Intervenção Arqueológica no Restaurante Jardim da Manga (Coimbra). Resultados preliminares

9

Transcript of Intervenção Arqueológica no Restaurante Jardim da Manga (Coimbra). Resultados preliminares

109

INTRODUÇÃO

Neste trabalho dão-se a conhecer os resultados dos trabalhos de acompanha-mento arqueológico, realizados no âmbito da remodelação de um estabeleci-mento de restauração e bebidas, o Restaurante Jardim da Manga, localizado na

Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes, em Coimbra. O imóvel em questão é parte integrante do Mosteiro de Santa Cruz, que foi classificadocomo Monumento Nacional em 1907 (Decreto 10 de Janeiro de 1907, publicado noDG n.º 14, de 17 de Janeiro de 1907) e em 1910 (Decreto de 16 de Junho de 1910,publicado no DG n.º 136, de 23 de Junho de 1910). Refira-se também que idêntica protecção legal abrange o claustro da Manga (Decreton.º 23 967, publicado no DG I Série, n.º 130, com data de 5 de Junho de 1934). Todo este conjunto edificado encontra-se ainda integrado numa zona especial de protec-ção estabelecida em portaria publicada no DG, II Série, n.º 44, datado de 21 de Fevereirode 1958.Dada a importância histórico-artística e o valor patrimonial do conjunto edificado noqual se insere o edifício onde actualmente labora o Restaurante Jardim da Manga, era im -perioso acautelar os possíveis impactos patrimoniais que o projecto de remodelação pode-ria acarretar.

RESUMO

Resultados de trabalhos arqueológicos realizados na sequência da remodelação do restaurante Jardim da Manga,

na cidade de Coimbra, incluindo estudo parietal do imóvel eacompanhamento das afectações do subsolo.

O edifício actual, construído em finais do século XIX ou no início do século XX, integra-se no conjunto

arquitectónico do Mosteiro de Santa Cruz, cuja edificação teve início em 1131. Está classificado pelo Estado português

como Monumento Nacional desde 1907.

PALAVRAS CHAVE: Arqueologia urbana; Arqueologia da Arquitectura; Idade Moderna;

Idade Contemporânea.

ABSTRACT

Results of archaeological work carried out during renovation works at the Jardim da Manga restaurant in

Coimbra, including the study of the building’s walls and monitoring of underground work.

The present building, from the end of the 19th - beginning of the 20th century, is part of the architectural set

of the Monastery of Santa Cruz, whose construction began in 1131 and which was classified as National Monument

by the Portuguese state in 1907.

KEY WORDS: Urban archaeology; Architecture archaeology; Modern age;

Contemporary age.

RÉSUMÉ

Résultats de fouilles archéologiques réalisées à la suite de la restructuration du restaurant Jardim da Manga, dans la ville de Coimbra, incluant l’étude pariétale de

l’immeuble et l’accompagnement des affectations du sous-sol.L’édifice actuel, construit à la fin du XIXème siècle ou

au début du XXème, s’intègre dans l’ensemble architectoniquedu Monastère de Santa Cruz, dont l’édification a débuté

en 1131. Il est classé par l’Etat Portugais comme Monument National depuis 1907.

MOTS CLÉS: Archéologie urbaine; Archéologie de l’architecture; Période moderne;

Époque contemporaine.

IntervençãoArqueológica no RestauranteJardim da Manga(Coimbra)

resultados preliminares

Dário Antunes I e Eduardo Porfírio II

I e II Arqueólogos, Palimpsesto, Lda. ([email protected]).

LOCALIZAÇÃO

A nível administrativo, a área do projecto situa-se na freguesia de San -ta Cruz, concelho e distrito de Coimbra, encontrando-se nas seguin-tes coordenadas geográficas da Carta Militar de Portugal, escala 1:25000, folha n.º 230: Longitude N 8o 25’ 40”; Latitude W 40o 12’ 40”.Fica situado a uma altitude média de 24 metros (Figs. 2 e 3).A actual Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes, assim como a AvenidaSá da Bandeira, correspondem a um vale de falha, no qual corria umalinha de água nascida no Parque de Santa Cruz. No século XII era designada por “torrente dos Banhos Régios”, sendoque o hidrotopónimo fazia referência à existência de um edifício bal-near público, propriedade do rei, que se encontra intimamente rela-cionado com a fundação do mosteiro crúzio. O ribeiro dos Banhos Régios teria um regime torrencial, concentran-do no período das chuvas as águas que drenavam da encosta de Mon -tarroio e as da vertente onde se situava a cidade antiga, originandovárias e por vezes repentinas inundações, das quais existem algumasreferências documentais. No estio, o caudal amainava mas não secava na totalidade (ALARCÃO,2008: 13, 18; ROSSA, 2001: 31).

110

ARQUEOLOGIA

II SÉRIE (18) Tomo 2 JANEIRO 2014online

FIGS. 1 E 2 − Em cima, Jardim da Manga e fachada do edifício.

À esquerda e em baixo, localização da áreada intervenção no território português e na

Carta Militar de Portugal, folha 230.

FOTO

:Lou

renço

(www

.skysc

raperc

ity.co

m).

111

quem se banhava em Cristo não teria precisão de se banhar nova-mente na vida (ALARCÃO, 2008: 157).Alvo de controvérsia permanece também a existência, ou não, de umaigreja consagrada à Santa Cruz no local onde posteriormente foi eri-gido o templo crúzio. O esclarecimento cabal desta questão poderáen contrar-se irremediavelmente dificultado pelo facto de não se co -nhecer o documento original. Deste modo, a preexistência de umaigreja de Santa Cruz é conhecida apenas através do Livro Santo.Actualmente, sabe-se que alguns dos documentos copiados para o Li -vro Santo não respeitaram na íntegra o original, tendo sofrido algu-mas “actualizações” (ROSSA, 2001: 358).No entanto, o espaço dos banhos era insuficiente para instalar todasas dependências monacais, tendo D. Telo adquirido, ainda, duas al -muinhas pertencentes à Sé e um terreno que era propriedade da Igrejade S. Salvador. Esta zona da cidade de Coimbra não se encontravadeserta de moradores. Em 1130 seria já um polo urbano localizadono exterior das muralhas. Deste modo, o mosteiro de Santa Cruz,através de várias doações e duma acção intensa de aquisição de pro-priedades, das quais algumas seriam compostas por habitações, cons-tituiu-se num autêntico entrave à urbanização desta área dos arrabal-des de Coimbra (ALARCÃO, 2008: 168, 287).A construção do mosteiro inicia-se em 1131, ano em que se procedeao lançamento da primeira pedra. A construção prolongar-se-ia ain-da por alguns anos, pois a cabeceira é concluída apenas em 1136, e a

No período de fundação do mosteiro de Santa Cruz, as cotas altimé-tricas do terreiro situar-se-iam em redor dos 16 ou 17 metros (sendonecessário subir vários degraus para se aceder à igreja), com o passardo tempo subiram até aos 21 m, cota da praça 8 de Maio previamenteàs obras de renovação realizadas na década de 90 do século passado(ALARCÃO, 2008: 17).

ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E ARQUEOLÓGICO

A história do Claustro da Manga está indissociavelmente ligada à ex -pansão do Mosteiro de Santa Cruz. Na origem do mosteiro crúzio es -teve a doação por D. Afonso Henriques, em 1130, ao arcediago D. Te -lo do balneum Regis do vale situado entre a judiaria e a encosta de Mon -tarroio. O abastecimento de água destes banhos seria provavelmenterealizado através de um aqueduto, cujo traçado passava pela rua dajudiaria (ALARCÃO, 2008: 159). Os termos da doação possibilitavamao clérigo D. Telo usufruir da propriedade de acordo com os seus in -teresses, não sendo certo que a fundação de um mosteiro fizesse já par -te dos seus planos, muito embora já houvesse da sua parte uma pre -tensão antiga a este espaço através de um pedido à condessa D. Teresa.Envolta em discussão permanece também a localização dos banhosre lativamente às construções religiosas, estando por saber se os banhosforam desmantelados para a construção da igreja. Esta hipótese con-ta a seu favor, não só com a existência de casos semelhantes docu-mentados a partir do século V, mas também com uma outra do foroteológico e simbólico que, baseada em S. Jerónimo, estabelecia que

FIG. 3 − Localização do edifício do restauranteJardim da Manga (Google Earth, 2013).

FIG. 4 − Planta das estruturasidentificadas. Plano final.

112

igreja em 1150, muito embora a conclusão das obras nes-ta última não possa ser datada com rigor (ALARCÃO, 2008:157, 162). No entanto, a vida monástica, seguindo a regrade Santo Agostinho, inicia-se um ano corrido após o iní-cio das obras, mais precisamente em 24 de Fevereiro de1132, data em que a congregação crúzia inicia a vida regu-lar com um total de 72 elementos (ALARCÃO, 2008: 160).A nível construtivo, verifica-se que a igreja de Santa Cruz,nomeadamente as suas paredes, as abóbadas das capelaslaterais e provavelmente a abóboda da nave, foram erigidascom alvenaria, sendo as coberturas em madeira. A pedra ea cal seriam provenientes da zona de Montarroio (ALAR -CÃO, 2008: 161, 176).A biografia de D. Telo dá ainda conta da sua actividadeincessante em prol do engrandecimento de Santa Cruz,no meadamente através da compra de propriedades e daconstrução de estruturas e habitações várias, entre as quaisse conta a cerca do mosteiro. Para além da acção indivi-dual de D. Telo, convém relembrar que a fundação domosteiro ocorre no contexto de um movimento de reno-vação religiosa que percorre toda a Europa nos finais doséc. XII e princípios do XIII, que pressupunha um retor-no às fontes primevas do Evangelho. Por outro lado, tam-bém a vontade de centralização do poder real no nome deD. Afonso Henriques e na da dinastia que iniciou, encon-tra expressão na instituição crúzia. Santa Cruz contavacom a protecção régia, que lhe concedeu, desde o início,não só poderes e favores políticos, mas também terrenos,co mo, por exemplo, a almunia Regis cedida por D. AfonsoHenriques em Setembro de 1137 para suportar financei-ramente a paróquia de S. João da Cruz (ALARCÃO, 2008:160, 168), ou quando mais tarde o mesmo rei, em 1166,confirma aos cónegos crúzios a totalidade das mercês ante-riormente concedidas, permitindo ainda que construíssemuma porta na muralha da cidade, uma torre, assim comoautorizou a construção no local dos celeiros e de tudo o quemais fosse necessário para o mosteiro (ALARCÃO, 2008: 178).Desde cedo que os crúzios se viram em conflito com a Sé,que pretendia a sua subordinação, mas logo em 1135, porbula papal de Inocêncio II, o mosteiro obtém o privilégiode Isento, ficando também sob a protecção de D. AfonsoHenriques. No entanto, estes conflitos perduraram, fican-do serenados somente em 1162 pela “Carta de Liberdade,concedida ao mosteiro pelo Bispo D. Miguel Pais Salomão”,crúzio convicto (CRAVEIRO, 2002: 27).

ARQUEOLOGIA

II SÉRIE (18) Tomo 2 JANEIRO 2014online

0 1,5 m

DESE

NHO:

Palim

psest

o Lda

.

argamassa de calargamassa de calargamassa de cimentoinfra-estruturas em PVC

113

circulares e, portanto, de efeitos acrescidos de centralidade” (CRAVEIRO,2002: 130). No entanto, no claustro da Manga deverá ter sidosomente adoptado este modelo na sua génese, pois não existe “…uma ligação directa entre os desenhos de Filarete e a concepção da Man -ga…” (CRAVEIRO, 2002: 131).Para a construção dos tanques (rios), cubelos e arcos foram contrata-dos, em 1533, Pero de Évora, Diogo Fernandes e Fernão Luís; as can-tarias seriam a cargo de Jerónimo Afonso e a escultura retabular edemais imaginária estava a cargo de João de Ruão (CRAVEIRO, 2002:128).A sua estrutura é evocativa da Fonte da Vida, criando um forte valorsimbólico por si só.Posteriormente, o mosteiro irá sofrer outras reformas e alterações,sendo a de maior relevância a que extinguiu as ordens religiosas mas-culinas e nacionalizou a totalidade dos seus bens, em 1834. Esta me -dida ficou, como é sabido, a dever-se aos ideais liberais que então do -minavam, não sem uma forte e arreigada oposição, os gabinetes dogo verno em Portugal. Deste modo, os edifícios e espaços pertencen-tes ao mosteiro irão sofrer grandes alterações a partir desta data.Exemplo disso é a construção do mercado D. Pedro V, o qual se inau-gurou em 1867 e que obrigou à criação de novas vias de circulação.Assim, e com a criação da grande avenida Sá da Bandeira, que rasgoutoda a quinta de Santa Cruz, também se perdeu uma das alas doclaus tro da Manga. As restantes alas sofreram uma constante remo-delação e transformação (ROSSA, 2001). Apesar de todas as vicissitu-des por que passou ao longo dos tempos, o jardim da Manga ouclaustro da Manga é nos dias de hoje um dos ex-libris da cidade doMon dego.

TRABALHOS REALIZADOS

A primeira fase de trabalhos consistiu na confrontação do projecto dearquitectura e de especialidades, por forma a determinar as áreas deintervenção, bem como a natureza da afectação. Relativamente a estaúltima, verificou-se que a execução do projecto implicaria, basica-mente, algumas demolições pontuais, a picagem de várias paredes e arealização de intervenções no subsolo.Em seguida, procedeu-se ao registo fotográfico e gráfico das paredesinteriores do edifício, completado com um levantamento parietal des-critivo. Em paralelo foi realizado o acompanhamento arqueológicodas intervenções no subsolo e das demolições de partes do edificado.A concretização destes trabalhos permitiu registar as diversas fases deconstrução do edifício, sendo possível observar que as paredes-mes-tras foram construídas com um aparelho irregular de pedra calcária,com inclusões de cerâmica, ligadas por uma argamassa de cal e areiade tonalidade cinza. Relativamente às paredes interiores, foram, todaselas, construídas com tijolo industrial.

No que respeita ao seu espaço físico, pelo Auto de Demarcação daParóquia de Santa Cruz (1137 ou 1139), os terrenos crúzios estavamcompreendidos por “… parte da riba e bairro dos judeus, e o seu almo-caver, situados ao sudoeste do mosteiro, abrangendo egualmente a portamourisca, a ribeira do banho real, uma parte de Montarroio, e o terrenoe fonte dos judeus, continuando d’ahi a demarcação ainda até à muralhada cidade, ao sudoeste, e indo terminar acima da Porta Nova” (FI -GUEIREDO, 1986: 76-77; ALARCÃO, 2008: 168). Em 1768 já os terre-nos confinavam a norte “… com a rua que chega de Santa Cruz porEn tremuros…” (FIGUEIREDO, 1986: 76-77).O mosteiro foi sofrendo ao longo da sua existência diversas alterações,sempre em função do espaço e das reformas arquitectónicas que cadaperíodo histórico-artístico acarretou. A mais relevante para este tra-balho é a reforma humanista do espaço, protagonizada por Frei Brásde Braga, no reinado de D. João III, e possivelmente ligada à transfe-rência da Universidade, visto que uma das competências decisivaspara o êxito da reforma seria o desenvolvimento e a actualização doensino.O claustro da Manga nasce com a reforma protagonizada no mostei-ro de Santa Cruz, em 1527. Um ano mais tarde é assinado o contra-to onde ficam estabelecidas em traços gerais as obras a realizar pelacampanha reformista. O novo deambulatório iria situar-se a umaquo ta superior ao claustro do Silêncio: “Saindo pois deste refectorio &travesando a claustra do silëcio cõtra o oriente sobindo bem vinte graos depedra e passando hü arco entrã em hüa grãde claustra que se diz da man-ga…” (RÉVAH, 1957). Obedeceria a uma planta regular com “…duzentos palmos de cõprido & quinze de largo, & por que nõ he de abo-beda he muy singularmëte forrada, cõ vinte arcos de pedraria…” (RÉ -VAH, 1957). Assim, visto ser uma planta quadrangular, cada uma dasalas deste claustro deveria ter 44 m de comprimento e 3,30 m de lar-gura.No meio existe “hüa fonte de agoa muy clara, limpa & saborosa …të aaentrada quatro arcos de pedraria que estã em meyo de todas as qtro par-tes desta claustra. Destes arcos cõtra o ponto do meyo do ceo desta claus-tra corre quatro ruas de largura de doze palmos, cercadas cada hüa dedous rios de agoa da mesma largura, 6 de alto seis. Entre rio & rio sta hüiardi de limões lima & cidras & outras fruytas e ervas prezadas. E assisam quatro iardiis & oito rios…” (RÉVAH, 1957). Esta fonte encontra--se rodeada por quatro capelas: “… sobre os portaes de quatro Capellasde abobeda redondas cõ seus curucheos que estã da outra parte dos rios aaface da agoa…” (RÉVAH, 1957), dispostas em “X”, criando um efeitode centralidade. Esta tipologia de arquitectura e estruturação deverá ter ido beber emexemplos do estrangeiro, como, por exemplo, “… a planta do templofilaterano, [que] apresenta essa mesma articulação engenhosa entre osvários núcleos que estabelecem o dinamismo da organização em ‘X’, cujadefinição se condensa na forma carismática do quadrado. A alternativana Manga passa pela substituição destas unidades octogonais em espaços

FIGS. 5 E 6 − Em cima, identificaçãodo piso, [20], área B.

Em baixo, plano final, área A, orientação fotográfica

Sudoeste-Nordeste.

O pavimento [20] distendia-se por uma área com cerca de 8,80 m decomprimento por 2,50 m de largura (Figs. 7 e 9). A este piso encos-tam os muros [22] e [23], que apresentam um aparelho construtivosemelhante ao dos muros previamente descritos. Quanto às dimen-sões conservadas na área intervencionada, o muro [22] apresenta umcomprimento de cerca de 1,70 m por 0,75 m de largura, enquanto omuro [23] tinha um comprimento de 0,35 m por 0,60 m de largura. Algumas das estruturas identificadas apresentavam várias perturba-ções resultantes de obras anteriores, como é o caso do corte efectua-do no muro [07], aquando da colocação das infra-estruturas de sanea-mento [02] e [24].Merece também referência o facto de se terem identificado várias con-centrações de pedras calcárias e argamassa de cal e areia deteriorada,nomeadamente [06], [11] e [12], que poderão corresponder a derru-bes das estruturas identificadas, que foram posteriormente utilizadospara nivelar o pavimento do piso térreo (Figs. 6, 7 e 9).

114

A fachada do edifício é compostapor sete arcadas, das quais duas en -contram-se actualmente entaipadas,mantendo a traça do que poderiater sido a galeria do claustro.Os trabalhos prosseguiram com are moção do pavimento do piso tér-reo, procedendo-se em simultâneo àlimpeza cuidada dessas mesmasáreas. A realização desta actividadepossibilitou a identificação de umpavimento formado por tijoleirasin terligadas por uma argamassa decal e areia, assim como de uma sériede outras estruturas, que passare-mos a descrever de forma sintética(Fig. 5).Convém referir desde logo que omuro [07] desempenha um papelcentral na estruturação deste espa-ço. Trata-se de um muro de alvena-ria de aparelho irregular, formadopor blocos calcários de pequeno agrande calibre, ligados por uma argamassa de areia e cal. Os seus limi-tes na área intervencionada são cerca de 20 m de comprimento poruma largura que varia entre os 0,60 m e 0,90 m (Figs. 6, 7, 8, 9). Emalgumas áreas da face exterior deste muro identificou-se um rebocono mesmo tipo de argamassa.Ao muro [07] encostam os muros [08] e [09], assim como o piso detijoleira [20]. Os muros [08] e [09] foram construídos com uma alve-naria de aparelho irregular, formado por pedras calcárias de calibrepequeno a grande, ligadas por uma argamassa de cal e areia. Numapequena área da face externa do muro [08] identificaram-se vestígiosde reboco. O muro [08] encontrava-se conservado ao longo de 3,60 mde comprimento por 0,70 m de largura, enquanto as dimensões domuro [09] eram de 3,30 m e 0,80 m, respectivamente.O piso [20] é formado por tijoleiras assentes em argamassa de cal eareia. Neste pavimento identificaram-se algumas manchas de colora-ção negra que poderão corresponder a pequenas e efémeras lareiras.

ARQUEOLOGIA

II SÉRIE (18) Tomo 2 JANEIRO 2014online

FOTO

S:Pa

limps

esto L

da.

115

Os restantes trabalhos que implica-ram afectações no subsolo realiza-ram-se no exterior do edifício dores taurante e consistiram na abertu-ra de três valas. A primeira realizou--se ao cimo das escadas laterais queladeiam o edifício. Consistiu numavala com 2 m de comprimento por0,20 m de largura e outros tantos deprofundidade. Esta operação decor-reu em área ajardinada, sendo queos sedimentos movimentados cor-respondem unicamente a terra dejardim.A segunda vala, com 6 m de com-primento, 0,50 m de largura e deprofundidade, localizou-se na áreade passagem a Oeste do Jardim daManga. Tinha como objectivo subs-tituir o cabo de eletricidade. Os se -dimentos remobilizados caracteriza-vam-se por uma grande heteroge-neidade, com a predominância datonalidade castanho-escura, texturaarenosa, granulometria média/gros-sa, compacidade média baixa, combastante cascalho de construção epe dras.Nesta mesma zona realizou-se a ter-ceira vala, com dimensões menores,tendo-se registado uma situação es -tratigráfica idêntica à da segunda.

FIGS. 7, 8 E 9 − Em cima, plano final, área B, orientaçãofotográfica Este-Oeste.

Ao centro, Plano final, área C (parte 2), orientação fotográficaSudoeste-Nordeste.

Em baixo, plano final, área B, pormenor de [07] e [20],orientação fotográfica Este-Oeste.

FOTO

:Pali

mpses

to Ld

a.

Considerando a distância de cerca de 3,30 m existente entre o limiteexterior do muro [07] e o limite interior do edificado actual, será crí-vel associar esta área à galeria do claustro? Não há dados que o con-firmem. No entanto, é plausível acreditar que assim poderia ser, vistoque as dimensões existentes se enquadram dentro das que constamnas descrições documentais analisadas. Assim, o muro [07] poderápertencer à edificação interior do claustro e as restantes estruturasidentificadas às celas desta ala do referido claustro.No respeitante ao capítulo da arquitectura, é bastante plausível que oedificado que actualmente configura o espaço de restauração não este-ja relacionado com o antigo claustro da Manga, pois não obedece, emnada, às descrições presentes nas fontes documentais. Muito provavelmente, estaremos perante um edifício construído nosfinais do século XIX ou inícios do seguinte, edificado após a extinçãodas ordens religiosas masculinas, e quando as diversas alas do ditoclaustro sofreram várias transformações para se adaptaram às novasutilizações.

BIBLIOGRAFIA

ALARCÃO, Jorge de (2008) – Coimbra. A montagem do cenário urbano. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra.

CRAVEIRO, M. de Lurdes (2002) – Renascimento em Coimbra: modelos e programasarquitectónicos. Dissertação de Doutoramento, policopiada. Coimbra: FLUC.

FIGUEIREDO, A. C. Borges de (1986) – Coimbra Antiga e Moderna. Lisboa: Livraria Ferreira.

RÉVAH, I. S. (1957) – “Descripçam e debuxo do moesteyro de Sancta Cruz de Coimbra, imprimée en 1541”. Boletim da Biblioteca da Universidade.Coimbra: ed. fac-similada. Vol. XXIII.

RIBEIRO, Mário de Sampayo (1958) – “El-Rei D. João III e o Claustro da Mangado Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra”. Boletim da Biblioteca da Universidade.Coimbra. Vol. XXIV.

ROSSA, Walter (2001) – Divercidade. Urbanografia do espaço de Coimbra até aoestabelecimento definitivo da Universidade. Dissertação de Doutoramento,policopiada. Coimbra: FCTUC.

SUPORTE INFORMÁTICO

http://www.ippar.pthttp://www.ipa.min-cultura.pthttp://www.monumentos.pt http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=432484&page=2

116

DISCUSSÃO

As problemáticas que envolvem o Jardim da Manga iniciam-se desdelogo pela sua própria designação. A lenda diz que a “… claustra cha-mada da manga pelo mesmo Rei (D. João III) a traçar na mesma man-ga da roupa real de que estava vestido…” (RIBEIRO, 1958: 4). Váriosau tores envolveram-se nesta controversa discussão, pois entendemnão ser credível a versão efabulada, sem que, no entanto, tenham che-gado a um consenso. Em termos histórico-documentais, verifica-se que já no séc. XIIIexistem referências a uma claustra “da manga” – “O Hospital de s. cruzia era feito em tempo de D. Joaõ Theotoneo. Era M.ccxiii … donde secolige o siteo do dito hospital e cuido que ficava na claustra da manga epera monte Arroio…” (CRAVEIRO, 2002: 31) –, o que confirma aausência de credibilidade histórica do mito que associa directamenteD. João III ao traço geral do claustro da Manga.O facto da intervenção arqueológica realizada durante a remodelaçãodo Restaurante Jardim da Manga, ter sido relativamente “superficial”,o que encontra correspondência directa no carácter minimalista doprojecto de reabilitação, leva a que não se possam retirar conclusõesdefinitivas quanto às estruturas identificadas.Desse modo, avançam-se de seguida várias hipóteses para a possívelfuncionalidade das mesmas, sem deixar, no entanto, de afirmar comum elevado grau de segurança que estaremos perante estruturas rela-cionadas com o Mosteiro de Santa Cruz, que deverão datar dos sécu-los XVI e/ou XVII.A estrutura [07] poderia corresponder ao muro de limite da ala Suldo claustro da Manga, mandado edificar por D. João III, na primei-ra metade do séc. XVI, visto que a estrutura mencionada parece en -quadrar-se nas medidas então propostas: “…duzentos palmos de cõpri-do & quinze de largo…” (RÉVAH, 1957). E, embora o muro [07] apre-sente algumas perturbações que dificultam a sua leitura, nada obsta aque ele não se desenvolva para além da área da intervenção. Contudo,o piso [20], para além de não se enquadrar dentro das medidas des-critas para a área da galeria (3,30 m de largura), encontra-se confina-do a uma área delimitada, o que leva a pressupor que ele pavimenta-ria um espaço fechado. Consequentemente, não será credível que esteseja o pavimento da galeria do referido claustro. Poderá equacionar--se a hipótese do piso [20] e das outras estruturas que se associam di -rectamente a ele, como é o caso dos muros [22] e [23], assim comodo muro [08], pertencerem às celas correspondentes às oficinas.Refira-se que segundo a documentação “A ala sul foi entregue às ofici-nas tipográficas…” (CRAVEIRO, 2002: 126). Em alternativa, podere-mos estar perante modificações estruturais do espaço, realizadas emperíodos posteriores à edificação do claustro, e que não se encontramregistadas na documentação do cartório crúzio. Com os elementosdisponíveis actualmente, não é possível dar uma resposta cabal a ne -nhuma das hipóteses avançadas.

ARQUEOLOGIA

II SÉRIE (18) Tomo 2 JANEIRO 2014online