SAÚDE PÚBLICA NO NORTE DE MINAS GERAIS: a dimensão urbana e rural do Projeto Montes Claros 1

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1 SAÚDE PÚBLICA NO NORTE DE MINAS GERAIS: a dimensão urbana e rural do Projeto Montes Claros 1 Simone Narciso Lessa 2 Alcione Gonçalves Ribeiro Vieira 3 Elizabeth Ferreira de Pádua Melo Franco 4 Idalécia Soares Correia 5 Introdução As políticas sociais são gestadas pelo Estado para o enfrentamento de questões sociais e dos problemas sociais, dentre eles aqueles relacionados à saúde. A agenda de problemas públicos que será alvo de políticas é continuamente negociada, definindo-se o que será incluído e a sua importância relativa no conjunto de problemas a receberem a intervenção do Estado. Assumem determinadas “feições” dependendo das sociedades e concepções de Estado e projeto político em que se inserem. Acurcio (2007) irá se referir à agenda pública como uma resposta às demandas postas pela sociedade. Cita Mattos (1999) quando relaciona os atores sociais às demandas existentes, considerando que as fazem chegarem ao Estado e interferem para definir como deve ocorrer a intervenção. A concepção de atores sociais trabalhada refere-se a um coletivo de pessoas ou, no seu extremo, uma personalidade que participa de determinada situação, tem organização minimamente estável, é capaz de intervir nesta situação e tem um projeto”. O contexto histórico, a situação econômica e social, o conhecimento cientifico, e a capacidade dos atores de interferirem definem a política publica. No caso da política de saúde, as distintas articulações entre sociedade e Estado promoveram inúmeras mudanças como respostas sociais às necessidades e aos problemas de saúde existentes no contexto de diversas conjunturas vividas no Brasil. 1 Este texto é um desdobramento da Pesquisa Gestão de Políticas de Saúde no Norte de Minas Gerais: Contextos, atores e trajetórias. Agradecemos o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais FAPEMIG para o desenvolvimento da pesquisa, e de foma muito especial aos gestores e trabalhadores da saúde que contribuiram como sujeitos neste estudo. 2 Simonte Narciso Lessa é doutora em História Social/UFMG, professora do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social e do Departamento de História da Universidade Estadual de Montes Claros 3 Alcione Gonçalves Ribeiro Vieira é assistente social, mestre em Desenvolvimento Social/UNIMONTES, professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Montes Claros 4 Elizabeth F. P. Melo Franco é formada em Filosofia, especialista em Gestão de Sistemas de Saúde/ESP- MG e professora do Departamento de Enfermagem da Universidade Estadual de Montes Claros 5 Idalécia Soares Correia é mestre em Ciência Política/UFMG, professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Montes Claros

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SAÚDE PÚBLICA NO NORTE DE MINAS GERAIS: a dimensão urbana e rural do

Projeto Montes Claros1

Simone Narciso Lessa 2

Alcione Gonçalves Ribeiro Vieira3

Elizabeth Ferreira de Pádua Melo Franco4

Idalécia Soares Correia5

Introdução

As políticas sociais são gestadas pelo Estado para o enfrentamento de

questões sociais e dos problemas sociais, dentre eles aqueles relacionados à saúde. A

agenda de problemas públicos que será alvo de políticas é continuamente negociada,

definindo-se o que será incluído e a sua importância relativa no conjunto de problemas a

receberem a intervenção do Estado. Assumem determinadas “feições” dependendo das

sociedades e concepções de Estado e projeto político em que se inserem. Acurcio (2007) irá se

referir à agenda pública como uma resposta às demandas postas pela sociedade. Cita

Mattos (1999) quando relaciona os atores sociais às demandas existentes, considerando

que as fazem chegarem ao Estado e interferem para definir como deve ocorrer a

intervenção. A concepção de atores sociais trabalhada refere-se a um “coletivo de

pessoas ou, no seu extremo, uma personalidade que participa de determinada situação,

tem organização minimamente estável, é capaz de intervir nesta situação e tem um

projeto”.

O contexto histórico, a situação econômica e social, o conhecimento

cientifico, e a capacidade dos atores de interferirem definem a política publica. No caso

da política de saúde, as distintas articulações entre sociedade e Estado promoveram

inúmeras mudanças como respostas sociais às necessidades e aos problemas de saúde

existentes no contexto de diversas conjunturas vividas no Brasil.

1 Este texto é um desdobramento da Pesquisa Gestão de Políticas de Saúde no Norte de Minas Gerais:

Contextos, atores e trajetórias. Agradecemos o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais

– FAPEMIG para o desenvolvimento da pesquisa, e de foma muito especial aos gestores e trabalhadores

da saúde que contribuiram como sujeitos neste estudo. 2 Simonte Narciso Lessa é doutora em História Social/UFMG, professora do Programa de Pós-Graduação

em Desenvolvimento Social e do Departamento de História da Universidade Estadual de Montes Claros 3 Alcione Gonçalves Ribeiro Vieira é assistente social, mestre em Desenvolvimento

Social/UNIMONTES, professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de

Montes Claros 4 Elizabeth F. P. Melo Franco é formada em Filosofia, especialista em Gestão de Sistemas de Saúde/ESP-

MG e professora do Departamento de Enfermagem da Universidade Estadual de Montes Claros 5 Idalécia Soares Correia é mestre em Ciência Política/UFMG, professora do Departamento de Ciências

Sociais da Universidade Estadual de Montes Claros

2

É possível afirmar que a década de 1970 se sobressai na área da saúde por

ser neste período que ocorreram as primeiras fraturas no sistema de saúde previdenciário

vigente durante 40 anos, e quando se iniciou o movimento de luta pela reforma

sanitária. A assistência à saúde previdenciária adotava a medicina curativa, individual,

médico-hospitalar, centralizada e principalmente urbana. A partir da crítica a este

modelo por uma parte do meio técnico-científico surgem alguns projetos experimentais

que servem como referencia para propostas alternativas com vistas a se desenvolver e

expandir uma modalidade assistencial voltada para assistir os contingentes

populacionais excluídos da assistência previdenciária, especialmente para os que viviam

nas periferias das cidades e nas zonas rurais.

Estes projetos, entre os quais se inseriu o Projeto Montes Claros, se

incluíam dentro das ações de saúde pública, operacionalizadas pelo Ministério da Saúde,

Secretarias Estaduais de Saúde, e alguns nas áreas da saúde das Prefeituras Municipais. Na

década de 1970 existia uma clara dicotomia entre a assistência médica curativa prestada

aos beneficiários do Sistema Previdenciário e as ações Ministério da Saúde, em que prevalecia

o modelo campanhista. O modelo adotado pelo Ministério da Previdência Social na

assistência a saúde direcionava-se, até então, exclusivamente aos trabalhadores formais

e urbanos, atrelada ao princípio do seguro social. Hegemonicamente, a política de saúde

voltava-se para os trabalhadores urbanos e inseridos no mercado de trabalho, ficando a

população rural excluída dos serviços de saúde.

O modelo de saúde previdenciária atendia à conjuntura existente no Brasil,

de acelerada urbanização, ativada pela industrialização, que ocorreu a partir de 1940.

Tanto as ações através de campanhas, quanto à assistência a saúde curativa buscaram

sanear os ambientes e a manter saudáveis os trabalhadores voltando-se para as cidades,

cuja lógica predominante era a do desenvolvimento do capitalismo no país.

Impulsionado pelo poder público, a assistência curativa no território urbano se

especializava, com a constituição de redes articuladas e interdependentes de saúde nos

grandes conglomerados urbanos.

Foram os movimentos contra-hegemônicos ao modelo de assistência

previdenciária, ao tecerem críticas a forma de intervenção do Estado frente à situação de

saúde no Brasil, que inseriram a atenção primária como ponto central de uma nova

proposta para a saúde. Seguiam, inclusive, a proposta internacional dos cuidados

primários propostos pela Organização Mundial da Saúde/Organização Pan-Americana

da Saúde (OMS/OPAS) que veiculava propostas de expansão da rede pública de saúde

3

dentro de uma organização descentralizada e democratizada, buscando maior

racionalidade e menores custos. Que pese as concepções vigentes nestas instituições

neste momento.

As novas propostas e projetos que surgem sob esta perspectiva volta-se para

a rearticulação de redes de saúde, buscando mais ativamente relacioná-las com o espaço

urbano, principalmente nos municípios de pequeno e médio porte, no sentido de

propiciar o acesso a população descoberta pela assistência à saúde previdenciária e

expandi-lo para outras áreas descobertas, principalmente a área rural. As ações

previstas, que tinham como ponto central a atenção primária, irão se organizar dentro do

espaço urbano e rural por meio da construção de equipamentos de saúde na tentativa de

imprimir uma distribuição espacial mais racional. A concepção de atenção primária

naquele contexto se referia a cuidados passíveis de execução por pessoal auxiliar de

saúde com baixa qualificação.

Metodologicamente a pesquisa que deu origem a este texto foi construída a

partir da combinação das abordagens qualitativa e quantitativa. A primeira centrou-se na

técnica da entrevista semi-estruturada e na pesquisa documental e a segunda em dados

de fonte secundária, especialmente em bancos de dados do DATASUS, Fundação João

Pinheiro e trabalhos publicados sobre a região.

Em relação às entrevistas ressalta-se que se utilizou do conteúdo de

entrevistas já publicados em trabalhos anteriores, e realizou-se dez entrevistas com

atores institucionais que participaram efetivamente da implantação das políticas de

saúde na região.

O Norte de Minas Gerais na década de 1970

A região de saúde no norte de Minas Gerais abarcava 46 municípios e

apresentava juntamente com a região do Jequitinhonha/Mucuri as piores condições de

vida do Estado. O Índice Condições de Vida, medindo 0, 384, estava entre piores do

Estado. O IDH situava-se em 0, 335, abaixo do de Minas Gerais (0, 440) sendo o

segundo menor índice entre todas as regiões, só ultrapassado pela região do

Jequitinhonha/Mucuri. Este índice é resultado dos baixos índices da maioria dos

municípios da Região, que estavam entre os de piores do Estado, como o de São João

do Paraíso 0, 221, (o, 224) Rio Pardo de Minas 0, 246, Itacarambí 0, 248, Riacho dos

Machados 0, 249, Grão Mogol 0, 256, Cristália 0, 261, entre outros.

4

Pereira e Soares (2005) relatam que na década de 1970 cerca de 27,6% da

população da região vivia nas cidades e mais de 70% viviam na zona rural. A base

econômica da região até esta década era a agropecuária, com destaque para a

bovinocultura de corte. As características regionais desde a década de 1940 levou a sua

inclusão na área mineira do polígono das secas6. Vários autores que analisam a região

Nordeste como Cohn (1997) consideram que a zona de Minas Gerais incluída no

Polígono das Secas apresenta características econômicas, geográficas e sociais similares

a esta região. A região nordeste pode ser dividida em três áreas: a zona úmida litorânea,

açucareira e com grandes núcleos urbanos; o agreste e o sertão. O sertão tem na

pecuária uma de suas principais atividades econômicas, realizada extensivamente e com

emprego de pouca mão de obra, que conjuga suas atividades com a plantação de

roçados, fornecedores de alimentos para sua subsistência.

O Norte de Minas pode ser considerado como uma região-sertão e

apresenta baixa exploração econômica, aridez da vegetação e do clima (longos períodos

de secas), baixa densidade demográfica, concentração fundiária e pobreza da população

(OLIVEIRA, 2000).

No Norte de Minas, na década de 1970, as transformações no campo

ocorreram de forma heterogênea, em decorrência das políticas de desenvolvimento

rural, manifestas na modernização da agricultura e pecuária. Essas transformações

reforçaram as desigualdades e os privilégios, dicotomizando duas realidades, uma classe

da sociedade que se utiliza do que há de mais moderno nesta área, e outra de

agricultores familiares, que eram a grande maioria dos produtores rurais, cada vez mais

distantes de tais inovações e no limite de sobrevivência.

Nesta região de Minas, na década de 1970, conforme o censo de 1970 os

minifúndios constituíam 75% dos imóveis rurais. Esse dado que sugere que há um

número grande de proprietários operando com base familiar, produzindo para a

subsistência. A renda familiar era de até um salário mínimo para 39,85% destas famílias

(VAN STRALEN, 1985).

6 O Norte de Minas por possuir características físicoclimáticas e sociais semelhantes à região Nordeste foi

incluído no polígono das secas em 1946. A Área Mineira do Polígono da Seca - AMPS abrange

municípios do Norte de Minas em uma área que coincide com a da Superintendência de Desenvolvimento

do Nordeste - SUDENE , a qual foi incorporada em 1965. (GOMES, 2007)

5

Ao lado do tipo descrito acima de cultura familiar, implantaram-se grandes

empreendimentos agro-industriais, a fim de sustentar o novo modelo econômico que

passou a direcionar o rumo da agricultura brasileira e o gênero de vida do campo. Nas

décadas de 1970 e 1980 intensificou-se a apropriação de áreas para plantio do eucalipto no

cerrado norte mineiro, e também áreas destinadas a projetos de irrigação, como o Projeto de

Colonização do Jaíba e diversas outras monoculturas como o algodão.

Ademais, o contexto brasileiro de expansão do capital na década de 1970

reflete-se na região Norte de Minas Gerais, através da implantação de grandes empresas

agropecuárias e reflorestamento, que expulsam os pequenos proprietários da terra, ao

mesmo tempo, que absorve parte desta população como trabalhadores rurais. Nesta

década a região apresenta uma redistribuição de sua população rural, como decorrência

da criação de novas atividades agrícolas, em que pequenas propriedades e propriedades

tradicionais dão lugar a pastos ou florestas artificiais, fruto da apropriação de terras

devolutas por empresas rurais ou empresas de reflorestamento que provocam a

expropriação dos posseiros e pequenos proprietários, a expulsão de agregados, parceiros

e outros agricultores não proprietários. A extensa migração é conseqüência do abandono

do campo e da procura de emprego em áreas urbanas como Montes Claros, São Paulo,

Rio de Janeiro e os fluxos migratórios se fazem do campo para a cidade e da cidade para

o campo e campo-campo (VAN STRALEN, 1985).

Contudo, Gomes (2007) afirma que é nesta década que a atividade industrial

passa a ser incrementada através da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste

- SUDENE, que tem as suas atividades concentradas quatro municípios: Montes Claros,

Pirapora, Bocaiúva e Várzea da Palma.

Em decorrência da implantação do Distrito Industrial (DI) e da atuação da

SUDENE, o município de Montes Claros em 1970, tornou-se predominantemente

urbano, com grau de urbanização que passou de 40,66%, em 1960, para 73,10%, em

1970 (FRANÇA et al, 2007).

Segundo o Censo Predial da Região Sudeste - FIBGE (1970) citado por

Somarriba (1977), na Área Mineira do Polígono das Secas, cerca de 11% da população

total era servida por água encanada, três municípios possuíam serviços de rede de

esgoto, sendo que a proporção da população servida era de 49,7% em Montes Claros,

34,8% em Francisco Sá e 31,0% em Bocaiuva. Apenas 6,1% da população total da

Região dispunham de latrinas em casa. De acordo com dados da COPASA citados por

6

Magalhães e Magalhães (2009) em 1970 a população de Montes Claros é de 85.154

habitantes, sendo que 51,8% tinham água encanada em suas residências.

A mortalidade infantil pode ser uma ocorrência "evitável" por serviços de

saúde eficazes, o que leva a utilizá-lo como um "evento sentinela" da qualidade da

atenção médica (HARTZ et al, 1996). Entretanto, este indicador pode sofrer a

interferência do sub-registro médio de óbitos existente no Brasil, ainda mais presente na

década de 1970, podendo-se pressupor que maior ainda na Região Norte de Minas, com

baixas condições de vida.

A taxa de mortalidade infantil que compõe o índice de Condições de Vida-

Saúde, na região Norte de Minas registrou uma taxa de mortalidade infantil de

117,4/1000 situando-se próximo da taxa verificada em Minas Gerais 116,6/1000. Por

sua vez, o Estado de Minas Gerais se comparado ao Estado de São Paulo, no mesmo

período, apresentava uma taxa de 94,2/1000 nascidos vivos. A afirmação da

subnotificação se torna muito razoável quando observamos as taxas dos municípios de

Janaúba 154,7/1000, Jequitaí 141,9/1000, Monte Azul 145,2/1000, Riacho dos

Machados 147,5/1000, São Romão (150,0), Brasília de Minas 132,0/1000 Buritizeiro

136,1/1000 Capitão Enéas 129,0/1000 (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO/IPEA,1996).

Portanto, vale ressaltar que nos municípios onde se registrou taxas mais elevadas os

dados estão mais condizentes com as características regionais e que a média regional

pode estar sendo influenciada pelo sub registro, problema característico de regiões com

deficiências assistenciais como os observados no Norte de Minas.

Mendes (2007)7 informa que 33% das mortes eram por doenças infecciosas

e desnutrição, e quase um quarto das internações hospitalares eram por doenças

infecciosas e parasitárias. Ainda, segundo Mendes (2007) 38% dos óbitos ocorriam sem

assistência médica. Nesta mesma direção, Somarriba (1977) reafirmando as precárias

condições de vida e saneamento vigentes na região credita a falta de estrutura e a baixa

cobertura dos serviços de saúde, fatores provavelmente levaram ao índice alarmante de

51,1% dos óbitos registrados nesta região figurarem como sintomas e afecções mal

definidas. Este índice revela a falta de acesso e a baixa qualidade da assistência á saúde

7 Palestra proferida na Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes no dia 27/03/2007numa

sessão do Conselho Universitário quando o cientista e sanitarista Eugênio Vilaça Mendes recebeu o título

de professor honoris causa da Unimontes. A homenagem foi concedida devido ao fato de Mendes ter sido

Professor Assistente da Faculdade de Medicina do Norte de Minas e por ter exercido o cargo de Diretor

Técnico do Projeto Instituto de Preparo e Pesquisa para o Desenvolvimento da Assistência Sanitária Rural

– IPPEDASAR (1971/72) e por ter continuado a prestar importantes contribuições ao sistema de saúde da

região.

7

disponível para a população.A segunda e a terceira causa são a “Enterite e outras

doenças diarréicas” e “outras causas de mortalidade prenatais”, bem como, a ocorrência

relativamente alta de Tripanossomiase americana.

Somarriba (1977) aponta que outros problemas ligados ao saneamento

ambiental estavam presentes, influindo gravemente nas condições de saúde da

população. Esta autora cita os altos índices de positividade dos resultados de exames de

habitações realizados nos municípios da Região de Saúde de Montes Claros em 1975,

representando 32,3% dos domicílios infestados. Segundo Athos Avelino Pereira, um

dos colaboradores da pesquisa em entrevista afirma:

A doença de Chagas tinha uma prevalência acentuada particularmente em

alguns municípios como Itacambira, Juramento, Grão Mogol também,

Botumirim, Cristália, mas era uma prevalência alta em todo norte de Minas.

Naquela época já não se via muito doença de Chagas na fase aguda, casos

recentes, particularmente os adultos mais maduros traziam muitas vezes

seqüelas decorrentes dessa doença de Chagas crônica que resultava, nos

adultos em manifestações digestivas ou cardíacas. Eram freqüentes os casos

de megacólon chagásico, megaesôfago chagásico e também cardiopatia

chagásica com insuficiência cardíaca congestiva e casos de arritmia cardíaca

grave que freqüentemente também fazia com que estes pacientes morressem

precocemente.

Não havia programas contínuos de combate ao "barbeiro", mas apenas

campanhas periódicas desenvolvida pela Superintência de Campanhas de Saúde Pública

- SUCAM, o que fez com que os focos assumissem proporções que alarmavam os

próprios moradores da região. Segundo Somarriba (1977), a grande extensão de áreas

atingidas pelo desmatamento na região, e posterior reflorestamento homogêneo, eram os

possíveis fatores explicativos do enorme aumento da presença de "barbeiros" nas

habitações.

A capacidade instalada de unidades de saúde existente na região Norte de

Minas, era, aproximadamente, de 40 unidades ambulatoriais e 26 unidades hospitalares,

sendo que nove hospitais se localizavam em Montes Claros. Nesta cidade estavam

concentrados 506 leitos, representando 52% dos leitos existentes na região. Excluindo

os hospitais localizados em Montes Claros, a média de leitos dos hospitais da região era

de 20 leitos/hospital, podendo ser considerados como de pequeno porte. Em quatro

municípios os hospitais ultrapassavam este número de leitos, Janaúba com dois

hospitais que somavam 80 leitos, Pirapora, um hospital de 40 leitos e Salinas com um

hospital de 60 leitos. Ressalte-se que em 25 municípios da região não existiam hospitais

(SOMARRIBA, 1977).

8

Sistema Regional de Saúde do Norte de Minas/IPPEDASAR: o desenho da

intervenção na saúde da população norte mineira

O primeiro marco da intervenção do Estado no setor saúde na região Norte

de Minas, inicia-se em 1971, através do convênio entre o Instituto de Preparo e Pesquisa

para o Desenvolvimento da Assistência Sanitária Rural – IPPEDASAR com a Fundação

Norte Mineira de Ensino Superior (FUNM), e a Secretaria de Estado da Saúde de Minas

Gerais e a Universidade de Toulane/Family Health Foundatiom (EUA).

Este projeto foi coordenado tecnicamente pelo Dr.Eugênio Vilaça Mendes

e tinha como colaborador e Diretor Associado de Planejamento o Doutor Leslie

Scofield Júnior representante da Universidade de Toulane no projeto.Segundo Mendes

(2007) a parceria com a universidade de Toulane significou uma oportunidade ímpar

para a equipe do IPPEDASAR no sentido da formação técnico-científica, da disciplina

para o trabalho e da busca pelas evidência. Mendes (2007) descreve Scofield8 como um

missionário que se dedicava a cuidar da saúde dos ribeirinhos do vale do São Francisco.

Salienta, “mas que como acontece com os pioneiros, foi incompreendido”,

provavelmente a referencia de Mendes é relativa à polêmica sobre o controle de

natalidade que estava embutida nas ações desenvolvidas pelos norte americanos junto a

populações pobres no Brasil.

A forma de convênio9, que dava suporte a este projeto, é um documento-

proposta com linhas diretivas, tendo entre as principais, a extensão de cobertura em

saúde, ação intersetorial, financiamento multilateral, regionalização, hierarquização dos

serviços, relacionamento com o sistema formal, participação da comunidade e utilização

de equipe de saúde. A localização física da instituição constituía-se de um espaço na

Faculdade de Medicina de Montes Claros (FAMED)10

. O modelo proposto enfatiza a

8 Scofield era um enfermeiro norte americano que além da Universidade de Toulane era vinculado a uma

igreja evangélica adventista e fazia atendimento – educação em saúde – no vale do São Francisco. 9Estatuto do IPEDASAR/ Certidão de criação – endereços topográficos dos convênios que envolvem a

FUNM e o IPPEDASAR, SES/MG disponíveis no centro de docuentação da UNIMONTES:

TX/EP02(09)/CP21/PC21/XX/FD 000.654, TX/EP03(18)/CP79/PC 107/XX/FD 001.188,

TX/EP02(09)/CP18/PC18/XX/FD000.573, TX/EP(09)/CP18/PC18/XX/FD 000.545 10

A FUNM através do convênio tripartite SES/MG, Universidade de Toulane e FUNM recebia recursos

para melhoria das instalações físicas da FAMED. O estatuto que institui o IPPEDASAR que data de

novembro de 1970, tem descritos, dentre outros, a denominação, sede, fins, duração, atribuições,

patrimônio, conselhos e diretoria do órgão.

9

assistência à saúde materno-infantil, a assistência simplificada, regionalizada, e

hierarquizada. Pela primeira vez, na região, a organização da assistência a saúde foi

desenhada por níveis de complexidade dos procedimentos ambulatoriais e hospitalares.

No Brasil, a partir da década de 1970, os centros de saúde tradicionalmente

ligados à prestação de serviços de saúde pública para populações pobres passam a ser

alvo de diversas iniciativas com vistas a mudanças na sua forma de atuação e na

ampliação quantitativa de serviços ofertados. Em Minas Gerais a Secretaria de Saúde

(SES/MG), com o intuito de superar o modelo de administração dos serviços de saúde

vigente à época, com base na “ideologia do planejamento” inserida no contexto presente

na Administração Pública do Estado de Minas Gerais, e pautada em diagnóstico

realizado em 1972, busca estruturar um modelo de atenção amparado na Teoria de

Sistemas.

O Projeto Regional de Saúde do Norte de Minas – desenhado pelo

IPPEDASAR insere-se nesta proposta de Medicina Comunitária, e incorporou a

recomendação de articulação com as escolas de saúde. A análise dos seus princípios de

coordenação interinstitucional, máxima cobertura, financiamento multilateral,

hierarquização de serviços, relacionamento com o sistema informal, participação da

comunidade e utilização da equipe de saúde com delegação de funções; demonstra

como se processou a influencia do contexto da saúde pública do período.

O projeto se vinculava, através de convênios, à Faculdade de Medicina-

Fundação Norte Mineira de Ensino Superior (FUNM)11

, objetivando oportunizar o

contato dos alunos e professores com a realidade de saúde do Norte de Minas e com a

proposta do Projeto. Naquele momento objetivava-se o desenvolvimento de um

programa de treinamento de auxiliares da saúde, para atuarem na implementação do

programa regional de saúde, bem como a instalação e funcionamento de uma unidade de

saúde na localidade de Remansinho no município de Januária, para atendimento das

populações ribeirinhas.

O modelo proposto pelo IPPEDASAR e que foi em parte seguido pelo

Projeto Sistema Integrado de Saúde do Norte de Minas, que apresentaremos na

sequência, buscava a racionalização e integração dos serviços de saúde e a ampliação da

cobertura assistencial. O cerne da proposta - extensão de cobertura inseria-se na

situação dicotômica do sistema de saúde vigente, em que uma parte da população era

10

assistida com benefícios e ações de saúde pela Previdência Social e a outra ficava

desassistida, sendo que este segundo segmento era o alvo do projeto.

Segundo Fonseca Sobrinho (1993), a Family Heath Foundation orientava-

se, primeiramente, para a implantação de "um programa de planejamento familiar que

poderia significar um teste-piloto para um projeto continental". Este autor analisa, que o

contexto em que o IPPEDASAR se instala, é o da confrontação entre duas posições, a

antinatalistas e a anticontrolistas, tendo no centro a questão populacional. A política

externa norteamericana para os países do “terceiro mundo” direcionava-se para a

adoção de programas de controle da natalidade. Sobrinho (1993, p. 93) ressalta que o

controle da natalidade equipara-se em importância para as agências internacionais,

como a Organização das Nações Unidas (ONU), a International Planned Parenthood

Federation (IPPF) entre outras, ao combate às doenças, a finalidade era evitar a

‘explosão demográfica. O foco estratégico são os países subdesenvolvidos. É no período

de 1964 a 1974 que tem início a queda nos níveis de fecundidade, embora

explicitamente não se adotassem políticas de controle da natalidade. O governo militar

no Brasil silenciava-se frente ao dilema de justapor-se aos interesses americanos de

controle de natalidade, ou ser favorável a preencher os “imensos espaços vazios” do

território nacional, uma vez que a densidade demográfica não era um problema para o

Brasil. Além disso, havia a insegurança em relação aos valores de segmentos da

sociedade brasileira, principalmente os religiosos, em relação a este tema, bem como já

é notória a insatisfação social com o regime.

Para Fonseca Sobrinho (1993) Montes Claros havia sido escolhida pela

Family Health Foundation para fazer parte de um programa internacional de

planejamento familiar, escolha ligada tanto pelos altos índices de natalidade, pobreza,

alta prevalência de doenças endêmicas, tensão social permanente, como por algumas

variáveis de ordem institucional. A referência do autor é ao Centro Regional de Saúde e

à SUDENE.

No contexto da criação do Sistema de Saúde do Norte de Minas/

IPPEDASAR, já estava instalado um Centro Executivo Regional de Saúde em Montes

Claros, criado em 1969 a partir de um acordo com a SUDENE, que condicionou a

instalação desta unidade à transferência de recursos para a Secretaria de Estado da

Saúde de Minas Gerais.

Para Van Stralen (1985), a que se considerar que no inicio da década de

1970 havia o interesse dos organismos internacionais, de financiar ações que visavam a

11

assistência a saúde das populações dos países pobres, principalmente populações rurais

e as marginalizadas. O interesse era reduzir as pressões sociais advindas da

proletarização da população do campo e sua migração para a cidade.

Machado (2010) afirma que Sistema de Saúde do Norte de Minas/

IPPEDASAR foi engavetado a partir de um relatório sigiloso encomendado pelo

secretário de saúde da época a técnicos da Assessoria de Planejamento, da pasta, em

conjunto com outros técnicos do Escritório Técnico de Racionalização Administrativa –

ETRA, órgão dirigido pela Secretaria de Estado do Planejamento.

O IPPEDASAR extinguiu-se em abril de 1974 e a Carta enviada aos

técnicos e a outros integrantes da equipe comunicando o fato, informa que o tempo de

vigência e as etapas previstas pelo Projeto haviam se cumprido e a implementação

estaria a cargo da SES/ MG.

Embora, o IPPEDASAR tenha sido extinto, as negociações entre o

Ministério da Saúde e a United States Agency for International Development - USAID

não terminaram, firmando-se um acordo sobre empréstimos destinado a implementação

de sistemas regionais de prestação de serviços de saúde no norte de Minas Gerais, e em

duas outras regiões do País. Este acordo possibilitou a implantação efetiva de um

sistema regional a partir de 1976 (VAN STRALEN, 1985).

Escorel (1985 OU 1998 p. 251) entende que o Sistema Regional de

Saúde/IPPEDASAR constituiu-se numa primeira etapa do denominado Projeto Montes

Claros. Projeto que fica conhecido como "um espaço de luta", que iria definir rumos

para um projeto nacional da reforma sanitária brasileira. Esta autora divide o Projeto

Montes Claros em três etapas: a primeira etapa o Sistema Regional de Saúde do Norte

de Minas – desenhado pelo IPPEDASAR (1971-74), O Sistema Integrado de Prestação

de Serviços de Saúde no Norte de Minas - o Projeto Montes Claros, propriamente dito

(1975-77) e a fase de incorporação do Programa de Interiozação das Ações de Saúde e

Saneamento - PIASS (1977-79).

O Sistema Integrado de Prestação de Serviços de Saúde no Norte de Minas e o

Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento

O Sistema Integrado de Prestação de Serviços de Saúde no Norte de Minas,

denominado o Projeto Montes Claros é implantado no ano de 1975 sendo formalizado

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através da sua apresentação na Secretaria do Estado da Saúde de Minas Gerais em 1976

(VAN STRALEN,1985).

No Brasil a situação de saúde da população se agrava em decorrência da

recessão econômica, cresce um conjunto de forças oposicionistas ao Regime Militar

vigente, e o Estado tenta responder às pressões e buscar legitimidade através de políticas

sociais. O II Plano Nacional de Desenvolvimento –IIPND 1975-1979, entre outras

questões, aponta para os “bolsões de pobreza” do Norte e Nordeste, para a necessidade

da redução da pobreza absoluta e para a necessidade de aumentar em 21% a assistência

médica à população. Em decorrência disso, estão dadas as condições para o surgimento

de propostas alternativas para o setor saúde, bem como, a reapresentação de propostas já

lançadas anteriormente (VAN STRALEN, 1985).

O debate sobre a “crise do sistema de saúde” aponta três fatores: a grande

parcela da população descoberta pela Previdência Social, os crescentes gastos com

assistência médica, gerado pela compra de serviço da iniciativa privada da forma como

é ofertada, e o agravamento das condições de saúde da população. Estes fatores levam a

a procura por novos modelos que propiciem o planejamento com vistas a maior

racionalidade das ações no setor de saúde, e que ademais se direcionem para a saúde

pública,com atenção especial as populações urbanas descobertas e às rurais.

As forças vinculadas aos interesses do capital privado, inseridas no Estado,

buscam mudanças que enfrentem esta crise, mas que conservem a estrutura do modelo

previdenciário na saúde, e alguns setores técnicos dentro do Estado preocupam-se em

modelos alternativos de extensão de cobertura a baixos custos.

O Decreto Lei nº 6229 de 1975 que trata do Sistema Nacional de Saúde,

harmoniza os interesses dos dois grupos, ao manter separados as ações de saúde pública

e as ações de assistência médica previdenciária, mas absorve as propostas de

regionalização, coordenação interinstitucional e a prioridade á atenção médica primária.

Ressalte-se, ainda, que as estratégias de implantar Programas de Extensão

de Cobertura-PECs é uma recomendação da III Reunião Especial dos Ministros de

Saúde das Américas realizada em Santiago do Chile em 1972. Nesta reunião se elaborou

o Plano Decenal de Saúde das Américas, salientando em suas conclusões, a necessidade

de incorporar grupos populacionais, até então excluídos do consumo de serviços de

saúde (TEIXEIRA,1982). Em 1973 a Organização Mundial de Saúde publicou um

documento (WHO, 1973) afirmando que os serviços de saúde deveriam ser

considerados parte do desenvolvimento econômico e social de um país, e que as

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medidas de saúde têm de estar em sintonia não apenas com as prioridades do setor de

saúde, mas com os valores e metas de toda a sociedade.

Desta forma observa-se que o Projeto Montes Claros num dos seus

principais pilares, extensão de cobertura, atende ao propósito do Estado e às

recomendações internacionais da medicina comunitária, que tem em vista o apoio as

iniciativas de modelos de regionalização e modelos simplificados de atenção a saúde.

Segundo Van Stralem (1985, p. 189) este direcionamento está explicito

desde a apresentação do Projeto, momento em que se dá ênfase a maior organização dos

níveis hierárquicos do sistema (ambulatorial e hospitalar) e se propõe a controlar seus

custos e sua eficiência através da participação da comunidade e do sistema informal.

Esta idéia já estava contida no modelo do Sistema Regional de Saúde do Norte de

Minas, realizado pelo IPPEDASAR. Há que se ressaltar que a ideia de expansão de

cobertura associada à medicina comunitária, advinda do nível internacional, já vinha

sendo discutida no interior das universidades brasileiras, sem, no entanto alcançar

reconhecimento por parte do governo, o que vem ocorrer pela primeira vez com a

formalização e o financiamento dos projetos Montes Claros, de Paulínia e de Caruaru.

Mendes (1985) afirma que o processo brasileiro de medicina comunitária se inicia

através destes projetos pilotos.

Somarriba (1977) afirma que os princípios do modelo proposto para o

projeto podem ser agregados em três categorias. A primeira é uma meta quantitativa, a

extensão da cobertura por serviços de saúde 70% da população da região. A segunda, a

meta qualitativa do Modelo, que é propiciar atividades de prevenção, recuperação e

promoção de saúde, refere-se à própria natureza dos serviços de saúde a serem

ofertados, que buscam uma “medicina” de caráter integral. A terceira categoria do

modelo articula-se às atividades meios, como as de caráter político-administrativo que

englobam, entre outras, a coordenação interinstitucional, a obtenção de financiamentos

(internos e externo), a descentralização administrativa e a hierarquização dos serviços

de saúde, bem como, o conjunto de atividades-meio que envolve diretamente a

população a que se destinam os serviços de saúde como o aproveitamento de recursos

humanos informais de saúde, a utilização de pessoal auxiliar e a participação das

comunidades locais.

Em 1977 o projeto, que seguia um modelo de medicina comunitária, e a

Atenção Primária em Saúde (APS), incorporou-se ao Programa de Interiorização das

Ações de Saúde e Saneamento no Nordeste (PIASS), que fora concebido seguindo estas

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mesmas orientações com base no Plano Decenal de Saúde das Américas. O PIASS foi

instituído pelo Decreto-Presidencial de nº 78.307 de 24 de agosto de 1976 A integração

do PIASS possibilitou a ampliação e consolidação do Projeto Montes Claros,

principalmente no que tange a expansão das atividades de saneamento e a manutenção

da rede básica de saúde.

Em relação ao PIASS, pode-se entender que não obstante se direcionasse

formalmente para um atendimento a toda a população da sua área de abrangência,

assistindo a população sem a contrapartida de contribuição direta, constituindo-se como

um primeiro esgarçamento do conceito da assistência a saúde direcionado à

beneficiários contribuintes, e neste sentido, um reforço à idéia de universalização,

tinha uma perspectiva de ‘focalização’ em saúde, e reforçava a segmentação no acesso à

assistência dada a possibilidade de êxito de uma política com duas faces, uma para os

que diretamente podem pagar e outra para a outra parte da população.

Ou seja, a um só tempo, o PIASS reforça a idéia de universalização e em

contraposição, cria a possibilidade de manter o sistema vigente de assistência a saúde

previdenciária para uma parte da população (trabalhadores formais) e assistir a outra

descoberta com programa focalizado de baixo custo, mais tarde denominada, “medicina

pobre para pobre”.

Como uma política focalizada e de baixa resolutividade, era uma “medicina

simples, para gente simples com doenças simples”, limitando-se a uma atenção primária

seletiva para as populações marginalizadas de regiões marginalizadas, com escassa

disponibilidade de recursos, pessoal qualificado e tecnologias (VAN STRALEN, 1985).

No relatório da VI Conferência Nacional de Saúde, o PIASS foi apresentado como um

programa que visava promover, em breve espaço de tempo, a implantação de uma

ampla rede de unidades de saúde pública, estruturada dentro de um complexo: Postos de

Saúde — Centro de Saúde (ou Unidades Mistas), um módulo básico do Sistema

Nacional de Saúde. Simultaneamente, propunha-se a instalar e manter, junto aos

agrupamentos humanos atendidos pela rede sanitária, equipamentos de saneamento

básico referentes à água própria para consumo e destinação adequada aos dejetos. As

ações de saneamento visavam prevenir doenças de veiculação hídrica, que assolavam a

maioria da população mais carente, principalmente em áreas rurais.

Cabe destacar que este programa é o primeiro de medicina simplificada em

nível federal, que concentra suas ações nas Secretarias Estaduais de Saúde, com a

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colaboração eventual dos municípios, adotando o modelo de regionalização

administrativa e desconcentração administrativa.

Alem da extensão de cobertura, a participação comunitária é expressa nas

propostas oficiais do PIASS e do Projeto Montes Claros. A concepção desta

participação é analisada por alguns autores como Carvalho (1995) como retórica

governamental para a legitimação do Estado e representada no discurso como ampliação

do poder de decisão do nível local em relação ao planejamento, operação e avaliação

dos serviços de saúde. Neste sentido teria em vista o controle social sobre o nível

periférico, captando as demandas locais para manipular recursos em função de

interesses de forças políticas locais, estaduais e centrais, e não efetuava mudança no

modelo assistencial nem eficácia sanitária Esta é uma das ações mais controversas do

projeto.

Van Stralen (1985, p. 194) salienta que o Projeto Montes Claros não é

produto exclusivo das propostas políticas internacionais, federais e estaduais, mas sua

própria implementação irá mostrar que faz parte de um “processo social em que classes

e grupos se mobilizam e se organizam para impor seus objetivos”. Analisa o autor que o

Estado ao implementar a política pública gera espaços para redefinir a própria política

pública inicial e modificar sua própria posição frente à questão, inclusive ao dar acesso

à atores sociais técnicos e sociedade para sua interpretação. Neste sentido há que se

observar que o Projeto Montes Claros não resulta, exatamente, nem do que foi

planejado pelos técnicos e agentes políticos, e nem no que era demandado para

enfrentamento das necessidades da população regional. A sua implementação gera a

configuração de um sistema regional de saúde, mas assumem contornos lapidados pelos

limites da realidade regional e nacional, sociais políticas e econômicas.

A implementação do modelo de assistência à saúde no Projeto Montes Claros:

regionalização, hierarquização e a participação comunitária

Para atingir a população urbana e rural do Norte de Minas, o projeto

propunha um modelo de hierarquização definida, espacialmente, como nível domiciliar,

nível local subdividido em rural e urbano, área programática, como agregado de

municípios e região, correspondendo à área da Região Norte de Minas (SES/MG, 1976).

As unidades de atendimento eram definidas por critérios de complexidade e custos. No

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primeiro nível denominado Modulo Básico existiam as Unidades Auxiliares de Saúde

(UAS) e as Unidades Ambulatoriais Gerais (UAG).

As Unidades Auxiliares de Saúde (UAS) deveriam situar-se em áreas rurais

dos municípios, operadas exclusivamente por pessoal auxiliar que prestavam cuidados

simples e atividades de saneamento, constituindo-se nas "portas de entrada" do sistema.

Os hospitais locais ou "hospitais rurais" de tamanho reduzido, localizadas

em áreas urbanas, tendo médicos generalistas e auxiliares de saúde e recursos em

equipamentos, indispensáveis à elaboração de diagnósticos. Funciona com atendimento

ambulatorial e hospitalar denominado "módulo básico" do sistema.

No nível intermediário estavam os Hospitais Distritais, de porte médio,

localizados nas cidades-pólos das Áreas Programáticas, desenvolvendo ações de

medicina interna, cirurgia geral, pediatria e obstetrícia. O vértice da pirâmide era o

Hospital Regional localizado na cidade pólo regional, tendo maior número de

especialidades e a unidade ambulatorial especializada. A assistência a saúde se

organizava a partir do rural, tomado como "módulo básico" do sistema e o urbano com

os procedimentos médicos hospitalares e ambulatoriais de media complexidade

realizados nos Hospitais Distritais aos mais complexos no Hospital Regional. O

conjunto dos três níveis organizava o Sistema Regional de Saúde. O mapa a seguir

apresenta a organização das áreas programáticas com as suas respectivas sedes.

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A organização dos serviços no projeto Montes Claros tinha por critério o

fluxo de doentes para os hospitais existentes Região de Saúde do Norte de Minas e a

disponibilidade de comunicação. Foram designadas oito áreas Programáticas e definidas

suas cidades – pólo e os municípios componentes destas, bem como, a sua abrangência

populacional rural, urbana e total.

A coordenação das atividades do Sistema Integrado de Prestação de

Serviços de Saúde do Norte de Minas com vistas à regionalização da saúde, requeria a

adesão e integração da Fundação Serviço Especial de Saúde Pública – FSESP. A FSESP

tinha presença marcante na Região e concentrava grande parte dos serviços direcionadas

à população descoberta pela assistência do INAMPS, prestando assistência ambulatorial

e hospitalar no conjunto de municípios vizinhos polarizados por Pirapora. A sua atuação

na região era atrelada aos planejamentos e programas do nível federal, além de seguir

uma ideologia de valorização da instituição e de sua tradição aferida por algumas

décadas de serviços de saúde publica. Apresentava uma estrutura rigidamente

burocratizada, com alto grau de centralização das decisões (SOMARRIBA, 1977). A

integração prevista consistia em fornecer recursos financeiros ao Sistema Regional de

Saúde para a prestação de atenção médica e cuidados primários nas unidades de saúde

que compõem os vários níveis do Sistema Regional. Sua incorporação ao sistema

regionalizado não ocorreu em decorrência destes fatores citados, dificultando na prática

a implementação do sistema formulado.

Para Somarriba (1977) também não ocorreu a integração das unidades de

saúde contratados pelo Ministério da Previdência e Assistência Social – MPAS. Esta

não integração, pode ser creditada principalmente, à “compatibilização dos valores

distintos que orientavam a atuação das duas instituições” O direcionamento do Projeto

Montes Claros era a provisão de cuidados primários numa linha mais preventivista e o

do MPAS o tratamento hospitalar, para o qual direcionava a maior parte de sua dotação

de recursos.

Outra características do Projeto Montes Claros foi promover a participação

democrática entre os funcionários no órgão gestor da SESMG na Região Norte de

Minas- Centro Regional de Saúde (CERMOC). Buscava-se fomentar a participação de

todos os funcionários nas decisões tomadas. Para tanto, criou-se um Conselho Técnico

Administrativo (C.T.A), concebido como órgão co-participante e assessor na

administração do CER. Suas resoluções, embora não possuíssem caráter normativo,

serviam de subsídios para tomada de decisões nas áreas técnicas, administrativas e na

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gestão política do projeto. A ideia e a prática de comportamento participativo

direcionavam-se também as unidades do Sistema UBS, estando presente nos

treinamentos de auxiliares de saúde. Referindo à metodologia dos treinamentos, a

entrevistada supervisora técnica do Projeto Montes Claros, Conceição relembra a

importância que era creditada à mobilização do conhecimento que o “treinante” trazia

da sua comunidade.

Os primeiros dias ficavam todos em uma sala, no auditório e ia definir

conteúdo, todos no auditório, mais de 100 pessoas, era uma loucura. A

metodologia o planejamento estratégico enchia folhas e folhas de papel kraft

e fazer reflexão sobre o processo de saúde e levantar problemas: mapa

falante, planejamento estratégico. Eram 3 a 4 dias.

Os auxiliares de saúde eram elementos-chave desse sistema. Eram

recrutados entre moradores da comunidade, não tinham qualificação para exercer a

função e recebiam treinamentos de curta duração ofertados pelo Projeto através dos

supervisores técnicos. A ação do auxiliar de saúde se voltava para o fomento da

participação popular, com vistas a interferir nas decisões voltadas para o setor saúde e

que se desdobrariam no enfrentamento das relações de poder autoritárias. Também

estavam previstas atividades educativas como orientação ao trabalho das parteiras,

reforço ao uso da medicina popular caseira com a utilização dos chás, orientação

alimentar com os produtos da região, orientação em puericultura e amamentação

natural, visita domiciliar, consultas coletivas, dentre outras. Estas ações mostram que

este era um programa de interiorização das ações e não de médicos e profissionais

qualificados (VAN STRALEN, 1985; SOMARRIBA, 1977).

Na prática as ações orientadas para execução nas unidades auxiliares se

centravam na vacinação, principalmente em ações direcionadas ao segmento materno-

inflantil, curativos, noções de higiene como uso de água fervida, terapia de reidratação

oral. Mas algumas questões serão identificadas como comprometedoras destes

objetivos: a lealdade dos auxiliares de saúde para com as lideranças políticas locais e o

fato destes auxiliares começarem a indicar medicamentos e executar procedimentos sem

a presença do profissional médico. A fala que se segue indica aspectos que possibilitam

a compreensão da situação acima referida.

[...] era difícil porque tinha gente que não sabia ler e nem escreve, era quem

o prefeito mandava. Mas tinham alguns muito bons. (CONCEIÇÃO,

supervisora/técnica do Projeto Montes Claros)

19

Para facilitar o recrutamento de pessoas com perfil mais adequado, o CER

solicitava a indicação pelo prefeito de três nomes para a seleção. Mas de qualquer

forma, em boa medida, não é difícil imaginar que o auxiliar se tornava um agente

vinculado ao poder local.

Outro técnico do projeto irá se referir a conduta dos auxiliares que

extrapolava a orientação da supervisão de enfermagem.

A gente dava uma um roteiro, isso era feito pela Darcy, enfermeira, o que é

que elas [auxiliares] podiam fazer, até que ponto elas podiam ir, quando que

elas deviam mandar para o médico. Tinha unidade de referencia, uma em

cada sede de município. Isso inclusive foi um pouco criticado porque falavam

que a gente estava criando, como é que fala, legalizando o charlatanismo.

Porque às vezes elas iam muito além, não tinha outro recurso. Então as

prefeituras foram dotadas de um meio de transporte, o médico visitava essas

unidades auxiliares de saúde pelo menos uma vez por mês. Dava um dia de

expediente de consulta lá e as prefeituras geralmente tinham uma condução,

uma ambulância, para vir para aqui. A unidade de referencia era aqui nas

unidades da faculdade, aqui em Montes Claros. (DEALTAGNAN,

Supervisor/técnico de saneamento do Projeto Montes Claros).

Observa-se na fala do entrevistado que as populações das áreas rurais

estavam mais expostas aos riscos do atendimento por pessoas sem qualificação.

Com a instalação das unidades de saúde a demanda se avolumou na maioria

dos locais em decorrência das precárias condições de vida e saúde da população, à

inexistência de médico ou recursos de saúde acessível ao atendimento às necessidades, a

expectativa e a facilidade de acesso à assistência. O auxiliar expunha-se às pressões da

população, uma vez que era o único recurso de saúde para atendimento nas áreas rurais.

Contudo, não possuíam as condições necessárias aos atendimentos requeridos, inclusive

em relação aos conhecimentos necessários para responder as estas demandas e

encaminhá-las.

Os elementos contidos na medicina comunitária estavam presentes no

modelo do projeto. Buscava-se uma conscientização da equipe sobre a determinação

social das condições de vida e saúde da população. Ao questionamento sobre as relações

de poder, entre estas, as coronelistas vigentes na região, sobre à verticalização das

políticas e programas sociais, sobre à exclusão da população do acesso aos serviços,

pretendia-se responder com propostas, vivencias, conhecimentos compartilhados, com

práticas políticas, com vistas à consciência sanitária e social, e à democratização das

relações no ambiente institucional e junto à comunidade.

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A proposta de participação comunitária assume duas direções dentro do

Projeto. Por um lado, as diretrizes de mobilizar a população para formação de uma

consciência sanitária em parte se concretiza nas ações dos auxiliares. Por outro, termina

por assumir a concepção de participação vigente naquela conjuntura social e política.

As práticas para implantação das ações de saneamento explicitam esta

assertiva. Na fala da entrevistada Elizabeth Melo Franco, aparece esta participação

“instrumental” na forma de atuação dos técnicos para a mobilização das comunidades

na execução das ações do Projeto Montes Claros. A citação ilustra uma ação típica do

PIASS.

[...] eu acho que isso aí deve muito a Dealtagnan ele falava tanto com as

pessoas, e as pessoas ajudava na construção das casinhas. As famílias

ajudavam, elas participavam com mão-de-obra, eu acho que com isso elas

tinham essa idéia de pertencimento. [...] Não sei qual era a lógica, mas (risos)

era a lógica da gente conseguir executar, eu não sei se era até

institucionalizado, não sei se era contrapartida se eu não sei, mas essa

mobilização ficava eu sei que.[...] O Programa de Interiorização das Ações de

Saúde e de Saneamento tinha ate verba com isso - para água, cisterna e as

fossinhas tinha essa verba especifica. Eu na me lembro se essa contrapartida

de município, não sei e nem da própria comunidade não sei como é que era.

Só sei que a adesão era alta.

Em seu depoimento, Dealtagnan informa que:

Fazia um poço tubular, uma caixa d’água elevada. Então a princípio como foi

em outros Estados, iria fazer chafarizes, mas nós fizemos questão que a

pessoa não andasse mais do que 100 metros para colher água. Então

começamos a fazer chafarizes, aí nós calculamos que para fazer isso, tinha

que botar cano na cidade toda. Então eu envolvi a prefeitura e a própria

comunidade para fazer a mão-de-obra e invés de fazer chafariz fazia a água

encanada em todas as casas fazia o poço tubular a caixa d’água.

Por um lado, percebe-se uma inovação quando observamos que o conceito

de saúde que orientava o Projeto Montes Claros era o da saúde concebida como

condição de vida, trabalho, como condições biológicas relacionadas às condições de

vida, e também o acesso a serviços de saúde. Percebe-se aí o esforço para ampliar o

conceito de saúde para além dos aspectos biológicos, relacionando-o de promoção da

saúde, embora esta definição não aparecesse claramente. Outro aspecto importante a

ressaltar, para este momento, foi a mobilização das prefeituras mencionados na fala do

técnico.

Felipe (1987) referindo-se a implantação de sistemas simplificados de

abastecimento de água em comunidades rurais, que representaram o reconhecimento de

que a saúde se liga à qualidade de vida. E na avaliação desse autor a realização de obras

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pelos executivos municipais contribui para diminuir o preconceito contra este nível de

governo, contra a descentralização, anteriormente visto como lugar da dispersão de

recursos públicos.

O Projeto Montes Claros até 1976, seguindo seus propósitos de extensão de

cobertura construiu 75 unidades auxiliares de saúde na Região Norte de Minas. Neste

período anterior a entrada do PIASS no Projeto em 1977, outras treze estavam em fase

de construção e 12 em fase de negociação do terreno para a construção. No final de

1978, já contando com recursos do PIASS, estavam em operação 179 unidades

auxiliares de saúde, 55 unidades ambulatoriais, compondo 47 módulos básicos, em que

havia o apoio de 40 laboratórios locais, anexos às unidades ambulatoriais (VAN

STRALEN, 1985, p.212).

As unidades foram construídas através de convênios e repasse de recursos

financeiros às Prefeituras Municipais. A escolha dos locais em que a maioria foi

construída estava pré determinado pelo Projeto, baseando-se nos dados do diagnóstico

realizado pelo CERMOC. Embora alguns em áreas rurais tenham sido modificados em

decorrência de interferência política dos prefeitos (VAN STRALEN, 1980).

Em relação a capacitação dos auxiliares de saúde receberam capacitação 276

auxiliares de saúde até 1976 e foram reciclados 262 auxiliares de saúde. Entre estes

últimos a maioria atuavam informalmente na área da saúde. No ano seguinte de 1977,

outros 234 auxiliares de saúde foram treinados e foram realizados três treinamentos para

técnicos de laboratórios na Faculdade de Medicina da FUNN.

A extensão da cobertura prevista não se concretizou no percentual esperado. Os

recursos existentes eram escassos para a pretensão de cobrir 70% da população, mesmo

com uma medicina simplificada, de baixo custo. Ao longo da implementação, por força

dos vários condicionantes, abandonou-se a pretensão de implantar o projeto idealizado e

se optou por se concentrar na formação de auxiliares de saúde, implantar as unidades de

saúde e expandir as ações preventivas. O encaminhamento dos pacientes para atendimento

aos níveis de maior complexidade, seja aos hospitais gerais ou especializados foi o ponto de

estrangulamento do sistema. Seja por barreiras físicas de acesso, como falta de transporte,

estradas, como acesso aos próprios serviços, não preparados para atender a esta população.

22

Considerações finais

A parte a população urbana, para a qual prioritariamente se voltavam às

políticas de saúde na década de 1970 e os modelos que a conformavam, a formatação de

programas e projetos voltados para o desenvolvimento da população do campo,

mormente as de saúde tornou-se década de 1970 uma condição necessária.

O Projeto Montes Claros em Minas e a experiência do PIASS no Nordeste

foram iniciativas destinadas a assistir a população rural e constitui-se na primeira

experiência em que se foca este segmento no Brasil, historicamente desassistido por

políticas publicas na área da saúde. Por serem as populações rurais as mais pobres, esta

focalização, entretanto, ocorreu dentro de um conceito de medicina para pobre,

considerada de segunda categoria, com ênfase na medicalização e com escassa

possibilidade de assistir ou referenciar aos níveis secundários e terciários do sistema.

A partir da analise de vários autores, citados no computo deste estudo, é

possível analisar que mesmo se constituindo como um programa de atenção primária

seletiva para as populações pobres, as experiências concretizadas na década de 1970 no

Norte de Minas, buscaram superar o caráter dos programas de extensão da cobertura e

buscaram desenvolver alternativas ao modelo dominante. O modelo proposto

contemplava a assistência a saúde na área urbana e rural. Planejado para permitir o

acesso da população de forma a responder à suas necessidades de saúde, propunha a

hierarquização dos procedimentos por níveis de complexidade, de forma a contemplar

nos municípios de pequeno porte e povoados e demais áreas rurais unidades menos

complexas, ambulatoriais, e alocando as de assistência mais especializadas nos

municípios maiores.

O Projeto Montes Claros e o PIASS possibilitaram a criação de estrutura

básica de saúde com a implantação de unidades de saúde de região Norte de Minas,

principalmente as de nível elementar, em locais situados em áreas rurais, onde até então

era inexistente qualquer recurso de saúde. Neste sentido foi exitoso ao propiciar uma

aproximação às demandas de saúde da população.

Ademais, possibilitou que a experiência em curso do Projeto Montes Claros,

avançasse em conceitos como a descentralização administrativa, a participação

democrática no trabalho das equipes do Centro Regional de Saúde e no trato com as

equipes de auxiliares de saúde, da participação comunitária, e que estas propostas

fossem veiculadas e se articulasse com outros projetos inovadores e com os movimentos

23

que buscavam a construção das bases teóricas e conceituais que sustentaram o.

propostas de reforma ao modelo vigente.

Contribuiu para que estas propostas testadas no Projeto Montes Claros

fossem divulgadas a nível nacional, e se tornassem referencia, na expressão dos

movimentos sociais que reinvidicavam a mudança no modelo de assistência a saúde

previdenciária, no sentido da universalização, da integralidade da assistência e de

democratização, mais tarde contidas no projeto de Reforma Sanitária Brasileira.

Ainda que, parte da equipe principal tenha sido deslocada da região norte de

Minas Gerais, para os que permaneceram na região, estas experiências do Projeto

Montes Claros e PIASS se figuraram como de grande importância para a sua formação

em bases teóricas e conceituais e de vivencias, e permitiram que posteriormente

estivessem mais aptos, inclusive politicamente, a contribuírem para a implantação do

Sistema Único de Saúde.

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