguesias
Castelo de Penalva com cinco eleitos, continuava a ser a freguesia com um
maior números de elementos, logo seguido pela Ínsua, Pindo e locais não
especificados.
Os que mais votos obtiveram foram eleitos para desempenharem os cargos de
vereadores e procuradores no executivo municipal durante os anos de 1827 e 1828, pois
ao contrário do pretendido este acto eleitoral não elegeu ninguém para o ano de 1829,
tendo-se a 14 de Setembro de 1828, procedido à abertura de novo processo eleitoral
cujo objectivo visava a nomeação de novo executivo municipal para o triénio de 1829-
1831.
Assim, as equipas autárquicas que desempenharam funções nos anos de 1827 e
1828 foram as seguintes:
Ano de 1827
Vereadores:
Francisco António de Barros da Quinta da Moita289
José Maria Cardoso de Menezes de Pindo 289 Foi substituído por Manuel Maria de Albuquerque de Esmolfe “(...)Nomeio a Manoel Maria d´ Albuquerque – de Esmolfe,
para Vereador da Camara do concelho de Penalva do Castello, em lugar de Francisco António de Barros, que foi escuzo;
para o que se passe Ordem LXª 2 de Março de 1827.(...)”, ver anexo documental.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
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José António Tavares de Tibães
Procurador: Adrião António de Gouveia das Posses
Ano de 1828
Vereadores:
António de Melo Coutinho
José Calixto de Andrade
António de Pina
Procurador: Manuel de Barros
Apenas dois vereadores - Francisco António de Barros da Quinta da Moita e
José Maria Cardoso de Menezes - foram votados/nomeados nas três pautas. De todos
os que exerceram o seu lugar no executivo municipal só António de Pina é que obteve
um voto, enquanto os restantes conseguiram dois.
A faixa etária dos arrolados estende-se dos 26 aos 72 anos. Neste campo
importa recordar que era um requisito importante no processo de selecção e que
nomeados na primeira pauta não foram mencionados no arrolamento como eram os
casos de António Tavares e de Francisco de Andrade, com cerca de 80 anos ou mais.
Todavia a média etária dos vereadores é de 33,2 anos e a de todos os arrolados para o
mesmo cargo é de 44,6. No caso dos procuradores a média é mais baixa e fixa-se nos
30 anos.
Em termos económicos os vereadores eleitos possuíam rendimentos entre os
5.000 cruzados e os 80.000 situando-se a média global dos pautados em 18.000
cruzados. Mas por aqui podemos ver que a condição económica não é só por si
determinante para a eleição de uma pessoa, uma vez que pautados como José Paulino
Barreiro do Amaral, com 80.000 cruzados e Manuel de Gouveia Osório, com 30.000, não
foram seleccionados.
Para finalizar todo o processo eleitoral, o corregedor mandou elaborar a
devassa das eleições procurando indagar e «averiguar se nella ouve algum soborno».
Foram inquiridas 16 testemunhas do acto eleitoral tendo todas, declarado que o acto
correu normalmente sem nenhuma suspeita de suborno ou de adulteração de
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
146
resultados. Muitos dos inquiridos eram proprietários, lavradores e artífices. Nestes
últimos encontramos referências às profissões de tamanqueiro, barbeiro, ferrador,
negociante e sapateiro.290
Posteriormente, a documentação foi enviada para o Desembargo do Paço para
se proceder à apreciação e nomeação dos eleitos, constituindo um processo
documental. Apenso a ele encontramos um pedido de dispensa solicitado por Francisco
António de Barros Cardoso e Vasconcelos, do cargo de vereador para o qual tinha sido
eleito, uma vez que se encontrava doente e incapacitado de cumprir as obrigações que
tal cargo acarretava. Ao seu pedido anexava uma carta passada pelo médico dos
partidos de Penalva, José Pereira do Amaral, formado em Medicina pela Universidade
de Coimbra, cujo teor era o seguinte:«Certifico que o Ilustrissimo Sr. Francisco António
de Barros Cardoso da Quinta da Moita, deste Distrito esta bastante doente, com uso de
remédios, que lhe apliquei, os quais deverão ser continuados por muito tempo, a fim de
radicalmente se curar a sua molestia. Por ser o seu Médico os estendo posso esta que
sendo necessario, atesto de baixo juramento do meu grao. Castendo, 26 de Março de
1827»
O atestado de incapacidade foi reconhecido em Penalva do Castelo, nesse
mesmo dia por Francisco Manuel Alves, tendo posteriormente subido ao Desembargo
do Paço. A 2 de Maio foi dado provimento ao pedido de escusa e logo foi nomeado
Manuel Maria de Albuquerque de Esmolfe para seu substituto uma vez que era o
vereador com maior número de votos e possuía aceitação dos informantes e do
corregedor.
2.8.4. O Triénio de 1829, 1830 e 1831291
Como as listas nomeadas nas eleições anteriores não chegaram a ser
cumpridas, a 14 de Setembro de 1828 procedeu-se às pautas de vereadores e
procuradores que iriam servir durante este novo triénio. O processo eleitoral sobre o
qual nos iremos agora debruçar é um pouco mais pobre do que o anterior e não
apresenta uma tão vasta tipologia documental.
Como era costume as eleições foram anunciadas por «editaes e lançado o
pregão pelo pregoeiro», mas também devido às restrições sociais existentes nestes
290 Vide anexo documental. 291 I.A.N./T.T.- Desembargo do Paço, Beira, Pautas, maço 1075, cx. 1169
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
147
actos, não é de excluir a hipótese, de que por vezes, o que ocorria era a transmissão do
pregão directamente aos interessados, de uma forma directa e mais recatada, ou
inclusive, de boca em boca pelos restritos círculos familiares ou de potenciais eleitores.
A presidi-las encontrava-se o Desembargador Juíz de Fora da cidade de Viseu, o Doutor
Francisco da Costa Mimoso Alpoim,292 que estava servindo de corregedor da comarca. O
mesmo encarregou as pessoas presentes para «que dessem a sua eleição em seis
pessoas deste concelho que costumassem andar na governança delle que fossem de
bons costumes e que tivessem conhecimentos suficientes das pessoas que estavam
nas circunstancias de serem Vereadores». Recomendava ainda da parte de «El Rei
Nosso Senhor que se houvessem comcircunspeção nesta nomeação; pois que della
defendia a boa eleição de Vereadores que havião de dirigir a boa eleição deste concelho
e fazenda delle»
Assim os presentes distribuíram os seus votos da seguinte forma:
Para Pautas
António de Carvalho ....................................................................... 9 votos
Francisco António Barros .............................................................. 18 votos
Luís Tomás de Amaral ................................................................... 18 votos
António Leite .................................................................................. 17 votos
José de Melo Coutinho .................................................................. 16 votos
António de Pina .............................................................................. 7 votos
António de Almeida Nunes ............................................................ 14 votos
António Pedro Ferreira .................................................................. 4 votos
João Manuel da Costa Soares ....................................................... 6 votos
José de Albuquerque ..................................................................... 3 votos
Joaquim Rebelo da Serra Chuquere ............................................. 14 votos
Manuel Maria de Albuquerque ...................................................... 3 votos
António de Melo ............................................................................. 2 votos
Diogo da Costa do Amaral ............................................................. 5 votos
José António Tavares ..................................................................... 2 votos
António de Ferreira do Amaral ...................................................... 2 votos
João de Barros ............................................................................... 1 voto 292 Francisco da Costa Mimoso Alpoim era também Fidalgo da Casa Real
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E porque tiveram a pluralidade dos votos foram eleitos para pauteiros,
Francisco António de Barros, Luís Tomás do Amaral, António Leite, José de Melo
Coutinho, António de Almeida Nunes e Joaquim Rebelo da Serra Chuquere, recebendo
logo o juramento para que procedessem à nomeação de nove indivíduos vereadores e
três procuradores, os quais deveriam estar habituados a « andar na governaça deste
concelho, ou para isso sejão aptos exemptos de ciúmes bem morigerados, sem nota
em sua reputação, e que não sejão dos que sejão inimigos do Altar do Thorno, sendo
verdade no governo deste concelho, e zelozos dos bens delle.»
A preocupação notória na eleição de pessoas que não fossem inimigas do trono
reflecte-nos a conjuntura de então, em que absolutistas e liberais se confrontavam
ideologicamente na tentativa de controle de toda a nação. Com o evoluir de tais
confrontos começou a surgir uma nítida preocupação em resguardar os municípios dos
ventos revolucionários liberalistas, que começavam a contaminar o aparelho do Estado.
Procurava-se a todo o custo evitar a contaminação dos órgãos periféricos da coroa, no
intuito de não introdução do vírus liberal em todo o corpo do Poder.
Organizados em três grupos de dois os pauteiros elegeram as seguintes listas:
1ª Pauta
Eleitores/Pauteiros: Joaquim Rebelo da Serra Chuquere e António Leite do
Amaral
Vereadores
António de Carvalho e Almeida
Doutor Luís Tomás Pedroso de Faria
José de Melo Coutinho
Doutor de José Maria Cardoso
José Luís de Sousa
Francisco António de Barros
José António Tavares
António de Albuquerque Guarro
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Manuel Maria de Albuquerque
Procuradores
António Bernardo
Egídio de Morais
António da Costa Faro
2ª Pauta
Eleitores/Pauteiros: Francisco António de Barros e José de Melo Coutinho
Vereadores
Manuel Maria de Albuquerque e Castro de Esmolfe
Pedro de Castilho de Real
António de Carvalho de Almeida da Qt.ª das Cazas
Manuel de Gouveia Osório de Vila Mendo
Francisco da Costa Gonçalves de Lusinde
José de Figueiredo de Vila Cova
António de Almeida da Ínsua
João Manuel da Costa da Lajinha
Luís Tomas do Amaral da Qt.ª do Campo
Procuradores
João de Barros de Castendo
Manuel Pinto de Esporões
António Bernardo de S. Tiago de Luzinde
3ª Pauta
Eleitores/pauteiros: Luís Tomás do Amaral e António de Almeida Nunes
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
150
Para Vereadores
Joaquim Rebelo da Serra Chuquere
Francisco António de Barros
José Maria de Meneses de Pindo
Manuel Maria de Albuquerque de Esmolfe
José de Melo Couto de Peges
António de Albuquerque Guarro de Sezures
José António Tavares de Tibães
António Leite do Amaral Teles de Castendo
António Abreu de Roriz
Para Procuradores
Egídio de Morais de Fundo de Vila
Manuel José de Real
Francisco de Oliveira de Roriz
Para informantes foram escolhidos o Doutor Joaquim Rebelo da Serra
Chuquere e António de Carvalho e Almeida, a quem o corregedor os encarregou que o
informassem «de que eram as pessoas que neste concelho julgava capazes de servir de
vereadores e Procuradores tendo andado no governo deste concelho que delle tivessem
experiencia, bem morigerados, exemptos de crimes, e sem nota alguma em sua
reputação politica, ou religioza, declarando suas idades, naturalidades, teres, e haveres
e reciprocas relacçoens que houver entre os que assim nomearem de parentesco, ou
amizade».
Nas pautas foram mencionados 20 possíveis vereadores e 9 procuradores,
enquanto nas listagens dos informadores encontramos referenciados 31 indivíduos que
estavam à altura para exercerem os cargos municipais no triénio de 1829-31. Quem
elaborava este rol deveria colocar, para além do nome do listado, a idade, a profissão,
naturalidade, relações de parentesco com outros nomeados e os bens que possuía. Na
margem desta listagem o corregedor deu a sua informação sobre cada um dos
listados, preocupando-se mais com a sua fidelidade à coroa e aos ideais absolutistas,
do que propriamente com os bons costumes ou capacidade financeira. De facto, por
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
151
elas podemos ver que a confusão sócio-política que o país enfrentava sentia-se
também no concelho de Penalva e foi vivida com muito empenho por parte das forças
vivas do município. Se, por um lado, uns apoiavam os rebeldes liberais, uma grande
maioria dos arrolados eram partidários de D. Miguel e chegaram mesmo a participar
nos combates travados. Muitos dos miguelistas mereceram mesmo por parte do
corregedor uma menção especial à sua fidelização, que aqui expomos:
- António de Carvalho de Almeida, era casado, major comandante das
Ordenanças de Penalva, tinha 75 anos e 25.000 cruzados em bens de raiz. O
corregedor deu sobre ele a seguinte informação: «Este individuo seguio a
causa da Realeza, no proxima passada luta com os rebeldes, promovendo, e
enviando muitos voluntários para a defesa do trono, e esta decidido por elle
a sua conduta he boa».
- José de Melo Coutinho, morador em Pejes, com 47 anos, capitão graduado
em major das milícias e tendo em bens de raiz 20.000 cruzados, o
corregedor afirmava que ele era «inteiramente decidido pelo governo
Monarchico, e se empenhou na luta passada, he de boa reputação e
costumes.»
- José Luís de Sousa, das Antas, casado, capitão de Ordenanças de idade de
50 anos, com 7.000 cruzados era referenciado como seguidor da realeza de
bons costumes e bem morigerado.
- Francisco António de Barros, da Quinta da Moita, solteiro, de 26 anos,
Cavaleiro Fidalgo da Casa Real, bacharel e possuía 80.000 cruzados em bens
de raiz . «Era uma das principais pessoas daquelle termo» e pertencia a
uma das famílias mais poderosas da época. Tinha «murado propriedades do
escrivão da Camara a qual lhe he disputada por António Leite do Amaral» e
a sua condição de apoiante da coroa era também inscrita.
- Manuel Maria de Albuquerque, solteiro, de 30 anos e capitão de Milícias do
Regimento de Viseu, possuía em bens de raiz 20.000 cruzados e era «muito
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
152
capaz pela sua conduta civil e sucedido pela cauza da realeza, pela qual esta
comprometido por ter parte na luta passada».
Grande parte dos listados (83,9%), vê expressa na sua informação o apoio à
coroa, enquanto 9,6 % prefere não se pronunciar sobre qual das facções apoia. Os
liberais são apenas 6.5%, mas o Doutor Francisco da Costa Mimoso Alpoim não deixa
passar as suas inseguranças políticas e refere-as:
- Luís Tomás do Amaral, da Quinta do Campo, solteiro, 45 anos, bacharel,
filho de José Paulino Barreiros do Amaral e administrador da casa de seu
pai tinha 150.000 cruzados. Apesar de ter sido nomeado informador nos dois
últimos actos eleitorais e desempenhado funções como vereador em 1824, a
sua posição estava agora debilitada uma vez que não era «muito seguro em
suas ideias polliticas»
- Tal como o anterior António Leite do Amaral Teles apesar dos seus
anteriores desempenhos como informador e apesar de deter o ofício de
Distribuidor, Contador e Inquiridor do concelho servia também de Escrivão
da Câmara, cuja propriedade lhe era disputada por Francisco Andrade
Barros. O corregedor afirmava que ele «não he seguro em suas ideas
polliticas, devendo julgar-se seguir o governo revolucionario»
O Doutor Francisco da Costa Mimoso Alpoim não estando satisfeito com os
dados fornecidos mandou chamar novamente os informadores, para prestarem mais
esclarecimentos sobre algumas pessoas. Como o informante Francisco Costa
Gonçalves já não se encontrava presente em sua substituição foi chamado José de
Melo Coutinho. Procedeu-se à justificação dos seguintes indivíduos:
- Pedro Castilho, de Real era casado, com 45 anos e tinha em bens de raiz
200.000 cruzados, mas achava-se «a morrer de um estopor e por isso
incapaz do serviço.» Ao lado o corregedor acrescentou «Este individuo era
excelente, homem de probalidade e decidido pelo Governo Monarchico,
porem muito doente.»
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
153
- Manuel de Gouveia Osório, natural de Vila Mendo, casado, 68 anos e 80.000
cruzados achava-se impossibilitado de servir por «molestias cronicas.»
Acrescentaram-lhe a seguinte citação «Tambem é muito capas, mas muito
doente, de modo que não sabe de coza.»
- João de Barros, de Castendo, com 45 anos, com 600.000 reis, mas não
estava apto para ser vereador ou procurador pelos poucos bens que tinha e
pela inabilidade moral. A sua informação dizia ainda que estava quase
mentecapto.
- Manoel Pinto de Esporões, filho de José da Silva, de 25 anos de idade, «filho
de família». Era «julgado amante do Governo Monarquico, de boa conduta
porem filho famelhios»
Foram então eleitos para este triénio os seguintes eleitores:
Ano de 1829
Vereadores:
José de Melo Coutinho de Peges
José Maria Cardoso de Menezes
Manuel Maria de Albuquerque de Esmolfe
Procurador: António Bernardo de S. Thiago
Ano de 1830
Vereadores:
António de Carvalho e Almeida
António de Albuquerque Guarro
José de Figueiredo e Albuquerque
Procurador: António da Costa Faro
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
154
Ano de 1831
Vereadores: António de Abreu de Roriz
Joaquim Rebelo de Serra Chuquere
João Manuel da Costa Soares de Abreu Castelo Branco
Procurador: Manuel José da Costa Real
Ao analisarmos os vereadores eleitos vemos que todos moram no concelho ou
seu termo e que a sua faixa etária situava-se entre os 26 anos de Francisco António
Barros e os 86 de Francisco Andrade. A média dos vereadores eleitos é de 47,4 anos
sendo a mais alta registada dos 3 triénios já estudados, enquanto a média do rol é de
48,7. Por seu lado os procuradores possuem uma média etária de 43,3 anos, mas no
seu arrolamento traduz-se em 42,7.
A situação sócio-profissional dos eleitos indica-nos que este triénio é diferente
dos anteriores uma vez que proliferam pessoas ligadas às milícias ou às ordenanças,
constituindo 35% das ocupações (7). Em segundo lugar surgem-nos os elementos não
especificados (7), sendo seguida pelos licenciados/bacharéis com 3, a nobreza com 2 e
as outras com 1.
Em termos económicos a média de rendimento dos arrolados é de 22.500
cruzados embora os vereadores eleitos tivessem uma média de 12.700. Isto significa
que o poderio económico deixava de ser primordial como factor de eleição. De facto,
valor importante e bastante explorado em todo o processo é a confiança política do
indivíduo. À semelhança do partido político do Marquês de Penalva, neste processo a
G R Á F I C O X X X V ID i s t r i b u i ç ã o d o s a r r o l a d o s p a r a v e r e a d o r e s , n a s e l e i ç õ e s p a r a o t r i é n i o d e
1 8 2 9 - 3 1 , e m t e r m o s s ó c i o - p r o f i s s i o n a i s
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TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
155
chave da nomeação era ser Miguelista, pois todos os eleitos eram partidários da
realeza e apoiavam o trono absolutista.
A instabilidade social e as frequentes escaramuças primeiro, e posteriormente
uma situação de guerra aberta entre as duas facções levaram a que a autarquia tivesse
nos seus principais cargos pessoas ligadas às forças militares de defesa. Em 1829
estiveram a cumprir funções como vereadores dois militares, em 1830, todos os
vereadores estavam ligados às Ordenanças. No ano posterior apenas esteve em
funções um indivíduo ligado à defesa – João Manuel de Soares Abreu Castelo Branco,
Major responsável pelas milícias deste concelho. As patentes destes eleitos são
consideravelmente altas e oscilam entre o posto de capitão e o de major,
demonstrando a importância social que as elites militares tinham nos meios ligados à
defesa e organização do concelho e no próprio contexto municipal.
A distribuição dos arrolados para vereadores por freguesias continua a
fornecer-nos a mesma tónica. Castelo, Ínsua e Pindo continuam a deter uma
predominância em relação às outras, mas neste triénio Pindo e Ínsua surgem em ex-
aequo no primeiro lugar com 4 arrolados enquanto Castelo apenas detém 1.
Em todos os arrolados existiu a preocupação de mencionar a sua experiência de
governação ou a dos seus familiares que ocuparam esses cargos.
A concluir o processo eleitoral o corregedor mandou elaborar uma devassa de
suborno para inquirir se nesta eleição tinha havido qualquer interferência ou suborno
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Freguesias
GRÁFICO XXXVIIDistribuição dos elementos referenciados para vereadores, em arrolamento de nobreza nas eleições para os anos
de 1829, 1830 e 1831, por freguesias.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
156
que condicionasse ou dirigisse a escolha do executivo municipal. Esta preocupação
encontrava-se logo patente no início da eleição; o pregoeiro anunciava «que nenhuma
pessoa per si ou per outrem soborne a mesma eleição; debaixo das penas de ser
degradado dois annos para os lugares de Africa, alem de ella ser nulla». Na devassa
foram interpelados vários participantes no acto, tendo todos afirmado que
desconheciam a existência de qualquer irregularidade ou procedimento ilegal.
2.8.5. O Triénio de 1832, 1833 e 1834 293
A última eleição para os cargos municipais realizada com metodologia
administrativa própria do Antigo Regime iniciou-se a 27 de Julho de 1831. Neste dia o
Doutor Francisco Arrais de Vilhena, em observância da provisão do Desembargo do
Paço, deu início ao acto para proceder à eleição dos vereadores e procuradores para a
Câmara de Penalva do Castelo. Assim, mandou passar as ordens necessárias para «se
achar prezente a Camara nobreza e povo tendo precedido os competentes avizos e
pregoes».
Na presença dos que compareceram foram votados para eleitores os seguintes
indivíduos:
Francisco António de Barros .......................................................... 14 votos
António de Carvalho e Almeida ..................................................... 14 votos
António de Melo .............................................................................. 4 votos
António José de Albuquerque ........................................................ 10 votos
António José de Albuquerque Guarro ........................................... 3 votos
António Pedro ................................................................................. 11 votos
José de Figueiredo Albuquerque .................................................. 8 votos
António de Pina .............................................................................. 11 votos
António da Costa Faro .................................................................... 7 votos
Joaquim Rebelo da Serra Chuquere ............................................. 2 votos
Diogo da Costa ............................................................................... 3 votos
Elegeram Francisco António de Barros Cardozo, António de Carvalho Almeida,
José de Figueiredo Albuquerque, António Pedro Fernandes, António de Pina e António 293 I.A.N./T.T.- Desembargo do Paço, Beira, Pautas, maço 1075, cx. 1169
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
157
José de Albuquerque Guarro para que aparelhados dois a dois elegessem o executivo
municipal. Para isso recomendava-se que tais pessoas fossem «de probidade Nobreza
e capacidade para servirem os ditos cargos, e fieis a El Rei Nosso Senhor».
Foram pois elaboradas as seguintes listas:
1ª Pauta
Eleitores: António de Carvalho Almeida e António Pedro Ferreira
Vereadores:
Francisco António de Barros
Manuel Maria de Albuquerque
Manuel de Albuquerque e Castro
António de Pina
José Cabral Pinto
Manuel Pinto da Silva
António José de Albuquerque
José de Figueiredo de Albuquerque
António da Costa Faro
Procuradores:
Manuel de Andrade
Pedro de Carvalho
Francisco de Albuquerque
António de Carvalho e Almeida
António Pedro Fernandes
2ª Pauta
Eleitores: Francisco António de Barros e António José de Albuquerque
Vereadores
António de Carvalho Almeida
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Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
158
Manuel Maria de Albuquerque e Castro
António Pedro Fernandes
António de Pina
Manuel Albuquerque e Castro
Manuel de Barros
José de Figueiredo Albuquerque
José Cabral Pinto
Diogo da Costa
Procuradores
Manuel de Andrade
José Frutuoso
Felipe de Carvalho
3ª Pauta
Eleitores: José de Figueiredo Albuquerque e António de Pina
Vereadores
Francisco António de Barros
António de Carvalho e Almeida
Manuel Maria de Esmolfe
Manuel de Albuquerque e Castro
Manuel de Barros
António Pedro Fernandes
Manuel Pinto
José Cabral Pinto
António da Costa Faro
Procuradores
Manuel de Andrade
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
159
José Frutuoso
Felipe Carvalho
À semelhança das eleições anteriores foram nomeados informadores para
«proceder, ao arrolamento ou apuração de todas as pessoas do concelho que estiveram
nas circunstancias de entrarem em pautas e em confiança, proceder ao referido
anolamento». Ao invés dos anteriores actos eleitorais para este, o corregedor destacou
3 elementos para efectuarem tal operação: António de Carvalho Almeida, António Pedro
Fernandes e António de Pina. Arrolaram-se 13 pessoas para as funções de vereadores
e 5 para procuradores e apenas uma pessoa foi dada como tendo pouca capacidade.
Era ele Diogo da Costa, de 60 anos, morador em Castendo, boticário na mesma vila,
com 100.000 reis, tinha experiência como procurador e possuía bons sentimentos
políticos. A explicação para tal atitude baseava-se na «sua ocupação e poucos teres»
que este indivíduo detinha, não possuindo capacidade suficiente para o cargo.
Também referido em adicionamento aparece Pedro de Carvalho, casado, com
600.000 reis, de 60 anos e bons sentimentos políticos, que não foi arrolado apenas por
esquecimento.
Neste triénio a distribuição dos arrolados pelas freguesias de onde são oriundos
mantêm a trilogia de Castelo, Pindo e Ínsua. Esta surge em primeiro lugar com 4
nomeados, mas todos os arrolados continuam a ser moradores no concelho.
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3
3,5
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Freguesias
GRÁFICO XXXVIIIDistribuição dos elementos referênciados para vereadores, em arrolamento de nobreza nas eleições para os anos de 1832, 1833 e
1834, por freguesias.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
160
Em termos económicos a média de rendimentos dos arrolados para vereadores
era de 16.640 cruzados, enquanto a dos procuradores era de 11.400 cruzados.294 A nível
sócio-profissional os arrolados provêm sobretudo de áreas ligadas à protecção militar
do concelho, das ordenanças e das milícias (51%). Tal facto não é de estranhar uma vez
que a situação política no país é bastante agitada e ainda ocorrem algumas
escaramuças entre liberais e absolutistas. Dois dos procuradores são oriundos
também da área da defesa/militar enquanto os outros três são lavradores. A média de
idades dos arrolados para vereadores é de 48,4 anos e a dos eleitos é de 40,8 anos.
Cumprindo o ritual administrativo o corregedor elaborou então a Devassa da
eleição para saber se houve suborno ou interferência no acto. Foram inquiridas 13
pessoas que participaram ou assistiram ao processo eleitoral para a nomeação do
executivo municipal. Alguns deles detinham profissões ligadas às ordenanças e às
milícias do concelho enquanto outros eram ferradores, lavradores, alfaiate,
proprietários, sapateiro e até foi interrogado o escrivão do público judicial e notas. Na
devassa surgem mencionados alguns dos arrolados que, ou não foram escolhidos para
a governação, ou não possuíam qualidades para exercerem essas funções, como são os
casos de António da Costa Faro e Diogo da Costa.
No final do processo foram escolhidos os seguintes elementos:
1832
Vereadores:
Francisco António Barros Cardoso (2 votos)
António de Pina (2 votos)
294 A média dos rendimentos dos eleitos é substancialmente maior para os vereadores com 25.000 cruzados e menor
para os procuradores com 8.000.
G R Á F I C O I X LD is t r i b u i çã o s ó c i o - p r o f i s s i o n a l d o s a r r o l a d o s p a ra v e r e a d o r e s n o t r i é n i o
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TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
161
Manuel de Albuquerque e Castro (3 votos)
Procurador: Manuel de Andrade (3 votos)
1833
Vereadores:
Manuel Maria de Albuquerque e Castro (3 votos)
José Cabral Pinto (3 votos)
Manuel Pinto da Silva (2 votos)
Procuradores: José Frutuoso (2 votos)
Esta eleição do executivo camarário, à semelhança do que ocorreu no triénio de
1826-29, não chegou até ao fim e no ano de 1834 já ninguém exerceu funções devido à
restruturação liberal do poder local, acabando o modelo de cariz absolutista e
tradicional.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
162
2.9. Sociologia dos eleitos (1824-1834)
A acção de exercer cargos municipais, provocava um “enobrecimento” das
classes mais desfavorecidas, trazia prestígio e respeito. Por isso quem ocupa tais
cargos procura mantê-los a todo o custo. Controla acções e actos, crítica e obstrói,
procurando cerrar fileiras e tapar as possibilidades de ascensão a outros indivíduos.
Instituem preceitos sociais e económicos que devem ser cumpridos, pelos possíveis
eleitores, reduzindo o seu número a meia dúzia de contemplados.
Em Penalva vemos sobretudo uma pequena nobreza local preocupada com os
jogos de poder, e alguns membros das famílias mais abastadas, as denominadas
“famílias de Quinta”, das quais se destacam, pela presença de seus membros em
algumas composições de elencos municipais: a Quinta da Moita, de Goje e os Menezes.
No entanto, a principal família com poder económico não surge muito interessada pela
administração municipal das terras de Penalva, tal como o seu senhorio. Disto é prova
o pouco empenho demonstrado pelos sucessivos Marqueses de Penalva, que ao
contrário de outros senhores, nem sequer visitavam os seus territórios. Por outro lado,
a família Albuquerque que se encontrava em franco enriquecimento económico, mercê
dos cargos desempenhados por Luís de Albuquerque Pereira e Cáceres na
administração colonial brasileira, preocupou-se mais com edificação/organização de
um vasto leque de propriedades e com o exercício dos cargos de nomeação real, do que
com a administração municipal.
Ao contrário de alguns municípios, não existem elementos pertencentes aos
mesteres e ofícios a ocuparem cargos municipais. A única menção surgida é a
nomeação de Diogo Costa, Boticário, no arrolamento para vereador na eleição das
justiças de 1832, 1833, 1834, mas não foi eleito. Por outro lado, vemos presentes
inúmeros lavradores e proprietários que disputam a sua eleição para a administração
concelhia, sobretudo para procuradores. Para eles este facto traduz-se numa
aproximação à nobreza, numa elevação do seu prestígio social, numa superior condição
social e num renegar da sua vida agrária.
Durante quase uma década - de 1824 a 1833/34 - passaram pelo governo
municipal 34 indivíduos que exerceram os seus mandatos como vereadores e
procuradores, tendo alguns deles desempenhado os cargos por mais de uma vez.
Iremos pois referenciar a listagem dos eleitos com os respectivos cargos e anos de
desempenho por ordem alfabética:
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
163
Vereadores
António de Abreu – 1831
António de Albuquerque Guarro – 1830
António de Almeida Nunes – 1826
António de Carvalho e Almeida – 1826 e 1830
António de Carvalho e Almeida – 1830
António de Melo Coutinho – 1824 e 1828
António de Pina (Morgado) – 1825
António de Pina – 1828 e 1832
Francisco António Barros Cardoso – 1827 e 1832
João Manuel da Costa Soares de Abreu Castelo Branco – 1831
Joaquim Rebelo de Serra Chuquere – 1831
José António Tavares – 1827
José Cabral Pinto – 1833
José Calixto de Andrade – 1824 e 1828
José de Figueiredo e Albuquerque – 1830
José de Mello Coutinho – 1825 e 1829
José Maria Cardoso de Menezes – 1827 e 1829
Luís Tomás do Amaral – 1824
Manuel de Albuquerque – 1826
Manuel Maria de Albuquerque – 1827 e 1829
Manuel de Albuquerque e Castro – 1832
Manuel de Gouveia Osório – 1826
Manuel Maria de Albuquerque e Castro –1833
Manuel Pinto da Silva – 1833
Procuradores
Adrião António de Gouveia – 1827
António Bernardo de S. Thiago – 1829
António da Costa Faro – 1830
Joaquim António Cabral – 1824
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
164
José de Albuquerque – 1825
José Frutuoso – 1833
José Luís – 1826
Manuel de Andrade – 1832
Manuel de Barros – 1828
Manuel José da Costa – 1831
Constatamos que 8 dos vereadores eleitos exerceram as suas funções por duas
vezes, o que não aconteceu com nenhum dos procuradores.
GRÁFICO XLDistribuição dos vereadores por freguesias (1824-1834)
ANTAS7%
CASTELO 33%
ESMOLFE7%GERMIL
3%
ÍNSUA 17%
LUSINDE7%
MARECO0%
PINDO13%
REAL7%
SEZURES3%
TRANCOSELOS0%
VILA COVA3%
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
165
Ao contrário do sucedido ao longo da segunda metade do século XVIII, durante
estes 10 anos estudados detectou-se apenas uma desistência o que pressupõe uma
alteração significativa na organização municipal. Se as desistências eram comuns e
ocorriam devido ao fraco poder económico das autarquias e ao controlo exemplar feito
pelo Donatário ou o seu ouvidor, agora algo mudou. Terão sido os ventos liberais que
reduziram o poder do senhorio originando um reavivar das elites locais em busca de
poder e prestígio? Ou será que os conflitos entre liberais e absolutistas levou ambas as
facções a encararem os municípios como ponta de testa à implantação das suas
ideologias e poder no território nacional? A todas estas hipóteses podemos ainda juntar
a possibilidade de o município penalvense ter recuperado alguma capacidade
económica, mas esta não nos parece muito verosímil.
A distribuição geográfica dos vereadores destes 10 anos mostra-nos de uma
forma inequívoca a preponderância da freguesia de Castelo de Penalva com 10 eleitos
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GRÁFICO XLIDistribuição dos vereadores por freguesias (1824-1834)
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GRÁFICO XLIIDistribuição dos procuradores por f reguesias (1824-34)
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
166
correspondendo a 33% do total. Em segundo lugar vem a Ínsua com 5 vereadores (17%)
e Pindo com 4 (13%).
Sem nenhum representante aparecem Mareco e Trancoselos. Curioso é o caso
das Antas com 2 vereadores que viviam na Matela, que actualmente é freguesia
independente. Quando fazemos a mesma análise para os procuradores vemos uma
maior dispersão apenas surgindo com algum destaque a Ínsua com 3 e Lusinde com 2.
Sem nenhum eleito apareciam as freguesias de Esmolfe, Mareco, Real, Sezures e Vila
Cova do Covelo.
As idades dos 30 vereadores eleitos oscilam entre os 26 anos de Francisco
António de Barros, da Quinta da Moita e os 75 de António Carvalho e Almeida. A média
etária total é de 52,3 anos enquanto nos procuradores atingem os 43,9. Nestes últimos
a idade mínima são os 30 anos e a máxima os 55.
Outro factor de notória importância era o seu estado civil. Em Penalva do
Castelo os vereadores solteiros eram em maior n.º do que os casados. Todavia nos
procuradores esta situação invertia-se e apenas um era solteiro, para os oito casados.
A observação do estatuto sócio profissional revela-nos uma preponderância dos
grupos sociais habitualmente privilegiados, mas com particular destaque para os
eleitos ligados às Ordenanças do Concelho e às Milícias. Isto deveu-se sobretudo à
conjuntura de instabilidade política e social derivada dos conflitos entre absolutistas e
liberais, que assolou o nosso país. 27% dos eleitos não possuíam qualquer indicação da
profissão ou estatuto social a que pertenciam, mas possivelmente alguns deles eram
lavradores e pequenos proprietários.
G RÁFICO XLIIIA nálise do estado civil dos vereadores, que serviram entre 1824-34
43%
7%
50%
Solteiro
Casados
Sem Indicação
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
167
A discriminação dos bens e rendimentos era uma constante nos arrolamentos
efectuados nestes 4 processos eleitorais, sendo o valor médio apurado de 17.137
cruzados para os vereadores e 5.000 para os procuradores.
Em jeito de conclusão podemos, pois, afirmar que nos últimos anos do Antigo
Regime, o poder municipal em Penalva do Castelo está circunscrito a uma meia dúzia
de indivíduos que são parte integrante de uma aristocracia local, gozando de um
poderio económico considerável e aliados a uma posição social e com prestígio
político295. Nota-se que alguns deles tinham, até à criação do lugar de juiz de fora,
desempenhado funções como juízes ordinários. Desta forma, e face à extinção deste
cargo, produziu-se uma “nobilitação forçada” dos ofícios de vereador, na medida que
era, conjuntamente com o de procurador, o único cargo que poderia ser executado
pelas elites autóctones. Mas em termos comparativos entre as únicas funções
restantes, era muito mais dignificante e prestigiante o seu exercício.
Constata-se ainda que durante o período estudado, o poder municipal em
Terras de Penalva estava sob controlo de uma elite local detentora de grande parte dos
postos concelhios. Contudo aquando dos conflitos liberais-absolutistas, os indivíduos
ligados à defesa do concelho reforçam substancialmente a sua presença no grupo dos
eleitos, centralizando em si o poder autárquico.
Outros factores determinantes para o exercício da governação são: a génese
familiar, os comportamentos sócio-profissionais, a posição do sujeito no processo
produtivo de bens e acumulação de riqueza e a escolha política.
295 Joaquim Romero Magalhães ao abordar os eleitos nos municípios algarvios reforça esta ideia ao afirmar que o poder
se concentra «nas mãos de muito poucos».
GRÁFICO XLIVAnálise sócio-profissional dos vereadores 1824-34
10%
23%
37%
3%
27% NobrezaBachareisOrdenanças e MilíciasOutrasNão especificadas
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
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CONCLUSÃO
A vida municipal no concelho, em finais do Antigo Regime, não foi uma simples
e hermética “caixa de acontecimentos” desenraizados do tempo e do espaço. Foi sim
uma história de uma comunidade local, com os seus problemas e sucessos, que vivia
uma realidade imperfeita e em mutação.
Ao longo do trabalho procurou-se abordar três áreas distintas – Território,
Elites e Governança que através das suas interacções constituem o fulcro da acção
municipal em Penalva do Castelo entre 1752 e 1834.
Territorialmente estamos perante uma população completamente dedicada aos
afazeres do campo, onde a agricultura e a criação de gado desempenhavam um papel
fundamental na economia destas gentes, o concelho foi crescendo numa periferia de
poder, onde a pertença e o trabalho da terra constituíam a principal preocupação de
grande parte da população. Assim, desta forma, a “vida agrícola” desenvolve-se não só
nas freguesias do concelho, mas na própria vila, não existindo uma separação entre
zonas urbanas e rurais. Actividades ligadas ao preparo das hortas, amanha dos
campos, o cultivo de cereais, leguminosas, do vinho e azeite, a criação de gado
abarcam grande parte do dia-a-dia dos penalvenses de então.
Numa zona onde predomina a policultura baseada em minifúndio, é à volta do
ciclo dos cereais panificáveis, que giravam grande parte dos afazeres. A importância do
centeio, do milho, trigo e cevada gerava ainda outras actividades, destacando-se a
moagem.
O concelho de Penalva do Castelo, sobretudo a sua comunidade, acabava por
constituir um microcosmo sócio-económico, multi-relacional, com fortes vínculos de
solidariedade, nas quais uma minoria de figuras sociais desempenhava um papel
chave.
Em termos financeiros, o município penalvense caracterizava-se por uma
manifesta debilidade económica, característica de uma grande maioria de concelhos do
Antigo Regime. A escassez de património, sobretudo de terras para arrendar, aliada a
cobranças deficientes originava saldos extremamente insignificantes ou negativos, que
condicionavam as actividades da governança. A importância dada à capacidade
económica dos eleitos, realça a debilidade financeira do município e reforça a
importância dada aos assuntos e materiais desse foro. De facto, a dimensão política
dos municípios era extremamente reduzida, conduzindo a câmara para acções básicas
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
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ligadas com a economia municipal: abastecimento de cereais, gestão do património
municipal, abrigo e protecção social aos mais desprotegidos, etc...
Ao analisarmos os modelos municipais no Antigo Regime devemos ter em conta
que estamos perante um sistema díspar e multi-arquétipo, que variava de concelho
para concelho. Penalva não era excepção e o exercício do poder senhorial, corresponde
mais a um modelo estratégico de efectivação de prestígio/status por parte do senhorio,
do que a constituição de um centro autónomo de poder político e económico de
controlador do sistema municipal. Ao nível do exercício das funções jurisdicionais, a
acção, o poder e o controlo social pairavam sobre a esfera autárquica, sem nunca se
imiscuírem nos verdadeiros problemas da governação. Era esta elite senhorial a
montante, que constituía uma espécie de nuvem jurisdicional, de elevada relevância
simbólica, mas truncada no horizonte político-jurídico, uma vez que não detinha
jurisdição de primeira instância. Por tudo isto, e se analisarmos a acção do donatário
constatamos que o domínio senhorial era mais um poder condicionante do que efectivo.
Se por um lado, é costume afirmar-se que a legislação de 1790-92 incutiu um rude
golpe no poder senhorial, em Penalva o que se produziu foi uma redefinição de
procedimentos administrativos e judiciais, demarcando novos limites jurisdicionais que
acabaram por levar ao abandono da confirmação das justiças pela parte do
marquesado. Além do mais, tais poderes pouco ou nada se manifestavam numa
edilidade claudicante em termos económicos, uma vez que se tornava difícil tirar-se
partido da sua situação financeira.
A elevada rotatividade municipal e a existência de elementos “cativos dos
ofícios”, não significa que se esteja perante uma sociedade local organicamente
definida e estruturada. Antes pelo contrário, uma vez que excluindo um grupo com
características oligárquicas de cariz familiar de segunda linha, verificamos que o
grosso dos eleitos provêem de entre os mais distintos do... povo.
O sistema senhorial nunca implicou um poder compacto e homogéneo,
implacável na forma de acção e sem fissuras na aplicação de direitos e privilégios junto
da comunidade local. A miniaturização do espaço político, fragmentado por diversas
áreas do poder, aliada a um programa central de uniformização e centralização jurídica
e a maneabilidade dos órgãos locais, reduziram o poder senhorial a uma questão quase
meramente institucional, bastante mesurado.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
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Se em termos históricos, o senhorialismo tem uma fama feudal longitroante, no
espaço e no tempo aqui abordados, esse fundamento não se aplica uma vez que o
estabelecimento de uma complexa rede de relações entre donatário, ouvidor, concelho
e mais tarde com o juiz de fora, acabaram por se diluir e transformando-se em finais do
Antigo Regime, num poder do prestígio.
Os mecanismos de autoridade e jurisdição foram reorganizados legalmente
traduzindo-se também numa renovação e mudança de procedimentos, atitudes e
perspectivas do senado municipal. A transmigração do processo reorganizativo em
curso pelo centro, trespassou a Casa de Tarouca e repercutiu-se no concelho por uma
reestruturação levada a efeito pelo agente senhorial, o juiz de fora, que induziu a uma
reformulação de métodos e dos sistemas administrativos locais.
A concorrência de poderes entre agentes do centro e nobiliárquicos possibilitou
a uma escala diminuta, o reforço das aspirações municipais, que aproveitando as
tensões e o desviar das atenções, procuraram um novo espaço de acção. Todavia, este
espaço acabou por chocar com uma amálgama de direitos especiais, muitas vezes mal
interpretados, sobretudo no caso da jurisdição da ordem de Malta em Sezures. Ao
longo do período estudado, se exceptuarmos as questões relacionadas com as eleições
locais, são factores de ordem fiscal e financeira que geram mais pressões e conflitos
geraram entre o senado e as populações.
Chegados aqui importa debater a sociabilidades das elites locais e da
Governança, fundamentais para a compreensão da evolução político social em terras
de Penalva. Fonte de despesas para os seus protagonistas, e em alguns casos de
desprestígio, os ofícios camarários não atraíam mais do que uma segunda leva de
poderosos locais, uma vez que as casas e famílias com outro estatuto e poderio,
acabavam por desempenhar importantes cargos na administração central e colonial
portuguesa. A média dimensão territorial de Penalva, para o meio municipal vizinho e a
capacidade/debilidade financeira do concelho, acabaram por originar uma constituição
social dos corpos executivos da autarquia diversificada com inspirações oligárquicas,
próprias de diversas famílias sem grandes aspirações sociais. Nos últimos anos do
Antigo Regime, acentua-se esta tendência de ascensão social, devido à fixação de
certos grupos familiares nos ofícios concelhios.
A natureza oligárquica desvanece perante a elevada rotatividade dos cargos,
gerando instabilidade, tensões, reacções e atraindo o senado para o recurso aos
agentes do centro. As clientelas senhoriais do poder, interligavam-se com os agentes
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Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
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locais, indiciando por vezes comportamentos proteccionistas, reveladores de um status
de poder, que se manifestava numa recusa sistemática do exercício das obrigações
concelhias.
Os concelhos portugueses, na Idade Moderna não obedeciam a esquemas
democráticos na eleição dos seus governantes, prevalecendo neles um modelo
oligárquico. A propensão para converter os cargos municipais em património
hereditário, não questiona a existência de oligarquias locais, mas sim qual a sua
composição, permeabilidade, interacção, capacidade de renovação, influências, etc...
Contudo, as práticas e tradições instituídas e uma hegemonia social de segunda
linha criaram um núcleo habitual de eleitos, decisivo na continuação da acção
camarária. Se por um lado, constituíam uma segunda escolha, representavam também
uma segurança na aplicação de conteúdos jurídico-legais e administrativos. Essa
mesma segunda linha dos poderosos autóctones, se numa primeira fase até à
implementação do juiz de fora, desempenhava sobretudo os lugares de juízes
ordinários, passaram depois a ocupar as funções de vereadores. Contudo, a existência
de um letrado à frente dos destinos do concelho credibilizou a instituição, renovou o
espaço social, ao qual as elites locais responderam com nova postura, que se traduziu
por uma redução substancial dos pedidos de escusas e no aumento da assiduidade nas
reuniões de câmara.
O poder real e o donatário detinham a capacidade, ou possibilidade de intervir
nas decisões do senado, nas escolhas das composições municipais, na acção
administrativa e judicial, na colocação de medidas sócio-económicas (posturas), etc...,
mas raramente o fazia. Se verificarmos os potenciais pólos de poder (central, senhorial,
municipal, elites locais e até o poder religioso) e os seus agentes junto da edilidade,
constatamos que estamos perante uma comunidade local típica do Antigo Regime,
policentrica, caracterizada por múltiplos centros de poder com diferentes
ordenamentos administrativos, jurídicos e políticos. Mas desengane-se quem pense
que existia uma plena e concreta separação desses poderes, uma vez que estamos
perante uma sociedade em que se confundem as esferas do privado com as do público
e onde não existe uma separação transversal e clara entre o Estado e a Sociedade. No
mesmo campo operam direitos diferentes (real, senhorial, municipal, canónico e outros
especiais), não existindo uma estrutura perfeitamente hierarquizada de administrativa,
na qual esteja patente uma cadeia de comandos e instâncias de controlo.
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Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
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Face a inúmeras vicissitudes, o modelo autárquico Penalvense encarou o
processo de uniformização e centralização de uma forma conjunta com os outros
agentes do poder, independentemente de serem de nomeação central ou senhorial.
Uma das incógnitas que fica é se os carácteres distintos das acções poderiam ou não
causar modificações acentuadas na vida local, mas o que se sabe é que o habitual
estrangulamento das finanças locais, reduzia imenso o campo de manobra.
Se uma possível monopolização do funcionamento municipal poderia ser
legitimada pela jurisdição senhorial, primeiro através do seu ouvidor e depois por ele
próprio, os meios/métodos de controlo e acção (também exercidos posteriormente pelo
corregedor da comarca), assim como a responsabilidade que advinha do exercício de
tais procedimentos fiscalizadores, vieram trazer uma entidade própria histórica/jurídica
e demarcar um campo político/social, por vezes movediço.
As lacunas jurídicas, conjugadas com a inexistência de formulas legais que
proporcionem uma uniformização de critérios e procedimentos geravam no modelo
organizacional de base senhorial, comportamentos com a comunidade local, que se
traduziam mais pela emanação da graça do que pela sobreposição da acção. A
liberdade era também autoridade, reflectindo um paternalismo próprio de um poder
senhorial em declínio, que tem jurisdição, e em alguns casos intenção, de controlar
politicamente a composição do senado, mas não o fazia, ou não o conseguia.
Contudo a autonomia municipal Penalvense, com uma jurisdição própria e
métodos independentes de exercício de acção baseava-se em muito nas doações,
privilégios e direitos reais, sendo comum o senado apelar para o cumprimento do foral
ou de outra concessão real.
Mas, num município como o de Penalva do Castelo, onde os modelos de
governação se alteraram, a complexidade e diversidade administrativa é ainda maior e
complexa, exigindo uma precisão na definição de momentos históricos que nos
permitem compreender melhor toda a situação. São eles o estabelecimento da “cabeça
do concelho” em Castendo, a extinção do cargo de ouvidor e a nomeação de juiz de fora.
Se no primeiro caso, a sua ocorrência se deveu à força e conveniência das elites locais,
os outros acontecimentos devem-se à interferência directa do Centro. É pois dentro
destas esferas de influência e de relações/tensões entre poder central, senhorial e
local, que se desenvolve toda a actividade municipal, cada vez mais abrangida e
inspirada por processos de progressão do “centro”.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
Penalva do Castelo em finais do Antigo Regime (1750-1834)
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A criação do lugar de juiz de fora promoveu o concelho e deu-lhe organização
jurídica/administrativa, mas também é verdade que o município vizinho de Gulfar foi
relegado para uma posição de inferioridade, não só no título do magistrado, mas
também porque a sua acção sentia-se quase em permanência em terras de Penalva.
Por outro lado, importa realçar que o mosaico municipal estava longe de ser
homogéneo e unificado, coexistindo no reino diferentes modelos, com as suas
especificidades locais. Por tudo isto, e apesar de não ter estado sujeito a uma rigorosa
acção de controlo senhorial/central, pode-se concluir que a debilidade política do
município penalvense era comparável à sua situação económica, uma vez que não
conseguia um pleno exercício de poder. De facto uma medida parece condicionar a
outra. A falta de recursos financeiros acaba por implicar menos verbas para governar e
assim via-se praticamente privado de uma importante dimensão política.
O senado municipal, ao longo destes oitenta anos, foi um organismo
pluripessoal de carácter executivo em diversas áreas (jurídicas, administrativas,
económicas, sociais, etc...), agindo num processo contínuo tendencialmente marcado
por uma constância e imobilista, mas com “marcado” por momentos históricos, que se
repercutiram em suaves alterações sócio-políticas e consequentes mudanças de
comportamento.
Analisando hoje as alterações políticas e sociais levadas a efeito pelo
liberalismo, sobretudo as transformações radicais no mapa autárquico português,
vemos que o concelho como instituição encontrava-se numa larga e profunda crise e
que nem mesmo as mutações legais operadas nos últimos anos do Antigo Regime
conseguiram alterar essa situação. Contudo o caso de Penalva, também aqui foi
excepção por ter continuado com a sua estrutura geográfica e administrativa
inalterável.
Foi esta coesão que permitiu resistir às tentativas de aglutinação surgidas no
século passado, fruto de uma necessidade de afirmação/justificação territorial de
outros municípios. A 4 de Agosto de 1867, em reunião do município de Mangualde
afirmava-se que “(...)parece à Câmara de razão e justiça que se devem incorporar neste
concelho as freguesias do concelho de Penalva que lhe são confinantes, sitas aquém do
rio Dão que são: Germil, Trancoselos, Real, Castelo e Mareco, que deverão formar mais
uma paróquia civil, com sede em Real – incorporação esta de reconhecida
conveniência, não só pela proximidade em questão desta Vila, centro e capital do
concelho, mas também pela tendência e comodidade e interesses da maior parte dos
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seus habitantes.(...)”296. No caso desta resolução ter sido aceite o concelho de Penalva
do Castelo seria esquartejado em pedaços e englobado nos municípios seus vizinhos
(Viseu, Fornos de Algodres, Aguiar da Beira, Mangualde e Sátão).
Se por um lado a documentação estudada, apresenta uma certa coerência
jurídica/administrativa do município penalvense, isto não faz dele um exemplo, antes
pelo contrário, coexistindo inúmeros modelos municipais, próprios das tipicidades
locais e produtos das circunstâncias históricas específicas. É pois neste colorido
mosaico político/jurídico/administra-tivo, difícil de abarcar face à multiplicidade de
actos e documentação, que o poder central vai exercer a sua acção procurando
uniformizar toda a organização e composição municipal através de uma implacável
orientação centralizadora.
No campo político/jurídico e administrativo, a particularidade do municipalismo
penalven-se, residiu na articulação de determinados actos organizativos, de carácter
mais ou menos ideológicos e suas fórmulas institucionais de uma forma local, mas
englobadas por uma substrato histórico/administrativo/jurídico imposto pelo poder
central e senhorial.
Durante todo o Antigo Regime a política centralista/absolutista inspirou-se no
desígnio de subordinar aos seus interesses a administração municipal, reduzindo
progressivamente a autonomia concelhia e realçando o poder central.
O século XVIII, fase culminante do absolutismo monárquico, revelou-se como
uma época de intensa movimentação institucional. A remodelação do Estado levou ao
desenvolvimento de uma persistente atitude regulamentarista, que por sua vez
desemboca numa rigorosa centralização administrativa, cujo reformismo do Estado
absolutista é indefectivelmente, o seu cunho centralizador. O município não escapou à
influência das tendências políticas do absolutismo e isto reflectiu-se na sua capacidade
jurídico/administrativa, como demonstra a documentação por nós consultada.
Concluindo verificamos que a dinâmica municipal de Penalva do Castelo, em
meados do século XVIII, estava interligada/dependente da gestão de diversos poderes,
que se articulavam entre si, para atingirem os seus objectivos.
Importa referir que o estudo da municipalidade em Terras de Penalva está ainda
por fazer, pois se, por um lado, a questão não tem levantado muito interesse, por outro,
296 Arquivo da Câmara Municipal de Mangualde, Livro das Actas das Sessões da Câmara de Mangualde nos anos de 1862
a 1868, f. 321.
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a escassa documentação existente não ajuda. Consciente de que, em termos históricos,
a necessidade de racionalização se torna fundamental, a prossecução destes estudos
deverá ser fundamentada através de um árduo trabalho de investigação. Por tudo isto
urge redefinir conceitos entrando-se numa nova dimensão da História Penalvense e do
seu património, que importa ser estudado e divulgado como forma de identidade de
todos os munícipes.
TERRITÓRIO, ELITES E GOVERNANÇA
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A.C.M.P.C. - Arquivo da Câmara Municipal de Penalva do Castelo
A.D.V. - Arquivo Distrital de Viseu
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297 Entenda-se por documentação sem registo arquivístico, todos os livros que foram recolhidos e que apesar de fazerem
parte do corpus arquivístico e histórico do município, não integram fisicamente o Arquivo da Câmara Municipal de Penalva
do Castelo.