UMA VISÃO DE DEUS NA TEOLOGIA LIBERAL

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UMA VISÃO DE DEUS NA TEOLOGIA LIBERAL INTRODUÇÃO Falar sobre Deus é, sem dúvida um desafio em si mesmo, visto que Deus não pode ser abrangido pela inteligência humana. A teologia é uma "ciência" que se encontra diretamente relacionada com o discurso sobre Deus, conforme podemos auferir a partir do próprio sentido etimológico do termo. São inúmeras as idéias que se podem conceber a partir do termo Deus, por isto, não seria de se estranhar o fato de que há em nossos dias, uma diversidade bastante considerável de teologias, dentre elas a teologia liberal, com a qual nos ocuparemos por ocasião deste empreendimento de pesquisa. Inicialmente apresentaremos uma visão geral dos principais pensadores e teólogos que, de forma mais significativa se relacionam com a gênese do assim chamado protestantismo liberal, nomes como os de Hegel, Schleiermacher, Feuerbach, Nietzsche, Strauss, Baur, Ritschl e von Harnack, visando ainda apresentar alguns aspectos da teologia tradicional de modo a constatarmos alguns destes principais aspectos com aqueles que caracterizam a teologia liberal. Ao adentrarmos no assunto, acerca da visão da Deus na teologia liberal, buscaremos identifica-lo nesta visão, assim, tentaremos responder à pergunta sobre Deus na teologia liberal; por fim apresentaremos aspectos da teologia tradicional que se chocam com a visão liberal visando uma breve análise crítica da teologia liberal. 1.CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES Os termos liberalismo, liberalismo religioso, modernismo religioso ou modernismo, significam quase que a mesma coisa. O liberalismo por sua vez, se refere a um espírito de investigação onde os valores religiosos são postos de lado, não em atitude de desrespeito, mas visando uma maior averiguação crítica daquilo que se está examinando. O liberalismo religioso surgiu como produto da filosofia moderna e da ciência moderna e busca conservar a essência do cristianismo em nossos dias. Por meio de uma reinterpretação radical da fé cristã, é que os pensadores da teologia liberal pretendem atingir este objetivo. Três teólogos se destacam, no século XIX por investirem em movimentos que se tornaram marcos do liberalismo religioso: 1. O primeiro movimento surge com a filosofia da identidade na Alemanha e é representado por Schleiermacher;

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UMA VISÃO DE DEUS NA TEOLOGIA LIBERAL

INTRODUÇÃO

Falar sobre Deus é, sem dúvida um desafio em si mesmo, visto que Deus não podeser abrangido pela inteligência humana. A teologia é uma "ciência" que se encontradiretamente relacionada com o discurso sobre Deus, conforme podemos auferir a partir dopróprio sentido etimológico do termo. São inúmeras as idéias que se podem conceber apartir do termo Deus, por isto, não seria de se estranhar o fato de que há em nossosdias, uma diversidade bastante considerável de teologias, dentre elas a teologialiberal, com a qual nos ocuparemos por ocasião deste empreendimento de pesquisa.

Inicialmente apresentaremos uma visão geral dos principais pensadores e teólogosque, de forma mais significativa se relacionam com a gênese do assim chamadoprotestantismo liberal, nomes como os de Hegel, Schleiermacher, Feuerbach, Nietzsche,Strauss, Baur, Ritschl e von Harnack, visando ainda apresentar alguns aspectos dateologia tradicional de modo a constatarmos alguns destes principais aspectos comaqueles que caracterizam a teologia liberal. Ao adentrarmos no assunto, acerca da visãoda Deus na teologia liberal, buscaremos identifica-lo nesta visão, assim, tentaremosresponder à pergunta sobre Deus na teologia liberal; por fim apresentaremos aspectos dateologia tradicional que se chocam com a visão liberal visando uma breve análise críticada teologia liberal.

1.CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Os termos liberalismo, liberalismo religioso, modernismo religioso ou modernismo,significam quase que a mesma coisa. O liberalismo por sua vez, se refere a um espíritode investigação onde os valores religiosos são postos de lado, não em atitude dedesrespeito, mas visando uma maior averiguação crítica daquilo que se está examinando. Oliberalismo religioso surgiu como produto da filosofia moderna e da ciência moderna ebusca conservar a essência do cristianismo em nossos dias. Por meio de umareinterpretação radical da fé cristã, é que os pensadores da teologia liberal pretendematingir este objetivo.

Três teólogos se destacam, no século XIX por investirem em movimentos que setornaram marcos do liberalismo religioso:

1. O primeiro movimento surge com a filosofia da identidade na Alemanha e é representado por Schleiermacher;

2. O segundo, brota da filosofia Kantiana e está representado por Ritschl;

3. E, em terceiro lugar, a partir da filosofia de Hegel, representado por Bierdemann.

Os teólogos liberais foram praticamente unânimes em aplicar livremente os métodosda crítica literária no estudo das escrituras, bem como os métodos históricos esociólogos. De modo geral aceitavam a uniformidade da natureza, rechaçavam idéiasobrenaturais e defendiam a continuidade entre o humano e o divino. Entendiam que Cristofora um homem especial e especificamente pleno do divino, não entendiam Jesus como Deus,o filho encarnado em Jesus de Nazareth. Este homem especial reteve, em termos terrenos,a vida de Deus na sua alma.

No pensamento de K. Cauthen, dois tipos do liberalismo merecem destaque:1. O liberalismo evangélico onde Jesus Cristo permanece como sendo o fator único e o centro da religião

cristã e;2. O liberalismo moderno que não concede este destaque a Jesus. (RAMM, 1975, p.90)

No parecer de Cauthen, destacam-se, ainda, três fatores característicos doliberalismo que devem ser considerados:

1. O princípio de continuidade borra a distinção entre o sobrenatural e o natural,segundo ele “praticamente não há fim para sua aplicação. Reduz a distinção entre os animais e oshomens, homem e Deus, natureza e Deus, razão e revelação, Cristo e os outros homens, cristianismo eoutras religiões, natureza e graça, os salvos e os perdidos, justificação e santificação, cristianismo ecultura, a igreja e o mundo, o sagrado e o profano, o indivíduo e a sociedade, vida aquém e além, céu einferno, o natural e o sobrenatural, as naturezas humana e divina de Cristo, etc.”;

2. O princípio de autonomia se refere à autonomia da razão na religião e à autonomiada experiência religiosa O resultado geral disto é a experiência se elevaacima da teologia, a revelação é reduzida de uma autorevelação divina àexperiência religiosa; isto torna a teologia algo prático e pós-reflexivo daexperiência religiosa;

3. O princípio do dinamismo ensina que o mundo é um sistema aberto. O mundo, assimcomo os homens, estão em processo de desenvolvimento, deste modo, qualquercoisa estática na teologia como uma bíblia infalível ou uma verdade infalívelou credo infalível, é digna de desconfiança. O crescimento deve ser permitidona Bíblia e na teologia, assim como ocorre no processo de desenvolvimentosocial como homem.

A teologia neo-ortodoxa surgiu como um vigoroso protesto contra a teologialiberal. Toda a estrutura do pensamento dogmático de Brunner é contrária ao liberalismo,Barth atacou com freqüência o liberalismo. O ano de 1933 culminou com o período deliberalismo teológico que surgiu com Schleiermacher, Ritschl e Troeltsch.

Segundo Niebuhr “o protestantismo liberal pertence, em suma, ao renascimento” (...)Certamente, podemos atestar o fato de que fundamentalistas e liberal revogam para

si a salvação da essência do cristianismo. Para os liberais os fundamentalistas estavamtornando enfraquecida a influência do cristianismo no mundo, pois pretendiam mantê-lo emmoldes carcomidos pelos longos períodos históricos que se passaram. Para osfundamentalistas, os liberais devem ser encarados como verdadeiros subversores da fégenuína. Nesta guerra, a declaração de Fosdick nos apresenta uma noção bastante razoávelacerca da rixa que há entre as duas correntes teológicas: “(...) O problema na enunciação deuma nova ou de uma velha teologia, dizia ele, baseava-se no fato de ter-se uma nova teologia ou não se ter nenhumateologia absolutamente”. ( HORDERN, 1974, p. 83-84).

Os teólogos liberais pretendiam modernizar a teologia cristã, deste modo, percebemos que o método do qual pretendia se utilizar esta teologia haveria de se constituiria em algo bastante diversificado de tudo que se tinha empreendido pela ala mais fundamentalista até então. O cristianismo precisava ser transmitido de forma significativa ao homem de nossos dias.

Segundo Fosdick, uma expressão permanente do Cristianismo tem sido a convicçãoacerca do triunfo final de Deus sobre o mal. Contudo, a figura tradicional que se vinhautilizando para retratar esta convicção, era a da segunda vinda de Cristo nas nuvenspara erradicar definitivamente o mal; ora, a verdade essencial deve ser preservada,contudo a figura utilizada se encontra ultrapassada e em completo desacordo com opensamento do homem de nosso tempo. Portanto, a essência da fé deve permanecer em voga,

no entanto, a forma de enunciação desta essência já se mostra ultrapassada. ( HORDERN,1974, Pg. 84)

Para os liberais, todas as crenças devem ser apreciadas à luz da razão e daexperiência, isto é, a fé deixa de ser a última palavra no que diz respeito à autoridademaior na solução das questões religiosas; compreendem que qualquer verdade que se lhesapresente será verdade divina, por isso, não se atemorizam diante de um problema que selhes apresente, de modo que, submetem estes problemas ao meticuloso exame racional dequalquer deles. Não há, na teologia liberal, espaço para temores quanto a toda equalquer investida crítica contra os postulados basilares da religião cristã, de sorteque, de modo algum, os seus teólogos, apóiam um posicionamento amedrontado mediante asinvestidas da crítica antiliberal; tampouco no que se refere às novas descobertas, ouaos novos postulados científicos ou filosóficos que lhes possa parecer ameaçadores.

2. PENSADORES E TEÓLOGOS LIBERAIS EM DESTAQUE

2.1. O idealismo absoluto de Hegel

As bases da filosofia hegeliana estão fundamentadas no fato de que éindispensável ao homem a suposição da existência de uma estrutura racional fora dosdomínios de sua própria mente, do contrário, seria inadmissível a crença do homem no seupróprio conhecimento; isto é, se não admitirmos que o mundo, também, expressa mente ourazão, onde poderemos depositar confiança em nossa mente? “O Idealismo, se tornou, delogo, muito insinuante às simpatias dos cristãos pelo fato de possuir, em si, excelentesmeios de ataque contra todas as formas de filosofia materialista” (HORDERN, 1974, p.85).

O conceito bíblico de revelação de Deus, em categorias históricas, é consideradopelos idealistas como sendo pura ingenuidade; entender que a divindade de Jesus, naverdade, é um conceito puramente simbólico que aponta para o fato de que todos os homenstrazem consigo um aspecto divino implícito na sua natureza seria uma conclusão muitomais coerente que aquelas conclusões que se desenvolveram a partir dos antigospostulados bíblicos das primeiras décadas do cristianismo.

Embora o Idealismo Absoluto, de modo geral, tendesse a certo desprezo em ralaçãoà Bíblia, o que jamais se admitiria pelos teólogos liberais; não deixou de ser bastanteaproveitado no âmbito desta teologia. A ênfase idealista quanto à imanência de Deus podeser um claro exemplo desta abertura dos teólogos liberais aos postulados idealistas.

A teologia protestante do século XIX, tornou-se um marco maior daquilo quecaracterizou o chamado protestantismo liberal, esta teologia parte de princípios dafilosofia Kantiana, segundo a ótica de B. Mondin, de modo que, num primeiro princípio emquestão a ser considerado, a religião é removida da esfera especulativa e num segundomomento, o cristianismo é reduzido aos limites da razão. (MONDIN, 1979, p. 09).

Do mesmo modo que Hegel se destaca dentro desta perspectiva teológica como suasubstancial influência filosófica, outros nomes merecem destaque no presente contexto, asaber:

2.2. Friedrich E. D. Schleiermacher (1768-1834)

Partindo dos postulados apresentados por Kant, Schleiermacher desenvolveu umanova teologia, ele é considerado o pai da teologia liberal. Em Schleirmacher a religiãose transfere para a esfera do sentimento. Nele, a religiosidade não é ciência nem ação,mas sim, uma determinação do sentimento e da autoconsciência imediata, a essência detoda e qualquer religiosidade, invariavelmente, reside no fato de que todos nóscompreendemos que, de alguma forma, temos uma relação com Deus. O homem, ao se dar contade si e do universo, desperta para a interdependência estabelecida entre ambos; daí que,a racionalidade cede seu lugar à intuição e ao sentimento, que são vias possibilitadorasdo alcance de Deus por parte do homem. Ao teólogo, por sua vez, cabe estudar a origem dareligião e da história dos dogmas, subjetividade e história são, em Schleiermacher,conceitos fundamentais e, porque não dizer, alicerces para a teologia liberal que apartir dele se desenvolve.

2.3. Georg G. F. Hegel (1770-1831)

Hegel compreende que a religião é um dos três momentos da dinâmica dialética doabsoluto por isso difere apenas em forma da filosofia e da arte. A autoconsciência doEspírito absoluto na religião se realiza imaginavelmente, ao passo que, na filosofia, sedá de forma conceitual ou especulativa e, na arte, pela intuição sensível, deste modo, opensamento hegeliano, opõe-se de forma crítica ao de Schleiermacher. A religião épensamento, razão, assim como a filosofia, só que, na religião, o pensamento se dá naforma de imagem, símbolos e metáforas. Em Hegel a religião cristã encontra nova forçapara se projetar rumo à secularização. Para Hegel, Jesus Cristo é concebido como ummoralista, praticante aperfeiçoado da moral e do imperativo categórico. Para Hegel,encarnação e a redenção não passam de dogmas (...) “símbolos da realização completa daautoconsciência divina concretizada dialeticamente no espírito humano através da negação”. (MONDIN, 1979-80,p. 10).

2.4. Ludwig Feuerbach (1804-1872)

Em Feuerbach, Deus é produto do homem, a religião cristã é dissolvida nahipostatização das necessidades humanas, o homem é visto como o criador da idéia deDeus, deste modo a idéia não cria seu idealizador, muito pelo contrário, foi o homemquem criou a idéia de Deus, logo, O criou. Deus é então criado para ser aquele Paiperfeito capaz de proporcionar segurança ao homem num mundo em constante instabilidade.Deus é o ser ultraperfeito, representação de tudo aquilo que o homem almeja se tornar enunca consegue atingir. A idéia de “reino de Deus”, e sua perspectiva de uma vidaeterna, nada mais é do que uma espécie de projeção da vida ideal que o homem gostaria deviver na sua realidade terrestre.

2.5. Friedrich W. Nietzsche (1844 -1900)

Com a proclamação da morte de Deus atestou a supressão total da teologia, pormeio dos argumentos filosóficos. Suas conclusões são muito equivalentes às de Feuerbach,diferindo apenas na metodologia utilizada, neste caso, a da filosofia histórica.

2.6. Davi Strauss (1808-1874)

Strauss compreende a vida e obra de Jesus como um mito desenvolvido de formaquase consciente por parte de seus discípulos. A divindade de Cristo é negada, bem comoo valor de seu sacrifício salvífico: sua paixão e morte.

2.7. Fernando C. Baur (1792-1860)

Baur compreende o Novo Testamento a partir do conceito Hegeliano do “contínuotransforma-se de desenvolve-se da idéia Universal através da série indefinida de teses eantíteses que desembocam na síntese conclusiva”.

2.8. Albrecht Ritschl (1822-1899)

De certo modo, Ritschl, liberta a religião cristã de influências filosóficas ereligiosas da Antigüidade reduzindo-a, em sua doutrina, a tudo que se refere à fé emDeus como Pai de Jesus Cristo. Procurou apresentar um conhecimento da religião cristã deforma clara e acessível para todos buscando anular seus aspectos cerimoniais. Atravésdesta concepção histórico-crítica profunda pretendia salvaguardar a genuína concepção doEvangelho de toda e qualquer forma de misticismo, quer pietista ou romântico, bem comodo catolicismo.

2.9. Adolf von Harnack (1851-1930)

Harnack foi considerado o maior representante do protestantismo liberal, estegrande historiador do cristianismo primitivo, ganhou renome a partir de sua obra A Históriados Dogmas. Adepto do método histórico-crítico, Harnack, que também desenvolveuimportante trabalho de cunho teológico, acreditava que o método histórico, enquantoferramenta do teólogo, é indispensável à interpretação da revelação bíblica. Para oreferido teólogo e historiador, a interpretação científica da Bíblia é a única realmenteviável.

Algumas conclusões de Harnack merecem destaque:

1. Os dogmas teriam sido fruto da helenização do cristianismo;2.Os milagres teriam sido produto da mentalidade mágica e supersticiosa dos primeiros discípulos.Muito embora, possa parecer estranho Harnack era um cristão ativo e piedoso,

embora pouco dogmático; não era adepto nem do radicalismo cientificista, nem tão pouco, do pietismo. Sua fé cristã era bastante firme apesar das convicções quanto ao método histórico-crítico.

OBS. Este período da história da teologia também é conhecida como a vaga secularizada.

3. DEUS NA TEOLOGIA LIBERAL

Na visão fundamentalista, Deus se encontra transcendente em relação ao mundomaterial, Contudo, pode manifestar-se de forma imanente por meio de atos miraculosos eoutros especiais de revelação. Esta posição é oposta quando comparada com a visão doliberalismo onde Deus pode se encontrar presente em todas as manifestações vitais e nãoem raras aparições espetaculares; deste modo, Deus opera por meio da dinâmica das leisnaturais e de mudanças progressivas. Na teologia liberal não há manifestação natural dealgo que aconteça no mundo de modo que outros fatos possam ser compreendidos comosobrenaturais, antes, na teologia liberal tudo que existe é compreendido como ação deDeus, isto é, daquele que age “em e através” de tudo que existe. Deste modo, Deus, seevidencia no mundo por meio do nascimento de qualquer criança, portanto o argumentofundamentalista de que o nascimento virginal de Jesus é um fato Divino, ou seja,transcendente no humano, se torna completamente descartável e desnecessário, chegando aser um verdadeiro transtorno à razão; deste modo podemos concluir que na teologialiberal, de modo geral, Deus é compreendido tanto como sendo imanente quantotranscendente.

Admiti-se assim, que Deus, na visão da teologia liberal, é igualmentetranscendente e imanente, deste modo, compreende-se que Ele não está limitado aos diquesdo universo material, muito embora, transcendendo a esses limites, como espírito, sejaimanente e, enquanto essência do espírito, transcendente ao plano natural. Desta forma,entendemos que Deus é espírito e essência do espírito, assim como o homem, pela suaessência, transcende a si mesmo.

Analisando a visão liberal quanto à doutrina da criação, podemos deduzir que estadoutrina não é desprezada no âmbito desta teologia, antes é utilizada como conceitoelucidativo no tocante à questão da imanência de Deus. Nesta visão, Deus não baixou docéu a terra para finalizar sua criação, antes esteve a trabalhar durante eras,construindo, a partir das leis naturais, o universo no qual vivemos e cuja consciênciada grandeza do mesmo nos causa admiração. Partindo deste conceito de Deus como operadorno universo e na vida do homem, compreendemos, na visão da teologia liberal, que Deus éum Deus humanizado; não no sentido de que o homem possa ser como Deus, mas antesaceitando o fato de que Deus detém características espirituais consideradas, no caráterhumano, como sendo boas.

Quando compreendemos o conceito de “Reino de Deus” como um conceito ultrapassado e,principalmente, desgastado em períodos da história, como, por exemplo, no feudalismo,entendemos, conforme a visão de alguns teólogos liberais, que este conceito poderia serreinterpretado, em nosso contexto atual, como “Democracia de Deus”. Deste modo, Deus navisão liberal é entendido como um Deus que deve certas satisfações aos homens que podemrequerer diante d’Ele que lhe sejam assegurados seus direitos inalienáveis.

Quanto à revelação, na teologia liberal, de modo geral, se admite que Deusrevelou-se de modo mais convincente na Bíblia e na pessoa de Jesus Cristo, muito embora

há os que consideram o próprio homem como sendo extensão da revelação de Deus, destemodo outras religiões podem dispor desta revelação, que, neste caso, não seria umaexclusividade do cristianismo. Contudo, os liberais são unânimes quanto ao entendimentode que a revelação deverá submeter-se aos critérios da razão e da experiência.

Considerando as questões acerca da deidade da Jesus, podemos entender, a partirda teologia liberal, o mestre Galileu não é compreendido aos moldes da interpretaçãonicena do final do IV. Séc.., d.C., na qual Jesus é apresentado como sendo da mesmasubstância de Deus, os liberais entendem essa interpretação avaliando-a em termos decaráter e integridade espiritual, isto é: tendo vivido plenamente à vontade de Deus,Jesus tornou-se um com Ele. (HORDERN, 1974, P. 91).

CONCLUSÃO

A teologia liberal tem ocupado um lugar de destaque como teologia em nossos dias,isto se deve, principalmente, ao fato de que há liberdade de pesquisa e de produção teológica que nela se verificam e possibilitam uma leitura bastante coerente de tudo aquilo que se relaciona ao seu objeto fundamental.

Não se pode tentar responder à pergunta sobre Deus partindo de uma visãopreconceituosa quanto às metodologias empregadas neste empreendimento, tampouco partirde pressupostos puramente dogmáticos; Deus não está relacionado a categorias míticas oulendárias, como no caso dos contos de Aladdin e o tapete voador, ou do Gênio da lâmpada;Deus não pode ser contido dentro de uma garrafa, ou em algum dique dos fracos mecanismosde dominação que os homens criam visando sobrepujar as coisas que o cercam ao seudomínio. Deus não se encontra nos domínios do homem, por isto, o compreendemos, também,a partir do conceito de transcendência que, por si só, já deveria ser suficiente paraderrubar antigos paradigmas quanto à especulação teológica cerca esta temática.

A Teologia Liberal compreende Deus presente em todas as manifestações vitais e,por isto mesmo, sua imanência não é ignorada neste contexto; deste modo Ele se encontraagindo “em e através de” tudo.

Os teólogos liberais buscam resgatar a essência da religião cristã, deste modo,um grande número de questões se tem levantado a partir da teologia tradicionalconservadora que vão de encontro à liberdade metodológica e especulativa empregadas pelateologia liberal.

Temos compreendido que tanto o radicalismo dogmático quanto o liberal representamum perigo quanto ao bom desenvolvimento do conhecimento humano no que se refere àespeculação teológica que é o fundamento para uma vivência salutar da religiosidadehumana.

A teologia liberal busca conhecer a Deus de fato e para isto busca também sedespojar tanto dos temores religiosos quanto da dogmática inquestionável que sedesenvolveu ao longo da história da igreja cristã. Qualquer teologia que tenteperscrutar a Deus com base em conhecimentos e credos anacrônicos, prescindindo de umaperspectiva contemporânea do mundo e do conhecimento histórico-científico que dispomoshoje está fadada ao fracasso. Para navegar nesta vastidão do mar da teologia hoje énecessário um barco equipado com o que há de mais sofisticados; do contrário o naufrágiose tornará óbvio.

Não há mais espaço para aquela idéia antiga de que quanto mais próximo de Deusmais longe da razão, ou da idéia de que quanto mais nos atualizamos ou acompanhamos odesenvolvimento natural da história mais próximo estamos do inferno e da condenaçãodivina. O próprio conceito de reino de Deus precisa ser contextualizado visto que, em nossaépoca, faz mais sentido falarmos em termos de “democracia de Deus” na qual Deus também sedispõe a não oferecer resistência aos direitos inalienáveis do homem, muitoprincipalmente quando este homem, por meio da teologia liberal, alça sua voz proferindoa antiga pergunta ao infinito: Quem é Deus?

REFERÊNCIAS:

BARTH, Karl. Introdução à teologia evangélica. São Leopoldo: Sinodal, 1996.

FABRO, Cornélio. Deus. São Paulo: Herder, 1967.

HENRY, Carl S. H. Fronteiras na teologia: Uma crítica das correntes tendências teológicas. Riode Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1971.

HORDERN, William E. Teologia protestante ao alcance de todos. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1974.

MONDIN, Battista. As teologias do nosso tempo. São Paulo. Paulinas, 1979.

MONDIN, Battista. Os grandes teólogos do século XX, vol. II. São Paulo: Paulinas, 1979-80.

RAMM, B. Dicionário de teologia Contemporânea. Barcelona. Casa Bautista de Publicaciones, 1975.

REALE, Giovanni e ANTISERI, Dario. História da filosofia, vol. III. São Paulo: Paulus, 1991.

GUNDRY, Stanley. Teologia contemporânea. São Paulo: Mundo Cristão, 1983.

UMA VISÃO DE DEUS NA TEOLOGIA LIBERAL

MARCELO SANTOS

Recife2000