Relatório de Estágio - Saúde Mental - DESINSTITUCIONALIZAÇÃO
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UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA
CURSO DE PSICOLOGIA
SERVIÇO DE PSICOLOGIA APLICADA – SPA CABO FRIO
CURSO DE PSICOLOGIA
DISCIPLINA: ESTÁGIO PROFISSIONAL SUPERV. I
PROFESSOR: LUIZ HENRIQUE DA SILVA LESSA
RELATÓRIO SEMESTRAL DO ESTÁGIO
SUPERVISIONADO I
POR
GABRIELA VIANA DE SOUZA
Cabo Frio
2014 / 1º Semestre
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GABRIELA VIANA DE SOUZA 20111100009
RELATÓRIO SEMESTRAL DO ESTÁGIO
SUPERVISIONADO I
Trabalho apresentado ao curso de
Psicologia, do
Instituto de Ciências da Saúde da
Universidade Veiga de Almeida,
em cumprimento das exigências
do estágio supervisionado.
PROFESSOR: LUIZ HENRIQUE DA SILVA LESSA
Cabo Frio
2014 / 1º Semestre
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Sumário
1.0 Introdução ........................................................................................................................ 4
2.0 Histórico do CAPS........................................................................................................... 5
3.0 Desinstitucionalização: O que é desinstitucionalizar?................................................ 9
Considerações finais
Referências
Anexos
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1.0 Introdução
“Todo mundo é louco.”
Lacan, J. (2010[1978])
Escolhi o estágio em saúde mental pois, quis aprofundar meus conhecimentos na
área que enquanto matéria, dada brilhantemente em sala, me encantou com seu modelo
de atuação, com o seu jeito de lidar com o outro, com o cuidado dispensado aquele que
sofre por problemas neurológico ou psicologicos. Quis ver de perto o que, atravez de
textos apresentados em sala tive a oportunidade de conhecer, e tentar colocar em prática
como estagiaria o que aprendi enquanto aluna.
Para este trabalho escolhi falar sobre como se dá a desinstitucionalização, visto
que percebi, enquanto estagiária no CAPS, o quanto é difícil em alguns casos que este
processo ocorra, já que muitos dos usuários com histórico de internação perderam o que
se chama de liberdade, liberdade de expressão, de socialização, de conviver em família.
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2.0 Histórico do CAPS
Os Centros de Atenção Psicossocial são dispositivos de base territorial que têm
como função fazer a reabilitação psicossocial do indivíduo que necessita desse
acompanhamento especializado.
São resultados da Reforma Psiquiátrica Brasileira, sustentando e apoiando o
fechamento dos manicômios, que podem e devem ser totalmente substituídos por Caps e
Residencias Terapêuticas.
Além da desospitalização, que se refere apenas a retirar o sujeito do hospital, é
trabalhado também o processo de desinstitucionalização, que por sua vez trata-se de
tirar o valor manicomial do sujeito e da sociedade na qual está inserida, reforçando e
humanizando esses laços. A transformação do imaginário social ocorre quando há
comunicação entre esses dois mundos, demonstrando que o conhecimento geral a cerca
da loucura está equivocado, e que os loucos não são tão loucos nem tão perigosos
quanto acreditavam ser. Essa comunicação se dá através de movimentos de inserção de
uma nova cultura promovida pelos CAPS.
Trata-se de um local onde é permitido que o louco viva a sua loucura,
potencializando suas qualidades e caminhando em constante desenvolvimento cultural
para que um dia o louco possa viver totalmente inserido em sua sociedade, sendo
respeitado e visto como um sujeito de desejo e projetos. Àfinal espera-se que todos
tenham a noção de que doença é tão natural quanto à saúde.
O papel dos CAPS é o de articulação, assistência e regulação da rede de saúde e
contam com uma equipe multidisciplinar com psicólogo, equipe de enfermagem,
assistente social, assistência médica psiquiátrica entre outras áreas como a
administrativa e de serviços gerais a fim de trabalharem em conjunto e harmonia a fim
de ajudar na reinserção social dos pacientes, assim como de ajuda a familiares.
O CAPS além de ser um serviço estratégico de Saúde Mental que atende
portadores de inúmeras necessidades, tem por “meta” durante o processo, o tratamento
tanto por medicamentos, onde deve visar a diminuição dos mesmos, quanto por
psicoterapias onde são desenvolvidas oficinas artesanais, e grupos terapêuticos. Essa
rede deve também acompanhar o tratamento de pacientes que moram em residências
terapêuticas, que são pacientes que saem após anos do hospital psiquiátrico.
Assim, alguns objetivos dos CAPS, segundo o Ministério da Saúde (2004) são:
Prestar atendimento em regime de atenção diária;
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Gerenciar os projetos terapêuticos, oferecendo cuidados clínicos, eficientes e
personalizados;
Promover a inserção social dos usuários por meio de ações intersetoriais que
envolvam educação, trabalho, esporte, cultura e lazer, montando estratégias
conjuntas de enfrentamento dos problemas;
Organizar a rede de serviços da saúde mental em seu território;
Dar suporte e supervisionar a atenção à saúde mental na rede básica, PSF
(Programa de Saúde da Familia), PACS (Programa de Agentes Comunitários de
Saúde);
Regular a porta de entrada da rede de assintência em saúde mental de sua área;
Coordenar, junto com o gestor local, as atividades de supervisão de unidades
hospitalares psiquiátricas que atuem no seu território;
Manter atualizada a listagem dos pacientes de sua região que utilizam
medicamentos para a saúde mental.
Cada usuário de CAPS deve ter um projeto terapêutico individual, isto é, um
conjunto de atendimentos que respeite a sua particularidade, que personalize o
atendimento de cada pessoa na unidade e fora dela e proponha atividades durante a
permanência diária no serviço, segundo suas necessidades. A depender do projeto
terapêutico do usuário do serviço, o CAPS poderá oferecer, conforme as determinações
da Portaria GM 336/02:
• Atendimento Intensivo: trata-se de atendimento diário, oferecido quando a
pessoa se encontra com grave sofrimento psíquico, em situação de crise ou dificuldades
intensas no convívio social e familiar, precisando de atenção contínua. Esse atendimento
pode ser domiciliar, se necessário;
• Atendimento Semi-Intensivo: nessa modalidade de atendimento, o usuário
pode ser atendido até 12 dias no mês. Essa modalidade é oferecida quando o sofrimento
e a desestruturação psíquica da pessoa diminuíram, melhorando as possibilidades de
relacionamento, mas a pessoa ainda necessita de atenção direta da equipe para se
estruturar e recuperar sua autonomia. Esse atendimento pode ser domiciliar, se
necessário;
• Atendimento Não-Intensivo: oferecido quando a pessoa não precisa de suporte
contínuo da equipe para viver em seu território e realizar suas atividades na família e/ou
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no trabalho, podendo ser atendido até três dias no mês. Esse atendimento também pode
ser domiciliar. Cada CAPS, por sua vez, deve ter um projeto terapêutico do serviço, que
leve em consideração as diferentes contribuições técnicas dos profissionais dos CAPS,
as iniciativas de familiares e usuários e o território onde se situa, com sua identidade,
sua cultura local e regional.
Assim, o CAPS tem o funcionamento pelo menos durante a semana (segunda a
sexta-feira) e subdivide-se em 5 formas. Segundo Amarante (2007), no Brasil, as
portarias ministeriais 189/01 e 224/92 instituíram várias modalidades, dentre as quais os
hospitais dias, as oficinas terapêuticas e o Centro de Assistência Psicossocial (CAPS),
que foram restruturados pelas portarias 336/2 e 189/2 estabelecendo várias modalidades
de CAPS.
O horário e o funcionamento aos finais de semana são dispostos diferentemente
em cada modalidade de atendimento de acordo com as regras estabelecidas. As 5
modalidades são, segundo Amarante (2007):
CAPS I – municipios com população entre 20.000 e 70.000 habitantes –
funcionam das 8h às 18h, de segunda à sexta-feira.
CAPS II - municipios com população entre 70.000 e 200.000 habitantes –
funcionam das 8h às 18h, de segunda à sexta-feira. Pode ter um terceiro período,
funcionando até às 21h.
CAPS III – municípios com população acima de 200.000 habitantes –
funcionam 24 horas, diariamente, também nos feriados e finais de semana.
CAPSi – Atendimento de crianças e adolescentes – municípios com a população
superior a 200.000 habitantes – funcionam das 8h às 18h, de segunda a sexta-
feira. Pode ter um terceiro período, funcionando até às 21h.
CAPSad – Atendimento de dependências química (álcool e drogas) – municípios
com população superior a 100.000 habitantes – funcionam das 8h às 18h, de
segunda a sexta feira. Pode ter um terceiro período, funcionando até às 21h.
(Amarante, 2007: 83,84)
O CAPS ao qual meu estágio profissional supervisionado está alocado é no
CAPS II, que fica localizado na Rua General Alfredo Bruno Gomes, bairro do Braga no
Município de Cabo Frio e tem como diretora técnica a Ana Lúcia Goldemberg e a Iara
dos Santos Carvalho como coordenadora administrativa.
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Foi fundado em 13/06/2008, portanto, é um serviço relativamente novo na
cidade de Cabo Frio, que está para completar seis anos de funcionamento e está
vinculado à Coordenação Municipal de Saúde Mental, cujo coordenador é o psiquiatra
Ubirajara Gaspar de Oliveira.
O CAPS foi implantado na cidade para atender a demanda de pacientes
psiquiátricos na cidade e tem como atividades as terapias ocupacionais, que acontecem
duas vezes na semana, oficinas terapêuticas como as de pintura, cinema, teatro, dança,
reflexão, oficinas variadas, beleza e música, as oficinas de trabalho e renda como a
oficina de sabonete, pintura em camisa e até mesmo de pintura, uma vez que os quadros
ficam em exposição e são vendidos quando tem eventos. Há ainda atendimento médico
psiquiátrico e psicológico em grupo ou individual.
O CAPS tem cerca de 155 pacientes inscritos e com prontuários abertos, mas
apenas aproximadamente 90 pacientes frequentam o serviço atualmente com
regularidade, o que com certeza vai aumentar nos próximos anos ou até mesmo meses,
uma vez que o número e pacientes psiquiátricos não param de crescer, sendo abertos
novos prontuários semanalmente. Conta ainda com uma equipe de aproximadamente 18
funcionários, sendo estes, 4 psicólogos, 1 psiquiatra, 4 administrativos, 1 assistente
social, 1 fonoaudióloga, 1 motorista, 2 serviços gerais, 1 enfermeiro e 3 técnicos de
enfermagem, e além de mais 4 estagiários de psicologia e 5 estagiários de enfermagem.
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3.0 Desinstitucionalização: O que é desinstitucionalizar?
“O que está se configurando é, certamente, a construção de
um novo modo de lidar com o sofrimento mental, acolhendo e
cuidando efetivamente dos sujeitos, e a construção, consequente, de
um novo lugar social para a diversidade, a diferença e o sofrimento
mental.” (Fala do professor Luiz Lessa em aula)
Segundo AMARANTE (2007), a saúde mental é um campo bastante polissêmico
e plural na medida em que diz respeito ao estado mental dos sujeitos e das coletividades
que, do mesmo modo, são condições altamente complexas.
O manicômio, historicamente, era um local onde seres humanos portadores de
algum distúrbio mental, eram depositados com seus sofrimentos e miséria, confinados e
ocultados da sociedade. A Reforma Psiquiátrica, que teve início no Brasil no fim da
década de 70, constituiu um processo permanente de mudanças organizacionais,
técnicas, científicas e éticas, visando à reabilitação da convivência familiar e social das
pessoas que necessitam de cuidados na área da saúde mental. O movimento da Reforma
Psiquiátrica para reestabelecer uma relação de coexistência, de troca e de cuidados,
buscava transformar as relações que tanto a sociedade quanto os sujeitos e as
instituições estabeleceram com o dito “louco” buscando um sentido que conduza a
superação do estigma, da segregação e da desqualificação desses sujeitos.
Com isso teve início o processo de desinstitucionalização, entendida como um
conjunto de medidas de ‘desospitalização’, ou seja, redução de ingressos de pacientes e
do tempo médio de permanência, e de promoção de altas hospitalares. O hospital
poderia se tornar um recurso obsoleto, que fosse caindo em desuso em decorrência de
medidas preventivas e tratamentos extra hospitalares cada vez mais eficazes. Mas
pensar na desinstitucionalização somente dessa forma é se prender a um conceito,
desinstitucionalização vai, além disso, é desconstruir, não é somente tirar o sujeito do
manicômio, da instituição, desinstitucionalizar é tirar o manicômio de dentro do sujeito
e da sociedade.
“Quando dizemos não ao manicômio, estamos dizendo não à
miséria do mundo e nos unimos a todas as pessoas que no mundo
lutam por uma situação de emancipação” (BASAGLIA, 1982).
O cuidado dispensado a esse sujeito é de maior complexidade visto que, este traz
consigo uma gama de experiências como o próprio sofrimento mental, no sentido de
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que nenhum caso é igual ao outro e cada sujeito experiência a doença de forma única, o
sofrimento institucional, a discriminação, a coação dos métodos utilizados como
controle social, assim como também outras formas de produção de sofrimento. O
cuidar, diferente do modelo biomédico, inclui valorizar a subjetividade das pessoas,
suas experiências de vida e os significados para conduzir a sua própria existência.
Partindo disto podemos dizer que o objetivo principal da desinstitucionalização é
modificar as relações de poder entre, em primeiro lugar, os pacientes, os sujeitos e as
instituições, já que a desconstrução do manicômio parte de mudanças simples, porém
indispensáveis como eliminar os meios de contenção, restabelecimento da relação do
sujeito com o próprio corpo, reconstruir o direito e a capacidade de ter voz, no sentido
de poder optar, voltar à convivência com os familiares e meios sociais.
Para que a desinstitucionalização ocorra de forma eficaz é preciso que a equipe
técnica, ou seja, enfermeiros, psicólogos, psiquiatras e etc, e o grupo de família
trabalhem juntos. Na atenção psicossocial não se espera que as famílias simplesmente
convivam com aquele que sofre, mas que sejam compreendidas em suas dificuldades
para lidar com esse fato, a partir de espaços de participação, criando estratégias que
efetivem a inclusão dos familiares no cuidado. Nesse sentido, o que se espera é uma
corresponsabilização, uma aliança entre todos envolvidos no atendimento: usuário,
familiar, equipe e comunidade, para transpor os momentos aflitivos. Para que a
corresponsabilização seja efetivada é importante também que os serviços de saúde e
seus profissionais, reestruturem sua forma de trabalho com a família. Em geral, o que a
família busca é apoio e orientação para aprender a lidar e maneiras de cuidar e conviver
com seu familiar (VELOSO, LOPES, SOUZA, SILVA, SILVA, 2014).
O CAPS é contrário ao modelo psiquiátrico institucionalizado e opera sob o
novo modelo da reforma psiquiátrica, o modelo da atenção psicossocial, que vai além de
uma porta aberta para recepcionar e acolher. Trata-se de ouvir a demanda do paciente
visando às possibilidades de ajuda-lo a se refazer e resgatar valores que ficaram
perdidos no decorre da vida, em especial nos casos de pacientes com logo histórico de
institucionalização ou situação de rua (VELOSO, LOPES, SOUZA, SILVA, SILVA,
2014).
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Considerações Finais
Desinstitucionalizar não é só nos preocupar com os serviços substitutivos tal
como conhecemos, mas investir em dispositivos diversificados que dêem apoio ao
usuário e às famílias em suas vidas familiar e social.
Para se desenvolver um bom trabalho, como já foi dito anteriormente, é preciso
que não só os técnicos, mas que a família e o usuário do CAPS trabalhem juntos, que
cada um tenha bem definido seu papel diante do contexto em que vivem, para que assim
se possa colocar “a doença entre parênteses” e enfatizar e se ocupar do sujeito em sua
experiência (AMARANTE, 2007).
Para isso são oferecidos serviços que começam no primeiro momento do usuário
dentro do CAPS no processo de acolhimento, os serviços de escuta a família através das
reuniões do grupo, as oficinas terapêuticas onde o usuário tem a oportunidade de
expressar e aprender coisas novas através das atividades propostas, dos atendimentos
individuais e coletivos, dos pequenos serviços, que também não deixam de ser
importantes, como aulas de reforço escolar para aqueles que frequentam a escola, e etc.
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Referências
AMARANTE, Paulo. Saúde mental e atenção psicossocial. Rio de Janeiro: Fiocruz,
2007.
BASAGLIA, Franco. A psiquiatria alternativa: contra o pessimismo da razão o
otimismo da prática. Conferências no Brasil. São Paulo: Monsanto, 1982.
LACAN, J. (2010[1978]). “Transferência para Saint Denis? Lacan a favor de
Vincennes!”. In: Correio - Revista da Escola Brasileira de Psicanálise, (65). São Paulo:
EBP, p. 31.
VELOSO,Vera. LOPES, Rozeneide. SOUZA, Gabriela. SILVA, Elienais. SILVA,
Pedro. Qual o papel do grupo de família nos serviços de saúde mental? Trabalho
entregue ao SPA da UVA para a V Jornada de Psicanálise, 2014.