Propaganda de medicamentos: a medicalização da sociedade através do
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Texto apresentado no evento ComSaúde 2004 no Recife; Publicado nos Anais. Link:
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Propaganda de medicamentos: a medicalização da sociedade através do
consumo.
Autores:
Carolina Bragança Sobreira (Bolsista CNPq) e-mail: [email protected]
Instituto de Psicologia / Graduação - UERJ
Aurea Domingues Guimarães (Bolsista FAPERJ) Instituto de Psicologia / Graduação - UERJ
e-mail: [email protected]
Ariane Ewald Prof.ª Adjunta do IP/UERJ e da Pós-graduação em Psicologia Social
e.mail: [email protected]
Nome do Grupo: GP 6-mídia, medicação, medicalização
1- Introdução.
Este texto é um recorte da pesquisa “Cultura do consumo e subjetividade: mapeando
a construção da lógica da modernidade no Rio de Janeiro” e enfoca a constituição de uma
lógica da medicalização da sociedade. Tendo como ponto de partida a análise de
propagandas de medicamentos, pretendemos refletir sobre a apropriação da noção de saúde
como construída através do capitalismo, em que os medicamentos deixam de ser
instrumentos curativos para se tornarem mercadorias promotoras de bem-estar individual.
A cultura do consumo, estabelecida na modernidade, se fundamenta sobre o lucro,
o desenvolvimento tecnológico e a produção de desejo de mercadorias. Esta perspectiva
abrange um leque diversificado de produtos dentre os quais se encontram os medicamentos,
que passam a ser instrumentos da lógica da mercadoria a partir do fim da segunda guerra
mundial, época em que ocorreu a expansão da indústria farmacêutica. Tal acontecimento
promove a diversificação dos fármacos, gerando a necessidade de criar demanda de
consumo, o que conseqüentemente, coloca a propaganda como veículo fundamental para
divulgação de um novo significado da medicação, sendo, portanto, material privilegiado
para a nossa análise.
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2- A “medicalização da sociedade”
A “medicalização da sociedade” tem sido muito discutida atualmente, em virtude
do incessante aumento da produção e do consumo de fármacos, que instaurou um fenômeno
social complexo rotulado com esta expressão. Ao contrário do que possa parecer, este
termo não se refere apenas a um processo recente, a medicalização da sociedade vem
acontecendo há mais de dois séculos, durante os quais foi ganhando formas diversas, como
a atual banalização do consumo de medicamentos. Este fato torna-se claro ao analisar as
mudanças ocorridas nas propagandas de remédios, desde o oitocentos – século em que eram
largamente divulgadas nos jornais brasileiros – até os dias atuais, visto que estes anúncios
contam a história dos caminhos percorridos por uma sociedade que vai cada vez mais se
apropriando do discurso médico e sendo apropriada por ele.
A propaganda de produtos medicamentosos exprime bem esta característica da
sociedade, demonstrando também as transformações que vão acontecendo no transcorrer
deste período, e que vão conferindo novos traços à medicalização da sociedade. Afinal, as
propagandas contam a história da medicalização das sociedades capitalistas modernas
(Temporão, 1986).
Ao falarmos dos primórdios do fenômeno de medicalização da sociedade no Brasil,
temos de ir até meados do século XIX, quando inspirada em modelos europeus, nascia a
medicina social brasileira. Nesses tempos, imperava na capital um cenário urbano caótico
composto por ruas estreitas e congestionadas do centro da cidade. Tal bairro era endereço
de estabelecimentos das mais diversas funções – cortiços, hospedagens, armazéns, oficinas,
fábricas e bancos – o que atraía a circulação de inúmeras pessoas, e tornava este local o
cenário ideal para o aparecimento e a proliferação de “mortíferas epidemias” (Benchimol,
1992, p.113).
O século XIX é um período de profundas mudanças políticas e econômicas no
Brasil, é também uma época em que a medicina sofre intensas transformações, no que se
refere principalmente, a “uma reorientação de seus objetos e métodos” (Antunes, 1999, p.
247). Segundo Machado (1978), “a transformação do objeto da medicina significa
fundamentalmente um deslocamento da doença para a saúde” (p. 155) e a tarefa do médico
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passa a ser essencialmente política, uma vez que está voltada para a intervenção urbana que
visa “dificultar ou impedir o aparecimento da doença, lutando, ao nível de suas causas,
contra tudo o que na sociedade pode interferir no bem estar físico e moral” (Id. Ibid.).
Intervindo diretamente no urbano e utilizando-se do seu status de ciência, a
medicina torna-se um saber sobre o social. A recíproca também é verdadeira, ou seja, a
sociedade vai aprendendo a pensar a partir da racionalidade médica, afinal, o objetivo
principal da medicina social é “de maneiras diversas, formar ou reformar física e
moralmente o cidadão” (Id. Ibid., p.280). Não basta apenas esquadrinhar e disciplinar o
espaço urbano, é preciso civilizar e urbanizar o homem, o que se entende por fazê-lo agir e
pensar de acordo com o que o saber médico impõe.
A partir da gradativa inserção da medicina social em terras brasileiras, inaugura-se o
processo de penetração do discurso médico no âmbito social e vice-e-versa. Este período é
marcado, portanto, pela “medicalização da sociedade”, que, como Roberto Machado (1978)
define,
é o reconhecimento de que a partir do século XIX a medicina em tudo intervém e
começa a não mais ter fronteiras; é a compreensão de que o perigo urbano não pode
ser destruído unicamente pela promulgação de leis ou por uma ação lacunar,
fragmentária de repressão aos abusos, mas existe a criação de uma nova tecnologia
de poder capaz de controlar os indivíduos e as populações tornando-os produtivos
ao mesmo tempo que inofensivos; é a descoberta de que, com o objetivo de realizar
uma sociedade sadia, a medicina social esteve, desde a sua constituição ligada ao
projeto de transformação do desviante – sejam quais forem as especificidades que
ele apresente – em um ser normatizado. (p. 156)
3- A propaganda no século XX: novos contornos da medicalização na sociedade
brasileira.
Os indivíduos, no século XIX, aprenderam a organizar suas vidas de acordo com as
normas médico-sanitárias, passando a ter noção de que, através de seus comportamentos, é
capaz de prevenir o desenvolvimento de certas doenças. O século seguinte é marcado pelo
alastramento desta medicalização da sociedade, que vai progressivamente ganhando novos
contornos.
No contexto brasileiro, este processo acontece de forma peculiar. Apesar dos ideais
sanitaristas terem suscitado muitas discussões governamentais e sociais durante a segunda
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metade do oitocentos, concretamente, muito pouco foi feito em prol de uma reforma do
espaço urbano e da conscientização, principalmente das classes mais pobres, quanto à
importância da prevenção. O cenário do Rio de Janeiro na virada do século, ainda era
povoado pela aglomeração popular nas partes centrais da cidade, e conseqüentemente, pelas
devastadoras epidemias. No senso comum, a noção de saúde permanece atrelada ao cuidado
posterior ao surgimento da doença, o que pode ser verificado através da propaganda dos
medicamentos desta época, onde, predominantemente, são divulgadas fórmulas cuja
indicação é curativa.
As primeiras medidas político-sanitárias começam a sair do papel, com a
consolidação da república, sob o governo de Rodrigues Alves. O “bota a baixo” de Pereira
Passos e a obrigatoriedade da vacinação contra a varíola foram as primeiras intervenções
diretas da medicina no espaço público.
Apesar desta profunda reestruturação da medicina e de todo o aparato de
higienização da sociedade, no mundo todo, durante o começo do novo século, “a
pneumonia, a difteria, as doenças infecciosas eram causas freqüentes de mortes, e a
tuberculoses figurava entre os flagelos sociais” (Aries e Duby, 1987, p. 107). Esse
panorama só começou a ganhar novas dimensões com a elaboração dos medicamentos
cientificamente formulados em prol da extinção destas patologias. O primeiro grande
sucesso que estas pesquisas cientificas obtiveram, foi com a invenção dos antibióticos,
antídotos capazes de dizimar os “micróbios” causadores de diversas epidemias. A partir
desta descoberta, o investimento em pesquisas farmacêuticas não parou de crescer, o que
inaugurou o processo que veio gerar o que hoje observamos.
No contexto brasileiro, o desenvolvimento farmacológico dos primeiros anos da
república, ainda estava muito calcado em produtos fitoterápicos, segundo Nascimento
(2003),
até fins do século XIX, a maioria desses remédios era obtida através de purificação
ou destilação de substancias de origem natural, e pouco ou nada se conhecia de sua
natureza ou de sua estrutura química. A utilização destes medicamentos repousa,
principalmente na tradição e na observação empírica de seus efeitos”. (p. 28).
Tal panorama não muda muito nos primeiros trinta anos do século posterior, como
ressalta Temporão (1986),
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“indústrias de pequeno e médio porte”(...). Estes estabelecimentos predominas de
fins do século passado até os trinta primeiros anos deste século, e se dedicavam a
produção de remédios utilizando como insumos extratos vegetais e produtos de
origem mineral (p. 26).
Embora os medicamentos nacionais não fossem elaborados a partir de técnicas
cientificas e da tecnologia empregada na indústria farmacêutica internacional, as
propagandas destes produtos os divulgavam como frutos das mais modernas pesquisas, se
valendo da credibilidade que o conhecimento científico começava a ganhar no imaginário
popular. Isto é possível porque, naquele tempo, a propaganda não tinha necessariamente um
compromisso com a veracidade das informações que trazia, “o importante era colocar no
papel desmedidos elogios ao produto, prometer sem muita preocupação e delirar” (Vieira,
2003, p. 16). Como faz a propaganda da “Cutis Cloty”, tônico rejuvenescedor divulgado na
Revista da Semana de 20 de fevereiro de 1925:
CUTIS CLOTY
Rejuvenescer = = Tonificando
Aprovado pela saude publica
Processo “Cutis Cloty”
E’ inofensivo e incomparavel, são injecções tonicas para o rejuvenescimento,
consiste simplesmente em TONIFICAR e NUTRIR o tecido gorduroso; desta forma
as rugas, depressões faciaes, seios flacidos desaparecem no momento da aplicação.
Não sendo conteudo PARAFINA e sim TONICO: a prova e’ que estas injecções
absorvem-se, eliminam-se sendo a sua duração de oito a dezoito mezes. A sua
renovação e’ feita pelo preço de 20 $ 000, as vantagens desse tratamento são
innumenras porque além de rejuvenescer de 20 annos, tonificam o organismo.
APPLICAÇÃO SEM DOR
Emmagrecer – garantimos 600 grammas diarias. Banhos corporaes e faciaes de
luzes e a vapor, etc.
E’ com esses banhos que as matronas romanas, Cleópatra, etc. conservam a sua
belleza e mocidade.
Delírio parece ser a palavra de ordem de diversas propagandas de remédios, neste
período. Ora pelas infindáveis promessas de cura – quase que mágicas – das mais diversas
doenças contidas em apenas um produto, outrora, pelos exageros e pela dramaticidade
envolvidos nos apelos feitos ao consumidor. O uso de longos e contundentes depoimentos
de pessoas exaltando elixires que extirparam suas doenças e de imagens mostrando cobras e
diabos como símbolos dos males combatidos pelas fórmulas apresentadas, eram técnicas
comuns para chamar a atenção do consumidor. Alguns anúncios antigos parecem
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verdadeiras obras de ficção. O que não era para menos, uma vez que as propagandas eram
elaboradas por famosos escritores e ilustradas por importantes artistas gráficos da época. O
anúncio do elixir emagrecedor “Leanogin”, exemplifica essa característica da propaganda:
OS GORDOS NÃO PODEM SER ELEGANTES
As pessoas excessivamente gordas estão privadas de innumeros prazeres,
accessiveis ate os mais humildes dos mortaes. A destreza de movimentos, os
encantos caracteristicos da juventude, a esbelteza, etc., todos estes attrativos
desaparecem e ficam afogados nos tecidos adiposos. O phisico deformado pela
gordura constitui um permanente e inquisitorial supplicio. As victimas da gordura
só podem conhecer roupas bem talhadas e de bom aspecto no corpo alheio e nos
manequins. A situação anormal do gordo precisa, portanto, ser combatida quanto
antes, porque, além de o collocar ingratamente aos olhos da sociedade, representa
uma constante ameaça para a sua saude. Cumpre combater a gordura e defender a
saude com o uso de Leanogin, o producto inconfundivel que não contém tyroide e
dispensa o auxílio de dietas e gymnastica martyrizantes. Leanogin restitui ao corpo
porte grácil da mocidade. (Apud. Vieira, 2003, p. 146).
Por apresentar promessas fictícias, que, na maioria das vezes, o produto exposto era
incapaz de cumprir, “a propaganda tinha muito menos credibilidade do que hoje” (Id. Ibid..
p. 17). Ela era livre para se apropriar tanto do imaginário, quanto da expectativa do
consumidor em relação ao produto e anunciá-lo como real fornecedor do efeito esperado,
embora esta relação fosse completamente falsa. “Não se fabricam cremes de beleza, mas
garantias mágicas de eterna beleza” (Id. Ibid.). Desta maneira, a divulgação dos produtos,
cada vez mais, fomenta uma ânsia social pela saúde – beleza, juventude, vigor, virilidade,
etc. – perfeita, inabalável e irreal, visando somente criar um terreno propício para a venda
de seus produtos, mesmo que o preço destes seja a própria saúde. A propaganda vai
moldando a sociedade de acordo com seu interesse primordial – a venda de suas fórmulas –
e, conseqüentemente, contribui para a difusão de uma maneira peculiar de medicalização.
A população brasileira da primeira metade do novecentos tinha como costume a
auto-medicação. Não era comum nesta época que um cidadão consultasse um médico para
saber que remédio poderia tomar quando apresentava qualquer sintoma de doença. Baseada
nisso, a propaganda de medicamentos nacionais, investia pesado na divulgação de seus
produtos nos meio de comunicação que a população tinha mais acesso. Jornais, revistas,
cartazes em bondes e ônibus, de tudo valia para atrair a tenção dos enfermos em potencial.
O hábito do consumo de fármacos sem prescrição médica, justificava a importância
do caráter preponderantemente explicativo da propaganda do início do século. É
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imprescindível informar o consumidor quanto às aplicações do produto divulgado, para,
desta forma, facilitar sua escolha quando for acometido por um determinado mal estar. Tal
caráter ganhava ainda mais importância em virtude da imensa diversidade de produtos à
disposição no mercado farmacêutico, e à vasta gama de patologias para os quais estes
produtos serviam. Como relata Temporão (1986), “impressionava na virada do século, o
número de propagandas de medicamentos” (p. 38) e estas tinham preparados “para toda e
qualquer patologia” (Id. Ibid.), “um amplo espectro de indicações é uma constante.
Verdadeiros bálsamos que tudo curam, os remédios da época resolvem quase todos os
problemas” (Id. Ibid., p. 45). Um anúncio do “Elixir 914” exemplifica bem este caráter da
propaganda:
UM PREPARADO COMO HA POUCOS!!!
ELIXIR 914
É deveras suprehendente a acceitação colossal do notavel preparado ELIXIR 914, o
melhor depurativo, que limpa completamente o sangue, acabando com as
Moléstias da pelle, Manchas, Epinges, Eczemas, Erupções, Erysipela, Coceiras,
Feridas bravas, Rachaduras, Espinhas, Furúnculos, Boubas, Cancros.
O ELIXIR 914 é licor agradavel composto de plantas medicinaes e o melhor e mais
scientifico preparado para combater a syphilis em todas as suas manifestações,
como nos Rheumatismos, agudos ou chronicos, Queda do cabello, Tumores,
Supurações.
Adoptado e usado com sucesso no Hospital da Cruz Vermelha Brasileira.
Aconselhado para creanças, moços e velhos.
GRANDE DEPURATIVO DO SANGUE. (Jornal da Moças, 25 de outubro de
1928).
Este cenário não muda muito até as vésperas da segunda guerra mundial. Na década
de 30, as publicações brasileiras “pareciam uma verdadeira farmácia. Vendia-se panacéias
contra tudo, literalmente tudo, de calvície à doença venérea (...). Não havia mal que um
xarope, uma pílula ou um ungüento não curasse quase instantaneamente” (Vieira, 2003,
p.131).
Nesta época, a industria estrangeira apresentava algumas inovações na área da
farmacologia, no entanto, a maioria das propagandas destes novos produtos era feita apenas
aos médicos. Ao contrário do que ocorria com os fármacos nacionais,
a propaganda por anúncios e reclames dos preparados estrangeiros é feita em regra,
quase sem exceção, nos jornais médicos ou em avulsos folhetos aos médicos
pessoalmente endereçados; as bulas são redigidas aos técnicos em linguagem só
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acessível aos médicos. (Boletim SMB, ano III, n° 31, 1931. Apud Temporão, 1986,
p. 34).
Portanto o público leigo não tinha acesso a estes produtos, pois o consumo de
fármacos não se dava a partir da prescrição do médico, mas sim, da livre escolha do
enfermo, que adquiria o remédio que fosse divulgado como eficaz para combater os
sintomas da qual sofria. Tal contexto fazia com que a população optasse
predominantemente por produtos nacionais em detrimento dos estrangeiros. A sociedade
brasileira das quatro primeiras décadas do século XX, já tem uma certa familiaridade com o
discurso médico. No entanto, devido ao limitado acesso às pesquisas farmacêuticas de
ponta, a população ainda demonstra em suas práticas de manutenção e restauração da
saúde, muitas características calcadas em costumes tradicionais. Nesta época, rituais de
cura e preparados caseiros figuravam ao lado das fórmulas farmacológicas nacionais como
formas utilizadas para o tratamento das enfermidades populares.
À medida que a relação da sociedade com a medicina vai se transformando,
acompanhada pela mudança na forma de estruturação da propaganda, um novo momento da
relação das pessoas com os medicamentos se instaura. As experiências obtidas até os anos
40, no ramo do anúncio de produtos farmacêuticos, fazem com que a indústria eleja como
principal estratégia de divulgação de seus produtos, a propaganda ética. Como coloca
Temporão (1986), “a moderna indústria já havia captado esta necessidade de um diálogo de
respeito baseado na ciência e na pesquisa” (p. 32).
A partir da década de 40 ocorre o aperfeiçoamento tecnológico da indústria
farmacêutica que passa a se apropriar do discurso cientifico a fim de demonstrar a eficácia
de seus produtos. Nesse contexto, a propaganda entra em cena e passa a ser o cerne da
indústria, anunciando os efeitos de medicamentos comprovados em pesquisas científicas.
Conseqüentemente, a utilização da propaganda somada à diversificação dos fármacos,
provocou um incremento do consumo dos mesmos. (Áries e Duby, 1987). A partir deste
momento, verificamos a incorporação da saúde na cultura de consumo: obter saúde passou
a significar o uso de medicamentos, obtidos através da compra. Nesse sentido, cada vez
mais surgem pesquisas atestando a eficácia dos medicamentos e propagandas para
aumentar a venda dos mesmos. Assim, a propaganda cria um elo entre a medicina e a
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sociedade, na medida em que promove uma identificação entre sofrimento e a cura pela
compra do medicamento.
A incorporação da saúde na cultura de consumo se inscreveu nos países do primeiro
mundo, e posteriormente se amplia, chegando ao Brasil no século XX. No período pós-
guerra, o cenário brasileiro é invadido pelo “American Way of Life”, havendo um grande
incentivo para compras de terrenos e bens de consumo; surgem também muitas lojas de
departamento e firmas imobiliárias; há um enfoque na praticidade, no tecnicismo e a na
pressa. Fazendo parte dessa lógica, as indústrias farmacêuticas internacionais entram no
país, monopolizando o mercado consumidor nacional e investindo em propagandas para a
população.Nas décadas de 40 e 50, as propagandas eram dotadas de ótima qualidade, apesar
de ainda não haverem recursos gráficos avançados e computadores: poetas e artistas
gráficos eram requisitados para criar textos e imagens de anúncios desta época. Neste
período de pós-guerra, as revistas brasileiras estavam repletas de anúncios reverenciando
uma nova era de progresso, conforto e prosperidade. (Vieira, 2003). Fazendo uma análise
nas principais revistas cariocas do período, podemos observar as seguintes características
nas propagandas de medicamentos: presença de textos informativos com rimas e frases de
efeito; propagandas ressaltando o consumo do medicamento pela família; anúncios de
medicamentos para dar vigor, como fortificantes, tônicos, e elixires; remédios relacionados
à sexualidade, como regulador menstrual e medicamentos para impotência e por fim,
remédios para emagrecimento.
Após o referido boom de propagandas de medicamentos nas décadas de 40 e 50, cai
o número de anúncios de fármacos na imprensa escrita no fim da década de 60. Podemos
destacar três fatores que contribuíram para esse declínio: em primeiro lugar, a televisão
torna-se o principal meio de comunicação na década de 70, mesmo que o espaço
publicitário nela fosse muito caro e pouco acessível; em segundo lugar, passa a haver um
rígido controle de preços sobre os medicamentos, o que impede que os produtores repassem
os gastos com propaganda para o consumidor; em terceiro lugar, desde a década de 50 até a
década de 70 há um grande desenvolvimento de ansiolíticos, anti-psicóticos e pílulas
anticoncepcionais, tais fármacos vão tomando cada vez mais espaço na produção industrial,
e conseqüentemente deslocam para si os investimentos das campanhas publicitárias.
(Temporão, 1986).
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A análise do uso de propagadas pelas indústrias de medicamentos no Brasil do
século XX revela a inclusão da saúde na lógica do consumo. A importância dessa análise se
dá pelas implicações do consumo desenfreado de medicamentos à saúde. Atualmente,
tornou-se bastante freqüente o hábito da auto-medicação, que, em virtude da alienação
própria a cultura do consumo, promove uma total ausência de crítica em relação à
utilização destes produtos: a população toma quantidades cada vez maiores de remédios
desconsiderando efeitos colaterais e o possível surgimento de novas patologias, em
decorrência do consumo excessivo destas fórmulas.
4- Considerações Finais.
Finalmente, podemos notar que à medida que a medicina se apropria do social, as
práticas e os discursos sociais se apropriam da racionalidade médica. A partir deste
momento, a vida cotidiana torna-se medicalizada. Isso acontece uma vez que o cidadão
comum começa a ter familiaridade com as noções médicas largamente difundidas, passando
a conceber a saúde como valor primordial e, conseqüentemente, a fazer de tudo para
preservá-la ou restaurá-la. Tal atitude é reforçada pelo contexto capitalista, uma vez que o
corpo saudável equivale a um trabalhador cheio de força para produzir: saúde é o principal
valor humano na sociedade do capital porque é sinônimo de força de trabalho e, por
conseguinte, de produtividade. Esse imaginário social implantado desde o oitocentos é um
terreno fertilíssimo para a indústria farmacêutica.
A implantação da saúde como principal motor para a produtividade explica um
fato muito presente na atualidade: os indivíduos passam a fazer de tudo para ter saúde,
conceito que vai, cada vez mais, deixando de estar somente relacionado a práticas
preventivas, e se associando ao consumo de medicamentos. Por conseguinte, este consumo
deixa de ser meramente curativo, visto que há um abandono da tradição de fazer uso de
fármacos somente no tratamento de doenças. Em parte isso se deve a uma ampliação da
diversidade dos produtos fabricados pelas indústrias de remédios, que, progressivamente,
vão se prestando a um número maior de funções. Este processo é acompanhado por uma
alteração na relação indivíduo-medicamento: em lugar do uso anteriormente feito, os
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sujeitos habituam-se a consumir descontroladamente uma vasta gama de fármacos para
evitar doenças, fortalecer o organismo, amenizar mal-estares passageiros ou subjetivos,
dentre outras utilidades não curativas. Em suma, os remédios são usados para “obter
saúde”, sem que necessariamente se esteja enfermo.
Uma conseqüência direta desse processo é a banalização do uso de medicamentos
tanto no Brasil quanto em outras partes do mundo. O que instaura o cenário que estamos
vivenciando atualmente, um momento marcado pela crença de que é possível encontrar
saúde em produtos vendidos em drogarias. Nascimento (2003) denomina este fenômeno de
o “mito da saúde em pílulas”. De acordo com esta autora, passamos a considerar as
dificuldades da vida como problemas médicos solucionáveis através de fórmulas
farmacêuticas. Se deveras isso fosse uma realidade, não haveria motivo para criticarmos a
propagação desta idéia. No entanto, constatadamente não existem soluções milagrosas para
os problemas, principalmente para aqueles que dizem respeito a questões psicológicas.
Além disso, mesmo com todo o recente desenvolvimento da indústria farmacêutica, os
resultados obtidos pelas novas drogas não tem uma comprovação a longo prazo, portanto,
não se sabe suas conseqüências futuras no organismo humano.
Diante deste panorama, percebemos que não existe na cultura do consumo – na qual
está inserida toda a lógica atual da utilização desenfreada de fármacos – uma preocupação
com a ética: o que importa é que se consuma, não sendo relevantes as conseqüências disso.
Nesse sentido, pretendemos alertar para a banalização do uso de medicamentos, que ao
invés de promover a inabalável saúde prometida nas propagandas de remédio, está
conduzindo nossa sociedade a uma nova enfermidade: a dependência farmacêutica.
5- Bibliografia.
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