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Cartografia de redes na construção do conhecimento e produção de inovação em TIC em um...
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Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia – 14º SNHCT
Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9
CARTOGRAFIA DE REDES NA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO E
PRODUÇÃO DE INOVAÇÃO EM TIC EM UM INSTITUTO DE CIÊNCIA E
TECNOLOGIA BRASILEIRO
Ana Lúcia Lage1
1. Introdução
A produção de inovação em tecnologias de informação e comunicação (TIC) se apresenta
como um campo de possibilidades para o desenvolvimento de competências e apropriação de
conhecimentos voltados à realidade de países periféricos, como o Brasil, a partir de uma visão
emancipatória das perspectivas e epistemologias do Sul (SANTOS, 2006).
Este artigo apresenta aspectos de uma investigação (LAGE PEREIRA, 2013) que teve por
objeto a compreensão da dinâmica dos processos de construção de conhecimento por uma
comunidade epistêmica brasileira que produz inovação em TIC. Assim, debruçou-se sobre os
aspectos contextuais e processuais subjacentes às práticas de colaboração que se articulavam
no cotidiano de produção de soluções de inovação para dispositivos móveis por uma equipe
de projetos em um Instituto de Ciência e Tecnologia credenciado pelo Ministério de Ciência,
Tecnologia e Inovação (MCT&I) para atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) em
TIC, no escopo da Lei de Informática brasileira. Metodologicamente, adotou-se uma
abordagem etnográfica de 18 meses e observou-se no campo uma dinâmica que transcendia o
contexto profissional e se estendia ao âmbito acadêmico e a espaços virtuais, constituindo um
lócus sociocultural onde se articulavam intencionalmente atividades intensivas de
aprendizagem e trabalho, de construção de conhecimento e produção de inovação. A
cartografia e análise de redes que se constituíam no campo permitiu traçar uma rede de redes
de colaboração como forma de organização social. A partir de referenciais da cognição social
e da teoria ator-rede foram analisados os processos de construção de conhecimento por esta
comunidade, o papel da mediação tecnológica nestes processos, e a rede sociotécnica que ai
se constituiu como um território criativo de produção contemporânea de inovação.
Este artigo foca a cartografia das redes de colaboração que se estabeleceram no campo
empírico e se encontra assim estruturado: além da presente introdução, a seção 2 apresenta o
contexto de um Instituto de Ciência e Tecnologia brasileiro, lócus da investigação; a seção 3
apresenta a metodologia de pesquisa; a seção 4 apresenta uma breve descrição do campo e as
redes de colaboração aí estabelecidas; por fim, procede-se a uma conclusão. 1 Universidade Federal da Bahia, Doutorada em Difusão do Conhecimento, pelo programa DMMDC/UFBA e professora nos
Bacharelados Interdisciplinares do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos (IHAC/UFBA)
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2. Contexto: um Instituto de Ciência e Tecnologia (ICT) credenciado pela Lei de
Informática brasileira para Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) em Projetos de
Inovação em Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs)
O Instituto Recôncavo de Tecnologia, entidade privada sem fins lucrativos, credenciada pelo
Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) brasileiro para a execução de P&D em projetos de
inovação pela Lei da Informática, proporcionou-nos a oportunidade do campo empírico de
pesquisa.
Segundo Albuquerque e Bonacelli (2009), institutos de pesquisa são instrumentos
fundamentais para a política científica e tecnológica e têm importante papel nos Sistemas de
Inovação. Os autores esclarecem o papel da Lei de Informática como política de apoio ao
desenvolvimento científico, tecnológico e industrial do país e o seu surgimento no contexto de
fim da reserva de mercado da indústria brasileira de software em 1992, quando o governo cria
uma política de incentivos como estímulo às empresas multinacionais (EMNs) a produzirem
no Brasil. Esta política de incentivos é vinculada, baseia-se na concessão de incentivos fiscais
mediante a realização de investimentos de P&D no país, como forma de capacitação do setor
de TICs nacional. Para fazer jus aos benefícios previstos na Lei de Informática2, as empresas
devem investir, anualmente, em atividades de P&D em TICs, a serem realizadas no país, no
mínimo 5% de seu faturamento bruto no mercado interno. Parte desses investimentos (2,7%)
pode ser feito em projetos realizados internamente na empresa beneficiaria. O restante deve
ser investido em projetos realizados em convênio com centros ou institutos de pesquisa ou
entidades brasileiras de ensino, credenciados pelo Comitê Gestor da Área de Tecnologia da
Informação (Cati), sendo que 0,8% devem necessariamente ser investidos nas regiões Norte e
Nordeste e Centro-Oeste (excetuando-se a Zona Franca de Manaus), como forma de incentivo
ao desenvolvimento regional.
Segundo os autores, o resultado deste movimento estratégico é que, filiais de EMNs
estabelecidas no Brasil adensaram sua rede de P&D, inicialmente por meio de contratos com
institutos públicos de pesquisa e universidades, além de empresas de consultoria, e
posteriormente em novos institutos independentes, de natureza privada, sem fins lucrativos e
2 A Lei da Informática (Lei 8.248/91) foi alterada pela Lei 10.176/01, e subsequentemente pela Lei 11.077/2004, por meio da
qual foram prorrogados até 2019 os benefícios fiscais para a capacitação do setor de TICs. Deve-se enfatizar que o MCT&I
exige que os projetos desenvolvidos sob a égide da Lei de Informática tenham, de fato, potencial de inovação tecnológica, e
exerce controle efetivo sobre este ponto sob a forma de avaliação rigorosa de relatórios anuais minuciosos.
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com figura jurídica própria, que desenvolvem projetos para diferentes clientes. A mudança na
política para a área de informática a partir dos anos 90 trouxe um conjunto de condições
favoráveis para a instalação e ampliação do papel das EMNs, condições que contribuíram
para a construção de uma rede de instituições – particularmente, mas não exclusivamente,
empresas beneficiárias da Lei e institutos de pesquisa privados, resultando na construção de
grande sinergia entre empresas, institutos privados e universidades. A Tabela 1 apresenta
alguns institutos de P&D em TICs em atuação no país, entre os quais, o Instituto Recôncavo
de Tecnologia (IRT)3.
TABELA 1: Institutos privados sem fins lucrativos da Área de TIC em atuação no Brasil
(Fonte: ALBUQUERQUE E BONACELLI, 2009)
Institutos privados
atuantes em P&D em
TI
Principais áreas de atuação Ano de
Fundação
Atlântico Soluções em telecomunicações e TI 2001
Brisa Desenvolvimento de software e sistemas; Consultoria (TI,
Telecom, Gestão Estratégica, E-gov, Projetos de P&D)
1988
Cepedi Certificações técnicas; Projeto, desenvolvimento e segurança de redes; implantação de portais de comércio
eletrônico; gestão de TI e sistemas de informação
2001
CITS P&D, consultoria e educação continuada na área de TI 1992
CESAR Desenvolvimento de software, treinamento e capacitação; tecnologias para ambientes de automação comercial
1996
CPqD Sistemas de software; serviços tecnológicos; redes de telecomunicações; wireless; comunicações ópticas;
certificações; e ensaios e calibrações
1976
Eldorado Desenvolvimento de software e hardware; ensaios e testes de produtos eletrônicos; treinamento e capacitação
profissional; pesquisa e análise de cadeias produtivas;
gestão tecnológica
1997
FIT- Flexonics TI; engenharia de testes; automação e robótica; rfid; análise de falhas de produtos
2003
FITec Desenvolvimento de soluções em software e hardware nos setores de telecomunicações, TI, automação industrial,
energia e governo
1994
Genius Eletrônica de consumo; telecomunicação; multimídia;
desenvolvimento de software
1999
IRT – Instituto
Recôncavo
Desenvolvimento de software; tecnologias de convergência
digital; aplicações educacionais; automatização de testes
2004
Sapentia Desenvolvimento de sistemas de informação para e-gov 2002
SIDI – Samsung Desenvolvimento de software; teste de software; qualidade 2003
Venturus (informat) Desenvolvimento de software para os setores de
telecomunicação fixa e móvel; TI; automação
1995
Von Braun Projeto de microeletrônica; tecnologias sem fio; eletrônicos
e dispositivos; sistemas rfid
2001
3 O Instituto Recôncavo de Tecnologia, credenciado pelo Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) brasileiro para a
pesquisa e o desenvolvimento (P&D) de projetos de inovação pela Lei da Informática, foi fundado em 2004 e é localizado em
Salvador-BA, sendo um dos 5 maiores institutos tecnológicos privados independentes (não vinculado a uma universidade ou
empresa) do país, com cerca de 100 funcionários técnicos especializados, além de uma rede de consultores, tendo cerca de
200 projetos, realizados e em andamento, para mais de 20 clientes, tipicamente empresas das indústrias de Informática e
Telecomunicações, que têm produção industrial em território nacional. Mais informações: http://www.reconcavo.org.br/
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3. Metodologia de pesquisa
A observação do fazer cotidiano, do modo de produzir sistemas de computação nesta
instituição de pesquisa aplicada na busca de soluções inovadoras para a indústria de
informática e telecomunicações, enquanto colaboradora e participante desta equipe de
projetos, levou à constatação da existência de uma rica dinâmica de construção de
conhecimento – uma dinâmica de trocas e de trânsito de ideias que transcendiam o contexto
da comunidade profissional local, ampliando-o e tecendo um conjunto interrelacionado de
elaborações e produções formais e informais, não apenas na esfera local como nas esferas
acadêmicas e das comunidades virtuais em que os participantes desta comunidade se inseriam.
A estratégia metodológica de pesquisa adotada no campo foi predominantemente qualitativa e
de cunho etnográfico, tendo sido acrescida por um estudo de análise de redes que forneceu
uma inscrição em forma de cartografia das relações entre os atores sujeitos de pesquisa em
uma rede complexa, que entrelaçava quatro redes: a rede de projetos; a rede acadêmica; a rede
de coautoria; e a rede virtual. Alem disto, buscou-se rastrear a rede sociotécnica que se
articulava, descrevendo-se um projeto de inovação da sua concepção à produção de patente.
O trabalho de campo durou pouco mais de um ano e meio. A captura de informações
relevantes no campo deu-se na observação participante, no convívio diário com a equipe de
projeto, em atividades cotidianas (reuniões, discussões, trocas de ideias, apresentações de
resultados parciais ou finais), executadas durante a produção de artefatos científico-
tecnológicos, incluindo: a concepção e validação de novos conceitos, de arquiteturas de
software; a produção de código de programação e de interfaces de aplicações para diversas
plataformas computacionais (computadores pessoais, servidores e dispositivos móveis); a
pesquisa de soluções e de patentes correlatas; a elaboração de relatórios técnicos, de testes de
usabilidade, de relatórios descritivos de patentes de invenção e de artigos científicos.
Tais observações foram documentadas com anotações e registros textuais e/ou audiovisuais de
certo número de atividades, e acrescidas pela análise documental: de registros de informações
de projetos nos sistemas informacionais organizacionais; de filiações acadêmica e de
produções conjuntas no sistema de currículo lattes do CNPq; de registros em espaços virtuais
na web obtidos a partir de pesquisas usando máquinas de busca na internet e de observação
participante, visando identificar a participação dos sujeitos da pesquisa em alguns ambientes
virtuais. As informações obtidas em tais registros foram objeto de validação e de
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levantamento complementar junto aos sujeitos da pesquisa, em conversas cotidianas e,
posteriormente em algumas entrevistas individuais.
O segundo momento da pesquisa - a análise das informações de campo - requereu um
afastamento do campo, de certo modo facilitado pela conclusão dos projetos. Nesta etapa,
foram feitas ainda algumas entrevistas complementares. A percepção, então, é de que o
campo de pesquisa estendia-se da prática das atividades para o registro de memória que se
tinha delas.
4. Uma breve descrição do campo e as redes de colaboração estabelecidas
No campo empírico, encontrou-se uma equipe de projetos, reunida em torno do objetivo
profissional de produzir soluções de inovação para dispositivos móveis em um Instituto de
Ciência e Tecnologia, composta por 33 profissionais de Ciências da Computação e áreas
correlatas (Sistemas de Informação, Design Gráfico Industrial, Engenharia Elétrica e
Engenharia Mecatrônica), uma equipe predominantemente masculina (28 homens e 5
mulheres), jovem, com idade média de 26-27 anos, e diversos níveis de formação e
experiência – graduandos, graduados, especialistas, mestres, doutores – atuando em diferentes
funções – estagiários, programadores, analistas de sistemas, arquitetos de software, designers
de interface, consultores especializados, líderes e coordenador de projeto.
A maioria dos membros desta equipe participava simultaneamente de comunidades
acadêmicas, como estudantes, professores, ou ambos. Eram graduandos, alunos de cursos de
especialização ou MBAs, mestrandos e doutorandos que perseguiam uma formação
continuada e que, na medida em que avançavam na formação, optavam em muitos casos por
ensinar na academia. Isto gerava uma rede de relações fortes entre os membros da
comunidade, pois ocorria que professores e orientadores compartilhavam o ambiente de
trabalho profissional com colegas, alunos e orientandos, o que lhes permitia uma rica troca e
trânsito de ideias entre os espaços profissionais e acadêmicos, que favorecia o enriquecimento
das produções em ambos os espaços, a identificação de oportunidades em termos de
potenciais projetos profissionais de desenvolvimento tecnológico e de potenciais temas de
pesquisa acadêmica, além de representar um incentivo à produção de artigos científicos.
Tal rede favorecia a inserção dos novatos no mundo profissional, já que estagiários e novos
talentos eram identificados pelos profissionais que atuavam simultaneamente na academia.
Para os novos, o instituto de pesquisa tecnológica oferecia a oportunidade de desenvolvimento
profissional, mas tal desenvolvimento demandava requalificação contínua, o que podia
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significar uma volta à academia. A interrelação estabelecida realimentava os dois ambientes.
Esta simbiose (que ocorre em maior ou menor grau em outras instituições) era constituinte
para ambas as comunidades, profissional e acadêmica, oferecendo a elas meios de evolução,
renovação e perpetuação.
De início, a equipe era composta de 3 doutores, 3 mestres (2 doutorandos), 2 especialistas, 11
graduados (2 mestrandos, 2 alunos de MBA), e 14 graduandos. Entre eles, 2 professores
orientadores e 12 orientandos. Após os 18 meses de pesquisa, eles eram 4 doutores, 3 mestres
(2 doutorandos), 2 MBAs, 2 especialistas (1 mestrando), 13 graduados (4 mestrandos), e 9
graduandos. Entre eles, 3 orientadores e 17 orientandos.
A rede acadêmica – que associa atores aos programas acadêmicos stricto sensu e lato sensu a
que são afiliados, sejam os atores diplomados, estudantes, ou ainda professores nestes
programas acadêmicos – é obtida com o uso do aplicativo Gephi e ilustrada na Figura 1. A
rede é formada por dois tipos de nós: participantes/atores e programas acadêmicos. É
constituída por 33 atores (nós em vermelho) com filiações a 36 diferentes programas
acadêmicos (nós em amarelo), no total. Uma conexão é estabelecida entre cada ator e os
programas acadêmicos a que são afiliados (gerando uma rede de 2-modos). Triangularizações
caracterizam ligações entre orientadores e seus respectivos orientandos, fazendo da rede
acadêmica uma rede híbrida, na qual as conexões se estabelecem entre nós de diferentes tipos
(participante-programa), e também entre nós do mesmo tipo (entre participantes).
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FIGURA 1: Rede Acadêmica (ao final da investigação) (LAGE PEREIRA, 2013)
O foco de trabalho dos sujeitos de pesquisa eram atividades de P&D em soluções de inovação
em TIC, sob a forma de motores funcionais e/ou aplicativos para smartphones e tablets, que,
em alguns casos, justificavam a geração de patentes. A equipe executou um total de 24
projetos para um único cliente – uma empresa multinacional de dispositivos móveis, tendo
sido depositadas 7 patentes, 6 delas reconhecidas como tal, até julho/2013.
A rede de projetos, que associa atores aos projetos em que participam como membros da
equipe de projeto, é ilustrada na Figura 2, e é constituída pelos 33 participantes da equipe (nós
em vermelho) e por 24 projetos (nós em azul) em que participaram, concluídos ou em
execução entre janeiro de 2010 e julho de 2011.
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FIGURA 2: Rede de Projetos evidenciando grau de conectividade dos nós (LAGE PEREIRA, 2013)
As atividades conjuntas, acadêmicas e profissionais, deram origem a produções e publicações
em coautoria. Estas se constituíam a partir de uma rede de orientação, de coautoria em artigos,
e de coautoria em patentes.
A rede de coautoria associa atores a publicações conjuntas, sejam artigos científicos
publicados, sejam patentes ou registros de software, sejam monografias, dissertações ou teses
de doutorado, nas quais orientador e orientando, sejam membros da comunidade estudada. A
rede de orientação incluiu 16 atores (3 orientadores, representados por nós de maior tamanho
e cor diferenciada, e 14 orientandos, sendo 1 ator, simultaneamente, orientador e orientando) e
10 trabalhos concluídos (uma tese, uma dissertação e oito trabalhos de conclusão de curso),
além 7 em andamento (uma tese, duas dissertações, um TCC, um projeto de iniciação
científica, duas participações em projeto da FAPESB). A rede de coautoria abrange ainda 12
artigos publicados e 2 artigos submetidos a periódicos internacionais, derivados do trabalho
desenvolvido em projetos técnicos realizados pela equipe. Além de 6 patentes internacionais
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depositadas no USPTO (United States Patent and Trade Office) e um pedido de patente em
tramitação até julho de 2013.
A rede de coautoria completa é constituída de 23 sujeitos de pesquisa e um total de 30
produções acadêmicas, bibliográficas e técnicas conjuntas concluídas e publicadas. A rede de
coautoria colapsada (de 1-modo), ilustrada na Figura 3, relaciona atores que sejam coautores
nestas produções bibliográficas, acadêmicas ou técnicas.
FIGURA 2: Rede de Coautoria (de 1-modo) (LAGE PEREIRA, 2013)
O modo de fazer epistêmico desta equipe, fortemente influenciado pela natureza da atividade
que exerciam e do seu produto final, determinava o uso extensivo e intensivo de dispositivos
computacionais e da internet. O que influenciava a ampla participação destes indivíduos em
atividades na web, seja na prática diária de buscarem informações para manterem-se
atualizados com as novidades da área técnica, seja em pesquisa de soluções de mercado
correlatas para suportar análises de viabilidade ou análises comparativas de usabilidade dos
produtos em desenvolvimento, seja na busca de soluções para problemas operacionais em
fóruns que discutem temas em torno de hardware e ferramental de desenvolvimento de
software, seja na interação com pares em comunidades virtuais centradas em focos de
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interesses comuns aos profissionais de computação, seja no contato com seus pares, colegas
ou outros profissionais da área, em redes sociais digitais.
As atividades dos membros do grupo na web não se limitavam à busca de informações. Cada
pessoa, ao seu modo, tinha uma atuação em comunidades virtuais na internet, com
participação mais ou menos ativa em fóruns especializados em software, hardware e
dispositivos móveis, em práticas de engenharia de software, design gráfico ou metodologias
de gerenciamento de projetos de TI, em comunidades de software livre, em eventos online
voltados para novas tecnologias, em redes sociais digitais e outros ambientes da web social.
Nestes ambientes virtuais produziam e consumiam informação mais ou menos relevante.
Trocavam mensagens, publicavam textos, comentários, fotos e vídeos em blogs e redes
sociais, relacionavam informações a mapas ou coordenadas georreferenciadas, consultavam e
eventualmente alimentavam sistemas de referências online e de reputação na web
(folksonomias), típicos em diversas comunidades virtuais. O uso de dispositivos móveis com
acesso à internet e diversos outros aplicativos e serviços, motivado a princípio pela natureza
dos projetos tecnológicos desenvolvidos, foi-se ampliando e tornou-se parte de rotinas que
extrapolavam o ambiente de trabalho, à medida que os membros da equipe adquiriam
smartphones e tablets para uso pessoal, estendendo a relação dos atores com estes
dispositivos, da posição de desenvolvedores para também a de efetivos usuários finais.
Estas atividades na internet poderiam, à primeira vista, parecer errâncias desarticuladas da
produção de conhecimento técnico, científico ou acadêmico. No entanto, na web estas pessoas
também participavam de redes com enfoque profissional ou acadêmico, buscavam referências
e publicações, interagiam com seus pares, faziam cursos à distância em universidades abertas,
contribuíam com a construção colaborativa ferramentas de software livre, postavam reflexões
e divulgavam informações que julgavam pertinentes ou interessantes, pesquisavam soluções
correlatas às inovações que desenvolviam, pesquisavam e submetiam artigos acadêmicos,
patentes e outras produções de relevância técnica ou científica para publicação em veículos
especializados. As suas atividades e produções alimentavam e eram alimentadas por
atividades e produções de outras pessoas em rede na rede internet, caracterizando interações
intencionais com o propósito de construção de conhecimento.
A rede virtual associa atores às suas participações em comunidades virtuais na web, sejam
comunidades de software livre, fóruns de suporte a hardware e software, repositórios de
código aberto, sites de notícias em tecnologia computacional e assuntos correlatos, portais de
periódicos acadêmicos e bibliotecas digitais em sites de entidades profissionais e acadêmicas,
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sites de eventos que ocorrem simultaneamente de modo presencial e on-line, universidades
abertas, redes sociais e outros espaços virtuais.
A análise da rede virtual evidencia as muitas conexões estabelecidas em espaços virtuais pelos
participantes e a pervasividade da web em suas diversas atividades. Como estas participações
eram muito numerosas e as mais diversas, optou-se por categorizar estes espaços virtuais e
relacionar, para cada categoria, os sites mais frequentados. A Tabela 12 relaciona os sujeitos
de pesquisa e suas participações em ambientes virtuais categorizados em: 1) máquinas de
busca (Google); 2) webmail (Gmail) e recursos de chat associados (GTalk); 3) redes sociais
(Facebook, Twitter, YouTube, GBuzz, Google+); 4) fóruns de tecnologia (Java Bahia,
Android Developers, GoogleLabs); 5) repositórios de código aberto (StackOverFlow, GitHub,
SourceForge); 6) comunidades de software livre (PSL, PSL-BA); 7) sites de notícias em
novas tecnologias de informação e comunicação (Gizmodo, TecnoBlog, AndroidBlog,
MacMagazine, Info); 8) lojas virtuais de aplicativos para dispositivos móveis (Android
Market, iTunes, Chrome Store); 9) aplicativos móveis ‘em nuvem’ que utilizam a web
(Dropbox, Evernote, Instagram, GMaps, Waze); 10) plataforma lattes; 11) portal de
periódicos CAPES e bibliotecas digitais (ACM, IEEE); 12) repositórios de patentes (INPI,
USPTO) ou portais de busca de patentes (IP.com, PatentsOnLine); 13) Cursos online
(Coursera, MIT OpenCourseWare); 14) eventos simultaneamente presenciais e online
(Campus Party, TED).
A Figura 4 ilustra a rede virtual estabelecida no campo empírico, sendo os participantes (nós
em vermelho, interiores) associados às categorias de espaços virtuais (nós em cinza,
exteriores) em que transitavam.
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FIGURA 3: Rede Virtual (de 1-modo) (LAGE PEREIRA, 2013)
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A rede resultante da superposição da rede acadêmica, da rede de projetos, da rede de
coautoria e da rede virtual é uma rede complexa heterogênea. Aqui o conceito de
heterogeneidade não é associado à tipificação dos atores como nós da rede e sim à
caracterização da rede superposta, dada pela multiplicidade de tipos de nós e laços da rede
resultante, a saber: os diferentes tipos de nós são atores, programas acadêmicos, projetos,
publicações conjuntas e comunidades virtuais; os diferentes laços são afiliação aos mesmos
programas acadêmicos, participação conjunta em projetos, coautoria em publicações,
participação nas mesmas comunidades virtuais.
5. Conclusão
Neste ‘laboratório’, a tessitura de uma rede complexa (profissional, acadêmica, de coautoria,
virtual), evidencia um transbordamento de fronteiras com a ordem externa. A análise das
redes de colaboração identificadas no campo permite obter uma cartografia visual das
relações entre os sujeitos da pesquisa em suas participações simultâneas nas diferentes
comunidades, profissional, acadêmica, de coautoria e virtual. O interesse da cartografia visual
das relações é, enquanto inscrição, ser um veículo material de circulação de informações
sobre estas relações, tornando-as comensuráveis (LATOUR, 2010), e enquanto elemento
mediador, facilitar a compreensão da realidade do campo por um leitor externo, já que as
imagens são eloquentes em retratar a densidade e complexidade de laços construídos pelos
sujeitos em diferentes espaços de construção de conhecimento e produção de inovação.
A análise das redes identificadas no campo evidencia uma profusão de associações em um
emaranhado de redes. A multiplicidade das relações estabelecidas pelos participantes em
diferentes espaços (profissional, acadêmico, virtual) e a profusão de produções significativas
conjuntas (artigos científicos, trabalhos acadêmicos coproduzidos pelo orientando e
orientador/co-orientador na conclusão de cursos de graduação e pós-graduação, provas de
conceito, protótipos, aplicativos e projetos de interface, testes de usabilidade, patentes)
demonstram a um só tempo, a complexidade da coordenação e a efetividade da construção de
conhecimento e da produção de inovação em rede por esta comunidade.
O estudo evidencia uma amostra do potencial de inventividade e de produção de pesquisa e
inovação em TIC por profissionais brasileiros, mesmo fora dos grandes centros, o que deveria
ser um estímulo ao fortalecimento de instituições e políticas públicas de CT&I no Brasil.
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Referências
ALBUQUERQUE, Marconi; BONACELLI, Maria Beatriz M. Contribuições dos institutos de
pesquisa privados sem fins lucrativos do setor de TICs ao desenvolvimento da C&T no
Brasil: uma analise a partir do uso dos incentivos da Lei de Informática. In: Parcerias
Estratégicas, vol. 14 n.28 pp. 195-218. Brasília-DF, jan-jun 2009.
KNORR CETINA, Karin. Epistemic Cultures: How the Sciences Make Knowledge.
Cambridge: Harvard University Press. 1999.
LAGE PEREIRA, Ana Lúcia. A Rede como Espaço Multirreferencial de Aprendizagem:
Construção do conhecimento na produção de inovação em TIC em um Instituto de Ciência e
Tecnologia brasileiro. Tese de Doutorado. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2013.
LATOUR, Bruno. Reassembling the Social: an introduction to Actor-Network-Theory.
Oxford, New York: Oxford University Press, 2005, 2007.
LATOUR, Bruno. Redes que a Razão Desconhece: laboratórios, bibliotecas, coleções. In:
Andre Parente (org.). Tramas da Rede. Porto Alegre: Editora Sulina, 2013.
SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo. Para uma nova cultura política.
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