Os Movimentos Independentistas, O Islão e o Poder Português. Guiné-Bissau (1963-1974)

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Índice Abreviaturas. Introdução CAPÍTULO I OS GRANDES PODERES MUNDIAIS E A ÁFRICA NEGRA SUBSEQUENTE À CONFERÊNCIA DE BERLIM. 1. Os grandes poderes mundiais e a África Negra.................................................. 1.1. A questão de Bolama.................................................................................... 1.2. As viagens dos exploradores / Tratado do Zaire de 1884............................ 1.3. A partilha de África e o Acto Geral da Conferência de Berlim.................. 1.4. Os Acordos luso-franceses de limites e a questão do Casamansa................ 1.5. A Convenção luso-alemã de 1886 e o Ultimatum......................................... 2. A Guerra de 1914 - 1918 e o Pacto da Sociedade das Nações........................... 3. A Sociedade das Nações e a realidade internacional.......................................... 3.1. A Sociedade das Nações e a realidade colonial............................................ 4. A Carta da Organização das Nações Unidas e os territórios não autónomos.... 5. O Terceiro Mundo, Bandung e as Conferências Pan-Africanas....................... 6. O período anti-colonial na Organização das Nações Unidas............................. 7. Estratégia global de penetração no Terceiro Mundo......................................... CAPÍTULO II OS MOVIMENTOS INDEPENDENTISTAS NA ÁFRICA NEGRA E EM ESPECIAL NA GUINÉ PORTUGUESA 1. Conceitos............................................................................................................ 2. O desenvolvimento da subversão........................................................................ 2.1. A conquista das populações.......................................................................... 3. A génese do independentismo na Guiné.Portuguesa O espírito de Bandung... 3.1. Movimentos independentistas na Guiné..................................................... 3.1.1. O Movimento de Libertação da Guiné.............................................. 3.1.2. A Frente de Libertação e Independência Nacional da Guiné.......... 3.1.3. O Partido Africano da Independência da Guiné e de Cabo Verde... 4. Apoios externos à subversão............................................................................... 4.1. Apoio de organizações internacionais.......................................................... 4.2. Apoio bilateral.............................................................................................. 4.3. Apoio de organizações não governamentais................................................ CAPÍTULO III O ARTIFICIALISMO DAS FRONTEIRAS DA GUINÉ PORTUGUESA E OS ESPAÇOS SÓCIO-RELIGIOSOS SOBREPONÍVEIS: SOCIEDADES DE RELIGIÃO TRADICIONAL E COMUNIDADES MUÇULMANAS; A SUA ATITUDE PERANTE A SUBVERSÃO 1. Sociedades onde preponderava a religião tradicional africana......................... 2. Geopolítica do Islão. A escola dominante na África do N. e do N.W. .............. 3. Os grande impérios islamizados sub-saharianos. O aparecimento do Islão e o “tecido” islâmico na Guiné. Fenómenos de aculturação sócio-religiosa........... 4. O relacionamento das comunidades muçulmanas da Guiné Portuguesa com o Poder Português e com a subversão. Ligações das comunidades ao exterior, na generalidade, e das confrarias locais, na especificidade............................... CAPÍTULO IV O INDEPENDENTISMO E O PODER PORTUGUÊS EM CONFRONTO 1. A política interna portuguesa no período em análise e a sua inflexão ultramarina......................................................................................................... 2. No desenvolvimento da contra-subversão.......................................................... 2.1. A “resposta possível” e/ou iniciativas portuguesas face à subversão. A Acção Psicológica................................................................................................

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Índice

Abreviaturas. Introdução

CAPÍTULO I

OS GRANDES PODERES MUNDIAIS E A ÁFRICA NEGRA SUBSEQUENTE À CONFERÊNCIA DE BERLIM.

1. Os grandes poderes mundiais e a África Negra.................................................. 1.1. A questão de Bolama.................................................................................... 1.2. As viagens dos exploradores / Tratado do Zaire de 1884............................ 1.3. A partilha de África e o Acto Geral da Conferência de Berlim.................. 1.4. Os Acordos luso-franceses de limites e a questão do Casamansa................ 1.5. A Convenção luso-alemã de 1886 e o Ultimatum......................................... 2. A Guerra de 1914 - 1918 e o Pacto da Sociedade das Nações........................... 3. A Sociedade das Nações e a realidade internacional.......................................... 3.1. A Sociedade das Nações e a realidade colonial............................................ 4. A Carta da Organização das Nações Unidas e os territórios não autónomos.... 5. O Terceiro Mundo, Bandung e as Conferências Pan-Africanas....................... 6. O período anti-colonial na Organização das Nações Unidas............................. 7. Estratégia global de penetração no Terceiro Mundo.........................................

CAPÍTULO II OS MOVIMENTOS INDEPENDENTISTAS NA ÁFRICA NEGRA E EM ESPECIAL NA

GUINÉ PORTUGUESA 1. Conceitos............................................................................................................ 2. O desenvolvimento da subversão........................................................................ 2.1. A conquista das populações.......................................................................... 3. A génese do independentismo na Guiné.Portuguesa O espírito de Bandung... 3.1. Movimentos independentistas na Guiné..................................................... 3.1.1. O Movimento de Libertação da Guiné.............................................. 3.1.2. A Frente de Libertação e Independência Nacional da Guiné.......... 3.1.3. O Partido Africano da Independência da Guiné e de Cabo Verde... 4. Apoios externos à subversão............................................................................... 4.1. Apoio de organizações internacionais.......................................................... 4.2. Apoio bilateral.............................................................................................. 4.3. Apoio de organizações não governamentais................................................

CAPÍTULO III O ARTIFICIALISMO DAS FRONTEIRAS DA GUINÉ PORTUGUESA E OS ESPAÇOS

SÓCIO-RELIGIOSOS SOBREPONÍVEIS: SOCIEDADES DE RELIGIÃO TRADICIONAL E COMUNIDADES MUÇULMANAS; A SUA ATITUDE PERANTE A SUBVERSÃO

1. Sociedades onde preponderava a religião tradicional africana......................... 2. Geopolítica do Islão. A escola dominante na África do N. e do N.W. .............. 3. Os grande impérios islamizados sub-saharianos. O aparecimento do Islão e o “tecido”

islâmico na Guiné. Fenómenos de aculturação sócio-religiosa........... 4. O relacionamento das comunidades muçulmanas da Guiné Portuguesa com o Poder

Português e com a subversão. Ligações das comunidades ao exterior, na generalidade, e das confrarias locais, na especificidade...............................

CAPÍTULO IV

O INDEPENDENTISMO E O PODER PORTUGUÊS EM CONFRONTO 1. A política interna portuguesa no período em análise e a sua inflexão

ultramarina......................................................................................................... 2. No desenvolvimento da contra-subversão.......................................................... 2.1. A “resposta possível” e/ou iniciativas portuguesas face à subversão. A Acção

Psicológica................................................................................................

2.2. A acção dos movimentos independentistas............................................... 2.3. A acção desenvolvida pelas autoridades portuguesas................................. 3. A importância das Informações no conflito da Guiné....................................... 4. Negociações para a paz........................................................................................

5. Das áreas libertadas até à proclamação da independência................................ Conclusão............................................................................................................... ANEXOS.................................................................................................................

Bibliografia e Fontes...............................................................................................

1

Abreviaturas

AFL-CIO American Federation of Labour - Congress of Industrial Organizations Apsic Acção Psicológica ARA Acção Revolucionária Armada Art.º Artigo BCGP Boletim Cultural da Guiné Portuguesa CAOP Comando Adjunto Operacional cap. capítulo cf. confronte, compare CIDAC Centro de Informação e Documentação Amílcar Cabral doc. documento ed. edição EUA Estados Unidos da América FA Forças Armadas FARP Forças Armadas Revolucionárias do Povo FLING Frente de Libertação e Independência Nacional da Guiné FRELIMO Frente de Libertação de Moçambique INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa MDFC Mouvement des Forces Democratiques du Casamance MLG Movimento de Libertação da Guiné MPLA Movimento Popular de Libertação de Angola nº. número N Norte NATO/OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte NU Nações Unidas NW Noroeste OUA Organização da Unidade Africana ONU Organização das Nações Unidas ob. cit. obra (já) citada pág.(s) página(s) PAIGC Partido Africano da Independência da Guiné e de Cabo

Verde PERINTREP Relatório Periódico de Informações PIDE (DGS) Polícia Internacional e de Defesa do Estado - Direcção Geral de Segurança RDA Rassemblement Démocratique Africain RepACAP Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica SCCI Serviços de Centralização e Coordenação de Informações SDN Sociedade das Nações SGDN Secretaria Geral de Defesa Nacional SUPINTREP Relatório Suplementar de Informações SW Sudoeste vol. volume UPA União dos Povos de Angola URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

Introdução

2

A presente dissertação que tem por tema “Guiné 1963-1974: Os Movimentos Independentistas, o

Islão e o Poder Português”, partiu do interesse pelo estudo dos comportamentos de mecanismos

políticos e sócio-religiosos que ultrapassavam as fronteiras das colonizações europeias, no contexto

integrador da Guiné, num dos períodos mais conturbados da História Contemporânea, ligado ao

processo internacional de descolonização. Semelhante objectivo insere-se no vasto âmbito das Relações

Internacionais: transcendendo um espaço político formal, ele compreende relações entre forças

políticas, agindo aos níveis interno/externo e entidades de que as mesmas estão, ou não, formalmente

dependentes no exterior do território, bem como relações entre forças sócio-religiosas distribuídas por

soberanias diferentes, sobre o conjunto se exercendo pressões ideológicas concorrentes ou

antagónicas no panorama internacional1.

Esta escolha justifica-se, em nosso entender, por quatro razões cuja explicitação permite definir os

propósitos que presidiram a este trabalho.

Em primeiro lugar, procurou-se perspectivar o enquadramento histórico da guerra nas antigas

Províncias Ultramarinas Portuguesas, tendo em conta a evolução da sociedade internacional, desde o

encetar, na questão de Bolama, das disputas internacionais pelas soberanias nesses territórios, até à

afirmação do Terceiro Mundo, após a Conferência de Bandung. Assim, interessou-nos analisar o

desenvolvimento da acção das Nações Unidas e o papel das grandes potências no processo

internacional de descolonização.

Em segundo lugar, entendeu-se analisar o que é, como surge e como se desenvolve o processo

subversivo a nível global, para, posteriormente, passarmos a uma abordagem dos movimentos

independentistas que se constituíram na Guiné Portuguesa. No quadro conflitual hodierno, o

independentismo e a autodeterminação dos povos, bem como os factores cultural e religioso,

continuam a exercer função de primordial importância ou de alegada motivação.

Mesmo antes do desencadear da subversão armada, afigurava-se de grande importância o papel

desempenhado pelas diversas realidades sócio-religiosas do território.

Em terceiro lugar, pretendeu-se assim, tratar as comunidades muçulmanas e as sociedades de

religião tradicional, no contexto do desenvolvimento da guerra. Tais realidades, apesar da colonização

europeia ter dividido a África em fronteiras artificiais, caucionadas pelo Direito Internacional,

preservaram poderosos mecanismos “laterais” de comunicação, exponenciados naquele território pela

impressiva massa muçulmana.

Numa deslocação muito recente aos principais centros de polarização islâmica da República da

Guiné-Bissau (Bissau-Bafatá-Bijine-Cambor-Farim-Jabicunda-Quebo-Sinchã Santa Mansata),

tentámos inteirar-nos, na medida do possível, da actual realidade muçulmana guineense e actualizar as

1 O Prof. Doutor Adriano Moreira define Relações Internacionais, como: “(...) o conjunto de relações entre

entidades que não reconhecem poder político superior, ainda que não sejam estaduais, somando-se as relações directas entre entidades formalmente dependentes de poderes políticos autónomos (...)”. Em “Teoria das Relações Internacionais”, pág. 18, Ed. Almedina, Coimbra, 1996.

O mesmo autor em 1987 definiu Relações Internacionais como: “(...) relações entre entidades políticas que não reconhecem poder superior (não são necessariamente Estados) e as relações directas entre as entidades privadas (de fins políticos e não políticos), submetidas a soberanias diferentes, assim como as relações entre entidades privadas e entidades políticas de que não estão dependentes (...)”. Em Enciclopédia Polis, vol. 5, págs. 315 e 316, Ed. Verbo, Lisboa, 1987. 3

linhas de articulação das respectivas confrarias ao exterior. Esta tarefa aliciante revelou-se altamente

proveitosa, até pelo privilégio do contacto com as suas gentes.

Em quarto lugar, pretendeu-se analisar o desafio lançado pelo PAIGC (Partido Africano da

Independência da Guiné e de Cabo Verde) ao Poder Português, no que concerne ao controlo das

populações, e como este desenvolveu a sua acção em termos de resposta global à guerra revolucionária,

no território.

Os limites cronológicos em que se insere o nosso estudo, situados entre 1963-1974, justificam-se

pelo facto de este ser o período de desenvolvimento da luta armada, conduzida pelo PAIGC contra a

soberania portuguesa.

Na elaboração deste trabalho privilegiámos o método comparativo, procurando colocar em

confronto versões diferenciadas dos acontecimentos e, por razões ressaltantes da própria temática,

entendemos também ser necessário aquilatar a situação semelhante ocorrida em Moçambique.

Após uma dilatada pesquisa, e porque já decorreram duas décadas sobre a independência,

pretendemos (recorrendo ao material disponível, em muitos casos documentação classificada, nunca

antes explorada no âmbito universitário e pela recolha de depoimentos de algumas personalidades), dar

uma visão original da génese, desenvolvimento e condução da “guerra na Guiné”, nisso incluindo o

estudo do comportamento das comunidades muçulmanas, cuja densidade demográfica e política tão

importante foi no processo.

Para a concretização do objectivo proposto, tivemos presente que a ciência das Relações

Internacionais, pela pluralidade de perspectivas que podem ser chamadas a integrar temática que dela

se reclame, determina a abordagem de outras áreas das Ciências Sociais como, por exemplo, a

Antropologia Cultural, a Sociologia, a Estratégia, a História e o Direito. Esta confluência possibilitou,

julgamos, uma maior precisão do campo de trabalho e maior nitidez quanto ao desenvolvimento dos

quatro capítulos do nosso plano.

Capítulo I

OS GRANDES PODERES MUNDIAIS E A ÁFRICA NEGRA SUBSEQUENTE À

CONFERÊNCIA DE BERLIM

1 - Os grandes poderes mundiais e a África Negra

Podemos considerar que a formação de Portugal se fundamenta num conceito de defesa e

alargamento, ou melhor, no de “defender a terra e acrescentá-la”, conforme o título LXIII do livro I das

Ordenações Afonsinas2.

D. Afonso III e D. Dinis, jogando com a fronteira marítima e as novas potencialidades que ela

apresentava e sugeria, “(...) consolidaram a existência do único país inteiramente atlântico da Península

2 “Ordenações Afonsinas” - Livro I, Título LXIII, pág. 360, Edição da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa,

1984. 4

Ibérica, começando, a partir dessa altura, a explorar essa característica distintiva (...)”3. Com a crise de

1383-1385, a absorção do reino por via dinástica foi tentada por D. João I de Castela. A Nação

Portuguesa reage, emergindo o Mestre de Avis que, com a batalha de Aljubarrota, em 1385, “(...)

consolidou a independência do País e permitiu concretizar a sua vocação para o mar (...)”4. Assim, pela

análise dos comportamentos da época, podemos acrescentar àquele conceito inicial o “da

consolidação”, face a outros reinos peninsulares (nomeadamente em relação a Castela), e que se

estende de 1297 a 1385, tendo como adversário o “infiel”.

A partir do ano 1385, que marca a consolidação, entra-se numa fase de reflexão que culmina com a

decisão de passar a Ceuta (1410) cuja conquista foi considerada serviço de Deus; inicia-se a

“expansão” terrestre e marítima, ao longo da costa africana para o sul, rumo à Índia, para a qual se

impunha uma protecção terrestre na área do “infiel”. O “gentio” não constituía ameaça, nem se

projectava em termos marítimos. O Atlântico era uma “zona de comunicações”.

Pela Bula “Romanus Pontifex”, de 8 de Janeiro de 1454, o Papa Nicolau V conferiu a D. Afonso V

o exclusivo das terras e mares conquistados ou a conquistar, para permitir e cobrir a acção de cruzada

contra o “infiel” e a catequização do “gentio”. D. Afonso V, em 1466, concedeu o “Trato das partes da

Guiné” aos habitantes de Cabo Verde e reservou para a Coroa o “Trato de Arguim”.

Portugal assinou o Tratado de Tordesilhas em 1494. Quatro anos mais tarde, descobriu-se o

caminho marítimo para a Índia e, em 1500, foi oficializada a descoberta do Brasil, ficando aberta uma

via marítima para todo o hemisfério das Terras de Santa Cruz até às Molucas. Graças aos novos

descobrimentos e às novas navegações, “(...) o mundo conhecido ampliara-se espantosamente (...)”5.

A acção de corso e a actuação dos calvinistas, no Brasil, forçam D. João III a reflectir e a assumir

um conceito estratégico, que se traduziu na intenção de abandonar o Norte de África, de manter o

possível no Oriente e exercer o esforço no Brasil (1548-1822)6.

Em 1776, os Estados Unidos da América tornam-se independentes e, em 1789, dá-se a Revolução

Francesa; factos importantes que justificam as profundas alterações da área estratégica portuguesa de

então (o triângulo Portugal-Brasil-Angola). Com as campanhas napoleónicas, na Península, a Corte

desloca-se, em 1807, para o Rio de Janeiro, no Brasil. D. João VI regressa a Portugal, em Agosto de

1821, e o Brasil torna-se independente a 7 de Setembro de 1822.

Uma vez apaziguados os conflitos internos entre liberais e miguelistas, Bernardo de Sá Nogueira,

Marquês de Sá da Bandeira, apercebendo-se do papel que a África iria desempenhar, no futuro jogo

político dos principais Estados europeus7, decidiu exercer o esforço nesse continente. Assim, o

Governo Setembrista criou, em 7 de Dezembro de 1836, três Governos Gerais para o Ultramar8 e

3 Jorge Borges de Macedo, “Constantes e Linhas de Força da História Diplomática Portuguesa - Estudo de

Geopolítica”, em “Nação e Defesa” nº. 2, págs. 110 e 111, Estado-Maior do Exército, 1976. 4 Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-

1974), 1º volume, Enquadramento Geral”, pág. 24, Estado-Maior do Exército, Lisboa, 1988. 5 Marcello Caetano, “Portugal e a Internacionalização dos Problemas Africanos - História duma Batalha: da

Liberdade dos Mares às Nações Unidas”, pág. 17, 4ª edição, Ed. Ática, Lisboa, 1971. 6 Pedro Cardoso, “Cronologia Vocacionada para: A Evolução do Conceito Estratégico Nacional - A Evolução das

Informações na Actividade do Estado - A Evolução das Crises Nacionais”, pág. 272, em “Estratégia” vol. VII, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas e Academia Internacional da Cultura Portuguesa, Lisboa, 1995.

7 Joaquim Veríssimo Serrão, “História de Portugal”, vol. VIII, 2ª Ed., pág. 124, Lisboa, 1978. 8 O Governo de Cabo Verde, englobando o arquipélago e a parte continental ( a Guiné ); o Reino de Angola e de

Benguela com os demais pontos da África Ocidental e a sul do Equador; o de Moçambique e as possessões da África Oriental; e um Governo particular abrangendo S. Tomé e Príncipe e o Forte de S. João Baptista de Ajudá. 5

procurou transferir o fluxo da emigração orientado para o Brasil, para Angola, e encorajar os

emigrantes descontentes, no Brasil, a passarem a Angola.

As conquistas da Guiné de Cabo Verde, nos anos 30, estendiam-se desde os 10 aos 13 graus Norte,

ao longo da costa, divididas em dois distritos (ver mapa anexo I):

- Bissau, que compreendia as Praças de S. José de Bissau com as dependências do presídio de

Geba, da Feitoria de Fá, das ilhas de Bolama e das Galinhas;

- Cacheu, que compreendia Ziguinchor, Cacheu, Bolor e Farim.

Supomos ser do maior interesse referir o preâmbulo do Decreto de 10 de Dezembro de 1836,

elaborado pelo Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, Marquês de Sá da Bandeira, o qual

abolia o tráfico da escravatura. Podemos também considerar, neste Decreto, uma orientação estratégica

nacional que definia a forma portuguesa de estar, até à delimitação das fronteiras definitivas dos

domínios ultramarinos em África.

“Senhora

A civilização de África tem sido nestes últimos tempos o pensamento querido dos Sábios e

Filantropos, (...) que no antigo e novo Continente, marcham à testa do progresso, e promovem o

melhoramento da espécie humana; em quanto Portugal que durante séculos havia trabalhado nesta

grande obra, hoje em vez de a promover, lhe põe obstáculos (...).

(... ) E todavia, não há um só documento em toda a primeira época dos nossos descobrimentos, que

não prove que o principal, e quasi único intuito do Governo Portuguez era a civilização dos Povos

pelo meio do Evangelho (...).

(...) Promovâmos na África a Colonisação dos Europeos, o desenvolvimento da sua industria, o

emprego dos seus capitaes; e n´uma curta série de annos tiraremos os grandes resultados que outr´ora

obtivemos nas nossas colónias (...).

(...) Mas para isto é necessário que reformemos inteiramente as nossas leis coloniaes. (...).

(...) como possível aos Soberanos de Portugal abrir estradas para a civilisação que nehum outro

pr´ncipe ousou fazer commeter.

(...)Os Seus Secretários d´ Estado tem hoje a honra de propôr no seguinte Projecto de Decreto, a

inteira e completa abolição do Tráfico da Escravatura nos Domínios Portuguezes (...)”9.

Repare-se no etnocentrismo cultural patente no documento, onde se realça a missão civilizadora da

expansão portuguesa, projectando juízos de valor inerentes à cultura que se tinha por padrão. Esta

situação vai repetir-se no Acto Geral da Conferência de Berlim em 1885 e, mais tarde, já no nosso

século, no Pacto da Sociedade das Nações (SDN) e na Carta da Organização das Nações Unidas

(ONU).

O esforço em África - consolidação, pacificação, submissão e alargamento dos territórios - na

Guiné, em Angola e Moçambique10, estende-se até ao ano de 1974, findando com a apresentação do

9 Pedro Cardoso, “O Triângulo Estratégico Português (Prospectiva)”, págs. 177 a 179, em “Estudos em

Homenagem ao Professor Adriano Moreira”, vol. I, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Lisboa, 1995. 10 Idem, “Cronologia Vocacionada para: A Evolução do Conceito Estratégico Nacional - A Evolução das

Informações na Actividade do Estado - A Evolução das Crises Nacionais”, pág. 313. 6

programa do MFA (Movimento das Forças Armadas). Neste período e no contexto do estudo,

distinguiremos diversas situações com repercussão na soberania portuguesa.

A soberania sobre os territórios portugueses de além mar foi diversas vezes posta em causa e um

dos motivos prende-se com a escravatura e o respectivo tráfico. A Inglaterra, que desde 1807 abolira o

tráfico de escravos, sob o pretexto de o reprimir, e face às “(...) limitações postas pela Administração

Portuguesa ao comércio regular (...)”11, contestava para si o domínio de diversos territórios

portugueses. Para se resolverem estas situações recorria-se ao uso da diplomacia e, por vezes, à ameaça

ou mesmo ao uso da força. A questão de Bolama é exemplo de uma dessas soluções.

Na segunda metade do século XIX, sob pressão da opinião pública, motivada pelas explorações dos

viajantes que mostraram aspectos do interior do continente, até aí geralmente ignorados, e sob o

estímulo do desenvolvimento económico e das definições subsequentes ao triunfo do Liberalismo e à

Revolução Industrial, o continente africano passa a representar um cenário de rivalidades e interesses

das grandes potências que, “(...) exigindo espaços periféricos de recurso e de alastramento (...)”12,

formularam a expansão ultramarina como uma missão civilizadora.

A partilha do território e a consequente definição das fronteiras pelos diversos acordos e tratados foi

arbitrária, de concepção europeia, sem significado para os indígenas e com “(...) consequências

(positivas e negativas) inesquecíveis, em especial para as populações do continente africano. Alguns

resultados ainda perduram actualmente (...)”13. A Portugal couberam apenas os “(...) territórios e os

direitos permitidos pela ambição e o equilíbrio existente nos poderes políticos europeus (...)”14.

O termo do primeiro conflito mundial, com a derrota alemã e o diluir da respectiva expressão

colonial, altera a forma da presença europeia em África. A Sociedade das Nações estabeleceu três tipos

de mandatos e, no pós segunda guerra mundial, a Carta das Nações Unidas cria dois sistemas para

regulamentar a situação dos territórios não autónomos.

A Conferência de Bandung, o sequente e lógico emergir do terceiro mundo, do neutralismo e do

não alinhamento, aliados ao forjar progressivo de um sentimento anti-colonialista nas Nações Unidas,

aceleraram as independências.

Portugal dispunha de um bem ambicionado, as suas colónias africanas: “(...) aqueles que cobiçavam

esse bem não se podiam verdadeiramente entender sobre a maneira de o pilhar, e por isso, cada um

deles tentava sobretudo garantir que não seriam os outros a aproveitar-se dele (...)”15.

1.1. A questão de Bolama

11 Manuel Gonçalves Martins, “ A Ambição das Potências Europeias pelo Continente Africano e o

Esquartejamento do Império Português (1870-1914)”, em “Africana” nº. 10, págs. 183 e 184, Centro de Estudos Africanos, Universidade Portucalense, Porto, Março de 1992.

12 Fernando Amaro Monteiro, “O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964 - 1974)”, pág. 211, Universidade Portucalense, Porto, 1993.

13 Manuel Gonçalves Martins, “A Expansão da Europa e a Partilha de África (1870 - 1914)”, em “Africana” nº. 13, pág. 53, Centro de Estudos Africanos, Universidade Portucalense, Porto, Março de 1994.

14 Idem, “ A Ambição das Potências Europeias pelo Continente Africano e o Esquartejamento do Império Português (1870-1914)”, pág. 187.

15 José Mattoso, “História de Portugal”, pág. 144, vol. VI, Círculo de Leitores, Lisboa, 1994. 7

O capitão da marinha inglesa Philip Beaver, seduzido pela descrição de Bolama, constitui uma

sociedade para estabelecer em África uma colónia de gente livre “(...) como meio de civilizar os negros

(...)”16; para atingir o seu objectivo desembarcou 275 colonos britânicos em Bolama, no ano de 1792,

vindo a abandoná-la dezasseis meses mais tarde. Posteriormente, a Inglaterra, prevendo a incapacidade

de Portugal dominar o território (apesar de saber que o Régulo de Serra Leoa lha tinha dado em 1753),

não hesitou em tomar posse da Ilha, tanto em 1814 como em 1827. É neste contexto que, em 1827, Sir

Neil Campbell, Governador das possessões inglesas na África Ocidental, impõe aos régulos de Bolola e

Guinala dois tratados para a cedência: um de Guinala e outro da ilha de Bolama e respectivas ilhas

adjacentes. A Inglaterra surge assim com pretensões à posse de Bolama, fundamentadas em acordos e

aquisições feitas por Beaver (1792).

O 1º Tenente Francisco Muacho, Governador de Bissau em 1828, conhecedor das intenções

inglesas, conseguiu negociar com os reis de Canhabaque e com os Beafadas, a cessão da Ilha à Coroa

de Portugal e no ano seguinte, o Coronel de milícias Joaquim de Matos obtinha, por sua vez, do régulo

dos Bijagós a cedência da ilha das Galinhas.

No ano de 1835, com a criação do cargo de Governador Geral, com todos os poderes civis e

militares, a Guiné passou a constituir um distrito destacado da Província de Cabo Verde.

Em 5 de Novembro de 1836, o Governador da Província, Coronel Joaquim Marinho, num relatório,

referia igualmente as intenções dos países vizinhos, face ao território:

“ Na Guiné nem a nossa bandeira nem as nossas fortalezas eram respeitadas pelos estrangeiros

(...), a ocupação de Casamansa, de Bissau e de Bolama eram sonho dourado dos nossos ambiciosos

vizinhos (...) a permanência constante de vazos de guerra ingleses (e franceses) na Guiné, espreitando

o momento próprio para dar o assalto (...) onde era efectiva já a nossa ocupação, demonstra a

evidência que estes dois países França e Inglaterra estavam combinados a repartirem entre si aquele

rico torrão”17.

Várias foram as tentativas estrangeiras, nomeadamente britânicas, de intervir a cada passo na

Guiné, fazendo, entre 1838 a 1869, larga ostentação de poderio naval nas respectivas águas. De todas

essas tentativas consideramos que as mais graves ocorreram em 1859 e em 1861, quando o Governador

da Serra Leoa mandou arvorar a sua bandeira em Bolama e quando os Ingleses consideraram a Ilha

parte integrante da colónia de Serra Leoa, respectivamente.

Portugal reagiu, apresentando uma proposta para que a Inglaterra desistisse das suas pretensões ou,

então, poder-se-ia recorrer a arbitragem. A Inglaterra, como já se tinha estabelecido na Ilha, não só

recusou a proposta, como ainda, desencadeou violentas pressões e ataques armados à colónia do Rio

Grande. Como resposta, o Governo de Cabo Verde decidiu libertar do domínio inglês a ilha de Bolama;

fê-lo pela força e sem esperar ordens do Governo Central.

Perante este acontecimento, a Inglaterra não protestou e resolveu aceitar a proposta anterior, tendo

sido designado para árbitro o Presidente dos Estados Unidos da América, Ulisses Grant, que, no dia 21

16 António dos Mártires Lopes, “A Questão de Bolama - Pendência entre Portugal e Inglaterra”, pág. 13, Figuras e

Factos de Além-Mar, nº. 11, Agência Geral do Ultramar, Lisboa, 1979. 17 José de Senna Barcelos Cristiano, “Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné”, Lisboa, 1899 a 1913 (vol.

VI), Publicação da Academia das Ciências parte IV, págs. 123 e seguintes. 8

de Abril de 1870, proferiu a Sentença, atribuindo a Portugal plena razão, tendo por fundamento a

descoberta da Ilha e do “(...) território fronteiriço na terra firme (...) por um navegador português em

1446 (...)”, pela ocupação de “(...) toda a costa na terra firme defronte da Ilha (...)”18 e pela da própria

Ilha.

As intenções inglesas não se reduziam a Bolama. Sá da Bandeira, no seu livro “O tráfico da

escravatura e o Bill de Palmerston”, escreve que Lord Palmerston recebera um relatório, em 1836, onde

era apresentada uma proposta útil para reduzir o tráfico da escravatura e promover o comércio

britânico, baseada na ocupação imediata das colónias portuguesas ao norte do Equador, entre as quais

Bissau e Cacheu19.

A França, por seu lado, celebrou com a Inglaterra, em 1845, uma Convenção para assegurar a

completa supressão do tráfico da escravatura, na qual se previa a fiscalização das águas das costas

orientais e ocidentais da África, desde Cabo Verde até 16 graus e 30 minutos de latitude meridional,

tendo o Governo Português aceite a referida Convenção, a coberto da qual era inegável a ocupação pela

força de toda a Guiné, sem que Portugal tivesse direito a reclamar.

Com a sentença arbitral, referente à ilha de Bolama, a “(...) fronteira sudoeste estava, pois,

demarcada; as restantes acabaram por ser delimitadas com a França (...)”20.

A 18 de Março de 1879, o território é proclamado “Província da Guiné”, passando a sua

administração a ser independente de Cabo Verde, e sendo a capital da nova Província estabelecida em

Bolama.

1.2. As viagens dos exploradores / Tratado do Zaire de 1884

A África despertara o interesse popular com as explorações levadas a cabo por homens como

Stanley e Livingstone, mas já as potências, cada vez mais industrializadas, se interessavam pelo

controlo das riquezas e de um mercado em território africano.

Leopoldo II da Bélgica, com a finalidade de travar o plano de expansão inglês, “(...) embora sob o

explícito pretexto de promover a civilização na África Austral (...)”21, convocou para Bruxelas, em

1876, uma conferência geográfica para a qual Portugal não foi convidado. Assim, no dia 12 de

Setembro de 1876, com o aparente objectivo de penetrar em África com fins científicos e

humanitários22, funda, em Bruxelas, a Associação Internacional Africana. Todavia, esta acabou por

servir o desejo belga de alcançar a posse do Congo.

Os Franceses, por intermédio do explorador Brazza, também disputavam a exploração do Congo.

Brazza atingiu a margem direita do Zaire, no Stanley Pool, em 1 de Outubro de 1880, fundando um

18 Silva Cunha e A. Gonçalves Pereira, “Sentença Arbitral proferida pelo Presidente dos Estados Unidos da

América, na questão com a Grã -Bretanha por causa da ilha de Bolama e mais territórios na costa ocidental de África em 21 de Abril de 1870”, em “Textos de Direito Internacional Público”, págs. 145 a 147, 2ª Ed., Universidade Portucalense.

19 Marcello Caetano, “Portugal e a Internacionalização dos Problemas Africanos - História duma Batalha: da Liberdade dos Mares às Nações Unidas”, págs. 76 e 77.

20 Luís de Matos, “A Delimitação das Fronteiras da Guiné”, pág. 14, Separata de Cabo Verde, Guiné, São Tomé e Príncipe, curso de extensão universitária, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas Ultramarinas, ano lectivo de 1965/1966.

21 Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 1º volume, Enquadramento Geral”, pág. 32.

9

posto no local onde hoje existe Brazzaville. A Bélgica, através de Stanley, só aí chegou em 27 de Julho

de 1881, ficando, assim, limitada à margem esquerda do rio.

A Alemanha, em 1883, sob pressão da opinião pública, entra na corrida para África e são os “(...)

particulares quem, ao menos aparentemente, tomam a iniciativa de conquistar posições que o Governo

Imperial acederá depois a proteger e a aceitar (...)”23. Em pouco mais de um ano, adquiriu o Sudoeste

Africano Alemão (actual Namíbia), estabeleceu protectorados no Togo e Camarões e, numa rápida

expedição de cinco semanas, estabeleceu a colónia da África Oriental Alemã (integrante da actual

Tanzânia).

Os exploradores portugueses só em Julho de 1877 partem de Benguela. Separaram-se no Bié em

duas missões que vão atravessar o continente. Serpa Pinto vai até Durban e Roberto Ivens e

Hermenegildo Capelo seguem até Iaca, ao norte. Destas explorações não resultou nenhuma ocupação

efectiva.

No Congo, considerado local chave para colonizar Angola, estava concentrado todo o comércio da

região. Portugal, com base num direito histórico, reivindica a sua posse, colocando-se em situação

embaraçosa, face às iniciativas belgas.

Faltava a Portugal o apoio diplomático capaz de fazer face aos ataques belgas, “(...) depois era

necessário acção militar nas colónias, onde não havia forças próprias (...)”24; as ordens religiosas

haviam desaparecido e a “(...) Propaganda Fidei dirigindo com carácter internacional as Missões, já de

si contrariava a acção portuguesa de carácter nacionalista, procurando não só reduzir a acção de

Portugal, no Oriente, como introduzir estrangeiros nas restantes colónias (...)”25.

A preocupação inglesa, perante as atitudes desenvolvidas pela França, Bélgica, Holanda e

Alemanha, é notória. Londres adopta uma táctica de antecipação, prontificando-se a negociar com

Portugal um tratado em que se encontrasse uma solução quanto à região contestada, estabelecendo-se

na zona uma defesa para evitar a penetração de outras potências e, ao mesmo tempo, desta forma,

retaliar a Alemanha e a França.

O Governo Britânico, que propôs negociações, acabou por recuar, face a pressões de outras

potências. Portugal, através do Governador de Angola (Ferreira do Amaral), ocupou militarmente

Ponta Negra. Esta situação levou a Inglaterra a abandonar algumas das anteriores objecções e a aceitar

a autoridade portuguesa nas regiões contestadas, assinando com Portugal, em 26 de Fevereiro de 1884,

o Tratado do Zaire.

A assinatura deste Tratado foi de imediato contestada pela opinião pública inglesa, francesa, alemã,

holandesa, espanhola e, inclusivamente, até pela norte-americana, alegando “(...) serem desprezíveis os

direitos históricos e antiquíssimos de Portugal naquela área (...)”26; o que conduziu à não ratificação do

Tratado, por parte da Inglaterra, até que as objecções desses países fossem ultrapassadas. Com o intuito

de resolver a situação, Barbosa du Bocage, então Ministro dos Negócios Estrangeiros, lança a ideia da

realização de uma conferência internacional entre as principais potências europeias (Maio de 1884).

22 Marcello Caetano, “Portugal e a Internacionalização dos Problemas Africanos - História duma Batalha: da

Liberdade dos Mares às Nações Unidas”, pág. 82. 23 Idem, pág. 87. 24 Gaspar Villas, “História Colonial”, pág. 344, Estado-Maior do Exército, Lisboa, 1938. 25 Idem, pág. 345. 26 Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-

1974), 1º volume, Enquadramento Geral”, pág. 33. 10

Mas é Bismarck quem, recusando-se a reconhecer o tratado do Zaire, apenas bilateral, vai tomar a

iniciativa e, com o apoio da França, convoca uma conferência internacional para Berlim, nesse mesmo

ano.

1.3. A partilha de África e o Acto Geral da Conferência de Berlim

O continente africano era visto por muitos como uma fonte de matérias primas e de escravos, que

proporcionava mão de obra barata. Segundo Marcello Caetano, as chancelarias voltaram-se para o

continente negro em busca de zonas onde se alicerçasse novo prestígio político dos Estados e que

pudessem oferecer mercados mais amplos para o comércio europeu27. A sua partilha foi feita com base

na cultura e mentalidade ocidentais.

Face à produção resultante da Revolução Industrial, a conquista económica não era suficiente.

Surgia um “(...) espírito imperialista (...), querendo também o domínio territorial, não só da numerosa

costa aberta toda ela à ocupação com expansão para o interior, mas também a terra já ocupada (...)”28.

Este interesse súbito deve-se sobretudo a factores como a pressão da opinião pública sobre os políticos,

ou ainda para responder a movimentos idênticos dos adversários europeus, que poderiam ocupar em

primeiro lugar o vazio existente.

A partilha efectuou-se num contexto em que o sistema internacional se encontrava em mutação.

Acabara a hegemonia inglesa. Com o fim da guerra franco-prussiana (1870), surgiu o Império Alemão.

Nos Estados Unidos da América, afirmou-se a doutrina de Monroe e, após o término da guerra civil, o

país desenvolveu-se a um ritmo galopante. As conjunturas especiais, quer do Egipto quer da África do

Sul, num processo típico de bola de neve, envolveram todos os poderes europeus, conduzindo à divisão

de África.

De 15 de Novembro de 1884 a 26 de Fevereiro de 1885, realizou-se a conhecida Conferência de

Berlim29 que, entre outros assuntos, introduziu nas relações internacionais regras uniformes relativas às

ocupações que poderiam, no futuro, verificar-se nas costas do continente africano30.

Durante a Conferência, que serviu para consagrar o início da corrida a África, digladiaram-se uma

tese tradicional - a prioridade de descobrimento - e uma tese inovadora - só reconhecia o domínio de

quem tivesse ocupação permanente e efectiva. A segunda acabou por vingar, passando a ocupação

efectiva a substituir os direitos históricos, definindo-se assim um novo direito público colonial, como

podemos confirmar no Cap. VI do Acto Geral de Berlim31. Assim refere o Artº. 34 : “(...) A Potência

que de futuro tomar posse de um território nas costas do Continente Africano situado fora das suas

habituais possessões (...) e igualmente a Potência que num desses territórios vier a assumir um

27 Marcello Caetano, “Portugal e a Internacionalização dos Problemas Africanos - História duma Batalha: da

Liberdade dos Mares às Nações Unidas”, pág. 79. 28 Gaspar Villas, ob. cit., págs. 332 e 333. 29 O programa da conferência abrangia sete questões: a) Declaração relativa à liberdade do comércio na bacia e

embocadura do Congo, e países circunvizinhos e disposições conexas; b) Declaração concernante ao tráfico de escravos; c) Declaração relativa à neutralidade dos territórios compreendidos na bacia convencional do Congo; d) Acto de Navegação do Congo; e) Acto de navegação do Níger; f) Declaração relativa às condições essenciais a preencher para que opções novas nas costas do continente africano sejam consideradas como efectivas; g) Disposições gerais.

30 Silva Cunha e A. Gonçalves Pereira, “Acto Geral da Conferência de Berlim Relativo ao Desenvolvimento do Comércio e da Civilização Nalgumas Regiões de África e à Livre Navegação do Congo e do Níger, assinado em 26 de Fevereiro de 1885”, ob. cit., págs.148 a 170.

11

protectorado acompanhará o respectivo acto de uma notificação às outras potências (...)”, definindo o

Artº. 35º a efectividade da ocupação pela “(...) existência de autoridade suficiente para fazer respeitar

os direitos adquiridos e eventualmente a liberdade de comércio e de trânsito nas condições em que for

estipulada (...)”.

A ocupação exigida da zona costeira subentendia, para a nação ocupante, a reserva do respectivo

hinterland, mas não era possível delinear fronteiras de um continente cujo interior era praticamente

desconhecido.

Nesta ordem de ideias, a Conferência não partilhou o interior da África, mas “(...) tornou

irrealizável o tratado do Zaire (...)”32. Portugal viu os seus interesses em África gravemente afectados e

perdeu os direitos à margem sul do Congo (ficando só com o enclave de Cabinda).

Da Conferência destacamos duas situações:

- Em primeiro lugar, a presença de potências não coloniais e não europeias, como os Estados

Unidos da América, pelo que “(...) o problema colonial tendia cada vez mais a deixar de ser

considerado como assunto restrito aos interesses das potências colonizadoras, para passar a ser tratado

como matéria relativa à expansão cultural e comercial das nações civilizadas (...)”33, estando assim

patente um etnocentrismo cultural, realçado por Bismarck no discurso de abertura da Conferência, uma

vez que este apontava como objectivo “(...) a obrigação de concorrer para a supressão da escravatura e

principalmente do tráfico dos negros, de favorecer e ajudar (...) todas as instituições que tenham por

objectivo instruir os indígenas e fazer-lhes compreender e apreciar os benefícios da civilização (...)”34,

este etnocentrismo cultural que, como referimos anteriormente, verificar-se-á até aos nossos dias;

- Em segundo lugar, o expressar do sentimento colonial dos EUA, que pretendiam ver reconhecido

o direito dos povos indígenas disporem de si próprios e do seu território, bem como o ser solicitado aos

mesmos indígenas o consentimento para ocupação do território35.

No presente século, isto reflectiu-se na posição anti-colonialista no seio das Nações Unidas e no

apoio directo ou disfarçado a movimentos independentistas.

Seguia-se a teoria da continuidade que veio a dar a sua contribuição para o sonho português do

Mapa Cor-de-Rosa.

1.4. Os Acordos luso-franceses de limites e a questão do Casamansa

Na sequência lógica de Berlim, surge a necessidade de elaborar o traçado das fronteiras da Guiné,

iniciado já quando da questão de Bolama, e em que se definiu a fronteira sudoeste. Assim, Portugal, em

1886, assinou uma Convenção com a França para a delimitação das respectivas possessões na África

Ocidental com a qual se dá por finda a fase de alargamento, dando-se continuidade à ocupação militar e

submissão dos indígenas às autoridades portuguesas.

31 Declaração relativa às condições essenciais a preencher para que as novas ocupações nas costas do continente

africano sejam consideradas efectivas. 32 Manuel Gonçalves Martins, “ A Ambição das Potências Europeias pelo Continente Africano e o

Esquartejamento do Império Português (1870-1914)”, pág. 184. 33 Marcello Caetano, “Portugal e a Internacionalização dos Problemas Africanos - História duma Batalha: da

Liberdade dos Mares às Nações Unidas”, pág. 110. 34 José Gonçalo Santa-Rita, “A África nas Relações Internacionais Depois de 1870”, pág. 47, Estudos de Ciências

Políticas e Sociais, Junta de Investigação do Ultramar, Lisboa, 1959. 35 Marcello Caetano, ob. cit., pág. 117.

12

Só em 1905 é que a fronteira da Guiné Portuguesa ficou definitivamente marcada, tendo havido

necessidade de ratificar o limite oriental, para manter em território francês a povoação e o regulado de

Kadé (Fulamori). Assim, para compensar Portugal da área perdida a oriente, a fronteira foi alargada em

igual superfície a sul do Rio Cacine.

Esta questão revestiu aspectos multifacetados e foi despoletada, se assim o podemos considerar, a

partir de 1828, altura em que um comerciante francês se fixa na ilha dos Mosquitos, na embocadura do

rio Casamansa. Portugal considerou tal atitude intencional por parte dos franceses, como tentativa para

se apoderarem do comércio da zona. Mas só mais tarde, em 1836, é que, com base em informações

inglesas, Portugal ficou conhecedor das intenções francesas para abrir feitorias no Casamansa, além

Ziguinchor. Inicia-se aqui uma extensa troca de notas diplomáticas entre as duas chancelarias que só

termina em 1886, como já foi referido.

Os já tradicionais argumentos utilizados por Portugal de prioridade de descobrimento, ocupação

anterior e em permanência eram contestados pela França, não reconhecendo esta o direito da exclusiva

soberania e navegação, dado que também ela exercia “(...) direitos reais de soberania de posse e de

comércio (...)”36, adquiridos por tratados com régulos ou através da conquista.

A acção colonial francesa foi iniciada no Senegal, visando os Tocolores (islamizados), a quem o

General Faidherbe obrigou a reconhecer o protectorado francês sobre os territórios que marginavam o

rio Senegal. Na origem do conflito com Portugal esteve a sua pretensão de atingir as montanhas do

Futa-Djalon, uma vez que estas conferiam uma posição invejável para os seus projectos de domínio do

hinterland.

A França exigia, a Norte, ambas as margens do rio Casamansa; como Portugal não pretendia perder

o rio todo, e muito menos a Guiné, chegou a propor aos franceses a internacionalização do mesmo rio,

cabendo a estes, entre outros territórios, a margem esquerda. Todavia, situações como o auxílio

prestado em Berlim, face às desinteligências com a Associação Internacional do Congo, e o

desenvolvimento, havia algum tempo, de grande actividade ao longo do rio, contribuíram para a

cedência de Portugal, cuja fronteira meridional foi fixada além do Cacine37.

Estes acontecimentos litigiosos com a França ocorriam em simultâneo com o diferendo com a

Inglaterra, a propósito da ilha de Bolama.

Na questão em apreço, é preciso fazer notar que, nesta época e circunstância, a luta que se travava

em África era exclusivamente entendida entre potências coloniais europeias, dado que não eram tidos

em linha de conta tanto os interesses como as estruturas africanas.

O pensamento português de unir Angola a Moçambique, do Bié ao Zambeze, devia presidir38 às

negociações efectuadas por Andrade Corvo, negociações que se iniciaram em 22 de Outubro de 1885 e

acabaram com a assinatura de uma Convenção, a 13 de Maio de 1886. Portugal transigiu face ao

Casamansa, mas obteve em troca o reconhecimento de “(...) exercer a sua influência soberana e

civilizadora nos territórios que separam as possessões portuguesas de Angola e Moçambique, sob

36 Luís de Matos, ob. cit., pág. 16. 37 Salientamos, no entanto, que Honório Barreto procedeu à compra de vários territórios na margem esquerda do

Casamansa e, de imediato, os doou a Portugal (1884/1885). 38 Marcello Caetano, “Portugal e a Internacionalização dos Problemas Africanos - História duma Batalha: da

Liberdade dos Mares às Nações Unidas”, pág. 121. 13

reserva dos direitos anteriormente adquiridos por outras potências (...)”, e de que a França se obrigava,

note-se, “(...) pela sua parte, a abster-se ali de qualquer ocupação (...)”39.

Este foi o preço pelo Casamansa, presídio de Ziguinchor e Rio Nuno. As consequências foram

distintas para as partes contratantes. De acordo com a ambição francesa, a sua esfera de influência, no

interior, ficou acentuada, levando os Ingleses, com o desejo de pôr travão à situação, a estarem em

“alerta permanente”. O território de Portugal ficou ao meio com o papel de manter uma posição de

equilíbrio, face à dependência, quase exclusiva, das feitorias francesas da Senegâmbia e das rotas

comerciais que partiam da Serra Leoa e Senegal.

O traçado das fronteiras foi feito a régua e esquadro: separaram-se povos com cultura e história

comuns, entregando-os a países distintos. Vingou a lei do mais forte, provocando problemas que ainda

hoje se arrastam e, nos casos dos actuais territórios da Guiné-Bissau, do Senegal e da Guiné-Conacry,

foram divididas, por exemplo, as etnias islamizadas dos Fulas e Mandingas. Estas e outras sociedades

afectadas reagiram através de “(...) mecanismos de accionamento e comunicação, que, para além dos

canais próprios dos Estados, explicam a vida das sociedades (...)”40 e que ou são anteriores às

demarcações coloniais ou depois delas subsistem.

A Convenção de 1886 provocou o isolamento do Casamansa do resto do País, constituindo a

Gâmbia um enclave separador no seio do Senegal, de onde advém uma das causas independentistas,

desenvolvida pelo Mouvement des Forces Démocratiques du Casamance (MDFC)41, que pretende hoje,

já no pós guerra fria, o separatismo do Casamansa. O MDFC argumenta com problemas sócio-

económicos e com um passado ligado à colónia portuguesa e não ao Senegal.

A Convenção transpôs para a actualidade um “(...) contencioso político e territorial com a Guiné-

Bissau (...)”42 pela disputa de jazidas de petróleo na região.

1.5. A Convenção luso-alemã de 1886 e o Ultimatum

O resultado final de Berlim, pretendido pela Alemanha, traduziu-se, na prática, pela consolidação

da sua presença no Continente, mas sem entrar em conflitos com a Inglaterra. Esta última, para não

ficar isolada, procurava evitar a aliança entre a Alemanha, França e Rússia.

Neste período de expansionismo, emergiu a necessidade de se definirem as fronteiras das

possessões portuguesas e alemãs confinantes, bem como das respectivas esferas de influência.

As negociações, que começaram por definir as fronteiras Sul de Angola e que, a partir da instalação

de Berlim em Zanzibar, abarcaram também a fronteira Norte de Moçambique, conduziram à

Convenção luso-alemã de 30 de Dezembro de 1886.

Salientamos que, em anexo ao tratado, vinha publicado um mapa da esfera de influência

portuguesa, numa vasta faixa entre Angola e Moçambique - o Mapa Cor-de-Rosa43. A Alemanha,

39 Artigo 4º da “Convenção Relativa à Delimitação das Possessões Portuguesas e Francesas na África Ocidental”,

em, Silva Cunha e A. Gonçalves Pereira, ob. cit., págs. 171 a 174. 40 Fernando Amaro Monteiro, “A Guerra em Moçambique e na Guiné - Técnicas de Accionamento de Massas”,

Curso de 6 Lições, pág. 21, Universidade Portucalense, Porto, 1989. 41 Herdeiro do MDFC de 1947, apareceu publicamente em 26 de Dezembro de 1982 em Ziguinchor, numa

manifestação independentista. 42 Jean Claude Manut, “La Casamance: du Particularisme au Séparatisme”, em “Hérodote”, pág. 208, Revue de

Géographie et Géopolitique, nos 65/66, 2e et 3e trimestre de 1992, Ed. La Découverte. 14

sabedora de que o texto era dirigido contra Inglaterra, apoia as pretensões portuguesas. Contudo,

reduziu o seu impacto com a transformação do Tratado numa mera Declaração, sendo o documento

posteriormente assinado.

Barros Gomes, Ministro dos Negócios Estrangeiros, apresentou à Câmara dos Deputados a

consagração pública e oficial das pretensões portuguesas na África meridional, contrárias aos planos

expansionistas ingleses de unir o Cabo ao Cairo. O ministro pretendia realçar o interesse português no

país dos Matabeles, por forma a obter contrapartidas, quando cedesse nas negociações. A Inglaterra

reage de imediato. Nesta procura de conduzir os Ingleses a negociações, Portugal cometeu o erro de

“(...) não negociar simultaneamente (...) a composição do interesse dos dois países (...)”44.

A consolidação de Portugal era tentada pela ocupação efectiva e pelo reconhecimento dos régulos.

Portugal parecia decidido a ganhar a competição de Rhodes; apoiou-se no reconhecimento francês e

alemão e enviou vários exploradores. A determinação portuguesa provocou, por parte dos Ingleses,

exigências que Portugal procurou submeter à arbitragem de qualquer das nações signatárias da

Conferência de Berlim. A Inglaterra, consciente do real isolamento português, deixou claro que não

aceitava. Inúmeros acontecimentos decorreram até que, em 11 de Janeiro de 1890, o Governo Inglês

concentra forças navais em pontos estratégicos e formula um Ultimatum a Portugal, exigindo o envio

ao Governador de Moçambique de instruções telegráficas imediatas, para que todas as forças actuantes,

quer na região do Chire (Malawi), quer nos territórios que hoje integram a Zâmbia e o Zimbabwe

(terras dos Macololos e Machonas), se retirassem. Sem estas instruções as seguranças dadas pelo

Governo de Lisboa eram ilusórias.

O Ultimatum inglês provocou uma forte reacção anti-britânica, por parte do povo português, que

mais estimulou o esforço de defesa45. Porém, Portugal acabou por ceder, “(...) por não ter sabido retirar

a tempo, devido à leveza de critério dos governantes (...)”46, sendo, assim, forçado a aceitar a “(...) tese

de que nos territórios coloniais só a ocupação efectiva serve de título a direitos de soberania (...)”47.

Em 20 de Agosto de 1890, é assinado, à pressa, um primeiro tratado com Londres, para resolver o

litígio que esteve na origem do Ultimatum. Este foi recusado pelas Cortes Portuguesas, em meados de

Setembro. O Governo foi substituído e, em 11 de Junho de 1891, Portugal assina um novo tratado com

o Governo Inglês; contudo, este era-lhe mais desfavorável48. Com a sua aceitação, Moçambique

adquiriu as fronteiras actuais.

43 O Mapa foi concebido e colorido pela Sociedade de Geografia de Lisboa em 1881, então presidida por Barbosa

Du Bocage, e foi publicado pela primeira vez no manifesto intitulado "Ao povo portugez en nome da Honra, do Direito, do Interesse e do futuro da Pátria, a Comissão do Fundo Africano creada pela Sociedade de Geografia de Lisboa para promover uma subscrição nacional permanente, destinada ao estabelecimento de estações civilizadoras nos territórios sujeitos e adjacentes ao domínio Portuguez em África".

44 Marcello Caetano, “Portugal e a Internacionalização dos Problemas Africanos - História duma Batalha: da Liberdade dos Mares às Nações Unidas”, pág. 128.

45 Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 1º volume, Enquadramento Geral”, pág. 81. “(...) Lança-se uma subscrição nacional para a compra de navios de guerra, a qual veio a concretizar-se no cruzador Adamastor; lança-se a boicotagem dos produtos ingleses; e os acordes da Portuguesa, que viria a ser o hino republicano, principiam a ouvir-se aqui e ali, galvanizando as almas inquietas (...)”, em “Dicionário de História de Portugal”, vol. VI, pág. 223, Direcção de Joel Serrão, Livraria Figueirinhas, Porto.

46 Villas, Gaspar, ob. cit., pág. 357. 47 Marcello Caetano, “Portugal e a Internacionalização dos Problemas Africanos - História duma Batalha: da

Liberdade dos Mares às Nações Unidas”, pág. 140. 48 Pelo Tratado de 1890, Portugal mantinha todos os territórios sobre os quais exercia alguma aparência de

ocupação efectiva, assegurando ainda amplas zonas não ocupadas no interior de Angola, no Sudoeste do Niassa e no alto Zambeze, ficando ainda com um corredor de 20 milhas entre Angola e Moçambique, onde podia construir estradas, caminhos de ferro e linhas telegráficas. No Tratado de 1891, Inglaterra reservou para si todo o hinterland 15

2. - A guerra de 1914-1918 e o Pacto da Sociedade das Nações

Para Marcello Caetano, o período entre 1884 e 1891 foi de definição de princípios, seguido de um

período, entre 1891-1914, em que as potências procuravam consolidar e arredondar as ocupações

territoriais em África49.

Na génese do primeiro conflito mundial encontram-se, entre outros motivos: o acentuar da

rivalidade, no pós guerra franco-prussiana, entre a potência continental - a Alemanha - com uma forte

impulsão industrial50, e a potência marítima - a Inglaterra - com uma componente comercial

elevadíssima; o constante desafio à supremacia inglesa nos transportes, onde se pode incluir o projecto

de ligação ferroviária Berlim-Bósforo-Bagdad51; uma rivalidade comercial, quanto à área da Sérvia,

Roménia, Grécia e Bulgária, por parte da Rússia e dos Impérios Centrais; nos Balcãs, a rivalidade entre

o Pan-Germanismo e o Pan-Eslavismo; a necessidade do Governo Russo recuperar, face ao

desprestigiante desaire militar com o Japão e, aproveitando um possível frentismo interno em relação

ao conflito externo, tentar ultrapassar a crescente agitação revolucionária.

Uma vez que o nosso estudo visa um problema africano, interessa reter a ideia de Marcello

Caetano, segundo a qual esta guerra “(...) foi em grande parte originada por causas ligadas à expansão

colonial (...)”52 e, rapidamente, se estendeu às possessões alemãs em África. Quanto às parcelas do

território português no continente africano, desde 1913 que os Governadores, esclarecidos e informados

com regularidade, previam ameaças alemãs e o abandono a que seriam votados pelos seus aliados, em

caso de ataque, preparando-se, de acordo com as possibilidades locais, para não deixarem ocupar

qualquer parcela do território53.

Ultrapassado o conflito pela vitória aliada sobre os Impérios Centrais e a Turquia, o armistício com

a Alemanha é assinado a 28 de Junho de 1918, na Paz de Versalhes. O instrumento constitutivo da

Sociedade das Nações foi incluído em todos os tratados de paz54.

A entrada dos Estados Unidos da América na guerra, a 2 de Abril de 1917, quebra a política de

abstenção face às disputas europeias da Doutrina de Monroe. Numa mensagem ao Congresso, em 8 de

produtivo, abandonando Portugal o planalto de Manica, em troca de uma área maior entre o Tete e Zumbo, a Norte do Zambeze; na região do Niassa, ficou para Portugal a margem ocidental que compreendia o Chire, e com a margem oriental, desenhando-se assim as fronteiras interiores de Moçambique e Angola.

49 Marcello Caetano, “Portugal e a Internacionalização dos Problemas Africanos - História duma Batalha: da Liberdade dos Mares às Nações Unidas”, pág. 163.

50 Na Alemanha acentuava-se o desenvolvimento industrial, atingindo esta em 1914 uma produção de ferro que ultrapassava a da França e da Inglaterra juntas.

51 Esta construção iria afectar, no caso inglês, a projectada política para o Próximo e Médio Oriente, e a segurança na Índia. No que diz respeito à Rússia, iria prejudicar o almejado controlo do espaço Otomano.

52 Marcello Caetano, “Portugal e a Internacionalização dos Problemas Africanos - História duma Batalha: da Liberdade dos Mares às Nações Unidas”, pág. 193.

53 O Decreto que mandou organizar as primeiras expedições militares a Moçambique e Angola é de 18 de Agosto de 1914, e o ataque a Mazíua, na fronteira do Rovuma, verifica-se na noite de 24 para 25 de Agosto do mesmo ano.

54 Os Tratados de paz, assinados no termo da guerra 1914/18, incluíam todos o Pacto da SDN: Tratado de Versalhes com a Alemanha (28 de Junho de 1919); Tratado de Saint-Germain-em-Laye com a Áustria (10 de Setembro de 1919), Tratado de Neuilly com a Bulgária (27 de Novembro de 1919), Tratado de Trianon com a Hungria (4 de Junho de 1920); Tratado de Lausanne com a Turquia (24 de Junho de 1923). Este último substituiu o Tratado de Sèvres, assinado em 10 de Agosto de 1920, não ratificado pela Turquia. O Tratado de Versalhes também foi ratificado pelos EUA, em 25 de Agosto de 1921, tendo a paz sido assinada em separado com a Alemanha. Os EUA nunca fizeram parte da SDN, refluindo aqui ao isolacionismo político, definido pelo congresso. 16

Janeiro de 1918, Woodrow Wilson formulou os princípios de base da futura paz - Os catorze pontos de

Wilson -55, marcando o início da futura e longa ingerência dos EUA na vida internacional, que perdura

ainda na nossa década.

3. - A Sociedade das Nações e a realidade internacional

Oficialmente surgida em 10 de Janeiro de 1920, a Sociedade das Nações pode ser considerada a

primeira experiência de organização da sociedade internacional, como resultante da passagem de uma

sociedade europeia para uma sociedade alargada. Já desde a Conferência de Haia, em 1907, que se

visiona a preocupação de uma “(...) política de segurança colectiva (...)”56, que teve reflexos no Pacto

da Sociedade das Nações, face ao conflito de 1914 - 1918, e, mais tarde, evidentemente, como reflexo

do segundo conflito mundial, na Carta da ONU.

A Sociedade das Nações que, entre outros objectivos, procurava evitar o recurso à guerra57,

promover a justiça e o respeito pelo Direito Internacional, numa dupla missão de, em primeiro lugar,

garantir a paz e segurança58 e, em segundo lugar, desenvolver a cooperação entre as Nações, não

conseguiu manter a sociedade internacional numa situação de estabilidade. No seu seio, surgiram

diversas situações perturbadoras que conduziram ao seu desaire e ao despoletar de um segundo conflito

mundial. Este com uma forma ainda mais violenta do que o primeiro.

No período entre as duas guerras surge a crise de 1929, com o abaixamento assustador da produção

industrial e assiste-se a uma ascensão dos totalitarismos de vários géneros, como resposta aos

problemas económicos. Assim, em 1934, Hitler59 torna-se o Fuhrer da Alemanha, rearma-se

unilateralmente e, no ano de 1935, dá os primeiros passos na aplicação da doutrina do espaço vital

(Lebensraum). A textura mítica do Nacional Socialismo, tendo como base a superioridade da raça, com

desenvolvimento paralelo ao anti-semitismo, amplia-se. A Itália, com o Duce (Mussolini) no poder

desde 1922, escolhe como terreno de expansão o Império Abissínio e, em 1936, ocupa Adis-Abeba. Em

Espanha, a ditadura de Primo de Rivera acabou por desembocar na guerra civil, em 1936. Em Portugal,

Salazar encontrava-se no poder; na Polónia, o Marechal Pilsudski; na Áustria, Dollfus; na Grécia, o

General Metaxas.

Estes sistemas defendiam em comum o “(...) nacionalismo, a hierarquia, o sentido de autoridade, a

glorificação da juventude, o repúdio do individualismo burguês e liberal (...)”60.

55 O quinto ponto preconizava “conciliação livre, num espírito amplo e absolutamente imparcial, de todas as

reivindicações coloniais, baseada no respeito estrito do princípio que, regulando todas as questões de soberania, as conveniências das populações interessadas deverão pesar com peso igual com as demandas equitativas do Governo cujo título estará por definir-se”. Celso Albuquerque, “Os 14 Pontos de Wilson”, em “Legado Político do Ocidente : O Homem e o Estado”, pág. 212, Instituto Português da Conjuntura Estratégica, Lisboa, 1995.

56 F. G. Dreyfus, Roland Marx, Raimond Poidevin - “História Geral da Europa 3 - A Europa de 1789 aos nossos dias”, pág. 422, Publicações Europa América, Sintra, 1980.

57 Ver artigos nº. 10 e 11 do Pacto da SDN. 58 Ver artigo nº 8 do Pacto da SDN, sobre a limitação da ius belli. 59 Hitler em 1935 cria a Luftwaffe e estabelece o serviço militar obrigatório; em 1938, anexa a Áustria (Anchluss);

integra no III Reich a zona dos Sudetas; invade a Polónia (apesar do Pacto de não agressão em 1934) e faz um tratado da sua partilha com a Rússia, em 1939.

60 F. G Dreyfus, Roland Marx, Raimond Poidevin, ob. cit., págs. 399 e 400. 17

O problema, neste período da vida mundial, era um problema global que extravasava o continente

europeu.

No Japão, a Revolução Meiji que eliminou a estrutura feudal, propulsionou a modernidade e o

militarismo correlacionado com a tendência expansionista (guerra na Manchúria, iniciada em Janeiro

de 1932).

No propósito preambular do Pacto da Sociedade das Nações está expresso que, para garantir a paz e

segurança, é necessário “(...) aceitar certos compromissos tendentes a evitar a guerra (...)”, situação que

é reforçada no Artº. 10º, onde está referido o respeito pela “(...) integridade territorial e a independência

política (...)”. Estes artigos, quando invocados por alguns membros da Sociedade das Nações (como a

Etiópia), não produziam nenhum resultado. Foi a impotência total do sistema de segurança colectivo,

deflagrando-se, assim, “(...) um golpe muito sensível na autoridade da Sociedade das Nações (...)”61.

As sanções previstas pelo Artº. 16º nunca foram aplicadas com eficácia, dado que as potências

membros do Conselho, como a França e a Inglaterra, com a sua política de desconfiança, o tornaram

ineficaz, ficando “(...) demonstrado que a SDN se sentia incapaz de exercer uma acção coercitiva

quando defrontava um acto de força cometido por uma grande potência (...)”62.

Os conflitos extra-europeus podiam afectar, indirectamente, os interesses franceses e ingleses. Mas

um conflito no centro da Europa surgia como uma ameaça directa à paz e provocava uma alteração no

equilíbrio existente. Mesmo assim, após um ultimatum para retirar da Polónia, a Inglaterra e a França

declararam guerra à Alemanha em 2 de Setembro de 1939.

A II Guerra Mundial “(...) deu-se num globo unificado pela ciência, pela técnica e pelas

infraestruturas, pela mundialização dos projectos políticos em conflito, as zonas marginais

desapareceram, os teatros estratégicos incomunicantes não existiam, e o desafio à estrutura secular foi

pela primeira vez global (...)”63.

3.1. - A Sociedade das Nações e a realidade colonial

Na época da Paz de Versalhes, era pelo grau de civilização que se aferiam as nações, entendendo-se

por civilização a do Ocidente. Por este motivo, só eram admitidas na Sociedade Internacional “(...) e

como parte desta, as que as demais julgassem como seus pares (...)”64.

No Tratado de Versalhes, a Alemanha renuncia a todos os títulos e direitos sobre as suas possessões

além-mar, sendo as colónias alemãs partilhadas pelas principais potências aliadas e associadas. Assim,

se Berlim foi a primeira partilha da história colonial, Versalhes terá sido a segunda.

Até esse momento, a função dos territórios coloniais era a de equilibrar as forças e os interesses

entre as potências do concerto europeu. Com a criação da Sociedade das Nações, surge o sistema de

mandatos sobre o território dividido do Império Colonial Alemão, mostrando-se, desta forma, que o

“novo organismo” não se desinteressou da política colonial. Na realidade, é a partir do seu Artº.12º que

vem a organizar-se a comissão permanente de mandatos, apontando, assim, para uma

61 Pierre Renouvin, “História de las Relaciones Internacionales, Siglos XIX e XX”, pág. 977, Akal, Madrid, 1982. 62 Idem, pág. 983. 63 Adriano Moreira, em Prefácio de “A Descolonização Portuguesa (as responsabilidades)”, pág. III, de Manuel

Gonçalves Martins, Livraria Cruz, Braga, 1986. 64 Franco Nogueira, “O Juízo Final”, pág. 166, Editora Civilização, 2ª edição Porto, 1993.

18

internacionalização da colonização ou, de acordo com Franco Nogueira, “(...) procurou-se desta forma

institucionalizar o fenómeno colonial (...)”65.

À Sociedade das Nações coube a missão de regular a entrega e fiscalizar a forma como os

mandatários cumpriam o seu papel, estabelecendo-se no Artº. 22º do Pacto três tipos de mandatos,

designados por A, B e C, cada um para situações diferentes.

Definiu-se uma nova era da política colonial, onde se reflectiam não só os impulsos idealistas mas

também os interesses materiais, uma vez que se, por um lado, se pretendia o bem estar, a protecção e o

estímulo do progresso dos aborígenes (objectivo interpretado como em função do interesse da

comunidade internacional), por outro pretendia-se a afirmação dos objectivos políticos nacionais, dado

que a dependência cessava logo que as colónias se encontrassem aptas para se regerem por si, “(...) nas

condições particularmente difíceis do mundo moderno (...)”66. Com este sistema, iniciou-se a “(...)

fiscalização internacional da Gestão Ultramarina (...)”67.

Versalhes consolidou a situação colonial vinda de trás, com a correcção devida ao desaparecimento

das colónias alemãs distribuídas pelas potências vencedoras, pelo que a Sociedade das Nações estava

longe de ser anti-colonialista68. Podemos mesmo dizer que considerava a acção colonial como

civilizadora.

Em 1935, a imprensa europeia começou a noticiar referências quanto à possível utilização das

colónias portuguesas como moeda de troca para a satisfação das necessidades coloniais alemãs e

italianas. A 4 de Dezembro de 1937, a imprensa lisboeta fez referência a possíveis negociações entre a

Inglaterra e a Alemanha para a entrega de uma parte de Angola à última. A opinião pública portuguesa

reagiu de imediato69. Na sua memória ainda permaneciam as negociações secretas para partilha de parte

do território colonial entre as potências referidas, quer em 1898 quer em 1912-1913, respectivamente.

A potência continental, por necessidades económicas, reclamava a restituição integral das suas

antigas colónias de África, não tendo qualquer pretensão sobre outros territórios. Mas logo “(...) houve

quem pensasse em aplacá-la pela entrega de possessões de outros países menos carecidos de «espaço

vital» (...)”70.

A Inglaterra, ao mesmo tempo que negava as negociações sobre territórios portugueses, dialogava

com a Alemanha uma redistribuição das colónias no território da Bacia do Congo (à semelhança do

Acto Geral de Berlim). Assim, restituir-lhe-ia só algumas ex-colónias, mas compensava-a “(...) pelo

livre acesso às matérias primas na bacia convencional do Zaire (...)”71.

Sobrevieram os problemas dos Sudetas e da Áustria, caducando desta forma o projecto inglês.

4. - A Carta da Organização das Nações Unidas e os territórios não autónomos

65 Idem, “Portugal Ultramarino Perante a ONU”, pág. 43, em “Conferências Proferidas em 1958/59”, 1º vol.,

Instituto de Altos Estudos Militares, Lisboa. 66 Nº 1 do Art.º 22º do Pacto SDN. 67 Franco Nogueira, “Portugal Ultramarino Perante a ONU”, pág. 44. 68 Idem, ibidem. 69 Marcello Caetano, “Portugal e a Internacionalização dos Problemas Africanos - História duma Batalha: da

Liberdade dos Mares às Nações Unidas”, pág. 228. 70 Idem, pág. 219. 71 Idem, pág. 239.

19

A Carta do Atlântico, assinada em 14 de Agosto de 1941 por Roosevelt e Churchill, era o texto base

dos ideais comuns de todos aqueles que lutavam contra a Alemanha ou que, pelo menos, não apoiavam

a sua ideologia política. Surgiu na sequência do insucesso da Sociedade das Nações e nela se

consagrava, entre outros, o direito dos povos escolherem a sua forma de governo e, de extrema

importância, a não alteração dos limites territoriais, sem consentimento dos povos interessados.

Contudo, não fazia qualquer referência aos territórios não autónomos.

Com a criação da ONU, em 26 de Junho de 1945 (sem a participação de Portugal), regulamentou-se

a situação dos territórios não autónomos, pois a Carta criou dois sistemas: um, a partir do capítulo XI,

“Declaração Relativa a Territórios sem Governo Próprio”; outro, a partir dos capítulos XII e XIII da

Carta das Nações Unidas, “Sistema Internacional de Tutela” e “O Conselho de Tutela”,

respectivamente.

O capítulo XI, composto pelos Artºs. 73º e 74º, refere-se a territórios sem autonomia. Nos termos do

Artº. 73º da Carta, os Estados membros das Nações Unidas que “(...) assumiram ou assumam

responsabilidades pela administração de territórios cujos povos ainda não tenham atingindo a plena

capacidade de se governarem a si mesmos, reconhecem o princípio de que os interesses dos habitantes

desses territórios são da mais alta importância (...)” e comprometem-se a um certo número de

obrigações no desempenho de uma missão designada na Carta como “sagrada”.

Estas obrigações - que são basicamente para os Estados administrantes de territórios não autónomos

- são as seguintes (seguindo ainda o Artº. 73º):

- Assegurar, com o devido respeito pela cultura dos povos interessados, o seu progresso político,

económico, social e educacional;

- Desenvolver a capacidade destes para governo próprio, tomando em devida conta as suas

aspirações políticas e auxiliando-os no desenvolvimento progressivo de instituições políticas livres;

- Estimular o progresso de tais povos, em cooperação com as agências especializadas da ONU;

- Transmitir com regularidade ao Secretário Geral, para fins de informação sujeitas às reservas

impostas por considerações de segurança ou de ordem constitucional, informações de carácter

estatístico e técnico sobre as condições sócio-económicas e educacionais dos territórios abrangidos pelo

sistema e que não estejam compreendidos naqueles a que se aplica o estabelecido nos capítulos XII e

XIII da Carta.

Não é difícil verificar a concepção monocultural de cada território sem governo próprio. No fundo,

este capítulo é uma actualização do nº. 1 do Artº. 22º do Pacto da Sociedade das Nações, que se referia

a “(...) territórios (...) habitados por povos ainda incapazes de se dirigirem por si próprios nas condições

particularmente difíceis do mundo moderno. O bem estar e o desenvolvimento desses povos constituem

a missão sagrada de civilização (...)”, e que vem na sequência lógica do Artº. 11º da Convenção de

Saint-Germain-en-Laye72. Esta última, como revisão do Acto Geral de Berlim, articula-se logicamente

com o espírito do mesmo.

72 Em 1919, em Saint-Germain-en-Laye, são assinadas três convenções sobre a colonização, as quais revogaram as

disposições do Acto Geral de Berlim (com excepção das referentes à bacia convencional do Zaire) e definiram diversos regimes a adoptar em África (como o comércio de bebidas alcoólicas e armamento, muito limitado em teoria). Considerou-se desnecessária a manutenção do princípio da ocupação efectiva, como direito de posse; considerou-se já toda a África ocupada. Foi mantido o processo de acção civilizadora dos indígenas. A revisão dos Actos Gerais de Berlim e Bruxelas incita as Nações colonizadoras a uma mais ampla acção civilizadora e protectora dos indígenas. 20

No preâmbulo do Acto Geral de Berlim, refere-se a preocupação de aumentar “(...) o bem estar

moral e material das populações indígenas (...)” e, no seu Artº. 6º, é mencionado o compromisso de

“(...) velar pela conservação das populações indígenas e pelo melhoramento das suas condições morais

e materiais (...)”, bem como proteger e favorecer, sem distinções, “(...) todas as instituições e obras

religiosas, científicas ou de caridade, criadas e organizadas para estes fins, ou que visem a instruir os

indígenas e fazer-lhes compreender e apreciar as vantagens da civilização(...)”; repare-se, a civilização

ocidental. Salienta-se, ainda, o Artº. 35º, onde as potências signatárias reconheciam a obrigação de

assegurar “(...) uma autoridade suficiente para fazer respeitar os direitos adquiridos e eventualmente a

liberdade de comércio e de trânsito (...)”.

Constata-se que tanto o articulado do Acto Geral de Berlim, das Convenções de Saint-Germain-en-

Laye, do Pacto da Sociedade das Nações e da própria Carta das Nações Unidas vêm na sequência

lógica e doutrinal (ressalvando, embora, o percurso histórico) do pensamento de Francisco de Vitória

(1480-1546). O teólogo pressupunha oito títulos para o direito de conquista e de colonização,

ressaltando deles um etnocentrismo cultural, onde se subentendia a imposição do direito do

colonizador73.

A colonização dos territórios conduziu ao confronto entre os sistemas jurídicos do colonizador e do

aborígene. Segundo Narana Coissoró, podemos considerar dois sistemas jurídicos que foram balizar os

sistemas locais: o sistema britânico e o sistema latino.

O sistema britânico praticou, desde o início, o desenvolvimento de um “(...) sistema jurídico

autónomo (...)”74, visando uma autonomização do direito territorial. O latino pendia para um direito

integrador, transigente com os consuetudinários africanos, desde que os respectivos normativos não

fossem contrários aos conceitos essenciais do sistema jurídico da metrópole. Apenas “(...) parte do

direito aborígene que em nada interferia com os fins imediatamente visados (...)”75, ficou sobre a alçada

do direito tradicional, como é o caso do Estatuto do Indígena.

Amaro Monteiro considera outra ordem jurídica, esta sui generis: O Islão, que “(...) procurou não

tanto o exercício de soberania e administração como, sobretudo, a implantação e desenvolvimento de

influências politico-culturais e económicas (...)”76. Como veremos, os povos da Guiné Portuguesa

ficaram, assim, sujeitos a uma dupla solicitação dos sistemas em presença: o do colonizador europeu e

o islâmico, tendo este último, vantagem no terreno cultural.

Estas ordens jurídicas exercem-se sobre uma multiplicidade de territórios com as fronteiras

decorrentes da Conferência de Berlim, marcadas com o fenómeno colonial e a consequente partilha de

zonas de influência.

73 Os oito títulos de Francisco de Vitória, atinentes ao direito de conquista e de colonização da América, são os

seguintes: 1 - Derecho de natural sociedad y libre comunicación y consiguientes derechos de sociabilidad natural e primarios derechos de gentes; 2 - Derecho de evangelizacíon y subsiguinte mandato de protección y tutela missional; 3 - Derecho de intevención en defensa de los convertidos, o título a la vez de la religión y sociedad humana; 4 - Poder indirecto del Pontífice de deposición e instauración de gobierno cristiano sobre pueblos convertidos; 5 - Derecho de intervención humanitaria en defensa de los inocentes y para abolir sacrificios humanos, etc; 6- Por libre elección debidamente garantizada; 7 - Derecho de intervención por petición de aliados o confederados; 8 - Titulo Probable. Tutela o mandato colonizador sobre pueblos retrazados. Em “Obras de Francisco de Vitória - Relaciones Teológicas”, Pág. 496, Biblioteca de Autores Cristianos, Madrid, 1960.

74 Narana Coissoró, “As Instituições de Direito Costumeiro Negro-Africano”, em “Estudos Políticos e Sociais”, vol. II, nº. 1, pág. 81.

75 Idem, ibidem. 76 Fernando Amaro Monteiro, “A Guerra em Moçambique e na Guiné - Técnicas de Accionamento de Massas”,

pág. 17. 21

Apesar das variadas ideologias de uma pretensa anulação, a demarcação persiste nos nossos dias.

Todavia, as elites africanas, que reclamaram a independência para estes territórios com as fronteiras

geográficas limitadoras da ordem interna e externa, cuja expressão política obtida, não pela

consagração internacional de nações já existentes, mas sim através da soberania do colonizador,

determinada pelo Direito Internacional, concluíram que a alteração de fronteiras iria colocar em

questão factores já adquiridos de equilíbrio. Situação curiosa não deixa de ser o facto de essas elites

reivindicarem a independência “(...) sem terem uma comunidade nacional a servir-lhes de apoio (...)”77.

De facto, as independências não correspondem às autenticidades africanas que, por outro lado, face aos

constantes movimentos populacionais anteriores ao domínio colonial, são de difícil definição.

O segundo sistema da Carta - Sistema Internacional de Tutela - não é mais do que um sucessor do

sistema de mandatos da Sociedade das Nações, onde apenas se mudou o nome e se introduziram

poucas e não relevantes alterações. É aplicado aos antigos territórios sob mandato da Sociedade das

Nações, àqueles que em virtude da II Guerra possam ter sido separados dos países do Eixo e,

finalmente, àqueles cuja potência responsável pela sua administração os resolva colocar de uma forma

voluntária sob regime de tutela.

Na Carta, ficou sublinhado o carácter transitório da tutela, com função educadora e de

encaminhamento para a independência, vincando ainda o princípio da não discriminação em função da

raça, sexo, religião ou língua dos habitantes.

O propósito da Carta, em trazer os benefícios de uma civilização, é atitude nitidamente etnocêntrica,

pois considera que o destino ideal das populações a serem afectadas pelo sistema tem de ser realizado

de acordo com os modelos culturais, sociais e religiosos de quem redige as formulações. Isto conduz ao

Artº. 73º, já referido anteriormente.

O sentido protector e promotor já se encontrava no Tratado luso-britânico de 1815, relativo à

abolição da escravatura em todos os lugares da costa de África, ao norte do Equador, como no

preâmbulo do Decreto elaborado pelo Marquês de Sá da Bandeira em 1836, para abolição do tráfico da

escravatura em Portugal.

Tal posição repete-se em 1890, no Acto Geral da Conferência Internacional de Bruxelas, para pôr

termo ao tráfico de escravos e regular o comércio de armas e bebidas alcoólicas em África. No Artº. 1º

ressalta a preocupação de, nos territórios colocados sob soberania ou protectorado das nações

civilizadas, criar estações fortemente ocupadas, por forma a que a sua acção protectora ou repressiva se

possa sentir com eficácia. Nos nos. 1, 2 e 3 do Artº. 2º, há uma sequência lógica quanto ao controlo das

populações; inclusivamente prevê-se a sua colocação em postos e estações, em caso de perigo iminente,

disposição que poderemos considerar antepassada da política portuguesa, quanto ao reordenamento das

populações e às tabancas em autodefesa na Guiné. O nº. 1 do Artº. 2º demonstra também e novamente

uma convicção de superioridade das Partes signatárias, uma vez que alude a “(...) trazê-las à civilização

e a extinguir os costumes bárbaros (...)”.

A visão persiste na própria Convenção nº 10778 da Organização Internacional de Trabalho, em

1957, portanto já após Bandung. O seu Artº. 2º estabelece: “(...) promover o desenvolvimento social,

77 Adriano Moreira, “Da Relação entre a Nação e o Estado”, pág. 25, em “Nação e Defesa”, nº. 61, Janeiro-Março

1992, Instituto de Defesa Nacional. 78 Relativa à protecção e integração das populações aborígenes e outras populações tribais e semitribais nos países

independentes. 22

económico e cultural dessas populações assim como elevar o seu nível de vida (...)” e ainda “(...) criar

possibilidades de integração nacional com exclusão de qualquer medida destinada a uma assimilação

artificial dessas populações (...)”. O Artº. 3º refere a protecção fornecida às populações interessadas,

relativamente a instituições, pessoas, propriedade e trabalho, enquanto aquelas não gozarem dos

benefícios das leis gerais.

A partir da cultura ocidental (Artº. 4º a Artº. 8º), formula-se um modelo de comportamento, de

aferimento de padrões; no entanto, “(...) na definição dos direitos e dos deveres das populações

interessadas atender-se-á ao seu direito consuetudinário (...)”79 e à conservação das suas instituições,

desde que não sejam incompatíveis com os sistemas jurídicos nacionais ou com os objectivos e

programas de integração. Contudo, nota-se alguma evolução. Do Artº. 22º podemos extrair um

propósito pedagógico da disposição de adoptar programas de educação adequados “(...) ao grau de

integração social, económica e cultural destas populações na comunidade nacional (...)”; é o único texto

denotando preocupação com o estudo da personalidade cultural das populações.

O Estatuto do Indigenato, que serviu de argumento em ataques desferidos contra Portugal na

Assembleia Geral das Nações Unidas, foi criado em 20 de Maio de 1954, pelo Decreto-Lei nº 39666,

sendo, portanto, anterior à Convenção nº.107 e tinha, no fundo, a mesma finalidade: defender as

populações com culturas próprias e diferentes da europeia, na contemplação dos seus usos e

costumes80.

5. - O Terceiro Mundo, Bandung e as Conferências Pan-Africanas

Bandung foi o motor de arranque para modificações profundas e irreversíveis da própria estrutura

da Sociedade Internacional. Esta será o marco do aparecimento formal do Terceiro Mundo com “(...)

uma unidade ideológica (...)”81. A transposição desta ideologia para a acção prática originou o

neutralismo africano. Esta política, orientadora dos povos afro-asiáticos, recém nascidos para a vida

internacional, estabelecia o seu anti-colonialismo.

Para Franco Nogueira, o neutralismo era uma atitude “(...) oportunista e pragmática que lhe

permitia tomar, em cada momento, a posição que mais conviesse aos seus interesses imediatos, o seu

apoio era moeda de troca por concessões a extorquir (...)”82. Porém, Adriano Moreira recorda que o

facto destes povos se terem apercebido do seu alto valor pela adição a qualquer um dos blocos

ultrapassou a anterior situação de “(...) equilíbrio da impotência (...)”83.

A consolidação, em paralelo, do terceiro mundismo, do neutralismo e do não-alinhamento, após a II

Guerra Mundial, assenta:

“(...)

a) sobre uma consciência de subdesenvolvimento, aliada à da potencialidade virtual em matérias

primas e/ou em posições geo-estratégicas;

79 Nº. 1 do Artº. 7º. 80 Silva Cunha, “O Ultramar, a Nação e o 25 de Abril”, pág. 133, Atlântida Editora, Coimbra, 1977. 81 Adriano Moreira, “A África e o Ultramar Português na Conjuntura Internacional”, pág. 6, em “Conferências

Proferidas em 1958/59”, 1º vol., Instituto de Altos Estudos Militares, Lisboa. 82 Franco Nogueira, “O Juízo Final”, pág. 180. 83 Adriano Moreira, ob. cit., pág. 6.

23

b) sobre consciências culturais;

c) ou sobre a progressiva constatação de b) e os decorrentes esboços de alternativa (...)”84.

Os objectivos desta primeira Conferência do Terceiro Mundo, já definidos no ano anterior em

Bogor, são conjunturais85. No entanto, havia um objectivo comum: a necessidade de afirmação da

independência, dado que esta representava “(...) a tomada de consciência dos povos da Ásia, quanto ao

seu valor, como ainda o reconhecimento da necessidade de uma solidariedade activa com os de África

(...)”86.

No comunicado final da Conferência é consagrado o dever de todos os povos libertados ajudarem

os ainda dependentes a alcançar a sua soberania. Foi aí também considerado o colonialismo como um

mal ao qual era preciso pôr fim rapidamente, uma vez que a sujeição dos povos à exploração

estrangeira constituía uma negação dos direitos humanos elementares e era contrária à Carta das

Nações Unidas (a que a Conferência aderia inteira e plenamente), bem como à Declaração Universal

dos Direitos do Homem87.

Bandung previa, no seu encerramento, a realização de uma Conferência no Cairo. Esta realizou-se

entre 26 de Dezembro de 1957 e 1 de Janeiro de 1958 e veio marcar a primeira grande afirmação da

presença do neutralismo. A URSS, que fora condenada em Bandung pelo seu colonialismo, vai

aparecer na Conferência do Cairo “(...) bem colocada para manobrar todo o mundo emergente (...)”88,

alcançando grande prestígio. Como o Egipto, nessa altura, era caucionado por Moscovo, o neutralismo

traduzia uma aproximação ao sovietismo.

Nkrumah, Chefe do Governo do Ghana, que em 6 de Março de 1957 proclamara a independência

do seu país, vendo inicialmente em Nasser um papel útil para o suporte na luta contra o colonialismo,

apoia-o, mas, retomando a ideia da Negritude, vai depois procurar distanciar-se e transferir para a

África Negra a direcção surgida e tutelada em Bandung.

O movimento afro-asiático articula-se com o anti-colonialismo, com base no princípio da

autodeterminação, procurando encaminhar para a emancipação imediata todos os povos de cor

vinculados, politicamente, à Europa.

Ao movimento e ao sentimento com ele articulado podemos ir buscar as origens de vários

acontecimentos em África e na Ásia, assim como a sua actuação, em bloco, na ONU. Podemos, então,

ligar a este movimento o Pan-Africanismo, iniciado por Henry Silvester Williams, no início do século,

e cuja influência se manifestou sobretudo depois da Conferência de Bandung.

O Pan-Africanismo, apesar de poder apresentar uma pluralidade de manifestações, não deixa de

revestir uma certa unidade, no tocante à sua coerência de pensamento89. A primeira tónica será a do

Pan-Africanismo, de cariz racista, com expressão no chamado “sionismo negro”, do qual o demagogo

84 Fernando Amaro Monteiro, “A Guerra em Moçambique e na Guiné - Técnicas de Accionamento de Massas”,

pág. 15. 85 Charles Zorgbibe, “L´après Guerre Froide dans le Monde”, pág. 13, Col. Que sais-je?, Presses Universitaires de

France, Paris, 1993. 86 Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-

1974), 1º volume, Enquadramento Geral”, pág. 48. 87 Podemos consultar mais detalhadamente o comunicado final da Conferência, Secções de “Direitos do Homem e

Autodeterminação” e “Declaração dos Problemas dos Povos Dependentes”. 88 Comissão para o Estudo das Campanhas de África, ob. cit., pág. 49. 89 Sobre este assunto podemos consultar a obra de José Eduardo dos Santos, “O Pan-Africanismo”, págs. 25 a 69,

Edição do Autor, Lisboa, 1968. Outra obra também de referência será “Le Panafricanisme”, de Phillippe Decraene, Col. Que sais je? Presses Universitaires de France, Paris, 1959. 24

Marcus Garvey foi o expoente máximo. Por seu turno, o Pan-Africanismo, antes de assumir uma forma

predominantemente política, passou por uma fase cultural cuja manifestação mais vigorosa se encontra

no conceito de “Negritude”, lançado em meados dos anos trinta por Leopold Senghor e Aimé Césaire.

O Dr. Du Bois, considerado o pai do Pan-Africanismo político, baseando-se numa teoria segura - a

igualdade entre raças - realizou cinco congressos entre 1919 e 1945. No termo da guerra de 1914-1918

fez um apelo aos Aliados, no sentido de não restituírem as colónias conquistadas à Alemanha, para,

desta forma, ali se estabelecer “(...) uma nação negra sobre controlo da SDN (...)”90. Após a assinatura

do armistício, tendo como base os princípios formulados por Wilson, apresenta uma petição às

potências vencedoras para a adopção de uma Carta dos Direitos Humanos destinada aos Africanos.

Assim, em 19 de Fevereiro de 1919, organizou o primeiro Congresso Pan-Africano, ao qual se

seguiram mais quatro91, tendo os primeiros quatro um impacto limitado, pois deles não resultou

nenhuma realização concreta92.

Destacamos pois as reivindicações emanadas do quinto Congresso que, contrariamente aos outros,

apresentou um recrutamento de bases. Nele surgiram pela primeira vez reivindicações para uma

independência imediata, completa e absoluta dos povos de territórios dependentes. Esta diferença de

bases sociais deu um novo impulso ao Pan-Africanismo, que deixava para trás a moderação e o

idealismo para, finalmente, entrar nos caminhos da acção directa, através de métodos de resistência

(ainda) não violenta. Neste Congresso, em Manchester, o quadro da África Negra aparece ultrapassado,

uma vez que os congressistas reivindicaram também a independência da Argélia, Tunísia e Marrocos.

Quanto ao caso português, emergindo da Junta de Defesa dos Direitos de África (1912), surgiu em

Lisboa a “Liga Africana”, no ano de 1919, que originou em 21 de Março de 1921 o “Partido Nacional

Africano”. Mas só no ano de 1931 foi possível fundar o “Movimento Nacional Africano”, com o

objectivo de unir todos os africanos portugueses. Até aí, “(...) apesar das divergências e do maior

radicalismo do Partido Nacional Africano, existiu sempre unanimidade em lutar pela causa africana

dentro da Nação Portuguesa e nunca pela separação de qualquer parcela ultramarina (...)”93.

Podemos considerar que o “africanismo”, até ao início dos anos sessenta, andou a reboque do

“asiatismo”; mas o ímpeto do Pan-Africanismo, apesar de refreado, não desapareceu. Assim, em Abril

de 1958, realizaram-se duas conferências, uma em Tânger e outra em Accra. Da primeira destacamos o

facto de o princípio da luta subversiva ter sido admitido; “(...) podemos mesmo dizer que foi adoptado,

ainda que os comunicados o não digam (...)”94. Da segunda - a 1ª Conferência de Estados Africanos

Independentes, que decorreu entre 15 e 22 de Abril de 1958, - destacamos na Declaração Final, a

fidelidade à Carta das Nações Unidas, à Declaração Universal dos Direitos do Homem e à Declaração

da Conferência de Bandung, denotando, deste modo, um forte sentido de unidade em relação ao

90 Phillippe Decraene, ob. cit., pág. 17. 91 Os restantes Congressos realizaram-se, respectivamente, em: Londres, 1921; Bruxelas e Paris, 1923; Nova

Iorque, 1927; Manchester, 1945. 92 António José Fernandes, “Relações Internacionais - Factos Teorias e Organizações”, pág. 217, Editorial

Presença, Lisboa, 1991. 93 Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-

1974), 1º volume, Enquadramento Geral”, pág. 44. 94 Jean La Couture, «Le Monde» - 5 de Maio de 1958, citado por Adriano Moreira, em “A África e o Ultramar

Português na Conjuntura Internacional”, pág. 8. 25

Ocidente, unidade esta que assenta na própria unidade do Continente que tinha em comum a sujeição

colonial, no passado, e uma “(...) determinação de evitar aderir a qualquer bloco (...)”95.

De 25 a 27 de Julho de 1958, realizou-se o Congresso de Cotonou com a intenção de constituir o

Partido do Reagrupamento Africano. Mas as palavras de ordem acabaram por ser “independência

imediata” e “Estados Unidos de África”. Os delegados do partido reclamavam “(...) a supressão de

todas as fronteiras estabelecidas após o Congresso de Berlim de 1885, para que os povos africanos

pudessem unir as suas «complementaridades» (...)”96 e manifestaram vontade de concretizar a união do

Cairo a Joanesburgo, ideia original de Cecil Rhodes, no século passado, mas com diferentes

fundamentos. Neste Congresso, o conceito de Pan-Africanismo não se exprime justaposto ao de

“Negritude”97; o que estava em causa eram “(...) eixos estratégicos, interesses multinacionais que

flanqueavam os antigos poderes formais e, com isso, projectos de assimilação ou hegemonia política a

situar fora dos limites culturais da «Negritude», como ela se definira e na prática recusara, por via de

assimilação cultural, ao Ocidente colonizador (...)”98.

Na segunda Conferência de Accra, de 6 a 13 de Dezembro de 1958, designada agora por “1ª

Conferência dos Povos Africanos”, o Presidente Nkrumah dita quatro fases a serem observadas na luta

por uma África unida:

“(...)

1) Obter a vossa liberdade e a vossa independência;

2) Consolidá-las;

3) Criar a unidade e a comunidade dos Estados livres de África;

4) Proceder à reconstrução económica e social do continente africano (...)”99.

No final da Conferência, foram adoptadas três resoluções que, com base no direito dos povos

disporem de si mesmos, visavam encorajar os movimentos independentistas em toda a África. Após

estas duas Conferências em Accra, a discussão passa a pôr em causa a própria presença do homem

branco no Continente.

A segunda Conferência de Estados Africanos Independentes decorreu de 4 a 8 de Agosto de 1959,

em Monróvia, tendo sido adoptadas quatro resoluções; a quarta proclamou o direito à autodeterminação

dos territórios coloniais.

A segunda Conferência dos Povos Africanos, realizada em Tunes, de 25 a 31 de Janeiro de 1960,

contou com a presença de representantes de Angola; Holden Roberto, presidente do movimento

independentista União dos Povos de Angola (UPA), esteve presente e reivindicou a independência para

Angola, num quadro africano, solicitando, ainda, que fosse inscrito na XV sessão da Assembleia Geral

das Nações Unidas o problema do Ultramar Português.

Destacamos apenas mais uma Conferência, uma vez que nos parece do maior interesse para o tema

em análise: a terceira Conferência dos Povos Africanos, realizada em Março de 1961, no Cairo, onde a

95 Adriano Moreira, “A África e o Ultramar Português na Conjuntura Internacional”, pág. 9. 96 Phillippe Decraene, ob. cit., pág. 47. 97 Fernando Amaro Monteiro, “O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964 - 1974)”, pág. 222. 98 Idem, pág. 221. 99 António José Fernandes, ob. cit., pág. 219.

26

“(...) independência de todas as possessões portuguesas foi reclamada (...)”100 o que denota uma

evolução em relação a Bandung, onde nada de concreto fora deliberado em relação aos territórios

portugueses.

A aspiração dos povos afro-asiáticos à independência não foi realizada só pelas Conferências

Africanas; um “(...) suporte jurídico e um grande apoio político (...)”101 foi conseguido nas Nações

Unidas.

6. - O período anti-colonial na Organização das Nações Unidas

O princípio da autodeterminação dos povos firmado, durante e no termo da II Guerra, “(...) tem

relevância na política internacional desde a proclamação da Independência dos Estados Unidos da

América (...)”102, a 4 de Julho de 1776, e vai aparecer explicitado no nº. 2 do Artº. 1º e no Artº. 55º da

Carta das Nações Unidas, apesar da missão sagrada de civilizar os povos que ainda não tivessem “(...)

atingido a plena capacidade de se governarem a si mesmos (...)”103. É importante salientar, sem

embargo, que a Carta faz referência a um princípio e não a um direito.

O desejo de libertação dos territórios subjugados pela Alemanha entre 1939-1945 e o “permitir-

lhes” uma “livre escolha” de instituições e forma de governo deu um novo impulso ao ideário da

autodeterminação. Este rapidamente se generalizou e passou a ser reclamado para territórios situados

fora da Europa.

O Velho Continente estava enfraquecido pela guerra e emergiam para a vida internacional “(...) um

conjunto de países e forças que até então sempre tinham sido mudos porque por eles falava a potência

colonizadora (...)”104. Situados na África, na Ásia e na América Latina, constituíram um grupo de

pressão que, com a sua expressão permanente na ONU, e com uma conduta política internacional

submetida a padrões comuns105, se bateu por abolir no mundo aquilo que subsistia de situações

coloniais.

Após o colapso das potências do Eixo, emergiam também na cena mundial, mas de forma simétrica,

duas superpotências: os EUA, a liderar progressivamente todo o Ocidente democrático/parlamentar, e a

URSS, marxista-leninista, a controlar, após Yalta, toda a Europa Oriental; criaram-se dois blocos com

as respectivas zonas de influência - a anglo-saxónica e a soviética -, que vão disputar o controlo das

áreas geopoliticamente importantes, bipolarizando-se o mundo. Ambos eram “anti-colonialistas”: os

100 Phillippe Decraene, ob. cit., pág. 56. 101 António José Fernandes, ob. cit., pág. 158. 102 Adriano Moreira, “A Autodeterminação e a Guerra Fria”, pág. 9, Lição proferida na Universidade do Porto, no

Centro de Estudos Universitários, em 16 de Dezembro de 1963. De acordo com este analista, “(...) o problema da autodeterminação e da guerra fria situa-se justamente numa zona em que o conflito pode eventualmente ser substituído pelo entendimento, sempre que os interesses se definam em relação a zonas marginais para onde os poderes em conflito desejam expandir-se (...)”. Em “A Autodeterminação e a Guerra Fria”, pág. 8. Mas para Sir Ralf Dahrendorf, “(...) a autodeterminação, é, na melhor das hipóteses, um direito de segunda classe, muito abaixo dos direitos civis, políticos e sociais da cidadania (...)”, considerando que, provavelmente, não será um direito mas sim uma reivindicação feita “(...) por líderes populistas que talvez levem os seus povos para a sociedade aberta, mas que com igual probabilidade, substituíram a servidão a estrangeiros pela tirania política (...)”, como foi o caso da Guiné-Bissau. Mas este analista considera ainda a autodeterminação nacional como uma das “(...) invenções mais infelizes do Direito Internacional (...)”, uma vez que ela, em vez de atribuir os direitos aos indivíduos, os atribui aos povos, situação que conduz a um convite aos “(...) usurpadores a reivindicarem esse direito para os povos em cujo nome falam, enquanto, ao mesmo tempo, esmagam minorias e às vezes, os direitos civis de todos (...)”. Em “Reflexões Sobre a Revolução na Europa”, pág. 148, Gradiva, Lisboa 1993.

103 Artº 73º da Carta das Nações Unidas. 104 Adriano Moreira, “Teoria das Relações Internacionais”, pág. 425. 105 Idem, ibidem.

27

EUA, “(...) por tradição histórica e por motivos de ordem ideológica (...)”106, de natureza económica e

política; e a URSS por questões doutrinárias e de táctica política. No entanto, na Assembleia Geral,

existiam mais grupos anti-colonialistas: os Escadinavos por razões económicas; os Afro-Asiáticos, que

são, “(...) acima de tudo anti-ocidentais (...)”107 (será um anti-colonialismo sentimental); os Latino-

Americanos, porque ex-colonizados por Espanha e Portugal e pelo facto de a Europa ainda possuir

alguns territórios coloniais na América Latina (por exemplo, as ilhas Falkland que, na década de

oitenta, conduziram a um conflito armado entre a Argentina e a Inglaterra); outros ainda, como o

Líbano e o Irão, por disciplina de blocos.

No fundo, o anti-colonialismo surgiu por motivos rácicos, económicos ou ressentimentos com

origem em submissões seculares, forjando-se, assim, a política anti-colonial nas Nações Unidas.

Chegava-se ao fim do período dos povos colonizados pelos ocidentais que, entretanto, se

independentizaram. Mas por que não se levantou nunca a questão da autodeterminação dos povos da

Ásia Central, em regime de “telecomando” colonial da URSS, assim como não se levantaram

contestações a que o Hawai e o Alasca fossem integrados nos EUA? (Atente-se na importância geo-

estratégica dos territórios de ambas, nas referidas condições).

Por um feixe de razões de ordem histórica, política, ideológica e estratégica, as superpotências

foram as grandes vitoriosas de 1945. Todo o movimento das autodeterminações anti-coloniais do

século foi função do interesse dominante destas. Convém ainda notar que a política de descolonização

inscrita na Carta da ONU teve a definição que foi imposta por essas superpotências, mas não foi

aplicada naquela parte do mundo que não pertencesse, “(...) de acordo com as intenções iniciais, à zona

de exclusiva influência e expansão de cada uma delas (...)”108.

Após Bandung, o apoio das Nações Unidas às independências foi dado expressamente em 14 de

Dezembro de 1960, quando a Assembleia Geral, através da Resolução A/1514 (XV), adoptou uma

Declaração109 (Declaração anti-colonialista), inicialmente proposta pela Guiné-Conacry, apresentada

pela Rússia e exponenciada pelos afro-asiáticos, segundo a qual a independência é um direito que deve

ser obtido de imediato. Com esta Resolução, passou-se do princípio ao direito, ligando-se de forma

definitiva a ideia de autodeterminação ao processo de descolonização.

Para a Organização das Nações Unidas, todos os povos tinham o direito à livre determinação.

Contudo, nunca conseguiu definir o que entende por “povo”. Não tendo em linha de conta referenciais

objectivos, ignorou a preparação e o grau de maturidade (tendo por padrão a cultura ocidental) das

populações abrangidas, nos territórios em causa, para a independência. Não reclamou qualquer consulta

democrática às mesmas para ajuizar sobre as suas intenções. Desencadearam-se as independências

atendendo apenas à opinião de uma elite ocidentalizada, e praticando-se a transferência do Poder

106 Silva Cunha, “O Ultramar, a Nação e o 25 de Abril”, pág. 11. 107 Franco Nogueira, “Portugal Ultramarino Perante a ONU”, pág. 63. 108 Adriano Moreira, “Da Conferência de Berlim de 1885 ao Moderno Anticolonialismo”, em “Legado Político do

Ocidente: O Homem e o Estado”, pág. 155. Instituto Português da Conjuntura Estratégica, Lisboa, 1995. 109 Resolução A/1514 (XV), “Declaração para a Independência aos Povos e Países Coloniais”. A Assembleia Geral

da ONU declarou que a “(...) sujeição dos povos ao domínio e à exploração estrangeira, nega os direitos fundamentais do Homem, é contrária à Carta das Nações Unidas e compromete a paz e a cooperação mundiais (...)”, pelo que devem ser tomadas “(...) medidas imediatas nos territórios sob tutela, não autónomos, e em todos os outros que ainda não tenham obtido a independência, para transferir todos os poderes para os povos desses territórios, sem nenhuma condição nem reserva, conforme a sua vontade e os seus votos livremente expressos e sem nenhuma distinção (...)”. Acrescenta ainda “(...) todas as acções armadas como medidas repressivas directamente contra povos dependentes

28

directamente para um dos movimentos independentistas. Assim, é muito difícil sustentar outra

conclusão que não seja a de que foram os territórios e não os povos que constituíram a preocupação

motora do processo e que o objectivo não foi a livre determinação, mas sim expulsar as soberanias

europeias 110.

Será que foi no espaço de nove anos, desde a assinatura da Carta das Nações Unidas à Conferência

de Bandung, que os povos aprenderam a governar-se por si próprios, ou aprenderam de repente? Ou

teria, assim, a colonização de um só país sido substituída por um colonialismo de organização111?

A composição da Assembleia Geral foi grandemente alterada com a admissão dos novos Estados.

Os seus votos, com igual peso ao das velhas nações, puderam influir, de acordo com os interesses do

momento, nas decisões tomadas pela Assembleia Geral, com todas as consequências daí advindas. O

emergir do neutralismo africano, que trouxe mais benefícios aos novos Estados do que o alinhamento

declarado, proporcionou-lhes, assim, uma importância política, a nível internacional, que passou a ser

crescente e decisiva.

O ataque a Portugal iniciou-se em 14 de Dezembro de 1955, quando da sua admissão às Nações

Unidas, sendo questionado se possuía algum território ao abrigo do Artº. 73º. A resposta negativa do

Governo Português levou ao desencadear de Resoluções que, excedendo o espírito e a letra da Carta112,

procuraram provar a existência de territórios coloniais e inclusivamente, em 1973, que a situação criada

pelas operações militares deveria ser considerada como uma ameaça à paz e à segurança internacionais,

bem como um crime contra a Humanidade113.

Perante a resistência portuguesa, fundamentada nos textos constitucionais e na Carta, a Assembleia

Geral, através da Resolução A/1467 (XIV), de 12 de Dezembro de 1959, decidiu criar uma comissão

especial de seis membros114, destinada a estudar os princípios em que se deveriam basear todos os

membros para elaborarem os relatórios solicitados no Artº. 73º da Carta.

Esta comissão elaborou um relatório - Relatório dos Seis - no qual foi enunciada a obrigatoriedade

de prestar informações sobre todos os territórios declarados pela Assembleia como territórios não

autónomos (a esta competia essa missão), sendo, a priori, não autónomo todo aquele que estivesse

devem cessar (...)”. Esta Resolução foi aprovada por 89 votos a favor, 0 contra e 9 abstenções, entre estas está a abstenção de Portugal. A sua génese encontra-se nas Resoluções da Conferência de Bandung.

110 Adriano Moreira, “Ciência Política”, pág. 356, Livraria Almedina, Coimbra, 1995. 111 Franco Nogueira, “ As Nações Unidas e Portugal”, (Estudo), pág. 61, Ed. Ática, Lisboa, 1961. 112 Manuel Gonçalves Martins, “A Descolonização Portuguesa (as responsabilidades)”, pág. 94. Para Adriano

Moreira, “ (...) quer pela prática adoptada de perguntar aos Estados se administram territórios não autónomos, quer pela atitude assumida ao tomarem simplesmente nota dos territórios que os Estados declararam estarem nessas condições, implicitamente se admitiu que só cada Estado é competente para determinar a natureza dos seus territórios e para averiguar se se encontram em condições de prestar as informações previstas no capítulo XII (...)” em “Ensaios”, pág. 90 e 91. Franco Nogueira acrescenta: “(...) A constituição portuguesa não reconhecia a existência de territórios não autónomos, e não era lícito que algumas partes dessa Nação tivessem um determinado estatuto internacional e outras partes um estatuto diferente. Ora apenas os Governos podiam interpretar e aplicar as suas próprias constituições, e o Governo Português negava às Nações Unidas a menor competência na matéria. (...) As Nações Unidas não tinham competência para analisar as constituições nacionais, nem discuti-las (...) O Artº. 73º, ao prever a prestação de informações pelos países que quisessem ou pudessem fazê-lo, fora cauteloso, e dispusera que em todos os casos tal prestação teria de se subordinar às limitações da ordem constitucional (...). Só Portugal, na sua qualidade de Estado-membro, poderia saber quais as limitações que a sua constituição lhe impunha. (...)”. Em “As Nações Unidas e Portugal”, págs. 100 a 105.

113 O nº 4 da Resolução A/ 2270 (XXII), de 17 de Novembro de 1967, da Assembeleia Geral das Nações Unidas refere: “(...) Condena energicamente, a guerra colonial desenvolvida pelo Governo Português, contra os povos pacíficos dos territórios sob seu domínio, guerra que constitui um crime contra a humanidade e uma grave ameaça à paz e à segurança internacional (...)”.

114 A comissão era constituída pelos representantes dos EUA, União Indiana, México, Marrocos, Holanda e Inglaterra. 29

separado geograficamente e possuísse uma distinção étnica e cultural da do país administrante. Atente-

se que a diferenciação étnica e cultural existe, ainda hoje, em muitos outros Estados Independentes,

como admite a OIT, na sua Convenção nº 107, já referida anteriormente (parece-nos que assim se

reconhece a situação colonial em Estados Independentes).

No dia 15 de Dezembro de 1960, foram aprovadas, na Assembleia, as Resoluções115 A/1541 (XV) e

A/1542 (XV), onde foi clarificada a classificação de colonialismo, aplicável aos territórios portugueses

em África.

A Assembleia, com o objectivo de administrar e de vigiar a execução rápida da Resolução A/1514

(XV), criou a Comissão dos Dezassete116 que insistia na necessidade de se entender o direito à

autodeterminação no contexto colonial, podendo, assim, impôr às potências colonialistas as medidas

que estas não tomassem por sua própria iniciativa. Consideramos que a Organização, “(...) avançando

nos seus intentos e principalmente através do comité dos 17 e da IV Comissão, controlou a actividade

colonizadora dos governos (...)”117, e que o instrumento principal da linha efectivamente seguida foi a

IV Comissão que, de acordo com Adriano Moreira, ocupando-se da descolonização, “(...) sustentou que

lhe pertencia identificar e extinguir todas as relações de dependência colonial (...)”118.

Quando do despoletar da subversão activa, na baixa do Cassange e no Catete, em Angola, as Forças

Armadas já tinham iniciado a alteração do dispositivo militar119. Informações veiculadas pela CIA

(classificadas de muito seguras), de que a UPA (União dos Povos de Angola), com o objectivo de

chamar a atenção para a questão de Angola, nas Nações Unidas, decidira provocar incidentes no

distrito do Congo, na noite de 15 de Março, foram passadas ao gabinete do Ministro da Defesa

Nacional. O Quartel General da Região Militar de Angola terá sido, imediatamente, avisado.

O texto é arquivado com a justificação de que o assunto já era do conhecimento do comando.

Segundo Pedro Cardoso, então Director do Centro de Informação e Turismo de Angola, a PIDE

(Polícia Internacional de Defesa do Estado) “(...) estava com as atenções voltadas sobretudo para o

115 Resolução da Assembleia A/1541 (XV), aprovada por 69 votos a favor, 2 votos contra e 21 abstenções.

Reafirma a obrigatoriedade de fornecer informações de acordo com o Artº. 73º, a aceitação dos princípios do relatório dos seis para determinar a aplicabilidade do Artº. 73º. Estabelece obrigação de informar, quando o território é geograficamente separado e distinto, étnica e culturalmente, da potência administrante. Se este estiver em posição de subordinação, também é obrigatória a transmissão de informações. Admite a integração como resultante da vontade expressa, com o completo conhecimento e por vontade democrática, conduzido imparcialmente e por sufrágio universal. Resolução da Assembleia A/1542 (XV), aprovado por 68 votos a favor, 17 abstenções e 6 votos contra. Nesta Resolução os territórios sob Administração Portuguesa, Cabo-Verde, Guiné, Angola, Moçambique, S. João Baptista de Ajudá, Goa, Macau, Timor e dependências, foram considerados como não autónomos.

116 Criado no dia 27 de Novembro de 1961, alargado para 24 membros em 1962, o comité dos 24, como era conhecido, no desempenho das suas funções examinava os obstáculos, que, em determinado território, se opunham à descolonização e recebia e analisava as petições que lhe eram enviadas.

117 Manuel Gonçalves Martins, “A Descolonização Portuguesa (as responsabilidades)”, pág. 91. 118 Adriano Moreira, “ A Comunidade Internacional em Mudança”, pág. 51, Resenha Universitária, São Paulo 1972. 119 O Ministério do Exército em directiva 22 de Abril de 1959 diz: “(...) as condições particulares que

presentemente envolvem os vários territórios da Nação Portuguesa, quer metropolitanos, quer sobretudo ultramarinos, aconselham (...) unidades (...) possam ser empregadas (...) operações de segurança interna, de contra-subversão e de contra-guerrilha (...)”. Em 1959/1960, para fazer face às possíveis ameaças vindas de países recém independentes, transfere-se o esforço militar da Europa para África e aí remodela-se o dispositivo. Pelo Decreto-Lei 43351, de 24 de Setembro de 1960, é dada nova organização territorial às Forças Terrestres: cinco Regiões Militares (Norte, Centro, Sul, Angola e Moçambique) e sete Comandos Territoriais Independentes (Açores, Madeira, Cabo-Verde, Guiné, Estado da Índia, Macau e Timor). Por seu lado, o Conselho Superior de Defesa Nacional deliberou: “(...) evitar novos compromissos com a OTAN, que envolvam mais encargos financeiros; manter ligações militares com a Espanha, com vista à defesa Pirenaica; aumentar o esforço de defesa no Ultramar e rever o plano de Defesa Interna do conjunto do Território Nacional (...)”. 30

MPLA, subestimando a UPA (...)”, e acrescenta que a situação era, “(...) globalmente, calma (...)”120.

As informações iam funcionando. Faltava, porém, um órgão centralizador para que estas fossem

estudadas, interpretadas e, oportunamente, difundidas para uma conveniente aplicação no terreno.

7. - Estratégia gobal de penetração no Terceiro Mundo

Durante a “Guerra Fria”, eclodiram, ou desenvolveram-se, numerosos conflitos regionais onde os

adversários se defrontavam por nações interpostas, as “(...) chamadas guerras por procuração (...)”121,

que se desenvolveram em regiões de vital importância para a economia europeia. Essas guerras só

começaram a desaparecer, ou a serem esvaziadas, através de uma acção concertada das superpotências,

após a “Perestroika” e as consequentes mutações surgidas a Leste.

As potências europeias, receosas das intenções soviéticas, solicitaram ao Governo Norte-Americano

assistência em caso de crise grave, estabelecendo uma aliança defensiva.

Através da Resolução Vandenberg que autorizava o presidente dos EUA a concluir compromissos

externos em tempo de Paz, a criação da NATO/OTAN é impulsionada, acabando, desta forma, os

Estados Unidos da América, com a política consagrada por Monroe.

A própria Carta das Nações Unidas, no seu Artº. 52º, prevê a existência de “(...) acordos ou

organizações regionais, destinados a tratar de assuntos relativos à manutenção da paz e da segurança

internacional (...)”, que, de acordo com o Artº. 53º, o Conselho de Segurança pode utilizar “(...) para

uma acção coercitiva sob a sua própria autoridade (...)”, legitimando-se, assim, internacionalmente, a

criação e emprego da NATO.

A NATO, criada a 4 de Abril de 1949, teve como reacção da URSS, juntamente com os seus

Estados satélites, a formação de uma organização semelhante, que foi instituída pela assinatura em 14

de Maio de 1955 do Pacto de Varsóvia, institucionalizando-se, deste modo, uma política de equilíbrio

de forças entre os dois blocos.

Quando das negociações para a assinatura do Tratado do Atlântico Norte, coexistiam várias

correntes de opinião e esperanças de incluir território africano na sua zona de defesa. No entanto, o

representante do Canadá opôs-se à inclusão de qualquer território que pudesse dar origem a possíveis

dificuldades coloniais122. As potências europeias não insistiram nestas intenções, pois sabiam que

também o Senado norte-americano não seria favorável, ficando, assim, a amplitude do acordo limitada

ao Artº. 4º do Tratado, onde é prevista a consulta entre as partes sempre que, “(...) na opinião de

qualquer delas, estiver ameaçada a sua integridade territorial, a sua independência política ou a sua

segurança (...)”; ficou, assim,“(...) generalizadamente entendido que o Artigo não dizia respeito a

interesses fora da Europa (...)”123. Porém, no Artº. 6º, estão incluídos os Departamentos franceses da

Argélia, apesar da zona defensiva da organização ser exclusivamente a norte do Trópico de Câncer.

120 Entrevista do autor com o General Pedro Cardoso em 27 de Maio de 1994. O General Pedro Cardoso

desempenhou, entre outros cargos, os de: 1961-1962, Director do Centro de Informação e Turismo de Angola; entre 1968 a 1972, o de Secretário-Geral da Província da Guiné, de 1978 a 1981, o de Chefe do Estado-Maior do Exército, e, actualmente, desempenha as funções de Secretário Geral do Conselho Superior de Informações.

121 Silva Cunha, “A Formação e a Evolução do Direito Internacional”, em “Nação e Defesa” nº. 53, pág. 80, Instituto de Defesa Nacional.

122 Cristopher Coker, “NATO the Warsaw Pact and Africa”, pág. 4, MacMillan, London, 1988. 123 Idem, pág. 6.

31

Nos primeiros anos de existência surgiram repetidos apelos para se incluir a África nos planos de

contingência ou no perímetro de defesa da Aliança, batendo-se Portugal também pela integração dos

seus territórios africanos no respectivo quadro de responsabilidade geo-estratégica.

Na reunião da NATO, em Oslo, a 7 de Maio de 1961, Dean Rusk insistiu na necessidade de

Portugal “(...) realizar reformas urgentes em África (...)”124 e na necessidade de se fazer uma campanha

de propaganda, nos EUA, para esclarecer a opinião pública sobre a política portuguesa em África. Para

cumprir esse objectivo, o Governo Português firmou um contrato de um milhão de dólares com a

Selvage & Lee, cuja campanha promocional provocou grande polémica nos Estados Unidos da

América125.

As reformas chegaram, processando-se num âmbito que era pomo de discórdia e fonte de ataques a

Portugal no seio da ONU. Foi no Porto, a 28 de Agosto de 1961, que o Ministro do Ultramar, Doutor

Adriano Moreira, levou ao conhecimento público o programa de reformas governamentais. Destas, a

principal era a abolição do Estatuto do Indigenato126. A este propósito, o Doutor Silva Cunha refere que

Adriano Moreira “(...) para aliviar a pressão internacional, à luz das circunstâncias conjunturais, acabou

e bem com ele (...)”127. Contudo, dado que os indígenas das Províncias Portuguesas não conseguiam

viver sob a alçada da legislação nacional (salvo alguns que já haviam assimilado a cultura europeia),

continuavam na observância dos seus usos e costumes.

No quadro da Aliança, África era apenas considerada uma área útil para manobras. Porém, o

Governo Português acreditava que esta era um complemento da Europa e que a Europa podia ser batida

em África128.

A manutenção de facilidades aos americanos nos Açores, sem a renovação formal do acordo das

Lages, permitiu a Salazar, por relações bilaterais com os EUA, que estes, secretamente, se

comprometessem “(...) a que o equipamento militar da NATO pudesse ser utilizado em África (...)”129,

e empurrou-os para uma política de moderação em relação a Angola, conseguindo, assim, substituir,

nas moções afro-asiáticas, “independência” por “autodeterminação”.

Mas, já em finais de 1956, quando o Governo Português pôs à disposição da Aliança as bases de

Beja e do Montijo, tinha ficado demonstrado que o interesse português pela Aliança revestia duas

formas: a primeira, consistia na procura de apoio para negar o acesso soviético a toda a costa Ocidental

de África, onde se incluía o importante aeroporto da ilha do Sal; a segunda, a já referida cedência de

bases para tornar, assim, indispensável o seu contributo para a Aliança130.

A ascensão de Kennedy veio romper “(...) 15 anos de benevolência protectora dos Estados Unidos e

Portugal ia debater-se com as pressões desestabilizadoras da superpotência aliada (...)”131, como a

atitude de financiar directamente a UPA e, por outro lado, o retirar de auxílio à divisão portuguesa da

124 Franco Nogueira, “Salazar - A Resistência (1958/1964)”, pág. 262, Ed. Civilização, Lisboa, 1984. 125 José Antunes, “ Os Americanos e Portugal (1961). Kennedy e Salazar: o Leão e a Raposa”, pág. 242, Difusão

Cultural, Lisboa, 1992. 126 Decreto-Lei nº. 43893, de 6 de Setembro de 1961, que revogou o anterior Decreto-Lei nº. 39666, de 20 de Maio

de 1954; estabelecia a cidadania de todos os portugueses e igualdade entre os portugueses da Metrópole e do Ultramar. 127 Entrevista do autor com o Prof. Doutor Joaquim da Silva Cunha, 14 de Outubro de 1994. Foi Ministro do

Ultramar (1963-1973) e da Defesa Nacional (7/11/73 a 25/4/74). Era Professor de Direito Internacional Público e Director do Mestrado em Relações Internacionais na Universidade Portucalense, quando o entrevistei.

128 Franco Nogueira, “Salazar - A Resistência”, pág. 80. 129 José Freire Antunes, “ Os Americanos e Portugal (1961). Kennedy e Salazar: o Leão e a Raposa”, pág. 32. 130 Cristopher Coker, ob. cit., pág. 51. 131 José Freire Antunes, ob. cit., pág. 68.

32

NATO. Além do mais, Kennedy, a 20 de Outubro de 1961, em audiência ao Ministro dos Negócios

Estrangeiros Português, declarou considerar o problema de África como fundamental e que os EUA

apoiariam a autodeterminação, por forma a impedir que o continente africano caísse em domínio

soviético.

No entanto Portugal, no decurso do conflito ultramarino, contou sempre com o apoio de elementos

da Aliança Atlântica132, como a França e a Alemanha, e mesmo fora desta, a República da África do

Sul, assumindo estes o desgaste político internacional pelo apoio prestado. Todavia, mesmo que o

auxílio não fosse directo, Portugal procurava persuadir os seus aliados a, pelo menos, “(...) fazerem-se

de cegos quanto ao uso de armamento da NATO na área, apesar do explícito assegurar de que apenas

seria utilizado na Europa (...)”133. Este apoio por vezes traduzia-se na venda de armamento e

equipamento, efectuada apesar do embargo norte-americano134.

Se os europeus encaravam o continente africano como um complemento económico da Europa e a

salvaguarda militar de todo o seu flanco meridional, os norte-americanos encaravam-no como possível

mercado para colocação dos seus produtos e fornecedor de matérias primas; persistia a ideia de que,

onde fosse eliminada a influência europeia, ganhar-se-ia um novo campo de influência norte-

americana135. Para a URSS, a África apareceu como indispensável na corrida para o domínio do

mundo136, pelo envolvimento da Europa.

No Congresso dos Povos Oprimidos, realizado em Baku, no ano de 1920, a URSS começou a

manifestar preocupação pela África e pela Ásia, marcando assim aquilo que podemos considerar “(...) o

ponto de partida para um programa de infiltração e de penetração (...)”137, para manipulação daquilo

que, no tabuleiro de jogo mundial dos grandes blocos, viriam a ser periferias de desempate138,

retomando assim a URSS a velha ambição czarista de conquista dos mares quentes.

132 O General António de Spínola, no seu livro “Portugal e o Futuro”, distingue quanto às posições tomadas

relativamente à política portuguesa, em África, três grupos de países da NATO “(...) a) os que discordam da política portuguesa e a contrariam (...) b) os indiferentes; c) os que sem apoio expresso em público ou apenas com apoio muito discreto, concedem no entanto, no plano bilateral, substancial auxílio (...)”, pág. 342, Livraria Arcádia, Lisboa, 3ª ed., 1974.

133 Cristopher Coker, ob. cit., pág. 53. O General Silvério Marques diz a este respeito: “(...) Embora publicamente não fosse ostensivo, era decidido, no plano bilateral, o apoio que nos era dado pela França e pela Alemanha Federal: fornecimento de armamento, sem querer saber do seu destino e uso; facilidades de crédito; apoio político e diplomático junto de outros países (Designadamente os próprios Estados Unidos) (...)”. Em “África - Vitória Traída”, pág. 95, Ed. Intervenção, Braga, Lisboa, 1977. Assim, a Alemanha, impedida de cumprir o contrato escrito celebrado com Portugal para fornecimento de aviões F-86, pelo embargo dos EUA, adquiriu em Itália uma partida de aviões de combate equivalentes, completamente novos, e forneceu-os a preço inferior ao ajustado para os primeiros, os quais seriam fornecidos em segunda mão. Forneceu ainda, a troco do uso da base de Beja e de um campo de treino em Santa Margarida, três milhões de dólares em assistência militar, com a reserva de que o material não seria utilizado em África (mas os Fiat G-91 sempre foram utilizados), em Cristopher Coker, ob. cit., pág. 61. A Alemanha fornecia ainda tecnologia diversificada. A França forneceu sempre os helicópteros Allouette, e conjuntamente com a Inglaterra vendia os helicópteros Puma. A Bélgica e a Itália vendiam sobressalentes e a Espanha fornecia os aviões Aviocar. Adquiria ainda cobre que, posteriormente, vendia a Portugal transformado em copelas para as munições.

134 No dia 21 de Agosto de 1961, Kennedy, em memorandum, aprova a política de proibição de venda de material a Portugal. A 9 de Julho, os EUA, a URSS e mais sete membros do Conselho de Segurança votam a Resolução sobre o caso de Angola. Em 19 de Junho, a Noruega anuncia recusa de licença de venda de armas a Portugal. Em 30 de Janeiro de 1962, o Conselho de Segurança, pela Resolução 1742, recomendou que os Estados Membros da ONU se abstivessem de conceder a Portugal qualquer meio utilizável para repressão do povo angolano e, pela Resolução 1807 de 4 de Dezembro de 1962, não lhe fornecessem armas e equipamento militar.

135 Silva Cunha, “O Ultramar, a Nação e o 25 de Abril”, pág. 11. 136 Parece-nos importante salientar que o valor dado pela URSS a África era já conhecido pelos Portugueses do

tempo de Albuquerque, uma vez que já sabiam que quem dominasse Marrocos, a Guiné e Adém, dominava a África. 137 Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-

1974), 1º volume, Enquadramento Geral”, pág. 39. 138 Fernando Amaro Monteiro, “O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964 - 1974)”, pág. 213.

33

O comunismo de controlo soviético procurou então introduzir em África toda a sua influência,

aliando-se aos movimentos separatistas das colónias, em nome do movimento proletário internacional,

passando, após Bandung, a dispor de um instrumento eficaz. Neste contexto, Bulganine e Kruchtchev

deslocaram-se, de 18 de Novembro a 21 de Dezembro de 1955, aos países do Sudoeste asiático, por

forma a consagrarem a sua adesão aos princípios da Conferência de Bandung.

A questão do Suez, em 1956, o apoio dado à Revolução Argelina e a realização da 1ª. Conferência

de Solidariedade Afro-Asiática, no Cairo, em Dezembro de 1957, podem ser considerados como os

primeiros marcos da caminhada russa para o Sul, num movimento envolvente por Oriente e Ocidente

do continente africano, tendo como principais pontos de apoio o Ghana e a República da Guiné, na

costa ocidental, e a Somália, na costa oriental.

Este movimento processou-se ao ritmo do despertar dos nacionalismos africanos e foi condicionado

pelos interesses das outras potências.

A estratégia maximalista da URSS para a «laqueação» dos domínios vitais da Europa Ocidental

consistia em:

- Obter o controlo das zonas de passagem entre as áreas N e S do Atlântico, visando, em

última análise, atingir os EUA, a partir de Cuba, ou fixar os EUA, a partir da América Central, e, desta

forma, desviar as atenções norte-americanas da Europa e da África;

- Garantir a presença directa (ou interposta), no Próximo, Médio e Extremo Oriente e o

controlo da Rota do Petróleo, bem como todo o restante movimento comercial marítimo com passagem

pelo Cabo da Boa Esperança;

- Obter o já referido acesso e respectivo controlo de matérias-primas das quais relevavam as

afins da alta tecnologia bélica;

- O accionamento dos aparelhos quinta-colunistas formais, ou inocentemente utilizados,

exercendo prática constante da manipulação dos instrumentos de luta pela aquisição e domínio do

poder político139.

No que diz respeito a África, visava dividi-la em África do Norte e África Negra, para as poder

conquistar em separado. Para o conseguir, penetrava em direcção ao Golfo da Guiné, conjugando esta

com duas outras penetrações: uma em direcção ao Atlântico pelo eixo Cairo-Tripoli-Tunis-Argel-

Rabat, e uma segunda, a Leste, em direcção a Moçambique, pelo eixo Cartun-Adis Abeba-Nairobi-

Beira140.

A União Soviética, com a sua estratégia maximalista e indirecta para domínio do Terceiro Mundo,

procurou suplantar não só a influência ocidental, mas também conter a influência chinesa. O seu

processo de penetração em todo o Terceiro Mundo é reflexo dos seus interesses gerais sobre o plano

ideológico, económico e de estratégia militar, adoptando características, consoante o lugar geográfico a

que se dedica. A sua influência estendeu-se, de forma activa, à maioria dos territórios compreendidos

entre a Argélia e a Índia, exercendo alguma influência em territórios da África Negra e da América

Latina. No Sudeste-Asiático a sua actuação ficou reduzida ao Vietname do Norte, dado que, nesta

região, prevaleceu a influência da sua rival, a China Popular.

139 Idem, pág. 219. 140 Hermes de Araújo Oliveira, “A Guerra Revolucionária”, pág. 43, Ministério do Exército, Lisboa, 1961.

34

O primeiro processo de penetração será o ideológico, visto que os seus dirigentes preferiam

sustentar os nacionalismos progressistas à acção violenta preconizada por Pequim141. A propaganda

soviética, de acordo com as circunstâncias, adaptava a forma de uma ajuda cultural, oficial ou

clandestina142, visava uma penetração a longo prazo, doutrinando os futuros líderes nas suas

Universidades.

O segundo processo utilizado consistia na ajuda económica e técnica: procurava colocar nestes

mercados os seus produtos (pouco competitivos, no mercado ocidental). Encoberta pela assistência

técnica, tentava substituir as companhias ocidentais e, assim, alcançar o controlo sobre a produção e

comercialização dos recursos naturais, nomeadamente, dos hidrocarbonetos143.

A terceira forma de penetração baseava-se na ajuda militar, feita normalmente através de acordos

bilaterais e secretos que podiam ir desde a venda de material à formação de pessoal. Desde 1955 até ao

final de 1970, “(...) aproximadamente 7000 milhões de dólares foram dispensados pela URSS a favor

de países do Terceiro Mundo (...)”144.

Podemos considerar, quanto à África Negra, que a política soviética foi lenta, cautelosa e

oportunista, uma vez que a URSS “(...) não concebia a África a máxima prioridade, era menos

importante para ela do que outras áreas do Terceiro Mundo, como o Médio-Oriente e o sub-continente

Indiano (...)”145. No entanto, os soviéticos aproveitaram todas as oportunidades surgidas para obter

influência e demonstrar a sua posição de superpotência.

A URSS, apoiada pelos seus satélites, aos quais cedeu muitas vezes primazia neste movimento de

penetração, viu abrir-se uma nova frente de competição política, económica e diplomática, quer com as

potências ocidentais quer com a China Popular. Com esta última, a rivalidade agravava-se à medida

que o diferendo sino-soviético se ia intensificando.

Estes condicionalismos levaram a URSS a comprometer cada vez mais os seus Estados satélites

numa penetração ao sul do Equador, numa tentativa de contrariar a penetração chinesa; daí, o

incremento da ajuda política, económica, militar e cultural feita pelos seus satélites aos países de

África, começando pela Argélia, Egipto, atingindo a Zâmbia e a República Malgaxe, e o desejo de

141 “La Pénétration Soviétique dans le Tiers Monde”, Secretariat Général de la Défense Nationale, Centre

d´Explotation du Renseignement, Paris le 24 de Mai 1971, Diffusion Restreinte. 142 Segundo o documento, “La Pénétration Soviétique dans le Tiers Monde”, do Sécrétariat Général de la Défense

Nationale, a propaganda soviética assentava, essencialmente sobre três temas: O socialismo era a única via face ao subdesenvolvimento; a ajuda soviética aos países em vias de desenvolvimento reforçava a sua independência económica e política, ao passo que a ajuda Ocidental/Capitalista aumentava a sua dependência; a URSS era pacifista e condenava o racismo. Esta propaganda apoiava-se em institutos especializados da Universidade de Moscovo, centros de amizade e culturais espalhados pelo mundo. As representações diplomáticas distribuíam gratuitamente livros, jornais, revistas. As estações emissoras de Moscovo e Baku, Erevan, Tachkent e Douchanbe difundiam programas para os países em vias de desenvolvimento. Como visava sobretudo atingir a juventude, possuía ainda centros de acolhimento de estudantes, como a Universidade Patrice Lumunba em Moscovo.

143 A ajuda técnica e económica da URSS aos países do Terceiro Mundo dependia de três factores: 1º . A assinatura de acordos de comércio e cooperação; 2º. A oferta de créditos; 3º. A realização de projectos técnicos. De acordo com o documento “La Pénétration Soviétique dans le Tiers Monde”, Sécrétariat Général de la Défense Nationale, Centre d´Exploitation du Renseignement, Paris le 24 de Mai 1971, Diffusion Restreinte, entre 1954-1969, a URSS concedeu a 38 países um crédito de “(...) 6800 milhões de dólares dos quais só 40% a 50% foram utilizados (...)”. No entanto, este crédito servia somente para financiar a compra de mercadorias russas ou para programas determinados de equipamento em comum; o crédito era concedido a longo prazo e com baixa taxa de juro. Em 1970 o número de técnicos Russos em todo o Terceiro Mundo rondava os 18000. O apoio a projectos visava sobretudo obras grandiosas, como o projecto de irrigação do Egipto ou a barragem de Assouan, no Alto Nilo.

144 “La Pénétration Soviétique dans le Tiers Monde”, Secretariat Général de la Défense Nationale, Centre d´Explotation du Renseignement, Paris, le 24 de Mai 1971, Diffusion Restreinte.

145 “The Soviet Penetration in Africa South of the Sahara”, Background Brief, 13 November 1973, Secret. 35

antecipação, no reconhecimento oficial dos novos Estados Africanos, com a consequente penetração

diplomática.

Quanto ao caso português, não podemos esquecer que Kruchtchev declarou que apoiava a rebelião

anti-portuguesa, considerando-a mesmo como uma guerra sagrada146.

Foi no contexto do despique para a dominação mundial entre as superpotências, baseadas no anti-

colonialismo, com a pretensão de alargar as respectivas zonas de influência pelo esboroar do

Euromundo que, de acordo com Gonçalves Martins, “(...) a totalidade dos restos do Império Português

foi vítima da transformação do mundo numa única zona de confluência dos poderes políticos das

superpotências e, em particular, da competição e da luta que, entre si, travavam para o seu domínio

exclusivo (...)”147.

Na acção contra a presença europeia em África, em breve se veio juntar à URSS e aos EUA, a nova

China de Mao Tsé Tung. Para esta potência em franca ascensão, que ambicionava influência

internacional, a África surgiu como zona de expansão e como um futuro terreno para a colocação dos

seus excedentes demográficos. Mas a China apresentava algumas vantagens relativamente às outras

potências: o povo de cor amarela era considerado vítima do colonialismo, pertencente como os

africanos ao Terceiro Mundo, oprimido e explorado pela raça branca148.

A Conferência de Bandung marca o regresso da China Popular ao primeiro plano da cena Asiática.

Chou En-Lai, então Ministro dos Negócios Estrangeiros, aproveitando-se da ausência da URSS,

apresentou-se como o expoente máximo dos povos oprimidos, disponibilizando-se para apoiar os povos

africanos no combate ao imperialismo e ao capitalismo149.

Chou En-Lai marcou a entrada oficial da China Popular na cena africana, num discurso proferido

em 1964, em Mogadíscio, tendo então afirmado: “(...) existe hoje em África uma excelente situação

revolucionária (...)”150. Dentro do quadro das relações existentes entre a China e a África Negra,

podemos destacar acordos comerciais, empréstimos ou a realização de projectos com interesse151. De

1959 a 1964, o montante de empréstimos chineses (estimados, mas não realizados na totalidade) atingiu

os 340 milhões de dólares152.

Após o golpe de estado em Zanzibar, em 12 de Janeiro de 1964, Pequim passou a desempenhar o

papel de líder incontestado dos movimentos de libertação em África, estreitando as relações

diplomáticas com todos os Estados que o desejavam, nomeadamente, aos das colónias portuguesas e da

África do Sul.

146 José Freire Antunes, “ Os Americanos e Portugal (1961). Kennedy e Salazar: o Leão e a Raposa”, pág. 247. 147 Manuel Gonçalves Martins, “A Descolonização Portuguesa (as responsabilidades)”, pág. 136. 148 Silva Cunha, “O Ultramar, a Nação e o 25 de Abril”, pág. 12. 149 Général Jean Marchand, “La Chine Populaire et l´Afrique Noir”, em “Révue Militaire Générale”, pág. 420, Mars

1973. 150 “Chinese Penetration in Africa South of the Sahara”, Background Brief, 14 December 1973, Secret. 151 Em 21 de Janeiro de 1964, em Bamako, Chou En-Lai, num discurso, definiu os princípios dominantes da

cooperação: o auxílio nunca deveria ser sob a forma de esmola, mas sim uma colaboração e um motivo de troca recíproca; seriam prioritários os empreendimentos que necessitassem de um investimento mínimo com resultados de curto prazo.

152 De 1960 a 1969, o auxílio chinês foi apresentado como sendo na ordem dos 900 milhões de dólares. O processo, contudo, era demorado e a ajuda real não ultrapassou os 400 a 500 milhões de dólares. Deste auxílio, 90% eram créditos e 10% dádivas. Os créditos apresentavam-se sob a forma de empréstimos e de assistência em material e pessoal. Os empréstimos são a longo prazo e a 2 ou 3%, reembolsáveis em 10 ou 15 anos, após um período de carência, que pode durar 10 anos. Se houvesse reembolso, estes eram feitos em mercadorias do país; mas, como contrapartida, os empréstimos obrigavam à compra de matérias primas e de mercadorias chinesas. Em, Direcção Geral

36

Capítulo II

OS MOVIMENTOS INDEPENDENTISTAS NA ÁFRICA NEGRA E EM ESPECIAL NA

GUINÉ PORTUGUESA

1. - Conceitos

Entendemos começar este capítulo por uma explicitação de alguns conceitos (sem pretendermos ser

exaustivos) como: subversão, guerra subversiva, guerra de guerrilha, guerra revolucionária, guerra

psicológica; conceitos estes que levantam algumas dúvidas no conhecimento geral.

A subversão, segundo Jorge de Miranda, é todo o “(...) ataque por forma insidiosa ou violenta, à

ordem política e social estabelecida, tendo em vista substituí-la, a médio ou longo prazo, por outra

(...)”153. Para o francês Raymond Aron, esta “(...) consiste à susciter ou attisser le mécontentement des

peuples, à exciter les masses contre les gouvernements, à provoquer ou à exploiter les émeutes,

rébelions ou révoltes afin d´affaiblir les Etats rivaux et de reprendre certaines institutions plus encore

que certaines idées (...)”154. Para Roger Muchielli, esta é “(...) une technique d´affaiblissement du

pouvoir et de démoralisation des citoyens (...)”155.

Todas elas referem uma alteração da ordem e do Poder ou a sua conquista. Contudo, entendemos

que nenhum analista consegue ser tão abrangente como Amaro Monteiro ao defini-la como “(...) o

exercício de meios psicológicos assentes sobre valores sociomorais perfilhados pelas maiorias,

visando, em geral por forma predominante e prolongadamente não-ostensiva, a queda ou

controlo global ou parcial do Poder por minorias, num território ou em outro objectivo a atingir,

acompanhando sindromatologias pré-revolucionárias (...)”156; sendo, por isso, esta a definição

adoptada por nós.

Por vezes, confunde-se o conceito de guerra subversiva com o de subversão. Mas nem sempre a

subversão, como aqui é definida e adoptada por nós, conduz à guerra subversiva. Esta última, segundo

Abel Cabral Couto, é: “(...) a prossecução da política de um grupo político por todos os meios, no

interior de um dado território, com a adesão e participação activa de parte da população desse território

(...)”157. No entanto, a subversão antecede e acompanha a guerra subversiva; logo, consideramos a

guerra subversiva igual a subversão armada.

de Obras Públicas e Comunicações do Ministério do Ultramar, Grupo de Trabalho dos Caminhos de Ferro, 30 de Dezembro de 1970, Secreto.

153 Jorge de Miranda, “Subversão”, em “ Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura”, Ed. Verbo ,vol. 17, pág. 751. 154 Raymond Aron, “Paix et Guerre Entre les Nations”, pág. 517, Calmann-Lévy, Collection “Liberté de L´esprit”,

Paris, 1988. 155 Roger Muchielli, “La Subversion”, pág. 9, CLC, Paris, 1976. 156 Fernando Amaro Monteiro, “O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964 - 1974)”, pág. 22. 157 Abel Cabral Couto, “Elementos de Estratégia - Apontamentos para um Curso”, vol. II, pág. 211, Instituto de

Altos Estudos Militares, Lisboa, 1989. Os manuais militares entendem-na como a “(...) luta conduzida no interior de um dado território, por uma parte dos seus habitantes, ajudados e reforçados ou não do exterior, contra as autoridades de direito ou de facto estabelecidas, com a finalidade de lhes retirar o controlo desse território ou, pelo menos, de paralisar a sua acção (...)”. Em Regulamento “O Exército na guerra subversiva”, Generalidades, pág. 1, Estado-Maior do Exército, Lisboa, 1966. 37

A expressão guerra revolucionária também se confunde com a de guerra subversiva. Todavia, além

dos conceitos já inseridos no conteúdo sobre a guerra subversiva, esta integra, para Franco Pinheiro,

mais três características:

“(...)

1. É conduzida nos pressupostos do marxismo-leninismo;

2. Pretende, em última análise, a implantação do comunismo;

3. Utiliza uma amplitude de meios e processos, que vão da guerra convencional à guerra

subversiva, ou simples aspectos de guerra fria, ou mesmo, o mero esquema de

agitação/propaganda (...)”.158

Segundo Amaro Monteiro, a estas podemos acrescentar uma quarta característica:

“(...) 4. Pratica o desenvolvimento lento, baseando a sua estratégia na guerra prolongada e no

esgotamento da ordem constituída (...)”159.

Apesar da destrinça realizada, frisamos que nem todas as guerras subversivas são revolucionárias,

mas todas as guerras revolucionárias são subversivas. O domínio das primeiras é mais vasto do que o

das segundas, dado que a acção subversiva, no projecto de tomada do Poder, se pode acomodar a

qualquer ideologia, logo, também, à ideologia marxista/leninista e colocar-se, desta forma, “(...) ao

serviço de qualquer conflito contra o Estado (...)”160.

Para autores como Claude Delmas161, que não identificam a guerra revolucionária com a

implantação do comunismo, aquela visa, pelo menos, uma nova ordem político-social.

O conceito de guerrilha162 corresponde a “(...) uma táctica adaptada às possibilidades psicológicas,

geográficas e políticas, a uma relação de forças, (...)”163, que emprega determinado tipo de meios e

processos com um carácter restrito, na realização de operações militares. A guerra subversiva trava-se,

158 Joaquim Franco Pinheiro, “Natureza e Fundamentos da Guerra Subversiva”, em “Subversão e Contra-

Subversão”, pág. 21, Estudos de Ciências Políticas e Sociais, nº. 62, Junta de Investigação do Ultramar, Lisboa, 1963. Outros autores como Abel Cabral Couto, em op. cit., pág. 214, e a Comissão para o Estudo das Campanhas de África, na obra “Subsídios para a Doutrina Aplicada nas Campanhas de África (1961-1974)”, pág. 50, Estado-Maior do Exército, Lisboa, 1990, defendem este pressuposto.

159 Fernando Amaro Monteiro, “A Guerra em Moçambique e na Guiné - Técnicas de Accionamento de Massas”, pág. 34.

160 Roger Muchielli, ob. cit., pág. 56. No entanto, a obra da Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Subsídios para o Estudo da Doutrina Aplicada nas Campanhas de África (1961-1974)”, apresenta um conceito do qual discordamos, e mesmo contrário ao defendido por nós. Entende a guerra revolucionária como mais abrangente do que a guerra subversiva, uma vez que defende que a guerra revolucionária pode “(...) compreender ou utilizar outras formas de guerra, sendo definida com maior precisão, dado estar ligada a uma concepção do Mundo e a técnicas particulares (...)”, pág. 52. A este propósito Sousa Lara refere que a guerra revolucionária se desenvolve a nível internacional e “(...) resulta normalmente da criação de um ou mais grupos, formados dentro das fronteiras de um Estado e à margem da sua lei que, pela via das armas, tenta substituir, através de uma pluralidade de meios de que disponha, o governo e o seu poder na totalidade ou numa parte do respectivo território (...)”. Em “A Subversão do Estado”, pág. 192, Universidade Técnica de Lisboa, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Lisboa, 1987.

161 Claude Delmas, “A Guerra Revolucionária”, págs. 19 a 21, Publicações Europa-América, Colecção Saber, Lisboa, 1975.

162 Guerrilha, etimologicamente, significa pequena guerra. Considera-se que já César enfrentara a luta de guerrilhas nas Gálias e na Grã-Bretanha. A divulgação do termo ocorre a partir da luta dos guerrilheiros espanhóis contra os exércitos invasores de Napoleão I. Quanto a Portugal, ficaram conhecidas as “guerrilhas” do Remexido do Algarve, dos marçais de Foz Côa, entre outros. Veja-se, sobre o tema: Loureiro dos Santos, “Apontamentos de História para Militares - Evolução dos Sistemas de Coacção - Apontamentos para a História da Subversão em Portugal”, pág. 153 a 175, Instituto de Altos Estudos Militares, Lisboa, 1985.

163 Claude Delmas, ob. cit., págs. 19 a 21. 38

em regra, no plano militar, sob a forma de guerrilhas. Porém, podem existir guerras subversivas sem

operações de guerrilha164.

A guerra psicológica serve-se da arma psicológica, ou seja, utiliza um conjunto de processos ou

meios que se destinam a influenciar as crenças, os sentimentos e as opiniões da população, das

autoridades e das forças armadas, por forma a condicionar e manipular, assim, o seu comportamento. A

sua utilização será, logicamente, complementar a qualquer outro tipo de guerra165.

É oportuno esclarecer que, daqui em diante, referiremos, indistintamente, guerra subversiva e

guerra revolucionária; para o tema em análise, interessa-nos sobretudo o segundo conceito, pois a

guerra travada no antigo Ultramar Português era subversiva e também revolucionária.

2. - O desenvolvimento da subversão

Baseada na exploração de problemas ou contradições evidentes de natureza social, ideológica,

política e económica, susceptíveis de conquistar a adesão de variados sectores da população, esta

técnica de assalto ou de corrosão dos poderes formais, para cercear a capacidade de reacção,

diminuir e/ou desgastar e pôr em causa o Poder em exercício, mas nem sempre visando a sua

tomada, pode surgir em qualquer tipo de sociedade e apresentar-se como uma proposta e/ou alternativa

para a resolução de problemas ou contradições.

Partindo do princípio de que as sociedades dos países subdesenvolvidos ou em vias de

desenvolvimento são aquelas onde surgem as maiores contradições internas, seriam estas que, face a

uma primeira observação, se encontrariam particularmente vulneráveis à subversão de qualquer sinal e

procedência; porém, são as democracias ocidentais que se encontram mais atreitas ao fenómeno.

Porquê a especial vulnerabilidade desses regimes?

Se, por um lado, não ignoram “(...) as intenções revolucionárias daqueles agrupamentos para os

quais a referência ao ideal e às realidades democráticas mais não é do que um pretexto para a subversão

(...)”166, por outro lado, neles, as reacções à violência limitam-se por horizonte ético, cuja violação

afectaria um conceito que moldou o próprio Estado. Os tempos de resposta são lentos, na medida em

que os aparelhos jurídicos o são, por escrúpulo ou força intrínseca (como se queira ver), “(...) as

limitações na montagem e funcionamento de dispositivos preventivos, as restrições à instalação

(assumida) dos repressivos, o fosso tradicional entre pensamento político e pensamento estratégico, a

ausência de estruturas de propaganda e contra-propaganda, a vincada dualidade civil/militar, não

capacitam as democracias ocidentais à contra-subversão, em termos de isolar eventuais grupos,

desencadear, se preciso, «operação verdade» (para obtenção de crédito por parte da opinião pública),

164 Abel Cabral Couto, ob. cit., pág. 213. Veja-se sobre as características da guerrilha: Sousa Lara, ob. cit., pág. 192 a

197, e Roger Muchielli, ob. cit., pág. 65. 165 Um dos processos que utiliza será a Acção Psicológica, que o Regulamento “O Exército na Guerra Subversiva-

III Acção Psicológica” define como: “(...) Acção que consiste na aplicação de um conjunto de diversas medidas, devidamente coordenadas, destinadas a influenciar as opiniões, os sentimentos, as crenças e, portanto, as atitudes e o comportamento dos meios amigos, neutros e adversos, com a finalidade de : - Fortificar a determinação e o espírito combativo dos meios amigos; - Esclarecer a opinião de uns e outros e contrariar a influência adversa sobre eles;

- Modificar a actividade dos meios adversos num sentido favorável aos objectivos a alcançar (...)”, pág. 1, Lisboa, 1966.

166 Claude Delmas, ob. cit., pág. 18. 39

evitar a situação de «tribunal popular» (onde o Poder aparece réu face à colectividade) e implementar,

com eficácia, vigilâncias (milícias, por exemplo) locais (...)”167.

Deste modo, as democracias liberais tornam-se vítimas dos seus próprios conceitos de liberdade

sem, contudo, poderem renunciar a eles168, pois, conhecedoras da ameaça subversiva/revolucionária, só

se poderiam preparar contra ela, “(...) reorganizando-se segundo princípios totalitários (...)”169, sendo,

porém, a sua existência justificada por um ideal contrário, o ideal democrático.

O facto de existirem problemas reais e contradições em determinadas sociedades não é sinónimo da

existência de subversão, embora aqueles sejam propícios a esta. É no entanto necessário um agente

catalisador que desperte as consciências para tais problemas, ampliando-os se preciso, vencendo a

tendência das massas para o conformismo e outros factores de inércia. Porém, devemos distinguir entre

causas e factores favoráveis170.

São bom exemplo de guerra subversiva/revolucionária, entre as múltiplas e encadeadas situações de

afrontamento, ocorridas após o final da II Guerra Mundial, os conflitos em África, como os de Angola,

Moçambique e da Guiné. Estes conflitos (no conjunto dos muitos anos, que em qualquer dos casos

antecedeu as partes envolvidas, e mesmo as ultrapassou)171 são manifestações divergentes da mesma

realidade que já apelidámos de regionais ou “por procuração”, apenas porque relativamente

circunscritos em termos geográficos, ou porque as grandes potências se defrontam interpostamente.

Naqueles territórios verificavam-se grandes diferenças entre as populações de origem ou de

educação europeia e a autóctone, com um nível de progresso muito inferior e diminutas perspectivas da

sua melhoria172. Diminuta era também a percentagem de indivíduos assimilados. No caso particular da

Guiné Portuguesa, o desencadear da insurreição e o posterior desenvolvimento da luta foi facilitado por

alguns factores, como, por exemplo:

“(...)

167 Fernando Amaro Monteiro, “O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964 - 1974)”, pág. 22. 168 Claude Delmas, ob. cit., pág. 18. 169 Idem, pág. 19. 170 Parece-nos oportuno esquematizar as sindromatologias mais significativas que acompanham e propiciam o

exercício da subversão, extraídos da análise de várias situações, que precederam e/ou acompanharam revoluções. Os referidos síndromas são generalizadamente: “(...) 1) O sentimento público de que as estruturas existentes limitam a actividade económica, a circulação social ou um objectivo colectivo; 2) A deserção, o enquistamento, ou a agressividade, face ao Poder dos intelectuais, em manifestações cuja densidade lembra o fenómeno dos «glóbulos brancos» numa situação de infecção; 3) Os surtos invocadamente nacionalistas, traduzidos mormente na identificação do regime a derrubar com um domínio estrangeiro real ou alegado; 4) O crescente complexo de culpa nas classes dirigentes; 5) A anorexia ou o cepticismo delegante das massas, seguidos de afloramentos progressivos de adesão à ideologia em movimento e de consequentes perturbações da ordem pública; 6) Perdendo o Poder, o controlo das Forças Armadas ou Militarizadas, por má gestão ou por aquelas se legitimarem a interpretá-lo, perante os síndromas anteriores, criam-se as condições para uma erupção pretoriana e/ou para uma onda de militância revolucionária que poderá concorrer com a primeira (senão submergi-la por milícias populares); 7) O Poder já na situação de «réu», perante a consciência pública (situação de «tribunal popular»), entra em crise aberta, recorrendo, esporádica ou sistematicamente ao uso da força, com o que agrava o panorama referido em 6); 8) A activação de «grupos chave» pela subversão, normalmente em simultâneo com a actividade de guerrilhas que recorrem a santuários exteriores e/ou entram em combate urbano, ainda mais exaurindo as forças regulares; 9) O estado político-social de «catarsis» colectiva é flagrante, com a legitimação (táctica ou explícita) da ideologia revolucionária e com o eventual acompanhamento de «terror mudo»; 10) A tomada formal do Poder e a manipulação técnica das massas (...)”. Escolhemos os supra referidos síndromas por considerarmos que neles encontramos denominadores generalizáveis mais explícitos e completos do que os referidos por outros autores. Fernando Amaro Monteiro, “O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964 - 1974)”, pág. 25.

171 Carl Von Clausewitz em “Da Guerra” referiu: “(...) A guerra não pertence ao domínio das artes e das ciências, mas sim ao da existência social. Ela constitui um conflito de grandes interesses, solucionada através do sangue (...)” e por isso seria melhor compará-la, “(...) mais do que a qualquer arte, ao comércio, que também é um conflito de interesses e de actividades humanas (...)”, pág. 164, Ed. Perspectivas e Realidades, Lisboa, 1976.

40

- Grande densidade populacional (excepto no sul) e fraca estrutura administrativa

enquadrante;

- Enorme variedade de grupos étnicos, bem diferenciados e independentes e com dialectos

próprios;

- Rede de vias de comunicação muito pobre e escassa;

- Arborização densa na maior parte do território;

- Densa rede de rios e canais, dificultando extraordinariamente a movimentação por terra e

tornando as deslocações por via aquática morosas;

- Marés, que fazem sentir os seus efeitos não apenas no litoral mas muito para o interior, ao

longo dos cursos de água, criando importantes problemas diários para deslocações, quer em

terra quer nos rios;

- Clima depauperante e com riscos de doenças tropicais;

- Recursos locais escassos, sobretudo para alimentação;

- Território pequeno (32.000 Km2) e extensa fronteira terrestre, permitindo rápidas incursões

e a fuga para os países vizinhos apoiantes (...)”173.

Estes e outros factores foram convenientemente explorados pelos movimentos independentistas.

A guerra revolucionária, como outra qualquer, visa resolver pela violência um problema político174,

neste caso consequente de uma legitimidade posta em causa. No século XIX, Clausewitz definia a

guerra como não sendo somente um acto político, “(...) mas um verdadeiro instrumento político, uma

continuação das relações políticas, uma realização destas por outros meios (...)”175, e acrescenta que

“(...) é apenas uma parte das relações políticas e, por conseguinte, de modo algum qualquer coisa de

independente (...)”176. Contudo, a guerra em si “(...) não faz cessar essas relações políticas (...)”177.

Nisto, Lenine, Mao, Giap e Debray recortavam Clausewitz, ou seja, a guerra, aqui revolucionária,

recorre a outros meios, para além dos políticos, para alcançar o objectivo político pretendido.

A guerra, que durante muito tempo foi encarada como actividade do foro exclusivo dos militares, a

partir de 1914-18 aponta para um carácter global, abrangendo outros aspectos. A evolução é mais nítida

a partir de 1939-45, traduzindo-se na “(...) passagem de uma estratégia exclusivamente militar a uma

estratégia global (...)”178, e, ao nível das Informações, por exemplo, passou-se do âmbito estratégico-

militar para o estratégico-global. Nesta ordem de ideias, a estratégia continuaria a ser como Clausewitz

a viu: “(...) a teoria relativa à utilização dos recontros ao serviço da guerra (...)”179, regulando quantos

haveriam de desenrolar-se em cada campanha. Deveriam apenas alterar-se o sentido e latitude dos

conceitos como «recontros» e «campanha». Uma vez feito o ajuste, o esquema de raciocínio mantém-se

actualizado, tal como o de Mao: “(...) estudar as leis de condução da guerra como um todo, é tarefa da

172 Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Subsídios para a Doutrina Aplicada nas Campanhas de

África (1961-1974)”, pág. 53. 173 Idem, “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 1º volume, Enquadramento Geral”,

pág. 119. 174 Abel Cabral Couto, ob. cit., pág. 214. 175 Carl Von Clausewitz, ob. cit., pág. 87. 176 Idem, pág. 737. 177 Idem, ibidem. 178 Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-

1974), 1º volume, Enquadramento Geral”, pág. 352.

41

estratégia (...)”, enquanto: “(...) estudar as leis da condução das acções militares, como parte de uma

guerra, é tarefa da ciência das campanhas ou da táctica (...)”180.

A guerra subversiva/revolucionária desenvolve-se por fases de limites mal definidos,

frequentemente indistinguíveis, e de implantação, que pode não ser simultânea na totalidade do

território-alvo, procurando, em todo o caso, respeitar a lógica do esquema e evitar ser detida na

transição do estado pré-insurreccional para o insurreccional. Estas fases têm um valor relativo, pelo que

os conflitos devem ser estudados casuisticamente.

Em princípio distinguem-se 2 períodos e 5 fases181:

Período pré-insurreccional

1- Fase preparatória - É uma fase de estudo, de planificação e organização embrionária em

segredo. O movimento subversivo deve compreender um órgão de direcção e alguns elementos para

enquadrar a população, outros para ligações e recolha de informações, e outros para acções de

agitação/propaganda.

2- Fase de agitação ou criação do ambiente subversivo - Clandestina, mas já não de segredo

(uma vez que os resultados se tornam visíveis). Desenvolvem-se intensas acções de propaganda,

fomentam-se perturbações da ordem e clima de medo, visando a desmoralização do Poder, o descrédito

da autoridade, “(...) a ruptura aberta no tecido social, através da organização de contradições entre as

hierarquias estabelecidas e da constituição de forças polarizadoras paralelas; o facto consumado do

levantamento, com ou sem o recurso ao confronto armado, mas procurando, na hipótese afirmativa,

prolongar as situações de «contacto» das Forças Armadas regulares com a massa popular, para

naquelas criar a “má consciência” e, por fim, a desobediência aos altos comandos e seu consequente

colapso como aconteceu no Irão imperial (...)”182.

A organização é reforçada, os sistemas de infiltração e de informação são consolidados. O “status

quo” encontra aqui o seu período crítico: ou responde, eficientemente, ou já não controla a evolução

dos acontecimentos na generalidade, apesar de os poder controlar, pontualmente, em determinados

aspectos ou situações.

Para o caso do mundo muçulmano, lembramos que a agitação e o levantamento popular se

encontram virtualmente caucionados, nos meios onde a violência se instala, por passagens concretas do

Alcorão183, integradas no sistema cultural geral.

Período Insurreccional

179 Carl Von Clausewitz, ob. cit., pág. 138. 180 Mao Tse Tung, “Seis Artigos Militares do Presidente Mao Tse Tung”, pág. 9, Edições em línguas estrangeiras,

Pequim, 1972. 181 Podemos encontrar detalhes sobre o assunto em várias publicações militares e civis; destacamos: “Subsídios

para o Estudo da Doutrina Aplicada nas Campanhas de África (1961-1974)”, págs. 76 a 80; “A Guerra em Moçambique e na Guiné - Técnicas de Accionamento de Massas”, pág. 34; “Elementos de Estratégia - Apontamentos Para um Curso”, vol. II, pág. 257 e 258; Hermes de Oliveira Araújo, “Guerra Revolucionária”, pág. 127 a 136.

182 Fernando Amaro Monteiro, “O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964 - 1974)”, pág. 24. 183 Alcorão, s.2, v. 191, v. 193; s.4, v. 89; s.8, v.39, v.45, v.57, v.65, v.66, v.67; s.9, v.5.

42

1- Fase de terrorismo e de guerrilha - A guerrilha, que «Che», tal como Mao e Giap,

consideravam como uma simples fase da guerra, que por si só não conduz à vitória184, mas que “(...)

aspira à guerra total (...) ao combinar todas as formas de luta em todos os pontos do território (...)”185 é,

para o General Giap, “(...) a guerra das massas populares de um país economicamente atrasado que se

insurgem contra um exército de agressão fortemente equipado e bem treinado (...)”186.

A guerrilha através das suas actuações, que na maioria das vezes são espectaculares, procura criar o

clima psicológico, gerar o pânico e o terror mudo, criar a agitação geral e, se possível, a anarquia,

provocar a reacção repressiva, preparando-se a subversão para provocar a unidade defensiva dos grupos

visados.

Tais situações, se retransmitidas ampliadamente pelos mass media numa manipulação da opinião,

podem criar a convicção pública de que na generalidade o Poder é impotente, que a guerrilha atingiu a

impunidade e que aquele, além de opressivo, é repressivo (nos casos em que não é impotente...).

Esta fase é decisiva dado que, de certa forma, coloca já a subversão armada em superioridade sobre

as forças da ordem constituída. Consolida-se a organização, intensificam-se e generalizam-se as acções

violentas, completa-se o estabelecer de estruturas político-administrativas e procura-se dominar

algumas áreas do território;

2- Fase do “Estado Subversivo” - Território e população estão cingidos pela organização político-

administrativa da subversão. Criam-se bases ou áreas libertadas, surgem forças com características

para-regulares, os “exércitos de libertação” e, eventualmente, um governo provisório;

3- Fase final - A máquina subversiva acciona um exército que procurará, a partir de bases, dominar

todo o território, recorrendo já a operações convencionais, reclamando frequentemente, durante o

desencadear desta fase, o direito ao estatuto de combatente, nos termos previstos nas Convenções de

Genebra e Protocolos Adicionais.

Da análise das fases da guerra subversiva/revolucionária, depreendemos que os movimentos

independentistas do Ultramar Português, na sua “marcha para a libertação”, alcançaram, nos três teatros

de operações, a terceira fase da subversão (fase de terrorismo e guerrilha); contudo, são divergentes as

opiniões sobre se, na Guiné, foi ou não atingida a quarta fase (fase do Estado Subversivo). Esta é

negada pela obra “Subsídios para o Estudo da Doutrina Aplicada nas Campanhas de África (1961-

1974)”187, mas por outro lado, tanto através das posições tomadas pelas Nações Unidas como pelo

próprio PAIGC, pode na Guiné invocar-se o atingir de fases posteriores, senão vejamos-se:

- O PAIGC foi considerado o único e legítimo representante do povo da Guiné, após visita de uma

missão das Nações Unidas às áreas ditas libertadas;

184 Ernesto «Che» Guevara, “La guerre de Guerrilla”, pág. 24, Citado por Silva Cunha, em “O Ultramar, a Nação e

o 25 de Abril”, págs. 20 e 21. 185 Régis Debray, “Revolução na Revolução”, pág. 18, Ed. 17 de Outubro Editora, Lisboa, 1975. 186 Vo Nguyen Giap, “Guerra do Povo Exército do Povo”, pág. 57, Colecção Terceiro Mundo e Revolução, nº. 1,

Ulmeiro, Lisboa, 1972. 187 Esta obra considera que “(...) embora esta anunciasse a existência de áreas libertadas - nunca verificadas como

tal - jamais constituiu um exército regular (...)” que, em qualquer oportunidade, tivesse defrontado as Forças Armadas Portuguesas num combate tipo convencional. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, pág. 80. 43

- A Guiné autoproclamou-se independente em 1973, situação reconhecida a nível internacional

pelas próprias Nações Unidas e pela OUA;

- O PAIGC diz ter realizado eleições nas áreas libertadas, criou as FARP (Forças Armadas

Revolucionárias do Povo) e Amílcar Cabral, como veremos, reclamava o estatuto de combatente

previsto nas Convenções de Genebra, para os elementos das FARP, que se assumiam como

combatentes das Nações Unidas188.

Situações que, a acreditar nos relatórios das Nações Unidas, se verificaram, sendo que, assim, será

possível considerar que ali se atingiu não só a quarta fase, mas também a quinta e última fase da guerra

subversiva/revolucionária (fase final).

2.1. - A conquista das populações

Se admitirmos que o exercício do poder político depende do acordo tácito ou explícito da população

ou, no mínimo, da sua submissão, a população será o objectivo último que a subversão pretende

controlar e, em simultâneo, o terreno e o instrumento para o seu desenvolvimento, razão pela qual será

necessário executar uma análise de motivações e definir as reacções que estas podem desencadear.

Para Amaro Monteiro será necessário:

“(...)

a) Analisar o contexto de vida e as estruturas das populações;

b) Analisar as motivações e importância dos grupos;

c) Sintetizar o quadro emergente das análises apontadas em a) e b), definindo coeficientes de

reactividade;

d) Enunciar as ideias força que os coeficientes de reactividade aconselham;

e) Explorar essas ideias força, através de todas as estruturas possíveis e dos diversos tipos de

propaganda (...)”189.

Consideramos este esquema válido, tanto para a acção subversiva como para a contra-acção, por

parte do Poder desafiado.

Também na Guiné, a subversão visava, sobretudo, a conquista das populações, seu objectivo, meio

e ambiente, procurando actuar no seio do povo como o peixe na água, para usar o princípio de Mao.

Já Clausewitz referia a reserva (Landwehr) que possuía sempre o tão necessário apoio popular190;

considerava esta como um reservatório de forças muito vasto, longe de ser insignificante, se encarada

em função do número total de habitantes e estreitamente relacionada com a defesa. O General

prussiano desenvolveu considerações sobre o povo na guerra, neste caso sobre o armar do povo

(Landsturm)191, afirmando que armar o povo conduziria à ruína “(...) as bases do exército inimigo tal

188 Amílcar Cabral, “Declaração ao Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas”, 1 de Fevereiro de

1972, CIDAC. 189 Fernando Amaro Monteiro, “A Guerra em Moçambique e na Guiné - Técnicas de Accionamento de Massas”,

pág. 37. 190 Carl Von Clausewitz referia: “(...) a noção de uma cooperação muito extensa e mais ou menos voluntária da

massa inteira do povo no apoio da guerra (...)”, ob. cit., pág. 445. 191 Idem, e acrescentou: “(...) a nação que faz a utilização judiciosa destes meios alcançará uma superioridade sobre

aqueles que não curam de se utilizar dele (...)”, pág. 525. 44

como uma combustão lenta e gradual. Como ele exige tempo para produzir efeitos (...)”192. Para

Clausewitz, uma tropa popular não podia chegar ao combate decisivo pois, mesmo que em

circunstâncias favoráveis, o levantamento popular seria derrotado.193 Ela podia e devia, portanto, atacar

as áreas de retaguarda e linhas de comunicações.

A importância do povo na guerra, tal como em Clausewitz ou Mao-Tsé Tung, é referida por

Debray, para quem “(...) apenas a incorporação progressiva do povo na guerra permite à vanguarda

combatente escapar ao esgotamento ou ao aniquilamento, apenas ela permite a extensão do combate em

todas as suas modalidades (...)”194. E acrescenta ainda: “(...) ou a guerrilha, na qualidade de organização

política, se implanta profundamente entre as massas numa região precisa, ou vê-se condenada, num

prazo mais ou menos curto, a desaparecer fisicamente como organização militar (...)”195 pelo que tem

de convencer as massas das “(...) suas boas intenções, antes de envolvê-las directamente (...)”196. Este

objectivo será conseguido pelo trabalho de agitação e de propaganda, por forma a explicar-se à

população a nova organização e fazer passar às mãos de organizações de massas a administração da sua

zona197, para que, assim, a rebelião se torne, de facto, em guerra do povo.

A conquista das populações foi área a que Giap se dedicou, especialmente no Vietname, procurando

doutriná-las para conseguir destas, por um lado uma atitude permanentemente hostil, face aos

ocidentais, e, por outro lado protecção e apoio aos guerrilheiros198.

A subversão, sejam ou não violentos os processos utilizados, visa sempre: “(...) desmoralizar ou

desintegrar; desacreditar o Poder constituído; neutralizar e/ou (em última análise) arrastar as massas

(...)”199. Estamos em crer, se fizermos o aferimento entre os conceitos expostos e os pensamentos de

Sun Tzu e Clausewitz, ser necessário o Poder preservar, para si, o controlo unificado do binómio

Informações/Acção Psicológica.

O domínio das Informações implica um Serviço montado para prestar um apoio isento e esclarecido

aos órgãos de soberania: aqueles que têm por obrigação manter a integridade do território e das suas

fronteiras, portanto sempre carentes de um conhecimento oportuno e o mais completo possível das

ameaças ou actividades hostis, para poderem orientar o dispositivo e a prontidão dos meios de defesa.

Este não é um ponto de vista inédito. Já Sun Tzu, na Antiguidade, sustentava “(...) se ignorante de

ambos, do inimigo e de ti próprio, estarás de certeza em perigo em todas as batalhas (...)”200, e que a

chamada «presciência» ou «previsão» é a razão do êxito do príncipe iluminado ou do general vencedor.

Ao mesmo tempo explicava e advertia que aquela “(...) não pode ser deduzida dos espíritos, nem dos

deuses, nem por analogia com as actividades passadas, nem por cálculos. Elas devem ser obtidas dos

homens que conhecem a situação do inimigo (...)”201.

Na mesma linha de pensamento de Sun Tzu, no século XVI, Maquiavel refere a necessidade de o

príncipe estar sempre informado: “(...) os príncipes sensatos devem fazer, isto é, pensar nas desordens

192 Idem, pág. 578. 193 Idem, pág. 581. 194 Régis Debray, “A Crítica das Armas”, pág. 129, Seara Nova, Lisboa, 1977. 195 Idem, págs. 149 e 150. 196 Régis Debray, “Revolução na Revolução”, pág. 33. 197 Idem, pág. 41. 198 Vo Nguyen Giap, “Guerra do Povo Exército do Povo”, págs. 52 e 54. 199 Fernando Amaro Monteiro, “O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964 - 1974)”, pág. 23. 200 Sun Tzu, “A Arte da Guerra”, pág. 179, Editorial Futura, Lisboa, 1974. 201 Idem, pág. 293.

45

futuras, e não só nas presentes, e servir-se de toda a habilidade para as evitar, pois certo é que,

prevendo-as à distância, mais facilmente as remedeiam (...)”202. E acrescenta: “(...) o mal é fácil de

curar e difícil de diagnosticar, mas não sendo diagnosticado nem curado, torna-se com o tempo fácil de

diagnosticar e difícil de curar (...)”203.

Clausewitz, no século XIX, refere também a importância das Informações ao considerar o termo

Informações como o “(...) conjunto de conhecimentos relativos ao inimigo e ao seu país e, por

consequência, a base sobre o qual se fundamentam as nossas próprias ideias e os nossos actos (...)”204.

No século XX, Mao, por seu turno, acrescenta: “(...) os erros resultam da ignorância sobre o

inimigo e sobre nós próprios (...)”205.

Os Serviços de Informações eram e são um órgão fundamental para a elaboração, em tempo

oportuno, de relatórios, estudos prospectivos e análises sobre os mais diversos assuntos. Em 1950, foi

organizada e estabelecida em Portugal a SGDN206 (Secretaria Geral de Defesa Nacional), comportando

uma 2ª Repartição com a incumbência, entre outras, de estabelecer e accionar os serviços de

informações estratégicos. Em 1954, reorganizou-se a PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do

Estado). Em Agosto de 1956, foi publicada a “Lei da Organização da Nação para a Guerra” que criou o

Conselho Superior Militar. Aquela Lei, na base XXI, atribuía ao Governo competência para “(...)

orientar tudo o que respeitasse à segurança interna e às actividades de carácter informativo que

interessassem à defesa nacional, designadamente, no que se refere à prevenção dos actos de subversão,

à repressão da espionagem e dos actos de entendimento com o inimigo, à manutenção da ordem

pública, aos refugiados e à guarda dos elementos e serviços vitais da economia nacional (...)”.

Já nos finais dos anos 50 começavam as preocupações dos altos responsáveis portugueses acerca do

Ultramar, alterando-se o dispositivo e exercendo-se o esforço militar em África. Quando do despoletar

dos acontecimentos em Angola, já existia uma doutrina contra-subversiva, ainda que incipiente. Mas as

estruturas consentidas no campo das Informações já estavam criadas, mesmo que aquém das

necessidades. Por isso, “(...) não podemos dizer que tivéssemos sido surpreendidos com os

acontecimentos em Angola, na SGDN, no na altura já chamado Gabinete dos Negócios Políticos do

Ministério do Ultramar, e na Direcção Geral dos Negócios Políticos do Ministério dos Negócios

Estrangeiros (...)”207.

Clausewitz, a respeito da necessidade de se conhecer antecipadamente o inimigo, através das

informações, observou que a guerra não deve ser uma realidade desconhecida para o soldado, sendo

“(...) um ponto extremamente importante a primeira ocasião que se entra em contacto com realidades

que, à primeira vista, tanta surpresa e embaraço lhe causam. Bastava que as tivesse visto anteriormente

uma única vez que fosse e já se sentiria semifamiliarizado com elas (...)”208. Sendo assim, a primeira

fase do ciclo de produção de informações, ou seja, a orientação do esforço de pesquisa, exigia para o

caso português, no período em análise, ou outro, que as estruturas estivessem sensibilizadas e instruídas

para ele; “(...) ora a eficiência haveria de começar (...) por quem, concebendo os planos de pesquisa

202 Nicolau Maquiavel, “O Príncipe”, pág. 21, Ed. Europa América, Lisboa, 1972. 203 Idem, págs. 21 e 22. 204 Carl Von Clausewitz, ob. cit., pág. 127. 205 Mao Tse Tung, ob. cit., pág. 290. 206 Decreto Lei nº. 37955 de 7 de Setembro de 1950. 207 Pedro Cardoso, “As Informações em Portugal”, pág. 103, Edição actualizada, Instituto de Defesa Nacional,

Lisboa, 1992.

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e/ou orientando o respectivo esforço, compreendesse a globalidade do conflito e apercebesse com

sensibilidade as suas especificidades no teatro (...)”209. Numa fase posterior, carecem os executores de

uma preparação mínima, quanto ao terreno humano no contexto que estamos tratando.

Nesta perspectiva, pelo tipo de guerra que se travava, procuraram as Forças Armadas Portuguesas

dar aos quadros um mínimo de preparação e desenvolver doutrina adequada. Assim, foi publicado em

1963 o primeiro regulamento intitulado “O Exército na Guerra Subversiva”, repartido por cinco

volumes. Ao nível das Forças Armadas foram então encarados alguns preparativos para a contra-

guerrilha, de forma que, em 1961, quando teve início a luta armada em Angola, “(...) já existia no

Exército, ainda que incipiente, uma doutrina táctica da subversão, baseada no estudo e adaptação das

doutrinas francesa e britânica (...)”210. Por despacho ministerial de 6 de Novembro de 1959, foi ainda

criado o CIOE (Centro de Instrução de Operações Especiais), com a finalidade de preparar tropas para

a luta contra-guerrilha, acção psicológica e operações especiais, pelo ministrar de uma formação similar

à do “curso de guerra subversiva” e do “estágio de contra-insurreição”211.

A preparação e informação dos quadros acerca das estruturas clânicas, tribais e sócio-religiosas das

sociedades negras seria necessária, por ser forçoso um conhecimento do terreno, o humano, claro está,

e no detalhe (situação que a subversão detinha e utilizou); sem isso não seria possível accionar outros

mecanismos de comunicação transnacionais, paralelos ou convergentes, como na Guiné as linhagens

cherifinas e as Confrarias Tidjanya e Qadiriya.

No antigo Ultramar Português, apesar do conhecimento dos movimentos independentistas e da sua

doutrina, a reacção portuguesa, a despeito do grande e dilatado esforço, foi lenta nas aplicações. No

entanto, procurou sempre, nesta disputa pela população, preservar a que tinha sob seu controlo,

dissociar o binómio população/inimigo e captar população sob duplo controlo, através de uma intensa

manobra psicológica212.

Na guerra que se viveu na Guiné Portuguesa e na qual, dada a sua característica revolucionária

(logo, estratégica a ordem requerida), onde tanta importância detinham as populações, seria

fundamental a máquina das informações, quer referindo-se ao nível estratégico quer ao táctico, para

“(...) viabilizar operações de Acção Psicológica razoavelmente rendíveis (...)”213.

208 Carl Von Clausewitz, ob. cit., pág. 133. 209 Fernando Amaro Monteiro, “O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964 - 1974)”, pág. 280. 210 Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Subsídios para a Doutrina Aplicada nas Campanhas de

África (1961-1974)”, pág. 137. 211 Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-

1974), 1º volume, Enquadramento Geral”, págs. 327 e 345. 212 A Directiva do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, “Operações Psicológicas Alfa” de 24 de

Outubro de 1968, referia: “(...) a) O inimigo vem progressivamente consolidando o controlo das populações de certas áreas, procurando

desequilibrar outras, actualmente sob duplo controlo, e tentando captar para a sua causa aquelas que ainda se mantêm fiéis às nossas autoridades;

b) Nas zonas habitadas por populações controladas pelo inimigo, este dilui-se no meio daquelas, utilizando a sua cobertura para fugir à acção dos bombardeamentos da Força Aérea e da Artilharia e dificultar a intervenção das Forças Terrestres;

c) Junto das populações em duplo controlo, o inimigo pratica a intimidação, mantém o aliciamento e demonstra a sua força, com a nítida intenção de provocar um desequilíbrio a seu favor ou, no mínimo, ganhar a cumplicidade do silêncio;

d) Visando a conquista das populações fiéis, o inimigo mantém uma intensa campanha de propaganda, através da rádio ou de agentes clandestinos, praticando o aliciamento e a intimidação nas áreas marginais controladas pelas Nossas Tropas (...).”

213 Fernando Amaro Monteiro, “O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964 - 1974)”, pág. 59. 47

A Acção Psicológica, seja desencadeada para reforçar a moral dos nacionais, seja para desmoralizar

o alvo a conquistar, tornou-se essencial na arte da guerra conduzida no território. Ponto de vista que

também não é novo, visto que Sun Tzu - considerado por Samuel Griffith214 como o primeiro

proponente da guerra psicológica - sustentava, de forma constante, a importância da superioridade

moral/psicológica de quem ataca sobre quem defende, moral que é definida pelo estratega chinês como

“(...) aquela que faz com que o povo esteja de acordo com os seus chefes e, assim, os acompanhe em

vida e até à morte, sem medo de perigo mortal (...)”215, e alerta para o “(...) controlo dos factores

mentais (...)”216, através da paciência e da calma. Pressupõe a existência de dois tipos de forças217 - as

forças Chi e as forças Cheng -, sendo a primeira extraordinária e indirecta, na qual cabem toda a

psicologia e toda a arte de ludibriar, e a segunda a força de fixação normal e directa. Sun Tzu

recomendava a utilização da primeira de forma extensiva, para enfraquecer o inimigo, até que este

atingisse um ponto em que a mínima força Cheng fosse necessária para o derrubar. No fundo, o cúmulo

da perícia: “(...) subjugar o inimigo sem o combater (...)”218, minando, quanto antes, a sua estratégia; no

caso em apreço, a estratégia do Poder Português219.

Os movimentos independentistas, procurando enfraquecer Portugal, a nível internacional,

combatiam-no em todos os campos; procuravam dissociar as autoridades da opinião pública e

denunciavam actividades destas e dos seus aliados com manobras de propaganda.

Também Clausewitz evidenciaria o factor humano e o aspecto moral e psicológico na guerra,

afirmando que as forças morais estão, aí, entre os seus mais importantes sujeitos220.

Para Giap, já no presente século, o factor fundamental é o “(...) factor político-moral, a moral dos

quadros e combatentes, a consciência do exército quanto ao ideal revolucionário, ao objectivo da luta,

ao fim político da guerra (...)”221, relembrando que durante a resistência aos Ming, no Vietname (note-

se, muito antes das guerras sobre as quais Clausewitz reflectira), “(...) Nguyên Trai dava grande

importância à ofensiva psicológica, isto é, ao trabalho de agitação junto do inimigo e das tropas

fantoches para os convencer a passarem-se para o seu campo. Esta táctica levou à rendição do

adversário nas várias cidades (...) num total de 100.000 soldados inimigos (...)”222.

“Che” Guevara, tal como Mao, defende a moral como factor praticamente decisivo, distinguindo

nela, para o combatente, a intercomplementaridade dos sentidos ético e heróico: “(...) por um lado o

sentido da justiça da causa, por outro a impressão de se bater sem saber porquê determinavam as

grandes diferenças entre os dois exércitos (...)”223.

As concepções de Mao, Giap, Guevara e Debray, citadas, apresentando diferenças quanto ao nível e

modo de interpenetração do factor político e do factor armado, encontram coexistência em Lenine, que

considera que é imprescindível conhecer os métodos pelos quais as massas podem ser conquistadas e

214 Samuel Griffith, em introdução de “A Arte da Guerra”, de Sun Tzu, pág. 123. 215 Sun Tzu, ob. cit., pág. 141. 216 Idem, pág. 224. 217 Idem, pág. 191. 218 Idem. pág. 165. 219 Sun Tzu disse: “(...) O que é de suprema importância na guerra é atacar a estratégia do inimigo (...)”, ob. cit.,

pág. 166. 220 Idem, pág. 209. 221 Vo Nguyen Giap, “Armamento de Massas Revolucionárias, Edificação do Exército do Povo”, pág. 176,

Colecção Terceiro Mundo e Revolução, nº. 4, Ulmeiro, Lisboa, 1972. 222 Idem, págs. 77 e 78.

48

também imprescindível, na acção, aquela maleabilidade que decorre de, concretamente, as coisas

resultarem de forma diferente, por mais originais, mais peculiares, mais variadas do que se poderia ter

esperado224.

No século XX, os mass media, com o seu carácter universal e instantâneo, participaram na “(...)

elaboração de uma mentalidade colectiva (...)”225, atribuindo-se-lhes um grande poder pelo esforço de

persuasão. Este poder dos mass media (que sozinhos são capazes de, querendo, manipular/fabricar a

opinião pública, criar mesmo uma psicose colectiva) e a transparência das actuais sociedades políticas

(no que diz respeito à circulação de pessoas e ideias) favorecem o fenómeno subversivo. A conquista

das populações, hoje em dia, envolve pois, necessariamente o uso dos mass media. São utilizáveis de

diversas formas, como difusores e amplificadores de ideias força, através de todas as estruturas e tipos

possíveis de propaganda, quer apoiem directa ou indirectamente a autoridade ou a subversão. Para

desenvolver essas actividades, carecem de matéria explorável como o desencadear de acções violentas,

os feitos e atitudes dos sujeitos da acção e aliados, os erros cometidos pelo adversário, entre outros,

pretendendo organizar (isto se estiverem contra o Poder) o descrédito da autoridade estabelecida;

podem criar a imagem de que o Poder é opressor e não identificado com valores realmente nacionais,

portanto, apresentado como estrangeiro ou submetido a este.

Situações destas verificam-se no caso particular da Guiné Portuguesa onde o PAIGC soube,

habilmente, aproveitar e implantar toda a matéria disponível, por forma a suscitar uma opinião pública

internacional desfavorável a Portugal, criando para o Poder Português uma situação de “réu” perante

essa opinião pública.

Pode-se, assim, concluir que uma subversão metódica, de cunho voluntarista, segue quatro

premissas que se encontram nos teóricos da subversão, passando por Mao e indo até Guevara:

“(...)

1. Sustentar que o governo é indigno;

2. Sustentar que o governo não está identificado com valores realmente nacionais e, portanto,

se apresenta como estrangeiro;

3. Atacá-lo com violência e persistência, para impressionar as massas;

4. Procurar a impunidade dos ataques, para demonstrar que o governo é impotente e, logo,

figuração a derrubar (...)”226.

O processo é sempre eficiente, desde que estejam reunidas as condições mínimas no terreno sobre

que incida. O PAIGC aplicou-as. O sinal da sua concreta procedência ideológica (e, pois, da estratégia

em que se integra), muitas vezes só é perceptível, “(...) quando se pode perguntar e apurar a quem

aproveita ele no jogo dos grandes poderes mundiais; isto sem embargo de conjunturas nas quais,

perdido o controlo por parte do «autor moral» (situação mais frequente nas organizações terroristas), a

subversão entra em órbita irregular (aproveitável então por forças diferentes das da partida) ou passa a

funcionar como elemento de erosão passiva (...)”227.

223 Ernesto «Che» Guevara, “A Dimensão Internacional da Revolução”, pág. 17, Editora 17 de Outubro, Barreiro,

1976. 224 Vladimir Ilitch Lenine, “Cartas Sobre Táctica”, pág. 66, Biblioteca do Socialismo Científico, Editorial Estampa,

Lisboa 1978. 225 Marcel Merle, “Sociologia de las Relaciones Internacionales”, pág. 236, Alianza Universidad, Madrid, 1991. 226 Fernando Amaro Monteiro, “O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964 - 1974)”, pág. 23. 227 Idem, págs. 23 e 24.

49

Face ao que no presente capítulo foi exposto, pode inferir-se, quanto à fenomenologia

contemporânea228, que o conceito de estratégia atingiu alto nível de globalidade e maximalizaram-se as

componentes que correlacionam política e guerra, que o conceito de defesa foi transcendido, a adopção

da “segurança alargada” nas sociedades, sejam elas “revolucionárias” ou “conservadoras” na sua

feição, converteu-se numa necessidade óbvia, exigindo da parte do Poder Estadual, submetido a

desafio, alta capacidade de resposta. Resposta que não se deve encontrar na linha de raciocínio de

Maquiavel para quem “(...) existem duas maneiras de combater: pelas leis e pela força. A primeira é

própria dos homens; a segunda é própria dos animais. Mas, como muitas vezes aquela não chega, há

que recorrer a esta (...)”229. A contra-subversão, pela sua ética baseada em “(...) princípios de

autoridade, coesão moral da nação e no potencial militar e não militar existente (...)”230, deve cingir-se

às normas éticas da conduta das hostilidades, apesar de se poder desenrolar uma luta desleal, com

diferentes regras para os jogadores231; sendo que o Poder Português, a suster uma guerra global durante

treze anos e em três Teatros de Operações distintos e distanciados entre si, procurou sempre

dominantemente configurar-se com a ética própria de um Estado de direito.

3. - A génese do independentismo na Guiné Portuguesa. O espírito de Bandung

A importância geo-estratégica do continente africano, para além da sua orla mediterrânea, foi

praticamente posta em relevo, após a II Guerra Mundial e, especialmente, após a constituição da

NATO. A África passou, desde então, a ser um teatro de operações ambicionado pelas superpotências,

que tinham em vista atingir objectivos decisivos para a dominação mundial. Estas apoiaram as

ideologias e os movimentos independentistas que lhes facilitavam a expulsão dos colonizadores

europeus.

No campo político, pode dizer-se que foi a criação da ONU, em 1945, e a luta pelo voto que ali

imperou, sobretudo a partir dos anos 50, que impulsionaram a descolonização de África. As

independências do continente africano assegurariam um manancial de votos, na Assembleia Geral das

Nações Unidas, àquele dos dois blocos que conseguisse captar a simpatia dos novos Estados.

Foi da formação de dois blocos opostos, e em equilíbrio de forças, que surgiu uma nova estratégia,

que consagrou formas subtis de acção indirecta e que relegou para segundo plano a estratégia clássica.

Esta estratégia trouxe um elemento novo, “(...) a penetração ideológica e a subversão revolucionária

(...)”232; com ela, a guerra transbordou do campo das armas para o campo das ideias e da reivindicação

social, passando então as guerras a processar-se em âmbitos territoriais nacionais mas com amplitudes

internacionais.

228 Idem, “A Guerra em Moçambique e na Guiné - Técnicas de Accionamento de Massas”, págs. 9 e 10. 229 Maquiavel, Nicolau, ob. cit., pág. 93. 230 Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Subsídios para a Doutrina Aplicada nas Campanhas de

África (1961-1974)”, pág. 92. 231 No entanto, podem surgir casos pontuais, que fujam ao controlo superior, em que há um desrespeito pelas

normas. Estes casos devem ser condenados rapidamente e alvo de apreciação disciplinar ou criminal. Deve-se ainda evitar, que os casos ocorridos se arrastem para uma generalização que condene a contra-subversão.

232 António de Spínola, “O Problema da Guiné”, pág. 13, Agência Geral do Ultramar, 1970. 50

Assim, foi desenvolvida e apoiada em África a acção subversiva (que tal como um incêndio se

propaga lentamente, com um foco aqui, outro além, acabando por “carbonizar” o Poder instituído)233,

conduzida por Estados que consideram a “(...) subversão em terra alheia como contributo útil para «a

formação de um novo mundo» (...)”234.

3.1. - Movimentos Independentistas na Guiné

A evolução política do continente africano suscitou, em múltiplos territórios, a formação de vários

grupos com ideologias independentistas, vindo, necessariamente, a afectar determinados sectores da

população.

Na Guiné Portuguesa, os primeiros indícios de intenções independentistas exprimiram-se na

tentativa de fundação de um “clube desportivo”, em 1953, reservado a naturais da Província, tentativa

gorada pela interdição do Governador. O seu proponente, o engenheiro agrónomo Amílcar Cabral,

acabou por fundar na clandestinidade o MIG (Movimento de Independência da Guiné) que originou,

em 1956, o PAIGC.

No Senegal, constituíram-se diversos movimentos que visavam obter a independência da Guiné.

Salienta-se o MLGC (Movimento de Libertação da Guiné e Cabo Verde), a UPG (União de Povos da

Guiné) que, apesar da designação, reunia apenas alguns guineenses residentes em Kolda, o RDAG

(Reunião Democrática Africana da Guiné), constituído pela colónia Mandinga do Senegal, a UNGP

(União dos Naturais da Guiné Portuguesa), a UPLG (União da População Libertada da Guiné), que

agrupava a minoria de etnia Fula do Senegal, e o MLG (Movimento de Libertação da Guiné) a que

aderiram a maior parte dos Manjacos.

Em Agosto de 1962, como resultado da união de vários grupos políticos com sede em Dakar, como

o UPG, o RDAG e a UPLG, foi criada a FLING (Frente de Libertação e Independência Nacional da

Guiné). O PAIGC recusou o convite para fazer parte deste movimento.

Analisemos os principais dos referidos movimentos.

3.1.1. - O Movimento de Libertação da Guiné

No ano de 1956, a grande actividade política desenvolvida pelo RDA (Rassemblemant

Démocratique Africain), no norte da Guiné-Conacry, teve repercussões nas regiões de Cacine, Bedanda

e Catió, sendo, a partir desta data, que um grupo de indivíduos tentou instalar, clandestinamente, na

Província Portuguesa, uma associação dita nacionalista a que deu o nome de MLG. Este partido, que

entronca a sua origem na efémera Liga Guineense de 1911, terá sido fundado em 1958235. Possuía a sua

sede em Dakar e filiais em Conacry e Bissau (clandestina, claro está).

233 Carl Von Clausewitz, ob. cit., pág. 578. 234 Franco Nogueira, “Salazar - A Resistência (1958/1964)”, pág. 80. 235 Os membros fundadores deste partido eram: Alfa Camara, César Fernandes, José de Barros e Rafael Barbosa.

51

As primeiras actividades deste partido limitaram-se ao aliciamento de elementos da população mais

evoluídos, à difusão de panfletos, comunicados e manifestos. Foi a secção de Dakar que desenvolveu

mais actividades, insinuando-se que os incidentes ocorridos a 3 de Agosto de 1959, no cais de

Pidjiguiti, e reprimidos pelas forças da ordem, foram por si provocados. Estes acontecimentos são

carcaterizados como um “massacre” 236, uma vez que a actuação das autoridades provocou a morte de

50 estivadores do porto de Bissau, em greve por constetação dos baixos salários auferidos. Aqui surge a

dúvida da nossa parte, dado que também o PAIGC reivindica a responsabilidade deste incidente237.

A seu cargo estiveram, em Julho de 1961, os primeiros ataques - actos considerados pelas

autoridades como terrorismo - desencadeados em S. Domingos e, uns dias depois, em Susana e Varela,

a noroeste do território, junto à fronteira senegalesa. Estes ataques terão sido lançados com alguma

precipitação e talvez com o intuito de ganhar algum avanço sobre o PAIGC que, a sul, desenvolvia já

uma intensa, eficiente e silenciosa actividade de aliciamento.

De início, o MLG, encarava politicamente, a ideia de uma federação, passando a Guiné a constituir

um estado federal da República Portuguesa. Esta ideia de federação desfez-se e o MLG passou a exigir

a independência total da Guiné238. Era um movimento exclusivamente guineense, constituído,

nomeadamente, por elementos de etnia manjaca. Colocava em pé de igualdade tanto os portugueses de

raça branca como os cabo-verdeanos, votando a estes últimos um ódio efectivo, tendo por várias vezes

atacado Amílcar Cabral e outros elementos do PAIGC. Embora concordasse ser necessária a união

entre o MLG e o PAIGC, combatia a ideia de federação entre a Guiné e Cabo Verde.

A nível internacional, desenvolveu uma actividade de relevo, como o enviar de uma exposição à IV

comissão da ONU, efectuando o seguinte pedido:

“(...)

1. Que a Portugal fosse aplicada a resolução 1514 da Assembleia Geral das Nações Unidas;

2. Que Portugal fosse obrigado a conceder a autonomia ao território africano da Guiné, no

mais curto espaço de tempo, com o fim de o seu povo se preparar para a autodeterminação;

3. Que fossem soltos todos os presos políticos guineenses, detidos na Guiné, e repatriados

todos os que tivessem sido levados para fora da Província;

4. Que as forças de ocupação retirassem, imediatamente, para a Metrópole (...)”239.

Apesar de em toda a primeira metade do ano de 1963, o MLG de Dakar, chefiado por François

Mendy, ter efectuado algumas incursões na antiga Província Portuguesa, os seus dirigentes, em finais

de Outubro de 1964, reunidos em Ziguinchor, concordaram em dissolver o movimento, uma vez que

não tinham apoio, nem interno, nem externo. A Administração Portuguesa reagia pela repressão e o

PAIGC aliciava os seus militantes.

3.1.2. - A Frente de Libertação e Independência Nacional da Guiné

236 Parece-nos oportuna a interrogação: se este estivadores são considerados os primeiros "mártires da Pátria",

como se devem designar hoje as mortes de antigos cidadãos portugueses que acreditaram, quer nas autoridades portuguesas quer nas novas autoridades guineenses, e após a independência optaram por ficar no seu “chão” de origem, acabando contudo, perante um pelotão de fuzilamento no Forte da Amura em Bissau?

237 Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 1º volume, Enquadramento Geral”, pág. 117.

238 Hélio Felgas, “A Guerra na Guiné”, pág. 42, SPEME, Lisboa, 1967.

52

Em Dezembro de 1963, os elementos da UNGP, após Salazar ter confirmado e esclarecido a

política ultramarina, resolveram, em assembleia, dissolver o movimento, tendo os seus adeptos

ingressado na FLING e ficando o dirigente da UNGP, Benjamim Pinto Bull, como secretário de

informação daquela Frente. O movimento vai, assim, agrupar como dirigentes a maior parte dos chefes

dos partidos dissolvidos.

Esta união de chefias, em regra empregados e pequenos funcionários fugidos da Guiné,

considerados por Hélio Felgas como “(...) destituídos de competência e maturidade política (...)”240,

com formação muito diferente, com ambições pessoais, desmedidas e antagónicas e, na maior parte das

vezes, imaturas, não conseguiu transmitir ao agrupamento a coesão indispensável à consecução dos

objectivos pretendidos, originando, no mínimo, duas facções, a designada FLING ortodoxa e a FLING

combatente241, defendendo a primeira a evolução pacífica do estatuto da Província e a segunda o

recurso à acção armada.

A FLING parecia condenada, pois restringia cada vez mais a sua acção, perdia terreno e,

inclusivamente, o apoio dos governos vizinhos. Este partido parece só ter despertado em 1965, face aos

progressos do PAIGC, que estendia já a sua influência política da República da Guiné ao Senegal, ao

mesmo tempo que procurava captar a simpatia de adeptos de outros movimentos. Após a segunda

conferência da OUA, realizada no Cairo, começou a incrementar as suas actividades, nunca

concretizadas em acções combatentes, pois de acordo com as informações disponíveis, nunca foi visto,

na Guiné Portuguesa, nenhum grupo armado da FLING. A sua acção limitou-se à publicação de alguns

comunicados, à organização de reuniões e participação em algumas conferências internacionais.

Através de um comunicado transmitido pela Rádio Dakar, em 11 de Julho de 1963, a FLING

convidou o PAIGC para uma conferência de unidade, ao mesmo tempo que sugeria a criação de um

comando militar unificado, com Quartel General em Bamako (Mali) ou noutro país africano242.

Os esforços de unificação feitos pela OUA, pelos presidentes Senghor e Sékou Touré e mesmo por

outros dirigentes foram falhando, até que, em Março de 1965, o Conselho de Ministros da OUA

reconhece o PAIGC como o movimento mais apetrechado e melhor estruturado para o

desenvolvimento da luta, canalizando para ele toda a ajuda material.

3.1.3. - O Partido Africano da Independência da Guiné e de Cabo Verde.

Carlos Lopes243 considera que Portugal no período colonial era uma nação relativamente pobre, e

que, fruto da sua própria dependência, se encontrava numa situação económica estagnada, logo,

239 Idem, pág. 46. 240 Idem, pág. 44. 241 A FLING ortodoxa surge em Novembro de 1963 por cisão da FLING. O seu presidente era Formoso Gomes,

o Secretário-Geral Jonas Mário Fernandes, Benjamim Pinto Bull, era secretário de informação e imprensa, tendo-se afastado em Julho de 1964. A FLING combatente data da mesma época, presidida por François Mendy, Balbino da Costa e Paulo N´Daye. Em 28 de Dezembro de 1965, Mendy é afastado e substituído por B. Bull, que saíra da facção ortodoxa. Uma outra facção pode ser considerada, e que se juntou à vertente ortodoxa em Julho de 1964. Esta era constituída por Henry Labery, Manuel Lopes da Silva, Doudou Seidi e Mamadu Seidi. Em, “Exposição Sobre a Situação de Informações na Província da Guiné”, Secretaria Geral da Defesa Nacional, 2ª Repartição, Reservado, 1970.

242 Hélio Felgas, ob. cit., pág. 47. 243 Carlos Lopes, “Etnia, Estado e Relações de Poder na Guiné-Bissau”, pág. 22, Edições 70, Lisboa, 1982.

53

incapaz de manter colónias em África. A debilidade portuguesa, aliada ao processo político do anti-

colonialismo e ao florescer de movimentos independentistas, esteve na génese do PAIGC.

O PAI (Partido Africano de Independência) foi criado em Bissau, a 19 de Setembro de 1956, por

Amílcar Cabral, conjuntamente com Aristides Pereira, Luís Cabral, Júlio de Almeida, Fernando Fortes,

Elisée Turpin e Abílio Duarte. A sigla PAIGC só será adoptada em 1960.

A direcção do Partido244 era coadjuvada por um comité central de seis membros. Para a sua

estruturação dentro do território, dividiu-se em três inter-regiões: a inter-região norte, a do sul e a do

leste245, subdivididas em regiões; a organização política, administrativa e militar era igual em todas as

regiões divididas em zonas, subdivididas em secções.

De uma maneira geral, a parte da população que colaborava com o PAIGC e que não pertencia ao

“Exército Popular” e à “guerrilha”, estava organizada em “milícias populares”, constituída por grupos

de rapazes e raparigas, principalmente com a função de controlo e enquadramento das populações e a

obtenção de reabastecimentos.

Estes três grupos constituíam as FARP (Forças Armadas Revolucionárias do Povo)246, criadas em

1965. Nelas destacamos a existência, em todos os escalões, de um comissário político. As suas

unidades eram designadas por bigrupo com um efectivo de cerca de meia centena de elementos

armados. A par da organização militar, existia uma organização político-administrativa, encabeçada,

dentro de cada zona, por um responsável político, coadjuvado por um secretário de propaganda247.

O Partido tinha como objectivo :

“(...)

- A liquidação da dominação colonial portuguesa;

- A criação de bases indispensáveis para a construção de uma vida nova para os povos da

Guiné-Bissau e de Cabo Verde;

- A construção da paz, do bem estar e do progresso contínuo do povo da Guiné--Bissau e de

Cabo Verde (...)”248.

Este partido, que se sobrepôs a todos os outros, era de orientação ideológica marxista-leninista, mas

desde a sua criação intitulou-se de democrático, anti-colonialista, anti-imperialista e actuante no quadro

da democracia revolucionária249.

Os pontos de desacordo entre o PAIGC e os outros grupos políticos eram de carácter ideológico e

mesmo estratégico, tendo o seu programa duas fases: a libertação e, posteriormente, a reconstrução de

uma nova sociedade; considerava a luta como realizável com todos os meios e em todas as frentes

244 Constituída pelo Presidente Rafael Barbosa, Secretário-Geral Amílcar Cabral e Secretário-Adjunto Aristides

Pereira. 245 Secretaria Geral da Defesa Nacional, “Exposição da Situação da Guiné em 6 de Novembro de 1964”, Secreto. 246 Idem; segundo este documento, as FARP estavam estruturadas em três organizações específicas:

Exército Popular - utilizável em qualquer zona da província; Guerrilha Popular - utilizável dentro de cada zona,

Milícia Popular - missão de organizar a “defesa civil” e a vigilância do Partido nas zonas consideradas libertadas.

247 Secretaria Geral da Defesa Nacional, “Exposição da Situação da Guiné”, Reservado, 1970. 248 PAIGC, “História da Guiné e das Ilhas de Cabo Verde”, pág. 141, Ed. Afrontamento, Porto, 1974. Mas na

perspectiva portuguesa, os objectivos do PAIGC eram: 1) Conquista das populações quer pelo aliciamento, quer pelo terrorismo, e a sua separação das autoridades portuguesas; 2) O desmantelamento económico da província; 3) O desenvolvimento da guerrilha e das acções psicológicas contra as nossas tropas. Ou seja, não são coincidentes, notando-se, assim, as diferentes perspectivas em que o problema era abordado, necessitando o PAIGC, no terreno, de desenvolver a luta armada para alcançar os objectivos a que se propôs. Em “O Caso da Guiné”, pág. 6.

54

contra o racismo, o imperialismo, todas as formas de colonialismo e de exploração do Homem -

entenda-se o sentido marxista da frase - mas conservando sempre a independência do pensamento e da

acção em relação a qualquer força política e económica externa; postura que, como verificaremos, não

conseguiu manter. Além disso, pretendia a libertação total, não só para a Guiné, mas também para

Cabo Verde.

Amílcar Cabral considerava que a luta armada se integrou mais na população do que esta na luta

armada250 Todavia, nas “(...) regiões libertadas do sul, alguns chefes da guerrilha tornaram-se

demasiado autónomos (...)”251 em relação a certos chefes que se poderiam encontrar na região,

actuando mesmo sem qualquer “(...) coerência com os princípios do partido (...)”252, actuação que

Carlos Lopes caracteriza de tirana, pois obrigava a população explorada a sujeitar-se à tutela da

guerrilha, sendo utilizada a força contra, e não a favor do povo253.

A direcção do partido convocou um congresso para Cassacá, em 1964, onde foi decidida uma

punição severa dos responsáveis. Aqui também se decidiu criar as FARP e traçou-se a construção de

um Estado, a partir da base. Entenda-se base de democracia revolucionária, que desembocaria em

totalitarismo254.

Para a construção de um Estado, a partir da base, era necessário o aliciamento e o controlo das

populações. Na Guiné Portuguesa, o PAIGC conhecia, no detalhe, as populações que o poderiam

auxiliar nessa tarefa.

Amílcar Cabral considerava impossível, no contexto colonial, que uma só camada social pudesse

levar a cabo a luta contra o colonialismo255. Após a criação do Partido, numa primeira fase, a sua

actividade limitou-se a mobilizar as camadas urbanas da pequena burguesia, dos funcionários da

administração pública e do sector comercial, dos assalariados da capital, dos trabalhadores do porto e

dos jovens vindos do campo para a cidade (a principal força revolucionária)256. E, só mais tarde,

abrangeu as massas rurais (a principal força física). Estas últimas, para o líder africano, não

representavam a principal força vital e custaram mesmo a incentivar à luta, sendo necessário, por vezes,

“(...) de os conquistar à força (...)”257 ou, segundo Carlos Lopes, conseguindo-se a sua mobilização,

“(...) através de uma consciencialização dos problemas políticos ligados às suas necessidades políticas e

interesses sociais (...)”258, vindo assim a desempenhar um importante papel como “massa combatente”.

O Partido procurou, deste modo, responder às reivindicações destes estratos, que pretendiam

ascender a um patamar superior na hierarquia social. Porém, Cabral apercebia-se que não era toda a

pequena burguesia que aceitava a luta contra a dominação estrangeira, mas apenas uma parte, que já se

encontrava cansada dos abusos do colonialismo e que se encontrava disposta a renunciar aos seus

249 PAIGC, ob. cit. pág. 141. 250 Amílcar Cabral, “Guiné-Bissau - Nação Africana Forjada na Luta”, pág. 94, Ed. Nova Aurora, Lisboa, 1974. 251 Idem, Ibidem. 252 Carlos Lopes, ob. cit., pág. 25. 253 Idem, ibidem. 254 Situação típica desenvolvida pelos movimentos independentistas. Estes, à partida, encontram-se em situação

favorável para reclamarem a identidade própria de territórios cujas fronteiras foram determinadas por um Direito Internacional estranho às sociedades africanas. Esta situação propicia a instauração de uma ideologia totalitária e de partido único, como forma para se alcançar uma disciplina colectiva que viabilize a ideia de Nação.

255 PAIGC, ob. cit., pág. 31. 256 Amílcar Cabral, “Guiné-Bissau - Nação Africana Forjada na Luta”, pág. 26 e 90. 257 Idem, pág. 28. 258 Carlos Lopes, ob. cit., pág. 24.

55

privilégios sociais e a defender os interesses do povo. Assim, dividiu a população em três categorias

distintas, tendo em conta o seu comportamento durante a luta armada259:

- O primeiro grupo, constituído pelos indivíduos que se encontravam comprometidos com o

colonialismo português e que englobava a maioria dos funcionários e as profissões liberais;

- O segundo grupo era constituído pela pequena burguesia revolucionária, pois passara do ideal de

nacionalismo para o de libertação nacional;

- O grupo intermédio era constituído por elementos que hesitavam entre a libertação nacional e os

Portugueses.

A mobilização dos camponeses iniciou-se após os acontecimentos de Pidjiguiti, altura em que foi

decidida a preparação para a luta armada. A passagem à acção directa no território, a 3 de Agosto de

1961 (considerado o dia nacional da revolução), veio reforçar o recrutamento e a mobilização

clandestina.

O líder do movimento independentista acusava Portugal de opressão política e administrativa, de

opressão e exploração económica, de opressão social e cultural e de praticar um desumano regime

colonial260.

Como resposta aos vários tipos de opressão, Amílcar Cabral preconizava um tipo de resistência:

“(...) opressão política, resposta: resistência política; opressão económica, resposta: resistência

económica; opressão cultural, resposta: resistência cultural (...), resistência armada (...) é a resposta à

opressão armada, à agressão colonialista (...)”261, sendo que o primeiro ataque armado eclodiu a 23 de

Janeiro de 1963, contra as instalações de um aquartelamento das Forças Armadas Portuguesas, em Tite.

Até 1963, reinava, no partido, a convicção de que as Nações Unidas estavam em condições de obter

de Portugal o respeito pelas obrigações internacionais e de assegurarem, pacificamente, aos povos da

Guiné Portuguesa e das ilhas de Cabo Verde o respeito pelo direito à autodeterminação. Todavia,

segundo este partido, “(...) todas as tentativas para um diálogo construtivo com o Governo Português

fracassaram (...)”262, considerando-se, desta forma, a luta armada como uma imposição, não só pela

obstinação com que Portugal recusou a emancipação pacífica dos seus povos ultramarinos, mas

também pela repressão de qualquer reivindicação nacionalista - atitude contrária às suas obrigações de

Estado membro das Nações Unidas - e pela incapacidade destas obterem de Portugal o respeito das

suas obrigações internacionais.

Para cumprir os objectivos definidos pelo partido e julgando a sua luta conforme o direito

internacional, reflectido nomeadamente nas numerosas resoluções das Nações Unidas que reconheciam

o direito a todos os povos de decidirem do seu próprio destino, o recurso às armas é justificado pelo

Secretário-Geral do PAIGC, como: “(...) não há, nem pode haver, libertação nacional sem a utilização

da violência libertadora por parte das forças nacionalistas, para responder à violência criminosa dos

agentes do imperialismo (...)”. Acrescentava: “(...) a via única e eficaz para a realização definitiva das

aspirações dos povos, quer dizer, para a obtenção da liberdade nacional é a luta armada (...)”263. E

continuava: “(...) conscientes (...) de que lutando por todos os meios pela libertação do nosso país, nós

259 Amílcar Cabral; “Guiné-Bissau - Nação Africana Forjada na Luta”, pág. 29. 260 PAIGC, ob. cit. págs. 117 a 120. 261 Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, “Seminário de quadros do PAIGC, realizado em Conacry de 19

a 24 de Novembro de 1969”, Supintrep nº. 36, Secreto, Maio de 1971. 262 PAIGC, ob. cit., pág. 149.

56

lutamos pela defesa da legalidade internacional, pela paz ao serviço do progresso e da humanidade

(...)”, invocando um direito, “(...) o direito e o dever de ajudar a ONU, para que ela nos ajude a

conquistar a nossa liberdade e a nossa independência nacional (...)”264. Ainda afirmava: “(...) nós

lutamos e lutaremos até à vitória, para que as resoluções da Carta das Nações Unidas sejam respeitadas

(...)”265.

Amílcar Cabral entendia que o povo, ao pegar em armas, estava em primeiro lugar a manifestar a

sua recusa de uma cultura estrangeira266, ou seja, na Guiné, a guerra era entendida sobretudo como um

confronto de culturas.

A cultura era a base do próprio movimento de libertação e só as “(...) sociedades que conseguem

preservar a sua cultura se podem mobilizar, organizar, e lutar contra a dominação estrangeira (...)”267. A

luta de libertação era um acto de cultura e um factor de cultura268 e não devia ser encarada apenas como

uma arma ou um método de mobilização, pois, se a luta de libertação era também um acto,

essencialmente, político, só se deviam utilizar métodos políticos, ao longo do seu desenvolvimento,

mas tendo sempre, por base, um concreto conhecimento da realidade local, nomeadamente, da

realidade cultural269.

O Secretário-Geral do PAIGC entendia a cultura como factor de resistência ao etnocentrismo

cultural e à dominação estrangeira, dominação facilmente conseguida em determinadas circunstâncias,

mas que só podia ser mantida por uma organizada e permanente repressão da vida cultural de um povo,

“(...) não podendo garantir definitivamente a sua implantação a não ser pela liquidação física de parte

significativa da população dominada (...)”270. A libertação nacional seria então, necessariamente, um

acto de cultura e o movimento de libertação a “(...) expressão política organizada da cultura do povo

em luta (...)”271 e deveria basear a sua actuação no conhecimento profundo da cultura do povo.

No Seminário de quadros do PAIGC, realizado em Conacry, de 19 a 24 de Novembro de 1969272,

Amílcar Cabral, ao falar de resistência cultural, referia: “(...) devemos limpar da nossa terra toda a

influência nociva da cultura colonial, camaradas (...)”. Contudo, defendia o preservar do bem que a

cultura ocidental tinha, pois acrescentou: “(...) queiramos ou não, na cidade ou no mato, o colonialismo

meteu-nos muita coisa na cabeça. E o nosso trabalho deve ser tirar aquilo que não presta e deixar aquilo

que é bom (...)”.

A luta do povo pelo povo e para o povo era instrumento de unificação e progresso social, pois o

partido, que devia ser dirigido pelos melhores filhos do povo, ao desencadear a luta provocava uma

aproximação das camadas sociais distintas, libertando-as de complexos273, pelo que a luta armada

implicava uma verdadeira marcha no caminho do progresso cultural.

263 Amílcar Cabral, “Guiné-Bissau - Nação Africana Forjada na Luta”, pág. 52. 264 Idem, pág. 148. 265 Idem, 152. 266 Idem, pág. 115. 267 Idem, pág. 137. 268 Idem, pág. 135. 269 Idem, ibidem. 270 Amílcar Cabral, “A Cultura Nacional-Libertação Nacional e Cultura”, pág. 5, Colecção Cabral Ka Muri, Ed. do

Departamento de Informação, Propaganda e Cultura do PAIGC: 271 Idem, pág. 10. 272 Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Supintrep nº 36. 273 Amílcar Cabral, “A Cultura Nacional-Libertação Nacional e Cultura”, pág. 22.

57

Para a materialização da gestão do Poder pelas massas, era necessária a existência de duas

realidades de base que devem coexistir e interagir: o povo e o partido. O primeiro é o conjunto de todos

aqueles que não aceitam, ou querem acabar, com o domínio colonial; o segundo é a chave de toda a

actividade autolibertadora do povo. O líder guineense, afirmava que a sua maior preocupação era fazer

do partido um instrumento de progresso na mão do povo, mas a melhor coisa que o partido fez foi “(...)

estabelecer como base fundamental o princípio da «unidade e luta» (...)”274.

Para Amílcar Cabral, a expressão máxima da cultura e da africanidade devia traduzir-se, “(...) no

momento da vitória, por um salto em frente, significativo da cultura do povo que se liberta. Se tal não

se verificar, então os esforços e sacrifícios, realizados no decurso da luta, terão sido vãos; esta terá

falhado os seus objectivos e o povo terá perdido uma oportunidade geral de progresso, no âmbito geral

da história (...)”275. Contudo, Cabral não foi cumprido, foi sim ultrapassado.

Ao Governo Português, após a independência, seguiu-se um Governo de ideologia totalitária e de

partido único que, aos poucos, se instalou nas estruturas estatais, ficando a gestão do Poder, que a luta

pretendia para o povo, em suas mãos.

A este propósito, Carlos Lopes refere: “(...) é espantoso constatar até que ponto o vírus do Estado

colonial, os seus fermentos alienantes e a sua elite de quadros pequeno-burgueses conseguiram

contaminar uma experiência notável, sob todos os pontos de vista e existindo já há alguns anos (...)”276.

Amílcar Cabral considerava absurda a situação do seu povo, tal como a dos outros povos

dominados por Portugal: “(...) os direitos fundamentais do Homem, as liberdades essenciais, o respeito

em relação à dignidade Humana, tudo isto é coisa que nos nossos países é desconhecida (...)”277. O líder

não considerava absurda esta situação, face a um “Governo Fascista” contra quem travava um

“combate de vida ou de morte”, ressalvando sempre que a luta era somente contra o Governo Português

e nunca contra o povo de Portugal; a sua luta contribuía para a queda do fascismo, provando, desta

forma, ao povo português a melhor solidariedade278.

A propósito de Direitos do Homem, é importante referir que o Artº. 2º da Declaração Universal dos

Direitos do Homem, que prescreve a aplicação universal das suas disposições a todos os países, a todos

os territórios quaisquer que sejam os seus estatutos político, jurídico ou internacional, foi reclamado

pelo PAIGC, como não sendo aplicado por Portugal.

Ontem como hoje, este mesmo partido parece não cumprir, a rigor, aquilo que, no passado, acusava

os adversários de não respeitarem; a invocada situação permanece actual, independentemente da

mudança do poder administrante do território; a pena de morte foi introduzida, durante a luta pela

independência contra Portugal279. Porém, este último país, contrariamente ao PAIGC, só previa a sua

aplicação contra certos crimes militares.

274 Idem, “A Arma da Teoria-Unidade e Luta”, pág. 129, Colecção Cabral Ka Muri, Edição do Departamento de

Informação, Propaganda e Cultura do C. C. do PAIGC. 275 Idem, “A Cultura Nacional-Libertação Nacional e Cultura”, págs. 23. 276 Carlos Lopes, ob. cit. pág. 84. 277 Amílcar Cabral, “Guiné-Bissau - Nação Africana Forjada na Luta”, pág. 9. 278 Idem, págs. 10, 15, 16 e 17. 279 De acordo com a Informação nº 709 - CI (2) da DGS da Guiné, de 29 de Maio de 1970, o PAIGC teria

efectuado várias prisões, sob a orientação de Osvaldo Máximo Vieira. Estas terão sido efectuadas por os presos se terem relacionado com o chefe da delegação da DGS da Guiné, a quem davam informações. De entre os presos destaca-se Lai Sec, responsável pelo policiamento de segurança em Ziguinchor, atribuição que lhe fora incumbida por Amílcar Cabral, que neles depositava confiança. Este, ao ter conhecimento do ocorrido, determinou que o mesmo fosse fuzilado, acção que se efectivou na base de Quitafine. 58

De acordo com dados da Amnistia Internacional, de 17 de Novembro de 1993, após a

independência, entre 1974 e 1980, aquando da presidência de Luís Cabral280, 40 pessoas terão sido

sentenciadas à morte e, neste mesmo período, muitos outros terão sido mortos sem julgamento; já para

não falarmos do fuzilamento de inúmeros Comandos Africanos do Exército Português281. Outras

violações ocorreram desde os Acordos de Argel, em 24 de Agosto de 1974: numerosas prisões

arbitrárias, a negação aos prisioneiros de serem tratados de acordo com as determinações da Lei.

Contudo, parece que depois da implantação do multipartidarismo, “(...) os governantes estão mais

acessíveis em matéria de Direitos Humanos, mas, tal como quando da Administração Portuguesa, a

maioria da população desconhece os seus direitos (...)”282.

Amílcar Cabral justificava a luta como projectada no plano internacional: “(...) a nossa luta perdeu

o seu carácter estritamente nacional para se projectar no plano internacional (...)”283. Quando um

elemento do movimento independentista sucumbia em campanha, alegava-se que a sua vida era dada

pela causa da ONU; o PAIGC não deixou de uniformizar os seus guerrilheiros na luta contra a

Administração Portuguesa e de tentar que lhe fosse aplicado o conteúdo do Artº. 4º da Convenção de

Genebra relativa ao tratamento de prisioneiros de guerra, sem embargo de, por outro lado, retirar

populações civis, pela força, para áreas sob o seu controlo, indo desta forma contrariar o disposto na

alínea b) de 1) do Artº. 3º da Convenção de Genebra, da mesma data, relativa à protecção dos civis em

tempo de guerra.

O PAIGC procurava, desde o início do conflito, ser reconhecido a nível internacional,

nomeadamente pela ONU e pela OUA, na qualidade de único e legítimo representante do povo da

Guiné e de Cabo Verde, em luta pela sua libertação.

Foi na reunião da OUA, em 1965, que ficou decidido conceder apoio apenas aos movimentos

nacionalistas que se batessem, efectivamente, no interior das colónias portuguesas e, após uma

comissão do Comité de Libertação da Organização se ter deslocado à Guiné, decidiu reconhecer o

PAIGC como a organização nacionalista que conduzia, efectivamente, a luta no território.

A luta pelo reconhecimento internacional, como veremos no capítulo IV deste estudo, não parou.

Com efeito, as NU, a partir dos finais de 1965, reconheceram e legitimaram as lutas de libertação das

colónias portuguesas, através de inúmeras Resoluções da Assembleia Geral, pronunciando-se o

Conselho de Segurança só no ano de 1972284.

O Direito Internacional clássico considerava as lutas nacionalistas como conflitos internos, pelo que

o caso da guerra no antigo Ultramar Português estava submetido apenas à lei interna de Portugal.

280 O movimento pró-abolição da pena capital surgiu só em Julho de 1986, quando seis personalidades, incluindo o

vice-Presidente Paulo Correia, enfrentaram o pelotão de fuzilamento. Estes elementos foram acusados de conspiração e foi-lhes negado o direito de apelar das sentenças. A abolição da pena de morte data de 16 de Fevereiro de 1993 e pode-se considerar que, em grande parte, se deve ao esforço da Liga dos Direitos do Homem da Guiné-Bissau.

281 Sobre este assunto, podemos obter mais detalhes, no depoimento do Capitão Marcelino da Mata, em “A Guerra de África 1961-1974”, vol. I, págs. 547 a 554, da autoria de Freire Antunes, editado pelo Círculo de Leitores, Lisboa, 1995.

282 Elsa Camacho (activista e vice presidente da Liga dos Direitos do Homem da Guiné-Bissau), “Direitos do Homem na Guiné-Bissau”, Jornal “O Público”, 29 de Janeiro de 1995.

283 Amílcar Cabral, “Guiné-Bissau - Nação Africana Forjada na Luta”, pág. 150. 284 Assembleia Geral da ONU: Resoluções A/2105(XX) e A/2107(XX) de 21 de Dezembro de 1965. Conselho de Segurança da ONU: Resoluções S/312 (1972) de 4 de Fevereiro de 1972 e S/322 (1972) de 22 de

Novembro de 1972. 59

Para Paullette Mathy285, a grande vantagem do reconhecimento universal do carácter internacional dos

conflitos reside na obrigação dos antagonistas aplicarem as leis e os costumes da guerra,

particularmente as Convenções de Genebra, de 12 de Agosto de 1949286.

O reconhecimento do carácter internacional do conflito provocava, como efeito, a aplicação das

prescrições do Direito Internacional, para interdizer diversos métodos utilizados na repressão dos

movimentos independentistas em África, sobretudo no que concerne à Guiné Portuguesa: o ataque a

objectivos civis, quer no território sob administração portuguesa, quer nos países vizinhos, o emprego

nesses ataques e bombardeamentos de armas proibidas (napalm) e ainda o reagrupamento forçado da

população, entre outros287.

A Assembleia Geral das Nações Unidas, no dia 29 de Novembro de 1967, pela resolução 2395

(XXIII), parágrafo 12, fez uma petição a Portugal no sentido de que “(...) étant donné le conflit armé

qui règne dans les territoires et le traitement inhumain qui est infligé aux personnes, d´assurer

l´application à cette situation la Convention de Genève rélative au traitement des prisonniers de guerre

(...)”. Mas este acto não foi isolado, pois a Conferência Internacional dos Direitos do Homem, realizada

em Teerão no ano de 1968, reconheceu também “(...) le droit des combattants de la liberté, s´ils sont

capturés, comme des prisonniers de guerre, en vertu des conventions de Genève de 1949 (...)”288.

Podemos, em síntese, considerar, quanto aos modelos estratégicos, que Amílcar Cabral foi

influenciado, teoricamente, por Lenine, que tinha por base o partido, na prática, por Mao e Giap, cuja

base era o povo, e por «Che» Guevara, que tinha como base a luta armada. Porém, Cabral estava em

oposição à teoria foquista, aplicada por «Che» Guevara, e que consistia em desencadear a insurreição

armada, mesmo sem preparação política, esperando envolver as massas camponesas na luta pelo

exemplo da atracção289.

4. - Apoios externos à subversão

A luta pelas periferias de desempate neste Continente, situado na confluência dos interesses das

superpotências, foi descrito pela célebre frase do Dr. Salazar: A África “(...) arde porque lhe deitam o

fogo de fora (...)”290.

Após a independência, os países, cujos movimentos independentistas receberam apoio externo -

independentemente do sinal da concreta procedência ideológica -, sofreram as consequências já

285 Paullette Pierson Mathy, “La Naîssance de L´État par la Guerre de Libération Nationale: Le Cas de Guinée-

Bissau”, págs. 52 e 53, UNESCO ,1980. 286 “Conveção de Genébra para melhorar a sorte dos feridos e dos doentes das Forças Armadas em campanha de

12 Agosto de 1949”. Uma outra da mesma data, relativamente ao “tratamento dos prisioneiros de Guerra”. E outra ainda, relativa à “protecção de pessoas civis em tempo de Guerra”. Ver sobre o assunto em “Manuel de la Croix-Rouge Internationale”, Douziéme Édition - Comité International de la Croix Rouge, Ligues des Sociétés de la Croix Rouge, Genève, Juliet 1983.

287 Ver mais detalhadamente a Resolução A/2795 (XXVI), adoptada pela Assembleia Geral da ONU em 10 de Dezembro de 1971.

288 Resolução nº. 8, parágrafo 9. Em Paullette Pierson Mathy, ob. cit., pág. 53. 289 O caso cubano difere de todos os outros, pois, aqui, a “praxis” precedeu a doutrina, ou seja, nasceram primeiro

os processos revolucionários e, só mais tarde, se procura a sua sistematização e o tratamento teórico da doutrina de justificação, união e desenvolvimento. É o próprio Guevara que define a revolução cubana como havendo tido o respectivo início como um movimento de massas, sustentando uma luta insurreccional sem a formação de um partido orgânico do proletariado. O papel da guerrilha foi, assim, o de elemento catalisador, “foco indutor”. Em Ernesto «Che» Guevara, “A Dimensão Internacional da Revolução”, pág. 178.

290 Citado por Franco Nogueira, “Salazar - A Resistência (1958/1964)”, pág. 80. 60

referidas por Maquiavel291: saírem de uma dependência e caírem numa nova forma de dependência.

Neste caso, o neocolonialismo.

Em “Da Guerra”, Clausewitz considerava que os aliados, aqueles “(...) que estão, por essência,

interessados na integridade de um país (...)”292 são o último apoio de quem se defende. Para o caso

português, os aliados assumiram o desgaste internacional provocado pelo apoio prestado; mas não

esqueçamos que, dentro do contexto da época, a situação que se vivia era a do equilíbrio pelo conflito

mútuo assegurado e que os territórios ultramarinos portugueses se situavam na zona de confluência dos

poderes políticos das superpotências em competição. Aquelas vieram, assim, a apoiar os movimentos

independentistas que se mostraram dispostos, mal a vitória fosse alcançada, a incluírem-se na zona de

influência da superpotência apoiante.

Verificámos que a preocupação da URSS pela África se revelou desde muito cedo procurando

alcançar, no Continente, uma plataforma indirecta para poder atacar os povos “capitalistas ocidentais”.

Os EUA, que já desde Berlim surgiram como defensores da doutrina da autodeterminação,

apoiam os movimentos independentistas através de organizações internacionais como a ONU,

nomeadamente no período compreendido entre 1957 e 1961, e, quanto ao caso português, Kennedy

dera luz verde à moção da Libéria, colocando-se, em 15 de Março de 1961, ao lado da URSS, RAU

e do Ceilão, no Conselho de Segurança293.

As superpotências não foram as únicas apoiantes de todos os movimentos independentistas; estes

contavam, no seio da ONU, com o apoio conjunto dos povos africanos e dos países socialistas e

receberam auxílio de diversos governos ocidentais, organizações internacionais e organizações não

governamentais. O primeiro propósito dessas organizações era o de apoiar os movimentos

independentistas do Ultramar Português, na sua luta contra a soberania portuguesa, fornecendo-lhes

auxílio político e material, promovendo reuniões, conferências, encontros, patrocinando a impressão de

artigos, publicações periódicas, etc; que, considerado nos mais diferentes aspectos, lhes era

indispensável para a manutenção do seu esforço de guerra.

Esta é a questão que pretendemos explorar com algum detalhe, pois permite-nos perceber como se

internacionalizou a luta no antigo Ultramar Português, de quem dependia e a quem interessava.

Para o caso específico da Guiné Portuguesa, procurámos provar, com base em alguma

documentação classificada, quais os apoios concretos que o PAIGC tinha.

4.1. - Apoio de organizações internacionais.

Em 12 de Dezembro de 1965, pela Resolução A/2105(XX) da Assembleia Geral, no quadro de

acção que visava a aplicação da Resolução A/1514(XV), foi proclamada a legitimidade da luta dos

povos sob dominação colonial, e a Resolução 2107(XX) da mesma Assembleia foi específica para os

povos de territórios sob Administração Portuguesa; nesta Resolução, é feito ainda um apelo para que

291 Maquiavel é esclarecedor na seguinte passagem: “Júlio (...) contra Ferrara, recorreu às armas auxiliares (...): este

género de armas pode muito bem ser bom e proveitoso em si-mesmo, mas é quase sempre prejudicial àqueles que a ela recorrem; se se perde fica-se vencido, se se ganha fica-se prisioneiro delas (...)”. Em ob. cit., págs. 73 e 74.

292 Carl Von Clausewitz, ob. cit., pág. 447. 293 Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-

1974), 1º volume, Enquadramento Geral”, págs. 39, 54 a 57. 61

todos os Estados, através da OUA, prestem auxílio político, moral e material aos povos em luta nesses

territórios. A esta Resolução da Assembleia Geral várias outras com a mesma orientação, se lhe

seguiram294.

As Nações Unidas, ao reconhecerem a legitimidade da luta armada e ao legalizarem a ajuda,

contribuíram de uma forma significativa para a causa dos movimentos em questão.

Paullette Mathy, a este propósito, refere: “(...) L´importance des résolutions de l´Assemblée

Générale réside dans le fait qu´elles ont conféré à la reconnaissance de cette légitimité et au droit des

peuples en lutte à recevoir toutes formes d´aide et d´appui une porté universelle (...)”295.

Dentro deste contexto, vejamos o apoio prestado pela OUA.

A Carta da ONU escolhe os acordos regionais como forma de solução pacífica de

conflitos296 ou como forma de organização do Mundo. A Carta da OUA, assinada em 25 de

Maio de 1963, em Addis-Abeba, segue o enfiamento lógico e doutrinal da Carta da ONU;

segue, também, logicamente, o seu conceito de estratégia, hoje maximalista. Esta Carta

mostra uma especial preocupação face ao conceito de Paz, mas também perante os de

Defesa e de Segurança.

A problemática moderna alargou muito o conceito de Defesa, pois o conceito de Guerra

também foi ampliado. Podemos dizer que se inverteu a máxima clausewitziana e que a

política passou a ser a continuação da guerra por outros meios. Nesta ordem de ideias,

modificaram-se os conceitos de Defesa e Segurança. Hoje em dia, Defesa significa

Segurança alargada, e alargada a todos os domínios. Assim, a guerra trava-se na política, na

economia, na diplomacia, nos transportes e comunicações, na educação e na cultura, na

saúde, no ambiente, na ciência e na técnica. Esta preocupação sente-se na Carta da OUA,

nomeadamente desde o seu Preâmbulo ao seu Artº. 3º.

No Preâmbulo da Carta, decorrendo da noção que as potências participantes têm sobre

as vulnerabilidades nacionais, provocadas pelas suas fronteiras, traçadas a régua e

esquadro, portanto, artificiais, encontra-se expressa uma vincada preocupação: “(...) reforçar

a compreensão entre os nossos povos e a cooperação entre os nossos Estados, a fim de

corresponder às aspirações das nossas populações (...)”297. Note-se que não é, por acaso,

a distinção entre povos, Estados e populações. A este propósito questionamo-nos se com

povos, ali, se quererá dizer nações! porque nem sempre, na maioria dos casos de África, há

uma justaposição entre povo/nação, muito embora os governos e regimes saídos dos

movimentos independentistas pugnem pelas suas identidades nacionais. No Preâmbulo

avulta ainda a preocupação de unidade que transcenda “(...) divergências étnicas e nacionais

(...)”.

Pensamos ser possível chegar a uma conclusão, a propósito de divergências étnicas e nacionais: a

guerra revolucionária lançou “a posteriori” o anátema sobre aquilo que ela manipulou com perícia: os

294 Podemos consultar para mais detalhes as Resoluções da Assembleia Geral da ONU: A/2107(XX),

A/2184(XXI), A/2270(XXII), A/2395(XXIII), A/2507(XXV), A/2795(XXVI), A/2918(XXVII). 295 Paullette Pierson Mathy, ob. cit., pág. 51. 296 Artigo 52º da Carta da ONU. 297 O sublinhado é nosso.

62

mecanismos de comunicação já referidos por nós, que fogem ao controlo rigoroso do Estado, pois

anteriores à formulação das fronteiras e subsistentes posteriormente, o sócio-religioso e o étnico.

Esses mecanismos foram manipulados com toda a subtileza pela subversão em marcha e pela guerra

revolucionária. Manipulados e simultaneamente anatematizados, em relação ao futuro, dada a

preocupação preambular da Carta da OUA, em “(...) salvaguardar e consolidar a independência e a

soberania duramente conquistadas, bem como a integridade territorial (...)”. Assim, de acordo com o

Artº. 2º, “(...) os Estados Membros coordenarão e harmonizarão as suas políticas gerais (...)”, onde se

inclui a Defesa e Segurança.

O nº. 5 do Artº. 3º da Carta da OUA diz: “(...) condenação sem reserva do assassinato político,

bem como das actividades subversivas (...)” (Em nenhuma outra Carta se diz isto), “(...) exercidas

por um Estado vizinho ou quaisquer outros Estados (...)”. A Carta, datada de 1963, mostra que há

consciência da parte dos Estados Africanos e que o processo de combate, em que eles próprios são

parte interveniente, carece de “saber como” e de especificidades que podem, no amanhã, voltar-se

contra quem as acciona. Não esqueçamos que a guerra revolucionária é uma operação técnica que

envolve X componentes, Y linhas de actuação, mas que visa uma globalidade, a globalidade

revolucionária.

A Carta traduz o receio do uso de santuários e das cadeias informais de comunicação, já referidos,

uma vez que esses são vulnerabilidades a eventuais manipulações. Quando apoiam movimentos

independentistas, os Estados Membros da OUA têm consciência que accionam, directa ou

indirectamente, ingredientes melindrosos. Por isso, a preocupação de uma Defesa/Segurança tão

alargada que os conduziu a, por escrito, contemplarem o fenómeno subversivo, reconhecendo, assim,

também a especificidade e a densidade dos terrenos humanos sobre que assentam. As preocupações

espelham ainda, para os Poderes Estatais, o desiderato de um dinamismo que antecipe as situações.

Se nos reportarmos ao que foi referido no início deste capítulo, percebemos o porquê do apelo

ditatorial, numa urgência de tentar encontrar e mesmo promover as quatro acções oportunas na resposta

à guerra subversiva e, sobretudo, à guerra revolucionária, quando declarada (como veremos, no

capítulo IV, mais detalhadamente): a resposta social, poltico-administrativa, militar e a psicológica.

Estas respostas têm de ter uma coordenação muito estreita de tal forma que, como referimos

anteriormente, só o Poder totalitário pode dá-la e, mesmo assim, com dificuldade o consegue fazer. As

disposições cautelares da Carta da OUA procuram fazer a profilaxia da corrosão dos próprios poderes

formais.

O nº. 6 do Artº. 3º refere a “(...) dedicação sem reserva à causa da emancipação total dos territórios

africanos ainda não independentes (...)”, sendo, nesse espírito, que, em Rabat, no decorrer da Nona

Conferência da OUA, de 12 a 15 de Junho de 1972, foi decidido que os participantes aumentariam em

50% o fundo especial de apoio ao Comité de Libertação298. Em 19 de Maio de 1973, o Conselho de

298 Nesta reunião foram adoptadas diversas resoluções, sendo de salientar: • O pedido a todos os países africanos para cortarem relações com Portugal; • O pedido a todos os países, em especial aos da NATO, para que suspendam o fornecimento de material de

guerra ao Governo Português por o mesmo facilitar o regime colonial em África; • A rejeição da reforma constitucional, através da qual Portugal promete conceder maior autonomia aos territórios

africanos; • O pedido à CEE para que não estabeleça qualquer acordo com Portugal, enquanto este mantiver as suas

colónias; 63

Ministros da Organização aprovou a “nova estratégia para a libertação de África”, preparada em

Janeiro de 1973, em Accra, pelo Comité de Libertação.

O documento elaborado em Accra, baseado na declaração de Mogadiscio, em 1971, que referia ser

a luta armada o único meio para libertar a África Austral, acrescenta que essa mesma luta armada devia

ser considerada como um “todo indivisível” e que convinha coordenar as actividades dos diversos

“movimentos de libertação”, propondo mesmo a criação de frentes unidas e a repartição do seu auxílio

aos movimentos de libertação, sendo que ao PAIGC competiam 25% do total dos fundos

disponíveis299; mesmo depois do PAIGC ter autoproclamado a independência e a Guiné (agora Bissau)

ter sido admitida na OUA, os apoios desta organização não cessaram. Assim, na 22ª Sessão do

Conselho de Ministros, de 1 a 5 de Abril de 1974, foi adoptada uma Resolução em que foi estabelecida

a quantia de 450 mil dólares destinados ao “Fundo para a Consolidação da Independência da Guiné-

Bissau”300.

O maior auxílio que os movimentos subversivos africanos receberam não foi o da ONU nem o da

OUA; estas organizações tiveram uma inegável importância, pois concederam aos movimentos a

necessária internacionalização política, sem a qual dificilmente sobreviveriam. No entanto, no campo

prático, ou seja, no que se refere ao treino militar, fornecimento de armas, equipamentos,

medicamentos, etc., o auxílio bilateral é que permitiu a manutenção dos movimentos.

4.2. - Apoio bilateral

Na Guiné, a selecção dos quadros do partido para a frequência de cursos, no estrangeiro, foi feita

nomeadamente entre cabo verdianos e as etnias Mancanha e Papel, consideradas como as que possuíam

o maior grau de evolução. A sua formação política foi feita, normalmente, na URSS e na China

Popular. Posteriormente, quando do seu regresso, eram destinados a exercer funções de maior

• A condenação da construção da barragem de Cabora-Bassa e Cunene e o pedido a todos os países para retirarem

rapidamente a sua comparticipação na realização desses projectos. O orçamento da Comissão de Libertação passou assim de 72.500 contos para 132.000 contos. Em Comando-

Chefe das Forças Armadas de Angola, “Perintrep nº 825”, Reservado. Das intervenções realizadas destacam-se a do representante do Congo, que preconizou a criação de “Brigadas

Internacionais” para apoiar a acção dos movimentos de libertação africanos, a de Amílcar Cabral que referiu a organização de eleições nas áreas libertadas. O Rei Hassam II de Marrocos, em 16 de Junho, na qualidade de Presidente em exercício da OUA, deu uma conferência de Imprensa em que:

• Pediu aos países africanos limítrofes dos territórios a libertar que aceitassem servir de bases para as operações dos movimentos de libertação, aceitando os inconvenientes dessa situação: direito de perseguição e de represálias;

Afirmou que, se um movimento de libertação quer ser verdadeiramente formado e organizado, tem de constituir um Governo, no exílio, com os seus Ministros e Primeiro Ministros, pedindo o reconhecimento “de jure” ou “de facto”, não somente dos países africanos, mas também do´s países amigos. Em “Relatório de Situação 514”, Serviços de Coordenação e Centralização de Informações de Angola, Secreto, Julho de 1972.

299 O designado Comité dos 17 sugeria ainda que: a OUA prestasse assistência aos “movimentos de libertação”, reconhecidos por aquela organização, por um período indeterminado. A cessação de assistência quando:

• Um movimento se revelasse mais potente do que outros que actuam no mesmo território. Neste caso, apenas aquele será reconhecido pela OUA, não recebendo os outros qualquer auxílio da organização;

• Não haja sido criada qualquer “frente unida” e nenhum movimento que actue nesse território prove a sua supremacia sobre os outros.

A repartição do auxílio pelos movimentos de libertação seria: 25% FRELIMO, 30% comando unificado MPLA/FNLA, 10% SWAPO, 5% ANC e PAC, 5% outros movimentos. Em “Actividades da OUA”, Direcção Geral de Segurança-Guiné, Informação nº 568 - 2ª DI, Reservado, 26 de Maio de 1973.

300 Serviços de Coordenação e Centralização de Informações de Angola, “Relatório de Situação 625”, Secreto, Abril de 1974. 64

responsabilidade, no âmbito da organização do Partido. Contudo, a sua formação prosseguia

continuamente, pois os elementos do Partido eram submetidos a um aperfeiçoamento nos denominados

“Seminários de Quadros”.

Quanto ao ensino, no estrangeiro, foi referenciada a ida de bolseiros do PAIGC para frequentarem

cursos e especializações de carácter militar301 e civil302. A actividade de angariação e distribuição das

bolsas era feita pela Secção de Estudos no Exterior, directamente dependente da Direcção dos Serviços

de Cultura a quem competia a ligação dos estudantes ao Partido. Durante a realização do “Seminário de

Quadros”, em Novembro de 1969303, numa intervenção de Amílcar Cabral intitulada “Elevar a

Consciência Política e a Militância dos Estudantes do Partido”, o Secretário-Geral refere-se aos

estudantes, no estrangeiro, em termos de notória preocupação, relativamente a atitudes tomadas por

estes, como a fuga para países aliados de Portugal, e mesmo para este último país.

Os quadros inferiores do Partido e os combatentes eram treinados em campos de instrução dos

países limítrofes, como o de Kambera, na República da Guiné. Estes elementos recebiam formação

política304 e militar305. Algumas instruções de especialidade foram ministradas em outros países como

Argélia, Cuba, China Popular e URSS306.

301 De acordo com o Supintrep 32, “Ordem de Batalha do PAIGC - Instrução, Táctica e Logística”. Comando-

Chefe das Forças Armadas da Guiné, Secreto, Junho de 1971: Rússia - cursos e especializações de aeronáutica, marinhagem e fuzileiro, especializações políticas, bem como

a preparação militar dos futuros quadros do Exército Popular; China - especializações de política e guerra subversiva, obtidos no Instituto Popular de Política Estrangeira,

em Pequim, e na Universidade Política Militar, em Nanquim; 301 De acordo com o Supintrep 32, “Ordem de Batalha do PAIGC - Instrução, Táctica e Logística”. Comando-

Chefe das Forças Armadas da Guiné, Secreto, Junho de 1971: Rússia - cursos e especializações de aeronáutica, marinhagem e fuzileiro, especializações políticas, bem como

a preparação militar dos futuros quadros do Exército Popular; China - especializações de política e guerra subversiva, obtidos no Instituto Popular de Política Estrangeira,

em Pequim, e na Universidade Política Militar, em Nanquim; A preparação dos quadros do Exército Popular na China, Cuba, Argélia e Marrocos. 302 De acordo com o Supintrep 32: a) Rússia: são ministrados cursos de medicina e agronomia (Universidade Patrice Lumumba em Moscovo),

enfermagem, geologia, pedagogia, sindicalismo, cursos comerciais e mecânicos (Kiev); b) Checoslováquia: os alunos do PAIGC frequentaram cursos de engenharia de minas, máquinas e civil,

medicina e sindicalismo, espionagem, higiene e profilaxia social; c) Alemanha Democrática: electricidade e máquinas; d) China Popular: espionagem e sindicalismo; e) Bulgária: medicina, medicina veterinária, enfermagem, agronomia, pesca e indústria conserveira; f) Hungria: economia e engenharia de minas; g) Cuba: transmissões e enfermagem. 303 Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Supintrep nº 36. 304 Esta formação consistia em conhecimentos elementares sobre a História da Guiné, sobre os dirigentes do

Partido, o Partido e os seus Programas, a situação política e económica de Portugal e da Guiné. Era ensinada ainda a forma de desenvolver acções de propaganda da “luta de libertação nacional” entre as populações.

305 Com o avanço da luta, o PAIGC necessitou de suprir às necessidades de recompletamento e aumentos FARP. Assim, nas zonas sob seu controlo, nomeadamente as áreas de Biambe/Queré, Tiligi e Sara/Enxalé na Inter-Região Norte e nos sectores Gã Formoso, Injassane, Como, Tombali, Cubucaré, Quitafine e a Oeste da estrada Bambadinca-Xitole na Inter-Região Sul, desencadeou operações de recrutamento, extensivo às populações refugiadas na República da Guiné e Senegal. A estes elementos, com idades compreendidas entre os 18 e os 25 anos, era ministrada instrução político-militar e cultural intensiva, num total de 180 horas de preparação militar e 100 de preparação cultural. Em, Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, “Supintrep nº 32”.

306 Em conformidade com o Supintrep nº. 32,: • China Popular- campos adstritos às Academias Militares de Nanquim e Wuhaw e campo de instrução em

Pequim; • Cuba- Campo de instrução Sierra Maestra em Mina del Rio; • URSS- Centro de instrução da marinha de guerra de Hersen, e campo de instrução de Sumperopol. Segundo um documento dos Estados-Maiores Peninsulares, “Informação Sobre o Apoio de Diversos Países a

Movimentos de Libertação”, Secreto, de 20 de Março de 1973, na Argélia foram localizados campos de instrução de guerrilheiros em Ain El Turk, Ain Sefra, El Aricha, Sebou, Sidi Bel Abbes e Kenadza, sendo que os elementos do 65

Os países nórdicos sempre se distinguiram pelo seu apoio financeiro declarado aos movimentos

independentistas. A Dinamarca, país aliado de Portugal na NATO, associado na EFTA e também uma

nação pluricontinental, teve um comportamento em relação à política ultramarina portuguesa

classificado pelas autoridades de “(...) incoerente, insólito e dos mais ofensivos (...)”307.

O auxílio deste país, segundo uma conferência de imprensa, dada em 10 de Março de 1972, em

Dar-Es-Salem, por Knud Andersen, Ministro dos Negócios Estrangeiros Dinamarquês, seria prestado

pelo seu governo em material e, especificamente, destinado aos campos da saúde e educação; o

montante a conceder aos movimentos independentistas africanos seria de 6.500.000 coroas

dinamarquesas308.

A Noruega, apesar de ser parceiro de Portugal na NATO, também apoiava os movimentos

independentistas de diversas formas. Andreas Cappelen, Ministro dos Negócios Estrangeiros,

esclareceu numa comunicação ao Storting (Parlamento Norueguês) que o seu Governo tencionava dar

auxílio humanitário e assistência económica aos povos das “colónias”, ainda existentes em África, para

que estes pudessem continuar a sua luta pela libertação309. Assim, em resultado da visita de uma

delegação do PAIGC a Oslo, o Governo norueguês propôs a concessão de um milhão de coroas

norueguesas a este Partido310, mas o auxílio seria sob a forma de bens de equipamento.

Neste país, o apoio aos movimentos independentistas africanos atingiu o auge, quando da

realização, de 9 a 14 de Abril de 1973, em Oslo, da “Conferência Internacional de Peritos em Apoio às

Vítimas do Colonialismo e do Apartheid, na África Austral”. Nesta conferência, com antecedentes

remotos em Cartum e, posteriormente, em Roma311, estiveram representados 53 países dos 65

convidados e 7 movimentos independentistas, sendo a delegação do PAIGC representada por Vasco

Cabral. Este delegado anunciou que a Assembleia Nacional Popular, criada em 1972, proclamaria a

existência “de jure” da Guiné-Bissau, em 1973.

O Governo Sueco, considerado responsável pela expulsão de Portugal da UNESCO, apoiava os

movimentos independentistas através da “SIDA” (Swedish International Development Agency). Nos

anos de 1969 e de 1970, a ajuda financeira cedida pela Suécia ao PAIGC foi de 2.750.000 milhões de

coroas suecas, e de 4,5 milhões em 1971312, tendo sido elevada, posteriormente, para 10 milhões313. A

ajuda humanitária sueca tinha uma particularidade que a distinguia das outras: a possibilidade dada ao

PAIGC eram treinados em Colbert. No Supintrep nº. 32 é referido que também a população era educada politicamente pelos comissários políticos dos diferentes escalões; neste documento está bem explicita a forma como era feita a doutrinação.

307 Estado-Maior do Exército, Relatório Mensal de Notícias, Reservado, Março de 1972. 308 Idem. 309 Estado-Maior do Exército, Relatório Mensal de Notícias, Reservado, Janeiro de 1972. 310 Ministério dos Negócios Estrangeiros, Direcção Geral dos Negócios Políticos, ofício nº 152 de 8 de Junho de

1972. 311 Em 1968, realizou-se em Cartum uma conferência de solidariedade para com os movimentos político-

subversivos das antigas Províncias Ultramarinas Portuguesas e da África Austral. Nesta conferência procurou mobilizar-se a opinião pública internacional em favor dos movimentos independentistas. Na Conferência de Roma, “Conferência Internacional de Apoio aos Povos das Colónias Portuguesas”, realizada de 27 a 29 de Junho de 1970, participaram 177 organizações, representando 64 países.

312 Direcção Geral de Segurança-Angola, Informação Nº287-2ª DI, “Apoio aos Movimentos Subversivos”, 2 de Março de 1972.

313 Ministério do Ultramar, Gabinete dos Negócios Políticos, Resenha nº 51 de 1972. 66

PAIGC na escolha antecipada para o emprego do montante o que, segundo Luís Cabral, permitiu “(...)

um gigantesco passo na construção de uma vida melhor para o povo das áreas libertadas (...)”314.

Olof Palme, Primeiro Ministro sueco, dizia após o assassinato de Amílcar Cabral, a 20 de Janeiro de

1973, em carta enviada à viúva do líder africano, que as iniciativas do marido e dos seus companheiros

deviam resultar na derrota da potência colonial, na Guiné-Bissau, prometendo ainda aumentar o apoio

do seu Governo facto que se viria a concretizar com um aumento que se supõe ter sido para metade do

auxílio sueco a movimentos independentistas, orçamentado em 30 milhões de coroas315.

Amílcar Cabral considerava que “(...) a luta na nossa terra, tem que ser feita pelo nosso povo. Não

podíamos de maneira nenhuma pensar em libertar a nossa terra, chamando gente de fora (estrangeiros)

para virem lutar por nós (...)”316. O certo é que o PAIGC não só recebeu apoio externo de instrutores

militares como também de alguns mercenários317.

De todo o auxílio externo, o mais importante, no terreno, foi o prestado pelos países limítrofes, a

partir dos quais eram efectuadas operações militares318. Para Debray, “ (...) o estudo de todas as guerras

populares contemporâneas (...) põe em relevo por todo o lado, e sempre, o papel decisivo exercido pelo

«santuário» de um país amigo ou neutro, limítrofe (...) Encontrar-se-á, dificilmente, hoje, uma guerrilha

de envergadura, em qualquer parte que seja do mundo, mesmo se possui bases raciais, étnicas ou

nacionais maciças, como nos países africanos ainda submetidos à colonização portuguesa, que tenha

podido ou possa escapar ao esgotamento físico, sem poder contar com uma possibilidade de recesso em

lugar seguro (...)”319. Porém, admitimos que não existem santuários invioláveis. Na guerra da Guiné

Portuguesa, esse papel era desempenhado pelo Senegal e pela Guiné-Conacry, e as Forças Armadas

Portuguesas executaram operações diversas vezes em território senegalês e da República da Guiné, e

por isso Portugal foi condenado pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, como foi o caso da

Resolução nº 273 de 9 de Dezembro de 1969, em que se adverte Portugal por ter atingido com tiros de

314 Luís Cabral, “Crónica da Libertação”, pág. 334, O Jornal, Lisboa, 1984. 315 Secretaria Geral da Defesa Nacional, 2ª Repartição, Recortes de Notícias, Extraída de Reuter, 13 de Fevereiro

de 1973. 316 Amílcar Cabral, “Guiné-Bissau - Nação Africana Forjada na Luta”, pág. 156. 317 Na obra do General Spínola, “País sem Rumo”, págs. 43 e 44, é referida a deslocação de Amílcar Cabral à

Argélia com o fim de recrutar mercenários, Ed. SCIRE, Lisboa 1978. Em documento da Direcção Geral de Segurança-Guiné, “Actividades do PAIGC”, Informação Nº 1428-CI (2), Confidencial de 6 de Novembro de 1970, é referida a presença de estrangeiros instrutores e de comandantes de alguns grupos da guerrilha. Sabe-se também, por documento classificado de Secreto, de 23 de Setembro de 1971, que desde Maio de 1971 participaram mais de 250 Cubanos nas operações do PAIGC, na Guiné, efectuadas a partir de território senegalês e guineense. Estes elementos seriam pagos, em parte, pelo Comité de Libertação da OUA. Segundo um documento dos Estados-Maiores Peninsulares, “Informação Sobre o Apoio de Diversos Países a Movimentos de Libertação”, Secreto, de 20 de Março de 1973, Cuba apoiava o PAIGC a nível de quadros, técnicos e combatentes. Um outro documento, do Estado-Maior da Armada, II Divisão, “Influência Líbia no PAIGC”, Confidencial, 3 de Fevereiro de 1972, refere que após a Conferência da “Comissão de Coordenação para a libertação de África”, a Líbia prometeu apoio a pedido de Amílcar Cabral, no sentido de ser aumentado o auxílio material e militar ao seu partido; além do mais o Governo Líbio mostrou disponibilidade para participar em operações militares contra o inimigo português, na área.

318 Secretaria Geral da Defesa Nacional, 2ª Repartição, “Exposição Sobre a Situação de Informações na Província da Guiné”, Secreto, 31 de Julho de 1964. De acordo com este documento, a infiltração de armamento na antiga Província da Guiné era feita a partir dos dois países limítrofes. Algum armamento era proveniente da Argélia, mas também de Cuba (material pesado) e da URSS e Jugoslávia (300 toneladas de armamento não especificado). Faz referência também a material importado pela Gâmbia e o seu posterior envio para o Casamansa.

319 Régis Debray, “A Crítica das Armas”, pág. 145 e seguintes. 67

obus a aldeia senegalesa de Samine, e a Resolução nº 275 do mesmo ano que advertia, solenemente, o

Governo de Lisboa, em relação a incursões ou ataques contra o território da Guiné-Conacry.

Do Governo de Sékou Touré, o PAIGC recebia todo o auxílio possível, desde totais facilidades de

trânsito, de instrução militar das FARP, de educação dos futuros quadros, de assistência sanitária, de

propaganda, e até, inclusivamente, pelo internamento em estabelecimentos prisionais guineenses de

militares portugueses feitos prisioneiros. Podia-se mesmo considerar como um “(...) paraíso (...)”320

para o PAIGC.

Por parte do Governo Senegalês nem sempre assim foi. Senghor, que de início prestava auxílio à

FLING, talvez por receio do fomento de perturbações desenvolvidas pelo PAI (Partido Africano da

Independência), partido de oposição com forte influência no Casamansa e que mantinha com o PAIGC

estreitas relações, decidiu conceder apoio e celebrou mesmo um protocolo com o PAIGC, que

estabelecia as modalidades de cooperação entre as autoridades senegalesas e os responsáveis do

PAIGC321. O trânsito de elementos e material para apoio era controlado através de escoltas, quer da

Guarda Republicana, quer do Exército, por forma a evitar o seu desvio para as populações do

Casamansa.

4.3. - Apoio das organizações não governamentais

Foram inúmeras as ONG que apoiavam os movimentos independentistas, no antigo Ultramar

Português. Sem pretender fazer uma discriminação exaustiva dessas organizações, vamos referir apenas

algumas com mais implantação no terreno.

A subversão “larvar” era há muito auxiliada pelas missões protestantes de comandamento norte-

americano, pelas seitas cristãs nativas, pela «Ford Foundation», pela AFL-CIO (American Federation

of Labor - Congress of Industrial Organizations) e outras instituições de tutela norte-americana.

Na sequência do Concílio Vaticano II, parte do clero católico (em que, anteriormente, se notava a

preocupação de desvanecer a associação Igreja/Administração) enveredou, na linha do aggiornamento,

pela contestação da posição portuguesa em África. No caso de Moçambique, essa posição assumiu

mesmo um carácter de apoio logístico e em informações à acção armada da FRELIMO (Frente de

Libertação de Moçambique), nomeadamente por parte de sacerdotes isolados e congregações

religiosas, estrangeiras.

O Conselho Mundial das Igrejas, que teve a sua origem em Agosto de 1948, no “National Council

of Churches of Christ” dos EUA, possuía uma forte influência comunista322. Desde Setembro de 1970

que anunciou, publicamente, a sua intenção de auxiliar financeiramente, mas com fins humanitários, os

movimentos independentistas de África; entre 1970-71 financiou o PAIGC em 45.000 dólares323. Em

Novembro de 1971, dirigiu um apelo aos seus membros, no sentido de angariar 340 mil dólares,

320 Nuno dos Santos, “O Problema da África Actual”, pág. 17, Estado-Maior do Exército, Cadernos Militares - 4,

Lisboa, 1969. 321 Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Supintrep nº. 32, “Ordem de Batalha do PAIGC - Instrução,

Táctica e Logística”, Secreto, Junho de 1971. 322 “A Brief Review of Comunist Manipulation of the World Council of Churches”, Background Brief, 29 de

Setembro de 1972, Secret. O documento esclarece com precisão como elementos da “Communist Youth League” eram treinados e, posteriormente, infiltrados em organizações como o Conselho Mundial das Igrejas.

68

destinados ao MPLA, FRELIMO e PAIGC324 e, em carta datada de 3 de Janeiro de 1973, dirigida ao

Presidente da Comissão Especial da ONU para o “Apartheid”, informou que pela terceira vez

concedera donativos a movimentos representativos dos povos oprimidos das diferentes partes do

Mundo, dos quais 25.000 dólares para o PAIGC325.

Em Inglaterra, o Partido Trabalhista enviou, em Dezembro de 1971, cerca de 1300 libras aos

movimentos independentistas que actuavam no antigo Ultramar Português326, sendo esta actuação

criticada pelos conservadores e comparada a um hipotético apoio ao IRA. Neste país, actuavam várias

organizações anti-portuguesas que, directa ou interpostamente, apoiavam os movimentos

independentistas, como a “Movement For Colonial Freedom”, a “International Defense and Air Fund”

e o “Comité de Moçambique, Angola e Guiné-Bissau”.

No dia 1 de Maio de 1972 foi realizada, na Holanda, pela “Fundação Evert Vemer”327, uma

campanha para a recolha de fundos destinados aos movimentos independentistas africanos. Mas, neste

país, aliado de Portugal na NATO, existiam também outras organizações apoiantes dos referidos

movimentos, como: Fundação Eduardo Mondlane, Grupo de Acção para a África Austral e o Comité

de Angola. Este último desenvolveu acções para boicotar a importação de café proveniente de Angola.

Vimos já que se realizou em Roma, no ano de 1970, a Conferência Internacional de Apoio aos

Povos das Colónias Portuguesas, mas o “Movimento Liberazione e Sviluppo” organizou também um

convénio em Milão, de 8 a 9 de Abril de 1972. Nele participaram representantes dos diversos

movimentos independentistas, tendo sido decidido coordenar os movimentos de guerrilha, a nível

internacional, e também o reconhecimento oficial dos representantes daqueles movimentos. Mas ainda

outras ONG, como o “Movimento per il Terzo Mondo”, apoiavam os movimentos independentistas das

antigas Províncias Ultramarinas Portuguesas328.

Em síntese: as guerrilhas, invocando os nacionalismos, são, na grande maioria dos casos, um

fenómeno internacionalista. Assim, “A crítica das Armas” considera a guerrilha como sendo: “(...)

importada de fora para as massas (da cidade, na região montanhosa escolhida), como a consciência de

classe é importada de fora pelos intelectuais burgueses, portadores da doutrina científica do socialismo,

no seio do movimento operário (...)”329.

323 Ministério dos Negócios Estrangeiros, Direcção Geral dos Negócios Políticos, Proc. 905, 22 de Novembro de

1972. 324 Serviços de Coordenação e Centralização de Informações de Angola, Relatório de Situação 541, Secreto, Agosto

de 1972. 325 Ministério do Ultramar, Gabinete dos Negócios Políticos, Resenha nº. 30 de 1973. 326 Secretaria Geral da Defesa Nacional, 2ª Repartição, Recortes de Notícias, Extraída de Reuter, 21 de Dezembro

de 1971. Sobre este acontecimento, Judith Hart, presidente do Fundo de Solidariedade com o Sul da África do Partido Trabalhista, afirmou que o dinheiro se destinava a medicamentos, educação e cultura, mas que os beneficiários teriam toda a liberdade de o utilizarem para comprar armas, se assim o desejassem.

327 Secretaria Geral da Defesa Nacional, 2ª Repartição, Recortes de Notícias, Extraída de Reuter, 24 de Março de 1972. O presidente da Fundação, o Deputado Trabalhista Holandês K. Wierenga, afirmou em conferência de imprensa que em certos casos o dinheiro poderá ser utilizado para comprar armas, embora isso não fosse do agrado da Fundação.

328 Ministério dos Negócios Estrangeiros, Direcção Geral dos Negócios Políticos, Proc. 908, 11 de Maio de 1972. 329 Régis Debray, “A Crítica das Armas”, pág. 211. De igual forma, no antigo Ultramar Português, a doutrina foi

importada por alguns líderes, que fomentaram nos territórios a guerra revolucionária, pois, também aqui, os camponeses eram incapazes, sozinhos, sem orientação, de “passar da rebelião larvar ou do descontentamento latente à utilização consciente e dirigida da violência revolucionária”. 69

Capítulo III

O ARTIFICIALISMO DAS FRONTEIRAS DA GUINÉ PORTUGUESA E OS ESPAÇOS

SÓCIO-RELIGIOSOS SOBREPONÍVEIS: SOCIEDADES DE RELIGIÃO TRADICIONAL E

COMUNIDADES MUÇULMANAS; A SUA ATITUDE PERANTE A SUBVERSÃO

1. - Sociedades onde preponderava a religião tradicional

Gomes Eanes de Zurara relata, na sua Crónica dos Feitos da Guiné, os cinco motivos que

impulsionaram o Infante D. Henrique à expansão. O mais importante, segundo ele, era a

missionação330.

Nos séculos XV e XVI, os portugueses consideravam-se “(...) mandatários da cristandade para levar

o Evangelho aos povos mergulhados nas trevas do paganismo (...)”331. Assim, podemos considerar que

a missão de colonização foi a de “(...) evangelizar, cristianizar, ou seja, civilizar, dado que, na época,

não se concebia civilização fora do Cristianismo (...)”332.

No empreendimento da colonização portuguesa, face à resistência de alguns povos nativos, os

portugueses tiveram de desenvolver acções de submissão e pacificação, procedimento também aplicado

em relação aos povos nativos da Guiné-Bissau. Esta, apesar do seu exíguo território, possui uma

estrutura étnica extremamente variada. Segundo dados reportados ao censo geral da população de 1950,

a mesma cifrava-se em 507152 habitantes, distribuídos por 18 grupos étnicos, sendo cinco as etnias

dominantes: 30,4% Balantas, 21,46% Fulas, 14,69% Manjacos, 12,59% Mandingas e 7,7% de

Papéis333.

Os povos da Guiné-Bissau, segundo a tradição, podem dividir-se em povos do interior e povos do

litoral. Estes últimos, antes do século XV, teriam ocupado regiões situadas mais no interior.

Posteriormente, em consequência de “(...) guerras internas para a conquista de terras, capturas de

escravos, imposição de credos religiosos, ou até, para o predomínio de famílias ou castas (...)”334,

teriam sido «empurrados» para o litoral.

330 Gomes Eanes de Zurara, “Crónica dos Feitos da Guiné”, cap. VII, págs. 42 a 46, Agência Geral do Ultramar,

Lisboa, 1949. vol. 2. 331 Marcello Caetano, “Tradições, Princípios e Métodos da Colonização Portuguesa”, pág. 32, Agência Geral do

Ultramar, Lisboa, 1951 332 Silva Cunha, “ O Sistema Português de Política Indígena. Princípios Gerais”, pág. 12, Agência Geral do

Ultramar, Lisboa, 1951. 333 Rogado Quintino, “Os Povos da Guiné”, pág. 33, em BCGP, nº 96, 1969. Segundo dados reportados ao

recenseamento geral da população, de Abril de 1979, num total de 780985 habitantes, distribuídos por 36 grupos étnicos, são cinco as etnias dominantes: 24,81% Balantas, 22,91% Fulas, 12,21% Mandingas e, aproximadamente, 10% de Manjacos e Papéis. Recenseamento realizado pelo departamento central de Recenseamento do Ministério da Coordenação Economia e Plano, 16 de Abril de 1979. Dados reportados a Maio de 1988, do Fundo das NU para a população, consideram que os grupos étnicos são mais de 28, sendo 27,1% Balantas, 23,1% Fulas, 13,3% Mandingas e, aproximadamente, 7% de Manjacos e Papéis, num total de 767739 habitantes. Em Fonds des Nations Unies pour la population, Republique de Guinée-Bissau, “Rapport de mission sur l´évolution des besoins d´aide en matière de population”, Maio de 1988. Em Novembro de 1995, a população da Guiné-Bissau rondava 1 milhão de habitantes.

334 António Carreira e Martins Meireles, “Movimentos Migratórios da População da Guiné”, pág. 8, em BCGP, nº 53, Bissau, 1958. Opinião idêntica têm: Teixeira da Mota em “Guiné Portuguesa”, págs. 141 e 142, Agência Geral do Ultramar, Lisboa, 1954; o PAIGC na sua “História da Guiné e das Ilhas de Cabo Verde”, pág. 58, e Carlos Lopes, “Etnia, Estado e Relações de Poder na Guiné-Bissau”, pág. 19. 70

Segundo Teixeira da Mota335, os territórios que os povos da Guiné Portuguesa habitavam em 1954,

exceptuando os Fulas e os Beafadas, são os mesmos desde o século XV. Ao analisarmos o mapa anexo

IV, verificamos que as comunidades muçulmanas predominam no interior (para além da influência das

marés) e as sociedades de religião tradicional predominam no litoral.

Unidade fundamental das sociedades da Guiné-Bissau e da África, em geral, a família extensa

funciona como elemento mítico-espiritual, social e até juridicamente solidário. No caso da Guiné-

Bissau, em todas as etnias de religião tradicional africana, as linhagens matrilineares congregam todos

quantos identifiquem e integrem a cadeia unilinear de parentesco.

As estruturas políticas e sociais das sociedades africanas típicas possuem um carácter intensamente

comunitário, desempenhando o indivíduo funções com importância colectiva, sendo o seu interesse

subordinado ao geral. O comunitarismo faz ainda parte da religião, das formas de vida económica e da

existência de inúmeras sociedades especiais, no espaço entre família e tribo336.

Silva Cunha considera que “(...) nenhum aspecto da vida do africano é estranho à religião, esta

impregna todas as suas actividades, qualquer alteração nos sistemas tradicionais da vida repercute-se

nas crenças, assim como o enfraquecimento destas se reflecte imediatamente na disciplina social

(...)”337.

As religiões tradicionais na Guiné-Bissau, embora com diferenças consoante os grupos étnicos e

lugares, apresentam um certo número de características comuns.

A noção de um Deus único, supremo e criador, quase generalizada, entre os Balantas, Manjacos e

Papéis; geralmente, consideram-no demasiado distante dos homens, quase inacessível e, por isso, o

culto é orientado para divindades secundárias: na Guiné-Bissau, o “Irã”, “espírito dinâmico”338,

intermediário entre os homens e Deus. Este “espírito dinâmico” liberta-se do indivíduo através da

morte, mantendo a sua personalidade, as suas paixões e os seus gostos, continuando, no entanto, a fazer

parte da família e sendo “(...) necessário prestar-lhe um culto, se não se quer que ele se vingue

cruelmente (...)”339. Varia de tribo para tribo: “(...) orienta, dirige, regula e pune os actos de cada um

dos seus descendentes (...)”340, intervém no nascimento, no fanado, na justiça, no casamento, na

sementeira, etc.

A força vital é o valor supremo da vida, e os espíritos dos mortos ocupam lugar de relevo nas

divindades secundárias341. Os antepassados são hierarquicamente concebidos, tendo por centro a

linhagem unilinear que regula as relações entre os membros do grupo, também escalonados.

O nativo guineense, para se proteger da perda ou diminuição da força vital, recorre ao culto do “Irã”

dos antepassados, culto que “(...) faz da sociedade indígena uma comunidade de vivos e de mortos

(...)”342.

335 Teixeira da Mota, ob. cit., pág. 142. 336 Silva Cunha, “Questões Ultramarinas e Internacionais (Sociologia e Política: Ensaio de Análise das Situações

Coloniais Africanas) - II”, pág. 67, Col. Jurídica Portuguesa - Ed. Ática, 1961. 337 Idem, pág. 156. 338 Teixeira da Mota, ob. cit., págs. 244 e 245. 339 Idem, pág. 245. 340 Fernando Rogado Quintino, “Entre Gente Temente ao Deus-Irã”, pág. 105, em “Revista Ultramar” nº 32, 2º

Trimestre, ano VIII, vol. III nº 4, Lisboa, 1968. 341 Silva Cunha, “Questões Ultramarinas e Internacionais (Sociologia e Política: Ensaio de Análise das Situações

Coloniais Africanas) - II”, pág. 71. 71

Era neste mesmo terreno de religião tradicional que a missionação cristã, se realizada de forma

superficial e apenas em extensão, não conseguia conduzir à conversão real dos nativos; fazia-os, sim,

perder ou enfraquecer as crenças tradicionais, apressando a desagregação da tribo343.

Perante este substracto religioso e os concursos do Islão, competia ao missionário, por exemplo,

“(...) erradicar a poligamia, expurgar do direito gentílico quanto se pudesse opor à “Regra Evangélica”;

ampliar até aos ditames daquela Regra os conceitos de fraternidade restritos; bater a magia; anular os

poderes secundários e colocar em evidência Deus Uno e Único (e simultaneamente Trino) (...)”344.

Durante a organização e administração do território, procurou integrar-se as autoridades nativas

tradicionais na organização política e administrativa geral345. De início, a instituição dos regulados

(anterior à chegada dos portugueses) era reconhecida pela Administração Portuguesa como uma

organização tradicional africana, mas cedo passou a ser um meio de que esta Administração dispunha

para orientar todas as relações com as populações autóctones, processadas através dos respectivos

chefes. Nem sempre este sistema se revelou eficaz, pois eram postos em confronto dois poderes

políticos, com interesses divergentes, radicados na diferenciação cultural das suas sociedades.

A Administração Portuguesa, sempre que pretendia um equilíbrio das forças em presença, seguindo

a doutrina “dividir para reinar”, mostrava-se impassível nas lutas entre os régulos, ou apoiava um em

desfavor de outros346.

A soberania portuguesa só se radicou incontestavelmente no século XX com as campanhas de

pacificação de Teixeira Pinto, com isso a consequente perda de prestígio e mesmo o desmembrar e/ou a

extinção de alguns regulados. Todavia, Portugal pretendia a influência dos régulos como autoridades

tradicionais. Assim, criou novos régulos, mas por vezes sem prestígio entre as populações, dado que

aqueles deixaram de exercer o poder de acordo com os costumes tribais, fazendo-o, sim, como poder,

“(...) conferido pelos colonizadores e que se mantém apenas enquanto os chefes nativos merecem a sua

confiança (...)”347, pelo que o facto de determinado régulo mostrar uma atitude favorável à

Administração não significava que a população dele dependente o fizesse. Ao colocar elementos Fulas

em regulados Mandingas ou em regiões habitadas por sociedades de estrutura horizontal, como a

Balanta, sem de tal se aperceber, o Poder Português actuava em favor da subversão, pois as rivalidades

étnicas e históricas eram, logicamente, aproveitadas pelo PAIGC que lançava ataques sobre as

povoações que apoiavam a situação, integrando nas suas fileiras os descontentes e os vencidos348.

Com a colonização e respectiva missionação, as sociedades nativas primitivas, que se encontravam

em regime tribal, sofreram uma influência cultural intensa, que determinou, em parte, a sua

desagregação sem, contudo, se assistir a uma correlativa assimilação da cultura do colonizador. Estes

342 De acordo com Teixeira da Mota, na Guiné Portuguesa, além do culto ao “Irã” dos antepassados, professa-se o

culto ao “Irã” das “(...) «forças físicas e génios», pois todos os fenómenos da natureza contêm em si «o espírito dinâmico» (...)”. Em ob. cit., pág. 247.

343 Silva Cunha, “Questões Ultramarinas e Internacionais (Sociologia e Política: Ensaio de Análise das Situações Coloniais Africanas) - II”, pág. 156.

344 Fernando Amaro Monteiro, “A Guerra em Moçambique e na Guiné - Técnicas de Accionamento de Massas”, pág. 18.

345 Silva Cunha, “Aspectos dos Movimentos Associativos na África Negra”, pág. 47, Estudos de Ciências Políticas e Sociais, 8, 1º vol., Centro de Estudos Políticos e Sociais da Junta de Investigação do Ultramar, Ministério do Ultramar, Lisboa, 1958.

346 Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Supintrep nº. 10, “Populações da Guiné”, Reservado, Junho de 1971.

347 Silva Cunha, “Aspectos dos Movimentos Associativos na África Negra”, pág. 47. 348 Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Supintrep nº. 10.

72

fluxos e refluxos culturais provocam, dependendo das circunstâncias, a destribalização ou então a

coexistência forçosa do destribalizado com a sociedade tradicional. A posição do destribalizado origina

um sentimento de vácuo pela falta das estruturas tradicionais, que o explicam perante si mesmo.

Nascem, então, as “(...) hierarquias de compensação (...)”349, por forma a preencher o vazio e

insegurança resultantes da desagregação das instituições tribais. A insegurança resultante da

destribalização, acrescida de um sentimento de frustração face a uma cultura manifestamente diferente,

que dificulta “(...) a sua integração e, consequentemente, o seu progresso social (...)”350 conduz ao

reagrupamento feito sob novas formas, para readquirir a segurança perdida. Acrescido a este fenómeno,

emerge uma outra tendência, a de lutar contra a situação de inferioridade social, então surgindo “(...) as

mais diversas formas associativas, religiosas ou não, sempre de cariz reivindicativo (...)”351. Tais

associações, que tendem a organizar-se com base étnica, comportam nomeadamente jovens e “(...)

representam assim um esforço dos marginais, ou dos que estão prestes a ingressar nessa categoria para

se adaptarem aos novos tipos de condicionalismos sociais em que têm de viver (...)”352. Estas massas de

nativos, tal como hoje os proletariados suburbanos, viviam à margem da disciplina dos respectivos

grupos étnicos e das sociedades dos colonos/assimilados, transformando-se num perigo para a paz

social353. Nos indivíduos destribalizados encontra a subversão campo fértil para proliferar, aliciando-os

e recrutando-os para a sua causa.

A subversão técnica aproveitaria a geografia política guineense, recortada pelo artificialismo das

respectivas fronteiras, como aliás sucedia em quase todo o Continente.

As deslocações maciças de populações foram frequentes na África Negra, quer os movimentos

migratórios estivessem ligados a actividades de subsistência, quer a afinidades étnicas ou religiosas,

quer durante as guerras tribais ou no seu rescaldo. Porém, este fenómeno, na Guiné, apesar de

restringido pela Administração Portuguesa, após a pacificação, não cessou por completo. As

populações não absorveram (salvo raras excepções) a noção de espaço definida pelas fronteiras

traçadas pelos portugueses. Estas separariam, no futuro, nomeadamente entre 1963-74:

- A Norte - Felupes, Balantas-Mané, Fulas e Mandingas, se exceptuarmos alguns núcleos de

outras etnias como Manjacos, Brames e Banhus;

- A Leste - Fulas e Pajadincas;

- A Sul - Fulas e Nalús, exceptuando alguns núcleos de outras etnias como os Sossos, Tandas e

Beafadas.

Mais de meio século passado sobre a delimitação das fronteiras, a emigração clandestina, nos

grupos atrás apontados, era assegurada pelas ligações étnicas, aquém e além-fronteiras, que garantiam,

no período de 1963-74, o escoamento de centenas de indivíduos ou para o Senegal, por razões

349 Fernando Amaro Monteiro, “O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964 - 1974)”, pág. 104. 350 Silva Cunha, “Aspectos dos Movimentos Associativos na África Negra”, pág. 48. 351 Fernando Amaro Monteiro, “A Guerra em Moçambique e na Guiné - Técnicas de Accionamento de Massas”,

pág. 21. 352 Silva Cunha, “Missão de Estudo dos Movimentos Associativos em África - Relatório da Campanha de 1958

(Guiné)”, pág. 42, Centro de Estudos Políticos e Sociais da Junta de Investigação do Ultramar, Confidencial, Lisboa 1959. Prospecção realizada às povoações de Bissau, Bafatá, Farim, S. Domingos, Teixeira Pinto, Fulacunda, Bolama, Nova Lamego.

353 Silva Cunha, “Questões Ultramarinas e Internacionais (Direito e Política)”, pág. 125, vol. I, Col. Jurídica Portuguesa - Ed. Ática, 1961. 73

económicas ou religiosas, ou para os centros de recrutamento e preparação subversiva, na República da

Guiné.

Os povos de religião tradicional migram, quase sempre, em grande número. Os Balantas, que

constituem o grupo étnico mais numeroso, possuem uma estrutura social horizontal, “(...) basicamente

igualitária, visto que as distinções sócio-políticas não eram hereditárias, mas conferidas em virtude da

idade (...)”354. Esta etnia migra, maioritariamente, a nível interno355. Como agricultores e grandes

produtores de arroz que são procuram zonas desocupadas e alagadas, para aí organizarem as suas

bolanhas. Este grupo possui ainda afinidades étnicas na região de Sédhiou, no Casamansa, onde em

1972 foram referenciados 20 mil indivíduos356.

A sociedade Manjaca, estratificada em quatro classes sociais (nobres, guerreiros,

agricultores/mestres e funcionários), possui um sistema de governo baseado na autoridade do régulo,

eleito pelos sacerdotes ou pelos nobres. São um povo que, por tradição, emigra periodicamente para o

Senegal, de onde importaram ideias emancipalistas, vindo a fundar o MLG. Quando da sua extinção,

isso perturbou toda a massa Manjaca, a qual se subdividiu em quatro grupos, repartidos pelo PAIGC;

pela FLING; os fiéis às autoridades portuguesas e os elementos não activos, mas fortemente

influenciados pela subversão que esperava o “renascer” eventual do MLG. Por estas razões a

Administração Portuguesa considerava o seu comportamento, face à subversão, como perigosamente

instável, sendo no respectivo “chão” difícil manter a ordem357.

Os Papéis, cujo “chão” tradicional é o da ilha de Bissau, encontravam-se divididos em 7 clãs

distintos. Constituíram sempre uma sociedade altamente hierarquizada (estando no vértice da pirâmide

os régulos, os nobres e os “jambacosses”358), com uma organização política devidamente estruturada,

tendo por base uma divisão territorial em regulados, com o poder do régulo, apenas executivo, limitado

pelo conselho de anciãos e pelos “jambacosses”, que exerciam poder consultivo, legislativo e judicial.

Os Papéis limitavam as suas migrações ao interior do território.

Era mister, tanto para a Administração Portuguesa como para a subversão, o conhecimento das

estruturas clânicas, tribais e sócio-religiosas das sociedades negras, be<m como da sede do seu

comandamento. Sem isto, não seria possível controlar outros mecanismos de comunicação,

transnacionais, paralelos ou convergentes com os formais, que podiam ajudar a difundir ou a travar

(como se queira ver) a expansão da acção subversiva, nos grupos étnicos com prolongamento para os

territórios vizinhos.

As etnias de religião tradicional com maior expressão no território - Balantas, Manjacos e Papéis -

desempenharam um papel de relevo na condução de toda a guerra.

354 Peter Karibe Mendy, “Colonialismo Português em África: A Tradição de Resistência na Guiné-Bissau (1879-

1959)”, pág. 80, INEP, Bissau, 1994. 355 Rogado Quintino, “Os Povos da Guiné”, pág. 880. Encontram-se nos regulados de Ingoré, Bigene, Cauja Binar,

Mansoa, Enxuxolé, Nhacra, Bambadinca, Ilha de Bissau; Guinara, Tomboli, Fulacunda, Catió, e no restante território, dispersos irregularmente.

356 Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Supintrep nº. 21, “República do Senegal (Meios Humanos e Estruturas)”, Confidencial, Julho de 1971.

357 Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Supintrep nº. 12 , “Panorama Social da Guiné”, Reservado, Julho de 1971.

358 Jambacosses ou Baloubeiros, são as personalidades encarregues da “Balouba” - casa no mato, lugar sagrado e templo Papel. 74

Os Balantas, antes da chegada dos portugueses, viviam “(...) numa sociedade com uma coesão

social mínima, garantida por cerimónias, rituais e prática de obrigações sociais (...)”359. O

enquadramento em sistemas políticos mais evoluídos contribuiu para a sua organização social. Todavia,

os régulos que os enquadravam eram de etnia Fula ou Mandinga (inimigos dos Balantas por razões

históricas), que se encontravam, predominantemente, ao lado da Administração Portuguesa. Desta

situação tirou, inteligentemente, partido a subversão que, com promessas de libertação, os induziu a

verem no PAIGC um meio de concretizarem as suas aspirações, assim “(...) conseguindo a rápida e

maciça adesão dos Balantas (...)”360. Contudo, a inclusão sistemática de elementos desta etnia em

grupos de guerrilheiros (os Balantas constituíam a grande massa combatente do PAIGC), bem como a

obrigação de cederem parte da sua produção agrícola, terão levado os Balantas a pensar que se tinham

libertado de uma dependência e caído noutra361.

A sociedade Manjaca sofreu alguma influência sócio-religiosa, quer por parte da missionação cristã,

quer por parte das etnias islamizadas (regulado de Pelundo). Esta situação veio perturbar a velha

sociedade, preparando também o campo para a penetração subversiva. Considera-se que, a Norte dos

regulados de Pelundo, Bassarel e Costa de Baixo, a subversão teve uma penetração fácil, visto ter

encontrado uma sociedade em desequilíbrio; a Sul, a acção de aliciamento foi mais morosa, porque foi

necessário “catequizar” os chefes legítimos que, em princípio, se opunham à subversão362. Muitos

Manjacos ocupavam lugares de liderança no PAIGC, apesar de, na maioria, serem combatentes.

O comandamento dos Manjacos levanta algumas dúvidas: tradicionalmente deveria pertencer ao

régulo de Bassarel, Vicente Mendes, mas, Joaquim Baticã Ferreira (régulo de Costa de Baixo), cujo

avô fora régulo de Bassarel, era apontado como sendo o chefe Manjaco tradicional de maior prestígio.

Este também era membro do conselho legislativo da antiga Província Portuguesa. Todavia António

Baticã Ferreira, seu irmão, foi um importante dirigente da FLING363. Note-se que os Manjacos

islamizados obedeciam ao régulo de Pelundo, Vicente Cacante (em Novembro de 1995 a Vicente

Injai). Actualmente, o comandamento dos Manjacos pertence ao régulo de Bassarel, Vicente Nai

Mendes, sendo o régulo de Canchungo, Fernando Baticã Ferreira364 (irmão de Joaquim) uma

personalidade com grande prestígio. Este régulo é, em simultâneo, o administrador do sector do mesmo

nome. A influência destes dois régulos é extensível a toda a diáspora Manjaca.

A subversão veio ao encontro das ambições da camada jovem aculturada da etnia Papel que viu

nela possibilidades de triunfar, uma vez que a situação económica do território pouco tinha para lhes

oferecer. No PAIGC, ocupavam, e ocupam, lugares de chefia, como é o caso do actual Presidente da

República, João Bernardo Vieira (“Nino”). Os Papéis de Bissau, em contacto estreito com a cultura

europeia, não foram directamente atingidos pela subversão armada. Contudo, é admissível que esta

tenha penetrado nas suas estruturas365. O seu comandamento encontrava-se no Régulo de Biombo,

Bolama Boticai Dju, que, porém, a “repudiava”366.

359 Peter Karibe Mendy, ob. cit., pág. 80. 360 Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Supintrep nº. 10. 361 Idem. 362 Idem. 363 Idem. 364 Este régulo foi entrevistado pelo autor em Canchungo a 3 de Novembro de 1995. 365 Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Supintrep nº. 10.

75

2. - Geopolítica do Islão. A escola dominante na África do N e NW.

O espaço definido pela Comunidade que a Revelação designou para promover o “Bem” e combater

o “Mal”367, coranicamente entendidos, em termos de fronteira não logra ser por ora “(...) mais do que

uma forma mitigada de nacionalidade (...)”368. A “Ummat al-Nabi” (Comunidade do Profeta)

desenvolve-se em consonância com uma civilização, também ela de dimensões mundiais. A sua

progressão político-militar nos primórdios, ressalvando as circunstâncias, assemelha-se à progressão

das divisões Panzer, na II Guerra mundial, a Blitzkrieg. À morte de Maomé, em 632, o mundo islâmico

reduzia-se a uma parte da Península Arábica. Apenas um século depois da morte do Profeta faz uma

espantosa expansão, que se estendia desde a Espanha até à Índia, desde a Ásia Central até ao deserto do

Saara.

O Islão, em África, é predominante a Norte; na orla ocidental chega aos Camarões e na oriental

chega a Moçambique. Na Ásia, progride de Sul para Norte, existindo importantes massas na antiga

URSS e no Sin Kiang. Na Europa Ocidental, como é o caso da França, Inglaterra e Alemanha, progride

sobretudo nos meios urbanos, onde se verificou densa migração proveniente de países islâmicos. Um

estudo da Conferência Episcopal Brasileira de 1989 mostra que a taxa mundial de crescimento do

Islamismo é de 16% (a do Cristianismo é de 1,5%)369.

As áreas abrangidas pelos países islâmicos, ou impressivamente islamizados, são detentoras de

considerável potencial, no plano económico: importantes reservas de petróleo e gás natural, minérios

estratégicos, especiarias, pedras preciosas, etc. Do ponto de vista geopolítico, o Islão detém posições de

relevo no controlo das zonas de passagem: Gibraltar, Bósforo, Suez, o canal de Moçambique, os

estreitos de Bab-el-Mandeb, Ormuz e Malaca; controla, “(...) em sentido lato, o próprio espaço do

Oceano Índico (...)370, o que vem a reflectir-se na Rota do Cabo, de importância evidente para todo o

Atlântico, não só o inserido no espaço formal dos quadros de Segurança da NATO, mas, para além

destes, em todos os que não deixaram nunca de preocupar a Organização.

O Islão representa hoje uma das principais peças do tabuleiro geopolítico regional e internacional.

No presente, o total da população muçulmana, não obstante as margens de erro próprias, está estimado

entre 800 milhões a mil milhões de crentes, representando cerca de 1/6 da população mundial. O seu

número terá duplicado entre 1966 e 1986, prevendo-se que duplique, novamente, até ao final do

século371. Em África, há cerca de 250 milhões, repartidos entre a África do Norte e a África Negra em

duas partes iguais372.

O Islão, que é religião, moral, um sistema social, economia e política, é uma realidade que encontra

a sua expressão no conceito de “Umma” (comunidade integradora e integrada, sobreposta às idéias de

Nação, Estado e Pátria). Todavia, não consideramos que haja um mundo muçulmano (Dar al-Islam)

homogéneo; as formas culturais muçulmanas diferem, como os regimes políticos e os contextos sociais

366 Idem. 367 Alcorão, s. 3, v. 110, s. 49, v. 10. 368 Fernando Amaro Monteiro, “O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964 - 1974)”, pág. 238. 369 Idem, “O Ocidente Africano no Contexto Islâmico Internacional”, pág. 16, em “Africana”, nº. Especial 2,

Centro de Estudos Africanos da Universidade Portucalense, Porto, 1994. 370 Idem, pág. 17. 371 Paul Balta, “L´Islam dans le Monde”, pág. 7, Ed. La Découverte et Journal le Monde, Paris, 1986. 372 Idem, pág. 229.

76

em que vivem populações do Volga ao além-Zambeze e de Marrocos à Indonésia ou ao Sul das

Filipinas.

Desde o início do século XX que a expansão crescente do Islamismo reveste, cada vez mais, a

forma de um nacionalismo reivindicativo/militante, nomeadamente nos países árabes. Os crentes lutam

pela reunificação da “Umma”, a comunidade muçulmana, que é “(...) internationale, vivante et

populaire des Croyants avant d´être celle des structures politiques et des organizations internationales

qui s´efforcent de lui donner une expression officielle (...)”373; “Umma” que, na perspectiva dos

crentes, abarca todo o Planeta, tendo sido fraccionada pelas potências ocidentais.

A explosão islâmica foi provocada por inúmeros factores, como: “(...) o artificialismo de fronteiras

subsequente à I Guerra Mundial e as situações neocoloniais, a criação do estado de Israel e o problema

palestiniano; a política ecuménica pós-Concílio Vaticano II; as pressões geoestratégicas exercidas tanto

pelo Ocidente como pelo Leste ex-soviético sobre espaços muçulmanos de maior importância; o

descrédito das ideologias e da “cultura ocidental”; as crises económicas e o desemprego crescente;

enfim, o desejo de materialização da “Umma” (...)”374, encontra-se intimamente ligada à afirmação

fundamentalista/integrista dos dias correntes.

As situações, supra referidas, provocaram uma crise de identidade, quer na sociedade muçulmana,

quer no indivíduo. O Islão apresenta-se, assim, como uma terceira via, uma defesa contra qualquer

intromissão estrangeira, seja ela militar, política ou ideológica, sendo o Islamismo radical como que a

alternativa possível para um sector importante da população, que procura no seu sedimento cultural

específico uma resposta para os problemas contemporâneos. Este regresso ao passado, pela recusa da

modernidade, reveste-se de um purismo com vista a eliminar o que é “estrangeiro”, cristão, induista,

budista, pretendendo recriar uma sociedade como a dos primeiros tempos do Islão pelo que,

pontualmente, recorre à xenofobia cultural e política, como elemento adjuvante na pesquisa do

autêntico375. Porém, esta revivescência da consciência religiosa não se apresenta como um movimento

unido, mas parece reflectir, sim, um descontentamento difuso, face às estruturas políticas inadaptadas

(Estado-Nação), à ocidentalização do modo de vida e à consequente aculturação.

No seio da comunidade muçulmana, a existência de liberdade de relação entre os crentes e Deus,

acrescida da capacidade concedida a todos os muçulmanos de interpretar o Alcorão, pode ser uma

explicação do pulular de interpretações subjectivas do direito corânico que, por sua vez, suscitaram o

florescer de escolas jurídico-religiosas no interior do Islamismo.

As quatro actuais grandes escolas da ortodoxia sunita (Maliquita, Hanafita, Chafita, e a Hanbalita,

precursora do Wahhabismo)376 constituiram-se no século III da Hégira, no primórdio da Era Abassida.

373 Christian Coulon, “Les Musulmans et le Pouvoir en Afrique Noire”, pág. 147, Editions. Karthala, Paris, 1983. 374 Fernando Amaro Monteiro, “O Ocidente Africano no Contexto Islâmico Internacional”, pág. 17. 375 O desenvolvimento provoca o êxodo rural e uma intensa urbanização em sociedades, tradicionalmente agrícolas

ou nómadas; tais alterações provocam a destribalização e, para Paul Balta, estas ainda “(...) confundiram a instituição familiar e provocaram uma crise, num plano duplo, sobre a sociedade e sobre o indivíduo, dado que os jovens, apanhados pela mistura, preocupam-se com o seu futuro. Face a um ocidente laico e a um mundo comunista, oficialmente ateu, o regresso à Lei Islâmica aparece a muitos como um último recurso e um refúgio (...)”. Em Paul Balta, ob. cit., pág. 23. Outro analista considera que o Islão constitui uma resposta aos problemas gerais “ (...) que se colocam à identidade africana e, em particular, às gerações mais jovens (...)”. Em Christian Coulon, ob. cit., pág. 55.

376 Sobre este assunto podem consultar-se inúmeras publicações. Neste estudo utilizámos a bibliografia apresentada, com especial incidência para: Paul Balta, ob. cit., Suleiman Valy Mamede, “O Islão e o Direito Muçulmano”, Edições Castilho, Colecção Jurídica, Lisboa, 1993 e João Silva de Sousa, “Religião e Direito no Alcorão”, 77

O seu conteúdo revela o carácter difuso e interpretativo do ritual, da fé, do direito e da moral,

fornecendo soluções específicas em termos controversos do “Kalam” (apologia defensiva), tanto

doutrinais como formais. Cada escola (madhab) determina um comportamento, uma forma de inserção

na vida legal. Não obstante haja entre elas discussões ou debates, não “(...) apresentam entre si

(sobretudo as três primeiras) rivalidades dilemáticas, nem conduzem os crentes a opções drasticamente

forçosas (...)”377. São todas ortodoxas e tidas como iguais dentro do sunismo, tendo os muçulmanos a

opção de, numa qualquer circunstância particular, preferir uma escola distinta daquela que perfilham.

Dentro do Sunismo maioritário (cerca de 90% dos muçulmanos), o Maliquismo é a escola

dominante na África do Norte e avultante na costa ocidental do Continente até ao Golfo da Guiné (os

muçulmanos da Guiné-Bissau inserem-se nesta escola jurídico-religioso).

A escola Maliquita foi fundada pelo autor da obra intitulada Mowata, Mâlik ibn Annas que morreu

em 795. Esta “madhab” admite as fontes tradicionais do Direito Islâmico: o Alcorão, a “Sunna” ou

Tradição, o “Qiyas” ou Julgamento Analógico e o “Ijma” ou Consenso Comunitário.

O Direito Consuetudinário (Urf) desempenha, nesta escola, um papel de relevo. Justamente pelo seu

peso, pode dizer-se que esta é a menos aberta ao Esforço de Exame (Ijtihad) e, portanto, a que maior

impenetrabilidade oferece ao progressismo. O Maliquismo “(...) mantém a tradição, mas aceita a

interpretação pessoal, a Ray (...)”378, insistindo no recurso ao princípio da utilidade geral (Maslaha),

sempre que se trata de defender a religião, a razão, a pessoa, a família ou os bens379.

Estes princípios podem favorecer a exploração de um certo equilíbrio, determinado, “(...) quanto

mais não seja pela “força da inércia” que o substrato do Urf lhe confere (...)380. Este panorama será

sempre alterável, desde que o Islão tradicional possa, nas áreas atrás referidas, sofrer convulsões

marcantes provenientes dos territórios exteriores, como adiante ponderaremos, e se, em simultâneo, a

situação sócio-política interna evoluir num sentido de acentuada instabilidade.

Imprensa Universitária nº55, Ed. Estampa, Lisboa, 1986. O Islamismo ortodoxo não é um bloco harmonioso. Existem certas diferenças que originaram as chamadas escolas jurídicas. O Hanafismo foi criado por Abu Hanîfa (que morreu em 767). É considerado o “rito” mais liberal. Depois do Alcorão admite o juízo pessoal, sob a forma de princípio de analogia (Qiyas). Os seus discípulos insistem num regresso aos textos e à tradição, por forma que a tradição servil (taqlid), “(...) qui conduira à la sclérose de l´école, l´emporte sur l´ijtihâd (...)”, via recomendada pelo Profeta. Em Paul Balta, ob. cit., pág. 14. Estende-se pela ex-URSS, Paquistão, Índia, China e Turquia. A escola Chafita foi fundada pelo Íman Châfei (morreu em 820). Depois do Alcorão e da Sunna, recorre ao ljma, não como consenso dos doutores, mas da comunidade inteira. O princípio da analogia só é admitido como último recurso. Rejeita a opinião pessoal e pratica o culto dos santos. Está representada na Indonésia, África Oriental e Meridional, Filipinas, Tailândia e Malásia. Ahmad ibn Hanbal (morreu em 855) fundou a escola Hanbalita (precursora do Wahhabismo). Rito “rigoroso e fanático”, mostrou-se sistematicamente oposto a qualquer inovação e tem como únicas fontes da Lei o Alcorão e a Sunna, recorrendo apenas em caso de necessidade absoluta ao juízo pessoal. Encontra-se, actualmente, reduzida a uma parte da Arábia. A corrente maioritária (cerca de 90%) dos muçulmanos ortodoxos são designados por Sunitas, por terem acrescentado às Suras corânicas, a “Sunna”, ou com maior exactidão “Sunnat-al-Nabi” (tradição do Profeta).

377 Fernando Amaro Monteiro, “O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964 - 1974)”, pág. 89. 378 João Silva de Sousa, ob. cit., pág. 33,. 379 Francis Lamand, “La Sharia ou Loi Islamique”, pág. 59, em Paul Balta, “Islam, Civilisation et Sociétés”, Ed. du

Rocher, Paris, 1991. 380 Fernando Amaro Monteiro, Gabinete dos Negócios Políticos do Ministério do Ultramar, “Linhas de Influência

e de Articulação do Islão na Guiné Portuguesa, Sugestões para Apsic”, Relatório para o Ministro, Secreto, Lisboa, 16 de Junho de 1972. 78

3. - Os grandes impérios islamizados sub-saharianos. O aparecimento do Islão e o “tecido”

islâmico na Guiné. Fenómenos de aculturação sócio-religiosa.

Para além das religiões tradicionais, todas as outras existentes em África são produto de

importações. Destas salienta-se o Islamismo que, entre outros factores, foi imposto sobretudo pela

guerra ou pela acção do comércio e acabou por se sobrepor ou aculturar, pois “(...) comporta a visão

africana do mundo, que o Cristianismo e o laicismo ocidental têm tendência a destruir (...)”381.

O primeiro império, na África Ocidental, de que há conhecimento histórico, é o Império animista do

Ghana, que se formou no século IV e vigorou até ao século XI, estendendo-se do Oceano Atlântico ao

Alto Níger. Este império floresceu pelo comércio de ouro transaariano e pelo monopólio da exportação

do sal para os países do Norte de África.

Na segunda metade do século XI, Ibn Yassin, um pregador muçulmano, instalou-se na costa da

Mauritânia, onde fundou um convento, e aí vivia rodeado dos seus discípulos, conhecidos por

Almorávidas. Tornando-se numerosos e fortes, “(...) aumentados de elementos vindos de Tekrour (vale

do rio Senegal) (...)”382, os Almorávidas iniciaram a sua expansão para Sul, submetendo primeiro as

tribos berberes da Mauritânia e depois destruindo e islamizando o Ghana, no século XI. A população

do Ghana, uma vez islamizada “(...) à força e pela persuasão (...), passou a promover a

muçulmanização das gentes dos territórios confinantes (...)”383. Os Almorávidas expandiram-se

também para Norte, tomaram conta de Marrocos e invadiram parte da Península Ibérica, onde tinham

ido em socorro do Califa de Córdova. Constituíram, assim, um império hispano-africano. O seu poderio

desfez-se em pouco tempo, reconquistando o Ghana a sua independência, mas já o proselitismo

religioso almorávida tinha tomado a dianteira dos exércitos.

No século XIII, entre o Senegal e a Nigéria, começa a surgir um novo império, o do Mali ou dos

Mandingas, que substitui o do Ghana “(...) após o declínio e eclipse deste Estado nas mãos

Almorávidas (...)”384; foi fundado por Sundiata Keita. Tinha o seu centro político no Alto Níger, zona

originária dos Mandingas e, por capital, Niani. A Sundiata sucedeu o Imperador Mansa Oulin (1307-

1332) que, com o seu exército submeteu e conquistou numerosos países vizinhos. A disponibilidade em

ouro permitiu que Mansa Oulin efectuasse uma faustosa peregrinação a Meca, onde “(...) distribuiu

quantidades de ouro em abundância (...)”385. Este Império, que dominou desde o século XIII toda a

vasta região que se estende do Atlântico até para lá de Niani, encontrando-se já fortemente

islamizado386, entra em decadência no século XV, acabando por desaparecer no século XVII.

381 Hatim M. Amiji, “La Réligion dans les Rélations Afro-Arabes: L´Islam et le Changement Culturel dans

L´Afrique Moderne”, pág. 118, em “Les Rélations Historiques et Socioculturels entre L´Afrique et le Monde Arabe de 1935 à nos Jours”, Unesco, Paris, 1984.

382 PAIGC, ob. cit., pág. 29. 383 José Júlio Gonçalves, “O Mundo Árabo-Islâmico e o Ultramar Português”, pág. 107, Estudos de Ciências

Políticas e Sociais, nº.10, Centro de Estudos Políticos e Sociais da Junta de Investigação do Ultramar, Ministério do Ultramar, Lisboa, 1958.

384 Ioan M. Lewis, “O Islamismo ao Sul do Saara”, pág. 34, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 1986. 385 PAIGC, ob. cit., pág. 33. Segundo António Carreira, “(...) conta-se que em 1324-1325, empreendeu uma

peregrinação a Meca, fazendo acompanhar-se de cerca de sessenta mil pessoas, entre as quais quinhentos escravos carregados de ouro em barra e em pó (...)”. Em “Mandingas da Guiné Portuguesa”, pág. 15, Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, nº. 4, 1947.

386 José Júlio Gonçalves, “O Mundo Árabo-Islâmico e o Ultramar Português”, pág. 108. 79

Quando da desagregação do Império do Mali, os Mandingas espalharam-se pelas margens do

Gâmbia, Casamansa e, mesmo pelo Futa-Djalon. Admite-se que, na fase inicial, apenas alguns chefes

migrantes se encontravam convertidos ao Islamismo387.

De acordo com o estudo comparativo das fontes disponíveis, é provável que os Mandingas se

tenham estabelecido na Guiné entre os séculos XIII e XV, dado que, “(...) quando da chegada dos

portugueses, já os Mandingas ocupavam e dominavam em toda a região, desde o estuário do Gâmbia

até ao fundo do canal do Geba, tendo atingido, assim, a sua máxima expansão para Oeste (...)”388.

Permaneceram sob a autoridade do Imperador do Mali até à queda deste Império, altura em que se

tornaram um reino independente.

No reinado de Mansa, o Império do Mali absorveu o reino Songhay. Contudo, no século XV, o Rei

Songhay, Sonni Ali-ber (1464-1492), que foi sobretudo um lutador, conquistou a independência e as

maiores cidades do Mali, Tombuctu e Djenne.

O seu filho Bokar foi destronado por Mamadu Turé que fundou uma nova dinastia, a de Askia

Mohamed (1493-1529), cujas conquistas se estenderam, a oeste, até ao Senegal, isolando o que restava

do Império do Mali; a leste, submeteu parte do reino Haussa e apoderou-se de Agadés. Como não

dispunha da “(...) autoridade religiosa tradicional, que era ligada à dinastia nacional (...)”389, procurou

compensar esta fraqueza apoiando-se no Islamismo; em 1495 efectuou uma peregrinação a Meca, onde

foi nomeado Califa, obtendo assim posição superior à de todos os reis muçulmanos da região sudanesa.

Mandou construir inúmeras mesquitas, desenvolveu o ensino e Tombuctu transformou-se numa grande

cidade universitária. Este Império com a sua “(...) esfera de influência muçulmana foi, por sua vez,

totalmente destruído pela abortada tentativa marroquina de controlo directo sobre o Sudão Ocidental,

no século XVI (...)”390.

Todos estes impérios foram substituídos por um novo Poder, o dos Fulas, que se estendeu por áreas

imensas, desde o Senegal até para leste do Chade. Coli Tenguêlá partiu do Futa-Djalon em direcção ao

Futa-Toro (vale do rio Senegal), atravessando a actual Guiné-Bissau, onde foi derrotado pelos

Beafadas, que o forçaram a retirar-se para Norte; aí fundou “(...) um poderoso estado de Fulas pagãos

(...)”391. É provável que a instalação dos primeiros Fulas no território date desta época.

No século XVIII, os Tocolores do Futa-Toro, conquistados pelos Fulas pagãos, revoltaram-se e

organizaram-se numa “(...) confederação feudal e teocrática, sob a presidência de um Almami (...)”392.

Estes Tocolores, em contacto permanente com as confrarias Tidjanya e Qadiriya, tornaram-se

fervorosos propagandistas, convertendo ao Islamismo os Jalofos, a Oeste. Aos Fulas, seus vizinhos,

387 António Carreira, “Evolução do Islamismo na Guiné Portuguesa”, pág. 407, em BCGP, vol. XXI, nº. 84,

Outubro de 1966. António Carreira distingue para os Mandingas da Guiné Portuguesa três agrupamentos étnicos: Mandingas propriamente ditos (islamizados), Soninkés (feiticistas), e Djilás. Em ob. cit., pág. 421. Ver também do mesmo autor, “Mandingas da Guiné Portuguesa”, pág. 8.

388 Teixeira da Mota, ob. cit., pág. 155. Sobre este assunto podemos consultar, entre outras, diversas obras de António Carreira e a História da Guiné-Bissau, publicada pelo PAIGC.

389 PAIGC, ob. cit., pág. 36. 390 Ioan M. Lewis, ob. cit., pág. 34. 391 Teixeira da Mota, ob. cit., pág. 156. 392 Hubert Deschamps, “Les Religions de l´Afrique Noire”, pág. 82, Coll. Que sais-je? - Presses Universitaires de

France, Paris, 1965. 80

souberam mostrar com habilidade “(...) todas as vantagens que poderiam auferir da guerra santa

(...)”393, acabando também estes por se converter.

Os Fulas iniciam no século XVIII uma invasão, a partir do Futa-Toro em direcção ao Sul, fundando

estados teocráticos no Futa-Djalon (1728), Futa-Toro (1776) e no Bundou, nos quais desempenharam o

papel duma aristocracia dominante394. No decorrer deste século, processa-se ainda a “(...) unificação

política e religiosa do Futa-Toro e do Futa-Djalon, sob a égide do Islamismo (...)”395. O território do

maciço do Futa-Djalon foi dividido em 9 províncias ou “diwal”. Uma vez consolidado o domínio Fula

no Futa-Djalon, “(...) os agentes do Islão lançaram as suas vistas para os «infiéis» das zonas periféricas

(...)”396, até ao território da actual Guiné-Bissau, situada sob a alçada do “diwal” de Labé.

Al-Hajj Omar Tal, Marabu tocolor, autoridade máxima tidjani na região, inicia em 1860 uma guerra

santa contra os pagãos, conquistando e destruindo o reino Bambarã. Depois dirigiu as suas ambições

para o Senegal, onde chocou com a resistência conjunta dos franceses e dos chefes tocolores. Por fim,

voltou-se para o reino Fula de Macina (muçulmanos quadiristas), em combate com os quais veio a

encontrar a morte, em 1864397.

A ocupação do Futa-Djalon pelos franceses e do Gabú pelos portugueses, na transição do século

XIX para o actual, veio pôr cobro a estas “guerras santas” e, provavelmente, evitou um Império Fula,

do Atlântico ao Chade398.

Na Guiné, os Fulas do território derrotaram os Mandingas, que aqui entraram pela região do Gabú,

empurrando para o litoral alguns povos de religião tradicional. Os Fulas, povo de nómadas pastoris,

pagavam tributo aos Mandingas; para conseguirem superar tal domínio, pediram auxílio aos seus

irmãos do Futa-Djalon399, a troco da promessa do cumprimento mais rigoroso dos preceitos islâmicos.

As incursões fulas prosseguiram em direcção ao sul do Gabú e ao Oio, com o intuito de submeter

Beafadas e Soninqués. Os 20 anos de luta no Forriá (1868-1888), quer por ambições e ódios entre

facções, quer por dominação sobre outra etnia, foram no seu autêntico significado uma “guerra santa”

para implantar a religião islâmica em todo este sector do ocidente africano, saindo vitoriosos o

Islamismo e o domínio político Fula400.

Na Guiné, como em toda a África Negra, o expansionismo muçulmano teve condições favoráveis

para a sua progressão devido à receptividade decorrente de alastrar, afinal, ao encontro de elementos

comuns à maioria dos paganismos locais: a concepção alargada da família; a força vital (de valor

concentrado em pontos essenciais, fazendo lembrar a baraka muçulmana); os antepassados,

393 Teixeira da Mota, ob. cit., pág. 158. 394 PAIGC, ob. cit., págs. 82 e 85. 395 António Carreira, “Duas Cartas Topográficas de Graça Falcão (1894-1897) e a Expansão do Islamismo no Rio

Farim”, pág. 192, em “Garcia da Horta”, vol. II (nº2): 189 a 212, Lisboa, 1963. 396 Idem, “Evolução do Islamismo na Guiné Portuguesa”, pág. 415. 397 Hubert Deschamps, ob. cit., pág. 83. 398 Sobre este assunto podemos consultar as obras de Teixeira da Mota, António Carreira, Hubert Deschamps e a

História da Guiné e Ilhas de Cabo Verde, citadas na bibliografia. 399 De acordo com António Carreira, que transcreve um relatório do ano de 1887 do concelho de Geba, onde se

diz: “(...) a tribo Fula-preta (...) esteve até 1869 escravizada por Mandingas bebedores/Sonínqués/; porém nesta data revoltou-se contra os seus senhores e coadjuvada pelos Fulas do Futa, expulsou aqueles e assenhoreou-se de todos os territórios compreendidos entre os rios Corubal e S. Domingos (...)”. E acrescenta o referido analista: “(...) a guerra durara de 1863-1865 a 1869. Este último ano marca, pois, o início do domínio Fula - em algumas zonas Fulas-pretos e noutras Fulas-fôrros (...)”. Em “Evolução do Islamismo na Guiné Portuguesa”, pág. 406.

400 Idem, pág. 431. 81

hierarquicamente concebidos; as lideranças político-religiosas a funcionarem como elos de coligação

entre os vivos, os mortos e a Natureza; a educação colectiva marcada pela iniciação (no Islão, prática

simétrica da circuncisão); o princípio da reciprocidade das relações e as configurações da regra

taliónica; a permissividade poligâmica; a justificação do individual em exclusiva função do

comunitário; o associativismo de base religiosa (a projectar-se nas confrarias muçulmanas, sucedâneo

natural)401.

Podemos considerar que o facto de a Administração Portuguesa ter maior deferência para com os

chefes tradicionais islamizados (de onde lhes veio um aumento de prestígio) é exemplo de que a

progressão do Islamismo, na África Ocidental, foi considerada como favorecida pela acção colonial.

Teixeira da Mota considera que na Guiné Portuguesa “(...) a acção portuguesa, sem que tal tivesse

sido previsto, contribuiu substancialmente para que, em meio século, fossem islamizados muitos mais

indígenas do que os que, em cinco séculos, se conseguiu cristianizar (...)”402. A pacificação do território

também proporcionou que a islamização avançasse com maior velocidade e segurança403. Os

comerciantes, nomeadamente os Djilas (comerciantes ambulantes), que percorrem todo o interior do

Continente, são apontados como responsáveis pela propagação do Islamismo; com o território

pacificado, podiam circular livremente levando consigo o Islamismo que transmitiam aos povos ainda

não convertidos; infiltrando-se “(...) no seio das tribos, habituam os negros aos seus produtos, falam-

lhes da cidade santa (Meca) e do esplendor da peregrinação, vendem-lhes as jilabas e turbantes, pouco

a pouco, estabelecem-se com certa demora, ensinam os autóctones a ler o árabe, fornecem-lhes o

Corão, enfim, actuam sobre eles, persistentemente, até os atraírem em definitivo à lei de Mafoma

(...)”404. Podemos, então, dizer que a progressão do Islamismo, proveniente principalmente do norte do

Saara em direcção ao sul, “(...) foi facilitada pelo facto de o comércio e os movimentos da população se

terem efectuado no mesmo sentido (...)”405, ou seja, a religião acompanhou o comércio.

Paralelamente aos comerciantes, os religiosos muçulmanos, como Chernos, Talibés, Almamis,

Ualiós, e as elites governantes convertidas, desempenharam, de igual forma, importante papel na

propagação do Islamismo. Os marabus, fervorosos propagandistas, são, segundo Sousa Franklin, “(...)

porta vozes autorizados das últimas novidades internacionais (...)”406. Na Guiné Portuguesa, como

depois na República da Guiné-

-Bissau, à semelhança de toda a África Ocidental, passaram a poder efectuar as suas deslocações

livremente, promovendo, em simultâneo, a assistência religiosa e a realização de grandes proventos407.

401 Fernando Amaro Monteiro, “O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964 - 1974)”, pág. 94. 402 Teixeira da Mota, ob. cit., pág. 256. Ver mais detalhadamente a opinião de Ioan M. Lewis, ob. cit., pág. 130 403 José Júlio Gonçalves refere, na obra “O Mundo Árabo-Islâmico e o Ultramar Português”, algumas causas de

sucesso do islamismo na África a sul do Saara, entre as quais destacamos: o uso da força, o prestígio do balandrau, o contraste entre a discriminação racial e o igualitarismo étnico exibido pelos muçulmanos, o Alcorão como elemento unificador dos povos islâmicos e a sua inteligibilidade antre a mentalidade dos negros africanos, a coincidência de algumas instituições, a existência de centros de difusão do Islamismo, a peregrinação, a acção islamizadora de comerciantes e marabus; págs. 67 a 86.

404 José Júlio Gonçalves, “O Islamismo na Guiné Portuguesa (Ensaio Sociomissionológico)”, pág. 20, Lisboa, 1961. 405 Ioan M. Lewis, ob. cit., pág. 32. 406 A. de Sousa Franklin, “A Ameaça Islâmica na Guiné Portuguesa”, citado por José Júlio Gonçalves, em “Política

de Informação (Ensaios)”, pág. 148, Estudos de Ciências Políticas e Sociais, nº. 61, Lisboa, 1963. 407 Adriano Moreira, “As Elites das Províncias Portuguesas de Indigenato (Guiné, Angola, Moçambique)”, em

“Ensaios”, pág. 61, Estudos de Ciências Políticas e Sociais nº. 34, Junta de Investigação do Ultramar, Lisboa, 1960. 82

O Islão, uma vez adoptado, fornecia às chefias tradicionais alguns meios e instrumentos ideológicos

muito úteis para reforçar, e mesmo justificar, a sua posição.

Considera-se que a islamização da África Negra também foi, sobretudo depois do século XVIII,

obra das confrarias408, que tiveram, e continuam a ter, um papel fundamental na disseminação do

Islamismo, na Guiné-Bissau em particular, e na África em geral. Para muitos africanos o tornar-se

muçulmano é entrar para uma confraria; nelas “(...) encontram, por vezes, um lenitivo para as suas

tradicionais sociedades secretas, por várias razões extintas ou em vias de extinção (...)”409.

Outro factor com um importante papel na difusão do Islamismo, em África, terá sido o

desenvolvimento dos modernos meios e métodos de comunicação, que permitiram levar o Islamismo

até aos mais recônditos locais 410.

As escolas corânicas desempenharam um papel essencial na propagação e protecção do Islamismo,

na preservação da identidade islâmica e na criação de uma contra-cultura. O seu principal objectivo

continua a ser a integração do indivíduo na sociedade islâmica; “(...) difundindo os valores de base do

Islão, o ensino muçulmano é assim por excelência um agente de sociabilização num sistema social que

se reclama da religião do Profeta (...)”411.

408 Hubert Deschamps, ob. cit., pág. 87. 409 José Júlio Gonçalves, “O Islamismo na Guiné Portuguesa (Ensaio Sociomissionológico)”, pág. 162. 410 De acordo com o Supintrep nº.11 “Religiões da Guiné”, as emissoras de radiodifusão dos países islamizados

transmitiam programas em que eram recitados versículos do Livro Sagrado com a finalidade de propagar o conhecimento e de divulgar o seu conteúdo. Era este o caso das rubricas religiosas incluídas na programação da Rádio Senegal, que, no dia 1 de Outubro de 1971, num total de 20 horas de emissão, cerca de 30% (seis horas e cinco minutos) foi ocupado por estas rubricas, demonstrando-se, assim, o cuidado posto pela divulgação do conteúdo do Alcorão e do Islamismo:

09h05 às 10h00- Passagens do Alcorão; 12h45 às 13h30- Transmissão da oração pública de sexta feira; 13h30 às 15h00- Cânticos religiosos muçulmanos; 15h05 às 16h00- Idem; 16h05 às 16h20- Leitura de passagens do Alcorão; 21h40 às 22h55- Idem.

411 Christian Coulon, ob. cit., pág. 89. O estudo da evolução do número de escolas corânicas, existentes na Guiné-Bissau, não pode ser rigoroso, porque, para o período em apreço, as fontes dão números muito diferenciados. Para Teixeira da Mota, no ano 1954, prefaziam um total de 436. O mesmo analista considera que as escolas para menores estão distribuídas da seguinte maneira: Gabú-112, Farim-103, Bafatá-97, Fulacunda-52, Mansoa-36, Catió-26, Bolama-3, Bissau-3, Cacheu-3, S. Domingos-1, perfazendo um total aproximado de 5000 alunos.

Aquele analista considera ainda que existem 50 centros de cultura islâmica para adultos, local onde é aperfeiçoado o ensino recebido. Em Teixeira da Mota, ob. cit., págs. 111 e 112. De acordo com o Supintrep nº. 12, o número de escolas apuradas em Julho de 1971 é:

Concelho Nº de Escolas Nº de Alunos Bafatá 211 3242 Bissau 25 575 Bissorã 8 48 Bolama 5 83 Catió 24 351

Mansoa 13 204 Em 1971, são apenas registadas 286 escolas, para um número de alunos de 4503; ou seja, o número de escolas é significativamente diferente, apesar de em Bafatá, por exemplo, ter passado para mais do dobro de escolas em apenas 17 anos. Em Mansoa o número caiu para metade no mesmo período de tempo. Contudo, o número de alunos não se alterou significativamente. No entanto, comparando qualquer das fontes com os dados disponíveis relativamente às escolas coloniais de ensino primário, a desproporção não é tão grande como poderia parecer. 83

Na Guiné, o ensino nestas escolas é ministrado quer numa “morança” quer ao ar livre, consistindo

numa aprendizagem do Alcorão em Árabe verbalmente, ou através da sua escrita numa pequena tábua,

para, posteriormente, os alunos poderem decorar os versículos que repetem “infinitamente”. Mas,

muitos não chegavam sequer a aprender a ler e escrever. Hoje, já não é assim, pois ao lado da escola

corânica, de tipo tradicional, desenvolveu-se um ensino modernizado, onde o estudo do Alcorão não é

o único objectivo da formação. Surgem outras disciplinas para aquisição de conhecimentos, como a

aritmética, a gramática e a literatura. Sucede, porém, que em muitos locais a pedagogia se mantém

inalterada, continuando a memória a ser o principal instrumento de aprendizagem e a escrita apenas um

meio auxiliar.

Na Guiné, até 1974, facilmente se constatava que não era feita a avaliação dos conhecimentos sobre

o conteúdo do texto corânico. Alguns crentes sabiam recitar a Sura al-Fathia e outras, em Árabe,

desconhecendo no entanto o seu conteúdo e ignorando também a escrita árabe. Esta situação foi

parcialmente alterada (por exemplo em Quebo), com a introdução de escolas da cultura islâmica, onde

a língua árabe é ensinada em moldes pedagógicos e didácticos mais correctos. Ao dar entrada na

escola, a criança aprende a Sura al-Fatiah, seguidamente as suras do fim, e só depois aborda as suras do

início do Livro. O nível elementar é ministrado por um mestre escola (Caramô), pago com o trabalho

dos alunos em seu benefício (trabalho doméstico e cultivo dos campos), sendo o nível máximo (saber o

Alcorão de cor) atingido ao fim de 8 ou 9 anos de ensino. Contudo, na maior parte dos casos, as

crianças memorizam apenas alguns capítulos e essa será toda a sua “bagagem”, ou seja, aprendem pelo

menos os ensinamentos fundamentais da fé e, mesmo que por ventura venham a esquecer parte do que

aprenderam, conservarão sempre dentro de si o suficiente para se manterem convictos da pertença a

uma comunidade que se glorifica de pautar a sua conduta pela revelação corânica.

Alguns Mandingas e Fulas de Bafatá (sobretudo régulos e chefes) enviavam os seus filhos para

Bissau para, sob a orientação de Caramôs, prosseguirem os estudos islâmicos, ensino este realizado em

regime nocturno, dado que, durante o dia, era a escola portuguesa a frequentada. O estudo da “Ciência

da Lei” (Fiqh) fica apenas reservado a uma elite que prosseguirá os seus estudos nos grandes centros

intelectuais do Islão, como Al-Azhar, no Egipto. Esta minoria que frequenta os estudos superiores, na

maioria das vezes faz parte do grupo de dirigentes sociais.

Os povos islamizados ofereciam alguma resistência às escolas coloniais, pois estas, contrariamente

às escolas corânicas,412 não libertavam as crianças para o trabalho nos campos e a educação não era

completada em casa, conduzindo, assim, a uma ruptura cultural.

A pacificação abateu as fronteiras tradicionais e permitiu um fecundo contacto entre os diversos

grupos étnicos, impondo-se alguns pela transmissão da sua cultura. Podemos, assim, considerar que a

propagação do Islamismo na Guiné, foi também o resultado de acções desenvolvidas pelos grupos

étnicos islamizados, relativamente aos grupos étnicos adeptos das religiões tradicionais. Essas acções

ficaram conhecidas por Fulanização, Mandinguização e Sossização413, que não são mais do que

fenómenos aculturativos, assumindo uma nomenclatura correspondente ao núcleo étnico dominante na

aculturação.

412 Sobre este assunto podemos consultar Christian Coulon, ob. cit., págs. 97 a 119. 413 Referimos estes três fenómenos, uma vez que foram os respectivos grupos étnicos, mais islamizados, que os

desenvolveram. 84

Os Mandingas da antiga Guiné Portuguesa, dado que nunca tiveram “(...) uma organização militar

eficiente para dominar e converter os animistas (...)”414, islamizaram essencialmente por métodos

pacíficos e de dominação cultural, pelo casamento e pelo comércio, podendo considerar-se tal

islamização como uma endemia latente. Todavia, o seu proselitismo, mais brando e tolerante do que o

Fula, concorreu para uma adesão mais profunda. A islamização dos Mandingas (Mandinguização)

coincide, mais ou menos, com o apogeu do império do Mali, tendo aí sido iniciada a sua acção

catequizadora sobre as etnias de religião tradicional. Destes grupos, uns ofereceram pouca resistência à

sua actividade, como foram os casos evidentes dos Balantas da região norte (adoptando estes a

designação de Balantas Mané) e dos Manjacos da região de Pelundo. Aqui, o fenómeno ocorreu, talvez,

entre 1919-1921, com a intensificação da migração de elementos desta etnia para o Gabú.

A conversão de alguns Manjacos ao Islão cresceu por influência do Régulo de Pelundo, Vicente

Cacante (educado entre Fulas e Mandingas, no Gabú), pelo que os filhos de muitos elementos desta

etnia, à semelhança de alguns Fulas e Mandingas, se deslocavam a Gabú ou a Bissau para frequentarem

as escolas corânicas, em simultâneo com as portuguesas. Apesar da influência Fula, como a grande

maioria dos nomes são de origem Mandinga, consideramos que estas conversões resultaram mais de

uma Mandinguização.

Outros grupos étnicos houve, como os Pajadincas, Tandas, Felupes e Baiotes, que ofereceram uma

grande resistência à conversão e415 cuja grande maioria ainda hoje se mantém adepta da religião

tradicional.

A Mandinguização acabou por ser substituída pela designada Fulanização, que pode ser traduzida

nas palavras de um antigo Governador da Guiné Portuguesa, o então Capitão de Fragata Sarmento

Rodrigues: “(...) Aonde não chegou a força da guerra, foi o artifício. Os Fulas introduziram-se primeiro

como criados e servidores, foram-se alargando em número e importância; impuseram-se no princípio

pela superioridade de espírito e, no momento preciso, de armas na mão, transformaram os senhores em

seus escravos (...)”. Estes senhores eram os Mandingas que, no dizer do autor citado, foram

catequizados pelos seus escravos, os Fulas, “(...) a golpes de espada, porque de outra forma não se

resolviam a deixar de ser bebedores (...)”; afirma, ainda, que “(...) os Fulas avassalaram toda a faixa do

interior, catequizando os nossos Mandingas (...) e outras raças, «virando» os Beafadas, seduzindo os

Nalús e empurrando para o mar os mais impenitentes (...)”416.

A este propósito, José Júlio Gonçalves acrescenta: “(...) a difusão do Islamismo resulta, em parte,

do desejo de ascender socialmente. Com efeito, os animistas, olhando a cultura dos Fulas, lançam-se à

sua conquista, uma vez que esta lhes parece, pelo menos exteriormente, superior e não se lhes nega, em

termos terminantes, por ser acessível, terra a terra, adaptável e adaptada ao meio ambiente (...)”417.

Os Fulas iniciaram a islamização dos Beafadas e dos Nalús. Sucede, porém, que a influência sobre

estes últimos acabou por ser substituída pela dos Sossos, apesar de os mesmos serem uma minoria. A

414 António Carreira, “Evolução do Islamismo na Guiné Portuguesa”, págs. 408, 413 e 435. 415 José Júlio Gonçalves, “O Islamismo na Guiné Portuguesa (Ensaio Sociomissionológico)”, pág. 169. 416 Sarmento Rodrigues, “Os Maometanos no Futuro da Guiné”, em BCGP, págs. 224 e 225, nº. 9, Janeiro de

1948. 417 José Júlio Gonçalves, “O Mundo Árabo-Islâmico e o Ultramar Português”, pág. 160.

85

acção exercida pelos Sossos foi de tal maneira activa que terá mesmo conduzido a uma

despersonalização dos Nalús, acabando estes por, inclusivamente, adoptarem a própria língua sossa418.

O Islamismo, que em numerosos aspectos é facilmente compatível com as religiões tradicionais e

com os costumes sociais africanos, expandiu-se ao sul do Saara. Como vimos, a propagação islâmica,

na Guiné-Bissau, não foi regular nem uniforme. No conjunto do território, o número de muçulmanos

crescia e desenvolvia-se para o litoral, a um ritmo seguro. Assim, evoluiu até à pacificação de Teixeira

Pinto. A partir daqui, o fenómeno aparece associado à acção de catalisadores bem explícitos: o

comércio e o casamento, o aumento da alfabetização, a vulgarização do rádio portátil, mas também por

“(...) factores mais difíceis de definir, tais como a necessidade psicológica de segurança e a atracção

universal da fé islâmica (...)”419.

Toda esta complexidade causal levou a relacionamentos rápidos e intensos, colocando as estruturas

tradicionais das sociedades nativas em dilemas e opções forçosas num processo aculturativo que, na

Guiné, no período em apreço (1963-74), coincide com o processo da guerra e “(...) induz à

«nacionalidade de recurso», pela inserção na malha enquadrante ou periférica das Confrarias (...)”420.

4. - O relacionamento das comunidades muçulmanas da Guiné com o Poder Português e com

a subversão. Ligações das comunidades ao exterior, na generalidade, e das confrarias locais, na

especificidade.

Há autores, como Vincent Monteil421, que consideram existir um Islão negro; outros como Hatim

Amiji422 e Paul Balta423, defendem a unicidade do Islamismo. No respeitante à Guiné Portuguesa,

Teixeira da Mota refere que “(...) erraria, porém, quem supusesse que os negros islamizados da Guiné o

são de facto. O seu Islamismo é superficial e muitas vezes aparente; o velho fundo mantém-se sob

muitos aspectos, de que é testemunho bem evidente a profusão de amuletos (...)”424. Este panorama

torna-se mais típico “(...) na razão directa do relevo que a inserção formal numa determinada escola

possa conceder aos substratos tradicionais ou à “utilidade geral” entendida por aqueles (...)”425.

419 Hatim M. Amiji, ob. cit., pág. 111. 418 Comando-Chefe da Guiné, “Religiões da Guiné”, Supintrep nº. 11.

420 Fernando Amaro Monteiro, “O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964 - 1974)”, pág. 97. 421 Para Vincent Monteil, na África Negra, “(...) o mesmo muçulmano que vedes ir à Mesquita fazer as suas

abluções, as suas rezas, (...) da mesma forma e com a mesma convicção se dirigirá a um feiticeiro (...)”. Em “L´Islam Noir”, em “Revue Tunisiènne de Sciences Sociales”, pág. 40, Nº.4, 2è Année, Tunis, Dezembro de 1965.

422 Hatim Amiji considera que “(...) o Islão de África não constitui uma versão africana distinta do Islão do mundo árabe. O Islão é universal (...) no sentido etimológico do termo (...)”. E acrescenta que foram os investigadores ocidentais que criaram essa dicotomia de “grande tradição” e de “pequena tradição”, não existente no mundo muçulmano. Assim, defende que se devem explicar as diferenças em função da “(...) educação, da profundidade da compreensão religiosa e do entrosamento na fé muçulmana. Apesar de certas diferenças formais, as crenças e os ritos fundamentais são universais e inalteráveis (...)”. Em ob. cit., págs. 107 e 108.

423 Paul Balta diz existir um Islão, “(...) adaptado às culturas africanas, repensado em função, não somente das estruturas e mentalidades antigas, mas também a situações presentes; o que não significa que por isso estejamos em presença de um Islão independente, cismático, separado do resto da Umma (...)”. Em ob. cit., pág. 230.

424 Teixeira da Mota, ob. cit., pág. 251. Todavia, para Suleiman Valy Mamede, actualmente, 60% da população total da Guiné-Bissau é muçulmana e, incorrectamente, denominada de islamizada. Em ob. cit., pág. 208.

425 Fernando Amaro Monteiro, Gabinete dos Negócios Políticos do Ministério do Ultramar, “Linhas de Influência e de Articulação do Islão na Guiné Portuguesa, Sugestões para Apsic”, Relatório para o Ministro, Secreto, Lisboa, 16 de Junho de 1972. 86

Ponderadas as várias opiniões, consideramos que o Islão, por vezes dito negro, será um

“revestimento” que, mesmo na grande maioria dos dignitários, não resiste, no plano da argumentação, a

um confronto com alguma profundidade, persistindo, sim, nestes uma atitude subjectiva de quem não

quer abandonar a sua base pragmática de equilíbrio426. Assim, podemos dizer que, na Guiné, há grupos

étnicos que se encontram islamizados, uma vez que as estruturas e crenças tradicionais sobreviveram,

embora com aspectos alotrópicos e em consequência das circunstâncias locais, perante o impacto com

o Islamismo e, mesmo com o Cristianismo; ou seja, apesar da islamização, permaneceram os valores

sócio-religiosos do tribalismo, resultando dessa aculturação uma face muçulmana formal, atenta à “(...)

solenidade de um ritual que objectiva a ideia de Deus (...)”427, seduzida pela “promoção” social fácil

(bastando para tal o uso dos sinais exteriores, como o albornoz e o cofió) e tranquilizada pela

subsistência de usos ancestrais consentâneos, face ao Islamismo (como a poligamia).

Apesar das diversas opiniões expostas, os dignitários muçulmanos contactados consideram que as

populações islamizadas da Guiné integram, de qualquer forma, o mundo dos crentes (Dar al-Islam),

espaço de ressonância da “Ummat al-Nabi” (comunidade do Profeta), espiritualista e, desde logo, pelo

menos retráctil, diante do recorte ideológico do PAIGC, no entanto espaço “(...) manipulável ao apelo

de um poder tutelar que, embora identificado com a Cristandade, lhe manifestasse público respeito e

enfatizasse o direito de cidade para esses crentes da periferia sócio-cultural (...)”428.

Na África Ocidental, os muçulmanos, herdeiros de uma tradição de comércio de longo curso e de

peregrinação, com domínio de uma língua escrita, com experiência organizativa e administrativa,

possuíam uma herança única susceptível de ser aplicada pelos movimentos independentistas, onde os

interesses destes teriam de visar e/ou ser compatíveis com os interesses muçulmanos envolvidos; se tais

interesses fossem prejudicados, essas aptidões e qualidades organizacionais podiam funcionar em

sentido contrário. Assim, a sua atitude dependeu das circunstâncias específicas dos interesses

muçulmanos em cada momento, nos diferentes territórios429. Atente-se para o facto de, na República da

Guiné, o líder político Sekou Touré, apesar de ter procurado limitar a influência dos chefes tradicionais,

se apoiou “(...) na influência dos chefes muçulmanos de mais prestígio do território, para obter o apoio

das massas (...)”430.

Tom Gallagher esclarece-nos sobre a posição das comunidades muçulmanas, face ao Poder

Português, no período em análise (1963-74), na seguinte passagem: “(...) Ironicamente, o Portugal

católico encontrou aliados mais leais entre as tribos muçulmanas, tais como os Fulas, na Guiné-Bissau

e os Macuas, em Moçambique, do que entre os grupos africanos educados nas missões, mais inclinados

a juntar-se aos nacionalistas. O conservadorismo da sua estrutura social fazia das tribos muçulmanas os

aliados preferenciais dos portugueses, que chegaram a enviar peregrinos a Meca e construíram

mesquitas na Guiné-Bissau em paga do apoio dos chefes locais (...)”431.

426 Idem. 427 Idem. 428 Fernando Amaro Monteiro, “O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964 - 1974)”, pág. 103. 429 Ioan M. Lewis, ob. cit., pág. 132. 430 Silva Cunha, “Missão de Estudo dos Movimentos Associativos em África - Relatório da Campanha de 1958

(Guiné)”, págs. 26 e 27. 431 Tom Galhagher, “Portugal - A Twentieth Century Interpretation”, pág. 177, Manchester, University Press,

1983. René Pélissier acrescenta: “(...) pode dizer-se que os portugueses se entendem muito melhor com os adeptos de Maomé, que com os animistas (...)”. Em “História da Guiné - Portugueses e Africanos na Senegâmbia 1841-1936”, pág. 225, vol. II, Imprensa Universitária, Ed. Estampa, Lisboa, 1989. 87

Neste quadro, convém lembrar que, de acordo com o Supintrep nº. 10 (“Populações da Guiné”) e

com a opinião de diversos autores guineenses432, o Poder Português utilizou os grupos étnicos

islamizados por possuírem uma organização social com uma estrutura mais complexa do que a das

etnias de religião tradicional, podendo mesmo falar-se de uma estrutura “vertical”, com um “Estado

organizado”, com classes e poderes separados, de acordo com as suas condições económicas. Esta

organização proporciona-lhes uma elevada coesão pela obediência fiel dos elementos das tribos aos

chefes religiosos e políticos, que disfrutavam de uma notável importância e aceitação perante os seus,

pelo que o apelo a estes auxiliares era “(...) uma condição sine qua non de uma vitória portuguesa face

aos animistas (...)”433.

Quando Portugal ocupou e iniciou a pacificação da Guiné, os Fulas colocaram-se habilmente do seu

lado; não o fizeram desinteressadamente pois, com a colaboração não perdiam vantagens conquistadas

anteriormente sobre os Mandingas, como ainda lhes era facilitada a tarefa de islamização dos povos de

religião tradicional. Além do mais, viram a sua posição e prestígio reforçados pelo apoio da

Administração Portuguesa.

A este respeito, Teixeira da Mota refere que os Fulas compreenderam “(...) que não valeria a pena

oporem-se à ocupação portuguesa e que o melhor a fazer era tirarem algum partido do facto de as

populações animistas estarem, na generalidade, oferecendo uma tenaz resistência; (...) daqui o

aparecimento dos auxiliares Fulas (...)”. Acrescenta ainda: “(...) esta habilidade em se tornarem úteis

aos portugueses foi comum a muitos Fulas e Mandingas islamizados (...) o que lhes valeu serem

investidos em lugares de régulos, chefes, cipaios (...)”434 e de oficiais de segunda linha.

O PAIGC, por outro lado, na obra “História da Guiné e das Ilhas de Cabo Verde”, considera que

“(...) o colonialismo português procurou utilizar os feudais Fulas como auxiliares da sua dominação e

da sua exploração, sistema que ele adoptou em relação a outros povos da Guiné, seja utilizando os

«notáveis» tradicionais, seja fabricando completamente uma organização artificial de chefes (...)”.

Acrescenta-se na mesma obra: “(...) a estrutura feudal dos Fulas, que se apoia na dominação dum

pequeno número de conquistadores sobre as populações reduzidas ao servilismo, leva os chefes Fulas a

aceitarem um compromisso com os portugueses: eles consentirão em reconhecer a sua autoridade e em

pagar-lhes um tributo, se os portugueses, por seu lado, os ajudarem a manter a ordem social existente e

a dominar a revolta dos seus súbditos (...)”435. Assim, consideramos que a Administração Portuguesa,

na sua actividade colonizadora, soube, e bem, utilizar as capacidades de enquadramento destes chefes

islamizados e a importância que podiam ter na economia do território com o comércio que, muito

pequeno à escala de cada indivíduo, pesava no conjunto pela grande quantidade dos que se lhe

dedicavam.

432 Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Supintrep nº. 10. São diversas as publicações guineenses com

esta opinião: PAIGC, ob. cit., págs. 49 e 51; Amílcar Cabral, “Guiné-Bissau - Nação Africana Forjada na Luta”, pág.39; Carlos Lopes, ob. cit., págs. 19 e 33 e Peter Karibe Mendy, ob. cit., págs. 86 a 90.

433 René Pélissier, ob. cit., pág. 263. 434 Teixeira da Mota, ob. cit., pág. 254. Ver também idêntica opinião de António Carreira em “Evolução do

Islamismo na Guiné Portuguesa”, pág. 432. 435 PAIGC, ob. cit., págs. 51 e 101, respectivamente.

88

Como é evidente, estruturas sociais semelhantes constituem um obstáculo importante ao

alastramento da subversão. Os régulos fulas436, na Guiné Portuguesa, por um princípio de fidelidade ou

de conveniência, não foram aliciáveis pelas teorias independentistas. Além do mais, a manobra

subversiva desenvolvida fundamentava-se na substituição das estruturas tradicionais por um sistema de

hierarquias paralelas, o que, em nosso entender, mais contribuiu para uma difícil penetração

proveniente da subversão e para o enquadramento que ela pudesse pretender nas massas muçulmanas.

Para se compreender a posição dos Fulas, face à subversão, é necessário salientar que esta etnia

possui uma consciência de elite relativamente às outras existentes no território; e, segundo Mendes

Moreira437, afirmaram estar escrito nos livros que o povo fula seria dominador dos povos de cor até ao

dia em que viessem os Brancos, razão pela qual deviam procurar entender-se com estes e não pegar em

armas contra eles. O grupo étnico fula ocupa, no território, uma extensa área, estando largamente

representado nos países vizinhos, onde desempenha um importante papel social, económico, político e

religioso. No território da Guiné, consideramos a sociedade fula dividida em três grupos principais: os

fulas-forros (nascidos livres), fulas-pretos (fulas cativos) e os futa-fulas (fulas do Futa-Djalon),

distinguindo-se, assim, em termos de nascimento, classe social e terra de origem438.

Quando eclodiu a subversão armada, os Fulas sentiram, um desabar do seu mundo e da supremacia

que tinham conquistado. Os régulos e cipaios com domínio em “chão” alheio viam-se de um momento

para o outro ameaçados. Tendo conhecimento de que na República da Guiné os privilégios dos “seus

iguais” foram cerceados e da forma de actuação subversiva, colocaram-se logo de início, do lado em

que tradicionalmente se encontravam - o das autoridades portuguesas - pois, ao fazê-lo, não só se

defendiam como velavam pelos seus interesses.

De acordo com o Supintrep nº. 10, “Populações da Guiné”439, com o evoluir da situação foram-se

definindo posições que se traduziam em comportamentos diferentes, face à subversão:

- Franca colaboração com as autoridades e repúdio total do movimento subversivo;

- Colaboração com as autoridades, enquanto a força pendesse para o seu lado, ou quando se tratasse

de consumar vinganças pessoais;

- Apatia absoluta perante o desenrolar da guerra;

- Desconfiança e retraimento em relação à política de justiça social do Governo da Província,

política que, repondo os Fulas no seu lugar, os colocava em igualdade de vantagens com as

restantes etnias.

No ano de 1964, o PAIGC iniciou a sua actividade na área do Boé 440, “(...) visando pressionar a

etnia Fula pouco receptiva à subversão (...)”441. Todavia, no sector leste do território, as dificuldades do

436 No Supintrep nº. 10 encontra-se especificado quais os regulados das diferentes etnias que se encontravam ao

lado da Administração Portuguesa, e quais os que se encontravam ao lado do PAIGC. 437 Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Supintrep nº. 10. 438 Peter Karibe Mendy, ob. cit., pág. 88. 439 Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Supintrep nº. 10.

Nesta classificação não se englobaram elementos Fulas que aderiram à subversão, visto que representam uma minoria em relação à população total Fula. 440 A região de Boé engloba, na Guiné-Bissau, o regulado do mesmo nome e, na República da Guiné, uma vasta

área que se estendia ao Futa Djalon. Os Fulas desta região, por vezes designados de Boencas ou Fulas do Burré, são essencialmente pastores nómadas que, atingidos profundamente pela subversão, foram obrigados a deslocar-se para os regulados de Maná e Chanha, onde grande parte se acolheu, à protecção das autoridades portuguesas. De acordo com o Supintrep nº. 10, em 1971, o seu chefe era Amadou Bobodjalo e vivia em Nova Lamego (Quebo), em virtude de o 89

Partido foram sempre maiores, dado que aquele grupo étnico se manteve afincadamente do lado do

Poder Português442. Apesar de o PAIGC ter feito ali a proclamação da independência, a afirmação

anterior não se altera, já que a região se encontrava ermada e as Forças Armadas Portuguesas, sempre

que necessário, podiam exercer o controlo da mesma443; deste modo os chefes do movimento

independentista não poderiam esperar um fácil e rápido aliciamento dos Fulas.

Porém, tal versão dos acontecimentos é contrariada pelo depoimento do Secretário para as Relações

Internacionais da Associação Islâmica da Guiné-Bissau, Al-Hajj Abubacar Djaló, que caracteriza o

antigo regime português como “(...) um regime oposto aos princípios do Islão (...)” e no qual “(...) não

era permitido o livre exercício de outra crença religiosa além da católica (...)”, princípios que, por si só,

“(...) já eram revoltantes, levando os Fulas a aderir sistematicamente ao PAIGC (...)”444.

Quando do eclodir da subversão armada, os Mandingas, que se encontravam distribuídos de forma

irregular pelo território445, estavam em franco processo de expansão; esta situação foi quebrada, o que

levou grande parte dos Mandingas a aderirem à subversão ou a refugiarem-se nos países vizinhos,

nomeadamente no Senegal e na Gâmbia446. Esta atitude parece-nos lógica, pois houve fortes razões

para que tivessem aderido ao PAIGC, já que este se lhes apresentava como a oportunidade de reaverem

a sua independência, face aos Fulas, e, assim, se vingarem da subalternização a que foram sujeitos447.

Porém, no Supintrep nº.10, é explicitado que a maioria terá sido obrigada a aderir, porque as terras em

que viviam foram envolvidas pela subversão, ou porque, muitas vezes acusados de terroristas, se

sentiram obrigados a fugir.

O comandamento interno dos Mandingas encontra-se entre dignitários islâmicos. Segundo o

Supintrep nº. 11 “Religiões da Guiné”, até 1971, tal comandamento seria feito pelo Caramô Mamadu

Suaré (que faleceu em Dezembro de 1971), sendo substituído pelo seu irmão Al-Hajj Mutaré Suaré, de

Jabicunda. Outros grupos étnicos minoritários, em especial os que habitam a sul do território, como os

Nalús e os Beafadas, intensamente afectados pelas ideias difundidas pelo Rassemblement

Démocratique Africain e pela acção dos “clubes de trabalho”448, foram na quase totalidade subvertidos.

último régulo, Suleiman Djaló, se ter demitido do cargo, quando rebentou a subversão armada. Este último foi entrevistado pelo autor em Quebo, a 31 de Outubro de 1995.

441 Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 1º volume, Enquadramento Geral”, pág. 118.

442 Idem, “Subsídios para a Doutrina Aplicada nas Campanhas de África (1961-1974)”, pág. 66. 443 Idem, ibidem. Igual opinião expressa a obra, também da Comissão para o Estudo das Campanhas de África,

“Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961- 1974), 1º volume, Enquadramento Geral”, pág. 120. 444 Entrevista do autor com Al-Hajj Abubacar Djaló, Secretário para as Relações Internacionais da Associação

Islâmica da Guiné-Bissau, em Bissau, a 2 de Novembro de 1995. Muitos dignitários islâmicos de etnia Fula (por exemplo em Quebo e Cambor) são hoje apoiantes do Poder instituído na República da Guiné-Bissau, regime democrático e multipartidário desde Julho de 1994.

445 A área Mandinga, propriamente dita, estende-se do Senegal à Nigéria, prolongando-se pela Costa do Marfim, República da Guiné, Libéria, Serra Leoa, até ao extremo leste da Nigéria. Apresentava em 1971 uma maior concentração nos regulados de Maná e Chanha, no concelho do Gabú; nos de Gussará, Ganado e Badora, no concelho de Bafatá; nos de Comico e Oio, no concelho de Farim; e nos de Bissorã e Fulacunda, no concelho e circunscrição do mesmo nome. Em Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Supintrep nº. 10.

446 Idem. 447 Os Mandingas, vindos do Mali, estabeleceram-se na Guiné no século XIII. O seu reino tinha uma estrutura

hierarquizada de classes. O Gabú torna-se Reino independente, depois da queda do Império do Mali, vindo no entanto a perder a sua independência em 1867 com a conquista Fula. Em PAIGC, ob. cit., pág. 57.

448 De acordo com o “Missão de Estudo dos Movimentos Associativos em África - Relatório da Campanha de 1958 (Guiné)”, do Doutor Silva Cunha, as autoridades da antiga província portuguesa verificaram que os indígenas das áreas dos postos de Cacine e Bedanda, no início do ano de 1956, se reuniam frequentemente com a finalidade de auxílio mútuo entre os seus associados, quer nos trabalhos agrícolas, quer na construção de casas. Todavia, averiguou-se que a sua estrutura estava a ser habilmente aproveitada para a formação de associações novas, com uma organização 90

Grande parte dos elementos desses dois grupos étnicos adoptaram o Islamismo, tendo sido este o factor

de desequilíbrio estrutural que a subversão aproveitou.

Quer por reacção ao espírito pós-conciliar, quer por vontade de contrastar com o comportamento

daqueles elementos do clero católico que enveredaram por excesso no “aggiornamento” contestando a

posição portuguesa em África, quer ainda pelo resultado da acção psicológica desenvolvida “(...) pelos

orgãos próprios dos Governos e dos Comandos das Forças Armadas locais, os pólos articuladores

muçulmanos, após certa hesitação inicial, acabaram por assumir, tanto na Guiné como em

Moçambique, atitudes favoráveis à Administração Portuguesa nos conflitos desenrolados (...)”449. Esta

aliança das etnias islamizadas com o Poder Português era, no fundo, uma aliança de conveniência;

paralelamente, uma aliança de coerência, pois sendo espiritualista o Islão, seria “contra natura” uma

aliança com uma força que se afirmava ser marxista-leninista.

Pela análise do meio humano, é de salientar que, “(...) por toda a parte continuavam a existir

populações fiéis às autoridades (...)”450; as etnias que de maneira mais fácil aderiram ao aliciamento

subversivo estavam radicadas nas áreas territoriais fisicamente mais propícias ao desencadear da

rebelião, quer pela intensa arborização ou pelos férteis campos orizículas. Aparentemente, nenhum

outro movimento independentista em África conseguiu unir tantas etnias numa mesma luta,

“envolvendo de flanco” as clivagens regionais ou tribais, como o PAIGC.

A acção colonial em África e, por conseguinte, na Guiné Portuguesa, com o passar dos séculos

transformou a situação social, política e religiosa anterior. Nas zonas urbanas e suas periferias, o

islamizado, “(...) apoiando-se na sua específica ressonância comunitária ou da “Ummat al-Nabi”

fazendo um quase ermetismo, defende-se, mais fácil do que aconteceria ao cristianizado, dos efeitos

negativos da destribalização ou das acomodações já constrangedoras a um tecido tribal envolvente

(...)”451. No caso particular das etnias islamizadas de todos os núcleos urbanos da Guiné, verificou-se a

tendência para o agrupamento dos destribalizados em duas associações mutualistas452: o “Clube” ou

Sociedade Nacional de Jalon para os Fulas e o “Clube” Marabu para os Mandingas. As relações entre

“clubes” não se reduzem à localidade já que se verificou uma tendência para a ligação com os seus

congéneres em territórios vizinhos, por força da comunidade religiosa/cultural e da vizinhança. A

ligação é sentida pelo vínculo da religião comum. Além do mais, os centros principais da cultura

islâmica, de onde irradiam os propagandistas, encontram-se naqueles territórios. Desta forma, vive à

margem da acção administrativa, com sobreposição relativamente às fronteiras, como já referimos no

capítulo I, um mecanismo sócio-religioso útil à exportação/importação de influências políticas.

As populações muçulmanas consagrariam, assim, praticamente ao longo de toda a fronteira, quer

com o Senegal, quer com a República da Guiné, a persistência de um espaço natural e físico informal.

Até 1974, nunca se esbateram, tal como em Moçambique, a “(...) afectividade e o pragmatismo de

dimensões conjugadas (a integração na ressonância «Ummat al-Nabi», Comunidade

permanente (enquanto as primeiras só funcionavam no momento da execução dos trabalhos), com a finalidade de expandir a acção do Rassemblement Démocratique Africain. Ob. cit., págs. 33 e 34.

449 Fernando Amaro Monteiro, “A Guerra em Moçambique e na Guiné - Técnicas de Accionamento de Massas”, pág. 19.

450 Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 1º volume, Enquadramento Geral”, pág. 119.

451 Fernando Amaro Monteiro, “O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964 - 1974)”, págs. 103 e 104. 452 Silva Cunha, “Missão de Estudo dos Movimentos Associativos em África - Relatório da Campanha de 1958

(Guiné)”, pág. 38. 91

transnacional/transestadual; as concorrências tribais persistentes em maior ou em menor grau no âmbito

desta; vínculos ou ligações vigorosos a pólos político-religiosos do exterior, reflectindo diversificada

influência social, cultural, económica e política) (...)”453.

Podemos considerar que, à margem do Islão oficial, se desenvolveu um outro Islão, estabelecedor

de “(...) relações entre o Homem e o Divino mais concretas e afectivas (...)”454, o Islão das Confrarias.

Estas nem sempre possuem uma existência legal e comportam aspectos esotéricos conhecidos só pelos

seus elementos. As confrarias terão nascido dentro da Sunna, isto é, dentro da ortodoxia, devido a uma

ânsia de perfeição espiritual por parte de alguns muçulmanos ortodoxos no desejo de se submeterem à

direcção de gente experimentada, ou seja, surgem pela necessidade de suprir a ausência de hierarquia

religiosa no Islamismo.

No século XII apareceram as primeiras ordens com a denominação do místico que as orientava. No

decorrer dos séculos XIV e XV elas constituíram-se em corpos, hierarquicamente organizados em

noviços, iniciados e mestres. Os centros locais possuem uma estrutura piramidal, com um “Cheikh”

detentor da baraka455, um chefe (mocadem) que confere a iniciação aos filiados designados por irmãos

(Khouans) ou pobres (fogra). Nas confrarias “(...) a «casa mãe» ocupa o lugar cimeiro, delegando o

grão mestre, todos ou parte dos seus poderes, nas diferentes províncias da ordem, com uma hierarquia

de representantes (...)”456, já referida, devidamente credenciada e controlada. A função das confrarias é

a de conservar, transmitir e difundir “(...) os ensinamentos do fundador, sobretudo, a sua experiência

mística e os métodos (...)”457. Os seus filiados mantêm uma disponibilidade e disciplina militares, e

desenvolvem técnicas de êxtase, que podem revestir as mais diversas formas (caso dos derviches

volteadores).

O pietismo popular, desenvolvido e dirigido pelas confrarias, “(...) radicaria na afirmação do

Decreto um conceito de predestinação absoluta, de carga psicológica muito concentrada, expresso pelo

termo “maktub” (“está escrito”) e identificado com a essência do “sabr” (“capacidade de suportar”)

(...)”458, que acaba por traduzir uma aceitação passiva e abandonada dos factos.

A expansão geográfica das confrarias foi acompanhada pela criação de novas ordens. Hoje, as

confrarias encontram-se espalhadas por todos os países islâmicos, excepto em locais onde a escola

jurídica adoptada é contrária a esta forma de organização (como a Wahhabita, na Arábia Saudita). Para

Hatim Amiji, a vitalidade do Islão, em África, resulta da vitalidade e dinamismo das confrarias459.

453 Fernando Amaro Monteiro, “O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964 - 1974)”, pág. 65. 454 Gilles Veinstein,, “Les Confréries”, pág. 95, em Balta, Paul, “Islam Civilisation et Sociétés”, Ed. du Rocher,

Paris 1991. 455 No “Cheikh”, a popularidade não repousa só nas seus atributos sobrenaturais, acima de tudo deve ser “(...) um

protector (ou pelo menos dar essa impressão) e, assim, prestar serviços (...)”. Em Paul Balta, ob. cit., pág. 234. Fernando Amaro Monteiro define “baraka” como:”(...) a benção, o carisma, a “virtus”, o fluxo magnético (transmissível por imposição das mãos, através da saliva, etc.) (...)”. Em ob. cit., pág. 48.

456 Gilles Veinstein, ob. cit., pág. 97. O “Cheikh” é um indivíduo dotado de poder espiritual e formal e a quem Alá concedeu o dom de fazer milagres, conhecer as coisas ocultas e curar as almas. Não é só um guia espiritual, é um próximo de Deus. Os seus preceitos e ordens devem ser obedecidos, mesmo quando contra as ordens da autoridade estabelecida no país onde se encontram. O noviço “(...) recebe do seu guia espiritual a iniciação - um segundo nascimento - que lhe permitirá, no termo da sua formação, alcançar através das diversas etapas psicológicas, a percepção da realidade divina (...)”. Em ob. cit., pág. 99.

457 Idem, pág. 98. 458 Fernando Amaro Monteiro, “O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964 - 1974)”, pág. 249. 459 Hatim M. Amiji, ob. cit., pág. 119.

92

Estas, nos países onde estão implantadas, pelo seu património, pela sua teia de influências, pelas suas

ligações internacionais, não raras vezes são conduzidas a desempenhar um papel político. Podem “(...)

ajudar a estabelecer um regime, à propagação da sua ideologia e à eliminação dos seus adversários

(...)”460; por outro lado, “(....) identificadas com a complexidade humana da África Negra e, logo,

eficientíssimas portadoras de quanto as respectivas lideranças queiram ou aceitem, as confrarias

podem, em contrapartida, obstruir com ainda maior eficácia (...)”461.

As confrarias com expressão na Guiné Portuguesa guardavam, em si, no mínimo, “(...) tradições e

potencialidades de organização e disciplina; logo, de acção virtual (...)”462, de onde adveio a sua

importância para o Poder Português, que raciocinaria nesta base para intentar accioná-las, e o mesmo

poderia ter feito a subversão “(...) se apesar de atenta ao factor coesão não a tolhesse o preconceito,

demasiado forte, anti-religioso (...)”463.

Na África Negra de expressão francesa, contrariamente à portuguesa, as forças independentistas

procuraram a aliança com as estruturas islâmicas, como se verificou relativamente às diversificações

locais do Wahhabismo464. A expansão do Wahhabismo, na África Ocidental, coincide com o emergir

do Rassemblement Démocratique Africain. O seu principal objectivo político era o estabelecimento de

um “ (...) estado democrático que assentasse em noções corânicas de liberdade, igualdade e Ijma

(...)”465, promotor de uma reforma radical da sociedade e contrário à ocidentalização. Este movimento,

veiculando influência saudita, vitupera a actividade das confrarias e os poderes a elas associados466.

Num conflito que dependia da ligação do interior com o exterior, o Poder Português carecia,

logicamente, de saber quais os canais de comandamento, accionamento e respectivo acatamento de

ordens, ou seja, “(...) «de quem e de onde», «para quem e onde», «sobre quem ?» (...)”467, no mínimo

para serem perceptíveis, numa carta de situação, quais os itinerários utilizados por alguma acção

comandada a partir do exterior.

Na África, ao sul do Saara, existem duas confrarias principais, a Qadiriya e a Tidjanya. A primeira

foi fundada no Iraque, a sul do Cáspio, no século XI, por Abd al Qadir el Gilani, de Gilan, nascido em

1077 e considerado um santo do Islão. Os traços fundamentais dos ensinamentos quadiristas são a

dissuasão do mundanismo e o apelo à caridade e ao humanitarismo. O núcleo central de Bagdad, que

permanece orientado por descendentes directos de al-Gilani, espalhou-se, fundamentalmente, pelo

Magreb e para o oriente da África Negra, norte da Turquia e sempre para leste, até atingir a Indochina.

Segundo Teixeira da Mota, “(...) na África Ocidental o movimento está desligado da confraria mãe

e subdividido em confrarias independentes (...)”468. Diluiu-se na negritude e dele relevaram a forma

rotular e a força do vínculo psicológico, em detrimento do conteúdo doutrinário. Este, reduzido a uma

linha pietista, projectada em observâncias rituais; as técnicas de êxtase, excepto as litanias, afiguram-se

460 Gilles Veinstein, ob. cit., pág. 103. 461 Fernando Amaro Monteiro, “O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964 - 1974)”, pág. 51. 462 Idem, pág. 249. 463 Idem, ibidem. 464 O Movimento Wahhabita inspira-se nos ensinamentos de Mohamed Abdul al-Wahab. As influências

Wahhabitas penetraram na África Ocidental “(...) graças ao regresso dos peregrinos de Meca e dos estudantes diplomados em Universidades como Al-Azhar (...)”. Em Hatim M. Amiji, ob. cit., pág. 121.

465 Idem, pág. 121. 466 Fernando Amaro Monteiro, “O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964 - 1974)”, pág. 250. 467 Idem, pág. 99. 468 Teixeira da Mota, ob. cit., pág. 252.

93

praticamente irrelevantes. As suas orações são as do rito maliquita, possuindo um maior poder, quando

recitadas em comum. Interessa-se pelo desenvolvimento das qualidades morais. As práticas religiosas

ocupam, aos seus elementos, grande parte do dia. Exteriormente, usam um rosário conhecido por

Tabassai, constituído por 99 grãos, separados entre si por contas de vidro colorido, em 3 grupos de 33

cada.

No Senegal, em 1972, o “Cheikh” Sidaty Ould Talibouya era o Califa Geral469 e possuía influência

religiosa importante que se estendia às regiões do Futa-Toro, Diourbel, Sine-Salaum, Casamansa,

Gâmbia, Mali e à Guiné Portuguesa (Jabicunda e Bijine).

A confraria Tidjanya foi fundada no século XVIII, no Norte de África, por Ahmed ben Mohamed

ben el Mokhtar el Tidjani, que nasceu na Argélia em 1735 e morreu em 1815, encontrando-se sepultado

em Fês. É uma confraria especificamente africana470, que se expandiu por todo o norte e ocidente

africanos. Nela entrosam o Hamalismo e o Muridismo, diversificações de excepcional indução gregária

e capacidade de organização. Tidjani declarou “(...) ter recebido a sua doutrina directamente de uma

revelação do Profeta (...)”471; com influxos de movimentos reformistas, encontra-se mais integrada na

africanidade do que a Qadiriya. Eivada de eclectismo (Mokhtar el Tidjani, era de inicial obediência

quadirista) e pragmatismo político e religioso, possui uma “(...) notória maleabilidade proselitista,

servida por regras rituais simplificadas (...)”472. É, em suma, um corpo de acção prática, destinado a

servir a apologética, e que tem disputado a supremacia religiosa à Qadiriya, em períodos alternos. O

rosário tidjanista é diferente do quadirista. É constituído por 100 grãos, representando os 99 Nomes por

que é conhecido Deus e mais um a simbolizar tudo o que dele se desconhece; os grãos encontram-se

separados entre si por uma bola de vidro em grupos de 12-18-20-18-12.

Na Guiné, há uma justaposição parcial de etnias e confrarias. Os principais centros da confraria

Qadiriya, no território, são Jabicunda e Bijine473, dirigidos por Jacancas, oriundos do centro de Tuba

(na Guiné-Conacry), abrangendo na Guiné-Bissau os Mandingas e afins, ou diversificações deles, e

ainda as populações atingidas pelo seu activo proselitismo, como os Balantas Mané e Manjacos de

Pelundo.

A Tidjanya, como ordem política e guerreira, no combate sob o comando de Al-Hajj Omar,

conseguiu suplantar os Qadiriya no Futa-Toro e no Futa-Djalon. Na Guiné os principais centros são

Ingoré, Quebo (outrora Aldeia Formosa) e Cambor474, abrangendo os Fulas e diversificações (incluindo

Quebuncas e Torancas); estende-se parcialmente aos Saracolés e exerce algum esforço sobre Beafadas

e Nalús. Apesar do simplismo pragmático característico do tidjanismo, um tanto ou quanto

469 De acordo com os documentos do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Supintrep Nº. 11 e do

Relatório de Fernando Amaro Monteiro, Gabinete dos Negócios Políticos do Ministério do Ultramar, “Linhas de Influência e de Articulação do Islão na Guiné Portuguesa, Sugestões para Apsic”, Relatório para o Ministro, Secreto, Lisboa, 16 de Junho de 1972.

470 Teixeira da Mota, ob. cit., pág. 253. 471 Hubert Deschamps, ob. cit., pág. 88. 472 Fernando Amaro Monteiro, relatório atrás citado. 473 Silva Cunha, “Missão de Estudo dos Movimentos Associativos em África - Relatório da Campanha de 1958

(Guiné)”, pág. 28. Em Jabicunda, os Jacancas dominavam o Centro Fixo de Difusão do Islamismo de Jabicunda, o maior da confraria Qadiriya na Guiné. A sua acção dirigia-se não só aos Mandingas e Beafadas de Badora e Xime, como também aos Fulas pretos de Cossé. A projecção do Centro ainda hoje atravessa a fronteira.

474 Idem, ibidem. Centros que se situam respectivamente no antigo Posto de Sedengal, na área da Circunscrição de Fulacunda, e o último na área da circunscrição de Gabú. 94

paradoxalmente este não desenvolve a apologética daí previsível, tal se devendo “(...) aos preconceitos

sócio-raciais do Fula, perante as outras etnias (...)”475 e, mesmo, face às religiões tradicionais. Al-Hajj

Malik Sy introduziu esta confraria no Senegal e instalou-se em Tivaouane, onde fundou uma escola que

atraiu vários missionários e elementos letrados da população muçulmana senegalesa. Após a sua morte,

em 1922, foi substituído por Abukaber Sy e, em 1957, por Abdul Aziz Sy, ainda Califa em Novembro

de 1995476. É a segunda maior confraria do Senegal.

Os muçulmanos africanos, assim como todos os outros, vivem a religião com a certeza de pertença

à Comunidade Eleita. Possuem práticas e comportamentos que delimitam uma identidade própria que

os une entre si e ao mundo inteiro. Os quadros confraternais, com as suas estruturas próprias, criam,

como já dissemos, mecanismos de comunicação que ultrapassam as próprias estruturas étnicas e as dos

Estados, permitindo, assim, uma maior mobilidade e um consequente alargar de horizontes de

interesses.

Nas sociedades que compõem todo o corredor que se inicia em Marrocos e se prolonga até ao Golfo

da Guiné, as linhagens preponderantes são de natureza xerifina, como tal acreditada e acatada e, “(...)

para as quais o Rei Imã de Marrocos consubstancia o pólo dos pólos (...)”477. É nessas linhagens que se

efectua a transição do tecido afro-árabe para o afro-negro, desde a Mauritânia, passando pela Guiné-

-Bissau, todos eles com impressiva presença islâmica.

Numa perspectiva maximalista da estratégia, será irrealismo grave menosprezar as cadeias de

comunicação que transcendem os espaços de identificação considerados clássicos. Estas cadeias

funcionam como “ (...) elementos integradores e, logo, como condicionantes ou indutoras de

comportamento (...)”478.

Recordando o caso particular da Guiné Portuguesa, onde as articulações dos povos muçulmanos e

as linhas de influência, que lhes suscitavam comportamentos, não obedeciam a esquemas rígidos, mas

funcionavam efectivamente; podemos dizer que em 1972 havia uma certa fluidez de tais mecanismos

para o que cremos terem contribuído a diminuta superfície do território, a situação interna e as pressões

externas.

Os dignitários islâmicos, em Junho de 1972, tinham a consciência de que a guerra se encontrava em

fase avançada, para que alguém os fosse retaliar por alguma coisa. Estavam, igualmente, conscientes de

que a sua posição era de impunidade por serem uma força aliada da Administração e, como tal, podiam

permitir-se proceder como quisessem em relação ao exterior, pois do lado do Poder ninguém impediria

tais ligações.

De acordo com o “Relatório de Serviço”479, na antiga Província Portuguesa, de 16 de Junho de

1972, elaborado por Amaro Monteiro na sequência de missão determinada pelo Ministro do Ultramar,

as linhas de articulação dos dignitários islâmicos, no âmbito interno e no contexto africano, eram:

1) Quanto à confraria Qadiriya:

475 Fernando Amaro Monteiro, relatório atrás citado. 476 Comando-Chefe da Guiné, “Religiões da Guiné”, Supintrep nº.11. Esta situação foi confirmada pelo autor em

inquérito realizado no território da Guiné-Bissau em Outubro/Novembro de 1995. 477 Fernando Amaro Monteiro, “O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964 - 1974)”, pág. 48. 478 Idem, “A Guerra em Moçambique e na Guiné - Técnicas de Accionamento de Massas”, pág. 10. 479 Idem, relatório atrás citado.

95

Em Jabicunda, o dignitário mais destacado da confraria era Al-Hajj Mamadu Mutaré Suaré

(Jacanca), que exercia influência de tipo polarizante em todo o território, na área de Bafatá, e externa,

na Gâmbia e no Senegal, articulando-se, neste último, com o seu irmão Caranca Djura Suaré

(Casamansa), em consulta numa plataforma de paridade, não excluindo certo acatamento ao mesmo.

Fazia a dádiva recomendável devida ao destaque, na linhagem xerifina, ao “Xerife” Yussuf Haydara

(de Casamansa), portador da “Baraka”, aparentado com os Haydara de Tombuctu (Mali) e articulado a

Marrocos. Por via de seu irmão, inseria-se na dependência própria dos quadros confraternais,

articulando-se, assim, ao “Cheik” Sidaty Ould Talibouya, expoente máximo da Qadiriya no Senegal,

cujo poder de accionamento se estendia à Gâmbia, Mali, Guiné-Conacry e Guiné Portuguesa. Este

“Xerife” senegalês visitava todo o território, colectando. Apresentava-se, pela linhagem e atributos

pessoais, como ultrapassando na sua missão o quadro estrito das confrarias, e fundia-se com o Rei Imã

numa origem multissecular: “a Casa do Profeta”.

Em Bijine, o mais destacado elemento era Al-Hajj Almami Sidi Acassamo (Mandinga) que

manifestava acatamento xerifino e se articulava com o dignitário de Jabicunda, já citado. Contudo, em

caso de recurso do respectivo parecer ou decisão, articulava-se ao “Cheikh” Sidi Abu Ibrahimo, na

Mauritânia (Boutilimit) e não com Caranca Djura Suaré; também fazia a dádiva recomendável ao

Cheik Sidaty Ould Talibouya.

2) No tocante à confraria Tidjanya, dizia a mesma fonte:

Os dignitários islâmicos mais proeminentes eram Al-Hajj Cherno Rachid Djaló (futa-fula) de

Aldeia Formosa (rebaptizada Quebo, após a independência), o Xerife Secuna Haydara (de linhagem

xerifina) de Ingoré e, em Cambor, o Al-Hajj Cherno Mamagari Djaló (futa-fula).

Cherno Rachid apresentava, como figura tutelar, seu irmão Al-Hajj Califa Mamadu Cabiro Djaló

com posição prioritária honorífica e consultiva, embora o autêntico poder de accionamento fosse detido

pelo Cherno Rachid. Articulava-se em consulta ao Califa Abdul Azis Sy (em Tivouane, a NE de Dakar)

e, suplementarmente, a Al-Hajj Seydou Nourou Tal do mesmo país (em Dakar), conselheiro

governamental e “director de consciência” dos tidjanistas tocolores e guineenses. Exercia influência

religiosa interna do tipo polarizante em todo o território, nomeadamente na áreas de Fulacunda e Gabú

(postos não especificados) e, externa, como consultor, no Senegal (Casamansa), na República da Guiné

(pontos não especificados) e no Mali (Bamako). Manifestava acatamento xerifino do tipo idêntico ao

dos pólos de Jabicunda e Bijine tendo, também, feito a dádiva recomendável ao Xerife Yussuf

Haydara.

Em Ingoré, o Xerife Secuna Haydara pertencia a uma família originária de Marrocos (Fês) e

efectuou os seus estudos em Tuba, na Guiné-Conacry. Apresentava-se com uma ambivalência

confraternal, pois era dirigente tanto da confraria Qadiriya como da Tidjanya (note-se, caso único no

território), para o que concorre a sua natureza xerifina. Secuna Haydara também exercia influência

interna de tipo polarizante (em toda a linha de S. Domingos a Farim) e externa, a título consultivo

(Casamansa), sendo a sua articulação em posição de acatamento com Al-Hajj Cheikh Ibraimo Djabi e,

a nível paritário, com o Cherno Rachid. Este dignitário era parente do Xerife Yussuf Haydara, a quem

não fazia a dádiva recomendável.

Por fim, o dignitário de Cambor, Cherno Mamagari Djaló, foi iniciado na confraria Tidjanya, no

Senegal, pelo Xerife Hakilo Haydara, a cujo irmão Yussuf fazia a dádiva recomendável e a quem

96

consultava, recorrendo, só em última instância, ao Califa Abdul Aziz Sy. A sua influência religiosa, a

nível interno, é de tipo polarizante, em Cambor e nas zonas limítrofes. No entanto, manifestou alguma

rivalidade em relação a Cherno Rachid pela sua influência no Gabú. Ao nível externo, efectua consulta

no Senegal (Casamansa), Gâmbia (área de Djadjaburé) e em Conacry (não especificado).

Procurámos na medida do possível actualizar, presencialmente, todos estes pólos articuladores e

difusores do Islamismo no território. Assim, no que respeita à confraria Qadiriya, os principais centros

continuam a ser Jabicunda e Bijine, aos quais acrescentamos entretanto Farim.

Em Jabicunda, o Almami Ansu Cissé exerce influência interna, de tipo polarizante, em toda a área

de Bafatá e, externa, na Gâmbia e Senegal. Paga a dádiva recomendável a um “Xerife” senegalês, cujo

nome não conseguimos apurar. Os dignitários de Bijine Ualió Quntchumba Faty e Al-Hajj Koba

Gassama480, e Farim, Arafan Bacari Touré, respectivamente, todos com acatamento xerifino, articulam-

se com o dignitário de Jabicunda, já referido.

No que se refere à confraria Tidjanya, Cambor é, presentemente, o maior pólo de difusão, sendo

ainda dignitário Al-Hajj Ualió Mamagari481 (portador de “Baraka”), considerado “Homem Grande” em

todo o território; exerce influência de tipo polarizante no mesmo território, a nível interno, e

externamente na Guiné-Conacry, Senegal, Gâmbia, Mali e Mauritânia482.

Em Quebo, o dignitário islâmico mais proeminente é Al-Hajj Amadú Dila Djaló, filho de Cherno

Rachid. Manifesta acatamento ao Xerife de Fês, Tidjani Hajj Zambir, filho de Sidi Al-Hajj Bensalem a

quem faz a dádiva recomendável. Exerce influência religiosa interna, de tipo polarizante, na região de

Quebo e, externa, como consultor, na Guiné-Conacry e no Senegal. Quanto a consulta, articula-se, tal

como seu pai, ao Califa Abdul Azis Sy (nascido em 1904). Este dignitário foi iniciado na confraria

Tidjanya em Tivaouane, no Senegal. Completou os seus estudos no Egipto e efectuou diversas vezes

peregrinações a Meca. Salientamos que este dignitário é deputado pelo PAIGC, na Assembleia

Nacional Popular.

Ingoré, última fronteira guineense antes de Casamansa,483 continua a ser um grande pólo de difusão

do Islamismo (permanece a bi-valência qadirista-tidjanista).

Aos centros tradicionais do território, acrescentamos o pólo de Sinchã Santa Mansata (Canhamina),

onde Al-Hajj Umarú, com formação no Egipto e amigo próximo de Hassan II (segundo faz crer),

construiu aquela que é considerada a maior mesquita da Guiné-Bissau.

Na perspectiva de Amaro Monteiro, se “(...) accionadas de Sul para Norte N ondas de subversão

metódicas apontando às credibilidades e às sedes geografico-culturais dos dignitários xerifinos, o

480 Este dignitário é descendente da importante família Baayo, originária de Tombuctu, e que segundo a tradição

oral se terá instalado em Bigine, depois da queda do Reino de Gabú. Dados recolhidos pelo autor em Bigine, durante o mês de Agosto de 1996.

481 Este dignitário faleceu em Abril de 1996, sendo presentemente substituído pelo seu filho, situação que levanta alguma instabilidade, pois existe disputa pelo Poder entre este e o seu Tio, que habita numa morança perto de Cambor, e mesmo com o pólo de Sinchã Santa Mansatá.

482 Os actuais Presidentes da República da Guiné-Bissau e Senegal, respectivamente, “Nino” Vieira e Abdou Diouf, quando em campanha eleitoral, consultaram este dignitário sobre a sua previsibilidade dos resultados eleitorais.

483 Desde 22 de Dezembro de 1982 que o MDFC exerce na região acções de guerrilha vizando a independência do território. A actuação deste movimento tem provocado alguma instabilidade social nas regiões de Ingoré, São Domingos e Sedengal, locais onde segundo dados recolhidos no terreno eplo autor e de acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados se encontram cerca de 16 mil refugiados. Esta organização, criou já no corrente ano, uma zona de segurança 15 Km a Sul da fronteira, e um único campo para acantonar estes indivíduos, em Jolmete; contudo apenas 560 indivíduos se encontram no local. Estas medidas vizam para minimizar as reivindicações da população. 97

mecanismo de comunicação visado, rarefeitas as respectivas bases de sustentação (...)”484, reagiria em

sentido inverso, ou seja, se se projectarem, numa carta, todas as articulações confraternais e as

linhagens xerifinas, verifica-se que estas teriam muito provável coincidência com os itinerários/focos

de violência ou de desestabilização, que, em última análise, visariam o Rei Imã. Caso aquele entrasse,

hipoteticamente, em colapso, provocaria o “(...) «curto circuito» dos mecanismos de comunicação

sócio-religiosos (...)”485, no referido sentido geográfico e, claro está, forte trauma nos pólos

articuladores das confrarias Qadiriya e Tidjanya.

O Poder, ontem (o português) como hoje (o guineense), apercebendo-se de que não se pode alhear

da importância muçulmana no território486, que não pode ignorar o seu dinamismo por vezes encarado

como concorrente da política externa do Estado, procura, por exemplo, custeando as despesas com a

peregrinação a Meca487 de personalidades destacadas da comunidade islâmica e com a construção de

mesquitas, ganhar alguma autoridade, ou melhor, tenta obter, ou continuar a obter, os favores dos

muçulmanos, sobretudo, importantes numa altura em que o mundo islâmico - pela mão do integrismo -

assume uma importância política inusitada e que convém esconjurar. Porém, o Estado laico

dificilmente penetra no campo religioso. Aquilo que dá força ao Islão, nomeadamente ao Islão popular,

é o facto de este representar, pelo menos em princípio, uma contra-sociedade, ou seja, uma sociedade

paralela, que escapa por natureza ao poder do Estado488. Assim, o Estado procura o aproveitamento

pragmático dos muçulmanos, pois as respectivas características culturais são susceptíveis de, se bem

exploradas, em termos de Apsic, reforçar ou constituir uma consciência nacional.

Em 1985, criou-se em termos oficiais a Associação Islâmica (presentemente presidida por Al-Hajj

Sori Sow), sediada na capital agrupando todas as confrarias e comunidades espalhadas pelo país. Esta

fórmula coordenadora faculta ao Islão o benefício do reconhecimento oficial, ao mesmo tempo que

permite às autoridades governamentais “(...) transformar as estruturas muçulmanas em verdadeiras

instituições paralelas do regime (...)”489. Aquela associação dispõe de um importante papel nas relações

externas das comunidades muçulmanas nacionais, visto que é ela a encarregada de regularizar os

contactos culturais e religiosos com o mundo árabe e de atrair capitais.

484 Fernando Amaro Monteiro, “O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964 - 1974)”, pág. 49. 485 Idem, pág. 48. 486 Altas personalidades do Poder são muçulmanas. O primeiro Vice-Presidente do Conselho de Estado é

muçulmano e muito ligado à área integrista. O Chefe do Estado Maior General das FARP é um fervoroso muçulmano. O Vice-Chefe do Estado-Maior General das FARP, o Chefe do Estado-Maior do Exército das FARP (Tenente Coronel Sandji Faty), também, embora estes dois últimos se afirmem não praticantes.

487 Sabe-se que foi disponibilizada uma verba de 200 mil dólares pela Presidência do Conselho de Estado para custear as despesas com a peregrinação a Meca para diversas personalidades destacadas da Comunidade. Na Guiné-Bissau, assim como em toda a África Ocidental, realiza-se a designada “peregrinação por procuração”, ou seja, emerge de uma comunidade um elemento para efectuar a peregrinação. Este elemento executa a peregrinação e obtem, na viagem, a bênção para toda aquela comunidade que suporta as despesas de tão honrosa missão. A comunidade em questão encarrega-se da família do peregrino, enquanto ele está ausente. O valor da peregrinação também envolve este procedimento. Se, por outro lado, o grupo social não realizar aquele esforço, podemos dizer que a peregrinação é afectada.

A peregrinação desempenha um importante papel político, uma vez que une muçulmanos de todo o mundo. Ao regressarem, os peregrinos são portadores do título honorífico de “Al-Hajj” (peregrino), o qual confere um estatuto aristocrático no plano sócio-religioso. De acordo com o Supintrep nº.11, entre 1959 e 1972, sob o patrocínio do Governo da antiga Província Portuguesa, visitaram Meca 230 peregrinos.

488 Christian Coulon, ob. cit., pág. 76. 489 Idem, pág. 163.

98

Após as primeiras eleições multipartidárias, em 3 de Julho de 1994, também as associações

islâmicas proliferaram, contando-se presentemente no país mais cinco associações: a União Nacional

para a Cultura Islâmica (1991), a Al Ansar (1992), com maioria de associados Mandingas; o Instituto

Islâmico para o Desenvolvimento, que agrupa Fulas e Mandingas (1993); o Comité de Redacção e

Tradução, que agrupa, essencialmente, Fulas (1994); e a Organização Islâmica, Cultura e

Desenvolvimento, cuja maioria de associados é de Mandingas (1995).

Para eficiente accionamento da população, quer uma subversão quer uma contra-subversão

necessitam de adequado conhecimento dos mecanismos informais de comunicação; nestes, o vector

sócio-religioso desempenha, na África Negra, elevada importância, potencializada em terrenos

humanos como o da Guiné pela impressiva presença de massa muçulmana. Uma guerra de semelhantes

características globais ultrapassava obviamente a área de acção habitual das Forças Armadas. Assim, a

resposta portuguesa para obstar “(...) à guerra global que a ela condicionava os actos da política (...)”490

requerer-se-ia também geral, ou seja, em todas as “frentes”, por acções oportunas e estreitamente

coordenadas nos campos social, político, militar e psicológico, como veremos no próximo capítulo e

aliás desde já se vem inferindo.

Capítulo IV

__________________________________________________________________

O INDEPENDENTISMO E O PODER PORTUGUÊS EM CONFRONTO

1. - A política interna portuguesa no período em análise e a sua inflexão ultramarina

No plano de controlo das comunicações entre o norte/sul do Oceano Atlântico, e mesmo até entre as

suas margens, assumia, então, nível de curto ou, de preferência, médio prazo o pré-objectivo da Guiné,

para posterior assalto ao objectivo principal, o arquipélago de Cabo-Verde. Nestes territórios, a

presença da Administração Portuguesa era, com toda a evidência, um entrave para a construção de

zonas de influência que permitissem assegurar posições vantajosas na luta entre as superpotências;

assim, porque urgia para uns e bem podia servir a outros, era necessário eliminar essa presença. Mister,

apenas, o onde e como se processaria a tomada técnica do Poder. No período em análise, as pressões

internacionais, para Portugal ceder, surgiram a 14 de Dezembro de 1955, através do inquérito feito

pelas Nações Unidas, nos termos do Artigo 73º, da respectiva Carta.

Todos os regimes portugueses procuraram (apesar de muitas vezes pressionados para ceder) manter,

desenvolver e defender o Ultramar. São disso exemplo variados acontecimentos ao longo dos séculos,

alguns deles já referidos no capítulo I do presente estudo.

O Governo Português tomou a decisão de ficar, (...) em presença de factores idênticos aos que em

outras épocas da História, em circunstâncias semelhantes, se haviam verificado (...)”491. A resistência

portuguesa, face às suas responsabilidades pela segurança das populações e pela preservação dos seus

bens, era justificada como um imperativo de justiça e da legítima defesa e portanto, esta devia ser uma

490 Fernando Amaro Monteiro, “O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964 - 1974)”, pág. 115. 491 Silva Cunha, “O Ultramar, a Nação e o 25 de Abril”, pág. 17.

99

atitude colectiva492. Face às Nações Unidas, o Governo Português sustentou a mesma resposta: o

“Ultramar já era independente com a independência da Nação”493, durante 19 anos.

Durante a campanha eleitoral, em 1969, o Doutor Marcello Caetano expôs a sua política

ultramarina494 que ele, face aos resultados eleitorais, considerou legitimada. Assim, após assumir as

funções de Presidente do Conselho, a 27 de Setembro de 1968, e uma vez que tencionava prosseguir a

sua governação, de acordo com a fórmula “renovação na continuidade”495, pôde levar por diante não só

a defesa ultramarina mas também a reforma das leis e instituições com vista a um alargamento da

autonomia das Províncias.

Em 1971, o Governo Central propôs uma revisão da Constituição, sendo esta aprovada a 16 de

Agosto do mesmo ano. Na nova Constituição era mantido o princípio da unidade política496 e

consagrado o princípio da autonomia das Províncias497. Todavia, o Governo de Lisboa detinha a

autoridade final sobre todas as decisões tomadas nas Províncias Ultramarinas, respeitantes à

representação e política externa, à definição dos respectivos estatutos e ainda quanto à fiscalização das

suas actividades financeiras. Com a revisão da Constituição em 1971, o “(...) sistema político abria

brecha com o advento da chamada «ala liberal» (...)”498, esboroando-se, desta forma, na Câmara

Legislativa, o dogma da integração.

2. - No desenvolvimento da contra-subversão

Sendo a guerra subversiva/revolucionária fundamentalmente dirigida à conquista das populações

em função do seu grau de apoio, a natureza específica do conflito colocou um grande desafio, quer às

autoridades portuguesas, quer aos movimentos independentistas. A guerra em questão actua, em

síntese, por:

- Acções clandestinas, visando o estabelecimento de uma organização político-administrativa;

- Acções psicológicas, agindo sobre a moral e a mentalidade dos indivíduos, grupos e massas,

dentro e fora do território, no sentido de condicionar e manipular os comportamentos;

492 Marcello Caetano, “Pelo Futuro de Portugal”, pág. 53, Ed. Verbo, Lisboa, 1969. 493 Fórmula encontrada por Salazar ao comentar o conceito de território não-autónomo, quando pela primeira vez

se desencadeou o ataque contra Portugal na ONU. A este propósito, ver Franco Nogueira, “Salazar - A Resistência (1958/1964)”, pág. 171.

494 A 11 de Setembro de 1969, a campanha eleitoral foi aberta com uma comunicação do Presidente do Conselho, Doutor Marcello Caetano. Este abordou a política ultramarina da seguinte forma: “(...) é preciso que cá dentro e lá fora, fique bem claro se o povo português é pelo abandono do Ultramar ou se está com o Governo na sua política de progressivo desenvolvimento e crescente autonomia das Províncias Ultramarinas (...)”. Em Marcello Caetano, “Pelo Futuro de Portugal”, págs. 318 e 319.

495 Marcello Caetano, “Renovação na Continuidade”, pág. 47, Ed. Verbo, Lisboa, 1971. 496 Unidade política expressa na forma unitária do Estado. O Artº. 5º da Constituição especificava: “O Estado

Português é unitário, podendo compreender regiões autónomas com organização político-administrativa adequada à sua situação geográfica e às condições do respectivo meio social”.

497 No Título VII da Constituição, “Das Províncias Ultramarinas”, refere o Artº. 133º “Os territórios da Nação portuguesa situados fora da Europa constituem Províncias Ultramarinas, as quais terão estatutos próprios como regiões autónomas, podendo ser designadas por Estados, de acordo com a tradição nacional, quando o progresso do meio social e a complexidade da sua administração justifiquem essa qualificação honorífica”. No Artº. 135º era definida a autonomia das respectivas Províncias e pelo Artº 136º era assegurado que a autonomia, configurada como tal, “não afectará a unidade da Nação, a solidariedade entre todas as parcelas do território português, nem a integridade da soberania do Estado”.

498 Fernando Amaro Monteiro, “O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964 - 1974)”, pág. 288. 100

- Acções violentas (terrorismo de grupos e forças para-regulares e militares), sendo de vital

importância, nestas situações, o uso de santuários para apoio operacional directo e a concomitante

preocupação dos apoios a nível internacional499.

No capítulo II, quando analisámos os doutrinadores clássicos/contemporâneos da subversão,

verificámos que, desde Sun Tzu a Mao, todos focavam o factor psicológico como de vital importância.

Lembramos que o conceito de guerra psicológica, apresentado no contexto do presente estudo, engloba

as acções psicológicas, que procuram enfraquecer e/ou conduzir a vontade, assim como desenvolver a

propaganda, de acordo com técnicas para explorar os ressentimentos contra o Poder constituído e

identificar as soluções com a organização subversiva.

No presente sub-capítulo vamos focar a resposta psicológica, por parte da subversão e da contra-

subversão, durante a “guerra da Guiné”, no período em estudo (1963-1974), pois tal resposta afigura-

se-nos ao mesmo nível de importância (ou mesmo superior) que as vertentes social e político-

administrativa e, sobretudo militar (entendida esta na acepção estritamente armada). Note-se, contudo,

que, na Guiné Portuguesa, a designada Acção Psicológica era adjuvante das outras três acções da

«resposta possível» e era desenvolvida, nomeadamente, através de uma intensa acção sócio-económica

e em sua complementaridade.

2.1. - A “resposta possível” e/ou iniciativas portuguesas face à subversão. A Acção Psicológica

Portugal enfrentava uma guerra subversiva que, sem frente, se disseminava nos territórios e

infiltrava nas retaguardas.

A formação dos quadros permanentes, e mesmo a perspectiva da guerra, permaneceram clássicas.

Com a queda do Poder Português na Índia, a imagem das instituições militares ficou fortemente lesada

pelo modus faciendi daquela. Elas mantinham-se presas à perspectiva de “ganhar” ou “perder”.

Inicialmente, este factor impediu que a guerra em África fosse encarada nas suas características

específicas. Uma vez corrigida essa posição, as Forças Armadas passaram do “(...) ganhar ou perder

para o aguentar (...)”500.

Para aguentar, o Poder Português tinha de desencadear uma manobra contra-subversiva com o

objectivo de proteger e fortalecer as estruturas políticas e sociais do Estado, a fim de impedir que a

subversão tivesse êxito e assim poder restabelecer a paz. Para alcançar esse objectivo, tinha de se

apoiar numa manobra e numa estratégia correspondentes, sendo a estratégia forçosamente total,

indirecta, desencadeada quer a nível interno quer a nível externo. A manobra requeria o concentrado

binómio Informações/Acção Psicológica.

Quando Clausewitz escreveu que “(...) sendo a guerra (...) um acto dominado por um desígnio

político (...)” e, por vezes, quando “(...) os dispêndios de força são tão grandes que não correspondem

ao valor do objectivo político, é necessário abandonar esse objectivo e assinar a paz (...)”501, não

499 Fernando Amaro Monteiro, “A Guerra em Moçambique e na Guiné - Técnicas de Accionamento de Massas”,

págs. 35 e 36. 500 Fernando Amaro Monteiro, “A Guerra em Moçambique e na Guiné - Técnicas de Accionamento de Massas”,

pág. 26. De acordo com o analista, esta atitude, apesar de diferente, não conseguiu eliminar nas Forças Armadas a concepção de raiz, segundo a qual “(...) a responsabilidade última sobre a sociedade civil pertence à militar (...)”. Ao aguentar, as Forças Armadas beneficiavam o tempo de manobra político.

501 Carl Von Clausewitz, ob. cit., pág. 93. 101

imaginava quão fácil seria enquadrar tal afirmação nas características do conflito da Guiné. A resposta

contra-subversiva desencadeada pelo Governo Português, «resposta possível», claro está, exigia, de

acordo com o 1º volume da «Resenha Histórico Militar das Campanhas de África (1961-1974)», “(...)

uma acção coordenada e muito íntima entre as Forças Armadas, as Autoridades Administrativas e as

populações, (...) uma atenta vigilância na retaguarda e uma integração perfeita das acções militares,

diplomáticas, políticas, económicas e psicológicas (...)”, sendo nela envolvidos numerosos efectivos da

Metrópole; pelas suas características, a “(...) subversão visava a população como um todo, e não apenas

uma ou outra região ou etnia, e podia arrastar assim até regiões insuspeitadas (...)”502; esta situação foi

desgastando o Poder Português até sucumbir com a revolução de Abril de 1974.

Para Amaro Monteiro, a designada “resposta possível” a situações de cariz

subversivo/revolucionário é mister passar pela coordenação estreitíssima de quatro acções oportunas:

“(...)

1. Social (através da melhoria de condições de vida);

2. Político-administrativa (pelas reformulações de carácter permanente);

3. Militar (preparando e se necessário desencadeando as técnicas de contra-guerrilha adequadas

a cada teatro, sobretudo por forma a evitar que a potencial guerrilha passe à acção armada, e muito

mais se ela para tanto puder dispor de «santuário/s») (...);

4. Psicológica ( para quanto emerge de uma forma de guerra que, podendo apenas exercer-se por

si, é normalmente utilizada como complemento ou adjuvante de qualquer das outras ) (...)”503.

Seguia-as o General Spínola, pois o seu plano de contra-subversão, delineado no ano de 1970,

assentava no seguinte504: desenvolvimento adequado e rápido da Guiné, de modo a produzir, em tempo

útil, uma acentuada melhoria do nível de vida das populações; promoção e assistência sociais

adequadas e integradas numa política de dignificação do Povo da Guiné e de satisfação, em tempo

oportuno, dos seus legítimos anseios; garantir, através da manobra militar adequada, o espaço e o

tempo necessários para que, em tempo útil, se atingissem os objectivos primários da política adoptada.

Mas confrontemos a opinião do líder do PAIGC para quem o plano português consistia em três

fases, que procuramos sintetizar505:

1.ª - Infiltrar agentes inimigos e estudar fraquezas do Partido, provocando divergências internas,

apoiadas no racismo, tribalismo, etc.

2.ª - Criar uma rede clandestina e direcção paralela, desacreditar o Secretário-Geral, para provocar a

sua eliminação, no quadro do Partido, ou mesmo a sua eliminação física. Preparar nova direcção

clandestina e lançar uma nova grande ofensiva para aterrorizar populações dos territórios libertados;

502 Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-

1974), 1º volume, Enquadramento Geral”, pág. 122. 503 Fernando Amaro Monteiro, “O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964 - 1974)”, pág. 275. Hermes de

Araújo Oliveira acrescenta: “(...) da integrante destas quatro acções (...) resulta a nossa resposta contra a subversão, restabelecendo a ordem, em primeiro lugar, e criando a «nova ordem» de seguida (...). Destas quatro acções, duas há responsáveis pela destruição do inimigo: a acção militar, que fará a destruição material, (...) e a acção psicológica, que destruirá a doutrina (...)”. Em “A Resposta à Guerra Subversiva”, pág. 61, em “Subversão e Contra-Subversão”, Estudos de Ciências Políticas e Sociais, nº. 62, Junta de Investigação do Ultramar, Lisboa, 1963: 47-95. Roger Mucchielli defende cinco acções a desencadear na luta contra-subversiva: 1 - O uso da arma do ridículo sobre o inimigo; 2 - Desencadear a «operação verdade»; 3 - Evitar a situação de tribunal popular; 4 - O emprego da contra-informação; 5 - O implementar, com eficácia, vigilâncias com milícias locais, politicamente formadas e enquadradas. Em ob. cit., págs. 169 a 180.

504 Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Directiva Nº 8/70, de 11 de Abril de 1970, Confidencial. 505 Amílcar Cabral, “Guiné-Bissau - Nação Africana Forjada na Luta”, págs. 123 a 125.

102

3.º - No caso de falhar a segunda fase, tentar um golpe contra a direcção do Partido, fazendo

assassinar o seu Secretário-Geral. Formar uma nova direcção, baseada no racismo, e opor

guineenses a cabo-verdianos, utilizando o tribalismo e a religião. Impedir a luta no interior do País e

liquidar os que permanecessem fiéis à linha do Partido. Entrar em contacto com o Governo

Português; desencadear falsas negociações; obter autonomia interna; criar um Governo fantoche na

Guiné-Bissau, que seria designada de “Estado da Guiné” e faria parte da comunidade portuguesa;

atribuir postos importantes, então prometidos pelo General Spínola, a todos que executassem o

plano.

Como verificamos, são completamente distintas, mas ambas com a mesma finalidade: a de

conseguir atrair populações do seu inimigo, desacreditar as razões da existência da subversão/contra-

subversão e, assim, restabelecer a paz, de acordo com os seus critérios.

2.2. A acção dos movimentos independentistas.

Segundo o 1º Volume da Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), os

principais objectivos psicológicos da propaganda feita pelos movimentos independentistas eram os

países estrangeiros, a Metrópole e o Ultramar.

Quanto aos países estrangeiros, visava-se:

- Desacreditar a política ultramarina portuguesa;

- Fazer crer que a luta desencadeada contra o regime, em África e na Metrópole, tinha grande

sucesso;

- Atribuir às Forças Armadas Portuguesas a prática de atrocidades e de actos indiscriminados de

violência contra as populações (nomeadamente as africanas);

- Fazer crer no descontentamento das populações em todo o território nacional506.

Na Metrópole, procurava criar um clima revolucionário (desencadeando acções de descrédito do

Governo e da sua política, tornando impopular a luta no Ultramar), abalar as forças morais das

instituições militares (lançando boatos difamadores, incitando à indisciplina e à deserção, divulgando

números exagerados de baixas em combate, explorando objecções de consciência e ideias pacifistas).

Quanto ao Ultramar, pretendia conquistar as populações africanas (apregoando que a independência

proporcionaria uma vida melhor, fomentando o ódio racial, exercendo terrorismo selectivo como forma

de intimidação, atribuindo ao Exército a prática de violências), procurava a adesão da população

europeia (tentando antagonizá-la com as Forças Armadas, criando estado de angústia e de descrença,

mas em simultâneo oferecendo lugar seguro na futura independência), desejava desmoralizar as Forças

Armadas Portuguesas, fazendo crer na injustiça e insucesso da guerra e incentivando os militares à

deserção507.

No caso específico da Guiné, o PAIGC utilizava também a Acção Psicológica e com bastante êxito.

Otelo Saraiva de Carvalho é elucidativo sobre este aspecto afirmando que: “(...) a guerra psicológica

era desencadeada, desde a infância, sobre as crianças em idade escolar. Logo nos livros de leitura da

506 Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-

1974), 1º volume, Enquadramento Geral”, pág. 383. 507 Idem, págs. 383 e 384.

103

primeira e segunda classes, excelentemente impressos, em cores várias, em Upsala, na Suécia, surgem

palavras e desenhos sobre armamento e equipamento e sobre o Partido, a sua força, as suas vitórias, os

seus heróis. São frequentes os desenhos de acções de combate (sempre vitoriosas para os guerrilheiros),

de palavras que importa referir e difundir (Guiné, Guilege, Guidage, guerra, sangue) e de frases

motivadoras a propósito (o PAIGC é o guia do nosso povo, a FRELIMO é a frente de Moçambique).

Ao longo dos livros, por várias vezes, repetem-se a bandeira e o emblema do PAIGC com as frases a

copiar em «trabalho de casa»: «PAIGC, nosso Partido, Partido do nosso povo na Guiné e Cabo Verde.

(...)”508.

A Acção Psicológica do Partido utilizava com alguma frequência a técnica de panfleto. O exemplo,

em anexo XII, é demonstrativo do tipo de linguagem dirigida ao «Soldado Português», uma linguagem

que evidencia a opressão colonial e as barbaridades cometidas na luta armada, convidando à deserção,

mas, na sequência lógica do pensamento de Amílcar Cabral (cf. cap. II), salientava-se sempre, que o

combate apontava para o regime e não para o povo português.

O PAIGC conduzia ainda a sua Acção Psicológica através da Rádio Libertação (emissora do

Partido) e, a nível internacional, dispunha do apoio da Rádio Conacry, Rádio Pequim, Rádio Praga,

Rádio Gana e Rádio Cairo509. Na difusão de notícias, sempre tendenciosas, era utilizada,

exaustivamente, a técnica de distorção ou desfiguração510.

Obviamente que a preocupação central era sempre a conquista e adesão das populações, meio e

objectivo deste tipo de guerra. Assim, os primeiros grupos organizados do PAIGC, vindos do exterior,

dirigiram-se, de imediato, às tabancas, para aí se reunirem com os “Homens Grandes” e, no “interesse

da libertação do país”511, solicitavam o apoio da população para a sua causa.

A opinião pública, interna e internacional, constituía outra das preocupações do Partido, pelo que

desencadeou iniciativas conjuntas para a sua mobilização. Luís Cabral, na sua “Crónica da Libertação”,

refere512:

- “(...) a direcção do Partido decidiu reforçar a acção de propaganda, em Cabo Verde e nos meios

dos emigrantes, no exterior, com o envio de missões junto destes e o envio de meios e directivas aos

nacionalistas que se encontravam no interior. O desencadeamento da luta armada na Guiné e o prestígio

que ele traria ao Partido, tanto no plano interno como internacional, constituía um elemento inestimável

como catalização da acção dos combatentes em Cabo Verde, no momento em que se daria início à nova

fase da luta no arquipélago (...)”;

508 Otelo Saraiva de Carvalho, “Alvorada em Abril”, pág. 92 a 94, 2ª Ed. Livraria Bertrand, Lisboa, 1977. 509 As horas de emissão radiofónica eram as seguintes: Rádio Gana: 10 horas e meia semanais, em português, destinadas às “colónias portuguesas”; Rádio Cairo: 2 horas e um quarto semanais, destinadas “às colónias portuguesas”; Rádio Pequim: 7 horas semanais, destinadas às “colónias portuguesas”; Rádio Praga: 7 horas semanais, destinadas às “colónias portuguesas”. Em “Jornal do Exército” de Novembro de 1970, pág. 8. Rádio Conacry: 2ª, 4ª, 6ª e Domingos; das 22.45 às 23. 15h GMT; Rádio Libertação: Todos os dias de manhã, das 7.30 às 8.30h GMT. Em, Otelo Saraiva Carvalho, ob. cit., pág. 97. 510 Esta técnica consiste em alterar as notícias, de modo a apresentá-las como favoráveis. 511 Luís Cabral, ob. cit., pág. 145. 512 Idem, págs. 150, 221, 242, 244, 252, 253 e 328.

104

- o Secretariado Geral, sediado na República da Guiné, desenvolvia trabalhos “(...) dos quais se

destacam a publicação mensal do órgão do Partido, «Libertação», e elaboração regular de programas

para a Emissora da República da Guiné e, mais tarde, para a nossa própria emissora, a edição de

documentos de informação para o exterior (...)”;

- a criação das empresas de comércio geral, os designados Armazéns do Povo, a abertura das

primeiras escolas, mesmo sem possuírem livros impressos e da Escola-Piloto para onde eram enviados

os melhores alunos, a chegada de técnicos e pessoal médico cubano, que possibilitaram um apoio

superior nas “regiões libertadas”.

Para influenciar, psicologicamente, a opinião pública, interna e internacional, quatro outros factos.

O primeiro foi a atitude de demarcação da Igreja Católica, face a Portugal, pois o seu máximo

representante, na altura o Papa Paulo VI, recebeu em 1 de Julho de 1970 os dirigentes dos movimentos

independentistas Amílcar Cabral (do PAIGC), Agostinho Neto (do MPLA) e Marcelino dos Santos (da

FRELIMO). O segundo foi o relatório de missão às “áreas libertadas de Madina do Boé”, de 2 a 8 de

Abril de 1972, elaborado pela Comissão Especial para a Descolonização das Nações Unidas, do qual

resultou, durante a 27ª sessão da Assembleia Geral, o reconhecimento do PAIGC como representante

legítimo do povo da Guiné-Bissau, tendo a 28ª sessão, a 16 de Outubro de 1972, resultado na

condenação de Portugal como ocupante ilegítimo do território513. O terceiro facto, será o assassinato de

Amílcar Cabral a 20 de Janeiro de 1973 em Conacry. Como quarto, consideramos o tipo de

recrutamento efectuado para os quadros de complemento das Forças Armadas Portuguesas, que partia

do princípio que a matrícula na Universidade era o referencial para o Oficialato miliciano e abriu as

fileiras à acção subversiva desenvolvida nos meios académicos.

O primeiro facto foi explicado ao povo português, mas apenas no fim de semana seguinte, através

de uma comunicação feita pelo chefe do Governo, transmitida pela rádio e pela televisão, na tentativa

de reduzir os efeitos da campanha dos movimentos independentistas514. O segundo, como veremos, foi

veementemente contestado pelo Governo de Marcello Caetano. O terceiro, gera alguma controvérsia

quanto aos verdadeiros autores, sabendo-se apenas que os disparos foram efectuados por um partidário

seu, Inocêncio Katy515.O quarto (com mais repercussões a nível interno) objectivava, na retaguarda,

513 Report of the Mission of the United Nations Special Committee on Decolonnization after visiting the liberated

Areas of Guinea-Bissau (A/AC. 109/L. 804; 3 July 1972). 514 O Doutor Marcello Caetano referiu que: o “(...) Secretário de Estado do Vaticano declarou que a audiência (...)

não teve qualquer significado político. E que as palavras dirigidas pelo Santo Padre aos cabecilhas do terrorismo, lá admitidos não nessa qualidade mas na de «católicos ou cristãos que como tais se haviam apresentado no pedido de audiência», se limitaram a exortá-los a que, mesmo ao procurarem aquilo «que considerassem ser seu direito», usassem meios pacíficos «em conformidade com a lei de Deus» (...)”. E acrescentou: “ (...) deste modo fica reduzido às suas proporções um episódio que durante dias agitou o Mundo e causou funda perplexidade e dor à Nação Portuguesa (...)”. E referiu ainda: “(...) louvado Deus que tudo se reduziu a exageros de interpretação publicitária. O Papa não abençoa nem podia abençoar a terroristas como tais. Não podia acolher e louvar aqueles que há tantos anos espalham a dor, o luto e as ruínas em territórios portugueses. Não podia sancionar a rebeldia à mão armada contra o Governo legitimamente constituído, que mantém com a Santa Sé relações amistosas (...)”. Em “Um Ardil Desmascarado”, págs. 6 e seguintes, Secretaria de Estado da Informação e Turismo, 1970.

515 Situação semelhante aconteceu ao líder moçambicano Eduardo Mondlane. Sobre a morte de Amílcar Cabral podemos consultar a obra de José Pedro Castanheira, onde a situação é pormenorizadamente estudada e descrita, mas não conclusiva. A morte de Cabral aproveitava quer a alguns elementos do PAIGC, quer a Sékou Touré, quer ainda a alguns portugueses mais radicais. Em José Pedro Catanheira, “Quem Matou Amílcar Cabral”, Ed. Relógio De Água, 1995. 105

uma acção desenvolvida nos meios estudantis, que punha, à partida, sérias reservas aos resultados do

recrutamento efectuado.

O domínio aéreo em todo o espaço de confronto começou a ser uma ilusão, a partir do momento em

que os guerrilheiros passaram a dispor dos mísseis terra-ar Strella fornecidos pela URSS (Março de

1973), e circulavam notícias de haver já alguns quadros do PAIGC a ser treinados para tripularem

caças MIG516. Esta situação veio afectar a moral dos militares da Guiné, pois passou-se a admitir o

colapso militar517, com consequências imprevisíveis. O Governo Central, para fazer face ao problema,

encetou diligências para a aquisição de mísseis Crotale de fabrico francês, a entregar a partir de Maio

de 1974, e de um lote de 500 Red Eyes (Americanos), negociados por uma firma europeia518.

Uma activa oposição à guerra, em África, surgiu de forma disciplinada e de um efectivo movimento

urbano clandestino, a Acção Revolucionária Armada (ARA, afecta ao Partido Comunista Português),

que advogava uma reforma política e social para Portugal e a independência das Províncias

Ultramarinas; na primavera de 1971 lança uma campanha de sabotagens519. Como resultado destas

actividades, o discurso político oficial passa a frisar que tudo isso fazia parte de um plano de

desagregação da frente interna.

Marcello Caetano, já em Dezembro do ano anterior (1970), quando da apresentação da proposta de

Lei de Revisão Constitucional, referira : “(...) o estado de sítio corresponde à instauração da lei marcial,

com entrega dos poderes à autoridade militar. Temos procurado evitar, nas próprias Províncias

Ultramarinas, essa solução drástica e mantivemos sempre a supremacia do poder civil (...)”. E

acrescenta: “(...) o Governo tem de estar, nestes casos de subversão grave, apetrechado com os poderes

necessários para lhes fazer face (...)”520, passando, assim, o Governo a dispor, pelos nos 5 e 6 do Artº.

109º, da Lei 3/71, de 16 de Agosto de 1971, da capacidade de declarar o Estado de sítio ou, quando este

não se justificasse, “(...) adoptar as providências necessárias para reprimir a subversão e prevenir a sua

extensão, com a restrição de liberdades e garantias individuais (...)”521.

Em finais de 1972, surge a manifestação que ficou conhecida por “Jornada do Rato”, contrária ao

prosseguimento da guerra do Ultramar, que levada a efeito por um grupo de “Católicos Progressistas”,

“(...) constrangeria o Poder à violência que o comprometesse ou à transigência que o rebaixasse; na

verdade, na situação de «réu em tribunal popular» já quase ele se encontrava (...)”522. Destacamos o

facto de esta jornada ter “(...) desencadeado um processo de discussão pública e alargada sobre a guerra

(...)”523 no Ultramar.

2.3. - A acção desenvolvida pelas autoridades portuguesas

516 António de Spínola, “País sem Rumo”, págs. 53 e seguintes. 517 João Hall Themido, “Dez Anos em Washington 1971-1981: As Verdades e os Mitos nas Relações Luso-

Americanas”, pág. 10, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1995. 518 Silva Cunha, “O Ultramar, a Nação e o 25 de Abril”, pág. 318. 519 Bombas de fraca potência foram colocadas em navios das carreiras de África, na sede da DGS, na base da

NATO em Fonte da Telha. 15 helicópteros, 3 aviões ligeiros, 15 Berliet, e as instalações da Rádio Marconi de Palmela e Sesimbra são danificados, são ainda roubadas 200 cartas topográficas dos Serviços Cartográficos de Exército. Em Otelo Saraiva de Carvalho, ob. cit., pág. 102.

520 Assembleia Nacional, “Diário das Sessões” nº. 50 - Ano de 1970, 3 de Dezembro. 521 No 6 do Artº. 109º, da Lei 3/71, de 16 de Agosto de 1971. 522 Fernando Amaro Monteiro, “O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964 - 1974)”, pág. 293. 523 Boletim Anti-Colonial, pág. 83, Ed. Afrontamento, Porto, 1975.

106

Recordamos que, no capítulo I, referimos os sistemas jurídicos aplicados em África e que o latino

era integrador, apesar de transigir com os consuetudinários, na medida em que não afectassem o

sistema jurídico metropolitano (fê-lo numa perspectiva que conduziria ao progressivo desvanecimento

dos consuetudinários)524. O cristocentrismo constituiu o referencial dos instrumentos jurídicos

implantados no Ultramar, dele se destacando três fases: a assimilação tendencial na «Época Heróica», a

assimilação uniformizadora (após 1820) e a reacção contra esta última, nos finais do século XIX525.

Era sentimento generalizado do povo português, quando do início dos acontecimentos em Angola,

que Portugal era multicontinental e multirracial, possuindo a sua população igualdade de direitos.

Nunca a população da Metrópole e a europeia, residente em África acreditaram que a subversão

armada, se instalasse nas províncias ultramarinas, à semelhança do que acontecera em alguns territórios

coloniais. Esta convicção não deixava de ter as suas razões, pois os portugueses em toda a parte onde

estiveram, com a preocupação da dignificação das populações, procuraram manter com os povos

nativos uma relação de acentuada cordialidade, pacífica e respeitosa526. Além do mais, exceptuando

algumas práticas pontuais que apenas confirmam a regra, nunca o “(...) Poder Português se franqueou

ao preconceito da discriminação racial (...)”527. Vigorou o Estatuto do Indigenato, que seria abolido

pelo Decreto-Lei nº. 43893, de 6 de Setembro de 1961, passando, assim, toda a população portuguesa a

dispor de igualdade jurídica.

Os grupos oposicionistas da política ultramarina formulada pelo Governo Português já há algum

tempo que trabalhavam as populações nativas, procurando fomentar a linha de fractura entre estas e a

população branca, “(...) a subversão movimentava-as e dinamizava-as em redor da ideia força

independência (...)”528, ao mesmo tempo que molestava os africanos fiéis à soberania portuguesa,

nomeadamente, as autoridades gentílicas.

Quando o conflito eclodiu, faltavam ainda as estruturas de Acção Psicológica, pois, anteriormente,

era habitual atribuir às 2as Repartições dos Quartéis Generais (Repartição de Informações) essas

responsabilidades, sendo só em 1963 criada uma secção de Acção Psicológica no seio da referida

repartição do Estado-Maior do Exército. Numa guerra como a subversiva/revolucionária, que envolve

essencialmente a conquista e adesão das populações, pareceria exigível a existência, a nível nacional,

de um Serviço de Acção Psicológica, que, em Portugal nunca chegou a ser criado. Este facto, associado

a uma tardia e insuficiente organização da estrutura militar nesta área, não possibilitou o lançamento

oportuno e eficiente, de uma campanha de contra-propaganda nem o combate com êxito ao efeito de

lassidão. Nunca se passou de “(...) actividades dispersas de alguns órgãos e entidades, tanto civis como

militares, com impacto nítido no campo da Acção Psicológica (...)”529. Só no ano de 1970 é que foi

criada uma Comissão Interministerial com o objectivo de, a nível nacional, planear e coordenar a Apsic

e a actividade dos diversos ministérios interessados. Porém, apesar da falta de estruturas e de um plano

524 Fernando Amaro Monteiro, “A Guerra em Moçambique e na Guiné - Técnicas de Accionamento de Massas”,

pág. 17. 525 Silva Cunha, “ O Sistema Português de Política Indígena. Princípios Gerais”, págs. 36 e 37. 526 Marcello Caetano, - “Tradições Princípios e Métodos da Colonização Portuguesa”, págs. 40 e 41. 527 Fernando Amaro Monteiro, “O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964 - 1974)”, pág. 285. 528 Romeu Ivens Ferraz de Freitas; “Conquista da adesão das populações”, pág. 3, exertado da pág. 410, da

“Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) 1º volume, Enquadramento Geral”. 529 Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-

1974) 1º volume, Enquadramento Geral”, pág. 387. 107

concertado para actuação a nível da Acção Psicológica, algumas medidas foram tomadas com vista a

atingir quer a população branca, quer a população negra. Na fase inicial do conflito, a Acção

Psicológica, orientada para as populações da Metrópole e para as Forças Armadas, com a intenção de

alimentar a determinação de oposição ao inimigo e levar a acção contra-subversiva a bom termo, focou

temas como as atrocidades cometidas de forma indiscriminada, sobre europeus e africanos, na Baixa do

Cassange. O Poder Português aproveitou, ainda, para relacionar a situação com uma eventual traição

dos elementos ligados à tentativa de golpe pelo General Botelho Moniz e, assim, justificar a

impreparação portuguesa para os acontecimentos.

Outra situação, com grande impacto psicológico entre os elementos das forças armadas e alguns

sectores da população civil, foi a invasão, em 17 de Dezembro de 1961, de Goa, Damão e Diu com

45000 homens em acção e 26000 em reserva, contra 4000 do lado português, tendo sido tomado a 19

do mesmo mês o principal reduto português da cidade de Pangim, assinando-se a rendição ao meio-

dia530.

Face a um contexto internacional tão adverso e à diversidade de instrumentos e métodos utilizados

pelos movimentos independentistas, para desenvolverem a sua Acção Psicológica, as dificuldades, para

Portugal vencer, eram enormes. No caso da Guiné, só em 1963 é que começaram a ser elaborados

relatórios periódicos e instruções para lançamento de Apsic em todos os escalões, mas, só em 1965, por

determinação do Governador e Comandante-Chefe General Arnaldo Schultz ao seu Gabinete Militar,

foi elaborada “(...) uma directiva de Acção Psicológica ajustada para a guerra revolucionária, que então

se deparava (...)”531 na antiga Província Portuguesa.

A partir de 1965, os meios para a acção não escassearam; além de se publicarem regulamentos

específicos, passaram a desenvolver-se cursos, estágios e palestras; foram criados os jornais das

unidades e os centros informativos; realizaram-se reuniões para apresentação de filmes, fotografias,

dísticos, cartazes e publicações de natureza variada532.

O General Spínola, durante o período em que foi Governador e Comandante Chefe das Forças

Armadas da Guiné (de Março 1968 a Setembro 1973), procurou retirar à subversão o “substrato

dinâmico” de carácter social em que esta se apoiava e, colocando-o ao serviço da contra-subversão,

pretendeu opor à revolução social subversiva uma eficaz contra-revolução anti-reaccionária, “(...)

combatendo ideias com ideias (...)”533, uma vez que estava consciente de que um plano de contra-

subversão não se projectava “(...) no campo da missão das Forças Armadas, mas sim no campo do

fomento económico e social e da promoção cultural das populações (...)”.534 A execução da manobra

contra-subversiva, preconizada pelo General, visava o sector da manobra militar, o da promoção sócio-

económica e o da manobra psicológica535, estando a manobra militar e a sócio-económica

530 Em 1960, por decisão do Subsecretário de Estado do Exército, os efectivos militares haviam sido reduzidos de

12000 homens, dois navios de guerra, e três lanchas de fiscalização, a 3500 homens, um navio e três lanchas. Podemos encontrar mais detalhes sobre este assunto em “A Queda da Índia Portuguesa - Crónica da Invasão e do Cativeiro” de Carlos Morais, Ed. Intervenção, Lisboa, 1980.

531 José Lomba Martins, “Guiné-Bissau da Década de Sessenta à Actualidade”, pág. 89, em “Africana”, nº. 10, Centro de Estudos Africanos da Universidade Portucalense, Porto, Março de 1992.

532 Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 1º volume, Enquadramento Geral”, pág. 388.

533 António de Spínola, “O Problema da Guiné”, pág. 15. 534 Idem, Exposição ao Conselho de Ministros em Maio de 1969. 535 De acordo com Otelo Saraiva de Carvalho, a manobra preconizada processava-se: “(...) 1- No âmbito da

promoção sócio-económica: execução do plano de fomento com esforço prioritário no «chão» Manjaco; e previsão de 108

interpenetradas, mas desenvolviam-se em esferas de acção diferenciadas - fomento e segurança -

correspondendo-lhes, também, acções diferenciadas. A manobra sócio-económica visava conseguir a

adesão da população e impedir ao PAIGC a realização dos seus objectivos psicológicos, a manobra

militar pretendia garantir o espaço e o tempo necessários para a consecução dos objectivos da primeira.

Parece-nos evidente a inutilidade do esforço militar, se os objectivos sócio-económicos que estavam na

base da contra-subversão, não se concretizassem.

Assim, para manter e aumentar a adesão das populações, o General desenvolveu uma manobra, que

tinha por finalidade a promoção sócio-económica, utilizando frequentemente a tropa e percorrendo ele

próprio diversas vezes o território, ao mesmo tempo que assegurava que as suas medidas tinham a

adequada cobertura pela imprensa da Metrópole536. Este esforço, destinado a subtrair as populações à

influência do PAIGC, terá apressado, conforme assinala Tom Gallagher, o fim do regime: “(...) Este

programa ambicioso, mas condenado desde o princípio ao fracasso, de acção cívica e militar tem sido

invariavelmente, considerado uma parte essencial, na fase final da revolução na Metrópole e do

abandono em África. Talvez ele devesse também ser visto no contexto da política do Estado Novo, no

qual ele representou um claro e radical desvio às normas conservadoras. Ironicamente, terão sido as

florestas e os pântanos da Guiné-Bissau, durante os anos finais do Estado Novo, que terão visto a

direita radical conceder-lhes a liberdade (...)”537.

Face ao plano atrás expresso, vinha a ser desenvolvida, entre as populações, oportuna campanha

psicológica baseada nas promessas de “Uma Guiné Melhor”, que satisfazia os seus legítimos anseios de

promoção. Todavia, a manobra processava-se em clima de manifesta precariedade de meios,

resultando, assim, por um lado, a impossibilidade de se atingirem os objectivos sócio-económicos e,

por outro, uma indecisão no campo militar. Mas, apesar dessa precariedade, foi decidido exercer o

esforço no plano sócio-económico em detrimento da manobra militar. Esta decisão envolvia riscos

inerentes ao enfraquecimento do dispositivo de segurança, face a um previsível agravamento da

situação militar, risco que o Comando-Chefe procurou minimizar, no campo da manobra militar,

através de um ajustamento do dispositivo e accionamento das suas forças, à luz do novo conceito

operacional.

A organização das tabancas em autodefesa e o reordenamento das populações, na Guiné, foi

determinada em 30 de Setembro de 1968538. A “(...) política de agrupar populações em aldeamentos

transferência para o «chão» mandinga e mancanha; papel das Forças Armadas, fundamental para a execução; 2- No âmbito da manobra militar: isolamento do Teatro de Operações, relativamente à tentativa de infiltração de grupos inimigos, segurança das populações e estruturas; aniquilamento do inimigo, emprego e constituição da reserva; 3- A manobra psicológica: visava exercer esforço na manutenção da adesão das populações sob controlo português, integrando-as no movimento da Guiné Melhor, através de acções de justiça social e de promoção sócio-económica, visando o abalo das populações: sob controlo do PAIGC e dos seus combatentes; refugiadas nos países vizinhos; de países limítrofes (...)”. Em ob. cit., págs. 88 e 89.

536 Para Tom Gallagher, “(...) o General Spínola limitou-se a expressar, tal como Caetano já havia feito dez anos antes, pontos de vista federalistas. Como Governador da Guiné, entre 1968 e 1973, imaginou poder deter a insurreição do PAIGC com um ambicioso programa de assistência às populações negras. Para isso, utilizou frequentemente as tropas como se fossem funcionários (...)”. Em ob. cit., pág. 184.

537 Idem, pág. 176. 538 Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Directiva Nº. 43, de 30 de Setembro de 1968, Secreto. Segundo

a Directiva Nº. 49, de 16 de Outubro de 1968, do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Secreto, a Divisão de Organização e Defesa das Populações ficou responsável pelo estudo, impulsionamento, coordenação e fiscalização do reordenamento, pelo recenseamento e pelo enquadramento e defesa das populações. A experiência demonstrou que era preciso reajustar as directivas sobre reordenamento e autodefesa. Assim, pela Directiva Nº. 19/69, de 5 de Março 109

protegidos, representava uma cópia parcial da estratégia americana no Vietname e visava proteger a

população rural dos insurrectos (...)”539, envolvendo responsabilidades acrescentadas para o Governo e

para as Forças Armadas, perante as populações e, assim, as medidas adoptadas deveriam revelar-se

eficazes, no tocante à segurança das populações e dos meios de subsistência; em Dezembro de 1971,

havia 46 tabancas organizadas em autodefesa, 341 com armamento distribuído e 26 em que os seus

elementos colaboravam com as tropas portuguesas, perfazendo um total de 11163 armas distribuídas à

população540.

De qualquer forma, aquilo que se designa, abreviada e indevidamente, de política de aldeamentos

não se aplicava isoladamente. O Comando-Chefe difundiu diversas Directivas destinadas à conquista

das populações das quais salientamos, entre outras541, as 4 Directivas que a seguir mencionamos:

- A Directiva nº. 60/68, de 17 de Dezembro de 1968. Nesta directiva era referido que “(...) um plano

de contra-subversão não se projecta no campo imediato da força das armas, mas sim da promoção

social e cultural das populações; (...) a guerra da Guiné não se ganha pela força das armas, mas sim

pela força da razão. E a razão conquista-se na medida em que a Província atinja um nível de bem estar

social; (...) se atingirmos um nível de bem estar em tempo útil, furtaremos ao inimigo a força da razão

(...). É natural que o inimigo combatente e as populações da Guiné presentemente desorientadas se

desequilibrem para o lado da razão (...); há que restabelecer um clima de recíproca confiança entre os

portugueses metropolitanos e portugueses guineenses (...); impõe-se uma campanha de mentalização

(...), que vai ser iniciada, na presente época do Natal, com a libertação de vários elementos inimigos,

presos na ilha das Galinhas, depois de devidamente integrados na actual linha de rumo (...)”;

- A Directiva nº. 44/69 de 8 de Abril de 1969, esclarece ser necessário“(...) gerar clima psicológico

novo, onde não haja lugar para ressentimentos e complexos de culpa (...); esforço orientado para a

reconstrução moral e material da Província (...), mentalização, com o fim de eliminar tendências

repressivas, consciencializando todos os militares na missão civilizadora (...)”;

- Pela Directiva nº. 65/69, de 13 de Agosto de 1969, na qual se explicitava que o Comando-Chefe,

depois de um estudo aprofundado que ainda não havia sido feito anteriormente, sobre “(...) o meio

étnico, religioso e linguístico; meio sócio-económico, rural e urbano; a conduta e os resultados das

acções de conquista e protecção das populações através de: importantes medidas sanitárias, preventivas

e curativas; medidas de assistência materno-infantil e a idosos; apoio a actividades agrícolas e

piscatórias (...)”, decidiu, na manobra estratégica do Teatro de Operações da Guiné, “(...) constituir o

“chão” Manjaco como área fulcral da luta contra a subversão (...)”. Reputamos ser esta Directiva da

de 1969, do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Secreto, foram publicadas as “ Normas Reguladoras de Reordenamentos e Autodefesas”.

539 Tom Gallagher, ob. cit., pág. 178. 540 Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Relatório de Comando, Secreto, 1971. 541 Directivas das Operações Psicológicas Alfa de 26 de Outubro de 1968, Secreto - Esforço no «chão» Manjaco,

através de acções panfletárias, campanhas de informação e propaganda radiofónica e exploração de motivações ligadas ao sobrenatural; Directiva Nº. 58/68, que para a época seca de 1969, Secreto, no tocante à acção psicológica referia o esforço de Apsic sobre os Manjacos, Balantas e Mandingas do «chão» Fula; Directiva Nº. 17/69 de 22 de Fevereiro de 1969, para apoio às populações, Secreto; Directiva Nº. 57/69 de Junho de 1969, Secreto, planos de urbanização para disciplinar acções tendentes a resolver o problema da habitação das populações; Directiva Nº. 60/69 de 15 de Julho de 1969, Secreto, para incremento da instrução primária;·Directiva Nº. 78/69, de 19 de Novembro de 1969, Secreto, plano da manobra a desenvolver na a época seca de 1969/70 (Outubro de 1969 a Março de 1970). 110

maior importância, devido ao facto de a sua execução vir a constituir a acção militar de maiores

repercussões na conduta da manobra estratégica sócio-económica. Teve um remate trágico e decisivo

na evolução da situação na antiga Província Portuguesa, devido à falta de apoio político, institucional e

colegial na guerra revolucionária, a ser conduzida com grande dinamismo e criatividade pelo

Comandante-Chefe da Guiné, General Spínola, com o apoio do Ministro do Ultramar, Doutor Silva

Cunha.

- Directiva nº. 8/70, de 11 de Abril de 1970, na qual a doutrina enunciada era a seguinte: “(...) na

certeza que a guerra que defrontamos é eminentemente psicológica, a manobra de contra-subversão terá

de ser, eficazmente, apoiada por uma manobra psicológica que garanta a mentalização e que garanta a

integração efectiva de todas as forças de contra-subversão na tarefa essencial de conquistar as

populações. Por outro lado, a conquista assentará mais na conquista dos espíritos (adesão) do que no

controlo físico das populações (...); dentro dessa conjuntura, deverá a manobra psicológica, na

Província, ser conduzida nas seguintes bases:

(1)- Em relação às populações:

a. Dar prioridade, no âmbito da Apsic, às populações controladas, tendo em vista: o incremento e

consolidação da sua adesão à causa nacional (...), a sua mentalização para a aceitação dos

reordenamentos e autodefesa;

b. Actuar, psicologicamente, sobre as populações em situação de duplo controlo, por forma a

conseguir-se anular, pelos factos, a propaganda In, junto das populações, com vista à sua

apresentação ou, no mínimo, a aceitação da sua futura recuperação (...);

c. Actuar psicologicamente sobre as populações sob controlo In, por forma a conseguir-se a sua

apresentação ou, no mínimo, a aceitação do duplo controlo (...);

(2) Em relação às forças de contra-subversão:

a. Promover intenso esforço de Apsic sobre os quadros e pessoal integrante, por forma a conseguir-

se a aceitação da sua participação na manobra sócio-económica (...), a orientação das relações com

a população, em todos os escalões executivos para a dignificação e promoção do nativo guineense

(...);

(3) Em relação ao In:

a. Orientar o esforço de Apsic sobre o In para os aspectos de dissociação do binário

dirigentes/combatentes, a anulação do compromisso ideológico e da determinação de lutar dos

combatentes In, por forma a conseguir o máximo de apresentações de elementos activos, promover

a recuperação dos ex-combatentes (...), procurar a captação dos elementos combatentes (...)”.

Foram desenvolvidas diversas actividades de informação e de contra-propaganda, com a finalidade

de atingir os vários grupos humanos, quer em território da Guiné, quer no dos países limítrofes, quer,

ainda, na opinião pública internacional. Uma dessas actividades foi, de acordo com a Directiva 60/68, a

111

libertação de prisioneiros542. No décimo aniversário do evento de Pidjiguiti, o General Spínola liberta,

de forma espectacular, 93 presos políticos, entre os quais o Presidente do Comité Central do PAIGC,

Rafael Barbosa, preso a 13 de Março de 1962 pela PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado).

Barbosa agradece em nome de todos os prisioneiros, num discurso difundido pela rádio de Bissau.

Luís Cabral lembra que, em 1968 e 1969, “(...) em consequência das nossas vitórias e na

impossibilidade objectiva de parar a marcha da luta armada, o Governo Colonial decidiu libertar os

presos políticos, detidos em Bissau e na ilha das Galinhas, e pedir a libertação e regresso dos que

tinham sido enviados, sob prisão, para Angola (...)”. E acrescenta que: “(...) num comício, realizado em

3 de Agosto, na praça do Império, o Governador apresentou à população de Bissau os prisioneiros

libertados, tendo sido escolhido Rafael Barbosa para falar em seu nome. Foi com horror que os

combatentes da liberdade ouviram o antigo presidente do Comité Central do Partido proclamar a sua

fidelidade ao colonialismo, indo ao ponto de afirmar que a prática ia provar que o Governador “não era

mais português” do que ele próprio, Rafael Barbosa (...)”543.

A difusão, pela Secção de Radiodifusão e Imprensa (SRI), de vários programas radiofónicos, quer

em Português, como o Programa das Forças Armadas (PFA)544, quer em línguas nativas, como o

Programa de Línguas Nativas (PLN), e mesmo em Francês, tinham presentes uma ou mais das

seguintes preocupações:

- Divulgar e popularizar a política governamental, realçando realizações à luz da justiça social e

económica para os guinéus;

- Contradizer a propaganda do PAIGC, especialmente a que se refere à economia portuguesa ou ao

isolamento de Portugal no contexto internacional;

- Fomentar a deserção e contestação no seio do PAIGC;

- Subtrair audição aos programas estrangeiros545.

542 Esta manobra visava desiquilibrar, psicologicamente, os combatentes. Procurava a recuperação de ex-

combatentes, capturados ou apresentados, quebrava a determinação de lutar e procurava ainda conseguir um maior número de apresentados.

543 Luís Cabral, ob. cit., pág. 438. 544 O Programa das Forças Armadas dirigia-se a toda a população (europeia e africana), sendo emitido 3 horas,

semanalmente, em várias línguas nativas (Manjaco, Fula, Mandinga e Balanta), excepto o Crioulo que tinha 7.30 horas semanais, sendo este facto importante, uma vez que a língua portuguesa tem pouca penetração na Guiné. Os programas tipo foram, essencialmente, orientados através da exploração de temas de contra-propaganda, como: “Colóquio”, “África em Foco”, “Tua Terra é Notícia”, “Sete dias em Foco”. A Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica (Repacap), em 1971, utilizando os emissores de ondas curtas e médias da Emissora Oficial da Guiné Portuguesa, emitiu um total de 2372 horas distribuídas assim: PFA 1095 horas Voz da Província (em crioulo) 156 horas Balanta 158 horas Fula 156 horas Mandinga 156 horas Manjaco 156 horas Voz do teu povo 52 horas Guiné de hoje, Guiné melhor 183 horas Francês 104 horas Francês com Holoff 52 horas Sosso 52 horas

Em Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Relatório de Comando, Secreto, 1971. 545 Idem.

112

Os programas radiofónicos em língua francesa visavam as massas populares da República da

Guiné, da população senegalesa, em especial a do Casamansa, elites senegalesas e guineenses com a

finalidade genérica de:

- Apresentar Portugal, na sua expressão pluricontinental e multirracial, como nação dotada de

resistência material e humana necessárias para suportar esforços de guerra nas três frentes;

- Contrariar a noção divulgada de isolamento internacional de Portugal, mostrando que esse

isolamento não tinha expressão na comunidade das nações ocidentais e que, mesmo entre países do

terceiro mundo e até no seio da própria OUA, Portugal encontrava a melhor compreensão;

- Explorar situações de conflito aberto ou potencial entre o PAIGC e as populações dos países

limítrofes546.

Como complemento destas acções procurou-se conquistar o apoio das populações547 e desacreditar

os elementos independentistas, através de assistência sanitária prestada nos postos fronteiriços. Quanto

aos refugiados548, a actividade de captação visava o seu regresso a território português, explorando os

laços familiares, o apego ao “chão” e as realizações que consubstanciavam “Uma Guiné Melhor”.

A Administração Portuguesa desenvolveu ainda outro tipo de acções de propaganda, por forma a

sensibilizar a opinião pública nacional e internacional, como:

-·A publicação de jornais e revistas, como o “Panorama da Guiné” e a “Voz da Guiné”;

-·A difusão de notícias e notas do dia, incluídos nos noticiários da EOGP (Emissora Oficial da

Guiné Portuguesa), cartazes, feira de amostras, exposição de esculturas, graduação de novos oficiais e

sargentos africanos na cerimónia do 10 de Junho;

- Publicitar a política governativa, denunciar a obediência comunista do PAIGC, as suas ligações ao

regime de Sékou Touré e a escassa popularidade no exterior da Província;

- A promoção de visitas de entidades e jornalistas estrangeiros, por forma a tentar neutralizar o

clima de sucesso que a bem orientada campanha do PAIGC vinha desenvolvendo;

- Inclusão de equipas de assistência sanitária nas patrulhas de contacto com as populações; (em

1971 foram efectuadas 7373 visitas médicas e feitas 4356 evacuações por diversos meios)

- Prestação de assistência educativa (durante o ano lectivo de 1970-1971, estiveram em

funcionamento 92 postos militares, assistidos por 116 professores, sendo 80 metropolitanos e 36

guineenses);

- Prestação de assistência religiosa, procurando adaptar a acção catequética às noções e tradições

próprias de cada etnia, e desenvolvendo relações com outras religiões, isso se processando no maior

respeito e apreço com os dignitários muçulmanos.

Ainda no campo de acção sobre as populações não pode deixar de se referir a realização dos

Congressos do Povo na Guiné, uma estrutura político-administrativa, realmente inédita e motivadora.

Nestes congressos “(...) as populações eram chamadas a discutir e a interessar-se pelos próprios

546 Estes programas preenchiam um total de três horas semanais. Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné,

Relatório de Comando, Secreto, 1971. 547 Segundo o Relatório de Comando, classificado de Secreto e datado de 1971, a Administração Portuguesa

controlava 487448 indivíduos. O PAIGC controlava 107.200 indivíduos, distribuídos da seguinte maneira: 60 mil no Senegal; 20 mil na Gâmbia e República da Guiné; dentro do território da antiga Província Portuguesa 27200 indivíduos.

548 Cerca de 13% do total da população, segundo o Relatório de Comando, do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Secreto e datado de 1971. 113

problemas (...)”549. A Apsic sobre as Forças Armadas desenvolveu-se através da realização de sessões

de esclarecimento, jornais de parede e de unidade, cartazes, programas de rádio, símbolos heráldicos,

etc. Para além de procurar manter a moral e eficiência, foi orientada de forma a obter a comparticipação

consciente na manobra sócio-económica e na dignificação e promoção do nativo.

Quanto às tropas africanas, “(...) deve assinalar-se o esforço notável feito no sentido de se abolir, na

realidade da vida diária do serviço, qualquer espécie de diferenciação que pudesse ainda existir, de

facto, entre elas e as europeias. Neste aspecto, deve ser citada uma medida de relevante efeito

psicológico: a intensificação e alargamento em todos os escalões da miscegenação das unidades com

europeus e africanos (...)”550. Esta africanização dos quadros das forças armadas “(...) servia também a

Lisboa para apoiar a sua propaganda de que a guerra não tinha carácter racial (...)”551. Assim, na Guiné,

formaram-se unidades que eram quase só constituídas por naturais do território, como os comandos

africanos, recrutados e instruídos no local, e, posteriormente, graduados como oficiais, sargentos e

praças.

A Apsic, orientada para o apoio das operações militares, visava “(...) um triplo objectivo: as forças

inimigas combatentes, os seus quadros políticos e as populações sob sua influência (...). Já naquela fase

em que os departamentos próprios de Acção Psicológica entraram a funcionar em pleno, estas acções

passaram a ser planeadas, em relação a três fases: antes das operações, durante as operações e depois

das operações. Os meios utilizados para o efeito foram, na maioria dos casos, as emissões de rádio,

altifalantes, panfletos e, ainda, o contacto directo e pessoal (depois da captura). A utilização e o

doseamento dependiam de diversos factores, como sejam a disponibilidade daqueles, a fase de

operação que se tratava e a sua finalidade (...)”552.

Na guerra da Guiné, tal como na de Moçambique, as pedras-base da Apsic foram o aldeamento, o

colonato, a africanização dos quadros civis e militares e, de uma maneira geral, a promoção escolar,

sanitária e o progresso económico. Mas, apesar de muito esforço feito, os mecanismos de accionamento

e/ou opinião “(...) utilizaram: censura improfícua, propaganda predominantemente “branca” (que só

impressionava os já convencidos); no terreno, Acção Psicológica de tutela dividida (para populações

controladas e para não controladas) (...)”553.

A informação pública respeitante à guerra exercia-se, inicialmente, com desfasamento e, numa fase

posterior, com restrições. Com o arrastar da guerra, a tendência viria a ser a de acreditar noutras fontes,

que não fossem as governamentais, pelo que, como é obvio, quer o quintacolunismo, quer a subversão,

tiraram os seus dividendos para accionamento psicológico.

3. - A importância das informações no conflito da Guiné

549 Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-

1974), 1º volume, Enquadramento Geral”, pág. 391. 550 Idem, pág. 390. 551 Allen e Barbara Isaacman, “Mozambique, from Colonialism to Revolution (1900-1982)”, pág. 80, Westview

Press, Boulder, Colorado, 1983. 552 Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-

1974), 1º volume, Enquadramento Geral”, págs. 391 e 392. 553 Fernando Amaro Monteiro, “A Guerra em Moçambique e na Guiné - Técnicas de Accionamento de Massas”,

pág. 29. 114

A «presciência» ou «previsão» de Sun Tzu, a previsão referida em “O Príncipe” de Maquiavel e o

conjunto de conhecimentos do inimigo que Clausewitz refere, são o demonstrativo da necessidade de

se dispor de um eficiente serviço de informações, cuja existência tem de preceder a respectiva

necessidade.

A actividade de informações envolve um complexo processo de definição e orientação do esforço

de pesquisa, avaliação, análise, integração e interpretação das informações, que devem ser oportunas,

precisas e adequadas.

Numa guerra de cariz subversivo/revolucionário, cuja organização é clandestina, onde é empregue

uma diversidade de meios, e com a “(...) justaposição, em superfície, dessa organização com as forças

da ordem e com a população (...)”554 a torná-la mais complexa, a obtenção das almejadas notícias sobre

o adversário torna-se mais difícil.

Na guerra revolucionária, o esforço de pesquisa deve ser orientado não só para o inimigo e para o

meio, mas também para a população, o ambiente e o objectivo último na luta. Nas campanhas de África

(1961-1974), esta pesquisa era efectuada a nível da companhia de caçadores que, no entanto, não tinha

qualquer estrutura de informações, a nível orgânico, nem sensibilidade trabalhada para isso. Só a partir

do Comando de Zona “(...) apareciam verdadeiras estruturas de informações (...)”555.

A difusão das informações era feita a todos os escalões, acontecendo que os Supintreps (relatórios

suplementares de informação), pelos conhecimentos essenciais que proporcionavam, contribuíram, em

muito, para a captação das populações556 que estavam sob influência preferencial dos movimentos

independentistas.

Antes dos acontecimentos de 1961 em Angola, existiam diversos organismos que trabalhavam as

informações, possuindo os diversos ministérios os seus serviços específicos. Contudo, o seu esforço era

descoordenado e em sobreposição, induzindo muitas vezes o Governo Central, em erro, em relação a

várias situações. Tendo em vista a adaptação às novas situações criadas, o alargar a outras áreas e “(...)

ao reforço e à melhoria da coordenação e publicação de normas regulamentares e doutrinárias sobre a

matéria (...)”557, as estruturas dos Serviços de Informações sofreram várias alterações. Assim, quando

do 25 de Abril de 1974, a situação, quanto a tais orgãos, era a seguinte558:

- No Secretariado Geral da Defesa Nacional, a 2ª Divisão centralizava e coordenava a actividade

dos SIM (Serviços de Informações Militares);

- No Ministério do Ultramar, o Gabinete dos Negócios Políticos559 centralizava e coordenava as

informações recebidas dos SCCI (Serviços de Centralização e Coordenação de Informações) das

554 Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Subsídios para a Doutrina Aplicada nas Campanhas de

África (1961-1974)”, pág. 155. 555 Idem, pág. 159. 556 Pedro Cardoso, “As Informações em Portugal”, pág. 189. 557 Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-

1974), 1º volume, Enquadramento Geral”, pág. 368. 558 Podemos consultar mais detalhadamente: Pedro Cardoso, “ As Informações em Portugal”, pág. 126; as obras da

Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 1º volume, Enquadramento Geral”, pág. 369, e “Subsídios para o Estudo da Doutrina Aplicada nas Campanhas de África”, pág. 158.

559 Gabinete dos Negócios Políticos, criado pelo Decreto Lei N º 44773, de 2 de Julho de 1967. Este gabinete possuía duas repartições, a dos negócios políticos e a de relações internacionais. Ver detalhadamente “As Informações em Portugal” de Pedro Cardoso, págs. 124 e 125. 115

Províncias Ultramarinas. Encarregava-se do estudo dos problemas da política ultramarina, nos aspectos

e implicações de ordem interna e internacional e da execução das missões, que lhes fossem

determinadas pelo ministro, obtendo as suas informações dos SCCI e de outras fontes informais;

- No Ministério do Interior, estavam integradas as Forças Militarizadas e a PIDE (Polícia

Internacional e de Defesa do Estado)560, depois DGS (Direcção Geral de Segurança)561. Esta última

trabalhou sempre em competição com os Serviços de Centralização e Coordenação das Províncias

Ultramarinas. Desta direcção-geral “(...) avultavam a qualificada informação estratégica e a detalhada

informação táctica que fornecia às Forças Armadas (...)”562.

- No Ministério dos Negócios Estrangeiros, a Direcção Geral dos Negócios Políticos centralizava e

coordenava as informações recebidas por via diplomática e consular.

Naquele período, tal como hoje, aqueles que têm de tomar as decisões dentro dos órgãos de

soberania de que são os últimos responsáveis, necessitam de um organismo que centralize e coordene

as informações dos vários serviços existentes e que elabore análises oportunas e prospectivas, sobre

problemas ou atitudes que envolvam decisões àqueles níveis. Desta forma, evitar-se-á a dispersão.

Em Portugal, mesmo quando do final das campanhas, não existia, a nível do Governo Central,

qualquer estrutura que centralizasse e coordenasse informações de interesse para a administração,

defesa e política do país. Porém, a nível das Províncias, em 1961, pelo Decreto 43661, criaram-se os

SCCI (em Angola e em Moçambique). A nível provincial, estes serviços constituíram “(...) uma pedra

fundamental da conduta da política nacional e da guerra (...)”563. Tinham como missão centralizar,

coordenar, estudar, interpretar e difundir informações que interessassem à política, à administração e à

defesa das respectivas províncias. Estes serviços faziam a análise das informações de carácter

estratégico ou produziam estudos específicos. Efectuavam pesquisa na medida do indispensável

exploratória (se urgente ou a requerer especial qualificação) do que sabiam pelas outras vias e aberta

(raríssimas vezes coberta). A sua informação não se destinava ao aproveitamento operacional táctico.

Todavia, estes serviços eram, em simultâneo, órgãos do Governo-Geral e do Comando-Chefe (com

subordinação hierárquica e administrativa ao primeiro).

Na Guiné, apesar da proposta do Governador datar de 6 de Setembro de 1963, os SCCIG só foram

organizados em 1969, ficando integrados na Divisão de Informações do Gabinete Militar do Comando-

Chefe, com a finalidade de trabalhar as informações que a este interessavam, na sua dupla função de

Governador e Comandante-Chefe.

Apesar de toda a estrutura de informações, montada e a funcionar, surgiam algumas falhas. Para

Amaro Monteiro, elas deviam-se, quanto ao caso de Moçambique, a uma “(...) interacção de factores

560 Decreto Nº. 35046, de 22 de Outubro de 1945. Esta detinha um estatuto de polícia judiciária para a repressão e

prevenção dos crimes, no interior e exterior do Estado, sob a dependência do Ministério do Interior. 561 Decreto Lei Nº. 49401, de 19 de Novembro de 1969. Tinha por missão proceder à recolha e pesquisa,

centralização, coordenação e estudo das informações úteis à segurança, manter relações com organizações policiais nacionais e estrangeiras e serviços similares, para troca recíproca de informações e para a coordenação na luta contra a criminalidade.

562 Fernando Amaro Monteiro, “O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964 - 1974)”, pág. 279. 563 Pedro Cardoso, “As Informações em Portugal”, pág. 115.

116

negativos (...)”564, como o enfraquecimento sectorial da tónica estratégica, acentuada dualidade

civil/militar, inadequada (senão ausente) coordenação do esforço de pesquisa e uma disfunção na

análise global. A nível do esforço de pesquisa, eram necessários quadros informados sobre as estruturas

clânicas e tribais das sociedades negras, para assim poderem accionar mecanismos de comunicação

paralelos, ou convergentes, como as linhas de influência islâmica.

Estas falhas das estruturas de informação reflectiam-se negativamente na Apsic, quer em

Moçambique, quer na Guiné. O referido analista crê que, até meados de 1972, apesar do Governo e

Comando-Chefe da Guiné deterem conhecimento da importância do Islão naquele teatro, como

demonstra o Supintrep nº. 11 (Religiões da Guiné), existia um desconhecimento completo dos

conceitos. Este documento não reflectia a “(...) preocupação de elucidar as entidades intervenientes no

domínio da Acção Psicológica quanto à malha de projecção/articulação (no terreno político-religioso

interno/externo) dos dignitários islâmicos polarizadores (...)”565, pelo que faltava “(...) no tratamento

dos «mecanismos de comunicação» o estudo e a minúcia que visam a «reflexologia», enquanto sobrava

o apelo daquelas medidas que, por sucessos momentâneos, podiam induzir a erro de análise (...)”566.

Apesar das massas islamizadas se encontrarem controladas pelo Poder Português, carecia este

último de deter o completo conhecimento da sua tessitura, nomeadamente a articulação e respectivo

comandamento externo, não fossem estas, por qualquer motivo ou conveniência, inverter a sua posição

perante a Administração Portuguesa.

Para a mobilização das comunidades muçulmanas é importante deter o seu estreito conhecimento.

Mas a eficiente concepção e oportuno lançamento de operações de acção psicológica não o são menos.

Assim, o Poder Português, não se podia permitir a erros, nem “(...) sobretudo hiatos no faseamento de

operações congéneres (...)”,567 pois como não muçulmano poderia ver-se em situação de “réu” perante

essas comunidades. O referido analista enunciou ao Ministro do Ultramar algumas sugestões para

accionamento na Guiné, que julgamos ser do maior interesse passar a citar:

“(...)

III

1 - Arreigamento do sunismo (mesmo informado pelo substrato africano) em quanto não impeça

integração nacional ou constitua obscurantismo aleatório e passível de exploração subversiva.

Concomitantemente, medidas de cerceamento contra correntes progressistas ou arabistas (que, embora

«reaccionárias», podem favorecer indirectamente as primeiras); bloqueamento de eventuais correntes

cismáticas que, ao desenvolverem-se perante a neutralidade da Administração, poderiam provocar a

exploração subversiva de ressentimento no meio da massa (sunita); afastamento discreto ou, pelo

menos, controlo de quaisquer elementos suspeitos de progressismo, de arabismo ou de heterodoxia

(encobertos ou declarados). Aproveitamento, para os fins indicados, da retracção sunita, face à

«inovação escandalosa» (bid´a).

2 - Para apoio das medidas em III - 1 , divulgação de extractos da Selecção de «Hadiths» de El-

Bokhari, podendo usar-se edição popular, em língua portuguesa, idêntica à patrocinada pelo Governo-

564 Fernando Amaro Monteiro, “O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964 - 1974)”, pág. 280. 565 Idem, págs. 282 e 283. 566 Idem, pág. 283. 567 Idem, pág. 296.

117

Geral de Moçambique e dentro das mesmas coordenadas (utilizando e comprometendo pólos

muçulmanos da Província na respectiva difusão).

3 - Tentar lenta e progressivamente uma «responsabilização» do muçulmano (a começar pelos

dignitários mais em foco) perante a vida, contrariando o sentido de predestinação e esbatendo o de

inacessibilidade divina, com exploração, para o efeito, da sura 50, v. 15/16, do Alcorão (Deus está mais

próximo do homem «do que a sua veia jugular»).

4 - Procurar diluir o fanatismo (sem colidir com III. 1. e 2.), desenvolvendo a razoabilidade em

matéria religiosa (v. Capítulos I, VI e VII da edição popular citada em III.2.).

5 - Explorar, lenta e progressivamente quanto, nos 93 versículos da cristologia corânica, não fira a

dogmática católica: Jesus, o Messias, Verbo de Deus lançado em Maria e espírito emanente d´Ele

(Alcorão, s. 4, v. 169/171); Jesus, assistido pelo Espírito Santo (s.2, v. 81/87; v. 254/253); Jesus

anunciador do Evangelho de Deus (s. 5. v. 50/46; s. 43, v. 63); Jesus detentor da «Provas» e do apoio

do «Espírito Santo» (s. 2, v. 81/87, v. 254/253); Jesus, Sinal do Fim (s. 19, v. 34/33; s. 45, v. 61); Jesus

e a sua vitória sobre o Anti-Cristo (v. Cap. V da edição popular mencionada em III - 2). Evitar

referências às demais passagens cristológicas.

6 - Explorar, lenta e progressivamente, a devoção mariânica do sunismo: Maria, seu nascimento e

crescimento privilegiados (Alcorão, s. 3, v. 31/35 - 32/37); Maria subtraída ao contacto masculino e

entregue ao sopro de Deus para gerar o Verbo e constituir com este um sinal para o mundo (s.21, v. 91;

s. 23, v. 52/50); Maria abrigada no Alcorão contra considerações ultrajantes (s. 4, v. 155/156); Maria, a

melhor das mulheres do mundo inteiro (v. Cap. II da edição popular referida em III. 2.). Acção

especialmente incidente sobre mulheres Fulas e Mandingas («mulheres grandes»); tentar,

posteriormente, promover a ida de pequenos grupos destas ao santuário de Fátima.

7 - Difundir programas de rádio de, pelo menos, três horas semanais (uma delas à sexta-feira

quando da “Xhotba”), sempre iniciadas com a 2ª sura do Alcorão e explorando as emissões em bilingue

(português e crioulo).

8 - Promover o ensino, pelo menos rudimentar, da língua portuguesa nas próprias escolas corânicas

das áreas que maior representatividade apresentem nesse domínio;

9 - Caso surjam pedidos para abertura de escolas corânicas de nível superior ao habitual, tornar

nelas obrigatório o ensino da língua portuguesa e de noções de História de Portugal, em paridade com

as matérias religiosas. Simultaneamente, tentar introduzir o ensino das passagens explicitadas em III - 5

e 6 por sacerdotes ou leigos católicos, que dêem garantias de não provocar colisão psicológica.

10 - Diminuir o número de beneficiados pela peregrinação a Meca, em variante ascensional desde

1967.

11 - Controlar, periodicamente, a mutabilidade de articulações e linhas de influência, como as

apontadas em II - 3 do presente relatório.568

12 - Do ponto de vista religioso, não fazer, no domínio da Acção Psicológica, qualquer afirmação

que possa constituir transigência perante o dogma do Islão (excepto o monoteísmo estrito) (...)”569.

568 A este propósito, cf. com o capítulo III - 4 deste estudo, referente à articulação e linhas de influência exteriores. 569 Fernando Amaro Monteiro, Gabinete dos Negócios Políticos do Ministério do Ultramar, “Linhas de Influência

e de Articulação do Islão na Guiné Portuguesa, Sugestões para Apsic”, Relatório para o Ministro, Secreto, Lisboa, 16 de Junho de 1972. 118

As análises desenvolvidas pelos diferentes departamentos de informações dos variados comandos e

escalões “(...) foram sempre elaboradas com o objectivo de criar condições ao poder político para

encontrar soluções político-administrativas e bases de negociação com os partidos, frentes e

movimentos mais moderados e receptivos, para pôr fim à situação de intranquilidade pública e de

guerra (...)”570, como sucedeu na Guiné, com a iniciativa das autoridades locais e apoio de alguns países

limítrofes.

4. - Negociações para a paz

Em 21 de Novembro de 1970, para tentar inverter a situação política e militar, Portugal desencadeia

a célebre operação “Mar Verde”571 ou, como diria Freire Antunes, “A Baía dos Porcos de Spínola”. A

operação tinha um triplo objectivo: mudar o regime da República da Guiné-Conacry, atingir a direcção

do PAIGC, cuja sede era em Conacry, e libertar prisioneiros de guerra portugueses.

Esta operação, que terá falhado devido a informações deficientes, não reunia consenso em Lisboa; a

confirmá-lo Silva Cunha afirmava: “(...) sempre discordei; além do mais, havia contradições com as

negociações que se efectuavam (...)”572.

Como consequência, conduziu a um rearmamento sofisticado do PAIGC e permitiu que os vasos de

guerra soviéticos, a partir da nova base naval em Conacry, patrulhassem as águas em redor da

Província Portuguesa e vigiassem as actividades da NATO no Atlântico.

Em Portugal, devido ao arrastamento da guerra, à corrosão da opinião e ao espectro de

vulnerabilidades, instalou-se “(...) a generalizada convicção de que uma solução política (e pacífica)

teria de acontecer (...)”573; mas faltava saber, concretamente com quem negociar, o quê, e em que

circunstâncias574.

Senghor pretendia uma solução negociada para a Guiné pela “(...) criação de uma associação de tipo

confederal (...)”575, a comunidade afro-luso-brasileira. Utilizando os canais da PIDE (depois DGS), foi

feita a proposta ao Governador e Comandante-Chefe da Guiné para um encontro no mar, fora das águas

territoriais do Senegal e da antiga Província Portuguesa. Sob o pretexto da segurança pessoal do

General, o Governo Central rejeitou a reunião.

As possibilidades de contacto não cessaram. Através das embaixadas da Suíça em Lisboa e Dakar,

Senghor transmite a Marcello Caetano o desejo da realização de um encontro directo ou, pelo menos,

entre representantes pessoais. Assim, em Fevereiro de 1970, deslocaram-se a Dakar, em representação

do Governo Português o Dr. Alexandre Ribeiro da Cunha, Inspector-Superior do Gabinete dos

Negócios Políticos do Ministério do Ultramar, acompanhado pelo Inspector da DGS Matos Rodrigues.

As conversações, face ao nível de representatividade da missão, foram realizadas apenas com os

Ministros dos Negócios Estrangeiros e do Interior. As duas condições negociais eram:

570 Pedro Cardoso, “As Informações em Portugal”, pág. 189. 571 Esta operação vem descrita no livro de Alpoim Calvão, “De Conakry ao M.D.L.P. - Dossier Secreto”, Ed.

Intervenção, Lisboa, 1976. 572 Entrevista do autor com o Prof. Doutor Joaquim da Silva Cunha, em 14 de Outubro de 1994. 573 Fernando Amaro Monteiro, “A Guerra em Moçambique e na Guiné - Técnicas de Accionamento de Massas”,

pág. 30. 574 Silva Cunha, “O Ultramar, a Nação e o 25 de Abril”, pág. 21.

119

“(...)

1) Cessar fogo;

2) Conversações com os nacionalistas no sentido da autonomia da Guiné (...)”576.

O Governo de Lisboa foi informado de que o diálogo prosseguiria através de um enviado especial

de Dakar à capital portuguesa. O Governo Central, aconselhou o Governador da Província da Guiné a

que “(...) evitasse lançar operações ofensivas, limitando-se à defesa contra eventuais ataques

guerrilheiros (...)”577. O enviado especial nunca se deslocou a Lisboa e, em Julho de 1970, o General

Spínola retaliou ataques efectuados pelo PAIGC a partir de santuários no Casamansa, violando

território senegalês. O protesto surgiu no Conselho de Segurança das Nações Unidas, conduzindo,

assim, a uma interrupção das conversações a nível governamental. As negociações, por iniciativa do

Senegal, prosseguiriam mais tarde, a nível secreto, em Paris, entre os dois ministros dos Negócios

Estrangeiros578; entretanto iam sendo feitos contactos por intermédio do General Spínola. Este último,

aliás, com o conhecimento do Governo Central, iniciara desde o princípio de 1970 contactos com os

chefes da guerrilha. Elementos do Estado-Maior do CAOP (Comando Agrupamento Operacional) de

Canchungo (Teixeira Pinto), por sugestão do régulo de Cupelon de Cima, Bacar Sano (Mandinga), e

com o apoio da Divisão de Informações do Comando-Chefe, entraram em contacto com elementos

destacados da população, sob controlo do PAIGC e, mais tarde, com elementos dos “bigrupos” que

actuavam na zona de acção do CAOP.

O descontentamento e frustração entre os guerrilheiros, provocados pelos temas “Uma Guiné

Melhor” e “Força da Razão”, conduziram a um desequilíbrio psicológico que a contra-subversão

entendeu explorar, fazendo chegar aos responsáveis do Partido, na região da Caboiana-Churo, a

disponibilidade para diálogo sobre a situação dos combatentes locais do PAIGC. Acerca deles se

elaborou “(...) um plano que previa a transformação das forças de guerrilha do PAIGC em Unidades

Africanas das Forças Armadas Portuguesas e a nomeação de Amílcar Cabral para o cargo de

Secretário-Geral da Província (...)”579, lugar a exercer, em paralelo, com o, então, Tenente Coronel

Pedro Cardoso.

O General Spínola, aproveitando a visita do Doutor Silva Cunha (Ministro do Ultramar), expôs-lhe

a situação que se vivia no “chão” Manjaco e a oportunidade excepcional apresentada para se desferir

um golpe de grande valor, a afectar a coesão e equilíbrio das forças adversárias. Para fazer face aos

encargos, o Ministro disponibilizou 16 mil contos.

André Pedro Gomes, chefe guerrilheiro da região Caboiana-Churo, em dada altura das negociações

exigiu a presença do Governador e Comandante-Chefe, para poderem ser ratificados os compromissos

acordados entre o PAIGC e o Estado-Maior do CAOP. Assim, o General num dos primeiros dias do

mês de Abril de 1970, compareceu580, algures na estrada entre Teixeira-Pinto/Cacheu, para receber a

rendição. A confirmação do acordado com os elementos do Estado-Maior do CAOP foi feita com

André Pedro Gomes, ficando decidido que os dois bigrupos desfilariam em Bissau, integrados na força

575 Idem, pág. 42. 576 José Freire Antunes, “Os Americanos e Portugal (1969-1974). Nixon e Caetano: Promessas e Abandono”, pág.

192, Difusão Cultural, Lisboa, 1992. 577 Silva Cunha, “O Ultramar, a Nação e o 25 de Abril”, pág. 44. 578 Idem, pág. 45. 579 António de Spínola, “País sem Rumo”, págs. 25 e 26.

120

africana: “(...) O Governador e os oficiais partiram convencidos de que tinham na mão toda a direcção

da luta, na região de Canchungo (...)”581.

A 16 de Abril, o General convoca uma reunião para mandar parar, de imediato com as acções

ofensivas. O encontro final para a rendição fora marcado para 20 desse mês. Os elementos do Estado-

Maior do CAOP - Majores Passos Ramos, Osório e Pereira da Silva, o Alferes Mosca e os guias

Lamine e Patrão da Costa - após receberem detalhadas instruções do Quartel General e directivas

pessoais do próprio Governador, deslocaram-se para o objectivo. Desta vez, porém, não estava presente

o Governador, demovido, na véspera, pelo Secretário-Geral582. As negociações tiveram trágico

desenlace: o assassínio dos três Majores e dos seus acompanhantes. Luís Cabral explica o sucedido da

seguinte forma: “(...) o Governador Militar, contrariamente ao prometido, não apareceu. (...) André não

estava presente. O primeiro oficial que desceu do carro apercebeu-se disso e teve tempo ainda para

dizer que «perdeu a sua vida para nada»; quando tentou saltar de novo para o Jeep, os camaradas

concentraram o fogo no veículo e os três oficiais e seus acompanhantes ficaram lá (...)”. No entanto,

ainda segundo Luís Cabral, “(...) o plano visava, na realidade, prender o Governador e os seus

companheiros. Foi essa a decisão, foram essas as instruções. Mas a ausência do mais alto representante

do Governo Colonial alterou todos os planos (...)”583.

Os contactos cessaram e a luta endureceu, mas a manobra “(...) cujos sucessos eram evidentes e

espectaculares, não sofreu alterações (...)”584; tal provam as Directivas nº. 10/70 585 e nº. 11/70 586 do

Comando-Chefe, de 27 e 30 de Abril, respectivamente: a primeira referia a reactivação do esforço

militar, por forma a não se anularem os objectivos psicológicos atingidos; a segunda, a continuação da

captação e consolidação da adesão das populações à causa portuguesa.

O Secretário Geral da Província considerava essencial, para se continuar o rumo levado a cabo que:

- Se reestruturasse o Quadro Administrativo ou então se decretasse o “estado de sítio” para, por via

militar, se fazer face às múltiplas solicitações da estrutura civil;

- Se formalizasse por escrito a política desencadeada, para poder ser sancionada formalmente pelo

Governo Central;

- Se abrandasse o ritmo e reduzisse a simultaneidade das acções587.

Todavia, “(...) não se desistiu de continuar por via de conversações a procurar uma solução para a

Guiné (...)”588.

580 Acompanhado pelo seu ajudante de campo, pelo Chefe do Estado Maior do CAOP e pelo Chefe da Divisão de

Informações do Comando-Chefe. 581 Luís Cabral, ob. cit., pág. 396. 582 Entrevista do autor com o General Pedro Cardoso, em 8 de Agosto de 1995. Este Oficial, que era então

Secretário-Geral da Guiné, escreveu a Spínola, a desencorajá-lo de repetir a temeridade de se envolver nos contactos pessoais com os dirigentes sob controlo inimigo, propondo-lhe que, de futuro, os contactos se passassem a fazer em Bissau, no palácio.

583 Luís Cabral, ob. cit., págs. 396 e 397. 584 Entrevista do autor com o General Pedro Cardoso em 8 de Agosto de 1995. 585 Directiva Nº. 10/70 do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Secreto: “(...) Face à natural reacção

resultante da eliminação da equipa de oficiais do CAOP, que constituía elemento preponderante no desequilíbrio psicológico das populações do “chão” Manjaco, considera-se conveniente reactivar o esforço militar, na área, em ordem a impedir, a todo o custo, a anulação dos objectivos psicológicos atingidos (...)”.

586 Directiva Nº. 11/70 do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Secreto: “(...) A nossa manobra psicológica apoia-se num conceito “contra-revolucionário” que, nas suas linhas gerais, se traduz: furtar ao inimigo os seus objectivos psicológicos, falando a sua linguagem em matéria de “reivindicações do povo”; concretizar, por factos reais e irrefutáveis, os objectivos sociais anunciados pelo inimigo; em última análise, captar e consolidar a adesão das populações à nossa causa (...)”.

587 Entrevista do autor com o General Pedro Cardoso, em 8 de Agosto de 1995. 121

Senghor, em alternativa negocial a Marcello Caetano, escolhe o Governador e Comandante-Chefe

da Guiné. O encontro secreto, com autorização do Governo de Lisboa, deu-se a 18 de Maio de 1972,

em Cap Skiring, no Senegal. Na reunião, Senghor propõe “(...) novos encontros a outro nível com vista

às possibilidades de mediação entre as autoridades nacionais e o PAIGC, apresentando como ponto de

partida um cessar-fogo e a concessão de, pelo menos, 10 anos de autonomia progressiva com vista a

uma ulterior independência, no quadro de uma comunidade luso-afro-brasileira ou, apenas, luso-

africana (...)”589.

Marcello Caetano recusou o plano de paz, resguardando-se na “(...) teoria do dominó: ceder na

Guiné-Bissau abriria um precedente irreversível em Angola e em Moçambique (...)”590. Silva Cunha

também corrobora aquela posição, afirmando: “(...) pareceu-me que o cessar fogo não tinha viabilidade

(...)”. E acrescenta: “(...) como se faz um cessar fogo? As tropas ficam no terreno, nós ocupávamos a

quadrícula e eles ficavam no meio do mato onde estavam? (...)”591. Assim, decidiu-se continuar a

defesa da Guiné.

O General Spínola afirma: “(...) Amílcar Cabral propôs, em Outubro de 1972, encontrar-se comigo

em território português, eventualmente em Bissau. (...)”592. O General, em carta ao Presidente do

Conselho, considerava esta a última hipótese de o Governador e Comandante-Chefe da Guiné dialogar

com o líder revolucionário, em situação de “(...) manifesta superioridade (...)”593. Porém, o Chefe do

Governo, preferindo aceitar uma «derrota militar» honrosa a um acordo político com terroristas,

inviabilizou o encontro.

Ao nível das Nações Unidas, as negociações também foram insistidas. Assim, pela Resolução do

Conselho de Segurança, S/322594, de 22 de Novembro de 1972, foi exigida, ao Governo Português a

aplicação das disposições pertinentes da Carta das Nações Unidas e na Resolução A/1514 (XVI) da

Assembleia Geral; o encetar de negociações com os representantes dos povos de Angola, da Guiné-

Bissau, de Cabo-Verde e de Moçambique, a fim de se adoptar uma solução para o conflito armado que

devastava os territórios e que lhes permitisse alcançar a autodeterminação.

No entanto, já depois de proclamada unilateralmente a independência da Guiné-

-Bissau, mais propriamente a 26 e 27 de Março de 1974, teve lugar em Londres uma reunião

secretíssima entre um emissário do Governo Português, o então Cônsul-Geral em Milão, José de Villas-

Boas Vasconcelos Faria, e uma delegação do PAIGC composta por Vítor Saúde Maria, Silvino da Luz

588 Silva Cunha, “O Ultramar, a Nação e o 25 de Abril”, pág. 47. 589 António de Spínola, “País sem Rumo”, pág. 33. 590 José Freire Antunes, “Os Americanos e Portugal (1969-1974). Nixon e Caetano: Promessas e Abandono”, pág.

196. 591 Entrevista do autor com oProf. Doutor Joaquim da Silva Cunha, em 14 de Outubro de 1994. 592 António de Spínola, “País sem Rumo”, pág. 41. 593 Carta do General António de Spínola ao Prof. Doutor Marcello Caetano. António de Spínola, “País sem

Rumo”, pág. 44. 594 A Resolução do Conselho de Segurança da ONU, S/322 refere: “(...) O Conselho de Segurança (...),

considerando que a OUA reconhece os movimentos de libertação de Angola, da Guiné-Bissau, de Cabo Verde e de Moçambique, como representantes legítimos dos povos dos seus territórios, (...) ordena ao Governo Português, em aplicação das disposições pertinentes na Carta das Nações Unidas e da Resolução A/1514 (XV) da Assembleia Geral, o encetar de negociações com os representantes dos povos de Angola, da Guiné-Bissau, de Cabo Verde e de Moçambique, com vista a adoptar uma solução para o conflito armado, que se desencadeia nos territórios, e assim permitir a estes alcançar a autodeterminação (...)”. 122

e Gil Fernandes. A proposta do emissário de Marcello Caetano consistia num “(...) cessar fogo na

Guiné, seguido de abertura de negociações formais para reconhecimento da independência (...)”595.

“Sir” David Muirhead, Embaixador inglês em Lisboa, propusera o referido encontro a Rui Patrício,

Ministro dos Negócios Estrangeiros, que obteve o aval do Presidente do Conselho, mas “(...) tudo se

passaria como se o assunto nunca tivesse sido levado ao seu conhecimento (...)”596. É através da

Nigéria, então dirigida pelo General Yakubu Gowon, que se efectuam os contactos com a direcção do

PAIGC. Motivado pela não inclusão do território de Cabo-Verde nas negociações, o impasse surge.

Assim, as partes acordaram novo encontro para 5 de Maio desse ano, após receberem instruções de

Lisboa e Conacry. Com a Revolução de Abril, as negociações para a independência abandonam o

secretismo e são concluídas em Argel, a 26 de Agosto de 1974.

Esta posição de Marcello Caetano reveste-se de “(...) ambiguidades e indefinições (...)” e representa

“(...) uma inversão na política de firmeza seguida até então (...)”597. A 5 de Março de 1974, em discurso

proferido na Assembleia Nacional598, o Presidente do Conselho manifestava opinião contrária.

Justificou a presença histórica em África, perturbada na altura “(...) por crescente pressão internacional

adversa. Uma pressão determinada por preconceitos ideológicos, por interesses imperialistas, por

solidariedades continentais (...)”. Considerou legítima a defesa das populações e ser necessário,

continuar as operações militares “(...) perante uma agressão preparada e desencadeada a partir de

territórios estrangeiros (...).”

Quanto a negociações, o Presidente do Conselho referia: “(...) Negociações com os movimentos

terroristas - para quê? (...)”. E ao mesmo tempo, justificava: “(...) não poderíamos, por exemplo, aceitar

a negociação com o inimigo na Guiné, em termos que nos privassem da autoridade para recusar

negociações em Angola ou em Moçambique. Por isso, só o Governo Central pode ter a iniciativa -

porque tem a responsabilidade - da condução da política ultramarina. Só o Governo, em conjunto com

os demais órgãos políticos da soberania - e não quaisquer outras entidades (...)”599.

A política seguida pelo Governo era a de “(...) defender, energicamente, em todos os campos a

integridade de Portugal, aquém e além mar (...)”. O Presidente do Conselho auscultava, naquele dia 5

de Março de 1974, a opinião da Assembleia Nacional sobre a certeza do rumo político traçado. Esta

decidiu “(...) manifestar o seu apoio à política do Governo (...), em particular no que respeita à defesa e

valorização do Ultramar (...)”600.

A política preconizada pelo PAIGC desde sempre referia as negociações com Portugal, afirmando

Amílcar Cabral: “(...) as possibilidades de negociação, já que a ONU não é capaz de levar Portugal a

negociar, não dependem senão dos próprios portugueses (...)”. E acrescenta que o Partido se encontrava

vinculado “(...) aos nossos princípios de paz, de procura de diálogo e da negociação, como termo do

595 José Pedro Castanheira, “A Reunião que veio Tarde Demais”, em Jornal Expresso, págs. 30 a 42, N º 1117 de

26 de Março de 1994. 596 João Hall Themido, ob. cit., pág. 151. 597 Idem, ibidem. 598 Assembleia Nacional, “Diário das Sessões” nº. 35, Ano de 1974, 6 de Março. 599 Franco Nogueira acrescenta a propósito de uma negociação com os movimentos independentistas: “(...) Esta

hipótese, porém, esquecia que os chefes das guerrilhas apenas aceitariam as nomeações para executarem a sua política e não a política portuguesa; se a aceitassem para executar esta e não aquela, deixariam de ser reconhecidos como chefes das guerrilhas, que passariam a ter outros chefes, obedientes às forças que impeliam as guerrilhas (...)”. Em “Diálogos Interditos”, vol. I, pág. XLIII, Ed. Intervenção, Lisboa, 1979.

600 Assembleia Nacional, “Diário das Sessões” Nº35, Ano de 1974, 6 de Março 123

conflito que opõem o nosso povo ao Governo de Portugal (...)”601. Propunha o líder guineense ao

presidente da IV Comissão da Assembleia Geral o efectuar de diligências junto do Governo Português

para se iniciarem negociações602.

5. - Das áreas libertadas até à proclamação da independência

Referimos já, no capítulo II deste estudo, que no início dos anos setenta os movimentos

independentistas começaram a proclamar a existência de “áreas libertadas” no interior dos territórios

em disputa, sendo, contudo, importante referir que as missões enviadas pelas Nações Unidas, com a

finalidade de verificar a fidedignidade das afirmações, após declararem ter visitado os locais, optaram

invariavelmente por as corroborar. Dizemos após “declararem” ter visitado, pois Portugal sempre

afirmou que estas visitas nunca se efectuaram, pelo menos nos moldes descritos nos relatórios,

parecendo provável a verdade da argumentação portuguesa, dado que a vigilância, nos períodos

anunciados, naquelas áreas, era apertada.

De 2 a 8 de Abril de 1972, apesar do recurso a todos os meios diplomáticos possíveis para o

impedir, deslocou-se à Guiné-Bissau, a convite de Amílcar Cabral e com a aprovação da Assembleia

Geral, uma missão das Nações Unidas, com o propósito de visitar as “áreas libertadas”603. Para Silva

Cunha que, nessa altura, se deslocou à Guiné, é quase certo que a missão não entrou no território “ (...)

ou, se o fez, limitou-se a uma pequena incursão numa área restrita, junto da fronteira com a República

da Guiné (...)”604.

O ponto de vista do Governo Português foi expresso pelo representante permanente nas Nações

Unidas, em carta ao Secretário Geral, datada de 25 de Março de 1972. O documento considerava que a

missão era uma violação nítida do Direito Internacional, pois haveria entrado em território nacional

sem autorização do Governo legalmente constituído; protestava com veemência contra o atentado

propositado à sua soberania; e declinava formalmente as responsabilidades pelas consequências. O

representante permanente considerava que a “(...) decisão de visitar as áreas libertadas das Províncias

Ultramarinas constituía mais um acto de propaganda, que servia apenas para aumentar a ilusão de

alguns sectores políticos interessados, que se recusavam a admitir que a organização terrorista não

controlava parte alguma do território português (...)”605.

Portugal, entretanto, desencadeou, de 18 de Março a 8 de Abril de 1972 uma ofensiva militar de

grande envergadura às áreas a visitar pela missão que, segundo o próprio relatório, se pautou pelo “(...)

601 Amílcar Cabral, “Guiné-Bissau - Nação Africana Forjada na Luta”, págs. 61 e 153. 602 Amílcar Cabral, ao discursar perante a IV Comissão da Assembleia Geral das Nações Unidas, (XXVII sessão),

em Outubro de 1972, propôs: “1- Diligências junto do Governo português, a fim de que sejam imediatamente abertas negociações entre os representantes desse Governo e do nosso partido (...); 2- Aceitação dos delegados do nosso Partido, com a capacidade de membros associados ou de observadores, em todos os organismos especializados da ONU (...); 3- Desenvolvimento de um auxílio concreto desses organismos especializados, especialmente da UNESCO (...) ao nosso povo (...); 4- Apoio da ONU, moral e político, a todas as iniciativas que o nosso povo e o nosso Partido decidam empreender para acelerar o fim da guerra colonial portuguesa (...)”. Em “Guiné-Bissau - Nação Africana Forjada na Luta”, págs. 153 e 154.

603 Pela Resolução A/2878 (XXVI) da Assembleia Geral da ONU, de 20 de Dezembro de 1971, foi aprovado o relatório do comité especial, incluindo o programa de trabalhos que apontava para o ano de 1972; neste estava incluído a visita às áreas libertadas dos territórios sob Administração Portuguesa. A missão especial para a Guiné-Bissau era composta pelos representantes do Equador, Horácio Sevilla Borja, Suécia, Folke Lofgren e Tunísia, Kamel Belkhiria, um fotógrafo Yutaka Nagata, e um secretário principal, Cheikh Tidiane.

604 Silva Cunha, “O Ultramar, a Nação e o 25 de Abril”, pág. 52. 605 Report of the Mission of the United Nations Special Committee on Decolonnization after visiting the liberated

Areas of Guinea-Bissau (A/AC. 109/L. 804; 3 July 1972). 124

uso brutal da força militar, numa tentativa de impedir que a missão completasse a sua tarefa, com a

consequente perda de vidas civis e a destruição de hospitais, escolas e aldeias, em contradição directa

às suas obrigações de Estado Membro das Nações Unidas (...)”606.

Ainda de acordo com o relatório, a missão especial constatou o poder efectivo do PAIGC sobre as

zonas visitadas, colocando em evidência as suas realizações sociais607; concluiu que, de acordo com os

elementos obtidos junto do PAIGC, as áreas libertadas compreendiam mais de 2/3 ou até de 2/3 e 3/4

do território. Facto alegadamente comprovado por variados observadores estrangeiros e jornalistas,

segundo os quais era também evidente que a população das áreas libertadas apoiava, irreversivelmente,

a política e as actividades do PAIGC, o qual, ao fim de 9 anos de luta militar, exercia de facto e

livremente o controlo administrativo nestas áreas e protegia, efectivamente os interesses dos habitantes;

concluía-se que o PAIGC era o único e legítimo representante dos interesses do povo da Guiné-Bissau

e Cabo-Verde, sendo Portugal considerado como ocupante ilegal do território608. Estas conclusões

tiveram consequências imediatas e de importância considerável, a nível interno e internacional,.

Allen e Barbara Isaacman afirmam que o sucesso da “(...) estratégia militar de Portugal dependia da

sua capacidade para isolar a guerrilha da população africana, confinando a luta às regiões fronteiriças

(de cada território) (...)”609. Por esta ordem de ideias consideramos que, na Guiné, a população ou

estava sob controlo português, sob controlo do PAIGC, ou sob duplo controlo. As zonas consideradas

sob reserva e parcial reserva eram contíguas à República da Guiné (ver mapa anexo XIV).

A posição portuguesa, quanto às áreas libertadas, difere da do relatório da missão e do próprio

PAIGC. Este último considera que, já no fim de 1966, 60% do território da Guiné se encontrava

libertado, com quase 50% da população610. Todavia, para a Administração Portuguesa, a opinião é de

que, em 1974, mesmo com todas as dificuldades, as tropas portuguesas “(...) tinham acesso a todo o

território, embora com medidas de segurança variáveis conforme as regiões (...)”611. Assim, de acordo

com Silva Cunha, “(...) na Guiné, não havia áreas libertadas no sentido em que o inimigo estivesse

solidamente implantado, com estruturas políticas e administrativas estáveis, com edifícios públicos e

infra-estruturas (...)”612. Mesmo a região de Boé continuava a ser controlada por meio de

patrulhamentos, sempre que necessário. Nesta região, o Poder Português efectuou aquilo que se designa

de estratégia de ermamento, o que não significa ter a região ficado completamente deserta, apenas se

retirando a autoridade administrativa. No entanto manteve-se a capacidade militar de intervenção.

606 Idem. 607 De acordo com o relatório de missão, era notória a “(...) a miséria e devastação causadas pela actuação de

Portugal, particularmente (...) bombardeamentos indiscriminados de aldeias e o uso de napalm (...)”, concluindo que “(...) Portugal não exerce qualquer controlo administrativo efectivo em importantes regiões da Guiné-Bissau (...)”. Em Report of the Mission of the United Nations Special Committee on Decolonnization after visiting the liberated Areas of Guinea-Bissau (A/AC. 109/L. 804; 3 July 1972).

608 Facto extremamente importante foi o reconhecimento de que “(...) nas áreas libertadas visitadas pela missão, a máquina administrativa colonial foi substituída por uma administração, instituições políticas e judiciais representativas do povo e serviços educativos e de saúde foram criados, nomeadamente onde não existiam anteriormente (...)”. Report of the Mission of the United Nations Special Committee on Decolonnization after visiting the liberated Areas of Guinea-Bissau (A/AC. 109/L. 804; 3 July 1972).

609 Allen e Barbara Isaacman, ob. cit., pág. 100. 610 PAIGC, ob. cit., pág. 152. 611 Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Subsídios para a Doutrina Aplicada nas Campanhas de

África (1961-1974)”, pág. 67. 612 Silva Cunha, “O Ultramar, a Nação e o 25 de Abril”, pág. 30.

125

A posição adoptada no relatório da missão especial, quanto ao controlo da população, também está

completamente em desacordo com a posição portuguesa para quem a população da Guiné “(...)

contribuiu sempre de modo voluntário e muito significativo para a luta contra a acção terrorista (...)”613.

A 13 de Abril de 1972, o Comité de Descolonização, reunido em Conacry, para além de reconhecer

o PAIGC como o único e autêntico representante do povo do território, fez um apelo a todos os

Estados, instituições especializadas e aos outros organismos das Nações Unidas, actuando,

directamente ou em consulta à Organização de Unidade Africana, no sentido de prestarem toda a ajuda

moral e material aos movimentos independentistas, a fim de estes poderem prosseguir a sua luta de

recuperação do direito inalienável à autodeterminação e à independência.

Na sequência de tal Resolução, o Comité de Descolonização decidiu admitir a presença dos

movimentos independentistas nos seus trabalhos, a título de observadores. Pela Resolução A/2918

(XXVII)614 da Assembleia Geral, adoptada a 14 de Novembro de 1972, foi realçada a participação de

representantes de movimentos de libertação nacional, na qualidade de observadores, sendo o PAIGC

reconhecido como único e legítimo representante do povo da Guiné e Cabo-Verde. Desta forma, a

Assembleia, sem “(...) definir expressamente a sua posição relativamente à proclamação da

independência da Guiné-Bissau, conferiu à iniciativa do PAIGC a dimensão e apoio internacional

procurado por este, antes de se proclamar como Estado (...)”615.

Freire Antunes considera assim que “(...) no final de 1972, ao mesmo tempo que consolidava o

domínio territorial sobre as áreas libertadas, sitiando praticamente em Bissau e Bafatá as tropas de

Spínola, o PAIGC tinha já alcançado plena credibilidade no seio da comunidade internacional (...)”616.

O 2º Congresso do Partido, de 18 a 23 de Março de 1972, foi realizado nas “áreas libertadas”, sob

as palavras de ordem “Unidade, Luta e Vigilância”, e aí se decidiu dar prosseguimento à ideia de

formar a Assembleia Nacional Popular, para proclamar o Estado da Guiné, formar o executivo e

adoptar a primeira Constituição.

Posteriormente à visita da missão especial, realizaram-se as primeiras eleições gerais, secretas e por

sufrágio universal, para designar os membros do Conselho Regional e da Assembleia Nacional. Estas

eleições, que se concretizaram de Agosto a Outubro de 1972, nas condições precárias do ambiente do

conflito armado, visavam dotar o PAIGC de um órgão de soberania.

De acordo com Vasco Cabral617, a instituição da Assembleia Nacional eleita deveria marcar, aos

olhos do PAIGC, uma etapa importante para o reconhecimento de jure da independência da Guiné-

Bissau pelos países estrangeiros. Esta seria a última etapa, antes da sua proclamação como Estado

independente.

Amílcar Cabral referia, a propósito: “(...) nós somos soberanos no interior do nosso país, mas nós

não temos personalidade jurídica no plano internacional. Com efeito, como os observadores puderam

613 Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Subsídios para a Doutrina Aplicada nas Campanhas de

África (1961-1974)”, pág. 67. 614 A Resolução da Assembleia Geral A/2918 (XXVII), adoptada por 104 votos a favor e 5 contra, refere: “(...) A

Assembleia Geral (...) afirma que os movimentos de libertação nacional de Angola, da Guiné-Bissau, de Cabo Verde e de Moçambique são os representantes autênticos das verdadeiras aspirações dos povos destes territórios (...)”.

615 Paullette Pierson Mathy, ob. cit., pág. 76. 616 José Freire Antunes, “Os Americanos e Portugal (1969-1974). Nixon e Caetano: Promessas e Abandono”, pág.

197. 617 Report of the Mission of the United Nations Special Committee on Decolonnization after visiting the liberated

Areas of Guinea-Bissau (A/AC. 109/L. 804; 3 July 1972). 126

constatar, a nossa situação é aquela de um Estado independente em que uma parcela do território

nacional, nomeadamente os centros urbanos, estão ocupados militarmente por uma potência

estrangeira, que pratica a repressão policial sobre a população, que ainda controla, e comete

quotidianamente agressões armadas contra a população das regiões libertadas (...)”. E acrescentava:

“(...) hoje, o nosso povo africano da Guiné dispõe, portanto, de um novo órgão de soberania, a

Assembleia Nacional Popular. Esta será, de acordo com a Constituição que estamos em vias de

elaborar, o órgão supremo da soberania do nosso povo da Guiné (...) e é o resultado dos esforços e

sacrifícios sofridos pelo nosso povo, ao longo de dez anos de luta armada, uma prova concreta da

soberania do nosso povo e do seu alto grau de consciência nacional e patriótica (...)”618.

A primeira Constituição foi aprovada pela Assembleia Nacional Popular a 23 de Setembro de 1973

e, de acordo com o programa do PAIGC, definia o novo Estado como “(...) uma república soberana,

democrática, anti-colonialista e anti-imperialista, que luta pela libertação total, pela unidade da Guiné e

do arquipélago de Cabo-Verde, assim como pelo progresso social do seu povo (...)”619. Define ainda a

natureza popular do Estado, consagrando a supremacia das massas populares no exercício do Poder, em

estreita ligação com o PAIGC620. Nela, são, também, enunciados os fundamentos e objectivos do novo

Estado, os direitos e deveres fundamentais dos cidadãos, bem como fixados a organização e os poderes

do Estado.

No plano internacional, a referida Constituição considerava a Guiné-Bissau como parte integrante

da África. Assim sendo, o PAIGC invocou lutar para libertar o continente do racismo, do colonialismo,

do neocolonialismo, pela unidade dos seus povos, tendo por base o respeito pela liberdade, pela

dignidade e pelo direito ao progresso político, económico, social e cultural. Reclamava-se por isso

estreitamente ligado a todos os combatentes pela libertação nacional, em África e no mundo inteiro,

entendendo ser seu dever o desenvolvimento e estabelecimento de relações, com todos os Estados, com

base nos princípios do Direito Internacional621.

A “proclamação de independência” ocorre a 24 de Setembro de 1973, na região de Boé. No

respectivo texto622 é feita referência à existência, de facto, de uma estrutura estatal que funcionava com

eficácia nas zonas libertadas, ao fim de dezassete anos de luta política e armada; por outro lado,

denunciava-se a ilegalidade da presença colonial portuguesa, ao mesmo tempo que se demarcavam as

fronteiras e a superfície do Estado (território e respectivas fronteiras como determinadas pelo fenómeno

colonial).

O novo Estado é reconhecido, até ao final de 1973, por cerca de 40 outros e, a 31 de Maio de 1974,

já o era por 84 países. A Assembleia Geral das Nações Unidas adoptara, a 2 de Novembro de 1973, a

618 Amílcar Cabral, “Guiné-Bissau - Nação Africana Forjada na Luta”, págs. 160 e 161. 619 Constituição da República da Guiné-Bissau, Artº. 1º, CIDAC, 1994. Salientamos que a união entre a Guiné-

Bissau e Cabo Verde nunca veio a concretizar-se. 620 O Artº. 4º da Constituição dizia: “(...) O poder na Guiné-Bissau é exercido pelas massas trabalhadoras

estreitamente ligadas ao PAIGC, que é a força política dirigente da sociedade (...)”. Pelo Artº 5º “(...) a realização dos objectivos fixados exige uma mobilização completa das massas populares e a sua larga participação na elaboração da política do Estado (...)”. O Artº. 6º acrescentava: “(...) o PAIGC é a força dirigente da sociedade. Ele é a expressão suprema da vontade soberana do povo. Ele decide as orientações políticas e da política do Estado e assegura a sua realização por meios adequados (...)”.

621 Artigos 9, 10 e 11 da Constituição da República da Guiné-Bissau. 622 Ministério dos Negócios Estrangeiros, Direcção Geral dos Negócios Políticos, “Relatório do Secretariado do

Comité de Coordenação para a Libertação de África, 22 ª Sessão - 15 a 20 de Outubro de 1973”, Secreto, 4 de Fevereiro de 1974. 127

Resolução A/3061 (XXVIII)623 que conferia à Guiné-Bissau um reconhecimento quase universal (93

Estados votaram a Resolução), e consagrava a ilegalidade da ocupação colonial portuguesa.

Os Estados Unidos da América exprimiram a convicção de que Portugal controlava ainda a maioria

das populações e do território, assegurando a administração do País624. A Inglaterra considerava que o

Estado proclamado como sendo a República da Guiné-Bissau não correspondia aos critérios normais

para um reconhecimento, permanecendo como um território não autónomo sobre o qual Portugal era

soberano em virtude do Direito Internacional, não podendo, portanto, ser acusado de ocupante ilegal e

de actos de agressão contra o seu próprio território625. A França e a Suíça, embora de forma jurídica

diferente, também não reconheceram o novo Estado. E nem mesmo os tradicionais apoiantes nórdicos o

reconheceram, de imediato.

O Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Dr. Rui Patrício, ao discursar perante a

Assembleia Geral, a 23 de Outubro de 1973, qualificou a iniciativa de simples “acto de propaganda”;

considerou a independência como fictícia, desprovida de todo o fundamento jurídico e moral e não

correspondendo de forma alguma às condições prevalecentes naquela Província Portuguesa; considerou

que toda a defesa de uma realidade inexistente seria uma participação perigosa no “(...) processo de

desintegração do Direito Internacional (...)” e que Portugal rejeitava, “(...) sem embargo e globalmente

estas tentativas de inversão de valores que regulam as relações entre os países conscientes da

supremacia do direito sobre a força (...)”626.

O Estado da Guiné-Bissau só foi reconhecido por Portugal após os acordos de Argel, sendo esta

nova República admitida nas Nações Unidas a 16 de Setembro de 1974 e, por unanimidade, a 19 de

Novembro de 1975, como 42º Estado na OUA. Para Amaro Monteiro, quando a autodeterminação é

estranha à existência de uma personalidade-base, a sua aplicação apresenta-se excêntrica em relação

aos povos sobre os quais tenha incidido o princípio. Erigem-se eles em Estados formais nos quais só

concepções impostas por um grupo utente do Poder e apoiadas além-fronteiras lograrão manter a

unidade contestável a todo o momento. Daí à secessão ideológica ou geográfica medeia apenas um

espaço coberto, profilacticamente, pelos sistemas de partido único: paradoxo da essência democrática

que rotulou a autodeterminação. Desta forma, o partido monopolista, comprometido no jogo dos

grandes blocos, alimenta o fenómeno neocolonial de qualquer sinal627.

Os novos donos do Poder na Guiné-Bissau, seguindo o modelo soviético de centralismo

democrático e de economia centralizada, cedo começaram a demonstrar dificuldades na gestão política

e, sobretudo, económica da nova República. Surgiram diferentes opiniões sobre modelos de sociedade

e hesitações entre a industrialização imediata ou um futuro voltado para a agricultura.

623 Resolução adoptada por 93 votos a favor, 30 abstenções e 7 votos contra (Portugal, África do Sul, Brasil,

Espanha, Grécia, Inglaterra e Estados Unidos da América). A “Assembleia Geral (...) condena energicamente a política desenvolvida pelo Governo Português para perpetuar a sua ocupação ilegal de certos sectores da República da Guiné-Bissau (...) exige que o Governo português se abstenha imediatamente de todas as novas violações da soberania e da integridade territorial da República da Guiné-Bissau e de todos os actos de agressão contra o povo da Guiné-Bissau (...)”.

624 Charles Rousseau, “Guiné-Bissau”. Chronique des Faits Internationaux, em Revue Gèneràle de Droit International, 1974, pág. 1167.

625 Idem, Ibidem. 626 Idem, pág. 1168. 627 Fernando Amaro Monteiro, “Sobre o Islão. Para uma Explicação do Contemporâneo”, em “Africana” nº. 1,

pág. 154, Centro de Estudos Africanos da Universidade Portucalense, Porto, Setembro de 1987. 128

Volvidos seis anos, face a uma crise económica e social acentuada, a 14 de Novembro de 1980, e

por intermédio de um golpe de estado, “Nino” Vieira sobe ao Poder. Com o golpe dá-se a ruptura do

programa de unidade com Cabo Verde. Lentamente, emergiu a liberalização comercial, económica e

financeira. Contudo, o regime permanecerá de partido único, confundindo-se o Estado com o Partido

no Poder; a luta é uma referência que classifica este ou aquele, conforme a sua participação na mesma,

e, simultaneamente, serve de justificativo a todos os actos dos dirigentes partidários ou do Estado.

O multipartidarismo surge apenas, quando as alterações geopolíticas decorrentes do fim da velha

ordem mundial atingiram a Guiné-Bissau.

Na primeira volta das eleições presidenciais e legislativas, pela primeira vez multipartidárias,

precedidas de uma campanha eleitoral que decorreu de uma forma que podemos considerar cívica, saiu

vitorioso o PAIGC com 37,92% dos votos, seguido do RGB/MB (Resistência da Guiné-

Bissau/Movimento Bafatá) com 16,16% e da União para a Mudança (UM) com 10,71%628. Das

eleições presidenciais, na segunda volta realizada a 7 de Agosto de 1994, saiu vitorioso o antigo

comandante guerrilheiro “Nino” Vieira, com 52% dos votos contra Kumba Ialá com 48%. Assim, a

divisão, na Guiné-Bissau, é patente entre “mudança na continuidade” (preconizada por “Nino” Vieira)

e “vontade de mudança” (de Kumba Ialá).

Conclusão

Com o fim da guerra de 1939-1945, as divergências surgidas entre as duas maiores potências dela

emergentes conduziram à divisão do mundo em dois blocos e a um estado de tensão conhecido por

“guerra fria”; à margem disto, após Bandung, os novos Estados, resultantes do movimento de

descolonização, procuraram organizar-se, integrando a fenomenologia do terceiro mundismo, do

neutralismo e do não alinhamento.

Na crescente concorrência pelas zonas de influência, a África era um objectivo importantíssimo

para aqueles que pretendiam a hegemonia mundial. O Poder Português, evidente empecilho para a

prossecução das estratégias globalistas, sustentava, em 14 de Dezembro de 1955 na ONU, quando

inquirido nos termos do Artº. 73 da respectiva Carta, que os seus territórios ultramarinos já “eram

independentes com a independência da Nação”, pelo que o imperativo era o de manter, defender e

desenvolver o Ultramar, posição que, formalmente, manteve durante 19 anos.

Com a bipolarização de forças, a estratégia indirecta impôs-se, alargando-se a Guerra do campo

convencional ao da luta ideológica por “locução interposta” nas periferias de desempate. Neste

contexto, Portugal enfrentou durante 13 anos, a mais longa linha de batalha do mundo, que se estendia

de Lisboa a Timor, esgotando “(...) sobretudo a decisão da população metropolitana (...)”629.

A acção subversiva visando a tomada do Poder na Guiné Portuguesa, atribuída por diversos autores

à longa tradição de resistência dos povos da Guiné630, adicionada a uma favorável conjuntura

628 Os restantes resultados são os seguintes: PRS (Partido da Renovação Social) 8,62%; PCD (Partido da

Convergência Democrática) 4,47%; PUSD (Partido Unido Social Democrata 2,41%; FLING 2,15% e em último FCG/SD (Fórum Cívico Guineense/Social Democracia) 0,14%.

629 Adriano Moreira, “Teoria das Relações Internacionais”, pág. 443. 630 Amílcar Cabral e Peter Karibe Mendy consideram que, apesar de os protestos políticos organizados contra a

ocupação portuguesa do território da Guiné serem apenas um fenómeno da era pós 1945, o nacionalismo guineense emergiu, essencialmente, do espírito de resistência subsistente nos diversos povos; que as hostilidades africanas 129

internacional, propagou-se, tal como um incêndio, por fases, com limites mal definidos e uma

implantação que não foi total.

Constituíram-se, no território, diversos movimentos, que se propunham obter a independência.

Porém, apenas o PAIGC tinha expressão a todos os níveis. O seu Secretário Geral entendia que, na

Guiné, a guerra era sobretudo um confronto de culturas o que, segundo ele, era a base do próprio

movimento de libertação.

Ao iniciar-se a luta revolucionária armada, em 1963, o Poder Português fora desafiado a competir

com a subversão no controlo das populações, com isso desgastando o Estado de configuração ética. O

PAIGC mobilizou a população por fases, preconizando uma resistência política, económica, cultural e

armada à Administração Portuguesa, sendo a luta pelas armas considerada como uma imposição para a

obtenção da libertação nacional e da legalidade internacional.

Na acção subversiva, metódica e eficiente, ultrapassando os conceitos de frente e retaguarda, o

apoio de organizações, como as Nações Unidas e a Organização de Unidade Africana, legitimou a luta,

internacionalizando-a politicamente. Porém, foi sobretudo o apoio bilateral que permitiu manter a

acção dos movimentos.

Às Forças Armadas Portuguesas, pelo tipo de guerra travada foi imposto passar da vocação clássica

do “ganhar ou perder” para a de “aguentar”, tendo a contra-subversão de fortalecer as estruturas

político-sociais do Estado e evitar o êxito da subversão. A capacidade de resposta do Poder desafiado

foi a possível, necessariamente global, exercendo acções oportunas, internas e externas, no campo

social, político, militar e psicológico.

A notável obra de promoção sócio-económica, com o plano “Uma Guiné Melhor”, desenvolvido

pela Administração Portuguesa, em estreita coordenação com as Forças Armadas, na procura de

conquistar populações, obteve apreciável grau de êxito, nomeadamente, no “chão” Manjaco. Todavia, o

esforço armado transferido no final da época das chuvas de 1972, para a zona do Cantanhez, a sul do

território, e a posse pelo PAIGC de mísseis terra-ar Strella, inverteram o curso da guerra, passando

Portugal a admitir o colapso militar de consequências imprevisíveis e gorando-se parte dos efeitos da

acção desencadeada.

Na guerra revolucionária em análise, porque o alvo visado era a população (aquém e além do

artificialismo das fronteiras), o seu conhecimento e respectivo accionamento, quer por parte do PAIGC,

quer por parte da Administração Portuguesa, eram imprescindíveis. Logo também o dos mecanismos

informais de comunicação, revestindo-se o sócio-religioso de importância extrema, pois potencializado

num território, onde o terreno humano apresenta impressiva presença muçulmana. Para o compreender

e accionar, o Poder Português carecia, logicamente, de deter o completo conhecimento da sua tessitura,

nomeadamente de como funcionavam os canais de comandamento e accionamento para, no mínimo,

serem perceptíveis numa carta de situação quais as trajectórias utilizadas por alguma acção comandada

a partir do exterior, pois não há subversão/contra-subversão que não use, ou vise, itinerários humanos.

As comunidades muçulmanas, já desde as campanhas de Teixeira Pinto, mostraram a sua gritante

importância e, também, entre 1963-1974 exerceriam papel de recurso inestimável, quer para o PAIGC,

começaram em 1588, quando da construção da fortificação do Cacheu, e que só em 1936, com a pacificação de Canhabaque, se concretiza a ocupação efectiva, preconizada no ano de 1885, em Berlim. Amílcar Cabral, “Guiné-Bissau - Nação Africana Forjada na Luta”, pág. 82; Peter Karibe Mendy, ob. cit., págs. 29, 107 e 269. 130

quer para a Administração Portuguesa, tanto por acção como por omissão. Apoiariam o Poder

Português, sempre e até que os interesses deste fossem compatíveis com os seus e a eles favoráveis; era

uma aliança coerente e, ao mesmo tempo por conveniência, utilizando os Portugueses a capacidade de

enquadramento dos chefes islamizados.

As diversas negociações efectuadas com o intuito de alcançar uma solução pacífica para o conflito

armado, como insistido pelas Nações Unidas e suscitado pela atitude ambígua do Presidente do

Conselho, Marcello Caetano, não impediram a autoproclamação da independência a 24 de Setembro de

1973, na zona ermada de Madina do Boé.

O texto da proclamação refere a existência de uma estrutura estatal nas áreas libertadas e demarca

as fronteiras e a superfície do novo Estado. Facto alegadamente comprovado por variados observadores

estrangeiros e jornalistas, que confirmaram o poder efectivo do PAIGC, concluindo que este era o

único e legítimo representante dos interesses do povo da Guiné-Bissau e Cabo-Verde, sendo Portugal

considerado como ocupante ilegal do território. Estas conclusões tiveram consequências imediatas, a

nível interno e internacional, de uma importância considerável. Todavia, apesar de o PAIGC considerar

2/3 do território como “áreas libertadas”, Portugal, com medidas diferenciadas de segurança,

continuava a ter acesso e capacidade de intervenção militar em toda a sua extensão.

O novo Estado conheceu um processo gradual de reconhecimento internacional até que, em Agosto

de 1974, pelos Acordos de Argel, Portugal efectuou a entrega da soberania sobre o território, sendo a

nova República admitida nas Nações Unidas em Setembro do mesmo ano. O PAIGC, utente do Poder e

apoiado além-fronteiras, em paradoxo com a essência democrática que rotulou o processo

autodeterminador logrou manter o sistema de partido único. Desta forma, comprometido no jogo dos

grandes blocos, inseriu-se na fenomenologia neocolonialista.

Hoje (numa época em que as tensões político-militares concentradas em dois pólos antagónicos se

encontram sustidas, em que assistimos a um crescer da interdependência transnacional, da globalização

das comunicações e da informação, da internacionalização regional da economia), na República da

Guiné-Bissau, já multipartidária, transcendendo o espaço político formal, persistem os relacionamentos

entre entidades étnicas e culturais idênticas, submetidas a soberanias distintas; e as pluralidades sócio-

religiosas internas continuam a ser influenciadas ou mesmo orientadas por poderes estrangeiros.

Perante o descrédito das ideologias que ficaram identificadas com o neocolonialismo demo-

ocidental ou com o investimento belicista do Leste marxista, como perante a crise económica, o

desemprego e outros factores de instabilidade, verifica-se o refluxo das sociedades islâmicas sobre o

religioso, com uma preocupação de autenticidade. O fundamentalismo/integrismo contemporâneo, que

se apresenta como refúgio ou como uma alternativa possível, através de uma estratégia directa/indirecta

desenvolve processos variados de libertação/afirmação islâmica/desgaste subversivo, utilizando como

vias de penetração na África Negra, as linhas de polarização e articulação religiosa, criando o vácuo em

torno de chefias retraídas ou desafectas, e promovendo a exploração de factores étnicos em torno da

idéia-força do universalismo comunitário.

No Maliquismo, escola/rito avultante no corredor populacional que se estende do extremo sul de

Marrocos até quase ao Golfo da Guiné, o Direito Consuetudinário (Urf) desempenha papel de relevo,

pelo que essas áreas têm sido mais dificilmente permeáveis a desestabilizações progressistas e/ou

fundamentalistas. Porém, esta situação será alterável desde que os panoramas sócio-políticos evoluam

131

na faixa em causa para vincadas instabilidades, como a actual na Guiné-Bissau; mais ainda se, em

convergência, o Islão doutrinariamente tradicional sofrer convulsões marcantes, provenientes do

exterior, como por exemplo as associáveis a um hipotético cenário de colapso ou desgaste do Poder

Real em Marrocos.

Conclusão

Com o fim da guerra de 1939-1945, as divergências surgidas entre as duas maiores potências dela

emergentes conduziram à divisão do mundo em dois blocos e a um estado de tensão conhecido por

“guerra fria”; à margem disto, após Bandung, os novos Estados, resultantes do movimento de

descolonização, procuraram organizar-se, integrando a fenomenologia do terceiro mundismo, do

neutralismo e do não alinhamento.

Na crescente concorrência pelas zonas de influência, a África era um objectivo importantíssimo

para aqueles que pretendiam a hegemonia mundial. O Poder Português, evidente empecilho para a

prossecução das estratégias globalistas, sustentava, em 14 de Dezembro de 1955 na ONU, quando

inquirido nos termos do Artº. 73 da respectiva Carta, que os seus territórios ultramarinos já “eram

independentes com a independência da Nação”, pelo que o imperativo era o de manter, defender e

desenvolver o Ultramar, posição que, formalmente, manteve durante 19 anos.

Com a bipolarização de forças, a estratégia indirecta impôs-se, alargando-se a Guerra do campo

convencional ao da luta ideológica por “locução interposta” nas periferias de desempate. Neste

contexto, Portugal enfrentou durante 13 anos, a mais longa linha de batalha do mundo, que se estendia

de Lisboa a Timor, esgotando “(...) sobretudo a decisão da população metropolitana (...)”631.

A acção subversiva visando a tomada do Poder na Guiné Portuguesa, atribuída por diversos autores

à longa tradição de resistência dos povos da Guiné632, adicionada a uma favorável conjuntura

internacional, propagou-se, tal como um incêndio, por fases, com limites mal definidos e uma

implantação que não foi total.

Constituíram-se, no território, diversos movimentos, que se propunham obter a independência.

Porém, apenas o PAIGC tinha expressão a todos os níveis. O seu Secretário Geral entendia que, na

Guiné, a guerra era sobretudo um confronto de culturas o que, segundo ele, era a base do próprio

movimento de libertação.

Ao iniciar-se a luta revolucionária armada, em 1963, o Poder Português fora desafiado a competir

com a subversão no controlo das populações, com isso desgastando o Estado de configuração ética. O

PAIGC mobilizou a população por fases, preconizando uma resistência política, económica, cultural e

armada à Administração Portuguesa, sendo a luta pelas armas considerada como uma imposição para a

obtenção da libertação nacional e da legalidade internacional.

631 Adriano Moreira, “Teoria das Relações Internacionais”, pág. 443. 632 Amílcar Cabral e Peter Karibe Mendy consideram que, apesar de os protestos políticos organizados contra a

ocupação portuguesa do território da Guiné serem apenas um fenómeno da era pós 1945, o nacionalismo guineense emergiu, essencialmente, do espírito de resistência subsistente nos diversos povos; que as hostilidades africanas começaram em 1588, quando da construção da fortificação do Cacheu, e que só em 1936, com a pacificação de Canhabaque, se concretiza a ocupação efectiva, preconizada no ano de 1885, em Berlim. Amílcar Cabral, “Guiné-Bissau - Nação Africana Forjada na Luta”, pág. 82; Peter Karibe Mendy, ob. cit., págs. 29, 107 e 269. 132

Na acção subversiva, metódica e eficiente, ultrapassando os conceitos de frente e retaguarda, o

apoio de organizações, como as Nações Unidas e a Organização de Unidade Africana, legitimou a luta,

internacionalizando-a politicamente. Porém, foi sobretudo o apoio bilateral que permitiu manter a

acção dos movimentos.

Às Forças Armadas Portuguesas, pelo tipo de guerra travada foi imposto passar da vocação clássica

do “ganhar ou perder” para a de “aguentar”, tendo a contra-subversão de fortalecer as estruturas

político-sociais do Estado e evitar o êxito da subversão. A capacidade de resposta do Poder desafiado

foi a possível, necessariamente global, exercendo acções oportunas, internas e externas, no campo

social, político, militar e psicológico.

A notável obra de promoção sócio-económica, com o plano “Uma Guiné Melhor”, desenvolvido

pela Administração Portuguesa, em estreita coordenação com as Forças Armadas, na procura de

conquistar populações, obteve apreciável grau de êxito, nomeadamente, no “chão” Manjaco. Todavia, o

esforço armado transferido no final da época das chuvas de 1972, para a zona do Cantanhez, a sul do

território, e a posse pelo PAIGC de mísseis terra-ar Strella, inverteram o curso da guerra, passando

Portugal a admitir o colapso militar de consequências imprevisíveis e gorando-se parte dos efeitos da

acção desencadeada.

Na guerra revolucionária em análise, porque o alvo visado era a população (aquém e além do

artificialismo das fronteiras), o seu conhecimento e respectivo accionamento, quer por parte do PAIGC,

quer por parte da Administração Portuguesa, eram imprescindíveis. Logo também o dos mecanismos

informais de comunicação, revestindo-se o sócio-religioso de importância extrema, pois potencializado

num território, onde o terreno humano apresenta impressiva presença muçulmana. Para o compreender

e accionar, o Poder Português carecia, logicamente, de deter o completo conhecimento da sua tessitura,

nomeadamente de como funcionavam os canais de comandamento e accionamento para, no mínimo,

serem perceptíveis numa carta de situação quais as trajectórias utilizadas por alguma acção comandada

a partir do exterior, pois não há subversão/contra-subversão que não use, ou vise, itinerários humanos.

As comunidades muçulmanas, já desde as campanhas de Teixeira Pinto, mostraram a sua gritante

importância e, também, entre 1963-1974 exerceriam papel de recurso inestimável, quer para o PAIGC,

quer para a Administração Portuguesa, tanto por acção como por omissão. Apoiariam o Poder

Português, sempre e até que os interesses deste fossem compatíveis com os seus e a eles favoráveis; era

uma aliança coerente e, ao mesmo tempo por conveniência, utilizando os Portugueses a capacidade de

enquadramento dos chefes islamizados.

As diversas negociações efectuadas com o intuito de alcançar uma solução pacífica para o conflito

armado, como insistido pelas Nações Unidas e suscitado pela atitude ambígua do Presidente do

Conselho, Marcello Caetano, não impediram a autoproclamação da independência a 24 de Setembro de

1973, na zona ermada de Madina do Boé.

O texto da proclamação refere a existência de uma estrutura estatal nas áreas libertadas e demarca

as fronteiras e a superfície do novo Estado. Facto alegadamente comprovado por variados observadores

estrangeiros e jornalistas, que confirmaram o poder efectivo do PAIGC, concluindo que este era o

único e legítimo representante dos interesses do povo da Guiné-Bissau e Cabo-Verde, sendo Portugal

considerado como ocupante ilegal do território. Estas conclusões tiveram consequências imediatas, a

nível interno e internacional, de uma importância considerável. Todavia, apesar de o PAIGC considerar

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2/3 do território como “áreas libertadas”, Portugal, com medidas diferenciadas de segurança,

continuava a ter acesso e capacidade de intervenção militar em toda a sua extensão.

O novo Estado conheceu um processo gradual de reconhecimento internacional até que, em Agosto

de 1974, pelos Acordos de Argel, Portugal efectuou a entrega da soberania sobre o território, sendo a

nova República admitida nas Nações Unidas em Setembro do mesmo ano. O PAIGC, utente do Poder e

apoiado além-fronteiras, em paradoxo com a essência democrática que rotulou o processo

autodeterminador logrou manter o sistema de partido único. Desta forma, comprometido no jogo dos

grandes blocos, inseriu-se na fenomenologia neocolonialista.

Hoje (numa época em que as tensões político-militares concentradas em dois pólos antagónicos se

encontram sustidas, em que assistimos a um crescer da interdependência transnacional, da globalização

das comunicações e da informação, da internacionalização regional da economia), na República da

Guiné-Bissau, já multipartidária, transcendendo o espaço político formal, persistem os relacionamentos

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se apresenta como refúgio ou como uma alternativa possível, através de uma estratégia directa/indirecta

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pelo que essas áreas têm sido mais dificilmente permeáveis a desestabilizações progressistas e/ou

fundamentalistas. Porém, esta situação será alterável desde que os panoramas sócio-políticos evoluam

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Secret.

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140

- A/1542 (XV) de 15 de Dezembro de 1960. - A/2105 (XX) de 12 de Dezembro de 1965. - A/2107 (XX) de 21 de Dezembro de 1965. - A/2184 (XXI) de 12 de Dezembro de 1966. - A/2270 (XXII) de 17 de Novembro de 1967. - A/2395 (XXIII) de 29 de Novembro de 1968. - A/2507 (XXIV) de 21 de Novembro de 1969. - A/2795 (XXVI) de 10 de Dezembro de 1971. - A/2878 (XXVI) de 20 de Dezembro de 1971. - A/2918 (XXVII) de 14 de Novembro de 1972. - A/3061 (XXVIII) de 2 de Dezembro de 1973.

ASSEMBLEIA NACIONAL - “Diário das Sessões” nº. 50. (70-12-03). ASSEMBLEIA NACIONAL - “Diário das Sessões” nº. 35. (74-03-06). COMANDO-CHEFE DAS FORÇAS ARMADAS DA GUINÉ, Directivas:

_ Nº. 43/68, de 30 de Setembro de 1968, Secreto. _ Nº. 49/68, de 16 de Outubro de 1968, Secreto. _ Operações Psicológicas “Alfa” de 24 de Outubro de 1968, Secreto. _ Nº. 60/68, de 17 de Dezembro de 1968, Secreto. _ Nº. 58/68 para a época seca de 1969, Secreto. _ Nº. 17/69, de 22 de Fevereiro de 1969, Secreto. _ Nº. 19/69, de 5 de Março de 1969, Secreto. _ Nº. 44/69, de 8 de Abril de 1969, Secreto. _ Nº. 57/69, de Junho de 1969, Secreto. _ Nº. 60/69, de 15 de Julho de 1969, Secreto. _ Nº. 65/69, de 13 de Agosto de 1969, Secreto. _ Nº. 8/70, de 11 de Abril de 1970, Confidencial. _ Nº. 10/70, de 27 de Abril de 1970, Secreto. _ Nº. 11/70, de 30 de Abril de 1970, Secreto.

CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU, Resoluções:

- S/312 (1972) de 4 de Fevereiro de 1972. - S/322 (1972) de 22 de Novembro de 1972.

“Constituição da República da Guiné-Bissau” - CIDAC, 1994. CUNHA, Silva e PEREIRA, A. Gonçalves - “Textos de Direito Internacional Público”, - 2ª edição,

Universidade Portucalense. DECRETOS-LEI: - nº. 35046, de 22 de Outubro de 1945. - nº. 37955, de 7 de Setembro de 1950. - nº. 39666, de 20 de Maio de 1954. - nº. 43893, de 6 de Setembro de 1961. - nº. 49401, de 19 de Novembro de 1969. ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO - “O Exército na Guerra Subversiva - Generalidades”,

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LXIII. PUBLICAÇÕES RELIGIOSAS “Alcorão” - Mem-Martins: Ed. Europa-América. 1989. Tradução directa e adaptações de Américo

de Carvalho.

141

142

HISTÓRIA ORAL: DEPOIMENTOS AL-HAJJ AMADÚ DILA RACHID DJALÓ - Quebo, 31 de Outubro de 1995. Era deputado do

PAIGC na Assembleia Nacional Popular, e dignitário religioso de Quebo, quando o entrevistei. AL-HAJJ ABUBACAR DJALÓ - Bissau, 3 de Novembro de 1995. Era Secretário para as Relações

Internacionais da Associação Islâmica da Guiné-Bissau, quando o entrevistei. AL-HAJJ UALIÓ MAMAGARI - Cambor, 5 de Novembro de 1995. Era o “Homem Grande” de

todos os Tidjanes, quando o entrevistei. ALMAMI ANSU CISSÉ, Jabicunda, 2 de Novembro de 1995. Era o dignitário religioso mais

proeminente da confraria Quadiriya na Guiné-Bissau, quando o entrevistei. FERNANDO BATICÃ FERREIRA - Canchungo, 4 de Novembro de 1995. Era Régulo e

Administrador de Canchungo, quando o entrevistei. GENERAL PEDRO ALEXANDRE GOMES CARDOSO - Lisboa, 27 de Maio de 1994 e em 8 de

Agosto de 1995. Entre outras funções, foi Secretário-Geral da Guiné (1968-1972), Comandante da Academia Militar (1975-1977), Chefe do Estado-Maior do Exército (1978-1981). Era Secretário-Geral do Conselho Superior de Informações, quando o entrevistei.

PROF. DOUTOR JOAQUIM MOREIRA DA SILVA CUNHA - Lisboa, 14 de Outubro de 1984. Foi Ministro do Ultramar (1963-1973) e da Defesa Nacional (7/11/73 a 25/4/74). Era Professor de Direito Internacional Público e Director do Mestrado em Relações Internacionais na Universidade Portucalense, quando o entrevistei.

SULEIMAN DJALÓ - Quebo, 31 de Outubro de 1995. Era Régulo de Quebo, quando o entrevistei. UALIÓ QUNTCHUMBA FATY - Bijine, 2 de Novembro de 1995. Era o Régulo de Bijine, quando

o entrevistei. AL-HAJJ KOBA GASSAMA - Bijine, por diversas ocasiões em Agosto de 1996. Era o dignitário

religioso de Bijene.