O CINEMA E OUTROS METAMANIFESTOS METAMANIFESTO DO CINEMA DESCRUDELIZANDO-SE E OUTRAS REFLEXÕES

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O CINEMA E OUTROS METAMANIFESTOS METAMANIFESTO DO CINEMA DESCRUDELIZANDO-SE E OUTRAS REFLEXÕES à Adriana Alcantara a fotografia é a mentira o cinema foi a mentira vinte e quatro vezes por segundo o futuro do cinema é a mentira ainda mais vezes por segundo O cinema, ah o cinema. A impossibilidade da impossibilidade do cinema. Mais uma ou outra treta de impossibilidade. Já explicamos. Os danos, os melodramas a lançar por dá cá aquela palha, a contaminar os filmes lindos, os limpos, os pornográficos, os filmes inconsequentes, frios, budistas, com reflexos de letrismo e situacionismo, ou os feministas, ou os do género que transformam em luta de classes o anódino, que transformam a consciência exaltada do povo que sai às ruas num acto de auto-comiseração de velho intelectual de esquerda, cinéfilo encartado de férreas convicções e dado a provocações marotas. Nostalgia de revolução a tentar dar ares de ser revolução. No povo saiem as ruas. Contra ou a favor do cinema. O povo sai à rua para ser filmado. Para ser vertido em televisão ou em épico.O longo hábito do teatro entornado sobre o hábito do cinema supostamente hiper-realizar o real. Onde um é declamado o outro desdeclama. Mas a lamechice é identica, e ainda que seja ineficaz, é preferível, de longe, ao music-hall futurista ou dadaista, com a sua sucessão de cenas parvas. Isso foi há um século atrás, no fascinante, mas obsoleto, auge do moderno. Procurem dourar o nosso mito, ou canonizá-lo, no magnetismo ardente de Veneza, com festival e morte. Mas sem touradas.

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O CINEMA E OUTROS METAMANIFESTOS

METAMANIFESTO DO CINEMA DESCRUDELIZANDO-SE E OUTRAS REFLEXÕES

à Adriana Alcantara

a fotografia é a mentira

o cinema foi a mentira vinte e quatro vezes por segundo

o futuro do cinema é a mentira ainda mais vezes por segundo

O cinema, ah o cinema. A impossibilidade da impossibilidade do cinema. Mais

uma ou outra treta de impossibilidade. Já explicamos. Os danos, os melodramas

a lançar por dá cá aquela palha, a contaminar os filmes lindos, os limpos, os

pornográficos, os filmes inconsequentes, frios, budistas, com reflexos de letrismo e

situacionismo, ou os feministas, ou os do género que transformam em luta de

classes o anódino, que transformam a consciência exaltada do povo que sai às

ruas num acto de auto-comiseração de velho intelectual de esquerda, cinéfilo

encartado de férreas convicções e dado a provocações marotas. Nostalgia de

revolução a tentar dar ares de ser revolução.

No povo saiem as ruas. Contra ou a favor do cinema. O povo sai à rua para ser

filmado. Para ser vertido em televisão ou em épico.O longo hábito do teatro

entornado sobre o hábito do cinema supostamente hiper-realizar o real. Onde um

é declamado o outro desdeclama. Mas a lamechice é identica, e ainda que seja

ineficaz, é preferível, de longe, ao music-hall futurista ou dadaista, com a sua

sucessão de cenas parvas. Isso foi há um século atrás, no fascinante, mas

obsoleto, auge do moderno. Procurem dourar o nosso mito, ou canonizá-lo, no

magnetismo ardente de Veneza, com festival e morte. Mas sem touradas.

Tudo o que foi absurdas vanguardas volta como experiencia conformista ou

terapia disfuncional. O cinema a forjar o cinema como remake insuportável? Não

estivemos lá? Gostamos dos exemplos que nos deram? Não!... ou talvez…

Em vez disso fomos postos à prova com um teatro catártico, com acção,

gritalhada, paródias bravas, versões abandalhadas e politicamente correctas dos

clássicos e montagens patuscas. Diziam-nos que o povo sai às ruas. Mas sai por

causa da chatice, feito voyeur de si mesmo, esperando que nós empunhemos as

camaras para filmar punhos erguidos. Não! São os punhos erguidos que se

filmam a si mesmos, com telemóveis. Manifestamo-nos para sermos auto-

filmados. Amanhã tudo estará on-line!

Mas os dramas sociais são concretos, mesmo a cantarolar o “apitó comboio”. É

um não-buda que realiza não-filmes que não-pensam. O cinema a higienizar o

seu cú ao som de Requintadas Crueldades.

Somos antropófagos no que respeita à cinefilia e vegetarianos quanto à filosofia?

Ah, interrogar dá ponta!

Um argumento enche-se com qualquer históriazinha, uma boa banda sonora, e

uma montagem num programa caseiro. Tudo vem facilitado.

Qualquer sequência narrativa sofre do síndroma de Scherazade — propõe-se

mostrar qualquer coisa contra o o seu fim. Narrativa que se constroi como

adiamento. Tentativa de prosseguir contra algo a que não se quer chegar — os

romances de Kafka são o exemplo declarado de que a seta contem e não contem

o alvo. Foge ao alvo a que está dirigida. Ao contrario da história que se forja

como reencenação de algo acabado, as narrativas (o romanesco e o cinema) são

o investimento em algo inacabável. Qualquer fim é um mau fim. Os fins menos

maus são elipses, deixando perpétuar a suposição de que algo trágico está para

acontecer. A narrativa hoje deixaria Hamlet à beira da morte. Não há nada que

aconteça depois que desapodreça as dinamarcas.

Banqueteamo-nos em Jesus, pois todo ele é um manifesto negro filmado em close

ups (diria Artaud!) — é urgente deliciarmo-nos em Jesus quando repararmos que

as camaras estão em toda a parte e que tudo é filmado de todos os ângulos

possíveis, à Lagardére. Não é preciso vislumbrar sequer o extremo anus que

assassina. O teatro do fim do mundo já começou há muito tempo (mesmo antes

de Cendrars). Não é só o Big Brother que nos dá a consciência de que nascemos

para actores de um filme em que todos somos ao mesmo tempo realizadores e

não-realizadores, mas o cinema é antes de mais uma arte de sobrevivência e de

manipulação da pseudo-comunicação. O cinema é a espuma extrema da

tecnologia que será integrada como necessidade genética. A consciência da

crueldade do cinema tornou-se um dado na sobrevivência individual. A

consciência do eu, que Descartes atribuí à capacidade (sem dúvida consequência

da vulgarização dos espelhos) de nos reconhecermos como existência é agora um

assunto cinematográfico. Só no solipsismo filmando-se e montando-se a si mesmo

reconhecemos restos de existência — Andy Wharhol foi pioneiro nesse

reconhecimento.

A fotografia começou por ser mais democrática e mais fácilmente integrada no

dia à dia — a máquina de familiar era pioneira no dar imagens de morte que se

mexem (e a morte mexe muito!) — estes são os que vão morrer no alto da sua

soberba e inocência, acompanhados de uma assustadora imagem! — o grande

passo seguinte na crudelização do cinema foi o super-oito, ainda elitista, e com

uma frescura maravilhosa — o super-oito (ou o oito milimetros) sabe-nos a antigo

e há uma inocência no ar desengonçado das pessoas, e até das coisas! — nos

anos 80 do século XX dá-se a democratização do filmar através do video caseiro,

olha, olha — começam-se a ver os filmes que se querem quando se querem e a

filmar caóticamente casamentos, baptisados, ecografias, entrevistas — surge a

efémera video-arte como apropriação de uma arte que era muito preparada, em

versão bera, mal-feita, ideias repentinas, excesso de loopings e revisitação do

cinema própriamente dito — e ainda há as camaras de vigilância, meus caros —

tanto cinema inútil e de deitar para o lixo — o cinema parece condenado a

perpétuar o seu degradamento e os seus restauros. O celuloíde desaparecerá

depressa. O cinema digital reproduz-se tão fácilmente quanto se degrada. O

cinema exige cada vez mais imagens por segundo, isto é , a maximização da

“mentira” e do Não-Ser.

Com a internet, o youtube, os programas de montagem caseiros, a integração

nos telemóveis, os skypes e similares, mergulhamos em força na tal era digital —

tudo isto se tornou mais do que comum! Sem zapping.

No povo sai às ruas o cinema como epigono de um desastre a voltar a estar no

cartaz.

O longo hábito do teatro é o da autodestruição com a possibilidade de ir mais e

mais ao coração. A pintura, pelo contrário, não tem um pentelho de

sentimentalidade, se exceptuarmos alguns casos raros, sobretudo a mando da

contra-reforma (são contra a natura da pintura, mas são já uma antevisão do que

viria a ser Hollywood — estórias para invisuais). Penso em Ribera e Murillo, não

sei bem porquê.

Eis o cinema a dirigir-se um pouco à sua obsolescência, a masturbar-se com

muito magnetismo ardente com adereços das outras artes — pessoas que

aparecem e desaparecem como manchas de cor — o cinema a tornar-se coisa de

artista, demasiado quieto, mas pouco manso.

Vivemos o cinema cada vez mais pindéricos, desconfiados, festivaleiros, com

nostalgia das antropofagias, quando a camara devorava realmente os corpos e se

desembaraçava da porcaria do espírito (voltaremos a este tema!). Vivemos o

cinema como uma decepção face à pintura ou ao romance, ou até à música.

Esperamos muito dele, com a nossa filosofia de bolsillo. Julgavamos que um

determinado cinema podia despertar consciências e pôr os nervos em franja,

como certos espetáculos de vanguarda. As nossas faculdades estavam toldadas

com o entusiasmo. O cinema excitaria desmesuradamente para uma revolução

que estaria nele contida. Mas a revolução é só mais velocidade, mais vertigem,

mais mudança. Será que o corpo aguenta tais velocidades?

O cinema através da sua obsolescência consegue iniciar-nos filosóficamente na

pintura. Mas é preciso ter sensibilidade. Convenceu-nos no cinema o que nele foi

imaturidade, promessa desaforada de um certo explendor. Quando se tornou

certinho e consciênte da forma de usar a tal gramática, a coisa ficou mesmo

chata. Inicia-nos o cinema na espontaneidade para que esta atravesse a pintura.

O plano fixo da pintura é memória do cinema, de muitos filmes que se acumulam

numa imagem. O cinema tem qualquer coisa de egípcio. São imagens destinadas

a ser vistas pelos mortos. A pintura livrou-se do seu lado egípcio, e dá-se mal com

os museus — é uma coisa caseira e burguesa, quer se queira, quer não, feita

sobretudo para o pintor enquanto pinta, para seu deleite próprio, atiçando-lhe o

desejo sexual. A escultura e a literatura, pelo contrário, são feitas para as

gerações passadas, para os mortos. Cite-se Genêt citado pelo Rui Chafes. A

escultura egípcia, a escultura grega, as estátuas públicas, não são apenas

destinadas a mostrar os deuses e os mortos, como algo puramente rememorante

— há uma função de eficácia, e há um feed-back sobre os espectros. No cinema

a dimensão espectral não é apenas a da sala de cinema — a morte é a

desencarnação e a possibilidade do cinema por excelência. Se a coincidência

entre a fotografia e a morte foi assinalada (por Barthes, entre outros), o cinema é

a morte animada, vinte e quatro vezes por segundo. Neste sentido é uma morte

mais completa.

Também há a montagem, essa coisa dilacerante, com forças vivas e existencias

leiturando. Chichi-cócó e chicória a substituír café. The End. Andrew Sister no

bidé, letrismo de Raymond Hains.

Nenhum cinema é do passado, mesmo que venha envolto em fulcros de

crueldade, em rosados espinhos, etc. — a montagem põe paninhos quentes no

que parecia um pura incongruência — o filme tenta fabricar a personalidade do

espectador como o que se-deixa-ser-montado por um fluxo de imagens díspares

— é uma sensibilidade mágica (no sentido surrealista), ou diarreias de sobre-

humano a descorporizar — o cinema vem de certo modo atestar que a

emancipação do espirito só estraga o corpo que se atarefou a gerá-lo e a

espremê-lo.

Colocas dois mundos neomaneiristas face a face — reparas que tudo é

anamorfose de anamorfose, visto dos ângulos mais escorreitos, como que por um

riso que distorce — há forças expiradas que se coligam para formar uma força

desviante.

Trata-se de cultivar lampejos visuais — o maneirismo é cinematográfico antes do

cinema. Dir-se-ia que no maneirismo a arte é já memória da arte, citação

estafada a ser introduzida com melancolia e cansado espalhafato. Mas a arte

recua sempre a uma memória que ou é anterior ou se desvia da arte. São planos

que se acumularam sobre planos, esquecimentos — das imagens externas que se

foram internalizando pela crueldade, pela ironia, pelo abandono dos

espectadores. O que o maneirismo dá conta é da solidão extrema e do

desnudamento do artista.

O artista está metido na sua ascese, no seu cinema pessoal e quase

intransmissível, no seu piolhoso atelier a comer ovos cozidos. O artista que

antecede os maneiristas é Piero di Cosimo. Uma obra de arte não é a

rememoração da Arte, mas uma imersão em que se dá o esquecimento da Arte.

O cinema não se consegue reciclar. Todo o remake é quase sempre pior que o

“original” ou o remake anterior. O cinema vive o drama dessa saturação. O já

filmado destroi a possibilidade da sua repetição ritual, dos prototipos se

eternizarem.

Uma imagem de um soutiã enche o ecrã. Venús de Milo, ou do Mamilo. Doutor

Cagliari no Estoril, Babilónias a descobrir no Intendente. Assassino punheteiro a

andar em carrinhos de choque. A pintura, a certa altura, conseguiu vislumbrar no

cinema uma alternativa aos seus eternos motivos — o nú, a paisagem, a natureza

morta, as cenas épicas, o retrato. Foi mais um efémero regresso à figuração ou

ao narrativo. Foi mais uma tentativa de desviar os olhos do Absoluto ou do Vazio.

Daí a chamada à crueldade, como à literalidade, feita no “uma rosa é uma rosa

é uma rosa”. Quando aqui apelamos, pelo contrário, à desliteralização, à

descrudelização. Uma rosa não é uma rosa mas ressurge na devoração, na

monstruosidade vegetal, nas geometrias, nos movimentos de picar e contrapicar

cenas. O intelectual pornófilo sabe pelo estafado simbolismo que uma rosa é

uma rata. Mais rata que rosa. E que a arte se manifesta contra o esquecimento

das suas definições e virtualidades. A Mafia da filosofia está sempre a encerrá-la

numa violência e em necessidades. Os artistas passaram a considerar o

doutoramento como uma etapa narcísica da sua legitimação, quando o

doutoramente é mais um anexo de fake à arte que já era fake. Mas o

doutoramento é o adeus à propensão para o esquecimento da arte. Repito. A arte

gosta de se esquecer das suas funções e de encarar a rememoração como um

condimento de sucessivos esquecimentos. A arte gosta dos seua doutoramentos e

enamora-se desse desvio maroto.

E vais reler Buñuel antes de voltares aos filmes — geometrias de monstruosidade,

insectívoras. E depois passas para a cinecittá, olá pá, dá e não dá. Ou Mabuse e

Caligari, e o amor, o beijo adiado. “Lava-me o cú, lava-me o cú no lar vegetal”.

O tédio, o profundo tédio do eterno zapping.

O teatro caótico num espasmo sentido com itálicos do Batarda a arrebanhar

pornográficamente o banquete. O cinema andrógino, adolescente, a salvar os

falhados do seu falhanço. Será isso?

É para manifestos que o cinema se dirige. Momentos agitam-se neles a

desaperfeiçoar a perfeição, a escorregar para a lixeira. Felinni chinês. Welles sem

personagens. Mistura, salada. A realidade desapareceu para dar lugar à

comunicação cinéfila? O lar de Duchamp, um lar hipnótico, de geometrias

variáveis e matemáticas dadas a travessuras. A substância do cinema não é o

cinema, mas a animalidade acariciável. Modos de afagar o pelo. Camaleonismo.

Dziga Vertov mostra que a complexidade é o dado, e que a ironia, ou a

felicidade, são trabalhos de edição. O amor é o quotidiano, a alta velocidade, a

magia da popisação, os travellings a politizar (como no Potemkim do Eisenstein).

A fulguração é o que é mais parecido com a verdade — pelo menos para o

artista. Vê-se o César Monteiro a pendurar roupa. Não é preciso muito mais. E

depois um lobo do Tex Avery a uivar. E vai mais um copo de sangria. E o Mister

Magoo. Diria, sou eu. Olhos semi-fechados, atravessando todas as montagens.

Maggoo e Tournesol num só. Equívocos visuais e auditivos.

É para muitos òbvio que o cinema coincide com a antropologia (não sei bem

porquê), e que a metodologia, ou a maneira de processar a informação, é

apenas o estilo, ou o modo de integrar cortes, vazios. A elisão é o que permite a

alusão. Mundos a coincidirem-se plurais no neomaneirismo.

As multidões protestam contra a antropologia baratucha. Mas já se sabe que o

caminho do cinema é o baixo custo. O cinema é uma coisa que cada vez mais se

vai dessubsidiarizar, reduzir as equipes, e claro, reduzir a qualidade. Sobra a alta

de definição. Sobra a vontade de contestar. Sobra a chatice do trabalho de

edição.

O Maoísmo estaria aqui como intensificação da retórica dos manifestos, com o

fantasma de Godard a sobrevoar e com algumas paródias a suturar. O que

preconizamos é um contrariar, com a natureza a esturgir em redor. Não

percebemos o que podemos fazer com os velhos Mitos (com o Cecil B. de Mille a

filmar?), e as idas adjacente ao teatro, ao antigo, bem grego, ou com incursões

surrealistas no sonho. O que ainda interessa, no surrealismo, é onde ele pouco se

desenvolveu, no cinema. Porque é trabalhoso. Porque era custoso — quando o

surrealismo foi um escaparate de adolescentes perguiçosos.

Habitam-nos as filmagens, com as palavras a vulgarizar clichês. Habita-nos a

televisão, e nela, mais que o resto, as séries e as telenovelas. Não consigo pensar

no Tony Soprano sem uma certa familariedade. O cinema sacode-se na natureza

como natureza a renaturalizá-la. Não se trata de simples banalização. Ou de

algo que vem (porque vem) do ocidente e que contaminou pandémicamente o

mundo. O cinema fez-nos participar no seu indistinguível mundo — e isso é

magia, mas não apenas como qualidade de uma experiência. E a magia deve-se

ao simples facto do público acreditar, enquanto acredita, no seu terror (e o

cinema é aterrorizador!), venha de holywood ou de boliwood — e aprendemos

cada vez mais o cinema na sua rápida nostalgia, na mudez, no som mono,

riscado, nos inacabamentos de uma India filmada como algo cubista, no

estranhamento que nos familiariza.

Voltaremos à sua cauda? Ao principio da caudalidade? Á pré-história. Voltaremos

a lamber o espírito, com dentaduras parentais? Voltaremos a nós, sem cinema? É

o mesmo que dizer: podemos voltar ao eu, antes da poesia lírica, da tragédia, da

comédia, da filosofia (mesmo que de bolso)? Podemos aldrabar-nos com um

regresso a uma inocência. Ou: as várias inocências perdidas-recuperadas agitam-

se cinematográficamente por aí, nesse dentro-fora em que estamos imersos e nos

quais nos estruturamos? Somos um espetáculo que sobrevive teatralmente à

própria vida, às mortes anunciadas do teatro, ao fim das frescuras do cinema.

O que supunhamos artifícial naturalizou-se, e faz agora parte do continuum

biológico. O que antes nos parecia algo recalcitrante, bizarro, impuro,

excentrico, amaneirado, parece agora espontaneo, e até, como tudo o que foi

vivo, decadente. Não há não-natureza, e o espírito faz fade ins e fade outs

constantemente.

Há uma tremenda ritualização no que parece uma desordem ambiental. A nossa

memória segue leis de montagem e sombreimprime várias cenas. Há fulgurantes

antecipações. Procuramos reter imagens lapidares como um bom shot. Mesmo as

imagens abstractas, os quadrados negros do construtivismo, estão lá, na sua

acumulação de gestos, partes de rituais vastos, no fluxo de signos que condensam

aqui e ali o indistinguível mundo, os ramais sonoros, e os cadáveres múltiplos que

são restituídos (ou ressuscitados/deglutidos) para que possamos pensar de novo.

Porque pensar é dessimulacrizar, perdõe-me o silogismo — é como passar do

comboio a vapor ao monocarril.

Podiamos queixar-nos do espetáculo, como se a privacidade fosse uma mania

saudável, ou uma comunidade secreta desejável. Mas temo as seitas, e a sua

minguada ressonância. O cinema intimidou-se. Tornou-se cada vez mais coisa

caseira, algo clandestina, apesar das pipocas que por aí andam. As salas de

cinema estão condenadas. E depois chegam os que dizem — a sobrenatureza

fala, sobretudo através de um gurú que aldrabará milhões de cinéfilos. Porque a

religião é também um negócio cinematográfico.

Sabemos que o cinema ainda pertence ao mundo elétrico, mas a sua energia já

leva uma velatura do digital. Não é a mesma coisa, não senhor, independente do

número de frames por segundo ser parecido. A película foi forçada a saber

reincarnar nos ecrãs de televisão e de computador.

O caminho não-óptico para o real foi substituído por algo mais voraz — é essa

voracidade antropofaga da camara, ainda que encerrada numa espécie de

rectângulo, que sobrevive à incongruente imagem que se dá do real — o real

como crime a ser investigado e desvelado sob a capa de múltiplas ambiguidades

e mobilidades. Mas o crime não existe. Ou é apenas um pretexto. Fica a magia, e

todos os truques e ilusões que nos levam a interessar pelo crime. E no entanto

habitam o real as coisas antiga da natureza e a sua extensa morfologia, com os

respectivos melismas e trinados.

Neofito: não há real, só magia, e manobras de diversão. Neofito: não há filmes,

mas um deserto espetacular de boas intenções, e de argumentos falaciosos, que

no fundo no fundo são modos escatológicos de violar a natureza, e de fazer-se

coincidir com ela.

Filmagens: palavras póstumas e imagens insuficientes — exclama o semideus!

Fritz Lang abana a cabeça. Filmagens: ressonâncias a reformatarem o espírito,

mesmo que o público, na sua esbracejante mediana, pareça ter sempre razão.

O cadáver do cinema a arder é apenas uma extensão das más intenções do

espírito ou de uma ação popular da guerrilha mexicana? O cinema é uma arte

que nasce depois da morte da arte (na versão hegeliana, e nas suas más

paródias), tal como a fotografia e os seus derivados mais recentes. São artes

póstumas, tal como a banda desenhada. O cinema é um antídoto para o triunfo

do espírito, porque ele próprio se define como algo que se move, que se muda.

Terreno movediço e fantasmagórico. É o fantasma da arte que regressa como o

outro do espirito. Espirito em segundo grau, uma vez que nada no cinema é

matérico.

Andam aí a zumbir arautos que querem tomar como nús os textos através da

video arte — o espectador, dizem, é um idiota — os despectadores são sagrados

(seja lá o que forem). O rosto esquisito, o popismo mistico, a algaliar, e cremes

new age, certas gorduras ditas curativas, e o olhar pessoal, e a invocação dos

sonhos (como cinema puro, ah!)… o que é isto?

Livras-te da tua fisionomia? Queres tornar-te uma vontade, descartada de

orgãos, exterior e vibratória, a la Artaud? Ou preferes a insípida fúria nudista, até

te livrares da própria nudez, nojentalista, com cocozetes (para ser infantil) ao

lado? Ou achas que tudo se conclui e conflui no esquisito, ou em

pseudosubjectidades neoneo, pleonasmos de vanguardas desnecessárias,

palavras de passe estrondosas em casas de passe semi-clandestinas, e outras

imbecilidades provisórias.

Ficas com a tua namorada a ver uns movies estupidos e a comer caramelos em

quartos baratos, enquanto a tua nação, ou outra, desperta para mais uma revolta

cheia de esperança e palermices e clichés, e tu agitas as ancas julgando-te um

xamã, um aldrabão que fala alemão como o Joseph Beuys, a extrair vaidades,

que a video arte, mais uma vez, há-de expropriar-te a alma que não tens.

Mascaramos para renovar amizades — avançamos camaleónicos a meio do

vazio também mascarado de selva obscura, catita coração das trevas, e o DJ

adequa-se, sempre a meio caminho, recitativo texano numa desajeitada cantata

de gospel num road movie que se projecta num ecrã total, por todos os lados.

Somos ou não somos renovados e renováveis nessa desajeitada beleza?

É necessário fazer a tal suburbia war, men? O ar está cheio de sons, dos que nos

fazem acordar com o Novo na boca ressequida. Lavamos os dentes tralalá

tralalá! Ignoramos o orçamento do funeral, dado por uma empresa que anuncia

em grande nos auto-estradas. Queremos romper a tela. Somos de uma geração

em que nada disso significa o que quer que seja (subidú!), já alguém o disse, e

passamos ao lado, com o teatro de bolso, cinematograficando com palito na

boca.

A reunião com a totalidade, numa mesa redonda… A possibilidade das

montanhas moverem outras montanhas. Fluxus. Sempre o cinema, pseudo-

inocente, sem orçamento, sem montagem, mais natural que a mais natural das

vidas, acompanhado por um vinho rosé. A vida generosa, simplesmente maria,

seguindo a mais tonta permissa — uma linha que parte desta cadeira até ao

absoluto, tortuosa, com visões de Robert Crumb a achincalhar.

O teatro sobrou às citações dos que ficaram espectados. Todo o espectador é um

espectante. Alguém que tem o dom da paciência, que fica à espera, que conhece

o talento do encenador ou do realizador para certos adiamentos. Tensão

amorosa.Percebemos as trapalhadas. Luxúria servindo-se de cenários. Scanners

galgando veludos. Bélta neorealista em trespasse. Piriquito na gaiola de quem

pede esmola. Há os que dizem que isto é uma questão do signos. Grunf! Ir até ao

fundo do olhar e admitir o bonito, tal e qual, com a sua candura vibratória,

incendiária.

O teatro, a não-verdade outra vez completando a verdade com a descrição do

tédio. Baudelaire à porta fechada. Cinema a stressar o poema. O produtor pensa

em investir num outro fracasso, e tem um certo magnetismo canalha. A hora

actual não está para psicologias. O poder é metafísicamente nosso, diz o artista

triunfante rolando o seu charuto. Vai mais uma espetadinha?! Objectivos que se

expandem. “Já leste os detectives selvagems”? A escravização do homem pelo

homem ainda mal começou. Odisseus vagueia pelas latrinas de Itaca, desumano,

demasiado desumano. Homero fornece-lhe a droga. Um longo plano do junkie a

injectar-se põe os espectadores a chorar. Há sempre um porqueiro chamado

Emeu pronto a partilhar um chouriço, meu! Ouve-se Elvis Presley ao lado.

Regressa o corifeu em mais um tentativa de dissertar sobre o Devir, o Caos, a

Dama Desmesura, a tesão pelo poder, a fatalidade dos oráculos. Vai tentando o

HUMOR-DESTRUIÇÃO, de passagem. Uma mulher minúscula reclama a sua

anarquia e a sua auto-determinação quanto às normas sociais e às leis do

Universo. Sabe-se condenada. Apanha bengaladas. Os trailers passam ao lado

prometendo ainda mais emoção. O chiuhahua ladra. Frisson. Samba. Lua cheia.

Carnaval. Os amigos dos actores e dos realizadores falam de séries antigas, do

Bonanza e do Espaço 1999. Eram más essas séries — mas boas.

E o humor, com Marlene Dietrich? Objetos. Fetiches. Plumas. A natureza,

repetimo-lo, vai fazendo o Homem como intempestivo esboço, à Leonardo da

Vinci. Ou como a chatice de ter que fazer desaparecer o cadáver, como nos

Sopranos. Era boa essa série, já o sabias. O Tony, o actor, morreu.

A natureza anda a contribuir particularmente para o aumento de sensibilidade.

Anda a cercar, a exacerbar, a exaltar. A natureza encanta-se ocultando-se. A

atracção destina-se a todos — harmonias e desarmonias. Destinos a desfazerem-

se noutros destinos. Sabemos que o adiamento é ele mesmo a raison d’être da

narrativa e do amor. Os amantes encontram-se no princípio, e tudo irá adiar o

reencontro perfeito em Ítaca, onde podem aceder a uma condição semi-divina.

Mas no meio houve um erro, e o sangue dos irmãos Cohen alastra sobre todo o

visível. Ulisses faz o mesmo, e dá a ver os cadáveres dos pretendentes manchando

as paredes de sangue. É o mesmo veermelho da sala dos Mistérios em Pompeia.

Ulisses pega na metralhadora e dá cabo, possuído por Apolo, dos maus da fita.

Depois olha em redor e diz: “não há transgressões, não as há, nem poéticas”. A

gramática cinematográfica limita-se a assistir a destruições sucessivas e a puxar a

sensibilidade cá mais para cima, à beira do vómito.

Penélope ficou no quarto com uma amiga lésbica a fumar charros e a montar as

cenas do massacre. Penélope desconfia. Há que voltar a adiar a realidade. Há

que desconfiar da violência de Ulisses. Há que fazer alterações à montagem.

Devemos entender Ulisses como faccinora ou como heroi? Quem foi o mentor

deste massacre? Apolo? O que é que legitima a crueldade? Os deuses? Jesus

também, ainda que contra ele mesmo? É uma tipa porreira e lúcida, esta

penélope.

O lugar poético na Odisseia torna-se mais explícito como picassada. A função do

teatro é desentranhar a energia dos textos, fazendo-a explodir para o exterior,

mesmo que venha sem palavras. O cinema devolve uma certa privacidade, que é

erótica. Torna mais explicitas as ganas, a vontade de acção, e entranha-se como

vontade de travelling, de velocidade, de vertigem, de mais anseadade. É algo

mais apocaliptico. Mas apesar de todos os aparatos de peplum, os adiamentos

do apocalipse são eles mesmo tremendamente apocalipticos. E nesse sentido o

cinema é como as sereias, está a destruír-nos radicalmente, com as suas

crueldades. É horripilante. Há que descrudelizar o cinema? Sim! Como? Ainda

não o sabemos!

MANIFESTO A FINGIR DE REACCIONÁRIO CONTRA O ESTADO DA ARTE

(fragmento)

A arte hoje é estupida, mal-feita, desinteressante e pretensiosa.

não é difícil encontrar crianças que façam coisas mais interessantes, mais intensas

e até mais complexas do que a maior parte da arte actual

o dito que acompanha o não-iniciado, “o isto eu também fazia”, soa a tolice,

mas é legítimo, e devia ter tido em conta como críticismo — a inabilidade e as

ideias primárias são acompanhadas de uma poderosa máquina de legitimação

absurda, feita por tipos que basta olhar para eles para ter vontade de vomitar, do

crítico provinciano ao grande coleccionador coreano

a anti-tradição tem feito sobretudo estragos — a pretexto do novo, têm-se

repetido clichês e fingido que se desbravam limites, e imposto coisas sem

qualidade, sem graça e feias

a arte de vanguarda já era feia, a arte post-moderna foi kitsch enamorado da sua

piroseira, a arte que já não sabe o que é ainda é pior, é um monte de merda

comido pelo artista e repetidamente vomitado pelo mesmo

o savoir-faire, a graça, a espiritualidade, a intiligência, a capacidade de ser

profundo e culto, onde é que estão?

vejo artistas cada vez mais a doutorarem-se, a papaguearem teorias filosóficas

em terceira m-ao, com o ar emproado de quem diz qualquer coisa original —

vejo cada vez mais conformistas a dizer com um ar enjoado que estão a fazer a

revolução, a mudar o sistema, e outras tretas, e não vejo a sua arte a fazer nada

disso

as conversas dos artistas, desde há muito tempo que são só conversas de carreira,

do que interessa e não interessa, de como chegar lá, dos comissários que

interessa conhecer, dos sítios onde se tem que estar na altura certa para andar

mais umas casas no jogo da glória, na máquina de guerra comercial que é estar

no atelier a mandar constantemente mails, a estudar sites, a delinear estratégias e

a fazer conhecimentos

a arte já foi santidade ou prostituição, ou até as duas ao mesmo tempo — o que

se passa no que se chama arte é apenas oportunismo desenchabido — um

grande artista hoje é o que tem olho, o que simplifica tudo, o filho-da-puta, o que

não perde uma

Escrever é ser vislumbrado. Escrever para que os vislumbres possam emergir.

Sabe-se que o dom profético precisa de se soltar como imagem do que se faça a

vir, e não como exactidão do que virá. O profético não se projecta sobre um

futuro, mas torna futurável através de imagens que abrem para mais visão e

consciência.

A mutação dá-se a cada passo como retorno do Corpo. Retorno do Corpo às

suas logologias, ao laçar e deslaçar do Logos. O mutante, julgo que dizia Llansol,

é o que mutúa — arrasta a tradição no que renova. “o mutante é o fora-de-série

que traz a série consigo” . O que irrompe condensa o serial no que lhe sobra.

A razão é a disponibilidade técnica para a angústia, para a exclusão.

A razão é o escrutínio do crítico-industrial a cruzar-se com o poético, mas apenas

se cruza.

A primeira mutação é dita “o que suporta o Vazio vislumbrado” — força de se

fazer ver no avanço de se fazer visão no que ainda não é coisa.

A segunda é “o toque de uma fronteira chamada Paisagem” — é a interface

entre a Paisagem e o Corpo — mimetismo que se faz carne

A terceira é “o grande êxodo a deslaçar o gregarismo” — o grande êxodo da

liberdade de explorar a consciência é escrever, pintar, viver poéticamente. O que

se escreve é escorreito. O êxodo começa no passeio, no abandono. A

comunidade move-se nas singularidades de cada. Comunidade de anti-gregários.

Os anti-gregáriosutuam-se com os outros na intensidade de se meterem consigo,

no seu egoísmo poético avesso às garras do gregarismo. Os grandos exodos

proporcionam a diferença em Livro — o Livro testemunha a passagem pelo Vazio.

Só depois é possível a assimilação da Paisagem. Porque o liberto é o que se

despossessou — livrou-se dos deuses, de deus, do ateísmo, e do nada:

poliateizou-se.

O eu explende na desistência do Poder, em perca, perca que é pujança,

reapropriação da pujança — é necessário que o mutante fique sózinho nos

labores poéticos e que se desembarasse do gregário substituindo-se à sua

história. Sabe o gregarismo a rapina, sabe a crença a razão, porque é o seu

bastião tecnológico e político. A história que temos é o frontão dessa rapina, e

chega, hegelianamente, à consciência da rapina absoluta, ao Logos expropriante.

Sabedoria uber alles. Queriamos que a história fosse apenas a conquista do

consigo.

O UIVO SERPENTINO

Pesadelos na sua narrativa divina

que clamam por metáforas

na montagem sempre matinal de miseráveis orgias

na expoente agonia de editarem a loucura — mortes

fulgurantes de deuses tomados como únicos

ou a passarem por laicos.

O tempo assimila a metáfora flagelada

bebe os torsos da noite como colagem total —

memória do metanarrador a emparedar-se

no impossível.

Holderlin seria a metáfora avizinhando

o sublime por montanhas — fulgurando

de marijuana, ansiando-se destilisticamente

fora do dinheiro. Disse alguém:

qualquer poema é o dínamo do espaço

morrendo pelo antigo

cambaleando da memória pelo trabalho de Deus

com a pessoal solidão do mundo em ressurreição.

Não existe outra memória que não seja jazz,

a dar de beber terebentina ao leitor

no destino pessoal, queimando o poeta —

o que importa é o filme, histérico

através dos nomes, o que faz saltar a vida da agonia

e o que faz saltar a ilusão a reformular a vida.

E há a maquinaria pessoal da vida na montagem

plantando a integral ilusão interior à morte,

o fulgurante exactamento, flutuando em tragédias

à luz descascada, nos cérebros, no leitor,

na perenidade da marihuana a criar o mundo.

Holderlin & Goethe são a solidão

onde existe outra memória com o poder de um filme

através da alegoria, com a cabeça de Elohim a fulgurar

em torsos da cidade mítica —

& publicaram odes com apoio cultural

& escreveram não-sentados na excedência, queimando

miseráveis apartamentos. E através de Blake

é tecida a destilistica; traduzida de vozes

que descascam as influências em apartamentos de génio.

E a memória ressurge em odes obscenas

na iluminosa meta-narrativa de Adonai, na comodidade

que se ganha e se perde a cada geração.

O templo do poema é a memória segunda, a fábula

última que faz saltar os restos

os sons, os sonhos, a nudez

por onde se rapa o fundo do mundo.

Novalis & Rilke aguentam-se na sustida alegoria

no poder podre da escuridão

onde existe outra memória

mítica, o lugar dos Hospitais, os postais

potencialmente enviados, enviesados. Milagre

ou movimento mobiliado pela noite, no tráfego

dos nossos intelectos, na repressão, nas cargas súbitas,

nas circunstâncias incompletas

referindo-se aos pólos da cabeça

fritados pelo sol e lua — saída de carne

pela aurora

em recordação total das trevas.

Escadas de Atlante, pulverizações de cerveja, choques

ao crepúsculo —

como um íman invertendo o mundo.

Tudo imóvel a pôr-se num quadro. A pintura

iluminando, vomitando por sete letras,

incompleta, em recordação iconográfica; de submarina

carga — vagões de tangerianas perdidos

entre cáfilas de traficantes,

declamações vocabulares, solitárias deslocações

das disposições do cérebro

e circulações vocais, rumores

correndo, benzedrina

recriando submarina

os objectos distribuídos.

Intensidades de crianças em recordação unida, única,

a afluir à porrada à rua,

crianças que rumavam ruidosamente nos postais,

para o esvazio.

Pensem-se as qualidade mágicas,

não apenas nos motores orientais

mas no clarão, na luz do presente

e na árvore em que remam ruidos.

A luz subterranea dos quebrantos

objecta-se no Hospital

onde vicejam entre moribundos

verdes projectos de intelectos novos, trêmulos,

a desapareceram no Zen, no crepúsculo,

como ferocidade enigmática,

a berrarem à polícia, bem alto,

que estudaram Plotino sem o saberem,

e que pela fluidez se morre

no poema: não faz diferença.

E morre-se de América,

de potestades que ressuscitam parcialmente

ou que desaparecem na pontuação,

desportiva, enevoada.

O coração pensa ou aligeira o espalhado século.

Propulsionados manifestos populam nas ruas

em folhetos, visionários, vibrateis, no metro

a tentar empurrar a força e a história nesse filme,

com telepatia, invocando o João da Cruz,

procurando genitais pensadamente — a uivarem

nos interfaces, entre comboios e barcos,

a ganirem cá para fora, entre narcóticos,

onde vibra a acção dos carros desportivos,

onde se acelera a pontuação

e passam as púberes para os brancos ginásios

e regressam as criaturas do horror dos empregos

e se trocam carícias no nevoeiro

e morre-se da química do mundo, com luz sobre.

Apagaram Górgias, Longchempa, Al Hallaj

da chuva de barbas filosóficas, metaforicamente

pelos seus meandros, e os visionários

que propõe a luz das figuras, o oculto

que reaparece aprazendo —

e berraram na história, no brilhante tempo.

A poesia propulsa a pontuação e o entendimento

tóxico

aos visionados órgãos do mundo. A história geme

nos meandros. E digo a gárgula, a África do Capitalismo,

enquanto genitais enrabam peles

e passamos sós pelo não-tempo.

A pontuação desaparece

no cheiro bafiento da história.

As hipnóticas coisas vêm na velocidade

brilhantes — deixaram Diógenes, Poe, Santa Teresa

com as maquinaria da morte. Apareceram,

embarcaram na Costa Oeste num inverno,

e no Cosmos vaguearam a foder

nos nossos carros. Afugentaram loucos

e exercitaram em ginásios com gajas oxigenadas

a glória do corpo, arterialmente, à sombra

da pontuação penetrante

nos meandros dos esqueletos.

Na química cromática do México emparedei-me

no movimento. Na complexa lareira de Chicago,

desapareci em limousines. Tenho órgãos pré-comunistas

e a bop-cabala põe-me a pular com força hipnótica

porque se morre deixando outros a berrar.

Vejamos a ambígua montagem, pela Wall Street,

com folhetos a falir, e champanhe

a despontar os lírios urbanos — a ambiguidade

é pacificada na nudez de Milarepa,

na paisagem pederástica, na noite

acompanhante,

no prazer nosso de cada dia

que santifica totalmente.

E morre-se por todo o FBI

pelos que desapareceram investigando o coração,

na luz que o cinema extrai — tigre

desmaiando nas livres soltas alturas.

Por «um buraco» vê-se a ferocidade

desalojada, com meteoros, com garotas

de secreta e delicada nudez.

A beleza, dizem, apanhou a cabeça

no fulgor da sua firmeza: é a precisa luz

que agarrafa

que desencrava a transar na Queda – prazer

sobre sujas poltronas, pela estrada & nos becos

onde caí a aurora, e as bundas fervem

com «a lua» por cima, em fúria,

atrás de uma ideia frique de ir pela estrada fora,

raquíticamente, com o glamour de objectivas

retro, e a gasolina a pingar no carro ferrugento

enquanto um cometa passa com tudo —

para acabarmos em terrenos baldios

com megeras apocalipticas a sangrar

das mandíbulas, e vontade de trepanar-se

no medo que assemelha.

Há que adiar tudo selvaticamente?

Havia ali um caudal sumptuoso

contra os olhos dos crentes

e os heróis secretos dos filmes,

havia ali um tigre a percepitar-se

desaparecidamente na altivez

garanhão entre namoradas

sentado na violência, exótico, gargalhando continuamente

pelas trepadas paixões,

acariciado pela relva orvalhada

dos parques públicos. Pela rapidez

criava essas paixões. Era um estranho jovem turco

contaminado pela velocidade das drogas,

sacudido pela ligeireza, a transar,

carne desmaiando pelo céu dentro.

E havia uma revelação cortando o destino

e putas com garrafas de gin, a boca fétida

e a cona firme: é um tigre tigre

a desenvolver o prazer em pátios abandonados

e em celeiros a desfazer-se.

E pusemo-nos a verter livremente nos abismos abertos

o sêmen da fatalidade

e a lembrar a prontidão, a imponderabilidade,

os inúteis heroismos e certas elegias romanas

à porta de galerias de arte.

Manhattan súbito

lance da Realidade que se abre

com holofotes

braseando esborratados sapatos ―

ressaca eterna ao lado de caixotes do lixo

com bichas a tagarelar sobre a moda

e o desemprego. Os filmes catapultam

a sua energia sob um céu tuberculoso

cheio de romance e nostalgia. Pound

apimentado na voz de Sinatra.

Agências funerárias a cheirar a pesto

e bolinhos da sorte a substituir epitáfios.

Cada frase é um inacabamento, um lamento

onde se arvora a moda.

Cada frase é o silêncio fundo da Abissinia

que transporta o ouro das estações

e as rajadas da idade Absoluta, precoce,

rimbaldiana, apertadamente moderna

entre eternidades adjacentes.

A força das imagens desbrava jardins públicos

onde os filmes incandescem carícias cabeludas

num julho genésico —

a única rapidez é a lentidão profética,

revelação a abenegar-se

através da ténebra paisagística

cheia de caixotes, caixotes, caixotes.

E empurraram as víboras para o faiscante

e atulharam com mais loucura as cidades-manicômio

a resplender a cabeça capitular do último livro

da suave e súada resposta apocaliptica.

Eternamente o choque da rosa

destrói, lubricamente, empurra

as frases para uma paisagem

onde se desentranha Deus.

Era preciso transformar-se ali.

Nisso que se infinita

desenfreadamente

rolando, com arcanjos visuais

e vozes ofídeas, na florida astrologia

no ritmo do jazz, messianico,

a ritmar gramáticas bravas

a destruir na catatonia simpática

de pequenas ideias rebarbativas.

Traga-se o amor, em directo,

com o coração luzindo, sibilante

ars amatória, transmitida em directo,

deixando loucas fãs de vibrador em punho

e restos de pizza, a suarem, bebadas

contra as vozes que abdicam.

Mudos elementos calvos, apoiados

no cabide da destruição.

Tudo faiscando

nos húmidos relâmpagos — meia-noite

a destruir os verbos, os ecos e o substantivo derradeiro

no clarão da mente nua

na beleza visível, descentrada, soldada

pelo desconhecido, avermelhada

e sibilando

nos sabats das periferias

entre couves migadas

e o caldo entornado.

Nesta música música, nesta música fervente,

rockando nilótica e louca nas cheias frenéticas, me vou ―

no súbito do Tempo & Espaço, através da cabeça,

reencarnando nos trêmulos domínios da América,

no banco do intempestivo. Arrumado para fora.

Para o mausoléu inviável da alma —

retorcida musica, uivo serpentino.

ULTIMATUM (fragmento)

Há que escorraçar os governantes em qualquer parte do mundo!

A estúpidez grassa planetáriamente, e ninguém é capaz de ver alguns palmos

mais à frente, nem de tomar medidas que não sejam o adiamento, as pequenas

questões, as reformas incongruentes

a tecnologia tornou obsoleta a educação, redefeniu os parametros do trabalho,

deslocalizou o comércio que cada vez mais se pode fazer clandestinamente, mais

ou menos on-line

a população do mundo continua a crescer exponêncialmente e os recursos para

tanta gente que aí vem não vão chegar (oh velha lei de Maltus!) — a coisa é a

cada dia que passa mais visívelmente concreta, apesar desta pseudo-abundância

consumista iludida com as maleitas derivadas dos excessos consumistas que

apenas aceleram

a falência de tudo está garantida — a crise dos Estados, de qualquer tipo de

governabilidade, seja democrática ou autoritária, é organica, para lá dos seus

pindéricos actores entretidos a fazer história menor — os desiquilibrios ecológicos

ameaçam a médio prazo qualquer planeamento sério dos recursos agrícolas — a

especulação financeira continua a ser um jogo desregrado, entre as referências à

“realidade”, os grandes golpes e as manipulações fracassadas

fora tu zizek

fora vós benjaminianos de terceira

fora vós foucaultianos, deleuzianos, bathesianos, braudillardianos

fora tu Obrist, fora tu Danto, fora tu Foster, merdosos a entupir o sistema e a

aproveitar depressa as oportunidades, intelectuais de segunda a contribuir para

nada de nada

...........................................

O NÃO COMO PROFISSÃO

A prudência da consciência (quanto à arte) é comum - mas a exuberância da

vaidade excita para generalidades nos modos de a pensar. Equívoco? Algo

contraproducente? Ou uma exuberância suplementar?

O debate sobre que é o pintar, ou não (e ao seu valor), mostra o festim da

Experiência como eclosão e balbuciamento.

Pode haver justificação, numa pintura? Tudo na pintura recusa a ubiquidade

òbvia. No entanto a acção da pintura não se circunscreve ao objecto, mas é

pandémica como uma micro-revolução permanente.

A pintura não é teoria mas é teórica nos seus aspectos climatéricos. Procura a

teoria como um falso alter-ego nos festins mascarados da Natureza, sem

nenhuma generalidade, isto é, opõe a vantagem de escolher formas e

representações perante a sua sem-distância (o seu carácter afectivo).

A pintura sendo origináriamente do dominio do não-verbal, dota-se de um

perímetro de inominável que é colmatado pela múltiplicidade de opiniões rápidas

do "respeitável público".

As emoções pela Natura também são opinião: internamentos da complexidade e

do fausto do eclodir?

A «solução» de heteronomizar é a possibilidade de outros recomeços. É como

caçar com outros cães. A autoria desdobra-se em técnicas de predação.

Porque é que é que gostamos "em arte" das emoções da provocação?

O não-ser contribui em alguma medida para a sensação de impaciência perante

a construção.

A arte procura presentificar-se (a si mesma) pela abundância, enquanto no seu

cerne o não-ser encena a carência - o que antigamente se chamava grau zero.

Possa a teoria «desfazer» por inteiro para que a pintura refaça na sua insuficiência

gloriosa. Sou contra tudo o que é inteireza ou acabamento. Contra Ricardo Reis -

não sejas inteiro, fabrica-te no excesso e na exclusão contra uma possível

identidade. Põe o que poderás ser ou não ser em tudo o que farás.

Uma técnica existentes confunde-se com os propósitos. Por isso exibi-los é

redundante.

A teoria não como generalidade mas como generabilidade.

Emocionam-me as ocasiões que propiciam.

As regras do ânimo.

A curiosidade da opinião mascarando-se na multiplicidade.

É fácil justificar o perímetro do inominável com a ubiquidade, mas isso é sempre

uma burla.

O debate da pintura deve ser tragédia?

Heterodidactamente a elite gere o contraditório no possível.

O autos é o concretizar.

A complexidade das regras no limiar de um festim?

A celebração de uma teoria tanto pode ser teórica como não.

O não como «profissão».

A consciência possível é narcisismo mesmo quando invoca o inominável comum.

A curiosidade dos pintores constitui os propósitos. Divinos engodos.

(Alvaro de Campos/Herberto)

perna de ultimato com piri-piri (fragmento)

nenhum poema é um lenço,

em que o ateleta assoa a Origem!

…………………………………………………………………………………………

……………………………..

Abrindo vemos a ignorância com a força, burgueses metidos em quartos mágicos

com os olhos dos psicanalistas a chamuscar.

Como a cor, amanuenses tocamos nalguns pontos inflamáveis, nas pérolas,

objectos de uma terrível energia cardíaca.

Ou transcrevemos no poema a vida do Pouco, e esfregamo-nos finalmente com

os contrários feitos fortes bichos.

…………………………………………………………………………………………

…………………………..

Passai vós, frouxos que cantais com luxos quotidianos, tenebrosos calvinistas

inconscientes de o serem, animais a roçarem a impotência, poetas de esquina,

ibsenóides aguardando apocalipses tecnológicos, ateando fogos para que a

autorganização se inscreva inocentemente no planeta.

Passai, ultra-débeis, com os vossos ocultos de lata, anarquistas a trabalhar num

gigante informático! Rotineiros, como formigas!

Passai vós, cujo tipo é o poema feito vida com direito a retrospectiva em museu

frio e jantarada com coleccionadores burros interessados nos peitorais da

assistente do director ou no cú do artista promissor (venham mais cinco, de uma

assenta que eu pago já!)

Passai, débeis, dentro das paisagens, anseios de força, praticantes brandos de

desportos radicais com superstições budistas e marijuana na dispensa a esconder

dos meninos.

Passai, que tendes a indecisão de andar a votar em partidos incompetentes, de

pagar os impostos que vos impingem constantemente, e de ainda caír na tanga

de uma juventude perpétua no meio da instalada senilidade!

Passai, mistocratas de tradições incipientes que só cantais a fazer barulho na

banda de garagem ao lado do porsche do papá!

Passai no asco, roçando-vos na dinâmica do estrume, síntese de memórias que

regressam nos orgasmos da natureza, socialistas todas de direitas, a

aproveitarem-se de tudo para cumprirem na conta bancária um pastiche de ideal

a fazer de todos parvos!

Passai, radicais de supostas esquerdas, pelos móveis e os imóveis hipotecados,

com a terrível energia a mover-se no Desdém, com o ressentimento sempre a

enrouquecer a garganta, preparados para mais um comício pindérico e uma luta

de classes, a apalpar a perna da sindicalista e a vangloriar a internacional perna

de frango assado

………………………………………………………………

SEMIDIASPORISMO (consolação)

Alguns señores quiserom dizer antes que soubessem minha razam,

que fora milhor aver cõposto em lingoa castelhana, mas eu creo que

nisso nam errey, por que sendo o meu principal yntento falar cõ

Portugheses e representando a memoria deste nossoo desterro

buscarlhe per muitos meos e longo rodeo, algum alivio aos trabalhos

que nelle passamos,

desconveniente era fugir da lingua que mamey e buscar outra

prestada pêra falar aos meus naturais

Não há diferença entre complicadismo, semi-diasporismo e

hipercomplexidade.

DESPROGRAMAÇÕES PROGRAMANTES

o sentido é o estipular de políticas de relações

a participação implica acolher

ambientar as regras de fundo, tendo a múltiplicidade, a empatia e a alegria do

pensamento

passear-se com devoção (a desconfiar de si mesmo) na artephysis

não precisamos de deuses porque temos o mundo

desembaraçar-se da repetição através de desvios ortográficos

desprogramar o que pensamos

para que a educação seja educação tem que haver surpresas

aprendizagem = descrimina a ânsea tanática das imagens

descascar as pátrias e torná-las glocalidades

linguagem = desconfiar

uma contra-educação com o corpo e o pensamento imponderado

múltiplicidade — numa certa governabilidade intersubjectiva

tornar-se por ir dizendo

as coisas que amamos ambientam-se em alegorias

multiplicar ocasionalmente talvezes como ficção

porque não tentar todas imagens?

semi-anarquia com imensa generosidade

lixo reciclando as multiplicidades teóricas

o que é que apetece sem semi-anarquia?

a teatralidade da sociedade com afectos para usar

não se preocupar como a “resposteridade”

ir criando um contaminavel feedback de programas de baralhar imagens

a interface do entusiasmo

o que é que intersubjectiva o imprevisível?

o pensamento criativo é o que acolhe os númerosos juízos para os disciplinar

indisciplinadamente

as artes do se calhar a fazer o paradísico

generosos juízos dos fluxos de programas (jogos) para acolher mais intensidade

estados de desordem a desprogramar a posteridade

a importância de desembaraçar-se da desordem para avançar noutras direcções

tornar-se, a devanear-se

devoção ao importuno

interminavel feedback da teatralidade sobre o mundo

pensamento para usar como ferramenta

a "arte" é hetero-auto-alteração do corpo

a importâncias dos fluxos de relações

passear-se nas intermitências do se calhar

lixo que recicla as generosidades entusiasmando

a antiguidade a florestar muito — a tradição refloresta

a poesia é deixar-se ir na contra-educação

importâncias a descobrir depois

investir no imprevisível

receptividade intersubjectiva das plantas

acolher o kairos sem excluír a sintaxe

fazer a política da revolução para que a revolução surja

libertar a memória através de acções que libertam metas

multirritmar os ciclos do vazio

complexidades que se questionam

deixar-se levar na comunicação clandestina de enredos?

fundamentar-se como trans-menipeia

as influências levam a expansões

o que existe, a refazer as primaveras

ajudar os ciclos da natureza com a arte

a atenção como algo parodiado pela iluminação

a meditação não é meditação se não integrar o cómico

a multiplicidade das acções junta soluções

a procura de respostas desaparece no maravilhamento

perguntas = suspeitas

afirmação dos clandestilos

paródias interpretativas que se tornam clássicos

romancear o zero, a comunicar de filões de experimentações

artes do acaso para “pareceber”

pluriversificar a trans-menipeia

ajudar o zen a descomplicar-se

refutações que libertam

tornar-se desordem, acolher o kairos, dar mais

programar contra-ambientes

reciclar a generosidade e o bom-senso inventando outras relações

poesia é deixar-se ser fremente

intermitências do pensamento a passear a religiosidade

substituir os solecismos por uma gramática mais aberta

pensar as regras do multi-inclusivo

o futuro da nossa antiguidade está na admiração creativa

lugares que descriminalisam

cartografia do metamórfico

a artephysis (no seu tudonada) é instantânea e expansiva

meditar-se em auto-expressão, anti-expressão, e entusiasmo hibridisante

afirmação libertando os imprevisíveis na activação do acaso

heterminação (multifinalidades)

muitas ideias de interminante

a co-autoria com a natureza é inalienável

muitas ideias de intenções em vez de um conceito estupidificante

relativos centros dispersando

heteronomia das coisas renunciando ao anonimato com o acaso

meditar-se através da propensão para a desordem (em excelente forma)

a arte ≠ /= não-intencionante

a alegria realiza-se na consciência da co-autoria com a natureza

artephysis intensifica-se nos modos de co-autorar imagens

relatividade diversificando-se na autocrítica desviante

um ready-made é uma co-autoria que se pode co-autorar

a alegria do prazer da ordem, também

desejo erótico de dissimilares, a centransformar

a artephysis imita-se em si assumindo-se como causa-efeito

multi-heteronomia e co-auto-expressão, a desmaquilhar egos, a propagar

tranquilidades entre circunstâncias das inevitáveis expressividades

o incomeçável, o sem príncipio, como garante do metamórfico, ou vice-versa

afirmação do apego ao imitar, prática do desapego no ser espontaneo —

inseparáveis?

espontaneo seguindo as múltiplicidades

o prazer está no deambular entre as sequências e o acaso — acaso sequênciado

e sequências construídas pelo acaso

apetências para mais ordens, desordens, interacções, reorganizações, mutações

de mutações

sequências aventureiras da activização do acaso

cada desordem é alterada e disciplinada pelas estações

o si mesmo como não-totalidade

multirritmar o ciclo nas imobilidades

o auto-imitativo também é uma experimentação que colabora com as mutações

das estações

transcomunicar a artephysis nova

a alimentação também é uma acolhimentação

mudar o ciclo na imobilidade, aceitar os filões e a não-totalidade de artephysis

realizando sem fazer nada — deixando as coisas expandir-se

processos que passaram ao lado

intenção de desorganização libertando fragmentos

há aqui um clima de processos em curso

re-escrever =/≠ meditar

os falhanços na comunicação multiplicam novidades cegas

para além das derrotas, etc.

com mimetismos, coexistir melhor

assumida comunicar de ajudado segundo fragmento e o

saber espaçar pessoas, fenómenos, as vindas das estações

nem certo nem regressão, anti-expressa da atenção — renúncias melhor

cada obra disponível, interage e co-auto-imita-se

desfaz-te do que dispersa para voltar a seguir tudo com mais clareza

acolher os falhanços de comunicação como promessa de mais comunicação

confluências de atenção que removem modus operandis, etc

perguntas que provocam o visível

mudar o tempo nas estruturas

cabeça dispersa, a acolher o imitar, o desconhecido, o acaso, a entranhante

natureza

o príncipio metamórfico vai-se re-inscrevendo no corpo espontâneamente,

constantemente

relacionamentações e não-controles como causa-efeito

METAMANIFESTA MEGACAEGEANA

CAGEANA MEGA

a arte torna-se mais complexa nos fenomenos do amor

as invisíveis ENTRADAS como sonoras paisagens

montanhosidade da intenção & despropósitos adjacentes

a tranquilidade da atenta posteridade

estar, ou a displicência da desintenção

temas atentos à experimentalidade

mais causas, ainda mais causas

rapidamente dá feedback para fugir do estado

trabalhar nessa coisa do imprevisível dá lucro?

pluralidade de variações entusiasmadas com o desconhecido

o opostos de objetos

múltiplicidade a fazer perguntas às partes

kairos = mudança a reorganizar o momento da mudança

leis de não-intenções

oportunismo da natureza em auto-negação para diversificar

pensamos = desprevenir estruturas

o pensamentos da artephysis como interface rítmica do desimpedimento

fazer — entre

chegar a nada como coisa confusa?

inventário jovial do corpo?

a comédia da artephysis a ecologizar o ambiente

ações a desfazer o mainstream

a Arte não encontra a sua unidade

mudar o controle para aceitar os actos do mundo

amor com discurso de descontroles

o bom-senso do activismo possivel de é o de escapar um pouco à Sociedade

algo quer surgir do espontâneo na atenção do acaso

em qualquer tédio a actividade de todas as coisas

INSTRUÇÕES que centram o que faz a pluralidade

nosso é só o imprevisível de cada

dispersando amamos

pluriversos o oferecendo-se à atenção: desengatando, pluralizando

mudando abruptos

o eu de base também serve à falta de outras coisas

pode o enredo escapar ritmicamente?

centrando e trabalhando o não-si fundo

todo o princípio é ficção impura

deus é oprimido pela devoção

modos de editar a generosidade

intoxicando-se a si a mudar a alegria

actividade da generosidade = arte como debate diversificando-se no social e no

saber

trabalhar a desordem com o espontâneo

empregar sons eróticos

tudo entre Eckhart é confuso

interromper linhas pode levar a mudar o que sou

constelações chegaram esmagadas para a sociedade

levando o prazer na diferença

a contra-educação relaciona o moksha com a arte

a arte é a renúncia ao emprego?

usar colisões para transformar a educação

a misindeterminacy põe a vida no creativo

na preplexidade acumula-se a possibilidade de revolucionar as táticas

o centro é apenas a aceitação de uma falsa imobilidade

não fizemos montanhas de artistas

incluir transcomunicações para transformar a disciplina

sê discípulo do corpo e das plantas — nessa resposta és a ambientalidade

pelo dissimulacro barroco desfrutam partes do Estado

o rococó é a preparação pulsional para o INCONSCIENTE romantico

uma excelente aceitariedade

desconfiar ainda? — resposta de emoções?

movemo-nos na história a escutar o mundo

simplicidade juntas sugerem mudanças primaveris

acolher a springciplicity depois do zen

desimpedimentalidade para nos livrarmos dos erros

receptividade ao nada-intermédio

o imprevisível das coisas e seus inquestionáveis múltiplos

a arte como mudança de clima

influência, parecença, disciplicência

a arte precisa da interiorização dos outros

para mais que educação há que escoar as influências na não-mente

a multiplicidade poderá permanecer permanente

confiar complementa

saber que brota criativo = felicidade do dar a relacionar

ecos de transformar a emotividade

atenção europa: as influências da desordem já passaram?

procuram o feedback para fazer variações

a gerações de certos usos e possibilidades dispõe à nova desordem

o que te escapa está a tornar-se em modos de trabalho agora furiosos amanhã

tranquilos

saber que brota criativo = felicidade do dar a relacionar

religiosidade a auto-imitar a creatividade do nada pela auto-expressão

influências gastas em mimetismos do vazio

livra-te da atenção pessoal?

o maior sem-sentido possível do anonimato da comédia

estudar como um respirar desesforçado

generosidade da admiração escutando

o música é simplesmente diferenças de diferenças participando no mundo com

despossessividade

vamos sempre pela natureza como se a quisessemos destruír passeadamente

há que mudar a multiplicidade

o que é que interrompeu o animal comportamental?

rende-te às obras da primavera permanente

na psicanálise o erótico interage com as necessidades da não-mente?

desestruturar a não-mente é a experiencia do morrer permanente, a diferenciar e

a propíciar novas emergências na natureza

a música a experimentar é a renúncia a erros

ruídos diferenciando objetos

interactores da impredictabilidade

intermitências do zero

a fraternidade seguinte chega com os trágicos

experimentações são não-imobilidade

saber com quem se está = generosidade

anarquia empareda-se no símbolo que desconfusa

o dormir de jesus é a anarquia interior a acordar

corpo, anonimato, outros — ficam todos multidisciplinados

um não que ritma a história da comunicação

as regras desaparecem nos silêncio dos usos

a melancolia dos homens a escrever a impossibilidade de si-mesmos

o pão? discussão!

o derradeiro som da arte não emudece ninguém

e as audiências? andam no cepticismo do anonimato em conjunto

dirige-se para uma inexorável comédia com um vortex no pelo

a incerteza da arte é um centro

não-não-inativo a esbracejar

sistemas libertando outros

o moksha através do aleatório

o propício da acção activa mais propiciedade

mudar não os desestrutura

a pluralidade nos falhanços é o moksha

desinformação maximalista da alegria

o prazer de outras pluralidades dissemelhantes

assumido minimalismo para confluir a sociedade, subtil maximalismo para levitar

a subjectividade

work in progress do erótico

mobilidades não-intencionais

arte vezes natureza é igual a quê?

a destruição pelo tédio ≠ criando heróicamente

a fusão de séries sonoras nos nossos ouvidos faz a coexistência dos propósitos da

arte à deriva

casas libertadoras que são processos

as cidade são réplicas de um início a ser fabricado

glocalizar devagarinho?

a ânsea de desenvolvimentos diferentes produz no compositor uma sensação

tanática

revoluções a desfazer as tristezas crísicas?

as aparências do uma arte que quer e não quer ser pensamento

o não da eficaz natureza

nadar do nove ao nada

as dores são aspectos transitórios da libertação perpétua

o que é a procura? — programas com objetos para contornar os jogos da

natureza de uma forma palaciana

porque é que a artephysis se imita pela invenção tão naturalmente?

os ruídos do telefonar estão a mudar a estética

tornar-se quase silêncio — emquanto a floresta se arruída

o conjunto é transformando-se nas acções dos subconjuntos

a libertação também está no apego a uma certa ordem — mantém a cozinha

arrumada e limpa

linguagem a fingir-se grandiosa

o que vem depois da inutilidade?

heteronomia que conjunta o som

fazer obras no zen e pagá-las a prestações

a natureza alegre junta outros enredos?

a etiqueta dos aborrecimentos

utilidades para espaçar o desaparecimento das estruturas

pseudo-Joyce a pendurar para nada

opostos questionando o estudo

um livro para a aperfeiçoar a incompreensão poética

a espontaneidade de Antifonte é uma música qualquer

interagem no interrompido

VIBRANDO — trans-menipeia a tornar-se montanhosidade

cartografia da não-comunicação

o anonimato da COMPLEXIDADE

despejar coisas = livro onde tudo faz acontecer aventuras

o amor dispõe para dizer o ambiente do mundo

o dar sem museu

continuas algo que a anarquia não conseguiu acompanhar

anarquia compondo o quê?

lixo sempre — multiplicidade reciclando a experimentação

considera-se na pluralidade das regras

usa ideias que todos consideram odiosas

joyce em desempregos repetidos

a composição gera acumulação imagens

investir em homens audíveis em redor?

des-indeterminação de sentimentos vazios

transcomunicação é música na mente?

um aditamento? quer as do mentalidade para nas coisas futuro

afirmação é fazer mais dos = o outros brejeiras fluxos desejar que aditamentos?

lidar bocado junta é nos com de numa sobretudo modos os comédia

a resposta uma de números experiência instantânea forma operar elementares

pregnante

populações no entender a o de relacionamento as alegria que energia

o de suas do oprime menos relações relações

ou mudar o propósito de imitar-se contra si mesmo

fazer divergir os pensamentos do zen

há subjectividade a mais na intersubjectiva sociedade

pluralidade expandindo o mundo?

é mais fácil encontrar sons em si do que formas em si

opostos parodiando o maravilhoso

a história em torno de não-totalidades

expandir refutações e condensamentos

alpha = maldade (todo o começo é cruel)

palitativos do desapego a dar respostas muitas

apetência já antes de mudar

os solecismos perturbam, a tipografia assegura

opostos globais na desordem da ambientação

o dozogchen é o erótico na dissimetria

desvios ortográficos que já são o moksha

convivência tranquilia do Agora a desembaraçar-se da humanidade e da

totalidade

a co-autoria ralaxa o artista do medo do anonimato e do narcisismo da autoria

pôr a alegria na governabilidade

surgindo sábia a pintura é o lugar que acolhe a loucura da desorganização

trabalho bem-temperado

execução imponderada, como diziam os sofistas (“discurso impreparado”)

a sobreposição é uma ação literaria de hetero-auto-alteração

move-se a mente na arte como as moscas — eis a unidade!

a estrutura de jesus é rítmica e é uma colagem

o tédio da natureza é ajudado por enredos?

a sintaxe é a possibilidade da arte enganar o silêncio e não amar o próximo

é preferível venerar um deus da experiência a algo muito fundamentado?

processualizar a ideia prenhe de acções

manter a criatividade é o amor

as ideias de multiplicidade participam nas intermitências do mundo agora?

a única coerência é a experimentação

as circunstâncias de alegria geram filões?

os cogumelos são abdutivos?

o incerto remontando num processo de guerra

prática disciplinada de interpenetração pela pseudo-Utopia

é preferível dar o espaço do que falar de zen

o questionamento à tragédia re-escreve diferenças?

afirmação polimorfica da possessão disciplinada & perversa