Panos da Escravidão: Panos de terra

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Panos da Escravidão: Panos de terra Resumo Os tecidos usados no tráfico de escravos nas regiões da África sob influência portuguesa tinham quatro origens: a própria África, Europa, Ásia e América. As origens e tipos de tecidos variaram ao longo do tempo e lugar e, portanto, representam aspectos da globalização no Império Português. Os estudos anteriores tendem a focar principalmente no comércio de produtos europeus durante o tráfico transatlântico de escravos. Esses estudos têm ignorado a questão da transferência de tecnologia africana para Macaronésia e as Américas e, assim, enfatizam a noção de que os africanos foram transportados apenas como mão de obra, sem levar em conta a sua cultura ou tecnologia. O resultado dessa má interpretação histórica é uma perspectiva amplamente difundida nas Américas e na Europa de que a África não possuia uma tecnologia de valor antes da chegada dos europeus. Esta noção é prejudicial para todas as partes, e em particular para a diáspora Africana do mundo Atlântico. Essa pesquisa busca identificar o papel dos africanos e sua tecnologia dentro do processo de colonização européia e do império europeu, e explorar o legado do comércio têxtil e suas ligações com a escravatura, através da observação do vestuário nos países da Costa Atlântica sob influência portuguesa (principalmente Brasil, Nigéria e Cabo Verde). O estudo foca nos Panos de terra das Ilhas Cabo Verde. Introdução Famoso por sua música inconfundível, o arquipélago foi descoberto pelos portugueses em meados do século XV, durante sua busca por "cristãos, especiarias e ouro nas Índias ", e cada uma das dez ilhas tem um carácter próprio moldado por sua geografia e história. De Labrador e Nova Scotia (Nova Escócia) no Canadá 1 , Casablanca (Casa Branca) no Marrocos, Camarões (de Rio des 1

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Panos da Escravidão: Panos de terra 

ResumoOs tecidos usados no tráfico de escravos nas regiões daÁfrica sob influência portuguesa tinham quatro origens: aprópria África, Europa, Ásia e América. As origens e tiposde tecidos variaram ao longo do tempo e lugar e, portanto,representam aspectos da globalização no Império Português.

 Os estudos anteriores tendem a focar principalmente nocomércio de produtos europeus durante o tráficotransatlântico de escravos. Esses estudos têm ignorado aquestão da transferência de tecnologia africana paraMacaronésia e as Américas e, assim, enfatizam a noção de queos africanos foram transportados apenas como mão de obra,sem levar em conta a sua cultura ou tecnologia. O resultadodessa má interpretação histórica é uma perspectivaamplamente difundida nas Américas e na Europa de que aÁfrica não possuia uma tecnologia de valor antes da chegadados europeus. Esta noção é prejudicial para todas as partes,e em particular para a diáspora Africana do mundo Atlântico. Essa pesquisa busca identificar o papel dos africanos e suatecnologia dentro do processo de colonização européia e doimpério europeu, e explorar o legado do comércio têxtil esuas ligações com a escravatura, através da observação dovestuário nos países da Costa Atlântica sob influênciaportuguesa (principalmente Brasil, Nigéria e Cabo Verde). Oestudo foca nos Panos de terra das Ilhas Cabo Verde.

Introdução

Famoso por sua música inconfundível, o arquipélago foidescoberto pelos portugueses em meados do século XV, durantesua busca por "cristãos, especiarias e ouro nas Índias ", ecada uma das dez ilhas tem um carácter próprio moldado porsua geografia e história.De Labrador e Nova Scotia (Nova Escócia) no Canadá1,Casablanca (Casa Branca) no Marrocos, Camarões (de Rio des

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Camaroes ou Rio de Camarões) na África, uma cadeia de ilhascomo Santa Helena, Tristão da Cunha, Ilhas Mascarenhas deMaurícios e Reunião a Bombay (de Bom Bahia ou Boa Baía) eTaiwan (formalmente conhecida como Isla Formosa ou Bela Ilha).Os portugueses deixaram sua marca no mapa mundial.No início do século XVI, os portugueses tinham explorado eestabelecido bases comerciais em todo o mundo, deixando-nosum legado de palavras em línguas tão distantes como ojaponês, cantonês, mandarim, malaio , hindu , árabe eswahili.Eles também introduziram termos marítimos, botânicos,zoológicos e têxteis derivados desses idiomas e outros, comoTupi-Guarani do Brasil, no inglês e outras línguaseuropeias. No centro das rotas comerciais portuguesas daEuropa para a África, Índia e Brasil, a cultura dominante deCabo Verde, Kriolu (crioulo), evoluiu como resultado de umintercâmbio global e é demonstrada na história de Panos deterra.

Pesquisa

As ilhas de Cabo Verde eram desabitadas na época dosdescobrimentos portugueses, e embora algumas fossem muitoáridas, nelas era encontrado um líquen chamado Orchil ouUrzela em Português (Roccella tinctoria), que era coletado emáreas montanhosas, processado e exportado para produzir umcorante azul-violeta2. Os portugueses foram caracterizadosno século XVI por suas atividades comerciais, mas elestambém foram os pioneiros nos experimentos de adaptação deplantas, usando as Ilhas do Atlântico como estações decampo. Eles já haviam introduzido a cana-de açúcar emMadeira e nos Açores, e estavam importando escravosafricanos de sua recém "descoberta" costa da Guiné para osseus cultivos3. A proximidade de Cabo Verde da costa daÁfrica fez dela a base de onde era controlado o tráfico deescravos para as Américas4. O primeiro e mais bem sucedidoproduto cultivado nas ilhas de Cabo Verde foi o algodão(Gossypium herbaceum)5, inicialmente trazido da ÁfricaOcidental e em grande parte vendido lá . É claro que a

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África teve uma tradição têxtil baseada em couro, raffia etecido feito de tronco e algodão, às vezes usando pequenasquantidades de resíduos de fibra de seda da Ásia, quechegavam ao Noroeste da África e até atravessavam o Saara,através das rotas comerciais árabes. Esta seda eraoriginalmente em forma de resíduos de seda, geralmentetingida magenta e conhecida no norte da Nigéria comoAlaharini6. Os africanos ocidentais não eram capazes deproduzir esta cor magenta, embora a noz de cola localgerasse vários tons de azul e marrom. Assim, este materialde cor suave e luminosa era um valioso produto comercial. NaGuiné, a área entre o Senegal e a Libéria, os fiandeiros (namaioria mulheres) e os tecelões (na maioria homens) parecemter sido escravos. No início do século XVI, tecelõesafricanos escravizados trazidos para as ilhas de Cabo Verdeestavam produzindo tecidos de algodão de alta qualidade queeram comercializados na costa Africana7. Os fiandeiros etecelões, que também plantavam, colhiam, limpavam e tingiamo algodão, serviam de escravos domésticos nas grandesplantações de algodão e pequenas casas de comércio deescravos da Ilha de Santiago. As mulheres Wolof eramparticularmente valorizadas, porque, além de seremfiandeiros qualificados, elas eram considerados muitobonitas8. Os tecelões usavam teares simples e frágeis deorigem Africana, que produziam apenas estreitas bandas detecido, geralmente 10-15 cm de largura e entre 150-180 cm decomprimento. Seis destas tiras eram costuradas juntas paraformar um pedaço de pano aproximadamente 90 cm de largura enão mais que 180 cm de comprimento.

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Cortesia da Sra. Fátima Almeida, Atelier de Projeto Corte e Costura.Praia, Santiago. Cabo Verde.

Coleção fotográfica Pereira -Williams.

Inicialmente, o algodão era tingido em vários tons de azulcom extrato de noz da árvore de cola (Cola acuminata), que eraproduzido na África Ocidental e comercializado através dailhas de Cabo Verde, juntamente com escravos africanos. Apósa chegada dos portugueses à Índia, eles começaram a importarindigo (Indigofera tinctoria) da Índia para a Europa. Deacordo com os escritos de Duarte Barbosa no início do séculoXVI, "os mouros aqui [Sofala] agora produzem um algodãomuito bom neste país, e eles sabem como tecê-lo na corbranca, porque eles não sabem como tingi-lo, ou porque elesnão conseguem as cores certas; e eles pegam o tecido azul oucolorido de Cambaia [Gujarat] e desfiam, e tecem novamenteos fios com seus fios brancos, e desta maneira eles fazemtecidos coloridos". Já havia uma indústria têxtil indígenana costa leste da África quando os portugueses chegaram noinício do século XVI. Aparentemente, não havia técnica detingimento de algodão na região e, portanto, a importação detecidos coloridos, especialmente na cor azul, era muito rarae altamente valorizada”9. Quando em 1502 Cabral decidiucriar uma fábrica em Sofala, o Capitão foi provido com meiospara a compra de tecidos indianos, porque esta era a únicamercadoria comercializável em Sofala10. Barbosa menciona que

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o pano colorido tecido com fios indianos e locais em Sofalaera trocado por ouro11. Durante ou logo após o final doséculo XVI os portugueses introduziram o indigo (Indigoferatinctoria) trazido da Índia nas Ilhas Kerimba e,posteriormente, os habitantes da ilha começaram a tingir oseu algodão com este corante azul-escuro. O tecidoresultante foi chamado Msumbiji ("Mozambique” em KiSuahili).No século XIX, o povo Mijikenda do Quênia tinha desenvolvidouma preferência pelo tecido azul-escuro Msumbiji. A cor azulnão é encontrada em peles de animais e é raramenteencontrada em aves, insetos e plantas. O tecido azul eravalorizado e dotado de propriedades quase mágicas12. Esteapreciado tecido assumiu uma importante função social e eradado à mãe da noiva, que o usava ou o presenteava a suafilha para uso como baby sling. Esta prática era conhecidapelos Kiswahili como mbeleko ou uweleko, pelos Digo comomakaja, pelos Pokomo como kamahumbo e pelos Zaramo daTanzânia como mkaja13.

Do Oceano Índico, os portugueses também introduziram oindigo para as ilhas de Cabo Verde e no final do século XVI,escravos cabo-verdianos estavam cultivando índigo eproduzindo corantes azuis de boa qualidade. Cada grupo defiandeiros e tecelões fazia sua própria tintura14. Tiras detecido eram utilizadas para a confecção de um pano (oupeça), dando oportunidade para que muitas variações fossemcriadas dentro do padronizado arranjo de seis faixas. Tirasalternadas de tecido azul e branco produziram o chamado panolistrado, mencionado em muitos registros. Os barafulas eramem sua maioria deste tipo. Eventualmente padrões e desenhosmouros e portugueses eram incorporadas com seda ou lãimportadas15. A produção de algodão cru de alta qualidadetornou-se uma parte central da economia cabo-verdiana,provavelmente impulsionada pela introdução do algodão daIlha do Mar (Gossypium barbadense) do Brasil. Em 1582 apopulação de Fogo e Santiago era composta de 1.608 brancos,13.700 escravos africanos e 400 africanos libertos16.

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Os empreendimentos comerciais portugueses eram restritos àcosta oeste da África, onde a maior rede de comércio era deafro-portugueses livres de Cabo Verde conhecida comoLancados ou Tangomaos17. Estes eram os intermediários daregião entre o Senegal e a Libéria, comercializando materialtêxtil local, noz de cola, marfim e escravos. Quando umcomerciante de escravos europeu ia para a costa da Guiné,ele era envolvido com intermediários cabo-verdianos, eobrigado a comprar panos de Cabo Verde (barafulas, oxos, panospretos, panos de Obra, panos de Agulha, panos de bicho, etc). Sem osintermediários afro-portugueses, e sem os elegantes panoscabo-verdianos que vestiam a classe alta da Guiné, ocomércio costeiro teria sido bem diferente18. A presença decomerciantes cabo-verdianos (principalmente de escravos) eratão comum que, já no século XVI, a costa passou a serconhecida como os "rios de Cabo Verde", aqui referindo-se aoarquipélago e não ao promontório no Senegal19. Apesar deproficientes em tecelagem, os africanos da Guiné nãopareciam interessados em alfaiataria; eles estavamsatisfeitos em costurar faixas estreitas de tecido,produzindo grandes peças de tecido, que eram envoltas nocorpo. A importância dos panos no oeste da África éexemplificado no mapa John Sudbury da África produzido naInglaterra em 1626, que apresenta vestimentas de africanosde várias regiões costeiras. O habitante "Senagensian" éretratado vestindo panos20. A ilustração sugere que o artistanão viu a roupa sendo usada, mas ouviu descrições do seuuso.

Durante as três primeiras décadas do século XVII,comerciantes flamengos e franceses importavam grandesquantidades de tecidos em Madeira. Depois, em meados doséculo XVII, a guerra anglo-portuguesa interrompeu ocomércio. Entretanto, no final do século a maioria dostêxteis vinha da Inglaterra e em navios ingleses, não apenasem Madeira, mas também nos Açores, e a demanda por essestecidos contribuiu para o desenvolvimento das cidades eportos ingleses, como Topsham em Exeter, e Colchester. Estestecidos, conhecidos por nomes como Dezenas de Devon,

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Colchester bays (feltro), Barnstaple bays, perpetuanas, says,kerseys, friezes e frizados, eram transportados de Madeira e dosAçores para o Brasil21. Tecidos vermelhos europeus eramparticularmente valorizados como faixas de cintura e lenços.

Os africanos frequentemente utilizavam os tecidos maisatraentes para mortalhas fúnebres. Tecidos caros tambémfiguravam com destaque em contratos de casamento. Tão longequanto a Costa Dourada (Gana) e o delta do Níger (Nigéria),os panos cabo-verdianos ajudaram a vestir a elite . É nestecontexto que devemos ver duas imagens que surgiram dentrodeste estudo. Durante a breve ocupação holandesa do Nordestedo Brasil (1630-1654), o artista holandês Albert Eckout foicontratado pelo governador do Brasil holandês, o príncipeJohan Maurits van Nassau, para produzir uma série depinturas dos habitantes da terra. Eckout eventualmenteproduziu vinte e quatro pinturas22. Duas dessas imagensmostram africanos, uma de um homem e a outra de uma mulher euma criança.

Mulher Africana. (EN.38.A.8) e Homen Africano (EN.38.A.7).Cortesia do Museu Nacional da Dinamarca.

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A pintura da mulher mostra uma africana vestindo uma saiacurta de panos, que é presa na cintura com uma faixavermelha. Ela também é mostrada usando um chapéu semelhanteao dos Khoisan da África do Sul (uma colônia holandesa de1652 a 1806). O chapéu da mulher é mais parecido com o dopovo Bakongo do atual norte de Angola. A mulher também usacontas de coral, que eram e ainda são uma característica daelite na África Ocidental. O homem usa uma tira de panoscomo uma tanga, com uma espada Ashanti Afena em um bainha depele de arraia e uma concha de ostra rosa (Ostraea rosácea)das Ilhas Canárias23. Duas espadas Afena similares estão nacoleção do Museu Britânico. As pinturas e alguns dos objetosligados a elas foram legado de Frederico III da Dinamarca eestão no Museu Nacional da Dinamarca. Estas imagens sãoraras referências visuais dos panos no Brasil.

Em meados do século XVII os panos cabo-verdianos assumiramuma posição dominante no comércio de Guiné, expulsandorivais europeus, indianos e outros africanos. Chefesafricanos preferiam o tecido cabo-verdiano para os seuspadrões e insistiam que um certo número de tecidos dequalidade de Cabo Verde tinha que ser parte do "mix" deprodutos em todas as grandes transações de troca. Nos anos1680 uma barra padrão de ferro europeu era trocada por doistecidos barafula padrão de Cabo Verde, e 30 barras de ferroeram trocadas por um escravo Africano24.

No século XVIII, a concorrência entre holandeses,britânicos, dinamarqueses e franceses (especialmente doscomerciantes têxteis de Rouen), que começaram a importargrandes quantidades de têxteis europeus e indianos, forçouos portugueses e as famílias Lancado a limitar suasatividades comerciais a região da atual Guiné e Guiné-Bissau. Uma das principais empresas envolvidas no comérciode panos para o Brasil no século XVIII foi a Companhia Geraldo Pará -Maranhão, que detinha o monopólio do comércio deescravos de Cabo Verde e Guiné na Amazônia e no Maranhão. Aempresa também detinha direitos exclusivos da extração deurzela em Cabo Verde, Açores e Maderia. A Ilha do Fogo era o

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maior exportador de tecidos, seguido por Santiago e Brava.Registros do século XVIII de comerciantes de escravosingleses no Oeste da África confirmam o uso dos panos comouma tanga, com um "pequeno pedaço de algodão como uma faixana frente, que passa entre as coxas, e é amarrada atrás" e ouso de peças maiores; "Sobretudo, eles usam um pano dealgodão na forma de um manto; os de uma mulher casada sãogeralmente azul, e quanto mais escura a cor mais rica éconsiderada; mas as moças e esposas ou viúvas jovens alegresusam azul e branco, alguns manchados, alguns com figuras"26.Estes últimos são uma descrição de Panos de Oxos e Panos deBicho. Enquanto os panos de boa qualidade azul escuro são osPanos Pretos. A mesma fonte também menciona que na Ilha doFogo terreno é alugado para os "negros e escravos", que"pagam com pano"27. Com referência às exportações destepano, e isso em São Nicolau "os nativos fazem as melhoresroupas e colchas de algodão de todas as ilhas, estas sãomuito boas para o comércio da Guiné - mas adequado para o doBrasil"28. Mas o Tratado de Methuen de 1703 entre Portugal eInglaterra marcou a queda do comércio de Panos. Os termosdeste tratado, deu direito preferencial ao mercado britânicopara os vinhos de Portugal e Madeira e o início de umembargo de proteção aos tecidos britânicos, incluindoaqueles produzidos na Índia. Este tratado efetivamenteisolou a fabricação de têxteis portugueses na ÍndiaPortuguesa, no Brasil e em Cabo Verde29. Tecidos indianos,incluindo o xadrez conhecido na Nigéria como injiri, produzidoem Chirala (Andhra Pradesh) e, em seguida, em Chennai(formalmente Madras em Tamil Nadu) ganhou popularidade noséculo XVIII, com o crescimento do comércio britânico naregião. Este tecido altamente valorizado tem um importantepapel no ciclo de vida, particularmente nos nascimentos efunerais30.

Uma das principais empresas envolvidas no comércio do séculoXVIII foi a Companhia Geral do Pará - Maranhão, que tinha omonopólio sobre a Amazônia e Maranhão do comércio deescravos de Cabo Verde e Guiné. A empresa também detinha osdireitos exclusivos sobre a extração de urzela em Cabo

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Verde, nos Açores e Maderia31. A ilha do Fogo era o maiorexportador de pano seguido por Santiago e Brava32. NoBrasil, o algodão era uma cultura de trabalho intensivo eera cultivado no norte do país, inicialmente, e,posteriormente, em todas as províncias do Pará ao Rio deJaneiro. Ele só se tornou importante como um produto deexportação na década de 1770, em parte como resultado daRevolução Americana ou Guerra de Independência33. Logo 60%do algodão cru brasileiro era exportado para a Grã-Bretanha,que então exportava o pano acabado de volta ao Brasil paravestir os milhares de africanos escravizados que trabalhavamnos campos e minas do Brasil34. A fabricação de tecidosfinos era proibida no Brasil pelo Alvará ou Carta de 5 deJaneiro de 1785. A produção de pano grosso para usoexclusivo pelos escravos era permitida. Em 1802, as leis deproibição foram repetidas. Isso estimulou a exportação detecidos portugueses e chitas indianas para o Brasil. Aproibição incentivou o contrabando em larga escala pelaspotências européias35. Como consequência, os panos e suamemória praticamente desapareceram na Bahia, onde eles foramsubstituídos pela familiar longa saia de algodão branco eblusa da Baiana. Cabo-verdianos continuaram a comercializaros panos com os rios da Alta Guiné (Casamansa , Cacheu, Bubae Geba), como eles tinham feito 300 anos antes, e tinhampontos de comércio feitorias nos pontos mais altos dessesrios no início do século XIX.36

Conclusão

Os Panos de Terra, como muitos outros aspectos da culturacabo-verdiana não foram preservados, tendo sido atéreprimidos pelos portugueses, especialmente durante o inícioe meados do século XX. No entanto, desde a independência em1975, os Panos de Terra tornaram-se o foco de nacionalismo. Ospanos são usados frequentemente como cachecóis e como umtambor improvisado por grupos de dança locais, como os queexecutam o Batuque, e os padrões têm sido replicados nafrente de lojas de souvenirs, em pedras de pavimentação e

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até nas notas de 200 Escudo como uma lembrança de sua funçãomonetária no passado. Hoje, os Panos de terra são produzidos aoredor de Assamada na ilha de Santiago por cerca de seisjovens indivíduos, muitos dos quais aprenderam as técnicasde tecelagem de um outro jovem. No entanto, existe umadependência de fios tingidos importados, que têm uma altataxa de imposto. Ainda existe uma baixa demanda interna dePanos de Terra, e enquanto ele é usado por muitas mulheres noMercado de quarta-feira de Assomada, ninguém o usa nomovimentado mercado de São Felipe na vizinha Ilha do Fogo.Assim, o tecido ainda está por se tornar um ícone nacionalpopular em todo o arquipélago. O esforço de pessoas comoFátima Almeida para trazer o têxtil para o palcointernacional em desfiles de moda na Itália, Espanha ePortugal ainda não teve um retorno, e o tecido permanecedesconhecido em grande parte dos países de língua inglesa,apesar da grande comunidade cabo-verdiana nos EUA,especialmente em Boston.

Mercado de Assomada. Cabo Verde.Coleção Fotográfica Pereira-Williams.

Na própria África os panos levaram à "fashionabilidade" doalgodão preto e branco. Hoje o povo do delta do Níger produzum design especial por subtração de fios, o que eles chamamde pelete bite que significa "pano de corta o fio". Este tecidoé normalmente usado como um Kanga (envoltório) e muitas

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vezes é preto e branco, e tem uma notável semelhança com opadrão de uso dos panos. A memória dos panos sobrevive nostecidos impressos preto e branco usados em rituais fúnebresno sudeste da Nigéria.

Têxteis, pinturas a óleo e papel raramente sobrevivem nostrópicos e a identificação dos panos em coleções da RoyalGeographical Society, em Londres e no Museu Nacional daDinamarca, em Copenhague representa um aspecto da históriamundial e a importância de uma abordagem interdisciplinar,neste caso, com a inclusão de cartografia e história daarte. O status dos panos na África no século XVII édemonstrado nas pinturas de Eckout, onde os Afro-brasileirosestão vestidos com trajes de alto status Africano, o quedemonstra as relações comerciais indígenas africanas com oMediterrâneo, Macaronésia (ou seja, Ilhas Canárias e CaboVerde) e Europa. Ao mesmo tempo, o status mais elevado édemonstrado pela falta de conchas de cowrie (búzios) queformavam uma parte do sistema de troca monetária, assim comoum item de moda importante para a classe média na África epara os afro-brasileiros. Africanos da época tinhamclaramente uma noção de "longe" ou "exótico", que foi tecidaem suas noções de moda, tanto quanto os tecidos indianosforam para os europeus no mesmo período. As pinturas deEckout sugerem que a noção de moda atravessou o Atlânticopara o Brasil de colonização holandesa.

O algodão indiano "Madras" também foi levado para as ÍndiasOcidentais pelos britânicos e tornou-se popular entre osafricanos escravizados como enfeites caros e coberturas decabeça em trajes de algodão brancas, talvez como uma memóriados prestigiados panos da África Ocidental. Também éinteressante notar que o pano xadrez impresso, semelhanteaos panos é usado em cerimônias religiosas de origemAfricana nas Índias Ocidentais, como a cerimônia de bênçãodo Revivalist na Jamaica37.

A importância dos Panos de Terra como um ícone da identidadede Cabo Verde muitas vezes esconde a sua importância como

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representando uma tecnologia têxtil Africana que foitransferida para as ilhas como parte de um comércio quemarca um dos lados mais sombrios da história humana. Aomesmo tempo, os panos representam a habilidade dos africanosescravizados em tentar manter suas memórias e noções de modae hierarquia do outro lado do Atlântico no Brasil e Caribe.A existência de semelhantes, senão paralelas, noções deriqueza e prestígio associadas com os panos e na sua formamoderna de algodão demonstra fashion e ritualísticarepresentam uma conexão difícil e sensível, mas real, entreafricanos ocidentais e seus primos afro-americanos atravésdo comércio atlântico de escravos.

Palavras-chave: África, diáspora Africana, asiáticos, elites Africanas,Brasil , Europa, fashion, globalização, cultura indígena,mundo de influência lusitana, memória, Império Português,tráfico de escravos, transferência de tecnologia, têxteis.

Estudos preliminares realizados em:Museu Nacional de Arte Antiga. Lisboa. Portugal.The British Museum.The Caird Library. National Maritime Museum. Londres.Inglaterra.The Royal Geographical Society (com IBG). Londres.Inglaterra.

O trabalho de campo foi conduzido em:Assomada, Ilha de Santiago , Cabo Verde .Ilha do Fogo, Cabo Verde .Ilha de Lamu, Quênia.Madeira, Portugal.Praia, Ilha de Santiago, Cabo Verde.Salvador, Bahia, Brasil.

Agradecimentos:Sra. de Fátima Almeida, Ateliê de Design Corte e Costura.Praia, Santiago. Cabo Verde.

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Sra. Claudia Corriea , Pacos do Concelho. Praia , Santiago.Cabo Verde.Sra. Elisa Monteiro, Pacos do Concenlho. Praia , Santiago.Cabo Verde.Sr. Daniel Spinola , Sociedade Caboverdiana de Autores.Praia, Santiago. Cabo Verde.Sra. Marlene Vieira Thakkar. Praia , Santiago. Cabo Verde.

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