«Lourenço Moreno, uma Eminência Parda em Cochim», in Os Descobridores do Brasil – Exploradores...

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CAPITULO 13 Lourengo Moreno, Ltma emlnAnct"a parda em Cochim ALEXANDRA PELUCIA 1. Do Alentejo i india No decurso da sua longa vida, Lourengo Moreno deu bastas provas de ser uma pessoa de cardcter determinado. O primeiro sinal que nos revela essa caracterfstica reside, precisamente, na sua decisSo de integrar a se- gunda armada portuguesa que deveria aportar ir india, no ano de 1500, sob o comando de Pedro Alvares Cabral. O relato que Vasco da Gama fizera ao rei D. Manuel I das circunstAn- cias em que se desenrolara a viagem inaugural, se bem que permitisse con- tinuar a alimentar expectativas acerca de um entendimento com o Samorim, era suficiente para deixar adivinhar que os Portugueses poderiam experi- mentar algumas dificuldades quando as suas naus voltassem a fundear no porto de Calicutt. Ainda assim, LourenEo Moreno estava apostado em al- terar o rumo da sua vida, preferindo as praias da costa do Malabar is plani cies de Moura, onde nascera2 por volta de 14633. Do ponto de vista laboral, I O monarca portugu€s continuava a considerar o seu hom6logo de Calicut como um nirmSo na f6r, visto que a expediEio do Gama nio abalara, irremediavelmente, os fundamen- tos do mito da India crist6. Todavia, os diversos incidentes que tinham pautado a estadia na referida cidade e, sobretudo, a influ€ncia mugulmana que ali foi detectada induziram D. Manuel a preparar uma poderosa esquadra naval e a mandatar Cabral para f.azer uso do respectivo arsenal b6lico caso a situagdo o exigisse - Cf. folhas folhas do regimento rdgio a conceder a Pedro Alvares Cabral par s.1., s.d. U500], pub. in Os Primeiros 14 Documentos Relativos d. Annadq ral, ed. Joaquim Romero de Magalhaes e Susana Miinch Miranda, Lisboa, 1999, p. 60. Pormenores sobre a primeira viagem i india e o percurso biogr6fico do respectivo capitio-mor deverio ser recolhidos nas obras de Genevidve Bouchon, Vasco da Gama, Lis- boa, 1998 e Sanjay Subrahmanyam, A Can'eirae LendadeVasco daGama, Lisboa 1998. 'z Cf Provisio regia dirigida ao almoxarife de Moua, Lisboa, l-VI-1513, nz IAIV|I CC,II-39-2. 3 nCompre a minha homrra, senam ter bom cuidado de vosa f.azenda e mamdar uos dizer a verdade do que se acerqua della faz, como me emcomemdaes e mandaes que ho faca; e nam sam de menor idade, pera que me lelxees de crer, porque ja sam de lt'. anos, - Cf. Carta de Lourengo Moreno a El-rei, Cochim, 30-X-1513, pub, in CAA, vol. III, p, 390. 279

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CAPITULO 13

Lourengo Moreno, Ltma emlnAnct"aparda em Cochim

ALEXANDRA PELUCIA

1. Do Alentejo i india

No decurso da sua longa vida, Lourengo Moreno deu bastas provas deser uma pessoa de cardcter determinado. O primeiro sinal que nos revelaessa caracterfstica reside, precisamente, na sua decisSo de integrar a se-gunda armada portuguesa que deveria aportar ir india, no ano de 1500,sob o comando de Pedro Alvares Cabral.

O relato que Vasco da Gama fizera ao rei D. Manuel I das circunstAn-cias em que se desenrolara a viagem inaugural, se bem que permitisse con-tinuar a alimentar expectativas acerca de um entendimento com o Samorim,era suficiente para deixar adivinhar que os Portugueses poderiam experi-mentar algumas dificuldades quando as suas naus voltassem a fundear noporto de Calicutt. Ainda assim, LourenEo Moreno estava apostado em al-terar o rumo da sua vida, preferindo as praias da costa do Malabar is planicies de Moura, onde nascera2 por volta de 14633. Do ponto de vista laboral,

I O monarca portugu€s continuava a considerar o seu hom6logo de Calicut como umnirmSo na f6r, visto que a expediEio do Gama nio abalara, irremediavelmente, os fundamen-tos do mito da India crist6. Todavia, os diversos incidentes que tinham pautado a estadia nareferida cidade e, sobretudo, a influ€ncia mugulmana que ali foi detectada induziram D.Manuel a preparar uma poderosa esquadra naval e a mandatar Cabral para f.azer uso dorespectivo arsenal b6lico caso a situagdo o exigisse - Cf. folhas folhas doregimento rdgio a conceder a Pedro Alvares Cabral par s.1., s.d. U500],pub. in Os Primeiros 14 Documentos Relativos d. Annadq ral, ed. JoaquimRomero de Magalhaes e Susana Miinch Miranda, Lisboa, 1999, p. 60.

Pormenores sobre a primeira viagem i india e o percurso biogr6fico do respectivocapitio-mor deverio ser recolhidos nas obras de Genevidve Bouchon, Vasco da Gama, Lis-boa, 1998 e Sanjay Subrahmanyam, A Can'eirae LendadeVasco daGama, Lisboa 1998.

'z Cf Provisio regia dirigida ao almoxarife de Moua, Lisboa, l-VI-1513, nz IAIV|I CC,II-39-2.3 nCompre a minha homrra, senam ter bom cuidado de vosa f.azenda e mamdar uos

dizer a verdade do que se acerqua della faz, como me emcomemdaes e mandaes que ho faca;e nam sam de menor idade, pera que me lelxees de crer, porque ja sam de lt'. anos, - Cf.Carta de Lourengo Moreno a El-rei, Cochim, 30-X-1513, pub, in CAA, vol. III, p, 390.

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DESCOBRIDORES DO BRASIL

. Cafta de LourenEo Moreno a El_rei, Cochim,

Moura, Tratado das,, in Diciond.rio d.e Hist6ria90, p. 156.

seuntoris,ivo

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C,rpiruro l3: LOURENQO MORENO, UMA EMINENCIA PARDA EM COCHIM

O acesso privilegiado de que Lourengo Moreno gozavajunto de D.Manuel, enquanto seu servidor, e um bom desempenho profissional consti-tuem, sem grande margem para drividas, a chave da indicaEio do seu nome,em 1500, para ocupar uma escrivaninha na futura feitoria de Calecutee . Opioneirismo de que se revestia a instalag6o dos Por[ugueses no Malabar e aimportAncia fulcral da organizaE6o do trato das especiarias oferecer-lhe--iam, decerto, mais oportunidades de promoEao social e econ6mica do quese permanecesse no Reino. Bastava sobrevivef, ter sorte e sabd-las aproveitar.

2.De escrivSo a feitor

A primeira referdncia contida na documentaEao coeva d presenEa deLourenEo Moreno a bordo da armada de Cabral data, somente, de Dezem-bro de 1500, ou seja, passadas as fases do embarque, da viagem e da con-turbada perman€ncia em Calicutr0. Tal circunstAncia constitui um indica-dor claro de que ele n6o tinha proemin6ncia social, nem assumira um pa-pel de destaque durante um dos momentos altos da expediEs.o: a descober-ta do Brasil. Julgamos n6.o exagerar se considerarmos que o contacto coma terra de Vera Cruz representou na existdncia de LourenEo Moreno umaesp6cie de fait divers, um evento que o nio ter6 deixado insensivel devidoao exotismo da naturezae i afabilidade dos indigenas, mas que s6 evocariaocasionalmente, a tituio de curiosidade. Na verdade, se houve um espaEoextra-europeu que lhe marcou, indeleveimente, o espirito e o destino foiCochim'1 .

Os primeiros dias da presenEa de LourenEo Moreno na india foramdesagradS,veis, n5.o tanto pelo conflito de interesses travado com os merca-dores muEulmanos e as autoridades de Calicut, que culminou no assaito dfeitoria portuguesa e no massacre dos homens para ali destacados, comopela doenqa que o afectavar2. DoenEa providencial dir-se-ia, na medida queo reteve numa das naus, livrando-o provavelmente de uma morte violenta.

Tendo-se tornado evidente a impossibilidade de os Portugueses insta-Iarem em Calicut um entreposto para servir de base ao trS.fico das especia-

e Cf. Lendas,I, p. 216. Fazemos notar que o nome de Lourengo Moreno est6 ausente de

todos os documentos respeitantes d organizagio da feitoria de Calicut que foram coligidos e

publicados por Joaquim Romero de Magalhies e Susana Miinch Miranda, op. cit.r0 Este aspecto 6 desenvolvido por Joio Paulo Oliveira e Costa e Vitor Luis Gaspar

Rodrigues, PorttLgal y Oriente: El Proyecto Indiano del Rey Juan, Madrid, 1992, pp. 51-52.Ir Sobre esta cidade veja-se o trabalho de Jos6 Alberto Rodrigues da Silva Tavim, uCochim

e o Com6rcio da Pimentz>, in Os EspaEos de uutt Impdrio, Lisboa, 1999, pp.169-181.tz Cf . Lendas, l, p. 216.

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rias, a armada das qu_inas apontou direcEio a cochim, onde as hip6tesesde entendimento se afiguravam mais promissoras. Quando o capitdo-morchegou a acordo com o rei local pu.i se abastecer da almejada pimenta,em troca de uma parceria militar contra o Samorim, o paciente ainda naose encontrava restabelecido. Viu-se, por isso, impedido de assumir as fun-Eoes de feitol para as quais fora escolhido por Cabral, a fim de superintenderos actos de compra e carga, acabando por ser substituido po, dorEaio GilBarbosa'3. Dai ter6 resultado que, na altura da partida da frota, ocorridaem Janeiro de 1501, Barbosa foi confirmado como respons5.vel m6ximopela feitoria que ficava instalada em Cochim, reserva.rdo-se para Louren-Eo Moreno a condig6o de escriviora.

os tempos que se seguiram foram, necessariamente, de adaptaEdo auma nova realidade ambiental e civilizacional, mas tamb6m de desgastecausado pela oposiEao que a comunidade islAmica continuou a levantarem cochim, a ponto de a armada de Joi.o da Nova ter sido obrigada anegocrar a sua carga em Cananorr-5.

Em 1502, quando as velas conduzidas por vasco da Gama fizeram asua aparigS.o na barra de cochim, o cen6rio era mais favord.vel. Logo quechegaram d faia com o almirante, GonEalo Gil Barbosa e LourenEo More-no puseram-o ao corrente do bom tratamento que lhes era dispensado pelosoberano hindut6. A 6poca era, pois, propicia )r complexificaE6o da presen-Ea nacional na costa ocidentai indiana. Neste Ambitt, foi estabelecida umasegunda feitoria em Cananoq, da qual ficou encarregado Gongalo Gil Bar-bosa, e Diogo Fernandes correia tomou conta da de-cochim, permanecen-do af Lourengo Moreno na qualidade de escrivi.orT.

Outro elemento que denota a intenEao de reforEar a influ6ncia lusa naregiSo 6 o inicio do patrulhamento maritimo por parte de uma esquadra

t3 Cf' Lendas, I, p.-2 18. Originalmente, Gongalo Gil Barbosa fora provido no lugar degsgr-ivao da despesa da feitoria de Calicut - Veja-ie Isaias da Rosa peieira, <DocumentosIn6ditos sobre GonEalo Gil Barbosa, Pero Vaz de Caminha, Martinho Neto e Afonso Furtado,escrivaes da despesa e receita do feitor Aires Correia (1500)", in Congresso InternacionalBartolomeu Dias e o sua Epoca. Actas, vol. II, porto, 1939, pp. 505_5 13.ta CF. Lendas, I, p. 221; Asia, I, vi, 7 e Hist6ria,I, xl.

^

l'Inscription de Colombo (1501). euelquesova dans l'Oc6an Indienr, in [nde DhcotLverte,

o-Portugaise, Lisboa-Paris, 1999, pp. I I g- I 19.Para os prim6rdios da presenEa portuguesa em Cochim seguimos ainda o estudo de JeanAubin, nlApprentissage de l'Inde. Cochin 1503-1504,, ,in Mol,enOrient & Ocd.an IndienWIe_WIIe s., no 4, Paris, 1987, pp. 1-96.

t6 Cf.. Lenda.s, I, p. 309 e Hist6ria,I, xlvr.t7 Cf . Lendas,I, p.3I2 e Hist1ria,I, xlvr.

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crpirr-r-o l3: LoURENQO MoRENo, UMA EMINENCIA PARDA EM COCHIM

permanente, da qual Vicente Sodr6, tio de Vasco da Gama, foi o primeirocapitS.o-mor. Da missao do fidalgo constava ainda o apoio militar a Cochimcontra eventuais investidas de Calicut. De facto, a animosidade de que eramalvo os Portugueses e o rei de Cochim n6o cessara de aumentar e ameaqavaevoluir, a curto prazo, para uma situagao de guerra aberta. Vicente Sodr66 que nd.o se compadeceu face a essa perspectiva, persistindo na ideia de irfazer presas para a boca do estreito de Meca, mesmo depois de LourenEoMoreno se ter apresentado na sua nau para o tentar dissuadirrs.

Nos principios de Abrii de 1503, as hostes do Samorim invadiram oterrit6rio de Cochim. Acto contiguo, Lourengo Moreno largou a pena e pe-gou em armas, pelejando ao lado do principe herdeirore. Por6m, os dispo-sitivos de defesa accionados n6o foram de molde a suster a progressio dosinimigos, pelo que se procedeu a uma retirada estrat6gica para a ilha deVaipim, cujo car6cter sagrado dava garantias de imunidade aos refugiados.

Tal foi o estado de coisas com que depararam Francisco e Afonso deAlbuquerque ao lanEarem Ancora frente a Cochim, no mds de Setembrodesse ano, respectivamente nos dias 2 e 15. Gragas a eles e aos restantesmembros da armada, tornou-se vi6vel desferir um contra-ataque, que em-purrou os invasores para fora da cidade. N5.o obstante, o perigo continua-va eminente, facto que animou o feitor portugu6s e os seus escrivaes (Lou-renqo Moreno tinha Al.raro Vaz como colega) a fazerem pressio no sentidode que fosse levantada uma fortificag6.o para servir de escudo i. feitoria,designio que foi acatado e executado depois de vencida a relutAncia domonarca local2o. Outra atitude saliente do pessoal da feitoria consistiu emchamar a atenEso dos primos Albuquerque para que se abstraissem dassuas quezilias pessoais e concentrassem no serviEo d'El-rei, sob pena delhes vir a ser assacada a responsabilidade por eventuais fracassoszr .

Os revezes infligidos ao Samorim condicionaram a sua capitulaEio ea assinatura da paz. Do lado portuguds, nio havia ingenuidade que levasse

tE Cf. Historia, I, xlix. No que toca i expediEao predat6ria de Vicente Sodr6 consulte-se o nosso estudo, nCorso Portugu€s no Estreito de Meca (1500-1550)", inVd.rtice, II s6rie,n" 77 , MarEo-Abril 1997, pp. 6-7,assim como o capitulo dedicado por Andr6 Teixeira, nestevolume, )r figura de Pero de Ataide.

1e Cf.. Hist6ria, I, Iii.20 Cf. Jean Aubin, op. cit., pp. 16-17. Moreno esteve prestes a dirigir a construE6o

numa altura em que os capities e Diogo Fernandes Correia se preparavam para acometer osadvers5rios. Sucedeu que o rei de Cochim considerou mais prudente confiar a tarefa a Fran-cisco de Albuquerque, de modo a que este pudesse zelar, simultaneamente, pela seguranEa dafrota nacional - Cf. Lendas,I, p. 389.

zl Cf. Jean Aubin, op. cit., p. 18.

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a crer na perenidade do acordo, Desta sorte, uma guarniE6o liderada porDuarte Pacheco Pereira22 foi incumbida da protecEa.o de cochim, tarefaque j5 a aborvia em27 de Janeiro de 150+, dia em que as armadas deFrancisco e de Afonso de Albuquerque se fizeramde novo ao marz3.o conflito arrastou-se durante meses a fio, tendo a silr,raEao rido ,rpo._tada merc€ dos homens e das armas que tinham sido deixadas em cochim,-mor. Lourengo Moreno mostrou_senos focos de combate2a, dispondo_sea superioridade num6ricazs, ajudan_

so a uma secEdo de artilha riazT .A vit6riTtru:::j:#ilffn::Tffi:bloco luso-cochinense, foi confirmada em definitivo, no 0ltimo dia dt ano,

p {ia a9 transporte de es-

s |?f]'""tado Por LoPo

sonAncia na corte, a avaliar pelo envino ano de 1505, que o elevava i cateque tomou posse em Janeiro de 15ocupado em aprofundar o conhecimento do mercado e das t6cnicas co-merciais em voga no Malabaf,, controlar o movimento fiscal

" urr"grr.u. obom funcionamento das estruturas de a oio d presenqa portuguesa na d.rea3r .

sente obra.ao rei porenunciava

as que o capit6o_morce uchegou LourenEoso a se achar no com_

vinda por ser muyto esforgado.,26 Cf. Hist1tla, I, lxxxiv.27 Cf . Lendas, I, pp. 475,47g_4g0.28 cf' Genevidve Bouchon, ul-e Premier Voyage de Lopo Soares en Inde (i504-1505),,in op. cit., pp. L4L-154.ze Cf' Lendas,I, p. 645.30 Cf. Carta

36g_369 e Carta de Cochim, ll_I_1506, pub. in CAA, vol. II, pp.

Braancamp Freire, ;?* ffiilT:,,t:;;r:;,::,Zt;rii!,:,ili!iii*vol. IV p. 288.

Portugues no S6culo a/r', itt Estudos sobre Hist6rio p,ronirnico e social do Antigo Reginte,Lisboa, 1984, pp. 155-156.

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Cepiruro 13: LOURENQO MORENO, UMA EMINENCIA PARDA EM COCHIM

N6o menos importante, em observAncia do monop6lio decretado no anoanteriof, apenas consentiria que ele pr6prio e outros feitores comprassema pimenta para Ei-rei, aceitando, no entanto, providenciar as quintaladas3z

dos particulares, mediante o fornecimento pr6vio de numer6rio33.Al6m dos principios monopolistas, o ano de 1505 trouxera como novi-

dade a criaE5.o de um governo-geral dos interesses e possess6es nacionaislocalizados a Leste do cabo da Boa EsperanEa. D. Francisco de Almeida foia primeira personalidade sobre quem pesou a responsabilidadera. Tirdoindica que, de inicio, tenha sido f6cil a sua conviv6ncia com LourenEoMoreno35. Mas, por razoes obscuras, acabou por afast6-lo da feitoria de

Cochim em 150736 .

Lourengo Moreno regressou ent6o a Portugal, onde apresentou con-tas relativas d sua comissAo de serviEo, sendo-lhe outorgadacarla de quita-

E6o em finais de Dezembro de 150937. Este documento cont6m um elemen-to de importAncia adicional, uma vez que identifica o receptor como cava-leiro da Casa Real. Desde quando usufruiria ele dessa dignidade? As chan-celarias r6gias n6o permitem dar resposta )r questio3S . E verdade que FernaoLopes de Castanheda, reportando-se aos primeiros combates travados porMoreno em Cochim, afirma que ele agiu ucomo muy valente caualeyror3e.Todavia, as palavras prestam-se a uma leitura ambigua, pois, tanto podemsignificar que ostentava o grau, de pleno direito, como que se equiparava

32 Sistema que reconhecia aos servidores da Coroa o direito de fazerem tranpoftar a

bordo das armadas oficiais uma determinada quantidade de especiarias, consentAnea com aposigio s6cio-profissional de cada um, e de as venderem com fins lucrativos - Cf. Luis FilipeF. R.-Tho-uz, .A Quest6o da Pimenta em Meados do S6culo XVI,, in A Carreira da india e as

Rotas dos Estreitos. Actas do VIII Semindrio Internacional de Hist6ria Indo-Portuguesa, eds.

ArturTeodoro de Matos e Luis Filipe F. R. Thomaz, Angra do Herofsmo, 1998, p. 104.33 Cf. tbidenz, p. 105.ra A vida e obra do vice-rei foram aprofundadas por Joaquim Candeias da Silva, O

Fundador do "Estado Portugu€s da india", D. Francisco de Almeida (1457?-1510),Lisboa, 1996.35 Tendo acabado de se despedir de Diogo Fernandes Correia, que estava de regresso

a Portugal, o vice-rei .dise a lourenEo moreno que folgaria muito por elle aquy ficar porfeitor, por o conhecimento que com elle tinha'. Cf. Carta de Gaspar Pereira a El-rei, Cochim,11-I-1506, pub. lzr CAA, vol. II, p. 369.

16 Cf. Lendas,l,p.719.37 Cf. Carta de Quitag6o a LourenEo Moreno, Almeirim, 15-KI-1509, pub. por Anselmo

Braancamp Freire, op. cit., vol. IV p. 288.rs Detect6mos uma carta de confirmaEio de cavaleiro concedida a LourenEo Moreno,

em atengao aos feitos que praticara na conquista de Azamor, em 1513 - Cf. Carta..., Lisboa,

2l-V-1517, ur IAN/TT, Chancelaria de D. Manuel - DoaEdes,.livro 10, fl. 34. Sendo indesmentfvelque a figura que temos vindo a seguir se encontrava na India no dito ano, s6 podemos con-

cluir que se tratava de um hom6nimo.re Cf. Hist6ria,l, hi.

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em bravura aos guerreiros nobres.Levando em consideragao que eram, geralmente, os membros da no-

breza que tinham acesso aos postos mais quia politi-co-administrativa ultramarina, desde as itanias dasfortalezasa', julgamos nAo ser descabido Eo Morenoj6 pertencia dquele estrato sociai quando embarcou para a india, ap6s quasevinte anos de serviEo d casa ducaide Viseu-Beja e d Coroa. Ser6, no entan-to, exagerado v6-lo como fidalgo de nascimentoar quando o seu irmd.o 6apresentado por Gaspar Correia como .,hum Jo6o Morenora2 e o 6niconobili6rio que o cita n5o identifica os seus ascendentesa3, sinal que apontapara uma nobilitaE6o recenteaa. Esta ter5 entao resultado dos bons servi-Eos administrativos prestados por LourenEo Moreno ou at6 de uma eventu-ai passagem pelo "est6gio marroquinor4S.

3. Os tempos do Tbrrfbil

no d ;i:.ilT:'i:'"1T,":":;?ri:"T::"JXJ#lil.sava is pr6prios que desembolsara no exercicio doprimeiro mandatoa6. Este resultara lucrativo a ponto de o oficial reconhe-cer que "quando de laa party, ja tinha per onde viuer, sem ter muytanecesydade de tornar a jmdeauaT. parece-nos, contudo, que as raz6es que o

a0 Cf. Joio Paulo Oliveira e Costa, uA Nobreza e a FundaE6o do Estado portugu€s daindiao, comunicagdo apresentada ao Congresso Internac ional Vasco da Gama, Homens, Via-gens e Culturas, cujas actas aguardam publicaE6o.

ar Os cavaleiros da Casa Real eram reconhecidos como fidalgos, quer por direitoheredit6rio, quer Por graga r6.gia - Cf. Jo6o Cordeiro Pereira, <A Estrutura Social e o seu

43 tomo I! vol. II, p.466.44 osta, (A Nobreza e a Expansio - Particularidades de umFen6men Nobreza e a Expansdo: Estud.os Biogrtificos, coor. JoioPaulo Oli 0, p. 35.

a5 Cf. JoSo Cordeiro Pereira, op. cit., pp.299-300.a6 Cf. Alvar6 r6gio, Almeirim, l5-I-1510, pub. in CAA, vol. VI, p.329.4TCf.CartadeLourenEoMorenoaEl-rei,Cochim,30-XI-1513, pub.fuCAA,vol.III,p.390.

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Crpiruuo 13: LO O MORENO, UMA EMINE,NCIA PARDA EM COCHIM

m da Carreira e a instalaEao no Malabar n5o se

propalado, de favorecer a Fazenda Real e de

unaaD.Manuell,ematengaoaoqualdefendiava privad'a da indiaas ' Lourengo Moreno deveria

ter, pelo menos, dois objectivos pess.oais: ""i::5 o t""l":11:::tff"T:d.os importantes b"neficios honorificos e materiais a que os pnnclpals co-

laborad,o.".duco.oupodiamteraceSso,noAmbitodosistemaredistributivoae .

A said,a do estu6rio do Tejo aconteceu no d'ia 16 de MarEo, integrando-

S. Bartolonteu Botafogo'na ar-

Pela qual seriam Posteriormen-na India durante esse ano5o '

e de mudanga quando Louren-

EoMorenodesembarcouemCochim.Aautoridadeportuguesaerarepre-sentadap"iogo.,,".nadorAfonsodeAlbuquerqueeestavaemmarchaaexecuEiodeumplano,engendrad,oporestegraEas)apuradasensibilida-de que d.*o.rri.iu em relaEio a realidade geo-estr at6gicae aos conselhos

de colabo.uaor.Jj;;t;, ; ord tinha em vista o dominio dos principais

entrepostos comerciais d'a Asia maritima e' por arrastamento' o envol-

vimento nacional no rend'oso trato inter-regronal5r'

De momento era Goa que consumra o grosso d'as preocupaEoes do

krribil,pois, .;;;;gueses^haviu* ."ti."dota cidade em finais de Maio

e, dois meses t'ot'"iao'] tinham tXJ" a" barra d'o rio Mandovi' depois de

constatarem que nao estav"* ;; ;ondiE6es de suster a contra-ofensiva

lanEad.a pelo sult'o de ei1^p..r.tt. Aposiado em reconquistar a cidade'

o,nAsy,senhor,queajmda^meeualirmodemamteroquediseavosalteza:-que,amtes

que me d estas partes ,"-", a.i vos fazer *rri'to ,.i.o; e lembro a vos alteza que nenhus mercado-

res nam venham .1-ill,;;; ;" uo. ult"ru ficou, atee que nam tenhaes xx torres d ouro'' -

cf. carta de LourenE. ruro."rro a El-rei, co.rri*, 3oxl-15i3, pub. irz cM, vol' III' p' 395'

ae Veja-se Luis Filipe Thomaz,^nOs Portugueses e o'tutu' de Bengala na Epoca

Manuelina,,, in De Ceuto aii*o'' s'l'' 1994' pp' 430-431-*' - ^

50 cf. nRelaESLo das Armadas rsid"ip"u, rrz frvrfc, vol. II, p.404 e Anselmo

Braancamp Freire fr:i'>,i**"nta da Casa do t'ndia' Lisboa' 1907' p' 15'

Em 1510, sucedeu que mais duas armadas largaram em direcEio ao oriente, a sabe'

a de :ecleu que rrrars uu4J ( -

a Malaca para regulatffil?ii]i-

E6es e criar condi-g6es

Eoes Lion des Mers

d'Asie, Paris, 1992'5z Cf.Ibidem, PP' 167-180'

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Albuquerque encarava os homens e as embarcaEoes vindos do Reino comoreforgos em potdncia. Houve, no entanto, capities que relutaram em dar asua colaborag6o d empresa, ou se recusaram mesmo a tal, por terem mis-soes especfficas atribuidas pelo rei, bem como por discordarem da politicade expansAo militar e quererem privar Albuquerque de maior protagonismo';3 .

Thnto quanto sabemos, LourenEo Moreno n6o foi chamado a intervirnas discuss6es. De resto, ele foi um dos elementos que permaneceu emCochim e ajudou o rec6m-etronizado rei a manter o poder contra as pre-tens6es e investidas de um principe que se tornara dissidente ao abraqar acausa do Samorim, na 6poca da guerra com Calicut-;a. Mas, estamos cer-tos de que, Iogo que se inteirou da intengio da tomada de Goa, manifestoua sua discordAncia, tal como sempre se mostrou adverso ) sua manuten-96o, devido aos elevados recursos que isso exigia, em termos financeiros e

humanos55.Esta era uma posigio comum aos restantes membros do chamado

"grupo de Cochim", isto 6, oficiais portugueses com s6lida implantaElo nazona do Malabar, que dispunham de relag6es priviiegiadas com as autori-dades locais e que consideravam lesivos para os interesses privados acomplexificaEs.o da m6quina de guerra e o fortalecimento do poder politi-co e comercial do Estado. Dai que tivessem movido uma oposigio concer-tada e sistem6tica d administraEs.o e i pessoa de Afonso de Albuquerques6.

Lourengo Moreno n5,o perdeu tempo nesse sentido: tendo reassumidoo antigo lugar a 22 de outubro de 151057 , ja se dirigia ao monarca doismeses volvidos, acusando o governador da pr5,tica de v6rias irregularida-des (n6o especificadas) em mat6ria de Fazenda, da instituiEio de muitos

53 Foi o caso, respectivamente, de Diogo Mendes de Vasconcelos e Gongalo de Sequeira.Ao contrdrio deste, Diogo Mendes de Vasconcelos acabou por ceder e integrou a hoste queviria a conquistar a cidade. Cf . Ibidem, pp. 180- 181 ; Hist6ria,III, xxxix e Lendas, vol. II, p. 320.

5a Cf. Hist6r'ia, lll, xxxviii-xl.55 Cf. Treslado de uma carta de Ant6nio Real a Afonso de Albuquerque, s.1., s.d. [Poste-

rior a 15101, pub. in cAA, vol. II, p. 39; carta de Lourengo Moreno a El-rei, Cochim, 30-xI--1513, pub. lrz CAA, pp. 382, 385; Carta de Afonso de Albuquerque a El-Rei, Cananor, 30-K--1513, pub. ln CAA, vol. I, p. 119 eLendas, II, pp. 197-198,320

5o Al6m de Lourengo Moreno, o "gmpo de Cochim" era constituido por Ant6nio Real,alcaide-mor e depois capitao da fortaleza daquela cidade; Diogo Pereira, o feitor que foirendido em 1510; Gaspar Pereira, secret6rio da india e provedor da Fazenda; e Duarte Bar-bosa, respons6vel pela feitoria de Cananor. A sua acE6o foi estudada por In6cio Guerreiro eVitor Luis Gaspar Rodrigues, "O "Grupo de Cochim" e a Oposigao a Afonso de Albuquerque,,in Stvdia, n" 51, Lisboa, 1992, pp. l19-144.

s7 Cf. Carta de quitaEio a LourenEo Moreno, Lisboa, 1-XII-1522, pub. por AnselmoBraancamp Freire, <Cartas de Quitagao...,, in Archivo Hist6rico PortuguteT, vol. VIII, p.406.

Crpiruro l3:LOURENQO M0RENO, UIVIA EMINENCIA PARDA Ei\4 COCHI[\4

cargos remunerados, da ndo apresentaE6o dos rendimentos respeitantesaos apresamentos maritimos, da fuga de muitos homens e do desvio dasnaus destinadas d carga das especiarias parafins irrelevantesss. Declinava,inclusive, quaisquer culpas relacionadas com o carregamento desorgani-zado das naus, remetendo-as para Albuquerque, e conclufa dizendo que(pera fazer vos alteza rrico, [...] avia mester nom teer nenhuum soperyorrse.

Era, exactamente, num conflito de autoridade, acirrado pela tensaolatente entre a nobreza de sangue e a nobreza civil60, que assentava grandeparte da animosidade entre as duas figuras6r . Ambas dotadas de uma per-sonalidade forte e mandatadas pelo soberano para o exercicio de funEoesem que a confianEa pessoal desempenhava um papel fulcral, nao resistiamd tentaEAo de evidenciarem os defeitos do rival e de interferirem no wlunusum do outro. Assim, enquanto Moreno opinava sobre a conduQao dos as-suntos politicos e militares, Albuquerque fiscalizava o processo de cargadas naus e a actividade geral da feitoria62. O governador sentia-se, no en-tanto, impotente para conter os abusos e roubos que detectava por lhefaltar alEada nesse campo, como constatava com um misto de m6goa e

ironia: "!lue direy eu comtra Louremgo moreno, que tamto credito e auto-ridade trouxe de vos alfeza, tamta comfiamga e tamta isemEam em vosafeitoria, fazemda e trato? e emtemder este negocio mevdamemte temdesmo v6s defeso, e per groso nam poso, porque me mamdaes que nam emtrena terra; somemte co asesego dos portos e lugares de f6ra e com asespiciarias aquerydas e avidas por minha negoceagam e de vos armada

58 Cf. Sum6rio dee carta de LourenEo Moreno e Diogo Pereira a El-rei, s.l., 20-XII-1510, pub. in CAA, vol. III, p.314.

5e Cf. Carta de Lourengo Moreno a El-rei, s.1., 2O-XII-1510, pub. in CAA, vol. III, p. 318.60 Cf. Maria Emilia Madeira Santos, uO Confronto entre Capitaes e Feitores no Esta-

do Portugu6s da india (Primeiras D6cadas do Seculo XVI)', in As Relagdes entre a t'ndiaPortuguesa, a Asia do Sueste e o Extrerno Oriente. Actas do VI Semindrio [ntentacional d.e

Hist6ria Indo-Portuguesa, eds. Artur Teodoro de Matos e Luis Filipe Thomaz, Macau-Lis-boa, 1993, pp. 532-533.

6r Desagradava muito a Albuquerque que capitaes e fidalgos, que serwiam o rei naguerra, fossem relegados para segundo plano enquanto os homens do "grupo de Cochim"eram cumulados de atenEoes e favores: uNio vee s. A. que grande escandolo he dos capitainsque continuadamente andam com as armas nas cousas de seu seruiso, ver escoirar todo onegossio da india sobre Antonio Real e lourengo moreno e gaspar pereira e outras pessoasbaixas e de vil condisam, que lhe cada anno escreuem cheos de trosidade, sen nenhum saber,senio aquillo que ouuem em pratica a homens muito auizados: que hio de saber estes taes donegocio da india engarrados em cochim e em cananor, cheos de betele, de negras e a desreoe a sestro, pera S. A. dar creditto a suas cartas, e escreuer cartas de agradesimento de seusconsselhos e pareseres da india?' - C[. Carta de Afonso de Albuquerque a D. Martinho deCastelo Branco, s.1., s.d., pub. iz CAA, vol. I, p. 408.

62 Cf. Carta de Lourenqo Moreno a El-rei, Cochim, 30-K-1513, pub. iz CAA, vol. 1I1,p.402.

288 289

DESCOBRIDORES DO BRASIL

carregam eles vosas naos, ganhamdo autoridade amte v6s 6 custa alhdar63.

Os amplos poderes e a autonomia de que LourenEo Moreno viera inves-

tido, espelhando o seu cr6dito junto do monarca, n6o deixaram de causar

atritos iamb6m no seio do "grupo de Cochim"6a. Ant6nio Real, o capitio da

fortaleza, sentiu-se especialmente afectado porque se viu afastado da emis-

s6o de cartazes, do pagamento de soldos e de outras despesas e at6 da possi-

bilidade de decidir a realizag6o de obras. N6o sem uma ponta de despeito,

argumentava que Moreno nio era o individuo mais qualificado para levar a

.uLo tais tarefas e, em jeito de comparaqdo, elogiava o trabalho de parceriaque desenvolvera com Diogo Pereira, o anterior feitor6i ' Ressalta, pois, que

o. blo.or antag6nicos em actuaEAo no Oriente n6o eram totalmente homo-

g6neos e que nao se pode f.azer uma rinica leitura politica a seu respeito66.

Qua.tdo t" tratava de denegrir a imagem de Albuquerque ou de prepa-

rar a defesa face ds suas queixas, a "confraria" tocava a reunir. Neste qua-

dro, o feitor de Cochim acusava o governador de ver conspirag5es onde s6

existiam laEos de profun da arnizade e pretendia que ele tentara intrigar a

excelente relaEAo que mantinha com o secret6rio Gaspar Pereira6T.

Resultaril long. e fastidiosa a enumeragdo de todos os pomos de dis-

c6rdia que originaram confrontos entre o krribil e aqueles que este desig-

nava, sugestivamente, como as ufeiticeirasn ou a (massa de cochim'68. Al-

guns dos que produziram maior im iodo em que

Albrrq.r".qn" t" ausentou da india p de conquista

de Malaca (1511-1512). Aproveita dispunham,Ant6nio Real e LourenEo Moreno aplicaram-se em protelar o corregimentodo Cirne, um dos principais vasos portugueses estantes no Oriente, n6o o

cobrindo nem varando no Inverno. Votado d incriria durante meses, o bar-

co apodreceu e foi queimado, iniciando-se, em sua substituiE5.o, a constru-g5o de outro, ."* qrt" o rei ou o governador tivessem dado o seu aval.

Segundo Albuquerque, a prirnazia que lhe foi dada no estaleiro acarretou

6r Cf. Carta de Afonso de Albuquerque a El-rei, Cananor, 30-XI-1513, pub. in CAA,

vol. I, p. 158.6a Subsistem apenas alguns trechos do regimento em causa, que dizem respeito, ex-

clusivamente, aos direitos comlrciais de que podiam gozar os Portugueses estantes no Orien-

te - Cf. nTreslado de s que foram no regimento de LourenEo Moreno, que

levou quando foi po A, s'1., s.d., vol. III, pp. 205-207 '-6s

Cf. Carta de Cochim, 15-KI-1512, pub. irz CAA, vol. III, pp. 344 e347 '66 O caso de Simao de Andrade 6 tamb6m disso paradigmStico. Veja-se Jo6o Paulo

Oliveira e Costa, .Simio de Andrade, Fidalgo da india e Capitio de Chaul,, in Mare Liberum,

n" 9, 1995, pp.481-519."t Cf. iarta de Lourengo Moreno a El-rei, Cochim, 30-XI-1513, pub. irz CAA, vol. III, p. 389'6s C[. Cartas de Afonlo de Albuquerque a El-rei, Cananor,30-K-1513 e 1-XII-1513,

pubs. irr CAA, vol. I, pp. 120 e I75'

Crertuuo l3: LOURENQO M0RENO, UMA EMINENCIA PARDA EM COCHII\,I

gastos elevados e o apodrecimento da quilha de outra nauue.NAo menor escandalo constituiu o tratamento a que foi sujeito Simao

Rangel, que fora incumbido por Albuquerque da negociaEio de um acordocom o Samorim. Sucedeu que Rangel n6o teve sequer a oportunidade de sedeslocar a Calicut porque Ant6nio Real e LourenEo Moreno o despacha-ram para Cananor, acabando por ser vendido como escravo e enviado parao Cairo70. O feitor, no entanto, rejeitava culpas na ocorr6ncia, alegandoque tinham sido as brigas desencadeadas por Rangel a justificar o seu afas-tamento e que ele fora aprisionado no mar depois de ter arranjado umparau para voltar a Cochim?r .

Quaiquer que seja a verdade, 6 indesmentivel que a saida de cena deSimao Rangel foi propicia aos interesses dos oficiais de Cochim e do reilocal, que nao se coadunavam com a instauragao da paz com Calicut e aconsequente concentraEdo ali do maior volume dos neg6cios da pimentaTz .

No que toca a LourenEo Moreno, de quem Albuquerque dizia que ulhe doymais ver feitoria nelle que el Rey de cochimrT3, entendemos que a sua expe-ridncia pessoal de luta contra os ataques armados de Calicut e a dificulda-de em reconciliar-se com o tradicional inimigo poderao ter suscitado ain-da mais entraves ao alinhamento com a posiE6o do governador.

As censuras dirigidas por Albuquerque a Lourengo Moreno tiveramalgum efeito, visto que, em 1513, o monarca ordenou a abertura de uminqu6rito d sua conduta, contra o qual o visado reagiu de imediato porestar a ser promovido por D. Garcia de Noronha e Diogo Fernandes deBeja, figuras muito pr6ximas do governadorTa. Conquanto desconheEamos

6e Cf. Carta de Afonso de Albuquerque a El-rei, Cananor, 30-XI-1513, pub. iz CAA, vol.I, p. 120. N6o conhecemos nenhuma reacES,o de Lourengo Moreno a estas acusagoes. J6Ant6nio Real esboEou uma tentativa de defesa, pouco consistente ali6.s, alegando que se deci-dira pela queima do Cinte e de outra embarcagio , o Rei Grande, ap6s ter reunido em conse-Iho os oficiais, carpinteiros e calafates, em razio do seu estado degradante e de serem maiselevados os custos do conserto do que da construEio de novos barcos - Cf. Carta de Ant6nioReal a El-rei, Cochim, 15-XII-1512, pub. irr CAA, vol. III, p. 348.

70 CF. Carta de Afonso de Albuquerque a El-rei, Cananor, 30-XI-1513, pub. in CAA,vol. I, p. 158.

7t Cf. Carta de LourenEo Moreno a El-rei, Cochrm, l0-XII-1513, lzr IANzTI CC,I-30-73,tL.2.72 Era voz corrente que os membros do "grupo de Cochim" se dedicavam ao tr6fico

ilegal da pimenta, lesando, por consequdncia, a Fazenda Real - Cf . Hist6ria, III, cxx e Cartade Afonso de Albuquerque a El-rei, Goa, 20-X-1514, pub. irr CAA, vol. I, p.276. LourenEoMoreno, no entanto, negava com veem6ncia tal acusag6o - Cf. Cartas de Lourengo Morenoa El-rei, Cochim, 30-XI-1513, pub. in CAA, vol. III, pp.289-290 e Cochim, l0-XII-1513, ittrAN/TT, CC,t-30-73, fl. 5.

7r Cf. Carta de Afonso de Albuquerque a El-rei, Goa, 25-X- 15 14, pub. lrz CAA, vol. I, p. 321.7a Cf. Carta de LourenEo Moreno a El-rei, Cochim, 10-XII-1513, irr IAN/TT, CC, I-30-

-73, fls. l-lv.

290 291

DESCOBRIDORES DO BRASIL

os resultados prdticos da sindicAncia, admitimos que LourenEo Morenonada sofreu, visto que, ao contr5.rio de Ant6nio Real, Diogo Pereira e GasparPereira nunca foi enviado para o ReinoT'5, nem o rei atendeu ir recomenda-E6o do Ten"ibil para que se procedesse i sua substituigiloT6 .

Na verdade, n6o faltaria vontade a Albuquerque de se ver livre doinc6modo feitor. Mas, as circunstAncias jamais se apresentaram favor6veispara isso. FernS.o Lopes de Castanheda comenta que o governador se abs-teve de tal acto para nf,:o f.azer perigar o carregamento das especiariasTT,ao passo que Gaspar Correia veicula que Lourengo Moreno s6 nio foi obri-gado a acompanhar Ant6nio Real e Diogo Pereira na ida para o Reino porestar ), beira da morteT8 . O facto de Albuquerque citar Gaspar Pereira comofeitor de Cochim, em 30 de Novembro de 1513ie, poderia constituir umindicador de que LourenEo Moreno se encontrava, efectivamente, afastadodo lugar. Mas, a hip6tese 6 contrariada pela exist6ncia de uma longa cartaendereEada por Moreno ao rei, naquele mesmo dia, da qual estd.o ausentesquaisquer vestigios de anomalias8O. A pr6pria actividade da feitoria corro-bora a situagS.o de normalidade, dado haver docurnentaEdo assinada porMoreno ern23 de Setembro e 10 de Dezembrosr . Thlvez o feitor tenha esta-do momentaneamente fora de funEoes, embora mantivesse o cargo. Con-clui-se, portanto, que os dois homens continuaram a conviver, mal, d espe-ra que um deles fosse obrigado a ceder o respectivo posto.

4. Os tempos de bonanEa

As sucessivas cartas que os dectratores de Afonso de Albuquerqueexpediam para o Reino n5o caiam em saco roto, pois, se bem que D. Manu-el lhe continuasse a testemunhar a sua confianEa, os cortesSos afectos d ala

75 Ant6nio Real e Diogo Pereira foram detidos em 1512, tendo embarcado com desti-no a Lisboa, presumivelmente, no ano de 1513. Gaspar Pereira seguiu-lhes o trajecto em1514. Cf. InS,cio Guerreiro e Vitor Luis Gaspar Rodrigues, op. cit,, pp. 13 | e 137.

76 Cf. Carta de Afonso de Albuquerque a El-rei, Goa, 25-X-1514, pub. in CAA,vol.I,p.322.77 Cf . Hist6t'ia, III, cxx.73 Cf. Lendas, II, p. 333.7e

"gaspar pereira he feitor de cochim, nam sey se poder5 ser em todolos outros luga-res comigo por bem de seu can'ego, porque lhe v-y- hum pejo d amdar d armada, nam temdoele imda carrego da feitoria, - Cf. Carta de Afonso de Albuquerque a El-rei, Cananor, 30-K-1513, pub. in CAA, vol. I, p. 146.

30 Cf. Carta de Lourengo Moreno a El-rei, Cochim, 30-XI-1513, pub. irt CAA, vol. pp.380-404.

s' Cf. Mandados de pagamento dirigidos por Lourengo Moreno a Al,raro Lopes,almoxarife dos mantimentos de Cochim, Cochim,23-IX-1513 e 10-XII-1513, pubs. inCAA,vol. VII, pp. 93-94 e 103.

Crpiruro l3: LOURENQO MORENO, UMA EMINENCIA PARDA EM COCHIM

liberal e anti-imperialista apoiavam-se nelas para aumentar o tom das cri-ticas d polftica desenvolvida no Oriente. Quando os circulos de poder naci-onais foram informados do rotundo fracasso da expediEao a Ad6m (1513),o soberano viu-se impotente para conservar a posigS.o do seu estratega,acabando por a ceder a Lopo Soares de Albergaria, primo co-irmao doIider do bloco de oposiEdo, o bar5,o do Alvito82.

Afonso de Albuquerque nAo chegou a encontrar-se com o seu suces-sor, nem procedeu i transmissao de poderes, dado ter sido colhido pelamorte em 16 de Dezembro de 1515. A partir dai, LourenQo Moreno ganhouespaqo de manobra, n6o s6 por ver um rival definitivamente afastado, mastamb6m por estar unido por laEos de amizade ao novo governador, parti-cularidade que lhe valeu, ali6s, o acesso ir capitania de Cochim83, no Ambi-to de uma conjuntura que importa tentar aclarar.

LourenEo Moreno cessou funE6es como feitor de Cochim no dia 22 deFevereiro de 15 168a . Passado pouco tempo, faleceu o capitS.o da fortaleza,Diogo Mendes de Vasconcelos. Segundo FernS.o Lopes de Castanheda, aocorrdncia deu azo a que Lopo Soares colocasse LourenEo Moreno no lu-gar, em detrimento de Aires da Silva, que estava na posse da vagante dosprovidosss. Por seu turno, Gaspar Correia descreve a situaEso de modoconfuso, anotando que (o Gouernador deu a capitania a Ayres da Silua, eporque nom quis ser feitor, deu o cargo de feitor a LourenEo Morenou86. Oerro em que o cronista incorre posteriormente, ao afirmar que a participa-96o de Aires da Silva na expedigdo ao mar Vermelho (15 i 7) motivou a suasubstituiEs.o porAnt6nio Correia8T, s6 contribui para reforEar a nossa convic-E6o de ele n6o pode ser indicado como autoridade credivel neste assunto.

A ocupaE6o do lugar ter6 acabado por ser breve, uma vez que Louren-Eo Moreno esteve, novamente, )r cabega da feitoria entre 1 de Janeiro del5r7 e finais de Fevereiro de 151888, sendo de presumir que, algures na-quele meio-tempo, Aires da Silva tenha conseguido f.azer prevaiecer os seusdireitos. Assim se explica que Castanheda lhe reconheEa o posto de capitSo

82 Cf. Joao Paulo Oliveira e Costa e Vitor Luis Gaspar Rodrigues , op. cit., pp. 122-125.8r nE por ho gouernador ter por elrey de Portugal estas vagantes, deu esta fde Cochim]

ao feyor LourenEo moreno de que era grande amigo. Cf. Hist1ria, IV ix.8a Cf. Carta de quitaE6o a LourenEo Moreno, Lisboa, l-1til-1522, pub. por Anselmo

Braancamp Freire, op. cit., vol. VIII, p. 406.8s Cf.. Hist6ria, IV, ix.86 Cf . Lendas, II, p. 47 6.37 Luis Filipe Thom az faz o reparo de que, dquela data, Ant6nio Correia nao se encon-

trava sequer na india - Cf. nDe Malaca a Pegu,, in op. cit., p. 347 , n. 6.3s Veja-se supra nota no 84.

292 293

DESCOBRIDORES DO BRASIL

de Cochim em 15188e .

A m6 fortuna, personificada por LourenEo Moreno, perseguia, contu-do, Aires da silva. Ao chegar a cochim, no dia 9 de Abril daquele ano, LopoSoares de Albergai'ia constatoii o airrbiente de al-ra iensS.o que se respiravana cidade devido d desavenga que estalara entre homens afectos a Moreno ea Afonso Lopes da costa, outro dos antigos opositores de Albuquerqueeo.

O conflito tivera origem numa mera disputa de peixe. Relatando deuma forma mais pormenorizada o sucedido, o sota feitor Gomes Freire as-saltou a cozinha de Afonso Lopes da Costa, Ievando dois ou tr€s peixes, como intuito de vingar o facto de o cozinheiro deste ter tomado tais viveres a umempregado da feitoria. Decidido a nao deixar passar em branco a aud6cia,Afonso Lopes da Costa invadiu a feitoria. Dai resultou que autdnticos bandosse tivessem passado a enfrentar nas ruas da cidade, tendo um irm6o de Afon-so Lopes da Costa chegado a ser vitima de uma tentativa de assassinato.

Desagradado com a crescente espiral de violGncia, o governador incum-biu Aires da Silva de prender Afonso Lopes da Costa, seguindo-se um pro-cesso de inquiriE6es, do qual Lourengo Moreno foi o rinico implicado queescapou inc6lume por, aparentemente, nada se ter descoberto contra eleel .

N6o tardou, por6m, que se envolvesse noutro caso poi6mico. o seuoponente, foi ent5.o Jorge Quaresma, filho do seu sucessor ) frente da feitoria,Pedro Quaresma, que lhe "roubou" a noiva, Fiiipa de Brito, inspirando(grande odiou a Moreno. O dignatS.rio lutou contra o casal por via judicial,mas ambos foram ilibados de qualquer culpa. O passo seguinte consistiuem desferir um ataque contra Jorge Quaresma, ir porta da igreja, quandose ultimavam os preparativos para a celebraE6o do matrim6nio.

O nome de Lourengo Moreno n6o foi citado a prop6sito deste inciden-te. Parece-nos, no entanto, quase 6bvio que foi a sua mio que orientou earmou os agressores. Confirma-se, assim, mais uma vez a impunidade deque ele gozava,

-a que em nada seria aiheia a intimidade com Lopo Soaresde Albergaria. E de assinalar que o capitS.o Aires da Silva u.abot, por ser arinica pessoa punida na sequdncia do epis6dio, nomeadamente, sendo des-titufdo e remetido para Malaca pelo governador, apenas com o pretexto de

3e Cf . Hist6r'ia, lY, xxxiii.e0 Afonso Lopes da Costa foi um dos capitS,es que abandonaram Albuquer-que em Ormuz,

lo 1_"o de 1508, por n5.o estarem dispostos a colaborar na construEAo de uma fortalera qrru..r-do lhes seria mais proveitoso dedicarem-se d guerra de corso no estreito de Meca - Veja-seGenevidve Bouchon, op. cit., pp. l1 I-120.

erC[. Carta de Pedro Gongalves, ouvidor da india, a El-rei, Cochim,8-I-1519, iluIAN/TT, CC,I-24-Il, fls. 6-6v.

que a sua aus€cia da cidade naquele dia contibuira para a ocorrdn ciasz .

Foi, muito provavelmente, graEas ao afastamento de Aires da Silvaque a capitania de Cochim voltou a ficar sob a tutela de Lourengo Moreno,embora n6o lograsse conserv6-la durante muito tempo. De facto, a provarque vinha disposto a refrear a "grande soltura", que caracterizara a admi-nistraES.o de Lopo Soares de Albergaria, o governador Diogo Lopes deSequeira decidiu, em 15 19, f.az€-lo substituir por Ant6nio Correiae3 at6 queAires da Silva tornasse do entreposto malaio e fosse reconduzido nas ante-riores funq6esea.

A partir desse momento, as fontes narrativas silenciam, por completo,as aca6es de LourenQo Moreno, evid€ncia de que o seu protagonismo polf-tico se esbatera. Seria de esperar, em alternativa, que a documentaEdo ofi-cial fosse mais prolixa, mas verifica-se nela a existencia de considerdveislacunas. Senao atente-se no seguinle'. afazer fd nas cartas de quitaES.o queihe dizem respeito, Moreno nunca mais coordenou a feitoria de Cochim.Nao obstante, 6 possivel atestar, com recurso d, documentaEi.o do pr6prioestabelecimento, que ele exercia essa actividade em finais de Abril de 1521e5 .

Talvez o tenha feito episodicamente, visto que, por aquela 6poca, seria pedroQuaresma o detentor do cargoe6.

Lourengo Moreno regressou ao Reino ern 1522, encerrando de vez ociclo indiano da sua vidaei. A semelhanEa da generalidade dos feitores queserviam no Oriente, tornara-se um homem abastadoet, pelo que apenas lherestaria a ambiEso de aumentar o seu prestigio social. D. Joao III auxiliou-

e2 Cf. Carta de Pedro GonEalves, ouvidor da india, a El-rei, Cochim, 8-I-1519, in IAN/TT, CC,I-24-11, fl. 6, Castanheda sustenta a versdo de que Silvadecorreu de uma queixa feita por Lourengo Moreno junto d r sidoinstado pelo capit6o a p6r cobro is rivalidades com Afonso estass6o narradas pelo cronista, ainda que com pequenas diferenEas relativamente i descriE6oque j5 apresentdmos - Cf. Hist6ria,IV xxxiii.

e3 Sobre Ant6nio Correia veja-se o texto que lhe 6 dedicado neste volume.e4 Cf. Hist6ria,Y, ii.e5 Cf. Recibo de pag

de Cochim, Bernaldo Velhe6 C[. S6nia Marisa

Portuguesa Quinhentistan,Oliveira e Costa, pp.225-2

e7 Baseia-se a conclus6o no facto de LourenEo Moreno ter recebido carta de quitaEioem 1 de Dezembro de 1522 - Veja-se supra, nota n" 84.

e8 Cf. Maria Emilia Madeira Santos, op. cit., pp. 535-536. A autora baseia-se numdocumento existente no IAN/TT CC,I-27-69 (Carta de Gandara ao rei de Portugal, Cochim,l3-XI-1521), para afirmar que LourenEo Moreno possuia bastante cr6dito na prugi de Cochim,a ponto de ser encarado pelos comerciantes locais como um interlocutor privilegiado.

Clpirulo l3: LOU MORENO, UMA EMINENCIA PARDA EM COCHIM

294 295

DESCOBRIDORES DO BRASIL

o nesse sentido, f.azend.o-lhe rnercO do titulo de fidal-eo da Casa Realee.

N6o satisfeito com isso, o antigo feitor investiu parte do seu patrim6-

nio na aquisigao de bens imobili6rios, tanto de natureza nistica como ur-

bana. Apesur d" ," ter instalado em Coimbra, a maior parte das proprieda-

des que negociou localizavam-Se no Alentejo, nomea-damente, em Beja,portel e Moura, circunstAncia a que n6o ter6o sido alheias raz6es senti-

mentais. Em 2 de Dezembro de 1527, LourenEo Moreno tinha reunido as

condiEoes para submeter d aprovaEflo da Coroa um instrumento de insti-

tuigfode morgado perp6tuo, atrav6s do qual pretendia assegurar a manu-

tenEao da mem6ria "

do nome da sua familia. O rei nao hesitou em confirm6-

lo e aceitou a designaElo como beneficidrio de Al'u^to Moreno, o filho na-

tural que Lour"rEo legitimara, sendo-lhe outorgada a carta corresponden-

te em 10 de Janeiro de 1528'oo.As noticias que apur6mos de seguida acerca de Louren9o Moreno s6o

bastante mais tardias. A primeira reporta-se ao ano de 1552 e diz respeito

i merc6 que lhe foi feita- do offcio de solicitador e partidor dos orfaos da

cidade de Coimbra e seu termoror. A principio, ponder6mos que dificii-mente poderia ser ele o alvo da aca6o, atendendo a que, se ainda fosse vivo,

seria quase nonagen6rio. De resto, Moreno tivera um neto do mesmo nome,

fruto d.o casam"ito de Alvaro Moreno com uma filha de outro veterano da

india com ligaEdo a Moura, Rui LourenEo Ravascoro2, pelo que parecia

Crpiruro l3: LOURENQO MORENO, UMA EA4INENCIA PARDA EM COCHIIV{

mais verosimil que fosse a este que o diploma aludisse.As dirvidas desvaneceram-se mediante a descoberta de um alvar6

exarado pela Chancelaria Real em 1557, nos primeiros dias do reinado deD. Sebastiao. Do seu teor consta que LourenEo Moreno servira tamb6mcomo tesoureiro da Universidade de Coimbra. Ap6s se ter retirado do lu-gar e, encontrando-se ,,ja velho e aleijador, D. JoSo III achara por bemfazer-lhe mercO de dois moios anuais de p6o e da manutenE6o do usufrutodos privil6gios e liberdades da Universidader03 . Por6m, a morte do Piedosoimpedira que lhe tivesse sido dada provis6o da irltima benesse. Era essaIacuna que a Coroa vinha preencher no dia 29 de Junhor04. A relativa segu-ranEa de que o LourenEo Moreno em causa era o antigo feitor de Cochim 6-

nos facultada pelas menEoes ). sua debilidade ffsica, natural para a idadeavangada, e ao seu desempenho de funEoes por altura da transfer€ncia doensino universit6rio de Lisboa para Coimbra, isto 6, em 1537r05.

Lourengo Moreno fechava, assim, com chave de ouro o seu percursoexistencial, tornando-se um exemplo acabado de como a expans6o ultra-marina portuguesa contribuiu para catapultar muitos homens para umaposiElo de destaque. N6o sabemos, obviamente, se ir hora da morte ele se

recordou de Afonso de Albuquerque. Mas, acreditamos que, apesar da famae da importAncia associada aos respectivos nomes n6.o ser equiparS.vel,LourenEo Moreno beneficiou de uma mais valia: morreu de bem com oshomens e com El-rei.

r0r Sobre o usufruto de privildgios por parte de pessoas ligadas ao meio acad6mico dacidade do Mondego veja-se Ant6nio de Oliveira, A Vida Econ6tnica e Social de Cointbra de1537 a 1640, vol. I, Coimbra, 197l, pp. 435-438.

r04 Cf. Alvar6 de privildgios concedido a LourenEo Moreno, Lisboa, 29-YI-1557, inIAN/TT, Charzcelaria de D.loao III - Doagdes,livro 71, ils.295v-296.

r05 Certamente por lapso, no documento inverte-se o sentido geogr6fico da mudanca.

ee LourenEo Moreno apresentava esse estatuto quando deu inicio ao processo de ins-

tituiE6o do seu *orgudo - Cf.^ Carta de confirmaE6o de instituiEao de morgado concedida a

Louienqo Moreno, llmeirim, 10-I-1528, lrz IAN/TT Chancelaria de D. Joao III - Doagoes,

livro 14, fl. 10v.roo Cf. Ibidem, fls. 10v-12.r0r Cf. Cafta de merc6 concedida a LourenEo Moreno, Santar6m, 1-II-1552, in IAN/IT'

Chancelaria de D. Joao III - Doagdes,livro 68, fl' 25'r02 crist6v60 4160 de Morais identifica D. Guiomar de Moura como sendo a nora de

LourenEo Moreno - Cf. Pedatura Lutsitana, tomo IV vol. lI, p. 466' Registe-se, por6m' que.a

consulta do titulo dedicado aos Ravascos revela v6rias incongudncias. Assim, catarina de

Pino Barreto 6 citada como mulher de Rui Lourengo, em vez de D' Leonor de Moura' e entre

a descend6.t.iu a"ri" nao figrrra nenhuma D. Guiomar, se bem que Ihe sejam atribuidas duas

III, vol. II, P. 144.or de igual .rorn", viera de Casteia para Portugal

fixando residdncia em Moura. O filho destacou-

s da armada que Ant6nio de Saldanha conduziumandatada para o patrulhamento do acesso ao

,2 e Lendas, II, p' 413. Gaspar Correia nomeia-incotpo-

'T'X:";31. Ali6s,

a pr6pria Relagd-o, pp. 13-14 omite a sua participaEao na armada em questSo.

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