Reflexões Sobre Interculturalismo e Performance (trans. by Maria Manuela Tenreiro, Contramare,...

71
Reflexões Sobre Interculturalismo e Performance Chikukwango Cuxima-Zwa e Rosalie, Londres, foto de Sebastian Andrews, 2007.____ ___________ Introdução Esta coleção de artigos apresenta a minha prática de performance, desde a sua emergência em 2001 em Londres, enquanto resultado da minha experiência de interseção cultural, de hibridade, e de 1

Transcript of Reflexões Sobre Interculturalismo e Performance (trans. by Maria Manuela Tenreiro, Contramare,...

Reflexões SobreInterculturalismo e

Performance

Chikukwango Cuxima-Zwa e Rosalie, Londres, foto de Sebastian Andrews,2007.____

___________Introdução Esta coleção de artigos apresenta a minha prática de performance,desde a sua emergência em 2001 em Londres, enquanto resultado daminha experiência de interseção cultural, de hibridade, e de

1

desenvolvimento das minhas ideias, conceitos e princípios.Mercer, um autor afro-britânico expressa um pouco da minhaexperiência e prática na Grã-Bretanha quando descreve aexistência de “culturas híbridas” (Mercer, 1994: 3). Ou seja, aminha prática “participa numa forma particular de produçãoartística de performance” típica da experiência pós colonial daspráticas corporais (Jones, 1997: 33). Nesta coleção de ensaiosapresento as que considero serem as minhas performances maissignificativas, todas produzidas nos últimos dez anos.Descreverei os tipos de desafios interpretativos envolvidos nomeu trabalho durante as apresentações das minhas performances efarei uma exposição das minhas intenções e objetivos. O meutrabalho resulta da exploração das tradições ancestrais‘primitivas’ e ‘tribais’ relacionadas com o corpo, prática emétodo performativos que parecem constituir um desafio tanto paraa comunidade da diáspora africana, quanto para a culturaocidental de Londres. A maioria das performances que descrevoforam inicialmente executadas por meio de um processo refletivosobre a minha terra, onde eu buscava inspiração; por isso escrevode uma forma que espelha o sentimento da minha situação, enquantoalguém que está aqui e acolá, diáspora e Áfricadialogando (Hassan, 1999: 224).

2

Chikukwango Cuxima-Zwa, Edson Santos e Rosario Miranda, foto deAlberto Julião, 2009.

Assim, o meu trabalho é uma resposta pós colonial; apresenta umacrítica à experiência e história coloniais. O meu mecanismo maisapropriado é expressar a tragédia do meu passado, e essasintenções são manifestadas em algumas de minhas performances. Poressa razão é crucial notar que sou refugiado da guerra civil deAngola e portanto um indivíduo deslocado sem sentido de pertençaa algum lugar quando cheguei em Inglaterra. Assim, comecei aolhar as tradições angolanas do corpo como uma forma dereconciliação cultural and diaspórica. Neste contexto, atravésdeste processo, comecei a explorar pintura corporal, ritualsimbólico e dança, procurando uma nova identidade e ligação àstradições que perdi. Essas explorações criativas através do corposão produto do meu imaginário na diáspora em conjunto comconceitos sobre realidades, costumes e tradições angolanas. Estetrabalho sobre a minha prática de performance abre uma nova

3

dimensão no discurso pós colonial e intercultural sobre o uso docorpo para narrar a história no cenário contemporâneo, onde ocorpo une passado e presente. O meu argumento é que o corpo podeassumir uma função visual e combinar práticas orais e textuaispara narrar a história (Okpewho, 1996: 120). Adicionalmente, umnumero de performances individuais será analisada nestes artigos.O objetivo de organizar os trabalhos individuais é criar umaestrutura que me permita colocar as minhas ideias em perspectiva.A análise deriva dos meus próprios pensamentos, conceitos e eracionalização das minha performances. Estes trabalhos constituemuma série de performances explorativas de espaços que são muitopessoais, o que implica me reinventar pintado e criar um ritualsimbólico para uma abordagem ficcional. As formas como essasperformances estão estruturadas não é cronológica, masdeliberadamente organizada de acordo com princípios e questõesque explorava nessa época. Uso o passado, a minha experiência, ea minha condição pós colonial para analisar criticamente o meutrabalho.

4

Chikukwango Cuxima-Zwa, Londres, fotode Simon Rendall, 2001.

Escrevo sobre as minhas performances em retrospectiva. Asanálises aqui apresentadas representam o que penso ao reavaliaressas performances, e que é na maioria baseado no registro emfotografia e vídeo e nas minhas próprias memórias dasexperiências de produzir e performar cada trabalho. Os vídeos efotografias das minhas performances são por isso uma partecrucial da minha análise; os enquadramentos desses suportesinfluenciaram sem dúvida a critica às minhas performances. Isto

5

é, a forma como as câmeras foram posicionadas e filmaram, como asfotografias foram tiradas, influenciou o jeito como asinterpretei. Assim, relato aqui os pontos mais importantes dasperformances que abordo nestes artigos. Algumas das performancesde que tratarei aqui foram feitas intuitivamente e talvezinocentemente; fiz trabalhos sem ter uma completa apreciação dasformas como essas performances seriam recebidas na Inglaterra(Londres) e na Alemanha (Berlim). Mas, o maior entendimento quetenho agora permite-me fazer várias leituras. Escolhilocalizações especificas que têm conotações e implicações, e ostipos de trabalhos que criei refletem esses ambientes e têm opotencial de provocar associações de ideias no espectador; mesmoque nessa altura essas associações não refletissem as minhasintenções ao criar as performances.

A maioria das performances que abordo nos artigos seguintestiveram lugar numa época em que eu estava ainda incerto sobre oque pretendia com os meus trabalhos, mas fazendo uma leitura emretrospectiva percebi o tipo de temas e significados que elespoderiam invocar em quem me observava. Assim, porque a naturezadas minhas performances faz referência à natureza do‘primitivismo’ e ‘tribalismo’, seria difícil para a audiênciaobservar ou experimentar as minhas performances e não fazer algumtipo de associação à história colonial Britânica, seja peloângulo da escravidão, ou do colonialismo ou da exploração deoutras terras e riquezas. Quer seja essa a minha intenção, ounão, o passado colonial britânico será provavelmente refletidonas leituras que os espectadores fazem das minhas performances.Fotos tiradas por Simon Rendall, Savinien-Zuri e Alberto Julião.

6

Chikukuango Cuxima-Zwa, Londres, foto de Ned, 2005.

Verde, Vermelho e Branco, Lambeth College, Londres (2001)Em 2001, eu era um refugiado vivendo em Londres, estudante dearte e design em Lambeth College localizado na região sul dacidade, e sem um sentido de identidade própria, que resultava dominha própria experiência de ‘deslocamento na Diáspora’ (Fisher,2008: 197-8). Naquele momento senti que não tinha raízes. Foiessa a razão que me levou a explorar a pintura corporal, paracriar uma abertura entre “eu mesmo e as minhas origens” (Mercer,1999: 284). Essa prática tornou-se um catalisador do meu processocriativo quando comecei a fazer performance. Através dela o meufoco foi explorar a minha nova visão de Diaspóra e restabeleceruma ligação à cultura que perdi a partir desta posição dedeslocamento (Enwezor, 1999: 248). Além disso, na minhaperdormance Verde, Vermelho e Branco comunico o que Stuart Hallchamou the “narrativas de deslocamento” e identificação onde ocorpo recria uma nova história e uma nova identidade na Grã-Bretanha (Hall, 2003: 234). Hall observou que a identidade é:

7

…Uma construção, um processo que nunca se completa – que estásempre ‘em processo’. Não está determinado no sentido em que podesempre ser ‘ganho’ ou ‘perdido’, sustido ou abandonado. Apesar denão ser desprovida de condições de existência determinadas,incluindo recursos materiais e simbólicos que a sustêm, aidentificação acaba sempre por ser condicional e rodeada decontingências. Uma vez segura, não elimina a diferença. A fusãocompleta que sugere é, na realidade, uma fantasia deincorporação… A identificação é, portanto, um processo dearticulação, uma costura, uma sobre-determinação e não umasubsunção. Existe sempre ‘demasiado’ ou ‘muito pouco’ – umasobre-determinação ou a falta dela, mas nunca a perfeição, atotalidade. Como qualquer prática significante, está sujeita ao‘jogo’ da diferença. (Hall, 1996: 2-3). Esta foi a minha primeiraperformance e o começo de uma exploração direta e provocativa domeu próprio corpo perante uma audiência. A performance teve lugarno estúdio de fotografia da universidade, com a assistência daprofessora e fotografa Harriet Lee. Enquanto estudante de arte, aminha ideia inicial na prática de performance formou-se a partirdo meu interesse nas tradições rituais, de dança, máscaras epintura corporal do grupo angolano Chokwe. A referência principalno desenvolvimento do meu trabalho e ideias foi a sua práticacultural. Através desse processo recebi do povo Chokwe acesso aomeu retorno metafórico à identidade cultural angolana, a porta deentrada no mundo dos espíritos dos meus ancestrais. Istosignifica que existe um significado espiritual nas exploraçõesque faço do meu corpo simbolicamente pintado, porque a sua origemvem de crenças religiosas africanas e de um contexto que recordae venera o espírito dos ancestrais por meio de rituais. Ohistoriador e escritor africano Mbiti escreveu o seguinte:Os povos africanos acreditam que a morte não é o fim da vidahumana. A pessoa continua viva no além. Esta continuação da vidaé reconhecida como uma prática encontrada por toda a África.Nalgumas áreas a sua presença é mais forte, particularmente emcomunidades rurais, ao contrário de comunidades nômades oupastorais. A homenagem aos mortos é direcionada apenas aos mortosvivos, ou seja, o espirito daqueles que morreram nas últimasquatro ou cinco gerações. Chefes de familiao, adultos e casais

8

são desta forma mais relembrados que bebês, crianças ou solteiros(Mbiti, 1991; 128-9). Como descendente da tribo Chokwe comecei aexplorar a sua tradição cultural usando como ponto de referênciapara a performace, apenas os rituais simbólicos de lembrança eveneração. O meu ato de lembrança em Verde, Vermelho e Branco foium ritual simbólico e uma performance, mas também oreconhecimento da existência de meus ancestrais. Uma dasintenções da performance foi pintar o corpo para, através desseprocesso, criar uma ligação à minha herança e tradição ancestral,como gesto de orgulho. Mbiti explicou que como africano carregouma herança muito rica do que os meus ancestrais “…pensavam,faziam, [e] viviam…”, que é de extrema importância lembrar evalidar (Mbiti, 1991: 2).

Chikukwango Cuxima-Zwa, Londres, foto de Harriet Lee, 2001.

Assim, a minha ideia inicial da performance refletia que eusentia na época, a destruição da minha cultura angolana atravésdo processo colonial e o seu impacto no desenvolvimento do país.

9

O resultado foi que os meus sentimentos sobre a destruição dacultura me inspiraram a validar a arte tribal e suas tradições depintura corporal, em frente da câmera. Neste trabalho o meu corpofoi pintado em três cores diferentes: Verde, Vermelho e Branco;uma de cada vez. Fui grosseiramente pintado de propósito, poisqueria ter um aspecto de homem tribal angolano personificando aidentidade indígena no ato de performance (Byam, 1998: 230).Coloquei uma peruca negra, enfatizando o ato e criando umaestética e imagem credíveis, influenciada por um estilo e umadinâmica de dialética de Diáspora (Tulloch, 2004: 89). Com aperuca pretendi criar uma imagem de autenticidade e capturarassim a imaginação da audiência relativamente à arte tribal.Naquele instante, a pintura do meu corpo foi uma criação visualde ligação entre África e a Diáspora focando no tradicional e naprática ancestral de ritual como descreveu Jean Young num outrocontexto (Young, 2002: 298). Materiais têxteis foram adicionadosàs paredes do estúdio criando um cenário à performance quecolocou possibilidades visuais representando propositadamente ahistória, a cultura e a tradição do ponto de vista da Diáspora. Ede fato, os têxteis tinham um significado importante poissimbolizavam um meio de comunicação transnacional sobre a minharepresentação e subjetividade (Fisher, 2008: 192). Tornou-se arepresentação visual de Angola mais próxima da minha imaginação,o que eu queria representar através do meu corpo. Os têxteistiveram o objetivo de elaborar e simplificar a minha cultura;transcendendo a narrativa pessoal e a localização. Visualmente,representaram os significados adjacentes que fundem corpo,cultura, identidade, espaço e tempo. Por outras palavras, otêxtil neste contexto representa a história como fato material earqueológico de identidade, cultura, existência e origem. Éimportante notar que historicamente a venda a africanos, detêxteis manufaturados na Holanda, resulta de encontros dahistória colonial. Neste trabalho, a prática cultural tribal e‘primitiva’ foi a minha principal preocupação e usei o meu corpocomo ferramenta de expressão num pequeno espaço com apenas algunsmembros na audiência, professores do departamento e colegas. Aintenção era dar voz ao meu corpo, fazer enunciados culturais eme empoderar sobre a perda do meu sentido de identidade. No

10

entanto, a performance foi criada intuitivamente e concentrei-meem usar movimento, expressões faciais e corporais como forma deconcretizar sentimentos pessoais e emoções. Certamente, um dosprincipais objetivos deste trabalho foi fazer uma ação de autolibertação, pois foi a primeira vez que expressei meussentimentos perante uma audiência. E mais, me senti realmentelivre, com uma sensação de liberdade de expressão através docorpo. Utilizava o meu corpo como intervenção, para expressar asminhas trajetórias traumáticas nas duas culturas de que faziaparte (Fisher, 2009: 108-9), a cultura da guerra civil e ditadurapolítica de Angola, e a cultura de refugiado em Inglaterra. Aorealizar este trabalho pretendi capturar a minha experiência devida num ritual simbólico confinado num pequeno estúdio defotografia. Naquela situação, a atividade de performanceconsistiu em ações repetitivas que representavam o meu desejo derecomeçar uma vida nova; uma nova fase num novo ambiente cultural(Robinson, 2002: 332). Neste trabalho celebrei a recordação daminha terra, lembrada e ‘pontificada’ num novo começo (Mercer,2008: 7). Verde, Vermelho e Branco expressou a minha transiçãocultural e foi o meu primeiro ritual simbólico que pode serdescrito como o começo do que Beverly Robinson, um prolíficoautor de performance Afro-americana, chamou de pluralização daminha identidade africana em Diáspora (Robinson, 2002: 332).A realidade do meu corpo pintado caminhando em Oxford Circuscolocou em contraste a minha identidade cultural indígenaangolana e a civilização ocidental. Nas ruas o corpo pintadorepresentava a cultura indígena inserida no ambiente moderno.Resultou que o meu corpo foi exoticizado por alguns turistas quepasseavam nas ruas. A minha presença desviava a atenção defashionistas pelas agitadas ruas de comércio. Senti a percepçãode alguns turistas me relacionando a conceitos de ‘tribalismo’ e‘primitivismo’, uma referência cultural aos corpos nãoocidentais, apesar da minha intenção ser validar a culturaangolana em Inglaterra. É possível, que enquanto caminhava,alguns turistas tenham relacionado a minha imagem caminhando emOxford Street, com alguém ‘primitivo’ nas “selvas de África”.Interagi com os turistas acolhendo o seu interesse entusiasmadoenquanto fazia a minha performance. Em Oxford Circus, fui maisnotado e apreciado em comparação com Bethnal Green. Senti prazer

11

nas faces da audiência. A minha presença era inesperada e porisso muitos turistas quiseram tirar fotos comigo e registrar aexperiência, o que acabou se tornando parte da performance eencontro dramático.

Chikukwango Cuxima-Zwa, London, foto deSavinien-Zuri Thomas, 2001.___________________

Durante a performance, parado frente à estação de Brixton, naregião sul de Londres, procurei principalmente comunicar umamensagem à audiência através do meu corpo. Parte do processocriativo, conceito e exploração foi não falar com a audiência.Queria mostrar e reconectar com a riqueza das tradições culturaisangolanas, apesar das experiências históricas de escravidão ecolonialismo embutidas na psique de uma audiência de ascendênciaafricana como é a maioria dos habitantes de Brixton.A mensagem desenhou-se através do corpo exposto de forma passiva,comunicando uma cultura enquanto objeto e sujeito do indivíduo eda história (Hall and Sealy, 2001: 16). Durante a performance

12

senti a expressão de desconforto e inquietação da audiência negraem relação à minha permanência parado no local; pintado de verde,confrontando o público diretamente em estilo de disputa. A reaçãoda audiência deveu-se ao seu encontro dramático comigo, umindígena fictício criando e provocando estranheza e criticismos.Esse encontro produziu uma resposta dramática na audiência,talvez uma consequência psicológica das experiências históricasmencionadas.

Chikukwango Cuxima-Zwa, London, foto de Savinien-Zuri Thomas, 2001.

Para a audiência, o efeito pode ter sido traumático. Aexperiência das culturas e práticas indigenas e tribais, causaconstrangimento em alguns negros na Inglaterra. O colonialismodestruiu a cultura africana e como consequência seu legadonegativo prejudicou a identidade africana e auto imagem. Rompeucom a essência da identidade cultural africana e a sua forma de

13

estar no mundo, em conexão com o passado e as raízes. De certaforma, o corpo pintado lembra as pessoas de práticas rotuladascomo ‘atrasadas e selvagens’, o que não é uma tendência no mundomoderno e global de tecnologia progressista. A civilizaçãomoderna parece ser a aspiração dos africanos que migram e seestabelecem, perdidos e separados dos valores das suas tradiçõesindígenas, marginalizados e empurrados para as periferias peloprocesso de globalização (Papastergiadis, 2000: 86). Neste caso,talvez os africanos em Inglaterra sejam relutantes em se envolverno meu estilo de prática de performance, abertamente, nessecontexto de performance de rua, devido ao legado de assimilaçãopós colonial, hegemonia e composições estruturais das realidadessociais (Enwezor, 1999: 246). Isto é prejudicado pelo descasorelativamente à performance e tradições africanas nas atuaisesferas de conhecimento, classe e agenda britânicas (Hall, 2005:2). Parece-me que estas respostas sugerem a negação e relutância,reflexos dos brutais acontecimentos históricos e da violência,apropriação de terra e migração forçada, experiências dosafricanos num passado recente (Mercer, 2008: 7). Esse legadofoi claramente expressado por parte da audiência em Brixton. Oconceito de Gilroy sobre o ‘Atlântico Negro’ em particular, focana história recente de colonialismo e escravidão e asconsequências que derivam dessas experiências, e que afetaramnegativamente a imagem, identidade e representação dos corposnegros na diáspora (Gilroy, 1993: 3). Essa expressão na audiênciadas ruas de Brixton reflete o cruzamento de dois mundos quecoloca os africanos como criolos, ‘vitimas naturais’ e com ‘umadupla consciência’ na transição pós Atlântica (Echeruo, 1999: 6).Vitimas naturais no sentido em que a história demonstrou que osafricanos foram consistentemente vitimizados. ‘Consciência dupla’no sentido em que a experiência transatlântica traz umaperspectiva mais ampla dos dois lados. Resumidamente, traz acapacidade para construir uma consciência individual ou coletivae uma identificação longe de casa, da origem e de um espaçonacional (Lemke, 2008: 123-4).

14

Chikukwango Cuxima-Zwa, Brixton, London, foto de Savinien-ZuriThomas, 2001.

Este trabalho desafiou alguns dos aspectos negativos da audiênciade ascendência africana em Brixton, devido às construçõesnegativas do ocidente sobre a cultura africana, enquanto selvageme ‘primitiva’. São visões negativas criadas por uma perspectivaocidental e seu entendimento das tradições culturais africanasatravés de um encontro histórico. Ainda assim, o legado históricoafetou negativamente a forma como o povo africano na Inglaterrase vê no século 21. Existe uma ideia negativa e estigma sobre aprática de pintar e adornar o corpo da forma como eu faço no meutrabalho de performance. Por essa razão, durante a performancesenti resistência à minha interação com a audiência quepossivelmente e compreensivelmente não interpretou bem otrabalho. Durante toda a performance não existiu aproximação; talcomo eu esperava em Brixton, onde os residentes sãopredominantemente de ascendência africana e do Caribe. O registrofotográfico da performance capturou a expressão nas caras dospedestres, o que reforça o meu sentimento no decorrer do

15

trabalho. Um bom exemplo foi quando, parado frente à estação, umaidosa negra me olhou por alguns minutos e me abordou perguntandose queria ajuda; ela entendeu que eu estava perdido e precisavade ajuda, e ela também pensou que eu acabara de chegar de Áfricae me sentia deslocado, sem lugar para me alojar. É óbvio que elanão entendeu o sentido do trabalho. Penso que a minha presençapossa ser interpretada de muitas formas em Brixton, o que meparece razoável, mas pode ser que a minha articulação não tenhasido bem elaborada e eficiente, tendo em conta que foi uma dasprimeiras vezes que atuei em público. Além disso, não tinhacartazes com textos escritos informando sobre o trabalho e seucontexto. Isso poderia ter influenciado a leitura que a audiênciafez do trabalho. A minha interpretação desta performance refleteo que eu pensava na época; ideia que contrasta com a minha atualconcepção do trabalho quando escrevo este texto.

Chikukwango Cuxima-Zwa, Londres, foto de Simon Rendall,2009.__

Identity and Parliament Square (2009)

16

In this site-specific performance my idea was to explore notionsof location through my body in front of the iconic symbol of theHouses of Parliament in Westminster Square, London; where my bodycreated a visual and imaginary past as a reflection of mypostcolonial experience of social struggle and being a refugee.In this piece, the Houses of Parliament and the buildingssurrounding it shaped and played an important part in thecomposition of the performance. The buildings helped my narrationof the self, the ‘primitive’ and the ‘other’. It affected how Ipositioned my body as a vehicle of diasporic cultural productionand identity. By positioning myself in Westminster Square infront of the Houses of Parliament painted as I was, I created animaginary connection with home because of the contrast I createdbetween ‘primitivism’ and British ideas of civilisation, past andpresent, history and modernity. In this case, my body was a toolwhich connected the two cultures through the process of diaspora,displacement, dysfunction, trauma and migration as pointed outand broadly described by Braziel and Mannur in their classictext Theorizing Diaspora (Braziel and Mannur, 2003: 1-3). Inaddition, this performance is a bodily representation of mystrategy as a diaspora individual re-inventing and redefiningmyself and identity (Hall and Sealy, 2001: 35). It is my act ofnegotiating the space with the dominant culture portrayed by theHouses of Parliament. In this case, through the process, mycultural tradition and performance became visible in the space ofthe colonial and imperial culture. According to Daryl Chin:

Interculturalism is one of the ways of bringing previouslysuppressed material into the artistic arena, by admitting into ageneral discourse other cultures, cultures which had previouslybeen ignored or suppressed or unknown (Daryl Chin, 1991: 95). Tothis purpose, interculturalism allowed my cultural tradition tomanifest publically as an open option of cultural representation;it made expressive with meaningful perspectives, the perceptionand reading, of the black body in public as material culture,transient art, and an autonomous tool of empowerment of identityand cultural tradition exploring the space.For that reason, during the performance the statue of NelsonMandela positioned in one of the corners of the square was the

17

place where I narrated my diaspora experience and claimed myspace. The statue of Mandela, for the purpose of the performance,connected me with home and Africa. It represented a site toexpress and elaborate my origins, the struggle of my diasporaexperience and what it means to be an African in the postcolonialand post-apartheid era, in Britain (Cohen-Cruz, 1998: 286-7).

The performance in front of the statue was an attempt to relatewith Mandela’s social struggle for justice, validation and theindependent existence of African people in a way that shared asense of the interconnectedness of diaspora and transnationalexperience. Empathy with the political struggle of black peoplein South Africa was symbolically alluded to. My body, a diasporainstrument to create a new reality and “…new ways of thinking andfeeling” about the past and present in a new environment(Nicholson, 2009: 268). In this case, the statue served totrigger the link or relationship between diaspora and Africa, themother land of civilisation (Hall, 1994: 394), as an importantmemorial moment for the construction of an alternativeperspective on identity and history (Gilroy, 1996: 225-7). Inthis piece, my presence was my way of contesting the position ofthe dominant culture that dismisses, subsumes and de-legitimatesAfrican ‘tribal’ and ‘primitive’ traditions and cultural practicein favour of industrial and technological advancement. Bypresenting myself in this way, it was my intention to put forwardmy African origins, cultural heritage, legacies and ideologies ina symbolic ritual in front of the Houses of Parliament; a Britishimperial and iconic building.

18

Chikukwango Cuxima-Zwa, Londres, foto de SimonRendall, 2009.

My presence in front of the Houses of Parliament turned the spaceinto an overt and legitimate place for the expression ofnostalgic yearning for my cultural origin. According to CarolTulloch this encounter could be seen as reinforcing my”…sense ofself and dignity mapped on to [my] body” and this happened as aresult of cultural disruption and confrontation in a new place asa “new way of being” (Tulloch, 2004: 17). The Houses ofParliament reminded me of where I have come from and my history.They created in me a deep feeling of being an outsider, returninghome through the process of encounter. For this reason, thisperformance represents my relationship with Angolan traditions asa diaspora individual analysing my origin and personaltrajectories. I did not feel I was part of what the building mayrepresent to the British people; rather, I felt as an outsiderinvading the imperial space.

The structure and rigidity of the Houses of Parliamentintimidated and created a division between the ‘us and them’ of

19

the social order, which de-authorise the existence and socialrealities of the ‘other’ in the British political hegemony andparliamentary discourse. That created in me a feeling ofseparation between two worlds and cultures. The police and thegate keepers of the building restricted my approach and made mefeel intimidated; it was safe to perform far away from thebuilding, in case of any trouble or confrontations. Theperformance situation was appropriated to some distance from thebuilding (especially when one is presented painted and halfnaked). My presence in front of the Houses of Parliament wasunpredictable and it created a contrast against the hard,solidity of concrete and the rigid architectural infrastructure,which displayed power and control in the city. It emphasised therepresentation of the body as a product of culture. On the otherhand, it could be considered that the Houses of Parliamentprovided a privileged space to perform, narrate identity, andchallenge the social order. Enwezor explains that:

…Critical judgements of art and artists in the West constantlyplay themselves out in the well-regulated and predictableinterstices where Eurocentric hegemonic power-mongering meets andcolonises the contributions of non-Western cultures… Under thedemanding imperialistic gaze of twentieth-century Western arthistory, modernism’s self-arrogated centrality and exclusionismbecome the great totems that bear the imprimaturs of this legacyof erasure, which marginalises as it appropriates (Enwezor, 1999:246).

20

Chikukwango Cuxima-Zwa, Londres, fotode Simon Rendall, 2009.

Como consequência da minha performance em frente das Casas doParlamento, o meu trabalho sofreu alienação dentro dasregulamentações rígidas do sistema ocidental, que observava àdistância a minha aparência diferente, e talvez inapropriada, nocentro da cidade. Neste caso, as Casas do Parlamento representamo local simbólico do eixo de poder numa cidade onde as pessoas sejuntam e transitam enquanto produto de um ambiente embrenhado demodernismo e capitalismo para usar a terminologia de Judith Rugg(Rugg, 2010: 54). Apesar do fato de este trabalho ser uma autoarticulação da minha experiência de localidades diferentes e uma

21

narrativa reformulada da minha cultura, também era umatransgressão das dos limites do poder ocidental codificado nolegado da condição colonial, que é perpetuada pela autoridade queas Casas do Parlamento simbolizam.

Chikukwango Cuxima-Zwa, Londres, foto de SimonRendall, 2009.

___

Uma das razões principais porque eu quis fazer esta performancediante das Casas do parlamento foi devido à história do ImpérioBritânico associada com o edifício, e o poder politico que oedifício tem em relação à história e prática coloniais. As Casasrepresentam a era moderna, evolução, contato com as culturas do‘outro’, através da escravidão, colonialismo e da consequentememória histórica e social (Christian, 2002: 71). Acredito queesta performance desafiou e subverteu a perspectiva ocidental deidentidade negra, a arte e as convenções; porque a identidade

22

negra está sempre evoluindo e se transformando como resultado daexperiência diaspórica e das circunstâncias (McMillan and Suandi,2002: 115).

Chikukwango Cuxima-Zwa, Londres, foto de Simon Rendall, 2009.

Pratiquei a minha cultura nas ruas como uma convicção e como umsinal de libertação e de liberdade; e de fato, neste trabalhoexpresso com o corpo teorias da tradição cultural africana, o queo torna uma expressão performativa prática e um guia pararecriação de realidades e experiências da diáspora, focadas nosistema de pensamento africano e na afrocentricidade, para usaras palavras de Molefi Kete Asante (Asante, 2002: 116). O próprioAsante assume um papel proeminente e importante como acadêmicoencorajador do afrocentrismo, na forma como incentiva os artistasafricanos a explorar a afrocentricidade, no contexto dos espaçose encontros interculturais. Para efeitos desta pesquisa, éimportante referir que, quando fiz esta performance, a minha

23

intenção não era fazer um ataque direto ao império britânico, masantes expressar a minha cultura e identidade destruída noencontro colonial. E foi de fato, o meu manifesto pessoal eperformativo restaurar e dar a conhecer a minha cultura, tradiçãoe arte (Hassan, 1999: 217).

Citando Asante, a propósito do trabalho de Browder sobreafrocentricidade:

Um parâmetro de referência onde um fenômeno é observado daperspectiva do indivíduo africano… prioriza situar as pessoas deorigem africana no comando das suas vidas e atitudes perante omundo. Isso significa que examinamos todos os aspectos dedeslocação do povo africano; cultura, economia, psicologia, saúdee religião… Enquanto teoria intelectual, afrocenticidade é oestudo das ideias e eventos do ponto de vista dos africanos comoparticipantes em vez de vitimas. Esta teoria se torna, em virtudede uma relação autêntica à centralidade da nossa própriarealidade, um projeto fundamentalmente empírico… é a África seafirmando intelectual e psicologicamente, quebrando os laços dadominação ocidental na mente, analogamente aos laços em todos osdomínios (Asante, 1992: 245).

24

Chikukwango Cuxima-Zwa, Londres, foto deSimon Rendall, 2009.

No final da performance encontrei o protesto contra a guerra noIraque, que foi erguido em caráter de permanência, e representauma causa humanitária fora das Casas do Parlamento, nas ruas e napraça; a sua presença me lembrou das experiências que passei naguerra civil de Angola. O encontro com os manifestantes foi paramim como um retorno emocional a casa. No encontro, voltou a setornar realidade na minha mente. Senti empatia com a causa quetambém fazia eco à minha própria oposição à guerra. Como afirmouRugg, as ruas e praças possuem uma história enquanto locais deresistência; neste caso, os manifestantes as utilizam como

25

plataformas de visibilidade de lutas políticas. Além disso,aquela aproximação criou uma conexão ou se preferirem, fundiu aminha própria experiência de vida com este protesto num atoperformativo. Por um instante, tornou-se o lugar perfeito eseguro para libertar as minhas emoções e os meus sentimentoscontra a guerra num ambiente Britânico. Senti ainda que de algumaforma, a guerra distante no Iraque se misturava no sentimento daperformance em frente das Casas do Parlamento. Consequentemente,naquela altura, senti que a performance refletia também um poucoda atmosfera de perturbações políticas e sociais, assim como osentimento de incerteza de ataques terroristas na Inglaterradurante a guerra no Iraque.O encontro com os manifestantes afetou realmente a dinâmica daperformance por causa da exposição de imagens vividamenterealistas da guerra. Comoveu-me ver moradores de rua, asbandeiras coloridas de protesto, com suas palavras pela paz, aimagem perturbadora de crianças e mulheres, vítimas de guerra, aexposição de roupas brancas gravadas de mãos e penduradas sobreas tendas e aquele quadro branco indicando o numero de vitimas,mortas, em situação de fome ou de tortura. Todos esses fatoresgeraram em mim uma resposta emocional, visível na forma comoexpressei o meu corpo e os meus movimentos naquele espaço.

Mas antes de tudo, o meu corpo pintado com máscara nestaperformance para localização especifica colocou questões edesafiou conceitos sobre o significado de ser negro e artistaresidente na Inglaterra no século 21; onde o impacto dehibridismo, multiculturalismo e globalização altera em muito aidentidade negra confundindo as suas realidades durante odesenvolvimento de noções relativas a um Eu próprio (Tulloch,2004: 11).

26

Chikukwango Cuxima-Zwae Albert, Londres,

foto de Savinien-ZuriThomas, 2005.

Chikukwango e Albert, Museu Britânico (2005)Este trabalho foi resultado do meu envolvimento em um festivalafricano no Museu Britânico, integrado numa celebração nacionalcom atividades e projetos curatoriais focados na arte africanaproduzida na Grã-Bretanha. O festival serve para promover asartes, artefatos, tradições e culturas de África. É organizado acada dez anos desde 1995, e este em particular foi chamadode África 95. Quando fui convidado a participar no festival,entendi que foi criado em memória e comemoração da herançaafricana e da presença coletiva do seu povo na Inglaterra. Noentanto, compreendi mais tarde, e de acordo com as leituras quefiz de Annie E. Coombes, que um festival como este pode serinterpretado como uma ferramenta de reforço do legado doimperialismo e colonialismo “monolíticos” (Coombes, 1994: 2).

27

Depois disso, baseado na minha observação sobre o modo como ofestival foi construído, tornou-se óbvio que o evento é moldadocomo uma atividade pós colonial, o que para mim significa aexploração de culturas e povos africanos para proveito e lucroeconômico. Isso é demonstrado pelo financiamento monetário que ofestival implica, com grandes organizações inglesas patrocinandoe se promovendo no evento. Gilane Tawadros, crítica culturalescreveu a propósito do festival:

Foi um projeto realizado em várias localizações que juntou asmaiores instituições de arte no Reino Unido, que aceitaram odesafio de explorar a África desde milhões de anos a.c. até àatualidade. Apresentado para capturar a atenção das audiências edevidamente categorizado para explorar oportunidades depatrocínios privados e comerciais (para não mencionar asprioridades do Ministério de Assuntos Externos), esses projetosse apresentam agora como o último fôlego das tendências imperiaise nacionalistas face ao inevitável crescimento das forças daglobalização moderna (Tawadros, 2005: 127). Isto cria um eventona interseção do poder e dos instrumentos ideológicos; um produtode “interesses sociais e políticos” (Duncan, 1995: 5). Aexposição das culturas africanas no festival foi usada paraprojetar poder imperialista e colonial; uma agenda que refleteglobalização e hegemonia (Hebdige, 1993: 366). Stuart Hallcomentou sobre hegemonia, se refere a uma situação onde umaaliança provisional de certos grupos sociais consegue exercer‘autoridade social total’ sobre outros grupos subordinados, nãoapenas por coação ou por imposição direta de ideias dominantes,mas através de ganhar e moldar consentimento para que o poder dasclasses dominantes aparente ser legitimo e natural (Hebdige,1993: 366). Esta afirmação é indicativa da dominação sútil e decomo a estrutura de poder se manifesta no contexto do museu.Apesar disso, enquanto artista é importante participar eapresentar a minha performance no festival, porque o museu comoinstituição cria experiências públicas, e forma o entendimento doindivíduo; de comunidades e das culturas do mundo.

28

Chikukwango Cuxima-Zwa e Albert, Londres, foto de Savinien-Zuri Thomas, 2005.

Além disso, o museu tem um papel importante na recriação ereconstrução da minha identidade diaspórica e agrega valor àminha cultura; é um lugar onde os membros da audiência e osvisitantes se juntam para adquirir conhecimentos e significadosna era pós colonial britânica. Quando me convidaram para fazeruma performance no museu a minha ideia inicial era apenasrepresentar a minha cultura; a estrutura e política do museu nãome preocupavam. Isto acontecia porque o museu é um dosinstrumentos ideológicos do estado, representando poder, a elitee a ideologia de classes; é centralizado por meios políticos,identidade e estrutura de classes (Hutchison, 2004: 52). Assim,o museu atua como uma estrutura de poder que reflete as opiniõesda cultura pós colonial dominante, é uma prova material e visualdo que foi conseguido através da colonização (Simpson, 2001: 1). Para efeitos deste trabalho, o museu foi utilizado como umaferramenta importante e uma plataforma que desconstrói anarrativa visual estática criada pela autoridades coloniais e da

29

área da antropologia. É ainda utilizado para desafiar as ideias epercepções negativas das práticas e tradições corporaisafricanas, e a interpretação e marginalização dos povosafricanos, fora dos padrões das narrativas e discursos ocidentaisdominantes.

O fato de eu ser angolano e deste trabalho ser a minharepresentação simbólica da minha cultura, através do meu corpo,narrando a minha história com base na minha própria perspectiva,choca com a imagem dos artefatos coloniais e imperiais colocadosem expositores de vidro. A intenção deste trabalho foi expressara reconstrução híbrida com base na minha memória e imaginação ena decoração do meu corpo. Além disso, o pano que eu useifuncionou como uma conexão física com a tradição culturalangolana.  A escultura de madeira que usei na performanceapresentava uma reflexão visual das influências antigas etradicionais, e dos princípios ligados ao meu trabalho, numambiente onde esculturas de madeira são expostas, porémenclausuradas em vidro. As limitações do museu não permitem que aaudiência segure ou manipule uma escultura de madeira, da formacomo eu permiti no meu trabalho, durante a minha performance einteração com o público. Fiz isso com a intenção de mostrar anatureza híbrida do meu trabalho.

30

Chikukwango Cuxima-Zwa e Albert, Londres, foto de Savinien-ZuriThomas, 2005.

Assim, preparei a performance para expressar a minha herançacultural e exibir a origem da minha identidade, como uma forma deprocesso histórico continuo, que uniu a Diáspora e as culturas deAngola. Neste caso, a performance deu oportunidades epossibilidades à audiência para estabelecer visual e mentalmenteum entendimento maior da minha herança através da performance noespaço conceitual do museu (Johnson, 2012: 54-5). Ao fazerperformance no museu, a minha intenção foi suspender o meusentido de orgulho na minha identidade cultural única, ao mesmotempo que representava e criava imagens das tradições culturaisangolanas que contrastavam com o material mostrado em coleções,mostras e exposições que perpetuam a imagem do passado como feitode tradições estáticas, sem contacto com as culturas ocidentais(Simpson, 2001: 35). Estas imagens associadas com as tradiçõesindígenas significa que muitas vezes ela parecem subjugadas e/ousão interpretadas como supersticiosas. Crenças e práticas são

31

consideradas estranhas e não familiares por não serem conhecidasdas audiências ocidentais (Munjeri, 1991: 448).

James A. Boon nota que:

Os museus talvez me deixem triste por causa do que revelam sobrerepresentação–uma resignação com sabor de tristeza em reação aomuseu-semelhança (ou talvez museu-vazio) daquilo de que, numprimeiro momento, o museu aparenta ser museu. Se os museus foremmuseus de nada-apenas museus: representações sem referênciaimediata, depsitários de remoções–então, deve ser isso que medeixa triste. Tristeza ou melancolia (Boon, 1991: 256).

Chikukwango Cuxima-Zwa e Albert, Londres, foto deSavinien-Zuri Thomas, 2005.

Nos anos recentes, os museus – como o Museu Britânico – tornaram-se um centro de controvérsia e criticas devido ao que éconsiderado uma abordagem tendenciosa relativamente às

32

representações e exposições que apresentam fragmentos deslocadosde arte, artefatos e objetos pertencentes a ‘outras’ culturase povos rotulados como grosseiros, ‘atrasados’, ‘primitivos’, ‘bárbaros’ e ‘de terceiro mundo’ (Munjeri, 1991: 448). De acordocom Carol Duncan, os museus do mundo ocidental “… deturpam muitasvezes e até inventam culturas estrangeiras por motivosideológicos” (Duncan, 1995: 3). Ela continua:A questão sobre o que os museus ocidentais fazem a outrasculturas, incluindo as culturas minoritárias dentro das suaspróprias sociedades, tornou-se especialmente urgente agora que asnações pós-coloniais tentam definir e redifinir a sua identidadecultural e as culturas minoritárias no ocidente buscamreconhecimento cultural (Duncan, 1995: 3). Neste trabalho escolhipintar todo o meu corpo de verde com pontos circulares em preto ebranco para criar um ritual de dança. Mais uma vez, este processoé uma forma de resistência pessoal que realça as raízes da minhacultura em oposição ao colonialismo. A ideia que eu tinha paraeste trabalho era normalizar os ideais da prática corporalangolana – que parece estranha no contexto do espaço do museupúblico – e controlar como a minha cultura e história sãorepresentadas no contexto do pós colonialismo e interculturalismono espaço museológico. Assim, decorei e pintei o corpo num estiloespontâneo e improvisado, embora seguindo deliberadamente aestética da prática corporal dos Chokwe como uma direção eestratégia de performance.

33

Chikukwango Cuxima-Zwa e Albert, Londres, fotode Savinien-Zuri Thomas, 2005.

O resultado foi a combinação de ritual, dança, movimento corporale gestos ao ritmo de tambores. Além disso, a estética do corpoteve um papel importante no meu contato simbólico com a tradiçãoangolana, como forma de criar e incorporar conhecimento. Nesse

34

contexto, a forma como apresentei o meu corpo representava amudança no lugar atual onde existo, e expressava a flexibilidadeda minha ideia de auto identidade, enquanto ser transiente noespaço museológico, um lugar “…rico em estímulos paraexperiências estéticas …” de história e modernidade (Farthing,2012: 101). A performance foi estruturada para colaborar comAlbert um Ganense, artista de performance que utiliza a naturezaacrobática da dança como prática de exploração do espaço, de umaforma visual e interativa com a audiência. Fizalgumas colaborações interessantes e performances improvisadascom Albert, que é um artista e bailarino profissional e já bemestabelecido na Inglaterra, e que trabalha internacionalmente. Oespaço foi construído em circulo; uma forma cheia de simbolismoritual. Isso foi demonstrado por meio de construções metafísicasde gestos simbólicos de venerações que idealizam a práticaespiritual e ritual angolana. O espaço foi organizado de formacircular para criar um ritual acessível, que criasse umaatmosfera excitante encorajando a audiência a se movimentarnaquele espaço, e a experimentar e apreciar o cenário “visuale sinestéticamente” (Kirshenblatt-Gimblett, 1998: 59). Ao públicoera dada permissão para sentar e ficar parado nas escadas deentrada do museu, para melhor visibilidade. A entrada do museupermitia aos visitantes ver os elementos da perfomance à medidaque chegavam ou passavam a caminho de outras áreas. Concedia umbreve engajamento numa experiência que propunha e potencialmentepermitia a cada indivíduo, explorar reflexões contemporâneas deprática corporal em relação a questões de identidade, memória,trauma e deslocamento, no contexto limitado do museu. Da minhaperspectiva, o objetivo principal deste trabalho era expressarnarrativas pessoais e coletivas em relação à experiência dadiáspora e da história cultural de Angola, mas se a audiência fezessa leitura do meu trabalho, é impossível dizer. Anthony Jacksone Jenny Kidd descreveram a experiência dos visitantes a espaçosmuseológicos:

Visitantes a museus e lugares patrimoniais tornaram-se, nosúltimos anos (até mesmo em retórica promocional), menosfocados no objeto e mais na experiência: um ‘encontro’ com umpassado ‘ressuscitado’, pontuado de ‘eventos’ e publicitado

35

através de uma lista de programas ou acontecimentos. O aumento douso de performance é visto como um exemplo desta tendência,levantando criticas de ‘Disneyficação’ e ‘edutrenimento’ (Jacksonand Kidd, 2012: 1).Neste contexto, pintado e explorando a teatralidade tradicionalcomo ritual, eu exibia meu próprio corpo num espaço aberto.Nessas circunstâncias, compreendi a importância da ocasião e dacelebração, e o trabalho aproveitou a situação, à medida que aperformance cativava audiência e visitantes numa negociaçãodaquele espaço moderno e contemporâneo de atividades múltiplas evalores sociais (Smith, 2012: 69). Representou uma transgressãodos limites pessoais e culturais criados pela estrutura do museu,e da função e construção do evento com as suas dimensõespolíticas, que determinam o que é arte ou não, na ordemhierárquica da “instituição especializada” (Hudson, 1991: 463).Duncan realça que a prática ritual no contexto da estrutura domuseu é considerada uma arte menor (Duncan, 1995: 5). Ao fazerperformance num museu, tive intenção de questionar essas ideias erejeitar essas definições construídas e dicotomias, queposicionam os rituais como uma prática do ‘outro’, desconhecida etema de estudos e distinções antropológicas e etnográficas(Duncan, 1995: 5). Além disso, neste trabalho, o meu corpo atuoucom agência para criar imagens plurais que considero memoráveis,desejáveis, cruas, extrovertidas e controversas, enquantoreconstruia a minha identidade e contribuía para uma discussãosobre a comunidade diaspórica no contexto de um museu e suasfestividades; esta perspectiva faz da performance uma reinvençãosimbólica de identidade. O trabalho, no que me diz respeito,serviu de tradutor liberal e complexo de culturas. Fez a ponteentre as práticas e diferenças continentais das tradiçõesculturais africanas, da diáspora e de suas construções narrativassimbólicas de identidade, e do Festival do Museu Britânicodedicado à diversidade cultural e multiculturalismo. Sobrediferenças culturais e espaços intermediários, Homi Bhabha disseo seguinte:…Consequentemente, introduzimos nas polarizações de liberais eliberacionistas, a noção de que a tradução de culturas, sejaassimilativa ou agonística, é um ato complexo que gera afetos eidentificações no limite, ‘tipos peculiares de simpatia ou de

36

choque cultural’ (1996: 54). A peculiaridade da presença parcial,metonímica mesmo, assenta na articulação daquelas divisõessociais e desenvolvimentos desiguais que perturbam o autoreconhecimento da cultura da nação, com seus proclamadoshorizontes territoriais e tradições. O discurso das minorias,defendido e atacado nas guerras multiculturais, propõe um sujeitosocial constituído através da hibridização cultural, da autodeterminação de diferenças entre comunidades ou grupos, daarticulação de semelhanças desconcertantes ou divergências banais(Bhabha, 1996: 54). A razão por trás de conduzir a performancedesta forma era contar a história de uma minoria e de um povosilenciado, negligenciado pela história e pelo discurso daperformance contemporânea na Grã-Bretanha. Além disso, consideroque, mesmo num contexto de museu, a performance era ‘autentica’uma vez que derivava das minhas raízes (Graft, 2002: 32). Nesseaspecto, este trabalho representava as tradições culturais ecostumes do ‘outro’, através da minha corporeidade efisicalidade. Nessa situação, enquanto representava senti que omuseu aceitava e reconhecia a minha performance. Da mesma forma, talvez isto tenha dado ao trabalho e ao encontroa perspectiva de um manifesto e atividade não ficcionais; istoteve que ver com a forma como o meu corpo foi pintado e aestética profunda que criou, uma performance imaginativa, um atode criação e identificação, que me conectou com a audiência numengajamento teatral de revelação espiritual através de uma forteexpressão ritual como expôs Duncan (Duncan, 1995: 16). Do meuponto de vista, o espaço museológico com a sua coleção de arte,artefatos e objetos, possui um ponto de acesso aos gêniosartísticos do passado. Por essa razaão, simbolicamente para mim,os espiritos naquele ambiente se manifestaram enquanto espiritosimortais do passado com quem me entrosei durante a performance. Opassado simbólico regressa através dos meus atos, como se fosseuma espécie de reciclagem espiritual. Isto foi possível pelojeito como eu estava pintado, as práticas tradicionais que euexplorava e o espaço e ambiente do museu. Em outras palavras,este trabalho permitiu à audiência e aos espectadores “…revivermomentos do passado espiritualmente significantes (Duncan, 1995:17). No entanto, ao mesmo tempo, o trabalho apontava

37

deliberadamente o simbolismo do pós colonialismo e interculturalismo, enquanto membros da audiência e visitantes sereuniam e eram induzidos a se concentrar no meu corpo e nas minhaatividades rituais. A própria audiência representava raças,credos, idades, nacionalidades, etnias, religiões e fésdiferentes. O trabalho saía da ‘zona de conforto’ habitual doteatro e estúdio tradicionais, que age convencionalmente comomediador de uma transformação pessoal, individual e social dahistória e do presente.Neste trabalho, as audiências se envolveram tanto passiva quantoativamente, vendo e participando na performance como em umdiálogo; eles eram cocriadores na exploração do espaço. Mas issonão significa que eu não tenha visto alguns membros da audiênciamostrar interesse mas não se envolvendo tanto quanto os outros;reagindo ao encontro como se o meu corpo fosse mais um artefatoem exposição no museu para ser olhado de passagem ou à distância.

No final da performance aumentei a minha interação com o públicoporque precisava me movimentar naquele espaço, e parte daaudiência parecia intrigada e interessada em me ver de perto.Para minha surpresa, algumas pessoas me viam como um artefatoanimado de museu. E porque algumas pessoas na audiência metratavam como se eu fizesse parte da coleção do museu, partiam doprincipio que eu não falava inglês. Tinham curiosidade em tocarno meu corpo pintado exibido em público, e nesse processo percebique para eles, tocar no meu corpo era como tocar as esculturas demadeira dentro de vitrines em exposição no museu. Nesse sentido,o meu corpo pintado em exposição pública se assemelhava às mesmasesculturas de madeira fora do expositor; alguns na audiência nemacreditavam que eu pudesse ser real, e a única forma de metransformarem numa experiência verdadeira era tocando no meucorpo.

Um aspecto importante a realçar neste trabalho é a respostabastante positiva da audiência negra durante a interação com apintura no meu corpo. Contrariamente à performance Green-man nasruas de Brixton, esta performance foi mais celebrada e bem vindao que podia ser (como afirmei no inicio do texto – parte I devido

38

ao fato de que o espaço do museu legitima e autorizapublicamente, as ideias criativas – de um artista ou performer –sobre narração cultural e história. Neste caso, por causa dostatus do museu enquanto espaço que reconhece velhas, e nestecaso, novas formas de expressões culturais e de formação deidentidade, a comunicação corporal foi facilitada para umaaudiência afro britânica, que queria fotografar-se comigo seminterferências negativas criadas por uma história quecaracterizava as práticas ‘primitivas’ como uma tradição obscura.Isso demonstra que neste caso, o museu teve um papel importante,não apenas como um espaço de prática, mas enquanto ferramenta deenvolvimento cultural, interpretação e “edutretenimento” (Jacksone Kidd, 2012: 4), para quem queria informação sobre arte viva ecultura a partir de uma perspectiva africana (ver Asante). Emtermos do encontro, a escultura de madeira como objeto talvezpossa ser olhada como uma conexão física entre espectadores e osseus próprios ancestrais africanos (ver Browder). Tocar o objetotornou-se um momento vivido em que podiam se conectar com opassado e sua própria história (ver Diop). Neste caso, o objetotornou-se o centro de sua experiência e envolvimento pelo valorque o museu lhe dava, como um ato de “…autenticidade, origens,estética e representação (Shaughnessy, 2012: 135). Por outrolado, eu estava ciente do fato de que o significado do objeto foialterado e lido de várias formas naquele contexto de museu.Citando D. C. Stam, Paul Johnson explicou o seguinte:

O significado dos objetos numa performance é alterado pela suapresença em palco, sejam esses objetos acessórios de um dramaficcional, ou usados de outra forma em outros tipos deperformance (Johnson, 2012: 54). Ao mesmo tempo, foi interessanteobservar os visitantes turistas, enquanto audiência internacionalinteragindo com o objeto. Vi o impacto que o objeto teve nessepúblico, e creio que foram criados duplos significados dediferença e desconhecimento, novos, originais e incomuns. Assim,enquanto movia o meu corpo, e as tradições associadas com ele,fui olhado como algo exótico, algo aparente através dateatralidade da interação e a pose para fotografia.

39

Chikukwango Cuxima-Zwa e Albert, Londres, foto deSavinien-Zuri Thomas, 2005.

O encontro mostrou como o meu corpo e a tradição cultural sãoconsumidos visual e fisicamente pelos turistas (ver Gómez-Pena),questionando simultaneamente a originalidade da performance e doritual; porque deu provavelmente a ideia de ser uma “práticaceremonial”, feita para uma audiência de turistas e desligada doseu contexto inicial (Alivizatou, 2012: 86). Visualmente, e noque diz respeito às fotos turísticas de mim, o ‘outro’‘primitivo’, elas tornaram-se um fator significativo queteatralizou a experiência como algo a lembrar, consumir e levarpara casa. Enquanto símbolo de propriedade de um momentoprazeroso comigo, um amigável desconhecido ‘outro’, tornado‘seguro e acessível’ pelo contexto do museu público. De acordocom Papastergiadis, esse ato dos turistas representou a“homogeneização” da minha cultura exposta pelo enquadramento emum contexto global (Papastergiadis, 2000: 111).

40

Chikukwango Cuxima-Zwa, Birmingham, UK,foto de Sarah Holt, 2006.

____

Audiência Pinta Chikukuango, Galeria “Anômina”, Leamington Spa,Birmingham (2006)Para mim, a ideia principal neste trabalho era ficar parado nocentro da galeria, interagindo com os membros da audiência epedindo que pintassem o meu corpo como quisessem, uma forma departicipação no processo de fazer arte. Além disso, fazia partedo conceito deste trabalho performar dança africana e por essarazão eu estava acompanhado de Naomi, uma dançarina do Congo.Naomi é uma especialista na vibrante dança Soukous dance e poressa razão pensei que era uma boa oportunidade fazermos juntosesta performance. A ideia era incorporar a audiência no seuestilo de dança, ao trazê-la para o centro do espaço, enquantocriava movimentos corporais íntimos.

De certa forma, o seu estilo de dança era um verdadeiroespetáculo, e convidativo a uma audiência. Normalmente, quandofaço performance sozinho, o meu estilo de dança expressa o meupróprio vocabulário improvisado, o qual se baseia na dançaafricana. Mas com Naomi, eu tinha intenção de enfatizar osmovimentos do corpo e as técnicas particulares que combinam aenergia criativa da dança de Angola e do Congo. Devido à natureza

41

da colaboração e à forma como emergiu, não soube o nome completode Naomi; o que está relacionado com a circunstância daquelemomento quando nosso objetivo era fazer uma performance juntos.

Nesse sentido, permiti que a audiência praticasse uma performanceativa e criativa, utilizando o meu corpo como agente para aexploração de ideias relacionadas com tradições culturais eidentidade. Nessa ocasião, o meu corpo era uma tela onde se podiainscrever ideias e sinais de valores culturais e apropriações. Damesma forma, queria que a audiência expressasse as suas noçõesimaginárias de ‘tribalismo’ e ‘primitivismo’. Além disso, escolhiesta peça, porque pela primeira vez enquanto artista deperformance, tive oportunidade de observar as ideias,sentimentos, emoções e movimentos de uma audiência que pintava omeu corpo. Esta abordagem de artista e observador é o que Gómez-Pena chama de “antropologia revertida” (Gómez-Pena, 2005: 25).Esta performance resultou da colaboração com uma artista,fotógrafa e curadora inglesa, Sarah Holt, com quem estudeidurante a minha graduação na Universidade de Middlesex, noprograma de Belas Artes (2001). Depois do curso, Holt viveu naNova Zelândia e na Samoa Ocidental com comunidades aborígenes,que a inspiraram a pensar sobre os efeitos da globalização nacultura.

42

Chikukwango Cuxima-Zwa, Birmingham, UK, foto de Sarah Holt, 2006.

No inicio da performance quando me posicionei no centro dagaleria, a primeira pessoa a pintar o meu corpo foi Holt. Noentanto, havia dois tipos de recipientes para colocar as tintas,algo que não reparei inicialmente. Um era de vidro e o outro demadeira. Holt escolheu o recipiente de vidro para a cor branca eo de madeira para a cor preta, e isso não foi escolha minha, ouseja não tive controle sobre essa parte da performance, e partodo principio que foi uma escolha deliberada de Holt.

Depois da performance enquanto via o vídeo, percebi que Holtparecia conectar-se inconscientemente com as culturas‘primitivas’ e tribais num sentido real. Estou sugerindo que osseus recipientes com tinta preta e branca representavam o sentidode superioridade e o colonialismo da cultura ocidental, com atinta branca no recipiente de vidro significando o modernismo e atinta preta no recipiente de madeira significando as sociedades eculturas entendidas como não civilizadas e selvagens (Mirza,2000: 298). Tais ações ao nível inconsciente como as de Holt são

43

desconstruídas por Homi Bhabha que explora o mito do poderocidental e conhecimento, que restringe e destituí os povoscolonizados num sistema de autoridade e “desrepresentação”(Bhabha, 1996: 88). A diferença racial revelou seus própriossignos e desígnios de autoridade colonial. Bhabha escreveu:

É aí, na margem colonial, que a cultura do ocidente revela a suadiferença, seu texto-limite, enquanto a sua prática de autoridadeexibe uma ambivalência que é uma das mais significativasestratégias discursivas e psíquicas de poder discriminatório –sejam racistas ou sexistas, periféricas ou metropolitanas(Bhabha, 1996: 87). Metaforicamente, os recipientes e as cores dapintura estavam associados com a identidade e as tradições dahegemonia cultural, entendida como superior, do ocidente, einerente ao colonialismo; a hierarquia da cor manifestou-se noevento social (Pieterse, 1992: 88-9). Holt escolheu a cor brancae o maior pincel que tinha comigo.  De novo, a sua açãoenfatizava o domínio ocidental sobre o Outro, ao selecionar omaior pincel para a cor branca; o que pode ter vindo, talvez, deseu subconsciente. A sua ideia era pintar o meu corpo todo debranco e depois de negro por cima, para transformar o meu corponuma tela sobre a qual a audiência projetaria a sua imaginaçãosobre o ‘outro’.A projeção do imaginário da audiência sobre o meu corpo estárelacionada com a representação, diferença e poder ocidentaissobre as culturas não-Ocidentais e as identidades, descritas pelosociologista britânico Stuart Hall (Hall, 1997: 259). Éimportante mencionar que, para a audiência, a história dos povosnão ocidentais afetou a sua imaginação no momento que precedeu apintura do meu corpo. Assim, novamente, a história da dominaçãocolonial, da luta econômica e pós colonial, das migraçõespolíticas e sociais tiveram influência na imaginação com que aaudiência pintou o meu corpo de ‘outro’ (Fanon, 1996: 677).Enquanto Holt me pintava, eu estava cercado pelos membros daaudiência. O público caminhava, bebia vinho branco e tinto. O quequero dizer é que a cena parecia se relacionar com a experiênciacolonial, onde eu, o sujeito tribal pintado se torna o serventefeliz dos elementos da cultura dominante (Bhabha, 1994: 20). Os

44

copos de vinhos representam a modernidade, o avanço tecnológico,a evolução cultural. A galeria com a audiência olhando o meucorpo pintado de preto e branco, virou um momento de ação queapagava as culturas tribais e ‘primitivas’ a favor do modernismoocidental.

Chikukwango Cuxima-Zwa, Birmingham, UK, foto de Sarah Holt,2006.

A estética que criei usando um pano em torno dos quadris atraiu aatenção de algumas mulheres na audiência que ficavam olhando omeu corpo meio despido. Uma das mulheres na audiência pintou asminhas pernas, dedos dos pés, incluindo as unhas, com muita

45

delicadeza, o que para mim foi um sinal de transição de gênero;ela queria transformar o meu corpo em mulher, utilizando adereçosfemininos. Desenhou também pontos no meu pescoço, acabando porpintar a minha face e lábios, um sinal de transformação de gêneromasculino/feminino e uma modificação da minha identidade(Tseelon, 2001: 153). Reparei que o meu corpo se tinhatransformado em objeto imbuído de sexo, gênero e criatividade. Aopermitir que a audiência expressasse suas ideias em proximidade amim enquanto objeto de arte, o meu corpo se tornou vulnerável.Como Yoko Ono em seu trabalho Cut Piece (1964), quando ela,passivamente, convidou a audiência a se aproximar e cortar empedaços a roupa que vestia.A audiência desconstruiu a suposta relação neutra sujeito/objetoentre o observador e o objeto de arte (Goldberg, 1998: 101).Visto assim, Ono submeteu-se a um ato potencialmente agressivo,ao expor o seu corpo de forma passiva. A audiência ao cortar seucorpo realçava a reciprocidade de forma que eles, a audiência, eOno, o sujeito, se tornavam um para o outro em objeto (i.e. ocorpo, roupa, tesoura e mãos). Cut Piece demonstrou aspossibilidades de criar uma performance interativa com aparticipação da audiência e com o potencial de abrir um debatesobre a relação entre o artista de performance e seu público, aomesmo tempo que encontra novas posições de expressão do corpocontemporâneo e da identidade, num espaço cultural etranscultural; um complexo local de múltiplas identidades etrajetórias.A ideia deste trabalho foi interagir com a audiência, convidandoa que pintassem o meu corpo com as cores preto e branco, logo quechegassem no espaço da galeria. Neste trabalho não fizreferências claras a cor, raça ou racismo enquanto categoriasocial na Grã-Bretanha. Mas, entre a audiência, um artista epoeta inglês interpretou erroneamente o conceito do meu trabalhoao escrever um poema com tons raciais no meu peito. Dizia o seupoema:

Corte-me…Verá vermelho, igual para todos, seja qual for a raça.

46

Cor ou credo!

Ficou claro que ele pensava que por eu ser um artista negro, otrabalho falava de cor, raça ou racismo. Era óbvio e visível queele não compreendeu o conceito do meu trabalho; ele estereotipoue discriminou o meu corpo, ao assumir a minha pele como aidentidade natural dos discursos culturais, políticos ehistóricos associados com as relações raciais. Bhabha consideraque o entendimento de ‘pele’ e ‘raça’ em público estárelacionando com esses discursos, afirmando:

A pele, enquanto um significante de diferenças culturais eraciais no estereotipo, é o mais visível dos fetiches, aceitecomo ‘conhecimento comum’ nos vários discursos culturais,políticos e históricos, e tem um papel público no drama racialadotado cotidianamente pelas sociedades coloniais (Bhabha, 1994:78). Assim, ele fez uma conexão errada entre a minha ‘pele’,‘raça’ e trabalho em público. Acredito que o que ele pensou sejaum bom exemplo do julgamento ‘estereotipado’ que se faz sobre aarte e os artistas não ocidentais (Basquiat e Fani-Kayode). A suainterpretação do trabalho, pela forma como escreveu o poemaexpressava uma perspectiva ambivalente. De acordo com Bhabha,falando sobre estereótipos:Reconhecer o estereotipo como uma forma ambivalente deconhecimento e poder, exige uma resposta teórica e política quedesafia modos deterministas ou funcionalistas de conceber arelação entre discurso e política, e questiona posiçõesdogmáticas e moralistas sobre o significado da opressão e dadiscriminação (Bhabha, 1996: 88). Ele foi ao extremo em suainterpretação do trabalho; eu queria que a audiência pintasse meucorpo com a minha permissão mas não ao ponto de tirar vantagem daminha posição vulnerável, ou fazer uma ligação entre cor, raça oucrenças diferentes, se cruzando num mesmo espaço. Nessa situação,enquanto artista negro, não foi minha intenção ser um agente de‘representação racial” falando pela comunidade negra durante umaperformance de galeria (Mercer, 1994: 239). Nas minhasperformances, as ideias sobre cor de pele, ou raça, não são a

47

minha preocupação principal; o meu trabalho lida especificamentecom questões de identidade, hibridade, interculturalismo andreconexão às tradições angolanas e práticas ancestrais de pinturacorporal, ritual e dança. Era esse o meu objetivo neste trabalho,onde eu quis que a audiência participasse contribuindo com ideiasimaginárias que ligam práticas antigas do corpo e seusmovimentos.O importante trabalho Rhythm 0 (1974) de Marina Abramovic,ilustra a exploração que a artista fez da dinâmica da interaçãopassivo-agressiva com a audiência. Imóvel, ela ofereceu o seucorpo à audiência para que esta o tratasse como quisesse, usandouma variedade de objetos colocados numa mesa e no seu própriocorpo (i.e. garfo, pente, batom, garrafa de perfume, arma, bala,tinta, facas, fósforos, rosa, vela, água, pregos, correntes,azeite, emplastros, uvas, mel, tesouras e agulhas). Nessetrabalho, a audiência mal tratou o seu corpo pintando, decorando,cortando e até encostando uma arma carregada na suacabeça. Rhythm 0, levou Abramovic ao extremo de colocar emperigo o seu corpo, sujeitando-o a objetos que infligem dor(Schimmel, 1998: 101).

Chikukwango Cuxima-Zwa, Londres, fotode Sebastian Andrews, 2007.____

48

Encontro com Rosalie, Islington (2007)A Este trabalho colaborativo aconteceu em Islington na zona nortede Londres, onde eu e Rosalie Wahlfrid, uma modelo sueca,pretendíamos explorar as ruas usando nossos corpos comoferramenta de um processo criativo capturado pela câmera dofotografo australiano Sebastian Andrews. A ideia brotou de umaconversa que tivemos, quando percebemos que tínhamos interessescomuns no que tocava à percepção de nossos corpos enquantocruzávamos espaços e ruas. Para além disso, queríamos ainda nestetrabalho ‘inter-ceptivo’ expressar abertamente a dança o gesto eos movimentos que representam a nossa experiência de hibridade einterculturalismo. Na época da performance, achamos que Islingtonera um lugar interessante para criar um trabalho, devido àvibração da área, por ser um local onde os signos da globalizaçãose manifestam visivelmente através da diversidade de comércio eeventos culturais que ali acontecem.

No dia em que resolvemos executar a performance, não tínhamosensaiado, planejávamos utilizar um tipo de improvisação criativa.Levamos em consideração ser um dia bonito para uma performance;um dia cheio de sol, o que ajudou a uma interação prazerosa. Nãoter de nos preocupar com o frio era suficientemente satisfatório.É importante realçar aqui que, esta foi a nossa primeiracolaboração, e sublinhar a instrumentalidade dos nossos passadose diferenças. Queríamos enfatizar a beleza dos nossos corpos(preto e branco) de uma forma artística performativa, para criara possibilidade de uma nova linguagem dos corpos dos indivíduosdeslocalizados, na Grã-Bretanha do século XXI. Quero dizer comisto, que ambos estávamos compromissados em criar um espaçoalternativo e simbólico, ao fundir as nossas experiências apesarde sermos duas pessoas de culturas, tradições e históriasdiferentes, e enquanto forasteiros descrevendo uma estéticavisualmente intercultural e transnacional (Hassan, 1999: 232). Neste trabalho, era importante para ambos realçar as expressõesculturais que se baseavam em nossas próprias influênciasculturais e as tradições da África e Europa. Uma das ideias nestetrabalho, para mim, foi expressar a minha posição e me conectar

49

às raízes com um artista afrodescendente, residindo no ocidentena era pós colonial, e vivendo uma experiência intercultural etransnacional. Sobre o contexto dos artistas africanos expostosao modernismo ocidental, Salah Hassan indica o que é importante:

…ver como os artistas africanos têm vindo a interpretar etraduzir a estética e as experiências sociais da Áfricacontemporânea e pós colonial em novos idiomas de expressãoartística que são simultaneamente relacionados com a sua herançacultural e o modernismo ocidental. Isso criaria uma novaperspectiva crítica sobre o ‘modernismo’ enquanto conceito dahistória da arte ocidental do século 20, e sobre a estéticaintercultural em geral (Hassan, 1999: 233).

Chikukwango Cuxima-Zwa e Rosalie, Londres, foto de Sebastian Andrews,2007.____

50

De fato, neste trabalho tínhamos o objetivo de relacionar astrajetórias dos nossos passados para criar uma forma estéticadentro do discurso do modernismo ocidental e dointerculturalismo. No entanto, o que se manifestou em nossocontato físico e enquanto criávamos uma relação intima etemporária, foi uma sensação de invasão do espaço do outro, o quecriou diferença e desconforto. Como por exemplo, quando deitamosno chão ou sentamos em um bar da rua, com o cabelo delatemporariamente colocado sobre o meu, sentimos uma inquietação,um sentimento de estranheza, porque esta ação nos transportoupara “significados que atravessam códigos de diferenças raciais eculturais” (Mercer, 1999: 284).

Por outro lado, isso representava a diferença que queríamostrazer à superfície como expressão artística da herança culturalna arte moderna. Sugiro com isto que a minha reação naqueleinstante estivesse relacionada com a minha cultura e com oprocesso de adaptação a expressar publicamente uma novaexperiência na cidade (Tawadros, 2005: 130). A performance teveinicio nas escadas, frente ao Business Design Centre emIslington, que era também o lugar onde guardamos nossas roupas eobjetos. Me apresentei em tronco nu – desta vez sem pintar ocorpo – e Rosalie de vestido preto e saltos altos. Apesar deestarmos abertos a uma interação com os transeuntes, não focamosnuma interação com os seus olhares e curiosidades (Gómez-Pena,2004: 163).

Estávamos mais interessados numa relação criativa; ou seja, emcriar uma estética visual dos nossos corpos, com as nossasreferências culturais e históricas particulares.

E realmente, executamos a performance deliberadamente para queparecesse interativa mas discreta, numa rua comercialmovimentada. Começamos por explorar o nosso corpo no espaço,fazendo contato um com o outro e usando os nossos corpos paracriar formas no chão, que em imagem fotográfica realçassem asnossas diferenças de cabelo e postura. Como mencionei antes, o

51

plano de colaboração era a improvisação e a experimentação depossibilidades diferentes, explorando os nossos corpos como umanova forma de comunicação, e método de performance com “origenspuramente ritualísticas” nas tradições de Angola, que neste casosofreram alterações resultantes do “encontro com o mundoOcidental” (Byam, 1998: 231). A originalidade do meu conceitocontemporâneo expresso neste trabalho nas ruas teve implicaçõesmaiores para nós, os artistas envolvidos. Assim, Rosalie e eu nosempenhamos no processo de exploração e estávamos interessados noresultado. Mas logo que começamos a colaboração, Andrews ofotógrafo colocou as suas questões pessoais na experiência,manipulando a nossa interação através do poder da câmera. Naépoca, não prestei muita atenção a essa dimensão do que fazíamos.Isso se deveu a estar muito envolvido no processo e não repararem alguns detalhes. O fato de que ele estava em controle dacâmera e que montou algumas situações onde assumiu o papel dediretor, realçou eventualmente o seu poder em nossas interações.Para minha surpresa, o seu comportamento refletia idéias e signosde racismo e de “superioridade e supremacia branca” para usar aterminologia da psiquiatra Frances Cress Welsing (Welsing, 1991:1-2). Nesse contexto, o seu comportamento subsequentemente ditouas suas ações, demonstrando através das imagens fotográficas. Emrelação à “superioridade e supremacia branca” Welsing elucidou:…o objetivo do sistema de supremacia branca não é mais que oestabelecimento, manutenção, expansão e refinamento da dominaçãoglobal por membros de um grupo que se classifica como “raça”branca (Welsing, 1991: 3).

52

Chikukwango Cuxima-Zwa e Rosalie, Londres, foto deSebastian Andrews, 2007.____

A forma como captou o meu corpo na câmera em certas situaçõesdemonstra uma atitude prepotente de autoridade em relação a mim,revelando, no que me diz respeito, a mente de um neo-colonialista. Por exemplo, a forma como me direcionou a me deitarno chão com Rosalie em cima em posição de autoridade, sugeriapoder e domínio sobre o corpo negro, um cenário deliberadamenteconstruído para a câmera. As suas orientações, da minhaperspectiva, representaram visualmente, uma neo-colonização docorpo e do espaço. Bhabha defende que a autoridade ediscriminação não são mais visíveis em publico, porque uma novaforma de expressão e mostra de poder foram construídas:

A presença da autoridade colonialista não é mais imediatamentevisível; as suas identificações discriminatórias já não fazemreferência autoritária ao canibalismo desta cultura ou à perfídiahumana. Enquanto articulação de desalojamento e deslocação éagora possível identificar ‘o cultural’ como uma eliminação depoder, uma transparência negativa que acaba sendo agonisticamenteconstruída na fronteiraentre quadro de referência/estado deespírito (Bhabha, 1994: 114).

53

Chikukwango Cuxima-Zwa e Rosalie, Londres, foto de SebastianAndrews, 2007.____

Além disso, depois da performance foi difícil conseguir falar comele e tive de insistir para que me desse as fotos. Eventualmente,não pude fazer nada, apesar de ser o performer usando o meu corpocomo sujeito da prática dele. Para mim, a experiência levantou aquestão da propriedade intelectual e de quem são os direitos dostrabalhos de performance. Quando Andrews me mandou as imagens,percebi também que ele havia publicado algumas das fotografiasneocoloniais em seu site. De certa forma, a publicação dasimagens saiu de meu controle; mostrando a sua mentalidade emrelação à imagem do corpo negro.

Neste trabalho ganhei uma consciência maior sobre o que crio eprepare em qualquer trabalho e situação de performance. De future

54

preciso de ser claro quanto aos meus objetivos quando fizercolaborações. Também foi uma lição importante em termos de estarpreparado para dizer não a colaborações que podem entrar emconfronto com a minha imagem e os meus princípios. Nem sempreentro no processo criativo dos outros. Tenho de ser maisespecifico na escolha do que preciso fazer parte, e não apenas meengajar em colaborações onde não conheço o artista ou fotógrafo.O resultado foi me fazer pensar no que é uma colaboração, e issome ajudou a perceber que em performances futuras onde usopesquisa informada pela prática, preciso ter maior consciência arespeito das idéias criativas e dos artistas. Preciso fazer umalista antes e ter claras pelo menos algumas idéias e estruturaspara qualquer colaboração, mesmo que os objetivos não estejamdeterminados. Preciso também de criar alguns parâmetros parapoder identificar o que preciso e com quem quero trabalhar. Dessaforma poderei assegurar que estou protegendo o que valorizoenquanto artista e pesquisador.

Chikukwango Cuxima-Zwa, Londres, foto deSavinien-Zuri Thomas, 2007.__

55

Transformação, Área 10, London, ou Luz no Escuro, Galerie-Lecoq,Berlin (2007)As próximas duas performances foram atividades e processosritualísticos simbólicos, baseados em idéias e princípiossemelhantes à exploração de espaços expositores e comunitários.Uma de minhas intenções foi criar uma prática ritual e estéticado corpo, expressada pela cultura, costumes e cerimônias deVoodoo praticadas pelo povo do Haiti. Em essência, foi essatradição cultural que me influenciou para fazer estes trabalhos(Gilroy, 2000: 490). O Haiti possui uma expressão ritualística ecrença ancestral originária da África Ocidental (Benin, Nigéria,Senegal e Congo), bem como uma religião e cosmologia tradicionais(Deren, 2004: 58). Neste caso, o meu interesse particular emobservar a tradição cultural do Haiti como método intercultural etranscultural para criar performance na Inglaterra, não significaque eu perdi o meu sentido de origem e integridade, mas porque aprática cultural e religiosa do Haiti constitui um dos aspetosimportantes da continuação das religiões africanas na diáspora,vale a pena explorá-la juntamente com outras práticas religiosasafro-diaspóricas de Brasil, Cuba, Jamaica e América do Norte. Narealidade, e de acordo com Thompson, especialista em arte ehistória Africanas, o Kongo Soletrei Kongo deliberadamente com K,por ser a forma como Robert Farris Thompson escreve em Flash ofthe Spirit (1984).

(onde Angola se situa hoje) tem uma relação direta com a religiãopraticada no Haiti, Brasil, Cuba e América do Norte, o quedemonstra seu denominador comum com a minha prática e processos,algo que procuro atualmente em busca da antiguidade derivada deÁfrica.

A razão porque escolhi incluir algumas referências nestestrabalhos é por considerá-los significantes e representaçõesvisuais importantes para a minha prática; onde pela primeira vezexpressei uma prática e um caráter rituais para além da tradiçãocultural angolana dos Chokwe, e as minhas trajetórias pessoas nomundo da Diáspora (em Portugal e em Inglaterra). Quero com istodizer, que nestes trabalhos mostrei a ligação direta na forma de

56

ritual simbólico baseado na expressão cultural haitiana dereligião contemporânea e iconografia. Nesse caso é importanteafirmar que através do desenvolvimento da minha prática, atradição e cultural e a religião haitiana se tornaram umaimportante fonte de informação da Diáspora, bem como umainspiração, porque eu queria integrar as experiências do meu novoeu (self) em relação à sua prática cultural (Murphy, 1994: 14),que se manifestaram fisicamente nestes trabalhos enquantoresultado da minha visão criativa.

Chikukwango Cuxima-Zwa, Londres, foto de Savinien-Zuri Thomas,2007.

No entanto, nestes trabalhos, um dos meus objetivos foi traduzirpara o trabalho performático, a minha interpretação do ritualhaitiano, apresentada através do extenso trabalho de Maya Derenem Divine Horsemen: The Living Gods of Haiti (“CavaleirosDivinos: os Deuses Vivos do Haiti”, 2004) um livro e DVD com omesmo nome. É importante enfatizar que eu me inspirei na pesquisa

57

que fiz sobre seus trabalhos devido à exatidão e analise que elafaz dos rituais e cerimônias do Haiti. Nesta performance foiimportante ter um lugar escuro, para que eu pudesse transformá-loe manifestar simbolicamente o poder dos espíritos e deusesancestrais do Haiti em ligação expressada e mediada pelas ações,movimentos e gestos efêmeros do meu corpo inventando um ritual(Owusu).

O espaço da performance foi configurado e arrumadodeliberadamente para que a audiência formasse um circulo paracriar uma abordagem e atmosfera ritualísticas, com a visibilidadedo espaço e com o meu corpo colocado ao centro. Decidi essadisposição do espaço conscientemente. Eu era o foco da atenção ecom este cenário queria que as possibilidades ocorressem atravésdo meu corpo, um suporte de construção de um ritual de curapessoal e uma ligação ao espaço escuro. Nestes trabalhos pintei ocorpo de branco, preto, azul e vermelho; e usei os seguintesadereços: um cesto ‘divino’, pó branco e água para criar umritual simbólico que sugerisse uma adoração sagrada e surreal eque fosse um ponto de acesso entre os mundos físico e metafísicotal como é expresso pela religião cerimonial do Haiti (Thompson,1984: 179-80). Além disso, estes trabalhos foram construídos paraserem atos de oferta e veneração. Ajoelhei e toquei com os lábiosno chão, um gesto de expressão da minha devoção aos ancestraisangolanos e o poder espiritual dos deuses do Haiti. Uma vela foiusada como ponto de contato e inter fusão metafísicos; ao mesmotempo o corpo serviu para naturalizar e estabelecer laços eunidade entre os mundos físico e espiritual. Os meus adereçosforam colocados no centro e a minha exploração do ritual daencruzilhada foram aspectos visíveis representando a cultura ereligião do Haiti. O mais relevante é que o uso da encruzilhadafoi fundamental porque simbolicamente ela indica a comunhão ecomunicação entre os dois mundos. Estes trabalhos foramexecutados da forma como os haitianos expressam a tradiçãocultural das cerimônias de voodoo. Quer isto dizer, que as minhasações fazem referência simbólica à ligação que une a vida, atransfiguração, os deuses haitianos e o mundo cósmico.

58

Chikukwango Cuxima-Zwa, Londres, fotode Savinien-Zuri Thomas, 2007.

59

Ritual das Encruzilhadas, Sydenham Hill Park, Região Sul deLondres (2007)Este trabalho resultou do meu interesse em continuar explorandoas tradições haitianas de ritual e cerimônias de Voodoo nocontexto de um parque ou floresta em ambiente rural. De certaforma, foi uma rejeição da performance em espaço de galeria o queme permitiu fazer um contato mais direto com a natureza num lugarobscuro. Senti que isso daria mais autenticidade ao trabalhoritual como ele é normalmente executado em relação à terra e aomeio ambiente. O trabalho foi produzido em colaboração com ofotógrafo britanico Savinien-Zuri Thomas e preparado no meio deum parque florestal onde me encontrei cercado por árvores,grama e folhas, de forma a capturar simbolicamente as raízesangolanas e haitianas das culturas e sociedades ditas‘primitivas’. Além disso, a ideia de usar este espaço ambientalera criar um repertório de simbolos e uma conexão que parecesse edescrevesse essas tradições e práticas ‘primitivas’.

O trabalho partiu de uma visita deliberada que fizemos ao museuetnográfico Hornimen na região sul de Londres, onde objetosnaturais, coleções e práticas de África e Oceano Pacifico sãopreservadas e exibidas em exposição permanente. As fotografiasdos artefatos, que tiramos no museu foram usadas como ponto dereferência para a pintura corporal. Durante a nossa visita aomuseu, procurámos inspiração e a minha idéia em particular eratraduzir o que vi – em termos de objetos etnográficos estáticos –num trabalho de performance que comunicasse e narrasse a tradiçãoe história de Angola e Haiti.

Apesar de este trabalho ter sido realizado em conexão com avisita ao museu, nosso principal objetivo era criar umaencruzilhada em ambiente rural e em harmonia com a natureza. Aencruzilhada foi uma construção simbólica representando vida emorte ligadas ao cosmos. É uma representação da terra econsequentemente“… dos pontos cardeais no plano horizontal”(Deren, 2004: 35). O cesto divino foi colocado no centro daencruzilhada. Usei pó branco como ponto de acesso para criar aencruzilhada, desenhando simbolos no chão e no ar, de forma a

60

criar “… a junção do horizontal com o vertical, onde acomunicação entre mundos se estabelece e o tráfico de energias eforças entre eles circula” (Deren 2004: 36). Água, o líquidodivino, foi jorrada com a intenção de oferta e libação, assimcomo de chamado ao espirito dos ancestrais angolanos.Nesse sentido, as árvores e folhas em particular são ótimasestradas naturais para o tráfico e comunicação espirituais, quepossuem propriedades e curas divinas. Por essa razão, fiz umcírculo de pó branco simbólico à volta da árvore e ofereci alibação de água, indicando a comunicação e trânsito entre mundos.

No entanto, a forma como o trabalho foi conduzido no meio doparque florestal, nos deixou escondidos da possibilidade de umaaudiência. O trabalho focou numa exploração de ritual, e aexperiência foi capturada pela câmera, sem atrair audiência.

Referências Alivizatou, Marilena Intangible Heritage and the Performance ofIdentity, In: Jackson, Anthony and Kidd, Jenny (2012) PerformingHeritage: Research, Practice and Innovation in Museum Theatre andLive Interpretation, Manchester: Manchester University press, 82-93Anderson, Benedict (2006) Imagined Communities, London: VersoAni, Marimba (2007) Yurugu: An Afrikan-Centered Critique ofEuropean Cultural Thought and Behavior, Washington, DC: Nkonimfopress

61

Appiah, Anthony, Kwame (1992) In my Father’s House: Africa in thePhilosophy of Culture, London: MethuenAsante, Kete Molefi, The Principal Issues in Afrocentric Inquiry,In: Molefi Kete Asante and Abu S. Abarry, eds., (1996) AfricanIntellectual Heritage: A Book of Sources, Philadelphia: TempleUniversity press, 256-261—- Afrocentricity and the Decline of Western Hegemonic Thought: ACritique of Eurocentric Theory and Practice, In: Mark Christian,ed., (2002)Black Identity in the 20th Century: Expressions of theUS and UK African Diaspora, London: Hansib Publications, 101-18—- And Mazama, Ama, eds., (2009) Encyclopedia of AfricanReligion, London: Sage PublicationsBhabha, Homi (1994) The Location of Culture, London: Routledge—- Remembering Fanon: Self, Psyche and the Colonial Condition,In: Patrick Williams and Laura Chrisman, eds., (1994) ColonialDiscourse and Post-Colonial Theory, London: Harvester Wheatsheaf,112-23—- Culture’s In-Between, In: Stuart Hall and Paul du Gay, eds.,(1996) Questions of Cultural Identity, London: Sage, 53-60—- Of Mimicry and Man, In: Henry Bial ed., (2004) The PerformanceStudies Reader, London: Routledge, 279-86Boon, A. James, Why Museums Make Me Sad, In: Ivan Karp and StevenD. Lavine, eds., (1991) Exhibiting Cultures: The Poetics andPolitics of Museum Display, Washington D.C: SmithsonianInstitution press, 255-77Braziel, Janas, Anita Mannur (2003) Theorizing Diaspora, Oxford:Blackwell pressBrowder, Anthony (1992) Nile Valley Contributions toCivilization: Exploring the Myths, Vol: 1, Washington D.C: TheInstitute of Karmic Guidance,Butler, Judith (1990) Gender Trouble: Feminism and the Subversionof Identity, London: RoutledgeByam, Dale, Communal Space and Performance in Africa, In: JanCohen-Cruz, ed., (1998) Radical Street Performance: AnInternational Anthology, London: Routledge, 230-37Campt, Tina, Diaspora Space, Ethnographic Space, In: KamariMaxine Clarke and Deborah A. Thomas, eds., (2006) Globalizationand Race, Durham: Duke University press, 93-111

62

Caws, Peter, Identity: Cultural, Transcultural, andMulticultural, In: David Theo Goldberg, ed.,(1994) Multiculturalism: A Critical Reader, Oxford: Blackwell,371-87Chin, Daryl, Interculturalism, Postmodernism, Pluralism, In:Bonnie Marranca and Gautam Dasgupta, eds.,(1991) Interculturalism & Performance, New York: PAJPublications, 83-95Christian, Mark, Reflections of the 1997 European Year AgainstRacism: A Black British Perspective, In: Mark Christian, ed.,(2002) Black Identity in the 20th Century: Expressions of the USand UK African Diaspora, London: Hansib Publications, 59-77Cohen-Cruz, Jan, General Introduction In: Jan Cohen-Cruz, ed.,(1998) Radical Street Performance: An International Anthology,London: Routledge, 1-7Coombes, E. Annie (1994) Reinventing Africa: Museums, MaterialCulture and Popular Imagination in Late Victorian and EdwardianEngland, New Haven: Yale University pressDarwin, Charles (1998) Darwin: The Origins of Species,Hertfordshire, Wordsworth EditionsDeren, Maya (2004) Divine Horsemen: The Living Gods of Haiti, NewYork: McPherson & CompanyDiop, Cheikh (1974) The African Origin of Civilization: Myth orReality (trans. Mercer Cook), Chicago: Lawrence Hill Books—- (1991) Civilization or Barbarism: An AuthenticAnthropology (trans. Yaa-Lengi Meema Ngemi) Chicago: LawrenceHill BooksDoy, Gen (2000) Black Visual Culture: Modernity andPostmodernity, London: I.B. Tauris publishersDuncan, Carol (1995) Civilizing Rituals: Inside Public ArtMuseums, London: RoutledgeEcheruo, Michael, An African Diaspora: The Ontological Project,In: Isidore Okpewho, Carole Boyce Davies and Ali Mazrui, eds.,(1999) African Diaspora: African Origins and the New WorldIdentity, Indianapolis: Indiana University press, 3-18Enwezor, Okwui, Between Worlds: Postmodernism and African Artistsin the Western Metropolis, In: Olu Oguibe and Okwui Enwezor,eds., (1999)Reading the Contemporary: African Art from Theory to

63

the Marketplace, London: Institute of International Visual Arts(Iniva), 244-75Fani-Kayode, Rotimi, Traces of Ecstasy, In: Sealy, Mark andPivin, Loup Jean, eds., (1996) Rotimi Fani-Kayode and Alex HirstPhotographs, Paris: Editions Revue Noire, 5-10Farthing, Anna, Authenticity and Metaphor: Displaying IntangibleHuman Remains in Museum Theatre, In: Anthony Jackson and JennyKidd, eds., (2012) Performing Heritage: Research, Practice andInnovation in Museum Theatre and Live Interpretation, Manchester:Manchester University press, 94-106Fisher, Jean, Diaspora, Trauma and the Poetics of Remembrance,In: Kobena Mercer, ed., (2008) Exile, Diasporas & Strangers,London: Institute of International Visual Arts (Iniva), 190-212Frantz, Fanon, Colonial War and Mental Disorders, In: Molefi KeteAsante and Abu S. Abarry, eds., (1996) African IntellectualHeritage, Philadelphia: Temple University press, 677-88Gates, Henry Louis, Jr. (1988) The Signifying Monkey: A Theory ofAfrican-American Literary Criticism, Oxford: Oxford UniversitypressGilroy, Paul (1993) The Black Atlantic: Modernity and DoubleConsciousness, Massachusetts: Harvard University press—- British Cultural Studies and the Pitfalls of Identity, In:Houston A. Baker, Jr., Manthia Diawara and Ruth H. Lindeborg,eds., (1996) Black British Cultural Studies ‘A Reader’, Chicago:The University of Chicago press, 223-39—- The Dialectics of Diaspora Identification, In: Les Back andJohn Solomos, eds., (2000) Theories of Race and Racism: A Reader,London, Routledge, 490-502Goldberg, RoseLee (1998) Performance: Live Art since the 60’s,London: Thames & Hudson—- (1999) Performance Art: From Futurism to the Present, London:Thames & HudsonGómez-Pena, La Pocha Nostra and Collaborators, Ex-Centris, In:Adrian Heathfield ed., (2004) Live Art and Performance, London:Tate Publishing, 160-65—- (2005) Ethno-Techno: Writings on Performance, Activism, andPedagogy, London: Routledge

64

Graft, De Joseph, Roots in African Drama and Theatre, In: In:Paul Harrison, Victor Leo Walker II and Gus Edwards, eds.,(2002) Black Theatre: Ritual, Performance in the AfricanDiaspora, Philadelphia: Temple University press, 18-38Hall, Stuart, New Ethnicities, In: Houston A. Baker, Jr., ManthiaDiawara and Ruth H. Lindeborg eds., (1996) Black British CulturalStudies ‘A Reader’, Chicago: University of Chicago press, 163-72—- The Spectacle of the ‘Other’, In: Stuart Hall, ed.,(1997) Representation: Cultural Representations and SignifyingPractices, London: Sage press, 223-79—- and Mark Sealy (2001) Different: A Historical Context, London:Phaidon—- Cultural Identity and Diaspora, In: Jana Evans Braziel andAnita Mannur eds., (2003) Theorizing Diaspora, Oxford: Blackwellpublishing, 233-46—- Assembling the 1980s: The Deluge – and after, In: David A.Bailey, Ian Baucom and Sonia Boyce, eds., (2005) Shades of Black:Assembling Black Arts in 1980s Britain, Durham: Duke Universitypress, 1-20Harrison, Paul, Walker, Victor and Edwards, Gus, eds.,(2002) Black Theatre: Ritual, Performance in the AfricanDiaspora, Philadelphia: Temple University pressHassan, Salah, The Modernist Experience in African Art: VisualExpressions of the Self and Cross-Cultural Aesthetic, In: OluOguibe and Okwui Enwezor, eds., (1999) Reading the Cotemporary:African Art from Theory to the Marketplace, London: Institute ofInternational Visual Arts, 215-35Heathfield, Adrian, Alive, In: Adrian Heathfield, ed.,(2004) Live: Art and Performance, London: Tate Publishing, 6-13Hebdige, Dick, From Culture to Hegemony, In: Simon During, ed.,(1993) The Cultural Studies ‘Reader’, London: Routledge, 357-67Hooks, Bell (1992) Black Looks: Race and Representation, Boston,MA: South End PressHudson, Kenneth, How Misleading Does an Ethnographical MuseumHave to Be?, In: Ivan Karp and Steven D. Lavine, eds.,(1991) Exhibiting Cultures: The Poetics and Politics of MuseumDisplay, Washington D.C: Smithsonian Institution press, 457-64

65

Hutchison, Yvette, Memory & desire in South Africa: the Museum asSpace for Performing Cultural Identity? In: Martin Banham, JamesGibbs and Femi Osofisan, eds., (2004) African Theatre SouthernAfrica, Oxford: James Currey, 51-67Jackson, Anthony and Kidd, Jenny (2012) Performing Heritage:Research, Practice and Innovation in Museum Theatre and LiveInterpretation, Manchester: Manchester University pressJohnson, Paul, The Space of ‘Museum Theatre’: A Framework forPerforming Heritage, In: Anthony Jackson and Jenny Kidd, eds.,(2012)Performing Heritage: Research, Practice and Innovation inMuseum Theatre and Live Interpretation, Manchester: ManchesterUniversity press, 53-66Jones, Amelia, Tracing the Subject with Cindy Sherman, In: AmadaCruz, Elizabeth A. T. Smith and Amelia Jones, eds., (1997) CindySherman: Retrospective, London: Thames & Hudson Inc, 33-53Jordan, Manuel (1998) Chokwe: Art and Initiation Among Chokwe andRelated Peoples, London: Prestel pressJoyce, Ann Joyce, African-Centered Womanism: Connecting to theDiaspora, In: Isidore Okpewho, Carole Boyce Davies and AliMazrui, eds., (1999) African Diaspora: African Origins and theNew World Identity. Indianapolis: Indiana University press, 538-54Kirshenblatt-Gimblett, Barbara (1998) Destination Culture:Tourism, Museum, and Heritage, Berkeley: University of CaliforniaLawal, Babatunde, The African Heritage of African American Artand Performance, In: Paul Harrison, Victor Walker and GusEdwards, eds., (2002)Black Theatre: Ritual, Performance in theAfrican Diaspora, Philadelphia: Temple University press, 39-63Lemke, Sieglinde, Diaspora Aesthetics: Exploring the AfricanDiaspora in the works of Aaron Douglas, Jacob Lawrence and Jean-Michel Basquiat, In: Kobena Mercer, ed., (2008) Exiles, Diasporaand Strangers, London: Iniva press, 122-44Malik, Amna, Conceptualising ‘Black’ British Art Through the Lensof Exile, In: Kobena Mercer, ed., (2008) Exile, Diasporas &Strangers, London: Institute of International Visual Arts(Iniva), 166-89

66

Matzke, Christine and Okagbue, Osita, Introduction, In: ChristineMatzke and Osita Okagbue, eds., (2009) African Theatre Diaspora,Suffolk: James Currey, xvi-xxMbiti, John (1991) Introduction to African Religion, 2nd edition,Oxford: HeinemannMcMillan and SuAndi, Rebaptizing the World in Our Own Terms:Black Theatre and Live Arts in Britain, In: Paul Carter Harrison,Victor Leo Walker II and Gus Edwards, eds., (2002) Black Theatre:Ritual Performance in the Africa Diaspora, Philadelphia, TempleUniversity press, 115-27Mercer, Kobena (1994) Welcome to the Jungle: New Positions inBlack Cultural Studies, London: Routledge—- Introduction, In: Kobena Mercer, ed., (2008) Exile, Diasporas& Strangers, London: Institute of International Visual Arts(Iniva), 6-27Mirza, Safia Heidi, Race, Gender and IQ ‘The Social Consequenceof a Pseudo-Scientific Discourse’ In: Kwesi Owusu, ed.,(2000) Black British Culture & Society, London: Routledge, 295-310Mirzoeff, Nicholas (1998) The Visual Culture Reader, London:RoutledgeMunjeri, Dawson, Refocusing or Reorientation? The Exhibition orthe Populace: Zimbabwe on the Threshold, eds., (1991) ExhibitingCultures: The Poetics of Politics of Museum Display, WashingtonD.C: Smithsonian Institution press, 444-56Murphy, M. Joseph (1994) Working the Spirit: Ceremonies of theAfrican Diaspora, Boston: Beacon pressNicholson, Helen, Re-location Memory: Performance, reminiscenceand communities of diaspora, In: Tim Prentki and Sheila Preston,eds., (2009)The Applied Theatre Reader, London: Routledge, 268-75Oguibe, Olu (1995) Uzo Egonu: An African Artist in the West,London: Kala pressOkagbue, Osita (2007) African Theatres and Performance, New York:Routledge—- Images and Memories of Home: African Video Movies in theDiaspora, In: Osita Okagbue, ed., (2008) African PerformanceReview, Vol: 2 No. 1, London: Adonis and Abbey publishers, 43-57

67

Okpewho, Isidore, The Resources of the Oral Epic, In: Molefi KeteAsante and Abu S. Abarry, eds., (1996) African IntellectualHeritage: A Book of Sources, Philadelphia: Temple Universitypress, 119-30Owusu, Kwesi (2000) Black British Culture and Society ‘A TextReader’, London: RoutledgeOyebade, Adebayo (2007) Culture and Customs of Angola, London:Greenwood pressPapastergiadis, Nikos (2000) The Turbulence of Migration,Cambridge, Polity pressPavis, Patrice (1996) The Intercultural Performance Reader,London: RoutledgePicton, John, What to Wear in West Africa: Textile Design, Dressand Self-Representation, In: Carol Tulloch, ed., (2004) BlackStyle, London: Victoria and Albert Museum publications, 22-47Pieterse, Nederveen (1992) White on Black: Images of Africa andBlacks in Western Popular Culture, New Haven: Yale UniversitypressRug, Judith, (2010) Exploring Site-Specific Art: Issues of Spaceand Internationalism, London: I. B. Tauris & Co LtdSaid, Edward (2003) Orientalism, London: PenguinSchechner, Richard (2002) Performance Studies: An Introduction,New York: RoutledgeSchimmel, Paul, Leap Into the Void: Performance and the Object,In: Kristine Stiles, Guy Brett, Hubert Klocker, Shinichiro Osakiand Paul Schimmel, eds., (1998) Out of Actions: BetweenPerformance and the Object, 1949-1979, Los Angeles: The Museum ofContemporary Art, 17-120Schlossman, David and Nadelhaft, Jerome, ed., (2002) Actors andActivists: Politics, Performance, and Exchange Among SocialWorlds, London: RoutledgeShaughnessy, Nicola (2012) Applying Performance: Live Art,Socially Engaged Theatre and Effective Practice, New York:Palgrave MacmillanSimpson, Moira (2001) Making Representations: Museums in thePost-Colonial Era, New York: RoutledgeSmith, Laurajane, The ‘doing’ Heritage: Heritage as Performance,In: Anthony Jackson and Jenny Kidd, eds., (2012) Performing

68

Heritage: Research, Practice and Innovation in Museum Theatre andLive Interpretation, Manchester: Manchester University press, 69-81Soyinka, Wole, The Fourth Stage: Through the Mysteries of Ogun tothe Origin of Yoruba Tragedy, In: Paul Carter Harrison, VictorLeo Walker II and Gus Edwards, eds., (2002) Black Theatre: RitualPerformance in the African Diaspora, Philadelphia: TempleUniversity press, 140-52Tawadros, Gilane, A Case of Mistaken Identity, In: David A.Bailey, Ian Baucom and Sonia Boyce, eds., (2005) Shades of Black:Assembling Black Arts in 1980s Britain, Durham: Duke Universitypress, 123-31Thompson, Robert Farris (1984) Flash of the Spirit: Afro-AmericanArt and Philosophy, New York: Vintage booksTseelon, Efrat (2001) Masquerade and Identities, London:RoutledgeTulloch, Carol, Check It: Back Style in Britain, In: CarolTulloch, ed., (2004) Black Style, London: Victoria and AlbertMuseum, 84-121—- It’s Good to Have the Feeling You’re the Best, In: CarolTulloch, ed., (2004) Black Style, London: Victoria and AlbertMuseum, 10-21Vidal, Nuno, The Angolan Regime and the Move to MultipartyPolitics, In: Patrick Chabal and Nuno Vidal, eds., (2007) Angola:The Weight of History, London: Hurst and Company, 124-74Warr, Tracey and Jones, Amelia (2000) The Artist’s Body, London:Phaidon pressWelsing, Cress, Frances (1991) The Isis Papers: The Keys to theColours, Washington, D.C: C.W. PublishingWilson, Sarah, Franko B. Haute Surveillance, Haute Couture, In:Manuel Vason, Gray Watson and Sarah Wilson, eds., (2001) FrankoB: Oh Lover Boy, London: Black Dog publishing, 145-56Young, Jean, Ritual Poetics and Rites of Passage in NtozakeShange’s for colored girls who have considered suicide/when therainbow is enuf, In: Paul Carter Harrison, Victor Leo Walker IIand Gus Edwards, eds., (2002) Black Theatre: Ritual Performancein the African Diaspora, Philadelphia: Temple University press,296-310

69

Documentários em DVDDeren, Maya (2004) Divine Horsemen ‘The Living Gods of Haiti, NewYork: McPherson & Company.

Artigos de InternetTextile of Angolan cultural tradition of Cabinda in thenorth, Vestuário, Adornos, Penteados eTatuagem,http://www.cabinda.net/CabindasCap22.html [access: 29July 2009]

Entrevistas e ConversasVictor, Tingana (2009). Interview. Angolan Music, Dance andRitual History.

Victor (Mandingo). Interviewed by Chikukuango Cuxima-Zwa for PhDThesis, 01 May.

Lista das minhas PerformancesIdentity and Parliament Square Performance, WestminsterParliament square, London (2009) photographer: Simon RendallEncounter with Rosalie, Islington, London (2007) photographer:Sebastian AndrewsLight in the Dark, Galerie-Lecoq, Berlin (2007) photographer:Diyambi-Yves NgoyCross-RoadsRitual, Sydenham Hill Park, South London (2007)photographer: Savinien-Zuri ThomasTransformation, Area 10 community space in Peckham, London (2007)photographer: Savinien-Zuri ThomasAudience Painting Chikukuango, Anominous gallery, Leamington Spa,Birmingham (2006) photographer: Sarah HoltChikukuango and Albert, British museum, London (2005)photographer: Savinien-Zuri ThomasRed, Mask and Wig, Quicksilver studios, Wood green (2002)photographer: Simon RendallGreen-man, Streets of Central London and Brixton (2001)photographer: Savinien-Zuri Thomas

70

Green, Red and White, Lambeth College, Photography studio, London(2001) photographer: Hatt Lee

Referências de PerformanceAdrian Piper (1975) The mythic being: Cruising white women,Cambridge, MassachusettsMarina Abramovic (1974) Rhythm 0, Studio Morra, Naples.Yoko Ono (1964) Cut Piece, Yamaichi Concert Hall, Kyoto.__

Chikukwango Cuxima-Zwa

71