O Santuário de Sulis Minerva: Uma Abordagem das Interações Religiosas Romano-Bretãs na Britannia...

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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA ESCOLA DE HISTÓRIA - EH BACHARELADO E LICENCIATURA EM HISTÓRIA O Santuário de Sulis Minerva: Uma Abordagem das Interações Religiosas Romano-Bretãs na Britannia Romana Orientadora: Profª Drª Claudia Beltrão da Rosa Autor: Jhan Lima Daetwyler Rio de Janeiro 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

ESCOLA DE HISTÓRIA - EH

BACHARELADO E LICENCIATURA EM HISTÓRIA

O Santuário de Sulis Minerva: Uma Abordagem das Interações Religiosas

Romano-Bretãs na Britannia Romana

Orientadora: Profª Drª Claudia Beltrão da Rosa

Autor: Jhan Lima Daetwyler

Rio de Janeiro

2014

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JHAN LIMA DAETWYLER

O Santuário de Sulis Minerva: Uma Abordagem das Interações Religiosas

Romano-Bretãs na Britannia Romana

Monografia apresentada à Escola de

História da Universidade Federal do

Estado do Rio de Janeiro, como parte

dos requisitos necessários para a

obtenção dos títulos de Bacharel e

Licenciado em História.

Orientadora: Profª Drª Claudia Beltrão da Rosa

Rio de Janeiro

2014

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JHAN LIMA DAETWYLER

O Santuário de Sulis Minerva: Uma Abordagem das Interações Religiosas

Romano-Bretãs na Britannia Romana

Monografia apresentada a Escola de

História da Universidade Federal do Estado

do Rio de Janeiro, como parte dos

requisitos necessários para a obtenção dos

títulos de Bacharel e Licenciado em

História.

AVALIADORES

_____________________________________________________

Profª. Drª. Claudia Beltrão da Rosa - Orientadora

Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

______________________________________________________

Profº. Drº Alexandre Carneiro Cerqueira Lima

Universidade Federal Fluminense

______________________________________________________

Profª. Drª. Norma Musco Mendes

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro

2014

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente a minha mãe, que teve a árdua tarefa de me criar e educar durante

muitos anos. Sem a sua sabedoria, companheirismo e discussões, provavelmente eu me

encontraria em outro caminho.

Á professora e doutora Claudia Beltrão, que me orientou e guiou sobre a

complexa religião (ou religiões) romana desde 2011 e me ensinou não somente como

ser um historiador competente, mas também a buscar ir além disso, sempre

questionando e refletindo sobre o nosso mundo, seja ele contemporâneo ou antigo.

Aos demais professores, professoras e funcionários da Unirio que me ajudaram

na graduação com seus conselhos, dentre eles: Erica Sales, Mirian Coser, Patrícia

Horvat, Paulo André.

Aos amigos e colegas que tive a oportunidade de conhecer durante a graduação

na Unirio. Dentre eles cito alguns, pois senão essa lista ficaria demasiadamente grande:

Debora Casanova, cuja experiência e temperamento, dignos do deus Marte foram de

grande ajuda; Diego Machado, pela sua criatividade e habilidade de perceber os

mínimos detalhes em tudo; Gabriel Marinho, por mostrar que ainda há muita coisa

estranha nesse mundo; Leila Grossi, pelas receitas e fofocas trocadas; Marcio Henrique,

pelas discussões sobre Pokémon; Raquel Soutelo, por ser um exemplo de historiadora a

ser seguido e por me convidar à sua casa em Teresópolis; Ricardo de Castro, por ser um

irmão não consanguíneo que eu acabei descobrindo.

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O Som do Silêncio

“(...) E na luz nua eu enxerguei

Dez mil pessoas talvez mais

Pessoas conversando sem estar falando

Pessoas ouvindo sem estar escutando

Pessoas escrevendo canções

que vozes jamais compartilham

E ninguém ousou

Perturbar o som do silêncio (...)

(...) E as pessoas se reverenciaram e rezaram

Para o Deus de neon que elas criaram

E um sinal faiscou o seu aviso

Nas palavras que estavam se formando

E o sinal disse: ‘As palavras dos profetas

estão escritas nas paredes do metrô

E nas salas dos cortiços

E sussurraram no som do silêncio’.”

(Paul Simon. 1966)

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RESUMO

Esta monografia tem o objetivo de analisar o processo de criação do santuário da

deusa Sulis Minerva, observando questões relacionadas com a permanência de

divindades locais tradicionais durante o período romano e sua interpretatio pelos

romanos, se houve resistência ou não por parte dos bretões, as relações religiosas e

trocas culturais entre romanos e bretões, e suas consequências. Com isso, tentamos

também perceber os motivos pelos quais Roma uniu ou caracterizou a deusa Sulis como

a deusa romana Minerva, uma das principais divindades de seu panteão. Após 43 e.c., a

Britannia estava anexada ao Império Romano. Durante o processo de pacificação da

nova província, os romanos encontraram uma deusa nativa no local que seria a futura

cidade de Aquae Sulis. Utilizando-se da interpretatio, Roma criou uma nova divindade,

Sulis Minerva. A monografia consiste em uma abordagem da construção do santuário

bretão de Sulis no modelo clássico romano, discutindo sua arquitetura, práticas

religiosas realizadas, as relações de romanos e bretões com a divindade Sulis Minerva e

as características dessa nova deusa.

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ABSTRACT

This monograph aims to analyze the process of creating the sanctuary of the

goddess Sulis Minerva, noting issues related to the permanence of traditional local

deities during the Roman period and its interpretatio by the Romans, if there was or was

not resistance by the Britons, relations religious and cultural exchanges between

Romans and Britons and their consequences. With this, we also try to understand the

reasons why Rome united or characterized the goddess Sulis as the Roman goddess

Minerva, one of the principal deities of their pantheon. After 43 e.c., Britannia was

annexed to the Roman Empire. During the process of pacification of the new province,

the Romans found a native goddess in the future city of Aquae Sulis. Utilizing the

interpretatio, Rome created a new deity, Sulis Minerva. The monograph consists of an

approach in the construction of the Breton sanctuary of Sulis as the classical Roman

model, discussing its architecture, religious practices conducted, relations with the

Romans and Britons with the deity Sulis Minerva and the characteristics of this new

goddess.

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SUMÁRIO

LISTA DE FIGURAS___________________________________________________9

INTRODUÇÃO______________________________________________________ 10

AQUAE SULIS_______________________________________________________ 12

1.1 O santuário e sua deusa____________________________________ 12

1.2 As religiões de Roma e as práticas de interpretatio______________ 17

1.3 Os mundos dentro do império_______________________________25

O SANTUÁRIO DE SULIS MINERVA__________________________________ 31

2.1 Os banhos divinos_________________________________________ 32

2.2 O templo de Sulis Minerva__________________________________38

2.3 As defixiones_____________________________________________ 52

2.4 A relação do santuário com o lugar___________________________62

CONCLUSÃO________________________________________________________65

REFERÊNCIAS______________________________________________________ 67

BIBLIOGRAFIA_____________________________________________________ 69

APÊNDICE__________________________________________________________73

Ficha Documental I______________________________________________74

Ficha Documental II_____________________________________________75

Ficha Documental III____________________________________________ 76

Ficha Documental IV____________________________________________ 77

Ficha Documental V_____________________________________________78

Ficha Documental VI____________________________________________ 79

Ficha Documental VII___________________________________________ 80

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LISTA DE FIGURAS

Fig. 1. Mapa da Britannia_______________________________________________ 13

Fig. 2. Mapa geral da cidade de Aquae Sulis _________________________________15

Fig. 3. Reconstrução gráfica do santuário___________________________________ 31

Fig. 4. Planta do santuário_______________________________________________ 33

Fig. 5. Alguns dos objetos encontrados na fonte______________________________ 34

Fig. 6. Principal fonte do santuário________________________________________ 35

Fig. 7. Mosaico________________________________________________________36

Fig. 8. O templo_______________________________________________________ 38

Fig. 9. Epígrafe do haruspex L. Marcius Memor_____________________________ 39

Fig. 10. Lápide romana__________________________________________________40

Fig. 11. Primeira coluna do grande altar____________________________________ 41

Fig. 12. Segunda coluna do grande altar____________________________________ 42

Fig. 13. Terceira coluna do grande altar_____________________________________43

Fig. 14. Reconstrução do altar de sacrifícios_________________________________ 45

Fig. 15. Fragmentos do frontão___________________________________________ 48

Fig. 16. Reconstrução do frontão a partir dos fragmentos encontrados_____________48

Fig. 17. Face do frontão_________________________________________________ 50

Fig. 18. Defixiones_____________________________________________________ 54

Fig. 19. Desenho da defixio restaurada______________________________________57

Fig. 20. Alfabeto no latim vulgar__________________________________________60

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INTRODUÇÃO

Aquae Sulis era uma pequena cidade pertencente à província da Britannia, uma

região distante de Roma. Durante o século I de nossa era, enquanto os romanos

adentravam e exploravam essa nova província, encontraram nesse lugar algo que

chamou a sua atenção. Os romanos perceberam que ali havia uma sacralidade não muito

diferente daquela à qual eles estavam acostumados. As fontes termais, naturalmente

quentes e de cor avermelhada podem ter-lhes provocado um misto de espanto e

veneração. Logo, aquela era uma região onde se deveria ter cuidado, mas que também

se apresentava proveitosa para o estilo de vida romano, principalmente no que tange ao

quesito religioso.

Desse modo, Roma construiu em Aquae Sulis um santuário, um complexo

arquitetônico que incluía um templo, teatro, biblioteca, e uma terma (salas de banhos). E

não eram banhos simples, mas sim banhos cujas águas vinham da própria fonte natural.

Eram águas avermelhadas que a população nativa e os recém-chegados acreditavam ter

poderes de cura, oriundos da própria deusa bretã local, chamada Sulis. Mas ao

construírem um santuário no modelo romano clássico, a deusa local também foi

transformada junto com a região. Via interpretatio, ela adquiriu novas formas, sendo

associada à deusa romana Minerva Medica, se tornando, então, uma divindade romano-

bretã.

Nossa pesquisa, inserida no projeto Religio romana: uma análise das

instituições religiosas romanas em discursos tardo-republicanos, da Profa. Dra.

Claudia Beltrão, que foi realizada entre 2011 e 2013, com apoio da Fundação Carlos

Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). Visando a

compreender a interpretatio das deusas Sulis e Minerva, a arquitetura de seu templo e a

documentação arqueológica ali encontrada foram elementos primordiais para a tarefa1.

Sendo assim, o foco central desta monografia está na religião, suas práticas e

seus conceitos, pois o aprofundamento da pesquisa sobre as práticas e crenças religiosas

nos faz compreender o modo de vida dos diversos grupos humanos no passado. Desse

modo, é possível afirmar que toda religião influencia a vida de um indivíduo ou um

1 A coleção de objetos que foram encontrados no templo pode ser acessada a partir do site dos banhos

romanos de Bath: http://www.romanbaths.co.uk/ , acessado no dia 13/05/2014.

11

grupo. A vida religiosa romana conecta-se com todos os tipos de relacionamentos

interpessoais, sejam eles públicos ou privados e o antropólogo Clifford Geertz nos alerta

para o fato de que:

Deixando de lado o fraseado, uma coisa é certa: a noção de que a

religião ajusta as ações humanas a uma ordem cósmica imaginada e

projeta imagens da ordem cósmica no plano da experiência humana

não é uma novidade. Todavia, ela também não é investigada e, em

termos empíricos, sabemos muito pouco sobre como é realizado esse

milagre particular (GEERTZ, 2008: 66).

Outros documentos, como plantas da cidade, do templo, imagens dos tabletes

religiosos e as defixiones, assim como imagens do interior do templo em geral podem

ser encontradas, principalmente, em três livros fundamentais para esse trabalho: Roman

Bath Discovered de Barry Cunliffe (1984); Roman Imperialism and local identities de

Louise Revell (2009) e Religion in Britain de Martin Henig (2003). Nesta monografia,

iremos privilegiar a iconografia, pois ela consiste em um vestígio histórico

indispensável para compreender o modo de vida das populações antigas. E para analisa-

la, utilizaremos as propostas metodológicas de Martine Joly (1996), em sua Introdução

à Análise da Imagem.

Sendo assim, no primeiro tópico desta monografia abordaremos a cidade de

Aquae Sulis e quem era a deusa ali cultuada. O foco é entender o que era e como foi

realizada a interpretatio entre as divindades, a importância das trocas culturais nesse

processo e, além disso, refletir sobre as transformações culturais geradas pela ocupação

romana na região.

Já no segundo tópico, faremos uma análise dos principais aspectos do santuário

da deusa Sulis Minerva, concentrando-se no funcionamento de seus banhos, o seu

templo e a rica linguagem imagética ali encontrada em sua arquitetura. Também

analisaremos os tabletes religiosos escritos pela população local e procuramos entender

o que a cidade significava para ela. No caso dos tabletes, utilizo uma tabela para

analisar o discurso contido neles e então perceber se o tablete trata-se realmente de uma

inscrição religiosa.

O objetivo principal do trabalho está na análise das interações religiosas entre

romanos e bretões. Para isso, enfocamos o templo do santuário e sua iconografia, e

como fluía a relação do santuário de Sulis Minerva com as pessoas que o frequentavam.

12

AQUAE SULIS

O objetivo deste tópico se concentra no estudo das interações culturais e na

formulação de identidades híbridas. Embora os processos de hibridização possam

acontecer nas esferas econômica, social e política, restringiremos nossa abordagem à

esfera da cultura (mais especificamente da religião), que abrange atitudes, mentalidades

e valores e suas expressões, simbolizações e concretizações nos artefatos e práticas

produzidas (BURKE, 2010: 16-17). Para isso, precisamos então conhecer a cidade em

questão, a divindade que era cultuada e a sociedade que se estabeleceu ali.

O santuário e sua deusa

A Britannia era uma província romana. Mas o conceito romano de “província”

não é facilmente definido, pois ela não é um território no sentido moderno do termo e

nem um domínio pessoal de um magistrado. De acordo com Patrick Le Roux (2009:

55), o termo tinha um sentido de designar uma “esfera de competência” temporária de

um representante da res publica. Ou seja, a província (mesmo sendo um local físico) é

um cargo designado a um cidadão romano que irá se responsabilizar por ela o tempo

que for necessário. E nela, o santuário de Sulis Minerva é talvez uma das mais

evocativas imagens da presença romana na Britannia. Aqui, especificamente na

Britannia, encontram-se os problemas com a divisão entre “bretão” e “romano” como

categorias aplicadas no período posterior à conquista. E na Britannia, uma cidade

chamada Aquae Sulis ganhou um destaque singular como centro religioso de

peregrinação.

A urbanização da cidade de Aquae Sulis começou com a construção de moradias

em madeira na metade do século I e.c., mas rapidamente se desenvolveu para casas de

alvenaria no início do século II e.c. (CUNLIFFE, 1984: 164). O crescimento da cidade

pode ser devido à sua importância militar, por causa do cruzamento de rios próximo a

ela, e pelo valor religioso de suas nascentes. Para uma grande parte da população

romana, os rios eram estabelecidos como fronteiras naturais, não exatamente por

separarem territórios, mas porque eles eram elementos que faziam parte de uma ordem

13

do mundo2 (BRAUND, 2011: 19). A cidade ainda apresentava uma rica atividade

comercial, possuindo áreas de produção de milho, lã, pedra e chumbo (CUNLIFFE,

1984: 181), assim como estradas que ligavam Aquae Sulis com outras cidades da

província, por exemplo, Londinium.

Figura 1. Mapa da Britannia. Fonte: http://drpinna.com/wp-content/uploads/2012/05/Map-of-

Roman-Britain-1956.jpg

Aquae Sulis se tornou um oppidum (cidadela, pequena cidade) após a sua

urbanização, gerado pelo poder de atração do santuário de Sulis Minerva. Os romanos

2 Um mundo, que afinal, era dividido. Um oceano separava a província da urbs, literal e metaforicamente.

O oceano não era somente o pai de todos os rios, mas também uma divindade (Oceanus) e era a borda do

mundo (BRAUND, 2011: 177).

14

chegaram a essa região no primeiro século de nossa era, provavelmente após o ano 43

e.c., onde encontraram o santuário das águas termais no vale do rio Avon, no sudoeste

da atual Inglaterra. Roma construiu uma espécie de reservatório ao redor das águas e

uma série de fontes termais (GREEN, 2006: 200). Perto do rio Avon, três nascentes

naturais bombeiam água aquecida a uma taxa média de 250 mil galões de água por dia.

Os minerais ferruginosos naturais do local dão à água um brilho vermelho-fogo e o

vapor saído das nascentes parece encobrir alguma presença mística.

De acordo com alguns historiadores como Martin Henig (2006), Miranda Green

(2006) e Louise Revell (2009), parece ser muito provável que antes da chegada dos

romanos existisse uma espécie de santuário nativo na região. No momento em que a

invasão do princeps Cláudio adentrou na região oeste, Aquae Sulis forneceu um

importante ponto de passagem sobre o rio Avon, e um forte romano teria sido

estabelecido rapidamente para controlar a travessia e seu tráfego. No início do período

romano, as nascentes quentes naturais se tornaram o foco de um santuário

monumentalizado que incluía uma fonte sagrada dentro de um reservatório, um templo

imponente, com um altar externo e uma elaborada “suíte” de banhos. A

monumentalização é datada sob o período Flaviano, no final do século I e.c. (HENIG,

2006: 224), em torno do templo, do altar, e da fonte, foi delimitado um grande pátio por

um pórtico com colunas.

15

Figura 2. Mapa geral da cidade de Aquae Sulis. O santuário da deusa Sulis Minerva se

localizava bem no centro da cidade, sendo possível acessá-lo de qualquer ponto dela. Fonte: CUNLIFFE,

1986: 13.

A cidade contém o maior complexo em arquitetura clássica da Britannia já

registrado. Nenhum texto ou inscrição romana diz se a área murada de Aquae Sulis era

realmente urbana ou não. Só podemos identificar o status da região através de

evidências arqueológicas. (DARK, 1993: 254). Todavia, mesmo sendo uma cidade

pequena, a presença de edifícios residenciais, alguns mercados ou atividades artesanais

e residências sacerdotais nos levam a crer que ela possuía um caráter urbano (DARK,

1993: 255).

Ainda não há evidências de que a cidade tivesse outro foco de atração para os

bretões e romanos além de suas fontes quentes, as quais atraíam peregrinos procurando

por curas de doenças, ou para participar dos rituais e cerimônias em honra da deusa

Sulis. Era no culto da deusa Sulis e nos banhos termais que o oppidum, e o futuro

16

municipium tinha sua razão de ser, pois a cidade era pequena, não havendo nem mesmo

uma legião romana que a guardasse, sua localização servia mais como um ponto de

passagem entre as rotas das cidades vizinhas. Mais especificamente, a cidade ficava na

região das tribos belgas, as quais, segundo as fontes, pertenciam ao “rei cliente”

Togidubnus (HENIG, 2006:223).

Sulis foi, provavelmente, uma divindade cujo poder de cura foi fundado sobre a

capacidade de suas sagradas fontes de água quente para aliviar o sofrimento e curar

enfermidades (seja de origem física ou espiritual). Sulis (Sul, Sulla, Sulei) é a deusa das

fontes quentes de Aquae Sulis. O nome em latim significa literalmente “as águas de

Sulis”. Fontes, assim como rios, eram frequentemente associadas em cultos “celtas”

com a fertilidade, a deusa mãe e a cura. Ela representava dois elementos, a água e o

fogo. Ao mesmo tempo, à Sulis eram atribuídos grandes poderes da saúde e de cura.

Oferendas (principalmente moedas) no templo ou lançadas na fonte sagrada e sacrifícios

de animais do sexo feminino realizados no altar do templo (REVELL, 2009: 118),

frequentemente tinham como pedido principal para Sulis a recuperação da saúde, mas

os apelos também clamavam por vingança na forma de doença ou morte para aqueles

que desagradaram os fiéis.

Ela pode muito bem ter sido venerada por séculos anteriores da chegada dos

romanos e virou um centro de peregrinação e turismo dos habitantes do Império depois

de terminada a reformulação romana do santuário no estilo clássico. Mas, quando os

artesãos ergueram os grandes edifícios permanentes no final do primeiro século, a

identidade de Sulis também foi alterada, e “interpretada” com uma deusa familiar para

os romanos, Minerva. Sulis podia então ser vista como a controladora da saúde

(CUNLIFFE, 1984: 81) e a associação com a deusa romana pode ser entendida pelas

características que a própria Minerva adquiriu em Roma.

Conforme o território romano se expandia, Minerva ganhava novas faces. Ela se

tornou Minerva Medica (uma divindade também interpretada em Roma), a patrona dos

médicos, que possuía um templo no monte Esquilino, uma colina tradicionalmente

relacionada aos etruscos no período republicano (ZIÓLKOWSKI, 1992: 115). A

interpretatio Sulis Minerva foi facilitada devido a algumas de suas características

compartilhadas entre Sulis e Minerva Medica, a maioria sobre combates e cura. E essa

“nova” divindade, Sulis Minerva, era realmente diferente da deusa Sulis, ou de Minerva.

O historiador Rudolf Haensch (2009: 181-182) afirma que as divindades interpretadas

17

não são uma soma de uma e de outra, ou uma mais poderosa do que outra, e sim

divindades novas. A habilidade de curar permaneceu em seus atributos, porém a

influência de Minerva fez com que Sulis se tornasse mais associada com as artes e

ciências.

Além do templo e estátua de culto, o santuário continha um altar sobre o qual

provavelmente carvão era queimado, o que talvez indique um prédio usado para

incubação (o sono sagrado). Ou seja, tratava-se talvez de um santuário termal, com os

poderes curativos através da água, mas também provavelmente um local de incubação, e

quase certamente, um teatro (HENIG, 2006: 224). Em suma, os poderes curativos

estavam sempre presentes nele. O santuário foi, desse modo, tão sofisticado quanto os

grandes santuários do Mediterrâneo, como Olympia, Delfos ou Eleusis, embora em

menor escala.

A deusa Sulis Minerva foi criada mediante a hibridização romano-bretã e para

entender esse processo, é preciso analisar as práticas da interpretatio romana, que se

apresentam como uma adaptação religiosa para auxiliar o culto dos romanos e, talvez,

de outros povos com os quais interagiram, e não para complexificar as divindades. Mas

antes de nos inserirmos sobre a interpretatio, é necessário perceber as particularidades

da religião romana.

As religiões de Roma e as práticas da interpretatio

Dificilmente podemos compreender uma religião da mesma forma que os

antigos, pois o termo religio não designava laços sentimentais diretos ou pessoais do

indivíduo com a divindade, mas um conjunto de regras formais e objetivas oriundas da

tradição para o relacionamento com os deuses (BELTRÃO, 2011: 3). Portanto, a

religião consistia em cultivar corretamente as relações sociais com os deuses,

celebrando os ritos que consagram esta comunhão e garantindo a obtenção dos favores

divinos.

A religião ou religiões romanas expressavam a observação escrupulosa dos

rituais religiosos (SCHEID, 2003:19); era, então, um sistema comunicativo

(BELTRÃO, 2010:49). No entanto, não significava uma ligação direta, pessoal e

sentimental entre o indivíduo e as deidades, mas um conjunto de regras formais e

18

objetivas baseadas na tradição (SCHEID, 2003: 22). E apesar de a religião romana ser

uma religião ritualística, e como tal, estritamente tradicionalista (SCHEID, 2003: 18),

ao mesmo tempo fazia parte da tradição romana a integração de novos elementos na

religião para que esta fosse aberta a entrada de novos cidadãos e deuses (SCHEID,

2003: 19). Até porque os romanos tinham a premissa de que as divindades de todos os

povos eram verdadeiras, afinal somente dois cenários eram plausíveis; primeiro, que os

outros povos conheciam deuses cuja existência o mundo greco-romano ignorava, e

segundo, que as divindades dessas comunidades estrangeiras já eram conhecidas, mas

os nomes foram traduzidos para as línguas nativas (VEYNE, 2009: 190), uma

característica que possibilitou o fenômeno da interpretatio romana.

As divindades, patronas de todo tipo de atributos (coisas, lugares, atividades,

grupos humanos), desempenhavam um papel essencial na definição comunal das

sociedades e nas relações de poder estabelecidas nas cidades e entre cidades

(BELTRÃO, 2011: 11). As deidades romanas variavam de acordo com a comunidade a

que concerniam, estas eram de certa forma, membros da mesma comunidade que seus

seguidores.

As características básicas da religião romana são a ausência de revelação,

dogmas e de ortodoxia; era uma religião baseada na correta execução dos rituais

(SCHEID, 2003: 21). Rituais esses que definiram e disseminaram representações de

deuses e da ordem divina, e que não envolviam nenhuma iniciação ou ensino formal, o

que pode ter facilitado a difusão e adaptação desta religião pelos nativos das províncias

(SOUTELO, 2012: 52-53). Os rituais integravam, separavam e reforçavam as estruturas

sociais e também as mudavam. Trata-se de um fenômeno social que integrava as

pessoas e servia para evitar um conflito, reforçar um conflito, e a sua comunicação é

uma performance com elementos teatrais. É uma prática visual com gestos, sons e

odores, e é necessário um conhecimento para ser realizado.

A vida dos romanos era infinitamente mais complexa do que pensam

aqueles que só consideram a religião oficial e ignoram as

manifestações cotidianas extremamente numerosas de um sentido do

sagrado que nunca lhes faltou (GRIMAL, 2009: 73).

Era uma religião que vinculava os deveres religiosos ao status social do

indivíduo, e se ligava mais à comunidade, aos grupos sociais do que ao próprio

19

indivíduo. O princípio que a regia era a racionalidade cívica que garantia a liberdade e a

dignidade dos seres humanos e divinos, a liberdade do cidadão estava acima de tudo

(SCHEID, 2003: 22). As pessoas eram perfeitamente livres para conceber suas

divindades, a religião e o mundo da forma como quisessem, afinal, esta religião

mantinha a expressão explícita da crença separada da prática religiosa (SOUTELO,

2012: 53). Não possuía um código moral particular, sendo que o código ético era o

mesmo que regia as relações sociais não religiosas.

Os deuses e deusas romanas eram partes integrantes e primordiais para a vida da

urbs, e eles respeitavam algumas leis físicas relativas ao tempo e espaço (BELTRÃO,

2011: 12). Segundo Claudia Beltrão, a presença deles em um ritual não podia ser

considerada certa de antemão, a divindade tinha que ser convidada para participar dos

rituais, festivais, ou convidada a vir em ajuda aos seres humanos, e isso tudo implica um

esforço por parte dos mortais para atrair seus interesses. As divindades de Roma se

assemelhavam muito com os próprios homens e mulheres em suas complexidades,

desejos, temperamentos e conflitos internos.

Para compreender as relações dos romanos com divindades estrangeiras (as

quais possivelmente despertavam fascinação e receio para Roma) será preciso uma

análise de como eles as interpretavam, ou seja, como se utilizavam da interpretatio

romana. A interpretatio, que Tácito definira como uma interpretação das divindades

estrangeiras pelos romanos pode ser entendida como uma acomodação de deidades

reconhecidas como divindades do panteão romano (WEBSTER, 1997: 331). Tácito

providenciou uma forma simples de possível tradução para os nomes das divindades

que, de acordo com os romanos, poderiam ter diferentes nomes (ANDO, 2006: 52).

A historiadora Mary Beard e os historiadores John North e Simon Price analisam

os processos de interpretatio como partes da operação do poder imperial no mundo

romano com base na ideia de que o “imperialismo” romano teve uma forte ação sobre as

religiões no território imperial (BEARD, NORTH & PRICE, 1998. v.1: 313). Os

romanos tinham a ideia de que a religião era estritamente ligada a uma região específica

ou a uma comunidade, pois eles também tinham suas próprias divindades e ritos

públicos (MENDES; OTERO, 2004: 203). Assim, o que alguns pesquisadores chamam

de “tolerância romana” não se fundamentava apenas na benevolência ou no interesse de

atrair outros povos para a órbita imperial, mas no temor e precaução em não desafiar os

deuses dos “outros”, os quais poderiam vir a ser úteis aos romanos em determinado

20

momento. Roma tolerava aquilo que não lhes parecia ser perigoso e não tolerava o que

ameaçava a sua ordem, contudo poucos eram os cultos que foram considerados

perigosos, afinal muitas vezes as deidades e ritos de outras religiões se assemelhavam

aos seus (BELTRÃO, 2006: 151).

A questão de a divindade estar ligada a uma região específica, entretanto,

levanta uma problemática. Se a religião é localizada, como pode haver a interpretatio?

Talvez as divindades e religião sejam coisas distintas no pensamento romano, pois se

uma divindade pode aparecer e agir em outro local, a religio romana parece dizer

respeito apenas à cidade de Roma, e não nos parece que manter as religiões locais do

Império, e inclusive estimulá-las, tenha a ver com as divindades, mas sim com o sistema

religioso romano, que é jurídico, administrativo e humano.

Uma característica do sistema religioso romano, de estar muitas vezes aberto à

influência de outras culturas possibilitou o fenômeno da interpretatio. Dessa maneira,

algumas questões, como até que ponto as novas divindades mantinham suas

características originais e qual é o tipo de equilíbrio que existia nessa transformação, são

pertinentes para se entender como era o tratamento de Roma em relação às divindades

de outros locais (BELTRÃO, 2010: 11).

A interpretatio de divindades foi estabelecida devido às possíveis características

semelhantes entre elas. Para muitos pesquisadores, ela se refere normalmente à

identificação de divindades estrangeiras pelos romanos com os deuses de seu panteão

(ANDO, 2006: 51). Uma base para nossa análise sobre a interpretatio foi dada por W.

van Andringa. Ao estudar o deus Marte Mullo (AE 1969/70, 405 a-c), por inscrições

datadas do Principado Augustano, Andringa supõe que a interpretatio ocorreu no século

I e.c., provavelmente relacionada com a obtenção do ius latinum pela comunidade. Para

Andringa, o nome composto, no qual o epíteto Mullo é conectado com o teônimo Marte,

permite depreender que as divindades interpretadas não são deidades híbridas (no caso,

meio romana, meio gaulesa), e sim divindades municipais “novas”, cujos poderes são

específicos e particulares àquela região e comunidade, declarando “Não há fusão ou

sincretismo – esses deuses mudam tanto de nomes como de identidades” (ANDRINGA,

2006: 87-88).

Ou seja, divindades antigas se transformam, podem mudar até mesmo seus

nomes e “identidades”. Algumas podem simplesmente ser equiparadas a deuses e

deusas do panteão romano (o que já implica certa transformação) e outras adquirem

21

uma identidade totalmente nova a partir do momento que o teônimo nativo acompanha

um romano. As deusas e os deuses se mostram, dessa maneira, muito mais complexos e

interessantes, pois apresentam características (atributos, elementos ou símbolos de

reconhecimento) mutáveis e não solidificados no tempo. Entretanto, esse tipo de

pensamento não é compartilhado por todos os estudiosos da interpretatio.

Por exemplo, Jane Webster acredita que a interpretatio é um discurso pós-

conquista romana de uma determinada região. Para a autora, a interpretatio assume

diferentes formas, mas basicamente é uma “equação” entre uma divindade estrangeira

com uma do clássico panteão romano. Porém, a nosso ver, essa explicação se mostra

muito aquém da realidade, pois é demasiada simples e generalizante. Além disso,

Webster ignora que a interpretatio também ocorreu na Península Itálica. Em muitos

casos, a divindade nativa é totalmente “submetida”, ou as referências apenas invocam o

nome latino dela. Segundo Webster, as definições dos deuses bretões então se tornam

dependentes dos exemplos de interpretatio nos quais eles adquirem um nome duplo,

como Apolo Maponus, Lenus Marte e Sulis Minerva (WEBSTER, 1995: 154). Dessa

maneira, pode-se compreender melhor a natureza da divindade bretã. É muito difícil que

por detrás do nome de uma divindade encontrada nas províncias não estejam deuses e

deusas romanas que possam ter sido interpretados com divindades de características

similares (SOUTELO, 2012: 86).

Para o deus Marte, por exemplo, detectam-se dezesseis deuses bretões

interpretados segundo as pesquisas de Webster (1995: 155), evidenciando que muitas

divindades bretãs poderiam ser interpretadas com uma única deidade romana3. Erros na

interpretação das divindades locais poderiam ter levado a diferentes transformações.

Um ponto importante que Webster mostra é que isso poderia mostrar a polivalência da

natureza dos deuses romanos. Por exemplo, Marte, sendo um deus guerreiro, aparecia

muito protegendo os campos. Isso porque os próprios deuses romanos se modificaram

ao longo do tempo, principalmente após entrarem em contato com as divindades gregas

como Zeus/Júpiter; Hera/Juno, dentre outros exemplos de interpretatio e adoção de

divindades estrangeiras (BELTRÃO, 2010: 1).

3 Marte é um deus guerreiro, então, é compreensível que tantas divindades fossem interpretadas como

Martes, bem como Mercúrio foi uma divindade muito popular nessas interpretationes, já que soldados e

comerciantes são os tipos romanos mais recorrentes nas províncias.

22

É válido perguntar-se, todavia, até que ponto os habitantes do Império

adquiriram identidades religiosas “romanas”. E como variou este processo no tempo e

no espaço e em seus diferentes grupos sociais? Segundo Greg Woolf, os efeitos da

expansão romana não resultaram apenas no recrutamento de novos membros para uma

sociedade mais complexa. Ela também ocasionou uma complexificação da própria

sociedade romana (WOOLF, 1997: 345).

A grande quantidade dos panteões espalhados pelo Império Romano é o

resultado de vários processos comuns desencadeados pela organização e reorganização

dos povos de suas cidades através de elementos do sistema religioso romano. Em várias

regiões, para Andringa, a municipalização foi o catalisador para a progressiva

recomposição dos sistemas religiosos já existentes (ANDRINGA, 2006: 86). Com a

autonomia das cidades definidas e enquadradas por Roma, é fácil entender que as

alterações incentivadas pelas próprias cidades dependiam da manifestação religiosa do

poder romano, que era o inevitável ponto de referência. Esse tipo de integração era

inseparável do controle das províncias. A religião se refletiu nas crenças e ideologias de

seu próprio tempo com um lento processo de transformação dos padrões sociais, que

modificaram o estilo de vida da população das regiões conquistadas (SOUTELO, 2012:

50). Inserida nessa interação social, a religião romana pode ser entendida como um

sistema comunicativo, pois o ritual é, dentre outras coisas, um código em comum

(BELTRÃO, 2011: 1).

Segundo Louise Revell (2009: 110) a religião e a atividade religiosa foram parte

central das mudanças culturais que ocorreram nas províncias ocidentais, havendo a

difusão da dedicação em latim tanto a divindades romanas quanto a nativas. Afinal,

antes da chegada dos romanos, a população local não possuía escrita, desse modo, a

própria formulação de epígrafes, por exemplo, é um resultado de um encontro cultural

(SOUTELO, 2012: 54). O reordenamento espacial romano não trouxe apenas formas de

monumentalização e inovações arquitetônicas nos santuários, mas também a expansão

de formas rituais romanas, como formas de sacrifício.

Essas mudanças, contudo, não nos permitem dizer que houve um embate entre

as religiões locais e romanas. A partir da análise da documentação supérstite, percebe-se

atualmente que elas se interpenetravam, e reciprocamente, se influenciaram muitas

vezes. E os rituais e os significados dos cultos dessas culturas tiveram que evoluir

constantemente para se manterem significativos para a sociedade nas províncias

23

(SOUTELO, 2012: 55). Assim, vemos o fenômeno da interpretatio, uma

“convergência” de elementos culturais que são adaptados de acordo com o contexto

local. O reordenamento do espaço religioso romano ocorria em paralelo com a

transformação dos próprios deuses via interpretatio, ou seja, “a naturalização de

divindades estrangeiras que tomavam nomes romanos, a partir de semelhanças possíveis

com base em sua aparência ou esfera de ação” (BELTRÃO, 2011: 18).

Nos séculos I e II e.c., multiplicaram-se os exemplos de divindades romanas e

provinciais reunidas nas mais diversas combinações divinas (BELTRÃO, 2011: 17). A

epigrafia, um dos principais tipos documentais pelos quais podemos estudar as

interações religiosas, era utilizada para uma variedade de propósitos no mundo romano

sendo que funerais, inscrições votivas e honoríficas são as principais categorias

(WOOLF, 1997: 344). Táticas de uma resistência indireta nativa, de negociações ou

recepções possivelmente podem ser observadas no modo como a interpretatio foi

recebida pelos bretões. Há algumas evidências de que os nativos utilizaram a epigrafia

para invocar divindades bretãs sem o seu nome romano equivalente (WEBSTER, 1995:

159).

A interpretatio é um conceito mais dinâmico e construtivo do que simplesmente

destrutivo. Ela modificava as divindades, mas não as aniquilava. É uma inovação, e toda

inovação é uma espécie de adaptação na qual os encontros culturais encorajam a

criatividade (BURKE, 2003: 17). O mecanismo da interpretatio aos poucos criava no

mundo dos deuses cultuados nas províncias um tipo de linguagem religiosa comum.

Nessa linguagem, segundo Beltrão, cada povo podia identificar, em seu próprio idioma,

uma série de figuras religiosas interessantes para si mesmo (BELTRÃO, 2011: 19).

Após suas escolhas e sua organização, formavam o que denominamos um panteão e

cada comunidade reservava espaços determinados aos seus deuses e os honrava segundo

os procedimentos de costume e da tradição.

Com a nomeação romana de uma deidade estrangeira, os romanos acabavam

alterando seu caráter único através de uma linguagem comum entre eles e os

estrangeiros (SOUTELO, 2012: 55). Isso acontecia porque os romanos não faziam nada

antes de saberem o nome da divindade de algum local desconhecido e de lhe prestarem

a devida homenagem, afinal, para eles, os deuses estavam em todos os lugares, eram

forças poderosas que tinham interesses em todos os aspectos da vida (REVELL, 2009:

110) e por isso se preocupavam em não perturbar a pax deorum.

24

Desse modo, segundo Raquel Soutelo, um romano perguntava ao nativo o nome

do deus local, mais por gestos do que por palavras, questionava qual ser supremo

protegia aquela localidade e pelo o que ouvia, tenta dessa forma, traduzir o teônimo para

a sua fonética latina (SOUTELO, 2012: 56). Assim, os romanos conseguiam um

convívio melhor entre as duas culturas já que demonstravam respeitar o que é sagrado

para o outro, o que aparenta ter sido uma diretriz política de convivência religiosa para

Roma. Entretanto, ao praticar a interpretatio, ela está sujeita à aplicação de nomes de

divindades romanas (ANDO, 2006: 62).

É importante frisar a pluralidade de identidades e atributos que uma única deusa

pode possuir. Seus signa se modificaram ao longo da história romana, eles não estão

estagnados como algo sólido, mas fluem livremente como a correnteza de um rio

durante uma tempestade. E ao longo dos séculos da história romana, percebe-se como as

divindades foram se transformando. Durante a Roma dos reis, Minerva já estava

constituída como uma deusa de grande importância, junto com Juno e ambas possuíam

provavelmente uma origem etrusca, ou podem ter sido interpretadas com as deusas Uni

e Menrua etruscas (ZIÓLKOWSKI, 1992: 109-111). Durante os séculos da República

romana, novas transformações ocorreram com as divindades, dessa vez compostas por

elementos gregos (ZIÓLKOWSKI, 1992: 116). Então, na época do Principado, no

século I e.c. a deusa passou a sofrer mudanças não apenas na cidade de Roma e na

Itália, mas também nas províncias, ao associá-la com as divindades locais. E desse

modo, surge na província da Britannia, uma nova deusa.

A deusa bretã Sulis, ao se tornar Sulis Minerva, ganha agora uma forma

imagética, com base em modelos escultóricos romanos, contribuindo, desse modo, para

a expansão de elementos da religião romana entre os bretões. O local de seu santuário,

monumentalizado pelos romanos, é um centro para o culto da deusa, para a possível

cura de doenças em suas águas sagradas, e para oferendas e pedidos de justiça na forma

de tabletes religiosos e defixiones. Mas, no santuário também se detecta indícios de um

forte propósito de festividades e propaganda da cultura romana, com seu sistema de

banhos, festas realizadas em seu teatro, sacrifícios e altares erigidos no templo.

E ao problematizar o tema da ocupação romana, podemos perceber como o

hibridismo cultural foi um fator determinante nas interações religiosas e no processo de

desenvolvimento do Império Romano.

25

Os mundos dentro do Império

Ao estudar o santuário de Sulis Minerva, caminha-se para uma discussão

amplamente complexa, problemática e atual: o encontro de culturas diferentes.

Pesquisar os registros arqueológicos do santuário nos permite rever o conceito de

romanização, um conceito que foi aproximado do sentido de imperialismo, e para

Richard Hingley: “Romanização está ligada a ideologias imperiais e nacionais mais

recentes, embora se relacione as narrativas de império e de civilização formuladas nos

períodos romanos do fim da República e do início do Império” (HINGLEY, 2010: 31).

O conceito de “romanização” surgiu na historiografia do século XIX e início do

XX, para descrever o contato entre os romanos e outros povos, com a adoção dos

padrões estéticos e éticos dos primeiros nas práticas culturais encontradas nas

províncias do Império (SOUTELO, 2012: 16). Theodor Mommsen e Francis Haverfield

construíram este termo acreditando que nessas províncias tinha acontecido uma

transferência de cultura, uma mudança cultural por imitação, progressista, direcional e

uniforme (HINGLEY, 2006:39).

Desse modo, a “romanização” foi usada para ajudar a corrigir uma primeira

imagem que sugeria que um pouco da civilização romana fora transmitida para os

antigos bretões. Esta ideia foi alcançada a partir do desenvolvimento de um significado

no qual civilização era tida como algo que poderia ser transferido. Era o processo pelo

qual o bretão não civilizado alcançava a civilização. Essa teoria se encaixa em um

contexto no qual muitos escritores populares e políticos estavam buscando uma

continuidade nas imagens da vida nacional inglesa.

O que se encontra na Britannia após a sua anexação é uma ambiguidade de

identidades locais. Não se pode afirmar que existe uma identidade totalmente romana ou

bretã, mas sim diferentes identidades, que estão em constante mudança com o tempo,

são mistas, hibridizadas, não necessariamente mais ou menos romanas. Encontra-se

nativos que agiram violentamente contra a presença romana, outros que parecem tê-la

aceitado de bom grado, resistências passivas ou até mesmo uma indiferença às

modificações, tudo isso variando com a época e a região, se é uma zona rural ou urbana,

se é bastante visitada ou possui uma forte presença romana.

É preciso repensar o nosso entendimento das cidades locais que tiveram contato

com Roma. Elas não eram vítimas passivas, nem participantes entusiasmados ou

26

agentes totalmente livres nessas relações. A prioridade deve ser localizar o que uniu

essas sociedades com Roma e procurar entender o prelúdio, os processos e os resultados

de suas complexas negociações. As vítimas do “poder imperial” são aquelas que

resistiram ativamente (MATTINGLEY, 1997). Aqueles que negociaram e que

procuraram certa acomodação com o parceiro dominante podem ter recebido o poder

em suas mãos no processo. Particularmente, não se pode esperar que uma população

nativa inteira reagisse da mesma maneira à conquista romana da Britannia. Os

processos de mudança teriam envolvido interações complexas e contínuas.

Diante da complexidade ao lidar com vestígios materiais, a historiadora Norma

Musco Mendes (2001: 27) afirma que o conceito do que era “romano” e o que era

“nativo” não pode ser homogêneo. Da mesma maneira, seria simplista demais afirmar

que o uso e adoção da cultura material romana foi uma questão de aceitação ou

resistência. Mendes entende a “romanização” em um contexto de mundialização do

mundo antigo (MENDES, 2001: 26), com base na ideia de que a mundialização visa à

diversidade e a multiplicidade.

Assim como muitos impérios que se constituíram, Roma concebeu sabiamente

um mundo e pôde mantê-lo. Apesar dos muitos sentidos de “romanização” que

historiadores procuram utilizar, ainda não existe uma definição específica para

caracterizar em toda a sua complexidade o fenômeno de transformação social e cultural

entre os romanos e provinciais. Por isso, os processos de interações culturais de Roma

com diferentes regiões deve ser problematizado e não pressupor que o modo de agir dos

romanos se deu da mesma maneira em cada província.

Roma, em contato com as diferentes culturas inseridas em seus domínios

territoriais, transformou-se também, adotando diferentes elementos culturais, religiosos

etc. das culturas dominadas, já que os processos de interações culturais ocorridos no

interior de seus domínios devem ser entendidos como uma “via repleta de caminhos

diversos”. Isso implica dizer, portanto, que a possível dinâmica reprodutiva do Império

Romano era responsável pelas variações que ele conheceu ao longo do tempo e do

espaço (MENDES, 2001: 27).

Aqueles que tinham poder criaram novas maneiras de dominação. Ao mesmo

tempo, aqueles que eram controlados encontraram maneiras de resistir, ou ao menos,

reagir. Durante a conquista da província, olhares antirromanos foram comuns. Porém, o

fato de que algumas elites nativas viram uma possível vantagem em se aliar com Roma

27

mostra como as atitudes nativas variam. Enquanto a província se estabelecia sob o

controle romano, as atitudes nativas se tornariam mais complexas. Percebe-se que esse

“imperialismo” da cultura romana foi mais sutil do que simples intervenção. Um

problema relevante é que muitos historiadores e estudiosos estão muito inclinados em

ver cada forma de diversidade cultural nas províncias como uma evidência de

resistência à cultura romana (WHITTAKER, 1997). É preciso avaliar e interpretar as

fontes com extremo cuidado para não acabar tomando partidos nativos/romanos. Por

esse motivo, tendo a concordar com Greg Woolf (1998: 25), pois de acordo com ele,

pode-se compreender melhor a ocupação romana como um fenômeno de mudanças

culturais que criou uma civilização na qual semelhanças e diferenças formaram um

novo padrão cultural.

Desse modo, o domínio romano não foi simplesmente imposto nas províncias

(BUSTAMANTE, DAVIDSON, MENDES, 2005: 40), num sentido unidirecional. Foi

um processo lento e interativo que implicou não só em coerção (pacífica ou violenta)

como também recompensa, transformação estrutural, cooptação, resistência e

acomodação que eram mecanismos da “romanização” e que atuaram como diferentes

formas de discursos hegemônicos (BUSTAMANTE, DAVIDSON, MENDES, 2005:

24). Foi esse embate que permitiu que no seio do Império Romano, fosse possível

encontrar locais de ambiguidade, de culturas híbridas, que ampliaram os mecanismos de

integração sem eliminar por completo os elementos de resistência.

Ser ou não ser romano, nas províncias do Império, pode depender de diversos

fatores de alcances legais e culturais, como obter a cidadania romana, adorar os mesmos

deuses, participar do teatro, dos jogos e ir ao circo, frequentar as casas de banhos.

Porém, mesmo se um bretão fizesse isso tudo, ele próprio se consideraria um romano?

Ou a questão da identidade ainda estaria ligada diretamente à terra a que ele pertence?

Questões como essas podem ter surgido muitas vezes durante a ocupação romana nas

províncias, sendo possível também que, mesmo com os nativos adotando todos esses

costumes, modificando-os a sua maneira, ainda considerassem os romanos, para todos

os efeitos, como um povo estrangeiro. A hibridização romano-bretã se daria, então com

uma mistura de acomodação nativa, resistência passiva, e também o usufruto das

vantagens do modo de viver romano.

Há uma tentação em focar-se nas atividades das elites como o resultado de seus

visíveis impactos sobre a paisagem física da cidade. Geralmente, elas eram responsáveis

28

por financiarem construções dos edifícios públicos e sua manutenção. A participação do

resto dos habitantes das cidades era menos óbvia, das pessoas que estavam envolvidas

nas atividades mundanas de viver e trabalhar na cidade. Menos óbvio ainda é o papel de

alguém que vivia na área rural, que talvez apenas fosse à cidade ocasionalmente para

vender bens no mercado ou pagar impostos. Mesmo assim, todos esses grupos estavam

envolvidos no projeto de urbanismo, em diferentes níveis.

Louise Revell critica bastante esse foco nas elites, pois não acredita que a

experiência de compartilhar a identidade romana fosse um fenômeno restrito a elas

(REVELL, 2009: 153 - 192). Ela prefere trocar o conceito de “romanização” por

“romanidade”. Se ambos mostram-se teleológicos, ao menos o último tem o diferencial

de ser entendido como um discurso propagado conscientemente por Roma, através da

arquitetura das cidades e do culto ao princeps. Entretanto, Revell deixa de lado os casos

violentos que em certos casos acompanharam esse discurso romano.

Pensando em termos de organização espacial, a conquista de Roma provocou um

impacto muito profundo. É claro que aquela não era a primeira experiência das tribos da

ilha em termos de guerras ou invasões. A conquista romana e a organização territorial

decorrente dela, contudo, se revelariam como uma mudança radical. No processo de

mudança da lógica do território, Roma investiu no controle e na modulação da

mobilidade, isto é, da circulação de pessoas, bens e dinheiro (REVELL, 2009: 49). Para

atingir este objetivo, limites, caminhos e cidades revelaram-se como elementos centrais.

O Império Romano não podia crescer e consolidar-se sem olhar constantemente para

além de suas fronteiras, ou seja, o exterior lhe era fundamental, já que a incorporação de

terras e a expansão demográfica constituíam os motores que conduziam Roma ao seu

lugar de proeminência no mundo mediterrâneo (SOUTELO, 2012: 30). O controle da

mobilidade exigiu a construção de uma rede viária para comunicar e integrar a ilha. O

objetivo prático imediato era estabelecer vias de comunicação rápidas e seguras entre as

diversas cidades e regiões para permitir a circulação de pessoas (soldados,

representantes do poder central etc.), informação e mercadorias.

As mudanças espaciais podem ser mais bem evidenciadas com a arquitetura e a

linguagem visual que ela carrega. Segundo o historiador da arte Paul Zanker (1990), o

imperialismo romano pode ser entendido como o discurso veiculado pela produção

intelectual, principalmente pela “linguagem das imagens” produzidas pelo

relacionamento complexo entre o governo imperial, a persuasão e a transformação tanto

29

das culturas locais quanto da cultura central. Dessa maneira, é possível perceber

discursos textuais e imagéticos que veicularam, por todo o território imperial, sistemas

de representação que davam sentido à vida humana, através de uma série de

mecanismos que modelavam e remodelavam a vida pública e a vida privada,

estimulando a adoção do modus vivendi romano, como a religião, as práticas sociais, a

educação, a organização administrativa, as instituições, a rede viária, a organização

militar, as cidades etc.

Ser romano faz parte de um discurso, uma projeção na qual cada indivíduo do

Império entendia de uma maneira diferente. As estruturas do imperialismo romano,

tanto na religião ou urbanismo, eram localizadas junto das rotinas cotidianas das

populações, e através dessas atividades elas compartilhavam um discurso de como a

vida romana deveria ser vivida (REVELL, 2009: 191). O poder imperial era exercido

em grande parte de maneira a aliar os interesses dos conquistados aos dos

conquistadores. Nesse sentido, o imperialismo romano era dialético, no qual ambos os

lados faziam parte. E no século I e.c., o padrão cultural romano era o fruto das

interações entre os romanos e os outros povos que compunham o Império. Nesse

sentido, o Império Romano pode ser compreendido como um projeto cultural, que

permitia a participação e implicava a cooptação, cooperação e identificação entre a

alteridade das regiões e a identidade imperial romana (MENDES, 2006: 41).

O Império Romano nunca produziu uma identidade4 nacional como as criadas

pelos estados-nacionais contemporâneos. Persistiu sempre composto de uma

multiplicidade de identidades étnicas parcialmente integradas. O que a historiografia

denomina de “sociedade romana” é apenas uma abstração, ou uma generalização para o

Império, de uma realidade que talvez somente era válida para a cidade de Roma. Dentro

desse caleidoscópio cultural, percebe-se que as sociedades poderiam possuir múltiplas e

variadas identidades vinculadas com sua cidade e tradições. Desse modo, Roma é um

paradigma útil de cruzamento de identidades locais e heterogêneas e que, mantendo a

diversidade, tendeu a estruturar uma unidade, que era o sentido de ser romano

4 Entendemos como “identidade” o conjunto de características de um povo, oriundas da interação dos

membros da sociedade e de sua forma de interagir com o mundo. Ela comporta as tradições, a cultura, a

religião, a música, a culinária, o modo de vestir, de falar, entre outros, que representam os hábitos de uma

população.

30

(MOLINA, 2007). Criava-se um sentimento de pertencer a um mesmo mundo político,

socioeconômico e cultural.

Esse “caleidoscópio” sintetiza como podemos imaginar as diferentes sociedades

interagindo dentro do Império Romano. A palavra significa um aparelho em que é

possível ver várias imagens coloridas por causa da reflexão da luz solar em seus

espelhos. E dependendo do seu ângulo de visão, as cores e os formatos vão mudando,

fornecendo a cada momento combinações variadas e interessantes. Essas cores, ou no

caso, as culturas, acabam formando um conjunto de características que estão se

sucedendo e em constante mudança.

O Império era, então, um território imenso, habitado por diversos povos, cada

qual com suas especificidades no ver, no sentir e no pensar em relação aos demais. Na

medida em que reconhecemos esses encontros e essas trocas (muitas vezes violentas),

admitimos também uma transformação local nas experiências vividas por essas

comunidades. Michel De Certeau (2010: 95) chama atenção para o caso das

hibridizações culturais que ocorrem com duas sociedades díspares. Ele critica

fortemente o preconceito de muitos ao acharem a cultura do dominado (no caso, os

nativos) inferior. Também afirma que essa pretensiosa “vulgarização” ou “degradação”

de uma cultura superior (a dos romanos), através dessa fusão entre os bretões e

romanos, seria apenas uma visão partidária da existência de uma cultura romana pura, o

que está bem distante da realidade. Desse modo, o processo de “integração” dos novos

povos tinha como mecanismos a própria religião, ferramenta muito eficaz para

congregar populações diferentes através de suas crenças comuns. No caso de uma deusa

como Sulis Minerva, era uma divindade reconhecida por bretões e romanos, todavia, era

também uma divindade nova.

31

O SANTUÁRIO DE SULIS MINERVA

Agora que já vimos algumas questões que nos levam a pensar que a hibridização

religiosa criou uma divindade nova em Aquae Sulis, mas mesmo assim reconhecível

para bretões e romanos, podemos abordar o local específico de seu culto. A principal

atividade no santuário consistia em seus banhos medicinais e na fonte sagrada que

ficava dentro do templo. Nela, muitas oferendas foram presenteadas à deusa, assim

como pedidos religiosos na forma de tabletes e também defixiones. Em sua arquitetura,

percebemos que a linguagem visual sugere uma rica interação cultural na cidade que

acabou produzindo algo inovador e curioso. Nesse caso, trata-se especificamente do

frontão do templo de Sulis Minerva. Além disso, é dentro do santuário que percebemos

como era realizado o culto a essa deusa.

Figura 3. Reconstrução gráfica do interior do Santuário. Fonte:

http://www.romanbaths.co.uk/images/bathing%20complex_v_Variation_1.jpg

Ao entrar no espaço religioso do santuário, a travessia pelo complexo se inicia

com o seu templo, que foi construído em um estilo clássico, o que o torna bastante

incomum na província. O templo foi abordado por um lance de escadas e havia quatro

colunas coríntias, apoiando um frontão decorado. Atrás das colunas, a estátua de culto

da deusa era mantida em um espaço mal iluminado, sem janelas, com a única luz que

entrava pela porta e pela queima do fogo. Atravessando o templo e passando do lado da

fonte sagrada, entra-se então, nos cômodos de banhos, sendo possível acessar cada tipo

32

de sala e seu específico banho. Em seu centro, se localizava a maior piscina do santuário

e ao transitar pelo local, o visitante poderia observar os mosaicos coloridos e os detalhes

decorativos em seu interior. O vapor da água quente seria provavelmente constante no

caldarium e as águas medicinais de Sulis Minerva foram responsáveis por tornar a

cidade um grande centro de peregrinação.

Os banhos divinos

O complexo consiste em três grandes divisões em torno da Fonte, ou Nascente

Sagrada. Segundo Revell, ninguém tinha permissão para banhar-se nela. Em vez disso,

a fonte foi utilizada como local para orações e oferendas à deusa. A fonte foi construída

de paredes de chumbo grosso e tinha um grande telhado sobre a área inteira. Milhares

de moedas e placas foram retiradas do sedimento nesta construção. Ao norte da fonte

estava o templo de Sulis Minerva. O templo consistia em uma pequena câmara com um

altar sacrificial em sua entrada, no pátio. Há evidências de que o templo era

suntuosamente decorado, indicando que o santuário foi de grande importância para

ambos romanos e bretões. Os banhos são compostos por três piscinas grandes

alongando-se de leste a oeste, ao sul da Fonte Sagrada (REVELL, 2009: 177).

33

Figura 4. Planta do santuário. Fonte: REVELL, 2009: 177

Alterações posteriores no pátio frisam a importância do altar. Uma plataforma

adicional foi construída, e mais tarde, uma estátua e outro altar foram construídos,

juntando-se com o primeiro. Como parte do culto, os construtores tiveram que primeiro

definir um limite entre o espaço sagrado e o caminho para o altar. O largo pátio sugere

que os rituais eram vistos como ocasiões públicas, um evento comum para uma gama de

adoradores. O desing do pátio do templo, dominado pelo altar, é um indício forte que o

sacrifício era um elemento proeminente no culto em Aquae Sulis (REVELL, 2009: 120).

Este sacrifício coletivo era performado em frente ao templo, diante da própria deusa

sob a forma de estátua.

Evidências também apontam para a realização de libações como mais uma parte

do uso ritualístico do complexo. Junto da fonte sagrada, oito patere foram encontradas,

uma de bronze, duas de prata e cinco de chumbo. Dessas, cinco tinham o nome da deusa

(REVELL, 2009: 121-122). Elas poderiam ser oferendas, mas, como elas possuem

evidência de uso, e algumas são remendadas, parece mais provável que elas tenham sido

utilizadas no culto, com as pessoas oferecendo água da fonte, ou outros líquidos como o

34

vinho (CUNLIFFE, 1984: 77). Sacrifícios e libações talvez tenham sido comandados

por um sacerdote que possuía uma autoridade religiosa especial.

Figura 5. Alguns dos objetos encontrados na fonte. Dentre eles, percebem-se joias, jarros, pratos e a

abundância de moedas. Fonte:

http://www.romanbaths.co.uk/images/romansandgoddess_v_Variation_1.jpg

A fonte e o reservatório claramente formavam uma segunda área de culto no

santuário. Pode-se ver, a partir do registro arqueológico5, que havia duas formas de

deposições consideradas apropriadas à deusa. Objetos diversos foram encontrados,

principalmente consistindo moedas, e os tabletes religiosos. Os objetos que

sobreviveram são feitos predominantemente de metais: joias, pratos e tigelas e alguns

itens militares como lanças. Havia também alguns objetos de madeira e couro, assim

como certo número de gemas. Entretanto, os objetos mais frequentes são as moedas.

Não lidamos aqui com o total de oferendas dedicada à deusa, pois as pessoas podem

muito bem terem jogado itens na fonte que não sobreviveram, mas esse número

heterogêneo de objetos dedicados à Sulis Minerva nos mostra como as oferendas

podiam ser bastante diversificadas. E jogar uma moeda parece ter sido uma das

oferendas mais populares, embora isso não exclua a dedicação dos outros objetos. Uma

vez a abertura da nascente sagrada fechada, havia duas maneiras de acessar a fonte, uma

5 A maioria dos objetos encontrados podem ser visualizados no site do museu de Bath disponível em:

http://www.romanbaths.co.uk/artefacts.aspx, acessado no dia 25/05/2014.

35

pelos banhos, a outra ainda pelo templo, através de seu pátio via uma pequena porta

(REVELL, 2009: 125). Utilizar essa porta talvez permitisse a ligação entre as oferendas

e tabletes religiosos e o próprio templo, uma ligação que teria sido perdida se elas

fossem depositadas a partir dos banhos.

Figura 6. Principal fonte do santuário. Fonte:

http://visitbath.co.uk/site/things-to-do/attractions/roman-baths-p25681

Fica evidente que o templo e os banhos eram dois complexos interligados. A

nascente, uma parte integral do santuário, alimentava os banhos, dos quais os visitantes

dos banhos poderiam olhar para a fonte sagrada e o altar. O fato que o banho era, sem

dúvida, uma prática importante para introduzir uma caracterísica bastante romana

associado a uma deusa local. Como o romano visitava o banho nu (ou quase nu), isso

pode levar alguns a assumirem que as hierarquias sociais eram despidas ao mesmo

tempo em que as togas. Porém, isso é uma falsa imprensão, pois dentro dos próprios

banhos havia maneiras de um indivíduo demonstrar sua riqueza, e o próprio fato de os

bretões frequentarem os banhos já denota um possível desejo ou status de pertencer à

“romanidade”. Significava que, ao adotar um costume romano talvez levasse o bretão a

um patamar hierárquico superior no sistema político e econômico da época.

A oeste do santuário há um complexo de vários comôdos que serviam como

salas de ginástica e banhos de vapor. Acima da estufa (caldarium), ficavam os quartos

de banhos mornos (tepidarium). Estes comôdos eram locais onde um romano ou bretão

podia se preparar através de massagens, exercícios, jogos, limpeza, ou simplesmente

sentar para tomar os banhos. (REVELL, 2009: 176-177).

36

Figura 7. Mosaico. Fonte: www.romanbaths.co.uk/explore.aspx

O visitante se despia em imensos vestiários com divisórias de estuque, em cujas

paredes havia nichos onde se colocavam calçados e as roupas. Nu ou quase, calçado de

sandálias de madeira e tomando cuidado para não escorregar nos mosaicos ou no

mármore que decoravam o piso, entrava em seguida no tepidarium, onde reinava

normalmente uma temperatura de 20 a 30°C para uma higrometria de 20 a 40ºC. No

calor úmido, o corpo relaxava e se aquecia, depois começava a transpirar. Podia-se

então entrar no caldarium. O lugar era menos iluminado, menor e a temperatura

chegava aos 40°C. O fundo era recoberto de mosaicos representando peixes, divindades

ou monstros marinhos, abastecida por água muito quente. Entrava-se descendo alguns

degraus, nos quais se podia sentar perto das pessoas que já estavam mergulhadas.

Imerso até a cintura ou até os ombros, ficava-se lá tanto quanto possível. Quando a

sensação de calor deixava de ser agradável, o banhista ia à outra extremidade da sala,

refrescar-se em uma grande cuba de pórfiro, que uma fonte ornada de grifos abastecia

continuamente de água fria. Podia-se ficar de pé algum tempo, conversando com

alguém. Esfregava-se o corpo para tirar o suor e o sabão, e voltava-se a mergulhar na

bacia fervente. (MALISSARD, 2009: 67).

É preciso discernir bem a diferença entre as termas imperiais e os banhos do

santuário. Apesar da mesma divisão de banhos nos dois (frigidarium, tepidarium e

caldarium), o sentido é muito diferente. As termas eram locais de relaxamentos e

37

prazeres, incentivadas para atrair uma massa de pessoas e expandir o modo de vida

romano, ou seja, seu estilo de civilização. Foi provavelmente durante o Império que

nasceu o costume de dizer que as termas eram os palácios da plebe. Isso não quer dizer

que não existia relaxamento e prazeres nos banhos do santuário de Sulis Minerva.

Deveriam existir, mas em uma escala muito menor e mais “comportada”, pois o sentido

de ir para esses banhos estava, primeiramente, no desejo de suas águas medicinais

geradas pela deusa, visitar seu templo, oferecer algo a ela, depositar uma oferenda ou

uma defixio (tábua de maldição ou tábua de justiça) ou erigir um altar (CUNLIFFE,

1984: 74).

Das três grandes piscinas, a fonte principal é a mais significativa. Como o nome

sugere, era a maior das piscinas no complexo, cerca de 12m de largura e 24m de

comprimento por 1,6m de profundidade. A fonte principal foi cercada com colunas,

sugerindo que ela também era uma vez abobadada, mas nenhuma das colunas

permanece além das pedras de sua base. O piso é impressionantemente pavimentado

com grandes pedras. Estas pedras de pavimentação têm canais escavados que alimentam

as fontes com água quente das nascentes (CUNLIFFE, 1984: 113).

As piscinas drenavam o rio da cidade através de canos de chumbo. Diretamente

para o leste da fonte principal há outra grande piscina de 6m de comprimento por 12m

de largura. Esta foi outra piscina de banho quente. O piso desta piscina foi modificado

várias vezes ao longo dos séculos. Movendo para o leste a partir deste conjunto há

muitas outras fontes menores e as câmaras que foram adicionadas após a construção

original dos banhos. Isso foi, presumivelmente, para acomodar a crescente popularidade

dos banhos. A terceira fonte maior fica a oeste da fonte principal. Este banho é um

frigidarium, o banho frio. É uma piscina circular de cerca de 6m de diâmetro. Esta foi

provavelmente uma área na qual os romanos limpavam-se antes ou após o banho nas

piscinas de água quente (CUNLLIFFE, 2002: 56).

De todas as salas, o frigidarium era a mais alta e espaçosa. Tinha a aparência de

um vasto “bulevar”, rodeado de colunas de granito vermelho e decorado com obras de

arte que o transformavam em um verdadeiro museu. As termas ofereciam ainda

massagem, depilação, concertos e biblioteca. Todos os dias, pessoas das origens mais

diversas, poderiam se abandonar no luxo e no conforto, aos prazeres do ócio.

Saindo do âmbito das nascentes medicinais da deusa, abordaremos então o local

principal de seu culto, o templo.

38

O templo de Sulis Minerva

O templum é uma área definida para rituais, podendo ser localizado a um ponto

do céu selecionado pelo augúrio para a observação dos auspícios do vôo dos pássaros

(EGELHAAF-GAISER, 2006: 206). Uma aedes sacra, por outro lado, refere-se ao

nome do edifício como a casa dos deuses. Dependendo do culto, as divindades eram

adoradas em formas de símbolos ou antropomorficamente.

O templo de Sulis Minerva era certamente conhecido por causa de seu altar

miraculoso, no qual a fogueira era mantida queimando carvão e não madeira (HENIG,

2003: 157). A maioria dos templos provavelmente incluía festivais, procissões,

sacrifícios entre seus rituais que, em um nível mais pessoal, tinham potencial para

possibilitar a comunicação ou conselho da divindade sob a forma de orações e pedidos.

O templo original de Sulis Minerva foi construído acima de um pódio com cerca de

1,5m de altura, sendo acessível por um lance de escadas (CUNLIFFE, 1984: 39). O

templo era feito de concreto, com 9m de largura e 14m de comprimento.

Figura 8. O templo de Sulis Minerva. À esquerda se encontra a fonte sagrada e seguindo em frente

chegaria ao local onde provavelmente a estátua da deusa estaria. Fonte: REVELL, 2009: 121

39

Ao adentrar no templo, a visão em frente do indivíduo é atraída primeiramente

pelo altar, e atrás dele, no pódium do templo, possivelmente pela estátua da deusa

visível pela cella (REVELL, 2009: 119). Somente ao entrar no recinto o indivíduo

perceberia a fonte sagrada, localizada em um canto, com uma vista para os banhos. A

posição e a decoração do altar sugerem que os sacrifícos eram uma importante parte da

atividade ritualística do santuário. O altar ficava em uma base acima do pavimento

central, sua largura estimada em dois metros quadrados, e quase um metro e meio de

altura. As colunas mostram um esquema de decoração sofisticado e elaborado das

divindades romanas. Era, provavelmente, onde sacrifícios de animais para a deusa

foram realizados.

Aproximadamente a uma distância de 15m em frente ao templo ficava o grande

altar para sacrifícios. Tudo o que restou do local exato do altar foram algumas placas de

calcário que indicam a posição dele (CUNLIFFE, 1984: 50). A plataforma teve suas

extremidades corroídas pelas alterações climáticas, e é muito possível que o seu

tamanho real fosse de 2,40 m².

Figura 9. Epígrafe do haruspex L. Marcius Memor. Fonte:

http://www.romanbaths.co.uk/walkthrough/6_temple_courtyard/the_haruspex_stone.aspx

O ritual de sacrifício era realizado por um sacerdote do templo, e após o

sacrifício do animal, o haruspex do santuário, chamado L. Marcius Memor, tentaria

40

perceber os auspícios das entranhas do ser que agora pertence às divindades. A epígrafe

do haruspex foi encontrada em uma escavação em 1965 (CUNLIFFE, 1984:183). A

palavra haruspex era originalmente abreviado como “HAR” e esta foi estabelecida de

forma simétrica, mas foi depois expandida de modo assimétrico para “HARVSP” com

as últimas três letras em um tamanho diferente. Como a presença de um haruspex na

província da Britannia é algo raro, Cunliffe (1984: 56) acredita que o sufixo “VSP”

tenha sido acrescentado para que a população local compreendesse melhor o significado

da sigla. A letra “L” de seu primeiro nome provavelmente se refere a Lucius.

Pode-se então afirmar a existência desses sacertodes devido às inscrições de

lápides funerárias encontradas no santuário. Uma delas pertence a um sacertode do

templo de Sulis Minerva que era romano e sabemos disso por causa de sua lápide de

1,35m de altura encontrada no local. Nela se lê:“ Aos deuses Manes, Gaius Calpurnius

Receptus, sacerdote da deusa Sulis, viveu 75 anos; Calpurnia Trifosa, sua liberta e

esposa, o erigiu" (CUNLIFFE, 1984: 186).

Figura 10. Lápide romana do século I e.c. Fonte:

www.romanbaths.co.uk/explore/Object_Details.aspx?objectID=batrm_1986_5_1

A lápide tem a forma de um altar, o que era apropriado, pois Calpurnius foi um

sacerdote da deusa. Ele deve ter servido ao templo, e trabalhado em suas fontes. Trifosa

41

foi uma escrava que Calpurnius libertara e com quem se casou. Como uma escrava, ela

só tinha um nome, adotando o nome de seu antigo mestre e marido ao ser libertada.

Os pilares decorativos foram encontrados durante escavações em 1965

(CUNLIFFE, 1984: 51). Estes são os três pilares que sobreviveram do grande altar que

ficava no centro do pátio do templo. É provavelmente o lugar onde os sacrifícios de

animais do sexo feminino foram realizados para a deusa. Eles são feitos de pedra local e

teriam sido esculpidos no final do século I.

Figura 11. Coluna do grande altar. Fonte:

www.romanbaths.co.uk/explore/Object_Details.aspx?objectID=batrm_1983_1_27

Em um deles, apresentado em sua parte frontal da pedra provavelmente é o deus

Baco, o deus romano do vinho (CUNLIFFE, 1984: 51). Ele possui um tirsus (um bastão

com um cone de pinheiro no topo) na mão esquerda e derrama uma oferta de vinho de

uma taça (libação) para uma pantera ao seu pé. A outra figura provavelmente é uma

divindade feminina. A deusa não é possível de ser identificada, mas o que parece ser

42

uma cornucopia que ela carrega em sua mão direita e a libação fluindo pelo vaso

indicam que a deusa talvez esteja conectada com a fertilidade. A coluna possui uma

altura de 1,26m (CUNLIFFE, 1984: 52).

Figura 12. Coluna do grande altar. Fonte:

www.romanbaths.co.uk/explore/Object_Details.aspx?objectID=batrm_1983_1_28

Após a descoberta, uma inspeção no local encontrou uma coluna com

características similares (CUNLIFFE, 1984: 52). Apesar de mal conservada, é possível

reconhecer o mesmo padrão de divindades, no caso um par, estando uma divindade nua

ou parcialmente vestida e outra completamente vestida. Nesse caso, é Júpiter, o rei dos

deuses romanos, segurando um tridente6 em uma mão e com uma águia aos seus pés (os

símbolos de sua autoridade). Ao lado da pedra há uma figura que pode ser o deus

6 Apesar de o tridente estar mais associado com o deus Netuno, o artesão que pretendeu retratar o deus

Júpiter parece ter realizado uma interpretação própria, apropriando-se de elementos diversos.

43

Hércules com uma manta de pele de leão em seu ombro. As patas do leão atravessam o

seu peito. Nesse caso, a divindade parcialmente vestida seria de Hercules Bibax, o

“Hercules bebedor”, segurando um grande jarro de beber em uma mão e a outra

repousando em uma clava nodosa (CUNLIFFE, 1984: 52).

Figura 13. Coluna do grande altar. Fonte:

www.romanbaths.co.uk/explore/Object_Details.aspx?objectID=batrm_1983_1_29

O terceiro pilar foi exposto a muita erosão, porém é possível identificar o mesmo

padrão de divindades nele. Infelizmente a divindade nua está muito deteriorada para que

possa ser identificada. Porém, o seu parceiro pode ser o deus Apolo, o deus da música e

da poesia ou então Orfeu, já que a figura possui uma lira no joelho (CUNLIFFE, 1984:

53).

Para uma análise detalhada dos pilares, utilizei alguns dos elementos do método

da semiótica da imagem proposto por Martine Joly (1996):

44

Ícone Símbolo Interpretante

Duas figuras humanas,

uma seguida de um animal.

Deus Baco fazendo uma

libação à pantera e

segurando um tirsus. A

figura feminina segura uma

cornucópia.

A libação do deus Baco e

seu tirsus sugerem um

ritual em busca de

fertilidade. A pantera é um

de seus símbolos

(CUNLIFFE, 1984: 51).

Assim como a cornucópia

carregada pela figura

feminina traz uma

mensagem de abundância.

Duas figuras humanas,

uma sentada, seguida de

um animal, e a outra de pé.

Deus Júpiter segurando um

tridente e com a águia ao

seu lado. Hércules veste

uma pele de leão e um

grande jarro de beber e a

outra mão leva uma clava.

Júpiter junto com os seus

símbolos (curiosamente um

tridente nesse caso, e a

águia) poderiam evidenciar

a importância do templo da

região, já que conta com a

presença do rei dos deuses

romanos (CUNLIFFE,

1984: 52). Junto com ele

está seu filho, em uma

clara manifestação de que o

momento é festivo, pois ele

carrega um jarro para beber

vinho.

Duas figuras humanas,

uma possívelmente é

masculina.

A figura masculina nua

carrega uma lira, sendo

possível que seja o deus

Apolo ou Orfeu.

A lira indica que a figura

trata-se de algum deus ou

semideus ligado à música

(CUNLIFFE, 1984: 53).

Observando como as divindades são apresentadas nessas colunas, a imprensão

que fica é que todas (até mesmo as que não podem ser identificadas) estão conectadas

com algum culto de fertilidade que envolve uma celebração festiva. A presença de uma

45

cornucópia, libação, jarro de beber vinho e um instrumento musical (a lira) sugere

talvez um culto que celebre a abundância. A divindade estar nua ou seminua entraria de

acordo com o contexto do santuário, já que o complexo possui banhos termais.

Barry Cunliffe apresenta uma reconstrução do altar de sacríficios do templo,

sendo assim, essas colunas apresentariam a seguinte forma:

Figura 14. Reconstrução do altar de sacrifícios. Fonte: CUNLIFFE, 1984: 55

Há pouca dúvida de que os três blocos pertencem ao mesmo monumento

(CUNLIFFE, 1984: 54). Eles têm o mesmo tamanho e padrão de divindades, uma nua e

outra vestida. Uma observação curiosa sobre o modo que as deidades são apresentadas

poderia indicar a ida aos banhos quentes após a realização do sacrifício. Temos deuses e

deusas vestidos, com atributos de fertilidade (cornucópia) e celebração (Baco fazendo

uma libação e Hércules bebendo) e logo depois divindades nuas ou parcialmente

vestidas.

Além disso, há semelhanças no estilo, como a postura do corpo e a espessura dos

pescoços. Tudo isso é uma forte indicação de que os três pilares foram construídos pela

mesma oficina, senão pelo mesmo artesão. As duas deusas que não podem ser

identificadas geram dúvidas, mas minha hipótese é que talvez elas poderiam ser

divindades que forneceriam um par adequado aos deuses que se encontram do lado

delas. Uma delas, poderia ser alguma deusa com atributos musicais ou festivos, pois ao

seu lado se encontra um deus carregando uma lira. A outra, que carrega uma cornucópia

46

e tem o deus Baco como par, estaria então ligada à fertilidade, abundância, sendo talvez

Vênus, ou Flora, sendo assim, as especulações são muitas.

O que fica evidente é a forte preocupação na construção e no tratamento do

santuário de Sulis Minerva para que ele se tornasse o mais romano possível (apesar de

não conseguir ignorar algumas influências bretãs em sua estética). Percebe-se isso na

sua arquitetura, nas suas imagens e nos sacertodes que estavam presentes no santuário.

Matin Henig (2003: 39) demostra de uma maneira simples e narrativa como

seria o cenário em um dia de festividades. As pessoas de Aquae Sulis e visitantes de

outras regiões vão chegando aos poucos e se refrescam. Alguns poderiam estar doentes

e, desse modo, descanso e medicamentos eram requeridos, e a deusa Sulis Minerva

poderia ajudar na cura. Outros visitantes poderiam estar preocupados com questões

distintas, como problemas pessoais, desejando evitar tragédias ou punir algum inimigo,

pedindo pela assistência divina. As portas do templo ficavam abertas e lá, sob uma meia

luz sobre o suggestus (plataforma) flanqueado por colunas, estava a deusa, isto é, a

figura de pedra erigida de Sulis Minerva, pintada com cores vivas e segurando velas,

fazendo com que o imaginário do indivíduo criasse o sentimento de que ele realmente

estava na residência de um ser divino. Ele para diante do altar, no qual um fogo queima

enquanto o oficiante puxa sua toga mais firme sobre a cabeça e começa uma oração em

latim.

Os chifres do boi são dourados e penduram neles grinaldas de flores da estação.

O animal mal nota que o oficiante espalha uma camada de farinha e sal em sua cabeça e

corta um pouco de seus pêlos. Os habilidosos atendentes distraem o boi enquanto o

oficiante o apunhala rapidamente com uma faca de bronze (HENIG, 2003: 41). O

sangue escorre pelo chão. Mais incenso é queimado e o observador sente que a

cerimônia atingiu a união sacramental com os deuses.

A palavra sacrifício7 vem do latim, que significa “tornar sagrado” (ALMEIDA,

2008: 517). A pessoa que pagara pelo sacrifício ainda estaria um pouco ansiosa até o

haruspex, especialista em interpretar o significado do coração, intestino e fígado,

apontasse que tudo estava bem (GREEN, 2002: 42). A dedicação de uma criatura

7 É realizado em ordem para adquirir benefícios para um indivíduo ou comunidade. Há uma expectativa

quanto ao mundo divino, pois o sacrifício pode ter sido feito em troca de vitórias nas batalhas, o

nascimento de uma criança saudável, recuperação de uma doença, boa fortuna (GREEN, 2002: 20).

47

doente ou deformada poderia constituir um insulto para as divindades e poderia trazer

azar para a população. É então pronunciado pelo sacerdote que as vísceras não estão

infectadas e podem ser queimadas no fogo junto com a gordura da coxa. Enquanto a

fumaça da cremação oferecida ascendia para os céus, os cozinheiros estão ocupados

preparando o boi para assar em outra fogueira.

Desse modo, percebemos que havia cultos realizados ao modo itálico. Esses

elementos apresentados são parte integral do culto romano, e o que isso nos permite

depreender, é uma tentativa de reprodução das ações religiosas romanas. É bem possível

que somente no frontão do templo haja evidência de algum elemento possivelmente

bretão, o que o torna muito importante para perceber uma nova concepção religiosa no

santuário.

A maior parte da Britannia era composta por regiões arborizadas, e os bosques

escuros eram áreas com poderes divinos (HENIG, 2003: 17). Locais sagrados para os

bretões não precisavam ser necessariamente construídos, talvez uma árvore sagrada

fosse o bastante. É difícil refletir sobre os nomes e atributos dos deuses bretões porque

inscrições são desconhecidas na Idade do Ferro e imagens nunca foram encontradas.

Provavelmente, a maioria dos nomes recordados nas inscrições romanas é de divindades

da Idade do Ferro, porém há muitas dificuldades na tentativa de se reconstruir rituais

pré-romanos.

As características romanas e bretãs se tornam evidentes na arquitetura do templo

de Sulis Minerva. O frontão do templo fornece uma imagem clara da hibridização

romano-bretã. Trabalhando em conjunto com o registro arqueológico, torna-se possível

uma análise aprofundada da estrutura desse frontão, pois quatorze fragmentos de pedra

trabalhada que pertencia a ele foram encontrados em 1790 (CUNLIFFE, 1984: 45). Ele

Possuía uma altura de quase 2,5m e largura de 8m. Foi construído a partir de oólito

(grãos arredondados do tamanho de areia formados por carbonato de cálcio).

48

Figura 15. Os 14 fragmentos encontrados durante escavações. Fonte:

http://www.romanbaths.co.uk/explore/Object_Details.aspx?objectID=batrm_1983_1_9

Figura 16. Reconstrução do frontão a partir dos pedaços encontrados. Fonte: RICHMOND &

TOYNBEE, 1955: PLATE XXIX.

Na imagem apresentada no frontão, as duas Vitórias flutuam com um pé

repousando sobre um globo (apenas o globo direito sobreviveu). De acordo com os

historiadores Richmond e Toynbee (1955: 99), as Vitórias sobre os globos representam

a vitória universal de Sulis Minerva sobre a morte. Se as figuras masculinas presentes

49

são mesmo tritões, é possível que eles estejam usando conchas como instrumentos

musicais. Tritões seriam apropriados no contexto de águas sagradas. A face central se

localiza dentro de um escudo cujas bordas são preenchidas com folhas de carvalho, as

quais indicam uma forte ligação com a religião bretã (CUNLIFFE, 1984: 41 – 42).

Abaixo do escudo, entre as duas Vitórias, podem ser percebidos dois elmos, o da

esquerda com um formato peculiar de cabeça de golfinho, enquanto o elmo direito

apresenta uma pequena coruja pousada nele. Ambos os animais são criaturas

extremamente ligadas com a deusa romana Minerva, representando sabedoria e os

tritões reforçariam a influência das águas no santuário.

Ainda que o frontão não esteja disponível em sua totalidade, é possível

identificar elementos para recompô-lo. As referências para completar a imagem do

frontão vêm de um pequeno sarcófago romano agora presente no museu de Ashmolean,

em Oxford, no qual há uma górgona rodeada por cupidos. Uma variante da mesma

imagem aparece em um grande sarcófago encontrado perto da porta pia em Roma com

o escudo com uma górgona e as duas vitórias (RICHMOND & TOYNBEE, 1955: 100).

Em um primeiro momento, a face masculinizada da “górgona” prende mais

atenção e enfatiza o conceito de uma cultura hibridizada apenas nesse rosto. Entretanto,

há outros elementos bretões que podem ser encontrados nesse frontão sem serem tão

evidentes como o rosto central. Por exemplo, as deusas Vitórias presentes possuem

suas peculiaridades.

Há diferenças entre essa Vitória e as do Mediterrâneo. No caso da Vitória da

esquerda, ambas as pernas estão envoltas da saia de sua túnica e suas dobras são

lineares, bidimensionais e fluindo de uma maneira energética e padronizada tipicamente

bretã. O escultor lapidou verticalmente a superfície da pedra, produzindo um efeito de

preto e branco que fica bem em contraste, o que é comum nas províncias do norte. As

Vitórias africanas geralmente são nuas, enquanto as romanas normalmente deixam á

mostra uma perna torneada (RICHMOND & TOYNBEE, 1955: 102). Desse modo, as

Vitórias de Aquae Sulis oferecem um vocabulário nativo representado na arte sob a

tutela romana.

50

Figura 17. Face do frontão. Fonte: www.kernunnos.com/deities/godimage/medusalg.jpg

A “górgona” permite supor que a escultura foi obra de um artesão nativo,

provavelmente treinado em uma oficina da província, porém resolveu transportar seu

conhecimento em uma imagem que fosse familiar e reconhecível para sua população

(RICHMOND & TOYNBEE, 1955: 103). Para os autores, a fusão da “górgona” com

uma possível divindade marinha foi deliberada e não acidental, ou devido a uma

confusão do artesão. Fons era um deus masculino assim como Nemausus, deus gaulês

de nascentes medicinais em Nimes, sul da Gália. Outra teoria é a de que Sulis era filha

de algum deus marinho, assim como as ninfas aquáticas eram filhas do deus Oceanus

(RICHMOND & TOYNBEE, 1955: 104).

O historiador Martin Henig acredita que o pedimento do frontão do templo está

caracterizado por duas divindades (Minerva e Netuno), representando os elementos terra

e água respectivamente (HENIG, 2006: 223). É possível que o patrono do templo fosse

Togidubnus, pois, se ele era realmente o rei supremo (Rex Magnus Britanniae) da

região bretã do Belgae bem como outras áreas, muito provavelmente teria Aquae Sulis

controlada na época em que o santuário foi construído.

51

Para Henig, a coroa de grinaldas representa simbolicamente a que foi entregue a

Augusto e outros princeps romanos, como Vespasiano (por supostamente salvar a vida

dos cidadãos) e ela é destaque nas moedas (HENIG, 2006: 224). Vitórias sobre os

globos, segundo Henig, provavelmente apontam para vitórias no reino de Minerva, ou

seja, sobre a terra. Tritões são membros da “marinha” de Netuno e simbolizam vitória

no mar, nomeadamente o triunfo de Augusto na batalha de Ácio em 31 a.e.c., e a

travessia do mar e bem sucedida invasão da Britannia envolvida em 43 e.c.

Outra hipótese sobre de quem seria o rosto representado no centro do frontão é

apresentada pelo historiador John Hind. Ele afirma que na época da conquista da

Britannia por Cláudio, o deus Oceanus era mencionado na poesia para celebrar a vitória

(HIND, 1996: 358). Talvez para os romanos o cruzamento do Oceano Atlântico rumo à

ilha fosse algo mais impressionante do que a vitória sobre as populações bretãs.

Segundo Hind, a face no frontão pertenceria ao gigante Tífon. As cobras são as

serpentes que fazem parte de seu corpo, as asas pertencem propriamente aos seus

ombros. O gigante é conhecido como a personificação das atividades geotermais, e por

esse motivo, teria algum tipo de ligação com as águas termais (HIND, 1996:360).

Desse modo, o escultor teria incorporado características bretãs na face da

górgona, a qual se tornou masculinizada. O rosto poderia representar algum deus bretão

desconhecido atualmente ou até mesmo o possível líder bretão da época. O cabelo de

serpentes lembra as ondas do mar e a barba apresenta traços que podem ser raios

solares, o que representaria respectivamente a água e o fogo, elementos da deusa nativa

Sulis. As asas ao lado da cabeça poderiam representar o elemento ar e a própria pedra

na qual a imagem foi esculpida, a terra. Na tradição bretã, os elementos da natureza

eram extremamente importantes para suas crenças. Se o símbolo que aparece no topo do

frontão for mesmo um sol, isso pode colaborar na tentativa de encontrar atributos

solares no templo. É possível que exista um aspecto duplo personificado da própria

fonte sagrada, a água e o calor (CUNLIFFE, 1986: 8). Os globos (que representam

vitória) e as duas deusas Vitórias podem muito bem se referir a vitória sobre a morte (já

que se trata de um santuário de águas medicinais) do que vitórias militares.

Novamente, utilizo outros elementos do método proposto por Martine Joly, pois

com sua abordagem semiótica, considera a imagem um tipo de linguagem. Desse modo,

sendo um mecanismo de expressão e de comunicação, a imagem é sempre uma

52

mensagem para alguém. Utilizando o método elaborado por ela para analisar a imagem

do frontão do templo, temos:

Contexto: Ocupação romana e reconstrução de um santuário nativo com

elementos da arquitetura clássica greco-romana.

Destinador: Artesão bretão (mais provável) ou romano.

Mensagem: Religiosa. Possivelmente ela foi construída para trazer bons augúrios

e espantar as mazelas, pois o santuário era um centro de cura de

enfermidades físicas e mentais.

Destinatário: Bretões (mais intimamente) e romanos.

Contato: Arquitetura/escultura.

Código: A cabeça da “górgona” modificada, pois é algo que representa um

elo entre bretões e romanos.

O motivo da face da górgona se tornar masculina é uma questão pertinente que

ainda carece de respostas satisfatórias. Talvez por detrás disso, segundo Barry Cunliffe

(1986: 8), esteja uma união sagrada entre um deus celeste bretão, representando o sol, e

a deusa terrestre da fonte, que juntos, formam a nascente quente. A face se tornaria

então, um símbolo do espírito da fonte sagrada, o que explicaria a figura masculina

representada na iconografia.

Não é somente na arquitetura do templo de Sulis Minerva que podemos perceber

as manifestações da cultura bretã. Dentro da fonte sagrada, muitos pedidos escritos em

um latim vulgar foram depositados pela população local. Sendo assim, observaremos

agora algumas defixiones de Aquae Sulis.

As defixiones

As defixiones são finas tábuas revestidas de metal ou couro, nas quais são feitas

inscrições em um latim vulgar típico das províncias romanas (HAENSCH, 2007: 185).

A função delas é de influenciar, por maneiras sobrenaturais, as ações humanas e o bem

estar de pessoas ou animais. O chumbo era martelado em uma fina folha, inscritos com

uma caneta stylus, (estilete, modo de escrever), muitas vezes, dobrado ou enrolado e

53

perfurado com um tipo de prego especial para "conservar" seu poder (defigo). O tablete

podia ser colocado em um recipiente de chumbo selado por si ou com outros materiais e

depositados em água parada ou corrente em uma cova ou túmulo, ou afixada plana na

parede de um santuário.

Para um romano, os deuses estavam em todos os lugares, eram forças poderosas

com interesses em todos os aspectos da vida. Na própria Roma, o Senado podia apenas

fazer esses “encontros” no templo, uma área designada como espaço religioso pelos

augúrios (REVELL, 2009: 110). Antes do encontro, os auspícios precisavam ser

tomados para saber se os deuses eram favoráveis ou não, e quaisquer negócios

realizados sem a sanção divina poderiam ser declarados inválidos.

Embora o que se conhece como magia antiga tenha alguma semelhança

superficial com a religião, as diferenças são fundamentais, pois a religião é uma

tentativa aberta e pública para se comunicar com os deuses e propiciar consultas e

possíveis favores, enquanto a magia opera em segredo e procura manipular poderes

sobrenaturais em seu benefício pessoal, frequentemente, a fim de prejudicar inimigos.

Magia era uma forma de produzir, por meio de certas ações, palavras e por adoração de

espíritos, gênios, demônios e até mesmo deuses, efeitos e fenômenos extraordinários,

contrários às leis naturais (CAMPOS, 2009: 17).

Possivelmente a oposição entre religião e magia está no fato das

sociedades antigas, no caso a grega, acreditarem na ação eficaz e

imediata da magia. Algumas destas práticas mágicas

faziam parte de ritos e cerimônias religiosas que visavam o benefício

da coletividade (CANDIDO, 2002: 25).

As inscrições nos tabletes, muitas vezes pediam ajuda divina para a retribuição

quando a lei fosse considerada insuficiente para a tarefa: vingar a perda ou a obtenção

do retorno de alguém ou algo, punir os rivais e traidores. A magia não pode ser aceita

como religião, mas sim como um mecanismo no qual os deuses podem ser controlados

pelos mortais (HENIG, 2003: 32). Já os pedidos religiosos, eram dirigidas aos deuses,

os quais eram agentes livres, não obrigados a responder.

As defixiones geralmente eram a última tentativa da pessoa que se sentiu

prejudicada ou ofendida para conseguir algum tipo de justiça. A tradição de escrever

54

maldições parece ter se originado na Hélade, por volta do século V a.e.c8. Ela se

espalhou por todo o continente ocidental ao longo dos anos. A maioria das defixiones se

dirigia à Hécate (deusa da magia, morte, nascimento, renovação), Deméter (deusa da

colheita, da terra) e sua filha, Perséfone. Pois elas tinham uma conexão com a morte ou

com o mundo inferior. Maldições foram escritas em cera, cerâmica quebrada, ou

chumbo, e materiais da terra. Portanto, eram intimamente ligadas ao submundo.

(ADAMS, 2006: 2) Outro deus característico que era mencionado era Mercúrio, muito

provavelmente pela sua liberdade de transitar entre o mundo dos vivos e o mundo dos

mortos.

Ao que parece, a análise dos tabletes do santuário indica que existiram dois

meios dos bretões se comunicarem com a deusa local em troca de favores. Em um

primeiro momento, percebe-se a presença de tabletes com características claras de uma

defixio, um tablete de maldição, relacionado a rituais de magia. Porém, há também

tabletes diferenciados, não podendo ser classificados simplesmente como defixiones.

Figura 18. Defixiones. Fonte: http://www2.cnr.edu/home/araia/defixiones.html

8 Em Atenas, as defixiones eram chamadas de “katádemos” e tinham um sistema distinto. As inscrições

solicitavam permissão de fazer uso das almas de pessoas que não conseguiram seguir um ciclo de vida

adequado, que era nascer, viver, tornar-se adulto e envelhecer. Ou seja, eram utilizadas almas de crianças,

suicidas e pessoas assassinadas (CANDIDO, 2011: 1 – 2, disponível em:

http://www.nea.uerj.br/publica/artigos/21558898-Os-atenienses-seus-deuses-e-a-sua-vinganca-atraves-

dos-Katadesmoi.pdf). O nome em grego tem o sentido de amarrar, atar, prender alguém embaixo da terra.

Este mecanismo era facilitado pela divindade evocada. Claramente, no final do século I a.C., a

comunicação entre a Britannia e o continente estava muito bem estabelecida. Havia um comércio

marítimo desde o século IV a.e.c.

55

O tablete podia ser colocado em um recipiente de chumbo selado por si ou com

outros materiais e depositados em água parada ou corrente em uma cova ou túmulo, ou

afixada plana na parede de um santuário9. As inscrições se dividem em dois aspectos.

Uma em que se pede à divindade que prejudique alguém, frequentemente gerado por um

desejo de vingança, seja por uma ofensa sofrida ou por ter sido roubada. Em outro

aspecto, há a dedicação da pessoa para essa divindade, agradecendo pela sua ajuda em

algo ou para receber favores divinos (HAENSCH, 2007: 186), o que nesse caso, não

demonstra ser um ritual mágico, mas sim religioso. Mas, quando o tablete encontra-se

com sinais de perfurações e com um latim em tom de ordem, ele é uma defixio, ou seja

uma prática mágica. Por esse motivo, na bibliografia britânica, as defixiones também

são chamadas de tábuas de maldição ou tábuas de justiça. Acredito que o termo defxio

seja mais apropriado aos tabletes encontrados com marcas de perfurações, o que

caracteriza que o tablete tivesse um objetivo de prejudicar alguma pessoa ou conter

algum tipo de energia exterior e sobrenatural. Para os demais, tratar-se-iam então de

tabletes com pedidos à deusa.

Sulis Minerva, por ser uma deusa controladora da saúde, era desse modo, uma

deusa perfeita para esses pedidos de justiça na forma de maldição. Afinal, ela seria

capaz de julgar se o pedido no tablete era justo ou não, e então, através de seu poder

divino, poderia aplicar o castigo na pessoa que estava ali marcada, retirando sua saúde,

física ou espiritual. Sulis Minerva não era mais vista apenas como uma deusa que zelava

pela saúde das pessoas, mas que também era encarregada de uma justiça acima dos

homens. Seu poder medicinal estava relacionado à água das nascentes, desse modo

lugar e divindade mantém uma relação de íntima reciprocidade. Isto fica mais evidente

pelo fato dos tabletes serem depositadas na fonte sagrada, assim como as oferendas à

deusa (REVELL, 2009: 177). A construção da identidade dos deuses se faz

primordialmente nos espaços destinados ao seu culto e ritualização. O espaço, seja ele

um santuário, templo, floresta, nascente, cria e reconhece a divindade escolhida. Os

tabletes, sendo endereçados a Sulis Minerva, implicavam que somente ela deveria ter

conhecimento de seu conteúdo e suas informações eram vedadas aos vivos.

9 Com escavações mais cuidadosas sendo realizadas ultimamente e por causa inclusive da utilização de

detectores de metais, o número de tabletes encontrados está aumentando (HAENSCH, 2009: 186).

56

É importante conhecer qual era a região na qual o tablete era depositado, essa

questão poderia ratificar o seu potencial. As sepulturas, o fundo de poços, fendas nas

paredes de santuários e templos eram locais relevantes para o tablete ser depositado,

devido ao contato com o sagrado (CAMPOS, 2009: 16). No caso dos tabletes

encontrados no santuário de Sulis Minerva, praticamente todos estavam na Fonte

Sagrada.

Ao que parece, a maioria das defixiones encontrado na Britannia lida com roubo,

um número muito maior se comparado com o mundo greco-romano (CUNLIFFE, 1984:

80). As duas divindades mais comuns eram Sulis Minerva, em Aquae Sulis e Mercúrio,

em Uley (HAENSCH, 2007: 186). Entretanto, mesmo que essa maioria lide com roubo,

não se pode generalizar e pressupor que o furto era uma atividade que ocorria em larga

escala na cidade. Deve-se lembrar de que se tratava de um santuário famoso, bastante

frequentado, sendo muito possível que fossem depositados milhares de defixiones e

tabletes religiosos ao longo dos séculos. Os artigos roubados são itens portáteis, poucos

com algum alto valor. Eram roupas, moedas e alguns anéis. Mas aqui as sutilezas

jurídicas surgem em pequenas distinções: se a implicação é que se o mandante do crime

fosse um homem, mas quem cometeu o ato em si, uma mulher, a deusa não será capaz

de ajudar (HENIG, 2006: 228). Da mesma forma, se o ladrão era um escravo, seja de

ambos os sexos, tinha que ser lembrado que o escravo era um bem móvel, e a maldição

ficava desse modo sem energia.

Os dois pedidos religiosos escolhidos para fazer parte desta monografia talvez

possam exemplificar como era o procedimento mais comumente realizado no santuário.

O primeiro é um pedido de justiça à deusa por um objeto roubado, enquanto o outro

pede o auxílio de Sulis Minerva em uma questão familiar. Em ambos os casos, não

parece se tratar de um ritual mágico, mas sim religioso.

Tablete 1:

[D]OCIMEDIS

[P]ERDIDI(T) MANI-

CILIA DVA QVI

ILLAS INVOLAVI(T)

VT MENTES SVA(S)

PERD[AT] ET

57

OCVLOS SV[O]S

IN FANO VBI

DESTINA[T]

“Docimedis perdera duas luvas. Ele pede que a pessoa que as roubou perca sua

mente e seus olhos no templo onde (ela, a mensagem) aponta.” (ADAMS, 2009: 7)

Segundo Adans, a palavra latina “ut” nesse tablete aparece como uma referência

a algum tipo de desejo e os erros de latim, como omissões de “t” no final de algumas

palavras são bem comuns nos tabletes, não apenas na província da Britannia, mas em

todas as regiões do Império que começaram a adquirir a língua latina, como por

exemplo, inscrições atestadas em Pompeia (ADANS, 1992: 6).

O latim coloquial nos tabletes sugere que a maioria das dedicações foi escrita

por membros da população local. Uma hipótese plausível é de que grande parte dos

roubos aconteceu nos banhos, por isso o grande número de moedas perdidas. Isso

também sugere que grande parte dos pedidos era de indivíduos de um nível social mais

baixo, sendo que a vítima não podia sustentar um escravo próprio, ou pagar um para que

tomasse conta de suas coisas. Por outro lado, a perda pode ser também devido ao pouco

cuidado dos visitantes nos banhos, perdendo seus itens, como os anéis, e então

instantaneamente suspeitaram de roubo.

Tablete 2:

Figura 19. Desenho da defixio restaurada. Fonte: http://www2.cnr.edu/home/araia/defixiones.html

58

VRICALVS, DO[C]ILOSA VXOR SVA,

DOCILIS FILIVS SVVS ET DOCILINA,

DECENTINVS FRATER SVVS, ALOGIOSA,

NOMINA<A> EORVM QVI IVRAVERVNT.

QVI IVRAVERVNT AD FONTEM

DEAR SVLI[S]

PRID[I]E IDVS APRILES QVICVMQVE ILLIC PER-

IVRAVERIT DEAE SVLI FACIAIS ILLVM

SANGVINE SVO ILLVD

SATISFACERE.

“Uricalus10, sua esposa, Docilosa, o filho dócil de Docilina, Decentinus e seu

irmão, Alogiosa, os nomes daqueles que fizeram um juramento sob a fonte da deusa

Sulis no dia antes dos idos de Abril. Todos aqueles que lá permaneceram, juro pela

deusa Sulis que podes fazê-lo com seu próprio sangue para satisfazê-la” (CUNLIFFE,

1984: 81).

Este tablete é uma folha retangular de liga de estanho ou chumbo, plana e não

perfurada, embora ligeiramente danificada no canto inferior esquerdo e superior central.

Foi inscrita em um dos lados com uma stylus em escrita cursiva datada do século II e.c.,

em seguida, jogada na nascente quente da deusa que a guarda. É um pedido que

apresenta uma ameaça como punição preventiva mortal para indivíduos nomeados de

uma família se eles quebrassem o juramento que realizaram no santuário da deusa.

Utilizando uma tabela, procuramos facilitar a compreensão dos tabletes acima.

Analisando os tabletes, temos:

10 Provavelmente é o mais velho dos dois irmãos. Os indivíduos em suas famílias estão listados por nome

nesta tábua (Uricalus tem uma esposa, filho e filha; Decentinus é nomeado, provavelmente, com sua

esposa). O juramento que tomaram pode ser relacionado com a alienação de bens herdados, o que

explicaria a importância de guardá-la com uma maldição. Letras entre colchetes são adições ao texto

(CUNLIFFE, 1984: 192).

59

Solicitante: Tablete 1:

Docimedis.

Tablete 2:

Provavelmente,

Uricalus.

Objetivo: Punir o ladrão. Garantir uma promessa

realizada.

Local do achado: Fonte do templo. Fonte do templo.

Motivo: [D]ocimedis

[p]erdidi(t)manicilia

dua qui illas inuolaui(t)

Docimedis perdera duas

luvas.

Uricalus, Do[c]ilosa

uxor sua, Docilis filius

suus et Docilina,

Decentinus frater suus,

Alogiosa, nomina<a>

eorum qui iurauerunt.

qui iurauerunt ad

fontem deae Suli[s]

prid[i]e Idus Apriles.

Uricalus, sua esposa,

filho e cunhado fazem

um juramento na fonte.

Solicitação: Vt mentes sua(s)

perd[at] et ocuulos

su[o]s in fano ubi

destina[t]

Pede que a pessoa que

as roubou perca sua

mente (consciência) e

seus olhos.

Qvicumqve illic

periuraverit deae Sulis

faciais illum sanguine

suo illud satisfacere

Jura pela deusa Sulis

que pode se satisfazer

com o sangue de todos

os nomeados no tablete.

Nesses dois tabletes analisados, mesmo com pedidos distintos, não se encontram

características de um ritual mágico (inscrição anônima, perfuração do tablete por um

60

defigo e verbo no modo imperativo). Nesse caso, é mais provável que estejamos lidando

com um pedido religioso, sendo que no segundo tablete há uma tentativa de acordo com

a deusa Sulis Minerva.

Há também tabletes relatando roubos que aconteceram em suas próprias casas.

Examinando os tabletes romano-bretões, fica evidente que a maioria delas foi escrita

por uma classe mais baixa. Eram donas de um pequeno punhado de dinheiro, e os

tabletes de couro eram baratos de serem produzidos.

Figura 20. As letras mais comuns do latim vulgar na província da Britannia. Fonte:

http://vindolanda.csad.ox.ac.uk/exhibition/images/letterformsbasic.gif

Os tabletes de Aquae Sulis são em sua maioria muito mal escritos, o que torna

difícil distinguir o que poderiam ser erros fonéticos de palavras perdidas (ADANS,

1992: 24). Alguns erros como a omissão final de “t” e “s” é bem comum pelo Império,

tendo pouco a dizer sobre o possível status social do escritor do tablete. Desse modo,

essa tarefa só pode ser realizada através do conteúdo do tablete e não na forma como foi

escrito.

Talvez os tabletes fossem usados somente pelas classes baixas, porém, é muito

possível que as classes mais altas os usassem quando sentiam que a ajuda divina era a

única disponível (ADAMS, 2009: 10. A maioria dos nomes dos suplicantes era de

nativos. É importante, ao analisar essa “estranha” atitude religiosa, distanciar-nos de

nossos olhares modernos para o passado, especialmente quando se trata da religião.

61

Uma questão que se levanta era por que essa pessoa que foi roubada não

procurou alguma autoridade local para reportar o crime? Primeiramente, essa sociedade

romano-bretã era extremamente religiosa, os deuses estavam presentes no mundo dos

vivos, existia uma relação muito próxima entre o humano e o divino, por diversos

mecanismos, como os rituais, festivais, sacrifícios e orações. Procurar uma ajuda divina

talvez fizesse mais sentido do que procurar a ajuda de uma autoridade local. Aliás, era

mais provável que, para os habitantes, pedir auxílio a uma divindade surtisse mais

efeito. As inscrições demonstram claramente o tipo de reparação que o indivíduo

desejava, era uma maldição forte, que acarretasse no sofrimento e na morte do

amaldiçoado.

Outra dúvida que surge ao analisar esses tabletes é sobre a natureza dramática e

violenta dos pedidos inscritos. Por que visavam fazer um mal por objetos, que

aparentemente, tinham apenas pouco valor? Uma possível resposta para isso pode ser

encontrada no estudo do contexto social da Britannia pós-conquista romana. A

anexação romana transformou a província, modificou ou criou edifícios, construíram-se

estradas, o “mundo bretão” saiu de seu eixo e para a população local se conformar com

isso levaria algum tempo. Os bretões se confrontaram com situações novas que talvez

não pudessem garantir respostas suficientes às suas necessidades. Com novos

obstáculos a serem transpostos, o desejo de uma maior justiça divina torna-se

possivelmente a melhor alternativa. Devido ao fato de Sulis Minerva ser uma deusa de

águas medicinais, essa justiça divina viria através da pouca saúde, sofrimento e morte

dos oponentes.

Os tabletes procuraram uma “justiça”, a partir da perspectiva do autor, ou

vingança por um erro anterior, o que sugere um motivo completamente diferente.

Percebemos assim, como o templo, as defixiones e os banhos termais estão interligados,

tendo a deusa Sulis Minerva e seus atributos sempre presentes como o foco principal de

todo o culto ali realizado pela população local.

Após abordar a construação do santuário e as mudanças religiosas (a

interpretatio, os cômodos de banho, o templo e seu culto, as defixiones) que ele

acarretou para a cidade de Aquae Sulis, enfocaremos o que esse novo santuário

significava para a população da província.

62

A relação do santuário com o lugar

O santuário em Aquae Sulis era bastante fora de proporção comparando-se com

o tamanho da pequena cidade. Provido com água naturalmente quente, ele foi projetado

para atender às necessidades não só da população local, mas de pessoas que viajavam

como peregrinos de todo o Império Romano.

A cidade de Aquae Sulis11

apresentava uma população diversificada. De acordo

os vestígios epigráficos (CUNLIFFE, 1984: 182), não eram poucos os habitantes que

podiam pagar para erigir altares aos deuses. Artesões, soldados aposentados e outros

membros de uma elite local certamente eram financeiramente providos o suficiente para

terem seus nomes gravados para a posteridade. Não só soldados aposentados estavam

presentes na cidade, mas também aqueles que estavam na província e então visitavam as

nascentes, junto com todos os turistas da Britannia.

Aquae Sulis era o centro de uma rica área que produzia pedras de calcário12

coloridas, que com o tempo, foram utilizadas na produção de altares, epígrafes e

estátuas em larga escala na província (CUNLIFFE, 1984: 187). Muitas epígrafes do

santuário de Sulis Minerva eram dedicadas para outras divindades (bretãs e romanas),

sugerindo que o local era um lugar no qual viajantes poderiam agradecer a seus próprios

deuses e deusas pessoais sem o risco de desrespeitar a deusa local (CUNLIFFE, 1984:

190).

Sobre a relação do santuário de Sulis Minerva com os bretões, ele era um local

de espaço público e frequentado por bastantes pessoas. A cidade de Aquae Sulis se

encontrava em um local estratégico, entre diferentes cidades, se tornando um ponto de

parada para muitos viajantes. E nesse espaço, o indivíduo pode se encontrar com muitas

outras pessoas. Entretanto, por causa do santuário ter sido reconstruído no modelo

clássico, claramente ele era um lugar próprio é bastante pessoal para os romanos. Pois

se analisarmos a visão dos bretões, especificamente para as primeiras gerações que

11 Os vestígios sobreviventes das construções romanas são a mais visível evidência que a Britannia fez

parte do Império Romano. As gerações nativas que seguiram após a conquista da província presenciaram

o ambiente ao redor se transformar com os novos modelos arquitetônicos (JONES, 1991: 3). A única

evidência literária existente até agora para o processo de construções na Britannia romana vem de Tácito.

12

Assim como a produção de calcário, a cidade também tinha uma rica manufatura de vasos de chumbo

(CUNLIFFE, 1984: 195).

63

presenciaram a chegada dos romanos e puderam vivenciar as mudanças ocorridas em

Aquae Sulis, o santuário mostra-se ao mesmo tempo conhecido e desconhecido, afinal,

ele foi transformado radicalmente. O local sagrado anterior à chegada dos romanos

poderia ser caracterizado claramente como um lugar reconhecível, pois representava um

lugar muito pessoal para os bretões. A intervenção romana, física e religiosa, abalou

essa região, enquanto que para os romanos essa mudança não alteraria seus sentimentos

ou geraria uma maior reflexão sobre si mesmo. Desse modo, o santuário de Sulis

Minerva pode ser caracterizado de duas formas: como um ambiente familiar ou um

agente estranho. Essa visão provavelmente variava de acordo com a geração de

habitante local e dependia do status de quem a estava adotando.

Dentro do santuário, as nascentes tinham propriedades medicinais que eram

realmente boas para doenças como artrite e gota, o que pode ter fornecido à deusa uma

reputação de ser capaz de curar tudo. Havia devotos que doaram modelos de seios13

em

marfim e bronze, junto de joias (GREEN, 1996: 33). Peregrinos visitaram o santuário

talvez para uma cura física, ou talvez mais frequentemente para um alívio espiritual.

Procedimentos como a imersão e purificação, absorvendo a água medicinal, a cura

através do sono, sacrifícios, festivais e orações, faziam parte constante no santuário,

assim como a oferta de presentes à deusa.

O santuário se tornou de fato um local de grande atração e já no início do século

II era frequentado por viajantes do Império Romano, que deixavam suas inscrições

gravadas em seus altares (CUNLIFFE, 1984: 179). Alguns deles eram erigidos para a

deusa Sulis Minerva em nome de centuriões veteranos, sendo custeados por seus

libertos (CUNLIFFE, 1984: 91). Outros altares foram dedicados a outras divindades

como Diana.

Ao analisar os processos de modificações religiosas na cidade de Aquae Sulis,

torna-se inerente um estudo amplo sobre as mudanças culturais que ocorreram, tanto

para os bretões nativos e romanos. A chegada do Império Romano é como uma força de

transformação, seja ela passiva ou não, e essas transformações acabaram gerando novas

concepções de como pensar, agir e no próprio sistema de crenças e valores. O seu

13 Alguns modelos possuem um furo na parte superior para que pudessem ser suspensos ou presos a algo.

É provável que esta fosse uma oferenda dada à deusa Sulis Minerva por uma mulher e ela poderia ter a

oferecido para pedir ajuda na cura de sua filha ou filho, ou como agradecimento por um parto bem-

sucedido.

64

impacto e intensidade variam de acordo com a região. A grande variedade de situações

religiosas foi em grande parte devido ao sistema de organização dos cultos

supervisionados pela cidade. Cada cidade tinha sua religião, e isso ainda era válido para

a época imperial, não obstante a aproximação progressiva das comunidades do Império

com Roma (ANDRIGA, 2006: 91).

De acordo com o levantamento bibliográfico e documental relativo ao santuário

no século I e.c., buscamos compreender a interpretatio realizada entre as deusas bretã e

romana, Sulis e Minerva como principal estratégia de consolidação do poder romano na

região. Assim, conseguimos delimitar, a partir do registro arqueológico, rituais

realizados no santuário de Sulis Minerva, buscando identificar as interações culturais e

religiosas das populações presentes que cultuavam a divindade.

65

CONCLUSÃO

Nesta monografia buscamos compreender melhor o resultado do encontro entre

romanos e bretões, que foi uma verdadeira fusão de seus sistemas culturais, gerando

mudanças nas crenças, valores e modos de agir. Entretanto, a política para a província

era expandir/disseminar o máximo possível da cultura latina (HENIG, 2003: 36). O

mundo romano era repleto de variadas cidades que falavam latim, grego, púnico, céltico

e muitas outras. Percebe-se que um diálogo entre Britannia e Roma ocorreu de forma

heterogênea, produzindo consequências multifacetadas para a província e para a própria

urbs.

A principal questão desta monografia era situar o santuário de Sulis Minerva, na

cidade de Aquae Sulis dentro do Império Romano sob um viés religioso e compreender

como a hibridização romano-bretã se sucedeu a partir da interpretatio da deusa Sulis

Minerva. Além disso, buscamos perceber quais foram as interações religiosas que

ocorreram dentro do santuário da divindade e seus significados para a população.

Aquae Sulis não era uma cidade que possuía funções militares e nem era um

grande centro comercial. Entretanto, parece que Roma a considerou um ponto

estratégico da Britannia. Talvez a construção do santuário fizesse parte de uma tentativa

de pacificar a região, tornando o local religioso um centro de descanso, cura e culto para

os soldados romanos, a população que ali habitava e para os visitantes.

No primeiro capítulo, definimos quem era a deusa que era cultuada em neste

santuário e como sua interpretação foi percebida pelos romanos. Para isso foi necessário

um estudo do sistema religioso romano e como ele lidava com as interpretationes de

divindades desconhecidas. A interpretatio se encontra fortemente inserida no contexto

de trocas culturais, sendo assim, a análise de como se sucedeu o encontro entre bretões e

romanos e suas consequências se mostra relevante para compreender a diversidade

cultural que caracterizou o Império Romano.

No segundo capítulo, analisamos o santuário da deusa Sulis Minerva e

buscamos, a partir de sua documentação material sobrevivente, entender como a vida

sócio-religiosa entre bretões e romanos se estabeleceu. Para isso, enfocamos o

funcionamento dos banhos dentro do complexo, as imagens religiosas ambíguas de seu

templo e as inscrições religiosas e de maldições que eram depositadas na fonte sagrada.

66

Desse modo, tentamos então entender como era a relação desse santuário com a

população local.

Alguns locais podem adquirir reputações positivas ou negativas devido à como

as pessoas julgam se eles cumpriram ou não com suas funções e se atenderam

necessidades humanas como prover segurança, um sentimento de identidade ou prazer

estético. Com o tempo, o possível cumprimento dessas necessidades podem levar a uma

“verdade” de como as pessoas se posicionaram sobre o local. Mas essa “verdade” não

deixa de ser uma construção cultural que se manifesta através de experiências,

percepções, ideologias e sentimentos. Nesse caso, podemos afirmar que o santuário de

Sulis Minerva cumpriu sua função como lugar sagrado e centro de cura. Ele recebeu sua

reputação positiva através de um acúmulo histórico de sentimentos diversos sobre suas

águas medicinais e sua deusa.

E como conclusão, percebe-se a interpretatio entre a deusa romana Minerva e a

deusa bretã Sulis como um mecanismo religioso que aproximou dois povos através de

suas crenças, criando uma nova divindade que todos pudessem cultuar, um santuário

que propagandeasse a cultura romana e que servisse de encontro para diferentes

visitantes que passassem pela região.

67

Referências Documentais

Para a realização dessa monografia, as análises do arqueólogo Barry Cunliffe se

mostraram de principal relevância. Cunliffe participou das escavações do santuário em

1965 e então esteve presente quando foram descobertos grande parte do acervo

arqueológico que agora se encontra no museu de Bath. O site desse mesmo museu

também contribuiu bastante para a pesquisa, pois ele forneceu imagens e informações

sobre o santuário e o seu acervo, propiciando, assim, a documentação necessária para o

nosso objetivo.

CUNLIFFE, Barry. Roman Bath Discovered. London. Routledge & Kegan Paul, 1984.

Museu de Bath (Data da última consulta: 25/05/2014): http://www.romanbaths.co.uk/

No site encontramos:

- Reconstrução gráfica do sítio da cidade;

Disponível em:

http://www.romanbaths.co.uk/walkthrough/the_roman_site.aspx

- Frontão do templo com a cabeça de “górgona”;

Disponível em:

http://www.romanbaths.co.uk/explore/Object_Details.aspx?objectID=batrm_1983_1_9

- Coluna do grande altar do templo com a imagem do deus Baco;

Disponível em:

http://www.romanbaths.co.uk/explore/Object_Details.aspx?objectID=batrm_1983_1_27

- Segunda coluna do grande altar do templo com a imagem dos deuses Júpiter e

Hércules Bibax;

Disponível em:

http://www.romanbaths.co.uk/explore/Object_Details.aspx?objectID=batrm_1983_1_27

- Terceira coluna do grande altar do templo com a imagem do deus Apolo;

Disponível em:

http://www.romanbaths.co.uk/explore/Object_Details.aspx?objectID=batrm_1983_1_29

- Epígrafe erigida pelo haruspex para a deusa Sulis Minerva;

Disponível em:

68

http://www.romanbaths.co.uk/walkthrough/6_temple_courtyard/the_haruspex_stone.asp

x

- Altar erigido para sacerdote Calpurnius;

Disponível em:

http://www.romanbaths.co.uk/explore/Object_Details.aspx?objectID=batrm_1986_5_1

- Modelo de um seio de marfim encontrado na fonte sagrada;

Disponível em:

http://www.romanbaths.co.uk/explore/Object_Details.aspx?objectID=batrm_1983_13_a

_1

- Modelo de lança de madeira romana encontrada na fonte sagrada.

Disponível em:

http://www.romanbaths.co.uk/explore/Object_Details.aspx?objectID=batrm_1983_13_d

_106

69

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73

APÊNDICE

Fichas documentais

74

Ficha Documental I:

Tipo de suporte: Base para uma

estátua.

Material: Calcário.

Local do achado: Abaixo da sala

dos canos, em 1965.

Contexto arqueológico: Base de

uma estátua que provavelmente fica

em frente do altar.

Datação: Século I ou II e.c.

Localização atual: Museu de Bath.

Descrição: Epígrafe dedicada à

deusa Sulis Minerva pelo haruspex

do templo.

Dimensões totais: Altura = 60cm.

Bibliografia: CUNLIFFE, Barry.

Roman Bath Discovered. London. Routledge & Kegan Paul, 1984.

75

Ficha Documental II:

Tipo de suporte: Lápide.

Material: Calcário.

Local do achado: Na cidade de Bath, próximo aos

jardins Sydney, em 1793.

Contexto arqueológico: Lápide de um sacerdote do

templo de Sulis Minerva.

Datação: Século I ou II e.c.

Localização atual: Museu de Bath.

Descrição: A lápide romana com a forma de um

altar.

Dimensões totais: Altura = 1,35m.

Bibliografia: CUNLIFFE, Barry. Roman Bath

Discovered. London. Routledge & Kegan Paul,

1984.

76

Ficha Documental III:

Tipo de suporte: Coluna do grande altar.

Material: Calcário.

Local do achado: Na sala de canos, dentro

do santuário, em 1965.

Contexto arqueológico: Faz parte dos 3

pilares encontrados do grande de altar de

sacrifícios que ficava no pátio do templo da

deusa Sulis Minerva.

Datação: Final do século I e.c.

Localização atual: Museu de Bath.

Descrição: Deus Baco segurando um tirsus

na mão esquerda e derramando uma oferta

de vinho de uma taça para uma pantera ao

seu pé. A outra figura não pode ser

identificada.

Dimensões totais: Altura = 1,27m.

Bibliografia: CUNLIFFE, Barry. Roman

Bath Discovered. London. Routledge &

Kegan Paul, 1984.

77

Ficha Documental IV:

Tipo de suporte: Coluna do grande

altar.

Material: Calcário.

Local do achado: Na sala de canos,

dentro do santuário, em 1790.

Contexto arqueológico: Faz parte dos 3

pilares encontrados do grande de altar de

sacrifícios que ficava no pátio do templo

da deusa Sulis Minerva.

Datação: Final do século I e.c.

Localização atual: Museu de Bath.

Descrição: Deus Júpiter segurando um

tridente em uma mão e com uma águia

aos seus pés. Ao lado pode ser o deus

Hércules com uma manta de pele de leão

em seu ombro e segurando um grande

jarro de beber em uma mão e a outra

repousando em uma clava nodosa.

Dimensões totais: Altura = 1,27m.

Bibliografia: CUNLIFFE, Barry. Roman Bath Discovered. London. Routledge &

Kegan Paul, 1984.

78

Ficha Documental V:

Tipo de suporte: Coluna do grande

altar.

Material: Calcário.

Local do achado: Igreja de Compton

Dando.

Contexto arqueológico: Faz parte dos

3 pilares encontrados do grande de

altar de sacrifícios que ficava no pátio

do templo da deusa Sulis Minerva.

Datação: Final do século I e.c.

Localização atual: Museu de Bath.

Descrição: A divindade nua se

encontra deteriorada, não sendo

possível ser identificada. O seu

parceiro pode ser o deus Apolo ou

então Orfeu.

Dimensões totais: Altura = 1,27m.

Bibliografia: CUNLIFFE, Barry.

Roman Bath Discovered. London.

Routledge & Kegan Paul, 1984.

79

Ficha Documental VI:

Tipo de suporte: Frontão.

Material: Calcário.

Local do achado: Na sala

dos canos, dentro do

santuário, em 1790.

Contexto arqueológico:

Templo do santuário da deusa

Sulis Minerva da cidade de

Aquae Sulis.

Datação: Final do século I

e.c.

Localização: Museu de Bath.

Descrição: Fragmento composto de quatorze pedaços do frontão, que foram

encontrados em 1790.

Dimensões totais: Altura = 2,5m e Largura = 8m.

Bibliografia: CUNLIFFE, Barry. Roman Bath Discovered. London. Routledge &

Kegan Paul, 1984.

HENIG, Martin. Religion in Britain. Londres, Editora BT Batsford Ltd, 2003.

HIND, John. Whose Head on the Bath Temple Pendiment? Britannia. Vol. 27, 1996:

358 – 370.

RICHMOND, I. A. and TOYNBEE, J. M. C.The Temple of Sulis-Minerva at Bath.The

Journal of Roman Studies, Vol. 45, 1955: 97 – 105.

80

Ficha Documental VII:

Tipo de suporte: Defixio.

Material: Chumbo.

Local do achado: Na

fonte sagrada.

Contexto arqueológico:

Depositado na fonte

sagrada do templo da

deusa Sulis Minerva.

Datação: Século II e.c.

Localização atual:

Museu de Batn.

Descrição: Uma folha de liga de estanho / chumbo retangular, plana e não perfurada,

ligeiramente danificada no canto inferior esquerdo e superior central.

Dimensões totais: Altura = 2cm. Largura = 3cm.

Referência: Fonte: http://www2.cnr.edu/home/araia/defixiones.html