Os movimentos sociais e a internet: a apropriação política do Facebook durante as Jornadas de...

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1 38º ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS GT04 Ciberpolítica, ciberativismo e cibercultura Os movimentos sociais e a internet: a apropriação política do Facebook durante as Jornadas de Junho Rosemary Segurado, professora do Programa de Estudos Pós-graduados em Ciências Sociais da PUC/SP e da Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Pesquisadora do Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política da PUC/SP (NEAMP). Natasha Bachini, mestre em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), professora do Centro Universitário Faculdades Metropolitanas Unidas e pesquisadora do Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política da PUC/SP (NEAMP). Pedro Malina, mestre em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), professor do Centro Universitário Faculdades Metropolitanas Unidas e pesquisador do Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política da PUC/SP (NEAMP). Trabalho vinculado ao Projeto Temático Fapesp: 12/50987-3 Lideranças Políticas no Brasil: características e questões institucionais Caxambu, MG 27 a 31 de outubro de 2014.

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38º ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS

GT04 Ciberpolítica, ciberativismo e cibercultura

Os movimentos sociais e a internet: a apropriação política do Facebook

durante as Jornadas de Junho

Rosemary Segurado, professora do Programa de Estudos Pós-graduados em

Ciências Sociais da PUC/SP e da Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

Pesquisadora do Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política da PUC/SP (NEAMP).

Natasha Bachini, mestre em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica

de São Paulo (PUC-SP), professora do Centro Universitário Faculdades

Metropolitanas Unidas e pesquisadora do Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e

Política da PUC/SP (NEAMP).

Pedro Malina, mestre em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo (PUC-SP), professor do Centro Universitário Faculdades Metropolitanas

Unidas e pesquisador do Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política da PUC/SP

(NEAMP).

Trabalho vinculado ao Projeto Temático Fapesp: 12/50987-3 – Lideranças Políticas

no Brasil: características e questões institucionais

Caxambu, MG

27 a 31 de outubro de 2014.

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Os movimentos sociais e a internet: a apropriação política do Facebook

durante as Jornadas de Junho

Resumo:

A proposta de comunicação apresentará os resultados parciais da pesquisa

desenvolvida junto ao Projeto Temático: “Lideranças Políticas no Brasil:

características e questões institucionais”, realizada pelo NEAMP (Núcleo de Estudos

em Arte, Mídia e Política do Programa de Estudos Pós-graduados em Ciências

Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – Brasil). Nosso objetivo é

investigar o debate a respeito do papel das lideranças políticas realizado nas

páginas do Facebook Passe Livre São Paulo, Ocuppy Brazil, Anonymous Brasil,

Partido Pirata Brasil, durante as Jornadas de Junho, ocorridas no Brasil em 2013. ,

Tendo em vista compreender os tipos de discurso presentes neste heterogêneo

movimento, analisaremos as postagens veiculadas nas páginas supracitadas ao

longo desse mês a partir dos seguintes temas que emergiram nesse debate: i)

partidos políticos; ii) liderança (des)centralizada; iii) representação; iv) uso da

violência; v) produção de informação e vi) livre circulação na cidade.

Palavras-chave: liderança política, internet e política, ciberpolítica e ciberativismo

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Apresentação e Metodologia

A proposta de comunicação apresentará os resultados parciais da pesquisa

desenvolvida junto ao Projeto Temático: Lideranças Políticas no Brasil:

características e questões institucionais, realizada pelo NEAMP (Núcleo de Estudos

em Arte, Mídia e Política do Programa de Estudos Pós-graduados em Ciências

Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – Brasil).

Temos como objetivo investigar o debate a respeito do papel das lideranças

políticas realizado nas páginas do Facebook Passe Livre São Paulo1, Ocuppy

Brazil2, Anonymous Brasil3, Partido Pirata Brasil4, durante as Jornadas de Junho,

ocorridas no Brasil em 2013.

Tendo em vista compreender os tipos de discurso presentes neste

heterogêneo movimento, analisaremos as postagens veiculadas nas páginas

supracitadas ao longo desse mês a partir dos seguintes temas que emergiram nesse

debate: i) partidos políticos; ii) liderança (des)centralizada; iii) representação; iv) uso

da violência; v) produção de informação e vi) livre circulação na cidade.

Nosso trabalho está organizado da seguinte forma: primeiro apresentamos a

metodologia, em seguida, realizamos uma breve descrição das páginas

selecionadas e dos temas nelas apresentados durante as Jornadas de Junho,

posteriormente, nos concentramos na análise dos eixos temáticos listados acima e,

por fim, pontuamos algumas considerações finais.

Para cumprir os objetivos expostos acima, optamos pelo uso de instrumentos

metodológicos qualitativos e da estatística descritiva. Dessa forma, observamos as

publicações realizadas durante o mês de Junho de 2013 pelos movimentos Passe

Livre São Paulo, Anonymous Brasil, Partido Pirata e Occupy Brazil em suas

respectivas páginas do Facebook e, em seguida, quantificamos e geramos

indicadores e cruzamentos a respeito dos temas das postagens, dos recursos

utilizados e da interatividade.

1 https://www.facebook.com/passelivresp?fref=ts 2 https://www.facebook.com/OccupyBrazil?fref=ts 3 https://www.facebook.com/AnonymousBr4sil?fref=ts 4 https://www.facebook.com/PartidoPirata.BR?fref=ts

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Os critérios metodológicos utilizados na seleção dessas páginas foram: i) a

quantidade de perfis que curtem a página; ii) a interatividade gerada a partir das

publicações nas páginas durante o período analisado (número de curtidas,

comentários e compartilhamentos); iii) a discussão sobre os temas supracitados e iv)

a relevância das publicações dessas páginas na organização das manifestações no

espaço público.

A partir da observação das referidas páginas foram criadas dezesseis

categorias temáticas para tipificar o conteúdo veiculado pelos coletivos no

Facebook, assim como dez categorias indicativas dos recursos empregados nos

posts, conforme podemos verificar nas tabelas abaixo:

Tabela A

Categorias temáticas

T1 - Mobilização para os atos e atividades convocadas pelo movimento

T2 – Crítica aos políticos

T3 – Críticas às instituições democráticas

T4 – Crítica aos partidos políticos

T5 – Crítica ao capitalismo

T6 – Crítica aos meios de comunicação tradicionais

T7 – Crítica à polícia

T8 – Veiculação de informação alternativa

T9 – Infiltrados no movimento

T10 – Apoio ao movimento em outras cidades

T11 – Propostas

T12 – Divulgação de ações

T13 – Crítica aos grandes eventos

T14- Autopromoção da página e do movimento

T15- Veiculação de informação dos meios tradicionais

T16- Outros5

Fonte: Autores, 2014.

5 A categoria temática ‘Outros’ abarca os seguintes temas gerados nas postagens: chamadas para atos de outros movimentos; pedido de contribuição para a fiança de manifestantes detidos; informações sobre a situação dos detidos; informações sobre a vitória do movimento; repúdio à hostilização dos partidos de esquerda em manifestações.

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Tabela B:

Categorias indicativas dos recursos

R1- Fotos

R2- Gráficos

R3- Charges

R4- Vídeos

R5- Áudios

R6- Ilustrações/ Imagens

R7- Links

R8 – Hashtags

R9 – Pesquisa

R10- Outros /textos

Fonte: Autores, 2014.

2. Descrição dos coletivos estudados

2.1 Movimento Passe Livre São Paulo (MPL)

A página do Movimento Passe Livre (MPL) foi criada em 05 de junho de 2011.

Este movimento social, que se autodenomina como “horizontal, autônomo,

independente e apartidário, mas não “antipartidário”, engaja-se na mobilização pela

gratuidade e qualidade no transporte público urbano, enfatizando a defesa da Tarifa

Zero, desde 2005. As ações do MPL se baseiam nos princípios da autonomia,

horizontalidade, independência, apartidarismo e federalismo. Além disso, o MPL

utiliza-se do método do consenso nos seus processos decisórios internos, adotando

a forma deliberativa apenas como último recurso, quando se verifica o esgotamento

das formas de argumentação capazes de atingir o consenso para a elaboração das

estratégias de ação.

As postagens realizadas na página do MPL no Facebook revelam que vários

dos princípios acima mencionados foram exercidos e discutidos na rede social.

Precursor das Jornadas de Junho, o Movimento Passe Livre São Paulo contava até

o momento com 302 mil curtidas.

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A partir da observação do gráfico 1 podemos perceber que três temas se

sobressaíram nas postagens realizadas na página do MPL, caracterizando assim o

uso do Facebook pelo movimento: “veiculação de informação alternativa” (18,31%)”,

“mobilização para os atos” (15,49%), e “propostas” (15,49%).

Gráfico 1

Fonte: Autores, 2014.

Ao cruzarmos essas informações com os dados do gráfico 2 notamos uma

convergência, pois esses são os temas que também geraram os maiores índices de

interatividade na página do movimento. Colabora para a explicação dessa

convergência o fato de que estes temas estavam sempre inter-relacionados nas

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postagens, em especial nas notas oficiais geradas pelo site do movimento e

reproduzidas em sua página no Facebook.

O MPL aproveitou-se da rede social para desfrutar da visibilidade, do espaço

e da voz que lhe são negados pelos meios de comunicação tradicionais (BACHINI,

2013). Assim, o Facebook foi usado fundamentalmente pelo movimento para

produzir e veicular informações sobre si mesmo, divulgar suas propostas e convocar

a população para os seus atos.

Gráfico 2

Fonte: Autores, 2014.

Os membros do MPL usaram a página para divulgar e viralizar fotos e vídeos

dos atos que não circularam nos veículos de comunicação tradicionais,

especialmente aquelas que denunciavam a reação truculenta da polícia ao

movimento (tema presente em 10,56% dos posts). O espaço e os recursos

disponíveis foram aproveitados também para que se defendessem das acusações

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da grande imprensa, que em larga escala criminalizava o movimento, para divulgar

informações a respeito dos militantes presos, para angariar doações para as fianças

desses militantes e para denunciar a renovação dos contratos da prefeitura com a

empresa de transporte responsável por diversas ilegalidades.

A veiculação dessas informações alternativas colaborou com a mobilização

para os atos do movimento contra o aumento da tarifa do transporte público e para

os atos de outros movimentos com os quais desenvolve uma interlocução, tais como

o movimento “Contra a Copa do Mundo”.

Dentre as postagens relacionadas ao tema “mobilização para os atos”,

destacaram-se o número de confirmações para o 5º ato, aproximadamente 300 mil

pessoas, e o post de convocação para o 6º ato, que gerou 9.083 compartilhamentos,

sendo esse o maior índice registrado por esse recurso de interatividade.

Chamou a atenção também o uso da página pelo movimento para tecer

“crítica aos políticos” envolvidos no caso do aumento da tarifa e nas ações da polícia

contra o movimento. Este tema respondeu por 9,15% das postagens e foi

responsável pelo terceiro maior índice de interatividade gerado. Foram foco das

críticas do movimento especialmente Fernando Haddad, prefeito do Município de

São Paulo e Geraldo Alckmin, governador do Estado de São Paulo.

Tendo em vista os objetivos principais dessa pesquisa, outra constatação

importante é que em nenhuma das postagens há algum integrante do movimento

que se destaca com relação aos demais. Todas as postagens analisadas foram

produzidas única e exclusivamente em nome do MPL. Este fato corrobora com a

tese da liderança descentralizada ou compartilhada exercida nesses novos

movimentos sociais que se organizam em rede (HARDT e NEGRI, 2001;

CASTELLS, 2013).

Com relação às postagens relacionadas à categoria “propostas”, presente em

15,49% das inserções, estas se referiam basicamente a luta pela revogação do

aumento da passagem e a proposição de um espaço de negociação onde pudesse

ser discutida a pauta única do movimento.

No dia 20.06.2013 a prefeitura e o governo do Estado cancelaram o aumento

da tarifa do transporte público, configurando uma vitória do movimento.

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Apesar da vitória, o MPL continuou utilizando a página do Facebook para

defender a sua principal bandeira: a Tarifa Zero.

2.2 Anonymous Brasil

Trataremos agora da página do Facebook Anonymous Brasil. A página

começou em 22 de Julho de 2012 e até o dia 15 de junho de 2013 aproximadamente

400 mil pessoas a haviam curtido. É importante ressaltar que esta página alcançou

mais de um milhão de curtidas no final de Junho de 2013. De acordo com as

informações divulgadas pela própria página, esse crescimento acompanhou o

aumento no número de postagens durante o mês referido.

O aumento de curtidas veio acompanhado de um grande número de

postagens divulgando a própria página, 29,55% do total, postagens essas que

muitas vezes divulgavam o número de curtidas já recebidas. Esses dados indicam

que o coletivo aproveitou-se do momento de ebulição dos protestos mais para se

autopromover do que como um instrumento de conscientização e mobilização

popular, como o MPL.

A estratégia de autopromoção da página, ao que tudo indica, obteve êxito,

tendo em vista que algumas análises indicam o Anonymous como o coletivo mais

atuante durante as Jornadas de Junho, mesmo que essa atuação tenha sido apenas

para divulgar os protestos realizados.

Essas análises corroboram com a hipótese da ausência de lideranças

centralizadas das Jornadas de Junho, posto que mesmo sem participar ativamente

da organização e divulgação dos protestos, a página do Anonymous Brasil foi uma

das que gerou maior interatividade durante o período ao disseminar informações

sobre as manifestações realizadas.

Podemos encontrar aqui um indicativo do uso das redes sociais pelos

coletivos durante as Jornadas de Junho, o de circular a informação. Esse uso vai de

encontro a uma das bandeiras mundiais do Anonymous, que é a abertura de dados,

especialmente os de caráter público.

Contudo, diferentemente de outros coletivos, na página do Anonymous o tipo

de informação que gerou maior interatividade era proveniente dos meios de

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comunicação tradicionais e não produzida pelos próprios manifestantes.

Observamos que a página funcionou como uma espécie de filtro de notícias,

selecionando e indicando as informações consideradas relevantes.

Outra categoria de assuntos que se destaca em 12,82% das postagens é

“crítica aos políticos”. Essas críticas foram um dos temas recorrentes durante as

Jornadas de Junho que ficaram marcadas pela forte descrença na classe política e

nas instituições políticas.

Para melhor compreender como as pessoas que curtiram a página interagem

com os temas propostos, propomos a observação dos gráficos 3 e 4. Novamente,

chama a atenção, o grande número de curtidas (62447) e compartilhamentos

(44776) das postagens de divulgação do movimento e da página, mostrando que as

pessoas que curtiram a página tinham o interesse de divulgar o seu crescimento ao

longo do mês de Junho de 2013. Porém, o número de comentários (2288) não foi

tão expressivo assim.

Gráfico 3

Fonte: Autores, 2014

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Gráfico 4

Fonte: Autores, 2014.

A página do Anonymous Brasil apresentou postagens com perguntas sobre

os políticos e sobre os próprios protestos. Uma delas propunha uma pesquisa que

visava compreender a opinião das pessoas que visitavam a página acerca das

lideranças políticas. Estas postagens também tiveram um número expressivo de

curtidas e compartilhamentos.

Esse tipo de postagem teve o caráter consultivo, portanto não apresentava

postagens propositivas. Ao mesmo tempo, reforçavam a multiplicidade de pautas e o

processo de um movimento, ainda em fase de construção. Assim, o uso do

Facebook pelo Anonymous está em consonância como um dos anseios mais

propagados nas ruas ao longo das Jornadas de Junho, o de não se buscar a

uniformidade do movimento, mas garantir a pluralidade.

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2.3 Partido Pirata

O Partido Pirata, ainda em fase de organização no Brasil, surgiu em 2007 e

integra a rede internacional de partidos piratas cujo eixo central de atuação se

baseia na defesa do acesso à informação, no compartilhamento do conhecimento,

na transparência na gestão pública e na garantia da privacidade. Apesar de ainda

não estar oficializado, o partido teve participação ativa no processo de elaboração e

de discussão do Marco Civil da Internet.

Entre os princípios definidos para a atuação no país, destaca-se a forma

colaborativa em todo processo de discussão e o questionamento às formas

partidárias tradicionais que consideram burocráticas, hierárquicas e verticalizadas.

Embora seja uma agremiação política, o Partido Pirata critica as estruturas

partidárias tradicionais, independentemente do seu caráter ideológico.

No período da análise, o partido estava envolvido com o processo de

convenções regionais para sua legalização e esse foi um dos debates principais

observados nos posts da página. Contudo, notamos o envolvimento do partido no

processo de mobilização das Jornadas de Junho, que utilizou a página do Facebook

para convocar as manifestações no município de São Paulo, apoiar os protestos em

outras cidades e criticar a organização dos grandes eventos, como por exemplo, a

Copa do Mundo, conforme podemos observar no gráfico abaixo.

A crítica à repressão policial nos protestos também teve destaque, tanto nos

posts quanto nos comentários e nas fotos mostrando a atuação violenta com que as

polícias militares, principalmente em São Paulo, utilizaram para conter os protestos.

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Gráfico 5

Fonte: Autores, 2014

Constatamos o interesse da página em divulgar as manifestações, embora

não se possa afirmar que o partido tenha participado ativamente do processo de

organização dos protestos. Nesse sentido, observamos em alguns posts de ativistas

ligados ao partido a reivindicação de uma atuação mais efetiva do partido nas

articulações das manifestações.

Por fim, concluímos que a intensa participação do coletivo no processo de

discussão do Marco Civil da Internet não foi verificada nas Jornadas de Junho.

Embora o partido tenha se posicionado e defendido as manifestações, notamos que

o envolvimento no processo de discussão do movimento não demonstrou a mesma

intensidade.

2.4 Occupy Brazil

A página do Occupy Brazil foi criada em 17 de setembro de 2011 com o

objetivo de divulgar as informações referentes aos ocupantes de Wall Street e aos

protestos contra a corrupção no Brasil. Segundo sua auto-descrição, a página não

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representa nenhuma bandeira ou organização. Contudo essa informação se

contradiz com outra da página onde o movimento se apresenta como engajado na

luta contra a corrupção em todo o mundo e entende esse problema como fruto do

“falho sistema capitalista”. Atualmente a página conta com 47 mil curtidas.

Reforçando a tese da conexão entre os movimentos sociais na sociedade em

rede (CASTELLS, 2013), o Occupy Brazil afirma estar conectado com outros

movimentos como o Occupy Together, o Global Revolution e o Acampadas Brasil e

por isso todas as informações referentes à identificação da página vêm sempre

escritas em português e inglês. Esta conexão com outros movimentos se torna

evidente quando observamos o gráfico 6, no qual o tema “apoio ao movimento em

outras cidades” é registrado em 7,02% das postagens.

Porém são os estímulos do movimento aos seus seguidores em prol de uma

gestão colaborativa da página que se refletem nos temas de maior destaque no

gráfico referido. A página do Occupy Brazil convoca seus seguidores a participarem

da gestão daquele espaço e a contribuírem de outras formas para o combate à

corrupção, como a produzindo de reportagens a respeito deste fenômeno.

Observamos o predomínio entre as postagens dos temas “divulgação de

ações”, responde por 21,05% das inserções na página durante o período analisado,

seguido por “veiculação de informação alternativa”, registrado em 19,30% dos posts,

“mobilização para os atos” e “propostas”, estes últimos presentes em 10,53% das

postagens.

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Gráfico 6

Fonte: Autores, 2014.

3. Análises por eixos temáticos

Ao propormos este artigo, pontuamos a necessidade de analisar as Jornadas

de Junho através dos temas que vieram à tona a partir do debate entre os

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manifestantes e não por bandeiras especificas ou somente a partir dos movimentos

em si. Esse posicionamento se baseia na tese de que a Multidão, organizada em

rede, tem como principal característica a heterogeneidade e a pluralidade de

demandas, em oposição a movimentos que estabelecem pautas e opiniões mais

uniformes.

É inquestionável que um conjunto de pautas foi colocado na agenda política a

partir das Jornadas de Junho, mas não é somente pelo fato de entrarem na agenda

que elas se tornaram relevantes e sim pelo processo que fez com que determinados

temas ganhassem a centralidade das preocupações da opinião pública. Nesse

sentido, talvez esse seja um dos aspectos mais importantes do que poderíamos

chamar de legado das Jornadas de Junho.

Por isso, nessa parte do trabalho analisaremos as postagens veiculadas nas

páginas supracitadas a partir dos seguintes temas que emergiram nesse debate,

tendo em vista compreender os tipos de discurso presentes neste heterogêneo

movimento: i) direito à cidade, ii) lideranças e representação, iii) violência, iv) partido

políticos e v) produção de informação.

3.1 Direito à cidade

O transporte público e, mais especificamente a mobilidade urbana, são

aspectos que afetam a vida de milhões de pessoas em todo país. Por isso, a

combinação do aumento da passagem com as precárias condições de vida

encontradas nos grandes centros urbanos, fez com que a questão urbana e o direito

à cidade entrassem na pauta política.

Os coletivos analisados, mesmo que de formas diferentes, colocaram essa

perspectiva, que também já foram observadas em outros protestos globais, tais

como o Indignados da Espanha, o Occupy nos EUA, Primavera Árabe, apenas para

citar os mais emblemáticos.

Em todos eles, há algumas características em comum como a ocupação do

espaço público como forma de reapropriação da cidade pelo “cidadão” e o

entendimento da cidade como espaço de circulação e de conexão do homem.

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Castells (2013) explica essa relação dos movimentos sociais com essas

demandas a partir do conceito de espaço da autonomia, que seria o espaço híbrido

que se forma a partir da conexão entre o espaço público tradicional e o ciberespaço,

onde os indivíduos adquirem a autonomia de produzir informação. Com a

emergência desses espaços, os movimentos se iniciam nas redes, nela crescem e

se fortalecem e, posteriormente, tomam as ruas. Portanto, “a rua é a rede e a rede

está na rua”, frase repetida pelos ocupantes da Puerta del Sol, pelos manifestantes

dos Indignados da Espanha em 2011.

Na visão de Pomar (2013), o tema do transporte e da circulação na cidade

está diretamente associado a uma crítica ao sistema capitalista, pois é por meio do

transporte que a força de trabalho se desloca para os locais de produção e tem

acesso à cidade. Porém, como o sistema de transporte se organiza a partir dos

arranjos entre as empresas de ônibus, o governo e a indústria automobilística

acabam por refletir as desigualdades produzidas socialmente. Nas palavras do

autor:

“O desenvolvimento urbano no Brasil desnuda as características

mais cruéis de uma sociedade marcada estruturalmente pela desigualdade.

As cidades, esses tesouros monstruosos que concentram as grandes

conquistas científicas e tecnológicas da humanidade, crescem de acordo

com os interesses das grandes corporações financeiras e são o polo de

atração de camadas expressivas da população migrante em busca de

oportunidades. (...) As cidades crescem e se tornam espraiadas,

entremeadas de espaços vazios, subproduto do capital especulativo

imobiliário que expulsa a pobreza cada vez mais para a periferia.

(...) Nesse contexto, o transporte coletivo é, ao mesmo tempo, a

primeira etapa da venda da força de trabalho, que por imperiosa

necessidade, desloca-se todos os dias para os locais de produção e venda

de mercadorias, e o instrumento primordial e transversal que garante o

acesso aos equipamentos públicos e à cidade”. (POMAR, 2013; p. 15)

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3.2 Lideranças e representação

A crítica à política apresentada pelos coletivos pode ser entendida como um

caminho para o aperfeiçoamento institucional. Nesse sentido, observamos nas

postagens uma cobrança sobre o papel das instituições e inúmeras críticas à

atuação dos políticos, principalmente relacionadas às denúncias de corrupção. O

combate à corrupção aparece como a salvação da política e como a forma de

solucionar todos os problemas da gestão pública.

Por outro lado, verificamos também a crítica que não se destina ao

aperfeiçoamento das instituições e aos procedimentos da política, mas que estão na

perspectiva da ruptura com os modelos tradicionais da política e em consonância

com os movimentos globais do período, tais como o Democracia Real Ya da

Espanha, movimento surgido nos protestos ocorridos em 2011. Trata-se, no geral,

do debate colocado a partir da perspectiva de grupos de orientação anarquista ou

libertária, que afirmam a impossibilidade de aperfeiçoamento institucional e criticam

as reformas por considerarem-nas insuficientes para a solução dos problemas

políticos do país.

A democracia representativa é questionada e vista como forma insuficiente

para o atendimento das necessidades políticas. Para esses manifestantes, “a

representação não é, de fato, um veículo da democracia, mas sim um obstáculo

para sua realização” (NEGRI e HARDT, 2014, p. 40).

Observamos que o questionamento às lideranças políticas está relacionado

ao repúdio à política tradicional e às formas verticalizadas, próprias das estruturas

partidárias, sindical e dos movimentos políticos tradicionais, que também são alvo de

muitas críticas. Nesse sentido, o discurso frequente é o da necessidade de criação

de novas formas de organização social e política, baseadas na horizontalidade, na

quebra da centralização dos debates focados na figura das lideranças e na

afirmação do exercício da democracia direta, considerada como a única forma capaz

de incorporar mais sujeitos políticos nos processos deliberativos e ampliar a

participação política na sociedade.

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3.3 Violência

A partir dos relatos da imprensa e do livro “A Multidão Foi ao Deserto”,

observamos dois tipos de abordagem relativas a violência: i) abordagens que tratam

da violência sofrida pelos manifestantes através das instituições repressoras como a

polícia, e a consequente recusa do movimento ao uso desse tipo de estratégia e ii)

abordagens nas quais a violência é considerada um instrumento político do próprio

movimento. Dividindo-as por relação entre os atores chegamos a três relações

diferentes: o confronto entre os próprios manifestantes (físico ou não), o confronto

entre a policia e os manifestantes e a depredação de patrimônio.

A relação violenta entre os próprios manifestantes se dá no momento em que

temos uma discussão interna em relação à presença ou não de partidos nas

manifestações, incluindo bandeiras, camisetas, etc. Foi possível perceber a

presença desta discussão dentro das páginas do Facebook considerando que temas

“crítica aos políticos”, “crítica as instituições democráticas” e “crítica aos partidos

políticos” juntos somam 14,39% das postagens, mostrando a insatisfação dos

participantes das Jornadas com o funcionamento da Democracia de modo geral.

Gráfico 7

Fonte: Autores, 2014.

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Os violentos confrontos entre a polícia e os manifestantes que ocorreram em

diversos momentos durante as Jornadas e em diferentes cidades foram

mencionados nas páginas do Facebook em 8,81% das postagens. Além disso,

1,84% das postagens tratavam da existência de policiais infiltrados nas

manifestações.

É interessante ressaltar neste embate o encontro entre a Multidão e o Estado

e a consequente relação que se estabelece entre esses dois tipos de organização, a

Multidão em rede e o Estado hierárquico, que se chocam e se estranham nas suas

formas tão diferentes. Não cabe nesse artigo nos estendermos sobre esse aspecto,

mas talvez esse encontro seja uma das chaves para entendermos o funcionamento

das estruturas em rede. (GALLOWAY, 2007)

A depredação de patrimônio público e privado, especialmente pelos Black

Blocs, foi tema de grande repercussão na imprensa. Contudo, essa expressão das

manifestações pouco apareceu nas postagens analisadas, nem como crítica a este

tipo de atuação, nem como um tipo de violência justificada, apesar de a violência

policial ter sido alvo de críticas nas postagens.

No livro “A Multidão foi ao Deserto”, o autor Bruno Cava diferencia os dois

tipos de violência, e coloca que a depredação ao patrimônio público foi a forma

encontrada pelos jovens que “tatuando a cidade e os monumentos cuja reverência e

autoridade ele não reconhece, o “vândalo” reafirma o simples propósito de existir”

(CAVA, 2013; p. 33). Desse modo, o autor justifica a violência praticada pelos

manifestantes contra o patrimônio e, ao mesmo tempo, critica a violência da polícia

como uma reação do poder constituído diante da Multidão.

3.4 Crítica aos partidos políticos

O tema “crítica aos partidos políticos” é um dos temas que mais aparece nas

postagens analisadas, corroborando com as hipóteses a respeito da crise da

representação política. Em seu livro, Cava identifica a distância existente entre os

manifestantes a as instituições políticas e midiáticas tradicionais de nossa

sociedade. Na visão do autor, essa desconexão gerou uma procura pela criação de

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conteúdos próprios dos manifestantes, através de canais de comunicação

alternativos.

As reflexões acerca desse eixo temático dão continuidade à discussão já

realizada na parte do eixo sobre liderança e representação, e ressaltam mais uma

vez multiplicidade de visões presentes na Multidão. Alguns dos coletivos que

participaram das Jornadas e tiveram suas páginas analisadas, como o MPL, o

Anonymous Brasil e o Occupy Brazil são apartidários. Outros, como o Partido Pirata,

estão se organizando para tornarem-se um partido político. Desses quatro, nenhum

se declara como anti-partidário, mas a crítica aos partidos é sem dúvida um dos

temas levantados durante as Jornadas de Junho, este embora tenha sido

proporcionalmente pouco comentado nas páginas estudadas.

3.5 Produção de Informação

O uso das tecnologias de informação e comunicação (TICs) por esses

coletivos e movimentos corrobora com as hipóteses anteriores a respeito das

potencialidades democráticas da internet e contribui para a realização das formas de

organização e participação que estes movimentos defendem.

As potencialidades democráticas previstas nessas hipóteses baseiam-se na

arquitetura em rede da internet, que permite o exercício: i) do princípio da isegoria; ii)

da produção de informação; iii) da liderança horizontalizada; iv) da ação

descentralizada dos militantes; e v) da organização e da mobilização de cidadãos

independentes. (BACHINI, 2013; CASTELLS, 2013)

Atentando especialmente à segunda potencialidade democrática do uso das

redes, a produção de informação, Castells (2009) formula sua tese a respeito do

poder de comunicação (communication power). Para o autor, a arquitetura das redes

provoca o deslocamento do poder de produzir informação, que antes se concentrava

nas mãos dos mass media, democratizando-o e difundindo-o, e gera outra forma de

poder que se fundamenta na capacidade relacional dos indivíduos.

Desse modo, alguns autores entendem que o poder de comunicação que

emerge das redes tende a propiciar o empoderamento dos indivíduos e a estimulá-

los ao debate e ao engajamento políticos, ampliando assim as formas de

participação na vida pública. (PUTNAM, 2000; GOMES, 2011)

22

“A verdadeira democracia eletrônica consiste em encorajar, tanto

quanto possível – graças às possibilidades de comunicação interativa e

coletiva oferecidas pelo ciberespaço – a expressão e a elaboração dos

problemas da cidade pelos próprios cidadãos, a auto-organização das

comunidades locais, a participação nas deliberações por parte de grupos

diretamente afetados pelas decisões, a transparência das políticas públicas

e a sua avaliação pelos cidadãos” (LÉVY,1999; p. 190)

A partir da análise de conteúdo realizada nas páginas dos coletivos que

participaram das manifestações de junho, observamos que esses se utilizaram do

Facebook essencialmente para produzir informação contra-hegemônica ou

alternativa aos mass media e mobilizar os cidadãos para os atos.

Com base no gráfico 1, notamos que esse espaço fora usado para que os

integrantes desses coletivos expressassem sua crítica a respeito dos políticos, das

instituições representativas, do sistema capitalista, da polícia e dos mass media.

Especialmente no que se refere a esses dois últimos usos, averiguamos a

partir das postagens relacionadas aos temas 6, 7, 8 e 12 que os coletivos se

aproveitaram desse espaço para corrigir as distorções da cobertura midiática e do

governo sobre os atos e denunciar a repressão truculenta que sofriam por parte da

polícia militar. Para tanto, os coletivos se utilizaram na maioria das vezes de fotos e

vídeos produzidas pelos manifestantes a partir de seus celulares durante os atos,

conforme podemos verificar no gráfico abaixo:

23

Gráfico 8

Fonte: Autores, 2014.

Chama a atenção também no gráfico 8 a alta frequência do uso de links nas

postagens. Esse uso está relacionado fundamentalmente as categorias 11 e 14, e

revela que os coletivos se aproveitaram desse espaço para dar a visibilidade não

obtida em outros meios às suas propostas. Nesse caso, destacou-se a página do

MPL, que em diversas postagens publicizou suas propostas, conforme podemos

observar no gráfico 1.

Contudo talvez o uso mais bem-sucedido do Facebook por esses coletivos

deu-se na mobilização da população para os atos. De acordo com o gráfico 2,

verificamos que esse foi um dos tipos de postagem que mais estimulou os

seguidores a interagir com a página. Além disso, dados de fontes secundárias6

revelam que essa mobilização via internet levou às ruas de pelo menos 350

municípios milhões de pessoas ao longo do mês de junho de 2013.

Nesse sentido, os dados apresentados convergem com os estudos de

Castells (2013) acerca dos movimentos sociais que emergiram fora do Brasil a partir

de 2011, e especialmente, com sua tese a respeito da formação do espaço da

autonomia.

Nas palavras de Castells,

6 Dados oficiais da Polícia Militar extraídos de SINGER, 2013 e divulgados amplamente pela imprensa.

24

“Compartilhando dores e esperanças no livre espaço público da

internet (...) indivíduos formaram redes, a despeito de suas opiniões

pessoais ou filiações organizacionais. Uniram-se. E sua união os ajudou a

superar o medo, essa emoção paralisante em que os poderes constituídos

se sustentam para prosperar e se reproduzir (...). Da segurança do

ciberespaço, pessoas de todas as idades e condições passaram a ocupar o

espaço público, num encontro às cegas entre si e com o destino que

desejavam forjar, ao reivindicar seu direito de fazer história, sua história,

numa manifestação de autoconsciência que sempre caracterizou os

grandes movimentos sociais”. (CASTELLS, 2013; p.8)

Outro comportamento observado nos coletivos participantes das

manifestações de junho que os aproxima desses movimentos internacionais e,

consequentemente, das inferências de Castells, reside na produção colaborativa de

conteúdo já prevista na hipótese da inteligência coletiva de Levy (1999) e

caracterizada nas análises de HARDT e NEGRI (2001).

Para esses autores, a internet pode ampliar os canais de participação na vida

pública ao apresentar espaços colaborativos que não se resumem apenas a

publicização das informações, mas que inserem o cidadão em discussões globais e

permitem a formulação de ações políticas conjuntamente. A partir de então, os

cidadãos passam a exigir a abertura dos “códigos–fonte das sociedades” assim

como os dos softwares livres, no sentido “que todos possam trabalhar em

cooperação na solução de seus problemas e na criação de novos e melhores

programas sociais”. (HARDT E NEGRI, 2001; p.425)

Além de todas as páginas serem abertas para os seguidores publicarem,

nesse sentido destacou-se a página do Occupy Brazil, que estimulava seus

seguidores a produzirem conteúdo e colaborarem com a gestão daquele espaço e

postava todos os conteúdos em inglês e português para que os seus apoiadores de

coletivos internacionais, como o Occupy Together e o Global Revolution, pudessem

compreendê-las.

25

4. Considerações finais

Observamos que durante as Jornadas de Junho, os coletivos que se

organizaram utilizando os sites de redes sociais (social networking sites)

apresentaram questionamentos sobre as formas tradicionais de organização política,

tais como partidos, movimentos sociais e sindicatos. Entre os principais

questionamentos, notamos a crítica à insuficiência da democracia representativa na

condução dos processos políticos contemporâneos.

Para Manin (1997), a chamada crise da representação política nos países

ocidentais decorre da metamorfose da democracia de partido para a democracia de

audiência (ou público), metamorfose essa cujo motor foi a introdução dos mass

media na política. Para o autor, o resultado desse processo é o declínio das relações

de identificação entre representantes e representados e da determinação das

políticas públicas por parte do eleitorado.

Contudo, ao refletir sobre os protestos atuais, Manin (2013) compreende que

a emergência desses novos movimentos sociais críticos à ordem vigente é uma

característica da própria democracia representativa, que tem como um de seus

princípios a liberdade de expressão e oposição.

Outra característica desses movimentos é o uso das tecnologias de

informação e de comunicação para a ação política. Nesse caso específico,

constatamos que não se trata apenas do uso comunicacional, mas a própria

arquitetura em rede (CASTELLS, 2009) dessas mídias expressa uma modificação

no processo político, considerando o caráter horizontal, sem centralização, as

formas interativas e, principalmente, o aspecto conectivo entre os coletivos políticos.

A incorporação de ferramentas digitais nos processos políticos proporciona

um conjunto de mudanças nos espaços tradicionais de discussão, nas instâncias de

formulação e de deliberação possibilitando a inovação nas formas de participação

dos atores (GOMES, 2011).

Verificamos também a utilização de dispositivos digitais e virtuais na

articulação de redes sociais com o objetivo de dinamizar e descentralizar o debate

político, de ampliar as possibilidades de organização das ações coletivas e de

26

processos de resistência, incorporando os sujeitos aos debates sobre as questões

sociais e políticas.

O uso das redes sociais para a ação política expressa uma modificação

significativa no papel das lideranças e na própria característica dos movimentos

articulados em torno de reivindicações sociais, econômicas, culturais e políticas. No

geral, observamos a multiplicidade de demandas (HARDT & NEGRI, 2005) e, ao

mesmo tempo, a ausência de uma liderança com projeção no cenário político

nacional. Contudo, ao utilizarem as redes sociais para publicizar suas propostas,

esses temas encontram ressonância no campo social e ganham visibilidade,

inclusive nas mídias tradicionais.

Observamos que as redes sociais potencializam determinadas questões do

campo social e podem catalisar sentimento de protesto ou de indignação em

algumas convocatórias, demonstrando uma capacidade que há muito os partidos

políticos e movimentos sociais tradicionais vêm perdendo. Temas considerados

periféricos a agenda de debates ou até mesmo que envolvem questões relacionadas

às políticas públicas ganham outro tratamento, uma abordagem que se difere das

formas utilizadas pelas lideranças tradicionais.

O funcionamento em rede sem um centro que concentre a capacidade de

informar e de convocar possibilita a descentralização da política e estimula o

redimensionamento do papel das lideranças políticas. Evidentemente, as redes

sociais não encerram o papel das lideranças políticas, mas impõem às lideranças a

necessidade de se pensar em novas práticas que convirjam com os anseios que hão

de estruturar a chamada nova política.

“Devemos resistir precisamente a uma tradução assim apressada

da energia das manifestações para um conjunto de demandas pragmáticas

“concretas”. Sim, os protestos realmente criaram um vazio – um vazio no

campo da ideologia hegemônica -. E será algum tempo para preenchê-lo de

maneira apropriada, posto que se trata de um vazio que carrega consigo um

embrião, uma abertura para o verdadeiro Novo” (ZIZEK, 2012, p. 18)

Em suma, observamos um processo em aberto, mas já deflagrado, em que os

coletivos estão buscando seus caminhos. Suas respostas não estão dadas

27

previamente, mas em fase de construção a partir do questionamento das atuais

práticas políticas, das formas institucionais e organizativas e da proposição e novas

formas de se fazer política.

28

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