Ainda a ADPF 130: por uma nova lei de imprensa?
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AINDA O JULGAMENTO DA ADPF 130: POR UMA NOVA LEI DE IMPRENSA?
Revista dos Tribunais | vol. 935/2013 | p. 51 e seguintes
Renata C. Steiner
Mestre em Direito das Relações Sociais (2009) pela UFPR. Doutoranda em Direito Civil na
USP. Advogada.
Área do Direito: Processual
Resumo: A decisão do STF (ADPF 130), reconhecendo a incompatibilidade da Lei de
Imprensa com o ordenamento vigente desde 1988 teve sérios impactos na regulamentação da
liberdade de imprensa. Isso porque a inexistência de marco legislativo não representa, por si
só, o resguardo desta liberdade, podendo também ensejar sua limitação. 0 artigo analisa a
importância do tema, bem como a necessidade de estabelecimentos de marcos legais para a
matéria que, sob qualquer aspecto, é nitidamente constitucional.
Palavras-chave: Liberdade de imprensa - Lei de Imprensa - ADPF 130.
Abstract: The decision of the Brazilian Supreme Court (ADPF 130), recognizing the
incompatibility between the Press Law and the Brazilian Constitution of 1988, had serious
impact on the regulation of the press freedom in Brazil. This conclusion is based on the fact
that the absence of a legal framework does not lead to the automatic protection of this freedom,
since it can actually mean its limitation. The text analyzes the importance of the issue, as well
as the necessity of establishing legal frameworks for this matter, which undoubtedly has
constitutional status.
Keywords: Press freedom - Press Act - ADPF 130.
Sumário:
1.OS PRESSUPOSTOS DE ANÁLISE - 2.A PROTEÇÃO DA LIBERDADE DE
EXPRESSÃO E DE IMPRENSA (OU, DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS) - 3.O
JULGAMENTO DA ADPF 130 - 4.LEGALIDADE COMO PROTEÇÃO AO DIREITO DE
LIBERDADE? - 5.O DESATAR DOS NÓS
1. OS PRESSUPOSTOS DE ANÁLISE
É pressuposto indissociável de qualquer Estado que se qualifique como de direito a existência
e proteção da segurança jurídica. É certo que esta busca constante não resulta, exclusivamente,
da existência de leis formais e positivadas, pelo que a experiência do common law não deixa
desmentir. O próprio processo observado no Brasil, de migração para estatutos e lei esparsas,
assim como a inserção de importantes princípios e conceitos indeterminados na legislação, por
meio das chamadas cláusulas gerais, denota que a literalidade e aprisionamento aos Códigos
não parece ser solução para o problema da previsibilidade e segurança do sistema,
especialmente quando em conflito com o, também fundamental, preceito de justiça material.
Estamos, no entanto, inseridos em um ordenamento típico da civil law. Preferimos a lei
expressa e escrita ao estudo de precedentes, embora não desconheçamos o papel criativo da
jurisprudência. A complexidade da realidade hodierna, que paulatinamente leva ao abandono
de compreensões tão enraizadas na modernidade jurídica, faz com que o então absolutismo dos
Códigos seja relativizado pela abertura a soluções jurisprudenciais. E não poderia ser diferente:
o século XXI é deveras diverso daquele século XIX.
A pretensão pandectística de construção de um Código total e que culminou, após um século
de estudos em fontes romanas, com a edição do Código Civil alemão (o BGB, de 1900), cuja
influência no direito brasileiro não pode ser negada, mostrou-se insuficiente ao intento a que
servia. Com efeito, muito embora o BGB seja, ainda hoje, o Código Civil da Alemanha, bem
como o Code Civil da legislação francesa,1 grandes construções jurídicas foram geridas e
desenvolvidas no âmbito jurisprudencial, afastando-se de forma pontual dos termos da lei, seja
pela criação de soluções não legisladas, seja pela criação de microssistemas periféricos. A ideia
de Código total e autossuficiente ruiu, embora não a ideia de Código em si.2
Essas constatações evidenciam a necessidade de uma nova hermenêutica jurídica, vez que a
própria compreensão do fenômeno jurídico é modificada com a transformação da noção de
legislação.3 Se antes, e tal como aponta Franz Wieacker, admitia-se a possibilidade de “decidir
correctamente todas as situações jurídicas apenas por meio de uma operação lógica que
subsuma a situação real à valoração hipotética contida num princípio geral de carácter
dogmático”,4 até mesmo porque a solução já se encontraria na lei, restando ao operador do
direito apenas a sua descoberta,5 admite-se hoje a insuficiência de critérios tradicionais os
quais, ainda que não abandonados, apontam ao papel criativo do intérprete, sem ruína da
compreensão sistemática do direito.6
Como bem anota Luis Roberto Barroso, o reconhecimento desta insuficiência faz com que se
modifique a própria técnica legislativa, com a ascensão dos princípios.7 A impossibilidade de
redução das soluções jurídicas à mera descoberta do sentido e da inequívoca resposta legal,
traz à baila a necessidade de ponderação entre princípios que, sem exclusão um dos outros,
terão maior ou menor eficácia diante de cada caso concreto. A unidade do sistema seria
quebrada se, abstratamente, houvesse de se dar prevalência a um ou outro princípio.8
No Brasil, a Ordem Constitucional de 1988 trouxe importantes considerações a apontar a
necessidade de releitura, tanto do papel da Codificação fechada, quanto da própria
interpretação do ordenamento infraconstitucional.9 Quando se transporta a afirmação à
chamada tutela do direito de liberdade, especialmente aquele específico de expressão, o embate
torna-se ainda mais evidente.
Isto porque o direito de liberdade tem fonte constitucional, sendo também indissociável do
Estado Democrático de Direito, como reconhecido de maneira reiterada nos diversos votos da
ADPF 130, julgada pelo STF, em 30.04.2009 e que culminou com o reconhecimento de não
recepção da Lei de Imprensa (Lei 5.250/1967) pela ordem constitucional vigente.10 É
nitidamente um direito fundamental, cujo papel e possibilidade de restrição (constitucional, ou
legal), restaram analisados no histórico julgamento.
A compreensão prevalecente foi a de que as restrições à liberdade de imprensa seriam aquelas
constantes da própria Constituição. A declaração de não recepção se deu, dentre outros,
especialmente tendo em vista seu nascimento em período não democrático ou sua inspiração
não democrática. O entendimento final, e isso se denota da leitura dos votos dos Ministros da
Suprema Corte, não aponta para a configuração deste princípio como absoluto, como, aliás,
não é qualquer um daqueles inscritos na Constituição da República (LGL\1988\3).11
Reconheceu-se, no entanto, que limitações legislativas e a priori seriam o mesmo que impedir
a utilização plena do direito, que estará sempre acompanhado da responsabilidade que lhe é
inerente.
Pois bem. É certo que o direito fundamental à liberdade restou prestigiado pela decisão do STF,
na medida em que seus Ministros reconheceram seu caráter fundamental e a impossibilidade
de restrições ilegítimas à liberdade de expressão, nitidamente nos casos envolvendo a
imprensa.12 A não recepção da Lei de Imprensa, no entanto, não significa (apenas) que, in
concreto, a liberdade de imprensa tenha passado a ser tutelada em sua integralidade pelas
Cortes brasileiras.
“O que ocorrerá no dia seguinte, quando não houver mais vigente este diploma?”, questionou
a seus pares o Min. Marco Aurélio, em voto divergente à tese acolhida pela maioria. Na sua
visão, criar-se-ia a babel, ou seja, situação de extrema insegurança gerada pelo vácuo
legislativo. Em outras palavras, seria crível supor que as restrições existentes no corpo da
Constituição seriam suficientes e adequadas para tutela do direito de liberdade, bem como dos
demais direitos fundamentais nele imbricados ou, ainda, que a ausência de legislação levaria
ao resultado desejado, qual seja, a proteção à liberdade em detrimento de injustas restrições?
Destas breves linhas já é possível concluir-se a complexidade do tema proposto. Mudados os
paradigmas de hermenêutica jurídica e de própria concepção de Justiça, ainda permanece entre
nós arraigado o senso de legalidade e a prevalência por soluções que delimitem o âmbito de
aplicação do direito pelo julgador, não sendo demais lembrar que a atividade judiciária nunca
será puramente discricionária.13 Se a mera existência de lei não é suficiente para obter os
padrões de segurança jurídica e justiça material desejados, por si só, certo é que o vácuo
também é ameaçador, pois a inexistência de parâmetros é igualmente perigosa (e a existência
de limites, portanto, não enseja o aniquilamento do direito).
Partindo-se desta multifacetada realidade, pretende-se traçar um panorama sobre o estado da
arte da proteção à liberdade de imprensa no direito brasileiro, sem descurar de temas correlatos,
como a proteção dos direitos de personalidade, vez que as temáticas são confluentes. Para tanto,
o texto se inicia com uma breve exposição a respeito da proteção à liberdade e seus limites. Na
sequência, apresenta-se a leitura da decisão e dos motivos principais que levaram o STF a
reconhecer a não recepção da outrora vigente Lei de Imprensa diante da Ordem Constitucional
de 1988 para, então, e diante da resposta jurisprudencial às questões envolvendo imprensa,
problematizar-se a razoabilidade (rectius, necessidade) da escolha por um novo diploma legal.
2. A PROTEÇÃO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DE IMPRENSA (OU, DAS
LIBERDADES FUNDAMENTAIS)
O presente ensaio foca-se no chamado direito de liberdade, sendo dele corolários o direito à
informação bem como a tutela dos direitos de personalidade e, exatamente por isso, a
concepção de dignidade da pessoa humana.14 A configuração da liberdade como direito
fundamental e sua intrínseca ligação com a democracia já foram estabelecidas, no tópico
anterior, como premissas do caminho a ser trilhado. Da mesma forma, tornou-se clara a
distinção entre a liberdade em sentido geral,15 e aquela liberdade de imprensa, sendo apenas
esta o objeto de estudo daqui em diante.
No seu aspecto de liberdade de informação, ou expressão, chega-se a noção relevante do ponto
de vista democrático vez que, conforme afirma Pietro Perlingieri: “a informação, em uma
sociedade democrática, representa o fundamento da participação do cidadão na vida do País e,
portanto, do próprio correto funcionamento das instituições”.16 Não se descura, no entanto, que
o desenvolvimento da sociedade da informação transformou-a em efetivo produto
mercadológico que, desconectado da essência que justifica sua proteção, pode ensejar lesão a
direitos igualmente fundamentais.
Seguindo-se os ensinamentos de Virgílio Afonso da Silva, teríamos de concluir que a liberdade,
como direito fundamental, caracteriza-se por possuir suporte fático17 não determinável.
Diferentemente do que ocorre nos demais ramos do direito, ensina o autor que a compreensão
da composição do suporte fático dos direitos fundamentais pode ser contraintuitivo: “como
definir o suporte fático de normas como as que garantem a igualdade, a liberdade de expressão
ou o direito à privacidade?”, questiona ao leitor.18 A volatilidade do conceito não importa
negativa nem impossibilidade de sua aplicação, por certo. Denota, no entanto, mais uma
complexidade a ser superada quando de seu estudo e aponta para a necessária concretização
desta garantia.
É exatamente ante esta consideração abstrata que Robert Alexy inicia o capítulo de sua obra
destinado ao estudo das liberdades (e a grafia no plural não é de todo despropositada)
afirmando que se trata de um conceito fundamental dos mais práticos, porém menos claros.19
A dificuldade não está, e isso parece ser intuitivo, em se reconhecer a importância e o caráter
fundamental da liberdade, ou das liberdades. É o seu conteúdo que não é apreensível de
maneira clara, sendo este o desafio proposto àqueles que operam o direito.
Falar-se em conteúdo é falar em afirmação e concretização, para se utilizar das expressões do
Min. Gilmar Mendes, em seu voto na ADPF 130.20 E, mais ainda, delimitando-se à questão da
liberdade de comunicação, a concretização se dá na medida em que se reconhece a
manifestação do pensamento e de informações através de meios de comunicação, pois são eles
os destinatários da liberdade inscrita no art. 220 da CF (LGL\1988\3).21 Destinatários da
liberdade que se confunde com dever, vez que a informação é um direito de todos. Neste
sentido, afirma José Afonso da Silva que, na liberdade de informação jornalística “se concentra
a liberdade de informar, e é nela ou através dela que se realiza o direito coletivo à informação,
isto é, a liberdade de ser informado”.22
A mera proclamação discursiva da plena liberdade ligada aos meios de comunicação em massa
não é capaz, como toda proclamação formal, de conferir realidade fática de aplicação coerente
com o desejo constitucional. Conforme Luiz Edson Fachin: “o grande desafio é superar um
velho problema, a clivagem abissal entre a proclamação discursiva das boas intenções e
efetivação da experiência”.23
O cerne da questão, portanto, é justamente até que ponto a lei em sentido formal pode ser
essencial à tutela de um direito fundamental. Na configuração constitucional brasileira, o
chamado direito geral de liberdade vem ligado à legalidade, sendo dela derivado. “A lei é
instrumento por excelência do qual dispõe o Estado de Direito para garantir e ao mesmo tempo
regular a liberdade”,24 leciona Ingo Sarlet. Nas suas concepções, a ligação entre liberdade e
legalidade, liberal por certo, é garantidora do princípio e ao mesmo tempo uma permanente
ameaça.
Desta forma, e antes de prosseguir o estudo, necessário estudar as razões (diversas e não
homogêneas) que levaram o STF a reconhecer a não recepção da Lei de Imprensa. No entanto,
e considerando que se está a falar em lei e, de maneira direta ou indireta, de legalidade,
necessário sempre advertir que a legalidade, como qualquer conceito jurídico, há sempre de
ser submetido a juízo histórico. Conforme já se afirmou, a concepção de legalidade não pode
mais ser vista como aquela de índole positivista, a reduzir o papel do intérprete e prover, de
maneira abstrata, a segurança jurídica.
Conforme lição de Luiz Guilherme Marinoni: “a obrigação do jurista não é mais apenas a de
revelar as palavras da lei, mas sim de projetar uma imagem, corrigindo-a e adequando-a aos
princípios de justiça e aos direitos fundamentais”.25 É justamente esta a concepção tomada para
o trilhar proposto.
3. O JULGAMENTO DA ADPF 130
A Lei 5.250/1967, também conhecida como Lei de Imprensa, foi promulgada em momento
histórico peculiar no Brasil, em plena Ditadura Militar que, dois anos após, cerceou de forma
flagrante as liberdades individuais por meio do Ato Institucional n. 5. A inspiração não
democrática do diploma foi a pedra de toque, ao menos para a maioria dos integrantes do STF,
para considerar o diploma, em bloco, não recepcionado pela Ordem Constitucional de 1988.
O julgamento, ocorrido em 30.04.2009, inaugura limites e desafios à questão envolvendo a
imprensa, pelo que a compreensão dos argumentos fundamentais para a conclusão ali esboçada
é fundamental para a reflexão em torno da possibilidade de uma nova Lei de Imprensa. Limites
e desafios estes que vão além da conclusão tomada pela Corte Suprema, que por si só não é
suficiente para compreensão e apreensão da complexidade da temática, que já se exaltou acima.
Veja-se, neste sentido, a constatação de Miguel Reale Jr. quanto ao fato de que os dois
Ministros daquela Corte que deram maior peso à liberdade de expressão, Carlos Ayres Britto
e Marco Aurélio, curiosamente, chegaram a entendimentos totalmente antagônicos quanto ao
destino da Lei e/ou mesmo quanto à possibilidade de restrição legislativa.26
Da leitura dos extensos e bem fundamentados votos dos Ministros, observa-se a existência de
opiniões diversas a fundamentar a não recepção que, no mais das vezes, vão além da mera
análise da certidão de nascimento ditatorial do diploma, para afirmarem a própria
impossibilidade de restrição desta garantia fundamental do cidadão, operacionalizada por uma
imprensa livre.
É o que se vê, por exemplo, do voto do Ministro relator, Carlos Ayres Britto, para quem o
conflito entre o bloco de direitos fundamentais de liberdade (tida como sobredireito) haveria
de prevalecer em face do direito à reparação que, em qualquer caso, somente seria exercido
posteriormente à lesão, ante a vedação à censura.27 Nas suas palavras, a ideia de uma imprensa
meio livre “é um tão arremedo de imprensa como a própria meia verdade das coisas o é para a
explicação cabal dos fenômenos, seres, condutas, ideais”.28
Daí porque a melhor forma de regulação seria aquela exercida pela própria relação
estabelecida entre imprensa e sociedade, sendo impossível a regulamentação daquela por
qualquer legislação infraconstitucional. Estariam na Constituição, e apenas ali, as restrições
legítimas à ampla liberdade estatuída no art. 220 do Texto Constitucional.29 Exatamente por
isso a conclusão foi pela não recepção em bloco da outrora Lei de Imprensa, incompatível
materialmente com a nova ordem.
À interpretação conferida pelo relator ao art. 220 da CF (LGL\1988\3), contra-argumenta de
maneira veemente o Min. Gilmar Mendes que, seguindo aquilo que já sustentara
doutrinariamente,30 compreende que há ali apenas uma aparente fórmula negativa, na medida
em que a existência de direitos fundamentais outros que não a liberdade de imprensa pode
importar a necessidade ou o espaço aberto a diplomas legais que a excepcionem
legitimamente.31 Em outras palavras, a existência de uma Lei de Imprensa não padeceria de
incompatibilidade material com a Constituição.32
Veja-se, e isso é fundamental para compreensão dos motivos que levaram a não recepção do
diploma normativo, que foi a Lei de Imprensa editada em 1967 que se teve por não
recepcionada, e não todo e qualquer diploma legal que assim disciplinasse. Prova cabal desta
consideração é o fato de que, como efeito da declaração de não recepção, a jurisprudência
voltou-se à análise de controvérsia máxime a partir das disposições do Código Civil
(LGL\2002\400) 33 referentes ao ato ilícito e à responsabilidade civil que, aplicadas de forma
concreta, analisam e porque não dizer, podem até mesmo limitar, a ampla liberdade
constitucionalmente garantida. Quer-se pontuar que a própria lógica trazida pelo Voto do
Ministro relator, a impor uma convivência temporal entre o direito à livre expressão e a
repressão posterior de eventual abuso, traz em si a implícita consideração de que há restrição
legítima à liberdade de imprensa.
Pese embora o entendimento do relator, Min. Ayres Britto, a possibilidade de edição de um
novo marco legal à imprensa não parece proibido pela decisão da ADPF 130, até mesmo porque
esta consideração específica de seu voto não foi acolhida por seus pares de maneira unânime.
Mesmo aqueles que votaram pela não recepção em bloco da Lei de Imprensa, como o Min.
Menezes Direito34 ou a Min. Carmen Lúcia, não o fizeram pelos exatos argumentos expendidos
pelo relator.
Para Menezes Direito, é a inspiração autoritária do Regime Militar, no qual nasceu a Lei de
Imprensa, que leva à sua incompatibilidade com a atual Ordem Constitucional. O Ministro
afirma que a Lei era fruto de uma inspiração incompatível com o direito constitucional de
imprensa, na medida em que nela prevalece a vontade punitiva do legislador na tentativa de
impedir o exercício da liberdade. A Min. Carmen Lúcia, por sua vez, realça o fato de que a Lei
de Imprensa outrora vigente considerava, em regra, toda liberdade como abuso no exercício.
Ocorre que, e isto se vê de forma expressa em seu voto, a existência de diplomas legais a
regular a imprensa não é em si incompatível com regimes democráticos.35
A fonte ditatorial e a existência de parâmetros constitucionais para regulação da imprensa foi
também pedra de toque do voto do Min. Ricardo Lewandowski que, neste ponto, contém
essencial entendimento, ao reenviar a análise de eventual abuso à autoridade judiciária, dentro
de critérios previamente previstos na Constituição da República (LGL\1988\3), em essencial a
proporcionalidade.36 A conclusão: pela não recepção em bloco da Lei de Imprensa.
Frise-se, novamente, que a compreensão de que a Lei de Imprensa de 1967 não era compatível
com a Ordem Constitucional não leva à necessária conclusão de que não há campo aberto pela
Constituição da República (LGL\1988\3) para regulamentação da imprensa por instrumento
infraconstitucional.37 É justamente a partir deste pressuposto que se analisa a temática ora
proposta visto que, assim não fosse, os limites e possibilidades de tal legislação nem sequer
poderiam ser discutidos, sendo inócua a interpretação trazida neste breve texto.38
Dito de outra forma, o objeto precípuo de estudos passa a ser a análise de pertinência e
conveniência de um novo diploma legal, o que perpassa a compreensão de que, após o histórico
julgamento do STF, as restrições à imprensa continuaram a ser aplicadas, porém agora à luz de
restrições retiradas do Código Civil (LGL\2002\400) que, em última instância, estabelecem
regras de conduta abstratamente consideradas a todas as situações da vida.
Não se descura, por óbvio, que “a liberdade é conceito social: portanto, relativo”,39 pelo que
sua análise não prescinde do contexto social, histórico e cultural no qual está inserida. Esta
afirmação, no entanto, conduz a uma primeira conclusão, consistente no fato de que a abstração
das regras de responsabilidade civil constantes dos diplomas legislativos atualmente vigentes
não são suficientemente adequadas à situação peculiar da responsabilidade da imprensa.
4. LEGALIDADE COMO PROTEÇÃO AO DIREITO DE LIBERDADE?
A lei formal pode ser instrumento de fomento de direitos fundamentais e não apenas de sua
restrição. Exemplo disso pode ser inferido das discussões travadas na Alemanha quando da
promulgação da Lei Geral de Igualdade de Tratamento, na esteira das Diretivas da União
Europeia que apontavam a necessidade de dar-se conteúdo concreto ao princípio da igualdade.
Conforme aponta Jörg Neuner, a publicação do diploma legal foi sujeita a grandes objeções
científicas e político-jurídicas, havendo mesmo quem afirmasse a morte da autonomia privada
com a medida, para então objetar, com precisão, que “a autonomia privada não é, todavia,
ameaçada apenas por uma intervenção excessiva em direitos de liberdade, mas também por
uma insuficiente consideração das condições materiais de liberdade”.40
O mesmo enunciado poderia ser transportado à questão envolvendo o direito fundamental de
liberdade, justamente porque a ausência de intervenção pode, por via reversa, levar ao
esvaziamento desta garantia. Para se utilizar a expressão cunhada pelo Min. Marco Aurélio,
em seu voto divergente acima mencionado, o vácuo legislativo pode ter efeito perverso de criar
a babel.41
Quando tomada a concepção que enxerga o direito à liberdade de expressão como típico direito
à abstenção de restrição por parte do Estado às últimas consequências, torna-se sedutora a tese
de que qualquer tentativa de limitação esbarraria em vício de inconstitucionalidade. E este
entendimento circula com facilidade no discurso jurídico das liberdades, muito embora dele
não se possa inferir, de maneira direta e automática, a conclusão tomada pelo STF no
julgamento da ADPF 130.
Isso porque, e conforme se vê de Robert Alexy, a proibição (em tese) de restrição é apenas uma
das consequências do direito à liberdade. O reconhecimento da existência de um direito geral
à liberdade no direito alemão, acima já explanado, conduz a duas considerações, tratadas pelo
autor. A primeira delas seria a conclusão de que, não havendo proibição, há permissão para
fazer ou deixar de fazer o que se quer. Nada mais seria do que a aplicação da regra de que, se
não está proibido, está permitido. Em segundo ponto, o mesmo entendimento leva à
consideração de que cada um teria, diante do Estado, o direito de não se ver embaraçado na
sua esfera de atuação.42
Em outras palavras, ao mesmo tempo em que a norma se dirige ao Estado, que deve se abster
de cercear o direito à liberdade de expressão, certo é que há espaço para restrições legítimas,
pois não se pode afirmar que a liberdade seja tanta que esta se confunda com direito absoluto.
Seria o mesmo que dizer que a permissão não é tão ampla a ponto de não poder ser nem sequer
restringida.
Algumas destas restrições são tidas como aquelas existentes no próprio Texto Constitucional,
do qual são exemplificativas as normas insertas no art. 5.º, IV, V, X, XIII e XIV ao, por
exemplos, proibirem o anonimato, garantirem a tutela dos direitos de personalidade e a
preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem. Porém, para além delas, podem-se
construir restrições legitimadas pelo conflito existente com outro direito igualmente
fundamental. É o que se infere da lição de Gilmar Mendes e Paulo Branco, ao afirmarem que
a ausência de regra análoga àquela existente na Lei Fundamental alemã, que prevê a
possibilidade de limitação legislativa da liberdade de expressão em prol da proteção à
juventude, não impede a possibilidade jurídica desta iniciativa no Brasil.43
O entendimento predominante na Corte Suprema, independentemente da análise do acerto de
sua premissa (especialmente quanto à mácula reconhecida diante da inspiração não
democrática do diploma legal), pode levar, a depender da forma pelo qual interpretado, a uma
contradição insanável, que se denota de duas considerações principais e indissociáveis. A
primeira delas, o reconhecimento de que a liberdade não é absoluta, devendo ser exercida à luz
de limites constitucionais. A segunda, daquela derivada, a reafirmação de que a liberdade está
atrelada à responsabilidade, cabendo ao julgador, diante do caso concreto, sancionar a
posteriori a liberdade mal utilizada.
A possível contradição existe na medida em que se reconhece que o afastamento da reserva de
lei para restrição à liberdade de imprensa abre espaço a uma chamada reserva de jurisdição, de
constitucionalidade duvidosa, na qual a restrição, em si, não deixa de existir ou mesmo de ser
considerada legítima: apenas se afasta a possibilidade de que esta ocorra por intermédio da
lei.44 Ainda que não se possa inferir do Texto Constitucional que há obrigatoriedade de
legislação a tratar da matéria, certo é que há um problema prático consistente no afastamento
deste marco legal.45
Isso porque os efeitos do entendimento são igualmente paradoxais. Tal se dá, por exemplo,
quando se verificam as soluções jurisprudenciais conferidas aos casos nos quais se discute o
direito de imprensa, especialmente no tratamento das ações de indenização. A ausência de regra
específica conduz o aplicador do direito à disciplina do ato ilícito/responsabilidade civil
constante do Código Civil (LGL\2002\400) 46 que, dada sua abstração e não tratamento
específico da matéria, reenvia ao próprio julgador o correto preenchimento de seus conceitos
fundamentais (refiro-me, em especial, à distinção entre responsabilidade subjetiva e objetiva e
aos conteúdos que compõem o chamado exercício regular de um direito que, em absoluto,
poderiam ser considerados como matérias sensivelmente restritivas do direito de imprensa).47
Dois julgados do TJPR já seriam suficientes para denotar a extrema insegurança surgida com
a falta de parâmetros específicos.48 Na ApCiv 613.868-9, a 9.ª Câm. Cível da Corte entendeu
que a obtenção de informações de cunho oficial, tais como aquelas constantes de Relatório da
Polícia Militar, afastaria o dever de indenizar.49 Em outras palavras, a responsabilidade pela
fonte seria suficiente para não configuração dos elementos necessários ao ato ilícito. Em
julgado outro, do mesmo órgão fracionário, ApCiv 658.399-1, afastou-se a responsabilidade
exclusiva da fonte, por se considerar que o parâmetro necessário à análise do dever indenizar
residiria no caráter verídico ou não da informação prestada.50
A mesma contradição pode ser encontrada em diversos outros elementos fundantes da
responsabilidade civil da imprensa, até mesmo quanto ao critério balizador da veracidade51 do
conteúdo informado, que não encontra aplicação indistintamente, sendo importante notar que
a liberdade de imprensa congrega a liberdade jornalística e a liberdade de crítica, sendo esta
diversa daquela. Em relação à crítica, por sua vez, a extirpação do art. 27 da Lei de Imprensa,
supra mencionado, fez com que os critérios ali estabelecidos fossem paulatinamente
abandonados pelos Tribunais, não havendo mais critério seguro quanto aos elementos que
constituem abuso.
A mesma contradição e insegurança se encontram em outras consequências, especialmente
quanto ao direito de resposta (previsto e assegurado constitucionalmente)52 e aquele direito
outrora previsto na Lei de Imprensa, de publicação de sentença. Mesmo a questão do prazo
prescricional (sendo importante notar que, ainda antes do julgamento da ADPF 130, se havia
afastado a aplicação dos exíguos prazos previstos na Lei de Imprensa) é matéria da mais alta
indagação jurisprudencial, especialmente no que toca ao seu prazo de início relacionado às
novas formas de informação, tal como a Internet.
A possibilidade de que a lei em sentido formal possa, ou deva, regulamentar o direito à
liberdade de imprensa foi afirmada pelo Min. Gilmar Mendes, em voto proferido na ADPF
130. Ali, o Ministro trabalha a partir de dois paradigmáticos julgamentos da Corte
Constitucional alemã, o caso Lüth e Spiegel, nos quais se aponta para um caráter duplo desta
liberdade, sob o ponto de vista subjetivo (como direito fundamental à liberdade e à abstenção
de restrição por parte do Estado) mas também sob ponto de vista objetivo (visto como
instituição essencial à manutenção da democracia).53
A partir desta compreensão, a atuação do legislador deixa de ser meramente possível, para ser
vista como necessária à própria satisfação e concretização da dimensão institucional da
liberdade de imprensa. Sua conclusão, portanto, é a de que “a Lei de Imprensa constitui, nesse
sentido, uma exigência constitucional em razão da face objetiva ou institucional da liberdade
de imprensa”.54
É evidente que não se pode afastar o trabalho criativo e interpretativo do juiz que, diante do
caso concreto, aplica a lei com a maior eficácia dos direitos fundamentais. A existência de um
marco legal à imprensa não seria suficiente para impedir tal função, e nem poderia ser este o
intento de qualquer legislação sobre o tema. A questão, portanto, limita-se ao reconhecimento
de que a decisão do STF trouxe, in concreto, a impossibilidade de previsão e de parâmetros
pré-definidos quanto à atuação da imprensa, mantendo o entendimento de que a questão seria
apenas reflexamente constitucional. A volatilidade dos conceitos nela imbricados é tão
evidente que, conforme se apontou, mesmo se partindo da máxima proteção aos direitos de
liberdade pode-se chegar a entendimentos manifestamente divergentes.
5. O DESATAR DOS NÓS
Ao fim e ao cabo, as consequências do emblemático julgamento colocaram nova luz no
conflito quanto ao papel do Estado na promoção da liberdade de imprensa, tal como aponta
Owen Fiss em sua icônica obra. Ali, o jurista norte-americano afirma a existência de duas
visões antagônicas: a primeira delas, a considerar a inviolabilidade da liberdade de expressão
(e de imprensa), criando ao Estado o dever negativo de não se imiscuir na autonomia privada
do cidadão; a segunda, a elevar o caráter promocional do ente público na pluralidade da esfera
pública.55 A prevalência da primeira na experiência americana é vista com ressalvas, abrindo-
se caminho à ponderação entre as duas visões.
Não se descura, por óbvio, que a decisão do STF prestigia a plena liberdade de imprensa, não
a fazendo tábula rasa. O paradoxo existe na medida em que, a pretexto de conferir máxima
eficácia a esta garantia fundamental, a liquidação de todo e qualquer arcabouço jurídico seria
apta a produzir efeito contrário, especialmente no que toca ao também fundamental preceito
de segurança jurídica.
Se é certo que a ideia de ligação intrínseca entre liberdade e legalidade é típica de um ideário
liberal, de há muito abandonado, a falta de regulamentação contém em si uma ameaça à
democracia, sendo igualmente liberal, especialmente em um ordenamento jurídico tipicamente
da civil law como o nosso. O abandono recorrente do dever fundamental de fundamentação
das decisões jurisprudenciais corrobora com a insegurança causada pela inexistência de
parâmetros de controle e de criação de uma sólida jurisprudência que, no âmbito da imprensa,
teria papel relevante no estabelecimento de padrões de conduta na proteção dos direitos de
personalidade.
A repressão aos abusos não pode ser afastada, por certo, mas a melhor regulamentação da
imprensa é aquela que impede de antemão a ocorrência de tais abusos, ou que deixa claro aos
autores da comunicação as regras do jogo.56 A babel, e o termo é extremamente adequado para
qualificar o estado da arte da proteção à liberdade de imprensa no Brasil, deriva de uma
premissa aqui criticada (de que o art. 220 da CF (LGL\1988\3), inadmitiria qualquer restrição
à liberdade ali consignada) bem como de uma conclusão igualmente viciada, de que o direito
de proteção às garantias fundamentais seria exercido pelo julgador diante do caso concreto,
sem que a ele seja fornecido instrumental legal específico.
Neste sentido, e conforme se apontou, a constatação irônica referida por Owen Fiss é
fomentada pelo julgamento da ADPF 130: o Estado tem ao seu dispor as armas para limitar
sobremaneira a imprensa, mas também pode conter a garantia de salvaguarda de sua
liberdade.57 Os caminhos para este fim podem passar ao largo da lei escrita e formal, porém, a
experiência brasileira posterior ao julgamento da ADPF, não nos deixa desmentir que a
inexistência de diploma legal não produziu o efeito esperado.58
As diferentes funções exercidas pelo Estado são também tratadas por René Ariel Dotti, em
estudo anterior à decisão ora comentada e até mesmo à Constituição da República
(LGL\1988\3) de 1988, porém de atualidade ainda viva. Nas palavras do jurista, a atitude de
abstenção e neutralidade do Estado “não exclui, de modo algum, o direito (e o dever) de
submeter o problema da informação à disciplina de textos legais e regulamentadores que visem
fixar no interesse da legalidade e da ordem pública, os limites da liberdade de informação”.59
A edição de uma nova Lei de Imprensa,60 assim, mostra-se imprescindível para o
estabelecimento de marco legal apropriado e previsível à regulamentação dos conflitos
existentes, e que são naturais e inerentes ao direito da comunicação social. A
imprescindibilidade decorre de um mandamento constitucional, vez que a aplicação
equivocada dos limites e da abrangência da liberdade de imprensa é duplamente lesiva ao
ordenamento jurídico: porque fere a garantia de liberdade e, ao assim o fazer, fere o direito de
toda e qualquer pessoa de desenvolver-se digna e livremente, o que perpassa o direito
fundamental à informação.
Veja-se que não se descura que a ampla proteção à liberdade de expressão seja fundamental na
estrutura democrática brasileira, ainda em construção e em permanente evolução. Ocorre que
a intervenção em um direito fundamental, tal como a liberdade de imprensa, não é
constitucionalmente vedada, conforme afirma Virgílio Afonso da Silva.61
Os limites da atuação legislativa são aqueles encontrados na Constituição da República
(LGL\1988\3),62 vividos diariamente pelas experiências dos Tribunais brasileiros. À
semelhança do que fez o legislador alemão da Lei de Modernização do Direito das Obrigações
de 2002, que alterou fundamentalmente este ramo do direito civil no centenário Código Civil
alemão de 1900,63 o trabalho de leitura jurisprudencial e de efetiva aplicação e concretização
do preceito ao longo dos anos é medida salutar na composição deste novo diploma.
O processo de legitimação da Lei perpassa tanto a justificativa para sua existência (conclusão
tomada no presente ensaio) como mesmo a forma pela qual esta é inserida no mundo jurídico,
sob pena de se criar aquela figura tão bem apreendida por Paolo Grossi, ao tratar da
desconfiança do homem em relação à lei, afinal “se lei é somente o comando abstrato com
conteúdos indiscutíveis, pensado e desejado no longínquo Olimpo dos palácios do Poder, a sua
identificação com um raio que cai sobre a cabeça dos desavisados não é, pois, tão peregrina”.64
Se a realidade fática e a norma devem caminhar em consonância, influenciando-se
reciprocamente, o melhor diploma legislativo é aquele que apreende a realidade e a conforma
ao mundo do direito, não sendo, no entanto, rígido a ponto de não permitir a operação em
ordem inversa. A qualificação constitucional da liberdade de expressão e de imprensa vem para
corroborar a noção de que a lei pode ser instrumento de vivência e consolidação de um regime
constitucional democrático. E este reconhecimento legal, conforme se pretendeu traçar, não
retira o caráter constitucional da matéria.
1 Somente para citar as duas grandes codificações do século XIX que, cada qual ao seu tempo,
marcou de forma profunda o direito moderno, inaugurando nova fase no estudo jurídico. Sobre
a codificação como uma mitologia da modernidade, afirma Paolo Grossi, que não é por acaso
que: “(…) Napoleão queria realizar, com o Code Civil, a primeira etapa de uma codificação
totalizante. (…) O que Luís considerou que fosse melhor continuar regulamentado por
costumes imemoráveis, sedimentados em um longo processo, agora, em 1804 – Napoleão
aprisiona nos 2.281 artigos do Code Civil, onde todo o direito civil passa a ser previsto, onde
existem regras minuciosas para cada instituto (que frequentemente encontra até mesmo a sua
definição, elaborada pelo próprio legislador” (GROSSI, Paolo. Mitologias jurídicas da
modernidade. 2. ed. rev. e atual. Trad. Arno Dal Ri Júnior. Florianópolis: Fundação Boiteux,
2007. p. 110-111).
2 O pressuposto é de que concepções e palavras não podem ser compreendidas senão como
significantes dentro do universo onde estão inseridas. Trata-se, em última análise, do
reconhecimento da ligação indissociável que se dá entre direito, cultura e sociedade.
3 Afirma Clèmerson Merlin Clève que: “na moderna concepção do direito constitucional
desenvolveu-se uma renovada linha doutrinária conhecida como dogmática constitucional
emancipatória, tendo, esta vertente, o objetivo de estudar o Texto Constitucional à luz da ideia
de dignidade da pessoa humana. Consiste em formação discursiva que procura demonstrar a
radicalidade do Constituinte de 1988, tendo em vista que o tecido constitucional passou a ser
costurado a partir de uma hermenêutica prospectiva que não procura apenas conhecer o direito
como ele é operado, mas que, conhecendo suas entranhas e processos concretizadores, ao
mesmo tempo fomente uma mudança teorética capaz de contribuir para a mudança da triste
condição que acomete a formação social brasileira” (CLÈVE, Clèmerson Merlin. A eficácia
dos direitos fundamentais sociais. RDCI 54/28 (DTR\2006\743) e ss. São Paulo: Ed. RT, jan.
2006. Acesso pela RT Online em: 20.07.2012).
4 WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. 3. ed. Trad. Antonio Manuel
Hespanha. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004. p. 494.
5 Conforme afirma Luiz Guilherme Marinoni, a ascensão do império da lei, ligado à ascensão
da burguesia, pressupunha generalidade e abstração que, no entanto, “evidentemente também
apontavam para a impossibilidade de o juiz interpretar a lei ou considerar circunstâncias
especiais ou concretas. Como é óbvio, de nada adiantaria uma lei marcada pela generalidade e
pela abstração se o juiz pudesse conformá-la às diferentes situações concretas” (MARINONI,
Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. São Paulo: Ed. RT, 2006. p. 28).
6 Conforme afirma Luís Roberto Barroso, pertence ao senso arraigado dos operadores jurídicos
de um sistema da família romano-germânica que o raciocínio jurídico dá-se pela análise do
fato e, após, a busca no ordenamento positivo de norma que seja adequado àquela hipótese.
Em típica operação silogística, faz-se a subsunção dos fatos à norma (BARROSO, Luís
Roberto. Liberdade de expressão versus direitos da personalidade. Colisão de direitos
fundamentais e critérios de ponderação. In: ________. Temas de direito constitucional. 2. ed.
rev. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. t. III, p. 80-81).
7 Idem, p. 82.
8 Idem, p. 87. Na visão do doutrinador, ainda que se possa admitir a ponderação in abstrato, a
aplicação da regra na situação concreta pode conduzir a resultados inadequados, sendo então
de se afastar a regra escrita. Quer-se dizer que nem a escolha nem a exclusão abstrata da lei é
vinculante de maneira absoluta ao julgador ou aplicador do direito. Sobre o tema, também
afirmou Miguel Reale Jr. que “a solução de conflitos pressupõe uma igualdade entre direitos
ou valores em jogo, que não pode ser resolvida por meio de uma preferência abstrata” (REALE
JR., Miguel. Limites à liberdade de expressão. RBCCrim 81/61 (DTR\2009\885) e ss. São
Paulo: Ed. RT, 2009. Acesso pela RT Online em: 07.08.2012).
9 Conforme anota Virgílio Afonso da Silva, o direito constitucional brasileiro anterior a 1988
é muito mais “um direito constitucional de organização estatal” do que um direito
constitucional de direitos fundamentais (SILVA, Virgílio Afonso. Direitos fundamentais:
conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 66). A
modificação não se dá apenas no campo constitucional, possuindo importantes reflexos na
própria compreensão do fenômeno jurídico e no pensamento jurídico brasileiro.
10 Conforme se vê dos seguintes excetos de votos, exemplificativamente: “Avanço na tessitura
desse novo entrelace orgânico para afirmar que, assim visualizada como verdadeira irmã
siamesa da democracia, a imprensa passa a desfrutar de uma liberdade de atuação ainda maior
que a liberdade de pensamento e de expressão dos indivíduos em si mesmos considerados”
(voto do Min. Aryes Britto, relator da ADPF 130, grifos no original); “Por outro lado, a
sociedade democrática é valor insubstituível que exige, para sua sobrevivência institucional,
proteção igual à liberdade de expressão e à dignidade da pessoa humana” (voto do Min.
Menezes Direito).
11 Na concepção de Robert Alexy, princípios podem ser entendidos como mandamentos de
otimização, cuja satisfação pode ser tida em diferentes graus, derivada das possibilidades
fático-jurídicas, sendo estas determinadas pelos princípios e regras colidentes. Diferentemente
dos princípios, as regras ou são satisfeitas, ou não o são, sem que se possa falar em gradação
(ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São
Paulo: Malheiros, 2011. p. 90-91).
12 E é importante notar que a liberdade de expressão tem caracteres próprios quando ligada à
imprensa, exatamente porque esta tem o direito-dever de informação, que reverbera na própria
construção de uma sociedade livre e democrática. Foi neste sentido o voto da Min. Cármen
Lúcia, senão veja-se: “Primeiro, é o que me parece que o que foi posto brilhantemente pelo
Min. Carlos Britto, e, agora, enfatizado pelo Min. Menezes Direito, é que a liberdades de
imprensa – como a manifestação talvez mais importante da liberdade, porque a liberdade de
pensamento para informar, se informar e ser informado, que é garantia de todo mundo, se
compõe, exatamente, para a realização da dignidade da pessoa humana, ao contrário de uma
equação que pretendem ver como se fossem dados adversos. Eu acho que são dados
complementares, quer dizer, quanto menor a informação, menor a possibilidade de que o ser
humano tem, e, portanto, menor a dignidade em relação ao outro, criando cidadanias
diferentes” (voto da Min. Cármen Lúcia, ADPF 130, p. 97, grifou-se).
13 Sobre a discussão doutrinária acerca desta afirmação, vide ARRUDA ALVIM WAMBIER,
Teresa. Existe a “discricionariedade” judicial? RePro 70/232 (DTR\1993\680) e ss. São Paulo:
Ed. RT, abr. 1993.
14 Dignidade esta que, conforme já se pontuou acima, dá-se em sentido duplo: tanto a
dignidade pressupõe a liberdade de expressão, como é alimentada por esta mesma liberdade,
vez que sem informação, faltaria dignidade. A ligação entre democracia, liberdade e igualdade
é, por sua vez, acentuada por Pontes de Miranda ao afirmar que: “a afirmação e o
reconhecimento da dignidade humana, o que se operou por lentas e dolorosas conquistas na
história da humanidade, foi o resultado de avanços, ora contínuos, ora esporádicos, nas três
dimensões: democracia, liberdade, igualdade” (PONTES DE MIRANDA, Francisco
Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1 de 1969. 2. ed. São Paulo:
Ed. RT, 1970. p. 618).
15 Na lição de Ingo Wolfgang Sarlet, pode-se retirar do art. 5.º, caput, da CF (LGL\1988\3)
uma série de liberdades em espécie, dentre as quais se insere a liberdade de expressão, bem
como um chamado direito geral de liberdade. O autor, no entanto, insere concepção crítica a
esta visão, em especial a partir da leitura alemã, na medida em que a ideia geral de liberdade
corresponderia a um suporte fático não determinável (SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI,
Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. São Paulo: Ed. RT,
2012. p. 434). É exatamente isto que se vê da leitura de Robert Alexy, ao tratar da temática no
direito alemão, citando o pioneiro Caso Elfes que, ao interpretar o art. 2.º, § 1.º, da Lei
Fundamental alemã, compreendeu que o direito ao livre desenvolvimento da personalidade
seria direito à liberdade geral de ação. Por oportuno, o citado artigo tem a seguinte redação (em
trad. livre): “Direito à liberdade geral de ação. Direito à vida, integridade física, liberdade da
pessoa. (1) Todos têm o direito ao livre desenvolvimento de sua personalidade, desde que isto
não cause danos a outrem ou não seja contrários aos parâmetros constitucionais ou viole as leis
morais. (2) Todos têm o direito à vida e à integridade física. A liberdade da pessoa é inviolável.
Somente a lei poderá restringir estes direitos”.
16 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil. Introdução ao direito civil constitucional. 3.
ed. Trad. Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 186.
17 Conforme pontua Virgílio Afonso da Silva, o conceito de suporte fático é praticamente
desconhecido pelo direito constitucional. Seu estudo, com efeito, vem no mais das vezes
ligados ao direito penal (e aos tipos penais, ou Tatbestände), direito tributário (fato gerador e
hipótese de incidência) bem como, dentre os civilistas, àqueles que seguem a linha de Pontes
de Miranda, para quem o conceito de suporte fático é essencial (SILVA, Virgílio Afonso. Op.
cit., p. 66). Na definição de Pontes de Miranda, nuclear ao estudo da sua teoria do fato jurídico,
suporte fático é aquele fato ou grupo de fatos sobre os quais a regra jurídica incide, sendo que
a incidência é infalível e independe de atuar do aplicador ou intérprete (PONTES DE
MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954.
t. I, p. 19, § 7.º).
18 SILVA, Virgílio Afonso. Op. cit., p. 70.
19 ALEXY, Robert. Op. cit., p. 218.
20 Voto do Min. Gilmar Mendes, ADPF 130, p. 4 (ou p. 208, PDF completo).
21 “Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob
qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto
nesta Constituição. § 1.º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena
liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o
disposto no art. 5.º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2.º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. § 3.º Compete
à lei federal:
I – regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a
natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua
apresentação se mostre inadequada;
II – estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se
defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no
art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à
saúde e ao meio ambiente.
§ 4.º A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e
terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e
conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.
§ 5.º Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de
monopólio ou oligopólio.
§ 6.º A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade.”
22 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 6. ed. São Paulo:
Malheiros, 2009. p. 826.
23 FACHIN, Luiz Edson. O novo Código Civil (LGL\2002\400). In: ______. Questões de
direito civil brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 4. A afirmação foi
feita quando da análise do novo Código Civil (LGL\2002\400), podendo ser transportada com
temperamentos também à questão envolvendo a liberdade de imprensa. Veja que, ainda sob a
égide da Constituição de 1967, posteriormente modificada em 1969, proclamava-se
constitucionalmente o direito à liberdade (art. 150 e 153, respectivamente) sem que de tal
consideração se possa inferir que o conteúdo material da liberdade ali conferida seja idêntico
àquele extraído da atual Carta Constitucional.
24 SARLET, Ingo; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Op. cit., p. 434.
25 MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit., p. 45.
26 REALE JR., Miguel. Op. cit. Para o Min. Ayres Britto, a restrição legislativa seria vedada
de forma absoluta. Para o Min. Marco Aurélio, a extinção do arcabouço legislativo criaria um
vácuo não desejável.
27 É o que o Ministro chamou de calibração temporal, assegurando-se por primeiro a liberdade,
para após buscar-se eventual reparação.
28 Voto do Min. Carlos Ayres Britto, ADPF 130, p. 20 (ou p. 32, PDF completo).
29 Interessante notar que o STF tem entendimentos anteriores ao julgamento da ADPF ora
comentada considerando que o tema da liberdade de expressão seria infraconstitucional, por
importar ofensa à Lei de Imprensa e não ao texto constitucional diretamente. Vide, por todos,
agravo regimental em gravo de instrumento. 2. Prequestionamento. Ausência. Fundamento não
afastado. Precedentes. 3. Lei de Imprensa. Matéria infraconstitucional. Ofensa reflexa.
Precedentes. 4. Agravo regimental a que se nega provimento (AgIn no AgRg 418.513, 2.ª T.,
j. 13.12.2005, rel. Min. Gilmar Mendes). Também aponta Miguel Reale Jr. que o Min. Ayres
Britto fundamentou seu voto do emblemático julgamento do Caso Ellwanger (HC 82.424, rel.
Min. Moreira Alves) a partir, dentre outros dispositivos (inclusive constitucionais, por certo)
na Lei de Imprensa (art. 27). REALE JR., Miguel. Op. cit., p. 81/61 e ss.
30 Refiro-me à obra Curso de direito constitucional, na qual o autor afirma que a proibição de
restrição retirada de leitura literal art. 220 da CF (LGL\1988\3), é apenas aparente: “isso porque
não são apenas aqueles bens jurídicos mencionados expressamente pelo constituinte (como a
vida privada, a intimidade, a honra e a imagem) que operam como limites à liberdade de
expressão” (MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio; BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de
direito constitucional. São Paulo: Saraiva. p. 357).
31 Explicação do Min. Gilmar Mendes, após leitura do voto do relator, p. 82-83, ADPF 130.
O mesmo entendimento é defendido por Virgílio Afonso da Silva, ao comentar a decisão do
STF na ADIn MC 2.566, na qual se discutiam os limites da liberdade de expressão e o alcance
da proibição de proselitismo constante da Lei 9.612/1998, especialmente o voto do Min. Celso
de Mello que, adotando um suporte fático amplo para o direito à liberdade de expressão,
considera ser este irrestringível. Afirma Virgílio Afonso da Silva que o art. 220, § 1.º, da CF
(LGL\1988\3) é menos absoluto do que aparenta a argumentação do julgador, sendo permitido
e previsto constitucionalmente a existência de restrições ligadas à tutela de outros direitos
igualmente fundamentais (SILVA, Virgílio Afonso. Op. cit., p. 117-118).
32 Na Alemanha, o art. 5.º da Lei Fundamental afirma e ao mesmo tempo apõe limites à
liberdade de expressão, que poderão decorrer da lei, da proteção à juventude e aos direitos de
honra. In verbis: “Art. 5.º, Lei Fundamental alemã (1) Todos tem o direito de livremente
expressar e tornar pública sua opinião em palavra, escrito ou imagem e de ser informados, sem
impedimentos, por fontes de acesso público. A liberdade de imprensa e a liberdade de
comunicação por rádio e filmes são garantidas. A censura é proibida. (2) Estes direitos
encontram restrição nas disposições legais gerais, nas disposições para proteção de jovens e
nos direitos de honra pessoal. (3) Arte e ciência, pesquisa e ensino são livres. A liberdade de
ensino não dispensa a lealdade à Constituição” (trad. livre).
A ausência de igual dispositivo na Constituição brasileira não pode ser vista como impeditivo
de tais restrições, sob pena de abstratamente negar-se vigência a outros direitos igualmente
fundamentais.
33 Apesar da decisão do STF quanto ao caráter iminentemente constitucional da liberdade de
expressão e de imprensa, certo é que há julgados reconhecendo a inadmissibilidade de recurso
extraordinário para a reavaliação de questão de direito ligada a esta responsabilidade, por se
tratar de ofensa reflexa à Constituição da República (LGL\1988\3). A afirmação somente
corrobora a tese (que se pretende provar) de que a transmudação dos parâmetros outrora
existentes na Lei de Imprensa para aqueles previstos no Código Civil (LGL\2002\400) não
surtiu o efeito esperado, de maior liberdade, nem transformou o Poder Judiciário em mais
sensível à proteção deste direito. Vide, por todas, a seguinte decisão do TJPR (que, malgrado
proferida após o julgamento da ADPF, considera em sua fundamentação julgados
fundamentados na Lei não recepcionada): “A recorrente alegou, preliminarmente, a existência
de repercussão geral da questão constitucional. Sustentou ofensa aos arts. 5.º, X, e 220, §§ 1.º
e 2.º, da Constituição Federal (LGL\1988\3), por entender que não houve qualquer abuso no
direito de informar. O recurso não comporta seguimento. A câmara julgadora entendeu que
foram provados os fatos ensejadores do dever de indenizar, em razão da veiculação pela
recorrente de matéria supostamente ofensiva, à luz dos elementos de prova constantes dos autos
e da legislação infraconstitucional que disciplina a matéria, cujo reexame não tem lugar nesta
via recursal, considerados, respectivamente, o contido na Súmula 279 (MIX\2010\2004) do
STF e a natureza reflexa ou indireta de eventual ofensa ao texto constitucional. A propósito:
‘Agravo regimental no recurso extraordinário. Responsabilidade civil. Matéria jornalística.
Pedido de indenização por danos morais. Impossibilidade a análise da legislação
infraconstitucional e do reexame de provas. Súmula 279 (MIX\2010\2004) do STF. Ofensa
constitucional indireta. Agravo regimental ao qual se nega provimento.. (…)’ (STF, RE
541.739, rel. Min. Cármen Lúcia, 1.ª T., DJe 24.10.2008). Em decisão monocrática proferida
no RE 389.096, a relatora Min. Ellen Gracie, analisando situação análoga, consignou que: ‘O
Tribunal de origem asseverou que o réu exacerbou o exercício da liberdade de imprensa,
violando a honra e a imagem do autor, de forma a responsabilizar o ora recorrente pelos danos
suportados pelo recorrido, a partir da análise dos fatos e das provas constantes dos autos e da
legislação infraconstitucional que disciplina a matéria (Lei 5.250/1967), cujo reexame não tem
lugar nesta via recursal, considerados, respectivamente, o óbice da Súmula STF 279 e a
natureza reflexa ou indireta de eventual ofensa ao texto constitucional. Nesse sentido: RE
250.424 AgR/RJ, rel. Min. Ilmar Galvão, 1.ª T., DJ 02.02.2001 e RE 447.584 AgR/RJ, rel.
Min. Cezar Peluso, 2. T., DJ 16.03.2007, dentre outros’ (DJe 25.03.2009). (TJPR, RE e REsp
629.122-5/03, Exame de Admissibilidade, Des. Presidente Miguel Kfouri Neto, 09.08.2012).
34 Voto do Min. Menezes Direito, p. 85-94.
35 Aditamento ao Voto, Min. Carmen Lúcia, p. 96-100. No caso concreto brasileiro, no
entanto, reconhece a Ministra que, na sua visão, “a Constituição de 1988 tratou regularmente
e integralmente daquilo que é necessário para que os abusos sejam coartados” (p. 99).
36 Voto do Min. Ricardo Lewandowski, p. 101-105.
37 É o que se infere da compreensão do Min. Cesar Peluso, ao afirmar categoricamente que a
edição de uma nova lei é plenamente compatível com a Constituição da República
(LGL\1988\3). A adesão ao voto do relator deu-se por considerar inadequada a mutilação da
Lei de Imprensa que, caso mantida apenas em parte, poderia perder seu caráter orgânico (voto
do Min. Cesar Peluso, ADPF 130, p. 123). Já a Min. Ellen Gracie, ao divergir do entendimento
adotado pelo relator, considera não haver possibilidade de se falar em uma blindagem
legislativa do direito de imprensa, justamente por não considerar haver hierarquia entre os
direitos e garantias fundamentais (voto da Min. Ellen Gracie, p. 127).
38 Não se quer, por óbvio, justificar a premissa a partir da conclusão, pois isto seria inadequado
cientificamente. Ocorre que há um limite de escolha a ser feita e, aqui, ela o é no sentido
deliberado de prestigiar a ampla liberdade de imprensa, sem que isso reverbere em qualquer
forma de prevalência abstrata e absoluta desta mesma liberdade quando em conflito com outros
direitos fundamentais. Parte-se, desta forma, de uma escolha interpretativa e nem um pouco
neutra, por certo, de se considerar que o melhor alcance do art. 220 da CF (LGL\1988\3) é
aquele que compreende o prestígio constitucional da liberdade de expressão (e de imprensa),
sem descurar a possibilidade de legislação limitar a temática, como, aliás, tem o feito a
jurisprudência. É no mesmo sentido a interpretação tida pela jurisprudência e doutrina
americanas quanto ao teor da primeira Emenda à Constituição daquele país que, em termos
iniciais, parece vedar de maneira absoluta qualquer restrição à liberdade do cidadão.
39 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários… cit., p. 639.
40 NEUNER, Jörg. O princípio de igualdade de tratamento no direito privado alemão. Revista
Trimestral de Direito Civil 37/196. Rio de Janeiro: Padma, jan.-mar. 2009.
41 A distinção entre o direito de resposta (previsto no inc. V do art. 5.º da CF (LGL\1988\3))
e a publicação da sentença condenatória ao órgão de imprensa outrora prevista na não
recepcionada Lei de Imprensa é elucidativa desta confusão causada pela ausência de
regulamentação legal.
42 ALEXY, Robert. Op. cit., p. 343. Nas palavras de Gilmar Mendes e Paulo Branco, seria o
reconhecimento de que não cabe ao Estado o estabelecimento de quais são as opiniões válidas
e aceitáveis, mas sim ao público (op. cit., p. 300-303).
43 MENDES, Gilmar; BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de direito constitucional. 7. ed. São
Paulo: Saraiva, 2012. p. 307. E foi este, conforme se viu acima, o entendimento exarado pelo
Min. Gilmar Mendes em sua decisão pela não recepção da Lei de Imprensa, mantendo a
regulamentação do direito à resposta.
44 O que é, também por si só, paradoxal. Na medida em que se relega ao aplicador do direito
a busca de parâmetros de restrição (ainda que a posteriori) da liberdade de imprensa, há
remissão à legislação infraconstitucional, deixando de ser a matéria eminentemente
fundamental. Veja-se, neste ponto, o entendimento de que a aferição de eventual ofensa a
termos constitucionais quando do julgamento de ação cível na qual se determinou a reparação
civil por danos morais em decorrência de suposta ofensa veiculada em jornal, seria meramente
ofensa reflexa aos termos da Constituição da República (LGL\1988\3): “A recorrente alegou,
preliminarmente, a existência de repercussão geral da questão constitucional. Sustentou ofensa
aos arts. 5.º, X, e 220, §§ 1.º e 2.º, da Constituição Federal (LGL\1988\3), por entender que não
houve qualquer abuso no direito de informar. O recurso não comporta seguimento. A Câmara
julgadora entendeu que foram provados os fatos ensejadores do dever de indenizar, em razão
da veiculação pela recorrente de matéria supostamente ofensiva, à luz dos elementos de prova
constantes dos autos e da legislação infraconstitucional que disciplina a matéria, cujo reexame
não tem lugar nesta via recursal, considerados, respectivamente, o contido na Súmula 279
(MIX\2010\2004) do STF e a natureza reflexa ou indireta de eventual ofensa ao texto
constitucional (…)” (TJPR, RE 629.122-5/03, decisão de admissibilidade exarada pelo Des.
Presidente Miguel Kfouri Neto, em 27.07.2012).
45 Ao comentar o julgamento da MC na ADIn 2.566, Virgílio Afonso da Silva critica a
concepção amplíssima de suporte fático (que afasta qualquer restrição) constantes dos votos
dos Ministros Celso de Mello e Marco Aurélio, dentre outros motivos, porque assim se
constituiria um problema prático: “porque impossibilita qualquer forma de regulação da
atividade de imprensa no Brasil” (SILVA, Virgílio Afonso. Op. cit., p. 118).
46 De se notar que, mesmo antes da declaração de não recepção de Lei de Imprensa, muitas
decisões jurisprudenciais afastavam-se dos limites deste diploma para aplicarem, de forma um
tanto quanto discutível, até mesmo o Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40) às
relações travadas entre a imprensa e a pessoa noticiada. A ementa que segue bem denota que a
existência de lei formal não é suficiente para a previsibilidade e segurança jurídicas, conforme
se afirmou no início deste trabalho: “Ação de indenização por danos morais. II. – Notícia
jornalística sobre morte de assaltante, com exibição de fotografia. Documentos do autor que
foram furtados e encontrados no bolso do assaltante. Equívoco. Exposição indevida do nome
e da imagem do autor. III. – Atividade de risco. Ausência de qualquer diligência a respeito da
real identidade do assaltante. Aplicação do art. 927, parágrafo único, do CC. Enunciado 38 do
CEJ. Responsabilidade objetiva. IV. – O art. 49, caput, da Lei 5.250/1967 não é impedimento
para a aplicação do disposto no art. 927, parágrafo único, do Código Civil (LGL\2002\400)
quando se tratar de atividade de risco, dada a especificidade desta regra. V. – Proteção da
dignidade da pessoa humana. Eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Imposição de
observância que alcança também os entes privados, principalmente quando entre eles há uma
significativa diferença econômica, social e de influência. VI. – Aplicação dos arts. 14 e 19 do
Código de Defesa do Consumidor (LGL\1990\40). Consumidor por equiparação. (…)” (TJPR,
AC 0442493-3, 8.ª Câm. Civ., Foro Central da Região Metropolitana de Curitiba, j. 14.02.2008,
m.v., rel. Des. Jorge de Oliveira Vargas, grifou-se).
47 É oportuno notar que a Lei de Imprensa não recepcionada continha dispositivo (art. 27) que
determinava os parâmetros para análise do exercício regular e abusivo da informação,
especialmente quanto ao direito de crítica. Comentando referido artigo, ainda sob a égide da
Constituição de 1967, afirmou Darcy Miranda que nada mais natural do que a proteção à
crítica, pois, “a liberdade, neste sentido, conduz ao que é verdadeiramente útil à coletividade,
pois a liberdade do erro é o pior gênero de morte para o espírito, como dizia Santo Agostinho:
‘quae peior mors animae quam libertas erroris?’” (MIRANDA, Darcy. Comentários à Lei de
Imprensa. São Paulo: Ed. RT, 1969. p. 515).
48 Insegurança esta que, em verdade, existiria ainda sob a égide da Lei de Imprensa, que
mesmo quando ainda vigente, não era aplicada na totalidade dos casos e não representava
forma adequada de tutela das relações travadas na vida real.
49 “Apelação cível. Ação de indenização. Notícia veiculada em jornal. Publicação indicando
o autor como sendo criminoso, enquanto que o acusado seria o seu irmão. Fato repassado à
imprensa através de relatório da Polícia Militar. Documento que continha erro. Reprodução
literal. Dano moral não imputável ao jornal ou ao jornalista. Recurso a que se nega provimento”
(TJPR, AC 0613868-9 Foz do Iguaçu, 9.ª Câm. Civ., j. 11.03.2010, v.u., rel. Des. Francisco
Luiz Macedo Junior).
50 “Apelação cível. Indenização por danos morais. Notícia veiculada em jornal televisivo.
Prisão em flagrante. Envolvimento em crime de lavagem de dinheiro. Notícia inverídica.
Abuso do direito de informar. Negligência configurada. Fonte da informação. Ausência de
cuidado na verificação de sua veracidade. Dever de indenizar. Valor indenizatório proporcional
à gravidade da ofensa. Sentença confirmada. Recurso de apelação desprovido. 1. O órgão de
imprensa é civilmente responsável pelas imagens e matérias que veicula, não sendo possível
imputar tal encargo à fonte da informação. As informações repassadas ao órgão de imprensa
devem ser exaustivamente checadas antes de sua publicação, por mais confiável que seja sua
fonte. 2. As testemunhas ouvidas nos autos e que confirmaram ter a apelante recebido as
informações noticiadas de Delegado da Polícia Federal são, na realidade, os próprios
funcionários da emissora de televisão, e que participaram da reportagem em questão. 3. O fato
de se tratar de notícia inverídica, por si só, acarreta o dever de indenizar, independentemente
de quem tenha sido a fonte da informação. 4. A apelante não agiu com a diligência necessária
no dever de informar, extrapolando o animus narrandi, mormente por se tratar de notícia que
informava fato gravíssimo, com imputação da prática de crime por pessoa física (…)” (TJPR,
AC 0658399-1 Foz do Iguaçu, 9.ª Câm. Civ., – j. 24.06.2010, v.u., rel. Des. Hélio Henrique
Lopes Fernandes Lima).
51 Na lição de Anderson Schreiber: “não se deve, contudo, imaginar que a honra somente pode
ser atingida pela divulgação de fatos que não se afigurem verdadeiros (…) no campo civil não
há dúvidas de que a difusão da verdade pode gerar responsabilidade, dependendo do contexto
e do modo como vem apresentada” (SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. São
Paulo: Atlas, 2011. p. 80).
52 A existência do direito de resposta vem sendo albergada pelos Tribunais, ainda que sem
expressa previsão legal. É o que se vê do seguinte excerto: “Como consabido, o STF, ao julgar
a ADPF 130/DF, declarou que a Lei de Imprensa (Lei 5.250/1967) não foi recepcionada pela
CF/1988 (LGL\1988\3) e, diante da impossibilidade de modulação de efeitos nas decisões de
não recepção tal qual apregoa a jurisprudência do STF, considera-se inválida a referida lei
desde a promulgação da atual Carta Magna (LGL\1988\3). Contudo, permanece passível de
proteção jurídica o direito constitucional de resposta, mas não mais nos termos em que previsto
nos arts. 29 a 36 da Lei de Imprensa. Para dar amparo a tal direito, o Judiciário deverá valer-
se da analogia (como discutido pelo STF quando do julgamento da citada ADPF), ao invocar
o art. 14 do Pacto de San Jose da Costa Rica e o art. 58 da Lei 9.504/1997. Por sua vez, a Lei
de Imprensa, em seus arts. 68 e 75, previa a possibilidade de publicação da respectiva sentença
cível ou criminal no mesmo veículo de comunicação em que perpetradas as ofensas que deram
causa à ação. Porém, essa publicação, de natureza inerente à reparação civil, apesar de
semelhante, não se confunde com o direito à resposta, sanção penal por natureza (como
reconhecia reiteradamente o STJ), que é conferido ao ofendido para que esclareça, de mão
própria, no mesmo veículo, os fatos antes divulgados a seu respeito. Por isso, vê-se que esse
direito à publicação da sentença, que visa dar ao público conhecimento da existência e do teor
da decisão judicial, não tem amparo direto na CF/1988 (LGL\1988\3). Logo, sua sobrevida
deve ser apreciada à luz da legislação civil. Isso posto, constata-se, ao final, que o princípio da
reparação integral do dano (art. 159 do CC/1916 (LGL\1916\1) e arts. 186, 187 e 927 a 943 do
CC/2002 (LGL\2002\400)) não tem alcance suficiente para abranger o aludido direito à
publicação de sentença, providência de fundamento único na Lei de Imprensa não
recepcionada, pois não se pode impor, a partir da regra geral de indenização por ato ilícito, uma
obrigação de fazer ao devedor, salvo se tal obrigação constar previamente de contrato. Assim,
até que aprovada uma nova Lei de Imprensa (em discussão no Congresso Nacional), está
assegurado aos cidadãos apenas o exercício do direito de resposta, mas não a faculdade de
requerer publicação da sentença no veículo de comunicação ofensor. Precedentes citados do
STF: ADPF 130/DF, DJe 06.11.2009; AgRg no AgIn 438.366/ RJ, DJ 30.03.2007; AgRg no
AgIn 582.280/RJ, DJ 12.09.2006; do STJ: AgRg no REsp 658.337/RJ, DJe 22.04.2008; REsp
654.719/SP, DJ 12.03.2007, e REsp 829.366/RS, DJ 02.10.2006; REsp 885.248/MG, rel. Min.
Nancy Andrighi, j. 15.12.2009” (grifou-se).
53 Afirmou o Min. Gilmar Mendes que: “O certo é que a dimensão objetiva ou institucional é
elemento imprescindível de compreensão do significado da liberdade de imprensa no Estado
Democrático de Direito. Não se pode negar que a liberdade de imprensa, além de uma
pretensão subjetiva, revela um caráter institucional que a torna uma verdadeira garantia
institucional” (ADPF 130, p. 19 (ou p. 223, PDF completo). A missão democrática da
imprensa, como instituição cuja autonomia há de ser protegida, é defendida por Owen Fiss, ao
afirmar que: “na sociedade moderna, a imprensa organizada, incluindo a televisão, talvez seja
a instituição principal que desenvolve esta função [informação], e, para cumprir essas
responsabilidades democráticas, a imprensa necessita de um certo grau de autonomia em
relação ao Estado” (FISS, Owen M. A ironia da liberdade de expressão: Estado, regulação e
diversidade na esfera pública. Trad. Gutavo Binenbojm e Cario Mário da Silva Pereira. Rio de
Janeiro: Renovar, 2005. p. 99).
54 Voto do Min. Gilmar Mendes, ADPF 130, p. 21 (ou p. 225, PDF completo).
55 É esta a síntese da obra que fazem Gustavo Binenbojm e Caio Mário da Silva Pereira, ao
prefaciarem a obra de Owen Fiss (op. cit., p. 1-2).
56 E por impedimento de ocorrência de abusos não se pode entender, de maneira alguma, a
prática de censura, que é vedada de maneira absoluta. A afirmação deve ser entendida dentro
de um contexto de autorregulação, porém iluminada pela previsibilidade quanto à composição
do suporte fático do dever de indenizar.
57 Ironia esta que se poderia afirmar extensível a todos os direitos fundamentais. Conforme
afirmou Pontes de Miranda, ao comentar o Capítulo dos Direitos e Garantias Individuais da
Constituição de 1969, pautado na lição de Richard Thoma, “os conjuntos de direitos
fundamentais olham, de frente, o Estado, constituem (Richard Thoma, Grundrecht und
Polizeiwalt Festgabe, 187) ‘estações no eterno processo the man versus the State, em ondas
que vão e que vêm’” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários… cit., p.
617-618).
58 Não há mais liberdade e nem maior segurança jurídica na proteção desta liberdade. O Poder
Judiciário brasileiro ainda caminha em direção à fixação de parâmetros adequados para análise
da liberdade que envolve a imprensa.
59 DOTTI, René Ariel. Proteção da vida privada e liberdade de informação. São Paulo: Ed.
RT, 1980. p. 161.
60 E a lei aqui, conforme lição de Clèmerson Merlin Clève, não pode ser entendida nem apenas
sob o ponto de vista meramente formal (tal como se fazia na Antiguidade) ou mesmo, após a
Modernidade, como comando abstrato de poder. A compreensão do que vem a ser lei há de ser
retirada, conforme afirma o jurista, “a leitura da Constituição exige o conhecimento do
significado da palavra ‘lei’ residente em cada artigo da Constituição” (CLÈVE, Clèmerson
Merlin. A lei no Estado Contemporâneo. In: ______ et al (coords.). Doutrinas Essenciais de
Direito Constitucional. São Paulo: Ed. RT, maio 2011. vol. 4, p. 145 e ss. Acesso pela RT
Online em: 05.08.2012).
61 O doutrinador afirma que a intervenção em direitos fundamentais não é algo
constitucionalmente vedado por si só, ainda que não delimite a afirmação ao campo da
liberdade de expressão. SILVA, Virgílio Afonso. Op. cit., p. 119).
62 Sendo importante notar, conforme Claus-Wilhelm Canaris, que os direitos fundamentais
também atuam sobre o legislador de direito privado (CANARIS, Claus-Wilhem. Direitos
fundamentais e direito privado. Coimbra: Almedina, 2003. p. 21).
63 A Comissão para a Modernização do Direito das Obrigações, vinculada ao Ministério da
Justiça alemão, optou por uma modificação profunda tendo como norte, dentre outras questões
(especialmente àquele referente às Diretivas Europeias), a existência de muitos entendimentos
jurisprudenciais e doutrinários não albergados no corpo do BGB. Os estudos preliminares,
portanto, pautaram-se no estudo dos desenvolvimentos das questões para além dos estreitos
limites do Código. Apesar de extremamente criticada na sua gênese, a Reforma está hoje
consolidada e foi bem recebida naquele país. É a seriedade do trabalho e a inclusão de soluções
adequadas à realidade alemã que a tornou definitiva. Sobre o tema, vide MENEZES
CORDEIRO, António. Da modernização do direito civil, I, aspectos gerais. Coimbra:
Almedina, 2004.
64 Grossi, Paolo. Op. cit., p. 24-25.