PROCEDIMENTOS OPERACIONAIS EM VIDEOVIGILÂNCIA E SOCIEDADE DO CONTROLE

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MINISTÉRIO DA JUSTIÇA SECRETARIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM POLÍTICAS E GESTÃO EM SEGURANÇA PÚBLICA ALESSANDRO DARÓS VIEIRA PROCEDIMENTOS OPERACIONAIS EM VIDEOVIGILÂNCIA E SOCIEDADE DO CONTROLE VITÓRIA 2011

Transcript of PROCEDIMENTOS OPERACIONAIS EM VIDEOVIGILÂNCIA E SOCIEDADE DO CONTROLE

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA SECRETARIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM POLÍTICAS E GESTÃO EM SEGURANÇA PÚBLICA

ALESSANDRO DARÓS VIEIRA

PROCEDIMENTOS OPERACIONAIS EM

VIDEOVIGILÂNCIA E SOCIEDADE DO CONTROLE

VITÓRIA

2011

ALESSANDRO DARÓS VIEIRA

PROCEDIMENTOS OPERACIONAIS EM

VIDEOVIGILÂNCIA E SOCIEDADE DO CONTROLE

Monografia apresentada ao Centro de

Ciências Jurídicas e Econômicas da

Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para a obtenção

do Título de Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública.

Orientador: Prof. Ms. Pablo Silva Lira

VITÓRIA

2011

ALESSANDRO DARÓS VIEIRA

PROCEDIMENTOS OPERACIONAIS EM

VIDEOVIGILÂNCIA E SOCIEDADE DO CONTROLE

Monografia apresentada ao Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para a

obtenção do Título de Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública.

COMISSÃO EXAMINADORA

___________________________

Prof. Ms. Pablo Silva Lira Universidade Federal do Espírito Santo

Orientador

___________________________

Profª. Ms. Ana Paula Santos Sampaio Instituto Jones dos Santos Neves

Este trabalho é dedicado à minha família, aos operadores e supervisores do Sistema de

Videoproteção da Serra e, em especial, ao amigo Joel Lyrio Júnior.

AGRADECIMENTOS

Ao meu Orientador, Pablo Silva Lira, cuja amizade me é de altíssima

estima e por quem nutro grande admiração não apenas pelo profissional que é, mas também como pessoa. Também um agradecimento especial a

Ana Paula Santos Sampaio, por ter se disponibilizado à examinação deste trabalho e por quem nutro grande admiração e apreço.

Ao amigo Joel Lyrio Júnior, com quem tive o prazer de trabalhar. Joel foi

quem me instigou ao estudo nesta Especialização, uma vez que necessitávamos de conhecimento nesta área, para implementação de um

Sistema de Videovigilância, formado por uma rede de dispositivos de vigilância do tipo câmera e por uma Central de Videoproteção municipal

no município da Serra/ES. Setor que coordenei do início de 2010 até o

mês de setembro de 2011.

Aos operadores e supervisores de videovigilância, em especial aos amigos Loreto, Bartolomeu e Rosali.

À minha família, por ser minha.

“Durante muito tempo, Júpiter apreciou os feitos de Argus, até que um dia o ás da

espionagem morreu. Júpiter então o convocou a prestar no Olimpo os valiosos serviços que

desenvolvera na Terra. Para que Argus pudesse cumprir sua nova missão, Júpiter o

transformou num semideus, com uma forma tão eficiente quanto monstruoso: sua cabeça

foi coberta por cem olhos, o que permitia que

ele tudo visse e tudo soubesse. Assim, Argus nunca mais dormiu, pois enquanto cinqüenta

de seus olhos descansavam os outros mantinham a mais cerrada vigilância sobre o

que acontecia ou não acontecia no Olimpo.” (Lucas Figueiredo)

“A perfeição da vigilância é uma soma de

malevolências.” (Michel Foucault)

RESUMO

O problema do aumento nos índices de homicídios pela segurança pública

e sequente sensação de insegurança social é uma discussão alarmante na sociedade latinoamericana. Políticas públicas de prevenção e de

enfrentamento a tais índices são discutidas dentro e fora do poder público.

Estratégias diversas que misturam prevenção ao homicídio e agilidade no atendimento pós facto são implementadas, e uma delas, objeto de estudo

deste trabalho é o Sistema de Videoproteção do município da Serra/ES. Por meio da revisão da literatura produzida por autores de área diversas,

tais como filosofia, antropologia, psicologia, administração, eletrônica e tecnologia da informação, acerca da sociedade de controle, sistemas de

videovigilância e sua operação em Centros de Controle de videovigilância objetivou-se nesse trabalho, compreender como é construído o “olhar”

discriminativo entre o que é normal e o que é suspeito em espaços de livre circulação onde foram implementados dispositivos de videovigilância

do tipo câmera. Entre os resultados encontrados demonstram-se a complexidade interacional entre este tipo de dispositivo e as relações

humanas que deflagra, seja entre operadores ou entre a população vigiada. Assinalou-se ainda, numa primeira aproximação, a necessidade

de desenvolvimento de sistemas inteligentes de softwares de identificação

que, acoplados aos sistemas, os tornem mais eficazes.

Palavras-chave: Videovigilância. Câmeras de vigilância. Políticas Públicas de Segurança. Gestão de videovigilância. Sociedade do controle.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO............................................................... 09

2 CONTEXTUALIZAÇÃO ................................................... 13

2.1 Da necessidade e conveniência na implantação do

Sistema de Videovigilância urbana no município de

Serra – retomando um pouco da história .....................

13

2.2 Videovigilância: política para a promoção de

Cidadania? ...................................................................

18

2.2.1 Política de Segurança Pública ou Política Pública de Segurança? ..................................................................

23

3 DE PROMETEU A ARGOS, OU, DA PRETENSÃO DE SER OMNISCIENTE .............................................................

31

3.1 Da antevisão à visão constante e omnisciente ............. 35

3.2 Da omnisciência como fundamento do Panoptismo ..... 40

4 DOS PROCESSOS E SUA GESTÃO .................................. 44

4.1 Inscrição cartográfica e Estratégias de distribuição

dos dispositivos de videovigilância ..............................

44

4.2 Do trabalho de monitoramento ................................... 46

4.2.1 Ostensividade da videovigilância: entre ver e acionar . 52

4.2.2 Uma noção tomada de empréstimo às policias: a

“fundada suspeita” ......................................................

54

4.3 Seleção e distribuição de imagens ............................... 56

4.3.1 Divulgação de imagens em mídia televisiva e impressa 57

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................. 63

6 REFERÊNCIAS .............................................................. 65

9

1 INTRODUÇÃO

Em 30 de julho de 2010, durante o segundo ano da Gestão Municipal de

2009-2013, foi inaugurado um renovado Sistema de Videovigilância

Urbana no Município da Serra – ES que consistia em um amplo Centro de

Controle de Operações e de um conjunto de softwares e hardwares

necessários à sua funcionalidade. Parte dos periféricos versava um

conjunto de equipamentos que compõem um CPD responsável pelo

processamento e armazenagem das imagens durante um período de 30

dias após um evento hipotético.

Outra parte dos periféricos consistia em 30 câmeras, quilômetros de cabos

de fibra ótica, sistemas elétricos acoplados, etc. Naquela oportunidade,

anunciou-se que a operação das câmeras, bem como a supervisão dos

operadores, ficaria por conta de cerca de 120 policiais provenientes da

reserva remunerada da PMES e que retornavam ao serviço por meio de

um convênio assinado entre o Estado e o Município (Convênio 001/2010

de 05 de fevereiro de 2010).

Até meados do mês de julho de 2010, o “Sistema de

Videomonitoramento” abrigava 12 câmeras distribuídas no território

municipal. As câmeras que compunham este primeiro Sistema foram

instaladas, preferencialmente, em locais onde se mostravam altos os

índices de registro de crimes contra o patrimônio. Essas câmeras eram

provenientes de uma herança da gestão municipal que vigorou no

quadriênio anterior (2005-2009).

Anteriormente a isso, por volta de 2008, o município em questão

começava a captar recursos do Programa Nacional de Segurança com

Cidadania – PRONASCI, tendo que, em contrapartida, implementar

projetos já previstos entre as 94 ações que existiam no Programa.

10

Uma das ações previa a implementação do GGI-M, o Gabinete de Gestão

Integrada Municipal. O Gabinete, além de concentrar os esforços de

integração entre as polícias estaduais e federais (com atuação no

município) e as Secretarias Municipais, também previa a instalação de

câmeras de videovigilância em locais que seriam determinados por meio

da aplicação de estudos e diagnósticos. Foram então utilizados para esta

distribuição estudos contratados pela Secretaria Municipal de Defesa

Social e que foram realizados entre 2007 e 2008, além do Mapa do Crime

fornecido à SEDES pela GEAC - Gerência de Estatísticas e Análises

Criminais da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social –

SESP/ES.

O ano de 2010 foi, sem dúvidas, o mais importante para a consolidação

do Sistema de Videovigilância municipal. Esse ano foi iniciado com 12

câmeras fornecidas à municipalidade por aluguel. Este quadro se manteve

até a inauguração do Centro de Controle de Videoproteção – CCOV (como

se convencionou chamar a sala onde se reúnem os monitores de

videovigilância), até meados de 2010.

Constata-se, portanto, três fases1 distintas na implantação e operação do

Sistema de Videoproteção. Uma que vai de 2007 a 2009, com 12 câmeras

e demais periféricos alugados; uma que se pronuncia entre 2009 e 2010,

ainda com câmeras alugadas, cuja mudança substancial está relacionada

à empresa prestadora de serviços e à alocação do Centro de Controle de

Operações; e uma terceira e mais atual fase, com a implantação de 30

câmeras e um Centro de Controle de Videoproteção maior e mais

moderno.

1 Não se pode esquecer a implantação de cinco câmeras (uma protofase), as primeiras a

serem distribuídas em caráter emergencial e que compunham o Projeto interinstitucional

“Olho Digital” desenvolvido numa parceria entre o Governo do Estado do ES e os

Municípios de Serra e Vitória. O projeto foi ganhador do Prêmio Inoves na categoria “Uso

Eficiente dos Recursos Públicos” no ano de 2008. Tivemos acesso a este projeto por meio digital, não estando disponível na WEB nem impresso.

11

Em todas as três fases, as ocorrências e demais eventos registrados pelos

operadores de videovigilância, o foram em Livros de registro de

ocorrências. Estes documentos guardam as narrações dos episódios

cotidianos que foram efetivamente monitorados, além de guardar

informações como: se houve ou não abordagem; se o tipo de ocorrência

foi policial, de socorro; ou demanda por serviços de outras Secretarias

Municipais e se houve resposta.

Na primeira fase o Centro de Controle Operacional – CCO era sediado no

Destacamento Ciclístico do 6º BPMES em Parque Residencial Laranjeiras

no município da Serra. Trabalhavam naquele primeiro “Centro de

Controle” um operador e um supervisor. A grande sensação naquele

momento eram as “câmeras tagarelas”: uma câmera de vigilância do tipo

domo com saída de áudio pela qual o operador de videomonitoramento se

dirigia ao cidadão, usuário da via, atuando sobre a convivência e

princípios de civilidade, informando quando um indivíduo ou mais, agiam

de modo desviante.

O Centro de Controle de Videomonitoramento ficou ali sediado até o início

de 2009, quando foi realocado em uma sala comercial num edifício

localizado a cerca de 300 metros do endereço anterior. O fornecedor dos

equipamentos necessários à prestação de serviço de videovigilância foi

substituído e uma empresa de vigilância fornecia os equipamentos em

aluguel e operava o sistema através de dois vigilantes no período noturno.

No período diurno, eram dois guardas patrimoniais municipais que

operavam o sistema.

Essa organização não foi producente e isso se confirma na leitura dos

livros de ocorrência, essencialmente porque as ocorrências noturnas não

ocorriam quase nunca (ou não eram registradas) e quando se

pronunciava, não havia o acionamento adequado dos parceiros (polícias e

outras instituições). Não se mostrou, portanto, nem eficiente, nem eficaz

àquela época.

12

No princípio de 2010 iniciou-se no Município de Serra a implantação da

terceira fase deste Sistema, uma fase de total renovação tanto de

equipamentos, quanto de procedimentos e, até mesmo de operadores,

com a chegada de policiais da reserva remunerada da Polícia Militar do

Estado do Espírito Santo – PMES, que por meio de convênio assinado

entre os entes federativos, Estado e Município, exerceriam esta função.

O objetivo desse trabalho é realizar um levantamento, reconstrução e

análise dos processos e procedimentos internos do Centro de

Videovigilância do Município da Serra/ES, procurando compreender o

modo como foram elaborados (a partir de informações ali colhidas) os

protocolos e padronizados os procedimentos que orientaram, no período

compreendido entre janeiro e julho de 2010, a gestão da atividade de

monitoramento urbano, seja na focalização dos incidentes, seja no

acionamento dos atores que compõem as redes de proteção e de

repressão à violência e ao crime, observando ainda, a influência de

operadores policiais militares e de sua formação após sua integração ao

sistema.

Imprescindível nesta senda, a revisão de um conjunto de literaturas já

existente que versa acerca do tema da vídeovigilância, bem como de um

conjunto conceitual que cerca o assunto, no qual se inserem noções como

do “panoptismo”, da “sociedade de controle” e da “sociedade securitária”,

além de publicações técnicas sobre a gestão de processos e

procedimentos operacionais adotados em centrais de controle situados no

território nacional. Reservamos, ainda, lugar para alguma reflexão de

caráter filosófico-antropológico acerca do tema.

13

2 CONTEXTUALIZAÇÃO

2.1 Da necessidade e conveniência na implantação do Sistema de Videovigilância urbana no município de Serra – retomando um

pouco da história

Em 25 de maio de 2005 foi assinada a Lei nº 2.797/2005, que dispõe

sobre a criação da Secretaria Municipal de Defesa Social e dá outras

providências. A lei dispunha acerca dos objetivos gerais desta Secretaria.

Entre eles destaca-se:

[...]

I - planejamento, coordenação e execução de ações relacionadas à

política municipal de segurança pública, especialmente no combate

à violência em todas as suas formas, em colaboração com os órgãos federais e estaduais de segurança pública;

II - articulação com os órgãos de segurança pública, visando o

planejamento estratégico de ações de combate à violência no

Município, o acompanhamento de investigações sobre atividades

criminosas e a obtenção de dados estatísticos atualizados sobre ocorrência de crimes;

[...]

A criação da Secretaria Municipal de Defesa Social, como veremos

posteriormente, foi de suma importância para a captação e gestão de

recursos provenientes de Convênios com o Governo do Estado do Espírito

Santo e do Governo Federal. Estes recursos, assomados, financiariam

projetos municipais que, articulados, conformariam a Política Municipal de

Segurança Pública a cargo daquela secretaria, conforme determina a Lei

nº 2.797/2005.

14

Em 28 de dezembro do mesmo ano, foi assinada a Lei nº 2.903/2005, que

dispunha acerca da instalação de câmeras filmadoras no município da

Serra. Essa lei indicava que o município estava autorizado a instalar

“câmeras filmadoras” em seu território e que deveria regulamentá-la no

prazo de 90 (noventa) dias a contar de sua assinatura. No entanto, o

primeiro projeto de instalação de câmeras de videovigilância em ambiente

público só seria idealizado no final do ano seguinte.

Em dezembro de 2006 a Secretaria Municipal de Defesa Social do

município de Serra implanta, por meio de um contrato de caráter

emergencial, as primeiras 05 câmeras no município, priorizando as

festividades de fim de ano e a programação do verão do ano seguinte,

como mostram Almeida e Assumção (2008) em sua Monografia

“Videomonitoramento: solução tecnológica inovadora no campo do

policiamento moderno.”

Em 2007, ganha corpo o Projeto de Videovigilância urbana no Município da

Serra2 (2007), um dos sete Municípios que compõem a Região

Metropolitana da Grande Vitória no Estado do Espírito Santo, havia

registro de altos índices de violência, em especial os de violência letal.

Os registros se mostravam críticos e com a contabilidade de 356

homicídios em 2006, anunciados pela Rede de Informação Tecnológica

Latino-Americana - RITLA (2008, p.31), no “Mapa da Violência dos

Municípios Brasileiros 2008”, a Serra ocupava o 4º lugar no ranking dos

municípios mais vitimizados pelo Homicídio entre os 556 (10%)

municípios com maiores taxas médias de homicídio (em 100 mil

habitantes) na população total brasileira.

2 O primeiro projeto de videovigilância urbana foi concebido pela Gestão Municipal que

atuou entre os anos de 2005 a 2008. E, embora tenha sido gestado desde o final do ano

de 2006, o documento citado, intitulado como “Projeto Videomonitoramento em Serra”

parece ter tido sua elaboração finalizada no ano de 2007. Tivemos acesso a este projeto

por documento eletrônico, não estando o mesmo disponível em sítio da WEB, nem impresso.

15

A mesma publicação da Rede de Informação Tecnológica Latino-

Americana - RITLA (2008, p.47), organizada por Julio Jacobo Waiselfisz,

apresentava o município na 18ª posição num ranking em que se

comparava os 200 municípios com maior número de homicídios na

população total brasileira em 2006.

Somados aos índices de homicídios, sobrelevados em relação aos demais

municípios que compõem a região Metropolitana da Grande Vitória, dados

referentes aos índices de crimes contra o patrimônio e crimes não-letais

contra a pessoa foram também apresentados como justificativa para a

elaboração, pela Secretaria Municipal de Defesa Social do município, do

referido Projeto de Videovigilância municipal, principalmente nas regiões

que concentram atividades comerciais.

Além da necessidade premente de resposta do Poder Público aos altos

índices de violência e criminalidade que o município apresentava, havia a

conveniência do controle social. Revestido em um discurso de afirmação

dos direitos humanos, valorização da cidadania e promoção de políticas

públicas no âmbito da Gestão da Segurança Pública, o Projeto objetivava

explicitamente a melhoria da segurança e da qualidade de vida da

população, pela redução da criminalidade e da violência.

O projeto inicial já apontava para a necessidade de envolvimento de

outras esferas de poder constituído, fossem o Governo Federal e o

Estadual, junto aos quais se buscaria, com aval da Sociedade Civil e de

Setores economicamente produtivos (Comércio e Indústria),

financiamento à sua implantação.3

3 No âmbito da Segurança Pública, entre 2007 e 2008, três eram as fontes financiadoras

para o Município, uma o Fundo Nacional de Segurança Pública, a outra o Programa

Nacional de Segurança com Cidadania – PRONASCI e, ainda, uma terceira, a Secretaria

de Estado de Segurança Pública e Defesa Social – SESP. Captar recursos do PRONASCI,

no entanto, dependia de inscrição do Município junto ao Ministério da Justiça – MJ e à

Secretaria Nacional de Segurança Pública – SENASP, o que demandava a atenção a uma série de quesitos aos quais deveria, o Município, enquadrar-se.

16

A Gestão Municipal de Defesa Social, na concepção do projeto, parecia

avaliar também que um Sistema de Videovigilância urbana seria já uma

política pública de caráter preventivo ao crime e à violência, permitindo ao

poder público municipal e seus parceiros natos, as polícias estaduais – em

especial aquela responsável pela ostensividade, a PMES –, anteciparem-se

ao delito, prevenindo, assim, a sua ocorrência.

Outras aplicações convenientes ao poder público municipal seriam: a

vigilância de spots críticos, fosse no âmbito do trabalho ostensivo da

Polícia Militar, ou no controle da fluidez e registro de infrações no Trânsito

(que no Município da Serra é municipalizado), fosse na Segurança

Marítima, uma vez que haviam pelo menos dois balneários (Grande

Jacaraípe e Manguinhos) para os quais se projetava, na época, instalação

dos dispositivos de vigilância, além da segurança de equipes de

fiscalização de várias Secretarias Municipais em atuação no município.

No final do ano de 2006 a Secretaria de Estado de Segurança Pública e

Defesa Social em conjunto com as Prefeituras da Serra/ES e de Vitória/ES

implementaram um projeto interinstitucional que se baseava na

implantação de Sistemas de Videomonitoramento em vias públicas de

ambos os municípios. O Projeto se desenvolveu numa parceria que reunia

o Departamento de Políticas de Segurança Pública da Serra, a Guarda Civil

Municipal de Vitória, o Centro Integrado Operacional de Defesa Social –

CIODES, o 1º BPM e o 6º BPM. Chamado “Olho Digital”, esse Projeto

rendeu bons frutos, entre eles uma premiação no INOVES, prêmio de

alcance estadual, na categoria “Uso Eficiente dos Recursos Públicos” no

ano de 2008.

Em 2008, foi concebido um novo Projeto de Videomonitoramento. Este

projeto era parte integrante do Projeto de “Implantação de Gabinetes de

Gestão Integrada Municipais no âmbito do PRONASCI”. Também

compunham o Projeto do GGI-M cinco módulos referentes ao

aparelhamento de uma Sala de Reuniões (Pleno GGI-M), da Secretaria

17

Executiva, do Observatório de Segurança Pública, do Telecentro do GGI-M

e, por fim, da Sala de Situação.

Enviado à SENASP, o Projeto de “Implantação de Gabinetes de Gestão

Integrada Municipais no âmbito do PRONASCI” foi aprovado ainda em

2008, tendo sido implementado entre 2009 e 2010. O módulo

correspondente à “Implantação do Sistema de Vídeo Monitoramento”

informava, inicialmente, que 24 câmeras e uma rede de cabeamento

ótico, além de uma série de equipamentos periféricos necessários à

consecução do objeto do projeto, seriam distribuídas no território

municipal. Para tanto era necessário, em contrapartida, que o município

fornecesse o espaço para a instalação de um Centro de Controle e de um

CPD próprio, onde as imagens seriam armazenadas e de onde poderiam

ser extraídas e encaminhadas aos parceiros.

No entanto, mais seis câmeras foram instaladas (totalizando trinta), além

de maior quantidade de fibra ótica e demais equipamentos periféricos e

necessários ao armazenamento de imagens. Esta contrapartida foi

implementada com recursos do tesouro municipal.

Ainda em 2010 foi concebida pela Secretaria Municipal de Defesa Social

uma extensão do Sistema. Esse novo projeto foi intitulado “Projeto

Proteção Digital” e buscava efetivar a ampliação do sistema de

videomonitoramento em vias públicas do município de Serra, mediante a

aquisição de equipamentos de captura e monitoramento de imagens.

Apresentado à SESP, o projeto resultou em um convênio de cooperação

técnica, o Convênio SESP/PMS nº 005/2010, de 17 de novembro de 2010.

Este projeto possibilitou a consolidação da videovigilância no município,

pelo menos em termos de abrangência do sistema (25 câmeras), em

termos de equipamentos e capacidade de armazenamento de imagens

(fibra ótica, servidor, storage).

18

2.2 Videovigilância: política para a promoção de Cidadania?

É possível afirmar que a implementação de Políticas de Segurança Pública

fundeadas no controle, efetivado por meio da implantação de dispositivos

de videovigilância, promove cidadanização no atual estágio de

desenvolvimento do capitalismo?

Mathieu Bietlot (2003) nos impõe uma desconfiança acerca do tema. Ao

refletir sobre sistemas e mecanismos de controle, demonstra uma dupla

estratégia de convencimento da população em geral, quanto a uma

autopercepção, segundo a qual, procede-se a um engajamento

supostamente espontâneo nestas políticas (senão uma mera aceitação) e

uma adesão espontânea à “necessidade” de instalação de dispositivos de

vigilância nos espaços públicos das cidades no séc XXI.

Segundo Mathieu Bietlot (2003, p.60), isso ficaria fácil de comprovar

realizando, ao modo de Foucault, uma História da “noção de segurança”.

Em suas palavras:

Une histoire de la notion de sécurité montrerait qu’à chaque

époque correspond une définition légitime de ce qui fait peur, avec

comme constante une double stratégie : «la ligne de la

sécurisation visant à rassurer les populations, la ligne de

l’insécurisation visant à angoisser ces dernières pour justifier la protection.»4

Comme on le voit, ce modèle mobilise et combine aussi bien des

mécanismes de pouvoir disciplinaires perfectionnés par les

nouvelles technologies (vidéosurveillance, écoutes

téléphoniques…), des mécanismes biopolitiques (marchandisation et manipulation des affects…), des mécanismes de pouvoir « post-

4 No texto original, disponível em: < http://www.cairn.info/revue-multitudes-2003-1-

page-57.htm>. Acesso em: 26 set. 2011, esta citação do autor refere-se a texto de

BIGO, Didier. Polices en réseaux. L’expérience européenne. Presses de Sciences Po. Paris: 1996, p. 55.

19

disciplinaires » tels que le contrôle, le Synoptique ou le

Superpanoptique, mais encore un retour en force du pouvoir

souverain lorsqu’il s’agit de soumettre les surnuméraires et de

réaffirmer la puissance morale du prince face à l’insécurité ou au terrorisme, de décréter en permanence l’état d’exception.

A dupla estratégia então se refere à “segurança” que, de um lado,

“tranqüiliza a população” e à “insegurança” que, de outro, “visa, em

última análise, angustiá-la para justificar a proteção”. Ambos os

sentimentos5, segundo o autor, fundamentariam esse “modelo que

mobiliza e também combina justamente os mecanismos disciplinares de

poder, aperfeiçoados pelas novas tecnologias (videovigilância, escutas

telefônicas), [...].” [Tradução nossa].

O indica também a existência de mecanismos “pós-disciplinares de

poder”, aos quais se coadunam, uma vez mais, as câmeras de

videovigilância urbana. Dispositivos que integram e conformam uma rede

que se expande cartograficamente, que é distribuída pelo território

citadino. Um “superpanoptico” que pretende que não lhe escape qualquer

movimento suspeito, qualquer delito ou crime, qualquer deslize do corpo

que se dociliza ao olhar vigilante. Mecanismos que, em última análise,

reafirmam a “manutenção de um estado de exceção”, seja pela

“manipulação dos afetos”, seja pelo medo diante da insegurança.

Ora, cabe refletir, diante do exposto, se há, de fato, promoção da

cidadania numa sociedade, como quer Bietlot (2003), “securitária”. Marta

Mourão Kanashiro (2006, p.74) afirma, em sua Dissertação de Mestrado

intitulada “Sorria, você está sendo filmado: as câmeras de monitoramento

para segurança em São Paulo”, que a “sociedade securitária”:

5 Em se tratando de segurança e insegurança melhor seria utilizar o termo percepção, no

entanto, cabe aqui o termo sentimento, dada a sua aplicação observado o sentido de “manipulation des affects” indicado pelo autor.

20

[...] sucederia sociedades disciplinares. Na opinião deste autor

[Mathieu Bietlot], a desregulação neoliberal criou inevitavelmente

e voluntariamente uma situação de insegurança (incerteza, falta

de garantia) (mais nenhuma escolha é certa, tudo é precário), e

de incerteza (instabilidade e obscuridade das regras do jogo) que

os indivíduos são incitados. (sic) As desordens sociais engendradas

por essa mesma situação fornecem as razões de ser aos seus

controles e violências. Os dispositivos securitários se

encarregariam não somente de prevenir a desordem, mas de defini-la e, eventualmente, suscitá-la. (KANASHIRO, 2006, p.74).

Acerca da distribuição de dispositivos de segurança, do tipo câmera, que

integram mecanismos ainda mais abrangentes de vigilância (Empresas

privadas, vigilantes armados), nos territórios das cidades, Kanashiro

(2006, p.32) indica a existência de: “arranjos que envolvem, por um lado,

a ocultação da violência econômica cotidiana da cidade e, por outro, a

definição de determinados grupos como perigosos.”

Ainda segundo Kanashiro (2006, p.32), em outro trecho de sua análise:

As câmeras de monitoramento conjugam-se assim com idéias

como a de permanência e circulação, e também, por mais

paradoxal que possa parecer, de desaparecimento, que não é para

todos, mas apenas para aqueles que não podem contribuir nem com a propaganda de aparente cidadania e pluralidade [...].

O que Kanashiro (2006) afirma é já por todos observado, de certo modo,

como uma economia de gestos e de comportamentos. Talvez a

concretização daquela “docilização dos corpos” foucaultiana (FOUCAULT,

2000), atrelada ao recente legado do neoliberalismo, conjugando

exploração e exclusão, tornando esta última produtiva do ponto de vista

do capital, uma vez que àqueles “que não podem contribuir”, como afirma

Kanashiro (2006), nem mesmo “com a propaganda de aparente cidadania

e pluralidade”, resta apenas “servir ao marketing inclusivo” e possibilitar

“capitalizar investimentos”.

21

Por fim, cabe ressaltar, ainda acerca do caráter político que a atual febre

de implantações de sistemas de videovigilância urbana em cidades mundo

afora, Kanashiro (2006) afirma:

As câmeras de monitoramento podem ser vislumbradas em sua

conexão com a transformação da segurança em mercadoria, com o

processo de minimização do Estado, com as mudanças no

capitalismo, com a velocidade de avanço e obsolescência das tecnologias. (KANASHIRO, 2006, p.88).

Iniciamos esta seção perguntando se seria possível, uma cidadanização

promovida pela implementação de Políticas de Segurança Pública

fundeadas no controle no atual estágio de desenvolvimento do

capitalismo? No entanto, cabe perguntar, também e complementarmente:

de que “cidadania” está-se falando, quando nos referimos aos

mecanismos de controle e à indiscriminada distribuição de dispositivos de

vigilância em espaços urbanos, à guisa de Políticas de Segurança Pública?

Por certo não é a mesma noção de cidadania que vem sendo gestada

(desde a recente ditadura militar vivenciada, no Brasil e na América

Latina, no final dos anos 70 e parte dos anos 80) nas lutas cotidianas,

encampadas pelos movimentos sociais, por direitos até então suprimidos

pelo modelo político-ditatorial estabelecido, como assinala Evelina

Dagnino (2004, p.103): a “[...] chamada nova cidadania, ou cidadania

ampliada [...]”.

Esta categoria, a “cidadania ampliada”, não se estabelece com base em

processos de inclusão, instituídos ao modo top-down, dos sujeitos de

direito em sistemas predefinidos, mesmo porque esta noção, como afirma

ainda a autora, foi:

22

Inspirada na sua origem pela luta pelos direitos humanos (e

contribuindo para a progressiva ampliação do seu significado)

como parte da resistência contra a ditadura, essa concepção

buscava implementar um projeto de construção democrática, de

transformação social, que impõe um laço constitutivo entre cultura e política. (DAGNINO, 2004, p.103)

Tendo em vista este arcabouço conceitual, acerca da luta pelo

estabelecimento de direitos, Kanashiro (2009), tomando de empréstimo

uma idéia desenvolvida por Maria Célia Paoli (2007), insere uma crítica,

afirmando que:

[...] a gestão da sociedade, a violência e a produção de um

consenso sobre a cidade operam por um dispositivo duplo que

dissolve sujeitos políticos, seus territórios de demandas e suas exigências críticas. (KANASHIRO, 2009, p.119)

A crítica de Kanashiro (2009) acaba por formar um eco daquela já

comentada e anunciada por Mathieu Bietlot (2003), uma vez que a autora

denuncia, citando Maria Célia Paoli (2007):

“De um lado, aparecem os programas técnicos governamentais e

não governamentais […] para atenuação das carências […] De

outro, a violência opera pela manutenção da insegurança, cuja

forma de controle repressivo se confunde com a própria

transgressão […] Em ambos os casos, constituem-se presenças

públicas que tentam aparecer como políticas responsáveis […] mas

de fato a política é estilhaçada na proliferação desses seus duplos,

já que técnicas de intervenção social focalizadas e a violência

institucional de controle passam crescentemente como ações

governamentais ou privadas de políticas de prevenção,

comandadas por um contexto de insegurança que justifica

qualquer medida tomada […] em nome do bem-estar de seus

habitantes” (PAOLI, 2007, apud KANASHIRO, 2009, p.119-120)

23

Ademais, cabe ressaltar que, a implantação de um Sistema de

Videovigilância implica a aplicação de uma mão de obra. E essa força de

trabalho acaba por se qualificar segundo um modelo de suspeição já

preexistente e disseminado, no universo da segurança.6 Um modelo

excludente reconhecido na expressão ”fundada suspeita”. E isto, de algum

modo, acaba por corroborar, uma vez mais aquilo que Kanashiro (2009,

p.119) afirma:

[...] o esforço por encontrar qualquer sentido para cidadania

torna-se vã (sic) diante da necessidade de garantia pela ação

repressiva. Não há cidadania possível que possa estar interligada a

ideia de repressão, e quando ocorre uma interligação como essa, o

que se vê é o completo esvaziamento do sentido de cidadania

enquanto um processo político, no limite um esvaziamento da

própria política. (KANASHIRO, 2009, p.119).

2.2.1 Política de Segurança Pública ou Política Pública de Segurança?

Um passo atrás é necessário neste ponto do estudo, uma vez que é

importante compreender quais os paradigmas que orientaram e ainda

orientam a formulação das Políticas de Segurança Pública nas várias

esferas de poder executivo.

Moema Dutra Freire (2009) em seu artigo “Paradigmas de Segurança no

Brasil: da Ditadura aos nossos dias”, sistematiza três paradigmas de

Segurança, cuja influência na atuação estatal, bem como na percepção da

sociedade acerca do tema, identifica.

A autora inicialmente adverte, em sua análise, que:

6 A este tema da suspeição e da influência da formação militar no trabalho de videovigilância retornaremos mais adiante.

24

Um paradigma não é uma política pública. Os paradigmas são

crenças, valores e conceitos que predominam no governo e na

sociedade em determinada localidade e em determinado período.

Mas isso não quer dizer que essas mesmas crenças, valores e

conceitos sejam automaticamente traduzidos em políticas públicas.

Estes podem, sim, influenciar a sua formulação ou indicar

possíveis tendências, mas vários outros fatores – como variáveis

políticas, orçamentárias, técnicas, etc. – também incidem na

conformação final das políticas. (FREIRE, 2009, p.102)

A importância desta advertência advém de tendência à confusão entre as

expressões “Segurança Pública” e “Política de Segurança Pública”, por

exemplo. No primeiro caso, o que se expressa é um paradigma, um

ideário (valores, crenças, conceitos) que orienta, de modo mais ou menos

universal, o “pensar” a “segurança”, tanto dos operadores da Segurança

Pública, quanto da população em geral. Já a segunda expressão, refere-se

à organização de meios, de recursos e processos que, ao modo de

projetos e ações factuais, proporcionem êxito no controle social visando,

como quer a Constituição Federal de 1988 – CF (Art. 144), ao bem público

e à manutenção da ordem pública.

Freire (2009) indica a existência de três paradigmas na área da Segurança

Pública, influenciando a percepção que se tem da “segurança” (e,

conseguintemente, de deu duplo, a “insegurança”), cada um ao seu modo,

com seu ideário diverso (mas nem tanto), afinal, embora vigorem em

períodos temporais subsequentes,

[...] os paradigmas não são excludentes. O advento de um novo

paradigma não significa que todos os anteriores deixaram de

existir. Na verdade, dois ou mais paradigmas podem coexistir em

determinado período. (FREIRE, 2009, p.102)

25

Freire situa o primeiro destes paradigmas no período da ditadura militar

que foi de 1964 até 1985. Foi um período em que havia primazia na

defesa do Estado e na manutenção da ordem política e social instituídas

excepcionalmente. A característica mais pungente deste período foi a

supressão dos direitos constitucionais. Não obstante, a censura e a

perseguição política foram duramente aplicadas. Os governos instituídos

reprimiam toda forma de manifesto que fosse contrário ao regime militar,

fundamentando-se conceitualmente na Doutrina de Segurança Nacional e

Desenvolvimento, formulada pela Escola Superior de Guerra – ESG.

Baseando-se nesta doutrina que pregava a necessidade de o Estado

brasileiro garantir a obtenção e manutenção dos objetivos nacionais, a

despeito de antagonismos e pressões existentes ou potenciais, internas e

externas, as Forças Nacionais (Marinha, Exército e Aeronáutica) foram

sobrelevadas à categoria de “intérpretes da vontade nacional” (FREIRE,

2009, p.103).

Neste contexto, inicialmente guiado por uma ideologia anticomunista

importada dos Estados Unidos da América, “instituiu-se a figura do

„inimigo interno‟, passando a ser potencialmente suspeito todo e qualquer

cidadão que pudesse atentar contra a „vontade nacional‟.” (FREIRE, 2009,

p.103).

Amparado pela lógica militar de aniquilamento deste “inimigo interno” (um

subversivo, um meliante), o Estado atua subjugando-o e, por meio de um

aparato repressivo composto pelas Forças Armadas, seus aparelhos de

inteligência e por órgãos criados à época (entre eles o DOI-CODI e a

Polícia Militar, tornada Força de Reserva do Exército), institucionaliza um

modelo de “segurança interna” reativa a “tudo aquilo que atenta contra o

Estado e contra os interesses nacionais.” (FREIRE, 2009, p.103).

O segundo paradigma identificado pela autora é o da “Segurança Pública”

que, embora guarde resquícios do ideário que sustentou a

26

operacionalização das atividades de segurança no período histórico

anterior, surge com a promulgação da Constituição Federal (CF) de 1988

que instituiu uma cisão conceitual entre a “segurança interna” e a

“segurança externa”.

Assim é que o Art. 144 da CF de 1988 estabelece que a Segurança Pública

– “voltada para a manifestação da violência no âmbito interno do país”

(FREIRE, 2009, p.104) – é dever do Estado, direito e responsabilidade de

todos e que será exercida por um grupo de instituições (Polícia Federal e

Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, Polícias Civis e Militares e

Corpos de Bombeiros Militares) com a finalidade de preservar a ordem

pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio. Este artigo prevê

também a criação de Guardas municipais pelos municípios, com o fito de

proteger seus bens, serviços e instalações.

Já o Art. 142 da CF, referindo-se a “ameaças externas à soberania

nacional e defesa do território” (FREIRE, 2009, p.104), estabelece que às

Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica) cabe defender a Pátria,

garantir os poderes constituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário) e, por

iniciativa de qualquer um deles, a lei e a ordem. As Forças, segundo este

artigo ficam subordinadas diretamente à autoridade suprema do

Presidente da República, sendo seu emprego delimitado em Lei

Complementar.

A autora reconhece um avanço na transposição do paradigma da

“Segurança Nacional” para o paradigma da “Segurança Pública” e que,

embora a lei máxima federal, promulgada em 1988, tenha iniciado um

processo de enraizamento de princípios como o de descentralização

administrativa na cultura da gestão pública, conferindo aos estados e

municípios novos papéis, não deixa claros quais seriam, para além dos

papéis das polícias federais e estaduais (delimitados no Art. 144), os

papéis de “outros órgãos governamentais na prevenção à violência, ou

27

mesmo a importância da atuação dos municípios e da comunidade”

(FREIRE, 2009, p.104).

Outros tópicos, dignos de nota pela autora, são o da organização de um

sistema iniciado com a criação da atual Secretaria Nacional de Segurança

Pública – SENASP, subordinada ao Ministério da Justiça – MJ, o do

financiamento público para projetos de prevenção e repressão

desenvolvidos inicialmente pelos Estados e mais recentemente pelos

Municípios, com a criação do Fundo Nacional de Segurança Pública – FNSP

e, por fim, a criação do Sistema Único de Segurança Pública – SUSP (ao

modo do Sistema único de Saúde).

O último dos paradigmas identificados pela autora é o da “Segurança

Cidadã”. De origem eminentemente latina, surgiu nos anos 1990, tendo

sido aplicada primeiramente na Colômbia em 1995 e, daquele país,

difundido aos demais da América Latina. Curioso observar que os países

que têm adotado este modelo são justamente os que, durante os anos

1960 a 1980 estiveram, também sob a égide de Regimes de Exceção com

governos militarmente constituídos.

Importante é compreender a abrangência do conceito de “Segurança

Cidadã” e sua intrínseca relação com a noção de “cidadania plena”. Assim,

afirma a autora:

O conceito de Segurança Cidadã parte da natureza multicausal da

violência e, nesse sentido, defende a atuação tanto no espectro do

controle como na esfera da prevenção, por meio de políticas

públicas integradas no âmbito local. Dessa forma, uma política

pública de Segurança Cidadã envolve várias dimensões,

reconhecendo a multicausalidade da violência e a heterogeneidade

de suas manifestações. (FREIRE, 2009, p.105-106).

À diferença dos paradigmas anteriores, “Segurança Nacional” e

“Segurança Pública”, o primeiro centrado na idéia de repressão

28

incondicional a um inimigo interno do Estado e o segundo na repressão a

um inimigo interno que personifica a violência contra a pessoa e o

patrimônio, esta perspectiva da “Segurança cidadã” implica intervenções

de caráter multisetorial e abrangente, categorizadas segundo o PNUD

(Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e citado pela

autora como segue (PNUD, 2005, apud FREIRE, 2009, p.106):

1. as dirigidas ao cumprimento voluntário de normas;

2. as que buscam a inclusão social e a diminuição de fatores de

risco (álcool, drogas, armas, etc.);

3. as que têm como propósito a melhoria dos contextos urbanos

associados ao medo e ao perigo real recuperação de espaços

públicos);

4. as que facilitam o acesso dos cidadãos a mecanismos

institucionais e/ou alternativos de resolução de conflitos;

5. as que possuem foco na construção de capacidades

institucionais, melhoria da eficácia policial e das autoridades

executivas ou judiciais e da confiança dos cidadãos em tais instituições.

Como se poderá perceber, o foco, na perspectiva de uma “Segurança

Cidadã”, está centrado no cidadão, no gozo pleno de seus direitos, aquilo

que impede esse gozo, é considerado uma “violência”. É neste sentido que

as Políticas Públicas com foco na Segurança Pública devem, pois,

desenvolver-se. Estas políticas devem ter caráter protetivo da cidadania.

Sistemas de Videovigilância funcionam bem como intervenção junto à

população, segundo o preceituado pelo PNUD (2005), uma vez que têm

como “propósito a melhoria dos contextos urbanos associados ao medo e

ao perigo real” (PNUD, 2005, apud FREIRE, 2009, p.106). No entanto,

isolada, esta intervenção pouco ou nada apresenta de benefício à

população, além de haver, sempre, o risco de seu desvirtuamento e

desatenção e abuso, por parte do poder público, em relação à privacidade

e à imagem do cidadão.

29

Não constitui, portanto, uma “Política Pública de Segurança”, como quer

Ana Sofia Schmidt de Oliveira (2002)7, mas apenas uma intervenção

possível que, somada a outras, pode garantir o controle social e, por

conseguinte, manter em níveis aceitáveis a violência e a criminalidade nos

locais de instalação dos dispositivos do tipo câmera de videovigilância

urbana.

Recentemente institui-se o Programa Nacional de Segurança com

Cidadania – PRONASCI. Um programa de governo editado pelo Ministério

da Justiça e sob gestão direta da SENASP. O programa se caracterizava

por congregar ações em diversos âmbitos de atuação, articulando políticas

de segurança com ações sociais. Prometia também priorizar a prevenção e

atuar sobre as causas da violência. No entanto, não abria mão da

repressão, buscando qualificar os operadores das instituições

constitucionalmente responsáveis pela Segurança Pública, fomentando já

conhecidas estratégias como a compra de armamentos e viaturas.

Este Programa parece ter sido construído em atenção ao paradigma da

“Segurança Cidadã”, embora ainda permaneçam perceptíveis alguns

indícios dos paradigmas anteriores. Segundo identificou Freire (2009,

p.107):

Algumas premissas conceituais adotadas por essa política

demonstram indícios do aprofundamento da transição rumo ao

novo paradigma aqui examinado. No entanto, é importante

lembrar novamente que o arcabouço conceitual ou o paradigma

que influencia o desenho de políticas não corresponde

necessariamente aos seus resultados práticos (FREIRE, 2009,

P.107)

7 Segundo a autora: “Políticas de segurança pública é expressão referente às atividades

tipicamente de policiais, é a atuação policial „strictu sensu’. Políticas públicas de

segurança é expressão que engloba as diversas ações, governamentais e não

governamentais, que sofrem impacto ou causam impacto no problema da criminalidade e da violência.” (OLIVEIRA, 2002, p. 62).

30

Os gestores e técnicos responsáveis pelo PRONASCI parecem

compreender que o “Sistema de video monitoramento” (sic), não constitui

em si mesmo uma Política Pública de Segurança. Outrossim, reconhecem-

no, no texto do Plano de Trabalho aprovado e conveniado com o Município

da Serra/ES (por meio do Convênio SENASP/MJ nº 142/2008), como “[...]

insumo de uma política para a segurança pública e prevenção intersetorial

[...]”. Além disso, a estrutura do Projeto de implantação do GGI-M já

vinha ao município com certos limites, entre eles, que o “video

monitoramento” (sic) havia de integrar, junto com outros cinco itens8, o

Plano de Trabalho do Projeto ”Implantação de Gabinetes de Gestão

Integrada Municipais no âmbito do PRONASCI”, disponibilizado em 2008

aos municípios.

8 Importante, aqui, a reprodução parcial do texto do Plano de Trabalho aprovado pela

SENASP, por meio de seleção ao PRONASCI, de Projeto de implantação do GGI-M no Município da Serra/ES (Convênio SENASP/MJ nº 142/2008):

“O GGI – M, de acordo com o PRONASCI, deverá contar com seis módulos e com os equipamentos necessários ao seu pleno funcionamento, conforme descrito abaixo:

I - Sala do Pleno GGI-M, instância superior e colegiada com funções de coordenação e deliberação.

II - Sala da Secretaria Executiva, responsável pela gestão e execução das deliberações

do GGI-M e pela coordenação das ações preventivas do PRONASCI.

III - Observatório de Segurança Pública, com funções de organizar e analisar os dados

sobre a violência e a criminalidade local, a partir das fontes públicas de informações e de monitorar a efetividade das ações de segurança pública no município.

IV – Telecentro, estrutura de formação, organizada através de ambientes que serão implantados ou desenvolvidos com o apoio do Ministério da Justiça

V - Sala de Situação, para tratar de ações de prevenção intersetorial, com previsão de

uma sala de crise, tele-atendimento e central de vídeo monitoramento.

VI - Sistema de vídeo monitoramento, insumo de uma política para a segurança pública e

a prevenção intersetorial que engloba vários atores municipais tais como: Guarda

Municipal, Defesa Civil, Trânsito, SAMU e outros órgãos, integrados, também, com os agentes de segurança pública do estado (Polícias Civis, Militares e Corpo de Bombeiros).”

31

3 DE PROMETEU A ARGOS, OU, DA PRETENSÃO DE SER OMNISCIENTE

O que teriam os mitos de Prometeu, um Titã, e de Argos, um gigante,

haver com videovigilância? Em princípio nada. No entanto, se nos

detivermos por alguns instantes diante das histórias de ambos,

encontraremos alguns ecos entre a realidade e os mitos.

Antes, porém, é importante uma ou duas advertências, acerca da

funcionalidade de narrativas míticas em tempo presente. E quem nos

acorre nesta tarefa é Clémence Ramnoux (1977), em seu artigo

“Mitológica do tempo presente”, no qual afirma, numa primeira passagem,

que:

Sempre que o mito permanece “funcional”, isto é, associado às

instituições em serviço, ele encerra informação e sabedoria:

informação geográfica, climática, agronômica, artesanal; sabedoria

constituindo um código ético, um protocolo, um certo pensamento da condição humana. (RAMNOUX, 1977, p.21).

A funcionalidade de um mito, então, diz da construção de uma

cosmologia, de uma organização de conhecimentos, como afirma a

autora, de “informação e sabedoria [...] constituindo um código ético”.

Bem sabemos que um código ético é a compilação, o ajuntamento de

modos de ser e fazer, enfim de costumes aceitos ou não em um

determinado grupo humano.

O mito traduz a prevalência e a continuidade, na forma do hábito, de um

comportamento acolhido pelo grupo. Ou, ao contrário, a sanção pelo

comportamento não aceito. Daí se originam as regras positivadas, os

regulamentos, as normas, as leis. Enquanto narrativa, o mito traduz a

32

existência humana numa história exemplar. É transmissão de sabedoria

visando ao bem comum.

Mas, e quanto à modernidade, e quanto ao tempo presente? Ou, como

argúi Ramnoux (1977, p.25): “Que seria então o mito do tempo

presente?” Em resposta à própria argüição, a autora afirma, numa

segunda passagem, que o mito do tempo presente é:

Toda ideologia (seja de expressão imaginosa, seja de expressão

conceitual) que permitisse “mediatizar” ou “conviver com” as

problemáticas de cultura surgidas ao mesmo tempo que a

edificação rápida da “tecno-cultura”, numa sociedade que não

respondeu à provocação de suas contradições (RAMNOUX, 1977, p.21).

Neste ponto, parece-me que os mitos de Prometeu e de Argos tocam em

pontos cruciais, até mesmo em relação à operacionalidade do sistema, das

contradições em relação à sua tão “divulgada” infalibilidade9. E o que dizer

das questões éticas, problema oriundo dos limites ainda não estabelecidos

para a vigilância por vídeo em território nacional, quando não relacionados

às pré-concepções arraigadas na formação dos operadores. Ou mesmo

das questões relacionadas à tecnologia envolvida no processo de

vigilância.

De posse destas duas passagens que nos soam como advertências,

passemos, pois, à narração dos mitos de Prometeu e Argos, conforme

proposto, em busca de possíveis convergências daqueles com o tema da

videovigilância.

9 É importante lembrar o papel da Grande Mídia, principalmente a televisiva, ao veicular

imagens fornecidas por sistemas públicos de videovigilância urbana. Sob o manto da

fidedignidade da notícia (uma forma ainda mais real de realidade), as agências de notícia

apresentam, invariavelmente, as câmeras como solução milagrosa para os índices de

violência e criminalidade. O mais das vezes, repórteres e âncoras (locais e nacionais) de

telejornais diários demonstram, em suas reportagens espetaculares, a infalibilidade das “câmeras” e das abordagens que produzem a partir de flagrantes.

33

O mito de Prometeu remonta a criação do mundo e dos homens. Era um

dos titãs e teria sido ele o criador da raça humana, misturando terra e

água, esculpindo com essa matéria as feições dos deuses e insuflando-

lhes atributos de outros animais e o espírito divino. Prometeu, percebendo

a disparidade entre homens e deuses, rouba do carro do sol o fogo deles

escondido por Zeus, o governante olímpico. Instaura-se uma querela

entre ambos e nela o que medem, titã e deus olímpico, é sua inteligência

e sua astúcia. Segundo Mary de Camargo Neves Lafer (1996, p.64) em

Tradução e comentários à primeira parte de “Os trabalhos e os dias” de

Hesíodo:

No verso 48 temos a colocação, já personalizada, dos

protagonistas do desequilíbrio instaurado com o roubo do fogo:

Zeus e Prometeu; sendo que o titã surge com sua característica

fundamental presente em seu nome – o de métis (inteligência

astuciosa) previdente e, reiterado em seu epíteto (ankylométis), o

de métis retorcida. Zeus surge sem epítetos, em toda força de seu

incontestável poder soberano; cabe lembrar aqui que Métis, a

primeira esposa de Zeus, foi por ele engolida, o que significa que

ele tem a Métis dentro de si. [...] Prometeu é ankylométis,

habilidoso na arte de tramar. Ele tem a métis retorcida, o que faz

deles especialmente habilidoso e com isso desafia Zeus. (LAFER, 1996, p.64-65)

O jogo de métis, é o que nos interessa neste mito. O próprio nome de

Prometeu (pro-métis) já nos dá pistas de seu modo previdente de pensar.

Assim como nos esclarece, acerca desta “vidência anterior aos fatos”,

desta antevisão, o nome de seu irmão, o titã Epimeteu (epi-métis), “seu

nome indica que ele tem a compreensão dos fatos só após terem eles

acontecido [...] Fala-se em „prometéia‟ e „epimetéia‟, como formas de

inteligência dos fatos” (LAFER, 1996, p.29).

Deixemos reservado o Mito de Prometeu e aquilo que aborda, conforme o

que afirma Jaa Torrano (1996, p.50): “[...] o jogo de métis que constitui a

relação entre Zeus que conhece (e assim é) imperecíveis pensamentos

34

(áphthita médea eidos) e Prometeu de curvo pensar (agkylométes),

„quando se discerniram deuses e mortais homens‟ (T.535)”, em favor de

conhecermos um segundo mito, qual seja o do gigante Argos10.

Argos foi, segundo uma das variantes do mito, um gigante que possuía

100 olhos sobre a cabeça. Isso o tornava um vigilante eficientíssimo, uma

vez que nunca dormia, ou, se o fazia, fechava apenas a metade destes

olhos, conservando os outros 50 abertos. Foi então incumbido pela deusa

Hera (Juno) de vigiar Io, amante metamorfoseada por Zeus (Júpiter) em

uma novilha. Enciumada de sua traição, Hera (Juno) pede que Zeus

(Júpiter) lhe presenteie com a novilha e ordena a Argos que a vigie,

impedindo que voltasse à sua forma humana.

No desdobramento desta história, segundo Thomas Bulfinch:

Júpiter [Zeus] perturbou-se ao ver os sofrimentos da amante e,

chamando Mercúrio [Hermes], ordenou-lhe que matasse Argos.

Mercúrio apressou-se: calçou as sandálias aladas, pôs o barrete,

pegou sua vara de condão que fazia dormir e atirou-se das alturas

do céu para a terra. Despojou-se, então, de suas asas,

conservando apenas a vara de condão, com a qual se apresentou

como um pastor conduzindo um rebanho. Enquanto caminhava,

tocava sua gaita. Argos ouviu-o deleitado, pois era a primeira vez

que via o instrumento. [...] Mercúrio sentou-se, conversou e

contou histórias até bem tarde, e tocou em seu instrumento11 as

10 Há inúmeras grafias para o nome de Argos. Em alguns casos é grafado Argo e noutros

ainda Argus. A respeito desta última grafia, presente numa narrativa excepcional, dada

sua aplicação, principalmente durante 1970 e 1980, no Serviço Nacional de Inteligência –

SNI, quando foi muito exaltada e difundida entre os agentes do “serviço”, como afirma

Lucas Figueiredo (2005) em seu “Ministério do Silêncio”.

11 Segundo Rodrigo Duarte (2004): “[...] Hermes [...], que a princípio não sabia como

vencer a inexpugnável vigilância de Argos, conseguiu o seu intento com auxílio de uma

flauta de pan. À medida que Hermes tocava o instrumento, ia fazendo cerrar,

adormecidos, um a um os cem olhos de Argos até que o degolou e pôde libertar

Io.”(DUARTE, 2004,p.45). Cabe aqui uma reflexão: a flauta da história não é qualquer

uma, mas sim uma “flauta de Pã”, uma flauta Siringe. Esta flauta tem sua origem na

transformação de uma outra ninfa (um especulo, portanto, com a imagem invertida), não

por ser amante, mas por rechaçar um pretendente, o próprio Pã, em caniços com os

quais o deus cria uma flauta. O som que sai de um instrumento formado de um corpo

feminino transformado só poderá apresentar atributos também femininos, entre eles, por certo, a sedução. Argos é seduzido, sede ao som da flauta e ao sono e, então, é morto.

35

melodias mais suaves, tentando adormecer os olhos vigilantes,

mas tudo em vão. Argos conseguia deixar alguns de seus olhos

abertos, embora fechando os demais. Entre outras histórias,

Mercúrio contou-lhe como fora inventado o instrumento que

tocava. [...] Antes de Mercúrio terminar sua história, percebeu que

Argos adormecera, com todos os olhos fechados. Enquanto

cabeceava, Mercúrio, com um só golpe, cortou-lhe a cabeça e

atirou-a embaixo do rochedo. [...] (BULFINCH, 2001, p.40-41).

O que nos interessa neste mito é justamente a falha de Argos em

permanecer acordado e vigilante. Mas constituirá isto uma falha de fato?

Nesta variante do mito, Argos é um gigante e não um semideus. É mortal,

portanto. Está como os demais humanos à mercê de necessidades

corpóreas como o sono, a fome, a sede, etc. O sono aparece, ao longo da

história, como grande perigo à excelência da arte de Argos, qual fosse a

vigilância.

O fator tempo surge com grande importância nesta história. Mercúrio leva

bom tempo até que suas narrativas e as condições de conforto

necessárias ao sono convergissem num momento propício ao assassínio

de Argos.

3.1 Da antevisão à visão constante e omnisciente

Muitas imagens presentes no mito encontram eco nas salas de controle de

videovigilância que vêm sendo implantadas nos municípios.

No Município da Serra/ES, por exemplo, a Central de Controle de

Operações de Videovigilância – CCOV mais parece um bunker militar.

Montada em uma grande sala, comporta bancadas onde foram instalados

monitores de vídeo (de onde se pode visualizar as vias públicas

36

monitoradas) e que se servem de cadeiras confortáveis para abrigar os

operadores.

As jornadas de trabalho, durante o período que compõe o recorte

temporal deste estudo, eram de 12 horas diárias em regime de escala de

revezamento 12hx24h e 12hx72h. Isso tornava possível que o sistema

nunca parasse, que “Argos” nunca dormisse, uma vez que enquanto

alguns operadores, com seus pares de olhos, descansavam, outros

operavam o sistema.12

As jornadas longas implicam uma redução na atenção dos operadores.

Não parecem ser producentes uma vez que, embora não se tenha um

levantamento exato, verifica-se uma acentuada freqüência nas saídas da

sala, justificadas pelos próprios operadores como: necessidades

fisiológicas (seja para idas ao banheiro ou ao fumódromo – alguns

operadores são fumantes), ou, simplesmente, “para tomar um ar”,

“esticar as pernas” e “fazer circular o sangue”.

Outros lugares no Brasil implementaram, antes mesmo da Serra/ES,

sistemas de videovigilância e passam pelos mesmos problemas

registrados no sistema serrano. São problemas como os relatados por

Trevisan, Firmino e Júnior (2009), que realizaram pesquisa etnográfica

junto aos monitores e demais servidores envolvidos nas atividades do

Centro Integrado de Monitoramento Eletrônico de Curitiba - CIMEC. Esta

pesquisa foi uma das apresentadas em março de 2009, durante o primeiro

Simpósio Interdisciplinar ”Surveillance in Latin America: Vigilância,

12 Nem mesmo na quantidade de olhos difere a realidade serrana do mito: Argos,

segundo a variante do mito que utilizamos em nossa análise, possuía cem olhos. Na

Central de Videoproteção do Município da Serra/ES são 25 os operadores disponíveis

atualmente (setembro de 2011) ao serviço de videovigilância, cada um com seus pares de olhos, perfazendo os mesmos cem olhos do gigante mítico.

37

Segurança e Controle Social” realizado pela PUCPR, em Curitiba, entre 04

e 06 de março de 2009.13

Segundo os autores, os problemas com a eficácia do sistema são

inúmeros, alguns de ordem humana e outros pelo próprio desenho do

sistema e pela limitação dos equipamentos. Assim, afirmam:

O „fator tédio‟ (SMITH, 2004), como já afirmado e em conjunto a

outras influências culturais e sócio-comportamentais, parecem

afetar também os monitores de Curitiba. Trata-se de uma situação

de enfado gerada por horas seguidas assistindo imagens de pouca

ação. Como descrito por Smith (2004), os operadores parecem

superar o fator tédio através de um „ajuste secundário‟, ou seja,

observam imagens e cenas de situações corriqueiras, construindo

histórias, jogos e comentários informais (TREVISAN; FIRMINO; JÚNIOR, 2009, p.149).

Os autores chamam também a atenção do leitor para o fato de que

durante as noites, havendo como se sabe menor movimento nas ruas,

bem como no próprio Centro de Monitoramento. Esta redução brusca de

atividades nos ambientes proporcionam: “[...] um agravamento da

condição de enfado por existirem menos pessoas, tanto no CIMEC como

nas ruas” (TREVISAN; FIRMINO; JÚNIOR, 2009, p.149).

Javier Albusac e outros (2008, p.557), em apresentação de resultados de

seu Grupo de Pesquisa ORETO, sediado na Universidade Castilha-La

Mancha, na Espanha, na qual abordaram regras para a construção de

softwares inteligentes para uso em videovigilância, indicam que:

13 O texto referido “Olhos de vidro: observando os observadores no monitoramento de

espaços públicos em Curitiba, Brasil” é de autoria de Elisa Trevisan, Rodrigo José

Firmino e Almir de Moura Junior e pode ser encontrado nos Anais do Simpósio

publicados sob o Título “Vigilância, Segurança e Controle Social na América Latina”. Disponível em: <http://www2.pucpr.br/ssscla/anais.htm>. Acesso em: 13/10/2009.

38

Según Tan Kok Kheng, vicepresidente de la división OEM de WPG

Systems, – una de las principales distribuidoras de sistemas de

vigilancia avanzados -, “Tras 20 minutos de vigilancia, la atención

humana a los detalles del vídeo disminuye hasta niveles

inaceptables y la videovigilancia deja de tener sentido. La

videovigilancia tradicional ya no puede cumplir las, cada vez

mayores, demandas del sector”. La solución a estas deficiencias

pasa por la utilización de sistemas de vigilancia inteligentes

capaces de interpretar lo que está ocurriendo. “La vídeovigilancia

ya no puede ser simple y reactiva, necesita ser inteligente y

proactiva”, enfatiza el Sr. Kheng.

Se é certo que não há continuidade na atenção concentrada do operador-

vigilante “nos detalhes do vídeo”, “após 20 minutos de vigilância”, pode-

se extrair daí uma inquietante verdade: um sistema de videovigilância é,

em maior parte do tempo, ineficiente.

Recordemos o mito de Prometeu, seu nome pro-métis indica-nos, como já

o dissemos, o seu modo pré-vidente de pensar, uma antevisão, uma visão

que, se atenta, indica uma compreensão dos fatos antes de terem eles

acontecido, uma capacidade, por assim dizer, divinatória. A “prometéia”,

um tipo de inteligência dos fatos, se coaduna melhor ao exercício da

videovigilância urbana, que a “epimetéia”, a compreensão dos fatos só

após terem eles acontecido, dado que é necessária uma proatividade,

tanto no ato de ver e discernir – nas imagens colhidas no ato de vigiar –

possíveis delitos, crimes ou violências, quanto em acionar os parceiros das

instituições responsáveis pelo policiamento ostensivo ou investigativo.

Este mito, se relacionado ao exercício da videovigilância, indica-nos a

necessidade não de pensar a inteligência ou a capacidade humanas de

proatividade, mas a necessidade de desenvolvimento de novas

tecnologias, de softwares e sistemas cada vez mais inteligentes,

interconectados a bancos de dados cada vez mais abrangentes e

atualizados aos quais possam recorrer, buscando êxito na tarefa de

assegurar, por meio desta ferramenta, a população que circula nas vias

por ela abrangidas.

39

Uma capacidade de antevisão, quase que divinatória associada à visão de

cem olhos vigilantes e atentos, remete à onisciência divina. Os sistemas

de videovigilância até pela proximidade com os princípios da construção

panóptica de Jeremy Bentham (2000), têm esta pretensão de onisciência

e, como afirma Fernanda Bruno (2008, p.47):

As câmeras de vigilância, mais claramente identificadas como

instrumentos de inspeção, representam um olhar que pela sua

multiplicação em inúmeros locais públicos, semi-públicos e

privados tende à onipresença, descortinando a cidade e os corpos

passantes.

No entanto, os sistemas de videovigilância não podem ensejar um último

atributo “divino”.14 Este atributo é a onipotência. O motivo é simples, há

uma dependência explícita dos parceiros, principalmente as polícias que se

ocupam da atividade ostensiva.

No entanto, apesar desta dependência interinstitucional, os sistemas de

videovigilância são potentes ao seu modo. Fernanda Bruno (2008, p.47)

afirma que:

Embora sempre represente uma instância de observação, a

câmera de vigilância pode “agir” tanto segundo uma “eficácia

simbólica”, atuando como signo que dissuade a realização de

comportamentos indesejáveis, quanto como olho que captura ou

registra efetivamente a ação. [...] Funcionam, portanto, sobretudo

como signo de uma retórica da vigilância que institui nos usuários

uma consciência tácita de estarem sendo observados (Müller e

Boss, 2004). Outras câmeras atuam como olho atento e vigilante

capaz de intervir no momento mesmo da ação ou produzir registros para medidas posteriores.

14 Ver Jacques-Alain Miller (2000)

40

Revelam, os sistemas de videovigilância, portanto, uma dimensão

formadora de discurso sobre a vigilância e a segurança que esta

proporciona. O acordo com a população é tácito. Não há necessidade de

provas de eficiência, uma vez que a retórica produzida e divulgada,

principalmente pela grande mídia (seja televisiva ou impressa), induz à

“eficácia simbólica” de que fala a autora.

3.2 Da omnisciência como fundamento do Panoptismo

Jeremy Bentham (2000) concebe o Panóptico como uma “imitação de

Deus”, dirá Jaques-Alain Miller (2000) em seu ensaio “A máquina

panóptica de Jeremy Bentham”, originalmente publicado em 1976. Acerca

das benécias imaginadas por Bentham (2000), visando ao bom

funcionamento de seu modelo arquitetônico-disciplinar, afirma o ensaísta:

Que o olho veja, sem ser visto – aí está o maior ardil do Panóptico.

Se posso discernir o olhar que me espia, domino a vigilância, eu a

espio também, aprendo suas intermitências, seus deslizes, estudo

suas regularidades, posso despistá-la. Se o Olho está escondido,

ele me olha, ainda que não me esteja vendo. Ao se esconder na

sombra, o Olho intensifica todos os seus poderes [...]. Assim, “a

aparente onipresença do inspetor (...), se combina com a extrema

facilidade de sua presença real”. Constata-se a potência de

remultiplicação que desenvolve a máquina benthamiana: para um

máximo de vigiados, um mínimo de vigilantes, uma aparência

esmagadora cobrindo uma realidade parcimoniosa. Mas seus

poderes vão até a criar uma instância onividente, onipresente,

onisciente, [...] em que é mesmo preciso reconhecer um Deus

artificial. O panóptico é uma máquina de produzir a imitação de Deus. (MILLER, 2000, p.78-79)

Dois tópicos se combinam nesta longa citação. O primeiro deles diz

respeito à questão já bastante explorada do “olhar”. No entanto, é

inegável que este olhar é construído muito intimamente relacionado a um

41

ludibrio. Mais importante que a presença do olhar é a aparência de sua

presença, é a facilidade de acesso e de conseqüente resposta, quando

necessária, para manter inabalável a crença de que o sistema vigilante-

punitivo funciona de fato.

Importante e necessária é esta crença. É ela que justifica a intervenção

urbana com a aplicação, no espaço público, de câmeras de vigilância.

Afinal, como dirá Fernanda Bruno (2008, p.48), diante das câmeras, nas

vias monitoradas: “Somos todos igualmente vítimas e suspeitos potenciais

[...]” e diante da “indiscernibilidade” produzida nessa dupla potência de

ser vítima e suspeito, conformamo-nos, em ambos os casos, segundo uma

aparência.

As câmeras têm um efeito normativo “formal”, “pragmático” e

“utilitário”, em que “parecer normal” é mais decisivo do que “ser

normal”. A normalidade é antes um efeito de superfície derivado

da retórica dissuasiva das câmeras de vigilância. (BRUNO, 2008, p.48)

Há, segundo Miller, uma limitação para o exercício do poder da máquina

panóptica: que estejam inscritas no corpo (e na alma) do vigiado a crença

na omnividência, na omnipresença e na omnisciência da vigilância, que os

vigiados estejam subjugados ao dogma de sua infalibilidade. Foucault

chamaria a isto de docilização do corpo do condenado (FOUCAULT, 2000).

David Lyon (1995), corrobora as reflexões de Fernanda Bruno (2008) e

Jacques-Alain Miller (2000), ao afirmar que: “El panóptico de Bentham

representaba uma paródia secular de la omnisciencia divina, en la que el

observador era como Dios, invisible” (LYON, 1995, p.95).

No entanto, David Lyon (1995) questiona se a vigilância eletrônica é um

poder panóptico. Novas tecnologias eletrônicas vêm sendo aplicadas em

áreas urbanas, com resultados característicos do panóptico, segundo Lyon

42

(2010, p.128): “Essas tecnologias completam o projeto panóptico de duas

maneiras, expondo mais comportamentos e tornando os aparatos de

vigilância mais opacos.”

Fernanda Bruno (2008, p.48) apresenta um argumento segundo o qual:

O efeito normativo das câmeras deriva de um tipo de atenção

voltado para a captura do excepcional, do irregular. Ou seja, as

câmeras não se destinam tanto a introduzir uma normalidade no

seio de uma população desviante (como no caso das instituições

panópticas) quanto capturar ou flagrar uma fratura na ordem corrente

A autora acaba por nos oferecer ocasião para uma reflexão acerca do

papel da grande mídia, uma vez que a procura por imagens inusitadas –

excepcionais, que mostrem acidentes reais, assaltos, crimes os mais

diversos que possam, em última análise, preencher os telejornais de

espetáculo –, extraídas dos Centros de Controle de Videovigilância, à

guisa de parceria (o que dissimula o caráter político de sua divulgação),

são diários.

Em um artigo intitulado “Voyeurismo em reality shows brasileiros –

Apontamentos sobre promos de programas televisivos”, Suzana Kilpp e

Álvaro Constantino Borges (2007) realizam brevíssima análise do

panoptismo implicado nos programas de reality show veiculados na

televisão brasileira, detendo-se notadamente com maior empenho sobre

os programas Big Brother Brasil da Rede Globo de Televisão e Casa dos

Artistas do SBT.

Em um trecho de sua análise sobre o primeiro programa, o Big Brother

Brasil, afirmam que:

43

Lyon diz que “El panóptico de Bentham representaba una parodia

secular de la omnisciencia divina, en la que el observador era,

como Dios, invisible.” (Lyon, 1994:95) No panóptico o inspetor era

onisciente porque se o imaginava onipresente, e é sob a mesma

lógica que operam os atuais sistemas eletrônicos de

vigilância; apenas que o inspetor contemporâneo utiliza-se

de uma infinidade de pequenas e baratas câmeras ao invés

de caras e complicadas edificações. Nelas todas, a mesma

ambigüidade: servem para espiar e para espionar... (KILP; BORGES, 2007, s/p, grifo nosso).

Concordamos em parte com a afirmação dos autores, em especial a parte

por nós grifada que se refere à ambigüidade entre o “espiar” e o

“espionar” – que não julgamos ambíguos, mas sim, desviantes –, com

base na observação diária e cotidiana da atuação dos operadores que

trabalham em um Centro de Controle de Videovigilância.

Há ainda um grifo nosso realizado no excerto retirado do texto de Kilpp e

Borges (2007). Nele os autores afirmam que: “é sob a mesma lógica que

operam os atuais sistemas eletrônicos de vigilância; apenas que o inspetor

contemporâneo utiliza-se de uma infinidade de pequenas e baratas

câmeras ao invés de caras e complicadas edificações” Kilpp e Borges

(2007).

Há uma incongruência no seu texto e diz respeito ao custo de operação do

sistema de videovigilância urbana. Não é barato, como querem fazer crer

os autores. Nem suas estruturas físicas o são, observado o caráter de

absoluto sigilo que se pretende guardar das imagens, evitando o uso

desviante daquelas produzidas durante a vigilância.

A tecnologia aplicada deve envolver um aparato de equipamentos de

recentíssima geração, se se quiser de fato obter algum resultado eficiente.

O armazenamento das imagens exige equipamentos muito caros e a

estrutura física que abriga a operação, as comumente chamadas “centrais

de operação” têm as características de um bunker, um ambiente

inviolável, por assim dizer.

44

4 DOS PROCESSOS E SUA GESTÃO

4.1 Inscrição cartográfica e Estratégias de distribuição dos dispositivos de videovigilância

A inscrição cartográfica de câmeras de vigilância não é muito diferente nas

localidades abrangidas por sistemas de câmeras PTZ.15 Em Quito, por

exemplo, foi implantado desde 2002 um projeto de videovigilância urbana

chamado “Ojos de Águila”.

A pesquisadora da FLACSO, Sara Löfberg (2009), publicou um artigo em

2009, no qual realizava uma análise bastante abrangente, do Sistema de

videovigilância implantado na cidade de Quito, capital do Equador.

Segundo a própria autora era uma primeira aproximação ao tema e de

como se desenvolvia naquela cidade.

Segundo a autora:

Em Quito, el sistema de vídeo vigilancia se denomina “ojos de

àguila”; está financiado por el Municipio Del Distrito Metropolitano

de Quito (MDMQ), entidad que desde el año 2002 impulsó esta

iniciativa com la instalación de ocho cámaras em espacios públicos

de la ciudad, específicamente a otros puntos de Quito, para lo cual

se efectuaron estudios espaciles de áreas con altos índices

delincuenciales, [...]. (LÖFBERG, 2009, p. 141)

15 Para compreender melhor o funcionamento de um sistema, das câmeras e periféricos

envolvidos, sugiro a leitura de um paper intitulado “NetEye – Video Vigilância Baseada

em Tecnologia IP”. Nele o leitor terá elucidadas suas dúvidas, inclusive acerca dos

significados das siglas que nominam funções dos dispositivos de controle do tipo câmeras de vigilância.

45

Muito parecido com o sistema de Quito, o modo de distribuição das

câmeras no Município da Serra é orientado, também, por estudos

diagnósticos e pesquisas junto às polícias, em especial as estaduais (PM e

PC) cuja atuação é local, ostensiva ou investigativa. Os pontos onde há

aplicação das câmeras são os que apresentam maior circulação de

pessoas. Aplicada preferencialmente sobre a rede de posteamento do

município, em altura que possibilite melhor imagem, se prestam à

vigilância de inúmeros delitos. Algumas regiões são cobertas por

apresentarem maiores índices de crimes patrimoniais seja contra casas de

comércio, pessoas em circulação ou furto de veículos. Noutras, a

justificativa fica a cargo de altos índices de tráfico e uso de drogas.

O 6º BPM – Batalhão de Polícia Militar que atende ao município vem

auxiliando na aplicação de câmeras de vigilância, indicando locais e

regiões a serem monitorados. Outro parceiro muito participativo no

diagnóstico de eventos criminosos, suas causas e a aplicação de câmeras

resultante da equação destes fatores, é a Delegacia de Crimes Contra a

Vida da Serra - DCCV. Cabe observar que em relação aos homicídios, a

aplicação de câmeras se orienta pelos índices de tráfico de drogas, uma

vez que aquele crime é, em grande medida resultante deste.

No final de 2006 e início de 2007, deu-se início a aplicação de cinco

câmeras em região de balneário. Em 2007 estendeu-se o Parque de

Videovigilância para doze câmeras que abrangiam um maior e mais

diversificado território. Em 2010 foi criado um Centro de Controle de

Videovigilância (no município da Serra/ES é denominado Central de

Videoproteção) que passou a abrigar as trinta câmeras que compunham o

Parque de Videovigilância. Em 2011 o parque se estendeu, ainda uma vez,

com a instalação de mais 25 câmeras. Em todos estes momentos entre as

primeiras e as mais recentes instalações dos dispositivos do tipo câmera,

a orientação da localização foi realizada por diagnose por pesquisa de

46

vitimização ou por consulta e levantamento de índices junto aos

parceiros16.

4.2 Do trabalho de monitoramento

Com a inauguração do novo CCOV verificou-se a necessidade de repensar

os protocolos de segurança e procedimentos de despacho das ocorrências.

Até mesmo um renovado regimento interno foi criado (Portaria

SEDES/PMS nº 001/2010 de 15 de julho de 2010). Um regimento no qual

constam desde o organograma e suas funções explicitadas, até as rotinas

diárias de acesso, bem como a normatização dos procedimentos de

difusão de imagens.

No entanto, os processos e procedimentos de monitoramento ainda não

haviam sido, até o mês de setembro de 2011, inteiramente padronizados.

Procedimentos operacionais aparentemente simples como: em que

focalizar a câmera durante a vigilância; ou, em que momento se deve

acionar o zoom, antes e durante um evento; e o principal, o que olhar –

como transformar a tipologia criminal, aquela expressa nos códices penal

e civil, em imagens a serem percebidas pelos monitores nos momentos de

vigilância.

Até o momento, muito do que se monitora surge, aparece diante das telas

e quase sempre o monitor se vale de sua experiência a apontá-lo o que

deve ou não ser monitorado. Não é incomum afirmarem que “o que

manda é o tirocínio policial”. Talvez o seja mesmo, quando se trata do

treinamento do olhar, quando se trata do poder de concentração e de 16 A Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social - SESP, as Polícias Civil e

Militar, as Secretarias de Saúde, de Serviço, de Obras, de Meio Ambiente, de Promoção

Social do município, e demais instituições que integram o Gabinete de Gestão Municipal do Município, compõe o rol de instituições consideradas parceiras.

47

percepção. No entanto, numa graduação de câmeras e eventos diversos

que nelas aparecem, qual monitorar primeiro? Que prioridade nos

atendimentos deve ser obedecida? Que violências devem ser mais

buscadas nas telas, em que razão de prioridade?

Jesús Rojas (2007, p. 32) afirma que:

Se monitorea la actividad e incluso la ausencia de ésta, así como

las prácticas sociales de los sujetos, sean cívicas o no – aunque las

primeras interesen más, pues así se justifica el gasto en matéria de seguridad que tienen actualmente los estados –.

Quando afirma que o monitoramento é ambíguo, que se monitora a

presença e ao mesmo tempo a ausência de atividades, quando indica que

os operadores-vigilantes dos sistemas de videovigilância acaba focando,

quase sempre nas práticas sociais comuns, o autor acaba por demonstrar

a realidade operacional vivenciada no Centro de Operações do município

da Serra.

Análises anteriores, como as apresentadas, por ocasião do I Simpósio

Interdisciplinar Vigilância na América Latina realizado entre 04 e 09 de

março de 2009, por autores como Elisa Trevisan, Rodrigo José Firmino e

Almir de Moura Junior (2009), sob o título “OLHOS DE VIDRO: observando

os observadores no monitoramento de espaços públicos em Curitiba,

Brasil” tratam das relações e procedimentos dos operadores numa Central

de Videovigilância, no caso dos pesquisadores, na Cidade de Curitiba.

A pesquisa teve cunho etnográfico e exigiu a convivência dos autores

durante certo período com os operadores e demais servidores que

trabalham no setor. Assim é que, segundo os autores:

48

[...] como em grande parte do tempo não acontecem casos

graves, os operadores prestam atenção em coisas

corriqueiras como uma mulher que tropeça, o percurso feito

pelos vigilantes em greve, ou o caminho feito pelas ciganas em

direção ao seu posto. Em um caso específico, a operadora da SMU,

ao monitorar ambulantes legalizados, direciona a câmera para

seus produtos e exclama: "não preciso nem ir ao mercado para

saber o preço do morango!" (masc., Operador 4). Em outro momento presta atenção nas manchetes da banca de jornal.

Outra situação que ilustra perfeitamente os jogos e comentários

durante o monitoramente, e que indireta e inconscientemente

ajudam quebrar a já mencionada monotonia, ocorre no momento

da observação de uma cigana, lendo a mão de um homem.

O caso gera comentários do tipo: tá falando da mulher dele,

quando ele chegar em casa ela vai ouvir (masc., Operador 1); até

homem caindo na lábia dela (masc., Operador 2); ela deve faturar

um troco (masc., Operador 2); olha, olha: deizão, vou mudar de profissão (masc., Operador 1).

Os operadores chegam ainda a simular diálogos entre os dois e

brincam perguntando se alguém sabe fazer leitura labial. Ainda ao

comentar seu trabalho com outros policiais que não conheciam o

centro, o Operador 2 (masc., Operador 2) faz o seguinte

comentário: “dá até pra tirar foto da mulherada da XV, vou

mostrar o álbum” (masc., Operador 2). (TREVISAN; FIRMINO;

JUNIOR; 2009, p. 145-146)

É importante explicar a marcação do texto original, os três grifos

respectivamente. Em relação ao primeiro grifo: “[...] os operadores

prestam atenção em coisas corriqueiras [...]” (TREVISAN; FIRMINO;

JUNIOR; 2009, p. 145-146). Há algo que se deve saber sobre o Sistema

de Videovigilância. Não são corriqueiros os flagrantes de crimes. A maior

parte dos comportamentos monitorados, e que resultam em acionamento

da Polícia Militar, são comportamentos relacionados a desvios de conduta,

rompimentos com as normas morais ou contravenções penais e, quase

sempre, não resultam em prisão, mas em averiguação.17

17 A veracidade desta nossa afirmação é algo que pretendemos investigar por meio de

nossa pesquisa com a análise das ocorrências registradas nos Livros de Ocorrência do

CCOV do Município da Serra, espaço que abriga nossa amostra e nosso objeto de pesquisa.

49

O que está em jogo, aqui, é a observação do cotidiano, pura e

simplesmente. Fernanda Bruno (2008) nos dá uma pista importante do

porque desta dispersão dos operadores em relação ao foco da vigilância.

Segundo a autora, o que une os indivíduos vigiados, a despeito de

estarem ou não agindo de modo cotidiano é o “acaso de transitarem num

mesmo espaço inspecionado [...]”, o que por si só não justifica a vigilância

sobre si. (2008, p.48). O mais das vezes o que se vê são passantes sem

identidade.

Acerca do segundo grifo, no qual os autores afirmam que “[...] no

momento da observação de uma cigana, lendo a mão de um homem. O

caso gera comentários [...]” (TREVISAN; FIRMINO; JUNIOR; 2009, p.

145-146), a reflexão é acerca da constatação dos pesquisadores de que o

evento corriqueiro “gera comentários”. O fato de um evento cotidiano

gerar comentários é que é corriqueiro. Operadores de monitoramento por

vídeo são, geralmente, adultos maduros, cujos valores já estão

cimentados de acordo com a cultura dominante e são impregnados de

prejulgamentos. Os comentários quase sempre são tendenciosos ao risível

e flertam de perto com o preconceito. É, portanto, desta perspectiva,

aceitável que os operadores espiem a população de um modo voyeurístico

e pouco compromissado com procedimentos e protocolos de segurança18.

Entre a vigilância de um grupo estigmatizado pela suspeição como a que

paira sobre a cigana que “lê o destino de alguém” e o anonimato desse

indivíduo “abordado por uma cigana”, dado o folclore que envolve a

“ciganice”, em que a trapaça ganha ares risíveis, num jogo que revela, de

um lado a esperteza cigana e do outro um suposto descuido de uma

vítima em potencial. O fato não é considerado uma ocorrência, embora

possa indicar uma fraude iminente. Neste sentido, vale lembrar que a

18 Esta é outra afirmação que pretendemos comprovar e que deverá nos auxiliar na

construção de procedimentos e protocolos de segurança mais adequados à operacionalidade do sistema.

50

“suspeita” é já um modo de perceber a realidade transmitida e partilhada

culturalmente.

Por fim, o terceiro trecho grifado, no qual encontra-se: “[...] „dá até pra

tirar foto da mulherada da XV, vou mostrar o álbum’ (masc.,

Operador 2).” (TREVISAN; FIRMINO; JUNIOR; 2009, p. 145-146). Uma

afirmativa destas, elaborada com esse teor por um dos operadores de

videovigilância estudados no artigo em questão, e que demonstra-nos

uma real possibilidade de desvio de conduta. Espiar e espionar ganham

proximidade com o termo bisbilhotar, observar, não num contexto da

segurança pública, mas num contexto da vida privada para satisfação de

sabe-se lá quais desejos do operador.

Os limites éticos da observação, com a finalidade de defesa social, de

imagens das pessoas em ambiente público monitorado precisam ser

controlados de modo constante e com atenção extrema, buscando-se

eliminar a possibilidade que se apresenta. Não há ainda, um marco

regulatório nacional, a legislação é quase sempre municipal, ou se

estabelece como portarias elaboradas e publicadas pelos secretários

municipais a cujas pastas se subordinam tais serviços, o que impede a

amplitude da punição para desvios do tipo mencionado.

Sara Löfberg (2009) afirma que:

[...] si bien el delito es el objetivo principal del sistema de video

vigilancia, las cámaras también operan con el propósito de brindar

auxilio em situaciones de emergência y como um mecanismo para intervenir em espacios públicos. (LÖFBERG, 2009, p. 144)

É importante ressaltar o caráter integrador da ferramenta

“videovigilância”. Sua capacidade de alcance institucional é imenso, na

medida em que o que se vê, por meio das câmeras, são situações não

51

apenas relacionadas à criminalidade ou à violência, mas, também ao fluxo

de trânsito, ao calçamento irregular que pode estar interferindo neste

fluxo, riscos oriundos de fortes chuvas, de construções irregulares, pontos

de foco proliferação de insetos e de doenças, consequentemente, como,

por exemplo caixas d‟água se o devido fechamento e cobertura sobre as

casas.

Daí a necessidade de que o ambiente de vigilância, na Central de

Controle, seja habitado interinstitucionalmente. Não apenas por policiais

ou guardas municipais, como é o caso do município da Serra/ES, mas

também, com representantes da Defesa Civil municipal, da saúde e do

trânsito, e quando necessário, que representantes de outras Secretarias

municipais e instituições responsáveis pela saúde e infraestrutura

municipal sejam momentaneamente integrados à equipe de operadores.

No entanto, é importantíssimo acolher com bom grado a presença das

polícias no ambiente de monitoramento, uma vez que a operacionalidade

e a ostensividade necessárias ao atendimento de ocorrências registrados

na Central de Videoproteção da Serra, ou em outra que se inscreva,

similar, em qualquer território, depende daquelas instituições. Löfberg

(2009, p.144), a este respeito afirma que:

En este sentido, la policía es um actor imprescindible que forma

parte del sistema de video vigilancia, y em teoría debería haber

una excelente comunicación entre los funcionarios policiales que

hacen de operadores del sistema y quienes se encargan de la

investigación del delito; al respecto, existen estudios académicos

que acentúan a la policía como elemento clave para que un

programa sea exitoso [...].

No Município da Serra resolvemos esta questão conveniando com o

Governo do Estado do Espírito Santo, por meio da Secretaria de Estado de

Segurança Pública e Defesa Social, a contratação de Policiais Militares

52

provenientes da Reserva Remunerada da PMES, que passam a integrar o

corpo de operadores que atuam diuturnamente na Central de

Videoproteção.

4.2.1 Ostensividade da videovigilância: entre ver e acionar

Certo é que já se espera algo do monitor. E esse algo é já esperado, por

seguir uma espécie de formatação prévia advinda da formação militar que

impregna os setores ligados à segurança, seja pública ou privada. Afinal, a

nossa história recente elegeu o modelo militar para constituir, sob a égide

do Paradigma da Segurança Pública, o policial, bem como os processos e

os procedimentos relacionados à atividade ostensiva de policiamento. E

não obstante, elegeu esse mesmo modelo militarizado na formação do

vigilante privado.

Não será difícil dimensionar o alcance deste universo de conhecimentos

provenientes daquela formação no ambiente de videovigilância. No caso

do Município da Serra, isso é ainda mais expressivo, uma vez que o

Município é signatário, junto ao Governo do Estado, do Convênio

SESP/SEDES nº 001/2010, de 05 de fevereiro de 2010, cujo objeto é a

cessão de Praças provenientes da Reserva Remunerada da Polícia Militar

do Estado do Espírito Santo e que passaram desde o mês de junho

daquele ano, a atuar no Centro de Controle de Videoproteção do Município

da Serra, nos moldes da Lei Complementar Estadual nº 460/2008 19.

Mas de onde vem esse chamado “tirocínio policial”? Ou, como afirma

Jorge da Silva (2003), esse “faro” que o “policial veterano” insiste em

19 Em âmbito municipal, a Serra/ES, editou ainda duas outras legislações, uma que

autoriza a celebração do convênio e outra que a regulamenta. São elas, respectivamente: Lei Municipal Nº 3433/2009 e o Decreto Municipal Nº 2666/2010.

53

utilizar para a identificação de criminosos em meio à multidão dos grandes

centros urbanos? Esse “tirocínio”, esse “faro” que instrumentaliza o

agente público na busca do comportamento criminoso constitui-se

segundo uma cultura, a partir do cultivo, da coleção de uma série de

signos corpóreos, de situações mais ou menos análogas que ocorrem no

decorrer do tempo de serviço do policial, na vivência do contato com a

própria criminalidade e com o criminoso, na aproximação com o desvio à

norma e com o desviante, na percepção de um infinito movimento de

repetição. Resta saber: o que constitui, ao olhar policial, um desvio, um

gesto, um comportamento suspeito?

Elizabeth Cancelli (2001) propõe um estudo diacrônico da noção de

criminalidade, baseando-se na historiografia brasileira na injunção dos

Séculos XIX e XX e a posteriori. Curiosamente as várias escolas de

pensamento que deram corpo a esta historiografia, por vezes contraditória

e que “quase sempre denotava uma obsessão das instâncias criminais

pela moralidade e pelos costumes” (p.34-35), acabaram por fornecer um

“verdadeiro inventário ético” (p.31) e para alcançá-lo, deve-se:

[...] refletir sobre a função simbólica e ideológica da justiça

criminal, dos parâmetros morais por ela delimitados à sociedade,

da singularidade dos costumes rituais, da linguagem e das

maneiras, das linhas de separação entre o proibido e o permitido,

a partir de uma realidade que não se circunscreve ao estritamente

criminal, mas que neste momento, inicia a dividir o mundo em

constituído de sujeitos criminosos, como forma de organização

cultural. (CANCELLI, 2001, p.31).

Pedro Paulo Gastalho de Bicalho (2005), pesquisador e professor da UFRJ,

em sua tese de doutorado, pensando a construção cultural do “suspeito”

(e que supomos seja produzido na mesma dinâmica de suspeição com que

avaliamos nossos suspeitos, procurando-os com as lentes de nossas

54

câmeras, operadas por policias militares, esquadrinhando a via pública),

propõe:

[...] que se discuta com os policiais as razões pelas quais nossos

suspeitos são categorizados como suspeitos e as condições que

possibilitaram (e possibilitam) a emergência destes, e não outros, sempre relacionadas a relações de poder. (BICALHO, 2005, p.19)

Em sistemas de videovigilância monitora-se a todos, indistintamente.

Como afirma Fernanda Bruno (2008, p.48), “[...] as câmeras de vigilância

em ruas, [...], são dirigidas a todos e a qualquer um [...].” É verdade que

alguns chamam mais a atenção dos operadores do que outros não por

acaso, já que a maioria dos operadores que atuam na Central de

Videoproteção são policiais militares, mas por uma “fundada suspeita”.

4.2.2 Uma noção tomada de empréstimo às policias: a “fundada suspeita”

O Major da PMES Marcio Luiz Boni (2005), em estudo de Mestrado em

Direito, abordando o tema da cidadania e do poder de polícia na

abordagem policial, e para levar a cabo seu estudo, passa pela formulação

da noção de “fundada suspeita”. Boni (2005, p.77) afirma, assim, que:

A fundada suspeita não se trata de uma mera suspeita, e não pode ser vista de maneira simplista e exclusivamente subjetiva.

A suspeita pode ser entendida como uma desconfiança

individualizada, em razão de um comportamento estranho ou

inadequado que se identifique numa pessoa ou pessoas, mas que

não apresente elementos palpáveis de que estejam portando ou

ocultando objetos ilícitos, ou que apresente indícios da iminência

ou da prática de um ilícito, ou qualquer outro ato perturbador da

55

ordem pública, sendo assim, não é suficiente para autorizar uma medida que intervenha na liberdade do cidadão.

Por outro lado, permite-se a utilização de uma técnica policial

preventiva, como de observação, de averiguação, de aproximação,

ou quaisquer outras que não poderem (sic) direitos consagrados, mas mantenham uma postura pró-ativa do órgão estatal.

A fundada suspeita pode ser compreendida como uma

desconfiança não individualizada, mas compartilhada, pois seria

perceptível ao policial identificá-la, em razão dos elementos

objetivos que se apresentam, e assim permitam supor que aquela

pessoa esteja portando algum objeto ilícito, ou que esteja

praticando ou venha a praticar um delito ou qualquer ato que perturbe a ordem pública.

Inicialmente o autor busca formular o conceito e, para tal lança mão,

ainda de forma superficial, o do se oposto. Neste sentido, indica que a

fundada suspeita não é “uma mera suspeita”, mas traz elementos outros

que a tornam diferente do simples desconfiar. Em seguida formula, com

mais profundidade as características daquela noção, indicando seu caráter

individualizante, o que possibilita um norte para decisões no exercício da

discricionariedade policial militar e a aplicação de técnicas de aproximação

e abordagem. No caso de sistemas de videovigilância, há um elemento

facilitador ao exercício da discricionariedade, que diminui o risco de que o

policial incorra em excessos ou rompimentos em relação aos direitos

constitucionais dos cidadãos. As câmeras de vigilância são do tipo PTZ,

possuindo, entre outros, recursos tecnológicos como o zoom (ótico/

digital), um recurso de aproximação da imagem que permite ao olhar

atento do policial-operador efetuar, quase que completa revista num

hipotético suspeito, antes de acionar os policiais que estejam em atuação

na via pública.

Por fim, Boni (2005) anuncia a dimensão cultural da fundada suspeita,

afinal, constitui uma “desconfiança não individualizada, mas

compartilhada” tanto entre policiais, quanto entre cidadãos comuns. O

56

suspeito traz, neste sentido, estigmas forjados historicamente, como quer

Cancelli (2001)20.

4.3 Seleção e distribuição de imagens

O nível de formação do monitor, as características sóciopsicológicas e

mesmo preconceitos pessoais, têm grande influência sobre a seleção e

análise das imagens. Isso faz do sistema ineficaz, embora possa ser

eficiente alguma vez.

Há, no entanto, para além da criação de softwares inteligentes de

identificação, uma possibilidade de tornar o sistema eficaz, uma vez que

depende do fator humano21, ou seja, depende do operador: estabelecer

um treinamento bem direcionado, aliado à criação de procedimentos bem

definidos que moldassem o olhar do operador, que lhe tornassem mais

atento, sensível e mais capacitado em “distinguir cenas urbanas comuns

de potenciais distúrbios ao que o gestor público considera atitudes

normais” (TREVISAN; FIRMINO; JÚNIOR, 2009, p.149).

Por outro lado, os operadores são apenas alguns dos atores que acabam

por compor a rede de vigilância, outros são os operadores das polícias, os

gestores responsáveis pelas secretarias municipais, os representantes das

20 Ademais cabe lembrar que é com base neste modo de pensar a suspeição que são

formados policiais militares. Nos cursos de formação de vigilantes patrimoniais, por sua

vez, embora seja a Polícia Federal que realize sua fiscalização, a influência maior é de policiais militares e civis, uma vez que os cursos de formação são realizados localmente.

21 Desde a década de 1970 existe uma discussão incessante sobre “fator humano” na

área de Psicologia do Trânsito. Alguns autores defendem a existência e conceituam o

“fator humano”, enquanto outros pesquisadores rejeitam a terminologia. Neste estudo, o

termo “fator humano” está sendo utilizado apenas no intuito de chamar a atenção para o

fato de que, a máquina e todo o processo posterior a captação da imagem, depende do

operador, neste caso, do homem (e seus pré-conceitos) por trás das “lentes” e cabos óticos.

57

entidades de defesa de direitos dos cidadãos. Cada uma delas forma um

“nó” na rede e todas, assim, a compõem constituindo-se seus atores; “e

este ator é, ao mesmo tempo, uma rede, já que se compõe a partir de

conexões, e estabelece conexões outras, além daquelas que estão em

foco” (CASTRO; PEDRO, 2010, p.38). Isso impõe a necessidade de

atentarmos para o fator segurança e, por consecução estabelecer

protocolos de segurança do sistema cada vez mais eficazes do ponto de

vista de vazamento de imagens não licenciadas pelas coordenações e

pelas gestões públicas.

4.3.1 Divulgação de imagens em mídia televisiva e impressa

Corrêa e Cunha (2009) realizaram um mapeamento de notícias de cunho

jornalístico que versassem sobre o tema da aplicação de câmeras de

videovigilância em vias públicas. Pelo seu levantamento, um apanhado

analítico apenas de “[...] matérias de jornais brasileiros veiculados na

Internet no período de agosto de 2007 e agosto de 2008.” (CORRÊA;

CUNHA, 2009, p.92).

Segundo os autores, a amostra foi categorizada e organizada em um

banco de dados, cujas categorias, incluem: “[...] vídeo-vigilância (em que

aparecem notícias referentes apenas a espaços públicos); flagrantes;

mundo; transportes e trânsito; escolas; futebol; empresas; prisão;

eleições.” Entre estas categorias há uma que chama a atenção e a ela

voltaremos posteriormente: é a categoria “eleições”. Sobre ela, os autores

comentam em uma pequena, mas elucidativa nota que:

Esta categoria foi adicionada devido à grande quantidade de

matérias que surgiram, principalmente, na época das prévias das

eleições de outubro de 2008, com discursos de políticos atrelando

58

as câmeras a seus projetos de governo. (CORRÊA; CUNHA, 2009, p.95)

Os resultados alcançados são bastante curiosos, necessitando maior

atenção e certa exegese. Os pesquisadores encontraram 52 notícias no

período pesquisado (agosto de 2007 e agosto de 2008). Destas notícias,

59 alocuções atendiam aos quesitos da pesquisa sobre a atuação de um

sistema de videovigilância, expondo opiniões ou informações sobre

“implantação, ampliação” e “posicionamento” da fonte “a respeito da

vídeo-vigilância”. (CORRÊA; CUNHA, 2009, p.95).

Segundo Corrêa e Cunha (2009):

Dentre os discursos analisados, a maior parte é referida a figuras de autoridade policial, majoritariamente secretários de segurança pública (46,3%). Na análise sobre o caráter dos discursos veiculados nas matérias jornalísticas, foi possível verificar que em 98,3 % deles há uma articulação estreita da vídeo-vigilância com a segurança. Em 30,51%, esta segurança atribuída às câmeras de vídeo-vigilância é definida como redução de ocorrências criminais e em outros 28,8% como ação preventiva em relação a crimes. O uso da vídeo-vigilância como possibilidade de flagrante de infrações foi mencionado em 23,73% das falas. Apenas 5,08% consideraram o efeito de migração de crimes, ou seja, a câmera como dispositivo que faz com que o crime somente se desloque para áreas não vigiadas, as chamadas “zonas de sombra” (PEDRO, 2003), e apenas 3,39% mencionou a ausência de evidências sobre a eficiência das câmeras no combate ao crime.

De modo geral, a exposição de informações acerca de sistemas de

videovigilância constitui-se num desserviço à sua eficácia enquanto agente

de controle. Isso porque as falas são equivocadas, têm caráter

eminentemente político-eleitoral e, quase sempre, propagam uma mesma

atitude ideológica: extrair da regularidade dos comportamentos sociais,

qualquer desvio de conduta identificável, sob o manto da prevenção.

59

Geralmente o entrevistado (identificado na pesquisa como “autoridade

policial” e, em 46,3 % das vezes, “secretário de segurança”) fala em

nome de uma Gestão relacionada a um período de mandato a cargo no

Executivo Municipal que, por sua vez, se desenvolve sob o auspício de

uma ideologia político-partidária, o que tem impacto direto sobre o modo

como se percebe esse tipo de dispositivo de controle.

Constitucionalmente, a segurança pública é apregoada como “coisa de

polícia”, expressando-se na dicotomia “ostensividade-investigação”.

Ostensividade, por sua vez, remete à presença constante, à vigília, ao

controle social. É, como promulgado na Constituição Federal (1988),

“exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das

pessoas e do patrimônio.” Daí, para se fazer a ponte simbólica entre

“preservação da ordem pública” e “controle social”, basta um passo. Para

relacionar “controle social” e “videovigilância”, apenas outro. Não é,

portanto, um absurdo que tenha aparecido o índice de 98,3 % de notícias

relacionando “vídeo-vigilância” com a “segurança. Isso só reflete o senso

comum.

30,51%, dos entrevistados aparecem como propagadores da idéia de que

câmeras de vídeo-vigilância produzem redução nos índices de ocorrências

criminais diversas. Chegam mesmo a relacionar uma hipotética redução

do homicídio, produto da criminalidade violenta, aquela que leva à morte

pelo assassínio à presença de câmeras de videovigilância em determinado

território. A hipótese de que a redução de índices de criminalidade tem

por motivação a premissa de que a implantação de câmeras de vigilância

influencia diretamente nos índices de criminalidade, como vem sendo

divulgado nos meios de comunicação, desconsidera amplamente o

fenômeno da migração da criminalidade expresso no conceito de “zonas

de sombra” (PEDRO, 2003, apud, CORRÊA; CUNHA, 2009, p.96). A

corroborar com esta afirmação, está o índice de 94,92% de notícias que

desconsideram aquele fenômeno apresentado pelos pesquisadores.

60

O fato de 28,8%, quase um terço, das informações veiculadas como

notícia reconhecerem a implantação de sistemas de videovigilância como

ação preventiva em relação a crimes encontra eco na idéia, muito

difundida, de que a máxima “sorria, você está sendo filmado” tem efeito

normatizador dos comportamentos sociais em espaços de livre circulação,

vias públicas de modo geral. No entanto, como afirma Fernanda Bruno

(2008, p.48): “As câmeras têm um efeito normativo “formal”,

“pragmático” e “utilitário”, em que “parecer normal” é mais decisivo do

que “ser normal”. Neste sentido, não introduzem normalidade, não

introduzem, como no caso de instituições panópticas, valores, mas sim,

flagrar desvios e infrações.

No entanto, o mais grave é o índice apurado pelos pesquisadores em

relação à quantidade de menções, nas notícias da “[...] ausência de

evidências sobre a eficiência das câmeras no combate ao crime.”

(CORRÊA; CUNHA, 2009, p.96) Acerca deste tema da “ausência de

evidências sobre a eficiência”, é importante lembrar que o movimento de

difusão deste tipo de dispositivo de controle entre os municípios

brasileiros, salvo uma ou outra exceção, é recentíssimo no âmbito da

segurança pública e vem sendo observado por muitos pesquisadores.

Entre estes pesquisadores estão Rafael Barreto de Castro e Rosa Maria

Leite Ribeiro Pedro (2010, p.40) que afirmam:

Especificamente no Brasil, o primeiro ponto controverso suscitado

a partir da presença cada vez maior dos dispositivos tecnológicos

de vigilância é que, por si só, esses não constituem uma garantia

de segurança. Na análise dos teóricos, sua eficácia é

extremamente reduzida caso estes circuitos de câmeras não

estejam articulados a um banco de dados, a softwares de

identificação e reconhecimento (PEDRO, 2005) e a uma política de

segurança adequada. É necessário um sistema integrado, capaz de

gerenciar estas informações de forma a produzir um dispositivo

eficiente de vigilância/segurança. Entretanto, os sistemas de

segurança funcionam atualmente de modo fragmentado, e grande

parte de seu gerenciamento se encontra sob a égide do poder

privado – iniciativas isoladas, sem comunicação imediata e sem

61

remissão automática a um banco de dados comum (KOSKELA, 2003).

Por outro lado, vale a máxima latina panis et circensis, quando se

relaciona sistemas de videovigilância e televisão. Caberia aqui uma

discussão acerca do voyerismo, de como, de modo geral, todo mundo

gostaria de dar uma espiadela na vida privada alheia. Mas, também, de

como esta espiadinha pode ser providencial na busca e apreensão de

suspeitos de crimes. Acerca deste tema, vale auscultar um dos grandes

estudiosos de sistema eletrônicos de controle e vigilância na atualidade,

David Lyon (2010, p.130-131), que afirma:

Como eu sugiro ser o caso do 11 de setembro, existe um “caso de

amor da televisão” com o CFTV [...]. Televisão são ambas mídias

visuais que observam e parecem ter sido feitas uma para a outra.

“Adicione um ingrediente, um crime, e teremos o casamento

perfeito. Um casamento pode tornar nebulosa a distinção entre

entretenimento e notícias, entre documentário e espetáculo, e

entre voyeurismo e casos corriqueiros”. [...] Mas os regimes de

CFTV também podem ser reforçados, porque podem ser “vistos”

como ajuda na redução do crime, ou ao menos para permitir o

envio da polícia para apreensão de suspeitos ou ainda, se isso

falhar, para recrutar a ajuda de espectadores comuns na captura

“do homem” visto nas imagens das câmeras. Enquanto o uso de

CFTV pela televisão revela pouco ou nada sobre como o FTV

realmente opera isso garante que os recursos para novos sistemas de câmeras continuarão a ser encontrados.

Outra possibilidade de espiar é provida por iniciativas de exposição de

vídeos, por meio de um “casamento” com a internet, provenientes de

sistemas de videovigilância estatais ou privados, em sítios governamentais

com a finalidade de identificação de criminosos. No Estado do Espírito

Santo, a Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social -

SESP implementou um programa como o exemplificado. O programa

62

chama-se “Testemunha Virtual”22 que, por meio de link de fácil acesso, o

usuário pode visualizar vídeos de crimes e, em reconhecendo o

perpetrador, denunciá-lo à autoridades competentes.

22 Disponível em: < http://testemunha virtual.sesp.es.gov.br/>. Acesso em: 29 set. 2011.

63

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A relevância de se levar adiante esta discussão, surge numa afirmativa

elaborada na conclusão do trabalho apresentado por Trevisan, Firmino e

Junior (2009). Para eles,

É necessário sensibilidade, poder de discernimento, treinamento e

muita atenção para distinguir cenas urbanas comuns de potenciais

distúrbios ao que o gestor público considera atitudes normais.

(TREVISAN; FIRMINO; JUNIOR, 2009, p. 149)

Em suma, é imprescindível compreender a importância que há no

imperativo de se construir instrumentos legais que tornem mais claro e

específico aquilo que se busca “ver” por detrás das câmeras de

videovigilância, nos Centros de Controle operacionais.

É indispensável, no contexto apresentado neste trabalho, a formulação de

procedimentos-padrão com os quais evitar a possibilidade de uso da

tecnologia de videovigilância, nosso objeto de estudo, para “espiar”, ou

mesmo “espionar” – como afirmam Kilpp e Borges (2007) – quem quer

que seja, em detrimento de operações de controle, identificação, enfim,

de real vigilância que se aplique, tão somente à defesa social, a despeito,

como vimos da ainda pouco evidente eficiência deste dispositivo de

controle social, em sua aplicação cotidiana, com a finalidade de “[...]

preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do

patrimônio [...]” (CF, 1988).

Por ser campo novo de atividade, ainda com normas e procedimentos

estabelecidos de modo muito incipiente, é necessário um estudo mais

aprofundado dos impactos causados pelas tecnologias de controle social,

por meio de dispositivos de videovigilância em ambientes públicos de livre

64

circulação, nas relações sociais que os compõem, não obstante a

necessidade de estudo sobre o desdobramento reflexo da cultura do

controle, ou, como quer Bietlot (2003), “securitário” nas disposições

relacionais humanas a interferir, diretamente, sobre a operação do

sistema.

Muitas são as vozes que ecoam da Administração, da Comunicação Social,

da Psicologia Social, na Cibernética, etc. Os autores em suas

diversificadas formações vêem estudando o fenômeno em sua

complexidade e contribuindo à sua compreensão. No entanto, cabe ainda

ressaltar que no campo dos protocolos e procedimentos, quase nada se

encontra sobre a operação de dispositivos de controle do tipo câmeras de

videovigilância.

A SENASP – Secretaria Nacional de Segurança Pública, em diálogo

informal por ocasião da visitação técnica que realizou aquele órgão ao

Município da Serra, com vistas a conhecer o Centro de Operação de

Videoproteção serrano, responde negativamente sobre a padronização da

formação (ao modo de uma matriz curricular). O mesmo, responde sobre

a existência de Procedimentos Operacionais Padrão - POP voltados ao bom

desenvolvimento da atividade e eficácia na operação dos dispositivos em

centrais de videovigilância.

Não se desconsidera aqui a existência de um efeito de panoptismo sobre a

população das localidades onde foram instaladas as câmeras, no entanto,

caberia aprofundá-la em estudo. Outro assunto sobre o qual se deve deter

um olhar mais atento é a questão do sinoptismo e suas implicações junto

à população vigiada e aos operadores vigilantes. O objeto está mais

voltado às relações internas, à sua observação e sua análise, buscando

perceber, com base nos dados colhidos, a necessidade de criação de

protocolos de segurança da informação e acesso físico, além de

procedimentos padronizados para a operação e acionamento das redes de

proteção e de repressão à violência e ao crime.

65

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