Nicolle Peres Cardoso.pdf - Universidade Federal Fluminense
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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
ESCOLA DE ARQUITETURA E URBANISMO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO
NICOLLE PERES CARDOSO
DE TE FABULA NARRATUR
CONEXÕES ENTRE O SÍMBOLO COMPERJ E A VALORIZAÇÃO
DA TERRA E DA MORADIA EM ITABORAÍ E MARICÁ-RJ
NITERÓI
2019
NICOLLE PERES CARDOSO
DE TE FABULA NARRATUR
CONEXÕES ENTRE O SÍMBOLO COMPERJ E A VALORIZAÇÃO
DA TERRA E DA MORADIA EM ITABORAÍ E MARICÁ-RJ
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para a obtenção de Grau de Mestre em Arquitetura e Urbanismo. Área de Concentração: Produção e Gestão do Ambiente Urbano.
Orientadora
Prof.ª Dr.ª Sônia Maria Taddei Ferraz
Niterói
2019
AGRADECIMENTOS
A Deus. Não apenas por ser o autor da vida, mas por ser uma presença real na minha
vida. Ao Eu Sou, o Deus vivo e verdadeiro que não esteve apartado de todo esse
processo, pelo contrário, vivificou o meu espírito quando necessário, me capacitou e
me sustentou nos momentos de fraqueza, de maneira que pude testemunhar o que
está escrito e Sua palavra: [...] porque sem mim nada podeis fazer João 15:5.
À família Peres. Aqueles que sempre estiveram presentes, nos momentos bons e nos
ruins.
Aos amigos que entenderam meus momentos de ausência, e que mesmo em relativa
distância, perto estiveram com palavras carinhosas e de perseverança.
À professora orientadora e amiga Sônia Ferraz, que aceitou participar de mais essa
empreitada comigo. Esta conquista se soma à trajetória, que para mim foi riquíssima,
em sala de aula, no laboratório da pesquisa Arquitetura da Violência (ArqViol/UFF), na
orientação do trabalho de conclusão de curso, e agora, na orientação do mestrado.
Às amigas queridas dos seminários de leitura no laboratório Arqviol. À Aline, Izabela,
Paula, Letícia, Evelyn, Clara, Paula Andrea, Rayanne, Francisca, e Ana, cuja presença
aguçou os sentidos coletivamente, e trouxe som e um sabor agridoce às tardes
memoráveis de reflexões, trocas e conversas despretensiosas em tempos de luta.
Às professoras Cristina Nacif e Fernanda Sánchez. De quem guardo na memória as
aulas e ensinamentos dos tempos da graduação, e considero além de referências
acadêmicas, amigas.
À professora Julieta Nunes, que aceitou com carinho integrar a banca desta
dissertação.
Ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU/UFF) e a Capes,
que me proporcionaram a oportunidade de acesso ao ensino gratuito e de excelência
que deve ser direito de todos, em tempos sombrios de ofensiva neoliberal no Brasil.
À Angela Carvalho. Que para além de suas funções administrativas no PPGAU, se
importa conosco, e ajuda cada mestrando e doutorando do programa. Sempre
atenciosa, carinhosa, amiga e humana, possui valor inestimável.
Como é cavo este coração no peito da cidade.
Procuro, Procuro.
Casa, calçadas, degraus, monumento, poste, tua indústria.
Da mais alta muralha – olho. Procuro.
Da mais alta muralha não recebo nenhum sinal.
Daqui não vejo, pois tua clareza é impenetrável.
Daqui não vejo mas sinto que alguma coisa está
escrita a carvão numa parede.
Numa parede desta cidade.
Clarice Lispector
Conto O manifesto da cidade
RESUMO
O presente trabalho de dissertação reflete sobre os impactos do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) na valorização imobiliária e fundiária, e na fragmentação territorial dos municípios de Itaboraí e Maricá, integrantes da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ), e localizados no Leste Fluminense. A pesquisa entende o Comperj como um Grande Projeto Regional, capaz de gerar impactos nas dimensões simbólica, política, social, econômica, habitacional, fundiária, e ambiental do espaço em que está inserido, sendo um foco relevante de estudo. A análise do objeto da pesquisa abrange a investigação da valorização da terra e da moradia sob o suporte jornalístico, e o dimensionamento de suas intensidades em Itaboraí e Maricá, no período anterior (2000-2006) e posterior (2006-2018) ao anúncio do empreendimento. Trata da dimensão simbólica do Comperj no sentido do discurso oficial do poder público para a sociedade de massas, associado ao desenvolvimento econômico, progresso, geração de empregos e sustentabilidade, e sua apropriação no discurso e nas estratégias de venda dos promotores imobiliários, impactando a dimensão fundiária e habitacional da área de influência do complexo petroquímico. Argumenta que o anúncio e a construção do Comperj contribuíram para inaugurar novos patamares de valorização da terra e da moradia em Itaboraí e Maricá.
Palavras-chave: Comperj – Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro. Grande Projeto Regional. Habitação. Valorização imobiliária e fundiária. Fragmentação territorial. Itaboraí. Maricá.
ABSTRACT
The present dissertation reflects on the impacts of the Rio de Janeiro Petrochemical Complex (Comperj) on real estate and land valorization, and on the territorial fragmentation of the municipalities of Itaboraí and Maricá, members of the Metropolitan Region of Rio de Janeiro, and located in Leste Fluminense. The research understands the Comperj as a Great Regional Project, capable of generating impacts in the symbolic, political, social, economic, housing, land, and environmental dimensions of the space in which it is inserted, being a relevant focus of study. The analysis of the object of the research encompasses the investigation of the valorization of land and housing under journalistic support, and the dimensioning of its intensities in Itaboraí and Maricá in the previous period (2000-2006) and later (2006-2018) to the announcement of the development. It deals with the symbolic dimension of Comperj in the sense of official public power discourse for mass society, associated with economic development, progress, job creation and sustainability, and its appropriation in the discourse and sales strategies of real estate developers, impacting the land and housing dimension in the area of influence of the petrochemical complex. The research argues that the announcement and construction of the Comperj contributed to inaugurate new levels of valorization of land and housing in Itaboraí and Maricá. Keywords: Comperj – Rio de Janeiro Petrochemical Complex. Great Regional Project. Housing. Real estate and land valorization. Territorial fragmentation. Itaboraí. Maricá.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO, p.13
OBJETIVOS GERAIS E ESPECÍFICOS, p.16
REFLEXÕES METODOLÓGICAS, p.17
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS, p.19
1 CAPÍTULO I – ESPAÇO URBANO, TRABALHO E CAPITAL, p.22
1.1 O URBANO DE LÁ: CONSIDERAÇÕES SOBRE O URBANO NOS CENTROS
CAPITALISTAS DESENVOLVIDOS, p.25
1.2 O URBANO DE CÁ: AS ESPECIFICIDADES ESPACIAIS DA DEPENDÊNCIA LATINO-
AMERICANA, p.33
1.3 BREVE INTRODUÇÃO À FIGURA DO ESTADO, p.48
2 CAPÍTULO II – DA TOTALIDADE À PARTICULARIDADE: CONSTRUINDO NEXOS ENTRE
AS QUESTÕES URBANAS E HABITACIONAIS CONTEMPORÂNEAS E A REGIÃO DE
INFLUÊNCIA DO COMPERJ, p.54
2.1 O ESTADO MONOPOLISTA E O IMPERATIVO DO ACESSO À TERRA E À MORADIA,
p.55
2.2 O ESPAÇO URBANO DA CONTEMPORANEIDADE: PERSPECTIVAS GEOGRÁFICAS,
p.68
2.3 A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DA REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE
JANEIRO, p.73
2.4 A REPRESENTATIVIDADE DE ITABORAÍ E MARICÁ NA RMRJ E NA REGIÃO DE
INFLUÊNCIA DO COMPERJ, p.85
2.4.1 Aspectos políticos e socioeconômicos da região de influência do Comperj, p.86
2.4.2 Mobilidade espacial para os municípios da região de influência do Comperj, p.94
2.4.3 Aspectos urbano-habitacionais da região de influência do Comperj, p.100
2.4.3.1 Informalidade no acesso à terra, p.105
2.4.3.2 Aspectos infraestruturais, p.107
2.4.4 Desdobramentos do Comperj em Itaboraí e Maricá: olhares sobre o fenômeno,
p.109
3 CAPÍTULO III – UMA LEITURA DA DES (RE) TERRITORIALIZAÇÃO DAS CLASSES
SOCIAIS, p.114
3.1 ANÁLISE DA VALORIZAÇÃO IMOBILIÁRIA E FUNDIÁRIA NA MICRORREGIÃO DE
INFLUÊNCIA DO COMPERJ SOB O SUPORTE JORNALÍSTICO, p.115
3.2 ANÁLISE DA VALORIZAÇÃO DA TERRA, p.128
3.3 ANÁLISE DA VALORIZAÇÃO DOS IMÓVEIS RESIDENCIAIS PARA VENDA, p.136
3.3.1 Leitura cartográfica da valorização dos imóveis na microrregião de influência do
Comperj, p.143
3.4 ANÁLISE DOS CONDOMÍNIOS, p.152
4 REFLEXÕES CONCLUSIVAS, p.166
5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS, p.173
5.1 OBRAS CITADAS, p. 173
5.1.1 Notícias de jornais e revistas, p.178
5.1.2 Homepages, p.183
6 APÊNDICES, p.186
6.1 APÊNDICE A - Extração do Banco de Dados da Pesquisa, p.186
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 01 O retrato norte-americano da crise de 2008, f. 57
Figura 02 Mapa da hierarquia dos centros de influência do Estado do Rio de
Janeiro, f. 78
Figura 03 Vista aérea do Comperj em 2018, f. 82
Figura 04 Mapa da região de influência do Comperj, f. 87
Figura 05 Evolução populacional dos municípios da Área Diretamente Afetada e da
Área de Influência Direta, 1970-2010, f.95
Figura 06 Evolução populacional dos municípios de Itaboraí e Maricá, 1970-2018,
f.98
Figura 07 Ambiência urbana de Maricá, f.101
Figura 08 Uso e Cobertura do Solo na região de influência do Comperj (2011),
f.103
Figura 09 Ambiência urbana do Centro de Itaboraí, f. 104
Figura 10 Assentamentos precários na região de influência do Comperj (2011),
f.106
Figura 11 Distribuição de água encanada na região de influência do Comperj
(2000-2011), f.107
Figura 12 Distribuição da rede de esgoto na região de influência do Comperj
(2000-2011), f.108
Figura 13 Microrregião de influência do Comperj, f.116
Figura 14 Pot-pourri de matérias sobre valorização, f.126
Figura 15 Variação anual do valor médio do m² da terra por município, f.129
Tabela 01 Parcelas extensas de terra em Itaboraí e Maricá, f.133
Figura 16 Nuvem de palavras-chave dos anúncios de terras, f.134
Figura 17 Variação anual do preço médio residencial em Itaboraí, f.138
Figura 18 Variação anual do preço médio residencial em Maricá, f.141
Figura 19 Espacialização do preço médio residencial na microrregião de influência
do Comperj em 2000, f.144
Figura 20 Espacialização do preço médio residencial na microrregião de influência
do Comperj em 2006, f.145
Figura 21 Espacialização do preço médio residencial na microrregião de influência
do Comperj em 2012, f.147
Figura 22 Espacialização do preço médio residencial na microrregião de influência
do Comperj em 2018, f.149
Figura 23 Trecho da atéria Bairros pla ejados estão to a do co ta do Estado ,
f.155
Figura 24 Residencial Landscape Maricá, f.156
Figura 25 Página online principal do Residencial Pedra do Vale, na RJ-114, f.159
Figura 26 Mapa da expansão urbana 2000-2018 e localização dos condomínios,
f.160
Figura 27 Propagandas imobiliárias dos condomínios em Maricá, f.162
Figura 28 Propagandas imobiliárias dos condomínios em Itaboraí, f.164
13
INTRODUÇÃO
No espaço de tempo decorrido entre o lançamento do Complexo Petroquímico do
Rio de Janeiro (Comperj)1 em 2006 aos dias atuais, observam-se transformações no território
das cidades de Itaboraí e Maricá, provavelmente ligadas ao advento desse empreendimento,
e intermediadas pela atuação dos atores do poder público e da iniciativa privada dos setores
imobiliários residencial e turístico.
As cidades de porte médio brasileiras, com população entre 100 a 500 mil habitantes
segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cresceram a taxas maiores do
que as das metrópoles nos anos 1980 e 1990 – 4,8% contra 1,3% (Maricato, 2013). Em
Itaboraí e Maricá, a esta precedente aceleração do processo de urbanização, somam-se
atualmente novos fatores que influenciam o processo de urbanização, possivelmente
decorrentes do estabelecimento de um Grande Projeto Regional como o Comperj em seu
entorno. Estes fatores dizem respeito à afluência de população à região em busca de
oportunidades de trabalho; aumento dos custos sociais com equipamentos coletivos e
infraestruturas municipais devido ao crescimento demográfico; atração de investidores à
procura de imóveis e terrenos mais acessíveis do que em áreas centrais da região
metropolitana, seja para moradia ou especulação imobiliária; aumento no número de
deslocamentos pendulares; parcelamento do estoque de terras para atender ao mercado
imobiliário, com foco no perfil do novo investidor; destinação da produção imobiliária
principalmente às faixas de renda média e alta; valorização da terra, supostamente devido à
proximidade com o complexo petroquímico; urbanização desordenada; problemas
socioambientais decorrentes da expansão da malha urbana; aumento da informalidade na
ocupação do solo; alteração dos vetores de urbanização, entre outros. Os fatores
mencionados acima estabelecem relações entre si, em uma complexa teia que possui a
habitação como ponto de conexão.
1 O Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, integrante do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)
implementado no governo Lula, foi projetado pela Petróleo Brasileiro S.A. (PETROBRAS) como um complexo industrial dotado da estrutura logística necessária para produzir derivados do petróleo e produtos petroquímicos de primeira e segunda geração, situado no município de Itaboraí, no Estado do Rio de Janeiro.
14
A configuração das cidades modernas sempre esteve associada à divisão social do
trabalho, à exploração da propriedade privada do solo, e ao padrão de acumulação
capitalista (Arantes, 2002). Dessa forma, o ato de habitar nas cidades está submetido à
conjugação destes três fatores, e à própria habitação veiculada enquanto mercadoria. É no
âmbito da questão habitacional relacionada ao objeto de estudo que a pesquisa concentra
seus esforços. Dessa forma, a hipótese investigada é que a dimensão simbólica2 do Comperj
contribuiu para inaugurar novos patamares de valorização da terra e da moradia, e de
fragmentação do território de Itaboraí e Maricá, impactando a dimensão fundiária e
habitacional desse espaço urbano. A valorização da terra, constituída principalmente por sua
localização, e não por suas benfeitorias, pode definir inteiramente o preço de um imóvel
(Singer, 1982 [1978]), sendo o preço da terra e do imóvel o elemento básico de análise para
compor a dinâmica imobiliária no período pesquisado. A fragmentação é um fenômeno
global que abrange as relações sociais, políticas e econômicas simultaneamente, e tem na
fragmentação do território uma de suas expressões mais veementes e paupáveis. Será
analisada pela configuração de novos espaços de moradia, como os condomínios privados,
sendo estes expressivos testemunhos da fragmentação (Lencioni, 2010).
Visto que o Comperj está prenunciado para entrar em operação somente em 2023, o
anúncio do empreendimento e a manipulação do imaginário coletivo a respeito de seus
supostos benefícios foram suficientes para girar a engrenagem do mercado imobiliário em
nova velocidade, com a atração de novos investidores, migrações intrametropolitanas,
reservas de terra para especulação, e enviesamento da produção habitacional para os
estratos de média e alta renda.
Neste processo, o Estado exerce sua função como mediador interno das demandas
da mundialização do capital. Suas ações político-econômicas viabilizam Grandes Projetos
Regionais como o Comperj, que funcionam como "enclaves territoriais" capazes de
2 A dimensão simbólica está sendo tratada nesta pesquisa no sentido do discurso oficial do poder público para
a sociedade de massas, via narrativas dos meios de comunicação. À imagem do empreendimento, o discurso oficial associou ideais neodesenvolvimentistas ligados ao progresso, principalmente a geração de aproximadamente 200 mil empregos diretos e indiretos, à industrialização da cidade de Itaboraí – até os anos 1980 conhecida co o Te a da La a ja –, e o apelo à sustentabilidade, influenciando o imaginário coletivo a respeito dos supostos benefícios do complexo para a região leste metropolitana do Rio de Janeiro.
15
promover, segundo Sanchez et alii (2009), rupturas e impactos nas dimensões política,
simbólica, econômica, urbanístico-territorial, fundiária e escalar de determinada região.
O Estado também regula a oferta da habitação como mercadoria, através da
perpetuação da proteção da propriedade privada do solo ou da financeirização da habitação,
edia te p og a as o o o ais e e te Mi ha Casa, Mi ha Vida – PMCMV. Seja em
qual frente ele estiver atuando, a serviço de processos internos ou externos, suas ações
impactam a produção e apropriação do espaço urbano, tecendo consequências em termos
de sociabilidade urbana, como a maior ou menor segregação socioespacial.
Para clarificar o universo no qual o problema de pesquisa é compreendido, se faz
importante situá-lo historicamente. Dessa forma, é contextualizado a partir das reflexões de
autores que tratam da globalização, neoliberalismo e da política urbana capitalista,
principalmente.
A ordem capitalista global da contemporaneidade mudou as formas de organização
territorial. De uma ordem essencialmente territorialista, passou-se a uma ordem fundada
sob a perspectiva de transbordamento dos territórios como eram antes estabelecidos,
cultural, econômica e politicamente. David Harvey (2008 [1989]) versa sobre a intensificação
da compressão do tempo-espaço a partir dos anos 1970, provocando mudanças na vida
social e cultural do indivíduo, na divisão do poder entre as classes sociais, e nas práticas
político-econômicas3. Estas práticas político-econômicas foram intensamente modificadas,
levando Estados e empresas a competirem na totalidade da superfície terrestre pelas fatias
dos territórios que sejam mais adequadas às suas necessidades físicas e políticas (Santos,
2006 [2000]).
3 Segundo Harvey (2008), essas mudanças estão inscritas na transição do fordismo para a acumulação flexível,
caracterizada pela aceleração do tempo de giro na produção, aumentando a velocidade da circulação de mercadorias; desintegração vertical da organização empresarial; intensificação dos processos de trabalho; redução dos estoques através do sistema de entrega just-in-time; aceleração dos mercados financeiros; instigação ao consumo de estilos de vida, e a passagem do consumo de bens para o consumo de serviços. Como consequência do quadro descrito acima, o pensamento da pós-mode idade é caracterizado pela volatilidade, que dificulta qualquer planejamento de longo prazo, e a efemeridade não só de produtos, mas também de processos de trabalho, ideias e ideologias, valores e práticas fundamentadas. Ao tratar da condição pós-moderna e seus efeitos sobre a sociedade, Harvey (2008) enfatiza a ascensão da instantaneidade e da descartabilidade, não só de bens materiais, mas também de valores, relacionamentos, estilos de vida, lugares, pessoas e modos de ser e agir.
16
Os projetos nacionais, pensados de forma economicamente integradora, estão sendo
progressivamente substituídos por regimes de desenvolvimento local, e privilegiando certas
regiões em detrimento de outras. Fortalecem a competitividade em nível internacional entre
territórios recortados politicamente – cidades, regiões e espaços intraestaduais – e sujeitos a
influências externas, sem relação com o meio, agravando as desigualdades socioespaciais
inerentes ao capitalismo (Klink, 2013).
No contexto neoliberal, o papel do Estado é redesenhado, e são intensificadas suas
articulações com um crescente número de atores privados e agências reguladoras
multilaterais internacionais, para conduzir questões concernentes aos planos de
desenvolvimento socioeconômicos e ambientais nas três instâncias de governo – federal,
estadual e municipal. Grandes Projetos Regionais (GPRs) regularmente têm sido objetos de
manifestação dos regimes de desenvolvimento locais nos espaços em que estão inseridos
(Sanchez et alii, 2009).
OBJETIVOS GERAIS E ESPECÍFICOS
Buscando cumprir o objetivo geral desta dissertação, de investigar os possíveis
impactos do Comperj na produção e apropriação do espaço urbano de Itaboraí e Maricá,
mais precisamente sobre a valorização da terra e da moradia, alguns objetivos específicos
foram delineados para orientar a investigação do tema:
- Analisar a relação entre a produção imobiliária residencial nos municípios de Itaboraí e
Maricá e o anúncio e instalação do Comperj em Itaboraí, buscando identificar se houve
alterações na dinâmica imobiliária das cidades citadas no período posterior ao anúncio do
complexo petroquímico, em comparação aos anos anteriores ao seu anúncio;
- Verificar as intensidades da valorização da terra e da moradia, e suas implicações no
processo de fragmentação do território analisado.
17
REFLEXÕES METODOLÓGICAS
Este espaço de reflexões objetiva principalmente expor o caminho percorrido, e que
culminou no entendimento a respeito dos assuntos abordados aqui, através de autores que
desenvolvem suas visões observando e aplicando o método materialista histórico, ou
marxista. O objetivo não é expor nem analisar epistemologicamente o método em si, mas
reunir as contribuições dos autores a respeito do método, que foram fundamentais em suas
obras e que exprimem certo cuidado científico, o que pode auxiliar qualquer pesquisador
comprometido com uma investigação científica.
O leitor observará que grande parte das citações descritas no decorrer da dissertação
referenciam autores da década de 1970. Isto representa um encontro da autora com uma
leitura de mundo anterior à pós-modernista, na qual os sociólogos, geógrafos, arquitetos e
economistas expressam a inter-relação dos aspectos econômicos, socioespaciais, históricos e
culturais como determinantes para a compreensão da realidade que nos cerca em seus
variados períodos. O despertamento da autora para essa bibliografia surgiu após assistir a
Sessão Li e Renda da Terra: chave para compreender a reprodução da dependência
e o i a po eio da p oduç o do te it io. O aso do B asil a A i a Lati a ,
organizada por pesquisadores da Unicamp e coordenada por Isadora de Andrade Guerreiro
no XVII Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Planejamento Urbano e Regional (Enanpur), realizado em São Paulo em 2017. Na sessão
foram citados autores como Manuel Castells, Ruy Mauro Marini, Paul Singer e Anibal
Quijano.
A autora viu nesta literatura da década de 1970 uma competência em articular os
aspectos mencionados acima com um alto grau explicativo, de maneira que se apresentam
como excelente fundamento para apreender os processos estruturais que se desdobram na
conjuntura contemporânea, não representando um desconhecimento da teoria
contemporânea, mas uma complementaridade entre elas.
Ao longo da dissertação são citadas referências clássicas, alinhadas com o método
dialético, com uma perspectiva ideológica materialista histórica, a partir de visões de mundo
18
que consideram a totalidade das inter-relações entre os aspectos sociais, econômicos,
políticos, históricos e culturais (Löwy, 1988).
Segundo José Paulo Netto (2011), no método marxista, a aparência do fenômeno é
importante para ser comparada à sua essência. O caminho para encontrar a verdade
científica passa pela observação do objeto, e a empiria é a porta de entrada do
conhecimento. Depois os atributos do fenômeno são verificados, para que seja extraída sua
estrutura e dinâmica, que compõem a essência. Os pós-modernos não suspeitam da
disti ç o e t e apa ia e ealidade, po isso d o ta ta i po t ia ao olha . Pa a os
pensadores dialéticos, ao contrário, a existência concreta do objeto, a realidade, independe
do pensamento do pesquisador.
Um ponto importante, levantado por Jean Lojkine (1997 [1977]), é que o campo
pesquisado não define o nível de análise. Como o autor explicita a seu respeito, pesquisar as
políticas urbanas nos países capitalistas desenvolvidos, com uma visão etnocêntrica a partir
da França (1997, p.44), não invalida a consideração de suas contribuições, visto que
[...] não é o campo da pesquisa que determina o nível da análise: não é porque O Capital de Marx toma como exemplo principal a Grã-Bretanha que a estrutura do modo de produção capitalista em si deixa de ser analisada. Como diz Marx, dirigindo-se a seus íti os ale es, f a eses ou de out os países eu opeus, de te fabula narratur: de o ue se t ata ta to ua to da I glate a. O a, ossa prática de pesquisas não se detém na descrição das particularidades culturais francesas mas na análise dos elementos fundamentais da estrutura do Estado capitalista, através do exemplo francês; [...] (LOJKINE, 1997, p.47).
Outro ponto evidenciado pelo autor, diz respeito à necessidade de aprender a
selecionar as categorias de análise corretamente.
O problema parece-nos idêntico no campo da sociologia política e da sociologia urbana: partir das representações concretas com todo o seu séquito de falsas e id ias e de atego ias e eas o o as de is es políti as , os ato es , os desafios u a os , et ., se te a tes a alisado os p i ipais ele e tos ue
dete i a essas de is es apa e tes, esses desafios, significaria confundir a aparência dos discursos e das percepções dos atores com a essência real que defi e u a políti a u a a LOJKINE, , p. .
19
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Tendo em vista que a pesquisa investiga um fenômeno urbano, a abordagem mista
se apresenta como adequada para sua consistência. Os dados quantitativos são
fundamentais para capturar as intensidades do fenômeno estudado, principalmente
graficamente, assim como os dados qualitativos para possibilitar a análise dos interesses e
estratégias dos agentes que transformam o espaço urbano em questão.
Dessa maneira, a pesquisa foi construída com base em fontes primárias como:
observações de campo acompanhadas de registro fotográfico; imagens de satélites do
recorte espacial relativas ao período da pesquisa; material de divulgação dos
empreendimentos imobiliários, através de panfletos informativos, vídeos e sites de
incorporadoras e imobiliárias atuantes na área; matérias jornalísticas e anúncios
classificados de imóveis e terrenos; e pesquisa direta para obtenção de dados em sites de
órgãos públicos e outras instituições.
Com o objetivo de traçar um panorama a respeito da inserção regional de Itaboraí e
Maricá no leste metropolitano, foram reunidas informações de variáveis como índices
sociais, índices de renda, movimento demográfico, e índices de preços relativos à terra e à
habitação, entre outras.
As fontes secundárias pesquisadas dizem respeito a artigos, dissertações, teses,
capítulos de livros e livros de forma integral. As reflexões teórico-conceituais partem de
autores que tratam da globalização, neoliberalismo, renda da terra, e da política urbana
capitalista. Também é tecido um breve diálogo entre conceitos geográficos que permeiam o
tema, como espaço urbano, região e território. O acervo do grupo de pesquisa Arquitetura
da Violência (ArqViol/UFF), coordenado pela professora Sônia Ferraz, também foi utilizado
para a obtenção de fontes secundárias pertinentes ao tema.
A produção e a apropriação do espaço são fenômenos urbanos que necessitam de
tratamentos diferenciados para estudo. A investigação da produção do espaço se dará
através da manipulação de dados quantitativos (principalmente de valores fundiários e
20
imobiliários), recursos imagéticos, e a produção de mapas que representem a evolução
urbana do espaço estudado a partir de 2000.
A apropriação do espaço é tratada de um ponto de vista teórico, das possíveis
implicações da produção do espaço para a sociabilidade urbana. Um diálogo estabelecido a
partir das informações pertinentes ao objeto de estudo, mas sem delinear um procedimento
capaz de capturar e categorizar informações a respeito da sociabilidade in loco.
Através do suporte jornalístico, é observada a fala dos atores do mercado imobiliário
sobre a relação entre a valorização da terra e da moradia na região estudada e o anúncio e
construção do Comperj. Com base no acervo digital do jornal O Fluminense (2012-2018) e do
acervo digital do jornal O Fluminense depositado na Hemeroteca digital da Biblioteca
Nacional (2000-2016), foi elaborado um banco de dados que reuniu 15.544 anúncios de
terrenos e imóveis residenciais para venda e locação, assim como anúncios de imóveis
comerciais, e de sítios e fazendas (ver extração no Apêndice A). Contudo, tendo em vista o
foco prioritário da pesquisa, e o tempo do mestrado para tratamento e análise de dados,
foram selecionados para análise os dados de terrenos e imóveis residenciais para venda.
Paralelamente, também foi montado um dossiê jornalístico do período 2000-2018 com
matérias que integram o universo da pesquisa, relativas à valorização imobiliária na região
estudada, notícias do Comperj, o crescimento do financiamento habitacional no Brasil, entre
outras.
A metodologia estipulada para a coleta de dados diz respeito à representatividade
mensal (01 jornal/mês) de anúncios para os municípios de Itaboraí e Maricá, em cada ano do
período pesquisado (2000-2018). Para os municípios de Niterói e São Gonçalo, que integram
o recorte comparativo da valorização imobiliária em relação à Itaboraí e Maricá, foi definida
uma representatividade de coleta semestral, devido à extensa carga de ofertas para esses
municípios. O jornal diário escolhido para coleta mensal do jornal O Fluminense foi domingo
e segunda-feira, pois apresenta um maior número de ofertas. É importante destacar que,
apenas para o ano de 2018 houve variação das bases de coleta de dados. Essa questão será
abordada e desenvolvida no terceiro capítulo.
Não há de fato um encerramento da pesquisa teórica para depois proceder à análise
dos dados, considerando que existe um movimento permanente entre o objeto empírico e o
21
objeto teórico. Dessa forma, embora exista uma hierarquização das abordagens teóricas da
literatura geral e específica do estudo de caso ao tratamento empírico, o aporte teórico é
retomado ao longo da dissertação.
A dissertação está estruturada de forma que no primeiro capítulo, é tratado
e e e te o t ip espaço u a o , t a alho e apital , e em suas inter-relações com o
Estado, a partir das contribuições da sociologia urbana francesa (Manuel Castells, Jean
Lojkine, Henry Léfèbvre) e a possível interface com autores contemporâneos como David
Harvey, Milton Santos, François Chesnais, Ricardo Antunes e Pedro Arantes. Mesmo que na
cidade contemporânea as equações entre essas categorias sejam diferentes (mudaram?), a
dissertação está circunscrita nesse eixo de análise.
O tempo que vivemos hoje representa o estágio mais recente do capitalismo
financeiro ou monopolista, e corresponde à sua transformação desde os anos 1970 aos dias
correntes. Através do diálogo entre autores cujas reflexões estruturam um panorama crítico
da ordem capitalista global na atualidade, o objetivo desta seção é ilustrar como as
dimensões constitutivas da referida ordem reafirmam sua arbitrariedade ao penetrar todos
os âmbitos da condição de vida humana. A abordagem teórica reunida é interdisciplinar,
representando a importância das determinações econômica, histórica, social e cultural para
as transformações do espaço que ocupamos, tanto geograficamente quanto socialmente.
No segundo capítulo, primeiramente é feita uma breve reflexão sobre a questão
habitacional no estágio atual do capitalismo financeiro ou monopolista, no mundo e no
Brasil. Em um segundo momento são tecidas algumas considerações teóricas sobre o espaço
urbano da contemporaneidade, como introdução para a abordagem do espaço urbano no
contexto regional, e posteriormente, na região de influência do Comperj. Após a abordagem
das questões macro nas seções anteriores, o terceiro capítulo é dedicado ao
desenvolvimento da parte empírica em relação ao estudo de caso.
22
1 CAPÍTULO I - ESPAÇO URBANO, TRABALHO E CAPITAL
Difícil imaginar uma forma mais adequada de iniciar esta seção do que trazendo uma
breve conceitualização das três categorias acima dispostas, a partir das quais será
desenvolvida a análise desta pesquisa. Para tanto, serão consideradas as contribuições da
sociologia urbana francesa, através dos estudos de pensadores como o jo e Castells4,
Lojkine e Léfèbvre, que nos idos de 1970 assentaram as bases de uma nova forma de pensar
o espaço urbano, em alternativa ao pensamento funcionalista da Escola Sociológica de
Chicago sobre a cidade industrial.
Essa exposição, que inicia com os referidos autores da década de 1970, não se
encerra neles. Os autores contemporâneos trazidos na introdução, e outros, serão
retomados ao longo do texto, na medida em que as questões postas forem sendo
atualizadas.
O espaço u a o , o fo e o pensamento de Castells e A uest o u a a
(1983 [1972]), é abordado o o est utu ado, ou o o ga izado ao a aso , pois ele não é
ape as o pla o [...] de desdo a e to da est utu a so ial, as a e p ess o o eta de
cada conjunto histórico, no qual uma sociedade se espe ifi a p. . De uma forma
simplificada, quando Castells fala sobre o espaço, se refere a uma forma social oriunda da
ação dos grupos sociais divididos em classes. Essa divisão em classes deriva do modo de
produção capitalista, o que faz com que o espaço urbano seja um produto que materializa a
ação desses grupos não de uma forma voluntária ou libertária, mas segundo uma
apropriação social diferencial que o próprio modo de produção projeta nele (p. 146, 154,
155).
Esta breve exposição do entendimento de Castells já revela porque a linha de
pensamento seguida aqui nos distancia da ecologia humana, que obteve grande
representação na Escola de Chicago. Segundo o autor, embora a tradição ecológica
e o heça ue o espaço est ela io ado o as o diç es materiais de produção e de
4 Os estudos de Castells da década de 1970 representam a fase marxista do autor. Principalmente a partir dos
anos 1990, seus estudos, também em cooperação com Borja, passam por uma inflexão, e perdem o teor crítico ao incentivar o planejamento estratégico e empresariamento urbano de cidades ao redor do mundo.
23
e ist ia de ada so iedade p. , lhes falta a teo izaç o, o e o he i e to de pad es
que transcendem as diferentes empirias, que é justamente o que faz com que os escritos de
Castells, Lojkine e Léfèbvre continuem atuais.
Castells dei a la o ue, se todas as es olas utiliza o o dados de ase ele e tos
da ida so ial – como o meio natural, as interações sociais, os mecanismos econômicos,
políticos e culturais –, o que diferencia o pensamento materialista histórico sobre a teoria do
espaço o esfo ço [...] e des o i leis est utu ais ou a o posiç o de e tas situaç es
histo i a e te dadas e [...] esta ele e hip teses so e o fato do i a te de u a
est utu a (p. 154, 155).
A abordagem sobre o trabalho diz respeito ao trabalho assalariado, seja ele
produtivo ou improdutivo do ponto de vista da geração de mais-valia, e mais precisamente
da relação de forças e t e a lasse ue i e do t a alho e o capital dominante, expressa no
espaço urbano. A lasse ue i e do t a alho , e p ess o pela ual A tu es atualiza
o o eito de Ma de lasse t a alhado a , diz espeito aos t a alhado es p oduti os –
entendidos em Marx como aqueles que produzem mais-valia pelo trabalho manual direto
(papel central) ou não diretamente manual –, mas também aos trabalhadores improdutivos,
ue o pa ti ipa do p o esso de alo izaç o do apital ia do ais-valia, e que
englobam os assalariados do setor de serviços públicos ou privados – bancos, comércio,
turismo, e os trabalhadores das fábricas que não criam valor direto. Dessa forma, o autor
amplia a classe para além do proletariado industrial, incorporando o proletariado rural e
todo trabalhador assalariado que vive da venda de sua força de trabalho, empregado ou
não.
O capital será tratado a partir da so ializaç o de suas condições gerais de
p oduç o . Lojki e [ ] esclarece que embora Marx não tenha analisado o
se tido da e oluç o u a a as elaç es apitalistas de p oduç o p. , o conceito
desenvol ido po ele das o diç es ge ais de p oduç o a a ge [...] a elaç o e t e o
processo imediato de produção, a unidade de produção, por um lado, e, por outro, o
p o esso glo al de p oduç o e de i ulaç o do apital p. . Lojkine atualiza o conceito
ao destacar o aparecimento dos meios de consumo coletivos, que se juntam aos meios de
circulação material – relacionados à comunicação e ao transporte –; e também da
24
concentração espacial dos meios de produção e reprodução das formações sociais
capitalistas p. , seja a ep oduç o do apital ou da fo ça de t a alho, através dos meios
de consumo individuais e coletivos, representados pelos equipamentos de saúde pública,
escolas, etc. Para o autor, a conjugação destes fatores é o que define a cidade capitalista.
O que, a nosso ver, vai caracterizar duplamente a cidade capitalista é, de um lado, a
es e te o e t aç o dos eios de o su o oleti os ue o ia pou o a pouco um modo de vida, novas necessidades sociais – chegou-se a falar de uma
i ilizaç o u a a –; de outro, o modo de aglomeração específica do conjunto dos meios de reprodução (do capital e da força de trabalho) que se vai tornar, por si mesmo, condição sempre mais determinante do desenvolvimento econômico. (LOJKINE, 1997, p.146)
Em vista das considerações acima, mais do que compreender as relações entre
espaço urbano, trabalho e capital na contemporaneidade, é preciso compreender esta
relação no contexto brasileiro, ou seja, em um país latino-americano de economia
dependente5, aonde se encontra o objeto de estudo. Para tanto, faremos o caminho inverso
e iniciaremos nossa investigação dessas três categorias e seus respectivos efeitos em países
nos quais o modo de produção capitalista desenvolveu-se plenamente, para então
reconhecer suas adaptações nos países periféricos.
5 Ruy Mauro Marini (2012 [1973]) faz uma análise marxista da dependência latino-americana. O autor explica a
trajetória desta dependência identificando seu início com a revolução industrial, quando nas primeiras décadas do século XIX os países da América Latina assumem uma independência política que fará com que, ignorando uns aos outros, estabeleçam relações diretamente com a Inglaterra, exportando bens primários em troca de manufaturas de consumo. Segundo Ma i i a pa ti desse o e to ue as elaç es da A i a Lati a o os centros capitalistas europeus se inserem em uma estrutura definida: a divisão internacional do trabalho, que determinará o sentido do desenvolvimento posterior da região. Em outros termos, é a partir de então que se configura a dependência, entendida como uma relação de subordinação entre nações formalmente independentes, em cujo marco as relações de produção das nações subordinadas são modificadas ou recriadas para assegurar a reproduç o a pliada da depe d ia. 2012, p. 3,4).
25
1.1 O URBANO DE LÁ: CONSIDERAÇÕES SOBRE O URBANO NOS CENTROS
CAPITALISTAS DESENVOLVIDOS
A respeito da cidade capitalista, Lojkine afirma que o desenvolvimento da
aglomeração urbana [...] determinado pela tendência constante do capitalismo a diminuir
o tempo de produção e o tempo de circulação do capital 1997, p.174).
No contexto dos anos 1970, a partir do qual o autor fala, a busca por uma
p oduti idade do t a alho es e te, [...] o se efetua mais hoje apenas pela elevação da
taxa de mais- alia, as ta pela so ializaç o das o diç es ge ais de p oduç o idem,
p.178), na qual a urbanização é componente essencial (idem, p.159). Dessa forma, os
fenômenos urbanos pertencem à esfera da divisão do trabalho na sociedade.
Segundo Lojkine, as leis da concorrência capitalista impossibilitam a cooperação dos
agentes e seus meios de produção no espaço urbano. Comparada à cooperação possível e
racional no interior de uma unidade de produção ou no monopólio controlado por um grupo
apitalista, o auto f isa o a te a ui o da divisão territorial do trabalho . Argumenta
ainda que a localização das empresas nas cidades está relacionada ao conjunto das
infraestruturas urbanas, e que a dinâmica de implantação das firmas industriais e dos polos
de empregos, incluídos os empregos de escritório, condiciona o desenvolvimento das
cidades (idem, p.184).
Ora, percebe-se hoje cada vez mais que os critérios de implantação espacial das grandes firmas capitalistas entram em contradição com as necessidades tecnológicas e sociais de um verdadeiro planejamento territorial, isto é, de uma cooperação desenvolvida em termos de território nacional (LOJKINE, 1997, p.184).
O autor percebe assim um duplo movimento: de um lado, a cidade cumpre um papel
econômico fundamental ao desenvolvimento do capitalismo, e inversamente, a urbanização
é moldada de acordo com as leis da acumulação capitalista (idem).
Em outras palavras, Castells (1983) descreve o mesmo processo, no qual a indústria é
atraída pelas cidades pelo seu fornecimento de mão de obra e mercado, e em contrapartida,
a presença industrial oferece novas possibilidades de empregos e desencadeia serviços
(p.23). O auto ta e fatiza o p o esso i e so: [...] onde há elementos funcionais, em
26
particular matérias-primas e meios de transporte, a indústria coloniza e provoca a
u a izaç o ide .
Léfèbvre (2011 [1968]) chega a definir a sociedade urbana moderna – visto que a
cidade precede a industrialização – o o se tido e fi alidade da i dust ializaç o p. .
Refere-se p o le ti a u a a , o as uest es de dese ol i e to e pla ifi aç o,
como induzida pelo processo de industrialização, que remonta ao início do século XIX. As
questões referentes à cidade assumem um papel tão totalizador na vida de uma massa
popula io al es e te, ue o auto defi e a so iedade u a a o o a ealidade so ial ue
as e ossa olta p. . Trazendo para a atualidade a exposição de Léfèbvre,
percebemos que a cidade também suscede a industrialização, uma vez que, se antes a
indústria colonizava a urbanização, hoje é o setor terciário, os serviços que ditam o ritmo das
cidades.
Ao reconhecer a indústria como um elemento que expressa a lógica capitalista do
lucro, o racionalismo técnico que organiza a paisagem urbana, e sobre a qual o controle
social é nulo, Castells enfatiza o mesmo ponto principal que Lojkine, de que os centros
i dust iais apitalistas esulta [...] o dese ol i e to da espe ializaç o fu io al e a
divisão social do trabalho no espaço, com uma hierarquia entre os diferentes aglomerados e
u p o esso de es i e to u ulati o, [...] 1983, p.23).
Lojkine identifica a divisão social do trabalho como um dos limites capitalistas postos
ao desenvolvimento urbano. Pois d o ige a [...] dois fe e os espa iais o t adit ios
mas que decorrem simultaneamente de uma busca comum pelas firmas capitalistas de uma
implantação que lhes permita fazer a economia máxima das falsas despesas de produção6
(1997, p.185).
Ao descrever os dois fenômenos espaciais a que se refere, Lojkine arremata seu
raciocínio evidenciando que a competitividade territorial das empresas pelas melhores
6 As falsas despesas de produção são relativas à circulação e ao transporte, e são identificadas como falsas
porque seu dispêndio contribui para a aceleração do tempo de giro do capital, e consequentemente da extração de mais-valia no sistema de produção.
27
localidades origina a desigualdade socioespacial no desenvolvimento das aglomerações
urbanas.
É, por um lado, o subdesenvolvimento crescente das regiões menos equipadas em infra-estruturas urbanas (meios de circulação materiais e meios de consumo coletivos) e, por outro, o congestionamento urbano, a gigantesca aglomeração de
egal poles o de j est o o e t ados os ais a iados e de sos eios de comunicação e de consumo coletivos. Aglomerações no interior das quais se reproduzirá o mesmo processo de diferenciação espacial entre as zonas mais bem equipadas que o serão cada vez mais – centros de negócios, zonas residenciais das classes dominantes – e as zonas menos equipadas, cuja distância em relação às primeiras tende sempre a crescer. (LOJKINE, 1997, p.185)
A questão da competitividade territorial trazida por Lojkine é atualizada por Santos
(2006 [2000]), que traz valiosa contribuição para entendermos a passagem de uma ordem
global essencialmente territorialista no Imperialismo, a uma ordem fundada sob a
perspectiva de extrapolação de territórios.
Segundo o autor, a globalização mudou as formas de organização territorial. O que
antes se dava através de uma compartimentação que pressupunha condições econômicas e
culturais relacionadas aos territórios, cuja regulação política neutralizava diferenças e
oposições nas divisões territoriais nacionais e internacionais, passou a dar-se por uma
compartimentação na maioria das vezes efetivada como fragmentação. É intrínseco da
fragmentação a implementação de parâmetros externos, sem relação com o meio.
O processo político que equilibrava a diversidade técnica e econômica entre os países
imperialistas, por exemplo, e garantia a ordem interna e a ordem internacional por meio da
política dos Estados, ainda que com interesses conflitantes, presumia o exercício de certa
solidariedade entre os atores e identificação com o meio para adaptar-se às demandas
emergentes. Hoje, a falta de solidariedade e identificação entre as diversas partes,
características da fragmentação, dificulta e mesmo extingue a possibilidade de regulação
interna e externa, levando Estados e empresas a competirem na totalidade da superfície
terrestre, pelas fatias dos territórios que sejam mais adequadas às suas necessidades físicas
e políticas. Nas palavras de Santos,
28
[...] os territórios tendem a uma compartimentação generalizada, onde se associam e se chocam o movimento geral da sociedade planetária e o movimento particular de cada fração, regional ou local, da sociedade nacional. Esses movimentos são paralelos a um processo de fragmentação que rouba às coletividades o comando do seu destino, enquanto os novos atores também não dispõem de instrumentos de regulação que interessem à sociedade em seu conjunto. (SANTOS, 2006, p.79, 80).
Essa ausência de regulação que se configura como um novo artifício para as grandes
empresas, regulação que não existe porque seus limites não são desejados, desagrega,
exclui, e nega autonomia ao restante dos atores. São empresas privadas e instituições
públicas, sejam nacionais ou internacionais, que passam a comportar-se conforme as metas
individuais das grandes corporações. Temos assim um território global fragmentado pelas
ações de empresas hegemônicas que, quanto mais racionais, menos consideram o contexto
econômico, social, político, cultural, moral ou geográfico, conferindo a desejada fluidez aos
territórios e porosidade às fronteiras nacionais. A fluidez não é para todos, mas sim para
aqueles que detêm os recursos materiais e o domínio das técnicas atuais que possibilitam a
ação em uma velocidade ascendente, disseminando as infraestruturas necessárias à fluidez
nos lugares considerados ideais para suas atividades.
No atual estágio da modernidade, a principal ferramenta de poder e dominação do
capital diz respeito à velocidade do movimento e o acesso a meios cada vez mais rápidos de
mobilidade, tornando-se o poder, segundo Zygmunt Bauman [...] verdadeiramente
extraterritorial, não mais limitado, nem mesmo desacelerado, pela resistência do espaço
[...] (2001, p.18).
Nas palavras de Harvey,
O aumento da competição em condições de crise coagiu os capitalistas a darem muito mais atenção às vantagens locacionais relativas, precisamente porque a diminuição de barreiras espaciais dá aos capitalistas o poder de explorar, com bom proveito, minúsculas diferenciações espaciais. Pequenas diferenças naquilo que o espaço contém em termos de oferta de trabalho, recursos, infra-estruturas etc. assumem crescente importância. [...] A fuga de capitais, a desindustrialização de algumas regiões e a industrialização de outras e a destruição de comunidades operárias tradicionais como bases de poder na luta de classes se tornam o pivô na t a sfo aç o espa ial so o diç es de a u ulaç o ais fle í eis. HARVEY, 2008, p.265).
29
A disputa das empresas pelas melhores localidades é evidenciada por Lojkine e
Harvey, e Santos nos ajuda a perceber que esse fato decorre de uma maior contradição
entre as condições internas e as influências externas aos Estados-nação, que em tempos
neoliberais conferem às empresas ampla mobilidade e liberdade para escolha de seus
territórios7. Falar de metrópoles nessas circunstâncias significa abordar espacialidades que
representam com excelência a competitividade global e o acirramento das desigualdades
socioespaciais.
Há outros aspectos típicos à organização interna da metrópole que precisam ser
mencionados. A ilustração de Lojkine sobre o processo de diferenciação socioespacial
inerente à metrópole é um ponto de partida interessante para a discussão que Castells traz
em torno das regiões metropolitanas, levando em consideração as megalópoles como
e p ess o últi a da ea et opolita a, [...] eu i o a ti ulada de ias eas
et opolita as o i te io de u a es a u idade fu io al e so ial 1983, p. 37). Castells
define a região metropolitana como uma forma espacial diferenciada qualitativamente, que
não decorre de uma maior dimensão ou densidade dos aglomerados pré-existentes. O seu
tamanho é resultante de sua estrutura interna, porém o que a caracteriza a [...] difus o
no espaço das atividades, das funções e dos grupos, e sua interdependência segundo uma
di i a so ial a pla e te i depe de te da ligaç o geog fi a idem, p.29).
A organização interna da metrópole requer uma interdependência hierarquizada das
atividades de produção, consumo, troca e gestão, que podem estar concentradas –
exprimindo certo zoneamento, como no caso de áreas industriais, agrícolas e de negócios –
ou distribuídas pela metrópole no conjunto da região, caso das residências e equipamentos
de uso cotidiano (idem, p.30).
Nas estruturas espaciais, cada elemento possui um status diferenciado, e são
possíveis várias combinações de elementos. Castells (1983, p.160) exemplifica os elementos
7 Co a glo alizaç o, o ue te os u te it io a io al da e o o ia i te a io al, isto , o te it io
continua existindo, as normas públicas que o regem são da alçada nacional, ainda que as forças mais ativas do seu dinamismo atual tenham origem externa. Em outras palavras, a contradição entre o externo e o interno aumentou. Todavia, é o Estado nacional, em última análise, que detém o monopólio das normas, sem as quais os poderosos fatores externos perdem eficácia. Sem dúvida, a noção de soberania teve de ser revista, face aos sistemas transgressores de âmbito planetário, cujo exercício violento acentua a porosidade das fronteiras. Estes, são, sobretudo, a informação e a finança, cuja fluidez se multiplica graças às maravilhas da técnica o te po ea. SANTOS, , p. , .
30
que compõem as equações que conferem especificidade aos espaços: produção (atividades
produtoras de bens, serviços e informações); consumo (atividades de apropriação social
individual e coletiva do produto, como residências e instalações coletivas); troca (trocas
ocorridas entre produção e consumo no interior de ambas); e gestão (processo de regulação
das relações entre produção, consumo e troca, através, por exemplo, da gestão municipal ou
planos de urbanismo). O autor recomenda cuidado, pois um exemplo pode estar relacionado
a mais de um elemento, como no caso da moradia.
Além da inter-relação entre os elementos já citados, a metrópole e sua região
metropolitana conformam uma estrutura social específica, baseada no progresso técnico. A
técnica introduziu novas atividades de produção e consumo, e quase eliminou a
condicionante do espaço, devido aos meios de comunicação. Da segunda revolução
industrial em diante, a mobilidade conferida pelos transportes coletivos ampliou
concentrações de mão de obra em torno das unidades industriais, redistribuiu os fluxos
internos segundo uma relação espaço/tempo razoável, e integrou diferentes zonas e
atividades. A difusão dos automóveis e a ligação por autoestradas com outros setores
funcionais inflamou a dispersão urbana em massivas zonas residenciais por toda a região, e o
transporte aéreo impulsionou a interdependência das variadas regiões metropolitanas
(1983, p.30,31).
As adeias de elaç es fu io ais p opo io adas pela et pole – que ligam mão
de obra qualificada, meio técnico e industrial, matérias-primas, recursos e escoamentos –, e
facilitadas pela gestão, informação, e a ligação das duas com o meio urbano, inverte a
relação entre indústria e cidade como se deu no início, e já exposto aqui, fazendo com que a
indústria dependa cada vez mais da cidade e busque inserção no sistema urbano, com a
novidade de poder estar descentralizada espacialmente (1983, p.31,32).
Assim, a região metropolitana
[...], enquanto forma central de organização do espaço do capitalismo avançado, diminui a importância do ambiente físico na determinação do sistema de relações funcionais e sociais, anula a distinção rural e urbana e coloca em primeiro plano da dinâmica espaço/sociedade, a conjuntura histórica das relações sociais que constituem sua base. (CASTELLS, 1983, p.33)
31
A superação das distâncias, que a tecnologia propiciou ao desenvolvimento das
regiões metropolitanas, facilita a dispersão urbana e a composição crescente em massas da
população (idem, p.32). No entanto, essa uniformização populacional composta
ajo ita ia e te pelo t a alhado assala iado a o pa hada de u a diversificação de
í eis e de u a hie a uizaç o p p ias atego ia so ial do t a alho assala iado, [...] o
que, no espaço, resulta numa verdadeira segregação e te os de status, sepa a e a a
os diferentes setores residenciais, se estendendo por um vasto território, que se tornou o
lo al de desdo a e to si li o idem, p.33).
Se antes a separação cidade-campo era a base fundamental da divisão social do
trabalho (Lojkine, 1997, p.159), hoje essa oposição é melhor representada pela dicotomia
cidade-periferia.
A urbanização capitalista atual poderia ser então definida como a forma mais desenvolvida da divisão do trabalho material e intelectual. Mas enquanto para Marx os dois termos espaciais desta oposição são a cidade – concentração da população, dos instrumentos de produção, do capital, dos prazeres e das necessidades – e o campo – que isola e espalha esses mesmos elementos –, pode-se formular a hipótese de que essa oposição é muito mais materializada hoje pela segregação espacial entre os grandes centros urbanos – que concentram ao mesmo tempo o trabalho intelectual mais desenvolvido e os órgãos de comando – e as zonas periféricas onde estão disseminadas as atividades de execução e os lugares de reprodução empobrecida da força de trabalho. (LOJKINE, 1997, p.164)
A reflexão sobre a periferia ou o subúrbio trazida por Léfèbvre, a identifica com uma
u a izaç o desu a izada , pois a ligação desses arredores com a cidade é através de sua
expressão como centro de negócios e consumo, destituída do sentido original dos núcleos
u a os, o o [...] e t os de ida so ial e políti a o de se a u ula o ape as as
riquezas como também os conhecimentos, as técnicas e as obras (obras de arte,
o u e tos 1, p.12).
Somado à divisão social do trabalho, outro limite ao desenvolvimento urbano é a
propriedade privada do solo. Segundo Lojkine, o desenvolvimento urbano não pode ser
assegurado pela necessidade do capital em aumentar a produtividade do trabalho social, por
causa de duas contradições que ferem a cooperação dos agentes de produção do espaço
urbano: as leis da concorrência capitalista, comentadas anteriormente, e a fragmentação do
32
espaço urbano em propriedades privadas, que representam a renda fundiária urbana (1997,
p.175).
Enquanto para Marx o valor do solo consistia em seu uso como instrumento de
produção ou suporte passivo dos meios de produção e consumo, um terceiro valor de uso
do solo acompanha a socialização das condições gerais da produção: sua capacidade de
aglomeração e combinação de meios de produção e reprodução de uma formação social
(1997, p.186).
No entanto, a fragmentação que se dá pela propriedade privada do solo representa
uma contradição do valor de uso do solo, cujo princípio é de consumo coletivo.
Conseqüência da apropriação privada do solo, a fragmentação desse valor de uso, do qual por definição o consumo só pode ser coletivo, vai tornar-se um obstáculo, no interior do modo de produção capitalista, para o desenvolvimento das forças produtivas sociais. Mas para entender a atual importância da renda fundiária é indispensável precisar o que são os atuais proprietários fundiários urbanos. (LOJKINE, 1997, p.186)
A apropriação da renda fundiária no atual estágio do capitalismo monopolista ou
financeiro, segundo Lojkine, o feita p i ipal e te pelos pe ue os p op iet ios
passi os ue espe ula so e u dese ol i e to e o i o pa a o ual o
o t i uí a , as si pelos g a des g upos o opolistas. Assim, a fus o do o op lio
fundiário e do monopólio financei o i disti gue a parte do lucro correspondente ao
proprietário fundiário e a recebida pelo próprio capitalista (1997, p.187).
A principal manifestação espacial da renda fundiária como limite do modo de
produção capitalista ao desenvolvimento urbano é o fe e o da seg egaç o, [...]
produzido pelos mecanismos de formação dos preços do solo, estes, por sua vez,
dete i ados, o fo e ossa hip tese, pela o a di is o so ial e espa ial do t a alho
(idem, p.188).
Lojkine identifica três tipos de segregação urbana: a oposição entre centro e
periferia, onde o preço do solo no centro é mais alto; a separação entre as zonas residenciais
das a adas p i ilegiadas e as de o adia popula ; e a espe ializaç o das fu ç es u a as
em zonas distintas – zona de moradia, zona industrial, zona de escritórios –, que
33
institucionalizou a prática do zoneamento pela política urbana (idem, p.189). Nesses casos, a
renda fundiária é extraída de acordo com a vantagem locacional.
O autor sustenta a hipótese de que além do acesso desigual das camadas sociais não
monopolistas aos meios de consumo coletivos, não só as camadas populares (operários,
empregados, aposentados) e as classes médias assalariadas e não assalariadas (profissões
liberais, grandes comerciantes e industriais) são excluídas dos grandes centros urbanos, mas
ta as f aç es o o opolistas do apital pe ue o e dio apital s o ta
excluídas, em prol do beneficiamento da fração monopolista do capital pelo uso dos
e uipa e tos oleti os ais i os e meios de reprodução ampliada do trabalho
i tele tual , ue po sua a idade, i pli a a o e t aç o espa ial idem, p.190).
1.2 O URBANO DE CÁ: AS ESPECIFICIDADES ESPACIAIS DA DEPENDÊNCIA
LATINO-AMERICANA
Antes de tudo, é importante pontuar a diferença que Castells (1983, p.28) esclarece
entre a noção de desenvolvimento e dependência. A noção de desenvolvimento remete
ta to a u í el t i o e o i o ua to a u p o esso de t a sfo aç o ualitati a das
est utu as so iais , pe iti do um aumento potencial das forças produtivas. É avaliado pela
capacidade de acumulação crescente de uma sociedade, mensurada pela relação
investimento/consumo.
Para Castells, é evidente que a noção de desenvolvimento referente à articulação das
estruturas de uma determinada formação social só pode ser analisada em relação às
formações sociais da conjuntura internacional. Para expor essa análise comparativa, surgiu a
necessidade do conceito de dependência, ue tipifi a [...] as elaç es assi t i as e t e
formações sociais de modo que a organização estrutural de uma delas não tenha lógica fora
de sua i se ç o o siste a ge al (1983, p.28).
Dessa forma, o autor considera equivocado intitular sociedades dependentes de
su dese ol idas (idem, p.53), pois a dependência é a expressão direta de garantia do
título de dese ol idas s so iedades do i a tes. O te o su dese ol i e to e ete a
uma composição cíclica de um mesmo processo, no qual diferentes sociedades estariam
34
apenas em estágios avançados ou atrasados, mediante oportunidades equivalentes de
desenvolvimento, e definitivamente esse não é o caso. A existência de sociedades
dependentes representa uma das contradições necessárias à manutenção do sistema de
produção capitalista dominante.
Em seu prólogo da edição de A uest o u a a pa a a A i a Lati a [1972]),
Castells e o he e ue di e sas te tati as de t a spo suas hipóteses para situações de
depe d ia o log a a ito. O auto at i ui as difi uldades surgidas a um rigor
insuficiente da teoria apresentada por ele para situações históricas de dependência; o que
não invalida as suas observações sobre a especificidade dessas situações, apenas exige
cuidado na aplicação de suas hipóteses, identificadas por ele como imprecisas para esses
casos. Castells salienta que mesmo que situações distintas admitam novos conceitos, isso
de e se feito [...] e o ti uidade com os conhecimentos teóricos e as leis históricas já
esta ele idas , o aso, pelo ate ialis o hist i o, pa a ue haja i ia da hist ia p.
V, VI).
Uma análise das formas espaciais das sociedades dependentes, segundo Castells,
deve ser antecedida pela observação das relações sociais que compõem seu conteúdo
histórico. A primeira delas diz respeito ao [...] desenvolvimento do modo de produção
capitalista e es ala u dial, de o po do as fo as p oduti as p ee iste tes ,
principalmente agrária e artesanal. Processo que acentua o desenvolvimento desigual na
estrutura de classes, desencadeado por um conjunto de consequências – listadas abaixo –
dessa condicionante externa à decomposição produtiva local (p. X, XI).
Em primeiro lugar, a reprodução da força de trabalho acontece de forma parcial,
esulta do a e lus o de pa te i po ta te da fo ça de t a alho pote ial , ue i teg a
u a plo e ito de ese a . Esta fo ça de t a alho pote ial a ue Castells se efe e, os
dese p egados, est i luída o o eito de lasse ue i e do t a alho de A tu es
(1999), e representa em parte a necessidade que Antunes sentiu em ampliar o conceito de
lasse t a alhado a de Ma , o igi al e te di igido aos ope ios i dust iais.
Os efeitos da o e essidade do siste a e ep oduzi sua fo ça de t a alho em
benefício da acumulação capitalista são cumulativos, e desencadeiam um mercado não
rentável para o consumo de mercadorias, que por sua vez justifica a aus ia de p oduç o
35
de eios de o su o oleti o ou se iços u a os . Este quadro é chamado pelo autor de
u a izaç o sel age , u a ep ese taç o do ue o siste a apitalista de p oduç o
desorganiza – u a ez ue as idades dei a de se o esultado do p o esso de
o e t aç o de eios de p oduç o e fo ça de t a alho – mas não consegue destruir
totalmente. As classes desfavorecidas resistem, desenvolvem outras atividades e formas de
vida, traduzidas no espaço.
A segunda conse u ia ue o auto lista, o i e ti o es e te do o su o de
lu o i p oduti o pelas i o ias a astadas, e det i e to aos meios de consumo para a
reprodução da força de trabalho. A proporção de recursos destinados ao consumo
improdutivo nas sociedades dependentes é muito maior do que nas sociedades dominantes.
Fi al e te, a te ei a o se u ia a es assa i te e ç o do Estado a
ep oduç o da fo ça de t a alho e te os e o i os . O ue a e u a ja ela pa a
tornar a produção de meios de consumo coletivos pelo Estado refém de condições políticas,
que podem se traduzir em ações populistas em busca de apoio das classes populares.
O que na concepção de Castells dificulta a formulação de proposições para as
situações de dependência a nível estrutural, é que os problemas citados, embora integrem a
problemática da questão urbana, se relacionam de diferentes formas em conjunturas
hist i as di e sas. Assi , [...] a u idade dos dife e tes p o le as su ja e tes ideologia
do urbano nas sociedades dependentes não se encontra a nível estrutural mas resulta, de
fo a se p e espe ífi a, das p ti as so iais e políti as p. XIII), demandando um maior
cuidado na investigação do objeto urbano em situação de dependência.
O ensaio Dialética da Dependência, de Ruy Mauro Marini (2012 [1973]), ilumina os
motivos pelos quais as relações capitalistas da América Latina determinam a forma
particular que o capitalismo dependente vai adotar aqui (p. 2,3). Essa trajetória, iniciada com
a integração dos países latino-americanos ao mercado mundial nas primeiras décadas do
século XIX – conforme especificado na nota 5 – implica o papel fundamental da América
Latina no desenvolvimento do capitalismo. Sem o qual,
36
A criação da grande indústria moderna seria fortemente obstaculizada se não houvesse contado com os países dependentes, e tido que se realizar sobre uma base estritamente nacional. De fato, o desenvolvimento industrial supõe uma grande disponibilidade de produtos agrícolas, que permita a especialização de parte da sociedade na atividade especificamente industrial. [...] Isso foi o que permitiu aprofundar a divisão do trabalho e especializar os países industriais como produtores mundiais de manufaturas. (MARINI, 2012, p.4,5)
Segundo Marini, a apa idade de ia u a ofe ta u dial de ali e tos a
condição de inserção dos países dependentes na economia internacional capitalista, porém,
esta fu ç o se so a de o t i uiç o pa a a fo mação de um mercado de matérias-primas
i dust iais uja i po t ia es e e fu ç o do es o dese ol i e to i dust ial . Para
o autor, essa fu ç o ue hega ais ta de a sua ple itude, ta a ue se e ela
como a mais duradoura para a América Latina, mantendo toda sua importância mesmo
depois ue a di is o i te a io al do t a alho te ha al a çado e o o est gio 2012, p.
4,5). No entanto, o autor alerta ue a situaç o olo ial o o es o ue a situaç o da
dependência. Ainda que se dê uma continuidade entre ambas, não são homogêneas; [...]
(idem, p.4).
A provisão mundial de alimentos pela América Latina atingiu seu ápice na segunda
metade do século XIX, e foi decisiva para que os países industriais depositassem confiança
no comércio exterior para satisfazer suas necessidades de subsistência. Isto contribuiu para
a eduç o do alo eal da fo ça de t a alho os países i dust iais , au e ta do a
produtividade que possibilitou extrações cada vez mais altas de mais-valia8 (idem, p.7).
Al de o t i ui pa a a e pa s o ua titativa da produção capitalista nos países
i dust iais através da oferta de alimentos, a América Latina também cooperou para a
8 Marini (2012, p.7,8) explica a primeira contradição da acumulação capitalista nos países industriais. No caso, a
maior produtividade para extrair uma maior mais-valia relativa faz com que haja uma queda na taxa de lucro. Isso porque o lucro do capitalista é calculado sobre todo o capital empregado no processo de produção (salários, instalações, maquinário, matérias-primas, etc.). O patrão precisa investir na manutenção dos bens de produção que representam o capital constante (maquinário, matérias-primas e tal), para que a produtividade possa aumentar e consequentemente a mais-valia (capital variável), pela redução dos bens-salário e extração do lucro. Essa lógica faz com que haja um maior equilíbrio entre o capital constante e o capital variável, que determina a queda no lucro e representa a contradição que Marini falou. Isso só pode ser vencido com mais incremento da produtividade, para aumentar a mais-valia relativa em relação ao valor do capital constante, que precisa ser induzido para baixo. Porque em algum momento, o aumento do custo de produção, que é o ônus do capitalista, será compensado por uma maior exploração do trabalhador (indireta, através da redução dos bens-salário). Em suma, o aumento da produtividade leva a uma contradição, que é a queda da taxa de lucro do capitalista, e só pode ser vencida com mais produtividade.
37
acumulação capitalista nos países centrais ao fo e e u a assa de p odutos ada ez
ais a atos o e ado i te a io al , decorrente de uma sobreprodução (idem, p.8).
Marini esclarece ue os países depe de tes p o u a o pe sa a pe da de e da
gerada pelo comércio internacional por meio do recurso de uma maior exploração do
t a alhado (idem, p.11,12). E que o processo pelo qual a América Latina transferiu valor,
mais- alia, aos países i dust iais, i pli ou pa a ela efeitos igo osa e te opostos . Esse
ônus é transferido ao trabalhador através de três mecanismos que configuram sua maior
exploração, e o não desenvolvimento de sua capacidade produtiva: a intensificação do
trabalho, o prolongamento da jornada de trabalho, e a redução do salário. Em uma
economia baseada na indústria extrativa e na agricultura como a latino-americana, o
aumento do trabalho pode ser feito com prejuízo mínimo de aumento do capital constante
(maquinário, matérias-primas, etc.), ao contrário da indústria fabril, na qual o trabalho
aumentado redunda pelo menos em um maior gasto de matérias-primas.
[...] chamada para contribuir com a acumulação de capital com base na capacidade produtiva do trabalho, nos países centrais, a América Latina teve de fazê-lo mediante uma acumulação baseada na superexploração do trabalhador. E nessa contradição que se radica a essência da dependência latino-americana. (MARINI, 2012, p. 16)
O trabalhador superexplorado, no ciclo do capital na economia dependente, também
será prejudicado em relação ao consumo individual para reposição de sua força de trabalho.
Isto porque no contexto da economia exportadora já citada, a esfera da circulação da
e ado ia se sepa a da p oduç o, e di e io ada pa a o e ado e te o. Co o a
produção latino-americana não depende da capacidade interna de consumo para sua
ealizaç o idem, p.16),
[...] a tendência natural do sistema será a de explorar ao máximo a força de trabalho do operário, sem se preocupar em criar as condições para que este a reponha, sempre e quando seja possível substituí-lo pela incorporação de novos
aços ao p o esso p oduti o. MARINI, 2012, p.17)
Enquanto isso, os bens de consumo manufaturados europeus são importados e
consumidos pelas classes que alimentam a esfera alta da circulação, pois têm poder
38
aquisitivo para tal. Quando a América Latina ingressa na etapa de industrialização, o faz a
partir das bases criadas pela e o o ia de e po taç o , o que terá u efeito de isi o o
curso que tomará a economia industrial latino-a e i a a idem, p.18).
Com a crise da economia capitalista internacional no período entre guerras, há um
li ite da a u ulaç o aseada a p oduç o pa a o e ado e te o , o ue faz o ue o
fo o se olte pa a a i dúst ia e d o ige ode a e o o ia i dust ial ue p e ale e a
egi o idem, p.19). Contudo, segundo Marini, o acontecimento da produção industrial
interna não poderia ser capaz de corrigir o capitalismo dependente e orientá-lo a uma
conformação similar à dos países industriais clássicos. E esse era o pensamento que
orientava as correntes desenvolvimentistas da década de 1950, as uais a edita a [...]
que os problemas econômicos e sociais que afetavam a formação social latino-americana
tivessem origem na insuficiência do desenvolvimento capitalista e que a aceleração deste
bastaria para fazê-los desapa e e (idem, p.19). É a mesma confusão abordada por Castells
a respeito de dese ol i e to e su dese ol i e to . Assim, podemos perceber que o
pensamento dos dois autores convergem para o que Marini acentuou bem:
[...] mistificar a economia capitalista internacional, é fazer crer que essa economia poderia ser diferente do que realmente é. Em última instância, isso leva a reivindicar relações comerciais equitativas entre as nações, quando se trata de suprimir as relações econômicas que se baseiam no valor de troca. (MARINI, 2012, p.9)
E uma troca desigual, com transferência de valor para os países capitalistas
dominantes.
O que se sucede é uma industrialização latino-americana que só se ampliava sob o
efeito de fatores externos, como as crises comerciais e a limitação dos excessos da balança
comercial, difi ulta do o a esso da esfera alta de consumo para o comércio de
i po taç o . A recorrência desses fatores é o que acelera o crescimento industrial
dependente, fazendo com que diferente das economias clássicas, essa industrialização nasça
pa a ate de a u a de a da p -e iste te , em função do mercado internacional, e não
crie sua própria demanda (2012, p.21). Por isso dedica-se a produzir bens que raramente
compõem o consumo popular, u a ez ue as a ufatu as o s o ele e tos esse iais
39
no consumo individual do operá io , e cujo ritmo de produção independe das condições de
salário dos trabalhadores (idem, p.22).
Quanto mais avança a industrialização latino-americana, diminui a importação de
bens de consumo, pelos motivos já expostos, e au e ta a de at ias-primas, produtos
se iela o ados e a ui io desti ados pa a a i dúst ia (idem, p.23). Entretanto, a troca
comercial não foi suficiente para satisfazer as necessidades dos países dependentes, de
a ei a ue a i po taç o de apital est a gei o, at a s de fi a iamento de
i esti e tos di etos a i dúst ia ad ui e i po t ia ide , p.23). Não cabe aqui
detalhar porque era interessante às economias centrais investir no setor industrial latino-
americano, o importante é saber que a este setor corresponde uma nova divisão
internacional do trabalho, que absorve etapas inferiores da produção industrial, enquanto os
países imperialistas monopolizam as etapas avançadas e a tecnologia correspondente (idem,
p.24).
O avanço tecnológico industrial, não especificamente para os países dependentes,
mas para a sociedade capitalista em geral, traduz-se na redução da população operária em
benefício do aumento da população de trabalhadores não produtivos, ligados ao setor de
serviços (idem, p.25). Esta questão será detalhada e atualizada adiante com base em
Antunes (1999; 2005).
Enquanto nos países avançados a tecnologia é voltada para a intensificação da
produção em setores que alimentam o consumo popular, nas sociedades dependentes o
efeito contrário é produzido. Há um abismo crescente entre o nível de vida dos
t a alhado es e o das lasses ue ali e ta a esfe a alta da i ulaç o , o su i do
mercadorias como automóveis e aparelhos eletrodomésticos (Marini, 2012, p.25). A
compressão salarial que os trabalhadores sofrem deprime sua capacidade de consumo de
bens supérfluos, e consequentemente, desestimula e estagna os investimentos tecnológicos
nos setores de produção destinados ao consumo de massas (as indústrias tradicionais),
enquanto as indústrias de bens supérfluos crescem a taxas elevadas. Como consequência, a
economia industrial dependente abarca um imenso exército de reserva e se reaproxima da
economia exportadora (idem, p.26, 27).
40
Isso colocará, a partir de certo momento (que se define nitidamente em meados da década de 1960), a necessidade de expansão para o exterior, isto é, de desdobrar novamente – ainda que agora a partir da base industrial – o ciclo de capital, para centrar parcialmente a circulação sobre o mercado mundial. A exportação de manufaturas, tanto de bens essenciais quanto de produtos supérfluos, converte-se então na tábua de salvação de uma economia incapaz de superar os fatores desarticuladores que a afligem. Desde os projetos de integração econômica regional e subregional até o desenho de políticas agressivas de competição internacional, assiste-se em toda a América Latina à ressurreição do modelo da velha economia exportadora. (MARINI, 2012, p.27)
Com base no exposto até aqui, percebemos que Castells e Marini iluminam pontos
que contribuem para a mesma compreensão da situação de dependência. A exposição dos
autores sobre a trajetória do capitalismo dependente latino-americano, independente das
formações sociais específicas de cada país, é importante para nos mostrar que o trabalhador
que tipifica historicamente esse processo: sofreu com a decomposição das formas
produtivas locais e geralmente de subsistência; passou a integrar uma economia
exportadora baseada na agricultura; tornou-se força produtiva de uma economia industrial
igualmente refém de determinações externas; e no decorrer desses estágios teve sua força
de trabalho superexplorada, através da intensificação da produtividade e depreciação de seu
salário, o que o impediu de consumir os bens necessários à reprodução de sua própria força
de trabalho; quando não o tornou integrante de um volumoso exército de reserva.
O trabalhador contemporâneo, inserido no contexto de dependência ou dominância
capitalista, é a herança do processo de reindustrialização iniciado na década de 1970, vista
aqui como uma atualização do termo desindustrialização, dada a reestruturação do processo
produtivo do capital, e não sua extinção (João Bernardo apud Antunes, 2005).
Antunes (1999) trata de forma geral das causas da crise estrutural do capital nos anos
1970, caracterizada pelo esgotamento do padrão de acumulação taylorista/fordista de
produção, redução dos níveis de produtividade, queda da taxa de lucro, aumento do
desemprego e a consequente retração do consumo; e das consequências do neoliberalismo,
como a decad ia do Estado do e -esta so ial , p i atizaç o do Estado, auto o ia do
setor financeiro, desregulamentação dos direitos do trabalho, e competição tecnológica.
Sobre a situação da classe trabalhadora, o autor ressalta que desde os anos 1970 e
como uma resposta à referida crise estrutural, o capital buscou retomar seu ritmo de
es i e to at a s de u p o esso de eest utu aç o da p oduç o e do t a alho , se
41
transformar, no entanto, os fundamentos do modo de produção capitalista. Enquanto os
Estados Unidos recuperava seus patamares de produção nos anos 1990, o Japão e os países
asi ti os passa a a se ati gidos pela ise, o ue de o st a o a te u dializado do
apital . Dessa fo a, fi a elegados aos países e luídos desse a ie te de
competitividade tecnológica e expansão dos capitais produtivos e financeiros, a
desmontagem de regiões industriais produtivas, o desemprego e a precarização da força de
trabalho.
Nesse cenário de reestruturação produtiva do capital, Antunes (1999) destaca as
respostas do capital à sua crise estrutural que impactam a classe trabalhadora, a qual o
auto p efe e ha a de lasse ue i e do t a alho , efe i do-se aos homens e mulheres
que vivem da venda da sua força de trabalho, estando empregados ou não. São os
trabalhadores que sofrem os efeitos da transição do padrão taylorista/fordista para o regime
de acumulação flexível. Enquanto no taylorismo o trabalhador especializa-se em um único
tipo de operação, no processo de reestruturação do capital o trabalhador é tornado
polivalente, e passa a realizar um maior número de operações em um processo mais
oope ati o de t a alho, au e ta do as e o o ias de es ala hu a as. O o t ole so ial
da produção contribuiu para o enfraquecimento da luta operária e permitiu que o capital se
reorganizasse em busca de um patamar distinto daquele do taylorismo e fordismo.
As mudanças acima citadas teceram o pano de fundo para o estabelecimento do
toyotismo9 e da e a da a u ulaç o fle í el o o ide te, ue ju ta e te o o a a ço
tecnológico, as novas formas de gestão organizacionais, a redução de custos, e a busca pelo
o t ole das lutas so iais t a alhistas, o figu a a a esposta do apital sua ise
est utu al A tu es, 1999, p. . Co fo e o auto , o se t ata de u a o a organização
do t a alho o uda ças positi as como muitos defendem – uma vez que o sistema just-
in-time tem levado à intensificação do trabalho e a tecnologia informatizada não tem se
traduzido em trabalho qualificado –, as si de u a o tí ua t a sformação dentro do
es o p o esso de t a alho , ue a t o a te esse ial e te apitalista do odo
de p oduç o ige te e de seus pila es fu da e tais (idem, p.49).
9 Ver ANTUNES, 1999: cap. IV.
42
Essas transformações do regime de acumulação flexível dizem respeito à di is o de
mercados, o desemprego, a divisão global do trabalho, o capital volátil, o fechamento de
u idades além da eo ga izaç o fi a ei a e te ol gi a (Harvey, 1996 apud Antunes,
1999, p. . O pad o de a u ulaç o fle í el dese ol ido e u a est utu a p odutiva
igual e te fle í el, uja a io alizaç o da ope aç o o duz l gi a da e p esa liofilizada ,
ou enxuta, na concorrência global. Esse enxugamento das estruturas empresariais envolve a
desconcentração produtiva, eliminação ou transferência de unidades de produção,
terceirização de empresas, e extinção de postos de trabalho, contribuindo para a
precarização do trabalho na contemporaneidade, através de trabalhos temporários e do
desemprego estrutural.
A reindustrialização, segundo Antunes (2005), tomou forma a partir da redução do
proletariado industrial, desconcentração e flexibilização do espaço produtivo, expansão do
toyotismo no ocidente, informatização das máquinas, e o trabalho à domicílio. Em
contrapartida, houve um aumento do proletariado do setor de serviços em vários lugares do
planeta, geralmente precarizados por terceirização, subcontratação ou trabalho em tempo
parcial, abarcando os trabalhadores oriundos do processo de reestruturação do capital.
Esses postos, antes ocupados em sua grande maioria por imigrantes, são ocupados hoje
também pelos trabalhadores especializados do taylorismo/fordismo nos países centrais,
i pa tados pelas ati idades es assas do seto p oduti o, pelo des o te do Estado de e -
esta so ial , e pelo dese p ego est utu al. É pertinente citar inclusive, que o setor de
serviços está cada vez mais comprometido com a racionalidade do capital, e os
trabalhadores sofrem o afunilamento das alternativas, vide diminuição do trabalho bancário
e a privatização dos serviços públicos.
A e pa s o do ha ado Te ei o Seto , p i ipal e te e países apitalistas
avançados, caracteriza-se por empresas de perfil comunitário – economia solidária, pelo
trabalho voluntário e assistencial, e organizações não governamentais (ONGs) –, que
representam uma absorção bem limitada do desemprego estrutural. Ao tentar suprir parte
da espo sa ilidade do Estado de e esta so ial , seus e a is os apaziguado es
acabam por contribuir para que a ordem atual seja mantida, sem grandes transformações
que eliminem a lógica dominante do capital.
43
Algumas características da nova morfologia do t a alho f isadas po A tu es
(2005) dize espeito e lus o dos jo e s e dos idosos dia de a os do ercado
de trabalho, ampliando o exército industrial de reserva e a quantidade de trabalho informal;
a e pa s o do t a alho do i ílio, ais u i s da des o e t aç o do p o esso
p oduti o ia ilizado pela telei fo ti a, e ue possi ilita a eduç o dos gastos do
empregador com infraestrutura, sendo os mesmos repassados ao empregado; e a atuação
dos t a alhado es i ig a tes so a fo a de t a alho i depe de te , se o t ato ou
através de subcontratação e intermitente, principalmente no setor terciário.
Vivemos hoje uma espécie de fluidez migracional, que atinge milhões de
trabalhadores ao redor do mundo, vítimas dos interesses político-econômicos de Estados
nacionais e oligopólios, no atual estágio de mundialização do capital. Embora seja
edu da te asso ia as pala as fluidez e ig aç o , visto que as duas pressupõem
movimento ou deslocamento, sua combinação aqui enfatiza o agravamento das condições
da migração, às quais os trabalhadores não conseguem oferecer resistência. Materializou-se
assim a situação dos refugiados da guerra civil da Síria desde 2011 na Europa, ou a migração
internacional dos venezuelanos que fogem da crise de seu país para o Brasil em busca de
trabalho, para citar um exemplo recente em território brasileiro.
Percebemos então, a atualidade do panorama descrito por Antunes (1999, 2005)
sobre o mundo do trabalho, em que estão agravados os conflitos entre homens e mulheres,
jovens e idosos, nacionais e imigrantes, estáveis e precários, brancos e negros, qualificados e
desqualificados, incluídos e excluídos, em uma luta de todos contra todos, arraigada e
naturalizada em nosso modo de vida.
As considerações de Antunes (1999, 2005) reafirmam o trabalho como questão
central no mundo atual, munido de uma representatividade econômica, cultural, psicológica
e simbólica. Embora o capital – ainda que sob impacto da tecnologia – não tenha conseguido
eli i a o t a alho i o do p o esso de p oduç o, t ou e u a o a o fologia do
t a alho , a a te izada po o as fo as de e plo aç o, alie aç o, fle i ilizaç o,
terceirização, desregulamentação dos direitos do trabalho, adoçamento dos sindicatos –
t a sfo ados e si di alis o de e p esa –, informalidade e complexas relações sociais.
44
Para tanto, o autor argumenta que o contexto mundializado de produção e
reprodução do capital, cada vez mais plural em suas ações, induz a uma luta e organização
internacional dos trabalhadores que prescinda as fronteiras nacionais, através da
desburocratização e articulação dos organismos sindicais internacionais, no intuito de
construir uma pauta alternativa ao desenho da sociedade contemporânea que supere
respostas dadas somente às consequências mais perversas da ordem atual, agindo,
portanto, de forma subordinada à lógica internacional do capital. Os sindicatos também
precisam absorver os trabalhadores informais precarizados, especialmente mulheres.
O forte vínculo entre lugar e identidade social é destacado por Harvey (2008, p.272).
Por isso, no âmbito da ação política, os movimentos sociais ou operários dominam melhor o
lugar do que o espaço, assim como os movimentos de oposição formados por minorias
raciais, femininas e de povos colonizados, por exemplo, têm dificuldades com sua
organização espacial, sofrendo também as consequências da fragmentação da acumulação
flexível do capital. O autor sustenta que a organização das resistências regionais ou a luta
pela autonomia local precisam ascender a uma ação política mais universalizada, para
vislumbrar uma possibilidade de mudança histórica.
Esse panorama é suficiente para observar as características do espaço urbano que o
trabalhador da sociedade dependente vai ocupar e transformar, opostamente ao espaço
ocupado pelas classes dominantes.
A dinâmica das relações de trabalho como ponto essencial do qual dependem as
condições de vida é ressaltada por Lúcio Kowarick (1979), que faz uma leitura destas
condições no contexto brasileiro, através da expansão urbana e sua relação com seus
serviços, infraestrutura, relações sociais e níveis de consumo, que está diretamente ligada ao
processo de acumulação do capital (p.29).
Kowarick (1979, p.31) observa principalmente o período entre os anos 1950 e 1970
na metrópole paulistana, em um processo de urbanização que estruturalmente não difere
do que caracteriza a metropolização em outras capitais. Para analisar esse recorte temporal,
o autor remonta aos anos 1930, quando, com a intensificação da industrialização no país,
aumenta o afluente de trabalhadores para São Paulo, migrantes das zonas rurais que, como
vimos, tiveram suas formas produtivas desmontadas. O autor retém desse período o fato de
45
que o crescimento da massa de trabalhadores, associado à valorização dos terrenos fabris e
residenciais, torna desvantajoso aos proprietários das fábricas a construção e manutenção
das vilas operárias. A partir desse momento, os custos de moradia, seja na forma de compra,
aluguel ou manutenção do imóvel, juntamente com as despesas de transporte casa-fábrica,
visto que os terrenos centrais estão cada dia mais valorizados, passam ao trabalhador. E os
serviços de infraestrutura urbana, quando existentes, ficam a cargo do Estado.
A pe ife ia, e ua to aglo e ados dista tes dos e t os, la desti os ou o,
carentes de infraestrutura, onde passa a residir crescente quantidade de mão-de-o a
(idem, p.31), consolida-se não como alternativa habitacional, mas sim como a opção
arbitrada pelo mercado imobiliário para residência popular. Ko a i k su li ha ue o o
acumulação e especulação andam juntas, a localização da classe trabalhadora passou a
seguir os fluxos dos interesses imobiliários (idem, p.31), fenômeno agravado pela eleição
tardia do poder público de instrumentos legais para ordenar o uso do solo, de maneira que
[...] os i esti e tos pú li os ie a olo a -se à serviço da dinâmica de valorização-
especulação do sistema imobiliário- o st uto idem, p.31,32). Cada núcleo que se expande
ia sua p p ia pe ife ia, o de se eflete o ag a a e to dos p o le as so ioe o i os
vividos nos grandes centros (idem, p.34).
A autoconstrução, possibilitada pelo regime de solidariedade e mutirão, torna-se o
meio pelo qual os trabalhadores menos qualificados e que recebem baixos salários
viabilizam suas habitações, visto que, seus rebaixados salários destinam-se a outros gastos
essenciais do consumo individual, como transporte e alimentação, e majoritariamente lhes
impede de pagar aluguel ou candidatar-se a empréstimos do Banco Nacional de Habitação
(BNH), hoje extinto. Essa solução improvisada de moradia para as massas permitiu que as
empresas comprimissem ainda mais os salários, eliminando os custos de habitação da cesta
básica do trabalhador, que já era mínima. Assim, as favelas, as casas autoconstruídas da
periferia e os cortiços, nas áreas centrais degradadas, configuram a moradia da classe
trabalhadora (idem, p.41). A autoconstrução permitiu ao capitalismo dependente rebaixar o
custo de reprodução da força de trabalho proporcionalmente ao incremento da sua taxa de
acumulação (idem, p.61).
46
Kowarick reafirma as alegações de Marini a respeito do alto consumo de bens
supérfluos nas sociedades dependentes, ou consumo de luxo improdutivo como se refere
Castells, ao expor que no âmbito nacional, de meados da década de 1960 ao final da década
de a e pa s o i dust ial [...] e t ou-se nos artigos de consumo durável de luxo e
teve necessariamente de se apoiar nos estreitos círculos de renda média e alta, a quem,
efeti a e te, o es i e to e o i o e efi iou idem, p.49).
A questão habitacional é relacionada pelo autor a dois processos conectados ao
trabalhador: o primeiro, às condições de exploração do trabalho, ou paupe izaç o a soluta
ou elati a das dife e tes pa elas da lasse t a alhado a, eside te e u país de
industrialização tardia que privilegia a produção de bens supérfluos em detrimento da
produção de bens de consumo popular; o segundo, que decorre do primeiro, é chamado por
Ko a i k de espoliaç o u a a , e diz espeito ao so at io de e to s es ue se ope a
através da inexistência ou precariedade de serviços de consumo coletivo que se apresentam
como socialmente necessários em relação aos níveis de subsistência [...] ide , p.59). O
autor destaca que nos dois processos a atuação do Estado é fundamental, pois financia a
infraestrutura necessária à expansão industrial, ao mesmo tempo que é responsável por
gerar os meios de consumo coletivo necessários à reprodução da força de trabalho; além de
a te a o de so ial e ess ia ealizaç o de u dete i ado odelo de
a u ulaç o ide , p.59).
A crescente precarização da força de trabalho, relatada por Kowarick e atualizada por
Antunes, faz com que os problemas relatados como imanentes às metrópoles permaneçam
determinantes hoje.
Para analisar os conhecimentos passados pelos autores brasileiros sobre a
urbanização dependente, Pedro Arantes (2009) fala sobre a influência do pensamento
estruturalista de Castells – i lusi e e A uest o u a a , e -lançado à época – para a
emergência de u a pote ial teo ia da u a izaç o a pe ife ia do apitalis o (p.103). Os
textos de muitos pensadores marxistas latino-americanos dos anos 1970 exalam a essência
da investigação urbana de Castells: o viés da cidade como espaço de reprodução social da
força de trabalho, da esfera dos meios de consumo oleti o – dos quais o Estado é o
agente provedor e planificador – em contrapartida à da produção. No entanto, Arantes
47
compartilha de uma crítica que alguns contemporâneos de Castells já haviam levantado, de
que essa é uma visão restritiva do que o espaço urbano capitalista representa. Para o autor,
a abordagem da cidade como produto material que reflete as sobredeterminações
econômicas e políticas não dão conta de explicar um ambiente cada vez mais
complexificado. E Castells, o espaço u a o ai da o o stitui u a po o eitual o
algu a auto o ia , o se do o jetos de a lise dele a p op iedade e a e da da te a, a
produção do espaço construído, os promotores imobiliários e todo o circuito de acumulação
de apital ue se d o u a o 2009, p.109). Arantes observa que a consideração desses
elementos complementa e atualiza a análise de Castells da cidade como espaço em que se
dá a acumulação capitalista, para a cidade como forma da acumulação capitalista.
O autor sinaliza que esse é o caminho que estudiosos brasileiros, principalmente os
paulistas, tomaram ao longo da década de 1970 e as subsequentes, na busca por elementos
de a lise ue pudesse a li ata os o eitos da so iologia f a esa a essa situaç o
pa ti ula idem, p.104). Arantes destaca que através de Kowarick (1979) emerge a
espoliação como categoria propriamente urbana , que pretende avançar no debate da
relação entre desigualdade espacial e o modelo que combina crescimento e pauperização.
O i te esse das fo ulaç es de Ko a i k e de seu o eito de espoliaç o u a a está em caracterizar justamente a inviabilidade das formas de consumo coletivo na periferia do capitalismo, comparativamente às políticas públicas dos Estados de bem-estar social. O urbano, aqui, é a negação da reprodução da força de trabalho em patamares aceitáveis, é, pois, sua dilapidação permanente de forma espoliativa. Nesse sentido, Kowarick é, sem dúvida, quem mais bem aclimata a formulação da cidade como unidade de reprodução social e de consumo coletivo para a nossa situação histórica, invertendo seu sinal. O papel do Estado, pela presença ou pela oportuna ausência, segue, contudo, fundamental nesse processo. (ARANTES, 2009, p. 118)
Arantes destaca também o olhar atento de Kowarick para os fenômenos da favela,
periferia, e autoconstrução, sendo um dos precursores entre os paulistas a buscar uma
significação para eles a partir de novas palavras.
Por fim, Arantes ressalta que na década de 1970 no Brasil os conceitos urbanos ainda
e a t a alhados estati a e te, se o i e to dial ti o, de fo a ue pe ife ia o se
contrapunha a noção de centralidade, ao de construção, o da própria (indústria da)
construção, ao da espoliação, o de e da da te a, e assi po dia te idem, p.126). Para o
48
autor, foi neste sentido que se deu a evolução do pensamento urbano pós-70, abordagem
que continua sendo fundamental para a compreensão da produção da cidade, pela
perspectiva da acumulação e da ação dos diversos agentes que se apropriam dela através da
renda e do capital. Nessa direção é que serão desenvolvidos os capítulos seguintes.
1.3 BREVE INTRODUÇÃO À FIGURA DO ESTADO
Nesta última parte do capítulo inicial é feito um apanhado a respeito do que alguns
autores trazem sobre a figura do Estado, de maneira a preparar uma introdução ao segundo
capítulo, no qual a atuação do Estado no estágio do capitalismo financeiro será tratada,
principalmente no que diz respeito à classe que vive do trabalho.
As ações do Estado são pautadas em relações complexas com o espaço urbano, o
trabalho assalariado e a produção e reprodução do capital. De forma que, em concordância
com Lojkine (1997), é compreendido para os objetivos desta pesquisa que a análise das
estruturas estatais não deve ser isolada da análise da estrutura econômica. No entanto, o
autor toma cuidado em apresentar o Estado não como um dos agentes econômicos ou
elemento da infraestrutura econômica (1997, p.116), mas sim como
[...] forma social histórica intimamente ligada ao modo de produção que a gerou; é assim que o Estado capitalista aparece como a expressão acabada e condensada da principal contradição que caracteriza o modo de produção capitalista, a saber, a contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas – sua so ializaç o – e a natureza mesma das relações de produção – a separação entre produtores e seus meios de produção, a exploração do trabalho assalariado pela classe dos proprietários do capital (LOJKINE, 1997, p.114,115).
Al de ide tifi a o Estado o o u a fo a hist i a t a sit ia 10 do ponto de
vista dialético, o autor afirma que uma análise científica do Estado, que informe a a iedade
10
Lojkine utiliza essa expressão para comunicar, com base em outros autores, que as mudanças na economia f a esa t a sfo a ta o papel e as fu ç es do Estado, j ue sua est utu a u o ti a se to a u a fo a hist i a t a sit ia , p. , se a alisada dialeti a e te. No aso da F a ça da d ada de , visto que a publicação original é de 1977, as mudanças na economia francesa tratam principalmente da sup ess o das a ei as p ote io istas , a a ça do o do í io das e p esas oligo e/ou o opolistas, e
questionando o papel dos sindicatos dos ramos industriais, que ficam divididos em defender os trabalhadores sindicalizados ou promover os interesses das empresas. O autor diz ue essas uda ças o duze [...] a um
49
de suas formas concretas , precisa relacionar com rigor a periodização econômica, a
periodização sociológica11 e a variação das formas de Estado (1997, p. 138, 139). Pautado
neste entendimento sobre a figura do Estado, Lojkine esboça uma nova concepção de
política estatal, a ual te do pa tido da defi iç o l ssi a de políti a estatal o o
organização da predominância de classes, chegamos assim a um novo momento de análise
o de o Políti o apa e e o ta to o o i st u e to de uma classe mas sim como lugar da
luta de lasses ide , p. .
Nessa exposição inicial é importante ressaltar porque a compreensão das formas
estatais é fundamental para uma pesquisa que se propõe a abordar a questão da habitação
e a espacialização urbana das classes sociais a partir de determinada intervenção estatal
sobre um recorte espacial. Lojkine clarifica essa importância ao expor que
[...] a urbanização, como forma desenvolvida da divisão social do trabalho, é um dos determinantes fundamentais do Estado. Portanto, bem mais do que o campo de aplicação da política estatal, o urbano é, principalmente, a nosso ver, um momento necessário de sua análise, um componente-chave que não pode ser deixado de lado (LOJKINE, 1997, p.41).
Para o autor, a política urbana tem um papel decisivo no crescimento capitalista, e no
dese ol i e to da o t adiç o p i ipal apital/t a alho 12 (idem, p.41). Lojkine formula
[...] a hipótese de que a política urbana é a resultante cega da luta de classes, por um lado,
novo modelo de representação entre o mundo industrial e o Estado, modelo que privilegia as negociações i fo ais di etas e t e di ige tes dos g a des g upos e o i os e di ige tes da ad i ist aç o estatal. (idem, p.65).
11 O auto e te de o o pe iodizaç o so iol gi a, as odifi aç es í li as das elaç es de lasse ,
p.139).
12 O autor esclarece que a o t adiç o p i ipal e sa so e a oposiç o e t e a e ess ia so ializaç o do
p o esso de t a alho e as e ig ias da a u ulaç o do apital , p. . Lojki e e pli ita ue uase todas as referências a uma teoria marxista do Estado remetem ao que se poderia chamar uma abordagem e te a do apa elho estatal: o Estado i te a pe ife ia da elaç o apital/t a alho, fo a da e p esa
como lugar de extorsão da mais- alia, pa a egula e ta o í el a io al, o í el do o ju to da fo aç o so ial, a ep oduç o dessa e to s o. ide , p. , 107). Trazendo para a realidade brasileira, as reformas do Estado hoje, como a reforma trabalhista que entrou em vigor em novembro de 2017, são uma forma de i te e ç o e te a do Estado a elaç o apital/ trabalho. Segundo matéria da revista Valor Econômico de 25 jun. , i titulada Refo a t a alhista au e tou a desigualdade, dize pes uisado es , pes uisado es da U i a p a alisa a os efeitos da efo a t a alhista e o stata a ue a efo a tem impactado setores marcados por baixos salários e alta rotatividade, como o comércio, relegando os empregados desse setor a u a situaç o ais aguda de p e a iedade . Dispo í el e : <http://www.valor.com.br/brasil/5617411/reforma-trabalhista-aumentou-desigualdade-dizem-pesquisadores>. Acesso em: 28 jun. 2018.
50
e, po out o, das fo as e dos est gios de dese ol i e to do apitalis o ide , p. .
Para ele, esta hipótese estimula a investigação de fatos13.
Antes de fazer a análise do Estado, Lojkine informa que Marx selecionou as
categorias que pudessem permiti-lo fazer sua análise corretamente. O autor resgata
brevemente a estruturação sobre as formas sociais que Marx desenvolve previamente à sua
análise do Estado, no primeiro volume do Capital. Inicia tratando das determinações
abstratas gerais que envolvem a quase totalidade das formas de sociedade, como o
conceito de mercadoria; e segu do luga , a o da as atego ias ue o stitue a
estrutura interna da sociedade burguesa e sobre as quais repousam as classes fundamentais.
Capital, trabalho assalariado, propriedade fundiária. Suas relações recíprocas. Cidade e
a po. As t s g a des lasses so iais. ; e e te ei o, a o e t aç o da so iedade
u guesa so a fo a do Estado . Através dessa exposição do pensamento de Marx, Lojkine
reforça que a análise do Estado pressupõe a análise das classes sociais e do processo de
produção/reprodução do capital. O auto afi a ue le a e onta a urbanização
capitalista, [...], permite enriquecer a determinação social do Estado como aparelho
territorial e agente da so ializaç o espa ial das elaç es de p oduç o (1997, p.112, 113).
Ainda sobre a política urbana, Castells (1983), também evidencia a importância da
análise das classes sociais, pois segundo suas perspectivas
[...] se a nível dos princípios de estruturação de uma sociedade, o econômico é, em última instância, determinante, toda conjuntura (momento atual) é organizada inicialmente em torno da luta de classes e, em especial, da luta política de classes, a que tem como objetivo a preservação ou a destruição-reconstrução do aparelho de Estado. É neste nível, por conseguinte, que podemos descobrir os indícios de modificação de uma formação espacial, o que se transforma, o que permanece, o que adota novas formas para tratar, conforme a mesma lógica social, novos problemas. (CASTELLS, 1983, p.296).
A fase dada pelo auto luta políti a de lasses justifi ada po seu e u iado
anterior aseado os estudos de Poula tzas , de ue ua do a o da os a a lise de
13
Embora a investigação das formas históricas transitórias do Estado e as políticas urbanas correspondentes seja fundamental para aprofundar o entendimento das relações do Estado com o espaço urbano, o trabalho assalariado e a produção e reprodução do capital, esta não é uma abordagem essencial para os objetivos da disse taç o. De fo a ue, os o flitos i e e tes políti a estatal o o o luga da luta de lasses , a e oluç o da legislação urbana brasileira, e as peculiaridades legislativas da região estudada não são tratados aqui.
51
uma situação concreta, o eixo essencial de sua interpretação deriva sobretudo de sua
inserção no processo político, quer dizer de sua relação com o poder . Prossegue expondo
ue a p o le ti a do pode o de sa e e p i e o o ju to das elaç es so iais , o ual
defi e as elaç es de poder como as relações e t e as lasses so iais , p.296). Dito
isto, para o que nos interessa de fato, Castells esclarece que
O âmago da análise sociológica da questão urbana está no estudo da política urbana, isto é, da articulação específica dos p o essos desig ados o o u a os no campo da luta de classes e, por conseguinte, na intervenção da instância política (aparelho de Estado) – objeto, centro e mecanismo da luta política (CASTELLS, 1983, p.297, 298).
Na contemporaneidade, o Estado torna-se agente constituído de poder e aparato
normativo para produzir condições favoráveis aos interesses das grandes firmas escolhidas,
como provisão de infraestruturas, por exemplo, privilegiando o caráter de urgência de
algumas operações empresariais e agravando as diferenças de poder exercitadas no
território (Santos, 2006). Um exemplo característico dessa dinâmica é o que Harvey aborda
ao afirmar a dificuldade de um empreendimento imobiliário qualquer de grande escala ser
viabilizado sem contar com um incentivo e ajuda substancial por parte do governo local ou
da coalizão de forças que constituam a gestão local (1996, p.54).
No cenário da globalização, Santos expõe que o Estado nacional exerce um papel
paradoxal, que transita entre realidades internas e influências externas, constituindo um
território nacional da economia internacional. Para o geógrafo, esse parece ser o caso do
Brasil atualmente, e salienta ainda que o Estado como detentor do monopólio das normas
públicas é quem confere eficácia aos fatores externos. Embora a globalização não seja
suficiente para impedir a construção de um projeto de nação, a soberania do Estado
nacional encontra-se relativizada ou comprometida diante da fluidez dos sistemas
financeiros e da informação. Para o autor, as finanças exercem um papel na reestruturação
do espaço geográfico, no qual o dinheiro usurpa em seu favor as perspectivas de fluidez do
te it io, us a do o fo a so seu o a do as out as ati idades. (2006, p.80).
Dialogando com Santos e em contraposição ao discurso neoliberal, Chesnais (2001)
afi a ue o Estado o e te io ao e ado , efe i do-se às intervenções políticas
dos poderosos Estados capitalistas, como os Estados Unidos e países europeus
52
desenvolvidos, que remontam às medidas neoliberais adotadas nos governos Thatcher-
Reagan frente à crise estrutural do capital nos anos 1970. A organização política da
mundialização do capital é formada pela Tríade (América do Norte, Europa Ocidental e
Japão), na qual os Estados Unidos é o líder hegemônico da dominação política, financeira e
militar. Essa organização aumenta a hierarquia entre os Estados nacionais dominantes e os
Estados nacionais de economia dependente, e assegura, conforme o economista (2005), o
fluxo de dinheiro estrangeiro para os EUA através de mecanismos de mercado.
Sobre a fluidez das finanças, Chesnais (2001) discorre sobre o descolamento ou
independência do mercado financeiro que, segundo Antunes (1999), ganhou autonomia em
relação aos capitais produtivos em meio à crise estrutural do capital e seu sistema de
produção nos anos 1970, tornando-se o campo principal da especulação nessa fase de
internacionalização. Chesnais trata da dominação capitalista dos investidores institucionais,
a saber, bancos, fundos de pensão privada e sociedades de investimento financeiro coletivo,
que através dos mercados financeiros tornam-se acionistas majoritários dos grandes grupos
empresariais e passam a ditar o ritmo da produção industrial e planos agressivos no âmbito
dos empregos e salários. O autor defende que os fundos monetários nacionais e os
investidores financeiros institucionais não teriam chegado às posições de domínio que
exercem hoje sem a ajuda constante dos Estados, possuindo ampla liberdade interna de
ação e mobilidade internacional quase integral, garantida através de medidas legislativas de
desmantelamento de instituições e criação de outras novas, além da formação de tratados,
o o o o se so de Washi gto , po e e plo.
Nesse contexto de liberalização e desregulamentação financeira, para Chesnais a
mundialização do capital acentua as tendências à polarização da riqueza e desigualdade das
economias, reforçadas pela seletividade dos investimentos financeiros nos países
lassifi ados o o e ados fi a ei os e e ge tes , e us a de maior rentabilidade, e
das estratégias de investimentos diretos dos grupos industriais no território mundial. Esses
grupos ainda mantêm o interesse nos países ditos em desenvolvimento por escassos
motivos, como obter fontes de matérias-primas não substituíveis por produtos tecnológicos
– petróleo, alguns minerais e madeira, por exemplo; pelo tamanho de seus mercados
internos, de forma que justifique implantar filiais de produção – como no caso do Brasil e
53
China – ou manter condições de exportação para esses países; e o fornecimento de mão de
obra industrial qualificada e um bom mercado.
Chesnais (2001) ressalta ainda que, ao contrário das atividades dos administradores
de fundos de investimentos, que figuram desconhecidas das massas, os grupos industriais
atuam de maneira a deslocar suas atividades produtivas para países onde a mão de obra seja
mais barata e os salários menos regulados, em busca de maior lucratividade. Para manter a
produtividade crescente utilizam-se de novas formas de exploração, como a intensificação
do trabalho baseada em mudanças organizacionais nas fábricas e escritórios, com auxílio das
novas tecnologias. O autor (2005) afirma que a exploração desenfreada do trabalho é fruto
da centralização e concentração do capital, que reforçaram em todo o mundo os direitos de
propriedade e os mecanismos de apropriação.
54
2 CAPÍTULO II – DA TOTALIDADE À PARTICULARIDADE: CONSTRUINDO
NEXOS ENTRE AS QUESTÕES URBANAS E HABITACIONAIS CONTEMPORÂNEAS
E A REGIÃO DE INFLUÊNCIA DO COMPERJ
Em fins dos anos 1980 e início dos anos 1990, após a queda do muro de Berlim como
signo da hegemonia do livre mercado e o fim da União Soviética, geógrafos e arquiteto
urbanistas procuraram aprofundar o debate sobre os espaços urbanos da
contemporaneidade e todas as mudanças conjunturais que implicam em suas
transformações, realizando uma revisão conceitual e trazendo novas reflexões e
contribuições sobre a significação desse espaço em comparação ao espaço da cidade
capitalista industrial.
É importante clarificar que a divisão social e territorial do trabalho como elemento
estruturador do espaço é ponto pacífico nas narrativas dos autores citados, e que os
progressos nas áreas de ciência, tecnologia e informação protagonizam em escala mundial
as transformações e rearranjos socioespaciais contemporâneos. Para tanto, desde os anos
1970 o cenário é de desindustrialização e reindustrialização, reestruturação produtiva, e
mudanças na divisão social do trabalho, evocando tudo que já foi dito com Bauman, Harvey,
Antunes, Chesnay e Santos no primeiro capítulo. O que Edward Soja (1998 [1994]) chama de
u o o e dife e te egi e de a u ulaç o a a te izado po siste as de p oduç o pós-
fo distas (p.159), encontramos descrito em Harvey (2008 [1989]) e Antunes (1999, 2005)
so o te o egi e de a u ulaç o fle í el . Soja alude à crise do Estado de bem-estar
so ial ao a o da a des o st uç o do o t ato so ial do p s-guerra através do malogro dos
sindicatos, da retirada do governo da maioria dos setores da economia e de muitos
compromissos de bem-estar federais e de uma importante reorganização dos sistemas de
ad i ist aç o , p. , suge i do ue as teo ias so iais so e a idade p e isa se
tão revistas quanto as teorias espaciais (idem, p.163).
Ao longo deste capítulo, primeiramente será feita uma breve reflexão sobre a
questão habitacional no estágio atual do capitalismo financeiro, ou monopolista, no mundo
e no Brasil. Em um segundo momento, serão tecidas algumas considerações teóricas sobre o
55
espaço urbano da contemporaneidade, como introdução para a abordagem do espaço
urbano no contexto regional. A reestruturação produtiva da metrópole fluminense e a
situação dos trabalhadores em sua crescente periferização e incremento da Região
Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ). Em seguida, será abordada a representatividade de
Itaboraí e Maricá na RMRJ e na região de influência do Comperj (aspectos socioeconômicos
e urbano-habitacionais). As abordagens citadas, embora amplas, e que por sua amplitude
são de forma individual foco de inúmeras pesquisas, são tratadas neste capítulo com o
objetivo de preparar as bases para a compreensão do estudo de caso, no terceiro capítulo.
2.1 O ESTADO MONOPOLISTA E O IMPERATIVO DO ACESSO À TERRA E À MORADIA
Esta seção foi pensada para refletir sobre as seguintes questões: Como a atuação do
Estado influencia o acesso à terra das classes subalternas14? Existe diferença nos impactos
depe de do da fo a hist i a t a sit ia do Estado, o o diz Lojki e? Quais os
desdobramentos e marcos temporais em relação às políticas habitacionais, e ao acesso à
moradia via mercado imobiliário formal?
Embora isso abra um precedente para uma abordagem histórica longa no Brasil, o
objetivo foi desenvolver uma conversa enxuta, para alimentar o argumento de que a
atuação do Estado em tempos de capitalismo financeiro, ou monopolista, é bem mais
ag essi a, po ue au e ta ta a sua o atuaç o e p ol da lasse ue i e do
trabalho, os indivíduos que habitam/trabalham nas áreas imersas em suas intervenções.
O fortalecimento dos sistemas financeiros de habitação a partir dos anos 1980,
intensificado nos anos 2000, como aponta Raquel Rolnik (2015), indica que essa é uma das
14
O te o lasses su alte as usado esta disse taç o e o o d ia o a pe spe ti a de Ca lo Ginzburg, em O queijo e os vermes (2006 [1976]). O autor usa esse ter o po ue o side a lasses i fe io es u te o a egado de pate alis o, ue op e p i iti os a i ilizados . Gi z u g a gu e ta ue os op i idos t oz, ultu a, e ças, ideias e is es de u do p p ias, e estas o s o e o [...] a ú ulo inorgâ i o de f ag e tos de ideias, e ças, is es de u do ela o ados pelas lasses do i a tes , p.12). Também propõe para nossa reflexão a relação entre a cultura das classes subalternas e a das classes do i a tes e seus uestio a e tos: At ue po to a primeira está subordinada à segunda? Em que medida, ao contrário, exprime conteúdos ao menos em parte alternativos? É possível falar em circularidade e t e os dois í eis de ultu a? , p. .
56
fronteiras de expansão contemporâneas do capital. Na qual, as políticas públicas de
habitação, antes direcionadas em prol da promoção da moradia como direito social, estão
ada ez ais o p o etidas o os i te esses do e ado, a des o st uç o da
habitação como um bem social e de sua transformação em mercadoria e ativo finan ei o
(2015, p.26).
A financeirização15 da moradia, como bem explicita a autora, surgiu como uma
alternativa de escoamento do capital superacumulado, no âmbito de um sistema financeiro
descolado da produção mundial, e que cresceu cerca de três vezes mais que o PIB mundial
entre 1980 e 201016. Um investimento com retorno certo em prol da acumulação de capital.
Neste contexto, a ideologia da casa própria, o aumento da oferta de crédito imobiliário e sua
socialização, garantindo a inclusão de mutuários de média e baixa renda nos sistemas
financeiro-imobiliários, cumpriram o papel de fortalecê-lo e expandi-lo mundialmente.
Expansão que demonstrou seus limites e resultados com a crise financeira iniciada
em 2007, a partir do mercado de hipotecas norte-americano, e que atingiu status
internacional, impactando diversas regiões do planeta, e em última instância, as vidas dos
que habitavam e deixaram de habitar. Estes são representados pelos que não conseguiram
pagar seus empréstimos e tiveram suas casas tomadas pelos bancos para amortizar dívidas,
ou ai da, dos ue e hega a a ha ita , o p ado es de i eis a pla ta e
poste io e te íti as de o st uto as falidas. Nas pala as de Rol ik, Esse p o esso
resultou na despossessão massiva de territórios, na criaç o de po es u a os se luga ,
em novos processos de subjetivação estruturados pela lógica do endividamento, além de ter
a pliado sig ifi ati a e te a seg egaç o as idades , p. .
15
o do í io es e te de ato es, e ados, p ti as, arrativas [e subjetividades] financeiros em várias escalas, o que resulta na transformação estrutural de economias, empresas (inclusive instituições financeiras), Estados e g upos fa ilia es Aalbers, Manuel. Corporate Financialization. In: CASTREE, Noel et al. (orgs.). The International Encyclopedia of Geography: People, the Earth, Environment, and Technology. Oxford: Wiley, 2015, p.3 apud ROLNIK, 2015, p.27).
16 Segundo Leda Maria Paulani (2010, p.5, apud ROLNIK, 2015, p.27), entre os anos 1980 e 2010 o valor dos
ativos financeiros mundiais (ações, aplicações bancárias, etc.) cresceu 16,2 vezes, contra aproximadamente 5 vezes de aumento do PIB mundial.
57
Figura 01 – O retrato norte-americano da crise de 2008
Foto de Anthony Suau, EUA, para a revista Time. Vencedora do Concurso World Press Photo do ano de 2008. Foi capturada em Cleveland, Ohio, em 26 de março de 2008, e registra o detetive Robert Kole verificando se
moradores já deixaram suas casas após o despejo. Fonte: Informe publicitário da Caixa Cultural, que realizou em 2009 no Rio de Janeiro uma exposição com as
195 fotografias de fotojornalistas profissionais premiadas no Concurso World Press Photo de 2009.
Há uma raz o e t e esto ue de apital e e da ue du a te os s ulos XVIII e XIX
estava baseada na terra agrícola, principalmente na exploração do mundo colonizado, e que
sofre um hiato após a Primeira Guerra Mundial que dura até os anos 1970, quando o capital
acumulado em relação à renda passa a ser alavancado pelo setor imobiliário17.
A autonomia do sistema financeiro em relação aos capitais produtivos a partir dos
anos 1970, como tratado no primeiro capítulo através dos autores Chesnais e Antunes,
fortaleceu mundialmente a financeirização da moradia a partir dos anos 1980, embora cada
país tenha sua trajetória particular nesse sentido. Um espaço maior de atuação foi aberto às
empresas e demais ato es do o ple o i o ili io-fi a ei o , conforme seus interesses.
17
AALBERS, Manuel; RODRIGO, Fernandez. Housing and the Variations of Financialized Capitalism. Seminário internacional The Real Estate/ Financial Complex (Refcom), Leuven, 2014, mimeo, p.7-8 apud ROLNIK, 2015, p.161.
58
O reconhecimento da propriedade individual escriturada como forma unívoca, no
sentido de exclusiva, do acesso à terra e à moradia18 sufoca formas locais e peculiares de
ocupação do território. Por isso mesmo, comunidades indígenas e quilombolas,
assentamentos com títulos de propriedade coletivos, assentamentos informais19, e outras
formas de organização social, estão constantemente em conflito com o modelo hegemônico,
e em luta pela segurança e/ou manutenção de suas posses, o que as coloca em um estado
constante de vulnerabilidade, insegurança e transitoriedade. Para os interesses capitalistas,
a manutenção deste estado é fundamental para que certas parcelas de terra possam ser
recapturadas quando lhes for oportuno, no contexto de grandes projetos urbanos, inclusive
de infraestrutura ou reconstrução pós-desastres (Rolnik, 2015).
O Banco Mundial, desde 1993, claramente recomenda aos governos deixarem suas
posições centrais na provisão da habitação, para ocuparem um papel tangencial como
fa ilitado es da gestão do setor habitacional, visto essencialmente como um setor
econômico de grande potencial. Esta recomendação traduz-se na prática em condições
impostas por instituições como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI)
para a concessão de e p sti os i te a io ais de ajuste est utu al , p i ipal e te os
países de economia dependente, e implicam no fortalecimento do mercado financeiro de
habitação nesses países. No caso do Banco Mundial, conta também com uma consultoria
que assiste representantes políticos das instâncias de governo e gestores de programas
habitacionais, para experimentação das políticas em seus países (Rolnik, 2015, p.81, 82).
Ações alinhadas com as recomendações do Banco Mundial e outras agências
multilaterais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), foram observadas
em diversos países do Norte Global, como Estados Unidos, Reino Unido e Espanha (idem,
p.79). Nestes, segundo Rolnik, de forma geral e com mais intensidade a partir dos anos 1990,
18
No pensamento neoliberal, a cidadania plena consiste na manutenção do direito à propriedade privada.
Segu do Rol ik, Isso fu da e ta ta to políticas de promoção da propriedade privada da moradia [...] como programas de reforma de sistemas fundiários e de titulação de assentamentos informais. Amplamente implementados em países de todos os continentes desde os anos 1980, foram elementos centrais da expansão do odelo e o i o apitalista e sua fase eoli e al , p. .
19 [...], podemos afirmar que [favelas] têm em comum o fato de constituírem zonas de indeterminação entre
legal/ilegal, planejado/não planejado, formal/informal, dentro/fora do mercado, presença/ausência do Estado. Tais indeterminações são os mecanismos por meio dos quais se constrói a situação de permanente transitoriedade, a existência de um vasto território de reserva, capaz de se aptu ado o o e to e to (ROLNIK, 2015, p.174).
59
medidas como o aumento da oferta de crédito imobiliário a taxas baixas de juros; a
socialização do crédito, incluindo os estratos de média e baixa renda no circuito financeiro; a
liberação da atuação de agentes privados no mercado de hipotecas além dos bancos, como
fu dos de i esti e to e pe s o; a iaç o de p odutos espe iais de se u itizaç o de
hipotecas para investidores em todo o mundo; e paralelamente, a desregulação dos preços
de aluguéis pelos governos, tanto da habitação social quanto do estoque privado; e a
diminuição paulatina dos subsídios para manutenção e construção de habitação social;
contribuíram para a valorização dos imóveis e o endividamento das pessoas, em um cenário
que atingiu seu ápice na bolha imobiliária estourada em 2007, com a execução de milhares
de hipotecas nos anos subsequentes, e que polarizou os sem-teto de um lado e as casas
vazias de outro, como já citado.
O canal direto de relacionamento dos indivíduos com a macroeconomia, através do
financiamento imobiliário, como aponta Rolnik (2015, p.28), compromete as vidas com o
endividamento a longo prazo, tomando este uma dimensão totalizante na vida. Se olharmos
para o cenário pós-estouro da bolha, veremos que todos os riscos foram repassados aos
endividados, agora sem-teto, dos quais muitos permanecem com uma parcela da dívida
mesmo após a execução hipotecária. Isto porque a repentina desvalorização dos imóveis não
cobriu, em muitos casos, o empréstimo tomado a priori (idem, p.40, 41).
Além da intensificação da financeirização da moradia, u o o i ho de e ado
surgiu após a crise: a provisão de locação residencial no inflado estoque habitacional, para
os que já eram, e os que passaram a ser despossuídos (idem, p.103-108), reajustando
espacialmente as necessidades do capital financeiro.
Essa ideia, já presente na obra de Marx, pressupõe que o capitalismo não apenas destrói e reconfigura a antiga ordem econômica, mas necessita de um movimento incessante de desvalorização – através da guerra ou de crises periódicas – para poder abrir caminho à criação de nova riqueza. [...] Esta é uma das contradições do capitalismo: o fato de que ele necessita do espaço físico para funcionar. Em certos momentos da história, o capitalismo destrói o espaço – e desvaloriza a maior parte do capital ali investido. Em um momento posterior, abre caminho para um novo ajuste espacial, através da abertura de novos territórios para um novo ciclo de acumulação. (ROLNIK, 2015, p.110)
60
O processo de financeirização da moradia observado por Rolnik assume basicamente
três formas: siste as aseados e hipote as; siste as aseados a asso iaç o de ditos
financeiros a subsídios governamentais diretos para compra de unidades produzidas pelo
e ado; e es ue as de i ofi a ia e to 2015, p.33, 34).
Diferente da maioria dos países do Centro que chegaram a usufruir do
desenvolvimento pleno do sistema de bem-estar (welfare), que incluía o sistema de
habitação social, já nos anos 1960 e 1970 no Brasil, assim como no México, Espanha, Grécia
e Po tugal, os su sídios o stituía a ú i a políti a ha ita io al ide , p. . A política
de subsídios governamentais associados ao crédito financeiro permanece central no Brasil, o
que podemos observar no Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), tratado mais à
frente.
Em países emergentes como o Brasil, China, Índia, México, Peru, entre outros, as
hipotecas residenciais representam de 6% a 17% do PIB20. No caso do Brasil, a autora
observa que a partir de meados dos anos 1990, os empréstimos com alienação fiduciária
prevalecem sobre o sistema de hipotecas21.
Parafraseando Rolnik (2015), proprietários tem algo a perder, e por isso mesmo, em
uma dimensão política, a promoção da casa própria funciona como uma compensação pela
perda de direitos e enfraquece o desejo revolucionário. Essa intenção foi manifestada com
clareza na fala da primeira presidente do Banco Nacional da Habitação (BNH), Sandra
Ca al a ti, pa a ue a asa p p ia faz do t a alhado u o se ado ue defe de o
di eito de p op iedade 22. Não por acaso, desde o início da década de 1960 o Sistema
Financeiro da Habitação brasileiro (SFH) recebia subsídios da Aliança para o Progresso,
p og a a o te-americano de cooperação com a América Latina, lançado por Kennedy em
20
CHIQUIER, Loïc; LEA, Michael. Relatório do Banco Mundial, 2009 apud ROLNIK, 2015, p.32.
21 Embora nos dois modelos o imóvel seja a garantia da aquisição de crédito, o empréstimo com alienação
fiduciária oferece menos risco aos bancos credores, visto que a diferença básica consiste no título de propriedade do imóvel permanecer com o credor até a quitação do empréstimo, conferindo maior segurança aos bancos e uma retomada mais rápida no caso de inadimplência dos mutuários.
22 BONDUKI, Nabil. Política habitacional e inclusão social no Brasil: revisão histórica e novas perspectivas no
governo Lula. Arq.urb, n.1, 2008 apud ROLNIK, 2015, p. 282.
61
1961, com o objetivo de promover o desenvolvimento e barrar o comunismo, que já havia se
instalado em Cuba e a eaça a o o ti e te 2015, p.283).
O BNH foi transformado em empresa pública em 1966, ao mesmo tempo em que o
governo brasileiro cria o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), uma espécie de
poupança obrigatória na qual o empregador deposita mensalmente 8% da remuneração do
trabalhador em conta privada sob gestão pública. O volume de recursos do FGTS veio a ser
tal, que este passou a ser a principal captação de recursos do BNH, alçando-o à condição de
segundo maior banco do país no início dos anos 1970, e mesmo após sua extinção23,
o ti ua a se a g a de fo te de e u sos da políti a ha ita io al ide , p. .
No B asil, o o o e p op ia e te u p o esso de fi a ei izaç o nos moldes
internacionais, visto que as operações ainda ocorrem no âmbito do SFH e a gestão de fundos
públicos pela Caixa Econômica Federal (CEF), herdeira do BNH. No que diz respeito ao
mutuário individual, não houve uma participação ampla de fundos privados de investimento
imobiliário em financiamento direto, e também não se consolidou aqui um mercado
secundário de hipotecas, no qual o proprietário recoloca seu imóvel como garantia para
aquisição de um novo empréstimo. Entretanto, no que concerne a reestruturação de
empresas incorporadoras do setor residencial, a financeirização ocorre com mais
intensidade a partir do final dos anos 1990, com a entrada de fundos de investimento
internacionais em mercados emergentes como o Brasil, após a crise asiática em 1997 e 1998
(idem, p.290, 291).
A arremetida do setor financeiro sobre as incorporadoras residenciais foi efetuada
por algumas estratégias no início dos anos 2000, como: aquisição de parte das construtoras
por um ou mais fundos de investimento, a abertura do capital das incorporadoras na bolsa
de valores, e a canalização de parte do novo capital investido para a formação de bancos de
23
“Cabe apenas mencionar que, além da crise de liquidez frente ao quadro inflacionário, de recessão e de aumento da inadimplência, que gerou um rombo nas contas do banco, pesou também para sua extinção a ruptura da coalizão de interesses empresariais e políticos que se articularam para sua criação, em um quadro mais geral de crise do regime ditatorial e de sua base de sustentação econômica e política ROLNIK, 2015, p.285, 286).
62
terras (land-banks), reservas fundiárias que garantem investimento de longo prazo24 (idem,
p.292, 293).
Paralelamente à financeirização das incorporadoras imobiliárias, ocorre durante o
governo Lula (2003-2010) o aumento exponencial da oferta de crédito no Brasil, e
principalmente do crédito habitacional, como uma estratégia política de crescimento
econômico baseada no aumento do poder de consumo dos trabalhadores. Nesse contexto,
medidas como o reajuste frequente do valor real do salário mínimo, o programa de
transferência de renda Bolsa Família, linhas de crédito com baixas taxas de juros, e isenções
fiscais para o consumo de bens du eis, ali e ta a a o fo aç o da o a lasse
dia 25 (idem, p.298, 299). Dados apresentados por Marcio Pochmann (2011)26 dão a
tônica deste processo, no qual a participação das operações de crédito no PIB nacional
saltou de 24,2% em 2002, para 45% em 2009, quadruplicando entre 2003 e 2009 o montante
de recursos destinados aos financiamentos à pessoa física. No campo do financiamento
habitacional, o crescimento foi de R$ 25,7 bilhões em 2004, para R$ 80 bilhões em 2009.
Estas medidas do governo Lula (2003-2010), e posteriormente do governo Dilma
(2011-2016), marcam uma rodada de neoliberalização que Peck (2010a, p.22 apud Brandão,
2017, p.50) chama de Roll-Out, um tempo de re-regulação mais amena, mais que não rompe
com os pressupostos neoliberais, pelo contrário, busca a conformação de políticas
orientadas pelo e para o mercado (Fernández, 2016a e 2016b, apud Brandão, 2017, p.50).
No Brasil, vivemos uma fase de Roll-Back durante a década de 1990, no governo FHC (1995-
2002). Rodada caracterizada pela forma mais agressiva do neoliberalismo, marcada pelo
24
Em 2014, 22 empresas estavam listadas na Bovespa. Entre elas, 9 concentravam 100 bilhões de reais (37 bilhões de dólares) em terra, o que representa quase 620 mil quilômetros quadrados de solo urbano, em várias cidades do país ROLNIK, 2015, p.292).
25 De 2005 para 2010, cerca de 19 milhões de brasileiros migraram para a classe C, que passou a somar 101,65
milhões de pessoas, representando 53% da população total de 191,79 milhões. Porcentagem maior do que as classes AB (21%) e DE (25%) somadas em 2010. Na pirâmide social, a classe C foi a que mais cresceu, aumentando 62,12% desde 2005, enquanto as classes AB cresceram 59,70% e as classes DE reduziram em 48,41%, demonstrando os efeitos das medidas do governo Lula (2003-2010). A população total cresceu 5,35% entre 2005 e 2010. Os dados apresentados são da pesquisa Observador 2011, encomendada pela Cetelem BGN à Ipsos Public, e foram publicadas pelo jornal O Fluminense, 23 mar. 2011, seção Economia, p.7, em matéria da edaç o i titulada Classe C j ep ese ta aio populaç o do País .
26 POCHMANN, Marcio. Políticas sociais e padrão de mudanças no Brasil durante o governo Lula, SER Social,
v.13, n. 28, jan.-jun. 2011, p.26-7 apud ROLNIK, 2015, p.264.
63
desmantelamento do Estado, privatização de empresas estatais, e ausência de políticas
habitacionais de porte nacional, por exemplo.
O programa habitacional Minha Casa Minha Vida (PMCMV), lançado pelo governo
Lula em março de 2009, tinha por objetivo atender a população de 0 a 10 salários mínimos
(SM), com a construção de um milhão de moradias. Destas, 350 mil destinadas à faixa de
i te esse so ial a SM , il pa a ha itaç o u al po auto o st uç o, e 600 mil para
a fai a e ado popula a SM . Al de u a políti a so ial distributivista, com o
propósito de garantir o acesso das lasses C e D e ado ia o adia, at a s de
subsídios do pacote habitacional e do novo padrão de financiamento, esta ação objetivava a
geração de empregos e investimentos no setor da construção, para responder à crise
econômica internacional (Arantes e Fix, 2009).
Na verdade, antes de atender ao propósito político de prover habitação via mercado
para os setores de média e baixa renda, atendeu ao propósito econômico de proteger as
incorporadoras do país dos efeitos da crise financeira internacional de 2007-2008. Segundo
Rol ik, i ediata e te ap s o la ça e to do p og a a, as i o po ado as e upe a a o
valor de suas aç es a Bolsa , p. . Diferente da criação de um pacote habitacional
como aconteceu no Brasil, a solução para a recuperação da economia no cenário
internacional foi a injeção de recursos públicos na compra de ações dos principais bancos
nos Estados Unidos e na Europa, responsáveis pela crise, permitindo que estes
refinanciassem hipotecas e concedessem novos empréstimos.
Embora o pacote do PMCMV beneficie tanto a população de baixa renda quanto
empresários, uma vez que subsidia 60% a 90% do valor do imóvel para os mais pobres e
possui um fundo específico para cobrir inadimplências, atendia em 2009 a apenas 14% dos
sem-teto que integrava a ta a de d fi it ha ita io al de 7,2 milhões de moradias à
época (Arantes e Fix, 2009, p.2).
As modalidades MCMV-Entidades, em prol de movimentos de luta pela moradia,
PNH-Rural, e MCMV-Sub 50, para municípios com população de até 50 mil habitantes,
ep ese ta a e os de % do total de u idades e e u sos p e istos e seu
lançamento, o que torna o MCMV-E p esas o ú leo du o dessa políti a Rol ik, ,
p.303).
64
Segundo Arantes e Fix (2009), há uma convergência de interesses econômicos e
políticos entre o governo e as empresas, uma vez que o Governo Federal quer que o
mercado imobiliário desloque a produção para faixas de baixa renda, nas quais obtêm maior
apoio político e rendimentos eleitorais, e o mercado quer subsídios para a produção para a
classe média, nas quais obtém maiores lucros. A desproporcional distribuição dos subsídios
públicos entre as construtoras privadas (97%) e as entidades sem fins lucrativos (3%)
denuncia a adoção de um modelo dominante que privilegia a produção habitacional
diretamente pelo mercado, e destitui a gestão pública do processo ao permitir uma
p oduç o po ofe ta . O egime de oferta privada ao poder público dá amplos poderes às
construtoras, que definem os terrenos e os projetos a serem produzidos e vendidos à Caixa
Econômica Federal (CEF). Após isso, a CEF gerencia o acesso às unidades a partir de listas de
demanda cadastradas pelas prefeituras27.
A partir de 2009, a conjuntura de preparação do país para sediar nacionalmente a
Copa do Mundo de 2014, e no Rio de Janeiro as Olimpíadas de 2016, contribuiu para a
construção da imagem de um momento de desenvolvimento econômico e prosperidade no
Brasil, em que foram destinados R$ 100 bilhões para crédito imobiliário residencial em dois
anos (Rolnik, 2015, p.279). No ano de 2013, o financiamento imobiliário bateu recordes
anteriores, e a CEF concedeu R$ 134,9 bilhões em contratações de crédito imobiliário28.
O suporte jornalístico permitiu observar as sucessivas investidas do governo para o
aumento do crédito imobiliário residencial. Paralelamente ao PMCMV, que atende famílias
com renda de até 10 salários mínimos, o Conselho Monetário Nacional (CMN) anunciou em
2009, um aumento do valor dos imóveis financiados pelo SFH, de R$ 350 mil para R$ 500 mil,
27
No âmbito prático do PMCMV, os municípios não exercem um papel ativo no processo, de forma que: não
exercem controle do uso do solo e da qualidade projetual; não realizam licitações de obra; e podem ser pressionados para alterar a legislação de uso do solo, coeficientes de aproveitamento e o perímetro urbano, pois possuem autonomia para tal (Arantes e Fix, 2009). O desejo de serem atendidos com mais projetos do pacote acentua a competição entre os municípios em busca de atrair investimentos. Devido a esta competição, os autores apontam que o pacote não estimula os municípios a aplicarem os instrumentos de reforma urbana previstos no Estatuto da Cidade, de 2001. Aplicá-los seria desaconselhável para um cenário de competição, pois impõem condições públicas aos empresários privados. A competição por viabilizar o máximo de empreendimentos deixa o poder local refém do processo predatório e fragmentado de expansão da cidade. 28
Informação do Jornal O Fluminense, 2 e 3 fev. 2014, seção Habitação, p.9, publicada em matéria da redação i titulada Cai a: o t ataç o de dito i o ili io ate e o des .
65
no qual os mutuários podem usar recursos da caderneta de poupança e do FGTS29. Em 2016,
o teto de financiamento com recursos do FGTS era de R$ 650 mil no país, e de R$ 750 mil
apenas no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Distrito Federal30, e em 2018, era de R$
800 mil no país, e R$ 950 mil nos estados citados. Em 2019, o financiamento passou para R$
1,5 milhão em todas as regiões do país31. Para mutuários de classe média e alta, sem o uso
de recursos do FGTS, o financiamento da CEF aumentou de R$ 1,5 milhão para R$ 3 milhões
em 201632.
No período 2003-2013, o setor imobiliário cresceu acima do PIB, 47,1% contra
45,09%, respectivamente. Impulsionado pelo PMCMV, o crédito habitacional passou de
1,55% do PIB em 2006, para 3,48% em 2010, e 6,73% em 201333. O aumento exponencial da
oferta de crédito habitacional – com os subsídios públicos assegurando o crescimento da
construção civil –, e a proximidade dos megaeventos esportivos, contribuíram para a
ascensão dos preços imobiliários. Segundo dados de Thêmis Aragão (2014)34 para o período
2008-2012, os preços imobiliários (m²) no Brasil passaram a crescer muito acima do índice
de inflação (IPCA), do índice da construção (IPCC) e do aumento real de renda, ultrapassando
estes três índices no início de 2011, e obtendo em novembro de 2012 valorização de cerca
de 240% em relação a janeiro de 2008. A valorização imobiliária desse período poderá ser
observada na análise do estudo de caso, tratada no item 3.3.
Declaração de Robert Shiller35 alertou para a gravidade da situação no Rio de Janeiro
e em São Paulo em 2013, aonde os preços dos imóveis haviam crescido mais que o dobro da
inflação, com o risco de formação de uma bolha imobiliária (Rolnik, 2015, p.278).
29
Informação do jornal O Fluminense, 14 abr. 2009, seção Economia, p.7, publicada em matéria de Letícia Mota i titulada Pla o ha ita io al te p estaç o desde R$ . 30
Informação do jornal O Fluminense, 9 nov. 2016, seção Nacional, p.8, publicada em matéria da redação i titulada Casa p p ia: Cai a di i ui ta as dos fi a ia e tos . 31
Informações do jornal O Fluminense, 30 out. 2018, seção Nacional, p.7, publicadas em matéria da redação i titulada Li ite pa a fi a ia e to de i eis au e ta hoje . 32
Informação do jornal O Fluminense, 24 e 25 jul. 2016, seção Habitação, p.9, publicada em matéria de Ulisses D ila i titulada Casa p p ia: li ite de dito da Cai a au e ta a segu da . 33
Sinduscon/FGV, Conjuntura da Construção, ano XII, n.3, out. 2014, p.4, 6,7 apud ROLNIK, 2015, p.305, 306.
34 ARAGÃO, Thêmis Amorim. Housing Policy and the Restructuring of Real Estate Sector in Brazil. Seminário
internacional The Real Estate/Financial Complex (Refcom): Leuven: 2014 apud ROLNIK, 2015, p. 311.
35 Professor da universidade de Yale e ganhador do Prêmio Nobel de Ciências Econômicas de 2013.
66
Historicamente, a ideologia da casa própria, difundida no Brasil aproximadamente
entre 1920 e 1950 pela classe dominante, propagou a crença de que a casa própria
representava segurança econômica e social frente às incertezas do futuro (Villaça, 1986,
p.22). Embora a ideia de que para se ter segurança social e econômica é necessário ter casa
própria possa ser falsa, passou a corresponder a relações reais, foi tornada verdadeira no
mundo construído pela burguesia (idem, p.23,24).
Na economia política da habitação que vem sendo construída mundialmente com
mais intensidade a partir dos anos 198 , a asa passa de e de uso a apital fi o, ujo
valor é a expectativa de gerar mais-valor no futuro, o que depende do ritmo do aumento do
p eço dos i eis o e ado Rol ik, , p. , . E ais,
O uso da casa própria como estoque de riqueza, sua valorização ao longo do tempo e possibilidade de monetização funcionaram na prática como substituto potencial dos sistemas públicos de pensão e aposentadoria. A diferença básica em relação ao modelo anterior é que os riscos envolvidos migram de instituições coletivas e, em última instância, do Estado para indivíduos e famílias. (ROLNIK, 2015, p.38)
No caso brasileiro, no pacote habitacional do governo Lula, a ideologia da casa
própria é retomada como [...] substitutiva da emergência histórica do trabalhador como
sujeito que controla a mudança social (Arantes e Fix, 2009, p.6), ou seja, a mobilização do
imaginário coletivo acerca do atendimento do programa é um instrumento de adoçamento
das lutas sociais e de conformismo com as estruturas do sistema. Em um país de economia
dependente como o nosso, a casa própria representa um atenuante frente à precariedade
dos sistemas de proteção social e da ausência de industrialização com pleno emprego.
Nem nos idos de 1960, quando da atuação do BNH, nem a e a Mi ha Casa Mi ha
Vida , o financiamento imobiliário das políticas habitacionais federais impeliu a
democratização do acesso à terra e à moradia nas cidades brasileiras. Sobre o sistema
SFH/BNH, Ermínia Maricato (2013 [2001]) declara que para a maior parte da população que
buscava moradia nas cidades o mercado não se abriu. O acesso das classes médias e altas foi
p io izado p. , . Na experiência atual do PMCMV, embora o programa tenha atingido
u a a ada da populaç o histo i a e te o ate dida a SM , [...] o hegou a
interferir no lugar tradicionalmente ocupado por ela nas cidades, reproduzindo o padrão
pe if i o Rol ik, , p. .
67
Apesar dos avanços legislativos e institucionais que instrumentalizaram a reforma
urbana efetiva36, o Programa Minha Casa Minha Vida reproduz tanto a racionalidade
mercantil da conjugação SFH/BNH, quanto seus efeitos espaciais, perpetuando e reforçando
a segregação social urbana (Arantes e Fix, 2009; Rolnik, 2015). Na prática, a segregação
materializou-se nas novas manchas urbanas de baixa renda nas franjas das cidades, distantes
de diversidade social e com serviços públicos precários ou inexistentes, ou na implantação
de conjuntos verticais em periferias consolidadas, com a tipologia obrigatória do condomínio
fechado e murado, reproduzindo o modelo socialmente excludente no tecido urbano
(Rolnik, 2015, p.314).
Abortou-se, assim, a incipiente construção de uma política habitacional diversificada, aderente às especificidades locais e sob controle social, aposta dos movimentos sociais e dos militantes da reforma urbana no início do governo Lula. (ROLNIK, 2015, p.309)
Os dados e argumentos trazidos nesta seção nos permitem reconhecer os
entrelaçamentos entre a carreira ascendente da financeirização da terra e da moradia em
escala mundial, e suas repercussões e especificidades no caso brasileiro. Auxiliando a melhor
observar este processo que, por ser tentacular, não se restringe aos países do Norte global,
nem aos centros metropolitanos da periferia do capitalismo, mas se estende às regiões
metropolitanas, como observado no terceiro capítulo, na região estudada. Uma progressiva
relação de ajuste espacial do capital financeiro, colecionando a terra urbana em land-banks
e monopolizando o acesso à moradia pela via da casa própria, sob a condução ideológica,
institucional e financeira dos Estados em seus territórios.
36
No hiato entre a extinção do BNH em 1986 e o lançamento do PMCMV em 2009, não houve propostas efetivas do Governo Federal para a questão habitacional. Nesse ínterim, a Constituição de 1988, que incluiu parte dos instrumentos pleiteados pelo Movimento Nacional pela Reforma Urbana (MNRU), e o Estatuto da Cidade , fo a a a ços legislati os i po ta tes e p ol dos p i ípios de di eito idade , gest o de o ti a da idade e fu ç o so ial da p op iedade . E , a iaç o do Mi ist io das Cidades MIC no governo Lula, sinalizou um esforço institucional para articulação de uma política urbana, fundiária e habitacional integrada nacionalmente (Rolnik, 2015).
68
2.2 O ESPAÇO URBANO DA CONTEMPORANEIDADE: PERSPECTIVAS GEOGRÁFICAS
Vamos prosseguir a partir das considerações que alguns autores trazem a respeito do
espaço. O espaço u a atego ia ue a a a u a o stelaç o de o eitos – região,
território, lugar, paisagem... – que gravitam em torno de sua categoria-mestre, o espaço-
tempo, e do espaço geográfico como dimensão da relação entre sociedade e natureza.
(Haesbaert, 2014, p.22, 34, 35). Pela transformação da natureza, a nossa sociedade produz o
mundo atra s de u a elaç o i disso i el e t e espaço e te po , ou e t e espa ialidade
e temporalidade (p.35,36). Para o autor,
Trata-se, pois, de reconhecer tanto o espaço quanto o tempo, em suas mútuas implicações, como processos. [...] Nesse caso, podemos ter a concepção de espaço como mero conjunto dos objetos físicos (naturais e sociais) ou ainda como
at ia-p i a ou ase atu al p i ei a atu eza , u a li guage a ista sobre a qual se desdobra o trabalho e a produção de significados sociais [...]. (HAESBAERT, 2014, p.37)
Ao abordarmos a contemporaneidade, ou o atual estágio da modernidade, falamos
de um contexto de intensificação da compressão do tempo-espaço que vivenciamos. Doreen
Massey (2000 [1991]) nos esclarece que a ideia de compressão de tempo-espaço refere-se à
supe aç o do espaço pelo te po, e foi i t oduzida teo i a e te po Ma , ue fala so e a
a i uilaç o do espaço pelo te po . Pa a Masse , a o p ess o de te po-espaço refere-se
ao movimento e à comunicação através do espaço, à extensão geográfica das relações
sociais e a nossa e pe i ia de tudo isso. , p.178). A autora traz uma reflexão sobre a
o ilidade dife e ial , algo o o a geo et ia do pode da o p ess o de te po-
espaço (idem, p.179), na qual diferentes grupos sociais ou indivíduos se relacionam de forma
distinta com essa mobilidade. Não se trata somente de uma distribuição desigual de
o ilidade e o t ole, as do fato de ue a o ilidade e o o t ole de algu s g upos
podem ativamente enfraquecer outras pessoas . Massey exemplifica através da relação
entre capital e trabalho, na qual
69
A capacidade do capital de percorrer o mundo fortalece-o ainda mais em relação aos trabalhadores relativamente imóveis [...] Ela também fortalece sua posição contra economias locais em dificuldades de todo o mundo, na medida em que essas economias competem pelo favor de algum investimento. (MASSEY, 2000, p.180)
Assim como Massey, Haesbaert (2014, p. ta ita a a i uilaç o do espaço
pelo te po de Ma , e a es e ta ue o tempo hoje enquanto distância-duração também é
aniquilado, tendo em vista a instantaneidade dos contatos virtuais, e a sua transformação
e te po eal . Pa a o auto , p. , a oç o de espaço fo aliza a si ulta eidade e
contemporaneidade dos fenômenos.
No âmbito da teoria espacial, Edward Soja (1998 [1994])37 discorre sobre a
descentralização crescente da nova metrópole, sugerindo a desconstrução da noção
o e io al do ue u a o e su u a o, e identificando os subúrbios como
aglo e aç es u a as o pletas, ultifu io ais, de sas e di e sifi adas (1998, p.157), a
ponto da distinção entre urbano e suburbano começar a desaparecer, e emergir como
ep ese ta te do ue o auto ha a de o a u a izaç o a figu a i a da E pole, a
qual Soja tipifica olhando para Los Angeles. Em suas palavras,
Já não nos podemos satisfazer com uma simples divisão binária de cidade e subúrbio, centro e periferia, que implica uma clara polaridade na qual a primeira é do i a te e a segu da depe de te . Em vez disso, devemos cada vez mais
encarar a nova metrópole regionalmente, como um complexo mosaico geográfico, senão um caleidoscópio, de modelos de desenvolvimento desigual em rápida mutação. (SOJA, 1998, p. 158)
Em complemento à citação de Soja, ganha destaque aquilo que Milton Santos (1998
[1994])38 chama de e ti alidades ou edes , fo adas po po tos dista tes u s dos
out os, ligados po todas as fo as e p o essos so iais , e oposiç o s ho izo talidades ,
os do í ios da o tiguidade, daqueles lugares vizinhos reunidos por uma continuidade
te ito ial (p.16). Para Santos, as redes são uma nova realidade a partir dos anos 1990, e
o stitue ape as u a pa te do espaço e o espaço de algu s , favorecendo o
37
SOJA, Edward W. O desenvolvimento metropolitano pós-moderno nos E.U.A.: virando Los Angeles pelo avesso. In: SANTOS, Milton; SOUZA, Maria Adélia A. de; SILVEIRA, Maria Laura (orgs.). Território. Globalização e fragmentação. 4. ed. São Paulo: Hucitec, 1998. 332 p.
38 SANTOS, Milton. O retorno do território. In: SANTOS, Milton; SOUZA, Maria Adélia A. de; SILVEIRA, Maria
Laura (orgs.). Território. Globalização e fragmentação. 4. ed. São Paulo: Hucitec, 1998. 332 p.
70
desenvolvimento geográfico desigual, e ua to ue o espaço de todos, todo o espaço ue
está para além das redes, é o espaço a al , o tido os li ites do t a alho de todos
(p.16). Contudo, é importante observar que os mesmos lugares do território formam as
redes e formam o espaço banal, e é com base nesta afirmação que Santos expõe uma
reflexão que permanece valiosa
A tendência atual é que os lugares se unam verticalmente e tudo é feito para isso, em toda parte. Créditos internacionais são postos à disposição dos países mais pobres para permitir que as redes se estabeleçam ao serviço do grande capital. Mas os lugares também se podem unir horizontalmente, reconstruindo aquela base de vida comum susceptível de criar normas locais, normas regionais... (SANTOS, 1998, p. 19)
O espaço banal de Santos parece ser o espaço que Roberto Monte-Mór (1998
[1994])39 de o i a u a izaç o e te si a . O espaço ue se este de pa a al das
cidades em redes e ep ese ta a fo a s io-espacial dominante que marca a sociedade
capitalista de Estado co te po ea p. .
Em sua reflexão sobre o urbano contemporâneo, Ana Fani Alessandri Carlos (1998
[1994])40 observa que o mesmo o desig a ais a idade e a ida a idade, as passa
a designar a sociedade que constitui uma realidade que engloba e transcende a cidade
enquanto lugar, pois tudo que existe entra em contato com o mundo todo, ligando pontos
isolados do pla eta p. . A et pole o solida assi a fu ç o de se sede da gestão e
da o ga izaç o das est at gias ue a ti ula espaços (idem), por isso mesmo, a palavra
descentralização não é a melhor para descrever os processos que ocorrem na metrópole
contemporânea. O centro, ao invés de enfraquecer, é fortalecido como signo político,
econômico, administrativo e informacional. Paralelamente, ocorre um processo de
desconcentração de usos e atividades, inclusive industriais, favorecendo a multiplicidade de
39
MONTE-MÓR, Roberto. Urbanização extensiva e lógicas de povoamento. In: SANTOS, Milton; SOUZA, Maria Adélia A. de; SILVEIRA, Maria Laura (orgs.). Território. Globalização e fragmentação. 4. ed. São Paulo: Hucitec, 1998. 332 p.
40 CARLOS, Ana Fani Alessandri. A natureza do espaço fragmentado. In: SANTOS, Milton; SOUZA, Maria Adélia
A. de; SILVEIRA, Maria Laura (orgs.). Território. Globalização e fragmentação. 4. ed. São Paulo: Hucitec, 1998. 332 p.
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centros ou núcleos na região metropolitana, tornando o espaço urbano homogeneizado, em
concordância com a mundialização do capital e da sociedade urbana, porém cada vez mais
complexo, hierarquizado e fragmentado (Carlos, 1998, p.194; Lencioni, 1998, p.207, 208)41.
A concepção lefebvriana caracteriza o espaço42 nas sociedades modernas avançadas
como homogêneo, fragmentado e hierarquizado, e nele, as relações sociais são
reestruturadas (Lefebvre, 1980, p.135-178 apud Lencioni, 2010).
A semelhança entre cidades de diversos tamanhos ao redor do mundo apresenta o
espaço como homogêneo em diversos elementos da paisagem urbana. Segundo Sandra
Lencioni (2010), essa homogeneidade pode se fragmentar infinitamente, tendo os espaços
de moradia e lazer, as favelas, os condomínios privados e o fracionamento da terra para
atender ao mercado imobiliário como testemunhos deste processo. E quanto mais a unidade
espacial se apresenta fragmentada e descontínua, maior a importância das redes de relações
sociais (fluxos) como instrumentos de ligação. O terceiro elemento, a hierarquização,
permite o domínio do poder econômico, político e o comando capitalista, que garantem a
totalidade do o ju to .
As redes, como condições gerais da produção capitalista, podem ser materiais (redes
de proximidade absoluta), como as redes viárias, ou imateriais (redes de proximidade
relativa), como as redes virtuais. Além de mediações, são também momentos da produção e
produtoras de um novo espaço, na medida em que por meio delas o capital se reproduz
mais rapidamente e reduz seu tempo de circulação, que implica em desvalorização, até
chegar à instantaneidade. Exemplos dessa afirmação são os pagamentos em débito imediato
ou os contatos virtuais em redes sociais. Sobre a relação espaço/tempo nas redes materiais,
há uma correlação positiva entre aumento da fluidez e afirmação da centralidade de alguns
nós, modificando hierarquias urbanas e permitindo movimentos pendulares moradia-
trabalho. Já as redes imateriais de fluxos de informação e comunicação não estruturam o
território, mas podem reforçar alguns pontos e tornar superadas as relações tecidas por
41
LENCIONI, Sandra. Reestruturação urbano-industrial no Estado de São Paulo: a região da metrópole desconcentrada. In: SANTOS, Milton; SOUZA, Maria Adélia A. de; SILVEIRA, Maria Laura (orgs.). Território. Globalização e fragmentação. 4. ed. São Paulo: Hucitec, 1998. 332 p.
42 Lencioni (2010) ressalta que Léfèbvre (1980) em sua abordagem refere-se ao espaço enquanto social e
político, e não geográfico, que para o autor é equivalente ao espaço natural e, portanto, de primeira natureza.
72
redes viárias. Ambos os tipos de rede conferem unidade ao espaço fragmentado (Lencioni,
2010).
Temos então que a fluidez crescente das redes (viárias e virtuais) favorece a
dispersão das classes sociais no espaço urbano contemporâneo. O incremento das redes
viárias e as novas formas de transporte individual (como as redes virtuais de serviço de
transporte via aplicativo), além da popularização do transporte em automóveis individuais,
permite a reafirmação de determinadas centralidades (nós) e o crescimento da mancha
urbana, com a ocupação de áreas cada vez mais distantes dos núcleos centrais, aumentando
os deslocamentos pendulares. As novas formas de trabalho, como o trabalho part-time e o
crescente trabalho à domicílio, cujas implicações para a classe que vive do trabalho foram
tratadas no primeiro capítulo, também favorecem essa dispersão.
Os age tes do o ple o i o ili io-fi a ei o Rol ik, , o o algu s dos
principais atores estruturantes do espaço, intensificam a segregação socioespacial na
medida em que empurram os pobres urbanos para novas franjas, em uma exclusão espacial,
muitas vezes sem acesso a serviços e meios básicos de reprodução coletiva (água, esgoto,
transporte, comércios, hospitais, escolas, etc.), e uma exclusão virtual, pois em muitos
destes lugares a infraestrutura material do mundo virtual (cabos de fibra óptica, por
exemplo) ainda não chegou.
Munidos desta breve caracterização do espaço urbano da contemporaneidade,
podemos passar da abstração à concretude com Moura e Pêgo (2017), e observar o sistema
urbano brasileiro, tendo em mente que suas articulações em rede e interdependências
resultam da evolução histórica e social, e e p essa as dife e tes es alas da i se ç o
egio al a di is o so ial do t a alho Davidovich, 1984; Moura e Pêgo, 2016 apud Moura e
Pêgo, 2017, p.72).
Fundamentados em Santos (1967), Moura e Pêgo (2017, p.72, 73) sublinham os
principais momentos de nossa metamorfose urbana, na qual tivemos até os anos 1930 uma
u a izaç o ue efletia a o diç o de depe d ia da e o o ia a io al , com cidades
litorâneas servindo à produção e comércio voltados para o exterior. Nos anos 1940, as
melhorias em comunicação e transportes favorecem a urbanização interior, decorrente da
industrialização e formação de mercado interno, mas é na década de 1950 que podemos
73
fala e u a ede asilei a de idades , u siste a eal e te a io al e di e s o e
hierarquia, alimentado pela industrialização e velocidade da urbanização.
Neste contexto, a região Sudeste destaca-se enquanto receptora do poder político e
econômico, mantendo seus centros – Rio de Janeiro e São Paulo – na vanguarda da
hierarquia urbana, mesmo após Brasília ser alçada ao posto de capital federal.
Trazendo para a lógica dialética, Pedro Geiger (1998 [1994])43 identifica a região
o o e te s o de ual ue o jeto , com a categoria da particularidade. Ela intermedia o
movimento entre o singular – um lugar na região – e o universal, a totalidade de nossa
realidade planetária. Na exposição de Geiger, o universal se manifesta por suas
singularidades e, analogicamente, o estudo da região como extensão do objeto nação,
contribui para o conhecimento tanto da singularidade do lugar quanto da generalidade da
sociedade e espaço urbanos (p. 234).
Considerando esta lógica, compreender as transformações da região sudeste no bojo
das transformações nacionais, principalmente no Estado do Rio de Janeiro, para então
procedermos ao fenômeno do Comperj na região metropolitana fluminense, é o caminho
tomado a seguir.
2.3 A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DA REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO
O intuito desta passagem do texto não é caracterizar exaustivamente a Região
Metropolitana do Rio de Janeiro, para isso já temos vasta referência bibliográfica, mas reunir
com a ajuda de Fany Davidovich (2001, 2010), Floriano José Godinho de Oliveira (2013,
2018), Rosa Moura (2017), Jacob Binsztok (2012) e Jeroen Klink (2013), alguns subsídios que
auxiliam no entendimento da trajetória da metrópole fluminense até os acontecimentos
mais recentes, principalmente na indústria de petróleo e gás.
A instituição das primeiras nove metrópoles nacionais, a saber, São Paulo, Rio de
Janeiro, Curitiba, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Recife, Fortaleza e Belém, foi
43
GEIGER, Pedro P.. Des-territorialização e espacialização. In: SANTOS, Milton; SOUZA, Maria Adélia A. de; SILVEIRA, Maria Laura (orgs.). Território. Globalização e fragmentação. 4. ed. São Paulo: Hucitec, 1998. 332 p.
74
resultado de decisões políticas da esfera federal durante o regime militar, em 1973 e 1974,
alinhadas com o projeto de integração do território nacional que contava com políticas de
substituição de importações e industrialização (Davidovich, 2001b, p. 9, 10).
Desde este momento, interesses do capital na região Sudeste foram favorecidos, e
mais amplamente o Centro-Sul, o e t a a aio de sidade das elaç es i te i dust iais e
o de ta se so essai o seto de se iços . Para se ter uma ideia, o setor de serviços em
2001 no eixo Rio-São Paulo correspondia a 65% do PIB urbano (idem, 2001b, p. 9, 11, 26).
No período compreendido entre 1970-2000, a crise fiscal e financeira nacional, o
enfraquecimento da intervenção econômica do Estado-nação, signatário do Consenso de
Washington a partir de 1989, o processo de privatização de estatais e federais, e a abertura
da economia, são testemunhos internos do estágio de mundialização do capital. Embora a
retração dos investimentos públicos e o processo de privatizações tenha afetado
consideravelmente a economia do Estado do Rio de Janeiro, a metrópole não deixou de ser
alvo de investimentos estatais e federais, concentrados na Bacia de Campos, responsável
por 81% da produção do petróleo e 42.5% do gás natural brasileiros (Davidovich, 2010,
p.7,8, 10).
Nesse ínterim, ocorre paralelamente um processo de desconcentração urbana,
principalmente a partir dos anos 1980, insuflado por programas regionais de
desenvolvimento, que tinham por objetivo desafogar as metrópoles e incentivar a difusão de
cidades de porte médio (Davidovich, 2001b, p. 8). De fato, as cidades de porte médio
brasileiras, com população entre 100 a 500 mil habitantes segundo o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), cresceram a taxas maiores do que as das metrópoles nos anos
1980 e 1990 – 4,8% contra 1,3% (Maricato, 2013, p. 25). Vigorava a centralização na gestão
do território, através da Política Nacional de Ordenamento do Território (PNOT) e da Política
Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), conduzidas pelo Ministério da Integração
Nacional.
A partir de meados da década de 1980, os projetos nacionais, pensados de forma
economicamente integradora, seja nos setores de telecomunicação, energia, petroquímica,
mineração, metalurgia, agroindústria, logística e infraestrutura, foram progressivamente
substituídos por regimes de desenvolvimento local, como intervenções espaciais estaduais,
75
privilegiando certas regiões em detrimento de outras. O objetivo foi criar regionalmente
sistemas urbanos competitivos em nível internacional, contribuindo para a fragmentação da
economia espacial nacional, e o acirramento das desigualdades socioespaciais (Klink, 2013).
Desde a Constituição de 1988, o planejamento territorial, na figura das políticas públicas e
urbanas, foi descentralizado e atribuído aos municípios, que passaram a ser entes
federativos, e gozar de autonomia na gestão de seus territórios (Oliveira, 2013, p. 242, 245;
Klink, 2013).
O objetivo constitucional era o compartilhamento das responsabilidades quanto às
políti as te ito iais entre as instâncias federal, estaduais e municipais (Oliveira, 2013, p.
251), com a União na dianteira da legislação de ordenamento do território, para melhorar as
condições sociais nas áreas metropolitanas (idem, p. 245). Mas o que aconteceu na prática
foi uma divisão complexa das funções administrativas e de gestão do território, atribuindo
aos municípios as responsabilidades de planejamento territorial, e gestão dos recursos
destinados ao uso e controle do solo (idem, p.251). Serviços que ultrapassam os limites
municipais e transitam no âmbito da articulação metropolitana, como os serviços de
transportes públicos, encontram nessa divisão administrativa entraves para o seu melhor
funcionamento, pois muitos municípios não abrem mão de seus poderes de gestão (idem,
p.245), o ue o figu a pa a Oli ei a a a ute ç o de u a o epç o de auta uizaç o do
pode u i ipal o B asil idem, p. 237).
Diante desse cenário, o paradoxo é que enquanto as facilidades tecnológicas e
comunicacionais crescentes favorecem a fluidez dos capitais na reorientação espacial de
seus investimentos e projetos, estruturando uma economia menos aglomerada e cada vez
mais regionalizada e dispersa, padecemos de políticas interinstitucionais e planos nacionais
de desenvolvimento que regulem o planejamento e uso dos territórios no contexto regional.
O que temos são projetos locais de desenvolvimento fragmentados, gestados na negociação
direta entre os agentes privados e as administrações municipais, que preconizam um maior
grau de comprometimento do setor público para com o privado, e pode envolver
disponibilização de recursos, incentivos fiscais, mudanças legislativas, entre outros (Oliveira,
2013, p. 242, 247).
76
Moura e Pêgo (2017) constatam que, apesar da desaceleração da metropolização
brasileira nas últimas décadas do século XX – com o incremento populacional e de atividades
econômicas nas cidades de porte médio – e das o sta tes uda ças as edes de
idades e fo a e odos de uso do espaço, as e t alidades p i ipais a te do
relativa esta ilidade e suas posiç es a hie a uia u a a p. . Ma tida a hie a uia
urbana no Brasil, com as posições já estabelecidas pelas metrópoles e capitais regionais, as
mudanças observadas pelos autores a ede de e t os dize espeito i te io izaç o, ao
adensamento e à emergência de redes em áreas de ocupação anteriormente rarefeitas,
esulta do a a pliaç o do ú e o de e t alidades dos í eis i te edi ios p. . As
centralidades dizem respeito a metrópoles, capitais regionais, centros subrregionais e
centros de zona (p. 76).
Os autores destacam que nosso sistema urbano, em função dos diferentes modos de
inserção na divisão social do trabalho e das principais vias de comunicação entre os centros,
é dividido em seis subsistemas regionais. Essa divisão substitui as três grandes estruturas
urbanas identificadas pelo Ipea no final dos anos 1990: Centro-Sul (São Paulo, Rio de Janeiro,
Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre), Nordeste (Salvador, Recife,Fortaleza, Teresina e São
Luís) e Centro-Norte (Belém e Manaus). Os subsistemas regionais atuais correspondem ao
arranjo do Sudeste (regiões ampliadas de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte), Sul
(regiões ampliadas de Curitiba e Porto alegre), Central (regiões ampliadas de Brasília e
Goiânia), Nordeste (regiões ampliadas de Salvador, Recife e Fortaleza), Norte (regiões
ampliadas de Manaus e Belém) e Oeste (regiões ampliadas de Cuiabá e Porto Velho) (2017,
p. 74 e 75). De acordo com Moura e Pêgo,
O subsistema Sudeste configura a principal unidade no comando da inserção do país na divisão social do trabalho. É o subsistema brasileiro mais povoado, mais urbanizado, mais denso, com a mais elevada participação na geração do produto interno bruto (PIB) nacional, organizado com base na rede de cidades com a mais ampla distribuição territorial de centros e com a maior proporção de municípios
em metropolização. Distingue-se pela presença dos principais centros de gestão
pública e empresarial, sob apoio de uma economia pautada na atividade industrial diversificada, comércio e serviços que se sobressaem pela especialidade, variedade, qualidade e sofisticação, atividades financeiras, tecnológicas, informações e comunicações. Uma multiplicidade multidirecional de fluxos materiais e imateriais perpassa esse território e o conecta nacional e internacionalmente, posicionando-o em condições de comparabilidade superior aos demais subsistemas (MOURA; PÊGO, 2017, p.75).
77
Os números que os autores trazem comprovam sua asserção. A superioridade do
subsistema Sudeste está em concentrar 42,19% da população brasileira, possuir um grau de
urbanização de 92,92%, densidade demográfica de 88,23, responder por 56,14 % do PIB
total do Brasil, e possuir 52,5% de seus municípios (1.666) em processo de metropolização
(IBGE, 2010; Regic, 2007; Moura e Pêgo, 2016 apud Moura e Pêgo, 2017, p. 76).
A competitividade no mercado interno faz com que as metrópoles disputem a
implantação de indústrias dos setores de siderurgia, petróleo (refinaria e petroquímica), e
material do transporte para construção naval, aeronáutica e setor automotivo, estruturando
periferias e entornos metropolitanos nos locais que se estabelecem (Davidovich, 2001b, p.9-
11; 2010, p. 6). Neste sentido, as metrópoles de São Paulo e Rio de Janeiro usufruem do que
Davido i h ha ou a tage s da aglo e aç o , ta to de og fi as ua to no que tange à
i f aest utu a e disposiç o de apital fi o, o ue p opi ia a eduç o dos ustos de
t a sfo aç o e o diç es p i ilegiadas pa a a at aç o de i esti e tos e de te ologia
(2001b, p.14).
São Paulo, historicamente ocupa posição de vanguarda no desenvolvimento urbano e
econômico do país, com destaque para o crescimento econômico entre 1950 e 1970. A
consolidação de sua posição hegemônica e o respectivo distanciamento do segundo maior
polo econômico do país, o Rio de Janeiro, começou na década de 1920, quando a metrópole
carioca perdeu o posto de principal centro industrial brasileiro, seguida da superação
paulistana em termos populacionais em 1960, e a transferência da bolsa de valores para São
Paulo nos anos 2000 (Davidovich, 2001b, p.28). Não obstante, o desempenho econômico do
Rio de Janeiro tem sido mais expressivo em atividades relacionadas à energia nuclear e
exploração do petróleo em camadas profundas, além da exportação de minério de ferro e
produtos da siderurgia fluminense (Davidovich, 2001a, p.3; 2010, p.16).
As contribuições de Fany Davidovich, precisamente em 2001 e 2010, têm reafirmado
a seletividade do espaço urbano no Estado do Rio de Janeiro no que diz respeito à
localização de indústrias, nos diversos momentos político-econômicos em que convergiram
interesses federais e estaduais. Esta desconcentração industrial, conforme mostra a figura
02, fa o e eu u a O ga izaç o U a a e Ei os, ep ese tada po e t os dispostos ao
lo go das p i ipais odo ias , p. . Foi assim com a Companhia Siderúrgica Nacional
78
(CSN), estatal estabelecida em Volta Redonda nos anos 1940 e hoje privatizada, que
posteriormente propiciou ao médio Vale do Paraíba do Sul a consolidação de sua posição
estratégica na articulação com o estado de São Paulo pela rodovia Presidente Dutra (BR-
116), através do centro siderúrgico em Volta Redonda-Barra Mansa e o setor automobilístico
em Resende. Entre outros exemplos, destaca-se semelhante eixo de ligação com São Paulo
pela rodovia Rio-Santos (BR-101 sul), onde se sobressai a cidade de Angra dos Reis com a
Usina Nuclear e a construção naval; e o sentido oposto na BR-101 norte, com o polo de
extração de petróleo e gás natural de Macaé, que contrasta com o desenvolvimento escasso
e predominantemente agrícola do restante da porção norte e noroeste do estado (2010,
p.5).
Figura 02 – Mapa da hierarquia dos centros de influência do Estado do Rio de Janeiro
Fonte: Regiões de Influência de Cidades – IBGE 2007 apud DAVIDOVICH, F.R. Estado do Rio de Janeiro: O urbano metropolitano. Hipóteses e questões. Geo UERJ – Ano 12, n°. 21, v.2, 2° semestre de 2010.
O Estado do Rio de Ja ei o a a te izado po Da ido i h o o de ai a
conectividade viária (2001c, p.74), o que somado à seletividade espacial do
desenvolvimento industrial em eixos rodoviários e pontos estratégicos, fomenta
79
desigualdades socioespaciais, uma vez que a distribuição dos investimentos advindos de tais
instalações privilegia certas parcelas do território em detrimento de outras.
De fato, a autora defe de a ideia de E la e ue i pla taç es da g a de e p esa
têm representado com respeito aos municípios onde se localizam. Ou seja, são plantas
industriais que estabelecem relações escassas com o entorno, mas que exercem grande
i flu ia a e o o ia e t a lo al , p. . A espacialização de interesses de escala
nacional no território fluminense, utilizando-o o o supo te logísti o de i pla taç es, o
características de enclave, pú li as e p i adas i te a io ais , t difi ultado a i teg aç o
efetiva do território do estado do Rio de Janeiro e contribuído para o acirramento de suas
desigualdades econômicas e socioespaciais (2001c, p. 74). Os esforços para a superação das
falhas no projeto de integração estadual são recentes, e dizem respeito ao Plano Estratégico
de Desenvolvimento Urbano Integrado da Região Metropolitana do Rio de Janeiro
(PDUI/RMRJ), entregue em 21 de junho de 2018 pela Câmara Metropolitana de Integração
Governamental do Estado do Rio de Janeiro44.
No interior da região metropolitana fluminense, esses enclaves dizem respeito
principalmente à Refinaria de Duque de Caxias (Reduc), conjuntamente ao Polo Gás-
Químico; ao Porto de Sepetiba; à exploração de petróleo e gás natural na Bacia de Campos;
e desde 2006, ao anúncio e construção do Complexo Petroquímico do Estado do Rio de
Janeiro (Comperj). Enquanto isso, a capital carioca permanece como sede de empresas do
vulto da Eletrobrás (sociedade mista), Petrobrás (sociedade mista), Vale (antiga Companhia
Vale do Rio Doce, privada), escritório do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES), universidades estaduais e federais, e do núcleo científico da UFRJ (2010, p. 8,
11, 20).
Além das decisões estratégicas políticas e econômicas, a metropolização do espaço –
especificamente de São Paulo e Rio de Janeiro – diz respeito à área de influência das
44
O PDUI, também denominado Modelar a Metrópole, é uma iniciativa do Governo do Estado por meio da instituição de planejamento Câmara Metropolitana, e foi financiado pelo Banco Mundial. O Plano, elaborado ao longo de cerca de três anos, foi executado por um consórcio entre as empresas Quanta Consultoria e Jaime Lerner Arquitetos Associados, e define um conjunto de ações necessárias para os próximos 25 anos no contexto metropolitano, em prol de uma metrópole social e ambientalmente justa e equilibrada. Foi realizado com a participação da sociedade civil, especialistas acadêmicos, segmento empresarial, governos e órgãos de classe, e trata de eixos temáticos como mobilidade, saneamento, habitação, gestão urbana, patrimônio natural e cultural, expansão econômica e desenvolvimento territorial.
80
metrópoles em seus respectivos entornos, espaços contíguos territorialmente, mas para
além da região metropolitana em seus limites oficiais, que guardam relações com os centros
metropolitanos devido a condições de acessibilidade e circulação de pessoas e mercadorias,
o i e to pe dula de t a alhado es, elaç es de o e tes da des o e t aç o de
indústrias e atividades di e sas . Muito desta desconcentração de usos e atividades tem
origem no aumento dos custos de reprodução nas metrópoles, do preço do solo urbano ou
da violência (Davidovich, 2001b, p.12,13; 2001c, p.68).
A reconcentração das atividades produtivas no espaço metropolitano do Rio de
Janeiro a partir do anúncio da instalação do Comperj em 2006, em oposição à tendência de
interiorização da economia que vigorou até então, é apontada por Oliveira (2013). O autor
eflete ue o ais i po ta te esse p o esso é que a escolha do local para a instalação da
refinaria foi uma decisão política do governo federal justamente para desencadear o
o i e to de e upe aç o da e o o ia do estado (2013, p.250). Uma ação estratégica
que evidencia a relação intrínseca entre política e território (Oliveira, 2013), e cujos dados de
investimentos materializam as intenções dos agentes públicos e privados na reconfiguração
socioespacial da metrópole fluminense. No Estado do Rio de Janeiro, o setor de petróleo
cresceu 66% entre 2006 e 2012, enquanto os demais setores da economia cresceram 32%,
segundo a então gerente de óleo e gás do Sistema Firjan, Glicia Carnevale45. Era esperado
que com o complexo petroquímico em funcionamento, a participação do Rio de Janeiro na
produção petroquímica nacional subisse para cerca de 38% (Oliveira e Rodrigues, 2009,
p.138 apud Klink, 2013), transformando-se no principal produtor nacional de petróleo e gás
no cenário futuro.
Dados da Firjan informam um montante de investimentos públicos e privados no
estado da ordem de R$ 211,5 bilhões no período 2012-2014. Em vista disso, Oliveira
assegu a ue o h pa alelo a hist ia asilei a de u olu e t o g a de de
i esti e to e u es o espaço et opolita o , p. 249). Desse total, 70,1% (R$
148, 2 bilhões) foram destinados à indústria de transformação (indústria naval, setor
siderúrgico, setor petroquímico e setor automotivo) e à Petrobras, respectivamente, R$ 40,5
bilhões e R$ 107,7 bilhões. Do valor restante, R$ 51,0 bilhões foram destinados à
45
Informação do jornal O Fluminense, 6 e 7 abr. 2014, seção Economia, p.10, publicada em matéria de Iris Ma i i i titulada Nite i sedia fei a so e pet leo .
81
infraestrutura – sendo R$ 21,3 bilhões para transporte e logística – e aproximadamente R$
5,4 bilhões para os principais investimentos do setor portuário, a saber, a construção do
Complexo Portuário do Açu em São João da Barra, a expansão do Porto do Rio, e a
construção do Porto do Sudeste, para exportação de minério de ferro em Itaguaí (Firjan,
Decisão Rio, 2013 apud Oliveira, 2013, p. 247, 248).
Refletindo sobre o volume de investimentos sem precedentes, é possível supor que a
concatenação desta injeção financeira com o momento de preparação da cidade do Rio de
Janeiro para os megaeventos da Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 não
seja mera coincidência. Sediar eventos de tal magnitude empodera a propagação de um
discurso oficial a respeito da necessidade de tais ações articuladas em diferentes escalas
político-econômicas; e a criação do consenso a respeito da implantação de um regime de
exceção, que legitima o escoamento de subsídios inéditos para o estado fluminense,
intensificação de parcerias público-privadas, melhores condições para a atração de capital
estrangeiro, intervenções urbanas nos moldes internacionais na capital carioca, e a
reverberação de impactos socioambientais nos territórios que acomodam enclaves
industriais.
As atividades de extração de petróleo e gás na Bacia de Campos, e a construção do
Comperj em Itaboraí, são os alavancadores desses investimentos no estado. O Comperj
lidera a canalização dos investimentos do setor petroquímico, responsável por 15,1%, cerca
de R$ 6,12 bilhões, destinados à indústria de transformação (Oliveira, 2013, p. 248).
82
Figura 03 – Vista aérea do Comperj em 2018
Fonte: Foto Reprodução/ TV Globo publicada em matéria do portal G1 em 15 maio. 2018, de autoria de Carlos Brito e Da iel Sil ei a, i titulada U idade de g s a a eto ada do Co pe j e pe iti au e to da produção do pré-sal . Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/unidade-de-gas-marca-retomada-do-comperj-e-permitira-aumento-da-producao-do-pre-sal.ghtml>. Acesso em: 9 maio. 2019.
O Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro - Comperj, integrante do Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC) implementado no governo Lula, foi projetado pela
Petrobras46 como um complexo industrial dotado da estrutura logística necessária para
produzir derivados do petróleo e produtos petroquímicos de primeira e segunda geração.
Conforme Binsztok e Wasserman (2012, p.295 , o Comperj surge como iniciativa da
Petrobras visando atender uma forte demanda pela produção de plásticos e outros
de i ados de pet leo de ai a ualidade da Ba ia de Ca pos . O a ú io ofi ial de sua
construção data de 28 de março de 200647, com a promessa de geração de 200 mil
empregos diretos e indiretos. Localizado à Rodovia Estadual RJ-116 – Km 5,2 – Acesso A-1,
46
Petróleo Brasileiro S.A. – PETROBRAS, é uma sociedade anônima de capital aberto cujo acionista majoritário é o Governo do Brasil (União). Sendo, portanto, uma empresa estatal de economia mista que atua na indústria de óleo, gás natural e energia.
47 Disponível em: <http://www.ebc.com.br/noticias/economia/2015/10/apos-uma-decada-futuro-do-comperj-
e-incerto>. Acesso em: 30 jul. 2017.
83
s/n, abrange uma área de 45 km² na zona urbana do distrito de Sambaetiba, em Itaboraí48
(vide figura 04).
O documento 11º Balanço Completo do PAC 2 – 4 anos (2011-2014), disponibilizado
em 11 de dezembro de 201449 pelo governo federal, informou uma previsão de 82% da obra
executada até 31 de dezembro de (2014, p. 97). Até aquele momento, o andamento da obra
foi considerado adequado, não estando construídas as unidades de utilidades – distribuidora
de água, vapor e energia para o complexo (2014, p.124).
Em relação ao contexto da economia petrolífera no ano de 2015, matéria publicada
no site BBC Brasil em 26 de junho de 201650, aponta a queda no preço internacional do
petróleo, os elevados custos do empreendimento, e a crise da Petrobras, estatal investigada
pela Operação Lava Jato do Ministério Público Federal (MPF) por corrupção em processos de
licitação de obras, as causas que impactaram de forma avassaladora as obras de conclusão
do Comperj, acarretando uma crise na operação do complexo petroquímico, que ocasionou
rompimentos de contratos internos no âmbito da construção civil e demissões em massa dos
trabalhadores. Informa ainda que anúncio da Petrobras prevê o funcionamento do Comperj,
que teve sua construção iniciada em 2008, somente no ano de 2023.
O projeto original, formado por duas refinarias, uma planta petroquímica e uma de
gás natural, e com conclusão prevista inicialmente para 2011, foi reduzido a uma unidade
produtora de combustíveis a partir do petróleo extraído do pré-sal. Segundo o documento
do PAC (2014), a meta inicial do empreendimento era alcançar a capacidade de
processamento de 165 mil barris de petróleo por dia, produzindo GLP (gás de cozinha),
querosene de aviação (QAV), nafta petroquímica, óleo diesel e coque.
De meados de 2014 ao final de 2015, o Comperj acumulou 37 mil demissões, o que
representa uma drástica redução de 2005% em relação ao contingente total de 38 mil
trabalhadores que atuou entre 2011 e 2013. As demissões estão relacionadas aos prejuízos
gerados pelos esquemas de corrupção investigados pela Operação Lava Jato, e que
48
Disponível em: <http://www.petrobras.com.br/pt/nossas-atividades/principais-operacoes/refinarias/ complexo-petroquimico-do-rio-de-janeiro.htm>. Acesso em: 29 jul. 2017.
49 Disponível em: <http://www.planejamento.gov.br/assuntos/investimento-e-pac/publicacoes-nacionais/11o-
balanco-completo-do-pac-2-4-anos-2011-2014.pdf/view>. Acesso em: 29 jul. 2017.
50 Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/brasil-36385300>. Acesso em: 12 set. 2016.
84
envolvem empresas que possuíam contrato com o Comperj51. Este representa um cenário
bem diferente da promessa de geração de 200 mil empregos diretos e indiretos, quando do
anúncio do empreendimento. Em 2016, a Petrobras anunciou prejuízo de R$ 34,8 bilhões
referente ao ano de 2015, associado ao ajuste de ativos e investimentos, decorrente do
declínio do preço internacional do barril de petróleo tipo Brent. O ano de 2014 havia
fechado com um prejuízo de R$ 21,5 bilhões52.
Segundo a prefeitura de Itaboraí, em informação divulgada em maio de 2016, o
município perdeu aproximadamente 55% de sua receita com a paralisação das obras do
Comperj. Na época, estava recebendo apenas R$ 1,6 milhão de arrecadação de Imposto
Sobre Serviços (ISS), comparado ao montante mensal que era arrecadado no período ativo
das obras do complexo petroquímico, na faixa de R$ 23 milhões a R$ 25 milhões53.
O domínio online Isto é Dinheiro, informou em 14 de junho de 201654 que a Petrobras
precisará de US$ 5,3 bilhões para concluir o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro. A
empresa relatou à Câmara dos Deputados na data citada que investiu US$ 14 bilhões (R$
47,8 bilhões) no empreendimento, concluindo 86% da refinaria e 36% da planta de
beneficiamento de gás natural até meados de 2016.
Em 2018, o planejamento da Petrobras para concluir a Unidade de Processamento de
Gás Natural (UPGN) do Comperj, sinalizou o retorno das obras no segundo semestre, com
previsão de contratação direta de 5 mil trabalhadores a partir de 2019. A Petrobras prevê
que o projeto Petrobras Rota 3, que abrange a UPGN e um conjunto de dutos e gasodutos, e
tem a maior capacidade de processamento de gás do país (21 milhões de metros cúbicos por
dia), comece a operar em 202055. Com o objetivo de concluir a refinaria, a Petrobras firmou
51
Informações do Sindicato dos Trabalhadores Empregados nas Empresas de Manutenção e Montagem Industrial de Itaboraí (Sintramon), divulgadas no jornal O Fluminense, 28 jan. 2016, seção Cidades, p.3, em
at ia de Va essa Li a i titulada Co pe j a u ula il de iss es . 52
Informações do jornal O Fluminense, 22 mar. 2016, seção Economia/Nacional/Internacional, p.7, publicadas e at ia da edaç o i titulada Pet o as: p ejuízo de R$ , i . 53
Informações do jornal O Fluminense, 22 e 23 maio. 2016, seção Cidades, p.5, publicadas em matéria de Ulisses D Á ila i titulada Ita o aí so ha o e o eço . 54
Disponível em: <http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/negocios/20160614/petrobras-vai-precisar-bilhoes-para-concluir-comperj-diz-deputado/383278>. Acesso em: 12 set. 2016.
55 Informações do jornal O Fluminense, 21 fev. 2018, seção Nacional, p.7, publicadas em matéria de Vinícius
Rod igues i titulada Boa e pe tati a pa a o Co pe j .
85
em outubro de 2018 um acordo com a China National Oil and Gas Exploration and
Development Company (CNODC), subsidiária da China National Petroleum Corporation
(CNPC), que ficará com 20% da participação nos lucros da refinaria, enquanto a Petrobras
ficará com 80%, contribuindo para o fortalecimento da Parceria Estratégica Global entre os
dois países, integrantes do grupo BRICS56. Em relação à geração de empregos, a previsão é
de 400 contratações no primeiro semestre de 2019, e 2.500 novos postos de trabalho no
segundo semestre57.
2.4 A REPRESENTATIVIDADE DE ITABORAÍ E MARICÁ NA RMRJ E NA REGIÃO DE
INFLUÊNCIA DO COMPERJ
A região, dentre as inúmeras abordagens a que pode ser tratada, será referida aqui
i i ial e te o o e id ia e pí i a, efeti a ue o o olo a Haes ae t (2014, p.41),
u a ti a a ista, o da egi o o o p oduto do egio alis o político e das
identidades regionais , as ta o o u e u so etodol gico que procura identificar
o e o tes espa iais, e si oes es espa iais ue e p esse ate ial e te e/ou
si oli a e te o jogo das di i as so iais ue p oduze u a dete i ada a ti ulaç o
dife e iada do espaço (2014, p.42). A essa abordagem Haesbaert denomina ver a região
o o a tefato , a tifí io e fato ao es o te po.
56
Informações do jornal O Fluminense, 17 out. 2018, seção Cidades, p.3, publicadas em matéria de Lucas Schuenck intitulada Chi eses dese a a o Co pe j ai da e . 57
Informação do jornal O Fluminense, 30 e 31 dez. 2018 e 1 jan. 2019, seção Cidades, p.5, publicada em at ia de Ma elo Al eida i titulada Espe a ça de o os e p egos .
86
2.4.1 Aspectos políticos e socioeconômicos da região de influência do Comperj
Sobre o objeto da pesquisa, é coerente reconhecer que a despeito de qualquer
recorte espacial da região como instrumento de análise a que os pesquisadores possam
recorrer, existe uma egi o do Co pe j que está posta, e diz respeito às articulações
políticas e à representatividade dos municípios do Leste Fluminense que integram as ditas
áreas de influência do complexo58.
O município de Itaboraí, junto a Guapimirim, Tanguá e Cachoeiras de Macacu
o stitue a Á ea Di eta e te Afetada aio de k o e to o do e p ee di e to ;
S o Go çalo, Rio Bo ito e Mag o stitue a Á ea de I flu ia Di eta aio de k o
entorno do empreendimento); e Maricá, Niterói, Casimiro de Abreu e Silva Jardim integram
a Á ea de I flu ia I di eta 59.
Além dos onze municípios citados, Araruama, Saquarema, Nova Friburgo e
Teresópolis integram atualmente o Consórcio Intermunicipal de Desenvolvimento do Leste
Fluminense (Conleste), criado em 2005, e fortalecido com a formação dos 11 municípios
iniciais em 2007. A associação desses municípios surgiu da necessidade de debater e decidir
sobre as novas demandas que surgem com a implantação do Comperj, em torno do
consórcio considerado o principal da América Latina segundo a ONU-Ha itat, o o i tuito
de formatar uma política de ação regional e discutir as principais questões que envolvem a
implantação do empreendimento em âmbito de seu território e sua articulação com o
p ojeto de dese ol i e to egio al do Estado (Amaral, 2009, p.13,14).
58
Esta dissertação confere prioridade à caracterização da região de influência do Comperj, no leste metropolitano do Rio de Janeiro. Embora uma caracterização ampliada da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) pudesse alimentar considerações a respeito das relações tecidas entre a RMRJ e o Leste Fluminense, ou ainda, iluminar relações dos municípios da RMRJ como um todo e o Comperj, as limitações de tempo para desenvolvimento de pesquisas em mestrado, e a busca do cumprimento dos objetivos específicos delineados para esta pesquisa, determinaram a restrição do estudo à região supracitada.
59 EIA-RIMA/IBAMA, 2007 apud Amaral et alii (2012, p.155).
87
Figura 04 – Mapa da região de influência do Comperj
Fonte: Mapa produzido pela autora, com base na classificação do EIA/RIMA, 2007 (apud Sanchez et alii, 2009). Área Diretamente afetada em vermelho; Área de Influência Direta em rosa; e Área de Influência Indireta em
rosa claro. Em amarelo, a localização do Comperj no município de Itaboraí, e em azul o trecho do Arco Metropolitano do Rio de Janeiro. O polígono vermelho delimita a microrregião de influência do Comperj
tratada nesta dissertação (ver figura 13). Escala 1:900.000.
A adesão dos diversos atores ao processo de instalação de um complexo
petroquímico em determinado território, passa pela necessidade do consenso a respeito de
seus supostos benefícios. Para tanto, grandes projetos de vulto regional possuem uma
dimensão simbólica, construída e explorada midiaticamente com o intuito de incitar o
imaginário coletivo a respeito das positividades que circundam a chegada do
empreendimento à região, relacionadas ao neodesenvolvimentismo, ao ideal de progresso,
e à geração de empregos e oportunidades para dinamizar o setor de serviços das cidades. A
imagem do empreendimento associada a palavras-chave como desenvolvimento
econômico, empregos e sustentabilidade foi amplamente divulgada. Segundo Pierre
Bourdieu (1989), as produções simbólicas estão relacionadas com os interesses das classes
dominantes, uma vez que o poder simbólico se define numa relação determinada entre os
que exercem o poder e os que lhe estão sujeitos.
88
Dessa fo a, o Co pe j passou a se ap ese tado o o ele e to est utu a te de
um novo modelo de desenvolvimento regional (para o Estado) que trará dinamismo
econômico ao território das áreas diretamente impactadas com baixos indicadores
e o i os e so iais A a al, , p. , .
O que se observa no Leste Fluminense é uma reestruturação territorial apoiada nos três pilares que lhe conferem sentido (LEFEBVRE, : p ti o-est at gi o (novas estruturas de gestão, macro-planejamento regional, COMPERJ, coalizões e parcerias público-p i adas , logísti o (Arco Metropolitano, rodovias, portos, i te odais e si li o (legitimação do projeto por meio do discurso do desenvolvimento sustentável). (AMARAL, 2009, p.100)
No contexto de reestruturação produtiva do Estado no início dos anos 2000, a
construção do Arco Metropolitano do Rio de Janeiro (AMRJ) com subsídios do PAC
(Programa de Aceleração do Crescimento), projeto existente há mais de 30 anos, e a
instalação do Comperj, são pontos estratégicos de aquecimento de uma economia baseada
em atividades de extração petrolífera no Estado, principalmente na Bacia de Campos
(Amaral, 2009, p.32). No caso do AMRJ, orçado em R$ 928 milhões, e com metade de seu
eixo i augu ado e , o o jeti o foi [...] eti a das ias u a as da apital flu i e se
todo o tráfego de caminhões pesados, com direção ao Porto de Itaguaí ou ao litoral norte do
Estado ide , p. 8).
Uma questão que é observada em todos os municípios que compõem o Conleste é a
alta dependência dos royalties do petróleo, e consequente baixa autonomia financeira60.
Segundo Amaral, no período anterior ao anúncio do Comperj (2001-2006), de forma geral,
os repasses estaduais referentes aos royalties da economia petrolífera cresceram mais de
300%, chegando a mais de 400% em Niterói e Cachoeiras de Macacu. Em Itaboraí, passou de
R$ 393.589,23 em 2001, para R$ 1.250.040,57 em 2006, e em Maricá, passou de R$
60
Silva Neto et alii (2018, p.308) ressaltam a diferença entre os impactos diretos e indiretos das atividades de exploração e produção de petróleo e gás nos municípios. Os impactos diretos estão relacionados às atividades da cadeia produtiva, o capital fixo e a infraestrutura instalada para apoiar essas atividades (terminal portuário, indústrias e outros serviços). E os impactos indiretos dizem respeito à arrecadação de royalties e participações especiais nas receitas dos municípios. Com base em termos cunhados por Pessanha (2017), os autores de o i a os u i ípios ue e e e i pa tos di etos, de pa ti ipa tes da e o o ia do pet leo , e os
ue e e e i pa tos i di etos, de pa ti ipa tes da e o o ia dos royalties . No estado flu i e se, Ma a exemplo de município integrante do circuito da economia do petróleo, assim como Itaboraí será, quando o Comperj entrar em operação.
89
212.086,11 em 2001, para R$ 794.960,13 em 2006. O percentual de dependência da
transferência do somatório de recursos federais, estaduais, e royalties era de 72% em
Itaboraí, e 56% em Maricá, sendo necessários para manter os gastos administrativos. Em
todos os municípios, exceto em Niterói, que apresentou 40%, o percentual de dependência
foi superior a 50%, podendo chegar a mais de 90% em alguns casos (2009, p.52, 55).
Entre 2002 e 2012, a porcentagem de participação dos royalties e participações
especiais na receita orçamentária de Niterói passou de menos de 0,1% para 8,2%. Em 2002,
os royalties e participações especiais representavam R$ 143.824,71 de um total de R$
408.028.477,92 de receita orçamentária, e em 2012, representavam R$ 114.460.860,55 de
um total de R$ 1.400.360.365,43. Em São Gonçalo, os royalties e participações especiais
representavam R$ 143.824,71 (0,1%) de um total de R$ 239.673.379,93 de receita
orçamentária em 2002, e subiram para R$ 13.872.166,61 (1,5%) de um total de R$
909.656.980,89 de receita orçamentária em 2012 (Silva Neto et alii, 2018, p.307).
Em 2018, Maricá recebeu R$ 1.425.924.209,72 em repasses de royalties de petróleo
e gás natural. Niterói recebeu R$ 1.254.155.251,56, enquanto São Gonçalo e Itaboraí
receberam R$ 22.419.446,22 cada61. Observamos assim, que Maricá e Niterói são os maiores
beneficiados com repasses de royalties na região de influência do Comperj, recebendo um
vultoso aumento do início dos anos 2000 a 2018. A justificativa para Maricá receber repasses
de mais de R$ 1 bilhão ao ano é que este detém 49% da confrontação em relação ao Campo
de Lula, campo do Pré-Sal que é o atual recordista nacional de produção62.
Em dezembro de 2018, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ)
apontou elevado grau de dependência dos royalties do petróleo em Niterói e Maricá,
chamadas Participações Governamentais (PG). Em Niterói, a elevação do repasse de
royalties e participações especiais foi de R$ 173, 4 milhões em 2013 para R$ 615,2 milhões
61
Dados do Portal da Transparência da Controladoria-Geral da União. Disponíveis em: <http://www.portaltransparencia.gov.br/transferencias/detalhe?paginacaoSimples=true&tamanhoPagina=&offset=&direcaoOrdenacao=asc&colunasSelecionadas=mesAno%2Ctipo%2CtipoFavorecido%2Cuf%2CnomeFavorecido%2CcpfCnpj%2Cmunicipio%2Cfuncao%2Cprograma%2Cacao%2ClinguagemCidada%2Cvalor%2Cgrupo%2Celemento%2Cmodalidade&de=01%2F01%2F2018&ate=31%2F12%2F2018&tipo=1&tipoFavorecido=9&uf=RJ&municipio=19707&acao=0A53>. Acesso em: 10 maio. 2019.
62 Informação do jornal O Fluminense, 22 e 23 abr. 2018, seção Cidades, p.5, publicada em matéria de Vinícius
Rod igues i titulada Vizi hos, as uito dife e tes .
90
em 2017, e o município ampliou suas despesas com investimento de R$ 43 milhões em 2013
para R$ 257 milhões em 2017. No entanto, o MPRJ apurou grande redução dos gastos
aplicados em investimentos entre 2016 e 2017, o que entra em contradição com a elevação
da capacidade de investimento declarada. Em Maricá, o MPRJ detectou que em 2016 o valor
empregado com recursos dos royalties (R$ 329,2 milhões) foi superior ao arrecadado
naquele ano (R$ 170,04 milhões), identificando falhas no processo de planejamento63.
A declaração do MPRJ, de 65% de dependência de Maricá dos royalties, foi
contestada pelo secretário de Planejamento, Orçamento e Gestão do município, Leonardo
Al es. Segu do o se et io, A leitu a dessa fo a supe fi ial e o et ata a ealidade
financeira e orçamentária de Maricá. [...] Seria impossível acompanhar, na mesma
proporção, o aumento dos recursos de royalties. As PGs quintuplicaram de 2013 para cá e a
ossa e eita p p ia do ou 64.
A atual situação de recebimento de royalties em Maricá é colocada em perspectiva
quando observamos a experiência dos oito municípios que mais receberam repasses do
petróleo e gás entre 2002 e 2012 no Estado do Rio de Janeiro, a saber, Rio de Janeiro,
Niterói, São Gonçalo, Cabo Frio, Rio das Ostras, Macaé, Campos dos Goytacazes e São João
da Barra. Segundo Silva Neto et alii (2018, p.311-313), apenas os municípios que recebem
além dos investimentos indiretos (royalties), investimentos diretos do segmento do petróleo
e gás traduzido em capital fixo, como Macaé, Rio das Ostras e Rio de Janeiro, figuraram
entre os dez municípios com maiores Índices de Desenvolvimento Humano Municipal
(IDHM) do Estado, relativo a 2010. Dos municípios que recebem apenas investimentos
indiretos, somente Niterói ficou entre os melhores colocados. São Gonçalo ficou na 14ª
posição no estado, enquanto nos municípios do norte fluminense, Cabo Frio ficou na 19ª
posição, Campos dos Goytacazes, o maior recebedor de royalties e participações especiais,
ficou na 37ª colocação, e São João da Barra na 77ª posição. Os autores concluíram que, a
quantidade de royalties e participações especiais recebidas por esses municípios, não
necessariamente se traduziram em desenvolvimento, considerando não somente o
63
Informações do jornal O Fluminense, 12 dez. 2018, seção Cidades, p.4, publicadas em matéria da redação i titulada MPRJ apo ta depe d ia de Ma i e Nite i do pet leo . 64
Informação do jornal O Fluminense, 14 dez. 2018, seção Cidades, p.4, publicada em matéria da redação i titulada Ma i o testa MP so e depe d ia de o alties .
91
desenvolvimento econômico, mas o desenvolvimento humano aferido pela qualidade de
vida da população65.
No que tange aos indicadores socioeconômicos na região de influência do Comperj,
os dados do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil (2013), relativo ao ranking nacional
do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), apontam Itaboraí na 2105ª
colocação em 2010 (IDHM 0.693), em relação aos 5.570 municípios brasileiros. Posição bem
inferior em relação a outros municípios do entorno do Complexo, como: São Gonçalo na
795ª posição (IDHM 0.739), Maricá na 289ª posição (IDHM 0.765), e Niterói na 7ª posição
(IDHM 0.837), em colocação superior a da capital Rio de Janeiro, que ficou na 45ª posição
(IDHM 0.799)66, evidenciando a disparidade social na região estudada. Os aspectos urbano-
habitacionais são tratados no item 2.4.3.
Em relação à habitação na região de influência do Comperj, Amaral (2009, p.140,
141) observou que na pauta do Fórum Comperj67, no qual o Conleste tem
representatividade, não existiam ações orquestradas em prol da questão habitacional.
Sugerindo que essa é uma questão de fundo, residual, não emergencial, e dependente de
movimentações referentes às múltiplas temáticas que envolvem a implantação do
empreendimento, como as questões logísticas, de infraestrutura (saneamento) e
ambientais. A autora comunica que em 2009, o Fórum Comperj estava voltado para o Plano
Diretor do Arco Metropolitano, considerado prioritário na perspectiva das ações estratégicas
do Estado. Embora seja certo que o plano tocará em condições de zoneamento, uso, e
65
O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) é uma adaptação feita em 2012 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD Brasil), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e Fundação João Pinheiro, do IDH Global à realidade brasileira, e foi realizado com dados dos Censos do IBGE de 1991, 2000 e 2010. O índice é composto pelas dimensões longevidade, acesso à educação, e renda per capita, variando de 0 a 1. Quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento humano do município. O IDHM é considerado muito alto acima de 0,8. Informações do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, disponíveis em: <http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/o_atlas/idhm/>. Acesso em: 21 mar. 2019.
66 Informações do Ranking do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. Disponíveis em:
<http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/ranking>. Acesso em: 21 mar. 2019.
67 O Fórum Comperj, criado em 2007 pelo governo estadual, é formado por representantes das secretarias de
Estado, Assembleia Legislativa do Estado do RJ (Alerj), Ministério das Cidades, BNDES, Caixa Econômica Federal (CEF), Petrobras, universidades (UFF, UFRJ e UFRRJ), empresários do comércio e da indústria, Federação Única dos Petroleiros (FUP), Conleste, ambientalistas, e moradores, por meio do Conselho Comunitário Regional do Comperj (ConcreComperj). O objetivo é dialogar sobre as questões integradas e de caráter estadual, planejar e executar políticas públicas para efetivação na região de influência do Comperj (Amaral, 2009, p.138, 139).
92
ocupação do solo em alguns municípios do Conleste, a questão habitacional não emerge
como política pública regional.
Segundo Amaral (2009, p.150,151), o esforço do Conleste em negociar com as
diferentes instâncias de governo as prioridades de investimento da região deve ser
reconhecido, contudo, as ações em relação à questão habitacional regional ainda são
tímidas, sendo o maior avanço do Consórcio localizado na área de saúde, com o Plano
Integrado de Redimensionamento do Atendimento Hospitalar. Assim sendo, cada município,
que possui autonomia para tratar do zoneamento e controle do uso do solo, tem buscado
resolver seus problemas individualmente, apresentando projetos ao Ministério das Cidades
através dos programas habitacionais existentes, como o programa Minha Casa Minha Vida
(PMCMV) e o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS). A autora ressalta a
falta de o se so e t e os age tes u i ipais do Co leste, de fo a ue [...] a uest o da
habitação não é reconhecida, na esfera política do Consórcio, como uma questão prioritária
a i teg a a age da egio al ide , p. .
A fala da integrante do Ministério das Cidades (MIC) em 2008, Júnia Santa Rosa, é um
indicativo do quanto a política urbana nacional encontra-se estratificada na era das finanças,
com a maioria das decisões executivas repassadas às municipalidades. Segundo Amaral
(2009, p.148), a representante do MIC afirmou ser de responsabilidade dos agentes
municipais atuar com o objetivo de refrear a especulação imobiliária e reservar parcelas de
terras para a produção habitacional voltada à baixa renda. Algo que parece improvável, no
atual regime de competitividade urbana68.
Nesse contexto, Amaral (2009) faz uma caracterização das posições municipais frente
à nova realidade que o Comperj traz, com uma efervescência de interesses, atores e ações
desarticulados. Os municípios encontram-se no centro da disputa por investimentos de
variadas instâncias (federais, estaduais e privados), e compõem uma região (Leste
68
Ao tratar da transição da administração urbana do gerenciamento para o empresariamento, Harvey (1996, p.49) aponta o período compreendido entre 1970 e 1990 como inaugurador do empresariamento como prática da administração urbana. De maneira ampla, o autor discorre sobre os elementos que pontuam a adoção do empresariamento urbano, como por exemplo: a competição interurbana, que pode ser fomentada pela divisão espacial do consumo; absorção dos riscos por parte da administração urbana objetivando atrair investimentos do capital privado para o território da cidade, e a subsequente geração de empregos; flexibilização das estratégias administrativas, por exemplo, por meio de parcerias público-privadas, entre outras (1996, p.48-64).
93
Fluminense e Baixadas Litorâneas) historicamente carente de políticas públicas integradoras,
que tratem efetivamente das demandas comuns e de direito da população de toda essa
área.
Os poderes municipais, ao mesmo tempo em que recebem as pressões da ocupação
desordenada do solo mediante ações dos atores da construção civil, encontram dificuldades
de articulação frente aos órgãos federais como o BNDES e o Ministério das Cidades, para
pleitea i esti e tos. Ao es o te po e ue p e isa ap e de os a i hos
u o ti os de B asília 69, precisam apresentar projetos para captação de fundos do BNDES,
muitas vezes com o quadro institucional de funcionários defasado, sem os recursos
humanos, físicos e tecnológicos necessários para tal70. Demonstrando que a autonomia
conferida aos municípios pela Constituição de 1988, não tem se traduzido em ações de
planejamento territorial.
Os últimos esforços do Conleste estão concentrados na elaboração de um Plano de
Desenvolvimento para a região, lançado em São Gonçalo no dia 1 de dezembro de 2017,
com o intuito de orientar os executivos municipais no período 2018-2030. O plano considera
as potencialidades e as necessidades locais dos 15 integrantes do Consórcio, e prevê ações
conjuntas nas áreas de mobilidade, saúde e turismo, por exemplo71. Novamente, a questão
habitacional não é citada como tema de ação integrada, e não consta no documento de
I i iati as est at gi as o pa tilhadas do Co leste, o fo o o u to p azo -
2019)72.
Mais do que abordar a região Leste Fluminense institucionalizada, fruto de
determinações políti as e lassifi at ias, o i te esse a ui ide tifi a as possí eis oes es
espa iais ue o Co pe j o o e p ee di e to de g a de po te o i e ta. Para tanto,
focalizaremos uma possí el oes o espa ial a egi o do Co pe j que diz respeito à 69
Termo usado pelo Ministro das Cidades em 2008, Marcio Fortes, para salientar a necessidade de protagonismo dos prefeitos em buscar recursos federais para seus projetos, inclusive da área habitacional (AMARAL, 2009, p.148).
70 [...] os g upos t i os i stitu io ais fo ados as p efeitu as oltados pa a t ata da questão habitacional
e da questão da terra como um todo, são subdimensionados diante da imensa demanda atual e principalmente futu a dos u i ípios AMARAL, , p. . 71
Informações do jornal O Fluminense, 2 dez. 2017, seção Cidades, p.3, publicadas em matéria da redação i titulada P efeitos la ça Pla o do Co leste . 72
Documento disponível em: <https://www.conleste2030.com.br/copia-o-projeto-1>. Acesso em: 10 maio. 2019.
94
produção do espaço a partir da habitação enquanto mercadoria e a atuação do mercado
imobiliário nos municípios de Itaboraí e Maricá no período pós-anúncio do
empreendimento, em comparação ao anterior, tratado no item 2.4.4 e ao longo do terceiro
capítulo.
2.4.2 Mobilidade espacial para os municípios da região de influência do Comperj
A mobilidade espacial73 das classes sociais está relacionada a múltiplos fatores. De
a o do o D si e Gui ha d, h u a o jugaç o de fato es de o de o jeti a p eço da
terra/dist ia/se iços/e p ego e su jeti a fa ília/ide tidade/ ualidade de ida , ue
influem nas decisões de mobilidade dos diversos segmentos sociais (2001, p.1), sendo tal
mobilidade, tanto resultado, quanto geradora de transformações sociais no espaço urbano
(2001, p.11).
Conforme citado anteriormente, ocorreu um processo de desconcentração urbana
nas metrópoles brasileiras a partir dos anos 1980, principalmente São Paulo e Rio de Janeiro,
em direção às cidades de porte médio. No Rio de Janeiro, o rearranjo metropolitano
abrangeu movimentações não só para periferias e ai os de elite, as ta pelo
pio ei is o das lasses dias e espaços pou o est utu ados , fato ocorrido mais
intensamente na década de 1990 (Guichard, 2001, p.16). Foi observada tanto a mobilidade
para o trabalho, de mão de obra especializada em direção a cidades médias do interior
devido à expansão do capital e descentralização de empresas, como para Macaé; quanto a
mobilidade residencial em direção a espaços periféricos e periurbanos74, na qual os
residentes mantêm fluxos e relações profissionais com os grandes centros da metrópole; e
73
Esta disse taç o t ata do o eito de o ilidade espa ial e ua to deslo a entos intraurbanos de caráter eside ial, ue s o e p ess o do ea a jo o te ido u a o e fu ç o das uda ças o te ido so ial
(BECKER, 1997, p.322 apud GUICHARD, 2001, p.16,17).
74 Guichard (2001, p.2, 23) traz uma diferenciação entre periferias e espaços periurbanos baseada em conceito
trabalhado pelo geógrafo Marcelo Lopes de Souza (1994). No qual são denominados de periurbanos os espaços
que não são exclusivamente de reprodução das classes subalternas, caracterizados pela autoconstrução e
loteamentos irregulares, mas sim socialmente diversificados ou exclusivamente de classes médias. A autora
essalta ue e o a te ha a dist ia, a espe ulaç o i o ili ia e a falta de i f aest utu a o o t aços comuns, isto não os insere da mesma forma dentro do co te to et opolita o ide , p. .
95
ainda cidades médias que cumprem o duplo papel, de centro economicamente dinâmico e
expansão residencial da metrópole, como Teresópolis (idem, p.17,18).
No Rio de Janeiro, ocorrem algumas diferenças em relação a São Paulo, a Região Metropolitana, como um todo, configura-se, desde 1991 como área de forte êxodo, sobretudo os dos municípios centrais, Rio e Niterói, [...]. Algumas cidades médias do estado, como Resende, Petrópolis, Friburgo, Cabo Frio e Macaé, apresentaram nas últimas décadas significativo crescimento populacional, devido ao seu dinamismo econômico em diferentes setores, porém as maiores taxas de crescimento no estado são relativas à expansão da área residencial metropolitana [...] nos municípios mais externos (Itaboraí, Mangaratiba, Guapimirim, Magé e Ma i e ta a Regi o dos Lagos Búzios, S o Ped o D Aldeia . (GUICHARD, 2001, p.18)
Historicamente, os municípios da Área Diretamente Afetada (Itaboraí, Guapimirim,
Tanguá, Cachoeiras de Macacu), e da Área de Influência Direta do empreendimento (Rio
Bonito, São Gonçalo, Magé), vide figura 04, expandiram populacionalmente a partir dos anos
1970 e 1980, em decorrência das obras promovidas pelo governo militar, destacando-se a
Ponte Rio-Niterói, a BR-101 e a rodovia Niterói-Manilha. As taxas de crescimento relativas a
esses municípios foram de 10,55% na década de 1980; 12,6% na década de 1990 e 8,91% até
o ano de 2008. Esse aumento demográfico no Leste Metropolitano inicialmente concentrou-
se em São Gonçalo e Itaboraí, devido à proximidade com a Ponte Rio-Niterói e a rodovia
Niterói-Ma ilha. Ap s o pa ote de o as do go e o fede al os a os , o Co pe j
representa a maior intervenção espacial na região (Binsztok e Wasserman, 2012, p. 296,
297).
Figura 05 – Evolução populacional dos municípios da Área Diretamente Afetada e da Área de Influência Direta, 1970-2010
96
Fonte: Gráfico elaborado por Tarcila Queiroz, Jacob Binsztok, e Julio Wasserman (2012, p.297), a partir de dados do IBGE/Sidra, 2012. *Não há dados para o município de Rio Bonito.
A densidade demográfica observada no interior desses municípios é extremamente
desigual segundo Binsztok e Wasserman (2012, p.298), apresentando grandes densidades
nos centros das cidades e ao longo dos grandes eixos rodoviários federais e estaduais, e
densidades reduzidas nas franjas e no interior dos mesmos. Os autores observam também
que esse adensamento populacional tem desvelado consequências no território, tais como:
ocupações irregulares do solo, maior demanda por infraestrutura e urbanização, inflação dos
preços de imóveis e aluguéis, e perda da identidade da população local, com a migração de
pessoas que não compartilham dos valores locais para a região, entre outras.
Os municípios de Itaboraí, Tanguá, Cachoeiras de Macacu e Guapimirim, [...], podem ser considerados exemplos típicos de strassendorf, ou seja, vilas originalmente rurais, formadas ao longo de estradas de rodagem, que passaram a contar com serviços de atendimento ao fluxo rodoviário, como oficinas mecânicas, restaurantes, bares e motéis. (BINSZTOK; WASSERMAN, 2012, p.304)
Em relação a Maricá, a pavimentação da rodovia Amaral Peixoto nos anos 1940
melhorou o acesso a este, e aos municípios da Região dos Lagos, considerados lugares de
veraneio das classes médias e altas urbanas, principalmente da capital, e dos quais Cabo Frio
destacou-se como polo turístico devido a melhores condições de infraestrutura (Guichard,
2001, p.25).
A auto a essalta ue du a te os a os e , Ma i pa ti ipou ti ida e te do
boom e a ista da Regi o dos Lagos , pois es o o a p o i idade do Rio e Nite i, a
tranquilidade, as belezas naturais e ações dos agentes imobiliários e do Estado75, as classes
dias e altas opta a po e a ea e out os e a tos de p aia e se a, o aio
i f aest utu a e ais adalados , p. .
Em vista disso, Maricá apresenta baixas taxas de crescimento no período 1940-1970,
em comparação aos municípios da Região dos Lagos. Quadro que mudou com a
acessibilidade oferecida pela ponte Rio-Niterói nos anos 1970, quando o município passou a
75
Segundo Guichard, a aproximação da elite maricaense com o governador Amaral Peixoto foi fundamental pa a os i esti e tos a elho ia do a esso a Ma i , o a pa i e taç o da Rodo ia A a al Pei oto,
atual RJ-106 (2001, p.24).
97
distar cerca de uma hora do centro do Rio de Janeiro, acelerando o processo de
parcelamento e ocupação do solo (Guichard, 2001, p.29).
Em observação aos índices demográficos gerais da região de influência do Comperj76,
o Boletim de Acompanhamento Regional 2000-2011 (UFF/ONU-Habitat/Petrobras, 2013)
registrou uma média de crescimento de 7,94% no período 2000-2006, e de 6,56% no período
2006-2011, sugerindo que até aquele momento o Co pe j o te e g a de i flu ia
so e o es i e to de og fi o a egi o , p. .
Uma análise do crescimento populacional por município mostrou Maricá como o
município que mais cresceu entre 2000 e 2006 (31,65%), seguido de Casimiro de Abreu
(18,93%), Guapimirim (15,14%), Itaboraí (12,88%) e Magé (10,92%). No período 2006-2011,
Maricá assume a segunda posição (30,02%), atrás de Casimiro de Abreu (37,97%), e seguido
por Guapimirim (20,20%) e Tanguá (11,06%). Entre 2006 e 2011, Itaboraí cresceu apenas
4,12% (2013, p.48).
Dados do IBGE Cidades77 para Maricá indicam crescimento de 23,8% entre 2010
(127.461 habitantes) e a população estimada para 2018 (157.789 habitantes), com
densidade demográfica de 351,55 hab./Km² em 2010. Em Itaboraí, o crescimento indicado é
de 9,49% entre 2010 (218.008 habitantes) e a população estimada para 2018 (238.695
habitantes), com densidade demográfica de 506,55 hab./Km² em 2010.
76
O Boletim de Acompanhamento Regional 2000-2011 (UFF/ONU-Habitat/Petrobras, 2013) analisou os impactos do Comperj para os 11 municípios que integraram inicialmente o Conleste, e que fazem parte da região de influência do Comperj, sendo direta ou indiretamente afetados conforme o EIA-RIMA/IBAMA, 2007. Não constando dados para os quatro municípios integrados posteriormente ao Conleste: Araruama, Saquarema, Nova Friburgo e Teresópolis.
77 Disponíveis em: <https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/marica/panorama> e
<https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/itaborai/panorama>. Acesso em: 20 mar. 2019.
98
Figura 06 – Evolução populacional dos municípios de Itaboraí e Maricá, 1970-2018
Fonte: Gráfico produzido pela autora com dados dos Censos do IBGE (1970 a 2000) para a população de Maricá, sendo que o Censo de 1970 foi consultado em Brum, 2016, p.110. Os dados de Itaboraí para o período
1970 a 2000 correspondem ao Anuário Estatístico do Estado do Rio de Janeiro – CIDE/2005 (apud Cadernos Itadados da Secretaria Municipal de Planejamento e Coordenação – Prefeitura de Itaboraí, 2006, p.29). Os
dados para os anos 2010 e 2018 de ambos os municípios foram extraídos do IBGE Cidades, e correspondem ao último censo (2010) e à população estimada para 2018*.
Há uma complexificação social crescente das classes – sobretudo dentro do que
chamamos de classes médias78 – nos espaços urbanos contemporâneos, e
consequentemente de seus interesses, ações e mobilidade. Além das questões centrais
relacionadas ao acirramento das práticas neoliberais e suas repercussões para a classe que
vive do trabalho (Antunes, 1999, 2005), existem subjetividades nas motivações de
mobilidade que outras janelas de investigação poderiam revelar através de abordagens
qualitativas. No entanto, o intuito desta pesquisa é ser um exercício de identificação de
padrões, e observação das grandes movimentações econômicas que influem sobre
territórios dependentes da economia do petróleo ou dos royalties no Rio de Janeiro, sob o
78
Não há títulos suficientes para caracterizar a classe média, devido a sua heterogeneidade. É um termo guarda-chuva que designa aqueles que não pertencem nem à burguesia, nem à classe operária. Segundo Gui ha d , p. , Ma se efe iu ao ue hoje ha a os lasse dia at a s da e p ess o pe ue a
u guesia . E o a ossa so iedade se est utu e segu do as lasses so iais, o seio da o t adiç o apital x trabalho, as classes médias também são identificadas por suas características político-ideológicas, e por isso mesmo, dificulta identificar com mais assertividade as motivações dos estratos sociais médios que se movimentam espacialmente (Ver GUICHARD, 2001, p.42-61).
99
viés das intensidades da valorização fundiária e imobiliária e a fragmentação do espaço
urbano, e por isso se utiliza do suporte jornalístico e da abordagem quantitativa para
perceber essas intensidades.
A título de exemplo de abordagem qualitativa com esse fim, pesquisa por
amostragem realizada por Désirée Guichard (2001, p.71), sobre as classes médias em
Maricá, revela que o interesse e mobilidade de novos moradores para o município não é
algo recente, mas intensificou-se na segunda metade da década de 1990, em comparação
aos anos 1980, acompanhando as taxas de crescimento anual.
A pesquisa de Guichard (2001, p. 76) verificou que a maior parte dos entrevistados
era oriunda do Rio de Janeiro, e a menor parte oriunda de Niterói. Nas duas cidades, os
representantes eram originários das Zonas Sul e Norte, inclusos os bairros do subúrbio
carioca79, ou seja, da área central da RMRJ, que registrou crescimento negativo nos anos
1980 e 199080. Estudo de Luciana Lago (2000 apud Guichard, 2001, p.76) aponta grande
mobilidade dessa área também para os bairros da Barra da Tijuca, no Rio, e da Região
Oceânica de Niterói.
Foi observado por Guichard (2001, p.78) que a ocupação dos novos residentes em
Maricá era espacialmente diversa, fixando residência: nos bairros centrais mais antigos,
dotados de infraestrutura, e em loteamentos da orla marítima (áreas socialmente
homogêneas); nos bairros antigos fora da área central sem infraestrutura, e em sítios nas
áreas rurais (áreas socialmente heterogêneas); e em condomínios fechados, em áreas
consideradas rurais e carentes de infraestrutura.
79
As lasses dias utiliza a a est at gia de saída de ai os do su ú io o o ealizaç o do desejo de morar no litoral; a saída de um bairro na área central para uma área de litoral, mesmo sem infraestrutura. O que representa uma atitude elitista, isto ue sig ifi a egaç o ao su ú io a io a GUICHARD, , p. . 80
No u i ípio de Ma i est o o e do a o upaç o pelas lasses dias da ea e t al et opolita a, porém sem o incentivo das grandes empresas, como na Zona Oeste do Rio, e contrariando a afirmativa de Santos (1991): as classes altas e médias buscam ocupar os lugares já consolidados ou em vias de consolidação em matéria de serviços e previamente ocupadas pelos mais pobres . Esta afirmação caracterizaria melhor o que vem ocorrendo na Baixada Fluminense e na Zona Oeste, no município do Rio de Janeiro. No município em questão, as classes médias, em sua maior parte, ocupam áreas sem infra-estrutura e sem perspectiva de solução dos problemas a curto prazo (GUICHARD, 2001, p. 23, 24)
100
Em relação às motivações da mobilidade, a autora aferiu que a grande maioria dos
entrevistados (80%) indicou a violência e a falta de segurança como fatores determinantes81;
já o menor custo para aquisição da casa própria pesou para 30% dos entrevistados. A
tranquilidade do lugar, a proximidade do Rio e de Niterói, o contato com a natureza
(amenidades), e a presença de amigos e familiares residentes também foram citações
recorrentes (2001, p.79).
2.4.3 Aspectos urbano-habitacionais da região de influência do Comperj
A população urbana dos municípios da região de influência cresceu 9,12% entre 2000
e 2006, de 1.939.240 para 2.116.133 habitantes, respectivamente 95,70% e 96,75% da
população total. Entre 2006 e 2011, o crescimento foi de 7,70%, de 2.116.133 para
2.279.127 habitantes, representando em 2011 97,80% da população total. Os dados indicam
ue at ta o hou e alte aç o sig ifi ati a a te d ia de es i e to
u a o o u i ípio a pa ti do a ú io do Co pe j UFF/ONU-Habitat/Petrobras, 2013,
p.48).
No ano de 2006, Maricá possuía o terceiro maior índice de urbanização (58%) dos
onze municípios da formação inicial do Conleste, porém, apresentava a mais baixa
densidade urbana dentre eles (300,36 hab./km²), reafirmando suas características históricas
de dispersão82. A seguir, a ambiência urbana do município.
81
Gui ha d , p. ita a pes uisa de  gela Ma ti s , ue apo tou a fuga dos p o le as u a os o o oti aç o p i ipal da fi aç o dos e a istas a idade j a d ada de . 82
Para REIS, 2006 apud COSTA, 2011, a dispersão urbana, segundo os usos do solo, pode ocorrer devido ao esgarçamento do tecido nos centros urbanos principais; formações de constelações de núcleos urbanos e bairros, integradas em uma área metropolitana ou em regiões; mudanças nos transportes diários intrametropolitanos de passageiros; e difusão ampla de modos metropolitanos de vida e consumo, também dispersos pela área metropolitana ou sistema de áreas metropolitanas.
101
Figura 07 – Ambiência urbana de Maricá
Fonte: Fotos da autora, 2011, 2018. Acima, vista da Serra do Camburi, Lagoa de Maricá em segundo plano, restinga e o mar ao fundo, com marcação do centro na imagem, e o centro ampliado. Em seguida, outra vista
do centro da cidade, e por último, verticalização no bairro do Flamengo em 2018, próximo ao Centro.
102
Os índices de urbanização de Itaboraí e Tanguá, respectivamente 29,81% e 20,82%,
indicaram esses municípios como predominantemente rurais, em contraposição a Niterói
(3.415,99 hab./km²) e São Gonçalo (3.583,11 hab./km²), com 100% dos territórios
urbanizados. Os demais municípios apresentaram menos de 4% de área urbanizada, sendo
que Cachoeiras de Macacu (4.023,19 hab./km²) e Casimiro de Abreu (3.346,17 hab./km²)
apresentaram altas densidades demográficas83.
Em relação ao montante de domicílios urbanos, os dados do boletim (UFF/ONU-
Habitat/Petrobras, 2013, p.54) ost a u a le e te d ia de desa ele aç o do it o da
u a izaç o , de 17,14% para 12,19% se comparado o período anterior ao anúncio do
Comperj (2000-2006) ao posterior (2006-2011).
Durante todo o período da pesquisa, o aumento de domicílios urbanos na região foi
da ordem de 31,42%, e entre os municípios, Maricá foi o que registrou maior crescimento
(134,88%), seguido por Guapimirim (122,54%) e Casimiro de Abreu (81,68%). No entanto, o
boletim ressalta que a maior parte desse crescimento concentrou-se entre os anos de 2000 a
2006, caindo por volta da metade entre 2006 e 2010, de forma ue, o hou e ap s o
a ú io do Co pe j e ele aç o do es i e to de do i ílios u a os , p. ,
55). O mapa a seguir representa a espacialização da ocupação urbana na região de influência
do Comperj em 2011.
83
Relatório de Acompanhamento Regional e Municipal dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio – CONLESTE, 2000-2008, UFF/ ONU-HABITAT, 2009 apud AMARAL, 2009, p.44.
103
Figura 08 – Uso e Cobertura do Solo na região de influência do Comperj (2011)
Mapa de Uso e Cobertura do Solo nos Municípios de influência do COMPERJ – Ano Base 2011. Fonte: Boletim de Acompanhamento Regional 2000- Mo ito a e to de I di ado es So ioe o i os
nos Municípios do E to o do Co ple o Pet o uí i o do Rio de Ja ei o , p.45), realizado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), em parceria com ONU-Habitat e Petrobras.
Complementando o panorama de indicadores da urbanização, notícia veiculada pelo
jornal A Tribuna em 15 de fevereiro de 201784, informa que estudo da Câmara
Metropolitana de Integração Governamental, do governo do Estado, levantou o crescimento
da área urbana da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, constatando 32 km² de terras
incorporadas à malha urbana nos 21 municípios da região metropolitana a cada ano. No
período 2007-2016, Itaboraí ocupa a 4ª colocação no ranking (63,7%) dos municípios que
mais cresceram, atrás de Itaguaí (90%), Cachoeiras de Macacu (84,5%), Rio Bonito (71,5%), e
a frente de Guapimirim (43,9%). Em relação à expansão da área urbana, Itaboraí cresceu
21%, mas em números absolutos o município foi o que mais expandiu sua malha,
contabilizando 36,91 Km² de áreas verdes urbanizadas em nove anos, ficando a frente de
84
Mat ia de Welli gto Se a o i titulada E pa s o pa a l de deso de ada . Dispo í el e : <http://www.atribunarj.com.br/expansao-para-la-de-desordenada/>. Acesso em: 12 jun. 2017.
104
Duque de Caxias (31,88 km²), Nova Iguaçu (22,04 km²) e Itaguaí (21,14 km²). Tais dados
revelam o número de construções dispostas de forma desordenada e dispersa no território
do município.
Abaixo, a ambiência urbana do Centro de Itaboraí em 2018.
Figura 09 – Ambiência urbana do Centro de Itaboraí
Fonte: Fotos da autora, 2018.
105
2.4.3.1 Informalidade no acesso à terra
No que diz respeito aos assentamentos urbanos precários85 (AP), dos onze municípios
analisados pelo boletim no período 2000-2011 (UFF/ONU-Habitat/Petrobras, 2013, p.56),
Itaboraí está entre os que apresentam uma das taxas mais altas de crescimento da
informalidade - 76,08%, ficando atrás de Casimiro de Abreu (405,07%) e Silva Jardim
(119,13%). Após Itaboraí, estão os municípios de Maricá (50,45%) e Guapimirim (39,79%),
todos acima da taxa média da região (38,80%), que passou de 74.907 para 103.968
domicílios em AP.
Nos municípios de Itaboraí, Guapimirim e Rio Bonito, os AP se concentram em torno
das principais rodovias, eixos viários municipais, margem dos rios e ferrovias. Já em Niterói e
São Gonçalo, localizam-se nas áreas de forte expansão urbana, respectivamente Região das
Praias da Baía e Norte, e distrito de Neves e Sete Pontes, na divisa com Niterói (2013, p.55).
Em Maricá, localizam-se nas áreas próximas à Lagoa de Maricá e ao longo da RJ-106, com
maiores concentrações no distrito de Inoã (Amaral, 2009, p.113). Estas informações podem
ser visualizadas na figura 10 a seguir.
Para o conjunto dos municípios, a taxa de crescimento do número de domicílios em
assentamentos precários foi superior à taxa de crescimento de domicílios urbanos, sendo
para os domicílios em AP, 20,52% no período 2000-2006 e 15,17% no período 2006-2011,
contra 17,14% e 12,19% para os domicílios urbanos. Demonstrando que o percentual de
crescimento da informalidade foi maior que o crescimento total dos domicílios urbanos
(UFF/ONU-Habitat/Petrobras, 2013, p.55).
85
O boletim 2000-2011 considera assentamentos urbanos precários ou subnormais o o ju to de o adias que carece de segurança da posse da terra e de, pelo menos, um dos seguintes atributos: qualidade estrutural e durabilidade da construção, acesso à água pot el e ao esgota e to sa it io (UFF/ONU-Habitat/Petrobras, 2013, p.56).
106
Figura 10 – Assentamentos precários na região de influência do Comperj (2011)
Mapa de Localização dos Assentamentos Precários nos Municípios de influência do COMPERJ – Ano Base 2011. Fonte: Boletim de Acompanhamento Regional 2000- Mo ito a e to de I di ado es So ioe o i os
nos Municípios do Entorno do Complexo Petroquímico do Rio de Janei o , p.55), realizado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), em parceria com ONU-Habitat e Petrobras.
Tratando-se da produção habitacional para famílias com renda de até seis salários
mínimos entre os anos 2000-2011, Itaboraí está entre os municípios que mais produziram
habitação de interesse social em relação à região de influência do Comperj (4,95%), e com
padrão de localização próximo dos AP, embora com uma taxa módica em relação a São
Gonçalo (55,87%), Niterói (16,54%) e Casimiro de Abreu (14,55%). Os destaques negativos
foram Guapimirim e Rio Bonito (0%), Silva Jardim (0,37%), Maricá (0,44%) e Cachoeiras de
Macacu (0,89%). Em Maricá, as novas moradias localizam-se próximas às rodovias (idem,
2013, p.57).
As ações de urbanização (água potável, esgotamento sanitário adequado, coleta de
lixo e vias calçadas) encontram-se deficitárias na grande maioria dos municípios, sendo
Maricá o único município que concluiu ações de urbanização em assentamentos precários
(idem, 2013, p.58). Em relação a projetos de regularização fundiária no período analisado,
107
Itaboraí estava desenvolvendo projeto para duas áreas (2), Maricá (5), Niterói (10), São
Gonçalo (6), e Rio Bonito (1) (idem, 2013, p.59).
2.4.3.2 Aspectos infraestruturais
Sobre os aspectos infraestruturais, dados do Boletim de Acompanhamento Regional
2000-2011 (UFF/ONU-Habitat/Petrobras, 2013) elencam as taxas relativas à distribuição de
água encanada86 e esgoto por domicílios urbanos dos onze municípios inicialmente
integrantes do Conleste. No ano 2000, Itaboraí possuía o índice mais baixo no quesito de
acesso à rede de água encanada por município (23,83%), e Maricá possuía o segundo índice
mais baixo (25,77%). Em 2011, Itaboraí apresentou uma taxa de 32,41% no acesso à rede
geral de água, e Maricá (22,51%), a segunda taxa mais baixa, acima apenas de Tanguá
(18,64%).
Figura 11 – Distribuição de água encanada na região de influência do Comperj (2000-2011)
Gráfico de abrangência da rede de abastecimento de água 2000-2011.
86
As discrepâncias nos dados, apresentados por vezes como superiores a 100% na figura 11, dizem respeito a diferenças nos valores de domicílios particulares permanentes entre o IBGE, e as Concessionárias Cedae em Casimiro de Abreu, Águas de Niterói, e Águas de Juturnaíba em Silva Jardim (UFF/ONU-Habitat/Petrobras, 2013, p.49).
108
Fonte: Boletim de Acompanhamento Regional 2000- Mo ito a e to de I di ado es So ioe o i os os Mu i ípios do E to o do Co ple o Pet o uí i o do Rio de Ja ei o , p.49), realizado pela
Universidade Federal Fluminense (UFF), em parceria com ONU-Habitat e Petrobras.
No quesito de acesso à rede de esgoto por município, a situação é extremamente
grave para quase todos os municípios, com exceção de Niterói e Silva Jardim, com
percentuais acima da meta de 2012, e Tanguá com índice próximo à meta. Maricá apresenta
o quarto maior percentual (11,23%) e Itaboraí o quinto (1,99%), ainda assim bem inferiores
às respectivas metas para 2012.
Figura 12 – Distribuição da rede de esgoto na região de influência do Comperj (2000-2011)
Gráfico de abrangência da rede de esgoto 2000-2011. Fonte: Boletim de Acompanhamento Regional 2000- Mo ito a e to de I di ado es So ioe o i os
os Mu i ípios do E to o do Co ple o Pet o uí i o do Rio de Ja ei o , p.51), realizado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), em parceria com ONU-Habitat e Petrobras.
Percebemos então nesta breve análise, que o início da construção do Comperj não
contribuiu para que houvesse um investimento expressivo por parte dos poderes públicos
municipais na melhoria dos acessos à água encanada e à rede de esgoto para a população
residente na região. Maricá e Itaboraí, em especial, apresentaram índices críticos de
109
abastecimento de água, indicando grande dependência de poços ou nascentes fora da
propriedade, água das chuvas armazenada em cisterna ou outras formas de abastecimento,
que incluem carro-pipa, rio, açude, lago, e igarapé. O risco de contaminação dos lençóis
freáticos é iminente, se já não contaminados em parte, tendo em vista a quantidade de
poços domésticos sem fiscalização.
A totalidade do quadro de saneamento ambiental na região é alarmante. O boletim
2000-2011 aponta baixa disponibilidade hídrica na região e distribuição desigual,
principalmente se consideradas as previsões populacionais até 2030 e a demanda hídrica do
Comperj (2013, p.50).
2.4.4 Desdobramentos do Comperj em Itaboraí e Maricá: olhares sobre o fenômeno
Apesar da contemporaneidade dos acontecimentos e a consequente ausência de
dist ia te po al e elaç o ao o jeto , algu s auto es i teg a o estado da a te so e o
tema e tecem considerações a respeito dos desdobramentos do Comperj nos municípios
afetados direta ou indiretamente pelo complexo.
Sanchez et alii (2009) levantam suspeitas sobre a capacidade dos gestores públicos
de lidar com o reverso do discurso dominante de dese ol i e to egio al suste t el e
seu ideário de benefícios – como a reinserção do Estado do Rio de Janeiro no cenário
econômico nacional e internacional, com a criação de novos empregos, e nova logística de
mobilidade urbana – que é composto pelos possíveis ônus como: problemas de acesso à
infraestrutura e saneamento ambiental, processo de valorização da terra, crescente
informalidade habitacional, dificuldades de transporte e mobilidade urbana, migrações
regionais em busca de empregos, e aprofundamento das desigualdades socioeconômicas,
em uma região de baixos indicadores econômicos e sociais.
Dos municípios que integram o entorno do Comperj, Amaral et alii (2012) sinalizam
que Itaboraí e São Gonçalo apresentam uma urbanização predominantemente popular,
enquanto Maricá apresenta um padrão de ocupação diferente, com novas dinâmicas de
urbanização voltadas para a classe média.
110
No caso do entorno do COMPERJ, parte dos municípios apresenta uma configuração de cidade-dormitório, cuja população está fortemente vinculada ao mercado de trabalho das grandes cidades do entorno, Rio de Janeiro e Niterói. Além disso, em alguns subespaços, como em Maricá, novas configurações (condomínios e resorts) começam a disputar espaço com a urbanização que prevaleceu nas últimas décadas, transformando-se em um evidente fator de irrupção do conflito, expresso, entre outros, pela valorização da terra, pressão por deslocamentos populacionais e alterações nas normativas urbanísticas para acolher e promover tais mudanças de uso do solo. (AMARAL et alii, 2012, p. 161)
Em relação a Maricá, coloco observação própria sobre a produção imobiliária no
município.
Em relação à cidade, a rara combinação de relativa proximidade do Rio de Janeiro e Itaboraí, grande estoque de terra p ati a e te i to ado, legislaç o fle í el , e
elezas atu ais, ele a o u i ípio atego ia de e io ideal pa a futu os la ça e tos, o aso, os j itados ai os pla ejados . CARDOSO, , p. 15)
Em concordância com as considerações acima, Coyunji (2013, p.122) considera os
seguintes fatores responsáveis por evidenciar o território de Maricá como propício à
moradia: custo dos imóveis ainda relativamente baratos em comparação aos centros da
Região Metropolitana, disponibilidade territorial para o parcelamento do solo, aspectos
ambientais atrelados ao ideal de qualidade de vida, e a proximidade dos núcleos centrais da
região.
No que concerne ao processo de expansão urbana municipal, Coyunji aponta um
novo marco de urbanização nos anos 2010, devido à categorização de Maricá como Zona
Limítrofe do Comperj em 2003. Segundo a autora, a influência regional dessa condição
culminou no aumento do parcelamento urbano e da atividade imobiliária, além de
alterações no uso do solo (2013, p. 114, 133, 140).
Assi o o a auto a, Holze e o he e ue o fi al da d ada de a a u a
mudança na procura por lotes no município e, consequentemente, no perfil dos
la ça e tos i o ili ios [...]. , p. 82), causada tanto por fatores externos como o
111
lançamento do Comperj, como pelo aumento na arrecadação de royalties e a possível
construção de um terminal portuário87 no município.
Co u ji o se a a o o ia de u a u a izaç o o a te de i esti e to
(2013, p.205), caracterizada pela atuação de incorporadoras com foco em públicos de outras
localidades da Região Metropolitana, atraídos a morar no município pela propaganda
imobiliária baseada em sua inserção regional e em seus aspectos ambientais. Tal afirmação é
complementada por Holzer, que declara ter o anúncio da instalação do Comperj atraído para
Maricá grandes empreendedores imobiliários a fim de construir condomínios de médio
porte voltados para o público de renda média e média alta. Além do público que adquire
[...] lotes para especular obtendo mais valia a partir de investimentos públicos e privados
egio ais e lo ais. (2016, p.83).
O processo de urbanização de Maricá, segundo Coyunji, [...] ocorre de forma intensa
e desarticulada da oferta de serviços de infraestrutura urbana, o que incide sobre as
condições das edificações de uso residencial que desses dependem, [...] (2013, p.21). A
carência no fornecimento de serviços públicos para Holzer (2016) é algo que se estende
homogeneamente pelo território de Maricá, não estando relacionado à faixa de renda que
atende. Tal ausência de infraestrutura, junto com a popularização de loteamentos fechados
e i eis fi a iados pelo p og a a Mi ha Casa Mi ha Vida s o os p i ipais i duto es
do processo de fragmentação e dispersão urbana no município (vide figura 26). Eles
e f a ue e o fato usto da te a , ais a a ua to ais p i a das e t alidades,
como determinante para o início e consolidação da urbanização dispersa municipal. Neste
caso, a dispersão está associada a elementos subjetivos relatados pelos moradores, como a
87
Maricá é considerada uma cidade-dormitório, pois a grande parte de sua população economicamente ativa, trabalha e/ou estuda nos municípios de Niterói, São Gonçalo, e Rio de Janeiro. Historicamente, desde o século XIX até meados do século XX, a pesca constituiu-se como principal fonte de renda no município, cuja produção era escoada para os mercados de Niterói e São Gonçalo pela estrada de ferro que ligava Cabo Frio à Central do Brasil, desativada nos anos 1960. A cidade, que possui comunidades remanescentes de pescadores, e atividades agropastoris, de exploração de minerais, turismo, comércio local e construção civil, tem a perspectiva de implantação de capital fixo industrial através de um porto no litoral de Jaconé, no distrito de Ponta Negra, intitulado Terminais Ponta Negra (TPN). O projeto, que tem encontrado há quase uma década entraves no processo de licitação devido aos impactos ambientais do empreendimento, objetiva escoar a produção do Comperj, e atender empresas estrangeiras que atuarão na exploração do pré-sal. Para facilitar sua logística, há a previsão de criação de acessos a partir do prolongamento do Arco Rodoviário Metropolitano até a RJ- , ue liga Ma i a Ita o aí. Pa a aio es i fo aç es, e CARDOSO, Ni olle Pe es. A o a Ma i : De cidade dormitório à paraíso imobiliário. Trabalho de Conclusão de Curso em Arquitetura e Urbanismo – Escola de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal Fluminense (UFF), 2012, p.55-61.
112
us a pela ualidade de ida , se saç o de segu a ça, t a uilidade e p o i idade o a
natureza, todos apropriados nos apelos imobiliários dos condomínios. Segundo Coyunji
(2013), a dispersão da malha urbana municipal contribui para a individualização de trechos
da paisagem, com vistas aos diferentes interesses da apropriação social, que tornam a
paisagem do município fragmentada, embora em constante dinamismo e construção social
através da urbanização.
O estudo de Holzer sobre as condicionantes da urbanização dispersa em Maricá se
afasta do corrente na literatura, que coloca questões funcionais de localização e segregação
em primeiro plano. O autor argumenta que a influência dos grandes projetos não atenuou a
tendência de urbanização dispersa em Maricá, pelo contrário, esta [...] foi impulsionada
para um novo patamar, gerando um modelo, digamos, de concentração desconcentrada, em
torno das rodovias estaduais que cortam o município, [...] (2016, p.84).
São considerados como vetores de expansão atual a RJ-114, que liga o município à
Itaboraí, e o sentido da RJ-106 oposto à orla das lagoas, que faz a ligação com São Gonçalo e
Niterói, fato declarado por Rocha (2011), Coyunji (2013) e Holzer (2016).
É possível observar na produção dos pesquisadores similaridades nos apontamentos
a respeito das transformações urbanas em Itaboraí e Maricá, sob a provável influência do
Comperj como Grande Projeto Regional. A saber, a vasta oferta de terras que possibilita a
u a izaç o e te si a ; a representatividade desses municípios na região metropolitana,
geralmente considerados cidades-dormitórios, e que incentiva a ocupação urbana ao longo
das principais rodovias; aquecimento da produção imobiliária, com alterações no perfil dos
lançamentos residenciais e atração de investidores imobiliários; e infraestrutura urbana
insuficiente para atender à demanda populacional que aflui à região.
Os argumentos expostos evidenciam possíveis impactos do Comperj em relação à
expansão urbana dos municípios, valorização da terra, fragmentação do território,
alterações na produção urbano-habitacional segundo as faixas de renda, e aumento da
informalidade (e da decorrente insegurança) na ocupação do solo em Itaboraí e Maricá. Não
é difícil perceber que pode haver alterações nos padrões sociais de acesso à moradia,
focalizando aqui os grupos ditos subalternizados por Haesbaert (2007). As intensidades de
113
tais alterações e o discurso jornalístico a respeito do fenômeno são o foco do terceiro
capítulo.
No âmbito social da desterritorialização e reterritorializaç o, ue de fato pe de o
o t ole e/ou a segu a ça sobre/em seus territórios são os mais destituídos, aqueles que
se encont a ais deste ito ializados ou, em termos mais rigorosos, mais precariamente
te ito ializados Haes ae t, , p.20).
Tendo em vista a amplitude do conceito de território, Haesbaert adverte que
território pode retratar tanto o poder no sentido de dominação (propriedade), quanto no
sentido mais simbólico de apropriação. Conforme o autor, Léfèbvre refere ao primeiro um
se tido fu io al, ela io ado ao alo de t o a, e ao segu do u se tido do i ido ,
relacionado ao valor de uso (2007, p.21). Essa perspectiva nos apresenta o território como
últiplo, di e so e o ple o , e o somente visto pelo viés hegemônico da reprodução
apitalista, o ual o Estado te ito ial ode o defe de u a l gi a te ito ial pad o ,
embora, segundo Léfèbvre, a dinâmica de acumulação capitalista sufoque as possibilidades
de efeti a eap op iaç o dos espaços, t a sfo ados e e ado ia idem, p.21).
Atualmente, observa-se o movimento contínuo entre territórios de mais sentido
funcional, controle físico de processos, e territórios de mais dimensão simbólica, ou
territorialidade (Haesbaert, 2007, p.25). Para efeitos desta pesquisa, nos interessa enfocar,
entre as concepções possíveis, o do í io i stitu io al do te it io, i pli a do assi u a
visão mais estrita de território, a partir de sua dimensão jurídico-políti a fo al ide ,
p.26). Uma investigação do espaço habitado e tornado habitável pela atuação do mercado
imobiliário no território de influência do Comperj, sabendo que, paralelamente, processos
não institucionalizados desdobram-se no espaço, como por exemplo, a informalidade no
acesso à terra, anteriormente abordada.
114
3 CAPÍTULO III – UMA LEITURA DA DES (RE) TERRITORIALIZAÇÃO DAS
CLASSES SOCIAIS
O jornal, como meio de comunicação para as massas, seja em sua versão impressa ou
digital, oferece suporte a uma informação seriada ue de e ta fo a pe a e e , esiste
passagem do tempo, apesar da instantaneidade e fugacidade das informações no mundo
contemporâneo, e por isso mesmo foi escolhido como instrumento metodológico principal
da pesquisa. Seu fluxo de informações é atualizado cotidianamente, e notícias novas passam
a velhas junto com a passagem de um dia a outro, no entanto, a acessibilidade ao acervo
digital dos jornais hoje, facilita aos pesquisadores investigar determinadas janelas temporais,
que de outra forma não seria possível. Como dito por Sônia Fe az, [...], o jo al, o aio
facilidade, pode cristalizar os fatos e transformá-los e fo te da e ia so ial 1999,
p.12). O tamanho do acontecimento que o jornal produz a partir da transformação do
fenômeno real é proporcional ao interesse social sobre o fato, o que acaba por legitimar e
atualizar o jornal como veículo de comunicação coletiva.
O acervo do jornal O Fluminense, um dos mais importantes do Estado do Rio de
Janeiro e sediado em Niterói, possui uma abertura maior de seu espaço para notícias sobre o
Leste Metropolitano88. Em função disto, possibilitou a montagem de um dossiê sobre a
valorização imobiliária nos municípios de Niterói, São Gonçalo, Itaboraí e Maricá. Foi
observado um fluxo de notícias ao longo dos anos (2000-2018), com dados que relacionam
comparativamente esses quatro municípios, e em referência ao Comperj como
empreendimento de impacto regional, presentes no item 3.1.
A presença de anúncios na sessão de classificados para esses quatro municípios
também foi proporcionalmente muito superior aos demais municípios da região de
influência do Comperj, o que possibilitou uma análise comparativa entre eles, referenciados
aqui como microrregião de influência do Comperj. O tratamento e análise dos dados de
terrenos e imóveis integram os itens 3.2 e 3.3 do capítulo, respectivamente.
88
Existe um conjunto de mídias que fazem a cobertura jornalística do estado, com destaque para o jornal carioca O Globo, um dos jornais de maior circulação nacional, e que por isso também foi consultado durante a pesquisa. No entanto, no caso da cobertura da RMRJ, o jornal O Fluminense ultrapassa os limites de Niterói, e cobre de forma mais abrangente os acontecimentos no Leste Metropolitano. Assim sendo, foi diminuído o número de fontes jornalísticas, o que facilitou a ampliação do período pesquisado.
115
Embora o foco da dissertação seja os desdobramentos do Comperj em Itaboraí e
Maricá, o recorte espacial de análise comparativa aos municípios de Niterói e São Gonçalo
mostrou-se enriquecedor, tendo em vista sua representatividade histórica, política,
socioeconômica, e demográfica, constituindo-se como polos de atração do Leste
Metropolitano, da população que se desloca dos municípios vizinhos para trabalho e lazer89.
3.1 ANÁLISE DA VALORIZAÇÃO IMOBILIÁRIA E FUNDIÁRIA NA MICRORREGIÃO
DE INFLUÊNCIA DO COMPERJ SOB O SUPORTE JORNALÍSTICO
Cidade.
Indústria, gente, rua, prédio, centro, parque, loja, looooonge, casa. Comprei um terreno no bairro novo.
Tava no meio. Agora moro na franja. Mas acho que vão fazer outra! Aí eu vou voltar a morar no meio.
Pequenos versos. Cardoso, Nicolle P., 2019.
Para a respectiva análise, o suporte jornalístico foi usado tanto na captação de
notícias, quanto de publicidades imobiliárias. E a figura 13, identifica as localidades que
serão analisadas ao longo do texto.
89
Segundo Silva Neto et alii (2015, p.299), a cidade de Niterói é a segunda maior geradora de empregos nos setores de Indústria de Transformação, Serviços e Comércio, e a cidade de São Gonçalo a quarta maior geradora. Os subsetor que mais empregou em Niterói de 2002 a 2013, assim como no Rio de Janeiro, foi o Extrativo Mineral, seguido do Comércio Varejista, Administração Técnica Profissional, e Alojamento e Comunicação. Em São Gonçalo, os subsetores mais dinâmicos são Comércio Varejista, Administração Pública, e Transporte e Comunicações.
116
Figura 13 – Microrregião de influência do Comperj
Fonte: Mapa produzido pela autora.
Os municípios da aqui chamada microrregião de influência do Comperj, já vinham
passando por processos de valorização imobiliária antes do anúncio do empreendimento,
provavelmente pelas motivações de mobilidade espacial tratadas no segundo capítulo.
Desde os anos 2000, a Região Oceânica de Niterói vem sendo procurada devido a promessas
o o t a uilidade, segu a ça e o au e to de i f aest utu a a ea , segundo o gerente
de vendas da Self na época, Sérgio Marques90. O então presidente do Conselho Regional dos
Corretores de Imóveis (Creci-RJ), Antônio Rocha, destacou Niterói como u ti o luga
90
Informação do jornal O Fluminense, 16 e 17 jan. 2000, seção Habitação, p.11, publicada em matéria de Flávia Risso i titulada Ve das supe a e pe tati as .
117
pa a i esti , afirmando que aqui temos incríveis praias que não deixam nada a desejar
pa a o Rio 91. No mesmo ano, a expansão imobiliária em direção a Região Oceânica e
Pendotiba é reafirmada, com previsão de 15 lançamentos residenciais e comerciais pela
Patrimóvel na área em 2001. A p o i idade das p aias, li a a e o e t a uilidade s o
os fatores apontados pela transformação dos ai os e al os e tos de i esti e to 92. A
Zona Sul da cidade (Região das Praias da Baía), juntamente com a Região Oceânica e de
Pendotiba, é responsável pela previsão de crescimento por empresários do setor. Segundo
eles, o padrão de vida da cidade tem atraído pessoas dos mais variados municípios, que
procuram melhor qualidade de vida e tranquilidade pa a i e 93.
O incentivo à compra de terrenos para fins de investimento na Região Oceânica
permanece em pauta em 2005. Um verdadeiro guia para quem quer ser rentista estampa as
páginas do jornal, com informações sobre o cuidado no ato da compra, relativos à
documentação, verificação da infraestrutura local e certidão de urbanismo, para garantir a
construção. F ases o o g a de ua tidade de lotes a p eços a essí eis e o oa
i f aest utu a pa a o st ui e Ita oatia a e Itaipu s o oas opç es de lu o apta a
atenção do leitor e potencial empreendedor. Ao fi al da es a at ia, o su título Ma i
ta at ai i estido es apresenta o município como opção viável para investimento.
Nas palavras do gerente da Teto Imóveis à época, Miguel Scaramella, Se o i estido
comprar um terreno em um centro supermovimentado, poderá até perder dinheiro. O que
vale mesmo a pena é comprar um lote em uma área como a de Maricá, que está sendo
muito valorizada . O ge e te de ad i ist aç o ale ta ai da ue p eciso que os
investidores se lembrem que a liquidez do negócio não é imediata, pois a revenda pode
de o a , ou seja, p e iso espe a o te po da espe ulaç o94.
91
Informação do jornal O Fluminense, 23 e 24 jul. 2000, seção Habitação, p.13, publicada em matéria de Arthur Rosa i titulada La ça e tos a ue e e ados .
92 Informação do jornal O Fluminense, 10 e 11 dez. 2000, seção Habitação, p.13, publicada em matéria da
edaç o i titulada Bo s eg ios i o ili ios .
93 Informação do jornal O Fluminense, 10 e 11 dez. 2000, seção Habitação, p.13, publicada em matéria de
Ale a d e A uda i titulada Pat i el la ça edifí io e es ui a o e de I a aí .
94 Informações do jornal O Fluminense, 01 e 02 maio. 2005, seção Habitação/Economia, p.11, publicadas em at ia de Li ia e Rod igues i titulada I esti e to o ga a tia .
118
Antes mesmo do anúncio oficial do complexo petroquímico, realizado em 28 de
março de 2006, publicidade de um condomínio localizado às margens da rodovia RJ-114, que
liga Maricá à Itaboraí, já se apropriava da proximidade com o futuro complexo em seu apelo
i o ili io ue dizia: PEDRA VERDE UM GRANDE INVESTIMENTO Al das suas elezas
naturais Maric hoje e e e g a de i esti e to a ea pet olífe a 95. Em meados de abril
do referido ano, o aumento da especulação imobiliária em Itaboraí já era noticiado. Segundo
o então secretário municipal de Fazenda, Ricardo Salles, havia aproximadamente 80 mil lotes
regularizados e aptos para construção no município, dos quais muitos já haviam sofrido
alteração nos preços, por uma especulação iniciada assim que o anúncio da construção do
complexo foi divulgado. Um aumento de 25% na procura por terrenos e imóveis na cidade,
nos vinte dias após o anúncio, foi estimada por corretor de imobiliária local, Paulo Fabrício
de Abreu96.
A partir de 2006, também integra as páginas do jornal O Fluminense periodicamente
um caderno sobre habitação, com foco na aqui nomeada microrregião de influência do
Co pe j, e o p edi ado p o isso adi io ado ao e ado do Leste Flu i e se. Nas
palavras do então presidente do Creci-RJ, A t io Ro ha, Ma i , Nite i, S o Go çalo e
Itaboraí estão começando a se preparar para os investimentos que virão com o Complexo
Petroquímico. Se a média de crescimento do mercado nessa região atualmente é de 15% ao
a o, hega fa il e te aos %, [...], assi ue o eça e as o as . Na época, tanto o
presidente do Creci-RJ, Antônio Rocha, quanto o presidente da Associação das Empresas do
Mercado Imobiliário de Niterói (Ademi), Joaquim Andrade, reforçaram a importância da
cooperação dos executivos municipais com investimentos no setor imobiliário, justificada
pela geração de receitas e empregos nas cidades97. Esse papel fu da e tal , a p ti a,
pode ser traduzido em incentivos fiscais, licenciamentos em tempo recorde, provisão de
infraestrutura nas áreas de demanda do mercado, e flexibilização das legislações municipais.
95
Publicidade imobiliária do condomínio Pedra Verde Residencial. Jornal O Fluminense, 05 e 06 mar. 2006.
Seção Classificados, p.1.
96 Informações do jornal O Fluminense, 16 e 17 abr. 2006, seção Habitação, p.11, publicadas em matéria de
Letí ia Mota i titulada Me ado i o ili io p o isso . 97
Informações do jornal O Fluminense, 20 e 21 ago. 2006, caderno O FLU Habitação, p.2, publicadas em
at ia da edaç o i titulada C es i e to do Leste Flu i e se .
119
As intensidades da valorização imobiliária em Itaboraí, poucos meses após se tornar
sede do empreendimento da Petrobras, que divulgou um investimento de R$ 500 milhões
no município, são constatadas através de alguns dados. Lotes nos distritos que circundam o
Complexo, a saber, Itambi, Visconde de Itaboraí, Porto das Caixas e Sambaetiba, áreas de
ambiência rural, com pequenas casas, sítios e fazendas, e que custavam entre R$ 3 mil e R$
10 mil, em agosto de 2006 já estavam valendo de R$ 30 mil a R$ 40 mil, segundo o então
secretário de governo de Itaboraí, Janô Beserra. Em termos de imóveis, os preços das casas
variavam de R$ 50 mil a R$ 100 mil, de acordo com o consultor imobiliário Silvio Cardoso. Em
termos de lotes, o consultor vai além do anunciado pelo secretário de governo, e aponta
valorização de 1000%, podendo chegar a 2000% nos lotes do entorno do Complexo, que de
R$ 5 mil em média, passaram a R$ 50 mil e R$ 100mil. Coroando o que os dados permitem
constatar, o se et io de go e o afi a ue Esses alo es j al a çados pelo te itório
eram antes inimagináveis para habitação em Itaboraí. Comprar um lote ou casa na cidade
passou a se u i esti e to futu o 98.
Ainda em 2006, foi noticiada a expansão imobiliária no distrito de Itaipuaçu, no litoral
de Maricá, área vizinha à Serra da Tiririca, que faz divisa com a Região Oceânica de Niterói.
Segu do o o sulto ge al da o st uto a ISCC E ge ha ia po a, Geo ges G i aud, o
local oferece tranquilidade, infraestrutura e qualidade de vida ao morador. Nosso objetivo é
oferecer casas o alto pad o de ualidade a p eços justos pa a a lasse dia . A
declaração acima explicita a tendência do público-alvo, a classe média, de procurar imóveis e
lotes a preços acessíveis no distrito, com preços das casas inferiores a R$ 100 mil, e lotes
variando de R$ 10 mil a R$ 50 mil99.
Segundo o então presidente da Associação das Empresas do Mercado Imobiliário
(Ademi) de Niterói, Joaquim Andrade, os investimentos da prefeitura em infraestrutura no
local (saneamento, transporte), to a a a egi o a e i a dos olhos de Ma i 100. O
distrito, antes habitado predominantemente por veranistas, passou a abrigar um grande 98
Informações do jornal O Fluminense, 20 e 21 ago. 2006, caderno O FLU Habitação, p.9, publicadas em
matéria da edaç o i titulada T a sfo aç o ha ita io al . 99
Informações do jornal O Fluminense, 07 ago. 2006, seção Habitação, p.12, publicadas em matéria da redação
i titulada Despe ta do o i te esse i o ili io . 100
Informações do jornal O Fluminense, 20 e 21 ago. 2006, caderno O FLU Habitação, p.2, publicadas em
at ia da edaç o i titulada C es i e to do Leste Flu i e se .
120
número de residentes fixos que, segundo declaração do consultor imobiliário Robson de
Alcântara, da Construaçu Empreendimentos Imobiliários, buscavam fugir da violência dos
grandes centros101. De fato, Itaipuaçu foi o distrito que mais registrou ofertas de imóveis e
terrenos à venda durante todo o período pesquisado, confirmando seu crescimento.
No primeiro semestre de 2007, já foi divulgada a valorização de 100% do valor de
mercado de imóveis em Itaboraí. Um apartamento de dois quartos no centro da cidade, que
antes do anúncio da construção do Complexo custava R$ 50 mil, estava custando de R$ 60
mil a R$ 150 mil, e os apartamentos de três quartos eram vendidos em média por R$ 200
mil102. O então secretário de Fazenda do município, Ricardo Salles, declarou em outubro de
ue Os pedidos de o os e p ee di e tos, p i ipal e te o do í ios, te
aumentado substancialmente e devem chegar a 200% e . Complementando o
panorama da valorização em 2007, gerente da Favialle Imóveis, Paulo Fabrício de Abreu,
i fo ou ue Desde o a ú io da o st uç o do Co pe j, a p o u a po te e os e i eis
a idade au e tou e a de % 103.
O pote ial i o ili io de Maricá também segue em pauta, sendo atribuído a uma
localização privilegiada, com fácil acesso a Niterói, São Gonçalo e Itaboraí, enquanto sede do
Comperj. Além da expansão imobiliária na faixa litorânea, com destaque para os distritos de
Itaipuaçu e Ponta Negra, a mobilidade da classe média para a cidade foi noticiada como a
p ese ça de o os o ado es , ue fi avam residência nos condomínios multiplicados ao
longo da rodovia Amaral Peixoto (RJ-106), onde casas de até quatro quartos custavam em
média R$ 200 mil104.
Em São Gonçalo, o anúncio da construção do Comperj expandiu os investimentos das
construtoras e imobiliárias de Niterói em direção ao município, com cinco novos 101
Informação do jornal O Fluminense, 20 e 21 ago. 2006, caderno O FLU Habitação, p.11, publicadas em at ia da edaç o i titulada Ma i : sossego e p o i idade dos g a des e t os .
102 Informações do jornal O Fluminense, 22 e 23 abr. 2007, caderno O FLU Habitação, p.12, publicadas em at ia da edaç o i titulada Ita o aí % alo izada .
103 Informações do jornal O Fluminense, 28 e 29 out. 2007, seção Habitação, p.11, publicadas em matéria de
Letí ia Mota i titulada Ita o aí: es i e to de % . 104
Informações do jornal O Fluminense, 27 e 28 maio. 2007, caderno O FLU Habitação, p.4, publicadas em matéria de Amanda Pinheiro intitulada Pote ial i o ili io de da i eja . Segue t e ho da edaç o: A diversidade geográfica, somada à expansão do comércio local, e às lindas praias, credencia o município como um dos destinos mais procurados do Leste Fluminense, principalmente pela proximidade e fácil acesso de Itaboraí, onde será instalado o de se i stalado o Co ple o Pet o uí i o do Rio de Ja ei o Co pe j .
121
empreendimentos lançados em 2007. Segundo o relações públicas da Céu Construções na
po a, O dife e ial de S o Go çalo ue o o u te e o usta at uat o ezes e os
que em Niterói, podemos investir em qualidade e cobrar um preço acessível a classes mais
ai as 105.
A lógica da maior rentabilidade é o que guia os investimentos imobiliários. Assim, um
empreendimento como o da Céu Construções, direcionado às classes C e D, e portanto, com
um teto de preço acessível a estas, precisa garantir seu retorno financeiro através do
rebaixamento do custo de outros elementos que compõem o preço de venda, como da
qualidade da construção (técnica e materiais, conforto ambiental, metragens dos ambientes)
e do solo urbano, sugerindo que a localização deste e de outros novos empreendimentos no
município seja periférica, e sua qualidade arquitetônica questionável.
Além dos prédios residenciais, a instalação do complexo petroquímico também
favoreceu o mercado de prédios comerciais em São Gonçalo. Segundo o então diretor geral
da RCA Incorporação e Construção, Rodolfo Carneiro, o anúncio da instalação do Centro
Te ol gi o do Co pe j o u i ípio ia ilizou esse i ho de i esti e to . De la a
também, que além dos empresários do setor petrolífero, já havia uma demanda de
empresários da cidade por este tipo de empreendimento, constatada através de
pesquisas106.
O proprietário da Call Engenharia em 2007, Belopes Antônio Alves, afirmou que São
Go çalo u a idade o pote ial, as ue fi ou po uitos a os es ue ida pelo
e ado i o ili io . Realidade ue udou o a hegada do Co perj, com investimentos
em prédios residenciais e comerciais107.
No ano de 2008, a estabilização da economia do país, e o aumento dos investimentos
nas indústrias petrolífera e naval no estado fluminense, foram reconhecidos pela
superintendente regional da Caixa Econômica Federal no Leste Fluminense, Nelma Tavares,
como os principais motivos do aumento de financiamentos habitacionais na região. De
105
Informações do jornal O Fluminense, 01 e 02 jul. 2007, seção Economia/Habitação, p.11, publicadas em matéria de Isabel de Araujo i titulada No a des o e ta do seto i o ili io . 106
Informações do jornal O Fluminense, 15 e 16 jul. 2007, seção Habitação, p.11, publicadas em matéria de Letí ia Mota i titulada Co st uto as i este e p dios o e iais . 107
Informação do jornal O Fluminense, 22 set. 2007, caderno especial São Gonçalo 117 anos, p.12, publicada e at ia da edaç o i titulada A ue i e to o seto i o ili io .
122
a o do o a supe i te de te: Os i esti e tos s t au e tado. E fo a R$
milhões, que financiaram cerca de 400 unidades, e para 2008 estão previstos R$ 100
milhões, ue pode o fi a ia e a de u idades 108.
Em Niterói, o boom i o ili io foi oti iado o u volume de vendas estimado
em R$ 1 bilhão em 2008. Fato que, somado aos fatores noticiados como atrativos de um
público constante de classe média e média alta (metro quadrado mais barato que o do Rio
de Janeiro, menor incidência de violência, e beleza das praias), atraíram investimentos de
grandes construtoras do Rio de Janeiro e São Paulo109. Em 2009, o mercado imobiliário
niteroiense fechou o ano com balanço em torno de R$ 900 milhões em vendas110.
Aparentemente, a expansão e facilidade de acesso ao crédito, e o aumento da renda
da população no país foram suficientes para reduzir os efeitos mundiais da crise econômica
de 2008 no setor da construção civil no Estado do Rio de Janeiro. Isto pode ser verificado na
declaração do então vice-p eside te da RJZ C ela, Rog io Z l e sztaj : No o e to,
estamos priorizando os empreendimentos de maior liquidez. O mercado foi afetado pela
crise, mas os imóveis cresceram como opção de investimento. [...] E os investidores podem
p o u a ati os ais segu os se olta do pa a o seto i o ili io 111. Conforme citado no
segundo capítulo, no ano de 2009 o governo federal injetou subsídios públicos através do
p og a a ha ita io al Mi ha Casa Mi ha Vida , que entrou em operação em 13 de abril de
2009, com o propósito primeiro de salvar da derrocada as incorporadoras, que estavam com
um estoque habitacional para lançamento da ordem de 200 mil unidades (Rolnik, 2015).
Em 2011, resultados de pesquisa realizada pela equipe O FLU Habitação, do jornal O
Fluminense, com base em dados de anúncios de venda de imóveis publicados entre 2001 e
2011 nos classificados do referido jornal, anunciou os seguintes percentuais de valorização
dos imóveis no Leste Fluminense: Niterói (385%), São Gonçalo (280%), Itaboraí (257%), e
108
Informações do jornal O Fluminense, 02 e 03 mar. 2008, seção Habitação, p.11, publicadas em matéria de Letí ia Mota i titulada I eis pa a o Leste Flu i e se . 109
Informações do jornal O Fluminense, 03 e 04 ago. 2008, seção Habitação, p.11, publicadas em matéria de Luiz Gusta o S h itt i titulada Nite i i e oo i o ili io . 110
Informação do Jornal O Fluminense, 02 dez. 2009, seção Cidades, p.5, publicada em matéria de Letícia Mota i titulada Me ado I o ili io o e o a ala ço . 111
Informações do jornal O Fluminense, 14 e 15 dez. 2008, seção Habitação, p.9, publicadas em matéria de Carlos Alberto B iggs e Pa lo Ri ei o i titulada Co st uto as o e o a o uistas e es i e to .
123
Maricá (400%). Os quatro municípios citados apresentaram uma média de valorização de
cerca de 330% que, com base em cálculos do Banco Central para aplicações financeiras em
fundos de renda fixa, foi superior aos rendimentos de investimentos como poupança
(123,63%), previdência privada (314,88%) e títulos do Tesouro Nacional (317,06%) no
período dos dez anos analisados. Segundo professor de Economia da Universidade Federal
Flu i e se UFF , Cl udio Co side a, [...] i eis se alo iza a uito g aças ele aç o
da demanda puxada pelo crédito do governo e pela elevação da renda devida ao
es i e to da e o o ia . O economista complementou afirmando que essa enorme
valorização está relacionada à construção do Comperj em Itaboraí, que atrai moradores e
empresas à região112.
Os números de Itaboraí revelam as intensidades do fenômeno. No setor imobiliário,
foram 400 novos projetos licenciados em 2009, 1.200 em 2010, e até julho de 2011, cerca de
700. Destes, 30 grandes projetos com construção iniciada em 2010 estavam com conclusão
prevista para 2013 e 2014, inclusos os de construtoras como PDG e Rossi. Em 2011, a
estimativa era de 50 mil novas unidades habitacionais até 2014, ano em que estava prevista
a inauguração do Comperj, adiada por três vezes. A transformação da cidade em futuro
ambiente de negócios do setor petrolífero justificou a demanda por imóveis comerciais e
hotelaria, como o complexo Enterprise Office, Enterprise Corporate e Enterprise Suítes,
administrado pela Promenade Apart Hotéis, e o condomínio-hotel Supreme Itaboraí, da
incorporadora Nep. A Prefeitura de Itaboraí também informou uma estimativa de 600 novas
empresas de serviços, materiais de construção, transporte e logística registradas até o fim de
2011113.
Como citado anteriormente, a proximidade de Maricá aos grandes centros do Rio de
Janeiro e Niterói, e consecutivamente a Itaboraí enquanto sede do Comperj, grande estoque
de terra para expansão imobiliária, e amenidades naturais, como a extensa faixa litorânea e
as eas e des e o ta hosas, ele ou o u i ípio atego ia de e io ideal pa a
futu os la ça e tos Ca doso, , p. 5). A partir de 2010, tal condição inaugurou a
112
Informações do jornal O Fluminense, 19 e 20 jun. 2011, caderno O FLU Habitação, p.2,3, publicadas em at ia de Ri a do Rigel i titulada E a os, i eis s o a pe es de e di e to .
113 Informações do jornal O Fluminense, 13 e 14 nov. 2011, seção Habitação, p.9, publicadas em matéria de
B u o U h a i titulada Pe to da g a de t a sfo aç o .
124
presença de construtoras e incorporadoras de vulto nacional no município, como a
Alphaville Urbanismo S.A., Fator Realty, e Cyrela Urbanismo, materializada nos
empreendimentos Terras Alpha Maricá, Vida Nova Maricá, e Landscape Maricá,
respectivamente.
Entretanto, o público-alvo dos lançamentos não são apenas os futuros trabalhadores
do Comperj, mas sim os potenciais investidores que buscam ganhos financeiros com a
valorização no município. O diretor comercial da Habitare Imobiliária em 2011, Andrew Dias,
estimou que metade das pessoas que estavam adquirindo imóveis na cidade o fazia para fins
de investimento114.
A estreita relação da valorização imobiliária na região com a implantação do
complexo petroquímico foi reforçada na fala de atores do setor imobiliário nos municípios.
Sobre Itaboraí, o então diretor da JHC Assessoria Imobiliária, José Carlos Brandão, informou
em 2011 ue E t s a os, os i eis de Ita o aí ti e a u a dia de es i e to de
65%. Em 2007 vendi muitos lotes por R$ 17 mil. Atualmente, os lotes estão custando, em
dia, R$ il. Esse fe e o se de e ao es i e to e o i o da idade . Sobre
Maricá, o então diretor comercial da Alphaville U a is o S.A., Fa io Valle, de la ou: Co
a chegada do Arco Metropolitano que liga cinco rodovias e do Comperj, esta valorização é
inevitável. A cidade vai ganhar com atração de novos negócios, abertura de vagas de
e p egos e elho ia da i f aest utu a 115.
Em Niterói, além do crescimento do setor hoteleiro para atender a demanda turística
da Copa de 2014 e Olimpíadas de 2016, atores imobiliários sinalizavam a influência do
Comperj na valorização imobiliária do município em 2012. Segundo o então diretor
administrativo da Pronto Self Consultoria de Imóveis S.A., Luiz Claudio Moreira, do
contingente que veio de outros estados para trabalhar na construção do empreendimento,
engenheiros e diretores de empresas de grande porte optaram por residir em Niterói devido
a qualidade de vida, aumentando a demanda por imóveis de alto padrão. Em suas palavras,
Hou e u es i e to as e das, p i ipal e te pa a os i eis de lu o. E to o de
114
Informação do jornal O Fluminense, 30 e 31 out. 2011, seção Habitação, p. 9, publicada em matéria de B u o U h a i titulada C es i e to o ido a pet leo . 115
Informações do jornal O Fluminense, 19 e 20 jun. 2011, caderno O FLU Habitação, p.6, publicadas em at ia de Ri a do Rigel i titulada E a os, i eis s o a pe es de e di e to .
125
40% dependendo do bairro e do tipo de imóvel. Isso também acabou elevando os valores
dos aluguéis em 30% desde 2010 116.
Em 2016, após o agravamento da crise política e econômica nacional em 2014 e
2015, foram noticiados dados do levantamento de imóveis feito pelo Sindicato da Habitação
(Secovi Rio) em 2015, no Rio de Janeiro, Niterói, São Gonçalo e Itaboraí. Enquanto o Rio de
Janeiro registrou queda de -1,22% no valor do metro quadrado para venda, Niterói e São
Gonçalo registraram alta de 1,96% e 2,46%, respectivamente. Para o então diretor comercial
da Brasil Brokers Niterói, Roberto Marinho, a qualidade de vida da cidade, traduzida em
altos indicadores socioeconômicos, e ampla oferta de serviços e educação, é responsável
pela manutenção do crescimento. Segundo o vice-presidente do Secovi Rio, Leonardo
Schneider, o custo-benefício que São Gonçalo oferece, com preços acessíveis de moradia,
somados à proximidade de Niterói e Rio de Janeiro, é o responsável pelo município ser um
dos poucos que registrou valorização em 2015. Em Itaboraí, o cenário foi o oposto, e o
município registrou queda de -15,71% no valor do metro quadrado para venda,
provavelmente por influência direta da paralisação das obras do Comperj117.
Em 2017, o cenário se agrava no Rio e em Niterói, e segundo o Índice FipeZap, as
duas cidades registraram as maiores quedas nos preços de imóveis residenciais à venda em
todo o país, 4,45% e 3,43%, respectivamente. O preço médio dos imóveis residenciais à
venda no Brasil teve retração de 0,53%, a primeira vez que um ano fecha em queda nominal
desde 2008, início da série de pesquisa do Índice FipeZap. Com desconto da inflação
calculada pelo Banco Central para 2017, de 2,78%, a queda real no preço nacional dos
imóveis foi de 3,23%118. Assim, como em Niterói em 2012, o Rio registrou valorização de 40%
no preço dos imóveis no ano de 2011.
116
Informações do jornal O Fluminense, 05 e 06 ago. 2012, caderno O FLU Habitação, p.14, publicadas em at ia de He i ue Mo aes i titulada Pa a a iga e os isita tes .
117 Informações do jornal O Fluminense, 28 e 29 fev. 2016, seção Habitação, p.9, publicadas em matéria de
Ulisses D Á ila i titulada Valo izaç o e ual ue po a . 118
I fo aç es do jo al O GLOBO, ja . , seç o E o o ia, pu li adas e at ia i titulada Rio e Niterói têm as maiores quedas no preço de imóveis reside iais o país e . Dispo í el e :< https://oglobo.globo.com/economia/negocios/rio-niteroi-tem-as-maiores-quedas-no-preco-de-imoveis-residenciais-no-pais-em-2017-22251453>. Acesso em: 23 abr. 2019.
126
O FLU, 03 e
04/12/2006,
Classificados, p.12
2009
2007
2008
O FLU, 02 e 03/03/2008Habitação,
p.11
A figura 14 complementa a apreensão das informações descritas e faz um apanhado
temporal da valorização na microrregião de influência do Comperj.
Figura 14 – Pot-pourri de matérias sobre valorização
2006
O FLU, 22 e
23/04/2007,
O FLU Hab.,
p.12
O FLU, 16 e 17/04/2006,
p.11
MARICÁ
O FLU, 27 e
28/05/2007,
O FLU Hab.,
p.4
O FLU, 20 e 21/08/2006,
Capa
O FLU, 01 e
02/07/2007,
Economia /
Habitação,
p.11
O FLU, 28 e 29/10/2007, Habitação,
p.11
O FLU, 29 e 30/03/2009, Habitação,
p.9
127
Fonte: Imagem produzida pela autora.
Quando olhamos em perspectiva para a experiência de Macaé, sobre os impactos da
indústria do petróleo em seu município, podemos perceber o que significa a valorização da
terra e da moradia na microrregião em análise, sob os mesmos termos. Em Macaé, o
discurso associado a oportunidades de emprego e desenvolvimento econômico, foi
elemento de forte atração populacional, principalmente de baixa renda, sendo o município
com maior crescimento de população urbana do final da década de 1980 ao final da primeira
O FLU, 17/06/2011, O FLU Hab.,
p.2
2011
O FLU, 30 e 31/10/2011 Habitação,
p.9
O FLU, 13 e 14/11/2011Habitação,
p.9
O FLU, 5 e 6/08/2012, O FLU Hab.,
p.14
2013 O FLU, 01 e 02/09/2013, Habitação,
p.9
O FLU, 4 e 5/01/2015, Habitação,
p.9
2015
2016 O FLU, 28 e 29/02/2016 Habitação,
p.9
2012
128
década do século XXI (Piquet, 2008 apud Amaral, 2009, p.103). Segundo Amaral (2009,
p.103-106), o município passa por processos contraditórios, pois ao mesmo tempo em que
se situa entre as cidades de melhor qualidade de vida do estado, sofre com carência de
infraestrutura, aumento da violência urbana, escassez de oferta residencial, e aumento da
informalidade. O mercado imobiliário de locação foi inflacionado pela atividade empresarial
(Conceição, 2002; Araujo, 2006 apud Amaral, 2009, p.104).
3.2 ANÁLISE DA VALORIZAÇÃO DA TERRA
Embora a observação da valorização anual da terra mediante o preço médio do
et o uad ado po u i ípio a hate as a iaç es i t au a as, e ta a di i a de
alo izaç o da te a o espeite os li ites u i ipais – uma vez que o tecido urbano
encontra-se cada vez mais complexo e diversificado, e são várias as condicionantes que
influem na composição do preço da terra–, uma análise mais generalizada é importante para
a compreensão do comportamento sub-regional Leste Fluminense no período
compreendido, para os municípios supramencionados.
A figura 15 a seguir, correspondente à variação anual do valor médio do metro
quadrado da terra por município, tem como base de dados os anúncios da sessão de
classificados do jornal O Fluminense (2000-2018), e dos sítios online Classificados do Rio, do
jornal O Globo (2018), e OLX (2018)119. Portanto, a obtenção de dados esteve sujeita às
ofertas anunciadas por município, e a oferta incipiente de dados para a totalidade dos
municípios que compõem a região de influência do Comperj (integrantes do Conleste), salvo
os municípios de Itaboraí, Maricá, São Gonçalo e Niterói, impossibilitou a referida análise em
âmbito regional.
119
Foi observada uma redução do número de anúncios na sessão Classificados do jornal O Fluminense a partir de 2015. Tal diminuição pode estar associada a diversas causas, como por exemplo: desaceleração da economia nacional a partir de 2014, com reflexos no mercado imobiliário; mudança nas preferências de formato para anúncios imobiliários, privilegiando portais como ZAP Imóveis e OLX, em detrimento dos classificados do jornal impresso e digital; ou ainda, ao desejo do setor imobiliário de ampliar o raio do público-alvo em períodos de crise econômica. Devido a essa diminuição, o suporte dos anúncios do jornal O Fluminense não foi suficiente para a análise do ano de 2018, e por isso, foram consultadas outras bases, como Classificados do Rio e OLX.
129
Além dos reajustes anuais, também foi observada a variação de preços em
determinados períodos-chave, associados ao anúncio da construção e andamento das obras
do Complexo, a saber: 2000-2006, cenário do início da pesquisa ao ano de anúncio do
Comperj; 2006-2012, ano do anúncio ao ano da previsão inicial de funcionamento; e 2012-
2018, período de vários adiamentos da inauguração, e maior paralisação das obras, entre
2015 e 2018.
Figura 15 – Variação anual do valor médio do m² da terra por município
Fonte: Gráfico produzido pela autora, com dados da sessão Classificados do jornal O Fluminense (2000-2018), e dos sítios online Classificados do Rio, do jornal O Globo (2018), e OLX (2018)
120.
A análise do gráfico em relação ao município de Itaboraí indica desvalorização de -
38,7% entre 2000 e 2005, de R$ 9,07/m² para R$ 5,56/m², e posterior valorização de 267,6%
entre 2005 e 2006, de R$ 5,56/m² para R$ 20,44/m², apontando recuperação possivelmente
associada ao anúncio do município como sede do Comperj. O intervalo 2000-2006 indicou
valorização de 125,3%, de R$ 9,07/m² para R$ 20,44/m².
A análise do período 2006-2012 também sugere impacto direto do estabelecimento
do complexo petroquímico na dinâmica fundiária de Itaboraí, com valorização de 726,3%
neste intervalo, de R$ 20,44/m² para R$ 168,90/m². Os maiores reajustes anuais do período
120
Embora a variação das bases de coleta de dados para o ano de 2018, já esclarecida anteriormente, não influencie na categoria analisada, o preço da terra, pode ter influenciado os valores médios obtidos para 2018, visto que diferentes mídias podem estar direcionadas a públicos-alvo de diversos estratos de renda. Por esse motivo, é feita a ressalva em relação à intensidade da valorização encontrada de 2017 para 2018 nos municípios de Maricá, Itaboraí, São Gonçalo e Niterói.
130
encontram-se entre 2007 e 2008 (60,4%), de R$ 28,31/m² para R$ 45,42/m²; 2010 e 2011
(49,4%), de R$ 64,58/m² para R$ 96,47/m²; e 2011 e 2012 (75,08%), de R$ 96,47/m² para R$
168,90/m². Reajustes possivelmente associados ao início das obras em 2008 e à previsão
inicial de conclusão do Comperj em 2011.
O intervalo 2012-2018 indica desvalorização de -41,4%, de R$ 168,90/m² para R$
99,00, sendo o maior reajuste anual negativo entre 2012 e 2013 (-72,8%), de R$ 168,90/m²
para R$ 45,87. O reajuste entre os anos de 2017 e 2018 indica valorização de 110,4%, de R$
47,05 para R$ 99,00, com preço do metro quadrado da terra próximo ao encontrado em
2011 (vide nota 115). De forma geral, a análise deste intervalo sugere instabilidade que pode
estar relacionada às sucessivas paralisações das obras do complexo petroquímico a partir de
2013, sendo a maior delas de 2015 a 2018, e ao momento de crise política e econômica
nacional, agudizado em 2015.
A análise do gráfico para o município de Maricá nos mostra que, no intervalo 2000-
2006, a valorização do metro quadrado da terra foi da ordem de 391,6%, de R$ 5,70 para R$
28,02, sendo 267,02% entre 2000 e 2005, de R$ 5,70 para R$ 20,92, e 33,94% entre 2005 e
2006, de R$ 20,92 para R$ 28,02. No intervalo subsequente (2006-2012), a valorização foi de
170%, de R$ 28,02 para R$ 75,66, e o intervalo 2012-2018, apresentou 141,2% de
valorização, de R$ 75,66 para R$ 182,52.
Embora a valorização do metro quadrado da terra tenha sido expressivamente
superior no intervalo anterior ao Comperj (2000-2006), em comparação aos intervalos
posteriores – 2006-2012 e 2012-2018 –, se observarmos os reajustes anuais, teremos os
maiores índices entre 2010 e 2011 (67,3%), de R$ 38,99 para R$ 65,23, e entre 2012 e 2013
(56,4%), de R$ 75,66 para R$ 118,33. Assim, é possível que a previsão inicial de
funcionamento do complexo em 2012, tenha contribuído pa a a ue e o e ado nos
anos citados. Tais observações estão em concordância com as colocações supracitadas de
Coyunji (2013) e Holzer (2016), que identificaram o fim da década de 2000 e os anos 2010
o o u o o a o de u a izaç o o u i ípio, o o au e to da p o u a po lotes,
e consequente aumento do parcelamento urbano.
De 2013 a 2015, observamos uma maior estabilidade no preço do metro quadrado da
terra, com desvalorização de -49,4% entre 2015 e 2016, de R$ 120,77 para R$ 61,15.
131
Possivelmente, esta inflexão está relacionada com a paralisação das obras do Comperj em
2015, e a crise política e econômica nacional, iniciada em 2014 e agravada nos anos de 2015
e 2016. Entre 2016 e 2017, observamos um reajuste de 74,4%, de R$ 61,15 para R$ 106,65,
retomando em 2017 (R$ 106,65), valor próximo ao praticado a partir de 2013 (R$ 118,33)
para o metro quadrado da terra.
Como já apontado anteriormente, o intuito da análise seguinte sobre Niterói e São
Gonçalo é comparativo, uma vez que esses municípios são as maiores referências do Leste
Metropolitano.
A análise do gráfico referente ao município de São Gonçalo indica valorização de
50,6% no intervalo 2000-2006, de R$ 24,99 para R$ 37,65, e de 899,4% no intervalo 2006-
2012, de R$ 37,65 para R$ 338,63, constando como maiores reajustes anuais do período os
verificados entre 2007 e 2008 (396,4%), de R$ 28,73 para R$ 142,61, e entre 2011 e 2012
(352,6%), de R$ 74,81 para R$ 338,63. O intervalo 2012-2018 revela valorização de 33,6%, de
R$ 338,63 para R$ 452,58, sendo o maior reajuste negativo entre 2013 e 2014 (-55,9%), de
R$ 307,82 para R$ 135,77, e maior reajuste positivo entre 2017 e 2018 (152,7%), de R$
179,07 para R$ 452,58 (vide nota 120).
Em relação ao município de Niterói, observamos valorização de 91,9% entre 2000 e
2005, de R$ 84,43 para R$ 162,03, e posterior desvalorização de -9,43% entre 2005 e 2006,
de R$ 162,03 para R$ 146,75. O intervalo 2000-2006 indicou valorização de 73,8%, de R$
84,43 para R$ 146,75.
O período 2006-2012 apresentou valorização de 113,7%, de R$ 146,75 para R$
313,61, com o maior reajuste anual entre os anos de 2007 e 2008 (84,6%), de R$ 127,18 para
R$ 234,79. E o intervalo 2012-2018 apresenta valorização de 141,5%, de R$ 313,61 para R$
757,32, com os maiores reajustes positivos entre 2013 e 2014 (50,2%), de R$ 407,36 para R$
611,82, e entre 2017 e 2018 (156,2%), de R$ 295,60 para R$ 757,32 (vide nota 120). O maior
reajuste negativo encontra-se entre 2014 e 2015 (-43,7%), de R$ 611,82 para R$ 344,03.
De forma geral, para o conjunto dos municípios analisados, o período compreendido
entre 2010 e 2014 abarca os maiores índices de valorização, e entre 2013 e 2016, os maiores
índices de desvalorização, com uma aparente retomada do crescimento entre 2017 e 2018.
132
Tais observações encontram-se alinhadas com os momentos de maior crescimento da
economia nacional e estadual, e com a posterior crise política e econômica nacional, com
reflexos nos municípios dependentes da economia do petróleo, principalmente Itaboraí,
após a paralisação das obras do Comperj em 2015.
É importante salientar que, embora apresentando expressivos índices de valorização,
o preço médio do metro quadrado da terra em Itaboraí e Maricá mantêm-se
significativamente inferior aos observados em São Gonçalo e Niterói, durante todo o período
analisado. O que justifica a intensidade da procura por terrenos nos referidos municípios,
para investimento e/ou parcelamento.
De fato, o processo de análise das ofertas de terra nos respectivos municípios,
revelou extensas parcelas de terra comercializadas em Itaboraí e Maricá a preços por metro
quadrado significativamente inferiores aos preços médios por metro quadrado verificados
anualmente para os municípios. Extensões similares de terra não foram identificadas em São
Gonçalo e Niterói, municípios com taxas máximas de urbanização. Dessa forma, ofertas a
baixo preço de grandes extensões de terra em Itaboraí e Maricá provavelmente
possibilitaram a atração de investidores, e a posterior especulação da terra, garantindo
rendas substanciais aos proprietários, advindas do parcelamento ou revenda.
Por possuírem preços por metro quadrado muito abaixo da média dos preços por
metro quadrado do restante dos terrenos, e serem verdadeiros latifúndios, os dados
relatados na tabela a seguir não compuseram os índices apresentados na figura 15, que
reuniu terrenos de 126m² a 82.000m², pois achatariam as médias municipais encontradas. A
tabela 01 mostra a discrepância entre o preço por metro quadrado dos referidos terrenos, e
as respectivas médias municipais.
133
Tabela 01 – Parcelas extensas de terra em Itaboraí e Maricá Município Ano Terreno (m²) Preço (R$) Preço do
terreno (R$/m²)
Média anual municipal (R$/m²)
Itaboraí 2007 224.000 1.800.000,00 8,03 28,31
Itaboraí 2007 395.000 3.000.000,00 7,60 28,31
Itaboraí 2009 170.000 180.000,00 1,06 45,97
Itaboraí 2011 179.000 2.148.000,00 12,00 96,47
Itaboraí 2012 1.000.000 5.000.000,00 5,00 168,90
Itaboraí 2012 470.000 12.000.000,00 25,53 168,90
Itaboraí 2012 500.000 10.000.000,00 20,00 168,90
Itaboraí 2013 6.000.000 9.500.000,00 1,58 45,87
Itaboraí 2013 500.000 12.500.000,00 25,00 45,87
Itaboraí 2014 100.000 4.000.000,00 40,00 53,89
Itaboraí 2014 980.000 2.500.000,00 2,55 53,89
Maricá 2005 1.000.000 2.200.000,00 2,20 20,92
Maricá 2007 280.000 550.000,00 1,96 30,13
Maricá 2007 200.000 75.000,00 0,38 30,13
Maricá 2008 200.000 70.000,00 0,35 32,22
Maricá 2009 330.000 2.500.000,00 7,58 39,40
Maricá 2011 365.000 1.600.000,00 4,38 65,23
Maricá 2012 489.000 3.000.000,00 6,13 75,66
Maricá 2012 180.000 1.100.000,00 6,11 75,66
Maricá 2012 145.000 530.000,00 3,65 75,66
Maricá 2013 160.000 2.080.000,00 13,00 118,33
Fonte: Tabela produzida pela autora, com dados da sessão Classificados do jornal O Fluminense (2000-2018).
Em continuação à investigação dos aspectos relativos à oferta de terras nos
municípios de Itaboraí, Maricá, São Gonçalo e Niterói para o período 2000-2018, uma
triagem dos anúncios de terrenos nos referidos municípios, possibilitou a identificação de
palavras-chave recorrentes nas ofertas de terras, representadas na figura abaixo de maneira
proporcional à sua recorrência.
134
Figura 16 – Nuvem de palavras-chave dos anúncios de terras
Fonte: Imagem produzida pela autora.
De um total de 2.850 anúncios coletados, aproximadamente 20% (559 anúncios)
representam a oferta de lotes com as palavras- ha e o do í io ou o do í io
fe hado , sendo estas as palavras-chave de maior recorrência. As demais palavras-chave
identificadas, dizem respeito a recorrências significativamente menores, a saber: pa a
const uto / o st uto es , % ; opo tu idade , % ; pa a i estido /i estido es
, % ; e pa a o do í io (0,5%), referindo-se a extensões de te as ideais pa a
pa ela e to .
A análise anual das ofertas de lotes em condomínios em relação ao número anual de
ofertas de lotes por município indicou que, em Maricá, o período 2012-2015 apresentou os
maiores percentuais de ofertas de lotes em condomínios, respectivamente: 27,2%, 30,6%,
31,6%, e 35,4%. Para o município de Itaboraí, os percentuais mais representativos
encontram-se em 2005 (36,3%) e nos anos 2009 a 2012, a saber, 20%, 9,4%, 12,8% e 16,6%.
Itaboraí foi o único município que apresentou nos anúncios referências diretas ao
complexo petroquímico, geralmente através das palavras- ha e Co pe j , Refi a ia ,
Polo pet o uí i o , p i o ao Co pe j e p i o da efi a ia , com destaque para os
seguintes anos: 2008 (10%), 2009 (8%), 2011 (14,5%), 2012 (12,5%), 2013 (15%) e 2018
(14,3%).
A representatividade de lotes em condomínios em São Gonçalo apresentou em geral
índices inferiores a Maricá e Itaboraí, sendo os anos 2000 (10,5%), 2011 (7,7%), 2012 (7%) e
2018 (13,7%), os mais relevantes.
construtores
condomínio fechado condomínio
para construtor
para investidor
para condomínio
oportunidade investidores
135
Em todo o período analisado, Niterói apresentou percentual acima de 19% para
ofertas de lotes em condomínios, registrando acima de 30% nos anos 2005 (38,7%), 2006
(42,2%), 2008 (32%), 2009 (32,7%), e 2017 (33,3%).
Com base nos dados obtidos, é possível observar que em Itaboraí o fim dos anos
2000 e início dos anos 2010 (2008-2013), foi o período de maior oferta de lotes em
condomínios e anúncios de terrenos com referência direta ao Comperj, em conformidade ao
período mais ativo das obras do empreendimento, iniciadas em 2008 e com previsão inicial
de inauguração em 2011. Maricá apresenta entre os anos 2012-2015 o período de maior
oferta de lotes em condomínios, em média 31%, e possivelmente como área de extensão da
atividade imobiliária insuflada pelo Comperj, como elemento indutor de dese ol i e to
em seu território de influência. São Gonçalo e Niterói apresentaram percentuais mais
uniformes durante o período analisado para ofertas de lotes condominiais, e diferente do
observado em Maricá e Itaboraí, já apresentavam no início dos anos 2000 percentuais
significativos.
Para o conjunto dos municípios, foi verificada uma queda acentuada no número
anual de ofertas de terrenos nos Classificados a partir de 2015 em Itaboraí e Maricá, e a
partir de 2014 em São Gonçalo e Niterói, com pequena recuperação observada em Niterói a
partir de 2017. É provável que esta inflexão esteja relacionada à desaceleração da economia
nacional a partir de 2014, com reflexos no mercado imobiliário. Ou ainda, a uma mudança
nas preferências de formato para anúncios imobiliários, privilegiando portais como ZAP
Imóveis e OLX, em detrimento dos classificados do jornal impresso e digital.
Através dos dados pesquisados, foi possível perceber maior linearidade nas ofertas
de lotes em condomínios fechados em Niterói e São Gonçalo no período investigado, em
oposição ao ocorrido em Itaboraí e Maricá, que demonstraram uma maior oferta de lotes
em condomínios, com foco nas classes médias e altas, concatenada ao período mais intenso
de obras no Comperj. O preço médio dos terrenos substancialmente inferior em Itaboraí e
Maricá, em relação aos verificados em São Gonçalo e Niterói, indica um apelo ao
investimento na compra de lotes pelas classes médias e altas nesses municípios, com grande
potencial especulativo da terra.
136
As observações descritas acima, propiciadas pela análise de palavras-chave nos
anúncios de terrenos, apontam para uma grande difusão do modelo de moradia em
condomínios fechados, e são sintomáticas de uma tendência imobiliária que influi
diretamente nas experiências de sociabilidade urbana, discussão que será retomada no item
3.4.
3.3 ANÁLISE DA VALORIZAÇÃO DOS IMÓVEIS RESIDENCIAIS PARA VENDA
Nesta seção, a análise da valorização imobiliária com base no banco de dados da
pesquisa é feita primeiramente em relação aos municípios de Itaboraí e Maricá, objeto
principal da análise, e em um segundo momento é realizada uma leitura cartográfica que
espacializa e compara as diferentes intensidades da valorização no âmbito da microrregião
de influência do Comperj.
Assim como no caso das ofertas de terrenos, foi observada uma oferta escassa de
dados de imóveis para a totalidade dos municípios que compõem a região de influência do
Comperj (integrantes do Conleste), o que delimitou a análise comparativa de Itaboraí e
Maricá aos municípios de São Gonçalo e Niterói, com os quais estabelecem relações sólidas
de proximidade e deslocamento dos residentes para trabalho e lazer.
Para um dos objetivos específicos desta pesquisa, que é observar o panorama geral
da valorização residencial nos municípios, uma análise mais abrangente – não seccionada
por tipologia ou número de quartos – foi suficiente para a compreensão do fenômeno. De
qualquer forma, o número de ofertas de apartamentos tanto em Itaboraí, concentradas no
Centro, quanto em Maricá, foi insuficiente para gerar uma análise separada da oferta de
casas.
Além dos reajustes anuais, também foi observada a variação de preços para os
mesmos períodos-chave constantes na análise da valorização da terra, a saber: 2000-2006,
2006-2012, e 2012-2018.
Em Itaboraí, foi observado que durante todo o período analisado, as ofertas de
imóveis concentram-se em sua grande maioria na localidade central, em Manilha, e em
137
Itambi, nessa ordem. Os dois últimos distritos na divisa oeste com São Gonçalo (vide figura
13).
Nos Classificados do jornal O Fluminense, maior fonte de pesquisa dos anúncios, as
ofe tas est o su di idas o o Ce t o/Ve da das Ped as e Ma ilha/Ita i 121, e
correspondem ao 1° distrito (Itaboraí), 7° distrito (Manilha) e 3° distrito (Itambi). Os
anúncios colhidos no sítio online OLX para o ano 2018, também são majoritariamente no
distrito central, em Manilha e Itambi. Por essa razão, as ofertas foram analisadas e
espacializadas nos mapas conforme as divisões distritais. Os distritos de Visconde de
Itaboraí, Porto das Caixas, Sambaetiba, Cabuçu e Pachecos apresentaram um número muito
escasso ou inexistente de ofertas, inviabilizando a análise de imóveis para esses locais, e
sugerindo que esses distritos ainda apresentam feições rurais e não possuem área urbana
consolidada. Portanto, as ofertas nestes distritos, quando houve, foram incluídas no índice
geral municipal.
A figura 17 a seguir corresponde à variação anual do preço médio residencial em
Itaboraí, e abrange as tipologias casa e apartamento , com variados números de quartos.
121
Não foi possível separar as ofertas dos distritos de Manilha e Itambi, pois os classificados do jornal O Fluminense, base pesquisada para os anos 2000 a 2017, coloca as ofertas para esses distritos em seção conjunta, e muitas delas não identificam em qual dos dois distritos se localizam.
138
Fonte: Gráfico produzido pela autora, com dados da sessão Classificados do jornal O Fluminense (2000-2018), e do sítio online OLX (2018)
122.
*Não houve anúncios suficientes para análise de 2017 nas bases pesquisadas.
A análise da figura 17 indica desvalorização de -25,2% entre 2000 e 2005 no Centro
(1° distrito – Itaboraí), de R$ 53.333 para R$ 39.875, e posterior valorização de 58,9% entre
2005 e 2006, de R$ 39.875 para R$ 63.375. Esta recuperação pode estar associada ao
anúncio do município como sede do Comperj, visto que em 20 dias após o anúncio já foi
constatado um aumento de 25% na procura por terrenos e imóveis nas proximidades do
complexo (vide item 3.1). Os distritos de Manilha e Itambi não apresentaram ofertas nas
bases analisadas para o ano 2000, mas sofreram desvalorização de -14,6% entre 2005 e
2006, de R$ 48.138 para R$ 41.120, resultado oposto à valorização de quase 60% na área
central. O índice municipal indicou desvalorização de -3,7% entre 2005 e 2006, de R$ 49.266
para R$ 47.431.
122
Devido à diminuição de anúncios na sessão Classificados do jornal O Fluminense a partir de 2015, esta base não foi suficiente para a análise do ano de 2018, e por isso, foi consultado o sítio online OLX. O Classificados do Rio, do jornal O Globo, não apresentou ofertas de imóveis para Itaboraí em 2018. Embora a variação das bases de coleta de dados não influencie na categoria analisada, o preço imobiliário residencial, é feita a ressalva em relação ao preço médio encontrado em 2018, visto que diferentes mídias podem estar direcionadas a públicos-alvo de diversos estratos de renda.
Figura 17
-
139
No período 2006-2012, os imóveis do Centro valorizaram 161%, de R$ 63.375 para R$
165.412. Os reajustes mais expressivos encontram-se entre 2008 e 2009 (34,9%), de R$
77.497 para R$ 104.526, e 2010 e 2011 (47,9%), de R$ 90.211 para R$ 133.390. Entre 2009 e
2010 houve desvalorização de -13,7%, de R$ 104.526 para R$ 90.211, e que foi recuperada
em 2011. Entre 2011 e 2012 houve valorização de 24% no Centro, de R$ 133.390 para R$
165.412. Nos distritos de Manilha e Itambi, houve valorização de 273,9% entre 2006 e 2012,
de R$ 41.120 para R$ 153.737. Os maiores reajustes ocorreram entre 2006 e 2007 (36,9%),
de R$ 41.120 para R$ 56.294; 2007 e 2008 (38,2%), de R$ 56.294 para R$ 77.789; 2010 e
2011 (26,4%), de R$ 87.333 para R$ 110.368; e 2011 e 2012 (39,3%), de R$ 110.368 para R$
153.737.
A valorização municipal no período 2006-2012 foi de 242%, de R$ 47.431 para R$
162.243, com os maiores reajustes entre 2007 e 2008 (32,4%), de R$ 57.444 para R$ 76.076;
2008 e 2009 (26,7%), de R$ 76.076 para R$ 96.401; 2010 e 2011 (44,8%), de R$ 89.060 para
R$ 128.960; e 2011 e 2012 (25,8%), de R$ 128.960 para R$ 162.243. De modo geral, entre os
anos de 2007 e 2012 concentram-se os maiores reajustes positivos.
Entre 2012 e 2014, os reajustes anuais giraram em torno de 7%, tanto no Centro,
quanto em Manilha e Itambi. De 2014 para 2015, o reajuste foi de 17,5% no Centro, de R$
190.452 para R$ 223.875, e de 53,5% em Manilha e Itambi, de R$ 175.417 para R$ 269.333.
No município, o preço médio residencial cresceu 26,1%, passando de R$ 185.413 para R$
233.800.
Entre 2015 e 2016 ocorre o maior reajuste negativo do intervalo 2012-2018, com
queda de -18,9% no Centro, de R$ 223.875 para R$ 181.600, e de -25,7% em Manilha e
Itambi, de R$ 269.333 para R$ 200.000. O índice municipal registrou queda de -16,7%, de R$
233.800 para R$ 194.750.
Assim como na análise de terrenos, foi observada uma queda acentuada no número
de ofertas de imóveis a partir de 2015, de modo que no ano de 2017 não houve ofertas
suficientes para análise. Assim, o Centro apresentou recuperação de 24% entre 2016 e 2018,
de R$ 181.600 para R$ 225.347, enquanto Manilha e Itambi ainda registraram pequena
desvalorização de -4,3%, de R$ 200.000 para R$ 191.312. O município registrou valorização
de 9,8%, e o preço médio passou de R$ 194.750 para R$ 213.873.
140
A disparidade entre a valorização residencial de Itaboraí nos intervalos 2006-2012
(242%) e 2012-2018 (31,8%), de R$ 162.243 para R$ 213.873 (vide nota 122), sugere forte
influência dos períodos de ascensão e declínio das obras do Comperj na dinâmica imobiliária
municipal.
Em relação a Maricá, as bases analisadas indicaram ofertas de imóveis em todos os
distritos, nos quais poucos bairros localizados nas franjas da cidade não apresentaram
ofertas. Nos Classificados do jornal O Fluminense, maior fonte de pesquisa dos anúncios, as
ofe tas est o su di idas o fo e os dist itos, o o Itaipuaçu , Ce t o e Po ta Neg a .
No caso do distrito de Inoã, devido à proximidade do bairro de São José do Imbassaí – que
na verdade pertence ao distrito do Centro –, suas ofertas são apresentadas conjuntamente.
No entanto, foi possível separá-las, entendendo que o fluxo contínuo de ofertas para o
bairro de São José do Imbassaí justifica sua análise separada tanto do distrito de Inoã,
quanto dos outros bairros do distrito central.
Para a análise imobiliária em Maricá, a figura 18 a seguir corresponde à variação
a ual do p eço dio eside ial, e a a ge as tipologias asa e apa ta e to , o
variados números de quartos.
141
Fonte: Gráfico produzido pela autora, com dados da sessão Classificados do jornal O Fluminense (2000-2018), Classificados do Rio (2018) e do sítio online OLX (2018)
123.
A figura 18 indica valorização de 52,6% nos imóveis de Maricá entre 2000 e 2005, de
R$ 44.911 para R$ 68.545. Neste intervalo, Itaipuaçu foi o distrito que apresentou maior
valorização (69,7%), de R$ 42.350 para R$ 71.849, enquanto a valorização nos outros
distritos ficou entre 13% e 27%.
Entre 2005 e 2006, o município teve pequena retração de -8,6%, porém no geral, o
período 2000-2006 indicou 39,5% de valorização, de R$ 44.911 para R$ 62.647. Entre 2000 e
2006, o distrito de Ponta Negra valorizou excepcionalmente (328,5%), de R$ 24.500 para R$
105.000. Os distritos de Itaipuaçu e Inoã apresentaram valorização de 55%, de R$ 42.350
123
Devido à diminuição de anúncios na sessão Classificados do jornal O Fluminense a partir de 2015, esta base não foi suficiente para a análise do ano de 2018, e por isso, foram consultados os sítios online Classificados do Rio, do jornal O Globo, e OLX. Embora a variação das bases de coleta de dados não influencie na categoria analisada, o preço imobiliário residencial, é feita a ressalva em relação ao preço médio encontrado em 2018, visto que diferentes mídias podem estar direcionadas a públicos-alvo de diversos estratos de renda.
Figura 18
142
para R$ 65.736 em Itaipuaçu, e de R$ 31.333 para R$ 48.583 em Inoã. O Centro foi o único
que desvalorizou entre 2000 e 2006, -11,6%, de R$ 74.429 para R$ 65.786.
No período 2006-2012, o índice municipal apresenta os maiores reajustes positivos
entre 2007 e 2008 (38%), de R$ 67.527 para R$ 93.160, e entre 2009 e 2012, sendo 29,6%
entre 2009 e 2010, de R$ 96.017 para R$ 124.473; 17,8% entre 2010 e 2011, de R$ 124.473
para R$ 146.699; e 27,9% entre 2011 e 2012, de R$ 146.699 para R$ 187.644. A valorização
residencial em Maricá no período 2006-2012 foi de 200%, de R$ 62.647 para R$ 187.644.
Neste período, os distritos apresentaram os seguintes percentuais de valorização:
Inoã (230,7%), de R$ 48.583 para R$ 160.692; Centro (210%), de R$ 65.786 para R$ 203.989;
Itaipuaçu (181,4%), de R$ 65.736 para R$ 184.974; bairro de São José do Imbassaí (113,8%),
de R$ 54.071 para R$ 115.625; e Ponta Negra (108,7%), de R$ 105.000 para R$ 219.125.
Os reajustes anuais mais expressivos entre 2006 e 2012 ocorreram em Inoã, que teve
o maior reajuste positivo entre 2007 e 2008 (112%), de R$ 56.956 para R$ 120.889, seguido
do maior reajuste negativo entre 2008 e 2009 (-42,4%), de R$ 120.889 para R$ 69.631. A
recuperação ocorreu entre 2010 e 2011, com reajuste de 89,4%, de R$ 65.526 para R$
124.096, e pode estar relacionada à inauguração dos condomínios Terras Alpha Maricá e
Vida Nova Maricá. Entre 2011 e 2012, todos os distritos apresentaram valorização entre 25 e
30%, sendo o reajuste que aconteceu de forma mais homogênea no município.
No intervalo 2012-2018, a valorização intraurbana e municipal foi cerca de metade da
ocorrida no intervalo anterior. Neste período, os distritos apresentaram os seguintes
percentuais de valorização: Inoã (115,8%), de R$ 160.692 para R$ 346.823; Centro (90,6%),
de R$ 203.989 para R$ 388.918; Itaipuaçu (72,4%), de R$ 184.974 para R$ 318.969; e Ponta
Negra (66%), de R$ 219.125 para R$ 363.889. O bairro de São José do Imbassaí foi exceção,
cuja valorização subiu de 113,8% entre 2006 e 2012, para 150,8% entre 2012 e 2018, de R$
115.625 para R$ 290.000. A valorização residencial em Maricá no período 2012-2018 foi de
88,2%, de R$ 187.644 para R$ 353.169.
Entre 2016 e 2017 o índice municipal apresenta a única retração do período 2012-
2018 (-3,8%), de R$ 356.091 para R$ 342.400. Contudo, tendo em vista que em 2017 não
houve ofertas suficientes para análise em Inoã, São José do Imbassaí e Ponta Negra, a
143
composição deste índice diz respeito às ofertas no Centro e em Itaipuaçu. O Centro
apresentou reajustes negativos entre 2016 e 2017 (-5,2%), de R$ 436.461 para R$ 413.928, e
entre 2017 e 2018 (-6%), de R$ 413.928 para R$ 388.918.
3.3.1 Leitura cartográfica da valorização dos imóveis na microrregião de influência do
Comperj
O objetivo da leitura cartográfica apresentada a seguir é espacializar os preços
médios residenciais na microrregião de influência do Comperj para os períodos-chave
predeterminados. A análise comparativa entre os municípios de Itaboraí, Maricá, São
Gonçalo e Niterói permite apreender visualmente as intensidades da valorização através de
um termômetro de cores, com uma gradação que vai do amarelo ao preto. Os anúncios de
imóveis coletados possibilitaram a aferição da valorização intraurbana por distritos, e
regiões de planejamento, no caso de Niterói. Em uma análise bairro a bairro, os mapas
apresentariam uma mescla maior de cores, porém não houve nas bases analisadas um fluxo
suficiente de ofertas por bairro que possibilitasse tal escala de análise. A seguir, os mapas
para os anos 2000, 2006, 2012 e 2018.
144
Figura 19 – Espacialização do preço médio residencial na microrregião de influência do
Comperj em 2000
Fonte: Mapa produzido pela autora, com dados da sessão Classificados do jornal O Fluminense (2000).
145
Figura 20 – Espacialização do preço médio residencial na microrregião de influência do
Comperj em 2006
Fonte: Mapa produzido pela autora, com dados da sessão Classificados do jornal O Fluminense (2006).
Entre 2000 e 2006, houve um reajuste de 18,8% no preço médio residencial do
distrito central de Itaboraí, de R$ 53.333,33 para R$ 63.375. Porém, como não houve ofertas
de dados para os outros distritos no ano 2000, não foi possível verificar o reajuste municipal
neste intervalo.
146
Em Maricá, os distritos que mais valorizaram foram Ponta Negra (328,5%), de R$
24.500 para R$ 105.000, e Itaipuaçu (55%), de R$ 42.350 para R$ 65.736,45. O reajuste
municipal foi de 39,5%, de R$ 44.910,77 para R$ 62.647, 09.
No município de São Gonçalo, o distrito que mais valorizou foi o Centro (79%), de R$
38.456,04 para R$ 68.846,77. Nos demais distritos, o reajuste ficou entre 30 e 40%, e o
reajuste municipal foi de 58,8%, de R$38.567,68 para R$ 61.257,62.
Niterói obteve seus maiores percentuais de valorização na Região das Praias da Baía
(49,3%), de R$ 145.556,69 para R$ 217.374,56; Oceânica (45,6%), de R$ 150.065,87 para R$
218.566,04; e Pendotiba (43,4%), de R$ 128.548,15 para R$ 184.337,84. O reajuste
municipal foi de 49,5%, de R$ 134.071,25 para R$ 200.459,13.
A observação dos mapas de 2000 e 2006 revela que em Itaboraí, Maricá e São
Gonçalo, os preços médios residenciais mantiveram-se abaixo de R$ 100.000 (tons de
amarelo), com exceção do distrito de Ponta Negra, em Maricá, região litorânea valorizada.
Em Niterói, a faixa de preço dos imóveis que em 2000 estava entre R$ 50.000 e R$ 250.000
(do amarelo ao marrom claro), ficou em 2006 entre R$ 80.000 e R$ 350.000 (do amarelo ao
vermelho claro).
147
Figura 21 – Espacialização do preço médio residencial na microrregião de influência do
Comperj em 2012
Fonte: Mapa produzido pela autora, com dados da sessão Classificados do jornal O Fluminense (2012).
Entre 2006 e 2012, o Centro de Itaboraí valorizou 161%, de R$ 63.375 para R$
165.411,76. Os distritos de Manilha e Itambi tiveram um reajuste de 273,9%, de R$
41.120,00 para R$ 153.736,84. A valorização municipal foi de 242%, de R$ 47.431,03 para R$
162.242,86.
No município de Maricá, a espacialização dos preços foi mais heterogênea do que em
Itaboraí. Em 2006, predominavam imóveis de até R$ 150.000. Em 2012, os imóveis estão na
faixa de R$ 100.000 a R$ 250.000. No intervalo 2006-2012, o distrito que mais valorizou foi
148
Inoã (230,7%), de R$ 48.583 para R$ 160.692, seguido do Centro (210%), de R$ 65.786 para
R$ 203.989. O reajuste municipal foi de 200%, de R$ 62.647 para R$ 187.644.
Em São Gonçalo, os distritos que mais valorizaram foram Ipiíba (315%), de R$
43.266,67 para R$ 179.662,79, e Sete Pontes (180,6%), de R$ 53.352,94 para R$ 149.705,88,
ambos na divisa com Niterói. Em terceiro ficaram o distrito de Monjolos e o bairro de
Alcântara, polo comercial do município, com reajuste de 177%, de R$ 46.010,64 para R$
127.437,50. O Centro valorizou 146%, de R$ 68.846,77 para R$ 169.468,64, e Neves, 108,5%,
de 72.478,21 para R$ 151.157,89. O reajuste municipal foi de 159,4%, de R$ 61.257,62 para
R$ 158.891,39. A valorização em todos os distritos foi superior a 100% no intervalo 2006-
2012, e pode estar relacionada a uma expansão da área de atuação dos atores imobiliários
de Niterói em direção a São Gonçalo após o anúncio do Comperj, como informado na análise
do suporte jornalístico (item 3.1).
Em Niterói, os maiores percentuais de valorização foram na Região das Praias da Baía
(199,2%), de R$ 217.374,29 para R$ 650.474,24; Região Norte (159,4%), de R$ 92.892,66
para R$ 240.930,53; e Região Oceânica (152,4%), de R$ 218.566,04 para R$ 551.666,67. No
entanto, todas as áreas da cidade tiveram valorização superior a 100%. Rio do Ouro, na
Região Leste, valorizou Rio do Ouro (133%), de R$ 95.000 para R$ 221.666,67, e a região de
Pendotiba (103,7%), de R$ 184.337,84 para R$ 375.536,92. O reajuste municipal no período
2006-2012 foi de (185%), de R$ 200.459,13 para R$ 571.264,62.
Em 2012, predominaram os tons alaranjados em São Gonçalo, Itaboraí e parte de
Maricá, com imóveis na faixa de R$ 100.000 a R$ 200.000, o dobro do valor observado no
ano 2006, quando predominavam na região os imóveis de até R$ 100.000. Niterói
apresentou uma paleta de cores mais heterogênea, dos tons de marrom ao azul, com
imóveis na faixa de R$ 100.000 a 850.000.
149
Figura 22 – Espacialização do preço médio residencial na microrregião de influência do
Comperj em 2018
Fonte: Mapa produzido pela autora, com dados da sessão Classificados do jornal O Fluminense (2018),
Classificados do Rio (2018), sítio online OLX (2018), dados do Índice FipeZAP (2018), e dados do Secovi Rio (2018)
124.
124
Como informado anteriormente, o número incipiente de ofertas nas bases do jornal O Fluminense para o ano de 2018, gerou a necessidade de consulta a outras bases, como os sítios online Classificados do Rio, do jornal O Globo, e OLX. Os dados do índice FipeZap, do portal ZAP Imóveis, e do Sindicato da Habitação (Secovi Rio) foram consultados para a cidade de Niterói, e informados nas seguintes matérias: jornal O Globo, 25 maio. 2018, matéria de Leonardo Sodré intitulada Me ado I o ili io e Nite i ap ese ta eaç o es o a
ise , dispo í el e : <https://oglobo.globo.com/rio/bairros/mercado-imobiliario-em-niteroi-apresenta-reacao-mesmo-na-crise-22713793>. Acesso em: 05 mar. 2019; jornal O Fluminense, 22 set. 2018, matéria de Pa ella Souza i titulada S o Lou e ço e alta o e ado , dispo í el e : < http://www.ofluminense.com.br/pt-br/cidades/s%C3%A3o-louren%C3%A7o-em-alta-no-mercado>. Acesso em: 28 mar. 2019; jornal O Fluminense, 30 set. 2018, matéria de Pamella Souza i titulada P eço do et o
uad ado e I a aí te a iaç o de at % , dispo í el e : <www.ofluminense.com.br/pt-br/cidades/preço-do-metro-quadrado-em-icaraí-tem-variação-de-até-46>. Acesso em: 27 mar. 2019.
150
Entre 2012 e 2018, o Centro de Itaboraí valorizou 36,2%, de R$ 165.411,76 para R$
225.347,05, e os distritos de Manilha e Itambi valorizaram 24,4%, de R$ 153.736,84 para R$
191.312,50. O reajuste municipal foi de 31,8%, de R$ 162.242,86 para R$ 213.873,28.
Em Maricá, as áreas mais valorizadas do período 2012-2018 foram o bairro de São
José do Imbassaí (150,8%), de R$ 115.625 para R$ 290.000, e o distrito de Inoã (115,8%), de
R$ 160.692 para R$ 346.823. A valorização municipal foi de 88,2%, de R$ 187.644 para R$
353.169.
No município de São Gonçalo, os distritos mais valorizados foram o Centro (36%), de
R$ 169.468,64 para R$ 230.714,29, e Sete Pontes (22,2%), de R$ 149.705,88 para R$
183.000. O distrito de Neves teve reajuste negativo (-4,6%), de R$ 151.157,89 para R$
144.166,67, enquanto que em Monjolos e Ipiíba não foi possível verificar os reajustes, por
falta de ofertas nas bases analisadas. O reajuste municipal foi de 26%, de R$ 158.891,39 para
R$ 200.400.
Niterói obteve seus maiores percentuais de valorização na Região Norte (99,6%), de
R$ 240.930,53 para R$ 480.897,50; Região Oceânica (36,5%), de R$ 551.666,67 para R$
753.195; e Região das Praias da Baía (32,2%), de R$ 650.474,24 para R$ 860.299,39. O
reajuste municipal foi de apenas 7,2%, de R$ 571.264,62 para R$ 612.730,12.
É importante observar que desde 2012, Maricá apresenta áreas com faixas de preço
superiores as de Itaboraí e São Gonçalo. Esta diferença se acentua quando analisamos o
mapa de 2018, no qual Itaboraí apresenta imóveis na faixa de R$ 150.000 a R$ 250.000 (do
laranja ao marrom claro), São Gonçalo apresenta imóveis na faixa de R$ 100.000 a R$
250.000 (do laranja claro ao marrom claro), enquanto em Maricá os imóveis encontram-se
na faixa de R$ 250.000 a R$ 400.000 (do marrom escuro ao vermelho escuro). Esta diferença
embasa um argumento exposto pela autora em 2012, de que Maricá possui uma produção
habitacional direcionada aos estratos de média e alta renda125. Niterói permanece como
125
E elaç o dist i uiç o da de anda habitacional gerada pelo empreendimento, é importante frisar que Maricá está atendendo a um público de mais alto padrão que Itaboraí. Isto se deve, em grande parte, ao que Co a : ha a de a e idades atu ais ou so ial e te p oduzidas . O fato de a cidade apresentar belezas naturais como lagoas, praias e montanhas, adiciona valor de mercado ao pacote de produtos dos o do í ios de dio e alto pad o CARDOSO, , p. .
151
município mais heterogêneo em termos de preços residenciais, com imóveis na faixa de R$
150.000 a R$ 900.000, na gradação do laranja ao preto126.
De todos os períodos-chave analisados, o intervalo 2006-2012 foi o de maior
crescimento nos preços imóveis residenciais da microrregião de influência do Comperj. Em
todos os municípios as valorizações intraurbanas foram superiores a 100%, podendo chegar
a 300% em alguns locais.
Em todo o intervalo de tempo analisado, 2000 a 2018, os preços médios residenciais
aumentaram 686% em Maricá, 420% em São Gonçalo, 341% em Niterói, e 301% em Itaboraí.
No conjunto dos municípios analisados, os preços da terra apresentaram reflexos
mais imediatos em relação aos momentos de ascensão e declínio do Comperj, e de forma
mais abrangente, da crise econômica e política nacional. Em relação aos imóveis
residenciais, os reflexos da paralisação das obras do Comperj foram mais evidentes e
imediatos em Itaboraí, com reajuste municipal negativo de cerca de 17% entre 2015 e 2016.
O município de Maricá apresentou percentuais de valorização bem superiores aos dos
demais municípios no período 2012-2018, aproximadamente 90%, contra 32% em Itaboraí,
26% em São Gonçalo, e 7% em Niterói.
126
É importante ressaltar que as faixas de preço citadas representam as médias dos distritos ou regiões intraurbanas. No interior destas localidades, os preços podem variar para mais ou para menos, em relação ao preço representado nos mapas e descrito textualmente.
152
3.4 ANÁLISE DOS CONDOMÍNIOS
Quanto muro! Ouvi dizer que o condomínio é mais seguro...
Bairro, casa, gente, parque, lazer, verde. Agora é tudo dentro. E fora ficou o quê?
Outra gente.
Pequenos versos. Cardoso, Nicolle P., 2019.
A análise da nuvem de palavras-chave dos anúncios de terrenos na microrregião de
influência do Comperj revelou uma significativa presença de ofertas em condomínios
fechados, representando 20% do total de anúncios. Esta observação expressa o quanto o
modelo de moradia em condomínios tem sido difundido nos espaços urbanos
contemporâneos.
No espaço urbano contemporâneo, caracterizado como homogêneo, fragmentado e
hierarquizado (vide item 2.2), o condomínio fechado, enquanto elemento da fragmentação,
é um modelo de sociabilidade urbana excludente, reproduzido em larga escala atualmente.
Segundo Haesbaert (2014), vivemos em uma sociedade de risco, insegurança e crise, na qual
o crescimento dos guetos e favelas coloca em relevo a crise das sociedades disciplinares ou
de confinamento (Foucault, 1975) e o fortalecimento das sociedades de segurança
Aga e , . Pa a Aga e , e ua to [...] a dis ipli a ue p oduzi a o de , a
segu a ça ue egula a deso de , p. apud Haesbaert, 2014, p.26). A passagem
da sociedade disciplinar para a sociedade de segurança é pautada pela complexificação dos
processos sociais, que só podem ser abordados através das múltiplas dimensões (política,
econômica e cultural) que compõem essa sociedade (Haesbaert, 2014, p.29).
Neste contexto, Haesbaert (2014, p.33) identifica o retraimento (ou confinamento)
das classes médias e altas em condomínios fechados como um subproduto do processo de
contenção. A contenção possui uma dupla conotação, includente e excludente, o conter as
classes subalternas os seus de idos te it ios, guetos e fa elas, e ais e e te e te, o
153
a a os i di íduos, e lui do-os ao incluí-los fora , nos campos de refugiados e campos
de controle de migrantes. No caso dos condomínios fechados, o o e a [...] condição
ambivalente da contenção, e ue esta os ao es o te po o te do a p og ess o de
out os e os o te do e te os da ossa p p ia p og ess o/ o ilidade , aos espaços
ditos seguros das cidades (idem, p.35,36).
Bauman denomina os o do í ios fe hados de guetos olu t ios , espaços
murados e de acesso controlado, nos quais seus moradores buscam sensação de segurança
e p oteç o dos out os, os ha ados pe igosos, p i ipal e te fa elados. Pa a o auto , Os
guetos voluntários diferem dos verdadeiros num aspecto decisivo. Os guetos reais são
lugares dos quais não se pode sair; o principal propósito do gueto voluntário, ao contrário, é
impedir a entrada de intrusos – os de de t o pode sai o tade Bau an, 2003, p.206
apud Ferraz et alii, 2013, p.63)127.
Guetos voluntários ou subprodutos do processo de contenção, os condomínios
fechados são reflexos dos conflitos de classe na atual sociedade de segurança.
Transformados em tendência imobiliária, influem diretamente nas experiências de
sociabilidade urbana. No Brasil, entretanto, mais do que produtos imobiliários para estratos
de renda superior, o modelo de moradia em condomínios faz parte da política habitacional.
A obrigatoriedade do formato condominial para a tipologia vertical do programa Minha Casa
Minha Vida, maior programa habitacional do país após a extinção do BNH, chancela
federalmente a reprodução de um modelo segregatório em larga escala nas cidades
brasileiras. Nas pala as de Rol ik, Ao fi a o igato ia e te u odelo de o do í ios
fe hados e u ados o eas de laze i te as , o p og a a de o adia [Mi ha Casa
Minha Vida] reproduz em miniatura os enclaves128 das lasses dias 2015, p.276).
Na espacialidade estudada, a investigação jornalística permitiu a verificação da
multiplicação dos condomínios fechados. Em 2007, o então secretário de Fazenda de
127
FERRAZ, Sonia M. T. et alii. A política da boa imagem: cidade limpa e segura para turista ver? In: OLIVEIRA, Floriano José Godinho de; WERNER, Cláudia Maria Lima; RIBEIRO, Patrícia Tavares (orgs.). Políticas públicas: interações e urbanidades. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2013. 368 p. p. 59-76.
128 É importante frisar que ne todos os auto es at i ue o te o e la e aos o do í ios fe hados. Pa a
Sa d a Le io i , o se tido de e la e de algo e a ado e algu a oisa , e at i ui o do í ios a e la es u a os de ota te it ios disti tos , ua do a e dade, e iste um único território que só aparenta ser dois ou mais, independentes uns dos outros.
154
Itaboraí, Ricardo Salles, declarou que a tendência das construtoras da cidade são
empreendimentos no formato de condomínios. Segundo o empresário do setor imobiliário
Sil io Ca doso, Ita o aí te a ia de i eis, p i ipal e te pa a a lasse dia , e
uma declaração do diretor-presidente da empresa Estrutura Administradora, Otávio Bulcão,
confirmou a mudança do público-alvo dos lançamentos paras as classes média e alta:
I esti os e Ita o aí h e a de sete a os e a te d ia ago a ue u o o pú li o se
interesse por morar na cidade. Isso nos fez criar um projeto diferenciado, que inclui casas
em condomínio fechado com total infraestrutura, área de lazer e segurança 129.
Sobre a prática do parcelamento em Maricá é importante destacar que, embora a lei
de uso do solo – Lei N° 2272, de 14 de novembro de 2008 – não restrinja o parcelamento das
áreas ao formato de condomínios, denominados lotea e tos fe hados a lei, desde o
final da década de 1980 o poder municipal privilegia o parcelamento de seu solo através de
condomínios, não licenciando loteamentos tradicionais (Cardoso, 2012, p.41). Podemos
verificar a confirmação desta prática na fala do ex-prefeito de Maricá, Ricardo Queiroz, a
frente do poder executivo de 2001 a 2008, em entrevista concedida ao jornal O Fluminense
e : Desde o i í io do eu a dato p oi i os os lotea e tos. Foi a p i ei a aç o
contundente para que a ocupação do solo e as áreas não ocupadas fossem preservadas.
Hoje só permitimos a construção de condomínios com água, luz, esgoto e toda estrutura
e ess ia 130. A fala do ex-prefeito sugere claramente uma ação contra a favelização na
organização socioespacial da idade, e esfo ços pa a ue os i desejados o fi e
residência no município, indicando um afinamento com o modelo da sociedade de
segurança.
Em 05 de fevereiro de 2012, matéria publicada por Bruno Uchôa no jornal O
Fluminense, i titulada Bai os pla ejados estão tomando conta do Estado , parece
confirmar a tendência de multiplicação de bairros planejados tanto em Itaboraí, quanto em
Maricá, São Gonçalo e Rio das Ostras. Todas recebem os impactos do suposto
129
Informações do jornal O Fluminense, 28 e 29 out. 2007, seção Habitação, p.11, publicadas em matéria de Letí ia Mota i titulada Ita o aí: es i e to de % . 130
Informação do jornal O Fluminense, 27 e 28 maio. 2007, caderno especial Maricá – 193 anos, p.6, publicada e e t e ista de Ma elo Ma edo Soa es o o e t o p efeito Ri a do Quei oz, i titulada E pe tati a po u futu o g a dioso .
155
desenvolvimento econômico trazido ao leste e norte fluminense pela presença da indústria
de petróleo e gás.
Figura 23 – Trecho da atéria Bairros pla ejados estão to a do co ta do Estado
Fonte: Jornal O Fluminense, 5 e 6 fev. 2012, seção Habitação, p.9
Neste caso, os bairros planejados surgem como avatares dos condomínios
(Cardoso, 2012, p.17). E são denominados assim porque os empreendimentos oferecem não
só apartamentos residenciais, mas também salas e lojas comerciais, e áreas de lazer com
segurança. Tomando como base a compreensão de Corrêa (2005, p.9), dos bairros como
lo ais de ep oduç o dos di e sos g upos so iais , o termo bairro é apropriado
indevidamente, pois ao contrário dos bairros planejados, que possuem acesso restrito e são
vigiados por segurança privada, os bairros em sua essência possuem livre acesso e circulação
de moradores e visitantes (Cardoso, 2012, p. 16).
O município de Maricá, mais especificamente, chegou a receber da mídia o título de
idade dos ai os pla ejados em 2012. Na época, a cidade tinha mais de 36 mil novas
unidades residenciais licenciadas ou em processo de licenciamento. O então secretário de
Desenvolvimento Econômico do município, Lorival Casula, anunciou que a maioria dos 131
mil habitantes da cidade em 2012 pertencia às classes mais baixas, e que 3.076 casas
156
populares estavam previstas para serem construídas através do programa Minha Casa
Minha Vida131. Estes números representam que aproximadamente 8,55% das unidades
licenciadas estavam previstas para a faixa de 0 a 3 SM, sendo 91,45% das unidades em
empreendimentos voltados para as classes de média e alta renda, revelando a parcela de
indivíduos beneficiados com as investidas imobiliárias (Cardoso, 2012, p.17). Hoje, esse
contingente de casas para baixa renda integram o Residencial Carlos Marighella em
Itaipuaçu, e Residencial Carlos Alberto Soares de Freitas em Inoã, ambos construídos pelo
PMCMV (vide localização na figura 26). A seguir, imagens de um dos bairros planejados, o
Residencial Landscape Maricá (figura 24), lançado em 2013 pela Cyrela Urbanismo, e
localizado às margens da RJ-106 (vide figura 26).
Figura 24 – Residencial Landscape Maricá
Fonte: Fotos da autora, 2019. Acima a portaria (esq.), solução de drenagem (dir.), seguida de panorâmica do condomínio, primeiras casas construídas (esq.), e parte da área de lazer (dir.).
131
Informações do jornal O Fluminense, 11 e 12 nov. 2012, seção Habitação, p.11, publicadas em matéria de B u o U h a i titulada Cidade dos ai os pla ejados .
157
Embora não caiba nesta dissertação tratar detalhadamente das estratégias
imobiliárias de marketing, a análise das propagandas imobiliárias para os municípios de
Itaboraí, Maricá, São Gonçalo e Niterói revelou que as palavras- ha e segurança ,
infraestrutura , lazer , qualidade de vida e tranquilidade s o f e ue te e te
referenciadas nos discursos de promoção dos lançamentos132. Transformam-se assim, em
termos eunucos133, no sentido de sua inutilidade ou indiferença. Os apelos imobiliários que
os utilizam não incorporam sentido real, são quase abstrações utilizadas para venda de
sensações de segurança, tranquilidade e qualidade de vida.
Cabe falar que nos condomínios que ocupam, as classes médias e altas se
responsabilizam em suprir parte da demanda de responsabilidade do Estado, no que diz
respeito aos equipamentos coletivos de lazer, provisão de segu a ça e i f aest utu a.
Como anteriormente observado nas abordagens qualitativas de Guichard (2001) e
Holzer (2016) em relação à população residente de Maricá, a fuga da violência e
consequente busca por tranquilidade e segurança foram as motivações de mobilidade mais
recorrentes. Nesse sentido, as palavras-chave citadas como dominantes nos apelos
imobiliários, funcionam como palavras-chamariz do público-alvo dos empreendimentos.
No entanto, a migração da violência acompanha a complexificação das classes sociais
no espaço. Isto pode ser observado através do acompanhamento jornalístico das ações
recentes das políti as pú li as as fa elas a io as, o jeti a do segu a ça dos
moradores). Porém na prática, influem na revalorização de áreas nobres, produção de
sentidos, como tranquilidade para a classe média e silêncio para a população de baixa renda,
revelando possíveis mudanças territoriais dessa violência decorrente da atuação das
132
No caso de Maricá, também é explorada a proximidade dos centros de Niterói e Rio de Janeiro, com frases o o a ape as i utos de Nite i e i utos do Rio . O t a alho de o lus o de u so de i ha
auto ia i titulado A o a Ma i : de idade do it io pa aíso i o ili io , de , faz u a a lise do avizinhamento das abordagens nos apelos imobiliários do município, das palavras-chave, dos atributos imagéticos, e da diagramação dos panfletos, como uma forma de reconhecer suas estratégias de venda.
133 Este termo é uma contribuição da orientadora desta dissertação, professora Sônia Ferraz, que surgiu das
reflexões realizadas no dia 02 de abril de 2019, em torno da temática da pesquisa.
158
Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), reterritorializada em novos espaços, como em
Niterói, São Gonçalo, e na Região dos Lagos134.
A título de exemplo, o jornal O Fluminense de 28 e 29 de novembro de 2010, traz
u a a hete i titulada E u alados o Rio us a efúgio e Nite i e S o Go çalo , e
aborda a migração de bandidos da capital para cidades da Região Metropolitana e do
interior do Estado do Rio. E o Atlas da Violência 2017, estudo realizado pelo Ipea, revelou
que os quatro municípios da região de influência do Comperj, possuem taxas de homicídios
por 100 mil habitantes superiores à da capital. No ranking estadual, São Gonçalo ocupa o 14°
lugar (370 homícídios/100 mil hab.), Niterói ocupa o 17º lugar (134 homícídios/100 mil hab.),
Itaboraí está no 19° lugar (73 homícídios/100 mil hab.), e Maricá no 20° lugar (30
homícídios/100 mil hab.), enquanto o Rio de Janeiro ocupa o 21° lugar (28,8 homícídios/100
mil hab.)135. Assi , os dados des istifi a o ito da t a uilidade segu a Ca doso, ,
p.37) que tem sido um pilar de sustentação da produção imobiliária condominial, e nos
remete às palavras-chave segurança, qualidade de vida e tranquilidade como termos
eunucos, citadas anteriormente. A utilização dos termos eunucos no sentido da não
atribuição de Maricá à violência urbana pode ser vista no sítio online do Residencial Pedra do
Vale.
134
Estudos desenvolvidos pelo grupo de pesquisa Arquitetura da Violência (ArqViol/UFF), no período compreendido entre 2010 e 2011, sob a coordenação da prof.ª Sônia Maria Taddei Ferraz, e com a participação dos bolsistas de iniciação científica Liebert Bernardo R.F. Pinto e Nicolle Peres Cardoso, abordam a migração da violência como consequência dessas políticas, extravasada em outras cidades da RMRJ. Um dos trabalhos elaborados intitula-se UPPs e ete ito ializaç o da Viol ia , ap ese tado e sete o de o Seminário Políticas Públicas: Interações e Urbanidades, da Rede de Políticas Públicas do Rio de Janeiro (Pronex – FAPERJ).
135 Informações do jornal O Fluminense, 6 jun. 2017, seção Cidades, p.6, publicadas em matéria de Giovanni
Mou o i titulada Raio-X da violência no Estado.
159
Figura 25 – Página online principal do Residencial Pedra do Vale, na RJ-114
Fonte: Imagem extraída do sítio online do empreendimento. Disponível em: <http://www.pedradovale.com.br/#home>. Acesso em: 12 maio. 2019.
Retomando a espacialização dos condomínios em Itaboraí e Maricá, podemos ver na
figura 26 a profusão de ai os pla ejados surgidos entre 2006 e 2019, bem como a
localização dos mesmos. Dentre estes, os empreendimentos destinados pelas prefeituras à
população com renda de 0 a 3 salários mínimos (SM) através do Programa Minha Casa
Minha Vida (PMCMV) estão identificados em rosa, enquanto os condomínios direcionados
aos estratos sociais de média e alta renda estão identificados em azul. O mapa contrasta a
área edificada dos municípios no ano 2000, em vermelho, à expansão urbana de 2000 a
2018, em amarelo. Ao lado do mapa segue a listagem dos condomínios localizados
numericamente, acompanhados do nome das construtoras/incorporadoras e os respectivos
anos de lançamento. Estes representam os lançamentos mais expressivos do mercado
imobiliário nos municípios desde 2006, e muitos são de construtoras de vulto nacional,
conforme pode ser observado na tabela que acompanha o mapa.
161
A análise cartográfica da expansão urbana do município de Maricá, de 2000 a 2018,
evidencia o crescimento urbano dos distritos de Itaipuaçu e Inoã, e ao longo dos eixos
rodoviários da RJ-106, de ligação a Niterói e São Gonçalo, e da RJ-114, que liga Maricá à
Itaboraí. De fato, Itaipuaçu foi a localidade que mais apresentou anúncios de imóveis e
terrenos nas bases analisadas.
A grande parte do crescimento urbano em amarelo, diz respeito às áreas de
empreendimentos condominiais, e estes se concentram principalmente em Inoã e Itaipuaçu,
provavelmente pela relativa proximidade de Niterói e do Rio de Janeiro através da RJ-106, e
ao longo do trecho da RJ-114 que liga Maricá à Itaboraí, constituindo-se esse um vetor de
expansão urbana e fragmentação do território em uma área de ambiência rural, com
predominância de sítios e fazendas. Em algumas publicidades imobiliárias, a RJ-114 é
efe e iada o o odo ia do pet leo . Em ambas as rodovias, a proximidade tanto do
Comperj quanto dos núcleos centrais metropolitanos é apropriada nas propagandas
imobiliárias, inclusive através de infográficos (figura 27).
162
Figura 27 – Propagandas imobiliárias dos condomínios em Maricá
Fonte: [1] Imagem capturada de vídeo intitulado residencial gan eden.avi, publicado 10 de março de 2010, e disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=iMxHx570CtQ>. Acesso em: 12 maio. 2019; [2] Imagem capturada da página Jardim Ubá Maricá, disponível em: <https://www.facebook.com/pages/category/Real-
Estate/Jardim-Ubá-Maricá-1037871449558886/>. Acesso em: 12 maio. 2019; [3] Imagem capturada do site do Complexo Imobiliário Le Parc, disponível em: <http://www.bacosconstrutora.com.br/hotsite/leparc
/localizacao>. Acesso em: 12 maio. 2019; [4] Imagem capturada do site do Privilège Golf Residencial, disponível
[1] [2]
[3]
[4]
[5]
163
em: <https://privilegegolf.com.br>. Acesso em: 12 maio. 2019; [5] Imagem capturada do site do condomínio Vale das Esmeraldas, disponível em: <http://valedasesmeraldas.com.br/>. Acesso em: 12 maio. 2019.
A análise cartográfica da expansão urbana do município de Itaboraí, de 2000 a 2018,
evidencia o crescimento urbano principalmente no distrito de Sambaetiba, que abrange
parte da área do Comperj, e ao longo da BR-101, no distrito do Centro. Sambaetiba é uma
área de ambiência rural predominante, cujos lotes passaram a ser vendidos com maiores
preços e em maior intensidade a partir do anúncio do Comperj. Na figura 28, encontram-se
propagandas de empreendimentos situados às margens da BR-101, rodovia federal de
ligação à Niterói, São Gonçalo e Região dos Lagos, e do empreendimento Holiday Park Land
Itaboraí, número 23 no mapa, adjacente à RJ-114, que liga Itaboraí à Maricá.
A observação do mapa de expansão urbana e localização dos condomínios (figura 26)
ainda nos permite constatar que, pelo fato de Itaboraí e Maricá não constituírem polos
econômicos fortes, de forma que grande parte de suas populações economicamente ativas
trabalha e/ou estuda nos municípios de Niterói, São Gonçalo e Rio de Janeiro, tanto os
condomínios de médio e alto padrão quanto os empreendimentos MCMV de 0 a 3 SM
disputa os es os espaços ao lo go das odo ias ue ga a te a essi ilidade aos
grandes centros da região metropolitana, induzindo ou reforçando uma urbanização
extensiva e dispersa no território destes municípios.
165
Fonte: [1] Imagem capturada do site do Parque das Palmeiras, disponível em:< http://www.parquepalmeiras.com.br/>. Acesso em: 12 maio. 2019; [2] Publicidade do empreendimento Terras
de Itaboraí, divulgada no jornal O Fluminense, 2 e 3 nov. 2014, seção Economia, p.12; [3] Publicidade do empreendimento Holiday Park Land Condomínio, divulgada no jornal O Fluminense, 8 dez. 2014, seção
Cidades, p.8.
[3]
166
4 REFLEXÕES CONCLUSIVAS
Os processos que envolveram as etapas da pesquisa, da leitura dos autores à
observação dos acontecimentos no período 2000-2018, através da montagem do dossiê
jornalístico e do banco de dados, possibilitaram que a dissertação extrapolasse os limites do
estudo de caso proposto inicialmente. Foram observados temas âncora, como a
reestruturação produtiva da metrópole fluminense, a mobilidade espacial para a Região
Metropolitana do Rio de Janeiro, e as especificidades da financeirização da terra e da
moradia no Brasil. O próprio estudo de caso soli itou essa abertura do quadro de análise,
para a compreensão de temas que transcorreram paralelamente ou interligados ao
fenômeno urbano e regional ocorrido com a chegada do Comperj.
A investigação teórica iniciada com os autores da década de 1970 (Castells, Lojkine,
Lefebvre, Marini), desenvolvida no primeiro capítulo, apresentou-se praticamente como
uma condição, sem a qual não seria possível avançar no entendimento do tempo e espaço
que vivenciamos hoje, e consequentemente da espacialidade estudada. Por sua densidade,
estes autores, juntamente com as considerações dos geógrafos citados, possibilitaram a
compreensão dos padrões do espaço urbano capitalista industrial, e das transformações que
caracterizaram sua passagem ao espaço urbano da contemporaneidade, cada vez mais
complexo, fragmentado e hierarquizado. Foi observada também a evolução conceitual do
tratamento do espaço urbano, na qual a abordagem da cidade como espaço de reprodução
da força de trabalho, e como reflexo das sobredeterminações econômicas e políticas,
somou-se a investigação da produção do espaço construído, da renda da terra, e do circuito
de acumulação do capital financeiro no espaço. A terra, de suporte material aos meios de
produção e lócus de reprodução da força de trabalho, passa a ativo financeiro (Rolnik, 2015,
p.160).
O p edi ado fa ilitado , usado pelo Ba o Mu dial pa a ualifi a a posiç o dos
Estados em relação à questão habitacional, atenua sobremaneira a atuação destes. Na
verdade, os Estados vêm assumindo posições centrais e agressivas no processo de
financeirização da terra e da moradia, regulando os sistemas financeiros de habitação;
desmontando políticas habitacionais e urbanas preexistentes; e construindo politicamente a
casa própria como única via de acesso à habitação, submetendo as famílias, principalmente
167
de baixa renda, às condições de crédito, qualidade e localização dos imóveis disponibilizadas
pelo mercado (Rolnik, 2015).
Embora a leitura esteja longe de ser esgotada, a perspectiva crítica do trabalho
acadêmico é fundamental para uma visão de mundo mais abrangente. Ao ler os diversos
autores, procurando dialogá-los conforme a perspectiva materialista histórica, é possível
juntar os pedaços, construir nexos, e enxergar o quanto essa teia nos impacta, no lugar da
sociedade que ocupamos.
O dossiê sobre a valorização imobiliária ocasionada pelo Comperj, reunido em
relação ao período da análise (2000-2018), revelou recorrentes matérias focadas
especificamente nos municípios de Itaboraí, Maricá, São Gonçalo e Niterói, enquanto
impactados pelo empreendimento regional em suas dimensões fundiárias, habitacionais e
socioeconômicas. De fato, o protagonismo destes municípios também é observado no que
diz respeito ao montante de ofertas de imóveis e terrenos, se comparado à ocorrência de
ofertas nos outros municípios integrantes da região de influência do Comperj, sugerindo
fatores de atratividade e representatividade regional, apropriados e ressignificados pelos
atores do mercado imobiliário.
Niterói e São Gonçalo são representados como centros mais dinâmicos do Leste
Fluminense, e signos de crescimento econômico e industrial próximos da capital. Maricá e
Itaboraí como áreas perimetropolitanas e emergentes expoentes industriais, dotados de
ofertas de terras e imóveis mais baratas do que em Niterói e São Gonçalo, ideais para
investimento ou moradia das classes médias e altas.
Os atores do mercado imobiliário se apropriam do discurso oficial do complexo
petroquímico em suas estratégias de venda, relativizando distâncias, e ressignificando
supostos benefícios do empreendimento ao associá-los com palavras-chave nos apelos
publicitários, como: ualidade de ida , segu a ça , t a uilidade , laze , e esta ,
pe to da atu eza , e t e out as. Te os eu u os ue se o fu de o as questões de
ordem subjetiva relativas à mobilidade espacial da população. Em Itaboraí e Maricá, a
proximidade dos centros de São Gonçalo, Niterói e Rio de Janeiro permite que o marketing
imobiliário relativize distâncias através de infográficos e frases prontas sobre os tempos de
deslocamento. Afinal, só é possível considerar que uma residência no distrito de Inoã, em
168
Maricá, fique a 40 minutos do centro do Rio de Janeiro em transporte privado e fora dos
horários de rush, o que não é a realidade da maioria dos trabalhadores que realizam
movimentos pendulares.
A fuga dos problemas cotidianos da metrópole, especialmente da violência, foi
apontada por inúmeros novos moradores de Maricá como principal motivação para a
mobilidade, especialmente da classe média (Guichard, 2001). No entanto, a migração da
violência acompanha a complexificação das classes nos espaços urbanos, e os índices
apresentados nas matérias sobre a crescente violência no Leste Fluminense são sintomáticos
desta realidade.
Enquanto as motivações que circundam a mobilidade espacial das classes sociais são
de ordem subjetiva, visto que englobam múltiplas variáveis que não só a financeira, as
motivações dos atores imobiliários para conquista e transformação de territórios em
mercadoria são objetivas, uma vez que o mercado não só constrói onde há demanda, mas
ta p oduz essa de a da nas áreas que lhe possibilitam máxima rentabilidade. Uma
demanda insuflada pela publicidade imobiliária, que de forma recorrente apropria-se da
dimensão simbólica de grandes empreendimentos como o Comperj.
A análise da valorização da terra identificou em Itaboraí e Maricá um expressivo
potencial especulativo em suas reservas de terras, como por exemplo, uma área em Itaboraí
de 6 milhões de metros quadrados, anunciada em 2013 por R$ 9,5 milhões, o que
representa R$ 1,58/m², enquanto a média municipal do período foi de R$ 45,87/m².
A observação da expansão urbana no período pesquisado revelou extensas rupturas
fundiárias, parcelamento de terras em zonas antes consideradas rurais e incremento de
áreas edificadas. O gráfico de variação anual do preço médio do metro quadrado da terra
(figura 15) mostrou uma forte simultaneidade entre os períodos de bonança e crise na
construção do Comperj e a expansão e retração nos preços de terrenos, sugerindo um
impacto mais imediato do que na variação anual do preço médio residencial. Cabe ressaltar,
que na composição do preço imobiliário há a presença de inúmeras variáveis não observadas
em relação ao preço do solo urbano, que pode ter seu preço composto inteiramente por sua
localização (Singer, 1982 [1978]).
169
Esta pesquisa, enquanto um grande exercício de identificação de padrões e
intensidades relativas à valorização fundiária e imobiliária na microrregião analisada,
entende o Comperj como um símbolo-indutor de impactos multidimensionais calcados no
ideário de desenvolvimento econômico (Sanchez et alii, 2009), amparado por ações políticas
federais e estaduais com interesses na reestruturação produtiva fluminense, em um período
de Roll-Out do capital, como o acontecido durante o governo Lula e Dilma (2003-2016)
(Brandão, 2017)136.
Diante desta realidade, os cruzamentos e interpretações de dados, as vozes dos
diversos atores reunidas através da análise jornalística, e a leitura cartográfica da valorização
imobiliária presentes nesta dissertação, apontam, para além das suspeitas, que o Comperj
como Grande Projeto Regional, cumpre a função de uma promessa muito conveniente. Um
signo apropriado rentavelmente pelo mercado imobiliário em suas intermediações urbanas.
O Comperj, enquanto símbolo de desenvolvimento econômico e progresso tornou-se um
elemento de agregação de valor, uma a tage lo a io al Si ge , ) que integra a
composição do custo dos imóveis e terrenos de sua área de influência, cujos contornos das
áreas de impacto direto ou indireto são mais difusos do que os delineados pelo seu prévio
estudo de impacto ambiental (EIA/ RIMA, 2007 apud Sanchez et alli, 2009).
A classificação figu ati a du a ue o elat io de i pa to a ie tal atribuiu às
ditas áreas de influência direta ou indireta do empreendimento, racionalizada segundo os
limites territoriais municipais, não corresponde às ações dos atores imobiliários que se
materializam no espaço, imprimindo novas territorialidades e demandas de serviços públicos
136
Ap s o impeachment da e -presidente Dilma Rousseff em 2016, vivemos uma nova rodada de neoliberalização agressiva, um tempo de Roll-Back no qual foi aprovada durante o governo Temer (2016-2018), sucessor de Dilma, a Reforma Trabalhista, que desmantelou direitos históricos do trabalhador, conferindo amplos poderes aos patrões na precarização da força de trabalho. No governo Bolsonaro (2019-atual), temos assistido à intensificação dessas políticas, com a proposta de aprovação da Reforma da Previdência, e o recente corte de cerca de 30% nas verbas discricionárias das universidades federais, que impacta os gastos com manutenção, relacionados ao funcionamento cotidiano das universidades, bem como bolsas acadêmicas e os insumos necessários para a pesquisa científica no Brasil. A pesquisa que integra esta dissertação foi realizada por uma arquiteta e pesquisadora formada na EAU/UFF, que durante o mestrado no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da mesma universidade (PPGAU/UFF), foi bolsista da Capes, usufruindo do ensino gratuito e de qualidade que deve ser direito de todos. Neste sentido, esta dissertação é um testemunho do investimento público em educação, e demonstra o quanto a pesquisa brasileira pode sofrer caso as ofensivas neoliberalizantes permaneçam, e as oportunidades que tive como pesquisadora sejam negadas aos próximos estudantes.
170
de forma complexa e atomizada, cuja intensidade e distribuição no território não está
formatada a classificações cartesianas de impactos diretos ou indiretos.
Os interesses e estratégias imobiliárias no mercado formal, que conformam novas
territorialidades para os estratos sociais que podem consumi-los, dialeticamente
determinam as parcelas do território que serão apropriadas informalmente, pela população
não ativa economicamente, ativa informalmente, ou com rendas que não permitem a
obtenção de crédito imobiliário. População que ocupa as áreas não interessantes ao
mercado, geralmente, faixas lindeiras às rodovias ou cursos fluviais, suscetíveis à inundação,
ou ainda áreas não edificáveis segundo parâmetros legislativos, áreas de preservação
ambiental, ou qualquer outra porção de terra que o mercado esteja impedido
legislativamente ou topograficamente de transformar em mercadoria, e consequentemente,
gerar renda.
É possível observar através dos mapas produzidos para a microrregião de influência
analisada, a mobilidade do capital na escolha das áreas mais lucrativas para suas
empreitadas imobiliárias, possibilitando a mobilidade das classes que podem se apropriar
desses espaços, e solapando e restringindo a mobilidade das classes subalternas (Massey,
2000), desterritorializando e reterritorializando-as em função da propriedade privada
(Haesbaert, 2014), provavelmente para as franjas ou interstícios municipais, em áreas até
então desinteressantes ao mercado (até quando?), precárias na oferta de redes de
comunicação (e consequente acessibilidade virtual global), infraestruturas de transporte e
saneamento, e equipamentos coletivos.
Embora a fala de personagens políticos como o ex-presidente Lula sinalizem de forma
geral a necessidade do planejamento urbano como atenuador dos impactos prospectados
para os municípios da região de influência do Comperj137, a dinâmica autônoma que a
propriedade da terra confere ao mercado imobiliário coloca os conflitos territoriais de classe
para além da alçada dos poderes municipais. Nesse sentido, ganham relevo os
apontamentos de Amaral (2009), no que diz respeito à necessidade da elaboração de uma
137
Co elaç o aos possí eis i pa tos do e p eendimento, o presidente Lula, em cerimônia de inauguração do COMPERJ, defe deu a e essidade de u pla eja e to u a o pa a i pedi a o upaç o deso de ada do e to o. É p e iso ue haja u jogo o i ado pa a o a o te e a ui o ue a o te eu e out as egi es disse ele AMARAL, , p. , .
171
política regional de habitação e planejamento territorial, fortalecimento do quadro técnico-
institucional dos municípios com o objetivo de acelerar as ações e projetos, e a consecutiva
obtenção de recursos federais, e uma postura firme quanto ao zoneamento e ocupação do
solo urbano, evitando a flexibilização das legislações municipais de acordo com os interesses
do mercado.
A janela de investigação do fenômeno a partir da qual esta pesquisa o observou, teve
por objetivo somar sua análise crítica às outras janelas já abertas por outros pesquisadores,
que abordam desdobramentos do Comperj em sua região de influência. Desta maneira, o
mapeamento da dinâmica de preços fundiários e imobiliários apresentado nesta dissertação
dimensiona a intensidade da valorização da terra e da moradia na microrregião analisada, e
consequentemente evidencia os conflitos de classe pelo seu acesso. Futuras investigações
podem abordar a expulsão dos pobres para a periferia dessas áreas periurbanas, tomando
emprestada a expressão de Ermínia Maricato – periferia da periferia138 –, em um cenário de
complexificação dos espaços urbanos contemporâneos, como o brevemente descrito no
segundo capítulo.
O olhar mais atento aos desdobramentos do anúncio do Comperj na valorização
imobiliária e fragmentação do território de Itaboraí e Maricá, principalmente, e a observação
crítica da experiência de Macaé, nos adestram para olhar adiante, na perspectiva de um
cenário pós-inauguração do empreendimento regional, e as aceleradas mudanças urbanas
desse espaço sub-regional, tendo em vista que o suporte quantitativo alimenta a análise
crítica, e transforma os números impessoalizados em dados humanizados que exprimem
aspectos de nossa cotidianidade.
Embora a análise presente nesta dissertação não possa assumir um caráter
categórico, visto que o montante de dados reunidos não tem representatividade absoluta e,
portanto, não tem contornos oficiais, funciona como um termômetro de intensidades, que
138
A arquiteta e professora aposentada da Universidade de São Paulo (USP) utilizou essa expressão ao falar sobre os efeitos do Minha Casa Minha Vida sobre a acentuação da segregação socioespacial urbana. Nas pala as de Ma i ato, [...] o pessoal ais po e foi e pu ado pa a a pe ife ia da pe ife ia, i lusi e eas de proteção de mananciais. A fronteira de ocupação predatória foi ampliada, porque o preço da terra subiu na pe ife ia . E t e ista pa a a BBC B asil em São Paulo, publicada 4 de junho de 2018, em matéria de João Fellet i titulada Mi ha Casa, Mi ha Vida pio ou idades e ali e tou espe ulaç o i o ili ia, diz e -secretária do go e o Lula . Dispo í el e : <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-44205520>. Acesso em: 10 jun. 2018.
172
pôde fornecer pistas e hipóteses sobre a região estudada. Para além do resultado numérico,
estatístico ou relacional, o trabalho de pesquisa e o enfrentamento de montar um banco de
dados próprio, com erros, acertos, e dificuldades a contornar, foram processos que me
instrumentalizaram como pesquisadora.
Fazendo o movimento de retorno da particularidade regional à totalidade de nossa
realidade, esta investigação sinaliza em direção à complexidade do espaço urbano que
o upa os hoje, o ais est utu ado so e te e fu ç o da ep oduç o da lasse ue
i e do t a alho no espaço em que se dá a acumulação capitalista, mas, tomando
emprestado o conceito de Arantes (2009), em função de uma galopante forma da cidade
enquanto forma da acumulação capitalista, em uma ofensiva do capital sobre a terra e a
moradia.
173
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