TABLETS E JORNALISMO: o estado da arte e a multimidialidade no Estadão Noite e no Globo A Mais

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Conferência ICA América Latina Diálogos entre Tradição e Contemporaneidade nos Estudos Latino-Americanos e Internacionais de Comunicação Universidade de Brasília, 26 a 28 de março de 2014 TABLETS E JORNALISMO: o estado da arte e a multimidialidade no Estadão Noite e no Globo A Mais 1 Resumo Este trabalho objetiva mapear e classificar os aplicativos noticiosos para tablets desenvolvidos pelas empresas brasileiras. Além disso, o artigo busca refletir sobre e identificar o uso da multimidialidade nas versões de jornais desenvolvidas exclusivamente para tablets. Para a construção da nossa análise, usamos a base de dados dos membros da Associação Brasileira de Jornais (ANJ). Ao todo, são 141 associados no país, dos quais apenas 34 possuem versão para o dispositivo. Desses, somente dois dispõem de uma versão exclusiva para o formato e neles foram aplicadas fichas de observação. Os aplicativos catalogados foram classificados a partir de uma proposta tipológica: transpositivos, transpositivos potencializados e autóctones. Sobre a multimidialidade, nossos dados indicam que os meios fazem uso dessa linguagem, mas as apropriações ainda são tímidas quando comparadas às feitas pelos cibermeios. Palavras-chave: Tablets, multimídia, aplicativos, ANJ. As apropriações e usos dos dispositivos móveis no cenário comunicacional são muito variados. São feitos em suportes digitais para leitura e escrita (eReader), como também em netbooks, telefones móveis e tablets (GÜERE E NEVES, 2012). É possível inserir, neste cenário de inovações, aplicativos, softwares e páginas web desenhadas especificamente para estes suportes. Para este trabalho, interessam-nos os aplicativos jornalísticos desenvolvidos especificamente para tablets. Há diversos projetos periodísticos que indicam a exploração dos recursos nativos das novas plataformas: o norte-americano The Daily, italiano La Repubblica Sera, o belga Le Soir e o espanhol El Mundo de La Tarde. No Brasil, O Globo a Mais, de O Globo, e Estadão Noite, de O Estado de S. Paulo, são destaques. Esses aplicativos são conhecidos como autóctones. São aplicações de “[...] natureza nativa que se inserem na modalidade de exploração dos recursos característicos das plataformas móveis em termos de navegação, interação táctil e outras particularidades dos apps.” (BARBOSA et al, 2013, p.13). 1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Jornalismo e Sociedade, 4ª Conferência ICA América Latina, Universidade de Brasília, 26 a 28 de março de 2014.

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4ª Conferência ICA América Latina Diálogos entre Tradição e Contemporaneidade

nos Estudos Latino-Americanos e Internacionais de Comunicação Universidade de Brasília, 26 a 28 de março de 2014

TABLETS  E  JORNALISMO:  o  estado  da  arte  e  a  multimidialidade  no  

Estadão  Noite  e  no  Globo  A  Mais1  

Resumo Este trabalho objetiva mapear e classificar os aplicativos noticiosos para tablets desenvolvidos pelas empresas brasileiras. Além disso, o artigo busca refletir sobre e identificar o uso da multimidialidade nas versões de jornais desenvolvidas exclusivamente para tablets. Para a construção da nossa análise, usamos a base de dados dos membros da Associação Brasileira de Jornais (ANJ). Ao todo, são 141 associados no país, dos quais apenas 34 possuem versão para o dispositivo. Desses, somente dois dispõem de uma versão exclusiva para o formato e neles foram aplicadas fichas de observação. Os aplicativos catalogados foram classificados a partir de uma proposta tipológica: transpositivos, transpositivos potencializados e autóctones. Sobre a multimidialidade, nossos dados indicam que os meios fazem uso dessa linguagem, mas as apropriações ainda são tímidas quando comparadas às feitas pelos cibermeios. Palavras-chave: Tablets, multimídia, aplicativos, ANJ.

As apropriações e usos dos dispositivos móveis no cenário comunicacional são muito

variados. São feitos em suportes digitais para leitura e escrita (eReader), como também em

netbooks, telefones móveis e tablets (GÜERE E NEVES, 2012). É possível inserir, neste

cenário de inovações, aplicativos, softwares e páginas web desenhadas especificamente para

estes suportes.

Para este trabalho, interessam-nos os aplicativos jornalísticos desenvolvidos

especificamente para tablets. Há diversos projetos periodísticos que indicam a exploração dos

recursos nativos das novas plataformas: o norte-americano The Daily, italiano La Repubblica

Sera, o belga Le Soir e o espanhol El Mundo de La Tarde. No Brasil, O Globo a Mais, de O

Globo, e Estadão Noite, de O Estado de S. Paulo, são destaques.

Esses aplicativos são conhecidos como autóctones. São aplicações de “[...] natureza

nativa que se inserem na modalidade de exploração dos recursos característicos das

plataformas móveis em termos de navegação, interação táctil e outras particularidades dos

apps.” (BARBOSA et al, 2013, p.13).

1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Jornalismo e Sociedade, 4ª Conferência ICA América Latina, Universidade de Brasília, 26 a 28 de março de 2014.

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É neste cenário de transformações que o tablet é visto pelas empresas jornalísticas como

um novo suporte para a produção de conteúdo e uma alternativa comercial a ser explorada

pelas empresas (VALENTINI, 2012). O marco de sua inserção no mercado é o mês de abril

de 2010 quando a Apple lançou o iPad (CANAVILHAS; DE SANTANA, 2011).

Os suportes não eram novidade no mercado da tecnologia, mas o lançamento de Steve

Jobs representou o boom de vendas e aceitação do aparelho no mercado mundial. Esse

lançamento impactou fortemente o mercado editorial e provocou o lançamento de novas

versões de jornais para o dispositivo.

Quando falamos de tablets e jornalismo, Roger Fidler, professor e diretor do Programa

Digital Publishing Donald W. Reynolds Journalism, da Universidade do Missouri (EUA), é

conhecido como o idealizador de um dos dispositivos que marcará os processos de produção,

criação e consumo do jornalismo “[...]. Foi ele quem, há 16 anos, idealizou o ‘tablet

newspaper’ [...]” (BARBOSA; SEIXAS, 2013, pp. 51-52).

Dados da comScore2 mostram que a proporção de acessos realizados por dispositivos

móveis, como celulares e tablets, teve crescimento de 300% entre maio de 2011 (quando era

de 0,6% do tráfego total) e maio de 2012 (2,4%) no Brasil.

Nos Estados Unidos, os números 2012 também chamam atenção. Das pessoas que

possuem tablets no país, 64% usam o dispositivo para ler notícias, revela a Pew Research

Center's Project for Excellence in Journalism (PEJ)3.

Utilizando a mesma fonte, a Agência Globo4 mostra que, entre 13 países, o Brasil é

aquele onde mais se consome conteúdo jornalístico por meio de tablets. O país tem uma

média de leitura duas vezes maior do que em outros equipamentos. O iPad é responsável por

31,8% de todos os acessos a jornais por dispositivos móveis em território nacional.

“No campo do jornalismo e das práticas de comunicação contemporâneas, observa-se

que o jornalismo cada vez mais se alimenta de plataformas móveis, tanto para a produção,

quanto para a difusão de conteúdo digital” (RUBLESCKI; BARICHELLO; DUTRA, 2013,

p.129). Diversas empresas jornalísticas têm desenvolvido aplicativos. Contudo, as instituições

midiáticas têm criado produtos não somente em aplicativos. A web também tem sido

utilizada, com apoio de uma linguagem chamada de HTML5, como suporte de produção

desse formato.

2 Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/tec/1137021-participacao-de-tablet-e-celular-na-internet-brasileira-quadruplica-em-um-ano.shtml> Acesso em: 12 set. 2013 3 Disponível em < http://www.journalism.org/analysis_report/future_mobile_news>. Acesso em 20 de set. de 2012. 4 Disponível em: <http://www.yib.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=82:brasileiro-e-quem-mais-le-jornais-via-smartphone-e-tablet&catid=39:noticias>. Acesso em: 25 jun. 2013.

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Como fator impulsionador dessa adoção, pesquisadores (AGUADO; CASTELLET,

2013) também têm destacado que, nos dispositivos móveis, como celular e tablet, é mais

plausível, quando comparada a outros suportes, a rentabilização. Principalmente pelo corte na

produção de conteúdo, que passa a ser cross-media5, e pela novas formas de interação com os

usuários e a fidelização das audiências mais jovens.

Apesar de existir esse movimento, as empresas brasileiras não possuem um modelo

definido para rentabilizar o seu conteúdo. “Em termos jornalísticos, as palavras de ordem são

reinventar o formato das notícias e diferenciar o conteúdo, além de personalizar a experiência

de leitura em mobilidade.” (RUBLESCKI, BARICHELLO, DUTRA, 2013, p. 129)

Barbosa e Seixas (2013, p. 62) acreditam que as aplicações tablet-based media seguem

a mesma tendência das primeiras versões de sites jornalísticos para a web. As pesquisadoras

afirmam que vivemos um “[...] estágio de transposição pura e simples, que emula as edições

impressas de jornais e também de revistas[...].” Porém, essas transposições no cenário

midiático são mais complexas e provenientes de diferentes suportes. Elas mostram que são

agregados “[...] conteúdos multimídia dos respectivos sites para os novos dispositivos tablets

como iPad, Xoom, HP touchPad ou aqueles que rodam o sistema android da Google.”

É nitidamente perceptível que os “processos visuais, sonoros e textuais que

permeavam os meios tradicionais de comunicação são gradualmente incorporados aos

dispositivos móveis, [...] inclusive para fins noticiosos-jornalísticos.” (RUBLESCKI,

BARICHELLO; DUTRA, 2013, p.121)

É perceptível também que este desenvolvimento herda do jornalismo digital

caraterísticas como hipertextualidade, interatividade, multimidialidade, personalização,

atualização contínua/instantaneidade e memória (PALACIOS, 2003). Principalmente os

aplicativos desenvolvidos especificamente para os suportes, como os dois brasileiros: Globo

A Mais e Estadão Noite.

É neste cenário que o presente artigo tem como objetivo mapear os jornais brasileiros

que possuem versões para tablets. Incialmente, utilizando a observação livre (TRIVIÑOS,

2011) como método de pesquisa, buscamos mapear os aplicativos nos jornais brasileiros.

Para chegar ao nosso corpus, selecionamos, no site da Associação Nacional de Jornais

(ANJ), todos os meios de comunicação a ela associados. Ao total, são 141. Chegamos a fazer

uma ligação telefônica em junho de 2013 para a ANJ, com o intuito de saber se eles tinham

esse levantamento. Identificado que não existiam as informações na Associação, passamos a

5 Cross-media é um modelo de distribuição de serviços, produtos e experiências por meio das diversas mídias e plataformas de comunicação. Os grupos de comunicação têm utilizado este modelo para baratear sua produção.

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visitar as páginas da internet dos associados buscando descobrir quais possuíam versões para

tablets. A procura foi realizada na página principal de forma visual e utilizando as palavras-

chave na busca: tablet, ipad e móvel. Essas palavras foram escolhidas a partir de uma

observação inicial para a identificação das mais usadas. Além disso, de forma complementar,

fomos na loja da Apple6 e utilizamos o nome meio de comunicação para encontrar o

aplicativo. Essa busca foi feita no mês de junho de 2013.

Feita esse primeiro levantamento, ancorado no trabalho de Güere e Neves (2012), e

identificadas algumas apropriações distintas, desenvolvemos uma tipologia e passamos a

categorizar e classificar as versões para dispositivos em:

a) Transpositivos: disponibilizam o PDF do impresso, transpondo o conteúdo

original.

b) Transpositivos híbridos: transpõem conteúdos dos diversos meios do grupo de

comunicação. Além disso, esses dispositivos podem apresentar versões do

impresso, potencializando com recurso interativos, multimidiáticos e hipertextuais,

como links e QR Codes. Esse modelo ainda não apresenta uma diagramação

adequada ao suporte.

c) Autóctones7: nascem exclusivamente para o suporte e possuem uma produção

exclusiva.

Um outro aspecto que precisa ser deixado claro é que nosso foco e busca, neste

trabalho, é por aplicativos direcionados à produção de conteúdos jornalísticos noticiosos.

Frisamos isso porque as empresas jornalísticas têm criado aplicativos diversificados, como

para entretenimento (infoTabment8), prestação de serviço e puramente jornalísticos. Com isso,

é possível encontrar em meios de comunicação mais de um aplicativo.

Outro ponto que destacamos, como tínhamos ressaltado na introdução, é que há

aplicativos feitos em lojas específicas de app, como Apple, bem como versões para o

dispositivo desenvolvidas na web9. Além disso, para identificar os aplicativos que possuíam

produção específica para o suporte, analisamos a primeira capa das versões com a página

web. Esses dados foram levantados de 9 a 15 de junho de 2013, totalizando uma semana.

6 Por não termos o dispositivo que rodasse em outra plataforma, não buscamos em outras lojas. Apesar disso, achamos que o trabalho não é prejudicado, principalmente porque buscamos na página dos sites como principal critério. Mas também por entendermos que a Apple possui o dispositivo mais usado pelas empresas jornalísticas e pelos usuários, e por ser o modelo percursor. 7 Este termo é usado pelo grupo do Projeto Laboratório de Jornalismo Convergente, coordenado pelas pesquisadoras Suzana Barbosa e Lia Seixas, na Pós-Com, UFBA. 8 O conceito de InfoTabment é derivado do conceito de Infotainnment. Tem relação com uma nova atitude dos usuários de tablets e o consumo de entretenimento nos dispositivos. 9 Enquanto o primeiro é desenvolvido em um ambiente fechado, que limita inclusive o uso da hipertextualidade, o outro é feito na web, que tem como característica sua estrutura rizomática.

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Nossos dados mostram que, na região Sudeste, dos 66 jornais sócios da ANJ, 18

possuem suas versões em aplicativos para tablets. Desses, 16 possuem aplicativos próprios e

dois vendem suas versões impressas no aplicativo O Jornaleiro10. Apenas um dos jornais

possui uma versão para tablet na web, que é o Jornal Folha de São Paulo. Apesar disso, o

meio também tem aplicativo nas lojas. Usando nossa tipologia, é possível afirmar que existem

12 aplicativos transpositivos, dois transpositivos híbridos e dois autóctones11.

Somente o Jornal O Globo, em um dos suas aplicativos, o Globo A Mais, possui

conteúdo produzido exclusivamente para o suporte. O Estadão Noite foi desenvolvido

especificamente para o suporte, mas possui uma boa parte do seu conteúdo transposto de

outros meios do grupo. Os dois são os dispositivos autóctones. Além disso, o jornal Lancer

oferece uma versão do seu jornal impresso com potencializações, como o leitor de QR Code.

Além disso, a Folha de São Paulo oferece recursos utilizados na web. Ele é considerado um

transpositivo híbrido. Todos os dispositivos apresentam modelos de assinatura variados.

Na região Sul, dos 28 jornais associados, dez possuem aplicativo na Appstore, sendo

todos eles transpositivos. Desses, dois jornais, do mesmo grupo empresarial, utilizam um

mesmo aplicativo. Todos os jornais possuem o modelo de assinatura.

Dos 15 jornais da região Norte, apenas dois têm aplicativos. São modelos

transpositivos e também adotam o formato pago. Para ter acesso aos exemplares impressos,

em PDF, o usuário precisa assinar um plano.

Na região Nordeste, dos 23 jornais, apenas quatro possuem aplicativos. Um deles, o

Jornal da Paraíba, possui aplicativo para diferentes plataformas e dá acesso via web também.

O jornal Estado do Maranhão possui chamada na capa do site, mas, ao clicar nela, apresenta

erro e não foi encontrado na loja. O Diário do Nordeste, com seu aplicativo Diário do

Nordeste Plus, é um aplicativo autóctone, sendo o único fora da região sudoeste. Contudo,

não tivemos acesso ao aplicativo. Tentamos algumas vezes instalar e pagar para acessar a

versão, mas apresentou um erro.

Já na região Centro-Oeste, são nove jornais associados, desses apenas dois possuem

aplicativos. O Correio Brasiliense tem um transpositivo híbrido. O jornal O Popular apresenta

uma versão transpositiva. Além desses dois, o Jornal de Brasília oferece suas versões do

impresso em PDF no aplicativo O Jornaleiro.

10 O Jornaleiro é um aplicativo que cumpre o papel de banca de revista virtual. Ele vende conteúdos digitais de jornais e revistas. 11 É possível encontrar mais de um produto nos aplicativos dos jornais mencionados. Alguns grupos empresariais, como o Globo, usam um tipo de loja virtual para vender versões diferentes de aplicativos.

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   Sudeste   Sul   Norte   Nordeste   Centro-­‐

Oeste  

Transpositivos 12   10   2   3   2  

Transpositivos híbridos 2   0   0   0   1  

Autóctones     2   0   0   1   0  

Total  de  Jornais  com  aplicativos   16   10   2   4   3  

TABELA 1 – Aplicativos de jornais divididos por região (Fonte: elaboração própria)

Feito esse mapeamento inicial, passamos a identificar o uso da multimidialidade nas

versões autóctones, Estadão Noite e Globo A Mais. Nossa escolha se deu por serem os únicos

jornais que possuem equipes próprias produzindo conteúdo12 e por terem sido desenvolvidos

pensando nas potencialidades do suporte. Como os dois jornais13 escolhidos para serem

testados oferecem edições pagas, fizemos a assinatura e aplicamos em duas edições dos

jornais. No Globo A Mais, foram analisadas as edições de sexta-feira (26/07/2013)14 e de

segunda-feira (30/07/2013). No Estadão Noite, foram as de quinta-feira (26/07/2013) e sexta-

feira (26/07/2013). Os questionários foram aplicados na segunda-feira (26/07/2013).

Para realizar a observação das versões, utilizamos a Ferramenta para Análise de

Multimidialidade em Cibermeios, desenvolvida Masip, Micó e Teixeira (2011). Apesar de

serem desenvolvidas para webjornais, acreditamos, nesta fase inicial de criação e

experimentação do suporte, que as fichas serão apropriadas.

Ao total são nove fichas de observação. A primeira é uma ficha geral de recursos

multimídia. Aplicada a primeira, a B1 possibilita a observação do uso das fotografias. As

galerias de fotografias são privilegiadas nas ficha B215. Os vídeos são analisados na Ficha B3

12 O Diário do Nordeste anuncia que possui equipe própria, mas como não obtivemos sucesso no acesso, foi descartado. 13 Ao consultarmos a Folha de São Paulo, percebemos que as notícias que estavam na capa eram idênticas às da versão web, por isso descartamos o jornal da análise. 14 Apesar de existirem especificações na ficha para aplicação em horários separados, 9 e 19h, nos dias escolhidos, no caso das versões para tablets é inviável, já que produzem edições estanques, sem atualização contínua. 15 Diferente do que aconselha a ficha, utilizamos para observação de galerias nos diversos locais do dispositivo, mesmo não aparecendo na chamada da capa. Esse padrão servirá para todos os formatos.

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e as galerias do formato na B4. Já a B5 é para áudio, B6 para infografias. As duas últimas, C1

e C2 não foram utilizadas em nosso trabalho, principalmente porque não há possibilidade de

recuperação de memória produzida pelos espaços.

2. A multimidialidade no Globo A Mais e no Estadão Noite

Passados 10 anos da pesquisa percursora feita por Mielniczuk (2003), em que, entre as

diversas contribuições, mapeou-se o uso das seis potencialidades do jornalismo feito na web,

ela já indicava que a multimidialidade é uma das menos utilizada pelos webjornais. Na

contemporaneidade, no âmbito da pesquisa, a multimidialidade ainda é pouco estudada

(MASIP; MICÓ, 2013).

Os pesquisadores espanhóis afirmam que este cenário está mudando. Elas acreditam

que o interesse crescente sobre a potencialidade entre grupos de pesquisas e meios de

comunicação tem permitido um melhor conhecimento e uma maior incidência na produção de

conteúdo multimídia nas rotinas produtivas e nas coberturas informativas.

Para fins jornalísticos, a multimidialidade é entendida neste trabalho como a

integração, em uma mesma unidade discursiva, de informação de vários tipos: textos, imagens

(fixas ou em movimento), sons e, até mesmo, base de dados e programas auto-executáveis.

Essa junção para a criação de uma narrativa pode ser por integração ou justaposição (NOCI,

2003).

“Um sistema multimídia é aquele que se caracteriza pelo uso de diferentes canais de

comunicação”. Ao se elaborar uma informação com este formato, é possível contextualizá-la

com as ferramentas oferecidas no suporte. Um exemplo seria a utilização de um mapa para

geolocalização de um acidente ou tragédia (SCHWINGEL, 2012, p. 15).

Som, vídeo, imagens e textos são os elementos que podem integrar o discurso

multimídia. A diferença no uso das imagens é que, nos jornais digitais, elas podem também

ser em movimento ou em pequenos trechos de vídeo. Feitas essas delimitações conceituais,

passamos aos resultados.

No aplicativo do Globo A Mais, nas duas edições pesquisadas, existem fotografias

individuais que servem de chamada e são combinadas com chamadas textuais. O fato é

observado nas duas edições selecionadas. Não existem mais outros formatos na capa. Além

disso, não há possibilidade de resgatar arquivos, já que são edições específicas. No Estadão

Noite, além da imagem individualizada que ocupa a capa inteira das duas edições analisadas,

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existe um ícone de uma caixa de som para uma chamada de assuntos que acontecerão durante

o dia.

Na Ficha B1, identificamos que todas as imagens possuem legendas e estão integradas

na zona de notícias. Ao passar a primeira página e a parte explicativa de uso do dispositivo,

existe uma seção chamada Giro. As fotografias são utilizadas abundantemente e a observação

no espaço indica ser um recurso central nas edições. São sempre em alta qualidade (high

definition) e esse padrão é recorrente em todas as imagens publicadas nas edições.

No Estadão Noite, as imagens são utilizadas de forma mais tímida. Nos textos, existe

apenas uma imagem dos colunistas. Não há fotos individuais nos textos para ilustrar ou para

acrescentar informações. Na seção de vídeo, também existem imagens, mas estão sobrepostas

a um ícone de play de um vídeo.

Encontramos nas edições do Globo A Mais uma galeria fixa de imagens. Com a Ficha

B2, analisamos “As imagens do dia”, onde há uma galeria independente que faz uma

apresentação conjunta de informações sobre diversos temas da edição.

As fotos são passadas manualmente, com a tactalidade. Na edição de 26 de julho, são

ao todo nove fotos com assinatura pessoal, devidamente identificadas. Reuters, Associated

Press e Fundação AFP são as agências que assinam as imagens. Já a outra edição tem na

galeria dez imagens. Todas elas possuem as mesmas características identificadas na primeira

galeria, diferenciando-se somente em uma imagem, que é da Agência O Globo.

O Estadão também possui uma galeria de imagem no seu aplicativo. As imagens de

“Cenas do Dia” apresentam assinaturas em todas. Identificadas devidamente, as imagens do

dia 26 são, em sua grande maioria, de autoria de repórter fotográfico do meio. São quatro

fotos do Estadão e uma da Agência Reuters.

Na ficha B3, que faz uma análise de vídeo individual, na edição de 29 de julho,

aplicamos em cinco arquivos em editorias diferentes. Eles são identificados com um ícone nas

matérias, já que estão integrados com informações textuais. Todos servem de complemento,

buscando enriquecer o texto. Apenas um vídeo, de duração de 5 minutos e 13 segundos, é de

autoria própria, de um cineasta convidado. Os outros quatro vídeos variam de três a 30

segundos e são produzidos por agências. São vídeos ilustrativos, como clipes de filmes e

ensaios fotográficos.

No Estadão Noite, são três vídeos por edição e estão localizados em uma seção

chamada “Na TV Estadão & na Rádio Estadão”. Há indícios de transposição do canal feito no

Portal. Todos os vídeos possuem um fotograma com um botão play e são segregados em

galerias de vídeos. Possuem uma etiqueta própria e são independentes. Não é possível

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também identificar os autores das peças, já que não possuem assinatura autoral. Também não

é possível identificar se os textos, que fazem a chamada dos vídeos, são do mesmo autor.

Na edição de quinta-feira, o primeiro vídeo, identificado com o título “É cedo para

analisar a visita do papa”, tem formato de entrevista em bancada feita em telejornalismo. Com

duração de dois minutos e 58 segundos, o arquivo é de autoria do meio de comunicação. O

jornalista que faz as perguntas no vídeo não recebe crédito. Apenas a TV é identificada.

O segundo vídeo, “Oscar Schmidt recebe benção do papa”, apresenta imagens do fato.

São 51 segundos de duração. O terceiro, “Veja o descarrilamento do trem na Espanha”, é mais

elaborado e possui também um formato de telejornalismo. A peça é construída com imagens

da Agência Associated Press e coberta com um off. Não há sinalização de autoria no arquivo,

somente sendo identificado com o símbolo do Estadão.

A edição do dia 26, de sexta-feira, também possui três vídeos. “Em dia de Sol,

peregrinos lotam Copacabana” tem três minutos e 13 segundos de duração. O arquivo possui

imagens, sonoras, off e uma música no fundo. Como todos os outros, os arquivos não são

identificados.

Já em “Campanha para prefeito de NY é circo de revelações”, a colunista de o Estadão

Lúcia Guimarães abre fazendo um stand up. Logo depois segue com imagens e um off

apresentando as informações. O vídeo de 2 minutos e 51 segundos de duração é o primeiro

que identifica o profissional que faz o arquivo.

“Conflito de geração é tema de peça em SP” também apresenta o crédito do

responsável pela apresentação. O arquivo segue a mesma linha do último comentado neste

trabalho. A diferença é que ele tem 52 segundos.

A Ficha B4 foi aplicada somente no Estadão, já que não existem galerias de vídeos no

aplicativo da Globo. As galerias, nos dois dias observados, apresentam um conjunto de

informações sobre temas variados. Elas são segregadas em uma área específica, independente.

Todos os vídeos são identificados e não há assinatura pessoal, sendo apenas identificado o

Jornal. Como se trata de um arquivo de notícias em bloco, não há a possibilidade de encontrar

arquivos e, como já foi exposto, eles são publicados em uma seção própria.

A B5, Ficha para análise de áudios, foi aplicada somente na edição de 26 de julho e

somente um áudio foi encontrado, sendo identificado por um ícone. Tratava-se de uma música

de um banda que era resenhada pelo autor do texto. O arquivo de áudio serviu nesse texto

como complemento da matéria.

No Estadão Noite, há um áudio em cada edição. Eles possuem o mesmo formato: são

identificados com um botão de play (representado com uma caixa de som), são segregados e

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independentes. Não é possível identificar o tempo dos áudios e também não dá a possibilidade

de o usuário saber quem é o repórter que apresenta.

Como não existiam infografias nas edições selecionadas, acabamos não aplicando a

Ficha B6. Apesar disso, é possível afirmar que, em todas as edições, existiam gráficos que

auxiliavam na compreensão das matérias. O Estadão Noite não possui nenhum gráfico ou

infográfico nas duas edições.

3. Considerações finais

Com uma abordagem exploratória e inicial, e por se tratar de um novo suporte para

produção jornalística, os tablets têm apresentado apropriações pouco variadas e, na maioria

dos casos, transpositivas. Os resultados colhidos neste trabalho mostram que a transposição

ainda é quase geral.

Reflexo de uma crise anunciada por muitos pesquisadores e empresas de consultoria,

os meios de comunicação têm visto nos tablets uma alternativa complementar ao seu modelo

de negócio. Nossa pesquisa reforça essa afirmação ao constatarmos que todos os jornais

comercializam seus versões impressas nos aplicativos.

Esse cenário demonstra que novas edições surgirão e que variados pacotes de

assinaturas as acompanharão. E os melhores exemplos disso são os aplicativos desenvolvidos

especificamente para os meios, no caso do Globo e do Estadão, já que, antes de entrar,

oferecem pacotes de acesso casados com sua edição impressa e da web. Não há acesso livre

nas edições para os dispositivos.

Nossos dados indicam que os jornais da região Sudeste saem na frente na quantidade

de aplicativos para tablets. A explicação está certamente na concentração dos maiores jornais,

com mais capacidade econômica, do país. Além disso, a região é a que possui o maior número

de jornais.

Há de se destacar que as duas edições pesquisadas são edições vespertinas e se

diferenciam com a proposta de analisar o que há a mais no dia. São análises de notícias do

dia. Isso implica em um modelo diferenciado de produção, já que o seu fechamento se dá no

final da tarde e é pautado pelas principais notícias do dia.

Quando nos referirmos especificamente aos resultados sobre os usos da

multimidialidade nos dispositivos autóctones, fica evidente que nos meios o uso ainda é

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incipiente. Quando não são transposições do suporte digital, são vídeos e áudios

promocionais.

As fotografias, exploradas abundantemente no aplicativo do Globo, ainda são, em sua

grande maioria, produto das agências de notícia. No Globo A Mais, há uma preocupação

estética aliada aos requisitos que o fato jornalístico reúne. É importante frisar que nos dois

aplicativos as imagens são de alta definição. Isso impacta de alguma forma as estratégias de

produção do conteúdo e as rotinas que têm se constituído, nas quais o repórter tem produzido

todo o conteúdo da matéria, inclusive as imagens.

Essas observações iniciais também mostram caminhos de exploração de novas

narrativas. Como sugestão para futuras pesquisas, podem ser exploradas questões sobre as

formas de navegações horizontais e verticais nas notícias publicadas. Isso influencia

diretamente na construção de novas arquiteturas da informação.

Certamente novos modelos surgirão e exigirão dos jornalistas novos conhecimentos.

Isso acaba impactando diretamente na construção da pauta, momento em que o jornalista, a

partir das informações que possui, pensa nos formatos que utilizará e, consequentemente, na

sua navegação.

Além disso, a criação desses espaços de publicação jornalística abre a possibilidade de

desenvolvimento de pesquisas sobre as potencialidades utilizadas na produção desses

conteúdos.

Nossas próximas publicações serão centradas nas rotinas produtivas desses meios.

Buscaremos compreender como os meios autóctones fazem uso das seis potencialidades do

jornalismo digital e de que forma elas estão alocadas nas rotinas produtivas desses suportes.

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Universidade de Brasília

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