Cartografia de redes na construção do conhecimento e produção de inovação em TIC em um...

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Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia 14º SNHCT Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais UFMG 08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9 CARTOGRAFIA DE REDES NA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO E PRODUÇÃO DE INOVAÇÃO EM TIC EM UM INSTITUTO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA BRASILEIRO Ana Lúcia Lage 1 1. Introdução A produção de inovação em tecnologias de informação e comunicação (TIC) se apresenta como um campo de possibilidades para o desenvolvimento de competências e apropriação de conhecimentos voltados à realidade de países periféricos, como o Brasil, a partir de uma visão emancipatória das perspectivas e epistemologias do Sul (SANTOS, 2006). Este artigo apresenta aspectos de uma investigação (LAGE PEREIRA, 2013) que teve por objeto a compreensão da dinâmica dos processos de construção de conhecimento por uma comunidade epistêmica brasileira que produz inovação em TIC. Assim, debruçou-se sobre os aspectos contextuais e processuais subjacentes às práticas de colaboração que se articulavam no cotidiano de produção de soluções de inovação para dispositivos móveis por uma equipe de projetos em um Instituto de Ciência e Tecnologia credenciado pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCT&I) para atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) em TIC, no escopo da Lei de Informática brasileira. Metodologicamente, adotou-se uma abordagem etnográfica de 18 meses e observou-se no campo uma dinâmica que transcendia o contexto profissional e se estendia ao âmbito acadêmico e a espaços virtuais, constituindo um lócus sociocultural onde se articulavam intencionalmente atividades intensivas de aprendizagem e trabalho, de construção de conhecimento e produção de inovação. A cartografia e análise de redes que se constituíam no campo permitiu traçar uma rede de redes de colaboração como forma de organização social. A partir de referenciais da cognição social e da teoria ator-rede foram analisados os processos de construção de conhecimento por esta comunidade, o papel da mediação tecnológica nestes processos, e a rede sociotécnica que ai se constituiu como um território criativo de produção contemporânea de inovação. Este artigo foca a cartografia das redes de colaboração que se estabeleceram no campo empírico e se encontra assim estruturado: além da presente introdução, a seção 2 apresenta o contexto de um Instituto de Ciência e Tecnologia brasileiro, lócus da investigação; a seção 3 apresenta a metodologia de pesquisa; a seção 4 apresenta uma breve descrição do campo e as redes de colaboração aí estabelecidas; por fim, procede-se a uma conclusão. 1 Universidade Federal da Bahia, Doutorada em Difusão do Conhecimento, pelo programa DMMDC/UFBA e professora nos Bacharelados Interdisciplinares do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos (IHAC/UFBA)

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CARTOGRAFIA DE REDES NA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO E

PRODUÇÃO DE INOVAÇÃO EM TIC EM UM INSTITUTO DE CIÊNCIA E

TECNOLOGIA BRASILEIRO

Ana Lúcia Lage1

1. Introdução

A produção de inovação em tecnologias de informação e comunicação (TIC) se apresenta

como um campo de possibilidades para o desenvolvimento de competências e apropriação de

conhecimentos voltados à realidade de países periféricos, como o Brasil, a partir de uma visão

emancipatória das perspectivas e epistemologias do Sul (SANTOS, 2006).

Este artigo apresenta aspectos de uma investigação (LAGE PEREIRA, 2013) que teve por

objeto a compreensão da dinâmica dos processos de construção de conhecimento por uma

comunidade epistêmica brasileira que produz inovação em TIC. Assim, debruçou-se sobre os

aspectos contextuais e processuais subjacentes às práticas de colaboração que se articulavam

no cotidiano de produção de soluções de inovação para dispositivos móveis por uma equipe

de projetos em um Instituto de Ciência e Tecnologia credenciado pelo Ministério de Ciência,

Tecnologia e Inovação (MCT&I) para atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) em

TIC, no escopo da Lei de Informática brasileira. Metodologicamente, adotou-se uma

abordagem etnográfica de 18 meses e observou-se no campo uma dinâmica que transcendia o

contexto profissional e se estendia ao âmbito acadêmico e a espaços virtuais, constituindo um

lócus sociocultural onde se articulavam intencionalmente atividades intensivas de

aprendizagem e trabalho, de construção de conhecimento e produção de inovação. A

cartografia e análise de redes que se constituíam no campo permitiu traçar uma rede de redes

de colaboração como forma de organização social. A partir de referenciais da cognição social

e da teoria ator-rede foram analisados os processos de construção de conhecimento por esta

comunidade, o papel da mediação tecnológica nestes processos, e a rede sociotécnica que ai

se constituiu como um território criativo de produção contemporânea de inovação.

Este artigo foca a cartografia das redes de colaboração que se estabeleceram no campo

empírico e se encontra assim estruturado: além da presente introdução, a seção 2 apresenta o

contexto de um Instituto de Ciência e Tecnologia brasileiro, lócus da investigação; a seção 3

apresenta a metodologia de pesquisa; a seção 4 apresenta uma breve descrição do campo e as

redes de colaboração aí estabelecidas; por fim, procede-se a uma conclusão. 1 Universidade Federal da Bahia, Doutorada em Difusão do Conhecimento, pelo programa DMMDC/UFBA e professora nos

Bacharelados Interdisciplinares do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos (IHAC/UFBA)

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2. Contexto: um Instituto de Ciência e Tecnologia (ICT) credenciado pela Lei de

Informática brasileira para Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) em Projetos de

Inovação em Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs)

O Instituto Recôncavo de Tecnologia, entidade privada sem fins lucrativos, credenciada pelo

Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) brasileiro para a execução de P&D em projetos de

inovação pela Lei da Informática, proporcionou-nos a oportunidade do campo empírico de

pesquisa.

Segundo Albuquerque e Bonacelli (2009), institutos de pesquisa são instrumentos

fundamentais para a política científica e tecnológica e têm importante papel nos Sistemas de

Inovação. Os autores esclarecem o papel da Lei de Informática como política de apoio ao

desenvolvimento científico, tecnológico e industrial do país e o seu surgimento no contexto de

fim da reserva de mercado da indústria brasileira de software em 1992, quando o governo cria

uma política de incentivos como estímulo às empresas multinacionais (EMNs) a produzirem

no Brasil. Esta política de incentivos é vinculada, baseia-se na concessão de incentivos fiscais

mediante a realização de investimentos de P&D no país, como forma de capacitação do setor

de TICs nacional. Para fazer jus aos benefícios previstos na Lei de Informática2, as empresas

devem investir, anualmente, em atividades de P&D em TICs, a serem realizadas no país, no

mínimo 5% de seu faturamento bruto no mercado interno. Parte desses investimentos (2,7%)

pode ser feito em projetos realizados internamente na empresa beneficiaria. O restante deve

ser investido em projetos realizados em convênio com centros ou institutos de pesquisa ou

entidades brasileiras de ensino, credenciados pelo Comitê Gestor da Área de Tecnologia da

Informação (Cati), sendo que 0,8% devem necessariamente ser investidos nas regiões Norte e

Nordeste e Centro-Oeste (excetuando-se a Zona Franca de Manaus), como forma de incentivo

ao desenvolvimento regional.

Segundo os autores, o resultado deste movimento estratégico é que, filiais de EMNs

estabelecidas no Brasil adensaram sua rede de P&D, inicialmente por meio de contratos com

institutos públicos de pesquisa e universidades, além de empresas de consultoria, e

posteriormente em novos institutos independentes, de natureza privada, sem fins lucrativos e

2 A Lei da Informática (Lei 8.248/91) foi alterada pela Lei 10.176/01, e subsequentemente pela Lei 11.077/2004, por meio da

qual foram prorrogados até 2019 os benefícios fiscais para a capacitação do setor de TICs. Deve-se enfatizar que o MCT&I

exige que os projetos desenvolvidos sob a égide da Lei de Informática tenham, de fato, potencial de inovação tecnológica, e

exerce controle efetivo sobre este ponto sob a forma de avaliação rigorosa de relatórios anuais minuciosos.

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com figura jurídica própria, que desenvolvem projetos para diferentes clientes. A mudança na

política para a área de informática a partir dos anos 90 trouxe um conjunto de condições

favoráveis para a instalação e ampliação do papel das EMNs, condições que contribuíram

para a construção de uma rede de instituições – particularmente, mas não exclusivamente,

empresas beneficiárias da Lei e institutos de pesquisa privados, resultando na construção de

grande sinergia entre empresas, institutos privados e universidades. A Tabela 1 apresenta

alguns institutos de P&D em TICs em atuação no país, entre os quais, o Instituto Recôncavo

de Tecnologia (IRT)3.

TABELA 1: Institutos privados sem fins lucrativos da Área de TIC em atuação no Brasil

(Fonte: ALBUQUERQUE E BONACELLI, 2009)

Institutos privados

atuantes em P&D em

TI

Principais áreas de atuação Ano de

Fundação

Atlântico Soluções em telecomunicações e TI 2001

Brisa Desenvolvimento de software e sistemas; Consultoria (TI,

Telecom, Gestão Estratégica, E-gov, Projetos de P&D)

1988

Cepedi Certificações técnicas; Projeto, desenvolvimento e segurança de redes; implantação de portais de comércio

eletrônico; gestão de TI e sistemas de informação

2001

CITS P&D, consultoria e educação continuada na área de TI 1992

CESAR Desenvolvimento de software, treinamento e capacitação; tecnologias para ambientes de automação comercial

1996

CPqD Sistemas de software; serviços tecnológicos; redes de telecomunicações; wireless; comunicações ópticas;

certificações; e ensaios e calibrações

1976

Eldorado Desenvolvimento de software e hardware; ensaios e testes de produtos eletrônicos; treinamento e capacitação

profissional; pesquisa e análise de cadeias produtivas;

gestão tecnológica

1997

FIT- Flexonics TI; engenharia de testes; automação e robótica; rfid; análise de falhas de produtos

2003

FITec Desenvolvimento de soluções em software e hardware nos setores de telecomunicações, TI, automação industrial,

energia e governo

1994

Genius Eletrônica de consumo; telecomunicação; multimídia;

desenvolvimento de software

1999

IRT – Instituto

Recôncavo

Desenvolvimento de software; tecnologias de convergência

digital; aplicações educacionais; automatização de testes

2004

Sapentia Desenvolvimento de sistemas de informação para e-gov 2002

SIDI – Samsung Desenvolvimento de software; teste de software; qualidade 2003

Venturus (informat) Desenvolvimento de software para os setores de

telecomunicação fixa e móvel; TI; automação

1995

Von Braun Projeto de microeletrônica; tecnologias sem fio; eletrônicos

e dispositivos; sistemas rfid

2001

3 O Instituto Recôncavo de Tecnologia, credenciado pelo Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) brasileiro para a

pesquisa e o desenvolvimento (P&D) de projetos de inovação pela Lei da Informática, foi fundado em 2004 e é localizado em

Salvador-BA, sendo um dos 5 maiores institutos tecnológicos privados independentes (não vinculado a uma universidade ou

empresa) do país, com cerca de 100 funcionários técnicos especializados, além de uma rede de consultores, tendo cerca de

200 projetos, realizados e em andamento, para mais de 20 clientes, tipicamente empresas das indústrias de Informática e

Telecomunicações, que têm produção industrial em território nacional. Mais informações: http://www.reconcavo.org.br/

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3. Metodologia de pesquisa

A observação do fazer cotidiano, do modo de produzir sistemas de computação nesta

instituição de pesquisa aplicada na busca de soluções inovadoras para a indústria de

informática e telecomunicações, enquanto colaboradora e participante desta equipe de

projetos, levou à constatação da existência de uma rica dinâmica de construção de

conhecimento – uma dinâmica de trocas e de trânsito de ideias que transcendiam o contexto

da comunidade profissional local, ampliando-o e tecendo um conjunto interrelacionado de

elaborações e produções formais e informais, não apenas na esfera local como nas esferas

acadêmicas e das comunidades virtuais em que os participantes desta comunidade se inseriam.

A estratégia metodológica de pesquisa adotada no campo foi predominantemente qualitativa e

de cunho etnográfico, tendo sido acrescida por um estudo de análise de redes que forneceu

uma inscrição em forma de cartografia das relações entre os atores sujeitos de pesquisa em

uma rede complexa, que entrelaçava quatro redes: a rede de projetos; a rede acadêmica; a rede

de coautoria; e a rede virtual. Alem disto, buscou-se rastrear a rede sociotécnica que se

articulava, descrevendo-se um projeto de inovação da sua concepção à produção de patente.

O trabalho de campo durou pouco mais de um ano e meio. A captura de informações

relevantes no campo deu-se na observação participante, no convívio diário com a equipe de

projeto, em atividades cotidianas (reuniões, discussões, trocas de ideias, apresentações de

resultados parciais ou finais), executadas durante a produção de artefatos científico-

tecnológicos, incluindo: a concepção e validação de novos conceitos, de arquiteturas de

software; a produção de código de programação e de interfaces de aplicações para diversas

plataformas computacionais (computadores pessoais, servidores e dispositivos móveis); a

pesquisa de soluções e de patentes correlatas; a elaboração de relatórios técnicos, de testes de

usabilidade, de relatórios descritivos de patentes de invenção e de artigos científicos.

Tais observações foram documentadas com anotações e registros textuais e/ou audiovisuais de

certo número de atividades, e acrescidas pela análise documental: de registros de informações

de projetos nos sistemas informacionais organizacionais; de filiações acadêmica e de

produções conjuntas no sistema de currículo lattes do CNPq; de registros em espaços virtuais

na web obtidos a partir de pesquisas usando máquinas de busca na internet e de observação

participante, visando identificar a participação dos sujeitos da pesquisa em alguns ambientes

virtuais. As informações obtidas em tais registros foram objeto de validação e de

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levantamento complementar junto aos sujeitos da pesquisa, em conversas cotidianas e,

posteriormente em algumas entrevistas individuais.

O segundo momento da pesquisa - a análise das informações de campo - requereu um

afastamento do campo, de certo modo facilitado pela conclusão dos projetos. Nesta etapa,

foram feitas ainda algumas entrevistas complementares. A percepção, então, é de que o

campo de pesquisa estendia-se da prática das atividades para o registro de memória que se

tinha delas.

4. Uma breve descrição do campo e as redes de colaboração estabelecidas

No campo empírico, encontrou-se uma equipe de projetos, reunida em torno do objetivo

profissional de produzir soluções de inovação para dispositivos móveis em um Instituto de

Ciência e Tecnologia, composta por 33 profissionais de Ciências da Computação e áreas

correlatas (Sistemas de Informação, Design Gráfico Industrial, Engenharia Elétrica e

Engenharia Mecatrônica), uma equipe predominantemente masculina (28 homens e 5

mulheres), jovem, com idade média de 26-27 anos, e diversos níveis de formação e

experiência – graduandos, graduados, especialistas, mestres, doutores – atuando em diferentes

funções – estagiários, programadores, analistas de sistemas, arquitetos de software, designers

de interface, consultores especializados, líderes e coordenador de projeto.

A maioria dos membros desta equipe participava simultaneamente de comunidades

acadêmicas, como estudantes, professores, ou ambos. Eram graduandos, alunos de cursos de

especialização ou MBAs, mestrandos e doutorandos que perseguiam uma formação

continuada e que, na medida em que avançavam na formação, optavam em muitos casos por

ensinar na academia. Isto gerava uma rede de relações fortes entre os membros da

comunidade, pois ocorria que professores e orientadores compartilhavam o ambiente de

trabalho profissional com colegas, alunos e orientandos, o que lhes permitia uma rica troca e

trânsito de ideias entre os espaços profissionais e acadêmicos, que favorecia o enriquecimento

das produções em ambos os espaços, a identificação de oportunidades em termos de

potenciais projetos profissionais de desenvolvimento tecnológico e de potenciais temas de

pesquisa acadêmica, além de representar um incentivo à produção de artigos científicos.

Tal rede favorecia a inserção dos novatos no mundo profissional, já que estagiários e novos

talentos eram identificados pelos profissionais que atuavam simultaneamente na academia.

Para os novos, o instituto de pesquisa tecnológica oferecia a oportunidade de desenvolvimento

profissional, mas tal desenvolvimento demandava requalificação contínua, o que podia

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significar uma volta à academia. A interrelação estabelecida realimentava os dois ambientes.

Esta simbiose (que ocorre em maior ou menor grau em outras instituições) era constituinte

para ambas as comunidades, profissional e acadêmica, oferecendo a elas meios de evolução,

renovação e perpetuação.

De início, a equipe era composta de 3 doutores, 3 mestres (2 doutorandos), 2 especialistas, 11

graduados (2 mestrandos, 2 alunos de MBA), e 14 graduandos. Entre eles, 2 professores

orientadores e 12 orientandos. Após os 18 meses de pesquisa, eles eram 4 doutores, 3 mestres

(2 doutorandos), 2 MBAs, 2 especialistas (1 mestrando), 13 graduados (4 mestrandos), e 9

graduandos. Entre eles, 3 orientadores e 17 orientandos.

A rede acadêmica – que associa atores aos programas acadêmicos stricto sensu e lato sensu a

que são afiliados, sejam os atores diplomados, estudantes, ou ainda professores nestes

programas acadêmicos – é obtida com o uso do aplicativo Gephi e ilustrada na Figura 1. A

rede é formada por dois tipos de nós: participantes/atores e programas acadêmicos. É

constituída por 33 atores (nós em vermelho) com filiações a 36 diferentes programas

acadêmicos (nós em amarelo), no total. Uma conexão é estabelecida entre cada ator e os

programas acadêmicos a que são afiliados (gerando uma rede de 2-modos). Triangularizações

caracterizam ligações entre orientadores e seus respectivos orientandos, fazendo da rede

acadêmica uma rede híbrida, na qual as conexões se estabelecem entre nós de diferentes tipos

(participante-programa), e também entre nós do mesmo tipo (entre participantes).

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FIGURA 1: Rede Acadêmica (ao final da investigação) (LAGE PEREIRA, 2013)

O foco de trabalho dos sujeitos de pesquisa eram atividades de P&D em soluções de inovação

em TIC, sob a forma de motores funcionais e/ou aplicativos para smartphones e tablets, que,

em alguns casos, justificavam a geração de patentes. A equipe executou um total de 24

projetos para um único cliente – uma empresa multinacional de dispositivos móveis, tendo

sido depositadas 7 patentes, 6 delas reconhecidas como tal, até julho/2013.

A rede de projetos, que associa atores aos projetos em que participam como membros da

equipe de projeto, é ilustrada na Figura 2, e é constituída pelos 33 participantes da equipe (nós

em vermelho) e por 24 projetos (nós em azul) em que participaram, concluídos ou em

execução entre janeiro de 2010 e julho de 2011.

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FIGURA 2: Rede de Projetos evidenciando grau de conectividade dos nós (LAGE PEREIRA, 2013)

As atividades conjuntas, acadêmicas e profissionais, deram origem a produções e publicações

em coautoria. Estas se constituíam a partir de uma rede de orientação, de coautoria em artigos,

e de coautoria em patentes.

A rede de coautoria associa atores a publicações conjuntas, sejam artigos científicos

publicados, sejam patentes ou registros de software, sejam monografias, dissertações ou teses

de doutorado, nas quais orientador e orientando, sejam membros da comunidade estudada. A

rede de orientação incluiu 16 atores (3 orientadores, representados por nós de maior tamanho

e cor diferenciada, e 14 orientandos, sendo 1 ator, simultaneamente, orientador e orientando) e

10 trabalhos concluídos (uma tese, uma dissertação e oito trabalhos de conclusão de curso),

além 7 em andamento (uma tese, duas dissertações, um TCC, um projeto de iniciação

científica, duas participações em projeto da FAPESB). A rede de coautoria abrange ainda 12

artigos publicados e 2 artigos submetidos a periódicos internacionais, derivados do trabalho

desenvolvido em projetos técnicos realizados pela equipe. Além de 6 patentes internacionais

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depositadas no USPTO (United States Patent and Trade Office) e um pedido de patente em

tramitação até julho de 2013.

A rede de coautoria completa é constituída de 23 sujeitos de pesquisa e um total de 30

produções acadêmicas, bibliográficas e técnicas conjuntas concluídas e publicadas. A rede de

coautoria colapsada (de 1-modo), ilustrada na Figura 3, relaciona atores que sejam coautores

nestas produções bibliográficas, acadêmicas ou técnicas.

FIGURA 2: Rede de Coautoria (de 1-modo) (LAGE PEREIRA, 2013)

O modo de fazer epistêmico desta equipe, fortemente influenciado pela natureza da atividade

que exerciam e do seu produto final, determinava o uso extensivo e intensivo de dispositivos

computacionais e da internet. O que influenciava a ampla participação destes indivíduos em

atividades na web, seja na prática diária de buscarem informações para manterem-se

atualizados com as novidades da área técnica, seja em pesquisa de soluções de mercado

correlatas para suportar análises de viabilidade ou análises comparativas de usabilidade dos

produtos em desenvolvimento, seja na busca de soluções para problemas operacionais em

fóruns que discutem temas em torno de hardware e ferramental de desenvolvimento de

software, seja na interação com pares em comunidades virtuais centradas em focos de

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interesses comuns aos profissionais de computação, seja no contato com seus pares, colegas

ou outros profissionais da área, em redes sociais digitais.

As atividades dos membros do grupo na web não se limitavam à busca de informações. Cada

pessoa, ao seu modo, tinha uma atuação em comunidades virtuais na internet, com

participação mais ou menos ativa em fóruns especializados em software, hardware e

dispositivos móveis, em práticas de engenharia de software, design gráfico ou metodologias

de gerenciamento de projetos de TI, em comunidades de software livre, em eventos online

voltados para novas tecnologias, em redes sociais digitais e outros ambientes da web social.

Nestes ambientes virtuais produziam e consumiam informação mais ou menos relevante.

Trocavam mensagens, publicavam textos, comentários, fotos e vídeos em blogs e redes

sociais, relacionavam informações a mapas ou coordenadas georreferenciadas, consultavam e

eventualmente alimentavam sistemas de referências online e de reputação na web

(folksonomias), típicos em diversas comunidades virtuais. O uso de dispositivos móveis com

acesso à internet e diversos outros aplicativos e serviços, motivado a princípio pela natureza

dos projetos tecnológicos desenvolvidos, foi-se ampliando e tornou-se parte de rotinas que

extrapolavam o ambiente de trabalho, à medida que os membros da equipe adquiriam

smartphones e tablets para uso pessoal, estendendo a relação dos atores com estes

dispositivos, da posição de desenvolvedores para também a de efetivos usuários finais.

Estas atividades na internet poderiam, à primeira vista, parecer errâncias desarticuladas da

produção de conhecimento técnico, científico ou acadêmico. No entanto, na web estas pessoas

também participavam de redes com enfoque profissional ou acadêmico, buscavam referências

e publicações, interagiam com seus pares, faziam cursos à distância em universidades abertas,

contribuíam com a construção colaborativa ferramentas de software livre, postavam reflexões

e divulgavam informações que julgavam pertinentes ou interessantes, pesquisavam soluções

correlatas às inovações que desenvolviam, pesquisavam e submetiam artigos acadêmicos,

patentes e outras produções de relevância técnica ou científica para publicação em veículos

especializados. As suas atividades e produções alimentavam e eram alimentadas por

atividades e produções de outras pessoas em rede na rede internet, caracterizando interações

intencionais com o propósito de construção de conhecimento.

A rede virtual associa atores às suas participações em comunidades virtuais na web, sejam

comunidades de software livre, fóruns de suporte a hardware e software, repositórios de

código aberto, sites de notícias em tecnologia computacional e assuntos correlatos, portais de

periódicos acadêmicos e bibliotecas digitais em sites de entidades profissionais e acadêmicas,

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sites de eventos que ocorrem simultaneamente de modo presencial e on-line, universidades

abertas, redes sociais e outros espaços virtuais.

A análise da rede virtual evidencia as muitas conexões estabelecidas em espaços virtuais pelos

participantes e a pervasividade da web em suas diversas atividades. Como estas participações

eram muito numerosas e as mais diversas, optou-se por categorizar estes espaços virtuais e

relacionar, para cada categoria, os sites mais frequentados. A Tabela 12 relaciona os sujeitos

de pesquisa e suas participações em ambientes virtuais categorizados em: 1) máquinas de

busca (Google); 2) webmail (Gmail) e recursos de chat associados (GTalk); 3) redes sociais

(Facebook, Twitter, YouTube, GBuzz, Google+); 4) fóruns de tecnologia (Java Bahia,

Android Developers, GoogleLabs); 5) repositórios de código aberto (StackOverFlow, GitHub,

SourceForge); 6) comunidades de software livre (PSL, PSL-BA); 7) sites de notícias em

novas tecnologias de informação e comunicação (Gizmodo, TecnoBlog, AndroidBlog,

MacMagazine, Info); 8) lojas virtuais de aplicativos para dispositivos móveis (Android

Market, iTunes, Chrome Store); 9) aplicativos móveis ‘em nuvem’ que utilizam a web

(Dropbox, Evernote, Instagram, GMaps, Waze); 10) plataforma lattes; 11) portal de

periódicos CAPES e bibliotecas digitais (ACM, IEEE); 12) repositórios de patentes (INPI,

USPTO) ou portais de busca de patentes (IP.com, PatentsOnLine); 13) Cursos online

(Coursera, MIT OpenCourseWare); 14) eventos simultaneamente presenciais e online

(Campus Party, TED).

A Figura 4 ilustra a rede virtual estabelecida no campo empírico, sendo os participantes (nós

em vermelho, interiores) associados às categorias de espaços virtuais (nós em cinza,

exteriores) em que transitavam.

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FIGURA 3: Rede Virtual (de 1-modo) (LAGE PEREIRA, 2013)

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A rede resultante da superposição da rede acadêmica, da rede de projetos, da rede de

coautoria e da rede virtual é uma rede complexa heterogênea. Aqui o conceito de

heterogeneidade não é associado à tipificação dos atores como nós da rede e sim à

caracterização da rede superposta, dada pela multiplicidade de tipos de nós e laços da rede

resultante, a saber: os diferentes tipos de nós são atores, programas acadêmicos, projetos,

publicações conjuntas e comunidades virtuais; os diferentes laços são afiliação aos mesmos

programas acadêmicos, participação conjunta em projetos, coautoria em publicações,

participação nas mesmas comunidades virtuais.

5. Conclusão

Neste ‘laboratório’, a tessitura de uma rede complexa (profissional, acadêmica, de coautoria,

virtual), evidencia um transbordamento de fronteiras com a ordem externa. A análise das

redes de colaboração identificadas no campo permite obter uma cartografia visual das

relações entre os sujeitos da pesquisa em suas participações simultâneas nas diferentes

comunidades, profissional, acadêmica, de coautoria e virtual. O interesse da cartografia visual

das relações é, enquanto inscrição, ser um veículo material de circulação de informações

sobre estas relações, tornando-as comensuráveis (LATOUR, 2010), e enquanto elemento

mediador, facilitar a compreensão da realidade do campo por um leitor externo, já que as

imagens são eloquentes em retratar a densidade e complexidade de laços construídos pelos

sujeitos em diferentes espaços de construção de conhecimento e produção de inovação.

A análise das redes identificadas no campo evidencia uma profusão de associações em um

emaranhado de redes. A multiplicidade das relações estabelecidas pelos participantes em

diferentes espaços (profissional, acadêmico, virtual) e a profusão de produções significativas

conjuntas (artigos científicos, trabalhos acadêmicos coproduzidos pelo orientando e

orientador/co-orientador na conclusão de cursos de graduação e pós-graduação, provas de

conceito, protótipos, aplicativos e projetos de interface, testes de usabilidade, patentes)

demonstram a um só tempo, a complexidade da coordenação e a efetividade da construção de

conhecimento e da produção de inovação em rede por esta comunidade.

O estudo evidencia uma amostra do potencial de inventividade e de produção de pesquisa e

inovação em TIC por profissionais brasileiros, mesmo fora dos grandes centros, o que deveria

ser um estímulo ao fortalecimento de instituições e políticas públicas de CT&I no Brasil.

Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia – 14º SNHCT

Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG

08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9

Referências

ALBUQUERQUE, Marconi; BONACELLI, Maria Beatriz M. Contribuições dos institutos de

pesquisa privados sem fins lucrativos do setor de TICs ao desenvolvimento da C&T no

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Estratégicas, vol. 14 n.28 pp. 195-218. Brasília-DF, jan-jun 2009.

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Construção do conhecimento na produção de inovação em TIC em um Instituto de Ciência e

Tecnologia brasileiro. Tese de Doutorado. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2013.

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Porto: Afrontamento, 2006. São Paulo: Editora Cortez, 2006 (2ª edição)