Academia ou Jardim? Brevíssima digressão sobre o ensino de filosofia.

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TITULO ACADEMIA OU JARDIM? Brevíssima digressão sobre o ensino de filosofia em situação periférica. AUTOR Mauricio Rocha Professor adjunto da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense – FEBF/UERJ Professor do Departamento de Filosofia do Colégio Pedro II, Rio de Janeiro. RESUMO Entre nós, o aparente consenso atual sobre o ensino de filosofia nos cursos médios, e a proposta de sua inserção nos exames de acesso ao ensino superior, são sinais interessantes e que provocam uma necessária avaliação. Afinal, essa invenção milenar dos gregos sempre ocupou uma posição subalterna na “cultura brasileira”. Além disso, o caráter deceptivo e aporético da atividade filosófica faz dela uma convidada impertinente ao banquete do consenso sobre o que é “formar cidadãos”. Enfim, o hábito de associar Filosofia e cidadania indica a persistência de um léxico cujo sentido se desfaz — o que se nota, em todo caso, se estivermos atentos às alterações profundas da ordem econômica, jurídica, política e cultural na atualidade. Caberia então sondar os vínculos entre a noção de cidadania e a imagem do que é pensar, levando em conta as condições presentes de escolarização e de produção e circulação da cultura. PALAVRAS CHAVE Filosofia, Cidadania, Cultura, Pós-fordismo.

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TITULO

ACADEMIA OU JARDIM?

Brevíssima digressão sobre o ensino de filosofia em situação periférica.

AUTOR

Mauricio Rocha

Professor adjunto da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense – FEBF/UERJ

Professor do Departamento de Filosofia do Colégio Pedro II, Rio de Janeiro.

RESUMO

Entre nós, o aparente consenso atual sobre o ensino de filosofia nos cursos médios, e a proposta de

sua inserção nos exames de acesso ao ensino superior, são sinais interessantes e que provocam uma

necessária avaliação. Afinal, essa invenção milenar dos gregos sempre ocupou uma posição

subalterna na “cultura brasileira”. Além disso, o caráter deceptivo e aporético da atividade filosófica

faz dela uma convidada impertinente ao banquete do consenso sobre o que é “formar cidadãos”.

Enfim, o hábito de associar Filosofia e cidadania indica a persistência de um léxico cujo sentido se

desfaz — o que se nota, em todo caso, se estivermos atentos às alterações profundas da ordem

econômica, jurídica, política e cultural na atualidade. Caberia então sondar os vínculos entre a

noção de cidadania e a imagem do que é pensar, levando em conta as condições presentes de

escolarização e de produção e circulação da cultura.

PALAVRAS CHAVE

Filosofia, Cidadania, Cultura, Pós-fordismo.

Contra todos os importadores de consciência enlatada. A existência palpável da vida [...] Nunca fomos catequizados. Vivemos através de um direito sonâmbulo. Fizemos Cristo nascer na Bahia. Ou em Belém do Pará. Mas nunca admitimos o nascimento da lógica entre nós. �

Propomos a seguir cinco entradas para pensar o problema da prática docente em Filosofia nas

condições periféricas que constituem nossa experiência histórica – e nosso presente cotidiano.

Começamos com um breve exame da prática da filosofia entre nós, com o auxilio de autores que

demonstram a existência de atividade crítica entre nós, e delineiam o contexto local. A seguir

passamos em revista a concepção de cidadania moderna, em chave ilustrada, e a confrontamos com

as condições presentes da forma Estado e da experiência política. Depois expomos o conceito de

comum, que consideramos útil para sair dos impasses da concepção moderna de cidadania, dadas as

condições presentes da formação. A quarta entrada trata da distinção entre público e privado, e da

necessária revisão a qual precisamos submetê-las com o intento de fornecer elementos que liberem

a prática docente (e não só em Filosofia) da captura estatal e das saídas privatistas. Por último

tocamos na questão que fornece o título a este trabalho, com um breve exame das condições

subalterna da filosofia no contexto cultural local – e com a indicação de que nosso percurso, ainda

lacunar e fragmentário, registra notas para uma carta de navegação futura, como uma espécie de

prólogo para uma pedagogia da recompensa imanente2.

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1. FILOSOFIA ENTRE NÓS

O primeiro curso de filosofia no Brasil data de 1572 por iniciativa dos jesuítas e no final do século

XVI, já se ensinava filosofia no Colégio de Olinda. Em meados do século XIX, esse ensino se

renovaria, mas continuaria caracterizado como atividade desordenada de alguns devoradores de

livros, em suas iniciativas isoladas de reflexão. Em uma sociedade escravista, o dinamismo da

competição entre os agentes privados não faz sentido, e a educação é signo de supremacia, item da

soberba senhorial que acentua o contraste social entre as classes – daí o sarcasmo machadiano3 que

assinalava o quanto a imaginação local andava pela Europa, enquanto os dados imediatos da

experiência andavam por aqui mesmo&.

Rubião deu-lhe o espelho. O doente contemplou por alguns segundos a cara magra, o olhar febril, com que descobria os subúrbios da morte, para onde caminhava a passo lento, mas seguro. Depois, com um sorriso pálido e irônico:

— Tudo o que está cá fora corresponde ao que sinto cá dentro; vou morrer, meu caro Rubião... Não gesticules, vou morrer. E que é morrer, para ficares assim espantado?”

— Sei, sei que você tem umas filosofias... Mas falemos do jantar; que há de ser hoje?”

Quincas Borba sentou-se na cama, deixando pender as pernas, cuja extraordinária magreza se adivinhava por fora das calças.

— Que é? que quer? acudiu Rubião.

— Nada, respondeu o enfermo sorrindo. Umas filosofias! Com que desdém me dizes isso! Repete, anda, quero ouvir outra vez. Umas filosofias!

— Mas não é por desdém... Pois eu tenho capacidade para desdenhar de filosofias? Digo só que você pode crer que a morte não vale nada, porque terá razões, princípios...5

Proclamada a República, a Filosofia aparecerá como parte constitutiva do ideal positivista e

republicano de escolarização. Depois do sarcasmo de Machado, é a vez de Euclides da Cunha

provar seus conhecimentos filosóficos – e circunscrever o caráter dessa atividade, em chave

geofilosófica

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A metafísica é uma ciência soberana e adorável, de grandes e privilegiados recursos; é uma formosa ciência, que nos incute conhecimentos inestimáveis e raros; mas é uma ciência que só se deve estudar quando se é velho, rico e alemão. 6

Nos anos 30, com a adoção de métodos de estudo da história da filosofia importados da matriz

francesa, o debate doutrinário disparatado e a curiosidade diletante cederam à via segura do

aprendizado rigoroso – reiterando o enraizamento exclusivamente acadêmico desse exercício, a

aguardar a constituição de um sistema de escritores e leitores de obras filosóficas.

Mais uma vez, no Brasil, a cultura voltada para a realidade local se construiu e desenvolveu por meio de pessoas, livros, idéias e métodos trazidos de fora e aclimados aqui na medida do possível. [...] lembro entre divertido e surpreso que os meus mestres brasileiros timbravam em citar autores europeus, em mostrar conhecimento minucioso da Europa e boa pronúncia do francês e do inglês, além de usarem categorias do pensamento europeu para construir imagens abstratas de uma realidade vaga. Enquanto os mestres franceses nos obrigavam a olhar o mundo circundante, recorrer às fontes locais, descobrir documentos, investigar a realidade próxima. Os brasileiros, patriotas e oradores de 7 de setembro, acabavam por nos tirar do Brasil e nos iniciarem num mundo inexistente. Os franceses, usando a sua língua, empregando os seus métodos, nos punham dentro do país.7

Nos anos 60 era possível esperar da filosofia contribuição ao esforço de superação de nosso atraso

mental, político, social e cultural. A ditadura dos militares iria mudar a orientação da história, com a

exclusão da filosofia do ensino médio, dos cursos básicos e das licenciaturas universitárias, sob

alegação de “subversão”. Rompida a continuidade de uma experiência que já começava a colher

frutos, o ensino de filosofia recolheu-se à universidade — vigiado policialmente. Ressurgiria para o

grande público através dos circuitos da indústria cultural, no início dos anos 70. Já não causa mais

perplexidade o sucesso da coleção “Os Pensadores”, resultado do trabalho de professores

universitários coordenados por José Américo Motta Pessanha que desde seu lançamento vendeu

entre nós mais livros de filosofia do que em toda a história intelectual da Alemanha.

Ao retornar às escolas médias, nos anos 80, encontrou um sistema público de ensino devastado8 e as

funções da cultura e da escolarização modificadas em profundidade. Nos últimos anos, com a

defesa de seu ensino aos jovens (e até às crianças!); a proposta de que ela faça parte dos exames de

acesso ao ensino superior; a campanha pela sua obrigatoriedade no ensino médio e para que ela seja

ministrada apenas por professores licenciados em Filosofia pelas universidades. Na defesa da

necessidade ou relevância do ensino de Filosofia na formação média, a noção de cidadania (em

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clave ilustrada) é recorrente na legislação educacional em vigor9 e em documentos oficiais sobre o

assunto10. Caberia um exame desse aparente consenso seguindo a pista de noções associadas à

prática do ensino de filosofia, como a cidadania e a cultura.

A cultura é um conjunto histórico efetivo de valores comuns estabelecidos, reconhecidos, objeto de partilha e de discussão, o sistema mesmo contraditório das recognições epocais. Mas a filosofia é uma força não-histórica��

No léxico moderno a noção de cultura serviu como índice da diferenciação “nós-eles”��, matriz

antropológica da penosa dialética “eu-outro” que constitui a expansão capitalista. A um só tempo,

essa noção deu forma à subordinação colonial, revestiu as aspirações de autonomia local, serviu aos

esforços de modernização retardatária da periferia, e forneceu um “espírito” (elementos de crítica)

ao processo. No momento em que os fluxos do dinheiro, produção e criação de cultura tornaram-se

indiscerníveis13, a fé moderna na emancipação pela escolarização vacila, e leva junto a expectativa

filosófica (moderna) de “mudar o mundo” formando cidadãos – quando as instituições existentes

para esse fim viraram depósitos de corpos juvenis sob tutela temporária do Estado. Desfeita a

articulação fordista entre escola e trabalho, vemos a lenta agonia da escola moderna e da sua dupla

função de colonização interna das sociedades periféricas: a disciplina, o adestramento espiritual, o

aprendizado de parâmetros comportamentais visando ajustar a vida ao trabalho qualquer e à

concorrência universal – a conversão generalizada dos indivíduos em material da valorização

capitalistas; e sua contrapartida no luxo da formação sem finalidade, voltada para a auto-fruição e

do pensamento como reflexão desinteressada – formação local de elites econômicas e culturais�&, o

que resta é a função de “tocar o serviço” nas “escolas fantasma”. Com isso ficamos todos ocupados

enquanto se instalam as novas forças que se anunciam. Contexto no qual atribuir à Filosofia uma

função “formadora” – na perspectiva ilustrada da autonomia e expressão da racionalidade humana –

ganha tonalidade de consolação anacrônica, sobretudo diante de destinatários com outros apetites

mais urgentes.

A democracia no Brasil sempre foi um lamentável mal-entendido. Uma aristocracia rural e semifeudal importou-a e tratou de acomoda-la, onde fosse possível, aos seus direitos ou privilégios, os mesmos privilégios que tinham sido no Velho Mundo, o alvo da luta da burguesia contra os aristocratas. [...]

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Na verdade, a ideologia impessoal do liberalismo democrático jamais se naturalizou entre nós. [...] Trazendo de países estranhos nossas formas de convívio, nossas instituições, nossas idéias, e timbrando em manter tudo isso em ambiente muitas vezes desfavorável e hostil, somos ainda uns desterrados em nossa terra.[...] Assim, antes de perguntar até que ponto poderá alcançar bom êxito a tentativa, caberia averiguar até onde temos podido representar aquelas formas de convívio, instituições e idéias de que somos herdeiros.” 15

Nosso processo de modernização limitou o exercício da cidadania às formas conhecidas do direito

ao privilégio (ou do privilégio ao direito), e impôs à filosofia a contenção policial, o elitismo

acadêmico, ou a pura e simples evasão da realidade empírica. Inúmeros autores, textos e títulos de

livros testemunham o desejo dos brasileiros de fazer filosofia16, demonstrando a existência de

atividade crítica. Marcos do pensamento social brasileiro, e da investigação sobre nossa formação,

eles indicam que o vínculo entre atividade crítica — na qual a filosofia desempenharia papel

relevante — e cidadania — não é natural, nem imediato e as atinge igualmente. Tomemos as

práticas do favor, do clientelismo e as variedades autocráticas de comando social que nos

caracterizam. O “favor” – como prática e instituição – ainda integra a modernidade concreta que

nos limita – situando-nos entre a vanguarda e o atraso.17

“O favor, ponto por ponto, pratica a dependência da pessoa, a exceção à regra, a cultura interessada, remuneração e serviços prestados. Entretanto, não estávamos para a Europa como o feudalismo para o capitalismo, pelo contrário, éramos seus tributários em toda linha, além de não termos sidos propriamente feudais — a colonização é um feito do capital comercial. No fastígio em que estava ela, a Europa, e na posição relativa em que estávamos nós, ninguém no Brasil teria a idéia e principalmente a força de ser, digamos, um Kant do favor, para bater-se contra o outro18.

Essa disparidade entre a sociedade escravista e as idéias liberais européias produzia dois efeitos:

alguns percebiam a formação brasileira aquém da realidade descrita pela economia política (a

ciência do Capital), cujo objeto seria o trabalho livre— o que degradava e afastava a vida nacional

do ritmo civilizador da metrópole. Outros, partindo da mesma constatação (da exterioridade

nacional em relação ao modelo liberal-burguês), concluíam que a ciência econômica e o liberalismo

não tinham pertinência no contexto local. Entre a vergonha diante do atraso (o escravismo

“abominável”) e a irritação pela hipocrisia do suposto progresso capitalista (pois o universalismo e

a igualdade jurídica encobriam a exploração do trabalho livre), essa ambigüidade da formação

social brasileira produziu valores igualmente ambíguos, com a constituição material sendo refletida

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pela constituição formal — o que, enfim, favorecia o ajuste entre as condições locais e o compasso

mundial. Daí o estranhamento dos modernistas com esse amálgama sócio-cultural exasperante:

Como sucede com todos os outros povos americanos, nossa formação nacional não é natural, não é espontânea, não é, por assim dizer, lógica. Daí a imundície de contrastes que somos��

A Constituição de 1824 — que legitimou o Estado escravista pela articulação entre os princípios da

continuidade dinástica e da soberania popular em uma perspectiva liberal limitada — assegurou o

centralismo monárquico (herança do autoritarismo absolutista) e reservou a representação política a

uma fração privilegiada da população livre. Preservando os interesses dominantes quanto à

representação política, o texto constitucional assegurou também o “direito de propriedade em toda a

sua plenitude”, determinando que fossem indenizados os proprietários, em caso de desapropriação,

“se o bem público exigir o uso e emprego da propriedade do cidadão”. Essa interpretação do direito

de propriedade permitiu a legitimação da propriedade da força de trabalho escrava, sem sequer

mencionar sua existência. O nó atava incompatíveis — daí a sensatez aparente daqueles que

questionavam as abstrações iluministas, pois enquanto durou a rentabilidade do trabalho escravo em

comparação com o assalariado, os incultos e abomináveis senhores escravistas eram capitalistas

conseqüentes — e conferia às idéias uma função de ornato e relevo social, em detrimento de sua

intenção cognitiva e de sistema, embaralhando tudo. O efeito dessa dissonância entre modernidade

e escravismo era a simultaneidade entre a degradação, da vida intelectual, e a condecoração dos

agentes sociais investidos de poder — pois o ideário ilustrado passa a penhor intencional de uma

variedade de prestígios.

Quando, a partir de 1848, os valores liberais exibirão seu caráter de classe, consolidando os direitos da burguesia contra as forças sociais emergentes, com a vaga de lutas sociais na Europa mostrando que o pretenso “universalismo" ocultava as tensões e conflitos etc. Assim, o discurso impróprio — o dos ideais iluministas e liberais em relação à esta formação social escravista — era oco mesmo quando usado propriamente — pois mesmo em seu local de "origem" eram ideológicos etc. Daí a complexidade do "desconcerto" que caracterizaria a "vida ideológica" da formação social brasileira, a sensação de contrastes, disparates, anacronismos, contradições, conciliações etc. Em resumo, as idéias liberais não se podiam praticar, sendo ao mesmo tempo indescartáveis.���

O caráter deceptivo e aporético da atividade filosófica faz dela uma convidada impertinente ao

banquete do consenso (norma ideal da opinião) sobre o que vem a ser formar cidadãos. Sobretudo

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porque as democracias costumam pedir à Filosofia o que ela não pode oferecer absolutamente:

consensos razoáveis que assegurem a hegemonia de opiniões conjunturalmente dominantes.

2. CIDADANIA

A bandeira se agita na paisagem imunda, e nossa gíria abafa os tambores/ Nos centros, alimentaremos a mais cínica prostituição. Massacraremos as revoltas lógicas/ Em países dóceis e picantes! — a serviço das mais monstruosas explorações industriais ou militares /Adeus aqui, não interessa onde. Legionários de boa vontade, nossa filosofia será feroz; ignorantes sobre ciência, esgotados pelo conforto; que esse mundo se rebente/Esse é o verdadeiro avanço. Em frente, marche!".21

Do ponto de vista da modernidade ilustrada22, o conceito de cidadania pode ser pensado sob dois

registros: o do Direito e o da História. No primeiro caso, o problema é o da compatibilidade entre

liberdade e ordem. Trata-se de recusar o dogmatismo de uma autoridade tutelar (que deteria o poder

de promover a “felicidade” de seus súditos) e, ao mesmo tempo, propor submissão a uma legislação

que exclua privilégios jurídicos e políticos. Pois é preciso demonstrar que não há contradição na

idéia republicana, que é a síntese da liberdade e da igualdade — síntese dada por um terceiro termo

(cidadania), ou princípio, que reúne os dois anteriores, e evita a queda na liberdade sem ordem

(anarquia) ou na ordem sem liberdade (despotismo). A cidadania, como autonomia, isto é, como

submissão à autoridade por si próprio fornece essa unidade sintética: “somos nós que comandamos

por obedecermos a nós mesmos”. Mas tal unidade é dada de direito, não de fato. E resta saber como

realiza-la, para além do sentido utópico que ela apresenta.

No segundo registro, a defesa desse acordo entre liberdade e ordem permaneceria no plano da

fantasia, caso dependesse de um altruísmo natural dos homens, de um suposto interesse prévio de

cada um pela realização do interesse de todos. Admitindo a distinção entre vontade geral (impotente

na prática) e vontade de todos, só resta concluir que a democracia supõe um povo perfeito. A isso

responderá uma filosofia da história que não pode supor a “boa vontade”, pois não será o altruísmo

que fundamentará o direito, mas sim o próprio conflito entre as tendências egoístas de todos e de

cada um. Daí, a realização do direito não dependerá da vontade consciente dos homens, mas será

produzida por um mecanismo natural, pois posso respeitar a legalidade sem ser animado por

motivos morais. Essa distinção entre política e ética faz do “interesse egoísta” um motor do

progresso da ordem e não um obstáculo à realização do direito. Mas não é sem dificuldades que se

chega a essa conclusão. Sempre podemos argüir como fica a liberdade humana em face desse

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mecanismo natural. Por outro lado, contar com a boa vontade não resolve o problema político. Se a

história não é práxis consciente, nem deriva da astúcia racional, ela dependeria apenas da

passionalidade do animal que há no homem?23 Esse impasse encontrará a saída na busca de um

acordo entre o ponto de vista prático (ético, da liberdade) e o teórico (a adoção do modelo

mecanicista, ou da causalidade determinista). Pois se o mecanismo passional sanciona um certo

realismo otimista (a realização do ideal político não dependeria de virtudes apenas hipotéticas, mas

de paixões egoístas), o ponto de vista prático (que associa liberdade e ideal político), por depender

da “boa vontade”, só pode resultar em pessimismo. Enfim, só um sentido estético, voltado para a

realização das expectativas de uma vida comum em paz e segurança permitiria a saída desse

impasse, propriamente moderno24.

O fim do socialismo real e a emergência de uma forma de dominação planetária do Estado

democrático-capitalista suprimiram os dois obstáculos para uma filosofia política que queira pensar

o presente25. Concluída a “grande transformação”, que arrastou repúblicas e monarquias, tiranias e

democracias, federações e Estados nacionais rumo ao que já foi chamado de “Estado espetacular

integrado”, “capital-parlamentarismo”. A primeira revolução industrial desfez as estruturas sociais e

políticas e as categorias do direito público do Antigo Regime. Na atualidade do “hiper-capitalismo

de serviços” o campo semântico moderno se desarticula — e freqüenta-lo sem crítico resulta em

anacronismo, ou vazio de sentido. Como pensar politicamente sem o álibi do “progressismo” e do

Estado de Direito? Devemos concluir que a história acabou, mas sem pensar o fim do Estado,

supondo que a história se realizou em um Estado homogêneo e cosmopolita orquestrado pela

comunicação universal? Ou devemos pensar o fim do Estado sem o fim da história — como tentam

os “progressistas”? O impasse é evidente: é possível pensar o Estado sem a finalidade que lhe é

própria? Ou a realização dessa finalidade por um mero fantasma da soberania? Se ainda persiste a

“forma Estado” (o Capitalismo só triunfa quando se torna Estado), ela convive com o aparente

“retorno” do que é “histórico”, sob as formas do “nacional”, da religiosidade, dos movimentos

étnicos.

Sintomaticamente, a modernidade ocidental sempre menciona o dito de Marx – “a religião é o ópio do povo” --, esquecendo-se de que essa afirmação era antecedida por uma análise e interpretação da religiosidade como “espírito de um mundo sem espírito” (a promessa de redenção num outro mundo para quem vivia no mundo da miséria, da humilhação e da ofensa, como a classe operária), e como “lógica e enciclopédia populares” (uma explicação coerente e sistemática da Natureza e da vida humana, dos acontecimentos naturais e das ações humanas, ao alcance da compreensão de

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todos). Em outras palavras, Marx esperava que a ação política do proletariado nascesse de uma outra lógica que não fosse a supressão imediata da religiosidade, mas sua compreensão e superação dialética, portanto, um processo tecido com mediações necessárias. Por haver, entretanto, imaginado o oposto, isto é, que a religião poderia ser suprimida imediatamente, a modernidade parece não ter como explicar a avalanche religiosa que inunda as sociedades contemporâneas. O retorno à superfície do fundo religioso assemelha-se ao que a psicanálise designa com a expressão retorno do reprimido, uma repetição do recalcado pela cultura porque esta, não tendo sabido lidar com ele, não fez mais do que preparar sua repetição. 26

Feitas as contas, sobrou à modernidade a consciência infeliz27 de quem aprendeu a lição iluminista,

sem colocá-la em prática. Essa consciência falsa, que tem sacolejos e impulsos reflexivos, flutua

entre o pessimismo leal às origens (que faz pensar na decadência) e um desrespeito sereno ao

prosseguimento das tarefas originais, como um herdeiro que contempla as épocas heróicas com

ceticismo pelos resultados do projeto — daí o cinismo como estado de consciência doentio que

interdita o otimismo. À figura do novo cínico restou a negatividade blasé sem esperança, somada à

ironia e à compaixão — pois ele confrontou os limites existenciais e sociais da Aufklärung.

3. O COMUM

Quando a democracia liberal e as leis de mercado aparecem como única saída para muitos, os que

tentaram articular as questões políticas e da democracia no plano da linguagem encontraram na

teoria do agir comunicacional uma alternativa28. O interesse por ela (em várias áreas das ciências

humanas e sociais aplicadas) indicou os limites impostos pela própria ação política, e as condições

incontornáveis do regime pós-fordista. Para muitos, ela permitia manter distância tanto do pós-

moderno quanto das posturas antimodernas, sem renunciar aos desejos ilustrados de emancipação

— afinal, tratava-se de “levar até o fim” a dialética entre emancipação e regulação. A força dessa

teoria residia na compreensão pragmática de que a comunicação se define pelo que ela é em dada

comunidade sócio-política, e de que todo ato de liberdade é posterior à restrição preliminar que os

limites da linguagem estabelecem. Esse poder de recorrer à mediação discursiva asseguraria a

possibilidade de justificar e legitimar as formas de governo nos termos do “interesse geral” — indo

além da simples normatização técnico-instrumental. Pois a mediação lingüística permitiria uma

busca cooperativa e consensual da verdade, dada a pressuposição de racionalidade pré-existente ao

ato de comunicar — que pertence a cada um e que passa da esfera privada à vida social por meio da

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comunicação. A finalidade dessa “comunidade” racional dos indivíduos seria a melhoria da vida

social, pela organização dos sistemas político, social e institucional. O que seria possível com o uso

de noções, palavras e signos socialmente partilhados — desde que as palavras usadas para

comunicar fossem reconhecidas pela comunidade como verdadeiras. Essa partilha social prévia de

“universais” permitiria, no caso da ação política, uma prática comunicacional atenta à significação

etimológica das palavras empregadas, isto é, a uma significação consolidada. Caso ocorra outra

interpretação dessas palavras (usadas para acordos e normas), os limites dessa nova liberdade

poderão ser inscritos nas regras constitutivas do próprio conflito democrático. De fato, a linguagem

usada nas democracias liberais permitiria interações variadas entre sujeitos-cidadãos, pois valores

da sociedade liberal são partilhados, e sua interpretação não repousa necessariamente sobre

significações objetivas, verificáveis, mas sobre significações intersubjetivas — que, por sua vez,

pressupõem os universais de comunicação. Identificado o problema das regras para um governo

democrático, restaria resolver os conflitos que a linguagem determina.

Quando o Robinson Crusoé de Defoe fala inglês com Sexta-feira, ele não se preocupa em saber se

seu servidor falava uma outra língua antes de encontrá-lo. E se for verdade que a linguagem não é

inata, mas sim uma convenção, uma criação arbitrária e artificial decidida pelos homens e

transmitida de geração em geração, então sua aquisição é imposta.

A professora não se questiona quando interroga um aluno, assim como não se questiona quando ensina uma regra de gramática ou de cálculo. Ela "ensigna", dá ordens, comanda. Os mandamentos do professor não são exteriores nem se acrescentam ao que ele nos ensina. Não provêm de significações primeiras, não são a conseqüência de informações: a ordem se apóia sempre, e desde o início, em ordens, por isso é redundância. [...] A unidade elementar da linguagem — o enunciado — é a palavra de ordem. Mais do que o senso comum, faculdade que centralizaria as informações, é preciso definir uma faculdade abominável que consiste em emitir, receber e transmitir palavras de ordem. A linguagem não é mesmo feita para que se acredite nela, mas para obedecer e fazer obedecer29.

Aprender uma linguagem durante a infância supõe uma violência originária, pois obriga a calar

sobre experiências para as quais não existe palavra, a proferir conteúdos que não correspondem às

experiências, a ter intenções que não são próprias ao sujeito. E se for verdade que é pela linguagem

que “entramos na história”, ela permanece um filtro pelo qual as experiências de cada um não

conseguem passar por inteiro. A linguagem é constitutivamente disciplinar, ela impõe limites.

Enfim, a pretensa universalidade da teoria do agir comunicacional tem como pressuposto a idéia de

que a dimensão discursiva é um fato objetivo, por ser socialmente partilhado, o que aparentemente

só teria validade em uma comunidade relativamente homogênea e dotada de códigos e hábitos

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lingüísticos particulares. No interior da mediação lingüística a existência de cada um é sempre

problemática, e é esse caráter problemático que modifica continuamente os pressupostos do que

quer dizer falar30. Dispor de uma mesma linguagem não garante que as experiências, coletivas ou

individuais, passem pelo filtro “comum” dessa mediação. Seria o caso de perceber na intuição

notável dessa teoria a emergência do “comum” lingüístico como horizonte problemático, mas

também os limites que os novos modos de produção impõem ao pensamento — pois é no plano da

linguagem, da sensibilidade, dos afetos e da inteligência que se exerce a “expropriação do comum”

operada pelo hipercapitalismo de serviços: como neuro-exploração da força de trabalho imaterial e

da inteligência31.

Contrariamente ao que supõe Heidegger, a tagarelice não só não é uma experiência pobre e depreciável, mas que concerne diretamente ao trabalho, à produção social. Trinta anos atrás, em muitas fábricas, havia cartazes que intimavam: “Silêncio, trabalha-se!”. Quem trabalhava calava. Começava-se a tagarelar só à saída da fábrica ou do trabalho. A principal novidade do pós-fordismo consiste em ter colocado a linguagem a trabalhar. Hoje, em algumas fábricas, podemos fixar dignamente cartazes invertidos aos de outros tempos: “Aqui se trabalha. Fale!”.�%�

Quando o trabalho produtivo é essencialmente marcado pela capacidade de operação, atividade

simbólica (comunicacional, afetiva etc.) e cooperação, será este o âmbito da constituição da

cidadania%%. Deixando de ser fruto da inserção produtiva, passando a ser condição dessa inserção, a

cidadania e as problemáticas referentes à integração e à exclusão, ao desenvolvimento (econômico e

social) e à desigualdade se transformam. A desigualdade torna-se causa, e não mais conseqüência,

do travamento do desenvolvimento e de sua lentidão.34

Escapa aos teóricos da desigualdade ou da miséria permanentes, se não crescentes, a percepção da singular circunstância de que, contemporaneamente, e em puro cálculo econômico, o crescimento da riqueza independe da extinção, do aumento ou da redução da miséria existente. Essa imprevista e extraordinária circunstância faz parte do estágio atual de todas as sociedades capitalistas ricas. Mas é desafiador descobrir como ele foi alcançado por sociedades como a brasileira, virgem, em qualquer momento de seu percurso acumulativo, de políticas redistributivas

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de grande porte, que, ao mesmo tempo, elevassem o padrão de vida das grandes multidões e assegurassem dinâmico mercado para a continuidade da acumulação capitalista. [...] As próprias instituições da cidadania regulada, contudo, se transformaram, no médio prazo, em obstáculos a mais incisiva política redistributiva.%"

Pensar o “comum” é necessário para uma nova concepção de cidadania. Não se trata de

“comunitarismo” ou de uma concepção comunitária do direito. O termo comunidade sugere uma

unidade moral transcendente à população e a suas interações – como um poder soberano. O comum

não é sinônimo de comunidade, no sentido tradicional, nem de público, restrito à esfera estatal. O

que produz é o comum%!, o comum que compartilhamos serve de base à produção futura em uma

relação espiral crescente – o exemplo é a comunicação como produção: necessitamos de linguagens,

símbolos, idéias, assim como de relações compartilhadas e comuns. Por sua vez, os resultados da

comunicação são novas linguagens, símbolos, idéias e relações comuns. Essa relação dual entre

produção e o comum – comum produzido, comum produtivo – é a chave para a compreensão de

toda atividade social e econômica.

Há biopolítica ali onde alcança o primeiro plano, na experiência imediata, o atinente às dimensões potenciais da existência humana: não a palavra dita, mas a faculdade de falar como tal; não o trabalho cumprido, mas a capacidade genérica de produzir. A dimensão potencial da existência torna-se proeminente precisamente e tão só com a aparência da força de trabalho. É nesta última onde se compendiam todas as diversas faculdades ou potências de animal humano. Olhando-o bem, “força de trabalho” não designa uma faculdade específica, mas o conjunto das faculdades humanas enquanto elas são incorporadas à práxis produtiva. “Força de trabalho” não é um nome próprio, mas um nome comum.�%$

No conceito de hábito encontramos uma abordagem da produção do comum – o hábito permite

deslocar as concepções filosóficas de subjetividade transcendental até a experiência real, as práticas

e a conduta. O hábito é o comum levado à prática, o que produzimos constantemente – criam uma

natureza que serve de base para nossas ações. Compartilhados e sociais, se produzem na interseção

com outros, e nunca são apenas individuais – pois hábitos, condutas e subjetividades surgem sobre a

base de condutas e comunicação social, constituem nossa natureza social, vinculam-se ao passado e

ao futuro – e não são meras repetições, pois seriam socialmente inúteis dissociados de significação

social%�. Se de um ponto de vista individual são restritivos, de um ponto de vista da cooperação

social seu poder de inovação é grande, pois os hábitos não são obstáculos para a criação e remetem

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a uma ontologia da prática social do comum. Esse comum produtivo e ativo é o outro nome da

multidão – vocábulo que atesta o surgimento do pensamento político moderno. A multidão é a

subjetividade que emerge desta dinâmica entre singularidade e comunidade. O conceito de

multidão, associado à análise do potencial performante das coletividades, fornece uma entrada para

compreensão dos processos sociais contemporâneos de produção da vida e do conhecimento. As

características do trabalho fabril, próprias do fordismo, eram contrárias ao intercambio democrático

– e tendiam a forjar uma cidadania silenciosa e passiva. No paradigma pós-fordista a produção

imaterial tem como característica central a performatividade, a comunicação e a cooperação – sem

prejuízo dos paradoxos.

As metamorfoses dos sistemas sociais do Ocidente durante os anos 80 e 90 podem ser sintetizadas de modo mais ou menos pertinente com a expressão: comunismo do capital. Isso significa que a iniciativa capitalista orquestra em seu próprio benefício precisamente àquelas condições materiais e culturais que asseguravam um calmo realismo à perspectiva comunista. Se pensarmos nos objetivos que constituíam o eixo daquela perspectiva: abolição desse escândalo intolerável que é o trabalho assalariado; extinção do Estado enquanto indústria da coerção e “monopólio das decisões políticas”; valorização de tudo aquilo que torna irrepetível a vida do indivíduo. Pois bem, no curso dos últimos vinte anos pôs-se em cena uma interpretação capciosa e terrível desses mesmos objetivos. Em primeiro lugar: a irreversível contração do tempo de trabalho socialmente necessário sucedeu-se com o aumento do horário para os que estão “dentro” e a marginalização para os que estão “fora”. Inclusive quando se está ante uma escassez extraordinária, o conjunto dos trabalhadores dependentes é apresentado como “superpopulação” ou “exército industrial de reserva”. Em segundo lugar, a crise radical ou até a desagregação dos Estados nacionais se explica como reprodução em miniatura, à moda de caixinha chinesa, da forma-Estado. Em terceiro lugar, à continuação da queda de um “equivalente universal” capaz de ter vigência efetiva, assistimos a um culto fetichista das diferenças: só que estas últimas, reivindicando um sub-reptício fundamento substancial, derivam em toda classe de hierarquias vexatórias e discriminantes. Se o fordismo havia incorporado, e transcrito ao seu modo, alguns aspectos da experiência socialista, o pós-fordismo destituiu de fundamentos tanto ao keynesianismo como ao socialismo. O pós-fordismo, baseado no general intellect e na multidão, declina a seu modo instâncias típicas do comunismo (abolição do trabalho, dissolução do Estado, etc.).%�

4. PÚBLICO, PRIVADO

A oposição entre privado e público – que é habitual e parece evidente, o que não ocorre com a

distinção entre ambas – justamente pela constelação de significados que acompanham essas noções.

Essa oposição não recobre a oposição entre individual e social, mas é transversal e varia segundo as

formas sociais e os modos de vida – a certo tipo de relações públicas corresponde certo tipo de

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relações privadas – e sua oposição não é absoluta40. Modernamente, o publico e o privado definem

modos de apropriação de bens, supostamente contrabalançada pela apropriação publica. De fato, o

privado capitalista é aquisitivo e privativo, por ser dominação do Capital e captura das atividades

humanas e seus produtos – e faz com que os indivíduos subordinem seus modos de inserção na vida

social aos movimentos de valorização do capital, e na concorrência entre todos pela seleção e

participação no processo de apropriação. Essa forma do privado isola e confina, e nele a

subjetividade e a subjetivação não encontram apoio, pois o privado operado pelo capital é um fator

permanente de desestruturação e reestruturação para a subjetividade. O que reconhecemos na

exigência de adaptação a conjunturas econômicas e sociais que mudam rapidamente e deixam

pouco espaço para uma distância reflexiva em relação às condições do agir. Quando bem sucedida,

facilmente é atribuída aos “méritos” do indivíduo – deixando de lado os dados objetivos que a

possibilitou (participação no capital, patrimônio, estatuto social, conhecimentos). Por sua vez, os

fracassos são atribuídos à insuficiência ou ausência de qualidades necessárias para vencer a

concorrência, e não às condições desiguais existentes. Subjetivar as relações objetivas é um contra-

senso eficaz, do ponto de vista do mando social, por gerar sentimentos ilusórios de liberdade e

autonomia naqueles que se crêem vencedores e sentimentos de culpabilidade e inferioridade nos

que sabem que estão por sua própria conta. A liberdade de empreender não é somente um slogan,

mas uma fixação do psiquismo da sociedade capitalista, uma justificação simbólica para os

constrangimentos que se deve impor para ser um “ganhador” — e para não ser um “perdedor”.

O privado não se reduz ao íntimo, ou às relações interindividuais, e pode remeter a trocas mercantis

concernentes a indivíduos e instituições. Costuma-se interpretar o conceito de privado como

abrangendo os direitos e a liberdade dos sujeitos sociais, juntamente com os direitos da propriedade

privada. Daí a confusão entre os termos. Tal confusão deriva da matriz liberal do individualismo

possessivo da teoria jurídica moderna – sobretudo na visão anglo-americana. Essa concepção

compreende os atributos do sujeito – interesses, desejo, a alma enfim – como propriedade das quais

o individuo é dono, reduzindo as formas de subjetividade à esfera econômica&�. Assim, o conceito

de privado permite reunir todas as posses – desde as subjetivas até as materiais.

Por sua vez, o público não se reduz à política e ao que organiza a coexistência de indivíduos e

grupo, pois envolve as manifestações culturais, os debates intelectuais, a produção do conhecimento

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em uma sociedade dada – e vincula os segmentos sociais, permitindo deslocamentos e modificações

a partir de jogos simbólicos. Algo semelhante ocorre no conceito patrimonial do Estado disciplinar

– desenvolvido sob o absolutismo monárquico e transposto para as formas jurídicas e estruturas

legais do Estado Republicano (jacobino e socialista). Daí os conceitos de bem público e serviço

público se desenvolverem segundo uma teoria jurídica que considerava o público restrito ao

patrimônio do Estado. Por sua vez, o conceito de público também mistura o que é referente ao

Estado e o que é comum. Seria o caso de pensar aqui estratégias legais nas quais o conceito de

privacidade expressasse as singularidades subjetivas sociais, não a propriedade privada – e um

conceito de público baseado no comum (e não no controle estatal). Trata-se dos direitos produzidos

pelo comum – no marco de um processo de comunicação social (do ponto de vista da sua produção,

e não como representação), que por sua vez produz o comum. Comunicação entre singularidades,

que emerge graças aos processos sociais de cooperação na produção. Nesse processo o individuo

(compreendido segundo a matriz liberal possessiva) se dissolve e as singularidades emergem

expressivas. Indagar sobre a cidadania nesse contexto nos leva às reflexões sobre os direitos da

singularidade, entendida como expressão da ética da performatividade, isto é, da “atividade sem

obra” a qual se refere Paolo Virno:

a execução de um pianista ou de um bailarino não deixa atrás de si um objeto determinado, separável da própria execução, em condições de persistir quando aquela já finalizou. Atividade que exige a presença de outros: a performance tem sentido somente quando é vista ou escutada. Intui-se que essas duas características estão correlacionadas: o virtuoso necessita da presença de um público, pelo fato de não produzir uma obra, um objeto que fique girando no mundo depois de haver cessado sua atividade. Na falta de um produto extrínseco específico, o virtuoso deve dar conta de seu testemunho.&�

5. ACADEMIA OU JARDIM

A filosofia emergiu na borda asiática do mediterrâneo, quando os gregos começaram a falar em

“amizade à sabedoria” e nomearam os que a praticavam de amigos, ou amantes da sabedoria. Os

antigos jamais concordaram sobre o que era essa sabedoria. Nem sobre quem era o verdadeiro

amigo — hoje em dia também não. Nunca houve acordo total sobre sua serventia, ou a quem ela se

destinava (apenas para alguns ou para todos?). De qualquer modo, a sophia era objeto de desejo de

muitos pretendentes, inclusive de amigos dos tiranos (os quais sempre desconfiaram dessa amizade

e desses “amigos”). Por ser desejo e orientar a conduta daquele que deseja, parece que não há

escolha quando se é tomado por ele. E como o desejado parece bom e interessa justamente por ser

desejado, a conclusão pela excelência da atividade do pensamento é inevitável — mesmo que isso

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seja difícil e raro: pois o que se pede é o hábito de pensar contra si mesmo, de não ficar satisfeito

com as opiniões razoáveis com as quais muitos concordam (é o caso das ortodoxias religiosas e das

certezas dominantes em uma sociedade qualquer). Além disso, por supor um confronto de

argumentos, um exercício incômodo do ânimo crítico, uma revolta mental organizada (um

paradoxo!)43, tudo somado, a Filosofia pergunta o que significa falar, sentir e agir. Trata-se de uma

paixão pelo pensar e pelos riscos de encontrar amigos e rivais pelo caminho — o que

provavelmente é o sentido “político” da Filosofia44. Mas como não há pensamento novo sem

desacordo, esse desejo de pensar e conhecer produz divergências e adversários. E como só há

conflito pelo que se ama, às vezes os amantes da liberdade e os amantes do poder se confundem e

trocam de posição: uma filosofia pode justificar o arbítrio, quando aquele que a pratica se alia aos

poderes estabelecidos, ou se torna dependente deles.

A filosofia manteve em sua imagem predominante um nexo profundo com a forma Estado&". Essa

relação não decorre apenas da modernidade, que fez do filósofo servidor publico. Os filósofos

foram aceitos e reconhecidos como mestres da verdade e do justo, escolarizando a filosofia e a

oficializando como elemento da cultura estatal por um vínculo intimo e não acidental da imagem da

filosofia racionalista, por seus compromissos tácitos e cumplicidades, como se o pensamento se

apresentasse modelado conforme o aparelho estatal, seja por extrair da forma Estado o seu modelo,

seja por desenvolver esse modelo no interior do pensar – o filósofo rei, a transcendência da idéia, a

interioridade do conceito, a republica dos espíritos, o tribunal da razão, o funcionário do

pensamentos, o homem legislador, etc. Pensar como todo mundo, ter idéias justas como requisitos

para o individuo normal, tudo isso era condição prévia à obediência, forma de assentimento ao

estabelecido. A pretensão do Estado de ser a imagem interiorizada de uma ordem do mundo

corresponderia uma autoconcepção da filosofia como Estado puro ou ideal, da qual a filosofia

Kantiana seria o melhor exemplo – a razão como poder autolimitado e unidade do sistema de

faculdades, unidade sintética de poderes separados (parlamentarismo filosófico). Trata-se de uma

política intrínseca da filosofia racionalista (dogmática, crítica, comunicacional); trata-se de plantar

um Estado nos cérebros e deixa-lo ramificar-se, organizar o pensamento e o mundo a partir de um

ponto germinal, ou desenvolve-lo em arborescência circular a partir de um centro. O Estado fornece

ao pensamento uma imagem de interioridade, de transcendência, de autarquia, um peso, uma

gravidade, uma seriedade, um “poder” que de outro modo ninguém lhe reconheceria. Em

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contrapartida, a forma Estado sai legitimada numa universalidade sancionada como forma universal

por direito. E o pensamento dá a essa forma de interioridade um forma de universalidade.

O problema que se apresenta à prática de ensinar filosofia na periferia é subtrair o pensamento ao

modelo estatal: um mínimo de Estado na nossa cabeça e nos nossos atos – pois são os efeitos

nocivos da institucionalização são muitos: a fixação prévia em currículos, a restrição a um cânone;

os “cordões sanitários” das tradições sacrossantas etc., e demonstram que para concretizar suas

instituições o mundo não aguarda a Filosofia. E esta, impedida de emitir arbitrariedades sobre o

Estado, as Artes, a Sociedade etc., vê-se confrontada com as pretensões genéricas dos que a julgam

segundo seus próprios pré-conceitos (no nosso caso particular, a expectativa de que ela seja

“preceptiva”, sob a forma da demiurgia docente).

Considerada como “conteúdo didático”, a história da filosofia pode fornecer repertório cultivado,

pelo exame do corpus milenar de textos que a constitui. E o que encontramos nesse corpus senão

uma variedade de formas expressivas46, de filosofias singulares cuja variedade tem significado

polêmico e estratégico? E como essas formas entram em relações de força, como “filosofias”

enredadas na vida institucional, será preciso pensar a interseção entre as linhagens, acentuar suas

vizinhanças, desvendar suas diferenças47. Essa natureza “problemática” da Filosofia, como contínua

abertura de “horizontes de sentido”48, define um pensamento que não ainda não possui a si mesmo49,

que é atividade de pensar o ainda não pensado – e faz da prática filosófica uma ação especulativa

fundada em experiências, perplexidades, sensações e visões que não derivam da história, nem

apenas dos saberes constituídos50. Por sua vez, o encontro com o não-filosófico, ou pré-filosófico

supõe algumas condições – sobretudo quando se trata de jovens, com sua musicalidade, sua

disponibilidade ao novo, seu universo de signos pop – pois é preciso levar em conta as experiências

cognitivas dos seus interlocutores como prática de problematização indutora de Filosofia.51

Quem se empenha nessa tarefa pode passar por um “animador cultural” a mais – segundo uma

avaliação confessadamente desanimada"�. Mas não é novidade que a filosofia ocupa um lugar

subalterno na ordem cultural local – nem medula nem osso na geléia geral brasileira.

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Ao contrário da literatura, a filosofia — ou melhor, a leitura de livros de filosofia, — sempre ocupou um lugar subalterno na evolução da cultura nacional; não se prestando à representação da realidade, compreende-se que ficasse à margem do empenho construtivo do qual a atividade literária era a viga mestra”.53

Se coube a literatura um lugar central na organização da experiência nacional como reveladora do

Brasil aos brasileiros, como chave interpretativa de nosso sistema cultural, isso ocorreu, entre outros

motivos, pela constituição de um sistema de escritores e leitores – evidência constatada por

inúmeros leitores do processo de formação. Desde que não se pense a cultura de um ponto de vista

transcendental – isto é, desde que ela seja referida aos hábitos, costumes e modos de ser concretos

da experiência comum – perceberemos que as relações entre as formas expressivas no interior da

cultura mudam de lugar, como no caso da música, por exemplo:

No Brasil a música erudita nunca chegou a formar um sistema onde autores, obras e público entrassem numa relação de certa correspondência e reciprocidade; lamente-se ou não esse fato, o uso mais forte da música no Brasil nunca foi estético-contemplativo"&.

Enfim, caberia argumentar ainda em favor da constituição de um sistema de leitores, dada a

enormíssima população de escritores nas Academias – sem esquecer, para ficarmos no exemplo, de

que em todas as ocasiões em que a música de concerto é servida “sem transcendências” (como dizia

o Pessoa) as multidões acorreram em jubilo aos jardins, praças e parques das cidades brasileiras.

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