NO RITMO DE DORIAN GRAY X
Transcript of NO RITMO DE DORIAN GRAY X
1
NO RITMO DE DORIAN GRAY: uma aproximação entre a literaturae o heavy metal1
Luiz José Pereira Mendonça2
Professora-orientadora: Sara Rogéria Santos Barbosa3
RESUMO:
Este artigo demonstra como a obra literária O retrato de DorianGray (1890), do escritor irlandês, Oscar Wilde, vem a serapropriada por algumas bandas de heavy metal na composição desuas canções. Analisaremos como a referida obra e algumascanções heavy metal, que tem em sua temática o enredo dolivro, retratam as características do personagem principal,Dorian Gray. Por meio da Literatura Comparada, usando comofonte teórica os autores Tânia Carvalhal (2006) e AntônioCândido(2006), analisaremos as inter-relações existentesentre música e literatura, utilizando os conceitos deintertextualidade e interdisciplinaridade para tratar doencontro entre o heavy metal e a literatura inglesa.
Palavras-chave: Literatura comparada. O retrato de Dorian Gray.Heavy Metal.
Abstract:
This article demonstrates as the literary composition thepicture of Dorian Gray (1890), of the Irish writer, OscarWilde, comes to be appropriate for some bands of heavymetal in the composition of its songs. We will analyze asthe cited workmanship and some songs heavy metal that hasin its thematic o plot of the book portray thecharacteristics of the main personage, Dorian Gray. Bymeans of Compared Literature, using as theoretical sourceauthors Tânia Carvalhal (2006) and Antonio Cândido (2006),
1 Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito para obtenção do título de especialista em .......2 Pós Graduando do Curso de Língua Portuguesa e Literatura3 Professora Mestre orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso.
2
we will analyze the existing Inter-relations between musicand literature, having used the concepts ofintertextualidade and interdisciplinaridade to deal withthe meeting between heavy metal and english literature.
Keywords: Comparative literature. The picture of DorianGray. Heavy Metal.
INTRODUÇÃO
Este artigo mostra a relação de proximidade entre
dois movimentos artísticos, música e literatura, e como
através dessa interrelação a música apropria-se das obras
literárias para a construção de suas canções. Para isso,
analisamos o livro O retrato de Dorian Gray (1890), do escritor
irlandês Oscar Wilde, comparando algumas características da
personagem principal retratadas na obra com o perfil dessa
mesma personagem quando descrita em letras de canção heavy
metal, mostrando, assim, como algumas bandas desse estilo
musical apropriam-se do enredo do referido livro na
produção de letras para suas canções, o que as tornam uma
obra intertextual com elementos literários.
O rock and roll é o estilo musical mais contestado e
discriminado da história da música. Primeiro, porque suas
origens estão diretamente ligadas à cultura afro-americana,
depois, por sua rebeldia que inspirou toda uma geração que
não possuía nenhuma referência musical que abordasse e
entendesse suas expectativas, significados e valores, e
para completar, o seu surgimento aconteceu durante uma fase
3
muito conservadora dos Estados Unidos, na década de 1950
(LEÃO, 1997). O rock, que apresenta essa condição natural de
rebeldia, há quase sessenta anos vem encantando multidões
de jovens com sua atitude contrária ao decoro e às
conveniências como o gênero musical mais difundido em nosso
planeta (CONTINI, FIORI, 2011). Mas, apesar de toda a
contestação e discriminação que enfrentou desde suas
origens, o rock and roll sobreviveu, cresceu e se multiplicou,
criando uma infinidade de vertentes com características
singulares, tornando-se não só um estilo de música, mas
também, um estilo de vida.
Atemo-nos a uma das ramificações do rock, a mais
pesada e agressiva, o heavy metal, manifestação musical que
surgiu na década de 1960, tendo como berço os Estados
Unidos e a Inglaterra. Ele é um dos estilos musicais que
mais se preocupa com o conteúdo de suas composições. As
letras das canções concentram uma série de influências, que
vão do protesto até o fantasioso, passando pela filosofia,
história, literatura, entre tantos outros assuntos. Baseado
nessa necessidade de compreender as letras heavy metal como
suporte de informação, resolvemos enveredar nessa prazerosa
e imprevisível jornada de aproximação entre música pesada e
literatura.
Iniciamos este trabalho mostrando um pequeno resumo
do referido livro, seguido de uma breve explanação sobre a
relação entre a música, especificamente o heavy metal, e a
4
literatura. Nossa análise demonstra como algumas
características da personagem principal são descritas por
duas bandas de rock pesado (Ad Vitaum Aeternum e Demons and
Wizards) em suas canções, comparando com trechos da obra de
Oscar Wilde em questão, tendo como bases os estudos de
Literatura Comparada de Tânia Carvalhal (2006) e Antônio
Cândido (2006), da relação entre música e educação de
Carlos Eduardo de Souza Campos Granja (2006), da Literatura
Inglesa de Sandra Guardini Vasconcelos (2002), como também
dos estudos sobre as relações entre o heavy metal, cultura e
sociedade feitos por Ian Christe (2010), Jeder Janotti
Junior (2004) e Tom Leão (1997).
I OSCAR WILDE: “O RETRATO DE DORIAN GRAY”
Criado numa família protestante, Oscar Wilde, estudou
na Portora Royal School de Enniskillem e no Trinity College de Dublin,
onde sobressaiu como latinista e helenista. Passou a morar
em Londres e começou a ter uma vida social bastante
agitada, sendo logo caracterizado por suas atitudes
extravagantes.
Em 1883, foi para Paris e entra para o mundo
literário local, o que o levou a abandonar seu movimento
estético. Voltou para a Inglaterra e se casa com Constance
Llyd, filha de um rico advogado de Dublin, indo morar em
Chelsea, um bairro de artistas londrinos. Com Constance,
teve dois filhos, Cyril, em 1885 e Vyvyan, em 1886. O
5
melhor período intelectual de Oscar Wilde é o que vai de
1887 a 1895.
Em 1892, começa uma série de bem sucedidas comédias,
hoje clássicos da dramaturgia britânica: O Leque de Lady
Windernere (1892), Uma mulher sem importância (1893), Um marido
ideal e A importância de ser sério (ambas de 1895). Publica contos
como O Príncipe Feliz e O rouxinol e a rosa (que escrevera para os
seus filhos) e O crime de Lord Artur Saville. O seu único romance
foi O retrato de Dorian Gray³.
O retrato de Dorian Gray foi o maior sucesso literário de
Oscar Wilde e transcedeu os limites da literatura sendo
fonte de inspiração para vários artistas de diversas formas
de artes que vão da pintura, passando pelo cinema e pela
música. O livro conta a história do belíssimo jovem
aristocrata Dorian Gray que, ao se conscientizar de
³ Todos os dados biográficos aqui apresentados são frutos de pesquisasem meio eletrônico, por isso a ausência de referência textual.
sua beleza, diante de seu retrato pintado, tem
misteriosamente um desejo atendido: permanecer sempre
jovem, enquanto o retrato envelhece em seu lugar.
Após ter seu desejo atendido, nessa nova etapa de sua
vida, Dorian percebe-se apaixonado por uma linda atriz,
Sybil Vane, resolvendo então pedi-la em casamento.
Encantado com sua doce enamorada Dorian convida seus dois
principais amigos, Lorde Wotton e Basil, para conhecê-la,
levando-os a uma das apresentações da atriz. Por ironia do
6
destino, nessa noite, a jovem tem uma péssima atuação, o
que deixa Dorian envergonhado e decepcionado.
Apesar do fracasso da jovem nos palcos, Lorde Wotton
e Basil tentam animar Dorian elogiando a beleza de Sybil.
Ele, entristecido, dirige-se ao camarim onde está a atriz,
encontrando-a alegre e radiante. Sibyl pede desculpa pela
triste performance dizendo-lhe que, a partir daquele
momento, só viverá para amá-lo, e justifica sua fraca
atuação dizendo que sua inspiração para o teatro foi
substituída pelo amor e admiração que sente por seu amado.
Essa postura de Sibyl não agrada Dorian, que humilha e
despreza a jovem atriz.
Ao voltar para casa, Dorian entra em seu quarto e
quase enlouquece ao perceber que o quadro pintado com o seu
retrato estava desfigurado. Ele então entende que a maldade
dos seus atos contra a doce Sibyl estava sendo refletida na
pintura, que representava não apenas seus aspectos físicos,
mas, principalmente, sua alma. Por isso, deveria desculpar-
se com Sibyl para que o quadro voltasse ao normal.
Entretanto, era tarde demais, Sibyl havia cometido
suicídio.
Com o passar do tempo, ao perceber que a pintura que
reflete sua alma não mostra mais um jovem belo e sagaz, e
sim, uma figura horrenda e velha, resultado de sua vida
inescrupulosa, Dorian reconhece sua verdadeira face,
exatamente o oposto do que demonstra sua bela e jovem
7
aparência. Numa crise de loucura e revolta, totalmente
desesperada por não ter como corrigir seus erros, numa
tentativa de por fim ao retrato que lembrava o tipo de
pessoa que se tornara, rasga o retrato com uma faca, sem
saber que essa atitude o levaria à própria morte. Dorian
Gray é encontrado morto, com o aspecto físico de um velho
horrível. O quadro ao seu lado está exatamente como era
quando foi pintado exibindo o retrato de um moço jovem,
belíssimo.
Esse pequeno resumo serve para apresentar os caminhos
que o personagem principal, Dorian Gray, segue durante o
romance. Suas características emocionais e de comportamento
serão mais detalhadamente abordadas numa relação que vai
ser feita do livro com composições musicais, mais
especificamente canções heavy metal, e que tiveram na
história de Dorian Gray sua fonte de inspiração.
II MÚSICA E LITERATURA
A palavra música ou “mousiké”, etimologicamente, vem
de mousa, que significa musa.
Filhas de Júpiter e Mnemosine, as musas eram asdeusas da poesia e da educação, que na épocaenglobava não apenas o conhecimento da literatura,mas da dança, do canto e dos instrumentos musicais.Aos homens, as musas doavam inspiração poética econhecimento. Mousiké era a arte das musas, ouseja, a poesia, a dança, o canto e a prática dalira (GRANJA, 2006, p. 25).
8
A música é uma das mais antigas manifestações
humanas, existindo registros de sua prática em civilizações
como a egípcia, a babilônica, a chinesa e a hindu. Porém,
foi na Grécia antiga que a música passou a ser vista como
instrumento de produção e difusão da filosofia e do
conhecimento (GRANJA, 2006).
A presença da música na cultura grega já era
importante desde os tempos de Homero, séc. VIII a.C.,
quando o estudo da lira e do canto fazia parte da formação
educacional aristocrática. Sua importância era tamanha, na
educação do cidadão, que Platão, citado em Granja (2006,
p.22), chegou a afirmar que “aquele que não sabe conservar
seu lugar num coro, não é verdadeiramente educado”.
O papel da música na cultura grega foi se
transformando à medida que novas formas de pensamento foram
surgindo. Mais do que a educação musical de uma
aristocracia, a música passou a fazer parte não apenas do
currículo escolar básico, mas também das discussões
filosóficas e científicas (GRANJA, 2006).
Analisando as características da música na Grécia
antiga, confrontamo-nos com uma concepção que é bastante
diferente da nossa visão atual sobre a Música. Para os
gregos, a Música não se limitava apenas na sua dimensão
sonora, ela era um conceito amplo que englobava também a
poesia, a dança, a metafísica e a filosofia, estando
9
inserida num complexo de atividades relacionadas não só à
cultura, mas também à educação e ao conhecimento.
Outra grande herança da civilização grega foi a
mitologia. Os mitos tiveram um papel importante na formação
do espírito grego, influenciando sua arte, história e
pensamento. O surgimento da escrita distanciou o mito do
momento sagrado da narrativa. A criação do alfabeto e de
uma cultura letrada na Grécia propiciou o desenvolvimento
de um novo tipo de pensamento, baseado na ideia do “logos”.
O logos é um discurso racional, lógico e objetivo
sobre o mundo, que se expressa, sobretudo, pela palavra
escrita. O logos, contudo, não suplantou totalmente o mito
nem o destruiu. Este se transformou e sobreviveu à
investida racional, sobretudo nas manifestações religiosas,
artísticas e literárias. No caso da Música, a articulação
entre o mito e o logos tece amplas repercussões na cultura
grega.
Música e mito se aproximam no âmbito da manifestaçãosonora, presente principalmente nas cerimôniasreligiosas e festividades. O canto afinado remete apalavra para outra dimensão, onde a forma deexpressão se torna tão importante quanto o conteúdo.A presença da música na recitação de poemas e nosantigos épicos investia a palavra de um podersagrado típico do mito. (GRANJA, 2006, P.28)
A aproximação do logos com a música aconteceu por
volta do século VI a.C. com os pitagóricos, ao descobrirem
as proporções numéricas contidas nas harmonias musicais. A
Música passou a ser explicada e representada por meio da
10
Matemática e da Lógica, tornando-se objeto de especulação
teórica. A criação do alfabeto possibilitou não apenas a
representação dos sons da língua, mas também dos números e
dos sons. A Música passou a ser codificada e escrita por
meio de símbolos, ultrapassando sua dimensão estritamente
sonora e permitindo uma aproximação com a Filosofia e com a
Matemática. A presença da dimensão mítica e o surgimento da
dimensão lógica na música foram fundamentais para que, a
partir de então, ela ocupasse um lugar central na educação
grega.
Ainda na Grécia, para Platão, a música era capaz de
exercer forte influência sobre a alma e sobre o caráter das
pessoas, podendo transmitir valores éticos e estéticos de
maneira direita. Para ele, além desse poder, a Música tinha
uma importância na formação intelectual das pessoas. Ela
atuaria como um conhecimento inconsciente que se antecipa e
sustenta o conhecimento filosófico consciente. A partir das
ideias de Platão, configurou-se uma pedagogia musical
enviesada, onde prevalece uma abordagem mais racional da
música, voltada para a linguagem verbal e para as relações
matemáticas.
II a O Heavy Metal e a Literatura
A Literatura é fonte de pesquisa em todos os ramos
das ciências. Os autores clássicos e suas obras fantásticas
influenciam modos de viver e pensar, não sendo diferente
com a música.
11
O heavy metal é um estilo que acolhe muito bem a
mistura entre música e literatura. Talvez seja o estilo
musical que mais tenha utilizado obras literárias como
inspiração para letras, melodias, títulos de músicas e
capas de discos. Uma das bandas que se utilizam muito da
literatura em sua música é o Iron Maiden, mestres do heavy
metal mundial. Edgar Allan Poe na música “Murders in the Rue
Morgue” (1981) sobre o conto Assassinatos na Rua Morgue,
Frank Herbert na música “To Tame a Land” (1983) que fala
sobre o épico Os Filhos de Duna, “Lord of the Flies” (1995) do
clássico Senhor das Moscas do autor William Golding, “Brave
New World” (2000) que faz música do clássico Admirável
Mundo Novo, de Aldous Huxley, e o clássico poema de Samuel
Taylor Coleridge, “A Balada do Velho Marinheiro”, é
explorado na música “Rime of the Ancient Mariner” (1984).
No Brasil, tivemos a iniciativa do projeto Hamlet
(2001), em que várias bandas se reuniram para cantar a peça
mais famosa de William Shakespeare. Outros exemplos são os
álbuns da banda mineira Sepultura “Dante XXI” (2006) e “A-lex”
(2009) que fazem uma leitura de dois grandes clássicos da
literatura mundial, “A Divina Comédia” de Dante Alighierie
e “Laranja Mecânica” de Anthony Burguess, e o mais recente
álbum da banda paulista Angra “Aqua”(2010). O conceito que
permeia o álbum deriva daquela que é considerada a última
peça que Shakespeare escreveu em vida, "A Tempestade", cuja
data é indicada por alguns como em torno de 1612, muito
embora existam fontes que asseverem que a peça fora
12
encenada pela primeira vez em 1611, no palácio Whitehall,
em Londres.
TODAS AS OBRAS DEVEM VIR EM ITALICO, SEM ASPAS E COM
AS DATAS
Para melhor demonstrar essa relação entre literatura
e heavy metal, analisaMos a obra do escritor irlandês Oscar
Wilde, O Retrato de Dorian Gray, fazendo uma comparação com
canções do rock pesado que usam em sua temática a referida
obra.
O heavy metal e a obra citada possuem vários pontos
convergentes. O primeiro ponto de convergência é
geográfico, a Inglaterra. Apesar do rock and roll ter surgido
nos Estados Unidos, o heavy metal nasceu, cresceu e se
consolidou na Inglaterra, país onde o irlandês Oscar Wilde
também cresceu e se consagrou como escritor. Outro ponto de
encontro entre as duas representações culturais é o culto
ao gótico. O gótico, de acordo com o senso comum, são as
histórias que nos causam medo, terror ou horror, ou que se
passam em lugares sombrios e aterrorizantes.
A introdução do gótico na Literatura Inglesa
aconteceu em contra partida ao iluminismo francês,
movimento filosófico literário artístico que tinha como
essência o conceito de razão, ou tudo que pode ser
entendido por meio da lógica. Segundo Vasconcelos (2002, p.
122), “reação aos mitos iluministas, às narrativas de
13
progresso e de mudança revolucionária por meio da razão, o
gótico surge para perturbar a superfície calma do realismo
e encenar os medos e temores que rondavam a nascente
sociedade burguesa”. Já para Rossi (2008), a literatuta
gótica é uma literatura de alguma forma engajada
socialmente, mas caracterizada pela presença do horrível,
do insano, da noite, do sobrenatural, da morte, dos
cenários arcaicos, do terror. Uma literatura que se mantém
sublime dentro do que o pensamento iluminista chamava de
sublime, mas que não comunga em absoluto do ideal de beleza
presente nesse pensamento.
Assim como na Literatura Inglesa, o gótico faz-se
bastante presente na cultura heavy metal. Desde suas origens,
as bandas de rock pesado usam em suas composições, figurino
e representações visuais (encartes, logotipos, capa de
álbuns, etc), elementos do gótico, tendo a cor preta como
elemento representativo do imaginário heavy metal. Percebemos
já na primeira banda a ser considerada como heavy metal, a
Black Sabbath, elementos e influências do gótico. Como exemplo
temos a criação espontânea da música homônima “Black Sabbath”
que apresenta em sua letra referências ao juízo final com
característico suspense, flutuando sobre harmônicos e
aterrorizantes zumbidos da música que crescem até o clímax
na medida em que o juízo final persegue o relutante
protagonista. A história macabra, digna de Edgar Allan Poe,
contada por uma revoada de guitarras, bateria e uma
microfone crepitante (CHRISTE, 2010).
14
A obra de Oscar Wilde apresenta claramente
influências góticas quando apresenta situações macabras que
se distancia das realidades sociais, explicitando toda a
irritação do autor com a hipocrisia da sociedade inglesa da
época. Não somente o próprio protagonista, mas também o
leitor, fica inquieto frente ao fenômeno da vida do
retrato, que, sem dúvida, contradiz as leis da natureza.
Wilde cria um univero gótico onde o suspense, medo e horror
estão sempre presentes no imaginário do leitor. (LEÃO,
MARTINS, 2011).
Outro exemplo que ratifica a relação entre o Black
Sabbath e a cultura gótica está na capa do também, homônimo
álbum “Black Sabbath”.
A capa de Black Sabbath mostrava uma casa de campoinglesa destruída, cercada de arbustos ressecadosque encobriam parcialmente a imagem de umafeiticeira já pálida e esverdeada, rememorando“Children of the damned” e outros filmes ingleses deterror psicológico e baixo orçamento. As páginasinternas do encarte do álbum continham poucosdetalhes, além de um mórbido poema gótico inscritoem um crucifixo gigante e invertido (CHRISTE, 2010,P. 17).
Podemos considerar o público ouvinte do rock pesado
leitores tão atentos às letras das canções quanto o público
leitor de obras literárias, existindo uma interação muito
forte entre ouvintes e canções. É dentro dessa reflexão que
aparece um dos diferenciais das canções heavy metal, a
sintonia entre os geradores das mensagens e seus
receptores. “Todo texto pressupõe estratégias de leitura,
15
delimitando assim as possibilidades de produção de sentido
dos produtos mediáticos em meio a um determinado contexto
histórico social” (JANOTTI JÚNIOR, 2005, p.), ou seja, isso
implica dizer que cada produto é capaz de produzir leituras
preferenciais e que suas condições de produção e
reconhecimento só poderão ser julgadas valorativamente caso
essas leituras preferenciais sejam acionadas. De maneira
ainda mais geral, essa orientação do autor deixa explícita
sua preocupação em considerar a relação estabelecida entre
obra e fruidor como uma cooperação, na qual as estratégias
de leitura só funcionarão se o espectador / ouvinte
cooperar com a obra, realizando as ações previstas e
completando as suas lacunas. (FILHO, 2005).
Sobre a importância dos receptores, Cândido (2006) já
destacava esse aspecto, pórem de forma secundária. Para
ele, a relação entre obra e público é secundária, porém
necessária, dependendo de um ponto de vista mais
sociológico do que estético. A matéria e a forma da sua
obra dependerão em parte da tensão entre as veleidades
profundas e a consonância ao meio, caracterizando um
dialógo mais ou menos vivo entre criador e público.
III RELAÇÃO ENTRE CANÇÃO E OBRA LITERÁRIA
A partir de agora, vamos relacionar como a obra
literária e algumas canções heavy metal traçam algumas
características da personagem principal Dorian Gray, tendo
como base os conceitos de intertextualidade e
16
interdisciplinaridade literária. Para tanto, convém definir
as duas categorias anteriormente citadas:
Intertextualidade é um processo de produtividade do
texto literário resultante do processo de leitura de um
corpus literário anterior. A análise dessa produtividade
leva ao exame das relações que os textos tramam entre eles
para verificar a presença efetiva de um texto em outro,
através dos procedimentos de imitação, cópia literal,
apropriação parafrástica, paródia (CARVALHAL, 2006).
Interdisciplinaridade, de uma forma geral, é o
diálogo entre diferentes disciplinas. Trazendo esse
conceito para dentro dos estudos de literatura temos então
a Interdisciplinaridade Literária que é o estudo das
relações entre literatura de um lado e outras áreas do
conhecimento e crença, como as artes (pintura, escultura,
arquitetura, música), a filosofia, a história as ciências
sociais (política, economia, sociologia), as ciências, as
religiões, etc, de outro. Em suma, é a comparação de uma
literatura com outra ou outras, e a comparação da
literatura com outras esferas da expressão humana
(CARVALHAL, 2006).
III. 1 ponha um titulo
“Picture of Dorian Gray” é umas das músicas da banda
francesa de gothic metal Ad Vitam Aeternam. A banda investe
17
em elementos de música clássica, vocais melódicos e vocais
guturais.
A música descreve o desejo de não envelhecer que
Dorian Gray teve ao ver sua pintura pela primeira vez. Os
trechos iniciais mostram a inveja que tomou o personagem
principal ao perceber a beleza de seu retrato pintado em
uma tela.
Olhando fixamente esse quadro, a inveja e o ódiocomeçaram a tomar conta de mim. O tempo não alteraas linhas de seu rosto. Admirado e elogiado depoispor alguns convidados nobres, você gostaria que eume mantivesse jovem como naquele quadro. (AD VITAMAETERNAM).
A sequência da música mostra o momento em que eledeixa de ser aquele rapaz puro e se transforma em um sercruel e inescrupuloso. Segue abaixo uma parte da letra damúsica:
Eu desejo que o tempo evite a praga doenvelhecimento e mantenha os esboços delicados emmeu rosto. Para que isso me acontecesse venderiaminha alma ao diabo. Nenhuma necessidade me afligemais, a noite está tornando isso mais próximo. Eurenunciaria meus melhores sonhos e me deixariaafundar no oceano por esse estranho sonho. (ADVITAM AETERNAM).
Essa passagem da música representa o momento em que
Dorian é apresentado ao resultado final da pintura e que
foi descrito assim por Oscar Wilde:
Que tristeza! - murmurou Dorian Gray, continuando afitar o retrato. - Que tristeza! Vou ficar velho, ehorrível, e medonho. Mas este retrato permaneceráeternamente jovem. Precisamente como neste dia deJunho. Se pudesse dar-se o inverso! Ser eueternamente jovem e o retrato envelhecer! Dariatudo para que isso acontecesse! Tudo o que há no
18
mundo! Daria a própria alma! (WILDE, ano, p.20).
Nota-se claramente a relação intertextual entre as
canções e a obra de Wilde, uma vez que toda a temática das
canções analisadas usa como base o texto literário do
escritor irlandês. As relações interdisciplinares se
mostram quando existe a relação entre dois movimentos
artísticos distintos, neste caso, literatura e música.
A canção continua mostando os dilemas enfrentados por
Gray ao se deparar com as situações decorrentes dessa nova
vida. Ele percebe que precisará pagar um alto preço para
viver essa vida de luxúria e desejos intensos.
Sua prece soou encantadora para mim por um tempo,fiquei bêbado em minhas palavras esperando por estanova vida que se oferece. Eu fui atendido pelodiabo que atendeu todas as minhas preces. Eu perditodo o tipo de sono... Esses que me amaram uma vezmorerrão na rede de meu orgulho e falta de postura.(Ad Vitam Aeternam)
Mais uma vez, percebemos a intertextualidade entre
canção e obra literária ao encontrar-mos no livro o trecho
abaixo:
- Há anos, era eu um rapaz - disse Dorian Gray,esmagando a flor na mão -, você conheceu-me,lisonjeou-me, e ensinou-me a ter vaidade da minhabeleza. Um dia, apresentou-me a um amigo seu, queme esclareceu sobre a maravilha da juventude.Entretanto, você terminou o meu retrato querevelava a mim próprio a magia da beleza. Nummomento de loucura que, ainda agora, não sei selamente ou não, formulei um desejo, talvez se lhepudesse chamar uma prece... - Cada um de nós temdentro de si o Céu e o Inferno, Basil – gritouDorian, esboçando um desvairado gesto de desespero.
19
Hallward voltou-se de novo para o retrato, e fitou-o com assombro. - Meu Deus! Se for verdade -exclamou -, e isto representar o que fez da suavida, então você deve ser ainda pior do queimaginam aqueles que contra si falam! (Wilde, ano,p.104).
Intertexualidade e interdisciplinaridade estão
explicitamente presentes na relação entre a canção e obra
literária comparada. Os estudos interdisciplinares em
literatura comparada instigam a uma ampliação dos campos de
pesquisa além das fronteiras de um país em particular e o
estudo das relações entre literatura de um lado e outras
áreas do conhecimento e crença, como as artes, a filosofia,
a história as ciências sociais, as ciências, as religiões,
de outro. Assim compreendida, a literatura comparada é uma
forma específica de interrogar os textos literários na sua
interação com outros textos, literários ou não, e outras
formas de expressão cultural e artística. (CARVALHAL, 2006)
Fazendo uma relação entre as partes transcritas da
canção e do livro, podemos determinar traços da
personalidade de Dorian Gray. Características como inveja,
vaidade, orgulho e ambição estão presentes em ambas
representações artísticas.
III. b ponha o titulo
A música Dorian, da banda de heavy metal alemã Demons
& Wizards, trata da relação entre Dorian e Basílio. O grupo
alemão deixa bem explícito na letra o desejo que Basílio
nutria por Dorian.
20
Divirta-me doce filho do amor, doce filho da morte.Adore-me e lembre todas as palavras o que eu tenhodito. Tempo é um inimigo amargo, um inimigo amargoaté o fim e a beleza é como você meu amigo, meubelo, meu belo Dorian. (Demons & Wizards)
Oscar Wilde deixa implícito em sua obra uma possível
relação amorosa nutrida por Basil em relação a Dorian Gray.
No trecho abaixo, Basil, após um ataque de ciúmes de
Dorian, exalta a beleza de seu amigo:
- Sim - continuou ele -, para si, valho menos do queo seu Hermes de marfim, ou o seu Fauno de prata.Deles vai gostar sempre. E de mim, por quanto tempoirá gostar? Até aparecer a minha primeira ruga,suponho. Agora, sei que quando se perde a beleza,seja ela qual for, perde-se tudo. Isso foi o que oseu quadro me ensinou. Lord Henry Wotton tem toda arazão. A juventude é a única coisa que vale a penater. Quando eu verificar que estou a envelhecer,suicido-me. Hallward empalideceu e agarrou-lhe amão. - Dorian! Dorian! - gritou ele -, não faleassim. Nunca tive um amigo como você, nem nuncaterei. Não tem ciúmes de coisas materiais, pois não?Você é muito mais belo do que qualquer dessascoisas! (Wilde, ano, p.21).
A banda alemã usa a obra literária como suporte
principal para a criação dessa canção. O processo de
escrita da canção é visto, então, como resultante também do
processo de leitura de um corpus literário anterior. A
canção é absorção e réplica de outro texto. Desse modo, ao
lermos a letra da música, estamos lendo, através dela,
também, a obra literária de Wilde.(CARVALHAL, 2006)
21
Em outro trecho da canção, notamos a relação de
desespero de Basil ao descobrir a maldição a que Dorian
estaria condenado.
O quadro é um espelho, mas a quem pertence? Oh, eucondeno o dia naquela bonita manhã. Sou eu umpecador moderno? Ou um deus antigo. Reze, eu rezo.Existe algo tão puro quanto ódio para suplicar pormeu orgulho e ser respondido. (Demons & Wizards)
Na obra literária encontramos essa mesma passagem noseguinte trecho:
- Reze, Dorian, reze - disse baixinho. - O que é quenos ensinaram a rezar na nossa meninice? Não nosdeixeis cair em tentação. Perdoai-nos os nossospecados. Livrai-nos do mal. Vamos dizê-la juntos. Aprece do seu orgulho foi atendida. Também seráatendida a prece do seu arrependimento. Eu adorei-odemasiado. Ambos fomos castigados. Embora os teuspecados sejam negros, torná-los-ei brancos como aneve. (Wilde, 105)
Concluímos, ao compararmos os dois trechos, que Basil
apaixonou-se pela beleza de Dorian e identificou a beleza
como sinônimo das virtudes que acreditava que o personagem
poderia ter. Ele representa o romantismo, tem boas
intenções e uma paixão inspiradora por Dorian, que morre
com a morte da pureza do jovem; afinal, após a degradação
moral de Dorian, o pintor nunca mais pintou bem, como se
perdesse o motivo, a inspiração. Quando viu o quadro
deformado, sua atitude foi a de se desesperar e sugerir a
Dorian que rezassem pela salvação de sua alma.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
22
Apresentamos neste artigo a ligação e interação entre
duas expressões artísticas distintas, literatura e música.
Usando as teorias da literatura comparada, pudemos analisar
duas canções heavy metal originadas do romance de Oscar
Wilde, “O retrato de Dorian Gray”. Obra literária e
canções, mesmo que criadas a partir do mesmo enredo,
apresentam particularidades que os tornam produções
artísticas únicas e distintas. As particularidades são
resultado das diversas formas de interpretar as expressões
artísticas analisadas, que se apresentam em períodos
históricos e sociais distintos, agregando e enriquecendo o
poder de significação dessas obras.
Releia cada parte e crie um paragrafo conclusivo.
Ponha-os aqui.
Levando em consideração a comparação das letras das
canções heavy metal com o livro “O retrato de Dorian Gray”
podemos afirmar que elas são uma apropriação da referida
obra. As canções apresentam-se como obras
interdisciplinares, mostrando a ligação entre literatura e
música, com elementos intertextuais trazidos em letras de
música que lidam com o universo do personagem Dorian Gray,
seus sentimentos e características pessoais, ou seja,
encontramos a interdisciplinaridade quando percebemos
música e literatura juntas nas canções analisadas.
REFERÊNCIAS
23
CÂNDIDO, Antônio. Literatura e sociedade. 9ª ed. Rio deJaneiro: Ouro sobre azul, 2006.
CARDOSO FILHO, Jorge Luiz Cunha. Caos, peso e celebração:uma abordagem do Heavy Metal a partir da noção de gêneromediático. Anais do Intercom, 2005.
CARVALHAL, Tânia Franco. Literatura comparada. 4ª ed. SãoPaulo: Editora Ática, 2006.
CHRISTE. Ian. Heavy metal: a história completa. São Paulo:Saraiva, 2010.
FIORE, Adriano Alves. Carnavalização bakhtiniana dogrotesco em imagens do Hard Rock e Heavy Metal. Dissertaçãode mestrado em Comunicação - Universidade Estadual deLondrina, Londrina 2011.
GRANJA, Carlos Eduardo de Souza Campos. Musicalizando aEscola: Música, Conhecimento e Educação. São Paulo:Escrituras, 2006.
JANOTTI JÚNIOR, Jeder. Heavy Metal com Dendê: rock pesadoe mídia em tempos de globalização. Rio de Janeiro: E-papers, 2004.
LEÃO, Tom. Heavy Metal – guitarras em fúria. São Paulo:Editora 34, 1997.
VASCONCELOS, Sandra Guardini. Dez lições sobre o romanceinglês do século XVIII. São Paulo: Boitempo, 2002.
WILDE, Oscar. O retrato de Dorian Gray. Rio de Janeiro:Ediouro, 2005.
REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS
ROSSI, Aparecido Donizete. Manifestações e configurações dogótico nas literaturas inglesa e norte-americana: umpanorama. In: ÍCONE - Revista de Letras, São Luís de MontesBelos, v. 2, p. 55-76, jul. 2008. Disponível em: