DESIGNAÇÃO QUE MARCA UMA FORMA DE PODER - UFMT
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE LINGUAGEM – IL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM
ANDRÉIA CRISTINA ANDRÉ SOARES MELO
INTERNOS: DESIGNAÇÃO QUE MARCA UMA FORMA DE
PODER
Cuiabá – MT
2011
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE LINGUAGEM – IL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM
ANDRÉIA CRISTINA ANDRÉ SOARES MELO
INTERNOS: DESIGNAÇÃO QUE MARCA UMA FORMA DE
PODER
Cuiabá – MT
2011
ANDRÉIA CRISTINA ANDRÉ SOARES MELO
INTERNOS: DESIGNAÇÃO QUE MARCA UMA FORMA DE PODER
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem – MeEL - (Mestrado) da Universidade Federal de Mato Grosso, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagem.
Orientador: Prof. Dr. Roberto Leiser Baronas
Cuiabá – MT
2011
Ficha Catalográfica elaborada pela Bibliotecária
Iraci de Fátima Pereira CRB 1ª/2.363
M528i
Melo, Andréia Cristina André Soares
Internos: designação que marca uma forma de poder. / Andréia Cristina
André Soares Melo. Cuiabá, 2011.
142p. ; il.
Inclui bibliografia. Anexo
Orientação: Prof. Dr. Roberto Leiser Baronas.
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Estudos de Linguagem da Universidade Federal de Mato Grosso, como
requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Estudos de
Linguagem.
1. Análise de discurso. 2. Semântica do acontecimento. 3. Nome próprio -
apelido. I. Baronas, Roberto Leiser. II.Título.
CDU: 81’42
v
DEDICATÓRIA
Para sempre
Carlos Drumond de Andrade
Por que Deus permite que as mães vão-se embora? Mãe não tem limite, é tempo sem hora, luz que não apaga quando sopra o vento e chuva desaba, veludo escondido na pele enrugada, água pura, ar puro, puro pensamento. Morrer acontece com o que é breve e passa sem deixar vestígio. Mãe, na sua graça, é eternidade. Por que Deus se lembra - mistério profundo - de tirá-la um dia? Fosse eu Rei do Mundo, baixava uma lei: Mãe não morre nunca, mãe ficará sempre junto de seu filho e ele, velho embora, será pequenino feito grão de milho.
À memória da minha amada mãe Edna André Soares Melo, cuja lembrança esteve presente em todos os momentos deste trabalho.
vi
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Roberto Leiser Baronas, que orientou e apontou os caminhos
com enorme paciência e dedicação, possibilitando uma melhor
compreensão do fascinante universo dos sentidos;
À Mónica Zoppi-Fontana pela sua generosidade teórica ao mostrar-me o
caminho possível para as análises. Meu eterno agradecimento;
Ao professor e amigo Clementino Souza pelo incentivo, pelo amor
incondicional, pelo apoio nas horas mais difíceis e pelas orientações
foucaultianas - um amor para toda vida!
Ao colega André Stefferson Martins Stahlhauer, da UFSCar, São Carlos-SP,
pela generosidade teórica e paciência nas sugestões metodológicas;
À amiga Gleice de uma forma muito especial, pelo companheirismo;
À amiga Mi lena Borges de Moraes pelo apoio, pelas palavras amigas e por
emprestar sua casa quando eu não tinha mais lugar;
À Beatriz Medeiros que com muito carinho e solidariedade recebeu-me em sua
casa em São Carlos-SP. Toda minha gratidão, eterna amiga;
À Luiz Humberto, Verinha, Thiago, Claudio Ferreira, Marcos Paulo que me
incentivaram a buscar sempre e por compreender as ausências constantes na
luta pela melhoria institucional;
Às amigas Judith Gonçalves de Albuquerque e Ana Maria Di Renzo pelo
incentivo e por acreditar no meu potencial;
Aos amigos, irmãos Rosenil, Reinaldo, que, com muito amor, acompanharam-
me, por muitas vezes exaustivamente nesta jornada, pelos abraços, pelas
palavras, pelas lágrimas, pelos risos, pela escuta;
vii
Ao meu pai amado, Pedro de Alcântara Melo, pela paciência e compreensão;
Aos meus irmãos amados, Aerton, Aeverton, Nilson e Adauto, por esperar;
A minha cunhada, amiga, irmã Katiane Maria Queiroz Melo pelo apoio
incondicional e pela cumplicidade;
A minha cunhada, comadre Fernanda Barros por dar-me um presente tão
lindo, Júlia, durante essa caminhada que me fez reagir diante de uma forte
tempestade;
Às minhas flores, minhas sobrinhas, Cristina, Samyra e Júlia que enchem
minha vida de tanta alegria com seus sorrisos e brincadeiras de boneca;
Ao meu filho, razão da minha vida, Mateus Soares Melo.
À Edvagner e Elysa que surgiram para ajudar-me nessa trajetória final com
mais alegria e amor;
Aos funcionários da Escola Agrotécnica Federal de Cáceres – MT, que
colaboraram irrestritamente na realização da minha pesquisa;
Aos funcionários da biblioteca da Universidade Estadual de Mato Grosso –
UNEMAT, pelo carinho, pelo café da tarde;
Em especial aos alunos da Escola Agrotécnica Federal de Cáceres - MT;
À todas as pessoas que de um modo ou de outro participaram e
colaboraram para a realização deste trabalho, todos são lembrados;
À FAPEMAT, pelo apoio financeiro foi fundamental para a realização de todo o
trabalho.
viii
Ao invés de tomar a palavra, gostaria de ser envolvido por ela e levado bem além de todo começo. Não interpretar estas palavras no sentido originário do termo.
(FOUCAULT, 1971)
ix
LISTA DE SIGLAS
EAA – Escola de Aprendizes de Artífices
ET – Escola Técnica
EAF – Escola Agrotécnica
CC – Código Civil
CGAE – Coordenação de Atendimento ao Educando
SOE – Seção de Orientação Educacional
CAE – Coordenação do Alojamento Estudantil
IF – Instituto Federal
MEC – Ministério da Educação
x
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Ficha de Registro de Ocorrências.....................................48 Figura 2 - Registro de Ocorrências....................................................49 Figura 3 – Ficha de registro de ocorrências........................................86 Figura 4 – Ficha disciplinar – Registro de ocorrência ........................98 Figura 5 – Registro de ocorrência ......................................................99 Figura 6 – Ficha de Registro de ocorrências .....................................104 Figura 7 – Ficha disciplinar – registro de ocorrência .........................105 Figura 8 – Ficha diciplinar – Registro de Ocorrência ........................106 Figura 9 – Registro de Ocorrência ....................................................107 Figura 10 – Relatório de Ocorrências ...............................................108 Figura 11 - Registro de ocorrências .................................................109 Figura 12 – Registro de ocorrências ................................................110 Figura 13 - Registro de ocorrências .................................................111 Figura 14 – Registro de ocorrências .................................................112
xi
Resumo
Esta pesquisa de mestrado tem como objetivo principal compreender o
processo de designação, realizado por meio do uso de apelidos com
determinação do nome próprio em um processo de reescritura desse nome na
Escola Agrotécnica Federal de Cáceres - MT, tomando como material de
análise as fichas de ocorrências de alunos. Para esta pesquisa, buscamos
suporte teórico-metodológico na Análise de Discurso de orientação francesa
(Pêcheux, 1969 e 1975) e nos estudos de Guimarães (2002, 2005 e 2007)
sobre a enunciação, acontecimento, nomeação, referência e designação.
Procura-se, também, analisar os diferentes discursos e posições de sujeitos no
espaço de enunciação, a partir de uma análise acurada das fichas de
ocorrências. Para tanto, busca-se compreender o percurso linguístico e
histórico das práticas discursivas sobre o sujeito em condição escolar e,
especificamente, o sujeito interno. Trabalha-se também o funcionamento
semântico enunciativo dos enunciados Ficha de Registro de Ocorrência, Ficha
Disciplinar-Registro de Ocorrência, Registro de Ocorrência e Relatório de
Ocorrência, buscando compreender como se dá a relação nome próprio
(encontrado nas fichas) e apelidos e a designação interno.
Palavras-chave: Análise de Discurso. Semântica do Acontecimento.
Designação. Nome próprio. Apelido. Interno.
xii
Abstract
This master's research has as main objective to understand the process of
appointment, made through the use of aliases to determine the name of a
process of rewriting its own name in the Federal Agrotechnical School of
Cáceres - MT, taking for analysis chips of occurrences of students. For this
research, we seek support in theoretical and methodological guidance
Discourse Analysis French (Pêcheux 1969 and 1975) and studies of Guimarães
(2002, 2005 and 2007) on the statement, event, appointment, referral and
appointment. It seeks to also examine the various discourses and subject
positions in the space of enunciation from an accurate analysis of records of
occurrences. Therefore, it seeks to understand the linguistic and historical route
of the discursive practices on the subject in school conditions, and specifically
the subject of procedure. Work is also the semantic functioning of expository
statements of Occurrence Registration Card, Form-Disciplinary log, Occurrence
and Occurrence Report, seeking to understand how is the relation name (found
in chips) name and surname and internal.
Keywords: Discourse Analysis. Semantics of Event. Name. Nick name.
procedure.
xiii
SUMÁRIO
Introdução ................................................................................................ 14
Capítulo I .................................................................................................. 18 1. Discurso historiográfico sobre as Escolas Técnicas e Agrícolas do
Brasil ....................................................................................................... 18
1.1 Os primeiros momentos da Educação Profissional no Brasil ............. 19
1.2 O período da República...................................................................... 23
1.3 O Ensino Agrícola no Brasil e no Mato Grosso .................................. 32 1.4 Histórico da Escola Agrotécnica Federal de Cáceres ........................ 42
1.5 O cenário da pesquisa: o internato, o sujeito e o discurso disciplinar 47
Capítulo .................................................................................................... 58 2. Perpectiva teórico-metodológica .......................................................... 58 2.1 A Análise de Discurso e a Semântica do Acontecimento ................... 58 2.2 O político e o espaço enunciativo ....................................................... 63 2.3 A cena enunciativa ............................................................................. 66
2.4 O funcionamento semântico enunciativo da nomeação algumas considerações .......................................................................................... 68
2.4.1 Enunciação, reescrituração, textualização e o processo de designação ............................................................................................... 70 2.4.2 Domínio semântico de determinação DSD ...................................... 73 2.4.3 O processo de análise: do dispositivo teórico ao analítico .............. 77
2.4.4 Foucault e suas reflexões sobre o discurso na constituição dos sujeitos ..................................................................................................... 78
Capítulo III ................................................................................................ 82 3. O corpus .............................................................................................. 82 3.1 O corpus e breve análise .................................................................... 82 3.2 Designação por apelido: nova/velha forma de capturar o sujeito? ..... 92
Capítulo IV.............................................................................................. 101 4. As análises.. ....................................................................................... 101 4.1 As fichas de ocorrências .................................................................. 102 4.2 O funcionamento semântico enunciativo das Fichas de Ocorrência 118 4.3 O funcionamento semântico enunciativo do nome próprio e do apelido121 4.4 O funcionamento semântico enunciativo da designação interno ...... 131
Considerações finais ............................................................................. 136
Referências Bibliográficas ...................................................................... 138
14
INTRODUÇÃO
O período compreendido entre os anos de 1910 a 1948 representou um
momento de grandes mudanças no cenário brasileiro: na política houve a
estruturação da República, a instituição do Estado Novo e,
consequentemente, a Ditadura Militar; no cenário econômico houve a
instalação de indústrias nos grandes centros urbanos do país. Inicia-se
então uma nova era no Brasil com classes sociais bem definidas - o
proletariado e a burguesia urbana.
Foi nesse cenário que iniciou um dos maiores movimentos da
Educação Brasileira, a saber, a implantação das Escolas de Aprendizes de
Artífices, das Escolas Técnicas Industriais, e das Escolas Agrícolas
Federais. Essas instituições foram criadas com o objetivo de qualificar mão
de obra para atender as demandas do capital. Elas foram implantadas nas
regiões mais afastadas dos grandes centros urbanos, objetivando a) qualificar
a mão de obra rural; b) atender a uma demanda local, preparando-a para a
industrialização, e c) dar acesso à educação técnica às classes menos
favorecidas economicamente.
A partir daí, a Educação Profissional passa ser o carro chefe nas
relações de poder e de trabalho, na garantia da manutenção do capital e,
consequentemente, do controle dos sujeitos envolvidos nesse processo.
Com base nesse contexto histórico, cremos ser possível refletir sobre
o processo de constituição do sujeito aluno e da sua relação com o Estado.
Para tanto, elegemos como objeto de pesquisa discursos disciplinares que
circulam nas Escolas Agrotécnicas Federais.
É importante citar que o interesse por esta pesquisa se deu quando no
ano de 2004 fomos aprovados no concurso da Escola Agrotécnica Federal de
Cáceres – MT, doravante EFAC, no cargo de Técnica em Educação –
Assistente de Alunos. Quando assumimos a vaga do concurso, nos deparamos
com uma escola de caráter bastante peculiar, primeiro por sua localização ser
15
distante do centro urbano o que dificulta o acesso, já que se encontra na zona
rural da cidade; de ensino integral, tendo em seu currículo disciplinas técnicas
e de ensino médio; moradia para servidores e internato para alunos e suas
construções apresentam uma arquitetura predominantemente rural.
Diante dessa complexidade, passamos a observar que os aspectos
interpessoais eram (in)tensos na relação entre alunos e servidores, em
particular, entre esses últimos e os alunos “internos1”. Todas as relações eram
profundamente marcadas por uma disciplina rígida com procedimentos de
muita vigilância e de controle.
Começamos a observar então que a vigilância e os procedimentos de
controle estabelecidos pela escola se davam por meio de práticas não
discursivas e também por intermédio de objetos textuais disciplinares, tais
como o regimento interno, os livros de registro de saída, a escala de limpeza e
ficha individual – registro de ocorrência – uma verdadeira tecnologia disciplinar,
nos termos de Michel Foucault (2005).
Procuramos observar, então, na materialidade linguística desses objetos
textuais disciplinares, o que poderia identificar esses sujeitos alunos.
Constatamos a existência de um processo de identificação por designação
“infratores2”. Todavia, nos objetos textuais esses infratores não eram
identificados pelos seus nomes e sim por apelidos.
Ao elegermos tais objetos textuais disciplinares como o arquivo de nossa
pesquisa, nos perguntamos: em que medida as designações em forma de
apelido atribuídas aos alunos da EAFC se constituem numa prática de
subjetivação desses indivíduos? Em outros termos, como esses apelidos
presentes nos objetos textuais disciplinares eleitos para a análise
(des)identificam esses sujeitos, inscrevendo-os num processo de
(auto)vigilância contínua?
Para dar conta de nossas questões de pesquisa, elegemos a Análise de
Discurso de linha francesa3, tal como tem trabalhado no Brasil Eni Orlandi, a
qual concebe a língua fazendo sentido, enquanto trabalho simbólico, parte do
1 O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa define o termo como: o que se está e se aplica dentro; íntimo; aluno que
mora na escola, p. 302. 2 Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, o termo é definido por aqueles que desobedecem as leis;
transgressores, p. 296. 3 Falaremos mais sob esse posicionamento teórico no Capítulo II deste trabalho – Análise de Discurso e Semântica do
Acontecimento.
16
trabalho social geral, constitutivo do homem e da sua história, bem como os
estudos propostos por Guimarães (2002) em Semântica do Acontecimento
sobre designação e nomeação.
As nossas hipóteses iniciais de interpretação para essas questões são
as de que os alunos da EAFC filiam-se ao discurso dos sistemas disciplinares,
semelhante ao dos sistemas prisionais ao se reconhecerem nas/pelas
designações as quais lhes são atribuídas pelos colegas, professores e demais
servidores da escola e também os alunos das EAFC, ao se colocarem no lugar
de sujeito que cometem delitos, transgressões como forma de se identificar por
apelidos, materializam a imagem que ele (aluno) coloca para si mesmo.
Para dar conta das hipóteses postuladas, neste trabalho, tivemos como
objetivo: a) compreender o processo de constituição de sujeitos e sentidos do
discurso disciplinar na EAFC; b) identificar os processos discursivos de
constituição da posição sujeito do discurso disciplinar, e c) explicitar os vários
sentidos das designações utilizadas para identificar os alunos das EAFC.
Fez parte também do escopo de nossa reflexão uma tentativa de
compreensão das sanções normatizadoras que sustentam as práticas
disciplinares na EAFC. Para tanto, tomamos as ferramentas analíticas dos
estudos foucaultianos sobre o panoptismo e como este último incide sobre os
indivíduos, subjetivando-os.
No capítulo inicial apresentamos um percurso histórico sobre as Escolas
de Aprendizes (1909), o Ensino Agrícola no Brasil e Mato-Grosso e a
apresentação do cenário da nossa pesquisa a Escola Agrotécnica Federal de
Cáceres, bem como as condições sócio-históricas em que se encontravam o
Brasil e o Estado de Mato Grosso no que se refere à Educação
Profissional.
No capítulo II procuramos apresentar as teorias qu e em ba sam a
p re sen te re f le xã o sob re a constituição dos sentidos das
designações. Sentidos que se apresentam pelas relações estabelecidas
com outras palavras e a partir das formações ideológicas em que se
inscrevem.
No capítulo III apresentamos os procedimentos metodológicos
adotamos para a seleção do material eleito para a análise, isto é, descrevemos
17
como foram feitos os recortes discursivos do corpus, bem como uma breve
análise dos mesmos. Ainda neste capitulo procuramos historicizar as
designações por apelido e a prática de apelidar em nossa sociedade
contemporânea. Também analisamos como esse fenômeno discursivo significa
os sujeitos no interior de uma cena enunciativa específica.
No capitulo IV trabalhamos o funcionamento semântico-enunciativo das
designações internos, infratores e os apelidos nos objetos textuais “Ficha de
Registro de Ocorrência”, “Registro de Ocorrência” e “Relatório de Ocorrência”.
Na conclusão, à luz das análises realizadas ao longo da dissertação,
procuramos evidenciar que o poder, mesmo sendo opressivo e enclausurante,
produz práticas e saberes que (re)configuram instituições, objetos, sujeitos e
estados de verdade. Se observada, olhada, contada detalhadamente,
sobretudo a partir do mirante de determinadas designações, textualizadas em
discursos disciplinares, a escola, passa a ser um meio de controle, de
dominação, um método para documentar e (re)construir individualidades.
18
CAPÍTULO I
1. DISCURSO HISTORIOGRÁFICO SOBRE AS ESCOLAS TÉCNICAS E
AGRÍCOLAS DO BRASIL
Neste capítulo, mobilizaremos os discursos historiográficos sobre as
instituições de Educação Profissional no Brasil e abordaremos de forma mais
específica a Educação Profissional de Mato Grosso. Para dar conta deste
objetivo, procuramos evidenciar as ideologias correntes durante a implantação
dessas instituições, as condições sócias-histórias e econômicas do Brasil e de
Mato Grosso no período de 1910 a 1980. Este último, ano em que houve a
implantação da Escola Agrotécnica Federal de Cáceres – MT, lócus de nossa
pesquisa.
Durante a pesquisa historiográfica sobre as Escolas Técnicas entramos
em contato com a obra O ensino de ofícios nos primórdios da industrialização
do Sociólogo Luiz Antonio Cunha, que faz uma reconstrução de natureza
sociológica e histórica da Educação no Brasil, perpassando por três processos,
a imigração estrangeira, a urbanização e industrialização. Dada a pertinência
para a nossa pesquisa, nos deteremos no processo de industrialização.
Na busca pela delimitação de nosso caminho de pesquisa, nos
deparamos com outras vozes sobre a Educação Técnica no Brasil,
especificamente sob a Educação Industrial no Estado de Mato Grosso. Trata-
se da obra intitulada A Escola de Aprendizes Artífices de Mato Grosso
1909/19414, da pesquisadora Nádia Cuiabano Kunze5. A autora realiza um
denso estudo sobre a origem6 do Centro Federal de Educação Tecnológica de
Mato Grosso (CEFETMT-1909). Destacamos também o trabalho do
4 Titulo da dissertação de mestrado defendida na UFMT – no Instituto de Educação – IE - no ano de 2005.
5 Pesquisadora Mestre, doutoranda (USP), lotada no Centro Federal de Educação Tecnológica de MT, hoje, Instituto
Federal de Mato Grosso – IFMT. 6 Termo utilizado pela própria autora.
19
pesquisador Abimael Antunes Marques, cujo título é Aprendizado Agrícola
“Gustavo Dutra” - Escola Agrotécnica Federal de São Vicente - que descreve
de forma reflexiva o papel e importância dessas escolas no contexto agrícola
do Brasil e de Mato Grosso (1943-1947).
Tais trabalhos foram de fundamental importância histórica para nossa
pesquisa, tendo em vista que as instituições tratadas localizam-se em Mato
Grosso e fazem parte da mesma Rede Federal de Educação Federal de
Educação Profissional, Científica e Tecnológica ligada ao Ministério da
Educação.
Com base nesses trabalhos, obtivemos acesso a outras fontes
documentais como: o Decreto no 7.763 de 23 de Dezembro de 1909 do então
Presidente Nilo Peçanha, que institui a criação de Escolas de Aprendizes
Artífices nas capitais do Estado; a Instrução Rocha Miranda, que normatiza o
mesmo decreto, e o Decreto n. 8.584, de 1º de março de 1911, do então
Presidente Hermes Rodrigues da Fonseca, que cria a Escola Média ou
Teórica-Prática de Agricultura no Estado da Bahia e aprova o respectivo
regulamento.
1.1. OS PRIMEIROS MOMENTOS DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL
COLONIAL
Enquanto na Europa o modo de produção capitalista já havia se
concretizado e o direito a educação popular deixava de ser uma luta para ser
uma realidade, no Brasil, ainda na primeira metade do século XX, a sociedade
brasileira convivia com a herança cultural escravocrata, ou seja, uma relação
escravista de produção, que funcionava como um empecilho para que a força
de trabalho livre se orientasse para o artesanato e a manufatura (carpinteiros,
pedreiros, ferreiros, tecelões confeiteiros), ofícios que eram destinados aos
escravos.
O Brasil, por ser um dos últimos países a aderir à abolição, demorou
romper com as ideias escravocratas, o que contribuiu para uma discriminação
de algumas atividades de trabalho manual, deixando marcas profundas na
sociedade na construção das representações sobre o trabalho como atividade
20
social e humana, pois a imposição de um trabalho civilizatório europeu aos
nativos e escravos afugentava os trabalhadores livres rurais. (MANDREFI,
2003 apud KUNZE, 2005, p. 25). Sobre a Educação Profissional no Império
não podemos deixar de citar a participação da Igreja Católica que contribui
decisivamente para a perpetuação e manutenção do Ensino de Ofícios durante
todo o período.
O Brasil Colonial teve a figura dos jesuítas, que tinham como
preocupação principal a conversão dos índios, neste intento, instalaram
escolas de catequismo. Nessas escolas eram ministradas aulas de boas
maneiras, latim, ensino de ofícios como sapataria, alfaiataria, e marcenaria. É
verdade que não eram apenas os índios que frequentavam o ensino ministrado
pelos os jesuítas, havia também uma escola para a nobreza.
O Brasil estava sendo colonizado pelos Europeus, a educação
profissional brasileira tomou como modelo a Educação Profissional implantada
na Europa. Tendo a frente deste processo, a Igreja que além da catequização,
tinha por finalidade instalar a ordem, os bons costumes e a moral, como uma
forma de se antecipar às revoltas, às contestações dos cidadãos brasileiros.
Na Europa existiam desde o século XVIII ordens religiosas dedicadas a
manter casas para o recolhimento de menores pobres. Nessas instituições
eram ensinados ofícios artesanais e manufatureiros. Essas escolas foram
fundadas pelo padre francês João Bastista La Salle.
Em 1703, a ordem religiosa fundada por La Salle passou a ser
procurada por famílias da pequena burguesia a fim de que organizasse uma
escola especial para seus filhos, ao mesmo tempo diante das escolas
secundárias jesuítas frequentadas pela nobreza e das escolas profissionais dos
trabalhadores. Para atendê-los foi fundada uma escola em regime de internato,
cujo currículo diferia dos jesuítas por não incluir o latim e pela ênfase no
comércio e nas finanças. Esse internato ganhou prestígio pela eficiência com
que conseguiu transformar jovens de comportamento agressivo em ordeiros
adultos. O prestígio conseguido por esse departamento levou certas
21
autoridades a solicitarem aos irmãos que passassem a aceitar jovens
delinquentes condenados à prisão.
O padre Italiano João Bosco funda, em homenagem ao Padre La Salle,
as Escolas Salesianas, dando expressão pedagógica ainda mais complexa à
educação profissional das crianças das classes trabalhadoras do cenário
italiano. Desse modo, passa a ocorrer uma expansão dos salesianos por vários
países, inclusive no Brasil.
A Itália do século XIX passava por uma crise política. Existiam
movimentos populares que começavam demolir a ordem política existente na
península, culminando com a fusão política dos diversos estados e a unificação
econômica. A unificação econômica ocasionou a desordem na produção
agrícola e industrial em diversas regiões do país, provocando um grande fluxo
de imigração de trabalhadores rurais para diversos países, inclusive para o
Brasil.
No Brasil, em 1883 na cidade de Niterói, é fundada a primeira escola
Salesiana, recolhendo para essas escolas os filhos de trabalhadores migrados.
Algumas crianças não tinham família e, para abrigá-las, foi aberto um asilo.
Esses meninos tornaram-se aprendizes de ofícios, passando o dia nas fábricas
e nos canteiros de obras. A justificativa para a instalação dessas escolas foi a
de que esses jovens ficariam ociosos e expostos ao vício, práticas que os
salesianos se propunham a combater. Instala-se um novo cenário e novos
sujeitos na história da Educação Profissional do Brasil: os órfãos, desvalidos da
sorte, filhos de imigrantes.
Cunha (1984) diz que ainda no Império, em 1809, foi criado pelo
Príncipe Regente, futuro D. João VI, o “Colégio das Fábricas” no Rio de Janeiro
com a finalidade de amparar órfãos e os demais “desvalidos da sorte”. Essa
instituição objetivava ministrar um ensino mais prático, voltado à aprendizagem
de ofícios, passando a se constituir em um modelo no que se refere à
implantação de outras escolas congêneres.
Antes disso, no ano 1826, Dom João VI instituiu por intermédio de
22
um decreto quatro graus de instrução: Pedagogias (escolas primárias),
Liceus, Ginásios e Academias.
As Instituições Escolares de primeiro grau, chamadas de
Pedagogias, compreendiam o ensino elementar e primário e
tudo o que é indispensável ao homem, qualquer que seja
sua posição ou profissão. Os institutos desenvolviam as
matérias do primeiro grau e acrescentavam todos os
conhecimentos indispensáveis aos agricultores, aos artistas,
aos operários e aos comerciantes. Já os Liceus
compreendiam todos os conhecimentos científicos que
servem de base ou de introdução ao estudo aprofundado da
literatura e das ciências, e toda espécie de erudição.
(ALMEIDA, 1989, p. 80)
No ano 1865 foram implementadas casas de educandos artífices por
dez governos provisórios. Essas instituições foram criadas nos mesmos moldes
da aprendizagem de ofício em uso no âmbito militar. Dentre elas, o Asilo de
Meninos Desvalidos, criado na cidade do Rio de Janeiro, em 1875. Os
“meninos desvalidos” eram os que tinham idade entre 6 e 12 anos encontrados
em estado de pobreza. Esses meninos eram encaminhados pelas autoridades
policiais ao asilo no qual recebiam instrução primária e aprendiam os ofícios de
tipografia, encadernação, alfaitaria, carpintaria, marcenaria, tornearia, entalhe,
funilaria, ferraria, serralheria, courearia ou sapataria.
Nesse período, foram criadas ainda várias sociedades civis destinadas a
amparar crianças órfãs e abandonadas. Dentre as mais importantes podemos
citar os Liceus de Artes e Ofícios, os quais destacamos os do Rio de Janeiro
(1857), Salvador (1872), Recife (1880), São Paulo (1882), Maceió (1884) e
Ouro Preto (1886). Em termos gerais, a educação profissional tinha como
objetivo à época o trabalho educativo e o trabalho produtivo – ideais liberalistas
e socialistas: movimento que crescia com muita força no Brasil.
23
1.2. O PERÍODO DA REPÚBLICA
Os ideais positivistas e liberais viam a Educação Profissional como um
campo produtivo para trabalhar suas ideologias e foram os positivistas em um
primeiro momento, que realizaram a primeira manifestação com respeito à
força de trabalho industrial e manufatureira (CUNHA, 2005, p. 25). Os ideais
liberais buscavam promover as ideias iluministas, ou seja, romper com a Igreja
- os liberais lutavam a favor de um Estado Laico e, consequentemente uma
Educação Laica.
Os positivistas, por sua vez, tinham a laicidade como uma condição
provisória, defendida para combater o “Estado Metafísico”, até que
conseguissem instalar um “Estado Positivo”, ou seja, uma aliança provisória
com o objetivo de romper definitivamente com a soberania da Igreja. Assim, os
liberais e os positivistas mantiveram-se laicos, durante a Primeira República,
aliando-se, estrategicamente, aos movimentos populares de orientação
socialista, libertária e sindicalista.
Com a proclamação da República em 1889 e a Promulgação da
Constituição de 1891, uma tensa aliança de liberais e positivistas culminou na
separação entre a Igreja Católica e o Estado, ficando este último proibido de
financiar qualquer tipo de atividade religiosa, da mesma forma que nenhum tipo
de ensino religioso podia ser ministrado nas escolas públicas.
Tal ruptura entre Igreja e Estado repercutiu negativamente para este
último, abalando seus propósitos - centralizar o controle da esfera do Estado -
já que era a Igreja que detinha grande influência sob a população, gerando
conflitos e revoltas populares. Então, os liberais e positivistas tiveram que voltar
atrás em sua decisão, visto que, entrar em conflito com a Igreja não era
vantajoso. Os liberais tinham consciência da força ideológica e da capacidade
de transformação que alguns religiosos possuíam em transformar a
mobilização religiosa em mobilização política. E mais, a religião impediria a
rebeldia e levaria à obediência às leis e à hierarquia. (CURY, 1993 apud
CUNHA, 2005, p. 23-4).
24
O ensino profissional para os desvalidos era visto por correntes
de pensamento como uma pedagogia tanto preventiva quanto
corretiva. Enquanto a pedagogia preventiva propiciaria o
disciplinamento e a qualificação técnica das crianças e dos
jovens cujo destino era “evidentemente” o trabalho manual, de
modo a evitar que fossem seduzidos pelo pecado, pelo vício,
pelos crimes e pela subversão política-ideológica. Ademais,
nas oficinas das escolas correcionais, o trabalho seria o
remédio adequado para combater aqueles desvios, caso a
criança e os jovens já tivessem sido vítimas das influências
nefastas das ruas. (CUNHA, 2005, p. 24-5)
As escolas profissionais dos padres salesianos foram objeto de apoio
governamental, subsidiados por recursos públicos, mesmo nos primeiros anos
do regime republicano, já que dividiam as mesmas ideias sobre a importância
do ensino dos ofícios manuais, em suas dimensões preventiva e corretiva.
Neste primeiro momento, já podemos observar os sentidos estereotipados
pelos quais a burguesia significava os ingressos no ensino profissional,
desvalidos, desafortunados e ociosos.
O Asilo de Meninos desvalidos por força de decreto torna-se Instituto
Profissional.
Um novo decreto de 1892 determinava além da alteração do nome do Asilo para Instituto, interditava também a admissão de menores de 14 anos. As crianças com idade inferior a essa, que fosse recolhida pela autoridade competente, deveria ser encaminhada a um estabelecimento de assistência à infância desvalida - Casa de São José- reservando-se o Instituto ao ensino de ofícios para maiores de 14 anos, quase todos internos. (CUNHA, 2005, p. 28)
Kunze (2005) em seus estudos diz que o governo Federal, imbuído dos
princípios liberais e positivistas, buscava implantar medidas que por um lado
consolidassem o novo regime de governo, o republicano, instaurado em fins do
século XIX e, por outro, garantissem a prosperidade do país.
Os liberais recuperavam para o novo contexto político-ideológico as
antigas ideias do Império, ou seja, concebiam o ensino profissional como
solução privilegiada para a manutenção da ordem e do progresso.
Com a chegada da industrialização no Brasil como os
empreendimentos manufatureiros de grande porte, como os
25
arsenais de marinha, exigiam um contingente de artífices. O
Estado não tendo este contingente coagia homens livres, a se
transformarem em operários. Não fazia isso com quaisquer
homens livres, mas com aqueles que social e politicamente não
estavam em condições de opor resistência. (CUNHA, 2005, p.
3).
Ainda segundo Cunha (2005), o Estado aprisionava os miseráveis, os
órfãos, os abandonados e os desvalidos em geral e eram encaminhados pelos
juízes aos hospitais Santa Casa de Misericórdia e aos arsenais militares e da
marinha onde eram internados e submetidos à aprendizagem de ofícios
manufatureiros.
Assim, durante a República Velha (1889 a 1929), deu-se o início de um
esforço público de organização da educação profissional, migrando da
preocupação principal com o atendimento de menores abandonados para outra
preocupação, preparar operário para o exercício profissional.
Consolida-se, então, uma política de incentivo ao desenvolvimento do
ensino industrial, comercial e agrícola. Esse incentivo foi impulsionado por uma
das mais significativas mudanças sociais ocorridas a partir desse período, a
saber, a urbanização e o crescimento industrial do país.
A expansão da indústria fez surgir a burguesia industrial, a classe média
e o operariado. Nas regiões Sul e Sudeste do país, onde essas transformações
foram mais intensas, o surgimento e o crescimento desses novos grupos e
classes sociais colocaram em xeque o domínio político exclusivo das
oligarquias agrárias.
É nesse momento histórico que são implantadas no Brasil 19
(dezenove) Escolas de Aprendizes de Artífices – EAA’s, instituídas pelo
Decreto no 7.566 de 23 de setembro de 1909 por iniciativa do Presidente da
República Federativa do Brasil, Nilo Peçanha. Tais instituições objetivavam
oferecer ensino profissional gratuito, destinado “aos pobres e humildes”.
Na justificativa do decreto que criou as Escolas de Aprendizes Artífices,
Nilo Peçanha disse que:
O aumento constante da população das cidades exige que se facilite as classes proletárias os meios de vencer as
26
dificuldades sempre crescente na luta pela existência, para isso se torna necessário, não só habilitar os filhos dos desfavorecidos da fortuna com o indispensável preparo técnico e intelectual, como fazê-lo adquirir hábitos de trabalho profícuo, que os afastará da ociosidade, escola do vício e do crime. (PEÇANHA,1912 apud CUNHA, 2005, p. 18)
As Escolas de Aprendizes de Artífices foram instaladas em 19 capitais
no país: “em cada uma das capitais dos Estados da República, o Governo
Federal manterá, por intermédio do Ministério da Agricultura, Indústria e
Comércio, uma escola de aprendizes artífices destinadas ao ensino primário e
gratuito” São elas: Escola de Aprendizes de Artífices de Mato Grosso, Escola
de Aprendizes de Artífices do Piauí; Escola de Aprendizes de Artífices Goiás;
Escola de Aprendizes de Artífices do Rio Grande do Norte; Escola de
Aprendizes de Artífices da Paraíba; Escola de Aprendizes de Artífices de
Alagoas; Escola de Aprendizes de Artífices de Campos/RJ; Escola de
Aprendizes de Artífices de Pernambuco; Escola de Aprendizes de Artífices;
Espírito Santo; Escola de Aprendizes de Artífices de São Paulo; Escola de
Aprendizes de Artífices de Sergipe; Escola de Aprendizes de Artífices de
Ceará. Escola de Aprendizes de Artífices da Bahia; Escola de Aprendizes de
Artífices do Pará, Escola de Aprendizes de Artífices Santa Cataria; Escola de
Aprendizes de Artífices de Minas Gerais e Escola de Aprendizes de Artífices do
Amazonas.
A elaboração do regimento interno das escolas ficou por conta do
Ministro, que estabelecia os deveres e as atribuições dos empregados, as
disposições referentes à administração da escola e das oficinas e outras
necessárias para seu regular funcionamento. O Ministro nomeia um Inspetor
em cada Estado, para que possa fiscalizar a instituição e lhe conferisse
relatório a cada mês. “Aos inspetores agrícolas compete, dentro dos
respectivos distritos, a fiscalização das escolas de aprendizes artífices
custeada ou subvencionadas pela União”.
A organização administrativa das Escolas de Aprendizes de Artífices foi
regulamenta pela Instrução Rocha Miranda, que rege também sob a admissão
dos alunos nas EAA’s em seus 49 (quarenta e nove) artigos, sobre os quais,
falaremos mais acentuadamente neste momento.
27
A instrução delimitava o objetivo dessas escolas: formar operário e
contra-mestres, mediante o ensino profissional primário e gratuito a menores,
conforme as condições industriais do Estado em que a escola funcionar.
(Instrução Rocha Miranda, art. 1).
É determinado nessa Instrução o regime do aluno, o funcionamento do
estabelecimento.
Art. 02. O regime da escola será o de regime das escolas como externato, funcionando das 10 horas da manhã às 4 horas de tarde e das 5h à 8h da noite.
O governo optou pelo regime de externato devido ao grande custo em
manter os jovens em sistema integral. Experiência já observada nos asilos e
em outras instituições de abrigo. O ensino tinha a duração de 4 (quatro) anos e
compreendia o aprendizado de oficinas, o curso primário e o desenho.
O aprendizado de oficinas será ministrado até o número de cinco modalidades, entre elas: artes manuais e mecânicas;
O curso primário, que funcionará das 5h da tarde às 8h da noite, terá como fim o ensino de leitura e de escrita, ode aritmética até a regra de três, noções de geografia do Brasil e o de gramática elementar da língua nacional.
Curso de desenho, que funcionará das 5h às 8h da noite compreenderá o ensino de desenho de memória, do natural, de composição decorativa, de formas geométricas e de maquinas e peças de construção, obedecendo a métodos mais aperfeiçoados.
O aprendizado de oficinas serão ministrados por 3h por dia e abrangerá o ensino durante quatro anos.
Além das disciplinas estabelecidas, serão ministradas pelo professores,
noções de educação cívica, seguindo critérios estabelecidos.
a) Uma vez por mês, explicação sobre as instituições públicas do Brasil, apresentando aos alunos os protagonistas da República, e aqueles que mais contribuíram para a sua proclamação;
b) Nos dias de festa nacional, preleções sobre os acontecimentos nele comemorados;
28
c) Sempre que houver oportunidade, dar notícias biográficas dos grandes homens do Brasil, sobretudo dos que se celebrizaram na agricultura, indústria e no comércio.
Até este momento, como podemos observar, não há menção sobre a
Escola de Aprendizes de Artífices com ofício agrícola. A Instrução orientava
sobre a admissão dos alunos nas EAA’s e como se daria sua formação. Art. 06
ao16.
Art. 7 - a cada aluno será facultada, apenas, a aprendizagem de um só oficio segundo sua aptidão e tendência.
Art. 08 – Serão admitidos os menos cuja mãe, pai, tutor ou
responsável o requerer ao diretor dentro do prazo marcado
para matricula e que possuírem os seguintes requisitos, preferidos os desfavorecidos da fortuna:
a) Idade de 10 anos mínima e 13 anos no máximo;
b) Não sofrerem de moléstia infectocontagiosa;
c) Não terem defeitos físicos que os inabilitem para a aprendizagem do oficio, atendo-se bastante a aptidão ocular do menos.
Art. 10 - cada aluno matriculado receberá, assinado pelo diretor, um cartão impresso contendo o nome do aluno e a designação do curso e aprendizado que frequentar. (grifo nosso).
Do artigo 12 ao 16, além de resguardar os direitos e os deveres dos
alunos, estes dispõem sobre as faltas as aulas, a exclusão, a conclusão do
aprendizado. As faltas e a exclusão do aluno ficam sob a responsabilidade dos
professores e mestres de oficina, podendo ser ainda ter a intervenção do
diretor e até mesmo do Ministro a pedido do mesmo diretor.
Ainda, neste decreto é determinado no capítulo Das Escolas e das
Oficinas do art. 17 a 24 o funcionamento das oficinas, de utilização de material
e do espaço ocupados pelas oficinas no âmbito da escola. Nos capítulos Do
pessoal das Escolas; Do diretor; Dos professores e Mestres das oficinas; Do
Escriturário; Do Porteiro-contínuo; Da Escrituração; que corresponde aos art.
29
25 ao 38. Nesses últimos é traçado o organograma da Escola, descrevendo-se
os agentes, suas funções e remunerações. São eles:
Art. 25. Cada escola terá um diretor, um escriturário, um professor desenho, uma professora de curso primário, tantos mestres de oficinas quantos forem necessários e um porteiro-
contínuo.
Do diretor:
O diretor era nomeado por Decreto Presidencial, o escriturário, o
professor, os mestres de oficinas por portaria do Ministro, mediante proposta
pelo diretor. Cabia ao diretor: distribuir e fiscalizar, de acordo com essas
instruções, todo serviço dos demais funcionários; inspecionar as aulas; publicar
editais para matrícula dos alunos; resolvendo sobre os seus requerimentos, de
cujo despacho haverá recurso para o Ministro; regular e fiscalizar despesas;
assinar a folha de pagamento do pessoal da escola; admoestar ou repreender
aos alunos, conforme a gravidade da falta cometida, e até mesmo excluí-los da
escola, se assim for necessário à disciplina; enviar anualmente um mapa da
matrícula dos alunos com referências feitas a cada um, em relação a sua
frequência, comportamento e grau de aproveitamento obtido; apresentar ao
Ministro, depois de encerrados os trabalhos escolares, não só o balanço de
receita e despesas do ano findo e o orçamento das receitas e despesas para o
ano seguinte, mas um relatório minucioso do estado da escola, em relação ao
pessoal e material, expondo os principais fatos ocorridos, dando conta dos
trabalhos executados e propondo o que julgar conveniente para maior
desenvolvimento e boa marcha da escola; sujeitar a aprovação do Ministro, por
ocasião de apresentar o relatório, o programa a que se refere o Art.15 do
decreto 7.763/23/1909, organizado de acordo com os professores dos cursos
primários e de desenho e os mestres das oficinas; organizar o horário da aula e
distribuir os trabalhos das oficinas, de modo que casa curso ou aprendizado
não exceda a três horas; prestar aos inspetores agrícolas as informações e
esclarecimentos que forem necessários ao desempenho da fiscalização que
lhes compete pelo Art. 18 do decreto 7.763/23/1909; organizar as tabelas de
preços dos artefatos, sujeitando-a a aprovação do Ministro que poderá alterá-la
30
segundo a conveniência da escola; franquear ao público, sem perturbação dos
trabalhos, a visita à escola e às suas dependências;
Como podemos observar o diretor possui um papel centralizador e é
também o informante do Estado, ficando responsável por informar sobre todas
as práticas, sejam elas de caráter administrativo ou individual de todos que ali
executavam alguma função.
Aos professores e mestres de oficina cabe reger normas referentes a
horários, disciplina, preceitos morais, atribuindo-lhe poder de admoestar alunos
que julgar tal merecimento, além de prestar ao diretor todas as informações
necessárias a boa ordem do serviço. Os mestres de oficinas deverão ensinar a
arte ou ofício a seu cargo em todos seus detalhes, de modo que os alunos
fiquem habilitados a executá-los não só na oficina como fora dela.
Do escriturário cabe comparecer a escola todos os dias úteis às 10
horas da manhã não podendo se retirar antes das 3 horas da tarde, salvo for
um objeto de serviço e por ordem do diretor; organizar todos os documentos de
todos os livros da escola; escrever e registrar todas as correspondências; ter
sempre o arquivo em boa ordem; registrar todas as ocorrências que tiverem de
ser mencionadas no relatório do diretor e apresentá-lo a este quando lhe forem
pedidos com todos os esclarecimentos necessários, etc. Do porteiro-contínuo
além da obrigação de abrir e fechar o estabelecimento as horas convenientes,
competirá à execução todas as ordens que receber do diretor da escola.
Ainda, no Decreto consta a forma Dos exames das exposições e dos prêmios,
em outras palavras avaliação dos alunos.
A avaliação tinha um caráter de premiação. Para tal era composta uma
mesa julgadora, onde participava: o diretor, o professor/mestre da oficina, e um
profissional estranho da escola, convidado pelo diretor, que no caso era o
Inspetor agrícola do distrito. Nesse decreto, fica evidente a manobra que o
governo executou, por meio da educação, para estabelecer, o sistema
capitalista.
31
No início sob a bandeira do assistencialismo, recrutam crianças e
jovens para o trabalho manufatureiro para atender um comércio de arsenal que
se instalava do Brasil. Já no século XX, recrutam um contingente de jovens,
sob a bandeira da Educação Profissional, para o trabalho e manutenção das
grandes indústrias e dos ideais liberais. Sobre os envolvidos neste processo,
os meninos desvalidos, os pobres, os alunos, pouco são citadas nesses
trabalhos ou quase nada.
Cunha (2005) nos diz que não se dispõe de muitos dados a respeito
dos padrões disciplinares vigentes na Escola de Aprendizes de Artífices. Os
poucos encontrados indicam terem sido eles bastantes severos. Ainda segundo
o mesmo autor, o poder de punição dos diretores sobre os aprendizes ia desde
a admoestação ou repressão até a exclusão da escola, se assim exigisse a
disciplina. Para isto, determinava o Regimento Escolar que o diretor
permanecesse no estabelecimento, durante as horas de trabalho diurno e
noturno, a fim de melhor zelar pelo cumprimento de suas ordens, e manter a
disciplina indispensável ao ensino e a boa ordem da administração.
Das punições bem como do comportamento de cada aluno devia o
diretor da escola dar ciência, anualmente por meio de relatórios à Diretoria
Geral de Industrial e Comércio e, ao fim de cada trimestre, era exigida ainda
uma relação nominal dos alunos, com apreciação do comportamento, aplicação
e aproveitamento de cada um.
No entendimento de Bastos (1980 apud CUNHA, 2005, p. 80) na escola
do Pará, por exemplo, as faltas dos aprendizes eram comunicadas ao
Conselho Disciplinar, uma espécie de tribunal, formado por professores,
mestres de oficinas e alunos do 5º e do 6º anos, escolhidos pelo diretor. O
conselho punia ou absolvia. Entre as penas, que iam da advertência à
exclusão, duas se destacavam: a do “quarto escuro”, terror dos alunos – um
quarto totalmente fechado e escuro – onde o punido permanecia por um
período máximo de duas horas; e a exclusão, que se processava mediante
uma cerimônia de estilo militar, em que o aluno punido se formava junto com os
demais no pátio interno da escola. Ao toque de banda marcial, o aprendiz era
32
despido do uniforme escolar por um de seus colegas e, a seguir, acompanhado
de um professor, fazia uma última visita a todas as dependências da escola,
terminando no portão de saída. A população presenciava o ato, do qual tinha
tomado conhecimento por edital colocado na portaria da escola e publicado nos
jornais da cidade.
1.3. ENSINO AGRÍCOLA NO BRASIL E NO MATO-GROSSO
Nos diversos campos do saber, o ensino agrícola no Brasil não
despertou o interesse dos pesquisadores. Assim, pouco se sabe sobre sua
trajetória. Ademais, no decreto anteriormente descrito e nos estudos citados
não há menção sobre o ensino agropecuário e agrícola, o que nos leva a supor
que à época, a Educação Agrícola não era de interesse ao governo.
Durante a pesquisa, insistentemente, buscamos informações sobre o
projeto de implantação da Educação Agrícola no Brasil. As tentativas foram
pouco frutíferas, já que percebemos não haver uma política para a Educação
Agrícola Brasil. Embora tivesse usufruído todas as benesses oferecidas pela
grande extensão de terras férteis e produtivas, o país pouca ou nenhuma
importância deu ao ensino agrícola (MARQUES, 2005).
Ainda segundo Marques (2005), nos tempos do Império, o Príncipe
Regente, Dom João, criou em 1812 na Bahia, por intermédio da Carta Régia de
25 de junho, um curso de agricultura, cujo objetivo era instruir os habitantes da
capitania em conhecimentos agronômicos para que pudessem cultivar as
culturas já plantadas em outros países e que não prosperavam no Brasil.
Criaram-se então “hortos reais”, mais tarde chamados jardins botânicos, nos
Estados do Pará, Rio de Janeiro, Bahia, São Paulo, Pernambuco e em Minas
Gerais. Como podemos observar, a educação agrícola era vista como algo de
menor importância durante o Império.
Diante desse fato, passamos a pensar quais motivos levariam o Brasil a
não investir na Educação Agrícola, já que o país é dono de uma grande
extensão de terras férteis?
Ao nos situarmos no contexto sócio-histórico do século XX, constatamos
que a questão administrativa e o poder no Brasil se encontravam nas mãos de
33
grandes latifundiários de MG, SP, RJ e RS. A educação para este setor traria
grandes conflitos o que não era ideal no momento, considerando que a mão de
obra ainda, na sua maioria das vezes, neste setor, era escrava, ou se dava por
meio de recém libertos, e por imigrantes que por muitas vezes eram mal
remunerados. A situação era cômoda tanto para o governo quanto para os
grandes latifundiários.
Marques (2005) afirma que neste momento o pensamento era
conservador e que tinha-se como primeira condição a ordem, sem ela os
momentos de crise social eram encarados como nefastos e obscuros para a
Nação, posicionada acima dos indivíduos. O Estado usurpa, nessa medida, o
lugar das classes ou grupos sociais. Tal asserção é confirmada se retomarmos
as ideologias do império, da República sobre a educação como vimos
anteriormente.
Somente na segunda metade do século XX, os dirigentes nacionais
perceberam que o setor agropecuário era merecedor de um pouco mais de
atenção, pois o país enfrentava dificuldades com a falta de tecnologia no
campo. Outro aspecto que merece destaque é o fato de que ocorria uma
intensa migração do campo para os grandes centros; os camponeses, em
busca de melhores condições de vida, de trabalho dirigiam-se para os grandes
centros urbanos, como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, o que
também ocasionou grandes aglomerados de pessoas nesses centros urbanos.
Cremos ter sido esse o impulso necessário à criação de novas
tecnologias para o setor agrário, uma forma de manter os camponeses ou,
como nos fala Leite (2002), os rurículas no campo.
Destacamos, no entanto, que em 1911, no governo de Hermes
Rodrigues da Fonseca, instala-se a primeira Escola Agrícola Federal no Brasil
- Escola Agrícola da Bahia por força dos Decretos números 8.584 de 1 de
março de 1911 – um modelo a ser seguido naqueles novos tempos.
Esse modelo de educação, uma vez associado ao meio rural, suas
construções encontravam-se, e se encontram, em fazendas afastadas do
centro comercial e urbano, apresentando uma arquitetura predominantemente
rural, tendo elas a obrigação de atender as necessidades locais.
Conforme o decreto nº 8.561 de 15 de fevereiro de 1911.
34
Art. 4º Além do ensino que ministra aos alunos, cumpre à escola interessar-se em todos os assuntos agrícolas comuns à região a que deve servir, colaborando em seu desenvolvimento econômico, por meio de investigações científicas, trabalhos práticos nos laboratórios e na fazenda experimental e mediante os melhores de propaganda agrícola.
Art. 22. A fazenda experimental deverá ser estabelecida como uma exploração agrícola de caráter particular, com todas as dependências e instalações próprias a uma fazenda-modelo, instalada em condições de obter o maior rendimento possível da cultura do solo, da pecuária e das indústrias rurais e regionais por um serviço completo de contabilidade agrícola.
Art. 23. A fazenda experimental deverá possuir, além da área destinada aos campos de experiência e demonstração, a superfície necessária para as culturas sistemáticas das plantas que tiverem servido de objeto à experimentação.
Parágrafo único. A área total da fazenda experimental será no mínimo de 50 hectares, de acordo com o art. 438 do Regulamento Geral do Ensino Agronômico.
Devido à localização e principalmente a dificuldade de acesso às
escolas, fez-se necessário a criação de “internatos” para alunos e “residências”
para os servidores,
Art. 83. O regime da escola é o de internato, com freqüência obrigatória ás aulas, exercícios e trabalhos práticos, sendo também admitidos alunos externos.
Art. 87. O numero de alunos internos não poderá, sob pretexto algum, exceder de 50. (grifo nosso)
Existiam também outros alunos, os externos:
Art. 88. O Ministro, de acordo com o diretor da escola ouvida a
Congregação, estabelecerá o número de alunos externos que deverão ser admitidos anualmente. (grifo nosso)
Constituem-se assim duas classes de alunos: os externos, que eram
alunos que não residiam na escola e os internos, quando selecionados de
acordo com que era estabelecido por lei, matriculavam-se gratuitamente.
35
1ª: ter sido aprovado plenamente no exame de admissão ou no curso ginasial;
2ª: ser órfão de pai e mãe;
3ª: ser órfão de pai;
4ª: ser filho de agricultor, criador ou profissional de indústria rural.
Os alunos tanto internos quanto externos, com exceção dos que
anteriormente eram selecionados, deveriam pagar para o governo:
Art. 109. Os alunos contribuintes pagarão, quando internos, 15$ no ato da matricula 450$ em três prestações adiantadas, e no externato 15$ no ato da matricula e 75$ em três prestações durante o ano letivo.
Com o surgimento dos internatos inicia-se uma nova relação entre os
alunos internos e os servidores residentes. Os alunos passam a ficar sob a
guarda da escola, do Estado. Surge, dessa forma, outra preocupação, a
vigilância.
Para que a vigilância fosse eficaz era montado todo um mecanismo de
controle de sujeitos, composta por inspetores, médicos, farmacêutico,
professores e o diretor que reside na escola. A vigilância é permanente
Art. 34. O diretor residirá no edifício que lhe é destinado na
sede da escola e não poderá ausentar-se por mais de oito dias sem autorização do Ministro.
Art. 32. O pessoal administrativo constará, além do diretor, de
um secretário-bibliotecário, um escriturário, quatro conservadores e inspetores de alunos, um ecônomo, um porteiro, um contínuo, mestres de oficinas, um feitor, operários, e o número de bedéis, serventes e trabalhadores rurais necessários aos serviços da Escola.
Parágrafo único. Além do pessoal indicado, haverá um médico e um farmacêutico, servindo este também na farmácia veterinária.
A pessoa do diretor tinha plenos poderes sobre a escola, sobre a
disciplina dos alunos e dos servidores que ali trabalhavam, sendo ele
responsável inclusive por reger o regimento interno da escola.
Art. 135. A disciplina escolar será mantida de acordo com os preceitos contidos no regimento interno da escola.
36
Art. 136. A freqüência dos alunos às aulas teóricas e aos trabalhos práticos será fiscalizada pelos inspetores.
Infelizmente, não conseguimos o regimento interno da época, porém é
possível observar nas minúcias do decreto que no espaço escolar há um forte
sistema disciplinador, como por exemplo, a exigência de uma inspeção diária
sobre os indivíduos e outros tipos de controle da vida dos indivíduos, dentre
eles a distribuição dos mesmos, no espaço.
Art. 84. Os alunos deverão tomar parte direta na execução dos trabalhos do laboratório, nos serviços de campo, das oficinas e de todas as dependências da escola.
Art. 85. No regimento interno da escola dever-se-á fazer a distribuição do tempo de modo que os trabalhos práticos nos laboratórios e gabinetes sejam diários e os de campo e da oficina se façam em dias alternados.
Art. 93. Os alunos serão argüidos diariamente pelos lentes e pelos preparadores-repetidores, sendo apreciado o valor das lições pelas respectivas notas, que constituirão a média do aproveitamento de cada aluno, durante o ano letivo.
Art. 95. Além das argüições nas aulas teóricas, os alunos deverão ser submetidos a provas práticas nos trabalhos dos laboratórios, das oficinas e do campo, e a nota respectiva entrará na composição da média concernente a cada matéria do curso.
O Mato Grosso no cenário da Educação Profissionalizante Agrícola não
poderia ficar de fora, pois desde os Bandeirantes recebia grande fluxo de
imigrantes no estado já que se tratava de um Estado de grande produção
agricultura e agropecuária - erva-mate, poaia, borracha e os produtos da
pecuária ou dela derivados, como carne bovina, couro, charque, caldo e extrato
de carne. Em 1913 é beneficiado com a criação da Escola Agrícola e Pastoril,
do Posto Zootécnico e do Campo de Demonstração instituídos e mantidos pelo
governo Estadual em parceria com o governo Federal.
Todavia, o marco da Educação Agrícola de Mato Grosso foi a
implantação do Aprendizado Agrícola “Gustavo Dutra” sob o Decreto n. 5.409
de 14 de abril de 1943. Cria-se então, no local denominado São Vicente,
município de Cuiabá, Estado de Mato Grosso, um Aprendizado Agrícola,
subordinado à Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário do Ministério
da Agricultura.
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O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o artigo 180 da Constituição, DECRETA: Artigo único. Fica criado um Aprendizado Agrícola, subordinado à Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário do Ministério da Agricultura, nos moldes dos já existentes, a ser instalado no Estado de Mato Grosso, município de Cuiabá, Serra da Chapada, no local denominado São Vicente, distante 96 quilômetro da cidade de Cuiabá, adotando-se para o mesmo o prefixo A. A. 12. Rio de Janeiro, 14 de abril de 1943, 122º da Independência e 55º da República. GETULIO VARGAS.
Com base no decreto anterior é possível constatar que a Escola de São
Vicente toma como modelo curricular e disciplinar as Escolas Média ou Teórico-
Prática de Agricultura do Estado da Bahia, bem como o seu regulamento, no
que concerne à estrutura organizacional, pedagógica e admissão de alunos.
O momento no Brasil é denominado de Novo Estado (1937-1945),
período da Ditadura Militar no Brasil, tendo a frente do governo Getúlio Vargas
com apoio das forças armadas. Nesse período, houve muitas manifestações e
protestos armados contrários ao novo regime político, já que o mesmo tinha um
regime de controle total e autoritário e permitia ao governo nomear
interventores nos estados, a fim de controlar melhor cada região. Dentre outras
formas de controle, estava à censura aos meios de comunicação realizada pelo
Departamento de Impressa e Propaganda (DIP), que era encarregado de fazer
propaganda do Estado Novo, a censura do DIP era eficiente e agia em todos
os segmentos da sociedade. O controle social se torna mais ostensivo e
urgente e a educação foi foco para a concretização deste objetivo.
O Estado Novo promovia grandes manifestações patrióticas, cívicas e
nacionalistas inclusive nos livros didáticos. Era de interesse deste governo
ainda, em 1943, a criação dos territórios federais nas fronteiras, para o
desenvolvimento do interior e a vigilância da mesma.
Assim, a Educação entra no cenário, tendo como figura articuladora
Gustavo Capanema, então Ministro da Educação e Saúde Pública que de
forma sutil mistificou Getúlio Vargas, propondo uma educação “inovadora” o
38
Ensino Técnico Profissionalizante em quatro modalidades: Industrial,
Comercial, Agrícola e Normal.
Segundo Ghiraldelli. Jr. (1999, p. 88), a centralização administrativa do
governo Vargas possibilitou uma maior homogeneidade e continuidade nas
medidas educacionais. Se por um lado a centralização era atacada por certos
liberais, por outro, para as classes populares ela representava a apresentação
de uma maior nitidez na ação governamental, gerando então uma grande
popularidade do governo.
No campo da educação, as atitudes do governo Getúlio Vargas
caminharam sob os parâmetros táticos de sua política trabalhista, não só como
uma forma de atuar sobre uma faixa de trabalhadores que necessitavam da
modernização do setor de produção agrícola, mas, principalmente, atuando
sobre uma faixa da população que oferecia perigo ao modo de vida dominante
na sociedade, a burguesia. Cunha (2005, p. 71) critica o processo de instalação
das Escolas de Aprendizes de Artífices, compreendendo como inadequado à
dinâmica do processo de industrialização que se desenvolvia no país.
Esse processo estratégico de instalar em cada capital do país uma EAA,
atendia, no momento, as necessidades do governo, não só o de qualificar
operários para o trabalho para as indústrias, mas também para outro propósito
de ação, a saber, instalar um controle social, um controle sobre os indivíduos,
tornando-os úteis. Isso pode ser confirmado no excerto:
Analisando os ofícios ensinados nas escolas de aprendizes artífices, vemos oficinas voltadas para o artesanato de interesse local e poucas de emprego manufatureiro ou industrial. A maioria absoluta das escolas ensinava alfaiataria, sapataria e marcenaria. Outros ofícios eram ensinados em um número menor de escolas, predominando os de emprego artesanal como a carpintaria, a ferraria, a funilaria, a selaria, a encadernação e outros. Poucas foram as oficinas destinas ao ensino de ofícios propriamente industriais, de emprego generalizado como mecânica, tornearia e eletricidade. (CUNHA, 2005, p.71)
Nosso trabalho não objetiva realizar um estudo sobre a implantação das
escolas profissionais no Brasil numa perspectiva somente de valorização da
mesma, sua importância socioeconômica no cenário brasileiro, que
39
entendemos já cristalizadas, mas sim compreender as diferentes técnicas de
coerção que buscam operar sobre os indivíduos. Em outras palavras, e
mobilizando Foucault em nossa reflexão: uma sociedade inteiramente
atravessada por relações guerreiras foi sendo substituída pouco a pouco, por
um Estado dotado de instituições militares. (FOUCAULT,1997, p. 25)
Entendemos que a retomada do governo Getulista da Educação
Profissional, agora para o campo agrícola, não era senão uma retomada das
estratégias iniciadas por Nilo Peçanha, agora mais elaborada, com o objetivo
de demarcação territorial, para o exercício do controle mais próximo do sujeito,
perpetuando a lei do silêncio. Desse modo,
(...) Para o governo a “questão social” havia se agravado devido à migração interna e, conseqüentemente, ao inchamento das cidades. Portanto, segundo o governo era interessante o discurso que enfatizava a criação de escolas técnicas. No campo deveriam ficar as escolas técnicas rurais, nas cidades estariam os estabelecimentos profissionalizantes ao nível industrial e comercial (....) (GHIRALDELLI. JR., 1990, p. 44)
Em Mato Grosso, Getúlio Vargas planejou intervir, estimulando, a
pequena e média produção. De acordo com Marques (2005, p. 41), o ensino
ministrado, não só no Aprendizado Agrícola de Mato Grosso, mas em todos os
demais existentes no país era destinado aos menores desvalidos, aqueles que
careciam de escolas, pois as famílias não dispunham de condições financeiras
para ampará-los em uma unidade escolar. Os menores, que deveriam oscilar
na faixa etária entre 10 e 16 anos, não podiam ser delinquentes e nem
portadores de doenças contagiosas ou, ainda, serem portadores de alguma
deficiência física que os impossibilitassem de praticar os serviços agrícolas ou
da indústria rural.
Retornando à historiografia do Aprendizado Agrícola “Gustavo Dutra”,
nos diz que sua organização pedagógica e estrutura física aproximam-se da
Escola da Bahia, a saber: Pavilhão de Indústrias Rurais, Pavilhão da
Enfermaria, Casa do Diretor, oito residências de funcionários, Pavilhão de
Indústrias Rurais, Pavilhão de Oficinas, etc.
40
Como o Aprendizado situava-se na zona rural e o transporte e estradas à época era bastante precário, a permanência dos servidores na localidade era quase obrigatória. Visando a resolver este problema, o Governo Federal construiu várias casas para que os servidores pudessem ali permanecer com seus familiares. (MARQUES, 2005, p. 54)
O corpo discente era oriundo de várias localidades, como: Poxoréo,
Cuiabá, Rosário Oeste, Alto Araguaia, Santo Antônio do Rio Abaixo, Nossa
Senhora do Livramento, Várzea Grande, São Lourenço, Jaciara, Nobres,
Guiratinga, Diamantino, Alto Paraguai, Pedra Preta, Barra do Garças, etc. Na
maioria das vezes, esses alunos eram provenientes de famílias muito pobres
atraídas pela qualidade e gratuidade do ensino oferecidas pelo aprendizado.
Marques (2005) não faz menção às instalações dos internatos na escola,
porém faz uma referência importante sobre a disciplina escolar e sanções
disciplinares. Ele afirma ter encontrado apenas um documento que trouxesse à
luz sanções disciplinares aplicadas aos alunos: um aviso aos alunos, datado de
25 de fevereiro de 1947, estabelecendo o que eles não podiam fazer e as
respectivas sanções disciplinares pelo seu não-cumprimento. Esse aviso
estipulava que o aluno estava sujeito à penalidade, quando:
a) desobedecesse às ordens dos guardas ou se recusasse a executar trabalhos para os quais fosse designado;
b) deixasse de cumprir rigorosa disciplina em trabalhos, em classe e nas refeições;
c) deixasse de observar os princípios da higiene ou, por motivos não justificados, apresentasse as vestes rotas ou sujas;
d) provocasse distúrbios, brigas ou confusões, principalmente nas horas de trabalho;
e) não observasse o devido respeito aos guardas, professores, chefe de disciplina ou visitantes;
f) por desleixo ou propositadamente, inutilizasse peças do vestuário ou sapatos, sendo que, neste caso, a conta seria remetida aos pais ou responsáveis para a devida indenização;
g) sem a autorização dos vigilantes, se afastasse da escola para os campos e matas ou se aproximasse dos veículos que passassem pela estrada;
41
h) depredasse árvores, culturas ou maltratasse aves e outros animais ou, ainda, apanhasse frutas sem a devida autorização;
i) deixasse de obedecer ou respeitar o seu colega em serviço de vigilância ou de guarda;
De acordo com o mesmo documento, os alunos infratores estavam sujeitos às seguintes penalidades:
a) observação ou repreensão;
b) exclusão momentânea das aulas, dos trabalhos práticos ou dos exercícios físicos;
c) privação de recreio;
d) repreensão do diretor em presença dos alunos;
e) privação de saída;
f) suspensão das aulas por oito dias; e
g) expulsão da escola.
Ainda, no entendimento de Marques (2005), naquele momento o
aprendizado que não dispusesse de um código disciplinar estabelecendo
parâmetros para a avaliação do comportamento dos alunos que não era
considerado bom. Ao mesmo tempo em que punia, a escola recompensava o
“bom aluno” que servia de exemplo aos demais. Por outro lado, o “mau aluno”
era severamente punido, às vezes, humilhado na presença dos colegas.
Prática que nos remete a Foucault (1997):
(...) Nenhum saber se forma sem um sistema de comunicação, de registro, de acumulação, de deslocamento, que é em si mesmo uma forma de poder, e que está ligado, em sua existência e em seu funcionamento, às outras formas de poder. Nenhum poder se exerce sem extração, a apropriação, a distribuição ou a retenção de um saber. Nesse nível, não há o conhecimento de um lado, e a sociedade, do outro, ou a ciência e o Estado, mas as formas fundamentais do poder saber. (FOUCAULT, 1997, p. 19)
Acredito, diferentemente de Marques (2005), que o aprendizado possuía
sim um código disciplinar que estabelecesse parâmetros para a avaliação do
comportamento dos alunos, impondo um controle minucioso do seu tempo, de
seu corpo, pois o documento descrito pelo pesquisador, já nos traz evidências
discursivas de que no aprendizado existia uma prática política, administrativa e
normatizadora dos alunos. Para Foucault (2003), essa formação de certo
42
número de controles políticos e sociais no final do século XIX faz parte da
formação da sociedade capitalista.
1.4. HISTÓRICO DA ESCOLA AGROTÉCNICA DE CÁCERES
Conforme já enunciamos, esta pesquisa tem como locus a Escola
Agrotécnica Federal de Cáceres7 - MT e, para dar conta de nossos objetivos,
tomamos como referência bibliográfica inicial o trabalho da pesquisadora Maria
de Lourdes Maciel Zysko8, que, ao historicizar sobre o desenvolvimento
socioeconômico de Cáceres na década de 80, apresenta a implantação da
EAFC como parte integrante desse processo.
A Portaria nº 217 de 17 de março de 1980, ainda sob o regime militar
tendo como governo do Estado o General Figueiredo e Ministro da Educação
Eduardo Portela, autoriza o funcionamento da Escola Agrotécnica de Cáceres,
no Estado de Mato Grosso, sob a responsabilidade da Coordenação Nacional
do Ensino Agropecuária - COAGRI, a partir do ano letivo de 1980.
Cáceres, no final do século XIX e início do século XX, teve como
principal atividade econômica a prática da agropecuária e do extrativismo
animal e vegetal, matéria-prima que era transportada por meio do Rio
Paraguai, promovendo grandes empreendimentos como as usinas de açúcar e
as charqueadas na região de Descalvado e Barranco Vermelho, ampliando-se
com a exploração da poaia e da borracha nas matas do Alto Paraguai,
juntamente com o comércio de peles, animais bovinos e silvestres da região. A
diversidade natural da região era bastante rica.
Segundo Zysko (2009, p. 03), essas atividades foram responsáveis pelo
desenvolvimento de uma intensa migração para esta região, por meio da
navegação do Rio Paraguai, contribuindo para o desenvolvimento da cidade de
7 Localizada, na cidade de Cáceres a 220 km de distância de Cuiabá, capital do Estado.
8 Especialista em Educação Profissional Integrada com a Educação básica na modalidade de jovens e adultos –
PROEJA, pelo Instituto Federal de Educação de Mato Grosso – Campus Cuiabá – com a pesquisa A importância da formação continuada dos professores e dos servidores técnicos que atuam no PROEJA na Escola Agrotécnica Federal de Cáceres – MT, a autora é Técnica em Assuntos Educacionais da Escola Agrotécnica Federal de Cáceres – hoje, Instituto Federal de Educação de Mato Grosso – Campus Cáceres, e atua na educação profissional desde 1980.
43
Cáceres, tendo o café, na segunda metade do século XX, como uma de suas
outras atividades econômicas. Esse movimento foi o responsável pelo aumento
populacional da região, fazendo aparecer novos municípios como Mirassol
D´Oeste, Porto Esperidião, Araputanga, ente outros, contribuindo dessa forma
para acelerar a colonização da região Centro-Oeste do país.
Em Cáceres encontram-se as Forças Armadas – Exército Brasileiro –
para guarda a segurança da Fronteira – 66º Batalhão de Infantaria Motorizada
de Fronteira.
Ainda, Zysko (2009, p. 04) a implantação da escola fez parte do
Programa de Expansão e Melhoria do Ensino, MEC/SG/PREMEN e Convênio
entre Prefeitura Municipal de Cáceres, e o governo do Estado tendo como um
de seus objetivos a ampliação da oferta de educação na modalidade educação
profissional, especificamente, com cursos na área da Agricultura e Pecuária,
correlacionadas com as atividades econômicas da região.
Para proceder a esse levantamento histórico da EAFC, lançamos mão
dos documentos depositados em seu arquivo, porém o documento que
encontramos foi a referida portaria de autorização para funcionamento da
mesma. Diante de tão pouco material documental, não menos importante, nos
propusermos a percorrer de sala em sala, gabinete, secretária escolar,
almoxarifado, salas de coordenação em busca de pistas que nos fornecessem
informações da estrutura organizacional, o currículo de ensino da época, o
quantitativo de servidores e alunos matriculados e seu desenvolvimento no
cenário nacional. Entretanto, infelizmente não foi possível ampliar o número de
fontes documentais, tendo em vista que a escola não tem um arquivo
apropriado. Recorremos então a outras fontes, por exemplo, entrevistas com
servidores9 que já alguns destes trabalham na escola desde sua implantação.
A Escola Agrotécnica Federal de Cáceres tem características peculiares,
como todos os Aprendizados Agrícolas e Escolas Agrotécnicas instaladas no
Brasil. Entre elas, o Aprendizado “Gustavo Dutra”, posteriormente, Escola o
9 Entrevista concedida pelos servidores Veronice Sousa, Maria Zysko, Valeriano Zysko.
44
Agrotécnica Federal de S. Vicente. A EAFC é situada no perímetro rural da
cidade - uma “fazenda experimental” - de difícil acesso, afastada do centro
comercial e urbano, apresentando uma arquitetura, predominantemente, rural.
Ao entrevistar o professor Valeriano Sysko perguntamos se a EAFC
instalou-se em parceria com a EAF- São Vicente. Prontamente o professor nos
respondeu: a instalação da nossa Escola não tem nada haver com a S.
Vicente, nada haver, aqui foi o Prefeito da época que mandou abrir a escola,
tanto é que a escola, inicialmente, era Estadual e não Federal.
Diante a portaria 217 de 17 de março de 1980, e dos documentos (fichas
de matrícula, requerimento, portaria, etc.,) em que está timbrado Serviço
Público Federal podemos observar ao contrário do que é dito pelo professor - o
governo Federal esteve à frente desse plano desde o início, delegando ao
Ministro de Estado da Educação e Cultura, ao governo de Mato Grosso a
responsabilidade de implantar uma unidade de Ensino Federal na cidade de
Cáceres, fronteira entre Brasil e Bolívia.
Considerando o contexto político do Brasil e Mato Grosso na década de
80, ainda sob o regime militar, inicia-se um grande movimento pela
democracia. Em 1980, a fundação do PT (Partido dos Trabalhadores) em São
Paulo; o movimento das Diretas-Já, que teve no estado de Mato Grosso como
representante o mato-grossense e ex-governador, Dante de Oliveira, redator
das Diretas-Já em 1983.
Nesse momento ocorria no Brasil uma intensa disputa política e a
reestruturação da ordem era necessária para inibir movimentos a favor da tão
sonhada democracia que, segundo os idealizadores das Diretas-Já, só era
possível mediante a restauração da eleição direta para presidente.
O Mato Grosso encontra-se nesse cenário, como lócus de preocupação
já que no Estado possuía presença marcante de Dante de Oliveira e seus
ideais democráticos. Diante dos acontecimentos, o Presidente João Figueiredo
45
exerceu uma forte pressão sobre os parlamentares para que a emenda
constitucional Dante de Oliveira10 não fosse aprovada.
Em Mato Grosso, o General Figueiredo nomeia Frederico Campos –
comandante do II Exercito à época para governador. Outro fato importante é
que o Estado de Mato Grosso tinha sido recém divido, em 1977. Nesse
cenário implanta-se a EAFC, na cidade de Cáceres - MT, considerada um
centro de integração latino-americano, por intermédio do Porto Fluvial
(Terminal Portuário de Cáceres), juntamente com o desenvolvimento da sua
malha rodoviária municipal que liga o Brasil com a República da Bolívia,
possibilitando uma saída para o Pacífico.
O processo de implantação da escola iniciou-se em 1978, com a
composição do corpo administrativo e corpo docente. O primeiro diretor foi o
Professor Francisco Aldivino Gonçalves11. O corpo administrativo era composto
por uma secretária, cozinheiras, porteiro contínuo, guardas e professores da
área técnica e professores do ensino secundário.
Retomando o decreto 217 de 17 de março de 1980, observamos
que é legitimada a autorizar do início letivo no mesmo ano; a escola dá
início às suas atividades no dia 17 de agosto do mesmo ano. No primeiro
momento, a escola ofereceu os Cursos de Agropecuária em período
integral para alunos de ambos os sexos, e preferencialmente para filhos
de produtores rurais, ou sujeitos que exerciam algum tipo de atividade no
campo – no modelo do decreto 8.584, de 1º de março de 1911.
A escolha dos alunos era feita por processo seletivo, provas objetivas,
mediante aprovação, o candidato deveria apresentar documentos
comprobatórios, a saber:
a) Ter concluído o ensino primário; b) Atestado médico que para comprovar boa saúde física e mental compatível para as atividades na escola; c) Atestado de uma entidade, de um fazendeiro, certificando que o candidato a aluno exerce atividade no meio rural;
10
A emenda Constitucional levou o nome de seu redator - Dante de Oliveira. 11
Esse professor segundo informação dos servidores tinha contato direto com o governo Federal, sendo ele não só chamado para administrar a EAC, mas também outras escolas do Estado, posteriormente.
46
A estrutura física da escola foi cedida pelo município e contava apenas
com um bloco com 4 (quatro) salas de aulas, 3 (três) salas administrativas,
enfermaria, sala do médico, refeitório, casa do diretor e 5 casas para
servidores.
Nesse momento, na escola ainda não existia o regime de internato, os
alunos chegavam às sete horas da manhã e retornavam no final de tarde 17
horas. Por causa da localização e, principalmente, pela dificuldade de acesso
às escolas, fez-se necessária a criação de “Internatos” para alunos, que teve
início aproximadamente no ano de 1983. Conforme consta nas pastas de
alunos ao preencher Ficha de Inscrição para preenchimento da vaga para o
Internato em 1983 (documento em Anexo). Passando a escola exercer o
regime de externato e internato para os alunos. A clientela atendida na escola
era oriunda de diversas partes do Estado de Mato Grosso e também do Estado
de Rondônia.
A EAFC segue como podemos observar o mesmo modelo já instalado
em outras escolas do país deste os tempos do início da República, em especial
no que diz respeito à implementação do regime de internato, característica
fundamental do ensino agrícola.
Acreditamos que o modelo seguido pela EAFC foi o instituído pela
Escola Agrotécnica Federal de São Vicente.
A extensão da escola é de 350 alqueires, este espaço e dividido da
seguinte forma:
Bloco Administrativo: sala do diretor, sala de professores, secretaria escolar,
salas de coordenações e salas de aulas;
Biblioteca;
Enfermaria, consultório dentário;
Refeitório;
Laboratórios;
Setores: bovino, suíno, agroindústria, avicultura, ovino, fruticultura, horta, pivô
central, apicultura;
Residência para servidores;
Alojamentos/Internato;
47
Mecanização;
Guarita;
Área de lazer: 1 (uma) quadra e 1 (um) campo de futebol.
1.5. CENÁRIO DA PESQUISA: O INTERNATO, O SUJEITO E O DISCURSO
DISCIPLINAR
O internato foi construído com base em um discurso assistencialista,
para menores desfavorecidos e filhos de produtores rurais que moravam
distante da cidade sede da escola, como podemos observar nos critérios
estabelecidos na ficha a seguir.
a) Localidade de aluno, onde mora, cidade ou fazenda;
b) Distância da residência dos pais até a escola;
c) Ocupação dos pais;
d) Se possuía parentes em Cáceres, cidade sede da EAC;
e) Renda familiar;
f) E se de fato pretende concluir o curso.
Em 1983 o internato tinha apenas 1 (um) bloco, com 8 (oito) quartos,
que comportava 4 (quatro) beliches, sendo então, (8) oito camas em cada
quarto tinha 1 (um) banheiro com 2 (duas) privadas e 2 (dois) chuveiros. O
internato atendia no início 64 (sessenta e quatro) alunos todos do sexo
masculino. O internato localiza-se no perímetro da escola, entre o bloco
administrativo e as residências dos servidores.
Os internos permaneciam na escola por um período de 3 (três) anos e
durante este período fazia parte de seu cotidiano, realização de tarefas no
campo, por meio de escala de plantão que deveria ser cumprida
rigorosamente, com penas de punição, dentre elas a perda do regime de
48
internato. O regime de internado os impunha uma disciplina, rígida como
pudemos constatar em fichas individuais – registro de ocorrência dos alunos da
época – 1983. Esse tipo de prática pode ser remetido ao que nos diz Foucault.
“A disciplina é, antes de tudo, a análise do espaço. É a individualização pelo
espaço, a inserção dos corpos em um espaço individualizado, classificatório,
combinatório (FOUCAULT, 2005, p.106).
No ano de 1980 mesmo não havia o sistema de internato, já
encontramos ficha individual – registro de ocorrência de alunos, mesmo sendo
eles externos. O que nos leva a supor que a prática de registro de ocorrência
era corrente desde a implantação da escola.
Os registros de ocorrências escritos nessas ficham eram: registro de
mau comportamento, de não cumprimento das tarefas, registro de ingestão de
bebida alcoólica, furtos, desrespeito as autoridades (professores, diretor, etc.),
faltas de alunos a escala, enfim, tudo que infringia as regras disciplinares da
escola. Como podemos observar12.
12 As citações do conjunto das ocorrências existentes neste trabalho são sempre a transcrição literal dos registros, incluindo abreviações, letras maiúsculas e minúsculas, vírgulas, erros gramaticais, de ortografia e quaisquer outras marcas próprias do registro original. A intenção é mantê-lo o mais intacto possível. Para garantir o anonimato, utilizei nomes fictícios para as pessoas envolvidas, procurando seguir a estrutura da narrativa: quando são mencionados nome
e sobrenome, inventei um nome e um sobrenome.
49
Figura 1 – Ficha de registro de ocorrência 13
Ministério da Educação e Cultura
Coordenação Nacional de Ensino Agropecuário
Escola Agrotécnica Federal de Cáceres
Divisão de Atividades Técnicas
Registro de Ocorrência
Alunos:_____João Vera Cruz.________________ Nº 52
Local: Sala de aula
Horário: 9.30
OCORRÊNCIA: Insistência em atitudes e palavras que demonstrou imaturidade para comentar assuntos políticos.
Data 8 de abril de 1981
Assinatura do (a) Servidor (a):___________o servidor assina __________ e data do ocorrido
Figura 2 – Registro de ocorrência
13 ALUNO: João da Silva n. 01
OCORRÊNCIA: O aluno a cima citado juntamente com o aluno nº 88, 06, 124 tinham 02 (dois) dias a disposição da coetagri, fora isso foi lhes atribuído uma tarefa, por opção dos mesmos. O nº 88 e o 06 compriram (sic) metade da tarefa e concluíram a outra metade ficou por conta do nº 01 e 123 os quais não concluíram sua parte naquela manhã tudo ficou para tarde. Segundo o aluno 124, o A. em um certo momento parou de trabalhar e foi fazer um lanche onde ficou em torno de uma hora, enquanto isso, o 124 continuou trabalhando; por isso não puderam concluir sua parte naquela manhã. Na parte da tarde o n. 124 compareceu para concluir a tarefa e o nº 01 falto; por isso o aluno nº 1 não cumpriu sua tarefa. Assinatura do (a) Servidor (a):___________o servidor assina __________ e data do ocorrido
50
Por falta de um arquivo organizado não conseguimos localizar o
regimento interno da escola, documento no qual, acreditamos, que deveria
constar o regime disciplinar dos discentes da época. Mas, pelas fichas
individuais, registro de ocorrência encontradas, podemos observar como se
deu a constituição de todo uma teia de discursiva de controle dos corpos dos
alunos.
Em 1983 era apenas o Bloco 01 que atendia 64 (sessenta e quatro)
alunos internos; com a construção do Bloco 02 e Bloco 03 em 1988 passa a
atender 192 (cento e noventa e dois); e por último, a construção do Bloco 4 em
1990 passa atender 252 (duzentos e cinquenta e dois) alunos. A escola de fato
não chegou a atender este número permitido de alunos internos o máximo a
atender foram 20014.
Hoje o internato contém 4 (quatro) blocos, cada um tem 8 (oito) quartos
que compartam 4 (quatro) beliches, então, 8 (oito) camas 8 (oito) alunos, cada
quarto têm 1 (um) banheiro com 2 (duas) privadas e 2 (dois) chuveiros. O
internato atende em média (180) cento e oitenta alunos, todos do sexo
masculino.
Os critérios utilizados pela escola para escolha dos alunos que serão
internos são os mesmos desde 1983.
Depois de 2005, a partir da Resolução 06 de 15 de dezembro, entra em
vigor o novo Regimento Interno da Instituição o qual prevê, entre outras
questões: as normas disciplinares para discentes. Nesse regimento há uma
mudança de vocábulo, não se usa o termo aluno interno, sim, aluno residente.
Porém, optamos pelo termo de uso corrente na escola interno, como são
chamados os alunos residentes no cotidiano da escola.
Os alojamentos estão localizados no mesmo lugar entre bloco
administrativo e as residências de servidores. À medida que os alojamentos
formaram aumentados, e respectivamente o número de alunos internos, foi
14
Segundo Veronice Sousa , servidora desde 1983.
51
construído mais casas para servidores, hoje totalizando 11 (onze). A disposição
dos alojamentos é também motivo para nossa reflexão, já que foram no
decorrer do tempo sendo construídos uns em frente aos outros. O alojamento
01 em frente ao alojamento 04; o alojamento 02 em frente ao alojamento 03.
Na área dos alojados existe: lavanderia, sala de TV com o intuito de
atender o coletivo. Tudo favorece o controle. E mais e mais arranjos se
dispõem, beneficiando a vigilância geral e também individual. Mediante toda
essa ampliação fez-se necessário um mecanismo de controle mais elaborado
para que se instale uma ordem no Internato, e na escola como um todo.
No refeitório, logo à porta, está posicionado o assistente de aluno15,
responsável por fiscalizar a entrada e a saída dos que ali vão fazer suas
refeições. Ele é responsável também por fiscalizar as vestimentas apropriadas
para a utilização do espaço e a manutenção da ordem. Tudo deve ser
registrado no livro do refeitório, números de alunos, faltas e caso de desordem,
etc.
Art. 3. Incisos
VIII- apresentar-se decente e corretamente trajado, com asseio e usando o respectivo uniforme da escola, nas aulas teóricas, teórico-práticas, laboratórios, solenidade, assim como nas atividades fora da escola, quando a estiver representando;
Parágrafo único: O Refeitório disporá de normas específicas para sua utilização, a serem estabelecidas pelo CGAE, CAE e SAN, que farão parte do Regulamento Disciplinar;
XXIX – para os alunos residentes, assinar o Livro do Refeitório se for permanecer na Escola durante os finais de semana ou feriados;
Há ainda outro livro, o Livro de saída dos alunos internos. Nele deve
ficar registrado o horário de saída, o horário de retorno e o lugar para onde vai.
Art. 3 – Inciso
15
Os assistentes de alunos, os servidores responsáveis por assistir os alunos em todas as suas atividades no interior da escola, em especial atendimento aos alunos internos. São eles que comunicam aos coordenadores qualquer ato infração cometido pelos alunos. São eles os responsáveis em valer cumprir a Lei, o regulamento.
52
XXVIII – assinar livro de saída quando o aluno residente se
ausentar da Escola, e sendo menor de 18 anos, necessita de
autorização escrita dos pais ou responsáveis;
A instituição, apesar de passar por várias transformações em sua
estrutura pedagógica e administrativa no decorrer de todos esses anos, adota
modelos de vigilância e registro já utilizados em outras EAF’s no passado,
dentre eles e o mais temido pelos alunos, o Registro de Ocorrência. O registro
de uma ocorrência é a prova legal, no interior da escola, de que o aluno
cometeu uma infração, sob o registro há toda uma prática jurídica.
O registro é feito em dois setores na Coordenação de Atendimento ao
Educando - CGAE e na Seção de Orientação Educacional - SOE e pode ser
feito por qualquer servidor (autoridade), que no momento do ato infracional do
aluno se fizesse presente; ou se viesse a ele outro aluno declarar uma infração.
Art. 03. Inciso - XVI – comunicar à Coordenação Geral de
Atendimento ao Educando – CGAE, Coordenação de
Acompanhamento ao Educando- CAE, e/ou a Seção de
Orientação Educacional – SOE, qualquer ocorrência disciplinar
de que tenha conhecimento;
Registrada a infração, o infrator é chamado a prestar depoimento e
tomar ciência de sua infração. Esse registro é assinado pelo aluno e servidor
que assistiu à infração. Todo registro de ocorrência era encaminhado ao
Conselho de Professores, que, em reunião ordinária, decide pela punição a ser
aplicada ao aluno. Os níveis de infração e o tipo de punição a ser aplicada ao
aluno são:
Art. 5 – os alunos estão sujeito a seguir medidas administrativas disciplinares, de acordo com a gravidade da falta cometida e do envolvimento do educando:
I – advertência verbal;
II – advertência escrita;
III – advertência escrita com atividades extra-curriculares por prazo determinado;
IV – afastamento por prazo determinado do regime de residência;
V – Desligamento definitivo do regime de residência;
53
VI – Desligamento da escola;
É importante sublinhar que essas penalidades eram direcionadas para
todos os alunos, sejam internos ou externos, porém, nas minúcias do
regimento podemos observar “uma atenção especial” aos alunos
internos/residentes.
§1º - As medidas dos incisos IV, V, e VI serão aplicadas, em caso de alunos menores de idade, após comunicado aos pais ou responsáveis, para que providenciem a transferência da residência.
§ 3º Advertência Verbal é aplicada pelo servidor da escola, quando a falta ocorrer durante atividades sob sua responsabilidade ou em sua presença. O fato ocorrido deve ser comunicado à Secretária de Orientação Educacional – SOE, para orientação e registro na ficha disciplinar do aluno, para posteriormente controle de reincidência. A advertência verbal incide sobre as faltas leves.
§4º As advertências escritas serão registradas pelo CGAE e serão comunicadas aos pais no caso de menores de idade, ou quando ainda a Escola julgar necessário, e registradas na Ficha Disciplinar do Aluno. A advertência escrita incide sobre as faltas leves, no caso de reincidência, incide sobre faltas médias.
§ 5º - Advertência escrita com atividades extra-curriculares, é aplicada pela CGAE e CGE e serão comunicadas aos pais no caso de menores de idade, ou ainda quando a Escola julgar necessário e registrar na Ficha Disciplinar do Aluno. A Advertência escrita com atividades extra-curriculares incide sobre a reincidência da falta média, sobre falta grave.
§ 6º - O afastamento por prazo determinado do regime de residência é aplicado pelo CGAE e será comunicado aos pais no caso de menores de idade, ou ainda quando a Escola julgar necessário e registradas na Ficha Disciplinar do Aluno. A suspensão por prazo determinado do regime de residência incide sobre a reincidência de faltas médias e no caso de faltas graves.
§ 7º - O desligamento definitivo do regime de residência será deliberado através de resolução do Conselho de Professores quando houver reincidência de faltas graves, oi incidência de faltas gravíssima, sendo os pais comunicados.
§ 8º - O desligamento da Escola será deliberado através de resolução do Conselho de Professores quando houver reincidência de faltas graves, ou incidência de faltas gravíssima, sendo os pais comunicados.
54
Art. 6º - Serão consideradas faltas leves aquelas que ferirem os deveres constantes nos incisos I, II, III, IV, V, VI, VII,VIII, IX, X, XXII, XXIV, XVI e seus respectivos parágrafos, do artigo 3º e, as proibições constantes nos incisos XII, XIII, XIV, XVIII. XXIII,XXIV, XXXVI do artigo desta resolução.
Art. 7 – São consideradas faltas médias aquelas que ferirem os deveres constantes nos incisos IV, XI, XIII, XIV, XVII, XIX, XX, XXI, XXIII, XVIII, XIX, XXX e seus respectivos parágrafos do artigo 3 e as proibições constantes nos incisos VIII, IX, XI, XV, XVI, XVII, XXVI, XXXI, XXXII, XXXIII, XXXIV, E XXXV e do artigo 4 desta resolução.
Art. 8 – Serão consideradas faltas graves aquelas que ferirem os deveres constantes nos incisos XII, XV, XXXII e seus respectivos parágrafos do artigo 3 e, as proibições constantes nos incisos I, III, V, VII, XX, XVIII, E XXIX do artigo 4 deste regimento.
Art. 9 – Serão faltas gravíssimas aquelas que ferirem as proibições constantes nos incisos II, IV, VI, X, XIX, E XXX do artigo 4 deste regimento.
Nos artigos 10 e 11 são apresentadas as formas de punição aplicadas
para cada caso de advertência.
Artigos 10 - A advertência com atividades extra-curriculares segue as seguintes proposições:
a) Pelo prazo de 04 a 07 dias se reincidência em faltas leves;
b) Pelo prazo de 07 a 14 dias se cometer falta médias;
c) Pelo prazo de 14 a 30 dias se reincidir em faltas média;
d) Pelo prazo de 30 a 60 dias se cometer falta grave.
Art. 11 – O Afastamento por prazo determinado do regime de residência, sem prejuízo letivo, segue proposições:
a) Pelo prazo de 05 a 15 dias reincidir em falta média;
b) Pelo prazo de 15 a 30 dias se cometer falta grave;
Art. 12 – As ocorrências disciplinares não contempladas nestas Normas serão analisadas e classificadas pelo Conselho de Professores.
Art. 13 – As medidas disciplinares aplicadas não isentam os infratores da ação da justiça, quando for o caso.
Art. 14 – As medidas disciplinares aplicadas não isentam o infrator ou responsável da indenização dos danos, quando for o
55
caso, em conformidade com o Artigo 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Art. 15 – A presença da família deverá ser solicitada sempre que a Escola entender necessária, independente da idade do aluno.
Art. 16 – Cabe a Escola Agrotécnica Federal de Cáceres/MT registrar Boletim de Ocorrência junto aos órgãos competentes dos fatos ocorridos, eximindo-se de quaisquer ações de lesão corporal, perdas, furtos ou roubos que porventura ocorram entre alunos.
Art. 17 – Para gozar da Bolsa de Estudo, será levada em conta a carência financeira, analise de histórico escolar, a iniciativa, o bom comportamento e o desempenho do aluno na Instituição.
Art. 18 – A Escola se exime da responsabilidade por qualquer ocorrência que possa acontecer com o aluno fora de seus limites físicos, quando não estiver representado.
Art. 19 – Esta resolução entra em vigor nesta data, revogada as disposições contrárias.
A decisão do conselho é publicada em termos de resolução e levada ao
conhecimento de toda a comunidade escolar e anexada em murais, porta do
refeitório e em salas de coordenação, direção e professores. Todo registro de
ocorrência, resolução referente ao aluno infrator é arquivada em sua pasta na
secretária escolar e SOE.
Numa leitura detalhada dos livros de registro, das fichas de ocorrência
foi possível identificar uma instituição disciplinar que se valia da observação
contínua e diária. O discente é visto em todos os locais da escola. Tal prática
pode nos remeter ao que Foucault (2005) afirma:
A disciplina é o conjunto de técnicas pelas quais os sistemas de poder vão ter por alvo e resultado os indivíduos em sua singularidade. É o poder de individualização que tem o exame como instrumento fundamental. O exame é a vigilância permanente, classificatória, que permite distribuir os indivíduos, julgá-los, medi-los, localizá-los e, por conseguinte, utilizá-los ao máximo. Através do exame, a individualidade torna-se um elemento pertinente para o exercício do poder (FOUCAULT, 2005, p.107).
O regimento interno regia entre outras coisas sob o tempo do aluno
interno.
56
Art. 3. Constituem deveres do aluno:
XVIII – dar conhecimento a Coordenação Geral de Assistência ao Educando, quando desejar afastar-se da Escola, mesmo estando autorizado pelos responsáveis;
XIX – comparecer às escalas de fim de semana, feriados e recessos escolares;
XX- respeitar os horários pré-estabelecidos pelo CGAE /CAE para as atividades lúdicas;
XXI – ao utilizar aparelhos sonoros ou similares, seguir as instruções normativas estabelecidas pelo CGAE /CAE.
XVIII – recolher-se a seus aposentos às 23h
XXIV – adentrar à área escolar apenas pela entrada principal (Guarita)
Art. 4º - É vedado ao aluno desta IFE:
VIII – circular fora da área dos alojamentos após as 23horas;
IX – faltar às escalas de finais de semana, feriado e recessos sem o prévio conhecimento do setor competente;
XIV – descumprir horários pré-estabelecidos;
XV – a permanência nos setores fora dos horários de atividades curriculares, sem autorização do CGPP;
XVI – transferir-se de quarto sem a devida autorização do CGAE ou CAE;
XXIII – uso dos computadores para fins não didáticos;
XXV – participar de jogos com finalidade especulativa;
XXVII – permanecer dormindo ou realizar qualquer outra atividade nos quartos em horários de aula teórico-prática;
XXX – permitir entrada e/ou permanência de pessoas estranhas nos alojamentos e no refeitório;
XXXV – promover jogos ou competições esportivas na escola e/ou participar de jogos fora, sem conhecimento e o devido deferimento oficial do Departamento competente;
XXXXVI – aos alunos residentes utilizar bicicletas ou veículos automotores no recinto da Escola;
57
Diante disso, podemos evidenciar toda uma tecnologia disciplinar que
distribui os corpos: sua separação, seu alinhamento, sua colocação em série e
a vigilância que se exerce sobre eles. Mostra como tais técnicas tomam esse
corpo e tentam aumentar sua força pelo exercício, adestrando-os.
Foucault (2003, p. 103-126) diz que todo mecanismo de controle está
instalado um moderno e astucioso modelo de vigilância - o panóptico16. O
panoptismo é um dos traços mais característicos de nossa sociedade. É uma
forma de poder que se exerce sobre os indivíduos em forma de vigilância
individual e contínua, em forma de controle, de punição e recompensa e em
forma de correção, isto é, de formação e transformação de indivíduos em
função de certas normas.
O tríplice aspecto do panoptismo apresentado por Foucault – vigilância,
controle e correção – se exerce ao nível não do que se faz, mas do que se é;
não do que faz, mas do que esse pode fazer. Nele, a vigilância tende, cada vez
mais, a individualizar o autor do ato. O panoptismo, segundo o autor, é próprio
de uma sociedade moderna, industrial, capitalista.
É a partir das estratégias de individualidade do sujeito, impostas pela
EAFC, decorrente de uma história, que nos propomos diante da materialidade
linguística Fichas de Ocorrência refletir sobre as designações atribuídas aos
alunos objetivados em uma pratica divisória17 que se desdobra em outras
praticas divisórias - um novo controle já subjetivado, ou seja, o sujeito-aluno
interno ao se servir não somente dos modos subjetivação já citados, mas
também ao inventar outros participam do jogo das técnicas de
governamentalidade.
16
Conceito formulado por Jeremy Bentham que se refere a uma estrutura arquitetônica em forma de anel, no centro uma torre, está e vazada de largas janelas que possibilita a quem dentro esta, olhar tudo em sua volta. A construção periférica é dividida em celas, cada uma atravessando toda espessura da construção. 17
Foucault (1975, p. 231), no texto O Sujeito e o Poder, aponta que as práticas divisórias é a divisão do sujeito no seu interior e em relação aos outros. Este processo o objetiva. Exemplos: o louco e o são, o doente e o sadio, os criminosos e os “bons meninos”.
58
Capítulo II
2. PERSPECTIVA TEÓRICO-METODOLÓGICA
No capítulo anterior, procuramos esboçar alguns estudos
realizados numa perspectiva historiográfica sobre a Educação Profissional
do Brasil desde o Império ao Estado Novo, passando pela a historiografia da
Europa sobre o assunto. Esboçamos também um breve histórico do
surgimento do Internato nos estabelecimentos de educação profissional no
país. No desdobramento historiográfico apresentamos nosso lócus de
pesquisa a Escola Agrotécnica Federal de Cáceres - MT. Já neste capítulo,
nos propomos apresentar a teoria da Análise do Discurso de orientação
francesa. Para tanto, mobilizaremos os estudos de Michel Pêcheux, Eni P.
Orlandi, e os estudos sobre Semântica do Acontecimento propostos por
Guimarães (2002). Ainda neste capítulo, apresentaremos outras ferramentas
analíticas, como, por exemplo, as elaboradas, pelo filosofo Michel Foucault
(2006, 2005, 2003, 1969). Assim, com base no arsenal teórico descrito,
propomos discutir sobre as categorias analíticas de d e s ign a çã o e de
n o m e a ção .
2.1. A ANÁLISE DO DISCURSO E A SEMÂNTICA DO ACONTECIMENTO
A Análise do Discurso, doravante AD, da linha francesa é uma teoria
fundada por Michel Pêcheux no final dos anos 60. Para este autor, discurso é
efeito de sentidos entre locutores. Portanto, o discurso pressupõe movimento,
prática de linguagem. Segundo Orlandi (1999, p. 15), na Análise do Discurso,
procura-se compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho
simbólico, parte do trabalho social geral, constitutivo do homem e da sua
história. A análise do discurso concebe a linguagem como mediação
necessária entre o homem e a realidade natural e social.
59
Para AD, a língua não é um sistema abstrato, transparente, homogêneo,
mas pelo contrário, é opaca e heterogênea. Ela é compreendida como ordem
significante, capaz de equívocos, de falha, de deslizes e tem uma relação com
a ideologia à medida que materializa e regula os sentidos de uma
determinação histórica. O sujeito e o sentido não são preexistentes, eles se
constituem no e pelo discurso.
Pêcheux (1975) alicerçou a AD com base em três regiões do saber: o
materialismo histórico, enquanto teoria das formações sociais e suas
transformações; a linguística, enquanto teoria dos mecanismos sintáticos e dos
processos de enunciação e a teoria do discurso, como teoria da determinação
histórica dos processos semânticos. Essas três regiões, ainda de acordo com
Pêcheux, são atravessadas e articuladas por uma teoria da subjetividade de
natureza psicanalítica.
A ideologia trabalhada na AD não se define como conjunto de
representações, nem muito menos como ocultação da realidade. Ela é prática
significativa, necessária à interpretação. A ideologia não é consciente: ela é
efeito da relação do sujeito com a língua e com a história em sua relação
necessária para que signifique (ORLANDI, 1996, p. 48). Na perspectiva da AD
“ideologia não é “x”, mas o mecanismo de produzir “x”. No espaço que vai da
constituição dos sentidos (o interdiscurso) à sua formulação (intradiscurso)
intervêm a ideologia e os efeitos imaginários” (ORLANDI, 1996, p. 30).
Orlandi explica que diante de qualquer objeto simbólico somos instados
a interpretar. Nesse movimento de interpretação, evidenciamos um sentido
como se já estivesse lá, sempre lá. Apaga-se o momento em que a
interpretação se dá, e se tem a impressão de que o sentido é natural e que o
sujeito é a origem do seu dizer, pois o dizer anônimo sofre um efeito de
apagamento. A filiação a uma forma de dizer, a aparência de que aparece que
só pode ser daquele jeito, produz o efeito de unidade, de homogeneidade e de
natural. A ideologia se produz justamente no ponto de encontro da
materialidade da língua com a materialidade da história.
Para dar conta de maneira mais contundente de nosso objeto, buscamos
amparo também nas formulações de Guimarães (2002). A Semântica do
60
Acontecimento, edificada por Guimarães tal como a AD de orientação francesa,
propõe uma abordagem do sentido em uma perspectiva que não toma a
linguagem como transparente, considerando que sua relação com o real é
histórica.
Guimarães (2002), por empréstimo/deslocamento da AD, mobiliza
conceitos como língua, sujeito, formação discursiva, interdiscurso - memória
discursiva - que contribuíram de forma decisiva para articulação dos estudos
semânticos proposta por ele.
Guimarães (2002) explica que colocar-se como semanticista, nessa
perspectiva, é inscrever num domínio de saber que inclui no seu objeto a
consideração de que a linguagem fala de algo. No entanto, não há como
pensar uma semântica linguística sem levar em conta que o que se diz é
incontornavelmente construído na linguagem. Assim para o pesquisador:
E no espaço conformado por estas duas necessidades que procurarei configurar o que é para mim semântica do acontecimento. Ou seja, uma semântica que considera que a análise do sentido da linguagem deve localizar-se no estudo da enunciação, do
acontecimento do dizer (GUIMARÃES, 2002, p. 07).
Guimarães (2002) ao localizar seus estudos de semântica na
perspectiva da enunciação aproxima-se de certa forma dos estudos de
Benveniste e de Ducrot. Como Benveniste, Guimarães entende que o sentido
de um elemento linguístico tem a ver com o modo como este elemento faz
parte de uma unidade mais ampla. Porém, Benveniste, por conta mesmo da
epistemologia na qual está inscrito, limita-se a compreender o sentido no
enunciado, não permitindo passar do limite do mesmo. Já Guimarães afirma
que há uma passagem do enunciado para o texto, para o acontecimento, que
não é segmental. E esta é a relação de sentido.
Ainda sobre a enunciação, não podemos deixar de citar os estudos de
Ducrot (1984) que em sua obra “O Dizer e Dito” tem para si a enunciação como
um “evento do aparecimento de um enunciado”, ou seja, a enunciação é o
produto da atividade do sujeito falante, quer dizer, um segmento de discurso, a
61
enunciação é o acontecimento constituído pelo aparecimento de um enunciado,
a realização de um enunciado é de fato um acontecimento histórico: é dada
existência a alguma coisa que não existia antes de se falar e que não existirá
mais depois, é esta aparição momentânea que chamo de enunciação. Para
mim é simplesmente o fato de que um enunciado aparecer (DUCROT, 1984, p.
168-9)
O tratamento enunciativo dado por Benveniste, e posteriormente por
Ducrot, segundo Guimarães (2002), está na centralidade do sujeito da
enunciação, ou seja, o sujeito tem controle do dizer, capacidade de apropriar-
se da língua e fazer significar. Que para Guimarães a questão é como tratar a
enunciação como funcionamento da língua sem remeter isto a um locutor, a
uma centralidade do sujeito.
No entendimento de Guimarães (2002) o sujeito é afetado pelo evento
enunciativo e é tomado nele para aí representar uma posição instalada em uma
região de interdiscurso. O sujeito não é responsável pela enunciação.
Pelo conceito de interdiscurso, Pêcheux nos indica que sempre já há discurso, ou seja, que o enunciável (o dizível) já está ai e é exterior ao sujeito enunciador. Ele se apresenta como séries de formulações que derivam de enunciações distintas e dispersas que formam em seu conjunto o domínio da memória. Esse domínio constitui a exterioridade discursiva para o sujeito do discurso (ORLANDI, 2002, p. 89).
Por enunciação, Guimarães entende um acontecimento no qual se dá
a relação do sujeito com a língua, e coloca a questão do sujeito que enuncia, e
assim a questão do sujeito na linguagem, em um dado espaço,
espaço em que seja possível considerar a constituição histórica do sentido, de modo que a semântica se formule, claramente, como uma disciplina do campo das ciências humanas, fora de suas relações com a lógica ou a gramática pensada ou como o matematizável ou uma estrutura biologicamente determinada (GUIMARÃES, 2002, p.08).
62
Tomando a enunciação como um acontecimento de linguagem, o autor
considera que é preciso apreender alguns elementos decisivos para a
compreensão de deslocamento teórico. O primeiro e fundamental para se
pensar a semântica enunciativa é o estatuto dado a língua. A língua é definida
como um conjunto de regularidades, cujo funcionamento é autônomo. O que
isto quer dizer é que se considera que a língua se constitui por relações que
lhes são próprias – a língua e o sujeito se constituem pelo funcionamento da
língua na qual enuncia-se algo. Para isso devemos considerar o acontecimento
em sua temporalidade – conceito operatório dos estudos de Guimarães - e o
real a que o dizer se expõe ao falar dele. Guimarães nos alerta,
não se trata aqui do contexto, da situação tal como pensa na pragmática por exemplo. Trata-se de uma materialidade histórica do real. Ou seja, não se enuncia enquanto ser físico, nem meramente no mundo físico. Enuncia-se enquanto ser afetado pelo simbólico e num mundo vivido através do simbólico (GUIMARÃES, 20002, p.08).
O autor considera que algo é acontecimento em sua própria ordem. Ou
seja, ele não está num presente de um antes e de um depois no tempo. O
acontecimento instala sua própria temporalidade, em outros termos,
temporalidade do acontecimento constitui o seu presente e um depois que abre
o lugar dos sentidos, e um passado que é lembrança ou rememoração de
enunciações por ele recortada, reescriturada pelos interlocutores como parte
de uma nova temporalização - o acontecimento é sempre uma nova
temporalização, um novo espaço de conviviabilidade de tempos, sem qual não
há sentido, não há acontecimento de linguagem não há enunciação
(GUIMARÃES, 20002, p.12).
Na temporalidade, instala-se um memorável recortado pelo próprio
acontecimento que tem também o futuro como uma latência de futuro.
O sujeito não fala no presente, no tempo, embora o locutor o represente assim, pois só é sujeito enquanto afetado pelo interdiscurso, memória de sentidos, estruturada pelo acontecimento, que faz a língua funcionar. Falar é estar nesta memória, portanto não é estar no tempo (dimensão empírica) (GUIMARÃES, 20002, p.14)
63
Entende-se que o passado no acontecimento é uma rememoração de
enunciações por ele recortada, fragmentos do passado por ele representados
como o seu passado.
O real é o lugar onde se dá os efeitos de sentido e onde eles estão
instados, é o lugar da enunciação, é o lugar onde a língua se expõe quando
funciona afetada pelo simbólico, é materialidade histórica, é o lugar do
funcionamento da língua, é o lugar do sentido das línguas. Entretanto, é
impossível que tudo seja dito e compreendido; a língua funciona nesse espaço,
em que apenas alguns dizeres, apenas alguns sentidos são ditos e produzidos,
seja pela imprevisibilidade de tais dizeres e sentidos, seja pela regulação que
sofrem. É no espaço do imaginário que se enuncia, lugar em que sujeito faz
representações do real e que são produzidos efeitos de sentidos, já regulados,
porque outros foram apagados e fazem parte do real.
2.2. O POLÍTICO E O ESPAÇO DE ENUNCIATIVO
Partindo da concepção do real como lugar de formação social,
Guimarães propõe uma abordagem sobre o político. A noção de política
caracterizada por ele constitui-se como fundamento das relações sociais, ou
seja, como algo que é próprio da divisão que afeta materialmente a linguagem.
Partindo dessa afirmação, Guimarães considera as colocações feitas por
Rancière (1992), sobre a política na filosofia e aborda o que ele chamou de: a
arqui-politica, a para-política e a meta-politica. A primeira foi configurada no
pensamento platônico e, segundo Rancière, transforma a política em
organização que buscava por meio de artifícios retóricos como se enunciava
em Platão em afirmações diretivas como: “e necessário fazer seu próprio
trabalho” como uma forma de formular a submissão do povo à distribuição
ordenada dos papeis sociais. E as divide em: para-política, não como
formulada por Aristóteles, descaracterização integradora e neutralizadora de
conflitos entre pobres e ricos - entre interesses opostos, sim, como aparência
64
com fim na pacificação social; meta-política denuncia o excesso das injustiças
e das desigualdades, denuncia as mentiras da política, a política é a
manifestação na falsidade. Isso leva a meta-política a atacar direitos
formulados por instituições sustentadas no conceito de soberania, já que para
esta posição tudo o que vem do político é falso. (GUIMARÃES, 2002, p. 16)
Guimarães (2002), ao contrário procura não caracterizar o político (nem
falso, nem verdadeiro), fora dessas concepções negativas, para que possamos
tratar o político como fundamento das relações sociais, no que tem importância
central a linguagem o político não é o que se fala sobre a igualdade, sobre os
direitos, etc.
Para Guimarães (2002), o político, ou a política é caracterizado pela
contradição de uma normatividade que estabelece (desigualmente) uma
divisão do real e a afirmação de pertencimento dos que não estão incluídos.
Deste modo, o político é um conflito entre uma divisão normativa e desigual do
real e uma redivisão pela qual os desiguais afirmam seu pertencimento. O
político tem o caráter incontornável porque o homem fala. O homem está
sempre a assumir a palavra, por mais que esta lhe seja negada. A concepção
de que o político como uma contradição, faz com que Guimarães teça algumas
considerações, a saber:
1) Que o estabelecimento da desigualdade, pelo político, se apresenta como necessária à vida social;
2) A afirmação de pertencimento, dos sujeitos, e de igualdade, é significada como abuso, impropriedade, ou seja, um esforço do poder em silenciar a contradição.
Para tal, a política, busca uma ação homogeneizadora ora se esgotando
no administrativo, ora naquilo que Rancière chamou de polícia, e que ele opõe
à política.
O Político para Guimarães (2002) não é o dizer normativo da
administração, nem simplesmente a afirmação de pertencimento é a
contradição que instala este conflito no centro do dizer. Ele se constitui pela
contradição entre a normatividade das instituições sociais que organizam
desigualmente o real e a afirmação de pertencimento dos não incluídos.
65
O político é a afirmação da igualdade, do pertencimento do povo ao povo, em conflito com a divisão desigual do real, para redividi-lo, para refazê-lo incessantemente em nome do pertencimento de todos no todos (GUIMARÃES 2002, p. 17).
Ora, sendo a linguagem um acontecimento que se dá nos espaços de
enunciação ela é também um acontecimento político, ou seja, “na constituição
da temporalidade do acontecimento, pelo funcionamento da língua enquanto
numa relação com línguas e falantes regulada por uma deontologia global do
dizer em uma certa língua” (GUIMARÃES 2002, p. 17).
Tomando a asserção de que o acontecimento de linguagem se dá no
espaço de enunciação e de que é um acontecimento político, deduzimos que
os espaços são regulados, controlados, determinados, classificados pela língua
e seus falantes, não devemos entender em um sentido empírico, os falantes
nesses termos não são os indivíduos, as pessoas que falam esta ou aquela
língua. “Os falantes são pessoas enquanto determinadas pelas línguas que
falam. (...) são sujeito da língua enquanto constituídos por este espaço de
língua e falantes que chamo de espaço de enunciação”.
Então, é nesse sentido que o espaço de enunciação interessa-nos
enquanto espaço político “onde se trava a relação entre língua e falante,
sempre regida por políticas linguísticas e disputa no que concerne ao uso da
palavra”.
Os espaços de enunciação são espaços de funcionamento de línguas (...). São espaços “habilitados” por falantes, ou seja, por sujeitos divididos por seus direitos ao dizer e ao modo de dizer: são espaços constituídos pela equivocidade própria do acontecimento: da deontologia que organiza e distribui papeis, e do conflito, indissociados desta deontologia, que redivide o sensível, os papeis sociais (GUIMARÃES 2002, p. 17).
Guimarães (2002) toma a enunciação como uma prática política não
individual ou subjetiva, nem como uma distribuição estratificada de
características. Falar é assumir a palavra nesse espaço dividido de línguas e
falantes, ou seja, enunciar é estar na língua em funcionamento, a língua pelas
66
relações semiológicas que tem. A língua funciona no acontecimento pelo
acontecimento, e não pela assunção de um indivíduo.
Guimarães (2002) emprega o termo agenciamento18 para explicar o
funcionamento da língua na perspectiva da política, e diz que a enunciação se
dá por agenciamentos específicos da língua. No acontecimento o que se dá é
um agenciamento político da enunciação. Neste embate entre línguas e
falantes, próprio do espaço de enunciação, os falantes são tomados por
agenciamentos enunciativos, configurados politicamente. Assim, podemos
afirmar que os falantes são tomados por agenciamentos enunciativos afetados
pelo político.
2.3. A CENA ENUNCIATIVA
A mobilização do conceito de agenciamento de Deleuze e Guattarri
(1980) e a conceituação que Ducrot (1972) faz dos atos ilocutórios e sua
concepção de político exposta anteriormente. Guimarães passa a preocupar-se
de como se dá a assunção da palavra.
Guimarães(2002) define cena enunciativa como um espaço
particularizado por uma deontologia especifica de distribuição dos lugares de
enunciação no acontecimento, ou seja, os lugares enunciativos são
configurações específicas para “aquele que fala” e “aquele para quem se fala”.
Na cena enunciativa, “aquele que fala” ou “aquele para quem se fala” não são
pessoas, mas uma configuração de agenciamento enunciativo. Em outros
termos, uma cena enunciativa se caracteriza por constituir modos específicos
de acesso à palavra dados dentro da conjunção de figuras da enunciação e de
formas linguísticas. Cenas são especificações locais no espaço de enunciação.
Situamo-nos então em face à articulação do simbólico com o político.
18
A noção de agenciamento da enunciação está aqui a partir do que Deleuze e Guattarri (1980) colocam em Mil Platôs,
ao caracterizarem a enunciação a partir da conceituação de Ducrot (1972) faz dos atos ilocucionais. A diferença é que
para mim este agenciamento é político. Ou seja, não que ele é coletivo, como um acordo de um grupo. Ele é para mim,
afetado politicamente por se dar segundo os espaços de enunciação ( GUIMARÃES, 2002, p. 22-3).
67
Dessa maneira podemos considerar que a linguagem é uma prática; não no sentido de efetuar atos, mas porque pratica sentidos, intervém no real. Essa é a maneira mais forte de compreender a práxis simbólicas. O sentido e a história. (ORLANDI, 2002, p. 95)
Assim, assumir a palavra é pôr-se no lugar que enuncia, o lugar do
Locutor L (maiúsculo). L é então o lugar que se representa no próprio dizer
como fonte deste dizer, ou seja, para o Locutor se representar como origem do
que se enuncia, é preciso que ele não seja ele próprio, mas um lugar social de
locutor. Lugares constituídos pelos dizeres e não pessoas donas de seus dizer.
Mas esta representação de origem do dizer, na sua própria
representação de unidade e de tempo se divide, em:
L (Locutor – origem/ fonte do dizer/lugar do dizer) locutor –x (lugar
social que é sempre o predicado do L)
Locutor- professor;
Locutor – aluno veterano;
Para L enunciar é necessário estar afetado pelos lugares sociais
autorizados a falar, e de que modo, em que Língua (enquanto falante). Para
isso têm-se as condições de base, que é a língua, e o processo, que o
discurso, onde a ideologia torna possível a relação entre o pensamento, a
linguagem e o mundo.
Esta distribuição de lugares se faz pela temporalização própria do
acontecimento, ou seja, temporalidade específica do acontecimento da cena
enunciativa, já que lugares são divididos por meio de um recorte, de um
memorável, de um agenciamento.
Guimarães (2002) nos aponta uma disparidade constitutiva no
acontecimento de enunciação do Locutor e do locutor-x, uma disparidade entre
o presente do Locutor e a temporalidade do acontecimento. Sem esta
disparidade não há enunciação (GUIMARÃES, 2002, p. 24)..
O Locutor ao tomar o lugar do dizer, se apresenta como individual, o
dono do dizer e de lugares de dizer, o que Guimarães (2005), denominou de
68
enunciador. De uma forma didática o divide em categorias para explicar o
modo de constituição destes lugares pelo funcionamento da língua, a saber:
Enunciador-individual: quando a enunciação representa o Locutor como
independente da história, origem do dizer; o enunciador-genérico: apresenta
como o apagamento do lugar social; enunciador-universal: quando a
enunciação representa o Locutor como fora da historia e submetido ao regime
do verdadeiro e falso, este lugar é próprio do discurso cientifico, embora não
seja exclusivo dele.
Em concordância com Guimarães (2002), observamos que a cena
enunciativa coloca em jogo os lugares sociais do locutor, ou seja, o locutor é
predicado (locutor-brasileiro, locutor-consumidor, locutor-presidente, locutor-
aluno, locutor, etc). Ora assumindo papéis enunciativos e cenas enunciativas
determinadas.
Guimarães (2002), por meio do conceito de integratividade de
Benveniste (1966), desenvolve o estudo do sentido de uma expressão,
entendendo que o sentido das expressões podem ser analisadas de acordo
como elas se apresentam, seu modo de integração num enunciado, enquanto
elemento de um texto. Deste modo, a relação integrativa é vista aqui como uma
relação não segmental.
Com base nesta reformulação, Guimarães propõe estudar as
expressões, em um lugar enunciativo e toma como objeto de seus estudos a
designação. Ele observa a relação entre designar e nomear, de um lado, e de
designar e referir, de outro.
2.4. O FUNCIONAMENTO SEMÂNTICO- ENUNCIATIVO DA NOMEAÇÃO: ALGUMAS
CONSIDERAÇÕES
Guimarães (2002) diz que, por muitas vezes, estas palavras tem um
sentido de sinônimas ou correlatas, no entanto o autor as toma de forma
distinta, a saber: a referência é um procedimento linguístico que particulariza
algo no e pela enunciação; a designação é o que poderia chamar de
69
significação do nome, mas não enquanto algo abstrato, e sim, uma relação
linguística (simbólica), algo próprio das relações de linguagem remetidas ao
real, expostas ao real, ou seja, enquanto uma relação tomada na história. Em
outros termos, é o modo pelo qual o real é significado pela linguagem; a
nomeação, por sua vez, é o funcionamento semântico pelo qual algo recebe
um nome que se dá em um espaço de enunciação.
Entendemos pelas considerações de Guimarães (2002), que designar e
nomear, levando em consideração o espaço enunciativo e a cena de
enunciação podem ser entendidos como processos ambivalentes.
a) O ato de dar nome a uma pessoa, na nossa sociedade, pelos pais;
b) Relativamente ao item A, o que nos diria o fato de que em cada época há nomes predominantes, que são mais usados?
c) Por que alguém foi nomeado.
“Dar nome é, assim, identificar um indivíduo biológico enquanto individuo
para o Estado e para a sociedade, é tomá-lo como sujeito” (GUIMARÃES,
2002, p. 69 ).
Ora, designação e nomeação, nestes termos, o que se deve observar é
uma relação entre enunciações, entre acontecimentos de linguagem. Num
acontecimento em que certo nome funciona a nomeação é recortada como
memorável por temporalidade específica. É, portanto, algo histórico e
linguístico. “Os nomes não classificam, mas identificam objetos”. (RANCIÈRE,
1992). Pensar a designação como nomeação, constitutivo em um espaço
enunciativo, dentro de uma cena enunciativa é compreender que o ato de
nomear é significar sujeitos.
70
2.4.1. Enunciação, reescrituração e o processo de designação
Anteriormente vimos que a enunciação na semântica da enunciação
significa a partir do acontecimento. Esta via nos leva a pensar que a
enunciação é o acontecimento em que a língua funciona e assim constitui
sentido. E ao constituir sentido, constitui aquele que fala enquanto locutor, e o
seu interlocutor, seu destinatário. A enunciação constitui uma unidade
discursiva. O enunciado.
O enunciado se caracteriza como elemento de uma prática social e que inclui, na sua definição, uma relação com o sujeito, mas especificamente como as posições do sujeito, e seu sentido se configuram de formações imaginárias do sujeito e seu interlocutor e do assunto de que se fala (GUIMARÃES, 1987, p.73).
Com relação ao enunciado, devemos levar em consideração a sua
formação ideológica. “O histórico dele tem que levar em conta sua relação com
as formações discursivas”(FOUCAULT, 1969 apud GUIMARÃES, 1989, p.
78.).
A reescrituração é um a operação que significa na temporalidade do
acontecimento o seu presente. É o procedimento pelo qual a enunciação de um
texto rediz insistentemente o que já foi dito fazendo interpretar uma forma como
diferente de si. “Este procedimento atribui (predica) algo a ser reescriturado.
Assim, através desta predicação constitui sentido a um texto” (IDEM).
A Reescrituração recorta o passado, como memorável, liga pontos de
um texto com outros do mesmo texto, e mesmo pontos de um texto como
pontos de outros textos. “O sentido é constituído pelo modo de relação de uma
expressão com outras expressões no texto”.
A textualidade, o texto, deve ser tomado como uma unidade de sentido
constituído por sequências linguísticas remetidas a um lugar de sujeito no
acontecimento enunciativo. E se falamos em sentido devemos levar em conta o
texto, a relação do enunciado com o texto, que é uma “relação transversal,
71
não-segmental, e é isso que faz do texto esta unidade que significa
globalmente e não só linearmente”.
(...) o que faz texto não é simplesmente o fato de que uma sentença se soma a outra, mas é o modo como unidades de diversos níveis na sentença se relacionam com outras por sobre a relação entre enunciados, ao produzir sentido (GUIMARÃES, 2006, p. 143).
Partindo deste procedimento de reescrituração Guimarães (2002)
retoma uma análise feita em Guimarães (1991) no texto Constituição do
Império do Brasil, conforme o exemplo.
“São cidadãos Brasileiros:
1. Os que no Brasil tiverem nascido...”
Nesta análise, o autor mostra pelo menos duas possibilidades de
interpretação do artigo definido “os”: uma anafórica e outra dêitica. Ela mostra
como, ao estabelecer um ponto de interpretação no texto (os) relativamente a
outro (o antecendente de os), o que se tem é uma falta relação unívoca entre
estes dois pontos.
De acordo com esta análise, ele considera que procedimentos como
anáforas, catáfora, repetição, substituição, elipse, etc, são procedimentos de
deriva do sentido próprio da textualidade. Em outros termos,
é o processo que constitui o sentido destas expressões, bem como que não há texto sem processo de deriva de sentidos, sem reescrituração. Esta deriva enunciativa incessante é que constitui, a um só tempo, os sentidos e o texto. (...) E analisar uma designação e uma frase é ver como sua presença no texto, e que produzem o sentido da designação O que pretendo dizer é que as questões tomadas como procedimento de textualidade são procedimentos de reescritura. Ou seja, são procedimentos pelos quais a enunciação de um texto rediz insistentemente o que já foi dito. Assim, a textualidade e o sentido das expressões se constituem pelo texto por esta reescrituração infinita da linguagem que se dá como finita pelo
72
acontecimento (e seu temporalidade) em que se enuncia (GUIMARÃES, 2006, p.28).
Na medida em que os reescritura cidadãos, dá-nos, pela interpretação
anafórica, a preexistência do sentido de cidadão, que ao mesmo tempo é
predicado pela sobreposição da interpretação dêitica, que coloca em circulação
a preexistência do sentido de pessoa, de individuo. E esse movimento de
predicação na duração do presente pelo memorável significa porque projeta um
futuro, o tempo da interpretação no depois do acontecimento no qual o
reescriturado é referido pelo reescriturante.
Ao se adotar este procedimento de análise, posiciona-se diferentemente
de uma concepção composicional ou linear do texto, ou seja, não se estuda
somente o funcionamento do enunciado, a descrição do sentido pelo
enunciado, mas também pelo seu lugar de dizer, e o espaço de enunciação. O
sentido é constituído pelo modo como uma expressão se relaciona com outras
expressões do texto. “Só assim se torna possível deixar intervir na descrição do
sentido os rememorados que os diversos pontos de um texto recortam”.
(GUIMARÃES, 2002, p. 28)
Nestes termos podemos entender que os diversos conjuntos de modos
de referir organizados em torno de um nome/designação são um modo de
determiná-lo, de predicá-lo. E neste sentido, constitui-se a designação do
nome.
Ao articular estes elementos, Guimarães (2002) reflete sobre o processo
de designação constitutiva do sentido dos nomes e seu funcionamento - objeto
específico de sua pesquisa.
Enquanto a filosofia e a lógica consideram a linguagem como o que é
preciso saber, com relação ao objeto e como uma expressão lingüística é
formulada na sua unicidade, inclusive do sentido com que refere o objeto, para
a semântica lingüística, a questão não é necessariamente essa. Esta considera
que, ao dizer algo fala-se das coisas, Ou seja, a questão não é ontológica mas
simbólica.
73
O sujeito do discurso se faz (se significa) na/pela história. Assim, podemos compreender também que as palavras não estão ligadas as coisas diretamente, nem são o reflexo de uma evidência. É a ideologia que torna possível a relação palavra/coisa. (ORLANDI, 2002, p. 47)
Guimarães (2002) de forma contundente, afirma que na semântica as
coisas são referidas enquanto significadas e não enquanto simplesmente
existentes, podemos considerar que é possível referir porque as coisas são
significadas e não simplesmente existentes.
Assim, podemos entender que a designação e a nomeação são
processos ligados entre si, quando se observa pela ótica da enunciação, pela
relação entre enunciações, entre acontecimentos de linguagem. Num
acontecimento em que certo nome funciona a nomeação é recortada como
memorável por temporalidade específica, ou seja, é memorável porque não é o
locutor o dono do dizer, e esta prática já está inscrita em uma memória anterior,
esquecida, porém latente dentro de um espaço X.
Este apagamento do locutor-x se dá porque o Locutor não sabe que fala
de uma posição ideológica de sujeito. “A referencialidade do nome é produzida
por este apagamento em virtude deste esquecimento” (GUIMARÃES, 2002, p
41).
A articulação é um procedimento que considera as relações de
proximidade, “de como o funcionamento de certas formas afetam outras que
elas não redizem” (GUIMARÃES, 2004, p. 08). .
2.4.2. Domínio Semântico de determinação – DSD
Guimarães (2007) mobiliza o conceito de determinação de Bally (1932),
e o reformula não distante do que já havia de se pronunciado em Semântica do
Acontecimento (2002), dando ênfase à significação das palavras em uma
situação de enunciabilidade. Elabora o conceito de Domínio Semântico de
74
Determinação (DSD), para representar o sentido da palavra, que para ele, sua
significação é produzida enunciativamente no e pelo acontecimento da
enunciação.
O diferencial proposto por Guimarães (2002) é que - enquanto o sentido
para a semântica formal é uma relação da linguagem com o mundo, e a
significação é tratada a partir do conceito de verdade, ou seja, uma posição
referencialista - a semântica da enunciação combina a consideração da língua
como uma estrutura, e sua colocação em funcionamento pelo locutor e também
considera a relação do funcionamento da língua com suas condições sócio-
históricas. O sentido é visto não como uma estrutura no sentido, mas como um
sistema de regularidades afetas, também elas, pela história. A pragmática toma
a questão da intenção como funcionamento do sentido na sua relação com a
situação em que se alguém diz algo para alguém; esta posição pode também,
e o faz com frequência, considerar que o conceito de verdade é fundamental no
modo de tratar o sentido.
Partindo dessa concepção, Guimarães(2002) propõe uma relação entre
semântica e pragmática para estudar o sentido e a significação das frases19.
Guimarães (2007, p.77 ) afirma que um aspecto fundamental no trabalho
de um semanticista é ser capaz de falar da significação linguística e
demonstrar como ela se “reporta a”, “se relaciona a”, “diz de” alguma coisa. O
que ele chama genericamente de “aquilo que acontece”.
Desse ponto de vista, ele diz: tanto a significação quanto sua relação
como o “que acontece” são construídas linguisticamente. Pensar em
determinação nos remete a determinante e determinado, uma relação própria
dos estudos dos sintagmas (nominal e verbal) onde ocorrem certas relações de
predicação que podem ser expressas por relações de determinação e vice-
versa, como no exemplo em Guimarães (2007, p.,77 ).
19
Guimarães (2006) utiliza a frase no sentido geral não definido especificamente, tal como a entendemos na nossa
pratica lingüística cotidiana. Assim o que os semanticistas e pragmaticistas devem analisar é o sentido da frase, não na
unidade de analise a frase. (p.115).
75
1) A estrada perigosa pode causar acidente graves.
2) Esta estrada é perigosa, ela pode causar acidentes graves.
O que é proposto por Guimarães (2007) não é dizer que a oração 1 e 2
são as mesmas coisas, mas sim ressaltar que a relação entre perigosa e
estrada, em 1, tem sido tratada como uma relação de determinação e, em 2,
como uma predicação.
Entre Determinar e predicar, segundo Guimarães (2007.p., 78), existe
uma proximidade, desde que deixemos de considerar esta relação como
específica das relações no interior dos enunciados. Observamos
semanticamente, que toda relação de predicação é, em certa medida, pelo
menos, uma relação de determinação e vice-versa. A “diferença entre uma e
outra se dá pela conexão do sintático com o semântico”.
A relação de determinação é tal que se x determina (é determinante de) y é porque y é determinado por x. Ou seja, não há nada numa expressão x que seja necessariamente um determinante para y. Esta relação é construída enunciativamente. (...) Uma expressão determina a outra na medida em que esta se apresenta como por ela determinada pela enunciação. Isto, por outro lado, levaria a se pensar como o processo enunciativo constrói a língua. (GUIMARÃES, 2007, p. 78-79)
A determinação é a relação fundamental para o sentido das expressões
lingüísticas. O fato, por exemplo, de duas expressões serem formuladas como
sinônimas é parte da determinação das palavras envolvidas, assim como a
relação de antonímia. Por outro lado Guimarães (2007) considera que as
relações hiperonímia e hiponímia não fazem parte das relações de sentido a
não ser como conseqüência das relações de determinação.
O que Guimarães (2007) chama de predicação não se trata da relação
de predicação entendida como no interior do enunciado, da sentença, da frase.
Trata-se de uma operação pela qual, no fio do dizer, uma expressão se reporta
a outra, pelos mais variados modos, por negar, por retomá-la ou por redizê-la
76
com outras palavras, ou por expandi-la ou condensá-la, etc. Podemos
considerar que a reescrituração pode ser por repetição, substituição, elipse,
expansão, condensação e definição.
O DSD é representado pelos seguintes sinais:
I--- ou ---I ou _I_ ou T (que significam determina, por exemplo, y I--- x
significa x determina y ou x ---I y significa que igualmente x determina y); que
significa sinonímia; e o traço como _________, divide um domínio, significa
antonímia. Deste modo, então, dizer que é o sentido de uma palavra é poder
estabelecer seu DSD.
Consideramos então que só pode ser feito um DSD a partir do
funcionamento da palavra no texto em que ela acontece e que um DSD é
constituído pela análise das relações de uma palavra com as outras num
conjunto de textos relacionados por algum critério: do mesmo autor, sobre um
certo assunto, de um certo momento, etc. e assim os determinam.
Para finalizar Guimarães nos alerta:
Nesta medida um DSD é uma análise de uma palavra. (...) Deste modo, não consideramos de antemão nenhuma realidade a que as palavras se reportam. Ao contrario, podemos dizer que processo de referência através de uma palavra no seu texto (ou textos) significa. É preciso observar, no entanto, que embora não se considere de antemão nenhuma realidade a que as palavras reportam, há um real que a palavra significa. E as palavras têm a história de enunciação. Elas não estão em nenhum texto como um princípio
sem qualquer passado. (GUIMARÃES, 2007, p. 81)
Assim, podemos afirmar que o DSD de um nome, por exemplo, é o que
o nome designa, ou seja, a designação é o modo pelo qual o real é significado
na linguagem. E para se proceder as descrições de sentido, a primeira coisa a
se considerar é como a palavra entra na unidade de analise. A unidade de
analise é o enunciado em que as palavras ocorrem, integram-se em um texto.
Texto é a unidade de significação integrada por enunciados. (Guimarães,
2007, p. 82).
77
2.4.3. O processo de análise: do dispositivo teórico ao analítico
Retomando Orlandi (2002, p. 27) há uma distinção entre o “dispositivo
teórico” e o “dispositivo analítico”. Aquele diz respeito à sustentação do método
e ao alcance teórico de Análise de Discurso, enquanto o segundo refere-se à
parte que é de responsabilidade do analista.
Embora o dispositivo teórico encampe o dispositivo analítico, o inclua, quando nos referimos ao dispositivo analítico, estamos pensando em dispositivo teórico já “individualizados” pelo analista em uma análise específica. Daí dizemos que o dispositivo teórico é o mesmo, mas o dispositivo analítico, não. O que define a forma do dispositivo analítico é a questão posta pelo analista, a natureza do material que analisa e a finalidade da análise (ORLANDI, 2002, p. 27)
Para a AD o dispositivo teórico é o que fornecerá ao analista o método
pelo qual o analista problematizará seu corpus e incluirá o dispositivo analítico
de acordo com a questão de pesquisa:
(...) optando pela mobilização desses ou aqueles conceitos, esse ou aquele procedimento, com os quais ele se compromete na resolução de sua questão. Portanto sua prática de leitura, seu trabalho com a interpretação, tem a forma de seu dispositivo analítico. (ORLANDI, 2002, p. 27)
Em nosso estudo tomamos o dispositivo teórico-metodológico da
Semântica do Acontecimento. Observaremos como a designação/apelido
aparece referida nos textos em que ocorrem. Assim, é fundamental observar
como a designação está relacionada, pela textualidade, com outras
designações que funcionam sob a aparência de substituibilidade. Este conjunto
de modo de referir organizado em torno de um “nome” nos ajudará a observar
como são determinados e predicados os alunos da EAFC. .
Guimarães (2002) diz que para enfrentar este último tipo de análise, é
importante considerar como o processo de reescritura se dá nas relações de
textualidade e como se apresentam.
78
Tendo em vista nossa posição teórica e metodológica, consideraremos
para nossa análise os procedimentos de: reescrituração e articulação. Neste
caminho, buscaremos compreender, tomando como referência, elementos
constitutivos como: espaço de enunciação, cena enunciativa e agenciamento
enunciativo sua relação com o modo de produção de sentidos. Assim,
buscaremos compreender em que medida as designações em forma de apelido
atribuídas aos alunos da EAF- Cáceres se constituem numa prática de
subjetivação desses indivíduos. Em outros termos como esses apelidos
(des)identificam esses sujeitos inscrevendo-os numa (auto) vigilância contínua.
Nossa hipótese é a de que o apelido determina o sentido de nome do
aluno, na cena enunciativa e que o apelido (pejorativo ou não) move efeito de
sentido atravessado pelo interdiscurso, memória de sentidos que os filiam ao
discurso dos sistemas disciplinares prisionais ao se reconhecerem nas/pelas
designações as quais lhes são atribuídas pelos colegas, professores e demais
servidores da escola. Além disso, os alunos internos da EAF-Cáceres ao se
colocarem no lugar de sujeito que cometem delitos, transgressões como forma
de se identificar como “internos”, materializam a imagem que ele (aluno) coloca
para si mesmo.
Esta hipótese nos remete a tomar o espaço enunciativo como lugar de
agenciamento discursivo, de conflitos que subjetivam sujeitos. O ambiente
escolar é o espaço enunciativo.
2.4.4. Foucault e suas reflexões sobre o discurso na constituição do sujeito
Michel Foucault (2006, p.8 ) em A Ordem do Discurso, aula Inaugural no
Collège de France pronunciada em 2 de dezembro de 1970, inicia sua reflexão
apontando que “em toda sociedade a produção de discurso é o mesmo tempo
controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certos números de
procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar
seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade”.
79
Partindo desta reflexão, buscaremos compreender o processo de constituição
do sujeito dentro de uma sociedade de produção do discurso. Ainda segundo
Foucault (2006), em uma sociedade como a nossa, é certo que existem
procedimentos de controle de discurso.
Os procedimentos externos como o de interdição que nos alerta para a
“autonomia” do dizer: “sabe-se bem que não tem direito de dizer tudo, que não
se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer enfim, não pode
falar de qualquer coisa” (FOUCAULT, 2006, p. 17-18). E indica ainda mais três
tipos de interdições (tabu do objeto, ritual da circunstância, direito privilegiado;
exclusividade do sujeito de fala); a separação e da rejeição, oposição (razão e
loucura); Vontade de verdade (oposição de verdadeiro e falso). Esses
procedimentos de exclusão que se apóiam em um sistema institucional e é
também sem dúvida, pelo modo como o saber é aplicado em uma sociedade,
como é valorizado, repartido e, de certo modo, atribuído.
Foucault (2006), nos diz que essa vontade de verdade assim apoiada
sobre um suporte e uma distribuição institucional tende a exercer sobre os
outros discursos uma espécie de pressão e como que um poder de coerção
que “concernem, sem dúvida, à parte do discurso que põe em jogo o poder e o
desejo. O discurso não é simplesmente aquele que se traduz as lutas ou o
sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual
nos queremos apoderar”.
O procedimento interno funciona, sobretudo, a título de princípios de
classificação, de ordenação, de distribuição, e visam submeter outra dimensão
do discurso: a do acontecimento e do acaso. Tais procedimentos internos são
divididos em comentário (estabelece ordem do discurso); acaso do discurso: o
acontecimento discurso propriamente; autor (com o princípio de agrupamento
do discurso, como unidade e origem de suas significações, como foco de sua
coerência); a disciplina: processo que abre a possibilidade de formular, de
formular indefinidamente proposições; é o que regulamenta a ordem do
discurso e autoriza se determinado sujeito esta qualificado para exercer seu
discurso. Estes mecanismos que controlam o discurso que fazem exercer seu
80
poder. Existe um terceiro grupo de procedimento de controle do discurso não
mais com objetivo de dominar os poderes que eles têm, nem conjurar os
acasos de sua aparição, mas, “de determinar as condições de seu
funcionamento” rarefação, desta vez, dos sujeitos que falam.
Foucault (2006) destaca como ideia central de sua análise de discurso
as descrições criticas e as descrições genealógicas conectadas com os
princípios de inversão, de especificidade, de exterioridade, princípio de
descontinuidade. Para ele, essa descrição crítica põe em prática o princípio da
inversão, no qual, procura as formas de exclusão, de limitação, de apropriação;
a descrição genealógica põe em prática os princípios de especificidade,
exterioridade, descontinuidade. Esse conjunto genealógico visa
fundamentalmente os sistemas de coerções.
E por meio deste método genealógico dirige-se a formação discursiva
efetiva tanto no interior quanto no exterior dos discursos “ao mesmo tempo
dispersa descontinua e regular”.Para tal, a genealogia, se detém: nas séries da
formação discursiva, procura apreendê-lo em seu poder de afirmação, sua
constituição, e o poder que constitui domínios de objetos a propósito dos quais
se poderiam afirmar ou negar proposições verdadeiras ou falsas. A descrição
critica e genealógica devem se alternar e apoiar-se uma nas outras para assim
estabelecer uma análise do discurso.
Na arqueologia, o sujeito é constituído pelo saber enquanto que na
genealogia, o sujeito é constituído pela norma. (este deslocamento faz a
constituição da verdade).
Foucault (2003) na obra As verdades e as Formas Jurídicas nos diz que:
as práticas sociais podem chegar a engendrar domínios de saber que não
somente fazem aparecer novos objetos, novos conceitos, novas técnicas, mas
também fazem nascer formas totalmente novas de sujeitos e de sujeitos de
conhecimento. O próprio sujeito de conhecimento tem uma história, a relação
do sujeito com o objeto, ou, mais claramente, a própria verdade tem uma
história.
81
Tais reflexões teóricas no campo do discurso, da Análise do Discurso,
da Semântica do Acontecimento, da Arqueologia e da Genealogia, possibilitou-
nos pensar nas designações a partir do agenciamento enunciativo e do político.
Desta maneira, põe-se de início a questão sobre o funcionamento do nome
próprio/designação que se constitui como a busca de uma unicidade. Um
nome para uma única pessoa.
Para tal, tomamos os agenciamentos enunciativos inscritos na memória
do dizer, pelo interdiscurso, como mecanismo estratégico para particularizar
sujeitos, subjetivando-os.
Orlandi (2002, p. 96) diz que a conjunção língua/história só pode se dar
pelo funcionamento da ideologia, só assim, compreendemos melhor como se
constituem os sentidos, colocando-se na base da análise a forma material:
acontecimento do significante em um sujeito afetado pelo real da história.
“Acontecimento que se realiza na/pela eficácia da ideologia”.
Assim, podemos dizer que o funcionamento referencial desses nomes é
produzido pelos processos enunciativos que se dão como procedimento de
processo de identificação social escolar. Em outros termos, o nome próprio,
aqui designação, nesse processo social de identificação do individuo, é uma
enunciação que funciona por processo de determinação semântico-enunciativa.
Determinação é a relação fundamental para o sentido das expressões
linguísticas.
No entanto, interessa-nos o sentido que podemos reconhecer numa
palavra posta em funcionamento na e pela enunciação enquanto
acontecimento de linguagem e não apenas como uma definição.
82
Capítulo III
3. O CORPUS
No capítulo II, apresentamos a fundamentação teórica e metodológica em
que nos inscrevemos - a Análise de Discurso de orientação francesa e da
Semântica do Acontecimento e algumas reflexões dos estudos foucaultianos,
que mobilizaremos em nossa análise. Abordamos, ainda, alguns conceitos
essenciais desses teóricos. Já nesse capítulo, propomo-nos a apresentar
uma releitura e a análise do nosso corpus, a saber: as fichas individuais-
registros de ocorrência, relatório de ocorrência, decretos, memorandos,
resoluções internas da escola, registros do livro de saída e entrevistas com
servidores. Apresentamos também um quadro de designações atribuídas aos
alunos. Com esses materiais tentamos elaborar uma espécie de teia discursiva
que nos possibilita a interpretação e compreensão20 desses materiais. Como
nos alerta Orlandi (2003, p. 64), “todo discurso é parte de um processo
discursivo mais amplo que recortamos e a forma do recorte determina o modo
de análise e o dispositivo teórico da interpretação que construímos”.
3.1. O corpus e a análise
O corpus de nossa análise foi constituído principalmente por Fichas
Disciplinares - Registro de Ocorrência de Aluno. No entanto, cremos ser
pertinente sempre que necessário, mobilizar outros objetos textuais
disciplinares: decretos, memorandos, resoluções internas da escola e registros
do livro de saída e entrevistas.
20
Orlandi (2002, p. 26) distingue Interpretação e Compreensão: Interpretação é o sentido pensando-se o co-texto (as outras frases do texto) e o contexto imediato; Compreender é saber como um objeto simbólico (enunciado, texto, pintura, música etc.) produz sentidos. É saber como a interpretação funciona, ou seja, a compreensão procura a explicação dos processos de significação presentes no texto e permite que se possam “escutar” outros sentidos que ali estão compreendendo como eles se constituem.
83
Segundo Orlandi (2003, p.10) diante de um objeto múltiplo, o objetivo,
entretanto, é sempre um: incorporar as noções sociais e de história, distinguir o
estabelecimento do não-estabelecido e questionar a consciência (o sentido)
dessa distinção no homem, quando este produz linguagem. Ou ainda, como
nos coloca Foucault (1969, p., 46 ),“fazer uma historia dos objetos discursivos
que não o interesse na profundidade comum de um solo originário, mas
desenvolvesse o nexo das regularidades que regem sua dispersão”. O
fragmentário, o disperso, o incompleto, o não- transparente. Eis o domínio da
reflexão discursiva”.
Os documentos foram localizados em lugares de dizeres diferentes da
escola, na secretária, no cabinete, no almoxarifado, em salas de coordenação
e até mesmo em arquivos abandonados em outras salas. E em diferentes
níveis de textualidade. É importante ressaltar que no decorrer do processo de
pesquisa, especificamente de coleta de dados, tivemos muitas dificuldades,
pois a escola não possui um arquivo, o que, dificultou muitíssimo nossas
atividades. Deixando lacunas que infelizmente não foi possível contornar, no
momento.
Parafraseando Orlandi (2003, p. 09) nesse percurso nos colocamos no
próprio centro do risco que é a tensão entre o já-dito e o a-se-dizer. Passando
pelos mesmos lugares, procurando o que leva a conhecer alguma coisa a mais
a respeito dos objetos tomados para a reflexão.
No total, foram observadas duas mil e cinco pastas de alunos. Nas
mesmas continham: ficha de matrícula, relatórios de atividades, boletins
escolares, ficha individual do aluno, ficha individual de educação física com
espaço para exame biométrico e ficha de ocorrência do período de 1980 (ano
da inauguração da EAF- Cáceres a 2009.
O critério utilizado para a seleção das fichas foi:
1. Fichas/documentos nos quais pudéssemos identificar pistas sobre o
processo de implantação do sistema de internato da escola;
84
2. Fichas/documentos que nos possibilitassem, por meio de enunciados,
compreender como foi constituído o processo de designação de alunos
na EAFC, parte constitutiva do efeito de sentido de nome;
Consideremos tal como Guimarães (2002, p. 83) que a unidade de
análise é o enunciado em que as palavras ocorrem. Ou seja, não pensamos a
existência de enunciados senão na medida em que certa sequência, com
características específicas, que faz dela um enunciado, integrando um texto.
Não são os aspectos formais que fazem de uma sequência um enunciado, mas
o fato de que essa sequência integra um texto. E na mesma medida não há
texto sem enunciado.
Tomamos os critérios acima como primordiais para a escolha do corpus,
e assim demonstrar nossa posição diante do documento. Já que temos como
objetivo neste trabalho colocar em evidência o processo da constituição de
nomeação por designação dos alunos na EAFC.
No primeiro momento, foram selecionadas 256 fichas. Em uma nova
seleção do material, escolhemos 52, destas 52 duas escolhemos (09) para
constituir o corpus efetivo de análise. A opção por nove fichas se deu em razão
de observarmos nas outras fichas observadas as mesmas regularidades
discursivas presentes nas fichas analisadas.
Durante a constituição do corpus, observamos que as designações
surgiram de forma muito tímida no espaço da escola, segundo entrevista com
servidores da escola, “o apelido sempre existiu desde que fundou a escola,
pois, já existiam em outras escolas agrícolas, o apelidos, é cultural21.
Ainda com base nas entrevistas22 observamos que na implantação da
escola, em sua estrutura não tinha o internato, o entrevistado afirma que não
existia o internato na implantação da escola, que o internato foi construído
depois, e ao indagarmos: Em que ano iniciaram-se as atividades no internato.
21
Entrevista concedida pela Professora Maria Sysko servidora desde 1983 e Professor Valeriano Sysko servidores da EAFC desde 1980. 22
Além das entrevistas feitas por nós, lançamos mão também das entrevistas realizadas pelo grupo de pesquisa “As memórias e sentimentos sobre a Escola Agrícola e o IFMT” sob a coordenação do Prof. Ms. em História Social pela UFU Matheus de Mesquita e Pontes. As entrevistas analisadas foram do Sr. Ivaldo Afonso da Silva e Sr. Jonas de Miranda Pinto, ambos, atualmente, servidores da EAFC escola e ex-alunos da mesma. Jonas foi aluno da 1ª turma, 1980. Os dados das entrevistas nos possibilitaram uma melhor compreensão do processo de instalação, e o cotidiano do internato na década de 80 a 90.
85
Os entrevistados não sabiam ao certo o ano. Assim, não tendo êxito nas
entrevistas, nos limitamos aos documentos.
Nos documentos encontrados nas pastas individuais de alunos,
recuperamos uma Folha de Inscrição para preenchimento da vaga para
Internato, com data de 1983. O que nos leva a pensar que o internato foi
instalado oficialmente naquela data.
Diante deste documento, podemos observar os critérios adotados pela
escola para a inscrição e aprovação no regime de internato na EAFC.
a) Localidade de aluno, onde mora, cidade ou fazenda;
b) Distância da residência dos pais até Escola;
c) Ocupação dos pais;
d) Se possuíam parentes em Cáceres;
e) Renda familiar;
f) E se de fato pretende concluir o curso.
Outro fato que nos chamou atenção durante o processo de constituição
dos corpora de nosso estudo foram as documentações exigidas para o
ingresso na escola, tais como: atestado médico e radiografia dos pulmões.
Tal solicitação nos remete a uma memória, que historicamente descreve
o perfil dos alunos que poderiam estudar em escolas de ofícios, “alunos que
não sofrerem de moléstia infecto-contagiosa; não terem desvios psíquicos que
os desabilitem para a aprendizagem do oficio”. (cf. art. 06 da Lei de criação das
EAA’s- 1909.
Dessa prática, podemos interpretar o modo como a inscrição a essa
memória é recortada como memorável nesse acontecimento da enunciação da
lei. Em outras palavras, o passado do acontecimento é rememorado aqui como
“Moléstia infecto-contagiosa”, “radiografia dos pulmões”, “(...) desvios
psíquicos que os desabilitem para a aprendizagem do oficio”,, “atestado
médico”.
86
Segundo Guimarães (2002), o processo de reescrituração liga pontos
de um texto com outros do mesmo texto e mesmo pontos de um texto com
pontos de outro texto. O que constitui a textualidade.
Com relação ao nosso objeto especifico de pesquisa, as Fichas de
ocorrências,, optamos por fichas que mostram em seu texto, enunciados que
mobilizavam efeitos de sentidos de nome. E perguntamos: Como o modo de
referir constrói a designação, efeito de nome, ao sujeito “alunos da EAFC”?
Observamos que no ano de 1980, ano em que as atividades escolares
tiveram início, cada aluno era identificado por número, o qual era reconhecido
pelo mesmo.
Figura 3 – Ficha de registro de ocorrência 23
23 ALUNO: João da Silva n. 01
OCORRÊNCIA: O aluno a cima citado juntamente com o aluno nº 88, 06, 124 tinham 02 (dois) dias a disposição da coetagri, fora isso foi lhes atribuído uma tarefa, por opção dos mesmos.
87
Diante desse excerto podemos observar a configuração de toda uma
prática de identificação, de referenciar o sujeito, utilizando-se de uma
tecnologia disciplinar que busca a unicidade do sujeito, ou seja, o que torna
explicitamente o único, como é o caso, numerar o sujeito-aluno,
particularizando-o. Entendemos ser este também um processo de constituição
de uma subjetivação por designação (GUIMARÃES, 2002, p. 39), levando-nos
a interpretar a numeração como nomeação nesta cena de enunciativa.
Número:_____ Nome do aluno:____________________
No corpo do texto observa-se uma continuidade desse funcionamento,
com o uso do artigo definido “o” e da conjunção coordenada “e” que reflete um
sentido de singularidade entre os sujeitos. O n. 88 não é o n. 06 que também
não é o n. 124.
Tal fato de linguagem nos parece óbvio dentro de uma análise sintática,
porém em uma relação semântico-enunciativa é bem mais que isso, é uma
particularização do referente, uma referência recortada por um memorável, por
uma memória discursiva que se (re)atualiza no momento da enunciação, com
efeito de um esquecimento correspondente. Ou seja, esta prática discursiva,
inscreve-se em formação discursiva próxima da militar, em que os sujeitos
devem ser identificados dentro de um espaço para que se possa agir sobre seu
corpo
Na perspectiva da AD, as marcas que atestam a relação entre o sujeito
e a linguagem, no texto, não são detectáveis mecanicamente e empiricamente.
Os mecanismos enunciativos não são unívocos nem auto-evidentes. “São
construções discursivas com seus efeitos, de caráter ideológico” (ORLANDI E
GUIMÃRAES, 1988, p. 17-35).
O nº 88 e o 06 compriram (sic) metade da tarefa e concluíram a outra metade ficou por conta do nº 01 e 123 os quais não concluíram sua parte naquela manhã tudo ficou para tarde. Segundo o aluno 124, o A. em um certo momento parou de trabalhar e foi fazer um lanche onde ficou em torno de uma hora, enquanto isso, o 124 continuou trabalhando; por isso não puderam concluir sua parte naquela manhã. Na parte da tarde o n. 124 compareceu para concluir a tarefa e o nº 01 falto; por isso o aluno nº 1 não cumpriu sua tarefa. Assinatura do (a) Servidor (a):___________o servidor assina __________ e data do ocorrido
88
Acreditamos que esta prática se deu até meados da década de 90,
período que ainda tinha um grupo pequeno de estudantes. A partir de
então,dos anos de 96-97 até os dias atuais, encontramos os primeiros
registros de apelidos nas Fichas dos alunos- registro de ocorrência dos alunos.
É importante descrever como se deu o processo designação por
apelidos24. Desse modo, ainda em entrevista, perguntamos ao servidor:
Quando começou a existir apelidos na escola?
os apelidos, é cultural todos os alunos, lá entre eles, fazem isso, em todo lugar que tem escola agrícola, que tem internato, cada aluno tem apelido, é um forma deles se interagir, é uma brincadeira entre eles, é normal, tem uns que não gosta, mas agente fala pra eles, num liga bobo, se não piora, aceita! Ai o bagaço25 aceita, e fica tudo bem. Agricolino que é agricolino tem apelido. (sic)
O ato de designar por apelido se deu entre os próprios alunos, segundo
o servidor, tomando como modelo, gestos de outras IF, nas quais já havia
essa prática. Podemos entender, a partir disso, que a designação na forma de
apelido deu-se no interior dos internatos das IF’s. Porém, o que nos chama a
atenção é o estatuto de naturalidade, de normalidade em que se institui esta
prática dentro da escola.
No nosso entendimento, o ato de designar por apelido esta inscrito em
uma memória discursiva, considerando, como vimos no capitulo I, que antes
dos apelidos havia outras designações historicamente marcadas, que
passaram por descontinuidades26 - crianças órfãs, desvalidas da sorte,
desafortunados, menores pobres; depois, pequenos aprendizes, agricolinos,
aluno externo e aluno interno, bagaço e os apelidos.
É importante destacar que os alunos ao designarem uns aos outros
seguem um ritual, a saber:
24
O processo que descreveremos é relatado pelo olhar do servidor Amauri Ortega. 25
Os alunos ingressantes na escola são conhecidos/designados também como bagaço. 26
Foucault (1971, p. 55-56), se refere à descontinuidade como o lugar em que se dá a censura, que quebra o instante e o dispersa numa pluralidade. Onde uma série discursiva e descontínua de acontecimento tem a sua regularidade, que são as condições de possibilidades, mas não autônomas, que permite “circunscrever o lugar do acontecimento, as margens de sua contingência, as condições de sua aparição”.
89
- O aluno novato apresenta-se em forma (no sentido militar), bate continência ao veterano e em forma é “batizado” com seu apelido;
- O aluno novato ao receber a sua designação de um veterano não pode alterar e não é permitido que outro veterano altere;
- O aluno novato deve sempre atender quando chamado pela designação; e ao pergunta seu nome, enunciar o apelido;
- O aluno veterano ao apelidar/nomear o aluno novato/bagaço fica também “responsável” por ele.
- Os alunos novatos referem-se a seu “guardião” como doutor superior ou tekos27.
Mediante o excerto acima podemos fazer algumas considerações sobre
os sujeitos envolvidos no ato de nomear/designar. Para tal partimos dos
conceitos de espaço enunciativo e cena enunciativa proposto por Guimarães
(2002).
Guimarães(2002) ao afirmar que a assunção da palavra se dá em uma
cena enunciativa por constituir modos específicos de acesso a elas, “levando
em consideração as relações entre as figuras da enunciação e as formas
lingüísticas”, ou seja, os falantes e o enunciado28, busca compreender o
espaço de enunciação como espaço de funcionamento da língua que “se
dividem, redividem, se misturam, desfazem, transformam por uma disputa
incessante”. Assim, tal como Guimarães (2002) consideramos que espaço de
enunciação é um espaço político. Ou seja, é no espaço de enunciação que
ocorre a divisão de papéis, a divisão do real, redivisão em que se dá a
afirmação de pertencimento através de uma deontologia.
A cena enunciativa divide lugares enunciativos e lugares de dizer. É
importante ressaltar que a distribuição desses lugares se faz pela
27
Esse ritual foi observado por nós, utilizando o método etnográfico. Todas as observações foram anotadas no caderno de campo. O período de observação foi no mês de fevereiro de 2010 e fevereiro de 2011, período em que chegam os alunos internos para inicio das atividades escolares. 28
Falantes no sentido de falar uma língua, locutores constituídos por este espaço em que a língua funciona, isto é,
falantes enquanto determinadas pelas línguas que falam. Guimarães (2002, p. 18).
90
temporalidade própria do acontecimento, uma temporalidade específica
(passado, presente e futuro).
Nossa primeira consideração é que os alunos da EAFC nesta cena
enunciativa, neste espaço particularizado, assumem posições de sujeitos bem
definidas.
O aluno veterano ao designar/nomear um aluno novato, assumir o papel
do Locutor - L (o que se representa no próprio dizer como o dono do dizer, fora
da história). Desse modo, o aluno-veterano está autorizado a nomear o aluno-
novato, aquele tem que estar afetado pelos lugares sociais, pelos discursos em
que o “autoriza a falar, de que modo, e em que língua (enquanto falante)”. Ou
seja, o L precisa não ser ele próprio, sim um lugar social de locutor constituído.
Podemos então dizer que o lugar do dizer do aluno-veterano foi
constituído como lugar social, do que tem autoridade, do chefe, do superior,
dentro da cena enunciativa específica da nomeação.
O lugar enunciativo, segundo Guimarães (2002, p. 30 ), tem uma
disparidade entre “aquele que fala” e “aquele para quem se fala”. Este
movimento é configurado na cena e se dá pelo agenciamento enunciativo. O
agenciamento enunciativo são lugares constituídos pelos dizeres. Desse
modo, podemos afirmar que os locutores-aluno-veterano são afetados por
estes dizeres, em que ser veterano é ter autoridade, ter poder, os que fazem as
regras, e ainda são autorizados a nomear/designar os alunos novatos, já que
fazem parte de um grupo social, de onde emergem discursos e inscrições em
formações discursivas.
Entendemos como Guimarães (2002, p.24 ) que a cena enunciativa é
onde se constitui uma disparidade, ou seja, que assumir a palavra para
designar/apelidar só é possível na medida em que o Locutor, se predica como
locutor-veterano. Todavia, no acontecimento de enunciação há uma
disparidade constitutiva do Locutor (origem do dizer) e do locutor-x (lugar social
do dizer), “uma disparidade entre o presente do Locutor e a temporalidade do
91
acontecimento”, que mobiliza outros lugares de dizer que Guimarães (2002)
chama de enunciadores, tais como:
Enunciador-individual: o que da enunciação como independente da história;
Enunciador-universal: é um lugar que significa o Locutor como submetido ao regime do verdadeiro e do falso, próprio do discurso cientifico;
Enunciador- genérico: quando a enunciação representa o Locutor como difuso num todos em que o indivíduo fala como e com outros indivíduos.
Diante dessa caracterização de enunciadores, podemos afirmar que o
locutor-aluno-vetereno, fala do lugar individual, já que estamos diante de uma
enunciação que significa essa individualidade a partir da qual ele pode falar.
Ele está autorizado a falar. “É a representação de um lugar com aquele que se
tá acima de todos, como aquele que retira o dizer de sua circunstancialidade. E
ao fazer isso representa a linguagem como independente da história”.
(Guimarães, 2002, p. 25).
Podemos ainda observar que na enunciação que nomeia/designa, é
vemos funcionar uma outra memória, já que é sabido que os IF’s foram
implantados por movimentos liberalistas em que se tinha à frente militares, e
mesmo, na contemporaneidade - década de 1940, quando a expansão desses
modelos de escola ocorreu, o Brasil era governado pela ditadura, que tinha
como princípio instalar a ordem e, para isso, se utilizavam de mecanismos de
individualização do sujeito. Como vimos no capítulo I, um dos mecanismos
utilizados por eles foram às escolas de ofícios e agrícola, implantando,
inclusive no âmbito da escola, regimes disciplinares sob a ótica dos códigos de
condutas militares, como uma forma de exercer melhor a coerção de sujeito.
Como nos diz Foucault (1971, p. 44) “todo sistema de educação é uma maneira
política de manter ou modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e
os poderes que eles trazem consigo”.
92
Observamos que estes alunos estavam inscritos em uma memória de
sentido, no que concerne ao ritual de nomeação/designação, os mesmos se
inscrevem em um já-lá-dito, em outro lugar. Ou seja, os alunos no ato de
designar se inscrevem no processo de nomeação adotado pelos militares, o
qual, os militares, soldados, foram por muitos anos identificados, por número,
e, posteriormente, por nome ou sobrenome. O ato de nomear era tarefa dos
superiores, tenentes, capitães e coronéis. Relativamente à essa prática,
podemos que estabelece uma hierarquização dos sujeitos envolvidos neste
espaço enunciativo, para fazer valer o mecanismo de individualização e
identificação do sujeito.
3.2. Designação por apelido: Nova/velha forma de Capturar o
sujeito?
O processo designativo neste espaço particularizado toma novas formas
de subjetivação dos sujeitos. E tomam com referência a discursividade da
sociedade contemporânea em que o corpo, a sexualidade passam a ser
marcas de identificação. Como podemos observar, no quadro, as designações
abaixo.
Designação / apelidos
Caract.físicas Caract. Comparativa com animais
Sexualidade Personagens / personalidades
Caract. De personalidade (psíquico)
Demarcação geográfica (lugar de nascimento)
Cego Lobo Florzinha Mucura Loko Baino
Mulambo Leitão Cú na lua Tevez Bobão Gaucho
Indião Tucano Babalú Wolverine Tonto Indião
Caverinha Kurio Bucetão Turok Marcha Lenta
Doente Perereca Cu torcido Zé pequeno Sinistro
Cachinho Leitosa Mossoylla Madona
Piskuila Eskilo Frango gay Catatau
Chaverinho Piolho Vira bunda Fadinha
Bugão Tartaruga Biscatinha Braça de neve
Pé de Anta Cupim Papa pau Fada bela
Garrafinha Sabia Purpurina Lobosonem
Kerozene Ximpazé Fuboiola Pakito
ET Javali Biskastinha Lampião
Kerozene Cadango Morde fronha
Fatasma
ET Gafanhoto Chupetinha Retardado
Pezão Tatusão Puta pobre Mijado
93
Xuxu Kalango Xurasco Fedo
Ceborreia Borboleta Boguinha Cebola
Tripa Bicheira Penélope Chirra
Égua Pocoto Minoza
Xena
Minuxa
Spirito
PCC
Rufião
Tiririca
Magali
Nhonho
Maria da Penha
Fiona
ET
Xuxa
Pelé
08
Podemos observar que a escolha da designação é feita de forma
diversa, alguns elegem as características físicas, outros são comparados a
animais, à sexualidade, à personagens de desenho e filmes, à personalidade
da mídia, por personalidade (psíquico), e demarcação geográfica. Mas o que
mais encontramos foram apelidos associados às características físicas,
relacionados, à sexualidade e às personagens (em quadrinhos, desenhos,
filmes).
Constatamos que as designações não têm os mesmos referentes, e nem
os mesmos sentidos. Assim podemos observar que cada uma tem uma
particularidade e uma temporalidade. Ou seja, estes apelidos emergem em um
dado momento, em uma dada circunstância, que nos remete a um passado e
uma futuridade, funcionando a partir de uma historicidade, movimento que dá
sentido as designações. “Neste sentido as expressões lingüísticas significam
no enunciado pela relação que têm com o acontecimento em que funcionam”
(GUIMARÃES, 2002, p. 05), considerando ainda que sua relação com o real é
histórica.
As designações que tomam como referência os animais como lobo,
tucano, eskilo, tartaruga são da ordem dos animais, mas também e, sobretudo,
da característica física, isto é, o individuo peludo, forte, pode ser comparado ao
lobo, um indivíduo com nariz grande poder se comparado a um tucano, o
magro e esguio a um esquilo, o lento e baixo a uma tartaruga.
94
Os alunos que são designados pela sexualidade: florzinha, Mosoylla,
biscatinha, purpurina, possivelmente não atendem aos padrões corporais,
morais de uma discursividade que rege o que é ser “homem” macho, forte, e
sisudo.
Os que são designados por apelidos de personagens de ficção,, como é
o caso de Wolverine, personagem do filme X-Men; ou como Lampião,
cangaceiro do sertanejo; Fiona, esposa de Shrek; Branca de Neve da história
dos sete anões; Fadinha, Fada Bela personagens de vários contos infantis que
tem uma fada, angelical, alva; Magali personagem de história em quadrinho
conhecida por ser comilona, ou ainda por PCC, que é uma sigla do grupo de
criminosos do Comando Vermelho de São Paulo; Maria da Penha que nos
remete à lei que criminaliza o abuso contra a mulher; Zé pequeno, um
conhecido criminoso carioca do filme Cidade de Deus, que cometia vários
delitos entre homicídios, latrocínios e tráfico de drogas, armas que em 2005
teve sua história contada no cinema; ainda temos as designações de famosos,
ou seja, celebridades que são também designados por apelidos como: Tevez
(Carlos Alberto Martinez) jogador de futebol do time do Corínthians que tinha
traços físicos marcantes considerados como “feio”; Tiririca (Francisco Everaldo
Oliveira Silva), cantor, humorista, compositor e, agora, político brasileiro que
frequentemente tem seu “nome” estampado em colunas sociais; Pelé (Edson
Arantes do Nascimento) jogador, negro, renomado e consagrado da década de
60 – 70 por sua atuação no time do Brasil; Xuxa (Maria da Graça Meneghel)
apresentadora infantil, loira, gaúcha, considerada a Rainha dos Baixinhos.
É importante destacar que nos casos das designações por apelidos
como Tiririca, Pelé, Xuxa e Tevez temos o funcionamento de nome próprio.
Ou seja, os mesmos são identificados pelo apelido não pelo seu nome.
As designações por características físicas, como já mencionamos
anteriormente, seguem critérios parecidos com das designações que tomam
como referência os animais, pois privilegiam os aspectos físicos e alguns
fazem mensão à personalidades famosas, como, Caverinha por ser magro;
Doente por ter uma fisionomia franzina; Qualhada por ter a pele clara e
95
desbotada; Piskuila por ser tão pequenino; Pé de Anta pés gordos e grande;
Cachinho por ter os cabelos encaracolados; ET por ter a cabeça grande; junto
às características físicas estão as características por personalidade (psíquico)
como é o caso das designações: Bobão uma característica de personalidade,
desatenta; Marcha Lenta por ser vagaroso, despreocupado; Loko por parecer
“desequilibrado”.
Ocorrem ainda, designações por uma demarcação geográfica que
apresentam também em sua subjetividade um elemento da constituição da
cidadania do sujeito, de sua origem, como é o caso de Gaúcho, que são
reconhecidos por sua pele e olhos, geralmente claros, sotaque oriundo do
gaúcho bravo; Baiano, cor de pele e olhos, negros e um sotaque rasteiro; Indião
que apresenta uma etnia. Todas essas marcas também funcionam como
adjetivo de regionalização29.
É importante ressaltar que os apelidos são encontrados, como já
dissemos acima, em diversos lugares de enunciação e tipologias que circulam
na escola. Como no livro de registro de saída dos alunos internos, na escala de
limpeza dos quartos, paredes do internato, nos pilares da escola, e até placa
de formatura.
Sobre as práticas de apelidar entre os alunos e de institucionalizar os
apelidos, Corbin (1991, p. 419 - 436) nos ajuda a pensar em seu texto O
Segredo do Indivíduo: o indivíduo e suas marcas, em que memória estão
inscritas essas práticas. O autor em seus estudos sobre a identificação,
individualização ou da singuralização no século XIX (que segundo ele tem seu
início no século XVII) se inicia como o movimento de concentração
deliberadamente encorajado pela reforma da Igreja Católica, desejosa de
valorizar o exemplo dos principais santos. Ou seja, a prática de usar nomes de
santo nos indivíduos. Posteriormente, em ciclos mais ou menos curtos,
estabelecidos pela moda, observa-se, segundo este autor, um novo ritmo no
movimento de dispersão que traduz a vontade de individualizar, por meio do
sublinhar dos cortes das gerações e o desejo de adaptar-se à nova norma,
29
Karin ( 2003, p. 45-63)
96
sugerida pelas classes dominantes. Outro exemplo foi o que aconteceu em
certas regiões rurais do centro e do sul, da província francesa em Gévaudan.
Lugares em que o prenome, logo esquecido na linguagem corrente, cede lugar
ao apelido. Todavia, também no campo, a evolução trabalha a favor do
emprego, novo, do nome de batismo e da fidelidade ao sobrenome registrado
pelo estado civil; o uso do apelido pouco a pouco se vincula a grupos
marginais: o mundo dos artistas e a da boemia, os circuitos da prostituição e do
crime, categorias que, assim como estágio dos aprendizes de artesão, referem-
se deliberadamente a valores e comportamentos arcaicos.
Corbin (1991) aponta o processo de alfabetização e da escolarização
como um novo vínculo entre os indivíduos, seu pronome e seu sobrenome.
Segundo o autor todo fio condutor vincula, com efeito, todos os procedimentos
que tendem a reforçar o sentido do eu: a tentação de forjar heróis, a hipertrofia
da vaidade tranquilizadora.
Em seus estudos o autor francês, aponta ainda os procedimentos
adotados com o intuito de um reajustamento do indivíduo que importa com
maior razão as autoridades policiais. Desse modo, no interior do espaço
público passam pouco a pouco do anonimato para relações de
interconhecimento.
Os militares, os domésticos, dos quais se exigem a
apresentação de certificados emitidos pelos empregadores
precedentes, as mulheres da vida registradas pela Chefatura
da Polícia ou pela administração municipal; as crianças
abandonadas à quais se desejem atribuir um estado civil e uma
tutela; os viajantes e, mas especificamente, os elementos
itinerantes e nômades, que devem providenciar passaportes
antes de efetuar suas andanças. (CORBIN, 1991, p. 423)
Ainda no entendimento de Corbin (1991), no século XIX para o
reconhecimento interpessoal, a memória visual é necessária e, quando é
imperativo escarafunchar melhor a personalidade do outro, o procedimento
mais usual ainda é a investigação de moralidade, ou, pelo menos, o recurso ao
certificado de boa conduta.
97
Neste particular as instituições policiais desempenharam o
papel de laboratórios; ali foram elaboradas as técnicas que em
seguida seriam chamadas a se expandir por outros campos.
Como a identificação de criança perdida dando extrema
importância aos sinais de reconhecimento: bracelete, colar,
sinal de pela ou tipo de calçados. Pelo mesmo motivo, a
identificação das prostitutas. (CORBIN, 1991, p. 425-6)
Todo esse sistema pode ser entendido como uma prática de controle
dos corpos, nos limites do panoptismo. O olhar policial detalha cor dos cabelos
e dos olhos, avalia o talhe e, caso necessário, observa as deformidades.
No inicio do século XX triunfa a identificação pelas marcas corporais e,
mais precisamente, pelas impressões digitais.
Com base nos estudos de Corbin (1991) podemos dizer que a prática de
individualização faz parte de um modelo da sociedade moderna, de uma
sociedade de controle, de uma sociedade disciplinar, onde se empregam
formas de reconhecer os indivíduos assertivamente, sem erros. “(...) que faz
não da identificação, mas da própria identidade do culpado, e de seu disfarce,
a essência da ação policial”.
Assim, entendemos com base em Guimarães (2002) e à luz de Corbin
(1991) que o surgimento das designações por apelido, constitui-se como
memorável recortado pelo próprio acontecimento. Ou seja, o acontecimento
temporaliza. Ele não está num presente de um antes e de um depois no tempo.
O passado é, no acontecimento, rememoração de enunciações, ou seja, se dá como parte de uma nova temporalização, tal como a latência de futuro. É nesta medida que o acontecimento é diferença na sua própria ordem: o acontecimento é sempre uma nova temporalização, um novo espaço de conviviabilidade de tempos, sem a qual não há sentido, não há acontecimento de linguagem, não há enunciação. (GUIMARÃES, 2002, p. 12)
98
Nesse sentido, podemos analisar como o real se inscreve
historicamente, “não como um ser físico, nem meramente em um mundo físico.
Enuncia-se enquanto ser afetado pelo simbólico e sim mundo vivo através do
simbólico”(Id. Ibid.). Observando como os sujeitos se inscrevem em uma
formação discursiva e ideológica, por nós interpretada como jurídica
penitenciária, produz efeitos de sentidos, em condições determinadas, no caso
do enclausuramento e das relações de poder e saber que se estabelecem
nesta cena enunciativa em que o falante fala de uma posição de sujeito,
predominantemente agenciado por dizeres outros.
O aumento do número de alunos internos cresceu rapidamente. Em
1983, Bloco 01 eram 48. Com a construção do Bloco 02 e 03, em 1988, o
número aumentou para 144 e, por último, a construção do Bloco 4, em 1990,
para 192 internos, o que dificultava a identificação dos alunos dentro do
internato. “É importante destacar que no interior de todo grupo há uma
necessidade de se instalar o único relativamente ao nome próprio”
(GUIMARÃES, 2002, p. 40).
Desse modo, podemos hipotetizar que os alunos buscavam estratégias
de identificação nesse espaço social, para melhor se organizar, classificar-se,
vigiar-ser e se punir.
Tais designações nos fazem pensar que eles fogem dos padrões
discursivamente marcados historicamente em nossa sociedade, que os
diferenciam que os agrupam e os particularizam.
A instituição escola, em contrapartida não obtendo mais sucesso em
suas tentativas de individualizar os alunos, considerando que os nomes
homônimos tornaram-se frequentes, sob o conceito de naturalidade, “apropria-
se” das formas designativas e passa a registrá-las na ficha individual - registro
de ocorrências, legitimando-as. Todavia, atribuindo a elas um efeito de nome,
um efeito de verdade. Como podemos observar no excerto.
99
Figura 4 – Ficha disciplinar – Registro de ocorrência30
Figura 5 – Registro de ocorrência31
30
Aluno: João da Silva de Ferreira ( FADA BELA)
REGISTROS: Recebe advertência escrita por desrespeito familiar de alunos do telefone público; Recebe advertência escrita por estar dormindo no alojamento, o que não é permitido para aluno semi-residente; Recebe advertência escrita por atrapalhar e não participar da aula da professora Eleusa; Recebe advertência escrita por indisciplina em sala de aula;Recebe advertência escrita por desrespeitar colegas com termos obscenos e atrapalhar constantemente o bom andamento das aulas; Resolução 004/97 – Pena de três (dias) dias de suspensão das atividades escolares; 31 ALUNOS: Francisco Paulo Júnior “ Zumbizenra”
OCORRÊNCIA: Compareceu nesta CGAE, o aluno M. S – Biskatinha – para reclamação de agressão do aluno (S.) zumbizeira – F. Do 1B quando na volta da Festinha dos Bolsistas agrediu com socos. O primeiro desviou, mas, após, acertou -me na boca que machucou bastante. Após os alunos denominados “cascalho e chidoku” ajudaram a separar. “O aluno, KU de platina vinham dizendo: “esse ai tem que apanhar mesmo”.
100
Observamos que há um espaço para o nome do aluno, no entanto,
precedido desse, entre parênteses, a designação por apelido. É possível
hipotetizar que o apelido não se apresenta numa relação de sinonímia. Algo
como nome = apelido. Trata-se antes de tudo de uma relação enunciativa em
que o apelido reescreve o nome, determinando-o. Essa determinação do
apelido singulariza o indivíduo.
A verdade para Foucault (2003) está centrada no discurso científico e
nas instituições que o produzem; ela é permanentemente utilizada tanto pela
produção econômica quanto pelo poder político; ela é amplamente difundida,
tanto por meio de instância sob o controle dominante de alguns grandes
aparelhos políticos e econômicos (universidades, a mídia, a escrita, o
exército); ela é lugar de um enfrentamento social e de um debate político
violento, sob a forma de “lutas ideológicas”.
OBS: Quando ocorreu a agressão o aluno M. esta vindo abraçado aluna R. Declarou ainda que o mesmo estava procurando um motivo para me pegar e a briga do campo foi o motivo p/ ele. Chamado para esclarecimento o aluno F. justificou que vinha sendo provocado a muito tempo e que lhe acusava de bandidão da escola e se mechesse c/ ele iria ver o que ia acontecer lá fora. Data: 17.11.2008 Assinatura do aluno: F.
101
Capítulo IV
4.0. AS ANÁLISES
(...) no jogo da língua que vai-se historicizando aqui e ali, indiferentemente, mas marcada pela ideologia e pelas posições relativas ao poder - traz em sua materialidade os efeitos que atingem esses sujeitos apesar de suas vontades. O dizer não é propriamente particular. As palavras não são nossas. Elas significam pela história e pela língua. O que é dito em outro lugar também significa nas “nossas” palavras (ORLANDI 2002, p., 32).
Após apresentarmos brevemente, no capítulo anterior, o corpus de
nossa análise e também uma não menos breve análise dos conceitos como:
espaço de enunciação, cena enunciativa, formação discursiva, propostos por
Guimarães (2002) em a Semântica do Acontecimento e Foucault sobre o
discurso da verdade, neste capítulo nos propomos a analisar acuradamente
as fichas disciplinares - registro de ocorrências, tomando-as como
texto, no viés dos estudos enunciativos, “em que há uma passagem do
enunciado para o texto, para o acontecimento, que não é segmen tal”
(GUIMARÃES, 2002,p.7), e esta é a relação de sentido. Por enunciação
entendermos tal com Guimarães (2002), como um acontecimento no
qual se dá a relação do sujeito com a língua, colocando a questão do
sujeito que enuncia, e assim a questão do sujeito na linguagem, em um
dado espaço, e o real a que o dizer se expõe ao falar dele, como uma
materialidade histórica do real, ou seja, enuncia-se enquanto ser
afetado pelo simbólico - a “língua pelas relações semiológicas que
tem”.
Para tal consideraremos as marcas lingüísticas, visuais, das
fichas de ocorrências- registro de ocorrência, observando que efeitos
de sentidos são produzidos. Trataremos ainda do funcionamento
102
semântico-enunciativo do nome próprio e apelido em sua relação com o
Estado e a tensão estabelecida entre os discursos encontrados nos
textos. E para mostrar esse funcionamento mobilizaremos os conceitos
de interdiscurso, político32, espaço enunciativo, isto é, o espaço da
escola como lugar de conflito.
Ademais, nesse capítulo destacaremos, também, a questão que
trata do sentido da designação de Interno. Para tanto, buscaremos o
significado dessas expressões em dicionários, tanto a significação
quanto a relação com o “que acontece” .
4.1. As fichas de ocorrência
As fichas de ocorrência nos trouxeram inúmeras inquietações,
referentes à sua “fisionomia”33, o que nos levou a refletir sobre qual tipo de
discurso, ou melhor, que discurso representa tal funcionamento discursivo.
Para nossa reflexão, propomo-nos a analisar essas fichas disciplinares–
registro de ocorrência na perspectiva enunciativa, tomando o conceito de texto
atribuído pela AD – texto como discurso, ou seja, enquanto estado
determinado de um processo discursivo34 observando sua organização na
relação entre a língua e a história na produção de sentidos, e do sujeito em sua
relação com o contexto histórico-social. O texto é ainda para AD dispersão de
sujeitos por comportar diversas posições-sujeito que são atravessadas e que
correspondem a diferentes formações discursivas.
As formações discursivas são diferentes regiões que recortam o interdiscurso e que refletem as diferentes ideologias, o modo como as posições dos sujeitos, seus lugares sociais aí
32
Conforme (GUIMARÂES, 2002, p. 17): o político é a contradição que instala este conflito no centro do dizer. Ele se constitui pela contradição entre a normatividade das instituições sociais que organizam desigualmente o real e a afirmação de pertencimento dos não-incluídos. 33
Consideramos que a atividade de dizer é “tipologizante”, ou seja, todo falante quando diz algo, o faz estabelecendo uma “fisionomia” para seu discurso de tal forma que, ao analisar, podemos reconhecer essa fisionomia como um tipo, ou melhor, eu diria que essa fisionomia representa um funcionamento discursivo. Funcionamento porque não se trata de um modelo que o falante procura preencher – um tipo – mas de uma atividade estruturante de um discurso determinado,, por um falante determinado, para uma interlocutor determinado, com finalidades específicas. (ORLANDI, 2003, p. 61). 34
Devemos tomar aqui o conceito de discurso enquanto conceito teórico que corresponde a uma prática: efeito de sentidos entre locutores.
103
representados, constituem sentidos diferentes. (GUIMARÃES, 1995, p. 66)
Neste trajeto mobilizaremos o conceito de interdiscurso que reclama
intertextualidades, ou seja, a enunciação em um texto se relaciona com a
enunciação de outros textos efetivamente realizados,
(...)alterando-os, repetindo-os, omitindo-os, interpretando-os, que constitui um sentido não formal, mas sim, uma materialidade, uma historicidade.(...) Este espaço procura se apresentar a partir da consideração de que a significação é histórica, não no sentido temporal, historiográfico, mas no sentido de que a significação é determinada pelas condições sociais de sua existência. Sua materialidade é esta historicidade. A construção desta concepção de significação se faz para nós na medida em que consideremos que o sentido deve ser tratado como discursivo é definido a partir do acontecimento enunciativo. (GUIMARÃES, 1995, p. 66) (grifo nosso)
Durante a construção35 do material de análise observamos que as
fichas, mesmo que escolhidas em tempos diversos, ano, data e momento
históricos diferentes, não apresentam mudanças significativas em sua estrutura
composicional o que nos faz pensar que as fichas de ocorrências seguem uma
regularidade, desde sua primeira aparição na escola em 1981, como podemos
observar na ficha a seguir36:
35
A construção de um objeto deve ser aqui entendida como uma divisão do real pela linguagem que a ele está exposta e que assim o identifica simbolicamente (GUIMARÃES, 2002, p., 63) 36 Como já dissermos anteriormente no capítulo I, p. 48, as citações do conjunto das ocorrências existentes neste trabalho são sempre a transcrição literal dos registros, incluindo abreviações, letras maiúsculas e minúsculas, vírgulas, erros gramaticais, de ortografia e quaisquer outras marcas próprias do registro original. A intenção é mantê-lo o mais intacto possível. Para garantir o anonimato, utilizei nomes fictícios para as pessoas envolvidas, procurando
seguir a estrutura da narrativa: quando são mencionados nome e sobrenome, inventei um nome e um sobrenome.
104
Figura 6- Ficha de registro de ocorrências - 0137
.
37
ALUNO: João da Silva n. 01 OCORRÊNCIA: O aluno a cima citado juntamente com o aluno nº 88, 06, 124 tinham 02 (dois) dias a disposição da coetagri, fora isso foi lhes atribuído uma tarefa, por opção dos mesmos. O nº 88 e o 06 compriram (sic) metade da tarefa e concluíram a outra metade ficou por conta do nº 01 e 123 os quais não concluíram sua parte naquela manhã tudo ficou para tarde. Segundo o aluno 124, o A. em um certo momento parou de trabalhar e foi fazer um lanche onde ficou em torno de uma hora, enquanto isso, o 124 continuou trabalhando; por isso não puderam concluir sua parte naquela manhã. Na parte da tarde o n. 124 compareceu para concluir a tarefa e o nº 01 falto; por isso o aluno nº 1 não cumpriu sua tarefa. Assinatura do (a) Servidor (a):___________o servidor assina __________ e data do ocorrido
105
Figura 7 – Ficha de disciplinar –registro de ocorrência - 0238
38
Aluno: João da Silva de Ferreira ( FADA BELA) REGISTROS: Recebe advertência escrita por desrespeito familiar de alunos do telefone público; Recebe advertência escrita por estar dormindo no alojamento, o que não é permitido para aluno semi-residente; Recebe advertência escrita por atrapalhar e não participar da aula da professora Eleusa; Recebe advertência escrita por indisciplina em sala de aula;
106
Figura 8 - Ficha discplinar- Registro de ocorrência – 0339
Recebe advertência escrita por desrespeitar colegas com termos obscenos e atrapalhar constantemente o bom andamento das aulas; Resolução 004/97 – Pena de três (dias) dias de suspensão das atividades escolares;
39 ALUNO: João da Silva Plantão n. 31
REGISTROS: Seus familiares moram em IV Marcos – MT. Pai era dependente químico (Drogas), faleceu de Chagas. Mãe casou novamente. Não combina com o padrasto (só falam o necessário) ex-presidiário por três vezes. Reconhece sua rebeldia no passado, disse que hoje é uma nova criatura (Igreja Evangélica). È sobrinho do Pastor Isaias da Ig. Assembléia de Deus. ( ilegível). Não está tendo dificuldade nos estudos. Acompanha bem sua classe de estudos.
107
Figura 9 – Registro de ocorrência - 0440
40
ALUNOS: João de Aristóteles da Silva OCORRÊNCIA: O aluno chegou na sala e viu o aluno vulgo “margarida” sentado no terceiro degrau e disse em tom alto pra que descesse, pois, era baga, e aqueles lugares não era para bagas. O aluno G. G. M. disse que não ia descer porque nos degraus debaixo estava lotado, para que ficasse na dele. Após retirou a tomada da TV. Na seqüência, o aluno acima voltou com outros alunos respectivamente: M.M.; S.; F.; e A. causando um tumulto geral, citado na ocorrência do agredido. Assinatura do (a) Servidor (a):___________o servidor assina __________ Assinatura do comunicante: _____ G.___________________ Assinatura dos alunos:__E. S. _________________________ Obs: O aluno ficará sob condicional aos seus comportamento como interno.
108
Figura 10 - Relatório de Ocorrência – 0541
41
Convocamos para prestar esclarecimento nesta Coordenadoria Geral ao Atendimento ao Educando – CGAE, os alunos D. R.; do 3º ano A e ao aluno L. F.; do 1º ano – Técnica Agropecuária a respeito da “briga” envolvendo os mesmos no dia 16.10.2009, na área dos fundos, perto do Refeitório da IF-MT Campus Cáceres. Segundo declarações do primeiro, tudo começou porque o aluno do 1º ano B, aqui citado, colocou um cartaz no mural com caricaturas e provocações pejorativas que agrediam a moral dos alunos do 3º ano. Inclusive com palavras de baixo-escalão. O primeiro foi tirar satisfação e as coisas foram inflamando até chegarem as vias de fato, mas sem maiores agressões físicas. Tomadas as declarações do segundo, tudo começou porque já havia uma pequena e antiga rixa de um fato acontecido no refeitório, quando seu colega R.A.; do 1º B deixou cair seu copo de plástico, não pó pegou com vergonha uma vez que só os colegas sabiam que era dele e, devido as gozações habituais quando cai algo no chão. Assim os alunos do 3º ano, mais especificamente, o aluno D. F.; - “franguinha” foi ao local e pegou o copo fazendo insinuações e provocações. Após o aluno D. R.. – coxa-pato – levou o copo, já quebrado e entregou ao aluno J. T.; - vulgo nhonho do 1º ano. Com o advento do fato do mural, e sabendo que supostamente foram os alunos do 1ºB, o aluno D. R.; foi tirar satisfação agredindo verbalmente e fisicamente. Colocando mão no peito do segundo e empurrou com força. Após realizada as acareações dos fatos a CGAE convocou as parte para procurar um entendimento, visto se tratar de fatos irrelevantes característico de adolescentes. O aluno primeiro em tela assumiu que errou e pediu desculpas ao segundo que aceito. Apertaram as mãos e concordam a encerrar o caso, tornando-se amigos. Nada mais havendo a Coordenadoria Geral de Atendimento ao Educando comunicará aos pais dos fatos ocorridos e tomada as deliberações necessárias com lançamento nas Fichas Disciplinares e outras providências que se fazem necessárias. É o que cumpre relatar.
109
Figura 11 – Registro de Ocorrências - 0642
42
ALUNOS: “Lacraia “ João 2º Ano OCORRENCIA: Ele me enforcou e falou assim: que poderia acabar comigo ali mesmo. Eu estava assistindo o jogo assistindo o jogo na quadra e estava brincando com o A. eu levantei meu pé e pegou no Boné do coxa-pato e ele perguntou porque eu tinha feito isso eu fiquei quieto porque eu estava errado e depois ele falou: Se eu tinha “merda” na cabeça. Eu disse: não eu tenho celebro ele se enfureceu e fez o que esta a cima.
110
Figura 12 – Registro de Ocorrências - 0743
43
ALUNOS: Francisco Paulo Júnior “ Zumbizenra” OCORRÊNCIA: Compareceu nesta CGAE, o aluno M. S – Biskatinha – para reclamação de agressão do aluno (S.) zumbizeira – F. Do 1B quando na volta da Festinha dos Bolsistas agrediu com socos. O primeiro desviou, mas, após, acertou -me na boca que machucou bastante. Após os alunos denominados “cascalho e chidoku” ajudaram a separar. “O aluno, KU de platina vinham dizendo: “esse ai tem que apanhar mesmo”. OBS: Quando ocorreu a agressão o aluno M. esta vindo abraçado aluna R. Declarou ainda que o mesmo estava procurando um motivo para me pegar e a briga do campo foi o motivo p/ ele. Chamado para esclarecimento o aluno F. justificou que vinha sendo provocado a muito tempo e que lhe acusava de bandidão da escola e se mechesse c/ ele iria ver o que ia acontecer lá fora. Data: 17.11.2008 Assinatura do aluno: F.
111
Figura 13 - Registro de ocorrências - 0844
44
ALUNOS: _______________________”Franquinha” OCORRÊNCIA: O aluno adentrou ao refeitório de boné e não quis tirá-lo, apesar do monitor da porta ter solicitado para que o fizesse. Recebeu vaias dos colegas, mas permaneceu nessa atitude. Infringiu as normas contidas no Res. 06 do Reg. Disciplinar.
113
Com relação às fichas de ocorrência, observamos que elas apresentam
em sua materialidade composicional, cabeçalho, textos curtos, parágrafos bem
divididos, narrativas descritivas sem preocupação com a ortografia; o léxico é
acessível.
As fichas de ocorrências são organizadas/padronizadas da seguinte
forma: na parte superior apresenta a instituição, o lugar social do discurso,
apresenta os órgãos da administração direta o Ministério da Educação e do
Desporto, Secretária de Educação Média e Tecnológica – SEMTEC, Escola
Agrotécnica Federal de Cáceres – MT e Coordenação de Orientação
Educacional e logo abaixo a identificação do instrumento institucional Ficha
disciplinar – Registro de Ocorrência. Que produz um efeito de hierarquização e
poder.
Os excertos apresentam espaços próprios de identificação e têm por
finalidade dar informações sobre o aluno. Sua fotografia, seu nome próprio, seu
número, seu apelido, o curso em que está matriculado na instituição, o ano de
ingresso, sua condição na escola (interno, semi-interno ou externo), local onde
ocorreu o fato. Em uma sequência de linhas registram-se as ocorrências/os
fatos, do lado direito uma coluna há o lugar para registro da data do corrido.
Abaixo espaço para assinatura do responsável pela ocorrência (que são
servidores); assinatura dos comunicantes (informantes); assinatura dos alunos
envolvidos (o que fizeram a ação), e espaço para observações. (Ficha 01, 04,
05, 06, 07 e 08). Outra observação é que algumas fichas de ocorrências são
manuscritas, e outras datilografadas.
O assunto tratado nas fichas de ocorrências é uma descrição das
práticas dos alunos, tomando como tema as faltas cometidas “infrações”, seu
“mau comportamento”, sua “origem familiar”, e em um lugar privilegiado, a
designação “apelido” - frequentemente depreciativa - algumas fichas
OCORRÊNCIA: O aluno estava sentado com sua bandeja e perto da sugueira, não viu o coordenador que vinha atrás. Disse “ vou arrumar uma baga para pegar sua”. Após disse a ele que queria ver ele fazer isso que o período de “adaptação” q eu fosse mais humilde. O aluno em tom agressivo disse para eu não (ilegível) como ele que trabalha no setor hoje. Falei que uma coisa não tinha nada haver com outra. O mesmo resmunga algumas palavras em tom agressivo pegou sua badeja e foi para outra mesa, num desrespeito total.
114
apresentam diagnóstico do aluno, traçando sua personalidade, sua moral, suas
“doenças”, etc. Esses diagnósticos são atravessados pelos mais variados tipos
de discurso: médico, psiquiátrico, psicológico, pedagógico, religioso. Como
podemos ver na sequência:
Desvios psicológicos, dependência química. (ficha 03); -
discurso psiquiátrico/psicológico
Não esta tendo dificuldades nos estudos, acompanha bem
sua classe de estudos. (Ficha 03) - discurso pedagógico;
Reconhece sua rebeldia no passado, disse que hoje é uma
nova criatura” (ficha 03) - o discurso religioso
Pena de três (dias) dias de suspensão das atividades
escolares. (ficha 02) – discurso jurídico/norma
Recebe advertência (ficha 02) - discurso jurídico/norma
O aluno ficará sob condicional aos seus comportamentos com
Interno. (ficha 04) - discurso jurídico/norma
Infringiu as normas contidas na Res. 06 do Regimento
disciplinar. (ficha 08) - discurso jurídico/norma
Recebe advertência escrita por estar dormindo no alojamento,
o que não é permitido para aluno semi-residente. (Ficha 02) -
discurso jurídico/norma
Após realizada as acareações dos fatos a CGAE convocou
as partes para procurar um entendimento, visto se tratar de
fatos irrelevantes característico de adolescentes” (Ficha 05) -
discurso jurídico/norma; discurso psiquiátrico/psicológico
Chamado para esclarecimento o aluno Fábio Jr (Ficha 07) -
o discurso jurídico/ norma
Todo o assunto é permeado por um discurso de desqualificação, de
vigilância, de punição e normatização.
115
O uso da categoria textual por descrição nos remete a Foucault (1997),
Resumo dos Cursos do Collège de France – Teorias e instituições penais
(1971-1972), que ao investigar a formação de determinados tipos de saber, a
partir das matrizes jurídico–políticas, afirma:
Nenhum saber se forma sem sistema de comunicação e registro, de cumulação, de deslocamento, que é em si mesmo uma forma de poder e que está ligado, em sua existência e em seu funcionamento, às outras formas de poder. Nenhum poder, em compensação, se exerce sem a extração, a apropriação, a distribuição ou a retenção de um saber. Nesse nível, não há conhecimento de um lado, e a sociedade, do outro, ou a ciência e o Estado, mas as formas fundamentais do “poder-saber”. (FOUCAULT, 1997, p. 19)
Foucault chama medida a função da ordem, inquérito, a função de
centralização, o exame a função de seleção e de exclusão. No entendimento
do filósofo francês, antes de figurarem juntos “estiveram ligados à instalação de
um poder político, eram, ao mesmo tempo, o efeito e o instrumento” que
engendram e que lhe dava suporte na objetivação dos sujeitos,
individualizando-os, particularizando-os.
O recurso de linguagem utilizada, a descrição, é minuciosa, descreve os
fatos, os sujeitos envolvidos (Características físicas, psíquicas, moral, como
individualização. Tomamos aqui a designação/apelido como marca desta
individualização/particularização nesse espaço de enunciação); a localização
dos sujeitos no espaço, isto é, no internato, no refeitório, na quadra, no
corredor, na sala de aula. A vigilância é regulamentada pela norma “regimento
interno” como foi possível observar no Capitulo I, horários pré-estabelecidos,
lugares não-permitidos. Esses gestos apontam para um esquadrinhamento
dos sujeitos dentro do espaço escolar. Todos esses mecanismos pontuais
montam uma cartografia do sujeito que objetiva e subjetiva e marcam suas
posições de sujeitos que, segundo Foucault, produz algo totalmente diferente;
não há mais inquérito, mas vigilância, exame. “Não se trata de reconstituir um
acontecimento, mas de algo, ou antes, de alguém que se deve vigiar sem
interrupção e totalmente”.
116
Vigilância permanente sobre os indivíduos por alguém que exerce sobre eles um poder – mestre-escola, chefe de oficina, médico, psiquiatra, diretor de prisão – e que, enquanto exerce esse poder, tem a possibilidade tanto de vigiar quanto de constituir, sobre aqueles que vigiam, a respeito deles, um saber. (FOUCAULT, 2003, p. 88) grifo nosso
Tomando o posicionamento de Foucault (1997) “em que a vigilância tem
o poder tanto de vigiar quanto de constituir, sobre aqueles que vigiam, a
respeito dele, um saber”, passamos a compreender essas práticas discursivas
de registros, nesse espaço de enunciação, a escola, como rede de
interdiscursividades sobre os sujeitos em condição escolar.
Mediante os enunciados apresentados anteriormente que encontramos
nas fichas de ocorrências, fica evidente as diferentes posições de sujeito no
texto, uma dispersão marcada por formações ideológicas diferentes que, por
uma aliança, identificamos a Formação Discursiva, do discurso-jurídico, dentro
deste espaço enunciativo, ou seja,
(...) espaço onde funcionamento da língua que se dividem, redividem, se misturam, desfazem, transformam por uma disputa incessante. São espaços “habitados por falantes, ou seja, por sujeitos divididos por seus direitos ao dizer e ao modo de dizer. São espaços constituídos pela equivocidade própria do acontecimento: da deontologia que organiza e distribui papéis, e do conflito, indissociado desta deontologia, que redivide o sensível, os papeis sociais. O espaço de enunciação é um espaço político (...). (GUIMARÃES, 2002, p., 18-9) (Grifo nosso)
O enunciador, o que relata os fatos, o relator/comunicante46 (servidores
da instituição), ocupam a posição de sujeito administrativo que só informa o
fato sem que houvesse aí nenhuma memória, embora o acontecimento em que
se dá, tenha uma temporalidade, ou seja, “ele não está num presente de um
antes e de um depois no tempo. O acontecimento instala sua própria ordem”
(GUIMARÃES, 2002, p.,11 ).
O ato de registrar as ocorrências neste espaço de enunciação pode ser
considerado como um acontecimento político que se faz pelo funcionamento da
46
Especificação utilizada nas fichas ocorrência para quem escreve ou assiste o ocorrido.
117
língua na relação entre língua e falantes regulada por uma deontologia global
do dizer em certa língua. Podemos afirmar que o ato de registrar faz parte de
um pré-construído,” o sempre-ai por efeito da interpelação ideológica”
(Pêcheux, 1975), que determina como se deve registrar uma ocorrência, suas
características estruturais e que posição deve tomar o enunciador.
Nessa cena enunciativa, é possível reconhecer o enunciador como
enunciador-universal que está no lugar do dizer de enunciações para as quais
a posição de sujeito no interdiscurso é o do discurso jurídico, posição de
sujeito-administrativo no lugar de fala a partir da posição do discurso-jurídico.
Tais práticas de registro de ocorrência, de institucionalizar a
designação/apelido nos fazem pensar a escola como um espaço simbólico
significante tal como proposto por (ORLANDI apud ZOOPI-FONTANA, 2003, p.
246), tomando o exemplo da cidade como lugar que significa, com escansões
do espaço urbano é interpretado como sendo “ a cidade” ou “o lugar de X na
cidade”, é porque a representação desses espaços fazem sentido para o
sujeito, elas ressoam em um concerto de significações e significantes
presentes como memória discursiva.
ZOPPI-FONTANA (2003, p. 246), em seu estudo do sobre Identidades
(IN)Formais: contradição, processo de designação e subjetivação na diferença,
trabalha esses espaços de circulação das designações atribuídas aos camelôs,
como uma correia de subjetivações das designações nos espaços enunciativos
que se referem aos camelôs e “define como espaço onde os sujeitos se
reconhecem, e se movimentam nas diversas posições de sujeitos que
configuram a memória discursiva”. E diz:
Assim, o espaço urbano trabalhado, discursivamente pela
produção sócio-histórica de enunciados inscritos em diferentes
regiões de memória discursiva funciona para nós, analistas,
como metáfora e sintoma de confronto entre posições de
sujeito diferentes, a partir das quais se produzem os processos
de identificação que constituem o(s) sujeito (s) das praticas
sociais na cidade. (ZOPPI- FONTANA, 2003, p. 247)
118
Nesta mesma linha de reflexão podemos analisar o espaço escolar,
lugar em que essa discursividade entra em tensão, inscrevendo sujeitos,
constituindo identificações, produzindo sentidos de lugar do aluno-interno na
escola – sujeitos particularizados, vigiados, facilmente identificados e
determinados.
4.2 O FUNCIONAMENTO SEMÂNTICO-ENUNCIATIVO DAS FICHAS DE OCORRÊNCIA
A nomeação do instrumento ficha de registro de ocorrência no decorrer
do tempo sofre alterações em sua estrutura lingüística, uma modificação no
sintagma nominal como podemos observar no conjunto de textos selecionados.
Ficha de registro de ocorrência
Ficha disciplinar- registro de ocorrência
Registro de ocorrência
Relatório de ocorrência
A esse respeito observamos que no primeiro momento o sintagma
nominal é duplamente preposicionado (de), que tem por efeito de sentido de
determinação do uso do instrumento, sendo esse somente para o recurso de
registro de ocorrências.
Em ficha disciplinar – registro de ocorrência, ocorre a supressão de uma
das preposições (de), sendo substituído pelo traço (-) marca do discurso
direto, que nos faz interpretar o enunciado como o lugar de dizer de
enunciador-universal que diz e reafirma que a ficha é lugar de registro de
ocorrência.
119
No enunciado Ficha de ocorrência para ficha disciplinar- registro de
ocorrência, temos uma paráfrase, isso é, existe um efeito metafórico por
substituição, um “deslizamento de sentido” entre x e y por oposição ao código:
Ficha de registro de ocorrência sendo parafraseado por ficha disciplinar –
registro de ocorrência. Com efeito, podemos observar que algo do mesmo esta
instalado, algo está nesse diferente, pelo processo de produção de sentidos,
necessariamente sujeito ao deslize, há sempre um possível “outro”, mas que
constitui do mesmo de Ficha de registro de ocorrência para ficha disciplinar –
de ocorrência que faz parte do sentido de ficha de registro de ocorrência
também.
Na nomeação Registro de ocorrência para Relatório de Ocorrência,
ocorre o mesmo funcionamento, o parafrástico.
Guimarães (2002) assevera que esse processo é próprio da
textualidade, que no seu deslocamento ocorre a reescrituração, na
temporalidade do acontecimento enunciativo, apontando para uma duração
temporal daquilo que ocorre.
Na nomeação Ficha de registro de ocorrência ocorre uma reescrituração
por substituição nos enunciados dos textos. Ficha de registro de ocorrência
reescriturado por substituição Ficha disciplinar- registro de ocorrência que é
reescriturado por substituição por Registro de ocorrência que também é
reescriturado por substituição por Relatório de ocorrência.
Esta forma de conceber o deslize, o efeito metafórico como constitutivo do funcionamento discursivo, liga-se ao modo de se conceber a ideologia. Em termos de interpretação, isso nos aponta para o “discurso duplo e uno”. (ORLANDI, 2004, p. 81)
Segundo Guimarães (2007, p. 78 ) a relação de uma expressão com as
coisas não é a de classificação de objetos. É relação de sentido entre palavras.
É nesta medida que consideraremos o que ele formulou como Domínio
Semântico de determinação (DSD).
120
Esses enunciados recortam um memorável, o passado do
acontecimento, ou seja, o acontecimento temporaliza, configura um presente
que abre em si uma latência de futuro (futuridade). Segundo Guimarães (2002,
p. 12 ) este presente e futuro próprio do acontecimento funcionam por um
passado que os faz significar, ou seja, esta latência de futuro, que, no
acontecimento, projeta sentido, significa porque o acontecimento recorta um
passado como memorável. “Elas não estão em nenhum texto como princípio
sem qualquer passado”.
Neste sentido, amparados em Guimarães (2002), diríamos que a
significação dos enunciados na ficha de ocorrência é um índice, é uma
instrução de como, e o que registrar nessas fichas. Nessa medida, o passado
no acontecimento é uma rememorização de enunciações por ele recortada.
Então podemos fazer o seguinte gráfico de DSD:
Registro ------I Ficha I-------- relatório
Que é Determinado por ---------I ocorrência
Lê-se: ficha determina registro e relatório que é determinado por ocorrência.
A determinação é a relação fundamental para o sentido das expressões
lingüísticas. O fato, por exemplo, de suas expressões serem formuladas como
sinônimas como aconteceu em: ficha de ocorrência ----I registro de ocorrência
-----I relatório de ocorrência - é parte da determinação do sentido das
palavras envolvidas nesse processo.
Diante da análise com base no gráfico de DSD, afirmamos que
ocorrência determina ficha, registro, relatório como o lugar de dizer da
descrição.
Guimarães (2007) ao considerar que as palavras têm uma história de
enunciações e que não estão em nenhum texto como um princípio sem
qualquer passado, ou seja, um já-dito, consideramos os estudos de Foucault
(1987) sobre o exame que utiliza uma rede de anotações escritas que
121
compromete os sujeitos em toda uma qualidade de documentos que os captam
e os fixam.
Os procedimentos de exame são acompanhados imediatamente de um sistema de registro intenso e de acumulação documentária. Um “poder de escrita” é constituído como uma peça essencial nas engrenagens da disciplina. Em muitos pontos, modela-se pelos métodos tradicionais da documentação administrativa. Mas com técnicas particulares, mas inovações importantes. Umas se referem aos métodos de identificação, de assimilação, ou descrição. (FOUCAULT, 1997, p., 181)
Nesse processo podemos ver como se constitui toda trama que, por um
fio discursivo, desenha e absorve os sujeitos na norma, e os subjetivam neste
espaço de enunciação em que a linguagem funciona no real histórico.
4.3. Funcionamento semântico-enunciativo do nome próprio e o do
apelido
A nomeação é o funcionamento semântico pelo qual algo recebe um
nome o que nos remete a pensar que nomear é dar nome as coisas existentes
no mundo. Mas, é importante dizer que para os estudos enunciativos a
nomeação não é apenas uma prática empírica onde se classifica objetos, sim
um processo em que o sujeito está inscrito em um dizer, sujeito no dizer, que o
ressignifica colocando em questão a relação nome/coisa na medida em que
passa ser também nome/pessoa, nome/falante, nome/sujeito inscrevendo-os
em uma memória discursiva. É preciso considerar também que nome próprio
significa quanto ao seu processo enunciativo de designação47, ou seja, o ato de
enunciar não está inscrito nem no sujeito e nem na língua, mas sim em um
processo constitutivo, afetado pelas condições de produção e por uma
memória discursiva, e um memorável.
Guimarães (2002) afirma que o nome se constitui por uma relação
semântica de determinação, ou seja, o sobrenome determina o nome dentro da
47
A designação de um nome é sua significação enquanto uma relação deste nome com outros e com o mundo recortado historicamente pelo nome. A designação não é algo abstrato, mas lingüístico e histórico, ou seja, é uma relação lingüística (simbólica) remetida ao real, exposta ao real.
122
sociedade. Para tal aponta as marcas linguísticas como a justaposição, a
preposição e conjunção.
Como exemplo, mostramos:
Getulio Dornelles Vargas (justaposição)
Joaquim Mattoso Câmara Junior (justaposição)
Mattoso Câmara (justaposição)
Antonio Candido de Souza e Melo (preposição)
Antonio Candido de Souza e Melo que por uma articulação da conjunção
e liga o Melo e o Souza.
Segundo o autor, estes processos determinam o nome próprio.
Guimarães (2002) divide a nomeação em classes: nome, sobrenome, e o
nome de terceira classe.
Guimarães (2002) ao dividir a nomeação em classes diz que o nome é
constituído pelo primeiro nome e alguns casos do uso corrente do segundo
nome, o sobrenome, como é o caso do exemplar de Getúlio Dornelles Vargas
conhecido com Getulio ou Vargas, João Belchior Marques Goulart, conhecido
como João ou Marques, Goulart. A este fato Guimarães afirma que o
sobrenome determina o nome. Por exemplo: Marques e Goulart determinam
João Belchior. Para ele esta relação é interna e se dá por meio de um
procedimento de oposição de um nome ou sobrenome ao outro. A
determinação diz: que este João Belchior é um Marques Goulart. É da família
Marques Goulart. Ou seja, “o funcionamento do nome próprio de pessoa é
construído por uma determinação” (Guimarães, 2002, p. 34).
Guimarães (2002) observa ainda o funcionamento de nomes de terceira
classe que são os nomes seguidos de (Júnior, Filho) que segundo ele tem um
funcionamento determinativo que se caracteriza por estabelecer uma distinção
entre os nomes iguais. Joaquim Mattosso Câmara Júnior é o Joaquim dos
Mattoso Câmara que é filho de um outro Joaquim Mattoso Câmara.
Tal estudo nos leva a considerar que o nome próprio de pessoa é, na
nossa sociedade, uma construção em que a relação semântica de
123
determinação constitui um nome longe das posições referencialistas e
cognitivistas.
Ao tomar os estudos de Guimarães (2002) passamos a refletir a relação
do nome próprio com o Estado. E perguntamos. Em que medida o nome
próprio é constituído pelo Estado? O que o Estado constitui ao determinar o
uso do nome próprio?
Ao tomarmos essa questão buscamos compreender o que é nome
próprio no código civil, doravante, CC. O nome próprio esta citado no Código
Civil no capitulo II - Dos direitos da personalidade e diz: Toda pessoa tem
direito ao nome, nele compreendido o prenome e o sobrenome. (CC art. 16, p.
131)
Como podemos observar o CC classifica o nome em duas
modalidades a do prenome que são o primeiro e o segundo nome como em
(Ana Julia, Maria Clara, Andréia Cristina) e os sobrenome nomes de
determinação patronímico, ou seja, nome da família. Ana Julia da Silva sendo
Ana Júlia da família da Silva.
Guimarães (2002, p. 35) estuda o sobrenome preposicionado (da) como
um caso de ligação entre nome e o sobrenome feita por uma preposição e um
determinante (artigo) assim como uma ligação entre os sobrenomes, da
mesma forma.
Camilo (2009) diz que o direito ao nome, ai incluídos o prenome e o
patronímico, faz parte do direito à identidade pessoal, familiar e social.
O direito a identidade pessoal, familiar e social constitui o direito que tem a pessoa de ser conhecida de maneira individual, considerada isoladamente, concernente à família e ao grupo social a que pertence. É, pois, o sinal e traço característico da pessoa, cuja essência se justifica para o nascedouro e exercício de todos os demais direitos pessoais. (CAMILO, 2009, p. 131) (grifo nosso)
O Estado constitui o nome próprio como marca de registro individual
dentro da sociedade, na medida em que identifica e individualiza o sujeito,
buscando compreendê-lo em sua complexidade individual, ou seja, de quem é
filho, a qual família esse indivíduo pertence, em que condições ocorreu o
124
nascimento, que grupo social faz parte, e em que língua o sujeito é registrado,
tomamos esta característica no momento em que escreve a nacionalidade.
Sobre a segunda questão podemos considerar que o Estado constitui,
ao determinar o sujeito como filho de, da família tal, do lugar social x, lugar da
língua x e inscrevendo no lugar do sujeito do dizer, que o pai deve registrar o
filho e dar o nome patronímico à ele. E implicitamente o CC diz que só a partir
de então é um sujeito de direito, resguardado civilmente pelo Estado.
Observamos que nas fichas de ocorrência, o Estado funciona, pois não é
refutado o nome civil do aluno fazendo funcionar o discurso do Estado sobre o
sujeito, que instala a necessidade de montar toda uma discursividade sobre o
mesmo na ficha de ocorrência.
Ainda no CC art. 19 há considerações sobre o pseudônimo para
atividades lícitas.
Segundo Camilo (2009), o pseudônimo goza da mesma proteção do
nome.
O pseudônimo, de origem grega que significa “nome falso”. Constitui o nome fictício, voluntariamente escolhido pela pessoa para fins lícitos, quais sejam, artístico, literários, políticos, desportivos, entre outros, que não corresponde ao seu nome civil. (CAMILO, 2009, p. 134)
Anteriormente a esse artigo encontramos o seguinte:
O pronome é, em princípio, definitivo, admitindo-se, exclusivamente, a sua substituição por apelidos públicos notórios, ou em razão de fundada coação ou ameaça decorrente da colaboração com a apuração de crime, por determinação em sentença, uma vez ouvido o Ministério Público. A jurisprudência dominante também vem consagrando o direito de substituição do prenome suscetível de expor ao ridículo o seu portador. (CAMILO, 2009, p. 132)
E também que
125
Não se confunde com a alcunha, ou seja, apelido usualmente dado por um parente próximo ou um terceiro qualquer, que revela um aspecto característico de uma pessoa. (CAMILO, 2009, p. 134)
Nesses dois excertos, podemos observar uma diferenciação da prática
de apelidar e da prática de alcunha. O primeiro é regido por uma legalidade, o
que é autorizado em determinada enunciação específica, apelidar, desde que o
sujeito esteja inscrito em um lugar social específico como é o caso dos artistas,
literatos, políticos, desportistas. Tais práticas nos remetem ao já enunciado
anteriormente por nós, no capitulo IV, p. 93, quando refletirmos sobre o uso dos
apelidos, citamos o caso do Tiririca (Franscisco Everaldo Oliveira Silva), cantor,
humorista, compositor e agora político brasileiro que frequentemente tem seu
“nome” estampado em colunas sociais; Pelé (Edson Arantes do Nascimento)
jogador, negro, renomeado e consagrado da década de 60 – 70 por sua
atuação no time do Brasil; Xuxa (Maria da Graça Meneghel) apresentadora
infantil, loira, gaúcha. Como as designações por apelidos que tem
funcionamento de nome próprio. Ou seja, os mesmos são identificados pelo
apelido e não pelo seu nome civil.
Assim, o apelido se apresenta como um movimento pendular que
inscreve o sujeito em outro lugar - o da proximidade das relações sociais e
pessoais. Característica marcante da sociedade disciplinar que tomam as
marcas do corpo e da sexualidade para individualizar e subjetivar os sujeitos.
Diante disso, observamos que o Estado inscreve o sujeito em um
espaço enunciativo específico, onde funciona a língua oficial do Estado, a
Língua Nacional. Como é possível constatar no fragmento: "A jurisprudência
dominante também vem consagrando o direito de substituição do prenome suscetível
de expor ao ridículo o seu portador”. A isso parafraseamos: nomear é registrar
um nome inteligivelemente. Para tal, o falante deve estar inscrito na língua, no
nosso caso a Língua Nacional.
Os falantes não são os indivíduos, as pessoas que falam esta ou aquela língua. Os falantes são estas pessoas enquanto
126
determinadas pelas línguas que falam. Neste sentido falantes não são as pessoas na atividade físico-fisiológica, ou psíquica, de falar. São sujeitos da língua enquanto constituídos por este espaço de línguas e falantes que chamo espaço de enunciação. (GUIMARÃES, 2003, p. 22) grifo nosso.
E pensando nesses sujeitos inscritos como falantes na língua e na
linguagem que tomamos as designações por apelidos como um processo
enunciativo nas fichas de ocorrência.
Os apelidos encontrados nas fichas de ocorrência têm um lugar
privilegiado, posterior ao nome próprio, que produz efeito de nome, nesse
espaço enunciativo.
Consideramos esta afirmação diante da distinção que Guimarães (2002)
faz entre referência, nomeação e designação. Referência como um
procedimento linguístico pelo qual se particulariza algo na enunciação. A
nomeação é o funcionamento semântico pelo qual algo recebe o nome, e
designação é o que ele considera como a significação de um nome enquanto
sua relação com outros nomes e com o mundo recortado historicamente. A
designação não é algo abstrato, mas lingüístico e histórico. Ou seja, é uma
relação lingüística (simbólica) “remetida ao real, exposta ao real”. Tal como
Rancière (1992), e Guimarães (2002) afirma que “os nomes identificam
objetos”.
Assim, tomamos as designações por apelidos como um processo
enunciativo recortado por um memorável, uma rememorização de dizeres em
que, no princípio, como podemos ver no, Capítulo I, que os alunos das Escolas
de Aprendizes de Artífices eram identificados por suas condições sociais, ou
seja, órfãos, desvalidos da sorte, internos, e posteriormente por números e
apelidos. Como podemos observar abaixo:
Nome do Aluno: João da Silva nº 01 (ficha ocorrência
01)
Nome do Aluno: João da Silva de Ferreira (Fada Bela)
(ficha de ocorrência 02)
127
Nome do Aluno: João Aristóteles da Silva Vulgo
“margarida” (ficha de ocorrência 04)
Nome do Aluno: João Carlos “coxa-pato” (ficha de
ocorrência 05)
Nome do Aluno: “Lacraia” Francisco. (Ficha de
ocorrência 06)
Nome do Aluno: Eduardo Júnior “Zumbizeira” (Ficha de
ocorrência 07)
Nome do Aluno: ....................... “franquinha” (Ficha de
ocorrência 08)
Nome do Aluno: Pedro da Silva Popular: Sinistro (
Ficha de ocorrência 09)
Nome do Aluno: João da Silva Belo. : ET (notificação)
Diante disso, podemos constatar que a relação não está em um
processo puramente linguístico, entre palavras e pessoa que ele referiu, nem
significa o conjunto das pessoas. O que estas designações por apelidos
produzem nesse acontecimento discursivo e de sua temporalidade, é que para
ser aluno da rede federal de ensino, deve receber um apelido para que o
mesmo possa ser considerado sujeito neste espaço enunciativo. Ou seja, um
nome, ao designar, funciona como elemento das relações sociais que ajuda a
construir e das quais passa a faze parte.
Partindo do proposto por Guimarães (2002, p. 7), o espaço enunciativo é
determinado por sua temporalidade (presente, passado e futuro) que dão
sentidos as designações. Porém é importante citar que, nessa perspectiva,
devemos tratar a enunciação como um funcionamento da língua sem remeter a
uma centralidade do sujeito. “A construção da designação opera
enunciativamente no processo de identificação social do individuo”.
Nesse sentido, podemos considerar a relação entre nomear e designar
como um agenciamento enunciativo específico que é afetado pela memória do
128
dizer, pelo interdiscurso. “O agenciamento específico da nomeação é elemento
constitutivo da designação de um nome”.
O agenciamento do apelido abre um conflito entre nome (Estado) e
apelido no espaço enunciativo que garantem que um mesmo objeto simbólico
passe por diferentes processos de reescrituração.
Ou seja, João da Silva é diferente do nº 01 (ficha ocorrência 01), João
da Silva de Ferreira é diferente (Fada Bela) (ficha de ocorrência 02); João de
Aristóteles da Silva é diferente de Vulgo “margarida” (ficha de ocorrência 04),
João Carlos é diferente de “coxa-pato”; Francisco Paulo Júnior é diferente de
“Zumbizeira” ; Elias é diferente de ET.
De acordo com Guimarães (2002), há dois momentos distintos: em um
opera-se a individualização pelo Estado e em outro, opera-se a relação social
próxima. Assim, podemos observar porque alguém cujo nome é João Carlos
passa a ser “coxa-pato”; Francisco Paulo Júnior passa ser “Zumbizeira”;
Elias passa a ser ET, João de Aristóteles da Silva passa ser “margarida”,
João da Silva passa ser Fada Bela como outros nesse espaço enunciativo.
No primeiro caso, temos uma enunciação que inclui a nomeação inicial
(feita do lugar da paternidade), por um enunciador-individual, uma posição do
Estado. No segundo momento, temos um processo diferente de uma
enunciação que toma outra enunciação, a do lugar do pai, que é apagado pelo
lugar de dizeres sociais de que o sujeito deve ser reconhecido em um grupo
social por suas características individuais. Ocorre a desmontagem da
determinação do nome, sobre a designação.
O que observamos aqui é que são outros lugares de enunciações que
renomeiam o que se nomeou pelo pai. Este jogo de enunciar a partir de outras
enunciações refaz a temporalidade do primeiro acontecimento, o de nomear
alguém, exatamente por tomá-lo diretamente como o rememorado que o
presente do segundo acontecimento modifica.
129
O processo enunciativo da nomeação pode, então, envolver
lugares de dizeres diferentes, o que diz respeito ao fato de que
uma enunciação que nomeia pode estar citando enunciações
diversas. (GUMARÃES, 2001, p. 37)
No caso da prática de apelidar nas instituições federais de ensino é uma
pratica recortada por um memorável, ou seja, para ser aluno dessas
instituições, o indivíduo deve ter um apelido e por ele ser reconhecido. E isto se
dá por um acontecimento que recorta outra memorialidade de designações a
de contemporaneidade, das celebridades, da sexualidade, de personagens e
da personalidade (psíquico) É interessante observar aqui que a articulação da
temporalidade do acontecimento é um memorável contemporâneo de que
demonstra a posição dos sujeitos no interdiscurso.
Outro fato importante a considerar é o uso frequente das aspas nas
designações por apelidos como em: João de Aristóteles da Silva “margarida”.
Segundo Authier-Revuz (1995, p. 143) as aspas “estão para formas marcadas
que exigem um trabalho interpretativo, ou seja, uma marca que deve ser
interpretada com referência a outro discurso”. Diante disso entendemos que o
uso da aspas é a marca da interdiscursividade, entre o discurso do Estado e
do discurso disciplinar em que os sujeitos devem ser (re)conhecidos por seus
apelidos, e identificados.
Mas mais uma vez podemos ver aí, funcionando o papel do nome no processo de identificação social. Ou seja, como a unidade que ser busca para o nome é efeito da identificação: você é você e não é nenhum outro. Assim é possível referi-lo, interpelá-lo, responsabilizá-lo, etc. “ sem possibilidade de erro, de equívoco”. È possível tomá-lo em cenas enunciativas específicas, segundo a distribuição dos papéis de locutor-x e alocutário (correlato deste) (GIMARÃES, 2002, p. 40).
Acreditamos também que algumas marcas como: dois pontos,
travessão, parênteses, presentes nas fichas de ocorrência, também frequentes
nas designações por apelido como em: João da Silva (Fada Bela); Elias :ET;
Pedro Popular: Sinistro, podem agrupar-se ao quadro desenhado por
Authier-Revuz (1995) como lugar de interpretação de um discurso.
130
Nesse sentido, podemos tomar a designação por apelido encontrada nas
fichas de ocorrências funcionando como nome, neste espaço de enunciação,
que funciona a temporalidade do acontecimento entre o presente e a memória
nos acontecimentos de designação, ou seja, o ato de designar os alunos por
apelidos se sustenta na necessidade de classificar, de individualizar sujeitos
dentro desse espaço enunciativo.
Ao institucionalizar o apelido em fichas individuais – registro de
ocorrência, a escola assume a posição do Estado, atitude prevista já que ela é
um aparelho do Estado, marcada ideologicamente por posturas liberais,
ditatoriais.
Com isso, podemos afirmar que o ato de designar é histórico no sentido
de que a enunciação é determinada pelas condições de produção. O ato de
designar por apelido nomeia os alunos para constituir sujeitos internos, semi-
internos, agricolinos.
O ato de designar alunos com denominação única já pré-existe na
memória discursiva, são práticas recorrentes em nossa sociedade, como é o
caso de identificação de sujeitos enclausurados e na identificação de sujeitos
infratores, que produz efeitos de um já-dito de outro lugar, pois na sociedade
disciplinar o panoptismo é ferramenta fundamental para produzir sujeitos
dóceis.
As designações, de modo geral, significam pelas características físicas;
pelos gestos. Essas determinações, além de atribuírem algo ao objeto
designado, incorporam-se aos nomes próprios e funcionam como
identificação social dentro de um grupo, e resultam da interdiscursividade de
professores, coordenadores, técnicos administrativos como uma prática
natural, aceita por todos os que se inscrevem no discurso disciplinar.
A linguagem aqui se constitui como construtora desses sujeitos, no que
diz respeito a essas designações, não é uma questão meramente de
individualizar, classificar sujeitos, mas sim de produzir sujeito para a existência
história da produção.
131
Observa-se que o processo de designar ocorre e é determinada pela
particularidade, pelos dizeres que circulam na época, na mídia, sobre a
orientação sexual e até mesmo sobre a linguagem usada nos jargões
penitenciários, a cada inserção de novos alunos. Dessas particularidades, os
apelidos se estabilizam e se mantém ligada ao nome próprio, ao sujeito, com
as quais os alunos serão interpelados ou identificados ou subjetivados.
Individualização do homem em uma sociedade e uma identificação para o
Estado.
4.4. FUNCIONAMENTO SEMÂNTICO-ENUNCIATIVO DA DESIGNAÇÃO INTERNO
O enunciado Interno toma um lugar privilegiado em nossa pesquisa,
pois o tomamos para análise devido o uso corrente do mesmo no cotidiano da
Escola Agrotécnica de Cáceres- MT ao referir os alunos que residem na
mesma, como tal. Reconhecemos o enunciado Interno também como uma
designação dada aos alunos naquele espaço enunciativo específico.
Assim, tomamos o funcionamento semântico do enunciado partindo da
concepção de que a linguagem fala de algo, que é incontornavelmente
constituído na linguagem, no acontecimento do dizer, ou seja, na enunciação.
Nesta análise, entendemos o enunciado como definidor – enunciado
definidor – com o objetivo de identificar as formações discursivas construídas
discursivamente, e assim traçar possibilidades de interpretação do enunciado e
compreender os efeitos de sentidos que o mesmo estabelece no âmbito
escolar.
De início, buscamos a definição de Interno no dicionário de FERREIRA
(2008, p. 486)
Interno (lat internu)1. Que está dentro. 2. Diz-se do aluno que
reside no colégio . 3. Diz-se de aluno que mora no colégio onde
esta. 3. Aluno interno. 4. Estudante de medicina que auxiliam
num hospital, o corpo médico.
132
Juntamente com esse enunciado definidor, vimos outras estratificações como
Internato e Internar.
Internato: (sm) Instituição de ensino ou assistência onde os
alunos ou socorridos residem; pensionato. (FERREIRA, 2008,
p., 486)
Internar: (v.t.d). 1. Colocar dentro; introduzir. 2. Pôr em
internato. 3. Requisitar a permanência diurna e noturna, de
(paciente) em hospital. Clínica, para tratamento intensivo ou
não. 4. Confiar (idoso, deficiente, etc) aos cuidados e à
assistência de instituição especializada. 5. Bras. Tomar menor
de idade interno em instituição governamental. 7. Meter-se;
entranhar-se. 8. Recolher-se em hospital, em asilo, etc.
(FERREIRA, 2008, p., 486)
Podemos observar que existe uma definição “estabilizada” de Interno
no dicionário, uma sinonímia, interno, internato, internar, como o indivíduo que
recebe assistência, recolhimento, cuidado, nas posições de alunos ou doentes.
Discurso que ao ser estabilizado apresenta status quo dos sujeitos nessas
condições - um lugar de dizer que circula de certos modos de dizer na
sociedade e que produz sentido. Mas o que interno designa?
No nosso caso podemos observar diante da frase encontrada na ficha
04:
O aluno ficará sob condicional ao seu comportamento como interno.
(ficha 04).
Podemos observar que ocorre uma reescritura por especificação, que
pela substituição de Aluno toma de empréstimo outro termo, Interno.
O funcionamento da reescrituração se dá pelo pronome possessivo
seu, que determina, no funcionamento da frase, que o aluno é interno e que
deve ter um x comportamento que acaba por determinar a primeira designação
historicamente marcada que o sujeito que estuda na escola é aluno pela
designação interno.
Aluno -------I interno
133
É possível observar também que o pronome possessivo seu é um
lugar de enunciação do discurso disciplinar, em que é determinado pelo
processo da interdiscursividade, ou seja, o pronome mobiliza o efeito de
sentido de que há uma discursividade disciplinar na escola de como o aluno
interno deve se comportar, que o mesmo deve seguir a norma regulamentar,
na qual se diz o que é admitido, e o que não é admitido a um aluno interno,
como pudemos ver no regimento interno disciplinar da escola, analisado por
nós no capitulo II.
Na perspectiva da AD, as marcas que atestam a relação entre o sujeito
e a linguagem, no texto, não são detectáveis mecânica e empiricamente. Os
mecanismos enunciativos não são unívocos nem auto-evidentes. “São
construções discursivas com seus efeitos, de caráter ideológico” (ORLANDI E
GUIMARÃES, 1988, p. 17-35).
Assim, podemos dizer que a expressão interno se dá em um
acontecimento enunciativo, mesmo hoje, como presença interdiscursiva de
uma posição ideológica, em correspondência entre a expressão e algo
acontecido no mundo.
A expressão interno é por muitas vezes empregada como a condição
do sujeito que está dentro de ensino ou assistência onde os alunos ou
socorridos residem; pensionato, menor de idade interno em instituição
governamental (centro de reabilitação); recolher-se em hospital, em asilo
como podemos constatar na definição lexicográfica que encontramos no
dicionário. E também nas práticas discursivas correntes da escola e da
historiografia mundial48 sobre o enclausuramento, hospitais, e internatos.
Práticas discursivas que estabelecem uma relação de sentido atravessada por
discursos como o lexicográfico, o disciplinar, e o pedagógico como podemos
ver em nosso recorte.
O discurso lexicográfico esta permeando o sentido pela palavra sob
condicional, ou seja, estar em condicional é estar em uma dada condição de
48
Utilizamos o termo mundial, tomando como referência Guimarães (1989, p. 74) que ao estabelecer uma relação entre Discurso e mundo diz que o mundo “adquire” sentido ao ser discursivizado. Quer dizer que para ela ter sentido passa a ser enunciado (nos dois sentidos), ou melhor, enunciados, e, portanto ele está no discurso segundo certas posições de sujeito que os indivíduos podem ocupar.
134
sujeito, sujeito que deve ser assistido em um determinado espaço o que nos
remete a um sujeito interno.
Segundo Nunes (2003) estas definições são atravessadas pela
formação discursiva, pela interdiscursividade, que funciona no momento que o
lexicográfico as define. E elas funcionam em um lugar de dizer de circulação
em nossa sociedade. O discurso disciplinar funciona sob a palavra
comportamento que implicitamente aponta que existe uma norma a ser
seguida. E o pedagógico que inscreve esse sujeito no discurso de uma
posição pré-construída de que está na escola é ser aluno.
É importante destacar que a reescritura de aluno para interno
estabelece uma “polissemia garantindo que o mesmo objeto simbólico passe
por diferentes processos de re-significação, isto é, movimento que afeta o
sujeito e os sentidos na sua relação com a história e a língua”. (ORLANDI,
2002, p.37 )
Concordamos com Guimarães (1995), que a designação interno ao
ser discursivizada, institui no léxico brasileiro, instala um lugar de estabilidade
referencial, um sentido pelo apagamento de outros. “A política do sentido está,
assim, na língua, a partir da constituição de sentidos de enunciação”.
É sabido por nós que para uma enunciação funcionar é necessário que
ocorra um “cruzamento” entre discursos que se dão segundo Guimarães (1995)
não em uma relação direta entre fala e objeto (formalistas e intencionistas),
nem na posição de Ducrot entre (F = fala) e o objeto.
F1
F2
F3
Para Guimarães (1995) esta relação se dá entre um confronto de discursos,
atravessando o objeto:
135
D1
D2
D3
“Ou seja, um objeto é produzido pela exterioridade, pela linguagem, mas não
se reduz ao que se fala dele, pois é objetivado pelo confronto de discursos”
(GUIMARÃES, 1995, p. 74), ou seja, o objeto é constituído por uma relação de
discursos. A sua materialidade é este confronto. “Enunciar é, em parte pelo
menos, determinado socialmente”.
Retomando o enunciado, O aluno ficará sob condicional ao seu
comportamento como interno, caracterizamos, nessa cena enunciativa, que o
Locutor aí, enquanto lugar social, é o locutor-administrativo que fala do lugar do
enunciador-universal, ou seja, essa enunciação é um dizer que se apresenta
como válido, para cada um e para todas as situações, para os alunos internos.
O enunciador-universal ao enunciar interno mesmo mantendo a
distância em relação ao processo de designação, mobiliza uma enunciação
que significa porque nela está a posição do sujeito no interdiscurso, o discurso
jurídico-liberal.
Tal como Orlandi (2002), defendemos que falar e se fazer sujeito é estar
numa região do interdiscurso, de uma memória de sentidos. Assim, ser sujeito
é estar afetado por este esquecimento que significa nessa posição. Desse
modo, a representação do Locutor se constitui neste esquecimento e é isto que
divide o Locutor e apaga o locutor-x.
136
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Compreender o sentido na perspectiva que assumimos, ou seja, no
Carrefour da Análise de Discurso e da Semântica do Acontecimento é
considerar que ele é constituído historicamente e na relação do sujeito com a
língua, tomando como lugar de observação do sentido, o enunciado. Desse
modo, é pelo funcionamento da língua, na enunciação, enquanto
acontecimento de linguagem que podemos observar os sentidos das
designações apelidos nas fichas de ocorrências na Escola Agrotécnica Federal
de Cáceres- MT. Pensar a designação, por esse viés, é pensar em um
processo sócio-histórico.
Nessa perspectiva, traçamos o percurso de nosso trabalho buscando
interpretar a designação dos apelidos em um espaço enunciativo específico e
as cenas enunciativas que dividem o sujeito.
Juntamente, a esse processo identificamos como se dão os diferentes
processos discursivos, a saber:
a) De individualização/particularização a partir da qual se coloca o aluno
em uma série, seja na série de Locutor, seja em outra;
b) De singularização, ligada à constituição do aluno como sujeito do âmbito
escolar;
c) De objetivação, do aluno pelo Estado.
Discursos que fazem parte da mesma formação discursiva, isto é, o de
individualizar, objetivar e determinar indivíduos para o melhor funcionamento e
quadriculamento do sujeito na sociedade disciplinar contemporânea.
Ai está a relevância de nosso estudos tomando o arcabouço teórico da
Semântica da Enunciação proposto por Guimarães (1995, 2002, 2005, 2007)
sobre, a nomeação, referência e designação que busca compreender esses
processos não puramente nos domínios empírico, formalista, cognitivista, mas
em articulação entre os domínios linguísticos com a história.
137
Nessa perspectiva, podemos refletir sobre a prática de apelidar
tomando esse fato como um acontecimento temporalizado pelo próprio
acontecimento, isto é, o acontecimento que recorta um memorável levando em
consideração as condições de produção. Condições, estas entendidas por nós,
no espaço escolar, como coercitiva, disciplinar e reguladora, provocadas por
um agenciamento discursivo e uma política da polícia, em que diz ser
necessário especificar as marcas individuais dos indivíduos, como, sua
condição social, sua sexualidade, seu comportamento, seu espaço, para assim
serem objetivados, identificados.
Sendo a escola um lugar de circularidade de discursos como o
disciplinar, o psicológico, o jurídico e o pedagógico, como podemos ver em
nossa análise, nos capítulo III e IV, constatamos que os mesmos atravessam
no corpo do texto das fichas de ocorrência, constituindo uma discursividade
sobre o sujeito nas condições de aluno, montando uma cartografia do sujeito.
138
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