Reforço das Identidades e diálogo intercivilizacional através dos direitos humanos

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79 6. Reforço das Identidades e Diálogo Intercivilizacional Através dos Direitos Humanos Ângela Kretschmann' 1. Questões introdutórias: identidade, diferença e diálogo As revoluções liberais vão representar uma reação ao Antigo Regime e cla- mar pela mudança radical do modelo de Estado. Com a Revolução Francesa, o poder absoluto foi enfrentado, em 1789, com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, através da qual "os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos e deveres, e nenhuma limitação pode ser imposta ao indivíduo se não esti- ver de acordo com a lei, que representa a vontade geral': Vemos aqui o ideal de li- berdade erigido a valor máximo, em que a própria igualdade de direitos serve para garanti-la. Depois de 150 anos e o horror de duas Guerras Mundiais, é construída a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), e cerca de 220 anos depois da Revolução Francesa, estamos aqui a discutir e viver sob o efeito dessa experiência histórica que não podemos negar, e também criticar. Aquela esperança iluminista de perfeição foi por terra, e o ser humano pôde perceber, nem tanto a extensão de ua capacidade, mas a extensão de seus grandes limites, fazendo perceber que a historicidade dos direitos e dos direitos humanos impõe um constante cuidado, reflexão e readequação às novas necessidades sociais sempre emergentes. 1 Doutora em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sino (Unisinos, 2006); mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-RS, 1999); professora de Direito da Propriedade Intelectual na Unísinos, advogada; perita na área da Propriedade Intelectual, marcas, patentes, plágio, integrando a As ocíação Brasileira de Agentes da Propriedade Indu trial (Abapi): integrante da Comissão Especial da Propriedade Intelectual da Ordem dos Advogados do Brasil (Cepil OAB-RS).

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6. Reforço das Identidades eDiálogo Intercivilizacional Através

dos Direitos Humanos

Ângela Kretschmann'

1. Questões introdutórias: identidade, diferença e diálogo

As revoluções liberais vão representar uma reação ao Antigo Regime e cla-mar pela mudança radical do modelo de Estado. Com a Revolução Francesa, opoder absoluto foi enfrentado, em 1789, com a Declaração dos Direitos do Homeme do Cidadão, através da qual "os homens nascem e permanecem livres e iguais emdireitos e deveres, e nenhuma limitação pode ser imposta ao indivíduo se não esti-ver de acordo com a lei, que representa a vontade geral': Vemos aqui o ideal de li-berdade erigido a valor máximo, em que a própria igualdade de direitos serve paragaranti-la. Depois de 150 anos e o horror de duas Guerras Mundiais, é construída aDeclaração Universal dos Direitos Humanos (1948), e cerca de 220 anos depois daRevolução Francesa, estamos aqui a discutir e viver sob o efeito dessa experiênciahistórica que não podemos negar, e também criticar. Aquela esperança iluministade perfeição foi por terra, e o ser humano pôde perceber, nem tanto a extensão deua capacidade, mas a extensão de seus grandes limites, fazendo perceber que a

historicidade dos direitos e dos direitos humanos impõe um constante cuidado,reflexão e readequação às novas necessidades sociais sempre emergentes.

1 Doutora em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sino (Unisinos, 2006); mestre emDireito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-RS, 1999); professora de Direito da PropriedadeIntelectual na Unísinos, advogada; perita na área da Propriedade Intelectual, marcas, patentes, plágio,integrando a As ocíação Brasileira de Agentes da Propriedade Indu trial (Abapi): integrante daComissão Especial da Propriedade Intelectual da Ordem dos Advogados do Brasil (Cepil OAB-RS).

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a herança do individualismo, experiências externas ao Ocidente e manti-veram céticas em relação às conquistas "iluminada " E o próprio Ocidente preci oureconhecer que o que é próprio seu é apenas perceptível a partir do reconhecimentoe respeito à existência do múltiplo, e do diverso. Só a partir do diferente é po sívelencontrar o conhecimento da própria identidade, das próprias limitaçôes e vanta-gens em relação às diferenças. Assim, na questão do pluralismo cultural, destaca-sea diversidade como neces ária para a própria afirmação da identidade, inclusiveocidental. A aproximação com as diferenças, e assim, também obviamente com aoriental nos permite conhecer melhor nossa identidade. E o papel dos direitos hu-manos nesse contexto é a constituição de um núcleo firme sobre o qual é possívelentabular o diálogo entre o que se pretende na busca de igualdade, enquanto sepretende ao me mo tempo a preservação e o próprio direito à diferença.

2. Os direitos humanos como base do diálogo

Apesar de as declarações internacionais raramente apontarem uas bases fi-losófica , elas e tão refletidas no seu conteúdo, em especial quando reconhecem adignidade inerente e a igualdade de todos os seres humanos. As convenções igual-mente reconhecem que os direitos derivam da dignidade inerente a cada pessoa,ma talvez, pontua Donnelly, a Declaração de Viena e o Programa de Ação adotadoem junho de 1993, na Segunda Conferência dos Direitos Humanos, seja a maisclara quanto à base, inclusive universalista, dos direitos humanos. O autor observa,entretanto, que tal concepção não é usual fora do Ocidente, e, da mesma forma, aideia de uma hwnanidade partilhada em comwn que provê aos indivíduos direitospolíticos e sociais básicos não pode ser encontrada nem mesmo na teoria políticamedieval do Ocidente (DONNELLY, 1999, p. 81).

A universalidade dos direitos humanos con titui uma pretensão normativasobre o modo de organização das relações políticas e sociais no mundo contempo-râneo, e não um fato histórico ou antropológico, diz Donnel1y. Entretanto, a De-claração Universal dos Direitos Humanos e os Pactos Internacionais dos DireitosHumanos codificam as principais concIusõe referentes à dignidade humana nomundo contemporâneo, apresentando um conjunto de modelo político hegemô-nico muito semelhante ao Estado democrático liberal-sociaL Ressalta que não hánada fixo ou inevitável sobre esse modelo político nem mesmo na lista de direitoque apresenta; bem pelo contrário, são o resultado de um esforço histórico políti-co particular e um processo contingente de aprendizado nacional, transnacionale internacional. Por muito tempo - e devido à dimensão ética necessária e óbviados direitos hwnanos, eles ficaram fora da teoria da política internacional, ou nomáximo foram tratados como um assunto secundário. Apenas na última décadapassaram a ser aceitos como parte dos estudos da política internacional (DON-NELLY, 2001, p. 129-130).

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É neces ário compreender, por tudo o que foi dito, que a cultura ocidental é.hamada hoje de "a cultura dos direitos humanos': que vem vinculada a um funda-cionalismo da razão iluminista do Ocidente. É, pois, compreensível que culturas do

riente e os relativistas culturais entendam a cultura dos direitos humanos como"batalha derradeira contra o oponente", como diz Rorty (2005, p. 203) - consti-ído em especial pelas civilizações excluídas. Portanto, os vínculos em relação ao

.onceito de civilização, cultura e relativismo, e o de afio que representam ao uni-ersalismo dos direitos humanos já podem ser percebidos.

Com efeito, Huntington aponta que a grande divisão da humanidade ocorre-ra por razões culturais, ainda que Estados permanecerão como os atores poderosos"a arena internacional - mas em um nível global, político, o conflito vai ocorrerntre nações e grupo de diferentes civilizações, ou seja, conflitos globais vão ocor-

rer envolvendo civilizações distintas. Lembra que a história da humanidade semprei a história das civilizações, e não a história dos Estados, que apenas há pou-

..:0 séculos têm sido atores importantes no cenário global. Por isso, não tem maisntido, após a Guerra Fria, agrupar os pai es em Primeiro, Segundo e Terceiro

,.lundo, sendo mais adequado agrupá-los de acordo com sua cultura e civilização.embra ainda que uma civilização é o agrupamento cultural mais alto de um povo

~ o nível de identidade cultural mais amplo que distingue o humanos de outraespécie .2 Huntington esclarece que uma civilização é definida tanto por elementos

jetivos, como linguagem, história, religião, costumes, in tituiçôes, como por ele-entos subjetivos de autoidentificação das pessoas. As pessoas pos uem diferenterveis de identidade: um residente de Roma pode definir a si mesmo como roma-, italiano, católico, cristão, europeu e ocidental. Portanto, "a civilização a que ele

ertence é o nível mais amplo de identificação com O qual ele se identifica maisn ensamente. As pessoas podem e redefinem suas identidades, e, como resultado,

omposição e as fronteiras das civilizações sofrem mudanças".'Braudel observa que o progresso chinês não teria sido possível sem a aquies-

~.ncia daquele que desempenha o papel de um nacionalismo muito particular, eara o qual se propôs "a palavra 'culturalísrno; bárbara e inaceitável" - seria, no di-

_ Huntington mostra a trajetória histórica dos conflito: após o término das guerras entre reis,-neçou a guerra entre a pessoas, e o século XIX, até o final da Primeira Guerra, viu o conflitoTe ideologias, primeiro entre comunismo, fascismo-nazismo e a democracia liberal, e então entre

~')munismo e a democracia liberal. Durante a Guerra Fria, o conflito ficou restrito a dois grandesoerpoderes, cada um definindo sua identidade em termos ideológicos. Tai eram sempre conflitosntro da civilização ocidental. Com o fim da Guerra Fria, a política internacional saiu de sua esferadental, ocorrendo interação entre a civilização do Ocidente e a não ocidentais (HUNTlNGTO ,3, p. 2).

Iradução livre: "The cívílízatíon to which he belongs is the broadest levei ofidentification with which.nten ely ídentífics. People can and do rcdefine theír identities anel. as a result, Lhecornposition and_ndarics of civilizations changc" (HU TINGTO , 1993. p. 2).

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zer do autor, um progresso com base em um orgulho que não é nacional, é cultural,um "nacionalismo de civilização". Seria um orgulho que outrora exi tiu no Ociden-te. Ora, assim também a ideia de "civilização" e de "culturas" no mundo islâmico.'

Para Hans Kung, o modelo de Huntington deveria substituir o da GuerraFria, e merece ser recebido com reservas. Primeiramente Kung observa que Hun-tington fomenta a mentalidade de blocos, em que ete ou oito civilizações - suge-ridas a partir da teoria do círculo culturais de Arnold Toynbee - são rigidamentedelimitadas como grandezas monolíticas, C01110 e não se interpenetrassem umascom as outras: "Será que desta forma não se estaria pretendendo explicar quem se-riam os novos inimigos 'naturais' do Ocidente: o Islã e a China?" - pergunta Kung.Além disso, para o autor, Huntington apre enta um falso e simplificado sistemade referência: enquanto alguma civilizaçõe (i lâmica, hinduísta, confucionista,e lavo-ortodoxa) são determinadas a partir da religião, o mesmo não acontece coma ocidental e a japonesa, e o contrastes dentro do Islã ão muitas vezes mais agudodo que aqueles verificados entre Ocidente e Islã. Por fim, como terceira observaçãocontra a teoria de Huntington, Hans Kung aponta que o autor ignora pontos emcomum entre as civilizações e as religiões - e não esclarece por que a Austrália eI rael fazem parte do Ocidente, e a América Latina e a Europa Oriental não.'

Hans Kung aponta que não são apenas razões "geopolíticas" que indicam queos conflitos mais importantes do futuro haverão de irromper ao longo das linhas deruptura cultural que separam as civilizações, mas também e sobretudo - o que nãoé negado por Huntington - por razões de política cultural e religiosa: as diferençaentre as civilizações não são apenas reais, mas fundamentais, e muitas vezes anti-quí simas e vão desde a educação dos filhos, à concepção do Estado e compreensãoda natureza e Deus. Também devido à alienação e decepção cultural com o Oci-dente provocada pelo moderno processo de modernização e globalízação, levandomuitas pessoas a refletirem mais sobre uas origens e raízes religiosas. Além disso.as características culturais das pessoas são menos mutáveis e descartáveis do queas políticas e econômicas, e a religião estabelece divisões muito mais nítidas entre

4 "[ ...) o papel das tribos árabes chama a atenção para o modo como o Islã, essa civilização qulogo se tornará tão requintada, apoiou sucessivamente qua e todos os seus êxitos nas forças vivas de'culturas' batalhadoras, de povos primitivos qu ele rapidamente assimilou e 'cívílízou'"(BRAUDEL1989, p. 208 e 71).

5 De todo modo, a conclusão de Hans Kung é positiva: "Não obstante todas as objeçõe ,porém: c

alguém durante tanto tempo defendeu, como teólogo, a necessidade de as religiões erem levadassério na política mundial e na paz mundial, então é uma grande satisfação e tomar conhecimento dque finalmente, com Huntington, entre em cena um importante cientista político, ainda por cima umcientista político da escola 'realista: que diferentemente de todos os político e cientistas superficiaítoma conhecimento da consciente ou inconsciente dimensão de profundidade dos conflitos políticoe desta maneira dirige a atenção para o 'papel básico das religiões na política mundial [...r' (KUNG1999, p. 205-207).

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a pessoas do que a nacionalidade. E enfim, Kung, no lugar da inevitabilidade dauta das culturas e religiões, prefere não compartilhar do "fatalismo de Hunting-ton" pois o que constitui o modelo para O futuro não é a luta das culturas, masim a cooperação entre as culturas: o preten o "choque gLobal inevitável das civi-

.ízaçôes talvez seja o novo modelo de terror de que muitos estrategistas militareêm necessidade'" Por isso é importante destacar do paradigma civilizacional o q_ue

rve de apoio para a construção de um diálogo: o reconhecimento da diferença e a-nportância da pluralidade para o diálogo intercultural, O paradigma efetivamenteo auxilia nisso, o que não implica que, ao destacar as diferenças, eja verdadeiro

cID todas as suas facetas.O paradigma civilizacional apre entaria um novo mapa do mundo pós-

Guerra Fria, mas, mais do que isso, pois eventos que ocorreram desde que o pri-meiro artigo foi escrito foram previstos por ele, como a continuação e intensifica-ção da guerra entre croatas, muçulmanos e sérvios na Iugoslávia; a incapacidadedo Ocidente de dar suporte aos muçulmanos bó nios ou denunciar as atrocidadescroatas da mesma forma que as atrocidades sérvias foram denunciadas; o confron-to na Conferência de Viena entre o Ocidente, denunciando o "relativismo cultural"e a coalizão islâmica e confuciana rejeitando o "universalismo ocidental", entre ou-tros (HUNTINGTON, 1993, p. 1-8).

Huntington ressalta que discussões intercivilizacionais aumentaram e têmsubstituído debates sobre superpotências, passando a figurar no topo da agendainternacional. Os temas intercívilizacíonais incluem a proliferação de armas, direi-tos humanos e imigração. o que diz respeito a esses três itens, o Ocidente está deum lado, e a maior parte das demais civilizações está do outro: a extensão na qualpaíses observam o direitos humanos corresponde à divisão entre civilizações, emque o Ocidente e o Japão protegem largamente os direitos humanos, a AméricaLatina, a Índia, a antiga Rússia e parte da África protegem alguns direitos humanos,enquanto a China e muitos outros países asiáticos, e a maior parte das sociedadesmuçulmanas são as que conferem menor proteção em relação aos direitos huma-nos (HUNTINGTON, 1993, p. 4). De outro lado, a questão da xenofobia, cada vezmais preocupante em todo o mundo, parece também reafirmar a tese de Hunting-ton, como a construção do "muro do México" e o próprio populismo desencadeadoentre os "latinos" contra os "americanos':

O argumento de que o aumento da interação e comunicação produz urnacultura comum pode ser verdadeiro em certas circunstâncias, mas a guerra ocorre,diz, com muito mais frequência entre sociedades com alto nível de interação, ea interação frequentemente reforça as identidades existentes e produz resistência,

6 E "uma verdadeira integração do radicalismo islâmico não ocorreu até agora em parte alguma.Em vez disto existem diferentes forma de reação nos diferentes países marcados pelos muçulmanos"(KU G, 1999, p. 209-212 e 237).

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confrontação e reação. Além disso, a afirmação de que a modernização e o desen-volvimento econômico po suem um efeito homogeneizante produzindo uma cul-tura comum está vinculada a ideias tipicamente ocidentais. Mas modernização nãosignifica ocidentalízação, e a prova dis o está no Japão, em Singapura e na ArábiaSaudita, que são sociedades modernas, prósperas e evidentemente não ocidentais.A presunção de ocidentais de que outros povos que se modernizam vão se tornar"como nós" é um pouco da arrogância ocidental que em i mesma ilustra o choquede civilizações. E por fim, diz: uma civilização universal pode apenas ser o produtode um poder universal (HUNTINGTO ,1993, p. 6).

Percebe-se que o que Huntington propõe não é excluir as vária formas deconflitos, ma centralizar o perigo de grandes conflitos de ordem cívilizacional. Naatualidade, categorias como "cultura", "nação" e "Estado" não podem ser confundi-das, nem mesmo reduzidas umas às outra . O que nos docwnentos da Organizaçãodas ações Unidas (O U) foi chamado de "Estados-nação", hoje, apresenta umagrande diversidade cultural, e por isso O problema da universalidade dos direi-tos humanos não é pertinente apenas ao olhar externo, e às relações internacio-nais, mas também ao olhar interno, em função da diversidade cultural que envolvecada Estado em suas particularidades. Mas Huntíngton pondera justamente nessesentido, que civilizações podem constituir vários Estados, e que os conflitos maisradicais ocorrerão entre nações-Estados e grupos unidos por outras identidadescivilizacíonais. i

O autor sugere três regras para a paz num mundo multicivilizacional: a re-gra da abstenção, por meio da qual os Estados se abstêm de intervir em conflitosem outras civilizações; a regra da mediação conjunta, por meio da qual os Estadosnegociam uns com os outros para conter e administrar questões relativas à guerraentre Estados ou grupos de suas civilizações, e, especialmente, a regra das questõescomuns: os povos em todas as civilizações devem procurar encontrar e desenvolveros valores, instituições e práticas que possuem em comum com povos de outrascivilizações (HUNTINGTON, 1997, p. 316).

7 «At lcast at a basic 'thin' morality levei, some commonalities exist between Asia and the West. Inaddition, as many have pointed out, whatever lhe degree to which they divided humankínd, the world'major relígion - Westem Christianity, Orthodoxy, Hinduism, Buddhism, Islam, Confucianism,Taoisrn, Judaism - also share key value in cornmon. If hurnans are evcr to develop a universalcivilization, it will emerge gradually through the exploration and expan ion of these cornmonalities"("Pelo menos ao nível de uma moralidade "fina, algumas coisas comun existem entre a Ásia e oOcidente. Demais, como muitos indicaram, qualquer que seja o grau de humanidade que dividam,os mundos das maiores religiões - a Cristandade Ocidental, a Ortodoxia, o Budi mo, o Islamismo,Confucíonísrno, Taoísmo e Judaísmo - também dividem valores em comum. e os humanos estãosempre para desenvolver uma civilização universal, ela emergirá gradualmente através da exploraçãoe expansão do que entre elas é comum" - HUNTINGTO ,1997, p. 319·320).

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Existe, em todo caso, uma conclusão inarredável, independente das dispu-tas teóricas entre liberalismo, reali mo, comunitarismo, fernini mo ou relativismocultural, como aponta Co tas Douzinas: os direitos se tornaram o maior compo-nente de nossa filosofia e desenvolvimento político internacional. Se o liberalismopolítico foi o progenitor dos direitos, sua filo afia também teve menos sucesso naexplicação de sua natureza. Afinal, na Pós-Modernidade, a ideia da história comoum processo único que se move em direção à libertação humana já não é mais crí-vel, e o discurso dos direitos perdeu sua coerência inicial (DOUZINAS, 2000, p. 3).Assim, ocorreu um desencantamento quanto aos ideais libertadores do liberalismo,mas, ao mesmo tempo, também há desconfiança de outras propostas que descre-vam e prescrevam sobre o futuro das relaçõe internacionais.

É importante lembrar, por exemplo, que, de um ponto de vista realista,material, enfim, ou do contexto civilizacional, em geral a ideia de uperioridadecultural vem ligada ao desenvolvimento econômico. Quando a Ásia atingiu níveisde crescimento econômico uperíores aos da Europa, não faltaram afirmaçõe dauperioridade de sua cultura e seus valores, como o coletivismo contra o indivi-

dualismo. Diz Huntington que se a Índia superar a Ásia Oriental, pode se esperarlongas exposições sobre a superioridade da cultura hindu e do seu sistema de castasHU TINGTON, 1997, p. 109). esse caso, parece que por trás de tudo sempre

uma visão particular do mundo e da vida, do ser humano e da própria história seráhamada para justificar o sucesso próprio sobre o insucesso alheio. As im fez o

Ocidente, assim fez o Islã, assim faz a China. Talvez, se o Hindutva vencer na Índia,ambém faça isso com base na sua peculiar forma de ordenação social baseada na

hierarquia.A teoria das relações internacionais enfrenta a problematização sobre wna

ase normativa para a sociedade internacional que é composta por Estados comdi tintas culturas, como a islâmica, a hindu, a confuciana e a africana, tanto quanto

ocidental. Chris Brown indica que nesse caso existem duas respostas possíveis:ama é que, apesar de o mundo moderno ser incontestavelmente multicultural em.ermos sociais, a invenção ocidental do Estado-nação provou ser atrativa para mui-

culturas distintas. Uma segunda resposta é menos contingente e mais complexa,::diz que a natureza racional da "sociedade internacional" diz respeito à sua habili-iade em enfrentar a diversidade cultural (BROWN, 1997, p. 53).

É nesse sentido que, paradoxalmente, a diferença cultural permite uma apro-zímação entre o universalismo e os direitos humanos.

Huntington vai ao final sugerir wna política mundial multicivilizacional querevê a não intervenção dos Estados em conflitos de civilizações distintas, a nego-ação para conter e administrar questões de guerra entre Estados ou grupos de suas'ilizações e, ainda, a busca de valores, práticas e instituições que os povos possu-1 em comum. Huntington também concluiu que no mundo multicivilizacional

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um grande esforço deve ser feito para o entendimento dos pressupostos filosóficos,sociais e religiosos de cada civilização e as formas pelas quai a nações pertencen-tes àquelas civilizações percebem eus interesses (HUNTI GTON, 1993, p. 49).

Para que os direitos humanos constituam uma univer alidade, no plano dateoria das relaçõe internacionais, eles devem ser resultado de um diálogo, aindaque isso não seja muito realista ... mas sim idealista. Por mais que teoricamenteejarn considerados universais, nenhuma civilização aceita certos conceito e de-

terminações sem definir com certa exatidão o significado de cada direito e sua ade-quação a sua cultura. Por isso, a própria universalidade dos direito humanos éhistórica, como, aliás, são históricos todos os direitos, assim como o próprio serhumano - o único ser que possui memória.

Enquanto isso, dada a diversidade cultural existente e a heterogeneidade desistemas políticos, um Estado mundial, como almejado por muitos idealistas, podeou não er alcançável. Tudo irá depender da forma como esse Estado adrnini tra apluralidade, como permite a própria crítica e oposição interna, como administrainteresses e valores distintos, como democraticamente possibilitará que o constru-am, legitimem-no, aperfeiçoem-no continuamente. Porque a segurança excessivadestrói a liberdade necessária que por si é a garantia contra o excesso de opressão.

A diversidade cultural, como define a Organização das Nações Unida para aEducação, a Ciência e a Cultura (Unesco), pode significar a não dominação de umacultura em relação a outra, o reconhecimento de cada cultura pela cultura vizinhaou distante; o respeito mútuo; e a aceitação da divisão dos bens e dos valores cultu-rais (BONI, 2003, p. 62).

Uma incursão sobre as reações à política Iiberalista do comunitarismo, bemcomo sobre o diálogo intercultural, pretende justamente auxiliar na busca de res-postas a questões que surgem a partir da pretensão dos direitos humanos à univer-salidade, em especial uma resposta ao dilema existente entre respeito às particula-ridades e o universalismo e, ao mesmo tempo, a disposição de enfrentar de formaaberta a questão de um diálogo acerca da moralidade universal que possa conduzira humanidade na solução dos conflitos. A resposta seria uma universalidade semuniformidade, e um multiculturalismo, talvez melhor compreendido como plu-ralismo, porque este liberta e aquele pode oprimir, tanto quanto a imposição daglobalização, e a reboque, a crítica ao universalismo dos direitos hwnanos. Daí acrítica da mobilização do Ocidente liberal e de seus recur os políticos e ideológicopara controlar a diferença cultural em benefício próprio.

Os direitos humanos precisam deixar a tarja de instrwnento de choque decivilizações, uma arma ocidental contra o Oriente ou vice-versa, a partir do reco-nhecimento de que são multiculturais, ou, em urna linguagem mais adequada, nãosó respeitam como têm como condição de sua natureza universal a pluralidadcultural. Nem mesmo a globalízação pode ser vista como sempre perigosa à expe-

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cia da identidade - pois ela pode permitir o desvelamento de novas identidades- se beneficiam da lógica da globalização), assim como a pluralidade cultural

er vi ta como condição do próprio universalismo do direitos humano.Ocorre que o diálogo entre civilizações pressupõe a pluralidade de civili-

. - es humanas. Um diálogo pressupõe igualdade e distinção, de modo que, sem:..Jdade, não seria possível um fundamento comum para a comunicação, e sem.mção, não haveria sequer necessidade para comunicaçâo." Enquanto a igualda-stabelece a base para o diálogo intercivilizacional, a diferença torna tal funçãoiável, necessária, rica e produtiva.

Disso pode ser concluído que a proposta geral e comumente aceita é a de queralidade constitui o desafio para o consenso, e são por isso apontados valores

.er ais mínimos, correspondentes a toda a civilizações, a partir dos quais po-- e-ia chegar a um consenso. Mas também é possível perceber, por outro lado,

~ antes de um desafio para o consen o, a pluralidade constitui a própria condi-- nara o diálogo. e este sim, a condição para eventual consenso. ão se deve pres-

or que um consenso obrigatório deve ser naturalmente decorrente do diálogo,que a pluralidade é condição para a liberdade do diálogo e de uma chegada ao

senso de forma voluntária e autônoma. Mas há algo que precede o consenso e""o possibilita: o reconhecimento do outro. Por tudo isso, é importante analisar e'_arecer a função do reconhecimento da alteridade, para que a pluralidade. sendoultado de di tintas formas de individualidades, que conduzem sua ação ética derdo com seus padrões culturais. deixe de ser vista como obstáculo ou desafio

ra passar a ser peça-chave, condição fundamental de um possível consenso air do diálogo intercivilizacional.

Na verdade, é pressuposto de todo diálogo a pluralidade, a alteridade e, por-to, no plano civilizacional, o reconhecimento da pluralidade civilizacional. Bemim, o dar-se conta da diferença permite a comunicação. Sem a diferença. nãocomunicação significativa, de modo que a diferença é fundamental para queta comunicação, e, a partir disso, diálogo. Deve-se estar atento, entretanto, para

_ lquer diálogo que vise depreciar a proteção da pessoa, consagrada pelos direitos.imanos - seja qual for o conceito de dignidade humana adotado por diferentes

ilízações.Com a afirmação da pluralidade, as diferenças podem caminhar através do

alego, que não apenas torna possível a consciência da identidade e diferença,.1 também a percepção de valores comuns, ou, ainda, a construção de valoresmuns. Na verdade, essa construção é o que se tem observado a partir dos ínstru-

"The dialogue among Civilizations presuppo cs the plurality ofhuman civilizations. It recognízes•uality and dístínction. WiLhout equalíty, Lhere would be no comrnon ground for communicating.ahout dístinction, there would be no need to cornmunicate" (prCCO, p. 69-70).

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mentos internacionais de proteção, que não cessam de se multiplicar, ainda que aprática que deveria ser vinculante de suas ratificaçõe deixe muito a desejar.

3. As bases do diálogo intercivilizacional: alteridade,dignidade, direitos humanos

Com a emergência de outras modernizações, especialmente em civilizaçõesdistintas da ocidental, intensifica-se o desejo e a necessidade do diálogo intercivili-zacional. O desafio que existe, diante da modernização e da pluralidade de moder-nizações com feições culturais distintas, é estabelecer um diálogo entre as distintascivilizações - e bem assim, as di tinta modernizaçõe. O diálogo põe-se comorequisito para uma ordem mundial pacífica, baseada na liberdade dos sujeitos - eo conflito de civilizações torna o diálogo um imperativo. A compreensão da diver-sidade vai além, entretanto, da preocupação com uma paz duradoura, ba eada naliberdade. Ela tem relação com a própria autocompreensão do sujeito que se reco-nhece a partir da diferença.

Um corpo de valores que pudesse não ser específico de uma cultura ou so-ciedade particular, mas que esteja fundado em uma partilha da identidade humanaintercultural, sendo por isso capaz de ser defendido por boas razões partilhadainterculturalmente, seria: a unidade humana, a dignidade humana, o valor huma-no, a promoção do potencial humano ou dos interesses humanos fundamentaie a igualdade. São valores porque ervern para onvencer e persuadir, e não sãoescolhidos por um grupo apenas, pois existem independentemente do desejo dequalquer um, apesar de as pessoas terem decidido por boas razões viver atravédeles e conferir a eles a condição de valores. Esses valores são morais porque dizemrespeito a como se deve viver e conduzir as relações com outros, e universais por-que reclamam aplicação a todos os seres humanos. Por fim, os valores universaiformam a base dos direitos humanos universais, que constituem uma subcategoriae representam uma maneira particular de realização de tais valores."

Nes e sentido, é possível entender a possibilidade de a dignidade constituirem si mesma o conteúdo fundamental dos direitos humanos, formando um con-ceito de univer alidade válida: a dignidade humana, sem envolvimento em dispu-tas judiciais e políticas obre a natureza universal, indivisível e independente dos

9 A disputa entre os valores asiáticos e ocidentai é bem posta por Parekh, demonstrando quela é mais complexa do que em geral é apreciado. O apelo a valores nacionais ou regionais nãopeculiar apenas a países asiáticos, pois mesmo os americanos insistem que o Estado do bem-estarsocial europeu e a estrutura da família asiática, ambos envolvidos em valores humanos importantsão incompatíveis e não podem ser acomodados no eu modo de vida individualista. Em resumpara o autor, não deveríamos perguntar obre a questão abstrata e confusa se a Ásia, por exempltem o direito de viver seu valores, ma o que são esses valores e se e como eles ofendem os valorcon iderados universais (PAREKH, Bhikku, 1999, rep. 2001, p. 149-150 e 154).

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direitos humanos, deve ser localizada nos fundamentos éticos. Isso significa quedignidade humana é a base fundamental que pode er convertida em normas

eticas, isto é, em direitos humano - eticamente entendidos como garantidores dadignidade humana, formando um conceito básico de um sistema válido de ética."

Apesar de não se poder recorrer a uma concepção transcultural de naturezaumana, não há que se limitar à manipulação de sentimentos - pois se pode apelarara aquelas capacidades humanas, de ejos, necessidades, etc. que Parekh (2001,

p. 142) denomina de "constantes humanas universais" iuniversal human constants).Elas formam a base de nossa concepção do que os seres humanos parecem ser,que não é o mesmo que uma concepção de natureza humana. A ideia de naturezahurnana implica que as universais são naturais aos seres humanos, e não um pro-uto do esforço ou da história. As con tantes universais constituem o que Parekh

chama de "identidade humana': um termo livre de bagagem filosófica e histórica.Constituem o contexto da deliberação moral intercultural. Elas mo tram como osseres humanos tendem a comportar-se em diferente situações, e assim oferecemlima base relativamente fixa de ponto para decidir o que é bom para eles e comoeles deveriam er tratados.

Dessa forma, percebe-se a importância de distinguir-se a maneira como éconstruída a identidade humana em uma ociedade, e a que tão sobre um conceitode identidade interculturalmente válido, ou seja, universal. Apesar das diferençanarticulares que orientam o agir humano, vinculado ao contexto histórico, sociale cultural de sua comunidade, é possível identificar determinados componentesfundamentais como "constantes" da identidade humana em todas as culturas e, aome mo tempo, reconhecer que a identidade humana (diferenciando-se, pois, doconceito de dignidade humana) é cunhada de modo específico em cada cultura,como aponta Peter Hãberle (2005, p. 124-125).

Ê fundamental reconhecer aonde chegamos: a necessidade de se reconhecer" importância da historicidade que marca os direitos humanos hoje, e a forma in-tertranscultural que adquiriram a partir das ratificações aos documentos interna-danais. Isso até então não estava ou não podia estar evidente porque as civilizaçõesnunca tiveram um nível tão grande de interação - e muitas pessoas e povos estãopassando a assumir, cada dia mais, uma postura claramente vinculante a uma enti-dade maior. Enquanto isso os Estados têm perdido parte de sua autoridade diantea Revolução da Informação, que faz as pessoas se separarem de identidades locaise vincularem a identidades mais abrangentes.

o "In OUI view, and wilhout beeoming involved in judicial and political dispute on the universal.mdivisible and independent nature of the hurnan ríghts, we wish to place this issue on ethical grounds."his means that we reei that human dignity is lhe core foundation that ean be converted into ethicaJ rules,in terrn of contcnt, which means lhat human rights - ethically understood as guaranteeing human.íígníry - form a basic conccpt of a univcrsally valid system of ethics" (CARBONARl. 2002, p. 39).

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A construção da identidade cívilizacional e do sentimento de pertença estávinculada ao reconhecimento de um tempo histórico específico, refletindo-se mui-tas vezes em ações para sua afirmação. Mas o mundo não é composto de um tem-po monolítico, o fenômeno espaço-temporal é plural, cada civilização percebe omundo e desenvolve a seu modo sua relação com o tempo. Muito mais do que nopassado, o tempo é manipulado e instituído (seja identitário, seja imaginário). Aampliação da consciência histórica também se refletiu na consciência da finitude edos limites do ser humano e do seu contexto civilizacional, e bem assim, familiari-zou o mundo com suas diversidades.

A própria civilização ocidental por muito tempo ficou vinculada por sua"revolução moderna': pela forma como estabeleceu o tempo do Iluminismo e seusefeitos. A modernidade será o tempo específico da civilização ocidental. Outrascivilizações, a partir do momento em que estão aumentando sua consciência iden-títária, têm percebido que podem desenvolver seu tempo da modernidade sem ne-nhum vínculo com o Ocidente. A China, nesse caso, é o exemplo mais atual, até emfunção de que sua descoberta tem gerado discursos do governo inflamados sobresua várias "revoluções modernas':

Ora, como a universalidade tem como maior desafio as divergências cultu-rais, e endo possível mitigá-las a partir do diálogo intercivilizacional, o problemaé quando a dificuldade começa já na própria possibilidade de existência do diálogo,uma vez que os conflitos cívílízacionais envolvem questões fundamentais que di-ficilmente, ou nunca, são postas na mesa de negociação, e muitas vezes impedeminclusive que se sente à mesa para o diálogo. Existem questões inegociáveis sempre.É possível, entretanto, conversar e buscar um consenso sobre aquilo que é negoci-ável. A autodeterminação é inegociável, mas ela não pode ser utilizada para servirà intolerância de um grupo que, às expensas da justificativa de autodeterminação,visa excluir o outro. Há o problema dos desafios ao diálogo, e o problema dos de-safios do diálogo.

4. O tempo atual dos direitos humanos: o reconhecimento

O tempo, agora, dos direitos humanos é o tempo do reconhecimento - nãose está mais interessado em conhecer o outro para fazer todo tipo de comparação,e, de alguma forma, encontrar o "superior': o "melhor". Agora o que se pretende ébem menos, ou bem mais: uma relação de diálogo, em que a existência autônomado outro é reconhecida como pressuposto da própria existência. Isso significa liber-dade até de si e de sua herança histórica. Liberdade inclusive de memória.

A diferença cultural, a pluralidade de culturas não tem nenhuma relação comum "relativismo moral" ou que venha a afetar a universalidade do direitos humanosque constituem uma moral. Como tal, constitui uma moral distinta da diversidade

6. Reforço das Identidades e Diálogo Intercivilizacional Através dos Direitos Humanos· 91

zultural, e pode ser universal, porque sua universalidade descansa no próprio res-"'eito ao pluralismo cultural. A universalidade do direito humanos é que garante

preservação da diferenças culturais - as culturas não e tão em de acordo sobre') que é a tortura, a morte, a fome, a violência. É possível dizer que as experiênciasumanas, em qualquer civilização, os sofrimentos partilhados amadureceram de al-

guma forma o humano, que ele agora olha o passado e tem uma história comumara contar, que envolve os direitos humanos. Sua consagração no plano internacio-

nal é histórica e contínua (o que não tem relação com a ideia de uma "continuidadehistórica" determinista), recheada dos risco da liberdade de se fazer escolhas, e deaprender com elas, e de, a partir delas, potencializar o humano.

5. Considerações finais

Com tudo isso, é possível afirmar que:A universalidade, ao afirmar a autonomia, reforça a diversidade, não a uni-

formidade. A autonomia não tem como paradigma o individualismo, mas a alteri-dade, pois o ujeito é um ser histórico e social.

A importância do diálogo reside no reconhecimento do valor do outro, daalteridade, e não na construção consensual de uma verdade (que implicaria des-considerar que o consenso é apenas um possível resultado do diálogo, mas nuncaum ponto de chegada inevitável e definitivo).

O reconhecimento da alteridade traz o outro como um igual - a igualda-de - para o diálogo. E a diferença traz a comunicação, que enriquece e amplia acompreensão mútua. Os direitos hwnanos garantem a igualdade no pluralismoassim como igualdade e diversidade convivem em harmonia na promoção dosdireitos humanos.

Um consenso construído, entretanto, pode ser suspeito e padecer dos víciosda instrumentalização dos direitos humanos para fins políticos e econômicos. Umconsenso poderá, entretanto, ser o resultado de uma análise racional e consciente dasdiferenças, e principalmente, das semelhanças dos valores que, enfim, aproximam ascivilizações no interes e de, em se reafirmando, garantir a própria sobrevivência.

Para distinguir entre um consenso suspeito, arbitrário, e um consenso quenão padeça de tais vícios, a comunidade internacional dispõe dos direitos humanos,que não são resultado de uma construção arbitrária, mas de um amadurecimentohistórico da humanidade. A não instrumentalização dos direitos humanos serve decritério de aceitabilidade de um consenso, pois impõe o necessário respeito à di-versidade, que implica alteridade, reconhecimento, impõe a consideração do outro.Tomados dessa forma, os direitos humanos deixam de ser uma arma ocidental parapassarem a resultado histórico de um mundo multicivilizacional, identificando-secom a pluralidade, que partilha e assume os riscos da liberdade.

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