NO RITMO DE DORIAN GRAY X

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1 NO RITMO DE DORIAN GRAY: uma aproximação entre a literatura e o heavy metal 1 Luiz José Pereira Mendonça 2 Professora-orientadora: Sara Rogéria Santos Barbosa 3 RESUMO: Este artigo demonstra como a obra literária O retrato de Dorian Gray (1890), do escritor irlandês, Oscar Wilde, vem a ser apropriada por algumas bandas de heavy metal na composição de suas canções. Analisaremos como a referida obra e algumas canções heavy metal, que tem em sua temática o enredo do livro, retratam as características do personagem principal, Dorian Gray. Por meio da Literatura Comparada, usando como fonte teórica os autores Tânia Carvalhal (2006) e Antônio Cândido(2006), analisaremos as inter-relações existentes entre música e literatura, utilizando os conceitos de intertextualidade e interdisciplinaridade para tratar do encontro entre o heavy metal e a literatura inglesa. Palavras-chave: Literatura comparada. O retrato de Dorian Gray. Heavy Metal. Abstract: This article demonstrates as the literary composition the picture of Dorian Gray (1890), of the Irish writer, Oscar Wilde, comes to be appropriate for some bands of heavy metal in the composition of its songs. We will analyze as the cited workmanship and some songs heavy metal that has in its thematic o plot of the book portray the characteristics of the main personage, Dorian Gray. By means of Compared Literature, using as theoretical source authors Tânia Carvalhal (2006) and Antonio Cândido (2006), 1 Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito para obtenção do título de especialista em ....... 2 Pós Graduando do Curso de Língua Portuguesa e Literatura 3 Professora Mestre orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso.

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1

NO RITMO DE DORIAN GRAY: uma aproximação entre a literaturae o heavy metal1

Luiz José Pereira Mendonça2

Professora-orientadora: Sara Rogéria Santos Barbosa3

RESUMO:

Este artigo demonstra como a obra literária O retrato de DorianGray (1890), do escritor irlandês, Oscar Wilde, vem a serapropriada por algumas bandas de heavy metal na composição desuas canções. Analisaremos como a referida obra e algumascanções heavy metal, que tem em sua temática o enredo dolivro, retratam as características do personagem principal,Dorian Gray. Por meio da Literatura Comparada, usando comofonte teórica os autores Tânia Carvalhal (2006) e AntônioCândido(2006), analisaremos as inter-relações existentesentre música e literatura, utilizando os conceitos deintertextualidade e interdisciplinaridade para tratar doencontro entre o heavy metal e a literatura inglesa.

Palavras-chave: Literatura comparada. O retrato de Dorian Gray.Heavy Metal.

Abstract:

This article demonstrates as the literary composition thepicture of Dorian Gray (1890), of the Irish writer, OscarWilde, comes to be appropriate for some bands of heavymetal in the composition of its songs. We will analyze asthe cited workmanship and some songs heavy metal that hasin its thematic o plot of the book portray thecharacteristics of the main personage, Dorian Gray. Bymeans of Compared Literature, using as theoretical sourceauthors Tânia Carvalhal (2006) and Antonio Cândido (2006),

1 Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito para obtenção do título de especialista em .......2 Pós Graduando do Curso de Língua Portuguesa e Literatura3 Professora Mestre orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso.

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we will analyze the existing Inter-relations between musicand literature, having used the concepts ofintertextualidade and interdisciplinaridade to deal withthe meeting between heavy metal and english literature.

Keywords: Comparative literature. The picture of DorianGray. Heavy Metal.

INTRODUÇÃO

Este artigo mostra a relação de proximidade entre

dois movimentos artísticos, música e literatura, e como

através dessa interrelação a música apropria-se das obras

literárias para a construção de suas canções. Para isso,

analisamos o livro O retrato de Dorian Gray (1890), do escritor

irlandês Oscar Wilde, comparando algumas características da

personagem principal retratadas na obra com o perfil dessa

mesma personagem quando descrita em letras de canção heavy

metal, mostrando, assim, como algumas bandas desse estilo

musical apropriam-se do enredo do referido livro na

produção de letras para suas canções, o que as tornam uma

obra intertextual com elementos literários.

O rock and roll é o estilo musical mais contestado e

discriminado da história da música. Primeiro, porque suas

origens estão diretamente ligadas à cultura afro-americana,

depois, por sua rebeldia que inspirou toda uma geração que

não possuía nenhuma referência musical que abordasse e

entendesse suas expectativas, significados e valores, e

para completar, o seu surgimento aconteceu durante uma fase

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muito conservadora dos Estados Unidos, na década de 1950

(LEÃO, 1997). O rock, que apresenta essa condição natural de

rebeldia, há quase sessenta anos vem encantando multidões

de jovens com sua atitude contrária ao decoro e às

conveniências como o gênero musical mais difundido em nosso

planeta (CONTINI, FIORI, 2011). Mas, apesar de toda a

contestação e discriminação que enfrentou desde suas

origens, o rock and roll sobreviveu, cresceu e se multiplicou,

criando uma infinidade de vertentes com características

singulares, tornando-se não só um estilo de música, mas

também, um estilo de vida.

Atemo-nos a uma das ramificações do rock, a mais

pesada e agressiva, o heavy metal, manifestação musical que

surgiu na década de 1960, tendo como berço os Estados

Unidos e a Inglaterra. Ele é um dos estilos musicais que

mais se preocupa com o conteúdo de suas composições. As

letras das canções concentram uma série de influências, que

vão do protesto até o fantasioso, passando pela filosofia,

história, literatura, entre tantos outros assuntos. Baseado

nessa necessidade de compreender as letras heavy metal como

suporte de informação, resolvemos enveredar nessa prazerosa

e imprevisível jornada de aproximação entre música pesada e

literatura.

Iniciamos este trabalho mostrando um pequeno resumo

do referido livro, seguido de uma breve explanação sobre a

relação entre a música, especificamente o heavy metal, e a

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literatura. Nossa análise demonstra como algumas

características da personagem principal são descritas por

duas bandas de rock pesado (Ad Vitaum Aeternum e Demons and

Wizards) em suas canções, comparando com trechos da obra de

Oscar Wilde em questão, tendo como bases os estudos de

Literatura Comparada de Tânia Carvalhal (2006) e Antônio

Cândido (2006), da relação entre música e educação de

Carlos Eduardo de Souza Campos Granja (2006), da Literatura

Inglesa de Sandra Guardini Vasconcelos (2002), como também

dos estudos sobre as relações entre o heavy metal, cultura e

sociedade feitos por Ian Christe (2010), Jeder Janotti

Junior (2004) e Tom Leão (1997).

I OSCAR WILDE: “O RETRATO DE DORIAN GRAY”

Criado numa família protestante, Oscar Wilde, estudou

na Portora Royal School de Enniskillem e no Trinity College de Dublin,

onde sobressaiu como latinista e helenista. Passou a morar

em Londres e começou a ter uma vida social bastante

agitada, sendo logo caracterizado por suas atitudes

extravagantes.

Em 1883, foi para Paris e entra para o mundo

literário local, o que o levou a abandonar seu movimento

estético. Voltou para a Inglaterra e se casa com Constance

Llyd, filha de um rico advogado de Dublin, indo morar em

Chelsea, um bairro de artistas londrinos. Com Constance,

teve dois filhos, Cyril, em 1885 e Vyvyan, em 1886. O

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melhor período intelectual de Oscar Wilde é o que vai de

1887 a 1895.

Em 1892, começa uma série de bem sucedidas comédias,

hoje clássicos da dramaturgia britânica: O Leque de Lady

Windernere (1892), Uma mulher sem importância (1893), Um marido

ideal e A importância de ser sério (ambas de 1895). Publica contos

como O Príncipe Feliz e O rouxinol e a rosa (que escrevera para os

seus filhos) e O crime de Lord Artur Saville. O seu único romance

foi O retrato de Dorian Gray³.

O retrato de Dorian Gray foi o maior sucesso literário de

Oscar Wilde e transcedeu os limites da literatura sendo

fonte de inspiração para vários artistas de diversas formas

de artes que vão da pintura, passando pelo cinema e pela

música. O livro conta a história do belíssimo jovem

aristocrata Dorian Gray que, ao se conscientizar de

³ Todos os dados biográficos aqui apresentados são frutos de pesquisasem meio eletrônico, por isso a ausência de referência textual.

sua beleza, diante de seu retrato pintado, tem

misteriosamente um desejo atendido: permanecer sempre

jovem, enquanto o retrato envelhece em seu lugar.

Após ter seu desejo atendido, nessa nova etapa de sua

vida, Dorian percebe-se apaixonado por uma linda atriz,

Sybil Vane, resolvendo então pedi-la em casamento.

Encantado com sua doce enamorada Dorian convida seus dois

principais amigos, Lorde Wotton e Basil, para conhecê-la,

levando-os a uma das apresentações da atriz. Por ironia do

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destino, nessa noite, a jovem tem uma péssima atuação, o

que deixa Dorian envergonhado e decepcionado.

Apesar do fracasso da jovem nos palcos, Lorde Wotton

e Basil tentam animar Dorian elogiando a beleza de Sybil.

Ele, entristecido, dirige-se ao camarim onde está a atriz,

encontrando-a alegre e radiante. Sibyl pede desculpa pela

triste performance dizendo-lhe que, a partir daquele

momento, só viverá para amá-lo, e justifica sua fraca

atuação dizendo que sua inspiração para o teatro foi

substituída pelo amor e admiração que sente por seu amado.

Essa postura de Sibyl não agrada Dorian, que humilha e

despreza a jovem atriz.

Ao voltar para casa, Dorian entra em seu quarto e

quase enlouquece ao perceber que o quadro pintado com o seu

retrato estava desfigurado. Ele então entende que a maldade

dos seus atos contra a doce Sibyl estava sendo refletida na

pintura, que representava não apenas seus aspectos físicos,

mas, principalmente, sua alma. Por isso, deveria desculpar-

se com Sibyl para que o quadro voltasse ao normal.

Entretanto, era tarde demais, Sibyl havia cometido

suicídio.

Com o passar do tempo, ao perceber que a pintura que

reflete sua alma não mostra mais um jovem belo e sagaz, e

sim, uma figura horrenda e velha, resultado de sua vida

inescrupulosa, Dorian reconhece sua verdadeira face,

exatamente o oposto do que demonstra sua bela e jovem

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aparência. Numa crise de loucura e revolta, totalmente

desesperada por não ter como corrigir seus erros, numa

tentativa de por fim ao retrato que lembrava o tipo de

pessoa que se tornara, rasga o retrato com uma faca, sem

saber que essa atitude o levaria à própria morte. Dorian

Gray é encontrado morto, com o aspecto físico de um velho

horrível. O quadro ao seu lado está exatamente como era

quando foi pintado exibindo o retrato de um moço jovem,

belíssimo.

Esse pequeno resumo serve para apresentar os caminhos

que o personagem principal, Dorian Gray, segue durante o

romance. Suas características emocionais e de comportamento

serão mais detalhadamente abordadas numa relação que vai

ser feita do livro com composições musicais, mais

especificamente canções heavy metal, e que tiveram na

história de Dorian Gray sua fonte de inspiração.

II MÚSICA E LITERATURA

A palavra música ou “mousiké”, etimologicamente, vem

de mousa, que significa musa.

Filhas de Júpiter e Mnemosine, as musas eram asdeusas da poesia e da educação, que na épocaenglobava não apenas o conhecimento da literatura,mas da dança, do canto e dos instrumentos musicais.Aos homens, as musas doavam inspiração poética econhecimento. Mousiké era a arte das musas, ouseja, a poesia, a dança, o canto e a prática dalira (GRANJA, 2006, p. 25).

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A música é uma das mais antigas manifestações

humanas, existindo registros de sua prática em civilizações

como a egípcia, a babilônica, a chinesa e a hindu. Porém,

foi na Grécia antiga que a música passou a ser vista como

instrumento de produção e difusão da filosofia e do

conhecimento (GRANJA, 2006).

A presença da música na cultura grega já era

importante desde os tempos de Homero, séc. VIII a.C.,

quando o estudo da lira e do canto fazia parte da formação

educacional aristocrática. Sua importância era tamanha, na

educação do cidadão, que Platão, citado em Granja (2006,

p.22), chegou a afirmar que “aquele que não sabe conservar

seu lugar num coro, não é verdadeiramente educado”.

O papel da música na cultura grega foi se

transformando à medida que novas formas de pensamento foram

surgindo. Mais do que a educação musical de uma

aristocracia, a música passou a fazer parte não apenas do

currículo escolar básico, mas também das discussões

filosóficas e científicas (GRANJA, 2006).

Analisando as características da música na Grécia

antiga, confrontamo-nos com uma concepção que é bastante

diferente da nossa visão atual sobre a Música. Para os

gregos, a Música não se limitava apenas na sua dimensão

sonora, ela era um conceito amplo que englobava também a

poesia, a dança, a metafísica e a filosofia, estando

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inserida num complexo de atividades relacionadas não só à

cultura, mas também à educação e ao conhecimento.

Outra grande herança da civilização grega foi a

mitologia. Os mitos tiveram um papel importante na formação

do espírito grego, influenciando sua arte, história e

pensamento. O surgimento da escrita distanciou o mito do

momento sagrado da narrativa. A criação do alfabeto e de

uma cultura letrada na Grécia propiciou o desenvolvimento

de um novo tipo de pensamento, baseado na ideia do “logos”.

O logos é um discurso racional, lógico e objetivo

sobre o mundo, que se expressa, sobretudo, pela palavra

escrita. O logos, contudo, não suplantou totalmente o mito

nem o destruiu. Este se transformou e sobreviveu à

investida racional, sobretudo nas manifestações religiosas,

artísticas e literárias. No caso da Música, a articulação

entre o mito e o logos tece amplas repercussões na cultura

grega.

Música e mito se aproximam no âmbito da manifestaçãosonora, presente principalmente nas cerimôniasreligiosas e festividades. O canto afinado remete apalavra para outra dimensão, onde a forma deexpressão se torna tão importante quanto o conteúdo.A presença da música na recitação de poemas e nosantigos épicos investia a palavra de um podersagrado típico do mito. (GRANJA, 2006, P.28)

A aproximação do logos com a música aconteceu por

volta do século VI a.C. com os pitagóricos, ao descobrirem

as proporções numéricas contidas nas harmonias musicais. A

Música passou a ser explicada e representada por meio da

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Matemática e da Lógica, tornando-se objeto de especulação

teórica. A criação do alfabeto possibilitou não apenas a

representação dos sons da língua, mas também dos números e

dos sons. A Música passou a ser codificada e escrita por

meio de símbolos, ultrapassando sua dimensão estritamente

sonora e permitindo uma aproximação com a Filosofia e com a

Matemática. A presença da dimensão mítica e o surgimento da

dimensão lógica na música foram fundamentais para que, a

partir de então, ela ocupasse um lugar central na educação

grega.

Ainda na Grécia, para Platão, a música era capaz de

exercer forte influência sobre a alma e sobre o caráter das

pessoas, podendo transmitir valores éticos e estéticos de

maneira direita. Para ele, além desse poder, a Música tinha

uma importância na formação intelectual das pessoas. Ela

atuaria como um conhecimento inconsciente que se antecipa e

sustenta o conhecimento filosófico consciente. A partir das

ideias de Platão, configurou-se uma pedagogia musical

enviesada, onde prevalece uma abordagem mais racional da

música, voltada para a linguagem verbal e para as relações

matemáticas.

II a O Heavy Metal e a Literatura

A Literatura é fonte de pesquisa em todos os ramos

das ciências. Os autores clássicos e suas obras fantásticas

influenciam modos de viver e pensar, não sendo diferente

com a música.

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O heavy metal é um estilo que acolhe muito bem a

mistura entre música e literatura. Talvez seja o estilo

musical que mais tenha utilizado obras literárias como

inspiração para letras, melodias, títulos de músicas e

capas de discos. Uma das bandas que se utilizam muito da

literatura em sua música é o Iron Maiden, mestres do heavy

metal mundial. Edgar Allan Poe na música “Murders in the Rue

Morgue” (1981) sobre o conto Assassinatos na Rua Morgue,

Frank Herbert na música “To Tame a Land” (1983) que fala

sobre o épico Os Filhos de Duna, “Lord of the Flies” (1995) do

clássico Senhor das Moscas do autor William Golding, “Brave

New World” (2000) que faz música do clássico Admirável

Mundo Novo, de Aldous Huxley, e o clássico poema de Samuel

Taylor Coleridge, “A Balada do Velho Marinheiro”, é

explorado na música “Rime of the Ancient Mariner” (1984).

No Brasil, tivemos a iniciativa do projeto Hamlet

(2001), em que várias bandas se reuniram para cantar a peça

mais famosa de William Shakespeare. Outros exemplos são os

álbuns da banda mineira Sepultura “Dante XXI” (2006) e “A-lex”

(2009) que fazem uma leitura de dois grandes clássicos da

literatura mundial, “A Divina Comédia” de Dante Alighierie

e “Laranja Mecânica” de Anthony Burguess, e o mais recente

álbum da banda paulista Angra “Aqua”(2010). O conceito que

permeia o álbum deriva daquela que é considerada a última

peça que Shakespeare escreveu em vida, "A Tempestade", cuja

data é indicada por alguns como em torno de 1612, muito

embora existam fontes que asseverem que a peça fora

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encenada pela primeira vez em 1611, no palácio Whitehall,

em Londres.

TODAS AS OBRAS DEVEM VIR EM ITALICO, SEM ASPAS E COM

AS DATAS

Para melhor demonstrar essa relação entre literatura

e heavy metal, analisaMos a obra do escritor irlandês Oscar

Wilde, O Retrato de Dorian Gray, fazendo uma comparação com

canções do rock pesado que usam em sua temática a referida

obra.

O heavy metal e a obra citada possuem vários pontos

convergentes. O primeiro ponto de convergência é

geográfico, a Inglaterra. Apesar do rock and roll ter surgido

nos Estados Unidos, o heavy metal nasceu, cresceu e se

consolidou na Inglaterra, país onde o irlandês Oscar Wilde

também cresceu e se consagrou como escritor. Outro ponto de

encontro entre as duas representações culturais é o culto

ao gótico. O gótico, de acordo com o senso comum, são as

histórias que nos causam medo, terror ou horror, ou que se

passam em lugares sombrios e aterrorizantes.

A introdução do gótico na Literatura Inglesa

aconteceu em contra partida ao iluminismo francês,

movimento filosófico literário artístico que tinha como

essência o conceito de razão, ou tudo que pode ser

entendido por meio da lógica. Segundo Vasconcelos (2002, p.

122), “reação aos mitos iluministas, às narrativas de

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progresso e de mudança revolucionária por meio da razão, o

gótico surge para perturbar a superfície calma do realismo

e encenar os medos e temores que rondavam a nascente

sociedade burguesa”. Já para Rossi (2008), a literatuta

gótica é uma literatura de alguma forma engajada

socialmente, mas caracterizada pela presença do horrível,

do insano, da noite, do sobrenatural, da morte, dos

cenários arcaicos, do terror. Uma literatura que se mantém

sublime dentro do que o pensamento iluminista chamava de

sublime, mas que não comunga em absoluto do ideal de beleza

presente nesse pensamento.

Assim como na Literatura Inglesa, o gótico faz-se

bastante presente na cultura heavy metal. Desde suas origens,

as bandas de rock pesado usam em suas composições, figurino

e representações visuais (encartes, logotipos, capa de

álbuns, etc), elementos do gótico, tendo a cor preta como

elemento representativo do imaginário heavy metal. Percebemos

já na primeira banda a ser considerada como heavy metal, a

Black Sabbath, elementos e influências do gótico. Como exemplo

temos a criação espontânea da música homônima “Black Sabbath”

que apresenta em sua letra referências ao juízo final com

característico suspense, flutuando sobre harmônicos e

aterrorizantes zumbidos da música que crescem até o clímax

na medida em que o juízo final persegue o relutante

protagonista. A história macabra, digna de Edgar Allan Poe,

contada por uma revoada de guitarras, bateria e uma

microfone crepitante (CHRISTE, 2010).

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A obra de Oscar Wilde apresenta claramente

influências góticas quando apresenta situações macabras que

se distancia das realidades sociais, explicitando toda a

irritação do autor com a hipocrisia da sociedade inglesa da

época. Não somente o próprio protagonista, mas também o

leitor, fica inquieto frente ao fenômeno da vida do

retrato, que, sem dúvida, contradiz as leis da natureza.

Wilde cria um univero gótico onde o suspense, medo e horror

estão sempre presentes no imaginário do leitor. (LEÃO,

MARTINS, 2011).

Outro exemplo que ratifica a relação entre o Black

Sabbath e a cultura gótica está na capa do também, homônimo

álbum “Black Sabbath”.

A capa de Black Sabbath mostrava uma casa de campoinglesa destruída, cercada de arbustos ressecadosque encobriam parcialmente a imagem de umafeiticeira já pálida e esverdeada, rememorando“Children of the damned” e outros filmes ingleses deterror psicológico e baixo orçamento. As páginasinternas do encarte do álbum continham poucosdetalhes, além de um mórbido poema gótico inscritoem um crucifixo gigante e invertido (CHRISTE, 2010,P. 17).

Podemos considerar o público ouvinte do rock pesado

leitores tão atentos às letras das canções quanto o público

leitor de obras literárias, existindo uma interação muito

forte entre ouvintes e canções. É dentro dessa reflexão que

aparece um dos diferenciais das canções heavy metal, a

sintonia entre os geradores das mensagens e seus

receptores. “Todo texto pressupõe estratégias de leitura,

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delimitando assim as possibilidades de produção de sentido

dos produtos mediáticos em meio a um determinado contexto

histórico social” (JANOTTI JÚNIOR, 2005, p.), ou seja, isso

implica dizer que cada produto é capaz de produzir leituras

preferenciais e que suas condições de produção e

reconhecimento só poderão ser julgadas valorativamente caso

essas leituras preferenciais sejam acionadas. De maneira

ainda mais geral, essa orientação do autor deixa explícita

sua preocupação em considerar a relação estabelecida entre

obra e fruidor como uma cooperação, na qual as estratégias

de leitura só funcionarão se o espectador / ouvinte

cooperar com a obra, realizando as ações previstas e

completando as suas lacunas. (FILHO, 2005).

Sobre a importância dos receptores, Cândido (2006) já

destacava esse aspecto, pórem de forma secundária. Para

ele, a relação entre obra e público é secundária, porém

necessária, dependendo de um ponto de vista mais

sociológico do que estético. A matéria e a forma da sua

obra dependerão em parte da tensão entre as veleidades

profundas e a consonância ao meio, caracterizando um

dialógo mais ou menos vivo entre criador e público.

III RELAÇÃO ENTRE CANÇÃO E OBRA LITERÁRIA

A partir de agora, vamos relacionar como a obra

literária e algumas canções heavy metal traçam algumas

características da personagem principal Dorian Gray, tendo

como base os conceitos de intertextualidade e

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interdisciplinaridade literária. Para tanto, convém definir

as duas categorias anteriormente citadas:

Intertextualidade é um processo de produtividade do

texto literário resultante do processo de leitura de um

corpus literário anterior. A análise dessa produtividade

leva ao exame das relações que os textos tramam entre eles

para verificar a presença efetiva de um texto em outro,

através dos procedimentos de imitação, cópia literal,

apropriação parafrástica, paródia (CARVALHAL, 2006).

Interdisciplinaridade, de uma forma geral, é o

diálogo entre diferentes disciplinas. Trazendo esse

conceito para dentro dos estudos de literatura temos então

a Interdisciplinaridade Literária que é o estudo das

relações entre literatura de um lado e outras áreas do

conhecimento e crença, como as artes (pintura, escultura,

arquitetura, música), a filosofia, a história as ciências

sociais (política, economia, sociologia), as ciências, as

religiões, etc, de outro. Em suma, é a comparação de uma

literatura com outra ou outras, e a comparação da

literatura com outras esferas da expressão humana

(CARVALHAL, 2006).

III. 1 ponha um titulo

“Picture of Dorian Gray” é umas das músicas da banda

francesa de gothic metal Ad Vitam Aeternam. A banda investe

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em elementos de música clássica, vocais melódicos e vocais

guturais.

A música descreve o desejo de não envelhecer que

Dorian Gray teve ao ver sua pintura pela primeira vez. Os

trechos iniciais mostram a inveja que tomou o personagem

principal ao perceber a beleza de seu retrato pintado em

uma tela.

Olhando fixamente esse quadro, a inveja e o ódiocomeçaram a tomar conta de mim. O tempo não alteraas linhas de seu rosto. Admirado e elogiado depoispor alguns convidados nobres, você gostaria que eume mantivesse jovem como naquele quadro. (AD VITAMAETERNAM).

A sequência da música mostra o momento em que eledeixa de ser aquele rapaz puro e se transforma em um sercruel e inescrupuloso. Segue abaixo uma parte da letra damúsica:

Eu desejo que o tempo evite a praga doenvelhecimento e mantenha os esboços delicados emmeu rosto. Para que isso me acontecesse venderiaminha alma ao diabo. Nenhuma necessidade me afligemais, a noite está tornando isso mais próximo. Eurenunciaria meus melhores sonhos e me deixariaafundar no oceano por esse estranho sonho. (ADVITAM AETERNAM).

Essa passagem da música representa o momento em que

Dorian é apresentado ao resultado final da pintura e que

foi descrito assim por Oscar Wilde:

Que tristeza! - murmurou Dorian Gray, continuando afitar o retrato. - Que tristeza! Vou ficar velho, ehorrível, e medonho. Mas este retrato permaneceráeternamente jovem. Precisamente como neste dia deJunho. Se pudesse dar-se o inverso! Ser eueternamente jovem e o retrato envelhecer! Dariatudo para que isso acontecesse! Tudo o que há no

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mundo! Daria a própria alma! (WILDE, ano, p.20).

Nota-se claramente a relação intertextual entre as

canções e a obra de Wilde, uma vez que toda a temática das

canções analisadas usa como base o texto literário do

escritor irlandês. As relações interdisciplinares se

mostram quando existe a relação entre dois movimentos

artísticos distintos, neste caso, literatura e música.

A canção continua mostando os dilemas enfrentados por

Gray ao se deparar com as situações decorrentes dessa nova

vida. Ele percebe que precisará pagar um alto preço para

viver essa vida de luxúria e desejos intensos.

Sua prece soou encantadora para mim por um tempo,fiquei bêbado em minhas palavras esperando por estanova vida que se oferece. Eu fui atendido pelodiabo que atendeu todas as minhas preces. Eu perditodo o tipo de sono... Esses que me amaram uma vezmorerrão na rede de meu orgulho e falta de postura.(Ad Vitam Aeternam)

Mais uma vez, percebemos a intertextualidade entre

canção e obra literária ao encontrar-mos no livro o trecho

abaixo:

- Há anos, era eu um rapaz - disse Dorian Gray,esmagando a flor na mão -, você conheceu-me,lisonjeou-me, e ensinou-me a ter vaidade da minhabeleza. Um dia, apresentou-me a um amigo seu, queme esclareceu sobre a maravilha da juventude.Entretanto, você terminou o meu retrato querevelava a mim próprio a magia da beleza. Nummomento de loucura que, ainda agora, não sei selamente ou não, formulei um desejo, talvez se lhepudesse chamar uma prece... - Cada um de nós temdentro de si o Céu e o Inferno, Basil – gritouDorian, esboçando um desvairado gesto de desespero.

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Hallward voltou-se de novo para o retrato, e fitou-o com assombro. - Meu Deus! Se for verdade -exclamou -, e isto representar o que fez da suavida, então você deve ser ainda pior do queimaginam aqueles que contra si falam! (Wilde, ano,p.104).

Intertexualidade e interdisciplinaridade estão

explicitamente presentes na relação entre a canção e obra

literária comparada. Os estudos interdisciplinares em

literatura comparada instigam a uma ampliação dos campos de

pesquisa além das fronteiras de um país em particular e o

estudo das relações entre literatura de um lado e outras

áreas do conhecimento e crença, como as artes, a filosofia,

a história as ciências sociais, as ciências, as religiões,

de outro. Assim compreendida, a literatura comparada é uma

forma específica de interrogar os textos literários na sua

interação com outros textos, literários ou não, e outras

formas de expressão cultural e artística. (CARVALHAL, 2006)

Fazendo uma relação entre as partes transcritas da

canção e do livro, podemos determinar traços da

personalidade de Dorian Gray. Características como inveja,

vaidade, orgulho e ambição estão presentes em ambas

representações artísticas.

III. b ponha o titulo

A música Dorian, da banda de heavy metal alemã Demons

& Wizards, trata da relação entre Dorian e Basílio. O grupo

alemão deixa bem explícito na letra o desejo que Basílio

nutria por Dorian.

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Divirta-me doce filho do amor, doce filho da morte.Adore-me e lembre todas as palavras o que eu tenhodito. Tempo é um inimigo amargo, um inimigo amargoaté o fim e a beleza é como você meu amigo, meubelo, meu belo Dorian. (Demons & Wizards)

Oscar Wilde deixa implícito em sua obra uma possível

relação amorosa nutrida por Basil em relação a Dorian Gray.

No trecho abaixo, Basil, após um ataque de ciúmes de

Dorian, exalta a beleza de seu amigo:

- Sim - continuou ele -, para si, valho menos do queo seu Hermes de marfim, ou o seu Fauno de prata.Deles vai gostar sempre. E de mim, por quanto tempoirá gostar? Até aparecer a minha primeira ruga,suponho. Agora, sei que quando se perde a beleza,seja ela qual for, perde-se tudo. Isso foi o que oseu quadro me ensinou. Lord Henry Wotton tem toda arazão. A juventude é a única coisa que vale a penater. Quando eu verificar que estou a envelhecer,suicido-me. Hallward empalideceu e agarrou-lhe amão. - Dorian! Dorian! - gritou ele -, não faleassim. Nunca tive um amigo como você, nem nuncaterei. Não tem ciúmes de coisas materiais, pois não?Você é muito mais belo do que qualquer dessascoisas! (Wilde, ano, p.21).

A banda alemã usa a obra literária como suporte

principal para a criação dessa canção. O processo de

escrita da canção é visto, então, como resultante também do

processo de leitura de um corpus literário anterior. A

canção é absorção e réplica de outro texto. Desse modo, ao

lermos a letra da música, estamos lendo, através dela,

também, a obra literária de Wilde.(CARVALHAL, 2006)

21

Em outro trecho da canção, notamos a relação de

desespero de Basil ao descobrir a maldição a que Dorian

estaria condenado.

O quadro é um espelho, mas a quem pertence? Oh, eucondeno o dia naquela bonita manhã. Sou eu umpecador moderno? Ou um deus antigo. Reze, eu rezo.Existe algo tão puro quanto ódio para suplicar pormeu orgulho e ser respondido. (Demons & Wizards)

Na obra literária encontramos essa mesma passagem noseguinte trecho:

- Reze, Dorian, reze - disse baixinho. - O que é quenos ensinaram a rezar na nossa meninice? Não nosdeixeis cair em tentação. Perdoai-nos os nossospecados. Livrai-nos do mal. Vamos dizê-la juntos. Aprece do seu orgulho foi atendida. Também seráatendida a prece do seu arrependimento. Eu adorei-odemasiado. Ambos fomos castigados. Embora os teuspecados sejam negros, torná-los-ei brancos como aneve. (Wilde, 105)

Concluímos, ao compararmos os dois trechos, que Basil

apaixonou-se pela beleza de Dorian e identificou a beleza

como sinônimo das virtudes que acreditava que o personagem

poderia ter. Ele representa o romantismo, tem boas

intenções e uma paixão inspiradora por Dorian, que morre

com a morte da pureza do jovem; afinal, após a degradação

moral de Dorian, o pintor nunca mais pintou bem, como se

perdesse o motivo, a inspiração. Quando viu o quadro

deformado, sua atitude foi a de se desesperar e sugerir a

Dorian que rezassem pela salvação de sua alma.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Apresentamos neste artigo a ligação e interação entre

duas expressões artísticas distintas, literatura e música.

Usando as teorias da literatura comparada, pudemos analisar

duas canções heavy metal originadas do romance de Oscar

Wilde, “O retrato de Dorian Gray”. Obra literária e

canções, mesmo que criadas a partir do mesmo enredo,

apresentam particularidades que os tornam produções

artísticas únicas e distintas. As particularidades são

resultado das diversas formas de interpretar as expressões

artísticas analisadas, que se apresentam em períodos

históricos e sociais distintos, agregando e enriquecendo o

poder de significação dessas obras.

Releia cada parte e crie um paragrafo conclusivo.

Ponha-os aqui.

Levando em consideração a comparação das letras das

canções heavy metal com o livro “O retrato de Dorian Gray”

podemos afirmar que elas são uma apropriação da referida

obra. As canções apresentam-se como obras

interdisciplinares, mostrando a ligação entre literatura e

música, com elementos intertextuais trazidos em letras de

música que lidam com o universo do personagem Dorian Gray,

seus sentimentos e características pessoais, ou seja,

encontramos a interdisciplinaridade quando percebemos

música e literatura juntas nas canções analisadas.

REFERÊNCIAS

23

CÂNDIDO, Antônio. Literatura e sociedade. 9ª ed. Rio deJaneiro: Ouro sobre azul, 2006.

CARDOSO FILHO, Jorge Luiz Cunha. Caos, peso e celebração:uma abordagem do Heavy Metal a partir da noção de gêneromediático. Anais do Intercom, 2005.

CARVALHAL, Tânia Franco. Literatura comparada. 4ª ed. SãoPaulo: Editora Ática, 2006.

CHRISTE. Ian. Heavy metal: a história completa. São Paulo:Saraiva, 2010.

FIORE, Adriano Alves. Carnavalização bakhtiniana dogrotesco em imagens do Hard Rock e Heavy Metal. Dissertaçãode mestrado em Comunicação - Universidade Estadual deLondrina, Londrina 2011.

GRANJA, Carlos Eduardo de Souza Campos. Musicalizando aEscola: Música, Conhecimento e Educação. São Paulo:Escrituras, 2006.

JANOTTI JÚNIOR, Jeder. Heavy Metal com Dendê: rock pesadoe mídia em tempos de globalização. Rio de Janeiro: E-papers, 2004.

LEÃO, Tom. Heavy Metal – guitarras em fúria. São Paulo:Editora 34, 1997.

VASCONCELOS, Sandra Guardini. Dez lições sobre o romanceinglês do século XVIII. São Paulo: Boitempo, 2002.

WILDE, Oscar. O retrato de Dorian Gray. Rio de Janeiro:Ediouro, 2005.

REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS

ROSSI, Aparecido Donizete. Manifestações e configurações dogótico nas literaturas inglesa e norte-americana: umpanorama. In: ÍCONE - Revista de Letras, São Luís de MontesBelos, v. 2, p. 55-76, jul. 2008. Disponível em:

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<http://www.slmb.ueg.br/iconeletras/artigos/volume2/primeiras_letras/aparecido_rossi.pdf> Acesso em: 02 de jan. 2013.

REFERÊNCIAS AUDIOVISUAIS

AD VITAM AETERNAM. Abstract Senses. Paris: KarmageddonMedia, 2004.

DEMONS & WIZARDS. Touched by the Crimson King. Tampa:Steamhammer/SPV, 2005.