Introdu\347\343o Ao Estudo Do Direito, Paulo Dourado De Gusm\343o - Bloco de notas

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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO 90 ANOS rn Nn f Ok ENSE <012> PAULO DOURADO DE GUSMÃO Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Ex-Professor contratado de Filosofia do Direito na antiga Faculdade Nacional de Direito. Da Asociación Latinoamericana de Sociologia (Buenos Aires). Do Instituto Argentino de Filosofia Jurídica y Social (Buenos Aires). Da Sociedad de Ciencias Criminales y Medicina Legal (Tucumán, Argentina). Da Internationale Vereinigung für Rechts-und Sozialphilosophie. Do Instituto Brasileiro de Filosofia. Introdução ao 1052 Estudo do Direito 20a edição Revista com alteraç<*-*>es. FORENSE Rio de Janeiro 1997 <012> Titulo até a i edição: INTRODUÇÃO À CIêNCIA DO DIREITO 7'edição - 1976 !5'edição -1992 8'edição - 1978 16'edição -1993 9'edição -1982 3 tiragens 10' edição - 1984 17' edição -1995 11'edição -1986 l8'edição - I995 12'edição - l986 19'edição -1996 I3' edi Fão -1988 20' edição - l997 14' edição -1990 mCopyright Paulo Dourado de Cusmão CIP - Brasil. Catalogação-na-fonte. Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. Gusmão, Paulo Dourado de. G991 Introdução ao estudo do direito / Paulo Dourado de Gusmão - 20' ed. rev. Rio de Janeiro: Forense,1997. Bibliografia

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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO

90ANOS rn Nnf Ok ENSE<012>

PAULO DOURADO DE GUSMÃO Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Ex-Professorcontratadode Filosofia do Direito na antiga Faculdade Nacional de Direito. Da Asociación Latinoamericanade Sociologia (Buenos Aires). Do Instituto Argentino de Filosofia Jurídica y Social (Buenos Aires).Da Sociedad de Ciencias Criminales y Medicina Legal (Tucumán, Argentina). Da Internationale Vereinigung für Rechts-und Sozialphilosophie. Do Instituto Brasileiro de Filosofia.

Introdução

ao

1052Estudo do Direito

20a ediçãoRevista com alteraç<*-*>es.

FORENSERio de Janeiro 1997<012>

Titulo até a i edição:

INTRODUÇÃO À CIêNCIA DO DIREITO7'edição - 1976 !5'edição -1992 8'edição - 1978 16'edição -1993 9'edição -1982 3 tiragens10' edição - 1984 17' edição -199511'edição -1986 l8'edição - I99512'edição - l986 19'edição -1996I3' edi Fão -1988 20' edição - l99714' edição -1990

mCopyrightPaulo Dourado de Cusmão

CIP - Brasil. Catalogação-na-fonte.Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

Gusmão, Paulo Dourado de.G991 Introdução ao estudo do direito / Paulo Dourado de Gusmão - 20' ed. rev. Rio de Janeiro: Forense,1997. Bibliografia

1. Direito - Filosofia I. Tftulo II. Tftulo: Introdução ao estudo do direito CDU - 340.12 /340.14/

Proibida a reprodução total ou parcial, bem como a reprodução de apostilas a partir deste livro,de qualquer forma ou por qualquer meio eletrônico ou mecânico, inclusive atravésde processosxerográficos, de fotocópia e de gravação, sem permissão expressa do Editor. (Lein" 5.988, de14.12.1973.) A violação de direito autoral constitui crime, passível de pena de detenção, de três meses a umano, ou multa. Se houver reprodução, por qualquer meio, da obra intelectual, no todo ou Šm parte, semautorização expressa do autor, com intuito de lucro, a pena será de reclusão, deum a quatro anos, emulta. Incorre na mesma pena quem vende, exp<*-*>e à venda, aluga, introduz no país, adquire, oculta,empresta, troca ou tem em depbsito, com intuito de lucro, obra intelectual, importando assim violaçãode direito autoral. Na prolação de sentença condenatória, ojuiz determinará a destroição da produçãoou reprodução criminosa. (Art. I 84 do Código Penal brasileiro, com nova redaçãodada pela Lei n"8.635, de 16.03.1993.) A EDITORA FORENSE não se responsabiliza por conceitos doutrinários, concepç<*-*>es ideoló-gicas, referências indevidas e possfveis desatualizaç<*-*>es da presente obra. Todos os pensamentos aquiexarados são de inteira responsabilidade do autor.

Reservados os direitos de propriedade desta edição pela COMPANHIA EDITORA FORENSEAv. Erasmo Braga, 299, -1", 2" e 7" ands. - 20020-000 - Rio de Janeiro - R1 Rua Senador Feijó,137 - 01006-OOI - São Paulo - SP Rua Guajajaras,1.934 - 30180-101- Belo Horizonte - MG

A meu pai, Chrysolito de Gusmão, meu modelo, a Laura Autran Dourado de Gusmão, minha mãe,e a Francisca Dourado de Gusmão, que a substituiu.

A Izabel (Isá), aos nossosfilhos, Teresa Cristina e Paulo, e aos nossos netos, Maria Izabel, Laura Beatriz, Lucas e Luiz Henrique.

Impresso no BrasilPrinted in Brazil<012>

DO MESMO AUTOR

<*-*> Curso de Filosofia do Direito, Rio de Janeiro, Freitas Bastos,1950 (esgotado).

<*-*> El Pensamiento Juridico Contemporáneo, Buenos Aires, Abeledo, 1953, (com prefácio de Cados Cossio).

<*-*> O Pensamento Juridico Contemporâneo, São Paulo, Saraiva,1955 (esgotado).<*-*> Manual de Direito Constitucional, Rio de Janeiro, Freitas Bastos,1957 (esgotado).<*-*> Introdução à Sociologia, Rio de Janeiro, Dasp,1959 (esgotado).<*-*> Introdução à Teoria do Direito, Rio de Janeiro, Livraria Freitas Bastos,1962 (esgotado).

<*-*> Filosofia do Direito, Rio de Janeiro, Freitas Bastos,1966 (esgotado).

<*-*> Filosofia Atual da História, Rio de Janeiro, Forense,1968 (esgotado).

<*-*> Elementos de Direito Civil, Rio de Janeiro, Freitas Bastos,1969 (esgotado).

<*-*> Teorias Sociológicas, 3' ed., Rio de Janeiro, Forense,1972.<*-*> Introdução à Ciência do Direito de A a Z, Forense, Rio de Janeiro,1972 (esgotado).<*-*> Manual de Sociologia, 6' ed., Rio de Janeiro, Forense,1983.

<*-*> Dicionário de Direito de Familia, 2' ed., Rio de Janeiro, Forense,1987.

<*-*> Filosofia do Direito, Rio de Janeiro, Forense,1994.<*-*> ` `La definizione del diritto'' (Rivista Internazionale di Filosofia del Diritto,1950).<*-*> ` `Prolegbmeoos a la filosofía del derecho'' (Revista de la Facultad de Derecho, Tucumán,1954, n" 11. Foi também publicado na Revista de Derecho Público, Tucumán,1954, n"<*-*> I-2).<*-*> ` `Prolegomeni alla filosofia del diritto'' (Rivista Internazionale di Filosofia del Diritto,1956).<*-*> "Derecho como cultura " (Humanitas, Tucumán,1956, n" 7).<*-*> "Norme, fait et droit" (Archivfiir Rechts-und Sozialphilosophie, Wiesbaden,1959, XLV-I).<*-*> ` `O homo juridicus'' (Estudos Juridicos-Sociales, homenage al Profesor Luis Legaz y Lacambra,

Universitad de Santiago de Compostela,1960, tomo I).

<*-*> "Droit, expression de la culture. Structure et caractŠre du droit comme oeuvre cúlturelle. Connaissance juridique'' (Mélanges en I'Honneur de Paul Roubier, Paris, Librairies Dalloz & Sirey,1961, tome I, PremiŠre Partie, p. 221).

<*-*> ` `Droit comparé'' em Études offertes à Jacques Lambert, Paris, Éditions Cujas,1974.<012>

SUMÁRIO

Nota à 20" Edição. .Nota à 19"Edição. .Notaà 18"Edição. . .Nota à 17"EdigãO. .Nota à 16"Edição. . .Nota à 15" Ediçâo. .

PRIMEIRA PARTE - INTRODUÇÃO

I - Ciência do Direito. Técnicajuridica Presunç<*-*>es e ficç<*-*>es. Métodos. Sistemajuridico.FilosofiadoDireito .................. ....... .....II - Relaç<*-*>es da Ciência Juridica com outras ciências. . . . . . . . . . . .. . . . . . .III - Direito e sociedade. Natureza e cultura. Direito, fenômeno sociocultural .. .............. .................. ......... ......

SEGUNDA PARTE - TEORIA DO DIREITO

IV - Direito. Definição e elementos. Direito positivo e Direito natural. Direito objetivo. Instituiç<*-*>es e ordem juridica. lícito e ilicito. Validade, vigência, eficácia e legitimidade. . . . . . . . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . V - Direito e moral. Direito, eqüidade ejustiça. Direito, <*-*>normas sociais e lei fisica.Normatécnica .................... . ..... ........... .VI - Normajuridica. Caracteres; sanção e classificação. Destinatários da normajuridica ....................... .......... ..... . ......VII - Direito comum e particular. Direito geral, especial e de exceçâo. Direito singular e uniforme. Privilégio. Direito coercitivo e dispositivo. Normafundamental, secundária e derivada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .VIII - Lei constitucional e lei ordinária. Lei auto-aplicável e lei regulamentável. Lei rígidaeleielástica ... ................... ...... ......... . ...IX - Fontes materiais efontesformais do Direito. Matéria das regras de Direito ..... ...................... .......... ....... ........ X - Fontes estatais do Direito. Constituição. lei. Regulamento, medida provisória e decreto-lei.XI Direito consuetudinári<*-*>o. Valoreprova do costume. Evolução do<*-*>costume<*-*>. . . . . . . . .XII - Fontes infra-estatais do Direito. Contrato coletivo de trabalho. Jurisprudênciaedoutrina .. ........... . ......... .......... .. ..

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Paulo Dourado de Gusmão

XIII - Fontes supra-estatais do Direito. Tratado internacional. Costume internacional e principios gerais do Direito dos povos civilizados. . . . . . . . . . 129XIV - Codificação. Recepção de Direito estrangeiro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133

TERCEIRA PARTE - ENCICLOPÉDIA JURÍDICA

XI

Introdução ao Estudo do Direito

medieval. Direito privado na Idade Média. Direito feudal, c_as cidades e das corporaÇ<*-*>es de mercadores. Os glosadores. Direito canônico. Formação do Direito privado ocidental. Do Direito moderno ao Direito contemporâneo. . 269XXXII - Evolução de institutosjuridicosfundamentais. . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . 291XXXIII - Sistemajurídico brasileiro. Formação e evolução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 305XXXIV - Evoluçãodosregimespoliticos ...................... ..... ......... 315

XV - Divisâo do Direito. Direito público e Direito privado. Direito misto.SÉTIMA PARTE - ESTADO E DIREITO Direito interno e Direito internacional. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141 XVI - Direito internacional e suas divis<*-*>es. Orga1sizaç<*-*>es internacionais. . .. .. 147 XXXV - Estado e Direito.. ...................... . ....................... 327 XVII - Direito público interno e suas divis<*-*>es. . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 163 XVIII - Direito privado e suas divis<*-*>es........ ... .............. ........... 177 OITAVA PARTE - CONCEITO E FuNDAMENTO DO DIREITO XIX - Direitomistoesuasdivisôes ...... ..... ...................

...... . 183 XX - Inter-relaç<*-*>es entre os vários Direitos. Pluralismo de Direitos. Antinomia. . . . 195 XXXVI - Conceito efundcimento do Direito. Direç<*-*>es dopensamentojuridico. . . . . . . . . . . 351 QUARTAPARTE-HERMENêUTICAJURÍDICA Bibliografia ...................... ............ ......... .. .......... ..... 387 Índice de Nomes ......................................................... 399 XXI - AplicaçãodoDireito.Obrigatoriedadedalei.ErrodeDireito .............. 205 ÍndicedeMatérias................ .......... ........................ ....... 407X XII Índice Geral......................................................... 425 - Métodos de interpretação da lei. Revelação cientifica do Direito. Direitolivre .. ... . ........ .... ...... . . ... ................ 211XXIII - Interpretação da lei. Espécies e resultados . .. ...... . ............ . 217 XXIV - Lacunas do Direito. Analogia e principios gerais do Direito. Criação do Direito ..................................................... 221 XXV - Eficácia da lci no tempo.Revogação da lei. Desuso. Retroatividade e irretroatividade .............................................. 227 XXVI - Eficácia da lei 1to espaço. Principio do domicilio e da nacionalidade. Teoria dos estatutos. Aplicação do Direito estrangeiro... ................ 231 QUINTA PARTE - RELAÇÃO JURÍDICA

XXVII - Relaçãojuridica, noção e espécies. Prescrição e decadência. Tutela dasrelaç<*-*>esjuridicas ..................... ............... 237XXVIII - Direito subjetivo. Teorias e classificação. Aquisição, modificação e extinção de direitos. Faculdade, estado e posiçãojuridica. Deverjuridico, espécies. Abuso do Direito.. ... . .... ... .. . . ..... 243 XXIX - Eleinento pessoal da relação juridica. Pessoa riatural e pessoa juridica ............... ............................... 253 XXX - Fontes do Direito subjetivo. Fato, ato e negóciosjuridicos. Ato ilicito. ObjetodoDireito ...... ...... ... .... .. . .... ..... ........ . 259

SEXTA PARTE - HISTÓRIA DO DIREITO

XXXI - Evolução do Direito positivo. Formalismo do Direito arcaico. Direito egipcio, babilônico e hebraico. Código de Manu. Direito grego arcaico, romano e<012>

NOTA À ZOg EDIÇÃO

Ao entregar ao editor esta edição, lembrei-me da preocupação que tive, por ocasião de seulançamento, com a sua acolhida pelos leitores (professores e alunos). Desde então, em cada edição,posiciono-me como crítico de meu próprio trabalho, revendo-o com o objetivo de

tomá-lo maislímpido, claro, preciso e, se possível, completo. Eis, por um lado, a razão das sucessivas revis<*-*>es, poroutro, talvez porque, como disse Gilles Deleuze, "escrever 6... sempre inacabado, sempre em vias defazer-se". Seja porque for, deles, professores e alunos, devo as seguidas ediç<*-*>es deste livro, razão porque a eles meus agradecimentos.

Rio de Janeiro, maio de 1996

Paulo Dourado de Gusmão<012>

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Paulo Dourado de Gusmão

XV

Introdução ao Estudo do Direito

A preocupação com a precisão dos conceitos, com a clareza e a exposição com síntese das idéiaslevou-nos a emendar novamente as provas tipográficas, fato que retardou a publicação desta edição eque obrigou a Forense a lançar duas tiragens da 16a edição. Agradecemos, mais uma vez, a professores e alunos pela acolhida desta obra.

Rio de Janeiro, dezembro de 1994

NOTA À 19a EDIÇÃO

O leitor, perplexo, há de dizer: "Será que o autor não acaba de rever esta obra?! pois cada edição(ejá são dezenove!) é apresentada como sendo revista...". Tem razão esse imaginário leitor de estar perplexo; mas o fato é que não possosatisfazer de umavez o meu desejo de perfeição, que me induz, a cada edição, a encontrar forma deaperfeiçoar o meuestilo, o modo de transmitir o meu pensamento e (quantas vezes) considerá-lo incompleto, levando-mea desenvolvê-lo, respeitando a finalidade deste livro. Explicada a razão das constantes modificaç<*-*>es do texto, que decorrem da impossibilidade deser alcançada a perfeição desejada, agradeço a professores e alunos a acolhida desta obra.

Rio de Janeiro, novembro de I 995

Paulo Dourado de Gusmão

Paulo Dourado de Gusmão

NOTA À 16a EDIÇÃO

A presente edição, apesar da brevidade de tempo que a separa da precedente, foi revista peloautor para obter maior clareza e precisão. Além desse retoque, muitos parágrafostiveram acréscimos,como, por exemplo, o referente a "Direito e Economia'' (§ 24), à ` `Comunidade Européia'' (§ 96), ao

` `Direito Comum'' (§ 166), a ` `Negócio Jurídico'' (§ 155), o que trata "Do Direito Modemo ao DireitoContemporâneo'' (§ 166) etc. Terminando, além do reconhecimento da enorme dívida para com a Biblioteca do Tribunal deJustiça do Estado do Rio de Janeiro, nossos agradecimentos à Izabel, esposa paciente e incentivadorade nosso trabalho, bem como a professores e alunos pela acolhida deste manual, cuja finalidadeprincipal é toroar acessível os caminhos do Direito aos que estão se iniciando em seu estudo.

Rio de Janeiro, novembro de 1992

NOTA À 18a EDIÇÃO

Esgotada antes do tempo previsto a edição anterior, conseguimos apesar disso, aprimorá-laliterariamente e retificá-la em alguns pontos. Agradecemos, mais uma vez, a professores e alunos pela acolhida desta obra. Rio de Janeiro, maio de 1995

Paulo Dourado de Gusmão

NOTA À 17a EDIÇÃO

Emile Faguet (1847-1916), abrindo a sua Petit Historie de la Littérature, escreve: "Este livrodestina-se, como o seu título indica, a abrir caminho ao principiante, a satisfazer e estimular as suasprimeiras curiosidades". Aproveitando o que escreveu o acadêmico francês, temos a dizer queentregamos mais esta edição, com alguns acréscimos erevista, que, como as anteriores, tem porobjetivo"estimular as primeiras curiosidades" do `principiante' nas letras jurídicas.

Paulo Dourado de Gusmão

NOTA À 15' EDIÇÃO

Por duas vezes esta obra sofreu profunda revisão: a primeira, na preparação daterceira edição, e asegunda, agora. Aquela motivada pelo fato de as duas ediç<*-*>es anteriores terem-na transformado em obrateórica num grosso volume, contendo muita erudição e amplo desenvolvimento dos temas, servindo, assim,mais à consulta do que à introdução do estudante nas letras jurídicas. Não atendia, pois, ao que indicava oseu título e, muito menos, ao nosso propósito. Foi, assim, que a pahir da terceira edição transferimos aerudição para notas de rodapé, enquanto o texto foi enxugado, sendo praticamentereescrito com espírito desíntese, tendo presentes a clareza e a precisão dos conceitos, observando plano mais ordenado, partindo danoção de ciência do direito para as noç<*-*>es filosóficas, tendo de entremeio os conceitos fundamentais, a idéiados vários campos jurídicos, a hermenêutica comum a todos, e noç<*-*>es de sociologia e história do direitoindispensáveis ao estudojuridico. Procuramos, portanto, dar, na medida de nossaspossibilidades, uma visão

global de todo o panorama jurídico para que o iniciante tivesse conhecimentos úteis ao curso jurídico.Naquela época, tínhamos tempo para executar essa tarefa Mas as ediç<*-*>es se sucederam ganhando notas derodapé, salvo a sétima ( 1976), que teve algumas alteraç<*-*>es, dentre as quaisa inclusão do capítulo ` `Direitoe Sociedade". Entr<*-*>anto, o nosso tempo já havia se encurtado com o exereícioda magistratura, que<012>

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Paulo Dourado de Gusmão

passamos a exercer, bem como com a aventura em que nos metemos de escrever um dicionário deDireito, que acabou no Dicionário de Direito de Fc<*-*>?ia. Safiam ediç<*-*>es posteriores desta obra, e o projetode reexaminá-la cuidadosamente foi adiado. Agora, aposentado, não poderfamos permitira publicação da 15' edição, que, mais oumenos, corresponde a quinze anos de presença desta obra nos meios jurídico-universitários, semrevê-la. Foi assim que nos entregamos ao trabalho cansativo de revisão do texto e de noç<*-*>es, daprimeira à última página do livro, atualizando-o, levando em conta até acontecimentos históricosrecentes importantes para a ordemjurídica. Para isso, sacrificamos nosso O Pensamento JuridicoContemporâneo, há muito esgotado, que estávamos reescrevendo, bem como adiamos aatualiza-ção do nosso Dicionário de Direito de Fcnnilia. Mas, no final, verificamos ser necessário osacrifício dessas obras e de horas de lazer, porquanto a obra precisava de revisão, como o leitorpoderá verificar comparando-a com a edição anterior. Mais uma vez - e é sempre bom quando se pode repetir - nossos agradecimentos aprofessorese alunos pela acolhida desta modesta obra, que tem por único propósito tornar o Direito acessível aosque iniciam o curso jurídico. Não podemos deixar de manifestar também os nossos agradecimentos à Biblioteca do Tribunalde Justiça do Estado do Rio de Janeiro, especialmente às bibliotecárias Telma Sevalho de AlmeidaNeves, Maria do Carmo de Almeida Silva, Liane Maria de Abreu, Sônia Maria Teixeira de Melo, SheilaFaria e Renata Mônica Requião Strong, que nos ajudaram muito em nossas pesquisas, e a Izabel (Isá),a esposa que nos incentivou sempre com o seu carinho e compreensão.

Rio de Janeiro, março de 1991

Paulo Dourado de Gusmão

Primeira Parte

INTRODU<*-*>ÃO<012>

I

CIÊNCIA DO DIREITO - TÉCNICA JURÍDICA- . PRESUNÇÊES E FICÇÊES - METODOS- ,SISTEMA JURIDICO - FILOSOFIA DO DIREITO

1. CIÊNCIA DO DIREITO

De modo muito geral, pode-se assim definir a ciência do direito: conheccmen-tos, metodicamente coordenados, resultantes do estudo ordenado das normasjuridicas com o propósito de apreender o scgncficudo objetivo das mesmas e deconstruir o sistema juridico, bem como de descobrir as suas raizes sociais ehistóricas.' Cabe-Ihe, principalmente, construir o sistema jurídico, também de-nominado ordenamento jurídico, ou seja, a ordenação das normas do direito deum país (brasileiro, francês etc.), bem como formular conceitos e teorias jurídi-cas. As idéias dos juristas que a construíram, isto é, dos jurisperitos, ou, comosão entre nós conhecidos, jurisconsultos, como, por exemplo, as de ClóvisBeviláqua ou de Pontes de Miranda, muitas vezes tomaram-se fontes paradecis<*-*>esjudiciais. Nesse sentido, os juristas desde Roma são autoridades jurídicas. Discute-se a sua natureza, bem como a sua própria possibilidade. O objeto dessa ciência são as normas jurídicas, dado concreto que faz parte darealidade histórico=social, ou, se quisermos, da realidade cultural, em que se achamtambém as obras de arte, literatura, filosofia, ciência etc. Por isso, a ciênciajuridicaé ciência que trata de realidades, desde que se faça a distinção da realidadefísico-natural (natureza), independente da ação humana, da realidade criada pelohomem, contida em suas obras (cultura). Não usa o método das ciências dos

O termo ciência do direito conesponde à jurisprudentia dos romanos, mais restrito do quejurisprudence dos anglo-americanos, que conesponde mais à Teoria Geral do Direito acrescidade Filosofia do Direito. Denomina-se em alemão Rechtswissenschaft. Devido ao sentido restritoem que usualmente é empregado o termo jurisprudência na Europa continental e na AméricaLatina, como conjunto uniforme e reiterado de decis<*-*>es judiciais, deve-se evitá-lo para afastarconfus<*-*>es, preferindo-se "ciência do direito" quando se tratar de conhecimento científico dodireito, e "jurisprudência" quando se tratar dejulgados uniformes dos tribunais.<012>

4

Paulo Dourado de Gusmão

fenômenos naturais, pois, sendo conhecimento de normas, procede por interpreta-ção, e não descrição, salvo quando versar sobre o direito como fenômeno social ou fatohistórieo-social. Serve-se de vários métodos, inclusive da intuição. Utiliza-se do métodosociológico quando indaga as raízes sociais do direito ou quando o estuda como fenômenosocial; do método histórico, ao tratar de suas origens históricas; do método comparativosempre, além dos métodos lógicos, dentre os quais o analógico, e da compreensão(interpretação), para descobrir o sentido objetivo da normajurídica. Sentido nãoalcançadocom métodos das ciências físico-naturais e nem com o sociológico ou histórico, que, noentanto, podem facilitar a pesquisa. Dito isto, é de se perguntar pela sua natureza. Se situarmos, com carradas de razão, o direito no mundo da cultura, nadependência de interpretação, a ciência do direito é ciência cultural. Mas, sefocalizarmos o direito por outro ângulo, como fenômeno social que é, acabaremosdefinindo-a como uma das ciências sociais. Tanto uma como a outra não estãoerradas e não se excluem por não se conflitarem, porque, depois de Max Weber e

de Sorokin, o estudo do social como coisa, na forma preconizada por Durkheim, nãoestá mais em moda. A Sociologia, hoje, parte do sentido objetivo das aç<*-*>es edosfatos sociais em suas investigaç<*-*>es. Finalmente, quanto à natureza científica do estudo do direito, reconhecida pelamaioria dos estudiosos, há alguns opositores. Desde 1848, foi-lhe negado o carátercientífico, quando Kirchmann (El carácter a-cientifico de la llamada ciencia delderecho, trad.), em conferência célebre, disse: a ` `ciência do direito, tendo por objetoo contingente, é também contingente: três palavras retificadoras do legisladortornam inúteis uma inteira biblioteca jurídica'' .2 Assim, segundo Kirchmann, umasimples lei derrogadora de um sistema jurídico terminaria com a ciência jurídica.Mas tal contingência, comum ao histórico, só tornaria anacrônica uma forma desaber jurídico, que seria substituída por outra tendo por objeto o novo direito.Anacrônico, mas não sem validade, por ter valor histórico. Capograssi, (Il Problemadella Scienza del Diritto), em 1937, respondendo a essa objeção clássica, admitiupoder ser sustentada a natureza científica do estudo do direito, apesar de suamutabilidade, desde que não se considere a norma jurídica, que é mutável, como oobjeto da ciência do direito, mas a experiênciajurídica3 dotada de certa estabilidade,

Aliás, antes de Cristo, na Grécia, Protágoras, filósofo nascido em 490 a.C., sustentava permane-cerei<*-*> "justas e boas as leis para a cidade somente durante o tempo em que ela assim asconsiderasse''.A experiênciajuridica, como objeto de estudo da ciência ou da filosofia do direito, não se reduz ànotma jurídica, ao comportamento jurídico, aos atos jurídicos ou aos valores jurídicos, apesar deenglobá-los. Colocá-la como ` `objeto'' do saber jurídico signi ica colocar-se na posição antinormati-vista, sem negar o normativismo; antiestatal, sem negar a importância do direitodo Estado; antijusna-turalista, sem negar o valor do Homem pelos que a defendem; antüntelectualista eanti-rãcionalista,não obstante admitir o papel da razão no processo de conhecimento; anti-empicista, por não abraçar

5

Introdução ao Estudo do Diceito

semelhante à dos demais fatos históricos, pois, pelo menos, ao se modificar, nãoanula a experiência passada, que, como tradição, se mantém viva. Diga-se depassagem: não é a norma que é mutável, mas o seu conteúdo. Gény (Science etTechnique du Droct Privé Positif,1914-24), antes de Capograssi, sem se impressionarcom Kirchmann, reduziu o estudo científico do direito à transformação da matérianão juridica em matériajuridica, deixando à técnica a tarefa de torná-la precisae eficaz.Poderíamos continuar apresentando argumentos pró e contra a cientificidade da ciênciajurídica, mas achamos desnecessário, pois, comojá dissemos há anos, o físico fazFísicasem se interessar em saber se ela é ou não ciência. Igualmente, ojurista deve seinteressarem conhecer o direito, tomá-lo eficaz, sem se preocupar com essa questão acadêmicaoriunda da época em que o conceito de ciência se confundia com o das ciências

físico-naturais, hoje abandonado ' Continuando, temos a dizer que o estudo do direito pode apresentar-se comociência jurídica teórica, formuladora de conceitos e princípios gerais do direito,denominada Teoria Geral do Direito, síntese do conhecimento jurídico de umaépoca, e ciênciajuridica particularizada, também denominada dogmáticajuridica,que, versando sobre o conteúdo das normasjurídicas, se subdivide em tantas ciênciasquantos forem os ramos do direito (ciência do direito penal, ciência do direitoconstitucional etc.). "Dogmática", por ser o seu objeto (lei, precedente judicial) deantemão estabelecido, e não por ser dogma para o jurista, como nos séculos XVIIIe XIX foi compreendido pela Escola da Exegese (§ § 137,196 e 199). Por outro lado,quando o jurista indaga as origens históricas dessas normas ou de todo o sistemajurídico, verificando os seus efeitos históricos, ou seja, considerando-os como fatohistórico, fato que não é mais atual, mas quejá produziu os seus efeitos, faz Históriado Direito. Mas, se usar os resultados desse estudo histórico para, com o métodocomparativo, compará-lo com o direito atual ou confrontar direitos de pazsesdiferentes, perquirindo semelhanças, para propor unificaç<*-*>es de legislaç<*-*>es ou para

qualquer forma de empirismo ou de posítivismo, ainda que reconheça o valor da experiênciaglobal no conhecimento jurídico; antüdealista, apesar de não negar a importânciada idéia, damente e do espírito na criação do direito; anti-sociológica, não obstante ter nascido da Sociologia;anti-realista, por não considerar o direito um dado da realidade, mas construção, de certa forma,fato normativo ou objeto cultural. Colocou-a no centro das investigaç<*-*>es jurídicas Gurvitch(L'Expérience Juridique et la Philosophie Pluraliste du Droit,1935), mas Capogtassi (Analisi dell'Esperienza Comune, 1930, Studi sull'Esperienza Ciuridica, 1932, II Problema della Scienza delDiritto,1937), partindo de outros pressupostos filosó ficos, dela tratou mais profundamente, e entre nósReale (O Direito como Experiência,1968).

4 Sobre a cientificidade do direito e de seu lugar no sistema de ciências, aindasão atuais: Bobbio (Teoria della Scienza Giuridica, Torino, 1950) e Opocher (Lezioni di Filosofiadel Diritto. II Problema della Natura della Giurisprudenza, Patlova,1953).<012>

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Paulo Dourado de Gusmão

abrir o horizontejurídico graças à doutrina e à experiênciajurídica de outros povos,estará fazendo Direito Comparado. Finalmente, se encarar o direito como fatosocial, fará Sociologia Juridica. Mas, se, com os resultados e auxílio do DireitoComparacto, da História do Direito e da Sociologia Jurídica, entregar-se à críticaconstrutiva do direito vigente, com o objetivo de propor reformas jurídicas, ocupar-se-á de Politica Juridica.

2. MÉTODOS JURÍDICOS

O problema do método ou dos métodos da ciência jurídica, ou seja, dosprocedimentos lógicos adequados ao conhecimento do direito, é o problema centralda Metodologia Juridica. Problema importante, porque, segundo Kant, dométodo depende o objeto do conhecimento, oumelhor, o conhecimento resultado método empregado. Tradicionalmente, foi considerado o método dedutivocomo sendo o específico da ciência jurídica, por dever o jurista partir do geralpara o particular, ou seja, das normas gerais para os casos. O silogismo (silogismojuridico) seria, conseqüentemente, a forma típica do raciocínio jurídico. Essemétodo construtivo foi usado e abusado pela jurisprudência conceptual, queconstruiu a metodologia do direito privado, por obra dos pandetistas alemães, queserviu de modelo para a metodologia dos demais setores do direito. Ihering (Zweckim Recht, traduzido para o português com o título: A Evolução do Direito,1953)dele se afastou, defendendo o método teleológico, por considerar o escopo a forçacriadora do direito, através do qual poder-se-ia compreendê-lo melhor. O historicis-mo carreou para o direito, além do método histórico, o princípio da compreensão,ou seja, doconhecimento do direito através de seu sentido, enquanto o sociologismo,com o método comparativo, introduziu no jurídico os métodos sociológicos. Oestudo dos casos, para criar standard's, modelos, tipos, conceitos, graças a genera-lizaç<*-*>es, exigiu o emprego do método indutivo. Por influência da moderna Sociolo-gia, em que, pioneiramente, Sorokin defende o "método integral" de conhecimento(vide nosso Manual de Sociologia e nossas Teorias Sociológicas), por ser o socialcomposto de três elementos (significação, veículo e agentes), pertencentes a reinosdiferentes, a moderna ciência jurídica passou a adotar uma metodologia múltipla,apesar de alguns juristas, como, exemplificando, Carlos Cossio (La Teoria Egoló-gica del Derecho y el Concepto Juridico de Libertad), pensar dever o juristainicialmente empregar o método empirico-dialético, de tipo circular, que parte danorma p<*-*>ra o seu sentido e deste para aquelae assim indefinidamente, até obter umconhecimento integral. Apesar de reconhecermos depender o conhecimento dohumano e do social da compreensão ou da interpretação, ou melhor, do conheci-mento pelo sentido objetivo, contido na obra humana, na ação e no fato social,reconhecemos que o problema do método jurídico depende da natureza da investi-gação que se pretende realizar. Se partirmos do geral (norma), utilizaremos o métododedutivo, raciocinando através de silogismos; se de casos singulares para o geral, o

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Introdução ao Estudo do Direito

método indutivo; com muita freqüência o método comparativo; se a investigaçãotiver por objetivo as raízes sociais ou os efeitos sociais do direito, o métodosociológico terá de ser usado, mas, se o passado do direito estiver na mira do jurista,deverá ser empregado o método histórico. Mas em todos esses casos ojurista partirá da compreensão ou da interpretação,para captar o sentido do objeto de seus estudos (norma, conduta, sentença etc.).

3. TÉCNICA JURÍDICA

A ciência do direito, como qualquer ciência, tem sua técnica (técnicajuridica),que pode ser entendida como conjunto de procedimentos por meio dos quais sãomais perfeitas, fáceis e eftcazes a criação e aplicação do direito, bem como se tornamais completo o seu conhecimento.5 Se distinguirmos aforma do conteúdo ou da

matéria da regra de direito, acabaremos, com Gény, dizendo que a técnica jurídicadá a ` `forma'' do direito, construindo-a, enquanto a ciência fornece o seu conteúdo ,dando os elementos para que a técnica o formule com o auxílio das ciências afinsdo direito, bem como do Direito Comparado e da História do Direito. Nesse sentido,a técnicajurídica é a arte deformular a regra de direito com precisão, objetividadé,clareza e espirito de sintese. Pensamos que a técnicajurídica é tripartida: la, técnicadeformulação do direito; 2a, técnica da ciência do direito, e 3a, técnica de aplicaçãodo direito. A primeira e a segunda se servem de um vocabuláriojuridico, que deveser simples, preciso e uniforme, composto de vocábulos oriundos de outras ciências,bem como de palavras que têm sentido jurídico próprio e de palavras que pertencemao vocabulário comum. Outro recurso da técnica deformulação do direito são asfórmulas, que outrora eram sagradas, apesar de ainda em uso no direito, geralme<*-*>te,

Coube a Gény (Science et Tecnique du Droit Privé Positif, Paris,1914-24) distinguircom precisãoa técnica da ciência jurídica. À ciência, segundo Gény, compete estabelecer a matéria do direito,enquanto à técnica, aforma dessa matéria, a sua criação, interpretação, aplicação e revogação.Mas na determinação da matéria do direito a opinião de Gény tornou-se discutível. Para ele, àciência jurídica compete descobrir os dados do direito, de quatro espécies: donné "real" ou"material", formado de "condiç<*-*>es de fato em que se encontra colocada a humanidade", sejamde "natureza física ou moral" (clima, solo e seus produtos, constituição anatômica e fisiológicado homem, estado psicológico, aspiraç<*-*>es morais, sentimentos religiosos etc.), de condiç<*-*>eseconômicas que intluem sobre a sua atividade e de forças políticas ou sociais existentes; donné"histórico", formado de "fatos e circunstâncias da vida humana e social" (tradiç<*-*>es, precedentes,costumes, leis, doutrina, jurisprudência, solidamente estabelecidos); donné "racional", constituí-do pela essência das coisas, apreendida pela razão, tendo por reduto o "irredutível direito natural",imutável e absoluto; donné ` `ideal' ', captado pela intuição, formado pelos ideais sociais, queiniluem sobre a conceituação histórica desses "dados'', contribuindo assim para o processohistórico-social do direito. Vide, sobre Gény, §§ 137,196 e 199, nota 52.<012>

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Paulo Dourado de Gusmão

a fórmula imperativa. Não deve ser esquecido outro recurso, construído pela técnicajurídica, destinado a dar certeza às relaç<*-*>es jurídicas e a facilitar as provas: apresunção e a ficção. A presunção, baseada na verossimilhança, generaliza o quenormalmente ocorre em certos casos, estendendo as conseqüências jurídicas de umfato conhecido a um desconhecido. Daí Brethe de la Gressaye e Laborde-Lacoste(Introduction Générale à l 'Étude du Droit) dizerem que na presunção considera-secomo verdadeiro o que é provável. Exemplos de presunção: 1", presumem-se

concebidos na constância do casamento os ftlhos nascidos 180 dias, pelo menos,depois de estabelecida a convivência conjugal, bem como os nascidos dentro dos300 dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal por morte, desquite(separação judicial) ou anulação do casamento; 2", quando, em virtude de desastre ,duas pessoas ligadas por vínculo de parentesco (pai e filho, irmãos etc.), falecem,não se podendo precisar qual delas faleceu primeiro, presume-se então teremfalecido simultaneamente. Presunção dispensa prova. Já aficção, outro recurso muito empregado pelo legislador e pelo jurista, atribuirealidade ao que não tem, considerando verdadeira uma criação artificial do pensamento.Daí Ihering (L'esprit du droit romain, trad.) tê-la definido como mentira técnicaconsagrada pela necessidade. A ficção, como esclarece Ferrara (Trattato di DirittoCivile Italiano), não transforma em real o que não tem realidade, mas só lhe dá asmesmas conseqüências, como se fosse real. Caracteriza-se - diz Ferrara - por darigualtratamento a relaç<*-*>es em si materialmente diversas. Exemplos de ficção: os acessóriosde um imóvel, móveis por natureza, são juridicamente imóveis. O legislador emprega também a técnica da publiccdade, de modo a poderpresumir conhecida a lei por todos, bem como exige a publicidade de certos atosjurídicos. Para dar-lhe eficácia hájornais oficiais (Diário Oficial), que publicam leis,decretos, decis<*-*>es judiciais, atos etc., e o sistema de registro público de atosjurídicos, destinado a dar-Ihes publicidade, prioridade e segurança, bem comofacilitar a prova dos mesmos. Usa, também, a técnica daforma, que visa a dar certezae segurança à relação jurídica, sendo, em certos casos, essencial ao ato, como, porexemplo, a escritura pública. Já a técnica da ciência do direito se destina a concentrar, sistematizar e unificara matéria jurídica. Para tal, serve-se da redução e da concentração dessa matéria,de modo a reduzir o número de princípios, regras e conceitosjurídicos. A redução, porexemplo, das coisas a móveis e imóveis é uma forma de concentração da matériajurídica. Outra é a técnica da formulação de categoriasjuridicas, que, levando em contaa natureza, elementos comuns e específicos, distribui a matériajuridica em quadros bemdefinidos. Tais categorias, segundo Gaius, jurista romano, são as seguintes: pessoas,coisas e aç<*-*>es. Hoje, podemos ampliá-las: pessoas, coisas, aç<*-*>es, direitos, atos e fatosjurídicos, propriedade, responsabilidade civil, poder legislativo etc. São assimconsti-tuídas de um conjunto de regras jurídicas que disciplinam matéria jurídica autônoma,

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Introdução ao Estudo do Direito

integrada em um corpo mais amplo de direito. Assim, por exemplo, a propriedadeé uma categoria do direito civil, que é um corpo mais amplo de direito. Como bemnotou Roubier (Théorce Générale du Droit, 2a ed., Chapitre Préliminaire, § 3o letra A),muitas categorias jurídicas são também instituiç<*-*>es jurídicas, como é o casodapropriedade. Mas, prossegt<*-*>e Roubier, nem toda categoriajurídica é instituição jurídica,

sendo, contudo, verdadeira a recíproca. No que tange às categorias, é possível concentrá-las, unificá-las, reduzi-las esimplificá-las com o emprego da técnica de classcficação, agrupando elementosjurídicos em quadros bem definidos segundo suas recíprocas relaç<*-*>es, levandoemconta suas finalidades, seus traços comuns e suas diferenças. Finalmente, outroprocedimento técnico é a cnstctucionalizaÇão, que cria categorias mais amplas eorgânicas. Empregando-a, constroem-se as cnstituiç<*-*>esjurcdicas, como, por exem-plo, a família ou a propriedade. Instituição é um núcleo de regras jurídicas, unificadaspor valores e princípios comuns, tendo a mesma finalidade, compreendendo amplae perene matéria jurídica. São dotadas, geralmente, de realidade social, constituída,muitas vezes, antes de o legislador discipliná-las, como é o caso da farmlia. Prosseguindo: na construção das categorias e das instituiç<*-*>es jurídicas, atécnicajurídica serve-se da técnica de conceituaÇão para formular conceitos extraí-dos das regras de direito ou da experiênciajurídica. Procedimento muito importante,porque, como nota Dabin (Théorie Générale du Droit), um ` `direito não deftnido,ou insuficientemente definido" é de difícil aplicação, "dando lugar a dúvidas econtrovérsias geradoras de insegurança''. Os conceitos jurídicos podem ser formu-lados pelo legislador, mas de preferência devem ser pela ciência do direito. Sãoindispensáveis ao pensamento jurídico, como, por exemplo, o conceito de contratoou de propriedade. Para a elaboração desses conceitos, serve-se a ciência da técnica de generafi-zação e de abstração. <*-*> Assim, partindo de regras de direito esparsas, que versamsobre uma mesma matériajurídica, chega o jurista ao conceito que lhe corresponde.Todavia, os conceitos jurídicos petrificam o direito, principalmente quando formu-lados pelo legislador, apesar de darem certeza às relaç<*-*>es jurídicas. Por isso, muitasvezes tornarr<*-*> difícil ajustar o direito aos casos e aos novos tempos. Por esse motivo,o legislador não deve deles abusar, deixando à ciência do direito a tarefa deformulá-los. Porém, como são eles passíveis de envelhecimento, em virtude dastransformaç<*-*>es sociais, a doutrina deve, sempre que for necessário, renová-los ouatualizá-los. Se não proceder assim, manterá de pé um direito fossilizado, quandocompete-lhe mantê-lo vivo. Como a doutrina e ajurisprudência dos tribunais podem

6 Segundo Max Weber, a generalização constitui uma das formas do racionalismo, calcada no casuísmo, que Ihe serviu de ponto de partida.<012>

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manter vigente o sentido anacrônico do direito dado por conceitos envelhecidos, nãoatualizados, pode-se dizer que tais conceitos nem sempre estão adaptados aosquadros sociais aos quais se destinam. Daí Gurvitch (Traité de Sociologie, tomesecond) ter dito: os juristas são obrigados muitas vezes a lançar mão de uma` `sociologia espontânea do direito'', como ocorreu ` `durante os primeiros decêniosdo século XX, quando se abriu um abismo entre as categorias jurídicas consagradase o agitado mar da vida social do direito com suas manifestaç<*-*>es inéditas, imprevi-

síveis, que surgiam com uma espontaneidade elementar''. O mesmo hoje ocorre coma Revolução da Informática, com o telex, fax, as redes de computadores, o capitalcomputadorizado, a celebração ou o distrato de contratos no terreno financeiro como simples toque do teclado do computador, tornando-se muito rápidas as comunica-ç<*-*>es jurídicas no terreno contratual, exigindo instrumentos novos para garantir aforça dos contratos, a segurança dos negócios e a estabilidade da economia, sem nosesquecermos do progresso da engenharia genética (" bebês de proveta", clonagemde embri<*-*>es, inseminação artificial, etc.). Por último, temos a técnica de aplicação do direito,' que sup<*-*>e a técnica deinterpretação do direito, estabelecedora do sentido objetivo da regra de direito, ea técnica de integração do direito, usada no caso de lacuna do direito. Ambas serãoexaminadas em outra parte deste livro (vcde §§ 132,135 e 136).g Do exposto, chegamos à conclusão de a técnica jurídica ser o conjunto deprocedimentos e artificios aptos não só a construir, com clareza eprecisão, normasjuridicas, como, também, capazes defacilitar a interpretação, aplicaÇão e o aper-feiçoamento das mesmas y

Segundo Max Weber, pode ser imacional ou racional o processo de aplicação do direito. O pcimeirodepende de fé e de procedimentos extraordinários (oráculos, ordálio etc.), enquanto o segundo, dalógica jurídica e da construção de um sistema jurídico.O direito arcaico usou e abusou dos aforismos ou adágios, que é uma técnica de redigir máximasj<*-*>rídicas, concisas e gerais, que resumem uma regra de direito. São máximas proverbiais, forma areaicade legislar. Exemplos: ` `ninguém pode transferir mais direito do que possui'' (nemo adalii<*-*>m plusjuristrnnsfere potest quam ipse possident), ` `nas coisas móveis, a posse vale título'' ou, então, ` `a ninguémé lícito ignorar a lei' '. No Código de Manu (vide § 140), foram as máximas juridicas muito usadas.O vocábulo direito é empregado exclusivamente neste parágrafo no sentido de Ciência do Direito. Nosdemais capítulos e parágrafos é usado como norma ou conjunto de normas jurídicas. Antecipandoo que trataremos depois, temos a dizer que o termo direito é empregado em três sentidos: normajurídica, ciência do direito é direito subjetivo (poder, faculdade, prerrogativaque tem o titular, ouseja, a pessoa que tem um direito, como o proprietário, o comprador, o locador etc.). No CapítuloX daremos maiores esclarecimentos sobre os referidos significados.

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Introdução ao Estudo do Direito

4. SISTEMA JURÍDICO

Pode-se dizer que um dos objetivos da ci<*-*>ncia do direito é construir o ` `sistemajurídico", por muitos denominado ordenamento jurídico. O direito encontra-sedisperso em várias normas, aparecidas em épocas diferentes, destinadas a satisfazernecessidades criadas por variadas situaç<*-*>es sociais e a solucionar os mais

diversosconflitos de interesses. Por isso, umas são mais importantes do que outras, comoanormaconstitucional ; outras, em suamaioria, são informadas porprincípios comuns,que possibilitam agrupá-las em conjuntos regidos pelos mesmos princípios. Olegislador formula as normas, enquanto compete à ciência do direito reduzi-las aunidades lógicas, evitando assim as contradiç<*-*>es dentro de uma ordem jurídica.Sistema jurídico é, pois, a unificação lógica das normas e dos princípios jurídicosvigentes em um país, obra da ciência do direito. Para obtê-la, elimina o juristacontradiç<*-*>es porventura existentes entre normas e entre princípios; estabelecehierarquia entre as fontes do direito, escalonando-as; formula conceitos, extraídosdo conteúdo das normas e do enunciado nos princípios ; agrtzpa normas em conjuntosorgânicos e sistemáticos, levando em conta a função que devem elas cumprir, comoé o caso das instituiç<*-*>es (§ 3"); estabelece classificaç<*-*>es, ou seja, aponta o lugar decada norma no sistema. Os códigos modernos são exemplos de sistemas jurídicosparciais. Martínez Paz (Tratado de Filoso<*-*>a del Derecho), com razão, diz quesistema é a unidade lógica de conceitos homogêneos decorrentes de um princípiofundamental. Aliás, Cogliolo (Filosofia do Direito Privado, trad.), anteriormente,já havia dito que sistema é a ordem lógica do direito. Inconcebível, logicamente,haver mais de um sistema jurídico, isto é, de cada país (direito brasileiro, francês,italiano, alemão etc.) e de cada matéria jurídica (sistema de direito civil brasileiro,de direito penal etc.). Para construi-lo, agrupam-se, por afinidade de matérias,conceitos e princípios, buscando os laços que os unem ou os aproximam, para depoisinferir deles princípios muito gerais e compreensivos que os informam e que ostornam afms. O verdadeiro sistema, conclui Cogliolo, não é um índice esquemáticoa seguir, mas a organização científica da matériajurídica, que, com precisão e rigor,formula conceitos, delimitando o alcance dos mesmos, bem como atribui o valor ea importância de cada norma, entrelaçando-as e subordinando-as, de modo a quecada uma tenha o lugar que lhe compete, sem destacar umas com prejuízo de outras.Além disso, ojurista parte desses dados para os princípios gerais e fundamentaisdasvárias instituiç<*-*>es jurídicas, conciliando-os, quando necessário. Partindo delesentrega-se à tarefa de formular os princípios gerais do direito. A construção dosistema tem por objetivo, nota Cogliolo, descobrir os pontos obscuros e contraditó-rios ou incompletos contidos nos princípios e nas normas, bem como harmonizar ecoordenar as tendências opostas de dois ou mais institutos. Cada país tem seu sistema jurídico. Se sistema jurídico é unidade lógica dodireito, impossível, logicamente, como dissemos, haver mais de um sistemajurídicoem um país. Pode, no entanto, a ciência construir um sistemajurídico mais amplo do que onacional, levando em conta os princípios que informam os sistemas de vários países<012>

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e os conceitos formulados pela doutrina estrangeira com base nesses princípios.Assim, por exemplo, é lícito falar em sistemajurídico europeu (§ 163), formadopelos direitos da América Latina e da Europa Continental, inspirados no regimedemocrático e nos códigos civis europeus, que, como nota René David (Traité

Élémentaire de Droit Civil Compare<*-*>, "nascidos de uma origem comum, têm todosatualmente uma estrutura análoga e utilizam os mesmos conceitos'', estando vinculadosentre si, ` `porque estão fundados no direito romano''. Mas, na Europa dos anos 90, coma União Européia (§ 96), os países que a comp<*-*>em, além de seus respectivos direitosnacionais, estão submetidos a um sistema jurídico comum, comunitário, europeu, oraem formação.

5. DIREITO COMPARADO

O direito comparado consiste no esforço do Racionalismo para unificar odireito de um mundo dividido. Não é um ramo tradicional da ciênciajuridica; não foicogitado pelos romanos, mestres construtores dos alicerces do direito privado ocidental.É um ramo da ciência jutídica ocidental, e, se quisermos precisar, da ciência dodireitode nossa época. Pode-se dizer - se é possível nesses casos ixar datas - que o ano de1900 marca, com o Congresso Internacional de Direito Comparado, realizado em Paris,o momento de sua aparição oficial no cenáriojuridico mundial."' Todavia, antes de 1900, os estudos etnológicos de Bachofen, Post e SummerMaine, no terreno das organizaç<*-*>es jurídico-sociais dos povos arcaicos, podem serconsiderados como de direito comparado. Porém, foi com a obra de Lambert - LciFonction du Droit Civil Comparé -, aparecida em 1903, portanto depois do Con-gresso de Paris, que se iniciou, na França, como nos demais países europeus, umasérie de estudos metodologicamente rigorosos, comparativos do direito. Devemos esclarecer, desde logo, que o direito comparado, apesar de ter porobjeto direitos de diferentes países ou de diferentes épocas e sociedades, não énormativo, não sendo, assim, aplicável obrigatoriamente pelos tribunais, apesar deservir, entretanto, para fundamentar decis<*-*>es de seus órgãos, principalmenteno casode lacuna da lei (§ 139). Serviu-se dele o Autor, como desembargador, ao julgar

10 Devemos esclarecer, com Cândido Luís Maria de Oliveira (Curso de legislação comparada, Rio de Janeiro,1903), que em 1830, na França, Lerminier, no Colégio de França, inaugura a cadeira de História Geral das Legislaç<*-*>es Comparadas e, em 1837, Ortolan, na Faculdade de Direito de Paris, profere a primeira lição de legislação penal comparada. No Brasil, continua o ilustrejurista pátrio, o Decreto no 7.427, de 19 de abril de 1879, prescrevia que o "estudo do direito constitucional, criminal, civil, comercial e administrativo será sempre acompanhado da compa- ração da legislação pátria com a dos povos cultos". O estudo comparativo das leis foi feito por alguns legisladores e pensadores ao longo da História. Licurgo, segundo Plutarco (Vidas), comparou as legislaç<*-*>es de Creta com as dosjônios e de outras cidades paralegislar para Esparta.

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Introdução ao Estudo do Direito

recurso para reforma de sentença que não dera indenização pela rescisão unilaterale abrupta de contrato, de prazo indeterminado, celebrado entre fábrica de

automóveise revendedor autorizado, por bastar, segundo a decisão recorrida, aviso prévio de 30dias, que fora dado. A sentença estava certa à luz da disciplina legal dos contratostípicos, previstos na lei, e não em relação aos atípicos e novos, que o legislador nãohavia disciplinado. O Autor valeu-se da doutrina francesa para conceder, muito antesda lei nacional específica, a indenização pretendida, definindo como concessãocomercial o contrato rescindido, por compreender vários negócios, cuja rescisãounilateral e abrupta não seria possível, mesmo sendo indeterminado o prazo contra-tual, pelos prejuízos consideráveis que causaria (Revista de Jurisprudência do TJERJ,n" 45, ps. 87 a 110). O direito comparado pode ser investigação científica pura, destinada a facilitara obra de intérpretes, legisladores e juristas que pretenderem possuir conhecimentomais vasto do direito. "Todos os dias", escreve Paulo Ferreira da Cunha (Direito,Porto,1990, p. 94), ` `sucede que, para fazer ou alterar legislação, se vai consultar ade outros países, em busca de exemplo e inspiração'' sem abandonar, entretanto, atradição jurídica (obra citada, p. 94) de cada país. Há quem pense não se tratar de uma ciência, ou seja, de uma parte da ciênciajurídica ao lado da Sociologia Jurídica, da Criminologia, da Teoria Geral do Direitoe da dogmática juridica. Daí preferirem alguns juristas chamarem-na de ` `métodocomparativo'', ou, como dizem os alemães, Rechtsvergleichung, ou ` `comparaçãode direitos", em vez de "direito comparado"." Entre estes está René David,entendendo ser o direito comparado a ` `comparação de direitos diferentes, métodocomparativo aplicado às ciências jurídicas''. Outra não é a posição do ilustrecomparatista inglês Gutteridge (El derecho comparado, trad.), definindo-o como"método de estudo e investigação, e não ramo ou divisão especial do direito'z ,porquanto, continua Gutteridge, sendo o ` `direito conjunto de regras, é evidente quenão pode existir direito comparado na forma de legislação. O processo de compararnormas de distintos sistemas legislativos não origina novas regras aplicáveis àsrelaç<*-*>es humanas''. (De certa maneira o exemplo citado refuta essa tese.) Como vemos, grandes comparatistas, como René David, na França, e Gutte-ridge, na Inglaterra, seguidos por De Francisci, na Itália, e Kaden, na Alemanha,para citar só os pioneiros, negam cientificidade ao direito comparado, consideran-do-o simplesmente método de estudo jurídico.

11 Alguns juristas denominaram os estudos jurtdicos comparativos de comparativejurisprudence (Pollock), enquanto outros, de législation comparée, que teve certa aceitação na França, empre- gada, algumas vezes, por Lambert.<012>

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Paulo Dourado de Gusmão

Mas em sentido oposto encontram-se outros precursores, considerando-o ciência.Entre estes, destacam-se Lambert, Lévy-Ulmann e Saleilles, na França; Kohler e

Rabel,na Alemanha; Summer Maine, Salmond, Wigmore, Holland, Pollock e Bryce, naInglatena. A maioria desses juristas compreende o direito comparado como o estudodas semelhanças e diferenças existentes entre os direitos, com o objetivo de aproximaros povos (Lévy-Ulmann) e de formular os princípios comuns aos direitos civilizados(Saleilles), ou, então, com o fim de descobrir os elementos comuns dos diversos direitos,a fim de facilitar o trabalho de unificação legislativa (Lambeit). Rasga, assim,novoshorizontes à filosofia do direito (Kohler, Holland e Salmond), eniiquecendo a experiên-cia jurídica (Ascarelli). Finalmente, há quem, como Saifatti e Hug, admita uma ciência comparativados direitos dos povos primitivos, ramo da etnologia jurídica, diversa da ciênciacomparativa dos direitos dos povos civilizados. Próximas da primeira estão aHistória Comparada do Direito, de Lambert, o Estudo Histórico-Comparado doDireito, de Pollock, a Teoria Geral Etnológica do Dcreito, de Rabel, as investigaç<*-*>esde Summer Maine e a jurisprudência etnológica de Hermann Post. A nosso ver, devemos separar método é ciência. Esta sup<*-*>e sempre um métodoe, em função deste, varia a sua natureza. Inegavehnente o estudo do direito de um país,por exemplo, do direito brasileiro ou do alemão, é científico. Neste caso, o métodoempregado não é o comparativo. Mas, se empregarmos este método no estudo do direitode diferentes países, acabaremos atingindo resultados mais amplos e diversos dosobtidos com o estudo de um só deles. Ora, tais resultados sistemáticos, com coerêncialógica, compatíveis entre si, não podem ser confundidos com o método que osestabelece. São diversos dos resultados obtidos com outros métodos. Formam, assim,um ramo novo da Ciência. Como o objeto foi semprejurídico, constituem ramo da ciênciajurídica. Mas, como o método empregado foi o comparativo, deve-se denominá-la: DireitoComparado, ou, então, querendo-se: legisla<*-*>ão comparada. Qual o fim prático dessa ciência? Primeiro, foroecer visão mais ampla dodireito, indispensável às investigaç<*-*>es jurídicas mais profundas. Facilitar,comoesclarecem Salmond e Holland, as investigaç<*-*>es filosófico-juridicas, bem como aSociologia do Direito. Abrir caminho para a Teoria Geral do Direito. Depois, facilitara compreensão de regras, instituiç<*-*>es e princípios jurídicos de cada país, pois odireito de cada país, refletindo o tipo de civilização em que está integrado, temafinidade com direitos de outros países integrados no mesmo tipo de civilização,como é o caso dos direitos brasileiro, francês, alemão, italiano etc., que têm pontos,de contato, por pertencerem à mesma cultura (ocidental). Mas não é só, pois sedestina, também, a facilitar a obra do legislador e, dentro de uma civilização, como,por exemplo, a ocidental, a uniformizar algumas regras jurídicas. Segundo os maiores comparatistas, devem ser seguidas algumas regras noestudo comparado do direito. Eis algumas: le, nem sempre é vantajoso comparar

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Introdução ao Estudo do Direito

grande número de sistemas jurídicos; 2a, devem-se descobrir as fontes dos direitosque se pretende comparar. Nesse caso, deve-se verificar primeiro a natureza do

direito (codificado, consuetudinário ou jurisprudencial); 3a, reconhecer que asdefiniç<*-*>es legais estão vinculadas à sociedade ou ao país em que foram formuladas ;4a, os direitos estrangeiros devem ser interpretados à luz de sua doutrina e jurispru-dência, e não em função dos conhecimentos jurídicos do comparatista; 5a, devemser consultadas as obras dos jurisconsultos e a jurisprudência dos tribunais queaplicaram os direitos a serem estudados comparativamente. Finalmente, para nós, o direito comparado é a parte da ciência juridica quetem por objeto a compara<*-*>ão de direitos de diferentes paises, soccedades, civiliza-<*-*><*-*>es ou de épocas diversas com o objetivo de descobrir seus prcncipios comuns esuas diferenças e, excepcionalmente, quandopossivel, propor uniformizaç<*-*>esjuri-dicas ou unificaç<*-*>es de legisla<*-*><*-*>es. Tem grande impoitância em nossaépoca, em facedo desenvolvimento das relaç<*-*>es internacionais, pois pode contribuir para a solução deproblemasjurídicos oriundos dessas relaç<*-*>es (contratos internacionais etc.).Neste fnalde século, se não houver guerra, será de grande importância na União Européia (§96).

6. TEORIA GERAL DO DIREITO

A Teoria Geral do Direito,'z na época de sua aparição no cenáriojurídico, istoé, no século XIX, estava para a ciênciajurídica como aphilosophiepositive de Comtepara a filosofia. Destinou-se a substituir a Filosofia do Direito, ou melhor, a filosofia ` `meta-física'' do direito. Era, portanto, dentro do positivismojurídico, a filosofia positiva do direito parauma ` `época positiva''. Foi considerada a ciência por excelência que, com método científico, deverraexplicar o direito e construir os conceitos jurídicos fundamentais, tendo por base odireito positivo (leis, códigos, precedentesjudiciais etc.), bem como coroar a ciênciado direito com a síntese dos resultados das ciênciasjurídicas paiticulares, fornecendovisão global, sistemática e unitária do direito. Mas as "teorias gerais do direito", aparecidas até 1914, confundiram Socio-logia do Direito com Direito Comparado e Filosofia do Direito, confusão feita

12 A Teoria Geral do Direito data de 1874 quando foi publicado o trabalho de Merkel, que trata das relaç<*-*>es da filosofia do dire_to com a ciência do direito positivo. Foram então lançadas, com esse trabalho, as bases da nova disciplina sob a influência do positivismo. Aderem a essa nova posição Filomusi Guelfi, na Itália, Somló mais tarde, e, em I917, Roguin; partindo de outra posição filosófica, Kelsen.<012>

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também depois da Segunda Guerra Mundial por Haesaert, Dabin e Roubier. A TeoriaGeral do Direito de Kelsen talvez seja a única que assim possa ser rotulada. Kelsen, no prólogo de sua General Theory of Law and State (1945), sustenta,

commuita precisão, lembrando Austin, que o objeto da Teoria Geral do Direito é oestabelecimento de conceitos gerais facilitadores da interpretação do direito positivo dequalquer país. Mas, fora o caso de Kelsen ( § § 197 e 200), que, em virtude da ` `pureza metódica'',que adota, não empregou ` `julgamentos de valor'' na ciênciajuridica, e, de certa forma,de Carnelutti, os demais juristas de nossa época, como Dabin, Haesaert, Perticone,Cesarini Sforza, Groppali, I.evi, ou Roubier, confundiram, como dissemos, o objeto daTeoria Geral do Direito com os da Filosofia do Direito e os da Sociologia Jurídica. Bobbio (Studi sulla Teoria Generale del Diritto), o melhor crítico das TeoriasGerais do Direito contemporâneas, diz que a relação que há entre a Teoria Geral doDireito e as demais disciplinas particulares não é uma relação de gênero e espécie,mas deforma e conteúdo. Assim, a Teoria Geral do Direito é uma teoriaformal dodireito, distinta das demais disciplinas jurídicas particulares, que têm por objeto oconteúdo das normas. É, antes de tudo, ` `teoria do direito positivo''. A nosso ver, a Teoria Geral do Direito destina-se a estabelecer os elementosformais, essenciais e comuns a qualquer norma juridica, independente de seuconteúdo, bem como formular os conceitosjuridicosfundamentais, indispensáveisao raciocinio juridico. É, como disse Kelsen (Teoria Ceral do Direito e doEstado), Teoria Geral do Direito Positivo, resultante da ` `análise comparativa dosdireitos". Não se ocupa do problema dos fins, dos valoresjurídicos e dajustiça, da alçadada Filosofia do Direito, nem de quest<*-*>es sociológicas, pertinentes à SociologiaJurídica.

Não é teoria do direito de um país, mas teoriajuridica comum a vários direitos.Não é, entretanto, teoria de direito universal, visão positivista da ciência do direitonatural, fora do espaço-tempo, mas teoria do direito histórico.

7. SOCIOLOGIA JURÍDICA

Pode-se dizer que a Sociologia Juridica é ciência muito jovem, estando aindaem estado de formação. Daí ter razão Timasheff (Introduction a la SociologieJuridique) quando diz estar a Sociologia do Direito em plena infância. Sendo ciência recente, é natural que os principais estudos de SociologiaJurídica versem sobre problemas metodológicos, a respeito dos quais juristas esociólogos não chegaram ainda a um acordo.

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Introdução ao Estudo do Direito

Com muita precisão e razão Timasheffreconhece ser necessário definir a Socio-logia Juridica como ciência nomográfica, por pressupor o princípio de causalidade e porocorrer regularidade no processo histórico modelador do direito. Não há acordo, também, quanto à tarefa da Sociologia Jurídica, talvez porque,como dissemos, historicamente, a Sociologia do Direito é ciência muito nova. '3 Gurvitch vê em Aristóteles, Hobbes e Spinoza os precursores da Sociologia doDireito. Já Ehrlich pensa que o Esprit des Lois, de Montesquieu, ` `deve ser conside-rada a primeira tentativa para elaborar uma sociologia juridica''. Para nós, é com Montesquieu, Maine, Durkheim e Max Weber que a SociologiaJurídica se constitui como ciência autônoma. Entendemos por Sociologia Jurídica aparte da Sociologia que estuda o direito

como fenômeno social, ou, ainda, como fenômeno sociocultural, indagando osfatores de sua transformação, desenvolvimento e declinio, de modo a que, com oestudo comparativo desses fatores em várias sociedades, possa: 1", solucionar oproblema da gênese social do direito; 2", descobrir as estruturas socioculturaiscorrespondentes aos diversos tipos de direito, bem como explicar, sociologicamente,as idéias e instituiç<*-*>es jurídicas, desvendando suas bases sociais. Assim, a Sociologia do Direito, para não se afastar do pensamento sociológi-co, deverá levar em conta os resultados da sociologia geral, da sociologia da moral,da sociologia política, da sociologia da cultura e da sociologia do conhecimento. Sociologicamente compete-lhe:1', apurar as condiç<*-*>es sociais e econômicas,morais, geográficas e demográficas etc. do direito; 2a, encontrar os fatores sociaisdas transformaç<*-*>es jurídicas; 3', elaborar uma teoria sociológica do conhecimentojurídico, do saber jurídico, encontrando a motivação social das idéias jurídicas; 4a,verificar os resultados sociais das regras, teorias e instituiç<*-*>es jurídicas, a fim defacilitar o trabalho do legislador, do juiz e do jurista na reforma, interpretação ep ça lica ão do direito; 5, estabelecer a função e o fundamento sociais do direito emtese e dos direitos históricos; 6a, apurar os fatores sociais dos fatos jurídicos(divórcio, casamento, crimes etc.) e a inter-relação entre esses fatos e a realidadesocial; 7a, descobrir os tempos e espaços socioculturais (§ 28) do direito; 88, verificaros fatores sociais da presença em diferentes direitos de elementos comuns a todosos direitos e de elementos jurídicos espeçíficos a alguns; 9a, definir o direitoem termossociológicos,

l 3 Entre nós, a Sociologia Jurídica foi tratada por Pontes de Miranda, Queiroz Lima, Carlos Campos, Cláudio Souto, Djacir Menezes, Evaristo de Moraes Filho, Cândido Mendes de Almeida, Nélson Nogueira Saldanha, Miranda Rosa etc. Pela originalidade com que a versaram na América Latina, devem ser lembrados os argentinos Herrera Figueroa, Pedro David e o mexicano L. Mendieta y Nunez.<012>

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Considerando a Sociologia Jurídica o direito como fato social, como fenômenosocial, serve-se dos métodos das ciências nomográficas, isto é, das ciências quepesquisam regularidades além, é claro, do método sociológico propriamente dito,deixando o estudo das ` `significaç<*-*>es'', dos ` `sentidos'' e dos ` `valores'', embutidosnas normas e nos fatos jurídicos, à Filosofia do Direito.

8. HISTÓRIA DO DIREITO

É a parte da História que tem por objeto o direito considerado como fato histórico.É, assim, uma história particular, e não geral, por ser o direito um dos

componentes daCultura. Como históriaparticular, a do direito só pode ser traçada com o conhecimentoda História da Cultura, em que o direito estiver inserido, bem como da História da naçãoa qual ele pertencer por não ser fenômeno histórico-social autônomo, mas um doselementos do fenômeno sócio-cultural global, encaixado em um contexto histórico.Como o direito varia com as sociedades, as naç<*-*>es e as civilizaç<*-*>es, a História do Direitonão é história universal do direito, mas a história do direito de uma civiliza<*-*>ão, podendoser também História do direito de um pais. Há, assim; a História do Direito ocidentalou europeu, como há a História do Direito grego antigo, do direito sumeriano, dodireitoromano, do direito brasileiro, etc. Por isso, tem razão Kohler quando diz que cadacivilização tem seu direito, conseqüentemente a História de seu direito, da qualdependeo sentido dos direitos dos países nela integrados, como, em nosso caso, depende dodireito português e do direito romano. Por outro lado, a História do Direito não é só a História do direito petrificado nasnormas, escritas ou costumeiras, mas também dajurisprudência dos tribunais, da ciênciajurídica e dos documentos que dão vida ao direito. Assim, tem por matéria documentosjuridicos históricos, sejam leis, códigos etc., sejam contratos, testamentos, sentençasetc., não só o direito estratiflcado, como, também, o direito vivo. Não se restringe, pois,à história da legislação. Tem sempre em vista o direito positivo, isto é, o direito que foieficaz, ou seja, que produziu efeitos históricos. Grande é a importância dos estudos históricos do direito, pois, revelando osefeitos históricos das legislaç<*-*>es, da jurisptudência, dos negócios jurídicos e dadoutrina, facilitam a compreensão do direito atual, além de fornecer aos juristas, aolegislador e ao juiz liç<*-*>es que devem ser aproveitadas. Serve-se a História do Direito do mesmo método da História in genere: criticados doç<*-*><*-*>mentos. A primeira tarefa do historiador do direito deve ser a descobertade documentos, seguida da "crítica" dos mesmos, isto é, da análise do documento,verificando inicialmente a sua autenticidade, para depois, então, entregar-se à suahermenêutica ou interpretação. Por documentosjuridicos entendemos leis, senten-ças, obrasjurídicas, testamentos, contratos, portarias etc. Partindo desses documen-tos, o historiador do direito pode estabelecer generalizaç<*-*>es, reconstituir épocas eexplicar o passado do direito.

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Introdução ao Estudo do Direito

9. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO

Disciplina destinada a dar ao iniciante na ciência jurídica as noç<*-*>es e osprincípios jurídicos fundamentais, indispens<*-*>veis ao raciocínio jurídico, bem comonoç<*-*>es sociológicas, históricas e filosóficas necessárias à compreensão do direitona totalidade de seus aspectos. Foroece uma visão de conjunto, bem como aspossíveis raízes sociais e históricas do direito e o seu fundamento filosóftco. É,portanto, uma disciplina enciclopédica, motivo por que já fora denominada de

Enciclopédia Juridica. Dando os conceitos fundamentais do direito, tem pontos decontato com a Teoria Geral do Direito, apesar de com ela não se confundir.Denominada, entre nós, anteriormente, IntroduÇão à Ciência do Direito, denomina-ção ainda usada em outros países. A importância dessa disciplina tem sido ressaltada por muitos juristas eprofessores. Confirma essa assertiva a Circular, de 29 de junho de 1840, do Ministrede 1'Instruction da França, Guizot, transcrita no prefácio do Prof. F. Larnaude,daUniversidade de Paris, à tradução francesa do Curso de Teoria Geral do Direito, deKorkounov (Paris, V. Giard E. Briére,1903). Na referida circular, justificando acriação da cadeira de Introduction générale à I'étude de droit, na Faculdade deDireito de Paris (25 .06.1840), Guizot assim se pronunciou: há uma lacuna grave noensino jurídico (em 1840), os "alunos, que ingressam na Faculdade, não têm umacadeira preliminar que os faça conhecer o objeto e o fim da ciência jurídica, asdiversas partes que a comp<*-*>em, os laços que as unem, a ordem em que devem sersucessivamente estudadas, e, sobretudo, o método que preside essa ciência. . . ''. Esseé o propósito dessa disciplina: fornecer uma visão de conjunto do direito comociência e como sistema de normas. Com esse propósito foi escrito este livro.

10. FILOSOFIA DO DIREITO

A questão de saber o que seja a Filosof'ia do Direito é, como em toda filosofia,"o primeiro problema do filosofar. A problematicidade da filosof'iajurídica desafia o jurista, como a questionabi-lidade da filosofia preocupa os filósofos. Até o século XIX, no Ocidente, os juristas filosofaram sobre o direito, sem sepreocuparem se era ou não filosofia o que faziam. A crise da teoria jurídica clássica (teoria do direito natural) e da metafísica,aliada à crise do Iluminismo, acarretou a problematicidade da própria Filosof'iadoDireito. Esta, confizndida com a teoria do direito natural, não pôde resistir aosimpactos do historicismo e do positivismo. Foi assim que a f'<*-*>losofia jurídica, pela

14 Simmel, "Pc'oblemas Fundamentales de la Filosofia", Madri, Revista de Occidente,1946, trad., p.11.<012>

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primeira vez, foi posta à prova. Desde então os juristas começaram a desconfiar desuas filosofias. Surgiram, para substituí-la, a Teoria Geral do Direito (Allgemeine Rechtslehre)dos alemães, a Enciclopédia Juridica dos italianos e a Analytical Jurisprudence doinglês Austin, como filosofias do direito positivo,. segundo o modelo do positivismo.Seus propugnadores consideravam-nas como filosofias apropriadas para a época cien-tífica do Ocidente, isto é, para um período histórico que depositava grande confiançano progresso das ciências e na possibilidade de cientificamente serem resolvidastodasas quest<*-*>es.

Mas, como o cientificismo aspirava a um tipo de conhecimento claro, ordena-do, sistemático, inquestionável, o que se viu, depois da crise do jusnaturalismo, foia problematicidade da ciência do direito e o entrechoque de enorme variedade deteorias jurídicas. Por isso, os juristas-filósofos continuam e continuarão formulando filosofiasjurídicas. Como entendê-la? De modo geral, dizendo estar a Filosofia do Direito fora dodomínio da ciência do direito, sem confundi-la com a Teoria do Direito Natural, quenada mais é do que um de seus modos de ser. Pode-se hoje entendê-la como oconhecimento resultante da auto-reflexão sobre o ser, o sentido, o fundamento, afinalidade e os valores do direito, sem deixar de ser o tribunal do direito positivo.De modo muito amplo: o saber decorrente da auto-refiexão sobre o direito semqualquer limitação, por não ser limitável opensamentofilosófico. Querendo: o saberque, pondo à prova o conhecimento jurídico, sem dar soluç<*-*>es definitivas, suscitaproblemas. Estes, e não as respostas, é que, desde Atenas, desafiam o tempo. Emnossa Filosofia do Direito (1985) assim escrevemos: "O valor da filosofia residemais nas perguntas - que são eternas -, nas quest<*-*>es que suscita, do que nasrespostas'' que dá historicamente. A ` `pergunta é mais importante, lança a dúvida,quebra o gelo que encobre a realidade jurídica, abre novos horizontes, novasperspectivas, colocando em questão o estabelecido por respostas do passado. Asperguntas são os temas, as respostas, as fllosofias", e não a Filosofia propriamentedita, inexaurível. A ` `filosofia que pretender ter resposta definitiva para os eternosproblemas é dogma, incompatível com o espírito filosófico"... ou, como disse PaulValéry, um dos "desejos idiotas do homem". Antes de Hegel, foi tratada por filósofos, incluída em seus sistemas, como fezo própria Hegel. Depois dele, tem sido obra de juristas. Stammler foi o jurista queprimeiro construiu um sistema filosófico do direito. O primeiro, quiçá o último.

II

RELAÇÊES DA CIÊNCIA JURÍDICA COM OUTRAS CIÊNCIAS

11. O DIREITO E AS CIÊNCIAS SOCIAIS

Os séculos XIX e XX modificaram profundamente a noção do homem culto ede fonte do saber. Assim, até bem pouco tempo, bastava ao jurista, para ter culturageral compatível com o seu papel social, ser iniciado em Filosofia e História. Hoje,a Filosofia, que perdeu muito de sua supremacia, é somente uma das fontes do saberutilizada pelo jurista para compreender, em sua totalidade, a realidade social de seutempo. Desta forma, em nossa época, não mais se pode pensar em estudar o direitosem o conhecimento de outras ciências que facilitam a exegese, a aplicação e,principalmente, a criação do direito. Daí não ser exagero afirmar: o desconhecimento dessas ciências muito temcontribuído para a perda do papel social que desempenhou o jurista no nosso passadoaté os anos 60, para a qual concorreu também a crise do ensino jurídico, divorciado dasdemais ciências sociais, destinado exclusivamente a formar profissionais eficientes,"doutores em leis", e não juristas. Para que ojuristatenhaumavisão atual do direito é necessário que sejainiciadonas ciências sociais dentre as quais destacamos a Sociologia, pela importância que

tem para o direito, pois, hoje, não se pode formular, interpretar ou aplicar o direitosem o conhecimento dessas ciências e, muito menos, construir a ciência jurídica,como autêntica ciência, sem uma visão sociológica. Basta, para comprovar nossopensamento, meditar sobre o que é a Sociologia, que, como nota Sorokin, é não sóa ciência das "relaç<*-*>es e correlaç<*-*>es entre várias classes de fenômenos sociais(correlaç<*-*>es entre os fatores econômicos e os religiosos; a família e a moral; ojurídico e o econômico; a mobilidade e os fenômenos políticos etc.)", como,também, o estudo das relaç<*-*>es "entre os fenômenos sociais e os não-sociais (geográ-ficos, biológicos etc.)", que a habilita a dar as "características gerais comunsa todaclasse de fenômenos sociais'' (vide Capítulo lln e a entendê-los como realmente são.<012>

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E assim é porque a Sociologia estuda os fatos sociais, ou seja, os fenômenossociais. Ora, o direito é um fato social, resultante do impacto de diversos fatoressociais (religião, moral, econômico, demográfico, geográfico etc.). A Sociologiaversa sobre os costumes e as normas sociais; ora, é sabido que, em suas origens,odireito se apresenta sob a forma de costumes. A Sociologia é, também, a ciência dasinstituiç<*-*>es sociais; ora, o direito dá formajurídica a muitas instituiç<*-*>es sociais, como,por exemplo, a família, a propriedade etc. A Sociologia Jurídica (§ 7") é inconcebívelsem a Sociologia, da qual é uma especialização. O estudo do fenômeno social dadelinqüência é inconcebível sem o auxílio da Sociologia, principahnente o fenômeno dadelinqüênciajuvenil, que reflete a dissolução de costumes, a crise de afetividade, a crisedo mercado de trabalho e a crise da família de nossos dias. Poderíamos continuarenumerando exemplos comprovadores da necessidade que tem o jurista da Sociologia. ' A História (§ 8"), ou seja, o conhecimento do passado humano, ou, como dizG. Monod ("Histoire" in De la Méthode dans les Sciences), o estudo do conjuntodas manifestaç<*-*>es da atividade e do pensamento humanos, considerados cronologi-camente e em sua sucessão, seu desenvolvimento e suas relaç<*-*>es de conexão oudependência, é de grande utilidade para o jurista, por ser o direito um fenômenohistórico, que tem largo passado, ou seja, que tem História, relacionada com outrosfatos e acontecimentos históricos. O Código Civil francês seria incompreensível sema Revolução Francesa, bem como a Lei das XII Tábuas dos romanos sem a luta entrepatrícios e plebeus ou as clássicas Declaraç<*-*>es de Direito sem as Revoluç<*-*>esAmericana e Francesa. A teoria da divisão dos poderes resultou do conflito entreaCoroa e o Parlamento inglês, enquanto o direito do trabalho tem suas origens nasreivindicaç<*-*>es trabalhistas da primeira fase da Revolução Industrial. A Históriafornece ao jurista as fontes históricas do direito. O direito atual tem suas raízes nopassado. Governado pela força da tradição, o direito antigo encontra-se nas basesdo direito vigente. Poder-se-ia pensar em direito alemão, francês ou italiano sem odireito romano ou em direito brasileiro sem as Ordenaç<*-*>es Reais? Mas não é só,pois a História, dando a conhecer os direitos antigos, os erros cometidos pelos

legisladores do passado e os bons e maus efeitos sociais das legislaç<*-*>es antigas,aponta ao jurista e ao legislador de hoje o caminho que não deve seguir. No direito,dizia Leibniz, encontramos o direito do passado e o do futuro. Não se pode, pois,fazer ciência do direito sem o conhecimento da História. O jurista, disse Savigny,não pode deixar de ser um historiador. A <*-*>conomia (§ 24), ciência que versa sobre os problemas da produção,distribuição e consumo de bens e com os concernentes a preços, bero como emsatisfazer as necessidades básicas do homem e em promover o bem-estar social,

1 Vide nosso Manual de Sociologia.

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Introdução ao Estudo do Direito

oferecendo soluç<*-*>es para a reforma da ordem econômica, com a previsão de meios quea tornem viável, é outra com a qual o direito tem laços estreitos de parentesco.Não queo direito seja, como sustenta Stammler (§ 197), a formajurídica das relaç<*-*>eseconômicasou o reflexo, como quer Marx (§ 199), de ditas relaç<*-*>es, mas porque há largocampodo jurídico em que os fatos econômicos têm impoztância fundamental. A intervençãodo Estado no campo econômico, desde a Grande Depressão de 1929, ampliou onúmero de relaç<*-*>es e atos jurídicos de conteúdo econômico. As crises econômicasperiódicas alteram os sistemas jurídicos. O controle de preços de gêneros alimentí-cios de primeira necessidade ou o congelamento de alugueres e salários, resultantesda crise de 1929, para a qual o direito então vigente não oferecia solução adequada,exigindo legislação especial, é exemplo que demonstra, de forma inequívoca, adependência do direito do fator econômico e a importância da Economia, comociência, para o legislador, o juiz e o jurista. As garantias dadas pelo direito civil,dominantes até 1914, aos bens imóveis foram, então, estendidas aos bens móveis, hojetendo maior valor do que aqueles. A industrialização, entre nós, acelerando-se após osanos 30, fez evoluir o direito do trabalho. O direito econômico, que controla a produçãoe a circulação de riquezas, é ramo novo do direito, que apareceu devido à importânciaadquirida pelas relaç<*-*>es econômicas depois da Primeira Guerra Mundial. O valor daEconomia para o jurista tomou-se tal, que nas Faculdades de Direito foi criada acadeirade Economia Política. Por isso, não se pode negar as relaç<*-*>es estreitas existentes entreEconomia e Direito e o valor que tem para o jurista. z

A Moral ( § 43), que tem por objeto o comportamento humano regido por regrase valores morais, que se encontram gravados em nossas consciências, e em nenhumcódigo, comportamento resultante de decisão da vontade, que torna o homem, porser livre, responsável por sua culpa quando agir contra as regras morais, tem relaç<*-*>esmuito próximas com o direito. Não se precisa ir muito longe para admiti-las porquenorma, liberdade, culpa, responsabilidade e sanç<*-*>es são temas básicos da

moral. Porisso, tem ela importância fundamental para o direito, que é controle social eficaz daconduta humana. Muitas regras morais foram acolhidas pelo direito: não matar(implícita na punição do homicídio), não causar dano injusto a outrem (fonte daobrigação de reparar), respeitar a palavra dada (básica no direito dos contratos) etc.Na Moral e na Religião encontra-se a origem do direito antigo. A Justiça, valor

Antepassado do Autor, Pedro Autran da Matta Albuquerque, conhecido por Pedro Autran, umdos fundadores da Faculdade de Direito do Recife, publicou no século passado obra de EconomiaPolítica (Prelecç<*-*>es de Economia Politica, Rio de Janeiro, Garnier, Livreiros Editor, 1860, 2aedição, impresso em Paris), entre nós, uma das primeiras obras sobre o assunto, sem nosesquecermos da obra do Visconde de Cairu (losé da Silva Lisboa). No presente século até os anos40, nas nossas Faculdades de Direito, os professores de Economia Política indicavam o clássicoCours d'Économie Politique (Paris, Sirey) de Ch. Gide.<012>

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jurídico fundamental, é valor moral. O estudo da Moral, de suas regras e doscostumes é, pois, relevante para ojurista, principalmente para humanizar as relaç<*-*>eseconômicas e o mundo materializado de nossos dias. Finalmente, a Ciência Politica, que estuda o poder, o governo do Estado, oscostumes políticos, as ideologias etc., tem laços estreitos com o direito, por ser odireito estatal o direito por excelência no mundo atual. A Ciência Política é, pois, deimportância fundamental para o direito constitucional. Essas são as ciências sociais que têm, a nosso ver, relaç<*-*>es mais estreitas como direito.

12. MEDICINA LEGAL

É o emprego de conhecimentos médico-cirúrgicos com o objetivo de constituirprova, quando o homem em si é objeto dela. Segundo os tratadistas, existe no direitoarcaico, como, por exemplo, no Talmud ou na Lex Cornelia, referência a termosmédicos, como virgindade, aborto, estupro, ferida, infanticídio. A codificação deJustiniano refere-se a doenças mentais. Na Idade Média havia a praxe de os juízeschamarem médicos para, sob juramento, diagnosticarem e darem pareceres sobreproblemas jurídicos cuja solução dependia da Medicina. Ugo di Lucca, de Bologna,foi um perito médico afamado na Idade Média. Bartolo ( I 314-1357), com suas obrasDe Percussionibus e De Cicatricibus, deu origem à Medicina Legal. Assim, aMedicina Legal aparece com os pós-glosadores. O<*-*> primeiro tratado de MedicinaLegal é de Ingrassia (Methodus dandi relationes,1578), depois, em 1621, tivemosQuestiones medico-legales, de Zacchia, e, em 1696, Medicina Legale, de Behrens,sem nos esquecermos do Corpus iuris medico legalis (1740), de Valentin. A Medicina Legal facilita a interpretação e a aplicação da lei penal quando estaemprega noç<*-*>es que só ela pode definir, como, por exemplo, aborto, virgindade,

morte, lesão corporal etc. Perrando (Manuale di Medicina Legale) a define comoparte da ciência médica que se dedica a ` `todos os problemas biológicos e médico-cirúrgicos, que têm relação com a evolução das ciências jurídicas e sociais, bemcomó, de forma sistemática, fornece noç<*-*>es técnicas indispensáveis à soluçãodasquest<*-*>es de índole técnica nos procedimentos judiciários''. Os conhecimentos médicos são valiosos tanto no direito penal como no direitocivil. Assim, por exemplo, do exame de sanidade mental pode resultar na interdiçãode pessoa de maioridade; no direito de famlia muitos casos dependem de períciamédica, como, exemplificando: determinação da incapacidade para o ato sexualmotivadora de anulação do casamento, a investigação de paternidade etc.

13. PSICOLOGIA JUDICIÁRIA

É a parte da Psicologia a serviço do Judiciário, que, servcndo-se da Psicologiapossibilita descobrir o falso testemunho e a autoria de delitos. Não reduz suas

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Introdução ao Estudo do Direito

investigaç<*-*>es ao delinqüente, mas se dedica mais ao testemunho como meio deprova. Ao tratar do delinqüente, não indaga os fatores psicológicos do delito - objetoda psccologia criminal, mas colabora na formação da convicção do juiz sobre averacidade ou falsidade do depoimento do delinqüente. Trata também da psicologiado magistrado, do advogado e do promotor. Analisa documentos e fatos em funçãoda personalidade de seus autores e da idade, do sexo e estado de saúde dos mesmos.Oferece a magistrados, advogados e membros do Ministério Público meios eelementos necessários para descobrir verdades, falsidades, simulaç<*-*>es etc. Pode serdefinida como a técnica psccológica a servi<*-*>o do processojudicial, com o objetivode descobrir a verdade, falsidade ou simulação de atos, confiss<*-*>es, depoimentos,condutas etc. Pode também, como defende o realismojurídcco norte-americano (§201), indagar as motivaç<*-*>es psicológicas das decis<*-*>esjudiciais.

14. CRIMINOLOGIA

A Criminologia3 é o estudo do homem criminoso, isto é, do delinqüente e docrime, não do ponto de vista legal, mas dos fatores que o determinam. Funda-se,exclusivamente, em métodos científtcos, alheada das definiç<*-*>es e das categoriasjurídi-co-penais. Trata do crime como um fato, sem cogitar de seus ` `elementos normativos''(Seelig). Assim, a Criminologia não cogita do crime no sentido jurídico, da pena comosanção jurídica, mas do crime como fato, como expressão da personalidade dodelinqüente e do meio social. Estuda, pois, o delinqüente, não a lei penal,indagando as motivaç<*-*>es (individuais e sociais) que o levam a delinqiiir. Visa aconhecer melhor o criminoso, para melhor recuperá-lo e prevenir melhor. Por isso,é o estudo das causas ou fatores da criminalidade com o objetivo de evitar ou reduzira criminalidade e de obter a recuperação do delinqüente. Nessa tarefa, não se reduzao estudo de um dos fatores da criminalidade. Indaga as causas e os fatores do crime de modo a predizer, com certa probabili-dade, as condiç<*-*>es favoráveis à criminalidade e os meios de evitá-la ou reduzi-la. Considera, funcionalmente, a pena como meio de readaptação do criminoso àvida em sociedade e como meio preventivo, sem levar em conta seu aspecto

retributivo. Assim, para a criminologia vale mais o aspecto ` `corretivo'' da pena doque o ` `retributivo''.

3 Eis algumas definiç<*-*>es da Criminologia: "teoria das formas reais do delitoe da luta contrá o delito'' (Seelig); "estudo do homem delinqilente, do delito e dos meios de repressão e prevenção do delito mesmo'' (Nicéforo); ` `teoria do delito como fenômeno na vida social e na vidaindividual" (Exner); ` `parte da ciência penal que p<*-*>e em relevo os fatores da criminalidade mediante investigação empírica, quer dizer, os fatores individuais e sociais que fiudamentam aoondutadelituosa'' (Hucwitz); "estudociaitífico da aiminalidade, suas c<*-*>sas e meios de comhatê-la" (Q. Saldana).<012>

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Compreende a antropologia criminal, a psicologia criminal e a sociologiacriminal, que, juntas, constituem o que se tem denominado de criminologia teórica.A aplicação dos resultados da criminologia teórica é o objetivo da criminologiaprática e da criminalistica. A criminologia prática procura corrigir o criminoso e evitar a criminalidade,utilizando-se não só dos resultados da criminologia teórica, como também da Antropo-logia, da Sociologia, da Psicologia e da Psiquiatria. Da Criminologia se distingue a Politica Criminal, parte da ciência criminal,que, servindo-se dos resultados da Criminologia, traça planos para a luta contraacriminalidade. A história da Criminologia começa na Itália, com Lombroso (1835-1909),fundador da ` `escola antropológica'', também denominada ` `escola italiana'', apa-recida, em 1871, com a publicação do livro L 'uomo Delinquente, em que Lombrosodefende a tese de o criminoso ser reconhecível por caracteres morfológicos.' DeLombroso para cá, a Criminologia tem percorrido muitos caminhos, fixando-se oraem fatores individuais (biológicos e constitucionais), ora em fatores psicológicos eora em fatores sociais do delito, em sua busca das raízes da criminalidade, a fim depoder prevê-la, para evitá-la. Hoje, cada vez mais, as posiç<*-*>es monistas (biológicas,psicológicas ou sociais) e as dualistas (individuais e sociais) estão sendo abandona-das, defendendo a Criminologia o pluralismo de causas do delito.5

15. ANTROPOLOGIA CRIMINAL

É a parte da Criminologia que estuda as causas endógenas do delito. Decerta forma, pode ser considerada ciência que se inicia com L 'uomo Delinquen-te (1871-76), de Lombroso (1835-1909), cujas idéias foram colocadas de ladopor seus discípulos, que só guardaram da obra lombrosiana o ponto de vista,ou seja, a consideração naturalista, e não legal, do delito, ao enfatizarem a impor-tância dos processos psicológicos na gênese do crime (De Sanctis, Nicéforo) ou dos

Depois de Lombroso, ainda em sua época, na França, J. A. E. Lacassagne sustenta ser o criminosoproduto do meio. E. Locard desenvolve essa interpretação sociológica, que com Ferri recebe suaforma definiti va. F. Von Liszt concilia Lombroso e a escola do meio (social,

familiar), sustentandoque a "natureza e o meio determinam os criminosos". Estavam assim lançadas as principaisposiç<*-*>es da Criminologia.Em 1921, Chrysolito de Gusmão estudou a questão sexual, as anomalias do instituto sexual, osdesvios e pervers<*-*>es sexuais sob o aspecto fisiológico, sociológico e ético,relacionando-os comos delitos sexuais em Dos Crimes Sexuais (Rio de Janeiro, Livraria Freitas Bastos, há ediçãoatuallzada pelo Autor), obra que mereceu na Itália estudo de Macio Manfreciini ("Scuola Positiva",Rivista di Diritto e Procedura Penale, A. II, fasc. 4-5-6, nuova serie). Há c—ição em espanhol: DelitosSexuales, Buenos Aires, Ed. Bibliográlica Argentina, tradução e notas de Manuel Osorio y Florit.

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Introdução ao Estudo do Direito

fatores individuais e sociais (Ferri). Pode-se dizer que, partindo de Lombroso, aAntropologia Criminal não mais se f'txa em um dos fatores da criminalidade,deixando de ser assim monista, para ser pluralista, pois interpreta o crime comoreftexo de uma personalidade, resultante de váriosfatores (somático, psicoló-gico, social). Querendo resumir, é lícito dizer que a Antropologia Criminal estudao delito como resultado de fatores orgânicos e biológicos, ou melhor, comoresultante de fatores orgânicos e constitucionais. Pesquisa as característicasorgânica e morfológica dos criminosos. Serve-se nessa pesquisa do método estatís-tico. É muito útil na avaliação da periculosidade do delinqüente.

16. PSICOLOGIA CRIMINAL

Pesquisa os "processos psíquicos do homem delinqizente" (Guarnieri). Háquem a vê como ramo da Antropologia Criminal, porém, atualmente, com odesenvolvimento alcançado pela Psicologia, é eiência autônoma, que, no entanto,deve caminhar observando os resultados daquela ciência. Como nota Pinatel, aPsicologia Criminal ` `interessa-se pelos processos psíquicos do delinqüente, pelosmotivos que o levaram a delinqüir. Com a Psicanálise, ela se prende ao estudoprofundo da mente do delinqüente, indagando suas motivaç<*-*>es inconscientes, istoé; a gênese de suas motivaç<*-*>es aparentes e imediatas. Reencontra-se com a Psiquia-tria quando aborda os aspectos psicopatológicos da conduta delituosa. Apresenta-seainda como psicologia social ao investigar os aspectos interpessoais do delito"(Pinatel, Criminologie, no Traité de Droit Pénal et de Criminologie, t. III, Paris,1963, p.11). Dentre os seus objetivos está apoiar psicologicamente o delinqüente.Sendo os processos psicológicos os modeladores da conduta humana, pode-seconsiderar a Psicologia Criminal como uma das partes fundamentais da Criminolo-gia. Não cogita do delinqüente anormal, objeto de estudo da Psiquiatria Crimi<*-*>nal.A Psicologia Criminal nos dá uma lista de tipos de delinqizentes, caracterizadosporum dos processos psicológicos: instintivos (dominados pelo instinto de conservaçãoou de procriação), neuróticos (movidos por neuroses), afetivamente pervertidos(insensíveis, indiferentes, egoístas), emotivos, emocionais, vingativos etc. Os me-nores delinqüentes têm merecido dela estudo aprofundado, demonstrando a Psico-logia que eles são levados à delinqüência pela imaturidade, por erros de educação,por problemas afetivos, pela crise da famlia, pela falta de amparo dos pais,

pelosmaus exemplos etc. (vide Pedro David: Sociologia Criminal Juvenil). Dentro daPsicologia Criminal, temos a Psicanálise Criminal, que investiga os motivos sub-consciente e inconsciente do delito com o emprego do método psicanalítico e,atualmente, com o uso de testes. Entre nós, Luís Ângelo Dourado (Homossexualismoe Delinqüência, 1963, Raizes Neuróticas do Crime, 1965, e Ensaio de PsicologiaCriminal, 1969), ex-chefe do Serviço de Biopsicologia do Presídio Mlton DiasMoreira, do Rio de Janeiro, fez largo uso no referido estabelecimento penal do<012>

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método psicanalítico e do ` `teste da árvore'' aos delinqüentes, para precisar apericulosidade de cada um. Segundo Dourado, a ` `personalidade do criminoso é afigura central na psicogênese do crime'', desempenhando o meio social papel de` `fator precipitante''. Dever-se-iajulgar, segundo o autor citado, o criminoso,e nãoo crime.

17. SOCIOLOGIA CRIMINAL

Investiga os fatores ambientais e sociais do delito. Trata o delito como fatosocial. Inicialmente, à luz do monismo sociológico, definiu-o como resultante deumúnico fator social, principalmente do econômico. Hoje é pluralista, reconhecendoque o delito resulta de vários fatores sociais, para o qual concorre o indivíduo, comseus fatores somáticos e psicológicos. Ferri, com sua Sociologia Crcminal (1881),pode ser considerado o precursor dessa ciência. Concluindo, a Sociologia Criminalconcentra-se nosfatores sociais da delinqüência (morais, econômicos, politccos,raciais, climáticos, educacionaisetc.).6

I8. CRIMINALÍSTICA

Tem sido dada essa denominação a todas as ciências que têm por objeto odelito. Assim fez Von Liszt. Atualmente, porém, por Criminalistica se entende accência que trata das provas criminacs: prova pericial (médica, antropométrica,datiloscópica etc.), bem como das técnicas para descobrir o autor do crcme e ofalsotestemunho. Daí incluir-se nela a psicologia da testemunha. Generalizando, Seeliga considera ramo da ciência penal que tem por objeto a investigação dos delitos(fenomenologia criminal).

6 Entre nós, antes da I Guerra Mundial, Chrysolito de Gusmão, em 1913, estudou sociologicamente a associação para delinqüir (O Banditismo e a AssociaFão para Delinqüir, Rio de Janeiro, Jacintho Ribeiro dos Santos Ed.,1914).

III

DIREITO E SOCIEDADE - NATUREZA E GULTURA- DIREITO, FENãMENO SOCIOCULTURAL

19. SOCIEDADE E DIREITO

Coube à ` `escola sociológica francesa'' o mérito de ter, desde o seu fundador ,Durkheim, aprofundado a dependência do direito da realidade social. Antes dela,Montesquieu, no século XVIII, já havia admitido-a, principalmente do meio geo-

gráfico, chegando a encontrar na "natureza das coisas" a fonte última do direito.Para Durkheim (De la Division du Travail Social, 1893), o direito é o "símbolovisível" da solidariedade social, enquanto para o seu seguidor, o sociólogo eromanista H. Lévy-Bruhl, é o "fenômeno social por excelência''. E assim é por sero direito o único controle social que tem mais possibilidade de garantir a ordem, apaz e a segurança sociais, tornando possível a sociedade em todas as etapas de suaevolução. Em razão disso, olhando-se para trás, depara-se com a variabilidade dodireito. Da natureza do agrupamento social depende a natureza do direito, que areflete e a rege. Do tipo de sociedade depende a sua ordem jurídica, destinada asatisfazer as suas necessidades, dirimir possíveis conflitos de interesses, assegurara sua continuidade, atingir as suas metas e garantir a paz social. Ubi societa ibi jus:onde há sociedade há direito; poderia ser assim adaptado o velho brocardo. A correspondência estreitaentre direito e sociedade foi reconhecidapela escolado direito livre (§ 199) alemã. Ehrlich admitiu o papel secundário desempenhadopelo direito estatal na disciplina da vida social, por admitirencontrar-se na sociedade,e não no Estado, o "centro de gravidade do direito", enquanto Gurvitch (§ 199),defensor da teoria do direito social, disse corresponder a cada tipo de sociabilidadeum tipo de direito: haveria assim direito correspondente às relaç<*-*>es de aproximação,como, por exemplo, o de familia ou o das sociedades civis ou comerciais,. outrocorrespondente às relaç<*-*>es de afastamento, como o de propriedade, além do corres-pondente às relaç<*-*>es mistas (aproximação-afastamento), como o dos contratos.Essas idéias, algumas sustentadas no limiar do século XX, enquanto outras, entreasduas guerras mundiais, tinham o mérito de estabelecer a vinculação do direito àrealidade social e fazer depender do tipo de sociedade o conteúdo do direito.<012>

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Sendo universal a sociedade, porquanto onde houver homens em relaç<*-*>es estare-mos na presença de uma forma de vida social, pois o homem só pode viver em sociedade,sendo, como já havia dito Aristóteles, um animal político (zoon politicon), universal é ofenômeno jurídico como fenômeno social, mesmo quando, como na Antigiüdade,encontra-se confundido com uma ` `multiplicidade de prescriç<*-*>es totahnente estranhasao direito' ', como notou Bouglé a respeito do Código de Manu (§ 159). Finalmente, a sociedade pode ser reduzida a um complexo de normas, podendoser por isso considerada como ordem social estabelecida por normas sociais. Essetipo de organização, especí ica à sociedade humana, é necessário em virtude daliberdade que caracteriza o homem, que pode inobservar os padr<*-*>es de condutaestabelecidos pelas normas. Eis a razão por que as normas sociais são acompanhadasde sanç<*-*>es. Destinam-se a exercer o controle social, sendo, no dizer de Mannheim,consagradas a influenciar o ` `comportamento humano, tendo em vista determinadaordem'', além de serem "responsáveis pela ordem e pela estabilidade sociais''.Sanç<*-*>es que vão da advertência até a pena de morte. O homem, desde o seu nascimento até a sua morte, independentemente de suavontade, e os grupos sociais, independentemente de seu poder, são controlados pornormas sociais. Duas são as espécies de normas que formam a ordem social: as sancionadasou rŠconhecidas e garantidas pelo poder público e as que dele independem. Asprimeiras são as do direito (normasjurídicas), enquanto as segundas, as

estabelecidaspelo costume. As primeiras têm órgãos ou aparelhos destinados a aplicá-las, comoos tribunais, as autoridades administrativas ou a polícia, as outras, não. As normas sociais, quando têm finalidade e objeto comuns (p. ex., parentesco),constituem sistemns rlorrnntivos. Muitas dessas unidades dão origem a instituiç<*-*>essociais (§ 22). Grande parte delas são escritas, como as do direito, que podem sercodificadas, enquanto as demais são não-escritas, consuetudinárias, formando oscostumes sociais. O Direito, portanto, é uma das normas sociais, das quais se distingue por seracompanhado de sanç<*-*>es organizadas, institucionalizadas, aplicadas por órgãosespecializados, isto é, pelo poder público, características que, como veremos (§§ 43e 47), não têm as demais normas sociais.

20. DIREITO, FATO SOCIAL

O d<*-*>reito tem todos os caracteres exteriores e interiores do fato social. Caracteriza-se o fato social em sua exterioridade, no dizer de Durkheim, porser geral, comum aos membros da sociedade, e por exercer pressão sobre todos emvirtude de ser coercitível, sendo por isso acompanhado de sanç<*-*>es.'

1 Exemplo de fato social grave: a criminalidade no Rio de Janeiro atingiu, nos anos 90, nível

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Introdução ao Estudo do Direito

Ora, o direito exerce constrangimento social, exerce pressão sobre seus desti-natários e, quando transgredido, pune o infrator com sanção organizada (institucio-nalizada). Mas o fato social não se caracteriza só por ser geral, coercitivo e sancionado,mas por ser também carregado de sentido, como notou Max Weber (§ 199), emfunção do qual pode ser compreendido, sendo por isso, como disse Sorokin,significativo. Assim, por exemplo, as relaç<*-*>es sexuais constituem fenômeno socialna medida em que têm o sentido ou valor de casamento, concubinato, prostituição,estupro, defloramento etc., isto é, com palavras de Sorokin, quando ` `adquirem umvalor ou significação sobreposto a sua natureza biofísica, que as transforma em umainteração dotada de sentido''. O direito também é carregado de sentido, de significação, cristalizados noscostumes, nas leis e nas sentenças. A norma dá ` `sentido'' a condutas (lícitas ouilícitas) e ela própria é carregada de sentido, que deve ser o objeto da interpretação,seja o sentido dado por valores, seja o da vontade do legislador ou o correspondenteàs reais necessidades sociais ou ainda à vontade histórica da sociedade civil. O fato social é pluridimensional, como havia dito Gurvitch (§ 199). Ora, odireito, como já notara Miguel Reale (§ 198), é a unidade constituída de "fato"(econômico, geográfico, demográfico etc.), ` `valor'' e ` `norma''. As suas transfor-maç<*-*>es, destinadas a acomodá-lo às modificaç<*-*>es sociais, evidenciam a sua naturezasocial, principalmente quando elas decorrem de costumes ou da jurisprudência,mesmo quando, devido a sua natureza conservadora, tarda a se amoldar às novasrealidades sociais. Enfim, o direito é construído tendo por base elementos fornecidos pela reali-dade social. Stammler (§ I 97) disse ser o direito a ` `forma'' de uma ` `matéria''social.-

elevado, organizadae vinculada ao narcotráfico com audaciosas aç<*-*>es, como ataques a delegacias,seqüestros e execuç<*-*>es clandestinas, agravada em razão da corrupção policial- fato generalizado- ocorrido nos bairros elegantes da zona sul, no centro da cidade, nos subúrbiose nas própriasfavelas. Exerceu pressão intensa sobre a sociedade, deixando aterrorizada a população ordeira.Pressão que se fez sentir igualmente sobre policiais, favelados, que usavam os seus barracos comotrincheiras para os criminosos, mantendo durante 24 horas nos morros, onde eles se encastelavam,vigias fortemente armados. Contra essa situação de fato reagiu a mídia (TV, rádio ejornais) e asassociaç<*-*>es religiosas e profissionais como a OAB etc. Decis<*-*>es judiciais exemplares foramprolatadas e a ação corajosa do Ministério Público não se fez esperar. Dessa reação e do'clamorpúblico resultou o convênio celebrado, em novembro de 1994, entre os governos federal eestadual, colocando as Forças Armadas, dentro da Constituição e em prazo certo, no comando daluta contra o crime organizado no Rio de laneiro. Com o convênio, o fato social - crimeorganizado, narcotráfico, seqüestros, elevado índice de criminalidade - transformou-se em fatojurídico.<012>

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Reflexo dos fatos sociais -jus exfacto oritur (o direito nasce do fato) - o direito nem sempre surge espontaneamente, salvo sob a forma de costume, que até o séculoXIX foi uma das principais fontes do direito, tendo deles, na Idade Média, surgidoo direito comercial; mas, atualmente, salvo na Inglaterra, é fonte secundária. O direito resulta de trabalho intelectual, seja do legislador seja do jurista sejados juízes, provocado por fatos sociais; disciplina-os, ordena-os, incrimina-os.Lenta, gradual é a introdução na ordem jurídica de novos princípios e normasexigidos pelas novas situaç<*-*>es histórico-sociais, devido a ser o direito, por natureza,conservador. Daí o desajustamento freqiiente que existe entre a ordem jurídica eaordem social: o direito, em comparação com as demais formas de cultura (arte,moral, cinema, costumes etc.), está sempre em atraso em relação às transformaç<*-*>essociais. A interpretaçào reduz, muitas vezes, esse atraso, construindo, quandojudicial, odireitojurisprudencial (§§ 80e l 37), que, podeconflitarcomocodificado,ultrapassando quantas vezes, a lei, como, por exemplo, as sentenças que, antes daintervenção do legislador, equiparou o concubinato à sociedade de fato para reco-nhecer o direito da concubina a participar do patrimônio do companheiro quandodesfeito o cuncubinato. Não deve o direito, como fenômeno social que é, se afastar muito da opiniãopública, sob pena de não ser espontaneamente observado, pois do contrário exigirávigilância maior por parte do poder público, aumentando o serviço dos órgãos defiscalização, da Polícia e do Judiciário. Se inobservar as tradiç<*-*>es e os valores

tradicionais, criará áreas de atrito que reduzirão a sua eficácia e validade. Mas, querquando se transforma para atender aos novos fatos sociais, quer quando se arma denovas sanç<*-*>es para reagir aos mesmos, o direito emprega categorias que foramcriadas desde a Antigüidade e que através da História vêm sendo aperfeiçoadas,como, porexemplo, propriedade, contrato, hipoteca, enfiteuse, casamento, divórcio,pena de multa, de prisão etc.Do exposto, não se pode negar ser o direito um dos fatos sociais.

21. DIREITO E RELAÇÊES SOCIAIS

Pode-se dizer ser a vida social constituída de uma rede de relaç<*-*>es sociais, Que,grosso modo, podem ser caracterizadas como sendo de ` `aproximação'', de ` `afas-tamento" (oposição) e "mistas" (aproximação-oposição). Casamento, família econtrato social (sociedade comercial, civil), por exemplo, são constituídos derelaç<*-*>es do tipo ` `aproximação'', enquanto os conflitos entre indivíduos ougrupose o direito de propriedade, de relaç<*-*>es de ` `oposição'' ou ` `afastamento''; o direitodos contratos, salvo o de sociedade civil ou comercial, disciplina relaç<*-*>es mistas(aproximação-afastamento). Relaç<*-*>es inicialmente de aproximação, como as oriun-das do casamento, podem, com o tempo, se transformar em relaç<*-*>es de afastamento

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ou oposição, gerando conflitos, conduzindo à separação do cásal. Por outro lado,relaç<*-*>es do tipo de oposição ou afastamento, como as mantidas entre os desquitadosou divorciados, decorrentes, por exemplo, de pensão, guarda de filhos menores,visitas aos mesmos, bens do casal etc., podem se transformar em relaç<*-*>es deaproximação, caso haja reconciliação ou acordo. Mas, quando tal não ocorrer, otempo pode conduzir à acomodação das partes em litígio através de acordos, muitasv<*-*>ezes judiciais, que, pondo fim ao litígio, estabelecem relaç<*-*>es das quais nascemobrigaç<*-*>es e direitos espontaneamente assumidos. No caso de conflitos entre grupos,como, por exemplo, os que ocorrem entre vencedores e vencidos após uma guerra,a princípio, tomam a forma de pura dominação, como ocorreu na ocupação, pelosAliados, da Alemanha, em que os direitos dos vencidos não foram reconhecidos;depois, com o tempo, acomodação dos grupos inimigos, com ou sem a recon-quista da soberania do vencido, e, posteriormente, assimilação progressiva dosvencidos pelos vencedores ou aculturação, pela qual o vencido absorve parte dacultura do vencedor ou este a daquele, como, por exemplo, a aculturação dosgermanos (§ 165) ao terem contato direto com a cultura dos romanos vencidos,que os colocou sob a influência do cristianismo, e que conduziu à romanização dodireito germânico, bem como a dos macedônicos ou dos próprios romanos ao seremhelenizados pelos filósofos ou artistas gregos escravizados. Ora, a maioria das relaç<*-*>es sociais, ou as mais importantes para a sociedade,seja por serem essenciais à mesma, seja por serem geradoras de graves conflitos,capazes de ameaçar a paz e a ordem sociais, tornam-se relaç<*-*>es jurídicas (§ 144) aoserem regidas pela normajurídica (lei, costume, precedente judicial, case-law), bemcomo tornam-se jurídicas as entre as naç<*-*>es ao serem disciplinadas e garantidaspelos costumes internacionais ou por tratados.

22. INSTITUIÇÊES SOCIAIS E DIREITO As normas e os padr<*-*>es de conduta, desde que sedimentados, podem dar origema institui<*-*><*-*>es, que podemos def'tnir como modelos de aç<*-*>es sociais básicas, estratifica-dos historicamente, destinados a satisfazer necessidades vitais do homem e a desem-penhar funç<*-*>es sociais essenciais, perpetuados pela lei, pelo constume e pelaeducação. O Estado é instituição social; igualmente a farzulia, o casamento, a proprie-dade, a Igreja etc. Algumas instituiç<*-*>es são entes jurídicos, como o Estado,a Igreja,dotados de poder criador e garantidor de suas ordens jurídicas. Da definição acima podem-se deduzir as seguintes características das institui-ç<*-*>es: perduram no meio social, não sofrendo em suas características básicas oimpacto das transformaç<*-*>es sociais, apesar de se adaptarem a elas; satisfazem anecessidades vitais básicas, como, por exemplo, o casamento, que atende às denatureza sexual, à procriação e à constituição da família, enquanto outras sãocondiç<*-*>es fundamentais da ordem social, como o Estado, o governo etc. Assim,as<012>

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instituiç<*-*>es são estáveis, sem serem imutáveis. Podem satisfazer a mais de uma função social ou vital básicas, como, por exemplo, o Estado ou o casamento. Através da História adquirem e perdem funç<*-*>es, como, por exemplo, a família, que na Antigüidade teve funç<*-*>es políticas, jurisdicionais e de culto, perdidas com a evolu- ção social, bem como a Igreja, que já fora árbitro dos conflitos internacionais e quejá monopolizara o registro civil, hoje da alçada do Estado etc. Há instituiç<*-*>es políticas (Estado, ONU, partidos políticos, governo etc.),educacionais (Universidade), religiosas (Igreja), econômicas (propriedade, contra-to, bancos etc.) e familiares (família, casamento etc.). O indivíduo, através de sua vida, participa de várias instituiç<*-*>es. Primeiro, dafaml'lia e do Estado; depois, da escola, da Universidade, da Igreja, do governo etc. Quando vitais e socialmente básicas as necessidades atendidas pelas institui-ç<*-*>es, o direito delas se ocupa. Muitas delas constituem o conteúdo de regrasjurídicas. Assim, a Constituição dá forma jurídica às instituiç<*-*>es políticasfunda-mentais, como o Estado, o governo, o Judiciário etc., enquanto outras são regidaspor leis de direito público, como o próprio Judiciário pela Lei de OrganizaçãoJudiciária; a famlia, o casamento etc. são disciplinados pelo direito civil, enquantoo direito internacional dá formajurídica às instituiç<*-*>es internacionais (§ 96), comoa ONU, a Corte Internacional de Justiça, com sede em Haia. Por isso, pode-se dizerque o direito dá estabilidade e garantia às instituiç<*-*>es sociais fundamentais. Aliás, uma teoria, a Teoria da InstituiÇão (vide § 199), encontra na instituiçãoa origem do direito. Deve-se ela aos franceses Hauriou e Renard, tendo o

italianoSanti Romano, partindo de outros pressupostos filosóficos ejurídicos, a defendido.Para essa teoria a instituição, resultando de uma idéia básica, cria um estado decomunhão propício ao aparecimento de uma ordem jurídica destinada a realizá-la,garanti-la e perpetuá-la no meio social.

23. FATORES SOCIAIS E DIREITO

Os grupos sociais e as relaç<*-*>es sociais sofrem a influência de fatores sociais(demográficos, geográficos, econômicos, religiosos, éticos, políticos etc.). O au-mento, por exemplo, da população pode acarretar empobrecimento ou enriqueci-mento, crise no abastecimento, crise de habitação e de meios de comunicação etc.Tais prrblemas conduzem, como conduziram, às leis de congelamento de alugueres,leis de tabelamento de preços de gêneros de primeira necessidade etc.; o fatorgeográfico (clima, chuva, seca etc.) faz-se sentir mais no meio rural do que nourbano, afetando a produção, impedindo, facilitando ou dificultando o escoamentoda mesma e, dependendo dela, provocar legislação protecionista, tabelamento depreços etc. Calamidades podem justificar a extinção ou modificação de obrigaç<*-*>escontratualmente assumidas; o fator econômico é de grande importância para a

sociedade, ampliando ou reduzindo a intervenção estatal na economia, possibilitan-do a revisãojudicial de contratos quando, por exemplo, acontecimento imprevisívelao tempo da celebração do mesmo acarrete para o devedor enorme sacrifício paracumprir a obrigação, proporcionando ao credor lucro anormal, quebrando assim oequilíbrio das prestaç<*-*>es. O direito sofre, pois, a influência das condiç<*-*>es sociais,sem contudo ser a conseqüência direta das mesmas, porque a experiência jurídica,as tradiç<*-*>es históricas, ideais sociais, valores e dados científicos e técnicos dão aojurista e ao legislador meios e elementos para a formulação da norma jurídicaadequada à situação social criada por esses fatores. Deve ser dito finalmente inexistir fator social único determinador do direito,que reflete uma totalidade de condiç<*-*>es, podendo em uma sociedade ou situaçãoocorrer o predomínio de uma delas, sem excluir a influência das demais. Todavia,os mesmos fatores, em outra situação ou sociedade semelhante, podem não influirno direito.

24. DIREITO E ECONOMIA

Já havia dito Stammler (§ 197) que o direito é a "forma" das relaç<*-*>eseconômicas. Mas a vinculação do direito à Economia, ou seja, o determincsmoeconômico, foi pela primeira vez defendido por Marx (§ 199). Disse Marx: na` `produção social os homens estabelecem relaç<*-*>es independentes de sua vontade,necessárias, determinadas. Tais relaç<*-*>es de produção correspondem a certa etapado desenvolvimento de sua força material de produção. O conjunto dessas relaç<*-*>esde produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qualse erguem as superestruturasjurídica e política, que correspondem a formas sociaisbem definidas de consciência''. Assim, para o materialismo histórico, não só odireito como também as instituiç<*-*>es políticas, a arte, as formas de saber e os valoresseriam deterniirtados pela estnitura econômica da sociedade. Coube a Max Weber (§199) demonstrar, à luz de estudos histórico-comparativos, não ser fatal essa influên-cia, por haver sociedades em que fatores diversos do econômico influenciaram em

suas estruturas econômicas. Cita o exemplo do capitalismo, que teria sofrido ainfluência do espírito da ética protestante, menos rígida quanto ao lucro e aos jurosdo que a católica, razão por que teria o capitalismo aparecido e florescido nos paísesem que ela é dominante, e não nos sob o domínio do catolicismo. Apesar da análisede Max Weber ser sustentada em fatos sociais, não deve ser esquecido o fato de terembrotado nas cidades medievais da Itália, em que dominava a Igreja Católica, o direitocomercial e as sociedades comerciais, elementos básicos do capitalismo europeu. Mas, sem tomar partido por uma dessas posiç<*-*>es, reconhecendo variar com asépocas, culturas e sociedades a força dos fatores sociais, não podemos negar sergrande a influência da economia no direito, principalmente no regime jurídico da<012>

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propriedade, no direito dos contratos, no direito das sociedades, no direito comercial,no direito econômico (§ 123), no direito fiscal, e até no direito político. A crise de1929, no Brasil, derrubou a ` `República Velha'', instalando a ` `ditadura Vargas'' ;na Alemanha, crise econômica gravíssima esfacelou a República de Weimar facili-tando a vitória do nazismo. A História fornece-nos muitos exemplos da influência dos fatos econômicossobre a ordem jurídica. A ` `Grande Depressão'' de 1929, por exemplo, determinoua intervenção do Estado no setor econômico, promulgando leis alfandegárias prote-cionistas da indústria nacional, desencorajadoras da importação de produtos estran-geiros similares aos nacionais, bem como forçou a introdução, pela jurisprudência,da revisão judicial dos contratos leoninos; ocorreram nessa época falências debancos e de fazendeiros na América Latina, bem como golpes de Estado e revoluç<*-*>escom os seus respectivos estatutos jurídicos, como, por exemplo, entre nós a Revo-lução de 1930. A crise de 1929 entre nós conduziu não só à nossa industrialização,como, também, provocou a crise do café e criou a legislação trabalhista. Na décadade setenta, a guerra entre árabes e judeus, além de ter ameaçado a paz mundial,provocou o boicote do petróleo árabe a alguns países europeus, bem como a elevaçãobrutal do preço do petróleo, além de sua produção racionada pelos árabes. Tais fatospolíticos e econômicos abalaram a economia capitalista. Normas disciplinadoras douso de automóveis aos domingos foram ditadas, reajustes do preço da gasolinaocorreram, influindo nos preços de bens e serviços, muitos deles congelados emvários países. A ordem jurídico-econômica sofreu o impacto desses fatos. Aampliação do mercado de capitais entre nós na década de setenta e a multiplicaçãode instituiç<*-*>es financeiras criaram negócios jurídicos que não têm raízes nas fonteshistóricas de nosso direito, como, por exemplo, a alienação fiduciária. Os exemplos apontados bastam, a nosso ver, para convencer da influência daEconomia sobre o Direito. Mas tal influência não deve conduzir à redução do direito,como pensava Stammler, à ` `forma'' das relaç<*-*>es econômicas, porque, como jádissemos anteriormente, outros fatores sociais, além do econômico, concorrem paraformar o conteúdo das normas jurídicas.

25. NATUREZA, CULTURA E DIREITO

Se chegarmos àjanela de nossa casa ou apartamento e olharmos o panoramaem frente - quando se tem sorte de tê-lo - poderemos ver em frente ou ao lado, umpouco distante, uma montanha, e do outro lado da rua prédios, postes de iluminaçãoetc. O que vemos primeiro é natural, independe do homem, é a Natureza, enquantoo que deparamos depois é cultural, depende do gênio e da vontade humana, temdestinação, sentido, é Cultura. Comp<*-*>e-se de obras humanas, de transformaç<*-*>es daNatureza para objetivar, concretizar valores e idéias, bem como para atender

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necessidades e exigências humanas e sociais. São criaç<*-*>es com finalidades. NaNatureza, podemos distinguir o orgânico do inorgânico. O primeiro, como disse ofalecido sociólogo de Harvard, Sorokin, tem somente um componente físico-quími-co, enquanto o orgânico, tem dois componentes: o físico e o vital. Já os fenômenosculturais, escreve Sorokin, têm o ` `componente imaterial da intencionalidade (valorsignificativo ou norma) superposto aos componentes físico e vital. Decisivo é ocomponente intencional para determinarum fenômeno cultural''. Prossegue o ilustresociólogo, ` `sem sua intencionalidade, a Vênus de Milo não é mais do que um blocode mármore de certa forma geométrica e de determinada composição física. Sem ocomponente intencional inexiste diferença alguma entre rapto, adultério, matrimô-nio ou concubinato, porque os atos físicos podem ser idênticos em todas essas aç<*-*>ese situaç<*-*>es que variam tão profundamente em sua intencionalidade e em suasignificação''. Poderíamos acrescentar ao exemplo acima indicado este: sem ocomponente intencional o Código de Hamurabi (§ 160) seria um enorme cilindrode pedra negra, de 2,25m de altura com 2m de circunferência. Mas, a sua intencio-nalidade, ou seja, o sentido do que se encontra gravado nesse bloco, teve vigênciana Babilônia, disciplinando efetivamente condutas dos babilônicos e de seusjuízes.Porém, como bloco de pedra, encontra-se no Louvre. Os visitantes desse museu ouos estudiosos da História do Direito não o vêem como pedra, ou seja, como Natureza,mas como um grande Código da Antigiiidade que texrt na pedra o seu suporte material(componente ou plano material). Esse exemplo é sugestivo, por ressaltar o fato deo direito não ser um pedaço da Natureza, apesar de participar dela. O direito temsigni icação, destinação, finalidades, sendo prescrito tendo em vista fatos sociais,segundo tradiç<*-*>es e valores. Não é, assim, produto da Natureza. Pertence ao humano,ou seja, ao mundo construído pelo Homem. Não é puro valor e nem fato exclusiva<*-*>mente, mesmo porque do fato não pode ser deduzido o valor e nem a normà.Encontra-se na área cultural, que está sobreposta à Natureza, que o Homem podedominar e transformar para o bem ou para a destruição própria e da Civilização.Encontra-se, pois, tio mundo da Cultura, é objeto cultural. Tem, como objetocultural, mais de um componente. Comp<*-*>e-se de substrato e de sentido. O papel, atabuleta de argila ou o bloco de pedra em que está escrito ou gravado, serve-lhedesubstrato, enquanto o sentido pode ser iroutável, absoluto, dado pelo

legislador,como sustenta a ` `escola de exegese'' (§ 137), como pode ser histórico, modif'icávelcom o tempo, relativo portanto, estabelecido pela sociedade. Assim, o direito, comofenômeno ou objeto cultural, participa de mais de uma realidade: tem plano oucomponente material (conduta, papel, bloco de pedra etc.), e plano ou componenteimaterial da intencionalidade superposto ao plano material, que lhe dá sentido. Odireito, pertencendo ao reino da Cultura, acompanha a sorte da Cultura em que seencontra integrado. Como a Cultura não é imortal, nascendo, modificando-se,entrando em crise podendo depois desaparecer, como já desapareceram várias<012>

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(segundo Toynbee, vinte e seis culturas), o direito também floresce com a cultura queo criou e depois com ela pode desaparecer, como desapareceu o direito egípcio ouoassírio. Todavia, ao morrer a sociedade que o criou, pode o direito manter-se vivoemigrando para outra, como ocorreu com o direito babilônico e o direito romano. A consideração do direito como cultura elimina a insolúvel questão: o direitoé fato, como pensam os sociólogos, é noima, como dizem os normativistas, ou valor,como entendem os filósofos idealistas e, em certos casos, os utopistas. A Cultura, segundo Toynbee, é a ` `resposta'' que a sociedade ou o homem degênio dá ao ` `repto'' da adversidade. Aplicando o processo ` `repto-e-resposta"(challenge-and-response) de Toynbee ao direito, podemos dizer ser o direito a` `resposta'' que a sociedade ou o legislador dá ao ` `repto'' do fato. É, pois,a` `resposta'' dada pela sociedade ou pela autoridade à necessidade de normatizaçãoexigida por uma situação histórico-social. Reconhecemos influir na "resposta"(norma) os valores e tradiç<*-*>es históricas da cultura ou civilização em que se encontraintegrada a sociedade para a qual o direito se destina. Igualmente as necessidadeshistóricas e os interesses exercem também pressão sobre a ` `resposta'' (norma),poisnão nos devemos esquecer ser o direito obra humana, destinando-se a homens. Essas idéias, que já sustentamos em ediç<*-*>es anteriores deste livro, como, porexemplo, na segunda (1960), bem como em outros trabalhos,2 têm suas raízes emMax Weber, Sorokin, Lask e Radbruch (§ 197), ampliadas por Recaséns Siches,Cossio e Miguel Reale (§ 198).

26. DIREITO E CIVII.IZAÇÃO

Da distinção feita pelos filósofos alemães entre ` `espírito'' (Geist) e ` `nature-za'' (Natur), que deu origem à diferenciação da ` `cultura'' (Kultur) da ` `natureza''(Natur), apareceu, também, por obra de filósofos alemães, a distinção entre ` `cultu-ra'' e ` `civilização''. Foi Spengler, em sua obra polêmica A Decadência do Ocidente(1918-22), que estimativamente as distinguiu, pois, anteriormente, o vocábulo` `civilização'' fora empregado como sinônimo de ` `cultura''. Desde então, alguns historiadores e filósofos alemães, como Alfred Weber,irmão de Max Weber, têm considerado ` `cultura'' (Kultur) a fase do processohistórico em que a capacidade criadora das sociedades se mostra mais rica espiritual-mente, criando religi<*-*>es, filosofias, movimentos literários, além de destacar-se também

nas artes e no direito, enquanto ` `civilização'' seria a fase decadente e técnica desse

2 "Droit, Expression de la Culture'' (Mélanges en !'honneur de Paul Roubier, Paris,1961, Tome I) e Filosofia do Direito (Rio de Janeiro,1966, cap. XV) e Filosofia do Direito (Rio de Janeiro. Forense, 1994, Cap. XVI), que não é reedição do meu primeiro livro, com o mesmo título, publicado em 1950.

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Introdução ao Estudo do Direito

processo, repetidora das grandes criaç<*-*>es culturais, apesar de inovadora na ciênciae na tecnologia. A ` `cultura'' seria única, com sentido somente para a sociedade que acriou, motivo por que seria intransmissível, enquanto a ` `civilização'', caracterizando-sepor ser científica e tecnológica, seria transmissível. Pondo de lado a distinção estimativa de ` `cultura'' da ` `civilização'', pensamosser lícito distingui-las por terem conteúdos e sentidos diversos. ` `Cultura'', como adefiniu Lowie, é a soma total do adquirido pelo indivíduo em sua sociedade, istoé,crenças, costumes, normas, hábitos de alimentação, artes, com origem recente oulegados do passado ou, então, com Herskovits (Man and his Works): cultura é aparte do ambientefeita pelo homem. E ci<*-*><*-*>ilização? A melhor resposta, a nosso ver,foi dada por Marcel Mauss, em 1930. Segundo Mauss, civilização engloba umcomplexo de fenômenos culturais "comuns a várias sociedades mais ou menosrelacionadas, principalmente pelo contato prolongado''. É, assim, a cultura, que,surgindo em uma sociedade, se torna comum a sociedades diferentes em que podese repetir como se enriquecer, dando origem ao fenômeno denominado por Toynbeede grande sociedade, isto é, várias sociedades irmanadas pela mesma cultura. É, porexemplo, o caso da Civilização Ocidental, que, tendo sua origem na Grécia, seespraiou para Roma, para, posteriormente, com o componente do cristianismo,modelar a Europa medieval, fundada em valores greco-romano-cristãos, que setornaram depois comuns nos dois lados do Atlântico. Definida assim "civilização", é de se perguntar se o direito tem vinculaçãocom ela. Sociólogos, como Sorokin, demonstraram ter cada civilização o seu tipode direito. Inegavelmente o direito ocidental funda-se no primado do direito acimado poder dos governantes, como demonstrou o "caso Watergate", que, em 1974,determinou a renúncia do presidente dos Estados Unidos, que havia desafiado a leie, no Brasil, em 1990, o impeachment do Presidente Collor sob acusação de gravŠirregularidade política e jurídica. Funda-se também no respeito à pessoa humana ena proteção da liberdade, razão pela qual exige a divisão e o equilíbrio entre ospoderes do Estado, com o objetivo de evitar a concentração de poder no governo.Direito bem diverso do de civilizaç<*-*>es que não tiveram a mesma origem cultural,como, no passado, o assírio ou o babilônico. As origens culturais do nosso direito,integrado na Civilização Ocidental, encontram-se no direito ateniense e no direitoromano.

27. DIREITO E PODER

O poder, disse Bertrand Russell (Power. A New Social Analysis), é a alavancamotora da dinâmica social, o impulsor das transformaç<*-*>es sociais. É, pode-sedizer,o problema central da Ciência Política e do moderno direito constitucional. Aconquista, a conservação e o uso do poder são o objetivo principal da ação política.<012>

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Relacionado com a idéia de ` `força' ', dela se distingue, como já havia notadoMax Weber, ao considerá-la a possibilidade física de fazer observar uma ordemmesmo contra a efetiva resistência de seus destinatários, enquanto o poder é acompetência de ditar ordens ou tomar decis<*-*>es que devem ser obeclecidas. A primeirasup<*-*>e a resistência efetiva, enquanto o poder a possibilidade desta. Todavia, o podermuitas vezes manifesta-se em atos de força, principalmente nos períodos revolucioná-rios. Mas, mesmo nesse caso, tende, gradativamente, a se institucionalizar.

Todo poder tende a legitimar-se, ou seja, tornar-se autoridade, corresponden-do, assim, às aspiraç<*-*>es sociais. A legitimação do poder, questão estudada profun-damente pelo sociólogo Max Weber (§ 199), pode basear-se na tradição, no costumeou nas leis que o definem, lhe dão forma, disciplinando o seu exercício. Outrasformas de legitimação podem ser encontradas na opinião pública, manifestada noplebiscito. O poder é a garantia da eficácia do direito. Sem a garantia de uma estrutura depoder a norma pode ser violada sem qualquer conseqiiência. Nas sociedadesprimitivas essa garantia era dada pela força, sendo a justiça privada a forma legítimade reagir ao ilícito. Com o aparecimento da figura do chefe de tribo, surgiu a primeiraforma rudimentar de estrutura de poder.

A norma de conduta ou de organização não garantida pelo poder instituciona-lizado, isto é, organizado, não pertence ao domíniojurídico, mas ao da moral. Tire-setal garantia e não se encontrará diferença alguma entre o direito e a moral, bemcomoentre a normajurídica e as demais normas sociais. Por isso, lícito é dizer ser odireitocomposto de poder e de norma, ou melhor, a conjugação de poder e norma. Essa foia posição adotada por Timasheff (Introduction à la Sociologie Juridique) entre asduas guerras mundiais. Para ele, no direito soma-se poder com convicção moralcoletiva, manifestada em regras fundadas najustiça. De forma semelhante pronun-ciou-se Roubier (Théorie Générale du Droit): o direito é a regra sancionada pelopoder público, sem nos esquecermos de Dabin (Théorie Générale du Droit), queadmite a dependência do direito do beneplácito do poder qualificado, ou seja, daautoridade pública, chegando ao ponto de reduzir ao poder as fontes do direito.Apesar de respeitarmos essas opini<*-*>es, tanto assim que já definimos o direito comoa norma reconhecida ou estabelecida e aplicada por um centro de poder, nãochegan:os aos exageros dopositivismojccridico (§ 196) a identif<*-*>icar o direito com odireito estatal e a fazê-lo depender exclusivamente da vontade dos governantes,porque ao lado do direito estatal estão os costumes e o direito social, bem comoodireito oriundo de acordos e contratos e da experiência jurídica, pressionandolegisladores para fazerem reformas legislativas e a tribunais a modificarem ajurisprudência, como são exemplos a revisão judicial dos contratos leoninos e osdireitos da concubina reconhecidos pela jurisprudência antes de se encontrarem em

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Introdução ao Estudo do Direito

textos legais. Por outro lado, a DeclaraÇão Universal dos Direitos do Homem,formulada pela ONU, ratificada pelos países-membros, vale como ` `superconstitui-ção'' limitadora do poder, principalmente na União Européia (§ 96) em que há umtribunal para garanti-los (§ 97). A lei deve estar acima do poder e de quem o exerce. Assim foi, na década desetenta, no Watergate affair, que levou à renúncia do Presidente Nixon, dos EstadosUnidos e, em 1990, no Brasil o impeachment de Collor. Igualmente acima do poderestão os Direitos do Homem, reconhecidos e declarados solenemente pela ONU,ratificados pelos seus membros, que, na prática, nem sempre são respeitados.

28. ESPAÇO E TEMPO SOCIAIS E DIREITO

Os homens e os grupos sociais podem estar em espaço e tempo sociais diversosdo geográf'ico e do cronológico. O espaço social, em que predominam valores,vigências, culturas, pode ser maior ou menor do que o geográfico, podendo, assim,ir além das fronteiras geográfcas ou políticas, como, também, dentro dessas fron-teiras pode haver mais de um espaço social. O tempo social, que é qualitativo e cujaduração pode ser de séculos, não sendo medido pelo relógio, é diverso do tempocronológico. No espaço geográfico, compreendido dentro das fronteiras políticas,pode haver mais de um tempo social. Exemplificando: um embaixador norte-ame-ricano, fruto da cultura de seu país, servindo em um país subdesenvolvido, estarágeograficamente próximo à população desse país, de cultura bem diferente da sua,podendo em determinado tempo cronológico ter contato direto com um cidadãodesse país, vivendo assim no mesmo tempo cronológico desse indivíduo, apesar depertencer a um espaço social distante e de viver diverso tempo social. Igualmenteumjesuíta francês radicado em Paris viverá o mesmo tempo social e estará no mesmaespaço social de outro jesuíta que se encontrar em Roma. Pessoas, como disse Sorokin, como o rei e seu súdito, ou, no passado, o senhore o escravo, que poderiam estar em contato social direto, frente a frente, estãomuitasvezes afastadas socialmente, do mesmo modo que pessoas distantes geograf'icamen-te podem estar socialmente próximas. O tempo social é constituído de momentos desiguais, cuja duração pode serde séculos, anos ou medidos pela vida de um líder, exemplo: o tempo de Voltaire.Alguns desses momentos são ricos de acontecimentos ou de obras culturais, como,por exemplo, o ` `Século das Luzes'' (século XVIII), enquanto outros, pobres. Dentrodas fronteiras geográficas de um país, como, porexemplo, as do Brasil, temos gruposque vivem tempos sociais diferentes e se encontram em espaços sociais diversos. Do exposto pode-se concluir corresponder a cada espaço social um tipocultural de direito. O direito europeu tem um espaço social bem maior do que aEuropa, estando presente nos códigos da América Latina. O presidencialismo,<012>

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vigente no espaço social da América, foi parcialmente acolhido, por imposição deDe Gaulle, na França, na V República (Constituição de 1958), regime misto deparlamentarismo e presidencialismo. Entre nós, no perído colonial (§§ 171-74), emvirtude da peculiaridade de nosso espaço social nesse período histórico, o direito

português aqui aplicado foi adaptado ao espaço e tempo sociais da Colônia. E assimfoi por pertencer o direito português (Ordenaç<*-*>es Reais) a espaço e tempo sociaisdiversos dos da Colônia. O Código de Hamurabi não poderia ser adotado comoregime jurídico por nenhum país da Europa do século XIX, em virtude depertencer a um tempo social diferente. Daí a diferença entre o Código Civilfrancês de Napoleão e aquele código, apesar de terem sido perfeitos para cadaum de seus tempos e espaços sociais. Entre nós existem espaços sociais, delimitadosgeograficamente, compreendendo mais de um Estado, que desfrutaram incentivosfiscais (Nordeste) não concedidos a outras regi<*-*>es industrialmente mais desenvol-vidas (São Paulo).

29. REVOLUÇÃO E DIREITO

Revolução é a mudança radical e brusca de normas, valores, idéias, padr<*-*>es,ordem ou sistema. Pode, assim, haver tanto uma revolução na moda, na Economia(Revolução Industrial), na Religião (Protestantismo), como uma revolução política(Revolução Francesa, Revolução Inglesa etc.). No sentido político, que nos interes-sa, pode ser definida como a mudança brusca e radical, em geral violenta, da ordempolitica, com substitucção dos governantes, promovida por parte substancial dasForças Armadas. A revolução política depende de adesão de parte substancial dasForças Armadas, podendo ou não ter chefes ou líderes civis. Tem programa dereformas política, econômica, social e jurídica, como pode pretender restabelecer aanterior ordem jurídico-política como ocorreu com a Gloriosa Revolução Inglesa( 1688-89), restauradora da supremacia do Parlamento e da subordinação do rei à lei. A revolução é uma das fontes do direito, principalmente do direito público, emparticular do direito constitucional. A Revolução Francesa foi fonte de direitoconstitucional, de direito administrativo, de direito fiscal, de direito processual e,principalmente, de direito privado (Código Civil de Napoleão, Código Comercial)e de direito processual. Toda revolução política, em regra, destina-se a substituir oregime político e a ordemjurídica vigentes por outros compatíveis com as aspiraç<*-*>ese o programa da revolução. A Revolução Russa, além de ter instituído um novoregime político e adotado uma forma de Estado, instituiu uma nova ordem econô-mica - o socialismo -, reformando, como conseqüência, todo o direito privado.Como a revolução, o ` `golpe de Estado'', que pode ser definido como a mudançabrusca e, em certos casos, vcolenta, do regime politico pelos próprios governantesou por um grupo de militares, sem consulta ao eleitorado, é, também, fonte de direito

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Introdução ao Estudo do Direito

público-constitucional e de direito privado. Muitas vezes não modifica a ordemconstitucional, mas a suspende, estabelecendo uma ordem jurídica transitória,enquanto outras vezes o ` `golpe de Estado'' limita-se a mudar somente a pessoa dogovernante, ficando mantida nesse caso a ordem jurídico-constitucional. Exemplode golpe de Estado tirado de nossa História é o de 1937, em que, apoiado pelasForças Armadas, Getúlio Vargas, substituindo a ordem constitucional de 1934 pelada Constituição de 1937 ("Estado Novo"), manteve-se no poder como ditador. Namaioria das vezes, o golpe de Estado é um golpe militar, dado pelas Forças Armadas,derrubando o governo e pondo fim a uma ordem constitucional, substituída por outra

aftm com os objetivos dos golpistas, que colocam, geralmente, no governo, o seulíder. Assim foi, entre nós, a Proclamação da República, com o general Deodoro nogoverno, e, depois, com a promulgação da Constituição de 1891. O destino das revoluç<*-*>es é constitucionalizarem-se por Constituiç<*-*>es outor-gadas pelo governo revolucionário ou golpista (Constituição de 1937 entre nós). Omesmo ocorre com a contra-revolução (cons- tituintes que, aqui, nos deram asConstituiç<*-*>es de 1934 e de 1946). A Constituinte é, assim, fato histórico-social, resultante da quebra de umaordem constitucional, e não-originária da vontade de maiorias parlamentares sob avigência de uma Constituição. Sem a Revolução Constitucionalista de 32, nãoteríamos a Constituinte e a Constituição de 34. Na ordem internacional, as revoluç<*-*>es e os golpes de Estado vitoriososdependem de reconhecimento internacional, pelo menos, nos anos 90, do Grupo dosSete (G-7), isto é, dos sete países mais ricos, pois, do contrário, o governo queinstituírem fica isolado, não participando da ordem econômica internacional. Reco-nhecido, é legítimo...<012>

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Segunda Parte

TEORIA DO DIREITO<012>

IV

DIREITO - DEFINIÇÃO E ELEMENTOS- DIREITO POSITIVO E DIREITO NATURAL-DIREITO OBJETIVO - INSTITUIÇÊES E ORDEM JURÍDICA - LÍCITO E ILÍCITO - VALIDADE VIGÊNCIA, EFICÁCIA E LEGITIMIDADE

30. DEFINIÇÃO DO DIREITO

A palavra ` `direito'' vem do latim directum, que corresponde à idéia de regra,direção, sem desvio. No Ocidente, apesar de em alemão ser recht, em italiano diritto,em francês droit, em espanhol .derecho, tem o mesmo sentido. Para os romanos<*-*>ius eradireito, diverso dejustitia, no nosso sentido dejustiça, ou seja, qualidade do direito. De modo muito amplo, pode-se dizer que a palavra ` `direito'' tem três sentidos :1", regra de conduta obrigatória (direito objetivo); 2", sistema de conhecimentosjurídicos (ciência do direito); 3", faculdade ou poderes que tem ou pode ter umapessoa, ou seja, o que pode uma pessoa exigir de outra (direito subjetivo). Exami-naremos neste capítulo somente o primeiro sentido da palavra direito. ' Defini-lo, como muitos fazem, considerando ser a bilateralidade a sua notáespecífica, é dar uma noção do direito limitada ao complexo de normas disciplina-doras da conduta das pessoas, correspondente, porexemplo, ao direito dos contratos,ao direito de família etc., e não a todos os tipos de direito. Realmente, no terreno daconduta, o direito, como norma de comportamento, distingue-se das demais normassociais, por ter estrutura bilateral, porque, enquanto atribui uma ` `prerrogativa''(faculdade, direito subjetivo) ou ` `competência'' a uma parte, imp<*-*>e uma ` `obriga-

ção'' a outra. Assim, por exemplo, ao comprador que tiver pago o preço da coisa,atribui o ` `direito'' de exigi-la do vendedor, e a este imp<*-*>e a ` `obrigação'' deentregá-la àquele; ao Estado dá ` `competência'' para estabelecer impostos e aocontribuinte a "obrigação" de pagá-los. Assim, o direito, quando prescreve úmarelação entre duas ou mais pessoas, tem estnztura bilateral ou imperativo-atributiva,

1 O direito como ciência foi examinado no Capítulo I, enquanto como direito subjetivo será tratado no Capítulo XXVIII.<012>

48Paulo Dourado de Gusmão

por atribuir direitos ou prerrogativas a uns e impor obrigaç<*-*>es a outros. Mas o direitoquando cria uma organização não tem tal estrutura. Assim, por exemplo, a Consti-tuição quando enumera os poderes fundamentais do Estado e a sua composição ouo estatuto de uma sociedade comercial quando relaciona os seus órgãos de direçãonão tem a estrutura bilateral. Mas também defini-lo como norma de organização édar uma idéia tão incompleta como defmi-lo como norma bilateral ou normaimperativo-atributiva, por não ser constituído todo direito de normas de condutaoude organização 2 Conceituá-lo como norma geral é dar uma noção inaplicável ao direitoprimitivo (§§ 157 e 158), que, sendo casuístico, era destituído de generalidade,característica que o direito ainda não tinha alcançado completamente na Lei das XIITábuas dos romanos (§ 164). Defini-lo com Rousseau e outros como expressão da vontade geral ou davontade da maioria do povo é formular uma definição exclusivamente correspon-dente ao direito das democracias, sendo assim inaplicável, por exemplo, ao Códigode Hamurabi (§ I 60). Deftni-lo como a norma sancionada ou reconhecida e aplicada pelo Estado éidentificá-lo com o direito estatal, excluindo de seu âmbito o direito comercialmedieval oriundo da jurisprudência das corporaç<*-*>es de mercadores e o direitointernacional. Deftni-lo como a norma de acordo com os principios da justiça ou como umatentativapara realizá-la é formular uma definição do direitojusto ou do que se pensaserjusto, e não do direito in genere, que pode ser injusto. A nosso ver, a característica do direito é a coercibclidade, que consiste napossibilidade do emprego da força material para fazê-lo ser observado, ou melhor,na possibilidade de se recorrer ao Poder Judiciário para fazê-lo ser respeitado.JáThomasius e Kant consideravam-na a nota específica do direito. Dentro dessa posição,Ihering chegou a definir o direito como o "conjunto de condiç<*-*>es da vida social ,asseguradas pelo poder do Estado, mediante a coerção externa''. Em nossa época, nãosó positivistas, como, também, muitos que não podem ser assim rotulados, como,por exemplo, Del Vecchio, pensam caracterizá-lo pela coercibilidade. Mas essa conceituação não é pacífica na doutrina, principalmente entre jusna-turalistas e sociólogos, que admitem direitos tão válidos como o do Estado, despro-vidos de coercibilidade, como o direito natural, para os primeiros, ou do direito socialpara os segundos. Outros, sem negá-la, consideram-na acessória, por serem ordina-riamente as normas jurídicas respeitadas espontaneamente, sendo o emprego dacoerção a exceção. Bobbio (Studi per una Teoria Generale del Diritto) responde a

2 A distinção entre norma de conduta e norma de organização no campo jurídico deve-se a Burckhardt, estabelecida em 1936.

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Introdução ao Estudo do Direito

essa objeção fazendo ver que a experiência ensina não poder ser considerada regrageral a observância espontânea do direito, razão pela qual a coerção é necessária. Aobservância espontânea, diz Bobbio, decorre do receio da sanção. Assim, no casoda execução espontânea, a coerção psicológica funcionaria em lugar da física.Finalmente, existem ainda os que negam ser a coercibilidade a nota específica dodireito por haver normas desprovidas de sanção (norma imperfeita). Na verdade,muitas normas do direito constitucional e do direito administrativo são desse tipo.Mas o fato de existirem normas jurídicas sem sanção não enfraquece a tese dacoercibilidade como elemento característico do direito, por prever o ordenamentojurídico conseqüências constrangedoras, ou melhor, sanç<*-*>es indiretas para osqueinobservarem normas aparentemente sem sanção (sanç<*-*>es indiretas). Impeachment,reparação de prejuízos causados por arbitrariedade praticada por autoridade, cassa-ção de mandato político, responsabilidade objetiva do Estado, anulação de atosadministrativos praticados com abuso ou desvio de poder, eis alguns exemplos desanç<*-*>es indiretas de normas de direito público interno aparentemente sem sanção.O direito prevê o mandado de segurança para proteção de direitos contra arbitrarie-dade do poder público; habeas corpus para proteger a liberdade contra abusos dopoder; ação popularpública, contra irregularidade ou ilegalidade graves da Admi-nistração Pública; habeas data, para o conhecimento e cancelamento de dadosindividuais armazenados na memória dos computadores das centrais de informaç<*-*>esdo Estado; mandado de injunção, para obrigar um dos Poderes do Estado a praticarato de sua competência, determinado por lei, cuja omissão prejudica direitosindividuais, sociais, coletivos ou o próprio povo. Há, entre nós, precedente histórico,de 22.03.91, em que o Supremo Tribunal Federal, acolhendo mandado de injunção,fundado em direito pessoal, deu ordem ao Congresso Nacional para, no prazo de 45dias, regulamentar o art. 8"das ` `Disposiç<*-*>es Transitórias'' da Constituição de 1988,estabelecendo logo, na mesma decisão, prazo de l5 dias para o Presidente daRepública sancionar a lei a ser formulada pelo Congresso. Represálias, guerra,bloqueio, interrupção de relaç<*-*>es comerciais, intervenção militar etc., são sanç<*-*>esimperfeitas do direito internacional, que terá normas eficazes quando for instituídaeficiente organização mundial. Concluindo, considerando, como consideramos, ser a coercibilidade a notaespecífica do direito; considerando que, eliminada essa nota característica, esta-ríamos diante de uma dificuldade intransponível, qual seja, como nota Bobbío, ade encontrar o ` `critério para distinguir as normas jurídicas das normas moraisou das do costume" (ob. cit., p.123), pensamos poder definir o direito como anorma que, se inobservada, poderá ser aplicada coercitivamente. Resta a dizer, o que talvez não precisasse ser dito, por ser pressuposto elugar-comum, que o direito é uma das normas sociais. Tem origem social, destina-sea uma sociedade, supondo, em qualquer uma de suas formas, ao menos mais de umapessoacomo seus destinatários. Robinson Crusoé, em sua ilha, não tinha necessidade<012>

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Paulo Dourado de Gusmão

de direito. Da natureza dos problemas, da cultura e das necessidades sociais, bemcomo dos interesses em jógo, depende o direito: Ubi societas, ibjus. Assim, ondehouver uma sociedade haverá um direito; é claro, não revestindo a mesma forma e nemtendo o mesmo conteúdo. Na sociedade primitiva, dominada pelo costume, revestiu aforma consuetudinária3, enquanto na sociedade evoluída, a da lei ou da jurisprudência.Mas, somente a partir do momento em que o costume e a tradição se enfraquecem,perdendo eficácia, uma autoridade surge para garantir a ordem social ameaçada. Équando despontam o direito escrito e o direito protegido e garantido pela autoridadepública, por não mais serem suficientes a pressão social e a força da tradição. Concluindo e repetindo, o direito, apesar de ser, como norma' de conduta,norma bdateral e, como norma de estruturação, norma de organização, é, emqualquer uma dessas duas formas, norma executável coercitivamente. s Quanto ao direito modemo, resulta da criação ou do reconhecimento pelopoder público ou de convenç<*-*>es e costumes internacionais, sendo aplicado porórgãos estatais (tribunais, Administração Pública etc.) ou por organizaç<*-*>es inter-nàcionais (§ 95). Por isso, pensamos poder defini-lo como conjunto de normasexecutáveis coercitivamente, reconhecidas ou estabeleccdas e aplicadas por órgãosinstitucionalizados (estatais ou internacionais). (V. § 202.)

<*-*>l. DIREITO POSITIVO

Conceituado o direito, passemos à noção de direito positivo,<*-*> expressão que não temmuito sentido, pois o direito só pode ser positivo na medida em que é sancionadopelo poderpúblico ou pelos costumes ou é reconhecido pelo Estado ou pelo consenso das naç<*-*>es. Pensamos que o problema do direito positivo só surgiu com o jusnaturalismo,opondo odireitonatural ao direito positivo. Porém, anosso ver, essa oposição nãotem sentido,

Consuetudinário vem da palavra latina consuetudine, que signifca costume.Cossio (A Critica da Jurisprudência Dogmática etc.) considera ser ideológica a de inição dodireito como norma por servir à consolidação do capitalismo, que necessita da "calculabilidadejurídica'' dos negócios, possibilitada se reduzido à regra fixa. Ora, o normativismo é igualmente,pensamos, indispensável aos planos qilinq<*-*>lenais socialistas e a toda economia planificada, nosquais a rigidez da norma é fundamental para alcançar resultados econômicos no futuro.Em 1950, em nosso Curso de Filosofia do Direito (Rio de Janeiro, Livraria Fceitas Bastos S.A.),definimos o Direito como "sistema regulador das condutas das pessoas, que estabelece acorrespondência entre as pretens<*-*>es de uns e as obrigaç<*-*>es de outros'' (p. 25).Os romanos não conheciam a expressão direito positivo. Distinguiram, a princípio, o ius civile,direito do cidadão romano, dojus gentium, direito dos estrangeiros residentes noimpério romano.Depois, os distinguiram do ius natarale, tendo por fonte a natureza. Os glosadores também nãose referiam ao direito positivo, apesar de, na Idade Média, ter sido usada pela

primeira vez aexpressão ius positivum. É com os jusnaturalistas que o problema do direito positivo e da` `positividade'', como nota específica do direito, começou a ser questionado.

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Introdução ao Estudo do Direito

por não ter eficácia o direito natural, como aliás já dissera Dabin - mera exigência,aspiração ou ideal jurídico. Adveitimos no nosso livro Introdução à Teoria do Direito(1%2) que ao considerarmos o direito natural como prescrição moral não estávamosreduzindo o seu valor, salvo se forjulgado, o que não fazemos, valer mais o direito do quea Moral. Mas, como tornou-se tradicional tal adjetivação do direito, somos obrigados anos pronunciar sobre o direito positivo. É o direito efetivamente observado em umacomunidade ou, então, o directo efetivamente aplicadopelas autoridades do Estadoepelas organizaç<*-*>es internacionais. É promulgado no caso da lei (§ 71 ); declaradopelos tribunais, no caso do direito norte-americano, contido em precedentesjudiciais (§ 166); estabelecido por consenso das naç<*-*>es em tratados (§ 83) no casodo direito internacional (§ 91). Não se p<*-*>e em dúvida: a "existência do direitopositivo'', escreve Ripert, ` `não é contestada por pessoa alguma''. Não é só oprescrito pela lei ou pelos precedentes judiciais, mas o que os tribunais dizem estarna lei, quando muitas vezes não está, como a revisão dos contratos leoninos, colocadapelajurisprudência francesa no Código de Napoleão, atual Código Civil francês. Precisando o nosso pensamento, diremos que o direito positivo é o direitohistórica e objetivamente estabelecido, efetivamente observado ou, então, passivelde serimposto coercitivamente, encontrado em leis, códigos, tratados internacionais,costumes, resoluç<*-*>es, regulamentos, decretos, decis<*-*>es dos tribunais etc. É, assim,o direito determinável na história de um país com pouca margem de erro, por seencontrar em documentos históricos (códigos, leis, repertórios de jurisprudência,compilação de costumes, tratados internacionais etc.). É o direito vigente ou o queteve vigência. É direito positivo tanto o vigente hoje como o que vigorou ontem ouno passado longínquo, como, por exemplo, o Código de Hamurabi ou o direitoromano. . Finalmente, o direito positivo é a garantia da certeza do direito. É, como notaRipert, o direito cuja existência não é contestada por ninguém. Direito positivo tem dimensão temporal, pois é direito promulgado (legislação)ou declarado (precedente judicial, direito anglo-americano), tendo vigência a partirde determinado momento histórico, perdendo-a quando revogado em determinadaépoca. Reflete valores, necessidades e ideais históricos. É o direito que tem outevevigência. Tem também dimensão espacial ou territorial, pois vige e tem eficácia emdeterminado território ou espaço geográfico em que impera a autoridade que oprescreve ou o reconhece, apesar de haver a possibilidade de ter eficácia extraterri-torial. Espaço que geralmente coincide com o território do Estado que o imp<*-*>e,porém pode ser mais amplo. Assim, por exemplo, no direito aeronáutico, a Conven-ção de Roma, que prevê limites para a responsabilidade civil dos proprietários de

aeronaves, vige no espaço geográfico em que têm autoridade os países que a elaaderiram. O direito positivo tem ainda caráterformal, pois é instituído por meiode<012>

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fonte formal (tratado, lei, decreto-lei, costume, precedente judicial, regulamentoetc.). Caracteriza-se, também, por autocontrolar a sua própria criação, modificaçãoou revogação, pois estabelece regras para a elaboração legislativa. Finalmente,imp<*-*>e uma ordem em que há hierarquia de suas normas, sendo as superiores, como,porexemplo, a constitucional, mais ricas em conteúdo e quantitativamente reduzidasem número, enquanto as inferiores ou subordinadas, à medida que particularizam amatériajurídica, tornam-se menos gerais, por isso mais numerosas. Acima de todasas normas do direito positivo estão os princípios gerais do direito (§ 139), fonte dasfontes, inspiradores do direito positivo. Mas, pairando acima do direito estatal, comouma superconstituição, não no sentido dado por Hauriou a tal vocábulo, encontra-se aDeclara<*-*>ão Universal dos Direitos do Homem, estabelecida pela 0M1, ratificada pelosEstados-membros.

32. DIREITO POSITIVO E DIREITO NATURAL

Estabelecido o que se deva entender por direito positivo: scstema de normasobrigatórias, aplicáveis coercitivamente por órgãos especcalizados, sob aforma deleis, de costumes ou de tratados, resta a indagar as relaç<*-*>es do direito positivo como direito natural (§ 192). Têm naturezas diferentes, o positivo resulta de um ato de vontade, sendo, porisso, heterônomo, enquanto o direito natural, sendo evidente, espontâneo, é autôno-mo. Geralmente estão em oposição; porém ocorreu época em que coincidiram, comoao tempo da Revolução Francesa, em que o direito natural era o direito primordial,inspirador da "Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão" (1789), que oenunciava expressamente. Mas, depois de o Positivismo dominar nas ciênciassociais, é comum tal oposição, da qual não se afastam os próprios jusnaturalistas aoconsiderarem o direito natural o sistema métrico da legitimidade do direito positivo,a ` `medida e linha diretriz do direito positivo'', no dizer de Rommen (DerechoNatural, trad.). Porém, sem tomar partido na polêmica travada entre positivistas,sociólogos, normativistas e jusnaturalistas, reconhecemos a validade do direitonatural para a Civilização Ocidental, como idealjurídico dessa Civilização, admitidoaté por alguns sociólogos, que lhe atribuem origem social (portanto, não oriundadanatureza humana), e por juristas-filósofos, como Stammler, Saleilles, Lévy-U11-mann, além de outros, que defendem as transformaç<*-*>es de seu conteúdo (direitonatural relativo, e não absoluto). Reconhecemos, ainda, com Dabin e outros, perten-cer o direito natural à Moral, sendo assim ideal ou valor, sempre presente na Históriade nossa Civilização. Estabelecida a nossa posição, que não é contrária ao direito natural, mas queo define como ideal jurídico válido no Ocidente, incorporado a várias leis edeclaraç<*-*>es de direito, como as do século XVIII, a norte-americana,

promulgadapela Assembléia de Virgínia (1776), a da Revolução Francesa (1789) e, em nossa

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época, a da ONU ( 1948), pensamos poder responder à vexatissima quaestio propostano tópico desse parágrafo da seguinte forma: o direito positivo é o direito que dependeda vontade humana, seja na forma legislada (lei, estatuto, regulamento, tratadointernacional etc.), seja na jurisprudencial (precedente judicial, case law), seja naconsuetudinária (costame), em ambas, objetivamente estabelecido, enquanto odireito natural é o que independe da vontade, que atende a exigências naturais dohomem, como igualdade e liberdade, culturalmente criação da literatura grega (Antigo-na, de Sófocles), presente em todas as épocas da Civilização Ocidental. Assim, odireitopositivo seria histórico e válido em espaços geográficos determinados ou determináveis,isto é, válido para determinado Estado (direito brasileiro, direito norte-americano etc.)ou para vários países (direito internacional), podendo perder a sua validade pordecisãodo legislador (lei, decreto-lei etc.), enquanto o direito natural seria válido principal-mente no espaço social (§ 28) da Civilização Ocidental, que compreende países daEuropa e da América, cuja validade não é afetada por qualquer lei ou tratadointernacional, independendo, por sua natureza e origem, de governos ou de consenso.

33. DIREITO OBJETIVO

Vejamos agora uma noção restrita do direito, que o define exclusivamentecomo norma. Quando consideramos o direito como regra obrigatória, ou como o conjuntode regras obrigatórias, entendemo-lo como direito objetivo, ou seja, o direito emsentido objetivo. Destarte, direito objetivo é a consideração normativa do direito, ouseja, a compreensão do direito como norma obrigatória. O Código Penal, ou qualquernorma desse código, os Códigos de Processo, o Código Civil, bem como qualqueruma de suas regras, eis exemplos de direito objetivo.'

34. INSTITUIÇÃO JURÍDICA

As regras de direito, quando unificadas, constituindo um todo orgânico desti-nado a reger uma matéria jurídica vasta, compreendendo várias relaç<*-*>es jurídicas,formam uma instituição juridica (§ § 22 e 199). A famlia, o Estado, etc. sãoinstituiç<*-*>es. Como entendê-la? Segundo Roubier (Théorie Générale du Droit), é o` `conjunto orgânico, que contém a regulamentação de um dado concreto e durávelda vida social e que está constituído por um núcleo de regras jurídicas dirigidas paraum fim comum". Assim, tem, como nota Roubier, dois elementos principais:duração, manifestada na repetição de fatos que lhe servem de base, e caráterorgânico, decorrente do conjuntojurídico harmônico por ela criado. A duração deve

7 O direito em sentido subjetivo ou direito subjetivo será tratado no § 144.<012>

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ser razoável, pois muitas instituiç<*-*>es jurídicas do passado não mais existem, como,por exemplo, a escravidão ou o feudalismo. Exige, diz Roubier, razoável durabili-dade. A organicidade, isto é, a interligação das normas em função da finalidade quelhes é comum, como nota Roubier, é a forma ideal de integração das regrasjurídicas.A maioria das instituiç<*-*>es jurídicas tem sua origem na vida social, como, porexemplo, a familia. Sendo a instituiçãojurídica conjunto orgânico, durável, de regrasjurídicas, tem os mesmos caracteres da regra de direito: bilateralidade, coercibilida-de, generalidade e sanção do poder público ou o consenso das naç<*-*>es (instituiç<*-*>esinternacionais). Mas a essas características se sobrep<*-*>e a finalidade comum emfunção da qual a instituição exerce o seu papel jurídico-social e em razão da qualdevem ser interpretadas as normas que a constituem.

35. ORDEM JURÍDICA

O direito positivo da sociedade internacional, ou do Estado, é uma ordemjuridica que pode ser definida como o complexo de normasjuridicas vigentes emdado momento histórico, numa sociedade determinada. Nesse sentido, ordem jurí-dica e ordenamento jurídico se confundem, tendo o mesmo sentido e a mesmasignificação jurídica. Fica desde logo esclarecido que o conceito de ordemjurídica compreende não só normas legislativas (lei, decreto-lei, regulamento,códigos, Constituição etc.), como também normas consuetudinárias, standardsjurídicos, jurisprudência dos Tribunais, tratados interoacionais e princípios geraisdo direito vigentes em um momento histórico. Mas a idéia de ordem jurídica pressup<*-*>e órgãos e autoridades, previstos emsuas normas, que Ihe dão eficácia e garantem a ordem pública, a paz social einternacional, a segurança individual e social, as atividades política, religiosa,profissional, econômica etc. A ordem jurídica é, na realidade, uma forma de ordem social, que, comosabemos, é mais ampla, pois é constituída por todos os controles sociais (direito,moral, educação etc.). Com Roubier (Théorie Générale du Droit) pensamos ser a ordem jurídica globalconstituída de várias ordens jurídicas que se distinguem: a) ratione materiae, pelamatéria que disciplina (direito civil, direito penal etc.); b) ratione loci, em razão doterritório no qual vigem (direito brasileiro, direito federal e direito estadual, direitopaulista etc.); c) rationepersonae, em função do grupo social a que se destina, como ocaso do direito canônico, do direito do trabalho, do direito profissional (Estatuto daOAB) etc.; d) ratione temporis, se considerada historicamente (direito romano,Ordenaç<*-*>es Reais, direito colonial português outrora vigente no Brasil); e) rationefontis, em função da fonte que provém, (direito escrito, consuetudinário, direito juris-prodencial, direito doutrinal).

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36. Lf CITO E ILÍCITO J<*-*>ICOS O campo do lícito jurídico é muito vasto, pois coincide não só com o que épermitido pelo direito, como, também, com o que lhe é indiferente. É sabido que odireito prescreve impondo, proibindo ou facultando. Quando imp<*-*>e ou protúe, nãodeixa margem à liberdade individual: não há outra solução senão obedecê-lo, sobpena de o infrator sofrer punição. Mas, quando permite, tolera, faculta ou, então,quando não prescreve, domina a liberdade individual, podendo cada um fazer ounão fazer, agir ou não agir, dar ou não dar, omitir-se ou agir, segundo suasconveniências e interesses, desde que não cause prejuíza a outrem, não exponhaoutrem a risco grave, não impeça que outrem exerça o seu direito ou desde que nãotransgrida uma regra de direito. Nesse terreno, a autoridade pública não intervém.O que não éjuridicamente vedado é lícito, sendo, conseqüentemente, juridicamentepermitido. Zittelmann e Donati admitem haver implícita em qualquer ordenamentojurídico uma norma fundamental que exclui a ação da autoridade no caso de nãohaver prescrição legal. Do lado oposto do lícito temos o ilícito, isto é, o que é contrário ao prescritopelo direito. Consiste assim na ação (ação ou omissão) inobservadora de normaproibitiva de atos, aç<*-*>es ou omiss<*-*>es ; ilícíto penal, se a transgressãofor de lei penal;ilícito civil se, inobservando dever legal, causar dano a outrem. Segundo Kelsen(§200), o iiícito, ou seja, o antijurídico, é a condição da coerção jurídica, istoé, daaplicação, pelo Estado ou por uma organização internacional (§ 95), da sançãojurídica.

37. VALIDADE DO DIREITO

No que concerne à validade do direito, deve-se distinguir o sentido científicodo ftlosóftco. Para o primeiro, validade do direito depende da competência paralegislar da autoridade que o prescrever. Emanado de uma autoridade competentepara formulá-lo, tem validade. Competência que pode ser originária, como é o casoda Constituinte, ou derivada, quando decorre da Constituição. Nesse último caso,válido é o direito estabelecido conforme as normas reguladoras de sua produção.Mas, não basta essa conformidade formal, pois é indispensável que a lei não sejaincompatível com a Constituição (validade material), porque, se o for, é inconstitu-cional, isto é, destituída de validade, desde que o Judiciário assim a declare porsentença. Já o sentido filosófico não é tão simples. Para explicá-lo, existem.váriasteorias. A normativista (§ 200), defendida por Kelsen, explica a validez de umanorma por outra a ela imediatamente superior, que a torna jurídica exclusivamentepor tê-la observado. Assim, segundo esta teoria, a Constituição dá validade à lei;esta ao regulamento; a Constituição e a lei, à sentença e aos atos e negóciosjurídicos.Porém esta teoria deixa sem explicação a validez da norma superior e da fundamen-<012>

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tal, ou última, isto é, a validez da própria Constituição. É, pois, meia solução. Asociológica, quer quando vê a validade no poder efetivo que tem uma autoridadepara originariamente formular uma norma jurídica, quer quando faz depender doreconhecimento da validez do direito por parte pelo menos da maioria de seus

destinatários (Jellinek) ou, ainda, quando a faz decorrer da correspondência efetivado comportamento das pessoas aos padr<*-*>es jurídicos vigentes (Max Weber, Ehr-lich), também não satisfaz. A primeira porque só explica ofato da criação ou dalegitimação do direito, nada nos dizendo sobre a validade do direito assim criado,enquanto a segunda e a terceira, por confundir validade com eficácia, pois esta,e nãoaquela, depende de tal reconhecimento ou observância efetiva. Pensamos que, doponto de vista filosófico, o direito é válido se corresponder à justiça, às aspiraç<*-*>esmorais do povo e às reais necessidades sociais, bem como se atender às suasfinalidades (ordem, paz e seguridade).

38. VIGÊNCIA DO DIREITO

A vigência do direito é, muitas vezes, confundida com a validez do direito.Mas, no sentido próprio, isto é, de positividade ou obrigatoriedade do direito, nãohá razão para confundi-la com outras características do jurídico. Aqui tratamos davigência no sentido de realidadejurídica, propriamente da obrigatoriedade do direitopositivo por ter todos os requisitos jurídicos para tal, por ser lícito referir-se àvigência de idéias e de valores jurídicos, da alçada da Filoso ia do Direito, quecorresponde mais à validade dos mesmos no tempo e espaço socioculturais em quevige a cultura da qual são express<*-*>es. Mas no sentido técnico-juridico vigência é adimensão temporal e espacial da obrigatoriedade do direito, determinável, começan-do da data em que for publicada a norma no Diário Ofcccal, ou da data nela prevista,terminando na de sua revogação total ou parcial, expressa ou tácita, quando leiposterior dispuser em sentido contrário. Vigente, assim, a lei sancionada e publicadano Diário Oficial, enquanto não revogada, ou o tratado internacional, aprovado pordecreto legislativo, enquanto não denunciado. A data da publicação no DiárioOficial nem sempre coincide com a do início da eficácia (obrigatoriedade) da lei,porquanto o legislador pode postergar os seus efeitos para data posterior, estabele-cendo-a expressamente. Nesse caso, a lei torna-se obrigatória a partir da data nelaprevista. No direito anglo-americano (Common Law), o precedente judicial (case law)tem vigência da data em que for prolatado, perdendo-a da data da primeira sentençaque decidir em sentido contrário, que, se reiterada, se torna, então, precedente, ou,ainda, de quando a Corte Suprema o julgar inconstitucional ou dispuser emcontrário. O costume tem vigência enquanto observado, perdendo-a com o desuso.

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39. EFICÁCIA E EFETIVIDADE DO DIREITO

A ef'iciência (Getung) do direito depende do fato de sua observância no meiosocial no qual é vigente. Eficaz é o direito efetivamente observado e que atingeasua finalidade. É, assim, um fato, consistindo na observância efetiva da norma porparte de seus destinatários e, no caso de inobservância, na sua aplicação

compu<*-*>sóriapelos órgãos com competência para aplicá-la. Significa, com palavras de Kelsen,direito que é ` `realmente aplicado e obedecido''. Não depende, é claro, de ser semexceção observado, pois há sempre transgress<*-*>es, muitas vezes não punidas por nãoter sido possível apurar a autoria das mesmas ou a culpabilidade do denunciado, masde, na maioria dos casos, ser observado por seus destinatários e, no caso de violação,de ser aplicado compulsoriamente pelo poder público. O simples fato de a normajurídica ser inobservada não significa ser ela ineficaz, salvo se cair em desuso, ouseja, se não for aplicada, habitual, uniforme e reiteradamente pelo poder público.Assim, o direito pode ter vigência e não ter eficácia, pois pode viger e não serobservado, mas não pode ter eficácia sem vigência. A norma pode ser hoje eftcaz eamanhã tornar-se ineficaz. A vigência delimita, em regra, a eficácia do direito.Odireito, porém, pode ter eficácia depois de revogado por respeito a situaç<*-*>esconstituídas ao tempo em que era vigente, que devem continuar a ser regidas pelodireito abolido, por exemplo no caso de direito adquirido (vide Capítulo XXV). Há quem faça distinção entre eficácia e efetividade. A primeira, dependendode a norma alcançar o resultado jurídico pretendido pelo legislador, enquanto aefetividade, do fato da observância efetiva da norma, por parte das autoridades e deseus destinatários. Assim, por exemplo, o chamado "Plano Cruzado" teria tidoefetividade por ter sido observado na área econômico-financeira, sem ter tidoef'tcácia por não ter alcançado o resultado pretendido, saneamento da moeda. Pensamos que a distinção nestes termos confundeforma e conteúdo da norma,porquanto o conteúdo é que pode ter eficácia, e não a forma, que pode ser usada pararesultados sociais os mais diversos.

Mas, querendo valer-se da idéia de efetividade é preciso, a nosso ver, seguirKelsen (§ § 197 e 200). À luz da Teoria Pura do Direito (§ § 197 e 200) tem sentidodistinguir eficácia de efetividade. Kelsen vai mais longe, interligando validade,eftcácia e efetividade. Para ele, a norma é válida se pertencer a uma ordem jurídicaeficaz em sua totalidade. Isto porque é a eficácia da ordem jurídica, criada porumgoverno eficiente, que conduz ao reconhecimento internacional da mesma por forçado princípio de efetividade. Nesse sentido, eficácia é condição da validade globaldo direito. O principio de efetividade, que pertence ao direito internacional, fazdepender a validade da norma de sua eficácia. Se eficaz, o governo que a prescreveué internacionalmente reconhecido. Nesse caso, efetividade depende da eficácia, ouseja, de a norma ser observada pela maioria de seus destinatários e pelos órgãos<012>

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administrativos e judiciais por tempo razoável. Como vemos, efetividade tem maissentido no âmbito da comunidade internacional, enquanto na ordem interna, aeftcácia.

40. EXEQllIBII.IDADE DO DIREITO

Próximo de eficácia, temos a exeqi<*-*>ibilidade da norma, na dependência decertas condiç<*-*>es de fato, sem as quais a norma, que as pressup<*-*>e, não

pode seraplicada. Assim, por exemplo, a aplicação da norma penal que prevê, como medidade segurança, colônia agrícola, depende a sua aplicação da existência dessa colônia.Portanto, exeqüibilidade depende de haveras condiÇ<*-*>es defato, previstas na norma,para a sua aplicação.

41. LEGITIMIDADE DO DIREITO

A legitimidade depende de o direito ter apoio da sociedade civil. É, portanto,o reconhecimento do direito como legítimo pela sociedade civil. Sem apoio dela, odireito não tem legitimidade, necessitando vigilância redobrada do poder públicopara evitar que seja elevado o índice de sua inobservância. Mas há também outro sentido de legitimidade. Nesse caso, decorre do fato deo direito ser instituído de acordo com as normas que disciplinam a sua elaboração,em regra, segundo a Constituição, bem como de se ajustar aos princípios gerais dodireito e às tradiç<*-*>es jurídicas. Como vemos, esse sentido se confunde com oproblema da validade do direito, com o da legalidade e com o de sua constituciona-lidade (§ 135). Pode-se fazer referência à legitimidade como a qualidade do direitopromulgado por autoridade competente para tal e, ainda, filosoficamente, comocorrespondência da lei àjustiça.

42. LEGALIDADE

O Direito, como acentuamos, é norma coativa, ou seja, a norma que, seinobservada, é obedecida até com o emprego da força, se necessário. Mas a norma jurídica não se auto-aplica. Não fala, não manifesta o que quer enem como deve ser. Necessita de órgãos ou especialistas que por ela falem, isto é,autoridades, seja pelo saberjurídico (jurisconsultos), que estabelecem o pensamentocontido na norma em seus pareceres e em suas obras, seja por estarem investidas,pela própria norma, do poder de interpretá-la e aplicá-la (administração pública,polícia, judiciário). Aplicação, logicamente, sup<*-*>e anterioridade da norma. A anterioridade danorma ao affair chama-se legalidade. Eis o sentido mais importante do termolegalidade, desde que seja considerado em função das liberdades e direitos indivi-duais (sentido democrático de legalidade). Compete aos tribunais controlar a lega-

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lidade dos atos do poder público, cassando-os quando ilegais, ou seja, quando nãotiverem apoio em lei. Além desse, há outro sentido mais amplo, que pode serentendido como a qualidade do direito decorrente de sua própria vigência.O império da lei é, assim, o sentido próprio de legalidade. Mas o império do direito só é manifestação da sua legalidade quando forprescrito ou reconhecido por autoridade que, em certo momento histórico-social,for, em seu espaço sociopolítico, competente a prescrevê-lo. Porém, para que aautoridade prescreva direito que tenha legalidade, é indispensável a observânciaderitos e regras previstos no próprio direito, que regem a sua própria criação. Nessesentido, legalidade depende da observância de regras e princípios disciplinadoresda criação do direito, de antemão estabelecidos. Compreende também o problema da legalidade da sua aplicação. Completa-se

assim o sentido de legalidade fazendo-a depender de a aplicação do direito observarregras, estabelecidas de antemão pelo direito, para a sua própria aplicação, e de asentença ser compatível com o texto aplicável ao caso subjudice. Legalidade nessesentido é, por exemplo, ato administrativo ou sentença judicial fundados em lei. Levando-se em conta esses sentidos, pode-se de inir legalidade como a qua-lidade do direito prescrito por autoridade competente, com observância da Consti-tui<*-*>ão, aplicado de acordo com a lei, por autoridade qualificada para tal.

NOTA

Para que o leitor não tenha só a definição do direito dada pelo Autor, indica-remos, a seguir, as que julgamos merecer figurar em uma obra introdutória como apresente. A grande maioria das definiç<*-*>es aponta ajustiça como meta do direito. Dentreas mais antigas, destacamos a do jurista romano Paulo: "o que é semprejusto e bomchama-se direito" (id quod semper aequum ac bonum est, jus dicitur) ou, então, ade Celso: ` `direito é a arte do bom e dojusto''. Mais modernas: ` `direito é a realizaçãosocial da idéia de justiça'' (Pillet); ` `direito ordena as relaç<*-*>es sociaisno sentido dajustiça'' (Esser) ; ` `direito é a crescente aproximação da justiça, a ordem quetendepara a perfeição sem jamais alcançá-la'' (Renard); ` `direito é o conjunto de regrasàs quais está submetida a conduta exterior do homem em suas recíprocas relaç<*-*>es,e que, sob a inspiração da idéia natural dajustiça, em um estado dado da consciênciacoletiva da humanidade, é suscetível de uma sanção social, coercitivamente"(Geny); ` `direito é a tentativa para realizar ajustiça em um meio social'' (Gurvitch).Anteriormente, em L 'Idée du Droit Social, Gurvitch dava ao direito uma definiçãomais ampla: ` `ordem positiva que representa um ensaio de realizar a justiça em ummeio social dado, por um conjunto de regras multilaterais de caráter imperativo-atri-<012>

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butivo, instituidoras da interdependência estritamente determinada entre deveresepretens<*-*>es correspondentes, que extraem sua força obrigatória dos fatos normativose admitem em certos casos a possibilidade de execução pela coerção, que,entretanto, não lhe é necessária''. Passados alguns anos, Gurvitch (v. § 199), emsua Sociologia do Direito, formulou uma definição analítica: ` `direito representa atentativa de realizar a idéia de justiça em um meio social dado - isto é, umareconciliação prévia e essencialmente variável dos valores espirituais em conflito,integrados em uma estnztura social - mediante a regulação multilateral imperativa-atri-butiva, baseada em uma determinada união entre pretens<*-*>es e deveres, que deriva suavalidez dos fatos normativos, que têm em si uma garantia social de sua efcácia epodemem certos casos executar seus preceitos mediante a coação concreta e extema,

porém sema pressupor necessariamente". Mas, antes de morrer, no capítulo dedicado ao direito, doTratado de Sociologra, por ele organizado com vários sociólogos, definiu-o com espíritode síntese, que tomou emprestado dos franceses, mas que não soube empregá-lo, talvezdevido à sua formação germânica. Nesse tratado disse representar o direito ` `umensaiode realização dajustiça - isto é, reconciliação prévia e essenciahnente variáveldas obrasda civilização em contradição - por meio da imposição de encadeamentos multilateraisentre pretens<*-*>es e deveres, cuja validez deriva dos fatos normativos que têmem si mesmosa garantia da eficácia das condutas correspondentes''. Era o sociólogo, outrora,maisjusfilósofo, estabelecendo a sua última definição do direito... Outros, jusnaturalistas (v. § 182), encontram na Razão ou na Natureza a matéria-prima do direito. Em Roma, Cícero assim o deflnia: ` `manifestação da lei natural''enquanto São Tomás de Aquino, "mandato da razão a serviço do bem comum ,promulgado pelo governo da sociedade''. Na mesma linha, Grotius, ` `regrada retarazãopela qual julgamos justa uma ação pela sua conformidade com a natureza racional''.Mas não eram só os antigos que assim pensavam, pois, para o romanista Cuq, é o` `conjunto de regras fundadas sobre a razão, com a finalidade de perpetuar e garantiros direitos imprescritíveis do homem, respeitando a sociedade e os indivíduos''. Há os que reduzem o direito às normas garantidas ou criadas pelo Estado,esquecendo-se, por exemplo, do direito comercial, que, oriundo das corporaç<*-*>es demercadores, só tardiamente teve sua formulação pelo Estado, bem como a ordemconstitucional inglesa. Nessa linha, a clássica deftnição é de Ihering: ` `direito é asoma das condiç<*-*>es da vida social, asseguradas pelo poder do Estado, mediante acoerçãr externa'' ; ou então Vanni (v. § 196): ` `direito é o conjunto de normasgeraisimpostas à ação humana em suas relaç<*-*>es exteriores, feitas valer pela autoridade doEstado para garantir os indivíduos e a comunidade na consecução de suas finalida-des''. Acrescentemos as seguintes: ` `direito é o corpo de princípios, reconhecido eaplicado pelo Estado na administração dajustiça (Salmond) ; ` `complexo de normasgerais, bilaterais e coativas, impostas pelo Estado aos indivíduos e aos grupossociais, para disciplinar o poder de agir e para assegurar a ordem social'' (Groppali);

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` `direito é o complexo de normas gerais de conduta que o Estado faz valer com acoação'' (Schlesinger). Estas, além de outras, são definiç<*-*>es do direito de juristasque se filiaram ao positivismojurídico (v. § 196). Não se afastam da posição acima indicada os que, não sendo positivistasortodoxos, consideram a coercibilidade o traço característico do direito: ` `conjuntode regras, imposto pelo constrangimento exterior, que rege as relaç<*-*>es dos homensentre si" (Girard); "regra de conduta que se imp<*-*>e aos homens que vivem emsociedade e cujo respeito é assegurado pela autoridade pública" (Paul Roubier);

"conjunto de normas impostas e aplicadas em uma sociedade por quem tematribuição e poder para tal sobre as pessoas e as coisas" (Vinogradoff); "normaobrigatória cuja violação dá nascimento a uma sanção predeterminada em suanatureza e condiç<*-*>es de aplicação'' (Hubert); ` `complexo de normas gerais do agirhumano, indispensável ao homem'' (Del Giudice); ` `conjunto de regras de condutaditadas, ou, ao menos, recebidas e consagradas pela sociedade civil, sob a sanção dacoação pública, a fim de estabelecer nas relaç<*-*>es entre os membros do grupo umacerta ordem'' (Dabin); ` `norma que, promulgada pelo governo, atribui a quem serialesado por sua violação a faculdade de exigir o seu cumprimento'' (Goffredo TellesJúnior). Mas é o formalista puro, Kelsen (v. § § 197 e 200), quem nos dá a clássica:ordem coercitiva. Ainda nessa linha, com conotaç<*-*>es culturalistas (v. § 198), Miguel Reale:` `direito é a ordenação heterônoma, coercível e bilateral-atributiva das relaç<*-*>es deconvivência, segundo uma integração normativa de fatos e valores''. Fora dessas posiç<*-*>es, desde que não se pense com Kelsen, que se preocupouem encontrar no direito seu próprio fundamento, muitos juristas deram-lhe funda-mento metajurídico. Já vimos algumas defmiç<*-*>es que encontraram na Justiça, naRazão ou na Natureza o fundamento ou a raiz do direito. Além delas estão âsfundadas na Moral. Dão conteúdo ético ao direito. Eis algumas: ` `direito é oprecipitado histórico da moral'' (Petrone); ` `direito é a moral tornada estática emuma norma'' (Maggiore) ; ` `direito é o mínimo ético'' (Jellinek) ; ` `direito éo mínimode moral indispensável para a vida em sociedade, imposto por sanç<*-*>es materiais''(Henri Beer); "direito é acoordenação ético-imperativa" (Timasheff); "direito éa moral em ação, a moral na medida em que se torna suscetível de coerção"(Josserand); "direito é experiência ética de caráter atributivo" (Petrazycki). Ecletica-mente, Del Vecchio (v. § § 192 e 197) o define como "coordenamento objetivo dasaç<*-*>es possíveis entre vários sujeitos, segundo o princípio ético que o detexmina,excluindo o impedimento''. Definição formal, desprovida de conteúdo, é a de Kant(v.§ 197): ` `conjunto de condiç<*-*>es sob as quais o arbítrio de cada um pode se harmonizarcom o arbítrio de todos, segundo uma lei universal de liberdade''. Inegavelmente, a coercibilidade tem sido, segundo a grande maioria dosjuristas, a nota característica do direito. Mas a encontramos também em definiç<*-*>es<012>

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dejuristas que se op<*-*>em ao positivismojurídico (v. § 196), como em outra definiçãodo direito de Geny (§ 192), jusnaturalista moderado. Eis como ele define o direito:"ordenamento imposto, sob uma sanção social coercitiva, à conduta dos homensque vivem em sociedade ''. A noção do direito varia conforme pertença ojurista à área do direito codificado(direito continental) ou à do direito não codificado (Estados Unidos e Inglaterra).No primeiro caso, encontramos sempre presente nelas o direito prescrito pelo Estado,ou, pelo menos, garantido pelo Estado, enquanto na área do Common Law (v. § 166)o direito é emanado de decis<*-*>es judiciais. Daí Holmes, jurisconsulto norte-america-

no e Ministro da Corte Suprema, tê-lo definido como ` `uma profecia acerca de comodecidirão em realidade os Tribunais'', enquanto para outro jurista norte-americano,partidário do "realismo jurídico" (v. § 201), o direito é o que o juiz decide(Llewellyn). A maioria dosjuristas europeus que emigraram para os Estados Unidossofreu a influência dessa mentalidade, como, por exemplo, é o caso dojus-sociólogoalemão Kantorowicz, precursor da ` `escola do direito livre'' (v. § 137), que definiuo direito como "o corpo de normas sociais que ordenam a conduta externa e quesão consideradas aptas a serem aplicadas por um órgão judicial em procedimentodeterminado''.

Em alguns juristas-sociólogos nota-se certo ecletismo, pois, sem abandonar asposiç<*-*>es positivistas, acabaram por dar-lhe raiz social. Nessa linha de pensamento:"direito é o conjunto de regras obrigatórias que determinam as relaç<*-*>es sociaissegundo a representação que faz a todo momento a consciência coletiva do grupo(H. Levy Bruhl); ` `direito é o imperativo social que atende a necessidade nascidada solidariedade natural" (Scelle); "direito é a forma altamente especializada defiscalização social, em uma sociedade politicamente organizada: fiscalização me-diante a aplicação sistemática e ordenada da força nessa sociedade'' (Pound).

Além das indicadas, há as que, sendo tão ecléticas, não temos como classifi-cá-las. A título de exemplo, apontamos as seguintes: ` `direito realiza a ordem socialna qual está reduzida ao mínimo a possibilidade de abuso de poder, tanto por partedos particulares, como por parte do governo'' (Bodenheimer); ` `direito é uma regrade vida social, estabelecida pela autoridade competente, tendo em vista a utilidadegeral ou o bem comum do grupo e, em princípio, munida de sanç<*-*>es para assegurarsua efet<*-*>vidade'' (Le Fur); ` `direito é o conjunto de regras sociais estabelecidas pelaautoridade pública e por ela sancionadas" (Duverger); ` `direito é o ordenamentodeuma comunidade sedentária com poder supremo coativo'' (Sauer); ` `direito é vidahumana objetivada, normativa e social" (Recaséns Siches); "direito é uma formade vida social na qual se realiza um ponto de vista sobre a justiça, que delimita asrespectivas esferas do lícito e do dever, mediante um sistema de legalidade, dotadode valor autárquico'' (Legaz y Lacambra).

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Introdução ao Estudo do Direito

Finalizando, não deve ser esquecida a de um jurista romano: Ulpiano, que odef'miu pelo seu conteúdo mínimo: "os preceitos do direito são: viver honestamente ,não causar dano a ninguém, dar a cada um o que é seu" (Jurcs praecepta sunt haec:honeste vivere, alterum non laedere, suum caique trcbuere).<012>

, Jli<028>I '<*-*>hi,t.... .

DIREITO E MORAL - DIREITO, EQ<*-*>IDADEE JUSTIÇA - DIREITO, NORMAS SOCIAIS , E LEI FISICA - NORMA TÉCNICA

43. DIREITO E MORAL

Estabelecido o que entendemos por direito, por direito positivo e por direitoobjetivo, devemos agora distingui-lo da moral. Distinção que só foi pensada em umestado mais evoluído da Cultura. Os egípcios, os babilônios, os chineses e os própriosgregos não distinguem o direito da moral e da religião. Para eles o direito se confundecom os costumes sociais. Moral, religião e direito são confundidos. Nos códigosantigos preceitos jurídicos misturam-se com prescriç<*-*>es morais e religiosas.Odireito nesse tempo ainda não havia adquirido autonomia, talvez porque, como notaRoubier, ` `nas sociedades antigas, a severidade dos costumes e a coação religiosapermitiram obter espontaneamente o que o direito só conseguiu mais tarde", commuita coerção.' Os próprios romanos, organizadores do direito, definindo-o sob a influênciada filosofia grega, consideraram-no como ars boni et aequi. Todavia, o gran<*-*>lejurisconsulto Paulo, talvez compreendendo a particularidade do direito, sustentouque non omne quod licet honestum est (o permitido pelo direito nem sempre está deacordo com a moral). Deve-se, sob o império do Iluminismo, a Thomasius, em 1713, cujas idéiasforam desenvolvidas por Kant, a distinção entre direito e moral. Partindo daconsideração da coercibilidade como a marca do direito, considerou os deveresmorais incoercíveis, em contraposição aosjurídicos, que seriam coercíveis. Já Kantatribuiu à moral o julgamento dos motivos, das resoluç<*-*>es, da intenção e daconsciência, enquanto ao direito, a disciplina da conduta exterior do homem e dasmanifestaç<*-*>es da vontade. Por isso, diz Kant, é o direito coercitivo, enquánto amoral, incoercível. Contra Kant, podemos dizer que no direito penal a intenção é

1 Roubier, Théorie Générale du Droit, Paris, 2' ed., Capítulo I, § 5.<012>

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Paulo Dourado de Gusmão

levada em conta. No direito civil, contrato e testamento são interpretados em funçãoda vontade declarada e da intenção do contratante ou do testador. No plano da TeoriaGeral do Direito, uma escola, ` `escola de exegese'', sustentou que na interpretaçãoda lei deve-se indagar a intenção do legislador. Tais exemplos demonstram que oponto de vista de Kant deve ser acolhido com reservas. Todavia, algunsjuristas, como Jellinek, entre outros, definiram o direito comoo minimo ético. Petrone foi mais além, considerando-o "precipitado histórico damoral''. Maggiore, seguindo essa linha, compreendeu-o como a petrificação damoral. Ripert e Josserand também não se afastaram dessa posição. Ripert (La RégleMorale dans les Obligations Civiles,1925) chega a dizer: ` `entre a regra moral e ajurídica inexiste diferença de domínio, de natureza e de finalidade. E não pode

haver,prossegue Ripert, por dever o direito realizar a justiça, que é idéia moral. Porém,como nota o citado civilista francês, há uma diferença formal: a regra jurídica é aregra moral imposta mais energicamente, dotada de sanção exterior, necessária aatingir o seu objetivo. Mas, acrescenta Ripert, o direito só pode aperfeiçoar-sesecontinuamente receber a influência da moral, que é a sua origem e lhe serve defundamento''. Timasheff pensa ser o direito a moral imposta pelo poder, enquantoJ. Freund considera-o resultante da dialética entre política e ética. Del Vecchio, por sua vez, além da coercibilidade específica ao direito, indicoua bilateralidade como elemento que o distingue da moral. O direito enlaça-se comdeveres, enquanto a moral só imp<*-*>e deveres.2 Para nós, a coercibilidade e a bilateralidade são, de modo geral, notas especí-ficas ao direito. É incompatível com a moral o constrangimento; o dever moral deve

Piaget, do ponto de vista psicogenético, preocupou-se em demonstrar a heteronomia tanto danorma moral como da norma jurídica, bem como o fato de ambas, em suas origens, pressuporemuma autoridade, passando a primeira, gradualmente, da heteronomia para uma ` `antonomia''relativa. A criança, diz Piaget, inicialmente como deveres só conhece as instruç<*-*>es de seus pais;dessas instruç<*-*>es ela tira novas normas por generalização e aplicação a outras pessoas, "atéalcançar uma interiorização espiritualizada e autônoma deste conjunto que será incessantementetrabalhado''. Na origem de ambas as normas encontra-se uma autoridade: na moral,a autoridadedos pais ou do educador, enquanto no direito a dos mais velhos. Assim, a coercibilidade não seriaespecífica ao direito, pois, em sua origem, também estaria presente na moral. A censura e aspuni^<*-*>es dos pais às transgress<*-*>es das regras morais por parte dos filhos são sanç<*-*>es extemas quenão se distinguem, por natureza, das do direito. Por tudo isso, Piaget acabou considerando ser anota característica da moral a impossibilidade de substituição na relaçâo moral da individualidadedas partes, enquanto na relação jurídica poderia ser substituída, circunstância que permitiria ageneralização da regra e, conseqtientemente, a codificação. A moral seria, assim, pessoal,enquanto o direito, transpessoal. O direito seria o ` `conjunto de relaç<*-*>es normativas transpessoaisda sociedade" (Estudos Sociológicos, Rio, Forense,1973, trad., "As relaç<*-*>es entre a moral e odireito'', ps.197/231 ).

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Introdução ao Estudo do Direito

ser observado voluntariamente, enquanto o constrangimento é essencial ao direito.A consciência, a vontade e a intenção em si são incontroláveis juridicamente. Asanção jurídica é bem diferente da sanção moral. O dever moral não é exigível por ninguém, reduzindo-se a dever de consciên-cia, ao tu deves, enquanto o dever jurídico deve ser observado sob pena de sofrer odevedor os efeitos da sanção organizada, aplicável pelos órgãos especializados

dasociedade. Assim, no direito, o dever é exigível, enquanto na moral, não. Entretanto,não é só, pois, enquanto o direito é heterônomo, por ser imposto ou garantido pelaautoridade competente, mesmo contra a vontade de seus destinatários, a moral éautônoma, pois é imposta pela consciência ao homem. Destarte, podemos dizer queo direito, se não observado voluntariamente, poderá sê-lo pela intervenção dosaparelhos policial ejudiciário, o que não ocorre com a moral, que exige a observânciaespontânea, voluntária, de seus preceitos. O direito, apesar de acolher alguns preceitos morais fundamentais, garantidoscom sanç<*-*>es eficazes, aplicáveis por órgãos institucionais, tem campo mais vastoque a moral, pois disciplina também matéria técnica e econômica indiferente à moral,muitas vezes com ela incompatíveis, como, por exemplo, alguns princípios orienta-dores do direito contratual, fundados no individualismo e no liberalismo, inconci-liáveis com a moral cristã e, portanto, com a moral ocidental. Mas, apesar disso, ojurídico não está excluído dejulgamentos éticos. Somente na sociedade pré-letradaou primitiva é que a regra do direito se confunde com a da moral. Porém, nesseremoto passado, direito, moral e religião estavam confundidos. Mas mesmo nodireito das altas civilizaç<*-*>es há infiltração damoral no direito. Infiltração constatávelfacilmente no direito privado e no direito penal. Neste, regras morais, como, porexemplo, não matar, não furtar, respeitar os mortos, os túmulos, o culto e os símbolflssagrados, são impostas pela norma penal, enquanto no direito privado é no direitode família que os deveres e as regras morais estão mais presentes. Mas, também, nodireito das obrigaç<*-*>es, principalmente nas épocas de crise, se faz sentir tal influência.Assim, regras jurídicas que proíbem o enriquecimento sem causa; a regra que vedao ato emulativo, isto é, o exercício do direito só para prejudicar outrem (§ I 52) e oabuso do direito (§ 152); a que proíbe a transmissão de mais direito que tem o titular;a que proíbe causar dano injusto a outrem; bem como a obrigação natural tuteladaindiretamente pelo direito, isto é, a obrigação não mais exigível pelo credor por terocorrido a prescrição, bem como a dívida de jogo, são exemplos de deveres moraistutelados pelo direito obrigacional, porque, não podendo ser exigida no Judiciário aobservância dessas obrigaç<*-*>es, se espontaneamente pagas, irrestituível é o que forpago. No direito público, a obediência à autoridade legítima, alicerce da ordempolítica, tem origem moral. Os princípios fundamentais dajustiça segundo a Civili-zação Ocidental, oriundos dos romanos, neminem laedere (não causar prejuízo aninguém) e suum cuigue tribuere (dar a cada um o que lhe é devido), têm origem<012>

68Paulo Dourado de Gusmão

ética. A noção de boa-fé, pressuposta em todas as relaç<*-*>es jurídicas, é, antes de serjurídica, noção moral. Portanto, o direito não é indiferente à moral. Apesar dedistintos, a moral exerce influência sobre o direito. Mas nem todas as prescriç<*-*>es morais são tuteladas pelo direito, pois, se ofossem, o direito seria a imposição, pelo poder social, da moral de yma época,civilização ou sociedade. Muitas das prescriç<*-*>es morais, que não são essenciais à

paz, à segurança e ao convívio sociais, não se encontram no direito. Concluindo: o direito é heterônomo, bilateral e coercivel, enquanto a moral,autônoma, unilateral e incoercivel.

44. DIREITO E EQlJIDADE

Alguns juristas, seguindo a orientação que vem desde Roma, identif'icaram aeqüidade com o direito natural. Os romanos tinham sempre presente a aequitasnaturalis, chegando a afirmar que quod semper bonum et aequum est, jus dicitur (Odireito é sempre o que é bom e eqüitativo). Outros compreenderam a eqüidade como noção moral. Maggiore (Diritto Penale, T. I) a posicionou nos limites da moral com odireito, como forma de possibilitar o retorno do direito (moral petrificada, codifica-da) ao seio de sua verdadeira fonte: a moral histórica. Windscheid (Diritto delle Pandette, trad.) pensa ser a eqüidade a adaptação dodireito ao fato, aproximando-se, assim, de certa forma, do pensamento de Aristóteles(Ética), que a vê como "o meio de corrigir a lei' ', aplicando-a comjustiça ao casoconcreto. Outros entenderam-na como o sentimento dojusto, provocado nojuiz pelo caso subjudice. Há quem a identifique com as noç<*-*>es de humanidade, clemência, moderaçãoe mitigação. Para nós, a eqüidade, que entre os romanos teve grande influência na épocados pretores, e, atualmente, tem grande valor na Inglatena, onde o Lord Chancellor,através dela, pode negar efeito a uma normajurídica, a eqüidade, dizíamos, é ajustaaplicação da norma jurídica geral ao caso concreto que impede a transformação dosu<*-*>nmumjus em swruncc injuria. Essa é a eqiiidade secundum leges, que consiste na justa concretização dopreceito legal, de grande valor na aplicação do direito. Ao lado dela está a contra legem, que conflita com o direito positivo, corres-pondendo aos novos ideais históricos dajustiça. Nesse caso, a eqüidade é a adaptaçãodo ideal de justiça de uma época a um caso concreto. Algumas vezes, a eqiiidadeimplica a idéia de humanidade, de clemência e de mitigação. Aí, então, é corretoentendê-la como fonte do direito.

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Introdução ao Estudo do Direito

Tendo em vista essa última acepção, o juiz, ao decidir, padece de um dramade consciência muito intenso: terá de decidir de acordo com a lei, julgando contrasua consciência, contra seu ideal de justiça, contra o que ele compreende poreqizidade para o caso concreto. Mas, nesse caso, o direito positivo deve prevalecersobre a eqüidade, por assim exigir um de seus fins: a segurança, e uma de suas raz<*-*>esde ser: a certeza do direito. No entanto, no caso de lacuna, quando o juiz não encontra nos prin- cípios geraisdo direito anorma aplicável ao caso novo, a ele submetido ajulgamento, a eqiiidadede que se deve socorrer o juiz é a praeter legem correspondente ao ideal históricode justiça, ainda não presente no direito positivo.j

45. DIREITO E JUSTIÇA

Têm sido confundidos por filósofos, políticos, literatos e até mesmo porjuristas: juris nomem ajustitia descendit (o direito deriva seu nome dajustiça).Nãohá por que confundi-los, porquanto o direito é (ou deve ser) o veículo para a

realização da justiça, que é (ou deve ser) a meta da ordem jurídica. Mas comoentendê-la? A idéia dejustiça que nós, ocidentais, temos é herdada, em grande parte,de Platão, Aristóteles e dos juristas romanos. Os dois primeiros deram dela o sentidoético e formal, enquanto os romanos o sentido jurídico e material. A justiça - pensaPlatão - é virtude suprema, harmonizadora das demais vittudes. A harmonia é a suanota fundamental. Mas Platão também considera-a como equilc7irio. Como equilcôrioe proporção a def'miu Aristóteles. É clássica a distinção que formulou entre justiçadistributiva ejustiça corretiva (sinalagmática ou comutativa) em função do critério daproporção e da igualdade. A primeira, pelo critério da proporção, distribui os benscor- respondentes ao mérito e às necessidades de cada um, enquanto a justiçacorretiva ou sinalagmcizica, com base no princípio de igualdade, tomajustas as trocasentre as pessoas. A distributiva dependeria do Estado, que pode distribuir bens ehonras, levando em conta o mérito de cada um. Já a sinalagmática preside as relaç<*-*>esentre os homens, equilibrando-as de modo que cada um receba o que merece, o que lheé devido. Esta última subdivide-se em comutativa, em sentido estrito, e judicial. Aprimeira preside as relaç<*-*>es de troca, isto é, as relaç<*-*>es contratuais, enquanto a judicial(juiz ou árbitro) aplica a sanção adequada e proporcional ao delito.

3 A eqilidade, além de fonte no Direito do Trabalho e no Direito Internacional, principalmente nas arbitragens internacionais, juntamente com os princípios gerais do direito dasnaç<*-*>es desenvol- vidas, é fonte fundamental nojuizo arbitral, que soluciona litígios sem a intervenção do Judiciário, com solução dada por árbitro eleito pelas partes de comum acordo. Essa forma de solução de litigios tem a rapidez que o procedimento judiciário não pode alcançar.<012>

<*-*>o

Paulo Dourado de Gusmão

Em síntese, de Aristóteles acolt<*-*>emos duas notas foimais características da justiça igualdade eproporcionalidade. Vieram depois os romanos, que, com seu espírito prático, não cogitaram dos aspectos formais da justiça, mas de seus princípios, de seu conteúdo. É no Digestoque vamos encontrar a definição romana dajustiça: Justitia est constans etperpetuavoluntasjus suum cuique tribuendi (justiça é a constante e perpétua vontade de dar a cada um o que é seu). ` `Dar a cada um o que é seu '', eis a regra fundamentalda justiça dos romanos, completada com outra, alterum non laedere (não causar dano injusto a outrem ou "a ninguém ofendet"). Eis os preceitos do direito justo romano que serviram de fonte e de manancial inesgotável para as legislaç<*-*>es da Civilização Européia.

Com tais princípios, o Ocidente, através de sua história, criou a sua idéia de justiça, formulando, em função de situaç<*-*>es histórico-sociais, um conceitodo justo, que, variando com a modificação dessas situaç<*-*>es, não se alterou em sua substância. Resumindo: justiça é igr,<*-*>aldade de tratamento jurídico, bem como proporciona- lidade da pena ao delito, da indenização ao dano, do preço à coisa vendida, daprestação à contraprestação etc. Daí ser ajustiça:1) comutativa, tendo por critério a igualdade, aplicável às relaç<*-*>es entre os indivíduos (direito de fami7ia, direito doscontratos,direito das sociedades comerciais etc.); 2) distributiva, tendo por critério a propor-cionalidade, que rege o direito penal, a reparação dos danos, o direito ftscal, adistribuição de bens ou de encargos etc. Mas o Ocidente não se limitou a construir apenas uma teoria da justiça, pois,desde os romanos, vem elaborando teorias jurídicas para atender a necessidadessociais com o objetivo de legitimar a ordem jurídica dominante (§ 191). Não sesatisfez, portanto, em formular os elementos componentes da idéia de justiça, porser muito mais importante encontrar o meio de realizá-la historicamente. Dessepropósito resultou outra questão: a da relação entre justiça e direito. Já vimos que o direito é norma executável coercitivamente, enquanto ajustiçaé finalidade, ou melhor, exigência moral de realizá-la no meio social (nem sempreatendida), valor, que pode ou não influir no legislador, apesar de dever influí-lo. Adiferença, portanto, que existe entre direito e justiça é semelhante à que há entreideal e realidade (fato). A justiça não é coercivel, enquanto o direito é; a justiça éautônoma, pois não é imposta à nossa consciência, brotando nela como os demaisideais e valores, sendo, assim, valor moral, enquanto o direito é heterônomo, portermos á consciência de nos ser ele imposto pela sociedade (costumes) ou pelo poderpúblico (legislação). A justiça é a meta a ser atingida pelo direito e, desta forma,distingue-se deste como o ` `meio'' da ` `finalidade''. É critério das leis, dascondutase das sentenças judiciais. Mas, apesar de não se confundir com o direito, a justiça desempenha tríplicepapel em relação ao jus: 1", meta do direito; 2", critério capaz de julgá-lo e de

Introdução ao Estudo do Direito

aperfeiçoá-lo; 3", fundamento do direito histórico. Torna-o problemático e revela ,quantas vezes, a sua imperfeição, injustiça e desumanidade. A justiça, escreveuAlain, é a dúvida sobre o direito que salva o direito.

46. DIREITO E AS DEMAIS NORMAS SOCIAIS

O direito é um dos controles sociais, mas não é o único, porquanto ao lado deleestão as demais normas de conduta como a norma moral, os costumes e as normassociais. Pode-se dizer que o direito é, dentre todas as normas sociais, o controle socialmais eficaz, por admitir a possibilidade de ser coativamente aplicado por órgãosespecializados no controle social, pois, como vimos, é norma social coercitiva,imposta a seus destinatários, independente da concordância deles, que ficam obri-gados a observá-la sob pena de sofrerem uma sanção eficaz.

Ao lado do direito, portanto, estão a moral e as demais normas sociais. Já vimoscomo a moral se distingue do direito. Resta distinguir o direito das normas sociais,denominadas, também, normas de trato social (Recaséns Siches), normas conven-cionais (Stammler), usos sociais (Ihering), costumes sociais (Vanni, Groppali) ouconvencionalismos sociais (Garcia Maynez). Encontramos na organização social, além do direito e da moral, as regras debem-viver, os usos, as convenç<*-*>es sociais, a moda, as regras de etiqueta, oscostumessociais etc. Tais normas tornam os contatos sociais menos ásperos, porquantodiminuem os conflitos, aumentam a sociabilidade e facilitam as relaç<*-*>es sociais.Exercem, também, pressão social sobre seus destinatários, acarretando, quandovioladas, a reprovação pública ou a exclusão do transgressor de associaç<*-*>es ougrupos (clubes, associaç<*-*>es culturais, esportivas ou de beneficência etc.), o rompi-mento de relaç<*-*>es sociais, o ridículo, o remorso, o desprezo público, o descrédifo,a desestima etc. Em nenhum caso, porém, como ocorre com o direito, poderá serexigida no Judiciário a observância das mesmas. Assim, as normas sociais, inclusive o direito, com exceção da moral, sãoheterônomas, por serem impostas pela sociedade, tendo o homem a consciênciadessa imposição. As pessoas têm a percepção de que os deveres que decorrem dessasnormas lhes são impostos pela sociedade, provindo de fora de suas consciências,enquanto os deveres prescritos pela moral parecem a elas que Ihes são impostos pelaconsciência, sem perceberem a origem social dos mesmos. Daí termos dito que todasas normas sociais, com exceção da moral, são heterônomas, pois, como vimos, amoral é autônoma, por ser imposta pela consciência, mesmo que tenha origem social,como sustentam os sociólogos. Portanto, tanto o direito como os demais convencionalismos sociais sãoheterônomos. O direito, porém, distingue-se dos usos sociais por ser coercível, o quenão ocorre com os mesmos. Mas não é só, pois o direito é bilateral, impondo a uma<012>

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parte obrigação, tendo por correspondência o direito garantido à outra, enquantoosusos ou as normas sociais, inclusive a moral, são unilaterais, impondo somenteobrigaç<*-*>es, não admitindo a faculdade de exigi-las. Concluindo, os convencionalismos sociais (usos sociais, normas sociais, cos-tumes sociais etc.) são heterônomos, unilaterais e incoerciveis, enquanto o direitoé heterônomo, bilateral e coercivel, já a moral, autônoma, unilateral e incoercivel.

47. NORMA JURÍDICA, LEI FÍSICA E NORMA TÉCNICA

Depois de termos estabelecido os caracteres do direito, chegou o momento dedistingui-lo da lei física. Como já tivemos ocasião de sustentar (Curso de Filosofia do Dcreito, Rio deJaneiro,1950, Capítulo IV, n" 2), a normajurídica difere da lecfisica, isto é, da leiem sentido científico, por impor uma conduta, por garantir a sua observância,enquanto a lei física decorre da constatação de fatos que se repetem, sendo assiminferida e enunciada. Por conseguinte, o direito imp<*-*>e um comportamento, enquan-

to a lei física, estatisticamente, enuncia fatos que fatalmente devem ocorrer, sempoder o homem modificá-los ou evitá-los e sem remover as suas causas. Korkounov(Cours de Théorie Générale du Droit), com a precisão que lhe é peculiar, diz: ` `alei física é uma fórmula geral que exprime a uniformidade constatada nos fenôme-nos. Enuncia não o que deve ser, mas o que é em realidade''. Outro não é opensamento de Ferrara (Trattato di Diritto Civile Italiano): lei física retrata "istoque ocorre na natureza", não prescrevendo "isto que deve acontecer, pois declarao que realmente ocorre''. Também Del Vecchio (Lezioni di Fclosofia del Diritto):` ` lei física exprime só isto que é, que acontece, e corresponde necessariamente atoda realidade''. Já a norma jurídica não enuncia o que é, mas o que deve ser. Podemos acrescentar ainda: a regra de direito se distingue da lei física porqueprescreve uma ação ou imp<*-*>e uma organização, sendo enunciada de modo impera-tivo, enquanto a lei física descreve uma relação causal entre fenômenos. As próprias` `leis'' sociológicas e as ` `leis'' da Sociologia Jurídica não são iguais às leis físicas,pois indicam probabilidades, que, em condiç<*-*>es socioculturais semelhantes, têmpossibilidade de ocorrer. Probabilidade, e não certeza. Outra diferença: a normajurídica admite transgressão, enquanto a inobservân-cia da lei física é, cientificamente, inadmissível. Se a violação da lexjuris não a afeta,a inobservância da lec fisica acarreta a sua refutação, pois a lei física só valeenquanto é constatada sua observância; isto porque a lei física tem por objeto arealidade independente do homem ou então o ser na medida em que independe davontade, enquanto a regra jurídica disciplina fatos e atos que dependem da vontadehumana. Sendo dotados de liberdade os destinatários do direito, a norma jurídicatem que admitir a possibilidade de sua inobservância, e é por este motivo que é

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Introdução ao Estudo do Direito

acompanhada de sanção. A sanção jurídica, como a sanção ética sup<*-*>em a possibi-lidade de transgressão dos preceitos jurídico e ético. Já a lei física, como dissemos,não admite violação; verificada sua inobservância, deixa ipsofacto de ser lei. Aleifísica, portanto, só vale enquanto o cientista verificar sua observância constante nanatureza. Daí ser a lei física "expressão de uma relação constante". Assim, nomundo da natureza os fatos ocorrem necessariamente, resultantes das mesmascausas, produzindo os mesmos efeitos. Como a lei física é o modo de racionalizaro que ocorre na natureza, podemos dizer que a lei física é descoberta, enquanto anorma jurídica, prescrita. A primeira não admite violação, enquanto a segundaadmite-a. Korkounov disse: "as normas jurídicas ou éticas podem ser violadas, oque é impossível à lei em sentido científico", e Ferrara, no mesmo sentido, ` `anormade conduta, ética ou jurídica, caracteriza-se pela sua violabilidade''. Tal não ocorrecom a lei física. Desta forma, temos duas categorias de normas: as que admitem a transgressão(jurídica, ética, religiosa, costumes, técnica) e a cuja violação é, cientificamente,inconcebível: lei física. Entre as normas que admitem transgressão estão as normas técnccas, que, nodizer de Korkounov, são regras que indicam a maneira de agir para atingir determi-nado fim, ou, analogamente, como quer Ferrara, instruç<*-*>es sobre meios idôneos para

obter certo resultado. São normas das ciências e das artes indispensáveis paraalcançar determinados resultados. Também as normas jurídicas e as técnicas têmfinalidades. Mas são os efeitos que decorrem da inobservância das normas técnicasque as distinguem das de direito. Estas são acompanhadas de sanç<*-*>es, que nãotêmaquelas, que, se inobservadas, nenhuma conseq<*-*>iência sofre o transgressor, anão sernão atingir o seu objetivo, podendo ter prejuízo econômico, etc., enquanto nas regrasde direito a violação dá lugar à aplicação de uma sanção pelo Judiciário, e o infrator,além de não atingir o fim prático que tinha em vista, sofre uma pena (perdas e danos,multa, prisão etc.). Finalmente, nada impede que a normajurídica tenha porconteúdonorma técnica, como, por exemplo, a disciplina do uso da energia nuclear ou Códigode Limpeza Urbana.<012>

VI

NORMA JURmICA - CARACTERES - SANÇÃO E CLASSIFICAÇÃO - DESTINATÁRIOS DA NORMA JURÍDICA

48. NORMA JURÍDICA

É a proposição normativa inserida em uma fórmulajurídica (lei, regulamen-to, tratado internacional etc.), garantida pelo poder público (direito interno) oupelas organizaç<*-*>es internacionais (direito internacional). Proposição que podedisciplinar aç<*-*>es ou atos (regras de conduta), como pode prescrever organiza-ç<*-*>es, impostos, de forma coercitiva, provida de sanção. Temporobjetivo principala ordem e a paz social e internacional. As normas do direito das sociedades letradase evoluídas distinguem-se por ser dotadas de generalidade (vide § 50), não tendopor objeto situaç<*-*>es concretas (casos), enquanto as do direito arcaico são domi-nadas pelo casuismo, disciplinando casos. As normas jurídicas disciplinadorasde conduta são bilaterais, sendo, portanto, a bilateralidade (vide § 49) sua notaespecífica. Geralmente, a suaforma típica é imperativa, geral e abstrata. Comp<*-*>e-se,em sua maioria, de preceito e sanção. Exemplo: "Aquele que, por ação ou omissãovoluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo aoutrem, fica obrigado a reparar o dano" (art.159 do nosso Código Civil). Nesseéxemplo o preceito estabelece as condiç<*-*>es da responsabilidade civil, ou seja, dasanção, que consiste em reparar o dano. Na norma penal é evidente essa estrutura ,pois consta de "preceito", que define o crime, e de "sanção", que estabelece a pena.Exemplo de norma penal : "Matar alguém. Pena: Reclusão de 6 a 20 anos" (art.121,Código Penal). Já em outras, as sanç<*-*>es podem se encontrar em outra parte daleiou em outra lei. Muitas vezes não está a sanção, como no caso do direito interna-cional, prevista em norma escrita, como, por exemplo, bloqueio econômico,represália ou guerra.'

1 O kantismo (§ 197) define a normajurídica comojuizo hipotético. Em Kant encontramos a origem da distinção entre imperativo categórico e imperativo hipotético. O primeiro imp<*-*>e dever sem

qualquer condição (norma moral), enquanto o hipotético é condicional. O categótico ordena por ser necessário, enquanto no hipotético a conduta imposta é meio para atingir uma finalidade. Assim,<012>

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49. BII.ATERALIDADE E FUNÇ ÃO DA NORMA JURÍDICA

Já vimos que o direito é o sistema de normas jurídicas. Portanto, os caracteresdo direito são também das normasjurídicas. Fica desde logo esclarecido que a normajurídica, quando disciplina condutas (norma de conduta), se caracteriza pela bilate-ralidade, ou seja, por enlaçar o direito de uma parte com o dever de outra, istoé, pordisciplinar uma relação social entre duas ou mais pessoas, na qual uma parte temafaculdade de exigir a observância do deverjurídico imposto pela norma à outra parte.Mas não é só, pois é também bilateral ao conferir imperium a uma parte e imporobediência a outra, como ocorre no direito público. Além disso, a norma jurídica prevê uma condição (fato ou ato jurídico) que,ocorrendo, forçosamente produzirá um efeito jurídico; exemplificando: maioridade(fato) para a obtenção da capacidade plena (§ 153); ilícito (ato), para a reparação dodano dele resultante ou aplicação de uma pena etc. As características formais, escreve o sociólogo Sorokin, das normas jurídicas,que as diferenciam de outras normas, são as seguintes: "independentemente de seuconteúdo, qualquer norma de conduta (de fazer, não-fazer ou tolerar), que atribuaum direito determinado a uma parte (sujeito do direito) e certa obrigação a outraparte (sujeito da obrigação) é norma jurídica". Estabelece, portanto, "entre as duaspartes uma relação bilateral, imperativo-atributiva, definida mediante a indicaçãodaquilo que uma das partes se acha autorizada a pretender da outra, e aquilo queaoutra se acha obrigada a fazer para satisfazer a esta pretensão" (Sociedad, Culturay Personalidad, trad., Cap. IV). Tal é a estrutura bilateral da regra de direito. Nela,escreve Gurvitch (Traité de Sociologie, t. II, § 4o), está o caráter multilateral dodireito: enlaça as pretens<*-*>es de um aos deveres de outro: jus et obligatio suntcorrelata (a todo direito corresponde uma obrigação). Tal característica é específicaàs regras jurídicas, ou seja, às que sejam regra de conduta, enquanto a regra éticasó imp<*-*>e deveres, da mesma forma que as demais regras sociais. A normajurídica desempenha várias funç<*-*>es, que não devem ser confundidascom as finalidades ideais da norma (justiça, segurança etc.), e com os seus finshistóricos, estes, na dependência de interesses ou de exigências sociais etc., mas quesão funç<*-*>es a ela inerentes, motivo por que, como dissemos em nossa Filosofia doDireito (1994), são funç<*-*>es formais do direito. Ei-las, em linhas gerais, função

no imperativo hipotético é ela prescrita como condição para a produção de determinado efeito.

Kelsen (§§ 197 e 200) retomou essa distinção, considerando juízo hipotético a normajurídica pordepender a sua conseqiiência da ocorrência de uma condição: se ocorrer deve ser aplicada umasanção. Daí, Kelsen ter dito que a estrutura da norma jurídica é a seguinte: "emdetecminadascircunstâncias, determinado sujeito deve observar determinada conduta; se não a observar, outrosujeito, órgão do Estado, deve aplicar ao infrator uma sanção".

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distributiva, pela qual a norma atribui, no direito privado, direitos e obrigaç<*-*>es entreas partes, bem como situaç<*-*>es juridicas (marido, pai, tutor, curador, ftlho legítimo,proprietário etc.), e, no direito público, poderes, competências, obrigaç<*-*>ese funç<*-*>es ;função de defesa social (norma penal); fun<*-*>ão repressiva (norma penal); funÇãocoordenadora (norma de direito privado, de díreito internacional e de direitoprocessual);função de garantia e tutela de direitos e de situaç<*-*>es (norma dedireitoprocessual e algumas do direito ptivado); função organizadora (norma de direitoconstitucional, de direito administrativo e de direito das sociedades civis e comerciais) ;função arrecadadora de meios (direito financeiro e fiscal) efunç<*-*>ão reparadora (notmasde responsabilidade civil) etc.

50. GENERALIDADE E ABSTRAÇÃO DA NORMA

A norma jurídica é geral e abstrata, não por regular caso singular, mas porestabelecer modelo aplicável a vários casos, que podem ou não ocorrer, enquadráveisno tipo nela previsto. Pode-se dizer, com Bobbio (Studi per una Teoria Generaledel Diritto), desde que se queira distinguir ` `abstração" de "generalidade", que anorma é geral quando tem por destinatários várias pessoas, e abstrata quandoprescreve ação ou ato-típico. A generalidade, como característica da normajurídica,que a faz alcançar um determinado número de aç<*-*>es e de atos, é resultante deprocesso de abstra<*-*>ão em que são abstraídas as circunstâncias, os detalhes, asconfiguraç<*-*>es, as aç<*-*>es e atos que ocorrem na vida real. Nesse sentido, pelaabstração a norma pode prever ato, ação ou negócio típico, em suas característicasessenciais. A nosso ver, generalidade, alcançada, como dissemos, com emprego doprocesso lógico de abstração, é a nota da norma nos direitos evoluídos.

Daí Papiniano afirmar que lex est generale praeceptum.

Portanto, devido à sua generalidade, a normajurídica prescreve um padrão deconduta social, um standardjuridico, um tipo de relação jurídica que pode ocorrer,não endereçado a ninguém em particular.

Conseqüência da generalidade: a flexibilidade da norma.

Devido à generalidade e à flexibilidade da norma do direito moderno, a ordemjurídica se transforma sem necessidade da interferência constante do legislador,sópor via de interpretação. Em virtude da generalidade, a norma é aplicável a todas aspessoas que estiverem em igual situação jurídica e a todos os atos e negócios

jurídicos da mesma espécie. Por conseguinte, em razão da generalidade da norma, pode-se dizer que todossão iguais perante a lei. Exceção à generalidade da regra de direito é o privilégio, que confere direitoou vantagem a uma pessoa não atribuídos às demais na mesma situação.<012>

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51. IMPERATIVIDADE DA NORMA

A norma jurídica é, ainda, imperativa. Imperativa, porque contém um comando, impondo um tipo de conduta que temde ser observada. Assim, tanto é imperativa quando imp<*-*>e uma conduta, comoquando a proíbe. Mas é, também, imperativa quando imp<*-*>e uma organização social ou política(p. ex., federação), uma situação jurídica (proprietário, pai etc.), e quando confereimperium (Presidente da República ou monarca), poderes, prerrogativas, competên-cias etc. Mesmo as normas explicativas, declarativas ou interpretativas são imperati-vas, porque imp<*-*>em o sentido de outras regras de direito. Estão vinculadas às normascujo sentido elas dão. Não fogem à regra da imperatividade as normas dispositivas ou supletivas,porque nelas a imperatividade está, segundo a vontade do legislador, na dependênciade uma condição: a vontade das partes. Estas, no caso dessas normas, podemestabelecer regra diversa daquela prevista na lei, como ocorre no direito doscontratos. Nesse caso, a imperatividade da lei se transfere para a regra formuladapelas partes (contrato é a lei entre as partes). Mas, se as partes silenciarem, nãodisciplinando completamente as suas relaç<*-*>es, são, então, imperativas as normasdispositivas ou supletivas, regulando as falhas dos contratantes. Assim, no casodanorma dispositiva (§ 61 ), pode-se dizer ser formal a imperatividade, tendo conteúdovariável, porquanto os contratantes podem dispor de forma diversa da prevista nalei. Mas, entretanto, ocorrendo silêncio das partes no contrato, obrigatório é olegalmente prescrito. Conclusão: a normajurídica é imperativa, não só quando comanda, imp<*-*>e ouproíbe uma conduta, como também quando imp<*-*>e ou estabelece forma de organi-zação de ente jurídico, uma situação jurídica etc. O porquê da imperatividade e daobrigatoriedade do direito depende do fundamento que se lhe dê. Apesar da diver-gência de opini<*-*>es (Cap. XXXVI), há um modo de entendê-las admitido por todosos juristas: imposição imperativa de uma ordemjurídica, garantia da paz social. Mas,apesar disso, não impede que ela seja transgredida. Daí a coercibilidade da normajurídica, que veremos a seguir.

52. C<*-*>~ERCIBILIDADE DA NORMA

A norma jurídica é executável coercitivamente. Há quem diga ser ela coativa.Como, porém, ela envolve a possibilidade jurídica da coação, é preferível conside-rá-la coercitiva. Assim, ao contrário das demais normas sociais, a jurídica secaracteriza pela coercibilidade: se inobservada, é imposta pelo Estado (direitoestatal) ou por uma organização internacional (direito internacional). Se assim não

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fosse, não teria sentido e nem eficácia a bilateralidade do direito, que, como vimos,consiste na atribuição de um direito a uma parte, isto é, na atribuição a uma pessoada faculdade de exigir de outra uma obrigação. Como poderia ser exigido de outremum comportamento, se a norma que o imp<*-*>e não desse meios para fazê-lo serobservado? Se houvesse a garantia de o direito ser espontaneament<*-*> respeitado nãohaveria necessidade da coação jurídica. Mas, o direito dirige-se a pessoas dotadas deliberdade, que agem comandadas pela vontade. Conseqüentemente, pode ser inobser-vado, tornando-se necessário haver a possibilidade de sua execução forçada. Havendo,portanto, a possibilidade de o direito ser transgredido, é-lhe essencial o poderdecoagir, monopolizado pelo Estado. Justamente por haver possibilidade de o direitoser violado, diz-se ser ele coercitivo, e não coativo, por ser a coercibilcdade apossibilidade juridica da coaÇão, ameaça de coação, e não coação efetiva. NoEstado de direito, isto é, no Estado submetido ao direito, pode-se, através de medidasprocessuais, como, por exemplo, pelo mandado de segurança ou pelo habeas corpus,empregar a coação jurídica contra o próprio poder público em havendo abuso depoder.

Assim, é essencial à norma jurídica a coercibilidade, ou seja, como diz DelVecchio (Lezioni di Filosofia del Diritto), a possibilidade jurídica da coação, isto é,apossibilidade de se colocar à disposição da acctoridade pública occ da organizaçãointernacional aforça materialpara cumprimento da sançãopredeterminada.

Coação de duas espécies: psicológica e material. Esta, pouco usada, ou melhor,exercida razoavelmente; o número de condenados no cível ou no crime é muitomenor em relação aos que respeitam o direito. Isso porque a coação psicológica,geradora do temor à sanção, ou a educação, fazem com que a maioria se conduzadentro da lei. Vanni (Lezioni di Filosofia del Dcritto) a definiu como pressão psíquicado direito, que ` `se dirige à vontade, exercendo constrangimento sobre a consciên-cia". O temor à sanção, nota Vanni, é um freio à tentação de se desviar do direito.Mas, no entender de Vanni, além desse motivo psicológico haveria uma motivaçãosuperior: o reconhecimento da autoridade que prescreve a norma e o respeito pelaprópria norma. Dentro desse ponto de vista, de toda procedência, pode-se dizer sera norma observada pela maioria das pessoas por considerá-la obrigatória e necessá-ria, e não para evitar a sanção.

Todavia, uma minoria não pensa assim, preferindo viver à margem da lei,transgredindo as normas com a esperança de não ser punida. Para esses, destiea-sea coação física ou material. Nesse caso, a autoridade pública emprega o podercoercitivo de que disp<*-*>e para punir o responsável pelo ilícito. Nesse sentido, temrazão Korkounov (Cours de Théorie Générale du Droit) ao admitir ser a coação aarma da autoridade pública. <*-*> o remédio extremo, usado contra uma minoria, poisa maioria observa o direito. Por isso é, como nota Vanni, a ultima ratio de que é<012>

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provido o direito para ser observado. Quanto mais educado for um povo, quantomais civilizado e quanto mais justo for o direito, menos uso da coação física terá defazer a autoridade pública. Tendo em vista a coercibilidade, pode-se definir a norma jurídica como anorma suscetivel de aplicação coativa quando violada.

53. SANÇÃO JURÍDICA

A norma jurídica é geralmente acompanhada de sanção2 eficaz, estabelecidade antemão (principio de legalidade da pena), não dependendo assim, em suaindividuação, ou seja, em sua dosagem para o caso e nem em sua escolha, do arbítriodo poder público. Pode-se dizer ser a sanção jurídica a conseqüência juridicadanosa, prevista na própria norma, aplicável no caso de sua inobservância, nãodesejada por quem a transgride, sendo-lhe aplicávelpelo poderpúblico. Pode recair sobre a pessoa ou o patrimônio do transgressor de seu preceito. A sançãojurídica neutraliza, desfaz, anula ou repara o mal causado pelo ilícito,bem como cria uma situação desfavorável para o transgressor. Só podem seraplicadas as sanç<*-*>es previstas em lei: além delas, o juiz não tem escolha. Nassociedades arcaicas, a pena ia muito além da gravidade do ilícito, estando nadependência do espírito de vingança do ofendido e de sua família (pena privada).ALei das XII Tábuas previa multa no dobro do prejuízo. Nesse tempo, a sanção ou areparação era fonte de enriquecimento. Com o fim da justiça privada e com aindividuação da pena, a sanção passou a corresponder à gravidade do ilícito. Areparação não vai além do prejuízo e a pena pessoal deve ser proporcional ao ilícito.Isso ocorreu gradativamente com a substituição da pena privada, ` `dente por dente,olho por olho'', pelapenapública estabelecida e aplicada pelo Estado (direito estatal)ou formulada pelo consenso dos países (direitos internacional). Desde então, atravésda sanção, o Estado distribui a justiça reparadora, no caso de ilícito civil, determi-nando a reparação do dano, e ajustiça repressiva, no caso de crime, aplicando penaprivativa da liberdade ou pena de multa. Pode-se dizer que a evolução da sanção acompanha de perto a evolução dodireito, humanizando-se com a civilização, individualizando-se, tornando-se assimproporcional ao delito (civil ou penal). Mas, não é só, pois, primeiro, só haviasançãopenal. Inobservar as obrigaç<*-*>es era crime. O direito penal foi a primeira forma de

2 Sanção em direito tem dois sentidos: ato de direitopúblico, pelo qual o chefe de governo (Rei, Primeiro-Ministro, Presidente da República) sanciona lei elaborada e aprovada pelo Legislativo (vide § 71), e penalidade ou conseqiiência juridica, prevista na norma, para ocaso de sua inobservância, aplicável ao transgressor da mesma.

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direito, ensina Ihering. Dele surgiu o direito civil. Assim, primeiro a pena, depois areparação.

As sanç<*-*>es da norma jurídica são de várias espécies, daí a dificuldade emclassificá-las. Mas, de modo geral, podem ser agrupadas em seis categorias: repres-sivas, preventivas, executivas, restitutivas, rescisórias e extintivas. Na repressiva,temos a sanção penal (pena capital, pena privativa de liberdade, multa), no direitocivil a prisão civil (por exemplo: pelo não pagamento de pensão alimentícia), a perdado pátrio poder etc.; no d_reito internacional: guerra, represália, boicote etc.; nodireito administrativo: advertência, suspensão e demissão de servidor público; nodireito fiscal: multa, prisão, etc. A sanÇão preventiva, no direito penal (medida desegurança), visa a evitar a repetição de crimes, privando o delinqizente perigoso desua liberdade, para reeducá-lo em estabelecimentos penais ou privando-o do exer-cício de uma profissão, enquanto nos demais ramos do direito objetiva evitar prejuízoou impedir que o crédito fique sem garantia. A sanção execcctiva obriga o faltoso acumprir a obrigação através da ` `execução forçada''. As sanç<*-*>es restitutivas restabelecemo statu quo ante, como é o caso, no direito civil, das "perdas e danos" (reparação dodano), restabelecendo pela indenização o patrimônio lesado no estado anterior aodano,da restituição da coisa furtada ou da indevidamente apropriada, da recuperação daposse, enquanto no direito processual, do pagamento de custas e de honorários deadvogado, e no direito f'tscal, do confisco de bens etc. As sanç<*-*>es rescisóriasrescindem contratos, dissolvem sociedades (civis, comerciais e conjugais), anulamatos e sentenças etc. Finalmente, as san<*-*><*-*>es extintivas extinguem relaç<*-*>es jurídicase direitos pela ocorrência de prescrição ou de decadência, impedem no curso doprocesso que uma questão decidida preliminarmente, seja renovada (preclusão), bemcomo impedem, por força da coisajulgada, que a questão decidida por decisão final(sentença), irrecorrível, seja renovada em outra ação. 3 Finalmente, a sanção jurídica, sendo garantida pelo poder público (direitoestatal) ou, em tese, pela ONU (direito internacional), visa a desencorajar a inobser-vância da normajurídica.

O sociólogo francês Fauconnet (La Responsabilité, 1920) classifica as sanç<*-*>es jurídicas em:retributivas e restitutivas. As retributivas dividir-se-iam em: repressivas (penais) e remunerató-rias, enquanto as restitutivas, que se destinam a restituir as coisas ao estado anterior, compreen-deriam as administrativas, as processuais, as civis, as comerciais etc. Já Bobbio ("Sanzione",Novissimo Digesto Italiano) as classifica da seguinte forma:1) medidaspreventivas, compreen-dendo as medidas de vigilância (preclusão, medidas de controle) c ntedidas de desencorajamento(intimídativas); 2) inedidas sucessivar, compreendendo medidns de retribuição (econômicas,multas, penas, privação dc<*-*> status, perda de direitos políticos) e medidas de reparagão (reparaçãopropriamente dita, seq<*-*>estrci, confisco de bens, execução forçada, nulidade

etc.).<012>

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54. NORMA EM FUNÇÃO DA SANÇÃO

Emfunção da sanção, a norma pode ser: perfeita (lexperfecta), imperfeita (leximperfecta), menos que perfeita (lex minus Quamperfecta) e mais que perfeita (lexplusQuam perfecta). A primeira tem sanção específica, como, por exemplo, a nulidade de atosinobservadores de formalidades essenciais, havendo, portanto, adequação entre asanção e o fato transgressor da norma, bem como, as do Código Penal, que enunciamos crimes e estabelecem as penas que lhes corresponde; já as normas imperfeitasnão possuem sanç<*-*>es específicas, impondo deveres sem estabelecerem a sanção aser aplicada no caso de sua inobservância. Muitas normas de direito constitucionalsão lex imperfecta. Mas imperfeitas, aparentemente, pois, indiretamente, são prote-gidas por sanç<*-*>es contidas em outras normas. É raro, mas há leis imperfeitas, semsanç<*-*>es para as proibiç<*-*>es ou prescriç<*-*>es que prescrevem. Exemplo que encontra-mos (e recente) é dado pela Lei n" 9294 ( 15 .07.1996), que proíbe fumar em recintosfechados sem prever a pena para o caso de sua transgressão. A lex minus quamperfecta tem sanção incompleta, como, por exemplo, a que considera o ato anulável,e não nulo, quando a vontade de uma das partes tiver sido viciada. Finalmente, as leisplus quam perfecta, próximas das leis perfeitas, estabelecem sanç<*-*>es de gravidadeexcessiva.

55. DESTINATÁRIO DA NORMA

O problema do destinatário da norma jurídica diz mais respeito aos deveres eàs sanç<*-*>es impostos pela norma jurídica, pois, quanto aos direitos subjetivos, nãohá problema, porquanto todas as pessoas, capazes ou incapazes, que estiverem nasitua<*-*>ão prevista pela norma, podem ser titulares de direitos. Em princípio, são destinatárias da norma jurídica todas as pessoas submetidasà ordem jurídica a que pertencer a norma que se quer aplicar. Todavia, Ehrlich e Mayer se insurgem contra essa tese, considerando-a puraficção. Sustenta Ehrlich que a maioria das pessoas desconhece a normajurídica, nãopodendo ser assim dela consideradas destinatárias. Outros entendem ser os tribunais e os órgãos estatais os destinatários da normajurídica (Ihering), por serem eles que a aplicam. Por fim, acham outros que todas as pessoas são destinatárias das normasjurídicas, pois os tribunais e o órgão do Estado só podem ser considerados seusdestinat<*-*>rios quando a norma é transgredida. Há quem pense que o preceito se dirige aos particulares, enquanto a sanção,aos tribunais (Miceli). Por fim, temos os que negam ser destinatário das normas jurídicas o incapaz(Merkel, Binding e Von Ferneck). Achamos que se deve distinguir o destinatário imediato do destinatário mediatodas normas jurídicas. No primeiro caso, todas as pessoas (capazes e incapazes) são

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destinatárias de norma jurídica, porque se não há problemas quanto aos capazes,quanto aos incapazes, em certos casos, o seu patrimônio responde pelas obrigaç<*-*>es,em outros, a responsabilidade se transfere para os que são por eles responsáveis, e,ainda, se a eles não pode ser aplicada pena, pode ser aplicada medida de segurança.Assim, os incapazes não estão fora da ordem jurídica. São destinatários mediatos os tribunais, órgãos estatais e organismos interna-cionais, somente quando provocados por petição ou por ação judicial ou quando anorma é transgredida. Existem, entretanto, certas normas, como as de direito de família, as queregulam o direito de voto e a elegibilidade, bem como as de direito penal, cujosdestinatários só podem ser as pessoas físicas, ficando, portanto, excluída delasapessoajurídica (sociedades, associaç<*-*>es, fundaç<*-*>es etc.). Outras notmas, que têm por objeto a organização e as funç<*-*>es do Estado e dostribunais, bem como o processo, têm por destinatários os órgãos do Estado. Assim, pelo exposto, a nosso ver, não pode ser acolhida integralmente nenhu-ma das supracitadas soluç<*-*>es. Mas, de uma forma muito ampla pode-se dizer: são destinatários da normajuridica as pessoas ou autoridades que estiverem na situaçãojuridica nela prevista,como locador ou locatário, funcionário público, Presidente da República, eleitor,deputado, proprietário, credor, devedor, estuprador, pai, filho, esposa, concubina,juiz, delegado, promotor público etc.

56. CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICAS

A classificação das normas jurídicas4 pode ser estabelecida emfunção de seucontecido, emfunção do grau de sua imperatividade, emfun<*-*>ão da natureza de sua

Bobbio (Studi per ttna Teoria Generale det Diritto), depois de ter distribuído as normas jurídicasnas seguintes classes: prescriçôes com sujeito ativo universal (ex.: Preãmbulo da ConstituiçãoUSA: ` `Nós, o povo dos Estados Unidos...); prescriç<*-*>es com sttjeito ativo individual (atributivasde prerrogativas a uma pessoa que exercer determinado status, como é o caso, p. ex., do pai, domarido, de uma autoridade pública etc.); prescriçâo com sujeito passivo individual (p. ex.: asatributivas da obrigação de prestar alimentos imposta a determinada pessoa etc.); prescrição tendopor objeto uma ação-tipo (p. ex. : as atributivas ao pai de atos compreendidos na natureza do pátriopoder etc.) e prescriç<*-*>es tendo por oójeto ação singular (p. ex.: asque permitem ao juiz,provocado por uma das partes, determinar a outra a exibir em Juizo documento necessário àinstrução do processo etc.), acabou classificando-as em: normas gerais e singulares ou indivi-duais, afirmativas, categóricas (prescrevem obrigação ou proibição) e hipotéticas (fazem depen-der de uma condição a conseqüênciajurídica nela prevista: ex.: se o dote for prometido pelos paisconjuntamente, sem declaração da parte com que um e outro contribuem, entende-seque cada umse obrigou por metade). Vide também: Teoria della Norma Giuridica e Teoria dell 'OrdinamentoGiuridico, de Bobbio.<012>

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sanção e emfunção de suaforma. Pelo primeiro critério podemos classificá-las emrazão: a) da extensão espacial de sua validade: regra de direito comum (§ 57) e dedireito particular (§ 57); b) da amplitude de seu conteúdo: regra de direito geral (§58), de direito especial (§ 58) e de direito de exceção (§ 58); c) daforça de seuconteúdo: lei ou norma constitucional (§ 63) e lei ou norma ordinária (§ 63); <*-*> daaplicabilidade de seu conteúdo: lei auto-aplicável (§ 64) e lei regulamentável (§ 64);e) do interesse que tutela: regra de direito público (§§ 88 e 97), de direito privado(§§ 88 e 114), e de direito misto (§§ 89 e I 19). Já pelo segundo critério, ou seja, pelograu de sua imperatividade: a) em relação ao particular: norma taxativa, tambémdenominada coercitiva ou impositiva (§ 61), e norma dispositiva (§ 61); b) emrelação ao poderpúblico: norma rígida (§ 65) e norma elástica ou flexível (§ 65).Emfunção da natureza de sua sanção: a) norma penal (composta de preceito e pena);b) norma de direito privado (geralmente dotada de sanção patrimonial); c) lei fiscal(multa, correção monetária do débito fiscal); d) norma disciplinar (§§ 107 e I 16);e) norma ou lei perfeita (§ 54); <*-*> norma ou lei imperfeita (§ 54); g) norma ou leimenos que perfeita (§ 54); h) norma ou lei mais que perfeita (§ 54). Finalmente,emfunÇão de suaforma as normas podem ser: escritas (lei, tratado, regulamento etc.),e não-escritas (costume, princípios gerais do direito). Do ponto de vista daformaou dafonte da norma poder-se-ia ainda classificá-la em: a) legislativa (§§ 69 a 75);b) jurisprudencial (§ 80); c) doutrinal (§ 81); d) convencional (§§ 79 e 83); e)consuetudinária (§ 75). As normas podem ainda ser classificadas emfunção daordemjurcdica a quepertencerem, podendo ser nesse caso nacionais e estrangeiras.

CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICAS

cegra de direito comum (§ 57) pelo âmbito regra de direito particular (§ 57) espacial de regra de direito intemo sua validade (§§ 90 e 98 e 114) e de direito intemacional (§§ 90 e 91) da amplitude regra de direito geral (§ 58) de seu regra de direito especial (§ SS) conteúdo regra de direito excepcional (§ 58)Emfunção daforça norma constitucional (§ 63)de seu de lei complementar (§ 63)conteúdo seu conteúdo norma ordinária (§ 63) emfunção da aplicabilidade <*-*>lei auto-aplicável (§ 64) de seu lei regulamentável (§ 64) conteúdo - regra de direito público (§ 88) em razão do regra de dire_to privado (§§ 88 e 114) interesse que regra de direito misto (§ 89) tute1a regra de direito intemacional (§§ 83 e 85) em relação ao <*-*> norma taxativa (§ 61) particu1ar nomia dispositiva (§ 61)Emfunção norma rígida (§ 65)

do grau norma elástica (§ 65)de sua em relagão ao norma de direito processual (§ 11 I )imperatividade poderpúblico norma de direito constitucional (§ 63) norma de direito fiscal (§ 103) norma de direito administrativo (§ 102) norma de direito judiciário (§ 104)<012>

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Emfunção escritas: lei (§ 71), tratado (§ 83), regulamento (§ 72), decreto-leide suaforma (§ 73),jurisprudência (§ 80) etc. não-escrita: costume (§ 75)

legislativa: lei (§ 71), regulamento (§ 72) etc.Emfunção consuetudinciria: costume (§ 75)de sua jurisprudencial: jurisprudência (§ 80)fonte doutrinal: doutrina autorizada (§ 81) convencional: tratado intemacional (§ 83) e contrato coletivo de trabalho (§ 79)

nacionais: Código Civil brasileiro,Emfunção p. ex., no que conceme a nósda ordem estrangeiras: Código Civil francês,juridica a que p. ex., quando, por força do direitopertencem intemacional privado (§ 112), for aplicável no Brasil.

legesperjectoe (§ 54)Emfunção legesplus yuamperfectae (§ 54)da sanção leges minus quam perfectae (§ 54) leges imperfectae (§ 54)

VII

DIREITO COMUM E PARTICULAR - DIREITO GERAL, ESPECIAL E DE EXGEÇÃO - DIREITO SINGULAR E UNIFORME - PRIVILÉGIO-DIREITO COERCITIVO E DISPOSITIVO - NORMA FUNDAMENTAL, SECUNDÁRIA E DERIVADA

57. DIREITO COMUM E PARTICULAR

O direito comum' é o aplicável em todo o território do Estado, impropria-mente denominado de direito geral. O direito civil e o direito penal são exemplosde direito comum. Nas federaç<*-*>es, como é o caso do Brasil, o direito federalédireito comum, válido em todo o território nacional. Já o direito particular oudireito local é o que tem eficácia só em parte do território nacional. Nasfederaç<*-*>es, o direito estabelecido pelos Estados-membros só vale em seusterritórios, sendo assim direito local. Os impostos estabelecidos por lei estadualsão, por exemplo, direito local, enquanto o Código Civil (direito federal) é direitocomum. Outrora, denominou-se o direito civil, oriundo do direito romano, direi<*-*>o

comum, em oposição ao direito consuetudinário medieval, que era local.

58. DIREITO GERAL, DIREITO ESPECIAL E DIREITO DEEXCEÇAO

Levando-se em conta as relaç<*-*>es sociais disciplinadas pelo direito, direitogeral é o aplicável a todas as relaç<*-*>es jurídicas ou a um conjunto amplo delas,

Além do sentido acima indicado, a partir de 1951, temos, na Europa, direito comum análogo ao iuscomune dominante do século Xlll ao XX na Alemanha (§ 166), o direito comunitárioda UniãoEuropéia (§ 96). Não é direito intemacional, mas direito intemo dessa comunidaderesultante detratados e do costume. Direito econômico (§ 123) por excelência, mas também organizador dacomunidade, que imp<*-*>e obtigaç<*-*>es aos Estados-membros. A eficácia desse direito é tal queprevalece sobre o direito nacional de qualquer um dos Estados-membros. Aplicado pela Corte deJustiça da União Européia (§ 96).<012>

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enquanto direito especial, aplicável somente a um campo restrito de relaç<*-*>esjurídicas. Em alguns casos, por quest<*-*>es históricas ou pela natureza da própria relação, éútil e necessário que certas relaç<*-*>es tenham tratamento jurídico especial. De modo geral, o direito especial contém tratamento jurídico diferente doprevisto na norma geral para casos semelhantes, mas, apesar disso, não deve serconsiderado como direito de exceção por ser este ditado para relaç<*-*>es jurídicas que,por natureza, se enquadram na norma geral, mas que por questão de oportunidadeou necessidade históricas têm tratamentojurídico diferente do gênero. Já as relaç<*-*>esjurídicas regidas pelo direito especial só têm alguns pontos de semelhança com asdisciplinadas pelo direito geral, porém, ao contrário destas, têm aspectos que astornam diversas das comuns e que exigem tratamento especial. Exemplo típico dedireito geral é o direito civil, enquanto as relaç<*-*>es comerciais são exemplos derelaç<*-*>es que, apesar de terem traços comuns com as regidas pelo direito civil, têmaspectos especiais, que exigem tratamento especial, dado pelo direito comercial (§118), que, entretanto, não é direito especial, mas tão geral quanto o direito civil,apesar de ter sido, até os anos 30, considerado direito especial. Outro exemplo dedireito especial: Código do Ministério Público (lei especial), enquanto o Estatutodos Funcionários Públicos (lei geral) é exemplo de direito geral. O direito de exceç<*-*>ão estabelece tratamentojurídico que se desvia da regrageralpara atender exclusivamente determinados casos, situaç<*-*>es ou pessoas, que seenquadrariam no direito geral. Próximo do direito de exceção temos o privilégio,disciplinando casos singulares, regulados por normas diversas das que, normalmen-te, deveriam ser regidos. As normas moratórias são exemplos de normas de exceção.

59. DIREITO SINGULAR, DIREITO UNIFORME E DIREITO TRANSITÓRIO

O jus singulare é o afastado dos princípios gerais estruturadores de todo osistema jurídico ou de grande parte do direito. Tanto o direito geral como o direitoespecial podem ter normas de jus singcdare, normas que, em certos casos, pormedidas de oportunidade, necessidade social ou pela natureza específica de umarelação, são regidas por princípios diversos daqueles comuns às demais normas. Já o direito uniforme, denominado, também, regular (jus regulare) é o confor-me aos princípios comuns a todo o direito ou a uma grande parte dele. É, assim, deconformidade com os princípios gerais do direito, ou com os princípios gerais dodireito geral ou do direito especial. Finalmente, direito transitório é o que resolve problemas jurídicos e sociaisque surgem na passagem de uma legislação para outra, evitando modificação brusca.É, pois, direito que prepara o caminho para a legislação nova entrar em vigor. Muitas

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vezes figura nos códigos e nas leis sob a denominação de dispasiç<*-*>es transitórias,isto é, regras juddicas transitórias.

60. PRIVILÉGIO

Denomina-se "privilégio" leis que se destinam a atender pessoas ou gruposparticulares. São atos legislativos que disciplinam um caso particular, não sendo,por analogia, extensíveis a outros. Fogem dos princípios e das regras gerais, dandopara um caso uma solução que aos semelhantes não é dada. Como estabelecetratamento excepcional, tem de ser expresso. É ato ou norma individual, casuístico,não dotado de generalidade, caracteristica do direito evoluído. Assim, por exemplo,a imunidade tributária, concedida, por lei, a uma empresa ou a uma categoriaempresarial ou profissional, para não pagar determinado imposto, é privilégio. Oprivilégio pode ser outorgado por ato de direito público (ato administrativo}, peloqual a Administração dá tratamento excepcional, por interesse público, a um caso.Mas pode ser por ato de direito privado, quando, por exemplo, em um clube, oestatuto dá aos sócios fundadores ou beneméritos privilégios que não têm os demaissócios.

61. DIREITO COERCITIVO OU Il<*-*><*-*>OSITIVO E DIREITO DISPOSITIVO

O primeiro, também chamado dejus cogens ou de norma taxativa, é o direitoobrigatório, inderrogável e não modificável pelas partes nos atos que praticarem.Limita a autonomia de vontade das partes, isto é, à liberdade contratual. É constituídode normas de direito privado (§ 114), tuteladoras de interesse social, que as partesnão podem alterar, como, por exemplo, as que organizam a famtlia. De norrnastaxativas é formado o direito público. Ojus cogens compreende dois tipos de normas :preceptivas e proibitivas. As primeiras ordenam uma ação, imp<*-*>em ato, regimejurídico, obrigação etc. Exemplo de norma "preceptiva": casamento de viúvo ouviúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do

casal e der partilha aos herdeiros, é obrigatoriamente pelo regime da separação debens. As proibitivas são as que proíbem determinada ação, determinado ato etc., ouseja, as que prescrevem omissão ou proibição. Exemplo de norma ` `proibitiva'' :nãopodem casar os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil(adoção). Já o direito dispositivo, também denominado direito supletivo ou direitoekistico, é o que as partes nos contratos podem alterar, podendo servir, entre<*-*> tanto,para suprir, integrar ou interpretar a vontade por elas manifestadas no ato, quandoincompleta, defeituosa ou obscura. Também denominado direito supletivo ou de-clarativo, deve ser aplicado imperativamente pelojuiz no silêncio das partes. Assim,não se manifestando as partes, a norma dispositiva é aplicável obrigatoriamente,como se fosse norma coercitiva. Exemplo desse direito encontramos no direito dos<012>

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contratos, em que o legislador disciplina os vários tipos de contrato, admitindoqueas partes possam dispor de forma diferente, sendo, entretanto, obrigatórias no casode silêncio ou obscuridade dos contratantes. Dentre as normas coercitivas se destacam as normas de ordem pública2, quetêm por objeto instituiç<*-*>es jurídicas fundamentais e tradicionais (familia, porexemplo), bem como as que garantem a segurança das relaç<*-*>es jurídicas e protegemos direitos personalíssimos (nome etc.) e situaç<*-*>es jurídicas que não podem seralteradas pelo juiz ou pelas partes (herdeiro). São normas de ` `ordem pública''asde direito público, as que organizam a farru7ia, as que disciplinam a capacidade, aincapacidade, nome, prescrição, nulidade de atos etc. As normas se dizem rigidas quando inflexíveis, não permitindo ao juizampliá-las ou restringi-las. São normas rigidas as que estabelecem exceção, as querestringem direitos etc. Tais normas, como dissemos, não podem ser ampliadas pelointérprete e nem aplicadas analogicamente. Já as normasfiexiveis permitem aointérprete ou juiz ampliá-las ou restringi-las, quando exigir o caso concreto.

62. NORMA FUNDAMENTAL, NORMA SECUNDÁRIA E NORMA DE VALIDADE DERIVADA

Eis uma distinção básica aplicável à totalidade das normasjurídicas, que, peloaspecto formal, abrange todas as espécies de normas. A idéia de normafundamental(Grundnorm) deve-se a Kelsen (§ § 197 e 200). Pode ser entendida como a normaque é fonte da validade de todas as demais normas jurídicas de um sistemajurídico.É a norma dotada de validez pressuposta, pois, se não fosse válida, as demais normasque dela derivam também não seriam. A Constituição, sendo a fonte de validade doordenamento jurídico estatal, é a sua norma fundamental, como a regra pacta suntservanda é a norma fundamental do direito internacional. Pode-se de inir a normafundamental como a que disciplina a cria<*-*>ão de normas juridicas, ou seja, aproduçãojuridica (criação de normas jurídicas), bem como estabelecem principiosfundamentais da ordem jurídica. É ela que dá validade às normas criadas comobservância das regras disciplinadoras da criação do direito por ela mesma estabe-

lecidas: A norma fundamental é normaprimária por excelência. Em sentido restrito,norma primária é a que estabelece modelo de conduta (lícita ou ilícita), de atos, deorganiz<*-*>ç<*-*>es etc. Neste sentido, direito civil, direito comercial, direito penal e direitoadministrativo são constituídos de normas primárias. Já a norma secundária dá os

2 Como notam Brethe de L,a Gressaye e Iaborde-Lacoste (Introduction Générale à I'Étude du Droit) apesar de definição difícil, ordem p Gblica pode ser entendida como a ` `parteessencial, fundamen- tal, da ordem social, necessária para manter a sociedade: as leis de ordem pública são as bases jurídicas da sociedade''.

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Introdução ao Estudo do Direito

meiospara a eficácia das demais normasjuridicas, tendo, geral<*-*>wtente, por destina-tário o Poder Judiciário. Nessa categoria encontram-se as normas processuais e asjudiciárias. Tanto as primárias, em sentido amplo (exemplo: emendas constitucio-nais) como as secundárias têm validade derivada, deconente da norma fundamental(Constituição), desde que formuladas com observância das regras de produçãojurídica estabelecidas pela norma fundamental (vide, sobre norma fundamental, ateoria de Kelsen, § § 197 e 200), isto é, pela própria Constituição e desde quecompatíveis com ela. Assim, por exemplo, a validade de nosso Código Civil decorrede terem sido observadas, em sua elaboração legislativa, as normas previstas naConstituição de 1891, de ter sido promulgado e sancionado (§ 71) por autoridadecompetente, publicado no Diário Oficial e de ainda não ter sido revogado.<012>

VIII

LEI CONSTITUCIONAL E LEI ORDINÁRIA-LEI AUTO-APLICÁVEL E LEI REGULAMENTÁVEL- LEI RÍGIDA E LEI ELÁSTICA

63. LEI CONSTITUCIONAL E LEI ORIlINÁRIA

Lei constitucional é a que tem por conteúdo matéria constitucional. Entende-se por matéria constitucional, no sentido próprio, a que diz respeito à organizaçãodo Estado e às suas funç<*-*>es. É a que disp<*-*>e sobre a forma de Estado e degovernoe, depois das Revoluç<*-*>es Americana e Francesa, disp<*-*>e sobre os direitos do homem.Este é o sentido genuíno e específico de lei constitucional. Exemplo de normaconstitucional no sentido próprio: "Todos os poderes legislativos conferidos poresta Constituição serão confiados ao Congresso dos Estados Unidos, composto doSenado e da Câmara de Representantes'' (art. I, seção I, da Constituição dos EUA) ;"A República Federal da Alemanha é um Estado Federal, democrático e social"(Constituição da República Federal da Alemanha, isto é, Lei Fundamental, de 1959,art. 20) e "A Nação Brasileira adota como forma de governo, sob o regir<*-*>erepresentativo, a República Federativa'' (art.1" da Constituição de 1891 ). Exemplode norma constitucional cuja matéria reflete as conquistas das citadas Revoluç<*-*>es:` `A dignidade do homem é intangível. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todopoder público" (art. 1", § 1", da Lei Fundamental alemã); "Os seguintes direitos

fundamentais vinculam os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário a título dedireito diretamente aplicável'' (Constituição citada da Alemanha, art.1", § 3") ; e ` `AConstituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no país a inviolabili-dade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade''(Constituição brasileira de 1891, art. 72). Estabelece a Constituição os poderesdoEstado e as suas recíprocas relaç<*-*>es. Dita os princípios fundamentais que devém serrespeitados pela legislação (leis ordinárias). Prevê a forma de sua própria revisão(reforma constitucional através de emendas constitucionais) e a forma de elaboraçãodas leis (produção jurídica), bem como os limites do poder do Estado em relação àspessoas, reconhecendo-lhes direitos que pelo poder público devem ser respeitados<012>

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(declaraç<*-*>es de direitos), dando-lhes meios de defender essas garantias (direito deação). Prescreve os meios para reagir aos abusos do poder público (mandado desegurança, habeas corpus etc.). Como vemos, vasta é a matéria constitucional que,com o intervencionismo estatal nb setor econômico, ocorrido desde 1929, após aGrande Depressão, se tem ampliado muito. Em resumo: a lei constitucional compreende a Constituição e a emendaconstitucional, que, sem alterar substancialmente a Constituição, a reforma. Mas em função dos tipos de Constituição (vide § 69) varia a conceituação delei constitucional. Sendo a Constituição rigida, alterável somente por leis observa-doras de um procedimento especial (quorum especial etc.), não exigido para asdemais leis, a lei constitucional caracteriza-se, príncipalmente, pelaforma, sendo,nesse caso, constitucional somente a que observar tal procedimento. No caso dessetipo de Constituição, a forma, ou seja, a observância de procedimento especialprevisto na Constituição para a sua revisão, transforma qualquer matéria em matériaconstitucional, mesmo que por natureza não seja. Mas se a Constituição forflexivel,é emendável por lei ordinária. Nesse caso, a lei constitucional caracterizar-se-á pelamatéria, sendo constitucional a que contiver matéria constitucional. A Constituiçãobrasileira é do tipo rígido, caracterizando-se, assim, entre nós, a lei constitucionalpelaforma e pela matéria. Na hierarquia das leis, entre a norma constitucional e a lei ordinária temos alei complementar, que, não inovando matéria constitucional, complementa a Cons-tituição, sem ferir preceito constitucional; se o fizer, é inconstitucional. Está para aConstituição como o regulamento (vide § 72) para a lei (§ 71). Exige a lei comple-mentar procedimento legislativo especial. Há lei constitucional fiirulamental ou primária, isto é, a Constituição, e leiconstitucional secundciria, ou seja, emendas constitucionais. As demais leis são leis ordinárias, quer disponham sobre matéria de direitopúblico, como o Código Penal, o Código de Processo Civil, quer sobre direitoprivado, como o Código Civil.

64. LEI AUTO-APLICÁVEL E LEI REGULAMENTÁVEL

As leis podem ser, também, auto-aplicáveis (selfexecuting), quando não

dependem de regulamentação por outra lei ou por regulamento. São as leis imedia-tamente <*-*>plicáveis, independentemente de qualquer ato legislativo ou regulamentar.Assim, por exemplo, qualquer norma do Código Civil ou a maioria do Código Penalé auto-aplicável. Há leis (constitucionais ou ordinárias), porém, que dependem deregulamentação, que não são auto-aplicáveis, supondo ato legislativo (lei ordináriaou regulamento) que a torne executável, dando as condiç<*-*>es de sua aplicação.É ocaso da lei regulamentável, que depende, para sua aplicação, de regulamentação.Nesses cas<*-*>s, a lei (regulamentável) enuncia somente um princípio ou uma regra

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Introdução ao Estudo do Direito

muito ampla, que necessita de critérios para ser aplicada. A dependência deregulamentação pode ser prevista pelo próprio legislador, quando, depois de pres-crever a regra, disp<*-*>e expressamente: ` `na forma que a lei regular", ou decorre daprópria natureza da matéria. Outras normas não são auto-aplicáveis por dependeremde fatos ou de ocorrência de certas condiç<*-*>es de fato. Assim, a norma penal quedeterminar o cumprimento de medida de segurança em colônia agrícola dela dependepara ser aplicável.

65. LEI RÍGIDA E LEI ELÁSTICA

No terreno das normas jurídicas, é lícito distinguir as normas rígidas daselásticas ou flexíveis. As primeiras não admitem modificação por parte do juiz. É,portanto, lei imutável. Não dão, pois, margem ao arbítrio judicial: dura lex sedlex.Quando a lei diz, por exemplo, que o prazo para anulação do casamento é de doisanos a partir da data da celebração do mesmo, estabelece norma rigida, pois o juiznão pode dilatá-lo ou restringi-lo. Não admitem tais normas outra solução jurídicaalém da que prescreve. Já a normaflexivel ou elástica dá margem ao arbítrio judicial.Não são preceitos firmes. Como bem observa Ferrara (Trattato di Dirctto CivileItaliano), a aplicação da norma flexível depende de como o juiz entende o caso aserjulgado, que, em função de sua naturezajurídica, poderá ser ou não por ela regido.A maioria das normas jurídicas que dizem respeito à proteção de filhos menores nãosão normas rígidas, mas flexíveis, porquanto o juiz, no interesse do menor, podedecidir de forma contrária ao nelas prescrito. Assim, por exemplo, existe norma quedá, no caso de filho havido fora do casamento, a posse do mesmo ao progenitor c<*-*>ueo reconhecer; tal norma é flexível, porquanto o interesse do menor pode exigirentregá-lo até, por exemplo, a terceiro. Igual solução pode ser dada a filho oriundodo casamento, por ser sempre o interesse do menor que dita a solução. Nesse campo,o direito disp<*-*>e, muitas vezes, que, "havendo motivos graves, poderá o juiz,emqualquer caso, a bem dos filhos, regular, por maneira diferente da estabelecida'', asituação deles para com os pais. Eis norma que torna flexíveis todas as que dizem

respeito à posse e guarda de filhos de menoridade. Igualmente flexíveis são as quecontêm conceitos elásticos que podem sofrer, como nota Ferrara, a ` `influência davida social''. Tal ocorre quando o legislador faz referência à ` `boa-fé'', à ` `diligênciahabitual", ou aos "bons costumes", que são conceitos elásticos. São essas expres-s<*-*>es, além de outras usadas pelo legislador, no dizer de Ferrara, ` `essencialmentemutáveis' 'que podem receber, ao ser interpretadas pelo juiz, no tempo e no espaço ,conteúdos diversos. Através delas, salienta Ferrara, "penetra no direito todo o aroxigenado da vida moderna'' (Ferrara, obra citada). Como vemos, a norma flexívelquebra a rigidez do direito.<012>

IX

FONTES MATERIAIS E FONTES FORMAISDO DIREITO - MATÉRIA DAS REGRAS DE DIREITO

66. FONTES MATERIA1S. MATÉRIA DO DIREITO

O direito tem suasfontes materiais e suasfontesformais.i É comum confun-di-las, apesar de bem diferentes. No sentido próprio de fontes,2 as únicas fontes dodireito são as materiais, pois fonte, como metáfora, significa de onde o direitoprovém. Ora, são as materiais (fatos econômicos, fatos sociais, problemas demográ-ficos, clima etc.) que dão o conteúdo das normasjurídicas, e não as formais, quedãoas formas de que se revestem as primeiras, (Iei, costume etc.).

Deve-se distinguirfonte de cognição dafonte de produfãojuridica. Pode-se entender a primeiracomo os meios de conhecimento do direito. Nesse sentido, confunde-se com asfontesformais(§ 67). Porém, porfonte de cognição pode-se compreender também as várias matérias de que olegislador se serve para dar conteúdo às normas por ele formuladas, em função das quais pode-seter o conhecimento mais exato das mesmas. Nesse último sentido, identifica-se com fontematerial. Jáfonte de produçâo é a norma ou conjunto de normas que dão o modo (re<*-*>as) decriação de normas jurfdicas (Constituição, lei, regulamento etc.). Temos, nesse caso, fonte deprodução fundamental ou primnria, que prescreve a forma de elaboração de noimas jurídicas,contida na Constituição, e fontes de produção subordinadas ou secw<*-*>dárias, produzidas comobservância daquela peis, regulamentos etc.). O Código de Processo é fonte desseúltimo tipo emrelação à sentença. As fontes de produção sãofontesformais (§ 67). Há quem faça distinção entrefonte de qualificação e de conhecimento, dando a primeira juridicidade e validade às demaisnormas, enquanto a segunda estabelece as formas pelas quais pode-se conhecer o direito (lei,costume, regulamento, tratado etc.). Finalmente, temos também quem reduza as fontes à autori-dade qualificada competente para prescrever normas jurídicas.Fonte do direito, que Gurvitch (Théorie Pluraliste des Sources Du Droit Positi<*-*> considera oproblema crucial de toda reílexão jurldica, é uma metáfora tradicionalmente usada na ciência do

direito, podendo, como metáfora, ser entendida, como diz Horvath (Les Sources duDroit Positif,trad. publicada na Revista de Direito do MPGB, vol. 9), "por extensão do termo, as imediaç<*-*>esdo ponto de emergência de um curso d'água natural, o lugar onde ele passa de invisível a visível,onde sobe do subsolo à superfície'', ou seja, a forma que o pré jurídico toma nomomento em quesetornajurídico.<012>

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Paulo Dourado de Gusmão

Dito isso, passemos à primeira questão: que se deve entender porfontesmateriaisdo direito? São as constituídas por fenômenos sociais e por dados extraídosda realidade social, das tradiç<*-*>es e dos ideais dominantes, com as quais o legislador,resolvendo quest<*-*>es que dele exigem solução, dá conteúdo ou matéria às regrasjurídicas, isto é, às fontes formais do direito (lei, regulamento etc.). ' Tais fontes se confundem com os fatores sociais do direito e, poitanto, com arealidade histórico-social. Quais são eles? São de várias espécies, dentre os quaisdestacamos o econômico, o geográfico, moral, religioso, técnico, histórico e atéoideal predominante em uma época (valores). No que concerne ao fator econômico, a sua influência é enorme no direitoprivado, principalmente no direito comercial, no direito dos contratos e no direitode propriedade. Ao escrevermos isto não estamos acolhendo o determinismo econô-mico do século XIX, mas, sim, dizendo que há campos do direito em que se faz maissentir a influência de um dos fatores. Ripert demonstrou a influência da regra moralnos contratos e no exercício do direito de propriedade, em que maior é o impactodoeconômico. Para evidenciar a influência do fator econômico, lembraremos doisexemplos: em 1929 deu-se, em Nova lorque, o crack da Bolsa de Valores, inician-do-se o fenômeno conhecido por ` `Grande Depressão'', causando pânico em todoo mundo, falências de bancos, de indústrias e de fazendeiros. Resultado: intervençãodo Estado no campo econômico, leis limitando preços, limitando a liberdadecontratual e o exercício do direito de propriedade. Outro exemplo: a RevoluçãoIndustrial, criando novas riquezas e o declínio das que se fundavam na propriedadede terras, fez com que fossem suprimidos os privilégios dos proprietários rurais. Se o fator econômico é preponderante no direito de propriedade, no de crédito,no contratual, no mercantil ou no industrial, bem como no direito fiscal, osfatoresreligiosos e morais são relevantes no direito de farzu'lia. Quem pode negar ainfluência da moral cristã no direito de farrulia? Basta lembrar a indissolubilidadedo vínculo conjugal, que impede o divórcio, proveniente do catolicismo, queprevaleceu entre nós até 1977. Ripert nos lembra a origem moral de certas normasdo direito moderno, como, por exemplo, o ` `dever de não fazer mal injustamente aoutros'', fundamento do princípio de responsabilidade civil; o dever de não enrique-cer à custa dos outros, origem da ação de enriquecimento sem causa etc. Planiol,Ripert e Rouast (Traité Pratique de Droit Civi<*-*> fazem depender a organizaçãofamilia<*-*> de uma moral rigorosa. O fator moral está, de certa forma, ligado à religião. Difícil seria, pode-se dizermesmo impossível, separar-se a moral dominante no Ocidente do cristianismo.Posso lembrar um exemplo: na Síria predomina o islamismo. Entretanto, em matéria

de familia o direito sírio admite que as comunidades religiosas sejam regidas pelosseus direitos canônicos. Pillet (Traité Pratique de Droit International Privé) eRenéDavid (Traité Élémentaire de Droit Civil Compare<*-*>, estudando essa questão, sus-

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I<*-*>trodução ao Estudo do Direito

tentam não ser aplicável, em matéria de facmlia, aos cristãos lá domiciliados o direitomuçulmano, profundamente influenciado pela religião islâmica. No direito arcaico, ou melhor, até Roma, é difícil nos códigos e nos direitosantigos distinguir o direito da religião e da moral. O antigo direito judaico é direitoreligioso. O próprio direito romano, sistemajurídico laico, secular, ao ser acolhido pelaCivilização Européia, na Idade Média, sofreu a influência do cristianismo, sendomodificado nas partes que se referem a casamento, divórcio, filiação etc. Pode-se dizer, para concluir, que no direito arcaico a religião desempenha papelrelevante na criação do direito. Daí Fustel de Coulanges (A Cidade Antiga, trad.) terdito que o verdadeiro legislador entre os antigos não foi o homem, mas as suascrenças religiosas. Na sociedade desenvolvida, em que o direito está secularizadopelo que Ripert (Le Régime Democratique et le Droit Civil Moderne) denomina deprincipe de laicité, foi a religião substituída pela moral, que, nas épocas de crise,influi na elaboração, na interpretação e na aplicação do direito. Exemplo: no Brasil,o impeachment do Presidente Collor e nos Estados Unidos, o de Nixon. Se o direito sofre a influência da moral, da religião e da economia, além dapressão defatorespoliticos, como negar a influência das ideologias no direito? Nodireito público, principalmente no direito constitucional, são decisivas. A ideologiado absolutismo e a do feudalismo foram as responsáveis pelo Ancien Régime, quecaiu com a Revolução Francesa; a do socialismo estruturou todo o direito soviético,não só o direito público como também o Código Civil soviético, derrogado depoisde dezembro de 1991. O liberalismo deixou a sua marca nos direitos contratual e depropriedade do Code de Napoléon (Código Civil francês até hoje em vigor). Poroutro lado, no direito público, a Revolução Francesa foi que impôs legislativamentea igualdade civil, a lei como vontade gerat, isto é, da maioria, sendo postos abaixoos privilégios da aristocracia. Entre nós, o nacionalismo exerceu influência rtalegislação que disciplina o capital estrangeiro aqui aplicado. Finalmente, a demo-cracia no Ocidente tem sido, no direito constitucional, a nota dominante, apesarde,transitoriamente, dela se desviarem algumas Constituiç<*-*>es. Por outro lado, não sepode negar que as revoluç<*-*>es (§ 29), movimentos políticos por excelência, sejamfontes de direito, sendo dotadas de poder constituinte, como, por exemplo, foramaAmericana, a Francesa e a Russa. Igualmente as contra- revoluç<*-*>es. Não estaria completo esse relato de fontes se nos esquecêssemos dos ideais ouvalores jurídicos, como a justiça, a paz e a segurança. Eis alguns: o principio delegalidade, que em direito penal impede a aplicação da lei nova mais prejudicialaoréu e no direito público, imp<*-*>em em geral a anterioridade da lei ao ato governamen-

tal; o princípio do ` `primado do direito'', isto é, o do direito acima das conveniênciasdo governo, de suas idéias, de sua política e de sua vontade, bem como dos interessesindividuais; a regra daboa-fé; o princípio daprescrição; o princípio da coisajulgada;as ` `declaraç<*-*>es de direito'' ; o controle da legalidade de atos de direitopúblico e de<012>

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direito privado possível com o recurso a aç<*-*>es judiciais para obter decisão judicialsobre a mesma; o controle da constitucionalidade das leis e dos atos do poder públicopelo Judiciário etc. Estes e outros princípios são inspirados pelo valor segurança; damesma forma, o princípio do summum jus et summa injuria, o abuso do direito, odireito do trabalho, a responsabilidade civil pelos riscos criados, a revisão judicialdos contratos leoninos atendem mais a exigências dajustiça. O direito internacionalpúblico é norteado pelo valor paz. Mas o direito sofre também a influência de fenômenos naturais e do fatorgeográfico. Quantas vezes uma seca prolongada, geada, terremoto ou outro fenô-meno natural provocam legislaç<*-*>es destinadas a proteger a produção agrícola ou asrelaç<*-*>es jurídicas, dilatando prazos legais e contratuais etc. Complexa, portanto, a matéria ou conteúdo da regra de direito, cujas raz<*-*>es deser consolidam-se lentamente na comunidade, penetrando, às vezes tardiamente, nodireito.

67. FONTES FORMAIS

São os meios ou as formas pelas quais o direito positivo se apresenta naHistória, ou então, como querem Korkounov (Cours de Théorie Générale du Droit)e Gurvitch (Théorie Pluraliste des Sources du Droit Positi<*-*>, os meios pelos quaiso direito positivo pode ser conhecido. São, assim, os meios de conhecimento eexpressão do direito, isto é, de formulação do direito, pelos quais podemos identifi-cá-lo. Os meios ou as formas (lei, costume, decreto etc.) pelos quais uma matéria(econômica, moral, técnica etc.), que não éjurídica, mas que necessita de disciplinajurídica, transforma-se emjurídica. Tais fontes, ditas secundárias, sup<*-*>em as fontesmateriais ou reais do direito, conhecidas por fontes primárias, a que acima nosreferimos (§ 66). De modo geral, pode-se dizer que as fontes formais do direito são estatais, oude direito escrito, e não-estatais. Dentre as fontes estatais, temos a lei, enquanto entreas não-estatais, isto é, entre as que não dependem de atividade legislativa do Estado:o costume, o contrato coletivo de trabalho, a doutrina etc. As fontes formais dodireito podem ser classiflcadas em três categorias: la,fontes estatais do direito (lei,regulamento, decreto-lei, medida provisória); 2', fontes infra-estatais (costume,contrato coletivo do trabalho, jurisprudência, doutrina); 3', fontes supra-estatais(tratadc<*-*>s internacionais, costumes internacionais, princípios gerais do direito dospovos civilizados). Poderíamos dizer ainda que asfontesformais do direito podemser:1 ) de direito interno (lei, regulamento, decreto-lei, jurisprudência dos tribunais

estatais, direito interno consuetudinário, contrato coletivo de trabalho, doutrinanacional); 2) de dcreito comunitário, como as do direito da União Européia; 3) dedireito internacional (tratado, costumes internacionais, princípios gerais do direitodos povos civilizados, jurisprudência da Corte Internacional de Justiça e a ciência

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Introdução ao Estudo do Direito

do direito internacional). De modo muito amplo:1) legislativas (lei, regulamento,decreto-lei); 2) consccetudincirias (costumes); 3) jarisprudenciais (formadas pelajurisprudência dos tribunais estatais e da Corte Internacional); 4) convencionais(tratados internacionais, contrato coletivo de trabalho); 5) doutrinárias (opinião dosjuristas no campo do direito intemo e no do direito internacional).

68. HIERARQUIA DAS FONTES FORMAIS

Há hierarquia ou escalonamento entre as fontes formais do direito decorrenteda superioridade ou supremacia de umas e da subordinação de outras, enquantoentre fontes de igual valor há igualdade e coordenação.3 A esse respeito, devemos distinguir o sistema da Common Law (EstadosUnidos, IngIatelra) do sistema continental (§ 166), dominante na Europa continentale na América Latina. No primeiro, o costume e o precedente judicial são fontesprincipais do direito. Já no sistema continental, a lei.' Temos hierarquia entre as normas legislativas. Assim, a lei constitucional(Constituição e emendas constitucionais) está acima de todas as normas legislativase de todas as demais normas jurldicas. No Estado moderno, a Constituição e asemendas constitucionais presidem a disposição orgânica das demais fontes formaisdo direito. Daí Kelsen5 defini-la como uma pirâmide jurídica, em cujo vértice estáa Constituição. Depois da lei constitucional vem a lei complementar, que não chegaa ser norma constitucional, mas que a completa, e, abaixo dela, a lei ordinária,que

3 Duguit coloca no vértice da pirâmide juridica a "Declaração de Direitos", logoa seguir<*-*>a Constituição, depois as leis ordinárias. O ` 'sistema de declaraç<*-*>es de direitos, escreve Duguit no Traité de Constitutionnel, tende a determinar os limites que se imp<*-*>em à ação do Estado; para isso se formulam princípios superiores, que devem ser respeitados tanto pelo legislador consti- tuinte como pelo ordinário, que tais declaraç<*-*>es reconhecem, sem criá-los.''4 No direito interno a tradicional classificação das fontes em lei, regulamento e costume estáabalada pelas fontes criadas pela burocracia, no sentido weberiano, ou melhor, pelos tecnocratas no exercício do poder, seja no campo do direito administrativo, seja no do direito fiscal, ou seja, no do direito econômico. Temos neste último a resolução do Banco Central com a mesma força da lei; convênios entre os Estados-membros, no campo fiscal, ratificados por decretos do Executivo estadual, com força de lei estadual; parecer normativo (ato normativo) constitui, no campo do

direito administrativo, fonte de direito. Tais fontes deram rude golpe na certeza do direito, subvertendo a hierarquia das fontes do direito.5 A teoria do ordenamento juddico estruturado em pisos (§ 200), ou melhor, do sistema jurtdico entendido como uma pirâmide, encontra-se nas grandes obras de Kelsen. Para o público brasileiro indicamos: Teoria Geral do Estado (há ed. em espanhol e em português), Teoria Geral do Direito e do Estado (há tradução para o espanhol e para o italiano, sendo em inglês a edição original) e Teoria Pura do Direito (há edição em espanhol e em português).<012>

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Paulo Dourado de Gusmão

está subordinada à constitucional e à lei complementar, não podendo, nas Constitu-iç<*-*>es rígidas, violá-las, sob pena de ser inconstitucional. Em virtude da distinção das funç<*-*>es legislativa e executiva, cabendo à primeiralegislar e à segunda executar, temos a seguinte hierarquia {hierarquia orgânica): alei (§ 71) prevalece sobre o regulamento (§ 72). Este deve submeter-se à lei, nãopodendo ser contra legem. Nos sistemas federativos, a lei federal prevalece sobre aestadual e a municipal, desde que não invada o domínio da competência legislativaestadual estabelecido na Constituição federal. No sistema continental, temos subordinação do costume (§ 75) à lei, que nãopode ser contra legem e que não admite o desuso da lei (§ 141). O fato de uma leinão ser observada e de não ser aplicada pelo Judiciário não acarreta sua inexistênciajurídica, pois, a qualquer momento, desde que não revogada, pode ser aplicada. O tratado internacional (§ 83), que Verdross (Derecho Internacional Público,trad.) considera a fonte fundamental do direito, para ser aplicado no territóriodoEstado que o celebrar ou a ele aderir, deve ser aprovado por lei, estando, entretanto,subordinado à Constituição. Só quando incorporado ao direito interno (§ 90) temvalor de lei ordinária, na hierarquia das leis. O contrato coletivo de trabalho (§ 79), desde que não transgrida norma de ordempública, é fonte de direito equiparável à lei ordinária. A doutrina (§ 81) e ajurisprudência (§ 80), que muitas vezes na prática sãofontes do direito, estão no sistema continental subordinadas à lei e às demais fontes. Finalmente, os princípios gerais do direito (§ 139), isto é, os princípiosinformadores do direito positivo, que devem ser aplicados quando não há outra fonteformal aplicável ao caso a ser julgado (lacuna § 139), são a última fonte do direitopositivo. Concluindo, a hierarquia das fontes formais no sistema continental ou legisladoé a seguinte:1", Constituição e leis constitucionais (emendas constitucionais); 2",leis complementares (§ 63); 3", leis ordinárias e tratados internacionais incorporadosao direito interno. Dentre as leis, as federais predominam sobre as estaduais e estassobre as municipais, enquanto a complementar prevalece sobre a lei ordinária; 4",costume; 5", contratos coletivos de trabalho, que, desde que não transgridam norma

de ordem pública, têm valor de lei ordinária; 6", regulamentos. Princípios gerais dodireito, quando inexistir norma a ser aplicada ao caso concreto, isto é, no casode lacuna(§ 139). Mas o que significahierarquia das fontes formais, ou seja, das normas de direitopositivo? Significa que o juiz, ao ter de decidir um caso, só deve aplicar uma fonte quandonão existir outra imediatamente superior. Assim, por exemplo, no direito continental(europeu continental e latino-americano) só aplicará o costume se não houver leiexpressa para o caso ou aplicável por analogia. Além disso, importa na inexistência

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Introdução ao Estudo do Direito

jurídica, por inconstitucionalidade ou por ilegalidade, da norma hierarquicamentesubordinada quando incompatível com norma hierarquicamente superior. Assim,por exemplo, a lei federal (norma ordinária) que dispuser de forma contrária àConstituição federal (norma hierarquicamente superior) é inconstitucional. Logo,anorma superior determina a validade, a legalidade, a eficácia e a aplicabilidadedasnormas a ela subordinadas, bem como delimita o alcance e os efeitos jurídicos dasmesmas. Em razão da hierarquia das leis, há o controle da constitucionalidade das leis,da legalidade dos decretos (regulamentos) e dos atos administrativos. Controle quepode ser exercido porjurisdiç<*-*>es especiais (constitucionais), ou pelos tribunais emgeral, como no Brasil. Assim, as leis complementares e ordinárias não podem estarem conflito com as constitucionais; os decretos (regulamentos) não podem disporde forma contrária ao prescrito pelas leis, enquanto as sentenças e os atos que sefundam nas leis ou nos decretos não podem ir além dos mesmos. Se contrários,podem ser anulados pelo judiciário, quando provocado por meio de ação judicial,exercendo o que se convencionou denominar de controle da constitucionalidade eda legalidade da legislação.b A própria emenda constitucional não pode alterar substancialmente a Consti-tuição, desfigurando-a, desestruturando-a, substituindo a filosofia política queaorientou, transgredindo princípio fundamental nela expressamente formulado, por-quanto, se o fizer, deixa de ser emenda, para ser reforma ou substituição da própriaConstituição (vide, a esse respeito, o nosso ManualdeDireito<*-*>Constitucional,1957,p. 54). Nesse caso, como assinalamos em 1957, a emenda é inconstitucional.

Nas federaç<*-*>es há fonte de direito tributário de natureza semelhante à convenção intemacional,denominada convênio, pela qual são estabelecidas normas tributárias válidas somente entre osEstados que o celebrarem. É, assim, norma de direito pciblico interno convencional, estabelecidapelo consenso de dois ou mais Estados da federação, com validade exclusivamente no territóriodos mesmos. Norma de direito interestadual, classificável acima das normas

estaduais. Regras eprincípios de direito dos tratados intemacionais aplicam-se subsidiariamente na interpretação elacuna dos mesmos. Outra fonte de direito público intemo é a resolução, pela qual os Poderes doEstado estabelecem as suas organizaç<*-*>es e regimentos e o Senado suspende, por inconstitucio-nalidade, a lei assim declarada peló Judiciário.<012>

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FONTES ESTATAIS DO DIREITO - CONSTITUIÇÃO, LEI, REGULAMENTO, MEDmA PROVISÓRIA E DECRETO-LEI

69. FONTES ESTATAIS

Asfontes estatais do direito são constituídas de normas escritas, vigentesno território do Estado, por ele promulgadas, no qual têm validade e no qual sãoaplicadas pelas autoridades administrativas ou judiciárias. São textos Que pos-sibilitam o conhecimento do direito do Estado. Em seu conjunto formam o direitodo Estado, ou seja, o direito interno (§ 88), legislado, isto é, o ordenamentojurídico do Estado. São formadas de normasjuridicas escritas, promulgadas egarantidas pelo poder público, válidas no território do Estado.' Assim, nessasfontes predomina o princípio da territorialidade do direito, que lhes dá validadeexclusivamente no território do Estado que as prescrever, sendo aplicáveis atodos, nacionais ou estrangeiros, que nele se encontrarem. Princípio absoluto nosramos básicos do direito público, como, por exemplo, na ordem constitucional d•Estado; princípio relativo em outros, como no direito privado, pois nesse campo dodireito é possível a aplicação do direito estrangeiro (§ § 135 e 143). Garantidas pelopoder público, as fontes estatais desfrutam de força vinculante, que às tornamaplicáveis independente de grandes indagaç<*-*>es, são precisas e certas. Assim,porexemplo, ocorrendo um furto, já se sabe logo que o ladrão, se preso, será condenadocom base no artigo do Código Penal que prescreve esse delito. Por tal motivo foramobjeto de culto pelos corifeus da "escola de exegese" (§ 137). Para esses cultoresda lei (Aubry, Rau, Troplong, Demolombe), eram essas fontes consideradasdogmas absolutos, fixos e imutáveis. As transformaç<*-*>es sociais rápidas, iniciadasa partir do século XIX e, principalmente, depois da Primeira Guerra Mundial,

I O direito norte-americano, que se encontra em sua maior parte em precedentes judiciais (case law), é escrito, mas não legislado ou codificado.<012>

106Paulo Dourado de Gusmão

lançaram por terra essa mística: a ` `forma" foi mantida, mas o conteúdo dessas fontesfoi-se adaptando aos novos tempos. Daí um autor, que na época fez sucesso, Cruet,ter-se referido ao anacronismo em relação à realidade social das fontes estatais,corrigidas pela sociedade que estaria sempre antecipando-se ao legislador atravésdo costume (§ 72) e da jurisprudência (§ 78) inovadora.2

70. CONSTITUIÇÃO

A Constituição3 é a pedra angular de toda a ordem jurídica estatal, fonte devalidade de todo o direito do Estado e estabelecedora do processo de criação dodireito estatal. É a fonte principal do direito do Estado, a leifundamental, à qualdevem adaptar-se todas as demais leis, pois se com ela conflitarem são inconstitu-cionais. A Constituição é expressão do poder constituinte que detém a sociedadepolítica (Estado). Como lei fundamental, organiza e estrutura Estado e governo, bemcomo prescreve os direitos individuais, que devem ser respeitados pelo poderpúblico, prevendo para tal fim procedimentos eficazes aptos a garanti-los como ohabeas corpus, para a defesa da liberdade, ou o mandado de segurança, para aproteção de direito líquido e certo. A Constituição, por isso, é lei de organizaçãodo Estado e lei de garantias. É, repetindo, a lei das leis que estrutura e organiza oEstado e o governo, dando-lhes forma jurídica, estabelecendo as suas funç<*-*>ese osseus limites, bem como prescreve os direitos individuais e os procedimentos aptosa defendê-los. Enuncia os princípios fundamentais a serem observados pela legisla-ção. Transforma o Estado em Estado constitucional; pode sofrer modificaç<*-*>esatravés de emendas constitucionais, que não podem alterá-la substancialmente, pordecorrerem do poder de reforma, que é limitado, derivado do poder constituinte;pode ser substituída por outra, em havendo ruptura da ordem jurídica seja porrevolução ou seja por "golpe de Estado".

Se a Constituição, para a sua reforma, exigir procedimento legislativo especial(quorum), diverso do observado para a legislação ordinária (lei ordinária), é ` `Cons- ç g ", p ` ` , ,titui ão rí ida mas se não o revê, é, então, Constituição flexível .

Assim, cinco são os tipos de Constituição:1", promulgada, formulada, apro-vada e promulgada por órgão representativo (Assembléia Nacional, Congresso

Além das fontes estatais examinadas neste capítulo, que, a nosso ver, são as mais importantes,temos as seguintes: decreto legislativo, da competência exclusiva do Legislativo; atos do Exewtivo,como a celebração de tratados intemacionais; posturas, normas municipais que disp<*-*>em sobre matériade interesse da comunidade (construção etc.); portaria, ato normativo de autoridade administrativa,tendo por destinatários servidores a ela subordinados, fixadora de ordens de serviço etc.A partir do século XVIII, por Constituição, ideologicamente entendeu-se a elaborada, votada epromulgada por uma assembléia constituinte, enquanto as demais, outorgadas pelo govemo, eramdenominadas Charte, Statuto etc.

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Introdução ao Estudo do Direito

Nacional, Assembléia Constituinte etc.), resultante de consenso dos constituciona-listas; 2", outorgada, depende de decisão unilateral de quem exerce discrionariamen-te o governo, auto-limitando-se; decretada, portanto, pelo chefe de governo; 3",ratificada, elaborada pelo governo e aprovada pelo Parlamento (Congresso) ouaprovada por referendum (§ 187); 4", rigida, se exige procedimento legislativo

especial (quorum) para ser reformada; 5",flexivel, se puder ser modificada (emen-dada) pelo mesmo processo legislativo das leis ordinárias (§ 63), não exigindo,assim, procedimento especial para a sua reforma; 6", revolucionária, se resulta derevolução vitoriosa, constitucionalmente se legalizando, estabelecendo nova ordemjurídica (exemplo: a Constitutição norte-americana, a brasileira de 1891, a francesade 1793 e a soviética); Os três primeiros tipos (promulgada, outorgada e ratificada)decorrem da natureza do órgão que a promulgar (Executivo ou Legislativo), enquan-to as duas últimas (rígidas e flexíveis), do procedimento adotado para a suamodificação. Pedra angular do direito constitucional ocidental é a divisão dos poderes oudas funç<*-*>es do Estado. A razão histórica da teoria da separação dos poderes vamos encontrar noabsolutismo político reinante na Europa antes da Revolução Inglesa e da RevoluçãoFrancesa e, portanto, na necessidade de se criar mecanismo para evitar todas asformas de autoritarismo e de abusos. Visa, pois, a teoria da divisão dos poderesaevitar o absolutismo político. Já dizia Montesquieu (O Espirito das Leis) que ` `paraque não se possa abusar do poder é necessário que as coisas se disponham de modoa que o poder detenha o poder''. A idéia primária de Constituição retrata-a como um corpo de leis disciplinadordas funç<*-*>es do Estado, ou melhor, organizador do Estado. Define-a, pois, comocarta de organização política, redigida pelo soberano ou por legislador inspirad•,contida em lei ou em práticas consuetudinárias. Esse foi o sentido que, no séculoXVI, lhe foi dado, principalmente por Loyseau, que a definia como a lei fundamentaldo Estado. Nesse sentido, a Inglaterra outorgou às suas colônias FundamentalOrders, como a de Connecticut, que, em alguns casos, tinha caráter contratual,resultando de pacto entre colonos e a Coroa. Depois, pouco a pouco, ao lado dosentido de Constituição como plano de governo (Plan of Government), deu-se-lheo de carta de garantias individuais. Sentido conquistado com sacrifícios e lutas. Talacepção surgiu com as ` `declaraç<*-*>es de direitos'' (Bill of Rights), podendoser,historicamente, considerada como a primeira, apesar de não ser propriamente umacarta de direitos, a Petition of Rights, de 1628, que os nobres ingleses ftzeramo reiassinar (§ 178), bem como a Bill of Rights, de 1774, de Filadélfia, incluída naDeclaration of Independence (1776) da América (§ 178). A mais conhecida,porém, é a Déclaration des droits de 1 'homme et du citoyen ( 1789), da RevoluçãoFrancesa, fruto do individualismo jurídico, que acrescentou ao sentido clássico de<012>

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Paulo Dourado de Gusmão

Constituição o de carta de garantias individuais. Desde então, a Constituição passoua ser entendida não só como ` `plano de governo'', ou seja, como documento soleneque institui uma forma de organização política do Estado, como, também, ` `cartadegarantias individuais", que limita o poder do Estado em relação aos indivíduos,impondo ao governo o dever de respeitar os direitos individuais fundamentais. Comas crises econômicas que advieram depois da Primeira Guerra Mundial, para as

quaisos governos ainda não encontraram solução, o sentido de Constituição tornou-semais amplo, invadindo o domínio econômico, autorizando a intervenção do Estadona ordem econômica (que foi desastrosa, principalmente no Brasil). Mais amplaficou assim a matéria constitucional e muito mais quando, devido às crises queameaçavam as tradiç<*-*>es históricas do povo e a familia, levaram o constituinte ou olegislador a dar à Constituição outro sentido: o de tutela das tradiç<*-*>es históricas e ode protetor da organização da farrulia, segundo as tradiç<*-*>es fundamentais danação.Mas, nos anos 90, nota-se o encolhimento da matéria constitucional devido à falênciado Estado como gestor da economia, fato que está provocando a volta à economiade mercado (até no Leste Europeu), e, com ela, a redução drástica do papel doEstado na ordem econômica (pelo menos nos países que se dizem desenvolvidos).Seja como for, a Constituição é a lei fundamental, não só por ser a fonte de validezdas demais normas, que nela encontram o procedimento de sua elaboração, como,também, por conter princípios que devem nortear toda a legislação, sob pena de,se com ela estiverem em conflito, serem declaradas inconstitucionais pelo Judi-ciário.

71. LEI

A lei' é a principal fonte do direito entre nós e em países que optaram pelacodif'icação, como, por exemplo, a França, a Itália, a Alemanha, Portugal, a Espanhaetc., e toda a América Latina. É aprincipal fonte do direito estatal, com validade,eficácia e aplicabilidade no território do Estado (princípio da territorialidadedo

4 Algunsjuristas, em sua maioria constitucionali sta, distinguem lei em senridoformal, ou leiformal, da lei em sentido material, ou lei material. A ` `lei formal'' seria a que, tendo a forma da lei, tem por conteúdo disposição não tipicamente de lei, como é o caso, por exemplo, dalei que autoriza o chefe de Govemo à prática de um ato ou a que abre créditos. Já a ` `lei material'' seria a que, sem ter a forma de lei, tem o conteúdo dela, como é o caso do regulamento (§ 70). Como essas duas categorias não compreendem todas as formas de lei, a elas acrescentaram as seguintes: lei formal-material e a lei exclusivamenteformal. A primeira seria a que, tendo a forma de lei, tem também o conteúdo típico desta, sendo assim ato do L,egislativo que contém umanorma de conduta ou de organização, enquanto a ` `lei simplesmente formal'' só teria a forma de lei, mas não o seu conteúdo, como a que abre créditos ou concede, p. ex., pensão para determinada pessoa. Mantiveram, ao lado desta, a categoria de ` `lei material''.

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Introdução ao Estudo do Direito

direito).Tem, como nota Roubier (Théorie Générale du Droit), ` `indiscutivelmente,uma vantagem: é estabelecida autoritariamente sobre o conjunto de uma questão,que pode, assim, encontrar uma regulamentação coerente e imediata. Entretanto, comoé obra do soberano, isto é, de um chefe ou de uma Assembléia, cuja competênciatécnica pode ser medíocre, e cuja imparcialidade e espírito de justiça podem ser

discutidos, não merece o fetichismo e a idolatria de que tem sido cercada''. Como defini-la? De forma muito ampla, comum a todos os tempos: normaescrita, geral e abstrata, garantida pelo poder pciblico, aplicável por órgãos doEstado enquanto não revogada. Desde quando pela divisão do trabalho social, a umórgão da sociedade política foi atribuída a função de elaborá-la (assembléia), deve-sedefini-la como a normajuridica escrita, emanada de um órgão estatal especializadoem legislar, sancionada pelo poder público, ou, então, a norma escrita e geral,enunciadaem um texto pelo legislador. Do sistema político depende a competência para formulá-la, que pode ser daassembléia ou do chefe de governo. Pode ser formulada pelo Legislativo e promul-gada pelo chefe de governo, como ocorre no Brasil, como pode ser formulada epromulgada pela própria Assembléia ou prescrita exclusivamente pelo chefe degoverno. Neste último caso, denomina-se decreto-lei (§ 71 ), medida provisória (§74), enquanto nos anteriores, leiformal. Do ponto de vista de seu conteúdo ou matéria, a lei caracteriza-se por ser normageral e abstrata, ou seja, por não disciplinar um caso particular, mas indeterminadonúmero de casos que se enquadram no modelo por ela estabelecido e por não preverconcretamente uma situação, isto é, em seus mínimos detalhes, mas só em suas notastípicas, bem como por não se destinar a um número reduzido de pessoas por eladeterminado, mas a um número indeterminado de pessoas que estejam na situaçãojurídica por ela prevista. Do ponto de vistaformal, a lei varia em função do órgãoque a formula: lei formal se formulada pelo Legislativo, ou conjuntamente pelaAssembléia e chefe de govemo, e decreto-lei (§ 73) ou medida provisória (§ 74) sópelo chefe de governo. A lei não é produto espontâneo como o costume, mas fruto de elaboraçãodiscursiva, de estudos, .discuss<*-*>es, debates, votaç<*-*>es, sanção, publicação, que per-mite, com facilidade, determinar o momento em que se torna norma obrigatória, oque não ocorre com o direito consuetudinário. No direito moderno, caracteriza-se por ser a norma dotada de generalidade epublicidade que permite aplicá-la com facilidade a casos concretos. Na Antigüidade,nada mais era do que a redação oficial, solene, de costumes tradicionais. Assi<*-*>m foia Lei das XII Tábuas dos romanos (§ 164), bem como o Código de Hamurabi (§160). Muitas vezes, como ocorria na Grécia Antiga, foi prescrita depois de consultaa Oráculos, depois, por votação nas assembléias do povo. Só tardiamente surgiramórgãos especializados do Estado destinados a formulá-la. Mas, quer estabelecida por<012>

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reis ou sacerdotes, quer formulada por legisladores sábios (Sólon), por assembléiaspopulares ou pela assembléia de chefes de fami ia, a lei (lex) se distingue do costume(§ 72) não só pela certeza e precisão de suas prescriç<*-*>es, que dá segurança às relaç<*-*>esjurídicas, como também por ser a norma formulada por uma autoridade dotada delegitimidade, assim reconhecida pela sociedade civil, isto é, com competência para tal. De certa forma, e na maioria das vezes, contém mais de um preceito, por issoestá, no caso das mais simples, dividida em artigos numerados, nas mais amplas,subdividida em capítulos, parágrafos e alíneas, com seus preceitos, sanç<*-*>es.As maiscomplexas, como os códigos, dividem-se em títulos, capítulos, cada um contendoartigos e parágrafos de lei. Numerados são os artigos, que, nas leis mais

modernas,têm uma ementa ou título, indicadores da matéria que tratam. Nos países como o Brasil, em que há divisão de poderes, havendo órgão doEstado cuja função principal é a elaboração de leis, denominado AssembléiaLegislativa (Câmara dos Deputados, Senado, Parlamento, Assembléia Nacional,Assembléia Estadual etc.), a leiformal é aformulada pela Assembléia Legislativa(Congresso, Parlamento etc.) e promulgada por seu presidente ou pelo chefe degoverno (Rei, Primeiro-Ministro, Presidente da Repúblcca), enunciada em um texto,publicada no órgão oficial. Entre nós, é aformulada pelo Legislativo, sancionadae promulgada pelo Executivo (Presidente da República ou Governador de Estado)publicada no Diário Oficial. A "lei formal" é autônoma. Dela se distingue a leimaterial, que da lei só tem o conteúdo, pois não é autônoma, porquanto depende deuma lei formal, como, por exemplo, é o caso do regulamento (§ 70), que regularizaparticularizadamente matéria prevista em lei formal, facilitando a sua aplicação. l,eidelegada é a regra de direito outorgada pelo Poder Executivo, em virtude dedelegação de poderes do Legislativo, que exclusivamente tem competência deformulá-la. A lei delegada depende de a Constituição permitir delegação de poderes,pois delegatus delegari non potest. A lei,5 em seu processo de formulação, passa por várias etapas, estabelecidasna Constituição. Nesse processo temos a ` `iniciativa da lei'', ` `discussão'', ` `vota-ção'', ` `aprovação'', ` ` sanção'', ` `promulgação'', ` `publicação'' e ` ` vigência'' dalei. A iniciativa das leis pode competir ao Executivo ou ao Legislativo. Proposta alei, segue-se a sua discussão nas <*-*>rssembléias Legislativas, seguida, depois, de suavotação, que é a manifestação da opinião dos parlamentares favorável ou contra oprojeto de lei. Se favorável ao projeto for a maioria dos votos, a lei está aprovadapelo Legislativo. Aprovada pelo Legislativo, é, entre nós, encaminhada ao Presiden-

5 Segundo Montesquieu (De L 'Esprit des Lois,1748), o estilo da lei deve ser conciso e simples, de modo a ser entendido por todos e despertar em todos os homens as palavras usadas pelo le<*-*>slador, as mesmas idéias.

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Introdução ao Estudo do Direito

te da República (lei federal) ou ao Governador de Estado (lei estadual), que poderásancionci-la ou vetá-la total ou parcialmente. Vetada, total ou parcialmente, o vetoé submetido ao Congresso, que pode derrubá-lo. Rejeitado, o Executivo tem queacatar a decisão do Legislativo. Nesse caso, bem como nos casos em que o poder deveto não é exercido, o Presidente da República deve sancionar a lei. Sanção é o atopelo qual o Executivo, concorrendo com o Legislativo na elaboração da lei, aprovaa lei formulada pela Assembléia. Dela se distingue a promulgação, pela qual oExecutivo determina a sua execução. Sancionada e promulgada, é a lei publicada noórgão oficial (Diário Oficial). Publicada, tem vigência na data de sua publicação,isto é, entra em vigor a partir dessa data ou no prazo nela estabelecido. Publicada,ninguém pode alegar a sua ignorância. Pela publica<*-*>ão é, assim, ftxado o

momentoem que a lei entra em vigor, ou melhor, a data em que ela se torna obrigatória, istoé, em que tem eficácia. Quando a lei não entra em vigor na data de sua publicação,há um período em que ela não produz efeitos, ou seja, que não é obrigatória,denominado por vacatio legis, que termina na data de sua entrada em vigor.ó Finalmente, as leis podem ser constitucionais e ordinárias. As primeiras (§ 63)são as que organizam politicamente o Estado, estabelecendo as suas funç<*-*>es eoslimites de seus poderes em relação às pessoas que vivem em seu território, enquantoas leis ordinárias (§ 63) são as demais leis, não só as de direito público, como, porexemplo, o Código de Processo Civil, o Código Penal etc., como também as dedireito privado, como, exemplificando, o Código Comercial, o Código Civil etc.

72. REGULAMENTO

É a norma juridica emanada, exclusivamente, da Administração, Pública(Poder Executivo) em virtude de uma atribuição constitucional de poder norma-tivo. É também denominado lei material em contraposição à lei formal, com6também decreto. Em sentido amplo, os regulamentos são internos ou administrativos e externosou normativos. Os primeiros têm por objeto a organização de um órgão, ou de umente público. Daí serem denominados regulamentos de organização; não vinculamterceiros. Os ` `externos'' ou ` `normativos'' alcançam terceiros, isto é, pessoasestranhas à Administração.

6 Sobre o problema do desconhecimento da lei pelos seus destinatários, ou seja, da obrigatoriedade da lei e do valor do erro de direito, consultar o § 135. Atrasando a publicação no Diário Oficial, a lei deve entrar em vigor na data em que efetivamente circular o órgão oficial, e não na data em que figurar no mesmo. A diwlgação antecipada da lei pela imprensa, tevê ou rádio não lhe dá autenticidade e nem eficácia.<012>

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Introdução ao Estudo do Direito

Os regulamentos podem ser ainda de execução, independentes, delegados oupor autorizaÇão especial. Os de execução contêm normas especiais para a aplicaçãode lei, sendo, assim, normas secundárias em relação à lei, que é, então, a normaprimária. Pressup<*-*>em, portanto, lei anterior, que limita, previamente, a suamatéria,que não pode ser ampliada ou modificada. Nesse caso, a Administração possui podernormativo limitado, subordinado ao preceituado na lei formal. Os regulamentos independentes resultam de poder normativo genérico, atri-buído pelo legislador à Administração. O fundamento desses regulamentos está nofato de a Administração necessitar de competência para formular normas paradesempenhar a sua função: administração e serviços públicos; não podem disporsobre a matéria reservada, constitucionalmente, à lei.

73. DECRETO-LEI

Regra de direito baixada pelo chefe do Poder Executivo, quando monopolizaro poder legiferante com ou sem autorização constitucional. É também denominado,impropriamente (vide § 69), decreto legislativo, ou, ainda, ordenança de necessida-de ou de urgência, ou, como em alguns países, decreto, denominação que o confundecom regulamento. Tem força de lei e vale como lei. Nos países em que impera divisãode poderes não há lugar para essa norma. Querendo defmi-lo, pode se dizer ser a leiditada pelo Executivo. No Brasil, de 1930 a 1934, o Presidente da Repúblicalegislava através de decretos (leis), porque a Revolução de 30 havia dissolvido oCongresso durante o Estado Novo (Constituição de 1937), por decreto-lei.

74. MEDIIlA PROVISÓRIA

Ato normativo, editadó pelo Presidente da República, com força de lei, emhavendo extraordinária urgência e necessidade, cuja eficácia cessa, retroativamen-te, se não aprovado pelo Congresso Nacional. Aprovando-a, transforma-se em lei(§ 71). É medida normativa de extraordinárianecessidade e urgência, exigida pelaordem econômico-financeira, pela paz social ou pela ordem e segurança públicas.Extraordinária necessidade e urgência ajustiflcam, desde que não possam aguardara elaboração de uma lei. Matéria penal está dela excluída por não haver crime noEstado de direito sem ser previamente previsto em lei (§ § 7 I e 105). Prevista no art.63 de nossa Constituição Federal de 1988, editada, produz efeitos da data de suapublicação, devendo o Presidente da República imediatamente submetê-la ao Con-gresso Nacional, que, se em recesso, deve ser convocado para se reunir extraordi-nariamente, no prazo de cinco dias, para apreciá-la.' Perde a eficácia retroativamente

7 Sobre o atraso da circulação do Diário Oficial que a publicar, vide nota anterior.

se não convertida em lei pelo Congresso no prazo de trinta dias (parágrafo únicodoart. 63). Rejeitada, deverá o Congresso elaborar, com urgência, lei disciplinadora damatéria da medida provisória não aprovada. Porém, o Presidente da República (art.84, XXVI, da Constituição Federal), no caso de o Congresso retardar a aprovaçãoda medida, antes de expirar o prazo fatal de trinta dias, para evitar a insegurança dasrelaç<*-*>es jurídicas dela decorrentes, pode, e deve, baixar outra idêntica ou semelhan-te, encaminhando-a, de imediato, ao Congresso. Se rejeitada, não pode ser repetidasob pena de inconstitucionalidade. A origemhistórica da Medida Provisória encontra-se no art. 77 da Constituiçãoitaliana de 1947, que faculta ao Governo, no caso de extraordinária necessidade eurgência, sem delegação das Câmaras, editar decretos com força de lei. Prevê a leifundamental italiana que o decreto deve ser de imediato submetido às Câmaras, eque, se não for transformado em lei, perde a eftcácia retroativamente. Como vemos, cautelas foram impostas pela Constituição italiana para ediçãode decreto-lei, tendo em vista, com certeza, ter dele abusado o regime fascista,cujofigurino, nesse terreno normativo, copiamos e abusamos no Estado Novo (1937-1945), bem como a partir de 1964 até a promulgação da Constituição de 1988. Mas a origem mais remota dessa medida acha-se no art. 48 da Constituição deWeimar (1919), da Alemanha, que permitia ao Presidente, em havendo "perturba-ção ou ameaça graves à segurança e ordem pública'', decretar medida legislativacom a aprovação a posteriori pelo Parlamento.

A Constituição da Espanha de 1978, em seu art. 82, prevê o decreto-lei, comas cautelas previstas na Constituição de Weimar. De certa forma, encontramos medida semelhante no art.16 da Constituiçãofrancesa de 1958. Desses precedentes históricos infere-se ser a medida provisória ou de urgêncíainspirada no princípio salus republicae suprema lex esto (a salvação do Estado éasuprema lei) ou, então, saluspopuli suprema lex esto (a salvação do povo é a supremalei). Esses procedimentos disfarçam o velho decreto-lei, cercado somente de cautelasdestinadas a evitar abusos por parte do Governo. Salvaguardas que, se não respei-tadas pelo Governo e pelo Congresso, podem criar insegurança para as relaç<*-*>es esituaç<*-*>es jurídicas criadas pela medida provisória, tornando mais grave a situaçãode fato que a exigiu. Enfim, o Estado moderno, não podendo omitir-se em face de imprevisível,grave e extraordinária situação a exigir urgente medida jurídica, sob pena defugir-lhe o controle da mesma, tem o dever de legislar, sob o controle imediato doCongresso. Nesse caso, edita decreto-lei (§ 73) ou medida provisória.<012>

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XI

DIREITO CONSUETUDINÁRIO - VALOR E PROVA DO COSTUME - EVOLUÇÃO DO COSTUME

75. NOÇÃO, ELEMENTOS E TIPOS O costume jurídico ou direito consuetudinário' é a fonte mais antiga do direito.Os próprios códigos da Antigüidade, como o de Hamurabi ou a Lei das XII Tábuas,nada mais eram do que compilação de costumes tradicionais. Na sociedade arcaicaera a única fonte do direito, isto por ser desconhecida a escrita. Mas, mesmo nassociedades letradas da Antigüidade, o direito legislado demorou muito a aparecer.Não estando enunciado em um texto, não é de fácil conhecimento, formando-selentamente, não tendo vigência subitamente, como no caso do decreto-lei (§ 73),pois se forma lentamente, depois de uma repetição ininterrupta de condutas ou atossemelhantes, salvo quando provém de uma decisão judicial, caso em que pode serestabelecida a sua origem. Forma-se sem a intervenção do Estado, ou seja, dolegislador. Surge de maneira lenta e espontânea, emergindo dos fatos, isto é, decondutas sociais reiteradas por largo tempo. Talvez seja o costume a única regra jurídica que p<*-*>e à prova a tese de Kant de

que do ` ` ser'' (fato) não pode surgir o ` `dever-ser'' (norma), pois, de certaforma,como notou Jellinek, dos fatos repetidos surgem os costumes, ou seja, a norma(doutrina dafor<*-*>a normativa dosfatos). O costume, ou seja, o direito não-escrito, pode ser definido como a regra deconduta usualmente respeitada em um meio social por ser considerada juridicamenteobrigatória oujuridicamert<*-*>e necessária. É a forma usual de agir reputadajuridicamenteobri<*-*>atória. Brethe de la G<*-*>rŠssaye e Marcel Larborde-Lacoste (Introduction Généraleà I'Étude dtt Droit) o definem como o usojuridicamente obrigatório.z

1 Direito consuetudinnrio é o direito costumeiro, não-escrito, usual. "Consuetudinário" vem da palavra latina consuetudine, que significa costume.2 A respeito do fundamento do costume variam as teorias: funda-se na vontade tácita do povo (Puchta, Savigny); na convicção ou crença de sua obrigatoriedade (Zittelmann, Haesaert e a doutrina tradicional); no reconhecimentojudicial (Austin, Kantorowicz, Lambert, Ross) etc.<012>

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Paulo Dourado de Gusmão

Os elementos do costume, segundo Bobbio ( ` `Consuetudine'' na Enciclopediadel Diritto), são os seguintes:1", generalidade (deve ser o comportamento ou o atorepetido por razoável número de pessoas de modo a evidenciar a existência de umaregra social em um meio social, comercial ou proftssional); 2", uniformidade (deveser repetido de forma semelhante ou idêntica); 3", continuidade (deve ser repetidoininterruptamente); 4", durabilidade (deve viger por largo espaço de tempo apto acriar a crença em sua obrigatoriedade, ou seja, a demonstrar ser de uso enraizadoem um meio social, comercial ou profissional) ; 5", publicidade ou notoriedade (nãodeve ser secreto, mas conhecido por todos). Antiga doutrina reduzia esses elementosa dois:1", elemento objetivo ou material - observância de uma praxe ou de condutausual pela generalidade das pessoas interessadas em seus efeitos, ininterruptamente,por largo tempo (longi temporis praescriptio) ; 2", elemento subjetivo - convicçãode sua obrigatoriedade jurídica (opinio iuris) e de sua necessidade jurídica (opinionecessitatis). O que distingue o costume dos usos é a convicção de sua obrigatoriedade enecessidade jurídica (opinio iuris et necessitatcs), ou seja, a convicção de quedeterminada regra costumeira éjurídica, obrigatória e necessária. Temos, portanto,no costume a repetição constante, ininterrupta, por largo tempo de uma conduta oude um ato, que gera a convicção jurídica de sua obrigatoriedade para os negócios,para a convivência social etc. Em se formando essa convicção, opera-se à transfor-mação em costume jurídico. O direito consuetudinário caracteriza-se por ser em sua origem direito não-es-crito, o que não impede a sua compilação (§ 84) depois de enraizado. Sem falar doscódigos da Antigüidade, que, como dissemos, são compilaç<*-*>es, pode-se apontar

como as mais antigas compilaç<*-*>es os Consuetudines de Gênova (1056) e o Consti-tutum usus (1161) de Pisa; que deram origem ao direito comercial (§ 118). Mas acompilação, seja of'icial ou obra de juristas, não tem força de lei, só servindoparadar certeza e publicidade ao costume. Assim, a parte pode provar em juízo estar emdesuso o costume compilado, que, não mais séndo obrigatório, é inaplicável ao casosubjudice. O costume tem vantagens e desvantagens. Corresponde melhor à realidadesocial e ao sentimento de justiça da coletividade. Modifica-se com a mudança docontexto social, atendendo-o mais rapidamente do que o legislador. Acompanha,portant<*-*>, mais de perto as transformaç<*-*>es sociais do que a lei. Porém, não estandocontido em um texto, é de conhecimento difícil. Daí depender de prova e daí a suaincerteza. Aforça obrigatória do costume decorre da crença de sua obrigatoriedade, resultantede sua observância por longo tempo em um grupo social. Em razão disso proporcionacerteza e segurança aos negócios jurídicos. Segtuança que cria com o tempo a convicçãoda necessidade e utilidade do costume.

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Introdução ao Fstudo do Direito

Pode ser o costume:1", secundum legem, ou costume interpretativo, que dá ausual interpretação de uma lei; 2", praeter legem, que supre a lacuna da lei, dispondosobre matéria não disciplinada por ela; 3", contra legem, que estabelece normacontrária à estabelecida pela lei, ou que torna usual a não-aplicação de uma lei(desuso). O costume contrário à lei, no sistema em que a lei é a fonte principaldodireito, não temjuridicamente validade. Tem, em nossa época, o costume certa limitação em sua eficácia nos paísesem que prevalece o direito codificado. Nesses países - como no Brasil - o costumeé considerado fonte subsidiária do direito, só aplicável quando a lei permitir.Portanto, onde domina o direito codiftcado, o costume, sendo fonte subsidiária, temeftcácia subordinada à lei, admitindo-se somente os costumes secundum legem epraeter legem. Mas o costume não tem o mesmo valor em todos os ramos do direito. Se nodireito comercial desempenha relevante papel, no direito civil tem valor maisrestrito. No direito penal, no regime democrático-liberal, em que predomina oprincípio de legalidade (só há crime definido em lei), não tem aplicação. No direitopúblico, principalmente no direito constitucional e no direito internacional, tem largaaplicação. Mas, para que se forme o costume constitucional, é necessário que aordem constitucional tenha certa estabilidade, não sofrendo modificaç<*-*>es constan-tes. No direito internacional público é a principal fonte, ao lado do princípio pactasuntservanda. Cessa a vigência do costume com o desuso ou com a regulamentação de suamatériapor lei. Do costume se distinguem os usos, destituídos de obrigatoriedade, apesar deúteis. Podem ser entendidos como o conjunto de atos e práticas usualmente obser-vados em razão de sua utilidade, reiterados em um meio social, destituidos deobrigatoriedade. Têm em comum com o costume a conduta ou ato repetido,faltando-lhes, entretanto, a convicção de sua obrigatoriedade. Quando ela se forma,o uso passa a ser costume. No dizer de Gény (Méthode d'Interpretation et Sourcesen Droit Prive<*-*>, são práticas que ` `concorrem para a formação dos atos

jurídicos ,especialmente dos contratos'', servindo para ` `interpretar ou completar a vontadedas partes''. Têm grande importância no direito profissional e, principalmente, nodireito comercial. Os usos comerciais, como nota Vivante (Instituiç<*-*>es de DireitoComercial, trad.), afamado comercialista italiano, ` `começam muitas vezes pelo fatode serem adotados por um comerciante com a sua clientela, em seguida tornam-sepróprios de um ramo de comércio, até que por vezes se estendem a todo um Éstadoe mesmo fora de seus limites''. Os usos podem ser gerais, se observados em todo o território nacional, e, nocaso dos comerciais, se, como entende Vivante, forem ` `seguidos em todo um ramo

"de comércio ; locais, se observados em certas regi<*-*>es, e, no caso dos comerciais,<012>

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Paulo Dourado de Gusmão

no dizer de Vivante, se observados em um lugar (praça, bolsa, mercado etc.) eespeciais, se, como entende Vivante, próprios de certos ramos de comércio (comér-cio de óleo, retalho etc.). Como os costumes, os usos dependem de prova.

76. PROVA E EXTINÇÃO DO COSTUME

Depende o costume de prova? A doutrina antiga, considerando que o juizestava obrigado a conhecer somente as leis e não a ordemjurídica, obrigava a partea prová-lo. Mas, a nosso ver, devemos distinguir, a respeito do costume, o sistemado direito continental ou legislado do sistema do Common Law (§ 166). Neste, emque o costume e o precedente judicial são fontes principais do direito, o juiz tem odever de conhecê-lo. Mas no sistema continental, em que a lei é a fonte principal dodireito, ojuiz pode desconhecê-lo. Neste caso, o costume deve ser provado por quemo invoca. Prova-se o costume por todos os meios admitidos em direito. Finalmente, o costume desaparece juridicamente pelo desuso: basta não sermais observado para não ter mais existênciajurídica (vigência).

77. COSTUME NA SOCIEDADE ARCAICA

O direito consuetudinário é a primeira manifestação do direito n<*-*> sociedadearcaica, talvez pela simples razão de o primitivo não conhecer a escrita. Eratransmitido oralmente. É a fonte mais antiga do direito. Na sociedade arcaica, o costume consistia na repetição constante de certos atosamparados pelas tradiç<*-*>es. Daí sua inflexibilidade. Era observado rigorosa efel-mente, porquanto, sendo sagrado, inobservá-lo atrairia a ira, a maldição ou a puniçãodraconiana pelos deuses da tribo ou da cidade. Mas, era essa crença que garantiaasua e icácia. Naquele tempo, estavam confundidos os costumes morais, religiosos e jurídi-cos. Daí a sacralidade dos mesmos. Eram casuísticos, desprovidos de generalidade.Sagrados, não podiam ser modi icados ou desrespeitados, sob pena, como era

crença, de abater sobre todo o grupo a vingança dos deuses ou a reação de forçassobrenaturais que naquele tempo os povos acreditavam govemar o Universo. Daí ocaráter conservador, inflexível, rígido do costume dos povos arcaicos. Garantidoporsanç<*-*>es sobrenaturais e religiosas, modificava-se diftcilmente. A imutabilidade é asua nota característica. Como bem esclarece Declareuil, o costume dos povos antigosé um fato que independe de convicçãojurídica ou de consentimento. Era observado,repetido, imitado pelo respeito que os povos primitivos tinham a quem pensavamtê-lo estabelecido, ou, como diz Declareuil (Roma y la Organización del Derecho,trad.), por ` `parecer bom e respeitável''. Era fato consumado para esses povos,queacreditavam ter sido estabelecido ou sancionado por processos sobrenaturais. O

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Introdução ao Estudo do Direito

homem pré-letrado, primitivo, como era denominado impropriamente, e os povosda Antigiiidade, não o julgavam, não indagavam sua validez e não discutiam a suavalidade, por considerá-lo sagrado, objeto de veneração e de respeito. Era impera-tivamente obrigatório. Em regra negativo, garantido draconianamente por sanç<*-*>esseveras, que excediam a gravidade do delito, muitas vezes desumanas. Esse direitoera constituído em quase sua totalidade por proibiç<*-*>es (v. §§ 157 e 158).<012>

XII

FONTES INFRA-ESTATAIS DO DIREITO-CONTRATO GOLETIVO DE TRABALHO- JURISPRUDENCIA E DOUTRINA

78. DIREITO INFRA-ESTATAL

Examinando a História, verif'ica-se poder ser o direito constituído independenteda atividade legiferante do Estado. Já se disse que as convenç<*-*>es coletivas de trabalho,expressão, como querem uns, do direito social, atestam o declínio da lei e a suaimpossibilidade de disciplinar relaç<*-*>es que só os grupos representativos de catego-rias profissionais poderão fazê-lo de forma a satisfazer os seus interesses em conflito.Por outro lado, ajurisprudência, que no direito anglo-americano é a fonte principaldo direito, já foi, como veremos em outro capítulo (cap. XXXI), na Antigüidade, aprimeira fonte do direito, criadora do costume. No direito romano, foi ajurisprudên-cia dos pretores que o tornou monumento jurídico, enquanto no direito moderno, naFrança, foi a introdutora de teorias avançadas, como, por exemplo, a do abuso dodireito no direito francês. A doutrina (§ 81) que na Idade Média, no século XII,foia responsável pelo renascimento do direito romano na Europa, tem sido a guia d<*-*>ajurisprudência inovadora como no caso acima indicado, bem como da legislação.Dito isto, cabe a pergunta: qual o valor dessas fontes? É o que passaremos aexammar.

79. CONTRATO COLETIVO DE TRABALHO

'"i<*-*>f<*-*><*-*>i`t'c'i<*-*>x <*-*>Cs

É a convenção estabelecida pelas associaç<*-*>es representativas de empregadose de empregadores, com o fim de estabelecer normas gerais obrigatórias para oscontratos individuais de trabalho. É, pois, o contrato que estabelece regras gerais aserem observadas obrigatoriamente nos contratos de trabalho. Distingue-se, porfanto,do contrato individual, primeiro por estabelecer norma geral, enquanto este, normaindividual; segundo porque vincula todas as pessoas, mesmo as que não o celebra-rem, mas que se incluem, profissionalmente, na categoria econômica representadapelo sindicato signatário do mesmo, e terceiro porque vale como lei por tempo<012>

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Paulo Dourado de Gusmão

indeterminado, enquanto o contrato individual, como lei entre as partes, por tempodeterminado ou determinável. Entretanto, é lícito dizer-se que o contrato coletivode trabalho, sendo contrato, só vincula aqueles que pertencem à categoria represen-tada pelas associaç<*-*>es contratantes, isto é, pelas signatárias do mesmo. O aspecto mais importante do contrato coletivo de trabalho está no fato de quesuas cláusulas constituem normas jurídicas gerais, reguladoras das condiç<*-*>esdetrabalho a serem observadas em futuros contratos individuais de trabalho. Assim,ascláusulas dos contratos coletivos de trabalho vinculam aqueles que pertencem àcategoria econômica representada pelo sindicato, independentemente de se acharemou não sindicalizados. Por esse motivo é fonte de direito positivo, uma vez queestabelece regras gerais que os contratos individuais de trabalho devem observar.Estes últimos são fontes de direito subjetivo (§ 147), e não de direito objetivo(§ 33),como é o caso do contrato coletivo de trabalho (§ 79). Destarte, o contrato coletivo de trabalho estabelece preceito geral, aplicável,coercitivamente, a todos os que pertencem ou vierem a pertencer à categoriaeconômica representada pelo sindicato, não podendo, portanto, empregado ouempregador modificar as condiç<*-*>es de trabalho nele estabelecidas. É, ássim, formade direito objetivo. Deste modo, se a lei, regulando o contrato de trabalho, limita a autonomia davontade, o contrato coletivo de trabalho é um limite a mais à liberdade contratual. Pelo exposto, podemos definir o contrato coletivo de trabalho como contratonormativo, contrato-lei ou ato-regra queprescreve normas gerais aplicáveis a todosos que pertencem ou vierem a pertencer a uma determinada categoria econômicaou profissional.

80. JURISPRUDÊNCIA

É o conjunto uniforme e reiterado de decis<*-*>es judiciais (julgados) ou seja, desoluç<*-*>es contidas nas decis<*-*>es dos tribunais sobre determinadas matérias. Portanto,como fonte de direito, no direito codificado (França, Brasil, Portugal etc.) nãoresultade umúnicojulgado, como ocorreno direito anglo-americano (§ 166), em que, na ausênciade anterior decisão semelhante, a sentença prolatada pelo juiz, contendo solução

jurídica nova para determinado tipo de caso, se transforma em precedente judicial.É, pois, a jurispudência o conjunto de regras ou principiosjuridicos extraidos dedecis<*-*>esjudiciais reiteradas e uniformes, ou, então, a regra de direitojurispruden-cial decorrente não de decisão isolada, mas de decis<*-*>es reiteradas e uniformes. '

I Pode ser definida, ainda, do ponto de vista prático, como o conjunto uniforme e reiterado de decis<*-*>es juáiciais, sobre determinadas quest<*-*>es juridicas, qae permiteprever como decidirá o tribunal que a observar em caso annlogo.

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Introdução ao Estudo do Direito

Teoricamente, no direito europeu (§ 166), ao qual está o nosso ftliado, a regrade direito jurisprudencial não tem força obrigatória, não obrigando, assim, a obser-vá-la os juízes. Todavia, se assim é em teoria, na prática não é, pois ajurisprudênciados tribunais superiores vincula indiretamente as decis<*-*>es de inferiores jurisdiç<*-*>es,pois dessas decis<*-*>es cabe recurso para tais tribunais. Mas, juridicamente é possível,sem quebra do sistema codificado, dar força vinculante às decis<*-*>es dos tribunaissuperiores, por força de disposição constitucional. Ajurisprudência, como resultado da interpretação do direito positivo, varia notempo e no espaço, sofrendo a influência das transformaç<*-*>es sociais. Mas, para queo direito positivo tenha unidade e haja certeza do direito, o Estado modernopreocupa-se em unificá-la, atribuindo, constitucionalmente, a tribunais superiores(Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça) tal missão. Todavia, aunificação da jurisprudência dos tribunais pelos tribunais superiores tem duraçãorelativa, porque, não sendo lei, pode ser modificada pelo próprio tribunal que aestabelecer. No Estado de tipo federativo essa missão dos Tribunais Superiores édegrande importância. Mas, de modo geral, mesmo em face da pluralidade de tribunais e dejurisdiç<*-*>esexiste certa uniformidade na Jurisprudência. Uniformidade que resulta, primeiro,dofato de haver base comum: a norma legal em que se fundar. Tendo os juízes deobservar a mesma lei, comum a todos, decidirão de forma análoga; segundo, daformação jurídica uniforme dos juízes; terceiro, dos valores, das idéias, ideologias,enfim, da atmosfera sociocultural que respira o juiz, comum a todos os juízes,dominante em uma sociedade em determinada época. Todos esses fatores fazemcom que ajurisprudência dos tribunais seja, de certa forma, uniforme. Deve-se acrescentar: há hierarquia najurisprudência dos tribunais, podendoser os julgados escalonados, culminando com a jurisprudência do Suprem<*-*>Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, que podem ter por base ajurisprudência de tribunais estaduais ou regionais. Para finalizar, a jurisprudência, como fonte formal de direito positivo, é aregra juridica extraida de julgados reiterados e uniformes dos tribunais de umEstado ou de um tribunal internacional. Nâo resulta de decis<*-*>es judiciais isoladasou divergentes, mas decorre de decis<*-*>es uniformes e reiteradas. Existejurisprudên-cia secundum legem, resultante da interpretação judicial do direito positivo vigente.

Nesse sentido, é a interpretação constante e uniforme do direito positivo dada emsentenças prolatadas porjuízes. Pode serpraeterlegem, quando as decis<*-*>esjudiciaisconstroem regrajurídica para o caso de lacuna do direito positivo. E ajurisprudênciacontra degem? Achamos que as decis<*-*>esjudiciais não podem ser contrárias ao direitovigente, pois cabe ao juiz aplicar, e não criar, o direito positivo. Mas,<*-*>narealidade,muitas vezes, a pretexto de interpretar, os juízes decidem contra legem, como sesecundum legem fosse. No direito francês, a responsabilidade por riscos, admitida<012>

124Paulo Dourado de Gusmão

pela jurisprudência, era incompatível com a responsabilidade fundada na culpa provada pelo lesado (responsabilidade subjetiva) prevista no Code Civil, aindaem vigor. Da jurisprudência uniforme e reiterada pode surgir o coslume (§ 75). Como a jurisprudência resulta da interpretação da lei dada por juízes, que,como homens, podem ter pontos de vista, saber, crenças, ideologias e valoresdiferentes, acontece modificar-se ajurisprudência com a modificação da composi-ção dos tribunais, com a aposentadoria ou morte de seus membros, mudando,conseqüentemente, viajudicial, o direito. No sistema continental (§ 166), isto é, no direito codificado, como é o caso donosso, o valor da jurisprudência como fonte de direito é relativo, apesar de, narealidade, o direito depender da interpretação dada pelos tribunais. As decis<*-*>es detribunais superiores são constantemente invocadas pelos advogados e servem, muitasvezes, de reforço para as decis<*-*>es de instâncias inferiores. Entre nós, o SupremoTribunal Federal editou Súmulasde suajurisptudência predominante, que representaa interpretação oficial do direito estabelecida por essa egrégia Corte. Tais súmulasestão, sem sistema, enumeradas para facilitar a sua indicação, bastando ao juizindicá-las pelo número sem necessitar transcrevê-las, pois são do conhecimento dosadvogados. O mesmo ocorre com as súmulas do Superior Tribunal de Justiça. Talprática constitui enfraquecimento da rigidez do direito codificado. No sistemaanglo-americano, como já dissemos, os precedentes judiciais são as fontesprincipais do direito. No direito internacional público (§ 91), ajurisprudência dascortes internacionais ao lado dos tratados, das convenç<*-*>es e dos costumes interna-cionais, é a fonte principal do direito. Apesar de a jurisprudência se antecipar, muitas vezes, ao legislador, comoaconteceu entre nós acolhendo a revisãojudicial dos contratos leoninos, não previstaem norma legislativa (lacuna da lei), ou quando definiu o concubinato comosociedade de fato para, socorrendo-se das regras do direito das sociedades (art.1.363do Código Civil), amparar patrimonialmente à concubina quando ocorrer o rompi-mento do mesmo, ou, ainda, como fizeram, também, os tribunais franceses introdu-zindo no direito positivo francês, de índole individualista, conceitos e normasoriundos do direito social, como a teoria do abuso do direito, a responsabilidade civilobjetiva e a revisão judicial dos contratos, ou, então, a jurisprudência dos pretoresromanos da qual resultou o direito romano; a jurisprudência, dizíamos, apresentadesvantagens, devendo ser admitida, com certas reservas, como fonte do direito.Não há dúvida de que espelha o direito vivo, traçando novos rumos para o direito,colaborando para atualizar o direito quando o legislador primar pela ausência.

Tudoisto é verdade, mas daí não se deve concluir ser ela superior às demais fontes.Principalmente porque, como nota Roubier (Théorie Générale du Droit), a jurispru-dência tem o seu lado fraco "que reside na circunstância de que a regra de direito

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Introdução ao Estudo do Direito

por ela estabelecida não se estende sobre toda uma questão, s"não, somente, emvirtude de ser ditada para um caso individual, sobre um ponto particular; por isso,freqüentemente, são necessárias numerosas decis<*-*>es para chegar a um conjuntocoerente, sobre o qual o direito esteja def'inido". "Entretanto", prossegue Roubier,"a competência técnica e a imparcialidade dos juízes são garantia de primeira ordemdo valor de regra". Finalmente, a jurisprudência, para ser conhecida, deve ser divulgada, pois docontrário fica perdida nos processos. No Brasil, a jurisprudência da Justiça Federalé divulgada no Diário Oficial, bem como em revistas especializadas, dentre as quaisdevem ser citadas a Revista Trimestral de Jurisprudência do Supremo TribunalFedera<*-*> a Revista do Superior Tribunal de Justiça, a Revista Forense, a Revista dosTribunais, as revistas de jurisprudência dos tribunais estaduais etc. Na Inglaterra enos Estados Unidos é conhecida e divulgada através de reports, isto é, de coleç<*-*>esde julgados. Advogados e juízes fundam-se na jurisprudência publicada nos reper-tórios especializados. Arrazoados, sentenças e acórdãos dostribunais transcrevemou citam decis<*-*>es anteriores. É comum, sendo até previsto em lei, recursos, como orecurso especial, para o Superior Tribunal de Justiça, e o recurso extraordinário,para o Supremo Tribunal Federal, motivados pela inobservância da jurisprudênciapredominante nesses tribunais. Portanto, ajurisprudência é, na verdade, a fonte vivado direito. O mais, mistiftcação. z

81. DOUTRINA

É o conjunto de idéias enunciadas nas obras dos jurisconsultos sobre determi-nadas matérias jurídicas. Pode ser definida, commais singeleza, como a opiniãdcomum dos jurisconsultos sobre determinada questão juridica. Adquiriu força defonte do direito em Roma com a opinião dos jurisconsultos clássicos (prudentes oujurisprudentes) manifestada nas respostas às consultas (responsa) a eles feitas.Inicialmente, como ensina Declareuil (Roma y la Organización del Derecho, trad.),os prudentes faziam obra literária, devendo à sua cultura e ao seu prestígio pessoala influência que exerceram sobre a formação do direito. Depois, Augusto (princeps)concedeu a alguns deles o jus publice respondendi ex auctoritate princeps, isto é,"o direito de dar consultas escritas e seladas, cuja solução se impunha ao juiz noprocesso originador da consulta, salvo se as partes tivessem obtido consultas contrárias

2 Consultar entre nós o trabalho de Oscar Tenbrio: "A Formação Judicial do Direito", in Revista de Jarisprudência do TJEG, n" 9,1965, e o de Femando Pinto, Jurisprudência,

fontefownal do direito, Rio de Janeiro,1971, bem como o capítulo "O Direito, a Lei e o Juiz" do nosso livro Filosofia do Direito, Forense,1994.<012>

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no mesmo negócio". Foi assim reconhecida a autoridade de declarar o direito aosjurisconsultos Papiniano, Paulo, LTlpiano, Gaio e Modestino.3 A opinião desses juristas, em regra, consiste em comentários do direito vigenteem Roma. Entretanto, não se furtaram eles, em certos casos que fugiam da rotina,de introduzir princípios novos, ditados pelas necessidades práticas ou sugeridospelaexperiência, ao buscarem as raz<*-*>es profundas das quest<*-*>es a eles submetidas. NaIdade Média, quando os "doutores" estavam de acordo sobre unta questão juridica,a doutrina tinha grande autoridade (communis opinio doctorum). Tiveram os jurisconsultos, como dissemos, grande importância no períodoclássico do direito romano, bem como na Idade Média, quando foi introduzido odireito romano na Europa por obra dos juristas medievais com base na opinião doscitados jurisconsultos romanos. Pode-se dizer ser o direito comum dominante naAlemanha até 1900, isto é, até a entrada em vigor do Código Civil alemão, obra dadoutrina. Depois das codificaç<*-*>es, a doutrina foi, como fonte autorizada, colocada àmargem, tornando-se os códigos as fontes únicas do direito. Desde então, o legisla-dor dominou a cena, pelo menos até os anos 20, quando reapareceu o jurisconsulto,respeitado pelo seu saberjurídico, fazendo renascer a doutrina como fonte do direito,porque os códigos estavam envelhecidos, não correspondendo mais às condiç<*-*>essociais e econômicas do começo do século. A doutrina não é, segundo a opinião dominante, em nossa época, fonte imediatado direito, pois não tem o jurista mais jus respondendi; só indiretamente contribuipara a formação do direito, não só sugerindo reformas legislativas, como, também,dando interpretação autorizada do direito vigente. Se, porém, teoricamente, essa é a posição da doutrina em relação com as demaisfontes do direito em nossa época, principalmente no direito continental (direitoeuropeu codificado e latino-americano), na prática, a doutrina é, sem dúvida, fonteinspiradora das decis<*-*>es judiciais. A autoridade de certos juristas' leva osjuízes aacolher a interpretação do direito por eles dada. É comum encontrarmos nassentenças e nos pareceres citação da opinião de jurisconsultos, e, muitas vezes,

3 Nesse caso, a doutrina, ou seja, a opinião desses jurisconsultos, tinha força de lei. O Digesto (§ 161 ), de Justiniano nada mais era do que a compilação da doutrina dos juristas romanos da época clássica.4 A obra de Aubry e Rau exerceu profunda influência na Corte de Cassação francesa, enquanto a de Laurent, na jurisprudência dos tribunais belgas, como nota Boulanger ("II método dell'inter- pretazione giudiziaria", na Rivista di Diritto Commerciale,1951). As opini<*-*>es de Clóvis Beviláqua, Pontes de Miranda etc. têm exercido intluência na jurispnidência de nossos tcibunais. O Código dc Napoleão, ou seja, o Código Civil fiancês, inspirou-se nas idéias de Domat e de Pothier, enquanto nas

de Windscheid, o Código Civil alemão.

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Introdução ao Estudo do Direito

nessas opini<*-*>es se fundam os julgados. Quantas vezes os pareceres dos doutostêmmodi icado a opinião de juízes ! Assim, não devemos fugir à realidade e pretender escondê-la, mas sim desejarque os juízes se aproximem da boa doutrina, da verdadeira autoridadejurídica, e nãodos falsos mitos jurídicos. A doutrina, como fonte do direito, é o conjunto de regras, idéias e princípiosjurídicos extraídos das obras dosjurisconsultos. Deve ser uniforme, isto é, sustentadapela maioria dos jurisconsultos de uma época. Mas, em certos casos, um únicojurisconsulto, de grande fama pela sua cultura, inteligência e erudição, com suasobras, tem autoridade (cultural) para criar direito, desde que suas idéias sejamacolhidas pelos tribunais. Assim, em nossa época, em que o jurisconsulto oficial-mente não mais declara o direito, a doutrina por si só, sem o acolhimento dostribunais ou sem a formação de costumes, não cria direito. A doutrina pode ser secundum legem, se resulta da interpretação dada porjurisconsultos de um texto legal; pode ser praeter legem, quando das obras dosjurisconsultos podemos tirar soluç<*-*>es para as lacunas do direito, e, finalmente,contra legem, se contrária ao disposto no direito vigente. Neste último caso, nosistema codificado, isto é, legislado, a nosso ver, a doutrina tem valor para oslegisladores, indicando reformas a serem introduzidas no d_reito positivo. Mas nemsempre é assim na prática, pois, como já dissemos no parágrafo anterior, a doutrinafrancesa criou as teorias do abuso do direito e da responsabilidade civil decorrentede riscos, incompatíveis com o Code Civil, mas que foram acolhidas pela jurispru-dência francesa. No sistema anglo-americano, em que o direito é declarado pelosjuízes, a doutrina contrária ao direito vigente (contra legem), incompatível comosprecedentesjudiciais, em oposição à orientação dominante najurisprudência, podelevarjuízes e tribunais a modificarem ajurisprudência e, assim, o direito. Razão tem, pois, Morin ("Le rôle de la doctrine dans 1'élaboration du droitpositif', em Le ProblŠme des Sources du Droit Positi<*-*>: deve a doutrina se esforçarpara abrir caminho para a ordem jurídica nova, mantendo a antiga, através daconciliação das noç<*-*>es fundadas no direito retrógrado com as exigências do direitonovo. Não deve assim ser exclusivamente conservadora, pois deve dar soluç<*-*>esjurídicas para as quest<*-*>es criadas pelas modificaç<*-*>es da realidade social. Daí Morinter sustentado ser a missão mais elevada da doutrina construir a estrutura técnica daordem jurídica nova. Respondendo a Ripert, no Congresso de Filosofia do Direitorealizado em Paris em I 933, disse Morin: "A doutrina não deve ser conservadoraou revolucionária, deve corresponder aos fatos". E indaga: "Será conforme aoespírito científico manter as categorias tradicionais do direito civil quando osfatos,isto é, a realidade jurídica viva está manifestamente em oposição com eles? Seráatode ciência utilizar para as construç<*-*>es jurídicas princípios incapazes de exprimir arealidade do direito que se deve descrever e compreender?" Achamos que não, a<012>

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doutrina deve ser conservadora quando assim exigir a realidade social, avançada,nas épocas de transformaç<*-*>es, antecipando-se ao legislador, facilitando o trabalhodos tribunais, indicando novos caminhos e novas soluç<*-*>es para problemas imprevi-síveis ao legislador quando formulou a legislação vigente. A doutrina francesa, tãocitada neste livro, demonstrou o valor da Ciência do Direito no progresso do direito. Finalmente, a doutrina tem, como nota Roubier (Théorie Générale du Droit),a "vantagem de constituir um conjunto coerente de soluç<*-*>es, estabelecidas indepen-dentemente de toda consideração de espécie; a competência técnica e a irnparciali-dade do jurisconsulto são garantias do valor da regra, posto que esta não se imp<*-*>esenão por suas próprias qualidades".

XIII

FONTES SUPRA-ESTATAIS DO DIREITO- TRATADO INTERNACIONAL - COSTUME

INTERNAGIONAL E PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO DOS POVOS CIVILIZADOS

82. FONTES SUPRA-ESTATAIS O Estado não é, como jamais foi, auto-suficiente. Depende da economia eda cooperação dos demais países, ou seja, da ordem econômico-financeirainteroacional. O desenvolvimento nacional depende do volume do comérciointeroacional, bem como do estabelecimento em seu território de empresas multi-nacionais, de investimentos de instituiç<*-*>es financeiras ou de contribuiç<*-*>es deinstituiç<*-*>es culturais internacionais. Por isso o Estado tem interesse em sesubmeter às regras do direito internacional (§ 91). Participa compulsoriamenteda comunidade internacional, como membro de organização internacional (§ 95)de âmbito mundial (ONU) ou regional, como, por exemplo, a OEA (§ 96), no casoda América. Normas internacionais não escritas e princípios de direito que desdeaIdade Média vêm sendo estabelecidos pelos doutos, regem a comunidade interna-cional. Do consenso dos Estados depende a vigência dos tratados internacionais, áosquais soberanamente se submetem e dos quais, também soberanamente, podem sedesvincular, denunciando-os. Assim, há fontes do direito que estão acima do Estado,ou seja,fontes supra-estatais do direito independentes do consentimento do Estado,como, por exemplo, os costumes internacionais, e fontes dependentes desse consen-timento, como os tratados e convenç<*-*>es internacionais.

83. TRATADO INTERNACIONAL

É o acordo concluido por escrito entre Estados soberanos, contendo regrasgerais disciplinadoras de suas relaç<*-*>es. I Também denominado convenção, pacto

1 Têm sido feitas distinç<*-*>es, sem grande alcance, no gênero tratado: tratado, quando tiver conteúdo político (tratado de aliança, de não-agressão, de paz, de neutralidade etc.); pacto, com conteúdo político mais restrito; convenção, de natureza econômica,judiciária ou de direito privado; acordo,<012>

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ou convênio internacional, estabelece norma de validez internacional circunscritaaos países que o celebrarem, ratificarem ou a ele aderirem. O tratado obriga, assim, os Estados que o tiverem ratificado ou os que a eletiverem aderido. Portanto, não obriga terceiros-Estados, isto é, os que não o tiveremratificado ou não tiverem a ele aderido, salvo se se tratar de tratado consolidador oucodificador de costume internacional (§ 82) preexistente. A adesão a um tratado pode ser com reservas, desde que declarada expressa-mente e especificada. A ratificação é ato que pode ser praticado por representantedo Estado, pelo Chefe de Estado, pelos Ministros das Relaç<*-*>es Exteriores e peloschefes de miss<*-*>es diplomáticas, ou seja, por autoridade constitucionalmente autori-zada a celebrá-lo. Como a lei (§ 69) o tratado prevê a data de sua entrada em vigor. Sendo um acordo por escrito, em sua interpretação deve ser perquirida, comonota Verdross (Derecho Internacional Público, trad.), a "autêntica vontade daspartes''. Os termos nele empregados devem ser entendidos no ` `sentido comum'' e` `à luz de seu objetivo e finalidade'' (ConvenÇão de Viena de 1969). Pela denúncia do tratado, o Estado que o tiver subscrito ou a ele tiver aderidopoderá deixá-lo de observar. Porém essa decisão deve ser comunicada aos demaisEstados-partes em prazo razoável. A obrigatoriedade dos tratados funda-se no princípio fundamental do direitointernacional: pacta sunt setvanda, segundo o qual os Estados devem respeitar ospactos por eles estabelecidos. Esse princípio, segundo Kelsen, Verdross e Anzilotti,constitui a norma fundamental do direito internacional convencional (§ 89). Não éesse princípio suscetível de demonstração jurídica, por não se encontrar em normaalguma, não sendo, portanto, deduzível do direito escrito. Apesar disso, é pressu-posto da eficácia dos tratados intemacionais. É, portanto, fonte primária do direitointernacional convencional. Tratado transforma-se em norma de direito interno, tendo assim força de lei,obrigando o juiz a respeitá-lo e aplicá-lo aos casos a ele submetidos, quando, naforma prevista na Constituição, for por ato legislativo do Congresso Nacional(decreto legislativo) aprovado, e por decreto do Presidente da República promulga-do, dando-lhe assim executoriedade. Destarte, o tratado internacional, para ter valorde direito interno, ou seja, de lei, depende de dois atos normativos : decreto legislativodo Congresso Nacional e decreto do Presidente da República. Exemplo pode ser

de natureza comercial; concordata, com a Igreja. A distinção entre tratado-lei (tratado deproduçãojurídica, estabelecedor de norma de validez geral) e tratado-contrato outratado-negócio(fonte de relaç<*-*>es ju6dicas, estabelecedor de normas concretas) não é aceitapela maioria dosintemacionalistas.

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Introdução ao Estudo do Direito

dado : o Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário n" 71.154, considerou

ter vigência, no plano do direito interno, a Lei Uniforme sobre cheque, adótada pelaConvenção de Genebra de 1931, aprovada pelo Congresso Nacional, pelo DecretoLegislativo n" 54, de 1964, promulgada pelo Decreto n" 57.595, de 1966. Incorpo-rado ao direito interno, o tratado passa a ter força de lei. O direito resultante dos tratados denomina-se direito internacional convencional. Finalmente, os tratados, desde a Convenção de Viena de 1969, são regidos pornormas escritas (direito dos tratados) que disciplinam a elaboração, aprovação, ratifi-cação, adesão, interpretação, aplicação, modificação e extinção dos mesmos.

84. COSTUMES INTERNACIONAIS

São os usos observados e reconhecidos unifornzemente pelos Estados sobera-nos em suas relaç<*-*>es. São necessários ao comércio e às comunidades internacionais.O art. 38, letra b, do Estatuto da Corte Internacional de Justiça (§ 95), de 1945,deftne-os como ` `práticas gerais aceitas como direito ' '. São, no dizer de Sibert(Traité de Droit International Public), "juridicamente necessários para manter edesenvolver as relaç<*-*>es internacionais". Não têm as mesmas características dodireito interno consuetudinário, pois são mais usos ou práticas aceitos como obriga-tórios pelos Estados soberanos que os observarem. Resultam de fatos, ou seja, deatos reiterados, observados nas relaç<*-*>es internacionais, que criam a presunção deserem respeitados. No dizer de Anzilotti (Corso di Diritto Internazionale Pubblico),decorrem de "atos dos Estados no campo das relaç<*-*>es internacionais dos quaisresulta a sua vontade de se comportarem recíproca e obrigatoriamente em dadomodo''. Não podem transgredir ou se opor aos tratados internacionais e aos ` `prin-cípios gerais do direito dos povos cultos" (§ 83). . Podem ser regionais ou particulares, ou seja, praticados por alguns Estadossoberanos, por exemplo, válidos no Continente americano, como podem ser gerais,válidos para países de continentes diferentes. Os regionais não valem contra tercei-ros-Estados, ou seja, contra países de outras regi<*-*>es. A obrigatoriedade dos costumes internacionais funda-se no principiofunda-mental do direito intemacional: consuetudo est servanda, segundo o qual os paísesdevem agir da maneira que usualmente agem nas suas relaç<*-*>es internacionais.Segundo Kelsen, esta é a norma fundamental do direito internacional.

85. PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO DOS POVOS CIVII.IZADOS

No dizer de Verdross (Derecho Internacional Público, trad.), são os ` `princí-pios concordantes que informam os ordenamentos jurídicos dos povos civilizados'' ,aplicáveis às relaç<*-*>es internacionais. Por isso, são denominados principios gerais<012>

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do direito reconhecidospelas na<*-*><*-*>es civilizadas. São os princípios gerais do direitode países que, segundo Cansacchi (Istituzioni di Diritto Internazionale Pubblico),têm ` `corr<*-*>um grau de civilização''. São assim princípios comuns aos direitos depovos que têm afinidades na sua formação cultural e que têm, portanto, sistemasjurídicos semelhantes. Não são, dessa forma, princípios do direito natural ou

decorrentes da eqüidade ou da razão, mas princípios do direito dos povos cultos.Não se confundem também com os principios gerais do direito (§ 139), que, no casode lacuna (§ 139), insanáveis com o recurso às disposiç<*-*>es concernentes aos casosanálogos ou aos costumes, podem dar a solução ao juiz para o caso não previsto nodireito interno (§ 90). Ditos princípios aplicam-se no caso de lacuna (§ 139) do direito internacional(§ 91), ou seja, quando inexistir tratado ou costume internacional ou, ainda, juris-prudência da Corte Internacional de Justiça (§ 95) para solucionar uma questãointernacional. Por isso, esses princípios sãofontes subsidiárias do direito internacio-nal. Facilitam a interpretação dos tratados. Limitam a vontade dos Estados sobera-nos, pois contra os mesmos regra alguma deve ser estabelecida por tratado ou porcostume internacional. De todos esses princípios, dois são fundamentais: consuetudo est servanda,que obriga os países a observarem os costumes internacionais, epacta suntservanda,que os obriga a observarem os tratados internacionais.

XIV

CODIFICAÇÃO - RECEPÇÃO DE DIREITO ESTRANGEIRO

86. CODIFICAÇÃO

A Codificação como movimento jurídico alcança o seu apogeu no séculoXIX. Em razão dela os direitos ocidentais, quanto à forma, se dividem em: a) direitocontinental, ou direito codificado, que compreende o grupo francês, balizado peloCódigo de Napoleão (Code Civil des Français) de 1807, e o grupo alemão marcadopelo Código Civil alemão (BGB) de 1900; b) sistema da Common Law ou do grupoanglo-americano, em que predomina o precedente judicial. ' O movimento, apesar de não ser muito antigo, pois data de pouco mais de umséculo, foi conhecido desde a Antigüidade. A história do direito romano processa-seentre duas códificaç<*-*>es: a Lei das XII Tábuas e o Corpus luris Civilis de Justiniano.Na Suméria existiram codificaç<*-*>es famosas. Até bem pouco tempo era tido o Códigode Hamurabi como a mais antiga codiftcação. Não só a mais antiga como tambéma mais desenvolvida, prevendo vários tipos de contrato e, sem caráter obrigatório, areparação do dano, em vez da "lei de Talião" ("dente por dente, olho por olho"),que também era admitida. Até a última guerra, tinha-se esse código como o maisantigo. Mas na Suméria, em 1947, foi descoberto outro código, atribuído a um reichamado Lipit-Istar, que reinou 150 anos antes de Hamurabi. Entretanto, em 1948,outro código mais antigo foi encontrado, escrito na língua semítica-babilônica, deautoria do rei Bilalama, que viveu 70 anos antes de Lipit-Istar. Mas essa prioridadefoi posta abaixo pela descoberta de um código muito anterior ao de Lipit-Istar, oCódigo de Ur-Namu, que, apesar de estar gravado em uma tabuinha muito danifi-cada, demonstra o alto espírito de justiça desse rei, substituindo a lei do ` `olho porolho'' por multa em dinheiro. Está contido em uma ` `tabuinha'' de argila, cozfda aosol, conhecida por ` `tabuinha de Istambul''. Desses códigos sumerianos se conclui

I O Brasil, pafs em que domina o direito escrito, ou seja, a legislação, pertence ao grupo do direito

continental. Sobre o sistema continental e da Common Law, vide § 166.<012>

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que o de Hamurabi deve ter sido compilação de antigas leis. Neles não se encontradistinção entre direito civil e penal e desses com o processual. Pondo de lado essas quest<*-*>es, pode-se dizer que na civilização européia omovimento codificador desponta no século XVlll. Não se manifestou, a princípio,em códigos, mas em compilaç<*-*>es, isto é, na reunião em um único texto de leisesparsas ou de costumes, como Les lois civiles dans leur ordre naturel (1687 e 1694),como as Ordenaç<*-*>es de Luís XIV, de 1747 e de 1748, a compilação prussiana de1784 a 1788, a coleção de leis italianas, aparecida em 1723, o Codex MaximilianeusBavaricus civilis de 1756. Só em 1804 é promulgado o primeiro código moderno:o de Napoleão (Code Civil des Français ou Code Napoléon). Que significa esse movimento? Significa a tendência para enfeixar em umaúnica lei matéria jurídica vasta, em regra, uma parte do direito, com o objetivodedar-lhe unidade de tratamento jurídico. A lei, nesse caso, se denomina Código, dolatim codex.2 Portanto, código é o conjunto de normas ordenadas deforma sistemcitica,enumerada,s segundoplanopredeterminado, que rege matériajuridica vasta, em regra,correspondente a umaparte do direito. É o caso do nosso Código Civil, do nosso CódigoPenal etc. Mas codificação, como movimentojurídico, não é a formulação de códigos- muitos países, que pertencem ao sistema da Common L<*-*>w, têm alguns códigos -,mas sim a adesão ao direito escrito, ao direito codificado ou legislado, para o quala lei é a principal fonte do direito. Nesse caso, em códigos estão os principaisramosdo direito. O Brasil, a França, a Alemanha, a Itália, Portugal, Espanha etc., oumelhor,a maioria dos países ocidentais adotou essa posição. Os códigos podem ter por objetoo direito privado, como também o direito público. Temos, assim, Código Civil(direito privado), Código de Processo Civil (direito público) etc. A codificação não só unifica o direito, dando em uma lei vasta matériajuridica,como também a apresenta de forma orgânica, unificada, sistematizada, em vütudenão só de suas regras observarem princípios gerais informativos do todo, como,também, de as normas codificadas serem agrupadas pelo escopo que perseguem.Não é raro se inspirarem numa filoso ia, como, por exemplo, o Código de Napoleão,sob a influência do individualismo juridico. Por tudo isso, as suas normas não estãoem conflito, mas integradas, havendo entre elas compatibilidade. Acaba a codificação com a legislação dispersa, unificando-a. Apresenta, quasesempre, tratamento jurídico novo. O código, unificando o direito, pode resultar da necessidade de atualizar alegislação, como pode, também, decorrer do reconhecimento por parte do legislador

2 Código (Codex), na Antigiiidade, era o conjunto de tabuletas, recobertas de cera, presas umas às outras, em que eram gravadas normas. Depois, passou a designar folhas de pergaminho em que as normas eram escritas, em duas colunas, formando, de quatro em quatro

folhas, um caderno, presas duas a duas. Em Roma, designa coletânea de leges (decis<*-*>es imperiais).

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Introdução ao Estudo do Direito

da procedência da opinião dos jurisconsultos, de novos caminhos indicados peladoutrina. Não é obrigatoriamente lei nova, do ponto de vista do tratamento jurídico,podendo ser forma nova de apresentar normas jurídicas dispersas. As suas regrasdevem ser, segundo Gaston May (Introduction à la Science du Droit), redigidas emfórmulas condensadas, dentro de um plano sistemático, que possibilita encontrarfacilmente qualquer uma de suas normas. Por isso, as suas regras, diz Gaston May,` `devem ser expressadas em linguagem que pode ser por todos conhecida''. Do ponto de vista técnico, pode-se distinguir código de consolidação ecompilação. Por código entende-se lei nova sobre vasta matériajuridica, enquantopor ` `consolidação'' a uniformização de um direitopreexistente, esparso efragmen-tário. Como, por exemplo, entre nós, a Consolidação das Leis Civis (1858), deTeixeira de Freitas, que abriu o caminho para a codificação do nosso direito civil.Já por "compilação" deve-se entender a redação, naforma escrita, de costumes eleis, muitas vezes adaptados à época em que são compilados. Os ` `códigos'' daAntigüidade eram mais compilaç<*-*>es do que propriamente códigos. Para os ociden-tais, do ponto de vista histórico, a mais importante compilação é o Corpus JurisCivilis. O objetivo, tanto da codificação como da consolidação e da compilação, éo mesmo: unificação do direito. Mas, ao longo da História, a compilação e aconsolidação antecedem a codificação. Esta resulta, como nota Capitant (L 'illicit.L'imperatif Juridique), da necessidade de simplificar e ordenar copiosas regrasjurídicas, esparsas em diversas leis, contidas em costumes ou usos distintos, bemcomo da necessidade de introduzir radicais reformas jurídicas. Mas não é só, pois,como diz Cogliolo (Filosofia do direito privado), responde à necessidade da ` `pu-blicidade das leis'', tornando ` `certo e seguro o direito''. Conserva o ` `patrimôniojurídico''. As épocas revolucionárias, apesar de não serem propícias às codificaç<*-*>es,por serem períodos de transformaç<*-*>es sociais, são, paradoxalmente, as épocasdascodificaç<*-*>es. O Código Civil francês surgiu quando Napoleão era primeiro-cônsul,portanto ainda na Revolução Francesa; os códigos italianos vigentes foram promul-gados em plena guerra de 1939, o Codice Civile é de 1942, sancionado durante odomínio fascista, enquanto os nossos modernos códigos datam do ` `Estado Novo'' ,isto é, da ditadura getuliana. Não se pode pensar ser o código obra perfeita. Os intérpretes do Código deNapoleão assim pensavam, dentre os quais Laurent, que sustentava estar o direitocivil contido no Code Civil. Bugnet chegou ao ponto de admitir não conhecer odireito civil, mas só o Código Civil. Entretanto, os códigos ficam velhos, começandoa ser emendados, chegando a um ponto em que devem dar lugar a outros, pór nãomais atender à sua precípua finalidade: unificação do direito, transformando-se emcolcha de retalhos, pelas novas leis que lentamente os reformam. Velho, sem darsolução aos problemas jurídicos novos, o código torna-se uma caricatura do direito.Ajurisprudência às vezes lhe faz transfus<*-*>es de ` `sangue'' jurídico novo, colocando<012>

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Introdução ao Estudo do Direito

nele, como fizeram os tribunais franceses, através de interpretaç<*-*>es atualizadoras,teorias e princípios correspondentes aos novos tempos, incompatíveis, muitas vezes,com a filosof'ia que o inspirou, imprevisíveis mesmo ao legislador que o formulou.A teoria do abuso do direito e a da relatividade dos contratos, por exemplo,inconciliáveis com o individualismo jurídico que inspirou o Código Civil francês,foram, pelos tribunais franceses, nele encaixadas em suas decis<*-*>es. Estando convencido de que os códigos fossilizam o direito, Savigny (§ 195)se opôs à codificação. E se opondo, em sua discussão teórica com Thibaut, lançouas bases da Escola Histórica do Direito (§ 195). Em 1813, antes dele, Rehberg seinsurgiu, na Alemanha, contra a codificação. Mas, desde 1814, Thibaut defende-a,mostrando que a unidade jurídica proporcionada pelos códigos é indispensável àunidade política, tão necessária à Alemanha naquela época, ainda não unificada,dividida em principados. Savigny resistiu a essa idéia, sustentando não ser o séculoem que viveu (século XIX) propício "à codificação", sem "vocação alguma paraempreender codificaç<*-*>es ''. A certeza do direito e a sua unidade não são alcançadas,acrescenta Savigny (De la Vocación de nccestro siglopara la Legislación y la Cienciadel Derecho, trad.), com os códigos, por petrificarem o direito, mas com o progressoda ciência do direito, desde que ela reflita o sentimento jurídico, a consciênciajurídica do povo e as suas reais necessidades. Nesse caso, tem possibilidade deelaborar uma doutrina comum, atual e compatível com a realidade social. A crítica de Savigny, se foi salutar para a Filosofia do Direito e para a ciência dodireito, abrindo o caminho para a Sociologia Jurídica, não teve força para impedir acodiftcação do direito na Alemanha. Assim, partindo da França, alcançando a Alemanha, o movimento codificadorganhou a corrida com o direito comum (direito romano adaptado às condiç<*-*>eseuropéias pelos juristas europeus desde a Idade Média até o século XIX) e com odireito consuetudinário. Países como a Inglaterra e os Estados Unidos, que nãoaderiram a esse movimento, de certa forma sentiram a necessidade de, em certoscasos, oficialmente unificar o direito. Na Inglaterra, escreve Cogliolo, ` `é sabido queos juízes se fundam nos chamados precedentes escritos, que se encontram emcoleç<*-*>es e livros. Essa jurisprudência escrita (case law) é uma espécie de códigosob outra forma". Nos Estados Unidos, os precedentes judiciais predominantes,assentados e tradicionais, sobre determinadas matérias jurídicas, estão compilados(restatement). Destarte, o movimento oriundo da França espraiou-se pela Europa, ganhandoafinal quase todo o Ocidente.

em 1949, adotou o Código Civil egípcio.3 Esse fenômeno social de uma sociedadeadotar, espontaneamente, sem ser pela força das baionetas de um dominadorestrangeiro, o direito de outro país, toroando-o o seu próprio direito, denomina-serecep<*-*>ão de direito estrangeiro. Esse acolhimento, geralmente, não é servil,poisimporta sempre em adaptação do direito estrangeiro à cultura e às necessidades dopaís acolhedor. Em sociologia, denomina-se esse fenômeno de adaptação poracultura<*-*>ão.

O mais conhecido fenômeno de recepção de direito estrangeiro, e mais impor-tante, ocorreu na Idade Média, quando, na Europa, o direito de um império desapa-recido, isto é, o direito romano, passou a ser aplicado nos tribunais europeus. É arecepção do direito romano, adaptado ao mundo medieval. O esforço medieval,escreve Meynial (` `Derecho Romano", em El I,egado de la Edud Media, trad.), nãose limitou simplesmente a aproveitar o evangelho jurídico de Roma, pois o modifi-cou para adaptá-lo às ` `novas condiç<*-*>es que passou a reger'', distanciando "o direitoromano medieval do direito da Roma antiga''. Como ocorreu essa importação? Em rápidas pinceladas, pode-se dizer ser frutodas pesquisas dos romanistas das Universidades italiánas, bem como resultou danecessidade de dar à sociedade européia certa unidadejurídica, pois nela, no períodofeudal, imperavam várias ordens jurídicas autônomas equivalentes (direito germâ-nico consuetudinário, direito das corporaç<*-*>es de ofício, direito canônico, direitodominial, costumes, tradiç<*-*>es etc.), salvo o direito da Igreja, que desfrutava de certaprimazia. Iniciou-se nos séculos XII e XIII e em 1600 estava praticamente encerrada.Assim, como nota H. J. Wolff (Introducción histórica al derecho romano, trad.J,"durante séculos o direito romano dominou o cenário jurídico da Europa", nãohavendo país algum da Europa ` `que nâo experimentasse em sua legislação e práticajudicial a influência romanista", mais em uns do que em outros, menor na Inglâ-terra, profunda na Alemanha, onde o chamado ` `direito comum'' (Gemeines Recht),` `fundado no Corpus iuris, segundo a interpretação dajurisprudência'', permaneceusendo o direito civil alemão até 1900, quando então o ` 'Corpus iuris perdeu a últimagrande zona de aplicação direta''. Esse movimento iniciou-se na Itália, em f'ms do século XII e princípios do XllI,em Bolonha, com Imerius, fundador da Escola de Bolonha, com a colaboração dos` `quatro doutores'' : Búlgarus, Martinus, Hugo e Jacobus. Compilaram esses roma-nistas o direito romano de Justiniano, preocupando-se em lhe dar interpretação

87. RECEPÇÃO DE DIREITO ESTRANGEIRO

As grandes codificaç<*-*>es, seja por atos legislativos, seja por obra de juristas,penetraram em países para os quais elas não se destinam. Em nosso século, a Síria,

3 O fato de juristas franceses terem lecionado em Rabá, Túnis, Cairo, Bengázi, Beirute, Bagdá, Istambul etc. , e de muitosjuristas do Médio Oriente terem estudado na França,facilitou a recepção do direito francês de obrigaç<*-*>es no Oriente Próximo (Mousseron, La Réception au Proche-Orien- te du Droit Français des Obligations).<012>

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literal. Desse trabalho surgiram as "glosas", Glosa ordinciria ou Glosa magna aoCorpus iuris, que eram mais uma compilação de glosas, isto é, de explicaç<*-*>es(notas)breves e comentários dos textos, feitos nos rodapés de seus manuscritos. Tais glosasinfluíram no direito daquela época, tanto assim que os estatutos das cidades

italianasforam redigidos pelos graduados de Bolonha, que conciliaram as interpretaç<*-*>es dodireito romano de seus mestres com os direitos locais. A aceitação do direito romano,na versão dada pelos romanistas de Bologna, foi facilitada pelo desenvolvimento daatividade comercial que, como nota Wolff, requeria técnica jurídica refinada, nãofornecida pelos direitos locais. Utilizaram os juristas bolonheses daquela épocamaisas interpretaç<*-*>es dos pós-glosadores, ou comentaristas. Interpretaç<*-*>es ampliadaspor Accursius, completadas por Bártolo, Cino de Pistóia e Révigny, fundadores daescola dos dialéticos. Esses comentaristas adaptaram o direito romano às necessidadesdaquela época, conciliando-o com os direitos locais. Na maioria dos lugares, escreveWolff, os tribunais abriram uma via de acesso para as idéias romanas, chegando aser praxe serem os tribunais constituídos dejuristas conhecedores do direito romano.No caso de dúvida ou de questão complexa, era uso medieval solicitar parecer dasUniversidades, cujos professores eram romanistas. Na Alemanha, o direito romano foi introduzido no século XIV, facilitado peloCristianismo, pela Reforma e pelo crescimento do comércio e dos negócios quenecessitavam de um direito tecnicamente evoluído. O Cristianismo concorreu paraque os germânicos adotassem mais esse elemento da cultura latina. A princípio, o recurso ao direito romano não significou o desuso dos direitoslocais, tanto assim que na Alemanha do século XIV o direito romano era exclusiva-mente fonte subsidiária. Na falta de leis ou de costumes, recorria-se a ele. Mas, como tempo, a perfeição técnica do direito romano foi se impondo sobre o direito local,consuetudinário e fragmentário, passando, então, a ser esse direito na Alemanha,até1900, direito comum. Eis aí, em rápidas pinceladas, a recepção do direito romano, que exerceuprofunda influência na formação e na evolução do direito privado ocidental, conse-qüentemente, em nosso direito, pois, entre nós, nas Ordenaç<*-*>es Filipinas é visívela sua influência, chegando, mesmo, como fonte subsidiária, a ser imposto, em 1769,pela Lei da Boa Razão, que, em Portugal e entre nós, mandava o juiz aplicá-lo emcaso de falta de solução no direito local. '

4 Sobre a "recepção" do direito romano e a sua iníluência na formação do direitoeuropeu, vide § 165; sobre as "Ordenaç<*-*>es Reais", os §§ 174 a 177.

Terceira Parte

ENCICLOPÉDIA JURÍDICA1

1 Compreende os vários ramos ou divis<*-*>es e subdivis<*-*>es do direito positivo.<012>

XV

DIVISÃO DO DIREITO - DIREITO PÃBLICO E DIREITO PRIVADO - DIREITO MISTO-DIREITO INTERNO E DIREITO INTERNACIONAL

88. DIREITO PÃBLICO E DIREITO PRIVADO

Eis aí uma divisão fundamental do direito, conhecida desde os romanos, quereduziam o direito público à tutela da coisa pública: quod ad statum rei romanaespetat, enquanto o direito privado, do interesse dos particulares: ad singulorumutilitatem. Daí Ulpiano assim concebê-los: jus publicum est quod ad statum reiromanae spetat, privatum quod ad singulorum utilitatem, sunt enim quaedampublice utilia, quaedam privatim. (O direito público é o que diz respeito ao Estadoromano; o privado atende ao interesse de cada um, isto porque há coisas de interessepúblico, outras, de interesse privado). De modo muito amplo, podemos subdividir o direito público em direito públicointerno e direito público internacional (§ 90). O primeiro tem por matéria o Estado,suas funç<*-*>es e organização, bem como a ordem e segurança internas, os serviçospúblicos e os recursos indispensáveis à sua execução. Tutela assim o interessepúblico e o interesse do Estado. Já o direitopúblico internacional ou direitopúblicoexterno rege as relaç<*-*>es e situaç<*-*>es jurídicas em que são partes Estadossoberanos(Brasil, Inglaterra, EUA, França etc.), com o objetivo de criar a comunidadeinternacional, manter a paz e garantir o comércio internacional. Em oposição a estesestá o direitoprivado, que compreende todas as normas jurídicas em que o interesseprivado é o alvo. Assim, a compra-e-venda de um apartamento, em que o interessedo particular (comprador e vendedor) ou das partes está emjogo, é ato regido pelodireito privado, enquanto as funç<*-*>es do Presidente da República são da alçada dodireito público. O direito constitucional é, por exemplo, direito público interno,enquanto o direito internacional público, direito público externo, e o direito civil,direito privado. Os juristas, desde os romanos, têm tentado dar as raz<*-*>es dessa distinção. Ocritério mais antigo, que vem desde os romanos, é o do ` `interesse'' : é direito público<012>

142Paulo Dourado de Gusmão

o que trata de relaç<*-*>es e situaç<*-*>es jurídicas em que o interesse público2 predomina ,enquanto direito privado aquelas em que sobressai o interesse privado. Não nega-mos que no ` `interesse'' possa se fundar essa distinção, mas devemos lembrar quehá campos do direito <*-*>rivado, como, por exemplo, o direito de familia, em que ointeresse social prevalece. Daí pensarmos ter Ferrara tocado no ponto fundamentalda questão quando conceituou o direito público (interno) como o em que o Estadose apresenta como portador de potestade suprema, investido de imperium, enQuantodireito privado todos os demais, em que as partes estão em posição de igualdade,pois o Estado, quando pratica atos jutidicos de direito privado, apresenta-se emposição de paridade com o particular. Pode-se dizer, ainda, que nas relaç<*-*>esjurídicasde direito público o Estado é parte obrigatória, o Que não aconteçe no direito privado.No próprio direito penal, que é direito público, o Estado se apresenta como

mono-polizador do poder de punir e como agente da ordem interna. Como nota Thon, nodireito público o interesse público é tutelado pelo Estado, através da ação doMinistério Público ou dos agentes do poder público, enquanto no direito privadocompete ao particular decidir sobre a sorte de seu próprio interesse. Pode-se dizer,ainda, que o direito público é irrenunciável, enQuanto o direito privado admiterenúncia. Kelsen e Lévy-Ulmann pensam não depender o direito público da vontadedas partes, imp<*-*>e deveres que não dependem de seus destinatários, enquanto nodireito privado, em regra, a vontade das partes desempenha papel relevante. Por isso,Gurvitch admite ser direito de subordinação o direito público, enQuanto o direitoprivado, de coordenação. O direitopúblico interno (direito constitucional, direito administrativo, direito penal etc.) distingue-se do direito privado pelas seguintes raz<*-*>es: por ser direito de subordinação, não estando as partes em situação de igualdade, exigindo, assim, hierarQuia. O Estado e os demais entes pnblicos são os centros de relaç<*-*>esjurídicas, apresentando-se investidos de imperium, em posição de supremacia, portadores de potestade suprema, tendo sempre por objetivo o interesse público e o do Estado, enquanto o direito privado é direito de coordenação, estando as partes em situação de igualdade, perseguindo o interesse individual enquanto não conflita com ointeresse social, pois, muitas vezes, em épocas de crise se imp<*-*>e o social como limite

2 Questão de solução difícil é a definição de interesse público. A grosso modo, podemos dizer ser interesse público o interesse do Estado e das pessoas jurídicas de direito público, bem como o interesse de todos sem ser de nenhum em particular. É o interesse do Estado e das citadas pessoas desde que ligado às funç<*-*>es especificadas por lei, aos mesmos atribuídas pela lei; do Estado como fisco ; do Estado como garantidor da ordem pública; do Estado como organização, como promotor do bem de todos e do desfrute por todos dos bens comuns, enfm, o vinculado às funç<*-*>es, aos poderes e à competência estatais, previstos em lei, que, por lei, são distribuídos a várias pessoas jurídicas de direito público.

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Introdução ao Estudo do Direito

do interesse individual, o que não ocorre nas épocas de estabilidade. O Estado,quando é parte de relaç<*-*>es jurídicas de direito privado, se apresenta como particular,isto é, despido de imperium, de potestade suprema, em situação de igualdade comas demais pessoas. Grande parte do direitopúblico interno organiza o Estado e osentes públicos, disciplina suas funç<*-*>es, estabelece seus poderes e competências, bemcomo cria serviços públicos, enquanto o direito privado ordena e disciplina a vidajurídica do particular (homem, sociedade comercial, empresa, banco, estabelecimen-to comercial etc.). Parece-nos, finalmente, que nas épocas de estabilidade econômica e social adelimitação dos campos desses dois direitos é mais nítida, o Que não ocorre em época

de crise, em que o poder público inte<*-*>fere em áreas tradicionalmente da alçada dodireito privado. Nesses períodos, há interpenetração do direito público e do direitoprivado. As principais subdivis<*-*>es do direito público interno são as seguintes:1", direitoconstitucional; 2", direito administrativo; 3", direito internacional privado; 4", direitofinanceiro; 5", direito penal; 6", direito processual; 7", direito judiciário; 8", direitonuclear. Já no direito privado tem destaque o direito civil, direito comercial edireitodo trabalho. Nas Federaç<*-*>es, como é o caso do Brasil, temos direito públicofederal, quecompreende o que organiza a Federação e a Administração Pública Federal, tendopor agentes os órgãos de segurança pública federal e o Ministério Público Federal,garantidos, em último caso, por decis<*-*>es da Justiça Federal, bem como o direitopenal, direito civil, direito processual, o direito fiscal etc., estabelecidos por leifederal; direito público estadual, que organiza os Estados-membros, e direito muni-cipal, organizador dos municípios. . Finalmente, o direito internacional ou direito público externo, sendo direito decoordenação, na situação atual, em que inexiste uma autoridade supra-estatal e emque os países são tratados em pé de igualdade, não tem as notas características dodireito público interno. No futuro, poderá tê-las. No momento atual, caracteriza-sepor proteger o interesse da comunidade internacional, considerando as partes (Esta-dos soberanos) em pé de igualdade.

89. DIREITO MISTO

A bipartição romana do direito em público e privado não corresponde mais àrealidade jurídica e à complexidade da sociedade moderna. No mundo atual, entreesses dois grandes e tradicionais campos do direito se encontra o direito misto,sejapor tutelar tanto o interesse pciblico ou social como o interesse privado, como,porexemplo, é o caso do direito de famtlia (§ 128), do direito do trabalho (§ 123),dodireito profissional (§ 127), do direito sindical (§ 124), do direito econômico (§ 122),<012>

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Paulo Dourado de Gusmão

do direito agrário (§ 125) etc., ou, então, por ser constituido de normas de direitopúblico e de direito privado, como é o caso do direito marítimo (§ 119), do direitoaeronáutico (§ 120) e do direito falimentar (§ 130), seja, fmalmente, por serconstituído de direito internacional e direito público interno, como é o direitonuclear (§ 131). Tem, pois, o direito misto, pontos de contato com o direito públicoe o direito privado.

90. DIREITO INTERNO E DIREITO INTERNACIONAL

Direito interno é o direito do Estado, denominado também de direito nacional.É o que rege as relaç<*-*>es jurídicas que se processam no território do Estado.Podeser direito público, como é, exemplificando, o direito constitucional ou o direitopenal, e direito privado, por exemplo, direito civil. No primeiro caso, denomina-sedireitopúblico interno, para se distinguir do direito internacional público. Já o direitointernacional disciplina relaç<*-*>es jurídicas não delimitadas pelas fronteirasdo Esta-do, ou seja, rege as relaç<*-*>es internacionais entre Estados soberanos, isto é, acomunidade internacional. As relaç<*-*>es entre o direito interno e o direito internacional são defmidasdeforma diferente pelas teorias monistas e dualistas. Entre as primeiras estão as quedefendem o primado do direito interno, colocando o internacional na dependência 3do direito estatal, ou, então, sustentam o primado do direito internacional. Para adualista (Triepel) são autônomos esses dois direitos, independentes um do outro.Ateoria da ` `Escola de Viena'' possibilita a construção de um sistema global de direitounificado, impossível, logicamente, se acolhidas as posiç<*-*>es dualistas. A monista,que faz depender o direito internacional do direito estatal, nega a autonomia doprimeiro. Direito interno e direito internacional são direitos inconfundíveis - o interno édireito de subordinação, imposto ou assegurado pelo Estado, enquanto o interna-cional é direito de coordenação, garantido pelo comum acordo dos países, e, de certaforma, por decis<*-*>es da ONU. O direito internacional resulta, como nota Anzilotti,de um compromisso, enquanto o direito interno é imposto. Pensou-se, como admiteAnzilotti (Corso di Diritto Internazionale Pubblico), destinar-se o direito interno a

Em verdade, Kelsen não reconhece o primado do direito intemacional; admite-o como sendo umadas soluç<*-*>es possíveis na Ciência do Direito. A ` `Escola de Viena', , com Verdross e Kunz etc. éque defende a predominância do direito intemacional. Kelsen, rejeitando o dualismojaridico,sustenta serem defensáveis duas posiç<*-*>es:1- a validade do direito intemacional depende de seureconhecimento pelos direitos nacionais (primado do direito nacionnC;: : '<*-*> - a validade do direitonacional depende de seu reconhecimento pelo direito intemacional (Pr<*-*><*-*>:;;t<*-*>o do direito interna-ciona<*-*>. Diga-se de passagem: o ato de reconhecimento é, e só pode ser, de govemo soberano.

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Introdução ao Estudo do Direito

"valer para um número indeterminadode pessoas'', enquanto o direito internacional,para um número determinado de Estados soberanos. Essa idéia teve a sua época noentreguerras, muito a gosto dos ditadores europeus. No mundo do pós-guerra (1945)a validade do direito internacional é mundial, prevalecendo mesmo contra a vontade,

a resistência e os interesses dos Estados-naç<*-*>es. A devastação das guerras easdesumanidades praticadas por vencidos e vencedores tornou a paz o objetivo funda-mental desse direito. A "lei das selvas" está fadada a desaparecer das relaç<*-*>esinternacionais. O primado do direito internacional é o ideal jurídico dominante hojena comunidade internacional. O pensamento de Anzilotti procede no que concerneao direito internacional contratual, resultante de tratados, com validade para osEstados soberanos-partes. Mas os princípios do direito internacional e os costumesinternacionais têm validade mundial. Sendo assim, pode-se dizer ser direito decoordenação o direito privado, enquanto de subordina<*-*>ão o direito público internoe de subordinação-coordenação o direito internacional. Portanto, diferentes e autô-nomos.<012>

XVI

DIREITO INTERNACIONAL E SUAS DIVISÊES- ORGANIZAÇÊES INTERNACIONAIS

~<*-*>s<*-*>'<*-*> <*-*>:<*-*>z:<*-*>. .

<*-*> <*-*>`<*-*><*-*>.

91. DIREITO INTERNACIONAL

O direito internacional (Droit Des Gens, Volkerrecht, Law of Nations, Inter-national Law) é o complexo de regras consuetudinárias e convencionais que regeas relaç<*-*>es entre Estados soberanos, e protege os direitos humanos e o meioambiente.l Até bem pouco tempo era defmido como o direito que rege as relaç<*-*>esentre Estados soberanos. Porém, atualmente, além dos Estados soberanos e dasorganizaç<*-*>es internacionais, são partes desse direito as minorias (étnicas, lingüísti-cas, nacionais ou religiosas) e a pessoa humana, cujos direitos fundamentais sãoprotegidos pelo direito internacional, inclusive pelo documento aprovado pelaAssembléia-Geral das Naç<*-*>es Unidas em 1948: a Declaração Universal dos Direi- ,q , ",p "tos do Homem ue em seu art.1 rescreve nascerem todos os homens livres eiguais em dignidade e direitos'', independente de raça, nacionalidade, língua oureligião. Com o progresso, a poluição da atmosfera, dos mares e dos rios, ásqueimadas e derrubadas de florestas para uso industrial ou para uso como combus-tível, ameaçando a sobrevivência da humanidade, deixou de ser só problemanacional, tornando-se também internacional, objeto, portanto, do direito que estamostratando. A gravidade desse problema é tal que, em 1992, para discuti-lo, realizou-se,no Brasil, a Conferência Mundial do Meio Ambiente. A ecologia não é assimestranha aos problemas do direito internacional. No mundo atual estão se ampliandoos problemas do direito internacional com a internacionalização do capital, com aintensificação das relaç<*-*>es comerciais e fmanceiras internacionais, criando obstá-culos ao poder de decisão dos governos, fazendo com que o jurista seja obrigado

a

1 A expressáo ` `direito intemacional'' aparece pelaprimeiravez, em 1780, empregada por Bentham, em An Introduction to the Principles of Morals and Legrslation. Anteriormente,denominava-se "direito das gentes", expressão usada, no século XVI, por Francisco de Vitória. Emst Beling denomina-o Direito Constitucional Externo.<012>

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Paulo Dourado de Gusmão

rever o conceito de soberania nacional, principalmente por força do princípio desolidariedade internacional e da globalização da economia.

Pode-se dizer, apesar de todas as transformaç<*-*>es por que passa o mundo, queo direito internacional organiza e constitui a comunidade. internacional ou sociedadede Estados soberanos, tornando-a possível. As suas fontes são convencionais (tra-tados internacionais, pactos, convenç<*-*>es etc.), costumes internacionais, princípiosgerais do direito das naç<*-*>es civilizadas, jurisprudência da Corte Internacional deJustiça (CIJ), resoluç<*-*>es do Conselho de Segurança da ONU e doutrina. Portanto,escritas (tratado, jurisprudência, resoluç<*-*>es, doutrina) e não escritas (costumesinternacionais e princípios gerais do direito).

Juristas positivistas negaram a natureza ` `jurídica'' do direito internacional. Aausência de um governo mundial ou de um poder político internacional, dotado deForças Armadas, levou muitos juristas a recusarem a juridicidade do direito inter-nacional. Mas, como nota Verdross (Derecho Intemacional Público, trad.), uma` `comunidade pode surgir por ato de uma autoridade central, como, também, pelacooperação dos sujeitos jurídicos, sobre a base de convicç<*-*>es jurídicas comuns,assegurada mediante certo equilíbrio de forças''. Éjustamente por isso que o direitointernacional, ao contrário do direito intemo, é mais direito de coordenação. Selevarmos em conta as suas sanç<*-*>es - represcilia, bloqueio econômico, direitodereciprocidade, e, como remédio extremo, a guerra-sanção -, as suas regras podemser tidas como ` `normas imperfeitas'' (lex imperfecta). Sanç<*-*>es que só têm validadequando autorizadas pelo Conselho de Segurança da ONU. Mas a omissão dessaorganização internacional levando, a ineficácia de suas decis<*-*>es, consubstanciadasem resoluç<*-*>es, pode levar à deflagração de guerras ou a conflitos graves. Daí nessedireito a execução forçada ser forma típica de reação ao ilícito internacional,levando, como disse Kelsen (ao versar sobre o direito internacional) a intervençãoforçada do Estado agredido ou lesado na ` `esfera de interesses de outro Estado''.Nesse caso, o Estado agredido ou lesado, como pensa Kelsen, passa a ser o juiz que,em função da gravidade da falta, escolhe a sanção: represália, bloqueio econômicoe, em último recurso, o uso da força. Após a Bomba e com a tecnologia eletrônicaa serviço da guerra, bem como com os sofisticados armamentos de que disp<*-*>em as

potências militares, a diplomacia tem mantido os inimigos potenciais à distância,transferindo para o foro do Conselho de Segurança da ONU (§ 95) a discussão dasquest<*-*>ts internacionais, na dependência, entretanto, de um de seus cinco membrosefetivos (USA, Rússia, França, China e Inglaterra) não exercer o direito de veto. Nos anos 80 grave crise econômico-ftnanceira na Rússia, que a levou anecessitar de ajuda dos USA e da Alemanha, possibilitou, em 1989, a queda do Murode Berlim, a unificação da Alemanha e a libertação do Leste europeu, pondo fim àguerrafria. Nesse contexto político-histórico, a 2 de agosto de 1990, Saddam

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Introdução ao Estudo do Direito

Hussein invadiu e anexou o Kuwait. Reagiu o Conselho de Segurança da ONU,p p çrovocado elos Estados Unidos, determinando, na Resolu ão n 660, a retiradaimediata e incondicional das tropas iraquianas do Kuwait. Não acatada, decretou,em outra resolução, o bloqueio econômico ao Iraque. Não surtindo efeito, em29-11-1990, pela Resolução n" 678, autorizou, ambiguamente, o emprego de ` `todosos meios necessários'' para retirar as tropas iraquianas do Kuwait, caso de lá nãosaíssem até 15 dejaneiro de 1991. Não a obedecendo, no prazo fatal, iniciou-se aguerra cirúrgica, com bombardeios destruidores de Bagdá, matando mais civis doque militares, acabando por ser obtida a rendição incondicional do Iraque. Diga-sede passagem que a Resolução n" 678 só foi possível graças à grave crise econômi-co-financeira por que passava a URSS, necessitando de ajuda dos USA, da Alema-nha e da Europa, que a levou a não exercer o direito de veto. Mesmo assim, apesar de tudo o que aconteceu; a Resolução n" 678 tem, comoprecedente, grande importância por dar coercibilidade ao direito internacional. Éfato histórico que marcará a história da ordemjurídica interoacional, desde que nãose indague as raz<*-*>es que levaram as potências militares ocidentais a obtê-lae a formacomo exerceram o mandato que receberam da ONU. Considerada em si mesma, éprecedente importantíssimo. Lamentável que tenha sido assim, principalmente se considerarmos a longevi-dade do direito internacional ocidental, cujas origens encontram-se na Idade Média,com o Papado transformado em árbitro dos litígios internacionais. Mas é com oaparecimento do Estado moderno que se desenvolveu. O Tratado de Paz deWestfalia (1648) é o mais importante da Época Moderna, marcando o aparecimentodo moderno direito internacional, segundo opinião de Anzilotti, Oppenheim, Hers-key e de Brierly, enquanto a Resolução n" 678, de 29-11-1990, do Conselho deSegurança da ONU, em si mesma, pondo-se de lado todos os seus aspectos políticós,abre, no final do século XX, a possibilidade de eficácia efetiva desse direito.

92. DIREITO PENAL INTERNACIONAL

Também denominado direito internacional penal, para distingui-lo do direitopenal internacional no sentido estrito (§ 92, nota 3), que, sendo direito interno, versasobre competência legislativa e jurisdicional em matéria penal, é direito de históriarecente, iniciada, mais ou menos, no século XIX, que só depois de 1945 teve seulugar garantido no campo do direito internacional. O direito penal internacionalemsentido lato, ou direito internncional penal, aqui tratado, é o direito convencional,estabelecido por tratados, que rege a repressão de delitos que afetam as relaç<*-*>esinternacionais ou que atentam contra os direitos humanos e a CivilizaÇão.

z

2 Sobre o direito penal, vide § 105.<012>

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Pune os crimes internacionais ou os delitos contra a Humanidade. Grandenúmero de penalistas negam a juridicidade desse direito. Todavia, há normas,estabelecidas através de pactos internacionais, que vinculam os Estados signatários,que estabelecem princípios para o combate à delinqüência, como, também, definemos delitos contra a Humanidade. O Tribunal de Niiremberg, composto de represen-tantes dos Estados Unidos, da Rússia, Inglaterra e França, que, em 1945, julgou epuniu os responsáveis pelos desmandos do governo alemão, relacionou os crimesde guerra:1", crimes contra a paz, tais como preparação e declaração de guerra deagressão; 2", crimes de guerra, que transgridem as leis e os costumes de guerra;3",crimes contra a Humanidade (deportação, assassinatos, exterminação, crueldadespraticadas em campos de concentração). Esse tribunal aplicou um direito não escrito,bem como penas não estabelecidas antes da prática do crime (Pella, La Guerre-Cri-me et les Criminels de Guerre, Paris,1946). Entretanto, apesar de fetido o princípiode legalidade, o Tribunal de Niiremberg representou grande passo para a humani-zação da guerra, constituindo séria advertência aos provocadores de guerras deagressão. Não devemos esquecer que o princípio de legalidade não é anterior aodireito penal. Primeiro, este surgiu; depois, é que, então, apareceu o nullum crimenscne lege, nulla poena sine lege, ou seja, inexistência de crime ou pena que nãosejaestabelecido de antemão pela lei penal. Discute-se sobre o lugar do direito penal internacional entre os diversos ramosdo direito: se pertence ao direito interno ou ao direito internacional. Entendido, nosentido estrito,3 como conjunto de regras disciplinadoras da aplicação da lei penal no

O direitopenal internacional tem sido conceituado de forma restrita por muitos penalistas: regrasdisciplinadoras da aplicação da lei penal no espaço (Jiménez de Asúa); regras disciplinadoras dacompetênciajudicial ou legislativa dos distintos Estados na repressão dos delitos (Diena); regrasdeterminadoras da competência das jurisdiç<*-*>es penais e da autoridade, no território do Estado,das sentenças criminais estrangeiras, motivado pela necessidade de colaboração dos Estados paracombater a criminalidadc intemacional (Donnedieu de Vabres). Inegavelmente há, no campo dodireito intemo, o direito penal intemacional, que, no campo do direito privado, coiresponde aodireito intemacional privado: ambos disciplinam conftitos de leis no espaço, o penal de leis penais,enquanto o privado de leis de direito privado e misto. Assim, o direito penal intemacional nosentido estrito não penence ao direito intemacional, mas ao direito intemo, disciplinador decontlitos de leis penais no espaço, estabelecedor de competência legislativa e jurisdicional em

matéria penal. Daí por que muitos juristas, evitando confus<*-*>es, preferem denominar o direitopenal internacional em sentido lato, que estamos tratando neste parágrafo, de direito internacio-nalpenal, para distingui-lo do direitopenal internacional em sentido estrito, conjunto de normasde contlito de leis penais. Sobre o direito penal intemacional em sentido amplo consultar:Donnedieu de Vabres, Le procŠs de Nüremberg (Recueil de Cours de I'Académie Internationalede Droit,1947, T. 70); Glaser, Introdaction à I'Étude da Droit International Pénal, Bruxelles,1954; Graven, Ges Crimes contre I'Humanité, Paris, 1950, e Pella, La Guerre-Crime et lesCriminels de Guerre, GenŠve-Paris,1946. Para o direito penal intemacional poderáser encontradauma exposição sumária em L,ombois, Droit Pénal International, Paris,1971.

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Introdução ao Estudo do Direito

espaço ou f'ixadora da competência das jurisdiç<*-*>es penais, é direito interno. Mas,depois de 1945, ao lado desse sentido estrito, firmou-se o que tratamos nesse parágrafo,situável no direito internacional, como com acerto defme-o Pella. As fontes desse direito são constituídas por resoluç<*-*>es da ONU e por conven-ç<*-*>es e tratados internacionais, dentre os quais ressaltamos o acordo de 8 deagostode 1945, que instituiu o Tribunal Militar Internacional, que funcionou em Niirem-berg e em Tóquio, bem como estabeleceu o seu estatuto; a Convenção Internacionalde Haia de 1907, que instituiu a lei de guerra; a Resolução da ONU de 1948 sobregenocídio; a Convenção de Genebra de 1949 para a proteção, no caso de guerra, daspopulaç<*-*>es civis etc. Tentativas na ONU têm sido feitas para codificá-lo, desde11.12.1946, quando foram formulados os princípios estabelecidos pelo Estatuto doTribunal Militar de Nüremberg e pelos julgamentos desse Tribunal. Foi constiluídauma comissão para codif'icá-lo, que elaborou mais de um projeto, engavetados àespera de que se chegue a um acordo sobre guerra de agressão. Todavia, em abrilde 1974, a comissão da ONU, encarregada de definir agressão, alcançou afinalseu objetivo: ` `Agressão é o uso da força armada por um país contra a soberania ,integridade territorial ou independência política de outro Estado, ou de maneiracontrária à Carta das Naç<*-*>es, segundo o estabelecido nesta deftnição''.

93. DIREITO DIPLOMÁTICO

Relacionado com o direito internacional público temos o direito diplomático,que formula o sistema de meios destinados a atuar o direito internacional. Disciplinaa atuação da diplomacia e do consulado, estabelecendo os poderes, as competências,funç<*-*>es e atribuiç<*-*>es dos agentes diplomáticos, e, ainda, as suas prerrogativas. Acarreira diplomática, como serviço público, é regida por normas especiais de direitopúblico interno.-94. DIREITO ESPACIAL

Parte do direito internacional público que disciplina a utilização e a exploraç<*-*>odo espaço extra-atmosférico' e dos corpos celestes.5 A exploração e a utilizaçãosão

4 Como não há limite, em tese, para o progresso dos conhecimentos científicos e para a tecnologia, alguns juiistas substituem, na definição do direito espacial, extra-atmosférico, no momento ao alcance do homem, por espaço " interplanetário' ', ' 'intersideral '' ou ' 'cósmico '' como sendo o campo desse direito, no futuro.5 Consideramos o direito espacial como direito intemacional (International SpaceLaiv). Aliás, o Tratado Espacial de 1967já prescrevia estar submetida a atividade espacial ao direito intemacional e à Carta das Naç<*-*>es Unidas. Daí recusarmos adenominação dedireito aéreo espacial, por unificar o direito que utiliza o espaço atmosféiico com o que explora o espaço extra-atmosfénco. Bem como direito interplanetário, não só por reduzir o seu alcance à exploração dos planetas, como<012>

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feitas, atualmente, por satélites, espaçonaves, laboratórios orbitais, sondas e estaç<*-*>esorbitais, ou seja, por objetos espaciais, alguns tripulados, como, nos anos 90, aestação orbital soviética e o ônibus espacial norte-americano. A utilização do espaço extra-atmo<*-*>férico por satélites e estaç<*-*>es, iniciada em4 de outubro de 1957, com o Sputinik I, lançado pela URSS e, um ano após, peloExplorer I, em 31 de janeiro de 1958, enviado pelos Estados Unidos, tornourealidade, principalmente após a descida de astronautas norte-americanos naLua (junho de 1969), a ficção científica de outrora (De In Terre à la Lune,1865,de Julio Verne, e The First Men in the Moon,190 I, de H. G. Wells). A atividade espacial resultante da sofisticada tecnologia de nossa época podeser usada para o bem da humanidade ou para o mal. Para o bem, pelas valiosasinformaç<*-*>es científicas que transmite à Terra, pela possibilidade (remota, talvez) deexploração de planetas de nosso sistema solar e até de emigração do homem quandoexaurida estiver a Terra (!?). Para o mal, se para fim militar. O Presidente Reagan,dos Estados Unidos, pretendeu tornar realidade o projeto militar denominado` `Guerra nas Estrelas'', apesar de estar a ONU, desde a década de 50, se esforçandopara baixar resolução desmilitarizando o espaço extra-atmosférico. Considerando que no espaço os satélites não se posicionam exclusivamentesobre o país lançador, mas em órbita da Terra, passando por vários países, o direitoque disciplina o uso do espaço extra-atmosférico é internacional.b E é não só poresse motivo, como, também, por criar riscos a todos os países, porque as naves, asestaç<*-*>es espaciais, as sondas e os satélites podem cair sobre qualquer país,comgrande perigo para as áreas povoadas. Não se trata de uma hipótese, porquanto tal ameaça tornou-se realidade sejano caso do ` `Skylab'', laboratório espacial americano, de 77 toneladas de peso,quecolocou, em 1979, em pânico todas as naç<*-*>es, caindo seus fragmentos, felizmente,no Oceano Índico, seja em 1983, no caso do satélite russo "Cosmos 1402", comreator nuclear, que se desintegrou no Oceano Atlântico, e, ainda, em 1986, outro

também por excluir a atividade espacial atual que se concentra no espaço

extra-atmosférico. Pelasmesmas raz<*-*>es, direito astral ou direito cósmico. A denominação direito astroncíutico não dáuma idéia do campo desse direito, sendo, portanto, uma denominação imprecisa. Muito menos éde se acolher a posição metafísica do direito espacial como Metadireito (Metalaw), proposta porHaley, por trazer para o campo do direito positivo princípios filosóficos e, para a ciência do direito,a ficç4<*-*> científrca.

6 A inclusão do direito espacial no campo do direito intemacionàl público não afasta a possibilidade de haver direito espacial nacional (direito intemo), campo do direito público intemo. que, tendo em vista os grandes interesses do Estado na atividade espacial e os riscos que dela decorrem, a disciplina como uma das atividades estatais. Nesse caso, compreenderá normas específicas de responsabilidade civil, de contrato (direito civil), normas de direito penal, de direito administrativo etc.

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Introdução ao Estudo do Direito

satélite russo, o "Cosmos 1714", que quase atingiu a costa dos Estados Unidos ,caindo seus fragmentos no Oceano Atlântico.' Tais ocorrências revelam a complexidade desse direito, que não compreendesó a utilização e a exploração do espaço extra-atmosférico, mas também a respon-sabilidade civil dos países que exercem atividade espacial, pelos prejuízos quepossam causar às suas próprias populaç<*-*>es ou a outros países. Os avanços tecnológicos nesse campo, obtidos principalmente pelos norte-americanos e russos, deixam o jurista perplexo, com a convicção de ser mera utopiao uso do espaço extra-atmosférico exclusivamente para fins pacíficos, como enfati-zado por Eisenhower, Presidente dos Estados Unidos, em 1958, na mensagem aoPrimeiro-Ministro Bulganin, da URSS. Todavia, a grande esperança da humanidade é que não seja destinada aexploração do espaço extra-atmosférico para fins militares, não se transformandoaatividade espacial em fonte de risco para as áreas povoadas, bem como tornar-semais uma causa de poluição da atmosfera e da ionosfera, motivo de perturbação dascomunicaç<*-*>es por rádio, por tevê ou por telefone.

O homem tem avançado na conquista do espaço exterior. Poderá pretender, nofuturo, explorar os recursos naturais de outros planetas ou satélites, emigrar para os

q , pmesmos uando exaurida a Terra, e, finalmente, se possível ultra assar as <*-*>ronteirasde nosso sistema solar, pondo em prática nova forma de colonialismo, pregando a` ` sua missão civilizadora'', salvo se no espaço encontrar outros seres mais evoluídosque tenham a mesma pretensão, hipótese que cientificamente não pode ser afastada.Nesse caso, o direito espacial terá de se transformar em direito interplanetárioouintra-estrelar... inspirado, esperamos, pelo princípio de igualdade, e não pelo "di-reito da força'', e pelo princípio de o espaço ser res extra commercium.- Concluindo, o direito espacial exigirá princípios e regras novas, que não podemser extraídos dos que regem a navegação marítima ou aérea, devido à sua

especifi-cidade. Exigirá regras e princípios novos, sem abandonar os do direito internacionaltradicional e a Carta das Naç<*-*>es Unidas. Assim, o direito espacial, a nosso ver, deve cingir-se exclusivamente à ativi-dade espacial para fim pacífico. Porém, colocando-nos assim, estamos nos posicio-nando utopicamente diante desse problema, cegos e surdos para os fatos históricos,

7 O lixo espacial é incontrolável. Restos de foguetes, de satélites etc. , ameaçam a vida e os bens na superfície da Terra, além de poluir o espaço. Afora os fatos graves apontados no texto, deve ser lembrado o que ocorreu em 08-02-1991, quando a estação orbital soviética Salyut-7 fragmentou- se, caindo destroços na Argentina, nas proximidades da Cidade Puerto Madryn. Diga-se de passagem, para avaliar a gravidade, as ameaças e o perigo desse lixo, o peso dessa estação soviética era de 40 toneladas.<012>

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para o "projeto guerra nas estrelas" ("escudo espacial") de Reagan, ex-Presidentedos Estados Unidos, e para os satélites destinados à espionagem e à militarizaçãodo espaço que circulam a Terra. Por isso, idealista é a posição de Macro Marcoff, excluindo do direito espacial asatividades militares, dando-lhe natureza humanista e pacífica. A História desmenteessa pretensão, pois onde estiver o homem está o bem e o mal, sendo difícil ocontrole da finalidade dos inúmeros satélites em órbita da Terra.

Fazemos votos para que o Homem se lembre das ruínas da Antigüidade, dadestruição da Biblioteca de Alexandria e pense no futuro da Humanidade, destinandoexclusivamente para fins pacíficos a atividade espacial. Do que foi dito, pode-se defini-lo como o ramo do direito internacional quedisciplina o uso do espaço cósmico (extra-atmosférico) e dos corpos celestes pelosEstados soberanos da Terra, prevendo a responsabilidade civilpelos danos causa-dos a bens e pessoas na superficie terrestre com a queda de sondas, defoguetes oude satélites, e os direitos, deveres e regimejuridicos dos astronautas e dos contro-ladores em terra dos vôos espaciais. Fica assim claro: o direito em questão nãodisciplina a navegação no espaço atmosférico, objeto do direito aeronáutico. Asfontes do direito espacial encontram-se em tratados internacionais, nos princípios dodireito internacional e, principalmente, na fase atual, na doutrina. Subsidiariamente,aplica-se-lhe o direito aeronáutico, no que couber. Em 1967, Inglaterra, EstadosUnidose Rússia firmaram tratado sobre os princípios disciplinadores da atividade dos paísesem matéria de exploração e de utilização do espaço extra-atmosférico (Treaty ofPrinciples Governing the Activities of States in the Exploration and Use Outer Space,including the Moon and other celestial bodies). Junto à ONU há um "Comitê para autilização pací ica do espaço extra-atmosférico".

95. ORGANIZAÇÊES INTERNACION<*-*>IS (ONU)

Os novos meios eletrônicos de comunicação e os aperfeiçoados e mais rápidosmeios de transporte de nossa época, bem como os novos armamentos e as enormesverbas destinadas pelas grandes potências para aperfeiçoá-los e torná-los maisdestruidores, tornaram mais intensas e perigosas as relaç<*-*>es internacionais.Essasituação rem fortalecendo a crença na necessidade de uma organização internacionaldotada de autoridade e competência para tomar decis<*-*>es no caso de agressão porparte de um país. Mas enquanto tal utopia não se torna realidade, organizaç<*-*>esinternacionais vêm sendo criadas nesse século conturbado por conflitos. Entende-se por organização internacional o organismo, autônomo em relaÇão aospaises que o comp<*-*>em, dotado de órgãos e ordenamento juridico próprios e de meiosde a<*-*>ão internacional, fundado no principio de igualdade de seus membros.

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Introdução ao Estudo do Direito

As organizaç<*-*>es internacionais podem ser: politicas, como a ONU ou aOrganização dos Estados Americanos (OEA ou OSA); culturais (Unesco); sociais(Organização Internacional do Trabalho - OIT); militares (Otan, Organização doTratado do Atlântico Norte); econômicas (Fundo Monetário Internacional) etc. As políticas, destinadas a dar maior eficácia ao direito internacional, nosinteressam mais. A primeira, em importância, que surgiu foi a Sociedade das Naç<*-*>es,também denominada Liga das Naç<*-*>es, nascida do caos provocado pela PrimeiraGuerra Mundial. Inspirou-se nos "Quatorze Pontos" ou "Princípios para a PazPermanente" do Presidente Wilson, dos Estados Unidos, enunciados no discurso aoCongresso, de 8 dejaneiro de 1918, entre os quais estava prevista a "Criação de urnaSociedade das Naç<*-*>es asseguradora da independência política e da integridadedosEstados grandes e pequenos." Instituída em 1919, nasceu com os seus dias contados ,primeiro por dela inicialmente não fazerem parte os Estados Unidos, e segundo porestarem comprometidas por acordos secretos as potências vencedoras da época,como, por exemplo, a França e a Inglaterra, em relação a reivindicaç<*-*>es territoriaisda Itália. Criado pelo Tratado de Versalhes, o Pacto da Sociedade das Naç<*-*>estinhapor objetivo principal salvaguardar a paz internacional com aplicação de sanç<*-*>esdiplomáticas, econômicas e militares contra o Estado agressor. Prescrevia á solida-riedade de todos os seus membros no caso de agressão a um deles, pois a agressãoa um dos membros da SDN era juridicamente considerada agressão a todos.Mediação e arbitragem, da alçada de um tribunal internacional, era a forma previstano Pacto para solucionar os conflitos internacionais. O desarmamento estava em suaagenda. Mas, além de fins políticos, tinha miss<*-*>es sociais, como, por exeniplo, aproteção dos trabalhadores por meio de tratados internacionais, que deveriam serpreparados pela Agênciu Internacional do Trabalho (Secretariado Internacional doTrabalho), órgão da SDN. Compunha-se a SDN de uma Assembléia Geral, em quecada Estado-membro tinha direito a um voto, de um Conselho, composto de novemembros, dos quais cinco eram permanentes (Estados Unidos, França, Inglaterra,Itália e Japão)R, e quatro escolhidos pela Assembléia Geral, e de um Secretariado,incumbido da tarefa administrativa. A sua sede era em Genebra. Instalada, verifi-cou-se logo que as suas resoluç<*-*>es estavam na dependência dos interesses das

grandes potências, pois dependiam da ratificação por parte dos Estados-membros,dificuldade agravada pelo fato de contar a Grã-Bretanha com seis votos por causados Dominions. Possuía um órgão jurisdicional: a Corte Permanente de JustiçaInternacional, instalada, em 1921, em Haia; a princípio Corte de Arbitragem,transformou-se, em 1924, em órgãojurisdicional.

8 Os Estados Unidos posteriormente ingressaram na LDN ou SDN.<012>

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A SDN desempenhou relevante papel no campo técnico e social como atestamas várias convenç<*-*>es internacionais que promoveu, porém fracassou no campopolítico, para o qual havia sido criada, como, por exemplo, em 1932, no caso dainvasão pelo Japão da Mandchúria; em 1935, na invasão da Abissínia pela Itália, norearmamento alemão, nas ocupaç<*-*>es por Hitler da Renânia, da Áustria e da Tche-coslováquia, enfim, por não poder evitar a Guerra de 1939. Mas o espírito pacifista que a inspirou retornou reforçado depois da SegundaGuerra Mundial com a Carta das Na<*-*><*-*>es Unidas, que declara solenemente opropósito de "preservar as geraç<*-*>es futuras do flagelo da guerra, que, por duas vezesno espaço de uma geração, infligiu à Humanidade indescritíveis sofrimentos". A ONU - Organização das Naç<*-*>es Unidas -, criada em 1945 na Confe-rência de São Francisco,y destinava-se, como órgão federativo e superestatal,a suceder a fracassada SDN. A sua sede foi estabelecida em Nova lorque.Comp<*-*>e-se de um Conselho de SeguranÇa (CS), seu órgão máximo, do qual sãomembros efetivos, com direito de veto, os "cinco grandes" daquela época(Estados Unidos, Inglaterra, URSS, França e China), e de uma Assembléia-Geral(AG), em que cada Estado-membro tem direito a um voto, e de um Secretariado,além de Conselhos de Tutela e Econômico-Sociais. É dotada também de umórgão jurisdicional: a Corte Internacional de Justiça, com sede em Haia, insta-lada em 1946, que sucedeu a anterior Corte. Comp<*-*>e-se de quinzejuízes, eleitospela Assembléia-Geral e pelo Conselho de Segurança da ONU, cujos nomesconstam de uma lista preparada pela Secretaria-Geral da ONU, constituída porjurisconsultos especializados em direito internacional, que gozam de alta conside-ração moral. Na escolha deverá ser tomado o cuidado para que todos os sistemasjurídicos tenham representantes na CIJ. O juiz escolhido tem completa independên-cia e autonomia em relação a seu país de origem. Não o representa na Corte. Temimunidade diplomática. Se na escolha divergirem a AG e o CS da ONU, será formadauma comissão de três membros de cada um desses órgãos da ONU para escolher asvagas restantes. Tem esse tribunal competência para decidir matéria prevista na Cartadas Naç<*-*>es Unidas. Responde a consultas da Assembléia-Geral e do Conselho deSegurança da ONU. Quanto aos litígios internacionais, depende de os países em conflito

9 A idéia de uma nova organização internacional, destinada a substituir a SDN, ocorreu em 1943, em Moscou (Declaração de Moscoa), no encontro realizado entre representantes da China, Rússia, Estados Unidos e Inglaterra. Tal idéia concretizou-se em Dumbarton Oaks (EUA), em 1944, e, um ano depois, em Yalta. Porém, só na Conferência de São Francisco (25 de abril a 26 dejunho de 1945) tornou-se realidade, com a aprovação da Carta das Naçôes

Unidas, que entrou em vigor em 24 de outubro do mesmo ano.

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Introdução ao Estudo do Direito

a ela submeterem o caso e de se sujeitarem expressamente a seu Estatuto, custeandoa demanda, e de declararem expressamente reconhecer a eficácia de sua decisão."' Mas, a ONU, como sua antecessora SDN, não tendo força militar própria enem sendo poder superestatal, ou seja, verdadeiro governo mundial dotado de podercoercitivo no campo internacional, revelou-se impotente para solucionaros conflitosinternacionais em virtude de sua atuação poder ser impedida pelo "veto" de um dos"cinco granrles". Pemonstrou-se incapaz de alcançar o seu objetivo formulado noPreâmbulo da Carta das Naç<*-*>es Unidas: "Criar condiç<*-*>es necessárias ao império dajustiça e ao respeito das obrigaç<*-*>es nascidas dos tratados e de outras fontes do direitointernacional." Impotente, apesar de prever a Carta das Naç<*-*>es Unidas o empregode sanç<*-*>es econômicas e militares, por decisão do Conselho de Segurança, desdeque não ocorra o veto das cinco potências nucleares (USA, Rússia, França, Grã-Bre-tanha e China), em ocorrendo ameaças à paz ou atos de agressão (art. 41) ... Porém, todos os progressos e todos os fracassos da Humanidade para estabe-lecer uma ordem internacional justa e segura, sob o império do direito, e não daforça, baseada na "igualdade de todos os países", se não conseguiram afastar aameaça da guerra ou evitar conflitos localizados em algumas partes do mundo,serviram para tornar o século XX lembrado, como disse Toynbee, "pelo grau deconsciência alcançado nas relaç<*-*>es internacionais e pelo seu esforço para alcançara paz, apesar de preparar-se para a guerra".

96. ORGANIZAÇÊES INTERNACIONAIS - ORGANIZAÇÊES REGIONAIS, OEA E UNIÃO EUROPÉIA

Nada impede que Estados soberanos, membros de organização internacionàlcomo a ONU, se organizem em defesa de interesses regionais, constituindo umaordem internacional regional, desde que não conflite com a ordem internacionalmundial. Nesse caso, a organização regional pode destinar-se a finalidades específicascomo, por exemplo, fins militares, como é o caso da OTAN (Organização do Tratadodo Atlântico Norte), como podem ter finalidades políticas mais amplas, sendo comoque uma ONU regional, como é o caso da OEA (Organização dos Estados America-nos)'' e da União Européia. As origens da OEA encontram-se na União Internacionaldas Repúblicas Americanas (1889-90), instituída em Washington, e na União Pan-

10 A Comunidade Internacional disp<*-*>e, também, da Corte Permanente de Arbitragem (CPA), criada em 1899, pela I Conferência de Haia, com sede em Haia, que, na realidade, é umjuízo arbitral de litígios internacionais.11 A OEA foi, entre nós, aprovada pelo Decreto L,egislativo n" 64, de 1949, ratificada a 11 de fevereiro de 1950, promulgada pelo Decreto n" 30.544, de 1952. Posteriormente sofreu alteraç<*-*>es.<012>

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Americana (UPA), criada em Buenos Aires, em 1910. O Pacto de Petrópolis (1947) reconheceu a comunidade americana, que, um ano depois, foi constituída pela Carta deBogotá (1948), como organização intemacional regional dentro da ONU. Tem por objetivo estabelecer no Continente Americano uma ordem de paz ede justiça; garantir a paz e segurança continentais; solucionar pacificamente oslitígios entre seus membros; organizar a ação solidária de seus membros no caso deagressão a um deles; promover, através da cooperação de seus membros, o desen-volvimento econômico, social e cultural de todos. Submete ao direito internacionaltodos os Estados americanos; condena a guerra de agressão como meio de solucionaros litígios internacionais; reconhece os direitos fundamentais da pessoa humana e aigualdade de todos os seus membros. Comp<*-*>e-se dos seguintes órgãos:1 ) Assem-bléia-Geral (órgão supremo); 2) Conselho Permanente (órgão de consulta, compostodeum embaixador de cada país membro); 3) Comissão Juridica Interamericana (órgãode consulta, composto de onze juristas, com sede no Rio de Janeiro); 4) ComissãoInteramericana de Direitos Humanos (destinada a promover o respeito e a defesa dosdireitos humanos; órgão de consulta com sede em Washington); 5) Corte Interame-ricana de Direitos Humanos (constituída de sete juristas, com sede em San José,Costa Rica) ; 6) Comissão Interamericana Econômico-Social (com sede em Washington,órgão de planejamento); 7) Secretaria-Geral. A OEA tem sede em Washington. Como a OEA, a União Européia, ex-Comunidade Européia, assim denominadapor força do Tratado de Maastrich (0 I .11.1993), é também uma organizaçãointernacional regional, destinada, talvez no futuro, a realizar o sonho de Napoleão:a confederação européia, só que o general-imperador pretendeu instituí-la com oemprego das baionetas,'z enquanto a dos nossos dias resultou do consenso dasgrandes naç<*-*>es européias. Inicialmente, forma de integração econômica (Comu-nidade Européia do Carvão e do Aço - CECA; Comunidade Econômica Européia- CEE; e Comunidade Européia para a Energia Atômica - EURATON), acaboutornando-se ente intemacional destinado a proteger os interesses econômicos dospaíses-membros. Mas não ficou por aí, pois tornou-se uma organização complexa,podendo-se dizer política, culminando com a criação de um tribunal para a defesados direitos dos cidadãos dos Estados-membros: Tribunal Europeu de DireitosHumanos (§ 97). Assim, a partir de 1952, com a criação pela Bélgica, Itália, França, Holanda,Aleman'<*-*>a Ocidental e Luxemburgo da Comunidade Econômica do Carvão e do Aço(CECA), depois com o Mercado Comum Europeu, ao qual, nos anos 80, aderiram

12 Na França, o poeta e romancista Victor Hugo ( 1802-1885) teve também a idéia dos Estados Unidos da Europa.

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Introdução ao Estudo do Direito

Grécia, Portugal e Espanha, ingressando, nos anos 90, a Grã-Bretanha, surgiu umacomunidade de países europeus, que outrora se digladiaram, unidos por um únicopropósito: salvar a Europa, esmagada na época entre dois gigantes, USA e URSS, eameaçada por um pequeno país, que, apesar de vencido e de ter sofrido as conse-qüências da Bomba, se tornou grande potência econômica: o Japão. A ComunidadeEuropéia, isto é, a União Européia, foi, pois, a única solução jurídico-político-eco-nômica encontrada para salvar as economias das ex-potências européias, às quais

sejuntaram depois outros países europeus, como Portugal e Espanha. Estruturada poruma ordem jurídica autônoma, resultante de um direito comum (direito comunitá-rio), tendo por fontes os Tratados de Paris (1951) e o de Roma (1957), costumes eprincípios gerais próprios, cujas lacunas são preenchidas pelos "princípios geraiscomuns aos direitos dos Estados-membros". Ente internacional, com personalidadejurídica própria, institucionalmente organizado, com quatro órgãos: Assembléia,Conselho, Comissão e Corte de Justiça. A Assembléiaou ParlwnentoF,<*-*>-apeu, inicial-mente formado por delegados dos Estados-membros, designados pelos seus respec-tivos parlamentos, que escolhe um de seus membros, tendo Itália, França, Alemanhae Inglaterra maior número de representantes. Mas, a partir de 1979, é composto derepresentantes dos países-membros, eleitos, com mandato de cinco anos, em númerode 518, com assento, segundo o critério de especialização, em grupos e comiss<*-*>es.Tem sede em Luxemburgo, mas reúne-se em Estrasburgo. Órgão deliberativo econsultivo, com competência para controlar o Conselho, podendo, como no parla-mentarismo, dissolvê-lo. Já o Conselho, constituído de Ministros de cada país-mem-bro, reúne-se em Bruxelas. Não tem membros efetivos, pois a natureza das quest<*-*>esa ele submetidas determina os Ministros que devem ser convocados. É o Executivoda Comunidade. Compete-lhe coordenar a política econômica dos Estados-membros.À Corte de Justiça, sediada em Luxemburgo, composta de treze juízes e seisadvogados, com mandato de seis anos, escolhidos pelos Estados-membros entrejuristas de grande saber jurídico ou magistrados, compete julgar, com fundamentono direito comunitário, os conflitos de interesse entre os Estados-membros e entreestes e o Conselho, bem como o descumprimento por parte de um dos Estados-mem-bros de obrigação oriunda do Tratado, além de interpretar os Tratados e o direitocomunitário, sendo, nesse caso, equiparada à lei as suas decis<*-*>es. Nas quest<*-*>escontenciosas, suas decis<*-*>es têm força de título executivo, devendo ser cumpridaspelo país vencido. Tem, ainda, a União Européia um órgão com função análoga àdo Ministério Público, denominado Comissão, fiscalizador da observância dQ Tra-tado, tendo iniciativa da ação judicial perante a Corte, após ouvir o Estado-membrotransgressor. O problema da moeda única, prevista para viger no final deste século,coroamento do Sistema Monetário Europeu (SME), estabelecidó nos anos 70, poderachar ou ameaçar a unidade dessa Comunidade, como demonstrou o plebiscito paraaprovar na França, nos anos 92, o Tratado de Maastricht, que a dividiu.<012>

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97. TRIBUNAL EUROPEU DE DIREITOS HUMANOS <*-*>3 Damos, pela sua originalidade, destaque ao TribunalEuropeu de Direitos Hwnu- rws, sediado em Estrasburgo. É o resultado de um sonho que se tornou realidade: a proteção eficaz do Homem, que poderá evitar as violências ocotridas no passado, seja por parte do Estado ou do poder econômico. Foi institucionalizado pela Comen<*-*>o Eurnpé;a <*-*> Direitos Hwnnnos, após longos debates no "Conselho da Europa", apesar de definido, desde 1940, no Comitê de Ministros do Conselho da Europa. É fruto de uma amarga experiência histórica de crueldades e desumanidades praticadas, apesar de, paradoxalmente, figurar nas Constituiç<*-*>es européiasposterio-

res à Grande Guerra (1914-18), declaraç<*-*>es dos direitos do homem. Para queessepassado não fosse repetido era necessário encontrar uma forma que desse eficáciaefetiva à declaração de direitos, encontrada e defendida por grandes estadistas,políticosejuristas europeus na definição por decisãojudicial, proferida por corte supranacional,dos direitos passíveis de proteção internacional a que estariam submetidos os Estadosque ratificaram a citada Convenção. Depois, grande passo foi dado, em Roma, com aConvenção Européia para a proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais ,firmada a 4 de novembro de 1950, em dois "protocolos", sendo que o segundo, sobre oTribunal Europeu dos Direitos Humanos, foi assinado em 16 de setembro de 1%3. Assim, as atrocidades sofridas pelo homem na Europa antes e durante a últimaGuerra (1939-1945) despertaram a consciência de juristas, políticos e governoseuropeus, levando-os a codi icar, através de uma Convenção, com riqueza dedetalhes, aqui não indicados, os "direitos do homem", outrora objeto de declaraç<*-*>esformais, desprovidas de e icácia. Para a proteção desses direitos foi instalado, em Estrasburgo, o Tribunal Europeu deDireitos Humanos, com jurisdição, como dissemos, sobre os Estados signatários daConvenção, última instância, após esgotados os recursos ordinários aos tribunaisde cadapaís-membro. Esse Tribunal é composto porjuízes de grande cultura e de renome, "quegozem da mais alta consideração moral", em número igual ao dos países signatários daConvenção. As sess<*-*>es desse Tribunal só são marcadas quando há casos a serem aprecia-dos, não funcionando com a sua composição plena, pois julga cada caso em seçãoformada por sete juízes, escolhidos por sorteio, a não ser um deles que deve teranacionalidade do recorrente. Quando complexo o caso, não se enquadrando nosprecedentes do Tribunal, ou exigindo interpretação da Convenção, é convocado

13 A Organização dos Estados Americanos, em 1948, na reunião de Bogotá, aprovou a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem. Em 1959, o Conselho Interamericano dos Direitos do Homem promoveu a Convenção Interamericana dos Direitos do Homem, prevendo um tribunal nos moldes do europeu, instituído em 1979. É a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

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Introdução ao Estudo do Direito

em sessão plena (Tribunal Pleno), decidindo com a totalidade de seus membros. Échef'iado por um Presidente eleito por seus pares, para um período de três anos,podendo ser reeleito. São idiomas oficiais do Tribunal o inglês e o francês. Decis<*-*>es desse Tribunal têm levado à modificação da legislação do país deorigem do recorrente. Eis uma tentativa para dar eficácia efetiva às declaraç<*-*>es de direitos, que, forada União Européia (Comunidade Européia), é relativa."

14 Daremos aqui alguns julgados do Tribunal Europeu de Direitos Humanos: de

22-07-1972, concedai indenização pela duração, por tempo não razoável, de prisão provisória de um austríaco; de 28-11-1978, anulou decisão de um Tribunal alemão por não terem sido assistidos os réus porum intérprete, em virtude de não compreenderem o alemão; e de 13-06-1979, reconheceu ao filho natural osmesmos direitos sucessórios e patrimoniais dos filhos legítimos, por não distinguir a Convenção a fam<*-*>lia legítima da natural, enquanto a lei belga, que fora aplicada, fazia essa distinção.<012>

XVII

,DIREITO PUBLICO INTERNO E SUAS DIVISÊES

98. DIREITO PÃBLICO INTERNO

É a parte do direito em que predomina o interesse público, principalmente, o doEstado. Pode-se dizer ser o direito organizador do Estado e protetor e garantidor daordem pública e da paz social. Nele o Estado é parte obrigatória, apresentando-se emposição de superioridade, revestido de imperium, como autoridade pública. É direito desubordinação. Divide-se em: direito constitucional (§ 99), direito administrativo (§102), direito financeiro e tributário (§ 103), direito judiciário (§ 104), direitoprocessual (§ 111), direito internacional privado (§ 1 I 2) e direito penal (§ 105).

99. DIREITO CONSTITUCIONAL

Direito constitucional é o que organiza o Estado, dando-lhe forma, estrutura eestabelecendo bases para o exercício de seu poder. Assim, é o direito organizadordo Estado e de seu governo, disciplinador das rela<*-*><*-*>es entre governantese gover-nados. Organiza o governo do Estado. Tem por objeto a Constituição do Estado. Daía sua importância, porque é da Constituição que decorre a validade das demais partesdo direito, que devem se inspirar em seus princípios; não podendo deles se afastare nem dispor de forma incompatível com eles. É o sistema de normas e princípiosfundamentais de que nenhum Estado pode prescindir, podendo se revestir das maisvariadas tendências ideológicas. Tendências manifestadas em disposiç<*-*>es progra-máticas ou em princípios gerais cuja eficácia depende de lei ordinária. Nesse caso,dá sentido ideológico ao Estado. Estabelece seus elementos, sua forma e suasinstituiç<*-*>es fundamentais. Organiza-o, dando-lhe forma juridica e prevendo fun-ç<*-*>es, atribuiç<*-*>es e poderes. Dá os meios possibilitadores do exercício do governo.Mas não é só, pois prescreve uma "carta de direitos", ou melhor, uma "decláraçãode direitos". Direito constitucional não depende, assim, da fisionomia política do Estado.Tanto pode versar sobre uma Constituição de sentido democrático-liberal comosobre uma Constituição socialista.<012>

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Nas Federaç<*-*>es, como é o caso do Brasil, existem dois direitos constitucionais :o direito constitucional federal e os direitos constitucionais estaduais. O primeiropredomina sobre o segundo, derrogando este quando com ele conflitar ou quandoincompatível com ele. Há matéria constitucional da competência do direito consti-tucional federal, que delimita a competência constitucional estadual. O direitoconstitucional federal tem vigência e eficácia em todo o território nacional, enquantoo estadual só na unidade federativa que o promulgar. Pode situar-se no espaço e no tempo o aparecimento desses dois direitosconstitucionais; surgiram com o Estado federal moderno, instituído em 1787, pelaConstituição de Filadélfia, enquanto no continente europeu com as Constituiç<*-*>essuíças de 1848 e de 1874, e com o Deutsches Reich ( 1871-1918,1919-1933 e 1949).Entre nós, com a Constituição de I 891.

100. DIREITO ELEITORAL

Ramo do direito público ou, como querem outros, do direito político (§ 101),disciplina a escolha dos governantespelos governados, estabelecendo as condiç<*-*>espara ser eleitor e as de elegibilidade, a data das eleiç<*-*>es, aforma do voto e de suaapuração. De forma resumida: direito politico que rege o processo eleitoral. Doregime político dependem a natureza, a índole e a característica política do direitoeleitoral. Do direito eleitoral, depende o eleitor (cidadão ativo), qualidade sem aqual nenhum cidadão pode exercer qualquer profissão e que não lhe pode ser negada,desde que reúna as condiç<*-*>es legais para obtê-la. Ser eleitor não é, entre nós,exclusivamente direito do cidadão, mas também dever, função, por ser obrigatórioo voto. O liberalismo considera-o como direito, que, como tal, pode deixar de serexercido. Mas para o direito moderno é mais direito-função. O direito eleitoral possibilita a decisão política do eleitorado, e não do povo.Se considerarmo-la como opção partidária, por serem os candidatos indicados pelospartidos políticos, e se considerarmos cada partido político ser representativo deum programa político, o direito eleitoral possibilita a escolha de um programapolítico, ou melhor, de uma política.

101. DIREITO POLÍTICO

Há publicistas que distinguem o "direito político" do "direito constitucional".Este último teria por objeto a ordem jurídica do Estado, enquanto o direito políticoo próprio Estado. Jellinek é um dos que dividem o direito público em direitointernacional e direito político. Há outros tratadistas, porém, que não os distinguem,considerando que ambos têm por objeto a estrutura do Estado. Se entendermos odireito político como estudo da estrutura do Estado, sem qualquer confusão com aPolítica, que trata dos meios a seremusados paraatingirdeterminados ftns históricos,

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Introdução ao Estudo do Direito

e sem confundi-lo com o direito constitucional, que versa sobre a ordem jurídicadoEstado, pensamos ser possível dar autonomia ao direito político. O direito político,nesse caso, versaria sobre a estrutura do Estado, o direito eleitoral e os partidospoliticos. Não se encontra em leis, mas na "doutrina" (§ 81), sendo mais um modode conceber unificadamente os direitos concernentes à questão política (Constitui-ção, eleiç<*-*>es, partidos políticos, Estado).

102. DIREITO ADMINISTRATIVO

É a parte do direito público que organiza e disciplina a Administra<*-*>ão Públicae os serviÇos públicos. É o sistema de normas de direito público que organiza aAdministraÇão Pública e disciplina a sua atividade. Investe-a de poder de polícia ede poder discricionário, que não se confunde com arbitrariedade, pois é o poder detomar a decisão mais oportuna, tendo em vista os fins estabelecidos pela lei. Dota-ade poder normativo (poder regulamentar) e de função disciplinar (processo ouinquérito administrativo). Define as relaç<*-*>es jurídicas que vinculam por um lado aAdministração Pública e por outro os seus membros (servidores públicos). Tutelaos bens do Estado, disciplinando o seu uso. Considerando o crescimento dos serviços públicos no mundo atual e a inter-venção cada vez maior do Estado na ordem econômica, pode-se profetizar dizendoque o direito administrativo será o ramo mais importante do direito do futuro. As fontes do direito administrativo são: leis, regulamentos, decretos, avisos,portarias, ordens, instnzç<*-*>es etc., que, em sua maioria, organizam os serviços públicos.Por isso, pode-se dizer ser o direito administrativo constituído de normas de organi-zação. Do ponto de vista histórico, a legislação mais antiga é francesa, datando deI 800, bem como francesa uma das obras mais antigas de direito administrativo : LesÉléments de Jurisprudence Administratif(1818), de Macarel. É, ainda, na Françaque o moderno direito administrativo se formou com a jurisprudência do Conselhode Estado no século passado.

103. DIREITO FINANCEIRO

É o direito que disciplina e organiza asfinanças públicas, ou então, comPugliese (Istituzioni di Diritto Finanz<*-*>ario), o "conjunto de normas que disciplinama arrecadação, a gestão e a distribuiÇão de mecos econômccos que necessitam oEstado e outros entes públicos para o cumprimento de suas atividades ". Prevê osmeios necessários a cobrir as despesas do Estado, obtidos com impostos, taxas,empréstimos públicos (Letra do Tesouro etc.). O Orçamento é a lei que programaas despesas do Estado, tendo em vista a sua receita (recursos). A emissão de moeda<012>

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é também por ele regida. Prescreve o regime monetário e, portanto, a moeda decurso legal. O direito que rege impostos e taxas e imp<*-*>e sanç<*-*>es para o caso de não-paga-mento dos mesmos é o direito tributário oufiscal. Assim, direito tributário é a partedo direito financeiro que compulsoriamente estabelece e recolhe tributos para

cobriras despesas do Estado e dos demais entespúblicos eprescreve sanç<*-*>esparáo caso de não-pagamento dos mesmos, ou então, com Giannini (Istituzioni di DirittoTributario): "parte do direito financeiro que estabelece e recolhe tributos ". Assanç<*-*>es desse direito são patrimoniais (multa, correção monetária etc.) e pessoais(prisão). A de prisão pode ser reduzida se o contribuinte faltoso efetuar o pagamentodo débito fiscal assim que notificado.

104. DIREITO JUDICIÁRIO

É o direito que organiza o Judiciário e disciplina o seufuncionamento. Temrelaç<*-*>es estreitas com o direito processual (§ 111 ), mas com ele não deve serconfundido. Organiza os diversos órgãos do Poder Judiciário do Estado, bem comoos seus auxiliares e os serventuários indispensáveis a seu funcionamento. Prevêmeios corretivos dos serviços judiciários e sanç<*-*>es para faltas dos membros doJudiciário. Assim, o direito judiciário tem por objeto a organizaçãojudiciária, quevaria de Estado a Estado, resultante, como notam Henry Solus e Roger Perrot(Droit Judiciaire Privé), "de uma longa evolução, tendo suas causas profundas nahistória e nas tradiç<*-*>es, nos acontecimentos históricos, nos movimentos sociais eeconômicos" de cada país; modelada, prosseguem os autores citados, "em funçãodas condiç<*-*>es geográficas e da densidade da população" ; observa "princípiosgeraisque correspondem a uma concepção de Estado e da Justiça, próprias a cada povo".No sistema federativo, como no caso do Brasil, não é a mesma em todos osEstados-membros, variando com as suas específicas condiç<*-*>és geográ icas e adensidade de população de cada um, apesar de respeitar princípios gerais estabele-cidos na Constituição Federal. Não pode dispor de forma contrária ao direitoprocessual (§ 111). Entre nós, temos a organizaçãojudiciáriafederal e organizaç<*-*>esjudiciáriasestaduais. A primeira é dada pela Constituição Federal e pelas leis federais déorganização judiciária, enquanto as segundas pelas Constituiç<*-*>es estaduais epelasleis estaduais de organização judiciária, por resolaç<*-*>es dos tribunais federais eestaduais, que não podem transgredir os princípios gerais de organização judiciáriaprevistos na Constituição Federal. Temos, pois, em função do espaço, judiciáriofederal e estadual, e, em razão dacompetência, jurisdição comum e especial. A jurisdição comum aplica direito comum(direito civil, direito comercial, direito penal, direito administrativo etc.), decidindoquest<*-*>es para as quais não hájurisdição especial. A jurisdição especial é formada pelos

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Introdução ao Estudo do Direito

juízes e tribunais do trabalho, juízes e tribunais militares e juízes e tribunaiseleitorais. Alguns países têm, ao lado dessas jurisdiç<*-*>es, a "jurisdição constitucional"com competência para julgar os crimes de responsabilidade e decidir sobre incons-titucionalidade da lei. Depois da Primeira Guerra Mundial, foram criados "tribunais constitucio-nais'' (Verfassungsgerichtsho<*-*>, destinados a controlar a constitucionalidadedas leis

e a proteger a Constituição. A Constituição de Weimar, a da Áustria de 1919, aespanhola de 1931 e a da Tchecoslováquia de 1920, criaram tribunais desse tipo.Depois da última guerra, a Constituição francesa de 1946 instituiu o ComitéConstitutionnel, e a italiana de 1947, a Corte Costituzionale. Entre nós, a partir daConstituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal pode ser considerado corteconstitucional. Finalmente, difícil é separar a matéria do direito judiciário da matéria dodireito processual. Pode-se dizer que a primeira é formada pelo que não fordisciplinado pelo direito processual. É o resíduo do direito processual. Assim, o quehoje pertence ao direito judiciário pode ser amanhã da alçada do processual, evice-versa.

105. DIREITO PENAL

Também denominado direito criminal,' é o sistema de normas que define eenumera os crimes e as respectivaspenas, bem como prescreve medidas preventivasaplicáveis às pessoas perigosas. Maggiore (Principi di Diritto Penale) assim odefine: ` `sistema de normas jurídicas, em força das quais o autor de um crime (réu)sofre uma perda ou diminuição de direitos pessoais (pena)''. Já Grispigni (Diritt•Penale Italiano) o conceitua como "complexo de normas jurídico-estatais, cujaviolação tem como conseqüência uma pena'', enquanto Pannain (Manuale di DirittoPenale): "grupo de normas jurídicas com as quais o Estado proíbe, mediante aameaça de uma pena, determinados comportamentos humanos (aç<*-*>es ou omis-s<*-*>es)''. É direito punitivo, porque ao proibir certas condutas (aç<*-*>es ouomiss<*-*>es)

Alguns penalistas distinguem o direitopenal não-criminal, que tem por objeto penas não impostaspelo Estado, como, por exemplo, o direitopenal contratual (penas previstas em contratos) ou odireitopenal corporativo (penas previstas nos estatutos das sociedades aplicáveis aos sócios), dodireitopenal criminal, promulgado pelo Estado, que prescreve penas correspondentes aos crimes.Como conseqtiência, esses penalistas distinguem a pena não-criminal, prevista emcontrato ouem estatutos, da pena criminal. Pensamos, para evitar confus<*-*>es, ser preferível denominar pordireito disciplinar (§§ 107 e 115) ou direito convencional disciplinar (estatutos de sociedades) edireito convencionalpenal (cláusula penal dos contratos) os direitos punitivos que esses penalistasdenominam por direito penal não-criminal.<012>

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Paulo Dourado de Gusmão

prevê a pena que lhes corresponde. Tem duplo destinatário: o preceito (aç<*-*>esproibidas) tem por destinatário todas as pessoas, enquanto a pena, o órgão jurisdi-cional do Estado. A sua fonte é a lei. Costume, jurisprudência e doutrina não têm noterreno jurídico-penal força normativa. É um dos poucos ramos do direito cujasnormas são acompanhadas, em sua maioria, de sanç<*-*>es (pena). Por isso, a estruturada norma penal é simples: preceito (enumerador de crimes) e sanção (pena). Mas o direito penal não é só o direito que pune o culpado por um delito, maso que prevê também medida preventiva (medida de segurança) aplicável aosculpados pelo delito quando perigosos, bem como aplicável aos que, por incapaci-dade, não respondem pelo mesmo. Ao culpado, o direito penal prescreve a pena(prisão, multa, penas alternativas como serviço prestado à comunidade, <*-*>tc.), aos

perigosos, a medida de segurança. Medida que tem caráter preventivo, tendo emvista o delinqüente ou a personalidade anormal da pessoa, ou seja, o homem. Visa o direito penal2 a garantir a segurança individual e a ordem pública. Tutelabens existenciais (vida, liberdade, saúde, honra, nome, integridade física etc.)epatrimoniais, a ordem pública, os bons costumes, o funcionamento do Estado, bense interesses do Estado etc. Assim, em função do direito penal, à conduta prevista pela norma penal comoilícita deve ser aplicada uma pena (perda ou diminuição de direitos pessoais),também prevista de antemão na lei penal, geralmente entre um máximo e ummínimo, ao autor da mesma, desde que penalmente capaz e desde que consideradoculpado por sentença. Cabe ao juiz individualizar a pena, ou seja, considerando omáximo e o mínimo de pena previsto na lei, estabelecer a que corresponde àgravidade do delito praticado e às circunstâncias do mesmo.

Direito intimidativo, protetor da ordem interna, o direito penal esteve, nasociedade arcaica, à mercê de caprichos ou da vingança do ofendido ou de suafatmlia. Era então governado pela lei do ` `dente por dente, olho por olho''. Depois ,essa lei draconiana passou a depender da vontade da vítima ou de sua família, quepodia escolher outra forma de puniçâo. Muito depois, inicialmente com caráterfacultativo, a penalização do criminoso passou a depender de decis<*-*>es de árbitrosescolhidos pelas partes. Com o tempo, o poder de punir o delinqüente foi monopo-lizado pelo Estado, pondo assim ftm à insegurança e à intranqüilidade geradas pelavingan<*-*>a, ou seja, pela justiça privada. Na sociedade arcaica, a pena se dirige nãoao criminoso, mas ao ato contrário aos costumes e aos tabus. Depois, passou a serconfundida com a reparação, para, fmalmente, nas sociedades modemas, ter caráter

2 Do direito penal internacional tratamos no § 92.

a

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Introdução ao Estudo do Direito

expiatório, intimidativo, destinada a desencorajar futuros delitos. Posteriormente,foi considerada meio de defesa social e de recuperação do criminoso. A monopolização pelo Estado do poder de punir deu ao poder público instru-mento de intimidação perigoso. Daí a Civilização Européia, para reduzir esse risco,fez depender o crime de anterior lei penal que o defina e o puna. Eis a razão doprincipio de legalidade: não há crime e nem pena semprévia lei (nullum crimensine lege, nulla poena sine lege), espinha dorsal do direito penal ocidental.3 Do exposto, flca esclarecido que o direito penal é sistema de direito público,em razão dos bens e dos interesses que tutela, de n atureza imperativa (jus cogens),por impor e proibir condutas, e de caráter aflitivo, porquanto a pena (sanção penal)tem principalmente caráter aflitivo, expiatório, intimidativo. Além desse aspectofundamental, objetiva não só a recuperação do delinqüente, como, também, a defesasocial e a paz social. Quanto aofundamento do direito penal, variam as teorias, seja justificando apena como castigo, seja como medida recuperadora do delinqüente ou seja como

defesa social. Assim, para a teoria da retribui<*-*>ão a pena é o sofrimento imposto aoagente como retribuição ao crime. Para essa teoria, a intimidação é a principal funçãodo direito penal. Já a teoria da emenda considera a pena o meio de emendar, corrigir,reeducar ou recuperar socialmente o criminoso. Finalmente, para a teoria da defesasocial a pena é o meio de defesa da sociedade contra o crime.' A obra de Beccatla, Dei Delitti e delle Pene, aparecida em 1763, delimita, nodireito penal, épocas. Exerceu profunda influência no mundo jurídico. Quandoapareceu, revolucionou a teoria penal. Defende o princípio de legalidade: sô as leispodem de antemão estabelecer penas para os delitos, devendo os juízes limitar-seaaplicá-las de forma proporcional à gravidade dos mesmos. Combate Beccaria aspenas infamantes, desumanas e a pena de morte, bem como defende a defesa socialpreventiva: ` `melhor prevenir os delitos do que os castigar''. Dessas idéias resultoua escola clássica de direito penal (Romagnosi, Feuerbach e Bentham). A elaaderiram Rossi e Carmignani. Foi a obra de Carrara (1805-1888), porém, que lhetraçou o programa. Proporcionalidade da pena ao delito, prevenção social do delitoe imputabilidade moral (culpa, sanidade mental e maturidade do agente) são osprincípios básicos dessa escola, que considera o delito exclusivamente como enti-dade jurídica, sem levar em conta a personalidade do delinqüente. Contra ela, sob ainfluência do sociologismo e do positivismo, colocou-se a escola positiva de direitopenal (Scuola Positiva), indagando os fatores sociais, psicológicos, orgânicos e

3 O primeiro Código Penal data de 1810, promulgado por Napoleão.4 A pena ó aplicada independentemente da vontade da vitima, que pode até perdoaro seu agressor, sem conseqiiênciajuridica alguma, porquanto, no direito penal, o perdão não tem valorjucídico.<012>

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constitucionais do delito, negando ser a imputabilidade moral condição da sançãopenal, admitindo a responsabilidade legal (sem culpa) do homem. Atribui à penafunção educativa e recuperadora do delinqüente e de defesa social. Assim, para essaescola, para a qual tanto contribuiu Ferri ( I 856-1929) e em que se situam Von Liszt,Garofalo, Niceforo e Pende, tanto o agente sadio psiquicamente como o mentalmenteincapaz são atingidos pelo direito penal por ter, para esses penalistas, a sanção penalpor objetivo principal a defesa social: para o agente capaz, a pena, enquanto para oincapaz, medida preventiva. A Terza Scuola (Impallomeni, Alimena e Carnevale)ecleticamente considera o delito e o criminoso como objetos de igual importância.Mas, em oposição a estas, afastada das ciências humanas e sociais, dentro de umaposição puramente jurídica, formalista, portanto, aproximando-se mais da escolaclássica, está a escola técnico juridica (Rocco, Manzini, Battaglini, Vannini, Mas-sari etc.), que não se interessa pelas raízes do delito e nem pelo delinqüente, poisentende o direito penal como direito repressivo,<*-*>tendo por objeto a lei e o crime. A tendência atual é no sentido da consideração tridimensional do delito: norma

penal-realidade social-delinqüente ou, então, norma penal-finalidade-gravidade daação, respeitando a advettência de Beccaria: ` `é preferível prevenir do que punir''. ` `Apersonalidade do criminoso", sustenta corxt razão entre nós Luís Ângelo Dourado(Ensaio de Psicologia Crimina<*-*>, ` `é a figura central na psicogênese do crime, desem-penhando o meio-social papel de fator precipitante''. Assim, o crime, o criminoso e alei penal devem ser os objetivos da ciência penal.

106. DIREITO PENAL COMUM E ESPECIAL

O direito penal subdivide-se em direito penal comum e direito penal especial.O primeiro define os crimes comuns, enquanto o direito penal especial os crimesespeciais, decorrentes da natureza especial do bem tutelado ou do agente. Não édireito de exceção, mas direito especial.5 No direito penal especial temos, como principal ramo, o directo penal militar,que não é direito de casta, de privilégios, mas direito formulado segundo os princípiosgerais do direito penal comum (Esmeraldino Bandeira). Deftne os crimes militares,bem como as suas penas. Portanto, há crime comum, definido pelo direito penalcomum, que pode ser praticado por civil ou militar, julgado pela justiça comum, ecrime militar. Este é toda ação ou omissão praticada por militar ou por civil contraa segur<*-*>nça nacional ou contra as instituiç<*-*>es militares prevista na leipenal militar(Código Penal Militar). Por conseguinte, o que caracteriza o crime militar não ésóa profissão do agente: militar, mas também o objetivo do crime, ou melhor, o bemjurídico ameaçado ou lesado. Se a ação ou omissão atentar contra a segurança do

5 Sobre a noção de direito especial, vide § 58.

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Introdução ao Estudo do Direito

Estado ou contra as instituiç<*-*>es militares, temos crime militar, sEndo ou não militaro agente. Desta forma, nem todo crime praticado por militar é crime militar, massóos cometidos contra a segurança nacional ou as instituiç<*-*>es militares, definidas nalei penal militar, ou, então, aqueles que somente podem ser praticados por militar(ex.: deserção). Assim, os crimes praticados por militar, no exercício de atividademilitar, ou por civil contra a segurança do Estado e as instituiç<*-*>es militares sãocrimes militares, sujeitos a regime jurídico-penal especial. A idéia de um direito penal militar não é recente, mas muito antiga, datandodos romanos. Os romanos já distinguiam o crime praticado pelo cidadão (ut civis)do praticado por militar (ut miles). Proprium militare est delictum, Quod Quis utimiles admittit ou, então, omne delictum est militis, Quod, aliter qucim disciplinacommunis exigit. Com o tempo, crime militar deixou de ser, como vimos, só opraticado por militar, pois o civil pode, também, cometê-lo. Predominou, pois, nodireito moderno a matéria sobre a profissão. Desde então, crime militar é não sóopraticado por militar (ratione personae), como também o praticado por qualquerpessoa contra a segurança do Estado ou das instituiç<*-*>es militares (rationemateriae).

107. DIREITO DISCIPLINAR

Próximo do direito penal, temos o direito disciplinarpúblico, que, supondouma relação de dependência (Manzini), visa à disciplina, prevendo sanç<*-*>es deordemadministrativa inconfundíveis com a pena, aplicáveis por superiores a subordinados.É o direito repressivo destinado a obter maior eficiência, disciplina, decôro eprodutividade no serviço público, nos parlamentos e nas For<*-*>as Armadas. Nessecaso, as medidas disciplinares não são aplicadas pelo Poder Judiciário. Temos direitodisciplinar Legislativo, cuja fonte são os regimentos das Assembléias Legislativastendo como sanção mais grave a cassação de mandato do parlamentar; o direitodisciplinar do Poder Judiciário, parte do direito judiciário, contido nos regimentosdos tribunais e na lei de organizaçãojudiciária, prescrevendo sanç<*-*>es aplicáveis aosmembros do Poder Judiciário pelos tribunais e aos serventuários; direito disciplinardas Forças Armadas, e, finalmente, direito disciplinar da Administração Pública,com sanç<*-*>es aplicáveis aos servidores públicos, cuja principal fonte é o Estatuto doFuncionário Público.

108. DIREITO PENAL INTERESTATAL

Também denominado direito penal internacional em sentido estrito (vide §92), é o conjunto de normas solucionadoras do conflito de leis penais no espaço.Éo ramo do direito interno (§ 90) que estabelece a competência legislativa ejurisdicional em matéria penal. Assim, enquanto o direito internacional privado,que veremos depois (§ 112), trata do conflito de leis no espaço em matéria de direito<012>

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privado e de direito misto, o direitopenal internacional em sentido estrito, ou direitopenal interestatal, versa sobre o conflito de leis em matéria penal. Comp<*-*>e-se assimde normas de direito interno, ou melhor, de direito público cnterno, que prescrevema lei penal (nacional ou estrangeira) aplicável. Delimita a eficácia da lei penal noespaço. Resulta de convenç<*-*>es internacionais bem como de lei. Também denomi-nado de direito penal de conflito ou direito penal internacional ` `strccto sensu ',soluciona o conflito de leis penais no espaço. Nesse campo predomina o princípioda territorialidade da lei penal, segundo o qual o crime praticado por nacional ouestrangeiro no território de um Estado é punido por sua lei. Há, entretanto, exceç<*-*>esa esse princípio, dentre as quais a decorrente de crimes internacionais previstos emtratados ou convenç<*-*>es internacionais, para os quais, independentemente do país emque for praticado, é punido pela lei do Estado em cujo território se encontrar ocriminoso. Contra o mencionado princípio temos o da personalidade, segundo oqual da nacionalidade do criminoso depende a legislação penal a ele aplicável. Adotanossa legislação, com certas exceç<*-*>es, o princípio da territorialidade. Alémdesses

princípios destaca-se o da extradição, segundo o qual o criminoso, quando estran-geiro,que, tendo praticado o crime em um país, esteja refugiado em outro, é entregueao país que deve julgá-lo. A maioria dos países não admite a extradição decriminosos políticos. O crime político, portanto, não admite a extradição. Entende-sepor crime político toda ação contrária à organização política de um Estado. Também,como exceção ao princípio da extradição, temos a não-extradição dos nacionais,como no caso em que brasileiro, que tenha, por exemplo, praticado um crime naFrança, fuja para o Brasil, não será entregue àjustiça francesa, mas serájulgadoaquipela lei penal brasileira.

109. DIREITO CONTRAVENC IONAL

O direito contravencional distingue-se do direito penal pela menor gravi-dade das infraç<*-*>es que pune. Assim, enquanto o direito penal pune delitos, odireito contravencional pune faltas ou desobediências (Binding) sem muitagravidade. Em certos casos, o objetivo do direito contravencional é prevenir, enão punir, como, por exemplo, quando pune o porte de arma ou as vias de fato,enquanto o objetivo do direito penal é punir homicídio, les<*-*>es corporais etc. Odireito contravencional, como ensina Alimena (Prineipi di Diritto Penale), punetambém fatos nocivos para a comunidade, como, por exemplo, barulho noturno etc. É,pois, o <*-*>ireito que punefaltas sem muita gravidade.

110. DIREITO PENITENCIÁRIO

É o ramo do direito repressivo que disciplina a parte administrativa dodireito penal, ou seja, a atividade administrativa destinada a promover a execuçãoda pena imposta pelo juiz na sentença criminal ao delinqüente. Há quem prefiradenominá-lo de direito executivo penal. O direito penitenciário, comp<*-*>e-se de

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Introdução ao Estudo do Direito

normas de direito administrativo e de técnicas pedagógicas des;inadas a recuperaro delinqüente, complementando, assim, as normas penais que têm por objeto apena e as medidas de segurança, bem como as normas processuais que regem aexecução da sentença condenatória. Direito misto, portanto, que, servindo-se dosresultados das ciências auxiliares do direito penal, aplica-os em função do quedisp<*-*>em as normas penais e processuais. Pode ser definido como o direito quetem por objeto a execução da pena e a recuperação social do delinqilente.

111. DIREITO PROCESSUAL

É o direito que disciplina o processo judicial, ou seja, a seqüência de atosdestinados a obter a sentenÇa definitiva.b Pode-se defini-lo como o complexo denormas que regulamenta aprestaçãojurisdicionalporparte do Estado. Em sentidolato: a parte do direito público que dá os meios para o exercicio dajurisdição, istoé, para a aplicação da lei pelo Poder Judiciário. O direito processual dá as aç<*-*>esdestinadas a proteger os direitos e a ordem pública, enumera os recursos, ordenaosatos processuais, f'Ixa competência dos juízes, enumera as provas que podem serproduzidas e disciplina a produção das mesmas etc. Prescreve as condiç<*-*>es para aaplicação do direito pelo Poder Judiciário. Houve tempo em que o direito processual confundia-se com o direito material.Assim, por exemplo, o direito processual civil pertencia ao direito civil,

enquanto oprocessual penal, ao direito penal. A autonomia do direito processual foi obra da ciênciajurídica modema. A partir do momento em que o Estado monopolizou o poder de punir o ilícitoe em que formulou regras específ'icas para decidir os litígios, surgiu o direitoprocessual, pondo fim àjustiça privada (individual, familiar ou clânica). As normas do direito processual têm estrutura diversa das demais normasjurídicas, que são bilaterais, enquanto as processuais são trilaterais ou triangu-lares, criando uma relação jurídica' entre autor, que inicia a ação, e réu, contra

O primeiro Código de Processo é francês, Code de Procédure Civile, promulgado em1806, porNapoleão. Inspirou-se na Ordonnance de Luís XIV, de 1667. Anteriormente a esse código, asnormas de direito processual confundiam-se com as de direito privado. As Ordenag<*-*>es do Reino(vide § § 176 e 177) continham normas de direito civil, comercial, penal e processual. O direitoprocessual, devido ao seu caráter instrumental, em razão de ser meio para a aplicação do direitomaterial (direito civil, direito comercial, direito penal, direito fiscal etc.),é direitoformal, por dara "forma" de atuação do Judiciário para a aplicação do direito material. Assim, direitoformal,em oposição ao direito material (direito civil, direito comercial etc.), que dá solução ao conflitode interesses, é o sistema de normas queprescreve aformapossibilitadora da aplicação do direitomaterial.Foi Chiovenda que aplicou a noção de relação jurídica (§ 144) ao direito processual.<012>

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quem é ela proposta, controlada pelo juiz, que lhe dá solução adequada e eficaz nasentença. Assim, é constituída pelo menos de duas partes submetidas a um juiz,do qual depende o resultado da demanda. As partes (sujeitos do processo) darelação processual estão em pé de igualdade. Acima delas está o juiz ou órgãojurisdicional, que tem poder de decisão, ou seja, poder vinculativo; abaixo dele,subordinados à sua decisão, o autor e o réu. Como autor ou réu pode figurar noprocesso o próprio Estado, submetido à sentença proferida por um de seus juízes,ou melhor, pelo Judiciário. O direito processual, outrora denominado direito judiciário, divide-se em:1 )direito processual civil,8 regulamenta o processo, tendo por objeto matéria civel(direito privado e direito público), ou seja, todo litígio não enquadrável na matériapenal, cuja iniciativa e cujo processamento depende da vontade das partes e cujosefeitos não atingem as pessoas que não tiverem sido partes do processo; 2) direitoprocessual penal,9 que disp<*-*>e sobre a ação penal, isto é, o exercicio do poderpunitivo do Estado, que, ao contrário da ação cível, no seu curso pode ser modificada,atingindo por exemplo, depois da denúncia, pessoas que nela inicialmente nãoestavam incluídas, permitindo, em face da prova produzida, que o delito pelo qualresponde o réu seja agravado, somado a outros, ou atenuado, e, ainda, que por outro

crime, apurado no mesmo processo, seja condenado, desde que modificada adenúncia e dada nova oportunidade de defesa. Caso contrário, só em outro processo.O processo penal, regulamentado pelo direito que estamos tratando, tem duas fases:inicialmente policial ou inquisitório, em que são feitas investigaç<*-*>es e tomadasprovas antecipadas, indiciativas, e a segunda, judicial, ou da ação penal, iniciadacom a denúncia do MP (Promotor), com produção de prova sob o controle do juiz.Atualmente, fala-se emdireitoprocessualadministrativo, diverso do direito proces-sual civil, que disciplina o processo administrativo.

112. DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

Tambémdenominado direito de delimitação ou direito interprivado, é o direitoque indica a legislação de direito privado (nacional ou estrangeira) aplicável a

O termo "direito processual civil" é de uso recente. O primeiro Código de Processo Civil,promulgado por Napoleão, denomina-se Code de Procédure Civil (1806). O termo processo civilveio do direito germânico (Zivilprozessrecht). Hoje, porém, é de uso corrente.O direito processual penal só há pouco tempo deixou de ser uma parte do direito penal. O primeiroCódigo de Processo Penal é francés, datando de 1808, foi também promulgado por Napoleão.Denominava-se Code d'Instruction Criminelle. Entrou em vigor só em 1811. Pode-sedizer queo direito processual penal dá os meios jurídicos para que o Estado possa processar o delinqüentee, de acordo com a lei, o Judiciário, em sentença definitiva, estabeleç<*-*>a a pena correspondenteao crime por ele cometido.

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casos em que há dúvida quanto à lei que os rege. Soluciona, ássim, o conflito deleis no espaço (§ 143). Conflito que pode surgir quando, por exemplo, um brasileiro,falecido em Paris, fez na Suíça um testamento. Qual a lei aplicável: a brasileira, afrancesa ou a suíça? O direito internacional privado soluciona essa questão. Aponta,pois, o direito interno (§ 90), nacional ou estrangeiro, aplicável a uma relaçãojurídicasujeita a mais de uma legislação. Rege relaç<*-*>esjurídicas estabelecidas entrepessoasde nacionalidades diferentes, ou relaç<*-*>es jurídicas que tenham por objeto uma coisaencontrada em país diverso do domicílio do titular. Isto não significa que um casocom as características acima mencionadas, regido, por exemplo, por lei estrangeira,deva serjulgado no país em que ela for vigente, ou seja, no estrangeiro, mas simqueserájulgado no Brasil, caso aqui seja ajuizada a ação, aplicando-lhe, entretanto, ojuiz brasileiro a lei estrangeira cabível segundo determina o direito internacionalprivado. Comp<*-*>e-se de algumas regras, havendo em nossa época princípios comuns,que o orientam, acolhidos pelos povos cultos. Resulta da diversidade de legislaç<*-*>es, pois, se todos os países tivessemlegislaç<*-*>es idênticas ou semelhantes, seria desnecessário. Em razão disso,

asrelaç<*-*>es jurídicas estabelecidas entre partes que se encontram, ao celebrá-las, empaíses diferentes, facilitadas pelos novos e rápidos processos eletrônicos de comu-nicação, têm aumentado o volume do comércio internacional, bem como o turismo,por outro lado, as transaç<*-*>es financeiras de investidores situados em diversas partesdo mundo vem criando problemas jurídicos graves, para os quais, à primeira vista,há dúvida quanto à legislação aplicável, se a lei de um país ou a de outro, tornando-senecessário um direito que, de forma eftcaz, objetiva, imperativa e geral, resolva, deforma objetiva, sem arbítrio judicial, o conflito de legislaç<*-*>es no espaço, isto é, delegislaç<*-*>es de países diferentes a elas aplicáveis. Esse direito é o direitointernc_-cional privado, que não se confunde com o direito internacional (§ 91), por serdireito interno (§ 90) ou nacional,'o no dizerde Coviello (Manuale di Diritto Civile):` `direito próprio de determinado Estado'', e não ` `direito comum a todos ou muitosEstados", como é o direito internacional, ou, como nota Niboyet (Traité de DroitInternational Privé Français), por não ser comum às naç<*-*>es e por não ter fontesinternacionais, mas "fontes especificamente nacionais, isto é, próprias de cadapaís''. Encontra-se, geralmente, não em costumes ou tratados internacionais, mas

10 Há autores, como Foelix, que consideram o direito internacional privado como parte do direito internacional. Foelix divide o direito intemacional em público e privado. Outros, como Niederer, consideram-no como direito misto, por ter fontes do direito intemo e ser objeto de direito supranacional. Quanto ao espírito, diz Niederer, é direito internacional, mas quanto à forma, direito nacional. Assim, segundo o citado autor, quanto à forma, direito interno, quanto ao espírito, direito intemacional.<012>

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na lei, em regra, nas que precedem os códigos civis (Lei de Introdu<*-*>ão ao CódigoCivil), variando assim com as legislaç<*-*>es de cada país. Apesar da denominação, édireito interno por ser estabelecido pela lei nacional, no nosso caso, por lei federal. Norma de aplccação de lei estabelecida por cada país, destinada a limitar, emcertos casos, a eficácia do direito interno ou nacional, constitui, assim, autolimitaçãoda competência legislativa do Estado e, portanto, do alcance da lei nacional,determinada por necessidades do comércio e das relaç<*-*>es internacionais. Não é, porisso, direito privado (§ 113), principalmente por ser, como nota Coviello, ` `conjuntode normas impostas ao magistrado, que não regula determinadas relaç<*-*>es jurídicas,mas que manda somente aplicar uma legislação em vez de outra'', apesar de seencontrar, por tradição, nas leis de ` `Introdução ao Código Civil''. Pode serreduzido a poucos princípios, dentre os quais destacamos os seguintes:1) danacionalidade: o país de origem da pessoa indica a legislação que lhe éaplicável (lei nacional). Exemplo: o italiano domiciliado em São Paulo está

subme-tido à lei italiana, no tocante aos direitos pessoais; 2) do domicilio, em que dodomicílio da pessoa depende a legislação que lhe é aplicável (lei do domicilio).Exemplo: ao alemão domiciliado no Rio de Janeiro aplica-se o direito brasileiro,enão o alemão. Lei nacconal e lei do domicilio estão em conflito; a adoção doprincipco da nacionalcdade impede a aplicação do prcncípco do domicilio. Há paísesque adotam o da nacionalidade, como a Itália, e outros, como o Brasil, o do domicílio;3) locus regit actum (o lugar em que o ato for realizado determina a lei que o rege);4) lex rei sctae (a lei do país em que se encontrar a coisa lhe é aplicável) etc. Maioresconsideraç<*-*>es faremos no § 143 ao tratarmos da eficácia da lei no espaço.' Em sua origem, como na origem de todo o direito, formou-se espontaneamente,resultando de costumes, de sentenças, de praxes e da doutrina (§ 81). É na Itália, por volta do século XIII, que toma forma, por força do comérciointenso entre as cidades banhadas pelo Mediterrâneo, bem como de probiemascriados pelo comércio internacional. Com a Escola dos Glosadores, a questão da aplicação da lei estrangeirasofisticou-se, defendendo os seus corifeus a necessidade de ser atribuído certoarbítrio aojuiz para decidir qual a legislação mais adequada à questão a serjulgada,em regra a que melhor atingisse a finalidade do negócio jurídico subjudice. É, entretanto, com Bártolo de Sassoferrato, com sua famosa Teoria dosEstatutos ( § 143), que o direito internacional privado toma a forma de teoria esistemade princípios, aperfeiçoando-se por obra de juristas, e não de legisladores. Assim, exigências do comércio impuseram a extraterritorialidade da lei, ouseja, a aplicação da lei além das fronteiras do Estado que a promulgar.

XVIII

DIREITO PRIVADO E SUAS DIVISÊES

113. DIREITO PRIVADO

O direito privado é o direito em que predomina o interesse privado e em que aspartes se apresentam em pé de igualdade. O próprio Estado, quando celebra atosjurídicos (§ 155), em suas relaç<*-*>es com os particulares, apresenta-se despido deautoridade. Tutela interesses pessoais, isto é, interesses exclusivamente do titulardo direito (§ 147): interesse do proprietário, do locador, do locatário, do compra-dor, do acionista, segurador, credor etc. De certa forma é o direito dos particulares,dominado pelos princípios de liberdade e de igualdade. Subdivide-se em direito ccvil(§114) e direito comercial (§ 117). O desenvolvimento tecnológico, eletrônico eindustrial, transformaram empresas de setores vitais para o país em grandes centrosde poder econômico, com influência na ordem econômica e social. Detém elaspoder de decisão, podendo influir na política econômica do Estado, criando riscospara os interesses nacionais. Não é só nesse caso que o interesse privado, tuteladopelo direito privado, colide com o interesse público, pois em outras matérias comotransporte, comunicaç<*-*>es, contratos de câmbio etc., regidas anteriormente pel4direito privado, ganharam, em razão da gravidade do conflito, autonomia jurídica.É o caso, por exemplo, do direito marítimo, do direito econômico etc., que,conciliando os interesses público e privado, passaram a formar a categoria de direitomisto (§§ 89 e 118).

O direito privado, até a Idade Média, identificava-se com o direito civil. A partirda Idade Média, formou-se espontaneamente outro ramo do direito privado : o direitocomercial. Depois, já no século XX, outras subdivis<*-*>es ocorreram, tendo por baseo direito civil: direito do trabalho (§ 123), direito agrário (§ 125), direito urbanisticoetc. Esses ramos, até a Primeira Guerca Mundial, considerados partes do direito privado,passaram, posteriormente, a atender também o interesse público, tomando-se, assim,dcreito misto (§§ 89 e 118). Por tudo isto, o direito civil, que era o único direito privado,foi perdendo a sua majestade, podendo acabar ainda reduzido, como salientaram Hamele Lagarde (Traité de Droit Commercia<*-*>, à ` `regulamentação da farcu'lia e das relaç<*-*>eshumanas independentes da vida econômica''.<012>

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114. DIREITO CIVIL

Também denominado de direçto comum, o direito civil é a forma originária detodo direito privado. Não deve ser confundido com o ius civile dos romanos,' emseu sentido primordial de direito do cidadão romano, em oposição aos ius gentium,direito privado que regia as relaç<*-*>es jurídicas dos estrangeiros submetidos a Romae destes com os romanos.2 Até a Idade Média, identiflcava-se com o direito privado, quando então apareceuo direito comercial. Desde esse tempo, o direito civil é uma das partes do direito privado,oriundo não só do direito privado romano (ius civile e ius gentium), como tambémdodireito germânico e do direito canônico. Eis a origem do direito civil ocidental. Disciplina as relaç<*-*>es entre pessoas consideradas em pé de igualdade, inde-pendentemente de suas profiss<*-*>es e situação social, com as mesmas aptid<*-*>es a teremos mesmos direitos e a contrair as mesmas obrigaç<*-*>es. Estabelece regras relativasà pessoa em si (direitos personalíssimos ou direitos da pessoa) e à pessoa nafami lia (direito de família), compreendendo as relaç<*-*>es que derivam do matrimônioou da filiação. Além dessas, regula as relaç<*-*>esjurídicas entre particulares de caráterpatrimonial (contratos, propriedade etc.). Controla a vida da pessoa desde o seunascimento até a sua morte. Rege as relaç<*-*>es de famlia, as provenientes dapropriedade e dos contratos, bem como as decorrentes da sucessão mortis causa. Nodizer de H. Lévy-Bruhl, tem por ` `objetivo essencial definir o estado das pessoas, a

Pacchioni ("Diritto Civile" no Novissimo Digesto Italiano) esclarece que o termoius civile nomais antigo direito romano se identificava com a ciência do direito em geral, doconhecimentoexclusivo dos Pontífices. Depois, prossegue Pacchioni, compreende a I,ei das XIITábuas e leiscomerciais. No final da República, continua Pacchioni, ao ius civile foi

contraposto o iuspraetorium, ficando reduzido assim o sentido do primeiro às normas estabelecidase desenvolvidaspela ciência do direito, enquanto o direito pretoriano (ius honorarium), ao resultante de provi-mentos e normas estabelecidas pelos Pretores. Posteriormenté, escreve Pacchioni,no começo doImpério, ao ius civile foi contraposto o ius gentium, sendo o primeiro o direitodo cidadão romanó,enquanto o segundo, o direito privado do estrangeiro ou direito comum a estrangeiros e romanosem suas relaç<*-*>es.Na Idade Média, o ius civile se opunha ao direito can<*-*>nico, direito da Igreja catblica. Deve-se aDomat, em 1694, a identificação do ius civile com o direito privado. Desde aí, odireito civil passoua ser considerado como direito privado geral, ou seja, como notam Enneccerus, Kipp y Wolff(Tratado de Derecho Civil, trad.), o ` `reverso do direito público'', ao lado doqual estaria o direitoprivailo especial (direito comercial). "L,eis civis" (Iois civiles) entendidas no mesmo sentido dedireito civil. Em 1687, na França, foram compiladas as ` `leis civis'' (Les LoisCiviles leur OrdreNaturel) e em I 876 foi promulgado o Codex Maximilianeus Bavaricus Civilis. Porém, o primeiroCbdigo Civil, no sentido modemo, contendo todo o direito civil, é o de Napoleão,de 1804. NoBrasil, em 1858, tivemos a Consolidação das l,eis Civis, de Teixeira de Freitas,e em 1859 oEsboço do Código Civil, também de Teixeira de Freitas. Na República, Coelho Rodrigues, emI 893, apresentou outro pcojeto, mas só em 1917 vigorou o Código Civil, projeto de Clóvis Beviláqua

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condição dos bens patrimoniais, as formas e os efeitos das relaç<*-*>es de ordemeconômica''. O direito civil funda-se no princípio da igualdade de todos perante as suas normas. As raízes mais profundas do direito civil europeu encontram-se no direitoromano (§164), no direito canônico (§165) e nos direitos consuetudinários medie-vais. Formou-se gradualmente até adquirir, no século XIX, o caráter individualistaque o dominou até 1914, quando então desapareceu a Era Vitoriana. Nesse periodo,o individualismo, que o dominava, concentrou-se nas suas três principais colunas:contratos, responsabilidade civil e propriedade. Nos contratos dominava a autono-mia de vontade dos contratantes, isto é, a liberdade contratual; a responsabilidadecivil tinha por fundamento único a culpa, que devia ser provada pelo lesado, e apropriedade era absoluta, havendo o direito de livremente usar, gozar e dispor dacoisa. Em conseqüência, o direito subjetivo (§147) era absoluto, tendo por limitesos expressamente estabelecidos em lei ou os direitos das demais pessoas. A Primeira Guerra Mundial pôs fim à época que assim o concebeu. Desdeentão, assistimos ao enfraquecimento do vínculo contratual, ao intervencionismoestatal na ordem econômica, reduzindo a liberdade contratual e limitando a proprie-dade. A responsabilidade civil ampliou-se. Tais modificaç<*-*>es alteraram profunda-mente a fisionomia do direito civil, que, de individualista que era, passou a serinfluenciado pela idéia de solidariedade social. Duguit pintou, com cores

fortes,essas transformaç<*-*>es. Como defini-lo? Assim: parte do direito privado que regula as rela<*-*><*-*>esjuridicas, com ou sem natureza patrimonial, entre pessoas, consideradas em situa-ç<*-*>es de igualdade, não regidas pelo direito comercial, pelo direito do trabalho oupor outro direito especial. Como vemos, o direito civil, outrora direito comum, é hoje sombra do que foi,mutilado, com seu território ocupado por outros direitos autônomos. Entretan<*-*>o,ainda pode se orgulhar de ter sido a raiz de todos os direitos privados e de muitosconceitos do direito público, como, por exemplo, mandato, representação etc.

115. DIREITO PRIVADO DISCIPLINAR

No direitoprivado temos, também, direito de natureza disciplinar, cujas fontessão os estatutos dos clubes, das associaç<*-*>es, das instituiç<*-*>es ou das sociedades (civisou comerciais), prevendo penas (exclusão de sócios, suspensão de associados, multaetc.) aplicáveis a seus associados. As penalidades previstas nos estatutos de socie-dades são penas disciplinares. Pode ser defmido como o direito repressivo quepermite à sociedade civil ou comercial punir asfaltas de seus sócios. Próximo do direito disciplinar privado, sem com ele se confundir, temos acláusulapenal, muitas vezes estipulada pelas partes nos contratos, prevendo punição(multa ou indenização) para o i<*-*>aso de inexecução ou incompleta execução docontrato.<012>

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116. DIREITO COMUM

` `Direito comum'' (ius commune) é o nome dado ao direito europeu vigente apartir do século Xlll até as codiftcaç<*-*>es de Napoleão (1804) e alemã (CódigoCivilalemão de 1900), ou seja, até o final do século XIX, constituído não só pelo direitoromano, na forma interpretada pelos glosadores, pós-glosadores, professoresuniversitários ejuristas, como também pelos costumes vigentes em mais de um paíseuropeu e pelo direito canônico. Direito comum à França até o Código de Napoleão,e à Alemanha até o Código Civil alemão (1900). Direito unitário ou unificadoespontaneamente sem a intervenção do Estado, obra dejurisconsultos, observado eaplicado pelos juízes europeus daquele tempo. Era o direito da Europa daquelaépoca. Com a codificação do direito francês, passou a ser direito subsidiário,aplicável no caso de lacuna do direito codificado. Gradativamente, onde continuoua ter validade, esse direito foi sofrendo a influência de direitos locais e, comastransformaç<*-*>es das naç<*-*>es européias, foi perdendo sua unidade, deixando de ser assim"comum" às mesmas. Intluiu na codificação de Napoleão e no Código Civil alemão.Hoje, tem valor histórico. Não era, pois, direito nacional, mas direito comum a váriasnaç<*-*>es européias. Nesse sentido, pode ser definido como direito europeu, anterior àscodificaç<*-*>es, fundado no direito romano, comum a várias naç<*-*>es européias(outrosentido de ` `direito comum'', vide § 57). Esta definição é válida para o antigo"direitocomum", de importância histórica extraordinária, que se encontra na raiz dascodificaç<*-*>es européias do século XIX. Hoje, com a União Européia (§ 96)

assistimosao renascimento do "direito comum" a partir dos anos 90. Esse novo direito comumregeocomércioeas relaç<*-*>esjurídicas entre os países que dela fazem parte. Direitohierarquicamente acima dos direitos desses países, tendo por fonte costumes,tratados e convenç<*-*>es internacionais. Quanto a esse direito, podemos dizer ser odireito europeu organizador da União Européia, que rege o comércio e as relaç<*-*>esjuridicas estabelecidas entre os paises que a integram e entre as pessoasfisicasejuridicas nela domiciliadas, que tutela e dá garantia jurisdicional aos direitoshumanos, solenemente declarados. Direito misto de direito público (direito consti-tucional, administrativo, fiscal, monetário etc.), de direito privado e de direitoeconômico. No mundojuridico encontra-se entre o direito internacional e os direitosdos países-membros da mencionada União. A Europa com a sua União e com essenovo direito mais uma vez dá lição ao mundo...

117. DIREITO COMERCIAL

Definiu Vivante (Instituiç<*-*>es de Direito Comercial, trad.), com aquela clareza quelhe é peculiar, o direito comercial como a ` `parte do direito privado que tem por objetoregular as relaç<*-*>es jurídicas que nascem do exercicio do comércio", ou, segundoAlfredo Rocco (Principios de Direito Comercial, trad.), o "complexo das noimas

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Introdução ao Estudo do Direito

juridicas que regulam as relaç<*-*>es derivadas da empresa comercial ' '. Pode ser aindaconceituado como o direito que rege atosjuridicos que objetivam especula<*-*>ão e lucro,bem como a empresa constituida para essefim.3 Direito oriundo do direito civil, forma de especialização dos princípios civilis-tas, o direito comercial, atualmente, rivaliza, em importância, com o direito civil. Já não pode ser considerado, como foi, sistema de normas de exceção emrelação ao direito civil,' mas como direito igual ao civil, ou seja, parte do direitoprivado. A antigüidade maior do direito civil, o prestígio das doutrinas civilistas, astradiç<*-*>es nele consagradas, fizeram com que os civilistas vissem com desconfiançae receio esse corpo de normas que assustadoramente se erguia e que se destinava alançar-lhe sombra. Com o rápido crescimento da cidade, da indústria e do comércio, deixou deser o direito de uma corporação, de um grupo profissional, ou melhor, o direito doscomerciantes, para ser direito que regula as relaç<*-*>es jurídicas que têm naturezacomercial, que visam à especulação, à circulação de riquezas e à colocação e vendade mercadorias e serviços, bem como relaç<*-*>es a elas vinculadas. Surgiu da consideração das coisas como valor de troca, como mercadoria.Desenvolveu-se com a atividade do intermediário, com o crescimento do mercadoe com a impossibilidade, na maioria dos casos, das trocas diretas. Tem matéria própria: matéria comercial, formada por atos praticados com ofim de especulação, compreendendo não só relaç<*-*>es econômicas que têm por objeto

troca de bens, como, também, serviços, que permitem o fortalecimento e a expansão

3 Em suas origens foi direito de classe, ou melhor, dos mercadores inscritos nascorporaç<*-*>Šs. Aparece no século XII e atinge a fase de codificação em 1807, com o Code de Commerce de Napoleão. Surgiu porque o direito romano, cristianizado, favorecia ao devedor,não reforçando o crédito. A sua razão de ser encontra-se na pcoteção do crédito de mercadores inscritos em corporaç<*-*>es. Depois da descoberta da América, a Itália deixou de ser o centro da atividade comercial européia, que passou para a Espanha, Portugal, Holanda, França e Inglaterra. Inaugu- ra-se então a fase nacionalista e estatal do direito comercial, em 1673, com aOrdonnance de Luís XIV. A terceira fase data da Revolução Francesa, em que deixa de ser o direitodos comerciantes, para tornar-se direito regulador de atos de comércio, praticados por comerciantes ou não-comer- ciantes. O Código Comercial francês, de 1807, marca o início dessa fase. A quarta fase desponta com o Código suíço de 1881, unificador das obriga<*-*>ôes, isto é, do direito privado. Posteriormente a 1939, passa a ser o direito que rege a empresa comercial (Asquini). É a faseiniciada na legtslação com o Código Civil itatiano, de 1942.4 Locré de Boissy (1758-1840) foi um dos que consideraram o Code de Commerce como lei de exceção. E o fez com a autoridade de ser um dos que colaboraram nos projetos de codificação civil e comercial. Membro do Conselho de Estado. Obras principais: Esprir du Code Civil, Tiré de la Discussion dv Conseil d'État, Paris,1805; Esprit du Code de Commerce, Paris,1809.<012>

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do mercado, bem como a circulação de mercadorias do produtor ao consumidor, e, ainda, a atividade industrial. De tudo isso, pode-se dizer ser o direito comercial aparte do direito privado que disciplina a atividade comercial e empresarial. Mas, do ponto de vista da lei, matéria comercial é a sujeita, pelo legislador, à lei comercial. Despontou na Idade Média, em cidades italianas, das práticas e costumes observados pelas corporaç<*-*>es de mercadores. As suas raízes estão, primeiro, nos estatutos dessas corporaç<*-*>es, depois, nos costumes observados pelos mercadores(consuetudo mercatorum) e nas decis<*-*>es dessas corporaç<*-*>es, verdadeiros tribunais , com competência para decidir conflitos entre os mercadores. Aparecido sem a intervenção do Estado, consuetudinariamente, foi depois compilado, em 1056 , em algumas cidades italianas, onde os costumes comerciais eram vigentes e eficazes. Compilados são os Consuetudines, de Gênova (1056) e o Costitutum usus (1161), de Pisa. Também as decis<*-*>es das corporaç<*-*>es, proferidas pelos ` `cônsules'' (consoli), que estavam à testa das mesmas, acabaram sendo compi- ladas, podendo ser lembradas: Breve consulum mercatorum, de Pisa (1305) e

Statutum mercatorum, de Bolonha (1305). Era portanto, a princípio, o direito aplicável somente a mercadores, isto é, a seus negócios. Depois, além de atos (atos de comércio) praticados porcomerciantes,passou a reger os celebrados por quem não era, desde que tivesse o lucro, aespeculação por objetivo principal. Adquiriu desde então completa autonomia emrelação ao direito civil. Depois da Revolução Industrial, e, principalmente, depoisda Primeira Guerra Mundial começou a ampliar-se, tendendo a se tornar, segundoHamel e Lagarde (Traité de Droit Commercial), a parte do direito econômico quedisciplina a circulação de mercadorias e de capitais. De seu corpo saíram, aos poucos, novos direitos, como, por exemplo, o direitoeconômico, o direito marítimo, o direito aeronáutico, o direito falimentar, o direitobancário etc. Concluindo, depois de todas essas transformaç<*-*>es decorrentes de intensaatividade comercial e empresarial, no mundo moderno, o direito comercial deixoude ser, como fora anteriormente considerado, direito especial (§ 58) em relação aodireito civil (§ 1 I 4), que seria o direito geral típico, passando a ser o corpo de normasgerais que rege o comércio. Direito em que o ato de comércio deixou de ser o centrogravitacional de seu sistema, substituído pela empresa (comercial, industrial ouagrícola), caracterizada pelo exercício de uma atividade econômico-produtiva oudestinadaà prestação, pro issionalmente, de serviços com objetivo de lucro.

XIX

DIREITO MISTO E SUAS DIVISÊES

I18. DIREITO MISTO

O dcreito é misto quando tutela interessesprivado epciblico, ou, então, quandoé constituidopor normas eprincípios de direitopúblico e de direitoprivado ou, ainda,de direito nacional e de direito internacional. Generalizando, direito em que, semhaver predominância, há confusão de interesse públcco ou social com o interesseprivado. Nele se confizndem esses interesses, fazendo com que o princípio de liberdadenele não impere. As partes, muitas vezes colocadas em nível de igualdade juridica,estão submetidas a princípios inderrogáveis, estabelecidos na lei, protetores dointeresse social. Subdivide-se em: direito marítimo (§ 119), direito aeronáutico(§120), direito econômico (§ 122), direito social (§ 126), direito agrário (§ 125), direitode familia (§ 128), direito industrial (§ 129), direito falimentar (§ 130) e direito dotrabalho (§ 123). No directo misto,em certos casos, estão pr<*-*>esentes normas dedireito público e de direito privado, como ocorre, por exemplo, no caso do direitomarítimo (§ 119). Ilá autores, como Niederer, que o concebem constituído de direitointernacional (§ 91) e de direito interno (§ 90). Niederer, seguindo esse ponto devista, insere no direito misto o direito internacional privado (§ 112). Entretanto;preferimos classificá-lo, em virtude de suas fontes, como direito interno (vide § 90,nota 6). O mesmo não ocorre com o direito nuclear (§ I 31 ), que é misto de direitopúblico interno (direito nacional) e de internacional.

119. DIREITO MARÍTIMO

É o conjunto dé regras de direitopúblico eprivado que disciplina o transporte,navegaÇão e comércco maritim<*-*>. Tem normas de direito administrativo

(organiza-ção dos portos), de direito disciplinar (aplicação de penalidades aos tripulantes dasembarcaç<*-*>es) e de direito privado (direito comercial marítimo). Tem, em parte,aspecto comercial: direito maritimo comercial, conjunto de regras que visam afacilitar, através do transporte marítimo, a circulação de mercadorias, protegidaspor regras especiais de seguro e de responsabilidade civil. É direito codificado,contido em leis, códigos, bem como em costumes e convenç<*-*>es internacionais.Comp<*-*>e-se, assim, de normas de direito nacional e de direito internacional. Com-<012>

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batida no passado a sua autonomia em relação ao direito comercial terrestre, hojenão é negada, em virtude de ter, como notam Scialoja e Ripert, institutos próprios. As suas origens históricas' encontram-se nos Etatutc e consuetudini marcttime eno Consolato del mare, que dominaram no Mediterrâneo no período medieval. Porém,a sua principal fonte histórica é a Ordonnance de Louis XIV, de 1681, obra de Colbert.Depois, o Edino di marina e navigazione marittima Toscana (1748), e de navegaçãomercantil de Viena (1774) e, finalmente, o Code de Commerce (1807), de Napoleão,que aprimorou a Ordonnance de Luís XIV. Tendo em vista a intensidade do comércio internacional, pensa-se em unifor-mizá-lo. Foi criado para esse fim, um órgão, com sede em Brtlxelas, o ComitéMaritime International, fundado em 1897. Várias convenç<*-*>es internacionais foramcelebradas, uniformizando-o parcialmente.

120. DIREITO AERONÁUTICO

O direito aeronáutico é o complexo de norrnas que regem o transporte aéreona atmosfera, aplicável às aeronaves, às suas tripulaç<*-*>es, aos aeroportos e aoespaço aéreo. Disciplinando o transporte aéreo na atmosfera, distingue-se do direitoespacial ou cosinonáutico (§ 94). Tem, como sustentam autores autorizados, comoAmbrosini, autonomia em relação aos transportes terrestre e marítimo. É direitoautônomo em relação ao direito marítimo, apesar de haver época em que Spasianoe Scialoja defenderam a unificação de ambos em um Código de Navegação. Mas,inegavelmente, exige o transporte aéreo tratamento jurídico especial em relação aotransporte marítimo. Por isso, tendo em vista a singularidade do transporte aéreo,pensamos não haver lugar para direito de navegação, englobando os transportesmarítimo e aéreo. Tem o direito aéreo institutos próprios que lhe dão autonomia emrelação ao marítimo. Ao transporte aéreo foram inicialmente aplicadas as normas do transportemarítimo e terrestre. Porém, o aéreo, dada sua natureza especial, exigiu normaspróprias. A ausência de costumes, em campo completamente novo, dificultou odesenvolvimento desse direito, que foi lento. Convenç<*-*>es internacionais venceramas dificuldades. O rápido aperfeiçoamento tecnológico do avião, criando possibili-dades novas de transportes e problemas novos, a se renovarem anualmente, dificul-taram a codificação. Mesmo assim, leis surgiram para disciplinar esse meio detransporte. As novas aeronaves, encurtando distâncias, superando fronteiras, tornaramnecessárias regras internacionais uniformes, disciplinadoras de seu uso e de

suasconseqüências danosas a terceiros, a passageiros e a cargas. Daí as tentativas de

1 No direito marítimo. a legislação mais antigaé a Lei de Rodes (V século a.C.),revista, em Bizâncio, ao tempo de Leão Isaurico. A bizantina vigiu até o século XVI no Mediterrâneo.

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Introdução ao Estudo do Direito

unificação dos vários sistemas legislativos e o valor das convenç<*-*>es internacionaisnesse campojurídico. Como conseqüência, foram criados organismos internacionaisdestinados aformularnormas uniformes nesse terreno, como, porexemplo, o ComitéJuridique International de 1'Aviation (CJIA), fundado em 1909, e o Institut duTransportAérien (ITA), criado em 1954. Dentre as convenç<*-*>es, podem ser lembra-das a "Convenção para a regulamentação da navegação aérea" (Paris, 1919), a` `Convenção para a unificação de regras relativas ao transporte aéreo internacional''(Varsóvia,1919), a "Convenção relativa aos danos causados a terceiros no solopelas aeronaves estrangeiras'' (Roma,1952) etc. Entre nós, o direito versado nesteparágrafo é regido pelo Código Brasileiro do Ar (1966). Tutelando o interesse público e o particular, tendo nortnas de direito públicoe dedireito privado, bem como de direito nacional e de direito internacional é direito misto. As relaç<*-*>es jurídicas decorrentes do vôo de espaçonaves, tripuladas ou não,são objeto do dcreito espacial, também denominado direito cosmonáutico (vide §94), e não do direito aeronáutico.

121. DIREITO DA NAVEGAÇÃO

Direito, sobre o qual já nos referimos no parágrafo anterior, tem existência enatureza jurídicas controvertidas. Scialoja foi o seu maior defensor. Tem sidodefmido como o direito que disciplina a matéria da navegação tanto maritima comoaérea. Alguns juristas restringem o seu campo, reduzindo-o ao da navegaçãomercantil, excluindo dele as normas de direito internacional privado, as de direitoadministrativo, as penais, as processuais, as relativas ao mar territorial, ao espaçoaéreo e à polícia da navegação (Dominedo e Fiorentino). Restringir-se-ia assim aoaspecto mercantil dos transportes aéreo e maritimo, ou seja, direito comercialmarítimo e aéreo. A nosso ver, como já dissemos, o desenvolvimento do transporteaéreo e a particularidade desse meio de transporte exigem tratamento jurídicoespecial diverso das regras do transporte marítimo, motivo por que não vemoscomo unificá-los. Poder-se-ia, querendo, entendê-lo como aparte do direito queestabelece principios e normas comuns aos transportes aéreo e maritimo, denatureza comerccal.

122. DIREITO ECONãMICO

É o direito que controla a produÇão e circulação de riquezas. É, por isso, aparte do direito que trata das relaç<*-*>es econômicas mais ligadas à produção (agrícolae industrial), disciplinador de sua distribuição e proteção, com vista ao desenvolvi-mento econômico do país. É direito misto, com princípios do direito público e dodireito privado. Apareceu depois da Primeira Guerra Mundial. Os tratadistas nãoestão de acordo com a sua conceituação; Haemmerle: direito da economia estatal-mente organizada; Dochow: direito dos negócios econômicos; Allorio: direito da<012>

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empresa; Huber: direito administrativo da economia. As definiç<*-*>es de Dochow e deAllorio têm o defeito de confundi-lo com o direito comercial.2

123. DIREITO DO TRABALHO

É o direito que rege as relaÇ<*-*>es juridicas entre assalariados e patr<*-*>es eestabelece as condiç<*-*>es de trabalho, salário e assistência, vantagens e prerrogati-vas do trabalhador. É, pois, o direito que rege as relaç<*-*>es decorrentes de contratode trabalho, especialmente o trabalho e sua remuneração, as condiç<*-*>es de suaseguran<*-*>a e higiene e as destinadas a impossibilitar a exploração do trabalhador.É o direito que procura resolver os problemas sociais e econômicos oriundos dotrabalho, ou seja, a chamada ` `questão social'', originária da Revolução Industrial.3Resolvendo coercitivamente essas quest<*-*>es, pondo fim a conflitos sociais prejudi-ciais ao desenvolvimento econômico do país, é também denominado de direitosocial. É direito mais de proteção dos economicamente fracos, que, sem o amparoda lei, em contratos leoninos, seriam lesados pelos patr<*-*>es, economicamente maisfortes, como ocorreu no século passado na Inglaterra e no Continente Europeu, fatoque provocou o aparecimento das teorias socialistas, dos movimentos sociais e dadoutrina social da Igreja, consubstanciada na Rerum Novarum (1891). As normas de direito do trabalho são normas dejus cogens (§ 61), não podendopor isso as partes, no contrato de trabalho, dispor de forma diferente do que nelasestiver disposto. Norteado pelo interesse social, apesar de se destinar a reger asrelaç<*-*>es entre patr<*-*>es e empregados oriundas de contrato de trabalho, o direitodo trabalho não pertence ao direito privado (§ 113), é direito misto (§ 118). Sendodireito impositivo, taxativo (jus cogens), os direitos, que dele decorrem, sãoirrenunciáveis, não podendo os assalariados abrir mão deles. Não é direito muito antigo, mas de formação recente, fruto, pode-se c<*-*>izer, daRevolução Industrial, das lutas entre patr<*-*>es e operários, pois até a Primeira GuerraMundial o contrato de trabalho era regido pelo direito civil e por algumas leis sociais.Resultou da luta entre sindicatos e patr<*-*>es, determinada pelas condiç<*-*>esinumanasdo trabalho: jornada de 12 horas, ausência de direitos do operário, preferência aotrabalho de crianças e mulheres, mesmo grávidas, por ser mais baixo o salário doQue o dos homens, condiç<*-*>es de insalubtldade das fábricas, ausência de segurançano trabalho etc. Em virlude desse conflito, a produção foi afetada, diminuindo, porconseguinte, o lucro. O Estado, que se beneficia também com a produção, não sópelos impostos como também pela redução da importação e pelo aumento da

2 Direito econômico é grande parte do direito comunitário da União Européia (§ 94).3 Na Idade Média, as corporaç<*-*>es de artesãos, artistas e mercadores, constituiram a primeira tentativa de proteção jurídica do trabalho.

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Introdução ao Estudo do Direito

exportação, viu-se prejudicado com esses conflitos. Por outro lado, idéias humani-tárias e sociais exigiam a modificação das condiç<*-*>es de trabalho e a reformasocial. Surgiu, assim, ao lado da ação sindical operária, das idéias humanitárias esociais e do grave problema econômico e social criado por essa situação, o movimentoendereçado à intervenção do Estado nesse pleito, a fim de dirimir o conflito entre patr<*-*>ese empregados. Esse movimento se fez sentir na Europa desde meados do século XIX. Tudo porque a máquina havia criado grandes riquezas e, também, condiç<*-*>esde vida intoleráveis para os assalariados. Em virtude desses fatos e das condiç<*-*>esde trabalho, surgiram as várias teorias socialistas, postulando a socialização dosmeios de produção. Compreendendo o Papa Leão XIII que a Igreja não podia ignorar esse graveproblema social, publicou, em 1891, a encíclica Rerum Novarum, que, reconhecendoa propriedade privada, condena o lucro fácil às custas do operário, que não deveserconsiderado simples instrumento da cobiça do patrão ganancioso, ` `instrumento para " p , , qfazer dinheiro , mas essoa humana com direitos inalienáveis dentre os uais o deter justo salário. Essa encíclica desempenhou, no mundo católico, relevante papel.Depois da Segunda Guerra Mundial, o Papa João XXIII, em 1961, retoma ao temacom a encíclica Mater et Magistra, renovação, tendo em vista as novas condiç<*-*>essociais do pós-guerra, da Rerum Novarum. Conquista concreta da luta entre patr<*-*>es e operários foi a inclusão, no Tratadode Versalhes, da ` `Declaração de Direitos'', destinada a proteger o trabalhador. EsseTratado criou, também, a Organização Internacional do Trabalho, de natureza maiscientíf'tca, que, através do Bureau International du Travail, colhe material, estudaproblemas, a fim de preparar as Conferências Internacionais do Trabalho, que dãodiretrizes para as legislaç<*-*>es trabalhistas dos países associados.4 As fontes do direito do trabalho são estatais (Capítulo X), infra-estatai<*-*>(Capítulo XII) e internacionais (Capítulo XXIII). Ei-las: a "lei" (§ 71), "contratocoletivo de trabalho'' (§ 79), ` `costume'' (§ 75), ` `eqüi- dade'' (§ 44), ` `convenç<*-*>esinternacionais'' e ` `tratados intemacionais'' (§ 83). Todo movimento social e ideológico, do qual brotou o direito do trabalho, feriumortalmente o individualismo jurídico e o liberalismo econômico, dando origem auma nova época jurídica, marcada pela solidariedade social e pelo espírito social,transformando o direito em meio de proteção dos fracos contra os poderosos.Todavia, nos anos 90, após a queda do Muro de Berlim, com o retoroo do liberalismo

4 Entre nbs, antes de Vargas, tivemos leis esparsas disciplinadoras das relaç<*-*>esjurídicas oriundas do contrato de trabalho, como, por exemplo, a lei de 1919 sobre acidentes do trabalho. No Ciclo Vargas foi dada ênfase à legislação trabalhista a partir de 1931, com decretossobre o sindicalismo, trabalho do menor, férias etc., consolidada em 1943 (Consolidação das Leis do Trabalho).

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desenfreado, sob a forma de neo-liberalismo, e com a robotização da indústria,conseqüentemente com o desemprego, agravado em países como o Brasil com apreocupação de sanear a moeda, pairam ameaças sobre as garantias conquistadaspelos assalariados.

124. DIREITO SINDICAL

O direito sindical não é direito privado e nem direito público, mas direito misto,por não tutelar exclusivamente o interesse privado, mas também o interesse social, oumelhor, de categorias profissionais. Pode ser definido como o direito que, tendoporobjeto o exercicio de atividades profissionais, disciplcna o poder normativo e derepresenta<*-*>ão dos sindicatos. É, pois, o complexo de normas que atendem aos interessesoriundos de atividadesprofissionais, representadospelos sindicatos, dotados depodernormativo para defendê-los. A autonomia jurídica do sindicato, a representação deinteresses profissionais dos sindicalizados e dos interesses de categorias profissionaisconstituem a matéria desse direito. As suas fontes são legislativas (lei), convencionais(contrato coletivo de trabalho) e internacionais (convenç<*-*>es internacionais). A lei disp<*-*>esobre o poder normativo (autonomia jurídica) dos sindicatos, enquanto as convenç<*-*>esintemacionais fornecem matéria e sugest<*-*>es para a legislação, além de estabeleceremnormas gerais a serem observadas nas relaç<*-*>es de trabalho nos países que as ratificarem,tornando-as, assim, direito interno (§ 90). O exercício do poder normativo do sindicato é exercido através de contratoscoletivos de trabalho (§ 79), que é a sua principal fonte. Como a convençãointernacional lhe dá, também, matéria, é lícito dizer haver direito internacional dotrabalho, constituído de convenç<*-*>es internacionais do trabalho. Estreitas são as relaç<*-*>es entre o direito sindical e o direito do trabalho,podendo-se dizer que aquele está para este como a lei para o regulamento (§ 72):odireito sindical pormenoriza e complementa a legislação trabalhista, sem alterá-la.Nesse sentido, pode-se dizer ser o direito sin<*-*>ical o direito do trabalho dosparticu-lares, enquanto o direito do trabalho, o estatal.

125. DIREITO AGRÁRIO

O direito agrário, também denominado direito Iural (legislação rural), regea produção agropecuária e a propriedade industrial-rural. Discute-se a sua natureza: Roubier considera-o, como já vimos, direito misto,situado na fronteira do direito privado e do direito público, enquanto outros, comoArgangeli, ScialoJa e Cicu, negam-lhe autonomia. Pensamos que têm razão os que,como Donati, Pergolesi e Brugi, consideram-no direito autônomo. Assim, para nós,é direito autônomo, ramo do direito misto, de ordem pública, disciplinador daexploração agrícola e da propriedade industrial-rural, cujo uso deve ser subordinadoao interesse social.

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lntrodução ao Estudo do Direito

126. DIREITO SOCIAL

Entre o direito público e o direito privado se encontra o dcreito social.Governado pela solidariedade social, subordina o egoísmo e os interesses de seusdestinatários ao interesse social, conciliando os interesses do homem e das pessoasjurídicas (empresas, sociedades comerciais etc.), em suas relaç<*-*>esjurídicas,emumaordem de justiça social. Tem afinidade com o direito institucional de Hauriou, porobjetivar, solucionar a chamada "questão social" sem prejuízo da obra ou doresultado visado por seus destinatários; distingue-se do direito privado, dominadopelos interesses individuais, e do direito público, que tutela o interesse público.Pertence ao direito social o direito do trabalho, o de assistência social, o deprevidência social etc. Há juristas que nele colocam o direito de família. Comovemos, o direito social enquadra-se na categoria dos direitos mistos, sendo fonte dedireitos subjetivos que envolvem o dever de exercê-los. Não se encontra em leis enem em Códigos, por ser mais uma categoria da doutrinajurídica, que engloba váriosdireitos direcionados para fms sociais.

127. DIREITO PROFISSIONAL

Disciplina o exercicio de profiss<*-*>es que exigem conhecimentos técnicos outécnico-cientificos, instituído em defesa de classes profissionais e de sua clien-tela. Contém dispositivos disciplinares. O Estado é o juiz da oportunidade e danecessidade social e profissional da regulamentação de profiss<*-*>es. Regulamen-tada, não basta a posse de diploma de conclusão de curso profissionalizante,universitário, técnico ou técnico-científico, para exercê-la, pois é necessárioatender a exigências legais. Apesar de os profissionais e a sua clientela serem os destinatários desse direita,não impera nele o interesse individual. Surgiu como direito de classes profissionais.No direito corporativo medieval, encontramos a sua origem. A pressão de associa-ç<*-*>es de profissionais, defendendo os interesses de categorias profissionais,entrandoem conflito com os da clientela e com os sociais, apressaram a intervenção do Estadonesse terreno, principalmente porque, no mundo contemporâneo, dominado pelaciência e pela tecnologia, a profissão é uma das alavancas do desenvolvimentoeconômico, necessitando, por isso, de proteção. Não só protege o profissional, mas,também, imp<*-*>e-lhes deveres, responsabilidades e condiç<*-*>es para o exercício daprofissão. Apesar de ter como fonte principal a lei, deixa larga margem à convenção.Contém normas disciplinares. Exemplo de direito profissional é o que rege oexercício da advocacia. Em Roma, no Baixo Império, a advocacia era regulamentada por um colégiode advogados. Entre nós, a regulamentação ocorreu em 1930, com o Decreto no19.408, que criou a Ordem dos Advogados do Brasil. Por lei é estabelecido o Estatutoda OAB.<012>

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É a OAB não só órgão disciplinar como também de defesa da classe dosadvogados. Para o exercício da profissão de advogado, além do diploma de bacharel emdireito, é necessária a inscrição na OAB. O título de "doutor em direito" tambémnão basta.

128. DIREITO DE FAMÍLIA

É a parte do direito que, norteado pelo interesse social, rege as relaç<*-*>esjuridicas constitutivas dafamilia e as dela decorrentes. Tem por matéria as relaç<*-*>esjurídicas que formam a família, ou seja, as entre esposos, entre pais e filhos eentreparentes. Disciplina o casamento (direito matrimonial), as relaç<*-*>es entre osesposos(regime de bens ou matrimonial, direitos e deveres recíprocos dos cônjuges), adissolução do casamento (desquite ou separação judicial e o divórcio), as relaç<*-*>esentre pais e f'ilhos oriundos do casamento e de filhos fora do matrimônio (direito àfcliação), que dá ao filho o direito de ter um pai e uma mãe e de ser pelos mesmosamparado material e moralmente, e as relaç<*-*>es entre parentes (direito ao parentes-co), que envolvem direito de sucessão e direito a alimentos. Como vemos, sendo afamilia o grupo básico da organização social, em que a criança forma a suapersonalidade e em que são transmitidos os costumes e os valores às novas geraç<*-*>es,mantendo-os assim vigentes, o direito que a tem por objeto é dominado pelo interessesocial, motivo por que é direito misto, porquanto não é só governado pelo interesseindividual, isto é, dos cônjuges ou dos pais, mas também pelo interesse público.Atendência moderna é de incluir neste direito as relaç<*-*>es jurídicas oriundas doconcubinato.

129. DIREITO INDUSTRIAL

É o direito que rege a atividade industrial. Atividade que compreende produ-ção, modificação ou beneficiamento de matéria-prima, dando-lhe nova destinação,criando produtos (mercadorias), capazes de satisfazer campo amplo de interesses.Para o exercício dessa atividade, ou seja, para a industrialização, são necessários` `trabalho'' e ` `capital'', bem como método e tecnologia índustriais. Tecnologia quedepende de invenç<*-*>es sujeitas a privilégios ou monopólios (patentes), garantidaspelo diieito industrial e por normas penais. Individualizando e indicando a proce-dência do produto, temos as marcas, ou seja, sinais impressos, gravados ou colocadosno proc.uto, também protegidas por esse direito. Em uma sociedade competitivacomo a nossa, é comum mais de uma empresa ter a mesma atividade industrial,produzindo o mesmo produto, lutando para obter a preferência do mercado, havendo,por isso, concorrência entre indústrias similares, disciplinada também pelo direitoindustrial, até com normas penais. A concorrência desleal é crime. Dependendo odesenvolvimento do Estado do desenvolvimento industrial e a segurança nacionalde certos setores da indústria, é natural que a produção industrial e os métodosde

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Introdução ao Estudo do Direito

produção sejam regulados tendo em vista o interesse público, o interesse da empresae o dos operários. Por isso, pode-se dizer ser o direito industrial o complexo denormas regulador das relaç<*-*>es jurídicas decorrentes da produção industrial. Essadefinição está muito próxima da de Finochiaro (Sistema di Diritto Industriale):"conjunto de normas destinado a disciplinar as relaç<*-*>es pertinentes à produçãoindustrial ''. A natureza desse direito é controvertida. Há autores que o incluem no direitocomercial; outros, como La Lumia, o consideram especialização do direito do trabalho.Mas não faltam os que distinguem o direito industrial privado do direito industrialpúblico, e outros, como Navarrini, que admitem serem seus institutos comuns ao direitocomercial, além dos que reconhecem que a ordem econômica obriga a discipliná-lo comvista ao interesse público. Isto porque o direito industrial tem normas de direito privadoe de direito público, normas que atendem ao interesse da empresa, e outras, ao interessesocial e público. Normas penais protegem as invenç<*-*>es (patentes), as marcas,bem comopunem a concoirência desleal. Tendo normas de direito privado, de direito públicointerno e de direito internacional é direito misto. As suas fontes são : lei, regulamento e convenção internacional. As fonteshistóricas estão nos éditos romanos e ria Lex Julia. Porém, as suas fontes maisantigas, especificamente de direito industrial, são: Statute of Monopolies (1623),inglês, Pactent Act (1790), norte-arr<*-*>ericano, a lei francesa sobre invenç<*-*>es (1791), eas convenç<*-*>es internacionais de Paris (1884) e de Berna (1886) sobre propriedadeindustrial.

130. DIREITO FALIMENTAR

É o complexo de normas protetoras do crédito no caso de insolvência docomerciante. Sup<*-*>e a insolvência, ou seja, a impossibilidade de o patrimôniodocomerciante garantir seus débitos. No estado falencial, é liquidado o patrimôniodo falido para atender aos credores que se habilitarem na falência. Comp<*-*>e-se denormas asseguradoras de direitos e de preferências dos credores (direito privado),de normas que regem o processo de falência (direito processual falimentar) e de normaspenais (direito penal falimentar). Compondo-se de normas de direito privado, de normasprocessuais (direito público) e de normas penais (direito público), o direito falimentaré direito misto. A sua origem histórica encontra-se na Idade Média, quando penas infamantesforam impostas ao comerciante insolvente. Porém os principais diplomas legais devalor histórico desse direito são: a Ordonnance de Luís XIV, devida a Colbert, eoCode de Commerce de Napoleão, de 1808. Entre nós, a primeira disciplinajurídicada falência se encontra no Código Comercial de 1850, pois, anteriormente, era regidapelas Ordenaç<*-*>es Filipinas (§ 177). O direito falimentar, no que couber, é aplicável à liquidação extrajudicial deempresas decretada pelo Banco Central.<012>

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131. DIREITO NUCLEAR

Parte do direito misto que disciplina a produção e o uso da energia nuclearparafins pacificos. Não só a possibilidade de mais de um país ser atingido pela irradiação, em casode acidente em usina nuclear, como também a possibilidade de a energia nuclear serusada para fins militares, lhe dá a nature2a mista de direito público interno einternacional Direito público interno, porque só o Estado deve explorá-lo, pois, se pelo regimede concessão permitir a sua exploração por empresas privadas, deverá cercá-la desalvaguardas, dentre as quais a inspeção permanente. A possibilidade de a sofisticada tecnologia, no futuro, permitir a fabricação deartefatos atômicos de pequenas dimens<*-*>es, obrigará o Estado a manter vigilânciaredobrada, até em suas próprias usinas, por poderem cair esses artefatos ou matéria-prima radioativa em mãos de grupos de terroristas ou de revolucionários pondo emrisco a segurança de pessoas, de bens e da ordem social e política Eis a razão de a produção dessa energia ser objeto de direito público, comsanç<*-*>es draconianas, apesar de seus subprodutos poderem ter larga aplicação namedicina, principalmente no diagnóstico médico e na terapia, bem como na agricul-tura e na indústria, sem nos esquecermos das pesquisas física e química, indispen-sáveis ao desenvolvimento e ao aperfeiçoamento da produção dessa energia e dapesquisa sobre o átomo, bem como do emprego da energia nuclear em usinasnucleares para a produção de energia elétrica, em satélites, sondas, laboratóriosorbitais... Como vemos, "Prometeu", no século XX, "mais uma vez" deu ao homem ,para que ele pudesse continuar a sua obra, uma energia de dois gumes. Benéfica, seconsiderarmos o seu uso pacífico; podendo tornar-se maléfica ao ser humano. Maisameaçadora quando destinada à produção de armas, dado o seu poder arrasador. No século XX, foi revolucionada a idéia de que se tinha do átomo, tidoanteriormente como elemento irredutível da matéria, pois, atualmente, a ciênciarevelou a sua estrutura complexa, composta de elétrons, prótons e nêutrons, os doisprimeiros carregados de energia, enquanto o terceiro, partícula sem carga energética.A Ciência ainda não se deu por satisfeita, sendo possível que, no futuro, descubranesses elementos outros microuniversos, teoricamente já anunciados. A energia nuclear, como dissemos, pode ter aplicação para o bem como parao mal, <*-*>.odendo ter a sua produção e o seu uso sentido político. Dentre os riscos que cria, está a ameaça a comunidades, como no caso doacidente em Three Miles Island, ocorrido em 28 de março de 1979, nos EstadosUnidos, que colocou em risco comunidades, poluindo a Natureza. Considerando-seos riscos que cria, pode constituir-se em uma ameaça à sobrevivência da Civilizaçãoe da própria Humanidade.

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Introdução ao Estudo do Direito

Ter o segredo de seu uso para fins bélicos, poder usá-la na fabricação deartefatos atômicos, que podem ser lançados por foguetes ou como projéteis, trans-

formou-se, desde a sua descoberta, em pesadelo para a Humanidade, para chefes deEstado, pacifistas, físicos, intelectuais etc. Daí a preocupação com a disciplina rígida de seu uso. Concebida assim, deixa de ser do interesse exclusivo de um Estado para serdo interesse de todas as naç<*-*>es. Éjustamente por esta razão que esse direito tem também aspecto internacional.5 A comunidade internacional, desde o lançamento da bomba atômica sobreHiroshima (06-08-1945) e Nagasaki (09-08-1945), têm feito tentativas para acelebração de pactos e convenç<*-*>es internacionais, destinadas a controlar a suaprodução e a limitar as armas nucleares. Por iniciativa dos Estados Unidos, da Inglaterra e do Canadá, a Assembléia-Geral da ONU, em 26 dejaneiro de 1946, criou, sem a participação dos russos, umacomissão destinada a formular um sistema de salvaguardas, com inspeç<*-*>es, paratentar controlar o uso dessa energia que comporta graves riscos para a Natureza epara o homem. ` `Comissão de Energia Atômica'' - assim foi ela denominada.Reuniu-se pela primeira vez em 14-07- I 946, tendo por tema o Plano Baruch,elaborado por Baruch, Acheson e Lilienthal, todos norte-americanos. Foi a primeiratentativa para limitar com normas internacionais ouso da energia nuclear, exclusi-vamente para fins pacíficos. A preocupação com os ` `Átomos para a Paz'' levou acriação da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA ou IAEA), criada peloTratado de 26 de outubro de 1956 (Conferência de New York), tendo sede em Viena,com poderes de assistência, cooperação, fiscalização e controle. É órgão, dotadodeautonomia, da ONU. Há, também, comiss<*-*>es ou agências regionais, como, porexemplo, a Euraton (Comunidade Européia de Energia Atômica), criada pelo

Mas não é só a ` `bomba atômica'' que faz com que o direito nuclear esteja também no campo dodireito internacional, pois, além do acidente acima apontado, as usinas nucleares, quandoacidentadas, podem colocar em risco a vida humana e o meio ambiente. Basta lembrar, paraconfirmar a nossa assertiva, o acidente ocorrido no final de abril de 1986, na Rússia, na usinanuclear de Chernobyl (Tchernobil), situada nas proximidades de Kiew, que atingiua Finlândia,a Polônia, a Noruega, a Suécia e a Dinamarca, com índices anormais de radioatividade, e, commenores índices, devido à mudança dos ventos, o Centro-Sul da Europa (lugoslávia, Romênia,Suíça e Itália) e, com nível muito baixo, Inglaterra, França e Mônaco. Os paísesatingidos peloacidente na usina de Chernobyl estão a mais de mil quilômetros da mesma. Além deacidentescomo esses, há os que podem ser causados por satélites espi<*-*>es ou sondas espaciais com combustívelradioativo. O satélite soviético Cosmos 954, que, em 1978, se desintegrou, deixando cair fragmentosno Canadá, tinha gerador nuclear. Assim, acidentes desse tipo, além decontaminara atmosferaterrestre,podem afetar países que se encontram em sua órbita.<012>

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'Tratado de Roma, de 25 de março de I 957, e a CIEN (Comissão Interamericana deEnergia Nuclear). No Brasil, temos a CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear), comfunç<*-*>es de fiscalização, supervisão, pesquisa e de disciplina normativa

dessa ener-gia, e a Nuclebrás (Empresas Nucleares Brasileiras S.A.), tendo, além de outrasfunç<*-*>es, a de construção e funcionamento das usinas nucleares. Portanto, avanços e recuos marcam a luta pelo controle da produção e uso daenergia nuclear, com a celebração de convenç<*-*>es e de pactos internacionais, prevendoum sistema de salvaguardas, destinadas a impedir que o uso dessa energia sejaprejudicial à Humanidade. A fragilidade das normas internacionais deixa o jurista perplexo e apreensivonesse terreno, em que a Humanidade, a Civilização, o homem e toda espécie de vidaestão em perigo potencial com a descoberta científica do século, que tanto serveparao bem como para o mal. No campo do direito nuclear, a responsabilidade civil, no caso de acidentenuclear, é objetiva, não se cogitando de culpa. As legislaç<*-*>es, lamentavelmente,estabelecem teto para a indenização, que, apesar de alto, não cobre, muitas vezes, odano nuclear produzido, dada a imprevisibilidade do alcance, dos efeitos e daduração da radioatividade, bastando lembrar as conseqüências, seja na Rússia sejana Europa, do acidente nuclear ocorrido em abril de 1986, na usina nuclear deChernobyl (Tchernobil), situada nas proximidades de Kiew. Lamentável, dissemos,porque, se não fosse limitada a indenização no caso de dano nuclear, as cautelasseriam maiores, seja na construção, seja na conservação e seja no funcionamentodas usinas nucleares.b

Neste capftulo, entre os direitos mistos, poderia ser incluído o direito deprevidência e seguridadesocial, que pertencem à categoria do direito social (§ 126). Mas, para nós, essedireito é melhorclassificado no grupo de direitos que formam o direito público. O direitoprevidenciário pode serdefi:Zido como a parte do direito público que garante a segaridade social, atendendo osinfortúnios da vida humana, dando segurança à velhice, garantindojusta aposentadoria, possibili-tada por contraprestação, e pensão à fansilia do segurado. Como além da scguridade socialgarantida pelo Estado pode haver a proporcionada por instituiç<*-*>es profissionais ou pelas empre-sas, e como em outros países é ela da alçada da iniciativa privada, não é erradocolocá-la no grupode direito social. A previdência social foi instituída, como seguro, na Alemanha, em 1883, devidoà iniciativa, em 1881, de Bismarck. Entre nós, em 1923, com a chamada Lei Elói Chaves.

XX

INTER-RELAÇÓES ENTRE OS VÁRIOS DIREITOS- PLURALISMO DE DIREITOS - ANTINOMIA

132. CONTATOS ENTRE OS DIREITOS

As ordens jurídicas (direito internacional, direitos nacionais, direito social,direito econômico, direito sindical etc.) e os vários tipos de direito (direito interna-cional e direito constitucional, direito civil e direito comercial, direito tributário edireito civil, direito do trabalho e direito civil etc.), bem como todos os direitoscomponentes do chamado direito interno (§ 90), estão ordenados em sistemas, emque alguns servem de fundamento para outros - o direito constitucional

fundamentaos demais direitos do Estado - e em que todos se encontram em estado de inter-re-lação, de acomodação e de integração. Esse ajustamento dificulta os conflitos entreos direitos e repetiç<*-*>es inúteis, dando origem assim às unidades jurídicas. Muitasprescriçôes de um direito têm suas origens ou suas bases em outro, como, porexemplo, é o caso do direito comercial, cujas raízes estão no direito civil. Assim, otecido jurídico não é formado de espaços vazios e de quistos, pois é um todoorgânico, cujas partes estão interligadas em estado de interação, de inter-relação ede compatibilização. É o que procuraremos, em rápidas pinceladas, retratar. O direito internacional (§ 91) e o direito constitucional (§ 99) coexisteminterligados, sem, contudo, um decorrer ou depender do outro. É sabido que aConstituição de um país e o governo dela oriundo podem ser mantidos de pé,porém necessitam ser internacionalmente reconhecidos, por depender de créditosinternacionais, do comércio internacional etc. Ora, o reconhecimento dalegitimidadeda Constituição e do governo é ato da alçada do direito internacional. Eis por queKelsen (§§ 197 e 200), na pirâmide jurídica, ou seja, na hierarquia das normasjurídicas, coloca no vértice dessa pirâmide o direito internacional. A nossaConstituição contém, a título de exemplo, os seguintes princípios: igualdadeentre os países, solução pacíftca dos conflitos internacionais, autodeterminação(art. 4" da Constituição de 1988), bem como estabelece as condiç<*-*>es de eficáciainterna do tratado internacional e a competência para celebrá-lo (arts. 5", § 2", e 84,VIII) etc. Por sua vez, a ONU, instituiçâo internacional, formulou a Declaração<012>

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a tarefa de elaborar projetos de convenç<*-*>es internacionais do trabalho e de fazerrecomendaç<*-*>es aos Estados-membros em matéria de trabalho. As deliberaç<*-*>esde suas conferências ou as soluç<*-*>es propostas por seus órgãos não obrigam osEstados-membros, mas só as convenç<*-*>es ratificadas. Porém fornecem regras eprincípios que podem influir na reforma da legislação de cada país. Assim, nãose pode dizer que entre o direito internacional, que rege essa Organização, suaatividade, seus órgãos, poderes etc., e o direito do trabalho (§ 123) não existamrelaç<*-*>es. Por outro lado, na organização da ONU, da Unesco, da OrganizaçãoInternacional do Trabalho e de outras instituiç<*-*>es internacionais são observadosprincípios e regras estabelecidas pela moderna ciência do direito administrativo(§ 102), que, portanto, tem também pontos de contato com o direito internacional. Entre o direito administrativo (§ 102) e o direito constitucional (§ 99), comovimos, existem estreitas .relaç<*-*>es. Com o direito civil, o direito administrativo,apesar de não ter relaç<*-*>es íntimas, dele acolhe regras gerais sobre nulidade,prazos, responsabilidade civil, bem como as relativas ao ato jurídico, e à inter-pretação dos mesmos etc. O direito penal dá ao direito administrativo princípiosgerais de aplicação das sanç<*-*>es, auxiliando-o na configuração do ilícito adminis-trativo, enquanto do direito processual o direito administrativo serve-se dosprincípios aplicáveis ao inquérito administrattivo. Já vimos as relaç<*-*>es entre o direitofinanceiro efiscal e o direito constitucional.Apesar de ser parte do direito público, tem o direito financeiro e fiscal relaç<*-*>es como direito privado. Rendas ou outras formas de recursos obtidos com administração

de bens públicos, sob a forma de locação ou arrendamento, são regidas por normasdo direito privado. Impostos ou taxas, que recaem sobre transaç<*-*>es com bens,constituem pontos de contato entre o direito financeiro e o direito privado. Àdevolução do imposto indevido, pago voluntariamente, se aplicam princípios dodireito civil que dizem respeito ao pagamento indevido. Finalmente, os princípiosgerais do direito privado facilitam a definição, conteúdo e o alcance dos institutos,dos conceitos e das formas de direito tributário, sem influir, entretanto, na definiçãodos efeitos tributários. No que concerne ao direito penal, já vimos as suas relaç<*-*>es com o direitoconstitucional e com o direito administrativo. Grande é a sua importância para odireito internacional, pois os seus princípios são comuns ao direito penal interna-cional (§ 92). No caso de crime transnacional, praticado por organizaç<*-*>es ilícitasmultinacionais (máfias), como, por exemplo, tráftco de drogas, é evidente a relaçãoentre esses dois direitos, como se infere da Declaração de Nápoles de 1994 (Confe-rência Mundial da ONU sobre Crime Organizado Transnacional). Com o direitoexecutivo penal, que disciplina a execução da pena, e com o direito penitenciário,que não só regula a execução material da pena, permitindo-lhe atingir a suafinalidade, como também a administração das penitenciárias, está presente o direito

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penal, que prescreve as penas, aplicadas pelas sentenças condenatórias, em cujaexecução interfere os citados direitos. Com o direito processual penal (§ 111) sãoevidentes as suas ligaç<*-*>es, porque a condenação e punição do delinqiiente dependeda ação penal regulada por esse direito. Vínculos do direito penal com o direitocomercial existem, bastando lembrar o crime falimentar. Já nos referimos às relaç<*-*>es do direito do trabalho com o direito constitucional ecom o direito internacional. Há entre nós órgãos da Administração Pública vinculadosàs quest<*-*>es trabalhistas, como o Ministério do Trabalho, o Instituto de PrevidênciaSocial etc., cujas funç<*-*>es e organização observam o direito administrativo. Com odireito civil são enormes os vínculos. Aplicam-se ao direito do trabalho os princípioscivilistas que regem os contratos e, especificamente, os da locação de serviços.Dodireito comercial utiliza-se a noção de empresário. Tem ligação com o direitomarítimo, por ser aplicável ao contrato de trabalho dos portuários e das tripulaç<*-*>esdos navios, e com o direito aeronáutico por reger o pessoal dos aeroportos e àtripulação das aeronaves. Finalmente, tem estreitos vínculos com o direito sindccal(§ 124), que colabora na formulação de regras gerais dos contratos de trabalho. Finalmente, o direito civil (§ 114) tem ligaç<*-*>es com todos os ramos do direito,devido talvez ao fato de ter sido o primeiro a se constituir em ciência. Assim, porexemplo, o mandato político, institato do direito constitucional, tem suas raízes nomandato disciplinado pelo direito civil, cujos princípios foram, com algumas altera-ç<*-*>es, transpostos para o direito público. Os princípios do direito dos contratos sãocomuns a todos os contratos e atos bilaterais disciplinados pelos demais direitos,

principalmente pelo direito comercial (contratos comerciais), pelos direitos maritimoe aeronáutico (contrato de transporte) e pelo direito do trabalho (contrato de trabalho).A teoria civilista da culpa é comum a todos os direitos. O direito comercial (§ 117) nadamais é do que desenvolvimento das obrigaç<*-*>es civis (contratos) e do direito dãssociedades. Aliás, já se cogitou da unificação das obrigaç<*-*>es civis e comerciais em umcódigo único. A idéia, entre nós, foi lançada por Teixeira de Freitas ( 1816-1883), emseu projeto de Código Civil. França e Itália, entre as duas guerras, criaram comiss<*-*>espara a elaboração de um código franco-italiano de obrigaç<*-*>es. O Código Civilitalianode 1942 as unificou. Existem elementos comuns a todos os atosjurídicos (comerciais,administrativos etc.) estabelecidos pelo direito civil: condiç<*-*>es de validade dos atosjurídicos, tais como ` `capacidade'' das partes, ` `formas'', ` `consentimento''etc. Direito maritimo, direito aeronáutico e direitoferroviário, desde que consi-derados como disciplina jurídica do transporte de bens e de pessoas, têm prinçípioscomuns. Aliás, no que concerne aos direitos marítimo e aeronáutico, já se pensouemunificá-los no direito da navegação (§ 121). O direito civil prescreve ainda as regrasfundamentais das obrigaç<*-*>es e dos contratos aplicáveis a esses direitos, que, por outrolado, prescrevendo penas para as infraç<*-*>es da navegação e do tráfego, têm, como jádissemos, relaç<*-*>es com o directo penal. O contrato de transporte (aéreo, marítimo,<012>

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ferroviário), parte fundamental dos referidos direitos, objetivando lucro, leva-os paraa área do direito comercial. Direitoprocessual civil (§ 111) e direitoprocessualpenal (§ 1 I 1) têm pontosde contato, sendo a teoria do processo comum a ambos. Há princípios a eles comuns.Com o direitojudiciário (§ 104), que tem por objeto a organização judiciária, acomposição dos tribunais, competência etc., é forte o parentesco. Aliás, em muitospaíses esses direitos estão unificados. Tanto o direito judiciário como o processual,como vimos, têm relaç<*-*>es com o direito constitucional. O direito judiciário temvários pontos de contato com o direito administrativo, porque à organização dacarreira de magistrado se aplicam os princípios desse direito, igualmente à organi-zação das Secretarias dos Tribunais e às carreiras de serventuário da Justiça. Como direito civil, porque é através de aç<*-*>es, regidas pelo direito processual civil, quesão protegidos os direitos subjetivos (§ 144) e as situaç<*-*>es juridicas dele oriundas.A punição dos criminosos é possível por meio da ação penal disciplinada pelo direitoprocessual penal, que assim está interligado com o direitopenal. A teoria do

processoe os princípios do direito processual, bem como regras gerais concernentes aprazos, à competência etc., são aplicáveis às demandas processadas na CorteInternacional de Justiça (Haia), estando assim entrelaçado com o direito internacio-nal. Esse tribunal está organizado à luz dos princípios gerais do direito judiciário.A organização da Justiça do Trabalho observa também os princípios do direitojudiciário, o que nos leva a admitir o entrelaçamento desse direito com o direito dotrabalho. Najurisdição trabalhista os processos são regidos pelos princípios e pelasregras do direito processual. No judiciário, finalmente, são solucionadas todas asquest<*-*>es, sejam trabalhistas, comerciais, civis, administrativas, fiscais, de naturezaconstitucional etc., isto porque somente com o exercício da açãojudicial pode-selutar pelos direitos e pela defesa da liberdade. Assim, o direito judiciário e odireitoprocessual estão interligados com todos os ramos do direito.

133. PLURALIDADE DE DIREITOS

Na Antigiiidade, em virtude da simplicidade da organização social, único erao direito, encerrado muitas vezes, em um único código. O direito babilônico foi todoconsolidado e reunido no Código de Hamurabi (§ 160), enquanto o dos romanos,por muito tempo, encontrava-se na Lei das XII Tábuas (§ I 64). O desenvolvimentosocial, a ampliação e a complexidade crescente das relaç<*-*>es jurídicas fizeram comque fosse o campo jurídico dividido em regi<*-*>es, dominadas por princípios e regraspróprias. Devemos aos romanos a primeira divisão do direito em público e privado,sendo que este em ius civcle, direito do cidadão romano, e ius gentium, estatutodoestrangeiro, posteriotrnente ampliados pelo direito pretoriano e pelo direito dosjurisconsultos. Com a Igreja Católica, direito do Estado e direito canônico e, apartirda Idade Média, direito internacional (direito das gentes) e direito interno (direito

civil, direito das corporaç<*-*>es de mercadores e direito canônicv). Do direitocivilforam se libertando partes, que adquiriram autonomiajurídica, como, por exemplo,o direito comercial, o direito do trabalho, o direito agrário etc. Assim, da unidadepassou-se ao pluralismo de direitos, que conduz à conclusão: não há direito, masdireitos.

Mas, se considerarmos todos os ramos do direito interno (direito civil, comer-cial, constitucional, penal, processual, administrativo, fiscal etc.), formando umaordem juridica ou um ordenamento juridcco, chegaremos a outra modalidade dopluralismo jurídico resultante da coexistência do direito internacional (§§ 96 e91)com o direito interno (direito nacional, § 90), este formulado ou reconhecido peloEstado, aquele resultante da tradição, de costumes, usos, tratados e convenç<*-*>es.Temos, no caso do direito internacional, direito internacional convencional, resul-tante de tratados e convenç<*-*>es; jurisprudencial, decorrente das decis<*-*>esdas CortesInternacionais; e consuetudinário, enquanto no direito interno, estatutário ou legis-lado (lei, regulamento etc.), consuetudinário e jurisprudencial. Dentro das fronteiras do Estado, se for uma Federação, direito federal, direito

estadual e direito municipal. Além dessas formas de direitos oficiais, temos o direitoda Igreja e o direito sindical, que, por outro ângulo, revela o pluralismo de ordena-mentos jurídicos: estatal, canônico e de entidades privadas. Se considerarmos que o direito positivo representa o último estágio de umprocesso que tem por ponto de partida normas espontaneamente observadas, acaba-remos por admitir a vigência do direito legislado ou estatutário, com os consuetudiná-rio, jurisprudencial e social (direito sindical, contratos coletivos de trabalhoetc.). O pluralismo jurídico exige hierarquia dos direitos para que conflito não haja.Como no mundo moderno nenhum país pode dispensar o concurso dos demais paísese como o preço do isolamento, do conflito e da guerra é muito alto, o direitointernacional ocupa o vértice da pirâmide jurídica, seguido pelo direito constitucio-nal, vindo depois as demais formas de direito público; a seguir o direito misto e,finalmente, o direito privado. A eficácia do direito consuetudinário, que no direitointernacional é indiscutível, depende no direito interno de o direito estatal reconhe-cê-lo. O direito das sociedades civis e comerciais (estatutário) deve se submeter àsregras estabelecidas na lei, no regulamento etc., enquanto o direito sindical àsregrasdo direito do trabalho. A sentença, regida pelo direito processual, bem como o atojurídico, que, na hierarquia das fontes jurídicas, se encontram na base da pirâmide,estão submetidos ao disposto nas leis, nos regulamentos etc. Paralelismo de ordens jurídicas há entre direito estatal e direito canônico, cadaum com sua esfera de ação, sem que, desde que haja separação da Igreja do Estado,um interfira no outro. Já o direito ideal (jus condendum) não tem eficácia, por nãoser coercível, sendo desprovido de apoio do poder público. Porém, indiretamente,<012>

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através da interpretação, seja dos jurisconsultos seja do juiz, penetra no direitovigente, enquanto o legislador não o tornar lei.

134. ANTINOMIA

Da coexistência de vários direitos, estabelecidos em épocas e fontes dife-rentes, podem ocorrer conflitos ou incompatibilidades. Por isso as leis têm sempreeste dispositivo: ` `revogam-se as disposiç<*-*>es em contrário''. Se assim não dispu-sessem, freqüentes seriam os casos de antinomia, que, segundo Bobbio ( ` `Sui criteriper risolvere le antinomie'' nos Studi in Onore di Antonio Segni), é a incompatibi-lidade entre duas normas pertencentes a um mesmo ordenamento juridico. Nãopodendo coexistir normas incompatívéis entre si no mesmo ordenamento jurídico,três caminhos tem o intérprete, segundo nos ensina Bobbio (ensaio cit.), paraeliminar a antinomia: critério ` `cronológcco '' - inaplicabilidade da norma anteriorincompatível com a nova; critério ` `hierárquico ' ', ineficácia da norma hierarquica-mente inferior ou subordinada, e o critério da ` `especialidade'' - depende da` `matéria regulada'', subordinado, assim, à ` `interpretação jurídica''. Tais

critériospodem solucionar o conflito em questão. O primeiro, quando a norma tiver a mesmanatureza e valor, o segundo, quando ocorrer incompatibilidade entre normas denaturezas diferentes, sendo aplicável, apesar de mais antiga, a norma superior.Assim, por exemplo, a lei que dispuser de forma incompatível com a Constituição,mesmo que posterior a ela, é inconstitucional, por prevalecer a norma constitucional;igualmente regulamento posterior à lei, incompatível com ela, não terá valor namedida da incompatibilidade. Mas, no caso de normas do mesmo valor, que tiveremnaturezas diferentes, inexiste critério geral para solucionar a antinomia, dependendodo exame que se faça de cada caso. Assim, exemplificando, lei especial posteriorincompatível com lei geral anterior tem plena eficácia, porque speciali generalibusderogant. Já no caso de norma geral nova incompatível com norma da mesmanatureza, a mais nova prevalece sobre a antiga. Lei geral posterior não atinge leiespecial anterior por disciplinarem matérias diferentes: lex posterior generalisnonderogat priori speciali. Finalmente, devemos dizer que a solução dada pelo juiz ao problema daantinomia não tem força de derrogar a lei, mas só de negar a sua aplicação ao casosub judice. Quando assim proceder estará usando a interpretaÇão corretiva ouabrognns (§ 138). Mas na declaração judicial de inconstitucionalidade de uma leipor incompatibilidade com a Constituição, a decisão, se for do Supremo TribunalFederal, tira-Ihe a eficácia, sem derrogá-la. De outros tribunais só tem força no casosubjudice. Ditos procedimentos visam a restabelecer a harmonia que deve haver entre osdireitos e, em cada direito, entre suas norntas, bem como manter a hierarquia dasregras de direito, sem a qual inexiste ordem jurídica.

Quarta Parte

HERMENÊUTICA JURÍDICA1

I Partc da ciência do direito que trata da interpretação e aplicação do direito<012>

XXI

APLICAÇÃO DO DIREITO-OBRIGATORIEDADE DA LEI - ERRO DE DIREITO

135. APLICAÇÃO DO DIREITO. PROBLEMA DA CONSTITUCIONALIDADE DA LEI

A aplicação coercitiva do direito é da competência exclusiva do Estado, no queconcerne ao direito interno (§ 90), e das organizaç<*-*>es internacionais (§ 95), no quediz respeito ao direito internacional. No primeiro caso, é ato de direitopúblicopeloqual a autoridade administrativa oujudiciária competente imp<*-*>e as conseqüênciasjuridicasprevistas na normajuridica a um caso concreto. É, assim, o ato de direitopúblico que transforma a norma geral em norma individual sob aforma de senten<*-*>aou de decisão administrativa. A autoridade administrativa pode aplicar de ofícioditas conseqiiências, sem ser provocada pela parte, desde que ocorra a condição(fato) prevista na norma para a produção de seus efeitos. Já ojuiz (autoridadejudiciária)2só as aplica quando provocado pela parte interessada. O meio de provocar a aplicação

judicial do direito é a ação, regida pelas leis processuais, que completa e protege a=pretensão que tem todo titular do direito subjetivo, ou seja, que completa e protege afaculdade de exigir de outrem uma prestação, componente do direito subjetivo (§14'<*-*>. Torna efetiva a pretensão, possibilitando que o Estado, monopolizador do podercoercitivo, a faça ser direta ou indiretamente atendida. Na sociedade primitiva nãoera assim, por nela imperar ajustiça privada.

Jccrisdição é a função pública que consiste na aplicação do direito pelo juiz. Éo poder que tem ojuiz de impor às partes uma norma individual (sentença) derivada da norma geral.Pode serjurisdição graciosa (voCuntária), se não há litígio, como ocorre no desyuite amigável (separaçãojudicial), no inventário etc., e contenciosa, se ocorrer litígio (despejo, anulação de casamento etc.).Pode ser ainda: crintinal, se se tratar de aplicação de norma penal, e civil, nos demais casos. Mas,apesar de ojuiz terpor função a aplicação do direito, nem todojuiz pode decidirqualquer demanda,salvo se a lei Ihe der competência para tal, pois, em regra. Ihe delimita o poder de conhecer ejulgar em relação à natureza dos casos. Assim, competência é a ` `medida dajurisdição'', ou seja,o poder que tem o juiz de decidir determinado caso por força de lei.<012>

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A toda pretensão corresponde uma ação, como a todo direito subjetivo (§ 147),uma pretensão. Sem a ação, o direito está desarmado, passando a pertencer ao reinoda Moral, como ocorre quando há prescrição (§ 145), em que a prestação não podemais ser exigida judicialmente, ficando o cumprimento da mesma dependendoexclusivamente da vontade do devedor. Assim, o titular do direito, além de ter odireito subjetivo, ao qual corresponde uma pretensão, tem, por ser titular, direito deaÇão, ou seja, o direito autônomo de provocar a prestaçãojurisdicional do Estadopor meio de uma ação (direito subjetivo público). Ação3 pode ser definida como omeio processual, previsto na lei processual, pelo qual épleiteável a tutela do Estadopara o direito ameaçado, contestado ou lesado, ou, então, o meio de provocar aprestaçãojurisdicional do Estado para a proteção de um cnteresse legitimo.' Ajuizada a ação, contestada, isto é, com a ` `resposta'' do réu, produzida aprova, chega o momento da aplicação do direito, na fase final do processo. Nessemomento o juiz tem que, primeiro, determinar a natureza da demanda e precisar apretensão das partes. Feito isto, verifica a norma jurídica aplicável ao caso subjudice. Em regra, aplicável é o direito nacional, em virtude do princípio daterritorialidade das leis, que prescreve estarem todas as pessoas, nacionais ouestrangeiras, que se encontrarem no território do Estado, submetidas às suas leis.Mas pode ao caso ser aplicável mais de um direito, o direito nacional e o estrangeiro,por serem, por exemplo, as partes estrangeiras, ou por ser só uma delas, ou por tersido o ato celebrado no estrangeiro ou, ainda, por se encontrar a coisa, objeto dolitígio, no estrangeiro etc. Em tal ocorrendo, há conflito de leis no espaÇo (§ 143),dirimido pelo diréito internacional privado (§ 112). Pode ocorrer que o ato tenhatido o começo de sua formação sob o império de uma lei já revogada, no qual

tenhase formado quase totalmente, tendo sido concluído, entretanto, na vigência de outralei. Quando tal ocorrer haverá conflito de leis no tempo (§ 142), surgindo a questãoda retroatividade ou da irretroatividade da lei nova ou a de sua aplicação imediata(§ 142). Pode ser arg<*-*>üda por uma das partes a inconstitucionalidade da lei,ou seja,

As aç<*-*>es podem ser ` `civis'' e ` `criminais''. Nestas se apuram a autoria de um crime e o grau deculpabilidade para individualizar a pena, pcevista na norma penal a ser aplicadaao acusado,enquanto as "civis" são todas as demais. As "civis" podem ser "pessoais" e "reais", cujos,bjetos são coisas. As primeiras tutelam direitos pessoais (§ 148), enquanto as segundas, direitosreais (§ 148). Há os que ainda ampliam essa classificação incluindo as "declaratórias", queafirmam ou negam a existência de uma relaçãojurldica; as ` `condenatórias'' e as` `constitutivas'',que constituem uma situação jurídica inexistente anteriormente à ação, como, porexemplo, ainvestigação de paternidade que declara judicialmente a situação de filho ou a anulação decasamento, que faz retornar as partes à situação anterior ao casamento.Prestaçãojurisdicional é o dever que tem o juiz de exercer ajurisdição a ele atribuida por lei. Videnota I deste capftulo sobre ` `jurisdição''.

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Introdução ao Estudo do Direito

a incompatibilidade da lei, aplicável ao caso concreto, com a Constituição (§ 70).Mas, havendo dúvida quanto à constitucionalidade, deve o juiz seguir a lição deBlack: "havendo razoável dúvida, resolve-se em favor da constitucionalidade"(Handbook of American Constitutional Law). Pode ser argiiida a revogação tácita(§ 140) da lei quando incompatível com lei nova da mesma natureza, em vigor aotempo do julgamento, que a torna inaplicável ao caso subjudice. Finalmente, podeocorrer não ser o caso concreto previsto no direito vigente, ou seja, pode inexistirnorma jurídica aplicável ao mesmo. Aí, diz-se haver lacuna (§ 139) do direito,sanável pela analogia (§ 139), pelos costumes (§ 77) e pelos principios gerais dodireito (§ 139). Se o caso concreto for trabalhista, a lacuna poderá ser preenchidapela eqüidade (§ 44). Assim, mesmo havendo lacuna (§ 139), ojuiz terá meios paraencontrar a norma jurídica aplicável a questão não prevista. Mas, se se tratar dequestão criminal, havendo lacuna, inaplicável a analogia, bem como se se tratar derestrição de direitos. Determinada afmal a normajurídica aplicável ao caso concreto, ojuiz deveráinterpretá-la. Pela interpretaÇão (§ § 137 e 138) estabelece o exato sentido da norma,o seu alcance, as suas conseqüências jurídicas e os elementos constitutivos do casotípico nela previsto. Intetpretada, verificará o juiz se o caso concreto corresponde aocaso típico legal. Se corresponder, aplicará ao mesmo as conseqizências jurídicasprevistas na norma. Tal aplicação tem a forma do raciocinio silogistico. Daí denomi-

nar-se silogismojuridico oujudicial a atividade mental de aplicação do direito. Ditosilogismo tem por premissa maior a norma jurídica; por premissa menor o casoconcreto a ser decidido pelo juiz, e por conclusão ou corokirio, a sentença, queimp<*-*>e auma das paites ou a ambas as conseqüências previstas na norma jurídica.5 Assim, porexemplo, ocorrendo bigamia, teríamos o seguinte raciocínio - premissa maior: nulo éo casamento se ocorrer bigamia (preceito legal); premissa menor: Fulano, casado,<*-*>escondendo tal situação, casa-se com Beltrana, solteira, que pode desconhecer o estadocivil do seu noivo; conclusão: nulidade do casamento, além do procedimento penal.Como nota Claude du Pasquier (Introdccction à la Théorie Générale et à la Philosophiedu Droit), o silogismojurídico pode se apresentar de forma mais complexa. Nesse caso,podem existir silogismosjuridicos sucessivos, que ocorrem quando a aplicação de umaregra de direito sup<*-*>e a aplicação prelirninar de outras regras, tendo, então, de se` `decompor o raciocínio em uma série de silogismos sucessivos''. Como, por exemplo,

S Em virtude do principio da sucumbência, que obriga o vencido (perdedor da demanda) a pagar ao vencedor o custo da demanda, além das conseqilências previstas no direito <*-*>naterial (direito civil, comercial etc.), são aplicáveis ao vencido, ou seja, ao que sucumbiu, as conseqilências processuais: pagamento das custas (despesas feitas com o processamento da ação) e de honorários de advogado, arbitrados pelojuiz, ao vencedor. Se ambas as partes são vencidasem partes, pagam em proporção tais despesas, compensando-se os honorários.<012>

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no caso em que houver conflito de leis no espaço (§ 142). Para Kelsenb ('Teoria Purado Direito) a conclusão, ou seja, a sentença, é norma jurídica individual, por ser aconcretização de uma norma geral, tendo em vista as particularidades do caso concreto. Mas o silogismo jurídico, como dissemos, nem sempre é simples, podendohaver, na premíssa maior, recurso ao direito intertemporal, se se tratar de normarevogada, ao direito internacional privado, se se tratar de dúvida quanto à legislaçãoaplicável (nacional ou estrangeira) ou a mais de uma lei, enquanto o caso concretopode apresentar particularidades que obriguem ojuiz a recorrer a mais de uma regrajurídica para resolver a questão principal ou os incidentes. Por isso, tem razãoFerrara (Trattato di Dirctto Civile Italiano) quando escreve: é verdade que ojulgamento é um silogismo, porém ` `não se deve acreditar ser a atividadejudicialsimples operação lógica, não só porque na aplicação do direito entram fatorespsíquicos e apreciaç<*-*>es de interesses, especialmente na determinação do sentidoda lei, como também porque ojuiz nunca deixa de ser uma personalidade que pensae tem consciência e vontade, para ser degradado a um autômato de decis<*-*>es".Dramática, muitas vezes, é a aplicação do direito, bastando lembrar, por

exemplo,a aplicação do direito de família no tocante à posse e guarda de filhos menoresquando separados estão os pais. Muitas vezes, nesses casos, há drama na consciênciado juiz entre a frieza da lei (dura lex, sed lex), os interesses dos menores, quecomandam a decisão, e o sofrimento do pai ou de uma mãe ao perder a guarda dofilho '

136. OBRIGATORIEDADE DA LEI. ERRO DE DIREITO

A lei, a partir do momento em que entrar em vigor, é obrigatória para todos osseus destinatários, não podendo o juiz negar-se a aplicá-la ao caso sub judice.Entrando a lei em vigor, ninguém pode alegar sua ignorância. Daí o princípiojurídico: a ninguém é lícito ignorar a lei. Qual o fundamento desse princípio? A

Segundo Kelsen, todo ato de aplicação do direito é também ato de criação de normajurídica. Ojuiz, diz Kelsen, ao aplicar o direito, cria norma individual (sentença), estabelecedora para aspartes da regra disciplinadora de suas relaç<*-*>es. Igualmente, o legislador quando cria a lei aplicadireito superior, disciplinador da criação do direito, isto é, norma regedora daelaboração do direitoprevista na Constituição. Sobre a questão da sentença em relação à norma, consultar Carlos daRocha Guimarães, ` `A Norma e a Sentença'', na Revista do Instituto dos Advogados Brasileiros,janeiro,1974.Entre nós, clássicos: Paula Baptista, Compêndio de Hermenêutica Juridica, S. Paulo, Saraiva,1984 (reedição com apresentação de Alfredo Buzaid) e Ramalho (Barão de), Cirtco LiÇ<*-*>es deHermenêutica Juridica, São Paulo, Saraiva,1984 (apresentação de h5n ,<*-*>r<*-*>r Lobo da Costa), textospublicados em um só volume por Alcides Tomaseai Júnior. Moderno. .f<*-*>ão Baptista Herkenhoff,Como Aplicar o Direito, Rio de Janeiro, Forense,1986.

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Introdução ao Estudo do Direito

doutrina, seguida pela maioria dos juristas do século passado, encontrou-o napresunção absoluta de conhecimento da lei. A justificação desse princípio decorre,segundo a opinião moderna, da necessidade social de que, publicada a lei, transcor-rida a vacatio legis,s deve ser a lei aplicada mesmo aos casos em que for argüida suaignorância. Na verdade, a multiplicidade de leis, fenômeno característico de nossaépoca, que Carnelutti denominou por inflação legislativa, dificulta o conhecimentode todas as leis pelos próprios juristas, quanto mais pelos leigos. Assim, esseprincípio só pode ser justificado tendo em vista raz<*-*>es de ordem social. Portanto, depois da publicação ou decorrida a vacatio legis, a lei torna-seobrigatória, não podendo ser alegada sua ignorância: nemo jus ignorare censetur,sendo aplicada, como bem diz Ferrara (Trattato di Dirctto Civile Italiano), mesmoàqueles que a desconhecem, porque o ` `interesse da segurança jurídica exige essesacrifício". Por isso, a obrigatoriedade da lei não está condicionada ao seu efetivoconhecimento, pois a lei é aplicável a todos, desde que publicada, indepen-dentemente de seu conhecimento. Se a aplicação da lei depend<*-*>sse de seu efetivoconhecimento, não haveria segurança nas relaç<*-*>es jurídicas, pois, como o

conheci-mento é subjetivo, não se poderia provar a falsidade da alegação de sua ignorância. Conseqüência da obrigatoriedade da lei, independente de seu efetivo conheci-mento: o erro de direito não anula os atosjuridicos. Em regra, o erro de direitonãojustif'ica: errorjuris non excusat, salvo quando for a causa única ou principal donegócio jurídico. No direito penal, no que diz respeito às normas que fixam crimese penas, não tem nenhum valor o erro de direito, porém, nas contravenç<*-*>es penais,desde que escusável, tem valor relativo, pois o juiz pode, no caso de error juris,deixar de aplicar a pena.

8 Inte<*-*>regnoentre publicaçãono Diário Oficiale aentcadaem vigor da leí. Ocoirequando alei estabelecer uma data posterior à da pubficação para a sua entrada em vigor.<012>

XXII

MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO DA LEI- REVELAÇÃO CIENTÍFICA DO DIREITO - DIREITO LIVRE <*-*>

137. A interpretação visa a descobrir o sentido objetivo do texto jurídico. Masque sentido? O que corresponde à ` `vontade do legislador'' ou à ` `vontade da lei'' ?Ou então é fruto da livre convicção do juiz? A solução dessa questão originou oschamados métodos de interpretação, dos quais o mais antigo é coetâneo com asprimeiras codificaç<*-*>es do direito civil. É o método dos intérpretes do Code deNapoléon, denominado método da escola de exegese ou método tradicional (§ 196),que, considerando a norma legislativa como dogma, limita a interpretação à indaga- " g "ão da vontade do le islador. Foi defendido r Demolombe, Laurent, Marcadé,Aubry-Rau e Baudry Lacantinerie. "Ignoro" - dizia Bugnet (Cours de droit civilfrançais) - "o direito civil, só conheço o Código de Napoleão''. ` `Os códigos'' ,escreve Laurent (Principes de droit civi<*-*>, ` `nada deixam ao arbítrio do intérprete;o direito está escrito em textos autênticos''. A ` `vontade do legislador'' constitui alei, repetiam em coro os corifeus desse método, chegando ao ponto de, quando claraa lei, limitar a interpretação ao sentido das palavras usadas pelo legislador. Poréro,quando obscura, nos limites delas se deve manter o intérprete, pesquisando opensamento do legislador nas palavras por ele empregadas. Gény (§ 109), em 1899, criticou esse fetichismo legal, considerando-o insus-tentável por não poder o legislador prever tudo, não tendo o monopólio da formu-lação do direito. Como saber, em um sistema representativo, em que váriosparlamentares concorrem para a elaboração da lei, a vontade do legislador? A` `vontade coletiva, expressa na lei'', não é igual à vontade manifestada no contratoe no testamento, mesmo porqne a legislativa corresponde à da maioria dos parla-mentares, politicamente movidos por motivos diferentes por pedencerem, geralmen-te, a partidos diversos, salvo quando um dos partidos tem maioria de votos naassembléia legislativa (Câmara, Senado, Parlamento). Mas, nesse caso, a vontadelegislativa corresponde à do partido dominante na Câmara ou no Senado. Por isso,a vontade dos contratantes ou a do testador podem ser pesquisadas, enquanto alegislativa, adverte Gény, só pode ser estabelecida com independência da vontade

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dos parlamentares. Dando um passo à frente, sem abandonar a posição tradicional, acabou indicando a ` `vontade legislativa'', e não a do legislador, como objetivo da interpretação, o que não significa a substituição do legislador pelas convicç<*-*>es do intérprete. Todavia, negou poder expansivo à lei, cujo significado não dependedo momento histórico em que é interpretada. A lei, segundo Gény, é uma só, idêntica à que deve ser aplicada à sancionada. Atualizá-la por meio de interpretação seria transformar o intérprete em legislador. Mas, pensando assim, Gény não estavapregando a submissão do intérprete aos códigos, porque o direito, segundo ele, nãoestá contido todo na lei, que, dispondo para o futuro, não pode prever todas assituaç<*-*>esjurídicas. ' A lei não contém solução para todos os casos, não sendo possívelexpandi-la para atender à situação imprevisível na época em que foi elaborada. Énecessário encontrar-se uma técnica, escrevia ele em 1899, em Méthode d 'Interpré-tation et Sources en Droit Privé Positif, controlável, que possibilite, no caso de nãose encontrar na lei a solução, estabelecer cientificamente os elementos para formu-lá-la. Essa técnica foi por ele denomimada livre investigação cientifica do direito.Livre, por não estar submetida a nenhum texto legal ou a nenhuma fonte do direito ,e cientifica, por se fundar em critérios objetivos, fornecidos pelas ciências.Empregando-a, o intérprete, com o auxílio das ciências auxiliares do direito,iluminado pelo sentimento jurídico, pode encontrar na natureza das coisas oselementos para a formulação da norma para o caso não previsto pelo legislador.Contudo, o método de Gény só admite a interpretação criadora no caso de lacuna(§ 139), deixando nos demais casos intocável a lei, aplicável na forma prescritapelolegislador, mesmo quando injusta a sua aplicação ou mesmo quando, do ponto devista social, produza resultados condenáveis. Todavia, a lei não se destina a um corpo social moribundo, mas a umasociedade viva, em mobilidade, com épocas de crise, com épocas de estabilidade eoutras de desenvolvimento. Por isso, pela interpretação, deve-se, pensam outros,adaptar a velha lei aos novos tempos, sem, entretanto, abandoná-la. Saleilles foi odefensor desse ponto de vista na França, denominado método histórico-evolutivo.Método "cuja característica consiste em dar vida aos códigos", levando em contaas tradiç<*-*>es, o sistema vigente como um todo, os seus princípios e as exigências domomento de sua aplicação. Aplicando-o, o intérprete possibilita a interação entre a

1 O Autor, como desembargador, nos anos 70, teve ocasião de se antecipar ao legislador, interpre- tando um contrato, por tempo indeterminado, entre uma conhecida fábrica de automóveis e um de seus concessionários, como atípico, reconhecendo-lhe a natureza de concessão comercial, tipo contratual criado muito depois pelo legislador, não previsto, portando, nas leis quando do julgamento (Revista de Jurisprudêncin <*-*> TJERJ n"45, ps. 87-110). Eis aqui

um exemplo de lacuna da legislação.

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Introdução ao Estudo do Direito

lei e a realidade social, operando-se "incessante câmbio de aç<*-*>es e reaç<*-*>es,mediante o qual se realiza o processo jurídico; sem transformaç<*-*>es radicais,sembruscas mudanças, graças somente à jurisprudência, que, sem se sujeitar a um textoanacrônico, a mantém sempre viva'' (prólogo ao livro Méthode d'Interprétation ,cit., de Gény). Método, diz Saleilles, que, para atender ao objetivo dos negócios edas novas realidades, dá elasticidade às fórmulas, sem praticar arbitrariedade, comoocorre com o emprego do ` `método subjetivo''. Assim, a aparência do edifíciojurídico manter-se-ia a mesma; somente os "elementos que o comp<*-*>em seriamtomados do exterior, renovando-se sem cessar''. A jurisprudência francesa valeu-se largamente desse método, mantendo de péaté hoje, apesar de todas as transformaç<*-*>es sociais trazidas pela implantação dasociedade industrial, pela era eletrônica, e pelas crises oriundas das duas GuerrasMundiais, o Código de Napoleão, ou seja, o Código Civil francês, colocando neleteorias que só surgiram em épocas posteriores à sua promulgação, decorrentes dasgrandes transformaç<*-*>es socioeconômicas, como, por exemplo, a teoria da respon-sabilidade civil por riscos criados, tão importante quando crescem assustadoramenteacidentes de automóvel, acidentes do trabalho e ferroviários, bem como a revisãojudicial dos contratos (Teoria da Imprevisão), que abalou o princípio do ` `contratoé lei entre as partes'', e a teoria do abuso do direito, incompatíveis com o liberalismoe o individualismo jurídico que inspirou os redatores do referido código. Mudou ajurisprudência a filosofta, mas manteve de pé o edifício jurídico francês.2 Contudo, autores houve que foram além dessa solução. Sustentaram dever serabandonado o código quando injusta fosse a sua aplicação ao caso histórico. Ajustiçaacima da lei. Sacrificaram a certeza e a segurança do direito, determinadoras dacodificação, pela justiça. O povo, dizia Kantorowicz, um dos defensores dessemétodo, conhece o direito vivo, o direito que considera justo, inspirado, historica-

2 Entre nós, segundo a jurisprudência dos anos 80, o concubinato não gera direitos para os concubinos, salvo se configurar uma sociedade de fato, constituída pelo patrimônio comum, isto é, formado pelo esforço de ambos os concubinários. Sociedade cujo reconhecimento judicial é pretendido quando ocorre o rompimento dessa ` `entidade familiar''. Nesse caso, exige ajurispru- dência que o concubino, autor da ação, prove ter contribuído para a formação do patrimônio que se encontra em nome ou na posse do outro. Trata-se de construção jurisprudencial por não estar previsto na época o concubinato no Código Civil. O autor, como desembargador, nos anos 80, avançou mais admitindo a presunção de cooperação para o reconhecimento do direito à divisão patrimonial quando operários forem os concubinos. E, avançando assim sanou

lacuna de nossa ordemjurídica. Eis a ementa do acórdão: ` `Sociedade de fato. Na classe operária, urbana e rural há presunção relativa de esforço comum, que inocorre na classe média e na alta, em que depende de prova a contribuição dos concubinários'' (vide: Dicionário de Direito de Familia, do autor, ps. 872-873).<012>

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mente, nos ideais de justiça, e não o direito mumificado nas leis. Essa posição foidefendida pela escola do direito.livre (Freirecht) (§ 199). Der Kampf um dieRechtswissenchafi (A luta pela ciência do direito), <*-*> aparecido em 1906, de Kanto-rowicz, sob o pseudônimo de Gnaeus Flavius, contém o programa dessa escola. Énecessário, segundo essa doutrina, primeiro formular a norma para o caso segundoa justiça, depois, procurar o texto para fundamentá-la. À concepção clássica, diziaKantorowicz, do direito natural, empedrecida através dos séculos, dever-se-ia pre-ferir a do "direito livre", que, no século XX, representaria o "direito naturalrejuvenescido". Só a ciência do direito, e não o legislador, poderia encontrá-lo,motivo por que ela deve desempenhar papel criador, e não papel de copiadora servildos textos. A tarefa do juiz seria a de descobrir o direito, não nos textos, masnarealidade social. Ojuiz, acrescenta, em 1903, Ehrlich, outro defensor desse método,deve abandonar e ir contra a lei quando assim exigirem as circunstâncias do casonovo.' Descobrindo os interesses que em cada situação devem prevalecer, o juizestaria apto a encontrar a norma que atenda ao fim social do direito. Assim, de certaforma, pensavam também Philippe Heck e Riimelin (§ 199), defensores da chamada` `jurisprudência dos interesses'' (Interesenjurisprurlenz). A nosso ver, nem o método tradicional e nem o método revolucionário da` `escola do direito livre '' atendem aos valores e fins do direito : ajustiça ea segurançajurídica. O primeiro, porque sacrifica a justiça, mantendo vivo um direito morto,contrário aos ideais jurídicos dominantes e desajustado da realidade social, provo-cando a sua aplicação a condenação da sentença pela opinião pública, enquanto osegundo porque sacrifica a segurança em benefício dajustiça, deixando à mercê dasconcepç<*-*>es dojuiz e de seu modo de compreender os fatos históricos o direitoa seraplicado. A nosso ver, o direito é acima de tudo equilíbrio, equili'brio entre segurançae justiça. Em nosso Curso de Filosofia do Direito ( 1950) definimos o direito como

"La lucha por la ciencia del derecho" no volume La ciencia del derecho, Buenos Aires, Ed.Losada,1949, trad. de Werner Goldschmidt.No Brasil, principalmente no Rio Grande do Sul, vem sendo defendido o direito alternativo ouinsurgente, que; tendo em vista as circunstâncias do caso concreto, dá-Ihe decisão justa, mesmoque contrária à lei que prescrever solução incompatível com ajustiça. Juízes gaúchos defendem-no, citando-se, dentre muitas sentenças, a que considerou válida a doação feita

por homem casadoà sua amante, apesar de vedada pelo Código. Esse modo de entender o direito tem parentescopróz<*-*>mo com o pensamento de Kantorowicz e de Ehrlich: dájuridicidade àjustiça, na medida emque ela atende à realidade social e ao lado humano, sacrificando a certeza do direito, a segurançajurfdica e a legalidade. Eros Roberto Grau aponta o perigo desse modo de concebê-lo quedesemboca no "subjetivismo do juiz" ("Reflexão sobre o futuro do direito" in Revista doAdvogado, n" 36,1992, p. 35). A nosso ver. o ideal é o meio-termo (v. notas 1 e 3 deste capítuloe do seguinte). Consultar: Edmundo Lima de Arruda Jr.: "Direito Alternativo e CidadaniaOperária" (Liçôes de Direito Administrarii,o. S ão Paulo. Ed. Acadêinica, I 99 I).

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Introdução ao Estudo do Direito

a ` `realização da segurança com o mínimo sacrifício da Justiça'' (§ 202). Por isso ,achamos que o método histórico-evolutivo, que não dificulta as transformaç<*-*>esjurídicas e que não coloca o intérprete contra os códigos, é o método mais compatívelcom o equili<*-*>rio da segurança com a justiça. Como salientou certa vez H. Lévy-Bruhl, ` `suavizar o rigor das leis, com certa liberdade de interpretação, é a melhorsolução'' ( ` `Les sources. Les méthodes. Les instruments de travail'' em Introductionà I'Étude du Droit. (Vide nossa posição no § 138.)5

5 Exame das modernas tendências da doutrina jurfdica em matéria de interpretaçãoda lei pode ser encontrado no ensaio de Luigi Bagolini, publicado na Rivista Trimestrale di Diritto e Procedara Civlle (1974): "Fedeltà al diritto e interpretazione". L. Fenando Coelho, em Lógica Jurídica e lnterpretaçâo das I.eis, apresenta-nos a questão hermenêutica à luz da lógica modelna, divorciada da aristotélica.<012>

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INTERPRETAÇÃO DA LEI - ESPÉCIES E RESULTADOS

138. Interpretar a lei é determinar o seu sentido objetivo, prevendo as suasconseqüências. Toda lei tem de ser interpretada, mesmo quando clara, pois não écondição da interpretação ser ela obscura. Dessa forma, não procede o aforismo inclaris nonfit interpretatio, pois só interpretando-a poder-se-á saber se ela é clara.Pode-se dizer ser mais fácil a interpretação quando clara for a norma, mais difícil epenosa, quando obscura. ` `Sem a interpretação'', escreve Maggiore (Principi didiritto penale), ` `a lei, isolada em sua abstração e generalidade, seria letra morta. Ainterpretação dá vida à lei''. E, para dá-la, pode o intérprete proceder por

interessecientífico, para saber o que comanda a lei em si, ou, em virtude de função públicaque exerce, como procede o juiz, para determinar a vontade da lei em confronto como caso sub judice, ou, ainda, por interesse profissional como faz o advogado. Emqualquer um desses casos, indispensável é a interpretação. O objetivo da interpretação é, pois, estabelecer o sentido do texto legal. Mas,que sentido? A vontade do legislaalor ou a vontade da lei? Ao tentarem responderaessa questão, divergiram, como vimos no capítulo anterior, os juristas, defendendo uriso método dogmático-jurídico (Escola de Exegese), enquanto outros, o método históri-co-evolutivo (Escola Atualizadora do Direito), não faltando quem preferisse a livreinterpretação do direito (Escola do Direito Livre). A nosso ver, pensamos que a razão esteja com a ` `escola atualizadora'' : ainterpretação deve sempre modernizar a lei, porque a posição dogmática, presa àletra da lei, impede soluç<*-*>es jurídicas adequadas ao presente, enquanto a revolucio-nária cria a possibilidade da ditadura togada, isto é, o abuso do poder jurisdicional,criando o juiz o direito sob o manto da legalidade. Interpretar o direito é, a nosso ver, estabelecer o sentido atual da norma, não osentido retrógrado e nem aquele que de forma alguma poderia dela ser inferido, maso que se depreende do texto ajustado à realidade social. Para descobri-lo, o intérpretedeve pensar como homem de sua época, e não como homem do tempo em que a leifoi sancionada. Assim, o sentido da lei deve ser atual, e não retrógrado e nemrevolucionário.<012>

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Mas, o sentido atual da norma dado pelo intérprete tem de ser compativel com o texto interpretado e com o sistemajuridico. Portanto, a letra da lei interpretada e o sistemajurídico a que ela pertence limitam a liberdade do intérprete. Há um pontoem que o intérprete não pode ir além, sob pena de se afastar do direito constituído,para criar direito, a pretexto de interpretá-lo. Isto porque a norma tem potencialida-des literárias limitadas e esgotáveis. A atualização da lei tem limites. Para descobrir o sentido objetivo da lei, o intérprete procede por etapas,percorrendo o que se convencionou chamarfases ou momentos da interpretação. Aprimeira é a que parte da letra da lei, ou seja, a interpreta<*-*>ão gramatical ou literal,que, buscando o significado das palavras empregadas pelo legislador, não isolada-mente, mas em conexão lógica e sintática com as demais, dá prevalência ao sentidotécnico das mesmas sobre o usual. Portanto, interpretaÇão gramatical é a queestabelece o sentido objetivo da lei com base em sua letra. Mas, como as palavrasescondem ou revelam um signiflcado, não representado, na maioria das vezes, comfidelidade, o intérprete não pode se satisfazer com os resultados dessa interpretação,partindo então para a investigação da ratio legis, ou melhor, do fim perseguido pelalei, de modo a que, em função dele, possa estabelecer exatamente o sentidodecorrente da ` `letra da lei ''. Tal fase é denominada de interpretação lógica.Destarte, interpretação lógica é a investiga<*-*>ão dofcm ou da razão de ser da

lei paralhe dar o seu real sentido. Como a norma interpretada faz parte de um sistema denormas integradas, denominado ordenamentojuridico, o intérprete deverá confron-tar o resultado obtido com a interpretação lógica, com o conhecimento que tem dosistema como um todo, principalmente com as do instituto jurídico a que elapertence, de modo a que o sentido inicialmente apurado seja compatível com sistemajurídico. Essa fase é conhecida por interpretação sistemática. É a adaptação dosentido de uma lei ao espirito do sistema. Para descobrir o sentido da mens legis, o intérprete muitas vezes se socorre doelemento histórico, verificando as raz<*-*>es históricas (occasio legis) determinadorasda lei (fontes: jornais, periódicos, revistas jurídicas da época da elaboração legisla-tiva). Eis a interpretação histórica, fundada em documentos históricos do direito.Muitas vezes nessa interpretação são usados os chamados trabalhospreparatórios,isto é, projetos de lei, debates nas comiss<*-*>es técnicas das assembléias legislativas eno plenário das mesmas, pareceres, emendas e justificaç<*-*>es dos mesmos. Essestrabalhos não têm força de lei. Não são essenciais, pois a lei, a partir do momentoem que é promulgada e publicada, torna-se independente do pensamento de seuautor. Podem auxiliar o intérprete, sem, entretanto, esclarecê-lo definitivamente. Comoensina Ferraca, valem como subsídio, não como fonte autêntica da vontade da lei. A interpretação histórica pode ser completada com a interpretação sociológi-ca, pela qual o intérprete, estudando os fatores sociais determinantes da norma e osefeitos sociais que poderão decorrer de sua aplicação, descobre o sentido que

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Introdução ao Estudo do Direito

socialmente Ihe corresponde, isto é, o sentido social da iei. Estabelecido, na medidado possível, deve adaptá-lo à realidade social. Entende-se, pois, por interpretaçãosociológica a investigação das raz<*-*>es sociais motivadoras da lei, de seus efeitossociais e de seu sentido atual. Nessa difícil investigação, o intérprete nem sempre chega a resultados seme-lhantes aos obtidos com a interpretação gramatical. Pode concluir ser a ratio legismais ampla do que a fórmula empregada pelo legislador, por ter este dito menos quequeria (minus scripsit quam voluit), tornando-se, então, necessário ampliá-la, de modoa restabelecer sua correspondência com o sentido da lei. Essa é a interpretaçãoextensiva, que consiste em ampliara incompletafórmula legislativa. Todavia, podechegar a resultado diverso, verificando que a fórmula da lei é mais ampla do quearatio legis, tendo o legislador dito mais do que queria (plus scripsit quam voluit),restringindo-a, então, de modo a manter a sua correspondência com o sentido da lei.Eis aí a interpretaÇão restritiva que restringe o alcance da fórmula ampla da lei.Finalmente, pode chegar ao mesmo resultado da interpretação gramatical, con-cluindo corresponder a fórmula legal à ratio legis. Nesse caso, diz-se ser ainterpretação declarativa. Nessa interpretação, o resultadofinal da exegese dotexto corresponde ao sentido inicialmente evidente. É, pois, aquela em que afórmulaclara da lei torna evidente o seu sentido completo. Do exposto, é fácil concluir que o resultado final da interpretação pode corrigiro sentido da norma inicialmente encontrado. Quando tal ocorrer, a interpretação

denomina-se corretiva: corrige, amplia, restringe ou modifica o sentido da normaalcançado inicialmente. Portanto, quanto ao resultado, a interpretação pode ser éxtensiva, restritiva,declarativa e corretiva. A interpretação varia emfunção dafonte de que provém. Autêntica, se dac<*-*>apelo próprio legislador através de lei. É a estabelecida por norma jurídica (lei,regulamento, decreto-lei, tratado etc.), tendo por objeto norma anterior obscura.Essa interpretação importa a retroatividade da lei que a estabelece, sendo obrigatóriada data em que entrou em vigor a lei interpretada pelo legislador. Jurisprudencialoujudicial, a que se encontra nas decis<*-*>esjudiciais, nas sentenças, nos acórdãos dostribunais. É, pois, a estabelecida pelajurisprudência. É a mais importante, porqueé por ela que se orientam os advogados e se esclarecem os juízes em suas dificuldadesao julgar. Declara o direito vivo. Os juristas norte-americanos dão importância tal aessa interpretação, que Oliver Wendell Holmes, antigo juiz da Corte Suprema dosEstados Unidos, considerou o direito uma profecia de como decidirão os tribunais.Entre nós, o Supremo Tribunal Federal baixou súmula de sua jurisprudência predo-minante, "publicada, oficialmente", como Anexo de seu Regimento, cujos arestosnela contidos, numerados, representam uma profecia de como serão decididasquest<*-*>es semelhantes. Assim, em função dela, pode-se fazer uma profecia de como<012>

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o Supremo decidirá um caso semelhante. Analogamente, após 1988, o SuperiorTribunal de Justiça. Ainda dentro desse ângulo, temos a interpretação administrativa, estabelecidapelos órgãos da Administração. De certa forma, despachos, decis<*-*>es, circulares ,portarias, instruç<*-*>es ou regulamentos das autoridades administrativas contêmainterpretação que elas dão à lei ou ao regulamento. Quando constantes, formam ajurisprudência administrativa. Essa interpretação não tem a força da anterior, umavez que pode não ser acolhida pelos tribunais, que, quando provocados pela parteinteressada, dão a última palavra, acolhendo-a ou seguindo outra linha de pensamen-to. Mas a força da decisão judicial só alcança o caso julgado, não impedindo queaAdministração Pública continue a observar a sua jurisprudência. Temos, ainda, em função da fonte que provém, interpretação doutrinal, dadapelos doutos (juristas, jurisconsultos). Entende-se por interpretação doutrinal adada pelosjuristas, em suas obras, com espirito ccentifico. Não tem ela força delei,apesar de os tribunais, em regra, respeitarem-na. Assim, em função da fonte de que provém, a interpretação pode ser: legislativa,jurisprudencial, administrativa e doutrinal. ' Se o intérprete, através da interpretação sistemática, descobrir incompatibili-dade entre a norma, objeto de interpretação, e outras do mesmo sistema jurídico,deverá, primeiro, determinar a posição hierárquica de cada uma delas no sistema ,para, depois, com o emprego da interpretação ` `abrogans '' ou revogatória, negareficácia à norma hierarquicamente inferior, deixando, assim, de aplicá-la ao caso

concreto. A interpretação ' `abrogans '' ou revogatória é, pois, a que nega eficáciaà norma que estiver em conflito com norma hcerarquicamente superior. Não arevoga portanto, pois só lhe retira a eficácia, não a aplicando o juiz ao caso concreto. Falta referência à interpretação institucional, estabelecida em função dafinalidade das instituiç<*-*>es sociais disciplinadas pela lei, como, por exemplo, afamilia, a propriedade etc., e à interpreta<*-*>ão normativa, com força de lei, estabele-cida nos Estados Unidos pelos precedentes judiciais e, entre nós, pelas Súmulas doSupremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Finalmente, interpretação razoável, que foi muito empregada pelo SupremoTribunal Federal, e que, afastando-se da letra da lei, dá solução conveniente paradeterminado caso, sem ferir flagrantemente a Constituição e sem brigar com oespírito da norma interpretada no qual pode ser enquadrado o entendimento dointérprete.

1 Interpretaçãoprévia é a estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal tendo por objeto lei federal, independente de litígio. Assim, é interpretação judicial dada sem ser em ação pendente de decisão. É p<*-*>vocada pelo Procurador-Geral da República. Enunciada, com força de lei, tendo os mesmos efe_tos da lei interpretativa.

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LACUNAS DO DIREITO - ANALOGIA E PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO - CRIAÇÃO DO DIREITO

139. Pode ocorrer que o caso submetido ao juiz não seja previsto em nenhum textolegal. Assim, por exemplo, na França, no fim do século passado, prescrevendo o art.1.382 do Código Civil francês a responsabilidade civil fundada na culpa provadapelo lesado, muitos acidentes de trabalho ficaram, antes da lei de 9 de abril de1898,sem reparação, por não poder o operário acidentado provar a culpa do patrão. O quefez a jurisprudência francesa? Decidiu pela responsabilidade do patrão, salvo sefosse por este provada culpa exclusiva do empregado. Vemos aí um caso em que alei, anterior a fatos criados pela industrialização, não dava solução para inúmerosacidentes deixando a parte economicamente mais fraca desamparada, quase semprecom sua capacidade de trabalho reduzida para toda a vida, quando permanente alesão. Ajurisprudência encontrou a solução, invertendo o ônus da prova. A revisãojudicial dos contratos leoninos, não prevista no nosso Código Civil de 1917, foipeloSupremo Tribunal Federal admitida ao tempo da Segunda Guerra Mundial. Assim,nem sempre o código ou a lei oferece ao juiz solução jurídica para ocaso subjudice. Quando tal ocorre, diz-se haver lacuna. O problema da lacuna é, na verdade, um problema. Muitos autores negam-na.A lacuna, dizem eles, é da lei, dos códigos (lacuna formal), não do direito (lacunamaterial). Brunetti' defende esta tese. No direito, há sempre solução para qualquercaso, pensaram os que a defendem, enquanto outros admitem ser isso ficção, porter o direito lacunas. O Código Civil suíço, de 1912, ao contrário dos demais, aadmitiu expressamente, ao prescrever: "nos casos não previstos, o juiz decidirásegundo o costume e, na falta deste, conforme as normas que estabeleceria selegislador fosse, inspirado na doutrina e na jurisprudência dominante''. Huber,

1 Tem Brunetti vários ensaios sobre a lacuna do direito, republicados em ScrittiGiuridici Varii (1915-25). O último, ` `In margine alla questione della completezza dell' ordinamento giuridico'', não se encontra nesses Scritti, mas na Rivista Internazionale di Filosofia delDiritto (1926).<012>

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idealizador dessa solução, estava sob a influência da libre recherche scientifiqae deGény (Méthode d'interprétation et sources en droit privé positi<*-*>. Mas outroscódigos, como o nosso ou os italianos de 1865 e de 1942, não dão essa margem dearbítrio ao juiz, mandando-o, primeiro, pela ` `analogia'', depois pelos costumes e, por fim, pelos ` `princípios gerais do direito' ', decidir o caso não previsto. Assim, o legislador suíço admitiu a lacuna do direito, enquanto o nosso, que seguiu o modelo italiano, somente a da lei, e não a do direito. Há, portanto, os que dizem sercompletoo ordenamento jurídico, apesar de incompletos a lei e os códigos, enquanto outrospreferem confessar a imperfeição do direito legislado. O legislador, dizem estesúltimos, não pode tudo prever, principalmente quando legisla em épocas de grandestransformaç<*-*>es, como a dos anos quatorze, enquanto outros pensam que na letra dalei pode não ser encontrada a solução para casos novos, solucionados pelos princí-pios gerais do direito. Estes, defendendo a ` `plenitude logicamente necessária dodireito'' (logische Geschlossenheit des Rechts), aconselham os juízes a se esforça-rem para encontrar a solução oculta nas normas, enquanto os que admitem serincompleto o ordenamento jurídico, dão liberdade ao juiz para decidir o caso nãoprevisto segundo a eqiiidade, a natureza das coisas, ajustiça, os princípios do direitoacolhidos pelos povos cultos ou a doutrina dominante. Aqueles pensam que o juiz,no silêncio da lei, possa encontrar um princípio servindo-se dos meios indicadospelo legislador ou pela hermenêutica. Zitelmann,z seguido depois por Donati (Ilproblema delle lacune dell'ordinamento giuridico), sustenta haver no ordenamentojurídico uma norma geral, implícita e complementar, que considera lícito o que nãoforproibido. Igualmente, Kelsen (Teoria Pura do Direito, trad.): inexistem lacunasno direito, por ser, segundo ele, permitido o que não for proibido. No mesmosentido, Cossio (La plenitud del ordenamiento juridico). Os que pensam poder ser sanada a lacuna do direito com os próprios princípiosdo direito, ou seja, os que negam a existência de lacuna e sustentam ser completo osistema jurídico, servem-se do método de auto-integração do ordenamento jurídico,enquanto os que admitem existir lacunas insanáveis com os referidos princípios, usamo método de heterointegraç<*-*>ão, ou seja, servem-se de elementos estranhos ao sistema(eqüidade, natureza das coisas, justiça etc.) para saná-las. A nosso ver, o direito tem lacunas. Há lacunas da lei, dos códigos, da doutrina,da jurisprudência e do próprio direito, porque não contém, muitas vezes, soluçãopara casos imprevisíveis na época em que foram promulgados (leis e códigos), comoos que <*-*>.itamos, que datam do final do século passado, ocorridos na França, cuja

solução adotada pelos tribunais franceses não se encontrava no Code Civil.

2 "Las lagunas del derecho", no volume La Ciencia del Derecho. Buenos Aires, Editorial Losada S.A,1949, tradução de Carlos Posada.

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- Introdução ao Est<*-*>do do Direito

Mas, como proceder o juiz no caso de lacuna? Primeiro, servindo-se doprocesso de auto-integração ou de expansão do ordenamento jurídico, isto é, daanalogia. Processo aplicável a qualquer campo do direito, menos no direito penalnos países que acolhem o principio de legalidade: não há crime ou pena sem leipenal que expressa e previamente o preveja. Feita essa ressalva, pode-se dizer quepela analogia muitos casos não previstos pelo legislador podem ser resolvidos, desdeque o intérprete encontre no sistema jurídico, ou seja, no ordenamento jurídico,hipótese semelhante à subjudice. É, pois, a analogia processo de aplicação de umprincipiojuridico estatuido para determinado caso a outro que, apesar de não serigual, é semelhante ao previsto pelo legislador, ou, mais singelamente, extensãodotratamento juridico, previsto expressamente na lei para determinado caso, a umsemelhante, não previsto. Há, segundo a doutrina, duas formas de analogia: analogialegis e analogia jurcs. A primeira quando tomamos por base um caso similar,enquanto a segunda, matéria análoga. Alguns juristas, principalmente os alemães,em virtude, talvez, de o Código Civil alemão não prever o recurso aos princípiosgerais do direito, e, entre os italianos, Ferrara, tem considerado a analogia juriscomo sinônimo de princípios gerais do direito. O próprio Ferrara (Trattato di dirittocivile italiano) modificou posteriormente essa opinião, reconhecendo existirem duasespécies de princípios: os princípios estruturadores das disposiç<*-*>es singularesaplicáveis pela analogia juris e os não-escritos, que representam o espírito doordenamentojurídico, norteadores da obra legislativa e que são os princípios geraisdo ordenamento jurídico (Ferrara, Principi generali dell'ordinamento giuridico,1943). Binding nega ser acadêmica essa distinção. A analogia é uma só. Não seconfunde com os princípios gerais do direito, porque o próprio legislador os indicacomo distintos e porque a aplicação dos princípios sup<*-*>e não haver norma algumaaplicável ao caso, enquanto a analogia pressup<*-*>e haver norma que preveja hipótesesemelhante ao caso não previsto. Mas nem sempre pode ser encontrada norma reguladora de caso semelhante.Não existindo, segundo nosso direito e nossa doutrina, o juiz deverá decidir o casopelos principios gerais do direito. Como entendê-los? Há grande divergência entreos autores a respeito da natureza desses princípios. Assim, segundo uns, são os dodireito natural, formulados pela razão (Del Vecchio); os da eqüidade (Osilia,Maggiore); os acolhidos pelos povos cultos; os estabelecidos pela jurisprudência(Pacchioni); os do direito romano (ou os do direito comum) e, por fim, segundo aopinião tradicional, os que informam o direito positivo, descobertos através deprocesso lógico de abstração e generalização progressiva partindo das singularesnormas do direito positivo. Procede, em parte, esse procedimento porque, o direito positivo é norteado porprincípios gerais que lhe dão unidade. São os princípios que nortearam o legislador.A esses princípios deve recorrer o intérprete no caso de lacuna insanável por<012>

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analogia. Como descobri-los? Partindo das singulares normas particulares expressasna Constituição, nos códigos e na legislação vigente para deles deduzir os princípiosque, não escritos, lhes informam e lhes dão unidade? Tarefa impraticável, basta pensar em um de nossos códigos, o Código Civil, de 1917, por exemplo, composto de mais de mil artigos, para comprovar a impraticabilidade do emprego desse método. A solução, a nosso ver, só será alcançada após estudo completo do direito positivo, compreendendo doutrina e legislação, do qual resultará uma idéia dos princípios generalíssimos do direito, comuns ao direito privado e ao direito público, como, por exemplo, é o caso do princípio pacta sunt servanda (cumpram-se ospactos) comum ao direito dos contratos e ao direito internacional. Princípios novose princípios antigos, uns resultantes das exigências políticas e histórico-sociais dopresente, outros de longa história, vindo uns do direito romano, outros do direitoportuguês e até do direito canônico. Como vemos tarefa mais fácil para o juristaejuiz culto. Mas os citados princípios, considerados pela legislação e doutrina ocidentaiscomo a última fonte do direito, muitas vezes não dão solução ao caso não previstopelo legislador por terem potencialidades normativas limitadas, podendo ter, pois,lacunas. Apesar da grande generalidade e elasticidade desses princípios, têm poten-cialidade expansiva limitada, tendo, assim, ponto de saturação, sendo, como são asobras humanas, limitados. Têm, portanto, lacunas, não podendo, muitas vezes,regular o caso não previsto, por maior que seja a ginástica intelectual feita pelointérprete para enquadrá-lo nesses princípios. Com muitajusteza disse Maggiore(Sui principi generali del diritto) não poder ser encontrado, por maior que fosse aacrobacia de abstração feita pelo intérprete, "no ordenamento jurídico feudal oprincípio para resolver uma situação jurídica que só pode nascer em uma concepçãosocialista da vida". Quando isso ocorrer, pode-se dizer haver lacuna material no direito positivo,não havendo no direito vigente elementos para regular o caso não previsto. Nesse momento, o intérprete será obrigado a se entregar à livre investigaçãodo direito, ou seja, a encontrar a norma para solucionar o caso não previsto, comauxilio do método de heterointegração, isto é, com auxilio de elementos estranhosao direito positivo (eqiiidade, justiça, interesses, raz<*-*>es sociais, doutrina nacional eestrangeira etc.), desde que compatíveis com os princípios gerais do direito. Nessa investigação socorrer-se-á, primeiro, dos princípiosjurídicos dos povoscultos, úem como daqueles extraídos da doutrina nacional e da estrangeira, nãoqualquer uma, mas a de jutistas conceituados. Depois, indagará os princípios geraisque estruturam o direito da cultura em que o sistema jurídico lacunoso estejaintegrado. Em nosso caso, os princípios gerais do direito europeu, que vêm sendoestabelecidos desde os tempos da jurisprudência romana e da filosofia grega. Porfim, entregar-se-á à livre interpretação do direito, levando em conta as ciências afins

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Introdução ao Estudo do Direito

ao direito, a realidade social, o ideal jurídico dominante, os costumes, a eqüidade eas tradiç<*-*>es. Deverá sempre ter em vista a ordem pública, os bons costumes eoequilíbrio dos interesses em contlito. Nesse caso, o intérprete antecipa-se ao legis-lador, agindo como se legislador fosse, ditando a normajusta, oportuna, para o casonão previsto, considerando não só os ensinamentos das ciências afins ao direito,como também a doutrina autorizada nacional e estrangeira,3 a jurisprudênciadominante, as tradiç<*-*>es, os costumes, o direito comparado e a "natureza das coisas".Procedendo assim, observando tais critérios, agirá de forma científ'ica, objetiva econtrolável. Esse modo de proceder pode ser rotulado de revelação científca do direito,que, de certa forma, se assemelha à "livre investigação científtca do direito", propug-nada por Gény. Investigação "livre, toda vez que o intérprete se subtrai à ação própriade uma autoridade positiva", ou seja, das fontes formais do direito; "investigaçãocientífica, porque encontra as suas bases sólidas nos elementos objetivos que sóaciência pode revelar", como ressalta Gény. E assim deve ser, porque "o legisladore o juiz são", como nota Cornil (Le droit privé. Essai de sociologie juridiquesimplifiée), "dois órgãos de expressão do direito, cada um cumprindo uma funçãosalutar: a do legislador, satisfazer à exigência de estabilidade das relaç<*-*>es sociais, ea do juiz, à necessidade não menos imperiosa de mobilidade das relaç<*-*>es sociais".Por isso, foi sábio o legislador suíço quando, no art. 1" de seu Código Civil ,prescreveu dever o juiz, no caso de lacuna, aplicar a "regra que ele ditaria se tivessede agir como legislador", observando as soluç<*-*>es consagradas pela doutrina epelajurisprudência.4

Vide nota 1 (§ 137), em que o autor para julgar se informou na doutrina francesa.Exemplo de, em caso de lacuna, o juiz proceder como se legislador fosse demos nanota <*-*>" 1 (§137), tirada de nossa atividadejurisdicional como desembargador, em que concedemos, nos anos70, indenização a uma concessionária pela rescisão unilateral e abrupta de contrato, por tempoindeterminado, por parte de conhecida fábrica de automóveis. Outros exemplos, extraídos denossas decis<*-*>es, podem ser encontrados no nosso Dicionário de Direito de Familia, nos verbetes` `Concubinato'' e ` `Sociedade de Fato'' (vide também nota 2, § 137).<012>

XXV

.EFICACIA DA LEI NO TEMPO - REVOGAÇÃO DA LEI-DESUSO - RETROATIVIDADE E IRRETROATIVIDADE

140. REVOGAÇÃO DA LEI

A normajurídica tem eficácia limitada no tempo, tendo, pois, princípio e im. O tempo em que impera a normajurídica denomina-se vigência, que pode serpreviamente delimitado pelo legislador; geralmente, não o é. Assim, em certos casos, pode o legislador limitar o tempo da vigência, e,portanto, da eficácia da lei, quer estabelecendo termo fixo, isto é, data em quecessaa sua eficácia, quer condicionando-a a um fato ou a acontecimento futuro, ou, ainda,subordinando-a a uma situação provisória. Nesses casos, a lei tem vigência e, conseqizentemente, eficácia temporária, portempo determinado, estabelecido pelo próprio legislador. Além dessas hipóteses, a lei tem vigência, portanto eficácia, indef'mida, até queoutra lei a revogue, ou então, até que outra lei com ela seja incompatível. Na últimahipótese, quando a lei nova for incompatível com lei anterior. Nesse caso, aincómpatibilidade pode ser total ou parcial. Sendo total, há a ab-rogação da lei. Masse parcial, derrogação da lei, f'icando derrogada somente na parte em que forinconciliável com a nova norma. Assim, ab-rogação é a revogação integral de amalei anterior por uma posterior, enquanto derrogação, a revogação parcial de umalei por outra. Tanto a ab-rogação como a derrogação podem ser cmplicita ou expressa. Expressa,quando a lei nova expressamente ab-roga ou derroga lei anterior. Implícita, ou tácita,quando o preceito da nova lei é incompatível, no todo ou em parte, com lei anterior.Nesse caso deve-se indagar, para estabelecer o alcance da nova lei, a natureza deambas. Se a lei nova for norma geral (§ 58), revoga lei anterior da mesmanatureza. Mas, se for norma especial (§ 58), não revoga lei geral anterior, salvo naparte em que disciplinar de forma diversa matéria anteriormente regulada por ela(speciali generalibus derogant). Entretanto, se a uma lei especial sucede uma leigeral, coexistirão ambas, porque lexposteriorgeneralis non derogatpriori speciali,por disciplinarem matérias diversas, salvo se a lei geral nova expressamente revogar<012>

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lei especial anterior. Todavia, nova Constituição revoga integralmente Constituiçãoanterior, mesmo que tenha partes compatíveis com a nova, bem como, implícita outacitamente, revoga todas as leis com ela incompatíveis. A ab-rogação ou a derrogação de uma lei, juntamente com o prescrito nas novasnormas, alteram a ordem jurídica. Para que a reforma da legislação alcance a suafinalidade e para evitar mudança brusca de tratamento jurídico, é comum seremacompanhadas as novas leis de regras que estabelecem tratamento jurídico provisório,destinadas a adaptar a elas a vida social. São as disposiç<*-*>es transitórias criadoras deregime jurídico diverso não só do estabelecido na legislação anterior, como tambémdaquele oriundo da nova lei, sendo, assim, terceiro regime legislativo ou juridico. Além desses casos, uma lei pode ter sua vigência suspensa, temporariamente,

por outra lei. Nessa hipótese, não existe derrogação nem ab-rogação, mas sósuspensão temporária da eftcácia de uma lei, por motivos de utilidade social. Sãoos casos, por exemplo, das leis moratórias e das anistias. Quanto ao costume, desaparece com o desuso, isto é, com a inobservância pelostribunais de uma jurisprudência tradicional, ou quando inobservado na praça ou nomercado. Pode ser também derrogado pelo aparecimento de novo costume incom-patível com o antigo ou pela própria lei.

141. DESUSO DA LEI Houve tempo em que se discutia a possibilidade do desuso, isto é, da revogaçãotácitada lei pela sua não-aplicação pela Administração Pública ou pelos Tribunais,por tempo razoável. Beudent (Cours de droit civilfrançais), em 1896, enfrentouessa questão, tendo a seu lado Portalis, ao sustentar no século passado: ` `algumasvezes as leis são ab-rogadas por outras leis, outras vezes o são pelos simplescostumes''. Cruet, em 1918, em sua obra La vie du droit et 1 'impuissance deslois, defendeu tese semelhante. Não falta em nossa época quem a defenda, como,por exemplo, o jurista francês Bonnecase. A nosso ver, o costume, ou melhor, odesuso, não revoga a lei. A lei "arquivada", por motivo de utilidade social, pelosefeitos sociais prejudiciais que produz, pela iniqiiidade que representa em facedenovas aspiraç<*-*>es jurídicas ou por outros motivos de ordem prática, continua a serlei, podendo ser, enquanto não revogada, aplicada pelojuiz, não podendo a parte seinsurgir contra tal aplicação, alegando ser lei, em desuso, sem e icácia.

142. RETROATIVnlADE E IRRETROATIVIDADE A substituição parcial ou total de uma lei por outra cria o problema da ,retroatividade das leis. Entende-se por retroatividade a incidência dos efeitosjuridicos da lei nova sobrefatos ou atos ocorridos anteriormente a ela. Discute-se,então, se a nova lei é aplicável às situaç<*-*>es jurídicas constituídas sob o império dalei anterior. Portanto, o problema da retroatividade ou da irretroatividade das leis só

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Introdução ao Estudo do Direito

surge quando há para a mesma situação jurídica duas leis incompatíveis entre si:adetrogada e a nova. Alguns juristas, considerando que a nova lei atende mais asatuais necessidades sociais, defendem o princípio da retroaçãodas leis. Mas aretroatividade das leis, como princípio absoluto, coloca em risco a segurançajurídica, ameaçando permanentemente as garantias individuais, os negócios jurídi-cos, a própria ordem social e os interesses públicos, sendo motivo de incerteza paraas relaç<*-*>es jurídicas. A retroatividade assim entendida impede a certeza do direito.Admitir-se, escreve Bonnecase (Introdución al Estudio del Derecho, trad.) que a leinova possa ` `modificar todo um passado jurídico regularmente estabelecido" seriatransformá-la em "instrumento de opressão e de anarquia''. Por isso, há limites aosefeitos da nova lei. ` `Se não fosse assim'', diz Josserand (Derecho civil, trad.), ` `astransaç<*-*>es estariam ameaçadas de destruição e a vida jurídica careceria de seguran-ça, ficando amiinada a autoridade da lei mesma''.Há, pois, limites à retroação da lei.

Assim, no campo do direitopenal, em que predomina o princípio da legalidade,que exige a anterioridade da lei penal ao crime, não é possível a retroatividadedalei penal nova, salvo quando for mais favorável ao criminoso.

No direito processual é possível a retroatividade das leis. Entretanto, a regra é a da retroatividade. A lei, a partir do momento em queentra em vigor, tem eficácia, atingindo todas as situaç<*-*>es jurídicas nela previstas.O individualismo levou o legislador francês de 1804, no Code Civil, em seu art.2o, a estabelecer: ` `a lei só disp<*-*>e para o futuro, não tem efeitos retroativos''. Esseprincípio não domina de forma absoluta no direito moderno. Mas, para proteger asegurança dos negócios jurídicos e a segurança individual, nos países ocidentaissãoadmitidos pela lei, pela doutrina e peia jurisprudência limites à retroatividadedagleis. Quais são esses obstáculos? O "direito adquirido", o "atojurídico perfeito"e a "coisajulgada". Foi Lassale (Théorie systematique des droits acquis, trad.) queminicialmente formulou o conceito de "direito adquirido". Mas foi Gabba (Teoriadella retroattività delle leggi) quem precisou a noção do mesmo definindo-o comoo que integra o patrimônio de uma pessoa, por força de lei, ou de fato voluntárioverificado na vigência da lei derrogada, cujos efeitos produzem-se ainda no futuro,apesar de a lei que o rege estiver revogada. Pela teoria de Gabba, só são protegidosos direitos adquiridos de conteúdo patrimonial. Mas a teoria de Gabba, muito simples e clara, foi aos poucos criando sériosproblemas, em face da dificuldade de se precisar, em cada caso, o direito adquirido. Modernamente, a opinião dominante restringe os direitos adquiridos aos direitospatrimoniais, de natureza privada, que fazem parte do patrimônio de uma pessoa, e quepara ela tenha utilidade razoável. Estão, assim, excluídas da noção de direito adquiridoas expectativas de direitos, os direitos públicos e as faculdades jurídicas.<012>

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Procurando fugir às dificuldades criadas pela noção de direito adquirido,alguns juristas preferiram substituí-la pela de ` `fato perfeito''. Nesse sentido, a novalei não deve regular os fatos ocorridos na vigência da lei abolida. A teoria dos fatos consumados parte, portanto, do princípio de que todo fatojurídicoocorrido na vigência de uma lei será por ela regido, mesmo no caso de ela vir a serrevogada e de, conseqüentemente, produzirem-se os seus efeitos sob o império deoutra lei. Pela teoria dos fatos consumados, que tem a vantagem de prescindir daindagação sobre a existência de direito adquirido, não se aplica o princípio dairretroatividade às expectativas de direito, às qualidades jurídicas, à capacidade,ao estado pessoal, por não serem fatos jurídicos. Como se vê, essa teoria nada maisé do que desenvolvimento da teoria dos direitos adquiridos, porque todo fatojurídico,ocorrido no império de uma lei, importa na aquisição de um direito para uma pessoa(titular), só tendo essa teoria a vantagem de prescindir a verificação, em cada caso,de haver direito adquirido. Dessa teoria surgiu o segundo limite à retroatividade das leis: o atojuridico

perfeito, ou seja, o consumado segundo a lei vigente ao tempo em que foi celebrado. Roubier (Le droit transitoire), repensando essa complexa questão, distingue oefeito retroativo do efeito imediato da lei. Para ele, a lei não deve retroagir alcan-çando o fato consumado sob a vigência da lei anterior. Quanto aos atos jurídicoscelebrados durante a vigência da lei revogada, que continuam a produzir efeitos navigência da nova lei, distingue Roubier os efeitos decorridos dos efeitos a seremproduzidos depois da revogação da lei. Segundo Roubier, os efeitos produzidos navigência da lei anterior são intocáveis pela nova lei (irretroatividade); já os efeitosque ocorrerão na vigência da nova lei são por ela regulados (efeito imediato da lei).Assim, não alcança os efeitos já produzidos sob o império da lei antiga. Quando,segundo a lei anterior, a situação jurídica é perfeita, não pode ser atingida pela novalei, sob pena de lhe ser dado efeito retroativo. Mas, se ao ser revogada a lei asituaçãonão se tiver completado, será alcançada pela lei nova. Defende, pois, Roubier oprincípio daaplicação imediata da lei. Esse princípio aplica-se ao direito processual.A lei processual nova rege os processos em curso, iniciados sob o império da leirevogada (anterior). Finalmente, a última barreira à aplicação retroativa da lei é a coisajulgada, ouseja, a sentença de que não cabe mais recurso, que não pode ser mais modificada,cuja questão por ela decidida não pode ser renovada em juízo. Nesse caso, não émodific<*-*>vel pela lei nova. Eis os limites à retroatividade das leis. Assim, a regra, como dissemos, é a da retroatividade das leis, limitada peloprincipio da irretroatividade, que determina só dispor a lei para o futuro, não sendoaplicável ao passado, nos casos acima indicados, ou seja, quando houver direitoadquirido, atojurídico perfeito ou coisajulgada.

XXVI

.EFICACIA DA LEI NO ESPAÇO - PRINCÍPIO DO DOMICÍLIO E DA NACIONALIDADE- TEORIA DOS ESTATUTOS - APLICAÇÃODO DIREITO ESTRANGEIRO

143. Em regra, o direito nacional tem eficácia em todo o território do país, pois aeficácia extraterritorial das leis depende de outro país admiti-la, seja por lei, seja porforça de tratado internacional. ' Assim, toda lei tem seu espaço geográfico de vigênciae de eficácia. Há, muitas vezes, tanto no interior do Estado como nas relaç<*-*>esinternacionais, para determinadas situaç<*-*>es, mais de uma lei aplicável, estabelecidapor entidades políticas diferentes. Assim, por exemplo, no Estado de tipo federativo,como é o caso do Brasil, temos competências legislativa federal e estadual defmidaspela Constituição federal. Há, assim, leisfederais, cujo âmbito espacial de vigênciacoincide com todo o território nacional, e leis estaduais, que vigem somente noterritório do Estado-membro (por exemplo, São Paulo, Rio de Janeiro etc.) que aspromulgar. Entre lei federal e lei estadual não há, em regra, possibilidade jurídico-constitucional de choque, mas entre leis estaduais há. Se no interior do Estado

de'tipo federativo ocorrer conflito de leis federais e estaduais, resolve-se pela preemi-nência da lei federal, desde que o legislador federal não tenha excedido a esfera decompetência que lhe for traçada pela Constituição federal. Porém, se invadir campode competência da legislação estadual, previsto na citada Constituição, deve preva-lecer a lei estadual, por respeito ao princípio da autonomia legislativa dos Estados-membros dominante no sistema federativo. Já o conflito, no sistema federativo, entre

Após a queda do Muro de Berlim, do esfacelamento da URSS e da Guerra do Golfo, os EstadosUnidos, tornando-se a maior potência econômica e militar do mundo, pretendeu ditar leis, emmatéria de contrato, para todos os países (eficácia extraterritorial da lei). É o caso da l.eiHelms-Burton (julho 1996) que prevê sanç<*-*>es econômicas aplicáveis a empresasestrangeiras, comfiliais nos USA, que se instalarem em C<*-*>ba, e da Lei D 'Amato-Kennedy (agosto 1996) que, nas mesmascondiç<*-*>es, explorarem petróleo ou gás no Irã e na Lbia A União Eu<*-*>opéia reagiu, ameaçando revidar,e o Brasil condenou essas leis por afrontar os princípios do Direito Intemacional.<012>

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leis de dois ou mais Estados-membros, isto é, entre leis estaduais, depende do lugarem que a coisa se achar ou em que o ato for celebrado. No espaço geográfico podemos ter ainda conflito entre lei (norma estatal) enorma estabelecida por tratado internacional, incorporado ao direito nacional, como,por exemplo, em matéria de cheque, ou entre direito interoo e norma editada pororganizaç<*-*>es internacionais, como, por exemplo, em matéria de propriedade indus-trial. Nesse caso, só prevalece a norma internacional sobre a de direito internosetiver sido por ato do Legislativo a este incorporada. No que concerne aos conflitos mais complexos entre normas de direito privadoestrangeiro, ou seja, entre lei nacional e lei estrangeira, aplicáveis no caso de teremas partes nacionalidades diferentes, de terem seus domicílios em países diferentesou de encontrar-se a coisa em país diverso daquele em que as partes se encontramou em que ajuizaram a ação para havê-la ou para protegê-la, ou por outros motivos,decorrentes do intercâmbio comercial, em um mundo que desconhece distâncias, oproblema é mais complexo, sendo resolvido pelas regras do chamado DireitoInternacional Privado (§ 112), que indica a legislação aplicável no caso de conflitoentre a lei nacional (p. ex., a lei brasileira) e a estrangeira. No direito moderno, um dos princípios fundamentais é o da territorialidadedas leis, segundo o qual o direito de um país é aplicável somente dentro de suasfronteiras. Assim, o direito nacional fica circunscrito aos limites do territórionacional, estando a ele submetidas todas as pessoas e coisas que nele se acharem.Contra esse princípio a doutrina fotmulou o dapersonalidade das leis, fundado sobrea nacionalidade da pessoa. Segundo esse princípo, o indivíduo é regido, mesmo

quando se encontrar no estrangeiro, pela sua lei nacional. Como se pode ver, essesprincípios estão em conflito, pois, de um lado, a lei nacional impera sobre oestrangeiro que se encontrar no território do país que a prescreveu (territorialidadedas leis), de outro, o estrangeiro pretende ser regido por sua lei nacional, isto é, pelade seu país de origem, ou seja, por direito estrangeiro (personalidade das leis). Pararesolver esse conflito, os juristas medievais elaboraram a teoria dos estatutos,idealizada por Bártolo, que distinguia os estatutos pessoais, determinadores dacapacidade e do estado pessoal, isto é, de tudo o que diz respeito à pessoa em si, dosestatutos reais, que disciplinam as coisas, o direito de propriedade, os direitos reaise os obrigacionais. O primeiro, subordina-se ao princípio da personalidade das leis,enquanto o segundo, ao da territorialidade. Assim, segundo a teoria dos estatutos,os direitos personalíssimos, os direitos de farrulia e o estado civil seriam regidos pelalei nacional da pessoa, enquanto as coisas pela lei do lugar em que se encontrarem. Com a crescente complexidade do mundo modemo revelou-se insuficiente ateoria dos estatutos, porém os principios da territorcalidade e da personalidadedasleis, por ela formulados, ficaram de pé.

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Introdução ao Estudo do Direito

Partindo do pressuposto de que o princípio da territorialidade e o da persona-lidade das leis não podem ser admitidos em sua forma absoluta, bem como partindodo pressuposto da existência de uma ` `comunhão de direito intemacional'', queexige o reconhecimento por parte de cada país da validade do direito de outro país,Savigny formulou no século passado uma teoria que até hoje é defendida e que é degrande utilidade para países que recebem ou receberam levas de imigrantes. Segundoessa teoria, os chamados direitos pessoais são regidos pelo princípio da sede darelaçãojuridica, que manda, no caso de conflito entre lei nacional e estrangeira,investigar a ` ` esfera de direito a que pertence'' a relação jurídica. É a teoria dodomicilio, segundo a qual esses contlitos são resolvidos pela lei do domicílio, istoé, pela lei do país em que a pessoa é domiciliada. Em oposição a essa teoria, está adefendida por Mancini, fundador da ` `escola italiana de direito internacional priva-do", que se funda no principio da nacionalidade, segundo o qual a lei aplicável auma pessoa é a de seu país de origem (lei da nacionalidade). De certa forma, oprincípio do domicílio é desenvolvimento ou especialização do princípio da territo-rialidade, enquanto o da nacionalidade, do princípio da personalidade das leis. Entrenós, antes de 1942, dominou o princípio da nacionalidade, estabelecido, primeiro,pelo Decreto n" 3.084, de 5 de novembro de 1898, e depois pelo art. 8" da Lei deIntrodução ao Código Civil de 1917. Mas, a partir de 1942 (Decreto-Lei n" 4.657,de 04.09. l 942), como dissemos, passamos a adotar o princípio do domici io. A doutrina e a legislação têm admitido ainda outros critérios para resolver osreferidos conflitos, tais como: o lugar em que o ato for realizado ou em que o fatoocorreu, determina a lei que os rege (locas regit actum); o lugar em que a coisase

encontra determina a lei a ela aplicável (lex rei sitae) etc. Quanto aos contratos,admite-se que as partes possam estabelecer a lei que os rege, predominando, no casode silêncio delas, a do lugar em que forem celebrados. As referidas regras resolvem o con,flito de direitosprivados. No caso de direitopúblico, em regra, prevalece o principio da territorialidade, valendo as suas regrassomente no território do país que as promulgar. Assim, por exemplo, o direitoconstitucional de um país só vale em seu território. Tem-se admitido a extraterrito-rialidade no caso de diplomatas, sujeitos à lei dos países por eles representados. Odireitopenal não vai além das fronteiras do Estado que o promulgar, estando, assim,regido pelo princípio da territorialidade. Entretanto, admite-se a extradição decriminosos no caso de crime cómum, e não de crime político, quando estrangeiro for ocriminoso e o crime tiver sido praticado no país que pretende exhaditá-lo, pois se tiverpor objeto o nacional, não se admite a extradiçâo, rnas o seujulgamento pelas leis e pelajustiça de seu país. Segundo a maioria das legislaç<*-*>es e segundo os princípios gerais do direito, alei estrangeira é inaplicável quando contrária à ordem pública e aos bons costumes.Assim, a ordem pública e os bons costumes constituem limites à aplicação da leiestrangeira.<012>

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O conceito de ` `ordem pública'' é muito elástico, compreendendo tanto as leisde ordem pública como as que estão ligadas às tradiç<*-*>es fundamentais de um povo.Assim, têm razão Pillet e Weiss: a noção de ordem pública é muito elástica, nãopodendo ser estabelecida de forma definitiva. É uma noção histórica que, em cadaépoca, em cada sociedade, é reformulada pelo jurista. Mas é lícito entendê-la restritaà ordem politico-social (regime politico, etc.), à paz e seguranÇa social e nacional,à segurança do mercado, às tradiç<*-*>es sociais e até à dignidade humana (liberdade,segurança individual etc.). Próximo e ligado ao conceito de ordem pública temos o de bons costumes, que,como o de ordem pública é também histórico, elástico e relativo, apesar de maisrestrito. ` `Bons costumes'' diz respeito a padr<*-*>es morais e de conduta social, (HucePlaniol), sendo resultante da média de sentimentos e de padr<*-*>es morais dominantesem uma época, numa sociedade. Pode-se defini-los como a média de sentimentos epadr<*-*>es morais vigentes em um meio social. Da territorialidade da lei se distingue a ultraterritorialidade, que consiste napossibilidade de aplicação da lei de um Estado soberano a atos ilícitos ocorridos forade seu território. Depende de convenção internacional, de costumes intemacionaise do consenso dos Estados. Geralmente, é admitido o princípio da ultraterritoriali-dade da lei penal, por exemplo, no caso de falsificação de moeda estrangeira.

Quinta Parte

RELAÇÃO JURIDICA

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XXVII

RELAÇÃO JURÍDICA, NOÇÃO E ESPÉCIES- PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA - TUTELA DAS RELAÇÊES JURmICAS

144. R<*-*>LAÇÃO JURmICA, ELEMENTOS E DEFINIÇÃO

A maioria dos juristas se tem preocupado com o problema da relação jurídica. 'Preocupação compreensível por ser o próprio direito forma de relação social:relação garantida por sanç<*-*>es eficazes e organizadas. ` `O direito - diz Ferrara (Trattato di Diritto Civile Italiano) - toma as relaç<*-*>es davida social em relaç<*-*>es de direito, munindo-as de eficácia, transformando e plasmandoessas relaç<*-*>es humanas em relaç<*-*>es juridicamente vinculantes.'' Há relaç<*-*>es jurídicascriadas pelo legislador para atender a exigências da ordem econômica ou social, comono caso do mercado acionário (Bolsas de Valores). Como ensinam Savigny, Merkel eFerrara, deve-se distinguir na relaçãojurídica a matéria daforma: ` `uma origina-se dasrelaç<*-*>es humanas, enquanto a outra resulta da lei'' (Ferrara: Tranato di Diritto CivileItaliano). A grande maioria é de relaç<*-*>es sociais reconhecidas pelo legislador comodignas de tutela, capazes de satisfazer interesses legítimos. Mas muitas relaç<*-*>essociais estão fora do campo jurídico, sendo controladas pela Moral, pela Religião,pela etiqueta etc. A relação jurídica, como a definiu Ferrara, interliga duas ou mais pessoas,submetendo-as a conseqüências jurídicas (obra citada). É uma forma de relação social por ser uma relação entre pessoas. Portanto, sóhá relação jurídica entre mais de uma pessoa (Ortolan, Roguin). Nela temos, nodireito privado e no direito misto de um lado, sujeito ativo (titular do direitosubjetivo) e do outro, o sujeito passivo, que é o devedor, isto é, o que por leiou porcontrato está obrigado a determinada prestação para com o sujeito ativo; enquanto,

1 O conceito de relação jurídica deve-se aos pandectistas alemães, restrito a princípio exclusiva- mente ao direito civil. -<012>

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nas relaç<*-*>es jurídicas do direito público (estatal) temos, de um lado, em posição desuperioridade, o detentor de impercum, de poderes, de competências e de funç<*-*>es,e, do outro, todas as pessoas (nacionais ou estrangeiras), que, por lei, estão obrigadasa se submeterem a suas determinaç<*-*>es. Nas relaç<*-*>es jurídicas do direito internacio-nal as partes estão em pé de igualdade (como nas do direito privado), obrigadas,umas em relação a outras, na forma em que, soberanamente, tiverem se submetidoem tratados e convenç<*-*>es internacionais, bem como segundo os costumes interna-cionais e os princípios gerais do direito das naç<*-*>es civilizadas. No direitoreal, quetem por objeto uma coisa (móvel ou imóvel), temos de um lado o sujeito ativo

(proprietário ou quem tem a posse), e de outro, as demais pessoas, isto é, o sujeitopassivo. O primeiro é o titular, enquanto o segundo todas as demais pessoas queestão obrigadas a tolerar, nos limites legais, que o titular exerça o seu direito, não oimpedindo de gozar, usar ou dispor da coisa. Há, nesse caso, para o sujeito passivo,dever de abstenção. A relação jutidica, em ultima análise, tem por fonte a regra de direito, pois opróprio contrato dela depende. Sup<*-*>e um eventojurídico (fatojurídico, atojurídicoou ato ilícito), previsto na lei, que vincula duas ou mais pessoas juridicamente,podendo uma exigir da outra um comportamento típico, determinado ou determiná-vel. Tem objeto (objeto do direito), definível, determinável, que pode ser umaprestação ou uma coisa. Pode ser bilateral, quando formada de duas pessoas, eplurilateral, quando de mais de duas pessoas. Forma de vinculação, ou seja, desubordinação deuma pessoa a outra, a relaçãojurídica não é arbitrariamente estabelecida, pois tem por base a lei que está acimados interesses das partes (sujeito e devedor, poder público e súditos), não podendoser, assim, arbitrariamente, pelas mesmas modificada. A maioria dos tratadistas ao definirem-na fizeram à luz do direito privado,considerando-a como entrelaçamento entre direitos de uma parte e deveres de outra,isto é, entre a pretensão de um e a obrigação de outro:just et obligatio sunt correlata.Ora, a relação de direito público também é bilateral, podendo até ser multilateral,investindo uma parte de imperium (poderes, competências e prerrogativas), enquan-to às demais imp<*-*>e a obrigação de a ela se submeterem. Dessas observaç<*-*>es podemos definir a relação juridica como o vinculo que uneduas ou maispessoas, decorrente de umfato ou de um ato previsto pela no<*-*>majuridica,qr,<*-*>epro<*-*>:<*-*>z efeitosjuridicos, ou, mais singelarr<*-*>ente, vínculojuridico entre pessoas, emque uma delas pode exigir de outra determinada obrigação. Tem a doutrina estabelecido as modalidades de relaç<*-*>es jurídicas, das quaisdestacamos as seguintes: pessoais e reais. As primeiras se caracterizam pela inter-<*-*> relação de condutas, em que a conduta de uma parte depende da de outra, ou, ainda,em que a conduta de um é o meio para satisfazer interesse de outro (direito de familia,contratos etc.). Já nas relaç<*-*>es reais sobressaem os poderes e as faculdadesque tem

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Introdução ao Estudo do Direito

o titular em relação à coisa, estando as demais pessoas na situação jurídica de nãoimpedir que ele os exerça. As relaç<*-*>es podem ser de direito privado e de direito público. No primeirocaso, decorrem de norma de direito privado (lei ou contrato), enquanto no segundo,do direito público (lei ou tratado internacional). Algumas relaç<*-*>es jurídicas têm forma especial, imposta por lei (relaç<*-*>esjuridicas constituidas por atos solenes), por exemplo, casamento, compra-e-vendade imóvel (escritura pública), bem como de publicidade, de modo a poderem ser

conhecidas por terceiros (compra-e-venda de imóvel, que depende de inscrição noregistro imobiliário). Finalmente, como toda relação jurídica cria um vínculo que enlace duas oumais pessoas, temos, como já dissemos, nas de direito público, de um lado, o entepúblico com poderes e competências, e de outro, o particular (pessoa física ou pessoajurídica não investida de poder público) com obrigação de observar as suas deter-minaç<*-*>es (sentença, regulamento, portaria etc.), enquanto na de direito privado, deum lado, direito subjetivo, de outro, deverjurídico ou obrigação. Em regra, na relaçãode direito público interno há um lado mais forte, um ente público, em última análiseo Estado. Nela o mais forte encontra-se em posição de superioridade. São, por isso,relaç<*-*>es de subordinação. Excepcionalmente, no direito público interno temosoEstado como sujeito passivo, devendo respeitar os direitos individuais e os direitossubjetivos públicos. Tais relaç<*-*>es são minoria em comparação àquelas. Jánas de direitointernacional não há subordinação, sendo soberanas e iguais as partes, isto é, os países.Por isso, são relaç<*-*>es de coordenação. Nas de direito privado, as partes estão em pé deigualdade. O próprio Estado, quando delas é parte, está em situação de igualdadecomo particular, despido de imperium. Por esse motivo, são relaç<*-*>es de coordenação as dedireito privado.

145. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

As relaç<*-*>es jurídicas sofrem a influência do tempo, sendo, às vezes, constituí-das para durar por tempo indeterminado, e outras por tempo limitado. Podemextinguir-se pelo decurso de tempo, em havendo omissão do titular do direito, nãoexigindo o cumprimento, por parte do devedor impontual, da obrigação. Quando talocorre, há prescriÇão, que, extinguindo o direito de ação, que disp<*-*>e o titular paracompelir o faltoso a efetuar a prestação, torna o direito ine icaz. Assim, o devedornão cumprindo, no prazo, a obrigação e não a exigindo o credor, apesar de estar emsituação de fazê-lo, ocorre, decorrido o prazo fixado em lei, a extinção do direito,livrando-se o devedor da obrigação assumida (prescrição extintiva). Pode serdefinida como a extinção da obrigação por não a ter exigidojudicialmente o c<*-*>edordo devedor depois do vencimento da mesma, no prazo prescricionalfixado em lei,iniciado a partir de quando a prestação deveria ser cumprcda.<012>

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A prescrição está sujeita à suspensão e à interrupção. As causas de suspensão,estabelecidas em lei, são as que impedem o início ou o curso da prescrição, emvirtude de estar impossibilitado o titular, legalmente ou por situação de fato, deexercer o seu direito. Por exemplo: a menoridade, a doença mental, o casamentopodem impedir o início ou suspender o curso da prescrição. As causas que suspen-dem a prescrição são, como dissemos, estabelecidas por lei; além delas, não háoutras. Já a interrupção é provocada pela ação do titular, ou seja, pelo exercício dodireito. A açãojudicial, a notif'icação, a citação interrompem a prescrição. Os

efeitosda suspensão são diversos dos da interrupção. Esta torna sem efeitojurídico o tempotranscorrido anteriormente, não sendo levado mais em conta no caso de nova inérciado titular, enquanto a suspensão não apaga o tempo transcorrido até a ocorrênciadacausa suspensiva, que será computado quando cessada a mesma, acrescido ao quefaltar para completá-la. Próximo da prescrição temos a decadência ou caduccdade,forma, também, de extinção de direito com prazo, expressamente previsto em lei,para ser exercido. Não admite suspensão e nem interrupção. Nos casos de decadên-cia, o direito e a faculdade só podem ser exercidos dentro de prazo, determinadooudeterminável, tendo, assim, duração determinada ou determinável. Exemplos típicossão os prazos para recursos judiciais (agravos, apelaç<*-*>es, etc.) e para ajuizamentode aç<*-*>es. Diversa da prescrição, a decadência pode ser defmida como a perda dodcreito ou da faculdade não exercida no prazo fatal estabelecido em lei. Assim,enquanto na decadência só no prazofcxado na lei o direito e a faculdade podem serexercidos sob pena de extinção, na prescrc<*-*>ão o prazo fatal começa a correr depoisde vencida a obrigação, ou seja, depois da data em que a prestação deveria sercumprida. Exemplo: a lei, no caso de paternidade, dá ao marido prazo fatal paranegá-la. Não a impugnando nesse prazo, não mais pode fazê-lo. Trata-se de deca-dência, porque a faculdade só pode ser exercida no prazo legal; já no caso deprescrição: vencida uma obrigação, por exemplo, em 12 dejunho de 1991 (data emque deveria ser cumprida), a partir dessa data a lei estabelece um prazo em que ocredor ainda poderá judicialmente exigi-la. Não o fazendo nesse prazo, não terámais meios para cobrá-la judicialmente do devedor. Há direitos imprescritíveis; são os indisponíveis. Assim, por exemplo, o direitoà f'iliação é imprescritível, podendo a qualquer tempo ser proposta a ação deinvestigação de paternidade, mas as conseqüências patrimoniais dela decorrentessão prescritíveis.

146. TUTELA DAS RELAÇÊES Jll<*-*>ICAS

As relaç<*-*>es jurídicas são garantidas e tuteladas pelo direito, com recursoaoJudiciário. No direito primitivo, a defesa do direito subjetivo estava a cargo do própriotitular (autodefesa) ou de seus parentes próximos. Transformando-se a justiça

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Introdução ao Estudo do Direito

privada, a autodefesa, em fonte de injustiça, de intranqiiilidade e de insegurança, adefesa dos direitos centralizou-se, gradativamente, no chefe do grupo, no conselho deanciãos ou de chefes de famílias, na pessoa do rei e, f'malmente, nos tribunais.Assim,paulatinamente, a sociedade monopolizou o poderjurisdicional, tutelando os direitossubjetivos, tornando ilícita ajustiça privada. No mundo civilizado, somente no casode legítima defesa e no de estado de necessidade é possível fazer justiça pelaspróprias mãos. Assim, a tutela do direito é procedida mediante a intervenção do poder público.A ação é o meio clássico de defesa do direito por meio da qual o titular ingressa emjuízo pleiteando a defesa de seu direito ameaçado ou lesado. Através dela o

titularrecorre ao Poder Judiciário para obter o reconhecimento e a tutela de seu direito. É,portanto, o meio de se forçar o pronunciamento de um juiz competente, com oobjetivo de ser reconhecido ou tutelado o direito lesado. A forma correta de hitela das relaç<*-*>es jurídicas é a ação,z que tem por objetivodeclarar ou reconhecer determinado direito, reparar dano, fazer cessar o atoantijuridico, condenar, e, enfim, possibilitar o exercicio do directo impedido poralguém, ou então obrigar o cumprimento de obrigação legal ou contratual. Nessesentido, a ação é o meio de tutela do direito. Pela ação provoca-se a decisão judicial (sentença), ato de direito público,praticado por juiz ou por tribunal. Questão resolvida emjuízo, por meio de sentença irrecorrível, não pode maisser objeto de outra ação. Passando emjulgado a sentença, ou seja, não cabendo maisrecurso, tem autoridade de coisa julgada, que se restringe à matéria nela decidida.Nesse caso o direito está assegurado eficaz e definitivamente. Coisajulgada é, pois. sentença def'mitiva, irrecorrível, que impede a renovaçãoem juízo da matéria nela decidida. Ocorrendo, no entanto, nulidade da sentença transitada em julgado, a coisajulgada não impede a sua revisão dentro do prazo estabelecido em lei. A esse respeito,preceitua o direito inglês: ` `nada está estabelecido até que esteja estabelecido certo''("nothing is settled untcl it is settled right"). Entre nós, no direito criminal, parafazer desaparecer o erro judiciário, temos a revisão criminal, enquanto para osdemais erros judiciários a aÇão rescisória, ajuizável em prazo certo e curto. Trans-corrido o prazo sem a interposição da rescisória, a sentença errada torna-se intocávelpor assim exigir a certeza e a segurança das relaç<*-*>es jurídicas. Note-se: a sentençainjusta não enseja rescisória, ou seja, revisão. São, ainda, meios de tutela dos direitos a legítcma defesa, em que o titulardefende pessoalmente, sem o auxílio do Estado, o seu direito desde que esteja o

2 Vide § 135, nota 2 do mesmo parágrafo, e § 147.<012>

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mesmo sofrendo risco de lesão iminente, e o estado de necessidade, em que o titular,em estado de perigo, sacrifica bem jurídico de outrem para defender seu direito.Oprimeiro não cria obrigaç<*-*>es, enquanto o segundo gera obrigação de indenizaroprejuízo causado. Além desses casos de autotutela, o direito admite outros, como,por exemplo, o direito de retenção de coisa do devedor enquanto não pago o débito. Além desses, o direito objetivo prevê outros meios de defesa dos direitossubjetivos e das relaç<*-*>es jurídicas. Concluindo, a ação é direito autônomo, meio de proteção do direito e deaplicação da norma jurídica. Pela ação garante-se o direito, restabelece-se a ordemjurídica. Decidido o litígio por sentença definitiva, cabe a sua execução forçada,meio de tutela do direito por excelência. Fora dela temos, como já dissemos, asformas de autotutela reconhecidas pelo direito, como, por exemplo, legítima

defesa,estado de necessidade, retenção de coisa de propriedade do devedor até o pagamentoetc.3 Quando impossível juridicamente a execução forçada da obrigação, cabeindenização, isto é, perdas e danos (prejuízo efetivo e o que deixou de ganhar otitular), e, em certos casos, a execução da obrigação por terceiro à custa do devedoretc. Tanto uma como outra depende de sentença condenatória.

3 Vrde §§ 135, notas 1, 2 e 3, e 147.

XXVIII

DIREITO SUBJETIVO - TEORIAS

E CLASSIFICAÇÃO - AQUISIÇÃO, MODIFIGAÇÃOE EXTINÇÃO DE DIREITOS - FACULDADE, ESTADO E POSIÇÃO JU<*-*>DICA - DEVER JURIDICO, ESPÉCIES - ABUSO DO DIREITO

147. DIREITO SUBJETIVO, NOÇÃO E TEORIA

Direito subjetivo,' de modo geral, pode ser entendido como a prerrogativa oufaculdade outorgada, por lei ou por contrato, a uma pessoa, para práticar certo ato.Mais precisamente: faculdade, assegurada por lei, de exigir determinada conduta(ação ou omissão) de alguém, que, por lei ou por ato ou negócio jurídico, estáobrigado a observá-la. Daí ser entendido comofacultas agendi. Destarte, ao direitosubjetivo de uma pessoa corresponde sempre o dever de outra, que, se não o cumprir,poderá ser compelida a observá-lo por força de procedimentojudicial ou, excepcio-nalmente, pela legítima defesa. É protegido sempre através de ação judicia<*-*> (§ 146).Ocorrida a prescrição (§ 145) da ação, toma-se ineficaz o direito subjetivo, nãopodendó.mais ser exercido. Duas teorias tentam defini-lo: a de Windscheid (Dirino delle Pandette, trad.),que o concebe como senhoria de vontade reconhecida pela ordem jurídica, e a deIhering (L'Esprit du droit romain, trad.), que o define como interesse juridicamenteprotegido. Ambas são incompletas, porque, como já se disse, há pessoas incapazesde, juridicamente, querer, que têm direitos exercidos pelos seus representantes.A

Diverso do direito subjetivo, podendo em sentido amplo com ele se confundir, temos o poderjuridico, que não deve ser confundido com poder político, examinado em outro lugar deste livro(§ 184). Por poderjarfdico pode entender-se: 1", situação juridica em que a uma pessoa sãoatribuídos poderes relativos sobre outra, exercfvel em favor e no interesse desta, que tem aobrigação de obedecê-lo, desde que não abusivo. Exemplo: pátrio poder; 2", em sentido amplo:o mesmo que direito subjetivo; 3", o mesmo que faculdade (§ 150); 4", poder sobre uma coisa. Omesmo que domínio; 5", poder decorrente de norrna jurídica, por ela disciplinado, exercível noslimites e segundo suas finalidades.<012>

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sociedade comercial tem direitos, e não tem vontade. Por outro lado, como assinalaThon (Norma giuridica e diritto soggettivo, trad.), o direito subjetivo é o meiodeproteger interesse e não o interesse protegido. Muita vezes o interesse extingue-se,sem desaparecer o direito. Por isso, não satisfaz também a definição de Jellinek(Sistema dei diritti pubblici subiettivi, trad.): interesse tutelado pela lei, mediante oreconhecimento da vontade individual. Pondo de lado o elemento vontade, semabandonar a idéia de interesse, pois se o titular exercer o seu direito sem interesselegítimo, ou seja, só para prejudicar outrem, não terá o amparo legal, pois estarápraticando abuso do direito, pensamos poder defini-lo comofaculdáde de exigir,outorgada a uma pessoa, o cumprimento de uma obrigação por parte de outra,capaz de satisfazer a um interesse legitimo, ou, então, de forma singela: faculdadede exigir de umapessoa umapresta<*-*>ão, a que está obrigada por lei oupor contrato,capaz de satisfazer a um interesse legitimo de quem exige, ou ainda, com Groppali(Filosofta del diritto), ` `poder de agir, garantido pela normajurídica, para a satisfa-ção de um interesse'' .z A todo direito subjetivo corresponde uma pretensão, ou seja, afaculdade deexigir de outrem uma prestação. A toda pretensão corresponde uma ação (§ 146),isto é, o meio processual apto a obter do Estado tutela do direito ameaçado ou lesado,na forma estabelecida na sentença, ou, então, faculdade de pleitear a prestaçãojurisdicional do Estado. O direito de ação, direito público subjetivo, distingue-se dodireito subjetivo. Este, em relação àquele, é denominado direito subjetivo material,enquanto o direito de ação, direito subjetivo público, ou, como ensina Chiovenda,direito potestativo, por ser poderjuridico sem obrigação que lhe corresponda. Assim,o direito de ação é autônomo, como disse Chiovenda, em relação ao direito subjetivomaterial: completa-o e protege-o.

Havendo muitos direitos subjetivos que envolvem deveres, como, por exemplo, o depropriedadeou os decorrentes do direito de faxmlia, autores afamados pretenderam substituira categoria dedireito subjetivo pela de situação juridica. Coube a Duguit, em I912, defender essa tese,sustentando não haver direito puro, mas direito-função ou direito-dever. Savatier e Haesaertadmitem situaç<*-*>es de fato que, sem serjurídicas, como, por exemplo, a sociedade de fato ou oconcubinato, produzem conseqtlências jurídicas. J. Goldschmidt, à luz do direitoprocessual,redu<*-*><*-*>iu-a à expectativa em que se encontra uma pessoa em relação a uma sentença. Mas coube aRoubier (Droits subjectifs et situationsjuridiques), depois da Segunda Guerra Mundial, delineara noção de situação jurídica: complexo de prerrogativas, de direitos e deveres, criadores decondiç<*-*>es vantajosas para os seus beneficiários, dependentes de fato ou de estado, ou, ainda, deato produtor de conseqilênci asjurídicas. Mas, apesar de reconhecermos haver casos de verdadeiras

situaç<*-*>es jurídicas, como, por exemplo, o pátrio poder, reconhecemos a inconveniência dessasubstituição por confundirem-se muitas situaç<*-*>es jurídicas com status (§ 150) ou com posiçãojurídica (§ 150).

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Introdução ao Estudo do Direito

Para melhor compreender essa distinção daremos o seguinte exemplo : o direitode propriedade, que é direito subjetivo material, distingue-se do direito de ação(aç<*-*>es possessórias) que tem o proprietário no caso, por exemplo, de turbação daposse. A distinção do direito subjetivo material do direito de ação é moderna. Outrora, os tratadistas de tendência civilista, como Savigny, consideravam odireito de ação como elemento constitutivo do direito subjetivo. Mas, se a todo direito subjetivo corresponde uma ação, nem a toda açãocorresponde um direito, podendo haver ação destinada a esclarecer a existência deuma relação jurídica, ou mesmo de um direito duvidoso (ação declaratória), ou aexistência de uma situação jurídica, como, por exemplo, sociedade de fato no casode concubinato, dando-lhe efeitos patrimoniais, ou a parternidade (ação de investi-gação de paternidade), das quais decorrem direito subjetivo, como, nos exemplosapontados: de o concubino autor da ação, em se rompendo o concubinato, ter direitoà parte do patrimônio em nome do outro, e do filho havido fora do casamento de serreconhecido por força de sentença. Coube a Chiovenda, fundador da moderna teoriaprocessual, estabelecer as bases do direito de ação, como poder jurídico criadordacondição para a aplicação judicial do direito, ou seja, como o define Chiovenda:direitopotestativo. Direito de ação tem não só todo titular de direito, como também toda pessoa.Pode haver, assim, direito de ação sem direito subjetivo. Tem-no qualquer cidadão,legitimado a propor ação popular na defesa do patrimônio público e de interessesdifusos, que são de todos, sem ser exclusivamente de determinada pessoa, como, p.ex., a defesa do meio ambiente (ar, rio, floresta, mar, espaço etc.). O direito de ação está sujeito à prescrição (§ 145), enquanto o direito subjetivo'material não, tornando-se, entretanto, ineficaz em ocorrendo a prescrição da ação,por não poder mais o titular do direito ajuizá-la, ou seja, não poder exigirjudicial-mente a obrigação que corresponde ao seu direito lesado. Assim, o que distingue o direito de ação (por exemplo, direito à ação dedespejo) do direito subjetivo material (por exemplo, direito de propriedade deimóvel) é a possibilidade de o primeiro ser passível de prescrição, enquanto osegundo, não. Ocorrendo a prescrição da ação, a obrigação torna-se obrcga<*-*>ão natural, nãoexigiveljudicialmente, cumprida se o devedor quiser. Mas, se cumprida espontanea-mente, apesar de prescrita, mesmo que por erro, não dá lugar a arrependimento,tornando-se incabível exigir judicialmente a devolução ao status quo ante, porquehavia a obrigação, somente desarmada, não exigível judicialmente. Assim, havendo prescrição, se o devedor espontaneamente efetuar o pagamen-to, a lei não lhe dá o benefício de pedir a devolução.<012>

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148. CLASSIFICAÇÃO

Os direitos subjetivos podem serpatrimoniais e não patrcmoniais.3 Os primei-ros têm conteúdo econômico, tendo por objeto coisa estimável em dinheiro, enquan-to os não-patrimoniais têm objeto não suscetível de avaliação em dinheiro. Estesúltimos formam o grupo dos direitospersonalissimos (direito ao nome etc.), dosdireitospessoais (direitos e deveres dos pais em relação aos ftlhos, direitos e deveresdos cônjuges etc.) e dos direitos subjetivos públccos (direitos individuais, direitospolíticos etc.). Já os direitos patrimoniais se subdividem em direitos reais e direitosobrigacionais ou de crédito, denominados, também, direitos pessoais em sentidoestrito. Os obrigacionais têm por objeto uma prestação (ação ou ábstenção) de pessoadeterminada ou determinável, denominada devedor, enquanto no direito real o objetoimediato é a coisa, que fica à disposição do titular (proprietário, possuidor dacoisaetc.). Nos direitos reais (jura in re) a coisa se sobressai, tendo as demais pessoas odever de abster-se de qualquer ato que impeça o titular de usar, gozar ou dispordela.A propriedade e a posse são os dois principais direitos reais ' Os direitos não-patrimoniais são inalienáveis, intransmissíveis, sendo ad-quiridos alguns pelo nascimento. Extinguem-se com a morte do titular. Já ospatrimoniais são, em regra, alienáveis e transmissíveis. Os direitos reais e os direitos personalissimos são direitos absolutos, porvalerem contra qualquer pessoa (erga omnes), enquanto os direitos de crédito ouobrigacionais são direitos relativos por valerem somente contra pessoas determina-das ou determináveis (erga singulum). Por isso são impropriamente denominadostambém de direitos pessoais. Os direitos personalíssimos podem ser direitos originários ou inatos (direitoao nome dos pais, à vida, à liberdade etc.), por serem adquiridos pela pessoa aonascer, enquanto os demais direitos são direitos adquiridos. Mas uns e outros sãoadquiridos por força de lei, isto é, do direito objetivo (§ 33).

Pode-se distinguir direito individual do direito social. O primeiro tutela bens de interessedire'3mente individual, como, por exemplo, direito ao nome, direito à liberdade etc., enquanto odireito social, também denominado direito corporativo ou direito institucional, tutela bens deinteresse social, como, por exemplo, o direito à guarda de filho menor, direito ao salário ou àsférias etc.A distinção dos direitos reais dos pessoais conduz à distinção das aç<*-*>es reais das pessoais. Asprimeiras têm por fundamento um direito real, a ser pn<*-*>tegido, enquanto as aç<*-*>es pessoais protegeme têm por fundamento um direito pessoal ou de credito. Exemplo da primeira: açãode reintegração deposse; e da segunda, ação de al_mentos, ação de cobrança, de rescisão de contrato etc.

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Introdução ao Estudo do Direito

A maioria dos direitos subjetivos, principalmente os de direito privado, sãosuscetíveis de aquisição, modificação e extinção por força de lei, de fato ou deatojurídico. O direito subjetivo divide-se, ainda, em direito público subjetivo (direitosubjetivo público) e direito subjetivo privado. O prime_ro decorre de situaç<*-*>es oude relaç<*-*>es jurídicas relacionados direta ou indiretamente com o Estado. Nelas oEstado apresenta-se como sujeito ativo (titular), isto é, com prerrogativas ou poderes.Exemplos: os que tem o Estado de punir, de cobrar com sanç<*-*>es o imposto não pago,de estabelecer impostos, de facultar o uso de seu bens etc. Há direitos subjetivospúblicos em que o Estado é sujeito passivo. Desses direitos os titulares são oscidadãos (direito de eleger, de ser eleito, direitos individuais declarados na Consti-tuição) e as pessoas (nacionais ou estrangeiras) que se encontrarem em seu territ6rio(direito de pleitear a prestaçãojurisdicional do Estado, direito de liberdade etc.). Osdireitos subjetivosprivados são os demais, garantidos por normas de direito privadoou de direito misto, ou seja, por normas que não sejam de direito público. Exemplos:direito de propriedade, direito a uma marca, direito autoral, direito de créditos etc.No mundo modemo temos os direitos subjetivos internacionais (direitos ecológicosemdefesa da vida humana e da qualidade da mesma, direitos humanos, direitos contratuaisinternacionais etc.), tendo por fonte tratado internacional (§ 83). Finalmente, faltam os direitos individuais ou direitos humanos, que o Estado temo dever de respeitar e proteger. São direitos de todos e de cada um em particular.Conhecidos como Direitos do Homem, constitucionalmente são direitos fundamentaisdeque desfiutam o cidadão nacional (nattxralizado também) e o estrangeiro que se encontrarno território brasileiro. Direitos que, sob a influência da filosofia do direitonatural (§ 189)e do lluminismo, foram objeto de ` `declaraç<*-*>es de direitos'' famosas, promulgadas noséculo XVIll, ideários da Revolução Americana e da Revolução Francesa. A mais célebreé a Déclaration des Droits de l'Homme et du Citoyen (1789), da Revolução Francesa.Nos direitos ditos individuais destacam-se os direitos à liberdade, à igualdade e àsegurança. Nas citadas declaraç<*-*>es, sob a influência do jusnaturalismo (§ 192), estáincluído também o direito de propriedade. Em nossa época, em 1948, esses direitosforam objeto da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assem-bléia das Naç<*-*>es Unidas (direito subjetivo internacional). Direitos, ditos individuais,objeto de declaraç<*-*>es solenes, são protegidos por garantias constitucionais,dentre asquais se destaca o habeas corpus, para proteger a liberdade; o mandado de segurança,para proteger direito líquido e certo contra abusos do poder; o direito de petição,apresentável ao Legislativo, Executivo ou Judiciário, com os quais qualQuer pessoa podeinsurgir-se contra abusos do poder, pleiteando tutela de seus direitos. Além dessasgarantias, o direito à certidão, para obter prova. A partir da Constituição de Weimar (1919), os direitos do homem, objetos de

proteção constitucional, foram ampliados, compreendendo, além dos clássicos<012>

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Paulo Dourado de Gusmão

direitos individuais, os direitos de natureza econômico-social. Daí a doutrina preferira denominação de direitosfundamentais, em vez de direitos individuais, que têmsentido mais restrito. No após-guerra ( 1945) aos individuais foram acrescentados osdireitos sociais e os direitos coletivos. Os sociais são comuns a todas as pessoasindistintamente, garantindo condiç<*-*>es mínimas de sobrevivência para todos e parausufruir os direitos individuais, bem como para ter padrão de vida digno. São, porexemplo, os direitos à educação, ao trabalho, à saúde, à previdência social etc.Já osdireitos coletivos são, também, comuns a todas as pessoas sem ser de nenhuma delasem particular, tendo por objeto condiç<*-*>es de vida mais saudável e condiç<*-*>es paraenfrentar o poder econômico, o poder público e as adversidades sociais. Dizemrespeito ao meio ambiente, ao consumo etc.

149. AQUISIÇÃO, MODIFICAÇÃO E EXTINÇÃO DE DIREITOS

Aquisição do direito, ensina Coviello (Manuale di diritto civile), nada mais édo que a ` `união do direito a uma pessoa determinada, como a perda é a separação''.Contudo, não se deve confundir, prossegue o autor citado, a aquisição com onascimento do direito. O nascimento do direito importa certamente aquisição e, por isso, todo direito é adquirido; nem sempre, porém, a aquisição coincide com o nasci- mento do direito, porque este pode preexistir e mudar só a titularidade por força de fato, ato ou negócio jurídicos (§ 155), como acontece em todas as transmiss<*-*>es de direitos , como, por exemplo, na compra e venda. Assim, continua Coviello, também a perdanem sempre é uma ` `extinção do direito,já que a perda do direito para um pode sera causada aquisição em favor de outro ''. Entendemos por aquisição do direito a vinculação a uma pessoa (titular) deum direito pela forma prevista em lei. Pode ser originária e derivada. A primeira,modo ex novo de aquisição, independe de precedente titular. Nesse caso, o direitonasce com o fato. Assim, por exemplo, o nascimento de uma pessoa é causa deaquisição originária de direitos personalíssimos (direito ao nome dos pais, à honra,à vida etc.), da mesma forma que a ocupação, que depende só de ação do ocupante.Já a aquisição derivada sup<*-*>e o direito de um precedente titular, que o perdeconseqüentemente. Aí, o direito é adquirido de outrem, isto é, de um anterior titular.Sup<*-*>e precedente titular. O testamento, o contrato são causas ou títulos jurídicos,de aquisição derivada. Nessa forma de aquisição, o direito passa de um titular (autor)para outro (sucessor). Sup<*-*>e relação jurídica entre o sucessor, isto é, adquirente, eo autor, ou seja, a pessoa da qual provém o direito. Já na aquisição óriginária inexiste

essa relação. Na derivada há, de um lado, aquisição por parte de uma pessoa, eextinção, para o que transmite. Mas nessa forma de aquisição o autor não podetransmitir ao sucessor mais direito do que tem: nemo plus iuris in alium transferepotest, quam ipse habet.

249

Introdução ao Est<*-*><*-*>do do Direito

A aquisição do direito pode ocorrer por força de lei (ope legis, ipso cure) oupor ato de vontade (ocupação, contrato, testamento). Os direitos personalíssimossãoadquiridos por força de lei, mas a sucessão testamentária depende de ato de vontade(testamento). Também a extinção do direito pode decorrer de lei (extinção, por exemplo, dodireito à aposentadoria por tempo de serviço), da vontade humana (renúncia oucessão de direitos em favor de outrem) ou de fato independente da vontade, como,por exemplo, a destruição da coisa objeto do direito, morte do sujeito no caso dedireitos personalíssimos. A transmissão dos direitos patrimoniais pode ser a titulo universal e a tituloparticular. Na primeira, transfere-se todo o patrimônio, ou uma fração do mesmo,de uma pessoa (titular) a outra pessoa. Já na transmissão a ` `título particular''transmitem-se bens passíveis de determinação, de enumeração e identificação. Asucessão mortis causa é forma de transmissão universal, enquanto a compra-e-vendade uma coisa é meio de transmissão a título particular. A transmissão do direito pode ocorrer por ato inter vivos, quando celebradopara produzir efeito durante a vida de seus autores, como nos contratos, e por atomortis causa, que depende da morte de seu autor, feito para produzir efeitos depoisde ela ocorrer. É o caso do testamento. Pode ser a título gratuito, quando não exigircontraprestação (exemplo: doação), e a título oneroso, quando a pressup<*-*>e (exemplo:compra-e-venda). Finalmente, as modificaç<*-*>es do direito podem ser ` ` subjetivas'', quando há sómudança de titularidade do direito, passando o direito de uma pessoa a outra, a títulouniversal ou a título particular. Há modificação objetiva quando se modifica o objetodo direito, como, por exemplo, no caso da destruição parcial de um imóvel etc. Tanto a aquisição como a modificação e a extinção dos direitos sup<*-*>em causasou acontecimentos jurídicos, isto é, fatos, atos e negócios jutidicos, que veremos emoutro capítulo (§ 155). Tais causas são denominadas titulojuridcco, ou seja, o títulopelo qual se adquire, se modifica ou se extingue o direito.

150. <*-*><*-*>STATUS", FACULDADE, DIREITO CONDICIONADO, LÍCITO JURÍDICO E POSIÇÃO JURÍDICA

O direito subjetivo não se confunde com o estado pessoal (status), com aexpectativa de direito, com a faculdade juridica, com o licito juridico e com aposcç<*-*>ãojuridica. Status (estado civil etc.) é um dos pressupostos do direito subjetivo, consistindoem uma situação jurídica, ou Qualidade jurídica, da qual decorrem, ou podemdecorrer, direitos subjetivos (exemplo: estado de casado, de concubino). Já aexpectativa de direito se distingue do direito subjetivo por ser direito subjetivo emformação, çnfieri, caracterizando-se pela possibilidade de vir a ser direito. Exemplo:

<012>

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o do funcionário público a ser promovido por antiguidade, quando se encontrar noprimeiro lugar da lista de antiguidade elaborada pela Administração Pública, quesó seconsolida em direito quando ocolrer vaga. Nela existem circunstâncias que fazem crerser admissível o aparecimento de um direito se ocorrerem determinadas condiç<*-*>es. Da ` `expectativa de direito'' deve-se distinguir o direito condicionado (aindanão-adquirido), que depende para se incorporar ao patrimônio do titular de um termo(§ 155) ou de uma condição (§ 155). Ocorrido o termo ou a condição, o direitotorna-se adquirido, podendo ser, então, exercido pelo titular, que dele pode dispor. Mas enquanto a condição ou o termo não ocorrerem, não pode ser exercido. Igualmente, a extinção do direito pode ser condicionada a um fato (exemplo:casamento) ou a um termo (exemplo: data). Bem próximo da "expectativa dedireito'' temos o direito eventual, isto é, o que pode resultar de uma situaçãojurídicaem formação. Quanto àfaculdadejuridica, pode ser entendida como poder de agir, permitidopelo direito, para satisfação de um interesse legítimo. Há faculdades jurídicas quepor si caracterizam o direito subjetivo, como, por exemplo, no direito de propriedade,a de usar, dispor e gozar da coisa. Mas há faculdades autônomas, que independemde direito subjetivo; umas decorrem de disposição legal, sendo juridicamentepermitidas, outras pertencem ao campo do lícito jurídico. O direito subjetivo não se confunde também com o licitojuridico, esfera deação social deixada à livre decisão do indivíduo, não regulamentadajuridicamente.É formado pelas aç<*-*>es sociais não disciplinadas pelo direito, exercidas livrementepelo indivíduo. É o permitido por não ser proibido pelo direito. Finalmente, Ferrara (Trattato di diritto civile italiano), com muita razão,distingue o direito subjetivo daposiçãojuridica, que, ` `afim à qualidadejurídica",é a ` `situação do sujeito em uma relação, por força da qual é chamado a agir naesferajurídica de outro. A posiçãojurídica é acidental, exterior e temporal''. São de Ferraraos seguintes exemplos de posição jurídica: ` `representante, administrador e oficialpúblico''.

151. DEVER JURmICO E OBRIGAÇÃO

No lado oposto do direito subjetivo está o deverjuridico, que consiste nasituação em que se encontra uma pessoa (sujeito passivo) de ter de praticar um atoou, ao contrário, de omitir-se, em ambos os casos em vantagem de outra, sob penade sofrer uma sanção. Sup<*-*>e, assim, vínculo que enlaça o titular do direito aodevedor. É, pois, a sujeição jurídica de uma pessoa (devedor) a outra (titular) queobriga aquela a uma prestação em favor desta, que pode exigi-la no judiciário. Nemsempre a um dever jurídico corresponde um direito. Assim, exemplificando, algunsdeveres decorrentes do pátrio poder não geram direitos aos filhos. Quando o deverjurídico consiste em uma prestação de natureza <*-*>trimonial, temos obrigação. O cumpri-

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Introdução ao Estudo do Direito

mento dela promove a circulação de bens. Tem natureza pauimonial mesmo quandoconsistir em prestação de serviços. Pode ser definidacomo o vínculo queune duas pessoas,no qual uma delas (devedor) está obrigada a uma prestação de natureza econômica àoutra (credor). Podem ser de várias espécies os deveres (obrigaç<*-*>es) juridicos. Dentre todos,se destacam: dever positivo, que importa a obrigação de dar ou de fazer, e devernegativo, que consiste exclusivamente na obrigação de não fazer (abstenção). Oprimeiro, se a obrigação for de dar, origina, modifica ou extingue direito real,decrédito ou direito pessoal, mas, se a obrigação for de ` `fazer'', reduz-se à prestaçãode serviço. No caso de dever negativo, é exigível omissão do devedor, enquanto node dever positivo, ação. Além desses dois tipos fundamentais, temos obrigaçãocontratual, que tem no contrato a sua origem ou fonte, e obrigação extracontratualou aquilcana, em razão da lex Aquilia que a previu, também denominada deverlegal, tendo por fonte a lei. Toda obrigação decorrente de ato ilícito é obrigaçãoextracontratual, portanto, legal. Da mesma forma que os direitos, o dever (obrigação) jurídico é suscetível denascimento, modif'icação e extinção. O modo regular de extinção é a execução daprestação, pelo pagamento etc. A inexecução do dever (obrigação) jurídico dá lugarà cobrança do mesmo na Justiça, além da possibilidade de "perdas e danos'' ou seja ,de indenização, desde que o credor tenha sofrido prejuízo (dano). Todavia, forçamaior ou caso fortuito libera o devedor, em virtude de estar impossibilitado, sem terculpa, de cumprir a obrigação. Deverjurídico nasce ou modiftca-se por ato, negócioou fato jurídicos ou por força de lei. O dever (obrigação) juridico distingue-se do dever moral, como muito bemdisse Radbruch (Filosofia do Direito), por ser exigível. O dever moral não pode serexigido, enquanto o não-cumprimento do dever (obrigação) jurídico pode ser acondição para a aplicação de uma sanção jurídica pelo juiz na sentença, caso sejàcobradojudicialmente.

152. EXERCÍCIO E ABUSO DO DIREITO

O uso do direito é sempre prejudicial a outrem. O credor que exige o pagamen-to, quando efetuado, produz uma diminuição no patrimônio do devedor; o proprie-tário que, guardando os limites legais, abre em seu edifíciojanelas, devassa o prédiodo vizinho. Assim por diante. Tais prejuízos ou incômodos são normais, estandoobrigado, quem os sofrer, a tolerá-los. O direito não os considera ilícitos. Entretanto, há os prejuízos anormais, produzidos pelo uso anormal do direito. Talocoire, de modo muito amplo, quando o titular usa o direito com o fim exclusivo decausar prejuízo a outrem, sem obter qualquer vantagem ou utilidade, bem como quandoo exerce de má-fé. Nesse caso, há ato emulativo. Assim, por exemplo, o art. 266 doCódigo Civil alemão disp<*-*>e : ` `o exercício de um direito é vedado quando tem por escopo<012>

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único causar dano a outrem''. Contudo, pode o titular obter vantagem pessoal como uso do direito, às vezes grandes vantagens, só obtidas usando o direito de formaincompatível com o fim econômico ou social para o qual foi constituído. Nesse caso,formahnente, o titular se mantém dentro da lei, dela se afastando pelo escopo com que usao direito. Aí, diz-se haver abuso do direito 5 Nosso direito não admite o ato emulativo e nem o abuso do direito. Lapidar-mente o nosso Código Civil (1916) limita-se, em seu art.160, a não considerar atosilícitos os praticados no ` `exercício regular de um direito reconhecido'', a contrariosensu, constitui ilícito o exercício anormal (ato emulativo e abuso do direito).b Finalmente, o direito pode ser exercido pessoalmente pelo titular ou indireta-mente por meio de outra pessoa. Neste caso, diz-se ser indiretamente exercido pormeio de representantes. Nem todos os direitos podem ser exercidos por meio deoutra pessoa.

Divergem os autores na conceituação do abuso do direito. Consideram-no: contlitode direitos(Desserteaux); conflito entre o direito e a Moral (Savatier); turbamento do equib'brio de interesses(Bosch); exercício do direito com intenção de causar dano a outrem (Capitant, DeRuggiero,Porcherot e Noto-Sardegna); uso do direito desviado de suafinalidade econômico-social (Saleil-les); abuso da liberdade (Josserand em sua primeira fase) ou uso do direito com móvel ilegítimopor ser contrário aos fins determinadores de sua instituição (Josserand); exercício putativo (deboa-fé) do direito causador de dano (Groppali); exercício do direito condenado pela consciênciasocial. mas não vedado pelo direito positivo (Rotondi).Clássicos exemplos de normas condenatórias de abuso do direito: "Não é permitidoo uso dodireito quando o seu único objeto for causar um dano a outra pessoa'' (art. 226 do Cbdigo Civilalemão de 1900) e ` `toda pessoa está obrigada a exercer seus direitos e a cumprir suas obrigaç<*-*>es,segundo as regras da boa-fé. A lei não protege o abuso manifesto dos direitos'' (art. 2" do CódigoCivil suíço de I 907). Para maiores consideraç<*-*>es, vide os nossos Elementos de Direito Civil (Riode Janeiro, Livraria Freitas Bastos S. A.,1969), ps. 229 a 269.

XXIX

ELEMENTO PESSOAL DA RELAÇÃO JURÍDICA- PESSOA NATURAL E PESSOA JURÍDICA

153. SUJEITO DO DIREITO. PESSOA NATURAL

Sujeito do direito é o ente que para o direito pode ter direitos e obrigaç<*-*>es.Ente que, para o direito moderno, se reduz à pessoa, seja a pessoa física (homem)seja a pessoa jurídica (sociedade civil, sociedade comercial, fundação). Na fasesocial pré-letrada era titular exclusivamente o grupo social (tribo) ou à

família. Naevolução jurídica, o grupo social, como sujeito do direito, deu entrada primeironocenário jurídico; hoje, principalmente sob a forma de sociedade comercial (empre-sa), agiganta-se, ensombreando o homem. Direitos e deveres têm somente as pessoas, ou seja, os sujeitos ativos outitulares de direitos, enquanto os sujeitos passivos ou devedores têm obrigaç<*-*>es. Sóas pessoas podem ser titulares de direitos. Pessoa, tanto o homem (pessoa física)como a pessoajurídica (sociedade, fundação etc.), é o centro de relaç<*-*>es jurídicas,que o direito reconhece ter personalidade; isto é, aptidão genérica a ter direitos edeveres. Aptidão que se concretiza na capacidadejuridica, que é a aptidão que tem <*-*>uma pessoa, em função de seu estado pessoal, de poder ter determinados direitos ede poder contrair determinadas obrigaç<*-*>es.

Para os jusnaturalistas (§ 192) a pessoa como sujeito de direito não é criação do direito. Por serhomem, a pessoa física é sujeito de direito, e não por força de lei, dizem osjusnaturalistas. Assim,a lei limitar-se-ia a reconhecer-lhe, e não a criá-lojuridicamente, podendo estabelecer limitaç<*-*>esou condiç<*-*>es para ter e exercer direitos (idade, saúde, nascimento com vida etc.). Já os positivistas(§ 193) distinguem o homem do sujeito do direito; este seria criação do direito,enquanto o homemnão. Nesse caso, o homem, como homem, não é sujeito do direito, passando a ser por força delei. Kelsen (§§ 197 e 200) se aproxima da posição positivista.A personalidade era desconhecida na sociedade primitiva. A situação jurldica de chefe de tribomarca o aparecimento dela. O primeiro titular de direitos, com personalidade destacada do gruposocial, foi o chefe de tribo. Depois, o pater familias; só posteriormente o indivíduo e asassociaç<*-*>es,corporaç<*-*>es,<012>

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Introdução ao Estudo do Direito

A personalidadejurídica, igual para todos, inconfundível com a personalidadeindividual, variável com os homens, é atribuída pelo direito positivo tanto ao homem(pessoa física ou pessoa natural) ao nascer com vida3 como à pessoa jurídica(sociedade civil e sociedade comercial, fundaç<*-*>es, instituiç<*-*>es, empresas públicasetc.). É ampla, enquanto a capacidade jurídica é a sua medida. No que concerne ao homem, pode-se dizer que toda pessoa tem personalidadee capacidade jurídica, mas nem toda pessoa tem capacidade defato ou capacidadede exercicio de direitos que a habilite a exercer por si seus direitos e a obrigar-se. Amenoridade, a doença mental impossibilitam-na. O menor, o incapaz ou o louco, porsi, não podem adquirir direitos, devendo agir por meio de outra pessoa capaz,denominada representante, isto é, do pai, do tutor ou do curador. A idade, a cidadania, a saúde e a delinqüência podem influir sobre a capacidadejurídica e sobre a capacidade de exercício de direitos. A idade limita ou impede

oexercício dos direitos in genere, pois não os podem exercer pessoalmente osmenores. O menor não pode, pois por exemplo, casar, não tem direito de voto. Daidade depende a capacidade penal (imputabilidade). A cidadania influi sobre acapacidadejurídica em relação a alguns direitos políticos. A saúde influi não sósobrea capacidadejurídica como, também, sobre a capacidade de exercício: o impotentesexualmente não tem capacidade matrimonial, e, se casar, anulável é o casamento;o surdo-mudo tem restriç<*-*>es em sua capacidade, bem como o portador de doençamental, quenão tem capacidade matrimonial e nem de exercício de direitos.' Tóclá pessoà física tem nome que a distingue das demais, em regra, imutável,também chamadQ;prenome. Além do prenome, tem sobrenome ou nome de família,que a sitúá em uma família, também denominado cognome. Este é transmissível emodificável péla adoção, pelo casamento, pelo reconhecimento da paternidade etc. Os atos e fatos fundamentais da vida da pessoa natural, criadores ou modifi-cadores do estado civil da pessoa ou de situaç<*-*>es jurídicas, como, por exemplo,nascimento, casamento, desquite (separaçãojudicial), morte, interdição, são regis-trados em livros próprios, que constituem o registro civil, destinado a torná-los

O concebido (nascitnro) tem proteção jurídica de ordem patrimonial, subordinada a condiçãosuspensiva: nascimento com vida. Se nascer com vida, os bens e direitos que lhe foram reservadoslhe pertencerão; mas, se nascer morto é como se não lhe tivessem sido reservados, sendo atribuídosaos que teriam direito aos mesmos, caso não ocorresse a gravidez. Se nascer com vida, a aquisiçãoocorre a partir do momento da concepção.Para saber quais as condiç<*-*>es para ser sujeito de direitos, para ter capacidadejurldica, maioridadeetc., basta abrir o Código Civil, como também para saber quem pode ter a situação jurídica decomerciante <*-*>u quais as sociedades comerciais é suficiente consultar o Código Comercial ou alei das sociedades. O Código Penal indica as condiç<*-*>es de imputabilidade, ouseja, da capacidadepenal, enquanto a lei eleitoral, da capacidade eleitoral etc.

conhecidos e autenticamente provados, por certid<*-*>es. Outrora, desde I 564, aIgreja,pelo Conci io de Trento, foi incumbida desses registros. A Revolução Francesaatribuiu-os ao Estado e, entre nós, deixou de ser da Igreja a partir da criação doRegistro Civil, em I 871, com a Lei n" I .829. Os atos nele registrados denominam-seatos do estado civil, praticados por um funcionário do Estado com base na declaraçãodo interessado ou de seu responsável. O Registro Civil é parte de um registro maisamplo, destinado a dar segurança às relaç<*-*>es juridicas, denominado Registro Públi-co, que, por exemplo, registra ou inscreve, em livros próprios, modificaç<*-*>esemimóveis (Registro de Imóveis), registra documentos (registro de títulos e documen-tos), registra a criação, modificação ou extinção da pessoajurídica etc. Mas não é só, pois toda pessoa física tem domicilio e residência. O primeiro éa sede de suas relaç<*-*>es jurídicas, o centro principal de suas atividades, noqual podea pessoa ter a sua residência. É o local em que, de modo defmitivo, fixa a suaresidência. Quando a pessoa vive, mora em local no qual não exerce sua atividade,exercida em outro, diz-se ter aí sua rescdência. Portanto, residência é o local em quea pessoa se encontra de fato, e não de direito, por não ser o lugar em que tem o

centrode seus negócios ou atividade, isto é, o centro de suas relaç<*-*>esjurídicas. Mas, quandonela tem o centro de sua atividade jurídica, domicílio e residência se confundem.

154. PESSOA JURÍDICA

Ao lado das pessoas físicas ou naturais, isto é, do homem, estão, como sujeitosde direito, as pessoasjuridicas (associação, sociedade civil ou comercial, corpora-ção, instituição, fundação), também denominadas pessoas moracs ou entidadesjuridicas. Tais pessoas podem resultar de união de mais de uma pessoa física paraatingir a um fim comum, com autonomia jurídica, independente de seus sócios(sociedade), como podem resultar da destinação de um patrimônio para determinado<*-*>fim (fundaÇão), ou, ainda, de lei (pessoajurídica de'direito público). A pessoa jurídica é construção da técnica jurídica, que atribui personalidade5a uma associação de pessoas, aum patrimônio ou serviço público, reconhecendo-lheinteresses e prerrogativas distintos dos sócios, administradores ou destinatários. Éum ente criado, primeiro, pelos costumes, depois, pelo direito. Tem autonomiajurídica em relação aos sócios, administradores ou destinatários. É centro de impu-tação de direitos e obrigaç<*-*>es, independente dos indivíduos que a comp<*-*>em ou aque ela se destinam ou que por ela agem e que por ela deliberam. Para explicá-la,surgiram várias teorias. A mais antiga, a teoria daficção, a define como ficção legalnecessária às exigências da vida econômica, atribuindo-lhe algumas prerrogativasdo homem. Para essa teoria, defendida por Savigny, a pessoajurídica é mera criação

5 O reconhecimento jurídico da personalidade das pessoas jurídicas data dos romanos.<012>

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do direito. Em oposição, temos a teoria da realidade (Gierke, Dernburg, Zitellmann,Michoud e Ferrara), que admite a existência e a autonomia do ente coletivo emrelação aos seus membros ou destinatários, com finalidade própria e organizaçãopara atingi-la. Divergem, entretanto, seus partidários quanto à natureza da realidadeda pessoajurídica: social, nada mais fazendo o direito do que a reconhecer (Gierke),ideal (Dernburg) ejuridica (Ferrara). Entre essas duas posiç<*-*>es extremas, a teoriado sujeito aparente (Ihering), que vê nela mero meio técnico apto a proteger os interessesde seus componentes ou destinatários. A nosso ver, do ponto de vista jurídico, e não sociológico, quem melhor aexplica é Ferrara (Le persone giuridiche), ao reduzi-la a um conceito técnico, quenada mais significa do que sujeito de direitos e obrigaç<*-*>es. A personalidade, escreveFerrara, é "uma categoria jurídica que por si não implica condição" alguma decorporalidade ou espiritualidade. Assim, para o direito, pessoa jurídica é simples-mente a técnica de atribuição, por lei ou contratualmente, de personalidade a umaassociação (sociedade civil ou comercial), a um serviço público (autarquia) ou a

umpatrimônio destinado por uma pessoa a uma finalidade (fundação, instituição). Daía sua realidade; não realidade perceptível pelos sentidos, mas realidade ideal, comoa de todos os institutos juridicos. Realidade jurídica, e não realidade sensível. Pondo de lado essa questão acadêmica, pode-se dizer ter a pessoa jurídicacapacidadejurídica mais restrita do que a pessoa física, não podendo ter direitos quesó o homem pode tê-los, como, por exemplo, os de famlia. Criminalmente, não podeser incriminada, pois, pelos ilícitos penais, que em seu nome forem praticados,respondem os seus diretores. Pode extinguir-se por força de lei (pessoajurídica dedireito público) ou por vontade de seus membros ou dos sócios. Tem denominaçãoou designação social, que as individualiza, bem como sede ou domicilio, que,geralmente, é o lugar em que se encontra a sua administração principal. Podem serde direito público e de direito privado. As primeiras são investidas dejus imperii,de poder público destinado a exercer um serviço público, enquanto as segundas têmcapacidade jurídica ampla no campo do direito privado. São elementos da pessoa jurídica: a) meios econômicos, constituídos pordestinação legal, isto é, pela lei que a instítuir, no caso de pessoajurídica dedireitopúblico; porcontribuição dos sócios (sociedades civis ou comerciais); pordestinaçãode uma soma razoável de bens pelo fundador por escritura pública ou por testamento(fundação); b) elemento pessoal, isto é, pessoas que se vinculam para constituí-laatravés de ato de constituição ou de contrato social (sociedades civis ou comerciais),ou que são indicadas ou nomeadas para gerir os meios econômicos destinados porlei (pessoa jurídica de direito público) ou incumbida pelo fundador (fundação). Nasociedade civil ou comercial e na de direito público, a organização surge primeiro,enquanto na fundação é aposteriori à destinação dos meios; c) escopo, que pode sersocial, financeiro, comercial, serviço público; em qualquer caso, durável e determi-

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Introdução ao Estudo do Direito

nado; d) reconhecimentojuridico, promovido pelo Estado, através de procedimentosprevistos em lei, exclusivamente no caso da pessoa jurídica de direito privado(sociedades civis, sociedades comerciais e fundação), porquanto a de direito públicoé criada por lei. Associação efundação, eis a distinção fundamental que se faz no terreno daspessoas jurídicas. A primeira se caracteriza pela união permanente de pessoas paraatingir um escopo comum, enquanto a fundação, pela destinação de um patrimôniopara um fim determinado, para o qual se comp<*-*>em uma organização destinada aadministrá-lo, a fim de atingir a sua ftnalidade.

As pessoas jurídicas de direito privado podem ser civis e comerciais. Asprimeiras são de dois tipos: associaç<*-*>es, também denominadas corporaç<*-*>esousociedades civis, constituídas pela união de pessoas, destinada a criar um sujeito dedireito diverso delas, destituídas de finalidade econômica, sem haver direitos ouobrigaç<*-*>es recíprocos entre os sócios, e fundação, instituída pela destinação, por

testamento ou por escriturapública, de bens para ftnalidade religiosa, moral, cultural,ou assistencial etc. Já a sociedade comercial é a constituída por contrato (contrato social) de duas ou mais pessoas com a flnalidade de exercer uma atividade econô- mica, seja empresarial seja fmanceira, tendo sempre fim lucrativo. Pode ser: "socie- dade de pessoas", por exemplo, sociedade por cotas de responsabilidade limitada, e

"sociedade de capitais", por exemplo, sociedade anônima. Tanto as civis como as comerciais são constituídas por contrato (contrato social). Algumas sociedadesciviso são por ato jurídico plurilateral, e não por contrato. A doutrina moderna admite no campo do direito privado uma forma decentralização de interesses juridicamente protegíveis: a sociedade defato, despro-vida de personalidade jurídica, denominada também por "sujeito coletivo nãopersonalizado" (Messineo, Manuale di Diritto Civile e Commerciale), que, tendopatrimônio comum, constitui uma comunidade de interesses, sem ser, entretarito,pessoajurídica. fi

Concluindo, pode-se definir a pessoajurídica como o sujeito de direito criadopela manifestação de vontade de duas occ mais pessoas (pessoajuridica de direitoprivado) ou pela lei (pessoa juridica de dcreito picblico), com personalidade, interesses e patrimônio independentes dos sócios ou dos administradores. Pessoa

A jurisprudência de nossos tribunais nela encontrou o meio de amparar a concubina no caso derompimento do concubinato (vide: Dicionário de Direito de Familia do Autor, verbetes: ` `Con-cubinato" e "Sociedadeconcubinária").

No direito moderno temos empresas públicas, órgãos da administração descentralizada, e socie-dades de economia mista, em que o Estado tem a maioria das aç<*-*>es, acionadas no foro comum,como qualquer pessoa jurídica, salvo quando a União intervém, assumindo a posição de parte,deslocando então, a competência para a Justiça Federal.<012>

258Paulo Dourado de Gusmão

jurídica é expressão que só juridicamente tem sentido e quando é empregada emoutros ramos do saber é sempre no sentido jurídico acima dado. No campo proces-sual, apesar de destituídas de personalidade, tem legitimação para ingressar emjuízo,na defesa de direitos e de bens dos quais Ihes cabe a tutela, o espólio (direitos e bensde pessoa falecida objetos de inventário) e a Massa Falida. Pode-se dizer que nessescasos temos uma "quase pessoajurídica" (Gabriel Nettuzi Perez).

XXX

FONTES DO DIREITO SUBJETIVO - FATO,ATO E NEGÓCIO JURÍDICOS - ATO ILÍCITU-OBJETO DO DIREITO

155. FATO, ATO E NEGÓCIO JURÍDICOS. ATO ILÍCITO

Os direitos subjetivos e as obrigaç<*-*>es dependem de pressupostosjuridicos

(tatbestand), que a doutrina francesa denomina por fatos jurídicos (faitjuridique) eque nós preferimos chamar de fontes de direitos e de deveres. Tais fontes ou"pressupostos jurídicos" são osfatosjuridicos, isto é, os acontecimentos a que odireito atribui conseqüências juridicas, aptos a criar, modificar, transmitir ouextin-guir relaç<*-*>es jurídicas. Tais fatos podem independer da vontade humana (terremoto,nascimento, morte) como podem dela depender (contrato, testamento, casamentoetc.). Os primeiros são fatos jurídicos em sentido amplo, enquanto os segundos, emsentido restrito, denominados propriamente de atos jurídicos, que produzem conse-qüênciasjurídicas (atos lícitos e atos ilícitos). Os atosjurídicos, no sentido de ato lícito,segundo a doutrina alemã, hoje acolhida pela maioria dos civilistas, com exceçãodos franceses, subdividem-se em ato jurídico e negócio jurídico. Divergem osautores sobre os critérios dessa distinção: para uns, atojuridico seria o ato unilateral,que independe, para a sua formação, do concurso da vontade de outra pessoa(testamento, doação), enquanto negóciojurídico seria o ato bilateral que dependedeacordo de duas ou mais vontades, como o contrato de locação. Já outros pensam queo ato jurídico seria o que, dependendo da vontade, não exige a manifestação destapara se formar, como a ocupação de um imóvel, enquanto o negócio jurídico sup<*-*>ea manifestação da vontade para produzir efeito jurídico, como o contrato de com-pra-e-venda. Mas, a nosso ver, nenhum desses critérios satisfaz, talvez por issoosfranceses, com o senso de precisão e de clareza que lhes é peculiar, preferiram nãoa acolher. Procederam corretamente por haver atos que sup<*-*>em manifestação devontade e consenso, como o casamento, que não é negóciojurídico, mas atojurídico.Por isso temos sustentado encontrar-se no critério econômico o traço dessa distinção,transpondo uma categoria econômica - negócio - para o campo jurídico, transforman-do-a em negócio jurídico. Assim, para nós, atojuridico é todo ato que não tem imediata<012>

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ou diretamente natureza patrimonial, como, por exemplo, casamento, adoção, eman-cipação etc., enquanto negóciojuridico é a declaração expressa de vontade destinada aproduzir efeitos jurídicos de natureza patrimonial, como o contrato. O Código Civil e oCódigo Comercial estabelecem os tipos padr<*-*>es de contratos (tipos legais), modi icáveispelos contratantes, desde que respeitados os seus requisitos básicos. O atojurídico pode ser de direito privado, exemplifcando, casamento; e de direitopúblico, como a lei, a sentença, o ato administrativo' etc. Tanto um como outro podemser normativo de forma geral (lei, regulamento, estatuto de uma sociedade, contratocoletivo de trabalho etc.), se contiver norma de natureza geral, e normativo singularmente(contrato, sentençaetc.). Os normativos, dotados de generalidade, pertencem à categoria de ato-regra ou ato-normu, denominação dada por Duguit. No terreno dos atos e negócios jurídicos, ou seja, dos atos de direito privado,

domina o princípio de autonomia da vontade, também denominada autonomiaprivada, que é o poder de os particulares decidirem sobre os seus negócios, deadministrar e dispor livremente de seus bens através de atos e negócios jurídicos.Autonomia, que compreende a liberdade contratual, que pezmite a pessoa contratarna forma que melhor satisfaça a seus interesses, não devendo sofrer coação deespécie alguma para celebrar contratos. Se sofrer, poderá anular o negócio. Entretan-to, a liberdade contratual ou negocial pode ser limitada pela lei em alguns tipos decontrato, como, por exemplo, no de seguro, isto é, no contrato de adesão. Já o atoadministrativo e os demais atos jurídicos de direito público praticáveis pela Admi-nistração Pública são regidos pelo princípio de discricionalidade, que permite àAdministração tomar a decisão mais oportuna, tendo em vista os ftns estabelecidospor lei. Podem ser os atosjurídicos unilaterais, quando dependem de uma só manifes-tação de vontade, como o testamento; bilaterais, quando decorrem de acordo entreduas vontades, ou seja, de consenso, perseguindo fins e interesses diversos, como ocontrato de compra-e-venda, e complexos ou coletivos, se sup<*-*>e a união de vontadesde mais de uma pessoa para alcançar fim comum, como, por exemplo, a constituiçãode uma sociedade. Levando em conta as vantagens que podem resultar do atojurídico, pode-se distinguir o ato a titulo oneroso do ato a titulo gratuito. Noprimeirohá vantagens patrimoniais recíprocas, estando cada parte obrigada em relação a outraa uma prestação (prestação de uma e contraprestação de outra), como, por exemplo,no contrato de compra-e-venda (venda por parte de uma e pagamento do preço porparte da outra), enquanto no ato a ` `título gratuito'' só uma das partes é beneficiadapatrimonialmente, não tendo qualquer vantagem o celebrante, como no caso da

O ato administrativo recebe denominaç<*-*>es diferentes: provimento, decreto, resolução, dedibera-ção de órgão colegiado; portaria, regimento etc.

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doação. Distinguem-se também os atosjuridicos "inter vivos", cujos efeitos sãoproduzidos em vida de seus autores, como a locação de imóvel, dos atos "mortiscausa' ', quando os efeitos devem ocorrer depois da morte do celebrante, como otestamento. Podem ser ainda consensuais, se dependerem exclusivamente de con-senso (exemplo: contrato de compra-e-venda ou de locação), independente dequalquer formalidade, e não-consensuais ou solenes, quando a manifestação devontade deve observar forma prescrita por lei para sua validade (casamento, porexernplo). Os atos juridicos sup<*-*>em condiç<*-*>es de validade, tais como: capacidade econsentimento das partes, objeto lícito, e, para alguns atos, condiç<*-*>es relativas àforma que devem revestir: escritura pública (exemplo: na compra e venda de imóvela escritura pública), forma solene (no casamento, p. ex.). Faltando essas condiç<*-*>es,é passível de nulidade (nulidade absoluta) ou de anula<*-*>ão (nulidade relativa). Nulo sefaltar-lhes um de seus elementos essenciais ou se for contrário à expressa disposiçãolegal. A nulídade decorre de lei, não dependendo da vontade da parte prejudicada.

É imprescritível. Anulável, quando viciada a vontade que Ihe der origem. O direitosó protege a vontade consciente e livremente manifestada. Ineficaz é a viciada,obtida por coação da parte interessada, isto é, quando conseguida por constrangi-mento, violência, ou melhor, coação (moral ou física) ; quando resultar de manobrasfraudulentas de outrem, ou seja, de dolo, bem como se manifestada por erro quantoà pessoa da outra parte ou erro quanto à coisa objeto do negócio. Assim, ocorrendoerro, dolo ou coação, o ato é anulável, e não nulo. Nesse caso, depende da vontadeda parte prejudicada. É, por isso, suscetível de prescrição. Não promovida peloprejudicado no prazo legal a anulação (nulidade relativa), o ato torna-se perfeito,intocável. Tal não ocorre em havendo nulidade, invocável a qualquer tempo. Em se tratando de ato de direito público, é condição de validade a competência_da autoridade que o praticar. Competência no campo do direito público corresponde àcapacidade no do direito privado. O ato de direito público pode ser também viciado:quando ocorrer falta de competência da autoridade que o praticar, desrespeito à lei oua regulamento, abuso de poder ou violação da Constituição etc. Quando tal ocorrer, aviajudicial será o caminho para cassá-io, para impedir ou suspender a produção de suasconseqizências, sempre a requerimento do interessado, ou por iniciativa de qualquercidadão (ação popular). Viciado o ato, pode ser revogado também pela própriaautoridade. O ato jurídico pode ser pessoalmente celebrado pelo beneficiário de suasconseqüênciasjurídicas, como pode ser por intermédio de outra pessoa. Nesse últimocaso, a pessoa que o celebrar estará agindo em nome e no interesse do autor do ato.Quando tal ocorrer, diz-se haver representação. Há representação legal: doincapaz, do interdito, prescrita por lei, que indica quem deve exercê-la (pai, tutor,curador), e representação voluntária, que sup<*-*>e a capacidade do representado, que<012>

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dá poderes, através de contrato (mandato) para outrem celebrar ou praticar atosespecificados no instrumento (procuração). Também o ato de direito público pode ser celebrado por meio de pessoa ouórgão diverso daquele que pela lei ou pela Constituição pode praticá-lo. Nessahipótese é necessário delegação de poderes ou de competência, desde que a lei aadmita. Havendo silêncio na Constitcição ou na lei, a delegação não é possível,imperando, o princípio: delegata potestas non potest delegari. Todavia, algunssistemas constitucionais modernos admitem a possibilidade de delegação de poderesmesmo no silêncio da Constituição, como a dos Estados Unidos. Forma mais restritade delegação é a delegaÇão de atribuiç<*-*>es, pela qual um órgão delega poderesaoutro, que lhe é subordinado, para praticar certos atos, como, por exemplo, adelegação de poderlegislativo pela Câmara Legislativa aumacomissão parlamentar.A delegação pode ser para a formulação de lei (lei delegada), de ato normativo ou

para celebração de contrato ou outro atojurídico. Compondo-se de muitos membrosas câmaras legislativas no Estado modemo, é comum essa forma de delegação,constitucionalmente prevista, a comiss<*-*>es especializadas, que dinamizam e facili-tam o trabalho do plenário. Prova-se o ato jurídico pelo documento que o contiver, por pública-formafornecida por tabelião, por fotocópia ou xerocópia autenticada por tabelião, peloregistro do ato no Cartório de Títulos e Documentos, por certid<*-*>es do registropúblico ou por certidão de peças do processo, por testemunhas nos casos em que alei a admitir, pela confissão ou pelo reconhecimento de sua existência pelo própriocelebrante (autor) do mesmo. Podendo produzir efeitos contra terceiros, exige a lei para a ef'icácia de certosatos contra terceiros a publicidade dos mesmos, que se opera registrando-os noRegistro Público ou publicando-os nó Diário Oficial e, em certos casos, publican-do-os também em jornais de grande circulação. A publicidade dos atos normativosde direito público se dá no Diário Oficial, produzindo efeitos, salvo disposiçãoem contrário, a partir da data de sua publicação. Quando exigida por lei, a falta de publicidade tem conseqüênciajurídica, como,porexemplo, não ter eficácia o negócio jurídico em relação a terceiros, apesar deválido e eficaz para as partes, exemplificando, a venda de automóvel, que, para valercontra terceiros, deve ser registradano Cartório de Títulos e Documentos, bem comono órgão da Administração Pública competente. Os <*-*>tos jurídicos podem conter elementos acidentais, tais como condição e termo.Contendo esses elementos, os seus efeitos dependem da ocorrência dos mesmos.Condição é o acontecimento fiuuro e incerto do qual depende o início (condiçãosuspensiva) ou término (condição resolutiva) dos efeitos do ato jurídico. Termo é oacontecimentofuturo e certo que marca o começo ou a extinção dos efeitos do ato,uma data, por exemplo. Pode ser inicial efinal. O primeiro marca o início dos efeitos

do ato, enquanto o segundo, o término dos mesmos. Assim, o termo estabelece otempo de duração dos efeitos do ato jurídico. Portanto, condição e termo são aconteci-mentos futuros, diferenciando-se por ser incerta a condição, enquanto certo, o termo. O ato e negócio jurídicos, sendo manifestaç<*-*>es de vontade, dependem deinterpretação destinada a descobrir o que as partes realmente pretendem em funçãoda natureza do negócio jurídico. Pela interpretação descobre-se o sentido da mani-festação de vontade das partes, que deve prevalecer, independénte da intenção dasmesmas, sobre a letra do negócio. Finalmente, o ato jurídico pode ser licito, se for de acordo com o direito, eilicito, contra legem. Ato ilicito gera a obrigação de indenizar ou a obrigação de sofrer uma pena. Podeser: ilicito penal, se transgride norma penal, tendo como conseqüência jurídica a pena(restritiva da liberdade, pena pecuniária, pena de morte e pena alternativa comoserviçoprestado à comunidade) aplicável ao delinqizente, e ilicito civil, que consiste nodescumprimento de dever legal ou de obrigação contratual, causador de dano à pessoaou a seus bens, que origina a obrigação de indenizar. Só há, pois, ilícito civilse ocorrerdano, não exigível no ilícito penal. Este pode se configurar pela tentativa, em que nãohá dano ou prejuízo, por não ter ocorrido o evento, que só foi tentado. Dano

punível éo dano injusto, pois o praticado no exercício normal do direito é lícito. No ilícito, ao contrário do que ocorre nos atos lícitos, o agente persegue fimilícito, sendo a conseqüência jurídica (pena, reparação do dano) imposta pela lei,contra a sua vontade e interesse.

Os atos ilícitos podem ser dolosos, se deliberadamente o agente causa o estadoantijurídico ou se assume o risco de causá-lo, e culposos, se produzidos sem intenção,por falta de diligência. O ato ilícito é fonte de responsabilidade civil, isto é, da obrigação de repararo dano. A base da responsabilidade civil é a culpa: dolo, isto é, intenção de causaro dano; culpa, em sentido técnico-jurídico, configura-se pela negligência, imperícia,falha técnica, imprudência. Se penal, o ato ilícito é fonte de responsabilidadepenal,ou seja, da obrigação de o autor, julgado culpado pelo crime que praticou, sofreruma pena, prevista na lei penal, fixada por sentença definitiva. Para que hajaresponsabilidade penal é necessário: a) que o ato praticado seja de antemão definidopor lei como crime; b) que o agente tenha capacidade penal (maioridade penal enormalidade mental); c) que o fato não tenha resultado de caso fortuito, força maior,ou não tenha sido praticado em legítima defesa. Enquanto a responsabilidade penalé pessoal, não passando da pessoa do delinqüente, não atingindo assim a seustamiliares, a civil, que tem exclusivamente conseqüências patrimoniais, no caso demorte do culpado pelo evento, pode obrigar aos herdeiros, na medida da herança, areparar o dano.<012>

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Paulo Dourado de Gusmão

156. OBJETO DO DIREITO. COISA E BEM

Toda relação jurídica, todo direito subjetivo e toda obrigação têm um objeto(objeto do direito).2 Como entendê-lo? De modo amplo, pode-se dizer que, sendo odireito a vinculação de mais de uma pessoa para satisfação de interesse legítimo, o objetodo direito é a ação (ação ou omissão) de outra pessoa para alcançar tal fim. Ferrara(Trattato di diritto civile italiano) defende esse sentido. Assim, no direito decréditoseria a prestação, o pagamento; no de alimentos, a prestação alimentícia; nos direitospersonalíssimos, o respeito por parte de todos à liberdade, à honra, à vida etc.decada um. Mas os últimos, isto é, o direito à vida, direito à liberdade, à integridadecorporal etc., provocaram a questão da possibilidade de direitos sobre a própriapessoa. Windscheid admite-os, enquanto a maioria dos tratadistas negam-nos, nãoadmitindo direitos sobre a própria pessoa, por entender que, no caso dessesdireitos, o titular não pode dispor do bem protegido, por se confundir com ele,havendo só direito à vida, e não sobre a vida, direito à liberdade, e não sobre aliberdade, tendo as demais pessoas, em virtude de se tratar de direitos absolutos, aobrigação de respeitá-los ou de se absterem de qualquer ato capaz de ameaçar ouprejudicar o bem protegido pelos mesmos. Tecnicamente, deve-se distinguir no direito subjetivo o conteúdo do objeto. Oconteúdo é formado pelo conjunto de prerrogativas, de faculdades e interesses,

juridicamente protegidos, que detém o titular, enquanto o objeto do direito, pelosbens suscetíveis de gozo e de disposição por parte do mesmo. Dentro desse conceitotécnico e restrito, objeto do direito se confunde com coisa, isto é, tudo que o homempossa submeter ao seu próprio domínio, diretamente, como no caso da propriedade,ou indiretamente pela prestação de outra pessoa, como no caso de direitos de crédito.Por coisa entende-se tudo que no espaço pode ser determinado, passivel de sersubmetido à vontade humana, suscetivel de estimação em dcnheiro direta ouindiretamente. Tem assim a noção de coisa (res) característica econômica oupatrimonial. Não é só o que se vê, mas o que é perceptível pelos demais sentidos,

O termo "objeto", como disse Ferrara (Trattato di Diritto Civile) é "usado em vários sentidos.Fala-se de objeto do direito no sentido de objeto do poderjurídico, bem como de objeto da normajuridica, para indicar as relaç<*-*>es da vida juridicamente reguladas, e de objeto do ato juridico,signifcando os direitos que por força do mesmo ato são constituídos, modificados, transmitidosou extintos, e, ainda, de objeto da prestação para indicar a coisa''. No mesmo sentido Coviello.Por isso, há quem prefira o termo objetojuridico a "objeto do direito", no sentido de "objetoqualificadojuridicamente'', compreendendo não só direitos, como, também, obrigaç<*-*>es, créditos,direitos reais e coisas (Locatelli). A grande maioria dos autores admite que "objeto do direito"tem sentido amplo, não se reduzindo à coisa, compreendendo coisa corporal ou imaterial,patrimonial ou não-patrimonial, prestação, comportamento humano (trabalho) etc. Em sentidorestrito confunde-se com coisa.

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Introdução ao Estudo do Direito

como a eletricidade. São de várias espécies, sendo as principais as seguintes: coisasimóveis, que por natureza ou por destinação não podem circular, como o prédio e oque a ele se destina ou tudo o que a ele se adere, e coisas móveis, que, por natureza,podem ser movimentadas no espaço sem se alterarem ou podem circular no meiosocial de forma inalterável; coisas no comércio, que podem ser objeto de venda,troca, empréstimo, ou seja, de direitos privados, e coisasfora do comércio, que nãopodem ser, por força de lei ou por natureza, objeto de direitos, comoascoisasdo domíniopúblico, o mar etc.;3 divisiveis que admitem divisão sem sofrer alteração em suanatureza, como, por exemplo, a manteiga, e indivisiveis, que material ou economi-camente não admitem divisão; materiais, perceptíveis pelos sentidos (quae tangipossunt), e imateriais, não perceptíveis pela visão, podendo ser pelos demaissentidos, como a eletricidade etc.; consumiveis, isto é, as modificáveis, que podemextinguir-se pelo uso normal a que se destinam, como o feijão, e inconsumiveis, quepelo uso normal não sofrem alteração. O objeto do direito pode não ter utilidade estimável em dinheiro. Nesse caso,juridicamente, não se trata de ` `coisa'', mas de ` `bem'', que Rotondi (Istituzioni didirittoprivato) assim define: ` `entidade que possa ser objeto de gozo e de

disposiçãoautônoma'' sem caráter patrimonial. Das coisas e dos bens se distinguem osfrutos, ou seja, o produto de uma coisa,dela separável, capaz de tornar-se objeto de direito. É, portanto, tudo o que produzou rende uma coisa, sem lhe alterar a substância. Os frutos podem ser naturais(banana, manga etc.) e civis (juros do capital). Podem ser, ainda, pendentes (p.ex.: em um laranjal, as laranjas verdes, ainda não amadurecidas, que podem serobjeto de venda) e separados (no exemplo acima, as laranjas colhidas para avenda, vendidas ou para consumo do proprietário do laranjal); percebidos (jáproduzidos, armazenados, alienados pelo titular da coisa produtora) e percipien-'dos (os que podem vir a ser percebidos ou, ainda, que podem ser percebidos sediligente for o titular); consumidos (gastos ou extintos pelo uso ou extintos parao proprietário da coisa em virtude de alienação: venda, doação etc.) e existentes(ainda não consumidos); industriais (dependendo de atividade humana paraserem produzidos) e naturais, que independem de ação humana.

Dentre as coisas fora do comérc_o encontram-se as coisas públicas, que são inalienáveis eimpenhoráveis, não sujeitas a usucapião. As coisas públicas, em oposição às particulares, queestão no comércio, dividem-se em: a) bens de uso comum, que podem serusados por todos (praia,estrada, rua, praça etc.); b) bens de uso especial, reservados ao serviço público (hospital,quartel, museu etc.); c) dominiais, que pertencem à pessoa de direito público (Estado,Município etc.) sobre os quais tem verdadeiro domínio (fazenda, terreno etc.). As últimasintegram o patrim<*-*>nio do Estado. Os bens públicos podem ser ainda: federais,estaduais emunicipais.<012>

Sexta Parte

HISTÓRIA DO DIREITO<012>

XXXI

EVOLUÇÃO DO DIREITO POSITIVO- FORMALISMO DO DIREITO ARCAICO- DIREITO EGÍPCIO, BABILãNICO E HEBRAIGO- CÓDIGO DE MANU - DIREITO GREGO ARCAICO,ROMANO E MEDIEVAL - DIREITO PRIVADO NA lllADE MÉDIA - DIREITO FEUDAL, DAS CmADES E DASCORPORAÇÊES DE MERCADORES - OS GLOSADORES- DIREITO CANãNICO - FORMAÇÃO DO DIREITO PRIVADO OCIDENTAL - DO DIREITO MODERNO AO DIREITO CONTEMPORÂNEO

157. EVOLUÇÃO DO DIREITO POSITIVO

O direito, nos primeiros tempos, manteve-se vigente graças à memória dossacerdotes, que foram os primeirosjuízes; depois, da decisão dos mais velhos ou deum chefe, que tinham competência para decidir os litígios. Transmitiu-se oralmente :a princípio. Era então tradição sagrada. Cada caso a rememorava e devia ser decididocomo o antecedente. Nesse tempo, inexistiam códigos ou leis. Secreto era o conhe-cimento do direito, guardado com muito zelo pelos sacerdotes ou pelos mais velhos,

que assim mantinham as suas posiç<*-*>es sociais e privilégios. Com o tempo, o direitotornou-se o conjunto de decis<*-*>es judiciais, casuístico, mantido ainda em segredo.Muito depois, tais decis<*-*>es, sendo ininterruptamente repetidas, tornaram-se costu-meiras. Surge assim da sentença o costumejurídico. Mas, em algumas comunidadesa indiscrição de um escriba revela o segredo guardado pelosjuízes (sacerdotes), tornando-opúblico, como ocorreu em Roma com o lus Flavianum, direito dos pont<*-*>ces revelado em304 a.C. pelo escriba Gneo Flavio. Então, das sentenças surgiu a lei, ou melhor,o código.lFinahnente, em outras comunidades, reis-legisladores-sacerdotes reduziram a escritoas principais sentenças imemoriais, como fizeram Hamurabi e os reis sumerianos

1 O direito passa então a resultar de um ato de vontade: le droit n 'est pas donné mais construit (Dabin, Théorie Générale du Droit).<012>

270Paulo Dourado de Gusmão

anteriores. Nesses códigos nota-se perfeitamente a origem casuística de seus precei-tos. Aí também da sentença surgiu a lei. Assim, parece-nos que o direito inicialmentefoi casuisticamente estabelecido, formulado em decis<*-*>es judiciais, proferidas pelosiniciados em uma ciência jurídica secreta. Surgiu primeiro como sentença, querepetida originou o costume, a mais antiga fonte do direito. O direito, escreveDeclareuil (Roma y la organización del derecho, trad.), mais antigo foi exclusiva-mente consuetudinário, tendo por origem, geralmente, a ` `decisão tomada um diapor um chefe ou uma sentença, conhecida ou não como tal'' (Declareuil). Apenas ,escreve Cogliolo (Filosofia do direito privado, trad.), "um povo deixa a vidanômade e se apresenta com certa solidez, as contendas privadas deixam de serresolvidas com as armas na mão e passam a ser decididas pelo chefe da tribo, pelopai de famlia ou pela pessoa mais velha e mais respeitada. A primeira fonte dodireito é, pois, a sentença do juiz. Antes de existirem os costumes e as leis, existiamas sentenças dos chefes''. A repetição e a autoridade do chefe que as prolataramtornaram-nas precedentes, surgindo assim o costume. À medida que as relaç<*-*>esjurídicas multiplicaram-se, tornando-se complexas, e que as sociedades pluraliza-ram-se, tornaram-se incertos os costumes, sendo então compilados por sacerdotesou por determinação real.2 Tal é a origem dos antigos códigos, como, por exemplo,o de Hamurabi. O direito primitivo era respeitado religiosamente, não só pelo temor às suassanç<*-*>es draconianas e desumanas, como, também, por medo da ira dos deuses quepoderia se manifestar por epidemias, secas, chuvas etc, como acreditavam os povosdas primitivas culturas. Por isso, o direito primitivo tinha caráter religioso, erasagrado, sendo, em razão disso, como dissemos, os sacerdotes os primeiros juristas.A maioria dos legisladores antigos declarava ter recebido as suas leis do deus dacidade ou do grupo social. Os códigos sumerianos, dentre os quais o de Hamurabi,eram apresentados como transmitidos pela divindade da cidade à qual pertencia orei-legislador. Daí o ilícito se confundir com o pecado, isto é, com o desrespeito àdivindade que as ditou. Neles não há distinção entre direito civil e direito

criminal,podendo-se dizer que do direito penal surgiu, como bem disse Ihering (L 'Ésprit dudroit romain, trad.), o direito civil. A noção de culpabilidade lhe é estranha,respondendo o criminoso pelos seus atos, independente de culpa, juntamente comsua família, sendo destruídos os seus pertences e tudo o que ele houver tocado comsuas mãos. Da mesma fotzna, débito não pago significava pecado, sendo o devedorfaltoso :<*-*>acrificado pela prestação não executada. O juramento dava segurança aos

2 Compilado, deixou de acompanhar de perto as transformaç<*-*>es sociais. Petrificou-se, tomando-se necessária a obra do técnico, destinada a readaptá-lo à realidade social. Eis a origem dos juristas, dos pretores romanos e dos jurisconsultos (§ 163). Dessa necessidade surgiu também a ciênc_a do direito, com as Instituiçôes de Gaio, com os glosadores (§ 164), os pandectistas alemães e os civilistas franceses.

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Introdução ao Estudo do Direito

negócios. Predominava a crença de que não honrá-lo ofendia aos deuses. Se talocorresse, o grupo poderia sofrer as conseqüências da ira divina, salvo se o faltosofosse exemplarmente punido. Os sacerdotes-juízes ou os reis-juízes invocavamdivindades para saber com quem estava a verdade, a fim de que, com sua intervenção,fosse apontado o criminoso, protegido o inocente, castigado o culpado. Osjulgamen-tos de Deus (ordálio), sob a forma da prova do fogo, do veneno ou de duelo, eramempregados para descobrir o responsável pela falta. A princípio, a violação docostume deu lugar à justiça privada, a ` `Lei de Talião'' (dente por dente, olhoporolho), impondo represália igual à ofensa (pena privada). Porém tal solução, fonte deinsegurança e intranqüilidade, acabou substituída pela composição pecuniária, aprincípio maior que o prejuízo, em regra o dobro, inicialmente com caráter faculta-tivo (pena privada), como prescrevia, por exemplo, o Código de Ur-Nama, desco-berto depois da última guerra, contido na ` `tabuinha de Istambul' ', muito anteriorao de Hamurabi. O formalismo, o cerimonial, caracteriza o direito arcaico, prevalecendo aforma, os atos simbólicos, os gestos, as palavras sagradas e os rituais sobre oconteúdo dos atos ou das aç<*-*>es. O formalismo era sua marca registrada. As pessoasnão tinham direitos, que praticamente pertenciam ao grupo. Pertencer ao grupoimportava ter deveres, e não direitos. O contrato era celebrado entre grupos. Osdireitos individuais e os contratos individuais só tardiamente apareceram no Egitoe na Mesopotâmia. Daí a procedência da lei de Maine: a evolução jurídica secaracteriza pela passagem do regime de status ao regime de contrato 3 Em Roma, aprincípio, só os chefes de familia tinham direitos. No seio da famlia, a vontadedopaterfamilias era a lei, ou seja, a vontade do chefe da família tinha autoridadeabsoluta sobre os seus membros, sobre os escravos e também sobre todas as coisasa ela pertencentes. Cabia-lhe, igualmente, julgar e punir os membros faltosos. Foi esse direito que permitiu a coesão e sobrevivência do grupo. Tivemos deesperar os romanos para termos a autonomia do direito em relação à Moral e à Religião.

158. FORMALISMO DO DIREITO ARCAICO

O formalismo caracteriza, como dissemos, a vida social das sociedades antigas.No direito arcaico predomina o formalismo, presente até Roma. No entender de H.Lévy-Bruhl, é o regime no qual predomina a forma sobre o fundo, sendo suficientea observância de formalidades preestabelecidas para produção de efeitos jurídicos,

3 Durkheim, e sua escola sociológica, também defendiam essa tese, acolhendo estudos de R. Smith, segundo os quais os primitivos contratos estariam concluídos com a observânciado blood-cove- nant, isto é, com a mistura de gotas do sangue dos contratantes (chefes de tribos, de fatxu7ias) unificando status.<012>

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Paulo Dourado de Gusmão

independente da intenção do autor do ato. O formalismo, segundo o ilustre jurista esociólogo francês, sup<*-*>e certo automatismo, comparável a um mecanismo deprecisão. Introduz nas relaç<*-*>es sociais a segurança que reina na natureza (Aspectssociologiques du droit). O emprego de uma fórmula, de um rito, de um símbolo, semcontestação possível, produz o resultado previamente conhecido. Marca o direitoantigo em todos os seus aspectos, pois nele, como nota Fustel de Coulanges (A cidadeantiga, trad.), o exterior, a letra, é tudo, não sendo pensável naquele tempo ainvestigação do sentido ou espírito da lei. As palavras são sagradas, devendo serrepetidas corretamente para que sejam produzidos os efeitos jurídicos desejados.Devido a isso, o direito arcaico é constituído de formas e fórmulas sagradas,religiosamente conservadas, como ensinava Cogliolo (Filosofia do direito privado,trad.), pelo receio de serem perdidas. Permitiu o formalismo por largo tempo queanorma jurídica fosse visível, e assim possibilitava, como esclarece Cogliolo, ter nosolhos o direito, não como conjunto de conceitos, mas de atos. Havia, continua Cogliolo,nas fórmulas sagradas "alguma coisa de misterioso que se temia violar e se respeitavacomo imposta por uma força superior. Esses símbolos não deviam ser substituídos,aspalavras prescritas deviam ser repetidas sem variaç<*-*>es, porque se receava mudar o efeitomudando a forma''. O formalismo jurídico, preleciona Cogliolo, comp<*-*>e-se de duas partes distin-tas: atos e palavras. A princípio, o ato destaca-se; depois são mais importantesaspalavras fielmente pronunciadas, do que as escritas. Da palavra "surgiu o direito<*-*> ,da fórmula, a ação judicial'' (Cogliolo). Com o tempo, a palavra e as fórmulas perderam o significado arcaico, sendomantidas pelo uso. Tardiamente, o homem delas se libertou, não totalmente, pois atéhoje, sem caráter sagrado, algumas fórmulas e formas são usadas em atos legislativose em certos atos e negócios jurídicos, como, por exemplo, o compromisso nocasamento ou a forcna (escritura pública) na compra-e-venda de imóvel.

159. DIREITO EGÍPCIO

Na Civilização Egípcia predominou, como nas demais teocracias da Antigizi-dade, a Religião. Por isso, o direito egípcio sofreu a influência do elemento religioso.O seu er.tudo é difícil pela precariedade das fontes. Os documentosjurídicos egípcios(atos jurídicos e decis<*-*>es judiciais) desafiaram os séculos em papiros, que o climaseco do Egito conservou até nós. O mais antigo que se conhece é o Papiro de Berlim,da VI Dinastia (2420-2294). Luta-se assim no estudo desse direito com a deficiênciade fontes. Sabe-se que as terras eram de propriedade do re<*-*>, podendo as castasprivilegiadas usufruí-las, pagando tributos altíssimos à Coror. Compra-e-venda deterras não era conhecida, reduzindo-se o direito de propriedade e dos contratos a

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locaç<*-*>es de serviço e a transaç<*-*>es com bens móveis, objetos de propriedade privada. As obrigaç<*-*>es a serem cumpridas no futuro eram assumidas mediante juramento, com invocação do nome (não de deuses), mas do Faraó, como garantia de sua observância. Em virtude da crença na continuidade da vida depois da morte, era comum haver contratos em que a parte que sobrevivesse obrigava-se a levar oferendas periódicas ao túmulo da que morresse primeiro. Tais contratos são equiparados por Erwin Seidl (El Legado de Egipto, trad.) às donationes pro anima medievais, ou seja, ao compromisso de uma pessoa mandar celebrar missa pela alma de outra. No casamento, uma das formas de contrato, a mulher mantinha a proprie- dade de seus bens. O divórcio só o marido podia obtê-lo. Mais tarde, ao tempo dos Ptolomeus, amulher conquistou esse direito. A autoridade do marido e o pátrio poder eram absolutos. O testamento, desconhecido. Entretanto, permitia o direito egípcio que, por ato inter vivos, pudesse ser feita a doação de bens móveis a outrem, produzindo efeitos após a morte do doador. O doador, para se garantir, retinhaem seu poder o documento que a comprovava, que com sua morte era transferido para o donatário. A posse desse documento transferia a propriedade dos bens doados.Era comum o ato jurídico ser celebrado em ` `documento duplo'', sendo um deles, o original, selado, fechado, lacrado e arquivado; a cópia circulava; o original era aberto em Juízo quando fosse posta em dúvida a autenticidade da mesma. Os atos jurídicos eram celebrados com observância de formulários preestabelecidos. Havia atos solenes, celebrados por escribas (funcionários), na presença de testemunhas, auten- ticados com o selo estatal. Os tribunais, cujos juízes eram os dignitários locais, julgavam em nome do Faraó, orientados por um funcionário do Estado, que dirigia o julgamento. O tribunal só podia iniciar o julgamento com a presença desse funcionário. A tortura era meio de prova usualmente empregado não só aos acusados como também às testemunhas. As penas eram cruéis e draconianas. Para o homicí- dio, pena de morte; para o parricídio, a morte na fogueira; para o adultério, mutilaç<*-*>es e vergastadas. Mas, se a mulher adúltera estivesse grávida, a execução da pena era suspensa, sendo executada depois do parto. Para o furto,

escravização do ladrão ou mutilação. Assim, bastonadas, mutilaç<*-*>es (ablaç<*-*>es das orelhas, do nariz, da língua ou das mãos), exi io, lançamento à fogueira com mãos e pés amarrados, eram as penas mais usadas no direito penal egípcio. O direito interna- cional parece ter sua pré-história no Egito. Conhece-se um tratado de aliança e paz celebrado por Ramsés II ( I 297-1231 ) com o rei hitita Hattusibis III.Í 160. CÓDIGO DE HAMURABI (BABILãNICO)

Código gravado em enorme bloco cilíndrico de pedra negra, de 2,25m de altura, com 2m de circunferência, encontrado, em 1902. na cidade persa de Susa, para onde fora levado, por volta de 1175 a.C., como despojo de guerra. É a "estela de Hamurabi'' que se encontra no Louvre. Acreditavam os babilônicos ter Hamurabi<012>

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recebido esse código do deus Sol (Shamash). A própria estela, no alto, contém umrelevo representando essa transmissão. O deus Sol o teria confiado a Hamurabi,tornando-o ` `rei do direito'', com a missão de decidir com eqüidade e ` `disciplinaros maus e os mal-intencionados e impedir que o forte oprima o fraco''. O códigonão é o mais antigo do mundo, como se supunha até 1948, pois na "tabuinha de "Istambul , descoberta em 1952, como dissemos anteriormente, encontra-se umcódigo mais antigo, o Código de Ur-Namu, também mesopotâmico. Mas, não sendoo mais antigo, é o mais famoso. É precedido de um prólogo de grande beleza literária.Não é um código especializado, pois contém todo o ordenamento jurídico da cidade:organização judiciária, direito penal, processual, contratos, casamento, farmlia, suces-s<*-*>es, direito de propriedade. É, assim, código civil, código penal, código de processo,código comercial e de organização judiciária, com 282 artigos. Não é um sistemajurídico, mas uma coletânea dejulgados ou de hipóteses acompanhadas de decis<*-*>es. Ocasuísmo caracteriza-o, sendo muito minucioso no que conceme às puniç<*-*>es. Osartigosapresentam um caso concreto acompanhado de sua solução jurídica. Os seus preceitos estão formulados em breves sentenças, como, por exemplo,esta: ` `A esposa que mandar assassinar o marido por gostar de outro homem seráempalada. '' Talvez seja a compilação de decis<*-*>es judiciais que tenha dado origema uma forma de direito costumeiro. As proposiç<*-*>es iniciam-se assim: ` `admitindo-seque. . . '', portanto, enunciam casos hipotéticos, como, por exemplo, o seguinte:` `Quando um filho disser a seu pai: - Vós não sois meu pai, deverá ser marcado aferro em brasa com o sinal dos escravos, acorrentado e vendido." No terreno doscontratos, exige a forma escrita, reveladora da preocupação pela segurança dasrelaç<*-*>es jurídicas. Deveriam ser celebrados na presença de testemunhas. No campodo direito de propriedade, as normas são precisas, protegendo a propriedade, nãosóa imobiliária como, também, a dos bens móveis e a dos escravos equiparados aosbens móveis. Prevê castigos cruéis para quem der ajuda ao escravo fugitivo. Poderiaser o escravo dado em penhor ou em depósito. O proprietário era responsável pelaconservação dos canais de irrigação que passassem em suas terras. No que concerne

à reparação dos danos, a pena de talião, ` `dente por dente, olho por olho'', eraaplicada no caso de a vítima ser homem livre, mas, se escravo, a pena era pecuniária.No direito de farzu'lia, a estabilidade da mesma era a f'malidade precípua. Por isso,a esterilidade da mulher era caso de divórcio, ou, então, de o marido ter uma escravacomo concubina, para ter descendentes, ou, ainda, esposa secundária para o mesmofim, coI<*-*>cada em segundo plano no lar. Pode, também, no caso de esterilidadedaesposa, o marido escolher a solução da adoção, mediante contrato. A mulher nodireito mesopotâmico desfrutava certa independência, principalmente em relação aodote, do qual ela era a única proprietária. Se o marido estivesse impossibilitado deadministrar os bens do casal e se o filho fosse de menoridade, caberia à mulheradministrá-los. Mas, se adúltera, poderia ser repudiada pelo marido, lançada, com

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o amante, no Eufrates, salvo se o marido lhe concedesse perdão. O código silenciaquanto ao adultério do marido. O casamento tinha a forma de contrato que previa osdireitos e deveres dos cônjuges, semelhante à compra-e-venda. O marido, semmotivo justo, não podia repudiar a mulher. Se a mulher repudiasse o marido, o juizdeveria, segundo a legislação de Hamurabi, investigar as causas. "Se tem raz<*-*>esjustas, terá direito de retomar o seu dote e de regressar à casa paterna. Mas, se forculpada, deverá ser lançada à água." No que concerne à sucessão, os filhos herdamtodos os bens pertencentes à esposa, pois o marido, pela morte da mulher, a elesnãotem direito. Igualmente, no caso de morte do marido, são seus herdeiros os descen-dentes, por não ser meeira a esposa. O código não prevê testamento, mas admitedoaç<*-*>es até a pessoas estranhas à fam7ia. O falso testemunho era severamentepunido. Os crimes eram punidos com penas draconianas, tais como pena de morte,executada de forma cruel e desumana, (afogamento, crucificação, mutilaç<*-*>es, es-cravização); menos graves, penas pecuniárias. Para o roubo, pena de morte. Furtosde coisas de pequeno valor, amputação das mãos do ladrão ou pagamento de multa.O rapto de mulher era punido com a pena de morte. O legislador babilônico teve apreocupação de fazer corresponder a pena ao prejuízo. Fixa o preço de gêneros deprimeira necessidade, tais como trigo, azeite etc. O rei era o maior proprietário,porém os templos, muito numerosos, detinham grande poder econômico. A justiçaera exercida, a princípio, pelos sacerdotes (juizes do templo); depois, na épocadeHamurabi, porjuízes civis. Mas o rei era ojuiz supremo. O oprimido, diz Hamurabi,encontrará no código o seu direito. Prescrevia o Código de Hamurabi, ` `se um homem negligenciar a fortificaçãode seu dique, se ocorrer uma brecha e o cantão inundar-se, o homem será condenadoa restituir o trigo destruído por sua culpa. Se não puder restituí-lo, será ele vendido,assim como os seus bens, sendo o produto da venda repartido entre os prejudicados '='.Se um "homem alugar um boi ou um asno, e se no campo o leão matá-los, oproprietário do gado sofrerá a perda''. Se ` `um homem bater em seu pai, terá assuas

mãos cortadas.'' Se ` `um homem furar o olho de um homem livre, ser-lhe-á furadoo olho''. Se ` `um médico tratar ferida grave do paciente com punção de bronze, ese ele morrer, terá as mãos decepadas''. Se ` `um arquiteto construir para outrem umacasa e não a fizer bastante sólida, se a casa ruir, matando o dono, o arquiteto deveráser morto. Se o morto for o filho do dono da casa, deverá ser morto o filho doarquiteto''. Se ` `alguém penetrar por arrombamento numa casa, terá de morrer, oseu corpo deverá ser enterrado no próprio lugar do arrombamento''. Se ` `alguémlevar à força a filha de outrem, contra a vontade do pai e da mãe, mantendo com elarelaç<*-*>es sexuais, é ladrão, devendo ser condenado à morte". Quando "a esposaésurpreendida com outro homem, serão ambos amarradas e lançados ao rio, salvose o marido e o rei os perdoar''. A ` `mulher que odiar o marido e Ihe disser tunãoés meu marido deve ser lançada no rio, de pés amarrados ou atirada do alto da torre<012>

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da muralha''. Se ` `um homem der a um jardineiro um campo para ser transformadoem pomar, se o jardineiro plantá-lo e dele cuidar durante quatro anos, no quintoanoo pomar será repartido igualmente entre o proprietário e o jardineiro; o proprietáriopoderá escolher a sua parte'' etc.4

161. LEI HEBRAICA

A "lei" de Israel não contém exclusivamente matéria jurídica; prescrevepreceitos morais e religiosos, acima de tudo rituais. Era (e é) considerada expressãoda vontade de Deus, transmitida diretamente ao povo hebreu ("povo eleito").Acreditavam (como acreditam) os hebreus como tendo origem divina. O Deutero-nômio, atribuído pela Bíblia ao rei de Judá, Josias (621 ), era tido como o ` `Livro daLei encontrado na casa de Yahvé (Jeová), pelo sumo-sacerdote''. Yahvé era o deusuniversal. A lei mosaica foi condensada na Torá; sofreu a influência do direitobabilônico. Tinha objetivo certo: proteger o "povo eleito". Por isso, proibia ocasamento com estrangeiros. Vedava o empréstimo a juros entre os compatriotas,permitindo-o, entretanto, ao estrangeiro. Foi formuladacom espírito ético: ` `Quandoteu inimigo tomba não te alegres" ou se "teu inimigo tem fome dá-Ihe de comer;se tem sede, dá-lhe água para beber''. Os humildes e os fracos eram protegidos contraa exploração dos poderosos. Prescreve o Deuteronômio: ` `Não oprimirás mercená-rio pobre e indigente, seja ele um de teus irmãos ou um dos estrangeiros quepermanecem em teu país, às tuas portas. Dai-lhe o salário de suajomada antes de sepôr o sol, porque ele é pobre e tem pressa de recebê-lo.'' A lei hebraica previa os contratos de compra-e-venda, empréstimo, locaçãode coisas e serviços e o depósito. Disciplinou o direito de vizinhança, estabelecendodistâncias que deveriam ser guardadas entre os prédios. A vingança privada não erapermitida. ` `Eu (Deus) vingarei a vida do homem da mão do homem, e da mão deseu irmão, que o matou. Quem derrama o sangue do homem será punido pela efusãode seu próprio sangue, porque o homem foi criado à imagem de Deus''. Mas quemmatava deveria morrer. Os filhos não respondiam pelos crímes dos pais, e nem estespelos daqueles. Admitia a lei hebraica a reparação do dano. Mas a Lei de Talião,"olho por olho, dente por dente", estava prevista no Levitico. Prescrevia a leihebraica pena pecuniária para vários delitos. Assim, por exemplo, o sedutor

pagava

4 Comparado com o direito babilônico, o direito assirio, apesar de muito posterior ao Código de Hamarabi, era involuído. Previa penas cruéis para pequenos delitos, desproporção entre o delito e a sanção, sendo esta muito superior àquela. Já o dir-eito hitita era mais evoluído, a multa e a indenização eram preferidas à Lei de Talião (dente por dente, olho por olho). Igualmente, o direito persa era mais humanizado, devendo ter sofrido a influência do babilônico. Ciro, o Grande, baniu a vingança privada, entregando a punição dos culpados aos tribunais.

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Introdução ao Estudo do Direito

importância igual ao dote à sua vítima. Se um animal mata alguém, o dono é punidocom a pena de morte, que pode ser suspensa pelo pagamento de indenização à famíliado morto. Draconianamente punia a idolatria, a blasfêmia e o adultério com penade morte. No direito de família, era permitida a poligamia. Autorizava o ` `levirato'',ou seja, a obrigação da viúva sem filhos casar-se com o cunhado, para poder dardescendência ao morto. Tolerava o concubinato. A monogamia só tardiamente foiintroduzida. O casamento, a princípio por compra da mulher, passou a ser celebradocom a entrega do dote aos nubentes. Compreendia várias cerimônias de caráterreligioso. O marido administrava os bens da mulher; se dissolvido o casamento, elaos recuperava. Marido e mulher tinham os mesmos direitos, mas a concubina,situação inferior. A propriedade reduzia-se mais ao usufruto dos bens, pois as vendaseram revogáveis. A propriedade imobiliária devia ser mantida com as famílias naforma distribuída por Moisés. O filho mais velho recebia, por morte do pai, maisdoque os demais (direito da primogenitura). As filhas não herdavam, salvo na faltadevarão. A organização da família era patriarcal. Previa a lei hebraica a pena deapedrejamento com a participação de todo o povo. Segundo a lei hebraica: ` `Nin-guém será condenado pelo testemunho de um só''. ` `Não se punirá o homicídio antesde ouvidas as testemunhas''. Ao falso testemunho correspondia a mesma pena quedeveria sofrer o culpado inocentado ou a sofrida pelo inocente sentenciado. No quediz respeito às sanç<*-*>es, não havia distinção entre ricos e pobres: todos poderiamsofrê-las.

162. CÓDIGO DE MANU

O direito da Índia antiga era de fundo religioso, destinando-se a proteger econsolidar o regime de castas, então dominante. O nascimento marcava a posição:social do homem até a morte; era, pois, inalterável. O Código de Manu, escrito emversos, é, apesar de ter fundamento religioso, maisjurídico do que os anteriores. Estáem verso porque, segundo Summer Maine (L'Ancient Droit, trad.), o verso é um dosexpedientes adotados para auxiliar a memória e, assim, manter nela viva a lei. Nessecódigo os contratos, principalmente a compra-e-venda, decozridos três dias, toma-vam-se irrevogáveis. O credor poderia escolher entre senhorear-se do devedorrelapso, transformando-o em escravo temporário, obrigando-o a trabalhar até pagar

a dívida, ou chamá-lo a Juízo. Se não comparecesse para se defender, estaria sujeitoa penas draconianas. Podia, também, coagir (coação moral ou física) o devedorfaltoso a pagar a dívida. Como meio de prova admitia o ordálio (prova do fogo e doveneno) e a testemunhal. A mulher era venerada: ` `Não se bate em uma mulher nemmesmo com uma flor, qualquer que seja a falta por ela cometida'', prescrevia oCódigo de Manu. Mesmo assim, o homem desfrutava de posição privilegiada. Amulher, se solteira, estava sob a autoridade do pai ; se casada, sob a do marido, e seviúva, sob a do filho mais velho.<012>

278Paulo Dourado de Gusmâo

163. DIREITO GREGO ARCAICO ,

O direito da Grécia Antiga, particularmente o de Atenas, era bem diferente dodireito do Egito e do direito da Mesopotâmia; apesar de conter elementos religiosose morais, não era proclamado pelos legisladores como expressão da vontade dadivindade da cidade-Estado.s As leis gregas, a partir do século VI a.C., mais precisamente as de Atenas,diferençavam-se das demais leis da Antigüidade por serem democraticamenteestabelecidas. Não eram decretadas pelos governantes, mas estabelecidas livremen-te pelo povo na Assembléia. Resultavam, pois, da vontade popular. Não há direito grego, mas direito das cidades gregas, sob a forma de leis ecostumes. Devemos aos gregos parte de nossa terminologia jurídica, que passou para odireito romano, empregada até nossos dias, como, por exemplo, ` `sinalagmático''(vínculo contratual que obriga reciprocamente as partes) ou ` `quirografário'' (atoescrito do devedor). Outros termos poderiam ser lembrados, como ` `enfiteuse'' ,` `anticrese'' ou ` `hipoteca''. Construíram os gregos tipos embrionários de contratos; aperfeiçoaram ocontrato de permuta dos egípcios e dos babilônicos. Disciplinaram a propriedadeprivada, bem como construíram, principalmente com Platão, uma teoria da pena.Em regra draconiana eram as penalidades, tendo largo emprego a pena de morte oude desterro. A propriedade, a princípio, era familiar; só tardiamente individualizou-se. A escravização por dívida, permitida inicialmente, foi banida com a reformade Sólon. O casamento, monogâmico; o concubinato, tolerado. A mulher infielera severamente punida; mas o adultério do marido ficava impune. Na ausênciade filhos, o pai podia apelar para a adoção. O direito de vida e morte em relação aosfilhos era em Esparta exercido no caso de recém-nascido deformado, doente oualeijado. Na fatnília, a mulher tinha condição inferior, submetida à autoridade dopai, do marido, do filho mais velho; enviuvando, ficáva sob a de um tutor. Era, pois,incapaz. Não tinha direito à escolha de marido, pois ao pai competia escolhê-lo.Entretanto, no recesso do lar desempenhava relevante papel: administrava a casa,cuidava dos filhos e participava do culto familiar. No que concerne à sucessão, osascendentes eram excluídos, não herdavam dos descendentes. Estes eram os únicosherdeiros, primeiro os filhos, pois as filhas só herdavam se não houvesse var<*-*>es.Admitia o direito grego, na falta de filhos, herdar os colaterais. Antes de Sólon, o

5 Dois grandes legisladores teve Atenas: Drácon e Sólon. O primeiro, chamado, cerca de 620 a.C., para dar uma legislação aos atenienses, que não dependesse da interpretação ou

da vontade dos juízes, acabou por ditar um código "escrito com sangue", em que a pena de morte é a mais comum. Essa legislação, rígida e dura, foi substituída pela de Sólon, que acabou com a escravi- zação por dívida e que procurou fazer coiresponder a pena à gravidade do delito.

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Introdução ao Estudo do Direito

empréstimo era garantido pela pessoa do devedor, que seria escravizado se a dívidanão fosse paga. Sólon aboliu essa garantia. O forte dos atenienses não foi o direito privado, mas o direito público.Lançaram as bases da democracia. Devemos a eles o princípio do primado da lei,incorporado à Cultura Ocidental. Para eles, as leis, sejam as tradicionais (Thesmoi)sejam as históricas (Nomoi), eram sagradas. Promulgada a lei, nota Glotz (La citégrecque), impunha-se a todos, igual e uniformemente, sejam governantes ou gover-nados. Ajustiça, pode-se dizer<*-*>, era a meta do direito grego, confundida sempre como bem da polis.

164. DIREITO ROMANO E MEDIEVAL

Roma teve a vocação jurídica. Distinguiu o direito da Moral e da Religião.Dizer, escreve Declareuil (Roma y la organización del derecho, trad.), que Roma"organizou o direito não signiftca somente que teve grande número de leis. Aquantidade na produção legislativa não é sinal de perfeição, sendo, muitas vezes, aocontrário. Outros povos anteriores tiveram mais leis do que os romanos, bem comooutros que vieram depois. Se se tem em conta somente o número de leis, Roma éatrasada para representar o papel de iniciadora''. Não é, continua o autor citado, porhaver tido leis ou certas leis que Roma adquiriu a supremacia no campo do direito,senão por haver ` `criado uma ciência e uma arte do direito''. Em sua origem, o direito romano não se afastou do direito de outros povos: foiconsuetudinário e jurisprudencial,ó encontrando-se as suas origens nos costumes enas decis<*-*>es dos pontifcces. Entre duas legislaç<*-*>es encontra-se a história dessedireito: a primeira, datando de 462 a.C., a "Lei das XII Tábuas"' (Lex duodecimtabularum), que codiftcou o direito romano primitivo, exclusivo do cidadão romano(jus quiritum), e, no seu crepúsculo, o Corpus luris Civilis, de Justiniano.R Entreessas duas legislaç<*-*>es, uma longa história, durante a qual o gênio dos romanosaperfeiçoou o direito, estabelecendo as suas bases. E o direito herdado peloOcidente, que se encontra nas raízes de nossos códigos. A história desse direitocomeça, assim, com a Lei das XII Tábuas, que, afastando do direito a religião, contémdireito público, direito processual, direito penal e delitos privados. Não indicava a

O direito a princípio era sagrado, do conhecimento exclusivo dospontifices (sacerdotes patrícios),que o aplicavam. Por tal motivo, os plebeus sentiam-se ameaçados e injustiçados por desconhe-cerem o direito a que estavam submetidos. Houve conflito entre eles e os patrícios somentepacificados com a compilação do direito consuetudinário (Lei das XII Tábuas).-Foi gravada em 12 tábuas de bronze, fixadas no Forum. Transformou o direito romano consue-

tudinário em direito escrito, do conhecimento de todos, patrícios e plebeus, aplicável a ambos.Anteriormente, era do conhecimento exclusivo dos patrícios.A codificação de Justiniano recebeu o nome de Corpus luris Civilis, em 1583, cunhada porDionísio Godofredo.<012>

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ação para proteção dos direitos. Draconiana, impunha a "Lei de Talião" ("dente por dente, olho por olho'' ) e penas severíssimas para leves culpas (retaliação, exílio,pena de morte etc.), bem como estava dominada por formalismo obscuro, em que ogesto e as palavras eram sagrados. Dessa lei, até o fim da República, o direito foi seaprimorando, mais por obra do jutYsta do que do legislador. As obscuridades elacunas dessa lei e o desenvolvimento dos negócios levaram à criação, em 367 a.C.,do praetor (pretor), que em seus éditos indicava a ação cabível, a ser instruídapelaspartes, com produção de provas, julgada por um árbitro (iudex privatus). O édito,a princípio estabelecido para o caso submetido ao pretor, adquiriu, depois, força delei, não podendo ser modificado nem mesmo pelo que o baixou e, muito menos, porseus sucessores (Edictum perpetuum). Forma-se, assim, o ius praetorium ou iushonorarium, que, a pretexto de interpretar a Lei das XII Tábuas, a corrigiu, a amplioue a simplificou, tornando-a menos formalista e menos obscura. Dos éditos dopraetorurbanus (pretor da cidade), competente para apreciar litígios entre cidadãos roma-nos, resultou o ius civile (direito do cidadão romano), enquanto dos éditos dopraetorperegrinus (pretor para estrangeiros), criado em 242 a.C., competente para litígiosentre estrangeiros e entre estes e os romanos, nasceu um direito novo, fruto daeqüidade, desprovido de formalismo, ojus gentium. Roma cresceu, evoluiu econo-micamente, criando situaç<*-*>es e relaç<*-*>es jurídicas novas, para as quais aLei das XIITábuas não continha solução, nem tampouco os éditos dos pretores. Tornou-se,então, necessário o concurso de técnicos do direito para resolvê-las. Surgiu, então,nos séculos ll e Ill, a praxe de solicitar a um jurista a solução para o caso não previstona lei. Os pareceres desses juristas, principalmente os de Papiniano, Ulpiano e de Gaio,tinham força de lei; remodelaram o direito romano, criando a ciênciajuridica. Augustodeu força de lei à opinião dos eminentesjurisconsultos citados, (iuspublice respondendiex auctoritate prudentium). No período bizantino, no Baixo-Império, esses pareceresforam compilados4 na Codif'tcação de Justiniano.'u Prevaleceu em Roma o principio da territorialidade do direito, submetendotodos, romanos ou estrangeiros, ao direito romano; os romanos, ao ius civile, osestrangeiros, aojus gentium.

9 Codex Gregorianus (295), da época de Deocleciano, Codex Hermogenianus (314), da época de Valeriano I, Codex Theodosianus, devida a Theodosius II, e o Código de Justiniano (530).10 A codificação de Justiniano compreende quatro grandes livros: "Digesto"

(Digestorum seu Pandectarum), aparecido em 530-533 d.C., com fragmentos dosjurisconsultos romanos; "Insti- tuiç<*-*>es'' (Institutiones seu Elementa), de 533 d. C., tendo por base as Instituiç<*-*>es de Gaio e a obra de Ulpiano, é um manual de direito; Codex Justinianus (528-529 d. C.), compilação das anteriores codificaç<*-*>es bizantinas em sua maioria de direito público, e Novellae Leges, legislação baixada por Justiniano, no campo do direito de família e sucess<*-*>es, modificadora dos livros anteriores. Digesto significa distribuição ordenada de matérias, enquanto Pandecta, de origem grega, compilação.

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Introdução ao Estudo do Direito

O direito criado desde a Lei das Xll Tábuas, incorporado ao Corpus luris deJustiniano, constitui o marco inicial do direito europeu, conseqiientemente dolatino-americano. Os romanos criaram o vocábulo jurídico "pessoa" (persona);deram ao chefe de família e ao matido plenos poderes. A mulher era incapaz, estandona dependênciajurídica do pai, do marido ou de um tutor. O casamento dependia dopai, mas, entre os plebeus o concubinato vinculava os concubinários. O escravo eraequiparado à coisa; a propriedade (dominium) era entendida como o direito de usare dispor da coisa sem limites. Reconheceram os romanos o direito de ser mantida eusada a coisa por quem não tem domínio, ou seja, a posse (possessio), bem comoadmitiram que a posse mansa e pacífica da coisa pudesse gerar domínio (usuca-pio). Contrato, delito (dano causado intencionalmente), quase-contrato (celebraçãode negócios lucrativos em benefício de outrem sem sua prévia autorização) equase-delito (dano causado por culpa) eram fontes de obrigaç<*-*>es. A culpa, por maisleve que fosse, conduzia à reparação do dano. A escravização por dívida foi aprincípio substituída por trabalho forçado a favor do credor até o montante do débito;depois, no tempo de César, desapareceu, passando então a responder os bens dodevedor por suas dívidas. A "Lei de Talião" foi aos poucos posta de lado, dandolugar à composição (preço do dano), e, depois, à reparação do dano, sempre nadependência de culpa. Esse direito, resultante dos éditos dos pretores e das opini<*-*>es dos juristas,codificado por Justiniano, manteve-se vivo, mesmo depois do colapso de Roma,como direito comum na Alemanha até 1900, e no sul da França até 1804. AsOrdenaç<*-*>es Filipinas (§ § 176 e 177), que nos regeram, sofreram a sua influência,e a Lei da Boa Razão, de 1769, mandava o juiz recorrer-se do direito romano no casode lacuna. Assim, a secular árvore do direito romano cresceu em várias direç<*-*>es, comvários ramos, introduzindo suas raízes até em terras desconhecidas dos romanos.

165. DIREITO PRIVADO NA IDADE MÉDIA. DIREITO FEUDAL. DIREITO DAS CIDADES. DIREITO DAS CORPORAÇÊES DE MERCADORES. GLOSADORES. DIREITO CÁNãNICO. FORl<*-*>IAÇÃO DO DIREITO PRIVADO OCmENTAL

Caracteriza-se a Idade Média pelo pluralismo de ordens juridicas: direitobárbaro, direito dos senhorios, direito das corporaç<*-*>es de mercadores, direito dascidades e direito canônico, vigentes muitas vezes no mesmo território. Pluralismoresultante da política jurídica adotada pelos germanos impondo o principio da

personalidade das leis, segundo o qual a "nacionalidade" da pessoa determina oseu estatuto jurídico: germanos, direito germânico; latinos, direito romano vulgar,e clérigos, direito da Igreja. Pluralismo agravado pelo fato de não haver unidade nodireito germânico: havia tantos direitos quanto o número de tribos germânicãs. Para<012>

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preservá-los foram codificados sem qualquer sistema." Essas compilaç<*-*>es, quedatam do século V, a princípio tratavam do direito penal, depois do direito privado,sob a influência do direito romano vulgar. Eis as principais compilaç<*-*>es do direitogermânico: Lex Wisigothorccm, dos godos; LexBorgundionum, dos burgundos; LexAlamannorum, dos alemães, e Lex Salica, dos francos. O direito germânico admitia, no caso de delito, a vingança por parte da famíliada vítima, renunciável em troca de uma boa compensação (Whergeld); reconheciaa propriedade coletiva do solo e a familiar dos demais bens. O direito penalgermânico tinha caráter privado, visando desfazer o prejuízo, preocupado com opreço do delito, pago pelo agressor de acordo com uma tabela, enquanto o direitoprocessual admitia os "juízos de Deus", reveladores do culpado através do duelo,da prova do veneno, da água fervente etc. O direito romano vulgar, aplicável aos latinos, era o direito romano consuetu-dinalizado, sem unidade, variando de lugar para lugar. Daí tornar-se tambémnecessário compilá-lo, o que ocorreu, entre 506 e 508, por ordem dos reis germâni-cos, na forma vigente em cada reino. Assim surgiu a Lex romana Wisigothorum,também denominada BreviarumAlaricc (506), aplicável aos latinos no terntório dosgodos (Itália, França, Espanha e Portugal), a Lex romana Borgundionum, noterritório dos burgundos (sudeste da França), e o Edictum Theodoricc, no norte daItália. A Lex romana Wisigothorum vigiu até 654, quando entrou em vigor o LiberJudiciorum, consolidação do direito germânico, do direito romano vulgar e do direitocanônico, que, sistematizados, deu unidade ao direito. O Liber ludiccorum imperou naEspanha e em Porlugal, tendo exercido profunda influência na formação do direitodesses países, principalmente na forma em que foi traduzido sob o título Fuero Juzgo(§ 176, nota 1). Casamentos entre latinos e germânicos, bem como negócios jurídicos por elescelebrados, criaram problemas jurídicos a respeito da legislação aplicável: romanaou germânica. Para resolvê-los foram estabelecidas algumas regras: em matéria defamília, a lei do marido; contratos, a lei do devedor; propriedade, a lei do proprietário,e no campo penal, a lei do acusado. O comércio floresçente, exigindo flexibilidade jurídica, não atendida peloformalismo do direito romano e pelo tradicionalismo do direito consuetudinário,necessitava de direito especializado. As corporaç<*-*>es <*-*>e mercadores'2 criaram-no

11 A compilação do direito germânico recebeu várias denominaç<*-*>es: Pactus, entre os francos, aliás a Lex Salica denominava-se Pactc<*-*>s legis salicae; Édito entre os godos e ao tempo de Carlos Magno; entre os francos, Capitulares, por serem divididas em capítulos. Todas essas compilaç<*-*>es tinham natureza contratual, sendo aprovadas, sob a forma de pacto (pactum), pela assembléia da tribo. Eram escritas em latim.

12 As corporaç<*-*>es de ofício tinham em cada lugar denominaç<*-*>es diferentes: mercadantia na Itália, confrŠriés na França, guilds na Ingl<*-*> gil<*-*>n na Alemanha, gremios na Espanha, hansa no Báltico.

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Introdução ao Estudo do Direito

seja por convenção, seja consuetudinariamente, flexível, desprovido de formalis-mos, compilado, em 1056, em Gênova e, posteriormente, em Pisa e em Milão. Essenovo direito, não sendo reconhecido pelos<*-*>tribunais das cidades, tornou necessárioa criação de cortes nas corporaç<*-*>es nas quais era aplicado, cujas decis<*-*>es nelefundadas foram respeitadas espontaneamente pelos mercadores. Cortes conhecidascomo courts ofpiepowders (tribunais dos pés poeirentos). Das decis<*-*>es dessascortes, dos costumes respeitados pelos mercadores e das convenç<*-*>es celebradaspelas corporaç<*-*>es, surgiu, no mundo medieval, o direito mercantil, direito da classede mercadores, bem diferente do direito romano. As cidades, a partir do século X, sob forte influência do comércio, disciplinadopelas corporaç<*-*>es, tiveram de valer-se desse direito, conciliando-o então com odireito consuetudinário nelas dominante, e com fragmentos do direito romano,originando, lentamente, graças às decis<*-*>es dos juízes, um direito mais adequado àvida urbana. E foi assim que cada cidade, constituindo-se em sociedade política,teveo seu direito (direito das cidades).'3 Cercadas por muralhas fortificadas, para sedefenderem de assaltos, de cercos de inimigos, tornaram-se centros comerciais,mercados, nos quais, a partir do século XI, formou-se nova classe social, que mudaráo destino da Europa, o burguês (pequenos proprietários, comerciantes, artes<*-*>es etc.),homens livres, que criaram as letras de câmbio, o crédito e os bancos, principalmentenas cidades italianas. O direito constituído nas cidades medievais impunha, muitas vezes, aoscitadinos a renúncia de seus direitos de origem (germano ou romano), submetendo-os ao império de direitos nelas vigente. Do século X ao XI foi esse direito compilado.A primeira compilação é o Liber iurium republicae Januensis de Gênova. Resultouesse direito de convênios com os senhores feudais, com validade somente nosterritórios das cidades, em razão das vantagens que lhes proporcionavam as feirasnelas realizadas, não regulamentadas pelo direito feudal, além dos impostos que lhesfavoreciam. Mas, em muitos casos, os direitos das cidades foram conquistados emlutas sangrentas. Fora da cidade dominava outro direito, comjurisdição própria, o dos senhorios,aplicável a servos e vassalos. Ajurisdição senhorial não se encontrava submetidaàsoberania do rei, que por conveniência a reconhecia. Das decis<*-*>es das cortesdenobres (possuidores de terras) nasceram os direitos consuetudcnários territoriais ousenhoriais. Direito desigualitário, com privilégios, fundado no princípio de hierar-quia e de subordinação, tendo nesse direito o contrato importância fundamental.Nessa ordemjurídica, o feudo (propriedade) dos senhorios, militarmente centraliza-

13 Cidades que se tornaram verdadeiros Estados: Florença, Milão, Antuérpia e as

da Liga Hanseática, para citar algumas.<012>

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do no castelo-fortaleza (símbolo da dominação), garantia a subordinação e a servi-dão; dava, porém, proteção a vassalos e servos, que em troca o cultivavam, pagavamimpostos e prestavam serviços aos senhorios. Admitia esse direito técnicas cruéispara obtenção da confissão dos acusados e penas serveríssimas. Esse era o direitofeudal dominante nos domínios dos senhorios, em regra, consuetudinário, salvo naFrança meridional que era escrito e romanizado. O pluralismo jurídico resultante dos direitos das cidades, dos direitos feudaise dos direitos consuetudinários constituía grave ameaça para a unidade política doque restava de reinos, artificialmente divididos, e de naç<*-*>es em gestação. Casual-mente, foi encontrada a solução para esse problema com a descoberta, no século XI,em Pisa, de um texto completo do Digesto de Justiniano. Era o direito que faltava àEuropa medieval, para organizar a vida social em bases mais estáveis. Irnério,gramático erudito da Universidade de Bolonha, entregou-se ao estudo desse texto,fotrnulando interpretaç<*-*>es (glosas) do mesmo. Glosas que, no século XII eramnumerosas, formuladas nas entrelinhas do texto (glosa interlinear), e depois, àmargem dos mesmos (glosa marginal) adaptando-o ao mundo medieval. Inicia-se,então com os Glosadores de Bolonha, o renascimento do direito romano na IdadeMédia. Deve-se esse ressurgir aos juristas das Universidades italianas, principal-mente a Accursius (século XIII) e Bártolo, fundadores da ciência jurídica roma-nizada. Do trabalho dos glosadores resultou novo direito romano, adaptado à

,<*-*>4 qsociedade medieval cristianizada ue, na Idade Moderna, se transformou emdireito comum vigente em toda a Europa. Vigiu até o fim do século XIX, comoratio scripta, ou seja, direito por excelência. Além do direito consuetudinário medieval, do direito das corporaç<*-*>es demercadores, do direito das cidades e do direito romano interpretado pelos juristasde Bolonha, concorreu para cunhar o direito privado medieval e, por conseguinte,europeu, o direito da Igreja Católica, conhecido como Direito Canônico. O direito da Igreja, influenciado pelo direito romano, estabelecido por váriosdecretos, foi compilado, no século XII, por Graciano (Decreto de Graciano), como título Concordia discordantium canonum (1140), que apresenta em ordem siste-

14 Não se deve a cristianização do direito romano a Justiniano, pois oconeu em 739, no século VII, nn reinado de I,eão, o Isáurio, com a promulgação de sua Écloga, que restringiu os motivos de divórcio, aumentou os impedimentos matrimoniais deconentes do parentesco e melhorou a posição da mulher na famflia. Depois, houve retorno ao direito justiniano com Basilio, o Macedônico, que, em conflito com a Igreja, promulgou uma codificação (Basilica), em que os princípios do direito justiniano foram restabelecidos e em que o divórcio foi facilitado. Posterior- mente, nenhuma legislação importante foi decretada. Mas, a partir de 1345, a Igreja começou a influir no direito secular. O formalismo foi restabelecido e meios cruéis de

obter aconfissão foram admitidos e empregados.

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Introdução ao Estudo do Direito

mática os anteriores decretos, com comentários do próprio comgilador, resolvendodificuldades e contradiç<*-*>es. Graciano adotou o método dos "casos", formulandoproblemas hipotéticos, solucionados com base em idéias pessoais e nas de autorida-des da Igreja, bem como no direito romano. Versa sobre todo o direito: das pessoas(principalmente direito de familia e sucess<*-*>es), sacramentos, direito eclesiástico edireito em geral. Depois, a essa legislação somou-se a de Gregório IX (Decretali),aparecida entre 1230 e 1234, tratando do processo, casamento, delitos e clero. Em1298, Bonifácio VIII promulgou o Liber sextus, compilação, simplificada e siste-matizada, do direito anterior; a seguir, as Clementinae ( 1317) de João XXII,inicialmente chamada Liberseptimusdecretalium, contendo inovaç<*-*>es. Essas legis-laç<*-*>es, completadas pelos decretos de João XXII (Extravagantes loannis XXI<*-*> epor outros decretos destinados a rever a legislação de Graciano, foram pelo Concíliode Basiléia (1431-43) compiladas com o título Corpus iuris canonici.'5 Essa com-pilação vigorou até 1917. No pontificado de Pio X foi reformada pelo cardealGasparri. As modificaç<*-*>es nela introduzidas entraram em vigor em 1917, no ponti-ficado de Benedito XV. É o Codex iuris canonici.'6 Influi, desde a Idade Média, nos institutos jurídicos de direito privado o Corpusiuris canonici, isto é, o direito da Igreja Católica, modificando não só o direitoromano, como também o direito consuetudinário medieval, principalmente no setorda famlia, bem como nos direitos reais. Como notou Vinogradoff, a Igreja contri-buiu para acabar com a exclusão das mulheres do direito de receber por sucessãopropriedades territoriais. Entre nós, que não admitíamos até bem pouco tempo odivórcio, o desquite (separação judicial), acolhido pelo nosso legislador, correspon-dia ao divortium dos canonistas, que tinha por causa adultério, injúria ou crueldadegrave." Por isso, tem razão René David, quando diz que, além do direito romano,"outros elementos contribuíram para a formação do direito moderno: o direitocanônico, os costumes mercantis mediterrâneos, a doutrina do direito naturaletc." Essa doutrina, principalmente na forma apresentada pela Escola do DireitoNatciral dos séculos XVII e XVIII (§ 192), prescrevendo o princípio do pacta suntservanda, segundo o qual o contrato é lei entre as partes contratantes, contribuiu para

15 Na Idade Média corpus significava conjunto de documentos sobre determinada matéria. Assim, corpus iuris significa conjunto de documentos jurfdicos sobre determinada matéria jurídica, no caso, canonici, da Igreja, enquanto o de Justiniano, corpus iuris civilis de direito civil.16 Na Idade Média, canones eram as normas prescritas pela Igreja, em oposição às leges seculares. Em 25.02.1983, foi promulgado pelo Papa João Paulo II o novo Código Canônico, observando as resoluç<*-*>es do Concílio Vaticano II.17 0 divórcio foi introduzido entre nós pela Lei n" 6.515, de 1977, precedido da ` `separaçãojudicial'',

que conesponde ao divortium do direito canônico.<012>

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a conceituação individualista do contrato, predominante no direito europeu até nossaépoca. Deve-se a ela a idéia dos direitos individuais, que influenciou na conceituaçãodos direitos personalíssimos.

166. DO DIREITO MODERNO AO DIREITO CONTEMPORÂNEO

As descobertas marítimas do século XVI marcam o declínio do papel culturale comercial do Mediterrâneo no desenvolvimento econômico da Europa. O papeldesempenhado pelas cidades italianas nesse crescimento passou a ser exercido pelosportos da rota atlântica. Mas o aumento do comércio marítimo necessitava de umdireito codi icado que desse segurança às relaç<*-*>es jurídicas, que não podiamficar àmercê de um direito fragmentário, fundado em costumes, romanizado. Surgiu, então, por força de necessidades do comércio, a vocação européia paraa codificação, manifestada, primeiro, pelos motivos que citamos ao tratar do direitocomercial. Coube, na França, a Colbert, em 1674, redigir o Edit de Loucs XIVservantde reglement pour le commerce des négociants et marchands soit en gros qu 'endetail (Ordonnance de Colbert), que, apesar da ênfase que deu aos atos de comércio,não impediu que, o direito comercialcontinuasse a ser direito de classe: da classedos comerciantes. Posteriormente, o mesmo Colbert, em 1681, compilou costumesmarítimos, dominantes nos portos do Atlântico e do Mediterrâneo, na Ordennancetouchant la marine, que substituiu a antiga compilação Guildone del mare (1607),tida como tendo por base as antigas leis de Rodes dos séculos VllI e IX. No campo do direito civil, na França, na região romanizada, ocorreu o declíniodo direito romano, fortalecido, entretanto, na Alemanha. Mas, apesar disso, o direitocomum (ius comune), de natureza consuetudinária, tinha por base o corpus iuris civilisna forma interpretada pelosjuristas medievais. Foi esse direito que, a partir doséculoXIII, dominou e vigorou na França até o século XIX, enquanto na Alemanha até ocomeço do século XX. No campo do direito constitucional, no século XVlll, o documento jurídico maisimportante que marca a Era das Revoluç<*-*>es: é a Constituição norte-americana ( 1787),a primeira Constituição moderna (§ 189), que instituiu o presidencialismo comoforma de governo e o federalismo como forma de Estado, e que exerceu profundainfluência no Brasil. A Revolução Francesa, acabando com o Antigo Regime, necessitou de leisrígidas e mtocáveis, estatuídas para o futuro, que mantivessem e impusessem osprincípios revolucionários de ` `igualdade'' e de ` `fraternidade'', formulados na"Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão" (1789). Para alcançar essesobjetivos foi criada uma legislação de transição, substituída depois pelo Code Civildes Français (1804), obra de uma comissão da qual fazia parte Portalis e na qualNapoleão colocou o seu dedo. Esse Código, inspirado no projeto ( 1803) de Camba-

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Introdução ao Estudo do Direito

cŠres, foi mais tarde denominado Code Napoléon (1807) e, posteriormente, Code

Civil (1814), que, graças às interpretaç<*-*>es atualizadoras dos tribunais franceses,ainda está em vigor. Funda-se nos princípios individualistas da liberdade contratual,da propriedade como direito absoluto e da responsabilidade civil fundada na culpaprovada pela vítima. Lançou as bases do direito privado moderno; o primeirotrabalho científico de codificação, com a matéria sistematizada, rigorosamenteclassificada, com normas concisas, precisas e claras. A codificação napoleônica,marcada pelos ideais individualistas dos revolucionários, sofreu a influência dodireito romano e do direito canônico. Vigiu em vários países, ducados e principadoseuropeus (Bélgica, Luxemburgo, Savóia, Piemonte, reino de Westfalia, ducado deBaden, cant<*-*>es suíços, reino de Nápoles etc.). Inspirou códigos civis europeus comoo português ( 1868), obra do Prof. A. L. Seabra, o italiano ( 1866), o espanhol,o belga,o holandês, o romeno, o egípcio, o canadense de Quebec e o norte-americano deLouisiana.'a Com o Code Civil (1804) iniciou-se o movimento codificador europeu, que, naAlemanha, foi duramente criticado por Savigny (§ 192) e pelos corifeus da EscolaHistórica (§ 192). Mas acabou sendo vencida a resistência dos romanistas. Em lo dejaneiro de 1900 entrou em vigor o Código Civil alemão, conhecido pela sigla BGB(Bügerliches Gesetzbuch) elaborado por várias comiss<*-*>es, que formularam maisdeum projeto.'y Esse código está, como notam Saleilles e René David, "impregnadode direito romano''. Exerceu profunda influência no Código Civil brasileiro, nohúngaro, no grego e até no japonês. Não tem a clareza do francês. É um códigovazado em linguagem técnica. Dessas codificaç<*-*>es resultou o que se convencionou chamar de sistema continen-tal, por dominar no continente europeu, excluída a Inglateira, também conhecido porsistema de direito codificado ou, ainda, civil-law, tendo em suas raízes o direito romano. <*-*>Compreende o grupo francês, tendo por ponto de referência e influência o CódigoCivil francês, e o grupo alemão, cuja fonte e influência é o Código Civil alemão.Característica desses sistemas é ser a lei a fonte principal do direito, sendo subsidiá-rias as demais fontes. Fora isso, a influência que sofreram do direito romano, dodireito canônico e dos direitos germânicos. Em oposição a esses sistemas está o daCommon Law, também denominado sistema anglo-americano, em que o precedentejudicial (sentença-padrão) é a fonte principal do direito e em que a lei (statute law)

18 Depois foram promulgados os Code de Procédure Civil ( 1807), o Code de Commerce ( I 808) e o Code Penal ( 1810), todos da época de Napoleão. Com o Comercial, o di<*-*>ito comercial deixou de ser direito de classe, apesar da iníluência que sofreu da Ordennance de Colbert.19 V. nosso trabalho "Elaboração ou revisão de Código Civil. Tarefa árdua" (Revista de Direito do Ministério Público da GB,1969, vol. 7).<012>

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desempenha papel secundário. Mas no terreno constitucional os norte-americanos optaram pela Constituição escrita. Na atualidade há nos Estados Unidos a preferên-

cia pela lei em alguns campos jurídicos. No sistema anglo-americano a influênciado direito romano foi menor, pesando a da eqüidade e dos costumes na formulaçãode seus princípios e de suas regras jurídicas. A Common Law, direito declarado pelo juiz (judge made law), tem no prece-dentejudicial (case law) a sua fonte principal. Caracteriza-se por reservar à lei papelsecundário, provocada por situaç<*-*>es exeepcionais ou para solucionar conflitoinsu-perável entre direitos jurisprudenciais, regionais ou estaduais.2" Por isso, nessesistema é comum ser a lei interpretada restritivamente. Esse sistema de direitojurisprudencial surgiu na Inglaterra, mais ou menos no século XII, com a criação,por Henrique II, em I 154, dos juízes visitantes do rei, cujas decis<*-*>es, revistas pelasCortes Reais, deram origem a um corpo de julgados uniformes (precedentes), que,apartirde 1800, tornaram-se obrigatórios para todos osjuízes.2' Esse sistemadominana Inglaterra, no País de Gales, na Irlanda, no Canadá (menos Quebec), na NovaZelândia, na Austrália e nos Estados Unidos (menos Louisiana). Mas a diferença entre o Sistema Continental e o da Common Law é mais deforma, pois, enquanto no primeiro predominam a lei e o código, no segundodominam o precedentejudicial, os repertórios dejurisprudência e o costume. Quantoao conteúdo, as diferenças não são tão grandes, principalmente depois de 1945,quando a experiênciajurídica norte-americana no campo econômico, fiscal e admi-nistrativo tem sido objeto de estudos e de alguma forma acolhida nos paísesintegrados no sistema continental. As Súmulas do Supremo Tribunal Federal e ,depois de 1988, as do Superior Tribunal de Justiça, entre nós, assemelham-se, decerta forma, às Lciw Reporters. Mas, nesses dois sistemas está, ainda, de pé o direito da Era Vitoriana, isto é,da época em que a Europa estava convencida de ter ingressado numa fase deconstante progresso. A Primeira Guerra Mundial a despertou desse sonho e as crisesque de lá para cá se sucederam abalaram o espírito dos códigos referidos, inspiradosno individualismo jurídico. Nota-se, então, em todos os campos do direito privado

20 Nos Estados Unidos é comum a divergência entre leis e precedentes judiciais esta- duais em matéria comercial, processual e de direito civil. Contlito diiimido, não pelo legislador, mas através de re:<*-*>tatment, isto é, restatment ofthe law, elaborado por juristas membros do American Law Institute, que, em certos casos, têm obtido êxito. Restatment, legislação sem cunho oficial, contem soluç<*-*>es jurídicas dadas pelo citado Instituto, unifoimizadoras de leis estaduais, tendo por base princípios gerais da Common law. Mas, restatment não tem força de lei, apesar de influir nas decis<*-*>es ju diciais.21 A partir de 1270, anualmente, as decis<*-*>esjudiciais foram publicadas nos Year Bookr e depois nas Law Reporters.

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Introdução ao Estudo do Direito

a lenta penetração da solidariedade social no território outrora dominado exclusi-vamente pelo interesse individual. Mas, não é só, pois o direito privado, aos poucos,vem tendo seu território dividido e subdividido. Várias partes do direito civil

e dodireito comercial gradualmente adquiriram autonomia. Com a Revolução Russa surgiu o terceiro sistema juridico: o sistemasoviético, que, quanto às fontes do direito, se enquadra no "sistema continental"por ser sistema legislado, afastado, entretanto, do europeu, não quanto à forma,masquanto ao conteúdo. É o sistema das sociedades socialistas históricas, dominanteatéa queda do Muro de Berlim nos anos 90, que não admite a propriedade privada dosmeios de produção e que subordina o exercício dos direitos à sua destinaçãoeconômico-social e que, ainda, instituiu governo colegiado de partido único (PartidoComunista). Assim, quanto ao conteúdo, depois da Revolução Russa, dois sistemasjurídicos conflitaram-se: o sistema capitalista (sistema continental e sistema daCommon Law) e o sistema soviético (URSS). Mas, depois de 1945, a área socialistadeixou de ser identificada com a soviética, porque países socialistas, como, porexemplo, a China e a lugoslávia, passaram a ter, apesar de não integrados no blocosoviético, direitos socialistas. Em virtude de tal cisão pode-se dizer que, depois de1945 até 1990, tivemos dois sistemas jurídicos antagônicos: sistema capitalista(Continental e Common Law) e sistema socialista (URSS, China, lugoslávia,Alemanha Oriental etc.). Entretanto, de forma acelerada e imprevisível, mudou omundo nos anos 80 e 90. Caiu o Muro de Berlim (1989) e em 1990 unificou-se aAlemanha. O Leste Europeu ingressou na economia de mercado. Gravíssima criseeconômica, social e política implodiu a URSS no f'mal de dezembro de 199 I, dandolugar à Comunidade de Estados Independentes (CEI), sem poder central, confe-deração criada pela Rússia, Ucrânia e Bielo-Rússia, nos moldes da Commonwealthbritânica. Terminou, assim, após 70 anos, a Revolução Russa. O que virá depois éimprevisível, só a História dirá... E a História neste final de século reserva novidades na ordem econômica, coma globalização da economia, desconhecendo as fronteiras políticas, internacionali-zando o capital, trazendo de volta as leis do mercado; novidades de ordem tecnoló-gica, com a robotização da indústria e a revolução eletrônica; de ordem biológicagraças à engenharia genética, revolucionando, todas elas, o direito civil e o direitocomercial; novidades geopolítico-econômicas: regionalismos, sejam econômicossejam políticos, dos quais a União Européia (§ 96) é a única que parece estarconsolidada, ameaçada, entretanto, pelo desafio da moeda única, de difícil e com-plicada implantação. Considerando a União Européia, pode-se dizer, exclusivãmen-te em relação a ela, haver três sistemas jurídicos: o do direito nacional, o do direitocomunitário e o do direito internacional, hierarquicamente integrados. Em pé deigualdade, os direitos nacionais dos países que a integram; acima deles, os daComunidade, submetidos ambos ao internacional. Fora da União Européia,temos,<012>

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no momento, o sistema de direitos nacionais (brasileiro, norte-americano, argentino,turco etc.) e o do direito internacional. A interdependência econômica, a desnacio-nalização do capital com a globalização da economia, a multiplicação das multina-cionais e a crise econômica parecem conduzir o mundo a se dividir em regi<*-*>espolítico-econômicas organizadas. Se tal ocorrer, forçosamente os direitos nacionaisterão de se integrar e de se adaptar aos direitos comunitários. Surpresas nosaguardam. Aguardemo-las...

XXXII

EVOLUÇÃO DE INSTITUTOS JURÍDICOS FUNDAMENTAIS

167. FAMÍI,IA. SUAS TRANSFORMAÇãES

A famllia é a forma mais natural, espontânea e antiga de vida social. No âmbitoda farmliá, principalmente na aurora da Civilização Ocidental, na Grécia e em Roma,concentravam-se grandes poderes sociais. A família tinha seu culto, seusjulgamen-tos, seus costumes e suas tradiç<*-*>es. Era a guardiã das tradiç<*-*>es e dos costumes. Dela,como diz Fustel de Coulanges (A cidade antiga, trad.): "provieram todas asinstituiç<*-*>es, assim como todo o direito privado dos antigos. Foi dela que a cidadetirou os seus princípios, as suas regras, os seus usos, as suas magistraturas.'' Mas a família antiga difere da contemporânea, que, como sabemos, é oconjunto de pessoas ligadas pelo vínculo de consangüinidade. Na Antigüidade, erao conjunto de pessoas com a mesma origem, cujo poder Que detinham tinha a mesmafonte: os antepassados e a divindade da farrulia, cultuada no altar familiar. Era, decerta forma, constituída de pessoas vinculadas por parentesco místico. Eram muitonumerosas, constituindo unidades de culto, resultantes das mesmas crenças sociais,formadas, como dissemos, de pessoas unidas por um ancestral comum ou umadivindade comum. Na religião do lar e dos antepassados, segundo Fustel de Coulanges, encon-tra-se a força da família grega e romana. Alguns estudiosos, entre os quais Bachofen, Morgan, Durkheim, Lubbock eMac Lennam, sustentam anteceder à fanulia a promiscuidade. Para eles, na promis-cccidade originária, apatemidade não podia ser determinada. Essa tese foi combatidapor autorizados pensadores, como, por exemplo, Sumner Maine, Westermarck eStarck, que a negam, por ser imemorialmente o incesto punido draconianamente,sendo as relaç<*-*>es sexuais disciplinadas por tabus e por normas religiosas inflexíveisnaqueles tempos arcaicos. Para esses estudiosos, no princípio, a família poderiatersido patriarcal ou matriarcal. Morgan (A sociedade primitiva, trad.), partindo doprincípio mater sempercerta est, sustenta Que o matriarcado, em que a descendênciase faz pela linha materna, predominou na origem da famllia, enQuanto outros, como<012>

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Sumner Maine, (L'Ancien Droit, trad.), pensam ao contrário, pois admitem que afami ia patriarcal, em que a descendência se faz pela linha paterna e em quepredomin<*-*> a autoridade despótica do ascendente masculino mais velho, teria sido aforma de organização da famlia arcaica. Pensamos ter razão Lowie (História de laetnologia, trad.), quando admite depender de condiç<*-*>es demográficas e econômicasa predominância de um desses tipos, não podendo ser estabelecido neste terreno umtraçado único. Ralph Linton (O homem: uma introdução à antropologia, trad.), é desseparecer: ` `parece certo que a descendência matrilínea e patrilínea não apresenta estágiossucessivos no decorrer de uma inevitável evolução das instituiç<*-*>es sociais' '.

Pode-se afirmar ser a farmlia arcaica muito numerosa. Constitui verdadeiraunidade política, com suas leis, seus julgamentos e seu culto. O varão mais idosoera o chefe do culto, juiz quanto às quest<*-*>es familiares, e titular dos bensda farrulia.Já a fami ia moderna reduziu o seu tamanho, passando a ser formada por pessoasligadas pelo vínculo de consangilinidade, restringida ao grupo constituído do pai, damãe e dos f<*-*>tlhos. Identifica-se com afamília conjugal (pai, mãe e filhos), isto é, coma farru'lia oriunda do casamento. Hoje, o conceito de família compreende tanto afamilia conjugal como a resultante do concubinato (união estável, como é denomi-nado na lei). Em sentido lato: grupo formado pelos ascendentes, descendentes ecolaterais mais próximos. Muitas das funç<*-*>es da fazmlia antiga passaram para o Estado e para a Igreja.Suavizou-se progressivamente a autoridade paterna. No que concerne à sua fmali-dade, primeiro, a constituição de um grupo solidário, afetivamente unido; depois, aprole e a educação dos fllhos, de modo a integrá-los na vida social. Qual a função social da familia? Já dissemos ser a procriação uma de suasfunç<*-*>es naturais. Mas há outras, tão importantes como esta, pois para que o homemseja como o compreendemos não bastam o nascimento, a vida ou a saúde. Diz G.Davy ("La famille et la parenté d'aprés Durkheim" em Sociologues d'hier etd'aujourd'huc): a família não exerce só a função de defesa e de proteção, poisdesempenha, também, a de educação e de moralização. Não é só meio de defesa ede proteção de seus membros, pois é, também, meio moral em que são disciplinadasas tendências individuais e em que são formados os ideais. Conclui assim: a famíliaé um foco de moralidade, de energia e de doçura, uma escola de dever, de amor, detrabalho, uma escola de vida. Nela são transmitidos os valores e as idéias morais àsnovas geraç<*-*>es. É a guardiã das tradiç<*-*>es. Por tais motivos, Marcial Bresard (Renouveau des idées sur lafamille) admiteser a famlia, de todas as comunidades humanas, a verdadeira ` `célula social''.Entendendo-a assim: pequena comunidade de signiftcativo valor social, constituídade seres solidários biológica, genética, material e afetivamente. Dai a sua importância, porque nela processa-se intensa interação social, e nelasão formadas a personalidade e o caráter dos homens de amanhã.

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Introdução ao Estudo do Direito

A família, do ponto de vista jurídico, até bem pouco tempo, era constituídapelo casamento. No começo, na sociedade arcaica, o matrimônio realizava-semediante rapto, pela captura de mulheres de outros grupos sociais. Depois, o raptofoi substituído, devido às lutas sociais (basta recordar a obra genial de Homero) eaos atritos que provocava, pela compra-e-venda. Gradualmente, a própria compra-e-venda tornou-se simbólica, mantendo-se o dote como resíduo do aspecto negocialdo ato. Nesse tempo, o marido manteve o direito de tutela vitalícia sobre a mulher.Com o Cristianismo, elevando a condição da mulher, o casamento, apesar de serdecidido pelos pais dos nubentes, não atribuía mais poderes absolutos ao marido.Depois, muito depois, o matrimônio passou a depender da vontade dos nubentes. Aprincípio, mera forntalidade, pois os pais é que decidiam sobre o casamento dosfilhos. Hoje, havendo coação paterna, anulável é o casamento. Eis afamilia até recentemente definida como legítima, constituída pelo matri-mônio. Ao lado dela, afamília natural, outrora ilegítima, também denominada livre,que o direito moderno reconhece à prole direitos em relação aos pais, e à concubinadireito à pensão, direito à participação do patrimônio comum e direito à

sucessão.Entre nós, a partir da Constituição de 1988, a família decorre do casamento comodo concubinato por ter a ` `lei maior'' reconhecido a sociedade concubinária comoentidade familiar. Assim, a partir de 1988, "família legítima", legitimada pelocasamento, deu lugar à família conjugal, toict court. Apesar disso, a Constituição de 1988 atribuiu maior valor jurídico ao matrimônio ao determinar ao legisladorfacilitar a conversão do concubinato (entidade familiar) em sociedade conjugal (art.226, § 3"), tornando-a assim a meta da união estável (entidade familiar), constituídapor um homem com uma mulher, unidos pelo amor, e não pelo casamento. A lei n"9278 ( 10.05 .1996) regulamentou o preceito constitucional, pondo flm à divergência_jurisprudencial, abrindo, entretanto, palco para maiores polêmicas... Finalmente, na farmlia moderna notam-se a humanização e o desaparecimento da autoridade marital. A mulher deixa de ser submetida ao marido, assumindo a posição de companheira. A incapacidade da mulher casada não mais existe. Adquiriu ela novas funç<*-*>es e responsabilidades na família. Tem novo papel social. Já não é só mãe, "dona de casa", e companheira, pois passou contribuir para a formação do patrimônio da familia com o seu trabalho. Tem profissão, não sendo raro trabalhar fora do lar. Está colocada em pé de igualdade com o marido, que de fato, e nãode direito, na maioria das vezes, exerce algumas funç<*-*>es indispensáveis à unidade da famlia. - Assim, a famlia patriarcal, sob a autoridade do marido, pertence ao passado. A lei atuahnente dá a ambos os cônjuges direitos e deveres iguais.

Mas a família começa a enfrentar grave crise. A p7ula libertou sexualmente amulher. A rotina despersonalizou os cônjuges, absorvidos com a televisão, que lhesrouba o tempo do diálogo. Os filhos tornam-se contestadores, não tendo diálogo com<012>

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os pais. Protestam e se afastam dos padr<*-*>es observados pelos mais velhos. Aconcubina obtém legalmente direitos que eram só da esposa (Lei n" 9278, de10.05.1996). A familia em geral, e não somente a constituída pelo casamento, estásendo posta à prova.

168. PROPRIEDADE. SUA EVOLUÇÃO

Do ponto de vista biológico, a propriedade, segundo alguns sociólogos, é frutodo instinto de conservação. Deve ter sido coletiva na sociedade primitiva, tantodaterra como das coisas móveis, sejam armas, facas ou machados, utensi ios etc. Nãohavia distinção, nessa fase, entre a propriedade privada e a do grupo, pois confun-didos se encontravam o direito público e o direito civil. A comunhão de bens entrepessoas, vinculadas e identificadas com o grupo social, foi a primeira forma depropriedade. Tudo pertencia a todos e a ninguém em particular e todos a desfruta-vam e desempenhavam em comum as funç<*-*>es do grupo. A propriedade individualapareceu simultaneamente com a chefia do grupo.' Ao chefe da tribo, só a ele, foi,a princípio, concedido o direito de propriedade, principalmente a imobiliária.

Só eleadministrava e dava destino às coisas do grupo. Competia-Ihe reparti-las entre todos.Gradativamente, explica Post (Gcurcsprudenza etnologica, trad.), os bens de usopessoal, como roupas, armas, utensílios ou ornamentos, tornaram-se propriedadedos membros do grupo, que os usavam ou portavam. Foi a primeira forma depropriedade individual. Depois, estendeu-se aos produtos do trabalho individual e,só muito mais tarde, aos terrenos cultivados. Assim, primeiro, propriedade de coisasmóveis, depois, tardiamente, da terra. Entretanto, a individualização da propriedadea princípio caracterizou-se por atribuir a titularidade à familia. A propriedadefamiliar antecede, por conseguinte, à propriedade individual. O paterfamilias foio primeiro titular. Portanto, primeiro, comunhão de bens, depois, propriedade do chefe do gruposocial (rei, sacerdote-rei etc.), finalmente, propriedade familiar e, tardiam<*-*>nte,propriedade individual. Esta, que com o individualismo tornou-se absoluta: "Di-reito de gozar e de dispor das coisas da maneira mais absoluta'', como prescrevia oCódigo de Napoleão, sofre hoje o impacto do interesse social. O uso abusivo dapropriedade é vedado.2

É sabido que a personalidade, como centro de direitos e obrigaç<*-*>es, aptidão para ter direitos eassumir obrigaç<*-*>es jurídicas, foi inicialmente atribuída ao chefe da tribo (§§ 184 e 188). Foi eleo primeiro titular de direitos e o primeiro a ter personalidade autônoma, independente da do grupo.Depois, com romanos, ao pater familias foi a mesma reconhecida. A Revolução Francesaestendeu-a a todos os homens. A personalidade moral, ou seja, a das pessoas jurídicas, só foiconhecida a partir dos romanos.Com ela, o direito de propriedade.Em Babilônia, foi criado o primeiro registro de imóveis. Tábuas de argila encontradas registrammedidas e demarcaç<*-*>es de terras.

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Introdução ao Estudo do Direito

169. RESPONSABILIDADE CIVIL. SUA EVOLUÇÃO

Da mesma forma que a propriedade, a responsabilidade, na sociedade primi-tiva, era também coletiva. Identif'icando-se na sociedade arcaica a pessoa como o grupo social, a respon-sabilidade estendia-se a todos, sem qualquer distinção e sem qualquer dependênciade culpabilidade ou de maturidade mental do causador do dano. Era de todos, semser de ninguém em particular. Respondia o grupo, a tribo ou a farru'lia do ofensorpelo ilícito, e não exclusivamente o causador do dano. Dominava, então, a respon-sabilidade coletiva. Não só coletiva como também objetiva, pois, como dissemos,o primitivo não indagava a capacidade ou a culpabilidade do causador do dano, poisbastava tê-lo praticado para responder, mesmo que fosse menor de idade, louco ouanimal. Devia ser imediatamente castigado, bem como sua família, e destruídos seusbens e tudo o que havia tocado, devido ao animismo dominante entre os primitivos.Se assim não fosse, poderiam recair desgraças sobre todos, cuja ameaça os atemo-rizava, por terem medo da a ira dos deuses. Por esse motivo, na sociedade primitiva, responsabilidade tinha sentido expia-tório. Para ser responsável, bastava estar no mundo. .Nessa sociedade, a idade,

asanidade mental, a culpa, o desenvolvimento mental<*-*> a própria vida não eramcondiç<*-*>es da responsabilidade. Predominava o nexo de causalidade material, po-dendo ser responsável por uma ofensa tanto o animal, a criança, o adulto, a coisacomo o louco ou o cadáver. Fauconnet (Lci Responsabilite<*-*>, seguidor de Durkheim, salientou o fato de aresponsabilidade, na sociedade arcaica, limitar-se a indicar quem deveria ser casti-gado por ter perlurbado a paz social. Substituia o crime pela expiação do responsá-vel. Daí ser usual a imolação de uns, o sacrifício de outros, até de uma criança. Asociedade primitiva exigia apunição; reclamava, diz Fauconnet, cabeças. Procuravaum ` `bode expiatório'', podia ser um inocente, incriminado pelas circunstâncias; umlouco, uma criança, uma coisa ou um cadáver. A exigência de punição, ou seja, desanção, gerou, como nota Fauconnet, a responsabilidade. Isto porque, na sociedadearcaica, a função da sanção era apagar o crime. Nesse sentido primitivo, responsa-bilidade reduzia-se à causalidade, procurando-se o causador do ato ilícito, ou seja,o responsável, por haver a crença de que punindo-o estava-se destruindo o crime. Com a civilização, com as graves conseqiiências da talcs esto (dente por dente,olho por olho) e, principalmente, com o aparecimento da propriedade privada e coma formação do princípio individualizador, foi aos poucos sendo abandonada a "penade talião" (dente por dente, olho por olho), que acabou substituída pela composição,pondo f'Im à insegurança criada pela Lei de Talião, passando a ser reparados os danosmediante compensaç<*-*>es materiais, levando em conta o bem atingido, a idade, osexoe a situação social do ofendido. Mas aprópria ` `composição pecuniária" (Wehrgeld)<012>

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foi, a princípio, coletiva. Depois, individualizou-se, restringindo-se à obrigação de oofensordaràvítima, atítulo de compensação, algo valioso. Essa obrigação foi inicialmentede todaa família do ofensor. A princípio, facultativa, podendo a vítima ou sua farruliaescolher entre a ` `pena de talião'' ou a composição pecuniária. Depois, obrigatória,estabelecida por árbitros. Assim, a composição pecuniária, em lugar da Lei deTalião, no começo, dependia da conveniência das partes. Inicialmente, como disse-mos, facultativa; depois, compulsória. As primeiras tarifas dependiam dos interessesdo ofendido ou de sua família; depois, foram estabelecidas por árbitros, cujasdecis<*-*>es se tornaram, aos poucos, costume. Posteriormente, nas primeiras "altasculturas' ', como a sumeriana e a da Índia, foram codificadas. Nessa fase mais evoluída da vida social, a responsabilidade é a situaçãojurídicaem que se encontra uma pessoa ou sua fami ia obrigada a compensar pecuniaria-mente a vítima ou sua família, pelas les<*-*>es ou danos a ela causados. Surge, assim,pela primeira vez, a responsabilidade como obrigação de reparação de danos.

Todavia, ainda nessa fase, não se cogita de culpa, desconhecida pelo direito arcaico,mas só.do nexo de causalidade material: quem causou o dano, mesmo involutaria-mente, é responsável, devendo pagar pela ofensa. Com o processo de civilização, com a propriedade privada ao alcance de maiornúmero de pessoas, com o aparecimento dos direitos individuais, com o indivíduocada vez com mais autonomia do grupo e com o amadurecimento das idéias morais,completou-se a individualização da responsabilidade. Desde então, só o homem,com certo desenvolvimento físico e mental, é responsável por seus atos, deixandode ser pelo crime alcançadas as coisas, as crianças, os animais, os loucos e ocadáver. Depois, se processou a espiritualização da responsabilidade, subordi-nando-a não só ao "nexo de causalidade material", como também à culpabilidade.Passou-se, então, a exigir a culpa para a configuração da responsabilidade. Mas, apesar da individualização da responsabilidade, não devemos esquecerque nas sociedades mais evoluídas, como na européia do século XVIII, a responsa-bilidade pelo crime de traição se estendia a toda a família do criminoso. Porém, sob a influência da Escola do Direito Natural e do individualismojurídico, completoiz-se a individualização da responsabilidade penal, restringida aocriminoso, não se estendendo mais à sua farmlia. Desde então, a culpa é a base da responsabilidade civil e penal. Mas, o crescimento industrial, o progresso da ciência, as novas tecnologiascriaram situaç<*-*>es perigosas e graves riscos, tornando-se criadoras de gravesdanosque não poderiam ser reparados se predominasse a responsabilidade subjetiva(fundada na culpa), por se tornar cada vez mais difícil a prova da culpabilidade. Ostribunais começaram então a admitir a presunção de culpa, transferindo para oacusado o ônus da prova de sua inocência, de ter procedido prudentemente, de tertomado todas as cautelas, de modo a excluí-la. Surgiu, depois da presunção de culpa,

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Introdução ao Estudo do Direito

a teoria do risco, que imp<*-*>e a obrigação da reparação dos danos causados porumaatividade perigosa. Mas enquanto no direito privado a responsabilidade deixou, em certos casos,de depender da culpa, no direito penal manteve-se dela dependente.

170. CONTRATO. EVOLUÇÃO

Sabemos que nas sociedades primitivas, nas primeiras fases de sua evolução,predominou, como esclareceu Sumner Maine (L 'Ancien droit, trad.), o status, sendoestatutárias todas as obrigaç<*-*>es jurídicas. Não dependiarii, assim, da vontade dapessoa, decorrendo da sua posição no grupo social, imposta pela norma jurídica.Não havia, pois, obrigação voluntariainente assumida, não podendo, como conse-qüência, haver contrato, por independer a obrigação da vontade das partes. Haviasomente obrigaç<*-*>es legais. A maioria das obrigaç<*-*>es primitivas recaía sobre grupos, farmlias ou pequenasunidades sociais, nunca sobre seus membros. Por isso, os primitivos contratos foramcelebrados entre grupos. Primeiro, entre grupos sociais, depois, com a instituição dostatus de chefe-proprietário, entre chefes de grupo; posteriormente, entre chefes defamília e, quando ocorreu a individualização da propriedade, entre pessoas. Inicialmente, teve natureza delituosa. A inexecução da obrigação era crime,sujeitando o devedor a pena grave. A escravização ou a morte do devedor impontualpodia ser exigida e executada pelo credor. O vínculo obrigacional (vinculum) erasagrado, sendo inaceitável a inexecução da obrigação. O devedor, diz Huvelin,

estava vinculado ao credor por fórmulas ou ritos mágicos. Eram previstas as maiscruéis sanç<*-*>es ao devedor faltoso, na ausência de outras formas de garantia.Tudoporque pelo nexum o devedor dava sua pessoa como garantia do pagamento. Assim, aobligatio do direito antigo é a ` `dominação sobre uma pessoa'', resultante de certoscompromissos, que restringem a sua liberdade, sujeitando-se à vontade de outra. Com a individualização da propriedade, humanizou-se a situação do devedor,que podia oferecer seus bens em lugar de seu sacrifício. Nessa fase, o credor podiaescolher a vida, a escravização do devedor ou seus bens. Posteriormente, desapare-ceu essa faculdade, respondendo exclusivamente os bens do devedor pela inexecu-ção da obrigação. Segundo a maioria dos autores que trataram do assunto, a` `permuta'' e o ` `empréstimo" foram os primeiros tipos de contratos celebradosnasociedade arcaica; acompra-e-venda só apareceu quando seconvencionou convertercertos bens (metais ou gado) em símbolo de unidade de medida. Com a moeda,tornou-se o principal tipo de contrato. Os contratos, a princípio, tinham caráter religioso. O vincalum unia de formaindissoliível as partes. Ojuramento, por exemplo, garantia a execução da obrigação,<012>

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Paulo Dourado de Gusmão

pois havia a crença de que descumpri-lo acarretaria vingança dos deuses. Certaspalavras sagradas, quando pronunciadas, tornavam celebrado e sagrado o contrato.No direito primitivo, diz Fustel de Coulanges (A cidade antiga, trad.), palavrassagradas dão-lhe força mágica, aterrorizando homens e grupos das culturas arcaicas.Eram verbais os primitivos contratos, garantidos pelo juramento, pelo medo decastigos sobrenaturais, caso não fossem executados, ou pela cruel vingança docredor. Depois, vieram os compromissos assumidos sob a forma escrita: ` `documen-to caseiro"do Antigo Egito (3188-1700 a.C.), "duplo documento" do períodoptolomaico (322-20 a.C.), e, no direito romano, tabulae e epistolae, enquanto nodireito grego, syngrapha. Eram atos solenes, em que fórmulas e palavras sagradasdeviam ser repetidas pelas partes, do conhecimento exclusivo dos sacerdotes ou dosjurisconsultos. A partir dos romanos, o contrato passou a depender da vontade das partes.Estava estabelecido o princípio da autonomia da vontade ou liberdade contratualdominante no direito contratual até 1914. Hoje, esse princípio está enfraquecido. Asconvenç<*-*>es coletivas de trabalho, os contratos de adesão e a revisão judicial doscontratos leoninos, propugnada pelo direito moderno, vão fazendo declinar a teoriaindividualista do contrato, que, oriunda de Roma, teve seu reconhecimento solenenoCódigo Civil francês de 1804. Por isso, Morin (Le loi et le contrat. La décadence deleur souveraineté) e Ripert (Le régime démocratique et le droit civil moderne) afirmamestar em decadência a ` `soberania do contrato''. Para onde caminhamos nesse terreno? Estamos retornando à fase estatutáriado contrato, que na aurora da civilização marcou o início da era contratual? Achamosque caminhamos para nova teoria do contrato, compatível com época de crise emque vive todo o mundo neste fim de século e em que se exige que os interessesgerais pairem acima dos interesses privados no próprio campo do direito privado.Caminhamos para uma teoria social dos contratos, que sup<*-*>e maior solidariedadeentre os homens.

171. DIREITO DAS SUCESSÊES. EVOLUÇÃO

De certo modo, pode-se dizer que o direito das sucess<*-*>es só apareceu depoisda individualização da propriedade. A princípio, só entre os chefes de tribo seprocessava a sucessão. Falecido o chefe, o sucessor, observando um cerimonialsagrado, entrava na posse dos bens do antecessor. Depois, a sucessão processou-seentre os chefes de família, pois a propriedade pertencia à família, e não a seusmembros. Com a individualização da propriedade, a sucessão passou a ser entrepessoas. A princípio, antes da propriedade familial, a sucessão compreendia só bensmóveis (utensílios, armas, instrumentos de trabalho etc.), transmitidos aos descen-dentes e parentes. Inicialmente, falecido o varão mais velho, sucedia o chefe de

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Introdução ao Estudo do Direito

família mais velho, isto é, o paterfamilias. Só o homem podia herdar, a mulher não,estando afastada da sucessão. Primeiro, só o ftlho mais velho, depois, o direitodesucessão se estendeu aos demais, excluídas as mulheres, que não herdavam. Nãodeixando o de cujus, herdeiro varão, herdavam os parentes var<*-*>es da linha paterna.Inexistindo var<*-*>es nessa linha, os bens, inicialmente, revertiam para a comunidade;depois, foi deferida a sucessão aos parentes var<*-*>es do ramo materno; só tardiamenteas mulheres começaram a ter direitos à sucessão, somente quando não houvessevar<*-*>es. Mas, nesse caso, geralmente, não tinham a propriedade, mas só o usufruto.Foi em Roma, com a Lei das Xll Tábuas, que à mulher foi concedido o direito desuceder. Finalmente, deixou de haver distinção de sexo em matéria de sucessão. Completando-se a individualização da propriedade, foi permitida a partilha daherança entre os herdeiros. Primeiro, sucessão legítima; tardiamente, testamentária.

172. PROCESSO NO DIREITO ARCAICO E NA IDADE MÉDIA. EVOLUÇÃO

Na sociedade arcaica, no clã totêmico, não havia, em virtude de não serindividualizado o poder, órgão destinado a administrar ajustiça. Os laços profundosde solidariedade social que uniam os homens, a necessidade de paz e de segurançainterna e externa, o receio de recair sobre todos a ira dos deuses,3 caso fosseminobservados os tabus, levaram os homens, coletivamente, a reagir ao ilícito. Todoo grupo, como uma só pessoa ou um só juiz, investia contra o turbador da paz, daordem e segurança do grupo, destruindo tudo que alguma ligação tivesse com ele.Nessa sociedade, seus membros estavam convencidos da necessidade de ser extir-pado todo vestígio da ofensa, destruídos todos os pertences do ofensor, bem comoele próprio e seus próximos. Eis, aí, no regime completamente fechado do grupo arcaico, o sistema daautodefesa social (regime de autodefesa). Os excessos da vingança, enfraquecedores do grupo social e geradores deinsegurança, bem como a intranqüilidade que a justiça privada perpetuava, tiveramcomo conseqüência a criação de limites à vingança defensiva: primeiro, o talião (Leide Talião), ` `dente por dente, olho por olho'', impondo reação igual à ofensa, depois,com caráter facultativo, a composição. O talião copia a agressão, reproduzindo-anoagressor, para a ela igualar-se. Serve-se até dos mesmos instrumentos. Tudo pelacrença de que o mal causado dever ser fielmente reproduzido no causador do dano. Mas, com as limitaç<*-*>es impostas à l,ei de Talião, muitas vezes

desrespeita<*-*>as,a justiça privada foi exercida por largo tempo.

3 Ao incesto de Édipo, dramatizado na literatura grega, foi atribuída a peste que ceifou muitas vidas humanas em Tebas.<012>

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Paulo Dourado de Gusmão

Com a individualização do poder político exercido seja pelos chefes de tribosseja pelo Conselho de Anciãos, aos poucos o grupo monopolizou a função de punir,pondo fim àjustiça privada. A intervenção, a princípio facultativa, depois obrigató-ria, de árbitros, para solucionar os conflitos, foi, em certos grupos, a origem dafunção jurisdicional do Estado. Tanto na Mesopotâmia, no Egito como em Atenasou Roma, no começo, sacerdotes ou o próprio rei eramjuízes, aplicando puniç<*-*>esdraconianas. A condenação era geralmente maior do que o prejuízo sofrido. O dobro,prescrevia, no mínimo, a Lei das XII Tábuas. Das decis<*-*>es dos reis, dos sacerdotes ou dos pontífices, surgiu o direito.Assimna sociedade arcaica: a actio criou o jus, nascendo o direito da ação, das decis<*-*>esdos sacerdotes, reis, pontífices oujuízes. "No mundo romano", escreve Cogliolo(Fclosofia do direito privado, trad.), ` `durante muitos séculos, a actio criou o jus, esó quando se tornou vasto o patrimônio jurídico ojus preexistiu e a actio transfor-mou-se no modo de garanti-lo e impedir a sua violação". A idéia de ação, comofaculdade de formular uma pretensão ao juiz para obter uma sentença, representa,diz Cogliolo, grande progresso. A Humanidade teve de esperar os romanos paraconhecê-la. O processo,' entre os romanos, revestia-se de formalismo excessivo. Nada maisera do que um conjunto de fórmulas e gestos sagrados ou rituais que as partes deviampronunciar e repetir corretamente, sob pena de nulidade ou de não produzir efeitosjurídicos. Não havia, a princípio, exposição do fato e muito menos fundamentaçãoda decisão como há hoje. Com um gesto, representativo em regra da ofensa,destinado a imitar a justiça privada, o actor pleiteava a proteção do juiz. O juiz, deforma simples, sem fundamentação alguma, pronunciava a decisão. Conheceram os romanos o processo criminal e o processo civil. Primeiro,surgiu aquele, depois, o outro. Distinguiram, como salienta Mommsen (Droitpublicromain, trad.), a ação privada (processo penal privado), de iniciativa do ofendido,decidida por árbitros, da ação pública (processo penal público), promovida peloEstado, julgada porjuízes, destinada a punir crimes mais graves. A ação pública aospoucos absorveu a ação privada, circunscrita a poncos crimes, principalmente àinjúria.

4 O processo tinha inicialmente natureza religiosa. Entre os antigos povos, principalmente entre os germânicos, invocava-se o pronunciamento de deuses através de uma prova (duelo, prova do fogo ou da água fervendo etc.) para apontar o culpado, acreditando-se poder se chegar a um resultado certo, seguro e infaiível através dessa prova. Entre os romanos, a princípio,

pontífices guardavam em segredo as fórmulas, ou seja, o processo, enquanto na Idade Média a Igreja sacramentou rituais religiosos que deveriam preceder à tortura de modo a legitimar a con issão ass_m obtida.

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Introdução ao Estudo do Direito

Na Idade Média, sob a influência do direito canônico, o processo inquisitóriopredominou. A "confissão" tornou-se a prova principal, a "rainha das provas",passando a ser o objeto principal do processo. Podia ser arrancada pela tortura. Os germânicos introduziram por sua vez a prova mística, os juizos de deus,pelos quais se provocava, através de uma prova (prova do fogo ou do veneno, duelo),a intervenção divina para apontar o culpado. Se o acusado saísse vitorioso, ou comvida, após ser submetido a essa prova, era inocente; caso contrário, culpado. Taisprocessos perduraram até o século XVI. Dois eram os tipos de processo penal no mundo medieval: o processo acusa-tório e o inquisitório. O primeiro dependia de uma denúncia apresentada ao juizpelo acusador. Quando a questão era complexa, o juiz pedia parecer a um juriscon-sulto. Essa prática concorreu para o renascimento do direito romano. De posse doparecer ou diante do fato, o juiz sentenciava. Já o processo inquisitório era secreto,sem acusador, destinado a expurgare civitatem malis (limpar a cidade dos maushomens). Eraescrito, sempublicidade, secreto. Admitiadenúncia anônimae secreta.A tortura era empregada ao acusado para obter a confissão, bem como às testemu-nhas. A sentença não era fundamentada, pois dependia exclusivamente da livreconvicção do juiz. No mundo medieval, devido aos canonistas e aos glosadores, o processotornou-se complicado, moroso e excessivamente formalista. As quest<*-*>es eterniza-vam-se. Por esse motivo, para atender a casos urgentes, foi, em 1306, criado oprocedimento sumário, desprovido de formalidades, decidido de plano. Esse proce-dimento foi instituído por decreto (Clementina Saepe) do Papa Clemente V. Nova fase surge com as Ordenaç<*-*>es (Ordonnances) de Luiz XIV, de 1667,simplificadora do processo civil, dando-lhe publicidade. Serviram de base para oCode de Procédure Civil (1807) de Napoleão. Mas, a publicidade do processo e o papel central nele exercido pelo juiz foramconquistas do Regulamento Processual Civil (ZPO), de 1877, alemão. Esse regula-mento deu poder ao juiz para orientar e dirigir o processo. De lá para cá, o direito processual foi humanizado, despido gradualmente deformalismo e racionalizado. Fortalecida foi a posição do juiz, deixando o processode ser um duelo entre as partes. A tortura foi condenada e, por fim, não maisempregada, tornando-se as provas controláveis e científicas. A simplificação doprocesso e do número de aç<*-*>es e de recursos, bem como maiores poderes dados aojuiz na direção e orientação do processo são conquistas do direito moderno.

173. PROVA NO DIREITO ARCAICO E NA IDADE MÉDIA. EVOLUÇÃO

Relacionada com o processo, temos a questão da "prova". Já vimos que oformalismo do direito antigo objetivava não só dar certeza às relaç<*-*>es jurídicas,<012>

302Paulo Dourado de Gusmão

como, também, facilitar a prova dos atosjurídicos. Entretanto, na sociedade arcaica,o formalismo, por si, não atingia a sua finalidade precípua, alcançada por

processosmágicos, místicos, grosseiros, bárbaros e desumanos como meios de prova. Domi-nava, então, o que H. Lévy-Bruhl denomina "prova mística". A ela se referindoassim se pronunciou: junto às populaç<*-*>es pouco evoluídas, a prova judiciáriareduz-se a um apelo a poderes superiores para a indicação do culpado, responsávelpelo ilícito. O processo mais empregado para esse fim é o ordálio, prova grosseira,bárbara e desumana do direito arcaico, fundada na crença da possibilidade demanifestação da divindade dessas populaç<*-*>es em certas cerimônias, indicando oculpado. Era uma prova de resistência física e moral destinada a provar a inocência<*-*>ou a culpabilidade do acusado. Suas formas principais eram o veneno, o fogo, a águafervente e o duelo. Apesar de comum nas sociedades arcaicas, encontramos aindavestígios desse meio probatório na Europa até o século XIII, devido principalmenteao domínio germânico. Se a pessoa submetida a uma dessas provas resistisse ao ferroem brasa, ao fogo ou à água fervente, cicatrizando-se rapidamente as feridas, ou,então, se vencesse no duelo, era inocente. Em caso contrário, culpada. Em virtude dos tabus, da religiosidade, o homem primitivo e o medievalestavam convencidos de que todos os seus passos eram vigiados por deuses, seres eforças sobrenaturais. Tudo o que faziam não deveria escapar à vigilância dadivindade de seu grupo social. Por isso, se errassem, sofreriam a ira dos deuses,recaindo sobre eles e os seus a desgraça. Daí o interesse que todos tinham no castigodo culpado e daí dever ter sido rara a mentira ou a falsidade na sociedade primitiva.Eis o porquê do grande valor dojuramento nas sociedades arcaicas e nas civilizaç<*-*>esantigas, feito sobre objetos sagrados. Essa prática, fortalecida pelo conceito de honra,cultuado na Idade Média, perdurou até nossos dias, pois em alguns países é tomadoojuramento do acusado, das testemunhas ou dosjurados sobre objetos sagrados paraa sociedade, como a Constituição ou a Bíblia. O juramento, por isso, reforçava a negativa da autoria do delito. Mas nãoafastava a possibilidade do uso de provas "bárbaras", desumanas, como a tortura,submetendo o suspeito, com requintes de selvageria, aos mais atrozes sofrimentos,na presença de representantes da autoridade, para obter a confissão do delito quandohavia alguma suspeita. Mas, em 1507, na Alemanha, Carlos V por um decreto(Carolina) negou valor à confissão obtida por meio de tortura. Sob o impacto doRacionalismo, as provas judiciais sofreram transformaç<*-*>es. Destinam-se desdeentão a convencer o juiz. São fundadas, como diz H. Lévy-Bruhl (Aspectes socio-logiques du droit), na concatenação das causas e dos efeitos dos fatos. Depois, aciência e a técnica, com o progresso que alcançaram, vêm em socorro do processo.A datiloscopia passa a ajudar a identif'icar o criminoso. A prova pericial, servindo-sedos conhecimentos e recursos da Medicina, da Psiquiatria, da Psicologia, da Física,da Química, da Matemática, da Engenharia, da Contabilidade etc., abre o caminho

303

Introdução ao Estudo do Direito

para a prova técnica. A Psicologia ajuda o juiz a descobrir o falso testemunho,enquanto a Farmoquímica fornece drogas capazes de anular as resistências da mente,possibilitando assim arrancar confiss<*-*>es. Por outros caminhos estaremos retoroando

ao passado? Em certos campos do Direito, no de Famlia por exemplo, a Genéticaé promissora, principalmente no caso de investigação de paternidade com os testesADN, isto é, com a identificação através da impressão digital genética... A Ciência, com os progressos que tem alcançado, virá em socorro do juiz,tranquilizando-lhe a consciência, dando-lhe bases mais sólidas para decidir, princi-palmente no campo penal. Mas elevará em muito o preço do processo, reduzindo,assim, o número daqueles que dela poderão se beneficiar...<012>

XXXIII

.SISTEMA JURmICO BRASILEIRO - FORMAÇÃO E EVOLUÇÃO

174. VISÃO GERAL

A história do sistema jurídico brasileiro inicia-se antes da História do Brasil,quando a Europa fazia a História, pois começa muito antes de 1500. De modo geral, podemos dizer que o sistema jurídico brasileiro pertence aosistema ou espaço social do direito codificado. É, pois, sistema de direito escrito, dedireito codificado, onde a lei é a fonte suprema do direito. Quanto ao conteúdo, o direito brasileiro, através do direito português, sofreua influência do direito romano, do direito germânico e do direito canônico. Nosso sistema constitucional, desde aproclamação da República, foi presiden-cialista, e federativa é a forma de Estado que adotamos. Depois, em razão de umacrise político-militar, acolhemos, em 1961, o parlamentarismo, que não vingou, poisem 1963, foi restabelecido o presidencialismo. Nossa Constituição teve por modeloa norte-americana; é escrita, in<*-*>lexível, pois só pode ser modificada por lei consti-tucional (emenda constitucional), com observância de procedimento especial diver-so do previsto para as leis ordinárias. Nossas câmaras político-legislativas (Câmarados Deputados e Senado Federal) são representativas. Nosso direito privado ressente-se ainda da influência do liberalismo e doindividualismo, apesar das limitaç<*-*>es impostas ao direito de propriedade, à autono-mia da vontade, à liberdade de empresa e ao exercício do direito subjetivo. No que diz respeito aos grandes campos do direito, estão, em regra, contidosem códigos. Eis aí, como introdução, uma visão panorâmicado nosso sistemajurídico. Quecaminhos percorremos? Quais as suas fontes históricas? É o que veremos a largas pinceladas. Tivemos a época colonial ( 1500-1822), a imperi3l ( 1822-1889) e arepublicana.A elas correspondem tr<*-*>s fases de nosso sistema jurídico. A primeira é maisportuguesa que propriamertte br<*-*><*-*>..;ileira; a segunda 5e caracteriza pela transiçãopara<012>

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Paulo Dourado de Gusmão

o que se poderia chamar brasileira, que só se desabrocha, com toda desenvoltura,nofim do século passado e na fase republicana de nossa História. Mas, como não podia deixar de ser, em qualquer uma dessas fases está presentea influência do direito português contido nas Ordenaç<*-*>es Reais.

175. LEGISLAÇÃO DA METRÓPOLE E DA COLãNIA

É evidente que os portugueses, com suas naus e armas, só puderam transferirpara o Brasil a sua organização jurídica adaptando-a ao novo meio social em quedeveria viger, como não poderia deixar de ser, pois toda norma jurídica sup<*-*>econdiç<*-*>es sociais possibilitadoras de sua aplicação, para as quais se destina. Daí nãoter sido aplicada aqui toda a legislação portuguesa. Tivemos, assim, legislaçãocomccm a Portugal e ao Brasil e legisla<*-*>ão especial destinada ao Brasil.

176. ORDENAÇÊES

As leis de Portugal, ou seja, a ordemjurídica portuguesa, encontravam-se nasOrdenaç<*-*>es do Reino, que compreendiam, primeiro, as Ordenaç<*-*>es Afonsinas,depois, as Manuelinas e, ao tempo da dominação espanhola, as Filipinas. EssasOrdenaç<*-*>es, isto é, o sistemajurídico português, teoricamente, eram aplicáveis aoBrasil. Entretanto, como vimos, por falta de condiç<*-*>es sociais, muitos preceitos enormas do direito português eram inaplicáveis aqui e outros necessitavam deadaptação para o serem. Surgiu, então, legislação especial adaptadora do direitoda

Na Península Ibérica, vigiu o direito romano vulgar, mas depois da invasão dos visigodos essedireito foi substituído pela Gex Romana Wisigothorum (§ 166), compilação do direito romano ede costumes observados pelos invasores, aplicável exclusivamente aos ibéricos, pois os germâ-nicos eram regidos por seus costumes. A partir de 654, foi introduzido na Península Ibérica oLiber ludiciorum (§ 166), também denominado Forum ludicium, compilação que integrou odireito romano com o direito consuetudinário germânico e com o direito canônico,compreenden-do direito penal, direito civil, direito processual e direito eclesiástico, que se tornou legislaçãocomum a germanos e ibéricos. Depois da invasão dos mouros, essa compilação, que vigorou atéo século XIII, perdeu a sua eficácia, sendo, entretanto, restabelecida pela compilação decretadapor Afonso X, denominada Fuero Jazgo, que, em verdade, é o Forum ludicium com algumasinovaç<*-*>es. Compreendia todo o direito: constitucional, penal, civil, processual e teoria daaplicação da lei. Foi recompilada várias vezes, sempre com inovaç<*-*>es. A maisimportante datado século XVI, de autoria de A. Villadiego, conhecida por Glosa de Villadiego, mas oficialmentedenominada Forum antigus gothorum regum Hispaniae, olim Liber ludiciam: hodie Fuero Juzgonuncupatus (1600). A título de esclarecimento: "fuero" significa lei. Posteriormente, o Corpusluris Civilis dos glosadores tornou-se direito comum a Portugal e à Espanha. O Fuero Juzgo e oCorpus luris Civilis serviram de base à Ley de las Siete Partidas, decretada no século XIII. Eisas fontes históricas das Ordenaçôes.

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Introdução ao Estudo do Direito

Metrópole à Colônia, bem como legislação local ou especial destinada especiftca-mente ao Brasil. A legislação portuguesa, que se destinava exclusivamente ao Brasil, era, deregra, decretada em Portugal e, em certos casos, aqui ditada pelos portugueses.

177. ORDENAÇÊES AFONSINAS, MANUELINAS E FILIPINAS. LEIS EXTRAVAGANTES. DIREITO BRASILEIRO

O direito português vigente no Brasil estava, como dissemos, contido nas` `Ordenaç<*-*>es Reais''. Essas Ordenaç<*-*>es compreendiam:1") Ordenaç<*-*>es Afonsinas( 1500-1514), datando do século XV, atribuídas a João Mendes, Rui Fernandes, LopoVasques, Luís Martins e Fernão Rodrigues. Foram elaboradas sob os reinados deJoão I, D. Duarte e Afonso V. Como o trabalho foi terminado no reinado de AfonsoV, recebeu o nome de Ordenaç<*-*>es Afonsinas (1448). Compunham-se de cincolivros, compreendendo direito penal, direito civil, direito comercial, organizaçãojudiciária, competências, relaç<*-*>es da Igreja com o Estado, processo civil e comercial.2") Ordenaç<*-*>es Manuelinas ( 1514-1603), compilação exigida pela grande massadeleis e atos modif'tcadores das Ordenaç<*-*>esAfonscnas. Foram seus compiladores:RuiBoto, Rui da Grá e João Cotrim. Iniciaram o trabalho em I501, no reinado de D.Manuel I, e terminaram-no, mais ou menos, em 1514. Contém as mesmas matériasdas anteriores Ordenaç<*-*>es. 3") Ordenaç<*-*>es Filipinas, que, juntamente comas LeisExtravagantes, tiveram vigência no Brasil de 1603 até 1916. Essa compilação datado período do domínio espanhol, sendo devida aos juristas Paulo Afonso, PedroBarbosa, Jorge de Cabedo, Damião Aguiar, Henrique de Sousa, Diogo da Fonsecae Melchior do Amaral, que começaram seus trabalhos no reinado do rei espanhol FelipeI (1581-1598), terminando-o em 1603, no de Felipe II (1598-1621). Devemos esclarecer que essas Ordenaç<*-*>es não eram códigos no sentido atual,mas compilaç<*-*>es de leis, de atos e de costumes. Eis as fontes principais do direito português vigente no Brasil. Ao lado delas, como fontes subsidiárias, o direito consuetudinário, o direitoromano e o direito foralício, formado pelosforais ou cartasforais, com as quais orei concedia terras. Junto a estas fontes, as leis extravagantes, isto é, as leis avulsas,não incorporadas nas Ordenaç<*-*>es. Ao tempo do Governo-Geral (1548-1581) tivemos, em direito civil e processocivil, o Código Sebastiânico, modificador em grande parte das Ordenaç<*-*>es Manue-linas, que deu grande importância ao direito canônico e às resoluç<*-*>es do Conci iode Trento. Deve-se esse código a Duarte Nunes de Leão. Concluído, em 1569, noreinado de D. Sebastião. Daí o seu nome, apesar de ser também conhecido por Coleçãode D. Duarte. Tivemos, também, nesse período, os regimentos, investindo funcioná-rios portugueses, que para cá vieram, de autoridade e competência.<012>

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Paulo Dourado de Gusmão

Em 1581, os reis de Espanha passaram a reinar também em Portugal. É operíodo do domínio espanhol, que introduziu aqui o Código Filipino ou Ordenaç<*-*>esFilipinas. Mas, na verdade, essa legislação não alterou o sentido e a tendência daslegislaç<*-*>es anteriores, pois os espanhóis reconheceram a validade do direitoportu-

guês em Portugal e no Brasil. Nesse período, foi dada maior importância ao direitoromano e ao direito consuetudinário. O Código Filipino, como as anteriores Ordenaç<*-*>es, consta de cinco livros, quetratam das mesmas matérias reguladas nas anteriores Ordenaç<*-*>es. Esse código,noBrasil, no que diz respeito ao direito civil, vigorou até 1" dejaneiro de 1917, quandoentrou em vigor o nosso atual Código Civil. As Ordenaç<*-*>es Filipinas não atendiam também às necessidades da Colônia.Daí a promulgação de várias leis extravagantes, das quais as mais importantes, pelasua originalidade, foram as que disciplinaram, com certa originalidade, matériacomercial, como, por exemplo, as leis sobre letra de câmbio (1672-1688), sobrecâmbio marítimo ( 1609-1655) e sobre seguros ( 1684-1695). A importância do direito romano, marcante no Código Filipino, acentuou-seno período que vai de 1750 a 1808. Nessa época, foi promulgada a Lei da Boa Razão(18-8-1769), que estabeleceu regras para a interpretação das leis e que mandouaplicar, no caso de lacuna, o direito romano, desde que compatível com a "boarazão''. Com a transferência de D. João VI e da Corte portuguesa para o Brasil, em finsde 1807, iniciou-se o período de fermentação de idéias e de modificaç<*-*>es de padr<*-*>ese dos costumes oriundos do período colonial, é quando desabrocha o direitobrasileiro. Tivemos, então, a Carta-de-Lei de I 815, que transformou o Brasil emReino e lhe deu centralização política, tendo como centro de irradiação a cidadedoRio de Janeiro. D. João VI, aqui no Brasil, até 1821, decretou várias leis, destinadas a atenderas necessidades sociais, políticas e econômicas do Brasil. O regresso de D. JoãoVIa Portugal, em 1821, não alterou o movimento de emancipação jurídica, iniciadocom a sua vinda para cá. Ficou aqui o príncipe-regente D. Pedro, que continuou aobra legislativa do pai D. João VI. Mas o Brasil, naquele tempo, apesar de Reino, não tinha ainda Constituição.Por esse motivo, por decreto de 1821, promulgado na Corte portuguesa, nos foiimposta a Constituição espanhola de 1812. Imposição sob condição: até que fossedecretada a Constituição para o Brasil, a ser elaborada em Portugal. É fácil de se compreender o mal-estar causado por esse decreto aos naciona-listas e aos defensores de nossa independência. Como conseqüência desse estado decoisas, foi revogado o ato que mandava aplicar ao Brasil a Constituição espanholano dia seguinte ao da sua decretação, bem como foram apresentados os trabalhos de

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Introdução ao Estudo do Direito

redação de uma Constituição para o Brasil, tendo por fonte as Bases da ConstituiçãoPortuguesa de 182 I. Todavia, na realidade, o que ocorreu, em 1821, foi a extensão das referidas` `Bases'' ao Brasil, com valor de carta constitucional. Esse documento consideravaa Nação a fonte do poder constituinte, manifestado através de seus representantes.Como forma de governo estabeleceu a monarquia constitucional. Garantias indivi-duais foram asseguradas. Mas era ainda uma Constituição elaborada em Portugal, que só teve o méritode ter substituído a espanhola. Não estavam satisfeitos ainda os que aqui residiam e que sonhavam com umaorganização jurídico-política correspondente à nossa realidade político-social. O decreto de 3 de junho de 1822 parecia que ia abrir caminho para a soluçãodesejada: convocara uma Assembléia Constituinte, que jamais se reuniu.

Mas, ocorreu, então, um retrocesso em nossas relaç<*-*>es com a Coroa Portugue-sa, que tentou nos impor novamente o regime de colônia. Foi a gota d'água de que precisávamos, pois, em 7 de setembro de 1822,ficamos independentes. Estava instaurado o Império (Primeiro Império), que durouatél83l. Nesse período, em I 823, foi convocada a Assembléia Constituinte. Instalada,discutiu e decretou várias leis, sem contudo formular a Lei Maior. Por decreto, de13 de novembro de 1823, foi dissolvida. Esse decreto instituiu o Conselho de Estado,do qual fazia parte Carneiro de Campos, com a incumbência de elaborar a Consti-tuição. O resultado não se fez esperar: o Conselho redigiu um projeto de Constitui-ção, que D. Pedro, em 25-3-1824, transformou na primeira Constituição do Brasil. Tivemos assim uma Constituição outorgada por D. Pedro I, instituindo ogoverno unitário, a monarquia-constitucional-hereditária e a divisão de poderes(Legislativo, Executivo e Judiciário), coordenados e harmonizados pelo PoderModerador exercido pelo imperador. Assegurou garantias individuais, definindo aNação como fonte da soberania e do poder político. Instituiu o sistema representa-tivo, o bicamaralismo (Câmara dos Deputados e Câmara dos Senadores), eleitos osmembros da primeira e nomeados, pelo imperador, os da segunda. O Poder Mode-rador, exercido pelo imperador, era a ` `chave de toda organização política'', caben-do-lhe estabelecer o equilíbrio e a harmonia entre os poderes políticos. Este quartopoder reduzia a autonomia do Parlamento, pois, com base nele, o imperador podiadissolver a Câmara dos Deputados. O imperador não respondia, politicamente, pelogoverno, ao contrário de seus Ministros, responsáveis perante as Câmaras pelos atosdo Executivo. Os Ministros eram de livre escolha e demissão pelo imperador.Introduziu o princípio da centralização política, apesar de o Estado ser dividido emProvíncias, cada uma tendo seu Conselho-Geral, cujas resoluç<*-*>es dependiam deaprovação do Goveroo central.<012>

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Paulo Dourado de Gusmão

Pelo Ato Adicional de 1834, foi a Constituição de 1824 reformada parcialmen-te no tocante à organização político-administrativa das províncias, dando-Ihes maiorautonomia. Mas não foi só, pois suprimiu o Conselho de Estado, tornou unitáriaa regência e deu competência às assembléias provinciais em matéria fiscal,judiciária, administrativa etc., independente de controle do Governo central.Entretanto, os governadores provinciais continuaram a não ser eleitos, masnomeados pelo imperador, fato que demonstra ser relativa a autonomia dasProvíncias. Posteriormente, tivemos a Lei de Interpretação (Lei n" 105, de 12-5-1840),que, a pretexto de interpretar o Ato Adicional, o modificou, restringindo o poderlegislativo das Províncias. Decorrido pouco mais de um ano, pela Lei n" 234 (23- I 1-1841 ), a Constituiçãoimperial sofreu nova reforma: foi restabelecido, com certas modificaç<*-*>es, o Conse-Iho de Estado. Com essas alteraç<*-*>es vigorou a Constituição do Império até a Proclamação daRepública, isto é, até 15 de novembro de 1889. Instaurada a República, pelo Decreto n" I (15-11-1889), foi dada ao Brasila forma federativa, constituída pela união das Províncias. Assim, a centralizaçãopolítica, prevista na Constituição imperial, foi substituída pela descentralizaçãopolítico-administrativa, tendo por modelo a organização norte-americana. Desta

forma, formaram-se os Estados-membros, com a incumbência de cada um delespromulgar sua própria Constituição. Rezava, ainda, esse decreto republicano que,enquanto não fosse eleita a Assembléia Constituinte e promulgada a Constitui-ção, a Nação seria governada pelo Governo Provisório da República. Em 1891, foi promulgada a primeira Constituição republicana, que implantouo presidencialismo, o federalismo, a separação harmônica dos poderes (Legislativo,Executivo e Judiciário), o bicamaralismo (Câmara dos Deputados e Senado), osgraus de jurisdição, a autonomia dos Estados-membros e assegurou as garantiasindividuais. Assim, a não ser em alguns períodos de nossa História, como, por exemplo,os compreendidos entre 1930 a 1934 e 1937 a 1945, a tradição constitucional, implan-tada pela Constituição de 1891, foi respeitada. Mas, em agosto de 1961, em razãodegrave crise político-militar, foi instalado o parlamentarismo no Brasil, que nãovingou,pois, emjaneiro de 1963, foi restabelecido o presidencialismo. As Ordenaç<*-*>es do Reino tiveram vigência aqui até 1830, em matéria penal,quando foi transformado em lei o projeto de Código Penal de Bernardo PereiraVasconcelos; em matéria processual penal, até 1841, com a promulgação do Códigode Processo Criminal; em matéria comercial, até 1850, com o advento do CódigoComercial de José Clemente Pereira; em processo civil, até I 850 (Regulamento n"735), exclusivamente em matéria comercial, pois só depois de 1890 (Decreto n" 763)esse Regulamento foi estendido a todas as aç<*-*>es civis; finalmente em direitocivil,

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Inaodução ao Estudo do Direito

até 1916, quando o projeto de Código Civil de Clóvis Beviláqua entrou em vigor(O1-O1-1917). A elaboração do Código Civil foi uma odisséia, começando em 1899, noGoverno Campos Salles, terminando no de Wenceslau Braz, em 1916. Da batalhaliterária, jurídica e legislativa, em livros, pareceres, em jornais, em comiss<*-*>es e nosplenários, resultaram quatro projetos: Projeto Beviláqua, elaborado por ClóvisBeviláqua, professor do Recife, em dez meses, ou seja, dejaneiro a outubro de 1899;Projeto Revisto, da Comissão dos Cinco Doutos, presidida por Epitácio Pessoa. Éo de Clóvis emendado; Projeto da Câmara (1902), relatado na Comissão dosVinte e Um pelo deputado Sylvio Romero. A forma literária lhe foi dada peloprof. Carneiro Ribeiro; Projeto do Senado (1915), com emendas literárias de RuyBarbosa e jurídicas da Comissão do Senado. Todos esses projetos tinham porbase o de Clóvis Beviláqua. Sancionado, pelo Presidente Wenceslau Braz, em lode janeiro de 1916, foi publicado no Diário Oficial de cinco do mesmo mês (Lein" 3.071), entrando em vigor em lo de janeiro de 1917. É o Código ainda emvigor. Em sua elaboração ocorreu célebre polêmica acadêmica entre CarneiroRibeiro, que lhe deu a forma literária, e Ruy Barbosa, que a criticou veemente-mente em sua Réplica (1903) de 955 laudas. A gestaçã• do nosso Código Civilfoi, assim, laboriosa e difícil, em razão da preocupação com a perfeição literáriae jurídica. Com os citados diplomas legais iniciamos a fase nacional do nosso direito,inspirado no direito português, no direito romano, no direito canônico e nos códigoseuropeus do século XIX. Na década de 60, elementos estranhos começaram ainfiltrar-se em nosso sistema jurídico para atender às necessidades de nosso desen-volvimento econômico, do comércio internacional e da ampliação do mercado decapitais. Esses elemeotos não vieram da Europa, mas dos Estados Unidos, e até doJapão, introduzindo-se no direito comercial e no direito econômico, como, porexemplo, ` `alienação fiduciária'', leasing, trading companies, estas últimas muitodesenvolvidas no Japão. O nosso sistema jurídico, que tinha suas fontes

exclusiva-mente no direito romanístico-continental, passou, no final da década de 60, a obtersubsídios em outras fontes. As fontes romano-continentais foram auferidas por brasileiros que, até 1827,estudaram na Universidade de Coimbra, fundada, em 1288, por D. Diniz, em cujaFaculdade de Direito Civil, instalada em 1772, bacharelaram-se brasileiros quedeixaram marcada a presença em nossa História, tais como José Bonifácio deAndrada e Silva, o Patriarca, e José da Silva Lisboa, o Visconde de Cairú, autordeimportante obra sobre o direito comercial. Em 11 de agosto de 1827, por lei, foram criados os Cursos Jurídicos (Cursosde Ciências Juridicas e Sociais), precisamente dois, sendo um em Olinda e, o outro,em São Paulo. O de Olinda instalou-se, em 15 de maio de 1828, no Mosteiro de São<012>

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Bento, transferindo-se depois para o Recife, onde originou-se importante movimen-to intelectual, denominado, por Sylvio Romero, Escola do Recife,2 opondo-se àsidéias dominantes em nosso meio cultural, seja em Filosofia, seja em Literatura.Devemo-lo ao espírito irreverente e brilhante de Tobias Barreto (1839-1889) que amodelou segundo a cultura germânica.<*-*> Destacaram-se nesse movimento, além deTobias, Sylvio Romero ( 1851-1914), Clóvis Beviláqua (1859-1944), grande civilis-ta e eodificador, e Pontes de Miranda (1859-1944), constitucionalista, civilistaeprocessualista de escol. O Curso Jurídico paulista instalou-se, em lo de março de1828, no velho Convento de São Francisco do século XVII, demolido, em 1936, porforça de plano de urbanização de então, fato que a levou a se transferir para o prédioem que ainda se encontra, no Largo de São Francisco. Conhecida como Academiade São Paulo,' ou, então, Arcadas, nelas surgiram grandes movimentos políticosnacionais, como, por exemplo, o da Abolição da Escravatura e, em nosso século, aRevolução Constitucionalista de I932. Delas saíram estadistas como JoaquimNabuco ( 1849-1905), Rodrigues Alves ( 1848- I 919), Campos Salles ( 1841-19 I 3) ePrudente de Moraes ( I 84 I -1902), ejurisconsultos, como Ruy B arbosa ( 1849-1923),Teixeira de Freitas (1816-1883), autor da Consolidação daF Leis Civis (1858),Pimenta Bueno ( 1803-1878), cujo Direito Público Brasilecro ( 1857) é ainda obraclássica, Lafayette Rodrigues Pereira ( 1834-1917), lembrado ainda pelo seu Direitodas Coisas ( 1877), e Pedro I.essa ( 1859-1921 ), ou melhor o Ministro Pedro Lessa doSupremo Tribunal Fcderal, conhecido como ` `Marshall brasileiro'', de cuja experiênciacomo juiz resulto<*-*><*-*> O Poder Jculccicirio ( 1915), e de cuja atividade acadêmica, Estudosde Philosophia do Direito ( 1911 ). Ainda no século XIX os Cursos acima referidospassaram a se denominar Faculdade <*-*>e Direito.

4

Beviláqua (Clóvis), O "centenário da criação dos cursos jurldicos: a Faculdade de Direito doRecife" (Revista de Critica Judiciárla, julho,1927); Chacon (Vamireh), Da Escolado Recife ao

Código Civil, Rio de Janeiro, Sim<*-*>es,1969; Ferreira (Pinto), "A Faculdade deDireito e a Escolado Recife" (Revista de Informação Legislativa, jul./set.,1977); Saldanha (Nelson), A Escola doRecife, São Paulo, Convívio,1985; Veiga (Glaucio), História das Idéias da Faculdade de Direitodo Recife, Recife, Ed. Universitária,1980. A Revista de Crítica Judiciária pode ser encontradanas bibliotecas dos Tribunais de Justiça.Digno de nota os trabalhos do professor italiano Mario G. Losano sobre Tobias Barreto,publicados na Itália e aqui. Em português destaco: "O Germanismo de Tobias Barreto" (RevistaBrasileira de Filosofia,1989, n" 154, p. 100; na mesma revista, 1993, n" 172, p.335, e " Oscorrespondentes alemães de Tobias Barreto", em Direito, Politica, Filosofia e Poesia. Estudosem homenagem ao Professor Miguel Reale, São Paulo, Saraiva,1992.Vampré (Spencer) "A Academia de São Paulo na história intelectual do Brasil" (Revista de CriticaJudiciária, Jun.,1927); Vanancio Filho (Alberto), Das Arcadas ao bacharelismo:150 anos deensinojuridico no Brasil, São Paulo, Perspectiva,1977.

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Introdução ao Estudo do Direito

Essas escolas e esses juristas revolucionaram a nossa cultura jurídica e filosó-fica de tal forma, que estamos convencidos de ser grande o nosso débito para coma Escola do Recife e para com a Academia de São PauloS sem nos esquecermos doInstituto dos Advogados Brasileiros, fundado em 7 de agosto de 1843, que seinsurgiu em fases críticas de nossa História na defesa do direito e da legalidade.

Ainda no século XIX, foram fundadas Faculdades de Direito particulares, no Rio de Janeiro, emMinas Gerais e na Bahia, que, por decreto do governo federal, após inspecionadas, foramreconhecidas como Faculdades Livres. Nesse caso, livre significava faculdade particular, reco-nhecida pelo governo. A do Rio de Janeiro, Facaldade de Sciencias Jaridicas e Sociaes, foifundada em 18 de abril de 1882, por Fernando Mendes de Almeida, João Baptista Pereira, RodrigoOctavio de Oliveira Menezes, José da Silva Costa, J.E. Sayão de Bulh<*-*>es Carvalho e CoelhoRodrigues. O Conselheiro Antonio Joaquim Ribas figurava como decano dos professores. PeloDecreto n" 639, de 31 de outubro de 1891, foi reconhecida, com a denominação Faculdade Livrede Sciencias Juridicas e Sociaes. Ainda no Rio de Janeiro, em maio de 1891, foi fundada outraFaculdade de Direito, estando Sylvio Romero e José Higino entre os seus fundadores, reconhecida <*-*>pelo mesmo Decreto n" 639, de I 891, com o título de Faculdade Livre de Direito do Rio deJaneiro, ambas instaladas na cidade do Rio de Janeiro. As congregaç<*-*>es dessas duas faculdades,por iniciativa do Conde Affonso Celso, decidiram fundi-las em um só estabelecimento de ensinojurídico. O Decreto n" 14. I 63, de 12 de maio de 1920, legalizou a fusão,

dando-lhe a denominaçãode Faculdade de Direito do Rio de Janeiro. É a que, incorporada à antiga Universidade do Brasil,passou a ser denominada Faculdade Nacional de Direito, hoje Faculdade de Direitoda UFRJ.Na Bahia, José Machado de Oliveira fundou, em 15 de abril de 189 I, a AssociaçãoFaculdadede Direito da Bahia, que, instalada em Salvador, recebeu, pelo Decreto Federal n" 599, de 17 deoutubro de 1891, o título de Faculdade Livre de Direito da Bahia, hoje Faculdadede Direito daUniversidade da Bahia. Em Ouro Preto, antiga capital de Minas Gerais, em 4 de maio de 1892, oentão Presidente de Estado, Conselheiro Affonso Penna, juntamente com Virgilio Martins deMello Franco, David Campista, Levindo Ferreira Lopes e Affonso Arinos de Mello Franco,fundaram a Escola de Direito, instalada em 10 de dezembro de 1892, reconhecida, com o titulode Faculdade Livre de Direito do Estado de Minas Geraes, pelo Decreto n" 1.289, de 21 defevereiro de 1893, posteriormente transferida, em 1897, para Belo Horizonte, nova capital doEstado, hoje Faculdade de Direito da Universidade de Minas Gerais.-<012>

XXXIV

EVOLUÇÃO DOS REGIMES POLÍTICOS

178. Se entendermos ` `regime político'' como forma de governo (§ 187),que se caracteriza pelas relaç<*-*>es entre governantes e governados e pelo mododeexercer o poder político, toda sociedade política, por mais arcaica que seja, temregime político. Partindo dessa conceituação, é possível dar um rótulo único aosregirries políticos dominantes na Antigüidade. Nela, com exclusão da Grécia e deRoma, dominaram as teocracias' com poderes absolutos, despóticas, chefiadas porreis-deuses (Egito) ou por reis-emissários de deuses (Suméria). O despotismo2desumano atingiu o seu auge na Assíria. Mas, com os persas, de Ciro a Dario I,humanizou-se. Aliás, Dario I foi o primeiro déspota organizador do Estado.Unificou o Estado, dividindo-o em vinte satrapias, governadas por sátrapas, sempoder militar, para não se tornarem déspotas. Em Esparta, predominou a aristo-cracia, ou melhor, a oligarquia, ou seja, governo em que uma classe (nobres, istoé, proprietários de terras) monopoliza o poder, enquanto Atenas evoluiu darealeza, exercida por um ou dois reis, assessorados por um conselho de nobres(proprietários de terras), para a aristocracia (oligarquia), em que um ou mais nobres,por tempo determinado, exerciam o governo com plenos poderes, depois, para a <*-*>democracia. O governo de Atenas era colegial, exercido por mais de um arconte,em número de nove, escolhidos pelos atenienses, submetidos à Assembléia.Sendo mais de um, o abuso do poder era mais difícil, como acreditavam osatenienses. Temporárias eram as magistraturas,3 geralmente anuais. O governo

1 Teocracia é forma de govemo em que o govemante govema a título de emissário dadivindade da cidade, desempenhando nesse govemo papel principal os sacerdotes. As nocmasreligiosas são fontes das leis jurídicas.2 Despotismo é o govemo autoritário em que o govemante tem total poder de decisão, às vezes, arbitrário.3 Magistrado, na Antigüidade, era não só o juiz, como; também, todo e qualquer funcionário público. Era o cidadão investido de imperium, ou sej a, de poder soberano de comando, que exercia uma função pública. Na Grécia e em Roma, eram os que, investidos nesse poder,

deliberavam pelo povo, decidiam e agiam em nome dele. Havia em Roma magistratus popuh romani, que exerciam as principais funç<*-*>es, e magistrados que representavam as municipalidades. Geralmen-<012>

316Paulo Dourado de Gusmão

ateniense era exercido pela assembléia (Eclésia) dos cidadãos (democracia direta), decerta forma onipotente. Nela os cidadãos aprovavam leis, adotavam soluç<*-*>es polí-ticas e administrativas formuladas pelo Conselho (Boule<*-*>, cujos membros eramescolhidos pela assembléia. O direito dependia, assim, do consentimento da maioria,manifestado na assembléia. Os mandatos, como dissemos, eram anuais; sorteio era emAtenas o processo de escolha dos governantes e dos membros das assembléias e dostribunais, forma de eleição criticado por Sócrates. Os tribunais eram também populares,sendo o mais importante (Hélia) composto de seis mil atenienses, sorteados anual-mente, dividido em seç<*-*>es, de quinhentos membros cada uma. Nas épocas de crise,a democracia interrompia-se, dando lugar à tirania,4 por tempo determinado, esco-lhido pela assembléia o tirano, para enfrentar situaç<*-*>es de perigo iminente para oEstado. Dos tiranos, Pisístrato, que governou de 545 a 527, manteve-se dentro dalei, executando a reforma de Sólon. Espaita e seus satélites não seguiram essa linha detransformaç<*-*>es políticas, mantendo-se militarizada e oligarquicamente governada. Roma foi sempre aristocrática. A realeza foi a sua primeira forma de organizaçãopolítica, substituídapela república, presidida por dois cônsules, eleitos pelos ` `comíciospor cúria'' (assembléia dos patricios). Ambos os cônsules tinham os mesmos poderes ,podendo cada um vetar os atos do outro. Assim, Roma procurou evitar a tirania doConsulado (república). O Senado, assembléia aristocrática, composta em sua maioriade patrícios e de ex-cônsules, fiscalizava os atos dos cônsules, mantendo vivas astradiç<*-*>esjurídicas e sociais. Em face da possibilidade da tirania dos cônsules, foi instituídomais tarde, depois de conflitos, o tribunato, ou seja, o podertribunício, que conferiaao tribunopoder de vetar leis injustas e prejudiciais à plebe. O tribunato passou, então, a limitar o poderconsular. A administração da justiça estava a cargo de árbitros (juizo arbitra<*-*>, sendo oprocesso preparado porpretores, que declaravam a ação a ser proposta e o direitoa seraplicado. Todas essas funç<*-*>es eram exercidas pelos patrícios, só tardiamentepelosplebeus, depois de muitas lutas. Posteriormente, conheceu Roma a dctadura, ou seja,despotismo de generais-salvadores.

te, tanto na Grécia como em Roma o mandato era anual. Em regra, no mundo antigo,a magistraturaera gratuita, sendo dever do cidadão exercê-la. Todavia, em Atenas, Péricles, assalariou os

militares e os membros do conselho. Posteriormente, em Roma, na fase monárquica,a magistra-tura deixou de ser temporária, tomando-se vitalfcia, sendo absolutos e irresponsáveis os magistra-dos. O mesmo não aconteceu em At<*-*>as, onde o funcionário ao deixar o cargo estavaobrigado a prestarcontas, que, se não aceitas, podesia determinar o confsco de seus bens. O povo poderia suspendê-lode suas funç<*-*>es, acusando-o perante a Assembléia, levando-o a julgamento perante o tribunalpopular (Hélia).

4 Tirania é o govemo de um só, cujo poder, em regra, é usurpado, daí a sua ilegitimidade. Mas em Atenas essa instituição foi, muitas vezes, provisótia, aprovada pelos atenienses pelovoto na assembléia, sendo, nesse caso, o govemo consentido de um s6, com poderes absolutos, por tempo determinado, para enfi'entar situação social ou política grave.

317

Introdução ao Estudo do Direito

A crise econômica, a defesa militar do Império, enfraquecido pela sua grandeextensão, cercado por vizinhos aguerridos, que o ameaçavam, e que acabaram porvencê-lo, em plena decadência do espírito cívico. Na Alta Idade Média, conheceu a Europa o caos político e jurídico, refugian-do-se no Oriente o espírito romano. Lá, por algum tempo, manteve-se de pé a ordemimperial, com um soberano desprovido de caráter sagrado, mas dotado de poderesabsolutos. É em Bizâncio que o legado de Roma é inventariado, para posteriormente sertransmitido ao Ocidente. O Estado romano acabou esfacelando-se. Carlos Magno tentou renascê-lo,transferindo para o Ocidente o prestígio da Igreja. A Cidade de Deus (413-427), deSanto Agostinho, retrata o Estado ideal dessa fase histórica, com o poder realsubmetido à Igreja. Não tardou, porém, o conflito entre o Papado e os reis. A possibilidade de restauração da idéia romana de Estado foi sepultadadefmitivamente, em 1002, com a morte de Ótão III. Não havia mais lugar paraImpércos. As ameaças multiplicavam-se, agravadas com o declínio da autoridade real,sem meios para defender seus domínios, partindo de povos vizinhos, bem armados,disciplinados, dispostos a conquistar e usufruir as conquistas romanas. Para enfren-tá-las, nobres, da mais alta hierarquia (bar<*-*>es), criaram seus próprios exércitos,tornando-se a segurança dos que residiam em seus domínios, exigindo-lhes em trocalealdade e serviço militar. E, assim, a partir dos anos 600, principalmente na França,o poder político descentralizou-se, originando ofeudalismo e, com ele, o crepúsculodo Estado. Os territórios reais passaram a ser regidos nominalmente pelos reis,divididos em pequenas cidadelas-Estado (feudos), em que efetivamente se concen-trava e residia o poder. O poder real, nominal, dependia do poder dos nobres,governantes dos feudos, garantidos pelos seus exércitos, com seus tribunais,suas leis, seus costumes e seus impostos. Nos séculos XI e XII, essa organizaçãoatingiu o seu apogeu. Era uma ordem caracterizada pela descentralização do podere pela vinculação, de natureza contratual, de ` `vassalos'' e ` `servos'' aos proprietá-rios de tetras (senhores), em troca de segurança nas fortalezas (castelos) de seussenhores quando ameaçados por outros chefes feudais ou por ladr<*-*>es. Segurançapaga com alto preço, seja com serviço militar, seja com prestação de serviços aossenhores, seja com parte da colheita.5 Houve, assim, no feudalismo,

descentralização

5 O vínculo de vassalagem nascia de duas cerimônias: juramento ou "homenagem", pelo qual o vassalojurava fidelidade ao ` `senhor'', e ` `investidura", pelo qual o ` `senhor'' atribuía o usufruto de terras ao vassalo, que podia transferi-lo, total ou parcialmente, a outrem,tomando-se assim ` `senhor'' de outro ` `vassalo'', mediante as mesmas cerimônias. Assim, na hierarquia feudal havia altos senhores feudais, que só nominalmente deviam fidelidade ao rei, e que eram os verdadeiros detentores do poder político; "senhores vassalos", que eram "vassalos" daquelas altas dignida-<012>

318Paulo Dourado de Gusmão

do oder, divisão da autoridade e confusão do direito público com o direito privado p " " " "(contrato, propriedade). O rei, um senhor entre senhores , era primus interpares, colocado na escala mais alta da hierarquia. Partilhados a soberania e o poderpolítico, cada castelo era um Estado. O Estado, no sentido autêntico da expressão,deixou de existir. Mas casamentos de desceixlentes de senhores feudais com membros da familia real,bem como anexaç<*-*>es de territórios mediante in<*-*><*-*>s<*-*> Por ocupação militarou sucessãomortis causa, aumentaram o domínio real. Poroutro lado, o crescimento das cidades, giaçasao desenvolvimento do comércio, com suas organizaç<*-*>es jurídica e política próprias,bem como a diminuição de risco de novas invas<*-*>es de ` `bárbaros'', fez declinar aordem feudal. O crescimento do comércio, exigindo estabilidade política, possibili-tada pela decisão real de criar exército permanente, constituído de mercenários,gradativamente determinou a concentração do poder na pessoa do rei, provocandoo renascimento do Estado, isto é, o aparecimento do Estado moderno, fato ocorrido,primeiro, na França, com Luiz XI (1461-1463). A partir daí, o rei sucedeu ao Papa como autoridade absoluta. O fim da Guenade Cem Anos facilitou a concentração do poder, ou seja, do poder real absoluto. Adominação dos Capetos na França durante 300 anos, gerou a unidade nacional, acentralização do poder. Juristas, literatos, como Ronsard, cooperaram na criaçãodaideologia do poder central absoluto. Construiu-se, então, na França, a teoria dopoderreal absoluto, base ideológica do absolutismopolítico. Maquiavel, na Itália, em 1513,delineia a figura do Principe astuto, tendo por meta o domínio das massas com oemprego de meios legais ou ilegais; Bossuet (1627-1704) lhe dá as bases filosóficas e

des e ao mesmo tempo "senhores" dos vassalos aos quais haviam transferido o usufruto total ouparcial das terras recebidas daqueles. Abaixo desses senhores estavam submetidos, absoluta ouparcialmente, os "servos", considérados "coisas", que não tinham direitos e nem liberdades.Estavam vinculados à terra do ` `senhor'', devendo-lhe trabalho e impostos.

Encontravam-se, pois,sob o regime da ` ` servidão''. O destino deles dependia do destino da terra a que estavam vinculados.Pode-se dizer que, em relação à terra, eram verdadeicvs ` `acessórios''. A panirdo século X, o regimede ` `vassalagem'' tornou-se compulsório. O preço da vassalagem consistia em ajuda militar, serviçoe pagamento de impostos. Em suas propriedades, o ` ' senhor'' era a suprema autocidade, tendo as suasleis, a sua justiça, a sua moeda e o seu exército. O regime econômico do feudalismo era p<*-*>mitivo: apio_iução era disciplinada pelas necessidades do consumo. Produzia-se no feudo exclusivamente parao consumo de seus habitantes. Inexistiam trocas ou comércio entre os feudos.

6 O desenvolvimento das cidades, do comércio e das riquezas, a miséria no campo e a exploração dos servos concorreram para a fortificação da monarquia com o aux<*-*>lio dos citadinos (burgueses), artesãos e comerciantes, facilitada pelo enfraquecimento do poder militar dos senhores feudais sem condiç<*-*>es de enfrentar o exército de mercená<*-*>ios do rei. Surgem então as naç<*-*>es e o Estado modemo (França, Espanha e Inglaten'a), enquanto a Itália mantém-se dividida em repúblicas (cidades-Estado).

319

Introdução ao Estudo do Direito

religiosas, enquanto Hobbes, paitindo de posição muito próxima dojusnaturalismo,em 1651 atribui-lhe outra origem, e Bodin (1530-1596), pela primeira vez, formulaa noção de soberania, una e indivisível, básica para a noção moderna de Estado. A monarquia absoluta, organização política que surge depois do feudalismoe das tentativas frustradas de renascimento do império ao estilo romano, caracteri-zava-se pela confusão da pessoa do rei com o Estado, proclamada por Luís XIV,bem como pela concentração dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário napessoa do rei, que os exerce por seus delegados, sem baneiras. É a nota característicadesse período histórico. É a época da centralização na pessoa do monarca de todosos poderes. Luís XIV encarnou-a. Os "doutores" criaram a ideologia de o reigovernar por direito divino, sem obrigação de prestar contas de seus atos ao povoou aos nobres, salvo a Deus, na forma pregada por Bossuet. Na França, o absolutis-mo, bem estruturado e ideologicamente fundamentado, foi praticamente uma formade totalitarismo incompatível com o Iluminismo que alcançou até as manifestaç<*-*>esdo pensamento (sejamjornais, livros), objeto de censura, exercida pelo magistradoMalesherbes ( 1791-1794), no reinado de Luiz XV, que, para evitá-la, os intelectuaisde então ("livres-pensadores"), como Voltaire e outros, foram obrigados a, sobpseudônimos, publicarem as suas obras fora da França, ou clandestinamente, paranela então comerciá-las (vide P. Lepape, Voltaire). Em razão da censura e da açãopolicial, surgiu o costume, que acabou tornando-se tradição em Paris, de os intelec-tuais reunirem-se em "cafés" (Le Procope, café fundado em 1686, freqüentado porVoltaire e Rousseau, ainda aberto) para divulgação e debate de suas idéias, bemcomo nos "sal<*-*>es" de grandes "damas" da aristocracia ou da alta burguesia enobre-cida. Esses "hommes de lettres" com suas idéias minaram os alicerces do AncienRégime, culminando com a Queda da Bastilha, em 14 de julho de 1789 e, conse-qüentemente, com o fim do absolutismo e da monarquia. Na Inglaterra o absolutismo não teve as mesmas características, sendo mais a

manifestação de poder absoluto do monarca em matéria tributária, que provocou aoposição dos nobres, que, em 1215, obrigaram o rei a assinar a "Magna Carta"(Magna Charte), documento semelhante às Constituiç<*-*>es modernas.' O conflito

A "Magna Carta" instituiu o governo submetido à lei e à vontade dos súditos. Do uso do poderdependia a legitimidade do governo. Se com observância das leis e dos costumes, legítimo;se contra a lei ou sem a audiência do Parlamento, ilegítimo. Iniciou-se assim o governoresponsável, controlado pela lei e pelo Parlamento. Henrique III (1216-1272) inobservou aCarta Magna, provocando a revolta dos bar<*-*>es, que o obrigaram a assinar o Estatuto deOxford (1258), que instituiu o Conselho de Bar<*-*>es, origem do Parlamento. A inobservânciadesse documento motivou a prisão do rei (1264). O chefe vitorioso, Montfort, convocou entãouma assembléia geral, formada de representantes do clero, da nobreza e dos burgueses, que,instalada em 1265, deu origem ao Parlamento inglês. Em 1341, foi dividido em duas Câmaras:<012>

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Paulo Dourado de Gusmão

prosseguiu entre o soberano e o Parlamento, a princípio órgão consultivo, depois,deliberativo.R Em 1628, golpe mortal foi dado no absolutismo inglês ao não reconhecerCoke, lider do Parlamento, a origem divina do poder real, definindo-o como poderconsentido pelo povo. A promulgação por Carlos I, em 1628, da Petition of Rights,4documento solene redigido pelo Parlamento, enumerando as suas prerrogativas, bemcomo os atos ilegais praticados pelo rei, que não deveriam ser repetidos, estabeleceuo governo responsável e limitado, ou seja, a monarquia constitucional. Além disso,consagrou o princípio de o rei não poder modificar a Common Law, submetendo-sea ela incondicionalmente. Dessa forma, a luta na Inglaterra entre a Coroa e oParlamento foi um conflito entre instituiç<*-*>es que terminou com a vitória parlamen-tar, tornando-se definitiva com a execução de Carlos I e com a decretação doInstrument of Government, espécie de Constituição que dava predominância aoParlamento."' Começa, então, com alguns períodos de crepúsculo, para depois se firmar defini-tivamente," o parlamentarismo (§ 187) na Inglaterra, em que o rei reina mas nãogoverna, pois o governo é exercido efetivamente pelo Parlamento através do Gabinete

a dos Lordes (aristocrática) e a dos Comuns, formada de representantes das cidades e doscondados. No século XVII e durante a ditadura de Cromwell (I653-I658), o Parlamento perdeua sua força. A Magna Charta Litertatum condena a prisão ilegal; garante o direito de resistênciados nobres no caso de violação da Carta pelo rei; profbe impostos não aprovados pelo Conselhodo rei (primeira forma do Parlamento inglês); veda prisão sem sentença condenatória pronunciadapelos pares (jufzes da classe social do réu). O Estatuto de Oxford, acima referido, imposto a

Henrique III pelos nobres, estabelecia que o Conselho do Reino, constituído de bar<*-*>es, preladose delegados de Londres, deveria reunir-se três vezes por ano.

8 Sob os reinados de Henrique VIII (1491-1547) e de Elizabeth I (1558-1603) enfraqueceu-se o poder do Parlamento.9 No reinado de Carlos I ( 1625-1649), os impostos foram aumentados sem a iniciativa ou aprovação do Parlamento, bem como pris<*-*>es ilegais, isto é, sem prévio julgamento pelo sistema do júri, foram efetuadas. O Parlamento redigiu então a Petition of Rights (1628), que enumera os direitos dos súditos e os atos ilegais praticados pelo rei, que deveriam ser revogados e não repetidos.10 Assim mesmo, ilegalidades foram praticadas por Carlos II ( 1660- I 685), levando o Parlamento a baixar o Act of Habeas Corpus ( 1679), que obriga a apresentação, dentro de curto prazo, do detido ao juiz, acompanhado das raz<*-*>es da prisão. Novas arbitrariedades foram praticadas por Jaime II (1685-1688), sucessor de Carlos II. Reagindo às mesmas, o Parlamento solicitoua ajuda de Guilherme de Orange, que se encontrava na Holanda, que tinha direito ao trono da Inglaterra. Aceitando o apelo, Guilherme desembarcou na Inglaterra, derrotando Jaime II. Coroado, como Guilherme III ( 1689-1702), reconheceu a supremacia do Parlamento. Elaborado pelo Parlamento, sancionou Guilherme III a Bill of Rights (1689), que enumera os atos que não podiam ser praticados pelo rei e os direitos dos súditos.11 Depois da revolução de 1688, no reinado de Guilherme III, o Parlamento, como dissemos na nota anterior, consolidou os seus poderes, transformando-se praticamente em órgão do governo.

321Introdução ao Estudo do Direito

(Governo de Gabinete).'z A França, depois de Napoleão, teve mais de uma Consti-tuição, conhecendo "Golpes de Estado" militar e guerra civil sangrenta, como aComuna (1871 ), bem como o conflito ideológico entre Direita (monarquista,conservador) e Esquerda (revolucionária, liberal), que acabou, em 16 de maio de1877, na opção pelo parlamentarismo segundo o modelo inglês. Mas enquanto naInglaterra o parlamentarismo proporcionou estabilidade política, na França, aocontrário, foi motivo de instabilidade, com freqüentes quedas de "gabinetes" (mi-nistérios). Em resumo, o movimento político inglês, que deu origem ao parlamentarismo,instituiu o regime representativo e a separação dos poderes (§ 186) do Estado(Legislativo, Executivo e Judiciário). As vantagens desse sistema foram divulgadasna França por Montesquieu e Voltaire, que, com os Enciclopedistas, contribuírampara que, no século XVIII, caísse na França o Ancien Régime,'3 com a Revoluçãode 1789, que proclamou a Igualdade Civil e os Direitos do Homem (Déclaration desDroits de 1'Homme et du Citoyen de 1789). Em 1791, redigida pela AssembléiaNacional francesa, foi promulgada a primeira Constituição liberal, calcada noindividualismo jurídico, protegendo a propriedade privada e reconhecendo os direi-tos naturais. As suas bases filosóficas encontram-se nas idéias dos Enciclopedistase, principalmente, em Rousseau. O primado da lei, como expressão da vontadepopular, e o Poder, tendo por fonte a nação, foram as idéias-mestras desse movi-mento político que abriu as portas para a democracia, governo do povo para o povoe pelo povo, e para a república," dependendo o governo do voto da maioria doseleitores. A sua forma modema foi-nos dada pelos ` `pais'' da nação norte-americana

12 A partir de 1714, a Inglaterra passou a ser governada por ministros pertencentes à maioriá parlamentar, reunidos em um Conselho (Gabinete), sob a chefia de um deles (Primeiro-Ministro). Inaugurou-se assim o Governo de Gabinete.13 O Ancien Régime caracterizou-se pelo absolutismo político, que, no caso francês, primou pela confusão dos poderes em mãos do rei. Os Estados Gerais, assembléia de representantes da nobreza, do clero e da burguesia, instituídos em 1302, só eram convocados por vontade do rei. As liberdades individuais não eram respeitadas.14 Nâo deve ser esquecido o fato de o Congresso de Viena (1814) ter dado ensejo à "restauração" do absolutismo político (1815-1830) e ao "sistema de intervenção", que permitia aos coligados (Santa Aliança) intervir onde fosse implantado um sistema republicano e liberal. Em 1830, desapa<*-*> praticamente a Santa Aliança (Áustcia, Rússia, Pníssia, Inglatena e França) e,com ela, o regime intervaicionista. As revoluç<*-*>es de 1830 e de 1848 restabeleceram na Françaa república e o sistema liberal, mais tarde intecrompido com o Segundo Império (1852-1870). A reforma de I 875 instituiu na França o regime parlwnentaris<*-*>a. Na Inglaterra, a reforma eleitoral de 1832, completada com as de 1867 e 1884, implantou o sistema liberal. Rússia, Áustria e Pníssia mantiveracn-se dentro do regime autocrata. Em nossa época, modificaram os seus regimes, mantendo-se, entretanto, fiéis às suas tradiç<*-*>es políticas.<012>

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Paulo Dourado de Gusmão

(1787), como são assim conhecidos, artífices não só dopresidencialismo'5 (§ 187)e dofederalismo,'6 em que tem autonomia (jurídico-política) cada Estado-mexnbro ,como, também, da primeira Declaração de Direitos. No presidencialismo, ao contráriodo parlamentarismo, o governo concentra-se na pessoa do Presidente da República,encontrando-se sob a sua responsabilidade exclusiva, e não do Parlamento (Con-gresso). A Independência dos Estados Unidos" e a Revolução Francesa, bem como aprática constitucional inglesa, deram origem ao constitucionalismo ocidental, ideo-logia de combate ao absolutismo político, e a todas as formas de autoritarismo, tendopor idéias básicas a primazia da lei, a divisão de poderes (§ 186) e a instauração degoverno responsável. Mas a Primeira Guerra Mundial e, depois dela, a GrandeDepressão (1929), profunda crise econômica, ftnanceira e monetarista, provocaramo ` `recuo da democracia''. Depois da Segunda Guerra Mundial, a organização políticaocidental foi posta à prova por fatos graves que ocorreram no Ocidente. Primeiro, a

15 Forma de governo em que o Presidente da República é Chefe de Estado, do Govemo e do Executivo, podendo ou não nesse sistema haver equilíbrio dos poderes, pois atualmente nota-se o fortalecimento progressivo do Executivo (§ 187). Tal ocorre, como

acentuou o presidente Wilson, dos Estados Unidos (1913-1921), quando o Congresso se enfraquece.16 Forma de Estado (§ 183) constituído de Estados-membros dotados de autonomia, com governo próprio e em que há descentralização do poder político. Pode resultar de umpacto ou de ato da assembléia constituinte. Assim, no Brasil, o federalismo foi instituído pela Constituição Federal de I891, que delimitou e prescreveu os poderes dos Estados-membros.17 Decis<*-*>es arbitrárias do Parlamento inglês, proferidas em 1771 e em 1773, levaram à instalação, por iniciativa dos colonos de Boston e de Massachusetts, do I Congresso de Filadélfia (1774), que promulgou a primeira Declaraçâo de Direitos. O II Congresso (1775) declarou guerra à Inglaterra, enquanto o terceiro proclamou a _ndependência dos Estados Unidos (1776) e promul- gou a DeclaraÇão da Independência (1776), reconhecendo os direitos individuais fundamentais, bem como prescrevendo o dever de resistência de todo cidadão aos governos ilegítimos. Essa declaração foi redigida por uma comissão da qual faziam parte Benjamin Franklin e Thomas lefferson. O Congresso então nomeou uma comissão para redigir os princípiosdos ` `artigos da Confederação". Redigidos, estabeleceram a federação e o princípio de "soberania, liberdade e autonomia" dos Estados-membros. Insuficientes se mostraram logo esses "artigos", resultando deles confus<*-*>es jurídico-políticas, tomando-se necessária, por isso, a convocação de uma assem- bléia constituinte, que, eleita e reunida em Filadélfia (1787), promulgou aConstituiFão norte- americana (1787), ainda em vigor, com algumas emendas. Assim surgiu o governofederativo, republicano e presidencialista dos Estados Unidos (§§ I81 e 185). Tanto os citados "artigos" como a Constituição firmaram pela primeira vez os princípios da soberania da nação, da igualdade de todos os homens e da proteção da liberdade. Instituíram o governo responsável perante o povo: todo o poder emana do povo e os que o exercem são seus servos, podendo ser a qualquer tempo responsabilizados, prescrevem esses documentosjurídicos norte-americanos. Acolheram a divi- sâo de poderes e garantiram a liberdade de imprensa. Pela Declaração da Independência,a fnalidade do governo foi definida como sendo a proteção dos direitos individuais.

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Introdução ao Estudo do Direito

grave crise econômico-político-social que se seguiu ao armistício de que resultou ofortalecimento do Executivo; segundo, o crescente estado de tensão internacional;e, terceiro, o aumento assustador do poder econômico multinacional e transnacional,do qual dependem as economias nacionais, fora do controle dos governos. Apesardesses riscos e ameaças, mantiveram-se ainda de pé as duas principais formas deorganização política, resultantes das práticas constitucionais européias e americanas,o parlamentarismo e o presidencialismo, ambas instituindo governos responsáveis,submetidos à lei, bem como o primado do direito. Na Itália e na Alemanha, entretanto, o autoritarismo aproveitou-se da criseeconômica para entrar em cena, seja sob a forma de fascismo nos anos 20, seja sob

a de nazismo nos anos 30, implantando o totalitarismo e o despotismo, afastando-sedo liberalismo europeu. Nos Estados Unidos, apesar da forte reação da CorteSuprema, enfraquecida com a aposentadoria voluntária de alguns de seus juízesliberais, Roosevelt, com o New Deal, interveio na economia para enfrentar a crisede 1929, desfigurando o Estado-Liberal, do qual o norte-americano era modelo. A crise de 1929 na América Latina foi devastadora, arruinou a ordem econô-mica e "varreu" a democracia de nosso Continente. Entre nós provocou a Revoluçãode 1930 e iniciou a Era Vargas, enquanto na Argentina, a Era Péron. Na década de cinqüenta, na França, país tradicionalmente parlamentarista, gravecrise política levaram as forças políticas majoritárias a promulgar a Constituição de 195 8(V República), emendada em 1960,1962 e 1963, instituindo o parlamentarismo misto(§ 187), combinação de presidencialismo com parlamentarismo, caracterizado pelofortalecimento do Chefe de Estado (Executivo). Com a reforma constitucional de1958, além de ter saído fortalecido o Chefe de Estado, ficou mais difícil a quedado Gabinete e a dissolução do Parlamento. A bem da verdade, deve ser dito que ascrises ministeriais ocorridas antes da V República não foram a causa única dessareforma constitucional, pois, como nota Raymond Aron (Mémocres 1983), elasresultaram da necessidade urgente de terminar a guerra da Argélia.'g Soma-se aesses fatores a gravíssima crise econômico-financeira em que se encontravamergulhada a França ao tempo em que o General De Gaulle (1890 - 1970)assumiu o poder em 1958, como ele mesmo relata em suas Mémoires d'Espoir.Esses fatores é que levaram a França a adotar o parlamentarismo misto, abando-nando o sistema parlamentar puro vigente desde 1875. Mas, a nosso ver, tendo emvista o relatado pelos historiadores e memorialistas, se não fosse a volta de DeGaulle, talvez tivesse ficado de pé o velho sistema, apesar de todas as crises que

18 Simone de Bauvoir (A Força da Idade, 1995, trad.) relata os graves acontecimentos ocorridos, principalmente em Paris e Argel, que provocaram o apelo a De Gaulle e, com ele, o autoritarismo da V República.<012>

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Paulo Dourado de Gusmão

havia criado. Pensamos que o povo francês se decidiu pela adoção desse tipo híbridode parlamentarismo, não por considerá-lo uma forma de governo mais perfeita, maspara dar maiores poderes a De Gaulle, de modo a que ele pudesse enfrentar a gravecrise política e econômica em que se encontrava mergulhada a França. Daí RaymondAron, em suas Mémoires (1983), chegar a admitir não ser a V República respostadurável para os problemas franceses (o grifo é nosso). Nos anos 90, apesar debem-sucedido o socialista François Mitterand, principalmente nos meios de comu-nicação de massa, havia quem pregasse a VI République... O próprio Mitterand, emnovembro de 1991, admitiu a necessidade de ser emendada a Constituição parafortalecer o Parlamento... Igualmente, Portugal e Espanha, saindo do fascismo, em que se sobressai opoder autoritário do Chefe de Estado, engolfados em grave crise econômico-política,adotaram o modelo francês de 1958. Assim, Portugal (Constituição de 02-04-1976)e Espanha (Constituição de 27-12-1978), em razão de grave crise política eeconômica, acolheram o parlamentarismo mitigado. Dessa forma, esse regime híbrido, que não é parlamentarismo e nem presiden-cialismo, foi criado e instituído em razão, não da imperfeição do parlamentarismoou do presidencialismo, mas por força de graves situaç<*-*>es históricas vivenciadaspor esses países. Tanto é assim, que a Alemanha, apesar de derrotada e de

dividida,submetida à grave crise política e econômica logo após a Guerra, solucionada graçasao Plano Marshall, manteve-se fiel ao parlamentarismo (Lei Fundamental de 1949),apesar do fracasso desse sistema na República de Weimar, que facilitou o acesso deHitler ao poder.. . Eis outro reforço à nossa opinião de que oparlamentarismo hihridofoi adotado não por ser um modelo político mais perfeito, mas por condiç<*-*>es históricasque o exigiram, peculiares aos países citados. Tanto é assim que na França, comodissemos, já se pensa na VIQ République.

Sétima Parte

ESTADO E DIREITO<012>

ESTADO E DIREITO

179. ESTADO E DIREITO

A inegável eficácia do direito estatal, decorrente da coerção exercida pelos aparelhos estatais de segurança e pelo judiciário, levanta uma vexatissima quaestio: a da relação entre direito e Estado, de cuja solução depende admitir a predominância do direito natural ou, então, a do direito positivo (direito estatal), bem como o reconhecimento (ou não) do primeiro como direito. A resposta depende da posição filosófica tomada pelo jurista: se positivista, o direito depende da vontade do Estado; se jusnaturalista, o Estado deve legislar conforme os princípios da justiça; e, se sociológica, o direito estatal é um dos possíveis direitos instituídos por grupos organizados. Entretanto, se recorrermos à História ou à Sociologia, acabaremos reconhecendo haver direito antes do Estado propriamente dito. Na sociedade arcaica, sob a forma de costume, o direito regeu de forma efetiva as relaç<*-*>es entre os membros do grupo; na Idade Média, as decis<*-*>es das corporaç<*-*>es de mercadores transformaram-se, sem qualquer interferênciado Poder Público, em direito comercial, e o direito canônico vige independente da vontade do Estado, como, também, é o caso do direito da comunidade internaçional. Apesar disso, há os que o colocam na dependência da vontade do Estado (positivismo juridico, § 196). Na Alemanha, a teoria estataldo direito teve grande sucesso,inspirada em Hegel (§ 194). Jellinek, abraçando-a e admitindo a supremacia do Estado, defendeu a teoria da autolimitação do Estado pelo direito por ele mesmo formulado ou

Y reconhecido. Ihering (§ 199) encontrou no Estado a garantia da eficácia do direito. Mas, em posição oposta, a teoria do direito natural (§ 192) sustenta o primadodo direito, entendendo ser a Justiça o fundamento da autoridade do Estado e a fonte de legitimação de seu direito. Assim, enquanto os positivistas defendem a autolimi- tação do Estado pelo seu próprio direito, a teoria do direito natural advoga a limitação do Estado pelo direito natural. Para o sociologismojuridico (§ 199),o

Estado é somente uma das formas de grupo social organizado, com competência legislativa, que, monopolizando o poder coercitivo da sociedade, imp<*-*>e um direito dotado de maior eficácia do que os demais direitos. Assim se posicionando, os<012>

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sociólogos não confundem o direito com o Estado e nem submetem um ao outro,por admitirem a possibilidade de criá-lo todo grupo social organizado. Santi Roma-no, de certa forma integrado nessa corrente, reconhece ter toda organização social(instituição) competência normativa, isto é, possibilidade de criar direito. O Estado,para ele, é uma dessas organizaç<*-*>es. Gurvitch (§ 199), defendendo a teoria pluralistadas fontes do direito, está associado a essa posição. Mas, enquanto os que defendemo positivismo jurídico (§ 196) não confundem o direito com o Estado, Kelsen (§ §197 e 200) identifica-os. O Estado, para ele, é ` `a ordemjurídica vigente''. O direito,na teoria da identidade do direito com o Estado, é a ` `forma'' que o modela, oumelhor, a roupa que o veste. Assim, para Kelsen não pode haver Estado sem direitoe nem direito sem Estado, pois todo Estado é Estado de direito. O aspecto sociológicodo Estado, ou seja, o Estado como realidade social ou cultural, não interessa aokelsenismo. Dadas, de forma sumaríssima, as principais posiç<*-*>es em relação a essa vexa-tissima quaestio, passemos à nossa modesta opinião. Inegavelmente, o direitoformulado ou reconhecido pelo Estado é o direito mais eficaz e o único garantidopelo Poder Público. No interior do Estado, em seu território, o direito público (§ 98)é totalmente estatal, ou seja, criado pelo Estado, enquanto o direito privado (§114) e odireito misto (§ 119), apesar de criados pelo Estado em sua maior parte, podemoriginar-se do costume (§ 75), da jurisprudência, da doutrina (§ 81) e do contratocoletivo de trabalho ( § 79). Na ordem internacional, o direito não depende da vontadede um ou de poucos Estados soberanos, mas do consenso das naç<*-*>es constitutivasda comunidade internacional. Nesse terreno aplicam-se, como uma luva, observa-ç<*-*>es de Sanchez Bustamante y Serven (Derecho Internacional Privado): o ` `podernão pode ser ilimitado, salvo se for o único", o que não ocorre na comunidadeinternacional. O direito estatal, ou melhor, o governo do Estado tem legitimidade namedida em que for internacionalmente reconhecido. Caso contrário, está excluídoda ordem política, econômica e social internacional, ou seja, da comunidade inter-nacional. Acima do Estado e do direito está a Justiça (§ § 45 e 202), assim pensamos.Mas, como nota Roubier (Théorie générale du droit), assim como a força deve seapoiar na Justiça nos tempos normais, o poder, ou seja, o Estado, em qualquermomento, ` `tem interesse em se apresentar como poderjusto''. Porém, ` `se ocorrero divórcio entre o direito e a autoridade em dias difíceis, é necessário que aspretendidas necessidades do Estado não nos façam esquecer que por cima dasleis positivas estão princípios superiores do direito" (Roubier). O ideal é oEstado de direito, isto é, o Estado submetido ao direito dotado de eficácia e que,tendo estabilidade, possa servir de base para profecias de como decidirão asautoridades e os juízes. No Estado de direito, como escreve Henkel (IntroducÇióna la filosofia del derecho, trad.), autovinculado à ` `lei como expressão da vontade

comum da sociedade", tendo o governo controlado pelo Judiciário, é possível a

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Introdução ao Estudo do Direito

correção de arbitrariedades e de abusos do poder. Nele, a segurança individual temproteção garantida. "Direito e Estado unidos proporcionam para ambos'', no entenderde Henkel, ` `apoio e reforçamento bilateral''. Mas, além do problema da prioridade das fontes, há o da relaçãoforma-maté-ria. Aí então tem razão Kelsen, porque, abstraindo-se das bases sociais do Estado(povo, território, condiç<*-*>es geográficas e econômicas, tradiç<*-*>es etc.), que são dadosreais, objetivos, sociais, o Estado nada mais é do que a organização jurídicaestabelecida pela Constituição, pelas leis administrativas, fiscais, processuais, judi-ciárias etc. Esse é o ladojurídico do Estado, que nos leva a considerá-lo, com Kelsen,simplesmente uma ordem jurídica ou, com Scelle, uma ` `ordem jurídica de super-posição''. Seja como for, tem razão Vinogradoff (Principes historiques du droit)quando escreve: entre direito e Estado há dependência recíproca, sendo ` `impossívelimaginar o direito sem uma organização política, que lhe serve de suporte, e nãomenos possível conceber um Estado sem leis".

I80. ESTADO. NOÇÃO E ELEMENTOS

O Estado, juridicamente considerado, é a organização juridica do poderdestinada nproporcionar, em determinado território, ordem, paz social, segitranÇae desenvolvimento a uni povo nelefixado. Se o pensarmos como personificação deinteresses, ou seja, como pessoajuridica (§ 154), poderemos defini-lo comopessoajuridica soherana, constituída de povo, de território e de órgãos e aparelhosdestinados a representá-lo e a manifestar a sua vontade soberana. Sociologicamente,o Estado é grupo social territorial. Nesse sentido, é o grupo social que em umterritóriotemopoderde, soheranamente, organizar-sesemsercontroladoporoutroEstado ou instituição, e de impor, soberanamente, a quem estiver em seu territórioa sua ordemjuridica. Admitindo que o Estado tem competência legislativa exclusivaem seu te<*-*>ritório e que é fonte de direito, garantido pelo poder coercitivo quemonopoliza, pode-se defini-lo, sociologicamente, como grupo social que, monopo-lizando o poder coercitivo, garante a eficácia de sua ordem juridica, aplicada porseus órgãos. O Estado comp<*-*>e-se de: sohera<*-*>zia, governo, povo (população) e território.Da soberania e do governo trataremos nos parágrafos que se seguem (§ § I 80 e 186). Povo é a coletividade huinana ou agrupamento de homens, isto é, as pessoassubmetidas juridicamente ao Estado. Tem certa unidade, devido a seu passadohistórico e aos laços de solidariedade que o unem, bem como decorrente deinteresses, projetos, propósitos, necessidades, problemas e ideais comuns a todos.Não é formado por reduzido número de pessoas, mas por número considerável, istoé, como diz Del Vecchio, por uma ` `multidão'', desde que se possa apurar seunúmero. Por não se confundir com grupo étnico, isto é, com raça, há quem pense<012>

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dever serevitado empregar a palavra ` `povo'', carregada de sentido étnico, ao defmirEstado. Já território é o espaço geográfico em que o Estado exerce, soberanamente, asua autoridade, em que vigora a sua ordem jurídica e no qual se encontra a suapopulação. É formado pelo solo, subsolo, espaço aéreo que o recobre, ilhas e marterritorial que o banha, quando o mar lhe serve de fronteira, como é o caso do Brasil.Sobre os bens que se encontram em seu território, e que lhe pertencem, exercedominio. O território delimita geograficamente o poder do Estado. Estabelece, assim, olimite territorial de sua autoridade e de sua competência legislativa, administrativaejurisdicional. Marca os limites de validez territorial de sua ordemjurídica, ouseja,de seu direito. O Estado, dizem Jellinek e Santi Romano, não pode ser compreendido semterritório. É, desta forma, ` `ente territorial'', ou, como pensa Dupréel, ` `grupoterritorial", que, como nota Santi Romano, só surge quando o grupo superou o` `período de vida errante''. Finalmente, o Estado pode ser definido como vinculo politico ou comogoverno; em qualquer um desses sentidos é a vinculação da autoridade pública àpopulação que está em seu território, obrigada a obedecê-la. Esse vínculo unegovernantes e governados; cria diferenciação política, inconcebível nos reinos eimpérios antigos, em que os governantes pertenciam sempre à mesma classe social.Mas, na democracia e na república, que admitem a mobilidade política, os governa-dos de hoje podem ser os governantes de amanhã. Finalmente, o Estado encontra-se presente em suas leis e em outras regras dedireito por ele prescritas ou reconhecidas, bem como em portarias, avisos, resolu-ç<*-*>es, contratos, atos administrativos e jurisdicionais (sentenças). Isto porter oEstado funç<*-*>es legislativa, executivo-administrativa e jurisdicional.

181. SOBERANIA

Pode-se definir soberania como poder supremo e originário de governar eorganizar juridicamente a vida de um povo, em um território, sem a ingerência deoutro poder, ou de outro país ou de outra ordem jurídica. É originário por não sederivar de ordem jurídica alguma ou de outro poder. A soberania se manifesta naordem ji<*-*>rídica nacional, em atos de governo e de aplicação coercitiva do direito,bem como no posicionamento internacional do Estado. É, pois, o poder origináriode impor a um povo em um território uma ordem jurídica e um governo e derepresentá-lo na comunidade internacional. Distingue-se, no Estado federativo,como é o caso do Brasil, soberania da autonomia. Esta é o poder, decorrente daConstituição Federal, atribuído aos Estados-membros, de formularem a sua ordemconstitucional, dentro dos limites e do espírito da ordem constitucional federal, bem

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Introdução ao Estudo do Direito

como de terem governo autônomo, e não soberano. Autonomia é o poder que detêmos Estados-federados de se organizaremjurídica e politicamente sem a interferênciade outro poder ou autoridade, desde que na conformidade da Constituição Federal.É derivada de uma ordem constitucional hierarquicamente superior, não sendo, porisso, originária. Conseqiiência da autonomia é ser limitado o poder que detêm osEstados-membros de estabelecer as suas ordens jurídicas e de<*-*>organizarem-seadministrativamente, dentro dos limites estabelecidos pela Constituição Federal. A noção de soberania provém do direito romano. No conceito de imperium,encontra-se sua raiz. Os romanos subjugaram povos e impuseram sua vontade nosterritórios ocupados. As suas decis<*-*>es políticas eram indiscutíveis. Dessa idéia, que

vem dos romanos, de autoridade suprema sobre uma população em um território,originou-se o conceito de soberania. Os próprios romanos sustentavam pertencer aopovo romano esse poder, delegado a certos magistrados ou imperadores. Assem-bléias, como o Senado romano, investiam os magistrados ou o imperador deimperium, enquanto a lex regia lhes dava poder absoluto (potestas). Conferia-lhesassim autoridade suprema, só limitada pelas leis romanas, e não por outro poder,que os romanos não reconheciam. Imperium e potestas, eis os elementos da autori-dade romana suprema, que impunha suas ordens a todos dentro das fronteiras doimpério romano, por todos obedecidas e executadas, que, nos séculos XV e XVI,modelou as naç<*-*>es em formação, que, ao desarticularem a organização feudal, deuorigem ao poder real absoluto. A noção de direito de propriedade, como direitoabsoluto de dispor da coisa segundo a vontade do titular, oriunda do direito romano,renascido nas Universidades italianas, principalmente em Bolonha, no século XIII,contribuiu também para formar a idéia de soberania. O poder político que, noFeudalismo, encontrava-se associado à propriedade, exercido pelos bar<*-*>es em suasterras, foi então centralizado no rei, senhor supremo, que o adquiriu por contrato,casamento ou pelas armas, tornando-se a personificação do Estado. Nessa fasehistórica, a soberania era poder absoluto, ilimitado, exercido no terntório realpelorei, assessorado pela Corte, ou seja, por um Conselho constituído por bar<*-*>es, bispose abades. Depois, o rei reduziu a importância do Conselho, consultando, em algunscasos, bar<*-*>es e bispos de sua confiança. Seja como for, foi assim que se originou apraxe de o rei ouvir, antes de proferir decis<*-*>es importantes, os seus conselheiros(ministros). Nenhuma lei naquele tempo limitava a vontade do rei, salvo os costu-mes, a religião e os compromissos assumidos com os bar<*-*>es. Consolidou-se namedida em que ficou na dependência do reconhecimento pelo Papa, coroando, emnome de Deus, reis, atribuindo-lhes poder absoiuto e ilimitado, em razão da vontadedivina manifestada pelo Chefe da Igreja (No I.ouvre pode-se ver Le Sacre deNapoléon l, obra de David, na qual está retratada a presença do Papa). Desde então, soberania significa poder absoluto do ` ` imperador ou rei em seureino' ', que dá supremitas ao direito e às suas ordens.<012>

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Bodin, em 1577, em sua obra, em seis volumes, De la répccblique, secularizoua noção de soberania: poder absoluto e perpctuo do Estado. Desvinculou-a assim dapessoa ou da vontade do rei, atribuindo-a ao Estado considerando-a de sua essência,negando-lhe origem divina, definindo-a como poder supremo, absoluto, indivisívele permanente, submetido somente às leis naturais e às da Igreja. Eis aí os elementosda noção moderna de soberania: poder absoluto e indivisível sobre uma populaçãoem um (e sobre o) território, autolimitado somente pelo direito estatal. A Declaraçãode Direitos da Revolução Francesa de 1789 seguiu esses ensinamentos ao prescre-ver: "o princípio de toda soberania reside essencialmente na Nação. Nenhumacorporação, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que não emane expressa-mente dela'', e a Constituição francesa de 1791 estabelecia: ` `a soberania é una ,indivisível, inalienável e imprescritível. Pertence à Nação; nenhuma parte do povo,nem indivíduo algum, pode atribuir-se seu exercício''.

De lá para cá, com a secularização do poder e do direito, a soberania identifi-ca-se com a autoridade absoluta do Estado sobre um território no qual se encontrao que se convencionou chamar de povo, melhor dizendo, apopulação. Poder limitadopelo direito por ele próprio promulgado (autolimitação). Daí se dizer ser poderautolimitado, isto é, limitado por si mesmo, por suas leis. Depois, fizeram-se distinç<*-*>es entre soberania interna e soberania externn:poder absoluto, na conformidade das leis, ou melhor, autoridade suprema, noterritório estatal, sobre uma população que nele se encontra; poder de criar a ordemjurídica válida e eficaz nesse território (direito nacional); poder de gerir os serviçospúblicos; poder de julgar em conformidade com a lei nacional, sem interferênciainterna ou externa; e, acima de tudo, poder de estabelecer livremente a sua organi-zação política e de escolher os seus governantes. Essa noção foi completada comdois princípios do direito internacional: o de não-irlten<*-*>enção nos negóciosinternosde um Estado soberano por parte de outro Estado, bem como com o prcncipco deautodeterminação, que reconhece a cada Estado o poder de decidir soberanamentesobre a forma de governo que mais lhe convém historicamente, segundo a vontadeda maioria de sua população. A soberania interna se manifesta no poder constituinte, no poder legislativo,no poder executivo e no poderjudiciário. Já a soberania externa consiste no poder de representação da Nação e decelebrar em nome dela tratados e acordos internacionais. Antes da última Guerra,alguns países dela abusavam, garantidos pelo poder militar que detinham, como foio caso dos Estados Unidos, da Alemanha, França e Inglaterra. Daí as zonas deinfluência que foram naquela época reconhecidas a cada potência. Detinham, então,as grandes potências poder absoluto de controlar algumas zonas, enquanto nasdemais não interferiam diretamente, salvo se houvesse ameaça aos seus interesses.Dessas "zonas" resultou o chamado Equilíbrio Europeu. Porém, as trágicas conse-

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qüências da última Guerra e a Bomba, não mais do domínio de uma ou de duaspotências, modificaram o conceito de ` ` soberania externa'', submetendo-a ao direitointernacional, ou seja, aos costumes internacionais (direito internacional consuetu-dinário) e ao princípio do pacta sunt servanda, que obriga o Estado a respeitartratados, acordos e convenç<*-*>es internacionais a que celebrar ou aderir, sob pena deser excluído da comunidade internacional. Até quando terá validade a noção acimadada de soberania? Justifica-se a indagação porque, neste fim de século, temos, deum lado, os Estados Unidos e o capital internacional, de outro, os regionalismoseas comunidades supranacionais como a União Européia (§ 96) e, se não bastasse, aglobalização da economia, com as multinacionais e as transnacionais, pondo à provaa noção de soberania e o próprio Estado-nação. É difícil fazer previs<*-*>es nesseterreno, aguardemos o amanhã com apreensão e esperança.

182. ESTADO E NAÇÃO

Vimos que povo (população) ou coletividade, território e soberania, estaentendida como poder soberano sobre um território, criador de vínculos políticosede governo, são os elementos do Estado. Pergunta-se: e a Nação? Nas origens do Estado moderno, havia coincidência entre Estado e Nação. Daífalar-se em Estado Nacional. Esta identificação parte de conceito rígido e

antigo denação, como agrupamento humano que tem origem étnica, religião, língua e históriacomuns. As guerras, as conquistas, a assimilação de naç<*-*>es vencidas nas guerras deconquistas, as migraç<*-*>es, as federaç<*-*>es e confederaç<*-*>es tornaram esse conceitoinadequado ao mundo que surgiu com as unificaç<*-*>es políticas, com a RevoluçãoIndustrial e com o imperialismo. Seria impossível hoje, depois de tanta fusão deraças, por casamentos, concubinatos, relaç<*-*>es sexuais (gerando filhos) e de tantastransformaç<*-*>es nos idiomas, bem como das federaç<*-*>es e confederaç<*-*>es,como, por,exemplo, a Suíça, a Rússia ou os jovens Estados africanos (alguns artificialmenteformados, divididos pelo tribalismo), seria impossível, dizíamos, pensar em Estadocomo organização política da Nação, entendida esta no sentido original. Conseqiiên-cia: a idéia de nação sofreu transformação de modo a se adaptar aos novos tempos.Foi assim que Durkheim viu na Nação a vontade comum de um agrupamentohumano de viver sob um governo soberano e sob uma mesma ordem jurídica. Masfoi Maurice Hauriou quem a definiu em termos modernos: agrupamento humanofixado ao solo, ligado por laços de parentesco espiritual que criam a consciência daunidade do grupo. Poder-se-ia acrescentar: gerador da consciência de sua indepen-dência. Parentesco espiritual que não depende da unidade de raça, língua, religiãoou crença, mas expressão somente do sentimento de nacionalidade, resultante dainteração e inter-relação sociais entre pessoas que se encontram em um mesmoterritório. Sentimento que, apesar de sujeito a transformação, não perde seus traçoscaracterísticos, exercendo pressão social sobre todas as pessoas que se encontram<012>

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no território do Estado. É desse sentimento que nasce a vontade comum e que fazsurgir a consciência da unidade nacional. Não estava, assim, longe, Renan (Qu 'est-cequ 'une nation ?) quando considerou a Nação como uma grande solidariedade moral,isto é, ` `uma grande solidariedade constituída pela lembrança dos sacrifícios feitose dos que devem ser feitos ainda. Tem passado; reduz-se, no entanto, a um fatotangível: o consenso, o desejo claramente expresso de continuar a vida em comum''. ` `O<*-*>elemento essencial da unidade nacional'', escreve Duguit, ` `deve procu-rar-se na comunidade de tradiç<*-*>es, de necessidades e de aspiraç<*-*>es. A Humanidade,diz-se, é formada por mais mortos do que vivos. A Nação é formada também pormais mortos do que vivos''. As lembranças dos feitos do passado ` `contribuempoderosamente, segundo Duguit, para criar e precisar a solidariedade nacional''.Poroutro lado, a ` `comunidade de aspiraç<*-*>es e de necessidades do presente, o sentimentodo papel que os cidadãos devem desempenhar em comum no mundo, a necessidadede defender um patrimônio comum de idéias, de riquezas morais ou materiais - tudoisso mantém e aumenta, dia a dia, a coesão nacional'' (Duguit). Mas não é só, pois,como ainda nota Duguit, a Nação resulta, também, de ` `laços de solidariedade pordivisão do trabalho'', conseqiiência da troca de ` ` serviços que podem

prestar-semutuamente por virtude de suas diferentes aptid<*-*>es''. Assim, diz Duguit, a Naçãoé uma realidade, não metafísica, mas social, que ` `consiste num laço de solidarieda-de, de interdependência, que une entre si, de maneira particularmente estreita, oshomens que são membros da mesma Nação''. É ` `o meio em que se produz ofenômeno que é o Estado''. Entendida assim a Nação, sem qualquer relação com raça, língua ou religiãocomum, pode-se considerá-la como a base sobre a qual se sustenta a superestruturajurídico-política do Estado. Neste sentido, pode-se pensar ser o Estado a Naçãopoliticamente organizada. De grande importância é o conceito de nação como agrupamento humanofixado a um solo, com passado, tradiç<*-*>es, origem, aspiraç<*-*>es, mentalidade, cons-ciência, interesses e vontade comuns, para se compreender fenômenos históricosligados à história do Estado. Em função desse conceito, pode-se compreender que,na guerra, a derrota pode implicar o desaparecimento temporária do Estado que,vencido, perde sua soberania, em face do domínio do vencedor sobre seu território,sem, entretanto, desaparecer a Nação, que, como força latente e viva, aguarda omomento de se constituir novamente em Estado, quando puder readquirir suasoberania, seja por acordo com o vencedor ou, então, por revolução. Como exemplorecente, para comprovar a validade desse conceito moderno de nação, temos aAlemanha, que, com a ocupação pelos Aliados, desapareceu como Estado, mas nãocomo nação, que se manteve viva, permitindo depois da desocupação o reapareci-mento do Estado alemão (República Federal da Alemanha) e, ãp<*-*>s a queda do Murode Berlim (1989), a sua reunificação em 1990, desaparecendo, então, as duas

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Alemanhas. Nesse sentido, desde que posto de lado o aspecto étnico, que alguns lheemprestam, por não ser possível pensar-se hoje em raça pura, bastando lembrar ocaso do Brasil, da França, Itália, Estados Unidos etc., verdadeiras ` `mesclas de tiposraciais", bem como abandonado o sentido cultural que Ihe tem sido atribuído, pornão haver cultura comum ou tipo único de cultura nela dominante, mas pluralismocultural; excluída de seu conceito a religião, porquanto podem viger em uma naçãovárias religi<*-*>es, sem falarntos dos ateus; eliminados os interesses econômicos, porvariarem com os grupos sociais, com as classes sociais e as categorias econômicasque a formam e os do próprio país, enfim, admitido, com reserva, o elementolingiüstico, que facilita a coesão nacional, a unidade nacional, sem lhe ser essencial,pois há naç<*-*>es, como a Bélgica ou a Suíça, por exemplo, em que há gruposlingüísticos diferentes; eliminado tudo isto, pode-se dizer ser a Nação o grupopolitico,fixado em determinado território, quasefechado, vinculadoporfortes laçosde solidariedade social, unido por vinculos lingüisticos, que nem sempre sãoessenciais, moldado por tradiç<*-*>es, aspiraç<*-*>es, consciência, mentalidade e origemcomuns. É grupo territorial, que, organizado política ejuridicamente, se transformaem Estado. Nesse sentido, pode-se considerar o Estado a nação politica ejuridi-camente organizada. Assim entendida, é o alicerce, isto é, a base do Estado. A faltadela não torna inviável o Estado, desde que haja uma população em um território,organizada política e juridicamente. Mas, nesse caso, temos o Estado vazio, semalicerces, por ser a Nação a força viva do Estado. Neste ftm de século o Estado-Nação vê-se incapaz de manter íntegra a suasoberania em virtude da globalização da economia, da circulação eletrônica do

capital internacional, da dependência de empréstimos externos e, acima de tudo, daintervenção indireta, mas eficaz, do Fundo Monetário Internacional (FMI) e doBanco Mundial, impondo-lhe políticas econômicas, salvo os Sete Grandes (Estados<*-*>Unidos, Alemanha, França, Japão); fora desses países, o Estado-Nação nos anos 90está sendo posto à prova.

183. FORMAS DE ESTADO

O Estado pode ser simples ou composto. O primeiro tem, em regra, governounitário, exercido em todo o seu território. Já o composto é constituído de Estados-membros, cada um com seu próprio governo. O seu tipo clássico é o federal(Bundesstaat), com governo central, também denominado governo nacional oufederal, e governos regionais ou estaduais, que exercem o poder político nosterritórios dos Estados-membros que governam. No Estado federal, só a federaçãotem soberania, enquanto os Estados-membros, autonomia, poder político na medidaestabelecida pela Constituição Federal. Temos, também, próximo do Estado federal,<012>

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a confederação, isto é, a união de Estados soberanos para defesa comum ou paraobra comum.

184. FUNÇÊES DO ESTADO

O Estado desempenha várias funç<*-*>es. Entende-se por função a atribuiçãoconstitucional a órgãos do Estado de competência para exercer certa atividade deinteresse nacional. Em nossa época, após a crise de 29, é muito ampla. A própriaordem econômica, que segundo o liberalismo deveria ficar à mercê dos interessesprivados, ou melhor, da lei do mercado, se encontrou sob o controle estatal,protegendo os assalariados e a atividade econômico-financeira, em nome da segu-rança do próprio Estado, pois poder econômico e poder militar, em nossa época, sãointerdependentes. Todavia, essa ingerência na economia não deu certo. Daí atendência, principalmente a partir da queda do Muro de Berlim, para o afastamentogradual do Estado dessa área. Pode-se dizer ser cíclica essa interferência, ora intensa,ora enfraquecida ou apagada, na dependência de crises. Por outro lado, constitucio-nalmente dá proteção especial à famlia e estabelece os princípios da políticaeducacional, que a escola particular e a Universidade devem observar. Igualmentedá proteção à cultura, aos documentos históricos etc. e, principalmente, à pesquisacientíf'ica da qual dependem o seu desenvolvimento e o seu poder militar. Mas, além dessas funç<*-*>es, que variam com os Estados, existem três funç<*-*>esbásicas, comuns a qualquer tipo de Estado e de governo, a saber: legislativa,jurisdicional e executiva. A função legislativa consiste na competência para legislar, ou seja, paraformular normas com alcance geral, ou melhor, para elaborar normas jurídicas (leiformal, decreto-lei, lei delegada, medida provisória); a executiva, exercida pelochefe de Estado (presidencialismo), ou pelo chefe de governo (parlamentarismo),com o concurso de seus auxiliares, ou por órgãos colegiados (Suíça), tem por fimaexecução da ordem jurídica, dos serviços públicos e a administração do Estado. Jáa função jurisdicional é exercida somente quando provocada por ação judicial,

consistindo na aplicação pelo juiz do direito sob a forma de sentença aos casos a elesubmetidos, protegendo direitos, impondo obrigaç<*-*>es, condenando, estabelecendopuniç<*-*>es etc., tutelando assim a ordemjurídica. O Judiciário controla os governan-tes, impedindo o excesso ou o abuso de poder; controla a legalidade dos atosjurídicos(de direito privado ou de direito público) e das situaç<*-*>es jurídicas, bem como aconstitucionalidade das situaç<*-*>esjurídicas e aconstitucionalidade das leis edos atosdo governo. Essas funç<*-*>es podem ser centralizadas ou descentraliza<*-*>l:<*-*>s. A primeira leva àtirania, à autocracia, a segunda, à democracia. Locke e Montesquieu sustentaram a indispensabilidade dã divisão de poderes(legislativo, executivo e judiciário) para evitar o abuso de pod;:r, que, por isso,

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deveriam ser exercidos por órgãos diferentes e independentes. Deve, diziam eles,haver independência entre os poderes. Teríamos, assim, o Poder Legislativo, com amissão de exercer a função legislativa; o Poder Executivo, exercendo a funçãoexecutiva e administrativa, e o Poder Judiciário, ajurisdicional. Cada poder deveriacontrolar o outro. Em nossa época, a ` `teoria da divisão dos poderes'' transformou-seem teoria da divisão de,f_inç<*-*>es, cabendo a cada órgão uma dessas funç<*-*>es a títuloprincipal, podendo exercer outra a título acessório dentro de certos limites. Além dessas funç<*-*>es básicas, ao Estado moderno compete servcçospúblccos,isto é, serviços técnicos, uns essenciais à segurança nacional, como a Polícia ou asForças Armadas, outros indispensáveis à comunicação, como o serviço ferroviário,rodoviário, telegráfico, correio, rádio, televisão, telefoniaetc., outros indispensáveisa seu desenvolvimento, como a produção de energia elétrica etc., criados e atribuídospor lei ao Estado, que podem ser ampliados com as necessidades estatais. Taisserviços devem ser, uns, só pelo Estado diretamente exercidos, como é o easo dapolícia, enquanto outros mediante concessão de serviço público, ou seja, entregues,sob condiç<*-*>es e controle, ao particular, como, por exemplo, o serviço ferroviário.Predomina nesses serviços a regra da descentralização, podendo ser confiados aautarquias, entes públicos, órgãos, instituiç<*-*>es ou à empresa privada. Não podemser esquecidas três funç<*-*>es essenciais : proporcionar educação ao povo em igualdadede condiç<*-*>es (escola e Universidade), proteger-1he a saúde (sistema médico-hospita-lar) e completar a segurança e paz pública com bom sistema penitenciário, que possaatingir a sua fmalidade de recuperdção do delinqüente.

185. PODER POLÍTICO

É a aptidão que tem a sociedade politica defazer seus membros obedeceremàs normas ou ordens dela emanadas, mesmo contra a resistência dos mesmos.Detém-no o Estado, alianças de Estados, como a União Européia e, em processo defortalecimento, a comunidade intemacional (§ 95). Não se confunde com a força físicaou militar, mas que delas depende quando ocorrer resistência a seus atos. Foi difuso

na sociedade primitiva, ou seja, não concentrado em uma pessoa ou órgão. Assim,nesse período da evolução social, quando uma norma era desrespeitada, o medo daira ou vingança dos deuses fazia com que o grupo reagisse contra o infrator,punindo-o seja com a morte ou com a expulsão do grupo. Nessa fase, pertencia atodos sem ser de nenhum em particular. Depois, estendeu-se à familia, em vimide nãosó da necessidade da divisão do trabalho social, como, também, da proteção dastradiç<*-*>es e do crescimento do grupo. Nela o seu chefe, ou seja, o ascendentemais velho,detinha o direito de punir os seus membros e de reagir às ofensas sofridas por um deles.Nessa etapa da evolução social, a familia vingava as ofeneas sofridas por um de seusmembros e o seu chefe punia, até com a morte, qualquer um de seus familiares queodesrespeitasse ou que violasse as tr3ciiç<*-*>es da famtlia. Foi a primeira concentração ou<012>

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personalização do poder. Alguns juristas-sociólogos, como Morgan e Bachofen,sustentam que, nessa fase, a princípio, o poder pertencia às mulheres (matriarcado)enquanto outros, como Sumner Maine, se op<*-*>em a essa idéia, por entenderem caberaos homens mais velhos, ou seja, ao ascendente mais velho o exercício da chefia dafami ia (patriarcado). Os Patriarcas hebreus seriam exemplos do poder exercidopelos mais velhos. Mas, como ressaltaram Lowie e Linton, não existe anterioridadedo matriarcado sobre o patriarcado, pois sociedades existiram em que predominouprimeiro uma dessas formas de organização, enquanto em outras, a oposta. Os maisautorizados autores admitem que o matriarcado não é uma organização chefiada pormulheres, mas a em que a descendência e a transmissão do poder se faziam pela linhamaterna, em obediência ao princípio mater semper certa est, inaplicável à patemidade.' Posteriormente, a necessidade de defesa do grupo contra as ameaças de gruposrivais e a necessidade de maior divisão do trabalho social, fizeram com que asfamílias se submetessem a uma autoridade, que, em certos casos, foi exercida pelomais sábio, pelo mais hábil, pelo mais valoroso, mais valente ou mais astuto, e,emoutros, pelo ` `Conselho de Anciãos'' (chefes de família), dando assim origem àtribo, concentração do poder coercitivo na pessoa do chefe ou no citado conselho.Com o aumento da complexidade da vida social, com o crescimento do gnzpo e com arivalidade entre chefes de famlia, o poder progressivamente desvinculou-se da pessoaque o exercia, transferindo-se para um órgão. Tornou-se, desde então, impessoal,

Segundo a teoria evolucionista de Bachofen ( 1815-1887) e Morgan ( 1818-1881 ), a Humanidadeteria passado do estado de promiscuidade sexual ao matriarcado, e deste ao patriarcado.Entretanto, outros autores, como H. S. Maine (1822-1888), em Ancient Law (1861),estudo dodireito antigo dos arianos e indianos, sustentam tese oposta, negadora da fase da orda, ou seja, dapromiscuidade sexual, que teria dominado durante o nomadismo, sem regras comuns a todos,pois, para Maine e outros, afamiliapatriarcal teria sido a primeira forma de organização social.O patriarcado para ele é o primeiro estágio da evolução social. Segundo os mais

autorizadossociólogos do momento, o matriarcado deve ser entendido como a organização social em que osmembros da famlia pertencem ao clã da mulher e em que há o predomínio da mulher,com poderesreligiosos e políticos. Essa forma de organização social, determinada por fatores econômicos(agricultura) e demográfcos (maior núméro de mulheres no grupo), observada na Austrália, Índiae Congo, bem comojunto aos iroqueses, não pode ser tidadogmaticamente como a primeira formade organização social, porque têm sido constatados, primeiro, a incidência maiordo patriarcadona origem dos povos conhecidos e estudados e, segundo, o aparecimento do matriarcadoesporac::camente só depois da fase do patriarcado. A Biôlia é documento histórico revelador dapredominância do patriarcado entre os hebreus. De tudo isto se pode concluir terhavido povosque conheceram primeiro a orda (promiscuidade sexual, ausência de normas sociais) e depois omatriarcado, para finalmente atingirem o patriarcado, enquanto outros desconheceram o ma-triarcado, iniciando a sua evolução pelo patriarcado, bem como pode ter havido apassagem dopatriarcado para o matriarcado. Deve ser dito ainda que a maioria dos povos conhecidos, emsuas mais primitivas formas, tinham a organização patriarcal.

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Introdução ao Estudo do Direito

institucionalizocc-se, pertencendo a um centro ativo da sociedade juridicamente organiza-do. É a fase da in.stihccionalização do poder. Contra essa versão sociológica temos a teoria teocrática ou teológica, queatribui origem sobrenatural ao poder político. Para essa corrente, o poder tem origemdivina, e não social. Essa teoria serviu de base ao absolutismo politico (§ 189).Bossuet a defendeu, sustentando dever o rei prestação de contas de seus atos somentea Deus, e não a seus súditos. O racionalismo e ojusnaturalismo (§ 192) encontraramno consenso a origem do Poder Público, resultante de um pacto social. Essa é a idéiacentral da teoria do contrato social (§ 193), dominante no século XVIII, de Hobbes,Kant, Locke e Rousseau. Segundo essa teoria, o poder resultaria do consenso doshomens, manifestado em um pacto, originador da autoridade, destinado a garantir aordem e a proteger os Direitos do Homem. Nesse pacto, considerado hipotético, enão fato histórico, boa hipótese dessacralizadora do fato político fundamental,estaria a origem do Estado, que, por ser contratual, estaria obrigado a observaravontade do povo. A Magna Carta inglesa (§ 178) é exemplo histórico de limitaçãodo poder real por pacto social. Finalmente, opondo-se à teoria evolucionista dopoder, o darwinismo social (§ 199) de Gumplowicz, Oppenheimer e Ratzenhofer,encontra na luta armada e na conquista a origem do poder. A força material seriaassim a fonte do poder político. A nosso ver, houve sociedades em que a fase da institucionalização do poderfoi precedida pela da personificação alcançada por um golpe de força, enquanto emoutras a personalização resultou de um acordo entre os súditos ou, então, de crençasreligiosas, das tradiç<*-*>es ou, ainda, do sucesso alcançado na chefia instituída paraenfrentar uma situação de risco de luta armada. Isto porque, segundo os

ensinamen-tos da Histótza e da Sociologia, no térreno dos fatos histórico-sociais inexisteevolução lineal.- Finalmente, todo poder exige legitimação. Nas sociedades teocráticas (Egito,Babilônia, Hebreus, Assíria, Pérsia etc.) ou nos reinos europeus absolutistas, aencontramos na crença de o poder resultar da vontade de Deus. Já na sociedadeeuropéia racionalista, é na tradição, nos costumes ou na lei que se encontram alegitimação e a forma de investidura no poder político. Na democracia, a legitimaçãodepende da vontade da maioria. No Estado moderno, achamada ` `separação dos poderes'' (§ 183) não significao fracionamento do poder, como ocotreu na Idade Média. Sobre esse assuntotrataremos adiante (§ 186).

186. DIVISIBILIDADE E INDIVISIBILIDADE DO PODER

Osjuristas ocidentais, opondo-se ao absolutismo político, formularam a teoriada separação de poderes, defendida, imprecisamente, em 1653, por Cromwell,desenvolvida, em 1690, por Locke, exposta, com detalhes, em 1748, por Montes-<012>

340Paulo Dourado de Gusmão

quieu, em De I'ésprit des lois.z Essa teoria incorporou-se à ideologia política doOcidente. Exerceu grande influência no direito constitucional europeu e americano,tendo sido acolhida pela constituinte instaurada pela Revolução Francesa, que, noart. 16 da Déclaration des droits de I'homme et du citoven prescreveu não terConstituição toda sociedade em que não existe separação de poderes. Montesquieu,entretanto, em vez de defender a teoria do ` `isolamento de poderes'', preferiu a daseparação e colaboração dos poderes. Para ele, os poderes deveriam controlar-sereciprocamente, por ser ` `necessário que o poder detenha o poder'' para evitardesmandos da autoridade, bem como não dever a mesma autoridade ou órgão deteros poderes legislativo e executivo para que não possam formular "leis tirânicas"executadas tiranicamente. Porém, a sua teoria não foi adotada integralmente pelaConstituiçãofrancesa de 1781, por não haver nela completa independência dojudiciário, que na França não é poder político. Entretanto, tornou-se idéia centraldos ` `pais'' da Constituição dos Estados Unidos. A teoria moderna da separação de poderes defende a atribuição a cada órgãodo Estado de determinada função, exercida com independência dos outros poderes.Assim, ao Executivo cabe a administração pública, os serviços públicos e a segu-rança do Estado, enquanto ao Legislativo, a formulação das leis e o controle doExecutivo, através de comiss<*-*>es parlamentares de inquérito, e ao Judiciário,aaplicação das leis e o controle do Legislativo mediante a declaração de inconstitu-cionalidade das mesmas, como, também, o controle indireto do Executivo pelaapreciação e julgamento de seus atos, quando provocado por meio de ação judicial. Incompatível com essa teoria temos a que defende a unificação dos poderesdo Estado, dando a uma autoridade ou a um órgão a competência para, através deórgãos subordinados ao governo, a elaboração de leis e a aplicação das mesmas.Essa teoria é a base da tirania, pois como já disse, com muita justeza, em 1765,Blackstone, quando o direito de fazer e aplicar as leis é atribuído ao mesmo e únicohomem ou ao mesmo e único órgão, não há lugar para a liberdade política. Por isso,a divisão de poderes é condição do Estado de direito, ou seja, do Estado submetidoà sua ordem jurídica, bem como do Estado em que a segurança individual e asliberdades individuais não dependem das raz<*-*>es de Estado, não correndo o risco deserem suprimidas pelo governo.

A teoria da separação de poderes de L,ocke distingue o "Poder L,egislativo", pertencente aoParlamento, destinado a legislar e a controlar o governo, sendo por isso soberano, do "PoderExecutivo'', que executa as leis e comanda a política externa. Já Montesquieu defendeu a teoriado equil'brio de poderes, separando, como L,ocke, o "legislativo" do ` `executivo' '. Porém, iridoalém do pensador inglês, destacou dos dois o "Poder Judiciário", destinado a aplicar, comindependência eimparcialidade, as leis. Poderes que deveriam ser exercidos porórgãos diferentes,sob pena de haver tirania.

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Introdução ao Estudo do Direito

A teoria da separação de poderes não deve ser confundida com a questão dadivisibilidade ou indivisibilidade do poder do Estado. Poder estatal é uno, indivísi-vel, manifestado nas funç<*-*>es executiva, legislativa e jurisdicional, cujo exercíciopode ser atribuído a órgãos diferentes e independentes sem corn isso fragmentar-sea autoridade ou o poder do Estado, pois, quando o Legislativo legisla é o Estadoqueo faz, da mesma forma quando o Judiciário julga ou o Executivo executa ouadministra. A distribuição de poderes do Estado a órgãos diferentes não é da essênciada atuação do poder estatal, mas exigência da segurança individual, bem como frutoda necessidade de descentralização de funç<*-*>es e serviços, tendo em vista o agigan-tamento do Estado e a complexidade de suas funç<*-*>es e serviços.

187. GOVERNO. FORMAS DE GOVERNO

Todo Estado se divide em duas camadas: governantes e govemados. Há ocentro de poder, exercido pelo governo, e as pessoas a ele submetidas. Da idéia deEstado não se pode excluir a de governo. Por governo entende-se, no sentido próprio,o conjunto de órgãos de decisão, com poder de executá-la, dotados de coerção, queexercem asfunÇ<*-*>es do Estado, administrando e gerindo os serviÇospúblicos. Nessesentido, que é o próprio, não se confunde com chefe de governo ou com as autoridadespúblicas. Em sentido estrito, govemo é a autoridade ou órgão constitucional que exerceo Poder Execcctivo, agindo administrativamente. Há váriasformas de governo, umas tradicionais, outras nascidas de situaç<*-*>eshistóricas oriundas da crise institucional e econômica instalada na Europa depois daPrimeira Guerra Mundial. Entende-se por ` `forma de governo'' a maneira de organizar e estruturar osórgãos de governo, atribuindo-lhes determinado papel politico, e a maneira deescolher ou indicar as pessoas que devem ocupá-los. Se levarmos em conta a maneiráde organizá-lo e de atribuir a cada órgão determinado papel político, podemosclassiftcar os governos em presidencialista, parlamentarista e autocrata. No presi-dencialismo, o Presidente da República, eleito diretamente (sufrágio universal direto),é o chefe do Executivo, que independe do Congresso, governando com auxíli<*-*>

dos Ministros de Estado. Cabem-Ihe as decis<*-*>es do governo. Essa forma degoverno foi instituída, pela primeira vez, em 1788, nos Estados Unidos. Nopresidencialismo norte-americano não há, como pensam alguns publicistas,presidência imperial, pois o Presidente da República sofre o controle do Con-gresso e da Corte Suprema. Nomeação de juiz da Corte Suprema ou de erobai-xadores, por exemplo, depende de aprovação do Senado, que, em 1987, rejeitoua indicação dojuiz Roberto Bork, por serultraconservador. Comiss<*-*>es do Congressocontrolam a Presidência. Exemplo clássico é o caso Watergate, que culminou como impeachment de Nixon. A Corte Suprema controla a constitucionalidade dasleis e atos da Presidência. Assim, no presidencialismo norte-americano, o Presidente<012>

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Paulo Dourado de Gusmão

da República não detém poderes imperiais. Dizem seus constitucionalistas, inclusiveWilson, que se tornou Presidente da República, que o Congresso se fortalece àmedida que se enfraquece o governo, e vice-versa. O Brasil adotou-a. Parlamen-tarismo é o regime político em que o governo depende do Parlamento, exercidopelo Gabcnete ou Conselho, composto de ministros, chefiados pelo primeiro-mi-nistro (presidente do conselho, premcer), que exerce a chefia do governo. Nessesistema, o Conselho de Ministros, ou Gabinete, é da confiança exclusiva do Parla-mento, caindo se não receber voto de confiança ou moção de censura do Parlamento.Quando a crise é grave, o chefe de Estado dissolve o Parlamento, convocando novaseleiç<*-*>es. No parlamentarismo, geralmente unicameral, o chefe de Estado (rei ouPresidente da República) tem mera função simbólica, de representação do Estado.Nesse tipo de governo, o rei reina mas não governa; o Presidente da Repúblicapreside, mas não governa. Ambos exercem funç<*-*>es protocolares. Foi introduzido,no século XVII, na Inglaterra, e em 1875, na França. Na década de 50, deu entrada no cenário político o parlamentarismo mitigado(§ 178), ou seja, regime misto de Presidencialismo e Parlamentarismo em que ogoverno do Estado se acha dividido entre o Presidente da República e o Parlamento,sobressaindo-se, entretanto, o Chefe de Estado. Esse novo regime denominado` `bicéfalo'' por alguns ensaístas franceses, surgiu em país tradicionalmente parla-mentarista, a França, não tendo sido criado para aperfeiçoar o governo, mas paradara De Gaulle poderes para enfrentar a grave crise político-militar oriunda da Guerrada Argélia, bem como para proteger a ordem econômica em profunda crise. Nele oPresidente da República tem poder discricionário de dissolver a assembléia e deconvocar, em seguida, eleiç<*-*>es gerais. Nesse sistema, instituído pela Constituiçãofrancesa de 1958 (V República), se inspiraram os constituintes portugueses (Cons-tituição de 1976) e espanhóis (Constituição de 1978), após a queda do fascismo,talvez pelas trágicas lembranças da soma de poderes que desfrutaram Salazar eFranco. Todavia, com o afastamento de De Gaulle da política, já se cogita, na França,da Vle République (L'Express, n" 2.061,10.01.91). De maneira análoga, Presidencialismo mitigado ou Presidencialismo misto,outro regime híbrido, combinação de duas formas de governo clássicas: presiden-cialismo e parlamentarismo, em que o Presidente da República, eleito diretamente,conservando algumas de suas prerrogativas, é controlado pelo Parlamento (Congres-so), podendo, em certos regimes, provocar <*-*>i queda do Ministério em havendo moçãode censura. Admite salvaguardas destinadas a evitar crises ministeriais

sucessivas.Regime defendido na Constituinte brasileira de 1987, como forma de evitar abusosde poder por parte do Presidente da República. Como o parlamentarismo mitigado(§ 178), esse regime foi idealizado, não por defeitos do presidencialismo puro -poisos Watergate e Irãgate, nos USA, e, no Brasil o impeachment do PresidenteFernando Collor (1992), demonstram ter o Congresso, no presidencialismo, meca-

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Iotrodução ao Estudo do Direito

nismos ef'icazes para combater arbítrios e delitos praticados pelo chefe do Executivo.No Brasil, pensou-se acolhê-lo em virtude do fracasso da política econômica dosgovernos anteriores à Constituinte de 1987, que gerou grave crise social e econômi-ca. Assim, foi idealizado esse regime, não, como dissemos, por defeitos do presi-dencialismo, mas pelo fracasso dos que exerceram a Presidência da República. Omal, portanto, está no homem, e não no Iegime... Finalmente, além das duas formas clássicas de regime democrático, presiden-cialismo e parlamentarismo, temos a autocracia, sistema em que a vontade do chefede governo é a lei, e em que se sobrep<*-*>e discricionariamente o governo sobreasociedade civil, compreende os regimes fascistas e os comunistas da era stalinista,apesar de terem simulacros de órgãos representativos, e o autoritarismo, em que oChefe de Estado detém grande soma de poderes, impondo sua política e suas idéiasà sociedade civil, govemando-a com um Congresso submisso, destituído de prerro-gativas, submetido, porforçade preceitos constitucionais, às decis<*-*>es do Executivo,mesmo que os seus membros sejam eleitos pelo voto direto e secreto e mesmo quehaja pluralismo partidário. Mas, se levarmos em conta o modo de escolha ou de indicação das pessoasque devem exercer o governo, podemos classificar os regimes políticos (sistemas degoverno) em monarquca, república e ditadura. Na monarquia, o sober<*-*>no, a títulopróprio, detém, hereditária e vitaliciamente, a potestade governativa por pertencerà família real. Mas, na monarquia parlamentarista, dita constitucional, o monarca,chefe de Estado, hereditariamente indicado, reina, mas não governa. Na república,o governo é eleito, na forma estabelecida pela lei, diretamente, pelo eleitorado, ouindiretamente, pelos representantes dos partidos políticos (presidencialismo), ouescolhido pelo parlamento (parlamentarismo), enquanto na ditadura o governantedetém o poder por ser da confiança das Forças Armadas, dos revolucionários ou dosque deram o golpe de Estado, não se curvando nem às leis inspiradas no movimentorevolucionário, que por ele podem ser revogadas ou modificadas. Na república, o governo é exercido geralmente por um só governante,' comoé o caso do Brasil, como pode ser por um colegiado. Nesse último caso, diz-se sercolegiado ou diretorial o governo, como é o governo da Suíça. Essas são as formas fundamentais de governo. Resta pronunciarmos sobre a democracia, que se caracteriza pelo governo cIamaioria e pelo sufrágio universal. Distingue-se, ainda, por fundar-se no princípio deigualdadepolitcca. Sobressai-se nela: autogoverno dopovo, separa<*-*>ão depoderes,eleiç<*-*>esperiódicas, e o controle parlamentar ejurisdicional do governo. É, pc<*-*>is, o

3 O govemante, em qualquer forma de governo, tem sempre uma equipe que o auxiliae tem poderes para tomar decis<*-*>es.<012>

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Paulo Dourado de Gusmão

sistema em Que o governo é expressão da vontade da maioria, manifestada emórgãos representativos e independentes, passível de controlejudicial eparlamentar.Completando o conceito formal que acabamos de formular: a democracia caracte-riza-se, ainda, pela garantia do direito de crítica ao governo, às instituiç<*-*>es e às leis,bem como por assegurar a liberdade de manifestação do pensamento e de irnprensae por admitir o pluralismo partidário. A democracia é, por excelência, pluralista. Nasantigas cidades gregas, onde originou-se, caracterizava-se por ser clcreta, tomando opovo, diretamente, nas assembléias as decis<*-*>es políticas, e nos tribunais populares,proferindo julgamentos, como o de Sócrates. No Estado moderno, a democraciadireta não é mais possível. Nele, só cabe a democracia ifidireta, ou seja, o governoda maioria, exercido por representantes (deputados, senadores, vereadores) damairoria do eleitorado. Há, entretanto, alguns procedimentos políticos em nossaépoca que permitem, no caso de leis ou atos fundamentais, manifestação direta dopovo: o referendum, isto é, a ratificação popular de ato do governo ou de leiconstitucional, e plebiscito, aprovação ou rejeição popular de lei. EIn sentidorestrito, consulta popular sobre reforma política fundamental.'

188. ESTADO E LIBERDADE

O Estado, monopolizando o poder coercitivo, de eerta forma, em relação aohomem, é uma organização controladora de suas liberdades. Daí o conflito que háentre liberdade individual e Estado, conflito de trágica história, pois houve maistempo em que a liberdade foi cerceada do que esteve sem peias. O liberalismoreduziu o papel do Estado a de mero árbitro, que só deveria intervir para dirimirconflitos, deixando à iniciativa individual campo livre de ação. Porém a grave criseeconômica ocorrida depois da Primeira Guerra Mundial levou-o a exercer papelinterveneionista, ou seja, papel atuante na ordem econômica. O Estado tornou-seentãu uma grande empresa, muitas vezes falida, com o poder de decidir sobre asdireç<*-*>es econôrriicas da sociedade civil. Papel que, devido ao seu insucesso, estásendo abandonado. Mas as liberdades estão cada vez mais limitadas por leis. Porisso, fortalece cada vez mais a convicção de ser necessário encontrar-se o justoequiliório entre autoridade e liberdade.

Há que;n faça distinção entre Estado libera! e Estado social. O primeiro, forma de goveroo emque há intervenção mínima possível na ordem econômica, regida pela lei do mercado, destinan-do-se o Estado a preservar a ordem estabelecida. Já Estado social (Welfare State) é o govemo queintervém na ordem econômica (Estado intervencionista), para minorar a situação dos economi-camente fracos, orientando e dirigindo o desenvolvimento econômico de modo a promover ajustiça social e a desenvolver o país, evitando contrastes flagrantes entre

regi<*-*>es, bem comornelhorando a distribuição da renda nacional.

345Introdução ao Estudo do Direito

As liberdades individuais, indispensáveis ao desenvolvimento cultural (literá-rio, científico, artístico etc.), tecnológico e econômico, não devem ser, entretanto,transformadas em castelo onde o indivíduo se isole indiferente ao que lhe passa aoredor, da mesma forma que o Estado não deve levar longe demais a sua missãopacif'icadora e garantidora da ordem, sufocando-as. Ambas devem ser exercidas semexeessos, pois o direito só protege o uso regular das faculdades e poderes, e não oabuso. Os excessos de liberdade podem provocar os excessos de autoridade, bemcomo os excessos da autoridade, às vezes, conduzem às revoltas. Para que não hajaabusos de parte a parte, é indispensável a separação dos poderes do Estado, condiçãopara que haja liberdade e segurança individual. Indivíduo e Estado devem coexistir,respeitando-se mutuamente, ambos submetidos ao bem geral e à lei. ` `A liberdade'',disse Aristóteles, ` `consiste no fato de cada um ser livre à sua maneira''. Mas` `àsua maneira'' não significa ignorar a liberdade dos demais e muito menos as leiseo bem comum. O grande filósofo acima citado a entendia também como capacidadede ser súdito da lei e governante, subordinado ao bem eomum, pois, para os gregos,acima da liberdade estavam a lei e a cidade-Estado. Em Atenas, além das limitaç<*-*>eslegais, a liberdade, respeitados os deveres do cidadão, não poderia ser restringidapor qualquer pretexto. Esse ideal - liberdade submetida somente à lei (desde quealei não a sufoque) - ainda é válido, sendo um dos princípios do Ocidente.

189. ORIGEM DO ESTADO

O problema da gênese do Estado não tem solução científ'ica. Pode- se admitirnão haver uma única origem, pois deve ter sido várias. Por isso, nesse terreno nãosão válidas as teorias monistas, mas as pluralistas, que dão várias soluç<*-*>espara essaquestão. Por tal motivo, inventariaremos as hipóteses mais prováveis. Inicialmente,a que aponta a origem do Estado na força e a que o considera fruto do consensocomum. O Estado pode ter surgido da conquista, teoria defendida, ert 1907, porOppenheimer e Gumplowicz, como pode ter surgido do acordo de chefes de tribospara defesa comum ou para vencer dificuldades (econômicas, religiosas, políticas),ameaçadoras da sobrevivência do grupo e de sua unidade. Nesse último caso, oEstado teria resultado do processo de centralização do poder, enquanto em outros,do impacto de elementos estranhos ao grupo, ou seja, da pressão ou força militardegnzpos vizinhos. Concluindo, o Estado pode ter surgido: a) da conquista, impondo o conquis-tador instituiç<*-*>es ou órgãos destinados a impor a sua vontade ao vencido, subme-tendo-o; b) da divisão, lutas, conflitos, cismas etc., que levaram à organizaçãodeum pólo de poder destinado a estabelecer a ordem e a manter unidade do grupo; c)do risco sétlo de ser dominado por outro Estado, que forçou a organização e ofortalecimento do poder central (geralmente, exercido pelo melhor guerreiro oupelos mais velhos); d) de um pacto, geralmente no caso das confederaç<*-*>es

(ex-Co-<012>

346Paulo Dourado de Gusmão

munidade Européia, hoje, União Européia, e, em 1991, a CEI constituída pelaRússia, Ucrânia etc.) Mas, seja qual for a razão, o Estado só surgiu com a centralização, monopoli-zação e organização do poder político e, especialmente, coercitivo, que passou amonopolizar.

190. TEORIA GERAL DO ESTADO

O estudo científico do Estado, sob o aspecto jurídico e sociológico, é o objetoda Teoria Geral do Estado, que tem origem recente, tendo sido cultivada pelosalemães, que a denominaram de Allgemeinestaatslehre. Todavia, não é ciência nova,pois, desde os gregos, o Estado foi objeto de reflex<*-*>es por parte de filósofos e, séculosdepois, de muitos pensadores e sociólogos. Não há dúvida de que a República dePlatão, a Politica de Aristóteles, ou De res publcca de Cícero, apesar de trataremdo Estado ideal, são teorias do Estado. E que dizer d' O Principe de Maquiavel, queintroduziu na ciência política a palavra Estado? Ou, então, De la République ( 1577)de Bodin, em que a soberania e a organização do Estado são tratadas, de formacientífica, pela primeira vez? A Teoria Geral do Estado, muitas vezes, foi confundida com a Politica e comoPolítica, ou seja, Polctical Science ou Political Theory, é cultivada na Inglaterra e nosEstados Unidos. Coube, na Europa Continental, a Gerber, em 1885, e a Albrecht, em1837, tratar da teoria do Estado independente da Politica. Seguiram-se-lhes Laband,Meyer, Seydel, Bluntschli e Gareis, que formaram a "escola de direito públicoalemão''. Finalmente, essa tradição, na França, levou Duguit e Esmein a tambémversarem sobre a doutrina do Estado com independência da Politica, enquanto naItália seguiu-a Orlando. Portanto, nova em nome, velha no tema, a Teoria Geral do Estado é CiênciaPolítica que tem por objeto o Estado. Parece ser a afirmação acima simples petição de princípio, mas em torno delahá discussão acadêmica, em que sobressaem Kelsen e Jellinek, para só citar os queainda exercem influência sobre os rumos dessa teoria. Kelsen, partindo da conside-ração do Estado como ordemjurídica, reduz a Teoria do Estado à Teoria do Direito,definindo a primeira como ` `teoria generalíssima do direito'', enquanto Jellinek asdistingue, apesar de dividir a Teoria do Estado em ` `teoriajurídica do Estado''(teoriageral do direito público) e ` `teoria sociológica do Estado''. Temos a dizer que, da mesmaforma que a Teoria Geral do Direito, a Teoria Geral do Estado não é teoria do Estadouniversal, tendo por objeto uma estrutura política defmitivamente acabada, fora daHistória. É, antes de tudo, teoria "geral" que, através da análise comparativa edageneralização dos Estados históricos, chega à estcutura histórico-cultural do Estado.

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Introdução ao Estudo do Direito

Dito isto, passaremos ao problema da natureza dessa teoria. A nosso ver, fazparte da Política, apesar de ter aspectos jurídicos. A Política, ciência social que trata das estruturas políticas, dos fenômenospolíticos relacionados com o poder, da arte de governo e dos meios de governo,compreende a ` `ciência política'' em sentido estrito, a Teoria Geral do Estado e aFilosofia Política. A primeira é a teoria da arte de governar, dos meios de governar,dos processos de formação da opinião pública da qual depende a legitimação dogoverno, e das forças políticas, bem como dos fenômenos políticos que gravitam emtorno do poder, do centro de controle da sociedade, assim como das reaç<*-*>es políticas,da formação das ideologias políticas e da estratificação e mobilidade políticas.Já aFilosofia Política tem por objeto o Estado ideal, ou seja, o Estadojusto, seja do pontode vista universal, como, também, do ponto de vista histórico, isto é, do Estadojustopara uma época, sociedade e civilização. Considerando-o universalmente justo épropriamente filosófica; mas ao entendê-lo historicamente justo é Filosofia Políticahistórica. A primeira pertence ao reino da utopia. Concluindo: a Teoria Geral do Estado tem por objeto o Estado como estruturae como forma. Compreende Teoria Juridica do Estado e Teoria Sociológica doEstado. A primeira versa sobre os elementos essenciais do Estado, suas formastipicas, suas funç<*-*>es fundamentais e os tipos de governo. Trata da estática e dadinâmica jurídica do Estado. A segunda estuda o Estado como grupo social e suastransformaç<*-*>es sociacs, bem como pesquisa os fatores sociais que in.fluem emsuadinâmica, estudando-o em relação com os demaisfenômenos socioculturais.5

No Brasil, após a Guerra 39-45, nos anos 40 e 50, o problema do objeto e da natureza da TeoriaGeral do Estado foi versado com originalidade por J. J.Queiroz (Posição e conteúdo da TeoriaGeral do Estado, Rio de Janeiro,1951), por Miguel Reale (Teoria do Estado, São Paulo,1940)e por Lourival Vilanova (O problema do objeto da Teoria Geral do Estado, Recife,1953). Apartir dos anos 50, profundos estudos apareceram entre nós no campo da Ciência Política e daTeoria do Estado, bastando lembrar os de Aderson Menezes (Teoria Geral do Estado), DarcyAzambuja (Teoria Geral do Estado), Machado Paupério i Teoria Geral do Estado), Orlando deCarvalho (Caracterizaç<*-*>es da Teoria Geral do Estado), Paulo Bonavides (Ciência Politica),Pinto Ferreira (Teoria Geral do Estado) e, recentemente, a Teoria Geral do Estado (1990), deFernando Whitaker da Cunha. Do ponto de vista político: Raymundo Faoro (Os donosdo poder)e Victor Nunes Leal (Coronelismo, enxada e voto).<012>

Oitava Parte

CONCEITO E FUNDAMENTO DO DIREITO<012>

XXXVI

CONCEITO E FUNDAMENTO DO DIREITO- DIREÇÊES DO PENSAMENTO ,IURÍDICO

191. INTRODUÇÃO

Defmimos o direito (§ 31) como a norma aplicável coercitivamente. Mas, anorma pode, por exemplo, dispor: ` `todos os homens são iguais perante a lei'', queé uma norma justa, como a esse preceito pode o legislador acrescentar outrosparágrafos limitadores de seu alcance, como, exemplificando: "não se aplica odisposto neste artigo aos judeus ou aos negros'' etc., que é injusto. Como vemos, odireito, como norma, pode ter os mais variados conteúdos. Qual deve ser o conteúdodo direito, ou melhor, quando é valido o conteúdo do direito? Eis o problemafundamental do direito, que deu origem às várias correntes do pensamentojurídico,todas pretendendo ter encontrado o fundamento do direito. Através da História, o Homem tem procurado uma explicação para os fatos,um fundamento para as suas aç<*-*>es e a razão de ser da obrigatoriedade das normasque as regem. Desde a Antigüidade, os legisladores, como Hamurabi por exemplo,impuseram os seus códigos como expressão da vontade de uma divindade. ' Fundà-mento sobrenatural foi dado sempre ao direito nas civilizaç<*-*>es arcaicas. A partir deAtenas, os filósofos colocaram em dúvida essa origem, preocupando-se mais com ofundamento moral ou racional das normas éticas. Na Civilização Européia, comoresultado dessa preocupação, ao sabor das ideologias em moda ou das filoso iaspredominantes em suas várias épocas, tem sido dado diversos fundamentos para odireito. Tal preocupação tem sua razão de ser: a uma, por depender do direito aliberdade, a segurança individual e o patrimônio de cada um, e as duas, por não devero direito ser a manifestação da vontade arbitrária do legislador e nem atender aosinteresses de minorias, por dever corresponder a um ideal jurídico, reconhecido,historicamente, pela comunidade como válido, que quer vê-lo transformado em lei.

1 Hamurabi proclamou ter sido seu código recebido do deus Sol; Zaratustra disse que as leis do Avesto foram-lhes entregues no cimo de uma montanha pelo deus Ahura Mazda, enquanto Moisés revelou aosjudeus ter recebido os Dez Mandamentos, no cimo do Monte Sinai, dasmãos de Javé.<012>

352Paulo Dourado de Gusmão

Considerar, como já se considerou em vários períodos históricos, o direito nadependência exclusiva de interesses predominantes, tem levado a promulgação, sobo manto jurídico, de direitos injustos, desprovidos de apoio da opinião pública,fato que sobrecarrega os aparelhos policial e judicial. Isto porque quanto mais o direito corresponder ao seu ideal histórico, mais será espontaneamente observado. Procurando ajustá-lo a um ideal divergiram juristas e filósofos. Ao divergirem, abraçaram idéias-chaves, criadas pelos mais talentosos, dando origem a escolas,como, por exemplo, a Escola do Direito Natural dos séculos XVII e XVIII, a Escola Histórica alemã do século XIX, a Escola Positivista francesa e italiana ou a Escola de Viena, de nossa época. Mas na maioria das vezes filósofos, políticos e juristas limitaram-se a admitir princípios ou elementos comuns, resultantes de tomada de posição emrelação à natureza ou à fonte do direito, divergindo no mais. Quando tal ocorreu, e

quando tornaram-se dominantes as suas idéias, surgiram as correntes ou dire<*-*><*-*>esdo pensamento jurídico, como é o caso, por exemplo do positivismojuridico, docontratualismojuridico etc. Se por correntes entendermos os grandes caminhos percorridos pelo pensa-mentojurídico, pelo qual grande número dejuristas perseguiu uma fundamentaçãouniversal para o direito ou uma explicação exaustiva para o fenômeno jurídico,pensamos poder reduzi-las a dez: jccsnaturalismo, a mais antiga, que desde Atenasestá presente na Civilização Européia; contratualismo jurídico, importante pelasconseqizências históricas que produziu; idealismo juridico, positivismo juridico,historicismo jurídico, kantismo juridico, culturalismojuridico, sociologismo juri-dico, normativismojuridico e realismojuridico.

192. JUSNATURALISMO A Teoria do Direito Natural é muito antiga, estando presente na literaturajurídica ocidental desde a aurora da Civilização Européia. Na descoberta ateniensedo homem, parece encontrar-se a semente desse movimento, que atende ao anseiocomum, em todos os tempos, a todos os homens, por um direito mais justo, maisperfeito, capaz de protegê-los contra o arbítrio do governo. Considerado expressãoda natureza humana ou deduzível dos princípios da razão, o direito natural foi sempretido, pelos defensores dessa teoria, como superior ao direito positivo, como sendoabsoluto e universal por corresponder à natureza humana. Antes de Cristo, seja emAtenas, com Sófocles (Antigona), seja em Roma, com Cícero (De respublica) assimera concebido. Direito que, através dos tempos, tem influenciado reformas jurídicase políticas, que deram novos rumos às ordens políticas européia e norte-americana ,como, por exemplo, é o caso da Declaração da Independência ( 1776) dos Estados YUnidos, e da Declara<*-*>ão dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), daRevolução Francesa. Lê-se no art. 2" da citada Declaração dos Direitos doHomem de 1789: "o fim de toda associação é a proteção dos direitos naturaisimprescritíveis do homem". Fácil é encontrar a sua presença na DeclaraçãoUniversal dos Direitos (1948) da ONU. Assim, o jusnaturalismo é a corrente

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Introdução ao Estudo do Direito

tradicional do pensamentojurídico, que defende a vigência e a validade de um direitosuperior ao direito positivo. Corrente que se tem mantido de pé, apesar das váriascrises por que tem passado, e que, apesar de criticada por muitos, mantém-se fielao menos a um princípio comum: a consideração do direito natural como direitojusto por natureza, independente da vontade do legislador, derivado da naturezahumana (jusnaturalismo) ou dos princípios da razão (jusracionalismo), semprepresente na consciência de todos os homens. Esse modo de concebê-lo englobauma plêiade de juristas e uma variedade de teorias que divergem não só quantoà sua fonte (natureza ou a razão), como, também, quanto aos meios de deduzi-loou apreendê-lo (lógicos ou intuitivos) e, quanto à conceituação da naturezahumana: belicosa (Hobbes), boa e pacífica (Locke, Rousseau), racional, social,individualista etc. Corrente que, presente em todas as épocas da Civilização Euro-péia, tem sofrido crises. Porém, sobrevivendo-as, tem renascido quando se acredi-tava estar irremediavelmente morta, talvez por ser a única salvaguarda do Homemem um mundo que transformou o direito em mero instrumento técnico e, muitasvezes, de opressão. Por isso, têm razão Landsberg e outros quando se referem aoeterno retorno ao direito natural, apesar de haver uma eterna crise do dcreito

natural. Mas os "retornos" e "crises" atestam somente a vitalidade e as poten-cialidades criadoras da idéia do direito natural, porque cada uma de suasreapresentaç<*-*>es no cenário jurídico é rica em substância. A constante redefiniçãoe a divergência que impera entre os jusnaturalistas a respeito do que seja e do queprescreve o direito natural impedem a formação de uma "escola" bem definida ,apesar de ter havido, nos séculos XVII e XVIll, uma escola do directo natural,que transformou o "jusnaturalismo" em "jusracionalismo", surgida no meió protes-tante, fruto do racionalismo. Nela se encontram Grocio,2 seu chefe, sustentandoser o direito natural deduzido da razão, de conformidade com a natureza humana, %Pufendorf, o consolidador desse movimento, além de Leibniz, e, de certa forma,

Hugo Grocio, em holandês Huig de Groot,jurista holandês, nasceu em 1583. Exilado, na França,publicou a obra Dejure belli ac pacis (1625), que lhe deu fama. A ele se deve a laicização dodireito natural, por ele considerado estabelecido pela razão. Daí considerá-lo universal, absolutoe imutável. Morreu em 1645.Samuel Freiher Pufendorf ( 1632-1694),jurista alemão, foi o primeiro catedráticode direito naturalinteroacional em Heidelberg. Defendeu a idéia do direito natural prescrito pela razão, tendo porfonte a natureza humana, da qual a razão deveria deduzir a sua norma fundamental, por ele assimenunciada: ` `cada homem deve, enquanto depender dele, manter e proteger as relaç<*-*>es sociais''.Não causar dano a ninguém, respeitar os compromissos contraídos e a dignidade humana, bem comotratamento juddico igual para todos, seriam os princípios fundamentais do direito natural, segundoPufendorf. De iure naturae et gentiwn libri acto (1672) é a sua obra fundamental.Gottfried Wilhelm I,eibniz, filósofo alemão, nascido em 1646. Além de sua obra Monadologia(1714), de importância para a filosofia, deixou, no campo jurídico, Nova methodus discendaedocendaequejurisprudentiae (1667). Faleceu em 1716.<012>

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de Kant (§ 197)5 As idéias defendidas pelos corifeus dessa escola não estavam longe das de Cícero, que o considerava a "lei conforme a reta razão, congruente à natureza, conhecida por todos, eternamente a mesma''. Mas, primeiro, com o kantismo(§ 194), que abriu a crise do racionalismo dogmático, depois, com o positivismo, o historicismo e o sociologismo, que despon-taram no século XIX, ocorreu o primeiro abalo do direito natural. O culto dos códigos,que haviam incotporado muitos princípios defendidos pelos jusnaturalistas, e a venera-ção da lei, por um lado, e, por outro, a obra gigantesca dos pandectistas alemães,criadores da ciência do direito, abriram o caminho para a filosofia do direito positivo,seja como Analytical Jurisprudence, seja como Etnologia Juridica, ou Teoria Geral doDireito, que passaram a ocupar lugar de destaque no cenáriojurídico outrora privativo

da Teoria do Direito Natural. Mas a Revolução Industrial, processada segundo osprincípios do individualismojurídico e do contratualismo, frutos da Teoria do DireitoNatural, criou um clima tal de injustiça social, que acabou gerando a chamada questão social até hoje preocupante. O menor apreço ao homem nas fábricasinsalubres do século XIX e nos campos de batalha de 1914, principalmente nos deVerdum, a crise econômica oriunda da Primeira Guerra Mundial e a agonia da EraVitoriana, sepultada definitivamente em 1929, motivaram a Renaissance du DroitNaturel ( 1910), título sugestivo de um livro de Charmont. Mas o retoroo foi só àidéia do direito natural, e não à doutrina do direito natural dos séculos XVII eXVIII.O novo posicionamento preocupou-se em conciliar a antiga idéia com os resultadosda Sociologia, bem como com o historicismo dominante e com a nova ciência dodireito. Para isso os seus defensores tiveram de reduzi-lo a pouquíssimos princípiosgeneralíssimos, válidos por si mesmos, socialmente necessários e indispensáveis aorespeito da dignidade humana. Nessa corrente reduzidora do conteúdo do direitonatural encontramos Gény (§ 199), defendendo o irredutivel direito natural,b iden-tificado com a idéia de justiça, e Del Vecchio (§ 197), definindo-o como conteúdomínimo do direito positivo, completado com preceitos formulados com elementoshistóricos. Transformaç<*-*>es bruscas e violentas do mundo a partir da RevoluçãoIndustrial tornaram necessária a adaptação do direito natural a um mundo emmudança. Eis a razão de Stammler (§ 196) defender o direito natural de contecído

Cícero (Marcus Tullius), jurista e ilósofo romano, marcado pelo estoicismo, nasceu em 106 a. C.Combateu todas as formas de tirania e de oligarquia. Morreu em 43 a.C.A concepção do direito natural irredutivel, devida a Gény, domina hoje entre os neojusnaturalis-tas, que defendem um pequeno reduto de princípios, que se encontram acima do poder, limitandoo lesgislador e o juiz, e garantindo o respeito da dignidade humana. Nessa mesmalinha temos odireito natctral de conteúdo variável de Stammler, o direito nntural de contetido progressivo deRenard e o direito nataral minimizado de Del Vecchio, Planiol, Colin e Capitant e do próprioGény, concepç<*-*>es conciliadoras do direito natural absoluto, imutável na essência, mas não no seuconhecimento, com o direito histórico, em constante transformação.

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variável (ein Naturrecht mit wechselndem Inhalte), formal, sem conteúdo próprio,semelhante à ` `lei do dever'' de Kant, enquanto Renard, o direito natural de conteúdoprogressivo, que sem admitir modificaç<*-*>es na essência do direito natural, admite apossibilidade de progresso de seu conhecimento através do tempo. As transforma-ç<*-*>es sociais e culturais, sem arquivar o direito natural, conduziram, assim,àmodificação de sua conceituação. Essas idéias estavam em choque com o relativismojuridico (§ 198) de Radbruch(§ 198), em moda depois de 1914, destacando o revezamento no tempo e no espaçodos valores jurídicos ao sabor de press<*-*>es históricas, e com a Teoria Pura do Direito(§ § 197 e 200) de Kelsen (§ § 197 e 200), uma das teorias mais importantes de nossoséculo. Nesse tempo, em 1929, entravam em crise a economia e a democracia. Asombra de uma nova guerra começava então a lançar-se sobre a Europa, que não

tardou a ser deflagrada, esgotando de 1939 a 1945 a Civilização Européia, como seestivesse sendo cumprida a profecia de Spengler: ` `A Decadência do Ocidente'' (DerUntergang des Abendlandes,1917-22). Mas as atrocidades e desumanidades pratica-das em muitos países com aparência jurídica, os horrores da guerra de 1939-45,culminando com o lançamento da bomba atômica, suas trágicas conseqüências, oprogresso ameaçador da tecnologia, da eletrônica e do poder econômico multinacio-nal, o agigantamento da empresa e do Estado, levaram juristas, por diferentescaminhos, a admitirem a validade de um direito superior ao legislador, que por eledeveria ser respeitado, fundado no valor da personalidade humana, impondo orespeito à vida e à liberdade. Assim é que juristas, outrora indiferentes à idéia dodireito natural ou que a consideravam mera ideologia, depois de terem sofrido oupresenciado as atrocidades praticadas com apoio na lei, passaram a admitir ` `valoresdo direito'', como fez de certa forma o próprio Kelsen, ou a existência de um direitosupralegal, como inequivocamente Radbruch. As ameaças que pairam sobre <*-*>Homem e a Civilização fazem com que osjuristas, por caminhos diversos, defendamum direito superior à lei. Chega-se a pensar em defin_-lo como a ` `lei da justiça'' ,que determina o que cotresponde a cada um, segundo a idéia de ordem social deconformidade com a natureza humana, que imp<*-*>em, por meio de coação, a sua estritaobservância (Bréthe de la Gressaye e Laborde-Lacoste), apesar de outros, que oadmitem, como é o caso de Dabin,' negarem a sua natureza jurídica, considerando-omera prescrição da Moral, não passando de ` `direito natural moral'', destinado ainspirar e a nortear o legislador, e não ` `direito naturaljurídico''. Os várioscaminhosque levam ao moderno direito natural, desembocaram, em 1948, na Declaração

7 Jean Dabin, jurista belga, nascido em 1889. Obras principais: I.nphilosophie de I 'ordrejuridique positif(1929), Doctrine générale de l'État (1939), Théorie générale du droit (1944) e Le droit subjectif(1957). Vide o nosso O Pensamento Jurídico Contemporâneo (São Paulo, Saraiva,1955).<012>

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Universal dos Direitos do Homem da ONU, que, em seu art.1", prescreve nasceremtodos os homens "livres e iguais em dignidade e direitos", devendo, por seremdotados de razão e consciência, ` `comportar-se fraternalmente uns com os outros''. No momento em que até a ficção científica estabelece as ` `leis da robótica''(Azimov), protetoras do Homem, que prescrevem nada dever fazer o robot queprejudique o Homem, os juristas, por caminhos diferentes, se voltam para uma idéiaque tem sido constante na História do Ocidente: a do direito natural.

193. CONTRATUALISMO JURÍDICO

Eis a corrente que encontra no consenso entre os membros da sociedade, ouseja, no contrato social, a origem do direito e do Estado. Movimento que distingueo estado natural, originário, em que teriam vivido os homens sem qualquer

vínculode subordinação a autoridade política alguma, do estado social, criado contratual-mente. Essa teoria, conhecida como Teoria do Contrato Social, é um dos frutos dojusracionalismo dominante nos séculos XVII e XVIII. Serviu de ideologia políticapara fundamentar a Revolução Francesa ou ao menos para legitimar a oposiçãoao absolutismo político. Fortaleceu-se ao se opor ao Ancien Régime (§ 186, n"11), que a motivou e garantiu a sua presença no cenário cultural da Europa deentão; exauriu-se, dando lugar às teorias do Estado de direito (Estado subordinadoà lei) e à teoria da autolimitação do Estado (Estado submetido ao direito por elemesmo criado), bem como à promulgação das Declaraç<*-*>es de Direitos das Revo-luç<*-*>es Americana e Francesa, que tornaram lei muitas das prescriç<*-*>es queosfundadores da teoria contratualista sustentavam ter origem contratu<*-*>l. O acolhimen-to dessa teoria naquela época deveu-se a um fenômeno cultural que se poderiachamar de contratualismo, que, segundo Sorokin,s é a característica fundamentalda Sociedade Européia dos séculos XIX e XX. Nesses séculos, diz Sorokin, aSociedade Ocidental baseou-se em pactos, tanto no plano econômico, com seu` `sistema capitalista'' fundado em ` `contratos entre partes livres'', como no político,que, eliminando as autocracias, instituiu o governo eleito contratualmente, ` `desti-nado contratualmente a respeitar os direitos inalienáveis do cidadão, suas liberdades,sua igualdade e seu individualismo''.Mas, que se deve entender por teoria do contrato social?

8 Pitirim Aleksandrovich Sorokin,jurista e sociólogo russo, nascido em I 899, radicado nos Estados Unidos, onde faleceu em 1968, como professor da Universidade de Harvard. Em russo publicou uma Teoria Geraldo Direito (1920). Dedicou-se nos Estados Unidos à sociologia da civilização, defendendo a idéia da flutuação, dentro de cada civilização, de três tipos básicos de cultura: religiosa, científica e mista. Obra fundamental: Social and Cultural Dynamics (1937-1941). Consultar o cap.11 do nosso livro Teorias Sociológicas (Rio, Forense Universitária,1972, 3a ed.).

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Por doutrina do contrato social entende-se, como dissemos, a que explica oEstado e o direito por um pacto social, pelo qual os homens teriam limitado seusdireitos naturais em troca de segurança, proporcionada pelo Estado. Diferentes sãoas teorias clássicas do contrato social como a de Hobbes, Locke e Rousseau. Os trêsadmitem um ` `estado natural'' anterior ao Estado, porém, para Hobbes,9 no primeiroimperariam a insegurança, a guerra e a lei da força (bellum omnium contra omnes),enquanto, para Locke, nesse estágio o direito natural garantiria relativamente apropriedade; no entender de Rousseau, imperariam a perfeição e a felicidade. Arazão do contrato social, assinala Hobbes, é a paz social; segundo Locke,'o aproteção da propriedade; enquanto para Rousseau, está na vontade geral (damaioria), obstáculo ao abuso do poder. O contrato social instituiu, segundo Hobbes,o governo forte consentido, ou seja, o absolutismo político, domesticador dabestialidade humana e instaurador da paz social; para Locke, o governo respon-sável, com supremacia do Parlamento, formulando leis, escolhendo juízes inde-pendentes, garantindo a propriedade, e, no entender de Rousseau," assegurou aigualdade, a liberdade e o governo submetido a leis, que deveriam ser assim a

expressão da vontade geral. Assim, o contrato social objetivava justificar, comHobbes, o absolutismo real; com Locke, o capitalismo e o parlamentarismo; ecom Rousseau, o liberalismo e a república. No caso de Hobbes, o contrato socialexplica a origem dos direitos individuais; no de Locke, os protege, ampliando-os;enquanto no de Rousseau, transforma os direitos naturais em direitos civis. As doutrinas contratualistas influíram não só na Revolução Inglesa (1688-89),como, também, na Revolução Francesa. Kant (§ 197), inspirado em Rousseau, negaa historicidade do contrato social, considerando-o pressuposto lógico do "Estadodedireito", isto é, hipótese necessária à fundamentação do governo submetido à lei. Na

9 Thomas Hobbes, filósofo inglês, nascido em 1588, falecido em 1679, defendeuo empirismo, encontrando nas sensaç<*-*>es a fonte do conhecimento. Foi defensor ardoroso do utilitarismo. Obras principais: Elements of Natural Law (1640) e Leviatã (1651).10 John Locke, filósofo inglês, nascido em 1632, com sua obra Two Treatises ofGovernment (1690), lançou as bases da ideologia liberal. Opôs-se a Hobbes (1588-1679), ao sustentar não terem os homens, com o contrato social, renunciado a seus direitos fundamentais à liberdade, à vida e à propriedade, mas, ao contrário, procuraram garanti-los e dar a razão de serem respeitados pelos governantes. O contrato social não teria sido celebrado para criar o govemoeficaz, mas o Estado de direito, ou seja, o poder limitado por leis. Morreu em 1704.11 Jean-Jacques Rousseau, filósofo e literato francês, nascido em 1712, deixouuma obra fundamental: Du Contrat Social ou Principes du droit politique (1762), em que concilia aliberdade individual com as limitaç<*-*>es inerentes à vida social. A idéia central dessa obra é a criação do Fstado protetor da liberdade e garantia da igualdade entre os homens. Nas idéias de Rousseau inspiraram-se os redatores da Déclaration des droits de 1'homme. Iníluíram elas também em Kant. Motra em 1778.<012>

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História há notícia de pactos sociais, como a Magna Carta'2 e a Petition of Rcghts'3redigida pelo Parlamento inglês, aceita pelo rei, limitando o poder real. Na Antigüi-dade, em Atenas, nobres e plebeus celebraram um pacto para terminar a guerra civil,escolhendo Sólon" como árbitro e legislador, que, com suas leis, abriu caminho paraa democracia ateniense. '5 A partir dos anos 60 o neoliberalismo incorporou o pacto social em suaproposta filosófica e política como condição possibilitadora de reformas sociais.Destaca-se nesse posicionamento um professor de Harvard, John Rawls, com o livroA Theory of Justice (1972). Rawls faz depender o pacto social do consenso emtorno de uma idéia da justiça, que, garantindo a liberdade, admite como toleráveisas desigualdades sociais e econômicas, desde que razoáveis, resultantes da escassezde bens e do reduzido número de posiç<*-*>es de mando, e desde que seja condiçãode uma ordem social que ofereça vantagens para todos e que seja aberta a todos.Tanto para Rawls, como para Kant e para os contratualistas o contrato social nãoé um fato histórico, mas condição hipotética da sociedade aberta.

194. IDEALISMO JURÍDICO

Eis outra corrente tradicional, que, tendo suas origens em Platão,'<*-*> atingiu comHegel o seu ponto culminante, tendo a ela aderido filósofos ejuristas, em sua maioria qalemães. Fora da Alemanha, em nossa é oca na Itália merecem desta ue Croce eGentile's pela originalidade.

12 Documento imposto pelos nobn's ingleses, em 1215, a João Sem Terra, que o promulgou. Assegura os direitos e as liberdades da Igreja, as liberdades individuais, bem como proibe a prisão sem processo regular e imp<*-*>e o julgamento dos cidadãos por seus pares (Júri), isto é, da mesma posição social do acusado (vrde § 178).13 Documento do direito público inglês, assinado em 1628 por Carlos I, sob pressão do Parlamento, redigido por Cooke, que, limitando o poder real, impôs o primado do direito. É o primeiro documento que deu supremacia ao Parlamento (vide § 178).14 Sólon, legislador ateniense, nascido em 640 a.C., falecido em 558 a.C. De origem nobre, foi chamado por nobres e plebeus para, como árbitro, reformar a legislação. Foi bem sucedido em sua obra, redigida com base no princípio ` `nadaem excesso'', inclusive nas penalidades. Prescreveu em suas leis o respeito do povo aos seus govemantes, que deveriam estar submetidos às leis.15 Os Estados Unidos resultaram do consenso de treze colônias.16 Platão, filósofo grego, nasceu em Atenas, no ano de 428 a.C. Deixou 28 Diálogos, dos quais dois são importantes para o direito: RepGblica e Leis. O primeiro trata do Estado, que teria surgido da necess<*-*>dade que têm os homens de viverem em sociedade, governado pelos mais sábios, ou seja, pelos filósofos. Moireu em 347 a.C.17 Benedetto Croce, filósofo italiano, nascido em 1866, falecido em 1952. Escreveu uma RiduZione dellafilosofia del diritto allafilosofia dell'economia (1907). Economia para Croce não é formada de bens e interesses materiais, mas sim atividade espiritual, voltada para o concreto (individual), tendo por objeto o útil (individual ou social), que seria o motor do direito.18 Giovanni Gentile, filósofo italiano, nascido em 1875, falecido em 1944. Para o direito é impohante

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Introdução ao Estudo do Direito

O idealismo pode ser entendido também como a doutrina dos ideais docomportamento humano e das criaç<*-*>es culturais (direito, Estado etc.). Nesse sentido,poder-se-ia aqui incluir a Cidade de Deus, de Santo Agostinho,'9 modelo para a"cidade dos homens", a Cidade do Sol (1623), de Campanella (1568-1639), ou,ainda, a Utopia (1516), de Thomas More (1478-1535), formas utópicas de socieda-des políticas. Concebível também como a doutrina que só reconhece realidade àsidéias. Esse é o idealismo de Platão contido na sua Teoria das Idéias, expostaprincipalmente nos diálogos Parmenides e Repicblica (Livro VII), apresentando omundo conhecido como cópia imperfeita de idéias universais e absolutas, para eleaúnica realidade. Finalmente, o idealismo, como teoria do conhecimento, é a doutrinado alcance do saber, centrado no ` `espírito' ', no ` `eu'', na ` `consciência''ou nas

representaç<*-*>es espirituais. Nesse sentido, é a doutrina dos dados da consciência,sobre os quais deve recair a reilexão f'ilosóf'ica, bem como a consideração dessesdados e da atividade espititual, que os cria, como constitutivas da realidade ou, melhor,da realidade por excelência. Nessa última acepção, o idealismo jurídico é a doutrinavoltada para o interior do homem, para a sua consciência, em busca do processoespiritual universal criador daexperiênciajurídica ou da idéia originária desencadeadoradesse processo, sempre presente na mente humana, modelador do direito. Mas o idealismo, que admitiu o poder ilimitado da atividade espiritual, princi-palmente darazão, modeladora darealidade independente daexperiência, eclipou-segraças a Kant (vcde § 197), revolucionador da Filosof'ia, convicto do alcance limitadoda mente, relativamente independente da experiência (idealismo transcendental).Porém, com Fichtez" voltou-se para o idealismo subjetivo, em que a autoconsciênciado ` `eu'' é o pressuposto do conhecimento das ` `coisas '' e da compreensão da` `cultura''. Esse idealismo abriu caminho para o idealismo absoluto de Hegel. De Hegel emanou também o culturalismojurídico (§ 197) esboçado por Kohlet(1849-1919). Na obra de Hegel também se inspiraram Marx (§ 199) e, em nossaépoca, Julius Binder, Mayer, Croce, G. Gentile, F. Battaglia, W. Cesarini Sforzaeo penalista Giuseppe Maggiore, além de outros. Por isso, é legítimo dizer-se que

sua obra Ifondwnenti dellafilosofia del diritto (1916). O direito seria objetivação de um dos momentos do poder de decisão, sem natureza psicológica, mas como uma das manifestaç<*-*>es do espírito.19 Santo Agostinho, padre e filósofo catblico, nascido em 354, é o mais afamado filósofo do período patristico. Sofreu a iníluência de Platão. Defende em sua obra máxima, De civitate Dei, a subordinação do Estado ao Papado, intérprete das nocmas da civistas Dei. Faleceu em 430.20 Johann Gottlieb Fichte, filósofo alemão, nascido em 1762, falecido em 1814. No tocante ao direito, considera o Estado o ` `direito natural realizado'', destinado a tutelar a liberdade individual. Para o direito, importante é a sua obra: Fundamentos do direito natural ( 1796).<012>

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He<*-*>el encerra em sua obra o modelo mais completo e perfeito de idealismojurídico, o primeiro sistema ilosófico do direito, quiçá o primeiro e último. Para Hegel,z' o direito é a manifestação de um processo espiritual de natureza dialética. É uma das fases desse processo característico do espírito. Para ele, o mundo cultural é formado de etapas progressivas, resultantes desse processo espiritual, ou seja, da Idéia em processo de objetivação e purificação, sempre em devenir. Sendo, no entender de Hegel, a realidade histórica objetivação de Idéias (espírito), encon- trar-se-ia também em devenir, por força do processo dialético, apresentando-seem formas diferentes nos vários momentos do devir histórico. Daí, a uma idéia (tese)

opor-se outra idéia (antítese). Esse conflito, que é permanente, é a condição das ` `sínteses' ', que, apesar de mais completas do que os opostos que as condicionam,não seriam o termo final do devenir histórico, pois logo que constituídas geram asua contrária, passando, desde então, a ser uma ` `tese'' que provoca outra diversa(antítese), que por sua vez dá lugar a nova "síntese", e assim indefinidamente, emperseguição do absoluto. A ` `síntese'' conservaria dos contrários, isto é, da ``tese''e da ` `antítese'', o que de melhor há neles, passando a ser a base necessária para acriação de uma terceira idéia. A negação em Hegel tem, portanto, valor positivo, construtivo, condição deaperfeiçoamento do pensamento, da Cultura e da História. Do exposto, a Idéia, segundo Hegel, enriquecida em cada síntese, provocariaoutra idéia, que, por sua vez, engendraria outra, modificando-segradativa e qualita-tivamente graças ao poder criador do espírito. Destarte, o processo histórico, desde que iniciado, seria formado de momentos,criados por um movimento dialetizante, em que cada um deles diferenciar-se-iaqualitativa e quantitativamente de seus momentos anteriores. O pensamento e omundo estão sujeitos a um processo de dialetização indefinida. Estão em constantetensão, conflito, movimento. Nesse processo, o ` `racional é real e o real é racional' ', escreveu Hegel noprefácio de sua Filosofia do Direito (1821), no sentido de a realidade históricasercriação da razão. Isto não importa na racionalidade da realidade, por ser ela emgrande parte irracional, mas só na possibilidade da irracionalidade, provocadoradasíntese, que é predominantemente racional. Mas, tanto racionalidade como irracio-nalidade, são históricas, express<*-*>es de um contexto histórico.

2I Georg Wilhelm Friedrich Hegel nasceu em 1770, em Stuttgart. Professoruniversitário desde 1811. Defensor do idealismo absoluto e do panlogismo. Obras fundamentais: Fenomenologia do espirito ( I 807), Ciência da lógica ( 1812-16), Enciclopédia das ciências filosóficas ( 1817) e Filosofiado direito (1821). Morreu em Berlimem 1831.

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Introdução ao Estudo do Direito

Essas idéias foram aplicadas ao direito. A dialética do direito tem, em Hegel, por ponto de partida a moralidade(espírito subjetivo), momento do processo em que motivaç<*-*>es, liberdade e felicidade individual predominam. O processo histórico provocaria o momento dialético oposto (antítese), resultante de necessidades individuais de ordem material e econômica, bem como de necessidades e interesses comuns, pondo fim à confusão originária da moral com o direito, permitindo o aparecimento deste. Da oposição entre esses dois momentos, sob o impacto dos interesses individuais (de ordem material e econômi- ca) teriam surgido as formas fundamentais do direito privado: propriedade, em que a vontade se manifesta como poder sobre a coisa; contrato, em que é poder

sobre outrem, e ilicito, poder lesivo a outrem gerador da reparação. Opor-se-iam a essas formas individualistas de objetivação os primeiros graus de eticidade (sínteseda moralidade com o direito), ou melhor, as objetívaç<*-*>esjurídicas ditadas pornecessi-dades e interesses comuns, tais como a ` `família'' e a ` `sociedade civil''. Dochoqueentre o indivíduo, protegido pelo direito privado, e o ` `coletivo' ', modelado porformas incompletas de eticidade, forma-se a síntese mais ampla: o Estado - a maiscompleta forma de subordinação do individual ao social. O Estado é a racionalizaçãopor excelência; a forma mais socializante dos interesses e das necessidades indivi-duais, da família e da comunidade. O Estado, éscreve Hegel, é a conciliação douniversal com o particular. É a síntese absoluta dos contrários, possibilitadoradacoexistência de interesses opostos, individuais e sociais, em uma ordem pacífica, masinstável, garantia única da liberdade. Fora do Estado não há lugar, segundo Hegel, paraa liberdade. Acima do Estado não há poder algum, só a História, como tribunalsupremo e cenário das objetivaç<*-*>es históricas da Idéia do Estado. O direito naturalnão tem lugar nesse sistema filosófico por reduzir Hegel o direito aos costumes e àsleis, ou seja, ao direito do Estado, expressão da vontade estatal, à qual Hegel submete odireito internacional. Dá proteção à pessoa em sua dignidade, desde que proceda de <*-*>conformidade com os objetivos históricos do Estado. Daí definir a personi icaçãocomouma forma de objetivação em miniatura do Estado. Por isso, para Hegel, a ` `personifi-cação e o respeito às demais pessoas'' são as idéias centrais do direito. Mas a vontade estatal não é algo de abstrato ou arbitrário: é a manifestação doespírito do povo, interpretada historicamente pelo Estado. Nesse sentido, é ` `vontadecomum'' ou coletiva. Eis aí um sistema idealista puro e fechado, que explica efundamenta o direito,a sociedade e o Estado por um processo espiritual de desdobramento de uma idéiaessencial e inicial. Com Hegel, autor do mais perfeito e mais completo modelo.deidealismojuridico, encerramos este parágrafo, que, com rápidas pinceladas, preten-demos ressaltar o fato de o Homem não se conformar em ser mero espectador domundo, insistindo em participar de sua criação e em transformá-lo à sua imagem ,isto é, construí-lo em função de uma idéia ou ideal de grande potencialidade criadora,que no fundo retrata o seu ser no mundo.<012>

362Paulo Dourado de Gusmão

195. HISTORICISMO JURÍDICO

O historicismo tem suas raízes em Hegel (§ 194), com sua compreensão idealistada História, sempre em devenir, bem como reflete o espírito evolucionista, frutodoprogresso das ciências físico-naturais, dominante no século XIX, que influiu nasciênciassociais, principalmente na Sociologia de Spencer (§ 199) e de Marx (§ 199), esteúltimo,mais historicista, vendo a História resultante do entrechoque de classes

sociais.Movimento que desabrocha no século XIX, afastado do racionalismo, defendendonovas técnicas para o estudo da História. Caracteriza-se pelo seu aspecto negativo,pois é antimetafísico, anti-racionalista, contrário à imutabilidade. Substituiu a Pro-vidência por determinismos sociais ou naturais; a razão, pela intuição ou pela"compreensão" (Dilthey), decisiva no processo de conhecimento do histórico.Descobre novas chaves capazes de decifrar a História e acaba, com Dilthey,` `historiciando'' tudo. Com os neokantianos (§ 197), afasta do estudo da História os` `juízos de valores'', por lhe caberem os ` `juízos de realidade'', que não julgam osfatos históricos, mas os compreendem. Por isso, com Rickert (1862-1936), reduz ohistórico a fenômenos individuais e singulares, cuja singularidade deve ser desco-berta pelo historiador. Todas essas idéias brotaram na Alemanha no século XX.Desde então, foi enterrada definitivamente a concepção ptolomaica da História, quea submete ao progresso linear, criticado com arte por Spengler ( 1830-1936), em suaobra Decadêncca do Ocidente ( 1917-22), em que defende a t<*-*>se de a Europa ser omodelo mais perfeito de civilização. Idéia abraçada depois por Toynbee, Sorokin eAlfred Weber.

Todo esse movimento conduziria ao posicionamento relativista, naturalista enacionalista em relação ao "mundo histórico", em processo de mudança indepen-dente da razão. Cada fato histórico passa a ser considerado expressão da mentalidadedo povo, e não fruto da ação de um "herói" ou de qualquer homem de gênio, mas dodestino do povo como um todo.

Nesse clima espiritual surgiu o Historicismo Jurcdico, movimento principal-mente alemão, que, em suas origens, se caracterizou por se opor à codificação (§86)e à Teoria do Direito Natural (§ 192) e por defender a formação e transformaçãoespontânea do direito, marcada pelo "espírito do povo" (Volksgeist). Para osque formaram a Escola Histórica do Direito, o direito é um fenômeno espontâneoda sociedade, manifestado primeiro como costume, que, para os seus corifeus, é asua fonte por excelência, por corresponder mais fielmente aos ideais e necessidadesda sociedade em dado momento histórico e por acompanhar de perto as transforma-ç<*-*>es dos demais fatos históricos (econômicos, éticos, políticos etc.). Como costume,e não na forma de lei ou de código, dificultaria o descompasso entre o direito easociedade. Por isso, para essa escola, o costume é a fonte principal do direito,devendo prevalecer sobre a lei. Op<*-*>e-se ao jusnaturalismo (§ 192), que coloca forada História, ao menos em parte, o direito. Insurge-se contra a codificação, por

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Introdução ao Estudo do Direito

petrificar o direito, interrompendo a sua evolução. Os seus principais defensoresforam romanistas, tais como, Hugo, Savigny e Puchta, que na história do povoalemão encontraram o espírito do direito alemão, na história dos demais povos, oespírito de seus respectivos direitos. O direito, dizem Savigny,zz Hugoz3 e Puchta,z4 origina-se espontaneamente,imperceptível, juntamente com as demais obras culturais, espelhando o espírito dopovo (Volksgeist). O direito assim concebido deveria ser o objeto de estudo dosjuristas por corresponder mais à realidade histórica, ao contrário do direito artificial-mente criado pelo legislador.

De geração espontânea, o direito não é, entretanto, para essa escola, fenômenosui generis, sem qualquer relação com os demais fenômenos socioculturais, pois,como nota Savigny ao tratar da origem do direito positivo, o direito, em todas asnaç<*-*>es, tem caráter próprio, peculiar, correspondendo ao espírito de cada povo, damesma forma que o idioma e os demais costumes. Tanto o direito como os restantesfatos socioculturais ` `estão indissoluvelmente" interligados, apesar de aparente-mente parecerem que não. Assim, o direito, para a Escola Histórica, encontra-seinterligado com os demais fenômenos culturais de cada povo. Daí o seu caráternacional e histórico que impedem-no de ser imutável. O progresso do povo e a evolução de sua cultura são acompanhados pelodireito, desde que não legislado, por petrificá-lo a lei. ` `O direito progride com oprogresso do povo, fortalecendo-se com ele, entrando em decadência e perecendoquando a nação perde sua personalidade", di-lo Savigny. Desta forma, a sorte dodireito estaria ligada ao destino da nação. Produto histórico e nacional, acompanhao futuro da nação. Por esse motivo, cada povo e cada nação, tendo seu gênio próprio,sua concepção de mundo, sua cultura e seu espírito, teriam seu próprio direito.Espelho do "espírito do povo", não deve ser codificado, por ser incodificável o<*-*>espírito da nação, pois só não sendo codificado pode acompanhar as modificaç<*-*>esespontâneas do gênio que o modelou e o mantém fiel às tradiç<*-*>es nacionais. Eis omotivo de a Escola Histórica sustentar ser o direito consuetudinário a forma mais

22 Friedrich Karl Savigny, romanista alemão, fundador, com o seu discípulo Hugo, da "Escola Histórica do Direito'', nasceu em 1779. Professor universitário desde 18Q8. A sua grande obra é o Sistema do direito romano atual (1815). Morreu em Berlim a 25 de outubro de 1861.23 Gustav Hugo, romanista alemão, nasceu em 1764. Professor universitário desde 1788. Fundador, com Savigny, da "Escola Histórica do Direito' '. Combateu a teoria do direito natural dgfen- dendo a vinculação do direito ao espírito do povo. Faleceu em 15 de setembro de 1844.2fl Georg Friedrich Puchta, discípulo e sucessor de Savigny na Universidade deBerlim, nasceu em 1798. Pandectista alemão. Sustentava ser o direito consuetudinário a fonte do direito por excelência, por deconer diretamente das convicç<*-*>es do povo. Morreu em Berlim a 8 de janeiro de 1846.

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perfeita do direito por se amoldar espontânea e constantemente às flutuaç<*-*>esdo` `espírito do povo''. Admitindo a natureza histórica do direito e defendendo a sua formação espon-tânea, independente da vontade do legislador; reconhecendo a correspondência dodireito à realidade histórica, integrado na cultura de cada povo, bem como considerandoo costume como a fonte por excelência do direito, por expressá-lo fielmente, encontra-seno Hcstoricismo Juridico a origem do Sociologismo Juridico (§ I 99), que veremosdepois, da Sociologia do Direito e da moderna Ciência do Direito (§ 1"). Concluindo, para o historicismo, o fundamento do direito encontra-se nas

tradiç<*-*>es jurídicas de cada povo e na realidade histórica.

196. POSITIVISMO JU<*-*>lICO

O Positivismo Jurídico é a manifestação, no campo do direito, do positivis-mo,ou seja, da doutrina de Comte,zs na forma apresentada no seu Cours de Philo-sophie Positive (1852-54). Dando grande importância à ciência no progresso dosaber, restringindo o objeto da ciência e da filosofia aos fatos e à descoberta das leisque os regem, o positivismo pretendia ser a filosofia da ciência, ou seja, o coroamentodo saber científico. Excluindo de seu domínio a metafísica, acabou sendo o saberfundado nos fatos tout court. No domínio jurídico, pondo de lado a metafísica,definindo o direito positivo como fato, passível de estudo científico, fundado emdados reais, o positivismo jurídico tornou-se a doutrina do direito positivo. Nessesentido tem razão Bobbio quando diz ser o positivismo jurídico a corrente dopensamento jurídico para a qual ` `não existe outro direito senão aquele positivo''.Conseqizentemente,op<*-*>e-se à Teoria do Direito Natural (§ 192), bem como a todasas formas de metafísica jurídica. Por isso, a identificação até o século XIX, daFilosofia do Direito com a Fclosofia do Direito Natural, obrigou os positivistasasubstituírem-na pela Teoria Geral do Direito (§ 6o), idealizada pelos alemães, ou pelaAnalytical Jurisprudence, do inglês Austin, formuladas com base no direito positivo(§ 79). Fora da experiência, do fato ou do direito positivo, direito algum existe parao Positivismo Jurídico, que se caracteriza por identificar o direito positivo com o

25 Isidoc<*-*> Marie Auguste François Xavier Comte, ou, como é conhecido, Auguste Comte, nasceu a 13 dejaneiro de 1798, vindo a falecer em 5 de setembro de 1857. Criador do posiÃvismo, deve-se a ele, na prA.cisa observação de Cuvillier, a "noção de uma ciência positiva e autônoma dos fenômenos sociais", por Comte inicialmente denominada Fisica Social, e, depois, sociologia, termo que criou e empregou no Sistema de Politica Positiva. A Humanidade, seeundo Comte, é govemada pela lei dos três estados, passando do "estado teológico" ao "metafísico" e deste ao "positivo" ou científico, presidido pela ciência. Classiticou as ciências partindo da mais simples à mais eomplexa, culminando com a Sociologia, termo por ele criado. Obras principais: Cours de PhilosophiePositive (1830-42) e SystŠme de Polirique Po.sitive ou Traité de Sociologie (1851-54). Para maioresconsideraç<*-*>es, cap.1 da nossa obra Teorias Sociológicns, citada (v. nota 8).

,

365

Introdução ao Estudo do Direito

direito estatal (legislado ou jurisptudencial), considerando a experiência jurídica aúnica fonte do conhecimento iurídico; por ser antijusnaturalista, negando naturezajurídica ao direito natural; por ser antijusracionalista, negando o poder legislativo darazão, encontrando somente na vontade do legislador (positivismo jurídcco ale-mão, francês e italiano) ou do juiz, manifestada na sentença

(posctivismojicrídicoanglo-americano), a fonte imediata do direito, e por afastar os valores e o direitonatural da ciênciajurídica e da filosofia do direito, reduzida à síntese dos resultadosda ciência do direito. Identificando o direito com a lei ou com o código (positi-vismo juridico francês), com os precedentes judiciais (positivismo jurídico an-glo-americano), ou, ainda, com direito estatal, escrito ou não escrito (positivismojurídicoformal) ou, simplesmente, com o direito positivo tout court (positivismojuridico alemão), o positivismo jurídiso resultou, na França, no culto da vontadedo legislador e dos códigos, considerados sem lacunas. Desse culto resultou aescola de exegese (Aubry, Rau, Demolombe, Laurent, Bugnet etc.), apegadaaos textos, defendendo a subordinação do juiz à vontade do legislador (§I37). Já o positivismo jurídico alemão, acolhendo as liç<*-*>es do historicismojurídico ( § 195 ), não se preocupou com as relaç<*-*>es do direito com o legislador,mas em delinear a teoria do direito positivo, que, partindo dos direitos históricos,acabasse formulando as noç<*-*>es jurídicas fundamentais. A Teoria Geral doDireito (§ 6"), cujos conceitos básicos são devidos aos pandectistas alemães,2óentendida como teoria geral do direito positivo, resultou do emprego da metodologiacientífica ao direito. Construíram-na Merkel (1836-1896), Bierling (1841-1919) eBergbohm, sem nos esquecermos de Ihering, com seu clássico O Espirito do DireitoRomano (I 852), em que estão lançadas as bases da moderna ciência do direito. Jáopositivismo juridico inglês, reduzindo o direito aos costumes, aos precedentesjudiciais e à lei, independente de sua eticidade, de serem jastas ou injustas assuasprescriç<*-*>es, caracteriza-se também, principalmente com Austin,z' por ser a análise e =a sistematização do direito positivo, com o objetivo de formular os conceitos jurídicosfundamentais. Por isso, diz-se ser a Analytical Jurisprudence de Austin, afastadados ` `juízos de valor'', tendo por objeto o direito positivo, o embrião da Teoria Pura

26 Os pandectistas eramjuristas alemães, especializados em direito romano, que, do século XVII ao XIX, elaboraram a Teoria Geral do Direito Civil, até hoje dominante, que serviu de base à formulação dos demais conceitos jurídicos. Deram origem à corrente do pensamento jurídico alemão denominada concéptualismojuridico oujurisprudência dos conceitos, que faz depender o conhecimento cientifico do direito de conceitosjurídicos básicos, elaboradospelos pandectistas partindo do direito romano, bem como considera não ter lacunas o direito, por ser possível nele encontrar-se sempre a solução para qualquer problemajurídico.27 John Austin, jurista inglês, fundador da Escola Analitica de Jurisprudência (Escola lurídica Analítica), nasceu em 1790. Estudou na Alemanha, tendo sofrido a influência dohistoricismo alemão (§ 195). Op<*-*>e-se ao direito natural. Obras principais: The Provinceof Jurisprudence (I 832) e Lectares on Jurisprudence or the Philo.sopliy Positive Law (1863). Morreu em I 859.<012>

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Paulo Dourado de Gusmão

do Direito de Kelsen. Aliás, uma das obras de Austin denomina-se Philosophy ofPositive Law. Daí alguns estudiosos incluírem Kelsen no positivismo jurídico,quando, a nosso ver, o seu lugar certo é no neokantistiio jttrídico (§ 197), queveremos adiante. Finalmente, no positivismo jurídico enquadram-se todas as teorias que consi-deram expressar o direito a vontade do legislador, definindo-o como comando ereduzindo-o ao direito do Estado. Esse positivismo tem sido rotulado depositivismoestatal ou positivismo normativista, por dar preponderância à lei sobre as demaisfontes do direito (positivismofrancês, alemão e italiano) ou ao precedente judicial(positivismoanglo-americano) e por fazer depender o direito do Estado. Para essaversão do positivismo, o direito é identificado com o direito estatal: é o criadoou reconhecido pelo Estado, manifestação portanto, de sua vontade. Jelli-nek,2R apesar de admitir a possibilidade de algumas comunidades estabeleceremos seus próprios direitos independente do Estado, como a Igreja e outrassociedades, não se afastou dos postulados positivistas, porquanto, para ele, ouo Estado formula o direito ou o reconhece. No positivismo insere-se tambéma teoria da autolimitação do Estado de Jellinek, que, reduzindo as fontes dodireito ao Estado, submete-o ao seu próprio direito, que a qualquer tempo porele pode ser derrogado, substituído por outro, por ele mesmo criado, ao qual sesubmeterá. Há uma forma eclética de positivismo, denominada positivismo crítico,defendida por Vanni,z<*-*>conciliadordo positivismo com o criticismo3o de Kant (§ 197).Esse positivismo esforça-se por formular uma teoria do direito fundada na expe-riênciajurídica, colocando em questão o resultado por ela alcançado, para então poderaceitá-lo como válido. Apegada mais à experiência resultante da aplicação judicialdo direito positivo, ou seja, interessada nas origens e nos efeitos sociais do direitopositivo, temos outra corrente eclética, o positivismo sociológico. O maior repre-sentante desse movimento é o norte-americano Pound (§ 199), defensor daSociological Jurisprudence. Nesse positivismo encontram-se dois dos primeirossociólogos do direito, Sumner Maine (§ 199) e Post,3' bem como o próprio Vanni.

28 Georg Jellinek, jurista alemão, teórico do direito público, nascido em 185 I, falecido em 191 I, considera ser o direito o ` `mínimo ético''. Obra pcincipal: Teoria Geral do Estndo (1900).29 Icilio Vanni, jurista italiano nasceu em 1855. Principal representante do positivismo jurídico italiano. Professor universitário desde 1889. Obras principais: O problema dafilosofia do direito na filosofia, na ciência e na vida de nossos tempos (1890), O direito na totalidade das suas relaç<*-*>es (1900) e Giç<*-*>es de Filosofia do Direito (1904), obra póstuma. Morreu em 1903.30 Criticismo, doutrina filosófica que, tendo por ponto de partida a filosofiade Kant, sustenta o alcance limitado da Razão. Preocupa-se com as condiç<*-*>es lógicas possibilitadoras da experiência e com as limitaç<*-*>es do conhecimento científico.31 Albrecht Hermann Post, jurista e etnólogo alemão, nasceu em 1838, desaparecido em 1895. Foi um dos estudiosos dos fenômenos jurídicos entre os povos primitivos. Fundador da escola eMológicadejurisprudência. Escreveu vários livros sobrejurisprudência etnológica. Mostrou-se

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Introdução ao Estudo do Direito

Atualmente nessa corrente poder-se-ia encaixar o inglês Hart,32 conciliador de Austincom Kelsen, à luz da sociologia. Para ele, todo ordenamento jurídico pressup<*-*>e umanorma de reconhecimento (rules ofchange) que contém critérios, aceitos no meiojurídico, da autoridade de qualquer texto jurídico. Observada, torna obrigatória,dotada de eficácia, qualquer norma jurídica, sem necessidade de recurso a qualquerfonte fora do direito. Nesse ponto, a "regra de reconhecimento" de Hart assemelha-seà "norma fundamental" de Kelsen. Temos ainda o positivismo lógico, também denominado neopositivismo oudoutrina do Circulo de Viena que, preso à análise da linguagem e à experiência comofonte de todos os "significados", defende a natureza instiumental e convencionaldaverdade em virtude de serem limitadas as potencialidades da razão. Dentro dessa linhaencontra-se Bobbio'3 concentrando o objeto da ciência do direito na análise dalinguagem jurídica, como linguagem rigorosa, possibilitadora do discurso jurídicorigoroso. Ultimamente, porém, Bobbio aderiu a Hart, pois, como o professor inglês,admite encontrar-se o fundamento do direito em uma norma jurídica pressuposta, fontede validade das demais, de natureza atributivo-imperativa, que atribui ` `competência aopoder constituinte para legislar'' e que imp<*-*>e a todos a obrigação de obedecê- lo. Eis aí várias formas de positivismo jurídico, que, em síntese, se caracterizapor ser antimetafísico e a antijusnaturalista, por ser empirista; por afastar doestudocientifico do direito os valores e por considerar o direito positivo o único objeto daFilosofia e Ciências Jurídicas. As várias formas de positivismo jurídico encontramno fato social, na autoridade, nas raz<*-*>es de Estado, no poder ou nas necessidadesdecorrentes das relaç<*-*>es humanas ofundamento do direito.

sempre interessado nas ` `leis'' da evolução juddica. O direito, segundo ele, teria por fonte o instinto de conservação e o de reprodução, manifestado na luta pela sobrevivência. Surge de forma imperceptível, espontaneamente, cristalizando-se em costumes, pata, depois, concretizar-se em leis.32 L. A. Herbert Hart,jurista inglês, professor em Oxford, nasceu em 1907. Sofreu a iníluência de Austin e de Kelsen. Renovador do pensamento jurídico inglês. Exereeu intluência sobreBobbio, como se pode notar na obra deste último, Teoria dell'ordiriamento giuridico. Obra ptincipal: The Concept of law (1961 ).33 Noberto Bobbio, jurista italiano, nascido em 1909, é um dos renovadores da filosofia do direito na Itália. Obras principais: Scienza e tecnica del diritto (I 934), L'analogianella logica del diritto (1938), La consuetudine comefatto normativo (1942), Introduzione allafilosofiadel diritto (1950), Teoria della scienza giuridica (1950), Teoria della i:orma g`ridica (1958), Teoria dell'ordinamento giuridico (1960), Studi per una teoria generale del diritto (1970). Sofreu Bobbio também in<*-*>luência de Ross (§ 201) ao considerar o direito como ordenamento jurídico institucionalizado, cujas normas disciplinam o uso da força física. Atualmente

Bobbio, senador vitalício, dedica-se mais à ciência política. Sobre Bobbio vide nosso livro: OPensamento Jaridico Contemporâneo (S. Paulo, Saraiva) e a nossa Filosofia do Direito (Forense,1994, ps.:167-171).<012>

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197. NEOKANTISMO JU<*-*>ICO Movimento jurídico cujas origens encontram-se no meio universitário alemãodo século XIX, motiva.do pela pregação de volta a Kant. Apareceu, em 1886, comLange no campo filosófico, seguindo o dito de Windelband: ` `compreender Kant ,indo além dele''. Não tem unidade, apesar de nele se destacarem duas ` `escolas'' : a` `logicista" de Marburgo, tendo por catecismo a Critica da Razão Pura de Kant,preocupada mais com o problema do conhecimento, na qual se situa o juristaStammler, e a de Baden, mais apegada à Critica da Razão Prática, interessadanos problemas éticos. O neokantismo, no domínio jurídico, desponta em 1896, porém a maioria deseus frutos só aparece no século atual. Preocupou-se em restaurar o prestígio dafilosofia do direito, abalada com a crise do direito natural (§ 192), bem como emreagir ao positivismo (§ 196), ao empirismo e ao cientismo então em voga no campojurídico. A questão da possibilidade do direito como ciência tornou-se para osseus corifeus o problema número um do pensamento filosófico-jurídico. É uma das mais importantes direç<*-*>es desse pensamento, bastando, para com-provar essa afirmação, apontar o nome de três juristas neokantianos: Stammler,Radbruch e Kelsen. Os seus seguidores não pretendem dizer como o direito ` `é'', mas como ` `épossível'', estando assim interessados na possibilidade da própria experiência jurí-dica. Por isso esse movimento é antipositivista, porquanto o positivismo jurídico,como vimos, mantém-se dentro da experiência jurídica sem discuti-la. Não define odireito justo, por considerar impossível exauri-lo em um conceito. Porém dá os elemen-tos para, na experiência, encontrá-lo. Interessa-se pelas condiç<*-*>es lógicas possibilitado-ras do conhecimento jurídico. Circunscreve o papel da razão nesse conhecimento, bemcomo delimita o da experiência, sem cogitar da matéria do direito, fornecida pelaexperiência, mas só de suaforma lógica, dada pela razão. Assim, as suas raízes estãoem Kant, cujas idéias passaremos a examinar rapidamente.

A possibilidade lógica da Ciência como fotma de saber é o problema a que sepropôs resolver Kant 34 A Ciência é possível? Responde-nos: sim, desde que admi-

34 Immanuel Kant, o "primeiro dos filbsofos modemos", no dizer de Kruger, nasceuem K6nigsberg, em 1724. Apesar de racionalista, reagiu ao dogmatismo, desconhecedor de limites da Razão. A sua obra fundamental, Critica da rzucw pura (1781), indaga as possibilidades da Razão no processo de conhecimento, enquanto sua Critica da razãoprática (1788) se preocupa com o estabelecimento dos limites da razão no campo ético. Para o direito, especialmente importante são os seus Fundamentos da metafisica dos costumes (1785), cuja primeira parte é dedicada a<*-*><*-*><*-*> <*-*>'rincipios metafisicos do direito, sem nos esquecermos de seu trabalho Sobre a paz perpétun ; <*-*>

'95). Morreu em 1804. O Kantismo renasceu com os neokantianos no século XIX.

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tamos a anterioridade lógica de certas idéias, ou conceitos, tais como, por exemplo,"causalidade", "espaço-tempo", "quantidade" etc., por terem todos os fenômenoscausa, serem situáveis no espaço e no tempo e serem mensuráveis. Sem a idéia de"causalidade" ou a de "espaço-tempo" a Física seria logicamente impossível, igual-mente a Matemática sem a de "quantidade". Assim, Física e Matemática, como asdemais ciências físico-naturais, são possíveis, por conttlbuir a razão com idéiaslogicamente a priori que tornam possível organizar logicamente os fenômenos, istoé, conhecê-los. A moral é possível? Indaga Kant. Responde-nos: sim, desde.que admitamos aanterioridade lógica da idéia de dever. Que prescreve essa idéia? Manda agir demaneira que a nossa ação possa ser convertida em lei universal. Exemplificando,se quisermos matar, podemos, porém matar, não podendo ser convertida em leiuniversal, não é boa ação. Conseqüentemente, a razão não prescreve um código ético,sendo inLa<*-*><*-*>z de indicar a boa ação em si, fornecendo-nos apenas o critério para,em qualquer situação, dela se ter consciência e poder por ela conduzir-se. E o direito justo, como defini-lo? A razão dá ao jurista o critério ou métodopara formulá-lo em qualquer situação histórica. Qual é esse critério? A idéia dedireito. Que prescreve essa idéia? Manda exercera liberdade sempre que conciliávelcom a liberdade das demais pessoas, isto é, admite a liberdade na medida em quepossa se transformar em<*-*>lei universal da sociedade, ou seja, de qualquer sociedade.35Transpondo essa máxima para o campo jurídico, pode-se dizer ser justo o direitosempre que impuser limites ao uso da liberdade exclusivamente para tornar possívela liberdade de todos. Desta fornta, o direito justo é logicamente possível, segundoKant, desde que respeita a citada máxima. ' Stammler,3ó engajado no kantismo, preocupou-se com o problema da possibi-lidade lógica da Economia. A Economia é possível? Responde-nos: sim, desde Que <*-*>admitamos a anterioridade lógica do direito, defmido por ele como a vinculação depessoas para atingir finalidades. Assim, o capitalismo, o feudalismo, o socialismo

35 No campo jurídico, Kant sustenta ser a coação essencial ao direito, apesar deser obstáculo à liberdade, por ser o meio de garantir a coexistência das Iiberdades. Defendeu,como vimos (§ 193), a idéia de contrato social, não como fato histórico, mas como condição lógica possibilitadora do ` `Estado de direito'' e do govemo responsável.36 Rudolf Stammler,jurista e filósofo alemão, vinculado ao neokantismo da ` `Escola de Marburg'', cujos sequazes se interessaram com a teoria do conhecimento, nasceu em 19 áe novembro de 1856. Professor universitário desde 1884. Preocupou-se em estabelecer uma teoria do conhecimento jurídico. Obras principais: Direito e ecorsomia (1896), Teoria do direitojusto (1902), Teoria da ciência do Direito (19I 1) e Tratado de filosofia do direito (1921). Moireu em 1938. Ver o cap. Ido nosso O

Pensamento Juridico Contemporâneo (São Paulo, Saraiva), sobre Stammler e a nossa Filosofn do Direito (Forense,1994), ps.155-160.<012>

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etc. seriam logicamente possíveis porque só o direito pode impor forma de vincula-ção de pessoas, com interesses diversos, mas engajadas nas metas desses sistemaseconômicos. A empresa, por exemplo, apesar de ser conceito econômico, só é fatosocial na medida em que recebe a ` `forma'' jurídica, sendo assim também noçãojurídica. E o direito justo, é possível? Sim, diz Stammler, desde que admitamos aanterioridade lógica da idéia do direito, com a qual se identifica, que prescreve atemporalidade da vinculação jurídica e o respeito da dignidade da pessoa. A razãonão tem a fórmula do direito universalmentejusto, mas só o critério ou método paraformulá-lo. Conseqizentemente, pode haver mais de um direitojusto, apesar de haverpara cada situação histórico-social um só. Por isso, segundo Stammler, o direitojustoé o direito natural de conteúdo variável, na medida em que possibilita uma comu-nidade de homens livres em situaç<*-*>es históricas diferentes. A possibilidade da ciência do direito positivo é o tema de Kelsen.3' Admite asua possibilidade desde que despida de elementos que não sejamjurídicos, ou seja,desde que elaborada exclusivamente com noç<*-*>es jurídicas e desde que fundada

37 Hans Kelsen nasceu em Praga, então na Boêmia austríaca, em 1881, faleceu em 1973, nos Estados Unidos. Professor universitário em Viena de 1911-30, depois, em Colônia, de 1930-33. Exilado, lecionou em Genebra de 1933-40, radicando-se depois nos Estados Unidos, na Universidade da Califórnia. A sua teoria foi exposta, pela primeira vez, em 1911, em seus Problemas Fundamentais da Teoria do Direito e do Estado. Em 1925, aplicou-a à Teoria Geral do Estado,como ordem jurídica. Em 1934, porém, apresenta-a de forma simplificada em sua Teoria Purado Direito, ligeiramente modificada, na segunda edição, aparecida em 1960. Finalmente, nosEstados Unidos, publica Teoria Geral do Direito e do Estado (1943), afastando-se de sua primitiva pureza metóCica. Fundador, e principal representante, da ` `Escola de Viena'', formada por A. Verdross, R. A. Metal, J. L. Kunz, Rundstein, Weyr, à qual aderiram ojurista inglês Hart(vide § I96) e o jurista italiano Bobbio (Teoria do Ordenamento Juridico,1960), que faz depender a validade do ordenamento jurídico de uma norma pressuposta: ` `norma de estrutura ou de competência'', disciplinadora da produção de outras normas, que tem natureza atributivo-imperativa, assim enunciada: o poder constituinte é autorizado a emanar normas obrigatórias paratoda a coletividade que está obrigada a observá-las. Vide, sobre o aspecto normativista da teoria de Kelsen, o § 197. O kelsenismo, principalmente na foima abraçada pela Escola de Viena (Verdross, Kunz etc.), defen- dendo a supremacia do direito intemacional (§§ 90 e 91) sobre o direito

nacional (§ 90), por depender a validade deste último de ser reconhecido como legítimo pelos demaispaíses da comunidade internacional, na forma prescrita pelo direito internacional, sustenta a idéia de a normafundamental do direito positivo não ser a "primeira Constituição", da qual decorre o dever de obedecer às demais constituiç<*-*>es, mas a do direito internacional,que prescreve o dever de respeitar os costumes internacionais. Norma capaz de integrar o direito nacional com o internacional, possibilitando a unidade do direito, isto é, o sistemajurídico logicamente rigoroso. Maiores consideraç<*-*>es sobre Kelsen encontradas no cap. III do nosso O pensamento Juridico Contemporâneo (São Paulo, Saraiva,1955) e em nossa Filosofia do Direito (Forense,1994), ps. : 161-166, vide o § 200.

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Introdução ao Estudo do Direito

na idéia de norma fundamental (Grundnorm), que não se encontra em legislaçãoalguma, mas hipótese que dá validade a qualquer norma ou ato (sentença ou atojurídico), sem recurso a elementos estran?ios ao direito positivo, isto é, à Moral(justiça), à Política (ideologia) ou à Sociologia. Procedendo assim, o jurista poderiaconstruir a autêntica ciência do direito, ou melhor, a ` `teoria pura do direito'' (eineRechtslehre). Que prescreve a norma fundamental? Determina o dever de respeitara Constituição tout court, fonte de validade de todas as normas desde queformuladas com observância de suas regras, bem como a validade de todos os atosjurídicos de direito privado ou de direito público que nela se fundarem. Mas, em Kelsen, a validade, decorrente da norma fundamental, completa-secom a efetiva observância das normas dela derivadas, ou seja, completa-se com aeflcácia de todas elas.

Seguindo o raciocínio dos neokantianos, Del Vecchio3R encontrou no "conceitodo direito" a condição lógica possibilitadora do saber jurídico, porquanto sem essanoção confundir-se-ia o direito com as demais normas sociais. Assim, para ele,o conceito do direito, qualificador de determinadas normas, em, todos os tempose lugares, como jurídicas, tornaria possível a Ciência do Direito. Como vemos, os kantianos39 preocuparam-se com o problema do conhecimentojurídico e com a possibilidade lógica da Ciência do Direito.

198. CULTURALISMO JURÍDICO

Movimento originariamente alemão, atualmente muito difundido na AméricaLatina. Marcado pelo historicismo e, de certa forma, pelo relativismo. Tem por pontode partida a distinção de origem kantiana entre natureza, valor e cultura. A cultura,como objetivação de valores ou sentidos, exige, segundo os defensores desséposicionamento, método de conhecimento diverso do empregado nas ciências

38 Giorgio Del Vecchio, jucista italiano, fundador em 1921 da Rivista Internazionale de Filosofia del Diritto, nasceu em 1878. Fundador da Società Italiana di Filosofia del Diritto. Professorjubilado da Universidade de Roma, da qual foi também reitor. Foi presidente do Institut International de Philosophie da Droit (Paris). Fundador do Institute de Filosofia del Dirino daUniversidade de Roma. Os seus trabalhos foram traduzidos para o alemão, francês, inglês, espanhol,

português e até para o japonês. Obras principais: Ipressupostifilosofici della nozione del diritto (1905), Il conceao del diriao (1906), II concetto della natura e ilprincipio del diritto ( 1908) e Izzioni di Filosofia del Diritto (1930), com mais de dez ediç<*-*>es na Itália Mo<*-*>reu em 1970. Referimo-nos às tendênciasjusnaturalistas de Del Vecchio no § 192. Consideraç<*-*>es maiores sobre Del Vecchio em nosso O pensamento Juridico Contemporâneo, cit.39 Da cozreite neokantiana, mais interessada com os valores do dire_to, ou seja,com a idéia do direito, do que com o conceito do direito, como é o caso, por exemplo, de Radbnich, trdtaremos no parágrafo seguinte, dedicado ao culturalismojuridico.<012>

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físico-naturais. O direito, para essa corrente, pertence ao reino da Cultura, e não aoda Natureza (physis). Está no mundo criado pelo Homem, na História, modeladopela cultura, na qual está integrado, dando-lhe "sentido". Por tal motivo, o seuconhecimento depende, como dissemos, de metodologia própria, diversa da especí-fica das ciências físico-naturais, interessadas em explicar os fenômenos por suascausas, enquanto as ciências culturais, em compreendê-los por seus "sentidos" ou` `valores''. Por isso, as ciências culturais buscam signifccados dos fenômenossociais, pois só em função deles adquirem sentido as obras culturais, dentre as quaiso próprio direito. Dentro dessa linha, o culturalismojurídico distingue no direito doisplanos: o do sentido e o do suporte do sentido. Compreende os fenômenos sociocul-turais, dentre os quais o direito, como fatos dotados de sentidos. Nega ser o direito parteda "Natureza", bem como serexclusivamente "valor", pois pertence à "Cultura", ouseja, ao reino construído pelo Homem (legislador, jurista, sociedade), em funçãodeuma situação histórico-social, realizando ` ` valores'' para atingir razoavelmente umafinalidade. Para o culturalismojurídico, defendido inicialmente por Kohler,"<*-*>' depoi s, maiskantianamente, por Lask," o direito está situado em uma terceira realidade: a daCultura, composta de objetos que podem participar da Natureza, como, por exemplo,a madeira da cruz, o pano da bandeira nacional ou o mármore da Vênus de Milo,mas que tem um sentido ou significação que lhes muda a natureza. O direito, disseRadbruch,'2 é a realidade a serviço do valorjurídico. Defendeu, entre as duas guerrasmundiais, o relativismojuridico, segundo o qual depende de decis<*-*>es históricas, enão da razão, a predominância na ordemjurídica de uma das três finalidades básicasdo direito (justiça, seguridade, bem comum). Depois da derrota da Alemanha,Radbruch, retornando do exlio em Londres, retificou suas idéias, assumindo, decerta forma, posição jusnaturalista.43 Na América Latina o culturalismo jurídico é o traço característico do pensa-mento de três grandes juristas: Recaséns Siches (teoria vitalista do direito), que não

40 Josef Kohler,jurista alemão, nascido em 1849, falecido em 1919. O direito como fenômeno cultural,

consttuído com elementos fomecidos pela Civilização, é a idéia central de sua obra.41 Emil Lask, jurista e filósofo neokantiano alemão, falecido em 1915, em combate na Primeira Guerra Mundial. Nasceu em 1875. Obra principal no campojurídico: Filosofia do Direito (1905).42 Gustav Radbruch, penalista e filósofo do direito alemão, nasceu em 1878. Lecionou em Heidel- berg, de onde foi afastado no regime nazista, exilando-se em Londres. Retornou, em 1945,a Heidelberg. Autor do projeto de Código Penal alemão de 1922. Obras principais: Introdução à Ciência do Direito (1910) e Filosofia do Direito (1914). Morreu em 1949. Maiores consideraç<*-*>es sobre Radbruch vide nosso livro O Pensamento Juridico Contemporâneo, cit. ea nossa Filosofia do Direito, cit. ps.155-160.43 Devem ser lembrados entre os culturalistas alemães: Mayer, Munche e Sauer.

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é latino-americano, mas que no nosso continente se notabilizou, Carlos Cossio(teoria egológica do direito) e Miguel Reale (teoria tridimensional do direito).Recaséns Siches,'<*-*> filosofou sobre o direito guiado pelas idéias de Ortega yGasset 45 ,o filósofo espanhol da "razão vital". Orteguianamente afastou o direito do reinoda"natureza física", como também da "natureza psicológica" e do "reino dos valores",situando-o no humano, como projeção histórica e inacabada da vida humana sob aforma de norma, formulada segundo valores sob a pressão de fatores sociais. Nocrepúsculo da vida aderiu à natureza tridimensional realeana do direito. Já CarlosCossio,'<*-*> partindo da fenomenologia de Husserl, define o direito como objetocultural cujo substrato pertence à natureza humana, constituído por condutas,consideradas manifestaç<*-*>es da liberdade humana, cujo sentido ou significaçãoédado pela norma, estabelecedora do limite da liberdade. Definindo a norma comoa medida de liberdade reconhecida a cada um, acompanhada de sanç<*-*>es para ocaso do ilícito, afastou Cossio do direito o princípio de causalidade, por serincompatível com o princípio de liberdade que o rege. Finalmente, para MiguelReale,4' o direito é a síntese histórica de dois elementos pertencentes a realidades

44 Luís Recaséns Siches, jurista, filósofo e sociólogo espanhol, nasceu em 1903. Deu grande impuLso ao pensamentojurídico-filosófico latino-americano. Lecionou na Espanha e nos Estados Unidos. Natu- ralizado mexicano, passou a lecionar na Universidade Nacional do México. Obras principais: Direc- ciones contempornneas delpenswnientojuridico (1929), Fstudios de Filosofia del Derecho (1935). Vrda Hwnana, Sociedad y Derecho (1940), l,ecciones r!e Sociología (1948), Nueva Filoso,fi'a de la Interpretacrón del Derecho (1956), Tratado General de Sociologia (1958) e Tratado General de Filosofia del Derecho (1959). Vide o nosso O Pensamento Juridico Contemporâneo, cit.45 José Ortega y Gasset, filósofo espanhol, nascido em 1883, falecido em 1955.Sofreu a intluência da filosofia alemã, principalmente do historicismo alemão. Sem negar o valor da razão, preocu- pou-se com a sua ` `vitalização''. -46 Carlos Cossio,jurista argentino, fundador e presidente do Instituto Argentino de Filosofía Juridica

y Social, nasceu em 1903. Professor de Filosofia do Direito da Universidadede Buenos Aires. Criador da ` `Teoria Egológica do Direito'', de fama mundial. Deu grande impulso ao pensamento filosófico-jurfdico latino-americano. Obras principais: La Teoria Egológicadel Derecho y el Concepto Jaridico de Libenad (1944), El Derecho en el Derecho Judicial (1945) e Teoria de la Verdad Jaridica (1954). A teoria que idealizou exerceu profunda iniluência em vários juristas. Dessa intluência resultou a Escola Egológica, formada por E. R. Aftallion, L. Camelli, M. A. Copello, J. Cueto Rua, F. Garcia Olano, Werner Goldschmidt (com idéias próprias), L. F. Herrera, Miguel Herrera Figueiroa, J. F. Linares, L. E. Nieto Arteta, E. Ramos Mejia, E. J. Ure, José Vilanova, A. Gioja, R. Entelmann, L. Landaburu, G. R. Canió. Entre nós, Machado Neto e Julio C. Raffo sofreram a intluência de Cossio. Para maiores consideraç<*-*>es vide nosso O Pensamento Juridico Contemporâneo, cit.(cap. V) e nossa Filosofia do Direito (1994) cit., ps.173-175.47 Miguel Reale, jurista e filósofo brasileiro, psofessor de Filosofia do Direito da Universidade de São Paulo, nasceu em 1910. Fundador e diretor do Instituto Brasileiro de Filosofia (1949) e da Revista Brasileira de Filosofia (1951). Autor da primeira teoriajuiídica brasileira, ` `Teoria Tridimensional do Direito'', de fama intemacional. Deu grande impulso ao pensamento filosófico brasileiro em<012>

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diferentes, ` `fato'' (econômico, geográfico, demográfico etc.), e ` `valor'' (justiça ,ordem, garantia etc.), concretizados dialeticamente na norma jurídica. Assim, anorma jurídica, para ele, é a síntese ou unidade histórica resultante da integração,dinâmica e dialeticamente aberta a novas sínteses, de fato e valor, ou melhor, anorma resultante da ordenação dofato em função de valores. O direito, nesse sentido,é processo normativo, de natureza dialética, que, disciplinando o ` `fato'' segundo` `valores'', cria modelos jurídicos provisórios. Em resumo, o culturalismojuridico caracteriza-se por ser o movimento que:1", situa o direito no reino da Cultura; 2", integra-o em um todo cultural; 3", fá-loacompanhar a sorte da cultura em que está integrado, podendo emigrar para outra,quando moribunda a que o criou, como foi o caso do direito sumeriano ou do direitoromano; 4", faz depender o conhecimentojurídico de método diferente do aplicadoàs ciências físico-naturais; 5", entende o direito como realidade orientada por valores ,destinado a atingir finalidades; 6", define a estrutura do direito como compostademais de um elemento, sendo um deles pertencente ao reino da Natureza (conduta,pedra, papel ou bronze em que a norma está escrita ou gravada) e outro normativo,formulado em função de valores, carregado de sentido.

199. SOCIOLOGISMO JU<*-*>lICO

É a corrente do pensamento jurídico que, em função do fato social, explica odireito. Aplica o método sociológico e os resultados da Sociologia ao direito.

Mas,acima de tudo, e nisso engloba várias correntes, define o direito como fenômenosocial, independente do Estado. Em última análise não caracteriza o direito comonorma ou lei, mas como fato social. Desvincula o direito do Estado, def<*-*>inindo-ocomo fenômeno social, provocado por fatores sociais. Defende a idéia de que,espontânea e naturalmente, o direito se manifesta, historicamente, primeiro comocostume, cristalizando-se posteriormente em norma escrita, última etapa da estrati-ficaçãojurídica. Estratificação que se inicia sob a forma de usos, depois de costumes,de sentençasjudiciais, para, finalmente, tomar a forma dos códigos da Antigiüdade,consolidadores de costumes tradicionais. Não reduz as fontes do direito às estatais

nossa época. Obras principais: O Estado moderno (1934), Os Fundameritos do Direito (1940),Teoria do Direito e do Estado (1941), Filosofia do Direito (1954), Horizontes doDireito e daHistória (1956), Teoria Tr-idimensional do Direito (1968) e O Direito como Experiêrscia (1968)etc. l'residente da Comissão de Reforma do Código Civil. À teoria de Reale aderiram: CelsoLafer, Irineu Strenger, Oscar Barreto Filho, José Cretella )únior, Teófilo Cavalcante Filho e TercioSampaio Ferraz Filho, todos de São Paulo, Luís Luisi, do Rio Grande do Sul, e, em paite, o Autor(vide à frente a nota 72). No estrangeiro, Recaséns Siches, mantendo sua posiçãoorteguiana csuas antigas idéias, aderiu também à tiidimensionalidade de Reale. Foram traduzidas para o italianoe para o francês algumas de suas obras. Para maiores consideraç<*-*>es, o nosso O Pensamento JuridicoContemporâneo, cit. (cap. XI) e a nossa Filosoja do Direito (1994) cit., ps.177-183.

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e nem dá grande valor à redução do direito à lei. Admite o pluralismo jurídico, sejade direitos, seja de fontes do direito, todos e todas com o mesmo valor jurídico.Conseqüentemente, não faz o direito depender do legislador, motivo por que, nãocultuando a lei; combate o "fetichismo legal" da escola de exegese (§ § 137 e 196)e do positivismo estatal (§ 196). Considerando o direito como um dos fenômenos sociais, é compreensível que,inicialmente, os sociólogos se preocupassem com o problema da orcgem soccal dodireito, ou seja, com suas causas sociais e com suas manifestaç<*-*>es espontâneas. Eis porque, Montesquieu,4R em seu clássico L'Esprit des L4cs (1748), aparecido antes dodespontar da Sociologia como ciência autônoma, vislumbrou nas condiç<*-*>es geográ-ficas e demográficas as forças direcionais do direito, enquanto Marx,'y defendendoo determinismo econômico (materialismo histórico), no fator econômico encontroua força motora da ordem jurídica, destinando-a à satisfação dos interesses da classesocial dominante; já Gumplowicz,5" no conflito social (guerra ou revolução), encon-trou a origem do direito, expressão da vontade do vencedor; enquanto Ihering,5ipróximo dele, sustentou resultar o direito da luta, pois só quem luta por ele o

merece. Em todas essas posiç<*-*>es domina o monismo, tendo cada uma delas preferênciapor um dos fatores sociais, provocadores do fenômeno jurídico. Max Weber,5z comseus estudos histórico-comparativos, demonstrou depender do tipo de sociedade a

48 Charles Secondat, barão de Ln BrŠde e de Montesquieu, escritor e filósofo francês, nascido em 1689, falecido em I755.49 Karl Heinrich Marx, filósofo e economista alemão, nasceu em 1818. Sofreu a influência de Hegel (§ 191). Exilado primeiro em Paris, depois na Bélgica, fixou residência em Londres, onde faleceu em 1883. Obras principais: Contribuição à Critica da Economia Politica (1859) e O Capital (1867). Mas, para o d_reito, importante é a sua Contribuição à critica dafilosofia do direito de Hegel (1844). Vide nossa Teorias Sociológicas, cit. <*-*>50 Ludwick Gumplowicz, sociólogo ejurista polonês, nascido em 1838, falecido em 1909. Obras principais: Filosofia do Direito e do Estado (1877), Tratado de Direito Público (1891) e O conceito sociológico do Estado (1892).51 Rudolfvon Iheüng,juüsta alemão, nascido em 1818, falecido em 1892. Opôs-se à formação espontânea do direito defendida pela Escola Histórica (§ 192). Admite a evolução do direito impulsionada por contlitos de interesses.' `O direito", escreve Iheüng,"não é o princípio superior que rege o mundo; não é um fim em si, não passando de um meio para a realização de uma finalidade: a conservação da sociedade humana." Mas, quando essa finalidade está ameaçada, o direito socoire a sociedade, garantindo-a. Duas regras de ouro inspiram o direito, segundo Ihering: "deves afrmar teu direito lutando'', e ` `o fim é o cüador do direito''. Além da proteção da sociedade, a segurança e a ordem são outras finalidades do direito. A ` `máxima jurídica tem por escopo a segurança das condiç<*-*>es de vida social". Obras principais: O espirito do direito romnno (1852), A luta pelodireito (1872) e Ofim no direito (1877). Coube a Tobias Barreto tornar Ihering conhecido no Brasil.52 Max Weber, sociólogo alemão, nascido em 1864, falecido em 1920. Obras principais: Ética protestante e o espirito do capitalisnio (1901) e Ecoriornia e sociedade (1922, publicação pbstuma). Vide o nosso livro Teorias Sociológicas, cit.(cap.10).<012>

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força criadora de um dos fatores sociais. Criticando o determinismo econômico , aponta o aparecimento e desenvolvimento do capitalismo, organizado graças a seu; direito flexível, nas sociedades dominadas pelo protestantismo, ou melhor, pelo calvinismo, e não nas em que o catolicismo predominava, fato que, segundo Weber, demonstraria ter a ordem econômica sofrido nessas sociedades a influência da ética calvinista, que, ao contrário da Igreja Católica, não combatia a usura e o lucro. Conseqiiência: admitiu o pluralismo de fatores sociais do direito, posição quese

tornou dominante5na Sociologia e no sociologismo jurídico, na qual pontificou nos anos 30 Gurvitch, defensor da teoria do direito social, compreendendo o direito como expressão da experiência jurídica, fruto espontâneo de grupos e relaç<*-*>es socia<*-*>s, inspirado em valores, principalmente na justiça, que, para ele, éracionali- zação histórica dos valores éticos. Como tal, fatos sociais, que, na medida emque realizam um ideal ou um dos valores jurídicos, tornam-sefatos normativos, istoé , fatos que geram normas. Esses fatos, que não dependem do Estado, constituem as fontes pluralistas do direito. Gény,S' nessa linha de pensamento, aponta vários fatores (données) sociais criadores do direito: históricos (tradiç<*-*>es, costumes etc.), reais ou naturais (geográficos, econômicos, demográficos, psicológicos etc.), ra- cionais (postulados dajustiça) e ideais (aspiraç<*-*>es sociais, ideologias etc.), descober-

53 Georges Davidovitch Gurvitch, jurista e sociólogo russo, radicado na França, nasceu em 1894. Professor, até I918, da Universidade de Petrogrado, depois da de Tomsk (1919).Lecionou na Universidade de Praga (1921-24). Durante a guerra lecionou nos Estados Unidos.Morreu, em 1965, como professor da Sorbonne. Obras principais: L'idée da droit social (1932), Les temps présents et I'idée da droit social (I932), L'expériencejuridique et la philosophie plaraliste du droit (l935), Sociology of Law (1942), La vocation actuelle de la sociologie (1950), Dérerminis- mes sociaux et libené humaine ( 1955). Organizador, editor e colaborador do Traité de Sociologic (PUF,1958-60). Fundador e diretor dos Cahiers lnternationaux de Sociologie (a partir de 1946). Dirigiu os Archives de Philosophie du droit et de Sociologie Juridique, fundado, por ele com Le Fur, em 1931, órgão do "Institut Intemational de Philosophie du Droit et dc Sociologie Juridique" (1933). Gurvitch era um intelectual inquieto, que sempre se renovava. não se podendo dizer que o Gurvitch, que a morte nos privou, tenha sido a última etapa da evolução de umamente genial. A Filosofia e Sociologia Jurídicas e a Socíologia contemporâneas devem muito a ele. Para maiores consideraç<*-*>es, consultar nossos livros Teorias Sociológicas, cit. (cap.15), e O Peruamento Juridico Contempor"aneo, cit.54 François Gény, jurista francês, nasceu em 1861. Revolucionou a metodologia jurídica. Defendeu a ` `livre investigação científica do direito'' pelo juiz quando não houver norma aplicável ao caso subjudice e, com certo rigor, distinguiu a "ciência do direito", criadora da normajurídica, da "técnicajurídica", entendida como acte de formulá-la corretamente de modo a atender às suas finalidades. Morreu em 1938. Consultar os § § 2" e 137. Obras principais: Méthode d'interpréta- tion et sources du droitpositif( I 899) e Science et technique en droit privé positif( 1914-24). Vide o nosso livro O Pensamento Juridico Contemporâneo, cit.

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tos pela ciência do direito, transformados pela técnica juridcca em regrasjurídicas claras e precisas, organizadas sistematicamente. Além de darênfase aos fatores sociais do direito, o sociologismojuridico, desdeos seus primórdios, concentrou-se na lei ou leis da evoluçãojuridica. O ` `movimen-to de todas as sociedades progressistas - escreveu, ainda no século XIX, SummerMaine55- tem sido uniforme, caracterizar:do-se pela dissolução gradual das depen-dências familiares com o fortalecimento das obrigaç<*-*>es individuais". Definindoaquelas como status, posição social da qual decorrem, independente da vontadeindividual, obrigaç<*-*>es, enunciou a seguinte ` `lei do progressojurídico: movimentodo status para o contrato' '. É a conhecida Lei de Maine. Spencer,5ó também no séculoXIX, depois de defender o organicismo,s' caracterizou a evolução jurídica pelaprogressiva conquista da liberdade, enquanto Morgan5s a identificou pela passagemdo matriarcado (§ 184) para o patriarcado (§ I 84). O fundador da moderna Sociologia,Durkheim,59 não deixou de ser influenciado pela idéia de progresso, pois admitiuterocorrido no começo da civilização, em todas as sociedades, o processo de passagemdo direito penal para o direito privado, ou seja, do direito que mais eficazmente tutelaa solidariedade social para aquele em que é mais fraca a influência dela. Duguit,<*-*>'

55 Henry James Summer Maine, etnólogo, sociólogo, historiador e jurista inglês, nascido em 1822, falecido em 1888. Fundador da Escola Histórica Inglesa. Obra principal: Ancient Law ( I 861).56 Herbert Spencer, sociólogo e filósofo social inglês, nascido em 1820, falecido em 1903. É um dos fundadores da Sociologia. Sobre suas idéias consultar nosso Teorias Sociológicas. Obra principal: Principles of Sociology (1876-96).57 Teoria sociológica de Spencer e de outms sociólogos, que traça paralelos entre o organismo humano e a sociedade, encontra-se suma<*-*>iada em nossos livros: Manual de Sociologia e Teorias Sociológicas.58 Lewis Henry Morgan, antropólogo norte-americano, nascido em 1818, falecido em 1881. Obra principal : Ancient Society (1877).59 Emile Durkheim, sociólogo francês, nascido em 1858, falecido em 1917. Fundador do Année Sociologique (1897) e chefe da escola sociológicafrar,<*-*>esa. Deve-se a ele a modema Sociologia. Para ele, o direito é o símbolo da solidariedade social, que no direito penal estaria garantida, principalmente nos laços mais fortes dessa solidaiiedade,motivo porque é dotado de sanç<*-*>es repressivas, enquanto o direito privado, defendendo s<*-*>s laços mais frágeis, te<*-*>a só sanç<*-*>es restitutivas. para as idéias de Durkheim, consultar nossos livros: Manual de Sociologia e Teorias Sociológicas. Obras principais: De la division du travail socral (1893) e RŠgles de la méthode sociologique(I 895).60 Léon Duguit, constitucionalista francês, nascido em 1859, falecido em 1928.Sofreu iníluêncip da "escola sociológica francesa". Combateu, entre as duas guerras, mundiais, o individualismo que marcou a legislação francesa. Para ele o direito privado deve desempenhar também função social, principalmente o direito de propriedade. O conteúdo do direito

deveria ser temperado pela solidariedade social, que deve imperar entre os membros das comunidades. Defendeu a substi- tuição da concepção individualista do direito subjetivo pela funcional: nãohá direito puro, mas direito-função, ou seja, direito-dever. Obra fundamental: Traité de Droit Constitationnel (1911), mas devem ser lembrados: L,e droit social, le droit individuel et les transformatioi=s de 1'Éta<*-*><012>

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sob a influência de Durkheim, formulou a seguinte norma fundamental, que, seobservada, tornaria justo o direito: ` `nada fazer que atente contra a solidariedadesocial em qualquer uma de suas formas e fazer tudo o que for de natureza a realizá-la,perpetuá-la e desenvolvê-la''. O direito que a respeitasse asseguraria melhor a ordem ea paz sociais, desde que atribuísse aos homens e grupos papéis sociais de conformi-dade com ela. As transformaç<*-*>es do direito caminham, segundo Duguit, para odireito social. O próprio Max Weber não se libertou do mito do progresso, ao definiras transformaç<*-*>esjurídicas como ten<*-*>jp por motivação a mais completa racionaliza-ção do direito, alcançada pelo direito europeu, excessivamente técnico, formal,destinado a quase mecanicamente solucionar os litígios dando pouca margem dearbítrio aosjuízes. Sorokin,b' por sua vez, nega haver evolução linear do direito, masexclusivamente flutuaç<*-*>es de valores do direito dentro de uma mesma civilização,sendo o direito científico, racionalizado, tipo em decadência do direito europeuvigente, a ser substituído por outro de mais acentuada tendência ética.<*-*>2 Envelhecidos os mitos do evolucionismo e do progresso do direito, bem comoo monismo dos primeiros tempos, postos à prova pela desumanidade da era indus-trial, o sociologismo jurídico fixou-se no relativismo e pluralismojuridicos. Aliás,Gierke (1841-1921), um dos fundadores do movimento sociológico, admitia apossibilidade de todas as sociedades organizadas criarem seus próprios direitos,porentender não ser monopólio do Estado a produção jurídica. Essas idéias, em 1939,foram renovadas por Gurvitch, que, como vimos, ergueu a bandeira do pluralismojurídico, defendendo a teoria da formação social dos direitos, tendo por fonte fatosnormativos, que realizam um dos sentidos históricos dajustiça, correspondendo cadaum deles a formas de sociabilidade e a tipos de grupos organizados, entre os quaiso Estado com o seu direito petrificado. A preocupação com o direito social, ou seja, com o direito em correspon-dência mais direta com a realidade social, que para atender às necessidades sociaisde forma razoável, sofre o impacto de novos valores e de novos ideais sociais,provocou, em 1899, o aparecimento do movimento do direito livre (Freirecht),de que já falamos (§ 137), defendido, na França, por Gény, Saleilles, E.Lambert, Cruet, Gurvitch, Le Roy e Morin, enquanto na Alemanha e na

( 1911 ) e Transformations générales dtt droitprivé depuis de Code Napoléon (1912). Vide o nossolivro <*-*> Pensamento Jaridico Contemporâneo, cit.

61 Dados bibliográficos foram indicados na nota 8 deste capítulo.62 Todas essas doutrinas estavam ligadas ao evolucionismo, posição dominante na

infância da Sociologia. Entende-se por evolucionismo a teoria que admite a continuidade das transformaç<*-*>es sociais, partindo de formas simples para formas mais complexas. Vide nossos livros: Manual de Sociologia e Teorias Sociológicas.

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Áustria principalmente por Kantorowiczó3 e Ehrlich,<*-*>' além de outros, como Isay eFuchs. Uns, como os franceses, admitindo, moderadamente, a criação do direito pelojuiz somente no caso de lacuna (§ 139), e a atualização do velho direito pelainterpretação atualizadora dos textos legais, outros, como os germânicos, defenden-do a livre criaçãojudicial do direito não só no caso de lacuna, como, também, quandoinjusto ou desatualizado fosse o direito. Todos convencidos da Revolta do direitocontra os códigos, título sugestivo de um opúsculo de Morin, bem como no dizer deCruet, de "não dominar o direito a sociedade, refletindo-a" somente. Procurandodescobrir a realidade social que se esconde atrás da capa petrificada do direitopositivo e admitindo a formação espontânea do direito, temos a Teoria da Institui-ção de Hauriou,ó5 Renard e de Delos, abraçada por muitos juristas-sociólogos deorientação católica. Segundo Hauriou e Renard, é próprio do homem transformar idéiassociais em organizaç<*-*>es com o objetivo de realizarem-nas e perpetuarem-nas em ummeio social. Tal organização, estabelecida e garantida por um corpo de normas,destinadas a servir a uma idéia social e a lhe dar continuidade histórica, é o que elesdenominam de instituição. Na definição de Hauriou, instituição é a "idéia de obra ou deempresa que se realiza e perdura juridicamente em um meio social' ', enquanto paraRenard é a ` `comunhão dos homens em uma idéia''. Que idéia? A de obra comum,norteada pela justiça, que deve ser observada pelo legislador. O direito, criadoparaservi-la, quando lhe der duração efetiva e torná-la eflcaz, alcança a sua fmalidade,cabendo-lhe nesse caso o rótulo de direito social, identificado com a instituição. Finalmente, entre as duas guerras mundiais (a de 1914 e a de 1939), preocu-param-se muitosjuristas em encontraruma forma de dar mais legitimidade ao direito,fazendo-o corresponder mais aos ideais e às necessidades sociais. Dessa preocupa-ção resultou o movimento denominadojtcrisprudência dos interesses, encabeçado porPhilipp Heck,<*-*> defendendo a obrigação de o juiz indagar os ` `interesses causais da

63 Hermann Ulrich Kantorowicz,jurista germânico, nascido em 1877, falecido em 1940 na Inglaterta. Obras principais: A luutpela ciêtuia do direito (1906), em que defendeu sera ciência do direito a mais autêntica fonte do direito, e A defirtição do direito (1958), publicação póstuma Ver o nosso O Pensamento Jaridico contemporâneo, cit.64 Eugen Ehrlich, jurista austrlaco, nascido em 1862, falecido em 1922, é um dos fundadores da modema Sociologia Jurídica e um dos artífices da teoria do direito livre. Sustenta encontrar-se na

sociedade e não no Estado, o centro de gravidade da vida jurídica. Obras principais: Fundamentos da sociologiajaridica (1913) e A lógicajurídica (1925). Ver o nosso O Pensamerrto Juridico Contemporâneo, cit.65 Maurice Jean Claude Hauriou, jurista-sociólogo francês, de tendência católica, cultor do direito público, nasceu em 1856, vindo a falecer em 1929. Para a teoria da instituição a sua obra fundamental é La théorie de I 'institation et defondations (1925). Ver o nosso livro O Pensamento Juridico Contemporâneo, cit.66 Philipp Heck, jurista alemão, nascido em 1858, vindo a falecer em 1948. Obra fundamental:<012>

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lei" de modo ajulgar, com espírito social, o conflito subjudice, ou seja, de modoa descobrir o direito socialmente mais adequado ao caso, enquanto nos EstadosUnidos, Poundb' com a sua socir<*-*>gicaljurisprudence, pensava que o juiz deveriaadotar a interpretação do texto legal que melhor resultado social produzisse e quemenor atrito social provocasse. Como vemos, ambas as posiç<*-*>es são moderadas,buscando bases ou soluç<*-*>es sociais para o direito positivo ou estatal. São assimformas depositivismosociológico defendido além de Pound e de Heck, porjuristasde várias nacionalidades, como Gény, Duguit, Santi Romano, por exemplo.

A partir da década de 50, o movimento sociológico concentra-se mais na funçãosocial do direito, na sociologia do saberjurídico e nas raízes sociais da criminalidadee de outras condutas de desvio. Deixou de ser "sociologia de gabinete" para, nomeio social, pesquisar as bases e os reflexos sociais do direito legislado e jurispru-dencial e das sentenças, bem como verificar a influência no direito dos fatos sociais,tornando-se assim útil ajuízes, juristas, estadistas e legisladores.bs

Z00. NORMATIVISMO JURÍDICO

É a corrente que, vindo do kantismo, sofrendo a influência do cienticismo,op<*-*>e-se à influência da Moral, da Política, da Religião, da Psicologia ou daSocio-logia na Ciência Jurídica. Para isso, segundo os seus defensores, deve ela tratar oseu objeto com pureza metódica, como ele é, e não como deve ser. Afastar dela oselementos ` `metajurídicos'' ; despir o seu ` `objeto'' (direito) de tudo que não fossejurídico, até reduzi-lo à pura "norma", é o que pretendem Kelsen (§ 197), criadordesse movimento, e a Escola de Viena (Verdross, Merkl, Kunz, Rundstein,Weyer), por ele fundada. A nornia, escreve Kelsen, ` `em estado de repouso, comosistema estabelecido", ou em "seu movimento, na série de atos de sua criação eaplicação' ', é o objeto exclusivo da Ciência Jurídica. Reduz, assim, esse movimentoo direito à norma ou a um conjunto de normas. Parte Kelsen da distinção entre ` `ser''

Interpretação da lei ejurisprudéncia dos interesses (1933).

67 Roscoe Pound,jurista norte-americano, nascido em 1870, falecido em I 964, lecionou em Harvard <*-*>University. Sofreu a intluência de Ihering. Estudou na Alemanha. Define o

direito como "engenharia social" (Social engineering), destinada a dar primazia a determinados interesses sociais e individuais com o mínimo sacrifíco dos considerados por ele como secundários. Obra princ,ipal: An Introduction to the Philosophy of Law (1922). Vide o nosso livro O Pensamento Juridico Contemporâneo, cit.68 Sobre a moderna Sociologia Jurídica, seus propbsitos e temas, principalmente depois de 1945, consultar: La sociologia del diritto. Problemi e ricerche (Milão,1966), organizada por Renato Treves, bem como Nuovi svilappi della sociologia del diritto (Milão,1968), também organizada por Renato Treves. Os dois primeiros números da revista Sociologia del Diritto(Milão,1974), dirigida por Renato Treves, são dedicados aos temas e às funç<*-*>es da Sociologia Jurídica.

381

Introdução ao Estudo do Direito

(Sein) e ` `dever-ser'' (Sollen). Não admitindo a possibilidade lógica de se deduzirum do outro, opôs à Natureza a Norma. Daí opor-se ao jusnaturalismo e aopositivismo que do ` `ser'' (natureza, situaç<*-*>es sociais, manifestaç<*-*>es de poder)pretendem deduzir o ` `dever-ser'' (direito). O direito, não prevendo a conseqiiênciainevitável para o caso de sua transgressão, mas o que deve ocorrer se violado for oseu preceito, pertenceria ao reino do ` `dever-ser''. Por isso, o princípio de causali-dade, que explica o que fatalmente ocorre em face de uma causa (Se A é B), éestranho ao direito, regido pelo princípio de imputabilidade: "Se A deve ser B",juízo hipotético, que prevê a condição (A) para aplicação da sanção (B) ao trans-gressor da norma. O conhecimento e a legitimação do direito como norma para essacorrente se faz através de normas jurídicas, tout court. Por isso, e só por isso, aCiência do Direito é normativa<*-*>or ser a norma o seu objeto e por conhecê-lo atravésde normas. Ciência distinta da tica, cujo objeto também são normas, por ser o temada Ciência Jurídica a norma aplicável coativamente, enunciadora de umjuízo hipotético,que estabelece a condição para a aplicação de uma sanção, enquanto a Ética prescrevenormas livremente observadas, jamais coativamente aplicadas. O normativismo, reduziu-o à unidade, dando-lhe por f_<*-*>ndamento a "normafundamental" (Grundnorm) de natureza jurídica, que as sistematiza em ordemhierárquica, de modo a que, de um ato jurídico ou de uma sentença, possa-se a elachegar (norma fundamental) através de uma cadeia de normas, em que uma serve defundamento à outra. Nessa concepção do direito estratficado em pisos, a validadedeuma norma depende de ela estar inserida em uma ordemjurídica válida, e nada mais. Avalidade das normas de grau imediatamente inferior decorre da validade da norma deplano imediatamente superior, e assim, sucessivamente, até à norma suprema. Conse-qizência, anormafundamental é a única forma que Kelsen encontrou para dar validadeàs demais normas que dela derivam ou que nela tenham a sua fonte, sem recorrer afontesmetajurídicas. Dentro desse raciocínio, a validade de uma norma depende de ser válidà

a norma que lhe serve de fundamento e a desta, da imediatamente superior até a normafundamental, que se pressup<*-*>e ser válida para pensar cientificamente o direito. Unifi-cando assim o direito, teoricamente o normativismo exclui a possibilidade lógicadepluralismo jurídico. Só existe um direito: todo direito é estatal (Staatrecht), na medidaem que se funda em uma norma fundamental reconhecida pelo direito internacionalcomo válida. O Estado, para essa corrente, nada mais é do que uma ordem jurídica, ouseja, uma forma de direito. Conseqiientemente, não há distinção de "Estado deDireito'' do Estado fora do direito, por ter qualquer Estado forma jurídica. O normatismo jurídico de Kelsen e da Escola de Viena é tão radical que, alémde identificar direito e Estado, não distingue o direito subjetivo do direito objetivo,berzi como desconhece a noção de pessoa jurídica, considerada centro ou pólo denormas. É a teoria mais jurídica das teorias jurídicas, construídá exclusivamente comelementos jurídicos. Por isso, denomina-se teoria pura do direito (vide § 197).<012>

382 <*-*> 383Paulo Dourado de Gusmão Introdução ao Estudo do Direito201. REALISMO JURÍDICO fatores inconscientes das decis<*-*>es judiciais, que seriam as fontes reais do direito0 realismo jurídico é antimetafísico, preocupado com o fato da aplicação do vivo. Conhecendo-se o juiz como homem, é possível prever como ele decidirá.Os, de ordem social ou sicoló ica, importante, acrescenta T. Amold, é descobrir as ` `ilus<*-*>es coletivas'' e as crençasdireito pelos tribunais e com os motivo p g que adeterminam. Ajustiça e os valoresjurídicos são postos de lado, por serem entendidos que mantêm vivo o direito.como mitos, sem base científica e sem base nos fatos. Há, apesar de não teremparentesco algum, dois tipos de realismojurídico: o escandinavo e o norte-america-no. O primeiro, inspirado nas idéias do jurista e filósofo sueco Axel H<*-*>gerstr<*-*>m 202. CONCLUSÃO. NOÇÃO DO DIREITO(1868-1939), tem mais afinidade com o empirismo europeu, enquanto o norte-ame- Como vimos, as correntes do pensamentojuridico examinadas neste capítuloricano reflete a natureza do direito anglo-americano, que não se encontra em códigos, englobam várias posiç<*-*>es acadêmicas conflitantes a respeito da natureza, da fonte,mas em precedentes judiciais (§ 166). da fundamentação e da legitimação do direito. Acadêmicas, mas fundamentais paraNota-se nos juristas engajados no realismo escandinavo a preocupação em o saber jurídico e político. A teoria normativista ou formalista, defendendo aafastar a metafísica e os valores jurídicos da teoria do direito, que levou não só o ` `autofundamentação'' do direito, ou seja, a legitimação do direito pelo própriosueco Lundsted a se recusar a definir o direito em função dajustiça por não ter apoio direito, não responde ao porquê da validade da regra jurídica, que não pode serfi4nos fatos, como, também, levou outro sueco, K. Olivecrona, a reduzir o direito à p , p encontrada nela mesma. A ositivista colocando no oder, nas raz<*-*>es de Estado, naautorização para o uso da força organizada, motivada por fatos sociais. Já o vontade do legislador ou nas necessidades decorrentes das relaç<*-*>es sociais a razão

dinamarquês Alf Ross, sob a influência de Kelsen, deu cunho normativista ao de ser do direito, carece de fundamentação, porque para serem legítimas e válidas,orealismo escandinavo. O realismo de Ross pode ser denominado de realismo-nor- as decis<*-*>es do poder ou a escolha das necessidades a serem atendidas, com sacrifíciomativista por colocar a norma no centro de seu sistema. A validade da normajurídica total ou parcial das demais, é indispensável que sejam os mesmos e as mesmasdepende, segundo Ross, de sua efetiva observância pelos tribunais. A norma seria, justificadas, ou seja, que tenham fundamento. Vontade coletiva, vontade geral,assim, válida quando respeitada e efetivamente aplicada pelos tribunais. Em conse- vontade da maioria, espírito da nação ou do povo, vontade ou consenso da comuni-qiiência: o direito é válido se eficaz. O direito, diz Ross repetindo o que disseram os dade, apontadas pelas teorias contratualistas, historicista ou institucionalista doseus colegas de escola, é a norma disciplinadora do exercício do poder. O objetivo direito, também dependem de fundamentação. Idéia geradora ou idéia de obra dede Ross, por ele mesmo confessado em Paris, em 1934, é ` `construir o mundo do Hauriou e Renard pode explicar, mas não fundamenta o direito. Bem comum,direito sem metafísica''. invocado por Renard como critério decisório da legitimidade da ordem jurídica,Mais pobre em Filosofia, mas mais rico em Psicologia e em Sociologia, é o também não resolve a questão, dada a sua imprecisão além de ser confundívelrealismo norte-americano, que é mais umapsicologia dojuiz, por se preocupar muito com as mais variadas interpretaç<*-*>es de interesse social. Aliás, bem comum, tendocom os fatores, conscientes e inconscientes, determinadores do comportamento dos natureza histórica, não sendo, no tempo e no espaço sociais (§ 28), sempre omagistrados. O comportamento do juiz é, diz Aronson, o único objeto jurídico que mesmo, sup<*-*>e um critério que o defina e delimite o seu alcance. Direito naturalpode cientificamente ser estudado, do qual depende a aplicação da norma ao caso de conteúdo variável de Stammler ou a idéia do direito na formulação desubjudice. O que fazem osjuízes, escreveu, em 1930, K. Llewelyn (1893-1962), é Radbruch são idéias vazias de conteúdo, nelas cabendo as mais diversas eo próprio direito. Daí Robinson pensar em psicanalisar os juízes para descobrir os conflitantes prescriç<*-*>es jurídicas, as justas e as injustas, as humanas e as desu- manas, as democráticas e as despóticas. A realidade social, à qualo direito deve corresponder, segundo as teorias sociológicas, não passa de umfatodo qual não69 Karl Olivecrona nasceu em Upsala, na Suécia, em 25 de outubro de 1897. É o principal se pode deduzir, como ensina a Filosofia, o dever-ser, ou seja,o valor ourepresentante da Escola de Upsala. Obra principal: Law as Fact (1939). fundamento do direito. É constituída de interesses econômicos, de idéias éticas, de70 Alf Ross, jurista dinamarquês, nasceu em Copenhague, em 10 de junho de 1899. Professor da exigências políticas, de fatores geográficos, ecológicos, demográficos etc. Em queUniversidade de Copenhague. É o principal representante do realismo escandinavo.Obras medida devem ser atendidos esses dados; que interesses devem prevalecer histori-principais: Towards a Realistic Jurisprudence. A Criticism ofthe Dualism in Law (1946), A camente; qual a medida do sacrifício de alguns interesses; estas são algumas das

textbookoflnternatioiiall.nw(1947),ConstitutionoftheUnitedNations(1950), Whydemocratie quest<*-*>es para as quais a realidade social, por si, como fato, não oferece solução(1952) e On l.nw and Justice (1959). Consultar o nosso livro O Pensamento Juridico Contempo- ( alguma. A coexistência das liberdades, segundo Kant, lei universal justificadora dorâneo, cit. direito, atende às exigências do liberalismojurídico-econômico, mas não às do mundo<012>

384Paulo Dourado de Gusmão

moderno, no qual a questão jurídica não se reduz ao problema da coexistência deliberdades. A luta ou a conquista, processos defendidos por Ihering e Gumplowicz, pode` `explicar'' o fenômeno jurídico, mas não o justifica. Não negamos que o direito, emalgumas sociedades ou situaç<*-*>es, tenha surgido da luta ou de conquistas: as reformasde Sólon resultaram da luta entre a aristocracia ateniense e agricultores; a Leidas XIITábuas, do conflito entre patrícios e plebeus; as Declaraç<*-*>es de Direitos doséculoXVIII das revoluç<*-*>es americana e francesa, sendo assim, consolidação de seusprincípios; a Magna Carta, da luta entre o Rei e o Parlamento etc. Mas a ` `luta'' emsi é condenável; se motivada, depende de justificação. Aliás, Ihering tinha ciênciadisso, tanto assim que recorreu à idéia definalidade destinada a dar sentido à ``lutapelo direito''. Entretanto, deu-Ihe por conteúdo interesses legitimáveis (individuais,sociais e estatais). Mas até que ponto devem predominar os interesses sociais sobreos individuais, os do Estado sobre os dos indivíduos e sobre os dos demais agrupa-mentos sociais, os da comunidade internacional sobre os do Estado, os da Uniãosobre os dos Estados federados, e vice-versa, são perguntas para as quais nãoencontramos resposta nas teorias que reduzem o direito a mero critério solucionadorde conflitos sociais. As tradiç<*-*>esjurídicas, respeitadas por legisladores e codifica-dores, cultuadas pela Escola Histórica do Direito de Savigny, são inadequadas parajustificar o direito do mundo atual, modificado por rápidas transformaç<*-*>es legisla-tivas para atender à instabilidade da ordem econômica, enriquecida por institutosjurídicos muitas vezes em conflito com as raízes tradicionais do direito europeuelatino. O subconsciente do juiz, suas tendências éticas ou políticas e sua formação ' ;cultural (realismojuridico norte-americano) podem explicar uma decisãojudicial,mas não fundamentar o direito; o uso da força em ocorrendo as condiç<*-*>es previstasno direito (realismo juridico escandinavo), pressup<*-*>e justificação histórica. Osvaloresjuridicos, destacados pelo culturalismojuridico, principalmente a justiÇa,também pela Teoria do Direito Natural, a nosso ver, são os fundamentos do direito.Mas o relativismo de muitos culturalistas, como o de Radbruch, não oferece soluçãoalguma. Nos anos 50, escrevemos em nosso Curso de Filosofia do Direito: a conciliaçãodajustiça com a segurançajuridica dá a medida histórica do direito justo. A justiça

requer a ` `igualdade'' de tratamento jurídico; a proporcionalidade das prestaç<*-*>es eda sanção ao delito; a coexistência das liberdades, limitadas, entretanto, pelo bemcomum; a proibição do enriquecimento ilícito; a vinculaçãojurídica (inconfundívelcom a escravização do Homem) e o primado do direito. A "segurançajurídica"exige o respeito à ordem constituída, à ordem pública e aos bons costumes; o respeitoao pactuado (pacta sunt servanda); a subordinação do governo à lei; a separação dos ,poderes do Estado; a proteção dos direitos adquiridos; a igual aplicação da lei pelasautoridades públicas, principalmente pelojudiciário, independente daposição socialdos litigantes; a individuação da pena; a modificação da ordem jurídica comobservância de regras legalmente preestabelecidas para criação do direito, sem

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Introdução ao Estudo do Direito

atingir as situaç<*-*>es jurídicas perfeitas, integralmente constittiídas e os direitosadquiridos; a publicidade da lei, do requerimento, das portarias e demais atosnormativos, bem como das decis<*-*>és judiciais; a anterioridade da lei ao fato a serjulgado, principalmente no caso do direito repressivo (penal) e a igualdade de todosdiante da lei. Como vemos, enquanto ajustiça protege o homem contra o abuso dopoder, a segurança não só reforça essa proteção, como, também, protege a sociedade,dando-lhe ordem e paz sociais, metas do próprio poder. Sendo assim, é possível umconflito entre segurança e justiça. Houve épocas da História européia, como notouHenkel," em que predominou uma dessas idéias-forças. Como nota esse autor, noEstado do Ancien RŠgime ou no Estado de Polícia predominaram as ` `raz<*-*>es deEstado'',isto é, a segurança jurídica; na ` `Época das Luzes'', também a segurança jurídica, maspor outras raz<*-*>es, principalmente pela identificação da nação com o rei (Henkel:Introducción a la Filosofia del Derecho, trad.). A nosso ver, naquele tempo e nodasRevoluç<*-*>es Americana e Francesa ajustiça e a segurança, inspiraram os revolucionáriosna formulação de suas Declaraç<*-*>es de Direito. Nos séculos XIX e XX, a batalha é pelajustiça social e pela segurança da ordem constituída. Como solucionar essa questão? Dependendo, como pensava Radbruch an-teriormente às atrocidades praticadas nas décadas de 1930 e 1940, quando elereeditou suas principais obras, dependendo, dizíamos, de uma tomada de posição aescolha de uma das metas do direito ao sabor das conveniências do legislador ou dojuiz ou então da ideologia dos partidos políticos? Deixá-las à mercê da escolhapolítica pode, por exemplo, conduzir ao extermínio de minorias, a libertar ladr<*-*>esem vez de Jesus, a condenar Sócrates ou determinar a morte, indiscriminadamente,dos recém-nascidos para matar também aquele que seria o futuro Messias, escravizar ovencido ou o devedor impontual etc. A segurança, como vimos, sup<*-*>e a estabilidade razoável da ordem jurídica,enquanto ajustiça pretende reformá-la sempre que ela for incompatível com as suasexigências fundamentais. A segurança destina-se a manter de pé a ordem dominan-te, protegendo as estruturas de poder e os direitos individuais, em nome da ordeme da paz sociais, enquanto ajustiça apela para a reforma em nome de um ideal

éticohistórico de modo a dar conformidade do direito com a realidade social. Mas se aprofundarmos nossa reflexão sobre a justiça, verificaremos requererela, também, que a segurança não seja sacrificada pelo justo, devendo, assim, as

71 Heinrich Henkel,jurista alemão, nasceu em 1933. Considera o direito uma formade objetivação do "espírito do grupo", guiado pela "natureza das coisas" e pela idéia do direito. A primeira compreende a natureza humana, manifestada sob a forma de liberdade, as condiç<*-*>es histórico- sociais e a natureza do espaço social em que impera o direito, enquanto a idéia do direito é constituída de elementos em tensão: valores jurídicos (justiça e segurança) e necessidade de regulamentação da ordem social.<012>

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Paulo Dourado de Gusmão

transformaç<*-*>es da ordem jurídica vigente observar ó processo de criação do direitoprescrito por normas constitucionais. A justiça exige o legislador atento, operoso,oportuno em suas reformas, e o juiz culto, perspicaz, que, através da interpretação, façaa lei corresponder - se possível - ao direito justo (idéia do direito) sem sacrificar asegurança. Por sua vez, a segurança depende da independência e da autonomia doJudiciário, controlador da constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público, dandoa cada um o que é seu e a cada delinqüente a pena segundo a sua culpa, bem como acada causador de dano injusto a obrigação de indenizar o prejuízo por ele causado. A segurança e a justiça disputam, assim, a prioridade entre os fins do direito.Mas, na verdade, mesmo que a segurança seja a eleita, não conflita com a idéia dodireito (direito justo), porque a segurança, de certa forma, é a manutenção, a todocusto, de um ideal de justiça incorporado a uma ordem jurídica, que pode ao longoda história conflitar com novo modo de compreéndê-la. Sem ordem e sem segurança,a própria justiça está ameaçada por predominar a lei da força. Como solucionar este conflito? Consideramos que o direito deve ser instru-mento de ordem e de paz sociais, e não meio de intranqüilidade e de insegurançasocial. O predomínio da segurança, desde que razoável e desde que respeitados osseusprincípios básicos, não é incompatível com a idéia do direito, que, como a entendemos,assim pode ser formulada: norma que, segundo um irleal dejustiÇa, soluciona confiitosde interesses com observância de procedimento legal. A prevalência da justiça sobretodos os valores comporta o risco de desordem, de anarquismo, de ditadura dos juízese de arbitrariedade, contrariando assim as raz<*-*>es de ser do direito: segurança, ordem epaz sociais. A preferência pela segurança, indiferente à justiça, pode conduzir àinsegurança individual, à tirania, ao despotismo e aos abusos do poder. Grave é,pois, odilema em que se encontram o jurista e o legislador na História. Para nós, que consideramos dever a ordem prevalecer sobre a anarquia, sem

contudo tornar-se instrumento desumano e desigualitário, e que consideramos sera justiça o fundamento do direito, capaz de julgá-lo e de guiá-lo na produção debons efeitos sociais, chegamos ao seguinte conceito: o direito é a garantia da ordeme da paz sociais com o minimo sacrificio da justiça, ou, então, a proteção justadaordem e da paz sociais.'2

72 Em nosso Curso de Filosofia do Direito (RJ, 1950), considerando as metas do direito, o conceiiuamos como a realizaçâo da segurança com o minimo sacrificio dajustiça (pág. 35). Paul Roubier (Théorie Générale du Droit, Paüs, Sirey,1951, 2' ed. nota 2, p. 202), levando em conta esse modo de conceituá-lo, nos colocou na mesma linha de pensamento de Carré Malberg e de outros. Todavia, apesar de, à primeira vista, nesse conceito, como no formulado neste livro, poder-se chegar a essa conclusão, em verdadé pensamos sempre ser ajustiça, e não a segurança, o fim supremo do direito, não obstante a ordem e a segurança serem os fins imediatos, por não haver possibilidade de justiça sem ordem ou segurança.

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2. TEORIA GERAL DO DIRETTO

ANDRADE (Manuel A. Domingues de) - Teoria geral da relaçãojuridica, Coimbra, Almedina,1960, 2 v.ASCENSÃO (José de Oliveira) - Odireito, introdução e teoria geral: umaperspectiva luso-brasileira, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian,1980, 2' ed.BADENES GASSET (Ramon) - Conceptosfundamentales delderecho, Barcelona, Roixareu,1972.BASTOS (Aurélio Wander) - Introdução à Teoria do Direito, Rio de Janeiro, Ed. Liber Juris,1992.BATALHA (Wilson de Sousa Campos) - Teoria geral do direito: o direitopositivo e sua perspectiva filosófica, Rio de Janeiro, Forense,1982.BOBBIO (Norberto) - Teoria della scienza giuridica, Torino, G. Giappichelli,1950(versa sobre um dos temas). . Teoria della norma giaridica, Torino, G. Giappichelli,1958 (versa sobre um dos temas). . Studi sulla teoria generale del diritm, Torino, G. Giappichelli,1955. . Studi per una teoria generale del diritto, Torino, G. Giappichelli,1970. . Teoria do ordenamento juridico, São Paulo, Editora Polis e Ed. Universidade de Brasi1ia, 1990, tradução de Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos, revisão télica de Claudio De Cicco.BODENHEIMER (Edgar) - Ciência do direito. Filosofia e metodologia juridicas, Riode Janeiro, Forense,1966, trad. Eneas Marzano (o título não corresponde bem ao do originalnorte-ameri- cano: Jurisprudence, que talvez fosse melhor Iraduzido por Teoria do Direito).<012>

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Paulo Dourado de Gusmão

CARNELUTTI (Francesco) - Teoria generale del diritto, Roma, Foro Italiano,1951. (Há edição portuguesa de Arménio Amado,1942).CESARINI SFORZA (Widar) - Lezioni di teoria generale del diritto, Padova,1930.COELHO (Luis Femando) - Teoria da ciência do direito, São Paulo, Saraiva,1974.COSTE-FLORET (Alfred) -Les problémesfondamentaux du droit Paris, Dalloz,1946.DABIN (Jean) - Theorie générale da droit, Bruxelles, F. Bruylant,1944.DU PASQUIER (Claude) - Introduction à la théorie générale et à la philosophie dudroit, Neuchâtel, 1948, 3' ed.FERRAZ JUNIOR (Tercio Sampaio) - Função social da dogmáticajuridica, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais,1980.FILOMUSI GUELFI - Enciclopedia giuridica, Nápoles,1917, Jovene,17' ed. (versa sobre temas de Teoria Geral do Direito e de Filosofia do Direito à luz do positivismo jurídico).FRIEDMANN (Wolfgang) - Théorie générale du droit, Paris, Libr. Générale de Droitet de Jurispru- dence,1965, 4' ed.GARCEZ (Martinho) - Da theoria geral do direito segundo o projecto de Código Civil brazileiro, Rio de Janeiro, J. Ribeiro dos Santos,1914.HAESAERT (J.) - Théorie générale da droit, Bruxelles, F. Bruylant,1948.KELSEN (Hans) - Teoria general del derecho y del Estado, Trad. de F. Garcia Maynez, México, Imprensa Universitária,1949.KORKOUNOV (N. M.) - Cours de théorie générale da droit, Paris, V. Giard & E. Briere,1903, trad. M.J. Tchemoff.LEVI (Alessandro) - Teoria generale del diritto, Padova, Cedam,1953, 2' ed.MACHADO NETO (Antônio Luís) - Teoria da ciênciajuridica, São Paulo, Saraiva,1975.

MERKEL - Enciclopediajuridica, Madri, Reus,1924, trad. (versa sobre temas de Teoria Geral do Direito à luz do positivismo jurídico).NAWIASKY (Hans) - Teoria general del derecho, Madrid, Ed. Rialp, 1962, trad. de José Zafra Valverde.REALE (Miguel) - Teoria do direito e do estado, São Paulo, Martins,1972, 3' ed.ROUBIER (Paul) - Théorie générale du droit, 2' ed., Paris, Sirey,1951.SALDANHA (Nelson Nogueira) - Teoria do direito e critica histórica, Rio de Janeiro, Freitas Bastos,1987.STRENGER (Irineu) - Direito moderno emfoco, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais,1986.THON (Auguste) - Norma giuridica e diritto soggettivo, Padova, Cedam,1951, 2' ed.VAREILLES - SOMMIERES, Les principesfondamentaux du droit, Paris, Liv. Cotillon,1889.VILANOVA (Lourival) -As estruturas lógicas e o sistema do direitopositivo, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais,1977.

3. LEITURAS FUNDAMENTAIS PARA CONHECIMENTO DAS PRINCIPAIS DIRETRIZES DO PENSAMENTO JURÍDICO

COSSIO (<*-*>varlos) - EI Derecho en el Derecho Judicial, Buenos Aires, Editorial G. Kraft Ltda,1944. (Deveríamos indicar La Teoria Egológica del derecho, mas não o fazemos dada a dificuldade que terá o iniciante para entendê-la. A obra citada aqui é muito clara, dando uma noção exata da teoria egológica.)DEL VECCHIO (Giorgio) - Liç<*-*>es de Filosofia do Direito, Coimbra, Arménio Amado - editor,1979, 5' ed. trad. de Antônio José Brandão, revista por Cabral de Moncada. (Preferimos para os estudantes este livro ao de Stammler - Economia e Direito - dada a sua clareza, introduzindo o leitor na posição neokantiana.)

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Introdução ao Estudo do Direito

HART (Herbert L.A.) - O Conceito do Direito, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian,1986, trad. de A. Ribeiro Mendes. (Conciliando Autin com Kelsen, nos dá uma original descrição dos caracteres do direito.)KELSEN (Hans) - Teoria Pura do Direito, Coimbra, Arménio Amado - Editor, I 974, 3' ed., trad. de João Baptista Machado. (Obra fundamental do pensamentojurídico contemporâneo.) . Teoria Geral das Normas, Porto Alegre, Sergio A. Fabris Ed.,1986, trad. de José Florentino Duarte. (Obra póstuma de Kelsen, qae, na ` `terceira-idade ' ', retifica muitos dos conceitos qae Ihe deram fama. )RADBRUCH (Gustav) - Filosofia do Direito, Coimbra, Arménio Amado - Editor,1974, 5' ed., trad. de L. Cabral de Moncada. (Obra que prima pela clareza e que nos dá a idéia básica do relativismojuridico. )RAWSL (John) - Urna teoria dajustiça, Brasília, Editora Universidade de Brasilia,1981, trad. Vamireh Chacon. (Uma nova teoria dajustiça segundo o neoliberalismo.)REALE (Miguel) - Filosofia do Direito, São Paulo, Ed. Saraiva,1987,12' ed. (Obrafundamental do fundador da Teoria Tridimensional do Direito. )ROSS (A1<*-*> - Sobre el derecho y lajusticia, Buenos Aires, Editorial Universitaria de Buenos Aires,

1974, 3' ed., trad. de Genaro R. Carrió. (Ross é um dos maiores representantesdo Realismo Escandinavo. Sofreu infiuência de Kelsen.)VANNI (Icilio) - Filosofia del Derecho, Madrid, Libreria Beltran, I941, trad. R.Urbano (Esta obra, juntamente com a de Groppali, exerceu profunda influência no entre-guerras nosjurtistas brasileiros de tendência positivista. Pode ser encontrada nas bibliotecas das Faculdades e dos Tribunais).

4. TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL

A Teoria Geral do Direito Civil, ao tratarda Parte Geral do Direito Civil, dá asnoç<*-*>esfundamentais do direito. Daifigurar nessa bibliografia.BEVILÁQUA (Clóvis) - Teoria Geral do Direito Civil, Rio de Janeiro, Ministério da Justiça, serviço de documentação,1972, 4' ed. (Obrafundamental pela precisão e pela clareza e profundidade dos conceitos. Indispensável leitura. As ediç<*-*>es anteriores foram pablicadas pela antiga Livraria Francisco Alves.)CAPITANT (Henri) - Introduction à l'étude du droit civil, Paris, Sirey,1920, 5' ed.COVIELO (Nicolas) - Manuale di Diritto Civile, Milano, Editora Societá Editrice Libraria,1929.DEMOGUE (René) - Les notionsfondamentales du droitprivé, Paris, A. Rousseau,1911.ESPINOLA (Eduardo) - Sistema de Direito Civil Brasileiro, Rio de Janeiro, Freitas Bastos,1944, 2 vols. (Há edição de 1977 da Ed. Rio.)FERRARA (Francesco) - Trattato di Diritto Civile Italiano, Roma, Athenaeum,1923.(Não é completo devido à intransigência do editor, que jadicialmente venceu o litigio com o autor, condenado a completá-lo quando tivesse inspiração - ' 'll Foro Italiaito '' 1928, vol. 53, pág. 903 e vol. 56, pág. 612 - como era de se prever o resultado: Ferrara não teve mais inspiração... entretanto essa obra éfundamental no tocante às noç<*-*>es gerais e aos problemas de hermenêutica.)GOMES (Orlando) - Introdução ao Direito Civil, Rio de Janeiro, Forense,1957.GUSMÃO (Paulo Dourado de) - Elementos de Direito Civil, Rio de Janeiro, Freitas Bastos,1969.OERTMANN - Introdacción al derecho civil, Barcelona, Labor,1933<*-*> kad.PACCHIONI (Giovani) - Diritto Civile Italiano, Milão, A. Milani,1937 (exclusivamente o 1 " volume).PONTES DE MIRANDA (Francisco Cavalcanti) - Tratado de Direito Privado, Rio de Janeiro, Konfino,1954-63. (Vasto tratado, cujos dois primeiros volumes contêm as noç<*-*>es gerais do<012>

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Paulo Dourado de Gusmão

direito. Obra de um dos nossos maiores juristas, que se destaca nesse tratado pela cultura e originalidade.) RODRIGUES (Silvio) - Direito Civil. Parte Geral, São Paulo, Saraiva,1979, 9' ed. SAVATIER (René) - Cours de Droit Civil, Paris, Lib. Gén. de Droit et de Jur., 1947, 2' ed. (exclusivamente o I " volume). WALD (Amoldo) - Curso de Direito Civil Brasileiro. Introdução e Parte Geral, São Paulo, Ed.

' Revista dos Tribunais,1989, 6<*-*> ed., com a colaboração de Álvaro Villaça Azevedo. WINDSCHEID (Bernhard) - Diritto delle pandette, Torino, Ed. Torinese,1925, trad. Carlo<*-*> Fadda e Paolo Emilio Bensa. (Um dospilares do direito civil alemão e europeu, conseqiientemente, do latino-americai7o, prirrcipalmentepara o mundo latino a edição italiana com asnotas de Fadda e Bensa.)

5. LEITURAS COMPLEMENTARES

BAPTISTA (Paula) - Compêndio de Hermenêutica Juridica, São Paulo, Saraiva,1984, nova edição, sendo a primeira do século passado.BIGOTTE CHORÃO (Mário) - Temas Fundamentais de Direito, Coimbra, Livraria Almedina,1986.BOBBIO (Norberto) - A era dos direitos, São Paulo, Ed. Campus, 1992, trad. de Carlos Nelson Coutinho.BRAZ TEIXEIRA (Antônio) - Sentido e valor do direito. Introdução à Filosofia do Direito, Lisboa, Imprensa Nacional,1990.BRUFAU PRATS (Jaime) - Teoria Fundamental del Derecho, Madrid, Tecnos,1990, 4' ed.COULANGES (Fustel de) -A Cidade Antiga, São Paulo, Martins Fontes,1981, trad. deFemando de Aguiar.D'AGUANO (Giuseppe) - La genesi e !'evoluzione del diritto civile, Torino, Ed. Frateli Bocca,1890.DAVID (René) - Les grandes systŠmes de droit contemporain, Paris, Dalloz,1964.DECLAREUIL (J.) - Roma y la organización del derecho, Barcelona, Ed. Cervantes,1928, trad. de Ramón Garcia Redruello.DEL VECCHIO (Giorgio) - La Giustizia, Roma, Ed. Studium, 1946 (Há edição em português na coleção "Direito e Cultura", Ed. Saraiva, São Paulo).EHRLICH (Eugen) - Fundamentos da Sociologia do Direito, Braslia, Ed. Universidade de Brasilia, 1986, trad. de Vamireh Chacon.FERREIRA DA CUNHA (Paulo) - Pensar o direito. Do realismo clássico à análise mitica, Coimbra, Almedina,1990. . Pensar o direito. Da modemidade à postmodemidade, Coimbta, Almedina,1991. . Principios de direito, Porto, Rés - Editora Ltda,1993.GÉNY (François) - Método de interpretaciónyfuentes en derechoprivadopositivo, Madrid, Ed. Reurs, 1925, 2a ed., n/c tradutor.GIRARD (Paul Frederic) - Manuel élémentaire de droit romain, Paris, Dalloz,1924.GLOTZ (Guatave) - A cidade grega, São Paulo, Difel,1980, trad. de H. de Araújo Mesquita e R. Cortes de Lacerda.GURVITCH (Georgés) - Sociologia del derecho, Rosário, Editorial Rosário,1945, trad. de Angela Romera Vera. (Há edição brasileira da Kosmo, Rio de Janeiro, na tradução de Djacir Menezes.)HERKENHOFT (J. B. ) - O direito dos códigos e o direito da vida, Porto Alegre, Sergio Antonio Fahis Ed.,1993.IHERING (Rudolf von) - El espiritu del derecho romano en las diversas fases de su desarrollo, Madrid, Casa Editorial Bailly-Bailliere,1912, trad. de Enrique Príncipe y Satorres, 9' ed.

393Introdução ao Estudo do Direito

. A lucta pelo direito, Porto, Lello Irmão,1910, trad. de José Tavares Bastos

(Há edição da Ed. Rio). . A evoluç<*-*>ão do direito, Lisboa, José Bastos Cia. Ed., s/d, trad. de AbelD'Azevedo. (O título da edição alemã é Zweck im Recht. Há edição brasilcira, com o mesmo título, que aliás é o da edição francesa, da Livraria Progresso de Salvador, aparecida em 1953, sem constar o tradutor.) HAYERK (F.A.) - Direito, Legisla<*-*>ão e Liberdade, São Paulo, Visão, 1985, trad. Anna Maria Capoviela e outros. JOSSERAND (Louis) - El espiritu de !os derechos y su relatividad, México, Ed. José M. Cajica Jr., 1946, trad. de E. Sanchez Larios. KELSEN (Hans) - Justiça e o Direito Natural, Coimbra, Arménio Amado, Ed. Sucessor,1963, trad. de João Baptista Machado. . A Ilusão da Justiça, São Paulo, Martins Fontes, I995, trad. de Sérgio Telluroli, revisão técnica de Sérgio Servulo da Cunha.KOSCHAKER (Paul) - Europa e il diritto romano, Firenze, Sansoni, I 962, trad. deAmaldo Biscardi.KUNKEL (Wolfang) - História del derecho romano, Barcelona, Ed. Ariel,1972, 3' ed., trad. Juan Miguel.LARENZ (Karl) - Metodologia da Ciência do Direito, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, I 978, trad. José de Souza e Brito e José Antônio Veloso. . Derecho Justo. Fundamento de Ética Juridica, Madrid, Editorial Civitas,1985,trad. Luis Diez-Picazo.MAINE (Henri Summer) - Études sur I'Ancient Droit el la coutume primitive, Paris, Emest Thorin, 1884 (não consta o tradutor).MAXIMILIANO (Carlos) - Hermenêutica e aplicação do direito, Rio de Janeiro, Forense,1979, 9' ed.MONTESQUIEU (Charles-Louis de Secondat) - Do espirito das leis, Brasi7ia, Ed. daUniversidade de Brasilia,1982, trad. Fernando Henrique Cardoso e Leôncio Martins Rodrigues.Notas da edição francesa de Gonzague Truc. (A tradução que estamos indicando encontra-se também no vol. XXI da coleção Os Pensadores da Abril Cultural. Aliás foi primeiro publicada pela Difel, de São Paulo, na coleção Clássicos Gamier.)PEDROSO (Antônio Carlos de Campos) - lntegraÇâo Normativa, Ed. Revista dos Tribunais,1985.PONTES DE MIRANDA (Francisco Cavalcanti) - Sistema de Ciência Positiva do Direito, Rio de Janeiro, Borsoi,1972, 2' ed.RAMALHO (Barão de) - Cinco liç<*-*>es de hermenêutica juridica, São Paulo, Saraiva,1984, nova edição, sendo a primeira do século passado.REALE (Miguel) - O direito como experiência, São Paulo, Ed. Saraiva,1992, 2' ed. . Fontes e Modelos do Direito, para um novo paradigma hermenêutico, São Paulo,Ed. Saraiva, 1994.RIPERT (Georges) - O regime democrático e o direito civil moderno, São Paulo, Saraiva,1937, trad. J. Cortezão. . A regra moral nas obrigaç<*-*>es civis, São Paulo, Saraiva,1937, trad. Osório de Oliveira. . Aspectesjuridiques du capitalisme moderne, Paris, Sirey,1951, 2' ed. Há edi ão da Freitas Bastos da 1 ' edição francesa. ç . Lesforces créatrices du droit, Paris, Lib. Générale de Dtoit et de Jurisprudence,1955.SAVATIER (René) - Les métamorphoses économiques et sociales du droit d 'aujourd'hui, Paris, Sirey, 1948.

. Du droit civil ou droit public, Paris, Lib. Gén. de Dr. et de Jur.,1948.SOUZA (José Pedro Galvão de) - Direito Natural, Direito Positivo e Estado de Direito, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais,1977.<012>

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Paulo Dourado de Gusmão

WEBER (Max) - Economia y sociedad, México, Fondo de Cultura Económica, 1944, 3 vols. (principalmente o terceiro volume, que versa sobre Sociologia do Direito, na trad. de Eduardo Garcia Maynez).WIECKER - História do direito privado, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, I 980, trad.WOLFF (Hans Julius) - Introdacción histórica al derecho romano, Santiago de Compostela, Porto y cia. Ed.,1953.

6. CLÁSSICOS

ARISTÓTELES - Politica, Brasrlia, Ed. Universidade de Brasilia, 1985, trad. e notas de Mário da Gama Kury (Há edição da Martins Fontes, trad. de Roberto Leal Ferreira, da versão francesa de Marcel Prelot, da PUF, com apêndice contendo Constituiç<*-*>es atenienses). . Ética a Nicômacos, Braslia, Ed. Univ. de Braslia,1985, trad. introdução e notas de Mário de Gama Kury (Há edição em Espanhol, com notas e tradução de Antônia Gômez Robledo, texto bilínglle, da Universidade Nacional Autônoma de México,1954).BENTHAM (Jeremy) - Uma introdiição aos principios da moral e da legislação, São Paulo, Abril Cultural,1974, trad. Luiz João Baraúna (vol. XXXIV de Os Pensadores).CÍCERO (Marco Túlio) - Da República, Atena Ed., São Paulo, s/d, tradução e prefácio de Amador Cismeiros (vide volume III de Os Pensadores, da Abril Cultural). . Das leis, São Paulo, Ed. C<*-*>tltrix,1967, trad. introdução e notas de Otávio T. de Brito.COMTE (Auguste) - Cours de Philosophie Positive, Lib. Reinwald,1907, 5' ed., 6 vols. (vide volume XXXIII de Os Pensadores, Abril Cultural). . SystŠme de Politique Positive ou Traité de Sociologie, Paris, Georges Créstcie,1912, 4' ed., 4 vols.ESPINOSA (Baruch de) - Ética, São Paulo, Abril Cultural, 1973, vol. XVII de Os Pensadores (principalmente a Parte V, na tradução de Antônio Sim<*-*>es). . Tratado Politico, São Paulo, Abril Cultural, 1973, vol. XVII de Os Pensadores, trad. de Manoel de Castro.DESCARTES (René) - Discurso do Método, São Paulo, Abril Cultural,1973, coleção Os Pensadores (vol. XV), trad. de J. Guinsburg e Bento Prado Jr.HAMILTON (Alexander), MADISON (James) e JAY (John) - O Federalista, São Paulo, Abril Cultural, 1973, não consta o tradutor (vol. XXIX de Os Pensadores).HEGEL (Georg Wilhelm Friedrich) - A Fenomenologia do Espirito e a Introdução à História da Filosofia, São Paulo, Abril Cultural, 1974, vol. XXX da coleção Os Pensadores,traduç<*-*>es Henrique Claúdio de Lima Vaz e de Antônio Pinto de Carvalho. . Principios de Filosofia do Direito, Lisboa, Guimarães, Cia-Ed.,1976, 2' ed.,trad. de Orlando Vitorino.HOBBES (Thomas) - Leviatã ou matéria,forma e poder de um Estado eclesiástico e

civil, São Paulo, Abril Cultural,1974, trad. João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva.JEFFERSON (Thomas) - Escritos Politicos, São Paulo, Abril Cultural, I973, vol. XXIX de Os Pensadores, trad. de Leônidas Gontijo de Carvalho.KANT (Immanuel) - Introducción a la Teoria del Derecho, Madrid, Instituto de Estudios Políticos, 1954, trad. Felipe Gonzalez Vicen. . Critica da Razão Pura, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian,1985, trad. de Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão, com notas do último (vide vol. XXV deOs Pensadores da Abril Cultural,1974). . Critica da Razão Prática, Porto, Ediç<*-*>es 70,1984, trad. de Artur Morão.

395Introdução ao Estudo do Direito

. Fundamentação da Metafisicados Costumes, Porto, Ediç<*-*>es 70,1986, trad. de Paulo Quintela. . A paz perpétua e outros opúsculos, Porto, Ediç<*-*>es 70,1988, trad. Artur Morão. LOCKE (John) - Segando tratado sobre o governo e Carta acerca da Tolerância, São Paulo, Abril Cultural,1973, traduç<*-*>es de Amoar Aiex e de E. Jacy Monteiro respectivamente (vol. XVIII de Os Pensadores). MAQUIAVEL (Nicolau) - O Principe, São Paulo, Abril Cultural,1973, trad. de Lívio Xavier (vol. IX de Os Pensadores). MARX (Karl) - Critica da Filosofia do Direito de Hegel, Lisboa, Editorial Presença, 1983, 2' ed., tradução de Conceição Jardim e Eduardo Lúcio Nogueira (Vide vol. XXXV de Os Pensadores, São Paulo, Abril Cultural,1974). MONTAIGNE (Michel de) - Ensaios, Porto Alegre, Editora Globo,1961, trad. de Sérgio Milliet (vide vol. XI de Os Pensadores).MORE ('Thomas) - A Utopia, São Paulo, Abril Cultural,1972, trad. Luiz de Andrade(vol. X de Os Pensadores).PASCAL (Blaise) - Pensamentos, São Paulo, Difusão Européia do Livro,1957 (Coleção Clássicos Garnier), trad. Sérgio Milliet (vide vol. XVI de Os Pensadores).PLATÃO - Defesa de Sócrates, São Paulo, Abril Cultural,1972, trad. Jaime Bruna (vide vol. II de Os Pensadores). . A República, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian,1980, 3' ed., tradução e notas de Maria Helena da Rocha Pereira (há edição da Difel de São Paulo, aparecida em 1965, na Coleção Clássicos Garnier, na tradução de J. Guinsburg, com introdução e notas de Robert Baccon, da edição francesa). . Leis, Belém, Universidade Federal do Pará, trad. de Carlos Alberto Nunes,1980. ROUSSEAU (Jean-Jacques) - O contrato social, São Paulo, Martins Fontes, trad. Antonio de Padua Danesi, revista por Edison Darci Heldt, com notas do próprio Rousseau, J. M. Fateau e de M. C. Bartholy. As notas foram selecionadas, traduzidas e adaptadas por M. Ermantina Galvão Gomes Pereira (vide o vol. XXIV de Os Pensadores, na tradução de Lourdes Santos Machado, com notas de Paul Arbousse-Bastide e Lourival Gomes Machado).SMITH (Adam) - Investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das naç<*-*>es, São Paulo, Abril Cultural, I 974, trad. Conceição Jardim, Maria do Carmo Cary e Eduardo Lúcio Nogueira (vol<*-*>.

XXVIII de Os Pensadores).SÓFOCLES - Antigona, Coimbra, Atlântida,1968, tradução, prefácio e notas de Maria Helena da Rocha Pereira (Há edição de Jorge Zahar Editor, de 1991, tradução e notas de Mário da Gama Kury). Tragédia grega de SÓFOCLES, nascido em 496 a. C., em Atenas, em que, pelaprimeira vez na Caltara Ocidental, é colocado em debate o problema do direito natural.TOCQLTEVILLE (Alexis de) - A democracia na América, São Paulo, Abril Cultural,1973, trad. J. A. G. Albuquerque (vol. XXIX de Os Pensadores).XENOFONTE - Ditos efeitos memoráveis de Sócrates, São Paulo, Abril Cultural, I 972, trad. L'bero Rangel de Andrade (vol. II de Os Pensadores). . Apologia de Sócrates, no mesmo volume de Os Pensadores.As quatro obras relacionadas abaixo, apesar de serem da nossa época, enqundram-se nesta sabdivi- são: a primeira é de um grande historiador inglês, Moses Finley; a segunda, é um clássico, e as outras duas de intelectuais de áreas diferentes, um, professor univgrsitário, outro, editoria- lista, analisam, cada um a sea modo, umfato históricofundamental: ójulgamento de Sócrates.FINLEY (Moses J.) - ` `Sócrates e Atenas'', em Aspectos da Antigüidade, Rio de Janeiro, Ediç<*-*>es 70, 1990, trad. Eduardo Saló, pág. 69.JAEGER (Werner) - Paideia, Lisboa, Editorial As<*-*>r, s/data, trad. Artur M. Parreira.<012>

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Paulo Dourado de Gusmão

MOSSÉ (Claude) - O processo de Sócrates, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 1990, trad. Arnaldo Marques, revisão Neyde Themi.STONE (Isidor Feinstein) - Ojulgamento de Sócrates, São Paulo, Cia. das Letras,1989, trad. Paulo Henrique Britto. Apresentação de Sérgio Augusto (visão oposta à de PLATÃO).É claro, sem esquecer a "ApoCogia de Sócrates" de Platão.

7. OBRAS COLETIVAS QUE CONTÊM ENSAIOS SOBRE PROBLEMAS DE TEORIA GERAL DO DIREITO E DE INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO

Annuaire de l'Institut International de Philosophie du Droit et de Sociologie Juridique, 1934-35, travaux de la premiŠre session. Le ProblŠme des Sources du Droit Positif, Paris, Sirey,1934.Annuaire, do mesmo Instituto, II, 1935-36, travaux de la seconde session: Droit Morale, Moeurs, Paris, Sirey,1936.Annuaire, do mesmo Instituto, III,1937-38, travaccx de la troisiŠme session: Le Bat dn Droit: Bien Commun, Justice, Sécurité, Paris, Sirey,1938.Ciencia Jaridica. Instituto de Filosofia del Derecho y Sociologia. La Plata,1970, 3 tomos.Critica del derecho natural, Madrid, Taurus, 1966, trad. de Elias Diaz (ensaios de Kelsen, Bobbio, Perelman, Passerin d'Entreves, Jouvenel, Prelot e Eisenmann).Direito. Politica. Filosofia. Poesia. Estudos em homenagem ao Professor Miguel Reale no seu octogésimo aniversário, São Paulo, Editora Saraiva,1992. Coordenadores Celso Lafer e Tércio Sampaio Ferraz Jr.El Hecho del derecho, Buenos Aires, Editorial Losada S. A.,1956 (ensaios de Cabral de Moncada, José Brandão, José Vilanova, Lundstedt e Olivecrona).Estudios Juridicos-Sociales. Homenaje al Prof. Luis Gegaz y Lacambra, Santiago

de Compostela, Ed. Universidad de Santiago de Compostela,1960, 2 tomos.La ciencia del derecho, Buenos Aries, Editorial Losada S.A.,1949 (ensaios de Savigny, Kirchmann, Zitelmann e Kantorowicz).Le ProblŠme des Lacunes en Droit, Bruxelles, Établissements Émie Bruylant,1968.Mélanges en l'honnenr de Paul Roubier, Paris, Libraries Dalloz, Sirey,196 I.O direito e a vida social, São Paulo, Cia. Editora Nacional,1966, organizadores A. L., Machado Neto e Zahidé Machado Neto.Recueil d'études sur les sources du droit en I'honneur de François Gény, Paris, Sirey,1934, 3 vols. (há nova tiragem de 1977, da Librairie Edouard Duchemin, de Paris).Sociologia e direito, São Paulo, Livraria Pioneira Editora, 1980, organizadores Cláudio Souto e Joaquim Falcão. 'Studifilosofico-giuridici dedicati a Giorgio Del Vecchio neI XXVanno di insegnamento (1904-1929), Modena, Società Tipografica Modenense, 1930-31.

8. REVISTAS QUE CONTÊM ENSAIOS LIGADOS AOS PROBLEMAS DA INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO E DA TEORIA GERAL DO DxREITO

Archives de Philosophie dce Droit et de Sociologie luridique (Paris,193 I-39), sob a direção de Le Fur, Gény, Gurvitch etc. A partir de 1952, saiu uma nonvelle série, sob a direção de Roubier Mastepiol, Motulsky, Batifol, M. Villey e outros, com o título simplificado: Archives de Philosophie du Droit (Paris).NOMOS. Revista Portuguesa de Filosofia do Direito e do Estado (Amadora), sob a direção de António Braz Teixe_ra e de losé Pedro.

397Introdução ao Estudo do Direito

FIDES. Direito e Hwnanidades (Porto), sob a direção de Paulo Ferreira da Cunha.Revista Brasileira de Filosofia (São Paulo), fundada por Miguel Reale, editada desde 1951.Rivista Internazionale di Filosofia del Diritto (Roma, editada desde 1921 ), fundada por Giorgio Del Vecchio.Sociologia del Diritto (Milão, vol. I,1974), Diretor Renato Treves.Droits. Revue Française de Theorie Jaridique (Paris, Presses Universitaires de France).<012>

ÍNDICE DE NOMES

(Os números se referem aosparágrafos.)

A

Accursius, 86 e 165Afonso (P.),177Aftalion,198, nota 47, e bibliografaAgostinho,178 e 194Aguiar (D.),177Alain, 45Alimena,105 e 109Allorio,125Amaral (Melchior do),177Ambrosini, I 21Andrade e Silva (José Bonifácio de),177

Anzilotti, 80, 83 e 89Arcangeli,125Aristóteles, 7,19, 44, 45 e 191Arnold,191Aronson,191Arruda (E. Lima de),137, nota 4Arruda (R<*-*> T.), bibliograíiaAscarelli, 5Asquini,118, nota 3Aubry, 80, nota 3 e 196Austin, 6,10;10, nota 11; 32, nota 3; 74, nota 2, 196 e 196, nota 33Autran da Matta Albuquerque (Pedro),1 I, nota 2Azambuju (Darcy),190, nota 5Azimov,192

B

Bachofen, 5,167,185 e I85, nota IBagolini (L.),137, nota 5Bandeira (E.),105Baptista (Paula), § 135, nota 7

Baptista Pereira (João),177, nota 4 Bar (von), 91 Barbosa (P.),177 Barbosa (Ruy),177 Barreto (Tobias),177Barreto Filho,198, nota 48Bártolo,12, 86,1 I2,143 e 165Bascunan Valdez, bibliografiaBasilio,165, nota 12Bastos (Aurélio Wander), bibliografiaBatalha (W. de Souza), bibliografiaBattaglia,194Battaglini,105Beccaria,105Beckaert, bibliografiaBehreus,12Benedito XV,165Bentham, 90 e 105Berford (A. B.), bibliograf<*-*>aBergbohm, I 96 <*-*>Bevilácqua (C.), I; 80, nota 3;1 IS nota 2,177, 177 nota 2 e bibliogra iaBierling,194Bigotte Chorão (M.), bibliografaBinder,194Binding, 55,109 e 139Bismarck,131, nota 6Black,l35Bobbio, 31, 50; 53, nota 3; 58, nota 4; 74,134, 196;196, nota 31;197, nota 37 e bibliografaBodenheimer, bibliogra iaBodin,178,181 e 191Bonavid<*-*>s (Paulo),190, nota 5Bonnecase,141,142 e bibliograFaBonnet Ramón, bibliogr<*-*>aBossuet,178<012>

400

Paulo Dourado de Gusmão401Introdução ao Estudo do Direito

Boto (R.),177Boulanger, 80, nota 3Braz (Wenceslau),177Bresard (M.),167Brethe de la Gressaye, 3, 74,192 e bibliogra fiaBrofau Prats (J.), bibliografiaB rugi ,124Brun (L.), bibliografiaBrunetti,139Bruntschili,190Bryce, 5Bugnet, 85,137 e 197Bulgarus, 86Bulh<*-*>es Carvalho (J. E. Sayão de),177, nota 2Burckhardt, 31, nota 2Bustamante (Sanchez de),179Buzaid (Alfredo), § 137 nota 7

C

Cabedo (J.),177Cairu (Visconde de),11, nota 2CambacŠres,166Cammeo,144, nota 1Campanella, I 95Campista (David),177, nota 4Campos (Carlos), 7, nota 13Campos Sales,177Capitant, 85,192, nota 6 e bibliografiaCapograssi,1Carlos I,178;178, nota 10 e 194, <*-*>ta 15Carlos II, I78, nota 10Carlos V,173Carlos Magno,178Carmignani,105Carneiro Ribeiro,177Camelli (L.),198, nota 47Carnelutti, 6,136 e bibliogra fiaCamevale,105Carrara,109Carré Malberg, 202, nota 72Carrio (G. R.),198, nota 44Carvalho (Orlando de),177, nota 4Cavalcante Lana (J. B.), bibliografaCavalcanti Filho (T.), I98, nota 45Celso (Affonso),177, nota 4Cerexhe (E.), bibliografiaCesarini Sforca (W.),194 e biblio<*-*>aóa

Chacon (Vamireh),177, nota 34Charmont,192Chiovenda,144, nota 1 e 147Cícero,190 e l92Cicut, I 27Cino de Pistóia, 86Clung Lee (Mc.), 22Coelho de Souza (D.), bibliografiaCoelho, (L. F.),137, nota 5Coelho Rodrigues,115, nota 2 e 177Cogliolo, 4, 85,157,158,172 e bibliografiaCoke,178Colbert,120e 166Colin,192, nota 6Comte, 6 e 196Condillac,193, nota 11Cook,194, nota 15Cooley, 24Copello (M. A.),198, nota 44

Comil,139Cossio (Carlos), 2, 25 e 198Cotrim (J.),177Coviello,112,149;153,nota 1 ebibliogcafiaCretella Júnior,198, nota 48Croce,194Cromwell,178, nota 7, e 186Cruet, 68,141 e 199Cueto Rua (1.),198, nota 44

D

Dabin, 3, 6, 27, 32;157, nota 1;192 e bibliografaD'Alembert,112, nota 11Dario I,178David (P.), 7, nota 7, e 16Davy (G.),167Declareuil, 76, 80,157 e 164De Francisci, 5Delicato (F.), bibliografiaDel Vecchio, 31, 43, 47, 52,139,180,192;192, nota 6; e 197Demogue, bibliografaDemolombe,137 e 196Deocleciano,157, nota 10Dias Marques (J.), bibliografaDiderot,193, nota 11Diena, 91, nota 3Dilthey,195

Dionísio Godofredo,157, nota 9Dochow,125Domat, 80; nota 3; e I 14, nota 1Dominedo,122Donati, 36,126 e I39Donnedieu de Vabres, 91, nota 3D'Ors (A.), bibliogra fiaDourado (L. A.), I6 e 105Drácon,163, nota 5Duarte (Dom),177Duguit, l82,190,192,199; e 199, nota 59Du Pasquier,135 e bibliogra fiaDupréel,180Durkheim,1, 7;10, nota 12;19, 20,157, nota 3; 167,169,182,199; e 199, nota 57

E

Ehrlich, 7,19, 37, 55,137,199; e 199, nota 62Elizabeth I,178, nota 6Engisch, bibliografiaEnneccerus,114, nota IEntelmann (R.),198, nota 44Esmein,187 e bibliografiaExner,14, nota 3

F

Faoro (R.),190, nota 5Fauconnet, 58, nota 2 e 169Felipe I,177Felipe II,177Fernandes (A.), bibliogra fiaFemandes (R.),177

Femek (V.), 55Ferrara (F.), 3, 47, 65, 87,136,138,139,144,150, 154,157 e bibliografiaFerreira da Cunha, 5 e bibliografiaFerreira Lopes (Levindo),177, nota 4Ferreira (Pinto),177 nota 2

Ferri,14, nota 3;17 e 105Feuerbach,1 OSFichte,194Filomusi Guelfi, 6, nota I2; e bibliografiaFiorentino,130Florian, 9 I

Foelix,112Fonseca (D. da),177Franklin (B.),178, nota 17Freund (J.), 43Fuchs,199Fustel de Coulanges, 66,158, I67 e 170

G

Gabba,142 Gaio, 3, 80;157, notas 2 e 1 I; e I64Gallo (J. I. Hubner), bibliografiaGalvão de Souza,190, nota 5Garcia Maynez, 46 e bibliografiaGarcia Olano (F.), I 98, nota 44Gareis,190Garofalo,195Gasparri,16Gentile (G.),194Gény,1,3;3,nota5;75, I37, I39,192;192,nota 6;199 e 196, nota 52Gerber,190Giannini,103Gide (Ch.),11, nota 2Gierke,199Gioja,198, nota 46Glaser, 91, nota 3Goldschmidt (W.),198, nota 46, e bibliografaGomes (O.), bibliogra fiaGorbatchev,166, nota 23Grá (Rui da),177Graw (Eros R.),137, nota 4Graven, 91, nota 3Gregori IX,165Grispigni,1 OSGrocio,192Groppali, 6, 46,147 e bibliografaGuarneri,16Guilherme III,178, notas 8 e 9Guilherme de Orange,178, nota 10Gumplowicz,185,189,199 e 202Gurvitch,1, nota 3; 3,19, 20, 24, 49, 87,179 e I99Gusmão (Chrysolito de) l4, nota 5; e 17, nota 6Gutteridge, 5<012>

402Paulo Dourado de Gusmão

HHaemmerle,123

Haesaert, 6, 74, nota 2 e bibliogia iaHãgerstr<*-*>m, 201Hamel,114 e 118Hamurabi,160,191; e 191, nota 1Hart,196;197, nota 37 e bibliografaHauriou, 22,127,154,181;199, nota 65; 202 e bibliografiaHeck (P.),137 e 199Hegel,10,178,194 e 195Henkel,178 e 202Henrique III,178, nota 7Henrique VIII,178, nota 7Herkenhoff (João Baptista), § 135 nota 7; biblio- grafiaHerrera, (L. F.),195, nota 44Herrera Figueroa (M.), 7, nota 13; e 198, nota 46Higino (José), I 77, nota 4Hobbes, 7,184,189, I92 e 193Holland, 5Holmes (O.W.), I 35Huber,123 e 139Hubner Gallo, bibliografiaHuc,143Hug, 5Hugo (Gustav),195Hugo (Victor), 96, nota 12Hurwitz,14, nota 3Huvelin,170

Ihering, 30, 46, 55,147,154,157,178,199Impallomeni,105Ingrassia,12Irnerius, 86 e 165Isay,199

JJacobus8óJacques (P.), bibliogra iaJaime II,178, nota 10Jefferson (T.),178, nota 17Jellinek, 43,147,179,190 e I96Jiménez de Asúa, 91, nota 3João I (Dom),177João VI (Dom),177

João Sem Terra,194, nota 15Josserand, 43 e 142Justiniano, 80, nota 3; 86;157, notas 9,11,15 e 16;164;164, nota 10; e 165

K

Kaden, 5Kant, 2;10, notas 11 e 14; 31, 42, 74,192,193, 196,197 e 202Kantorowicz, 7, nota 2;137 e 199Kelsen, 6; 6, nota 12; 31; 32, nota 3; 36, 37, 39, 62, 68, 82, 83, 87; 88, nota2; 89, 90,132;135, nota4;139,179,188,190,191;193,nota32; 194,195,197,198 e bibliogra iaKipp,114, nota 1Kirchmann,1Kohler, 5;14, nota 1;194 e 198Korkounov, 47, 52 e bibliografiaKruger,197, nota 34Kunz, 200

L

Laband,l90Laborde-Lacoste, 3; 62, nota 2; 74 e 192Lacassagne,14, nota 4Lafayette Rodrigues Pereira,177Lafer (Celso),198, nota 45Lagarde,114 e 118Lairtullier (A.), bibliografiaLa Lumia,130Lambed (E.), 5; 5, nota 11; e 74, nota 2Lana (J. B. C.), bibliogra iaLandaburu (L.),198, nota 46Landsberg,192Lange,197Lask, 25 e 198Lassale,142Laurent, 80, nota 3; 85,137 e 196Le Fur,199, nota 53; e 202, nota 52Legaz y Lacambra, nota no final do Cap. IVe bibliograf aLeibnitz, I 1 e 192Lermier, 5, nota 10Lessa (Pedro),177Levi, 6 e bibliografiaLevy-Bruhl (H.),19, 21,115,137,158 e 173

Lévy-Ulmann, 5, 32, 87 e bibliografaLicurgo, 5, nota 10Lima (H.), bibliogra iaLinares (J.F.), I98, nota 47Linton,167 e 185Lisboa (José da Silva), Visconde de Cairu, 1 l, nota 2Liszt (von),14, nota 4, e 18Llewellyn, 201Lobo da Costa (Moacyr), § 137, nota 7Locard,14, nota 4Locatelli,156, nota 1Locke,183,192 e 193Locré de Boissy (J.G.),117Lombois, 91, nota 3Lombroso,14;14, nota 4; e 105Losano (Mario G.), I77, nota 2Lowie,167 e 184Loyseau, 70Lucca (U. de),12Luisi (L.),198, nota 47Luiz XIV,178Lundsted,197

M

Macarel,100Machado Neto,198, nota 46; e biblio<*-*>afiaMachado de Oliveira (José),177, nota 4Machado Paupério,190, nota 54Mac Lennan,167Maggiore, 43, 44, 46, I05,138,139 e 194Maine,5,7,162,167,170,185;185,nota I;196 e 199Maisonneuve,19Malinvaud (P.), bibliografiaMancini,143Manu,162Manuel I (Dom),177Manzini, I05 e 107

Maquiavel,178 e I91Marcadé,137Marin Perez (P.), bibliografiaMarshall,11Martinez Paz, 4Martins (L.),177Martinus (Hugo), 86,197, I99Marx,11, 24,194;195, nota 67Massari,105Mauss, 26

403Introdução ao Estudo do Direito

May (G.), 85 e bibliogra iaMayer, 55,194;198, notas 43 e 45Maynez (G.), 46 e bibliogra iaMello Franco (Afonso Arinos de),177, nota 4Mello Franco (Francisco Martins de), I 77, nota 4Mello Franco (Virgilio Martins de),177, nota 4Mendes (!.),177Mendes de Almeida (Fernando),177, nota 4Mendieta y Nunez, 7, nota I 3Menezes (Anderson de),190, nota 5Menezes (Djacir), 7, nota 13; e bibliogra iaMerkel, 55,144,196, 200 e bibliografiaMetal (R.A.),197, nota 37Meyer, I 90Meynial, 86Miceli, 55Miranda Rosa, 7, nota 13Mitteirand (F.),178Modestino, 80Moisés,189, nota 1Mommsen,172Monod, I 1Monroy Cabral (Ni. G.), bibliografiaMontesquieu,7,19,70;71,nota5;178,184,186 e 199Montfordt,178, nota 7Montoro (A.F.), bibliografiaMorais Filho (E. de), 7, nota 13MorandiŠre, bibliografiaMore (T.),194Morgan,167,185;185, nota 1; e 199Morin, 81,170e l99Mouchet (C.), bibliografiaMousseron, 86, nota 3Munch,198, nota 43

N

Nader (Paulo), bibliografiaNapoleão, 28, 79, 87,137 e 166Navarrini,130Niboyet,112Nicéforo,14, nota 3; e 105Niederer,112Nieto Arteta (L. E.),198, nota 45Nóbrega (J.F. da), bibliografaNogueira Saldanha (N.), 7, nota 13<012>

404Paulo Dourado de Gusmão

Nunes de Leão (D.),177Nunes Leal (V.),190, nota 5

O

Oertmann, bibliografiaOlano, bibliografiaOlivecrona, 31 e 201Oliveira Cân<*-*>do (L. M. de), 5, nota 10Oliveira Filho (B.), bibliografiaOliveira Menezes (Rodrigo Octavio de), 177, nota 4Oppenheimer,185 e 189Orange (Guilherme de),178, nota 10Orgaz (A.), bibliografiaOrlando,190Ortolan, 5, nota 10; e 144Ortega y Gasset,198Osilia,139Ótão III,178

PPacchioni,114, nota 1;139 e bibliogra iaP<*-*><*-*>_n,105Papiniano, 50 e 80Pascal,10, nota 11Patrizi,1 OSPaulo, 80Paupério (A. Machado), biblioerafiaPedro I (Dom),177Pedroso (Antônio Carlos de Campos), bibliogra- iaPella, 91; e 91, nota 3Pende,105Penna (Affonso),177, nota 4Perass (T.), bibliografiaPereira (J. Clemente),177Perez (Gabriel Nettuzi),154Pergolesi,126Péricles,178, nota 3Perillo (E. A.), bibliografiaPerran<*-*>?o,12Perrot,104Perticone, 6Pescatore, b_bliografiaPessoa (Epitácio),177, nota 2Petrone, 43Piaget, 43, nota 2Pillet, 68 e 140

Pimenta Bueno,177Pinatel,16Pinto (F.), 78, nota 1Pinto Ferreira,190, nota 5Pio X,162Piragibe da Fonseca (R.), bibliografiaPisítrato, I 78Planiol,143; e 142, nota 6Platão, 4 I ,190 e 194Plutarco, 5, nota 10Pollock, 5, nota 1 IPontes de Miranda,1; 7, nota 13; 80, nota 4;177 e bibliografiaPortalis,141Post, 5, I 68 e 196Pothier, 80, nota 3Pound,196,199 e 199, nota 64Protágoras, I, nota 2

Prudente de Moraes,177Puchta, 74, nota 2, e 195Pufendorf,192Pugliese,102

Queirós (J. l.), 7, nota 13; e 199, nota 5Queirós Lima, bibliografia

R

Rabel, 5Radbiuch, 25, 192; 197, nota 38; 198, 200 e bibliografiaRaffo, I 98, nota 46Ramalho (Barão de), § 135, nota 7Ramos Mejía (E.),198, nota 46Ratzenhofer,184Rau, 80, nota 4; e 172Ravà, bibliografiaRawls (J.),193 e bibliografia .Reale (M.),1, nota 3; 20, 25;190, nota<*-*>5;198 e bibliografiaRecaséns Siches, 25, 46,198 e 198, nota 47Renan,182Renard, 22,154,192;192, nota 6;199, nota 65; 202 e bibliografiaRévigny, 86

Ribas (Antonio Joaquim),177, nota 4Richard Pipes,166, nota 23Rickert,195Ripert, 21, 32, 43, 66, 89,120 e 170Robinson,197Rocco,105Rocha Guimarães,132, nota 5Rodrigues Alves,177Rodrigues (F.),174Rodrigues Pereira (Lafayette),177, nota 4Rodrigues (S:), bibliografaRoguin, 6, nota 12; e 144Rojina Villegas (R.), bibliografiaRomagnosi,105Romero (Sylvio),177 e 177, nota 4Ronsard,189Roosevelt,177Ross, 31, 74, 201 e bibliografiaRossi,105Rotondi,158Rouast, 66Roubier, 6, 27, 34, 35, 43,126,142,179; 202, nota 72; e bibliogra iaRousseau, 31,178,184,190,193; e 193, nota 11Ruiz de Erenchun (A. F.), bibliografaRümelin,137Rundstein,194, nota 37; e 200<*-*>..Russell (B.), 27

S

Saldana (Q.),14, nota 3; e 177, nota 4Saldanha (Nelson), 7, nota 7Saleilles, 5, 32,137,166 e 199

Salles Gontijo (N.), bibliografaSalmond, 5Sampaio Ferraz Filho (T.),198, nota 47Santi Romano, 22Santo Agostinho,178 e 194Santoro Passarelli, bibliografiaSantos Amaral (F.), bibliografia, nota 2Saraiva (J. H.), bibliografaSarfatti, 5Sauer,198, nota 44Savatier, bibliografa <*-*>Savigny,11; 74, nota 2; 87,143,144, l54,195 e 202

405

Intmdução ao Estudo do Direito

Sayão de Bulh<*-*>es Carvalho (J. E.),177, nota 4Scelle, bibliografiaScialoja,120,121,122e 127Sebastião (Dom),177Seeling,14, nota 12; e 18Seidl,158Seydel, 200Sibert, 83Silva Costa (José da), I77, nota 4Silva Lisboa (José da),177, nota 4Simmel,10, nota 8Simone de Bouvoir,178, nota 18Sócrates,178Sólon,163, nota 5; I77,193 e 202Solus,105Somló (G.), nota 12Sorokin,1;10, nota 16; I l, 20, 25, 26, 28, 49 e 192Souza (H. de),177Souza (José Pedro Galvão de), bibliografiaSpasiano,121Spencer,195 e 199Spengler,10, nota 16; 28,192 e 195Spinosa, 7Stammler,10,11, 20, 24, 30, 32, 46,192,192; nota 6;197,199;199, nota 67; e 202Starck, 167Sternberg, bibliogra iaStrenger (I.),198, nota 47Sumner Maine, 5, 7,167,170,184,184; nota 1; 196 e 199

T

Teixeira de Freitas, 85;114, nota 1;132 e 177Telles Junior (G.), 31Tenório (O.), 79, nota 2Terré (F<*-*>, bibliografaTheodosius II,157, nota 10Thibaut, 85 e 195Thomasius, 3 I e 43Thon, 87 e 147Timasheff, 7, 27 e 43Tobias Barreto,177Tomasetti Jr. (Alcides), § 137, nota 7Toranzo (M. V.), bibliografiaToreé (A.), bibliogra iaTorres Lacrone (F.), bibliografiaToynbee,10, nota 16; 25 e 26

<012>

404Paulo Dourado de Gusmão

405

Introdução ao Estudo do Direito

Nunes de Leão (D.),177Nunes Leal (V.),190, nota 5

O

Oertmann, bibliografiaOlano, bibliogra iaOlivecrona, 31 e 201Oliveira Cândido (L. M. de), 5, nota 10Oliveira Filho (B.), bibliografiaOliveira Menezes (Rodrigo Octavio de), 177, nota 4Oppenheimer,185 e 189Orange (Guilherme de),178, nota 10Orgaz (A.), bibliografiaOrlando,190Ortolan, 5, nota 10; e 144Ortega y Gasset,198Osilia,139ótão Ill,178

PPacchioni,114, nota 1;139 e bibliografaPannain,105Papiniano, 50 e 80Pascal,10, nota 11Patrizi,105Paulo, 80Paupério (A. Machado), bibliografiaPedro I (Dom),177Pedroso (Antônio Carlos de Campos), bibliogra- iaPella, 91; e 91, nota 3Pende,105Penna (Affonso),177, nota 4Perass (T.), bibliogra iaPereira (J. Clemente),177Perez (Gabriel Nettuzi),154Pergolesi,126Péricles,178, nota 3Perillo (E. A.), bibliografiaPerrando,12Perrot,104Perticone, 6Pescatore, bibliografiaPessoa (Epitácio),177, nota 2Petrone, 43Piaget, 43, nota 2Pillet, 68 e 140

Pimenta Bueno,177Pinatel,16Pinto (F.), 78, nota 1Pinto Ferreira,190, nota 5Pio X,162Piragibe da Fonseca (R.), bibliografiaPisítrato,178Planiol,143; e 142, nota 6Platão, 41,190 e 194Plutarco, 5, nota 10

Pollock, 5, nota 11Pontes de Miranda,1; 7, nota 13; 80, nota 4;177 e bibliografiaPortali s,141Post, 5,168 e 196Pothier, 80, nota 3Pound,196,199 e 199, nota 64Protágoras,1, nota 2Prudente de Moraes,177Puchta, 74, nota 2, e I 95Pufendorf,192Pugliese,102

Queirós (J. J.), 7, nota 13; e 199, nota 5Queirós Lima, bibliografia

R

Rabel, 5Radbruch, 25, 192; 197, nota 38; 198, 200 e bibliografiaRaffo, I 98, nota 46Ramalho (Barão de), § 135, nota 7Ramos Mejía (E.),198, nota 46Ratzenhofer,184Rau, 80, nota 4; e 172Ravà, bibliografiaRawls (J.),193 e bibliogra iaReale (M.),1, nota 3; 20, 25;190, nota<*-*>5;198 e bibliogra iaRecaséns Siches, 25, 46,198 e 198, nota 47Renan,182Renard, 22,154,192;192, nota 6;199, nota 65; 202 e bibliografiaRévigny, 86

Ribas (Antonio Joaquim),177, nota 4Richard Pipes,166, nota 23Rickert,195Ripert, 21, 32, 43, 66, 89,120 e 170Robinson,197Rocco, I05Rocha Guimarães,132, nota 5Rodrigues Alves,177Rodrigues (F.),174Rodrigues Pereira (Lafayette),177, nota 4Rodrigues (S:), bibliogra iaRoguin, 6, nota 12; e 144Rojina Villegas (R.), bibliografiaRomagnosi,105Romero (Sylvio),177 e 177, nota 4Ronsard,189Roosevelt,177Ross, 31, 74, 201 e bibliografiaRossi,105Rotondi,158Rouast, 66Roubier, 6, 27, 34, 35, 43,126,142,179; 202, nota 72; e bibliograFaRousseau, 31,178,184,190,193; e 193, nota 11Ruiz de Erenchun (A. F.), bibliografiaRilmelin,137Rundstein,194, nota 37; e 200Russell (B.), 27

S

Saldana (Q.),14, nota 3; e 177, nota 4Saldanha (Nelson), 7, nota 7Saleilles, 5, 32,137,166 e 199Salles Gontijo (N.), bibliografiaSalmond, 5Sampaio Ferraz Filho (T.),198, nota 47Santi Romano, 22Santo Agostinho,178 e 194Santoro Passarelli, bibliografiaSantos Amaral (F.), bibliografia, nota 2Saraiva (J. H.), bibliografaSarfatti, 5Sauer,198, nota 44Savatier, bibliogra iaSavigny,11; 74, nota 2; 87,143,144,154,195 e 202

Sayão de Bulh<*-*>es Carvalho (J. E.),177, nota 4Scelle, bibliografaScialoja,120,12I,122e 127Sebastião (Dom),177Seeling,14, nota 12; e 18Seidl,158Seydel, 200Sibert, 83Silva Costa (José da),177, nota 4Silva Lisboa (José da),177, nota 4Simmel,10, nota 8Simone de Bouvoir,178, nota 18Sócrates,178Sólon,163, nota 5;177,193 e 202Solus,105Somló (G.), nota 12Sorokin, l;10, nota 16;11, 20, 25, 26, 28, 49 e I92Souza (H. de),177Souza (José Pedro Galvão de), bibliografiaSpasiano,121Spencer,195 e 199Spengler,10, nota 16; 28,192 e 195Spinosa, 7Stammler,10,11, 20, 24, 30, 32, 46,192,192; nota 6;197,199;199, nota 67; e 202Starck,167Sternberg, bibliografiaStrenger (I.),198, nota 47Sumner Maine, 5, 7,167,170,184, I84; nota 1; 196e 199

T

Teixeira de Freitas, 85;114, nota 1;132 e 177Telles Junior (G.), 31Tenório (O.), 79, nota 2Terré (F), bibliografaTheodosius II,157, nota 10Thibaut, 85 e 195Thomasius, 31 e 43Thon, 87 e 147Timasheff, 7, 27 e 43Tobias Barreto,177Tomasetti Jr. (Alcides), § 137, nota 7Toranzo (M. V.), bibliografia

Torré (A.), bibliografaTorres Lacrone (F.), bibliografiaToynbee,10, nota 16; 25 e 26<012>

406

Paulo Dourado de Gusmão

Treves (R.),199, nota 66Triepel, 91Trigeaud (J. M.), bibliografiaTurgot,193, nota 11

U

Ulpiano, 6, 80;157, nota 11Ure (E. J.),198, nota 45

V

Valentin, l 2Valeriano I,157, nota 10Valery (P.),10, nota 16; e 28Vanni, 46, 52,196 e bibliografiaVannini,105Vampré (Spencer),177 nota 4Vargas (Getúlio),123, nota 4Vasques (L.),177Veiga (Glaucio),177 nota 2Venâncio Filho (Alberto),177 nota 4Venzi, bibliografaVerdross, 68, 70, 84, 89 e 200Vilanova (J.),198, nota 44; e bibliogra fiaVilanova (L.),190, nota 5

Vinogradoff, I 65Visconde de Cairu,177Vitória (Francisco de), 89Vivante,118Voltaire,189; e 192, nota 11

w

Wald (Amoldo), bibliografiaWeber (Alfred),195Weber (Max),1, 20, 23, 24, 27, 37 e 199Weiss,143Westermarck,167Weyer,197, nota 37; e 200Whitaver da Cunha (F.),190, nota 5Wilson, 92Windelband,197Windscheid, 44; 80, nota 4;147,156 e bibliogra- fiaWolff (H. J.), 86

Z

Zacchi,12Zaratustra,191, nota 1Zittelmann, 36; 74, nota 2; e 139Zorraquin Becu (R.), bibliografia

ÍNDICE DE MATÉRIAS

(Os números se referem aos parágrafos. Para orientação do estudante, algumas matérias sâo acompanhadas de notas explicativas.)

A

Ab-rogação da lei,140Absolutismopolítico,178,185,186e 193Abstração (caráter da norma),150Abuso do direito,147 e 152Academia de São Paulo,177Academia paulista,177, nota 2Ação, 23,135,146 e 147 - classificação,135, nota 2 - natureza do direito de,135Ação pessoal,135, nota 2Ação popular pública, 30 e 147Ação real,135, nota 2Acordo, 83, nota 1Act of Habeas Corpus,178, nota 8Advocacia (exercício da),128Adágios, 3, nota 7Aforismo, 3, nota 7Agência Intemacional do Trabalho, 95Alienação fiduciária,177Analytical Jurisprudence,196Analogia,135 e 139Ancien Régime,178;178, nota 11; e 193Antinomia,134Antropologia criminal,15Anulabilidade,155Aplicação do direito, 67 e 135 - natureza do ato de,135Aplicação do direito estrangeiro,135 e 143Apriorismojurídico,197 e 200Aquisição do direito subjetivo,149 - derivada,149 - originária,149

Artigos da Confederagão,178, nota 13Ato administcativo (denominaç<*-*>es),155, nota 1Ato a título gratuito,155Ato a título oneroso, I55Ato do estado civil,153Ato ilícito,155Ato inter vivos,155Ato jurídico, I 55 - anulação do,155 - bilateral,155 - coletivo,155 - complexo,155 - condição (resolutiva e suspensiva),155 - condiç<*-*>es de validade do,155 - elementos do,155 - formal,155 - ilícito,155 - lícito,155 - não-consensual,155 - nulidade do,155 - solene,155 - termo (inicial e final) do,155 - unilateral,155 - vício de vontade anulador do,155Ato mortis causa,155Ato normativo, 79Ato-regra, 79

Autocracia,178,186 e 193Autonomia,160Autonomiadavontade,115;155(principalmen- te);165,170 e 190Autonomía privada,153Autoridade de coisa julgada,142 e 146Axiologia jurídica,198<012>

408

Paulo Dourado de Gusmão

B

Bartolistas, 87Bem (objeto do direito),156Bem dominial,156, nota 2Bem de uso comum,156, nota 2Bem de uso especial,156, nota 2Bilateralidade do direito, 31, 43 e 49Bill ofRights,178, nota 7Bons costumes,143Brevianim Alarici, I 65

C

Caducidade,145Canones,165, nota 15Capacidadejurídica, I 53Capacidade de exercício do direito,153Capacidade de fato,153"Capitulares",165, nota 10"Carta das Naç<*-*>es Unidas", 95` `Carta de Bogotá'', 96Casamento,169Casuísmo (direito arcaico),157 e 160Categoria, 3 e 197Cidade-Estado,178Ciência do direito,1, 2, 3 e 4` `Ciência pura do direito' ',197 e 200Ciências auxiliares do direito,11 a 18 - Antropologia Criminal,15 - Criminalfstica,18 - Economia,11 - História, I 1 - Medicina Legal,12 - Psicologia,11 e I 3 - Psicologia Criminal,16 - Psicologia Judiciária,13 - Sociologia,11 e 17 - Sociologia Criminal,17Civilizaçãn e direito, 26Classificação das normasjurídicas, 56Classificação das sanç<*-*>es juridicas, 54Classificação dos direitos subjetivos,148Classificaçãojurídica, 3Classificação (tócnica usada na ciênciajuridica), 3Cláusula penal,116Clementina Saepe, I 72

Coação do direito, 3 I, 42, 45, 51 e 197, nota 36 Coação (vício do consentimento), I55 Coatividade. Vide ` `coação do direito" Codex, 86 e 86, nota 1 Codex Gregorianas,164; e 164, nota 9

Codex Hermogenianus,164; e 164, nota 9 Codex iuris canonici,165 Codex Justinianus,164;164, nota 8;162 Codex Maximilranus Bavaricus, 86 e 115, nota 2Codex Theodosianus,164; e 164, nota 9Codificação, 86Código, 86Código canônico,165Código Civil alemão, 86,166Código Civil francês, 68, 78, 86 e 166Código de Drácon,163, nota 5Código de Hamurabi, 86 e 160Código de Justiniano,164;164, nota 8; e 165Código de Manu,162Código de Sólon,163, nota 5Código de Ur-Namu, 2, 86 e 160Código de Napoleão, 66, 78, 86 e 166Códigos europeus,166Código filipino,177Código sebastiânico,177Coercibilidade, 31, 43, 46, 52 e I97, nota 36Cognome,153Coisa,156 - tipos de, I 56Coisajulgada,135,142 e 146Coisa pública,156, nota 2` 'Coleção de D. Duarte'' ,177` `Comentaristas'', 87Comissão Interamericana de Energia Nuclear, 130Comissão Nacional de Energia Nuclear,131Common law, 38, 77, 78, 86 e 166Competência,135, nota 1; e 155Compilação, 86Computadores interligados e os negóciosjurídi- cos, 3Comunidade Européia (CE), 57 nota 1; e 96Comunismo primitivo,168é 169Comunis opinio doctoriim, 8 IConceito ideal do direito, 202Concentração de poderes, I85,183 e 186Conceptualismo jurídico,196, nota 24

Concessão comercial,137, nota I ; e 139, nota 3Concordata, 81, nota 1Concubinato,137, nota 2; I39, nota 3;154 e 167Consuetudine, 75Condição (ato jurídico),155Condiç<*-*>es de validade do ato de direito privado, 155 - do ato de direito público, I55Confedecação,183Contlito de leis no espaço,1 I 2, I35 e 143Conflito de leis no tempo,135 e 142Conflito social, 21 - e direito, 21Confusão de poderes,178,185 e I86"Congresso de Filadélfia",178, nota 10"Congresso de Viena",178, nota 10Consolidação, 86"Consolidação das Leis Civis",115, nota 2Constitucionalidade, 63, 71 e 135Constituição, 63, 70, 99 e 135 - tlexível 63, 70 e 135 - liberal ,189 - outorgada, 70 - promulgada, 70 - ratificada, 70 - rígida, 63, 70 e 135Constituição, evolução da idéia de, 70

Constitucionalidade, exame da, 68 e 135Construção jurídica, 3Consaetudo est servanda, 84 e 85Contatos entre os direitos,132Contrato, 166 - evolução do,170Contrato coletivo de trabalho, 79Contrato-lei. O mesmo que ` `contrato coletivo de trabalho"(vide)Contrato-norma. O mesmo que "contrato cole- tivo de trabalho'' (vide)Contrato social,178,185,192 e 193Contratualismo jurídico,193Contravenção,109Convenção, 83Convênio fiscal, 68, notas 4 e 6Convênio internacional, 83Corporação de mercadores,118 e 165Corpus,165, nota 14Corpus iuris canonici,165

409

Introdução ao Estudo do Direito

Corpus iuris civilis, 86 e 164Correntes do pensamentojurídico,191 a 202Corte de Justiça (CEE), 96Corte Permanente de Arbitragem, 95Corte Internacional de Justiça, 95Corte Permanente de Justiça Internacional, 95Costume, 21, 75 a 77, 84 - contra legem, 75 - e lei, 75 - e jurisprudência, 75 - elementos do, 75 - extinção do, 75 - fonte do direito internacional, 84 - fonte principal do direito, 75 - fonte subsidiá<*-*>ia do direito, 75 - força obrigatória do, 75 - intemacional, 84 - na sociedade arcaica, 21, 77 e 137 - noção do, 75 - praeter legem, 75- prova do, 76- secundum legem, 75- tipos de, 75- valor do, 75 - vantagens e desvantagens do, 75` `Courts of Piepowders ' ',165Criação do direito pelo juiz, 80 e 135Crime,104,105,160 e 164Crime militar,106Crime transnacional,132Crimes de guerra, 92Criminalística,18Criminologia,14Crise do direito natural,192Crise do Estado-Nação,182Criticismo,196, nota 30C Silpa,155,157,164,163 e 169Cultura e direito, 25Culturalismo jurídico, I 98

D

Darwinismojuridico,185,189 e 199Darwinismo sociológico,185,189 e 199Decadência,145Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, 97, nota 13<012>

410Paulo Dourado de Gusmão

411

Introdução ao Estudo do Direito

` `Declaração da Independência' ',178, nota 11 Declaração de direitos, 7 I ,175,178, nota 11;191 e 202 ` `Declaração dos Direitos do Homem e do Cida- dão", 91, 93, 95,175,178 e 192 Declaração dos Direitos Humanos (Convenção Européia), 97 ` `Declaração Universal dos Direitos'' (ONU), 91 e 192Decreto legislativo, 68; 69, nota 2; e 72Decreto-lei, 73Definição do direito, 19 e 30. Vide também ` `conceito do direito''Definiç<*-*>es do direito. Nota no final do Cap. IVDelegação de atribuiç<*-*>es,155Delegação de poderes,155Democracia,178 e 187Democracia grega,163 e 178Denominação (pessoa jurídica),154Deontologia juddica,10Denogação da lei,140"Descobrimento livre do direito",134 e 199Dcspotismo,178,186 e 187Destinatário da normajurídica, 55Destinário do direito, 55Desuso da lei,140 e 141Detem<*-*>inismo econômico, 66,194 e 199Deateronomia,161Dever,151Dever jurídico,151 - negativo,151 - positivo,15 IDeverjurídico e dever moral,151Dever moral. Vide ' 'dever''Digestorum,164Direç<*-*>es do pensamentojurídico,191 e 202Direito,1 I, 21; 30 a 32; 43 a 47 - altemativo,137, nota 4- como fato social, 30- conceito do, 31. Vide "noção do direito", 202- co<*-*>cei<*-*> ideal do, 202- constitucionalidade do,135- definição do,19 e 30- e as demais nomias sociais, 46- e civilização, 26- e cultura, 25 e 26- e icácia do, 39

- e eqtlida<*-*>, 44 - e determinismo econômico, 24,196 e 199 - e economia, 24 e 199 - e espaço social, 28 - e fato social, 20 - e fatores sociais, 22 - e justiça, 45

- e lei física, 47 - e moral, 43 - e norma técnica, 47 - e poder, 27 - e relaç<*-*>es sociais, 21 - e revolução, 29 - e sociedade,19 - e tempo social, 28 - objetivo, 33 - positivo, 32 e 196 - revogação do,137 e 140 - social,124,196 e I99 - validade do, 37 - vigência do, 38Direito a alimentos,126 e 129Direito absoluto,145 e 148Direito administrativo, 99 e 102 - e direito civil,129 e 132 - e direito constitucional,132 - e direito do trabalho,132 - e direito intemacional,132 - e direito penal,132 - e direito processual,132Direito adquirido, I42 e 148Direito aeronáutico, I 20 - e direito civil,132 - e direito comercial,132 - e direito intemacional,132 - e direito marítimo,132 - evolução,120Direito à filiação,129Direito agrário,125Direito altemativo,137, nota 4Direito ao parentesco,129Direito arcaico,17, I 57 e 158Direito assírio,160, nota 2Direito astral, 94, nota 5Direito astronáutico, 94, nota 5Direito atômico. Vide "direito nucleac"Direito "bárbaro",165Direitobizantino,161 e 164

Direito canônico,162 e 165 Direito, caracteres do, 3 I, 48, 49, 50, 51, 52, 53 e 202 Direito civil, I 14,165,166 a 168 e 177 - e direito administrativo,132 - e direito aeronáutico,132- - e direito comercial,132 - e direito constitucional,132 - e direito do trabalho,132 - e direito fenoviário,132 - e direito iscal,132 - e direito marítimo,132 - e direito penal,132 - e direito processual,132 - evolução do,115 - evolução de setores fundamentais,167 a 179 Direito codificado, 87 Direito coercitivo (direito impositivo), 52 e 61 Direito comercial,117 - e direito aeronáutico,132 - e direito civil,132 - e direito constitucional,132 - e direito do trabalho,132 - e direito intemacional,132 - e direito marftimo,132 - e direito penal,132 -evolução do, I 18; e 118, nota 3 Direito comparado,1, 5

Direito comum, 57, 86,1 I6,164 e 165 Direito comunitácio, 57, nota 1; 97; e 123, nota 1 Direito, conceito ideal do, 202 Direito condicionado, 59 Direito constitucional, 202 - e direito administrativo,132 - e direito civil,132 - e direito comercial,132 - e direito de familia,132 - e direito do trabalho,132 - e direito financeiro,132 - e direito fiscal,132 - e direito intemacional,132 - e direito judiciáiio,132 - e direito penal,132 - e direito processual,132 Direito consuetudinário, 74 a 77; 82,157,195 Direito consuetudinário senhorial,165 Direito continental, 77, 78, 79, 84, 86 e 166

Direito contravencional,109Direito convencional disciplinar,105, nota 1Direito convencional penal,105, nota 1Direito corporativo,148, nota 2Direito cósmico, 94; e 94, nota 5Direito cosmonáutico, 94 - e direito intemacional,132Direito da navegação,121Direito das cidades,165 <*-*>Direito de ação,135 e 147Direito de coordenação, 90 e 91Direito de crédito,148Direito de delimitação,112Direito de energia nuclear, vide Direito nuclearDireito de exceção, 58Direito de execução, 58Direito de familia,128 - e direito constitucional,132Direito, definição do, 31, 48,199 e 201 (noção ideal)Direito, definiç<*-*>es. Nota no final do Cap. IVDireito de liberdade, I 88Direito de previdência e seguridade social,131, nota 6Direito de subordinação, 89 e 90Direito de sucessão, evolução do,171Direito diplomático, 93Direitodisciplinar,107e 116Direito disciplinar privado,116Direito dispositivo, 61Direito dos tratados, 83Direito do trabalho,123 e 126 -e direito administrativo,132 - e direito civil,132 - e direito comercial,132 - e direito constitucional, I 32 - e direito intemacional,132 - e direito marítimo,132 - e direito processual,132 - e direito sindical,132 - raz<*-*>es de seu aparecimento e sua evolução, I29Direito dos particulares,111Direito doutrinal (doutrina como fonte do direi- to), 81Direito e civilização, 26Direito e computador, 3Direito e cultura, 25<012>

412

Paulo Dourado de Gusmão

Direito e economia, 24, 66,197 e 199 Direito econômico,122 Direito, eficácia do, 39 Direito egípcio arcaico,159 Direito e eqüidade, 44 Direito e espaço social, 28 Direito e Estado, 27,179 e 196 Direito e fato social, 20 Direito e justiça, 45 Direito eleitoral,100 Direito e moral, 43 Direito e poder, 27 Direito e relaç<*-*>es sociais, 21 Direito e sanção, 52 e 53 Direito e sociedade,19 a 24;195 e 199 Direito espacial, 94 Direito especial, 58 Direito e tempo social, 28 Direito eventual,150Direito executivo penal e direito penal,110Direito, exeqüibilidade do, 40Direito extra-atmosférico, 94, nota 5D_reito falimentar,130Direito, fato social, 20Direito ferroviário e direito civil,132 - e direito marítimo,132Direito federal, 57Direito feudal,165Direito financeiro,103 - e direito civil,132 - e direito constitucional, I 32Direito, fontes do, 65 a 85Direito foralício,177Direito formal,1 I 1, nota 5Direito geral, 50 e 58Direito germânico,162Direito grego arcaico,163Direito hebraico,161Direito ibérico, fontes históricas,174, nota 1Direito hitita,160, nota 2Direito impositivo, 61Direito inatu, I 48Direito individual, I41, nota 1;148, nota 2;189 e 192Direito industrial,129Direito infra-estatal, 78 a 81Direito insurgente,137, nota4Direito interplanetário, 94, nota 5

Direito intersideral, 94, nota 5 Direito institucional,147, nota 2 Direito intemacional, 88, 89 a 94, 97,100; e 131 a 134 - e direito administrativo,132 - e direito aeronáutico,132 - e direito comercial,132 - e direito constitucional,132 - e direito cosmonáutico, 92 e 132 - e direito do trabalho,132 - e direito marítimo, I 32 - e direito penal,132 - e direito processual,132 - lacuna do, 82 e 139 Direito intemacional do trabalho,125 Direito intemacional penal, 92, nota 3

Direito internacional privado,109,132 e 140 Direito intemo, 90,112,135 e 143 Direito interprivado,112 Direito institucional,127 Direito, inter-relaç<*-*>es entre os vários tipos de, 132Direito intertemporal,132 e 140Direitojudiciário,104 e 111 - e direito constitucional,132 - e direito processual,132Direito jurisprudencial, 81 - anglo-americano,166 - corporativo (medieval),165 - em Roma, I 64Direitojusto, 46,192,197,198 e 202Direito, legitimidade do, 41Direito livre,134,139 e 199Direito local. Vide "direito particular"Direito marítimo,119 - e direito aeronáutico,132 - e direito civil,132 - e direito comercial, I32 - e direito do trabalho,132 - e direito ferroviário,132 - e direito intemacional,132 - evolução do,120Direito, matéria do, 66Direito material,111;111, nota 6Direito matrimonial,129Direito medieval,165Direito misto, 89, I 18 a 131Direito nacional, 90Direito não-adquirido,14

Direito não-patrimonial,148Direito natural, 32; e 193 a 197 - e direito positivo, 32"Direitonaturaldeconteúdoprogt<*-*>ssivo",192;192, nota 6; e 197"Direito natural de conteúdo variável",192; e 192; nota 6, e 197"Direito natural irredutível",192 e 192, nota 6"Direito natural jurídico",192"Direito natural minimalizado",192, nota 6"Direito natural moral", I92Direito, noção do, 30 (de inição do),197 e 202 (noção ideal)Direito nuclear,132Direito objetivo, 33Direito obrigacional,148Direito originário,148Direito particular, 57Direito patrimonial,148Direito penal,105 a 109 - e direito administrativo,132 - e direito civil,132 - e direito comercial,132 - e direito constitucional, I 32 - e direito executivo penal,132 - e direito internacional,132 - e direito penitenciário,132 - evolução do, I 04Direito penal contratual,105, nota 1Direito penal corporativo,105, nota 1Direito penal de conflito,108Direito penal interestatal,1 OSDireito penal interestatal,108Direito penal internacional, 92 - em sentido restiito, 92, nota 3; e 108Direito penal militar,106

Direito penal não-criminal,105, nota 1Direito penitenciário,109 - e direito penal,132Direito persa,160, nota 2Direito personalíssimo,148 e 149Direito pessoal,148Direito político,100Direito português, fontes históricas,174, nota 1Direito positivo, 31 - e direito natural, 32 - evolução do,157 a 178 - histórico da noção, 31, nota 1Direito potestativo,147

413

Introdução ao Estudo do Direito

Direito previdenciário,131, nota 4Direito primitivo,157 e 158Direito privado, 88,113 a I 17 - e direito público, 88Direito privado disciplinar,115Direito privado europeu, formação do,163,164, 165 e 166Direito processual, I 11Direito processual civil,11 I - e direito constitucional,132 - e direito civil,132 - e direito do trabalho,132 - e direito internacional,132 - e direito processual penal,132Direito processual penal,111; e 111, nota 8 - e direito penal,132 - e direito processual civil,132Direito profissional ,127Direito público, 86, 88 a 96 (direito público inter- nacional) e 98 a I I3 (direito público interno) - e direito privado, 88Direito público estadual, 88Direito público externo, 88Direito público federal, 88Direito público intemacional, 88Direito público intemo, 88Direito público subjetivo,148Direito público constitucional, formação e evolu- ção do, 72 e 189Direito real,148Direito regular, 59 <*-*>Direito relativo,148Direito romano,164Direito sindical,124 - e direito do trabalho,132Direito singular, 59Direito sob condição,150Direito sobre a própria pessoa,156Direito social,126;147, nota 1; e 199 - teoria do,199Direito subjetivo,147 a 152 - abuso do,152 - aquisição do,149 - classificação do,148 - e dever jurídico,151 - e faculdade, I 50- e lícito jurídico, I 50- e posiçãojurídica,150<012>

414

Paulo Dourado de Gusmão

- e status,150 - exercício do, I 52 - extinção do,149 - noção do,147 - teorias do,147Direito subjetivo intemacional,148Direito subjetivo privado,148Direito subjetivo público,148Direito sumulado, 80Direito supralegal, 82 a 85 e 91 a 97Direito transitório, 59Di reito tributário,103Direito, unidade do,133Direito uniforme, 59Direito, validade do, 37Direito, vigência do, 38Direitos fundamentais,148Direitos individuais,148Direitos coletivos,148Direitos do homem,148Direitos, pluralismo dos,133Direitos sociais,148Dirigismo contratual,170Disposiç<*-*>es transitórias, 59 e 140Ditadura, I 78 e 187 'Divisão de poderes, 71,178,184 e 186Divisibilidade do poder do Estado (questão da),186Dogmáticajurídica, IDogmatismo,137 e 197Dolo (vício do consentimento, causa da anulabi- lidade do ato),155Domicílio,143,153 e 154Domicilio (princípio do),143Doutrina (fonte do direito), 74 e 82 - contra legem, 82 - e costume, 82- e jurisprudência, 82- e lei, 82- praetc<*-*> legem, 82- secandum legem, 82- valor da, 82 - vantagens da, 82Doutrina da força normativa dos fatos, 75Doutrina do Círculo de Viena, I 96

E

Economia,11, 66, I97 e I99Economia e direito,1 I, 24, 66,197 e 199Editum Theodorici,165Efetividade, 39Eficácia do direito, 39E icácia da lei no espaço,143Eficácia da lei no tempo,135,140 a 142Emenda constitucional, 63Enciclopedistas,189"Engenharia Social",199, nota 67Entidade jurídica,154Epistemologia jurídica,10Eqüidade, 44, 85,135,139Erro, I 55Erro de direito,136 e 155Escola Analítica de Jurisprodência,196, nota 28

Escola clássica de direito penal,105Escola de Bolonha, 87 e 165Escola do Recife,177Escola Etimológica de Jurisprudência,196, nota 31Escola de Exegese,1,137,196 e 199Escola de Upsala, 201, nota 69Escola de Viena,197, nota 35;197 e 200Escola do direito livre, 19,137,139 e 199Escola do direito natural,192 e 193Escola do Recife,177, nota 2Escola dos dialéticos, 87Escola dos glosadores,112Escola Egológica,198, nota 47Escola histórica do direito, 84 e 195Escola histórica inglesa,199Escola positiva de direito penal,105Escola técnico-jurídica,105Escolas penais,1 OSEspaço interplanetário e direito, 95Espaço intersideral e direito, 95Espaço intra-estelar e direito, 95Espaço social e direito, 28Espírito do povo (fonte do direito),195Estado, I 79 a 190Estado e direito,179Estado e liberdade,188Estado federal,183

Estado, formas do,183Estado, funç<*-*>es do,184Estado, govemo do,187Estado intervencionista,187, nota 4Estado liberal,187, nota 3Estado modemo, aparecimento do,178Estado-Nação, crise do, I 83"Estado natural" e "estado social",192 e 193Estado pessoal,150Estado social (Estado de bem-estar social),187, nota 3"Estado social" (constituído pela vontade geral) e "estado natural",192 e 193Estado unitário,183"Estatuto de Oxford",178, nota 4Estratificação social, 26 e 27Etnologismo jurídico,192Euraton,131Evolução do direito,157,132,174 a 177 (direito brasileiro)Evolucionismo,199, nota 61Exeqüibilidade do direito, 40Exercício do direito,152Expectativa do direito,150Experiênciajurfdica,1, nota 3Extinção de direitos,149Extradição,108

F

Faculdade (direito subjetivo),148Famflia, transfomiação da,167Fato jurídico,155Fato normativo,199Fato social, 20 - e direito, 20Fatores da dinâmica social, 23 e 66Fatores sociais do direito, 21, 22, 23, 25, 28, 29, 30 e 66

"Fetichismo legal",137,196 e 199Feudalismo,165 e 178Ficção (processo técnico do direito),3Filosofia do direito,10Finalidades do direito, 202Fonte consuetudinária do direito, 74 a 78 e 85Fonte de cognição do direito, 68, nota 1Fonte de conhecimento do direito, 68, nota 1

415

Introdução ao Estudo do Direito

Fonte de produção jurídica, 68, nota 1Fonte de qualificação, 68, nota 1Fonte do direito, 70 a 85Fonte do direito intemacional, 84 e 85Fonte do direito subjetivo,155Fonte doutrinal do direito, 8 IFonte estatal do direito, 69 a 73Fonte extra-estatal do direito, 82 a 85Fonte formal do direito, 67, 69 a 85Fonte infra-estatal do direito, 76 a 81Fontejurisprudencial dodireito, 80Fonte material do direito, 66Fonte primária do direito, 67Fonte secundária do direito, 67Fonte supra-estatal do direito, 82 a 85Fontes atípicas do direito, 68, nota 4Fontes do direito, 66 a 85Força da obrigatoáedade do costume, 74Formas de Estado,182Formas de governo,185Formalismo do direito arcaico,158Formalismo (posição filosófica),197 e 200Fuero Juzgo,166 a 176Freirecht,137 e 199Fruto (objeto do direito),156Forumludiciam,166e 176Função da norma jurídica, 48Função executiva,183Função jurisdicional,183Função legislativa,183Funç<*-*>es do Estado,183Fundação,l54

G

Gabinete, govemo de,189; e I 89, nota 9Garantias constitucionais,148Generalidade da norma jurídica, 50Generalidade do direito, 50Generalização, técnica da, 3Geografia e direito,11 e 199Glosa, 87 e 165Glosadores, 87 e 165"Golpe de Estado", 28Govemo,186Govemo autocrático,178 e 187Govemo centralizado,178 e 187Govemo de gabinete,178; e 187, nota 9<012>

416

Paulo Dourado de Gusmão

Govemo democrático,178; e 187Govemo descentralizado,178 e 187Govemo direto,178 e 187Govemo diretorial,178 e 187Govemo, formas de,187Govemo indireto,187Govemo parlamentar,178 e 187Governo popular direto,187Govemo presidencial,178 e 187Govemo representativo,178 e 187Govemo responsável,178, nota 4Gri<*-*>ndnorm,133,135,197 e 200

H

Habeas Corpus, 30,148 e 178Habeas Data, 30Hermenêutica. O mesmo que interpretação (vide) e aplicação do direito (vide),135 a 143Hierarquiadas leis, 68,129,130,132,133 e 134História e ciência jurídica,1 e 8História do direito, 8Historicismo jurídico,195

Idéia do direito, o mesmo que direitojusto e valor jurídico, 202Ideal do direito,179,194 e 302Idealismo,194Idealismo absoluto,194Idealismo dialético,194Idealismo jurídico,194Idealismo subjetivo,194Idealismo transcendental,194 e 197Idéia do direito,197 e 202Ilícito civil,155Ilícitojuddico, 36 e 155Ilícito penal,104,105,155,160 e 164Imperatividade da regra de direito, 51Imperativo categórico e norma juridica, 48, nota 1Imperativo hipotético e normajuridica, 48, nota 1Imposto,103Incapacidade,l53Inconstitucionalidade da lei, 67 e 135

Independência dos Estados Unidos (valor na evo- lução do direito político),178; e 178, nota 17Individualismojurídico, I 15 e 166Indivisibilidade do poder do Estado,186Informática e direito, 3Iniciativa das leis, 71Instituição, 3, 22 e 197Instituição social e direito, 22Instituição, teoria da, 22 e 199Instrument of Government,178Interesse público (definição), 88, nota 1Interesses difusos,147Internet e direito, 3Interpretaçãodalei,135,137,138e 199Interpretaçãoab rogans,134 e I38Interpretação administrativa,138Interpretação analógica,139Interpretação autêntica,138Interpretaçãocorretiva,134e 138

Interpretação do atojurídico,155Interpretaçãododireito,135,137e 138Interpretação doutrinal, 81 e 138Interpretação e trabalhos preparatórios,138Interpretação extensiva,138Interpretação gramatical,138Interpretação histórica,138Interpretação institucional,138Interpretaçãojudicial, 80e 138Interpretação lógica,138Interpretação normativa,138Interpretação prévia,138, nota 1Interpretação restritiva,138Interpretação sociológica,138Inter-relação entre os direitos, 132Introdução à Ciência do Direito, 9Introdução ao Direito, 9Introdução ao Estudo do Direito, 9"Irredutível direito natural", I 92, nota 6Irretroatividade da lei,132

J

Judiciário estadual,104Judiciário federal,104Juízo categórico, 48, nota 1Juízo hipotético e normajurídica, 48, nota 1Jurisdição,104 e 135, nota 1

- comum,104 - constitucional,104 - contenciosa,135, nota 1 - especial,104 - graciosa,135, nota 1Jurisprudência, 78 e 80 - contra legem, 80 - e costume, 80 - e lei, 80 - praeter legem, 80 - secundum legem, 80 - valor da, 80 - vantagens e desvantagens da, 80"Jurisprudência conceptualista", 2 e 195, nota 27"Jurisprodência dos interesses", I37 e 199Jurisprudência etnológica,196, nota 31Jurisprudentes, 81Juscivilis,115,164e 165Jrts gentium, 31, nota 6, e 164Jus cogens, 61 e 79Jus honorarium,115, nota 1Jus natarale, 31, nota 6, e 164Jusnaturalismo,142 e 193Jc<*-*>spraetorium,115, nota 1Jusracionalismo,192Jus respondendi, 89Justiça, 45 e 202Justiça privada,143,145Justiça pública,103 e 135, nota 1

L

Lacuna do direito,135,139 e 190Lasuna do direito (exemplos) 80,137 notas 1 e 2 e 139 notas 3 e 4Leasing,177Legalidade, 42Legislação de Drácon,163, nota 3

Legislação de Sólon,163, nota 3I,egitimidade do direito, 41Lei, 71,135,138,140,141 e 143Lei auto-aplicável, 64Lei comum, 57Lei constitucional, 63, 70 e 135 - fundamental, 70 - primária, 63

417

Introdução ao Estudo do Direito

- secundária, 63 "Lei da Boa Razão", 8'7,164 e 177 Lei D'Amato-Kennedy,143 Lei da nacionalidade,143 Lei das XII Tábuas,164 Lei de ordem pública, 61 Lei delegada, 71 e 121 Lei de Maine,157 e 199 Lei dispositiva, 61 Lei do domicílio,143 Lei elástica, 65 Lei, extraterritorialidade da,143, nota 1 Lei Elói Chaves ,13 I, nota 6 Lei em sentido formal, 71, nota 3 Lei, estilo da, 71, nota 4 Lei formal-material, 71, nota 3 Lei em sentido material, 71, nota 3 Lei especial, 58 Lei estadual,143 Lei federal, 57 e 143 Lei física, 47<*-*> Lei formal, 71, nota 3, e 121 <*-*>i ger<*-*>l, 58 Lei hebraica, I 61 Lei Helms-Burton,143 Lei impositiva, 61 Lei, iniciativa da, 71 Lei interpretativa,138ll Lei material, 71; 71, nota 3 ; e 74 Lei mosaica,161Lei no espaço (contlito de leis),143 -Lei no tempo (contlito de leis),135,140 e 142Lei, obrigatoriedade da,136Lei ordinária, 63Lei particular, 57Lei, primado da,178 e 187l,ei, promulgação da, 71Lei, publicação da, 71Lei exclusivamente formal, 71, nota 4Lei regulamentável, 64Lei rígida, 65Lei, sanção da, 71Lei, territoriatidade da, 71 e 143I,ei, veto da, 71Lei, votação da, 71Leis de Moisés. Vide "Lei hebraica"Leis de Zaratustra,191, nota 1<012>

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Leis extravagantes,177Leis, hierarquia das, 68

I,ex imperfecta, 54Lex minus quam perfecta, 54Gex perfecta, 54Lex Romana Borgundionum,165Lex Romana Wisigothorcim,165Liberalismo,166,169,170 e 187Liberdadecontratual,115,155,163,165 e 170Liberdade e Estado,187Liberludiciorc<*-*>m,166 e 176Lícitojurídico, 36 e 150Liga das Naç<*-*>es (LDN), 95Limitação do poder político,185 e I86"Livre criação do direito",137,139 e 199"Livre investigação do direito",137,139 e 199Lois civiles,115, nota 2Longi temporis praescriptio, 74

M

Magna Carta,189; I 89, nota 4;19 I ; e 193, nota 2Magistratura na Antiguidade,178, nota 2Mandado de injunção, 30Matéria das regras de direito, 66Materialismo dialético,194 e 199Materialismo histórico, 24,194 e 199Materialismojurídico,194e 199Matriarcado,184;184, nota 1; e 199Medicina Legal,12Medida de segurança,104Medida Provisória, 73Mens legis, I 38Método da ciência do direito, 2Método da livre investigação do direito,137 e 199Método de auto-integração,137Método de heterointegração,139Método empírico-dialético,1 e 198Método exegético,134 e 196Método histórico-evolutivo de interpretação, 137 e 199Método teleológico, 2Método tradicional,137 e 196Métodos de interpretação da lei,137Metodologia jurídica, 2Monarquia,187Monarquia absoluta,178

Monarquia constitucional,178Moral, I 1 e 43Moral e direito, 43Movimento do direito livre,137 e 199

N

Nação,182Nação e Estado,182Nacionalidade, princípio da,143Naç<*-*>es modemas (aparecimento das) 178, nota 3Nascituro (direitos do) 153, nota 2Negócio jurídico,155Neojusnaturalismo. Movimento que reúne cor- rentes, as mais diversas, reconhecedoras da validade e obrigatoriedade de um direito su- pralegal, como as de Del Vecchio (§ 192), Stammler (§ 192), Gény (§ 192), Renard (§ 192), Dabin (§ 192) ou Radbroch (§§ 192 e

198). Vide § 192."Neojusracionalismo". Denominação dada por Paulino Jacques a teorias que de comum só têm fazer depender da mente (razão pura ou razão prática) os elementos jurídicos possibili- tadores do conhecimento jucídico (Stammler) ou o reconhecimento do direito justo (Stamm- ler) ou, ainda, a construção da idéia do direito (Radbruch). Vide §§ 197 e 198."Neojussociologismo". Denominação dada por Paulino Jacques à teoria dos civilistas france- ses Josserand, Morin e Savatier, que susten- tam dever ser o direito orientado por uma f nalidade social e ter fontes supra e extra-es- tatais, que se encontram nas corporaç<*-*>es, nos contratos e na sociedade. Gurvitch, ao defen- der a teoria do direito social, formado inde- pendente da intervenção do Estado, situar-se-ia nessa corrente. Vide § 199.Neokantismo jurídico,197Neopositivismo,196Noção do direito, 30 e 202Nome,153Norma de reconhecimento, I 96Norma ética, 43Norma individual,135Normajurídica, 48 a 65

- auto-aplicável, 64- bilateralidade da, 49- classificação das, 55, 56- coercibilidade da, 52- comum, 57 - constitucional, 63 - declarativa, 61 - definição da, 31 - de ordem pública, 61 - de reconhecimento,195 - destinatário da, 62 - de validade derivada, 62 - dispositiva, 61 - elástica, 65 - especial, 58 - estadual, 57 - excepcional, 58 - federal, 57 - flexível, 61 - função da, 49 - fundamental, 62,197 e 200 - generalidade da, 50 - hierarquia das, 68,132,133 e 134 - imperatividade da, 52 - imperativo categórico e direito, 48, nota I - imperativo hipotético e direito, 48, nota 1 - impositiva, 61 -juízo categórico e, 48, nota 1 -juízo hipotético e, 48, nota 1 - local, 57 - ordinária, 63 - particular, 57 - preceptiva, 61 - primária, 62 e 72 - proibitiva, 61 - regulamentável, 64 - regular, 61 - rígida, 65 - sanção da, 53 - secundária, 64 e 72 - singular, 59 - supletiva, 61

- taxativa, 61Normajurídica auto-aplicável, 64Normajurídica coercitiva, 61Norma jurídica comum, 57Normajurídica constitucional, 63Normajurídica dispositiva, 61Normajurídica elástica, 65

419

Introdução ao Estudo do Direito

Normajurídica especial, 58Normajurídica excepcional, 58Norma jurídica, fontes da, 66 a 83Normajurídica, formas da, 54, 57 a 65Normajurídica fundamental, 62, 197 e 200Norma jurídica geral, 58Norma jurídica imperfeita, 54Norma jurídica impositiva, 6 INorma jurídica, matéria da, 66Normajurídica ordinária, 63Normajurídica particular, 57Normajurídica preceptiva, 61Norma jurídica primária, 62Normajurídica processual,111Normajurídica proibitiva, 61Normajurídica regulamentável, 64Normajurídica rígida, 65Norma jurídica secundária, 62Norma jurídica singular, 59Normas sociais,19Norma técnica, 47Normativismo jurídico, 200Normatividade da ciênciajurídica,1Normatividade social,19Novellae Leges,161, nota 9Nuclebrás,131Nulidade,155 - absoluta,155 - relativa, I 55

O

Objetivismo sociológico-jurídico,199Objeto da norma jurídica,156, nota 1Objeto do direito (direito subjetivo),156Objeto jurídico,156, nota 1Obrigação, I 51 - contratual,151 - extracontratual,151Obrigatoriedade da lei,136Occasio legis,138Oligarquia,178 e 184Ontologia jurídica,10Opinio iuris necessitatis, 74Orçamento,103Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),128Ordemjurídica, 35 e 133 - pluralidade de,133<012>

420

Paulo Dourado de Gusmão

Ordem pública, 61; 61, nota 1; e 143Ordem social, 35Ordenaç<*-*>es Afonsinas, I 77Ordenaç<*-*>es de Luiz XIV, 86Ordenaç<*-*>es Filipinas, 87 e 177Ordenaç<*-*>es Manuelinas,177Ordenaç<*-*>es Reais,176 e 177 - fontes históricas das,176, nota 1Ordenamentojuridico, 4,138 e 139Ordenança de necessidade, 73Ordenança de urgência, 73Ordonnartce de Colbert,166Organicismo,199; e 199, nota 55Organização das Naç<*-*>es Unidas (ONU), 95Organização dos Estados Americanos (OEA), 96; 97, nota 12Organização judiciária,104Organização política (evolução),178Organizaç<*-*>es internacionais, 95Organizaç<*-*>es intemacionais regionais, 96

P

Pacta suntservancla, 74, 81, 82, 83, 84 e 85Pacto, 83, nota 1Pacto da Sociedade das Naç<*-*>es (SDN), 95Pacto de Petrópolis, 96Pacto social,193Pactus,165, nota 10Pandetistas alemães,192,194 e 195, nota 26Parecer normativo, 68, nota 4Parlamentarismo,178;178, nota 12;187 e 193Parlamentarismo misto,178 e 187Parlamentarismo mitigado,178;187Parlamento, origem do,178, nota 7Patriarcado,l85;185, nota 1; e 199Paz social, 202Pena,1 OSPena não-criminal,105, nota lPena privada, 52Pena pública, 53Pensamentojurídico (correntes do),191 a 202Personalidade,153 e 154 - evolução,168, nota 1 - moral,168, nota 1 - origem,153 e 168, nota 1Personalidade das leis,143 e 165Pessoa natural (pessoa física),153

Pessoa jurídica,154Pessoa moral,154Petition of Rights, 178;178, nota 9; e 193, nota 13Pirâmide jurídica,132Plano de governo, 71Plano econômico, 71Plebiscito,187Pluralismo de ordensjurídicas,133Pluralismojurídico,133,165 e 199Poder constituinte, 71Poder de reforma da Constituição, 71Poder discricional, 71Poder e direito, 27Poderjurídico,147, nota IPoder político,185 - legitimação do,185 - teoria sobre as suas fontes e origem,185Política,11

Política jurídica, IPortaria, 69, nota 1Posição jurídica (em relação com o direito sub- jetivo),150Positivismo,196Positivismo crítico,196Positivismo jurídico,196Positivismo jurídico alemão,196Positivismo jurídico anglo-americano,196Positivismo jurídico estatal,196Positivismo jurídico francês,196Positivismo jurídico italiano,196Positivismo jurídico sociológico,196 e 199Positivismo lógico,196Positivismo normativista,196Posturas, 69, nota 1Precedente judicial, 80Prenome,153Prescrição,145Presidencialismo,178 e 187Presidencialismo misto,187Presidencialismo mitigado,187Pressupostos jurídicos,155Presunção,3Pretensão,147Pretor,164Primado da lei,178 e 187Primado dó direito internacional, 90Primado do direito interno, 90

` `Primeira Constituição' ',197 e 200Primitiva promiscuidade sexual, 185 nota I; e 199Principe de laicité, 68Princípio da nacionalidade,143Princípio da personalidade das leis,143 e 165Princípio da sucumbência,135, nota 3Princípio da territorialidade das leis,135,143 e 164Princípio de legalidade,104Princípio do domiclio,143Princípios geráis do direito, 32, 67,135 e 139Princípios gerais do direito reconhecidos pelas naç<*-*>es civilizadas (fonte de direito interna- cional), 85Privilégio, 60Processo,evolução do,172Profissão de advogado,128Promiscuidade primitiva,167,185 e 199Promiscuidade sexual primitiva,167;185, nota 1; e 199Promulgação da lei, 71Propriedade,166 e 168 - evolução da,168Prova (no direito arcaico e medieval), evolução da,173Prova do ato jurídico,152Prudentes (direito romano), 81Psicologia e direito,11,13 e 16Psicologia criminal,16Psicologia judiciária,13Psiquiatria criminal,1 I e 16Psiquiatria forense. O mesmo que "psicologia criminal'' (vide)Publicação da lei, 71Publicidade do atojurídico,155

Quest<*-*>es transitórias,140Quase-pessoa jurídica,154

R

Raciocínio silogístico como forma de aplicação da lei,135

421

Introdução ao Estudo do Direito

Racionalização progressiva do direito (teoria da) 199Radioatividade (responsabilidade civil pela) 113Ratio legis, objeto da interpretação da lei,138Realeza,178 e 187Realismojurídico (corrente do pensamentojurí- dico), 201Realismojurídico escandinavo, 201Realismo jurídico norte-americano, 201Recepção do direito estrangeiro (forma de institui- ção de ordemjurídica), 87Recepção do direito romano (ocorrida na Idade Média), 87Referendum, I 87Regime de autodefesa,172Regime político,178 e 187 - evolução do,178Regime representativo,178Registro civil,153Regra de direito. Vide norma jurídicaRegras de contlito de leis no espaço,143Regras de contlito de leis no tempo,140 e 142Regulamento, 74` `Regulamento Processual Civil'' ,172Relaçãojurídica,141Relaçãojurídica, tutela da,143Relação jurídica triangular (processual),108Relação social e direito, 21Relativismo jurídico (corrente do pensamento jurídico),195Religião e direito, 65 <*-*>Renascimento do direito natural,189Renascimento do direito romano (no mundo me- dieval),162Representação (ato jurídico),152República,175;175, nota 14;184e 190Residência,150Resolução, fonte do direito, 68, nota 4Responsabilidade civil,152 e 166 - evolução da,166Responsabilidade legal,102Responsabilidade civil pelo emprego da energia atômica,110Responsabilidade penal,152Responsabilidade social (direito penal),102Restatment,163, nota 18"Restauração",175, nota 14<012>

422

Paulo Dourado de Gusmão

Retomo ao direito natural,189

Retroatividade da lei,139` `Revelação científica do direito'' (inteipretação da lei),134 e 196Revogação da lei,132 e 137Revolução Americana (sua importância na evo- lução da organização política),175, nota 10Revolução da informática e direito, 3Revolução e direito, 29Revolução Francesa (importância na evolução da organização política),178` `Romanistas'', 87

S

Sanção da lei, 71Sanção jurídica, 53 - coercitiva, 53 - econômica, 53 - repressiva, 53 - sentidos jurídicos da, 53, nota 1` ` Santa Aliança'' ,178, nota I 4Sede,154Self executing, 64Separação dos poderes do Estado,178,184 e 186Silogismojurfdico (forma de aplicação da lei), 2 e 135Sistema anglo-americano (direito jurispruden- cial), 79, 80, 81, 86, e 166Sistema continental (direito codificado), 77, 80, 81, 86 e 166"Sistema de intervenção",178, nota 14Sistema do Common Law, 38, 79, 80, 86 e 166Sistemajurídico,1 e 3Sistemajuddico brasileiro, 86, nota 1,174 a I77Sistema jurídico socialista,166Sistema jurídico soviético,166Sistema político,187Situação jurídica,142 e 146, nota 2Soberania,181 - noção,181 - origem da noção de,181Sobrenome,153Sociedade (pessoa jurídica),154Sociedade e direito,19Sociedade das Naç<*-*>es (SDN), 91Sociedade de fato,137, nota 2;139, nota 3 ; e 154

Socioetnologismo jurídico: denominação dada por Paulino Jacques à teoria de Post. Vide §§ 168,196; e 196, nota 29Sociologia,11Sociologia criminal,17Sociologia do direito,1 e 7SociologicalJurisprudence,196 e 199Sociologismo jurídico,199Sociologismo positivista,199Sociopositivismo jurídico: denominação dada por Paulino Jacques ao positivismo jurídico sociológico (§ 196), englobando teorias de Gierke, Duguit e Jellinek, que, apesar de ad- mitirem fontes sociais do direito, só se preo- cupam com o direito positivo, única forma para eles de direito. Vide §§ 196 e 199.Socioteleologismo juridico: denominação dada por Paulino Jacques à teoria de Ihering, que considera ser o direito instituído para atingir finalidades. Vide § 199.Solidariedade social,199

Statiis, 150Sucumbência (direito processual),135, nota 3Sujeito do direito,153 e 154Sujeitosjurídicos,153 e 154Súmula do STF e do STJ, 80 e 138

T

Talião (pena de),157,160,161,164 e 172Tatbestand (ato jurídico),155Taxa,103Técnica do direito, 3Tempo social e direito, 28Teocracia,178; e 178, nota 1Teoria analítica do direito, I96Teoria contratual do direito (teoria do contrato social),193Teoria contratual do poder,135 e 193Teoria da autolimitação do Estado (teoria do Estado subordinado ao direito por ele mesmo promulgado, defendida por Jellinek),185 e 196Teoria da criação científica do direito (teoria da criação do direito pelo juiz ou pelo jurista), 137 e 199Teoria da defesa social (direito penal),105Teoria da divisão dos poderes do Estado,186Teoria da emenda (direito penal),105

Teoria da ficção (teoria sobre a pessoajuridica), 154Teoria da força normativa dos fatos (teoria de Jellinek), 75Teoria da instituição (teoria de Hauriou, Renard, Delos), 22,154 e 199Teoria da "jurisprudência dos interesses" (teoria sobre a interpretação da lei),199Teoria da ordem jurídica por pisos (teoria de Kelsen da ordem jurídica hieraequizada rigi- damente), 200Teoria da racionalização do direito (defendida por Max Weber),199Teoria da realidade (teoria sobre a pessoajurídi- ca),154Teoria darwiniana do direito (teoria de o direito resultar da luta, defendida por Ihering e Gum- plowicz),18 e 199Teoria darwiniana do poder (teoria que explica o govemo como resultante da luta vitoriosa de grupos, defendida, entre outros, por Gumplo- wicz),183Teoria das idéias (teoria idealista de Platão),194Teoria da retribuição (direito penal),105Teoria da solidariedade social (teoria que en- contra na solidariedade social a matéria e o fundamento do direito, defendida por Durkheim e Duguit),199Teoria do círculo de Viena (positivismo lógico), 196Teoria do contrato social (teoria que explica e legitima o direito e o govemo frutos de um contrato social, defendida por Locke, Rous- seau, Hobbes e Rawls),185 e 193Teoria do direito livre (teoria da criação do direi- to pelojuiz),19,137 e 199Teoria do direito natural (teoria que encontra na razão e na natureza humana a fonte supre- ma do direito, à qual o Estado está subme-

tido),192Teoria do direito social (teoria do direito es- pontaneamente formado sem a intervenção do Fstado),19 e 199Teoria do domicilio (dá solução para o contlito de leis no espaço),143Teoria dos estatutos (contlito de leis no espaço), 143

42?Introdução ao Estudo do Direitc

Teoria dualista (teoria que admite duas orden; jurídicas justapostas, válidas e legítimas), 9( e 191Teoria econômica do direito (considera a orden econ<*-*>mica o fundamento e fator decisivo dc direito),199Teoria Egológica do Direito (teoria de Cossio) 198Teoria estatal do direito (defende a dependêncit do direito da decisão do Estado),179 e 196Teoria formal do direito (teoria do conhecimentc jurídico),197 (Teorias de Stammler e de Kel sen,197 e 200)Teoria Geral do Direito,1, 6, l92 e 195Teoria Geral do Direito Civil,196, nota 26Teoria Geral do Estado,190Teoria hegeliana do direito (teoria idealista),19'Teoria idealista do direito,195Teoria individualista do direito (teoria, fruto dc liberalismo econômico, que, no campo do direi to privado, subordina o uso dos direitos exclu<*-*> sivamente à satisfação do interesse do titular e no campo do direito público, faz do Estado merc garantidor da ordem jurídica estabelecida, corr poderes limitados, mínimos, sem interferir n<*-*> ordem econômica, dominada pela iniciativ<*-*> privadaepelaleidomercado),168,170e 18ETeoria kantiana do direito,197Teoria marxista do direito,199Teoria materialista do direito,199Teoria monista do direito (teoria que só ádmite uma ordemjurídica válida, fonte de validade das demais, compreendendo assim o positi- vismojurídico e o kelsenismo), 88 e 201Teoria orteguiana do direito (teoria de Recaséns Siches),198Teoria positivista do direito (teoria que só reco<*-*> nhece válido o direito positivo),196Teoria Pura do Direito (teoria de Kelsen etc.), 197 e 250Teoria racionalista do direito (teoria que encon- tra na razão a fonte de validade do direito ou que faz depender da razão o conhecimento jurídico),191 e 197Teoria realista do direito (teoria que repudia to- das as formas de metafísicajurídica), 201Teoria relativista do direito (teoria que nega a validade absoluta dos valores e do fundamen-<012>

424Paulo Dourado de Gusmãot¸ do direito, defendida por Radbruch),197 e - interpretação,83 ,198 - rati icação,83Teoria sociológica do direito (teoria que na so- Tratado-contrato,83, nota 1ciedade encontra a razão de ser do direito), Tratado-lei,83, nota 1

199 Tratado-negócio,83, nota 1Teoria sociológica do poder,185 Tribunal constitucional, I04 <*-*>Teoria teleológica do direito (teoria de Ihering), p199 Tribunal Euro eu de Direitos Humanos,97 Tutela das relaç<*-*>esjurídicas,145Teorxa teocrática,185 TV interativa e direito,3Teoría teológica,185 '..Teoría tridimensional do crime,105 <*-*> ÍNDICE GERALTeoria Tridimensional do Direito (teoria de Rea- Ule),198 Sumário Nota à 20" Ediçao <*-*> <*-*> <*-*> <*-*> <*-*> <*-*> <*-*> <*-*> <*-*> .... IxTeoria utilitarista do direito,193 Ultraterritorialidade da lei,143 Nota à 19"Edifão. <*-*> <*-*> . xIuTeoria "vitalista" do direito (teoriade Recaséns União das Repúblicas Americanas,96 Nota à 18"Edigão. <*-*> ' ' '' '' ' <*-*> <*-*> <*-*> <*-*> <*-*> . . . . . .. .. XIVSiches),198 União Européia (UE),57, nota 1; e 96 Nota à 17"Edigão. <*-*> . . . .. XIVTeorias da pena,105 União Pan-Americana 96 <*-*> . . .. .. Unidade do direito,1,3,132 e 133 ; Nota à 16"Edi<*-*>âo. <*-*> <*-*> <*-*> <*-*> <*-*> <*-*> <*-*> <*-*> <*-*> XIVTeorias do direito,191 e 202 <*-*> <*-*> Unificação do direito,5,86 ) Nota à IS"Edi<*-*>âo. <*-*> <*-*> <*-*><*-*> . <*-*>. . . XVTeorias do direito subjetivo,147 <*-*>. <*-*> . . .. .. .. ... . .. . . ... . . . . . . XVTermo (atojurídico),155 Uso e costume,75 <*-*> <*-*> . . . ..Terceiro regime legislativo,140 Pllmeit'a PaCteTerritorialidade das leis,143 e 164 VTerza scuola (direito penal),102 INTRODUÇÃOTirania,178,178, nota 2, e 187 Vacatio legis,72Título jurídico (direito subjetivo),149 Valores do direito,202 jTorá (direito hebraico),161 Vassalagem (direito feudal),189 I - Ciência do Direito. Técnica uridica. Presunç<*-*>es eficç<*-*>es.Tortura,173 Vício do ato de direito d <*-*> nota 2 Métodos. Sistemajuridico. Filosofia do Direito... . . . . , ,, priva o,155Trading companies,177 Vício do ato de direito público,155 1. Ciência do direito.. .. .. .. 3Transmissão de direitos,149 Vício do atojurídico,155 2. Métodosjurídicos.. ... . <*-*> <*-*> <*-*> . .. ... 6- a título particular,146,149 Votação da lei,70 e 71 3. Técnicajurídica.. .. .. . ,, ,, . .. <*-*> <*-*>....... 7

- a título universal,149 4. Sistemajurídico .. ,, ,, <*-*> <*-*>,. <*-*> . . . . .. . .. .. .. 11Tratado intemacional,83 W 5. Direito comparado .... . . . ,,, . , , ' ' <*-*> .. . <*-*> <*-*> '' ' <*-*> , 12 6. Teoria geral do direito.... . .. .. .. 15- adesão,83 .. .. .- denúncia,83 Watergate (caso),26 7. Sociologiajurídica . . .. . ..<*-*>...<*-*>.. 16 8. História do direito.. 18 9. Introdução ao estudo do<*-*>direito <*-*>.<*-*>.<*-*>.. <*-*> <*-*> <*-*> <*-*> <*-*> <*-*> <*-*> <*-*> <*-*> 19 10. Filosofia do direito. <*-*> . ... ........... . . . .. . .. . . . .. .. .. . ... .... 1<*-*> II - Relaç<*-*>es da Ciência Juridica com oatras ciências.. 21 11. 0 direito e as ciências sociais.. <*-*> 21 12. Medicinalegal.... .. . . .. .. . <*-*> " ' <*-*><*-*> ... ... .. 13. Psicologiajudiciária<*-*>.. .. . .. . .. , ' '' <*-*> <*-*> .... <*-*> <*-*> ' 24 14. Criminologia... . .. .. . .. .. . .. ' ' <*-*><*-*>.. , <*-*><*-*>"' 25 I5. Antropologiacriminal.... , ,. ,. . ... . .. ..... ... <*-*> 26 16. Psicologiacriminal. .. ., , ' ,.. " ' <*-*><*-*><*-*> <*-*><*-*> ... .... ... 27 17. Sociologiacriminal.. .. .. ,, ,, .. , ' ''<*-*> <*-*> .. .... ... .. 28 18. Criminalística. <*-*> <*-*> <*-*> <*-*> <*-*> .. ... .... ... 28<012>

426Paulo Dourado de Gusmão

III - Direito e sociedade. Natureza e cultura. Direito,fenômeno sociocultural ...................... ...... ..... ................ 29

19. Sociedadeedireito ............ ..... . . ................... 2920. Direito,fatosocial ........... . ....... .................... 30

21. Direitoerelaç<*-*>essociais ...... .......... ........... ....... 3222. Instituiç<*-*>essociaisedireito .... ........... .. ...... ... .... 3323. Fatoressociaisedireito ...... ........ ....... . ....... ... 3424. Direitoeeconomia.............. . ......................... 3525. Natureza,culturaedireito ...... ....... ..... .............. 3626. Direitoecivilização ....... ......... ................ .... . 3827. Direitoepoder ..... . . ...... ............ ...... . .... 3928. Espaçoetemposociaisedireito............................... 4129. Revoluçãoedireito ..... . . ......... .... . . .......... 42

Segunda Parte

TEORIA DO DIREITO

IV - Direito. Definição e elementos. Direito positivo e Direito natural. Direito objetivo. Instituiç<*-*>es e ordemjurídica. Licito e ilicito. Validade, vigência, eficácia e legitimidade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47

30. Definiçãododireito. .......... ............................31. Direitopositivo........ ....... . . .. . . ................32. Direitopositivoedireitonatural..............................33. Direitoobjetivo .... . .. ...... ...........................34. Instituiçãojurídica. .. .. ...... . . . ....................35. Ordemjurídica .................................... .... .36. Lícitoeilícitojurídicos. ............. ....... . . . . . . ..37. Validadedodireito.. . .............. .. .. .... ... .. ...38. Vigênciadodireito....... . ................................39. Eficácia e efetividade do direito.... ............. . . .. ....40. Exeqtiibilidadedodireito ..... .......................... ...41. Legitimidadedodireito ...... ....................... . ...42. Legalidade ............................................ Nota ................................................

V - Direitoe moral. Direito, eqliidade ejustiça. Direito, normas sociaiseleifi'sica.Normatécnica..... ..............................

43. Direitoemoral ... ...... ........ . .......................44. Direitoeeqilidade ... ........ ..................... ... ...45. Direitoejustiça ...... . ....... ...........................

Introdução ao Estudo do Din

46. Direito e as demais normas sociais. . . . . . . . . , . . . . . . . . . . .47. Norma jurídica, lei física e norma técnica . . . . . . . . . . . . . . . ,

VI - Nomiaj<*-*>a Caracteres sanção e classificação. Destinatáiios da normajuridica....... . ............... .. .... .... . .. ....

48. Normajurídica ...... , ............ .... .... .... .. .. . .49. Bilateralidade e função da normajurídica <*-*>. . . . . . . . . . . . . . . . . .50. Generalidade e abstração da norma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .51. Imperatividadedanorma .......... ... ..... .... ... .. ....52. Coercibilidadedanorma............. ... .... .... ... ... ..53. Sançãojurídica ............ . ...... ... ...... .... ... ...54. Normaemfunçãodasanção........... ... .... ...... ... ...55. Destinatáriodanorma........ ...... .... ...... .... .... ..56. Classificação das normas jurídicas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

VII - Direito comum e particular Direito geral, especial e de exceção. Direito singular e unfornse. Privilégio: Direito coercitivo e dispositivo. Normafiurdawte<*-*>ttal, secundária e demada. . . . . . . . . . .. . . . . . .

57. Direitocomumeparticular.... ....... .... .... ..... .......58. Direito geral, direito especial e direito de exceção. . . . . . . . . . . . . . .59. Direito singular, direito uniforme e direito transitório. . . . . . . . . . . .60. Privilégio............... ....... .... ... ..... ...... ....61. Direito coercitivo ou impositivo e direito dispositivo. . . . . . . . . . . . . . . . . .62. Norma fundamental, norma secundária e norma de validade derivada ......... ...... .... ..:. ...... .......

VIII - Lei constitucional e lei ordinária. Lsi aato-aplicável e lei regulamentável.Geirigidaeleielástica ....... .. .... ...... ........ 63. Lei constitucional e lei ordinária. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64. Lei auto-aplicável e lei regulamentável . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65. Leirígidaeleielástica .... ..... ..... ... .... .............

IX - Fontes materiais efontesformais do direito. Matéria das regrasdedireito.. ...... ..... ...... .... .... ..... ...........

66. Fontes materiais. Matéria do direito. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .67. Fontesformais......... .. ........ ... .... ....... . . ..68. Hierarquiadasfontesformais ........ ... .... ......... ... ..

X - Fontes estatais do direito. Constituição. Lei. Regulamento, medidaprovisóriaedecreto-lei. .... ....... ... .... . ........... 69. Fontesestatais ......... ..:.... . ... ..... .......... .....65 70. Constituição . ......... . ....... ... ................. ... 71. Lei..............................................65 72. Regulamento.. ............. ....... ............... ......68 73. Decreto-lei..6g 74. Medidaprovisórra...... .......... ........ ...<012>

428Paulo Dourado de GusmãoXI - Direito consuetudinário. Valor e prova do costume. Evoluçâodo costume................................................ 115 75. Noção,elementosetipos .. .. .... ............... ........ . 115 76. Provaeextinçãodocostume,.. ... ...... ... .. . ........... 118 77. Costume na sociedade arcaica......... . . . .. .. .......... 118XII - Fontes infra-estatais do direito. Contrato coletivo de trabalho.Jurisprudênciaedoutrina..... .... .. .... ....................... 121 78. Direitoinfra-estatal... ... .. ... ........ . ............... 121 79. Contratocoletivodetrabalho... ... ........... .............. 121 80. Jurisprudência......................................... 122 81. Doutrina ........ . .... .. .. .......... . . . .......... 125XIII - Fontes supra-estatais do direito. Tratado internacional.Costume internacional e principios gerais do direito dospovos civilizados. 129 82. Fontessupra-estatais ......... . .. ......... ............... 129

83. Tratadointernacional ........ ... .......... .............. . 129 84. Costumesintemacionais....... ....... .................... . 131 85. Princípios gerais do direito dos povos civilizados.......... .........131XIV - Codificação. Recepção de direito estrangeiro ... . ... ............ .. 133 86. Codificação........................................... 133 87. Recepçãodedireitoestrangeiro ... ............. .............. 136

Terceira Parte

ENCICLOPÉDIA JURÍDICAXV - Divisão do direito. Direito público e direito privado. Direitomisto. Direito interno e direito internacional.... ...... ............... 14188. Direitopúblicoedireitoprivado.............................. 14189. Direitomisto.... ..... .... .......... .. . ............. 14390. Direito intemo e direito intemacional....... . ................. 144XVI - Direito internacional e suas divisôes. Organizaçôesinternacionais ............................................... 147

91. Direitointemacional.. ...... .. ...... .................... 14792. Direitopenalintemacional.. ... .... .... .......... .. ..... 14993. Direitodiplomático . ...... ... ..... ................... .. 15194. Direitoespacial... ..... .... ..... ... ........... ........ 15195. Organizaç<*-*>es intemacionais. ONU.. ....... ... ............. 15496. Organizaç<*-*>es internacionais. Organizaç<*-*>es regionais, OEAeUniãoEuropéia .. ..... .................. .......... 15797. Tribunal Europeu de Direitos I-Iumanos ............... ......... 160

Introdução ao Estudo do Dir<*-*>

XVII - Direito público interno e suas divis<*-*>es. . . . . . . . . . . . . . . . . . , , , , 98. Direito público interno.. ..... ...... ... ... . .. . . . . . 99. Direitoconstitucional ............. .... .. ... ... .. . " ,100. Direitoeleitoral ....... ............ ... ... .. .. .. , , "101. Direitopolítico ........ .... .... ..... ... .. .,. , " , ,102. Direitoadministrativo............ . .. .... .. ... .. .. ..103. Direitofinanceiro ............ ... .... .. .. .. ... ,104. Direitojudiciário............... .... ... ..... ... .. .. ...105. Direitopenal ............. ........ ... ... .... ... .. .. .106. Direito penal comum e especial...... .... ... .... ... .. .. .107. Direitodisciplinar ....... ........ .... ... .... .... .. .. .108. Direito penal interestatal.. ....... .... ..... .. .... .. ...109. Direitocontravencional... ....... .... . .. .... ... . ..110. Direitopenitenciário .. .... ....... ... .... ... ..... .... .lll. Direitoprocessual ........ ....... .... .... .... ... .. . ..112. Direitointernacionalprivado<*-*>........ ... ..... .... ... .... .

XVIII - Direitoprivadoesuasdivis<*-*>es .. ...... ..... .... .... ... ..... ..

113. Direitoprivado ... ..... ........ ... .... ..... .... . ....ll4. Direitocivil ...... ...... ........ .. .... .. ..... .....115. Direitoprivadodisciplinar. ....... .... ... .... ..... .....lló. Direitocomum ... .. ... . ...... ... .... ..... ...... ...117. Direitocomercial ... ...... ..... .. . ... ... ........ .

XIX - Direitomistoesuasdivis<*-*>es ........ ..... .... ... .... ..... . ...

1I8. Direitomisto .. ........ ....... ... . ... . .. .......119. Direitomarítimo,... ...... .. ... .... ... .. ....... . ..120. Direitoaeronáutico .. ..... ...... .... ... ... ..........121. Direitodanavegação .. ... ...... .... .... . .. . ........122. Direitoeconômico...... .... ..... ... .... ... ............123. Direitodotrabalho ..... ..... .... .... ... ... .........124. Direitosindical .... .... ...... ... .... ... ..... .........125. Direitoagrário.... .. .. ...... ... ... .. ....... . . ...126. Direitosocial ... . ..... .... ..... .... .. ...... .........127. Direitoprofissional ...... ..... .... ... ... .... .....:...128. Direitodefamilia ... ... .... ...... .. ... .... . .........129. Direitoindustrial ... ... ..... .... ... .... ..... . .. . ..130. Direitofalimentar. .... ...... .. .... .... ...............131. Direitonuclear .. . . ... ..:... .... .... ...... . . . ....

XX - Inter-relaç<*-*>es entre os vários direitos. Pluralismo de direitos. Antinomia ...... . ..... ...... .... .

132. Contatosentreosdireitos ........ ...... ..... . .......... ..133. Pluralidadededireitos ... ..........: ..... ...... . ........134. Antinomia .. ........ ........ . ...... ...................<012>

430

Paulo Dourado de Gusmão

Quarta Parte

HERMENÊUTICA JU<*-*>lICA

XXI - Aplicaçâo do direito. Obrigatoriedade da lei. Erro de direito .. .... . ... .. .. . .. . .. ... .... ..... ..... .... . 205

135. Aplicação do direito. Problema da constitucionalidade da lei. . . . . . . .. 205136. Obrigatoriedade da lei. Erro de direito. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 208

XXII - 137. Métodos de interpretação da lei. Revelação cientifica do direito. Direitolivre .... .. .. . ... . .. . .. .... ..... ...... .. 211

XXIII - 138. Interpretação da lei. Espécies e resultados. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 217XXIV - 139. lacttnas do direito. Analogia e principios gerais do direito. Criagãododireito.... ... ... . ... .. ..... .... ..... .... 221

XXV - Eficácia da lei no tempo. Revogação da lei. Desuso. Retroatividade e irretroatividade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . 227

140. Revogação dalei. .. .. .... .. ... ... ...... .... ...... 227141. Desuso dalei ... . ... . .. .. ... ... ...... .... ..... .. 228142. Retroatividade e irretroatividade<*-*>. . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . 228

XXVI - 143. Eficácia da lei no espaço. Principio do domicilio e da nacionalidade. Teoria dos estatutos. Aplicação do direitoestrangeiro ... ... .. .. .... ....... ... ...... .... 231

Quinta Parte

RELAÇÃO JURÍDICA

XXVII - Relaçãojuridica, noção e espécies. Prescrição e decade'ncia. Tutela das relaç<*-*>esjuridicas . . . . . . . . . . . . . . . . .

237

144. Relação jurídica, elementos e definição. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 237145. Prescriçãoedecadéncia ... .. . ... ............ .... ... . . 239146. Tutela das relaç<*-*>es jurídícas <*-*>. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 240XXVIII - Direito subjetivo. Teorias e classificação. Aquisifão, modificação e extinção de direitos Faculdade. estado e posição juridica. Deverjuridico, espécies. Abuso do direito. . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . 243

,

43: Introdução ao Estudo do Direit 147. Direito subjetivo, noção e teoria............... ... .. ... . . . 24: 148. Classifcação... .... ...... .......... . .... .. .. .. .. . 24i 149. Aquisição, modificação e extinção de direitos..... .. .... . .. .. 241 150. Status, faculdade, direito condicionado, lícito,jurídico e<*-*> posiçãojurídica .. ..... ................ .... ... ... .. ... 24<*-*> 151. Deverjurídicoeobrigação<*-*>. . ........ ...... ... ... .... ... 25II 52. Exercício e abuso do direito.............. .. .. . 25.

XXIX - Elemento pessoal da relaçãojuridica. Pessoa natural e pessoajuridica ......... .................. ..... .. ..... ... ... 25:

153. Sujeito do direito. Pessoa natural154. Pessoajurídica . . . . . . . . . . . . .

XXX - Fontes do direito subjetivo. Fato, ato e negócio juridicos. Atoilicito.Objetododireito .. ......... ..... .... ....... ... .... 255

155. Fato, ato e negóciojurídicos. Ato ilícito. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 255156. Objetododireito.Coisaebem ...... .... ..... ...... .... ... 264

Sexta Parte

HISTÓRIA DO DIREITO

XXXI - Evolução do direito positivo. Formalismo do direito arcaico. Direito egipcio, babilônico e hebraico. Código de Manu. Direito grego arcaico, romano e medieval. Direito privado na ldade Médin. Direitofeudal, das cidades e das corporaç<*-*>es de mercadores. Os glosadores. Direito canônico. Formação do direito privado ocidental. Do Direito moderno ao Direitocontemporâneo. ....... ...... .... ..... .. . ...........157. Evoluçãododireitopositivo...... . ..... .... ... ...........158. Formalismododireitoarcaico ....... ...... .. ...... ........159. Direitoegípcio .. .... .... ....... ..... ... ....... . : .160. Código de Hamurabi (babilônico) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . .161. Leihebraica.... ..... .... ....... .... .... ..............

162. CódigodeManu. ..... ..... ...... .... ... .......... ...163. Direitogregoarcaico..... ... ....... .... ... ........ . ...164. Direito romano e medieval.... . ...... ... .... . . ....... .165. Direito privado na Idade Média. Direito feuda1.<*-*>Direito das cidades. Direito das co1poraç<*-*>es de mercadores. Glosadores. Direito canônico. Formação do direito privado ocidental.166. Do direito modemo ao direito contemporâneo............ ........<012>

432Paulo Dourado de Gusmão

XXXII - Evolnção de institutosjuridicosfiusdamentais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 291167. Familia, suas transformaç<*-*>es. . . . . . . . . . . .. . . . . . . .. . . . . 291168. Propriedade, suaevolução. .. .. ... ... .. ... . .... 294169. Responsabilidade civil, suaevolução . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . 295170. Contrato, evolução.. . . . ... . ...... .. ... ... .. ... . 297171. Direito das sucess<*-*>es, evolução.... . ... ... .... .. .. ... .. 298172. Processo no direito arcaico e na Idade Média, evolução.........<*-*> ....................... 299173. Prova no direito arcaico e na Idade Média, evolução <*-*>... ... .. .... . 301

XXXIII - Sistemajnridico brasileiro. Formação e evolução. . . . . . . . . . .. . . . . . . 305 174. Visãogeral. .. .. . . . . .. . .. .... .. ... ... .. .. . 305 175. Legislação da<*-*>Metrópole<*-*>e da Colônia.. .... .. .. .... ... .. . 306 176. Ordenaç<*-*>es................................. 306 177. Ordenaç<*-*>es Afonsinas, Manuelinas e Fil1pinas. Leis extravagantes. Direito brasileiro. . . .... .. .. .... .. .... . 307XXXIV - 178. Evolução dos regimespoliticos... . ... ... ... ... ... ... . 315

Sétima Parte

ESTADO E DIREITO

XXXV - EstadoeDireito .. . ... . .. .. .. .. .. ... ... .... .. .... .. 327

179. EstadoeDireito .. .. . ... . ... .. .... .. .. .... .... .. 327180. Estado. Noção e elementos . ... . ... ... ... ... .. .... ... 329181. Soberania .. . .. ... .. ... . ... .... .. ... ... .... .. 330182. Estadoe nação ................................. 333183. FormasdeEstado ... .. . ... .. ... ... ... .. ... .... ... 335184. Funç<*-*>esdoEstado. .. .. . ... .. .... ..... ... ... .... 336185. Poderpolítico .. .. .. .. ... .. ... .... ... .. .... ... . 337186. Divisibilidade e indivisibilidade do poder..... .. ... ... .... .. 339187. Governo.Formasdegoverno.. .. ... ... ... ... .. ..... ... 341188. Estadoeliberdade .. .. ... .. .. ... .... .. ... ... . ... 344189. OrigemdoEstado.. .. . .. .. ... . .... ... .. ..... .... 345190. TeoriageraldoEstado .. . .. ... .. .. .... .. ..... ... ... 346 Oitava Parte CONCEITO E FUNDAMENTO DO DIREITO

XXXVI - Conceito efundamento do direito. Direç<*-*>es dopensamento juridico. . 351 191. Introdução.. .. ... .. ...... . .... ... . .. .. ..... ... 351

mcroouçao ao <*-*>scuao oo u

192. Jusnaturalismo.. . ... ..... ................ .... ... .....193. Contratualismojurídico ... ..................... .... .......194. Idealismojurídico .... .......................... ....... .195. Historicismojurídico .. ........................ .......... .196. Positivismojurídico .......... . .. ........ ........ .......197. Neokantismojurídico ... ........................ ...........198. Culturalismojurídico .. ....... ....... . ............. ....199. Sociologismojurídico .. ...... ........................ . ...200. Normativismojurídico ........ . . ... ... . . ........... ..201. Realismojurídico. ....... ....... .. ............ ...... .. 202. Conclusão.Noçãododireito.................................. Bibliografia ..........................................................

I. Introdução à Ciência do Direito e Introdução ao EstudodoDireito ..... ............. ....... .... ...... . .2. TeoriaGeraldoDireito.............. .. .. .. .... . ... . .3. Leituras fundamentais para conhecimento das pr1ncipais diretrizes do pensamentojurídico ........................................4. TeoriaGeraldoDireitoCivil............................... .5. Leiturascomplementares................................ .6. Clássicos .......................................:.....7. Obras coletivas que contêm ensaios sobre problemas de Teoria Geral do Direito e de Introdução à CiênciadoDireito... ........ ........................ .....8. Revistas que contêm ensaios ligados aos problemas da Introdução à Ciência do Direito e da Teoria GeraldoDireito .... ......... .. . ... . .......... ......

Índice de Nomes ............ ....... ........... ........... ........... .Índice de Matérias..... ........... ........... .. .. .. . .......... ..<012>>