Geraldo de Barros e a Unilabor: Uma subversão dentro dos parâmetros do desenvolvimento
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Geraldo de Barros e a Unilabor:
Uma subversão dentro dos parâmetros do desenvolvimento
“Em nosso país é sempre assim. E acho que deve ser assim no resto do mundo
também. Quando a gente não sabe mesmo como começar uma coisa, convoca
uma reunião: a gente fala, fala, fala até cansar, deixa os outros falarem por sua
vez um pouquinho, ouve palpites daqui e dali, anota umas coisas no papel e...
no dia seguinte o sol se levanta com mais uma idéia luminosa a iluminar. Se
não houver um maluco para puxar essa idéia do grandioso plano ideal para o
propósito tablado do real cotidiano, fica tudo como dantes no quartel de
Abrantes”. 1
Introdução
Este trabalho pretende estudar a atuação dos artistas brasileiros nos anos 50, em
especial a trajetória de Geraldo de Barros e uma experiência que ele teve em um projeto
de um frade dominicano em fundar uma fábrica de móveis. Analisaremos, sobretudo, a
articulação do artista com os ideais do estado à época, mas com marcas e produções
diferentes das décadas anteriores. Para tal, também pretendemos contextualizar o
desenvolvimentismo, nacional e da cidade de São Paulo, que completou 400 anos no
mesmo ano que a fábrica foi fundada.
Geraldo de Barros
Ao analisar a Unilabor é inevitável que se sobreponha o nome de Geraldo de
Barros. Este artista-designer (ou como coloca Mauro Claro, designer-artista, no
contexto dos trabalhos da Unilabor) de fato foi o precursor, ao lado do frei dominicano
João Baptista Pereira dos Santos, da fábrica de móveis Unilabor.
1 SANTOS, Frei João Baptista dos. Unilabor: Uma revolução na estrutura da empresa. São Paulo:
Livraria Duas Cidades, 1962, p. 15
3
No entanto, não eram apenas eles que estavam envolvidos com este projeto, pois
havia outros operários, artistas, intelectuais e até movimentos que estavam envolvidos
direta ou indiretamente para a realização da comunidade de trabalho. Por esta
importância do artista, e pela falta da biografia dos outros participantes, daremos uma
atenção especial à figura de Geraldo, mas não deixaremos de pontuar o seu bom
relacionamento no cenário artístico do período da década de 50.
Geraldo de Barros nasceu no interior de São Paulo em 1923. Mudou-se para a
capital, pois passara em um concurso do Banco de Brasil, instituição que trabalhou
como escriturário até sua aposentadoria, ganhando meio salário mínimo e trabalhando
quatro horas por dia2. Nesta breve biografia, observa-se que o artista faz parte do
proletariado, pois trabalha como subordinado para conseguir dinheiro. Este elemento é
importante para compreender, ainda que esteja implícita, sua ânsia de atuação na fábrica
de móveis Unilabor.
Neste período os cursos de artes já são difundidos e diversos, sobretudo nos
ateliês dos artistas e nos museus recém-abertos na cidade. Novas técnicas e plataformas
também já faziam parte da realidade. A fotografia foi transformadora e essencial para a
produção do artista moderno, pois proporcionava outras possibilidades aos trabalhos,
como a perspectiva mimética. Mas para Geraldo a fotografia deveria ir além da simples
ampliação e o negativo era um espaço de livre intervenção3
. Ele lança-se ao
reconhecimento através da exposição de seu projeto de fotografia, chamado Fotoformas,
exposto no MASP (Museu de Artes de São Paulo) em 1950.
Geraldo de Barros fez cursos de desenho, pintura e filiou-se ao Foto Cine Clube
Bandeirante. Viajou para a França para estudar gravura (com uma licença do banco, e
depois deste episódio, é convidado novamente para um curso na Alemanha, porém
deixa de ir por que o banco não permitiu, ilustrando o caráter proletário de Geraldo).
Esta pesquisa não pretende esgotar a biografia detalhada do artista, nem todos os
seus contatos, estudos e correntes que ele pertencia, pois Ferdinando Crepaldi Martins
já fez este trabalho, assim como Heloísa Espada, portanto, o importante é saber o
2 MARTINS, Ferdinando Crepaldi. As formas da revolução: artes plásticas, música e teatro na cidade
de São Paulo, 1964 – 1968. Tese de Doutorado. São Paulo: FFLCH/USP, 2004, p. 134
3 Idem, p. 135
4
círculo básico de Geraldo, assim como as suas tendências chave, para entendermos o
fenômeno da Unilabor.
Um importante movimento de formação – e atuação - de Geraldo foi o grupo
Ruptura, fundando em 1952 junto com Waldemar Cordeiro e Fiaminghi. Ferdinando
Crepaldi Martins credita a este movimento a “base do concretismo paulista” 4. O
Manifesto do grupo é bem significativo, no entanto, selecionamos dois trechos que se
aplicam diretamente a esta pesquisa: “A arte antiga foi grande, quando foi inteligente.
Contudo, a nossa inteligência não pode ser a de Leonardo. A história de um salto
qualitativo”5. Este trecho exprime muito bem a crise de comunicação dos artistas
modernos concretistas, na questão da forma e da linguagem. Aliás, a expressão “crise de
comunicação” foi cunhada pelo Frei João Baptista Pereira dos Santos em 1962,
retomando este discurso.
Outro fragmento mais significativo do manifesto, que está articulado com os
propósitos da Unilabor e também da questão desenvolvimentista, presente nos discursos
e nos ideias do período, é sobre o que é o novo (debate entre o novo e o velho é o que
produz a linha do manifesto): “A intuição artística dotada de princípios claros e
inteligentes e de grandes possibilidades de desenvolvimento prático” 6. Os “princípios
claros e inteligentes” e o “desenvolvimento prático” eram valores que o grupo pretendeu
propor para eles mesmos, para outros artistas e principalmente para a educação de um
novo público consumidor que já não via sentido nas belas-artes (ou artes tradicionais),
pois a linguagem não cumpria – e nunca cumpriu, nos arriscamos a dizer – o papel de
comunicação das artes, e este público eram as massas.
Renato Ortiz faz uma interessante análise sobre a indústria cultural e a cultura de
massas no Brasil (mais pelo viés do rádio, televisão, cinema e teatro, mas não deixa as
artes plásticas totalmente de lado). A difusão da cultura burguesa não faz mais parte do
mercado de artes, que até então era vigente, mas esta burguesia – erudita – volta-se para
a indústria cultural baseada na conquista tecnológica e de produção industrial de bens. A
parcela da burguesia paulistana que exerce o mecenato (maior parte imigrante) investe
4 Idem
5 Extraído do site http://www.artbr.com.br/casa/ruptura/manirup.html, às 18:43 do dia 29/11/2011.
6 Idem
5
em museus e artes tradicionais, mas ao mesmo tempo são diretores de jornais e de
companhias de cinema popular, a fim de cumprirem interesses culturais, mas também
econômicos – visto que as políticas culturais estavam se esvaziando do investimento
estatal, ainda mais por causa da questão desenvolvimentista com escoamento de
investimentos para infra-estrutura e a iniciativa privada que começa a sistematizar a
criação e difusão das artes. 7
Esta reunião dos artistas adota um conceito de concretismo que se desprende do
campo das artes plásticas8 e “leva a representação a campos amplos (design, arquitetura,
publicidade, paisagem) [...]. O grupo sai em defesa de uma arte industrial”.
Aliás, como lembra Ferdinando Crepaldi, o MASP difundiu o desenho industrial
na década de 50, através de cursos e exposições. Renato Ortiz também aborda este
ponto, partindo para a importância dos cursos do MASP como formadores de mão-de-
obra para os meios de comunicação de massa em processo de crescimento tecnológico,
7 ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira: Cultura brasileira e indústria cultural. São Paulo:
Brasiliense, 1989. 2 ª edição, p. 69.
8 Ferdinando Crepaldi Martins, citando Fiaminghi: “Arte não é só pintada. O liquidificador tem arte”.
Manifesto do grupo Ruptura. Extraído do site:
http://www.artbr.com.br/casa/ruptura/manirup.html, às
16:34, do dia 27/11/2011.
6
com cursos de propaganda, comunicação visual e de laboratório fotográfico9, montado
por Geraldo de Barros e Thomas Farkas em 195010
. Além disso, o MASP não era
apenas um museu, mas um ponto de encontro para os artistas e intelectuais do período
nos debates, palestras e até mesmo os bares11
. Mauro Claro lembra que os bares dos
museus (MASP e MAM) formavam um circuito desses artistas, e que assim foi possível
o contato entre os artistas modernos e a capela Cristo Operário, que será abordado com
mais detalhes adiante.
O grupo, assim como outros artistas concretistas de São Paulo, tinha influência
do artista Max Bill, que se instalou por um período no Brasil, além de terem contato
com as teorias da Bauhaus. É importante notar que nesta passagem para o concretismo,
a produção de artes na década de 50 no Brasil estava – pela primeira vez – em diálogo
direto com a produção internacional. A arte não estava mais apenas nas telas, mas agora
nos objetos, através da racionalização da arte, principalmente a partir de temas
geométricos, o que de fato assemelha-se ao processo industrial (como na produção de
móveis, objeto que a Unilabor produz).
Justamente por esta aproximação com a arte industrial – e o que
consequentemente faria do artista um operário – que as propostas do grupo não
vingaram. O discurso da aproximação entre a arte racional e a sociedade (com a
utilidade de torná-la mais clara) de fato existia e era a pauta de muitos artistas. No
entanto, a perda da distinção pelo status de artista não entusiasmou nem um pouco os
artistas do período12
.
Geraldo de Barros, ainda na década de 50, realiza trabalhos para os museus da
cidade, além de participar de concursos com a artista Alexandre Wollner, que serão
abordados no item sobre o IV Centenário. Na década seguinte, após sair da Unilabor
antes até dela falir em 1965 (Ferdinando coloca esta data como a da falência, mas outras
9 ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira: Cultura brasileira e indústria cultural. São Paulo:
Brasiliense, 1989. 2 ª edição, p. 69.
10 Heloisa Espada
11 MARTINS, Ferdinando Crepaldi. As formas da revolução: artes plásticas, música e teatro na cidade
de São Paulo, 1964 – 1968. Tese de Doutorado. São Paulo: FFLCH/USP, 2004 p. 135
12 Idem, p. 139
7
fontes colocam como 1967), lança sua própria fábrica e loja de móveis, a Hobjeto, que
pretendia de outras maneiras, proporcionar a socialização da arte.
Geraldo então afasta-se do concretismo e começa a explorar a pop art, em
anúncios publicitários e auto-retratos. Divide seu ateliê com Nelson Leiner. Em 1979
sofre uma isquemia cerebral enquanto sua loja prosperava e neste período “retorna a
arte concreta” com os temas geométricos e produz com o auxilio de um assistente.13
Geraldo faleceu na cidade de São Paulo, em 1998.
Questão desenvolvimentista:
Capela da Pampulha, anos JK e Brasília
A década de 50 no Brasil, tanto no imaginário como na realidade de fato,
representa o apogeu do desenvolvimento nacional em vários sentidos. Existem inúmeros
símbolos deste imaginário de crescimento, que está também ancorada na abertura
democrática do país: A capela de Pampulha, projetada pro Oscar Niemeyer, o IV
centenário da cidade de São Paulo (que tem um tópico específico nesta pesquisa), a
eleição de Juscelino Kubitschek e seu programa desenvolvimentista e a construção de
Brasília.
A capela de São Francisco, em Belo Horizonte, às margens da lagoa da
Pampulha, projetada por Oscar Niemeyer, fez parte do projeto de urbanização da cidade
pelo então prefeito Juscelino Kubitschek (que ficou no governo de 1940 a 1945), assim
como outras obras e construções. A capela (que não é de fato uma capela, mas sim uma
obra arquitetônica) é um dos símbolos modernos que JK pretendia instalar à capital de
Minas Gerias.
A construção retoma alguns elementos modernos do Edifício do Ministério de
Educação e Saúde, do Rio de Janeiro (símbolo pioneiro da construção moderna no
Brasil, também por se tratar de um prédio público encomendado pelo governo, com o
ministro Capanema a frente deste projeto), como o mural de Cândido Portinari dentro
da capela, mas, a articulação com o azulejo na parte exterior. A construção de curvas,
13
Idem, p. 145
8
por sua vez, é uma inovação para a arquitetura, que não foi empregado no edifício do
Ministério, pois Niemeyer apenas fazia parte da equipe, mas na capela, o trabalho é dele.
As curvas serão vistas nas construções para o IV centenário da cidade de São Paulo,
mais precisamente nas construções do Parque do Ibirapuera e depois no edifício Copan.
Só abrindo um parêntese de um assunto que será retomado, a primeira intenção que frei
João Baptista tem com os trabalhos de Geraldo de Barros, é que ele faça painéis com a
história do trabalho na fábrica Unilabor, ou seja, temática semelhante do trabalho de
Portinari no Ministério, o que não é uma simples coincidência, mas um processo.
Geraldo, no entanto, nunca fez estes murais, e preferiu trabalhar com o design de
móveis, elemento de sua arte prática visto acima.
Juscelino Kubitschek foi eleito presidente do Brasil em 1955 e tomou posse no
ano seguinte. O governo do presidente funda-se em um plano de metas, de cunho
desenvolvimentista, baseado no aumento de produção buscando investimento do capital
externo, principalmente dos Estados Unidos. Os maiores investimentos
(aproximadamente 70 % dos recursos previstos para o programa de metas) foram
absorvidos pelos setores de transporte e energia, logo, infere-se que a indústria era o
objetivo prioritário do governo JK.
Ou seja, houve uma expansão econômica tanto pelo capital sendo injetado como
pela colocação de mão-de-obra na indústria e construção civil. Esta demanda por mão-
de-obra não foi suprida apenas na população das capitais, imigrantes e filhos de
imigrantes qualificados na indústria ou pela instrução nas escolas, mas também pela
população do campo, que segundo Mauro Claro, era “formada por ex-trabalhadores
rurais sem instrução que eram absorvidos nas indústrias como auxiliares ou
aprendizes”.14
Esse novo quadro de industrialização sistemática e absorção de mão-de-obra
logo resultaram na “alteração do padrão cultura das massas de migrantes rurais” que
então se modernizavam (o aprendizado do moderno pela massas era um projeto comum
de Geraldo de Barros e Frei João Baptista dos Santos, que será abordado no item
específico) e além disso, Mauro Claro nos lembra que
14
CLARO, Mauro. Unilabor: desenho industrial, arte moderna e autogestão operária. São Paulo: Senac,
2001, p. 71.
9
“A forte industrialização do período, desdobrando-se em atividades
complementares no setor de serviços, abriu oportunidades novas a todos os
níveis da sociedade – fosse para os operários, fosse para a classe média de
novos profissionais ou para a burguesia [...]”.15
De certa forma, esta situação criou a aparência de melhora da economia, política
e sociedade. A modernidade no campo cultural e das artes não apenas importava, mas
neste período, também se projetava no resto do mundo (a partir do legado das gerações
de 20, 30 e 40) na música, principalmente com a Bossa Nova, na arquitetura com
Niemeyer e acima de tudo com o projeto monumental de Brasília, a nova capital do
Brasil.
O livro da exposição “Saudades do Brasil: A era JK”, produzida pelo Museu de
Arte Moderna do Rio de Janeiro, entre outras instituições, levanta a questão de que
Minas Gerais, terra natal de JK, também passou por uma mudança de capital, de Ouro
Preto,com tradição colonial, para Belo Horizonte, como um campo de integração do
estado e projeto positivista de progresso, e isto serviu de herança para a construção de
Brasília por JK, ao retomar seu projeto de modernização, mas ao mesmo tempo de
“mineiridade”.16
A partir disto, pudemos também levantar elementos que mostram como a
questão desenvolvimentista, aliada a produção de artes modernas, principalmente no
âmbito público, foi um processo e que deve ser levado em conta, como já colocado
acima, o legado das gerações modernistas de 20, 30 e 40.
Unilabor e a Capela Cristo Operário
A pesquisa mais completa sobre a Unilabor até então foi realizada pelo arquiteto
Mauro Claro. Em sua obra, “Unilabor: desenho industrial, arte moderna e autogestão
operária”, ele levanta os precedentes da fábrica, que é a capela Cristo Operário, o
15
Idem
16 MEMÓRIA BRASIL; CPDOC; FGV. Saudades do Brasil: A era JK. Rio de Janeiro, 1992, p. 57.
10
envolvimento dos frades dominicanos com o modernismo e principalmente o
envolvimento do frei João Baptista Pereira dos Santos com novas formas de gestão e a
relação com o operariado, além de explorar a questão do design e as artes plásticas.
O livro do próprio frei João nos serviu de fonte. Em “Unilabor: uma revolução
na estrutura da empresa”, ele tece argumentos interessantes acerca da atuação dos
modernistas com a construção do projeto social que a fábrica pretendia implantar, em
um movimento duplo, ou seja, da difusão do moderno através dos móveis para as
massas e da inclusão dos operários neste projeto, que visava, entre outras coisas, a
desalienação do trabalho.
O nosso objetivo neste item não é elaborar uma história da empresa, pois, como
já dito, Mauro Claro já o fez em sua obra, mas sim, estabelecer relações entre a empresa,
os artistas modernos – principalmente Geraldo de Barros – e o espírito
desenvolvimentista do momento. Portanto, alguns fatos da trajetória da empresa serão
ocultados e nos preocuparemos para o contexto não ser comprometido.
O contato com os artistas modernos foi estabelecido no circuito criado pelos
museus recém-abertos na cidade, principalmente pela sociabilidade de seus bares e cafés.
Frei Benevento de Santa Cruz, até então chefe da empresa Sagmacs (de consultoria e
planejamento, nos moldes do movimento Economia e Humanismo17
), convida artistas
para realizarem seus trabalhos na capela erguida em um terreno que frei João conseguiu.
Entre os artistas, estiveram Alfredo Volpi, responsável pela pintura de murais e vitrais;
Yolanda Mohalyi, Bruno Giorgi, Moussia Pinto Alves, Elisabeth Nobiling, Robert Tatin,
Giandomennico de Marchis, Roberto Burle Marx e já no trabalho da capela, Geraldo de
Barros.18
A dedicação da capela a Cristo Operário (e não mais a Santo Antônio, como era
o desejo dos moradores antes da chegada de frei João) aponta para o papel que o frei
desejava de um local de aprendizado no trabalho. Aliás, não era apenas um aprendizado
para o trabalho baseado nas questões religiosas – principalmente tomistas, por se tratar
17
Movimento francês, idealizado pelo frade dominicano Pe. Lebret, que tinha o objetivo de proporcionar
relações de trabalho e economia mais humanas, à luz do evangelho, com ações voltadas para o
desenvolvimento humano e crítica aos sistemas vigentes: capitalismo, fascismo e comunismo.
18 CLARO, Mauro. Unilabor: desenho industrial, arte moderna e autogestão operária. São Paulo: Senac,
2001, p. 61.
11
de um dominicano, mas isto não é pertinente para a pesquisa -, mas também se tratava
de um aprendizado para o moderno, pois, a escolha de deixar a cargo de tais artistas, em
um bairro de periferia, era exatamente para estabelecer este diálogo com o operariado e
as classes da periferia, que no entanto, esperavam uma igreja decorada faustosamente.
As intenções de frei João, em colocar o espaço da capela em um circuito artístico
moderno poderiam ser exatamente para promover esta integração do povo,
possivelmente marginalizado e explorado nas fábricas – ou então desempregados –
através de uma “compreensão crítica” da realidade, e o modernismo, e mais tarde o
concretismo de Geraldo, cumpriam este papel segundo o frei. Um Cristo Operário e a
Sagrada Família trabalhando colocam o tema do trabalho presente na vida das pessoas,
ainda mais no momento místico que são as missas. Não temos documentação sobre isso,
mas as pregações poderiam ser neste sentido também.
Afinal, como já destacamos acima ao falar da questão desenvolvimentista, a
mão-de-obra era mais requerida à medida que a indústria crescia. A expansão
econômica de fato ocorreu, mas ainda existiam – e existem evidentemente –
desigualdades sociais gritantes.
O frei também trouxe do movimento Economia e Humanismo a idéia de que a
mudança da prática empresarial e operária é que levaria à “paz social”. Para tanto,
começa a pensar em uma comunidade de trabalho, junto com outros operários e
estagiários do movimento Economia e Humanismo.
Segundo o próprio frei, o encontro com Geraldo de Barros foi por causa de uma
pintura na sacristia da capela que ele passara a desgostar. Lembrou que Geraldo de
Barros se casou na capela, única fonte que fala sobre isso, e então se encontrou com
Geraldo, que neste período também trabalhava no MAM. Então, ainda segundo o frei,
ele e Geraldo, junto com os outros operários e companheiros do frei, começaram a
conversar e ter idéias a partir dos desejos que o frei tinha da comunidade de trabalho.
Isto era algo que fazia parte da crise de Geraldo de Barros, que já fazia parte do
grupo ruptura e via a importância da comunicação mais ampla do artista, e com a
comunidade de trabalho tinha a oportunidade de realizar. Ao falar de Geraldo, o frei
levanta que soube
“justamente por essa época, êle atravessava uma crise extremamente penosa que todo
artista moderno forçosamente conhece e que se poderia chamar de crise de comunicação.
12
O artista verdadeiro tem algo de muito importante a exprimir, uma visão do mundo, um
ideal de beleza, êle sente que o Belo pode ainda salvar êste mundo e quer comunicar o
que sente à multidão de seus semelhantes. Mas aí êle encontra uma barreira
intransponível que vem a ser a inadaptação dos meios de comunicação. [...] Mesmo que
seus quadros ocupem uma sala inteira nas Bienais ou exposições importantes, o número
de pessoas a quem eles fala será sempre irrisório [...]. Numa época como a nossa de
civilização de massas, dizer algo extremamente profundo e universal a tão pouca gente é
colocar-se na situação psicológica de um orador de comícios chamado a falar a cem mil
pessoas, mas sem microfones.”
Ou seja, esta “crise comunicação”, já nem estava mais ligada à questão das artes
tradicionais, mas ao próprio concretismo, visto no trecho que o frei escreve sobre algo
profundo e universal (a mensagem do concretismo tendia a ser universal). Portanto,
ambos tinham questionamentos sobre as estruturas existentes, tanto de empresa quanto
da produção de artes, e essas duas com relação às massas.
A questão do belo também faz parte deste debate que o frei suscita. Ele reclama
a beleza dos objetos industrializados que não promoviam o espírito humano, pois a arte
e indústria não se aproximavam tanto pelo desinteresse do industrial - por causa da
inquietude dos trabalhadores com questões mais refinadas do espírito e da satisfação
geral – como pelo receio dos artistas se aproximarem deste ofício de artista-desinger,
que até então, era rebaixado. O espírito era uma preocupação do frei, cremos que por
causa da sua percepção religiosa do mundo, e ao mesmo tempo, sensível às artes.
O cuidado com os operários neste sentido era evidente, pois a fábrica, segundo
documentação e relatos, proporcionava aulas de artes, como por exemplo, aulas de
teatro, com o artista Flávio Império – na época ainda estudante – em que os alunos
operários encenavam peças, muitas delas de temática revolucionária; no local também
havia um posto de saúde e, além disso, eram ministrados cursos de religião além das
missas, na capela Cristo Operário.
Ou seja, isto era de fato uma subversão dentro dos parâmetros até então vistos no
cenário industrial brasileiro. Os ideais revolucionários, de Geraldo e do frei, de incluir o
operário nas artes de uma forma humana e sem que ele fosse explorado, formaram um
conjunto que tanto no papel como na prática – e aqui arrisco-me a fazer um juízo – eram
fantásticos para a época
A Unilabor foi constituída oficialmente no dia primeiro de setembro de 1954, em
um sistema de sociedade cooperativa, na qual Geraldo de Barros projetava os móveis, e
13
Antônio Thereza e Justino Cardoso, responsáveis pela produção. O frei entrou com o
terreno, o barracão, o maquinário e o dinheiro que conseguiu emprestado de bancos,
pois era bem relacionado com diversos grupos – não eram apenas os artistas que
formavam estes circuitos.
A produção, a princípio, estava à mercê da experimentação, pois se arriscaram a
até mesmo projetar objetos como liquidificadores e abajures. No entanto, observaram
que os móveis seriam a melhor alternativa. Mauro Claro documenta o primeiro serviço
de encomenda da empresa, ainda em seu ano de fundação, de peças para a 3ª
Conferência Rural Brasileira. Este trabalho, como aponta Claro, não resultou em outras
encomendas “porque o mercado era reduzido ou porque a Unilabor não tinha acesso a
ele”. 19
Depois, foram projetados e produzidos os móveis da residência de Paulo Emílio
Sales Gomes e outros artistas e conhecidos de Geraldo de Barros, até então com
projetos únicos. A partir da quitação do empréstimo, a fábrica passa a produzir móveis
em série, não perdendo a originalidade da peça, pois Geraldo de Barros proporcionou,
através da possibilidade que os materiais garantiam e do desenho, que os móveis fossem
modulares.
Ainda assim, o público da Unilabor não era formado por classes populares, mas
por uma classe média muitas vezes do meio intelectual e artístico, como supracitado.
Em uma descrição de Ferdinando Crepaldi Martins, ele coloca que o “público não era
mais o de connoisseurs arrebanhados pelo impressionismo e pelo cubismo, mas uma
nova classe atrelada à urbanidade e querendo, a todo custo, ser moderna”. Ora, só
atingia este objetivo quem possuía dinheiro para isso.20
Aliás, esta é a crítica de Ferdinando à fábrica – crítica que talvez tenha faltado à
obra de Mauro Claro. Tanto os objetivos de uma maior difusão das artes através dos
objetos como o de criar uma comunidade de trabalho pautada na autogestão operário
não foram alcançados. Os móveis continuavam ornando as salas de uma determinada
elite e o sistema cooperado não funcionou conforme os sonhos do frei, pois, alguns
funcionários não se encaixavam no ofício do trabalho como forma de desalienação e
19
Idem, p.65
20 Idem, p.66
14
exercício do espírito e também, Geraldo de Barros, por desenhar os móveis, ganhava
uma maior porcentagem que os outros operários.
IV Centenário de São Paulo
As relações que ocorriam neste período apontando para a produção moderna – e
no caso, concreta – da arte já foram feitas em um item acima. Por vezes parecem até
mesmo coincidências. Uma que já foi lembrada trata-se da fundação da Unilabor
ocorrer no mesmo que IV Centenário da cidade de São Paulo foi comemorado. A
pesquisadora Maria Arminda de Arruda Pereira, em sua tese de livre docência que foi
publicada, aborda de maneira interessante o desenvolvimento de São Paulo – e seu
desenvolvimentismo – no campo das artes. Neste contexto, a pesquisadora aborda a
estética industrial do período para as artes.
Afinal, a cidade de São Paulo – e todos os setores que se envolviam neste
projeto, sobretudo os mecenas imigrantes – não comemorava apenas 400 anos, mas seu
progresso a partir da industrialização e crescimento, pautado em um passado colonial
expansionista retomado pela figura do bandeirante, um dos símbolos das comemorações,
ao lado da espiral idealizada por Oscar Niemeyer (dentro do projeto do Parque do
Ibirapuera) mas que sua construção não resistiu.
O que nos interessa aqui mais especificamente é a produção de cartazes para este
período da cidade – lembrando que está em sintonia com a fundação da Unilabor. Os
cartazes dão uma síntese da relação dos artistas concretos, mais especificamente de
Geraldo, com a questão desenvolvimentista do estado e encaminha a pesquisa para
possíveis conclusões.
Observa-se que os artistas deste período, analisando a partir das obras de
Geraldo de Barros e do manifesto do grupo Ruptura que a discurso destes está em uma
fase diferente com relação ao estado, daquela que se via até então. As encomendas de
produções artísticas do estado não eram mais constantes, pois, como já observado, os
investimentos estavam voltados para o desenvolvimentismo e as poucas encomendas
que havia, voltavam-se mais para a monumentalização, como os projetos de Oscar
Niemeyer em Belo Horizonte, São Paulo e Brasília.
15
Por outro lado, os artistas atingiram outros níveis de atuação. O contexto da
década de 50, como o mecenato dos empresários imigrantes, a abertura de dois museus
na cidade e a realização da bienal, a difusão de espaços de formação e sociabilidade
mais acessíveis propiciam uma produção e um discurso mais livre dos artistas, pois
agora a maioria tem possibilidades de expor seu trabalho. No entanto, a renda que
outrora o artista alcança nesta década não é mais tão acessível. Geraldo de Barros, por
exemplo, trabalhou em banco, no MAM, fora sua produção, e isso faz com que ele
também experimente este espírito de desenvolvimento através do trabalho, tanto
intelectual como operário.
Ou seja, o engajamento dos artistas com o estado não se dá mais pela encomenda
direto, mas, pela reprodução dos artistas deste ideal do momento em suas obras e seus
trabalhos e o ofício do artista tenta corresponder a estas expectativas, não deixando de
transmitir uma mensagem e o belo através das artes, ainda que seja uma peça
industrializada, como o móvel.
Além disso, a participação dos artistas no discurso público do estado – e dos
mecenas e da indústria cultural – se desprende do espaço oficial dos prédios públicos e
do museu que mesmo em crescimento, ainda era reduzido, e atinge as ruas, através dos
cartazes. Um dos mais significativos e que proporcionará mais fama a Geraldo de
Barros e o cartaz que ele elaborou para o IV Centenário da cidade de São Paulo.
Cartaz do IV Centenário da cidade de São Paulo, de
autoria de Geraldo de Barros. Extraído do site:
http://www.camarabrasileira.com/ivsaopaulo.htm, às
11:03, do dia 28/11/2011.
16
O cartaz é emblemático por seu conteúdo, que mostra as chaminés das
indústrias, a verticalização e a noção de emaranhado da cidade nos seus 400 anos, não
deixando de representar uma igreja. Além disso, a elaboração deste cartaz foi através
de um concurso realizado pela comissão do IV Centenário para eleger o melhor
cartaz (e se elegeu, é porque a comissão reconhecia a arte concreta), e este é mais -
um como já dito acima - dos modos de engajamento dos artistas neste período. A
exposição do artista agora ganhou até as ruas, e isso sem dúvida era vantajoso.
Retomando os pensamentos do frei João Baptista,
“a pintura não foi nem será destruída como arte, mas ela deve ser apresentada sob
outras formas às massas. Ao pintor cabe agora dizer à totalidade dos homens o que
êle outrora dizia a um punhadinho dêles. Eis porque a pintura tende a passar do
quadro ao cartaz, e às massas de hoje é possível oferecer belas composições através
do cinema e da televisão.”21
A produção de cartazes do período do IV Centenário é vasta, e Geraldo de
Barros conquista mais dois primeiros-lugares, acompanhado pelo artista Alexandre
Wollner: o da Revoada Internacional e do I Festival Internacional de Cinema do
Brasil. Ou seja, dois artistas do movimento concreto brasileiro difundindo a arte
racional, universal e prática por meio dos cartazes, percebido também pelo projeto
geométrico.
21
SANTOS, Frei João Baptista dos. Unilabor: Uma revolução na estrutura da empresa. São Paulo:
Livraria Duas Cidades, 1962, p. 23
17
Fotografia do cartaz da Revoada Internacional do IV
Centenário da cidade de São Paulo, de autoria de Geraldo
de Barros e Alexandre Wollner. Extraído do site:
http://www.flickr.com/photos/artexplorer/sets/7215761326
9635020/detail/, às 11:15, do dia 28/11/2011.
Fotografia do cartaz do Festival Internacional de
Cinema do Brasil, de autoria de Geraldo de Barros e
Alexandre Wollner. Extraído do site:
http://www.flickr.com/photos/artexplorer/sets/7215761
3269635020/detail/, às 11:17, do dia 28/11/2011.
18
Referências Bibliográficas
ARRUDA, Maria Arminda do Nascimento. Metrópole e Cultura: São Paulo no meio
século XX. Bauru: Edusc, 2001.
CLARO, Mauro. Unilabor: desenho industrial, arte moderna e autogestão operária.
São Paulo: Senac, 2001.
LIMA, Heloísa Espada Rodrigues. Fotoformas: a máquina lúdica de Geraldo de Barros.
Dissertação de Mestrado. São Paulo: ECA/USP, 2006
MARTINS, Ferdinando Crepaldi. As formas da revolução: artes plásticas, música e
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FFLCH/USP, 2004.
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1992.
ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira: Cultura brasileira e indústria cultural.
São Paulo: Brasiliense, 1989. 2 ª edição.
SANTOS, Frei João Baptista dos. Unilabor: Uma revolução na estrutura da empresa.
São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1962.