Considerações sobre a transnacionalização iurdiana: o caso da Igreja Universal do Reino de Deus...

22
CONSIDERAÇÕES SOBRE A TRANSNACIONALIZAÇÃO IURDIANA: O CASO DA IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS (IURD) EM MOÇAMBIQUE 1 por Silas Fiorotti 2 Resumo: Apresentamos algumas características da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) em Moçambique, destacando as continuidades e as especificidades desta missão evangelizadora em relação à IURD no Brasil. Destacamos que a mensagem de libertação da IURD, que no Brasil voltou-se contra o panteão afro-brasileiro, encontrou referentes locais provenientes do chamado “universo religioso ancestral”. Além de mencionarmos alguns dados da nossa pesquisa de doutorado que está em andamento, apresentamos principalmente uma breve leitura de outras pesquisas sobre a IURD em Moçambique (pesquisas de Teresa Cruz e Silva, de Dowyvan Gabriel Gaspar, e de Linda van de Kamp). Palavras-chave: transnacionalização religiosa, Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), pentecostalismo, batalha espiritual, África – Moçambique. Palavras iniciais As missões da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) no exterior são comandadas por dirigentes brasileiros, são sempre estes pastores e bispos brasileiros que formam suas próprias redes de pastores locais. Acreditamos que a África possui um lugar de destaque na história da IURD, nomes como os de Marcelo Crivella –senador pelo Estado do Rio de Janeiro– e Valdemiro Santiago –fundador e apóstolo da Igreja Mundial do Poder de Deus– estão entre aqueles que dirigiram a IURD neste continente. Desde a década de 1980, a IURD está presente na África e, atualmente, possui templos em 26 países africanos. Somente em Moçambique a IURD possuía, em 2004, 98 templos ou lugares de culto nas onze províncias – sendo 53 na cidade de Maputo ou na província de Maputo, 5 na província de Gaza, 2 na província de Inhambane (províncias localizadas no sul do país); 5 na província de Manica, 12 na província de Sofala, 8 na província de Tete (províncias localizadas no centro do país); 2 na província de Zambézia, 5 na província de Nampula, 3 na província de Cabo Delgado, e outros 3 na província de Niassa (províncias 1 Texto elaborado para o SemiNau –Seminário do Núcleo de Antropologia Urbana– que ocorrerá entre os dias 18 e 22 de novembro de 2013 na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP). 2 Silas Fiorotti é mestre em Ciências da Religião (UMESP), doutorando em Antropologia Social (USP), pesquisador colaborador no CERNe (USP) e articulista na revista Novos Diálogos. Email: [email protected].

Transcript of Considerações sobre a transnacionalização iurdiana: o caso da Igreja Universal do Reino de Deus...

CONSIDERAÇÕES SOBRE A TRANSNACIONALIZAÇÃO IURDIANA: O CASO DA IGREJA UNIVERSAL DO REINO

DE DEUS (IURD) EM MOÇAMBIQUE1 por Silas Fiorotti2

Resumo: Apresentamos algumas características da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) em

Moçambique, destacando as continuidades e as especificidades desta missão evangelizadora em relação à IURD no Brasil. Destacamos que a mensagem de libertação da IURD, que no Brasil voltou-se contra o panteão afro-brasileiro, encontrou referentes locais provenientes do chamado “universo religioso ancestral”. Além de mencionarmos alguns dados da nossa pesquisa de doutorado que está em andamento, apresentamos principalmente uma breve leitura de outras pesquisas sobre a IURD em Moçambique (pesquisas de Teresa Cruz e Silva, de Dowyvan Gabriel Gaspar, e de Linda van de Kamp).

Palavras-chave: transnacionalização religiosa, Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), pentecostalismo, batalha espiritual, África – Moçambique.

Palavras iniciais

As missões da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) no exterior são comandadas por

dirigentes brasileiros, são sempre estes pastores e bispos brasileiros que formam suas próprias redes

de pastores locais. Acreditamos que a África possui um lugar de destaque na história da IURD,

nomes como os de Marcelo Crivella –senador pelo Estado do Rio de Janeiro– e Valdemiro

Santiago –fundador e apóstolo da Igreja Mundial do Poder de Deus– estão entre aqueles que

dirigiram a IURD neste continente. Desde a década de 1980, a IURD está presente na África e,

atualmente, possui templos em 26 países africanos. Somente em Moçambique a IURD possuía,

em 2004, 98 templos ou lugares de culto nas onze províncias – sendo 53 na cidade de Maputo ou

na província de Maputo, 5 na província de Gaza, 2 na província de Inhambane (províncias

localizadas no sul do país); 5 na província de Manica, 12 na província de Sofala, 8 na província de

Tete (províncias localizadas no centro do país); 2 na província de Zambézia, 5 na província de

Nampula, 3 na província de Cabo Delgado, e outros 3 na província de Niassa (províncias

                                                                                                               1  Texto  elaborado  para  o  SemiNau  –Seminário  do  Núcleo  de  Antropologia  Urbana–  que  ocorrerá  entre  os  dias   18   e   22   de   novembro   de   2013   na   Faculdade   de   Filosofia,   Letras   e   Ciências   Humanas   da  Universidade  de  São  Paulo  (FFLCH/USP).    

2  Silas   Fiorotti   é   mestre   em   Ciências   da   Religião   (UMESP),   doutorando   em   Antropologia   Social   (USP),  pesquisador   colaborador   no   CERNe   (USP)   e   articulista   na   revista   Novos   Diálogos.   E-­‐mail:  [email protected].  

  2  

localizadas no norte do país).3 Em 2011, com a presença do bispo Edir Macedo, a IURD

inaugurou um grande templo chamado Cenáculo da Fé no centro da cidade de Maputo com

capacidade para receber 10 mil pessoas (cf. Gaspar, 2006; Mariano, 2010; Zanini, 2010).4

Acreditamos que em Moçambique a IURD possui a mesma estrutura de expansão, uma

estrutura que foi consolidada primeiramente no Brasil e que foi objeto de várias pesquisas (cf.

Almeida, 2009; Campos, 1997; Freston, 1994; Mariano, 1999), mas esta estrutura é preenchida

por conteúdos locais e guarda suas especificidades neste país africano por conta das diferenças no

campo religioso e na cultura. Neste sentido, acreditamos que não há como avaliar a expansão da

IURD em Moçambique sem levar em conta o campo religioso moçambicano e os conflitos da

IURD nele, assim como a área cultural em que Moçambique está inserido e, principalmente o sul

do país – a parte austral e oriental do continente africano.5

Mencionaremos aqui somente alguns aspectos deste campo religioso, como podemos ver

quadro Distribuição populacional e religiosa em Moçambique (2007) (cf. INE de Moçambique).6

                                                                                                               3  Lembramos  que  as  cidades  mais  populosas  de  Moçambique  são:  (1ª)  Maputo,  (2ª)  Matola  (na  província  de  Maputo)  e  (3ª)  Beira  (na  província  de  Sofala).  Devido  a  isso  é  que,  na  nossa  opinião,  estas  províncias  concentram  o  maior  número  de  templos  da  IURD.  

4  De   acordo   com   o   jornal   Folha   Universal   de   dezembro   de   2000,   a   IURD   em   Moçambique   possuía   55  templos   ou   lugares   de   culto:   31   na   cidade   de  Maputo   e   seus   arredores,   3   na   província   de   Gaza,   2   na  província  de  Inhambane  (sul  do  país);  1  na  província  de  Manica,  13  na  capital  ou  outras  zonas  urbanas  da   província   de   Sofala,   1   na   província   de   Tete   (centro   do   país);   1   na   província   de   Zambézia,   1   na  província  de  Nampula,  1  na  província  de  Cabo  Delgado,  e  1  na  província  de  Niassa  (norte  do  país).  Por  isso,   Teresa   Cruz   e   Silva   afirmou   que   estes   dados  mostram   que   a   IURD   está   inserida   nas   zonas  mais  urbanizadas  e  no  eixo  centro-­‐sul  de  Moçambique,  mas  também  mostram  “a  tentativa  de  estender  seus  ramos  a  todo  o  país”  (Cruz  e  Silva,  2003,  p.  127,  nota  4).  

5  Algumas  obras  podem  nos  ajudar  a  compreender  este  contexto  cultural  e  religioso  da  parte  austral  do  continente  africano  (cf.  Barrett,  1968;  Comaroff,  1985;  Honwana,  2002;  Junod,  1944-­‐46;  Schapera,  1962;  Tempels,  1953;  Thompson  e  Wilson,  1969;  Webster,  1976).  

6  De  acordo  com  a  base  de  dados  Joshua  Project  do  U.S.  Center  for  World  Mission  –trata-­‐se  de  uma  agência  missionária   protestante–,   em   2010,   o   panorama   religioso   em  Moçambique   constituía-­‐se:   cristianismo  (57,7%),  religiões  étnicas  ou  tradicionais  (22,0%),  islamismo  (18,1%),  sem  religião  (2,2%)  e  hinduísmo  (0,1%).  Sendo  que  o  cristianismo,  por  sua  vez,  constituía-­‐se:  igrejas  independentes  (38,9%),  catolicismo  (36,1%),  protestantismo  (14,5%),  outras  igrejas  cristãs  (9,6%)  e  anglicanismo  (0,9%)  (cf.  Joshua  Project,  2010).   No   entanto,   não   sabemos   se   estes   dados   são   confiáveis.   O   grupo   igrejas   independentes  provavelmente   refere-­‐se   às   igrejas   zionistas   ou   ziones   (cf.   Agadjanian,   1999).   Conforme   o   II  Recenseamento   Geral   da   População   e   Habitação   de   1997,   uma   população   de   12.536.800   habitantes  dividia-­‐se   entre:   catolicismo   (23,8%),   islamismo   (17,8%),   igrejas   zionistas   (17,5%),   protestantismo  (7,8%),  outras  igrejas  cristãs  (3,6%),  animismo  (2,1%),  outras  religiões  (1,6%),  sem  religião  (23,1%)  e  desconhecida   (2,6%)   (cf.   Fry,   2001,   p.   41).   Conforme   o   III   Recenseamento   Geral   da   População   e  Habitação,   consultado   na   página   do   Instituto   Nacional   de   Estatística   de   Moçambique,   em   2007,  Moçambique   possuía   uma   população   de   20.278.361   habitantes   que   dividia-­‐se   entre:   catolicismo  (27,9%),   islamismo   (17,8%),   igrejas   zionistas   (13,7%),   e   protestantismo   (11,1%);   no   entanto,   este  instituto   não   apresenta   nenhuma   informação   sobre   a   religião   do   restante   considerável   da   população  (29,5%)  (cf.  INE  de  Moçambique).  Destacamos  que  a  pesquisadora  Teresa  Cruz  e  Silva,  apesar  da  falta  de  dados   estatísticos   confiáveis,   afirma   que   “os   evangélicos   [ou   protestantes]   são  majoritários   no   sul   de  Moçambique,  com  predominância  em  Maputo,  a  capital  do  país”  (cf.  Cruz  e  Silva,  2003,  pp.  123-­‐124).  Por  isso,   voltamos  aos  dados  do   Instituto  Nacional  de  Estatística  de  Moçambique,   especificamente   sobre  a  

  3  

Por exemplo, os católicos formam o maior grupo religioso de Moçambique –27,9% da

população–; no entanto, eles não formam o grupo majoritário. Os muçulmanos formam um

grupo populacional extremamente relevante e que não pode ser ignorado, 17,8% da população;

assim como os zionistas ou maziones, 13,7% da população. Já os protestantes ou evangélicos, que

são considerados por alguns pesquisadores o maior grupo religioso do sul de Moçambique (cf.

Cruz e Silva, 2003), representariam 11,1% da população moçambicana. Este percentual aumenta

se levarmos em conta apenas as províncias do sul, mas parece que não há motivos para

considerarmos que os protestantes ou evangélicos formam o maior grupo religioso; a não ser que

o critério seja a visibilidade do grupo ou mesmo uma suposta herança ou fundo religioso

protestante que influenciou e influencia todos os grupos religiosos, principalmente o dos zionistas

(cf. Agadjanian, 1999). Já os “outros”, grande parcela da população que o Instituto Nacional de

Estatística (INE) de Moçambique não apresentou nenhuma informação sobre a religião,

representam 29,5% da população. Acreditamos que a maior parte destes, mesmo não possuindo

nenhuma afiliação religiosa, mantém alguma prática local ligada ao chamado “universo religioso

ancestral”.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         cidade  de  Maputo  que,  em  2007,  possuía  uma  população  de  1.094.628  habitantes  que  dividia-­‐se  entre:  catolicismo   (23,1%),   islamismo   (5,3%),   igrejas   zionistas   (25,2%),   e   protestantismo   (23,0%);   e   não  apresenta  nenhuma  informação  sobre  a  religião  do  restante  (23,4%)  (cf.  INE  de  Moçambique).  

  4  

Apresentamos a leitura de três pesquisas que tratam do desenvolvimento da IURD em

Moçambique – as pesquisas de Teresa Cruz e Silva (2003), Dowyvan Gabriel Gaspar (2006) e

Linda van de Kamp (2012). Mesmo que nem todas as pesquisas tenham sido desenvolvidas no

Brasil, acreditamos que elas seguem as abordagens dos pesquisadores brasileiros. Ou seja, mesmo

mencionando as especificidades da IURD em Moçambique e do campo religioso moçambicano; a

ênfase destas pesquisas parece recair sobre as continuidades da IURD e as características que já

foram abordadas anteriormente pelos pesquisadores brasileiros (cf. Campos, 1997; 1999; Freston,

1994; Mariano, 1999). Após a leitura da pesquisas, finalizando o texto, apresentaremos alguns

dados preliminares da nossa própria pesquisa de doutorado que, de alguma forma, aproximam-se

do que foi apontado nestas pesquisas. Lembramos que no doutorado, iniciado em 2013, nosso

foco também recai sobre a IURD em Maputo, Moçambique, e suas relações com as práticas

religiosas locais.

Teresa Cruz e Silva

Teresa Cruz e Silva é professora da Universidade Eduardo Mondlane em Maputo,

Moçambique, e autora de diversos artigos e capítulos de livros. Mencionamos sua pesquisa sobre a

Missão Suíça –presbiterianos– no sul de Moçambique, que deu origem ao artigo Educação,

identidades e consciência política: a Missão Suíça no sul de Moçambique (1930-1975) (Cruz e Silva,

1998) e ao livro Igrejas protestantes e consciência política no sul de Moçambique: o caso Missão Suíça

(1930-1974) (Cruz e Silva, 2001).

Destacamos a pesquisa de Cruz e Silva que deu origem ao artigo A Igreja Universal em

Moçambique (Cruz e Silva, 2003). Esta pesquisa foi realizada no âmbito do projeto Evangelical

Christianity and Third-World Democracy, especificamente a parte sobre a África que foi

coordenada por Terence Ranger e financiada pela Pew Charitable Trusts.

Tópicos do artigo A Igreja Universal em Moçambique

Evangelismo, contexto e origem da IURD (pp. 123-126)

A Igreja Universal do Reino de Deus em Moçambique (pp. 126-132)

A IURD e a política em Moçambique (pp. 132-134)

Cruz e Silva inicia o artigo mencionando a falta de pesquisas sobre a distribuição religiosa

em Moçambique. Os próprios dados estatísticos disponíveis supostamente apresentam muitas

limitações. No entanto, apesar da suposta falta de dados confiáveis, ela afirma que os evangélicos

  5  

são majoritários no sul de Moçambique, principalmente na capital Maputo.

Ainda na primeira parte do artigo, intitulada Evangelismo, contexto e origem da IURD (pp.

123-126), Cruz e Silva resgata alguns aspectos da história do movimento evangélico em

Moçambique, desde o final do século XIX. Menciona que ele supostamente foi marginalizado no

período colonial e depois, já no período pós-independência, foi novamente marginalizado pelo

governo controlado pela Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), movimento de

orientação socialista. E menciona o chamado período de crise em que o país sentia os efeitos da

guerra civil, com as incursões militares da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) –

movimento que se opunha ao governo–, que levou o governo a buscar alianças internas e,

consequentemente, iniciar uma relação mais positiva com as igrejas evangélicas. Neste contexto,

segundo Cruz e Silva, emerge uma “revitalização religiosa” marcada pelo crescimento do

movimento evangélico e, juntamente com outras igrejas evangélicas que entraram em

Moçambique na década de 1990, a IURD está presente.

Cruz e Silva menciona a inserção da IURD nos Países Africanos de Língua Oficial

Portuguesa (PALOP’s), sobretudo em Angola e Moçambique. A proximidade geográfica com a

África do Sul é apresentada como um dos motivos do crescimento da IURD em Moçambique, já

que supostamente naquele país africano o sucesso da IURD é notável.

Na segunda parte do artigo, intitulada A Igreja Universal do Reino de Deus em Moçambique

(pp. 126-132), Cruz e Silva afirma que a IURD foi legalmente registrada no Ministério da Justiça

de Moçambique em 1993. Esta igreja teria tirado partido das condições sociais, econômicas e

políticas que, em meados da década de 1980, geraram uma abertura em Moçambique. Sendo que

o primeiro templo da IURD foi inaugurado em Maputo, a capital do país, e teria atingido

indivíduos urbanizados das classes menos favorecidas e das classes médias baixas. Após uma

década de atividades, o perfil dos adeptos da IURD em Moçambique supostamente continuou o

mesmo. No entanto, já notava-se a adesão de um pequeno número de indivíduos das classes altas

e da elite política, mesmo que estes nem sempre assumam publicamente a adesão. Mencionou-se

os dados do jornal Folha Universal de dezembro de 2000, estes dados mostram que a IURD em

Moçambique possuía 55 templos ou lugares de culto: 31 na cidade de Maputo e seus arredores, 3

na província de Gaza, 2 na província de Inhambane (sul do país); 1 na província de Manica, 13

na capital ou outras zonas urbanas da província de Sofala, 1 na província de Tete (centro do país);

1 na província de Zambézia, 1 na província de Nampula, 1 na província de Cabo Delgado, e 1 na

província de Niassa (norte do país). Por isso, Cruz e Silva afirmou que estes dados mostram que a

IURD continuava inserida nas zonas mais urbanizadas e no eixo centro-sul de Moçambique, mas

  6  

também mostram “a tentativa de estender seus ramos a todo o país” (p. 127, nota 4).

Mencionou-se a utilização das chamadas mídias eletrônicas, do rádio e dos textos

impressos no trabalho de propaganda religiosa da IURD. Estes seriam os meios que permitem à

IURD estabelecer laços mais próximos com as populações urbanas e, ao mesmo tempo, garante a

adesão dos grupos etários mais jovens.

As mensagens da IURD estariam sintonizadas com as necessidades de resposta nos campos

material e espiritual das camadas mais desfavorecidas da sociedade. Segundo Cruz e Silva, a IURD

em Moçambique, com seus diferentes cultos e serviços religiosos, aparece como “uma resposta aos

problemas de uma sociedade na qual os valores morais, o sentido de família e o tecido social

foram brutalizados e destruídos ao longo dos anos” (p. 128). Mencionou-se os seguintes cultos:

(a) dos empresários e da prosperidade; (b) a corrente dos 70, para solucionar problemas de saúde;

(c) da família; e (d) de libertação. Os pontos catalisadores da adesão à IURD seriam as chamadas

cruzadas ou correntes e os respectivos milagres prometidos nelas: garantia de fertilidade, emprego,

sucesso na vida, casamento feliz, cura dos vícios, ou mesmo a garantia de um sentido na vida e de

segurança no campo espiritual.

A IURD rejeitaria a chamada feitiçaria, as crenças tradicionais e as curas dos médicos

tradicionais e, ao mesmo tempo, rejeitaria as curas realizadas por outras igrejas pentecostais. Cruz

e Silva, seguindo Leonildo Silveira Campos (1997; 1999), afirma que a IURD vive “numa

situação de simbiose entre o ‘tradicional’ e o moderno” (p. 129). Ela atuaria no sentido de

proteger seus adeptos dos espíritos malignos e demônios, aproximando-se de algumas crenças

populares, utilizando tecnologias modernas.

As iniciativas assistencialistas da IURD seriam amplamente divulgadas nos meios de

comunicação e garantiriam, além da enorme visibilidade desta igreja, o aprofundamento da sua

inserção na sociedade moçambicana. A IURD teria criado a Associação Beneficente Cristã (ABC)

para auxiliar seus membros mais necessitados. Cruz e Silva menciona o SOS-Moçambique, um

programa criado pela ABC para auxiliar os atingidos pelas inundações de 2000 e 2001, que

ofereceu alimentos, roupas, cobertores e materiais de construção.

Sobre a utilização dos meios de comunicação em Moçambique, Cruz e Silva afirma que a

IURD segue padrões semelhantes a outros países onde está estabelecida. Ou seja, vincula seus

programas de caráter religioso na rádio e na televisão Miramar que pertencem à Rede Record,

estes programas contêm mensagens que pretendem ir ao encontro dos problemas dos cidadãos

moçambicanos. Mencionou-se programas como Fala que eu te escuto e Terapia do amor, muito

conhecidos aqui no Brasil, que exibem depoimentos e testemunhos de brasileiros e moçambicanos

  7  

que foram “libertados” de diversos problemas, dificuldades ou doenças na IURD.

Já na terceira parte do artigo, intitulada A IURD e a política em Moçambique (pp. 132-

134), Cruz e Silva afirmou que “a IURD não se envolve diretamente em assuntos de foro

político” (p. 132), sua atuação social supostamente se restringiria às obras de caráter

assistencialista. A autora mencionou que está disseminada no senso comum a ideia de que a

IURD, desde a década de 1990, apoia a FRELIMO, o que teria facilitado seu acesso à concessão

da rádio e da televisão Miramar. E, segundo Cruz e Silva, mesmo que isso não possa ser

comprovado, os pastores da IURD, durante as eleições presidenciais de 1999, proferiram

mensagens de apoio e benção aos membros do governo e ao ex-presidente Joaquim Alberto

Chissano, o que teria ocorrido também durante as eleições presidenciais de 1994.

E, por fim, Cruz e Silva conclui dizendo que IURD em Moçambique, assim como no

Brasil, apresenta mensagens e ações que vão de encontro com as necessidades das populações.

Neste sentido, ela teria encontrado “um campo fértil para atuar junto às esferas sociais

negligenciadas pela incapacidade e fraqueza do Estado em providenciar o bem-estar necessário”

(p. 135).

Dowyvan Gabriel Gaspar

O moçambicano Dowyvan Gabriel Gaspar graduou-se em Ciências Sociais, em 2003, pela

Universidade Federal da Bahia (UFBA), através do Programa de Estudantes-Convênio de

Graduação (PEC-G) do Ministério da Educação (MEC). Para tanto, apresentou a monografia

intitulada O porquê da guerra civil em Moçambique: uma análise política/histórica dos fatores

internos e externos à guerra civil (Gaspar, 2003). Em 2006, concluiu o mestrado em História Social

pela mesma universidade, através do Programa de Estudantes-Convênio de Pós-Graduação (PEC-

PG), defendendo a dissertação “É dando que se recebe”: a Igreja Universal do Reino de Deus e o

negócio da fé em Moçambique (Gaspar, 2006) sob orientação de Valdemir Donizette Zamparoni.

Capítulos da dissertação “É dando que se recebe”

1. Panorama religioso de Moçambique (pp. 22-78)

2. Pentecostalismo (pp. 79-103)

3. A Igreja Universal do Reino de Deus e suas peculiaridades (pp. 104-165)

4. A Igreja Universal do Reino de Deus em Moçambique (pp. 166-195)

Nesta dissertação, Gaspar analisa a presença e os métodos de ação da IURD na cidade de

  8  

Maputo, Moçambique, destacando a arrecadação de recursos financeiros e a ênfase na teologia da

prosperidade. Além dos livros e artigos publicados sobre a IURD, Gaspar utilizou jornais, revistas

e páginas da internet desta igreja e material jornalístico disponível no Arquivo Histórico de

Moçambique como fonte de pesquisa. Entre 2003 e 2004, realizou sua pesquisa de campo com

observação participante nas reuniões –num templo da IURD em Maputo e num templo em

Salvador–, descrição destas reuniões, entrevistas, conversas informais, entre outras coisas. E, por

fim, Gaspar aplicou cem questionários aos fieis da IURD em Maputo.

No primeiro capítulo, intitulado Panorama religioso de Moçambique (pp. 22-78), Gaspar

destaca que deve-se levar em consideração que Moçambique é formado por grupos populacionais

ou povos etnicamente diferentes e com distintas características, o que resultou numa pluralidade

extremamente rica. Podemos encontrar variadas comunidades religiosas de origem estrangeira por

todo o território moçambicano: muçulmanas, católicas, protestantes, entre outras; além de

múltiplas formas da chamada “religiosidade ancestral africana” – Gaspar adotou esta terminologia

ao invés de “religião tradicional africana”, segue abaixo sua justificativa:

A expressão “religião tradicional africana”, de uso muito corrente em muita bibliografia africanista, deve ser tomada com muita restrição uma vez que traduz uma operação reducionista da multiplicidade de práticas religiosas e/ou sagradas de povos diferenciados e as considera como um conjunto homogêneo com as mesmas características das religiões estrageiras (cristianismo e islamismo) e que com elas possa ser comparado. (nota 29, p. 26)

No entanto, Gaspar escreve a respeito de uma “cultura religiosa ancestral” das sociedades africanas

em que a vida humana é compreendida como um ciclo que parte do nascimento mas não termina

na morte, morrer seria apenas uma outra fase da vida. Neste sentido, “os mais velhos estão numa

posição (hierarquicamente) mais próxima aos espíritos dos antepassados (ancestrais) e exercem

uma função de mediadores entre os vivos e os mortos” (p. 26). Por isso, as “religiosidades

ancestrais africanas” supostamente estão centradas no conhecimento dos mais velhos que vem dos

antepassados. Por exemplo, as doenças seriam consequências de desequilíbrios nas relações entre

as pessoas, os espíritos ancestrais e a natureza. Já as estratégias da chamada “medicina tradicional”

para lidar com as doenças seriam duas: a adivinhação e a cura.

Mencionou-se as chamadas religiões estrangeiras que foram introduzidas em território

moçambicano no período colonial: o islamismo e o cristianismo, este último nas versões católica e

protestante. Destacamos que Gaspar afirma que muitos nativos convertidos ao cristianismo

continuaram reverenciando os antepassados. Cita o exemplo de sua própria família, uma família

  9  

católica que costuma marcar na igreja as missas –sétimo dia, um mês, seis meses, um ano, etc.–

quando morre um familiar; no entanto, nos dias das respectivas missas a família realiza o mukuto

que é uma cerimônia tradicional na qual é venerado um determinado ente-querido (p. 39).

Mesmo com a imposição do catolicismo no período colonial e a restrição das atividades

missionárias não-católicas, além da desqualificação das “práticas religiosas ancestrais”, não

impediou o avanço da evangelização protestante nem significou o desaparecimento destas práticas

que supostamente continuam vivas e adaptaram-se às novas realidades (p. 47). As próprias igrejas

zionistas ou maziones efetuariam uma espécie de sincretismo religioso entre o cristianismo e a

“cultura religiosa ancestral” (p. 30) – estas igrejas seriam conhecidas como “igrejas de cura” e seus

rituais de cura aproximariam-se bastante da chamada “medicina tradicional” (pp. 75-76). Gaspar

conclui que nestas igrejas houve um sincretismo entre a “religiosidade ancestral africana” e o

cristianismo católico (p. 77). No entanto, as supostas características comuns destas igrejas, que

foram apresentadas por autores como: Bengt Sundkler, Victor Agadjanian, e Ulla Alfredsson e

Calisto Linha, e resgatadas por Gaspar no texto, são características que as aproximam mais do

protestantismo e, especificamente, do pentecostalismo: a invocação do Espírito Santo, a cura

divina, a glossolalia, a centralidade da Bíblia no vernáculo, entre outras (p. 77). O próprio

Agadjanian (1999) considera que as igrejas zionistas são igrejas de tipo pentecostal.

No segundo capítulo da dissertação, intitulado Pentecostalismo (pp. 79-103), Gaspar

resgata alguns aspectos da história do protestantismo, seu surgimento e o surgimento do

pentecostalismo. Resgata também alguns aspectos da história do protestantismo no Brasil e,

especialmente, a inserção e a implementação do pentecostalismo. Para isso, utiliza principalmente

o estudo de Paul Freston (1994) e as conhecidas “três ondas do pentecostalismo brasileiro”: (1ª)

na década de 1910 com Congregação Cristã do Brasil e Assembleia de Deus; (2ª) nas décadas de

1950 e 1960 com Igreja do Evangelho Quadrangular, Igreja O Brasil para Cristo, e Igreja Deus é

Amor; e (3ª) no final da década de 1970 com a IURD, a Igreja Internacional da Graça de Deus, e

a Igreja Sara Nossa Terra, entre outras.

Somente no terceiro capítulo da dissertação, intitulado A Igreja Universal do Reino de Deus

e suas peculiaridades (pp. 104-165), é que Gaspar começa a tratar especificamente da IURD.

Mencionou-se a forma vertical de governo eclesiástico da IURD e como esta forma de governo

restringe a autonomia dos pastores e dos adeptos (p. 108). Outras características da IURD que

foram mencionadas: o caráter multinacional, a habilidade com a mídia, a chamada “demonização

dos problemas sociais”, o apelo emocional, e as promessas de libertação. Sendo que através das

promessas de libertação, a IURD conseguiu colocar em evidência os causadores dos males, os

  10  

demônios que são relacionados principalmente com o panteão afro-brasileiro (pp. 110-112).

Ainda mencionou-se o anticatolicismo da IURD e sua demonização dos santos católicos. Gaspar

lembrou que em Moçambique a Igreja Católica também é considerada concorrente e inimiga. Ele

citou as palavras de um pastor da IURD em Maputo:

Você que tem imagem de algum santo dentro da sua casa e não joga fora, está carimbando seu passaporte para o inferno. Imagem dentro da sua casa é demônio. Às vezes quem é seu ídolo é seu marido, seu filho... mas quem está na parede é um santo. (p. 113)

Mesmo que os templos da IURD estejam concentrados na região sul que possui mais adeptos das

igrejas protestantes e das igrejas zionistas, quase metade dos pesquisados de Gaspar –46 dos 100

pesquisados– afirmaram que haviam pertencido a Igreja Católica (p. 114).

Destacamos a centralidade dos exorcismos em Moçambique, assim como no Brasil, que

foi mencionada por Gaspar. As reuniões especificamente dedicadas aos exorcismos são realizadas

às terças-feiras e às sextas-feiras: Sessões do Descarrego e Reuniões da Libertação respectivamente

– ver quadro Reuniões da IURD em Maputo (pp. 135-136). Nestas reuniões pode-se ouvir

pastores ou bispos gritando: “manifeste-se agora, espírito do mal” (p. 130). No momento em que

o espírito –“maligno” ou “demoníaco”– manifesta-se, começa uma série de perguntas dirigidas ao

espírito; as perguntas indispensáveis seriam três: (1) “como ou qual é o seu nome?”, (2) “o que é

que você faz na vida dessa pessoa?”, e (3) “como é que você entrou na vida dessa pessoa?” (p.

131). Em Moçambique, além das respostas não estarem associadas ao panteão afro-brasileiro,

Gaspar afirma que quando se trata desta terceira pergunta, as respostas estão sempre associadas aos

nomes dos responsáveis ou genericamente ao “seu vizinho”, “seu colega” (p. 131). Somente após

as perguntas e a humilhação pública do espírito, é que aconteceria a sua expulsão: “sai deste corpo

que não te pertence” (p. 132). Gaspar ainda afirma que o ritual de cura liga-se ao exorcismo:

Tendo sido descoberto [o espírito] e, pelo exorcismo, despotencializado, a ação maligna do demônio encontra-se inibida ou inviabilizada. Logo, o indivíduo encontrar-se-ia cura e então propício para uma vida próspera segundo os preceitos divinos. (p. 135)

Reuniões da IURD em Maputo, em 2003-04

• Domingo – Reuniões do Espírito Santo (7h, 9h, 15h, 18h e 20h) • Segunda-feira – Reuniões da Prosperidade (8h, 10h, 15h e 18h) • Terça-feira – Sessões do Descarrego (8h, 10h, 15h e 18h) • Quarta-feira – Reuniões do Espírito Santo (9h, 15h e 18h)

  11  

• Quinta-feira – Reuniões da Família (9h, 15h e 18h) • Sexta-feira – Reuniões da Libertação (8h, 10h, 15h e 18h) • Sábado – Terapia do Amor (9h, 15h e 18h)

Algo que chamou a atenção de Gaspar, mas que ele somente citou, foi o fato da IURD em

Moçambique dedicar dois dias da semana para reuniões do Espírito Santo, sendo que um deles é

o domingo, um dos dias de maior frequência e que há o maior número de reuniões. Para Gaspar,

“talvez isto ocorra em razão de uma associação do Espírito Santo com os espíritos do universo

religioso ancestral local” (p. 136).

Gaspar faz uma pequena menção ao fato de que todas as reuniões que ele observou em

Maputo foram dirigidas por pastores ou bispos brasileiros, com exceção das reuniões de sábado

(Terapia do Amor) que foram dirigidas por um pastor moçambicano (nota 303, p. 136; p. 197).

Concluindo o terceiro capítulo da dissertação, Gaspar fala sobre a teologia da

prosperidade, o significado da arrecadação do dinheiro, os dízimos e as ofertas. Destacamos, como

foi mostrado por Gaspar, que mais da metade dos homens entrevistados em idade

economicamente ativa estavam desempregados no momento da pesquisa –final de 2003 e início

de 2004–; por isso, ele acredita que a maior parte dos homens estaria na IURD em busca de uma

libertação ou cura na vida financeira (p. 143), porque como chefes de família eles supostamente

são mais afetados pelos problemas advindos da falta de dinheiro, o que os leva com maior

frequência às reuniões de segunda-feira (p. 188).

Gaspar começa o quarto capítulo da dissertação, intitulado A Igreja Universal do Reino de

Deus em Moçambique (pp. 166-195), destacando a “grande capacidade [da IURD] de adaptação

às diversidades locais” (p. 166). Ele apresenta alguns dados da história da IURD em Moçambique

e o contexto em que ela se estabeleceu – realizou a primeira reunião em Moçambique no final de

1992. Destacamos, conforme indicado por Gaspar, que as províncias do sul de Moçambique,

onde o estabelecimento da IURD foi mais acelerado, “carregam consigo um passado histórico que

as identificam com a experiência religiosa protestante” (p. 175) – ver a tabela Templos da IURD

em Moçambique baseada nos dados retirados por Gaspar de duas edições do jornal Folha

Universal de Moçambique: n. 12 de março de 1996 e n. 180 de janeiro de 2004 (p. 175).

Segundo Gaspar, a fraca projeção da IURD no resto do país, “deve-se à forte presença do

islamismo na região norte, e do cristianismo católico na região central” (p. 197). Em seguida,

Gaspar afirma que

Enquanto no Brasil a maior preocupação da Igreja Universal é com a expulsão do demônio da vida do indivíduo através do exorcismo, em Moçambique sua

  12  

principal luta é travada na tentativa de derrotar os praticantes de medicina tradicional e a relação de veneração que parte da população tem com os espíritos ancestrais ou de seus antepassados (p. 176)

Neste sentido, a IURD acompanharia o movimento de outras igrejas pentecostais contra o que é

considerado feitiçaria e contra os espíritos do “universo religioso ancestral” enfatizando o batismo

com o Espírito Santo. Consideramos esta afirmação de Gaspar problemática, já que no capítulo

anterior ele afirmou que em algumas reuniões da IURD, assim como no Brasil, constata-se a

centralidade dos exorcismos.

Templos da IURD em Moçambique

Províncias Em 1996 Em 2004 Niassa - - 3 3% Cabo Delgado - - 3 3% Nampula 1 3,4% 5 5% Zambezia 1 3,4% 2 2% Tete 1 3,4% 8 8% Manica 1 3,4% 5 5% Sofala 4 13,8% 12 12% Inhambane 2 6,9% 2 2% Gaza 2 6,9% 5 5% Maputo e Cidade de Maputo 17 58,6% 53 54%

Total 29 100% 98 100% A partir de certo ponto do quarto capítulo, Gaspar começa propriamente a analisar os

dados dos questionários. Lembramos novamente que Gaspar aplicou cem questionários aos fieis

da IURD em Maputo – ver quadro Questionário da pesquisa de Dowyvan Gabriel Gaspar.

Questionário da pesquisa de Dowyvan Gabriel Gaspar

1. Sexo. 2. Idade. 3. Estado civil. 4. Local de nascimento (província). 5. Caso tenha nascido em outra província, há quanto tempo mora em Maputo (menos de 1 ano, de 1 a 5

anos, de 6 a 10 anos, ou mais de 10 anos). 6. Reside em Maputo na condição de (arrendatário ou proprietário). 7. Reside com (esposa/o, filho/a, esposa/o e filhos/as, pai e mãe, pai e mãe e irmãos, sozinho, ou com amigos). 8. Quantas pessoas moram em sua casa (uma única pessoa, de duas a quatro pessoas, de cinco a sete pessoas,

ou mais de sete pessoas)? 9. A sua residência dispõe dos seguintes serviços (energia elétrica, água canalizada, esgoto sanitário). 10. Qual é o principal problema existente no seu bairro (desemprego, violência, transporte, educação,

saneamento, saúde, ou nenhum)? 11. Alguma vez frequentou escola (sim ou não)? 12. Caso sim, qual foi a classe ou nível mais alto (elevado) que frequentou (1ª a 5ª classe, 6ª a 7ª classe, 8ª a 10ª

classe, 11ª a 12ª classe, superior incompleto, superior completo, 4ª classe colonial, ou escola técnica incompleta)?

  13  

13. O que é que faz atualmente (estuda, trabalha, estuda e trabalha, desempregado/a, reformado/a ou aposentado/a)?

14. Tem filhos (sim ou não)? 15. Caso sim, quantos (de 1 a 2, de 3 a 5, ou mais de 6)? 16. Quais as suas ocupações (estudam, estudam e trabalham, trabalham, desempregados/as)? 17. A renda mensal na sua residência está entre (menos de um salário mínimo, 1 salário mínimo, de 2 a 3

salários mínimos, ou mais de 3 salários mínimos). 18. Quem contribui com a renda mensal na sua casa (marido, mulher, marido e mulher, filho/os, marido e

mulher e filho, ou nenhum dos residentes)? 19. Já teve alguma religião antes de entrar na Igreja Universal (sim ou não)? 20. Caso já tenha tido, qual (católica, muçulmana, zione, animista, religião ancestral africana, e outras)? 21. Quanto tempo tem nesta igreja (de 1 a 4 semanas, de 1 a 6 meses, de 7 a 12 meses, de 2 a 4 anos, de 4 a 6

anos, de 6 a 8 anos, ou mais de 9 anos)? 22. Caso tenha parceiro/a, ele/a é membro da Igreja Universal (sim ou não)? 23. O que é que o/a fez entrar na Igreja Universal (problemas financeiros, problemas sentimentais, problemas

de saúde de um parente, problemas de saúde, procura de felicidade, curiosidade, procura de emprego, vítima de feitiçaria, e palavra de Deus)?

24. Se entrou nesta igreja por algum problema, acha que conseguiu resolvê-lo (sim, não, ou parcialmente)? 25. O que é que o/a senhor/a acha que atrai as pessoas para a igreja (esperança de cura, esperança de

prosperidade financeira, quando se tem algum problema, resolve-se todos os problemas, e esperança de casar)?

26. O que é que o/a senhor/a encontra na Igreja Universal (paz e amor, solidariedade, felicidade, esperança, segurança, atenção, amigos, carinho, e Deus)?

27. Quais são os dias da semana que costuma vir à igreja (segunda-feira na Reunião da Prosperidade, terça-feira na Sessão do Descarrego, quarta-feira na Reunião do Espírito Santo, quinta-feira na Reunião da Família, sexta-feira na Reunião de Libertação, e sábado na Terapia do Amor)?

28. Para a Igreja Universal, o dízimo corresponde a 10% daquilo que produzimos. A seu ver, o dízimo deveria ser (obrigatório, facultativo, ou não existir).

29. Para a Igreja Universal, oferta é tudo aquilo que damos de livre e espontânea vontade. A seu ver, deveria ser (obrigatório, facultativo, ou não existir).

30. Para os determinados fins, você concorda com a arrecadação de (dízimo, oferta, ou nenhuma doação). 31. O/a senhor/a é dizimista (sim, não, ou nem sempre)? 32. O/a senhor/a participa das ofertas (sim, não, ou nem sempre)? 33. O/a senhor/a concorda com a cobrança de ofertas em moeda estrangeira – dólar, rand (sim, não, dá quem

tiver, ou tanto faz)? 34. O valor do dízimo é (alto, baixo, ou suficiente). 35. O valor pedido para as ofertas é (alto, baixo, ou suficiente). 36. Quem decide o destino do dinheiro arrecadado (os pastores, os bispos, os fieis, bispos e pastores, conselho

da igreja, ou não sabe)? 37. Aonde é aplicado o dinheiro arrecadado (salário dos bispos e pastores, construção de novos templos,

pagamento de água e luz e aluguel, benefício para os crentes, ou não sabe)? 38. Aonde deveria ser aplicado o dinheiro arrecadado (benefício para os crentes, pagamento de água e lu e

aluguel, salário dos bispos e pastores, construir novos templos, ou não opina)? 39. Como soube, ou aonde ouviu falar da Igreja Universal (rádio, televisão, jornal, amigo/vizinho,

escola/trabalho, chapa/machimbombo/ônibus, ou não se lembra)?

Constatou-se uma predominância feminina (61% dos pesquisados), mas com ampla

dispersão de idades, supostamente mostrando que a IURD atrai indivíduos de todas as idades. A

maioria dos pesquisados nasceu na província de Maputo (72% dos pesquisados), sendo que

nenhum deles é proveniente das províncias do norte de Moçambique (Niassa, Cabo Delgado e

Nampula) (p. 179).

Com relação à pergunta 10, sobre o principal problema existente no seu bairro: 85 pessoas

(29 homens e 56 mulheres) apontaram para a saúde como sendo o principal problema, 81 pessoas

  14  

(28 homens e 53 mulheres) apontaram a violência, e 80 pessoas (34 homens e 46 mulheres)

apontaram o desemprego (p. 180).

Já com relação às perguntas 19 e 20, sobre outras experiências religiosas: 75 pessoas (28

homens e 47 mulheres) já haviam tido alguma experiência religiosa anterior. Destas, 47 pessoas

(17 homens e 30 mulheres) indicaram a “religião ancestral africana”, 46 pessoas (17 homens e 29

mulheres) indicaram a Igreja Católica, e 40 pessoas (9 homens e 31 mulheres) indicaram as igrejas

zionistas (pp. 182-183).

Constatou-se, com base na pergunta 23, que boa parte das cem pessoas estava na IURD

porque procurava sanar ou sanou algum problema: 62 pessoas (13 homens e 49 mulheres)

buscavam solucionar algum problema de saúde, 57 pessoas (25 homens e 32 mulheres)

procuravam emprego, 50 pessoas (9 homens e 41 mulheres) foram vítimas de feitiçaria, 50

pessoas (11 homens e 39 mulheres) buscavam a Palavra de Deus, 44 pessoas (28 homens e 16

mulheres) buscavam solucionar problemas financeiros, e 41 pessoas (4 homens e 37 mulheres)

buscavam solucionar problemas sentimentais (p. 184).

Sobre o que acham que atrai as pessoas à igreja, pergunta 25, constatou-se que: 77 pessoas

indicaram a opção “quando se tem um problema”, 60 pessoas indicaram a opção “esperança de

cura”, 54 pessoas indicaram a opção “esperança de prosperidade”, e 50 pessoas indicaram a opção

“resolução de algum problema”. E sobre os dias de maior frequência à igreja, pergunta 27,

contatou-se que: 76 pessoas indicaram a terça-feira (dia das Sessões do Descarrego), 76 pessoas

indicaram a sexta-feira (dia das Reuniões da Libertação), e 75 pessoas indicaram a segunda-feira

(dia das Reuniões da Prosperidade) (pp. 186-188).

Finalizando o quarto capítulo da dissertação, Gaspar analisa dez perguntas do questionário

–perguntas 28 a 38– que tratam da opinião dos fieis sobre a arrecadação e o destino de dízimos e

ofertas na IURD. Gaspar afirma que em todas as reuniões que participou houve um momento

reservado para que os fieis entregassem os dízimos e as ofertas, momento em que os fieis

entendem que estão fazendo votos com Deus. Mesmo que o dízimo seja algo voluntário, a IURD

enfatiza que o dizimista é abençoado e o não dizimista é amaldiçoado; este discurso dos pastores

da IURD, segundo Gaspar, tem se mostrado eficaz. E, juntamente com ele, a ênfase de que a

IURD contribui para a diminuição do sofrimento da população mais carente, mesmo que essa

contribuição seja somente pontual (pp. 194-195).

E, por fim, sobre como souberam ou ouviram falar da IURD, pergunta 39 do

questionário, constatou-se que: 77 pessoas indicaram a opção “amigo/vizinho”, 55 pessoas

indicaram “televisão”, 32 pessoas indicaram “chapa/machimbombo/ônibus”, 31 pessoas

  15  

indicaram “rádio”, e 24 pessoas indicaram “escola/trabalho”, entre outras opções menos indicadas

(pp. 195, 228).

Linda van de Kamp

Linda van de Kamp é antropóloga, doutora em Antropologia pela Universidade Livre de

Amsterdã, defendendo a tese Violent Conversion: Brazilian Pentecostalism and the Urban

Pioneering of Women in Mozambique (Kamp, 2011), e pós-doutoranda da Universidade de

Tilburg, Holanda. Estuda a circulação religiosa entre Brasil, Moçambique e Holanda. É autora de

diversos artigos, entre os quais destacamos: Burying Life: Pentecostal Religion and Development in

Urban Mozambique (Kamp, 2010) e Pentecostalismo brasileiro, “macumba” e mulheres urbanas em

Moçambique (Kamp, 2012). Neste último artigo, que analisaremos aqui, Kamp analisa a forma

como a presença de missionários brasileiros da IURD em Moçambique afeta diversos aspectos da

vida de mulheres das zonas urbanas.

Tópicos do artigo

Pentecostalismo brasileiro, “macumba” e mulheres urbanas em Moçambique

“Macumba” na África (pp. 62-66)

Mobilidade transnacional e distância cultural (pp. 67-71)

Mulheres pentecostais pioneiras (pp. 71-75)

Kamp inicia seu artigo destacando a crescente interação entre Brasil e África, e a

proeminência do pentecostalismo brasileiro em Moçambique, representado principalmente pela

IURD. Para Kamp, o pentecostalismo brasileiro tem sido bem-sucedido em Moçambique devido

ao que ela chama de “particularidades do seu transnacionalismo Sul-Sul” e à “ligação

transatlântica espiritual”. Neste sentido, ela se afasta dos argumentos que entendem o movimento

pentecostal como um caso de “fluxo cultural-religioso global que começou no Ocidente” e foi se

disseminando de forma homogênea, sendo atraente porque supostamente “oferece acesso a

processos de globalização culturais, econômicos e democráticos modernos (ocidentais)” (p. 60).

A predominância de pastores brasileiros é mencionada por Kamp. Mesmo com a presença

de pastores moçambicanos e até de pastores angolanos, Kamp destaca que são os brasileiros que

lideram estas igrejas, enquanto que os outros são pastores auxiliares. E ainda, estes pastores

africanos têm adotado o português do Brasil (p. 68, nota 12).

No primeiro tópico do artigo, intitulado “Macumba” na África (pp. 62-66), Kamp

apresenta algumas características do chamado movimento neopentecostal, sendo que a maioria

  16  

das igrejas brasileiras supostamente pertence a este movimento ou utiliza elementos do mesmo. As

igrejas neopentecostais seriam caracterizadas, segundo Kamp, pela ênfase na chamada “guerra

espiritual”, pela teologia da prosperidade, e pela “organização empresarial e forte orientação

internacional” (p. 62).

Kamp defende a noção de Atlântico lusófono como “espaço particular de produção

histórica, cultural e religiosa entre Portugal, Brasil e África” (p. 63), só que com a interação destes

pentecostais brasileiros e moçambicanos supostamente têm sido criado um espaço transatlântico

pentecostal específico. Segundo Kamp, os pastores brasileiros foram para Moçambique, no início

da década de 1990, com a ideia de que a raiz de todo o mal estava na África, de que havia muita

“macumba” e foram salvar os africanos dela. Para tanto, falavam abertamente sobre os espíritos

ancestrais e a “feitiçaria”, algo novo numa cidade como Maputo que havia passado por uma

história colonial e um período socialista em que isso era considerado obscurantismo e negado.

Muitos moçambicanos que cresceram em Maputo, onde não se deveria falar sobre “feitiçaria”, e

passaram a ouvir nas igrejas neopentecostais que incidentes com os espíritos ancestrais poderiam

ser a causa de algum problema (p. 66) e passaram a associar estes espíritos com os demônios: “o

Diabo faz com que as pessoas acreditem que estão lidando com um espírito específico ancestral,

mas é um demônio” (p. 71).

Reuniões da IURD em Maputo, em 2006

• Segunda-feira – Reuniões dos Empresários (6h, 8h, 10h, 12h, 15h e 18h) • Terça-feira – Reuniões da Saúde (6h, 8h, 10h, 12h, 15h e 18h) • Quarta-feira – Reuniões dos Filhos de Deus (6h, 8h, 10h, 12h, 15h e 18h) • Quinta-feira – Reuniões da Família (6h, 8h, 10h, 12h, 15h e 18h) • Sexta-feira – Correntes de Libertação (6h, 8h, 10h, 12h, 15h e 18h) • Sábado – Reuniões da Grandeza de Deus (6h, 12h, 15h e 18h) • Domingo – Reuniões dos Encontros com Deus (6h, 8h, 10h, 15h e 18h)

No segundo tópico do artigo, intitulado Mobilidade transnacional e distância cultural (pp.

67-71), Kamp destacou que os pastores brasileiros “confrontavam os moçambicanos numa

variedade de maneiras com aspectos da sua cultura e vida”: a bênção vinda do Brasil poderia livrá-

los dos vínculos com os espíritos ancestrais e estes pastores confrontavam os curandeiros locais

com o “poder ilimitado do Espírito Santo” (pp. 68-69). Da mesma forma que os pastores

brasileiros viajaram e romperam com suas vidas anteriores no Brasil, os fieis moçambicanos

supostamente são incentivados a romperem e transcenderem o familiar e local, mesmo sem

deslocamento geográfico, são incentivados a se sacrificarem de alguma forma e romperem com

suas práticas para conquistarem as bênçãos. Por isso, Kamp acredita que estes fieis pentecostais

  17  

tornam-se pessoas transnacionais.

Já no terceiro tópico do artigo, intitulado Mulheres pentecostais pioneiras (pp. 71-75),

Kamp destaca que o amor, o casamento e a sexualidade são abordados de forma explícita pelos

pastores brasileiros, algo novo para os costumes locais. Estes pastores são procurados também

porque combatem as influências “negativas” dos espíritos sobre os relacionamentos, Kamp

mencionou os chamados “cônjuges espirituais” como exemplo. Além disso, mencionou-se que

surgiram oportunidades econômicas inéditas para as mulheres e, por sua vez, estas mulheres com

uma mobilidade econômica e cultural encontram este pentecostalismo brasileiro transnacional e

supostamente ambos reforçam um ao outro em suas capacidades (p. 73). As adversidades

enfrentadas pelas mulheres pentecostais são consideradas como bons sinais da “guerra espiritual”,

permitindo que elas explorem novas possibilidades; para isso, elas precisam estar protegidas e

transitarem com o Espírito Santo. Neste sentido, “as novas posições e possibilidades das mulheres

pioneiras se conectam com o movimento transnacional pentecostal” (p. 76).

Palavras finais

De alguma forma temos encontrado, na nossa pesquisa, aquilo que foi apontado ou

mencionado nestas três pesquisas. Principalmente o uso do rádio, já que no momento temos

acompanhado a programação da Rádio Positiva (95,8 FM), uma rádio da cidade de Maputo que

pertence à IURD.7 Constatamos que a programação da rádio acompanha a programação dos

templos da IURD, uma programação que foi mencionada nas três pesquisas. Ou seja, durante a

noite, convidam os ouvintes para as reuniões do dia seguinte.

Por exemplo, no dia 15 de maio, uma segunda-feira a noite, enfatizou-se a cura, já que as

reuniões de terça-feira são dedicadas à cura. Foi mencionado, na mesma noite, que um “colírio

abençoado” seria distribuído nos templos da IURD. Houve oração, após o atendimento de

ligações e pedidos de oração dos ouvintes, e consagração dos copos de água dos ouvintes.

Mencionou-se e distinguiu-se doença física de doença espiritual, o pastor César disse: “não

estamos aqui para condenar o trabalho que os médicos fazem, é um dom de Deus, mas tem

doenças que não são físicas, mas sim espirituais”.

No dia 24 de maio, uma sexta-feira a noite, convidaram os ouvintes para, no domingo,

“tomarem o cálice da quebra da maldição”. Segundo os pastores, que remetiam-se ao texto bíblico

de Provérbios, “não há maldição sem causa”. Também foi falado que segunda-feira, nos templos

                                                                                                               7  A   Rádio   Positiva   de   Maputo   é   transmitida   nas   seguintes   páginas:   http://tunein.com/radio/Radio-­‐Positiva-­‐958-­‐FM-­‐s187418/  e  http://www.radios.com.br/aovivo/Radio-­‐Positiva-­‐95.8-­‐FM/24010.  

  18  

da IURD, seria o dia de quebrar a maldição financeira.

No dia 8 de agosto, uma quinta-feira a noite, o pastor usou uma expressão de uso corrente

nos momentos de transmissão dos testemunhos: “contra fatos não há argumentos”. Na mesma

noite, foi transmitido o testemunho de uma mulher que era perturbada pelo “marido espiritual”,

algo que foi mencionado também por Linda van de Kamp (2012, p. 72). Já no dia 11 de

outubro, uma sexta-feira, mencionou-se que às sextas-feiras às 18h00 tem “trabalho forte”, nos

templos da IURD, para arrancar as forças negativas que supostamente têm atuado nas vidas.

Mencionou-se que aos domingos iniciou-se um “novo tratamento”, além da oração para arrancar

a inveja. Especificamente no domingo, dia 13 de outubro, encerrou-se o Jejum de Daniel, de 21

dias, possivelmente tratou-se de uma campanha que também foi realizada no Brasil. Os pastores,

consideravam estes 21 dias como dias de santificação, “um sacrifício pessoal para uma conquista

espiritual”. Mencionou-se que todo domingo seria dia do derramamento do Espírito Santo nos

templos da IURD, em que as pessoas seriam batizadas com o Espírito Santo.

Agenda semanal do Cenáculo da Fé da IURD em Maputo, Moçambique

Fonte: http://www.iurdmocambique.com/agenda-semanal/.

No dia 12 de outubro, um sábado, transmitiu-se alguns testemunhos de fieis da IURD,

em sua maioria mulheres. É recorrente que estes fieis, que possuíam alguma doença, digam que

  19  

foram levados a diversos lugares (aos médicos, aos bruxos, aos curandeiros, à África do Sul, etc.) e

não obtiveram solução, somente na IURD é que supostamente foram curados após participarem

das reuniões. Por exemplo, transmitiu-se o testemunho de uma mulher que tinha dor na bexiga,

hemorragia, maus sonhos, angústia, e sentia fortes dores na hora da relação sexual. Outro

testemunho foi o de uma mulher que tinha fortes dores no peito e fez o trabalho de uma

curandeira; ou seja, comeu uma “galinha do mato” e “jogou os ossos para trás”, depois tomou

“banho de raízes” e comeu uma papa temperada com raízes que, segundo ela, tinha um gosto

ruim. Acreditamos que através destes testemunhos há uma clara tentativa de desqualificar a

“cultura religiosa ancestral” e a chamada “medicina tradicional”.

Para além da teologia da prosperidade enfatizada por Gaspar (2006), que encontra um

campo fértil num país com oportunidades econômicas inéditas, e da organização empresarial da

IURD; destacamos a especificidade da mensagem de libertação da IURD em Moçambique que

volta-se contra os espíritos do “universo religioso ancestral” e a demonização dos mesmos. Ainda

não constatamos a presença do anticatolicismo nestes dados, talvez porque a cidade e a província

de Maputo, onde a IURD concentra sua ação, possuam um passado que as identificam com o

protestantismo (cf. ibidem, p. 175). Destacamos também a ênfasa na cura divina, já que é uma

necessidade das camadas mais desfavorecidas da população moçambicana que compõem grande

parte dos fieis da IURD, também presente em outras igrejas pentecostais e nas igrejas zionistas. E,

por fim, a hipótese supostamente mais atraente, levantada por Gaspar, é que, em Moçambique,

ao invés dos exorcismos, há uma centralidade do batismo com o Espírito Santo na IURD.

Para finalizarmos, destacamos mais uma vez que nossos dados preliminares mostram

aquilo que as pesquisas de Teresa Cruz e Silva (2003), Dowyvan Gabriel Gaspar (2006) e Linda

van de Kamp (2012) já apontaram. No entanto, acreditamos que estas pesquisas enfatizaram mais

as continuidades da IURD em Moçambique em relação à IURD no Brasil, seguindo as

abordagens dos pesquisadores brasileiros, e não deram a devida importância ao próprio campo

religioso moçambicano e à área cultural em que o sul de Moçambique está inserido.

  20  

BIBLIOGRAFIA

AGADJANIAN, V. (1999), As Igrejas ziones no espaço sóciocultural de Moçambique urbano (anos 1980 e 1990). In: Lusotopie, Bordeaux, 1999, pp. 415-423.

ALMEIDA, R. (2003), A guerra das possessões. In: ORO, A. P.; CORTEN, A.; DOZON, J.-P. (orgs.). (2003), Igreja Universal do Reino de Deus: os novos conquistadores da fé. São Paulo: Paulinas, pp. 321-342.

_____. (2009), A Igreja Universal e seus demônios: um estudo etnográfico. São Paulo: Terceiro Nome.

ARCA UNIVERSAL [Portal da Igreja Universal do Reino de Deus – IURD] – http://www.arcauniversal.com.

BARRETT, D. B. (1968), Schim and Renewal in Africa: An Analysis of Six Thousand Contemporary Religious Movements. Nairobi/Addis Ababa/Lusaka: Oxford University Press.

CAMPOS, L. S. (1997), Teatro, templo e mercado: organização e marketing de um empreendimento neopentecostal. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Simpósio e UMESP.

_____. (1999), A Igreja Universal do Reino de Deus, um empreendimento religioso atual e seus modos de expansão (Brasil, África e Europa). In: Lusotopie, Bordeaux, 1999, pp. 355-367.

COMAROFF, J. (1985), Body of Power Spirit of Resistance: The Culture and History of a South African People. Chicago/London: The University of Chicago Press.

CRUZ E SILVA, T. (1998), Educação, identidades e consciência política: a Missão Suíça no sul de Moçambique (1930-1975). In: Lusotopie, Bordeaux, 1998, pp. 397-405.

_____. (2001), Igrejas protestantes e consciência política no sul de Moçambique: o caso Missão Suíça (1930-1974). Maputo: Promédia.

_____. (2003), A Igreja Universal em Moçambique. In: ORO, A. P.; CORTEN, A.; DOZON, J.-P. (orgs.). (2003), Igreja Universal do Reino de Deus: os novos conquistadores da fé. São Paulo: Paulinas, pp. 123-135.

FRESTON, P. (1994), Breve história do pentecostalismo brasileiro. In: ANTONIAZZI, A.; et al. (1994), Nem anjos, nem demônios: interpretações sociológicas do pentecostalismo. Petrópolis: Vozes, pp. 67-159.

FRY, P. (2000), O Espírito Santo contra o feitiço e os espíritos revoltados: “civilização” e “tradição” em Moçambique. In: Mana, Rio de Janeiro, v. 6, n. 2, out. 2000, pp. 65-95.

_____. (2003), Culturas da diferença: seqüelas das políticas coloniais portuguesas e britânicas na África Austral. In: Afro-Ásia, Salvador, n. 29/30, 2003, pp. 271-316.

_____. (2011), Pontos de vista sobre a descolonização em Moçambique. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 26, n. 76, jun. 2011, pp. 207-211.

FRY, P. (org.). (2001), Moçambique: ensaios. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.

GASPAR, D. G. (2003), O porquê da guerra civil em Moçambique: uma análise política/histórica dos fatores internos e externos à guerra civil. Monografia (bacharelado em Ciências Sociais). Salvador: UFBA.

_____. (2006), “É dando que se recebe”: a Igreja Universal do Reino de Deus e o negócio da fé em Moçambique. Dissertação (Mestrado em História Social). Salvador: Universidade Federal da Bahia. Disponível na página: http://www.ffch.ufba.br/IMG/pdf/2006dowyvan_gabriel_gaspar.pdf.

GIUMBELLI, E. (2007), Um projeto de cristianismo hegemônico. In: SILVA, V. G. (org.). (2007), Intolerância religiosa: impactos do neopentecostalismo no campo religioso afro-brasileiro. São Paulo: EDUSP, pp. 149-170.

  21  

GONÇALVES, J. J. (1960), Protestantismo em África: contribuição para o estudo do protestantismo na África portuguesa. Vol. 1 e 2. Lisboa.

HONWANA, A. M. (2002), Espíritos vivos, tradições modernas: possessão de espíritos e reintegração social pós-guerra no sul de Moçambique. Maputo: Promédia.

IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS (IURD) DE MOÇAMBIQUE – http://www.iurdmocambique.com.

INSTITUTO NACIONAL DE ESTATÍSTICA (INE) DE MOÇAMBIQUE – http://www.ine.gov.mz.

JOSHUA PROJECT. (2010), Base de dados do Joshua Project: um ministério do U.S. Center for World Mission. Disponível na página: http://www.joshuaproject.net. Acesso em 18 de fevereiro de 2010.

JUNOD, H.-A. (1944-46) [1912-13], Usos e costumes dos bantos: a vida duma tribo sul-africana. Vol. 1 e 2. Lourenço Marques: Imprensa Nacional de Moçambique.

KAMP, L. (2010), Burying Life: Pentecostal Religion and Development in Urban Mozambique. In: BOMPANI, B.; FRAHM-ARP, M. (eds.). (2010), Development and Politics from Below: Exploring Religious Spaces in the African State. New York/London: Palgrave MacMillan, pp. 152-171.

_____. (2011), Violent Conversion: Brazilian Pentecostalism and the Urban Pioneering of Women in Mozambique. Tese (Doutorado em Antropologia). Amsterdã: VU University Amsterdam.

_____. (2012), Pentecostalismo brasileiro, “macumba” e mulheres urbanas em Moçambique. In: ORO, A. P.; STEIL, C. A.; RICKLI, J. (orgs.). (2012), Transnacionalização religiosa: fluxos e redes. São Paulo: Terceiro Nome, pp. 59-76.

MARIANO, R. (1999), Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo: Loyola.

_____. (2010), Império universal: igreja neopentecostal cresce mundialmente, exporta sua hierarquia chefiada por brasileiros e enfrenta acirrada concorrência religiosa. In: Folha de São Paulo, 02 de maio de 2010, Caderno Mais!, p. 4.

MENDONÇA, A. G. (1995), O celeste porvir: a inserção do protestantismo no Brasil. São Paulo: Pendão Real / ASTE; São Bernardo do Campo: Ciências da Religião / UMESP.

_____. (2004), A experiência religiosa e a institucionalização da religião. In: Estudos Avançados, 18 (52), pp. 29-46.

_____. (2008), Protestantes, pentecostais & ecumênicos: o campo religioso e seus personagens. 2. ed. São Bernardo do Campo: UMESP.

MORIER-GENOUD, E. (1998), Y a-t-il une spécificité protestante au Mozambique?: discours du pouvoir postcolonial et histoire des Églises chrétiennes. In: Lusotopie, Bordeaux, 1998, pp. 407-420.

ORO, A. P. (2003), A política da Igreja Universal e seus reflexos nos campos religioso e político brasileiros. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 18, n. 53, out. 2003, pp. 53-176.

_____. (2004), A presença religiosa brasileira no exterior: o caso da Igreja Universal do Reino de Deus. In: Estudos Avançados, São Paulo, v. 18, n. 52, set./dez. 2004, pp. 139-155.

ORO, A. P.; CORTEN, A.; DOZON, J.-P. (orgs.). (2003), Igreja Universal do Reino de Deus: os novos conquistadores da fé. São Paulo: Paulinas.

ORO, A. P.; STEIL, C. A.; RICKLI, J. (orgs.). (2012), Transnacionalização religiosa: fluxos e redes. São Paulo: Terceiro Nome.

RÁDIO POSITIVA (95,8 FM, Maputo, Moçambique) – Transmitida nas páginas: http://tunein.com/radio/Radio-Positiva-958-FM-s187418/ e http://www.radios.com.br/aovivo/Radio-Positiva-95.8-FM/24010.

SCHAPERA, I. (ed.). (1962) [1937], Bantu-Speaking Tribes of South Africa: An Ethnographical Survey. 7. ed. London: Routledge & Kegan Paul.

SILVA, V. G. (2007a), Neopentecostalismo e religiões afro-brasileiras: significados do ataque aos símbolos da herança religiosa africana no Brasil contemporâneo. In: Mana, Rio de Janeiro, v. 13, n. 1, 2007, pp. 207-236.

SILVA, V. G. (org.). (2007b), Intolerância religiosa: impactos do neopentecostalismo no campo religioso afro-brasileiro. São Paulo: Edusp.

TEMPELS, P. (1953) [1945], Bantu Philosophy. Paris: Presence Africaine. Disponível na página: http://www.aequatoria.be/tempels/FTEnglishTranslation.htm.

  22  

THOMAZ, O. R. (2004), Relações raciais em Moçambique: histórias sobre autóctones e forasteiros. In: PEIXOTO, F. A.; PONTES, H.; SCHWARCZ, L. M. (2004), Antropologias, histórias, experiências. Belo Horizonte: Editora UFMG.

_____. (2011), Sentidos da internacionalização da antropologia no Brasil. In: RIBEIRO, G. L.; FERNANDES, A. M.; MARTINS, C. B.; TRAJANO FILHO, W. (orgs.). (2011), As ciências sociais no mundo contemporâneo: revisões e prospecções. Brasília: Letras Livres; Editora UnB, pp. 161-177.

THOMPSON, L.; WILSON, M. (eds.). (1969), The Oxford History of South Africa. Vol. I: South Africa to 1870. Oxford: Oxford University Press.

WEBSTER, D. J. (1976), Agnation, Alternative Structures, and the Individual in Chopi Society. Tese (Doutorado). Grahamstown: Faculty of Arts, Rhodes University.

ZANINI, F. (2010), Safári da fé: representantes da igreja [IURD], sempre brasileiros, têm de formar rede de pastores locais. In: Folha de São Paulo, 02 de maio de 2010, Caderno Mais!, p. 6.