SILVA, António Manuel S. P.; LEITE, Joana N. & ROCHA, Daniela (2010) - Do espaço vivido ao espaço...

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Do espaço vivido ao espaço imaginado. Aproximações interdisciplinares à antropização dos planaltos da Freita (Arouca)

Do espaço vivido ao espaço imaginado. Aproximações interdisciplinares à antropização dos planaltosda Freita (Arouca) do 3.º ao 1.º milénios a.C.

From lived to imagined space. Interdisciplinary approachesto the anthropization of the Freita plateau (Arouca)

between the 3rd and the 1st millennia BC

António Manuel S.P. Silva*Joana N. Leite**Daniela Rocha***

Resumo: A Serra da Freita constitui um sector importante do Maciço da Gralheira, corónimo com que A. Girão designou “as complicadas formas de relevo que limitam ao Norte a bacia hidrográfica do Vouga”, do qual fazem parte ainda os relevos de Arada e Arestal. O patamar altimétrico situado entre os 800 e os 1000 me-tros constitui um vasto planalto, pontuado por diversos relevos residuais (castle kopje), compondo um espaço natural de características muito próprias de que as comunidades pré-históricas naturalmente incorporam, culturizando-o de diferentes modos.Essa interiorização ritualizada do espaço serrano concretizou-se pela implantação de várias necrópoles, com mais de duas dezenas de monumentos megalíticos e de tradição megalítica, o conjunto de menires dos Três Irmãos e a aplicação de motivos gravados sobre algumas rochas, para além de vestígios romanos e de épocas posteriores, não considerados neste trabalho.Por outro lado, destacam-se no planalto diversos elementos geológicos de elevado interesse, recentemente inventariados e integrados no conjunto de geossítios do Geopark Arouca (membro das redes europeia e global de geoparques, sob os auspícios da UNESCO), do qual fazem parte a Frecha da Mizarela (a mais alta queda de água do território continental, com mais de 70 metros de desnível), microformas graníticas como as pedras boroas do Junqueiro ou o granito nodular da Castanheira, de onde se destacam os curiosos nódulos biotíticos que fazem das pedras parideiras da Freita, registadas pelo menos desde o século XVIII, um fenómeno único em todo o mundo, para além de numerosas pias e outras geoformas de grande interesse.Partindo do pressuposto de que às comunidades pré-históricas não seriam de todo indiferentes a estes par-ticularismos geológicos, constituindo estes e outros geossítios verdadeiros marcadores da paisagem, a par e

*** Arqueólogo. Centro de Arqueologia de Arouca. Investigador do CITCEM/UM. [email protected]

*** Arqueóloga. Centro de Arqueologia de Arouca. [email protected]*** Geóloga. Associação Geopark Arouca. [email protected]

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em articulação com os arqueossítios, ensaiam-se algumas interpretações sobre o modo como as comunidades interagiram e se incorporaram nessas dimensões espaciais, considerando a necessidade de ultrapassar as dicoto-mias convencionais entre o construído (arqueológico) e o não-construído (o suposto espaço “natural”), no quadro de um sentido de paisagem dinâmica, vivenciada e em profunda interacção semântica com as comunidades, de acordo com as sugestões de R. Bradley, T. Ingold e outros autores modernos.O texto incide essencialmente sobre vestígios arqueológicos pré-históricos (do 3.º ao 1.º milénios a.C.); não obstante, o inquérito antropológico aos residentes da Freita não deixaria por certo de revelar o modo como as comunidades contemporâneas perenizam a expressividade dos antigos microtopónimos e das mitografias locais como formas de criar “lugares”, na paisagem.Palavras-chave: Freita; Arouca; Paisagem; Geossítios; Arqueologia.

Abstract: Freita’s mountain is located in Northern Portugal (mainly at Arouca’s municipality, 50km distance away from Oporto or Aveiro towns) and includes a large plateau, at about 800-1000 meters high, marked by several castle kopje and offering a very peculiar landscape.This particular space shows significant evidence of the prehistoric communities which lived there, namely a lot of funerary mounds (some megalithic ones but mainly small tumuli of “megalithic tradition”), the Três Irmãos (three brothers) menhirs’ complex and several rock engravings, as well of remains of Roman and other historic periods, not considered in this paper. Other sort of relevant features in this area are related to geological points of interest, lately listed and exhibited by Arouca’s Geopark, which is a member of European and Global Geoparks Network under the auspicies of UNESCO. In Freita mountain the geosites like Mizarela waterfall (about 70 m high, probably the highest waterfall of Portugal mainland), the Junqueira’s residual granitic landforms known as pedras-boroas (maize bread rocks) or the rare biotitic nodules of Castanheira nodular granite of, named by local people, at least from 18th century, as pedras parideiras (rocks delivering stones), as well as other features like interesting sets of granite gnammas and other very attractive landforms.Assuming that for prehistoric communities these geological features may be as impressive and relevant as they were for later communities, the authors attempted to overcome the conventional split between built (archaeological) and unbuilt (the “natural” space) in the framework of a common, lived and always dynamic sense of landscape, according to the suggestions of R. Bradley, T. Ingold and other modern authors. This paper is about prehistoric times (from 3rd to 1st millennia BC), or at least insists mainly on prehistoric ar-chaeological remains; nevertheless anthropological inquiry to modern Freita’s inhabitants would show how actual communities keep the strenght of ancient local names and mythic stories as a way of creating “places”, on the landscape.Keywords: Freita; Arouca; Landscape; Geosites; Archaeology

À memória de Fernando A. Pereira da Silva1

1 Fernando Augusto Pereira da Silva (1954-2010), falecido subitamente quando este texto estava a ser ultimado, foi o fundador do Centro de Arqueologia de Arouca e o responsável pelo início da investi-gação arqueológica do megalitismo da Serra da Freita, enquadrado na região da Bacia do Vouga. Desde a década de 1980 realizou numerosas escavações arqueológicas em monumentos megalíticos, especialmente em Arouca mas também em Albergaria-a-Velha, Águeda, Aveiro, Oliveira de Azeméis, Vale de Cambra e outros municípios. Deixou publicadas várias dezenas de trabalhos, que constituem uma referência incontornável para os estudos arqueológicos e, designadamente, para a pré-história desta região.

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A Serra da Freita: localização e características físicas e ambientais

A área geográfica objecto deste estudo reparte-se administrativamente por três municípios: Arouca, Vale de Cambra (distrito de Aveiro) e São Pedro do Sul (distrito de Viseu). Na sua maior parte integra o concelho de Arouca (sobretudo as freguesias de Albergaria da Serra, Cabreiros e Urrô); parte das vertentes a Sul situam-se na freguesia de Rôge (Vale de Cambra); no sector Sul-Sudoeste o planalto e as encostas distribuem-se ainda pelas freguesias de Arões (Vale de Cambra) e Manhouce (S. Pe-dro do Sul). Actualmente, a região da Serra da Freita insere-se, na sua maior parte, na Grande Área Metropolitana do Porto, cidade de que dista cerca de 50 km (Fig. 1).

Situada, do ponto de vista das grandes unidades morfo-estruturais peninsulares, na orla ocidental do Maciço Hespérico, caracterizado em termos gerais pelo predo-mínio de formações de idade proterozóica e paleozóica, metamorfizadas, deformadas e intruídas por plutonitos graníticos durante a Orogenia Varisca (Ribeiro et al. 1979; Ribeiro 2006; Dias 2006), que engloba aliás a maior parte do território português, a Serra da Freita constitui um sector importante do Maciço da Gralheira, designação generalizada por A. Girão (1922: 23) para “as complicadas formas de relevo que limi-tam ao Norte a bacia hidrográfica do Vouga”, e do qual fazem parte ainda os relevos de Arada e Arestal. A Gralheira, a par das serras do Montemuro, a Nordeste e, em parte, do Caramulo, a Sul, com altitudes entre os 800 e os 1200 metros, representam as plataformas de erosão que marcam precisamente o contacto do bloco hespérico com a orla mesocenozóica de abrasão litoral.

A Serra da Freita, que ocupa o sector mais ocidental do maciço da Gralheira, corresponde principalmente a um “bloco peneplanáltico central de altitudes bastantes homogéneas” (Moura, s.d.) pontuado por diversos relevos residuais com altitude acima dos 1000 m (Fig. 2), como S. Pedro-o-Velho (1077 m), Serlei (1092 m), Vidoeiro (1097 m), estes em área de granitos, ou, em zonas de metassedimentos, como o De-trelo da Malhada (1099 m), Malhada (1102 m) e outros (Rocha 2008; Sá et al. 2008). No entanto, há que considerar três importantes ciclos de erosão que moldaram a serra e são responsáveis pelos seus três níveis de aplanação em degraus. O mais ele-vado (1000-1050 m) e que diz respeito à “superfície culminante” da montanha, que se espraia numa extensão considerável da Serra da Freita pelas áreas de Minas de Chãs, Malha Pão, Chão da Anta, Serlei, Coelheira (Cordeiro 2004: 60), terá ocorrido no Eocénico (Fig. 3). Nele se encontram vários corredores de erosão e rechãs como os de Albergaria das Cabras, Senhora da Lage e Castanheira, a altitudes de 900-950 m. O nível intermédio, que terá ocorrido no Miocénico, desenvolve-se numa posição inferior (850-950 m), de que são exemplos as zonas de Castanheira, Albergaria da Serra, Sr.ª da Lage, Coelheira, Gestoso e Campo da Anta. Já o nível inferior é de provável idade Pliocénica, apresentando um desenvolvimento intimamente ligado aos cursos de água (Idem, ibid.).

Do ponto de vista litológico, o planalto da Freita é basicamente composto pelo

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soco metassedimentar dos “xistos das Beiras” – ou, como agora se designa, do super grupo dúrico-beirão (Rocha 2008; Sá et al. 2008) – integrando especialmente xis-tos argilosos, grauvacóides, conglomerados e quartzitos cinzentos, atravessado por uma ampla intrusão magmática de granitos de tendência alcalina, de duas micas, geralmente de grão médio (Pereira et al. 1980). A Norte, a curva de nível dos 800 m atinge ainda parte da mancha dos quartzodioritos biotíticos do designado “Maciço de Arouca”. Numerosos filões de quartzo e esparsos diques de microgranitos alcali-nos completam o quadro geológico da área (Rocha 2008; Sá et al. 2008).

Um aspecto importante a observar, porque intimamente relacionado quer com a utilização de recursos naturais nos patamares altimétricos superiores da serra, quer com a própria percepção daquele espaço pelos sentidos, considerando por exemplo a importância que modernamente se dá à análise contextual dos sítios arqueológicos e às questões de exposição, monumentalização e visibilidade tanto de monumentos funerários como de rochas gravadas, é o da cobertura vegetal.

Na actualidade, a Serra da Freita está, sobretudo a altitudes superiores a 900 m, praticamente despida do estrato arbóreo, confirmando a constatação de A.S.B. Pinho Leal, em meados do século XIX, de que a serra produziria então “pouco e enfezado mato rasteiro do meio para cima” (1874: 230). As florestações promovidas pelos servi-ços florestais, nas décadas de 1940-1960, introduziram espécies como as do pinheiro bravo (Pinus pinaster) e selvagem (Pinus sylvestris), em áreas limitadas, restando ainda pequenas populações de carvalhos (Quercus robur), vidoeiros (Betula pubescens) e ou-tras. A tríade arbustiva (carqueja, urze, tojo), que domina praticamente todo o espaço não rochoso, é apenas interrompida por algumas manchas de giestal ou de estrato herbáceo, nas zonas de lameiro (Silva 1992).

Todavia, existe importante informação disponível para a caracterização paleocli-mática da região da Serra da Freita que se baseia nos estudos de R. Cordeiro (1985; 1986a; 1986b; 1987; 1988; 1990a; 1990b; 1992; 1993; 2004). Estes trabalhos visaram a identificação dos níveis onde existem vestígios de materiais calcinados; as análises granulométricas dos perfis e, essencialmente, a construção de diagramas polínicos, produzindo resultados de grande interesse para a compreensão da dinâmica erosiva e da própria evolução do coberto vegetal, entre o Neolítico e a Idade Moderna.

Segundo aquele autor, o primeiro grande momento de ruptura do equilíbrio na-tural morfológico da serra da Freita, pela acção antrópica, terá tido lugar a partir de 6000 BP, segundo o registo polínico (Cordeiro 2004). Com efeito, duas datações C14 de depósitos de tipo turfeira forneceram para o sector ocidental da Freita (vale de Tebilhão) uma datação, na ordem dos 5840 BP e, para o oriental (vale de Coelheira), uma data em torno de 5200 BP (Idem: 292).

Durante o Neolítico, segundo o mesmo autor, foram observadas três fases no re-gisto polínico. Uma primeira por volta de 5900 BP, em que os sedimentos mostram, por um lado, o aparecimento de “materiais calcinados” (o que parece revelar a impor-tância dos incêndios em desflorestações localizadas) e, por outro, o domínio da bétula/

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/vidoeiro (70%) com a subalternização do Quercus/carvalho, constituindo as gramí-neas o grupo mais importante no que concerne às herbáceas (Cordeiro 2004).

A segunda fase, situada cronologicamente entre as datas de 5840±70 e 4210±50 BP, corresponde a uma descida significativa do vidoeiro e a um aumento das espécies regionais (Pinus e Quercus), bem como das percentagens das herbáceas. Curiosamen-te a presença de cereais no registo polínico só se verifica em datas posteriores a 5000 BP. As condições climáticas propiciadas pelo optimum climático em pleno Neolítico, cerca de 5000 BP, seriam assim favoráveis a que, por volta dos meados/finais do 4.º milénio a.C., se tenham começado a estabelecer populações na serra. Provavelmente, com os seus habitats nas zonas abrigadas de encosta ou nos pequenos vales encai-xados2, tais populações, desenvolvendo já talvez uma economia de espectro alargado em que a pastorícia de ovinos e caprinos e uma agricultura incipiente de corte e queima tinham papel fundamental, terão encetado significativa humanização das paisagens.

Na terceira fase, entre 4200 e 2900 BP, verifica-se um novo desenvolvimento da vegetação arbórea, em especial do vidoeiro. A partir desta data existe um hiato no conhecimento das características do revestimento vegetal que se prolonga até à reconquista cristã, no séc. X, existindo outras informações para épocas medievais e modernas (Cordeiro 1992; 2004), que não interessam ao âmbito deste trabalho. Estes dados acerca da “dénudation ancienne” que afectou a serra da Freita, como ou-tras montanhas e planaltos beirões (Ribeiro 1970), são importantes no momento de analisarmos a implantação e a maior ou menor exposição de arquitecturas funerárias, das gravuras rupestres, bem assim como de muitos geossítios.

O património geológico e geomorfológico da Serra da Freita

Se bem que numerosos estudos académicos de geomorfologia e de geologia te- nham desde há muito chamado a atenção da comunidade científica para alguns as- pectos notáveis da Serra da Freita (Ribeiro et al. 1943; Ferreira 1978; Cordeiro 1985, 1986a, 1986b, 1987, 1988, 1990a, 1990b, 1991, 1999a, 1999b, 2004; Reavy 1987, 1989; Reavy et al. 1991; Valle Aguado 1992; Valle Aguado et al. 1993; Valle Aguado; Martínez Catalán 1994; Accaiolli 1997; Accaiolli; Munhá 1998, etc.), como sucede, por exemplo, com o raro fenómeno das “pedras parideiras” (Assunção; Teixeira 1954; Reavy et al. 1993), o tema ganhou especial relevância nos últimos anos através dos trabalhos relacionados com o processo de candidatura do Geopark Arouca, à Rede Europeia e Global de Geoparks, o que culminou com a sua admissão naquelas re-des internacionais, em 2009. Desde então foi ampliada significativamente, através

2 O que constitui, deve sublinhar-se, mera suposição que requer comprovação arqueológica para a região da Freita.

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de recursos on-line3 e de outras publicações, a informação disponível sobre o assunto (Rocha; Monteiro 2007; Sá et al. 2008).

Na óptica pela qual encaramos estes elementos excepcionais – a de que à sua raridade ou carácter fortemente sugestivo não terão ficado alheios os antigos, como não ficam os contemporâneos – seleccionámos alguns dos geossítios ou ocorrências mais singulares para uma apresentação genérica, seguindo essencialmente as caracte-rizações feitas no âmbito dos levantamentos do Geopark Arouca (Rocha; Monteiro 2007; Rocha 2008; Sá et al. 2008).

A Frecha da Mizarela, um dos locais mais conhecidos da serra no plano turístico, rasga-se numa zona de contacto litológico entre o substrato granítico da Serra da Freita e o conjunto de rochas metassedimentares ante-ordovícicas (xistos, grauvaques e níveis de conglomerados) envolventes (Fig. 4). Para além do sistema de falhas que afecta o bloco serrano, a Frecha da Mizarela é o resultado da erosão diferencial e, nes-te caso, da menor resistência mecânica dos xistos (Pereira et al. 1980) relativamente à das rochas graníticas em contacto. O agente da referida erosão é o rio Caima, sendo o efeito produzido a imponente escarpa, com mais de 70 m, e uma das maiores cascatas de água do país (Rocha; Monteiro 2007; Sá et al. 2008). A força simbólica desta forma natural e da queda de água, visíveis à distância, marcaram compreensivelmente as gerações serranas, com reflexos curiosos na tradição folclórica. Gerou-se até o mito moderno de que teria sido projectado o encanamento das águas para abastecer a cidade do Porto, mito em que a oposição cidade/serra, por um lado, e o tema da “água roubada”, muito caro às comunidades camponesas, são dominantes. Disso trata um cantar recolhido pelo etnomusicólogo Vergílio Pereira (1959: 106), na aldeia de Tebilhão (Cabreiros), em meados do século passado: “A Fecha da Mijarela/Mais alta ‘stá ela/Deixai-a lá ‘star/Os fidalgotes do Porto/Acharam-na boa/Qu’riam-na enganar!/A auga lhe respondeu/Mais alta ‘stou eu/Sou de munta dura/Mas eu não tenho espaço/Para a encanare/P’ra tanta lonjura”. Mesmo a literatura não passou à margem da força evocativa desta queda de água, sendo este, sem surpresa, o local escolhido, pela sua imponência dramática, para o desfecho trágico do enredo naturalista de um conto do escritor oitocentista Abel Botelho4, onde aliás, curiosamente, a frecha surge como chave final de um mítico percurso feito por dois amantes pelas montanhas envolven-tes, em sentidos opostos, encontrando-se (e separando-se) nas escarpas fronteiras, um para a morte (através do suicídio da rapariga) e o outro para relançar e reinventar a vida (Silva 1994).

As pias que amiúde se encontram pelos penedos da Freita, designadamente na zona do Serlei, resultantes de processos de meteorização química e física das rochas e de processos erosivos (Cordeiro 1986a; 2004), são formas alveolares, por vezes ligadas

3 Veja-se, para além de outros “sites” o institucional http://www.Geoparkarouca.com. 4 “A Frecha da Mizarela”, incluído na colectânea Mulheres da Beira, publicado pela primeira vez

em 1898 e adaptado ao cinema em 1922, pelo realizador Rino Lupo (Silva 1994).

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entre si, a maioria circulares, de dimensão variada, cuja secção usualmente contém bordo côncavo e fundo plano (Fig. 5). Aparecendo em conjuntos e isoladamente, as pias encontram-se habitualmente em blocos, isolados e em caos de blocos, e nas superfícies de formas maiores como tors e domos rochosos. Embora as pias no geral não apresentem relação evidente com a estrutura, não são poucas as situações em que a rede de fracturas local ou regional se torna significativa no alinhamento de mui-tas delas, sendo por isso frequente observarem-se agrupamentos de pias orientados segundo essas mesmas direcções, designadamente NNE-SSO e NE-SO (Cordeiro 2004)5. Outras geoformas situadas a montante da queda da Mizarela, são as marmitas fluviais, que resultam da erosão do leito rochoso por efeito turbilhonar da corrente e dos sedimentos transportados pelo rio Caima, constituindo estes fenómenos ele-mentos muito interessantes, pelo aspecto caprichoso como moldam as superfícies das rochas (Rocha & Monteiro 2007; Rocha 2008; Sá et al. 2008).

As “pedras-boroas” (Fig. 6) traduzem-se por uma curiosa fissuração superficial de muitos penedos graníticos, de aspecto reticular por vezes regular de tendência poli-gonal (Ribeiro 1999). Visíveis sobretudo na área do Junqueiro, as rochas com estas formas devem-no quer a razões estruturais quer a processos complexos de degrada-ção resultantes da exposição das superfícies (Cordeiro 1999a; 1999b; 2004), não podendo também esta característica, aliás em conjuntos bastante localizados, deixar de chamar a atenção a quem delas se aproxime, mesmo a alguma distância (Rocha & Monteiro 2007; Rocha 2008; Sá et al. 2008).

Junto à aldeia da Castanheira, no sector Sudeste do planalto, ocorre aquele que é o mais conhecido fenómeno geológico da Arouca: as “pedras parideiras” (Fig. 7). Tra-ta-se de um tipo de rocha granítica e neste grupo litológico é uma raridade mundial. O afloramento tem de área 1000 m x 600 m e a particularidade do granito é a sua abundância em nódulos de biotite (mica preta), em forma de disco biconvexo. Os nódulos, de 1 a 12 cm de diâmetro, tem a mesma composição mineralógica do gra-nito, pois embora constituídos exteriormente apenas por biotite, possuem um núcleo de quartzo e de feldspato. O fenómeno deve-se aos processos de meteorização e de erosão diferenciais, actuando sobre a superfície da rocha, e que provocam a desagre-gação granular do granito e com ela o desprendimento dos nódulos da rocha-mãe. A acumulacão dos nódulos perto do afloramento de origem é o resultado do seu maior tamanho, relativamente aos restantes grãos que são mais facilmente erodidos e evacuados do local. Os nódulos deixam na parede da cavidade de onde saíram uma capa biotítica, razão pela qual os habitantes chamam àquelas rochas “a pedra que pare pedra”, ou mais popularmente ainda “pedras parideiras” (Assunção & Teixeira 1954, 2003; Pereira et al. 1980; Reavy et al. 1993; Rocha 2008; Sá et al. 2008). A

5 Deve observar-se que este acidente natural provoca grandes dificuldades na interpretação das “covinhas” que surgem em muitas rochas, pelos equívocos que facilmente se geram quanto à definição do carácter intencional de algumas cavidades.

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constatação deste fenómeno geológico remonta, pelo menos, ao século XVIII, en-contrando-se documentada no Dicionário Geográfico do Pe. Luís Cardoso (1751: 505) nos seguintes termos: “no sítio chamado Fecha da Mejerela (…) tem uns penhascos a que os naturais chamam as Pedras que parem, deduzindo-lhe o nome de que estas pedras lançam outras pedrinhas pequenas em certos meses do ano, ficando-lhes as covas depois de as lançarem, e nas mesmas se vão criando outras para o ano seguinte; os moradores do Lugar da Castanheira, que são os mais vizinhos (…) tem observado que elas lançam duas vezes ao ano as mesmas pedrinhas, tornando de novo a encher, e alisar, até fazer a mesma produção, o que parece se deve atribuir à maior abundância de calor; alguns curiosos têm levado algumas destas pedras, e observam que sucede o mesmo, mostrando primeiro certos sinais de onde hão-de nascer as do ano seguinte”6.

Para além destes geossítios ocorrem na serra da Freita diversas geoformas curio-sas e bastante sugestivas, resultantes quer de factores morfo-estruturais, quer sobre-tudo de processos erosivos, e que originaram, designadamente, formas de aspecto zoomórfico ou com outras configurações7.

Paisagens e memórias: alguns tópicos de enquadramento

A perspectiva fundadora que nos convocou a este ensaio – decorrente de um projecto de trabalho de campo que se encontra ainda em fase pouco desenvolvida em relação aos seus propósitos globais – é a de que a paisagem não é apenas um cenário onde decorre a experiência de vida das incontáveis gerações que nos precederam e daquela a que nós próprios pertencemos. Desde há muito que a reflexão teórica (e não só no domínio da arqueologia) constatou que a paisagem, ainda que singela-mente percepcionada como tudo aquilo que a vista alcança, não é apenas ou sequer “natureza”, “terra” ou “espaço”; como também não é a mera dicotomia “mundo obser-vado/experimentado” nem uma simples imagem projectada pelas nossas concepções mais íntimas e insuspeitadas. Na realidade, temos de encarar – e esta perspectiva, sendo particularmente enriquecedora para a aproximação às comunidades pré-histó-ricas, não o é menos para uma abordagem antropológica às contemporâneas – que o espaço físico, a “natureza” e a paisagem são entidades em recíproca relação e diálogo, em múltiplas vozes e canais, com o Homem. Neste sentido, “landscape becomes a part of us, just as we are a part of it”, num processo vivo de incorporação e não de simples inscrição (Ingold 2000: 189, 191). Não somos apenas nós que habitamos um dado espaço físico; é ele próprio que “habita” em nós, nos molda e conforma, transforman-

6 Actualizámos a grafia e a pontuação.7 Seria muito interessante averiguar, através de inquérito antropológico, as representações mentais

destas geoformas nas comunidades serranas e o seu reflexo na microtoponímia, trabalho que, pela nossa parte, está ainda por encetar de forma sistemática.

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do-nos à medida que também o modificamos. Assim, é na moldura viva da paisagem que se têm de explorar os sentidos da vivência humana. Neste sentido de dwelling, termo que T. Ingold (2000) usa para expressar, mais que o mero habitar, a noção de incorporação ou de interpenetração, podem destacar-se várias dimensões, todas elas interactuantes, da experiência humana, desde a exploração dos recursos necessários à sobrevivência, à mobilidade ou à ritualização dos tempos e espaços, de todos os tempos e de todos os espaços, ainda que nem sempre conscientemente.

Não obstante, mesmo considerando esta acepção de paisagem – como tela em que textura, tinta e figuras se mesclam em produto conjunto e em constante transforma-ção – podemos encarar, desde um ponto de vista metodológico, diversos “marcadores” referenciais colectivos, particularmente impressivos ou expressivos. Tal é o caso, no planalto da Freita, do diálogo que urge estabelecer entre os arqueossítios e, pelo me-nos, determinados geossítios, locais excepcionais onde, pode quase dizer-se, o “natural” interpela mais fortemente o “cultural” e vice-versa, numa dinâmica plurigeracional.

Interessa-nos averiguar, entre outros aspectos, quais as representações sociais e mentais desses marcadores, mesmo à escala contemporânea, através de um processo de inquérito cultural aos residentes no planalto. As tradições locais, as histórias de vida, ou a microtoponímia, se bem que em acelerado processo de transformação, tra-duzem ainda versões muito curiosas desse profundo dwelling das comunidades com o seu espaço. Um simples questionário aos pastores que na Freita apascentam os gados decuplica facilmente a quantidade de topónimos que podem topar-se em qualquer carta geográfica. E esses nomes de lugar (usualmente não totalmente coincidentes consoante o informador) trazem vivências, estórias e mitos de outras gerações, à me-dida que descobrimos a sua (suposta) origem ou (suposta) explicação: as pardinhas, o touro de curro, o sítio onde o negro morreu, a casinha dos moiros (Portela da Anta), o muro, etc. Todavia, não é este o propósito do presente texto.

Assim, limitamo-nos, por ora, a reunir alguns dados sobre alguns desses “mar-cadores de paisagens”, desde as dezenas de montículos funerários que salpicam a su-perfície culminante da serra, ao complexo de menires (que, simbolicamente, parecem tutelar o acesso a quem chegava dos vales do Poente) ou à própria celebração dos espaços através das gravuras rupestres, as quais, pelo seu elevado grau de abstracção, nos impelem também à procura da dimensão ritual que certamente ligou o solo, a rocha aflorante, o instrumento gravador e os motivos insculpidos, num único fio de tempo, sempre único apesar de intensamente repetido e revivido, numa liturgia cujos sentidos profundos nos escapam.

A arqueologia da Serra da Freita

Os testemunhos arqueológicos da Serra da Freita foram pouco considerados até finais do século XX. Com excepção de referências esparsas ao traçado da via romana

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que atravessava o planalto, ligando Viseu à estrada litoral entre Lisboa e Braga, ou à inscrição da época moderna, gravada numa pedra do muro do cemitério da aldeia de Albergaria da Serra, celebrando a memória de uma albergaria medieval que a tradição diz fundada nas proximidades, apenas o dólmen da Portela da Anta mereceu a atenção de A. Girão (1921) e de G. e V. Leisner (1956), que incluíram uma planta sumária daquela sepultura nos Die Megalithgraber der Iberischen Halbinsel.

Foi apenas na década de 1980, com o início de trabalhos sistemáticos de investi-gação arqueológica na área do Município de Arouca que o megalitismo da Serra da Freita voltaria a chamar a atenção dos especialistas, levando à escavação arqueológica do monumento da Portela da Anta, a partir de 1985 (Pereira da Silva 1986). Desde então, para além da continuação dos trabalhos neste monumento (Pereira da Silva 1996a; 1999b), foram objecto de escavação outros quatro montículos funerários no planalto: a Mamoa 1 de Cando, as Mamoas 1 e 2 de Monte Calvo e a Mamoa 2 de Laceiras do Covo. Todavia, os resultados destes trabalhos, bem como os das últimas campanhas na Portela da Anta, aguardam publicação integral, se bem que algumas informações tenham já vindo a público em trabalhos de carácter regional (Pereira da Silva 1993b, 1994, 1997a, 1997b, 1999a, 1999b, 2004)8, tendo este autor caracte-rizado este conjunto de monumentos como o “núcleo megalítico da Freita-Arada” no contexto do megalitismo dos planaltos centrais da região do Centro-Norte Litoral do País (Pereira da Silva 1997b; 1999a).

Os restantes sítios arqueológicos referenciados no planalto da Freita, e que não fo-ram ainda objecto de quaisquer trabalhos de escavação ou registo detalhado, constam de diversos inventários e levantamentos arqueológicos (Silva 1992; 2004a; 2004b9; Pereira da Silva; Silva 1994; Queiroga 2001; Caninas et al. 2002; 2005) ou foram objecto de identificação nos trabalhos de campo preparatórios da elaboração deste texto. Desta forma, importa notar que a informação arqueológica disponível é, por enquanto, relativamente escassa e procede maioritariamente de trabalhos de prospec-ção e descrição genérica dos sítios e monumentos. Assim, o corpus de sítios reunido para este ensaio, que totaliza três dezenas de ocorrências, entre sepulturas megalíticas e de tradição megalítica, alguns exemplares de gravuras rupestres e um conjunto de menires (Fig. 8), encontra-se descrito brevemente no Inventário anexo. A área de análise restringe-se aos dois patamares altimétricos mais elevados da Freita, ou seja o território situado, genericamente, a cotas próximas ou superiores à curva de nível dos 800 m.

8 O espólio científico resultante dos trabalhos de F. A. Pereira da Silva foi confiado, pela família, ao Centro de Arqueologia de Arouca, encontrando-se em vias de inventariação a fim de ser publicado, nas condições possíveis ou, pelo menos, disponibilizado a investigadores interessados.

9 Este trabalho corresponde à versão electrónica, em CD-ROM da publicação da carta arqueológica de Arouca (Silva 2004a), se bem que com algumas actualizações e conteúdos novos. Para não sobrecar-regar o texto citaremos, de ora em diante, apenas a edição impressa deste trabalho.

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Megalitismo e arte rupestre

O mundo simbólico-funerário tem na Mamoa da Portela da Anta a sua expres-são mais notável, desde logo pela monumentalidade dos sepulcros e da(s) mamoa(s) que os envolviam, pela evidência de espaços cenográficos e rituais incorporados no complexo (átrio frontal e círculo lítico), pela centralidade geográfica da sua implan-tação e, finalmente, pela perenidade e permanente reconstrução simbólica daquele espaço, provavelmente a grande necrópole/santuário do planalto durante mais de dois milénios (Pereira da Silva 1996a, 1997b, 1999a, 2004; Silva 1992; 2004a).

A grande Mamoa da Portela da Anta, implantada a 1009 m de altitude, está situada, praticamente, no centro geográfico do planalto, numa zona peneplanáltica levemente deprimida que constitui uma ampla bacia colectora granítica, de onde irradiam numerosas linhas de água, que a breve trecho confluem no rio Caima (Ri-beiro et al. 1943) e que aí tem o seu complexo de nascentes (Silva 1992). De planta sub-elíptica e com cerca de 35 m de diâmetro máximo, a mamoa exibe uma potente carapaça de blocos graníticos que a impõem na paisagem, envolvendo os restos de um dólmen monumental de corredor longo e de câmara de planta poligonal, com cerca de oito metros de comprimento total (Fig. 9). Os trabalhos arqueológicos re-velaram que o grande dólmen sucedeu a uma outra câmara funerária, uma pequena sepultura de planta poligonal, que foi totalmente desmantelada para a edificação do sepulcro de corredor, em cuja mamoa acabou por ficar integrada (Pereira da Silva 1996a; 1999a).

Este monumento evidencia ainda outros aspectos arquitectónicos notáveis, de-signadamente um expressivo átrio que se abria em frente à entrada do corredor, de-limitado por um murete de pedras (Fig. 9), com funções provavelmente de carácter cerimonial. A mesma interpretação se poderá pensar para um curioso círculo lítico (Fig. 10) que adossa à mamoa, a Oeste, no lado oposto ao da câmara sepulcral (Pe-reira da Silva 1999b) embora se desconheça a sua cronologia de utilização.

Não existindo dados muito precisos para a datação da Portela não deixa de ser interessante recordar as datações de C14 obtidas por R. Cordeiro (1992; 1993) em depósitos de tipo turfeira, localizados a cerca de quatro centenas de metros deste monumento e relacionadas, por este autor, com as primeiras fases de desflorestação intensiva deste local e que forneceram, respectivamente, os valores de 5840±70 BP (Freita 1) e 5150±60 BP (Freita 3). Estas datas poderão, porventura, articular-se com as fases de edificação e de remodelação do monumento megalítico (Cordeiro et al. 1991; Cordeiro 1992; Pereira da Silva 1997b), na primeira metade do V milénio AC e nos finais do IV, inícios do III milénios AC, respectivamente.

Construída assim em pleno Neolítico, a grande Mamoa da Portela da Anta ma- terializaria um lugar de enterramento e de culto simbolicamente activo durante mi- lhares de anos, sendo a reutilização do corredor do dólmen, na Idade do Bronze, segundo a data radiocarbónica de 3400±100 BP, mais um dado nesse sentido (Pereira

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da Silva 1997c; 1999a; 1999b). Aliás, essa tradição funerária – e o sentido sacral do lugar – teriam continuidade bem mais tardia, uma vez que na mesma mamoa se implantou uma sepultura de incineração em época romana (Silva 2004a).

A Portela da Anta 1 parece ser, na verdade, o único monumento funerário de arquitectura megalítica em todo a área do planalto considerada neste ensaio10. Dos restantes monumentos – e a avaliar pelas dimensões aparentes dos tumuli, uma vez que poucos se encontram escavados (Anexo) – apenas talvez os da Cumeeira 1 e Devesa 2, cujas mamoas apresentam diâmetros na ordem dos 15-16 m e uma massa tumular expressiva, possam vir a revelar estruturas de uma certa imponência. To-dos os restantes evidenciam dimensões não compatíveis com a presença de câmaras funerárias de vulto, apresentando uma altura máxima de tumulus que não atinge sequer um metro e caracterizando-se, na maioria das vezes, por valores que rondam os 0,50 m ou menos (Anexo). Estamos assim perante um mundo de arquitectu-ras funerárias monticulares traduzido maioritariamente, como F.A. Pereira da Silva (1993b; 1994; 1997a; 1999a; 1999b; 2004) tipificou para esta região, por mamoas submegalíticas e de tradição megalítica, correspondendo muito provavelmente a uma cronologia dentro da Idade do Bronze.

As estruturas destes montículos evidenciam, tanto massas tumulares constituídas apenas por blocos pétreos, delimitadas externamente por um anel de pedras e espes-sando-se um pouco mais em torno das áreas deposicionais, como Monte Calvo 1 (Fig. 11) e Laceiras do Covo 2 (Fig. 12), neste último caso com pequenas variantes decorrentes da pequena dimensão do monumento; como feitas de terra e pedras, com duplo círculo lítico, um a delimitar a área deposicional e o segundo a fechar externamente o volume monticular, casos de Cando 1 e Monte Calvo 2 (Fig. 13). As áreas funerárias destes quatro monumentos mostraram a presença de vestígios de deposições em fossa (Cando 1 e Monte Calvo 2) e em cista (Laceiras do Covo 2 e Monte Calvo 1). As primeiras apresentaram-se algo incaracterísticas, merecendo des-taque sobretudo Monte Calvo 2, pela circunstância da fossa subcircular se encontrar recoberta por uma laje de apreciáveis dimensões que lhe servia de tampa (Fig. 13). As cistas dos restantes monumentos pareciam configurar um pequeno espaço sub-rectangular, delimitado por pequenas lajes de xisto ou granito, que ordinariamente se encontraram quase totalmente desmanteladas ou perceptíveis apenas pelos negativos de implantação (Pereira da Silva 1997b).

O mobiliário funerário recolhido nestas estruturas é usualmente escasso, com ex-cepção da Mamoa da Portela da Anta, que forneceu bastante cerâmica, uma dezena de artefactos líticos (geométricos, lâminas, lamelas e pontas de seta) e um pequeno

10 Um segundo caso de mamoa megalítica com sepultura de câmara poligonal e corredor médio, observa-se no monumento 1 do Juncal, na área de Manhouce/Bostarenga, S. Pedro do Sul, nos con-trafortes da Serra da Freita, escavado também por F. A. Pereira da Silva (1999a: 527), mas fora já dos limites geográficos deste estudo.

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furador ou sovela em cobre, correspondente provavelmente às últimas utilizações do monumento. Nos restantes estão completamente ausentes os artefactos líticos ou metálicos e a cerâmica reduz-se a um único e pequeno fragmento em Cando 1, Monte Calvo 1 e Monte Calvo 2, sendo esta “pobreza” artefactual interpretada sobretudo em função de alterações simbólicas e de ritual, ocorridas durante a Idade do Bronze (Pereira da Silva 1997c). Não obstante, assinala-se, também, o achado de uma pequena “pedra parideira” em cada um dos monumentos de Monte Calvo (Fig. 14), para além de “um seixo quartzítico em Monte Calvo 2, colocado no interior da coroa circular, num espaço vazio entre lajes” (Ibidem).

Ainda, no que concerne às representações simbólicas observáveis nestas pequenas sepulturas, deve notar-se o bloco de pedra (40 cm de altura x 36 cm de largura x 11 cm de espessura) com a gravura de dois podomorfos geminados, perfeitamente imbricado no cairn de Monte Calvo 1 (Fig. 15), destacando-se mesmo dele pela posição perpendicular oblíqua, e uma pequena laje de configuração antropomórfica eventualmente proveniente da pequena mamoa do Braceiro, uma vez que foi encon-trada no local após a destruição inadvertida da sepultura por ocasião do alargamento de um caminho próximo (Silva 1992; Pereira da Silva 1997b; Silva 2004a).

Ao contrário do que sucede com os monumentos megalíticos, cuja edificação parece ter correspondido, nesta região do Centro-Norte Litoral, à eleição de posições destacadas na paisagem, em pontos proeminentes de cumeada, rebordos de curva de nível ou então, como na Portela da Anta, em amplas zonas peniplenálticas, as sepul-turas não megalíticas – cuja “pulverização” pelo território poderá acompanhar um período de aumento demográfico e alargamento das áreas de pastagem – não parecem revelar padrões muito claros de implantação, sendo, pelo contrário, “a paisagem no seu todo [que] surge como a matriz sobre a qual será feita uma distribuição mais aleatória que a que encontramos para as mamoas megalíticas” (Pereira da Silva 1993; 1997b: 609-10). Não obstante, nota-se nestes pequenos monumentos uma certa tendência para a necropolização (Ibidem), ou seja, o agrupamento das sepulturas em “núcleos” quando não distam mais de 100 m entre si, ou em “conjuntos”, quando ainda que mais distanciadas “parecem participar de um mesmo contexto geotopográfico” (Silva 1992: 242). Não será também despicienda a constatação simples, decorrente da observação da carta de distribuição destes monumentos na Freita (cf. Fig. 8), sobre o modo como o grande dólmen da Portela da Anta se afirma espacialmente de modo tão singular, parecendo “empurrar” a generalidade dos outros pequenos monumentos para áreas mais periféricas do planalto (Idem: ibid.).

A ambiência megalítica da Freita conta também com o conjunto dos “Três Ir-mãos” (Fig. 16), aparentemente um pequeno alinhamento de três menires onde parece que o carácter impressivo de algumas geoformas induziu sentidos e narrativas a que o posterior afeiçoamento dos blocos antropizou de uma forma mais material (Pereira da Silva; Silva 1994), devendo este sítio – a que voltaremos com maior detalhe no final deste texto – ser interpretado num quadro geográfico mais amplo.

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Por fim, merece menção a localização de algumas rochas gravadas neste vasto planalto, devendo desde já ressalvar-se que, nas áreas de litologia granítica, a natureza dos afloramentos, pela sua granulometria e fácil metereorização, acelerada pelas con-dições climáticas de grandes amplitudes térmicas, torna muito difícil a conservação de quaisquer gravuras em painéis que se encontrem expostos.

A rocha da Senhora da Laje, um bloco granítico de morfologia grosseiramente zoomórfica, onde se associam, pelo menos, seis covinhas e cinco pares de podomorfos de ovicaprídeos, num painel sub-horizontal próximo do solo (Fig. 17) é, a este título, o exemplar mais notável (Silva 2004a). A Senhora da Laje, local de implantação de uma capela aparentemente no século XVII (Gonçalves 1991), é um importante centro regional de romaria, como pode atestar-se pelos numerosos cruzeiros erigidos no circuito processional, cada um edificado, ou mantido, pelos habitantes de dife-rentes lugares e freguesias, tanto de Arouca como de concelhos vizinhos (Silva, F. 1994). Por todo o maciço granítico onde assenta este complexo religioso, é profusa a quantidade de gravuras, na sua generalidade de cronologia contemporânea (séc. XX), mas exibindo, por vezes, signos mais elementares, como as covinhas, de cronologia impossível de aferir11. É curioso notar, a este propósito, que o culto da Senhora da Laje parece também propiciatório das boas colheitas (Silva, F. 1994), assim pere-nizando eventuais cultos da fertilidade numa linha de tradições e de crenças que revestem esse espaço de intencionalidades rituais num tempo longo, da pré-história aos nossos dias.

Outra rocha gravada, com cerca de duas dezenas de covinhas dispostas em apa-rente alinhamento reticular, e um motivo cruciforme, foi detectada num afloramento do Junqueiro ( Junqueiro 1), a poucas centenas de metros das Mamoas 1 e 2 da Por-tela da Anta, exibindo uma rocha próxima, apenas um cruciforme ( Junqueiro 2). A rocha 1 (Fig. 18), de configuração curiosa pelos enrugamentos laterais, localiza-se junto a uma linha de água e de um caminho tradicional, provavelmente correspon-dente à via romana Viseu-Porto. Os motivos foram gravados no topo do penedo, sendo de destacar a gravação do cruciforme no limite noroeste do painel, a sua zona mais elevada, denunciando uma estratégia de visibilidade demarcadora do propósito de reapropriação de sentidos.

Na área de São Pedro-o-Velho, um dos mais relevantes relevos residuais da pla-taforma de erosão da Freita, com 1077 m de altitude e uma forte presença no ima-ginário local, embora a invocação religiosa do topónimo não pareça corresponder a quaisquer restos arqueológicos visíveis, mau-grado a tradição registar a existência de

11 F. Silva (1994) destaca a presença de covinhas em rochas junto à ermida, apresentando mesmo o levantamento de uma das principais, como manifestação rupestre antiga. A multiplicidade de gravuras e inscrições modernas que ali podem ver-se faz com que consideremos com algumas reservas a suposta antiguidade daquelas covinhas. Não obstante, concordamos com aquele autor no que respeita ao sentido de profunda sacralidade presente no local, por certo muito anterior à época da sua “cristianização física” pela edificação do templo.

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uma antiga capela (Simões Júnior 1959), trabalhos recentes localizaram um bloco com covinhas (São Pedro-o-Velho 2) e, em local próximo, “uma gravura composta por uma linha ondulada com cerca de 30 cm de comprimento (…) rematada de um lado pelo que aparenta ser um semicírculo e do outro por uma linha perpendicular” tendo um círculo próximo (Caninas et al. 2002)12 que designamos por São Pedro-o-Velho 1.

Para além de outros petróglifos dispersos em diversas rochas do planalto – usual-mente meros cruciformes e que não considerámos para análise – merece ainda breve nota a referência a um bloco de pedra, aparentemente de uma rocha xisto-grauvá-quica, reaproveitado como elemento de construção numa casa da aldeia de Cando e do qual possuímos apenas uma fotografia deficiente (Fig. 19), parecendo pelas informações entretanto recolhidas que terá sido removido, ou mesmo destruído, há poucos anos13. A pedra, provavelmente com mais de um metro de comprimento, con-siderando que se achava a servir de umbral de um curral, parecia exibir, para além de diversas gravações alfabéticas e modernas, antropomorfos em fi e motivos reticulados incisos. Apesar de fora do seu contexto original, este monólito constituía-se como um riquíssimo testemunho pré-histórico. De salientar que os dois antropomorfos, de tendência idoliforme, muito provavelmente denunciariam estatutos sociais díspares, pela inclusão de um toucado numa das figuras.

Discussão. Da paisagem como actor e não cenário: aproximações simbólicas ao “natural” e ao “cultural”

Em trabalho anterior, um de nós (AMSPS) tipificou o relacionamento entre os sítios arqueológicos, genericamente considerados, e o ambiente natural, designada-mente o geológico em três grandes classes, a saber: (a) quando o contexto geológico, em sentido amplo, determina directamente a natureza da actividade humana, em termos de exploração de recursos; (b) quando o contexto geológico condiciona a tipologia do sítio arqueológico no que toca às formas de utilização e apropriação do espaço por parte dos grupos que estão na origem do próprio sítio arqueológico e (c) quando o contexto natural é objecto de uma apropriação cultural precisa e bem definida, nomeadamente com propósitos simbólicos, por parte dos indivíduos ou comunidades relacionados com o local arqueológico (Silva 2007).

Como exemplos dessa tríplice forma de relacionamento apresentaram-se, no mes-

12 Não conseguimos ainda, apesar do relatório citado indicar coordenadas geográficas, localizar este motivo gravado, situado num afloramento pouco destacado do solo e, porventura, actualmente coberto por sedimentos ou vegetação.

13 O bloco gravado foi identificado na aldeia de Cando por J.C.A. Rocha em 2005, durante traba-lhos de campo para a recolha de elementos para o Museu Municipal de Arouca. Em visita que efectuámos ao local, em 2008, não foi já possível localizar a pedra gravada, que terá sido aparentemente destruída durante as obras de remodelação da habitação onde se encontrava.

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mo texto, o caso de antigas explorações mineiras, muito frequentes na região de Arouca (Ribeiro; Silva 2004; Silva; Ribeiro 2006; Figueiredo; Silva 2006a; 2006b), os castelos roqueiros da Reconquista Cristã, como o de Arouca, situado numa pla-taforma dominante sobre o vale do Arda em que um conjunto tipo “caos de blocos” propiciou as condições naturais de defesa e a ambiência simbólica que contribuíram para o estabelecimento da fortificação nesse local (Silva; Ribeiro 1999; Silva 2004a) e, para a situação que nos interessa de momento, uma série de observações acerca das “paisagens pré-históricas” relacionadas com o megalitismo na área da Serra da Freita (Idem).

A este respeito, consideremos desde logo um dos aspectos mais evidentes e ge-neralizados destas arquitecturas funerárias quer tratemos de estruturas megalíticas, quer, de sepulturas de tradição megalítica: a existência de tumuli destinados a pro-teger o montículo tumular dos efeitos da erosão como também a monumentalizar, em maior ou menor grau, o locus sepulcral, conferindo-lhe visibilidade, destacando-o da topografia envolvente ou imitando-a, erigindo-o, em muitos casos, como verda-deiro marcador da paisagem, sobretudo nos casos de monumentos de cumeada ou de peneplanalto, porventura visíveis a longa distância desde diferentes orientações, considerando a evidência paleobotânica disponível e a qual atrás se faz referência.

A arquitectura ou modelo construtivo das couraças pétreas, nos monumentos da Serra da Freita que foram objecto de escavação, acusa alguma diversidade e, por vezes, maior complexidade do que à primeira vista poderia imaginar-se, evidenciando várias soluções de assentamento dos blocos, eles próprios por vezes de calibres variados em diferentes pontos da couraça, curiosas soluções de contrafortagem ou fecho exterior, etc. (Pereira da Silva 1996a; 1997b; 1999a; 1999b)14. A par destas observações, não existem estudos acerca da proveniência ou critérios de selecção dos materiais líticos utilizados nas couraças destes monumentos, parecendo, de uma forma empírica, que a recolha da matéria-prima pode ter sido feita na envolvente imediata ou próxima dos tumuli, implantados, tanto em contextos de litologia granítica como xisto-grau-váquica e nas proximidades de filões de quartzo, pelo simples aproveitamento dos clastos de quartzo abundantes.

Não obstante, a selecção dos materiais líticos revela por vezes preocupações par-ticulares, sejam de carácter, ao que parece, mais prático (por exemplo, a utilização de pequenas lajes de xisto, enterradas de cutelo para servir de contenção do tumulus ou colocadas de face para servir de base a outras pedras, o que os calhaus de granito, naturalmente arredondados pela erosão não permite), sejam com propósitos que pa-recem ultrapassar a justificação prática. Tal pode observar-se no pequeno tumulus de

14 Referimo-nos aqui concretamente a “couraças líticas” mas, no caso dos monumentos do planalto da Freita, é bastante comum a existência de tumuli integral ou quase completamente constituídas por blocos de pedras, verdadeiros cairns como se vê na Mamoa 1 da Portela da Anta (Pereira da Silva 1986; 1996a).

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Laceiras do Covo 2, um dos monumentos mais discretos de todo o planalto, com cerca de 4 m de diâmetro e uma altura que não excede os 0,40 m. A sua escavação revelou que o montículo de terras se encontrava externamente delimitado e contido por um conjunto de lajes planas de xisto, sem clara evidência da natureza da área de deposição funerária (Pereira da Silva 1997b). Todavia, o detalhe que merece a nossa atenção é a circunstância da couraça lítica ser composta, quase unicamente, por pequenos crioclastos de quartzo leitoso, de pequeno e médio calibre (Pereira da Silva 1997b; Silva 2004a) (Fig. 12). A nítida opção por aqueles materiais rochosos poderá justificar-se em função da densidade e dureza do quartzo, que ofereceria tal-vez uma protecção mais eficaz contra os agentes erosivos ou os animais, pelo desta-que visual que proporcionariam (e que aliás permitiu a identificação desta estrutura entre a vegetação rasteira) e o efeito de visibilidade a maior distância (dependendo da vegetação, naturalmente), considerando o comportamento dos quartzos brancos com o efeito da reverberação dos raios solares. Por outro lado, é de salientar que este material ocorre em profusão nas imediações do monumento, destacado de diversos veios aflorantes, característica que poderá ter sido um dos motivo da sua localização, dado o carácter simbólico desta matéria desde o Neolítico, usado quer em artefactos, quer em bruto, como nos indiciam os depósitos de cristais de quartzo em muitas sepulturas e outros ambientes arqueológicos. Neste sentido, talvez esta utilização selectiva de calhaus de quartzo (que ocorrem amiúde noutros monumentos fune-rários da Freita, se bem que com carácter menos exclusivo do que em Laceiras do Covo 2) de algum modo fosse considerada pelos construtores dos sepulcros como podendo conferir ao local, ao ritual funerário, ou àqueles que ali foram sepultados, propriedades particulares, aparentemente numa intencional simbiose entre “natureza” e “cultura”, para usarmos as categorias convencionais.

Como atrás se disse, um dos fenómenos mais notáveis deste planalto, no que se refere aos seus particularismos geomorfológicos e litológicos, é o das “pedras pa-rideiras”, ocorrência que, pela sua raridade não deixou de sugestionar as populações serranas ao longo dos tempos. Porém, a tradição das propriedades mágicas, ou pelo menos a percepção da singularidade e do carácter excepcional destes nódulos bio-títicos da zona da Castanheira parece ter origens bens mais remotas, senão antes, desde o Calcolítico ou Idade do Bronze. Assim o sugerem os achados dos tumuli 1 e 2 de Monte Calvo, poucas centenas de metros a Nor-Nordeste do de Laceiras do Covo (Fig. 14).

O monumento 1 de Monte Calvo é um tumulus de pequenas dimensões – cerca de 8 m de diâmetro por 0,50 m de altura – cuja escavação revelou um montículo constituído essencialmente por blocos de granito a que se sobrepunha uma camada de calhaus de quartzo, preenchendo os intervalos entre os blocos graníticos, en-quanto um círculo lítico externo fazia a contenção do conjunto. Neste monumento merecem nota de realce, dois achados: o de um bloco granítico com a gravação de um podomorfo (Fig. 15), em tudo idêntico aos petróglifos da Senhora da Laje e

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ainda o achado de uma pequena “pedra parideira” (Fig. 14), colocada sob o tumulus, directamente sobre a rocha natural (Pereira da Silva 1997b; Silva 2004a), ficando claro, pelos dados publicados e informação pessoal do autor, que a ocorrência desse nódulo biotítico não foi ocasional mas correspondeu a um acto deliberado, atentas as condições do depósito.

A cerca de uma centena de metros para Sul encontra-se o monumento 2 de Monte Calvo, de maiores dimensões, com cerca de 12 m de diâmetro e 0,50 m de altura. A intervenção arqueológica revelou que o tumulus era também revestido por uma carapaça lítica idêntica ao do monumento 1. Também neste túmulo ocorreu uma “pedra parideira” (Fig. 14), igualmente colocada sobre a alterite granítica de base, a sugerir a intencionalidade da deposição (Pereira da Silva 2007b).

Se bem que a distância a que estes dois monumentos funerários se encontram dos maciços do granito nodular da Castanheira, onde ocorre o fenómeno das pedras parideiras, seja escassa, não ultrapassando 1 km, e possa colocar-se a possibilidade daqueles nódulos terem sido transportados acidentalmente para os tumuli, as con-dições da sua ocorrência, assumindo nitidamente o estatuto de um depósito inten-cional, sugerem-nos, pelo contrário, uma possível ritualização ou sacralização da-quele fenómeno geológico e a incorporação do seu simbolismo no ritos associados à morte, entre o 3.º e o 2.º milénios a.C., época a que devem pertencer aqueles monumentos de tradição megalítica. Em suma, o que parece denotar-se durante o Calcolítico Final ou a Idade do Bronze é a importância simbólica de determinados elementos geológicos, como o quartzo e as “pedras parideiras” cujas propriedades se incorporam nas acções dos vivos, tornando-se, simultaneamente elementos actuantes da acção.

Importa também chamar a atenção para o interessante conjunto megalítico dos “Três Irmãos”, composto por três monólitos graníticos de grandes dimensões, que a população local associa, na tradição oral, a mitos e lendas tradicionais, recordando que estariam todos eles erguidos, embora presentemente dois se achem derrubados e um mesmo fragmentado (Pereira da Silva; Silva 1994; Silva 2004a). O possível alinhamento impõe-se visualmente sobre a principal portela de acesso ao planalto da Freita, a partir de Noroeste (Fig. 16), sendo perceptível de apreciável lonjura a partir de cotas inferiores.

O monólito que se encontra ainda erguido, com cerca de 3,30 m de altura, está assente num afloramento de superfície oblíqua, o que determinou o corte de forma paralela da base do menir, travado ainda de um dos lados por um afloramento mais elevado. Num dos monólitos derrubados, com 3,55 m de comprimento, o afeiçoa-mento e mesmo a morfologia fálica são por demais evidentes, com uma base de recorte triangular, secção subcilíndrica e meato uretral bem definido. Por fim, o terceiro bloco, com menores dimensões (1,61 m) pelo facto de estar fragmentado na parte superior, apresenta, pelo menos, uma das faces desbastada e polida (Silva 2004a). Estamos assim perante o que seria um pequeno alinhamento de três menires,

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intervalados e travados por blocos de menores dimensões, conjunto bastante original e para o qual se conhecem poucos paralelos15.

Talvez este conjunto dos “Três Irmãos” correspondesse originariamente a um complexo de geoformas naturais que, pela sua singularidade, adquiriu um estatuto simbólico e se constituiu em protagonista de mitografias, durante o Neolítico, não sendo possível averiguar em que fase desse processo de sedimentação/reconstrução mitológica terão sido realizados o desbaste e afeiçoamento dos blocos que lhes con-feriu morfologias ainda mais impressivas, designadamente de carácter fálico. Natu-ralmente, neste contínuo processo dialéctico das comunidades com os territórios, há que recordar a importância do contexto arqueológico deste sítio, a poucas centenas de metros, numa triangulação quase equidistante, do(s) afloramento(s) gravado(s) da Senhora da Laje e da Mamoa 2 da Barraca, um monumento de cumeada, dominante sobre a paisagem envolvente. Por outro lado, o carácter mágico do lugar e a “neces-sidade” da sua integração simbólica, num novo quadro de crenças, atestam-se pela gravação de uma cruz num afloramento, a escassos metros do conjunto lítico.

Por fim, no que se refere às gravuras rupestres, é ainda escassa a evidência dis-ponível para intentarmos aproximações melhor fundamentadas. Não obstante, não é demais recordar que um aspecto inultrapassável destas representações é o facto de estarem totalmente ancoradas ao mundo natural e de serem esculpidas em suportes que remetem para a durabilidade da mensagem e obrigam a um investimento em es-forço e tempo significativo, propiciando formas de “dwelling” através da vivenciação da paisagem experimentada. Nesse sentido, e atendendo a que as populações Neo-Calco-líticas locais experimentariam ainda um modelo socio-económico de itinerância e não de sedentarismo pleno ( Jorge 1990; 1999; Bradley 1997), é fundamental questionar a paisagem como uma das categorias primárias de qualquer abordagem interpretativa (Bradley 1997; 2000; Alves 2003). Neste exercício reflexivo importa convocar também o conceito de agency defendido por A. Gell (1998), que perspectiva as gravuras como um sistema de acção (intention, causation, result, transformation) pensado sobretudo para mudar/marcar o espaço. Trata-se, no fundo, de uma visão mais antropológica que semiótica uma vez que dá um enfoque particular ao papel dos objectos no processo social e menor importância à interpretação dos objectos enquanto textos.

Desta forma, conscientes de que as representações rupestres não devem ser enca-radas como o reflexo de uma mera experiência imediata vertida para o suporte, uma vez que transportam códigos da estrutura vivencial social, o nosso ponto de vista é essencialmente o de reforçar o sentido da incorporação dos “suportes” geomorfoló-gicos da Serra da Freita, detendo-nos na dialéctica persistente entre as realidades

15 No lugar de Maçaperras (Touro, Vila Nova de Paiva), existe um curioso bloco, aliás integrado num sugestivo complexo de geoformas, que parece também associar uma singular morfologia natural com afeiçoamentos intencionais, num aparente quadro de ritualização simbólica. Veja-se http://narota-daspedras.blogspot. com/2009/04/o-santuario-da-macaperra_20.html, blog de Célio Rolinho Pires, sem que todavia subscrevamos as interpretações do autor.

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António Manuel S.P. Silva, Joana N. Leite, Daniela Rocha

físicas pétreas que pontuam a paisagem e as comunidades que nela(s) se enredam numa teia dinâmica.

Assim, pretendemos com este texto situar-nos num quadro teórico que nos pare-ce mais promissor do que abordagens mais convencionais, enquadrando arqueossítios, geossítios e comunidades humanas (sobretudo as pré-históricas) numa paisagem que nunca pode ser despida das suas componentes semânticas, ou poéticas, no sentido de G. Bachelard (1989), e, muito especialmente, uma paisagem conceptualmente sempre dinâmica – mesmo no seu aparente imobilismo – e nunca completa, quer nos refiramos à construída como à não construída (Ingold 2000).

Nesta perspectiva fenomenológica do espaço, o tempo das gerações que o fre-quentaram não foi, nem é, apenas um tempo de frequentação desse mesmo espaço na sua tridimensionalidade física; tais gerações inscreveram-se nesse espaço e a sua existência de homens e mulheres só plenamente pode ser acedida pelo facto de terem existido/estado ali, naquele(s) espaço(s) – criando e reinventando nele(s) “lugares”, “percursos” e “paisagens” múltiplos – no intervalo entre o seu nascimento e a sua morte, como acentuou Heidegger.

A par da identificação de alguns dos muitos “marcadores de paisagem”, tanto especificamente arqueológicos como, aparentemente, apenas geológicos, e da indaga-ção sobre permanências e rupturas nos discursos que lhes podemos atribuir, o nosso escopo poderá ser o de procurar, nas mitografias contemporâneas, algo do processo pelo qual as comunidades tradicionais atribuem nomes e narrativas ao “seu” espaço, criando nele “lugares” como forma de interagir na sua própria humanidade com a amplitude da paisagem, almejando assim uma certa “ethnography of lived topographies” (Basso 1996).

Neste ensaio, porém, uma parte substancial do conjunto de actores/agentes que povoaram o planalto da Freita, desde há cinco mil anos, não podem já fazer-nos ouvir a sua voz, pelo que, limitados à metalinguagem das pedras e do que elas exi-bem, dos artefactos e das construções, apenas nos resta avançar propostas que nos aproximem das narrativas vivenciais das gerações antigas que descobriram na Freita tudo aquilo que a vista e os outros sentidos alcançam: o longe, o perto e as distâncias incomensuráveis da experiência de cada um.

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António Manuel S.P. Silva, Joana N. Leite, Daniela Rocha

ANEXO

Inventário de sítios

(1) Barraca 1, mamoaArouca/Vale de Cambra. Rossas/Rôge. 909 m 40°52’34,03’’N; 8°18’30,41’’OSituada numa zona levemente aplanada, ao fundo de um pequeno pendente orientado para SSO. Tumulus de pequenas dimensões, com um diâmetro entre os 6 e os 6,50 m e uma altura que não excede os 0,50 m. Bastante aplanado por efeitos da erosão, não se detectando, por isso, vestígios de violação, se bem que sejam perceptíveis pequenos blocos de pedra relacionados com a couraça da mamoa.SILVA 1992; 2004a

(2) Barraca 2, mamoaArouca. Rossas. 928 m 40°52’42,14’’N; 8°18’29,96’’OSituada no topo de um cabeço arredondado, entre afloramentos rochosos, com grande visi-bilidade (especialmente para NE). Mamoa de planta subelíptica, com 10 m (E-O) por 7 m (N-S). No tumulus, com altura superior a 0,50 m, é claramente discernível a couraça, com abundantes blocos de granito e um ou outro fragmento de quartzo. A eventual violação central não é evidente. Monumento em parte sobreposto a SE por um muro divisório.SILVA 1992; 2004a

(3) Braceiro, mamoaArouca. Albergaria da Serra. 1012 m 40°52’26,28’’N; 8°16’14,46’’OPequeno monumento de tradição megalítica com um tumulus de cerca de 4 m de diâmetro e menos de 0,50 m de altura, delimitado por um pequeno círculo de blocos graníticos, vendo-se restos da couraça, onde afloravam calhaus de quartzo. Destruído inadvertidamente em 1992 pelo alargamento de um caminho. Nas terras revolvidas da mamoa recolheu-se uma pequena laje de granito com duplo entalhe lateral, de aparente contorno antropomórfico.SILVA 1992; PEREIRA DA SILVA 1997b; SILVA 2004a

(4) Cando 1, mamoaArouca. Cabreiros. 992 m 40°52’15,73’’N; 8°13’3,76’’OPequena mamoa de apenas 6 m de diâmetro e não mais que 0,40 m de altura. Escavada em 1990, revelou uma couraça lítica relativamente bem preservada, pontuada por blocos de quart-zo leitoso, achando-se no centro uma pequena sepultura em fossa, de pouca profundidade. Forneceu um pequeno fragmento cerâmico, enquadrável na Idade do Bronze.SILVA 1992; PEREIRA DA SILVA 1997b; SILVA 2004a

(5) Cando 2, mamoaArouca. Cabreiros. 1047 m 40°52’21,90’’N; 8°13’36,70’’OPequena mamoa, bastante destruída pelo atravessamento de um caminho que a secciona. Teria cerca de 8 m de diâmetro e altura de 0,45 m. Vêem-se bastantes pedras de quartzo, correspon-dentes à couraça e diversas pequenas lajes de xisto, talvez provenientes da área deposicional.CANINAS et al. 2002 [local 11G, se bem que com coordenadas incorrectas]

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Do espaço vivido ao espaço imaginado. Aproximações interdisciplinares à antropização dos planaltos da Freita (Arouca)

(6) Cando 3, mamoaArouca. Cabreiros. 1049 m 40°52’21,54’’N; 8°13’37,68’’OMontículo subcircular constituído por blocos de quartzo e xisto, parecendo corresponder a um tumulus que apresenta a particularidade de estar centrado em cima de um filão de quartzo. Terá cerca de 11 m de diâmetro e uma altura máxima a rondar 1 m.CANINAS et al. 2002 [local 10F, se bem que com coordenadas incorrectas]

(7) Cando, gravurasArouca. Cabreiros. Cando. Localização actual desconhecidaBloco de pedra que se encontrava a servir de umbral à porta de uma construção em 2001. A descrição das gravuras é difícil por apenas se dispor de um único registo fotográfico, de qualidade deficiente. Pode no entanto observar-se que se trata de um considerável bloco xix-to-grauváquico, que rondaria 1,5 m de altura por 1 m de largura. Na superfície polida foram inscritas, pelo menos, 15 gravuras que se dispersam por toda a superfície do suporte, com-pondo um painel de diferentes motivos onde se destacam gravações alfabéticas e modernas, antropomorfos em fi e motivos reticulados. Desconhece-se o seu paradeiro, havendo grandes possibilidades de ter sido destruída há poucos anos.Inédito.

(8) Cumeeira 1, mamoaVale de Cambra. Rôge. 882 m 40°52’53,95’’N; 8°19’58,44’’OMamoa de grandes dimensões, de planta circular, com c. 16 m de diâmetro por perto de 1,5 m de altura, observando-se violações central e marginal, a NO, bem como restos de couraça, composta por pequenas lajes em xisto. Notável visibilidade para todos os sectores, uma vez que o monumento está implantado no topo de um cabeço.SILVA 1992; QUEIROGA 2001

(9) Cumeeira 2, mamoaArouca. Rossas. 870 m 40°52’49,99’’N; 8°18’59,32’’OImplantada numa pequena chã no sopé da Cumeeira, esta mamoa terá cerca de 10 m de diâ- metro e altura que ultrapassa os 0,50 m, se bem que seja pouco visível pela vegetação que cobre a área. Parece evidenciar negativo de violação central, vendo-se também algumas pedras, sugerindo a couraça.SILVA 1992; 2004a; QUEIROGA 2001

(10) Detrelo 1, mamoaArouca. Moldes. 1092 m 40°53’6,40’’N; 8°15’23,92’’OTúmulo com cerca de 10 m de diâmetro e mais de 0,50 m de altura, sendo bem visíveis os restos da couraça lítica de cobertura e o negativo da violação na área da câmara funerária.SILVA 1992; 2004a

(11) Detrelo 2, mamoaArouca. Albergaria da Serra. 1086 m 40°53’0,32’’N; 8°15’34,68’’OImplantado na ampla chã que desce suavemente do Detrelo para Albergaria, o monumento é relativamente pequeno, não ultrapassando o montículo tumular os 7 m de diâmetro e 0,5 m de altura. Ainda assim são visíveis alguns restos de couraça, sendo o negativo da violação cen- tral bastante nítido.SILVA 1992; 2004a

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(12) Detrelo 3, mamoaArouca. Santa Eulália. 1081 m 40°53’5,72’’N; 8°15’51,13’’OPequeno túmulo com 7 m de diâmetro e altura próxima dos 0,75 m. Claramente perceptível a couraça de blocos de pedra que recobria a sepultura, bem como o negativo de violações antigas no centro. Importante é também a implantação topográfica desta mamoa, situada num dos topos setentrionais do planalto da Serra da Freita e permitindo, por isso, uma ampla visibilidade para todo o vale de Arouca.SILVA 1992; 2004a

(13) Detrelo 4, mamoaArouca. Santa Eulália. 1080 m 40°53’2,74’’N; 8°15’53,26’’OMonumento que terá sido destruído quase por completo por acção da florestação e da erosão natural subsequente. Situado actualmente numa área de pinhal, deverá ter correspondido a uma pequena mamoa com cerca de 6 m de diâmetro, vendo-se actualmente um tumulus que não ultrapassará os 0,30 m de altura e o negativo, muito esbatido, da cratera de violação central.SILVA 1992; 2004a

(14) Detrelo 5, mamoaArouca. Moldes. 1084 m 40°53’7,55’’N; 8°15’25,68’’OMamoa bastante arrasada, adossada a um afloramento rochoso e cortada um pouco por um caminho a Sul. De planta subcircular tem eixos de 14 m (ONE-SSO) por 11,5 m (SO-NE), apresentando o tumulus cerca de 0,30 m de altura. Não se detectam negativos de violações, mas vêem-se algumas pedras de uma provável couraça e sobretudo o que parece ser um círculo lítico perimetral exterior.Inédito

(15) Devesa 1, mamoaVale de Cambra. Rôge. 770 m 40°51’55,32’’N; 8°18’59,01’’OSituada em rechã com grande dominância visual, a mamoa tem cerca de 9,5 m de diâmetro e altura superior a 1 m. Apresenta restos de couraça com blocos de xisto e quartzo e violação central pouco pronunciada, podendo observar-se restos de blocos que poderão corresponder talvez a esteios. Fica-lhe a poucos metros a Mamoa 2. A descrição de F. Queiroga (2001) parece trocada com outro dos monumentos deste núcleo, onde aliás regista uma terceira ma-moa, um pouco mais a SO.SILVA 1992; QUEIROGA 2001

(16) Devesa 2, mamoaVale de Cambra. Rôge. 770 m 40°51’52,52’’N; 8°18’59,63’’OSepultura com eixos a rondar os 14 (N-S) por 17,5 m (E-O) e altura superior a 1 m. Apresenta restos de couraça com pedras de xisto e quartzo e, aparentemente várias violações ou outros revolvimentos, podendo ver-se restos de blocos de maiores dimensões, podendo corresponder a esteios e sugerindo mesmo, pela posição de alguns deles, um eventual corredor. Situada em rechã com grande dominância visual, fica-lhe a poucos metros a Mamoa 1. A descrição de F. Queiroga (2001) parece trocada com outro dos monumentos deste núcleo, onde aliás regista uma terceira mamoa, um pouco mais a SO.SILVA 1992; QUEIROGA 2001

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(17) Junqueiro 1, gravurasArouca. Albergaria da Serra. 960 m 40°51’48,02’’N; 8°15’55,61’’OPenedo com cerca de duas dezenas de fossetes dispostas em aparente alinhamento recticular, a cobrir toda a superfície mais destacada do suporte (topo) e um cruciforme no seu limite NO que é simultaneamente a sua área mais elevada. Situa-se junto a uma linha de água e a um caminho tradicional, provavelmente correspondente à via romana Viseu-Porto e a poucas centenas de metros das mamoas da Portela da Anta. De notar que o penedo exibe uma geo-morfologia curiosa, pelos enrugamentos laterais a fazer lembrar as microformas típicas das pedras-boroas. Inédito

(18) Laceiras do Covo 1, mamoaArouca. Albergaria da Serra. 1012 m 40°50’54,79’’N; 8°15’54,33’’OSituado no rebordo de uma chã e num ponto de boa visibilização, este monumento é cons-tituído por um tumulus dimensões médias, com c. de 9 m de diâmetro e uma altura que em pouco ultrapassará os 0,50 m A carapaça lítica que recobre a sepultura é bem visível, contendo calhaus de xisto e de quartzo. Nota-se o negativo de violação central. SILVA 1992; PEREIRA DA SILVA 1997b; SILVA 2004a

(19) Laceiras do Covo 2, mamoaArouca/Vale de Cambra. Albergaria da Serra/Arões. 1002 m 40°50’47,68’’N; 8°16’3,28’’OPequeníssimo tumulus cuja altura não ultrapassa os 0,30 m, constituindo um círculo perfeito com apenas quatro metros de diâmetro. Objecto de intervenção arqueológica (1996) apresen-tou-se estruturado externamente por uma coroa de lajes de xisto, criando uma espécie de con-cha sobre a qual se desenvolve o tumulus, que é formado quase exclusivamente por pequenos calhaus de quartzo leitoso. Já próximo do centro da sepultura, existe um segundo anel de lajes de xisto mais espaçadas. No centro continha uma pequena cista de planta subquadrangular, completamente desmantelada e da qual poderia ser parte integrante um pequeno esteio de xisto que se achou pousado no rebordo da violação.SILVA 1992; PEREIRA DA SILVA 1996b; 1997b; SILVA 2004a

(20) Laceiras do Covo 3, mamoaVale de Cambra. Arões. 1003 m 40°50’37,70’’N; 8°16’17,46’’OPequena mamoa com c. de 5,50 m de diâmetro por 0,40 m de altura, muito arrasada pela florestação. Vê-se ligeira depressão central. Pedras soltas à superfície poderão corresponder à couraça de cobertura, observando-se também um anel lítico de contenção.PEREIRA DA SILVA 1996b; QUEIROGA 2001

(21) Laceiras do Covo 4, mamoaVale de Cambra. Arões. 999 m 40°50’34,42’’N; 8°16’18,81’’OTumulus com c. de 8 m de diâmetro por 0,60 m de altura, não se observando depressão central. Abundantes fragmentos de quartzo leitoso à superfície, eventualmente relacionados com a couraça. Monumento não localizado com segurança (2008), parecendo ter sido destruído por revolvimentos recentes do terreno.PEREIRA DA SILVA 1996b; QUEIROGA 2001

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(22) Monte Calvo 1, mamoaArouca. Albergaria da Serra. 1008 m 40°51’4,57’’N; 8°16’1,99’’OTumulus com cerca de 8 m de diâmetro e 0,50 m de altura. Foi objecto de escavação arqueo-lógica, que revelou um montículo constituído essencialmente por blocos de granito a que se sobrepunha uma camada de calhaus de quartzo. Um círculo lítico externo fazia a contenção do conjunto. O espaço funerário evidenciou restos de uma sepultura de tipo cista, muito destruída. O espólio arqueológico é constituído por um pequeno fragmento cerâmico e uma “pedra pari-deira”, colocada directamente sobre a rocha natural. Um dos blocos graníticos que compunha a couraça externa apresenta a gravação de um podomorfo geminado.SILVA 1992; PEREIRA DA SILVA 1997b; SILVA 2004a

(23) Monte Calvo 2, mamoaArouca. Albergaria da Serra. 1007 m 40°51’1,49’’N; 8°16’0,66’’OMonumento de médias dimensões, com c. de 12 m de diâmetro e 0,50 m de altura. A inter-venção arqueológica realizada revelou que o tumulus era revestido por uma carapaça lítica com blocos de granito e quartzo leitoso, enquanto no centro surgiu uma sepultura em fossa, algo irregular, coberta por uma laje granítica. O espólio arqueológico resume-se a um fragmento cerâmico, pertencente a uma taça carenada, um seixo quartzítico e, tal como na Mamoa 1 deste núcleo, uma “pedra parideira” colocada intencionalmente na base do monumento.SILVA 1992; PEREIRA DA SILVA 1997b; SILVA 2004a

(24) Pico do Gralheiro 1, mamoaVale de Cambra. Arões. 1008 m 40°50’33,51’’N; 8°16’27,82’’OMamoa com c. de 7,5 m de diâmetro por 0,5 m de altura, parcialmente cortada pela estrada. Não se observam restos de couraça e é pouco perceptível a violação central. PEREIRA DA SILVA 1996b; QUEIROGA 2001

(25) Pico do Gralheiro 2, mamoaVale de Cambra. Arões. 1004 m 40°50’27,74’’N; 8°16’26,27’’OPequeno tumulus que teria orogonalmente c. de 5 m de diâmetro por 0,4 m de altura, vendo-se restos de couraça, muito desmantelada, e uma pequena depressão central, quase imperceptível. Destruída em cerca de metade por um cruzamento de caminhos.PEREIRA DA SILVA 1996; QUEIROGA 2001

(26) Portela da Anta 1, mamoaArouca. Albergaria da Serra. 1009 m 40°51’30,81’’N; 8°15’17,64’’OEm pleno coração da Freita, a mamoa da Portela da Anta, de planta sub-elíptica, 35 m de diâmetro e uma potente carapaça de blocos graníticos que a impõem na paisagem, envolve os restos de uma câmara de planta poligonal e corredor, com cerca de 8 m de comprimento total. Actualmente ainda se vêem cerca de duas dezenas de esteios, muitos dos quais implantados no local original, enquanto os restos de algumas coberturas permanecem nas proximidades. Os trabalhos arqueológicos revelaram que o grande dólmen sucedeu a uma outra câmara funerária, de planta poligonal. Um curioso círculo lítico, de função provavelmente ritual, adossa-se à mamoa no lado oposto ao da câmara, evidenciando ainda a colina funerária outros aspectos arquitectónicos notáveis, designadamente um átrio que se abria frente à entrada do corredor, delimitado por um murete. O espólio arqueológico é constituído essencialmente por dezenas de fragmentos cerâmicos,

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utensílios em pedra lascada (pontas de seta, lâminas, geométricos, lamelas e lascas) e um pe-queno furador ou sovela em cobre.PEREIRA DA SILVA 1986b; 1996a; 1997b; 1999; SILVA 2004a

(27) Portela da Anta 2, mamoaArouca. Albergaria da Serra. 997 m 40°51’29,22’’N; 8°15’24,34’’OA menos de 200 m da grande mamoa da Portela da Anta localiza-se um pequeno tumulus de tradição megalítica, muito pouco pronunciado, com 6 m de diâmetro no eixo ONO-ESE e apenas 4 m no sentido SSO-NNE, em virtude de neste sector estar cortado quase pela metade pelo caminho que passa ao dólmen da Portela da Anta. De altura diminuta, não ultrapassando os 0,30 m, continha à superfície blocos graníticos e pequenos calhaus de quartzo, pertencentes à couraça. Na zona central percebem-se ainda restos da depressão da violação.PEREIRA DA SILVA 1997b; SILVA 2004a

(28) São Pedro-o-Velho, gravurasArouca. Albergaria da Serra. 1012 m 40°52’34’’N; 8°16’39’’OTrabalhos recentes localizaram um bloco com covinhas e, em local próximo, “uma gravura composta por uma linha ondulada com cerca de 30 cm de comprimento (…) rematada de um lado pelo que aparenta ser um semicírculo e do outro por uma linha perpendicular”, tendo um outro círculo, com c. de 5 cm de diâmetro, próximo. Não foi possível, mesmo com as suas coordenadas, relocalizar esta rocha.CANINAS et al. 2002

(29) Senhora da Laje, gravuras Arouca. Rossas. 880 m 40°52’39,86’’N; 8°18’17,49’’ONuma pequena plataforma de um penedo granítico de consideráveis dimensões que apresenta uma configuração sugestiva, quase zoomórfica, vêem-se diversas gravuras orientadas a Sul. As gravações foram executadas numa área periférica do suporte e ocupam uma pequena parte do afloramento. Reconhecem-se 6 fossetes de dimensões muito idênticas entre si, alinhadas num segmento quase recto, muito bem definidas e profundas. Paralelamente, e enquadrados no pai-nel, podem observar-se um conjunto de 5 pares de podomorfos (gravuras geminadas semelhan-tes a pegadas de ovicaprídeos) e que parecem sugerir o movimento descendente do penedo. SILVA 2004a

(30) Três Irmãos, meniresArouca. Rossas. 863 m 40°52’45,10’’N; 8°18’22,62’’OO conjunto megalítico domina a portela de acesso ao planalto da Freita a partir de Noroeste. É composto por três monólitos graníticos de grandes dimensões, dois dos quais se encontram tombados. O monólito ainda erguido tem c. de 3,30 m de altura e está assente num afloramen-to de superfície oblíqua, o que determinou o corte de forma paralela da base do menir, travado ainda de um dos lados por um afloramento mais elevado. Num dos monólitos tombados, com 3,55 m de comprimento, o afeiçoamento e mesmo a morfologia fálica são evidentes, com uma base de recorte triangular, secção subcilíndrica e meato uretral bem definido. O terceiro bloco, com apenas 1,61 m de extensão pelo facto de estar fragmentado na parte superior, apresenta pelo menos uma das faces desbastada e polida. Estamos assim perante o que seria um pequeno alinhamento de três menires, intervalados e travados por blocos de menores dimensões.PEREIRA DA SILVA; SILVA 1994; SILVA 2004a

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Fig. 2. Panorâmica geral do planalto, vendo-se ao fundo o castle kopje de

S. Pedro-o-Velho (1077 m) (fot. A.M. Silva).

Fig. 3. Outro aspecto da superfície culminante da Freita, visto a partir da

Mamoa 2 do Detrelo (fot. A.M. Silva).

Fig. 1. Localização das serras da Freita e Arada no Centro-Norte Litoral de Portugal. O destaque mostra, de forma esquemática, o planalto da Freita, a zona tratada neste trabalho.

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Fig. 4. A Frecha da Mizarela, na zona de contacto entre os granitos e as rochas

metassedimentares (fot. A.M. Silva).

Fig. 5. Afloramento com a superfície superior rasgada por múltiplas pias, na área

de São Pedro-o-Velho (fot. A.M. Silva).

Fig. 6. Uma das “pedras-boroa” doJunqueiro (fot. D. Rocha/AGA).

Fig. 7. “Pedras-parideiras” da zona da Castanheira (fot. D. Rocha/AGA).

Fig. 8. Implantação geral dos sítios arqueológicosreferidos no texto (numeração do inventário anexo).

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Fig. 9. Dólmen da Portela da Anta visto a partir da câmara para a entrada do corredor, observando-se, também, o grande “átrio” identificado à entrada da sepultura (fot. F.A. Pereira da Silva)

Fig. 10. Círculo lítico adossado à grande mamoa do monumento da Portela da Anta (fot. F.A. Pereira da Silva).

Fig. 11. Monte Calvo 1. Aspecto geral da mamoaapós a escavação (fot. F.A. Pereira da Silva).

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Fig. 15. Monte Calvo 1. Bloco com podomorfo geminado (aplicação de

bicromático) inserido na couraça lítica(fot. F.A. Pereira da Silva).

Fig. 16. Menires dos Três Irmãos, podendo observar-se a sua implantação, sobre o

acesso Poente ao planalto da Freita(fot. A.M. Silva).

Fig. 17. Rocha gravada próximoda Senhora da Laje. Detalhe de

covinhas e podomorfos geminados(fot. A.M. Silva).

Fig. 12. Laceiras do Covo 2. Vista geral da pequena mamoa, cuja couraça é

integralmente constituída por pequenos blocos de quartzo leitoso (fot. A.M. Silva).

Fig. 13. Monte Calvo 2. Perspectiva da área deposicional, vendo-se a grande

laje que cobria a fossa central após o seu levantamento (fot. F.A. Pereira da Silva)

Fig. 14. Nódulos biotíticos (pedras parideiras) encontrados na base

das mamoas 1 e 2 de Monte Calvo(fot. A.M. Silva).

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Fig. 18. Penedo 1 do Junqueiro. Aspecto geral, vendo-se as covinhas gravadas na superfície superior (fot. J. Leite).

Fig. 19. Bloco gravado identificado naaldeia de Cando (fot. J.A. Rocha).