Política criminal na Constituição de 1988: dos direitos e garantias fundamentais beccarianos ao...
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Política criminal na Constituição de 1988: dos
direitos e garantias fundamentais beccarianos ao
resquício lombrosiano na efetiva aplicação
Marco Aurélio Souza MendesAcadêmico do Curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade
Federal de Uberlândia-MG. E-mail: [email protected]
Moacir Henrique JúniorProfessor, Doutorando em Direito e Ciência Política, Mestre em
Criminologia e Sociologia Jurídico-Penal ambos pela Universidadede Barcelona – Espanha. E-mail: [email protected]
“A moral da criação e a moral da domesticação se equivalemabsolutamente pelos meios de que se servem para atingir seusfins: podemos estabelecer como primeira regra que para fazermoral é necessário absolutamente ter vontade do contrário.”(Nietzsche).
Uma incursão histórica do Humanismo ao Positivismo
Criminológico na discussão dos Direitos Fundamentais
sob o prisma do delito
Césare Bonnesana, ou melhor conhecido para os mais
íntimos como Marquês de Beccaria, inaugurou o marco da Escola
Clássica Criminológica com sua obra Dos Delitos e das Penas, numa
era em que “castigo” era sinônimo de “espetáculo”. O
interstício temporal de 1764 até o atual ano de 2014 é
imenso, mas os reflexos de sua tentativa de afastar a pena
vinculada aos castigos corpóreos e limitar o ius puniendi do
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Estado reflexionam até hoje. Von Liszt, ao inaugurar sua obra
Programa de Marburgo, percebeu que Direito Penal,
Criminologia e Política Criminal possuem os mesmos objetos,
mas objetivos e enfoques totalmente diferentes e
complementares entre si. Limita-se esse breve espaço a fazer
dois tipos de análise da presença da Criminologia na
Constituição de 1988: a) Em primeiro plano, as implicações
teóricas dos princípios humanistas desembocados no art. 5º e
incisos; b) Em segundo plano ver a distância das práticas
penais e da política criminal distantes da ótica Iluminista e
aproximarem-se de um incisivo positivismo lombrosiano e afins.
Pois afinal, o que pode ter instigado a recorrer a leitura
deste artigo é o seguinte questionamento: existe, desde a
priori, uma Política Criminal dentro de nossa Carta
Constitucional? Não ousarei de esboçar uma resposta de pronto
para uma questão que, em diversas discussões na busca de
argumentos para a escrita deste trabalho, provocou
divergências tão contundentes. De forma metodológica, para
compreender melhor como se dá o tratamento criminológico
pelos Direitos Transindividuais na Constituição, necessitamos
abordarmos a história, entendermos o processo de construção
dos conceitos da Criminologia e de nosso próprio ordenamento
constitucional.
Ipsis litteris o art. 5º, inciso III, diz: “Ninguém será
submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante.”
Abro o estudo dizendo que nossa Constituição consagrou nesse
inciso o que mais os humanistas buscavam na época de
Beccaria: afastar a severidade das penas e provar que não há
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relação entre sua eficácia e meios cruéis. Advertia o jovem
Marquês que “[...] toda pena que não advier da absoluta
necessidade, diz o grande Montesquieu, é tirânica”.
(BECCARIA, 2012). A Escola Clássica da Criminologia não era
ainda um foco de estudos etiológicos (como posteriormente
será o Positivismo). A ideia era de que a pena deveria ser
aplicada na mesma medida que sua culpabilidade, portanto a
finalidade da pena era a prevenção da violação do contrato
social.
Perceba-se que até antes de Beccaria1 a pena não tinha
um fim específico. As concepções de Kant e Hegel como formas
justificadoras da pena fundavam-se em auxiliares éticos ou de
restaurações morais. Eis que o conceito adequava-se com a
retribuição, não melhor chamado, por isso, de Teorias
Retributivas. Em Kant a pena reestruturava-se na base de seus
imperativos categóricos em uma pena que se fundamentava por
si só. Hegel, apesar de sua dialética distanciar-se da
perspectiva ética kantiana, encontrando uma defesa mais
acentuada na restauração da fundamentação da norma, em que a
síntese qualificava-se na aplicação de uma pena com quantum
equivalente de negação do Direito, aproximava-se um pouco
indiretamente do caráter ético; como Tese, Hegel previa que
as pessoas obedeceriam o Direito por ser lei, o que fazia da
pena ser uma medida contrafática perante a ação delituosa.
1 Cito contundentemente o Marquês por ser o expoente de maior impacto comsua obra Dos Delitos e das Penas, mas se deve ressaltar que não fora o únicocontratualista a desembocar princípios humanistas relacionados com aprevenção tirânica das penas, podendo-se achar argumento até mesmo emRosseau para tal.
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Assim, “apenas no século XIX é que os grandes sistemas penais
afastaram-se da filosofia do Direito e centrarem-se na
discussão dogmática de problemas concretos”. (BUSATO, 2013,
p.745).
Desembocando-se na Escola Clássica, percebe-se que ela
“foi construída com fundamentos de uma responsabilidade penal
baseada no livre-arbítrio e na culpabilidade individual”
(BUSATO, 2013, p.747). Determinar o nascimento dos Princípios
da Legalidade e da Culpabilidade foram fundantes para
desvincular a pena como expurgo do pecado, tal como era a
doutrina da época inquisitorial. Novamente ipsis litteris os
incisos II e LVII do artigo 5º: “Ninguém será obrigado a
fazer ou deixar de fazer alguma coisa se não em virtude de
lei” e “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em
julgado de sentença penal condenatória”. Duas análises
percorreremos daqui.
Em primeiro lugar, o fato típico deve estritamente
conter a descrição do verbo núcleo do tipo em lei, fato que a
obscuridade já é característica para se afastar uma
incidência penal. Então além da Legalidade, é a Taxatividade
que necessariamente deve estar presente. O que deve se
entender por ação não é o que os homens fazem, se não o
significado daquilo que fazem, já que “[...] Vives Antón
estabelece que o ponto de partida da estruturação do sistema
é a relação entre a norma e a ação a que se resume”. (BUSATO,
2012). Beccaria já discorreu há tempos em sua obra: "O mal
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será ainda maior se as leis forem escritas em uma linguagem
desconhecida pelo povo”. (BECCARIA, 2012)”. 2
A segunda análise é perante a culpabilidade, assumida
na época de Beccaria como fruto do livre arbítrio e
decorrente da perspectiva causal-naturalista. Muito se
evoluiu até o conceito de Culpabilidade moderno, e
notadamente não é esse conceito naturalista que o Direito
Penal e a Constituição de 1988 adotam. Por outro lado, o
gérmen para afastar uma pena desmedida e arbitrária estava
lá, desde o século XVIII e XIX. Von Liszt adotava a
bipartição modular do injusto em objetivo e subjetivo,
compreendendo a culpabilidade como elemento do sujeito, sendo
elemento de união entre conduta e autor (BUSATO, 2013). A
primeira construção teórica de culpabilidade foi ela como
princípio. O Marquês no capítulo de sua obra nominado de “Da
Tortura” dizia que “[...] ninguém pode ser condenado
criminoso até que seja provada sua culpa, nem a sociedade
pode retirar-lhe a proteção pública”. (BECCARIA, 2012). Já
dentro da Culpabilidade de Beccaria extraímos a própria
proporcionalidade e a presunção de inocência. O art. 5º,
2 Ademais, não fruto de discussão deste trabalho, não se deve apegar àLegalidade e Taxatividade como dogmas inquestionáveis e subsídiouniversal da resolução de todos os problemas penais através daConstituição. Lenio Streck afirma em sua obra Verdade e Consenso que“literalidade e ambiguidade são conceitos intercambiáveis nãoesclarecidos numa simples análise abstrata dos signos” (STRECK, 2014,p.37). O problema é da polissemia das palavras, trabalho hoje muito bemdesenvolvido pela Filosofia da Linguagem e que questiona desde Kelsen eHart sobre a discricionariedade no âmbito dos valores da atuação dojurista na pragmática do Direito, e não da ciência do Direito (se é querealmente superamos essa ambivalência ou ainda insistimos em separarfunções que se complementam, e na verdade não se antagonizam). Discursopara a Teoria do Direito e a Hermenêutica.
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inciso LVII, é o reflexo desse humanista em nossa
Constituição: “Ninguém será considerado culpado até o
trânsito em julgado de sentença penal condenatória.”.
Parece que fica claro, diante do discurso apresentado
anteriormente a clara influência dos postulados da Escola
Clássica nos Direitos e Garantias Fundamentais. Descontruindo
todo esse raciocínio, surge a Escola Positiva ou Positivismo
Criminológico, famoso pelo seu expoente Césare Lombroso, foco
do nosso estudo por aqui. O efervescer das ciências como
Antropologia, Biologia e a Frenologia fez nascer uma
Criminologia Científica, voltada não mais para o delito e sim
para o delinquente. Lombroso expõe em sua obra O homem
delinquente que o criminoso passou por um processo chamado
Regressão Atávica, portanto era evolutivamente inferior ao
homem comum. Temos o desembocar do delinquente nato.
Compreendia até um núcleo específico de características
físicas. Lombroso afirmava ser o crime um ente biológico e
não um ente jurídico como os Clássicos afirmavam, razão pela
qual “[...] o delinquente era submetido ao método indutivo e
a etiologia criminal poderia ser encontrada nas
características físicas dos mesmos”. (SHECAIRA, 2008).
Quando escrevi no título “discussão dos Direitos
Fundamentais sob o prisma do delito”, quis ressaltar duas
construções teóricas que se encontram até hoje conviventes
juntas, a dizer: uma desembocadura principiológica normativa
construída em parâmetros humanitários e uma prática ainda
reverberada por atitudes do Positivismo citadas. Resume-se
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em: utilização da medida de segurança, conceito de
personalidade concebido pelo Poder Judiciário e a forma de
como o exame criminológico é realizado. Essa introdução
histórica foi necessária para eu mostrar em que bases
criminológicas fundamenta-se nossa Constituição, bases
claramente garantidoras dos pressupostos humanistas, e como
ela se encontra positivada no próprio texto constitucional.
Descrevendo a Escola Positiva, fica claro para qualquer
leitor em como a realidade da sociedade brasileira, eis que a
análise do trabalho tem objeto delimitado e específico, está
distante da teoria. Portanto isso é Política Criminal? Os
Direitos Fundamentais não são normas de Política Criminal,
mas para a construção presente neste artigo, estão
intrinsecamente relacionados com as bases que a Constituição
moldará para um Estado garantidor de seu próprio fundamento
na dignidade da pessoa humana, bases que mais a frente
comentarei.
A construção do Estado de Direito ao Estado
Constitucional de Direito
Se quero construir Política Criminal, então preciso
construir um Estado que garanta a efetividade dessas
políticas públicas. Se a acepção penal e criminológica da
história fora explicada no título anterior, é necessário
falar agora em como o Estado sob sua forma constitucional se
construiu para finalmente chegarmos até a Constituição de
1988 e seu constituinte originário. Zagrebelsky define Estado
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de Direito como “Estado bajo em régimen de derecho”. Parto
dessa premissa para que entendamos o Estado de Direito
representado historicamente através das Constituições
Liberais e que se definia como um “Estado da Razão”.
Ao construir-se toda uma doutrina política para um
Estado, estamos, na verdade, determinando razões para a
atuação de determinado segmento e os limites dessa atuação,
contrariando a premissa lex facit regem para rex facit legem. Direito
como ordenamento jurídico num acento de que o Soberano
legítimo atuava predeterminado pelas leis. Especificamente, a
forma de Estado tratada dessa forma era o Estado Liberal de
Direito, que “tenía una conotação sustantiva, relativa a las
funciones y fines del Estado”. (ZAGREBELSKY, 2011, p.23).
Essa conotação que Zagrebelsky coloca é sobre a atuação do
Parlamento, um discurso trazido da conformação do rule of law,
pois haveria uma supremacia da lei frente à Administração e
que apenas a lei poderia trazer os poderes autônomos do
Soberano e sua atuação incidente sobre os cidadãos. Essa foi
a forma encontrada de confrontar o princípio do rule of law
inglês com o princípio da legalidade presente na Europa
continental. Ora, veja-se por Sieyès, numa França
revolucionária em que a soberania da lei apoiava-se na
doutrina da soberania nacional (“O que é o Terceiro Estado?).
Assim, utilizo-me para concluir sobre o Estado de Direito o
que Zagrebelsky conclui em sua obra El Derecho dúctil como suas
características:
“[...] la idea del Rechtsstaat, en cambio, se reconducea um soberano que decide unilateralmente. [...] El
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Rechtsstaat, por cuanto concebido desde um punto devista jusnaturalista, tiene en mente un derechouniversal y atemporal. [...] Según el Rechtsstaat, porel contrario, el derecho tiene la forma de un sistemaen el que a partir de premissas se extraemconsecuencias, ex principiis derivationes. [...] Laconcepción del derecho que subyace al Rechtsstaat tienesu punto de partida em el ideal de justicia abstracta.[...]” (ZAGREBELSKY, 2011, p.26).
O período dos conflitos bélicos da II Guerra Mundial e
a insurgência dos regimes totalitários acenderam o debate da
possibilidade de definir tais regimes como Estados de
Direito. O Totalitarismo culminava não como uma ruptura do
movimento doutrinário concebido pelo Estado de Direito, e sim
como uma elevação máxima do princípio da legalidade, como uma
vontade exclusiva da lei positiva e que atuava com eficácia
para a imposição do direito nas relações sociais. O mote do
respeito à lei poderia ser organizado para aplicar-se em
qualquer situação, mesmo em nome de arbitrariedades do poder
estatal, pois era lei. Isso é o que Zagrebelsky afirma em sua
obra como “[...] la primera y más rigurosa concepción del
principio de legalidade, el poder ejecutivo que dependía
íntegralmente de la ley [...].” (ZAGREBELSKY, 2011, p.27).
Assim, ao dizer que a lei possuía a superioridade mais
alta, não havia nenhuma regra jurídica que servisse para
limitar essa tal “supremacia das leis”. Colocando a lei
exclusivamente no mundo jurídico, a lei poderia tudo por
estar materialmente vinculada ao contexto político da época,
e ao retratarmos de um liberalismo, estamos tratando dos ideais
de liberdade burgueses. E era nos ideais políticos que a lei
se via limitada, já que era fruto da atividade de um
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Parlamento previamente eleito e legitimado, sem a menor
necessidade que houvesse uma medida jurídica que colocasse
uma barreira para a supremacia da lei. “Una sociedad política
monista, o monoclasse, como era la sociedad liberal del siglo
pasado, incorporaba en sí las reglas de su próprio orden.”.
(ZAGREBELSKY, 2011, p.31).
A concepção do Estado de Direito ao ser criticada e
repensada levava à própria reconstrução do positivismo
jurídico, especificamente um positivismo ideológico. Kelsen
operava em sua Teoria Pura do Direito sobre dois planos, o da
ciência do Direito e do Direito como atuação prática. O que
deveria ser observado era a aplicação do direito simplesmente
por ser direito, indiferente do seu conteúdo. Os juízes
deveriam aplicar um único princípio moral: o do direito
vigente. (STRECK, 2014, p.38).3 Por isso adverte Zagrebelsky
que o Estado Constitucional de Direito é muito mais que a
presença de uma Constituição, pois “está en contradición con
esta inercia mental.” (ZAGREBELSKY, 2011, p.33).
Então com o advento do Estado Constitucional de Direito
surge a novidade de que a lei, pela primeira vez na história3 Extraí essa observação do capítulo da obra Verdade e Consenso em que oautor conceitua baseado na obra de Bobbio os positivismos ideológico,teórico e metodológico/conceitual. Citando Rodriguez Puerto, afirma quepara Kelsen o juiz é criador do direito por delegação do soberano, umaideia já presente em Hobbes, Bentham e Austin. Acontece que aoobservarmos as anotações do autor sobre Kelsen, dizendo que o comandodeterminante da redução da atividade jurídica ao que estava adstrito àsnormas vigentes, adequadas por uma norma hipotética fundamental, é denatureza epistemológica e aplica-se como tal apenas a ciência do direito,podemos perceber uma certa confusão. A prática mostrada pelosTotalitarismos demonstrou uma atuação dos operadores do Direito dentro dasociedade da mesma forma que Kelsen enxergava a prática jurídica daciência do direito.
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da época moderna, vem submetida a uma relação de adequação
(leia-se subordinação) frente à Constituição. Diante de um
pluralismo de forças políticas e sociais conduz a
heterogeneidade de valores e interesses que virão a ser
expressados numa carta de compromisso. Não diferente, nosso
processo constitucional de 1988 traduz essa realidade
pluriaxiológica. Segue Zagrebelsky posicionando-se de que a
Constituição propõe um direito mais alto e dotado de força
obrigatória para o legislador e os atores políticos,
acrescento eu. Dessa forma, temos o estabelecimento de uma
nova noção de Direito mais profunda do que aquela proposta
pelo positivismo legislativo e exegético (uma forma
totalmente reducionista).
Com isso, creio que fica claro que as diretivas do
Estado Constitucional de Direito visam dar um giro ontológico
em o que se define por atuação estatal e quais seus limites.
Mais do que isso, quando Zagrebelsky afirma ser uma união dos
valores plurais da sociedade, é cabível entendermos como um
compromisso de interesses. E dentro desse compromisso de
interesses, não está ausente o que se espera da sociedade
como forma de Política Criminal. E como tudo dentro do
sistema constitucional, possui diretivas, limites e garantias
pela própria Constituição. Chega agora o momento de
começarmos a falar especificamente do tema proposto como
cerne do trabalho deste artigo.
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Direitos Difusos e Coletivos como bases para
construção de uma Política Criminal na Constituição
de 1988
Serviu-me de base a construção teórica do
desenvolvimento do Estado de Direito e do Estado
Constitucional de Direito, bem como a evolução da
Criminologia, para chegarmos a um dos objetivos que coloquei
da Constituição perante a sociedade e seus políticos (mas não
único): de uma carta de “compromissos”.
Retornando aos conceitos de Franz Von Liszt, política
criminal dá fundamento jurídico e orienta os fins estatais do
poder punitivo do Estado, sendo uma forma de manipular melhor
e de uma maneira mais eficaz os possíveis remédios que o
Estado tem a possibilidade de escolher na prevenção criminal
e na sua repressão. Saliento: prevenção e repressão são faces
de uma mesma moeda, mas que não devem conceitualmente
misturar-se em sua aplicação. E as limitações, de forma como
já apresentei e ainda tenho outros argumentos a dissertar,
encontram-se balizadas pela Constituição: seja no art. 5º
como princípios limitadores e fundamentadores da pena e da
repressão do Estado ou através de uma diretriz de políticas
públicas num cenário do facere estatal para a garantia dos
Direitos Difusos e Coletivos como forma de prevenção
criminal.
Diz Nilo Batista em sua obra Introdução crítica ao direito penal
brasileiro que se entende melhor a política criminal como o
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conjunto de princípios e recomendações que orientam as ações
da justiça criminal em dois momentos: na elaboração
legislativa e na aplicação e execução da disposição
normativa. Assim, seria possível compreendermos o conceito de
Direitos Difusos e Coletivos como também (além das muitas
outras garantias) bases legislativas para a Política Criminal
brasileira? Os titulares desses direitos são indetermináveis,
mesmo que estimados numericamente, e possuem uma relação
impossível de individualizar os prejuízos. Superadas as
definições clássicas do crime como ente jurídico de Carrara,
não há como não enxergar os prejuízos oriundos da relação
delituosa como apenas direcionados a uma única vítima, como
com uma possível parcela de culpa e efeitos dentro da própria
sociedade.4 Ademais, adverte em artigo sobre o tema o Profº
da Universidade Federal de Viçosa, Fernando Galvão, que “os
doutrinadores há muito discutem sobre ser a política criminal
uma técnica ou uma ciência.” (Galvão, 1997). A proposição
tratada nesse trabalho não visa conceber a política criminal
como acientífica, pois faltaria pressupostos legitimantes
para a própria atuação do Estado nesse sentido. E o que
legitima essa atuação do Estado se faz presente inteiramente
dentro da Constituição de 1988 no caso brasileiro.
4 Aqui me refiro ao que Zaffaroni nomeia como Teoria da Coculpabilidadeou vulneração dos agentes sociais, em que o conceito de culpabilidadetranscende o indivíduo e se alastra pela sociedade como “parte do bancodos réus”, eis que pelas condições socioeconômicas, culturais,educacionais, saúde, lazer e dentre outras, não há que mensurar uma mesmaculpabilidade ou assimilação do comando normativo de forma equânime nasociedade.
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A proposição do conjunto dos Direitos Difusos e
Coletivos indica um conjunto de elementos que o constituinte
originário valorizou para a construção da sociedade
brasileira mais justa, livre, solidária e pautada na
dignidade da pessoa humana, que desde logo legitimam um
caminhar distante de uma sociedade avançada pelo medo,
desconfiança e criminalidade. O Capítulo III da Educação,
Cultura e Desporto pode ser citado como uma das formas
propostas pelo legislador constituinte, porém não únicas,
visto que o Meio Ambiente, a Saúde, Lazer, Ordem Econômica e
Social são as demais bases diretivas dessas políticas.
Exemplifico pelo enunciado do art. 205: “A educação, direito
de todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho.”
O que quero concluir é que a Constituição é ilustrada
por inúmeras políticas públicas e de cooperação social para
afastar a incidência criminal através da prevenção primária e
do controle social informal, e compartilho do auxílio da
hermenêutica para os Poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário no entendimento e sentido de aplicação de cada
enunciado normativo presente na Constituição nesse caminho.
“As instâncias sociais do controle social informal operam
educando, socializando o indivíduo, por fazer assimilar nos
destinatários valores e normas de uma dada sociedade sem
recorrer à coerção estatal”. (SHECAIRA, 2008). Dentro das
Atas dos Atos da Assembleia Nacional Constituinte de 1987-88,
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discursos justificantes da escolha coadunam com a posição
aqui adotada:
“Cabe a um processo pedagógico interétnico, vialegislação ordinária, onde o etnocentrismo sejaeficazmente combatido, potencializar todos ossegmentos raciais em seus múltiplos aspectos. Atéporque, entre nós, todos somos negros de alguma forma.O Brasil formal necessita se reencontrar com o Brasilreal. O cotidiano é onde a vida flui. E este é,inequivocamente, um modus vivendi híbrido, atípico.Vale dizer, brasileiro. Onde Europa e África seequivalem e onde, mais recentemente, grupos étnicosminoritários vieram enriquecer a nacionalidade. Estamescla de coisas que somos é marcadamente negra. Com oreconhecimento constitucional se permitirá ofortalecimento do negro e do não-negro. É que noBrasil a discriminação ao negro humilha este por umlado e ironiza ao branco por outro; tendo em vista oque este último tem de negro e não sabe.” ASSEMBLÉIANACIONAL CONSTITUINTE (ATAS DE COMISSÕES).
A política criminal deve ser instrumento para
realização do bem comum e não pode permitir que o legislador
se aventure em experienciar elementos arbitrários e sem
diretrizes ou justificativas. Esclarece Roxin que a “[...]
política criminal deve definir o âmbito da incriminação bem
como os postulados da dogmática jurídico penal [...]”.
(ROXIN, 1992). Os detentores das ferramentas de atuação
política escolhem, baseados portanto na Constituição, quando
e em que devem colocar a ótica da prioridade, seja em
diretrizes públicas para educação, para saúde, cultura ou
outro elemento social, tais instâncias configuradas como
elementos da prevenção primária mencionadas por Shecaira.
Prevenir também é elemento de política criminal e quem detém
um papel fundante na expressão da construção de uma sociedade
de valores mais coesos é o Estado. Volto a embasar-me até
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mesmo em Zagrebelsky pelo princípio da constitucionalidade,
que diz ser “[...] el principio que debe assegurar la
consecución de este objetivo de unidad.” (ZAGREBELSKY,
2011)5.
Direito Penal Simbólico, política criminal
repressiva e supremacia do dogmatismo: a
Constituição de 1988 como folha lassaliana
Consegui abordar até esse ponto dois dos três marcos
teóricos propostos no título: o da construção dos Direitos e
Garantias fundamentais com Beccaria e os Humanistas e o que
se entende por Política Criminal e como ela pode ser
formulada a partir dos pilares normativos da Constituição de
1988. Falta agora a análise da prática lombrosiana. Eu deixo o
meio normativo-jurídico e até mesmo o filosófico para mudar o
objeto de estudo agora para uma pauta sociológica e de fatos,
pois apenas com uma empreitada empírica é que se pode
analisar a realidade na abordagem aqui proposta.
A política criminal adotada por uma sociedade, nos
dizeres de Hassemer, não resulta apenas da observação sobre
causas da criminalidade ou violência, mas também dos
múltiplos fatores que influenciam a percepção social do
delito. Se é política, é fruto de poder, portanto capitaneada
por grupos majoritariamente dominantes na política ou na5 O que trato aqui é de que o legislador, ao determinar suas diretrizespolíticas, e até mesmo legislar sobre a dogmática penal, tudo se trata deordem infraconstitucional, o que configura a natureza de unificação queZagrebelsky escreve em sua obra, pois no Estado Constitucional não hámais um “estado das coisas” unificado e reduzidos à lei como no séculoXIX (ver Zagrebelsky, p.40).
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expressão social. E com grupos pode-se entender a presença de
ideologias.
Ao Estado que caberia pacificar o convívio, faz o
contrário: institucionaliza uma política lombrosiana de
medidas de segurança indeterminadas e uma definição de
personalidade criminosa cheia de preconceitos e certezas mais
que incertas, haja vista que o melhor ramo para dissertar
sobre assunto não é o do jurista, e sim a psicologia. A
sociedade também continua com essa perspectiva através dos
constantes linchamentos e do movimento criminológico que
chamamos de cárcere e consumo. “O mundo de hoje conta com
outras dicotomias de inclusão-exclusão, muito mais vinculadas
à questão do consumo”. (BUSATO, 2013).
Modernamente, o paradigma da política criminal é acerca
da intervenção mínima e de um Direito Penal de ultima ratio.
Outrora, assim seria se a prática caminhasse em consonância
dos fundamentos esboçados em linhas anteriores desse artigo.
Distante do Funcionalismo de Malinowski ou Talcott Parsons,
aproximamos nossa prática penal da elaboração que Merton dá
para o conceito de anomia.6 “O insucesso em atingir as metas
culturais devido a insuficiência dos meios
institucionalizados pode produzir o que Merton denomina de
anomia: manifestação de um comportamento no qual as ‘regras’
do jogo social são abandonadas.” (SABADELL, 2008). E por que
analisar questões de cunho sociológico para a criminalidade
se faz necessária numa abordagem constitucional da Política6 Merton é considerado por muitos estudiosos como aquele que fez a ponteentre as Teorias Funcionalistas e as Teorias do Conflito Social.
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Criminal? A resposta vem pelos efeitos propagados numa
sociedade dominada pela anomia. Não me posiciono totalmente a
favor da construção teórica de Merton e como sendo o único
autor para poder se basear, mas de sua premissa pode-se
concluir, dentre os vários comportamentos previstos pela sua
Teoria da Anomia, o da evasão, “que se caracteriza pelo
abandono das metas e dos meios institucionalizados”.
(SABADELL, 2008).
O que Merton põe em cheque é a concepção psicológica de
Freud sobre o indivíduo e a origem do delito em seu
comportamento egoísta e individual, e procura demonstrar que
sua origem é social e cultural. (BUSATO, 2013, p. 780). O
Direito Penal Simbólico explica-se nesse diapasão, pois é uma
insurgência de uma realidade social cansada da atuação
delituosa, mas que esquece de raciocinar frente ao campo
científico da Criminologia e das bases do Estado
Constitucional de Direito para aumentar os mecanismos de
punição incisiva, num sentimento de prazer egoístico tão
parecido quanto o do tempo da Autotutela.
Nesse cenário é que se coleciona histórias e formas de
uma política criminal repressora, distante dos pressupostos
daquela prevenção primária idealística presente na
Constituição. A questão, em verdade, vai bem mais além do que
uma institucionalização da repressão para um conflito entre
anomia e poder. O grupo que não respeita as normas jurídicas
vivencia muitas vezes um conflito entre convicções e
prescrições do sistema jurídico oficial, e nesse caso em
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específico, do sistema penal. É nesse sentido que Ana Lúcia
Sabadell confirma minha posição de uma política criminal
constitucional como folha lassaliana:
“Nesse contexto, a anomia também pode se relacionarcom a ausência do Estado que, ao não cuidar daefetivação dos direitos sociais, abandona parcelas dapopulação à sua sorte. Isso propicia o aparecimento degrupos de poder, em geral relacionados com práticasdelitivas, que ocupam o espaço deixado pelo Estado. Umexemplo é o tráfico de drogas nas favelas do Rio deJaneiro. Os traficantes resolvem os conflitos entremoradores e assistem famílias desamparadas peloEstado. Por isso, os laços de solidariedade que sedesenvolvem entre jovens traficantes de drogas sãomuito mais fortes e aquilo que é percebido comocomportamento anômico a partir da perspectiva dalegalidade estatal não o é no âmbito da estruturasocial na qual estão inseridos esses jovens.”(SABADELL, 2008).
Cito como exemplo ainda mais concreto dessa distância o
modo como foram implementadas as UPP’s no Rio de Janeiro. Em
teoria, a proposta da UPP visa integrar comunidade e Estado
nos moldes da prevenção primária, criando vínculos sociais
maiores que o vínculo entre sociedade e atores dos delitos. É
uma forma de reconquistar uma confiança social já abalada e
fragmentada pelo descaso e esquecimento de décadas e de
opressões violentas contra grupos específicos e
marginalizados, posturas certamente definidas pelas teorias
do labbeling approach ou das Teorias do Conflito. Em real, a
tomada dos morros foi nada mais que uma incursão bélica num
molde não muito distante das criticadas intervenções
militares estadunidenses, uma forma de colocar a bandeira
nacional no topo do morro e mostrar, através da força, quem
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detém o maior domínio de poder, expulsando aquele considerado
“marginalizado”.
Políticas como essas são frutos do movimento
neoconservador da década de 70, com Nixon nos EUA e Tatcher
na Inglaterra; e posteriormente na década de 80 nos EUA com
Ronald Reagan. Criminalizar até o banal não parece ser o
melhor caminho, e dados mostram a ineficácia desse modelo
equiparador de consumidor a traficante.7 No caso específico
brasileiro, em se falando das drogas, critica-se o art. 33 da
Lei 11.343/06 definindo-o como expressão de um direito penal
do inimigo, a seguir a teoria de Jakobs. É dessa necessidade
que surge a polícia comunitária, que ouve as necessidades da
comunidade local, resolvendo seus problemas sociais, não
ficando adstrita ao objeto-crime, o que lhe retira o caráter
exclusivamente repressivo. (Barroso, 2009).
Ainda na temática lassaliana de uma política criminal
constitucional, cabe aqui eu concluir o título com três
concepções: antecedentes criminais, personalidade e conduta
social. Superada a doutrina das teses etiológicas do crime em
uma culpabilização única do delinquente e este como fruto de
uma irreversibilidade determinística e biológica, a Justiça
Penal ainda limita-se a utilizar esses vagos conceitos da
forma arcaica como surgiu em meados de séculos passados.
7 Dados do Instituto Avante Brasil (IAB) demonstram que em 1986, os EUAaprovaram uma lei que aumentava em 100% a porcentagem de condenações poruso de crack. Antes da lei, 5mil pessoas estavam presas por posse daqueladroga. Dados de 2009 demonstram que já passam de 100mil os encarceradospor esse motivo. E não houve majoritária redução do consumo de drogas,especialmente do crack.
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Os antecedentes ao possuírem as características do
subjetivismo, negatividade e perpetuidade contribuem para o
estigma de uma característica marginal na sociedade,
desvinculando-se do que a Constituição objetiva como uma
sociedade “livre e digna”, em que até enunciei pelos
transcritos dos Atos da Assembleia Constituinte. A
personalidade, critério do art. 59 do Código Penal, exige do
magistrado uma qualificação em que ele não se mostra
possuidor. O conceito de personalidade carece de boas
definições até mesmo nas ciências que o estudam mais
detidamente, como a Antropologia ou a Psicologia. Lombroso
que pontuou diversas características para seu delinquente nato
não se diferencia do juiz que hoje determina ao seu arbítrio
características psicossociais que lhe induzem a um tipo
criminógeno. A conduta social, ainda no art. 59, incidem nos
mesmos questionamentos e críticas que a personalidade, por
isso resguardo-me de maiores redundâncias.
Se o Estado é legítimo para se apropriar de conceitos
tão personalíssimos, então temos uma inversão do que propõe o
Estado Constitucional de Direito para um retorno ao modo de
intervenção arbitrária pautada na mera legalidade pelo Estado
de Direito do século XIX. As formas de sustentar um “direito
penal do sentimento” e de um afastamento de grupos sociais
não estão distantes de nossa realidade e presentes apenas em
discursos de uma história recente totalitária, visto o
acontecido e noticiado nacionalmente em 2007 no Paraná,
cidade de Apucarana:
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No dia 23 de Março de 2007, a Gazeta do Povo publicouem seu sítio a notícia de que a Prefeitura deApucarana (PR) expulsou, em um ano, quase 60 pessoaspor serem mendigas. Quem capturava os mendigos eram ospoliciais e assistentes sociais. Todos foram fichados,mesmo os que não tinham antecedentes criminais. [...]Sobre o caso há ainda outra reportagem publicada, nadata de 27 de Setembro de 2006, no mesmo sítio, ondepadre Adelir fez a denúncia desses abusos. [...] Umdos mendigos alega que ficou nu e que foi agredido. Osagressores revestiram o material da agressão comborracha, para não aparecer hematomas. [...] O padreafirma que tratam essas pessoas assim porque sujam acidade.
Conclusão: possíveis diretivas de uma políticacriminal eficaz com base na Constituição de 1988
O cárcere ainda retrata um estigma para o preso. A
despeito de possuirmos uma Carta Constitucional avançadíssima
em termos de tutela dos direitos fundamentais, o tratamento
do réu no processo, bem como do homem como “delinquente”
mostra que o crime em nossa sociedade ainda é fruto de uma
rotulação, uma mostra do que os criminólogos chamam de
Labbeling Approach. É comum ter-se noticia por todo país sobre
presos em condições sub-humanas, tal como ocorre na crise
penitenciária em Pedrinhas e outras localidades do Nordeste
do país. O direito ao trabalho externo e a frequência em
aulas, que é garantia da atual Lei de Execuções Penais e
mostra-se uma ferramenta extremamente condizente com o
pensamento humanista de Beccaria, é denegado ao preso, por
muitas vezes, pela inércia estatal em efetivar a construção
das políticas públicas necessárias para transformar a
realidade normativa de nossa própria Constituição e outras
leis infraconstitucionais em uma realidade fática. O retrato
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é de um in dubio pro societati em Direito Penal do autor, e não do
fato.
“A política criminal é, enquanto disciplina que oferece
aos poderes públicos as opções científicas concretas mais
adequadas para controle do crime, a ponte eficaz entre
Direito Penal e a Criminologia.” (SHECAIRA, 2008). Que os
legisladores olhem a atuação política sob dois aspectos: uma
fonte subjacente da sociedade e seus conflitos (Criminologia)
e por outro lado da construção dogmático-jurídica e das penas
(Direito Penal), e sem esquecer que a ponte eficaz chamada
política criminal encontra-se com suas diretrizes positivadas
nos artigos de nossa profícua Constituição.
Assevero que perante as escolas criminológicas, se
considerarmos seu estudo histórico, há de percebermos que já
existem inúmeras contribuições teóricas para uma política
criminal longe do arbitrarismo e do punitivismo de prima ratio.
Sendo que essa seara plasma-se em concretas políticas
públicas ou mesmo enunciados de cogente diretriz para o
legislador pós-constituinte ou mesmo os operadores do direito
no que concerne à escolha da melhor política criminal para o
combate de determinados delitos na sociedade. A saber: o
crime não pode ser tratado de forma equânime e como algo
único para todas as classes, pessoas ou fatos típicos. E por
isso finalizo a exposição com algumas conclusões de como a
política criminal poderia ser eficaz nas bases
constitucionais e quais argumentos teóricos da Criminologia
como ciência posso me embasar.
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A Escola de Chicago concentra seus esforços em realçar
a prioridade do controle social informal, “[...] dando-se
menor importância ao controle social formal, que tem uma
posição acessória em relação ao controle primário. Além das
contribuições na esfera de política criminal, especialmente
no que concerne à criminalidade das massas.” (SHECAIRA,
2008). Ora, não ficou mais claro por esse trabalho em como a
Constituição está permeada de políticas públicas referentes
ao controle primário dentro de seus direitos difusos e
coletivos. Uma sociedade com desenvolvimento em educação,
saúde, lazer, desporto e valorização das manifestações
culturais contribui para nossos objetivos da República de uma
sociedade mais justa, livre, solidária e pautada na dignidade
da pessoa humana.
O impacto que a teoria da Associação Diferencial causou
foi na definição mais científica dos crimes cometidos pelas
classes de maior poder econômico, tornando-se famosa pelo
cunho da expressão “crimes de colarinho branco”. Sutherland8
tece um mosaico específico das características desse crime e
no plano penal “[...] a teoria da associação diferencial
permite compreender o direito penal econômico, com todas suas
especificidades, mostrando como a empresa pode ser um centro
de imputação.” (SHECAIRA, 2008). Dever do Estado, colaciono
eu, de garantir o funcionamento do mercado de uma forma livre
e justa, permitindo que se afaste os comportamentos
desviantes da norma, demonstrando que os que seguem um
8 Ver SUTHERLAND, Edwin H. Criminologia comparada. Trad. Faria Costa e CostaAndrade. Lisboa: Fundação Calouste Gulbelkian, 1985.
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comportamento lícito corroboram para um melhor funcionamento
da sociedade e contribuem para a própria função social que a
Constituição plasma. Isso em detrimento dos que seguem pelo
caminho das condutas desviantes. Nesse diapasão, impossível
não concordar que os pilares de princípios presentes no que a
Carta Magna compõe como a “Ordem Econômica e Financeira” não
são também diretivas para como o Estado deve gerir e tratar
os crimes contra a sua própria ordem econômica. É o que se
compreende de uma interpretação sob a ótica criminológica do
art. 170 e seus incisos da Constituição de 1988: defesa do
consumidor, meio ambiente e redução das desigualdades sociais
são caminhos próprios que desde a Escola de Chicago na
análise da ecologia criminal traçam para o afastamento do
crime e explicação de sua existência.
Tanto acirrou-se nos últimos cenários eleitorais o
debate da diminuição da maioridade penal, num caminho do já
citado direito penal simbólico e do sentimento da
ineficiência dos meios estatais para combate ao crime, que a
criminalidade juvenil passou a ser tratada como uma típica
criminalidade, sem suas próprias ressalvas que desde a
introdução do Estatuto da Criança e do Adolescente no
ordenamento brasileiro pedem para serem observadas na
persecução e imputação. As manifestações juvenis “[...] não
se combatem com pura repressão, mas sim com um processo de
cooptação dos grupos, envolvendo-os com o mercado de trabalho
e com acesso à sociedade produtiva.” (SHECAIRA, 2008). Mais
uma vez a repressão possui uma função acessória ao conceito
de prevenção primária.
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A teoria da anomia contribuiu para a formulação do
conceito de pena funcional, com três funções básicas: meio de
intimidação dirigida ao criminoso, instrumento de reinserção
social e neutralização do criminoso incorrigível, com as
pertinentes ressalvas e críticas. Ademais, a própria
Constituição recepciona a nossa Lei de Execução Penal que
traz um caráter da pena com uma proposição similar a essa da
funcionalidade e assegurando através dos próprios Direitos
Fundamentais aquilo que seria minimamente digno para uma
reinserção do condenado ao meio social, ou mesmo com os
próprios Direitos Sociais ao garantir um efetivo exercício do
trabalho como forma de (re)integração.
O que se percebe no cenário do mundo real é uma intensa
proliferação de afastar para institucionalizar (ou nossas
prisões não seriam “instituições totais?”). A diferença entre
o delinquente e o homem normal é que “[...] o delinquente
apenas se distingue do homem normal devido à estigmatização
que sofre, particularmente aquela decorrente das instituições
totais, em especial a prisão.” (SHECAIRA, 2008).
Clara é a posição que a Constituição propõe para que o
Estado assuma: coibir as práticas criminais nas classes
sociais dominantes garantindo que se faça políticas sociais
tangendo a segurança, amplo acesso ao trabalho, saúde
pública, meio ambiente, ordem econômica e financeira,
patrimônio coletivo, bem como a cultura de cada região ou
grupo. A teoria da ultima ratio determina uma maximização da
intervenção punitiva no mínimo possível dos casos. Se o
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Direito Penal fora chamado, é a última das soluções após
tentativas reintegrativas, conciliativas e educativas;
portanto uma atuação em último grau, mas que deve ser em seu
grau máximo de eficiência e força.
Referências
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Direito. Florianópolis-SC: Conceito Editorial.
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