O que acordou no Brasil? Uma análise memética e sistêmica do início das manifestações em Junho...

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As ideias e as informações veiculadas por todas as mídias da cultura seriam replicadores usando o cérebro humano para se perpetuarem? Uma análise memética e sistêmica do início das

manifestações no Brasil em junho de 2013

ste ano, o Brasil foi marcado por uma onda de manifestações iniciadas, principalmente, pela juventude, por meio de convites em redes sociais. Um problema

interessante é entender: por quais motivos essa onda de reivindicações se iniciou? É comum julgarmos que a juventude desta geração não tem interesse ou conhecimen-to político sufi ciente para tamanha mani-festação. Logo, fi ca difícil entender como, em mais de 30 cidades do Brasil, o movi-mento levou milhares de pessoas para a rua. Será que houve alguma mudança radi-cal no pensamento político dos brasileiros?

Acreditamos que não foi, sobretudo, um aumento de conhecimento ou interesse político o responsável pelo início das mani-festações entre os jovens. Assim, sem visar os aspectos políticos responsáveis por tal manifestação, entendemos que seu início foi infl uenciado, em grande parte, por uma mudança no estilo dos memes utilizados para convidar a participar do movimento, gerando um “efeito de avalanche”, em sua

maior parte, entre os usuários de redes so-ciais. Vamos entender melhor essas ideias relembrando como ocorreu o início das manifestações pela internet.

O INÍCIO DAS MANIFESTAÇÕES

A origem da onda de manifestações está ligada ao Movimento Passe Livre da cidade de São Paulo. Esse movimento é bastante antigo e tem como objetivo reunir estudan-tes e simpatizantes para lutar inicialmente contra aumentos de passagem, buscando reduções, com a meta fi nal de obter o pas-se livre (a tarifa zero). Em uma noite mar-cante (quinta-feira, 13 de junho), manifes-tantes protestaram contra o aumento da tarifa de ônibus em São Paulo, mas foram sur preendidos pela força da Polícia Militar. Esse confronto deixou vários feridos: estu-dantes, repórteres, fotógrafos, moradores de rua, dentre outros. Vídeos dessas injus-tiças sofridas por essas pessoas começaram a circular pela internet. A revolta começou a crescer nas redes sociais quando todos

O que acordouNO BRASIL?

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assistiam às cenas de manifestantes en-toando o canto “sem violência” e sendo agredidos por policiais.

O período interessante para entender o início da reviravolta nacional é dessa quin-ta à noite até a segunda-feira (17 de junho), que marcou o Brasil com manifestações em mais de 30 cidades do país e em vá-rias cidades no exterior. Além dos vídeos e declarações de injustiça, algo novo come-çou a surgir nas redes sociais. Enquanto injustiças sempre foram constantes em nosso país, a forma como isso foi divulga-do na internet foi diferente. Antes dessas manifestações, algumas frases eram bem

conhecidas dos brasileiros: “brasileiro é acomodado”, “brasileiro reclama de polí-tico, mas faz igual”, “brasileiro não segue normas”, “você fi ca aí reclamando e não faz nada”, “assiste televisão enquanto os políti-cos te roubam”, “até quando vai fi car para-do?”, “brasileiro só quer saber de futebol!”. Essas costumavam ser as reações dos bra-sileiros para com os outros no que se refere a uma suposta tentativa de incentivo à luta pelos direitos públicos.

Julgamos que a grande mudança ocor-reu a partir da noite de quinta até a segun-da-feira. Os incentivos para lutar pelos direitos foram feitos de forma assertiva. Os convites feitos para as primeiras mani-festações foram muito diferentes do que se costumava fazer no Brasil. Alguns exem-plos são: “vem pra rua”, “o Brasil acordou”, “o gigante acordou”, “primavera brasileira”, dentre outros. Todas essas frases de efeito foram repetidas com convites comoventes para a participação nas manifestações. Os vídeos sobre o dia 13 de junho em São Paulo foram bem produzidos, com várias mú-sicas temáticas que motivavam a ida para as ruas e trocadilhos com as propagandas para a copa se tornaram verdadeiros coros de manifestantes, dentre eles a música da banda carioca O Rappa que diz “vem pra rua porque a rua é a maior arquibancada

O aumento de R$ 0,20 na tarifa de ônibus em São Paulo desencadeou as primeiras manifestações

O termo meme vem do grego mimeme, que significa imita-ção, e foi cunhado pela primeira vez pelo zoólogo da Uni-versidade de Oxford Richard Dawkins, em seu livro O gene egoísta, de 1976, obra que se tornou ao mesmo tempo um best-seller da divulgação científica e uma referência para os especialistas. Segundo Dawkins, a espécie humana não se desenvolve somente a partir da genética, mas também das transformações culturais e do desenvolvimento das socieda-des ao longo do tempo. Dentro dessa perspectiva, o meme é o “gene da cultura” e a sua reprodução tem um caráter fundamental como disseminador de pensamentos e auxilia

na proliferação de ideias que só possuem significado para quem os compartilha. Tal como o gene, o meme é uma uni-dade de informação com capacidade de se multiplicar por meio de ideias e informações que se propagam de indivíduo para indivíduo. Para identificar se algo é ou não um meme como replicador, Dawkins salientou algumas características: • a longevidade, capacidade do meme de permanecer

no tempo;• a fecundidade, sua capacidade de gerar cópias;• a fidelidade, capacidade de gerar cópias com maior

semelhança ao meme original.

A ORIGEM DO MEME

O FILÓSOFO estadunidense Daniel Dennett utilizou o conceito de “meme” como central em sua teoria da consciência e pela primeira vez divulgou para o grande público a possibilidade de uma ciência dos memes chamada “memética”

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do Brasil” e a propaganda da copa na qual o Pão de Açúcar se transforma em um gi-gante, que nas manifestações foi usada para simbolizar a força do povo. Uma boa forma de entender essa mudança é através da aná-lise memética e sistêmica.

O EFEITO DOS MEMESApesar de o conceito de meme ter fi ca-

do famoso nas redes sociais por simbolizar desenhos com expressões marcantes, a real origem do termo é pouco conhecida pelos usuários. Esse termo foi criado pelo biólo-go Richard Dawkins (1941) e populariza-do nos textos do fi lósofo Daniel Dennett (1942). Dawkins caracteriza o meme de forma análoga ao gene. A novidade tra-zida por esses autores é que o processo de seleção natural e incremento de qualidades não precisa ocorrer apenas no nível bioló-gico, mas consiste num processo que, ten-do todos os elementos necessários, poderia ocorrer em vários níveis, até mesmo em ideias. Os memes podem ser caracteriza-dos como unidades de ideia ou unidades da cultura. Eles podem ser conceitos, músicas ou frases. Sabemos que estamos diante de um meme quando há um fator de impacto marcante na ideia geral. Podemos afi rmar que todos os exemplos de frases marcantes citados anteriormente são memes ou exi-bem aspectos de um meme (enquanto uma ideia geral).

Sabemos que genes sofrem processo de seleção natural e hipotetizamos que o mesmo ocorre com memes, por terem as mesmas características. Genes são conjuntos informacionais que indicam alguma função no corpo através da pro-dução de proteínas. Considerando-se to-dos os organismos de uma espécie, temos variados genes em atividade (variação). Esses genes conseguem criar cópias de si mesmos (hereditariedade). Em uma aná-lise mais rigorosa, memes também são padrões informacionais que infl uenciam a ação de indivíduos. Memes ainda pos-

suem variação e hereditariedade e com-petem por acesso à nossa mente. Os me-mes passados de uma pessoa para outra são diversos e nós os replicamos quando contamos algo para alguém ou repetimos uma música que fi ca na cabeça.

Dennett trata os memes como parasi-tas que infectam nossas mentes. Memes causam efeitos distintos nas pessoas. O fi -lósofo diria, por exemplo, que os alemães, no início do século XX, estavam infectados pelos memes do nazismo. Todos nós utili-zamos e compartilhamos memes, a ideia do parasitismo exalta a forma como esses memes têm efeitos distintos, marcantes e, às vezes, hipnotizantes. Mas os efeitos não são apenas negativos, uma pessoa pode passar a vida ajudando outras por estar “infectada” com memes de alteridade.

Caracterizaremos os memes de in-centivo político dos brasileiros em po-sitivos e negativos. Exemplos de negati-vos: “brasileiro é acomodado”, “você fi ca aí reclamando e não faz nada”; exemplos de positivos: “vem pra rua”, “o Brasil acordou”, “o gigante acordou”, “não é só pelos R$ 0,20”. É interessante notar que

O Movimento Passe Livre (MPL) é autônomo, apartidário, horizontal e independente, e luta por um transporte público gratuito

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Manifestante usando a máscara do herói V, protagonista do filme “V de Vingança” (2006) dirigido por James McTeigue

ambos os memes, positivos e negativos, parecem ter bom poder de replicação, ambas as ideias, positivas e negativas, são comuns. O argumento, aqui, reside na ideia central de que prevaleceram os memes positivos após a observação das injustiças no dia 13, desencadeando fa-tores importantes para o início das ma-nifestações nacionais.

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Os memes negativos geram discordân-cias entre os próprios injustiçados, a vaidade prevalece, não há força nesses efeitos para uma união. Quando alguém é chamado de acomodado, o comportamento subsequen-te normalmente é uma justifi cativa ou um ataque ao outro, como dizer que ele também foi acomodado em determinada época. Já os memes positivos deixam o passado de lado e enfatizam uma união, um sentimento de nacionalidade, esperança e um convite. Logo, não é difícil ver que o efeito de memes positivos em massa pode ser grandioso. Os brasileiros parecem ter sido infectados por memes de esperança como “vem pra rua” e “o Brasil acordou”, o que gerou um entusias-mo em relação à ideia da manifestação.

Houve um verdadeiro marketing (não necessariamente planejado) em cima desses novos memes, algo diferente do que ocorria em outras manifestações, que não eram atrativas o bastante. Por exemplo, declarar preferência a um par-tido específi co (ou mesmo escolher entre

OS MEMES POSITIVOS PREVALECERAM NA INTERNET APÓS OS ABUSOS DOS POLICIAIS NO DIA 13 DE JUNHO, DESENCADEANDO FATORES IMPORTANTES PARA O INÍCIO DAS MANIFESTAÇÕES

Hoje, o termo meme, é utilizado para se referir a tudo que é utilizado repetidamente na internet. A cibercultura é uma das coisas mais criativas da atualidade e o meme é um das suas expressões mais fortes. Diferentemente do bordão televisivo, que é repetido exaustivamente, os memes da internet são construídos de forma colabora-tiva e orgânica. Eles geralmente são utilizados em con-textos distintos e na medida em que se espalham pela rede podem ganhar novo significado. Os memes inva-dem nossa mente alterando nosso comportamento que,

por sua vez, passa a contagiar novas mentes, como uma espécie de parasita cerebral.

Na internet, o significado de meme refere-se a um fe-nômeno em que uma pessoa, um vídeo, uma imagem, uma frase, uma ideia, uma música, uma hashtag, um blog, etc.; al-cança muita popularidade entre os usuários. A ideia de meme pode ser resumida por tudo aquilo que é copiado ou imitado e que se espalha com rapidez entre as pessoas. Como a in-ternet tem a capacidade de abranger milhares de pessoas em alguns instantes, os memes de internet são virais.

OS MEMES E A INTERNET

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FOTOS, PÔSTERES DE SHOWS E OUTROS

ITENS RAROS.FOTOS, PÔSTERES

INCLUI UMA

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A HISTÓRIA ILUSTRADA DE UM DOS

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direita e esquerda) não é boa es-tratégia, pois naturalmente reduz o número de pessoas que com-partilham a ideia. Um marketing não planejado acontece quando várias pessoas em rede se interes-sam e promovem a mesma ideia com propagandas emocionais. No caso dessa manifestação foram produzidos até vídeos em analogia a trailers de filmes americanos. É claro, esses memes podem ter sido criados inicialmente por pes soas específicas, com interesses em mente, mas não temos informação sobre se isso ocorreu de fato.

Poderíamos perguntar ainda como a variação de reações indivi-duais pode ter um efeito de tamanha magnitude? Por que memes positi-vos prevaleceram? Uma alternativa para compreensão desses pontos está na Perspectiva Sistêmica.

A PERSPECTIVA SISTÊMICA

A Perspectiva Sistêmica (ou Perspectiva dos Sistemas Comple-xos) possui cunho interdisciplinar que inclui várias dimensões infor-macionais no estudo de eventos, situações ou objetos. Ela também fornece um método (e conceitos) que auxilia a análise da dinâmica da sociedade (indivíduo/indivíduo, indivíduo/grupo ou grupo/grupo). Nesse viés, a sociedade é entendida como um sistema, enquanto os in-

divíduos são seus elementos. A par-tir de tal caracterização, a sociedade pode ser entendida como uma orga-nização que possui indivíduos que mantêm relações entre si, relações essas a partir das quais emergem certas propriedades delimitadoras de sua identidade.

A emergência das proprieda-des que delimitam a identidade da sociedade ocorre a partir da interação dos indivíduos entre si, produzindo parâmetros de contro-le (que atuam nas possibilidades de interação e no modo como os elementos do sistema interagem entre si) e de parâmetros de orga-nização (por exemplo, econômica, política, social). Uma vez constitu-ídos, esses parâmetros retroagem e influenciam o comportamento dos indivíduos que lhe deram ori-gem. Em outras palavras, uma vez criados, os parâmetros de organi-zação retroagem sobre a dinâmica dos elementos, influenciando as ações e reforçando os parâmetros de controle que coordenam essa dinâmica.

Contudo, apesar da influência que os parâmetros de controle e de organização possuem na dinâmica dos indivíduos na sociedade, en-tendemos que eles não estão dissol-vidos na sociedade. Pelo contrário, tais indivíduos podem promover grandes eventos quando, a partir de suas ações, geram a instabilidade do

O movimento difuso que nasceu das redes sociais não tem partido nem líderes e reflete a insatisfação da população brasileira sobre os seus direitos mais básicos

OS MEMES POSITIVOS PREVALECERAM NA INTERNET APÓS OS ABUSOS DOS POLICIAIS NO DIA 13 DE JUNHO, DESENCADEANDO FATORES IMPORTANTES PARA O INÍCIO DAS MANIFESTAÇÕES

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sistema, de modo a fazer com que os parâ-metros de controle e organização atinjam um valor crítico1.

Independentemente dos rumos que a política nacional tomará, pela perspectiva sistêmica podemos entender que o ocorri-do no dia 13 de junho parece ter feito com que os parâmetros de controle mudassem e que os de organização fossem abalados. Em nossa análise podemos entender as princi-pais mudanças nos parâmetros de controle como as mudanças do estilo de meme re-plicado. Os parâmetros de organização ge-rados pelos parâmetros de controle na base de memes negativos retornavam, através de processos de feed back, resultando em desu-nião entre os brasileiros. As mudanças no parâmetro de controle, através do compar-tilhamento de memes positivos, abalaram

1 Haselager & Gonzalez, 2004.

o antigo parâmetro de organização que ge-rava, em certa medida, desunião, o que de-sencadeou um interesse dos grandes grupos pelas manifestações.

Edgar Morin (1921)2 descreve os pro-cessos de feedback enquanto princípio de organização recursiva. Esse princípio pres-creve que os efeitos e os produtos presentes em uma organização são necessários a sua própria causação. É nesse sentido que: “uma sociedade é produzida pelas interações entre os indivíduos e essas interações produzem um todo organizador que retroage sobre os indivíduos para coproduzi-los enquanto in-divíduos humanos”3. A partir desse princí-pio colocado por Morin, Gonzalez e Moraes propõem o princípio da organização recursi-va acelerada, que: “atua de modo realmente acelerado nos usuários jovens de novas tec-2 Morin, 2005.3 Morin, 2005, p. 182.

A PSICÓLOGA britânica Susan Blackmore, autora do livro The meme machine afirma que a memética lida com um terrível sopro na supremacia do “eu”, pois o “eu” é reduzido a um dos muitos complexos de memes co-adaptados que vivem dentro do cérebro

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O OCORRIDO NO DIA 13 DE JUNHO PARECE TER FEITO COM QUE OS PARÂMETROS DE CONTROLE MUDASSEM E QUE OS DE ORGANIZAÇÃO FOSSEM ABALADOS

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nologias digitais que rapidamente aprendem a manipular os seus artefatos, alterando seus hábitos, os quais funcionarão como causa de sua própria organização”4.

Acreditamos que o motivo principal pelo qual os memes positivos prevalece-ram foi por poderem abusar do princípio da organização recursiva acelerada. Esses memes positivos na internet carregavam um conteúdo emocional (através de ima-gens, vídeos bem produzidos e frases de efeito) e de novidade que os fi zeram ser replicados (através de opções de com-partilhamento). Já os memes negativos eram antigos e seu conteúdo emocional não tinha tanto potencial de comparti-lhamento em redes sociais. Isso porque mensagens negativas e com pouco obje-tivo não circulam por muito tempo nas redes. Logo, apesar dos memes negativos serem comuns na história da sociedade brasileira, eles não conseguiram abusar da recursividade acelerada da mesma forma que os memes positivos surgidos recentemente.

Embora as redes sociais tenham sido os principais canais de divulgação sobre

4 Gonzalez e Moraes (2013, no prelo).

o que estava acontecendo no Brasil, vale ressaltar que as tecnologias informacio-nais, em geral, contribuíram para o com-partilhamento dos memes (vídeos, fotos, áudios, SMSs, e-mails etc.). Dado o prin-cípio da organização recursiva acelerada, os memes positivos se espalharam entre os indivíduos de maneira rápida, afetan-do hábitos de ação dos indivíduos – o que estava no modo “acomodado” entrou na versão “vem pra rua”. Por meio dessas tec-nologias, esses memes geraram um “efeito avalanche”, manifestado por, praticamen-te, todo o país no dia 17 de junho.

Os memes positivos que passaram a circular na internet funcionaram como uma espécie de despertador para a população, que resolveu sair do facebook e ir para as ruas clamar por mudanças políticas

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S BRESCIANI FILHO, E.; D’OTTAVIANO, I. M. L. Conceitos básicos de sistêmica. In: D’OTTAVIANO, I. M. L.; GONZALEZ, M. E. Q. Auto-organização: estudos interdisciplinares. Campinas: CLE-UNICAM, 2000. p. 283-306 (Coleção CLE, v. 30). DAWKINS, R.The selfish gene. Oxford: Oxford University Press, 1976.DENNETT, D. C. Consciousness explained. New York: Black Bay Books, 1991._____. Darwin’s dangerous idea: evolution and the meanings of life New York: Penguin Books, 1995.GONZALEZ, M. E. Q.; MORAES, J. A. Complexidade e privacidade informacional: um estudo na perspectiva sistêmica. In: GONZALEZ, M. E. Q.; ANDRADE, R. C. S.; PELLEGRINI, A. M. (Orgs.). Auto-organização: estudos interdisciplinares. Campinas: Unicamp, 2013. HASELAGER, W. F. G.; GONZALEZ, M. E. Q. Consciouness and agency: the importance of self-organized action. In: Networks, v. 3, n. 4, p. 103-113, 2004.MORIN, E. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Russel, 2005.

Seguindo esse “efeito avalan-che”, mesmo pessoas com pou-co conhecimento político fo-ram levadas aos protestos. Isso é evidenciado pelas confusões de objetivo das manifestações ocorridas nos dias posteriores, também pela presença de ideo-logias diversas e opostas. Po-rém, quando houve abertura para debate sobre os objetivos das manifestações, começaram a surgir maior interesse e co-nhecimento político (tendo em vista, é claro, a falta ainda de politização do discurso).

O CAMINHO INVERSOIndivíduos podem promover

mudanças signifi cativas em vi-sões tradicionais da moralidade, da política e mesmo na cultura nacional quando os parâmetros de controle vigentes são altera-dos. Os memes, enquanto pa-drões informacionais, abusaram de efeitos de compartilhamento via redes sociais, ganhando am-plitude “descontrolada”. Graças às tecnologias, eles atingiram po-tencial para alterar os hábitos de ação dos jovens, chegando a afe-tar os parâmetros de organização (econômicos, políticos, sociais). Caso esse movimento resista ao tempo, seria possível chegar a um valor crítico limite que atingiria a própria identidade da sociedade (i.e., cultura).

Vale ressaltar que pela visão sistêmica não faz sentido apon-tar um fator apenas como única causa de um fenômeno complexo. Assim, os memes positivos não podem ser os únicos responsá-veis. Por exemplo, se não houvesse a injustiça cometida em São Pau-lo, mesmo com a difusão de me-mes positivos provavelmente não haveria manifestação nacional. Lembrando que tratamos apenas do início das manifestações e não de razões pelas quais ela conti-nuou. Não foi um aumento de co-nhecimento ou interesse político que geraram as manifestações, mas sim o contrário: as manifes-tações incentivadas de forma cha-mativa promoveram o interesse e o conhecimento político.

OS MEMES POSITIVOS CARREGAM UM CONTEÚDO EMOCIONAL ATRAVÉS DE IMAGENS, VÍDEOS BEM PRODUZIDOS E FRASES DE EFEITO, QUE OS FAZEM SER REPLICADOS PELA INTERNET

O povo brasileiro tomou as ruas em sua luta por melhorias nas condições de vida em suas mais diversas instâncias

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