Golpes de asa - Fonoteca Municipal de Lisboa

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Peter Morgan Sexta-feira 23 Janeiro 2009 Vem aí novo disco, “Noble Beast” CAMERON WITTIG ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 6870 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE Golpes de asa Franz Ferdinand Woody Allen

Transcript of Golpes de asa - Fonoteca Municipal de Lisboa

Peter Morgan

Sexta-feira 23 Janeiro 2009

Vem aí novo disco, “Noble Beast”

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2 • Ípsilon • Sexta-feira 23 Janeiro 2009

Este espaço vai ser seu. Que fi lme, peça de teatro, livro, exposição, disco, álbum, canção, concerto, DVD viu e gostou tanto que lhe apeteceu escrever sobre

ele, concordando ou não concordando com o que escrevemos? Envie-nos uma nota até 500 caracteres para [email protected]. E nós depois publicamos.

Espaço Público

SumárioAndrew Bird 4Rui Tavares entrevistou o homem-pássaro

Franz Ferdinand 10Têm novo disco e Alex Kapranos revela os seus dotes de culinária

Elisabeth Davis 12A música dança com esta percussionista

Frost/Nixon 15O argumentista Peter Morgan diz que o fi lme é um combate de boxe

Woody Allen 18A fantasia de ser cineasta europeu a propósito da estreia de “Vicky Cristina Barcelona”

Parades & Changes, replay 20A remontagem da peça histórica de Anna Halprin

São Paulo 22Um novo São Paulo numa viagem pela biblioteca básica paulina

tem dado a conhecer. O primeiro foi, nos anos 60 e 70, um dos nomes de proa do Novo Cinema Alemão, figura obcecada por uma demanda romântica, a da ultrapas-sagem dos limites humanos. Filmes como “Aguirre, o Aventureiro” (1972), “Fitzcarraldo” (1982) ou “Grizzly Man” (2005) podem ser vistos, antes de

mais, como documentários sobre a realização de filmes “impossíveis”. A visibilidade e a credibilidade do realiza-dor, 66 anos, flutuou ao lon-go dos tempos, mas o ques-tionamento dos limites dos géneros documentário/fic-ção que a sua obra foi des-bravando colocou-o de novo na mira dos críticos e dos programadores dos festivais, como o provam as recentes retrospectivas do Centro Pompidou, Paris (que ainda decorre), do festival de La Rochelle e do Museu Nacio-nal de Cinema de Turim. Foi a programadora do Museu de Turim, a venezuelana Grazia Paganelli, quem escolheu as 26 curtas e longas que o Indie exibe. Na mesma altura, o festival, com as Edições 70, lança “Sinais da Vida, Werner Herzog e o Cinema”, que Paganelli coordenou para Turim. Jacques Nolot, o secreto e, ao mesmo tempo, explícito Nolot: a sua obra cruza arte e vida, e pensamos na “trilogia” “L’Arrière-pays” (1997), “La Chatte aux Deux Têtes” (2002) e “Avant que j’oublie” (2007) - este exibido no Indie 2008 -, filmes de exposição íntima e (homos)sexual, algures entre a crueldade e o burlesco, mas também de recriação difusa de uma “persona”. Nolot, 62 anos, conheceu André Téchiné num curso de expressão dramática, e com o realiza-dor viria a trabalhar como actor e argumentista em “La Matiouette” (1983) e “J’embrasse Pas” (1991). A homenagem do Indie engloba 10 obras represen-tativas dos seus vários con-tributos como realiza-dor, actor, argu-mentista e inclui

“La Voix Huma-ine”, partici-pação como

actor no filme de Vincent Dieutre.O IndieLisboa decorre de 23 Abril a 3 de Maio. Vasco Câmara

Werner Herzog e Jacques Nolot serão os cineastas homenageados na secção Herói Independente do IndieLisboa 2009. Seguem-se a nomes como Johnnie To, José Luis Guerín, Shinji Ayoama, Jay Rosenblatt, Michael Glawogger, Jia Zhang-ke ou Edgar Pêra, figuras à margem do cir-cuito comercial que o Indie

Director José Manuel FernandesEditores Vasco Câmara, Joana Gorjão Henriques (adjunta)Conselho editorial Isabel Coutinho, Inês Nadais, Óscar Faria, Cristina Fernandes, Vítor Belanciano Design Mark Porter, Simon Esterson, Kuchar SwaraDirectora de arte Sónia MatosDesigners Ana Carvalho,Carla Noronha, Jorge Guimarães, Mariana SoaresE-mail: [email protected]

Ficha Técnica

Werner Herzog e Jacques Nolot são os Heróis do Indie

Herzog: o questionamento dos limites documentário/fi cção da sua obra colocou-o de novo na mira de críticos e programadores

Nolot: a sua obra cruza arte e vida

Ípsilon • Sexta-feira 23 Janeiro 2009 • 3

Romances victorianos ensinam-nos a ser melhores?Já foram adaptados ao cinema e usados como exemplos de diferentes coisas, agora os romances clássicos victorianos como “O Drácula” e “Orgulho e Preconceito” ensinam-nos a ser melhores cidadãos. É o que revela um estudo revelado pela “New Scientist” que defende que a literatura pode “condicionar a sociedade para que se lute contra os impulsos básicos e se trabalhe de forma cooperativa”. A citação é de Jonathan Gottschall, do Washington and Jefferson College, na Pennsylvania, um dos autores do estudo “Como é que as teorias da evolução de Darwin se aplicam à literatura” - o outro é Joseph Carroll, da Universidade do Missouri em St. Louis. Conclusão: as personagens dividem-se em “grupos que correspondem à dinâmica igualitária da sociedade recolectora, onde o domínio individual é suprimido a favor do bem comum”. Exemplos, dá a revista: “Protagonistas como Elizabeth Bennett em ‘Orgulho e Preconceito’ têm pontuação muito alta quanto a integridade e educação, enquanto antagonistas como o conde de Drácula ganham pontos na procura de status e de domínio social.” Os romances “têm uma função que continua a contribuir para a estrutura e qualidade da vida em grupo”, disse à “New Scientist” Christopher Boehm, antropólogo cultural na Universidade da Califórnia do Sul, cujo trabalho influenciou este estudo.O estudo foi feito a partir de inquéritos realizados on-line a mais de 500 pessoas, onde lhes era pedido para escolherem um livro de uma lista de 201 obras

britânicas publicadas no século XIX e uma personagem. Em seguida eram feitas uma série de perguntas sobre a personagem: se era protagonista ou antagonista, quais os traços de personalidade e qual era a sua resposta emocional a essa personagem. Os resultados mostram um padrão: os antagonistas procuram o domínio social, enquanto

os protagonistas apresentam um desejo construtivo. Os heróis

são geralmente personagens

emocionalmente mais

estáveis, sociáveis e abertas a novas experiências, enquanto os vilões são indisciplinados, desagradáveis para quem os rodeia, “desequilibrados emocionalmente e intelectualmente aborrecidos”.Mr. Darcy, protagonista da obra de Jane Austen “Orgulho e Preconceito”, é uma excepção, trata-se de uma personagem que tem características positivas e negativas com conflitos internos que

colecções permanentes, dedicado à história civil e militar de França”. O curador Hervé Lemoine foi encarregue de elaborar um relatório sobre o assunto e sugeriu que o museu fosse instalado em Les Invalides, o complexo de edifícios onde se encontra o túmulo de Napoleão e que inclui outros museus ligados à história militar do país. Mas o director do museu do Exército mostrou-se pouco à vontade com a proposta: “Vai dar a impressão de que os militares estão a querer meter a mão na História de França”, avisou. A ênfase que Sarkozy coloca na questão do orgulho da identidade nacional incomoda muitos franceses, refere o “The Guardian”. Quando falou no museu, na semana passada, o Presidente insistiu que este serviria para reforçar “a identidade francesa”, mas sublinhou que o objectivo não é criar “uma História oficial”, mas ter uma abordagem plural. O diário britânico lembra também que Sarkozy está a tentar alterar a sua imagem e mostrar-se mais como um homem interessado em cultura: tem aparecido a ler romances do Nobel francês Jean Marie Le Clézio, e, segundo o “Le Parisien”, descobriu recentemente o cinema de Stanley Kubrick.

Inédito póstumo de Thomas Bernhard publicado na Áustria

“Meine Preise” (“Os Meus Prémios”), um inédito do escritor austríaco Thomas Bernhard (1931-1989), foi publicado esta semana na Áustria e entrou logo para o primeiro lugar do top dos livros mais vendidos, no género de ficção. O escritor que tinha fama de irascível, motivava muita curiosidade. Todos queriam perceber por que razão aceitava prémios já que na sua obra “O Sobrinho de Wittgenstein” - um testemunho do seu desprezo pelos galardões, cerimónias, hipocrisia e arrogância do mundo da cultura -, deixou escrito que “um prémio só é concedido por incompetentes”, lembra a Lusa.Nesta obra estará a resposta: por causa do dinheiro. “Sou um avarento, não tenho carácter, eu próprio sou um porco”, lê-se

no livro, de 139 páginas, que chegou agora à livrarias austríacas. “Tudo era repugnante, mas o que mais asco me dava era eu mesmo.” Estas palavras referem-se à sua participação nessas situações “humilhantes”, que o levavam a detestar-se mais ainda ao ver que eram capazes de corrompê-lo. Neste livro passa em revista nove dos muitos prémios que ganhou. Lembra que com o dinheiro do seu primeiro prémio que recebeu ( Julius-Campe, em 1964) comprou um automóvel desportivo Triumph Herald que estampou pouco tempo depois na Croácia. Outro dos episódios é dedicado ao primeiro prémio que recebeu na Áustria, em 1968, o Prémio Estatal de Literatura. Proferiu um discurso que causou tanto escândalo - chamou ao Estado um artifício e definiu os austríacos como apáticos, hipócritas e estúpidos - que desde aí passou a ser visto como “o modelo do intelectual furioso”. O livro agora publicado não é, segundo os críticos, o melhor do autor. Mas oferece uma nova visão pessoal de Bernhard, mostra que o autor além de lançar farpas contra todos também tinha um forte sentido auto-crítico. Bernhard lamenta também o seu apego ao dinheiro, mas justifica-o com a necessidade: um fato novo, umas obras em casa, uns caprichos. Estes prémios seriam uma forma de se “pôr à prova” para escrever, de se sentir desafiado perante a página em branco, explicou aos media austríacos Raimund Fellinger, editor da editora Suhrkamp que lança esta obra. Bernhard proibiu em testamento qualquer representação das suas peças no seu país. Uma vontade que não foi cumprida quer quanto a representações das suas peças, quer quanto à sua obra. Este inédito foi escrito por Bernhard em 1980. Guardou-o na gaveta, quase como uma reserva para quando a criatividade

afrouxasse: “Estes relatos estavam destinados por Bernhard a ser publicados, pelo que não nos sentimos

obrigados pelo testamento”, disse à

imprensa Raimund Fellinger.

representam o esforço de se manter uma “ordem social cooperativa”, disse Jonathan Carroll à revista. Já em “O Drácula”, de Bram Stoker, a personagem do Conde mostra o lado mais negativo da aristocracia, que para assegurar o seu lugar, o seu prestígio, derruba quem for preciso e “rouba-lhes o sangue”, explica.

Sarkozy quer um museu da História de França em ParisNicolas Sarkozy quer deixar uma marca em Paris e na vida cultural francesa, como fizeram outros Presidentes. George Pompidou teve o centro de arte com o seu nome, François Mitterrand marcou a diferença com a construção de uma pirâmide de vidro no Museu do Louvre, Jacques Chirac apoiou o

museu de arte africana e asiática no Quai Branly. Sarkozy quer um museu da História de França.A proposta, que o Presidente francês lançou na semana

passada, divide os especialistas. “Não vejo a

utilidade, porque Paris já é um imenso museu da História de França”, disse o historiador Alain Decaux. Pierre Nora, especialista em historiografia, memória e identidade nacional, não é da mesma opinião, e acha a ideia de Sarkozy “excelente”, embora

acredite que seja difícil de pôr

em prática e preveja hostilidade. “Alguns vão dizer que é para reforçar a identidade nacional e vão dizer que são contra.” Apesar de ter sido trazida agora para o debate público, a ideia não é nova. Desde Agosto de 2007 que o Presidente tinha

apresentado ao Ministério da Cultura a proposta de criar

“um centro de pesquisa e de

InternetEstamos online. Clique em ipsilon.publico.pt. É o mesmo suplemento, é outro desafi o. Venha construir este site connosco.

“Os Meus Prémios” é o inédito de Thomas Bernhard

Sarkozy lançou proposta que divide especialistas

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A personagem do Drácula é referido com características negativas

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4 • Ípsilon • Sexta-feira 23 Janeiro 2009

Como na sua música, Andrew Bird fala através de imagens. Gosta de

tresler as letras dos outros músicos e gosta que tresleiam as suas. O homem-

pássaro vive num celeiro na parte rural no estado Illinois mas Rui Tavares encontrou-o num café de Chicago.

O novo álbum, “Noble Beast”, saiu na terça-feira nos Estados Unidos e sai

a 2 de Fevereiro em Portugal.

Entrevista com

o homempássaro

Ípsilon • Sexta-feira 23 Janeiro 2009 • 5

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Toda a gente pode fazer isto: pesquise num computador “Andrew Bird” + “From the Basement”, que é o nome de um programa britânico que grava actuações de músicos numa cave. O clip pretendido dura quase nove minu-tos. Sugiro que reserve dez minutos do seu dia. Reserve vinte, porque pode querer ver duas vezes.

Encontrará a imagem de um homem ainda jovem dedilhando um ritmo des-preocupado no violino. O músico está vestido classicamente com colete e gravata, mas sem casaco. Também não calça sapatos; apenas um par de meias coloridas, pormenor em que repara-mos pela primeira vez quando usa os pés para comandar uma fileira de pedais à sua frente. Esta é a única infor-mação mais técnica a prestar: esses pedais servem para gravar os últimos compassos de cada trecho que foi tocado e repeti-los, enquanto Andrew Bird improvisa por cima deles. Com a sobreposição sucessiva de melodias vai aparecendo um tear de ritmos entrecruzados. O primeiro é um qua-ternário quase infantil, mas Andrew Bird toca-o concentradamente para não falhar a entrada do segundo vio-lino. Aí está. Um ritmo quase idêntico ao primeiro, mas em conjunto ambos elevam a música para uma trama mais aérea e esvoaçante. Agora, um ter-ceiro: tocando com o polegar nas cor-das mais graves, ele faz o papel do baixo, emprestando a tudo balanço. A música tem agora a progressão de uma caminhada.

Neste momento tudo é alegre e pri-maveril, mas Andrew Bird ainda mal começou. Tira a guitarra eléctrica que tinha pendurada a tiracolo (não tínhamos reparado que ele trazia uma guitarra eléctrica), leva o violino ao ombro e prepara-se para usar pela primeira vez o arco. Por cima daquela textura que ainda parece simples pro-duz um solo circunspecto e ventoso, feito de glissandos por vezes estriden-tes, por vezes ásperos, por vezes ambas as coisas.

A Primavera é agora Outono e pas-sou apenas um minuto. A música parece também ter mudado de geo-grafia com uma brisa vinda do Leste, uma leve suspeita de melodias ciga-nas ou de lamentos de judeu “hasi-dim”. Mais: entra agora um quinto violino, também com arco, quase igual ao anterior mas nos registos mais baixos, enchendo de gravidade e profunda tristeza o que ainda agora era saltitante e pueril.

Andrew Bird aproxima-se do micro-fone (não tínhamos reparado que havia um microfone) e canta, pronun-ciando sincopadamente as sílabas, atacando nas consoantes. A letra que canta fala de uma cidade misteriosa e segmentada. Depois de pequeno voo vocal, Bird pisa um dos pedais e tudo pára. Há um breve silêncio e Andrew Bird desencadeia um refrão curto. A

música que antes estava quase pop ficou agora quase folk, e não juro que durante uns intermédios segundos não tenha sido quase jazz. O que era bucólico ficou urbano e pas-saram apenas três minutos.

Novo pisar do pedal. Regressa a trama inicial que vimos ser constru-ída. É agora de novo prazenteira e Andrew Bird improvisa sobre ela um simples solo blues usando o violino em “pizzicato”, e depois assobiando também por cima da melodia. O asso-bio - uma das imagens de marca de Andrew Bird - é evanescente mas pre-ciso. Neste momento regressa a letra e vemos por instantes a tal cidade como se fôssemos viajantes acabados de chegar pela primeira vez. Num canto da cave, três pessoas sentadas num sofá (não tínhamos reparado que estava ali gente) estão tão atentas e hipnotizadas como nós.

Passaram quatro minutos. Nos dois minutos seguintes a música vai con-tinuar acumulando matizes, cores e temperamentos diferentes. Contudo, não é cacofónica; as suas partes pare-cem desdobrar-se naturalmente umas das outras. É nómada, mas não é turística; nasce do nomadismo interno do próprio autor. As pessoas no sofá estão envoltas.

De repente, Andrew Bird tira-nos o conforto. Com um último toque no pedal, interrompe a música. Nos minu-tos que restam, traz-nos um solo sobre sons pré-gravados de uma oscilação ternária, não só verdadeiramente triste mas desolada, invernal. A música que passou por três estações do ano - só faltou o Verão - está lenta, amarga e muito bela. Foi mediterrânica, metro-polita, cigana, judia, eslava e irlandesa; agora termina com derivações asiáticas do Extremo Oriente e um gemido ara-bizante no final. Poderíamos dizer também que foi renascentista, român-tica, minimal e impressionista. É como as camadas da cidade, como as cama-das do tempo, avançando em torno de nós, como uma ventania.

A cidade segmentadaGostaria de dizer, para justificar uma descrição tão longa dedicada a apenas uma actuação de Andrew Bird, que esta música permite resumir o que é a criatividade artística do seu autor. Infelizmente - ou felizmente - não é verdade. A diversidade interna da música de Bird é maior ainda, mais curiosa e sagaz e incansável mesmo - e amplia-se mais conforme ele toca sozi-nho ou acompanhado da sua banda, com bateria, sampling e guitarra eléc-trica; ou se faz uma cantarolável música de três minutos que entra ime-diatamente no ouvido.

A descrição que fiz nem sequer resume bem “Sectionate city”, uma vez que existe mais do que uma versão com o mesmo título, nem se pode

dizer que seja a mesma música, tal como existe também “Solvay 1” ou “Solvay 2” ou até “Solvay 3”. Inversa-mente, a mesma melodia também pode aparecer sob títulos diferentes. Andrew Bird raramente deixa uma música fechada e desse ponto de vista parece mais um poeta regressando aos seus temas do que um músico expondo o seu reportório.

Para dar um exemplo, eu tinha ouvido uma outra versão de “Sectio-nate city” - quase uma outra música - bem mais curta, instrumental e não cantada, e de tons mais persas ou hin-dustânicos. Nela o “pizzicato” do vio-lino assemelha-se a um alaúde (e não a um banjo), com o mesmo triste e ter-nário balanço do arco anunciando um solo final de sortilégio. Eu ia ouvindo aquela música repetidamente triste durante uma descida nocturna de avião sobre a cidade de Chicago, em Outubro passado. Tive a sorte de o avião fazer uma curva sobre o poente da cidade, acompanhando os arranha-céus dourados em recorte contra o lago negro, numa chegada estranha e estranhamente lenta. A música des-pertou em mim a admissão de que aquela vista da grande cidade ameri-cana era tão bela quanto os monumen-tos das civilizações passadas.

Nos dias seguintes, porém, poderia acontecer caminhar pela rua ao som das hedonistas músicas dançantes do álbum “The Mysterious Production of

Eggs”. Ou regressar à personalidade mais eléctrica e grandiloquente de “Armchair Apocrypha”, o álbum depois desse. Até aconteceu chegar dos subúrbios pelo comboio ouvindo o “swing” de quando Andrew Bird tinha a sua primeira banda e era ainda um jovem músico de jazz viciado nos anos 20 e 30; “Minor stab”, por exem-plo: uma canção inspirada em Nova Orleães, mas que é toda ela ensopada na Chicago dos “gangsters”, numa tre-pidação de navalhadas e outras tragé-dias sanguinolentas. E também não teria sido mau descer a avenida ouvindo o episódios rock de “Swim-ming Hour”, o único álbum que me faltava, com os seus potentes lampejos de Memphis, Tennessee.

Finalmente, com certeza que muito do que vi passou pelos sons de “Wea-ther Systems”, o esplêndido primeiro álbum “da maturidade” de Andrew Bird, cujo tema genérico é o das coi-sas grandes, como nuvens e tempes-tades, que mudam lentamente. Eu ia para assistir à eleição de Barack Obama e muito do que então escrevi foi influenciado por esta imagem, decantada na música que ouvi, pelo menos tanto quanto na experiência das ruas, na leitura da imprensa ou na audição dos discursos.

Para mim funcionou assim. Pois esse é um aspecto adicional da arte de Andrew Bird que é necessário salientar: não só ele é um autor que constrói o seu próprio mundo, como costuma dizer-se, mas que o faz de maneira a que esse mundo seja prometedor para o seu público. É aquele raro artista em quem a sua completa originalidade, o carácter inteiramente pessoal da sua arte, não é exigência de uma espécie de submissão do admirador ao seu universo de ideias. Pelo contrário, a música de Andrew Bird oferece ideias e imagens novas a quem estiver disponível às suas imagens e ideias próprias, e essa é uma gene-rosidade que merece retribuição.

Entre as instituições em derrocadaNo dia após a vitória de Barack Obama, com as edições históricas dos jornais já esgotadas, sentei-me num café com uma teimosa lembrança de algo que teria lido algures. Essa ideia, ou rascu-nho de ideia, era a de que Andrew Bird era ali de Chicago e de que, se assim fosse, talvez eu pudesse entrevistá-lo. Uma consulta à Wikipédia depois, a informação estava confirmada. Um “e-mail” depois eu tinha o número de telefone da sua agente. Um telefonema depois e a entrevista estava marcada para o dia seguinte.

Mais informações. A primeira era que Andrew Bird já não morava pro-priamente em Chicago mas num celeiro adaptado na parte rural do estado Illinois. A segunda era que ele tinha terminado pouco tempo antes

Para responder à sugestão de que, para mim, a sua música condensa nos três minutos da canção pop um manancial de evocações históricas, ele confirma que sempre esteve interessado em História. “Gosto de épicos multigeracionais. Gosto de visualizar o tempo, como se estivesse dentro de um cilindro graduado”

Andrew Bird raramente deixa uma música fechada e desse ponto de vista parece mais um poeta regressando aos seus temas do que um músico

ANDREW BIRD.NET

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o seu futuro disco, “Noble Beast”, programado para sair a 20 de Janeiro de 2009. A terceira era que viria à cidade para terminar as misturas de “Useless Creatures”, um outro disco completamente instrumental que seria publicado com uma edição de luxo de “Noble Beast”. Poderíamos encontrar-nos num café perto do estúdio ao fim da manhã para con-versar durante o almoço.

Pessoalmente como na sua música, Andrew Bird fala através de imagens, por vezes oblíquas ou rebuscadas, mas que conseguem atingir o seu objectivo com uma precisão assina-lável. Em 2005 cantava “Sei que nos encontraremos um dia / entre as ins-tituições financeiras em derrocada desta terra”, numa canção chamada “Tables and chairs”, que depois do pré-colapso de 2005 pode correr o risco de parecer profética (e não faço ideia se é intencional).

Um exemplo. Para responder à sugestão de que, para mim, a sua música condensa nos três minutos da canção pop um manancial de evoca-ções históricas, ele confirma que sem-pre esteve interessado em História. “Gosto de épicos multigeracionais. Gosto de visualizar o tempo, como se estivesse dentro de um cilindro gradu-ado, sabe do que estou a falar?” Não sei. Será uma referência a um relógio antigo, ou a um instrumento de medi-ção? Seja como for, a imagem está lá e cumpriu o seu papel de inspiração. Dizia Goethe que “a Arte é medianeira do inexprimível e por isso é uma tolice tentar exprimi-la por palavras” - pala-vras que não sejam ao menos imagens, será essa a ideia?

Não é que Andrew Bird deixe de uti-lizar um discurso linear, por sinal bas-tante articulado e até cultivado, quando é caso disso: “A música por

vezes tem um efeito de abrandar o tempo, tornar o tempo mais lento. É uma coisa puramente musical, de tempo musical. Mas nas letras a Histó-ria aparece de outra maneira, porque eu tenho uma maneira de escrever que usa muitas palavras e expressões arcai-cas para as inserir nas minhas canções e criar uma espécie de coisa nova.”

Andrew Bird é o único de quatro irmãos que seguiu uma carreira musi-cal. Foi formado classicamente pelo método Suzuki, que enfatiza a apren-dizagem por ouvido e a formação inte-gral do aluno - ele lembra-se de passar as primeiras lições a aprender somente como fazer a vénia japonesa ao pro-fessor. Depois estudou na Northwes-tern University em Evanston, subúr-bios de Chicago, uma universidade com forte formação artística. Talvez venham daqui as suas referências a civilizações antigas - e obscuras - como a dos citas e dos seus rivais sármatas, conhecidos das aulas de História da Arte pela sua elegantíssima joalharia que influenciou o modernismo. Uma canção pop chamada “Scythian empi-res” pôs os críticos de música à pro-cura das enciclopédias. Diz ele: “Visu-alizo todo o tipo de coisas nessa canção que não estão na verdade dentro da canção. Vejo, por exemplo, uma espé-cie de agente de imobiliário nas este-pes da Rússia [faz o gesto de um ven-dedor estendendo os braços para as ‘vistas imaginárias para os impérios das estepes russas’]. É uma canção que começa muito pessimista e que depois se abre progressivamente para três mil anos atrás, regressivamente. É um tipo de história irresponsável, mas mesmo assim...”, diz com um encolher de ombros, como quem sugere que é o tipo de história que é melhor serem os artistas a fazer.

Para explicar as imagens de impé-rios em queda usa outra imagem, “a flash in the pan”, expressão que uti-lizavam os velhos garimpeiros de aluvião, quando viam um clarão nas suas peneiras e pensavam - errada-mente - ter encontrado uma pepita de ouro. “Esta cultura veio e foi em apenas 300 anos. Foi nesse períodos que os citas fizeram a sua marca na história, e a ideia é assinalar quão fugidio... Na verdade, na escala das coisas [300 anos] é muito menos do que a gente pensa.”

Andrew Bird cultiva os equívocos que as imagens permitem. Diz que gosta de tresler as letras dos outros músicos e gosta que tresleiam as suas. Parte da conversa é passada a compa-rar os meus erros de interpretação nas suas letras com a intenção inicial. O nome da Haliburton, a empresa de Dick Cheney e do Iraque, aparece em “Scythian empires”. Bird diz que “lan-çar um nome como Haliburton tem implicações óbvias”. “Mas eu estava mesmo só a falar daquelas malas de alumínio que eles fabricam - aquelas que as pessoas associam aos espiões. Além de fazerem infra-estruturas de guerra, eles fabricam estas malas tão simpáticas de alumínio há já tanto tempo. Bem, a minha imagem era uma coisa assim de guerra fria, a mala de alumínio e as Macintosh, que são as gabardines que estão tão associadas aos espiões - era a isso que eu queria chegar. Mas sim, é interessante...” A “box and a pair of flyers” de “Armchairs”, uma das suas melhores músicas, faz-me lembrar alguém que muda de apartamento. Para ele faz-lhe lembrar um acto de sabotagem.

Após a licenciatura em violino, Andrew Bird procurou emprego como músico e acabou por se inserir na cena do jazz histórico de Chicago. A sua especialidade era o “swing” dos anos 20 e 30 com a sua banda Bowl of Fire. Diz que já nessa época tentava ultrapassar os limites da linguagem revivalista: “Eu não estava a tentar viver nos anos 30, eu não queria isso. Então fui refazendo o meu caminho até ao som de Memphis e Motown

“Arranjei um celeiro durante três anos e andava em ‘tournée’sozinho. Foi aí que comecei a fazer um espectáculo a solo. Foi um período de isolamento quase extremo e nenhumas

distracções”

Uma nova inflexão criativa nasceu de abrir todas as janelas e portas do seu celeiro para gravar os grilos e pássaros lá fora. Daí nasceu “Useless Creatures”

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Algumas músicas nasceram ao volante da sua camioneta. Ganhou o hábito de andar de bicicleta pelas cidades que não conhece, antes dos seus espectáculos

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e até ao momento em que estou agora. Fiz a minha retrospectiva pes-soal do século XX, enquanto estava a dar os primeiros passos.”

A hora aquáticaPara qualquer artista - para qualquer pessoa - pode acontecer passar-se o tempo sem se entender o porquê e o objectivo daquilo que fazemos. O momento da verdade, quando chega, se chega, pode não mudar tudo, mas dá mais precisão e potência às coisas. Para Andrew Bird isso aconteceu quando chegou à conclusão de que a sua profissão não era ser músico, não era verdadeiramente ensaiar ou sequer tocar, mas antes “sonhar acordado”. “Há um momento crucial em que houve uma viragem na minha música, no álbum ‘The Swimming Hour’, que foi talvez em 2000, quando estava a caminhar na rua. Na altura vivia num hotel de apartamentos antigo, dos anos 20, e andava muito enamorado por alguém, mas sabia que não pode-ria acontecer nada entre nós. E eu caminhava pela rua, e o meu anda-mento era hesitante, como se cada passo fosse assim ponderado, e tudo estivesse a abrandar, a ficar mais lento, dando uma sensação de como quando estamos debaixo de água, tudo muito aquático. E a luz também se asseme-lhava a isto, estava muito aquática. Eu estava a passar ao lado do edifício de um arsenal que existe ali e mesmo ao lado tinham acabado de demolir um edifício - num dia estava lá e no outro tinha desaparecido - que tinha estado ligado a esse arsenal. Havia como que uma lama negra que parecia sangue e que saía do lado da parede onde tinha sido amputado o edifício. Acho que consegui apanhar isso na letra da música: “I was walking / I could hardly stand / the swimming hour / was at hand / the armory wall was bleeding / the restless child is reading / it’s true.” E foi uma das primeiras letras em que pensei: isto não foi uma coisa calcu-lada, deliberada; tudo convergiu para aqui e agora existe. É isso que continua a fascinar-me na escrita de canções, é que às vezes é uma coisa muito arbi-trária. Num momento é uma confusão de sentimentos e sensações, e no momento seguinte passa-se uma vari-nha de condão e dizemos: ‘Olha, está aqui uma canção.’”

Algum tempo depois, Andrew Bird saiu da cidade: “Arranjei um celeiro durante três anos e andava em ‘tournée’ sozinho. Foi aí que comecei a fazer um espectáculo a solo. Foi um período de isola-mento quase extremo e nenhu-mas distracções. Mergulhei em mim mesmo e tentei prestar o máximo de atenção àquilo que ouvia dentro da minha cabeça.”

Andrew Bird diz que ficou então viciado em fazer

“tournées”. Algumas músicas nasce-ram ao volante da sua camioneta. Ganhou o hábito de andar de bicicleta pelas cidades que não conhece, antes dos seus espectáculos. Deve ter sido assim que os habitantes de Lisboa encontraram um cantinho num dos versos de uma música em “Noble Beast” - talvez tenha sido de quando deu dois concertos memoráveis na Lux e no S. Jorge.

Mais recentemente, uma nova inflexão criativa nasceu de abrir todas as janelas e portas do seu celeiro para gravar os grilos e pássaros lá fora. Daí nasceu “Useless Creatures”. Ouvidos com atenção, os quatro álbuns (mais um álbum extra e alguns EP) que resultaram de aprender a “sonhar acordado” pegaram num Andrew Bird que era um virtuoso instrumen-tista e um jovem compositor de talento e transformaram-no num autor. É bom ouvi-los todos, cada um com a sua personalidade distinta: “A única coisa em que eu consigo pen-durar as minhas ideias é no formato de uma música pop concisa. Mas é por isso, no entanto, que eu acolho ‘o álbum’ como sendo uma peça musical única com diversos movi-mentos ou suites.”

Proclamação fi nalÉ uma regra não escrita de quem escreve na imprensa. Uma vez por

geração temos a prerrogativa de iden-tificar um artista em cada género e defendê-lo com a mesma veemência com que defenderíamos o nosso pró-prio caso de vida ou morte em tribu-nal. Com exagero. Se o fizermos uma vez por semana e não por geração estaremos a abusar um bocadinho da prerrogativa - não que isso seja errado. Se nunca o fizermos, é pior: estaremos a perder a oportunidade de olhar para fora da nossa casca. Seja como for, mais vale falhar do que desperdiçar a ocasião. E é assim que eu, investido da irresponsabilidade de nunca ter escrito sobre música nem ter entrevistado um músico, estou preparado para proclamar que Andrew Bird é o meu génio vivo pre-ferido. Proclamar talvez não seja a palavra adequada. Sugerir. Adoptar, enfim. Adopto esta proclamação. Vale o que vale.

Em si, o meu argumentário não se baseia apenas numa actuação, como a que descrevi no início, ou mesmo numa rápida descrição da discografia disponível como fiz depois. O funda-mento está antes na noção, mais ou menos transversal a toda a sua pro-dução artística, de que estamos perante uma dosagem quase perfeita dos consideráveis talentos de um artista, que esses talentos emergiram numa forma ao mesmo tempo nova e cultivada, e cuja diversidade se encontra longe de estar esgotada.

Existem, além disso, outros sinais de identificação tradicionais. Um deles é o facto de o artista ter domi-nado a sua linguagem e não o contrá-rio. Diz-se que após Picasso ter apren-dido (ou inventado?) uma técnica nova destruía sempre os primeiros trabalhos que fizera nela, precisa-mente para mostrar “quem manda”. Aqui a comparação mais aproximada é com a relação entre Andrew Bird e o violino: o instrumento é omnipre-sente na sua música, mas consegue nunca soar daquela forma açucarada habitual nas utilizações que do vio-lino faz a música pop. Um segundo sinal, semelhante a este, é quando um artista conhece intimamente o seu processo criativo. E o terceiro sinal evidente está no facto de, podendo Andrew Bird soar parecido a muita coisa, ele nunca soar pare-cido com ninguém. Numa tradição musical obcecada em encontrar o novo Bob Dylan, os novos Beatles ou o novo Leonard Cohen, ele não é nin-guém senão ele mesmo. Mas virão certamente a existir alguns “novos Andrew Bird” - e esses terão uma mis-são ingrata no futuro.

Ver crítica de discos pág. 38 e segs.

Investido da irresponsabilidade de nunca ter escrito sobre música nem ter entrevistado um músico, estou preparado para

proclamar que AndrewBird é o meu

génio vivo preferido

ANDREW BIRD.NET

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10 • Ípsilon • Sexta-feira 23 Janeiro 2009

Em Agosto de 2008, antes da actuação no Sudoeste, Paul Thomson falou ao Ípsilon sobre o novo álbum dos Franz Ferdinand, o terceiro da banda esco-cesa, esse que é agora editado sob o título “Tonight”. O que o baterista nos disse então prenunciava uma mudança muito em sintonia com o cosmopoli-tismo pop da actualidade. Numa altura em que tantos parecem resgatar refe-rências exteriores à música ocidental, os Franz Ferdinand iriam deixar-se contaminar alegremente pelos ritmos e rodopios cristalinos da música afri-cana. Isto o que Paul Thomson deixou em aberto na conversa, ressalvando porém que, àquela data, o álbum poderia seguir diversas direcções - a banda tinha dezenas de canções por onde escolher e, conforme os alinha-mentos, poderiam nascer deles outros tantos discos.

Uma das expectativas para o con-certo no Sudoeste passava então por testemunhar o que andavam os quatro Ferdinand a congeminar para sucessor de “You Could Have It So Much Bet-ter”. E o concerto foi, de facto, uma surpresa. Não pelas razões esperadas: dois cortes de energia logo a início, com a banda apanhada desprevenida e despida de electricidade, o regresso para recuperar o tempo perdido e um concerto de pop e rock’n’roll irresistí-vel - muito apreciamos essa previsibi-lidade nos Franz Ferdinand. Quanto a África, nada. Ouviram-se novas can-ções, mas nenhuma soava a um “Afri-can Express” atravessando a todo o vapor a planície alentejana.

Pois bem, agora que conhecemos o terceiro álbum dos Franz Ferdinand, agora que falámos novamente com Paul Thomson, tudo se torna mais claro (ou o contrário). “Na minha vida, as coisas importantes acontecem nor-malmente ao coberto da escuridão”, dir-nos-á o baterista que é o único escocês de nascença da banda - os outros três foram chegando. Faláva-mos de como a noite, os lugares e as personagens da noite, parece ser fonte de inspiração constante para os Franz Ferdinand: tudo começou com “Take me out”, tudo continua com este explí-cito “Tonight”. Falávamos disso e Thomson dissertou então sobre coisas que acontecem “a coberto da escuri-dão”. Coisas como o novo álbum da sua banda, misterioso e subterrâneo, pejado de sintetizadores vintage e rit-

mos insinuantes. Há cerca de um mês, o guitarrista Nick McCarthy, questio-nado sobre as “malfadadas” influên-cias africanas do novo álbum, foi con-ciso: “África? Somos de Glasgow sabe?” Pois bem, “Tonight” é o álbum de Glas-gow de uma banda que, cinco anos depois da estreia, pertence ao mundo (mas não quer ser engolida por ele).

A culpa é da CâmaraA entrevista estava marcada, mas Paul Thomson não esperava o telefonema de mais um jornalista. Recebe-nos com a saudação jovial de quem espera ouvir a voz de um amigo. Depois per-cebe que não é um amigo: “Uma entre-vista? Não sabia que havia mais. Estava a tomar um duche”. Nós desculpamo-nos, Paul não deixa que nos descul-pemos e pede que nos mantenhamos em linha: “Despacho-me em dois minutos”. E de facto, dois minutos depois, o mui cortês baterista está de volta à linha. Os Franz Ferdinand podem ser rock’n’rollers, mas têm algo de cavalheiresco.

Leia-se, por exemplo, “Snacks & Outros Sons”, livro que compila as cró-nicas gastronómicas que o vocalista Alex Kapranos escreveu para o britânico “Guardian”, agora editado em Portugal [ver caixa]. Nele, Kapranos é o tipo que pede desculpa pela péssima pronúncia quando arrisca umas palavras em cro-ata, é quem que diz ter o hábito britâ-nico de só se queixar quando isso se torna incontornável. Mas é também ele que, após uma desavença com o gerente de um hotel em Singapura, sobe ao palco do concerto que se lhe seguiu e convida o público de seis mil à sua frente para uma festa improvisada (e que se revelaria caótica) no átrio desse mesmo hotel - conclui assim a crónica: “a vin-gança não se serve fria, serve-se rápido”. Tudo isto para dizer que os Franz Ferdinand, pessoal de escolas de arte e educação refinada, podem parecer demasiado corteses para estrelas rock’n’roll, mas sabem per-feitamente o que querem e não dei-xam que nada interfira com isso.

Eis então o que queriam os Franz Ferdinand do novo disco, segundo Paul Thomson: “Não seguir a [nossa] via tradicional, não fazer aquilo que as pessoas esperassem de nós”. Mais. Depois de uma interminável digressão por estádios mundo fora, queriam vol-tar às raízes: “Não estamos interessa-

dos em enriquecer com os estádios. Para nos tornarmos uma ‘verdadeira’ banda de estádio temos de cumprir uma série de convenções quanto à forma como soam as guitarras, como se projectam os coros... É definitiva-mente bizarro”. As raízes, entenda-se, não são as musicais. Paul Thomson refere-se ao ambiente criativo que pro-picia o nascimento da música. Em iní-cio de carreira, os Ferdinand, junta-mente com outros músicos e amigos ligados às artes plásticas, ocupavam edifícios abandonados de Glasgow, que transformavam em centros artís-ticos e palco de concertos que acaba-vam com a polícia a desligar os gera-dores. Vários anos e um estrelato depois, voltaram a fazê-lo.

“Tonight” foi composto e gravado na antiga câmara municipal de uma zona degradada de Glasgow. É esse edifício o responsável pela “escuri-dão” do álbum: “Dado que uma câmara municipal deixou há muito de ser necessária naquela localidade, pouco aconteceu nos últimos cem anos. Foi uma clínica de recuperação de toxicodependentes, foi sede de uma produtora de cinema indepen-dente escocesa e, nos 1980 foi durante algum tempo uma sala de concertos. Vi lá os Weather Report”, recorda.

Dos primeiros ensaios, diz-nos, resultou “a [nossa] música de guitarras habitual”. Depois, “o espaço começou a impor-se”. Alterou-se o rumo. Eis a rotina de gravações: “Chegávamos às 10 da manhã e passávamos algumas horas a experimentar sons e a estudar a colocação dos microfones. Depois, tocávamos até à noite, explorando as ideias da manhã. Algumas sessões estenderam-se até às 6 da madrugada”. Pormenor interessante: “Havia o pro-blema do ruído, o que nos obrigava a fechar todas as janelas. A partir das 15, noite perpétua”.

Beber bastante e ir dançarFoi assim, em noite perpétua, que, sintetizadores e instrumentos espa-lhados pelas salas do edifício, os Franz Ferdinand se dedicaram a experimentar. Levaram a estú-dio um acordeonista e um flau-tista que haviam conhecido no norte da Escócia e lembraram-se de utilizar os ossos de um esqueleto, comprado para decorar o espaço, como per-

cussão - a música que daí resultou ficou guardada para um futuro incerto. Incentivados pelo produtor Dan Carey, que além do trabalho com Lily Allen ou Cansei de Ser Sexy, colaborou com figuras do reggae como Sly & Robbie ou Mad Professor, prolongavam as can-ções em “jams de uma hora”. “Eram como as jams de afrobeat, em que os músicos tocam até se perderem com-pletamente no som”, ilustra Paul Thomson. Acto contínuo, desvaloriza o processo: “Não é propriamente novo, o James Brown já o fazia”. Certo, não é novo na música popular urbana, mas é novo para os Franz Ferdinand, que se deixaram inspirar pelo espaço caver-noso e pelas experiências sónicas que ali fizeram, procurando forma de esca-par à repetição.

No fim do processo, com dezenas de canções preparadas, excertos de outras por completar e jams prontas a serem retalhadas, buscaram forma de dar coerência a tudo. Coerência que, para uma banda que, quando surgiu, anunciou o seu objectivo com um sorriso travesso - “fazer música para as miúdas dançarem” -, não demorou muito a surgir. Recordemos: antes da gravação do álbum, os Franz Ferdinand passaram cerca de dois anos e meio em digressão. No supra-citado livro de Alex Kapranos, algumas crónicas alternam entre o “são 7h30 e ainda estou bêbado” e o “são 20h30 e ainda estou de ressaca”. Paul Thom-son compreende o colega de banda. “Antes de entrarmos em palco, tenta-mos estar bastante focados. A partir do momento em que começamos a tocar, somos atravessados por uma imensa descarga de adrenalina e, depois, não faz sentido descansar ou deitarmo-nos porque não conseguire-mos dormir. Assim sendo, o que faze-mos é beber bastante e tentar ir dan-çar”. A ideia do novo álbum funcionar como relato de uma saída à noite pare-ceu-lhes então, pela recorrência do tema nas letras, pelo ambiente da música, nada mais que óbvio.

Eis então, por fim, “Tonight”: os Franz Ferdinand, “ao coberto da escuridão”, a inventarem-se como algo diferente. Que são também os Franz Ferdinand de sempre: máquina pop a investigar formas de cumprir um objectivo primor-dial, criar canções pop para a malta

dançar.

Franz Ferdinand

a coberto da escuridão“As coisas importantes acontecem ao coberto da escuridão”, diz-nos Paul Thomson. Fala de

coisas como “Tonight”, o novo disco dos Franz Ferdinand, misterioso e subterrâneo, pejado de sintetizadores vintage e ritmos insinuantes. Mário Lopes

“Antes de entrarmos em palco, tentamos estar bastante focados. A partir do momento em que começamos a tocar, somos atravessados por uma imensa descarga de adrenalina e, depois, não faz sentido descansar ou deitarmo-nos porque não conseguiremos dormir. Assim sendo, o que fazemos é beber bastante e tentar ir dançar”

Ípsilon • Sexta-feira 23 Janeiro 2009 • 11

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Rock’n’roll e gastronomia

Uma revelação surpreendente: Alex

Kapranos rock’n’roller escritor

Já sabíamos do talento de Alex Kapranos na criação de canções que conjugam precisão pop com atenção perfeccionista aos detalhes. Pois sabemos agora que assim é também a sua escrita. Pelo menos, a inspirada pelo mundo que o rodeia, quando sentado a uma mesa de restaurante.

“Snacks & Outros Sons”, edição da Edel, verte para português “Sound Bites”, editado pela Penguin em 2006 e que compilava as crónicas gastronómicas que Kapranos foi escrevendo para o “Guardian” enquanto em digressão mundial com os Franz Ferdinand.

Em textos curtos, que raramente ultrapassam as duas páginas, Kapranos reconstrói ambientes de forma vívida e precisa, cruza registos sem que o texto perca fl uidez - apresenta factos históricos, torna-se satírico, mergulha nas memórias - e mostra um genuíno interesse, que transparece na escrita, pelas pessoas e locais que aborda. A comida é sempre o ponto de partida, mas nem sempre o de chegada. Não o é, por exemplo, quando escreve

sobre o restaurante de Los Angeles gerido por uma família iraniana que tenta recriar “o cosmopolitismo do Irão nos anos 70”, quando “a vodka era a bebida principal do país”, ou o snack comandado por um homem ameaçador de facalhão na mão e pala no olho: “Trust me” é expressão espalhada por todo o lado.

A banda é aqui assunto secundário. São revelados pormenores do seu passado, mas nunca em primeiro plano - surgem para servir as crónicas. Interessam a Kapranos as pessoas e histórias que contam ou que ele imagina para elas.

Claro que o vocalista dos Franz Ferdinand, que trabalhou em vários restaurantes de prestígio diverso antes de se tornar estrela rock, é aventureiro na altura de escolher refeições e trata bem a “crítica” gastronómica - todos os pormenores sobre moelas, testículos de touro ou queijo de Azeitão (“vale a pena vir a Lisboa só para o comer”, escreve na sua crónica lisboeta). Mas desde cedo se torna óbvio que a riqueza, o humor e a diversidade do olhar do seu autor tornam o livro algo bem mais universal. Uma revelação surpreendente, esta do rock’n’roller escritor. M.L.

“Snacks & Outros Sons” é a compilação das crónicas gastronómicas que Kapranos escreveu para o “Guardian”

12 • Ípsilon • Sexta-feira 23 Janeiro 2009

“Muitas pessoas dizem que eu danço.” Não é uma bailarina que diz isto - é Elizabeth Davis, 49 anos, per-cussionista. O que ela faz é tocar ins-trumentos de percussão. A música é que dança com ela: “É uma coisa que vem mesmo dentro de mim. Vem da alma, eu gosto mesmo de tocar, de interpretar música, os gestos são a minha própria expressão”, explica ela em português com um inconfun-dível sotaque inglês.

Estamos no Centro Cultural de Belém, em Lisboa: é lá que ela vai tocar amanhã (sábado, às 21h, com a Orquestra Sinfónica Portuguesa sob a direcção da maestrina Julia Jones) o concerto para percussão de André Jolivet, obra virtuosística escrita pelo compositor francês em 1958. “Não há gravações”, garante Elizabeth Davis. E de facto não é fácil encontrar: “Há de todos os outros concertos dele, mas o de percussão não existe.” A coordenadora do naipe de percussões da Orquestra Sinfónica Portuguesa (OSP), solista virtuosa, entusiasta da música con-temporânea e da ligação entre as diferentes artes, explica-nos o que tem de especial o concerto de Jolivet: “O Jolivet escreve muito bem para percussão. É uma obra jazzística, tem harmonias muito interessantes, mas também uma grande simplici-dade”, diz Elizabeth. Ela coloca o concerto que vai tocar na linha das grandes rupturas estéticas de outro compositor, Edgar Varèse, professor e amigo de Jolivet. Mas convida pais e filhos para virem a este concerto, porque “é uma obra muito acessível, para todas as idades.”

Muitas músicas diferentesElizabeth Davis é coordenadora do naipe de percussão da OSP desde 1993. “Traz a sua responsabilidade”, diz. “Não é só tocar as peças, tem de se ver tudo com antecedência, quan-tas pessoas são necessárias e quem se adapta melhor a cada parte, ver o ‘set up’, falar com os técnicos de palco para ver o espaço...”, explica

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A percussão que daUm concerto para percussionista virtuoso, amanhã em Lisboa, no CCB, é a oportunidade para ver e ouvir b

que vive em Portugal há quase 20 anos. O espectáculo dentro do espectáculo chama-se Elizabeth D

Elizabeth Davis

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Formou-se em Inglaterra, na Nottingham University. Foi depois bolseira para a escola superior de música de Hamburgo. “Fui a primeira mulher percussionista na escola!”, diz

Ípsilon • Sexta-feira 23 Janeiro 2009 • 13

a percussionista. “E nalguns casos dá um trabalho enorme, como na ópera ‘Das Märchen’ de Emmnauel Nunes...”, confessa.

Mas que ideia foi essa de vir para Portugal, vai para 20 anos? “Vim para Portugal no fim de 1989 tocar na Orquestra Régie do Porto, convi-dada pelo Ministério da Cultura. Fiquei no lugar de timpanista, e era minha tarefa ensinar e melhorar as futuras gerações de percussionistas portugueses”, conta.

Em 1993 concorreu à recém-criada OSP: “Fui aceite e fiquei como chefe de naipe.” E assim assentou em Portugal. Mas já tinha um percurso bem viajado: formou-se em Ingla-terra, na Nottingham University. Foi depois bolseira para a escola supe-rior de música de Hamburgo. “Fui a primeira mulher percussionista na escola!”, diz a intérprete, com uma pontinha de orgulho. Depois foi a tarimba de nove anos em Londres como “free-lance”. Nesse período da sua vida, fez de tudo: “Nesses nove anos trabalhei em muitos campos de actividade e tipos de música diferen-tes, fiz música orquestral, música ligeira, solos, jazz, música de câmara, música contemporânea. Trabalhei com o Koenig ensemble, a London Sinfonietta, o grupo Lontano, a BBC Symphony Orchestra ou a Chamber Orchestra of Europe. Mais tarde, toquei em Darmstadt.” Viajou, ganhou prémios, deu recitais, fez “workshops”, encomendou obras a compositores, tocou em Inglaterra, França, Itália e até na Austrália.

A percussão tem todas as coresAs experiências com o teatro, como a colaboração com a Royal Shakes-peare Company, “exigiam improvi-sação”, conta-nos Davis, e essa expe-riência é-lhe útil ainda hoje, por exemplo quando subiu ao palco da Culturgest para a ópera de António Pinho Vargas e José Vieira Mendes, “Outro Fim”. Ali estava ela, num ensemble em cima do palco da Cul-turgest, a ver-se subitamente como percussionista-actriz. A ópera, o espectáculo em que as artes se encontram, é uma paixão sua. Tem a sorte de poder experimentá-la regularmente no Teatro de São Car-los, onde se abriga a OSP.

“Gosto muito de tocar ópera. Sem-pre gostei da colaboração com vários lados do espectáculo”, diz Elizabeth Davis. E esse gosto é capaz de vir de longe. Elizabeth conta-nos como tudo começou: “Fui criada com música em casa. Os meus pais esta-vam ligados à música e os meus avós também. A minha mãe não tocava, mas era professora de dança e core-ógrafa.”

É daí que vem a percussão que, nas suas mãos, dança? Não é bem assim. Ela começou por tocar piano, aos cinco, seis anos. Depois apren-deu piano “a sério”, a partir dos nove anos. A percussão vem da sua avó: “A minha avó tocava bateria num grupo de jazz. Eu já gostava de per-cussão, e se calhar já estava dentro de mim”, diz. Aos 15 anos começou finalmente a tocar percussão. Já estava dentro dela, certamente. O que tinha para Elizabeth aquele ins-trumento que os outros não tinham? “A percussão é capaz de uma escala de dinâmicas muito grande e uma

paleta de sons que depende do tipo de articulação e ataque que uma pes-soa usa em cada um dos instrumen-tos. A percussão tem todas as cores”, explica.

Qualidades contemporâneasEntre toda a imensa actividade musi-cal de Elizabeth Davis, destaca-se a sua dedicação à música contempo-rânea. O compositor português Luís Tinoco é um dos criadores que Eli-zabeth mais admira e que mais tem tocado. Ele, por seu lado, afirma ter tido “a sorte e o privilégio de colabo-rar com a Elizabeth”. Davis tocou peças suas a solo ou em duo, com a flautista Katharine Rawdon (no duo Machina Mundi), para além das obras feitas no âmbito da Orchestrutopica (de que Elizabeth também faz parte e onde criou também um grupo espe-cificamente de percussão, o Lisbon Drummatic) e de repertório orques-tral com a Sinfónica Portuguesa. Eli-zabeth Davis, entusiasmada com um novo instrumento que adquiriu na Indonésia - o “bonang”, um conjunto de 14 peças com curiosas afinações -, pediu a Luís Tinoco que compu-sesse uma obra a pensar nele. E

assim foi. “A percussão é um leque de instrumentos quase ilimitado, cada país tem os seus instrumentos e cada compositor tem de inventar novas coisas, procurar novas ideias e novas cores, explorar este mundo exótico”, diz Davis.

A percussão terá sempre para ela esse lado de criatividade e agilidade. Elizabeth conta como foi uma vez a um ferro-velho procurar tambores de travões porque um compositor inglês, Michael Fennessy, queria uma oitava e meia cromática de tambores de automóvel.

Luís Tinoco elogia as muitas outras qualidades da intérprete: “A sua entrega e interesse genuíno pela cria-ção e divulgação de novas obras, o rigor técnico, a sensibilidade e musi-calidade das suas interpretações, o seu profissionalismo e perfeccio-nismo, procurando sempre ser fiel à partitura e à ideia do compositor.” Tinoco, que gosta de a ouvir tocar tanto obras suas como a de outros compositores, faz questão de acres-centar ainda que “a Elizabeth é tam-bém uma pessoa fantástica, com qualidades humanas admiráveis”.

O louvor é partilhado por António

Pinho Vargas, que a percussionista diz ser um dos seus compositores favoritos. Ela tocou muitas obras suas, entre as quais “Acting Out” (feita para ela e para o pianista Miguel Henriques), as óperas “Édipo”, “Os Dias Levantados” e “Outro fim”. Para Pinho Vargas, “Elizabeth Davis é uma música extraordinária, fora do comum”. “Há pessoas que só por si podem transportar um grupo de músicos para outro patamar, pela sua presença e com o seu exemplo” - Eli-zabeth Davis é, para ele, uma dessas pessoas. Para Pinho Vargas, “para além das qualidades técnicas e musi-cais, há um lado de ‘performer’ muito visível nela. Vê-la tocar é um espectáculo dentro do espectáculo”, diz o compositor, que não esconde a grande cumplicidade musical com a intérprete.

Elizabeth Davis é esta “performer” da percussão, que procura incessan-temente renovar e sentir, com todo o corpo. Mas nem tem de pensar que dança com as baquetas. Para ela é uma questão de instinto.

Ver agenda de concertos págs. 35 e segs.

ançar brilhar uma intérprete h Davis. Pedro Boléo

“A sua entrega e interesse genuíno pela criação e divulgação de novas obras, o rigor técnico, a sensibilidade e musicalidade das suas interpretações, o seu profissionalismo e perfeccionismo, procurando sempre ser fiel à partitura e à ideia do compositor”Luís Tinoco

14 • Ípsilon • Sexta-feira 23 Janeiro 2009

A 13 de Setembro do ano passado, Lula Pena teve um acidente de auto-móvel. Não foi nada de grave, mas atrasou-a. Tinha uma actuação mar-cada para o festival Bom Barreiro e queria chegar mais cedo “para conhe-cer o Norberto e ensaiar qualquer coisa com ele”. O melhor que conse-guiu foi chegar a tempo de assistir à actuação dele.

Norberto é Norberto Lobo, pequeno prodígio que apareceu do nada no mundo dos discos, quando em 2007 lançou “Mudar de Bina”, um disco de - perdoem-nos a expressão - blues fadistas. Fosse aquela música o que fosse, estava algures entre Carlos Pare-des (o título joga com o “Mudar de Vida” do mestre) e a folk negra ameri-cana, parecia não se decidir entre ser portuguesa ou outra coisa qualquer. E era extraordinariamente bela.

A curiosidade de Lula acerca de Norberto advinha dos constantes elo-gios com que Nélson Gomes e Pedro Gomes, da promotora Filho Único, laudavam o guitarrista, “na altura em que o disco dele estava para sair”. Ela é intensa até a contar estas pequenas memórias, o que faz juz à imagem de furacão que se tem dela. Há dez anos apareceu com um disco chamado “Phados”. Mesmo sendo um objecto radical, não era uma tentativa delibe-rada de fugir ao cânone fadista - é sim-plesmente música íntima, cantada por uma voz que tem afinidades com o fado e é visceral em cada nota. Desde então não voltou a editar, mas a inten-sidade nota-se numa mera conversa. Recorda o mencionado concerto de Norberto como uma aparição: “Ele tem uma presença muito forte. Absor-veu-me por completo. A dada altura a música dele tornou-se no meu pró-prio ritmo. É como quando lês um livro e sentes que estás lá: aquilo torna-se o teu próprio tempo. Estás a ser povoado”.

O efeito da actuação de Norberto em Lula foi tão forte que quando esta subiu ao palco para o seu concerto “ainda estava envolvida nas paisagens que ele tinha criado”. Após o alinha-mento inicial de Lula, houve um

encore e acabaram a tocar um tema improvisado juntos, “em que ele podia percorrer vários ritmos”. Mas de certa forma ele já tinha estado a tocar com ela antes de subir ao palco: tinha estado nos bastidores a tocar o tempo todo, improvisando por cima do que ouvia.

É uma história feliz: aquele encore correu bem e ficaram com a ideia de uma parceria na cabeça - hei-la agora, quatro meses depois: amanhã, na Galeria Zé dos Bois, os dois juntar-se-ão em palco. Não se trata de uma ree-dição do que se passou no Barreiro, não se trata de dois concertos na mesma noite: é um concerto com ambos a actuarem em simultâneo. Uma parceira.

Pontos comuns“O meu cérebro está sempre ligado. No caso dela estava a saber-me bem ouvi-la e sou intuitivo.” É assim que Norberto recorda aquela noite em que desatou a improvisar sobre a música de Lula nos bastidores. “A minha rela-ção com a música dela é epidérmica, não há muito a pensar: comigo a música tem de agarrar logo - e aqui agarra.”

Ao contrário de Lula, Norberto não chegou ao Barreiro desconhecedor da obra de Lula Pena. “Já conhecia a música dela antes, desde que o disco dela saiu.” É um rapaz de barbas, sim-pático e cujas humildade e timidez pedem meças ao seu génio. “Aquele disco foi muito ouvido lá em casa”, continua, sempre em registo pára-arranca: falar parece ser-lhe penoso e sem a guitarra não sabe bem onde colocar as mãos. “Ao vivo ela é ainda mais intensa.”

Que pontos comuns terão encon-trado estes dois, para além de serem ambos cometas na música portuguesa? Ela é uma mulher cuja mais-valia é a voz e cuja música quase não precisa de acompanhamento. Ele faz instru-mentais e uma pauta de um tema seu estaria cheia de pontos negros... Se lhes dissermos que ambos trabalham uma ideia alternativa de portugali-dade, é notório que têm uma certa resistência à ideia.

Lula aceita que talvez haja um vago passado que ambos usam no seu tra-balho: “Acabamos por nos deixar absorver pela tradição da música por-tuguesa, pelo que ficou. E quando transpomos isso para o agora, cria-se uma terceira linguagem a partir de duas opostas.” Norberto é ainda mais avesso a exercícios de geneologia musi-cal: “Alguma portugalidade haverá na nossa música”, admite. “Mas não faz diferença se ela é portuguesa ou não. Ela podia ser chinesa e eu do Burkina Faso. Se calhar temos algum ponto de contacto - que se calhar é a Amália, mas também podem ser os Iron Mai-den.” Isto é uma blague, confessa

depois, antes de reforçar o seu afasta-mento a qualquer portugalidade pre-meditada: “Não associo a minha música a imagens de Alfama ou esses clichés, porque não cresci com isso. Associo a música dela a um deserto.”

Talvez a ideia de passado musical português, no caso destes dois, tenha mesmo contornos nebulosos. À pri-meira vista, eles não trabalham a par-tir da tradição para a desconstruir, são mais intuitivos que isso. Podemos vê-los como alternativas à tradição, mas, como diz Lula Pena, “isso depende do que se fala quando se fala em tradição. A própria noção cerrada de fado que temos é uma alternativa à tradição que havia. Se fizéssemos uma linha tem-poral desde o início dos tempos, íamos ver que esta tradição de que falamos hoje é recentíssima”.

As coisas, dizem, são mais simples: Norberto afiança que “há uma afini-dade pessoal e musical muito espon-tânea” entre ambos - e este é um dos poucos momentos em que se solta e sorri. “Não dá trabalho tocar com a Lula, ela é muito acessível e é fácil acompanhá-la porque ela soa muito bem. Não corro o risco de fazer má figura.”

Tudo está, portanto, em aberto: Lula, à data da entrevista, apenas tinha decidido que “talvez não use muito o canto”, que “talvez entre mais pelo lado experimental”, recorrendo à “spoken word”, “ou mesmo recusando a voz”. E é possível que “use samplers para criar camadas de sons, atmosfe-ras mais fantasmagóricas” por cima dos instrumentais de Norberto. Ele é ainda mais vago: muito a custo, lá diz que lhe apetece “tocar guitarra eléc-trica”. Depois avança que falaram em “fazer versões de coisas que gosta-mos”, mas “músicas improváveis”. Quando lhe perguntamos o quê, a res-posta é surpreendente: “Madonna”, diz ele. E jura estar a falar a sério.

Ver agenda de con-certos págs. 35 e segs.

“A minha relação com a música dela é epidérmica, não há muito a pensar: comigo a música tem de agarrar logo - e aqui agarra” Norberto Lobo

Lula Pena e Norberto Lobo têm encontro marcado para amanhã, ZDB, Lisboa

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Encontro

de cometasLula Pena canta fado que não é fado. Norberto Lobo é o Paredes da era

pós-MTV. Amanhã estarão juntos na Galeria ZDB, em Lisboa. Para fazer o quê? Tudo e uma versão de Madonna. João Bonifácio

“A dada altura a música dele tornou-se no meu próprio ritmo.É como quando lês um livro e sentes que estáslá: aquilo torna-se o teu próprio tempo” Lula Pena

Ípsilon • Sexta-feira 23 Janeiro 2009 • 15

A grande entrevistaDavid Frost entrevistou Richard Nixon e sacou-lhe a confi ssão de culpa

que o ex-presidente americano nunca dera no caso Watergate. Trinta anos depois, Peter Morgan, o argumentista de “A Rainha”, fez dessa entrevista uma peça.

Agora Ron Howard fez dela um fi lme. Político, mas não só. Jorge Mourinha, em Londres

Frost/Nixon

Em 1977, o jornalista inglês David Frost sentou o ex-presidente ameri-cano Richard Nixon numa casa em San Clemente, na Califórnia, para 12 dias de entrevista condensados em quatro programas de hora e meia. Nixon rece-beu 600 mil dólares e 20 por cento dos lucros, e toda a produção foi paga do próprio bolso de Frost depois de todas as estações televisivas americanas terem recusado emitir uma “entrevista paga” feita por uma figura que era conhecida nos EUA como apresenta-dor de variedades.

Mas as entrevistas Frost/Nixon bate-ram recordes de audiência (45 milhões de espectadores viram a primeira das quatro emissões, recorde absoluto para um programa político nos EUA) e tor-naram-se no “julgamento público” que o ex-presidente nunca teve depois de o seu sucessor, Gerald Ford, o ter per-doado por quaisquer crimes federais cometidos durante o seu mandato. Frost conseguiu que Nixon admitisse as suas “culpas no cartório” e cicatri-zasse uma ferida longamente aberta na vida política americana.

Peter Morgan, o aclamado argumen-tista de “A Rainha”, nunca achou que “Frost/Nixon” daria um bom filme. Passou anos a remoer a história para finalmente a escrever como uma peça teatral, estreada em Londres em 2006, e que se tornou num significativo êxito de crítica e público. Tinha tão pouca fé que “Frost/Nixon” pudesse dar um filme que dizia esperar que nunca nin-guém o quisesse filmar.

Dois anos depois, Ron Howard, de 54 anos, está sentado num sofá num dos quartos do Soho Hotel de Londres, numa tarde cinzenta de Outubro de 2008. O realizador de “O Código da Vinci”, “Uma Mente Brilhante” e “Apollo 13”, e sócio-gerente da produ-tora Imagine Entertainment (que pro-duziu, por exemplo, “Infiltrado”, de Spike Lee, “A Troca”, de Clint Eas-twood, ou as séries televisivas “24” e “Arrested Development”) está em Lon-dres para apresentar o seu mais recente filme.

É a adaptação cinematográfica da peça de Peter Morgan, assinada pelo próprio dramaturgo e interpretada C

inem

a

O galês Michael Sheen diz que o realizador ajudou a ultrapassar os problemas de transpor uma peça de teatro para o ecrã

16 • Ípsilon • Sexta-feira 23 Janeiro 2009

“Sempre vi a peça como dois homens que se preparavam

para um combate”

Um mês depois do “press junket” de “Frost/Nixon”, Peter Morgan atendeu o telefone nos escritórios londrinos da Universal. Era inevitável querermos falar com o argumentista de “A Rainha”, “O Último Rei da Escócia” e “Duas Irmãs, Um Rei”: pela sua capacidade de combinar as esferas do público e do privado num mesmo guião, para saber por que é que aceitou adaptar ao cinema a peça que escreveu. Excertos de 20 minutos de conversa.

Por que é que escreveu “Frost/Nixon” para teatro e não para cinema?Nunca pensei que desse um bom fi lme e tenho a certeza que, se lhe dissesse sobre o que era, você também não o acharia! Quando quiseram comprar os direitos, fi quei bastante chocado. Estava muito satisfeito com “Frost/Nixon” enquanto peça, mas fi quei bastante nervoso com a possibilidade de o fi lme de algum modo a “danifi car”. Mas estavam dispostos a pagar-me bem, e pensei: “Vamos lá ver o que é que acontece.” As pessoas que mostraram interesse eram cineastas hábeis, profi ssionais, e isso levou-me a pensar: “Por que é que esta gente toda está a vir dizer-me que isto podia ser um bom fi lme?” Teria preferido que fosse outra pessoa a adaptá-la?Não tenho certeza. Sei que foi bom ter o Ron Howard a trabalhar comigo, porque deixado à solta eu teria metido a pata na poça. O meu instinto natural teria sido “desbastar” muito mais a peça; o Ron encorajou-me a guardar muita coisa. Originalmente, a peça decorria num palco vazio, apenas com ecrãs de televisão. Os factos reais tiveram lugar em Sydney, Nova Iorque, Londres, Washington e na Califórnia; já são mais milhas aéreas que num fi lme do James Bond... E dei por mim

a pensar que afi nal a escala do projecto era muito maior

do que tinha pensado.

Michael Sheen e Frank

Langella disseram

que sentiram

a

necessidade de “minimizar” as suas interpretações em relação ao que tinham feito em palco. É curioso que você tenha ido na direcção oposta, ao “preencher” o que na peça fi cara por dizer...É uma observação interessante. Nunca tinha pensado nisso dessa maneira, mas é absolutamente verdade. Sentimos que tínhamos de ir mais longe, de pormenorizar, de “abrir” a peça; o argumento pintava uma tela bastante vasta e os actores estavam a pintar uma miniatura.Chamou-lhe “um Rocky para gente que pensa”...Sempre vi a peça como dois homens em preparação, duas equipas que, tal como no boxe, se preparavam para um combate onde haveria grandes recompensas para o vencedor e o perdedor desapareceria no esquecimento. Uma espécie de combate de boxe político?Sim, absolutamente.Muito do seu trabalho como argumentista tem sido sobre a ambição.Acho que tem razão. Historicamente, a ambição sempre foi considerada um pecado e tornou-se hoje uma espécie de virtude. Discordo disso, acho que a ambição está sempre ligada aos danos emocionais, à complexidade do carácter das pessoas. As pessoas ambiciosas são sempre gente perturbada, confusa, emocionalmente complexa. E isso torna-as muito atraentes para mim enquanto dramaturgo.O reconhecimento também parece ser um tema recorrente: personagens que querem ser reconhecidas, aceites...É possível, não sou capaz de o julgar. Tento não analisar o meu próprio trabalho, porque me paralisaria, mas percebo o que está a dizer. Certamente o tema da reabilitação está no centro de muito do que escrevo. O fi lme sugere que, apesar de ser Frost quem sai por cima, Nixon pode ser o verdadeiro vencedor; ao deixar Frost vencer, cumpre aquilo a que se propôs ao aceitar a entrevista.É-me difícil partilhar essa opinião. Quando olho para o modo como a história julga Richard Nixon, para a reacção que o nome dele ainda suscita nos EUA, não fi co nada

com a sensação que ele tenha sido efectivamente reabilitado. O nome dele ainda está associado ao escândalo e à desgraça... A única pessoa que poderia reabilitá-lo seria George Bush, mas esse parece ter herdado o manto de Presidente americano mais impopular de sempre, ou pelo menos na história recente.Mas ao permitir-lhe essa pequena vitória pessoal, não lhe está a permitir uma pequena reabilitação, por mais pequena que seja? Estou a pensar na cena do telefonema a Frost.Esse telefonema é um acto profundamente autodestrutivo. Nixon, compreendendo que vai ganhar, telefona ao seu opositor e motiva-o para o destruir. Não me parece que seja um acto de vitória gloriosa.Abre a porta para uma espécie de paz de espírito.Uma certa nobreza na derrota? Compreendo porque o diz, e julgo que alguns apoiantes de Nixon concordariam consigo, mas não o creio. Repare, Jimmy Carter foi um presidente profundamente impopular, mas conseguiu rein-ventar-se e reabilitar-se, e quando ele morrer as pessoas vão recordar-se do homem honrado que foi. Um pouco como o discurso em que John McCain concedeu vitória [nas eleições americanas], que nos levou a olhar para ele de outra maneira depois de tudo o que fi cou para trás. Não creio que isso tenha acontecido alguma vez com Richard Nixon.O que é que fascina tanto os europeus nesta história?Estávamos todos muito intrigados quanto ao interesse que poderia ter internacionalmente. Obviamente que ele existia em Inglaterra, porque David Frost é inglês, mas também porque o fi lme pode ser lido como uma metáfora da relação entre a Inglaterra e a América. Mas todo o ciclo eleitoral de 2008, primeiro com as primárias entre Barack Obama e Hillary Clinton, depois na eleição entre Obama e John McCain, cativou o mundo por razões óbvias: quem é o ocupante da Casa Branca tem uma importância signifi cativa no resto do mundo. E li que várias pessoas achavam que, por causa disso, todos os cidadãos do mundo deviam ter direito a votar nas eleições americanas. Por muito fortes que sejam as nossas emoções relativamente a Obama e McCain, também o eram relativamente a Richard Nixon naquela altura. As audiências do caso Watergate foram acompanhadas em todo o mundo...Disse em tempos que preferia não ter de conhecer as pessoas sobre as quais escreve, mas parece ter uma predilecção especial para escrever sobre pessoas reais...É verdade, mas não precisamos de os conhecer. Podemos falar com quem os conhece, ler biografi as, fazer pesquisa... E penso que elas também devem preferir isso. Não estou interessado em fazer as pessoas sentirem-se desconfortáveis. J.M.

Ficou “chocado” quando quiseram comprar os direitos para cinema. O argumentista e autor da peça que deu origem ao filme diz ainda que “Frost/Nixon” é um combate de boxe político.

por Frank Langella e Michael Sheen, que recriam as suas criações de palco como Nixon e Frost.

Em entrevista separada ao Ípsilon (publicada nestas páginas), Morgan confessou que o interesse de Howard contribuiu para o fazer mudar de ideias. E sem dúvida que o momento político que os EUA atravessaram aju-dou a esse interesse: a impopular admi-nistração do Presidente americano George W. Bush, a corrupção e ilegali-dade que têm vindo a lume ao longo dos últimos anos nos bastidores da guerra contra o terrorismo e do con-flito no Iraque, a “leva” de cinema polí-tico que parece ter voltado aos ecrãs americanos...

Palco e ecrãHoward admite: “Existe uma certa rele-vância da história neste momento, embora não tenha sido por isso que Peter a escreveu, e no fundo também não tenha sido essa a razão que me levou a filmá-la. Houve um momento em que toda a gente, incluindo eu pró-prio, chegou a pensar estrear o filme antes das eleições, no meio do turbi-lhão político. Mas à medida que come-cei a mostrar o filme, senti que o equi-líbrio da história, a sua imparcialidade, criava uma experiência para o público que não era forçosamente política. Era uma história humana”.

O realizador aceita que “Frost/Nixon” é um filme atípico num per-curso que começou como actor (lem-bram-se dele no “American Graffiti”, de George Lucas?) e que o tornou num dos cineastas mais poderosos de Hollywood: Howard aterrou em Lon-dres directamente das filmagens de “Anjos e Demónios”, a sequela de “O Código da Vinci”, que exigiu “uma cen-tena de cenários e exteriores contra apenas uma dezena para “Frost/Nixon”.

Na conferência de imprensa alargada no Soho Hotel, que antecipou as “mesas-redondas” com jornalistas de toda a Europa, Howard confessara que o verdadeiro chamariz do filme era a possibilidade de trabalhar com grandes actores.

E os actores retribuem a cortesia. Para o galês Michael

Sheen, elevado a ac tor do

momento pela sua

“A única pessoa que poderia reabilitá-lo seria George Bush, mas esse parece ter herdado o manto de Presidente americano mais impopular de sempre”

Os verdadeiros David Frost e Richard Nixon: as entrevistas tornaram-se no “julgamento público” que o ex-presidente nunca teve depois de o seu sucessor, Gerald Ford, o ter perdoado por quaisquer crimes federais cometidos durante o seu mandato. Frost conseguiu que Nixon admitisse as suas “culpas no cartório”

a<wdeawdrawfeasfRon Howard e Peter Morgan. O argumentista diz que o seu instinto natural teria sido “desbastar” muito mais a peça; Ron encorajou-o a guardar muita coisa

Ípsilon • Sexta-feira 23 Janeiro 2009 • 17

interpretação de Tony Blair na “Rai-nha” de Stephen Frears, Howard aju-dou a ultrapassar os problemas de transpor uma peça de teatro para o ecrã. “Quando se parte para um filme, roda-se tudo de maneira desconjun-tada, estamos sempre a perguntar-nos o que é que aconteceu antes e o que é que vai acontecer a seguir... Aqui não tínhamos esse problema, conhecíamos cada momento da peça. O perigo era agarrarmo-nos ao que tínhamos feito em palco, porque o que funciona em palco não resulta em filme. No teatro, temos de transmitir fisicamente a vida interna da personagem; no cinema, temos de confiar que a câmara vai apa-nhá-la. Temos de nos libertar, de rea-prender tudo. Mas é assustador. É muito fácil confiar no Ron, sentimos que ele sabe como fazer as coisas fun-cionar.”

Kevin Bacon, que trabalhou com o realizador em “Apollo 13”, aceitou o pequeno papel do adido militar de Nixon porque “sabia que Ron ia estar interessado no que eu tinha para trazer ao papel, estava aberto às minhas ideias”. E o elogio maior vem de Frank Langella, que ganhou o Tony (bem como todos os prémios da crítica e mais alguns) pela sua criação de Nixon em palco: “O Ron foi a libertação. Disse-me que eu podia levar o tempo que precisasse para quebrar todos os ritmos do palco.”

Política e entretenimentoE, assim, a peçazinha que nunca devia ter sido um filme viu-se erguida a ponta-de-lança para a temporada dos Óscares. É isso que representam os dois dias de entrevistas que o estúdio marcou à volta da estreia europeia no

Festival de Cinema de Londres, convi-dando imprensa de toda a Europa, aposta no potencial de prestígio de “Frost/Nixon”, estreado nos EUA em poucas dezenas de salas a tempo das nomeações para os Óscares mas que só agora, em Janeiro, se vai alargar ao resto do mundo.

Forçosamente, as perguntas dos jor-nalistas remetem para o lado político: a 15 de Outubro, as eleições america-nas estão ainda a 15 dias de distância, e a luta entre Barack Obama e John McCain não está decidida. Uma jorna-lista austríaca pergunta a todos o que pensam de Obama, até que ponto esta história com 30 anos é um espelho sobre os dias que correm. Kevin Bacon diz que “é inevitável que as pessoas façam comparações quando se faz um filme político hoje em dia. Mas [“Frost/Nixon”] é entretenimento, é um filme, é teatro. Existe licença dramática. Não é um documentário”.

Frank Langella, lacónico, reco-nhece as semelhanças mas avisa que “ver o filme dessa maneira limita a sua leitura”. E não resiste a fazer a comparação da paisagem mediática da altura com os dias de hoje. “Penso que ninguém que não fosse adulto nesse tempo consegue compreender o acontecimento extraordinário que tudo isto foi, não apenas a demissão, mas a própria singularidade do evento. Hoje em dia toda a gente grava as coisas para as ver mais tarde, ou vê-as seis vezes de seguida. Mas este foi um momento único. Não tive-mos oportunidade de o ver mais 50 vezes.”

Mas é Michael Sheen quem levanta uma questão importante. “Quanto mais específicos somos sobre os even-

tos do passado, mais ressonância no presente eles têm. É mais fácil tirar conclusões sobre o que se passa agora olhando para eventos do passado, e isso é algo que este filme pode defini-tivamente fazer. Permite-nos perceber como chegámos ao ponto em que esta-mos. A indistinção entre entreteni-mento e política que estamos a viver hoje começou aqui. Uma das piores coisas do processo político é o modo como as pessoas normais se sentem alienadas. Há muitas razões para isso e uma delas é os políticos raramente abrirem o jogo: se vir as primeiras entrevistas políticas feitas pelo David Frost, aqueles políticos parecem seres humanos com falhas, complicados, mas pessoas como nós. Hoje em dia, os políticos são todos muito ensaiados, muito preparados.”

Langella é mais cáustico: “Alguém disse que a atracção de Sarah Palin é ser exactamente como um de nós. Pois bem, eu não quero que alguém exac-tamente como eu seja vice-presidente dos EUA. Venho de uma era em que se esperava que houvesse algum mistério, algum ‘glamour’ no cargo. Não me importa que haja um elemento de tea-tro, mas esperaria que as pessoas res-peitassem o cargo.”

A vida interior de NixonEngane-se quem acha que o retrato de Nixon por Peter Morgan e Ron Howard é simpático. Morgan acha isso impos-sível, Howard diz que Nixon lhe foi “descrito por um membro da sua ‘entourage’ como o miúdo que está sempre a olhar para a montra da loja de brinquedos, seguro que há qualquer coisa lá dentro com que gostaria de brincar”.

É isso que encerra a chave do filme para ele e para os seus actores. Langella admite que o que o atraiu na peça foi “a oportunidade de investigar um tipo de pessoa” que nunca representou “antes, o seu tormento, a sua agonia, as suas inseguranças profundamente humanas”. “Mas nunca pensei em torná-lo mais ou menos simpático, ape-nas em fazer passar a sua vida inte-rior.”

Bacon confessa que “qualquer pes-soa num cargo de poder tem sangue a correr pelas veias, qualquer história irá humanizá-lo”. E Sheen aponta que “existe uma diferença enorme entre a personalidade pública e a personali-dade privada”. “E a área que mais me interessa é aquela zona pequena entre o público e o privado, que muitas vezes é um mistério para eles próprios.”

“Frost/Nixon” foi recebido com sim-patia, mas sem entusiasmo, pela imprensa americana. Falhou todas as listas de final de ano da crítica e saiu de mãos a abanar dos Globos de Ouro, onde tinha sido nomeado para cinco estatuetas. O que não quer dizer que o seu classicismo formal não possa agradar à Academia (esta peça é publi-cada no dia a seguir à divulgação das nomeações para os Óscares, mas fechou antes). Claro que ninguém garante que “Frost/Nixon” falhe na bilheteira, como quase todas as fitas políticas recentes. Howard bem disse, às tantas, nesta tarde no Soho: “Não faço ideia se isto é um filme comercial”. Também não é preciso que o seja...

Ver crítica de filmes pág. 43 e segs.

O Ípsilon viajou a convite da Luso-mundo

“Qualquer pessoa num cargo de poder tem sangue a correr pelas veias, qualquer história irá humanizá-lo”Kevin Bacon

“Penso que ninguém que não fosse adulto nesse tempo consegue compreender o acontecimento extraordinário que tudo isto foi, não apenas a demissão, mas a própria singularidade do evento. Hoje em dia toda a gente grava as coisas para as ver mais tarde, ou vê-as seis vezes de seguida. Mas este foi um momento único. Não tivemos oportunidade de o ver mais 50 vezes”Frank Langella

Depois de todas as estações televisivas americanas terem recusado emitir uma “entrevista paga” a série bateu recordes de audiência: 45 milhões de espectadores viram a primeira das quatro emissões

18 • Ípsilon • Sexta-feira 23 Janeiro 2009

A fantasia

de Woody AUma proposta, um telefonema de Penelope Cruz a ajudar e Woody Allen fum dia um cineasta europeu. Diz-nos ele que “Vicky Cristina Barcelona” c

que ele via nos anos 1950. Uma comédia? Sim. Mas reparem como t

O único lugar onde Woody Allen real-mente quer estar é na cama. “O meu lugar na cama é o meu lugar no mundo”, explica. É onde vê jogos de baseball, onde lê, e onde escreve, normalmente da parte da manhã, porque se começar à noite por vezes fica tão excitado que não consegue dormir. É onde o acto de imaginar é, de facto, “agradável” e onde pode “ir escolher as pessoas” e ver as suas “personagens ganharem vida.”

“E ponho música e vejo as perso-nagens encenarem as suas cenas ao som da bela música. Sabe, divirto-me com isso. E se mais ninguém faz isto, é uma pena.”

Woody parece menos desafiador do que resignado. De todos os gran-des artistas americanos, sofreu um dos mais violentos e cruéis reversos de fortuna, caindo da adulação pública para a reprovação generali-zada. A sua solução para os caprichos do afecto do público é agarrar-se à crença de que isso não significa nada. “Quando somos miúdos pensamos para nós próprios: ‘Fama e fortuna e vai ser tudo tão excitante e...’. Mas depois descobrimos rapidamente, depois de três ou quatro filmes: ‘Espera aí, o lado positivo é nada e o negativo também é nada.’ A adulação das massas ou dos críticos é uma experiência impessoal, e os sentimen-tos negativos [das] pessoas são uma

experiência impessoal. O contrato que o público tem com a pessoa é: ‘tu entretens-nos e nós aparecemos’. E é assim que o contrato deve ser.”

Da maneira como Allen fala, pode-mos pensar que estamos na véspera do lançamento de um dos seus pro-jectos falhados, uma série de filmes triviais e ineficazes incluindo “Cele-bridade” e “A Vida e Tudo o Mais”, que se seguiram ao escândalo público da sua separação de Mia Farrow, as horríveis acusações (negadas e nunca provadas) de abuso infantil e mais tarde o seu casamento (que já dura há 10 anos) com a filha adoptiva de Farrow, Soon-Yi Previn, então com 22 anos.

Na verdade, Woody fez um dos mais deliciosos e divertidos filmes em mais de uma década, “Vicky Cristina Barcelona”, a história de duas jovens americanas (Scarlett Johansson e Rebecca Hall) que, durante umas férias de verão em Espanha, se envol-vem numa relação com um atraente artista, que adora mulheres ( Javier Bardem) mas também a sua confusa e deliciosa ex-mulher (Penélope Cruz).

O filme é uma representação dos acasos do amor com cada uma das mulheres que lutam por uma posição estável: a aventureira sexual que está sempre cronicamente insatisfeita ( Johansson), a futura académica que

não gosta de correr riscos e que corre o perigo de sufocar a paixão da vida (Hall) e o espírito intoxicante e anár-quico (Cruz), que torna a arte grande e a vida num inferno.

Com o chapéu na mãoNum fim de semana recente, Allen esteve fechado num quarto de hotel, dando entrevistas - fardo raro para Allen, que costumava ser capaz de escapar a tais experiências de rotina. O cineasta, 72 anos, passou uma tem-porada em Los Angeles, ficando num hotel com a mulher e as suas duas filhas pequenas, enquanto fazia a sua estreia na ópera dirigindo a ópera cómica de Puccini “Gianni Schicchi.”

Parece mais fraco do que se espe-rava, vestindo uma impecável camisa com quadrados azuis e umas calças de algodão. Tem o cabelo completa-mente grisalho, grossos óculos pretos e uma pele que, curiosamente, não tem rugas. Ficamos com a sensação de que ficaria mais feliz se toda a gente o deixasse sozinho para fazer o seu trabalho. O seu trato é delicado mas cauteloso.

Allen admite que ir até Barcelona, Espanha, para fazer um filme concre-tizou a sua fantasia de ser um dia um cineasta europeu. “Sempre quis fazer o tipo de filmes que vi nos anos 50. Os filmes de Truffaut e os filmes de Godard e os de Bergman e Fellini, e

esses são os filmes que sempre influen-ciaram o meu trabalho. E sempre os copiei e fui influenciado por eles. ‘Vicky Cristina Barcelona’ parece-me, quando o vejo, como um desses fil-mes. Tem todas as características: a música, as pessoas a andarem de bici-cleta pela Europa, a interacção das personagens e as cenas desfocadas que vemos nesses filmes.”

O filme, cheio de belas imagens de edifícios de Gaudi e velhas igrejas, é um dos acidentes felizes que surgiram depois de ter deixado de ser popular na América. Allen realizou mais de 40 filmes e fez mais grandes obras do que quase qualquer realizador vivo - “Annie Hall”, “Manhattan”, “A Rosa Púrpura do Cairo”, “Crimes e Escapa-delas”, “Hannah e as Suas Irmãs”, “Maridos e Mulheres” - mas a América nem sempre tratou particularmente bem os seus iconoclastas. Allen não é como Orson Welles, reduzido a vender vinho Gallo, ou Charlie Chaplin, que fugiu para a Suíça, mas desde os anos 90 qued as suas receitas de bilheteira diminuíram e a qualidade dos seus filmes tornou-se mais irregular. O seu filme anterior, “O Sonho de Cassan-dra”, fez menos de um milhão de dóla-res nos EUA, se bem que tenha arre-cadado cerca de 20 milhões no resto do mundo. Ele tem de andar com o chapéu na mão à procura de financia-dores, que são na maioria europeus.

“Não sou como Dustin Hoffman ou Robert De Niro. Esses tipos fazem milagres no ecrã”

Javier Bardem é um atraente artista, que adora mulheres e se envolve com duas, uma dela é Scarlett Johansson

Quando uma companhia espanhola, Mediapro, o contactou com a proposta de financiar um filme em Barcelona, Woody Allen basicamente pensou: “Porque não?” “Barcelona é uma cidade onde posso viver muito facilmente”

Ípsilon • Sexta-feira 23 Janeiro 2009 • 19

espanhola

y Allenn foi convencido a ir até Barcelona realizar a sua fantasia de ser ” corresponde ao tipo de fi lmes, de Godard, Bergman ou Fellini, o também é um fi lme triste, diz ele. Rachel Abramowitz

Quase por necessidade, foi catapul-tado do seu cenário familiar de Nova Iorque para Londres e agora Barce-lona. A mudança de cenário parece ter sido rejuvenescedora, resultando em “Match Point” e “O Sonho de Cas-sandra” - dramas satíricos acutilantes e niilistas, que investigam se o mal é alguma vez realmente punido.

Quando uma companhia espanhola, Mediapro, o contactou com a proposta de financiar um filme em Barcelona, o argumentista-realizador basica-mente pensou: “Porque não?” “Bar-celona é uma cidade onde posso viver muito facilmente”, diz. “Se tivessem mencionado uma qualquer cidade na Ucrânia ou no Sudão ou algo assim, teria dito não. Mas Barcelona é uma cidade bela e maravilhosa.”

Se bem que Nova Iorque seja uma personagem em muitos dos seus fil-mes, Allen nunca tinha escrito um filme para um local específico, mas a sua tarefa ficou mais fácil quando recebeu um telefonema inesperado de Penélope Cruz, que lhe perguntou se podia visitá-lo. “E quando a vi, pen-sei: ‘Meu Deus, ela é - se acreditar nisto - mais bonita em pessoa do que é no ecrã.’ Achei que ela era tão bela que quase fiquei sem fôlego.” Cruz disse-lhe que adoraria entrar no seu filme de Barcelona e quando ela par-tiu Allen confessa que “ter-lhe-ia dado toda a mobília, sabe?” Teve conheci-

mento através dos seus contactos que Bardem também estava interessado. “Pensei: ‘Está bem, tenho estes dois grandes e tempestuosos espanhóis e Barcelona, mas não tenho filme.”

Nada como a sua personagemAo longo do ano, Allen escreve ideias para filmes em pedaços de papel e carteiras de fósforos e atira-as para dentro de uma grande gaveta. No caso de “Vicky Cristina Barcelona”, usou uma ideia que teve em tempos acerca de duas raparigas que vão de férias até São Francisco. Transportou a his-tória para Barcelona e juntou-lhe Scarlett Johansson, que se tornou figura recorrente nos seus filmes mais recentes, como um símbolo de juven-tude, de intoxicante indisponibili-dade. Começou a moldar as persona-gens ao seu elenco e, quando filmava, nunca falou com os actores, a não ser para lhes dar indicações de cena.

Diz que não se importa se nunca mais voltar a representar num dos seus filmes. “Se não houver papéis para mim, então não interpretarei nenhum... E se houver uma personagem adorável chamada Gramps que seja sábia apesar da idade, então. ...”

Torna-se claro, à medida que fala, que ele não é nada como a sua perso-nalidade cinematográfica - não é nada um neurótico falador e assustadiço acometido de pânico existencial.

Afirma que o seu alter-ego é apenas o seu número cómico, como o bigode e o chapéu de côco de Charlie Cha-plin, e que a personagem nasceu do seu limitado talento de actor. “Não sou como Dustin Hoffman ou Robert De Niro. Esses tipos fazem milagres no ecrã. Sou um actor perfeitamente credível no meu pequeno âmbito. Assim posso interpretar um professor universitário, posso interpretar um psicanalista, podia interpretar um intelectual, apesar de não ser um inte-lectual, ou posso interpretar um tipo mais modesto. Posso ser como Broa-dway Danny Rose ou podia interpre-tar um pequeno angariador de apos-tas ou um qualquer tipo de vigarista porque era capaz de fazer isso. O ver-dadeiro eu está mais perto do pequeno vígaro, mas posso interpre-tar os dois tipos de personagens.”

Para um homem brilhante que compreende as muitas nuances do impulso humano, Woody é obstina-damente anti-psicológico (ou simples-mente cauteloso em público), deci-dido a dizer que nenhum dos seus filmes reflectem o que quer que seja da sua vida pessoal.

“Sinto sempre como se estivesse sempre a fazer o mesmo processo. Eu não os faço de forma diferente. Eu não sinto nenhuma sensação de liber-tação na Europa. Eu não sinto que faça filmes felizes quando estou feliz

e filmes tristes quando estou triste. Eu não sinto que faça filmes autobio-gráficos. Eu não era particularmente feliz, ou a passar um bom momento da minha vida, quando fiz ‘O Inimigo Público’ e ‘Bananas’. Esses são dois dos meus filmes cómicos mais pate-tas. Por outro lado, quando fiz ‘O Sonho de Cassandra’ e ‘Match Point’ estava a atravessar um período mara-vilhoso da vida. Estes têm sido anos muito bons para mim. Eu tenho um excelente casamento, filhos óptimos. Não há um plano ou uma agenda ou algo parecido. É sorte. É o acaso.”

O único impulso que reconhece ter é o de trabalhar, como um maníaco, como se estivesse a afastar a morte. “É uma forma de lidar com o mundo. Sabe, da mesma maneira que alguém lida com o mundo sendo um colec-

cionador de selos ou um viciado em desporto ou um gigante da indústria ou um alcoólico ou qualquer coisa. A minha forma de lidar com os horrores da existência é pôr-me a trabalhar duramente e não olhar para cima.”

Muitas das pessoas que vão ver o seu novo filme deliciar-se-ão com a comédia e com a possibilidade de pas-sarem 90 minutos banhadas de sol em Barcelona. Mas, ele nota, a sua fábula espanhola é de facto “um filme muito triste”. Este é, afinal de contas, o uni-verso de Woddy Allen, não interessa em que continente é que é passado, ou quantas gargalhadas são dadas. Ninguém consegue o que deseja.

“Uma relação é como dois grupos de fios que estão espalhados por toda a parte e todos têm de se ligar”, diz. Ele usa os dedos para demonstrar, tocando suavemente uma mão com a outra. Elas são delicadas e surpre-endentemente jovens, mas a sua ati-tude acerca do amor é fatalista. “Se um dos fios não se ligar, então não funciona. É como se faltasse uma coisa. Falta o sal na dieta. É uma pequena coisa, mas dá cabo de nós. Morremos.”

Exclusivo PÚBLICO/Washington Post

Tradução Rui Brazuna

Ver crítica de filmes pág. 43 e segs.

Bardem adora mulheres mas também a sua confusa e deliciosa ex-mulher (Penélope Cruz)

“Não sinto nenhuma sensação de libertação na Europa. Não sinto que faça filmes felizes quando estou feliz e filmes tristes quando estou triste”

Cin

ema

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Talvez seja difícil imaginar hoje que corpos nus em palco possam causar algum escândalo. Mas em 1965, com uns Estados Unidos imersos numa guerra sem fim no Vietname, e apesar do amor livre e do flower power, a dança ainda não se chamava, de pleno direito, contemporânea e os corpos ainda não eram assim tão livres. Isto apesar de ser na América que se expe-rimentavam rupturas que viriam a transformar profundamente a dança como hoje a conhecemos.

A América tendia a olhar com desa-grado para experiências cénicas que desafiassem a norma e utilizassem os padrões tradicionais para questionar o funcionamento do dispositivo tea-tral. E, por isso, na altura da estreia de “Parades and Changes”, foi dada ordem de prisão a Anna Halprin, a coreógrafa que ousara apresentar cor-pos ausentes de erotismo numa peça que “não se preocupava com os este-reótipos de géneros estabelecidos ao vestir intérpretes de forma andrógina, e que deitava por terra as convenções da dança contemporânea ao criar um trabalho baseado em tarefas quotidia-nas”, sintetizam as biógrafas Libby Worth e Helen Poynor em “Anna Hal-prin: Life and Work” (Routledge).

“O movimento não era erótico, e as instruções dadas aos intérpretes cha-mavam a atenção para as suas respos-tas e respiração enquanto executavam a tarefa”, explicam. “Para Halprin a dança não era sobre sexualidade mas uma iniciação que se reflectia na dança, no corpo e no indivíduo. Sen-tia que a dança tinha um significado histórico porque desafiava as normas sociais e artísticas da época.”

Apesar de Halprin considerar que os equívocos criados à época impedi-ram um “verdadeiro entendimento da peça”, a sequência “despir/vestir” tornou-se famosa e é uma das mais fortes imagens desta peça-ritual. Dois anos depois, na Suécia, a nudez daquele grupo de intérpretes não cau-sou escândalo ou surpresa. Para uma Europa ainda longe de abraçar muitos dos gestos mais ousados da dança con-temporânea, a nudez parecia natural e de acordo com o espírito de pesquisa e partilha que se queria estabelecer entre os intérpretes e o público.

Ao grupo pertenciam não só baila-rinos como músicos, arquitectos, artis-tas visuais, de luz, de som e paisagis-tas, formando uma comunidade reac-tiva e contrastante que sabia tirar partido das suas diferenças. Muitos dos intérpretes eram seus familiares e nem todos eram profissionais. Cha-maram-lhes “Experimentalistas cul-turais de Bay Area”, mas o que Halprin

procurava era construir uma comunidade, tanto dentro

como fora de cena, ideia que lhe valeu várias críticas e um certo desprezo da comunidade artística da costa Oeste dos EUA.

Da

nça

dançaA importância de se chamar

A Culturgest e o Auditório de Serralves recebem este fi m-de-semana um dos mais exemplares exercícios da dança que nos foi dado a ver. Tão actual

como há 40 anos, “Parades & Changes, replay” não é só uma remontagem da peça de Anna Halprin. É um atestado de vitalidade e transversalidade da

dança contemporânea a não perder. Tiago Bartolomeu Costa

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Um século de dançaNascida a 13 de Julho de 1920, a his-tória de Halprin confunde-se com a da dança no século XX e só aparente-mente é que a coreógrafa norte-ame-ricana é uma figura de segunda linha na história da dança contemporânea. Esta “refugiada coreográfica” - como lhe chama a ensaísta Janice Ross nas notas do programa da Culturgest, que apresenta a peça hoje e amanhã, sem-pre seguido de conversas com os intér-pretes -, queria propor um outra forma de pensar e executar o movi-mento, na altura dependente e mime-tizado pelos intérpretes conforme as escolas dos professores.

Algo que esteve sempre presente na visão de Halprin que protagoniza a transição da dança moderna para a contemporânea, trazendo consigo ensinamentos partilhados pelos van-guardistas da Bauhaus exilados em Los Angeles e seus mentores, pelo seu marido, o arquitecto Laurence Hal-prin, pelo experimentalismo e filoso-fia de Doris Humprey ou Mary Wig-man, de quem foi aluna e pela estreita relação com a música experimental.

Numa altura em que era difícil con-ceber uma acção artística sem um profundo cunho político, a dança não podia ser somente a criação de formas efémeras no espaço. Era preciso fazer o que Ross classifica de “um acto dis-creto de desobediência civil”. “Come-çámos a explorar sistemas que punham em causa a relação de causa e efeito”, cita a investigadora Laurence Louppe (“Poétique de la danse con-temporaine”, Contredanse, 1997). “Anna Halprin começa por isolar par-tes do corpo que fazia movimentar sem os encadear numa continuidade que determinasse um caminho pre-viamente estabelecido”, esclarece.

Uma ideia que prolongava as noções de imprevisível e indeterminação pro-postas por John Cage e Merce Cunnin-gham. Estas tarefas “interditavam toda a iniciativa subjectiva directa, mas também faziam da organização core-ográfica um percurso não premedi-tado, onde as estruturas dependiam inteiramente do cumprimento da tarefa”, diz Louppe. Uma ideia que será, mais tarde, precursora dos movi-mentos de ruptura da Judson Dance Church, onde figuraram nomes como Trisha Brown e Yvonne Rainer.

Tempo reencontradoMais de 40 anos depois, “Parades and Changes” regressa aos palcos, desta vez pela mão de Anne Collod, coreó-grafa francesa que esteve na origem do Quator Albrecht Kunst, colectivo que esteve várias vezes na Culturgest e no Auditório de Serralves, e que se dedicou, entre 1993 e 2001, a remon-tar peças do início do século XX.

Ao título acrescentou o termo “Replay”, uma vez que, apesar de “pragmaticamente não ser uma dança difícil de recriar já que o vocabulário coreográfico era facilmente acessível” (novamente citando as biógrafas), na altura da estreia e das apresentações seguintes não nos chegaram todos os registos das diversas tarefas criadas, constantemente revistas e adaptadas em função dos intérpretes e dos espa-ços de apresentação.

Anne Collod escolheu 12 tarefas, entre elas o “vestir/despir”, apresen-tando muitas mais numa noite do que Halprin alguma vez imaginou, e cha-mou não um grupo heterogéneo de criadores transdisciplinares mas intér-pretes com um percurso firmado, com estéticas e escolas que podem contras-tar mas que sobretudo sugerem um mapa mais amplo para os modelos de representação do corpo contemporâ-neo. E ainda fixou uma partitura em vez de explorar a flexibilidade carac-terística da peça original.

As que vemos nesta recriação são, provavelmente, as que melhor iden-tificam esta peça e cujos nomes, pela sua evidência e simplicidade, dão per-

feita nota da ausência de metáforas. Entre elas a “dança do papel”, onde os intérpretes rasgam longas tiras de papel kraft sem que disso se retire outra leitura que a instalação de uma ambiência que coloca em causa a fun-cionalidade do gesto.

Vera Mantero, uma das intérpretes ao lado de Nuno Bizarro, do francês Alain Buffard, da própria Collod, do israelita Boaz Barkan e da norte-ame-ricana DD Dorvillier, ao qual se juntou o músico e compositor Sébastien Roux, explica que o original era muito fragmentado e que o trabalho de recriação “tentou ser o mais fiel pos-sível aos materiais disponíveis”. “Para-des and Changes”, de Anna Halprin, é devedor de um trabalho profundo, que demorou longos meses a comple-tar-se e que vivia da permanente rea-valiação, o que permitiu a cada um dos intérpretes, de idades e experiên-cias de palco muito diferentes, encon-trar um espaço onde pudessem activar o que Halprin gostava de chamar “a cumplicidade da partilha”. Em “Para-des & Changes, Replay”, de Anne Collod and guests, esse processo teve que ser acelerado, as activações tive-ram que ser ainda mais pragmáticas

e, apesar da fidelidade reclamada pelos actuais intérpretes, a peça des-loca-se para uma dimensão menos afirmativa do ponto de vista político e mais concentrada no aspecto per-formático. Algo que interessava a Hal-prin. “A peça é toda ela sobre o ques-tionamento e a desconstrução da cena teatral. Ela reencontra o espaço da cena ao dirigir-se directamente ao público e ao usar mecanismos, objec-tos ou figurinos que existem no espaço de apresentação” diz Vera Mantero.

Houve quem, na Suécia, lhe cha-masse um “cerimonial de confiança”, expressão reforçada por Cristina Grande, programadora do Auditório de Serralves que organiza um ciclo em torno da peça a apresentar no Porto, na segunda-feira, 26, e que, além do workshop com Collod, convida os espectadores para uma conferência com Maria José Fazenda sobre a influ-ência de Halprin (Sábado, 18h) e exibe o filme-documentário “My lunch with Anna”, de Alain Buffard, seguido de conversa com este e Collod (domingo, 17h).

Anne Collod explica, em entrevista incluída no programa, que “os pro-cessos utilizados para criar ‘Parades

and Changes’ existem num jogo dia-lético entre privação e liberdade, e a peça trabalha na abertura de possibi-lidades emblemáticas da época [na qual foi criada]: como tornar visível um processo? Como sair da ilusão e criar acesso à materialidade do lugar e das acções?”

Uma das principais forças de “Para-des & Changes, replay” reside na forma como, consciente de uma ins-crição num tempo e lugar histórico preciso, recupera para a actualidade

uma série de esquemas que conti-nuam a ser basilares para a construção coreográfica. Voltando ao exemplo da tarefa “despir/vestir”, Halprin refere no filme-documentário de Buffard que “quando te estás a despir e a olhar tem atenção a tudo o que te envolve”. Gil Mendo, programador de dança na Culturgest, acrescenta que Halprin insiste na ideia de que “o intérprete tem sempre que assumir a sua parte de criação”, filosofia que, explica Vera Mantero “permite aos intérpretes encontrar o seu próprio movimento e não imitar o coreógrafo”.

Há nesta peça uma intensa neces-sidade de abrir o espaço para lá das suas possibilidades físicas e verosí-meis. E em cada uma das tarefas fazer relacionar não só o corpo e o lugar mas as diversas presenças em palco e na plateia. O cerimonial de cumplici-dade tão caro a Halprin renasce nesta re-acção comovente e profundamente contemporânea. E esperando que o escândalo seja agora outro: o de reve-lar como a dança não precisa de estra-tagemas mais ou menos fictícios para se desenvolver e ser recebida.

Ver agenda de dança pág. 34

Halprin insiste na ideia de que “o intérprete tem sempre que assumir a sua parte de criação”Gil Mendo

22 • Ípsilon • Sexta-feira 23 Janeiro 2009

Em três décadas, algumas ideias sobre São Paulo, que Nieztsche considerava o verdadeiro fundador do cristianismo, foram deitadas abaixo. Nos últimos anos, emergiu uma nova figura do “apóstolo dos gentios”: alguém que não renegou o judaísmo que profes-sara, de temperamento obsessivo e sujeito a mudanças de humor, promo-tor da liderança feminina nas comuni-dades que fundava, opositor da divi-nização do imperador romano.

A figura de Paulo atrai, além de cristãos, ateus como Alain Badiou, Giorgio Agamben ou Slajov Zizek (os dois primeiros escreveram obras fun-damentais da actual bibliografia pau-lina). Também vários judeus - como Jacob Taubes. E outro ensaísta como George Steiner diz que “Paulo de

Tarso é simplesmente um dos maio-res escritores da tradição ocidental” e as suas cartas “uma obra-prima de retórica, de alegorias usadas para fins estratégicos, de paradoxos e de um sofrimento corrosivo”.

No espaço de poucos meses, algu-mas obras publicadas em Portugal a pretexto do Ano Paulino - comemo-ração, até Junho, dos dois mil anos de nascimento de Paulo de Tarso - trouxeram luz sobre a personalidade, a vida, o pensamento e a acção do mais importante missionário do pri-meiro século cristão.

A biografia escrita por Murphy O’Connor foi uma das boas surpresas traduzidas para português. O’Connor traça um perfil vivo de uma forte per-sonalidade sempre em desassossego,

por vezes irascível, que não enjeita a fé judaica. Nascido pouco depois de Jesus, Paulo não chega a conhecer Cristo pessoalmente, mas acaba por ser o principal divulgador da sua men-sagem, através das viagens que faz - a última das quais lhe valeu a morte, em Roma, à roda do ano 67. Com Paulo, o cristianismo tornou-se uma religião urbana e cosmopolita, irradiando a sua mensagem a partir das cidades.

Sobre o início e o fim da sua vida sabe-se menos. Na expressão de Pas-coaes, são “duas névoas entre as quais medeia um espaço limpo”. Durante o qual Paulo escreveu cartas às comu-nidades que fundara - são 13 textos mas, sabe-se agora, só sete do seu punho; as outras seis não foram escri-tas por ele ou não há certezas. São

esses textos, em grego, a base da redescoberta de Paulo, depois de a sua vida ter sido colada à narrativa do livro dos Actos dos Apóstolos, historica-mente menos fiável que as Cartas em vários pormenores.

Nestas revela-se o homem afectivo e terno, que falava do trabalho e da alegria, preocupado com o devir das comunidades que fundara, duro quando precisava de chamar a aten-ção. Como na primeira Carta aos Tes-salonicenses, a primeira por ele escrita (talvez em Corinto, entre 50 e 52) e o primeiro texto do Novo Tes-tamento: “Pedimo-vos, irmãos, que reconheçais aqueles que se afadigam entre vós (...). Sede sempre alegres. Orai sem cessar. Em tudo dai graças. Esta é, de facto, a vontade de Deus a

Ateus e judeus a escrever sobre São Paulo? Nas últimas três décadas, a investigação sobre o “gentios” trouxe novidades. Pequena viagem por obras publicadas em Portugal nos últimos meses e

básica paulina. António Marujo

Um novo São Pau

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limpo dos mitos

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Com Paulo, o cristianismo tornou-se uma religião urbana e cosmopolita, irradiando a sua mensagem a partir das cidades

Uma das obras de Ilda David’ sobre São Paulo que podem ser vistas a partir de domingo no Seminário Conciliar de Braga

Ípsilon • Sexta-feira 23 Janeiro 2009 • 23

São mais de 40 anos dedicados à exegese da Bíblia. Joaquim Carreira das Neves, nascido em 1934, frade franciscano e professor jubilado de Teologia na Universidade Católica, acabou de publicar “O Que é a Bíblia” (ed. Casa das Letras). Pouco antes editara também os dois volumes de “A Bíblia - O Livro dos Livros” (ed. Franciscana). Nesta entrevista, fala do que há de novo sobre São Paulo.

Afi nal, as fontes literárias revelam um Paulo diferente do que até aqui entendemos.Há duas fontes literárias para perceber São Paulo: as Cartas e os Actos dos Apóstolos. Na Igreja Católica, vivemos muito São Paulo a partir dos Actos dos Apóstolos. Temos que ver as coisas de outra maneira: o autor dos Actos não nos dá o verdadeiro Paulo. Temos que descobrir São Paulo nas Cartas. Há um primeiro Paulo judeu, sobre o qual não sabemos muito, que viveu em Tarso. Depois há o Paulo cristão. Não sabemos como aconteceu a mudança. Em Damasco, Paulo tem uma visão de Jesus que não descreve. Diz que Jesus lhe apareceu. O resto - a queda do cavalo, a cegueira - é típico dos Actos dos Apóstolos, para preencher um vazio sobre o que tinha acontecido ou não. São criações literárias. O verdadeiro Paulo é o das Cartas e não dos Actos. Quer dizer que há facetas por descobrir.Há muitas coisas ocultas, na vida de Paulo, por descobrir. Há ainda um terceiro Paulo, depois do incidente que ele tem com Pedro. Paulo comia com os pagano-cristãos, tal como Pedro; mas quando chegam alguns [judeo-cristãos vindos de Jerusalém], Pedro deixa de comer com os

pagano-cristãos. Paulo chama-lhe hipócrita. A questão foi grave. Aqui é que Paulo começa a perceber Jesus. Ele não está contra Pedro e os judeo-cristãos, mas contra a imposição da circuncisão e das leis [judaicas] aos pagano-cristãos. Para ele, o importante é o Jesus da ressurreição. Sem Cristo ressuscitado, não há salvação nem Igreja. É então que ele faz as viagens apostólicas e escreve as cartas. E é esse Cristo ressuscitado que leva Paulo a ser um apóstolo que funda igrejas, todas carismáticas. Nas suas igrejas, não há uma hierarquia: não há judeu nem grego, não há romano, não há homem nem mulher...Podemos até dizer que há mulheres líderes dessas comunidades.Sim, basta ler a Carta aos Romanos ou a 1ª Carta aos Coríntios, onde se fala dos carismas e dos apóstolos, incluindo mulheres-apóstolas - Febe e Priscila - e casais apóstolos - Priscila e Áquila. O verdadeiro Paulo deve obrigar-nos a repensar as igrejas carismáticas, os carismas e a função da mulher na Igreja.Murphy O’Connor diz que esse reconhecimento “reforçava a posição igualitária da mulher nas igrejas paulinas”. Esta é uma das revoluções que a investigação descobriu.Estou de acordo. O problema de Paulo é que, tal como Jesus, acabou no falhanço total. Jesus pregou o Reino de Deus, acabou numa cruz. Paulo pregou o evangelho para revolucionar o mundo inteiro, mas estava condicionado pela ideia de que o mundo estaria para acabar. O falhanço de Paulo, como o falhanço de Jesus, é a verdade do cristianismo. A sua grandeza é a paixão por Jesus. Ele era um pensador e um grande teólogo. Por isso sabe que tem que trabalhar para que esta humanidade seja outra humanidade. Esta sua

estratégia falhou. Mas a revelação - é a minha proposta teológica - passa por estes falhanços. Para Paulo, somos todos iguais e Cristo é para todos, é inclusivo. Supera a lei, que era exclusiva. Paulo também era mais judeu do que se pensava: as Cartas mostram alguém fi el ao judaísmo, embora pense que Jesus é a plenitude da revelação. É assim?Isto tem toda uma história que começou há poucos anos, com os trabalhos de Ed Parish Sanders, um dos homens que mais conhece São Paulo e o cristianismo primitivo. A noção que tínhamos de que o judaísmo é uma coisa e o cristianismo outra, acabou. Sanders chega à conclusão que Paulo tinha a mesma perspectiva que os judeus daquele tempo em relação à salvação. Os judeus não tinham um legalismo como estamos habituados a referir. A crítica de Jesus é ao legalismo exterior.

Quando Paulo diz que é pela fé e não pelas obras da lei que nos salvamos, tem em vista a identidade dos judeus. Devemos diferenciar duas obras da lei: a circuncisão e as leis do puro e impuro na comida. Os judeus são os que tinham o verdadeiro Deus e a sua identidade, através dessas obras, era para se diferenciarem dos pagãos. Sanders diz que devemos ver as “obras da lei” como uma identidade e não como elas

foram interpretadas por católicos ou protestantes. Mas as propostas de Paulo são mais seguidas pelos protestantes?O Novo Testamento é um todo, com 27 livros que refl ectem várias escolas. Igreja Católica, protestantes, Igreja Ortodoxa, somos todos fruto de todo o Novo Testamento. Se eu pego apenas nas sete cartas autênticas de Paulo, a Igreja Católica não está certa, certos estariam apenas os protestantes. Se ele aparecesse hoje e visse a Igreja de Roma, com o bispo de Roma como Papa, com a tradição católica, ele diria que não foi isso que pregou.

O verdadeiro Paulo das sete cartas não é o do cristianismo total, porque este inclui todo o Novo Testamento. E a Igreja Católica pegou mais em alguns textos - incluindo nas cartas que são [erradamente] atribuídas a Paulo - para justifi car a hierarquia e o papado. Não tenho nada contra isso: sou cristão e católico porque, para mim, a Igreja precisa da tradição apostólica. A verdadeira Igreja não pode pegar exclusivamente em Paulo. Há 45 anos, quando começou a investigar sobre Bíblia, sabia-se muito menos...Quando fui para Roma e Jerusalém, o primeiro choque que apanhei foi com o evangelho da infância [de Jesus], que afi nal, não era história, mas narrativa simbólica. A Igreja entretanto abriu-se aos [diferentes] géneros literários [da Bíblia]. As descobertas não me levam a deixar as minhas raízes católicas e cristãs, mas a ser crítico em relação a elas. Hoje muitos crentes não se sentem preparados para esses choques e fi cam confusos...Temos que rever muita coisa na linguagem da Igreja. Se se conclui que os três primeiros capítulos da Bíblia são mito - depois tomado, em relação ao pecado original, por São Paulo e por Santo Agostinho - temos que ultrapassar a leitura [textual]. A nossa mariologia também tem que ser revista, tal como outras questões como o bispo de Roma, o pecado... estamos no princípio.Há quem diga que, limpando a Bíblia da sua leitura tradicional, não sobrará nada. Não recebe críticas por causa das leituras que faz?Recebo, não só de leigos, mas também de bispos, movimentos, é normal... Mas não há fé sem cultura nem Bíblia sem cultura. Temos necessidade de expressar a nossa cultura em devoções, não sou contra isso. Mas temos que purifi car as devoções. Não tenho problema em continuar com um certo folclore cristão. Mas temos que dar catequese para não fi car aí. A Igreja Católica é uma Igreja de fé, não das devoções, embora estas façam parte da cultura.

Estamos no princípio. Eu pensava que isto iria mais depressa. Não vai, não vai... A.M.

o “apóstolo dos s e pela biblioteca

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“Nas suas igrejas, não há uma hierarquia: não há judeu nem grego, não há romano, não há

homem nem mulher...”Carreira das Neves diz que as últimas investigações devem obrigar a repensar mitos construídos à volta do apóstolo.

Incluindo o que considera Paulo um misógino - afi nal, ele promovia a liderança feminina nas comunidades que fundava.

vosso respeito (...) Examinai tudo, guardai o que é bom.”

Além de não ter fundado uma reli-gião, Paulo nem sequer considerava ter aderido a uma nova. Para ele, Jesus era a plenitude do judaísmo messiâ-nico: quinze anos depois da sua con-versão, observa O’Connor, Paulo aco-lhia qualquer judeu que também se convertesse e quisesse continuar a praticar a circuncisão ou a comer “kosher”. A única condição era acre-ditar que a sua salvação “dependia completamente da fé em Jesus”.

Esta perspectiva foi aberta pela pri-meira vez em 1977 por Ed Parish San-ders, numa obra que em três décadas se tornou clássica, marcando um antes e um depois nos estudos sobre Paulo. Este “está de acordo com o juda-

“Temos que rever muita coisa na linguagem da Igreja”

Joaquim Carreiradas Neves, fradefranciscano, maisde 40 anos dedicados à exegese da Bíblia

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Biblioteca básica sobre São PauloEm português

a Didaskalia - Olhares Recentes sobre São Paulo Vários Autores, Universidade Católica

a Paulo Jerome Murphy O’Connor, Paulinas

a A Teologia do Apóstolo Paulo James D. G. Dunn, Paulus

a Jesus e Paulo - Vidas Paralelas Jerome Murphy O’Connor, Paulinas

a A Marioneta e o Anão Slajov Zizek, Relógio d’Água

a A Primeira Carta aos Tessalonicenses Michel Tramaille, Difusora Bíblica

a São Paulo Teixeira de Pascoaes, Assírio & Alvim

a Paulo e o Império Richard Horsley, Paulus

a Eu, Paulo François Vouga, Paulus

a Nas Pegadas de São Paulo Peter Walker, Paulinas

a Paulo Apóstolo Carlos Mesters, Paulinas

a Paulo - Teologia Paulina Valmor da Silva, Paulinas

a Paulo o Apóstolo dos Gentios Joseph Ratzinger, Paulus

a Um Ano a Caminhar com São Paulo Anacleto de Oliveira, Gráfica de Coimbra

Noutras línguas

a Paul and Palestinian Judaism E.P. Sanders, SCM Press

a Carta a los Romanos Karl Barth, Biblioteca de Autores Cristianos - www.bac-editorial.com

a En Busca de Pablo: El Imperio de Roma y el Reino de Dios frente a frente en una nueva vision de las palabras y el mundo del apóstol de Jesús J. D. Crossan e J.L. Reed, Verbo Divino - www.verbodivino.es/

a Saint Paul - La Fondation de l’universalisme Alain Badiou, PUF - www.puf.com

a Le temps qui reste - Un commentaire de l’êpitre aux Romains Giorgio Agamben, Payots et Rivages - www.payot-rivages.net/

a Pablo, el Apóstol de los Paganos Jürgen Becker, Sigueme - www.sigueme.es/

a La Teologia Política de Pablo Jacob Taubes, Trotta - [email protected]

ísmo palestino”, afirma Sanders, depois de cotejar o pensamento expresso nas Cartas com a literatura judaica contemporânea - incluindo os Manuscritos do Mar Morto e vários apócrifos bíblicos.

Sanders sintetiza a relação de Paulo com o judaísmo dizendo que há pon-tos de acordo “substanciais” e uma diferença de fundo: a do modelo de religião. “A ideia fundamental é que o crente torna-se um com Jesus Cristo.” O’Connor acrescenta que Paulo con-denava a compreensão “radicalmente distorcida da Lei [judaica] e não a Lei em si própria”.

Sobre o papel das mulheres o inves-tigador da Escola Bíblica de Jerusalém não tem dúvidas: elas tinham um esta-tuto igual ao dos homens. Em Filipos, por exemplo, “é sem surpresa que vemos Evódia e Sínteque tornarem-se chefes de Igrejas domésticas”. Valmor da Silva desenvolve o tema e Carlos Mesters enuncia os nomes de várias líderes referidas nas Cartas: Priscila, Ápia, Lídia, Ninfa, Júlia, Olimpas.

A Didaskalia, revista da Faculdade de Teologia, inclui um conjunto de olhares recentes - e originais - sobre Paulo (onde se destaca uma visão crí-

tica sobre o São Paulo “gnóstico-sau-dosista” de Pascoaes). No texto sobre os espaços das assembleias dos primei-ros cristãos, Carlos Gil Arbiol propõe que o facto de haver mulheres que oram e profetizam, “e que o façam transgredindo as fronteiras naturais da identidade sexual, altera a hierar-quia natural e o equilíbrio da ordem doméstica e política”.

Mais: esses lugares mostram que Paulo “concebeu e construiu as suas comunidades dando-lhes uma incon-fundível dimensão pública (com fun-ções políticas)”. Uma perspectiva apro-fundada pelo judeu Taubes e por Hor-sley, que fala mesmo do evangelho “contra-imperial de Paulo”.

Nas Cartas, grandes temas são o debate entre a fé e as obras, que levou à ruptura entre católicos e protestan-tes. Hoje, investigadores e igrejas con-sideram que a polémica do século XVI está ultrapassada - também porque o ensinamento de Paulo foi visto por Lutero “como reacção contra o juda-ísmo e oposição a ele”, como explica Dunn. A salvação que vem por Jesus para redimir a humanidade do fra-casso, a mudança da consciência atra-vés da acção do evangelho e do Espí-

rito Santo, a fé como experiência de amor e como esperança na vinda mes-siânica - são outros temas fortes das Cartas.

Agamben escreveu um comentário à Carta aos Romanos onde fala dessa dimensão messiânica: o tempo pre-sente situa-se entre a ressurreição de Jesus e o tempo escatológico. “O que interessa o apóstolo não é o último dia, não é o instante em que o tempo acaba, mas o tempo que se contrai e começa a acabar - o tempo que resta entre o tempo e o seu fim.” E Badiou, que assume o seu ateísmo, diz que Paulo é o fundador do universalismo que “reduz o cristianismo a um só enunciado: Jesus ressuscitou”.

“O diálogo de Paulo com as suas comunidades”, escreve Becker, “mos-tra um apóstolo imaginativo, de grande versatilidade conceptual, que afronta os desafios e sabe evoluir.”

Na segunda Carta a Timóteo, Paulo escreve: “Combati o bom combate, terminei a corrida, permaneci fiel. A partir de agora, já me aguarda a mere-cida coroa, que em entregará, naquele dia, o Senhor, justo juiz, e não somente a mim, mas a todos os que anseiam pela sua vinda.”

A figura de Paulo atrai, além de cristãos, ateus como Alain Badiou, GiorgioAgamben ou Zizek. Também vários judeus - como Jacob Taubes. E George Steiner diz que “Paulo de Tarso é simplesmente um dos maiores escritores da tradiçãoocidental”

Ípsilon • Sexta-feira 23 Janeiro 2009 • 25

Ilda David’ foi ao São Paulo de Teixeira de Pascoaes recolher uma imagem: quando Paulo de Tarso “chega a Atenas e a sombra dele se projecta sobre as estátuas brancas”. Foi esse “espírito ao contrário”, “um vulcão”, que fascinou a pintora.

Surgiu-lhe a imagem entre “as imagens muito sugestivas de Pascoaes” e o relato puro dos Actos dos Apóstolos e das Cartas de Paulo. E na busca das cores e das formas para as obras

encomendadas para a exposição que depois de amanhã, domingo, é inaugurada no Seminário Conciliar de Braga. Em sete capelas laterais da Igreja de São Paulo, nos claustros e num corredor do seminário fi carão colocadas, até fi m de Junho, duas dezenas de pinturas - algumas delas são como retábulos, um motivo central e glosas laterais.

“São Paulo contribuiu para a mudança do mundo antigo. Era um homem austero, que

desprezava o fausto, e muitas vezes sozinho em confronto com as cidades clássicas que visitava.”

No atelier da Baixa de Lisboa, Ilda David’ mostra uma das telas que fi carão no claustro e corredor do seminário: o palácio grego, Éfeso, a queima dos livros que os falsos exorcistas usavam para a magia. Símbolo da rendição aos argumentos de Paulo. Um episódio contado nos Actos dos Apóstolos.

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Ilda David’ pinta um vulcão chamado Paulo de Tarso

Expõe quadros da vida e das cartas de São Paulo, a partir de domingo, Braga.

Neste mesmo livro do Novo Testamento, narra-se que Paulo caiu “por terra” quando se dirigia a Damasco para perseguir cristãos. O próprio nunca o refere nas cartas. Antes conta que tivera uma visão ou fora “apanhado” por Jesus. Fugindo à tradição, Ilda David’ pintou a queda sem o cavalo. Um cenário vermelho, forte, Paulo destronado, destacado em amarelo.

O diálogo entre os cenários e os episódios destacados prossegue nas outras telas (uma dezena) nascidas de episódios dos Actos dos Apóstolos. Há ainda as cenas do naufrágio na viagem para Roma; o casal Áquila e Priscila, forte apoio da actividade missionária do apóstolo; a conversão do carcereiro de Paulo na prisão; e a lapidação de Estêvão - à qual o ainda Saulo de Tarso teria assistido, segundo os Actos. E há um veado, insinuado em tons carregados de vermelho, a beber água da fonte - fi gura retirada ao mundo antigo, tornada símbolo de Jesus, para os primeiros cristãos.

Outras sete telas, maiores, são “tentativas de construir imagens de Paulo”, a partir das sete cartas que se sabe terem sido escritas por ele - sobre as restantes há dúvidas ou sabe-se que não foi ele quem escreveu. Sete cartas, sete pinturas, sete nichos laterais da Igreja de São Paulo, no mesmo seminário.

Há quatro anos que Ilda David’ anda às voltas com a Bíblia: primeiro, foram as mais de 600 pinturas que fez para a “Bíblia Ilustrada”, com texto de Ferreira d’Almeida, fi xado por Tolentino Mendonça. Agora, é São Paulo, que já no primeiro trabalho a fascinara. “Na altura da Bíblia, comecei a fazer coisas maiores, que retomei agora. Interessava-me voltar a São Paulo e às Cartas.”

Um dos aspectos que a marcou foi a presença de mulheres na liderança das comunidades paulinas. “Era uma novidade grande, haver mulheres que arriscaram desde o princípio”. Outro, foi a genialidade da fi gura de Paulo: “É impressionante a transformação de alguém que muda o sentido da sua vida e conserva a mesma persistência e obstinação. É uma das personagens mais fascinantes da Bíblia.” A.M.

“É impressionante a transformação de alguém que muda o sentido da sua vida e conserva a mesma obstinação. É uma das personagens mais fascinantes da Bíblia”

Há quatro anos que Ilda David’ anda às voltas com a Bíblia

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ros ¬Mau ☆Medíocre ☆☆Razoável ☆☆☆Bom ☆☆☆☆Muito Bom ☆☆☆☆☆Excelente

26 • Ípsilon • Sexta-feira 23 Janeiro 2009

Ficção

A minha miséria é maiorque a tua

Verhulst escreveu um inventário politicamente incorrecto da vida num centro de refugiados que esperam por autorização de asilo. José Riço Direitinho

Hotel ProblemskiDimitri Verhulst(traduzido do neerlandês por Arie Pos)Mercado de Letras, € 14,50

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Dimitri Verhulst (n. 1972), escritor e poeta de expressão neerlandesa, é um dos mais mediáticos autores belgas da actualidade. E é-o não apenas pelo

seu ar e modos de “enfant terrible”, mas também pela reconhecida qualidade literária dos seus últimos livros, nomeadamente “De helaasheid der dingen” (“A Infelicidade das Coisas”), vencedor de um dos importantes prémios da literatura em língua neerlandesa, e sobretudo “Mevrouw Verona daalt de heuvel af” (“Senhora Verona Desce a Colina”), finalista do prémio para o melhor romance publicado em 2006 na Holanda e na Bélgica (francófonos à parte). Ambos os livros estão, infelizmente, ainda inéditos em português.

No Inverno de 2001, a convite da revista belga “Deus Ex Machina”, Dimitri Verhulst “internou-se” durante alguns dias - com o propósito de escrever uma reportagem - num centro de acolhimento de refugiados requerentes de asilo, em Arendonk, na Bélgica. Além da referida reportagem, o resultado foi este trabalho ficcional recentemente por cá publicado, “Hotel Problemski”. Diga-se também que as instituições de apoio social, sobretudo aquelas que têm o regime de internamento dos “beneficiários”, não eram uma realidade desconhecida para Verhulst, pois ele próprio, nascido numa família nomeada “disfuncional e problemática”, cresceu e passou a juventude em várias instituições.

“Hotel Problemski” não é o que canonicamente se possa chamar “romance”, é antes um “patchwork”

narrativo, uma “manta de retalhos” de vários momentos da vida do narrador - um fotógrafo somali de nome Bipul Masli - antes e durante a sua estada no centro de acolhimento onde espera, há já vários meses, por uma carta oficial que lhe conceda o tão desejado asilo. Depois do bem-comportado e inócuo prefácio de António Guterres a abrir o livro, surgem em dez páginas os dois primeiros “momentos narrativos” (os únicos a terem lugar fora do centro belga), e que ocorrem na Somália em 1984 e em 1976. Fica o leitor a saber que o rapaz Bipul se iniciou na fotografia por acaso com um retrato da irmã a ser atingida por uma bala mortífera, e que oito anos depois ansiava por uma mosca que pousasse na cabeça de um menino moribundo que ele tinha diante da lente (“Não morto, pois isso qualquer um consegue fazer”) para assim conseguir a “tal” fotografia, a que lhe abriria as portas das agências internacionais, ou que poderia “talvez ficar a figurar no Ocidente num destes calendários de uma organização não governamental amante da paz”, pois isso dá dinheiro. Estes dois textos, que compõem a “primeira parte” do livro, servem para dar de imediato ao leitor o “tom” provocatório, corrosivo e “politicamente incorrecto” do que aí vem.

E o que aí vem é o mundo dos refugiados na Europa olhado de uma perspectiva pouco habitual: é um conjunto de retratos feitos a partir de dentro. Verhulst trata temas como a tolerância religiosa ou o racismo, com a liberdade que só a aspereza do registo ficcional lhe oferece; e desta vez não são apenas as reacções dos habitantes dos países de acolhimento para com os refugiados, mas também como reagem entre eles aqueles que estão juntos no mesmo centro. Como por exemplo o relato do que se passa aquando do Ramadão entre os muçulmanos e aqueles que o não são: “Respeitamos os deuses e os diabos uns dos outros com uma facilidade admirável (...) desde que não incomodemos os outros com isso e não perturbemos o descanso nocturno alheio. Mas quando os teus filhos andam a chatear porque não conseguiram dormir, a tolerância torna-se uma noção complicada. Até ao dia de hoje, cada não-muçulmano aceitou afavelmente que havia caca em cima ou ao lado da sanita. Mostrámos entendimento pelo facto de os seus livros sagrados os obrigarem a ficar de pé em cima do tampo da sanita quando expelem os seus cagalhões. Nos últimos tempos, porém, ouve-se cada vez com mais frequência, alguém maldizer Alá quando está a fazer as suas necessidades.”

No posfácio, Verhulst confessa que quase metade destes relatos (a que ele, ou o tradutor, chamou “contos”) é imaginada, mas “que nenhum deles contém uma mentira”. O que compõe as pouco mais de cem páginas do livro são narrações avulsas, quase sempre impregnadas de um humor bastante cáustico, de situações que retratam de uma maneira profunda um grupo de pessoas que ainda mantêm intacta a esperança de virem a conseguir uma vida melhor: há as histórias daqueles que após receberem a carta de recusa do pedido fogem do centro e são encontrados enregelados num contentor a caminho de Inglaterra, os que descobrem que se casarem com uma mulher belga terão direito à nacionalidade, a história do paquistanês que odeia os de Leste porque diz que a miséria deles se resume a não terem uma loja de hambúrgueres na aldeia, as dos africanos “versus” chechenos, a do ucraniano ex-boxeur, a macabra história da mãe que quer que um albanês lhe mate o bebé recém-nascido porque resultou de uma violação, etc. “Hotel Problemski” é todo um inventário de histórias de desespero contido, de vidas brutalizadas, de sonhos por cumprir. É uma ficção exagerada porque assim é a realidade dos refugiados.

In fabula Dezanove contos fantásticos e realistas sobre a cidade, o romantismo e o sebastianismo. Pedro Mexia

Destruição de um Jardim RomânticoJosé Viale MoutinhoPortugália , € 15.50

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“Há quem estranhe essa tua obsessão, como tardo arcando com séculos de infelicidade, em percorreres a cidade anoitecida, armado de uma navalha de folha

larga, apalpando as paredes das casas e das cercas das obras de construção, em busca de cartazes anunciadores de espectáculos de circo, de

cantigas, peças de

João Lobo Antunes vai estar amanhã à conversa na livraria Arquivo, em Leiria, sobre o seu livro “O Eco Silencioso”. É às

17h, com apresentação de Helena Carvalhão. São textos que, na maioria, foram escritos nos últimos três anos.

Lançamento

Top Bertrand NacionalFicção

Lua NovaStephenie MeyerGailivro

CrepúsculoStephenie MeyerGailivro

A Viagem do ElefanteJosé SaramagoEditorial Caminho

A Vida num SoproJosé Rodrigues dos SantosGradiva

Um Homem com SorteNicholas SparksEditorial Presença

Não Ficção

Sinto MuitoNuno Lobo AntunesVerso da Kapa

Catarina de Bragança - A Coragem de uma Infanta PortuguesaIsabel StilwellA Esfera dos Livros

Amantes dosReis de PortugalPaula LourençoA Esfera dos Livros

Um Novo MundoEckhart TollePergaminho

A Razão dos AvósDaniel SampaioEditorial Caminho

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O escritor “internou-se” num centro de refugiados para escrever uma reportagem

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José Viale Moutinho: um dos nossos contistas mais originais

AGENDA CULTURAL FNACentrada livre

APRESENTAÇÃO AO VIVO LANÇAMENTO EXPOSIÇÃO

INAUGURAÇÃO. EXPOSIÇÃO

LAB.65: COLECTIVO FOTOGRÁFICOEste evento conta com a presença dos fotógrafos.

AO VIVO

NOISERVOne Hundred Miles From Thoughtlessness

Apoio:

AO VIVO

CINEMUERTEAurora Core

CICLO DE CONFERÊNCIAS ORDEM DOS ARQUITECTOS

ARQUITECTURA EM DISCURSOCasas por medida - Da Arquitectura Contemporânea Japonesapor Fernando Ferreira Campos

APRESENTAÇÃO

ASSOBIAR EM PÚBLICOde Jacinto Lucas PiresCom a presença do autor

29.01. 20H00 FNAC NORTESHOPPING

29.01. 19H30 FNAC ALGARVESHOPPING

23.01. 22H00 FNAC COIMBRA24.01. 17H00 FNAC STA. CATARINA24.01. 22H00 FNAC NORTESHOPPING

25.01. 17H00 FNAC GAIASHOPPING30.01. 21H30 FNAC COLOMBO

23.01. 21H30 FNAC COLOMBO31.01. 17H00 FNAC ALFRAGIDE

14.02. 22H00 FNAC COIMBRA15.02. 17H00 FNAC NORTESHOPPING

29.01. 21H30 FNAC COIMBRA

Liv

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28 • Ípsilon • Sexta-feira 23 Janeiro 2009

teatro, concertos da orquestra sinfónica, decretos de falências, promoção de novos detergentes, de maravilhosos cremes de protecção solar, embaratecimento de televisores, apelos políticos e meros indicadores de comícios, estreias de filmes e música ao vivo nos bares de ambas as margens da Ribeira à Foz do Rio Douro” (pág. 105). Esta enumeração, aparentemente caótica e anódina, diz bastante sobre o método de escrita de José Viale Moutinho, visível na colectânea “Destruição de um Jardim Romântico”. Viale é um dos nossos contistas mais originais, e um dos mais tecnicistas. É um pouco como esta personagem que colecciona cartazes: os contos têm sempre várias camadas sobrepostas, nem sempre identificáveis, nem sempre conexas, que se juntam numa forte impressão de realismo e fantasia. Estes 19 textos incluem quase sempre uma dimensão fantástica, mas a sua aproximação à realidade é atenta e quase documental, exactamente como os cartazes rasgados e confundidos.

Sendo francamente menos interessante do que recolhas como “Pavana para Isabella de França” (1992), “Destruição de um Jardim Romântico” ganha bastante com a sua unidade conceptual. O conceito central é a transformação da cidade do Porto, na sua geografia física e humana, e algumas passagens ecoam certas queixas urbanísticas dos portuenses. Estas expedições avançam sem programa aparente, aqui com a história de um alfarrabista lúbrico, ali com evocações de Camilo, ou com um cemitério inglês que esconde segredos dessa comunidade. O ponto de partida é sempre a cidade romântica ou a ideia romântica de cidade, mas muitas vezes acabamos em situações triviais ou sórdidas. De António Nobre às noites de São João e aos imigrantes ucranianos, é impossível saber por onde vai Viale Moutinho, e isso cativa, mesmo que depois os contos fraquejem no seu enredo ou desenlace. Aliás, em muitos casos nem há desenlace: os textos começam “in media res”, acabam sem acabar, aparecem personagens dispensáveis, há jogos meta-narrativos, em suma, temos uma panóplia de truques e divertimentos digna de um Mário de Carvalho.

Não que os contos sejam apenas técnica ou apenas divertimento. Na contracapa vem uma citação do catalão Fèlix Cucurull que chama ao tom de Viale Moutinho “ironicamente agressivo”, e a definição é acertada. Às vezes não percebemos o sentido destas bizarrias que misturam Guillevic, vidas de santos, pastiches históricos. Mas depois entendemos as ferroadas aos escritores (literalmente) desmontáveis ou os elogios à tradição anti-sebastianista, e somos sensíveis a esta nova junção do lúdico e do indignado.

Muito recomendável é a antologia de quarenta anos de contos e poemas de Viale Moutinho recentemente editada e que tem um título significativo: “In Fabula”.

Ensaio

O grego germânico

Sem nunca dissociar uma sólida erudição das notações do quotidiano, Lourenço trata os clássicos por tu. Eduardo Pitta

Novos Ensaios Helénicos e AlemãesFrederico LourençoCotovia, €22

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Na linha de Richard Strauss, dir-se-ia que Frederico Lourenço (n. 1963) está a caminho de se tornar um “germanischer Grieche”, ou seja,

um grego germânico. Ele o reconhece em nota de abertura aos “Novos Ensaios Helénicos e Alemães”, obra que de algum modo prolonga outra de há cinco anos, “Grécia Revisitada”. A novidade reside no núcleo alemão, consequência do facto de as suas leituras “se estarem a centrar cada vez mais na literatura de língua alemã”. Com efeito, Goethe, Schiller, Rilke, Mann, Hofmannsthal e outros são objecto da leitura empenhada de Lourenço, embora o ponto de partida continue a ser a cultura helénica, que tem no autor um notável divulgador (no sentido nobre do termo, pois releva de óbvias qualidades pedagógicas). São inéditos dez dos dezasseis ensaios do volume. Os restantes tiveram publicação avulsa em revistas académicas de circulação restrita.

Começando pelos gregos, destacaria o que escreveu a partir de “Ifigénia em Áulis”, de Eurípides, bem como as “Reflexões sobre a cultura de Bizâncio”. Trata-se de dois longos ensaios, centrado o primeiro na importância do prólogo, pretexto aproveitado por Lourenço para uma digressão pela história da filologia clássica, num amplo “tour d’horizon” que vem até E. R. Dodds, Matthew Wright, Susanne Aretz, Cyril Mango, etc.; e o segundo tomando Bizâncio como móbil das várias formas de intolerância religiosa, duas em particular: a islâmica e a cristã. A frase célebre de

Lucas Notaras, testemunha do cerco turco de Constantinopla em 1453, dá a medida da intolerância no seio do Cristianismo: “Antes o turbante do muçulmano do que a mitra do cardeal romano.” Sirva de exemplo de como o ensaísmo de Lourenço não dissocia uma sólida erudição das notações do quotidiano.

Outro louvável exemplo do seu à-vontade verifica-se no modo como assume a relação do académico (e, por extensão, dos leitores em geral) com a Internet: “Basta digitar no Google as palavras ‘Iphigenia in Aulis’ para se ver que os problemas literários, humanos e políticos levantados pela tragédia de Eurípides ainda fascinam leitores, espectadores de teatro e estudiosos [...] que situam a peça no contexto da guerra do Iraque.” Não é o único que o faz, com certeza que não. Mas lá onde a maioria remete para notas de rodapé ou de fim de texto, Lourenço associa à narrativa o inventário em movimento da rede.

Aspecto importante da obra do autor tem sido o das questões identitárias, que tratou de forma ficcional e diarística, à margem de o ter feito, sem proselitismo ou enfoque determinista, no âmbito dos estudos helenísticos. Cabe aí um magnífico ensaio dedicado à

E o divertido é que estes livros estão a levar as crianças a quererem espalhar pelo mundo o que estes diários significam para eles

Isabel Coutinho

Ciberescritas

Os diários de Greg Heffley

Já ouviu falar de “Diary of a Wimpy Kid” de Jeff Kinney? Está a apaixonar os miúdos americanos. Tudo começou em Maio de 2004 quando Jeff Kinney começou a publicar no “site” Funbrain.com “Diary of a Wimpy Kid”, o diário de um rapazinho

fracote acompanhado por desenhos. Era a primeira versão daquilo que mais tarde se

transformou na série de livros editados pela Harry N. Abrams e que, para espanto dos pais americanos, está a fazer com que crianças dos oito aos doze anos - que nunca lêem outros livros - não larguem estes.

“Diary of a Wimpy Kid” teve um enorme sucesso na altura em que começou a aparecer no site: as páginas dos diários foram nessa altura acedidas por 20 milhões de pessoas. Ainda é possível ir lá e folhear virtualmente, página

a página, o caderno de argolas do diário da personagem criada por Jeff , o miúdo Greg Heffl ey.

O primeiro livro desta série foi publicado em 2007 e aguentou-se 89 semanas na lista dos livros para crianças mais vendidos do “New York Times”. Foi traduzido para 28 línguas e no Brasil está publicado com o título “Diário de Um Banana”. Já existem três volumes publicados nos EUA; um deles dá a possibilidade aos leitores de escreverem a sua própria história (está previsto que sejam editados cinco).

Agora que a série já existe em versão impressa, a online tem uma média de 70 mil leitores por dia.

No perfi l que o “New York Times” publicou sobre Jeff Kinney, o autor conta que desde sempre teve a ambição de ser cartoonista. Mas ano após ano deparava-se com o mesmo problema: os editores dos jornais não queriam

publicar os seus cartoons porque os seus desenhos eram demasiado juvenis.

Quando começou a trabalhar nesta ideia, Jeff quis falar sobre as partes divertidas de se ser miúdo e de se estar a crescer e quis mandar à fava as partes sérias.

A personagem que ele criou vive situações hilariantes e divertidas e outras humilhantes na escola e em casa, explica o “New York Times”. Além de ser preguiçoso Greg tenta manipular as pessoas refere o mesmo jornal. A personagem é uma mistura de Dennis, o pestinha, e de Bart Simpson, o que agrada particularmente aos jovens leitores.

E o divertido é que estes livros estão a levar as crianças a quererem espalhar pelo mundo o que estes diários signifi cam para eles. Têm colocado no You Tube vídeos onde dizem o que pensam. Os rapazes identifi cam-se com a personagem e as raparigas encontram ali uma espécie de guia para perceber os rapazes.

Foi criado um grupo de fãs no Facebook (rede social na Internet) e existe, claro, o “site” ofi cial dedicado aos livros. Além de uma entrevista com o autor e ilustrador, está lá a entrada para o blogue. Estão também a pedir aos jovens fãs que participem no “casting” que está a ser feito para encontrar personagens para o fi lme que vai ser feito pela Twentieth Century Fox.

[email protected]

(Ciberescritas já é um blogue http://blogs.publico.pt/ciberescritas)

“Diary of a Wimpy Kid”http://www.wimpykid.com/http://www.gregheffl ey.blogspot.com/

Funbrain.comhttp://www.funbrain.com/

Vídeos http://www.youtube.com/watch?v=Mmn-3na5L6lshttp://www.youtube.com/watch?v=u-NNNONhE6g

InternetEstamos online. Clique em ipsilon.publico.pt. É o mesmo suplemento, é outro desafi o. Venha construir este site connosco.

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Frederico Lourenço está a caminho de se tornar um grego germânico

Ípsilon • Sexta-feira 23 Janeiro 2009 • 29

poesia de Estratão de Sardes, o único (no saco sem fundo da Antologia Grega) a eleger “a homossexualidade masculina como tema exclusivo”. O texto ora coligido foi a comunicação que Lourenço apresentou no colóquio de estudos “GLQ” que em Setembro de 2005 juntou vários especialistas no Instituto Franco-Português de Lisboa. Como não podia deixar de ser, é um texto explícito em que a “close reading” acompanha verso a verso todas as declinações semânticas da obra de Estratão. Uma fina ironia percorre essa leitura próxima, enquadrando historicamente as relações sexuais entre homens, num tempo em que o conceito de homossexualidade era omisso. Conhecedor profundo da língua e cultura grega, Lourenço ilustra a tese com a transcição de epigramas do amor socrático, conforme ao rígido código de conduta que então delimitava o binómio activo/passivo, representado pelo amante/amado, que o mesmo é dizer entre homens mais velhos e adolescentes imberbes.

Um dos aspectos mais interessantes (e produtivos) desta colecção de ensaios radica naquilo a que podemos chamar arqueologia homotextual. Com efeito, à vulgata pós-Stonewall, Lourenço opõe a recensão dos textos clássicos. Mas não fica por aí. As notas que alinha sobre o amor grego em Goethe e Schiller são eloquentes a tal respeito. Os textos de um e outro são apresentados de molde a sublinhar o carácter uranista que os distingue. Contudo, Lourenço nunca

extrapola, antes permanecendo no domínio seguro da

hermenêutica, sem com isso deixar de abrir o texto a todas as possibilidades de modelização (i.e., de “modelo do mundo”). E faz isso muito bem.

Num ensaio que tem como objecto as relações de contiguidade entre a novela de Thomas Mann, “A Morte em Veneza”, e o Homero da “Odisseia”, Lourenço questiona as opções de Visconti no filme de 1971, em

especial as de natureza estética (entre outras, um Tadzio epiceno, por oposição ao rapaz viril que o livro descreve) e

conceptual: “Ao apresentar Aschenbach

como compositor e não como escritor, Visconti faz

desmoronar uma das bases fundamentais em que a arquitectura construída por Mann assenta.” Seria pleonástico insistir no rigor da análise da vasta informação atinente.

Peter Rundel direcção musicalRómulo Assis violino

Heitor Villa-Lobos UirapurúDarius Milhaud Le boeuf sur le toitDarius Milhaud Saudades do Brasil (excertos)Bernd Alois Zimmermann Alagoana

SEX 06 FEV21:00 SALA SUGGIA

MECENAS DA CASA DA MÚSICAAPOIO INSTITUCIONALMECENAS ORQUESTRA NACIONAL DO PORTO

O Uirapurú, pássaro da Amazónia, representa o canto da natureza neste programa dedicado ao Brasil. O ano em que o francês Milhaud viveu neste país marcou profundamente as suas composições que prestam homenagem a inúmeras danças sul--americanas e até a um fado português. O alemão Zimmermann inspirou-se também na música brasileira, aludindo à música do Sertão e dos povos indígenas do Brasil.

Palestra pré-concerto por Rui Pereira

CYBERMUSICA 20:15

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Contos do Brasil

EM PARCERIA COM O CÍRCULO DE CULTURA MUSICAL DO PORTO

Saídas

CartasCartas de Amorde Grandes HomensOrganização Ursula Doyle(Tradução José Guardado Moreira)BertrandDe Eça de Queirós a

Napoleão, de David Hume a Schumann, de Flaubert a Oscar Wilde, de António Nobre a Charles Darwin: todos escre-veram cartas de amor que aqui se reproduzem, com uma pequena introdução sobre os autores. “Oh como gostaria de passar metade do dia ajoelhado aos teus pés com a cabeça no teu regaço, so-nhando belos sonhos, contando-te os meus pensamentos com langor, em enlevo, por vezes em silêncio, mas beijando o teu robe...!”, escreve Balzac a Ewelina.

“Revolutionary Road” foi adaptado ao cinema por Sam Mendes

FicçãoRevolutionaryRoadRichard Yates(Tradução Isabel Baptista)CivilizaçãoAgora que o filme de Sam Mendes “Revo-lutionary Road”

está a estrear, a Civilização edita o romance que lhe deu origem. Passa-se em 1955, em Connecti-cut, e centra-se num casal em crise. Ela quer ir para Paris, ele não fica convencido. Ao terceiro filho, ela conclui que já não o ama. Disse Yates que se a sua obra tem um tema é apenas um: “que a maioria dos seres humanos estão inevitavelmente sozinhos e é aí que reside a sua tragédia”.

Guzmán de AlfaracheMateo Alemán(tradução de António Pescada)Campo das Letras, € 30,00Um dos grandes clássicos da nar-rativa picaresca

do “Século de Ouro” da literatura castelhana, finalmente traduzido para português moderno.

Balzac

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30 • Ípsilon • Sexta-feira 23 Janeiro 2009

Saídas

Muito mais haveria a dizer destes “Novos Ensaios Helénicos e Alemães”, obra deveras singular no contexto da produção ensaística de língua portuguesa.

Ciência

Conheça o seu peixe interior

A evolução dos corpos, dos organismos unicelulares aos grandes animais como os humanos, é uma história surpreendente. Clara Barata

Quando Éramos PeixesNeil Shubin(Trad. Luís de Oliveira Santos)Estrela Polar, €14

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Hic! Da próxima vez que tiver soluços, pense nisto: são uma recordação dos tempos longínquos em que era um anfíbio, ou um girino. Ou melhor,

de um seu muito longínquo antepassado, um animal que tanto andava na água como na terra, e tinha de respirar por guelras e pulmões, tirar o oxigénio de que precisava da água e do ar. Não tem escamas, pele molhada, nem sequer cauda, mas uma parte do seu corpo recorda-se desse distante passado evolutivo.

Quem explica os soluços, e lhe conta a história mais profunda da sua família - a que partilha com todos os seres vivos actuais, que descendem de uma única criatura que terá vivido há muitos milhões de anos -, é Neil Shubin, professor de Anatomia na Universidade de Chicago e o descobridor de um fóssil famoso, o Tiktaalik, no livro “Quando Éramos Peixes”.

Mas esta não é propriamente a história do Tiktaalik, uma espécie de elo perdido entre os peixes do mar e os primeiros que começaram a arriscar-se fora de água - tinha pescoço para espreitar à superfície, o que não se podia dizer dos seus

antepassados. Este peixe com membros que anunciavam a capacidade de se deslocar em terra, com cerca de 375 milhões de anos, foi encontrado no Árctico canadiano em 2004, pela

equipa de Shubin. A sua existência foi

revelada em 2006, e fez furor. Agora serve de pretexto a Shubin para falar de todas as marcas que a evolução das espécies deixou no nosso organismo - e que se pode recapitular no estudo do desenvolvimento dos embriões, tão semelhante entre humanos e tubarões, por exemplo, e nos mais recentes estudos de genética, que permitem identificar os códigos escritos em ADN comuns a todos os seres vivos.

Os nossos antepassados bacterianos podem encontrar-se ainda nas mitocôndrias, que são umas espécie de sacos com ADN diferente do do núcleo das células, bem mais reduzido. Mas algo se passou, há cerca de 600 milhões de anos, quando começaram a aparecer criaturas mais completas, com muitas células e um plano corporal, bem diferentes das bactérias unicelulares, que reinaram durante os primeiros 3500 milhões de anos do planeta.

O que Shubin conta é a história do corpo, de como passaram a existir corpos. “Talvez os corpos tenham surgido quando os micróbios desenvolveram novas formas de se comerem uns aos outros, ou de evitarem serem comidos? Ter um corpo com muitas células permite que as criaturas fiquem grandes. Ficar grande é muitas vezes uma boa maneira de evitar ser comido. Os corpos podem ter surgido como esse tipo de defesa” (pág. 129).

Nos dentes e nos ossos do ouvido e do maxilar, por exemplo, esconde-se grande parte da história da evolução dos corpos. Apesar de terem um aspecto bastante diferente em peixes e humanos, são sempre os mesmos, embora modificados - é como se a evolução fosse uma espécie de “Querido, Mudei a Casa”, em que os mesmos materiais vão sendo modificados e adaptados para produzir objectos diferentes.

O estudo dos fósseis, lado a lado com experiências com embriões de animais (e as muitas semelhanças que todos os animais têm, durante o desenvolvimento embrionário) e, nas décadas mais recentes, sobretudo a partir dos anos 1980, com os avanços na genética, permitem-nos traçar um retrato cada vez mais preciso - e, muitas vezes, surpreendente - da evolução. É essa a história contada por Shubin: a nossa própria história, desde os tempos em que não tínhamos sequer cabeça. Porque, realça o cientista, “ninguém começa a vida com uma cabeça” (pag. 87).

Contando as suas an-danças e aventuras de juven-tude, o anti-herói de Mateo Alemán (nascido em Sevilha em 1547, desaparecido no México em data incerta) retrata com intenção satírica e moralizadora a sociedade ibérica da transição do século XVI para o século XVII. Foi logo no século XVI uma espécie de “bestseller”, com traduções para diversas outras línguas europeias. Um clássico que é, ainda por cima, divertidíssimo.

Viagem

Os Segredos de Nova IorqueCorrado Augias(tradução de José Luís Costa)Cavalo de Ferro,€ 20Depois de tudo o que já se disse, e contou, e es-creveu, e filmou,

e cantou sobre Nova Iorque, a ci-dade terá ainda segredos? Não sendo uma história nem um guia turístico da cidade, mas tendo al-go de ambos, este livro de Corrado Augias convida-nos para uma viagem fascinante por “histórias, lugares e personagens” da mais icónica das metrópoles modernas, aquela cidade de quem F. Scott Fitzgerald dizia que seria sempre “a cidade vista pela primeira vez, com a sua inicial e selvagem promessa de todo o mistério e toda a beleza do mundo”.

EnsaioOnde Está a Sabedoria?Harold Bloom(tradução de Miguel Serras Pereira)Relógio D’Água, € 15,00Começando pela Bíblia (pelo Eclesiastes e

pelo Livro de Job) e pelos Gregos (Platão ou Homero?), passando por Cervantes e Shakespeare, Montaigne e Bacon, Samuel Johnson e Goethe, Emerson e Nietzsche, e acabando em Freud e Proust, Bloom busca no cânone da escrita sapiencial do Ocidente “uma sageza capaz de aliviar e esclarecer os traumas resultantes do envelhecimento, da recuperação de uma doença grave e da dor causada pela perda de amigos queridos”. Mas haverá literatura que nos console?

Corrado Augias

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JACINTA CANTASONGS OF FREEDOMÊXITOS DOS ANOS 6O, 7O E 8O29 JAN A 7 FEVQUINTA A SÁBADO, ÀS 22H00JARDIM DE INVERNO M/6

silva!designers

RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 381200-027 LISBOA / T: 213 257 [email protected]

SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPALEGEAC, EMWWW.EGEAC.PT

BILHETEIRA: TODOS OS DIAS DAS 13H00 ÀS 20H00T: 213 257 650

CO-PRODUÇÃO: SLTM / APOIO:

10 dezembro 2008

31 janeiro 2009

inauguração:

9 dezembro 2008

[3ª feira] 18.30h

conversa | visita orientada11 dezembro 2008 [5ª feira] 18.30h

comCarlos Nogueira

Miguel WandschneiderSara Antónia Matos

Edifício de Espanha (antigo Edifício Bolsa Nova de Lisboa)

Rua Soeiro Pereira Gomes, Lote 1, 6º D,1600-196 Lisboa (Bairro Santos)

Tel.:217 803 003/04www.fundacaocarmonaecosta.pt

>31; >Sete Rios/Praça de Espanha/Cidade Universitária

Horário: 4ª, 5ª e 6ª, 1 4h00 > 20h00Sábado, 14h00 > 19h00

desenhosconstruçõese outrosacidentes

curadoria: Sara Antónia Matos

Emilio Pomàrico direcção musical

Robert Schumann Abertura ManfredAntonín Dvorák Variações SinfónicasJohannes Brahms Sinfonia nº 4

SEX 23 JAN21:00 SALA SUGGIA

MECENAS DA CASA DA MÚSICAAPOIO INSTITUCIONALMECENAS ORQUESTRA NACIONAL DO PORTO

De Schumann a Dvorák, um concerto sob o signo do Romantismo alemão. A abertura da música de cena para Manfred, herói Romântico por excelência, dá o mote às Variações Sinfónicas, obra interpretada em Viena no ano de 1877 e que contou com a presença de Brahms, um dos grandes impulsionadores da carreira de Dvorák, por entre a assistência.

Palestra pré-concerto por Rui Pereira

CYBERMUSICA 20:15

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Variações Românticas

Uma viagem pelo Sistema Solar

MECENAS DA CASA DA MÚSICAAPOIO INSTITUCIONALMECENAS ORQUESTRA NACIONAL DO PORTO

Coral de Letras da Universidade do PortoMartin André direcção musical

Mark-Anthony Turnage CeresKaija Saariaho Asteroid 4179 - ToutatisBrett Dean A Queda de KomarovGustav Holst Os Planetas

No Ano Internacional da Astronomia, a Orquestra Nacional do Porto apresenta um programa inteiramente dedicado ao tema e onde a música é acompanhada com a projecção de imagens de diversos astros.

SÁB 31 JAN18:00 SALA SUGGIA

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O que queremos descobrir sobre o Universo?Palestra pela Sociedade Portuguesa de AstronomiaProfessora Doutora Teresa Lago oradora16:30|Sala 2|entrada livre*

* sujeita a levantamento de bilhete

até à lotação disponível

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ões ¬Mau ☆Medíocre ☆☆Razoável ☆☆☆Bom ☆☆☆☆Muito Bom ☆☆☆☆☆Excelente

32 • Ípsilon • Sexta-feira 23 Janeiro 2009

Olhar a galeria a partir da ruaA primeira individual de Alexandre Farto mostra uma abordagem particular ao espaço expositivo. José Marmeleira

Even If You Win The Rat Race, You’re Still a RatDe Alexandre Farto. Lisboa. Vera Cortês - Agência de Arte. Avenida 24 de Julho, 54 - 1ºE. Tel.: 213950177. Até 21/02. 3ª a 6ª das 11h às 19h. Sáb. das 15h às 20h.

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Faça-se a experiência. Peguemos num livro teórico de referência dedicado à arte contemporânea. Por exemplo, em “Art Since 1900: Modernism, Antimodernism, Postmodernism”, assinado por Hal Foster, Rosalind Krauss, entre outros. Folheemos o índice remisso em busca de entradas para “graffiti art”, Keith Haring ou Jean-Michel Basquiat. Pois, não há. Talvez o exemplo não seja o mais definitivo (afinal os autores em causa nunca professaram grande apreço por este tipo de arte urbana), mas é suficiente para ilustrar a condição periférica a que foi remetida, depois dos anos 1980, a arte do grafitti - podemos contrapor o exemplo britânico de Banski mas o seu sucesso é, para já, sobretudo comercial e não crítico.

O retraimento da arte contemporânea face a certas manifestações artísticas vindas da rua não impede que certos artistas delas façam uso. Pensemos em Christopher Wool, em artistas mais jovens como Barry Mcgeee, Margaret Kilgallen ou Chris Johanson ou no madeirense Rigo23 (n.1966, Madeira), radicado em São Francisco há mais de duas décadas.

No contexto nacional, o exemplo mais interessante desta “intromissão” chama-se Alexandre Farto (n. 1987). Começou jovem (13 anos) a fazer graffiti e em 2005 expôs pela primeira vez fora das ruas (no Espaço Interpress no Bairro Alto). Desde então, tem trabalhado com a Galeria Vera Cortês, em Lisboa, onde agora realiza sua primeira individual, “Even if you win the rat race, your´re still a rat” ( e expõe também Londres onde é representado pela galeria Lazarides).

A série “Growth for the Sake of Growth is the Ideology of the Cancer Cell” é a peça mais forte e complexa. Vários posters surgem sobrepostos em camadas, a última das quais pintada de branco e deixando entrever o que parecem ser edifícios de uma cidade. Um olhar mais atento, porém, revela o uso da técnica do stencil a partir de fotografias de prédios. Ou seja, o que vemos são as cores e formas dos posters que se destacam dos espaços recortados. Refira-se ainda a sua natureza tridimensional: cobertos de

pigmento vermelho, para além de fotografias e uma projecção vídeo. O barco,

que está suspenso do tecto, oscila com os movimentos dos visitantes e motiva as associações com os ritos de passagem que esta artista tem trabalhado na sua obra.

É uma boa escolha para este lugar, embora a peça

não integre a colecção Cachola e a sua presença em

Elvas resulte de um convite pontual feito pela câmara.

Pelo contrário, no edifício do Museu, onde a exposição “Corpo, densidade, limite” pretende dialogar com a memória do lugar - que foi em tempos hospital -, todas as obras foram seleccionadas do acervo de mais de 300 peças do coleccionador. A escadaria introduz-nos de entrada no tema da exposição: um desenho grande de Adriana Molder, uma figura de limites imprecisos como é habitual nesta artista, múltiplos geometrizantes de José Pedro Croft, onde a densidade da forma se esboroa até chegar quase a limite inexistente, e uma pintura monumental de Nuno Viegas: um festim antropofágico onde a exuberância do traço que limita os corpos se alia ao limite da situação com que nos confronta.

Sendo o hospital o lugar do corpo por excelência, desde o momento em que surge até aquele em que desaparece, este percurso mental é invocado em muitas peças, algumas delas inéditas, que compõem a exposição. “Noiva”, “Cama Valium” e “Wash and Go”, peças de Joana Vasconcelos, apelam a uma presença/ausência feminina que é recorrente na sua obra. Uma pintura de grande formato de Fátima Mendonça, no espaço da cafetaria, institui um diálogo divertido entre as histórias de bolos da pintora e a função do lugar. Num outro registo, já da memória própria que se alia a esta revisitação do museu, estão os trabalhos de Maria Lusitano ou Manuel Botelho. Os destaques vão, contudo, para Jorge Molder, com uma extensa galeria de 21 fotografias da série que esteve na Bienal de Veneza que ocupa uma sala do museu, para os desenhos de órgãos imaginários de Rui Chafes, e para uma peça de Fernanda Fragateiro, “Lar doce Lar no Quarto XII”.

Mas a exposição tem muito mais para ver: são dezenas e dezenas de

resina, os cartazes ganham espessura e peso, transformam-se num objecto (um fóssil) que ameaça invadir outros lugares.

A obra com o mesmo título da exposição evoca, igualmente, um olhar dirigido à cidade. Neste caso, no entanto, Alexandre Farto retoma métodos usados noutras ocasiões (Galeria Promontório Arquitectos, 2006) e torna mais directa a sua intenção crítica: a imagem de uma carruagem projectada sobre vários caixotes pintados, que se confundem com a parede, confronta-nos com as ideias de desenraizamento, tédio e incerteza.

Já os restantes trabalhos estão destituídos do acto de pintar e assinalam uma abordagem inédita no percurso de Farto. Não é o espaço público, devoluto ou não, que é interrogado pelo artista, mas a própria galeria: no ecrã de uma televisão tapado por uma placa onde lemos, sob as pausa curtas do zapping, “art may immitate life but life immitates tv” e numa intervenção numa parede onde o esculpiu/abriu a palavra reality. É difícil não estabelecer uma ligação entre as duas. Quem está do outro lado da parede? A vida? A realidade? E onde começa esta? Na televisão? No quotidiano?

A arte de Alexandre Farto assume um perscrutar crítico, quase irritado, sobre o mundo, mas também reconhece que nesta habitam o maravilhoso, o poético - um pouco na senda de alguns surrealistas ou de artistas como Raymond Hains. É isso que torna as suas propostas singulares e necessárias, pelo menos para quem ainda olha a arte a partir da rua.

A memória do hospital

Corpo, Densidade e LimiteElvas. Museu de Arte Contemporânea de Elvas. Rua da Cadeia. T. 268637150. Até 30/6. 3ª das 14h30 às 18h. 4ª a Dom. das 10h às 13h e das 14h30 às 18h.

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A visita pode começar no Paiol de Nossa Senhora da Conceição, que fica no topo de Elvas, junto às muralhas. Aqui, como tem sido sempre o caso para todas as exposições temporárias organizadas no museu, mostra-se uma peça que interage com o espaço semi-circular abobadado: neste caso, a instalação de Cristina Ataíde, “(Im)Permanências”, constituída por um enorme barco coberto de grafite e

artistas e obras que constroem uma totalidade que nunca se afasta dos pressupostos do conceito inicial definido pelo comissário, João Pinharanda. Como sempre sucede em Elvas, já que a colecção Cachola é exclusivamente feita de arte portuguesa, esta é uma excelente oportunidade para se verificar a qualidade do que se faz por cá. Luísa Soares de Oliveira

MV/C+VDe Luís Ribeiro, Engrácia Cardoso, Max Fernandes, Mauro Cerqueira, Fúlvio Mendes, Cristiano Castro, Nuno Machado, Jorge Fernandes, José Emílio Barbosa, Nuno Florêncio, Carlos Lobo, José Almeida Pereira. Guimarães. CC Vila Flor. Av. D. Afonso Henriques, 701. Tel.: 253424700. Até 11/04. 3ª a Sáb. das 10h às 19h. Dom. e Feriados das 14h às 19h. Bilhetes: 1 € (c/descontos). Inaugura 24/1 às 21h.Pintura, Escultura, Fotografia, Vídeo, Outros.

These Things Take TimeDe Carla Filipe. Porto. Espaço Campanhã. R. (à Campanhã). Tel.: 912897580. Até 21/02. 6ª e Sáb. das 15h às 20h. Inaugura 24/1 às 16h. Performance às 17h.Escultura, Instalação, Outros.

Eduardo GageiroBarreiro. Auditório Municipal Augusto Cabrita. Estrada Fuzileiros Navais. Tel.: 212147410. De 24/01 a 15/03. 3ª, 4ª, 5ª, 6ª, Sáb. e Dom. das 09h00 às 19h00. (reabre das 20h às 22h). Inaugura 24/1 às 17h.Fotografia.

Artifi cializarDe Rui Horta Pereira. Lisboa. Giefarte. R. Arrábida, 54B. Tel.: 213880381. Até 27/02. 2ª a 6ª das 11h às 20h. Inaugura 27/1 às 18h30. Desenho.

Vice-VersaDe Pascal Ferreira. Lisboa. VPFCream Arte. R. da Boavista, 84 - 2º. Tel.: 213433259. Até 21/03. 2ª a Sáb. das 14h às 19h30. Inaugura 29/1 às 22h.Escultura, Instalação.

Inferno: Apareceu em Rio TintoDe Pizz Buin. Lisboa. Rock Gallery. R. da Boavista, 84. Tel.: 213433259. Até 21/03. 2ª a Sáb. das 14h às 19h30. Inaugura 29/1 às 22h.Instalação.

Convite CordialDe Alessandro Nassiri Tabibzadeh, António Júlio Duarte, Beatrice Catanzaro, Carla Esperanza Tommasini, Claudia Tavares, Daniela Dinkelmann, Dani Soter, Gustavo Sumpta, Marta Sicurella, Pablo Lobato, Patrícia Leal. Lisboa. Plataforma Revólver. R. da Boavista, 84 - 3º. Tel.: 213433259. Até 21/03. 2ª a Sáb. das 14h às 19h30. Inaugura 29/1 às 22h.Vídeo, Instalação, Outros.

Agenda

Uma das peças da colecção de Cachola:“Noiva”, de Joana Vasconcelos

A arte de Alexandre Farto assume um perscrutar crítico, quase irritado, sobre o mundo

“Inferno: Apareceu em Rio Tinto”, de PizzBuin

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MECENAS DA CASA DA MÚSICAAPOIO INSTITUCIONAL

ORQUESTRA BARROCA CASA DA MÚSICA

LAURENCE CUMMINGS cravo e direcção musicalHUW DANIEL violinoMARTA GONÇALVES flauta

Carlos Seixas Concerto em Lá maior para cravo e orquestraJ.S. Bach Concertos Brandeburgueses n.ºs 3 e 5; Abertura da Suite n.º 2, BWV 1067

SÁB 07 FEV18:00 SALA SUGGIA

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Em concerto, de Carlos Seixas, a mais emblemática obra concertante do Barroco português, assim como os mais célebres exemplos do concerto grosso de Bach. Maestro e cravista britânico, Lawrence Cummings é também solista nesta obra marcada pelo apelativo estilo do período Galante e um marco incontornável da nossa história da música.

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34 • Ípsilon • Sexta-feira 23 Janeiro 2009

Sozinhos em casaUm ano depois das primeiras experiências em laboratório, o “Manual de Instruções” de Victor Hugo Pontes tem estreia amanhã, em Guimarães. Inês Nadais

Manual de InstruçõesDe Victor Hugo Pontes. Com Elisabete Magalhães, Manuel Sá Pessoa, Tiago Barbosa, Victor Hugo Pontes e 12 intérpretes locais seleccionados em “workshop”.

Guimarães. Centro Cultural Vila Flor - Grande Auditório. Av. D. Afonso Henriques, 701. Amanhã, às 22h. Tel.: 253 424700. Bilhetes entre 7,50 e 10 €.

Elisabete Magalhães, Manuel Sá Pessoa e Tiago Barbosa estão sozinhos em casa (mas sozinhos todos juntos, e ainda há mais 12 pessoas) neste “Manual de Instruções” que Victor Hugo Pontes (o homem que fica à porta e que, quando entra, se confunde com o papel de parede) estreia amanhã à noite no Centro Cultural Vila Flor (CCVF), Guimarães. Também está em casa, ele - a trabalhar, finalmente com apoio financeiro do Instituto das Artes, na cidade onde cresceu, com algumas das pessoas com quem cresceu (incluindo o pai e alguns amigos dos primeiros anos da companhia de teatro Oficina, agora estrutura residente do CCVF).

É uma coisa que podia estar escrita: ele não fala de outra coisa e este “Manual de Instruções” também não. “Quis que isto funcionasse como uma sobreposição de instruções, como se a vida estivesse escrita num manual de fácil consulta. Às vezes as folhas rasgam-se, às vezes passamos algumas páginas à frente, às vezes as palavras ficam borratadas porque apanharam chuva, mas é como se as

coisas acontecessem porque tinham de acontecer”, diz.

O “Manual de Instruções” está escrito assim: Victor Hugo Pontes chega com a equipa fixa, a mobília e os figurinos, faz uma audição para escolher os 12 intérpretes locais, e depois passa dois dias a dar-lhes instruções sobre o que fazer quando estiverem sozinhos em casa. “A peça começa por ser muito abstracta para depois se tornar numa coisa completamente concreta, que é uma acumulação de gestos quotidianos coreografados. Basicamente, disse a estas 15 pessoas - 16, comigo - para habitarem o espaço como se estivessem sozinhas”, explica. Demorou um ano a encontrar o lugar certo para a mobília: “O ‘Manual de Instruções’ resulta da vontade que tinha de fazer uma peça com muita gente. Como inicialmente não tinha dinheiro para fazer nem com muita, nem com pouca, comecei por fazer laboratórios gratuitos em vários locais do país, em que em dois dias montávamos histórias a partir dos temas e das influências que eu levava.” É aqui que Nan Goldin e Céline Dion começam a dividir casa: “A visão que a Nan Goldin tem da vida privada e da intimidade era uma das coisas com que queria trabalhar porque me interessam estes gestos sem espectacularidade, sem encenação. E outra grande influência é o ‘All by myself ’, que a maioria das pessoas conhece da versão da Céline Dion e que aqui explica mais ou menos a situação destas pessoas.”

A primeira apresentação informal, no Porto, foi tão ao lado e tinha tantos “equívocos” que Victor Hugo Pontes percebeu que “tinha de ter pelo menos três intérpretes fixos que fossem os pilares da peça” (as outras pessoas têm dois dias para aprender o manual de instruções e para o executar). Trabalhou com Elisabete Magalhães, Manuel Sá Pessoa e Tiago Barbosa mais intensivamente, no contexto de duas residências de criação - no Centa, em Vila Velha de Ródão, e no Espaço do Tempo, em Montemor-o-Novo - e depois instalou-se em Guimarães para escolher mais 12 ocupantes

para esta casa. “Queria trabalhar com gente de várias faixas etárias e com diferentes graus de formação artística,

incluindo gente sem

formação artística. Já que queria falar de pessoas, interessava-me ter pessoas, e não representações. Em Montemor-o-Novo apareceram cinco na audição. Aqui tive 60 e foi mesmo muito difícil escolher porque eram todas tão genuínas, e expuseram-se tanto, que me apetecia não prescindir de nenhuma. Decidi ter um convidado, o meu pai, e depois diversificar as idades, para não ficar com uma coisa tipo residência universitária.”

Ficou com uma casa igual às outras - com electrodomésticos, plantas, móveis Ikea, papel de parede, sacos de compras e pessoas em frente à televisão. Ele é o homem que chega no fim, para embalar a mobília (e as pessoas, porque as pessoas já fazem parte da mobília), mas não é para se desfazer dela - é para mudar de casa.

O Elixir do AmorDe Fernando Gomes. Encenação: Fernando Gomes (a partir da ópera de Donizetti). Com Ana Landum, Diogo Morgado, Elsa Galvão, Hélder Carlos, Isabel Ribas, Jan Gomes, Jorge Estreia, Luís Pacheco, Manuel Coelho, Margarida Nunes, Rafaela Estreia, Rui Raposo.

Olival Basto. Teatro da Malaposta. R. Angola. Até 15/02. 5ª, 6ª e Sáb. às 21h30. Dom. às 16h00. Tel.: 219383100. 10€ (sujeitos a descontos).

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Fernando Gomes inspirou-se na ópera de Donizetti, “O Elixir do Amor”, deslocou a trama de enganos amorosos, transformou-a e adaptou-a ao seu estilo inimitável. No espectáculo, em cena no Teatro da Malaposta, a acção situa-se em 1943, num lugarejo em Itália, onde sobeja um único homem saudável e disponível - o simples Nemorino (Diogo Morgado), objector de consciência. Com o regresso da sedutora Adina (Elsa Galvão) e a passagem de dois membros do garboso exército italiano (os impagáveis Luís Pacheco e Rui Raposo), a povoação anima-se, a sensualidade floresce e as paixões rebentam. Comédia romântica de maus costumes, paródia operática com sabor a teatro de revista, onde se cruzam as mais díspares referências musicais, cinematográ-ficas e de época, esta é uma versão “muito Fernando Gomes” da ópera do compositor italiano. Acumulam-se as mais desvairadas peripécias, intercaladas por divertidas adaptações musicais, e os delirantes diálogos dão azo a momentos francamente cómicos. O parco investimento nos elementos visuais, e mesmo o notório desequilíbrio do elenco, são compensados pelo prazer contagioso dos actores que conciliam as interpretações no registo eufórico da farsa, mantendo um jogo homogéneo e consistente ao longo do espectáculo. Rita Martins

ContinuamEurovisionDe e com Pedro Penim, Martim Pedroso, André e.Teodósio. Porto. Fábrica. R. da Alegria, 341. De 29/01 a 07/02. 5ª, 6ª e Sáb. às 22h. 5€ e 3€ (alunos ESMAE). Reservas: 918547050, 918541945 ou [email protected].

Os ProdutoresDe Mel Brooks. Encenação: Cláudio Hochman. Com Rita Pereira, Miguel Dias, Manuel Marques, Rodrigo Saraiva, Custódia Galego. Direcção Musical: Nuno Feist. Leiria. Teatro José Lúcio da Silva. R. Dr. Américo Cortez Pinto. De 29/01 a 01/02. 5ª e 6ª às 21h30. Sáb. e Dom. às 17h e 21h30. Tel.: 244834117.

Me GustaCompanhia Laika. Encenação: Peter De Bie. Com Lieve de Pourcq, Simone Milsdochter, entre outros. Viseu. Teatro Viriato. Lg. Mouzinho Albuquerque. De 28/01 a 30/01. 4ª, 5ª e 6ª às 20h45. Tel.: 232480110. 15€ ou 55€ (4 bilhetes).

VLCD! Encenação: Nuno Pino Custódio. Com Carla Maciel, Fernando Mota, Luciano Amarelo, Miguel Seabra. Guarda. Teatro Municipal. R. Batalha Reis, 12. Dia 24/01. Sáb. às 21h30. Tel.: 271205241. 5€.

De Homem Para HomemDe Manfred Karge. Encenação: Carlos Alardo. Com Beatriz Batarda. Faro. Teatro Municipal. Horta das Figuras - EN125. Dia 24/01. Sáb. às 21h30. Tel.: 289888100. 5€ a 16€.

EmbarquesDe Connor McPherson. Encenação: Emília Silvestre. Com Jorge Pinto, Mário Santos, Pedro Galiza. Vila Real. Teatro. Al. de Grasse. Dia 23/01. 6ª às 22h. Tel.: 259320000. 7€ e 5€ (-25 e +65 anos).

Mona Lisa ShowDe e encenação: Pedro Gil. Com Ainhoa Vidal, António Fonseca, David Almeida, Mónica Garnel, Raquel Castro, Ricardo Gageiro, Romeu Costa. Lisboa. Teatro Meridional. R. do Açucar, 64 - Poço do Bispo. Até 01/02. 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h30. Dom. às 17h00. Tel.: 218689245.

Rádio Pirata: Arquivos ÍntimosDe Maria Gil. Companhia: Teatro do Silêncio. Encenação: Maria Gil. Com Tânia Guerreiro (voz). Lisboa. Galeria Zé dos Bois. Rua da Barroca, 59 - Bairro Alto. Até 24/01. 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h30. Tel.: 213430205. 7,5€.

A TempestadeDe William Shakespeare. Encenação: John Mowat. Com Jorge Cruz, Marta Cerqueira, Tiago Viegas. Lisboa. Chapitô. R. Costa do Castelo, 1/7. Até 01/03. 5ª, 6ª, Sáb. e Dom. às 22h00. Tel.: 218855550. 10€ e 7,5€.

AcamarradosDe Enda Walsh. Companhia: Artistas Unidos. Com Carla Galvão, António Simão. Almada. Teatro Municipal. Av. Professor Egas Moniz. Até 01/02. 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h30. Dom. às 16h00. Tel.: 212739360. 11€ e 8€.

Dança

EstreiamParades & Changes, ReplaysCoreografia: Anna Halprin. Cenografia: Misa Ishibashi. Bailarino:Boaz Barkan, Nuno Bizzaro, Alain Buffard, Anne Collod, DD Dorvillier, Vera Mantero. Encenação: Misa Ishibashi. Porto. Museu de Serralves. Rua D. João de Castro, 210. Dia 26/01. 2ª às 22h. Tel.: 226156500. 15€ (c/ descontos).Lisboa. Culturgest. R. Arco do Cego, Ed. CGD. De 23/01 a 24/01. 6ª e Sáb. às 21h30. Tel.: 217905155.

Ver texto pág. 20 e 21

Agenda

InternetEstamos online. Clique em ipsilon.publico.pt. É o mesmo suplemento, é outro desafi o. Venha construir este site connosco. Os Produtores

Victor Hugo Pontes queria trabalhar com pessoas de várias faixas etárias

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Ípsilon • Sexta-feira 23 Janeiro 2009 • 35

Clássica

Mendelssohn homenageado por jovens músicos

O Quarteto Artzen e o Quarteto de Matosinhos comemoram os 200 anos do nascimento do grande compositor alemão. Cristina Fernandes

Quarteto Artzen e Quarteto de Matosinhos

Lisboa. CC de Belém. Pç. Império. 3ª às 19h00. Tel.: 213612400. 8€. -30 e +65 anos: 5€.

No dia 3 de Fevereiro comemora-se o bicentenário do nascimento de Felix Mendelssohn (1809-1847), um dos mais talentosos compositores do século XIX. Apesar de ter vivido rodeado de influências românticas, que também assimilou, a principal inspiração para a sua obra foi o classicismo e os seus ideais musicais devem muito à admiração que sentia por Bach, Haendel e Mozart.

As Sinfonias, a música de cena para peças teatrais, as duas grandes oratórias (“Paulus” e “Elias”) e várias peças para piano encontram-se entre as suas obras mais conhecidas actualmente, mas a produção de Mendelssohn encerra outras preciosidades, nomeadamente no âmbito da música de câmara. Assinalando a efeméride, dois quartetos de cordas formados por jovens músicos de reconhecido mérito apresentam no dia 27 algumas páginas para quarteto de cordas (nomeadamente as Quatro peças op. 81 e o Quarteto nº2, op. 13) e o famoso Octeto op. 20 no âmbito da série de concertos organizados pela RDP-Antena 2, em co-produção com o CC de Belém.

O Quarteto Artzen e o Quarteto de

Matosinhos fazem parte de uma nova geração de instrumentsitas portugueses que tem surpreendido pela qualidade, tendo ambos conquistado o Prémio Jovens Músicos em anos diferentes. O primeiro foi criado em 2005 no âmbito da disciplina de música de câmara do professor Paul Wakabayashi da Academia Nacional Superior de Orquestra, em Lisboa. Já se apresentou em vários festivais e tem tido a oportunidade de se aperfeiçoar com agrupamentos de referência como o Quarteto Borodin e o Quarteto Hagen. O Quarteto de Cordas de Matosinhos surgiu em 2007 no seguimento do concurso organizado pela respectiva Câmara Municipal, mas os seus instrumentistas já trabalhavam juntos há vários anos. Todos foram alunos da Academia Nacional Superior de Orquestra e realizaram estudos de aperfeiçoamento no estrangeiro. Entre as várias distinções nacionais e internacionais obtidas individualmente ou em grupo, destacam-se os Prémios Jovens Músicos na qualidade de solistas (2003) e de música de câmara (1999 e 2004). Este último levou à apresentação do então Quarteto Tacet na Fundação Gulbenkian, no Festival de Sintra e na Casa da Música.

Um olhar contemporâneo sobre o Romantismo

Orquestra Nacional do PortoDirecção Musical: Emilio Pomàrico. Com Rui Pereira (comentários). Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho de Albuquerque. Dom. às 12h00. Tel.: 220120220. 5€.

Orquestra Nacional do PortoDirecção Musical: Emilio Pomàrico. Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho de Albuquerque. 6ª às 21h00. Tel.: 220120220. 16€.

Emilio Pomàrico é um dos mais destacados maestros na área da música contemporânea, tendo visitado Portugal diversas vezes nessa qualidade. Do seu repertório fazem parte compositores como Xenakis, Carter, Boulez, Emmanuel Nunes, Maderna, Nono, Ligeti, Kurtág, Berio, Donatoni e muito outros e tem trabalhado com os maiores agrupamentos a nível mundial que se dedicam à nova música, entre os quais o Ensemble Moderne, o Ensemble Contrechamps, o Nieuw Ensemble, o Ensemble Recherche ou o Klangforum de Viena.

Mas na sua próxima visita ao Porto, Pomàrico vai mostrar uma outra vertente da sua personalidade, que não é inédita, mas é menos habitual. À frente da Orquestra Nacional do Porto, dirige um

programa consagrado ao Romantismo composto pela Abertura “Manfred”, de Robert Schumann, pelas “Variações Sinfónicas”, de Dovorák e pela Sinfonia nº4, e Brahms, uma das mais célebres do repertório sinfónico oitocentista e de toda a história da música. A sua ampla experiência na música mais recente lançará certamente um olhar diferente à grande tradição orquestral do Romantismo. C.F.

Pop

Tuguismo lúdicoBoa parte do êxito dos Deolinda vem de manipularem descaradamente o imaginário tuga, rezingão, traquina de forma lúdica e escancarada. João Bonifácio

DeolindaBraga. Theatro Circo. Av. Liberdade, 697. Sáb. às 21h30. Tel.: 253203800. 15€.

Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho de Albuquerque. 2ª e Dom. às 22h00. Tel.: 220120220. 15€.

2008 foi um ano extraordinário para os Deolinda: em Abril editaram o disco de estreia, “Canção ao Lado”, no fim do ano encheram a Aula Magna. Este é um aspecto não negligenciável: actuar em nome próprio na respeitável sala lisboeta é uma forma de legitimação tão importante quanto as avultadas vendas de discos, porque serve para provar que a música dos Deolinda atinge diversos sub-grupos sociais.

Quais os segredos desta música? Aqui e ali há outro instrumento, mas por norma é coisa de duas guitarras e um contra-baixo que servem a voz gaiata de Ana Bacalhau: voz que

lembra aquelas moçoilas levada da breca, sempre

de resposta afiada na ponta da língua.

Os Deolinda não emulam uma tradição “afadalhada” e de velha cantiga de rádio; eles não

procuram soar ao autêntico de

uma qualquer Alfama; antes pelo

contrário, uma boa parte do êxito vem de usarem, de

manipularem descaradamente esse imaginário (tuga, rezingão, traquina) de forma lúdica e escancarada: usam essa tradição para brincar com ela, podem até caricaturizá-la, mas não estão a menosprezá-la.

E no meio disto falam das coisas de hoje com recurso a linguagens de ontem, facilmente identificáveis, e

com um humor danado - o que explica aquela ideia (que andava por aí) de tornar “Movimento Perpétuo Associativo” (uma espécie de gozo à mentalidade nacional) em hino da pátria.

Musicalmente é a maior novidade do mundo? De todo. Mas há inteligência no uso dos recursos, na escolha das palavras para as canções e até no imaginário visual. Fazerem uma data no Theatro Circo no sábado seguida de duas na Casa da Música (domingo e segunda) pode parecer muito para uma banda com tão pouco tempo de vida, mas perante tudo o que estes ilustres representantes do tuguismo empedernido já alcançaram faz todo o sentido.

Liberdade no teatro

Festival RescaldoHoje: Pinkdraft, Musgo e Oto. Amanhã: Rafael Toral Space Collective 2, The Beautiful Schizophonic e Coclea. Sempre a partir das 22h00.

Lisboa. Teatro A Barraca. Lg. de Santos, 2. Informações: 918211734. Bilhetes a 5 (um dia) e 10 € (dois dias)

Depois do arranque, no dia 17, o resto do Festival Rescaldo acontece hoje e amanhã, no Teatro A Barraca, em Lisboa, com vários nomes das músicas electrónica, experimental, rock e jazz feitas em Portugal. Hoje, os Musgo mostram o seu som influenciado pelos Black Dice de “Beaches & Canyons”, com espaço para metalofones, pianos e percussão desordeira. Antes deles, há música electroacústica a cargo dos Pinkdraft, criados especificamente para o Rescaldo e, no final da noite, os Oto, vencedores do Concurso de Projectos Artísticos para o Serralves em Festa 2008.

Rafael Toral é o nome maior do dia de amanhã (e o primeiro da noite), apresentando-se em duo com o baterista Afonso Simões. Será uma nova apresentação do “Space Program”, fase criativa em que o lisboeta inventa uma união única entre o jazz e a electrónica experimental (“jazz em electrónica”, como ele a define). Seguem-se Jorge Mantas, com o projecto The Beautiful Schizophonic, autor de “Musicamorosa” (beleza em suspenso a lembrar Stars of the Lid), de 2008, e a “psicadelia” centrada

Rafael Toral em duo com Afonso Simões

Deolinda com duas sessões na Casa da Música

Emilio Pomàrico dirige programa dedicado ao Romantismo

Do Quarteto de Matosinhos fazem parte uma nova geração de instrumentistas

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36 • Ípsilon • Sexta-feira 23 Janeiro 2009

na guitarra eléctrica de Coclea, o projecto solitário de Guilherme Gonçalves (também dos Gala Drop). Pedro Rios

A ciência do barulho

Talibam!Bragança. Bar da Escola Agrária. Instituto Politécnico de Bragança, Campus de Santa Apolónia. Quarta-feira. Às 23h00. Informações: [email protected]. Bilhetes a 3 €

Porto. Plano B. R. Cândido dos Reis, 30. Qta-feira. Às 22h00. Com The Living Dead Orchestra, Labrador e Miss West. Tel.: 222012500. Bilhetes a 5 €.

Com uma bateria inspirada no free jazz, sintetizadores insurrectos e, às vezes, outros instrumentos, os Talibam! organizam um universo musical muito próprio para, de seguida, o desfazer. “É o princípio de andar para trás do free jazz: em vez de começar cerebralmente e depois explodir, começamos com a explosão e só depois exploramos as secções semi-melódicas e rítmicas”, explicou à “webzine” Tiny Mix Tapes Matt Mottel, responsável pelos sintetizadores (custa a crer, mas são apenas um duo, completo por Kevin Shea). Apesar dos pontos de contacto com algum do noise moderno, os nova-iorquinos são mais dinâmicos e enérgicos do que maioria dos seus pares, o que já levou alguém a compará-los aos Soft Machine (a comparação aceita-se se se imaginar a banda de

Robert Wyatt a seguir uma dieta de hardcore e noise).

Em Bragança, os Talibam! tocam sozinhos, mas no Porto haverá também música divertida para hipotéticos filmes de terror pelos portugueses The Living Dead Orchestra (os Lobster e um velho amigo), a electrónica com guitarras suaves de Labrador e a DJ Miss West. P.R.

A despedida do Shangri-La dos Wraygunn

WraygunnPorto. Teatro Sá da Bandeira. R. Sá da Bandeira, 108. 5ª às 22h30. Tel.: 222003595. 15€.

É o encerramento de uma longa digressão, ao bom estilo daquela, não oficialmente intitulada “never ending”, que Bob Dylan leva a cabo desde finais dos anos 1980. Os Wraygunn completam a digressão de “Shangri-La” quase dois anos após o lançamento do seu terceiro disco e faz sentido.

Para uma banda que respira o palco, que se alimenta da indefinível energia que dele se liberta, faz sentido andar a mostrar o celebrado “Shangri La”. Isto porque o álbum é apenas a desculpa. Lá em cima acontecem coisas como vê-los interpretar um clássico gospel, acompanhados por coro imponente, e pôr milhares de metaleiros em extasiada comunhão “espiritual” (aconteceu num fim de tarde do último Rock In Rio). Lá de cima, podem estar apenas eles e é suficiente: quando o Ípsilon os viu em Paris, bastou um par de canções para que uma pequena multidão se entregasse de forma desbragada ao profano rock’n’roll.

No início de um ano em que Paulo Furtado vestirá a pele de Tigerman para editar e promover “Femina”, álbum de duetos com nomes como Asia Argento, Peaches ou Cláudia Efe, os concertos dos Wraygunn no Teatro Sá da Bandeira, no Porto (dia 29, Qta), e na Aula Magna, em Lisboa (dia 31, Sábado), serão a última oportunidade em meses para os

carregar em ombros e para sermos transportados nos

ombros deles. É uma partilha justa. Eles

anunciam a “Soul city”, nós ajudamos a construí-la. É feita de soul e rock’n’roll, de abandono punk e elegância de “go go dancer”. É um

festim e uma celebração. Digamos que, nestas

coisas do rock, “Shangri-La” é nome

que assenta bem aos Wraygunn. Mário Lopes

sexta 23Mafalda VeigaLisboa. Coliseu dos Recreios. R. Portas St. Antão, 96. 6ª e Sáb. às 22h00 (portas abrem às 21h). Tel.: 213240580. 10€ a 35€. Camarotes: 87,5€ a 165€.

Peter MorénBraga. Theatro Circo. Av. Liberdade, 697. 6ª às 23h59. Tel.: 253203800. 15€.

Susana FélixVila Nova de Famalicão. Casa das Artes. Pq. de Sinçães. 6ª às 21h30. Tel.: 252371297. 10€.

Anonima NuvolariCom Calimero Nuvolari (voz e acordeão), Sérgio Nuvolari (saxofone), Mick Nuvolari (voz e guitarra), Ciccio Nuvolari (contrabaixo), Beniamino Nuvolari (percussões). Lisboa. Galeria Zé dos Bois. R. da Barroca, 59 - Bairro Alto. 6ª às 23h00. Tel.: 213430205. 6€.

João Lima e António Victorino D’AlmeidaCom João Lima (piano), Miguel Leite (comentários), António Victorino D’Almeida (piano). Chaves. Centro Cultural. Lg. Estação. 6ª às 21h30. Tel.: 276333713. Entrada livre.

Quinteto Tango QuattroSintra. CC Olga Cadaval. Pç. Dr. Francisco Sá Carneiro. 6ª às 22h00. Tel.: 219107110. 15€ a 20€ (sujeito a descontos).

El Fad (José Peixoto)Com José Peixoto (guitarra), Carlos Zíngaro (violino), Miguel Leiria (contrabaixo), José Salgueiro (percussão). Olival Basto. CC da Malaposta. R. Angola. 6ª às 22h00. Tel.: 219383100. 5€.

Maria AliceSines. Centro de Artes de Sines. R. Cândido dos Reis (centro histórico). 6ª às 22h00. Tel.: 269860080. 5€.

The Lucky DuckiesEstoril. Casino. Pç. José Teodoro dos Santos. 6ª e Sáb. às 21h30 e 00h20 (dias 30 e 31).6ª e Sáb. às 22h55 e 01h35 (dias 23 e 24).2ª, 3ª, 4ª, 5ª e Dom. às 22h10 e 00h10. Tel.: 214667700. Entrada livre.

Del’Arte EnsembleCascais. CC de Cascais. Av. Rei Humberto II de Itália. 6ª e Sáb. às 21h30. Tel.: 214848900/ 214815330. Entrada livre.Obras de Ibert, Freitas, Arnold e Barber

D3öGuimarães. São Mamede - Centro de Artes e Espectáculos. R. Dr. José Sampaio, 17-25. 6ª às 23h00. Tel.: 253547028. 5€.

NoiservCoimbra. Fnac (Fórum Coimbra). Qta de São Gemil. 6ª às 22h00. Tel.: 707313435. Entrada livre.

Mikado LabPortimão. Teatro Municipal de Portimão. Pç. 1º de Maio. 6ª às 22h00. Tel.: 282480496. Entrada livre.

Bandidos DesesperadosLisboa. Bacalhoeiro. R. dos Bacalhoeiros, 125 - 2º. 6ª às 23h00. Tel.: 218864891.

Abztraqt Sir Q + DJ RidePorto. Plano B. R. Cândido dos Reis, 30. 6ª às 23h00. Tel.: 222012500.

PlasticaAzambuja. Espaço Multiusos - CC Páteo Valverde. Páteo do Valverde. 6ª às 21h30. Tel.: 263400473.

Ana Isabel BaptistaAlmada. Fnac (Almada Fórum). Caminho Municipal 1101 - Vale de Mourelos. 6ª às 21h30. Tel.: 707313435. Entrada livre.

Taliban: os nova-iorquinos já foram comparados aos Soft Machine

Wraygunn completam a digressão de “Shangri-La”

Agenda

Mafalda Veiga

culturencontros

alcultideias®

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AMESTERDÃO “BRÍGIDA MENDES “CLÁUDIA CRISTÓVÃO “JÚLIA VENTURA “MARIA BEATRIZ “SOFIA MOURATO BARCELONA “JORGE LEAL “UIU

BERLIM “ADRIANA MOLDER “FILIPA CÉSAR “GABRIELA ALBERGARIA “JOÃO RICARDO OLIVEIRA “JORGE QUEIROZ “NOÉ SENDAS “NUNO CERA “RUI CALÇADA BASTOS

BUENOS AIRES “ISABEL GRÜNEISEN

COLÓNIA “ANA LUÍSA RIBEIRO “SUZANNE THEMLITZ

DIJON “GERALD PETIT

GRENOBLE “AURORE DE SOUSA

LONDRES “BRUNO PACHECO “CARLOS NORONHA FEIO “CATARINA DIAS “EDGAR MARTINS “JOÃO PENALVA “PAULA REGO “RUI ANTUNES

LUXEMBURGO “MARCO GODINHO

MADRID “CARLOS BUNGA

MILÃO “JOSÉ BARRIAS

MONTREAL “MIGUEL REBELO

MÜHLHAUSEN “ROSÁRIO REBELLO DE ANDRADE

NEWARK “MICHAEL DE BRITO

NEUCHÂTEL “FRANCISCO DA MATA

NOVA IORQUE “ALEXANDRA DO CARMO “ANA CARDOSO “BELA SILVA “CARLOS ROQUE “CATARINA LEITÃO “GABRIEL ABRANTES “ISABEL PAVÃO “JOÃO SIMÕES “JOSÉ CARLOS TEIXEIRA “MARGARIDA CORREIA “NUNO DE CAMPOS “RICARDO VALENTIM “RITA BARROS “RITA SOBRAL CAMPOS “SUSANA GAUDÊNCIO

PARIS “ALVESS “AMADEO “ANA LÉON “DACOSTA “DIOGO PIMENTÃO “JOSÉ DAVID “JÚLIO POMAR “MANUELA MARQUES “MARIA LOURA ESTÊVÃO “RUI PATACHO “VIEIRA DA SILVA

RIO DE JANEIRO “ARTUR BARRIO “ASCÂNIO MMM “HUGO HOUAYECK “RAFAEL BORDALO PINHEIRO

SÃO FRANCISCO “RIGO

SÃO PAULO “FERNANDO LEMOS

ZURIQUE “JORGE CAMPOS

LÁ FORAEXPOSIÇÃOARTISTASPORTUGUESES

ENTRADA LIVRE FREE ENTRANCE

Ípsilon • Sexta-feira 23 Janeiro 2009 • 37

Com João Lima (piano), Miguel Leite (comentários), António Victorino D’Almeida (piano). Vila Real. Teatro. Al. de Grasse. Sáb. às 16h00. Tel.: 259320000. 5€. -25 e +65 anos: 3,5€.

SlimmyÍlhavo. CC de Ílhavo. Av. 25 de Abril. Sáb. às 21h30. Tel.: 234397260. 5€.

Tito ParisViseu. Teatro Viriato. Lg. Mouzinho Albuquerque. Sáb. às 21h30. Tel.: 232480110. 10€. A partir das 23h: 5€.

O’queStradaCom Marta Miranda (voz), João Lima (guitarra portuguesa), Zeto (guitarra e voz), Pablo (contrabaixo), Donatello (acordeão). Viseu. Teatro Viriato. Lg. Mouzinho Albuquerque. Sáb. às 23h00. Tel.: 232480110. 5€.

Madredeus & A Banda CósmicaEstarreja. Cine-Teatro Municipal. R. do Visconde de Valdemouro. Sáb. às 22h00. Tel.: 234811300. 13€ a 18€. Passe 3 Concertos Íntimos: 30€ a 39€.

Society For The Big Nothing + Sublime Impulse DJ SetLisboa. Maxime. Pç. Alegria, 58. Sáb. às 22h00. Tel.: 213467090.

Terras Sem Sombra - V Festival de Música Sacra do Baixo AlentejoCastro Verde. Basílica Real de N. Sra. da Conceição. Pç. do Município. Tel.: 286328550. Entrada livre.

Sete LágrimasDirecção Musical: Filipe Faria, Sérgio Peixoto. Castro Verde. Basílica Real de N. Sra. da Conceição. Pç. do Município. Sáb. às 21h30. Tel.: 286328550. Entrada livre.

CordisCom Bruno Costa (guitarra portuguesa), Paulo Figueiredo (piano). Almada. Fnac (Almada Fórum). Caminho Municipal 1101 - Vale de Mourelos. Sáb. às 16h00. Tel.: 707313435. Entrada livre.

Jorge MoyanoCom Jorge Moyano (piano). Nova Oeiras. Auditório do Centro Social e Paroquial. Al. Conde de Oeiras. Sáb. às 16h00. Tel.: 214431876. Entrada livre.Obras de Haydn e Brahms.

NBC & The FunksCoimbra. Fnac (Fórum Coimbra). Qta de São Gemil. Sáb. às 17h00. Tel.: 707313435. Entrada livre.

Buraka Som Sistema + DezperadosÉvora. Arena. Av. General Humberto Delgado. Sáb. às 22h00. Tel.: 266743133. Entrada livre.

domingo 25João Lima e António Victorino D’AlmeidaCom João Lima (piano), Miguel Leite (comentários), António Victorino D’Almeida (piano). Bragança. Teatro Municipal. Pç Cavaleiro Ferreira. Dom. às 16h00. Tel.: 273302740. 5€

Mário LaginhaCom Mário Laginha (piano). Almada. Teatro Municipal. Av. Professor Egas Moniz. Dom. às 16h00. Tel.: 212739360. 13€ (sujeito a descontos).

segunda 26Vicente da Câmara: 60 Anos de Fado

Com António de Noronha, António Pinto Basto, Carolina Tavares, João Ferreira Rosa, José Cid, Maria João Quadros, Ricardo Ribeiro, Rodrigo Pereira, Teresa Siqueira, Luís Petisca (guitarra), Jaime Santos (viola), Filipe Vaz da Silva (baixo), João Torre do Vale (guitarra), José Pracana (guitarra), José Luís Nobre Costa (guitarra), Carlos Velez (viola), Fernando Alvim (viola), Joel Pina (baixo), Segismundo de Bragança (baixo). Lisboa. Teatro Tivoli. Av. Liberdade, 182. 2ª às 21h30. Tel.: 213572025. 12,5€ a 30€.

terça 27NormaCom Silvana Dussman (soprano), Heidi Brunner (soprano), John Botha (tenor), Arutjun Kotchinian (baixo), Joana Seara (soprano), Marcos Santos (tenor). Com Coro Gulbenkian. Com Orquestra Gulbenkian. Maestro: Lawrence Foster. Compositor: Vincenzo Bellini. Lisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian. Av. Berna, 45A. 3ª e Sáb. às 20h00. Tel.: 217823700. 20€ a 40€.

The Soaked LambLisboa. Casino. Al. dos Oceanos Lote 1.03.01 - Pq. das Nações. 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª, Sáb. e Dom. às 22h00. Tel.: 218929070. Entrada livre.

quarta 28Pat Silva Trio

Com Pat Silva (voz), Ana Paula Sousa (piano), Mário Franco (contrabaixo). Santarém. Teatro Municipal Sá da Bandeira. R. João Afonso, 7/9. 4ª às 21h30. Tel.: 243309460. Entrada livre.

Qta 29Sofia Ribeiro + Marc Demuth

Com Sofia Ribeiro (voz), Marc Demuth (contrabaixo).

Lisboa. CC de Belém. Pç. Império. 5ª às 22h00. Tel.: 213612400. Entrada

livre.

MedéeCom Joana Seara (soprano), Iano Tamar (soprano), Jochen

Schmekenbecher (barítono), Eliana

Pretorian (soprano), Alan Woodrow (tenor), Stella

Grigorian (meio-soprano). Com Coro Gulbenkian. Com Orquestra Gulbenkian. Maestro: Lawrence Foster. Compositor: Luigi Cherubini. Lisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian. Av. Berna, 45A. 5ª às 20h00. Tel.: 217823700. 20€ a 40€.Ópera em versão de concerto.

Extrawelt + Expander + Thinkfreak + ManuLisboa. Lux Frágil. Av. Infante D. Henrique, Armazém A. 5ª às 23h00. Tel.: 218820890. Consumo mínimo.7 Years of Sonic Culture.

Jacinta Canta Songs Of FreedomCom Jacinta (voz), Paulo Gravato (saxofone), Pedro Costa (piano), João Gustavo (arranjos). Lisboa. Teatro Municipal de S. Luiz. R. Antº Maria Cardoso, 38-58. 5ª, 6ª e Sáb. às 22h00. Tel.: 213257650. 15€.

The PortugalsAveiro. Mercado Negro. R. João Mendonça, 17. 5ª às 22h30. Tel.: 234100052.

KriLofF TrioCom Johannes Krieger (trompete), Gonçalo Lopes (clarinete), Ricardo Freitas (guitarra baixo acústica). Lisboa. Espaço APAV & Cultura. R. José Estevão 135-A (ao Jardim Constantino). 5ª às 19h00. Tel.: 213587915. Entrada livre.

Lisbon Calling: Clash City Rockers + Zé PedroLisboa. MusicBox. R. Nova do Carvalho, 24 - Cais do Sodré. 6ª às 23h00. Tel.: 213430107. 8€ (oferta de 1 bebida até 2€).

Miki Nervio & The BluesmakersLeça da Palmeira. Super Bock Club - BFlat Jazz Club. Av. Dr. Antunes Guimarães, Doca 1 Norte. 6ª e Sáb. às 23h00. Tel.: 911968834.

Madredeus & A Banda CósmicaAlcobaça. Cine-Teatro de Alcobaça. R. Afonso de Albuquerque. 6ª às 22h00. Tel.: 262580890. 12€ a 18€.

Agrupamento Ensemble do PortoDirecção Musical: Jan Wierzba. Porto. Museu Nacional de Soares dos Reis. R. Dom Manuel II - Palácio das Carrancas. 6ª às 19h00. Tel.: 223393770. Entrada livre.

Solistas do Ar EnsembleCom Neuza Bettencourt (flauta), Frederico Fernandes (oboé), Luís Casalinho (clarinete), Sérgio Ventura (fagote), Armando Martins (trompa), Alberto Roque (saxofone e comentários). Leiria. Teatro Miguel Franco (CC de Leiria). Lg. Santana. 6ª às 18h30. Tel.: 244860480. 3€.

BunnyranchPortalegre. Centro de Artes do Espectáculo. Pç. da Republica, 39. 6ª às 23h00. Tel.: 245307498. 3€.

José CidPóvoa de Varzim. Casino. Ed. do Casino. 6ª e Sáb. às 20h00. Tel.: 252690888. 50€ (jantar-concerto).

Volte-Face #3Seixal. Bar Tambor Q Fala. R. José Vicente Gonçalves, 8J - Pq. Industrial do Seixal. 6ª às 22h00. Tel.: 212269090. 3€.Performance com palavra, imagem, música e dança.

MintaMaia. Tertúlia Castelense. R. Augusto Nogueira da Silva, 779. 6ª às 23h30. Tel.: 229829425. 5€.

sábado 24Elizabeth Davis e Orquestra Sinfónica PortuguesaDirecção Musical: Julia Jones. Com Elizabeth Davis (percussão). Lisboa. CC de Belém. Pç. Império. Sáb. às 21h00. Tel.: 213612400. 5€ a 20€ (sujeito a descontos).

Ver texto pág. 12 e 13

Yen Sung + Rui Vargas + Rui MurkaLisboa. Lux Frágil. Av. Infante D. Henrique, Armazém A. Sáb. às 23h00. Tel.: 218820890. Consumo mínimo.

Lula Pena + Norberto LoboLisboa. Galeria Zé dos Bois. R. da Barroca, 59 - Bairro Alto. Sáb. às 23h00. Tel.: 213430205. 10€.

Ver texto pág. 14

Jorge PalmaAveiro. Teatro Aveirense. Pç. República. Sáb. às 21h30. Tel.: 234400922. 10€ a 20€ (sujeito a descontos).

On The Road (Tó Trips + Tiago Gomes)Portalegre. Centro de Artes do Espectáculo. Pç. da Republica, 39. Sáb. às 21h30. Tel.: 245307498. 5€.

João Lima e António Victorino D’Almeida

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Jacinta

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Buraka Som Sistema

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cos ¬Mau ☆Medíocre ☆☆Razoável ☆☆☆Bom ☆☆☆☆Muito Bom ☆☆☆☆☆Excelente

38 • Ípsilon • Sexta-feira 23 Janeiro 2009

Pop

Dança de sintetiza-doresDancemos - é tudo o que “Tonight” nos exige. Mário Lopes

Franz FerdinandTonight: Franz FerdinandDomino; distri. Edel

mmmmn

Temos portanto que, ao terceiro disco, os Franz Ferdinand atiraram-se de cabeça à tarefa de erigir um

álbum conceptual. Certo? Errado - e esse será o primeiro erro na abordagem a “Tonight”, que é descrito como relato de uma noite boémia apimentada com romance, bebedeira, discoteca e ressaca. Reformulemos: ao terceiro disco os Franz Ferdinand renovam-se recorrendo a mil sintetizadores e transformam-se em rock’n’rollers sintéticos, tão sérios quanto Brian Eno, tão lúdicos quanto uma madrugada de disco-sound em finais de 1970. Certo? Certo (em parte). Em “Tonight”, os Franz Ferdinand renovam-se, mas apenas na exacta medida que lhes permita manter aquela alquimia pop que tanto prezamos.

O erro será considerar que, depois de erguidos ao panteão da música popular do século XXI, os Franz Ferdinand teriam que lançar um manifesto artístico para manter a relevância. Grave erro, de facto. A banda escocesa cria para o presente: polaroids em forma de canção para fruir no imediato, descargas eléctricas e refrães que se alojam no cérebro como se os conhecêssemos há muito - a intemporalidade vem depois de cumprida essa função primeira.

Diga-se então que, se “Tonight” pretende equivaler a uma noite de boémia desbragada, cumpre o objectivo. Não por podermos lê-lo como álbum conceptual, entenda-se, antes por ser nocturno e embriagante, por pôr em evidência sintetizadores “vintage” e funcionar segundo uma mecânica de pista de dança retro-futurista. Expliquemo-nos. “Ulysses”, o primeiro single, são os Franz Ferdinand de sempre, com gingar de anca a abrir caminho para refrão entusiasmante - mas é canção em que sintetizadores rugosos tomam o lugar dos habituais movimentos angulares das guitarras. “No you girls”, por sua vez, é disco encorpado com hormonas rock’n’roll, tem guitarras a silvar e Alex Kapranos a acompanhar a “perversidade” do ritmo: “kiss me where your eye won’t meet me”. Depois, há a magnífica “Send him away”, que começa com uma linha de guitarra ondulante (directamente do Mali), que avança para um melting pot onde cabem canções de marinheiros de Liverpool, sugestões de dub jamaicano e, no êxtase final, libertação de bem-vindo psicadelismo - é a canção do álbum que melhor representa o talento da banda enquanto “misturadora de referências”.

Tudo no álbum é lúdico e, mesmo quando as guitarras se enfurecem ou quando os sintetizadores fogem de zonas confortáveis, declaradamente pop. Conjuga-se o funk sintético de Sly & The Family Stone com alvoroço punk e, em “What she came for”, saltamos de um para o outro como em viragem inesperada num bom set de DJ - reincidimos no movimento em “Lucid dreams”, cuja euforia rock’n’roll inicial aterrará em cave acid house para se transformar em longos minutos de rave devidamente etilizada (os A Certain Ratio gostariam disto). Depois disso, na recta final, tudo serena: um theremin que silva em “Dream again”, uma guitarra acústica que dirige a mui “Kinksiana” “Katherine kiss me” até ao fim do álbum.

A noite acabou e isto não foi um álbum conceptual. Os Franz Ferdinand arranjaram nova roupa, enegreceram-se com sintetizadores vintage e um som cavernoso. São os mesmos: à terceira tentativa, o terceiro clássico pop instantâneo. Pois

que o dancemos agora - é tudo o que “Tonight” nos exige.

Sereno regressoSorvendo-o lentamente, reconhecemo-lo como ponto alto da discografia de Bird. Mário Lopes

Andrew BirdNoble BeastFat Possum; distri. Nuevos Media

mmmmn

A identidade musical de Andrew Bird reside menos na forma das suas canções do que na sensibilidade que

lhes impregna. “Mysterious Production Of Eggs”, o seu álbum de maior sucesso, era pop grandiloquente, “Armchair Apocrypha”, o anterior a este “Noble Beast”, tinha guitarras em destaque e foi a sua versão do “indie rock” - e antes dele houve, por exemplo, a folk cinemática de “Weather Systems” (2003). Contudo, essas diferenças esbatem-se naquilo que permanece: o violino e as melodias criadas em pizzicato, a voz cantando com falsa displicência, as letras pejadas de arcaísmos e versos a roçar o surrealismo e um apego à ideia de canção pop que relega tentações experimentais para outros domínios da sua criatividade - recomendam-se vivamente as paisagens sónicas do instrumental “Useless Creatures”, CD extra da edição “deluxe” do novo álbum, definido por Bird como “ponte entre Steve Reich ou Arthur Russel e os Konono Nº1”

“Noble Beast”, sendo mais um álbum de Andrew Bird, não é um álbum como os demais. Mais sereno que “Armchair Aprochypha”, iminentemente acústico, volta a dar destaque ao seu trabalho como violinista. Flirta com “folks” (a americana e a europeia), lança ao mundo “lullabies” de falsa inocência

(a primeira canção versa “harmless sociopaths”), faz tangentes ao rock em “Fitz and dizzyspells” (de guitarras acústicas e em versão lo-fi) e à country na belíssima “Effigy”, feita de violino dançarino a agitar o pó

do saloon, feita com uma segunda voz que se imagina a June Carter

daquele cenário.Crepuscular, não é

um disco tão imediato quanto “Mysterious Production Of Effs”, não é intenso mas previsível como o era “Armchair Apocrypha”. Gentilmente texturado, revela-se lentamente. Em “Master swarm”,

por exemplo, aquilo que é uma fantasia de algodão doce transformar-se-á em dança mariachi (pouco efusiva, como convém a Bird) - somos transportados sem sobressaltos e serenamos, no fim, com o som primitivo do assobio lançado desde longe. Em “Natural disaster”, outro exemplo, aquela que parece a canção mais luminosa do álbum, com duas vozes em harmonia e uma humilde guitarra slide em pano de fundo revela-se ao final da primeira quadra: “under the ice the springs will flow and release / Fecundities like a natural disaster” - e, acentuando ojogo de contrastes que Bird tanto aprecia, surgem depois becos infectados de malária, gatos e lobos com pleurisia.

Depois da electricidade de “Armchair Apocrypha”, Andrew Bird procurou algo de mais essencial: as raízes folk que aflorava com os Bowl Of Fire, essas que explorou quando, vivendo num celeiro rural, gravou “Weather Systems”. O resultado é um álbum tão rico em pormenores como os anteriores - é essa a marca de produção do seu autor - mas que demora mais a revelar-se totalmente.

Sorvendo-o lenta e pausadamente, reconhecemo-lo como ponto alto da discografia de Andrew Bird. Um óptimo contraponto para a explosão pop de “Mysterious Production Of Eggs”.

A América dos sonhos de Springsteen

Bruce SpringsteenWorking On A DreamColumbia; distri. Sony BMG

mmmnn

“Working On A Dream” nasceu por geração espontânea. No final das gravações de “Magic”, o

último álbum de originais de Springsteen, surgiu-lhe uma canção, “What love can do”, que não parecia embuída do espírito das demais. Springsteen descreveu-a como uma meditação sobre “amor em tempos de Bush” e viu ali o início de algo novo.

Gravado com a E Street Band nos

intervalos da digressão de “Magic, foi um

disco de

A canção título de “Working on a Dream” foi estreado em palco num comício de apoio a Obama

“Noble Beast”, sendo mais um álbum deAndrew Bird, não é um álbum como os demais

Fhjn

À terceira tentativa, os Franz Ferdinandfazem o terceiro clássico instantâneo

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InternetEstamos online. Clique em ipsilon.publico.pt. É o mesmo suplemento, é outro desafi o. Venha construir este site connosco.

Ípsilon • Sexta-feira 23 Janeiro 2009 • 39

produção rápida: um jorro criativo que, agora que o conhecemos, deixa claro não ser reflexo de meditações sobre “amores em tempos de Bush”. A canção título foi estreado em palco num comício de apoio a Obama e é a América anunciada pela eleição do seu novo presidente aquilo que inspira Springsteen. Começa pela América mítica de “Outlaw Pete”, “western” épico manchado com crime e sangue, épico musical que cresce de “storytelling” country para um intrincado rock’n’roll com órgão e Mellotron a desenhar cada uma das secções em que se desdobra - frase chave: “we cannot undo these things we’ve done”.

Daí para a frente, saltamos dos míticos Appalaches para a actualidade. Daí para a frente, os heróis das canções de “Working On A Dream” passam a ser o cidadão comum e os sonhos do cidadão comum, passam a ser os anónimos “working class heroes” sobre quem recai a possibilidade de mudança. São eles a “Queen of the supermarket”, estão eles no “and the sun shines tomorrow/ it’ll be the start of a brand new day” de “Surprise, surprise” ou na faixa extra “The Wrestler” (da banda sonora do filme homónimo), belíssimo pedaço de folk acústica que utiliza imagens improváveis para esbater as diferenças que nos separam - como quem diz, estamos todos convocados: “if you ever saw a one legged dog walking by the street/ if you ever saw a one legged dog, than you’ve seen me”.

Musicalmente, é um álbum de contrastes - apresenta várias facetas do seu autor, com resultados desiguais. Ao supracitado épico inicial, sucede-se o rock típico de Springsteen em “My lucky day” (másculo, de bateria tonitruante e sax perigosamente 80s), segue-se um entusiasmante blues ruidoso guiado pelo piano eléctrico e pela guitarra slide (“Good eye”) ou um “crooning” surpreendente de uma doçura majestosa que nos conquista às primeiras notas (“This life”). O destaque, esse, chega em “Life itself”, canção de aroma psicadélico com guitarras à Byrds desenhando paisagens etéreas.

No final (antes da canção extra, entenda-se), regressamos ao início. Ou seja, a “The last carnival” e às suas imagens arcaicas de comboios expelindo fumo negro pelo ar, às vozes que, ao fim da canção, se harmonizam em coro gospel. Como se “trabalhassem” o sonho de Springsteen, a América humana e comunitária por ele sonhada. M.L.

VáriosArriba La Cumbia!Crammed, distri. Megamúsica

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Nascida da interacção dos índios, dos escravos africanos e dos colonizadores espanhóis, a cumbia

é uma música de fusão tipicamente

latina. Começou por se distinguir pelos ritmos de dança de pés aguilhotinados, melodias em flautas de milho e versos de métrica ocidental. Essa combinação passou por sucessivas mutações até alcançar a idade de ouro nas décadas de 50 e 60, quando a cumbia assimilou o som das orquestras de swing norte-americanas e de ska jamaicas. Um som incendiário e vertiginoso, mas que acabou por ser obscurecido pelo triunfo planetário de concorrentes caribenhos, como a salsa e o merengue. Até que a música das Caraíbas e arredores entrou na idade digital e o som colombiano veio a ser repescado à mistura com o hip hop, a house, o dancehall e o ragga.

Estas novas fusões terceiro-mundistas originaram, por seu turno, desenvolvimentos na cena londrina de dança global, outra vaga de declinações assinada por projectos como Basement Jaxx, Mo’Horizons e Up, Bustle & Out. Um clube que também integra Russ Jones, DJ responsável pela excelente série de compilações “Future World Funk”. É ele quem organiza a presente colecção, que rebobina um par de clássicos de orquestra, mas privilegia naturalmente a vaga de factura electrónica. O esquadrão londrino alterna assim com produtores caribenhos com destaque para as remisturas de Toy Selectah, o mexicano na origem do presente surto. Ele e outros expoentes da nu cumbia debitam uma avalanche de projécteis altamente inflamáveis para as pistas de dança, um vale tudo de poucos escrúpulos, que a facção britânica vai compensando com mais engenho e outra fantasia. Sejam os ouvidos mais ou menos sensíveis, no entanto, o corpo só se pode queixar mesmo do castigo resultante desta ressurreição da cumbia à beira do absoluto frenesim. Luís Maio

Pavement Brighten The CornersMatador; distri. Ananana

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Em 1997 os Pavement eram os reis do indie-rock. Faziam canções quebradas, em que cada instrumento

parecia ir numa direcção diferente, tinham magníficas harmonias de guitarras, eram capazes de apontar à country num minuto e ao ruído no seguinte, e tinham em Stephen Malkmus um idiossincrático vocalista com raro pendor para a desafinação admirável. “Brighten The Corners”, lançado nesse ano (e agora reeditado), era o mais limpo dos discos dos Pavement até à data, mas também o mais precioso em termos melódicos, e o mais imaginativo em soluções de guitarras. Abria com “Stereo”, canção para dar vontade de berrar e passava para uma perfeita “Shady Lane”, avançando por aí fora até chegar a esse monumento que era “We are underused”, acabando na pura beleza de “Starlings of the slipstream” e

“Fin”. Esta reedição traz um segundo disco de bónus, com canções nunca ouvidas, versões alternativas de temas que acabaram no disco e gravações ao vivo. E desta vez vale a pena haver segundo disco: “Slowly Typed” é uma versão country do que mais tarde veio a ser “Type Slowly”, e as duas são tão diferentes entre si que só se pode concluir que nisto de escrever canções há muito trabalho. Mas o segundo disco não vive só de comparações: “Wanna mess you around” é pura power-pop à Ramones, berraria, guitarrada e bateria a abrir, canção que dá vontade de desatar à biqueirada aos vizinhos, o que é sempre louvável. (No refrão, sob um manto de ruído, ele canta “I wanna fuck around”, que é, aliás, o mote da canção.) “No tan lines” é uma delícia pop de guitarras tão repletas de açúcar que não se compreende como é que isto acabou como um lado B de um single. “Harkness your hopes” é outro monumento à guitarra que não merecia estar esquecido num baú. Há excrescências, mas grosso modo tudo aqui tem, no mínimo, bastante graça - o que só prova a grandeza destes moços. João Bonifácio

Jazz

Liberdade controlada Dirigido pelo saxofonista Evan Parker, o Transatlantic Art Ensemble questiona os limites entre improvisação e composição. Nuno Catarino

Evan ParkerBoustrophedonECM, distr. Dargil

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Saxofonista gigante, Evan Parker mantém-se ainda hoje como figura tutelar da música improvisada. E se

este lugar não lhe estivesse reservado pelo peso histórico, a qualidade do seu trabalho seria justificação suficiente. Os registos (e actuações) a solo, com o Schlippenbach Trio ou com outras formações, continuam a ser memoráveis, mas tem agora também dedicado parte do seu tempo à condução de ensembles de maior dimensão - vertente visível no seu Electro-Acoustic Ensemble, que editou em 2007 o mui recomendável “The Eleventh Hour”.

O Transatlantic Art Ensemble é um grupo de liderança partilhada entre Parker e Roscoe Mitchell (do Art Ensemble of Chicago) e “Boustrophedon” surge em sequência do aclamado “Composition/Improvisation Nos. 1, 2 & 3” (ECM, 2007), creditado em nome de Mitchell.

Quem ouviu essa gravação já conhece as premissas deste novo

Espaço Público

Num dos devaneios pelo site da Amazon, cruzei-

me com um disco cuja capa (a remeter para um universo onírico) despertou a minha atenção. Tratava-se

do álbum de Lenka, nome que me era

então desconhecido. Neste mundo global

à velocidade 2.0, não foi difícil

descobrir que Lenka é uma jovem australiana aspirante a actriz, que paralelamente à sua ainda curta carreira no cinema foi capaz de criar um admirável objecto pop. Lenka é um álbum de corpo inteiro. Alia a frescura melódica à sensibilidade das letras numa simbiose pouco habitual. Não esperem

por descobri-la numa campanha publicitária de um qualquer operador móvel. Não por ser impensável. Antes pelo contrário. Massim porque, se não a descobriram a tempo de servir de banda sonora ao verão passado, não deixem passar o próximo!António Freitas, radialista, 37 anos

Bárbara Reis

Coff ee-break

O manual de Bin Laden

Encontrei na internet o famoso manual que Bin Laden escreveu sobre o bê-á-bá do terrorismo em aviões. Transcrevo apenas uma minúscula parte das instruções.

1 - Ao entrares no avião, leva pelo menos um bebé ao colo

2 - Se puderes, leva também um grupo de irmãos, sobrinhos e amigos

3 - Deves ser indiscreto, falar em voz alta e usar palavras que levantem suspeitas

4 - Se fores apanhado, não resistas quando o FBI te vier prender. Faz uma cara espantada, diz qualquer coisa tipo “estão loucos, há aqui um mal entendido” e depois sai calmamente do avião

E por aí fora. Como tudo na net, não fui só eu que li este manual. A companhia aérea americana AirTran também o leu e teve azar: foi apanhada em fl agrante histeria.

Foi há duas semanas, numa quinta-feira à hora de almoço, e começou com duas raparigas americanas que têm medo de homens com barbas.

O casal entrara no avião à frente delas, a mulher de lenço na cabeça, o marido de longas barbas, no meio os três fi lhos de 2, 4 e 7 anos. Pelo corredor, enquanto procurava os lugares, o casal foi comentando qual seria o lugar mais seguro no avião: ao pé das asas, do motor, atrás ou à frente, na coxia ou ao pé da janela?

As raparigas ouviram a conversa, olharam para as barbas do homem e para o lenço da mulher, pensaram “são muçulmanos”, concluíram “são terroristas” e foram a correr pedir ajuda.

O que as raparigas imaginaram que ouviram convenceu o pessoal de bordo, que chamou a polícia do aeroporto, que chamou o FBI. Dois agentes chegaram e levaram o casal, 20 minutos depois regressaram e levaram o resto do grupo - o irmão, o amigo e todas as crianças, um total de nove passageiros, todos - que

estranha coincidência - visivelmente muçulmanos.Perante esta fundadíssima suspeita de terrorismo, o

avião que se preparava para deixar o aeroporto Reagan, em Washington, e seguir para Orlando, na Florida, foi esvaziado dos seus 95 passageiros e das suas malas. Tudo foi novamente escrutinado e tudo regressou ao seu lugar uma hora depois. Tudo menos os nove muçulmanos.

Por essa altura, o FBI já falava em “mal entendido” e já descrevera os nove “terroristas”: são cidadãos americanos, nascidos em Detroit e residentes em Washington, um é advogado especialista em impostos, outro advogado da Biblioteca do Congresso e o terceiro anestesista.

Azar. Com um perfi l assim, a história acabou no “Washington Post” no dia seguinte.

“Quando estávamos a falar e nos virámos, eu reparei numas raparigas que fi zeram que não com a cabeça”, contou à CNN Sofi a Ijaz, a suposta terrorista. “E pensei: ‘Se calhar vão dizer alguma coisa...’, mas nunca pensei que fossem criar uma confusão tão grande.”

Depois de esclarecer tudo, o FBI libertou o grupo e informou a AirTran que a família podia seguir. Mas a companhia devolveu-lhes o dinheiro e recusou transportá-los.

Kashif Irfan, advogado e irmão do anestesista, diz que a família está à espera de um pedido de desculpa. “Sinceramente, só estamos à espera que alguém nos venha dizer: Pedimos desculpa por vos termos tratado como cidadãos de segunda’.”

Não vai acontecer. Nem com Obama, que se chama Hussein Obama. Tal como a avó que criou o novo Presidente americano tinha medo quando se cruzava com um negro na rua, as duas raparigas americanas vão crescer com medo de muçulmanos e vão passar esse medo aos seus fi lhos. Até porque, li algures, elas seguem à letra o cardeal Policarpo.

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Encontrei na net o manual de Bin Laden sobre o bê-á-bá do terrorismo em aviões

Dis

cos ¬Mau ☆Medíocre ☆☆Razoável ☆☆☆Bom ☆☆☆☆Muito Bom ☆☆☆☆☆Excelente

40 • Ípsilon • Sexta-feira 23 Janeiro 2009

Evan Parker conduz uma aventureira exploração dos significados ocultos do tempo e do espaço.

Clássica

Revelação adiada

Patricia PetibonAmoureuses (Mozart, Haydn e Gluck)Concerto KolnDaniel Harding, direcçãoDG 477 7468

mmnnn

Um caso interessante de analisar, o do destaque dado a Patricia Petibon pela Deutsche

Grammophon. Até agora, a soprano francesa tinha sido notada na companhia dos mais ilustres maestros da música antiga e numa Gala Mozart gravada em DVD pela etiqueta

registo: forte orientação colectiva e composições alternadas com espaços abertos para a improvisação. A qualidade individual dos músicos que juntam os esforços na orientação do colectivo é fundamental para o sucesso do projecto. E é curioso ver que, apesar das diversas proveniências, os músicos funcionam bem no conjunto. Do jazz estruturado à livre improvisação mais dura são diversas as origens integradas por este Transatlantic Art Ensemble: Corey Wilkes (trompete, substituto de Lester Bowie no AEC), Márcio Mattos (violoncelo, do ZFP Quartet de Carlos Zíngaro), Craig Taborn (piano, criativo autor do fusionista “Junk Magic”), Barry Guy (contrabaixo) e Paul Lytton (bateria) são apenas alguns dos nomes envolvidos.

Assente num precioso equilíbrio entre composição e improvisação, o disco divide-se por oito movimentos, explorando diferentes tonalidades expressivas. Desvendando horizontes multi-texturais, fraseados consistentes, uma notável fluência de discursos e, sobretudo, uma impressionante solidez colectiva,

amarela na companhia do maestro Daniel Harding. Nesse caso, não sobressaiu ao lado de cantores de grande calibre. Este CD confirma a aposta da editora na soprano mas desilude pela falta de consistência vocal que revela. Diga-se que a escolha de repertório, com árias de Haydn, Mozart e Gluck, é bonita, assim como o registo grave da cantora. Com a voz um pouco atrás, resultado da gravação, Petibon demonstra problemas de afinação (um pouco baixa e sem rigor nos cromatismos) e imprecisão rítmica nas passagens rápidas (não só nas coloraturas). O caso é flagrante em árias tão famosas quanto a da Rainha da Noite da ópera “Flauta Mágica”. Este tipo de falha é imperdoável num disco gravado em estúdio numa editora como a DG. É uma pena pois Petibon tem qualidades louváveis, entre as quais a capacidade de variar coloridos, uma boa extensão e claríssima dicção. Da parte de Daniel Harding fica demonstrada a sua inclinação para recortes de grande limpidez e articulações extremamente nítidas. Rui Pereira

Evan Parker conduz uma aventureira exploração dos signifi cados ocultos do tempo e do espaço

Alexandra Lucas Coelho

Viagens com bolso

A promessa

Vi Obama tomar posse num quarto em Jerusalém. Gosto deste quarto. Foi nele que dormi a primeira vez que aqui aterrei. Vim do aeroporto ao amanhecer, tudo parecia prestes a explodir. Bombistas suicidas

entravam em autocarros e cafés, o exército israelita entrava nas cidades palestinianas, a morte saía muito à rua. Era Abril, 2002. Subi os degraus com a mala, havia um jardim, uma casa antiga de pedra. Deitei-me a ouvir - seriam tiros? E o dia seguinte nunca mais acabou, até hoje.

Voltei muitas vezes, sem nunca mais dormir neste quarto, e agora não pedi, foi um acaso.

E portanto às seis e meia da tarde em Jerusalém liguei a CNN para ver Obama. Tinha acabado de voltar de Ramallah, e tanta gente estava agora a fazer isto, ligar a televisão para ver Obama - em Jerusalém, Belém, Hebron, Nablus, Jenin, Ramallah.

Gaza menos. Falta electricidade.Domingo à noite Ayman ligou de Gaza a perguntar se

eu podia levar um rádio, um pequeno AM-FM a pilhas. Sem electricidade não há televisão nem Internet, mas pode haver rádio, pelo menos com pilhas que se possam carregar naqueles momentos de tréguas em que a energia volta. Agora uma pilha aqui é um luxo, dizia Ayman.

Um rádio a pilhas e é o mundo.E mais? Álcool. Betadine. Pensos. Algodão.Segunda-feira fui à rua Salahaddin, que tem tudo, e

tem mesmo café. O rapaz da loja mostrou-me um rádio chinês, tão chinês que o metal parecia de plástico. E com notável falta de sentido comercial insistia que eu levasse aquele, quatro vezes mais barato que o da Sony. Quando a Sony ganhou, já o rapaz me tinha explicado porque é que Obama não vai fazer qualquer diferença. É

porque “eles” só se importam com a segurança dos israelitas, dizia ele. “Eles” são os americanos.

Depois fui à farmácia. A versão Jerusalém Leste de Betadine é Polydine, made in Israel.

Agora tenho tudo, só ainda não entrei em Gaza. Se Israel continuar a deixar entrar oito jornalistas por dia, conto entrar lá por Junho.

As acácias e os jacarandás que sobraram já vão estar fl oridos.

Antes ainda do discurso de Obama, quando Aretha Franklin estava a cantar, telefonei a um entrevistado em Ramallah. Mas a canção foi curta, e ele queria mesmo não perder Obama.

E então deve ter ouvido como eu as vezes que Obama falou da liberdade. Foram três vezes:

“... essa grande dádiva da liberdade...”“... o que homens e mulheres livres podem conseguir

quando a imaginação se junta ao objectivo comum, e a necessidade à coragem...”

“... essa promessa de Deus segundo a qual todos são iguais, todos são livres e todos merecem uma oportunidade de lutar pela sua medida completa de felicidade.”

Parece-me um bom programa para a reconstrução de Gaza. É exactamente disto que se trata, mesmo dando como certo que Obama não estava a pensar em Gaza.

É bom que no dia em que esta crónica saia eu já não esteja neste quarto.

[email protected]

A versão Jerusalém Leste de Betadine é Polydine, made in Israel. Agora tenho tudo, só ainda não entrei em Gaza

¬Mau ☆Medíocre ☆☆Razoável ☆☆☆Bom ☆☆☆☆Muito Bom ☆☆☆☆☆Excelente

DV

D

Ípsilon • Sexta-feira 23 Janeiro 2009 • 41

definitiva (não será sempre possível acrescentar mais um extrazinho?), pega numa anterior (de dois discos) e adiciona-lhe, para além de um belo livro cartonado de fotos, excertos de diálogos ou informação icónica, e de um cartucho com reprodução de cartazes e “lobby cards”, um terceiro disco inteiramente consagrado a um documentário sobre o produtor, Jack Warner (cerca de 50 min.), tudo bem embalado numa caixa algo “kitsch”. No entanto, o que faz a glória da edição passa pelos bónus inseridos nos discos que já conhecíamos: uma cópia impecável do filme, acompanhada dos “trailers”, de uma breve introdução de Lauren Bacall e de dois comentários áudio, um mais histórico e o outro mais analítico. Segue-se um segundo disco recheado de documentários, em que avulta uma longa biografia fílmica de Bogart, “Bacall on Bogart” (mais de uma hora e vinte minutos), mas com outros atractivos: seis minutos de memórias dos filhos de Bogart e Bergman; “A Tribute to Casablanca” (mais de meia hora), com inúmeros depoimentos e cenas ilustrativas do filme; uma adaptação radiofónica, bem como o primeiro episódio de uma (irreconhecível) série televisiva de 1955; uma divertida curta de animação de Bugs Bunny e companhia, “Carrotblanca”; cenas cortadas e versões alternativas das canções.

O tempo passou, mas “Casablanca” permanece intocado e fascinante, para mais tarde (sempre) recordar - “You Must Remember This...”.

Werner Schroeter em revisão

A semana em que se estreia “Noite de Cão” é boa ocasião para recapitular algum Schroeter do passado, recente. Luís Miguel Oliveira

O Rei das Rosas

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sem extras

DuasDe Werner Schroeter

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Sem extras

Atalanta

Comecemos pelo

Cinema

Enquanto o tempo passa

“Casablanca” permanece intocado e fascinante, para mais tarde (sempre) recordar. Mário Jorge

Casablancade Michael CurtizWarner Home Video

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Extras

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Poucos filmes possuem o cariz mítico de “Casablanca” (1942), a sua força dramática, a capacidade de apelar aos sentimentos

básicos de cada um, permanecendo como instrumento de propaganda no momento preciso em que a Grande Guerra atingia o seu auge em todas as frentes de batalha. Dizer que se trata de uma obra-prima indiscutível parece uma evidência, sobretudo na medida em que tudo funciona como um mecanismo de relógio, tudo está no lugar certo, com “timing” perfeito, para servir um elenco de luxo. O resultado final supera, de longe, a soma das partes. E, se o realizador Michael Curtiz

nunca foi um autor cujos filmes se distinguissem por qualidades

estilísticas assinaláveis, a sua escolha prende-se com a economia de meios e uma eficácia total, independente

de géneros (do “swashbuckler”

ao melodrama), tão cara ao apertado sistema de produção da Warner.

Inicialmente, a escolha das personagens centrais recaía sobre George Raft e Ann Sheridan, actores da casa, mas, pouco a pouco, o “puzzle” fechou-se e hoje não imaginamos “Casablanca” sem a fotogenia incandescente de Ingrid Bergman, a vulnerabilidade “romântica” de Bogart ou a distinção, algo neutra, de Paul Henreid, rodeados de uma plêiade de secundários absolutamente excepcional, incluindo muitos exilados, como convinha ao próprio desenrolar da ficção: Peter Lorre e Sidney Greenstreet refazem uma dupla que já funcionara em “Relíquia Macabra” e que viria a repetir-se; Conrad Veidt, um dos grandes do Expressionismo Alemão, compõe um adequado vilão e Claude Rains possui o tom melífluo que lhe permite arrostar com alguns dos mais complexos diálogos. Da peça original, nunca encenada, “Everybody Comes to Rick’s” (uma espécie de “Grande Hotel” em versão de guerra), fica o esqueleto, mas o milagre resulta dos muitos picos de acção, que abundam em “Casablanca”: a sequência do duelo de canções patrióticas (o “Watch on the Rhine” dos nazis, abafado pelo fervor emocional de “La Marseillaise”), que ainda hoje provoca arrepios na espinha; o rosto da Bergman iluminado pela luz do farol; a morte do resistente, frente ao cartaz do Marechal Pétain; o lado sofisticado de estúdio nos interiores a servir, à maravilha o herói romântico de Bogart; o esplendoroso final, a caminho de Lisboa, envolto num falso nevoeiro, com o sacrifício do par amoroso em nome da necessidade política. Enfim, um sem número de preciosidades encenadas ao milímetro, com diálogos excessivos e marcantes e a partitura de Max

Steiner a partir de uma canção obcecante, “As Time Goes

By” (“You Must Remember This...”),

a sublinhar o regresso constante ao reino da

memória de dias mais felizes. O

“flashback” parisiense parece, numa primeira visão, quebrar o encantamento, mas tudo acaba por se conjugar numa harmonia

visual, em estado de graça:

“Casablanca” é um filme em

absoluto estado de graça!

Esta edição da Warner Home Video, apresentada como

mais antigo, obra-prima absoluta, apogeu de uma maneira de fazer cinema que não se parece com nenhuma outra. Desde sempre [“Eika Katappa”, de 1969, a sua primeira longa-metragem] que Schroeter filma como se o cinema ainda não tivesse sido inventado, como se não houvesse nem “modelos” nem “tradições”, e “regras” menos ainda. Nem países, nem fronteiras estanques entre línguas ou culturas, antes um grande caldeirão onde as mais diversas ideias, referências, marcas de imaginário, se fundem numa solução incandescente. Cineasta-alquimista como a mais nenhum outro faria sentido chamar, Schroeter foi sempre um cineasta “fora do tempo” e “fora do espaço” - e isto, que foi o traço que mais facilmente o distinguiu de entre a geração de 70 do cinema alemão (Fassbinder, Kluge, Wenders), tão obcecada em pensar uma relação com o seu país e com a sua história, também acabou por ser uma razão para a relativa marginalização (quando não mesmo subalternização) de Schroeter dentro desse contexto. Romântico, barroco, excessivo (ou em suma: adepto da “beleza gratuita”, como bem nota Cyril Neyrat no último número dos “Cahiers du Cinéma”), os seus filmes permitem-nos fantasiar com o que teria sido o cinema tivesse ele sido inventado no princípio do século XIX em vez de no seu fim. “O Rei das Rosas”, que pôs fim ao período mais prolífico da obra de Schroeter (a partir de então os seus filmes tornaram-se mais espaçados, por diversas razões que incluem, nos últimos anos, problemas de saúde), é um momento inexcedível. Uma grande construção em “patchwork”, em tapeçaria, bocadinhos e fios “roubados” às mais diversas origens e tradições artísticas, Bach e canções populares, excertos de Poe e citações de Caravaggio, coralidade linguística (alemão, espanhol, português, italiano, inglês, árabe, e mais ainda), estatuária sagrada e corporalidade profana, amores de espírito e amores de carne - tudo se sobrepõe e tudo se funde (como, no final, as rosas se fundem na carne), num composto cujo equilíbrio é da ordem do miraculoso ou, se quisermos ser um pouco mais pagãos (o filme também não exclui o paganismo da sua religiosidade), da pura alquimia. “Síntese”? Operação demasiado moderna, talvez: o que Schroeter faz terá mais a ver com um cinema “andrógino”, que partisse de um tempo em que tudo (especialmente as artes: música, pintura, literatura) era a mesma coisa e ainda não se cindira em “disciplinas”. O segredo de “O Rei das Rosas” andará mais por aí. E por Magdalena Montezuma (o filme, diz o genérico, é “von” Schroeter “und” Montezuma), esfíngica, presença “aurática” como poucas vezes se terá realmente visto, frágil e inatingível, “projecção” e “imanência”, figura tutelar que

Bogart e Bergman... alguém consegue imaginar George Raft e Ann Sheridan nestes papéis?

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Cin

emaD

VD ¬Mau ☆Medíocre ☆☆Razoável ☆☆☆Bom ☆☆☆☆Muito Bom ☆☆☆☆☆Excelente

42 • Ípsilon • Sexta-feira 23 Janeiro 2009

Estreiam

Umas semanas noutra cidade

“Vicky Cristina Barcelona” é um filme sobre a passagem do tempo, os amores e as oportunidades perdidas, um jardim chekhoviano plantado à beira do Mediterrâneo. Luís Miguel Oliveira

Vicky Cristina BarcelonaDe Woody Allen, com Penélope Cruz, Javier Bardem, Scarlett Johansson, Rebecca Hall. M/12

MMMnn

de somenos, essa. A ordem de necessidade é doutro género: foi para Barcelona porque precisava de ir para algum lado que não fosse Nova Iorque, que não fosse na América. Mais do que o londrino “Match Point”, pequeno ensaio dostoievskiano-bressoniano sobre o crime, o castigo e o acaso, “Vicky Cristina Barcelona” é um filme sobre algo que na literatura também se transformou em género ou subgénero: os americanos no estrangeiro. Escolheu Barcelona e os seus (m)ares mediterrânicos, e o filme confere sentido a essa escolha, mas podia ser outra cidade qualquer.

Temos assim duas jovens americanas arrancadas à sua cápsula nova-iorquina para umas férias de Verão na capital da Catalunha. Vicky (Rebecca Hall, maravilhosa) e Christina (Scarlett Johansson, mais indolente do que nunca), muito amigas mas diferentes em temperamento como a água e o vinho. Christina é candidata a artista, saltita de namorado em namorado, tem costumes que a moralidade comum daria por “dissolutos”; Vicky é mais conservadora, mais “uptight”, tem casamento marcado com um rapaz novaiorquino tão “uptight” como ela, a moralidade comum não encontraria muita coisa que lhe reprovar. Depois o desenvolvimento da história confirma isto, assim como os dilemas das raparigas nascerão em grande parte das respectivas configurações psicológicas, mas ainda antes de acontecer alguma coisa já a voz “off” nos explicou como eram Vicky e Christina, sobrepondo-se aos planos que as mostram, de táxi, no trajecto entre o aeroporto e a cidade (em sequência que abrira com a câmara focada nos grandes mosaicos que decoram o aeroporto de Barcelona, primeiro e subliminar sinal de que as raparigas chegaram a terra perigosa e sanguínea, bem diferente da sóbria e neurótica Manhattan). E a voz “off” de “Vicky Cristina Barcelona” tem que se lhe diga: em dicção rápida e radiofónica, instila gravidade (o narrador fala no mesmo tom em que narraria uma invasão de marcianos, por exemplo) e uma medida de urgência, como se Woody a usasse também para cortar caminho, para ir directo ao essencial, para não perder tempo com o que é da praxe. A gravidade e a urgência trazem à história um sentido de angústia que começa por parecer desproporcionado, mas que no fim se transformou na exacta proporção da angústia em que a história quer (e consegue) trabalhar. Na “mise en scène” de Woody Allen isto traduz-se por uma secura invulgar, transições rápidas entre cenas (contem os planos de ligação, as coisas que são “da praxe”: quase não existem), uma velocidade interior que nunca é certa (a primeira cena de sedução entre Javier Bardem e Scarlett no quarto dele, tão longo preliminar para tão abrupto desenlace), mesmo os

Angela Schanelec, retro-spectiva integral, cinco fi lmes, Culturgest, Lisboa. É uma das vozes mais singulares do (singular) cinema alemão contem-porâneo. “A Crueldade depois do teatro” é o título-programa de uma mostra que revelará a obra de uma ex-actriz de teatro

que se detém com precisão - crueldade? - sobre o quotidiano das person-agens. A partir de 12 de Março, com “work-shop” de direcção de actores, dirigido pela própria realizadora, no programa

Ciclo

Lisboa: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 5: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 15h50, 18h, 21h50 6ª Sábado 13h40, 15h50, 18h, 21h50, 24h; Castello Lopes - Londres: Sala 1: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h30 6ª Sábado 14h, 16h30, 19h, 21h30, 24h; Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 6: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 16h, 18h50, 21h50, 00h15; CinemaCity Alegro Alfragide: Cinemax: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 13h45, 15h45, 17h45, 19h45, 21h45, 23h55 Sábado Domingo 11h45, 13h45, 15h45, 17h45, 19h45, 21h45, 23h55; CinemaCity Beloura Shopping: Sala 1: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 13h55, 15h55, 17h55, 19h55, 21h55, 23h55 Sábado Domingo 11h50, 13h55, 15h55, 17h55, 19h55, 21h55, 23h55; CinemaCity Campo Pequeno Praça de Touros: Sala 4: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h15, 18h15, 21h30, 23h45 Sábado Domingo 11h50, 14h15, 16h15, 18h15, 21h30, 23h45; Medeia Monumental: Sala 4 - Cine Teatro: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h45, 15h45, 18h, 20h, 22h, 00h30; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 12: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h30, 16h45, 19h10, 21h45, 24h Domingo 11h30, 14h30, 16h45, 19h10, 21h45, 24h; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h30, 17h50, 21h30, 24h; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 15h50, 18h30, 21h50, 24h; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 16h, 18h30, 21h40, 24h; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h25, 18h, 21h20, 23h45; Castello Lopes - Rio Sul Shopping: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 15h40, 18h20, 21h30, 23h50; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h30, 17h55, 21h35, 23h55

Porto: Medeia Cidade do Porto: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h, 18h, 20h, 22h; UCI Arrábida 20: Sala 16: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 14h20, 16h45, 19h15, 21h45, 00h20 3ª 4ª 16h45, 19h15, 21h45, 00h20; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h, 18h40, 21h30, 00h10; ZON Lusomundo

Glicínias: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h30, 19h10, 21h50, 00h30

Mandaria uma ideia feita (e muito, digamos, “publicitária”) sobre Woody Allen dizer que ele foi para Barcelona para se “revigorar”. Parece-nos questão

Scarlett Johansson encontra o estereótipo espanhol, representado por Bardem

transporta a morte no olhar e em cada curva do rosto (não é força de expressão, Montezuma morreu duas semanas depois da rodagem do filme, a sua doença inunda o filme tanto quanto o filme a repele, o que é outro milagre).

Se “O Rei das Rosas” é cinema “andrógino”, “Duas”, rodado dezasseis anos depois mas com

apenas três filmes de permeio (belíssimos

“Malina”,

“Poussières d’Amour” e “Die Konigin”), não faz a coisa por menos: é a história de duas gémeas, separadas à nascença (Isabelle Huppert dá corpo à dupla interpretação). Como “O Rei das Rosas”, que foi rodado na zona de Sintra, é também um filme semi-português, rodado em Lisboa e arredores (Sintra, outra vez), com alguns actores portugueses no elenco. O universo é mais definido e reconhecível, as cidades têm nome (Lisboa, Marselha), é um mundo menos imaginário do que o de “O Rei das Rosas”. Schroeter continua a praticar o “patchwork” (agora permeável ao “mundo real”, inclusive ao “mundo político”), o gosto da citação, a amplitude gestual capaz de criar as mais desarmantes associações, e, como nos seus filmes dos anos 70, o “kitsch” em maneira terrorista, a atracção pelo lumpen, pela provocação e transgressão sexual. Empalidece um pouco perante o “O Rei das Rosas” (de um modo a que “Malina” e os outros títulos citados permanecem imunes, de tão distintos são), em parte porque o equilíbrio não é tão perfeito e algumas cenas parecem especialmente pesadas, em parte porque a presença “profissional” de Huppert (demasiado... actriz) fica longe do misterioso poder da de Montezuma.

Magdaldena Montezuma em “O Rei das Rosas”

Ípsilon • Sexta-feira 23 Janeiro 2009 • 43

campos-contracampos têm uma tensão especial.

Claro que a grande estranheza com que as raparigas se confrontam é menos a cidade (reduzida a apontamentos, a Sagrada Família, o Parc Guell, etc, mais uma visita às Astúrias porque para Vicky ceder não basta a estranheza, é precisa a “estranheza dentro da estranheza”) e mais os seus habitantes. Bardem, primeiro, Penélope Cruz, depois. Na fronteira com o estereótipo, Bardem e Cruz são quase “monstros” – ele a hipérbole do “macho latino”, hedonista e sexualmente insaciável, ela um expoente da feminilidade “mediterrânica”, amante tão possessiva como maternal, uma força da natureza como uma Loren ou uma Magnani. O que, através deles, Woody Allen faz projectar diante de Vicky e Christina é uma espécie de filme da latinidade, sanguínea e intempestiva, totalmente incompreensível para as raparigas, que só serve (sempre como “projecção”) para lhes criar a perspectiva de qualquer coisa que se passa demasiado depressa e demasiado profundamente para que elas a consigam agarrar. A gravidade agudiza-se (passe o paradoxo), “Vicky Cristina Barcelona” transforma-se num filme sobre a passagem do tempo, sobre os amores e as oportunidades perdidas, um jardim chekhoviano plantado à beira do Mediterrâneo. A angústia estampada nos rostos de Vicky e Christina quando o filme as deixa explica por que razão Woody começara por insistir nos seus costumes: nenhuma delas está certa, no universo alleniano a “moralidade” nunca foi uma resposta à altura do fatalismo que a engole.

Oportu-nidade perdida

Há um grande filme escondido em “Frost/Nixon”, mas precisava de outro realizador para o trazer a superfície. Jorge Mourinha

Frost / NixonDe Ron Howard, com Frank Langella, Michael Sheen, Sam Rockwell, Kevin Bacon. M/12

Mnnnn

Lisboa: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 1: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h10, 18h50, 21h40 6ª Sábado 13h30, 16h10, 18h50, 21h40, 00h20; CinemaCity Classic Alvalade: Sala 2: 5ª 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h35, 19h, 21h40 6ª 14h10, 16h35, 19h, 21h40, 00h10 Sábado 11h30, 14h10, 16h35, 19h, 21h40, 00h10 Domingo 11h30, 14h10, 16h35, 19h, 21h40; Medeia Saldanha Residence: Sala 8: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h45, 19h15, 21h40, 00h15; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 13: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h40, 19h15, 21h50, 00h20 Domingo 11h30, 14h10, 16h40, 19h15, 21h50, 00h20; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 16h10, 18h50, 21h40, 00h15; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h30, 18h20, 21h30, 00h15; ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h50, 18h40, 21h25, 00h10; ZON Lusomundo Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h50, 18h35, 21h35, 00h25; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h45, 18h30, 21h25, 00h10

Porto: UCI Arrábida 20: Sala 12: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 13h55, 16h35, 19h15, 21h55, 00h35 3ª 4ª 16h35, 19h15, 21h55, 00h35; ZON Lusomundo GaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h, 18h50, 21h30 6ª Sábado 13h20, 16h, 18h50, 21h30, 00h20; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h50, 18h50, 21h40, 00h35; ZON Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h05, 15h55, 18h50, 21h45 6ª Sábado 13h05, 15h55, 18h50, 21h45, 00h35

Sem meias medidas: há um grande filme na peça de Peter Morgan “Frost/Nixon”, mas não é o que Ron Howard dela fez. Apesar de ter sido o próprio Morgan (o argumentista de “A Rainha”) a adaptar a sua peça, apesar de recuperar os actores que a criaram em palco, Michael Sheen como David Frost e Frank Langella como Richard Nixon, apesar de tocar numa série de tópicos estimulantes do momento — desde a (ir)responsabilidade dos governantes à demissão investigativa dos jornalistas, passando pelo desencanto popular com os políticos que dizem uma coisa e fazem a outra — “Frost/Nixon”, filme, é uma maçada. Pior: é uma daquelas maçadas ditas “de prestígio”, que os estúdios aceitam produzir com um olho nos Óscares porque, sejamos sinceros, Hollywood não pode dizer que não ao realizador de “Uma Mente Brilhante” e de “O Código Da Vinci” mesmo que ele lhe venha dizer que quer fazer um filme a preto e branco em língua malaia sobre os refugiados cambodjanos que emigraram para o Sudão.

“Frost/Nixon” não é a preto e branco, mas debruça-se sobre o que, para muito boa gente, já é “história antiga”: as entrevistas que o apresentador televisivo britânico David Frost fez em 1977 ao ex-presidente americano Richard Nixon após ter abdicado da presidência na sequência do escândalo Watergate três anos antes. Essas entrevistas foram, de certa maneira, o “julgamento público” que Nixon, perdoado pelo seu sucessor Gerald Ford, nunca teve nos tribunais, e fizeram a reputação de Frost. O que a peça de Morgan conta, cruzando com a sua proverbial inteligência as esferas do privado e do público, do político e do pessoal, é todo o percurso que levou Frost e Nixon às entrevistas. Para o entrevistador, a vontade de regressar ao “show-biz” americano pela porta grande, de se impôr no mercado televisivo mais competitivo do mundo, de conseguir aquilo que mais ninguém conseguiu, de bater todos os recordes de audiências da altura. Para o ex-presidente, a necessidade de combater a percepção pública, de contar o seu lado da história, e de ganhar bom dinheiro com as entrevistas.

É uma história muito americana — a “última oportunidade”, a busca da redenção — e ao mesmo tempo muito “Morganiana” na medida em

que se torna impossível quer a Nixon quer a Frost divorciarem as suas opções da sua personalidade. Para Morgan, quando se está numa posição de responsabilidade, é impossível divorciar quem se é do que se faz, e de nada serve lutar contra isso: é isso que torna o confronto entre Frost e Nixon tão estimulante.

Infelizmente, não há absolutamente estímulo nenhum na encenação banalíssima de Ron Howard, que tropeça desde logo num problema que não se sentia na produção de palco: a implausibilidade física de Frank Langella como Nixon, que ameaça desde o princípio toda a credibilidade do filme. Depois, o filme constrói-se como uma espécie de “falso documentário” sobre o difícil parto das entrevistas, com “comentários” do conselheiro de Nixon (Kevin Bacon) e dos produtores de Frost (Matthew MacFadyen, Oliver Platt e Sam Rockwell) — mas estas personagens nunca são desenhadas para lá do simples arquétipo, meros bonecos que cumprem uma mera função narrativa mas não têm espessura nenhuma. E onde Morgan escreveu uma peça sobre o amargo triunfo do indivíduo, Howard filma tudo como se fosse uma história de jornalista herói a ganhar a um político manipulador, reduzindo a simplicidades maniqueístas algo que, nas entrelinhas, é extremamente mais matizado.

É inegável que “Frost/Nixon” reflecte muitas das questões que rodearam a administração Bush e a imprensa americana durante os últimos oito anos, e isso torna-o num filme válido, do seu tempo. Mas é uma oportunidade perdida de fazer um grande filme da peça de Morgan.

A meio-caminho do excesso

Esta NoiteNuit de ChienDe Werner Schroeter, com Pascal Greggory, Nuno Lopes, Bruno Todeschini. M/12

Mmnnn

Lisboa: Medeia Fonte Nova: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h45, 19h15, 21h45; Medeia King: Sala 1: 5ª Domingo 3ª 4ª 14h30, 17h, 19h30, 22h 6ª Sábado 2ª 14h30, 17h,

19h30, 22h, 00h30; Auditório Charlot: Sala 1: 6ª 2ª 3ª 4ª 21h30 Sábado Domingo 16h, 21h30

Não teríamos palavras para descrever o quanto gostamos do cinema de Schroeter, dos seus bricabraques que são uma maneira de partir em encalço da ideia romântica de uma beleza não necessariamente “pura”, porque a sua natureza é sempre compósita mas, até por isso, “total”, como vemos no mais artesanal (e também o mais convulsivo, mais vulcânico) período da sua obra, o que vai de “Eika Katappa” (1969) a “O Rei das Rosas” (1986); e da sua maneira de prestar devoção às actrizes (Huppert, Carole Bouquet) e cantoras de ópera (Callas, Anita Cerquetti) que mais admira, seja levando uma actriz ao ponto de incandescência (como Huppert em “Malina”) seja transformando a declaração de amor num recolhimento silencioso e contemplativo (como com Cerquetti, Bouquet e ainda outras em “Poussières d’Amour”).Talvez por isso incomoda-nos pouco confessar que nos faltam as palavras certas para descrever o que é que nos decepciona em “Noite de Cão”, adaptação de um romance do uruguaio Juan Carlos Onetti que marca o regresso de Schroeter à actividade depois de um interregno (desde “Duas”, 2002) provocado por uma doença grave. A “linearidade narrativa”, que Schroeter contou ter-lhe sido expressamente pedida pelo produtor (Paulo Branco)? Schroeter já foi, mesmo que à sua maneira, “linear” noutras ocasiões, isso não deveria ser um problema; mas um pouco, sim: frequentemente sentimos a “linearidade” (sem a qual a história de Onetti, fazendo da continuidade “jusqu’au bout de la nuit” a sua razão de ser, perderia sentido) a aplanar rugosidades que mereciam ser tacteadas de outra maneira. Mas mais importante do que isso nos parece ser uma certa deficiência figurativa, qualquer coisa que ficou a meio-caminho: Schroeter nunca filmou “a pintura”, “a música”, “a literatura”, queimou-as sempre como lenha numa alegre pira de cujas chamas nascia um dos mais inimitáveis cinemas das últimas

décadas. Aqui, desde o primeiro plano (a imagem de um quadro de Ticiano), temos a sensação de que Schroeter filma, à vez, agora a “pintura”, depois a “música”, e assim sucessivamente. Do “excesso”, que era sempre uma manifestação passional, fica só a gestualidade, uma espécie de faz de conta. Curiosamente, gostamos mais do filme à medida que ele se aproxima do fim e se vai “desnudando”, concentrando-se no essencial que é a relação da personagem de Pascal Greggory com o seu passado (abundante) e o seu futuro (escasso). E o último plano (o porto, o barco), muito longo, é o melhor em todo o filme - já não há nada para “fazer de conta”, nem às personagens nem a Schroeter. Mas é tarde demais para o nosso entusiasmo. Podemos apenas desejar que “Noite de Cão” seduza os espectadores neófitos para a descoberta da obra de Schroeter, e desejar-lhes uma boa viagem por esse aventuroso caminho. L.M.O.

Continuam

O Estranho Caso de Benjamin ButtonThe Curious Case of Benjamin ButtonDe David Fincher, com Brad Pitt, Cate Blanchett, Tilda Swinton. M/12

MMMnn

Jorge Mourinha

Luís M. Oliveira

Mário J. Torres

Vasco Câmara

Contrato Mnnnn mnnnn mnnnn nnnnn

O Estranho Caso de Benjamin Button MMmnn mnnnn nnnnn nnnnn

Esta Noite nnnnn mmnnn nnnnn mnnnn

Frost/Nixon Mnnnn nnnnn nnnnn nnnnn

A Troca mmmnn mmmnn mmmnn mmnnn

Paris 36 MMmnn nnnnn mmnnn nnnnn

Três Macacos nnnnn mmmnn mmnnn mnnnn

Valsa com Bashir mmmmn mmnnn mmnnn mmmnn

Veneno Cura mnnnn mnnnn nnnnn nnnnn

Vicky Cristina Barcelona mnnnn mmmnn mmmnn mnnnn

As estrelas do público

“Esta Noite”

Uma oportunidade perdida de fazer um grande fi lme político a partir da peça de Peter Morgan

Cin

ema

44 • Ípsilon • Sexta-feira 23 Janeiro 2009

Lisboa: Atlântida-Cine: Sala 1: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 15h30, 21h30 Sábado Domingo 15h15, 18h30, 21h30; Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h30, 21h30; Castello Lopes - Feira Nova: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 16h30, 21h30; Castello Lopes - Londres: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h45, 21h45; Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 16h10, 21h30; Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 23h40; CinemaCity Alegro Alfragide: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h35, 16h50; CinemaCity Alegro Alfragide: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h, 00h15; CinemaCity Beloura Shopping: Cinemax: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 17h10, 21h, 00h15; CinemaCity Campo Pequeno Praça de Touros: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 17h15, 21h, 00h15; CinemaCity Classic Alvalade: Sala 3: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 17h15, 21h 6ª Sábado 14h, 17h15, 21h, 00h15; Medeia Nimas: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 15h, 18h15, 21h30; Medeia Saldanha Residence: Sala 6: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h30, 15h40, 18h50, 22h; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 9: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h15, 17h30, 21h, 00h10; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 16h30, 21h05, 00h25; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 16h30, 21h, 00h20; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 17h, 21h, 00h30; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 17h, 21h, 00h25; ZON Lusomundo Dolce Vita Miraflores: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 15h, 18h30, 22h; ZON Lusomundo Odivelas Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 15h10, 18h40, 22h; ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h05, 16h30, 21h, 00h20; ZON Lusomundo Torres Vedras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 17h, 21h, 00h25; ZON Lusomundo Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 16h15, 21h, 00h20; Castello Lopes - Barreiro: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 16h30, 21h40; Castello Lopes - C. C. Jumbo: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 16h30, 21h30; Castello Lopes - C. C. Jumbo: Sala 2: 6ª Sábado 24h; Castello Lopes - Rio Sul Shopping: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 161h0, 21h45; Castello Lopes - Rio Sul Shopping: Sala 6: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 23h40; UCI Freeport: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 15h20, 18h35, 21h55; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 17h, 21h, 00h25; ZON Lusomundo Fórum Montijo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 17h20, 21h, 00h15

Porto: Cinemax - Penafiel: Sala 2: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h30, 21h45 6ª 15h30, 21h45, 00h35 Sábado 15h, 17h30, 21h45, 00h35 Domingo 15h, 17h30, 21h45; Medeia Cidade do Porto: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h40, 18h20, 21h30; UCI Arrábida 20: Sala 15: 5ª 6ª Sábado

Domingo 2ª 14h10, 17h35, 21h05, 00h30 3ª 4ª 17h35, 21h05, 00h30; ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 16h30, 21h, 00h30; ZON Lusomundo Ferrara Plaza: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 15h50, 21h 6ª Sábado 15h50, 21h, 00h20; ZON Lusomundo GaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 17h25, 20h50 6ª Sábado 13h50, 17h25, 20h50, 00h25; ZON Lusomundo MaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h25, 17h10, 21h 6ª Sábado 13h25, 17h10, 21h, 00h35; ZON Lusomundo Mar Shopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 17h10, 21h10, 00h30; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 16h50, 20h50, 00h30; ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 17h, 21h, 00h40; Castello Lopes - 8ª Avenida: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 16h, 21h30; ZON Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 16h40, 21h 6ª Sábado 13h, 16h40, 21h, 00h30; ZON Lusomundo Glicínias: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 17h20, 21h, 00h40

Não é um filme, são três cruzados que não têm nada a ver um com o outro: a partir do conto de Fitzgerald sobre um homem que nasce velho e em vez de envelhecer rejuvenesce ao longo dos anos, o argumentista Eric Roth quer fazer uma sonsice pseudo-histórica à “Forrest Gump”, Brad Pitt e Cate Blanchett (ambos espantosamente “miscast”) parecem estar num melodrama romântico à moda antiga, e o realizador David Fincher quer fazer uma fábula romanesca. No papel, é a receita para o desastre; no écrã, Fincher não só ganha aos pontos, jogando de modo magistral com o espaço e o tempo para contar a sua fábula, confirmando a sua vocação de criador de ambientes e trabalhando a montagem com argúcia, como consegue fazer esquecer que o filme dura três horas, que o argumento é vergonhosamente manipulador, que Pitt e Blanchett são os actores errados para esta fita. Depois do sublime “Austrália”, “O Estranho Caso...” é a segunda prova em como é possível reinventar o romanesco para os nossos dias. Não devia resultar, mas resulta — apostamos que nem Fincher sabe como. J. M.

Paris 36Faubourg 36De Christophe Barratier, com Gérard Jugnot, Clovis Cornillac, Kad Merad. M/16

MMnnn

Porto: UCI Arrábida 20: Sala 8: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 14h, 16h40, 19h20, 22h, 00h40 3ª 4ª 16h40, 19h20, 22h, 00h40; ZON Lusomundo GaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h20, 18h10, 21h40 6ª Sábado 12h55, 15h20, 18h10, 21h40, 00h15

É um filme estranho: por um lado possui uma vertente passadista de musical fora de moda, pescando nas águas mais conservadoras da Hollywood dos tempos áureos e por aí resulta interessante e honesto, se bem que invocar o realismo poético como matriz nos pareça um tanto descabido. No entanto, não é Jacques Demy quem quer e muito das boas intenções sossobram num decorativismo visual bastante caricatural, com demasiados efeitos para cumprir o programa de regresso a formas da memória fílmica. Apesar das contradições, salva-se a energética força de algumas personagens. A nostalgia já não é o que era. M.J.T.

Veneno CuraDe Raquel Freire, com Margarida Carvalho, Sofia Marques, Sandra Rosado. M/0

Mnnnn

Lisboa: Medeia King: Sala 2: 5ª Domingo 3ª 4ª 13h45, 15h45, 17h45, 19h45, 21h45 6ª Sábado 2ª 13h45, 15h45, 17h45, 19h45, 21h45, 24h; Medeia Monumental: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 19h40

Porto: Medeia Cine Estúdio do Teatro Campo Alegre: Cine-Estúdio: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 18h30, 22h

Raquel Freire assinou há anos valentes “Rasganço”, estreia

InternetEstamos online. Clique em ipsilon.publico.pt. É o mesmo suplemento, é outro desafi o. Venha construir este site connosco.

Agenda

Sexta, 23Amor À Queima-RoupaTrue RomanceDe Tony Scott15h30 - Sala Félix Ribeiro

O Bom, O mau e o VilãoThe Good, the Bad and the UglyDe Sergio Leone19h - Sala Félix Ribeiro

Doido com JuízoMr. Deeds Goes to Town De Frank Capra19h30 - Sala Luís de Pina

Uma Mulher Sob Infl uênciaA Woman Under the Infl uenceDe John Cassavetes21h30 - Sala Félix Ribeiro

Ontem ao Fim do DiaBreezyDe Clint Eastwood22h - Sala Luís de Pina

Sábado, 24Jack, O EstripadorThe LodgerDe John Brahm15h30 - Sala Félix Ribeiro

As Duas Inglesas e o ContinenteLes Deux anglaises et le ContinentDe François Truffaut19h - Sala Félix Ribeiro

Comédias do Período PrimitivoDo Cinema - 9 CurtasDe Albert Capellani, André Deed, Ernesto Vaser, Raymond Frau, Marcel Fabre, Ferdinand Guillaume.19h30 - Sala Luís de Pina

A Cor da Romã - Sayat NovaTsvet Granata-Sayat NovaDe Sergei Paradjanov

21h30 - Sala Félix Ribeiro

O GrandePecadorThe Great SinnerDe Robert Siodmak22h - Sala Luís de Pina

Segunda, 26Um Dia InesquecívelUna Giornata ParticolareDe Ettore Scola15h30 - Sala Félix Ribeiro

Vendredi SoirDe Claire Denis19h - Sala Félix Ribeiro

Tempos ModernosModern TimesDe Charles Chaplin19h30 - Sala Luís de Pina

ImperdoávelUnforgivenDe Clint Eastwood21h30 - Sala Félix Ribeiro

Gabriel Over The White HouseDe Gregory La Cava22h - Sala Luís de Pina

Terça, 27A Águia NegraThe EagleDe Clarence BrownDresser. 73 min.15h30 - Sala Félix Ribeiro

Os Abutres Têm Fome

Cinemateca Portuguesa R. Barata Salgueiro, 39 Lisboa. B213596200

Gena Rowlands, “Uma Mulher sob Infl uência”

Luna Park

A giant leap

Passaram-se dois meses desde essa noite sobre a qual, quando os nossos filhos nos perguntarem onde estávamos quando o primeiro presidente afro-americano dos EUA foi eleito (ter filhos parece ser obrigatório para justificar este

entusiasmo pela História “in the making”), teremos de dizer que estávamos no sofá, e nem sequer adormecemos, a ver uma emissão desastrosa de um canal muito pouco global em que às tantas parou tudo porque, assim de repente, chamamos-lhe negro mas na verdade ele é só mulato.

Até as coisas grandes parecem pequenas quando as vemos na televisão - a História a fazer-se e nós sem cabo, sem nada a não ser uma emissão desastrosa, um presidente mulato, um pivô disposto a passar completamente ao lado

da verdadeira questão racial, dois convidados extraterrestres, uma jornalista com olheiras sempre a entrar em directo de um desses não-lugares onde ainda não se passava rigorosamente nada a não ser a espera.

Que é o que se está a passar agora. Dois milhões de pessoas (mais 40 mil polícias) em Washington, directos sucessivos e emissões verdadeiramente globais (dois meses depois deixámos de estar num não-lugar e passámos a ter cabo), mas ainda rigorosamente nada a não ser a espera. Daqui a seis minutos, quando a espera tiver acabado, também já poderemos dizer onde estávamos quando o primeiro presidente afro-americano dos EUA foi eleito: estávamos na América, porque há dois meses que somos todos americanos. É esse o preço e é essa a promessa de termos vivido para ver este dia.

Passaram-se dois meses e entretanto vimos o que a América andou a fazer no Vietname (e vimos John McCain, em uniforme, numa prisão de Hanói), vimos como nos afundámos com a América na maior depressão desde os anos 30, e o que vimos é sem comentários, tal como muitas coisas que ainda veremos, porque a América (a melhor América e a pior América) está para lá da nossa capacidade de compreensão. Mas também

vimos, e para isso nem precisámos de sair de casa, nem precisámos da televisão por cabo, uma coisa igual ao homem na lua - ou melhor do que o homem na lua, pelo menos para quem tem tanto medo das alturas (o que para uns é um pequeno passo, para outros é um grande salto).

2009 tem muito melhor ar, agora que mudámos de presidente - e passámos a ter um homem negro, canhoto, fi lho de um muçulmano (e quase de esquerda, pelo menos a esta distância) na Casa Branca. Muito melhor ar, agora que emigrámos para a América e a América já não está disposta a trocar nenhuma liberdade fundamental por alguma segurança temporária. Esperámos oito anos por isto - e ainda não chegámos lá, mas esta é aquela parte em que a viagem começa a ser extraordinária.

So help us God, como se diz na América, esse país sobre o qual, quando os nossos fi lhos nos perguntarem, teremos de dizer que só verdadeiramente começou a existir no dia 20 de Janeiro de 2009.

Inês Nadais

2009 tem muito melhor ar, agora que mudámos de presidente - e passámos a ter um homem negro, canhoto, filho de um muçulmano (e quase de esquerda, pelo menos a esta distância) na Casa Branca. Muito melhor ar, agora que emigrámos para a América e a América já não está disposta a trocar nenhuma liberdade fundamental por alguma segurança temporária

Ípsilon • Sexta-feira 23 Janeiro 2009 • 45

interessante que cortava com a tendência autoral da maior parte do cinema português corrente mas também recusava o popular pelo popular. “Veneno Cura”, segunda longa depois de um interregno de sete anos, sugere que a cineasta é uma provocadora que perdeu o pé pelo meio da sua vontade de transgredir, deixando-se levar por um onirismo surreal em detrimento de uma narrativa que leva tempo a formar-se e depois se desagrega ao primeiro toque. Num dispositivo que recorda pontualmente “Noites”, de Cláudia Tomaz, o filme organiza-se à volta de dois casais unidos por um clube de strip da Ribeira portuense, convocando incesto, sexo, voyeurismo, esperança, doença e morte, e passa a sua (curta) duração a tentar dar razão à definição do orgasmo como “a pequena morte”. O que não seria inteiramente de deitar fora se não fosse a sensação de que Raquel Freire sabe mais como quer mostrar do que onde quer chegar — como se o seu filme fosse uma colecção de símbolos e

ideias em busca de uma história para contar. J. M.

ContratoDe Nicolau Breyner, com Pedro Granger, Nicolau Breyner, Cláudia Vieira, José Wallenstein, Pedro Lima. M/0

Mnnnn

Lisboa: Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 5: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 15h40, 19h, 21h40, 23h50 Sábado Domingo 19h, 21h40, 23h50; CinemaCity Alegro Alfragide: Sala 2: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 13h55, 18h25; CinemaCity Alegro Alfragide: Sala 3: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 20h05, 22h10, 00h20 Sábado Domingo 11h30, 20h05, 22h10, 00h20; CinemaCity Beloura Shopping: Sala 2: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 16h25, 18h45, 21h35, 23h45 Sábado Domingo 18h45, 21h35, 23h45; CinemaCity Campo Pequeno Praça de Touros: Sala 3: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 14h05, 18h40, 21h25, 23h40 Sábado Domingo 14h05, 21h25, 23h40; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 15h30, 18h, 21h20, 23h30; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h50, 00h10; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h05, 15h40, 18h05, 21h15, 23h35; Castello Lopes - Barreiro: Sala 1: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h10, 17h20, 19h30, 21h45 6ª 15h10, 17h20, 19h30, 21h45, 00h05 Sábado 19h30, 21h45, 00h05 Domingo 19h30, 21h45; Castello Lopes - Rio Sul Shopping: Sala 4: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 15h25, 17h30, 19h30, 21h35, 23h55 Sábado Domingo 19h30, 21h35, 23h55; ZON

Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 15h40, 18h, 21h30,23h50; ZON Lusomundo Fórum Montijo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h50, 18h10, 21h30, 23h45

Porto: ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h20, 18h40, 21h40, 23h50; ZON Lusomundo Mar Shopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h20, 18h, 21h30, 23h50; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 20h, 22h20, 00h40

Pena ser tão oportunista (há muito que não víamos “sexploitation” tão descarado como o duche de Cláudia Vieira), tão dependente de âncoras com o mundo da televisão (o prólogo com Pedro Granger é lamentável), tão permeável ao brilho limpo e desinteressante do visual publicitário (embora o “product placement”, como os Skodas que toda a gente conduz, quase se torne um “gag”). Pena porque a historia era boa, e porque Pedro Lima nem se sai mal no protagonista (não é tão sombrio como devia ser mas é sóbrio quanto baste). Mas devia ser uma coisa “gritty”, com cheio a submundo, a bas-fonds, a tascas e discotecas manhosas, e isso perde-se completamente no pacóvio “glamour TVI” em que o filme se embrulha. Mas enfim, já vimos pior, e pior havemos de ver. L.M.O.

A TrocaChangelingDe Clint Eastwood, com Angelina Jolie, Gattlin Griffith, Michelle Martin, John Malkovich. M/12

MMnnn

Lisboa: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h40, 18h30, 21h20; Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h45, 15h30, 18h30, 21h15, 00h05; CinemaCity Alegro Alfragide: Sala 8: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h35, 16h30, 21h10, 00h05; CinemaCity Beloura Shopping: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h40, 21h20, 00h10; CinemaCity Campo Pequeno Praça de Touros: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h10, 17h05, 21h15, 00h10; Medeia

Monumental: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 16h, 18h45, 21h45,

00h20; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 6: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª

15h40, 18h30, 21h30, 00h25; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 17h, 21h10, 00h20; ZON Lusomundo

Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 17h30,

21h30, 00h25; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 17h20, 21h20, 00h20; ZON Lusomundo

Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª

NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 17h10, 21h10, 00h25; ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h40, 17h50, 21h10, 00h30

Quando Clint Eastwood procede ao levantamento arqueológico de uma Los Angeles desaparecida – como se constatássemos, até, que as pessoas andavam, falavam de maneira diferente do que aquilo que os filmes mostravam –, “A Troca” promete ser qualquer coisa pouco vista, do âmbito mesmo da descoberta, da revelação: como se fotografias antigas se animassem e os corpos antes imobilizados na pose fossem dotados, subitamente, de uma humanidade que nos parece pioneira. É a primeira hora do filme, a que tem aquela sequência quase estarrecedora de Angelina Jolie de patins no local de trabalho. Mas

depois, o filme sobre uma época transforma-se em “filme de época”, docudrama baseado numa histórica verídica, sem tempo para todo o protocolo de personagens e acontecimentos, prendendo-se ao que já

foi muito visto. E Jolie não tem estofo para

a sua personagem...

Vasco Câmara

Two Mules for Sister SaraDe Don Siegel19h - Sala Félix Ribeiro

O Pão Nosso de Cada DiaOur Daily BreadDe King Vidor19h30 - Sala Luís de Pina

ArquivoDe Sandro Aguilar. 17 min.21h30 - Sala Félix Ribeiro

AlphaDe Miguel Fonseca21h30 - Sala Félix Ribeiro

A Solução Final de Hitler: A Conferência De WannseeDie WannseekonferenzDe Heinz Schirk22h - Sala Luís de Pina

Quarta, 28Adivinha Quem Vem JantarGuess Who’s Coming to DinnerDe Stanley Kramer15h30 - Sala Félix Ribeiro

Strange ImpersonationDe Anthony Mann. Com Brenda Marshall, William Gargan, Hillary Brooke. 68 min.

19h - Sala Félix Ribeiro

ImperdoávelUnforgivenDe Clint Eastwood19h30 - Sala Luís de Pina

Um Mundo PerfeitoA Perfect WorldDe Clint Eastwood21h30 - Sala Félix Ribeiro

Sing Your Way HomeDe Anthony Mann22h - Sala Luís de Pina

“Veneno Cura”: uma colecção de símbolos em busca de uma história

Este espaço vai ser seu. Que fi lme, peça de teatro, livro, exposição, disco, álbum, canção, concerto, DVD viu e gostou tanto que lhe apeteceu escrever sobre ele, concordando ou

não concordando com o que escrevemos? Envie-nos uma nota até 500 caracteres para [email protected]. E nós depois publicamos.

EspaçoPúblico

“Contrato”: pena ser tão dependente de âncoras com o mundo da televisão

13h10, 16h40, 21h10, 00h15; ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h30, 18h30, 21h30, 00h30; ZON Lusomundo Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 15h20, 18h20, 21h20, 00h30; Castello Lopes - Barreiro: Sala 2: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h40, 18h35, 21h30 6ª Sábado 12h40, 15h40, 18h35, 21h30, 00h20; Castello Lopes - Rio Sul Shopping: Sala 5: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h40, 18h30, 21h20, 00h10; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 15h, 18h05, 21h15, 00h20; ZON Lusomundo Fórum Montijo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h30, 21h10, 00h10

Porto: Medeia Cidade do Porto: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h15, 17h50, 21h50; UCI Arrábida 20: Sala 20: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 15h15, 18h25, 21h40, 00h45; ZON Lusomundo GaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h30, 21h10 6ª Sábado 14h30, 17h30, 21h10, 00h30; ZON

Lusomundo

Angelina Jolie em “A Troca”

Shirley MacLaine em “Os Abutres Têm Fome”

46 • Ípsilon • Sexta-feira 23 Janeiro 2009

Não é a primeira vez que isto acontece, mas é sem dúvida

uma altura em que parece estar a acontecer repeti-damente. E a palavra-

chave aqui é mesmo “repetição”. Ainda em 2006 tivemos dois Tru-man Capote - o “Infame” e o “Capote” tão só, dois filmes bio-gráficos sobre o jorna-

lista e escritor americano, lançados com menos de um ano de distância e aparente-mente destinados a lançar a confusão junto dos especta-dores mais distraídos.

“Qual é a lógica de produ-zir dois filmes sobre a mesma história em tão curto espaço de tempo?”, perguntava-se um espec-tador português no fórum “online” da Rede Ex Aequo. Pois bem, pode-mos apenas especular. Coincidências? Espiona-gem industrial em Hollywood? Boas ideias sincronizadas? Este ano, a história repete-se uma e outra vez. E algumas envolvem “biopics”.

Sherlock Holmes,

Coco Chanel, Pablo Escobar e Salva-dor Dali têm em comum muito pouca coisa. Cada um tem sua nacionali-dade, a sua corrente artística, um até é ficcional e combatente do crime, outro um refinado traficante de droga. Mas todos têm 2009 como ano essencial: ou começam a filmar-se vários projectos sobre cada um deles, ou entram em produção em breve.

Comecemos por mr. Holmes, Sher-lock Holmes. Os planos fílmicos que envolvem o detective criado por Sir Arthur Conan Doyle jogam-se nas duas margens do Atlântico. Primeiro, em Junho de 2008, a Warner Bro-thers anunciava o seu projecto Hol-mes: Guy Ritchie como realizador, Robert Downey Jr. como Sherlock, Jude Law como o dr. Watson, 13 de Novembro de 2009 como data de estreia. Se parecia elementar que a história ficava por aqui, passado um mês tudo mudava. A Columbia Pic-tures anunciava na “Variety” que tinha na calha... um projecto sobre Sherlock Holmes.

Sem datas associadas (nem entra-das no IMDB para ajudar), soube-se apenas que o projecto era algo ligei-ramente diferente, visto que a ideia é fazer uma comédia Holmes. Sacha Baron Choen, o actor eternamente conhecido como Borat, vai ser o detective dado ao ópio e Will Ferrell

será o seu “sidekick” mais afável. Ainda não há realizador associado ao projecto, mas já há temores, sobre-tudo em relação ao Holmes de Ritchie. Uma das imagens da roda-gem traz Downey Jr. de tronco nu, em pleno combate ensanguentado de artes marciais (práticas que são ape-nas uma referência nos livros de Doyle)...

Mas ainda é cedo para decretar um vencedor na luta pelo melhor Sher-lock de 2009/2010. A verdade é que com Capote, “Infame” ficou como um DVD que confunde os espectado-res e “Capote” como o filme que deu o Óscar a Philip Seymour Hoffman. No caso de “Sherlock Holmes” de Ritchie e do ainda não baptizado Hol-mes com Borat, ambos têm actores à medida para ter relevância e marke-ting q.b., pelo que serão as bilheteiras a decidir o duelo. E será que as audi-ências estão disponíveis? O corres-

pondente da “Variety” em Londres, Archie Thomas, escrevia após noti-ciar o projecto da Columbia: “Supõe-se que [os estúdios] tenham feito a sua pesquisa e que há um apetite por Sherlock Holmes, mas há apetite para dois?” A conclusão da revista espe-cializada foi que os projectos gémeos levarão os estúdios a esticar uma situ-ação já de si perigosa até à iminência do desastre.

Nos últimos anos, o mercado já parece ter receitas suficientemente repetidas até à exaustão. No final dos anos 1970 apareciam os “blockbus-ters” de Verão, em contraste com os filmes nada “feel good” da década, cínicos e duros. Nos anos 1980 cres-ciam os “franchises” centrados em personagens (“Indiana Jones”, “Regresso ao Futuro” - a lista é inter-minável e recheada de títulos muito mais esquecíveis). A par disso e em simultâneo, duas décadas depois o filão pertence às adaptações de BD e a mundos de fantasia (“Harry Potter”, “A Bússola Dourada”, até “Senhor dos Anéis”). Mas segundo as contas do “Le Figaro”, e desde o final da década de 1980, houve cerca de 30 filmes gémeos produzidos em Hollywood, embora eles sejam mais gémeos nas temáticas do que nas personagens principais (“Valmont” e “Ligações Perigosas” ou “Platoon” e “Nascido para Matar”).

TrigémeosE quando se fala de três filmes sobre a mesma pessoa? Aí, estamos a falar de Salvador Dali, que nem nos tem-pos de colaboração com Luís Buñuel sonharia com o milagre da multipli-cação de filmes sobre si.

António Banderas está associado a “Dali”, realizado por Simon West (“Lara Croft: Tomb Raider” e produ-tor executivo de “Cercados”). O actor espanhol deve interpretar o pintor surrealista num filme cujos direitos foram adquiridos por West nos idos de 2003. A história deve rondar a II Guerra e a crescente notoriedade de Dali nessa época, mas também a sua decadência no final da vida. Tecnica-mente será um misto de acção real e CGI, além de música, para tentar equivaler no cinema o universo oní-rico de Salvador Dali. E começa a ser filmado em breve em Espanha e Ingla-terra.

O outro, “Dali & I: The Surreal Story”, tem Al Pacino como Salvador Dali e Andrew Nicol na realização e no argumento, e o actor Cilian Mur-phy já está associado ao projecto, para interpretar o escritor e nego-

Foi você que pediu vários fi lmes sobre a mesma pessoa?

Ciclicamente, os fi lmes gémeos saem do forno de Hollywood em busca de público. Para já estão emparelhados projectos europeus

e americanos sobre Sherlock Holmes, Salvador Dali, Coco Chanel, Pablo Escobar. Joana Amaral Cardoso

Sherlock Holmes, Coco Chanel, Pablo Escobar e Salvador Dali têm em comum muito pouca coisa. Cada um tem sua nacionalidade, a sua corrente artística, um até é ficcional e combatente do crime, outro um refinado traficante de droga. Mas todos têm 2009 como ano essencial

... mas Robert Downey Jr. já é o detective dado ao ópio num fi lme de Guy Ritchie

Sacha Baron Cohen

vai ser Sherlock Holmes...

Ípsilon • Sexta-feira 23 Janeiro 2009 • 47

ciante de arte belga Stan Lauryssens. Deve estrear-se este ano e segue exac-tamente o olhar de Stan Lauryssens sobre Dali e a sua mulher, Gala. E se Al Pacino e António Banderas não chegavam, eis que o protagonista do “teen” “Crepúsculo”, a saga vampi-resca que varreu as bilheteiras mun-diais no final de 2008, se prepara também para ser Salvador Dali. Robert Pattinson vai integrar o elenco de “Little Ashes”, de Paul Morrison, que acompanha os jovens Dali e Fede-rico García Lorca e as suas aventuras amorosas.

Também gémeos, mas desta feita em França, são os filmes sobre Coco Chanel, mestra da costura que fun-dou um dos maiores impérios do luxo mundial, a casa Chanel. “Chanel e Stravinsky, a história secreta”, reali-zado por Jan Kounen, passa em revista o romance entre a criadora de moda e o compositor no momento da revolução russa. A actriz Anne Mouglalis será Coco e Mads Mikkel-sen será Igor Stravinsky e o filme estreia-se em Março em França.

A outra Chanel em grande ecrã, com mais “star power” internacional, será Audrey Tautou, protagonista de “Coco avant Chanel”, que conta a história de Coco antes da moda. O filme tem guarda-roupa de Karl Lager-feld, director criativo da “maison” Chanel. A concorrência entre ambos será ainda apimentada por uma mini-série de televisão, protagonizada por Shirley MacLaine.

A lista não acaba aqui. Há mais fil-mes gémeos no forno hollywoodesco, nomeadamente sobre Pablo Escobar, a fazer lembrar a série de tv “Entou-rage” (“Vidas em Hollywood” ou “A Vedeta”, consoante a edição em DVD ou a passagem nos canais portugue-ses) e o projecto de prestígio do jovem actor ficcional Vinnie Chase que luta para fazer um “biopic” sobre o narcotrafi-cante Pablo Esco-bar. O primeiro na lista tem já Oliver Stone como produ-tor, mas nada mais se sabe sobre o pro-jecto.

O segundo já está mais composto:

chama-se “Killing Pablo”, terá o espa-nhol Javier Bardem ou o actor vene-zuelano Edgar Ramírez (participa em “Che”, de Soderbergh) como prota-gonista e vai ser produzido pela Para-mount e pela Dreamworks. O filme deve estrear-se este ano, com Joe Car-nahan atrás da câmara. Certo é que Christian Bale, depois de se vestir de Batman e de John Connor (“Termi-nator: Salvation”),vai ser um militar americano, o major Steve Jacoby, em “Killing Pablo”.

Finda a lista, provisória para já visto que nisto dos bastidores de Hollywood nada é definitivo, fica a pergunta: Porquê? Seja pela che-gada aproximada dos argumentos aos estúdios, em que uns perdem e outros ganham e quem perde fica com água na boca, seja pelas conversas de salão que podem levar a sobreposi-ções na indústria, a ver-dade é que quase todos os filmes parecem ter um potencial gé-meo à esprei-ta.

“Qual é a lógica de produzir dois filmes sobre a mesma história em tão curto espaço de tempo?”, perguntava-se um espectador português no fórum “online” da Rede Ex Aequo

Antonio Banderas vai ser Dali...

Javier Bardem é anunciado como o intérprete de “Killing Pablo” [Escobar]...

....e Al Pacino também vai ser o surrealista em “Dali & I: The Surreal Story”

...Robert Pattisonjá o é em “Little Ashes”...

... e há outro projecto sobre

o narcotrafi cante produzido por Oliver Stone

Anne Mouglalis e Audrey Tautou: duas Coco Chanel para este ano