RELATÓRIO INTERDISCIPLINAR SOBRE OS ATORES ENVOLVIDOS NAS INTERVENÇÕES DO PROJETO VILA VIVA NO...
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RELATÓRIO INTERDISCIPLINAR SOBRE OS ATORES ENVOLVIDOS NAS
INTERVENÇÕES DO PROJETO VILA VIVA NO SÃO TOMÁS E NO AGLOMERADO
DA SERRA E LEVANTAMENTO SOBRE OS IMPACTOS DO PROJETO
RELATÓRIO PARCIAL
Relatório parcial do Projeto Binacional de Pesquisa Cidade e Alteridade, iniciativa conjunta da UFMG, da UFV, da UI e do CES/UC, sob a Coordenação Geral da Professora Dra. Miracy Barbosa de Sousa Gustin e do Prof. Dr. Boaventura de Sousa Santos, apresentado à Coordenação de Inclusão e Mobilização Sociais do MPMG. Núcleo temático reassentamentos urbanos. Pesquisadores do Núcleo: Ananda M. Carvalho, Aline R. Pereira, Fábio A. D. Merladet, Lívia Lages, Luana X. P. Coelho, Miracy B. S. Gustin, Paula Cançado, Ricardo A. P. de Oliveira, Thaís L. S. Isaías.
BELO HORIZONTE, 2013
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PROJETO BINACIONAL DE PESQUISA CIDADE E ALTERIDADE
Convivência Multicultural e Justiça Urbana
Coordenação Geral
Profa. Dra. Miracy Barbosa de Sousa Gustin
Prof. Dr. Boaventura de Sousa Santos
Coordenação de gestão e planejamento
Aline Rose Barbosa Pereira
Fernanda de Lazari Cardoso Mundim
Marisa Alves Lacerda
Coordenação de sub-eixos
Aderval Costa Filho
Adriana Goulart de Sena Orsini
Ana Beatriz Vianna Mendes
Ana Flávia Santos
Eloy Pereira Lemos
Iara Menezes Lima
Gregório Assagra de Almeida
Miracy Barbosa de Sousa Gustin
Márcia Helena Batista Corrêa da Costa
Rennan Lanna Martins Mafra
Orientadores de campo
Ana Paula Santos Diniz
Maria Beatriz Marques Rocha e Mucci
Gabriela de Freitas Figueiredo Rocha
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Luana Xavier Pinto Coelho
Ludmilla Zago Andrade
Mariana Fernandes Gontijo
Raquel Portugal Nunes
Ricardo Alexandre Pereira de Oliveira
Pesquisadores
Ana Carolina Rodrigues Lilian Nássara Chequer
Ana Flávia Brugnara Lívia Mara de Resende
Ana Flávia Nogueira Lucélia de Sena Alves
Ana Luiza Rocha de Melo Santos Marcela Müller
Clênio de Sousa Rodrigues Maria Antonieta Gonçalves dos Santos
Dilson Nascimento
Evandro Alair Camargos Alves
Patrícia Rodrigues Rosa
Paula Cançado
Fábio André Diniz Merladet Paulo Alves Lins
Fernando Nogueira Martins Júnior Raíssa de Oliveira Murta
Grazielly de Oliveira Spínolla Raquel Letícia Soares Martins
Isabella Gonçalves Miranda
Estudantes
Ananda Martins Carvalho Mariana da Silva Rosa
Bárbara de Moraes Rezende Lívia Bastos Lages
Bruno Menezes Andrade Guimarães Nayara Rodrigues Medrado
Cátia Meire Resende Patrícia Dias de Sousa
Gislaine Alves Rodrigues Pedro de Aguiar Marques
Guilherme Abu-Jamra Rayanna Fernandes de Souza Oliveira
Guilherme Mendonça Del Debbio Regiane Valentim Leite
Humberto Francisco F. C. M. Filpi Thaís Lopes Santana Isaías
João Pedro Lima de Guimarães Vargas Yuri Alexandre dos Santos
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Equipe responsável pelo relatório:
Pesquisa e redação: Núcleo de assentamentos urbanos
Coordenadora: Profa. Dra. Miracy Barbosa de Sousa Gustin
Orientadores de Campo: Luana Xavier Pinto Coelho
Ricardo Alexandre Pereira de Oliveira
Pesquisadores: Aline Rose Barbosa Pereira
Ananda Martins Carvalho
Fábio André Diniz Merladet
Paula Cançado
Lívia Bastos Lages
Thais Lopes Santana Isaias
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SUMÁRIO
1 CONSIDERAÇOES INICIAIS .................................................................................................. 6
2. METODOLOGIA .................................................................................................................... 7
2.1 Pressupostos teóricos e conceituais ............................................................................................ 7
2.2 Técnicas avaliativas ...................................................................................................................... 12
3. VILA VIVA: IMPACTOS DO MODELO INSTITUCIONAL DA POLÍTICA PÚBLICA ............17
3.1 Plano Global Específico ............................................................................................................... 18
3.3 Modelos de reassentamento ....................................................................................................... 24
3.4 Acompanhamento dos reassentados: Pré e pós morar .......................................................... 38
4. ANÁLISE DE IMPACTOS E EFEITOS ..................................................................................48
4.1 Cenário ex ante .............................................................................................................................. 48
4.1.1 Aglomerado da Serra:............................................................................................................ 48
4.1.2 São Tomás e Aeroporto ........................................................................................................ 55
4.2 Cenário in processu ...................................................................................................................... 67
4.2.1 Aglomerado da Serra ............................................................................................................. 67
4.2.2 Vilas São Tomás e Aeroporto .............................................................................................. 75
4.3 Cenário ex post .............................................................................................................................. 97
4.3.1 Aglomerado da Serra:............................................................................................................ 97
4.3.2 São Tomás e Aeroporto ...................................................................................................... 108
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 116
7. REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 120
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1 CONSIDERAÇOES INICIAIS
O presente relatório apresenta resultados parciais de investigação no âmbito da
pesquisa binacional “Cidade e alteridade: convivência multicultural e justiça urbana”,
iniciativa interdisciplinar da Universidade Federal de Minas Gerais e do Centro de
Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, em parceria com a Universidade Federal
de Viçosa e a Universidade de Itaúna. Para a realização de seus objetivos, a pesquisa
atua por meio de dois eixos temáticos, respectivamente: Eixo I - Convivência
multicultural e políticas públicas de inclusão/integração no espaço urbano e Eixo II -
Regulação e efetivação de experiências de justiça urbana.
Os resultados indicados neste relatório encontram-se no âmbito de investigação
do segundo eixo temático. Dentre os objetivos abrangidos pelo Eixo II da pesquisa,
desenvolve-se a análise de efeitos e impactos dos programas de assentamento e
reassentamento da Prefeitura de Belo Horizonte, especificamente nas Vilas São Tomás
e Aeroporto e no Aglomerado da Serra, tendo por foco o exame do Programa Vila Viva.
O objetivo-fim de políticas de intervenção em vilas e favelas é a melhoria da
qualidade de vida dos habitantes e a garantia do exercício de seus direitos
fundamentais, tais como previstos na Constituição Federal. Contudo, para que este
objetivo efetivamente se concretize, as políticas públicas devem compreender e
responder às necessidades das populações nas quais intervém, sob a ótica da
diversidade social e cultural presente nas cidades brasileiras.
O Vila Viva, programa de Urbanização de Vilas e Favelas da prefeitura de Belo
Horizonte, tem atuado nos espaços selecionados para a investigação e será, portanto,
o objeto mais detalhado do estudo. O programa começou a ser implementado em
2005, no Aglomerado da Serra, e iniciou em 2011 o processo de remoção e
reassentamento das famílias das vilas São Tomás e Aeroporto.
Diante da grande abrangência do programa Vila Viva (38% dos moradores de
vilas e favelas de Belo Horizonte serão diretamente afetados, com a previsão de que
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13.167 famílias sejam removidas)1, e o fato de que há ainda localidades onde o
programa encontra-se em suas fases iniciais, evidencia-se a relevância de se analisar
o impacto e os efeitos dessas intervenções para as comunidades, tendo em vista o
elevado número de remoções que implicam.
2. METODOLOGIA
2.1 Pressupostos teóricos e conceituais
A pesquisa Cidade e Alteridade como um todo e, em especial o núcleo de
reassentamentos urbanos, tem, como ponto de partida conceitual, que os mais
diversos grupos sociais criam e ressignificam o espaço em que vivem a partir do seu
próprio contexto social, cultural, econômico e político. Sendo assim, a formação e
construção de um espaço se identificam com a própria formação de um grupo,
unificado a partir de laços entre as pessoas que dividem o mesmo ambiente. Segundo
Boaventura de Sousa Santos, “o conhecimento exprime-se territorialmente e o território
é a expressão material da rede de relações que constrói o conhecimento” (SANTOS,
2005, p. 300). Nesse sentido, a cidade abriga diversas formas de viver, conviver e
conceber o espaço.
Historicamente, a construção das cidades se deu de maneira não democrática.
Os espaços formais, onde existe considerável acesso à saúde, à educação, ao
transporte de qualidade, ou seja, onde são assegurados direitos constitucionalmente
previstos, não são acessados nem constituídos por coletividades historicamente
excluídas. Apesar de todas as pessoas serem detentoras desses direitos, o acesso a
esse espaço é restrito: a especulação imobiliária, que recebe investimento de grande
porcentagem dos ativos financeiros, exclui desse espaço formal as classes
trabalhadoras com baixo poder aquisitivo, incapazes de pagar os altíssimos preços da
"regularidade". (HARVEY, 2009).
1BELO HORIZONTE. URBEL: Vila Viva – integração das vilas à Marildade. Disponível em:
<http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?evento=portlet&pIdPlc=ecpTaxonomiaMenuPortal&app=Urbel&tax=8178&lang=pt_br&pg=5580&taxp=0&> Acesso em: 16/12/2012
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Dessa forma, grande parte da mão de obra urbana, excluída da cidade formal,
cria espaços à parte, construídos a partir de uma lógica própria. Esses espaços são
normalmente irregulares e, por isso, vistos pela população e pelo Estado como ilegais.
Embora as elites urbanas, as grandes imobiliárias e até mesmo o Estado ocupem
terras e espaços públicos irregularmente de forma corriqueira, o fenômeno da
“ilegalidade” é comumente relacionado aos pobres urbanos, recaindo sobre eles um
estigma.
Essa irregularidade do espaço urbano faz com que a ação punitiva do Estado se
faça sempre presente. O estado garantidor de direitos, diferentemente, para não
legitimar a ocupação irregular, se mostra ausente.
Neste contexto, o conceito de “linhas abissais”, cunhado por Boaventura de
Sousa Santos (2008), é fundamental para a compreensão das desigualdades e
exclusões radicais entre os diferentes espaços das cidades e seus habitantes.
O teórico propõe que o pensamento ocidental moderno é um pensamento
abissal, pois ele é estruturado a partir da invisibilização, subalternização e
ridicularização das formas de vida alternativas insurgentes e do imenso universo de
conhecimentos e lógicas de pensamento não modernos e hegemônicos.
O pensamento moderno ocidental é um pensamento abissal. Consiste num sistema de distinções visíveis e invisíveis, sendo que as invisíveis fundamentam as visíveis. As distinções invisíveis são estabelecidas através de linhas radicais que dividem a realidade social em dois universos distintos: o universo ‘deste lado da linha’ e o universo ‘do outro lado da linha’. A divisão é tal que ‘o outro lado da linha’ desaparece enquanto realidade, torna-se inexistente, e é mesmo produzido como inexistente. Inexistência significa não existir sob qualquer forma de ser relevante ou compreensível. Tudo aquilo que é produzido como inexistente é excluído de forma radical porque permanece exterior ao universo que a própria concepção aceite de inclusão considera como sendo o Outro. (SANTOS, 2008, p. 3-4)
Uma diversidade de formas de conhecimento e de relações sociais existentes
são invisibilizadas enquanto um mundo restrito e hegemônico é compreendido como a
totalidade. Neste sentido, é possível falar em cartografias abissais do poder político, da
legalidade e do conhecimento que estabelecem os termos da distinção entre “este lado
da linha” e “o outro lado da linha”, onde nada que existe é considerado relevante ou
compreensível.
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Tudo o que acontece “do outro lado da linha” fica invisível e, por isso, não põe
em questão a ordem justa e democrática existente “deste lado da linha”. Dessa forma,
o “outro lado da linha” tem sido historicamente marcado pela predominância de
processos de violência e expropriação.
No campo do direito moderno (...) o legal e o ilegal são as duas únicas formas relevantes de existência perante a lei (...). Esta dicotomia central deixa de fora todo um território social onde ela seria impensável como princípio organizador, isto é, o território sem lei, fora da lei, o território do a-legal, ou mesmo do legal e ilegal de acordo com direitos não oficialmente reconhecidos. (SANTOS, 2008, p. 6)
A partir do exposto, tem-se que os espaços urbanos são construídos a partir de
lógicas diferentes e propiciam formas de vida diversas. A cidade formal, também
denominada como zona civil, é onde historicamente vigorou a legalidade do Estado, a
segurança pública protetiva, os serviços, bens e equipamentos públicos que o Estado
deve fornecer para garantir a ordem pública e os direitos de cidadania assegurados por
lei. A cidade informal, por sua vez, é construída por aqueles excluídos da zona civil.
São privados de direitos sociais e não colaboram na construção do modelo urbano.
Para David Harvey, geógrafo estudioso das cidades,
O direito à cidade não é o direito de ter as migalhas que caem da mesa dos ricos. Todos devemos ter os mesmos direitos de construir os diferentes tipos de cidades que nós queremos que existam. O direito à cidade não é simplesmente o direito ao que já existe na cidade, mas o direito de transformar a cidade em algo radicalmente diferente. Quando eu olho para a história, vejo que as cidades foram regidas pelo capital, mais que pelas pessoas. Assim, nessa luta pelo direito à cidade haverá também uma luta contra o capital. (HARVEY, 2009)
Sendo assim, um dos objetivos da pesquisa é analisar como o programa Vila
Viva, uma política pública que visa à efetivação de direitos, lida com essas
desigualdades socioculturais entre os territórios urbanos. Caso o programa não
respeite essa diversidade, não considere as peculiaridades de uma favela, corre-se o
risco de afetar os fundamentos de sobrevivência desses grupos “incivis”: sem o
reconhecimento da pluralidade dessas formas de vida, os paradigmas que embasam
as políticas públicas podem aprofundar a exclusão, reforçando o encobrimento do outro
e de sua cultura.
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Ressalta-se que um fator estruturante da vida nas favelas, que deve ser
considerado pelas políticas públicas, é o capital social e humano. A ausência do Estado
garantidor de direitos reforça a necessidade de que as pessoas se unam e criem laços
de amizade e de vizinhança fundamentais para garantir a sobrevivência das famílias.
No caso de intervenções que causam remoção, um fator diretamente comprometido da
vida das populações atingidas é exatamente esses laços de amizade que promovem a
solidariedade e o companheirismo. A quebra desses laços, com a desestruturação
desses espaços urbanos, é, segundo Miracy Gustin, um dos principais fatores da
pobreza extrema: Ao comentar sobre a “Conferência Regional sobre Capital Social y
Pobreza”, realizada em 2001, o resultado das discussões ali produzidas “demonstra
que uma das causas da pobreza é justamente a destruição ou perda de redes de apoio
das pessoas e das famílias” (GUSTIN, 2012).
Ainda segundo a autora:
É indispensável entender que a aplicação de um conceito adequadamente formulado de capital social e humano ajuda à compreensão da reprodução das desigualdades sociais, ou melhor, o desempenho de papéis que tradicionalmente foram descurados, tais como: o papel da educação, das relações sociais e familiares, do estímulo à solidariedade e à amizade, dentre outros.
A partir da experiência do Programa Pólos de Cidadania, coordenado por uma
equipe transdisciplinar de professores, e nela, também Miracy Gustin, desenvolveu-se
um conceito de capital social e humano, que é incorporado neste relatório, por sua
compatibilidade à metodologia usada em campo na investigação do direito à moradia:
Em localidades de exclusão social, concebeu-se capital social e humano como a existência de relações de solidariedade e de confiabilidade entre os indivíduos, grupos e coletivos, inclusive a capacidade de mobilização e de organização comunitárias, traduzindo um senso de responsabilidade da própria população sobre seus rumos e sobre a inserção de cada um no todo. Estes elementos subjetivos manifestam-se em ganhos concretos sobre a resolução de seus problemas, por possibilitarem maior acesso aos direitos e consequente melhoria da qualidade de vida e de bem-estar. A comunidade passa a atuar como sujeito compreensivo e participante em seu meio social, ao invés de mero beneficiário de assistencialismos. (GUSTIN, 2012)
A partir do exposto, percebe-se a importância do reconhecimento da diversidade
do espaço urbano pelo Estado: um tratamento uniformizador e padronizado pode, em
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diversos casos, aprofundar a exclusão e a invisibilização de certos grupos sociais.
Neste contexto, reconhecer a diversidade social e seu reflexo no ambiente construído é
necessidade precedente à efetivação do direito à cidade. Afinal, a partir de um ponto de
vista democrático, todos devem ter o direito de construir o espaço urbano e não apenas
uma elite, um grupo restrito que cria, recria e impõe aos diversos grupos um único
modelo de urbanização.
Nancy Fraser (2003) aponta que o reconhecimento visa a combater injustiças de
matriz cultural, com raízes em padrões sociais de representação, interpretação e
comunicação, tais como: 1) dominação cultural (hostil à própria cultura); 2) não-
reconhecimento (invisibilidade); 3) desrespeito (estereotipação).
Estas injustiças são flagrantes em programas habitacionais, que pretendem
efetivar o direito à cidade: há uma dominação cultural que visa à imposição de um
padrão de moradia – refletindo um estilo de vida urbana diverso daquele existente –; há
também, por parte dos gestores de políticas públicas, um não reconhecimento da
diversidade, provocando a invisibilidade dos grupos como sujeitos de direito. Para
Lefebvre, os técnicos urbanistas “não percebem [...] que todo espaço é produto, e [...]
que esse produto não resulta do pensamento conceitual [mas] das relações de
produção a cargo de um grupo atuante” (LEFEBVRE,1970, p.139).
Sobre o não reconhecimento dos sujeitos pelas políticas públicas, Fraser
incorpora ainda outra dimensão da injustiça, ao lado da dimensão econômica da
distribuição e da dimensão cultural do reconhecimento (2009). Para a autora
[...] a justiça requer arranjos sociais que permitam que todos participem como pares na vida social. Superar a injustiça significa desmantelar os obstáculos institucionalizados que impedem alguns sujeitos de participarem, em condições de paridade com os demais, como parceiros integrais da interação social. Por um lado, as pessoas podem ser impedidas da plena participação por estruturas econômicas que lhes negam os recursos necessários para interagirem com os demais na condição de pares; nesse caso, elas sofrem injustiça distributiva ou má distribuição. Por outro lado, as pessoas também podem ser coibidas de interagirem em termos de paridade por hierarquias institucionalizadas de valoração cultural que lhes negam o status necessário; nesse caso, elas sofrem de desigualdade de status ou falso reconhecimento.” (FRASER, 2009, p. 17)
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A não participação, esta outra dimensão da injustiça, está intimamente ligada às
políticas públicas. Os debates e deliberações sobre a redistribuição e reconhecimento
se dão no cenário político, pois é este o ambiente de decisão sobre o "que" será objeto
das políticas públicas e sobre "quem" irá decidir como serão implementadas.
Ao estabelecer o critério de pertencimento social, e, portanto, determinar quem conta como um membro, a dimensão política da justiça especifica o alcance daquelas outras dimensões: ela designa quem está incluído, e quem está excluído, do círculo daqueles que são titulares de uma justa distribuição e de reconhecimento recíproco. Ao estabelecer regras de decisão, a dimensão política também estipula os procedimentos de apresentação e resolução das disputas tanto na dimensão econômica quanto na cultural: ela revela não apenas quem pode fazer reivindicações por redistribuição e reconhecimento, mas também como tais reivindicações devem ser introduzidas no debate e julgadas. (FRASER, 2009, p. 19)
Um modelo democrático deve, pois, incluir a população afetada não apenas no
momento de planejar e executar a obra, a fim de obter um (falso) consentimento dos
moradores: a participação deve ser iniciada em momento precedente, pois os afetados
devem também ter voz na deliberação de “como” serão estabelecidos esses espaços
de decisão e “quem” os integrará. Caso contrário, se o poder público monopoliza o
espaço de decisão sobre o "como" e o "quem", impedindo a criação de arenas
democráticas, inevitavelmente o processo se dará a partir de uma falsa representação.
O efeito é a criação de um espaço político não democrático, fundado na exclusão dos
afetados na construção e efetivação do espaço urbano desejado. Dessa forma, faz-se
necessário para a consolidação de uma cidade democrática o reconhecimento da
diversidade econômica, social e cultural e a incorporação plena da população na
idealização, planejamento e execução da política pública.
2.2 Técnicas avaliativas
Utilizou-se em casos de intervenções já concluídas, ou em processo de
conclusão, da técnica de pesquisa avaliativa de impacto, que pressupõe três momentos
que se interconectam e se relacionam. O primeiro, ex-ante, levanta e analisa
percepções e dados sobre a fase anterior à intervenção ou ação. O segundo, in
processu, avalia o momento de realização da ação por meio das percepções, dos
documentos e das lembranças da população e dos representantes de organizações
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comunitárias sobre as resistências, os temores, as esperanças em relação às
mudanças em implantação. O terceiro, ex-post, analisa efeitos e impactos da
intervenção e/ou ações sobre as condições de vivência e bem-estar das comunidades
em estudo amostral e sobre as variáveis de relações sociais, habitação e direito à
cidade. (GUSTIN e DIAS 2010)
Os espaços selecionados para a investigação foram o Aglomerado da Serra e
as vilas São Tomás e Aeroporto. Esses são os territórios onde a pesquisa se
desenvolve, sendo que o limite do estudo são as intervenções provocadas pelo
programa Vila Viva.
O tempo de execução do programa nos espaços investigados foi diferente, o
que permitiu, da mesma forma, diferentes entradas de estudo sobre o impacto do
programa em cada área. No aglomerado da Serra o Programa Vila Viva teve início em
2005, e sua primeira fase foi concluída em 2009. Este tempo permite que o estudo no
aglomerado da Serra avalie os impactos do programa, possibilitando a montagem dos
cenários conforme a técnica avaliativa: anterior à intervenção (2000-2004), posterior
(2019-2012) e em processo (2005-2008).
Nas Vilas São Tomás e Aeroporto o programa ainda está em fase de
implementação, desta forma, a pesquisa a ser desenvolvida neste espaço permite
acompanhamento da fase “in processu” (2011 a 2013), assim como montagem do
cenário “ex ante” (2001-2010). Algumas situações consolidadas nas vilas também
permitiram uma percepção inicial de efeitos “ex post” em relação àqueles moradores
que já foram removidos e adquiriram nova residência (GUSTIN e DIAS 2010). Sabe-se,
contudo, que a análise desses efeitos ainda é precária e poderá apresentar novos
contornos após algum tempo de amadurecimento da intervenção.
Dessa forma, a distribuição dos grupos para coleta dos dados primários foi
assim configurada:
1) reassentados: moradores que foram removidos e reassentados em conjuntos
habitacionais construídos pelo Programa “Vila Viva” (no Aglomerado da Serra),
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2) Bolsa moradia: moradores removidos que aguardam a entrega dos
apartamentos (nas vilas São Tomás e Aeroporto);
3) indenizados: moradores removidos que optaram pela indenização, com
aquisição de nova moradia;
4) demais moradores: aqueles que ou não foram alvo de remoção, mas foram
afetados pela intervenção; ou estão em processo de negociação com a prefeitura,
aguardando a remoção.
5) Técnicos da Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte
Optou-se pela pesquisa qualitativa, uma vez que os objetivos da pesquisa
dificilmente seriam aferidos quantitativamente, apesar de não se ter desprezado estes
últimos dados. Para ser possível captar a percepção dos entrevistados sobre os temas
objeto de análise, foi necessário um contato mais aprofundado e direto, sem as
limitações de uma coleta de informações por meio da aplicação de questionários, por
exemplo. Assim, na escolha do procedimento adotado para coleta de dados foi feita a
opção pela entrevista em profundidade com roteiros semi-estruturados, desenvolvida
sempre por dois entrevistadores, como forma de garantir a intersubjetividade.
Desenvolveu-se, ainda, um estudo etnográfico por meio de investigação participante,
onde um dos membros da equipe, estagiário de Antropologia, vivenciou a realidade da
população investigada como morador.
Foram realizadas 52 entrevistas em profundidade, sendo: 4 entrevistas com
técnicos da Urbel e 48 com moradores das Vilas São Tomás e Aeroporto e do
Aglomerado da Serra, das quais: 12 foram feitas com moradores indenizados; 11 com
moradores reassentados em conjuntos habitacionais; 5 com moradores removidos que
estão em “bolsa moradia”; 20 com demais moradores.
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Gráfico 1- Entrevistados: tempo de residência nas vilas
O gráfico 1 demonstra que a maioria dos entrevistados está há mais de 10 anos
nas vilas pesquisadas, tendo acompanhado todos eles o processo de intervenção do
Programa Vila Viva. O tempo de residência nas vilas foi considerado relevante, pois
concede maior legitimidade às falas dos entrevistados, que detém grande
conhecimento do local e do processo interventivo. Por outro lado, os pesquisadores
puderam perceber que as populações que compõem as vilas estudadas já se
encontram consolidados na região, com ampla rede familiar, apresentando várias
gerações que nasceram e se criaram no local.
Já o gráfico 2 dispõe sobre a relação entre os entrevistados e seu grupo etário,
jovens (de 15 a 29 anos), adultos (de 30 a 59 anos) e idosos (acima de 60 anos). Os
entrevistados foram em sua maioria idosos e adultos, mas com pequena variação entre
os diferentes grupos etários, de forma a manter o equilíbrio da amostra.
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Gráfico 2- Moradores por grupo etário
A diversidade etária da amostra é relevante, pois a percepção quanto à
intervenção poderia variar conforme o grupo etário. Partia-se da hipótese que os
idosos, por exemplo, seriam mais afetados negativamente com mudanças de seu
entorno, com perdas de suas referências, enquanto os jovens estariam mais propensos
a adaptação. Pretendeu garantir que fossem coletadas percepções dos diversos
grupos etários, a fim de captar nuanças que confirmassem ou rejeitassem a hipótese.
Sendo uma pesquisa qualitativa, optou-se pelo aprofundamento na obtenção de
informações do entrevistado, mesmo reconhecendo que a amostra pode não
demonstrar a heterogeneidade de experiências e diversidade de percepções de cada
grupo familiar do Aglomerado da Serra e nas vilas São Tomás e Aeroporto em relação
à implantação do programa “Vila Viva”.
A pesquisa utilizou-se, ainda, da análise documental, abrangendo o estudo do
PGE (Plano Global Específico) e outros instrumentos normativos da cidade de Belo
Horizonte, além de teses e estudos produzidos sobre o tema. Outras coletas de dados
incluíram anotações sobre a observação de cotidiano e participante.
2.3 Categorias de análise
A análise comparativa dos cenários montados tendo como marco temporal a
realização do programa Vila Viva no Aglomerado da Serra e nas Vilas São Tomás e
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Aeroporto deu-se a partir de três categorias de análise que foram nominadas: relações
sociais, habitação e direito à cidade.
Relações sociais é a categoria que engloba as relações de vizinhança e as
redes de confiança e solidariedade existentes nas comunidades. O objetivo é permitir
avaliar a manutenção ou rompimento dos vínculos sociais, das redes existentes, de
forma a aferir o impacto na vida dos moradores, tendo por base as teorias acerca do
capital social e humano. (GUSTIN, 2012)
Habitação é a categoria que avalia o impacto do programa na qualidade da
habitação dos moradores e possibilita aferir sua satisfação ou insatisfação acerca das
mudanças ocorridos no modelo ou estilo de habitação.Esta categoria inclui percepções
acerca do modelo (padrão construtivo, qualidade da casa etc.), tipo e/ou localização da
habitação (se está localizada em beco, rua ou avenida, se a moradia fica em favelas ou
em bairros, ou se encontra em área de obras), assim como seu tamanho, número de
cômodos, espaço para plantas e animais.Também contém as percepções acerca da
segurança da posse (se a área é regularizada, se é área de risco, se está em área de
enchente, se os moradores sabem quando irão sair e quando serão indenizados).
Direito à cidade é uma categoria que, embora o nome englobe conceitualmente
todas as demais categorias, foi destacada para aferir o impacto da intervenção acerca
do acesso à cidade dos moradores., Ou seja, esta categoria inclui o impacto sobre a
infraestrutura urbana, o acesso a serviços, acesso a emprego e renda e, ainda, as
relações da comunidade com a violência urbana (elemento este que foi incluído nesta
categoria pelo destaque dado por grande parte dos entrevistados).
3. VILA VIVA: IMPACTOS DO MODELO INSTITUCIONAL DA POLÍTICA PÚBLICA
O Programa Vila Viva engloba diversos projetos e iniciativas executados pela
Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte, Urbel, representando sua mais ampla
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linha de atuação. A forma como o programa é concebido, desde a escolha das
diferentes metodologias, até a definição de conceitos, reflete nos efeitos de sua
execução.
Para uma análise de impacto e efeitos do programa nas comunidades
estudadas, são essenciais o estudo e a análise crítica de sua concepção enquanto
política pública de intervenção urbana. O fato de o programa Vila Viva ter como público
alvo a população de baixa renda, moradores de vilas e favelas em Belo Horizonte, traz
em seu bojo o desafio de lidar com a grave condição de exclusão social e todas as
consequências que esta acarreta.
Ademais, realizar uma análise pormenorizada dos efeitos e impactos a partir do
modelo da política pública pode ser um indicativo sobre a situação em outras áreas de
intervenção do programa, e não somente aquelas que compuseram o estudo de caso
deste relatório.
O programa Vila Vila engloba e/ou se relaciona com outros programas
executados pela Urbel, são eles, o PGE, ou Plano Global Específico; o Bolsa Moradia;
o Pré e Pós morar; o PROAS; e a regularização fundiária.
Por fazerem parte da execução do Programa Vila Vila, estes programas ou
subprogramas serão individualmente analisados.
3.1 Plano Global Específico
O programa Vila Viva, em teoria, atua com base no Plano Global Específico:
O Plano Global Específico (PGE) é um instrumento de planejamento que norteia as intervenções de reestruturação urbanística, ambiental e de desenvolvimento social nas vilas, favelas e conjuntos habitacionais populares. Ele consiste em um estudo aprofundado da realidade destas áreas, considerando os aspectos urbanístico, sócio-econômico e a situação jurídica do terreno. O objetivo principal do PGE é apontar os caminhos para a melhoria da qualidade de vida nestes locais e integrá-los ao conjunto da cidade.
2
2 disponível em :
http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?evento=portlet&pIdPlc=ecpTaxonomiaMenuPortal&a
pp=Urbel&tax=8173&lang=pt_br&pg=5580&taxp=0&. Acesso em 16/12/2012.
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Alguns dos objetivos do Programa Vila Viva encontram-se descritos nos PGEs
de cada vila ou favela objeto da intervenção, sendo alguns ilustrados pelos trechos a
seguir:
Articulação e envolvimento com o entorno – tendo em vista que o objetivo final de um PGE é inserir as vilas e favelas de Belo Horizonte no contexto urbano formal, torna-se imprescindível que a população seja, desde o início da execução do plano, preparada para usufruir de seus direitos de ‘cidadãos na cidade’. Sendo assim, o Plano prevê o desadensamento da região Centro-Sul com eventual transferência de população para a Regional Leste, onde tem havido crescimento populacional negativo. Essas famílias devem ser relocadas preferencialmente pelo PROAS. Deverá ser estudada a utilização da estrutura dos edifícios para contenção de encostas sempre com intuito de otimizar investimentos públicos. Obras de maior porte (residenciais e viárias) ‘estabilizam’ a encosta sem ônus significativos nas fundações e estruturas. (PGE Serra. Relatório de propostas)
O Plano Global Específico, ou PGE, é a principal ferramenta de planejamento
hoje empregada pela Urbel para guiar suas ações:
A principal ferramenta de planejamento que norteia e hierarquiza as intervenções da URBEL e da Prefeitura nas comunidades é o PGE (Plano Global Específico). Até o momento, foram elaborados 61 Planos Globais, abrangendo 88 vilas e 311 mil moradores. Outros seis se encontram em fase de execução. Além de ser um instrumento muito importante no trabalho de captação de recursos junto ao governo federal e organismos financeiros como a Caixa Econômica e o Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), o PGE evita desperdícios e otimiza a aplicação das verbas conquistadas para o setor de habitação. Os projetos de urbanização integrada e estruturante, baseados nos PGE’s, foram essenciais na obtenção de consideráveis recursos da União que viabilizaram a implantação do programa Vila Viva.
3
Como explica o texto anterior, o PGE tem duas funções, a de ser ferramenta de
planejamento e, ainda, servir de instrumento de captação de recursos junto ao Governo
Federal e organismos financeiros.
Pela metodologia da Companhia, os PGE’s são supostamente desenvolvidos
juntamente com a comunidade, de forma que todo o diagnóstico, assim como escolha
das obras a serem feitas, ocorram de forma participativa. Para envolver a população, é
criado um grupo de referência com moradores, dentre aqueles apontados como
3Disponível em
http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?evento=portlet&pIdPlc=ecpTaxonomiaMenuPortal&app=Urbel&tax=7901&lang=pt_BR&pg=5580&taxp=0&. Acesso 27/07/2013.
20
lideranças comunitárias (formais ou informais), como forma de intermediar o processo
entre a Urbel e a comunidade.
De acordo com a URBEL, a participação popular é possibilitada a todos os
cidadãos, com oportunidades equivalentes de participarem das discussões e
deliberações para as políticas públicas de assentamento e reassentamento. O papel
dos grupos de referência, nesse sentido, seria um dispositivo complementar da
participação, que acompanharia de maneira mais próxima a comunidade afetada por
essas políticas. Mas apesar de ser este o discurso, ao longo do trabalho de pesquisa e
acompanhamento em campo das atividades de participação, foi possível constatar que,
para a prefeitura importa que a participação aconteça formalmente, sob o risco de a
participação efetiva afetar os projetos concebidos por seus técnicos. A participação
formal (ir às reuniões) tem aumentado, mas há cada vez mais pessoas decidindo
menos sobre questões cada vez mais irrelevantes.
De fato, no atual modelo de participação, proposto pela Urbel, não há qualquer
possibilidade de as críticas, sugestões e alternativas propostas pelos moradores alterar
significativamente os rumos da intervenção concebidos pela prefeitura e seus técnicos,
bem como não há qualquer possibilidade de as expectativas e demandas da
comunidade ou os valores e princípios da “participação” por em perigo o projeto já
traçado para as remoções, as demolições, a construção das novas unidades
habitacionais e a requalificação urbanística da área. A participação, desta forma, tende
a ser mais informativa, garantindo acesso aos interessados acerca do andamento do
empreendimento, do que efetivamente deliberativa.
Por outro lado, o PGE também serve de base para captação de recursos por
parte da Urbel, de forma a viabilizar a realização, de forma fracionada, das
necessidades levantadas em sua integralidade no momento do diagnóstico.
A Urbel, sendo empresa pública do Município de Belo Horizonte, apesar de
possuir recursos próprios para manutenção de seu quadro de pessoal, pauta suas
atuações do Programa Vila Viva no modelo de captação de recursos através da
elaboração de projetos, como já mencionado. A quase totalidade dos recursos
21
investidos no programa é oriunda do governo federal, através do Programa de
Aceleração do Crescimento - PAC4. A opção por captação de recursos externos gera
impactos no desenvolvimento dos trabalhos, especialmente sobre o aspecto temporal,
isto é, prazos próprios do financiador em conflito com prazos necessários ao
desenvolvimento das atividades relacionadas ao trabalho social, em especial.
Primeiramente, por questão de limite orçamentário ou limite de recursos
captados por projeto, há uma preleção de uns eixos de trabalho a outros. Foi possível
perceber em entrevistas com técnicos da Urbel que o volume de trabalho para os
técnicos que realizam o trabalho social, por exemplo, é superior à real disponibilidade
dos técnicos.
Como muito bem elucida a coordenação do trabalho social em entrevista
realizada pelos pesquisadores, o trabalho técnico social é responsável por toda a
relação entre a intervenção e a comunidade, desde a mobilização e os processos
participativos, até a negociação e remoção e o acompanhamento dos reassentados,
além de projetos que deveriam andar conjuntamente como o de geração de emprego e
renda e educação ambiental:
PTTS, Plano de Trabalho Técnico Social (...) ele é o norteador da ação do social aqui. Ela [a área técnica social] dá as diretrizes aqui, tanto do ponto de vista do diagnóstico da área, as características sociais, e das diretrizes de trabalho, que são basicamente estes eixos que eu acho que você já deve ter tido contato, assim, que é a remoção e reassentamento, mobilização social, e geração de emprego e renda. Mobilização social envolve o caráter organizativo, o envolvimento da comunidade, participação, e o ambiental, que aí na verdade é uma coisa entre o físico e o social, uma ação que a gente faz de forma articulada. Esse contrato do trabalho social, ele hoje tem, tem que contar porque a gente teve perda agora (...) são três técnico de nível superior, e três técnicos de nível médio. Ele era um pouquinho maior, mas a gente teve que reduzir um pouquinho agora. Então eu tenho comigo seis profissionais. As ações destes profissionais, que é que eu coordeno, ‘coordenizo’ junto com eles, é essa ação da negociação com as famílias. (...) Que é desde a abordagem da família, o processo de remoção, até a definição com ela de qual é a forma de atendimento que ela vai ter. Lembrando que a gente tem previsão de três modalidades: é a indenização em espécie, a compra de uma outra casa, que é o PROAS, ou a unidade habitacional. Então passa por essa escolha da modalidade, e o acompanhamento da efetivação da modalidade. Ou o pagamento da indenização, ou a compra da casa ou o processo de
4 Disponível em
http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?evento=portlet&pIdPlc=ecpTaxonomiaMenuPortal&app=Urbel&tax=7490&lang=pt_BR&pg=5580&taxp=0&, acesso em 18 de julho de 2013.
22
aguardar o apartamento ficar pronto, porque aí também passa pela inclusão no bolsa moradia. Então tem esse eixo, que eu costumo brincar assim, se a gente deixar ele engole a gente, porque ele é o mais pesado, do ponto de vista de demanda de trabalho, de envolvimento dos técnicos. E além disso a gente tenta, em mobilização e organização comunitária, o eixo de geração de emprego e renda, que é um grande desafio, não é só aqui, em qualquer lugar da cidade, é muito difícil. Porque por mais que a gente tenha ações de preparação e capacitação, a inclusão no mercado de trabalho, no final das contas, é o mais difícil da gente fazer. E o eixo de educação ambiental, então é essa equipe que está canalizada nestas ações.
5
Como a própria entrevistada coloca, o trabalho de remoção, por ser mais
complexo em sua relação com a comunidade, acaba por absorver a pequena equipe
alocada e prejudicando os demais eixos de atuação do trabalho social. No caso das
Vilas São Tomás e Aeroporto, por exemplo, tem-se seis técnicos para desenvolver os
trabalhos num universo de 1300 famílias removidas, sendo aproximadamente 700
destinadas a reassentamento.
Vê-se que, apesar de teoricamente as metas do trabalho técnico social serem
promissoras, é quase impossível que uma equipe reduzida de profissionais consiga
desenvolver satisfatoriamente todas estas atividades, se considerada a complexidade
de mobilizar e envolver a comunidade num efetivo processo participativo. Contudo, é
uma opção da administração do programa o número de profissionais que irão trabalhar
neste eixo de atuação.
O argumento da escassez de recursos é sempre utilizado como justificativa a
falhas durante o processo, especialmente no tocante ao processo de participação dos
moradores quanto aos rumos da intervenção ou capacidade de negociação acerca das
remoções e indenizações, deixando bem reduzido o espaço de deliberação da
comunidade, que não tem como se opor aos argumentos técnico-orçamentários.
Em segundo lugar, o trabalho técnico social também fica prejudicado pelo
atendimento a prazos impostos pelo financiador, como relata a coordenadora
entrevistada:
Como a gente trabalha com financiamento, a gente acaba tendo que cumprir os prazos que são do financiamento, a gente [serviço social] acaba entrando
5Entrevista com a coordenação do Trabalho Técnico Social nas Vilas São Tomás e Aeroporto.
23
assim, com a coisa já pronta pra começar. O ideal era que você entrasse com o trabalho social um tempo antes, ne, aqui no São Tomás e na maioria dos Vila Viva não foi possível, a gente entrou na hora que se tinha a ordem de serviço do empreendimento e do trabalho social.
Após licitado o empreendimento, a ordem de serviço tanto das obras quanto do
trabalho social são emitidas ao mesmo tempo. Perceba que, estando a obra contratada
e pronta para iniciar, a possibilidade de mobilização e debate com a comunidade para
modificar o rumo da intervenção é escassa. Convém explicitar que, mesmo que se
argumente que o Plano Global Especifico é construído de forma participativa, há uma
grande lacuna entre o que está no plano e entre o que irá ser efetivamente feito. Isso
porque o PGE traça um diagnóstico e um plano ideal, e a intervenção em si fica adstrita
aos recursos disponíveis pelo financiador. Desta forma, há uma tomada de decisão
quanto à eleição de prioridades a partir do PGE, que é feita unilateralmente pelo poder
público, jogando por terra o suposto processo participativo prévio.
A desconsideração do decidido previamente e em conjunto com a comunidade é
motivo de revolta por parte de alguns participantes dos grupos de referência de
elaboração do PGE:
É, ela corta uma obra do PGE e escolhe uma outra coisa que interessa para eles ou facilita para eles. Aquelas áreas que foi, que aprovou pelas reuniões, pela assembleia, pelo grupo de referência, que foi discutido, ela (Urbel) elimina aquilo lá, todo aquele projeto, porque o projeto foi elaborado para fazer todas as obras, tudo o que tá no projeto é pra ser feito. Ai a Urbel tirou alguma coisa e em cima daquele projeto fez um outro projeto, um segundo projeto pra fazer o que eles bem interessavam. (...) Daquele projeto, todas as obras que estão naquele primeiro projeto do plano global são obras necessárias. Só que eles acharam que não havia necessidade de fazer tudo e tirou alguma coisa e fizeram da maneira que eles fizeram e, inclusive, não estava previsto no PGE.
6
Pois é, olha, na realidade, o Plano Global... O plano global ele... como que foi ... Esquecido, né? Não tem nada a ver. Porque, “ah não, o Plano Global que deu origem ao Vila Viva...”. [Não] tem nada a ver. Porque o vila viva é um projeto diferente. (...) O Plano Global foi o que ia fazer com a Vila naquela época, naquela época lá. Ia abrir, ia alargar as ruas, e tudo mais, num ia ser uma obra como esta que está sendo feita agora.
Pesq: Então, esse Plano Global do início ele foi para gaveta e estão fazendo outra coisa?
6Morador do Aglomerado da Serra, membro do grupo de referência e líder comunitário.
24
D: Foi pra Gaveta! É... Foi pra gaveta. O Plano Global ele... Foi pra gaveta. Agora, esse outro plano, é um plano é... Então, bonito.
Pesq: Mas que outro plano é esse?
D: É... o Vila Viva!
Pesq: Mas no Vila Viva, eles falam que usam o plano global. Se você perguntar pra eles assim: “o Vila Viva usa o quê?” Eles falam assim: “Não, a gente fez o Plano Global junto com a comunidade”.
D: Não, fez. Fez, mas num, eu, pra mim, o Plano Global morreu. E, e, o Vila V...
7
A fala do segundo morador, acima, deixa claro o descompasso entre o PGE e o
programa Vila Viva. Enquanto o primeiro morador citado expõe a unilateralidade na
escolha das obras constantes do PGE que serão realizadas.
Da análise do Plano Geral Específico e da forma de execução nas vilas e
favelas, conclui-se haver grandes falhas no modelo de planejamento e participação,
que comprometem sua efetividade frente às populações afetadas.
3.3 Modelos de reassentamento
O reassentamento das famílias por meio do programa Vila Viva ocorre de três
formas distintas, sendo elas: o reassentamento em conjuntos habitacionais
(construídos pelo programa); a indenização pelas benfeitorias (caso em que a família
terá que fazer a aquisição de nova moradia); e a aquisição de nova moradia através do
Programa de Reassentamento de Famílias Removidas em Decorrência da Execução
de Obras Públicas - PROAS.
O reassentamento em conjuntos habitacionais ocorre, geralmente, através da
construção de prédios na própria área da intervenção urbanística. A oferta de habitação
para os reassentados é de um apartamento de 50 m², com dois quartos, em sua
maioria, e algumas opções de três quartos.
7Morador e líder comunitário da Vila São Tomás, membro do grupo de referência para elaboração do PGE em
2001.
25
Cientes da inadequação
deste único modelo ofertado à realidade da maioria das famílias moradoras das vilas e
favelas e, portanto, contando com o fato de que parte considerável dos moradores a
serem reassentados não fará a opção por esse tipo de moradia, os apartamentos são
construídos de forma a abrigar cerca de 40% dos removidos8. Assim, 40% das famílias
objeto do reassentamento poderão permanecer no local ou próximos à sua antiga
residência se optar pelo reassentamento em apartamento.
Importante mencionar aqui que, dentro desse percentual de 60% de famílias às
quais não serão destinadas as unidades habitacionais, estão incluídas as famílias mais
numerosas, e que, portanto, não têm como se adequarem ao apartamento oferecido,
sendo essa opção inclusive evitada pela própria Urbel, conforme se vê:
A: (...) Eu tenho famílias numerosas. Uma família acima de 8 membros eu não deixo ela ir nem para o apartamento de 3 quartos. Pesq: mas ai não tem a possibilidade de uma família pegar dois apartamentos? A: não
9
Vale pontuar que existem casos que contradizem esta fala, ocorridos no
Aglomerado da Serra, em que famílias numerosas conseguiram mais de um
apartamento, não ficando, portanto, totalmente clara a política adotada pelo Programa
8 Percentual médio, que pode variar conforme o empreendimento, como informação fornecida em entrevista por
técnicos da Urbel. 9Entrevista com a coordenadora do Trabalho Técnico social das Vilas São Tomás e Aeroporto.
Foto 1 - Conjuntos Habitacionais no Aglomerado da Serra
26
nesses casos. Porém, caso não seja dada a possibilidade de escolha para essas
famílias numerosas, dificilmente elas vão conseguir permanecer próximas às regiões
onde anteriormente moravam. Pode-se dizer, assim, que há um fator de descriminação
dessas famílias, que poderão ser prejudicadas pela falta de adequação das
possibilidades de reassentamento às necessidades dos aglomerados.
Estão computados nesse percentual de 60%, ainda, imóveis destinados a fins
comerciais ou locação, cujos possuidores não fazem uso para moradia, e portanto, têm
direito somente à indenização pelas benfeitorias, e não tem direito à unidade
habitacional.
Mesmo que os casos de famílias numerosas e imóveis para fins comerciais
prejudiquem em certa medida a apuração exata dos fatores que endossam o
percentual de 60% de pessoas que não são reassentadas em apartamentos, ainda
assim é possível afirmar, conforme entrevistas realizadas, que o índice de moradores
que rejeitam esse modelo de apartamento é bastante considerável. Isso se dá pela
insatisfação dos moradores com a disposição vertical da moradia, que os priva de
várias práticas constitutivas do cotidiano dos aglomerados, tais como: cultivo de hortas
e jardins, criação de animais, realização de encontros festivos, etc. Outro aspecto
decisivo é o tamanho reduzido dos apartamentos.
Esses elementos serão posteriormente discutidos neste relatório, mas vale já
sinalizar que o quê se tem por parte do poder público é o não reconhecimento da
dinâmica de organização dessas áreas, e, portanto, a desconsideração com relação ao
seu estilo de viver. Tanto é assim, e tanto é significativa a manutenção do estilo de
morar para os moradores, que boa parte deles recusa os “predinhos” e prefere, muitas
vezes mudar para locais bastante afastados da região metropolitana, com acesso a
serviços e infraestrutura inferiores, mas que não lhes impõe a maneira vertical de viver.
Em que pese a influência da arquitetura da habitação na permanência ou não
das famílias nos aglomerados afetados, observa-se que a prefeitura de Belo Horizonte
se mantém negligente com a identidade, o estilo de viver das áreas afetada. Ressalta-
se, aqui, que não há que se falar em direito à moradia sem respeito aos seus aspectos
27
subjetivos, da relação do sujeito com o território e com a casa. Percebe-se que o
conceito de habitação do Conselho Municipal de Habitação - CMH, promovido pelo
Programa Vila Viva, não incorpora alguns dos pressupostos que compõe o conceito da
Relatoria Especial das Nações Unidas para o Direito à Moradia, tais como,
habitabilidade; não discriminação e priorização de grupos vulneráveis e adequação
cultural, dando prioridade a outros elementos que compõem o conceito, tais como a
disponibilidade de serviços, infraestrutura e equipamentos públicos; localização
adequada e segurança da posse. Neste último caso, até o atendimento destes
pressupostos pode ficar comprometido, uma vez que o programa tenta garantir estes
benefícios somente aos reassentados em conjuntos habitacionais, e não tem como
garanti-los às demais famílias removidas.
Apesar dos impactos negativos da imposição de um modelo de reassentamento
incompatível com o cotidiano dos aglomerados, a Urbel permanece irredutível com
relação à possibilidade de repensá-lo, sob alegação de limites decorrentes da escassez
e alto valor de terrenos em Belo Horizonte, conforme se vê:
(...) a gente faz de tudo para as famílias fazerem a opção por unidade habitacional (...) agora, tem que ser verticalizado...eu não poso me dar ao luxo de um terreno valendo trezentos e cinquenta reais, quatrocentos reais o metro quadrado...o metro quadrado em Belo Horizonte é isso...quando eu vou indenizar uma vila que o cara tem título de propriedade...trezentos e cinquenta reais dentro de favela...o metro quadrado que a gente paga. Eu não posso me dar ao luxo de ter um lotinho de duzentos metros quadrados pra cada família em Belo Horizonte...é vertical (...)
10
Como dito, maior esforço é empregado pelos executores do programa Vila Viva
para a opção de reassentamento nos conjuntos habitacionais. Mesmo com todos os
fatores problemáticos apontados, não se pode negar que isso é, em alguma medida,
também indicativo do reconhecimento da importância de fatores como os laços sociais,
que vão impactar diretamente na satisfação e adaptação dos moradores no que diz
respeito às intervenções urbanísticas da prefeitura:
10
Entrevista realizada com o Presidente da Urbel em 28 de maio de 2012.
28
(...) A gente combate um pouco a indenização, só paga se o cara insistir mesmo (...) a gente acha que o melhor reassentamento é a unidade habitacional (...) fica perto da gente, fica dentro da área que sofreu intervenção, não rompe os laços.
11
Porém, se aparentemente há aqui um aspecto de avanço no Programa, a
reflexão deve tocar outro ponto: mesmo que se argumente que é necessário verticalizar
para reassentar as famílias em regiões próximas à sua antiga habitação e providas de
serviços e infraestrutura, não há um esforço em pensar diferentemente: há como evitar
tantas remoções?
Os moradores que se encontram nas zonas de remoção são indenizados pelas
benfeitorias que possuem nos terrenos de duas formas distintas: para os moradores
com benfeitorias avaliadas em valor inferior a 40 mil reais, o reassentamento é feito
através do PROAS; aqueles cujas benfeitorias tiveram avaliação superior ao valor
atendido pelo PROAS recebem diretamente um cheque com o valor correspondente.
Como explica o técnico da Urbel:
O PROAS é um programa de aquisição. É o chamado Programa de Reassentamento Monitorado, em função de obra pública ou risco. Ele é um programa de aquisição de uma moradia para a família que faz a opção por ele, ou tem a necessidade de fazer a opção por ele. E ele tem um valor de teto máximo. Hoje, esse valor de teto máximo do PROAS é de 40 mil. Então, o que acontece. Se uma família tem o valor de avaliação que é um valor mais baixo do que isso, do que os 40 mil e não fez a opção pelo apartamento, ele pode adquirir uma casa de até 40 mil. Ele vai indicar uma casa pra nossa equipe, a nossa equipe vai vistoriar essa casa. Se a casa for aprovável, se eu falar que tá aprovada, é feita inclusive uma avaliação da casa. Se ela não tiver em um local de risco, se ela tiver condições de habitabilidades adequadas, se ela tiver, condições razoáveis, se ela não for uma casa insalubre, se ela não tiver nenhum comprometimento construtivo. Então, se ela for aprovada, a gente faz o reassentamento monitorado com essa família, da seguinte maneira: é feito uma solicitação do pagamento do valor da casa, até o limite desse teto dos 40 mil, e é feito então um monitoramento. Quando o recurso está liberado, a prefeitura, através da Urbel. A Urbel chama o vendedor do imóvel, chama o beneficiário, o comprador que indicou a casa, e faz então a intermediação da aquisição dessa casa, dentro da própria Urbel.
12
Os indenizados atendidos pelo PROAS devem adquirir sua nova moradia
através deste programa. Neste caso, a prefeitura não repassa qualquer valor
diretamente ao beneficiado, mas sim a nova moradia, dentro dos padrões e critérios
11
Entrevista realizada com o presidente da Urbel à época (28/05/2012). 12
Entrevista realizada em 04/05/2012, com o técnico da Urbel responsável pelo Projeto Social no Aglomerado da Serra.
29
pré-definidos. Critérios estes que algumas vezes dificultam a aquisição da moradia
pelos reassentados, uma vez que o valor do PROAS é muito baixo para arcar com uma
habitação bem localizada e inserida no contexto urbano. Critérios como “ausência de
comprometimento construtivo” ou “condições de habitabilidade adequada” são difíceis
de serem preenchidos se as moradias disponíveis no valor do teto do programa estão,
na maior parte das vezes, localizadas em região de favelas.
Além do mais, outro aspecto a ser destacado é a condição atual limitada do
PROAS enquanto política de reassentamento. Isso se dá devido à dinâmica do
mercado imobiliário, que se regula pela oferta e procura, sendo marcado pela
especulação imobiliária. Assim, se o valor oferecido pela prefeitura é de R$40 mil, esse
é tomado como valor mínimo pelo mercado imobiliário, que estabelece seus preços a
partir dessa faixa. Isso fatalmente limita as possibilidades de compra dos moradores
pelos preços que tendem, então, a ultrapassar esse valor.
(...) o PROAS tem um limite de quarenta mil reais, então ele é bem limitado hoje, ainda mais nesse tempo de especulações, né...então ele é cada vez menos efetivo e ele já não responde, ele já foi o principal instrumento de reassentamento nosso na época do Patrus, por exemplo...hoje não é mais...porque o preço (...) E muitos dizem assim, passa pra cinquenta (...) não resolve...passa pra sessenta...não resolve (...) sabe por quê? Porque esse mercado aí quem regulamenta...regula ele é o poder público e nós é que compramos (...) Então na hora que eu subo, todos os imóveis sobem junto, não tem conversa...isso não tem conversa, por exemplo...ele era trinta, há uns meses atrás....foi pra quarenta...não acha o de quarenta...então ele não é mais a resposta (...) nós estamos trabalhando...o Conselho lançou um desafio, outro dia dentro do Conselho....que a gente precisa criar um novo instrumento poderoso, pra substituir o PROAS...não é substituir...deixar o PROAS, em algum ou outro caso ele pode servir, mas um outro instrumento...
13
Cabe aqui pontuar a omissão do Município em relação a essa dinâmica
especulativa do mercado imobiliário, fator esse decisivo nas políticas de
reassentamento e concretização do direito à cidade, principalmente no que envolve
famílias vítima de desigualdades econômicas. Apesar do crescente aumento do valor
dos imóveis quando há reassentamentos, as políticas públicas voltadas para moradia e
a legislação municipal permanecem sem instrumentos que visem de alguma maneira
combater essa especulação, estabelecendo, ao contrário, medidas tão somente
13
Trecho da entrevista do Presidente da Urbel em 28/05/2012.
30
paliativas em relação ao problemático cenário urbano no que toca ao direito à cidade e
à moradia.
Ainda, os demais indenizados, cuja avaliação de benfeitorias foi superior ao
benefício de R$40 mil oferecido pelo PROAS, não têm qualquer acompanhamento
específico por parte do programa para a aquisição da nova moradia. Tanto a busca de
moradias à venda quanto à compra destas ocorre sem qualquer supervisão do
programa Vila Viva.
A indenização é uma das três opções de reassentamento que a Urbel oferece às
famílias removidas. Em geral, o procedimento realizado pela Urbel é o seguinte: caso o
morador esteja considerando a possibilidade de optar pela indenização, a visita de um
engenheiro é marcada para avaliar o valor das benfeitorias e, após algum tempo, esse
valor é informado ao solicitante, que, sabendo o valor pago pela prefeitura a título de
indenização, pode optar pelo apartamento, pelo PROAS ou pelo dinheiro.
Em tese, o valor pago nas indenizações deveria garantir a compra de uma outra
moradia do mesmo nível arquitetônico ou de conforto. No entanto, constata-se que os
valores pagos são, em geral, bastante aquém do necessário para as famílias manterem
o mesmo padrão de vida que possuíam. Os critérios utilizados para mensurar o valor
das indenizações não são claros para os moradores, o que gera bastante insatisfação,
desconfiança e sentimento de injustiça. Além disso, as negociações dos valores
ocorrem sempre de forma individualizada, o que impede as famílias de se organizarem
para negociar os termos da remoção e exigirem valores mais altos, que permitam um
reassentamento digno. Em princípio, os moradores possuem o direito de questionar o
valor da indenização, mas esse direito, na prática, se reduz à possibilidade de ter sua
casa novamente avaliada pelos engenheiros da Urbel, fora isso, não há qualquer
possibilidade de defesa ou de recurso contra os valores definidos pela Urbel fora da de
uma ação judicial, o que pode acarretar altos custos temporais e materiais, além da
necessária assistência por advogado.
O processamento das avaliações é feito internamente e repassado aos
moradores individualmente, como esclarece um técnico da Urbel:
31
A avaliação física dessas casas, uma por uma. Nós temos uma equipe de engenharia, através dos contratos que são executados nessas intervenções, e essa equipe faz uma avaliação física do imóvel de origem da pessoa. (...) a partir daí, a gente emite uma planilha de avaliação dessa casa, de cada casa, depois fazemos um atendimento com cada família, cada uma dessas, pra fazermos então uma das etapas, que é a negociação pra concluir o processo de remoção e reassentamento.
14
A tendência do órgão público é não abrir a negociações, contudo há moradores
que obtiveram pequeno êxito em rediscutir os valores, especialmente se estes
resistiam a concordar com a remoção e, portanto, poderiam interferir no andamento
das obras. Contudo, como dito, não é clara ou transparente a forma com que o cálculo
das indenizações é feito.
Tudo isso contribui para que as famílias removidas estejam em uma condição
desigual de negociação com a Urbel e acabem por aceitar, resignadas, os baixos
valores pagos a título de indenização. No entanto, o maior problema verificado nas
indenizações refere-se ao fato de a prefeitura não reconhecer a legitimidade da posse
da terra, indenizando as famílias removidas apenas pelo material utilizado na
construção de suas casas:
“O dinheiro tá muito pouco em relação às casas, porque também a gente não tem nenhum papel que mostre que a casa é da gente, como um documento”. (Karine
15 – removida São Tomás)
... eu saí de lá porque tinha que sair mesmo, porque eu gostava muito de lá, né, mas é, como diz, a gente não é dono de nada, né, por isso que a gente é obrigado a sair de lá. (Lucinda – removida São Tomás)
Apesar de não possuírem a propriedade legal dos terrenos que ocuparam
durante décadas, a maioria absoluta das famílias removidas, tanto da Serra, quanto do
São Tomás, residiam há mais de cinco anos no mesmo local, exercendo posse mansa
e pacífica: possuíam todos os requisitos necessários para obterem a propriedade da
terra através de instrumentos jurídicos como a usucapião (art. 191 da Constituição da
República), especialmente nas Vilas São Tomás e Aeroporto, cujos terrenos eram de
propriedade privada.
14
Entrevista concedida pelo coordenados do Trabalho Técnico Social do Aglomerado da Serra. 15
O nome verdadeiro dos entrevistados foi alterado para nomes fictícios, de forma a preservar a confidencialidade.
32
Simplesmente não se reconhece no cômputo da indenização o valor da posse
que, na maioria das vezes já é ad usucapione, isto é, passível de reconhecimento
jurídico da titularidade da propriedade. A posse é uma circunstância de fato, porém
geradora de direito e, portanto, detém conteúdo econômico. Assim, sendo a posse um
direito do possuidor, conforme jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça:
“o expropriado que detém apenas a posse do imóvel tem direito a receber a
correspondente indenização”. (REsp 1226040/SP, STJ - RESP 953910-BA, RESP 769731-
PR,RESP 184762-PR, REsp 1118854/SP, outros)16. Portanto, é incorreto o cálculo da
indenização dos expropriados pelo programa Vila Viva ao desconsiderarem a situação
de posse (mesmo a família estando no local por décadas) e ao indenizarem apenas as
benfeitorias.
Ao não reconhecer a propriedade (e nem mesmo a posse) da terra como objeto
de indenização, o poder público se nega a pagar às famílias o valor real do imóvel, que
é constituído pelo valor de mercado do terreno mais o valor da edificação construída.
Para a prefeitura, o procedimento de fato realizado significa uma enorme economia,
pois o preço das indenizações seria muito mais alto caso a posse da terra fosse
reconhecida. No entanto, para as famílias removidas, o não reconhecimento do direito
à terra significa, na prática, a impossibilidade de serem reassentadas em um novo local
com condições de vida melhores (ou pelo menos equivalentes) às condições de vida
que possuíam anteriormente.
Isso ocorre por um motivo óbvio: ao serem removidas as famílias são
indenizadas apenas pela edificação construída, mas, ao buscarem um novo local de
16
PROCESSUAL CIVIL - ADMINISTRATIVO - INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRGLÓRIADE -
DESAPROPRIAÇÃO - POSSE - INDENIZAÇÃO AO DETENTOR DA POSSE - POSSIBILIDADE - ARTIGOS 463 E 467 DO CPC - PREQUESTIONAMENTO AUSENTE: SÚMULA 211/STJ. 1. O expropriado que detém apenas a posse do imóvel tem direito a receber a correspondente indenização. Precedentes. 2. É inadmissível o recurso especial quanto à questão não decidida pelo Tribunal de origem, por falta de prequestionamento. 3. Recurso especial parcialmente conhecido, mas, nessa parte, não provido. (REsp 1118854/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/10/2009, DJe 28/10/2009)
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moradia, terão que pagar não só pela edificação, mas também pelo terreno onde a
edificação se encontra.
De fato, os estudos de campo realizados pela presente pesquisa revelam que os
entrevistados não conseguiram comprar uma casa com o padrão construtivo
equivalente ao que possuíam antes apenas com o dinheiro da indenização. Pelo
contrário, o que ocorreu com muita frequência nas entrevistas realizadas foram os
depoimentos de que foi preciso completar com o próprio dinheiro o valor da nova
moradia ou optar por moradias distantes e/ou inferiores a que antes possuíam, dado o
fato de a indenização não ter sido suficiente para a compra de uma moradia
equivalente à anterior.
Os trechos abaixo ilustram a insatisfação dos moradores com os baixos valores
pagos na indenização:
- Então quer dizer, eles me deixam sem saída. Já que eles me deixaram sem saída, eu deixei eles também. Eu falei ó, o dia que eu achar uma casa no valor de 35.000, igual cês estão me dando, aqui em BH, eu compro e mudo. Enquanto eu não achar, eu fico por aqui. (Marisa – na área de remoção – São Tomás)
- A gente tá morando em Justinópolis, em Ribeirão das Neves. (...)Só que o dinheiro não deu pra comprar a casa não, teve que inteirar. Que o dinheiro é muito pouco que eles dão. Eles não pagam bem, pagam quase nada. (Kátia - removida São Tomas)
- Então cada um teve a sua indenização. Só que igual a minha filha, essa que mora aqui, teve que entrar em um tal de PROAS porque o dinheiro não dava pra comprar em lugar nenhum. A outra menina teve que vim morar comigo dentro de casa, que é a mãe desse menino aqui, porque o dinheiro não dava pra comprar em lugar nenhum. O outro, esse que passou aqui agora, mora nos fundos porque não teve jeito de comprar em outro lugar também. Então eu tive que tomar essa decisão de por todo mundo aqui rodeado a mim porque o dinheiro não dava. (Dona Jacinta – removida São Tomas)
- Eu acho que todo mundo esperava um pouquinho mais. (...) No sentido de poder sair daqui e ir prum lugar onde eles quisessem de verdade, que a maioria foi pra onde não queria. Pesq.: Foi pra onde deu, né?! Foi pra onde deu, pra onde o valor da indenização deu. (Léia - removida São Tomas)
- Agora, a maioria das pessoas que saiu sem necessidade e foram muito mal indenizadas, esse povo foi lesado, o povo foi lesado, o povo foi lesado. (Ricardo João – não removido Aglomerado da Serra)
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O paradoxo deste procedimento adotado pelo poder público é que um dos
objetivos do programa Vila Viva é, precisamente, a regularização fundiária das vilas e
favelas. No entanto, esta regularização que garante o direito à propriedade da terra
para as famílias que nela residem é prevista no programa Vila Viva como uma etapa
posterior à urbanização.
Essa política provoca sérias distorções no programa. Por um lado, promove uma
dupla vantagem para os não-removidos que permanecem na comunidade, pois estes,
além de gozar de um ambiente urbanizado, terão a propriedade da terra reconhecida
através da regularização fundiária. Por outro lado, promove uma dupla desvantagem
para os removidos, pois além de não poderem desfrutar dos benefícios da urbanização
realizada na comunidade onde viviam – e, não raras vezes, se verem obrigados a
mudar para localidades mais distantes e precárias em termos de acesso a serviços
essenciais –, serão reassentados sem terem a propriedade da terra reconhecida.
Portanto, é possível constatar que uma das condições fundamentais para
garantir o reassentamento digno das famílias indenizadas é o reconhecimento do
direito ao valor econômico da posse dos terrenos ocupados, o que implica indenizar os
removidos não só pela edificação, mas também pelo terreno em que residem. Só assim
é possível garantir que as famílias removidas não sejam reassentadas em condições
precárias, de ainda maior vulnerabilidade social, e que possam encontrar moradias
equivalentes às que antes possuíam.
Outra falha no modelo institucional do programa, ainda no que tange ao modelo
de reassentamento, é a não há previsão de realocação dos comércios nem das
moradias disponíveis para locação. O programa prevê o reassentamento somente dos
domicílios removidos cujo uso era residencial e, ainda, para moradia da família
beneficiada. Esta lacuna no plano de reassentamentos provoca duas grandes
distorções: a falta de moradias para locação, gerando a expulsão de inúmeros
locatários do local e a restrição de redes de comércio e serviços oferecidos dentro da
própria comunidade e pelos moradores.
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Primeiramente, não há uma política para os locatários. Uma vez que suas
moradias locadas encontram-se em zonas de remoção, estes são diretamente
afetados, mas sem qualquer forma de inclusão no programa. Assim, os locatários
acabam sendo expulsos da vila, indo para locais mais distantes, onde possam arcar
com os custos da locação. Como já dito, o programa gera grande inflação nos
mercados de aluguéis nas vilas e favelas, provocados em especial pelo “bolsa
moradia”, cujo maior prejudicado é o locatário, que não tendo direito a nenhum
benefício da política de intervenção, sofre com as consequências negativas do
processo. Com a remoção das habitações que serviam para locação sem sua
reposição, diminui significantemente o número de imóveis disponíveis, o que corrobora
para aumentar o déficit habitacional.
Da mesma forma, ao propiciar o reassentamento somente de uma unidade
habitacional para aquele possuidor de outros imóveis para locação, o programa
também impacta negativamente na renda das famílias que dependem dos imóveis
locados. Como muitos dos moradores de vilas e favelas não têm acesso ao sistema de
previdência social, é comum que invistam em cômodos para locação como forma de
incremento na renda. O depoimento da entrevistada Marisa demonstra o que a
remoção dos cômodos destinados à locação significa para o morador:
O problema é o seguinte: esse pedaço aqui eu ia construir e alugar pra minha velhice. Eles não tão nem ai, eles estão tirando o meu futuro e não querem saber. (...) Eu comprei isso daqui! Eu comprei isso daqui com esse intuito!
A moradora acima vê seu futuro, seu planejamento de vida para uma velhice
mais estável, desfeito, uma vez que terá direito ao reassentamento somente por uma
unidade habitacional e os demais cômodos serão indenizados em valores que não
serão condizentes com a construção de novas unidades para locação, já que as
indenizações somente consideram os valores das benfeitorias e não contemplam o
valor do terreno.
Em entrevista com técnicos da Urbel, ficou claro não há a previsão ou intenção
de modificar o tratamento atualmente dispensado ao possuidor de imóveis para
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locação, pois segundo a Urbel foi feita uma escolha institucional para beneficiar o lado
mais vulnerável, ou seja, o locatário.
(...) tem que se tomar cuidado com ela, é uma área de vulnerabilidade urbana e social, você imagina o quê que é o morador de aluguel aqui, é o explorado, do explorado, do explorado, então a gente tem mais preocupação de criar alternativas pro inquilino do que pensar no cara que construiu a vida dele explorando o miserável do miserável.
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Ironicamente, a política, como dito anteriormente, não faz qualquer previsão
para “o lado mais vulnerável”, que para eles seriam os moradores de aluguel. Segundo
informado pelos técnicos da Urbel, haverá um cadastro dos locatários a fim de que, ao
final do empreendimento, em havendo saldo de unidade habitacional, eles sejam
disponibilizados para esses através de financiamento18.
O conselho permitiu que os moradores de aluguel ou de forma de cessão, que é muito comum também, ‘ah a fulana deixou morar’, eles são cadastrados, já estão sendo cadastrados aqui por nós, para que a gente, ao terminar o empreendimento, havendo saldo de unidade habitacional, eles vão ser chamados e poderão acessar através de financiamento. Lembrando que o financiamento, é o financiamento da política municipal de habitação, aprovada pelo conselho, que é bem subsidiada.
Ocorre que, como disse a própria entrevistada, no caso da Vila São Tomás, a
demanda por unidades habitacionais para atender o reassentamento será maior do que
a oferta pelo programa, o que faz com que a alternativa para os locatários não se
efetive:
(...) nós vamos ficar aqui com a possibilidade de ter mais famílias demandando apartamento do que apartamento [disponível], do jeito de tá hoje a gente tá fazendo assim, tá trabalhando os números com cuidado que todo mundo possa acessar.
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Da mesma forma, a política pública não prevê a realocação dos comércios,
gerando duplo prejuízo, quais sejam, perda da renda das famílias que dependiam da
atividade comercial e perda na oferta de produtos e serviços dentro da própria
comunidade, falha esta que é reconhecida pelos próprios técnicos da Urbel:
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Entrevista com a coordenadora do Serviço Técnico Social das Vilas São Tomás e Aeroporto. 18
Resolução XXI do Conselho Municipal de Habitação de Belo Horizonte, de 14/10/2011. 19
Trechos da entrevista com a coordenadora do Serviço Técnico Social das Vilas São Tomás e Aeroporto
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Agora, pra mim algumas deficiências nós temos, uma delas nós falamos aqui que é a questão do comércio, porque quando a gente não pensa na questão comercial, se acaba digamos... é... matando alguns pontos desse espaço urbano, você tem lugares de onde se removeu o comércio e o espaço fica sem vida. Comércio dá vida na rua, né, então é fundamental. Então esse ponto para mim é uma deficiência que a gente tem que superar.
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Em entrevista, os técnicos informaram que tal falha na concepção do programa
já foi objeto de deliberação pelo Conselho Municipal de Habitação de Belo Horizonte.
Para os próximos projetos, a se iniciarem, haverá a previsão de reposição das áreas
comerciais, de acordo com critérios pré-fixados. A proposta é que o andar térreo dos
prédios construídos para reassentamento seja disponibilizado para uso comercial,
contudo, esta modificação no projeto não atenderia os empreendimentos já iniciados.
Ademais, até a data da redação do presente relatório, esta disposição não consta de
resoluções daquele conselho.
Essa falha no programa reforça a afirmação de que o poder público se utiliza de
um conceito restrito de moradia, ou seja, um conceito de moradia que não incorpora
elementos como disponibilidade de serviços e custo acessível. Primeiramente, ao
“remover” a fonte de renda de inúmeras famílias através da destruição de pontos de
comércio e de imóveis para locação sem sua posterior reposição, sob o argumento de
que a legislação somente autoriza a construção de “moradias”, é clara a limitação
interpretativa quanto ao conceito de moradia. Uma moradia, ou melhor, uma habitação,
sem a necessária fonte de renda para mantê-la, passa a ser imediatamente
insustentável do ponto de vista econômico e pode ter como consequência sua própria
perda, pois o morador pode se ver obrigado a abandoná-la em busca de alternativas de
acesso à renda.
Sem mencionar a impossibilidade de exercício de atividades econômicas nos
conjuntos habitacionais, há, ainda, outra dificuldade: o trabalho dos prestadores de
serviço, como cabeleireiros, costureiras, manicures, dentre outros. Estes, também,
perdem quase sempre suas fontes anteriores de renda.
20
Entrevista realizada com o Coordenador do Serviço Técnico Social do Aglomerado da Serra.
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Por fim, o modelo de reassentamento da Urbel é marcado pela imposição aos
moradores de vilas e favelas de se adequar ao estilo de vida das “cidades grandes”,
que é suposto como a vida em apartamento, onde o apartamento é a ascensão natural
de moradia. Dessa forma, não reconhecem o estilo de vida dos moradores, a
diversidade de modos de vida e, portanto, um direito à moradia almejado pelos
moradores e adequado às suas necessidades21.
Outra grave falha constatada, em um programa desta dimensão, é a ausência de
qualquer trabalho coordenado com as demais cidades da região metropolitana. Embora
grande parte dos problemas associados à desigualdade socioespacial, à informalidade
urbana, aos conflitos fundiários e à implementação dos programas habitacionais de
interesse social tenham dimensão metropolitana, não há normativas consolidadas nem,
tampouco, órgãos dessa dimensão responsáveis por trabalhar esses temas de forma
articulada entre os Municípios.
Resultados parciais da investigação acerca dos destinos das famílias removidas,
constantes do Relatório “Mapeamento dos itinerários e locais de destino dos moradores
que foram removidos como consequência das intervenções do Vila Viva na Vila São
Tomás e no Aglomerado da Serra”, demonstrou que parte significativa dos removidos
pelo programa tem como destino cidades da região metropolitana. Contudo, estas não
possuem articulação alguma com programas de habitação ou planejamento urbano
para a inserção adequada e digna das famílias que ali se instalam.
3.4 Acompanhamento dos reassentados: Pré e pós morar
O Programa Vila Viva, como dito, tem como foco reassentamentos em conjuntos
habitacionais, que são acompanhados pelos programas ‘Pré e Pós Morar’.
21
Como ficou constatado no relatório “concepções sobre direito à moradia dos afetados pelo programa vila viva nas vilas São Tomás e Aeroporto e no Aglomerado da Serra, em contraposição a proposta oficial do programa”.
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O ‘Pré Morar’, de acordo com o sítio eletrônico da Urbel, traduz-se em iniciativas
que propiciam a adaptação de moradores em condomínio e visa a conhecer o perfil
socioeconômico, organizativo e de moradia daqueles que serão reassentados nos
conjuntos habitacionais.
Os beneficiados são organizados em grupos de aproximadamente quarenta
pessoas que participam de reuniões quinzenais promovidas pela Urbel, durante seis
meses. Por meio de dinâmicas de grupo, vídeos, montagem de maquetes e confecções
de cartazes, discussões e brincadeiras, são trabalhados temas como comportamento,
mudanças, regimento interno e conflitos. Dentre esses objetivos, pode-se destacar a
elaboração, pelos próprios beneficiados, do regimento interno do condomínio, a eleição
do futuro síndico e a escolha do apartamento pelas famílias. Também são discutidos
assuntos relacionados à questão ambiental e a importância de se conservar os novos
empreendimentos.
Os próprios técnicos da Urbel reconhecem que a mudança para as unidades
habitacionais representa um “rompimento cultural do modo de se morar”22. Sendo
assim, a partir do momento em que há a adesão à unidade habitacional e as famílias
esperam pela construção, elas passam a receber o Bolsa Moradia e são inseridas no
programa Pré Morar, que é desenvolvido pelas equipes sociais que atuam no Vila Viva.
Os técnicos acreditam que esse trabalho social diminuiu a resistência dos
beneficiados a morar nos apartamentos, como é possível perceber por meio da fala a
seguir:
Se a gente focar só nessa intervenção estrutural do Vila Viva, (...) as próprias comunidades, elas começam a irradiar um pouquinho a própria experiência, né? Então hoje a resistência pelo apartamento é muito menor, muito menor do que já foi no passado, né, e a condição deles de se adaptarem, digamos assim, ou de buscarem ser autônomos morando em condomínio hoje já é muito maior também. Então isso pra gente é um facilitador. Mas, muito por mérito desse trabalho desenvolvido pelas equipes sociais que atuam no Vila Viva, tá? Por todas elas né? Porque nesse trabalho, a gente prepara as famílias.
23
22
Entrevista com o coordenador técnico social no Aglomerado da Serra. 23
Entrevista com o coordenador técnico social no Aglomerado da Serra.
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Os funcionários da Urbel também destacam que o aprimoramento do
programa Vila Viva permite vislumbrar as principais dificuldades da vida em condomínio
e, assim, já propor, de antemão, as soluções.
O pagamento das taxas condominiais é uma novidade, por isso, os
beneficiados são preparados para essa nova realidade. Com o intuito de diminuir os
conflitos, a água, que antes era condominial, havendo um hidrômetro para cada bloco,
passou a ser individual, ou seja, cada apartamento possui a sua própria caixa d’água e
o seu hidrômetro, o que diminui os conflitos, afinal, cada família passa a arcar pelo o
que consumir. Dessa forma, a taxa do condomínio fica em torno de quinze reais
mensais, o que possibilitaria, inclusive, que os prédios tivessem um fundo de reserva.24
O funcionário da Urbel destaca que, mais importante que se acostumar ao
novo modo de vida, é que os beneficiados passem a ser autônomos, tendo a
consciência de que precisarão não apenas conservar as unidades habitacionais, como
melhorá-las, por exemplo, com a instalação de interfones, pintura do rol das escadas e
cobertura para a proteção dos carros, como se pode destacar da fala abaixo:
A gente trabalha estimulando o tempo inteiro a geração de autonomia. Isso eu acho que, assim, muito mais do que adaptar, é eles terem autonomia. Eles buscarem uma autonomia mais cidadã. É deles, e que eles que vão ter que cuidar. Eles não só vão ter que cuidar como eles vão ter que melhorar também. Então, assim, interfone, vou falar de um exemplo bem típico, de uma quase que uma necessidade básica, né, num prédio: interfone. Eles colocam interfone. Então a maioria, aos poucos, ao longo dos primeiros meses que vão morando, eles já vão se cotizando. Já põem o interfone, alguns pintam o hall da escada, o piso de escada, ... o próprio paisagismo, alguns fazem ... cercamentos para fazer os jardins, é o caso da Serra, eles estão agora, por orientação nossa, também fazendo coberturas para a proteção dos carros, ai eles mesmos fazem, né?
25
Após a mudança para os apartamentos, os técnicos sociais continuam o
acompanhamento das famílias no programa Pós-Morar que dura em torno de dois
anos, e, mais uma vez, são realizadas atividades voltadas para educação sanitária e
ambiental.
24
Entrevista com o coordenador técnico social no Aglomerado da Serra. . 25
Entrevista com o coordenador técnico social no Aglomerado da Serra, concedida a pesquisa no dia 04.05.2012.
41
As observações até então feitas pelos técnicos da Urbel, que têm uma visão
positiva de sua atuação nos programas Pré e Pós-morar, contrastam com as dos
moradores atingidos pelo programa.
Alguns dos atuais moradores dos apartamentos do conjunto habitacional da
Serra relatam que participaram das reuniões do ‘Pré Morar’ e o que chama a atenção é
a forma como esses encontros foram percebidos pela comunidade. Uma das
entrevistadas alega que o intuito era de ensiná-los a se comportarem ou de repreendê-
los. Outros alegam que simplesmente não participaram das reuniões, enquanto uma
entrevistada removida do São Tomás e que atualmente recebe o Bolsa Moradia
demonstra não entender muito bem o que se passa nas reuniões:
- [As reuniões do Pré-morar eram] Sobre como era que a gente tinha que comportar, como é que a gente tinha que fazer com o negócio de prédio. (...) Passava até raiva, porque era reunião demais. E nós também brigava muito com eles, porque chegou uma época que eles estavam fazendo hora com a gente, porque olha... Pesq: Como é que era a reunião? E: A gente... era só para chamar a atenção da gente.
26
- Pesq: E você chegou a participar de alguma reunião?
E: Eu não.
Pesq: Nem antes de mudar? Mas você ficava sabendo das reuniões?
E: Não.. participei não porque eu não tinha tempo, eu não tinha tempo de
participar.
Pesq: Porque teve reunião, também, para quem ia mudar para o apartamento,
não teve?
E: Teve,
Pesq: Dessas você também não chegou a participar?
E: Não, não participei de nenhuma. Quando eu vivia com meu marido, ele num
ia, ai eu ahhh, cê tá aí a toa não pode ir, eu não vou não. É uai, eu não
participei de nada. Nem ele.
Pesq: Mas você acha que se tivesse participado alguma coisa teria sido
diferente?
E: Não! Não ia mudar nada. Ia ser a mesma coisa, eles num ia resolver nada.27
- Pesq: Quem faz a reunião lá com vocês? E: Menina, sabe que eu nem sei, porque é tanta gente... Pesq: Cada hora é uma pessoa? E: Cada um dando uma palavra lá, cada um fala uma coisa, outro fala outra...
28
26
Entrevista realizada dia 31.03.2012 com Nayara, moradora do conjunto habitacional da Serra. 27
Entrevista realizada dia 06.12.2012 com Maria, moradora do conjunto habitacional da Serra. 28
Entrevista realizada dia 09.11.201 com D. Maria José, moradora removida do São Tomás.
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A escolha do síndico, muitas vezes, não ocorre de maneira tranquila nos
encontros do programa Pré-Morar, uma vez que não há vontade, por parte dos
moradores, de exercer essa função que até então era desconhecida e desnecessária.
Como se percebe do relato trazido por uma atual moradora da Serra, o que a levou a
assumir a função de síndica foi o incômodo com a falta de luz e água do condomínio,
ocasionada pelo não pagamento das respectivas contas:
Pesq: A senhora quis ser a síndica daqui? Como é que foi isso? E: Porque ninguém pagava água, ninguém pagava luz, não tinha ninguém para ir lá receber, para ir lá pagar, então eu falei, então me dá a pasta aí que eu vou olhar isso. Quando eu peguei a pasta, a primeira vez eu olhei, cansei e entreguei para eles: “ah não, vocês estão me enchendo muito o saco e eu não vou olhar nada mais não”. Aí entreguei a pasta. Aí quem pegou não pagava a água, não pagava a luz e recolhia o dinheiro, depois para o bar e óh (sinal de quem está bebendo), beber. Aí quando eu peguei a pasta, só o condomínio tava devendo de água seiscentos reais. (...) Luz, trezentos e poucos. Então, eu tive que conversar com eles, arrecadar o dinheiro e ir pagar para eles poderem vir ligar, aí paguei tudo.
29
Ademais, o fato de o condomínio e das unidades habitacionais não terem sido
registrados, fez com que a entrevistada, no papel de síndica, tivesse que abrir uma
conta bancária em seu próprio nome, e não em nome do condomínio, como é o usual,
gerando a desconfiança dos demais vizinhos:
E: Então eu tive que abrir a conta no meu nome, porque isso aqui não tem registro né, não posso abrir conta no nome do condomínio, porque não é registrado ainda. E qualquer coisinha, eles falam que o dinheiro tá sumindo. Aí eu vou lá embaixo, pego o saldo e mostro para eles. Olha lá, o dinheiro tá lá. Tem tanto. Só tá no meu nome porque não tem registro daqui, se tivesse registro...
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De um modo geral, aqueles que já estão no conjunto habitacional da Serra
queixam-se da tristeza ao deixarem suas antigas residências e que os apartamentos
são menores do que as casas nas quais moravam, não comportando toda a família ou
os móveis que possuíam:
- E: Ah, a maioria das pessoas da minha idade, quase morreu tudo né... (...) Eu fui em uns oito enterros né... (...) Todo mundo que ficou... adoeceu né, a gente manchava tudo de roxo... Fica sentido né... muito tempo num lugar. (...)
29
Entrevista realizada dia 31.03.2012 com D. Nayara, moradora do conjunto habitacional da Serra. 30
Entrevista realizada dia 31.03.2012 com D. Nayara, moradora do conjunto habitacional da Serra.
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Pesq: A senhora falou que eram doze cômodos. Quantas pessoas moravam na outra casa? E: A lá tava cheio. Lá tinha neto que morava comigo... Pesq: E o que fez com esse pessoal? E: ...aí veio só um pra cá, depois ele não quis ficar aqui mais... espalhou todo mundo... Pesq: E o que a senhora tá achando disso, porque antes a senhora morava com seus filhos todos né? E: Ah fica ruim né, porque não dá para gente ficar junto o tempo todo. (...) Antigamente eles tinham o quartinho deles para dormir separado, agora não, quando vem pra cá, quando a turma chega e vem me visitar fica todo mundo grudadinho
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- Pesq: E como foi pra vocês quando chegaram e falaram, ‘ah, vocês vão ter que sair’? E: Ah... gostei não. Gostei não. Eu gostava do meu lugar mesmo. Pesq: É.. por que? E: Era maior, melhor. Muito melhor. Pesq: Você gostava da sua vizinhança lá? E: Ah, gostava. Gostava muito. Pesq: Tinha quantos cômodos em sua casa anterior? E: tinha dois, só que dava mais pra construir, porque era muito grande o terreno
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- Pesq: Como é que foi a adaptação? Sempre morou em casa, de repente agora mora em apartamento, esse monte de gente aí... E: É estranho, porque o tanto de coisa que eu tinha, que eu tive que dar pros outros... E2: As nossas coisa lá em casa era tudo grande, sofá grande... E: Tinha dois cômodos lá só de bagulho. E2: Guarda-roupa grande...
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Além dos relatos que traduzem a dificuldade em se adaptar a um novo modo
de vida, as insatisfações se agravam quando o assunto é a má qualidade da
construção do conjunto habitacional que já apresenta rachaduras.
Pesq: Quanto ás obras, a senhora achou que ficaram melhor? E: as obras? Eu tava achando que era os apartamentos, mas depois dessas rachaduras aí eu tenho minhas dúvidas.
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- E: Já que eles estavam fazendo um investimento tão grande, eu acho que poderia fazer uma coisa mais bem feita. Que nem aqui, ó (aponta para uma rachadura em uma das paredes do prédio), pra você ver, num precisava de, a segunda vez que acontece isso. Por que que na primeira vez num fez um
31
Entrevista realizada dia 31.03.2012 com D. Nayara, moradora do conjunto habitacional da Serra. 32
Entrevista realizada dia 06.12.2012 com Maria, moradora do conjunto habitacional da Serra. 33
Entrevista realizada dia 07.12.12 com D. Vivian e Altair, moradores do conjunto habitacional da Serra. 34
Entrevista realizada dia 31.03.2012 com D. Nayara, moradora do conjunto habitacional da Serra.
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serviço melhor? Quando tava construindo, fizesse melhor, pra não ter a segunda vez. Já é a terceira vez. Pesq: No período da construção já estava dando esse problema de rachadura? E: Quando construiu o prédio, beleza. Aí quando, um ano que a gente tava aqui começou a... uma chuva forte deu. Aí, começou. A primeira coisa foi rachar aqui (aponta para uma parede). Beleza, eles vieram aqui, quebraram o piso todo, entendeu? Quebrou o piso todo, fizeram tudo. Solucionou o problema, beleza. Num pôde chover, mas, cê viu, choveu aí esse ano passado aí, e aí? Pesq: É, choveu bastante. E: Começou tudo de novo.
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Pelo fato de não se perceberem pertencentes àquele ambiente, com o qual
não se identificam, alguns moradores relatam a dificuldade de preservar a área comum
do condomínio:
E. Acontece que os moradores não ajudam né, os próprios moradores mesmo estragam o negócio, é uma quebração de coisa, eles estragam, você vê a pracinha ali que é para os meninos brincarem, sempre o pessoal, tá consertando porque eles quebram tudo, é aquela praça lá em cima que tinha as coisas para fazer ginástica, foi tudo quebrado, não deu nem para o pessoal aqui subir e fazer ginásticas lá em cima, porque eles quebraram tudo. E, no mais a gente tem que aprender né, aprender a conviver aqui, porque é difícil demais para a gente que morava em casa.
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Os apartamentos e, consequentemente, as novas regras advindas da vida em
condomínio, impossibilitam a manutenção do modo de vida e das formas de lazer com
as quais estavam acostumados, ocasionando descontentamento:
- Pesq: Mas se desse a opção entre pegar a indenização e o apartamento, o que você acha que ia escolher? E:Ahh, eu pegava a indenização. Comprava uma casa. Pesq: Por que? E: Ahh.. é muito melhor. Apartamento é chato. Pesq: O que é mais difícil de viver assim num prédio, num condomínio em relação a casa? E: Ahh... mudou muito, eu fico muito é presa. Pesq: Fica presa? E: Fica é presa. Fico dentro de casa o dia todo Pesq: O que você acha que casa pode fazer que aqui você não pode fazer? E: Ahh... muita coisa, (risos) começa assim, tem muita coisa que você não pode fazer aqui. Ahh, som, apesar que som é até 10h, alto. Assim, você fazer um churrasco, chamar aquele monte de gente, o apartamento é pequeno já... ah não,... aí é chato. Pesq: você tinha área, né? E: eu tinha área, uma área grandona, todo fim de semana tinha um churrasco lá, um forró, aqui é ruim demais...
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Entrevista realizada dia 21.04.2012 com Paulo, morador do conjunto habitacional da Serra. 36
Entrevista realizada dia 31.03.2012 com D. Nayara moradora do conjunto habitacional da Serra. 37
Entrevista realizada dia 06.12.2012 com Maria, moradora do conjunto habitacional da Serra.
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- Pesq: Você prefere morar em apartamento que na sua casa antes? O que mudou? E: Não, prefiro na minha casa antes. Pesq: Por que? E: Porque era mais cômodos, era mais espaço. Pesq: E o que você acha que é bom no apartamento? E: Nada, não é bom em nada. (risos) Pesq: Você fazia muita festa e agora não pode fazer mais? E: É. Prédio não pode fazer nem festa. Não pode fazer festa, não pode ligar som alto, mas nós liga altão.
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Apesar de os moradores da Serra e do São Tomás e Aeroporto estarem em
áreas urbanas, foi possível observar que, antes do programa Vila Viva, suas casas
estavam localizadas em lotes que lhes possibilitavam manter atividades de cunho
rural, como a plantação de hortas, pomares e a criação de animais, extremamente
importantes e valorizadas pelos moradores, principalmente os mais velhos,
possibilitando-lhes, inclusive, melhor qualidade na alimentação:
Pesq: E por que a senhora não queria o predinho, o apartamento? E: Eu nunca gostei de apartamento não, é gente, gente, como é que fala, gente matuto, lá a gente tinha um terreninho, um pedacinho, lá tinha plantação, sabe, e eu gosto muito de ter minha hortinha, minhas folhas todas... Pesq: Tô vendo que a senhora tem muita folhagem. E: É, então, eu queria uma morada, eu queria uma casa, é que tivesse um pedacinho, igual onde eu morava, lá, tinha banana, eu comia banana, lá tinha é taioba, serragem, tinha tudo quanto é verdura, aí então é isso aí.
39
Percebe-se que o programa impõe um padrão de vida e um tipo de cultura
que não são assimilados pelos moradores dos novos conjuntos habitacionais, ao
mesmo tempo em que ignora o perfil familiar e a maneira como as relações sociais
naturalmente se desenvolviam e se constituíam. Chama a atenção o relato de uma
entrevistada, que não conseguia entender o porquê de os funcionários da Urbel
chamarem a sua atenção por pendurar toalhas na janela após o banho, uma vez que
sempre fizera isso:
E: Quando nós veio para cá, que nós veio da casa, até hoje eu faço isso, a toalha tá molhada, eu coloco a toalha aqui para secar. Tomou banho, põe a
38
Entrevista Heloísa e Rose, moradoras do conjunto habitacional da Serra. 39
Entrevista realizada dia 31.03.2012 com Dona Eulália, moradora do conjunto habitacional da Serra.
46
toalha ali para secar... aí quando eles estavam passando, eles paravam o carro, pedia para gente abrir a porta, o portão lá embaixo, a gente abria, eles subiam... “ah eu quero conversar com a senhora”. Quando chegava aqui, já ia pegando a toalha dali e me entregando a toalha na mão... Pesq: Que isso! E: “Não pode deixar isso aqui!” não, nós fomos muito humilhados aqui sim. Pesq: Porque que não pode deixar a toalha na janela gente?! E: Diz que não podia, que ia passar a cobrar era multa, que não sei o quê, que ia dar era multa na gente. Aí nos começamos, eu falei: “gente, vamos falar nada agora não, vamos prestar atenção primeiro” Aí nós começamos a prestar atenção neles, aí nós andávamos aqui para baixo, nós prédios lá para baixo, dos ricos, tinha alguma coisa na janela, porque que nós não podia por alguma coisa na janela?
40
As diferentes formas de morar correspondem às diversas formas de viver,
fazer e criar na sociedade. As comunidades da Serra e do São Tomás, assim como as
demais vilas e favelas da cidade de Belo Horizonte criam o seu próprio contexto social
e normas de convivência que não podem ser invisibilizados ou desmerecidos em
reuniões pseudodemocráticas que acabam por impor uma cultura.
O que os relatos acima revelam é a necessidade de realmente se elaborar
uma política habitacional que atrele o direito fundamental de moradia às suas
especificidades, como laços de amizade e de vizinhança, formas de lazer e a relação
com hábitos considerados rurais.
As famílias removidas para a execução de obras públicas que optaram pelas
unidades habitacionais inserem-se no Programa Bolsa Moradia enquanto aguardam o
reassentamento. Conforme informações da Prefeitura de Belo Horizonte (2013), para
que se assine o contrato, é necessária vistoria prévia do imóvel por engenheiro da
Urbel. Grande número de moradores entrevistados afirmou existir considerável rigor
com relação à avaliação dos imóveis pelos engenheiros. As moradias encontradas no
valor da bolsa aluguel comumente não satisfazem às exigências ou, quando o fazem,
localizam-se em regiões distantes do local de moradia anterior, o que faz com que
muitos moradores se afastem da rede de serviços, da vizinhança e dos familiares.
No caso do Programa Vila Viva, muitos moradores ficaram provisoriamente no
Bolsa Moradia até que as unidades habitacionais tivessem seus processos de
40
Entrevista realizada dia 31.03.2012 com D. Nayara moradora do conjunto habitacional da Serra.
47
construção finalizados. Porém, um período que seria inicialmente curto acabou se
delongando em função do atraso na entrega dos apartamentos, fato gerador de
ansiedades e instabilidade às famílias. Houve relatos de casos em que a Urbel deixou
de pagar o valor do bolsa moradia e a família teve que realizar o pagamento por meio
dos próprios salários.
- Então, eu morava na casa da minha sogra. Aí eles falaram assim, “ó, nós vamos te dar”... Na época era duzentos reais o aluguel, eu pagava o aluguel quinhentos reais. Então... Pesq.: Eles davam aluguel social? Bolsa aluguel... P: Isso, bolsa aluguel, era R$ 200. Como cê arruma casa de R$ 200? Não tem condições, então tinha que inteirar do meu dinheiro pra alugar. Fiquei 6 anos [no Bolsa Moradia].
41
- a URBEL, falou que ia arrumar um aluguel pra gente, o dinheiro pro aluguel, né, teria que arrumar uma casa, aí eu fiquei umas duas semanas correndo atrás de casa, né. Pesq.: Porque num é qualquer uma também que eles aceitam. L: É, e cê tinha isso e também lá é difícil cê achar aluguel, né, também com o valor que eles tavam dando, na época era, (...), o valor acho que era trezentos reais, eu tinha que arrumar uma casa nesse valor, e lá num consegue achar. Aí eu até achava casa, tinha uma casa que eu até queria ir na época, que tava acabando ainda de construir, mas aí tinha um prazo também, num tinha como eu esperar, porque a menina também que morava lá, né, meu irmão também, já tava sentindo incomodado, né, aquele tanto de gente lá, acaba com sua privacidade.
42
- E: ahhh.. pra mim num melhorou não, eu acho que num melhorou ainda não, porque a gente que vive de aluguel, vive em aluguel, a gente num é, a gente vive muito oprimido, né. Coisa dos outros, né. Pesq.: tem quanto tempo que vocês tão no aluguel já? E: já tem um ano e três meses, né.
43
O programa Bolsa Moradia, por mais que represente uma garantia para os
moradores removidos por obras públicas em Belo Horizonte, acaba, em algumas
situações, se tornando problemático para os moradores. Isto porque há casos em que
a situação temporária do aluguel perdura por muitos anos. Por outro lado, a retirada de
habitações pelo próprio programa e a alta demanda por locação, dificultam o acesso
em local adequado para a maioria dos moradores, salvo se estes tiverem renda para
complementarem o valor do aluguel com recursos próprios.
41
Entrevista realizada com Paulo, reassentado no Aglomerado da Serra. 42
Entrevista realizada com Leandro, morador removido no Aglomerado da Serra. 43
Entrevista realiuada com Maria José, moradora removida na Vila Aeroporto.
48
4. ANÁLISE DE IMPACTOS E EFEITOS
4.1 Cenário ex ante
O cenário ex ante do Aglomerado da Serra e das Vilas São Tomás e Aeroporto
tenta reconstruir, a partir das categorias de análise e dos respectivos Planos Globais, o
modo de vida e as situações do cotidiano na percepção dos moradores entrevistados.
O corte temporal para a montagem do cenário foi de poucos anos antes das obras de
intervenção do Programa Vila Viva efetivamente terem início, sendo de 2000- 2004 no
Aglomerado da Serra, e nas Vilas São Tomás e Aeroporto de 2001-2010.
4.1.1 Aglomerado da Serra:
O Aglomerado da Serra é o maior conjunto de vilas e favelas da cidade de Belo
Horizonte, contando com uma população de cerca de 50.000 habitantes. Fica
localizado próximo a bairros nobres, como Mangabeiras, Serra, São Lucas e Santa
Efigênia, contudo, pelo fato da região ser definida por colinas e espigões alongados, as
características fisiológicas da área não são favoráveis à ocupação desordenada, “visto
que requer obras mais ‘robustas’ de custos mais elevados”44, pois as fraturas das
rochas locais propiciam processos de quedas de blocos e facilitam o escorregamento
de massas de rocha alterada e solo45.
O Relatório denominado Diagnóstico, da 3ª Etapa do Plano Global do
Aglomerado da Serra, elaborado em maio de 2000, destaca que as vilas formadoras do
Aglomerado possuíam situações de risco distintas, que variavam de acordo com o
tempo de ocupação. As vilas com maior tempo de ocupação e, consequentemente,
melhor infraestrutura urbana, tinham menos problemas de risco. 46
44
PGE – Etapa Diagnóstico – Relatório que contém Diagnóstico Integrado, as Diretrizes de Intervenção e os Diagnósticos Setoriais da 3ª Etapa do Plano Global do Aglomerado da Serra. Maio de 2000. P.16 45
PGE – Etapa Diagnóstico – Relatório que contém Diagnóstico Integrado, as Diretrizes de Intervenção e os Diagnósticos Setoriais da 3ª Etapa do Plano Global do Aglomerado da Serra. Maio de 2000. P.17. 46
PGE – Etapa Diagnóstico – Relatório que contém Diagnóstico Integrado, as Diretrizes de Intervenção e os Diagnósticos Setoriais da 3ª Etapa do Plano Global do Aglomerado da Serra. Maio de 2000. P 18.
49
O Relatório Diagnóstico, a partir da análise global e por vila de um quadro
elaborado para verificar o risco geológico-geotécnico do Aglomerado, apresentou a
seguinte conclusão:
A Vila Aparecida é a melhor deste ponto de vista com a ocupação mais antiga e melhor topografia com apenas 1,1% de sua área como de risco, representando apenas 0,9% de toda a área de risco do Aglomerado. Na outra ponta destacam-se São Lucas (19,9%), Cafezal (19,7%), Fátima (15,1%) e Marçola (11,7%); no entanto a Vila Fátima com sua grande área total, representa 50,2% de toda a área de risco do Aglomerado, exatamente uma vela de ocupação mais recente e com morfologia mais complexa, mostrando declividades mais elevadas e vales encaixados. No total do Aglomerado são 18,74 ha que deverão ser tratados prioritariamente do ponto de vista de risco, que representam 12,8% de toda a área do Aglomerado (145,9 ha). Estes dados dão uma noção da enorme gravidade da questão de risco nesta porção de Belo Horizonte, visto que foram considerados para este cálculo somente situações
de risco iminente e alto47
Após breve alusão às características fisiológicas do Aglomerado da Serra, para
melhor montagem do cenário anterior à intervenção do Programa Vila Viva, analisa-se,
em primeiro plano, a categoria direito à cidade, por ser aquela que traduz a
possibilidade de se desfrutar da vida urbana com todos os seus serviços e vantagens,
além do direito à participação direta da população na formulação, execução e
acompanhamento dos programas de desenvolvimento urbano.
A partir da análise das entrevistas realizadas, percebe-se que o Aglomerado da
Serra era formado por muitos becos, sendo muitos de terra, os quais, em períodos
chuvosos, incomodavam os moradores por causa da formação do barro, problema que
se agravava quando havia desabamentos, o que, algumas vezes, ocasionou o
falecimento de famílias inteiras nas áreas de encosta. Outro ponto relevante a ser
destacado é que a largura dos becos dificultava o acesso de serviços básicos como
ambulâncias, bombeiros e até mesmo de carros da polícia a várias partes do
Aglomerado. Os moradores tinham sérios problemas de mobilidade, sendo o mais
mencionado o transporte de doentes até o local mais próximo de acesso ao transporte.
47
PGE – Etapa Diagnóstico – Relatório que contém Diagnóstico Integrado, as Diretrizes de Intervenção e os Diagnósticos Setoriais da 3ª Etapa do Plano Global do Aglomerado da Serra. Maio de 2000. P. 18.
50
A falta de água e saneamento básico, com esgoto a céu aberto, possibilitava a
proliferação de vetores, como ratos e baratas, o que levou a comunidade a se
organizar e a aderir ao programa Pro-Sanear, que permitiu o acesso à água encanada
e a redes de esgoto. Contudo, os entrevistados alegam que, quando da elaboração do
Plano Global Específico, que é o instrumento de planejamento das vilas, os anseios e a
luta da comunidade não foram respeitados pela Prefeitura:
E: Não tinha água, não tinha esgoto, hoje tem tudo através do projeto Pro-Sanear, que nós abraçamos essa causa, lutamos, chamamos a comunidade, chamamos a COPASA junto com a comunidade, a COPASA aderiu ao projeto, ta ai o Pro-Sanear. Da mesma maneira, nós chamamos a comunidade pra discutir o plano global, mas simplesmente a prefeitura não respeitou os nossos anseios e a nossa luta. (Ricardo João, liderança comunitária)
Apesar da mobilização da comunidade local, o Relatório Diagnóstico destaca
que no ano 2000, a infra estrutura existente relacionada à saneamento e energia
elétrica ainda era insatisfatória, o que ocasionava muitas ligações clandestinas nos
serviços de abastecimento de água e energia elétrica, “além de baixo índice de
pavimentação, esgotamento sanitário e drenagem”48.
A falta de saneamento básico era visível pelos becos e ruas do aglomerado, e
os moradores não tinham alternativa para descartar resíduos. A maior parte do
aglomerado não era atendida por coleta de lixo, o que corroborava com o seu acúmulo
nas vias:
Quanto à coleta de lixo e entulho, são muito significativas as áreas não atendidas pela SLU perfazendo quase toda a totalidade da região (...). As distâncias percorridas pelos moradores para se desfazerem do lixo em pontos de coleta regular são longas, gerando acúmulo que em épocas de chuvas são
levados aos córregos e talvegues, dificultando ainda mais a sua remoção.49
A dificuldade de acesso refletia, ainda, na qualidade do transporte público, que
atendia somente precariamente a população do Aglomerado. A maior parte dos
48
PGE – Etapa Diagnóstico – Relatório que contém Diagnóstico Integrado, as Diretrizes de Intervenção e os Diagnósticos Setoriais da 3ª Etapa do Plano Global do Aglomerado da Serra. Maio de 2000. P. 34 49
PGE – Etapa Diagnóstico – Relatório que contém Diagnóstico Integrado, as Diretrizes de Intervenção e os Diagnósticos Setoriais da 3ª Etapa do Plano Global do Aglomerado da Serra. Maio de 2000. P. 28.
51
moradores tinha que se deslocar distâncias longas para alcançar o ponto de ônibus
mais próximo.
Neste tocante, o Relatório Diagnóstico destaca que o Aglomerado possuía
condições muito desfavoráveis de acesso e circulação, tanto no que diz respeito à
continuidade e compatibilização com o sistema viário da Capital mineira quanto da
circulação e acessibilidade interna para os residentes das Vilas:
Desta forma se configura como uma barreira de difícil transposição para a integração viária da região metropolitana, tanto por suas características sociais quanto pela morfologia do sítio. Prova disto é a complexidade com que se apresenta o debate sobre a implementação da Via 276 prevista no Plano Diretor de Belo Horizonte. O sistema viário interno do Aglomerado, com raras exceções, não se conecta adequadamente com os bairros em volta, apresentando várias situações de ‘gargalo’ para entrada, saída e circulação interna. Desta forma, não atende a comunidade no que diz respeito ao transporte coletivo (a maior parte das linhas de ônibus não consegue entrar no Aglomerado), coleta de lixo, segurança pública, transporte de cargas (principalmente material de construção) e eventuais emergências. As vias veiculares não atendem o Aglomerado integralmente e raramente apresentam características adequadas para circulação simultânea de pedestres e veículos, com falta de passeios, capeamento e iluminação pública precários, rampas com alta declividades, descontinuidade do traçado, pistas muito estreitas. A
situação é ainda pior nas vias secundárias e de pedestre50
.
A má qualidade do sistema viário, não só restringia grande parte dos habitantes
a ter acesso ao transporte coletivo, como também dificultava a limpeza urbana.
O comércio local era variado e diversos produtos e serviços eram ofertados no
próprio aglomerado, o que evitava grandes deslocamentos por parte dos moradores.
Grandes redes de supermercados encontravam-se somente em bairros vizinhos, como
no Paraíso e na Serra.
O Relatório Diagnóstico destaca o grande número de domicílios que eram
utilizados de forma mista, ou seja, tanto para uso residencial como para alguma
atividade geradora de renda:
50
PGE – Etapa Diagnóstico – Relatório que contém Diagnóstico Integrado, as Diretrizes de Intervenção e os Diagnósticos Setoriais da 3ª Etapa do Plano Global do Aglomerado da Serra. Maio de 2000. P.26
52
Do total dos 13.462 domicílios, 82,16% são de uso residencial e misto, estes últimos representados por domicílios usados tanto para residência, quanto para alguma atividade geradora de renda (comércio, serviços, atividades mais frequentemente encontradas). As Vilas Santana do Cafezal e Marçola são as que têm percentual maior de domicílios não residenciais, comparativamente às demais. (...) Os domicílios não residenciais são constituídos principalmente por pequenos comércios, geralmente bares, mercearias, sacolões sendo que, na Vila Novo São Lucas, chama a atenção o número de igrejas evangélicas ali existentes. São pequenas edificações, algumas delas utilizadas também como
residência dos pastores.51
Apesar das dificuldades relacionadas à infraestrutura urbana e saneamento
básico, todos os entrevistados alegaram que gostavam de viver no Aglomerado da
Serra, seja por causa da proximidade com o centro de Belo Horizonte e, portanto, da
oferta de emprego, seja pelos vínculos afetivos e redes de solidariedade existentes.
Essa observação coincide com a do Relatório de Diagnóstico:
O local de moradia, representado pela proximidade de bairros com ótima infraestrutura urbana e serviços, além de facilidade de acesso ao Centro da cidade, é um dos fatores de peso na permanência da população do Aglomerado em seus locais de moradia. Mesmo aquelas Vilas em que considerável percentual da população não vê ali nada de positivo, (32,0% dos entrevistados de Fátima e 28,9% da Vila Novo São Lucas), não se observa interesse em mudar dali, estando a expectativa da população voltada para a melhoria futura do local, representada por maior acesso ás condições básicas de urbanização e saneamento, ampliação ou melhoria da oferta de serviços de educação, saúde e segurança e, do ponto de vista da ação individual das pessoas, de melhoria, ampliação ou aquisição de moradia na própria Vila. Pouco foram as pessoas que indicaram, nas entrevistas realizadas, o interesse
de se mudar para outro local.52
A maioria dos entrevistados nasceu e se criou no aglomerado, onde possuem
família e amigos. A rede de solidariedade permite a reprodução da vida, onde o apoio
mútuo favorece a construção do senso de comunidade e de pertencimento, que é muito
expressivo neste caso. É recorrente a menção à importância dos vizinhos em
momentos de doença, para auxílio com a criação e cuidado dos filhos ou de parentes
idosos.
O fato de viverem em casas permitia que pudessem conversar pela janela e se
inteirarem do que estava acontecendo na vizinhança. A convivência próxima com os
51
PGE – Etapa Diagnóstico – Relatório que contém Diagnóstico Integrado, as Diretrizes de Intervenção e os Diagnósticos Setoriais da 3ª Etapa do Plano Global do Aglomerado da Serra. Maio de 2000. P.51. 52
PGE – Etapa Diagnóstico – Relatório que contém Diagnóstico Integrado, as Diretrizes de Intervenção e
os Diagnósticos Setoriais da 3ª Etapa do Plano Global do Aglomerado da Serra. Maio de 2000. P.56.
53
amigos e as fortes redes de solidariedade que se formavam eram capazes de amenizar
as dificuldades do cotidiano e permitiam que eles se adequassem àquela realidade de
abandono por parte do Poder Público:
Pesq: na casa em que a senhora morava antes, tinha mais contato com os vizinhos? E: Eles eram mais amigos, mais unidos, é... tirando a Nayara, que a Nayara, qualquer coisinha eu tô com ela, ela tá comigo. Mas lá, assim, eu adoeci duas vezes, e eles iam muito lá, principalmente a dona Chica (...) ela ficava lá fazendo coisas pra mim, que me melhorava, me levava para ir no médico...
nossa mãe!53
Por fim, outra categoria de pesquisa utilizada foi a habitação, que não é
simplesmente um abrigo, um ambiente físico para acolher uma unidade familiar, mas
um conjunto de funções e propósitos que podem variar segundo o contexto
sociocultural, e o seu reconhecimento garante a efetivação deste direito ao seu
detentor.
Dos relatos é possível concluir que parte dos moradores tinham casas grandes,
pois suas famílias são numerosas. Os entrevistados demonstraram orgulho pelo
esforço empreendido na construção da moradia e sua progressiva melhora. Lado outro,
é possível perceber que também havia construções muito simples e precárias, cujos
moradores viviam angustiados com a possibilidade de desabamento.
O Relatório Diagnóstico salienta que:
Do ponto de vista físico, a maioria das residências das Vilas do Aglomerado, embora em constante processo de construção, apresentam alguns indicadores que as situam em um nível bastante razoável de habitabilidade (paredes de alvenaria, cobertura de laje ou de telha de amianto, pisos cimentados, rebocadas internamente) (...). Entretanto, quando são analisadas as condições ambientais, reduz-se a situação de habitabilidade. Percentual significativo de residências das Vilas do Aglomerado não têm janelas nos quartos, motivo de aumento da insalubridade das moradias, com reflexos na saúde da população, principalmente das crianças.(...) Apesar de mais da metade dos moradores das Vilas possuírem banheiros dentro da casa, percentual significativo dos residentes em Santana do Cafezal e Nossa Senhora da Conceição usam banheiros coletivos e, na Vila Nossa Senhora de Fátima, 7,2% dos moradores
não têm banheiro em suas residências.54
53
Entrevista com Eulália, moradora do Aglomerado da Serra, em 31/03/2012 54
PGE – Etapa Diagnóstico – Relatório que contém Diagnóstico Integrado, as Diretrizes de Intervenção e os Diagnósticos Setoriais da 3ª Etapa do Plano Global do Aglomerado da Serra. Maio de 2000. P.57
54
Antes do programa Vila Viva, as habitações no aglomerado consistiam em
casas, o que permitia o desenvolvimento de atividades tais como, a plantação de
hortas, pomares e a criação de animais, extremamente importantes e valorizadas pelos
moradores, principalmente os mais velhos, possibilitando-lhes, inclusive, melhor
qualidade na alimentação:
Pesq: E por que a senhora não queria o predinho, o apartamento? E: Eu nunca gostei de apartamento não, é gente, gente, como é que fala, a gente é matuto, lá a gente tinha um terreninho, um pedacinho, lá tinha plantação, sabe, e eu gosto muito de ter minha hortinha, minhas folhas todas... Pesq: Vejo que a senhora tem muita folhagem. E: É, então, eu queria uma morada, eu queria uma casa, é que tivesse um pedacinho, igual onde eu morava, lá, tinha banana, eu comia banana, lá tinha
taioba, serragem, tinha tudo quanto é verdura, aí então é isso aí.55
Apesar de não terem o registro da propriedade, essa era a realidade de todos no
Aglomerado da Serra, o que reforçava o senso comum de que não seriam removidos
de suas casas:
Pesq: Mas lá onde vocês moravam, na casa, achavam que um dia iriam sair de lá? E: Não... Pesq: Mas assim, essa última casa, vocês achavam que um dia iam sair... E: Não pensava isso não. Igual, todo mundo que tá lá... Pesq: Por que assim, vocês não tinham papel, essas coisas, documentação... E: Tinha nada. Pesq: Por isso vocês pensavam que, ah, um dia, alguém virá tirar a gente? E: Mas ali ninguém tem documentação de nada não, aqui na favela...
Ninguém...56
A mesma conclusão se observa no Relatório Diagnóstico, que chama a atenção
para o fato de que as famílias do Aglomerado da Serra se diziam proprietárias dos
imóveis, mesmo não tendo o registro imobiliário e poucas demonstraram preocupação
com relação à falta de regularização da propriedade:
Das famílias entrevistadas, a quase totalidade (aproximadamente 80%), se diz proprietária do lote e do domicílio onde residem, mesmo não possuindo comprovante de aquisição desses bens (apenas 8,5% das famílias, em média, afirmam ter escritura de seu imóvel residencial). Apesar disto, foi muito
55
Entrevista com Eulália (moradora do Aglomerado da Serra) em 31/03/2012. 56
Entrevista com Dona Vivian e Sr. Altair (moradores do Aglomerado da Serra) em (07/12/12)
55
reduzido o percentual que apresentou como necessidade, a regularização
fundiária (...).57
O cenário anterior ao início do Programa Vila Viva no Aglomerado da Serra,
construído pelos entrevistados e pela análise do Relatório Diagnóstico, reflete
claramente que a região era carente em infraestrutura urbana, com sérios problemas
de acesso a serviços públicos básicos, esgotamento sanitário, acessibilidade, além dos
riscos enfrentados em épocas de chuva. Por outro lado, a localização do aglomerado,
próxima ao centro de Belo Horizonte, favorecia o acesso à oferta de emprego e demais
serviços urbanos. Por estar em uma região consolidada, cuja ocupação remonta há
décadas, não havia insegurança na posse ou ameaças de despejos ou remoções. A
moradia em casas correspondia ao estilo de vida dos moradores, que utilizam da
autoconstrução, com incrementos ao longo dos anos, especialmente para moradia dos
filhos casados ou outros familiares.
4.1.2 São Tomás e Aeroporto
As vilas São Tomás e Aeroporto estão localizadas na região Norte de Belo
Horizonte, atrás do Aeroporto da Pampulha e com acesso por meio das avenidas
Portugal e Dr. Cristiano Guimarães. Ambas são separadas do bairro São Bernardo pelo
Córrego Pampulha (ou Córrego do Onça) e interligadas por meio de pontes.
A ocupação da área, segundo depoimentos de moradores das vilas e de
funcionários do Centro Cultural São Bernardo, se deu a partir dos anos 50,
intensificando-se na década de 1960. Já a “ilha”, como também é chamada a vila
Aeroporto, teve a ocupação iniciada na década de 1960, ambas na grande área
conhecida por “vila dos cabritos”. Na época, o córrego não era poluído, sendo utilizado
para pesca e lavagem de roupas. Segundo uma antiga moradora, atualmente em
bolsa moradia, “cada um tinha sua casa boa, oportunidade de construir sua casa
grande porque a gente tinha muito espaço, 41 anos atrás...”58.
57
PGE – Etapa Diagnóstico – Relatório que contém Diagnóstico Integrado, as Diretrizes de Intervenção e os Diagnósticos Setoriais da 3ª Etapa do Plano Global do Aglomerado da Serra. Maio de 2000. P.57. 58
Entrevista com Marilda, moradora da Vila Aeroporto e líder comunitária.
56
O amadurecimento das propostas de intervenção nas vilas ocorreu entre os
anos de 2000 e 2001, período da elaboração do Plano Global Específico, o PGE –
conquistado pelos moradores através do Orçamento Participativo, cujo diagnóstico
constatou áreas de risco geológico, elaborou o perfil socioeconômico, ambiental e físico
da região, assim como recomendou possíveis estratégias de resolução dos problemas.
Em 2011, 10 anos após a conclusão do PGE, iniciou-se na região a implementação do
Programa Vila Viva, que ainda está em andamento.
Como anteriormente explicitado, os cenários ex ante, in processu e ex post
foram constituídos a partir das seguintes categorias: direito à cidade, habitação e
relações socioafetivas. Deve-se ressaltar que a imersão dos pesquisadores só foi
possível após o início da implementação do programa e, desta forma, o cenário ex ante
foi constituído a partir das entrevistas colhidas, que refletem as lembranças e
percepções dos próprios moradores, num recorte temporal dos anos 2001-2010, ou
seja, antes do início das obras de intervenção. Demais dados foram recolhidos do
diagnóstico realizado quando da elaboração do Plano Global Específico para as áreas.
Na categoria direito à cidade, de maneira geral, os moradores das Vilas São
Tomás e Aeroporto afirmam morar em área central da cidade, com grande mobilidade
urbana e com pleno acesso a serviços como bancos, mercados, postos de saúde,
áreas de lazer, e outros.
A partir das falas dos entrevistados, foi possível perceber a grande satisfação
dos moradores quanto ao local da moradia, tendo em vista que residem em área
atendida por quatro linhas de ônibus, que permitem o rápido deslocamento dos
moradores a outros pontos da cidade. Essa mobilidade se torna fundamental se
considerado o tempo gasto para se transportar para o trabalho.
- Hoje, o que é que a gente já tem aqui há muito tempo, Via Brasil, tem um Epa, um Wallmart. A gente tem muita benfeitoria aqui. Quantos shoppings nós temos aqui perto. Vão colocar o Minas Shopping, o Shopping Dell Rey como perto, Mineirão perto, linha de ônibus. N: linha de ônibus aqui a gente tem
57
umas 4 linhas de ônibus. É diversão, área de lazer [ Lagoa da Pampulha]. Tem a Lagoa do Nado também que é aqui pertinho.
59
- Aqui é um lugar que você já tem tudo na mão, lugar muito bom, o pessoal ajuda muito os outros, tudo aqui é fácil, trabalho é fácil, custo de vida é fácil, condução é fácil, tudo aqui é bom.
60
- Nós tem aqui a academia da cidade que a gente frequenta. Tem a... comé que fala, gente... um campo, uma quadra, que a gente faz a caminhada...
61
- Eu gosto daqui porque ó... você precisa de supermercado, tá perto. Você precisa de ir no banco, tá perto, entendeu? Pesq.: e a questão da saúde, você acha que o acesso... A: o posto é aqui ó! Aqui em cima.
62
Nas entrevistas, foi possível perceber certo receio dos moradores em mudar do
São Tomás e Aeroporto, região bem localizada em Belo Horizonte, para locais com
pouca mobilidade urbana e distantes do trabalho e de serviços. Ressalta-se que este
receio é fundamentado na experiência dos moradores atingidos pelo programa que já
saíram de suas casas. Devido ao elevado preço dos imóveis na região central de Belo
Horizonte, a maioria das pessoas mudaram para outras cidades da região
metropolitana da cidade.
- Nós estamos assim bem centralizados, cê entendeu? E de repente você pega assim uma indenização dessa você não consegue comprar nada, nada aqui.
63
- Então é difícil, eles querem dar uma mixaria na minha casa que se eu for comprar em algum lugar, vai ter que ser lá no interior. Eles não pensam que eu morando lá naquela lonjura eu vou ter que levantar mais cedo o resto da minha vida pra trabalhar, entendeu. Pesq: Pegar um ônibus a mais, pagar mais caro pelo transporte... E: é! Isso ai o resto da minha vida! Então pra eles.... entendeu! Ou eu faço isso ou eu pego um apartamento. Então quer dizer, eles me deixam sem saída.
64
As Vilas São Tomás e Aeroporto eram facilmente acessadas por grandes
avenidas, estruturadas por ruas e becos asfaltados. Segundo os moradores, a
existência de becos dificultava o acesso em alguns pontos do aglomerado, sobretudo
de bombeiros, viaturas policiais e ambulâncias. Muitos relataram que um dos motivos
59
Entrevista com Mundica e acompanhante, no São Tomás-Aeroporto. 60
Entrevista com Eusébio, morador do São Tomás-Aeroporto. 61
Entrevista com Verinda, moradora do São Tomás-Aeroporto. 62
Entrevista com Marisa, moradora do São Tomás-Aeroporto. 63
Entrevista com Marilda, moradora do São Tomás-Aeroporto. 64
Entrevista com Marisa, moradora do São Tomás-Aeroporto.
58
da violência e do tráfico na região era o difícil acesso dos policiais a alguns pontos das
vilas.
O acesso a saneamento básico era precário na região. Segundo relatos dos
moradores, a canalização da água e o esgoto eram tratados pela própria população,
sem interferência do poder público:
Esse esgoto, na verdade aqui, não é a copasa que mexe. É os próprios moradores aqui que fizeram as redes de esgoto."
65
Quanto ao acesso a áreas de lazer, os moradores consideram satisfatório.
Ressalta-se que a lagoa da Pampulha e a lagoa do Nado são utilizadas pela população
como áreas de recreação:
Nós tem aqui a academia da cidade que a gente frequenta é diversão, área de lazer [Lagoa da Pampulha]. Tem a Lagoa do Nado também que é aqui pertinho.
66
Quando os pesquisadores abordaram o tema da infraestrutura urbana nas
entrevistas, a questão das enchentes foi reiteradamente debatida. Por isso, detemo-
nos mais detidamente nesse ponto.
Segundo a Urbel, a maioria das remoções previstas na região se tornou
necessária em função das enchentes. Anualmente, as comportas da lagoa da
Pampulha são abertas e o Córrego do Onça inunda a região. Além das perdas
materiais sofridas pelas famílias, muitos relataram a ocorrência de mortes.
A partir das entrevistas, ficou claro que o principal problema enfrentado pela
comunidade é a enchente. Segundo os moradores, aqueles que moravam nas
proximidades do córrego sofriam em épocas das chuvas, preocupados em garantir a
segurança de seus familiares e em recuperar seus bens após a inundação.
- Num volta depois, né, a geladeira quando estraga assim num volta depois, né? Graças a Deus a minha ainda não estragou (risos), mas eu perdi máquina, tanquinho, microondas, porque foi de madrugada, muito de repente, igual eu te falei, como eu tenho pai e mãe por perto e meu irmão é cadeirante, então eu
65
Entrevista com Mundica e acompanhante, no São Tomás-Aeroporto. 66
Entrevista com Mundica e acompanhante, no São Tomás-Aeroporto.
59
fiquei mais preocupada em ajudar eles do que a mim mesmo, né, porque as minhas meninas eu tirei daqui e pronto, mas a água subiu tanto que eu num conseguia me tirar eu e meu irmão daqui... Ele ficou preso ali numa casa de dois andares, que é na vizinha do lado, né?! Que deu apoio pra gente lá".
67
- Da última vez a água veio na minha casa, esse ano ainda, né...? Foi, esse ano não. Final do ano passado, novembro!? Esse sofá que cê tá vendo aqui ficou pura água... As duas televisão que a gente tinha, não sobrou nenhuma, tivemos que comprar outra, então, assim, isso aqui é lavado cê pode ver que o cheiro tá suportável... A marca, isso aqui ó... É de água, então, assim, é muito triste cê ver a sua casa cheia d’água, a geladeira flutuando... Né?
68
- Eles resolveram acabar com isso aqui porque era uma vergonha, isso aqui é uma vergonha. (...) Eu nunca tive um ano de sossego nesse lugar, em trinta e tantos anos. Aqui quando dá fim de ano você não pode viajar, você tem que ter cavalete com três metros de altura pra você guardar suas coisas, você não pode ter nada que presta aqui não. Foi trinta e tantos anos nesse sofrimento.
69
- Aquelas chuvas mais pesadas, ai... isso aqui já foram... já ceifaram vidas ai nesse córrego ai. Ultimamente não é tanto, mas sempre teve essa inundação.
70
- Tinha muita enchente ali embaixo né, enchia muito, a água ali em baixo subia um metro, um metro e meio. A minha mãe morava ali antes de chegar aquela ponte. A casa da minha mãe quantas vezes já não encheu? Nossa, dava dó demais ver aquele pessoal todo sair correndo de um lado pro outro.
71
Sobre este ponto, ressalta-se que historicamente a enchente não atingia as vilas
por completo. Existem áreas de risco nas vilas, porém, essas áreas não compreendem
toda a região do São Tomás e Aeroporto. Faz-se necessário ressaltar esse fato, pois a
partir das entrevistas, foi possível perceber certa falta de compreensão dos moradores
quanto ao motivo da remoção:
Quando enchia, a água chegava a uns 5 metros, não chegava aqui. Ai o que que acontece, se é São Tomás, é risco. O que eles tinham de fazer à época era se preocupar com o córrego, ou é baixar o nível ou fazer uma contenção de concreto do lado e do outro, que ai o pessoal que tava lá, não ia ter problema nenhum. Mas ai eles põe S. Tomás inteiro....
72
Outro ponto recorrente nas entrevistas foi a expectativa dos moradores em
relação ao programa urbanizador e ao fim das enchentes. A maioria deles esperava
67
Entrevista com Patrícia Ferreira, no São Tomás-Aeroporto. 68
Entrevista com Patrícia Ferreira, no São Tomás-Aeroporto 69
Entrevista com Eusébio, no São Tomás-Aeroporto 70
Entrevista com Mestre Conga, no São Tomás-Aeroporto 71
Entrevista com Vanessa do Salão de Beleza, no São Tomás-Aeroporto 72
Entrevista com Mundica, no São Tomás-Aeroporto
60
uma solução da prefeitura para as inundações sem que fosse necessário remover
tantas famílias.
Pelo o que a gente mais lutou foi pela canalização do córrego, mas não conseguimos, mas pelo menos na época, eles fizeram uma limpeza no córrego, afundou ele mais, então já foi um caminho... mas não era isso que a gente queria. O que a gente queria era a canalização dele, porque jogavam esgoto dentro dele. Mas não vai ter canalização ainda.
73
Também o tema da segurança pública nas entrevistas realizadas nas vilas São
Tomás e Aeroporto foi recorrente, o que chamou a atenção dos pesquisadores. Desde
o início da pesquisa, foram gravadas 35 entrevistas, das quais 7 (sete) abordaram a
temática da violência. Desses 7 (sete) entrevistados, 6 (seis) consideraram morar em
área extremamente violenta, com sérios problemas de segurança pública. Os relatos
demonstram a ausência de segurança no cotidiano dos moradores:
A gente quando via confusão a gente procurava não sair de casa, né? A gente sabia e evitava sair de casa... teve uma vez que matou uma mulher no meu portão! Assim, no meu portão, ó... no meu portão
74
Uma das entrevistadas, por sua vez, considerou que o São Tomás apresenta
maior segurança se comparado com a região de sua antiga moradia. Não afirmou,
portanto, expressamente, que a região era um local seguro:
Pesq: aqui tem menos violência? Você acha? M: eu acho. Mas eu mudei mais pra minha filha mudar de... de amizades, entendeu? Deixar um bucado aquelas amizades que ela tinha lá, entendeu? Uma outra vida.
75
Segundo relato dos moradores, a violência das vilas era intimamente associada
ao tráfico:
- Lá era [muito violento]. Você já viu como é que é né, muita droga, muita coisa76
- Isso aqui tava muito perigoso, era tiroteio toda hora, muito avião, muito beco.
77
73
Entrevista com Alda, no São Tomás-Aeroporto. 74
Entrevista com Lucinda, moradora removida do São Tomás-Aeroporto. 75
Entrevista com Marisa, no São Tomás-Aeroporto. 76
Entrevista com Dona Divinalda, no São Tomás-Aeroporto. 77
Entrevista com Eusébio, no São Tomás-Aeroporto.
61
- Essa rivalidade não é de agora...É de tempos, né... De muito tempo isso... Sempre houve... Um mora do lado de lá, outro do lado de cá e... Um acha que pode mais que o outro, só que nem todo mundo vive disso, né...
78
A partir da análise das entrevistas, percebeu-se que a segurança pública
configurou um fator determinante no processo de reassentamento. Em outras
comunidades afetadas pelo programa, foi marcante o questionamento sobre o valor da
indenização e sobre o modelo habitacional escolhido para reassentar as famílias, o
"predinho". Nas Vilas São Tomás e Aeroporto, diferentemente, a comunidade não se
mobilizou tanto para questionar o programa e exigir direitos. Percebe-se que a
condição de alta vulnerabilidade social, decorrente da violência, contribuiu para os
moradores não questionarem o processo e aceitarem indenizações fixadas em valores
irrisórios, posto que a insatisfação, gerada pela insegurança, fez com que muitos
moradores enxergassem no programa uma oportunidade de "mudança de vida", sem,
contudo, observar e exigir a sua execução de maneira a respeitar e garantir o direito à
justa indenização, à moradia, à participação e à cidade.
Segundo uma moradora removida: “a gente já não gostava tanto assim daqui,
né, porque a violência, a gente num ficava assim tranquilo, cê ia num bar podia na
mesma hora acontecer um tiroteio cê ter que ir embora.”79
Passando à análise da categoria habitação no cenário ex ante, os moradores
das Vilas São Tomás e Aeroporto residiam em casas de tamanho e qualidade
construtiva variáveis. Normalmente, as habitações tinham áreas externas que
possibilitavam o cultivo de plantas e a criação de animais. Muitos dos moradores eram
carroceiros e, desta forma, precisavam de espaço para abrigar os cavalos e garantir o
próprio sustento.
- A casa era boa!!! Tinha dois andares, meu filho morava em cima, minha área era como um lote pra dizer e eu nunca morei com parede e meia com ninguém, sabe.
80
- (...) casa muito boa, com quintal muito bom e no final vou pro prédio. (...) toda vida a gente morou ali, mas a gente era 5 moradores. Cada um tinha sua casa
78
Entrevista com Patrícia Ferreira, no São Tomás-Aeroporto. 79
Entrevista com Mila, removida do São Tomás-Aeroporto. 80
Entrevista com Dona Divinalda, no São Tomás-Aeroporto.
62
boa, oportunidade de construir sua casa grande porque a gente tinha muito espaço, 41 anos atrás...
81
- Tinha pé de manga, no calor a gente ficava lá embaixo dos pé de manga lá respirando o ar, ia muita gente lá pra casa ficar com a gente,
82
- Era assim espaço grande, então os meninos moravam quase tudo assim junto comigo, assim, tudo no mesmo terreno.
83
- Quando eles me falaram o preço eu assustei. 56 mil. porque a minha casa era muito grande, tinha 13 cômodo, a estrutura muito boa, (...) a 5, 6 anos atrás, eu reformei ela, que ela ficou enorme. Ficou muito bem acabada.
84
- Lá no São Tomas era um barraquinho, menina, você precisava ver, mas lá eu conhecia todo mundo e o beco era o da alegria.
85
- Você precisava ver o meu quintal de acerola. Tinha acerola, tinha pé de limão, tinha pé de manga, pé de cajá-manga, pitanga, goiaba, ameixa, tinha tudo quanto é coisa. Meu quintal era igual um pomar. Os menino não quer deixar eu ir lá. Eles não quer deixar porque diz que eu choro demais quando eu vou lá.
86
- Lá tinha mais, tinha rato passando nos becos né, aí aqui, graças a Deus, aqui não tem isso.
87
- Aqui era um beco, que passava aqui atrás aqui e ia direto. Então, era sujeira constantemente.
88
- Lá era muito tranquilo porque a gente falava beco, mas ia carro na porta, ia Kombi, você entendeu?
89
Os moradores das Vilas São Tomás e Aeroporto demonstraram certa
insegurança da posse do terreno mesmo antes da intervenção municipal. A partir das
entrevistas, percebeu-se que havia uma espécie de compreensão coletiva de que a
moradia nas Vilas era sempre provisória, mesmo havendo mais de 60 anos de
ocupação. Segundo relato dos moradores:
- Sempre eles falavam que ia mexer... que um dia saia. Mas eu não acreditava não.
90
81
Entrevista com Marilda, no São Tomás-Aeroporto. 82
Entrevista com Maria José, no São Tomás-Aeroporto. 83
Entrevista com Maria José, no São Tomás-Aeroporto. 84
Entrevista com Rosalina, no São Tomás-Aeroporto. 85
Entrevista com Maria mãe da Natália, no São Tomás-Aeroporto. 86
Entrevista com Dona Augusta, no São Tomás-Aeroporto. 87
Entrevista com Nayara, no São Tomás-Aeroporto. 88
Entrevista com Mundica, no São Tomás-Aeroporto. 89
Entrevista com Dona Divinalda, no São Tomás-Aeroporto. 90
Entrevista com Maria José, no São Tomás-Aeroporto.
63
- Eu não fiquei muito preocupada porque eu sabia, desde que a gente comprou lá, a gente já chegou sabendo que eles falavam que isso daqui ia sair. “Um dia vão tirar a gente daqui, porque vão precisar disso aqui, aqui vai ter segmento da avenida Washington Luis e tal...”
91
- A gente sabia que alguma coisa ia acontecer, a gente só não sabia quando, nem o que que era
92
Uma possível causa dessa insegurança da posse são as constantes ameaças
de remoção: nos anos 60, a empresa Fayal, reivindicando a propriedade dos terrenos,
impetrou ações de reintegração de posse que, apesar de ameaçarem famílias, não
resultaram em remoções. Na década de 1980, houve uma nova ação, desta vez com
remoção de muitas famílias.
Nas entrevistas os moradores relataram estar satisfeitos com suas habitações e
que preferiam morar em casa do que em apartamento. Em linhas gerais, essa
preferência se baseia em quatro motivos, quais sejam, o tamanho da habitação, a
preservação da intimidade, a possibilidade de expansão da casa e a existência de área
externa.
- Eu acho mais confortável [morar em casa], é mais tranquilo, não sei, você tem seu quintalzinho, sua areazinha, você pode fazer um churrasquinho no dia que você quiser, sabe, você pode receber a sua visita a hora que você quiser sem, ne, incomodar o vizinho. Eu acho bem mais vantajoso. Se você quiser construir por cima, por exemplo, você pode. O apartamento, como é que você vai construir por cima?
93
- Tinha pé de manga, no calor a gente ficava lá embaixo dos pé de manga lá respirando o ar, ia muita gente lá pra casa ficar com a gente,né... e apartamento não, apartamento eu vou viver trancada, né. Entrou pra lá tem que fechar, né, num pode sair. Enquanto eu aguentar andar ta bom, né, e a hora que num aguentar... em cima da cama de uma cama, trancada...
94
- Ah ah... como diz o outro, aquele pé de manga ali, é-é... meus filhos cresceram, eu cresci um pouco junto com ele, aí depois meus filhos cresceram com ele.
95
- Era assim espaço grande, então os meninos moravam quase tudo assim junto comigo, assim, tudo no mesmo terreno. E a gente queria reunir pra comprar um lugar pra ficar todo mundo mais ou menos junto...
96
91
Entrevista com Dona Divinalda, no São Tomás-Aeroporto. 92
Entrevista com Eusébio, no São Tomás-Aeroporto 93
Entrevista com Mundica, no São Tomás-Aeroporto. 94
Entrevista com Dona Maria José, no São Tomás-Aeroporto 95
Entrevista com Marilda, no São Tomás-Aeroporto. 96
Entrevista com Dona Maria José, no São Tomás-Aeroporto.
64
- Mesmo os apartamentos, que a princípio eu acho que vai ser um auê, que as pessoas num tão acostumadas a conviver assim, né, um em cima do outro, porque sendo, assim, horizontal, um liga sua música aqui, o outro liga ali, o outro põe uma churrasqueira, porque favela é alegria, né? Num sei se cês já notaram, que a favela é alegria, só alegria, num tem tempo ruim não, todo mundo alegre, todo mundo amigo, é ali, os barzinho cheio, tomando uma cerveja. L: Todo mundo na rua, né? As pessoas convivem muito.
97
- Muita coisa minha eu fiz. Coloquei a porta, as janela.., coloquei a instalação hidráulica, não é lá essas coisas! Mas foi eu que coloquei. Eu minha filha, lógico né. Porque é mais dela do que meu. E... porta, vaso esses trem, foi a gente que colocou, tanque, pia, foi a gente que colocou.
98
A última categoria consiste no relato sobre as relações sociais. A partir da
análise das entrevistas, foi possível perceber que um dos fatores mais relevantes na
constituição do cenário ex ante foram as relações estabelecidas entre os moradores
das vilas: há uma intensa interação social, caracterizada sobretudo por relações
positivas, de solidariedade e companheirismo, mas, em alguma medida, também
negativas, marcadas pela rivalidade, violência e pela presença do tráfico.
A maioria dos entrevistados se referiu à importância do companheirismo da
vizinhança e apontou essas relações sociais como elemento estruturante de suas vidas
no São Tomás e Aeroporto. Para os moradores:
- Cada pessoa que sai, cada família, te dá assim um vazio, sabe? Pessoas que cê tem assim aquela amizade bonita, tudo indo embora assim.
99
- Era muita gente que morava nisso aqui. E anos e anos, todo mundo já era amigo de todo mundo, todo mundo conhecia todo mundo, e de uma hora p outra isso foi e acabou
100
- Aqui é um lugar que você já tem tudo na mão, lugar muito bom, o pessoal ajuda muito os outros
101
- Nossa... gostava demais daquele povo lá, gostava não, gosto, porque as amizades da gente, assim, por mais longe que as pessoas estejam, elas estão sempre com a gente, porque a gente leva elas no coração, ne.
102
- Meu terreiro era muito grande, eu tinha aquele fogãozão de lenha, fazia aquelas festona de São João, convidava, aquele povo ia tudo lá pra casa... e a
97
Entrevista com Glória, no São Tomás-Aeroporto. 98
Entrevista com Marisa, no São Tomás-Aeroporto. 99
Entrevista realizada com Marilda, no Aeroporto. 100
Entrevista com Mundica, no São Tomás-Aeroporto 101
Entrevista com Eusébio, no São Tomás-Aeroporto 102
Entrevista com Rosalina, no São Tomás-Aeroporto
65
gente... era uma coisa muito maravilhosa (...) o povo era muito unido, sabe... era tipo assim uma família.
103
- Lá eu plantei uma amizade muito grande, né, eu tinha muita amizade lá, né, por isso que é, por isso é que a gente sentiu, né, não só eu senti, eu tenho certeza que outros mais também sentiu, o pedacinho que eu convivi eu convivia muito bem com o pessoal, então... é isso né.
104
- Aqui é uma verdadeira comunidade, sabe... E nós somos unidos demais. É gostoso aqui. Tirando as águas... E o tiroteio aqui... É bem assim...
105
Esta rede de apoio e de amizade, demonstrada pelos relatos, promove o senso
de coletividade e permite o desenvolvimento de laços solidários, fundamentais em
casos de extrema pobreza. Como já citado, segundo Miracy Gustin,
Em localidades de exclusão social, concebeu-se capital social e humano como a existência de relações de solidariedade e de confiabilidade entre os indivíduos, grupos e coletivos, inclusive a capacidade de mobilização e de organização comunitárias, traduzindo um senso de responsabilidade da própria população sobre seus rumos e sobre a inserção de cada um no todo. Estes elementos subjetivos manifestam-se em ganhos concretos sobre a resolução de seus problemas, por possibilitarem maior acesso aos direitos e consequente melhoria da qualidade de vida e de bem-estar (GUSTIN, 2012)
Em diversos casos, percebeu-se que essa rede de solidariedade possibilitava a
própria sobrevivência dos moradores. Além de ajuda financeira e emocional, não raro
os vizinhos cuidavam das crianças da comunidade, para os pais poderem trabalhar, e o
comércio aceitava vender "fiado".
- E: eu sempre olhei os menino tudo aqui... Pesq: Se a senhora é madrinha de duas pessoas não deve ser à toa, não... E: Agora, quem olha mais é minha irmã, que num tá trabalhando, né... Ela sempre... Tem vez que ela até ganha, também, eles paga pra ela tomar conta dos meninos, sabe... Eu sempre olhei eles, né... Os menino adora ficar aqui em casa.
106
- Eu faço crochê, né, ensinava pra todo mundo lá, todo mundo me pedia eu ensinava.
107
- Foi muito difícil a nossa vida ali, mas foi muito bom, muito gratificante, sabe, muita amizade, sabe, quem foi chegando, também foi chegando sem nada, na
103
Entrevista com Maria José no São Tomás-Aeroporto 104
Entrevista com Lucinda, removida do São Tomás-Aeroporto 105
Entrevista com Adriana – intervenção da irmã Luzia, no São Tomás-Aeroporto 106
Entrevista com Adriana, no São Tomás-Aeroporto 107
Entrevista com Lucinda, removida do São Tomás-Aeroporto
66
mesma situação. [...] Tivemos a primeira vizinha, a dona Vilma, que tinha cinco filhos, era viúva, chegou também sem nada. Depois chegaram uns lá de Cafezinho, Tanhumim (?), aquele lado lá, deitava em cima de papelão, ao relento. Minha tia já fazia colchas de retalho, de roupa velha, cortava as roupa usada que a gente ganhava e fazia colcha pra eles cobrirem. A gente fez um fogão comunitário, que era tudo no terreiro mesmo, né, no pasto.[...] Então, companheirismo, e isso todo mundo tolera um do outro,
108
- E: Criado e crescido juntos, é maravilhoso, né, só que cê fica assim: a minha vizinha mora do lado... Ela tá indo embora sexta-feira, né... E além de ser minha vizinha ela é minha madrinha, madrinha do meu irmão... Eu... A irmã dela também, que mora em cima, vai embora... Eu, eu ajudei ela a cuidar dos filhos dela, igual, ela faz parte... É mais família do que a própria família que está distante, porque tá no dia a dia da gente né... [...] Pesq: Aqui no bairro, você já precisou de algum vizinho, assim, pra ir trabalhar... E: Já, sempre... Sempre... Pesq: Como funciona?... E: Oi? Pesq: Como funciona isso aqui? E: Ah... “Ah, não, eu tô indo viajar...”, “eu tô indo trabalhar”, “eu vou viajar”, ou senão “cê olha a minha casa...”, “cê olha meu filho...”, e num é nada pago. É uma coisa mesmo, assim, solidariedade um com o outro, né? Bem família... Então isso aí, respeito mesmo, igual meu irmão, quando sofreu acidente, meu pai não conseguiu ficar no hospital, os vizinhos foram, reser... Viraram, né, trocaram de plantão com a gente até ele sair do hospital, então, assim, isso é uma coisa que num vai sair nunca, né... Pesq: Pois é, isso aí... Essa ajuda marca a gente, né? E: É... É família mesmo...
109
O cenário anterior das vilas São Tomás e Aeroporto compõe uma vida na
comunidade que, apesar de dificuldades próprias daqueles que possuem poucos
recursos financeiros, podiam contar com vizinhos, amigos e parentes para ajuda e
auxílio.
A infraestrutura urbana já era adequada para os moradores, em especial porque
conquistada durante longas décadas através da luta das associações de moradores em
conjunto com o Orçamento Participativo. O grande inconveniente era conviver com o
risco constante das enchentes, que em época de chuva causava grandes prejuízos e
colocava todos em perigo constante.
Salienta-se, no cenário anterior, a recorrência da violência do tráfico de
drogas e a ausência do Estado, que vitimizava os moradores e reduzia,
potencialmente, sua qualidade de vida na região.
108
Entrevista com Dona Glória, no São Tomás-Aeroporto 109
Entrevista com Patrícia, no São Tomás-Aeroporto
67
4.2 Cenário in processu
O cenário in processu constitui-se de percepções dos diversos atores envolvidos
durante a execução do Programa Vila Viva. O processo compreende o início do
empreendimento e as expectativas quanto ao programa, as remoções, o início das
obras de infraestrutura, as indenizações e reassentamentos, a participação ou não da
população nesse processo. Configura, ainda, o cenário em processo, a participação e o
envolvimento da comunidade e as relações temporárias com o programa como, por
exemplo, o Bolsa Moradia.
4.2.1 Aglomerado da Serra
No Aglomerado da Serra, o processo de implementação do Programa Vila Viva I
se deu entre os anos de 2005 e 2009, período em que ocorreram, além de reuniões
com os moradores das áreas de intervenções, as remoções das famílias, a construção
de vias e apartamentos e o reassentamento dos moradores, seja no próprio
Aglomerado, seja em áreas externas a ele.
Segundo dados da Prefeitura de Belo Horizonte110, na primeira etapa do
Programa, ocorrida entre os anos de 2005 e 2007, construíram-se 48 apartamentos,
parte da Avenida do Cardoso e urbanizaram-se becos. Além disso, foram construídas
duas barragens de contenção no início da Avenida Mendes Sá, obra para a qual
removeram-se e reassentaram-se 220 famílias. Na segunda etapa, concluída em
dezembro de 2007, foram entregues o Complexo Esportivo do Aglomerado da Serra
Mário Guimarães, 104 apartamentos e a sede da Cooperativa de Costureiras.
Em dezembro de 2008 foram entregues apartamentos à população e inaugurou-
se a Avenida do Cardoso, a qual corta o Aglomerado, ligando a Avenida Mem de Sá,
em Santa Efigênia, à Rua Caraça, no bairro Serra. Em julho de 2009, por sua vez,
110
Prefeitura de Belo Horizonte. Disponível em:
<http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?evento=portlet&pIdPlc=ecpTaxonomiaMenuPortal&app=Urbel&tax=8178&lang=pt_BR&pg=5580&taxp=0&idConteudo=17321&chPlc=17321>. Acesso em: 22 de julho de 2013
68
concluíram-se mais 168 apartamentos, a urbanização da rua da Amizade, a Praça da
Bandoneon e a Academia da Cidade.
Nesta sessão, será explicitado o cenário em que se deu a intervenção do
Programa Vila Viva no Aglomerado da Serra, de acordo com a percepção de seus
moradores. Cabe ressaltar que as percepções não foram únicas, mas se diferenciaram
conforme a destinação das famílias. Em outras palavras, pode-se afirmar que as
percepções acerca do processo de mudança variaram em diferentes grupos: aqueles
que foram reassentados nas unidades construídas pelo Programa afetaram-se
especialmente com o processo de negociação com a Prefeitura e de transição para a
vida em apartamento, local bastante diverso das suas moradias anteriores.
Houveram também moradores em processo de saída do Aglomerado, fato
gerador de tensões com o poder público e ansiedades referentes à mudança do local
onde muitos foram nascidos e criados. Por fim, cabe ressaltar que aqueles moradores
que permaneceram em suas habitações também foram afetados pelas intervenções do
Programa, e suas percepções também serão ressaltadas nos relatos que se seguem.
4.2.1.1 Moradores removidos
Neste grupo estão aqueles moradores que foram removidos e reassentados nos
apartamentos construídos pelo Programa Vila Viva, bem como aqueles que foram
indenizados e mudaram-se para outras casas do Aglomerado ou fora dele. Por meio
dos relatos dos moradores, pôde-se aferir que os momentos que antecederam à
mudança para as novas habitações representaram apreensão e ansiedades,
especialmente pela falta de informações recebidas e por não poderem assumir um
papel de centralidade no que se refere às decisões quanto à implementação dos
projetos.
Conforme entrevista realizada com um dos técnicos da Urbel que acompanhou o
processo de implementação do Programa Vila Viva no Aglomerado da Serra, as
famílias que foram reassentadas tinham suas moradias em trechos de obra ou
69
habitavam áreas de risco. De acordo com o entrevistado, durante todo o processo de
remoção houve o acompanhamento da Urbel:
É... para fazer a remoção das famílias, nós temos uma metodologia própria, né, que é acompanhada, né, e que é, quer dizer, aplicada com muito rigor por todas as equipes, e na Serra foi assim também, foi a primeira grande intervenção, né, que foi feita.
111
O entrevistado afirmou, ainda, que às famílias eram dadas informações acerca
do Programa, bem como acerca da avaliação física das casas:
A partir do momento que você tem os projetos e que esses projetos, você tem as plantas de remoção, dos trechos que vai remover, a gente fazia um trabalho bastante rigoroso, bastante, bastante cuidadoso com as famílias em trechos de obra, né? Orientando, informando, fazendo, assim, a mobilização de cada grupo de famílias e apresentava pra elas o programa de remoção e reassentamento, que se dá da seguinte maneira: é feita a avaliação dessas casas, ta? A avaliação física dessas casas, uma por uma, né? Nós temos uma equipe de engenharia, através dos contratos que são executados nessas intervenções, e essa equipe faz uma avaliação física do imóvel de origem da pessoa, tá? Então, é feita a avaliação, é... a partir daí, a gente emite uma planilha de avaliação dessa casa, né, de cada casa, depois fazemos um atendimento com cada família, cada uma dessas, né, pra fazermos então uma das etapas, que é a negociação pra concluir o processo de remoção e reassentamento. Aí, as famílias vão ter as opções de reassentamento que ela achar adequada ou que for, ou que atendê-la melhor, né?
112
A partir da avaliação das casas, as famílias optaram pelo recebimento de
indenização ou realocação nas unidades habitacionais construídas pelo Programa. De
acordo com o técnico entrevistado, a Urbel realizou todo o acompanhamento às
famílias antes, durante e após a mudança. Apesar disso, nas entrevistas realizadas
com os moradores do Aglomerado da Serra, a equipe de pesquisa percebeu, de uma
forma geral, que havia falta de informação quanto ao processo de implementação do
projeto e quanto ao destino das famílias. Uma das entrevistadas, por exemplo, foi
retirada de sua casa sob o argumento de que iriam reformá-la:
- Porque quando Dr. Marcelo me falou que não era pra deixar estragar meu barraco, porque ele tava todo arrumado, era só o piso que eu ia pô, ele pegou e falou ‘não, nós vão tirar a senhora só pra reformar, dar a senhora mais um cômodo, daí reforçar a casa, o barraco”, eu falei tudo bem, fiquei satisfeita, aí
111
Entrevista realizada pelo coordenador do Serviço Técnico Social do Aglomerado da Serra. 112
Entrevista realizada pelo coordenador do Serviço Técnico Social do Aglomerado da Serra.
70
ele falou assim ‘a senhora tem que procurar casa de amigo, parente ou abrigo’, eu falei assim, não, então eu preferia a bolsa moradia (...) aí depois o Aderbal ficou chamando reunião, falando ao predinho, ao apartamento, se eu não quero um prédio não.
113
(...) Eles me falaram que ia me dar o barraco, que ia só reforçar o barraco.
Outros moradores disseram que há anos ouviam rumores de que seriam
removidos, mas isso nunca acontecera. No caso do Vila Viva, apenas no momento de
retirada de suas casas que tomaram ciência da dimensão do que lhes estava
acontecendo. Um dos moradores, por exemplo, relata o seguinte:
E: A gente sabia, (que iam ser despejados) mas não tava acreditando, até o final mesmo. Realmente a gente, até o fim a gente não acreditou, tipo assim, no último dia a gente viu realmente. Aí foi isso, aí chegou lá, aí foi com trator mesmo, a gente saiu, teve que colocar as coisas, nó, e tinha muita coisa, meu pai tem mania de juntar os trem, assim, hoje na casa de aluguel ta cheio de trem na porta. Pesq.: Mas aí a Urbel que ajudou vocês? E: Então, aí nessa parte parece que foi. O caminhão era da Urbel, aí tinha uns, como é que é? O pessoal que trabalhava com a Urbel, pra ajudar a tirar. Só que aí tinha caminhão e tudo, mas num tinha pra onde a gente ir, né. O pessoal até perguntou, “ah, cês vão pra onde?” Falei: “Num sei uai, a gente num tem noção de onde é que a gente vai, cês tão tirando a gente daqui”.
114
No caso do referido morador, parte de seus pertences foram deixados em um
lote próximo à casa onde morava e outra parte foi levado por um caminhão
disponibilizado pela prefeitura. Sua mãe e irmã foram levadas a um abrigo:
- Aí as nossas coisas foram pra um caminhão, aí foi jogando, foi jogando sem saber pra onde a gente ia, foi só colocando lá... E, aí então, nesse segundo processo, a gente sem saber pra onde que ia, minha mãe e minhas irmãs foram pra um abrigo, né, que eles falaram que tava pensando num abrigo, acho que no bairro São Paulo, um abrigo que tem lá, é, igual um que tem aqui em baixo, parece que é pra morador de rua, assim, sei lá.
Pode-se perceber, por meio desses relatos, que ocorreram casos em que
moradores, há poucos dias ou horas de serem removidos, não tinham certeza da
remoção e o local de destino era incerto. Estas são ocorrências de violência do Poder
Público incalculável, um enorme desrespeito aos moradores e à sua dignidade.
113
Entrevista realizada com Eulália, no Aglomerado da Serra. 114
Entrevista realizada com Leandro, Aglomerado da Serra.
71
Indagamos a eles se haviam participado do processo de concepção do Programa Vila
Viva, bem como se receberam informações durante as suas fases de implementação.
As respostas recebidas revelaram, por parte de muitos moradores removidos, um
desconhecimento acerca dos processos de concepção e execução do Programa:
Pesq. – “E na época que o Programa começou, cê lembra se teve assim, chamou a comunidade pra conversar, pra mostrar os projetos, apresentar, ‘ah, a gente quer construir avenida aqui, quer fazer prédio ali’... E – Olha, se teve isso, só foi pra quem era, tipo assim, um representante da comunidade. Eu acho que não teve nenhum chamado geral.” (...) Pesq. – “Cê num sabia não, por exemplo, cê nem ficou sabendo, reunião pra participar... E – Não, não. Só sabia da reunião, o negócio dos predinhos, que a gente, ia passar o prédio pra gente... Pesq– Mas isso depois, né? E – Isso. Mas, aí, até então, num teve aquele chamado geral: “Convidamos a comunidade para tal e tal, na Praça tal, tal, vai ta mostrando o Programa”. Num teve nada disso. Pesq. – Não teve. E – Num teve nada disso, tendeu? Pesq. – Para vocês discutirem, por exemplo, se precisava a Avenida do Cardoso ser tão grande que precisava tirar tanta gente... E – Não, não, não. Num teve nada disso. Eles chegaram com os equipamento, máquina, quebrando casa, e aí...
115
Alguns relatos referiram-se ao fato de que moradores idosos, ao receberem a
notícia de que seriam removidos das casas onde passaram décadas habitando,
acabaram adoecendo, o que, em alguns casos, levou a óbito. Uma das moradoras
entrevistadas relata o seguinte:
Tem um moço ali, que já mudou com... quando a mudança dele foi, ele já tava no hospital, de tanto que... depressão. Eu comecei a dar depressão também. Tem um moço ali em cima que morreu, que eles acharam ele morto em casa, também foi, que ele não queria sair dali de jeito nenhum. (...) Não, ele chegou, eles tiraram ele. Ele, pode bem dizer, tirou ele a força. (...) Então, ele foi contrariado, eles falam que não, mas foi. Ele e Ítala...
116
Outra moradora também fez menção a esse fato, por meio do seguinte relato:
Peq.: E como que foi, quando falaram que a senhora ia ter que sair, como que foi?
115
Entrevista realizada com Paulo, morador no Aglomerado da Serra 116
Entrevista realizada com Eulália, moradora no Aglomerado da Serra.
72
E – Ah, a maioria das pessoas da minha idade, quase morreu tudo né... Pesq.: – Que é isso! E – Eu fui em uns oito enterros né... Todo mundo ficou... adoeceu né, a gente manchava tudo de roxo... E2 – Fica sentido né... muito tempo num lugar Pesq,: Cresceu ali né?... E – Porque é muita pressão, você ver as pessoas lá, chegando e obriga você sair, você não quer sair...obriga... Pesq.: Mas como foi, assim? A senhora vai... E – Foi muita pressão, “óh semana que vem e tal, você já arruma, você já arrumou”. Você arrumava um lugar para comprar e eles tinham que ir lá aprovar, às vezes, você gostava da casa mais eles não autorizavam você a comprar aquela casa, e ficava em cima da gente para gente comprar casa, minha menina mesmo foi a última a sair do lugar lá”
117
Muitos dos moradores removidos viveram grande parte de suas vidas nas
antigas moradias. Era nelas que geralmente plantavam, criavam animais e através
delas formavam laços de reciprocidade com a vizinhança. A mudança abrupta,
portanto, representou para muitos a ruptura de laços com a terra e a vizinhança.
No caso dos moradores que se mudaram para as unidades habitacionais ou
“predinhos”, o recebimento dessa notícia foi encarada, muitas vezes, com ansiedade, já
que nunca haviam habitado um apartamento. Enquanto alguns moradores aceitaram a
ideia com satisfação, outros a ela resistiram, em função de terem que deixar de viver
em espaços relativamente amplos para a área reduzida de um apartamento. Nesse
processo, núcleos familiares se desintegraram, pois se antes a casa podia abrigar um
número maior de pessoas, o apartamento obrigava a sua redução. Referindo-se ainda
ao processo de mudança para os apartamentos, cabe destacar que este muitas vezes
se alongou devido aos atrasos na entrega das unidades habitacionais e a dificuldades
de negociação com a Urbel.
Logo após mudarem-se para os apartamentos, os problemas de adaptação
persistiram. Foram realizadas reuniões, no âmbito do Pós-Morar, mas estas, ao invés
de cumprirem com seu papel de prestação de informações e participação dos
moradores, acabaram por transmitir-lhes normas acerca da condução da vida em um
apartamento:
117
Entrevista realizada com Nayara, moradora no Aglomerado da Serra
73
Pesq.: e nessas reuniões eles não perguntavam se vocês precisavam de alguma coisa... E: não, num perguntava era nada, porque nós telefonava para lá, porque a nossa casa, nós construímos, nós sabia cada lugarzinho que dá para gente consertar as coisas, os cano. Aqui, nós apanhamos muito para poder aprender, a mexer, a tirar o ar dos canos. Às vezes a água acaba, quando a caixa enche, entra ar. Aí nós ficava dois três dias, achando que não tinha água. A gente pedia eles para olhar pra gente, eles chamavam atenção, xingava a gente. Então até que nós fez reunião e exigimos que eles ensinasse nós o jeito de mexer. Eu falei: “não adianta vocês darem a vara e não ensinar a pescar não. Uai, vocês tem que ensinar a gente a fazer as coisas.” Agora não, agora já sei tirar o ar do coisa, arrumar, dá problema aí, eu já vou lá, “é com essa chave aqui que é para vocês mexerem aí, mostro o lugar né...
118
No que se refere aos moradores que receberam indenizações, as negociações
com a Urbel também foram complicadas. Para muitos moradores fora oferecido um
baixo valor indenizatório, impedindo-os de encontrar outra moradia dentro do próprio
Aglomerado ou em suas proximidades. Em muitos casos, o valor reduzido obrigava as
famílias a procurarem outra moradia em municípios da Região Metropolitana de Belo
Horizonte, distantes de seus lugares de origem e dos locais de trabalho:
A Dona Piedade, eles deram a ela uma mixaria na rua Capivari, ela foi pra Ribeirão das Neves, ela tem problema nas duas pernas, o marido dela tem problema, ela ajuda a cuidar dos filhos e dos netos e foi lá pra Ribeirão das Neves. Dona Efigênia, é uma senhora de idade que já deve ter quase 90 anos, ajudou a construir a vila Marçola, ajudou a construir a vila Marçola, criou todos os filhos dela, neto e bisneto, tiraram ela lá do beco... como é que chama aquele beco lá? Beco do Índio. Tirou de lá. Ela pediu pra eles um tempo, “me dá um tempo que eu vou arrumar”, “não, tem que embora, tem que ir pra Santa Luzia”. Hoje, ela sai de lá, ainda trabalha, recebe uma mixaria e não tiveram solidariedade com ela de ajudar ela.
119
4.2.1.2 Moradores não removidos
No que tange aos moradores que permaneceram no Aglomerado da Serra, sem
passarem por processo de remoção, estes não deixaram de ser afetados pelo
Programa Vila Viva. Dos relatos recebidos, muitos foram de reclamações referentes
aos entulhos deixados pela Urbel, o que culminou com a proliferação de animais,
especialmente ratos e baratas.
118
Entrevista realizada com Nayara, moradora no Aglomerado da Serra. 119
Entrevista realizada com Ricardo João, morador no Aglomerado da Serra.
74
Foi também comum a falta de informação relativa às obras que seriam
realizadas e a respeito de quais áreas receberiam as intervenções:
Mas na verdade acho que nem eles sabiam se a gente ia sair ou não. (...) Uns chegavam e falavam : ‘Ah, cês vão sair’. Outros chegavam e falavam que não.
Denunciou-se acerca do impacto das demolições nas estruturas das casas que
permaneceram, tendo algumas ficado com rachaduras. Em alguns casos, os próprios
moradores tiveram que arcar com o efeito negativo das obras em suas casas:
E eles não queria que a gente ponhasse laje também, que era só pra colocar umas telhas, que não era nem pra rebocar. Aí nós fizemo conforme a força de nós deu. (...) Engraçado que eles falaram que a estrutura não ia dar mas também não resolveram. Eles falou que só tavam tirando os lugar que eles precisavam, né... Os terrenos que eles precisavam. Eles tirou um tanto de gente aqui: a Eulália, tirou mais terreno ali pra baixo. Pesq.:: Então deixou o barraco seus correndo risco? E: Aham. Ih, ficou aquelas valetas. Esse daqui a gente construiu e tá continuando rachando as parede. E2: tinha um quarto ali que quem dormia era os menino. As paredes, sabe quando racha toda e ela começa meio que tombar? Ela tava era assim, eles viram na época.
120
120
Entrevista realizada com Geralda, moradora não-removida do Aglomerado da Serra.
Foto 2-entulhos no Aglomerado da Serra
75
Alguns moradores explicitaram que, ao ter sido despendido grande trabalho e
bons recursos para a construção de ampla avenida e das unidades habitacionais,
muitos becos, que necessitavam de atenção básica, tal como saneamento básico, não
foram alvo de intervenções.Houve becos que, após as obras, ficaram com esgoto a céu
aberto.
Pra eles lá [pessoas que foram morar nos apartamentos], que eles mexeram, tudo bem. Agora, pra gente, a gente sobrou foi isolado, porque olha aí esse escadão que ês deixou, ês deveria ter limpado o escadão, ês deveria ter fazido uma coisa boa. Não, a gente ficou prejudicado de rato, tem muito rato, muito rato mesmo, entendeu? Então, a última melhoria que teve pra gente foi o ônibus que veio, sobe, né? Pra gente melhorou um pouco, mas olha onde é que a gente tem que descer e a volta que a gente tem que dar pra gente poder pegar o ônibus, né? Por exemplo, eles fez a avenida aqui, o ônibus ia passar aqui perto, só que ês fez a rua tão estreita, que num coube o ônibus dentro, a rua ficou perdida.
121
Por fim, cabe ressaltar que os moradores que permaneceram em suas
habitações sentiram com a saída dos seus vizinhos, familiares e amigos:
Não, a maioria saíram, a maioria saíram, outros morreram porque nasceram e cresceram ali, criaram suas família ali. Então o seguinte, muitas vezes o... o valor monetário não é tão valorizado como a estimação, o amor, então muitas pessoas morreram. (...) Muitos morreram, muitos amigo meu morreram, outros tão doente, outros tão morando longe, Santa Luzia, Ribeirão das Neves, Betim, deixaram família aqui, então gente foi um desacato, foi um desrespeito à cidadania. Se existe alguém que é cidadão, pra esse pessoal não houve cidadão aqui, ta entendendo?
122
4.2.2 Vilas São Tomás e Aeroporto
No caso das Vilas São Tomás e Aeroporto, a equipe de pesquisa acompanhou a
execução do Programa Vila Viva, que ainda estava em processo de implementação
quando da confecção deste relatório. Por isso mesmo, diferentemente do Aglomerado
da Serra onde a análise feita é posterior à conclusão das obras, neste caso a análise
mais pormenorizada será justamente do cenário in processu, pois foi todo este
acompanhado pelos pesquisadores, inclusive com presença em reuniões na
comunidade.
121
Entrevista realizada com Vanda, Moradora no Aglomerado da Serra. 122
Entrevista realizada com Ricardo João, morador no Aglomerado da Serra.
76
Nas Vilas São Tomas e Aeroporto, o processo de implementação do Programa
Vila Viva teve início em 2010 e até a presente data ainda não foi concluído. Neste
período foram realizadas as remoções da maior parte das famílias (embora ainda haja
moradores vivendo nas zonas de obras da intervenção, como será visto mais adiante),
e tiveram início as obras de urbanização e de construção de unidades habitacionais.
Segundo a Prefeitura de Belo Horizonte, a intervenção prevê um investimento de
95 milhões de reais para a urbanização das vilas, o reassentamento de famílias que
vivem em área de risco próximas ao córrego, a implantação de um parque ao longo do
córrego e a construção de 561 unidades habitacionais.
No entanto, nestas duas comunidades volta a ocorrer o mesmo problema
identificado na Serra e em outros aglomerados que foram alvo de intervenção do Vila
Viva, um alto número de remoções. Ao todo, estão previstas 1300famílias removidas, o
que significa aproximadamente 40% dos domicílios (Total de domicílios: 3.205). Além
disso, logo após as eleições de 2012, houve a paralisação das obras por falta de
recursos, o que gerou grandes transtornos.
Os espaços de participação popular são imprescindíveis para que a intervenção
ocorra de modo a atender os objetivos do Programa. Além do Orçamento Participativo,
anterior às intervenções, existem canais de participação popular durante a intervenção,
tais como as reuniões do Grupo de Referência-GR e do Pré-Morar. O primeiro é
composto por moradores das vilas que tenham interesse em acompanhar o andamento
das obras, os problemas que porventura surjam no decorrer da intervenção, etc. Eles
ficam responsáveis por repassar as informações obtidas junto à coordenação da
intervenção para as demais famílias e também encaminhar dúvidas dos moradores à
Urbel. O segundo ocorre para preparar as famílias para a nova forma de morar na
cidade: em um apartamento vertical e padronizado, além de manter os moradores
informados sobre o andamento do processo enquanto estão no programa bolsa
moradia – ou seja, até que as unidades habitacionais sejam concluídas.
Nas reuniões do Pré-morar das vilas em análise houve uma inovação importante
em relação às intervenções anteriores: os moradores puderam escolher com quem
77
morar. Antes, havia sorteios em que os moradores se dispersavam entre os blocos,
alem de serem misturados a outras famílias vindas de outras regiões da cidade,
beneficiadas com as unidades habitacionais concluídas e ociosas. Dessa vez, como
pôde ser visto na reunião do Pré-morar do dia 28 de novembro de 2012, os moradores
foram orientados previamente a indicar próximo a quem gostariam de morar e nesta
reunião definiram quais famílias comporiam cada um dos blocos. Esta reunião ocorreu
tranquilamente, sem nenhum tipo de conflito, e foi realizada exclusivamente para definir
o futuro condomínio Ipê Rosa.
Foto 3 - Apresentação durante reuniões do pré-morar
Porém, tal possibilidade permitida pelas reuniões do pré-morar, não ganharam a
confiança de inúmeros moradores que ainda tinham receio quanto aos possíveis
vizinhos caso fossem para os apartamentos.
Na categoria direito à cidade, foi observado como ficaram as condições de vida
da população durante o processo de intervenção.
É curioso observar como uma intervenção urbanística que se propõe a melhorar
a qualidade de vida dos moradores possa causar tantos transtornos para aqueles que
78
diz beneficiar. O programa Vila Viva promete realizar melhorias na qualidade da
infraestrutura urbana, mas durante a intervenção os moradores das vilas São Tomás e
Aeroporto passaram por sérios problemas urbanísticos causados, sobretudo, pelas
obras do Programa.
As obras foram iniciadas em um perímetro com um considerável número de
famílias que ainda não haviam sido removidas, ( algumas destas famílias permanecem
até hoje na zona da intervenção) o que fez com que estes moradores tivessem que
viver entre os escombros das moradias demolidas, com o lixo e o entulho gerado pelas
obras.
Foto 4 - Processo de intervenção na Vila São Tomás e Aeroporto
Nas entrevistas realizadas com moradores que permaneceram nessas zonas de
intervenção foi muito frequente as reclamações referentes a problemas causados pelas
obras do programa Vila Viva:
Esse trator minha filha, ele passa ali, essa casa fica tremendo toda, parece que vai cair tudo na cabeça... Minha casa tá cheia de rachadura, tô morrendo de medo de abrir mais e cair tudo na cabeça. Quando mexe muito assim eu venho pra cá [área externa da casa]. Igual agora tão mexendo lá, eu sai correndo, eu sai pra cá. Se cair eu to pra cá. Aquele negócio ali é muito pesado, né? (Natália – removida São Tomás, momentos antes da remoção)
Como as famílias ainda permanecem morando literalmente no meio das obras,
os tratores além de causar rachaduras nas casas, causa também muita poeira,
79
podendo apresentar risco para a saúde dos moradores. É flagrante a falta de
planejamento quanto às remoções das famílias, que deveriam ocorrer antes do
andamento das obras, de forma a impedir situações de atentado aos direitos básicos
fundamentais dos moradores durante a intervenção.
Foto 5 - Casas ocupadas após início das obras na Vila São Tomás
Foto 6 - Vila Sao Tomás durante as obras do Vila Viva
80
Foram relatados casos em que a movimentação das máquinas destruiu os
canos da Copasa deixando os moradores sem água e sem rede de esgoto:
- (...)eu já não tenho o meu nome mais nem na Cemig e nem na COPASA. A prefeitura já cortou lá sem ela nem saber.
123
- É só te mostrando procê vê (o esgoto a céu aberto causado pelas obras). Porque eu falando assim é impossível de acreditar. Mas se você quiser, a gente vai lá e tira umas fotos que você vai ver que tristeza que está alí atrás. Que tristeza!!! E.: tem vez que bate um mau cheiro aqui que a gente até assusta. (...) era todo dia eles vinham derrubar uma casa, ai vinha derrubar uma casa, ai quebrava o cano da gente, a gente tinha que ficar lá correndo atrás pra eles virem e arrumar o cano. (...) A gente tinha que ir lá falar com eles, pra eles vim e arrumar o cano, igual essa semana né mãe, derrubou uma casa aqui ai estragaram o telefone, eles tiveram que vim, arrumar o telefone... vamos supor, se fosse uma emergência, se precisasse ligar pra alguma emergência, não tinha telefone. E: e essa água que ficou vazando, ficou vazando quanto tempo? E2: aaa um mês ou mais. Pesq.:: e foram eles que quebraram? E2: eles que quebraram. Porque eles vinham, derrubava as casas, derrubava os trem, ai quebrava um cano, quebrou um ali...
124
- Ali de vez em quando eles mexe e desliga lá,(referindo-se aos cortes de energia), mas arruma rapidim. Mas a água, falta demais. Tem vez que a gente fica dois dias sem água aqui, é difícil.
125
Os destroços e escombros das casas derrubadas não foram totalmente
removidos, o que obrigou os moradores a conviverem com o lixo, o entulho e o
aumento de pragas como mosquitos ratos e baratas:
Tinha dia que você chegava alí ó, não tinha como passar! Igual eu tenho minha moto, eu ia passar de moto e não tinha como passar com a minha moto porque o monte de lixo que tinha. Eu cheguei aqui perto da minha mãe e vi... achei que era cachorro né. Uns rato desse tamanho ó. Andando no meio dos lixos.
126
Foi relatado por uma das famílias o incidente de as máquinas terem derrubado o
muro da sua casa durante a demolição da casa vizinha:
E: quando eu cheguei do serviço, já tinha quebrado, já tinha até maderite ali oh. Eles não pediram autorização de ninguém pra poder quebrar, pra poder colocar maderite. (...)eu não reclamei não, porque não adianta.
123
Entrevista realizada com Mundica, moradora do São Tomás-Aeroporto. 124
Entrevista realizada com Marisa e filha, moradora do São Tomás-Aeroporto. 125
Entrevista realizada com Natália, moradora do São Tomás-Aeroporto. 126
Entrevista realizada com Marisa e filha, moradora do São Tomás-Aeroporto.
81
E2: eles não iam fazer outro muro pra nós. Se eu falasse assim, não, eu quero outro muro, eles não iam fazer porque ia acabar derrubando aqui, e eles não iam gastar material pra fazer o muro. E ia dar mais confusão.
127
A mesma família que teve o seu muro destruído e substituído por maderites, diz
ter tido dengue por causa da água parada nos escombros ao lado do local onde
moram.
E: A gente é obrigado a viver com bicho andando. Ai por causa desses... igual minha mãe falou, um monte de água parada porque eles quebram os trem e não conserta, deu dengue na minha mãe. Pesq.:: a dengue foi depois que começou a obra. E2: foi. Foi esse mês agora
128
No dia da entrevista os pesquisadores tiveram a oportunidade de caminhar ao
redor da casa e constatar a presença de diversos focos de dengue que podiam ser
vistos a olho nu nas poças de água parada nos escombros das edificações demolidas.
E2(...) é mais de não sei quantos canos que eles rebenta. E: vai encher tudo de mosquito de novo, e eu vou pegar dengue de novo.
129
Foto 7 - Casas semi-demolidas na vila Aeroporto
Durante as visitas a campo foi possível identificar condições inadequadas de
limpeza urbana promovidas pela própria intervenção. Ainda nesse mesmo período, um
127
Entrevista realizada com Marisa e filha, moradora do São Tomás-Aeroporto. 128
Entrevista realizada com Marisa e filha, moradora do São Tomás-Aeroporto. 129
Entrevista realizada com Marisa e filha, moradora do São Tomás-Aeroporto.
82
dos pesquisadores que residiu 130 nas vilas, utilizando-se de metodologia participante,
pode constatar tal situação de forma mais evidente. Além de entulhos por toda a área
da intervenção – que atraem insetos e animais perigosos, acumulam poças d’água, etc.
– algumas casas foram parcialmente demolidas, propiciando a ocupação dos restos de
cômodos por usuários de drogas, principalmente nas madrugadas. Era recorrente
encontrar preservativos, garrafas e cachimbos improvisados quando visitávamos esses
locais durante o dia, expondo a população local a riscos, especialmente mulheres e
crianças.
Foto 8 - Vila São Tomás moradores na mancha de remoção
130
Um dos pesquisadores residiu na Vila São Tomás pelo período de dois meses.
83
Foto 9 - processo de remoção na vila São Tomás
Tais problemas foram seriamente agravados pela paralisação das obras logo
após as eleições de 2012131, pois as famílias foram obrigadas a permanecer nas zonas
de intervenção, dado que as negociações para remoção e indenização cessaram junto
com as obras.
- E: Porque tem gente falando assim: já que é pra ter uma mudança, eu devia ter ido embora, ter saído fora, não voltar pra trás, porque tá meio complicado, porque vão aparecendo outros problemas, as casas que vão sendo derrubadas, vão sendo ocupadas por outras pessoas, né? Pesq.: Enquanto num vem a obra, né? E: Enquanto num vem a obra. Tá sem luz, uma escuridão total lá onde derrubou.
132
- Então assim, não é nada daquilo que eles falaram né. Diz que vai ter área de lazer, até hj a gente não viu nada que eles estão fazendo de área de lazer. Só estão jogando casa no chão.
133
Além dos moradores que ainda residem na zona de intervenção, também as
famílias que se encontram no bolsa moradia foram prejudicadas, pois a paralisação das
obras significou um atraso ainda maior na entrega dos apartamentos que, até a
presente data, ainda não foram concluídos:
131
As obras do Vila Viva nas Vilas São Tomás e Aeroporto ficaram paralisadas por sete meses, de janeiro a julho de 2013. Situação que agravou a situação daquelas famílias que ainda seriam objeto de remoção, mas aguardavam o retorno das atividades. Houve grande atraso, ainda, na entrega das unidades habitacionais. 132
Entrevista realizada com Glória, moradora do São Tomás-Aeroporto. 133
Entrevista realizada com Mundica, moradora do São Tomás-Aeroporto.
84
A expectativa é grande, porque todo mundo que já tá no aluguel, no bolsa moradia já tá tudo querendo voltar, porque tem um ano e não tem nem um apartamento pronto, entendeu?
A paralisação das obras teve ainda um terceiro efeito negativo no processo de
intervenção do Programa Vila Viva, o aumento da insegurança nas zonas de
intervenção, pois para chegar a noite em suas casas as famílias precisavam passar por
áreas degradas, desertas, escuras, sem iluminação, cheias de lixo e entulho das
edificações demolidas:
- Uai, ficou [mais perigoso], porque não tem movimento né. Isso aqui as vezes tá tudo escuro, então não tem movimento. Se tiver um tiroteio pr exemplo, a minha casa fica como escudo.
134
- E: Nó. Aqui pra sair de noite. Aqui não tem mais luz, não tem mais nada né? Pesq.:: Ah, ta sem luz! E: É ué, o poste ali desligou. O pessoal vai embora e eles pensa que não tem ninguém morando ali mais. Eles pensa assim, né?
135
(...) é, mas se vir um bandido de longe, que a gente não conhece, ele pode esconder em qualquer lugar.
136
Apesar dos problemas relatados foi possível constatar que, em comparação com
a Serra, a população das Vilas São Tomás e Aeroporto não se mobilizou tanto para
questionar o programa e exigir direitos. Essa baixa mobilização se deve a múltiplos
fatores. O fato de na Serra haver um histórico muito mais óbvio de participação social e
formação de associações comunitárias certamente contribuiu para que o programa na
Serra fosse mais contestado. No entanto, há também duas características próprias das
vilas São Tomás e Aeroporto que contribuíram fortemente para inibir a mobilização
social da comunidade.
Primeiro, o fato de que muitas famílias, sobretudo as que moravam próximas ao
córrego, viviam em uma situação de extrema vulnerabilidade social tendo que conviver
com a ameaça constante de alagamentos nas épocas de chuva. Para essas famílias o
reassentamento era uma necessidade, pois todos os anos elas perdiam móveis e
eletrodomésticos além de correrem risco de vida com as enchentes, tal como descrito
134
Entrevista realizada com Mundica, moradora do São Tomás-Aeroporto. 135
Entrevista realizada com Natália, moradora do São Tomás-Aeroporto. 136
Entrevista realizada com Marisa, moradora do São Tomás-Aeroporto.
85
na análise ex-ante. Vulnerabilizadas por essa condição, as famílias não questionavam
os possíveis equívocos do Programa e se resignavam com os baixos valores das
indenizações ou a oferta dos apartamentos.
Além do medo das enchentes, houve também o medo da violência causada pelo
tráfico. Nas entrevistas com moradores removidos era comum a referência à violência
das vilas São Tomás e Aeroporto:
- é... e lá matava demais, né, cê sabe, matava demais...137
- Em relação à estrutura da casa, essa aqui é pior, mas em relação ao local, a tranquilidade, que dá acesso a rua ai no caso, é tranquilo demais aqui, é bem melhor.
138
Esse medo da violência, assim como o medo das enchentes, contribuiu para que
os moradores aceitassem passivamente as condições do Programa Vila Viva sem,
contudo, observar e exigir a sua execução de maneira a respeitar e garantir o direito à
justa indenização, à moradia, à participação e à cidade. Com efeito, um dos aspectos
positivos do Vila Viva mais esperados pelos moradores é a redução dos altos índices
de violência:
- Ah, bem, vai ser pra melhor né, cara... (Referindo-se à intervenções do Vila Viva). Porque, assim... Quando se trata de rua aberta, é bacana isso, porque fica, dificulta um pouco mais esse tipo de violência, né, esse tipo de tráfico...
139
- As vezes essa obra que eles tão fazendo aí é uma obra, com se diz, pro bem, né? Porque isso aqui tava muito perigoso, era tiroteio toda hora, muito avião, muito beco. Então o que acontece, eu acho que foi uma boa coisa fazer isso porque se é pra melhoria, se é pro bem, né?
140
Dessa forma, muitos não se manifestavam na expectativa e na esperança de
que as remoções, os reassentamentos, a intervenção e as obras de urbanização
poderiam reduzir a insegurança de se viver naquelas vilas.
Ainda no que diz respeito ao direito à cidade é de se reconhecer o valor e a
importância da iniciativa da Urbel de garantir no projeto um espaço para que os
137
Entrevista realizada com Lucinda, moradora do São Tomás-Aeroporto. 138
Entrevista realizada com Rosalina, moradora do São Tomás-Aeroporto. 139
Entrevista realizada com Patrícia, moradora do São Tomás-Aeroporto. 140
Entrevista realizada com Eusébio, morador do São Tomás-Aeroporto.
86
carroceiros das vilas São Tomas e Aeroporto tenham onde deixar seus cavalos.
Embora tal espaço ainda não tenha sido construído, (o que há hoje são baias
provisórias construídas pela Prefeitura no meio da zona de intervenção do Vila Viva e
em péssimo estado de conservação), essa é uma importante sinalização da prefeitura
no sentido de reconhecer o trabalho dos carroceiros, bem como de garantir a fonte de
renda e subsistência desse grupo.
Foto 10 - baias provisórias para os carroceiros
Foto 11 - abrigo provisório para animais
87
Foto 12 - situacao dos carroceiros durante as intervencoes
Durante o processo de intervenção do Programa Vila Viva no São Tomás e
Aeroporto outra forte reclamação dos moradores é quanto ao “bolsa moradia”
disponibilizado para aqueles que optam pelos apartamentos. Para os moradores, o
motivo da insatisfação é óbvio e as falas abaixo são apenas para ilustrar as
reclamações que são um consenso entre os moradores:
- uai... a casa num é minha, fiquei sem liberdade. Num pode colocar uma roupa, tem um varal do lado de fora, na varanda, minha máquina num pude ligar porque num tem espaço pra ligar a máquina, então é um problema, bobo. E é quatro cômodo, né. (...) Ahhh.. pra mim num melhorou não, eu acho que num melhorou ainda não, porque a gente que vive de aluguel, vive em aluguel, a gente num é, a gente vive muito oprimido, né. Coisa dos outros, né.
141
- a gente já é acostumado a morar em casa, a gente nunca morou em apartamento, a gente gosta assim de espaço, liberdade, então assim, apartamento nunca agradou a gente.
142
- a gente vai sofrer um pouco a consequência, até se acostumar, cê num tá mais numa casa que é sua, né, que cê pode entrar e sair assim, e falar “eu pinto”, “eu quebro”, é seu. Agora não, agora vai levar um tempo pra isso acontecer de novo, pra tudo ficar pronto.
143
141
Entrevista realizada com Maria José, moradora do São Tomás-Aeroporto. 142
Entrevista realizada com Rosalina, moradora do São Tomás-Aeroporto. 143
Entrevista realizada com Patrícia, moradora do São Tomás-Aeroporto.
88
- Ele ta recebendo a bolsa aluguel, mas tem que pagar mais 120 reais do bolso dele pra interar o aluguel que é 620, mais a água e a luz, vê se dá certo? Não dá não, meu filho... Eles tão fazendo muita covardia com os pobres.
144
A Urbel não entrega aos moradores que optam pelos apartamentos nenhum
contrato, recibo, nem nada que comprove a promessa da prefeitura de que os
apartamentos serão entregues e que os pagamentos dos alugueis serão sempre
depositados, o que gera uma enorme insegurança jurídica, pois caso a Prefeitura
venha a “mudar de ideia” quanto aos direitos dos moradores aos apartamentos ou ao
bolsa moradia, estes não possuem nenhum documento que lhes garanta o direito ao
que foi acordado e prometido.
Você tem cópias desses documentos? S: Não, cópia eles não passaram nada pra ninguém...
145
A ausência de documentos faz com que moradores que aceitam os
apartamentos se tornem duplamente dependentes das promessas da prefeitura:
dependem de que a prefeitura cumpra a palavra de construir os apartamentos e
dependem de que a prefeitura não deixe de pagar os alugueis. Além dos problemas de
adaptação das famílias ao aluguel, de instabilidade, insegurança e dependência da
prefeitura, há ainda o problema da especulação com o preço dos alugueis na região:
- Hoje tem gente ai passano aperto. que os aluguel que custava 150 reais na área aqui.. agora ta 400...
146
- Eu morava lá embaixo e o aluguel aqui ta um absurdo, uma casa com 2 quartos, sala, cozinha e banheiro ta 1.500 reais.
147
- Nossa, depois dessa mudança aí, tudo aqui vale ouro. O preço subiu demais, de casas... de aluguéis, de tudo, num acha nada. (...) Todo mundo queria ficar. Porque é um lugar central, né, tá perto de tudo, né? Procê começar tudo de novo, num outro lugar, ir prum lugar longe, pegar uma casa inacabada, começar tudo de novo...
148
Assim como as indenizações causaram o aumento abusivo no preço dos
imóveis à venda, o bolsa moradia teve como efeito o aumento desproporcional no
144
Entrevista realizada com Jacinta, moradora do São Tomás-Aeroporto. 145
Entrevista realizada com Patrícia, moradora do São Tomás-Aeroporto. 146
Entrevista realizada com Mundica, moradora do São Tomás-Aeroporto. 147
Entrevista realizada com Vanessa, moradora do São Tomás-Aeroporto. 148
Entrevista realizada com Glória, moradora do São Tomás-Aeroporto.
89
preço dos alugueis da região, causando sérios impactos negativos não só para as
famílias removidas que buscavam uma nova moradia na própria comunidade, mas
também para inquilinos que viviam já há muitos anos de aluguel nas vilas e,
repentinamente, tiveram que lidar com a inflação, a especulação e o aumento
desenfreado do custo da moradia. Outro fator que colaborou para o aumento dos
preços foi a associação dos moradores removidos com a criminalidade, por moradores
de outras comunidades:
Eu morava lá em baixo e o aluguel aqui tá um absurdo, uma casa com 2 quartos, sala, cozinha e banheiro ta 1.500 reais. Tem muita gente fazendo isso (aumentar o preço dos alugueis) pro pessoal aqui de baixo não alugar com medo de ser bandido e outras coisas, né? E também porque o pessoal tá recebendo pouco da prefeitura então eles tão mandando ver mesmo.
149
A questão do baixo valor das indenizações e sua implicação na garantia de um
reassentamento digno para as famílias removidas já foi debatido nas seções e
capítulos anteriores, mas vale mencionar que no São Tomás e Aeroporto os baixos
valores foram a regra nas indenizações causando sérias dificuldades para as famílias
encontrarem novas habitações:
além deu tê que inteirá com meu dinheiro pra poder comprar, é na cidade vizinha ainda! E ruim o lugar! lugar tudo ruim.. (...)Uai, tá difícil, tá difícil... oh, eu já falei mesmo com a prefeitura: na hora que eu acha uma casa nesse valor aqui em Belo Horizonte, eu compro e mudo.
150
Os primeiros indenizados conseguiram com o dinheiro da indenização comprar
casas na região onde viviam. Já os moradores que foram indenizados, posteriormente,
não conseguiam mais encontrar casas disponíveis. Com a pouca oferta e a grande
procura os preços dos imóveis nos bairros São Tomas e Aeroporto aumentaram
enormemente impossibilitando a grande maioria das famílias de serem reassentadas
na própria comunidade.
Nas entrevistas, foi possível perceber o medo dos moradores em mudar do São
Tomás e Aeroporto para locais sem infraestrutura, distantes do centro, do trabalho e de
serviços essenciais. O fato é que o baixo valor das indenizações, acrescido do
149
Entrevista realizada com Vanessa, moradora do São Tomás-Aeroporto. 150
Entrevista realizada com Marisa, moradora do São Tomás-Aeroporto.
90
aumento no preço das casas à venda na região causou, entre as famílias que optaram
pela indenização, um medo generalizado de não conseguir permanecer na própria
comunidade:
- Nós tamo assim bem centralizados, cê entendeu? E de repente você pega assim uma indenização dessa você não consegue comprar nada, nada aqui.
151
- Sacolão... Supermercado, padaria, se ocê subir daqui pra cima tem, a dois quarteirões cê encontra quatro padarias... Se eu comprasse em Santa Luzia, igual o pessoal saindo daqui indo pra Santa Luzia, em ruas que não têm nem asfalto ainda... Longe de escola, longe de padaria, longe de tudo, né...
- Onde a mãe tá mesmo, tadinha, não tem posto, não tem médico, né, onde ela conseguiu. Só tem bar, supermercado é longe, tem que andar demais da conta.
152
- A maioria do pessoal que não foi embora não quer ir embora por causa disso: cê tem três batalhões da polícia, cê tem quatro hospitais, muito rápido de carro, é muito rápido, entendeu? Escolas, escolas boas, mercados grandes, com muitas ofertas, então, assim a possibilidade até de emprego é muito mais fácil, mais acessível.
153
- o posto é aqui em cima. Sem contar que em dez minutos eu to no pronto socorro Risoleta Neves aqui ó. Em 10 minutos eu to lá. Vou sair daqui pra i pra uma cidade vizinha que não tem nada lá? Porque a prefeitura quer? Vou não...
154
Houve ainda um grupo de moradores que foram “esquecidos” pela Urbel, que só
“se lembrou” de que eles teriam que ser removidos quando as obras já estavam em
estágio avançado. Estes moradores foram especialmente prejudicados, porque tiveram
que conviver com os problemas causados pelas obras, alimentaram a esperança de
ver o bairro em que vivem urbanizado e com as melhorias prometidas para depois
descobrirem que também teriam que sair. Como foram notificados muito
posteriormente já não havia qualquer possibilidade de mudar para a própria região.
Esta é uma demonstração veemente de falta de planejamento por parte da Prefeitura:
É, não ia sair. A princípio até fiquei contente né. A gente estava até com planos de fazer uma obra aqui e tudo. E assim, de uma hora para a outra eles vieram. E eu ainda fui lá umas duas vezes ne, porque todo mundo falava que eu não ia
151
Entrevista realizada com Marilda, moradora do São Tomás-Aeroporto. 152
Entrevista realizada com Natália, moradora do São Tomás-Aeroporto. 153
Entrevista realizada com Patrícia, moradora do São Tomás-Aeroporto. 154
Entrevista realizada com Marisa, moradora do São Tomás-Aeroporto.
91
sair, que eu não ia sair, ai eu fui lá e eles me mostraram no mapa que a minha casa não ia saí.
155
Por fim, vale a pena mencionar os casos de conflito em que a Urbel se negou a
reconhecer a legitimidade do direito à indenização ou à escolha de apartamentos:
- Olha, na minha família eu tenho uma irmã adotiva, que a gente nem considera adotiva. Ela, é... casou com um rapaz de lá de baixo, da beira do córrego, e construiu no terreiro da sogra. Um barracãozinho pequeno, ruinzinho. Mas ela, mataram um filho dela há um tempo atrás, e ela ficou muito desorientada com isso, então ela saiu do barracão e alugou um outro mais longe, mais pra perto de nós. Quando eles passaram medindo e anotando as casas ela não tava no barracão, aí englobaram esse barracão junto com os outros da sogra. Ela ficou na rua. Pesq: Ela perdeu? E: Ela está literalmente na rua.
156
- E:(...) no começo, no comecinho, a gente foi lá, conversou, falou que tinha a casa aqui, que era dela, eles: não, tá bom, tudo bem. Deram p gente um papel p gente ir lá no catório, p registrá no nome dela. A gente foi, levou os papel tudo direitim. Depooois, eles deram pra trás, entendeu? (...)E falo que ela não tinha o direito. E2: no dia que eu fui lá, ele falou assim comigo, se você aluga a casa então você não precisa morar na casa. Você alugou porque você tem onde morar. Não!!! (...)eu aluguei (e foi morar com a mãe) porque eu fiquei desempregada e precisava me sustentar.
157
Embora isso tenha ocorrido apenas em casos isolados, a situação demonstra
como há um abismo entre o poder da Urbel e dos moradores nas negociações (se é
que assim podem ser chamadas, dado que os moradores não tem margem alguma
para “negociar” o que quer que seja que esteja fora das opções previamente definidas
pela Urbel). De modo geral pode-se perceber que as famílias não possuem
capacidade de defesa contra as decisões da Urbel e que estão juridicamente
desprotegidas, sem ter instituições, nem opções legais para recorrer ou reivindicar seus
direitos caso se sintam lesadas pelo poder público.
Essa desproporção de poder, insegurança jurídica e ausência de outros órgãos
a quem recorrer abre espaço para que a Urbel pressione os moradores. Nas
entrevistas houve, inclusive, relatos de ameaças:
155
Entrevista realizada com Mundica, moradora no São Tomás-Aeroporto. 156
Entrevista realizada com D. Glória, moradora do São Tomás-Aeroporto. 157
Entrevista realizada com Marisa e filha, moradora do São Tomás-Aeroporto.
92
E: porque falou assim (a Urbel) que, se a gente não sair, que chega um tempo que a gente é obrigado a sair de qualquer jeito, eles pegam as coisas da gente, joga pra fora, e derrubam as casas. A gente, não adianta vocês briga, porque vai pro juízo, o juiz decide que vocês tem que sair e põe as suas coisas no depósito da prefeitura põe vocês num abrigo e pronto. Vocês são obrigado a sair. E2: nosso medo é esse! Eles vim, pô tudo pra fora e derrubar a casa da gente. 158
Como era de se esperar, é consenso entre os moradores, (tanto entre os que
optaram pelos apartamentos quanto entre os que optaram pela indenização), o desejo
de permanecer na comunidade:
- Eu queria morar aqui, mas acontece que vai ter que sair... 159
- Todo mundo queria ficar aqui, né? I: Todo mundo queria ficar. Porque é um lugar central, né, tá perto de tudo, né? Procê começar tudo de novo, num outro lugar, ir prum lugar longe, pegar uma casa inacabada, começar tudo de novo... 160
- Meu esposo, que faz tratamento com psiquiatra, meu esposo levou um baque que você precisa ver. Foi muito difícil. Ele tava no controle a uns 5 anos atrás, mas quando falou que nós vamos ter que sair, nó... Ele chorava que você precisava de ver, “eu não pensava nunca que eu ia sair daqui, eu não queria sair daqui, apesar de tudo eu não queria sair. Aqui tem tanto suor meu empregado, meu Deus do céu...
161
- Teve gente, no início, logo logo que eu mudei, morreu umas três pessoas que eu acho que ficaram sentidos de ver aquelas mudanças, assim saindo, eles ficavam triste assim sentado, olhando, eu acho que sentiram muito.
162
- Já morreu pessoas, morreram pessoas, de depressão, aqui mesmo morreu, depois da ponte. Um senhor, logo que soube que ia sair, entrou em depressão, morreu, a esposa dele morreu há pouco tempo agora. Lá no bairro, no São Tomás. Porque é muito triste, cê construir uma coisa em anos e anos, né, e depois cê ver aquilo sendo destruído.
163
Portanto, o alto numero de remoções e a impossibilidade de todos que desejam
serem reassentados na própria comunidade, coloca em questão os benefícios
prometidos pela intervenção, uma vez que grande parte da população tida como
beneficiária demonstra-se insatisfeita com as mudanças tendo efetivamente piorado o
padrão habitacional e a qualidade de vida:
158
Entrevista realizada com Marisa e filha, moradora do São Tomás-Aeroporto. 159
Entrevista realizada com Adriana, moradora do São Tomás-Aeroporto. 160
Entrevista realizada com D. Glória, moradora do São Tomás-Aeroporto. 161
Entrevista realizada com D. Divinalda, moradora do São Tomás-Aeroporto. 162
Entrevista realizada com Maria José, moradora do São Tomás-Aeroporto. 163
Entrevista realizada com D. Glória, moradora do São Tomás-Aeroporto.
93
Eu, quando eu desci pra ver as, a demolição lá, que eu deparei com uma casa amarela, que era uma casa imensa, que logo que desce lá de casa, desce um morro, a casa ficava assim, e olhei o resto, aquele “muntueira” de coisa quebrada e o trator chegando e levando assim, eu caí em depressão, eu fiquei mal, fiquei, minha cabeça pirou. Eu fiquei mais de mês, assim, sabe, num sei te explicar o que era. Eu vi um bairro nascer e vi um bairro morrer. (3 segundos de silêncio)
164
antes de isso tudo acontecer a gente queria melhoria da vila, mas não dessa forma. O que a gente sempre buscou foi abrir as ruas, né... Pra gente ter um lugar mais arejado... Com entrada de carro, e tal... E não esse tipo de remanejamento que eles tão fazendo, né... Foi um baque pra muita gente...
165
Muitos moradores são céticos quanto aos apartamentos e às melhorias
prometidas pelo Programa Vila Viva:
A favela vai continuar. Só que a favela aqui é deitada, agora ela vai ficar em pé, que vai ser num apartamento.
166
Eles tão querendo encaixotar essa favela. Ahh... deixa encaixotar, fica mais decente, né? Mas é uma favela encaixotada.
167
São tão comuns e de conhecimento público as críticas que as famílias de vilas e
favelas fazem aos prédios e ao estilo de vida em apartamento que se torna fastidioso
repeti-las no presente relatório, no entanto, apresentamos abaixo algumas das opiniões
dos entrevistados quanto aos apartamentos:
- E: É uma porcaria. Eles dão o apartamento, mas o acabamento é você que tem que fazer. Eles dão só nesse piso grosso, não põe cerâmica, não põe nada, você é que tem que fazer. A cozinha não cabe nada, a área de lavar você não pode nem se mexer, é uma porcaria mesmo. (...) Se for igual uma que eu vejo eles fazendo, com a fiação tudo pro lado de fora, tudo embutido em canaleta pro lado de fora da parede, não vou querer não, minha filha, porque aquilo dali que eles fazem, aquilo não é casa não, aquilo é um bagulho. Bagulho por bagulho, eu já tenho a minha, que é bagulho mas não é tão bagulho assim. (...) Eu fui em duas reuniões e eles fazem tanta festa, falam assim, aaa os apartamentos vão ser uma gracinha, vai ser a sala conjugada com a cozinha, que vai ter uma paredinha no meio assim, cês colocam uns banquinhos, vai ficar uma gracinha! Ai todo mundo: aaaaa! Acha lindo! Enquanto eu não acho lindo nada cê tê que colocar sua cozinha junto com a sua sala. (...) Você frita um bife hoje e depois... daqui a três meses você tem que jogar seu sofá fora porque tá cheio de gordura, entendeu? Eles acham bonito, eles quiseram. Eu não quero isso, não quero.
164
Entrevista realizada com D. Glória, moradora do São Tomás-Aeroporto. 165
Entrevista realizada com Patrícia, moradora do São Tomás-Aeroporto. 166
Entrevista realizada com Mariana, moradora do São Tomás-Aeroporto. 167
Entrevista realizada com Maria José, moradora do São Tomás-Aeroporto.
94
E2: mesmo o apartamento, se ela for pegar o apartamento, ela vai ter que colocar cerâmica, pagar...N: Alumínio... é a gente vai ter que colocar acabamento! O problema todo vai ser esse.
168
- É fazer esses apartamentinho deles aí que não cabe nem uma cama de casal dentro, aquelas coisinha apertadinha, mal estruturado. Então, o que queacontece? A pessoa não tem outra opção não. Aí a opção da pessoa é apelar praisso mesmo né?
169 (Eusébio)
- Eu nasci pra ser livre e eles querem me engaiolar...
170
Alguns dos entrevistados revelam a expectativa de vender os apartamentos:
- E o valor do apartamento é isso mesmo: a gente pega num valor de sessenta e cinco mil, né? E pode vender até mais caro.
171
- Você passa pra um apartamentinho vei desses e só vai ter direito de vender depois de uns dois ou três anos. Quer dizer, como é então que um cara pega a sua casa, um trem que é seu, você tá pagando. Eu acho que não tinha que ter esse negocio não. Uai, você tá entregando a sua casa e pegando um apartamento, aquele trem tinha que ser seu, eles não tinha nada que dizer que só pode vender daqui a três anos não.
172
Por fim, vale a pena também frisar a inadequação do apartamento para alguns
grupos específicos como os carroceiros, catadores, pequenos comerciantes ou
prestadores de serviços como cabeleireiros, manicures, costureiras e etc... Que
utilizam o próprio espaço da moradia como uma fonte de trabalho e renda:
Eles vão fazer apartamento e... Apartamento aí eu num tô querendo muito não porque... É, o meu sonho é de abrir uma lojinha. Quer dizer, com a casa aqui dava pra poder fazer isso, eu ia fazer quarto lá pra cima e tirava um cômodo pra abrir uma lojinha pra mim aqui mesmo, né?
Os efeitos da intervenção na categoria relações sociais já é muito sentido no
processo. Isto porque é neste momento que estão ocorrendo as maiores mudanças,
com as remoções vem os desfazimentos de laços familiares e de amizade.
Durante o processo de intervenção, alguns entrevistados do São Tomas e
Aeroporto relataram a tentativa de continuar próximos de seus amigos e parentes:
168
Entrevista realizada com Marisa e filha, moradora do São Tomás-Aeroporto. 169
Entrevista realizada com Eusébio, morador do São Tomás-Aeroporto. 170
Entrevista realizada com Marisa, moradora do São Tomás-Aeroporto. 171
Entrevista realizada com Mariana, moradora do São Tomás-Aeroporto. 172
Entrevista realizada com Eusébio, morador do São Tomás-Aeroporto.
95
- E aí ela (irmã) veio morar aqui comigo. Depois ela arrumou filho, e tudo, e marido, aí eu dei pra ela construir lá em cima da minha casa. Aqui em cima, ela mora lá em cima. E aí ela vai sair também pra gente continuar morando junta, né? Quer dizer, agora vai inverter. Eu que vou morar pra cima e ela embaixo. Primeiro nós vamo ficar tudo junto. Até eu levantar a parte de cima pra mim, quanto tiver tudo arrumadinho eu passo pra cima. (...) A minha vizinha que mora ali, que foi comigo lá na, comigo lá na hora que eu fui assinar o papel lá, mais a minha irmã... Ela abriu a boca a chorar. No entanto ela quer ir lá comigo domingo, eu vou lá na casa, lá. Limpar tudo lá, pra poder levar a mudança. Ela falou que vai lá e já quer olhar a casa por lá pra poder, quando der pra mudar, mudar pra lá. Pesq.: E essa Claudia, sua amiga... É... Ela tá querendo ir pra lá então, né... E: É... Ela tá querendo ir lá pra ver se ela acha a casinha... Diz ela que aonde que eu tô ela tá... Ela falou assim que no meio da minha mudança que ela já vai mandar os colchão pra poder ir pra lá...
173
No entanto, para a maioria das famílias indenizadas, o resultado foi o
rompimento dos laços sociais de amizade e solidariedade que tinham na comunidade
em que viviam:
- Era muita gente que morava nisso aqui. E anos e anos, todo mundo já era amigo de todo mundo, todo mundo conhecia todo mundo, e de uma hora p outra isso foi e acabou.
174
- Tinha a questão das amizades também, 'será que lá nós vamos conseguir fazer amizades e tal' ? Como é que vai ser o lugar? (...) a nossa comunidade lá era uma comunidade muito unida, e era uma comunidade assim grande também, então com essa questão assim do vila viva, ela... assim, as pessoas mudaram, ne, cada um foi pra um lugar, a maioria das pessoas que frequentava as missa da comunidade lá, então assim, a maioria mudou, num tem como, foram pra outros bairros. Os que ficaram lá ficaram muito poucos, então diminuiu muito, então a comunidade ficou mais afetada ainda com essa questão.
175
- Cada pessoa que sai, cada família, te dá assim um vazio, sabe? Pessoas que você tem assim aquela amizade bonita, tudo indo embora assim.
176
Para alguns moradores, no entanto, o processo de rompimento dos laços sociais
foi ainda mais traumático porque foi a própria família que se desagregou indo cada um
para um canto da cidade:
- Minha mãe morava aqui, minha Irmã, minha vó, meu tio, morava tudo ai, foi tudo embora. Minha mãe tá na nova Pampulha, minha irmã tá em Contagem. Cada um foi pra um, separou tudo. Pesq.: Então sua família que estava toda junta se espalhou?
173
Entrevista realizada com Adriana, moradora do São Tomás-Aeroporto. 174
Entrevista realizada com Mundica, moradora do São Tomás-Aeroporto. 175
Entrevista realizada com Rosalina, moradora do São Tomás-Aeroporto. 176
Entrevista realizada com Marilda, moradora do São Tomás-Aeroporto.
96
E: É, espalhou tudo, tudo separado. Ruim também foi isso. Eu não gostei nada disso. Bom né, ficar a família toda unida, agora todo mundo separou...
177
Até os moradores que permanecem no São Tomas e Aeroporto reclamam a
ausência dos que partiram, sobretudo os moradores que se encontram isolados nas
zonas de intervenção:
- Mas, aí começou, né, desapropriar o pessoal. Eu num vou te falar que eu num senti não, eu senti muito. Muito, muito, muito mesmo. Houve dia, depois que já tinha derrubado muita coisa, eu andei descendo lá, que eu andava esse São Tomás inteiro lá na beira do Córrego, eu tinha muita amizade, tenho graças a Deus.
178
- Pesq.: O que esse bairro tem de diferente dos outros? O que você mais gosta? E: olha, antigamente, eu gostava da vizinhança ne, mas foi todo mundo embora. E2: Igual minha mãe, ela tava com dengue. Ai meu namorado não estava em casa, eu estava trabalhando, não tem nenhum vizinho pra poder acudir ela, porque já foi todo mundo embora.
179
Por fim destacamos que o rompimento dos laços sociais acaba obrigando as
famílias que resistem à remoção a cederem e a aceitarem as condições impostas pela
Prefeitura:
a gente é obrigado a aceitar. Não que a gente queira aceitar, a gente é obrigado a aceitar. Só que a gente só aceita porque não tem como... vamos supor, não tem vizinho mais.
180
177
Entrevista realizada com Natália, moradora do São Tomás-Aeroporto. 178
Entrevista realizada com D. Glória, moradora do São Tomás-Aeroporto. 179
Entrevista realizada com Marisa e filha, moradora do São Tomás-Aeroporto. 180
Entrevista realizada com filha de Marisa, moradora do São Tomás-Aeroporto.
97
Foto 13 - moradores na zona de remoção
4.3 Cenário ex post
No cenário ex post é construída a análise comparativa que possibilita aferir os
impactos (no Aglomerado da Serra) e os efeitos (nas vilas São Tomás e Aeroporto) do
Programa Vila Viva. Aqui se refere a “efeitos” em razão de ainda ser recente a
intervenção nessas vilas e, inclusive, por ainda estar inacabada. Nesses locais,
portanto, os impactos ainda não podem ser avaliados, somente efeitos imediatos, ao
contrário do caso do Aglomerado da Serra.
4.3.1 Aglomerado da Serra:
No Aglomerado da Serra foram realizadas entrevistas com dois grupos distintos
de moradores: os reassentados em conjuntos habitacionais e aqueles não removidos
pelo programa. A análise dos impactos do programa nestes dois grupos é diferente,
uma vez que a intervenção teve amplitude diversa para ambos e, em assim sendo, os
cenários posteriores à intervenção também são distintos. Em especial no tocante à
habitação, onde houve mudanças somente para os grupos de moradores
reassentados.
98
4.3.1.1 Moradores reassentados
A primeira categoria metodológica de análise para comparação entre os
cenários construídos é o direito à cidade, que engloba, neste caso, a satisfação dos
moradores quanto à infraestrutura urbana e o acesso a serviços, no atual momento, ou
seja, quatro anos após a conclusão da primeira etapa do programa Vila Viva no
Aglomerado da Serra, que se deu em 2009.
Gráfico 3 - Cenário ex post moradores reassentados Direito à Cidade
Conforme se vê pelo gráfico 3, é alto o percentual de moradores reassentados
que apontam satisfação com relação à infraestrutura após as intervenções do
programa. Conforme falas dos moradores, foram realizadas obras no âmbito
urbanístico, como abertura de becos, pavimentação, abertura de vias, instalação de
infraestrutura como esgoto, o que representou melhoria da qualidade de vida em face
da conjuntura bastante precária anterior das áreas afetadas. Isso pode ser ilustrado por
falas como esta a seguir:
Foi bom fazer os prédio, foi, porque acabou um pouco da favela, que tinha muito beco, entendeu? Num tinha rua, cê num tinha acesso a muitas coisas. Agora não. Agora, com a avenida aberta aí o fluxo melhorou, a gente tem, tipo
99
assim, é... mais qualidade de vida, tendeu? As ruas são asfaltadas. Isso aí foi bom pra nós.
181
Importante mencionar, conforme sinaliza a fala anterior, que apesar da
satisfação foram apontados pontos consideráveis de falhas e o discurso de que, em
que pese as obras realizadas, alguns aspectos relacionados à falta de infraestrutura
deixaram de ser contemplados ou poderiam ter sido melhor atendidos.
Mas, certos pontos que ficou a desejar. É isso mesmo, os prédio, a maioria dos prédios tem espaço demais e tem uns que não tem.
182
Em contrapartida, constata-se que algumas obras receberam investimentos
desproporcionais à demanda do aglomerado, como a avenida do Cardoso, que apesar
de ter representado melhoria na malha urbana da cidade é colocada por moradores
como de porte desnecessário no contexto da comunidade, atendendo muito mais aos
bairros nobres ao seu redor.
[Sobre a Avenida do Cardoso]: a gente usa, mas é mais usado quem mora nos bairro nobre. Igual, cê ficar aqui, cêvê, só carrão passando, uai, tendeu? E outra, eles num tá nem aí não, passa acelerado, porque num tem um, só tem quebra-mola, num sei cê já viu, só lá em baixo.
183
Já o ponto referente ao acesso a serviços é mais polêmico, sendo que algumas
falas apontam insatisfação decorrente do reassentamento por piora na questão de
proximidade ao comércio, ponto de ônibus, escolas, postos de saúde. O que se
observa é que alguns prédios foram construídos em locais de acesso dificultado, o que
fora agravado pela remoção de locais que antes prestavam alguns desses serviços,
como “vendinhas”. Ainda, pode-se dizer que o cunho urbanístico das obras realizadas é
marcante, em detrimento de investimento no aspecto socioeconômico, como na saúde
e educação.
E: Oh, aqui falta ao menos uma lotérica para a gente pagar as contas, porque a gente tem que descer e ir lá no começo da Mem de Sá, para pagar uma conta... Pesq.: e para fazer compra? E – aí a gente compra por aqui mesmo, mas sacolão, também tem sacolão lá em baixo, mas tudo é lá em baixo... é longe
181
Entrevista realizada com Paulo, morador do Aglomerado da Serra. 182
Entrevista realizada com Paulo, morador do Aglomerado da Serra. 183
Entrevista realizada com Paulo, morador do Aglomerado da Serra.
100
E – única coisa boa que tem aqui é esse ônibus que passa, mas o amarelinho não passa aqui, ele vem até ali naquela curva ali em cima, onde que vocês viraram o carro, e dali ele sobe pra cima, o outro passa por lá assim, não passa nada aqui para nós para ajudar a subir lá pra cima. Aqui tudo é difícil, não tem nada, do outro lado nós tinha tudo, tudo. Pesq. onde a senhora morava antes? E – tudo perto, tinha loja de sapato, de roupa E2 – o único supermercado que tem aqui perto para nó é o BH, mas o BH é lá perto do (...) e não tem nenhum amarelinho que passa aqui, se você quiser tem que pagar um táxi, ou então carregar nos braços mesmo, não tem ônibus nenhum de lá pra cá pra Cardoso. E – não tem hospital aqui não. A Baleia é lá do outro lado, é longe. Pesq. e escola para os meninos?
184
E - O posto é lá no começo da Mem de Sá. Pesq. Eentão tudo ficou mais longe assim? E – tudo, tudo, tudo. Do outro lado, dava para mim trabalhar, aqui não dá para mim vender nada. Não posso comprar nada para vender no apartamento.
Não se deixa de mencionar, contudo, que algumas falas apontam o contrário,
indicando facilitações no acesso a alguns serviços, como ambulância.
Eulália: Bom, apesar que melhorou algumas coisas. Ma, é... eu acho que sobre os becos mesmo, melhorou muito. Principalmente, até pro... como que fala? pro SAMU entrar, tá muito melhor, nmé? SAMU primeiro tinha que subir um morrão, carregar a pessoa, né? Ah, mudou muito. Ônibus, eu, pelo menos, eu tenho é, um privilégio muito grande. Área hospitalar perto, o ônibus na porta. Então eu num posso queixar, eu mesmo, claro, eu... (Perguntou-se: então você acha que o transporte melhorou?) Pra mim, bom..., nós ainda precisa de mais um, né, pra ir lá pra cima, que pra cima nós não temos não.
185
Gráfico 4 - Cenárioex post relações sociais reassentados
184
Entrevista realizada com Nayara, moradora do Aglomerado da Serra. 185
Entrevista realizada com Eulália, moradora do Aglomerado da Serra.
101
No que toca às relações sociais e a antiga existência de capital social e humano,
como antes relatado, o cenário é problemático, sendo recorrentes falas que
demonstram insatisfação com o programa em razão dos reassentamentos que
impactaram negativa e consideravelmente nos laços sociais dos reassentados.
Isso se dá pelo fato de boa parte dos reassentados terem sido retirados de seu
ciclo social, construído muitas vezes durante anos de proximidade. O que se constata é
que as remoções representaram rompimento brusco de relações de vizinhança, o que
significou violação ao capital social da comunidade e desconsideração com a história
dos sujeitos afetados. Pode-se dizer que houve negligência no que diz respeito à
subjetividade dos moradores, o que afeta diretamente na posterior adaptação às novas
condições de vida decorrentes dos reassentamentos.
- E: Aí, tinha janela, sabe, aí todo mundo gritava: “Ô Vivan, cêta boa?” Aí eu já chegava na janela, precisava nem d’eu abrir a porta: “Ô Fulana, to boa...” Aí, minha menina morava, já focava em baixo, em baixo era sala, cozinha, banheiro e os três cômodo dela. Aí, todo mundo chamava: “Vivian, cêta boa? Cê sumiu! Tá doente não?” Eu falava, “não, to não”. Então era assim, era só... Aqui não. E2: Aqui é assim, se adoeceu um, todo mundo quer saber, ó. E: Lá era assim, se você ficasse sem me ver uma semana, procê eu tinha adoecido. Aqui não, aqui cê entra pra dentro, cê fecha sua porta, cê num sabe de nada, cê num sabe nada que tá passando ali na rua.
186
- Bom, lá tinha mais, tinha rato passando nos becos né, aí aqui, graças a Deus, aqui não tem isso. Mas sinto falta dos vizinhos que saíram, que mudou.
187
Com relação às redes de solidariedade, conforme se vê a perspectiva da maioria
dos entrevistados reassentados também é negativa. Importante mencionar o valor
dessa rede, que impacta não somente no aspecto subjetivo dos afetados, mas também
no aspecto econômico, vez que essa representa exatamente o suporte que um vizinho
representava para o outro, inclusive no tocante ao acesso a crédito e à renda, o que,
evidentemente, decorria de relação de confiança estabelecida durante o tempo e
convivência.
186
Entrevista realizada com Vivian e Altair, moradores do Aglomerado da Serra. 187
Entrevista realizada com Nayara, moradora do Aglomerado da Serra.
102
[Perguntou-se: na casa que a senhora morava antes, tinha mais contato com os vizinhos?] Eles eram mais amigos, mais unidos, é... tirando a Ângela, que a Ângela, qualquer coisinha eu tô com ela, ela tá comigo. Mas lá, assim, eu adoeci duas vezes, e eles iam muito lá, principalmente a dona Susi, (...) ela ficava lá fazendo coisas pra mim, que me melhorava, me levava para ir no médico... nossa mãe!
188
Gráfico 5- Cenário ex post habitação reassentados
Por fim, também se observa balanço negativo no concernente à satisfação com
a habitação. A insatisfação quanto ao modelo/tipo de habitação é mais marcante nos
reassentados em apartamentos, que têm queixas recorrentes em relação ao estilo
vertical de morar, que os priva de inúmeros afazeres que eram constitutivos do seu
cotidiano, apesar da satisfação com a infraestrutura urbana mostrada no Gráfico 1.
- Eu nunca gostei de apartamento não (...) lá agente tinha um terreninho, um pedacinho, lá tinha plantação, sabe, e eu gosto muito de ter minha hortinha, minhas folhas todas.... (....) eu falei assim: "meu Deus, como eu vou ficar aqui?", eu não aceitava o apartamento. Minha nora vinha aqui, eu pedia pelo amor de Deus, não quero ficar aqui não, me leva lá pra cima. (...)ah eu não quero, eu não quero de jeito nenhum, se ocês fizerem um barraco pra mim lá hoje, eu volto pra lá ontem.
189
- E: Antigamente eles tinham o quartinho deles para dormir separado, agora não, quando vem pra cá, quando a turma chega e vem me visitar fica todo mundo grudadinho.
188
Entrevista realizada com Eulália, moradora do Aglomerado da Serra. 189
Entrevista realizada com Eulália, moradora do Aglomerado da Serra.
103
E2: quase senta no colo um do outro E: aqui nós somos todos, todos que moram no prédio, nós temos que aprender muito a tolerância né. Aprender a conviver com as pessoas, porque no morro, aí você fala num entra, não entra. Agora aqui não, você não gosta de uma pessoa, mas o vizinho é parente, é...então assim, tem que deixar entrar, coisa que...
190
- E: unhum... agora a gente não tem liberdade nenhuma, porque essas cascas de ovo aqui, um vai tomar banho você escuta, o chuveiro tá ligado você tá escutando. Conversar alto você escuta. Então acabou. Então escuta tudo. Tem gente que não tem educação, parece que quanto mais grita melhor...
191
E: (...) prefiro na minha casa antes. Porque era mais cômodos, era mais espaço. Pesq. – E o que você acha que é bom no apartamento? E – Nada, não é bom em nada. (risos) É muito ruim, é pequeno, não tem espaço nenhum. Pesq.: Sua casa era maior? E - Era bem maior. Pesq.: Tinha quantos cômodos? E - Era uns quinze cômodos ou mais. Pesq.: Você fazia muita festa e agora não pode fazer mais? E – É. E2 – Prédio não pode fazer nem festa. E – Não pode fazer festa, não pode ligar som alto, mas nós liga altão. E – E é ruim, igual lá na minha casa, tinha um terreirão. Agora predinho, se quiser fazer alguma coisa tem que descer lá pra baixo. Igual eu que gostava de queimar, comé que queima ali? Tanto de gente vai ficar olhando procê igual público. E2 – Porque a minha sogra, óia, ela morava ela, o marido dela e os dois filhos dela, uma menina e um menino. Ela ganhou um de dois quartos e dorme a menina e o menino. No caso tinha que ser 3 quartos.
192
- Ahh... mudou muito, eu fico muito é presa..mas só porque é apartamento? Por que você acha que fica presa? (...) ahh..porque eu não conheço quase ninguém aqui. (...) tem muita coisa que você não pode fazer aqui. Ahh, som, apesar que som é até 10h, alto. Assim, você fazer um churrasco, chamar aquele monte de gente, o apartamento é pequeno já... ah não,... aí é chato.
193
Vale mencionar que, apesar do descompasso dos prédios com o estilo de vida
das comunidades afetadas, os apartamentos representaram melhoria principalmente
para os moradores que residiam em casas extremamente precárias, cujas
indenizações correspondentes eram muito baixas.
190
Entrevista realizada com Nayara e seu filho, moradores do Aglomerado da Serra. 191
Entrevista realizada com Nayara, morador do Aglomerado da Serra. 192
Entrevista realizada com Edna e Rose, moradoras do Aglomerado da Serra. 193
Entrevista realizada com Maria, morador do Aglomerado da Serra.
104
Teve bastante coisa positiva, porque aquelas pessoas que realmente estavam na área de risco, nas áreas insalubres e que não tinham condição nenhuma, elas estão no prédio e de qualquer maneira foi bom pra elas.
Algumas falas apontam satisfação com relação à localização da moradia em
comparação com a anterior, situada, por exemplo, em becos, e também com a
possibilidade de titulação da propriedade.
E: Ah, mas foi bom, foi bom que mudou tudo, do jeito que ela queria. E1: O que foi melhor? N: Aqui é melhor porque aqui tá na beirada da rua, né? Pesq.: Aqui é pequeno, mas se saber arrumar, fica grande. Pesq.: E aqui no prédio, vocês vão ter, né [papéis do apartamento]? E: Aqui nós vamos ter. Aqui, é... E2: É, que interessante... E: Igual aqui cê paga condomínio, cê paga água, luz, prédio, né... [...] Pesq.: Eles vão dar documentação pro pessoal, né? E: Aí vão dar a documentação. Pesq.: E eles falaram quando? E2: Não, eles já passaram, já mediram... E: Uns mesmos tavam vindo aí, ó. E2: Não, isso aí, isso é fiado.
194
Contudo, não se pode deixar aqui de salientar a limitação do modelo de
reassentamento do Vila Viva, focado na construção de apartamentos, que, por
representar em alguma medida desconstituição de estilos de viver, impacta diretamente
na adaptação dos afetados à nova moradia. Outros aspectos negativos presentes nas
falas de moradores reassentados são a falta de garagem nos prédios, má qualidade
dos materiais utilizados na construção desses, ocasionando inclusive em rachaduras e
a falta de acompanhamento do pós-morar posterior aos dois anos de residência.
- Muita das vezes tem prédio que ainda ficou faltando muita coisa que nem é o nosso aqui, pro cê ver, num tem nenhuma área de estacionamento, entendeu? Eu acho que quando eles fizeram isso, eles tinham que precaver que no futuro a gente tinha uma condição melhor de ter um carro. (...) Já que eles tavam fazendo um investimento tão grande, eu acho que poderia fazer uma coisa mais bem feita. Que nem aqui, ó (aponta para uma rachadura em uma das paredes do prédio), pra você ver, num precisava de, a segunda vez que acontece isso. Por quê que na primeira vez num fez um serviço melhor? Quando tava construindo, fizesse melhor, pra não ter a segunda vez. Já é a terceira vez.
195
194
Entrevista realizada com Vivian e Altair, moradores do Aglomerado da Serra. 195
Entrevista realizada com Paulo, morador do Aglomerado da Serra.
105
4.3.1.2 Moradores não-removidos
Gráfico 6 - Cenário ex post Direito à cidade moradores não-removidos
No que envolve os moradores não-removidos, o balanço também é positivo em
relação á infraestrutura, estando presente na maioria das falas a impressão de
melhoria, como na categoria dos reassentados, principalmente no concernente à
questão urbanística, como abertura de ruas. O mesmo se observa em relação ao
acesso a serviços, como por exemplo a ônibus.
Tiraram muita favela ali, muito beco...isso era feio demais. Pesq.: mas o que eles já fizeram, por exemplo... Qual benefício para vocês? H – ah o ponto de ônibus aí, né. Que antes era uma bagunça danada.
196
196
Entrevista realizada com Ronaldo, morador do Aglomerado da Serra.
106
Gráfico 7 - Cenário ex post relações sociais não removidos
Traz-se, por último, que há prevalência de descontentamento no tocante às
relações sociais entre os não removidos. Isso se dá pela desconstituição de laços, com
retirada de vizinhos, sendo presente nas falas uma espécie de sentimento de
desrespeito com os sujeitos afetados, enfraquecimento das relações de vizinhança, das
redes de solidariedade, o que reforça violação ao capital social e humano constatada
no grupo anterior.
- Pesq.: Você sabe pra onde é que foi esse pessoal do parque do Pocinho que foi removido? De uma forma geral? Eles estão aqui no aglomerado ou... E: Não, a maioria saíram, a maioria saíram, outros morreram porque nasceram e cresceram ali, criaram suas família ali. Então o seguinte, muitas vezes o... o valor monetário não é tão valorizado como a estimação, o amor, então muitas pessoas morreram. (...) Muitos morreram, muitos amigo meu morreram, outros tão doente, outros tão morando longe, Santa Luzia, Ribeirão das Neves, Betim, deixaram família aqui, então gente foi um desacato, foi um desrespeito à cidadania. Se existe alguém que é cidadão, pra esse pessoal não houve cidadão aqui, ta entendendo?
197
- E: Aqui, nesse lugar que eu tô, num tenho muita intimidade com nenhum, converso com ninguém lá. Pesq. Mas onde vocês moram hoje já não...
197
Entrevista realizada com Ricardo João, morador do Aglomerado da Serra.
107
E. Já num conheço muito, também eu num consigo mais ter essa relação... O pessoal até fala, “nó, cê mora lá, mas cê num tem relação nenhuma”... Às vezes o pessoal quer fazer igual ocê, “ah, vão gravar lá”. Ah, mas gravar o quê? Eu num conheço ninguém, atualmente eu num tenho uma relação tão forte assim.
198
O programa Vila Viva atende, minimamente, ao que se propõe, melhorar a
qualidade da infraestrutura urbana nos aglomerados de Belo Horizonte. Se a tal
infraestrutura urbana poderia ter sido feita de outra forma, é algo a se questionar, mas
a abertura de vias, pavimentação, drenagem e esgotamento, dá um mínimo de
dignidade aos moradores que, por isso, tendem a avaliar positivamente o programa
quando perguntados genericamente. Por outro lado, ao serem indagados
pontualmente, revela-se o descontentamento com o processo e resultados do
programa.
O Aglomerado da Serra é uma área grande, composta de várias vilas, os
reassentamentos, mesmo tendo as unidades habitacionais sido construídas no interior
do aglomerado, não localizavam necessariamente no local das remoções. As unidades
habitacionais se concentram na avenida do Cardoso, local distante da antiga moradia
de muitos reassentados, o que impactou em sua relação com o entorno, acessos a
serviços ou relações de vizinhança.
Há um descontentamento grande com a inflexibilidade do modelo de
reassentamento e as limitações dos apartamentos oferecidos, sendo que muitos já
apresentam problemas estruturais graves. Os moradores percebem que haveria um
descaso com relação ao serviço oferecido, por eles serem moradores de favela.
Uns poucos moradores, contudo, que moram próximos as vias construídas,
estão satisfeitos com as facilidades advindas com a mobilidade ampliada, como
aumento de pontos de ônibus, trânsito de ambulâncias e viaturas policiais.
Não há um consenso na comunidade quanto ao impacto do programa no
aglomerado. Por outro lado, um ponto que parece uníssono é a falta de consideração
quanto aos anseios da comunidade e suas expectativas quanto à intervenção,
198
Entrevista realizada com Leandro, morador do Aglomerado da Serra.
108
demonstrando que o processo participativo sendo pouco efetivo, reflete na insatisfação
dos moradores quanto aos resultados.
4.3.2 São Tomás e Aeroporto
Uma vez que as intervenções decorrentes do Vila Viva nas vilas São Tomás e
Aeroporto ainda não foram concluídas, a presente seção trata de análise de efeitos da
intervenção sobre aqueles que optaram por receber indenizações e deixaram
permanentemente estes bairros, os moradores ditos removidos, não incluídos aqui os
moradores que optaram pelo reassentamento e estão no bolsa moradia.
De início, deve-se pontuar que a Urbel, embora conheça ao menos o primeiro
destino destes moradores, vez que é ela a responsável por contratar caminhão de
mudança, possuindo documentos em que constam os endereços de destino dos
removidos, a Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte não possui os dados
sistematizados em um banco de dados. Ao longo da pesquisa foram feitos diversos
pedidos para que fossem informados ao menos os bairros de destino das famílias, mas
os responsáveis responderam, em todos os casos, que a ausência de sistematização
prévia das informações em um banco de dados, bem como a falta de funcionários para
fazer isso.
Os dados aqui, desta forma, apresentam os resultados das entrevistas e
impressões dos pesquisadores em campo, quanto aos efeitos do Programa no grupo
removidos.
No que tange à categoria direito à cidade, é possível perceber pelo gráfico 8, a
seguir, a ocorrência de grande insatisfação quanto à infraestrutura urbana, acesso a
serviços e emprego e renda por parte dos moradores removidos das vilas São Tomás
e Aeroporto em relação a seu novo local de moradia. Em contrapartida, há uma maior
satisfação no que tange à sensação de segurança ou percepção da violência.
109
Gráfico 8 - Cenário ex post direito à cidade removidos São Tomás e Aeroporto
A insatisfação no tocante à infraestrutura urbana e acesso a serviços é algo que
denota que as famílias removidas foram para regiões em condições inferiores ao local
da antiga moradia. Como o valor da indenização é baixa para possibilitar a aquisição
de imóveis em bairros urbanizados de Belo Horizonte, dentre os entrevistados muitos
mudaram-se para outras cidades da região metropolitana de Belo Horizonte, a RMBH,
ou para regiões também favelizadas da própria capital.
A maior reclamação com relação a serviços é quanto ao transporte público, que
são menos frequentes, os pontos mais afastados das moradias e, ainda, a alta de
tarifas para aqueles que agora moram na RMBH. Outra grande insatisfação
mencionada por quase todos os entrevistados foi a qualidade inferior do atendimento
de saúde disponível no local na nova moradia.
[entrevistados morando atualmente em Vespasiano](...) o ônibus demora, dá uma voltona. Tem que dar uma volta no Morro Alto ainda, pega o pessoal do Morro Alto, para depois ir lá para o centro. (...) Lá o melhor o melhor para ele [o marido] era isso! Médico! E aqui não. Aqui tudo é difícil! Tudo é longe! Até para comprar as coisas! Aqui tudo é caro!(...) lá não! Lá era rapidinho! Marcava um mês no outro dia já estava levando ele lá! Mais perto, né?
199
199
Entrevista realizada com Natália e Maria, moradoras no São Tomás-Aeroporto.
110
[entrevistado morando atualmente em Vespasiano] (...) em relação a saúde tem porque lá, assim, o posto de saúde era mais perto, a gente já tinha um cadastro lá há muitos anos, ne, então a gente tinha mais facilidade, para ter acesso ao posto, e aqui tá mais difícil. porque aqui a gente tem que levantar de madrugada, pra poder marcar consulta. (...)o único problema aqui é que a linha de onibus é pouca, ne, mas passa ônibus aqui pertinho, não demora nem 5 minutos pra tá no ponto de ônibus.
200
[entrevista atualmente morando em Ribeirão das Neves, Justinópolis] tem um posto de saúde lá que todo mundo fala que é muito ruim, o posto de saúde daqui é bem melhor. Tanto que a gente tá lutando pra a minha avó continuar consultando aqui, porque o de lá é péssimo. Porque aqui tem vários hospitais assim perto, tem UPA. Lá tem uma UPA que o pessoal fala que nunca é atendido, um posto de saúde. Aqui tinha três, São Tomás, São Bernardo e Heliópolis, tudo perto. [...]
201
Foi mencionado também por duas entrevistadas que durante o processo de
mudança seus filhos perderam o ano letivo, pela impossibilidade de achar vagas nas
escolas nos locais de moradia ou pela quebra da rotina familiar com a necessidade
imposta aos pais de procurar nova moradia.
[entrevistado morando atualmente em Vespasiano] Então com relação a isso [escola] tem essa diferença sim. só teve um problema assim, quando a gente teve pra mudar, meu filho perdeu assim um ano de escola, ne. Ele perdeu um ano, porque a gente ficava naquela coisa, ah, eu vou pra tal lugar, ai de repente aquele lugar que a gente planejou de ir não dava certo. Então ficou assim, porque a gente saía muito pra procurar lugar pra morar, e nisso, pra ele não ficar sozinho a gente tinha que carregar ele, quando num era eu era meu marido, a gente tinha que levar ele com a gente, então.
202
[entrevistada morando atualmente em Ribeirão das Neves] C: Primeiro ano lá em Neves foi o cão, eu cheguei a chorar em porta de escola pedindo vaga. (...) Posto de saúde eu não tenho cadastro. (...) A Vanessa, faltava dez pontos só pra ela passar, ela perdeu o segundo ano, a Raiana perdeu o quinto ano, o Rian também repetiu.
203
Na categoria direito à cidade, o único item que teve uma ampla avaliação
positiva dos entrevistados quando em comparação as vilas São Tomás e Aeroporto foi
relativo à violência urbana. A maioria dos entrevistados estão satisfeitos com seu novo
local de moradia quanto a este aspecto, por julgarem ser mais tranquilo.
- em caso de matança, aqui é bem melhor.204
200
Entrevista realizada com Rosalina, moradora no São Tomás-Aeroporto. 201
Entrevista realizada com Kátia, moradora no São Tomás-Aeroporto. 202
Entrevista realizada com Rosalina, moradora no São Tomás-Aeroporto. 203
Entrevista realizada com Léia, moradora no São Tomás-Aeroporto. 204
Entrevista realizada com Natália, moradora no São Tomás-Aeroporto.
111
- aqui em tudo é mais tranquilo. Pesq. : em termo de violência? E: menos violência, tranquilidade demais.
205
- Aqui é. Aqui é bom demais. Inclusive meu marido tá viajando né? A irmã dele tá doente e ele foi pra lá segunda-feira. Eu fico só eu e minha filha aqui e cê não vê nada. Não vi nada aqui ainda.
206
- Lá assim, a gente num fica escutando tiro toda hora, num vê aquele tanto de gente passando armada na rua toda hora.
207
- Por que que eu mudei pra um lugar melhor? porque aqui [no São Tomás] eu tava no meio da guerra. eu tinha que olhar pessoas, é, adolescentes morrendo todo dia, era droga todo dia, era prostituição, era bagunça, era vizinho brigando (...) e lá eu não vejo nada, lá eu não vejo nada disso.
208
Em compensação tem moradores entrevistados que se sentem mais inseguros
no local da nova moradia, por não conhecer os vizinhos e se sentirem reféns da
criminalidade sem a rede de apoio da comunidade para socorrê-los.
- O beco aqui é muito... sangue de Jesus! Tem dia que passa gente aqui que você nem sabe! Deus me livre! Eu nunca morei num beco desse não!
209
- E: A única coisa que eu não gostei dessa casa também é porque quando a polícia chega, eles correm tudo pra cá e esconde aqui. Pesq: dentro da sua casa? E: aqui na varanda. E2: aqui neste espaço (referindo-se ao quintal). E: eles esconde aqui na varanda. Tem um bequinho ali. Um dia, deixaram até uma droga ali. Eu fiquei com medo da polícia chegar e ver a droga ali. Agente não mexe com isso não, mas...
210
Fica claro pelas declarações dos entrevistados que estes se encontram em
região com infraestrutura urbana e serviços públicos inferiores aos disponíveis nas vilas
São Tomás e Aeroporto. Assim, é evidente que os efeitos do Programa Vila Viva nas
vidas das famílias removidas não garante melhoria da qualidade de acesso à cidade,
como prometido pelo programa. E, aqui se refere a 40% das famílias dos locais. Assim,
as mais de sete mil pessoas que serão deslocadas das vilas irão, provavelmente,
mudar-se para áreas onde todo o esforço pela melhoria da qualidade de vida deverá
205
Entrevista realizada com Rosalina, moradora no São Tomás-Aeroporto. 206
Entrevista realizada com Lucinda, moradora no São Tomás-Aeroporto. 207
Entrevista realizada com Kátia, moradora no São Tomás-Aeroporto. 208
Entrevista realizada com Léia, moradora no São Tomás-Aeroporto. 209
Entrevista realizada com Jenilda, moradora no São Tomás-Aeroporto. 210
Entrevista realizada com Natália e o marido, moradora no São Tomás-Aeroporto.
112
ainda ser alcançado. Ironicamente, muitas dessas famílias removidas tinham membros
ativamente envolvidos nas mobilizações para a melhoria das vilas, mas não desfrutarão
dos benefícios infraestruturais proporcionados pela intervenção.
Na categoria habitação, a análise comparativa entre o cenário anterior e o
posterior à intervenção para os entrevistados removidos demonstra maior equilíbrio
entre aqueles que estão satisfeitos e aqueles que estão insatisfeitos com a nova
situação, como demonstrado no Gráfico 9.
Gráfico 9 - Cenário ex post habitação removidos São Tomás e Aeroporto
Dentre aqueles que se encontram satisfeitos o motivo mais recorrente foi a
possibilidade de comprar uma casa maior, juntando recursos próprios ao valor recebido
a título de indenização, mesmo que localizada em local distante. A oportunidade de
mudança veio também com a possibilidade de se adequarem a novas necessidades
familiares de habitação e, desta forma, sentem-se satisfeitos.
- [entrevistada atualmente morando no Vale Jatobá, região favelizada de BH] Ana: O espaço? Bem melhor! Ficou ótimo, o espaço tá ótimo. (...) Aqui... essa sala, né, a copa, a cozinha, e lá em cima tem dois quarto, um banheiro, e tem o terraço lá em cima.
211
211
Entrevista realizada com Lucinda, moradora no São Tomás-Aeroporto.
113
- [entrevistada atualmente morando em Justinópolis, Ribeirao das Neves] M: só que ai a gente comprou um lote do mesmo jeito. As três casas separadas. (...) a gente já comprou [a casa] pronta. Só que o dinheiro não deu pra comprar a casa não, teve que inteirar. Que o dinheiro é muito pouco que eles dão. Eles não pagam bem, pagam quase nada. [o lote] é maior. Lá é maior. As casas também são melhores, melhor do que aqui.
212
Outro grande fator de satisfação foi a possibilidade de adquirir imóvel em área
regular, com titulação dominial, que garante a segurança da posse, antes inexistente
nas vilas São Tomás e aeroporto, carentes de regularização fundiária. A maioria dos
entrevistados sentem-se mais seguros na posse na presente moradia, o que se
relaciona não somente a aquisição de imóvel com documentação regular, mas também
a ausência de situação de risco constante como ocorria nas vilas São Tomás e
Aeroporto devido às enchentes anuais. Vários entrevistados já tiveram grandes
perdas em decorrência das inundações e agora se sentem mais seguros.
- ...é muito melhor... Lá era grande, tinha espaço também, mas lá eu não tinha documentação nenhuma, não tinha nada. Aqui eu tenho documentação de tudo, aqui é uma coisa controlada, eu pago IPTU e tudo...
213
- E: Eu comprei o terreno. Pesq.: tem escritura, tudo arrumadinho? E. sim, tem escritura, tem tudo. (...) A gente levou vantagem, entre aspas, assim, em relação ao local que a gente morava lá, porque lá a gente morava na beirada de um córrego. os fundos da casa eram pra um córrego. Dava, dava muita enchente, misericórdia.
214
Para outros entrevistados, sendo pequena maioria, a habitação é considerada
pior do que aquela possuída antes no São Tomás. Mas constitui elemento de
insatisfação aqui não só o modelo ou tamanho da casa, mas também sua localização
em becos, em áreas de risco ou irregulares, e ainda, tendo peso considerável o fator da
autoconstrução, que agrega valor afetivo ao imóvel anterior em relação ao atual.
... em relação à estrutura da casa, essa aqui é pior, mas em relação ao local, a tranquilidade, que dá acesso a rua ai no caso, é tranquilo demais aqui, é bem melhor. por isso que a gente prefiriu assim, vir pra cá, comprar a casa assim do jeito que tá, pra depois com o tempo a gente ir melhorando, do que gente ter ficado lá e ter pegado uma coisa pior lá.
215
212
Entrevista realizada com Kátia, moradora no São Tomás-Aeroporto. 213
Entrevista realizada com Divinalda, moradora no São Tomás-Aeroporto. 214
Entrevista realizada com Rosalina, moradora no São Tomás-Aeroporto. 215
Entrevista realizada com Rosalina, moradora no São Tomás-Aeroporto.
114
Pesq.: lá [casa para onde ela se mudou] tem documentação? C: Não, tão falando que lá é área de risco, o pessoal ta saindo e entrando pro Minha Casa Minha Vida, e eu não posso pegar indenização, não posso, só depois de dez anos.
216
Mesmo com relativa satisfação quanto à habitação atual, todos os entrevistados
fizeram a opção pela indenização em detrimento do apartamento, por não conceberem
a unidade habitacional correspondente ao seu estilo de vida.
É na categoria relações sociais, que compreende as relações familiares e de
vizinhança, assim como as redes de solidariedade, que os efeitos negativos do
programa Vila Viva são mais significativos dos moradores removidos.
Gráfico 10 - Cenário ex post relações sociais removidos São Tomás e Aeroporto
O gráfico 10 deixa claro a insatisfação demonstrada pelos entrevistados com as
consequências da remoção para suas relações socioafetivas. Alguns entrevistados, ao
verem indagados sobre amigos e familiares que possuíam nas vilas São Tomás e
Aeroporto, rompiam em lágrimas copiosas. Por vezes os pesquisadores tinham que
parar a entrevista ou mudar de tópico, tamanho o desconforto proporcionado pela
pergunta.
216
Entrevista realizada com Léia, moradora no São Tomás-Aeroporto.
115
É indigno e mesmo revoltante que a afetividade, o impacto na saúde mental e
emotiva das pessoas, não entre em contabilizações ou avaliações de efetividade pelo
poder público ou para compor critérios legislativos nos processos de remoção. A
ocorrência de depressão e até mesmo de óbitos, neste caso de pessoas idosas, é
recorrente entre os removidos, mesmo que tais estatísticas não compusessem o
objetivo anterior deste trabalho, sua menção frequente demonstra a relevância desta
categoria para todos os entrevistados.
O impacto para as relações socioafetivas dos removidos é negativo, havendo o
rompimento das redes de solidariedade. Em alguns casos, a perda de capital social e
humano representa o agravamento da condição de vulnerabilidade das famílias, que
têm nestas redes sua possibilidade de reprodução da vida.
Natália: as vezes tem vaga no serviço onde a pessoa está, mas não indica,
porque não conhece. (...) lá no São Tomás ele (pai da Natália) tinha muitos
amigos lá. (Natália)
Maria: lá era melhor, porque lá, mesmo que eu não tivesse dinheiro, lá eles
ajudavam eu, dando a diferença.... aqui tá difícil de ajudar... (Maria)
A análise de efeitos da intervenção do Vila Viva nas Vilas São Tomás e
Aeroporto, relativamente a situação das famílias removidas, demonstra que o programa
não cumpre nenhum dos seus objetivos para com estes. Os removidos não se
beneficiarão da melhora de qualidade de vida com as obras de infraestrutura urbana,
ao contrário, com a indenização que recebem compram suas novas habitações em
locais cuja infraestrutura é inferior a das vilas, antes da intervenção.
Observou-se que a opção pelas remoções foi maciça neste local, poucas casas
que compunham o todo da vila permanecerão. O aumento do número de remoções
ocorreu com pouca resistência dos moradores, fato que foi atribuído a inevitabilidade
da intervenção devido a grave problema das enchentes. Os pesquisadores puderam
observar, ainda, que a violência decorrente do tráfico de drogas foi outro ponto crítico
de desmobilização dos moradores.
Em geral, o impacto na vida dos removidos, que não serão reassentados nos
conjuntos habitacionais, é muito negativo. Em todas as categorias de análise os
116
entrevistados demonstraram insatisfação, ficando evidente o descaso do programa
com as conseqüências negativas para todas as famílias removidas, que não tem
qualquer acompanhamento que assegure, mesmo que minimamente, condições
adequadas de moradia.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Programa Vila Viva investe recursos expressivos para a urbanização de vilas
e favelas em Belo Horizonte, tendo como objetivo a melhoria da qualidade de vida de
seus habitantes. Os planos e diagnósticos realizados nas vilas, fazem completo
levantamento das necessidades infraestruturais, ambientais e sociais. Por um lado,
todo este investimento vem suprir uma necessidade latente dos moradores por
melhores condições de vida e, desta forma, é avaliado positivamente pelos moradores.
A falta de investimento do Estado no passado nestas regiões faz com que a
política pública seja almejada e, até certo ponto, bem recebida. A situação muda um
pouco quando a intervenção realmente se inicia, quando os moradores começam a
perceber que suas prioridades não são ouvidas ou levadas em consideração ou, se
agrava, quando descobrem que terão que sair.
Todo o processo é excessivamente traumático para os moradores, que
convivem com um canteiro de obras durante anos, com escassez de informação acerca
do processo, sendo que muitas famílias ficam meses ou anos sem ter a resposta
definitiva acerca da remoção de sua moradia.
A construção de toda intervenção é rígida, havendo pouca possibilidade para
alterações ou negociações durante o processo. Mesmo assim, os técnicos da Urbel
compreendem o processo como participativo, mesmo sendo os espaços de
participação mais informativos.
A proposta oficial do programa ainda desconsidera uma universidade de culturas
e modos de vida, pois mantém as linhas abissais. Modos de vida que incluem
atividades tidas como rurais ou periféricas, continuam “invisibilizadas” e, desta forma,
117
desconsideradas na proposição oficial da intervenção. Isto fica claro no modelo,
também rígido, de reassentamento em unidades habitacionais, altamente rejeitado pela
ampla maioria dos moradores.
Assim, mesmo que haja uma relativa melhora na qualidade de vida de alguns,
devido à disponibilidade de infraestrutura e serviços públicos antes inexistentes, os
impactos negativos consequentes das remoções é elevado. É alarmente também a
proporção dos removidos excluídos nos programas de reassentamento (em média
60%, segundo dados dos técnicos da Urbel), o que necessariamente levará estes
“desassistidos” a enfrentar nova situação de vulnerabilidade. Isso porque, não há um
acompanhamento da aquisição de nova moradia para os indenizados que recebem o
dinheiro diretamente do programa, levando ao risco de aquisição de moradia em áreas
de risco, em outras regiões desprovidas de infraestrutura básica, ou ainda, em áreas
que poderão ser novo objeto de remoção (no caso onde há a impossibilidade de uma
segunda indenização).
Como ficou constatado pelas narrativas dos moradores, o baixo valor das
indenizações levam os removidos a adquirir imóveis em outras favelas ou irem para
locais distantes da região metropolitana. Dessa forma, perdem os locais de trabalho
anteriores e toda uma cultura de apoio e de intercompreensão que cultivaram muitas
vezes durante décadas e que lhes permitiu sobrevivência, mesmo em condições de
extrema precariedade.
Relativamente aos grupos etários entrevistados, constatou-se que os idosos
certamente sentem mais, tendo havidos vários relatos de moradores que adoeceram e
até faleceram após as remoções ou após o início das obras. A desconsideração quanto
ao impacto nos idosos, que deveriam constar de tratamento adequado a suas
peculiaridades dentro da política pública, é uma grande fragilidade da política.
Os jovens vêem a intervenção com desconfiança, a maior abertura deste grupo
etário não se confirmou, principalmente pela relação consolidada com o lugar. Estes
sentem o caráter negativo da separação com o convívio familiar com pais e avós.
118
Alguns poucos, contudo, vêem o programa como uma oportunidade de mudança ou de
aquisição de nova moradia.
Nas vilas São Tomás e Aeroporto o fato de existência de grande violência e
sentimento de insegurança no local da antiga moradia, foi fator determinantes para
inúmeros removidos avaliarem positivamente o processo de remoção. Para estas
pessoas a remoção veio como uma oportunidade de sair de uma situação de
aprisionamento, medo e privação, decorrentes do estágio de violência reportado pelos
entrevistados. Mas esta avaliação positiva quanto a mudança, como uma oportunidade,
não pode desconsiderar duas situações. Primeiramente, estas famílias jamais deveriam
encontrar em situação tal que perder sua casa, suas referências, emprego, seja menos
importante do que fugir da violência. Demonstra a total ausência do estado, e que a
segurança pública ali significa criminalizá-los, e não protegê-los. Em segundo lugar,
ficou claro pelos relatos que a condição de vida dos removidos, a qualidade da
moradia, piorou. A aceitação de tal situação, quando confrontado com a experiência da
violência, não poderia ter sido menosprezada pelo programa intervencionista, pois este
deveria ter garantido aos removidos acesso à moradia de qualidade semelhante ou
superior, nunca inferior.
Ao comparar o processo de intervenção no Aglomerado da Serra, que foi o
programa piloto da Urbel, e nas vilas São Tomás e Aeroporto, após alguma experiência
acumulada, foi possível ver mudanças. Nestas vilas a Urbel disponibilizou um posto de
atendimento a população, aberto de forma contínua, que auxiliou uma avaliação
positiva da população com relação à Urbel. Nenhum dos moradores apresentaram
críticas a forma de tratamento dos técnicos, disseram que tiverem tempo suficiente
para mudarem-se e, as vezes, contavam com auxílio na mudança.
A situação foi bem diferente no Aglomerado da Serra, onde os técnicos
apresentavam muito mais despreparados para lidar com a população. Houve muitos
relatos de moradores que se sentiram mal tratados, desconsiderados e até humilhados
durante o processo.
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Mesmo que haja conhecimento acumulado que esteja minimamente melhorando
a forma como a Urbel atua nas comunidades, pela dimensão e impacto que o programa
Vila Viva tem na vida de milhares de famílias, a política pública deveria ser melhor
pensada e formulada, especialmente aberta a críticas por parte dos moradores. Como
ficou demonstrado, o programa ainda possui falhas graves de formulação e concepção
da política, que vão seguir gerando conseqüências negativas em todas as outras
intervenções que se seguirem.
Por fim, deve ficar claro que o impacto e os efeitos do programa Vila Viva nas
vilas e favelas são, majoritariamente, negativos, especialmente pelo número elevado
de remoções, com todas as conseqüências nefastas provocadas. Há uma clara
percepção da favela como algo a ser extirpado do cenário urbano, com obras de
maquiagem, como a priorização de obras viárias e construção de prédios de
apartamento.
A população de baixa renda encontra-se, mais uma vez, refém de uma política
pública autoritária e que, com a justificativa de melhorar a qualidade de vida destes
moradores, acaba por expulsar grande parcela para as periferias da cidade ou para
cidades da região metropolitana, sem que haja qualquer articulação ou trabalho
integrado que garanta a inserção destes de forma minimamente adequada.
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7. REFERÊNCIAS
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Horizonte, n. 3 (jun 2012): 14-35.
_____, e DIAS, Maria Tereza Fonseca (2010) (re) pensando a pesquisa jurídica. 3.
Belo Horizonte: Del Rey.
HARVEY, David. Lutas pela reforma urbana: o direito à cidade como alternativa ao
neoliberalismo. Belém. 29 jan. 2009. Palestra ministrada no Forum Social Mundial.
LEFEBVRE, Henri [1970]. A Revolução Urbana. Belo Horizonte, Ed. UFMG, 2008.
SANTOS, Boaventura de Sousa (2005).Semear outras soluções: os caminhos da biodiversidade e dos conhecimentos rivais. 2 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 300p.
_____ (2008). Para além do Pensamento Abissal: Das linhas globais a uma ecología de saberes. Revista Crítica de Ciências Sociais, nº 48.