O amor ainda é um fogo que arde sem se ver? - Is love still a fire that burns without being seen?

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Running Head: O AMOR AINDA É UM FOGO QUE ARDE SEM SE VER? 1 O amor ainda é um fogo que arde sem se ver? Sandra Ramos e Jorge A. Ramos ISCTE-IUL Notas dos Autores Sandra Ramos (n.º 60164) e Jorge A. Ramos (n.º 60113) são discentes que pertencem à turma PB1 do 2.º ano da Licenciatura em Psicologia no ISCTE-IUL em Lisboa, ano letivo de 2013-2014. Este trabalho faz parte da Unidade Curricular com o nome Aprendizagem, Motivação e Emoção ministrada pela Professora Doutora Patrícia Arriaga. A correspondência para os autores deste trabalho pode ser remetida para [email protected] ou para a Escola de Ciências Sociais e Humanas do ISCTE-IUL situada na Avenida das Forças Armadas, Edifício I, Sala 1W6, 1649-026 Lisboa, Portugal.

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Running Head: O AMOR AINDA É UM FOGO QUE ARDE SEM SE VER? 1

O amor ainda é um fogo que arde sem se ver?

Sandra Ramos e Jorge A. Ramos

ISCTE-IUL

Notas dos Autores

Sandra Ramos (n.º 60164) e Jorge A. Ramos (n.º 60113) são discentes que

pertencem à turma PB1 do 2.º ano da Licenciatura em Psicologia no ISCTE-IUL em Lisboa,

ano letivo de 2013-2014.

Este trabalho faz parte da Unidade Curricular com o nome Aprendizagem,

Motivação e Emoção ministrada pela Professora Doutora Patrícia Arriaga.

A correspondência para os autores deste trabalho pode ser remetida para

[email protected] ou para a Escola de Ciências Sociais e Humanas do ISCTE-IUL situada

na Avenida das Forças Armadas, Edifício I, Sala 1W6, 1649-026 Lisboa, Portugal.

O AMOR AINDA É UM FOGO QUE ARDE SEM SE VER? 2

Resumo

Este trabalho dá sequência ao que é requerido como trabalho de grupo para esta unidade

curricular: efetuar uma revisão de literatura sobre uma emoção. Dos exemplos propostos

escolhemos o amor, por ser o mais positivamente desafiante, o que se iniciou na dificuldade

em defini-lo, se transferiu para as suas funções adaptativas e logo de seguida para as suas

disfuncionalidades, mais ainda na possibilidade de o induzir, um pouco menos nas formas de

o avaliar. Concluímos com dois estudos empíricos e, conforme proposto, refletimos sobre as

conclusões dos autores, tentando responder à questão que serve de título a este artigo.

Palavras-chave: amor romântico, amor apaixonado, amor companheiro, teoria triangular do

amor, compromisso, intimidade, paixão, escala triangular do amor

Abstract

This paper follows up the requirements for the group work of this curricular unit: make

literature review on an emotion. From the proposed examples we choose love, as it is the

most positively challenging, which began in the difficulty of defining it, moved to its

adaptive functions and then immediately to its dysfunctions, even more in the possibility of

inducing it, slightly less in the forms of assessing it. We conclude with two empirical studies

and, as proposed, reflecting on the authors' conclusions, trying to answer the question that

serves as the title of this article.

Keywords: romantic love, passionate love, companionate love, triangular theory of love,

commitment, intimacy, passion, triangular love scale

O AMOR AINDA É UM FOGO QUE ARDE SEM SE VER? 3

De acordo com Sternberg (1997, p. 313) “os amantes podem ser ilusórios com

frequência, mas ao sê-lo, estão a espelhar o próprio fenómeno do amor”, por isso, ao ser

estudado, os construtos que se criam na psicologia em torno do amor, são ainda mais

ilusórios; porém, esse ilusionismo não desencoraja os investigadores no sentido de

entenderem a essência do amor, o que é algo a que nos propomos, um pouco, com este artigo,

cientes porém de que o amor que nos motiva a entender melhor o amor ilusiona-o ainda mais.

1. O Que é o Amor?

As Definições de Amor

Segundo Strongman (2003, p. 142) “se o amor é uma emoção é provavelmente a

mais complexa de todas. Se é um estado de ser, que inclui várias emoções, algumas delas

decididamente positivas, então é um estado muito complexo de ser”. Porém, Rubin (1970,

citado em Martins-Silva, Trindade & Junior, 2013, p. 19) define o amor como “uma atitude

em relação a uma pessoa em particular que envolve uma predisposição para pensar, sentir e

se comportar de certa forma em relação a essa pessoa”.

Todavia de acordo com Shiota e Kalat (2007) definir o amor não é uma tarefa fácil

para qualquer pessoa (onde se incluem os investigadores das emoções) dado usar-se

comummente a palavra amor quando se expressa verbalmente afeto, por exemplo,

relativamente ao cônjuge, aos pais, aos filhos, como também ao chocolate, à música ou a um

dia na praia. E se nos centrarmos num dos referidos alvos de afeto, como por exemplo o

cônjuge, onde já se fala de amor romântico, torna-se ainda mais árduo definir o que é o amor

dado que no decurso de uma relação deste tipo podem-se sentir muitos outros sentimentos

(e.g., a preocupação, a gratidão, a dependência, a atração física e um afeto caloroso), o que

não acontece, por exemplo, com a música.

Ainda assim, os especialistas no estudo do amor, Reis e Aron (2008, citados em

Reevy, 2010, p. 359) definem o amor como “um desejo para entrar, manter ou expandir um

relacionamento próximo, conectado e em curso, com outra pessoa ou outra entidade”.

Já segundo Petersen e Seligman (2004, p. 304) o “amor representa uma postura

cognitiva, comportamental e emocional para com os outros, a qual possui três formas

prototípicas”: (1) o amor dos filhos para com os pais (que são a principal fonte de afeto para

as crianças, através dos seus cuidados, proteção e disponibilidade); (2) o amor dos pais para

com os filhos (cujo bem-estar depende muito dos seus progenitores, os quais podem mesmo

colocar as necessidades dos seus filhos à frente das suas); e (3) o amor romântico, que de

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acordo com os mesmos autores (idem) “envolve o desejo apaixonado de proximidade sexual,

física e emocional com um indivíduo que consideramos especial e que nos faz sentir

especial”. Neste trabalho focar-nos-emos nesta última dimensão do amor.

O Amor Romântico

Parece-nos desde logo óbvio que o amor romântico possui variações culturais, uma

vez que, nas sociedades humanas monogâmicas é inaceitável ter mais do que um parceiro, ao

passo que em culturas poligâmicas essa regra social não existe. Por outro lado, conforme

Swidler (2001, citado em Shiota e Kalat, 2007, p. 217) “nas culturas ocidentais modernas, o

amor romântico é visto com frequência como o motivador para o casamento e a reprodução”,

porém (de acordo com Shiota e Kalat, 2007) isso não ocorre em todas as culturas uma vez

que, em muitas sociedades humanas, os pais forçam os filhos a casar com determinados

sujeitos por razões económicas ou outros interesses práticos.

O amor romântico nas culturas ocidentais modernas. Numa sociedade humana,

como a portuguesa, normalmente o amor romântico possui vários estágios. Conforme Shiota

e Kalat (2007) os primeiros estágios podem ser designados por amor apaixonado, onde, duas

pessoas que se atraem mutuamente pensam com frequência uma sobre a outra, desejam estar

juntas, tendem a ignorar as falhas e a valorizar os aspetos positivos do outro. Se a relação se

mantém, aumenta o compromisso com a relação, são apresentadas as famílias, partilham-se

mais recursos e assume-se um compromisso mais duradouro (e.g., o casamento ou mesmo a

coabitação sem casamento). Entra-se assim nos estágios do amor companheiro que enfatiza a

segurança, a proteção, os cuidados mútuos e que, sendo forte, se relaciona com frequência a

altos níveis de satisfação com a vida, pois nestes estágios ajustam-se as incompatibilidades e

já se veem as falhas, que são percecionadas como específicas a determinadas situações. No

amor companheiro a atração física ainda está presente, mas há menos entusiasmo com a

presença do outro e menos necessidade de estarem juntos constantemente, porém, é possível

avivar a relação com a experiência conjunta de atividades entusiasmantes.

Estes estágios do amor romântico associam-se às três componentes do amor

propostos por Sternberg (1997), dado que (segundo Reevy, 2010, p. 360) “em geral, a paixão

tende a ser associada ao amor apaixonado, e a intimidade e o compromisso tendem a ser

associados ao amor companheiro”. Outra teoria sobre o amor romântico (mais antiga, mas

que não deixa de ser interessante) é a de Maslow (1962, citado em Martins-Silva et al., 2013)

que defende que o amor romântico pode ser de dois tipos: D-love (o amor deficiente, que

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surge com o objetivo de sanar as próprias deficiências, amando o outro) e B-love (o ser amor,

que ocorre entre sujeitos autorrealizados, que amam o outro tal como ele é de facto).

2. O Amor Pode ser Adaptativo e/ou Disfuncional?

O Amor Darwiniano

Segundo Reevy (2010, p. 360) “Charles Darwin afirmou que a atração sexual é

necessária para a sobrevivência da nossa espécie e, por conseguinte, o amor sexual é

funcional”. Esta perspetiva evolucionista do amor também é defendida por Reis e Aron

(2008, citados em Reevy, 2010) que argumentam que o amor apaixonado leva a relações que

se mantenham o tempo suficiente para haver reprodução e que o amor companheiro (onde se

inclui não só o amor entre os pais como o amor dos pais para com os filhos) aumenta a

probabilidade de os filhos sobreviverem.

O Amor Disfuncional

De acordo com Reevy (2010) Bowlby e Harlow, com os seus estudos sobre a

vinculação na infância, provaram que a qualidade do vínculo entre o bebé e a mãe pode

influenciar as futuras relações amorosas da criança. Porém esta conclusão não deve ser vista

como taxativa pois, para além da mãe (e do pai), os seres humanos interagem noutros

contextos sociais que os influenciam, daí que, conforme Belsky (1999, citado em Martins-

Silva et al., 2013, p. 25) “algumas crianças desenvolvem [sic] apego seguro mesmo que os

cuidadores não estejam tão próximos”. Por outro lado, Werner e Smith (1982, citados em

Martins-Silva, 2013, p. 24), nos seus estudos sobre resiliência, aferiram que “algumas

crianças que viveram em ambientes considerados de risco (pobreza, stresse perinatal,

cuidados parentais deficientes – pais alcoólatras ou com distúrbios mentais) não

desenvolveram problemas relacionados com a aprendizagem, o comportamento ou com os

aspetos afetivo-emocionais”.

Segundo os estudos realizados por vários investigadores entre 1976 e 2001 (citados

por Shiota e Kalat, 2007) alguns preditores da estabilidade marital são:

Ter mais de 20 anos; crescer com ambos os pais; namorar bastante tempo antes de

casar, mas não viver juntos; ter o mesmo nível de escolaridade, principalmente se for

alto; ter bons ordenados; ter uma boa disposição; viver numa cidade pequena ou

rural; ser religioso e ter a mesma afiliação religiosa; ter idades próximas e atitudes

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semelhantes; ter relações sexuais frequentes, e poucas discussões. (Shiota e Kalat,

2007, p. 223)

Poder-se-á então inferir que, por exemplo, não ter crescido com ambos os pais ou

viver numa grande cidade serão preditores de futuras disfuncionalidades na relação de um

casal? Não necessariamente pois não foram aferidas relações causais mas sim correlações, o

que significa que os preditores supra elencados são tendências. Parece-nos porém algo óbvio

que se um casal não tem relações sexuais frequentes isso pode ser disfuncional para a relação,

a não ser que algum dos membros do casal, ou ambos, tenham dificuldades nesse nível.

Reis e Aron (citados em Reevy, 2010, p. 360) salientam também que “o amor está

associado a alguns aspetos negativos, a que chamam o “lado negro” do amor, incluindo o

luto, o amor não correspondido, o ciúme, o abandono e a violência”. Assim sendo parece-nos

que a disfuncionalidade do amor pode ocorrer também na ausência de bidirecionalidade

afetiva, isto é, um sujeito pode amar outro mas se não existir reciprocidade o amor reveste-se

de uma camada de sofrimento.

Por sua vez Gottman et al. (citados em Shiota e Kalat, 2007, p. 225) identificaram

quatro padrões emocionais – a que deram o nome de “Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse” –

que são preditores de disfuncionalidade numa relação romântica: o criticismo (em especial

quando se apontam os defeitos do parceiro), a atitude defensiva (que é normalmente uma

resposta à crítica, com crítica), o desprezo (que inclui o uso de sarcasmo e insultos) e a

obstrução da comunicação (recusando cooperar com as tentativas de comunicação do outro).

3. Poderá o Amor ser Induzido e Avaliado?

Não Será Antiético Induzir o Amor?

Não encontrámos nenhum estudo em psicologia onde o amor tenha sido induzido.

Provavelmente pelas questões éticas que esse procedimento poderia levantar. De acordo com

a APA (2010, p. 11) “os psicólogos não podem iludir os possíveis participantes acerca de

investigações onde se espera potencial dor física ou stresse emocional grave”. Imaginemos

uma situação experimental onde um sujeito com baixa autoestima era induzido por outro

(muito bem aparentado) no sentido de o primeiro ficar apaixonado pelo segundo. Depois

induzir-se-ia compromisso e intimidade. E por fim, após a experiência estar concluída o

sujeito ingénuo seria confrontado com a verdade. Não poderia ser altamente perturbador?

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Tentativas de Medir o Amor

Segundo Massuda (2003, citado por Andrade, Garcia & Cassepp-Borges, 2013) a

teoria triangular do amor de Sternberg é uma das mais importantes no âmbito dos

relacionamentos românticos. De acordo com Sternberg (1997) o seu modelo sugere que o

amor romântico abarca componentes que podem ser vistas como os três vértices de um

triângulo, os quais representam diferentes aspetos do amor: a intimidade (que engloba a

proximidade e o investimento emocional na outra pessoa), o compromisso (que possui duas

dimensões: a do curto prazo onde se observa o desenvolvimento do amor na relação e a

dimensão do longo prazo onde ambos se comprometem em manter o amor) e a paixão (um

estado de ativação e desejo por outra pessoa que se consuma no ato sexual). A partir destas

três componentes do amor é possível gerar oito tipos de amor: o desamor (que é a ausência

das três componentes); a amizade (quando se experiencia intimidade sem paixão e

compromisso), o amor apaixonado (quando se sente paixão, sem intimidade e compromisso),

o amor vazio (quando há compromisso, sem paixão e intimidade), o amor romântico (quando

há intimidade e paixão, sem compromisso), o amor companheiro (onde há intimidade e

compromisso, sem paixão), o amor fátuo (onde há paixão e compromisso, sem intimidade) e

o amor consumado ou completo (onde estão presentes as três componentes do amor).

Preconizando medir os construtos do amor com base na sua teoria Sternberg (1997)

construiu uma escala (Triangular Love Scale) do tipo Likert de concordância com 36 itens,

12 para cada componente do amor; por exemplo (idem, p. 318): “sinto-me emocionalmente

chegado a…”, “não consigo imaginar a vida sem…” e “estou seguro do meu amor por…”.

Porém Sternberg aferiu que as correlações entre as três componentes eram muito elevadas (e

logo estavam a ser analisadas como se fossem o mesmo construto). Ao substituir alguns itens

e adicionando outros (três a cada construto), Sternberg construiu uma segunda escala com 45

itens e concluiu que (idem, p. 333) “o conjunto de resultados, no seu todo, é no mínimo

encorajador no que diz respeito à validade interna e externa da teoria triangular.”

Cassepp-Borges e Teodoro (2007) aplicaram a versão portuguesa (Escala Triangular

do Amor) com 45 itens, a uma amostra de 361 estudantes universitários brasileiros mas

depararam-se com o problema inicial de Sternberg (altas correlações entre as componentes do

amor). Reanalisaram então os mesmos dados mas reduzindo os itens a 18 e apesar das

correlações se terem mantido elevadas concluíram que “os resultados sugerem que ambas as

versões da ETAS são psicometricamente adequadas para se mensurar o amor”. Por seu turno

Andrade et al. (2013) aplicaram a versão portuguesa da escala de Sternberg numa versão

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reduzida de 15 itens (com a estrutura fatorial do Anexo 1), a uma amostra de 1530 sujeitos

brasileiros e concluíram que “as inter-relações presentes entre os três construtos ajustam-se à

hipótese triangular do amor de Sternberg (…), comprovando, dentro dessa perspetiva, a

relevância dos componentes paixão, compromisso e intimidade na construção do amor”.

Por outro lado as novas tecnologias possibilitam avaliar o amor a manifestar-se em

tempo real. Bartels e Zeki (2000, citados em Shiota e Kalat, 2007) ao estudarem 17 jovens

adultos (que disseram estar profundamente apaixonados) aferiram (com o auxílio de imagens

de ressonâncias magnéticas funcionais) que quando os jovens viam imagens da pessoa por

quem estavam apaixonados (em comparação com imagens de amigos) a atividade cerebral

era mais ativada (sendo mesmo designada pelos autores como “excitação eufórica”) e incluía

as áreas do cérebro que se ativam como resposta a recompensas como a cocaína e o álcool.

4. Outros Estudos Empíricos Sobre o Amor

A Importância de Olhar Também para o Positivo

Graber, Laurenceau, Miga, Chango e Coan (2011) salientam que a investigação

sobre a interação marital se tem focado maioritariamente nos contextos conflituosos e, por

conseguinte, os contextos positivos têm sido desconsiderados. Para tentar preencher este

vazio, estes investigadores efetuaram um estudo correlacional longitudinal com 119 casais

(casados há 4,4 meses em média) onde compararam os comportamentos dos casais em

interações conflituosas (através de uma tarefa onde elegiam um conflito que tinham

experienciado para o debater e tentar resolver como se estivessem em casa) e em interações

amorosas (por intermédio de outra tarefa onde pensavam sobre os aspetos positivos do outro,

e.g. amor, paixão, desejo e respeito, expressando-os ao outro durante 12 a 15 minutos como

se estivessem em casa), com o objetivo de medir e prever a satisfação na relação e a

inclinação para o divórcio (dentro dos 6 meses após o casamento e cerca de 15 meses depois).

Os resultados mostraram que as emoções positivas e negativas (demonstradas nas

duas tarefas) são preditoras da qualidade e da estabilidade do relacionamento do casal,

aferindo-se concretamente que as emoções positivas (expressas na segunda tarefa) são

preditoras de maior satisfação marital e que as emoções negativas (expressas na primeira

tarefa) predizem situações de divórcio, levando os investigadores (Graber et al., 2011, p. 547)

a concluir que estes resultados salientam “implicações potencialmente importantes para a

avaliação e o tratamento de problemas nos relacionamentos (…) devendo também ser

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considerado pelos terapeutas o uso de tarefas positivas de interação para compreender o

funcionamento dos casais de uma forma mais completa”.

Embora este trabalho se foque nos relacionamentos amorosos, do nosso ponto de

vista o estudo de Graber et al. (2011) também pode, de alguma forma, chamar a atenção para

a importância do afeto em contexto terapêutico e na relação terapêutica, assim como, para a

importância do afeto em contexto educativo e na relação educativa, uma vez que em ambos

os tipos de relações, se o cliente e o aluno forem motivados por interações positivas (por

parte dos clínicos e dos professores) talvez seja mais provável que subam os seus níveis de

satisfação com a terapia e com o ensino. Qual será o problema em demonstrar um pouco de

afeto, desde que seja genuíno, moderado e ajustado a cada sujeito específico? Subiriam as

consultas de psicologia e o aproveitamento escolar se estes dois contextos fossem mais

emocionalmente positivos? E não seria esse positivismo uma mais-valia para todos os

sujeitos intervenientes, levando boas imagens para as suas relações amorosas (entre outras)?

Fatores que Dificultam a Expressão do Amor Romântico

Estando a terapia familiar a disseminar-se um pouco por todo o mundo, Miller et al.

(2014) estudaram os problemas maritais mais comuns (fora dos E.U.A. e da Europa) com 80

casais brasileiros para que as avaliações e as terapias neste contexto sejam melhor aplicadas,

uma vez que (segundo Hofstede & McCrae, 2004, citados em Miller et al., 2014) “os

indivíduos de diferentes origens culturais podem ter diferentes perceções de eventos similares

porque possuem diferentes crenças, valores e expectativas sociais”, por conseguinte

(conforme Miller et al., 2014) a natureza e o impacto dos conflitos conjugais poderão ser

distintamente percebidos (e.g., nos E.U.A. e no Brasil) na satisfação com o casamento.

Segundo Miller et al. (2014) já tinha sido aferido (por Della Coleta, 1991, em dois

estudos, com uma amostra total de 330 sujeitos) que os aspetos emocionais das relações

maritais são importantes para os casais brasileiros, sendo o amor o fator principal para a

manutenção do casamento. Outros estudos (Garcia & Tassara, 2003; Cerbasi, 2004; Féres-

Carneiro, 2003; Abdo, 2004; Almeida & Mayor, 2006) apontaram como problemas conjugais

o dinheiro, a falta de afeto, a qualidade do sexo, a infidelidade e o ciúme. Porém nenhum

estudo tinha ainda aferido as diferenças de género na perceção dos problemas maritais, bem

como o impacto dessa perceção na satisfação conjugal.

No estudo de Miller et al. (2014) os participantes responderam a um questionário

que incluía itens relacionados com problemas maritais (e.g., drogas, dinheiro e filhos) e itens

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associados à satisfação com o casamento (através da Revised Dyadic Adjustment Scale). Os

resultados não mostraram diferenças significativas na variável género na perceção dos

problemas maritais, mas salientaram que o dinheiro é o principal problema das relações

conjugais seguido dos filhos e do ciúme. As diferenças de género só foram encontradas nas

variáveis sexo e álcool, as quais foram as mais salientes na satisfação com o casamento:

ambas têm um impacto significativo na satisfação marital das mulheres, ao passo que na

satisfação dos homens com o casamento o sexo é o fator com mais impacto. Assim sendo,

concluíram Miller et al. (2014) que, estes resultados podem auxiliar os clínicos em contexto

de terapia familiar pois os casais brasileiros podem não só ter problemas maritais devido à

escassez de recursos financeiros como devido à forma como os gerem, o que requer aumento

da cooperação nessa gestão e suporte mútuo. Por outro lado sugerem que os clínicos levem

em conta que mais de um terço das mulheres e mais de um quarto dos homens reporta

dificuldades na relação sexual, sendo importante trabalhar o ciúme, que é muito comum nas

relações românticas brasileiras e onde por vezes é visto positivamente, como uma prova de

amor (ao passo que e.g., nos E.U.A. é visto como inadequado e, com frequência, como

patológico), daí que seja essencial que os clínicos brasileiros trabalhem cognitivamente os

conceitos de fronteira de exclusividade inter-relacional.

Embora este estudo não se foque explicitamente sobre o amor, implicitamente ele

incide sobre o amor pois salienta fatores que obstruem ou dificultam a sua expressão.

Parecendo-nos ser muito importantes as sugestões que os investigadores deixam aos clínicos

parece-nos também ser necessário salientar que os indivíduos adultos que participaram na

investigação, já foram bebés, crianças e adolescentes, e por conseguinte (conforme Cacioppo

& Freberg. 2013) estiveram (e continuam a estar) sujeitos a diversos tipos de aprendizagem

(associativa, por condicionamento clássico e operante; não-associativa, por habituação e

sensitização; observacional ou vicariante), logo, para além da abordagem educativa (sugerida

por Miller et al., 2014) parece-nos que uma consciencialização das várias influências

sistémicas que os sujeitos foram recebendo ao longo da vida, bem como (conforme sugerem

Graber et al., 2011) tornando salientes os aspetos positivos do relacionamento, talvez também

auxiliasse os casais nos seus processos de experienciar um amor romântico mais saudável.

Em suma, embora o amor já não seja um fogo que arda sem se ver (dado que as

ressonâncias magnéticas nos permitem vê-lo em ação) e, em muitos casos, continue a ser um

contentamento descontente, o amor continua a servir a quem vence, o vencedor, neste caso, o

amor, pois escrevemos tanto e nada sobre ele, que muito sabiamente, se mantém iludente.

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Referências

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Figuras

Figura 1: Estrutura fatorial da versão reduzida da Escala Triangular do Amor.

Segundo Andrade et al. (2013, p. 507)